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AULAS DO ANO DE 1991

Aulas de janeiro de 1991.

AULAS DE JANEIRO DE 1991. ESTE BLOCO AINDA NÃO FOI REVISADO APÓS A
DIGITAÇÃO FEITA PELA MÁRCIA.

ASTROCARACTEROLOGIA AULA 37 SÃO PAULO, 10 JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO:


HENRIETE AP. DA FONSECA FITAS I E II

O texto que vamos estudar nesta aula é de importância central para a resolução de muitos
enigmas relativos ao método da astrocaracterologia. Praticamente tudo aquilo que discutidos a
respeito de método, buscando comparações no campo de algumas ciências para podermos
elaborar um método próprio, será retomado agora à luz das idéias de Max. Talvez tenha sido
Weber o maior metodólogo da ciência de maneira mais pura o que é quem vem a ser um cientista,
um sábio. Um homem incorruptível do ponto de vista intelectual, cuja obra abarca praticamente
toda a cultura mundial do seu tempo.
Em relação ao método, podemos dizer que o trabalho de Weber é aceito até hoje como parâmetro
no mundo científico. “Apesar de muitas realizações, Weber não deixou um escala. Talvez se
possa atribuir isso, em parte, ao fato de que sua má saúde lhe impediu uma carreira normal de
ensino em instituições do mais letivo e, em parte, ao fato de que a obra madura de Weber foi
publicada (postumamente) em uma Alemanha encarada com suspeita, especialmente no campo
das idéias sociais. A ausência de uma escola Weberiana também reflete o fato de que semelhante
desdobramento não interessou ao próprio Weber. De acordo com as normas da ciência e do
estudo, ele procurava a verdade, e não seguidores.”
Não lidaremos aqui com o Weber sociólogo, mas, antes, com o filósofo, com o metodologista das
ciências. Mesmo tratando de questões que julgaremos especializadas, restritas a certas áreas da
ciência, o pensamento de Weber tem um alcance sobre toda a cultura ocidental moderna; somos
weberianos sem saber, a forma mentis deste homem foi determinante para criar o nosso perfil
atual. Assim se conhecer a si mesmas, é bom conhecermos as idéias que entraram tão
profundamente no subsolo da nossa cultura. No que diz respeito ao estudo do fenômeno da
influência astral, quanto à questão de que tipo de ciência caberia para resolvê-lo, vamos encontrar
em Weber, a resolução de quase 80% do enigma. Karl Jasper dizia de Weber: “Este homem não
tem uma filosofia”, tentaremos então absolver da melhor forma estas lições lembrando que
nenhum estudo de metodologia, para qualquer fim, será sério sem tudo o que vermos adiante.
1. Método Naturalista e Método Histórico
1. “A reflexão epistemológica de Max Weber tem por base a disputa metodológica que dividiu os
universitários alemãs no fim do século XIX.
O objeto do litígio relaciona-se com o estatuto das ciências humanas: seria preciso reduzi-las às
ciências da natureza, ou, ao contrário, afirmar sua autonomia?
[ Dos partidários da autonomia, ] uns, e entre eles Dilthey, acharam que o fundamento da
classificação [ das ciências em dois grupos ] seria a diferença de objeto, com base na distinção
entre o reino da natureza e o do espírito, ou da história.
Outros, entre os quais Windelband e Rickert, rejeitaram o fracionamento da realidade, e
propuseram um fundamento lógico: a diversidade dos métodos constituiria o princípio da
classificação: o sábio procura conhecer as relações gerias ou leis, ou então o fenômeno em sua
singularidade. Haveria desta forma duas espécies de métodos principais: um que se pode chamar
generalizante; e o outro, individualizante. Daí resultam duas categorias fundamentais de ciências,
que Windelband chama nomotéticas e idiográficas, e Rickert, ciência da natureza e ciência da
cultura”.
Aqui entramos num tema que nos diz respeito, de maneira muito próxima, que é o fato de que se
existe um grupo de ciências que busca leis, isto é, regularidades que se observa em todos os
fenômenos de uma mesma espécie e outras ciências que se aprofundam na singularidade de um
único fenômeno, parece evidente que uma caracterologia no sentido estrito do termo, deveria
estar incluída neste último tipo de ciência. Vamos ver então as conseqüências que isso tem.
Quando, no século passado, se formou com uma auto-consciência própria o grupo das ciências
humanas, logo surgiu, como na formulação de qualquer ciência, o problema do método. Novas
ciências não surgem pelo aparecimento de novos objetos de ciência, geralmente os objetos
materiais são os mesmos e o que aparecer são novos objetos formais. Com o aparecimento das
ciências o que surge é um no ângulo, ou um novo objeto formal, que se definiu aos olhos do
sábio do século XIX à medida em que eles perceberam que este não podia, de maneira alguma,
unilateralmente pelos métodos das ciências naturais, ou seja, que o homem comportava um algo
mais que os enfoques da ciência natural e mesmo das antigas ciências humanas (História,
Política, etc) não bastavam para abarcar, que havia algo de específico e de particular no
fenômeno humano que requeria um olhar diferente.
Este problema é formulado por Wilhelm Dilthey que coloca uma diferença objetiva -- de
constituição ontológica entre o mundo natural e o mundo humano, ou mundo cultural, ou, ainda,
do espírito, como ele chamava. Tal diferença vinha do fato de que os eventos (fenômenos) da
ordem natural sempre ocorriam de acordo com as leis e hierarquizados em gêneros e espécies, de
maneira que ao captar a lei geral que governava uma certa ordem de fenômenos nada mais havia
para ser compreendido ali, desde que cada um deles não seria nada mais do que a repetição do
seu modo, do seu protétipo -- expresso pela lei; no entanto, isso não se dava de maneira alguma,
no mundo cultural porque, a rigor, jamais havia repetição, porém, a formação de certas estruturas
ou totalidades que só poderiam ser compreendidas de modo singular, ou seja, sem nenhuma
esperança de captar leis gerais que governassem o mundo histórico e cultural. Por exemplo, se
pegássemos certos produtos da ação humana, da criatividade, humana, como a constituição de
Atenas, a Divina Comédia ou a Catedral de Notre Dame: mesmo que chegássemos às leis gerais
que governassem esses fenômenos, isso não significaria que nós os tivéssemos compreendido. Só
poderíamos compreendê-los na medida em que penetrássemos no que eles têm de singular e
irrepetível. Por que é que tem valor, importância, para nós a Divina Comédia? Porque ela é única,
não tem outra igual. Isso se aplica às obras de arte, aos eventos históricos, ou seja, o que interessa
nesses eventos não é aquilo que eles têm em comum com outros eventos da mesma espécie, mas,
justamente, a diferença. Dilthey viu uma diferença de natureza entre esses dois mundos e essa
diferença fazia necessária a existências de dois tipos de ciência; ele expressou essa diferença nas
palavras explicar e compreender. Dizia ele que as ciências naturais explicam o fenômeno e que as
ciências culturais não buscam explicar o fenômeno, porém, compreendê-lo.
A explicação consiste em remeter o fenômeno às leis gerais que constituem, ou seja, em catalogá-
los por gênero e espécie. Nas ciências da natureza, quando dizemos que compreendemos um
fenômeno é porque sabemos remetê-los a um princípio geral. Já com o fenômeno do mundo
histórico isso não se dá. Se pegarmos a Divina Comédia e a reduzirmos a leis gerais,
verificaremos duas coisas: primeiro que essas leis gerais não existem; segundo que, mesmo que
conseguíssemos reduzir, nós perderíamos de vista o objeto em si mesmo. De maneira que um
fenômeno da natureza pode ser desdobrado, sem prejuízo, em vários aspectos, sendo cada um
deles remetido a uma lei; porém, no mundo humano é diferente, seu objetivo é a captação da
totalidade da estrutura singular de fenômeno. O que seria compreender a Divina Comédia? Seria
captar a sua organização interna única e irrepetível. Foi assim que Dilthey colocou a questão,
Wildelband e Rickert em seguida concordaram parcialmente com ele no sentido da idéia de que
poderia haver dois tipos de ciência porém discordavam da idéia de que houvesse dois objetos
distintos. Praticamente, Dilthey colocava a natureza e o homem como dois objetos que em si
mesmos são distintos um do outro, não havendo, de maneira alguma, uma passagem entre eles,
mas uma espécie de abismo entre o mundo da intransponível natureza nos ajuda para a
compreensão da história e vice-versa. Wimdelband e Richert notaram, então, que a distinção não
poderia ser entre dois objetos materiais e sim entre dois objetos formais, porque a natureza e o
homem fazem parte do mesmo real, não existindo uma separação rígida mais sim uma infinidade
de fenômenos que estão na fronteira entre natureza e cultura. De qualquer modo, sustentaram a
distinção feita por Dilthey, ela é valida nos termos colocados por ele, somente a razão que a
fundamente deve ser outra. Concordaram no item essencial e divergiram no acessório.
Feitas todas essas distinções, os estudos que empreenderam a partir daí para explicar o mundo
humano, aplicando esses critérios à história, à economia, à história da arte, à sociologia, etc,
legaram ao século XX um conhecimento extremamente precioso. A “escola” de Dilthey,
Windelband e Rickert foi responsável por uma fertilização sem precedentes dos estudos
históricos, antropológicos, etc. O método deu certo até determinado ponto, porém, uma coisa é
um método dar certo, se revelar fértil, e, outra coisa é ele adquirir o estatuto de lei; ou seja, ele
mesmo ser tomado como uma descrição da realidade e foi isto, precisamente, que Weber não
aceitou : a generalização dessas distinções feitas por Dilthey, Windelband e Rickert vai exigir um
“algo mais” e com isto chegamos ao estado atual da discussão.
1.2. “Weber não aceita as condições de Windelband e Rickert. Nada mais contestável do que
reservar um desses métodos a uma série de ciências e o outro a outra série. Ao contrário, qualquer
ciência utiliza, ao sabor das circunstâncias, um e outros desses caminhos. É falso dizer que na
prática as ciências da natureza utilizam exclusivamente o processo naturalístico ou generalizante,
e os da cultura o processo histórico ou individualizante. As primeiras se ocupam de singularidade
(por exemplo, as propriedades particulares de um planeta ou se um tecido) e as outras podem
interessar-se pelo estabelecimento de leis gerais.”
De fato, os dois métodos (generalizante e individualizante) existem, porém, não é verdade que
sejam exclusivos, um, de um grupo de ciências e, outro, de outro grupo de ciências, porque
ambos os tipos de ciência têm usado os dois métodos. Por exemplo, como que as chamadas
ciências generalizantes ou ciências da natureza, poderiam chegar a catalogar os seus objetos e a
reduzir a espécies, gêneros e, finalmente, às leis gerais, se não tivessem preliminarmente feito a
descrição dos objetos um por um, à medida que os encontra? Como poderíamos ter uma ciência
como a filosofia -- que é uma ciência que reduz o funcionamento do organismo, animal ou
humano, a leis gerais --, se não tivéssemos tido, primeiramente, uma ciência totalmente descritiva
como a anatomia? Numa ciência como a mineralogia o trabalho é fundamentalmente descritivo e,
numa ciência como a geografia, como seria? É ciência humana ou natural? Hoje em dia se diz
que é humana, mas não podemos esquecer as razões políticas em tal afirmativa, pois a geografia
não é nem humana nem natural, é, sim, uma ciência mista como a ecologia. O estudo ecológico
aborda a natureza como casa, morada -- do grupo oikos; ecologia é o estudo da casa. Se
encararmos a natureza como nossa casa, estamos estudando a relação do cultural, do humano, isto
é, da nossa ação, com as leis da natureza que nos circunda, vistos esses dois aspectos na unidade
do seu resultado único. A ecologia não poderia caber no esquema de classificação de Dilthey. As
ciências humanas não vivem sem gêneros e espécies, sem criar tipos e sem formular leis de
algum modo e, as ciências da natureza também não vivem sem a apreensão do singular enquanto
tal.
Weber coloca a questão através da impossibilidade de generalização buscando a resolução de
caso, ou seja, ciência por ciência. Em cada uma delas haverá uma mistura e, portanto, uma
dosagem, um padrão de relacionamento entre os dois métodos, que constituirá, por sua vez, o
próprio método de cada ciência. Essa é a primeira lição de Weber: para haver o geral é preciso
haver o específico e para haver o específico é preciso haver o singular. Weber é o homem do caso
e essa mensagem é imorredoura -- antes de formular leis e generalizações vamos estudar caso por
caso e descrevê-los com a paciência. Talvez nosso resultado final não seja tão brilhante, mas será
seguro. Considerações deste tipo estão na base de qualquer ciência que pretenda ser aceita como
tal, mas nunca foram levadas em conta para uma questão enormemente complexa quanto a da
relação entre os homens e os astros. Os astrólogos, há séculos, generalizam, estão aí criando leis.
Qualquer livro de astrologia traz para cada posição planetária uma lei geral, ao mesmo tempo
onde o astrólogo diz ser, cada mapa natal, único e intransferível! Se o astrólogo fornece uma
interpretação para cada posição planetária isto vigora como uma lei porque se repetirá em cada
posição planetária, e se os mapas individuais são descritos apenas por acúmulo de várias
posições, o que há de individual nisto? Teremos apenas uma combinatória feita dentro de um
padrão genérico de leis! Se se precede por aplicações de leis, de princípios gerais da interpretação
que devem valer sempre que as mesmas posições planetárias se repitam, então não temos algo tão
individualizante assim ... Se é, por sua vez, individualizante, então o método deveria ser
puramente descritivo, ou seja, teria que descrever determinado mapa em particular, sem qualquer
referência às leis genéricas da influência astral! Os astrólogos estão, parecem, inconscientes deste
problema e, em astrologia, isto ainda não colocado. Aquele que está inconsciente de um problema
corre grave risco de passar à margem da realidade.
É certo que na vida prática procuramos contornar e até evitar problemas, tentando número
possível, mas, em ciência, não pode ser assim. Em ciência uma consciência do problema, das
contradições, das dificuldades é o requisito número 1 do processo, e se procedo evitando a
consciência das dificuldades seguindo seguro como se tal problema não se colocasse de maneira
nenhuma, então, das duas uma: ou estou cego ou sou um iluminado pela divina Providência e
entendi toda a realidade! A prova, no entanto, de que esta última alternativa não é verdadeira, é
que neste caso, os astrólogos seriam colocados dentro da categoria dos Profetas e, dentre os
Profetas, seriam aquela espécie que acumulam o maior número de profecias falsas, não
realizadas. É preciso dizer que uma espécie profecia não realizada bastaria para desmoralizar um
profeta. Se estudarem as histórias de Moisés, de Maomé, etc, vocês verão que o prestígio que
tinham perante o seu povo vinha do fato de que aquilo que eles diziam que aconteceria,
acontecia, como se estes homens tivessem um misterioso acordo com a natureza das coisas e esse
acordo permitisse que aquilo que rege a estrutura ontológica do mundo regresse, ao mesmo
tempo, a consciência deles, de maneira que os Profetas vêem as coisas como elas são. Justamente,
por causa desta capacidade extraordinária de captar o movimento real das coisas no tempo antes
que esse movimento se manifeste é que dá ao Profeta o prestígio que ele tem e que o torna um
chefe, um governante. Profeta vem de profero, grego, e não quer dizer profetizar no sentido do
que vai acontecer, mas quer dizer mandar acontecer, mandar fazer. O profeta não só é alguém que
anuncia mas alguém que manda fazer e que é obedecido, a história o obedece. Ou seja, quando
anunciavam uma possibilidade mais remota e era justamente essa que dava possibilidade mais
remota e era justamente essa que dava certo, é evidente que isso oferecia uma posição de
prestígio e de comando. Não são apenas os profetas que fazem isso mas, praticamente, todos os
grandes chefes e líderes pelo menos uma vez na vida leram corretamente o futuro. Por exemplo,
quando, depois da França ter sido invadida pela Alemanha na 2a Guerra, o general De Gaulle
percebeu que nem tudo estava perdido porque aquela Guerra iria se mundializar. Os EUA ainda
não tinham entrado na Guerra e o envolvimento da URRS ainda era pequeno, de maneira que
tudo ainda levava a crer que a II Guerra seria como a 1 a : uma guerra entre as potências
européias e todos entendiam, porém, De Gaulle estava certo. Ele captou o movimento real das
coisas.
Um grande líder ou um profeta se errasse quatro, cinco, seis vezes, estaria completamente
desmoralizado, isso, inclusive, se o seu povo não fosse completamente extinto nessa brincadeira!
Dentro da categoria dos profetas os astrólogos não se agüentariam de pé. Não há a menor
conveniência em nos colocarmos nesta categoria. Devemos mais modestamente nos colocar na
categoria dos cientistas, ou seja, daqueles que nada profetizam, que vão com cuidado, fazem as
contas, e que ao invés de agirem pela inspiração do espírito, agem pela prudência da razão e,
talvez, no campo da ciência nós nos saíssemos melhor do que temos nos dado no campo da
profecia. Há uma estória engraçada, a de Jonathan Swift. Ele tinha uma briga com um astrólogo
chamada Partigde, que era um astrólogo muito famoso e cujos livros ainda são estudados pelos
astrólogos de hoje. Jonathan resolveu que também iria profetizar. Distribui um folheto por toda
cidade dizendo: “no dia tal, às tantas horas, o Sr. Partrigde morrerá”. Quando chegou no tal dia,
às tantas horas, distribuiu um folheto pela cidade com os seguintes dizeres: “hoje, a partir das
tantas horas, os senhores verão o Sr. Partridge andando para cá e para lá e conversando com as
pessoas como se estivesse vivo, porém, ele está fazendo isso apenas por uma birra pessoal
comigo”... Então, vejam que não é possível que toda a classe dos astrólogos -- que só em São
Paulo são milhares de pessoas -- seja dotada do dom de profecia. Seria simplesmente uma
loucura, uma inflação de profetas na praça! Seria a época mais brilhante de toda a história
humana! Quantos anos os judeus esperaram para ter um Moisés? Agora, aqui não! Moisés está
brotando do solo... Há algo de errado! Seria preciso que o astrólogo deixasse de ser conduzido,
como Sócrates, pelo seu Daimon e falar tudo que lhe vem à cabeça, deveria se ater mais
modestamente ao exame das dificuldades e, tendo feito isso, logo chegaria ao ponto que estamos
discutindo: a astrologia parece estar numa posição indecisa entre os dois tipos de ciência, não se
tratando, porém, de uma síntese como, por exemplo, no caso, a Ecologia, que é de fato uma
síntese entre o individualizante e o generalizante, entre o natural e o cultural e, isto, porque leva
em conta todas as diferenças entre os dois domínios e compara a ação da cultura sobre a natureza
e a da natureza sobre a cultura. Na astrologia nós passamos rapidamente de um fato natural para
um fato cultural, sem percebermos que pode haver alguma dificuldade nesta passagem. Por
exemplo, nós dizemos que “Saturno está na Casa 4”. O que isto quer dizer? É uma realidade
puramente astronômica, quer dizer que num certo momento Saturno está exatamente abaixo dos
nossos pés, ou seja, está colocado na culminação inferior do céu naquele momento. É a posição
de um corpo celeste e o que isto tem a ver com a cultura, com a psique humana? Em princípio,
nada! No entanto, nós dizemos: “Saturno na Casa 4 faz com que você tenha problemas com a
mamãe”. “Problemas com a mamãe” já não é um evento de ordem natural e sim cultural,
psicológica. Pode ser que exista esta passagem -- aliás, acredito que exista, ou não seria possível
a astrologia -- mas reconheço que tal passagem é problemática. Na hora em que afirmo que
Saturno na Casa 4 resulta em “problemas com a mamãe” ao invés de ter resolvido um problema
científico, criei vários! Não é como na ecologia onde a relação dos aspectos natural e cultural vão
sendo progressivamente descritos em toda a sua complexidade até captar o encadeamento causal
total. O astrólogo pula de um aspecto para o outro sem perceber que pulou. Se encarássemos a
astrologia como uma espécie de ecologia do sistema solar, estaremos no caminho certo. Teria que
ser uma ecologia muito mais complexa do que a terrestre teria que levar em conta todo o
encadeamento e entrelaçamento de causas simultâneas em muitos níveis e planos diferentes,
sendo que tudo isso deveria ser descrito minuciosamente.
Dentro deste mesmo fato --- Saturno na Casas 4 = briga com a mamães -- qual é o papel da parte
natural ou eletroquímica do fenômeno; qual é a parte que poderíamos dizer sociológica, ou seja, a
predisposição para brigas com a mamãe que existe dentro daquele ambiente em função das
normas morais, dos hábitos educacionais, etc? Qual é a parte de um e qual a de outro e como ser
encaixam? Na hora que esse encadeamento estivesse descrito, aí sim estaremos fazendo uma
ecologia do sistema solar, ou seja encaixando a vida humana, psicológica, histórica, social,
política, etc, dentro do seu físico-cósmico, seria uma macro-ecologia que é o que a astrologia tem
que ser. Por enquanto a astrologia se limitou a constatação de fatos, onde uns são verdadeiros,
outros, fictícios. Mas bastaria que uma única posição planetária tivesse, comprovadamente, uma
relação com o fenômeno psicológico para justificar essa ordem de estudos. O tema astrológico é
importante e será difícil fugirmos dele, porém, acreditar que a mera constatação desses
fenômenos vai nos explicar algo é absurdo. Ao contrário, se estará fazendo uma coleção de
enigmas. Estas ciências ditas ocultas, esotéricas, longe de serem mais profundas, são hoje mais
superficiais porque de tudo que compõe uma ciência ela só faz uma das operações: a coleta dos
fenômenos, têm uma abordagem puramente quantitativa. A coleta de fenômenos incapaz de
hierarquizá-los dentro de leis, causas, princípios, etc, é uma investigação em superfície. Essas
ciências só são ocultas no sentido de quanto mais o sujeito estuda, menos ele sabe, menos
enxerga.
3.1. “Nenhum desses métodos possui privilégio ou superioridade em relação ao outro. Fiel ao
espírito da opistemologia Kantian, Weber nega que o conhecimento possa ser uma reprodução ou
uma cópia integral da realidade, tanto no sentido da extensão, como da compreensão. O real é
infinito e inesgotável.
O problema fundamental da teoria do conhecimento é o das relações entre lei e história, entre
conceito e realidade. Qualquer que seja na realidade empírica.
O método generalizante despoja o real de todos os aspectos contigentes e singulares, reduzindo as
diferenças qualitativas a quantidades que podem ser medidas com precisão e podem formar uma
proposição geral de caráter legal. O método individualizante omite os elementos genéricos, a fim
de dirigir sua atenção apenas aos caracteres qualitativos e singularidades dos fenômenos. Um e
outro se afastam da realidade por força das necessidades de conceitualização.”
Kant dizia que dizia que tudo o que nós conhecemos o fazemos com o nosso aparato cognitivo.
Nesse sentido, todo conhecimento é antropomórfico e também seletivo. O importante é saber o
que você está incluindo, isto para que não generalize conclusões para âmbitos onde elas não
valem, ou seja, você delimita a esfera que vai estudar e ela vale dentro daquele conjunto.
Metodologia científica não é nada mais que bom senso generalizado.
4.1. “Sendo o método uma método uma técnica do conhecimento, é comandado pela lei de toda
técnica, ou seja, a eficácia. Tudo depende do fato do sábio: a oportunidade de um processo varia
de acordo com os problemas a resolver. Weber é contrário a todo dogmatismo: a função de um
método é fazer progredir o saber. Não se admite que possa haver um processo ideal e completo *
nem tampouco uma ciência que monopolize definitivamente um campo * : segundo Weber,
podem existir tantas ciências quanto pontos de vista específicos no exame de um problema.
Sendo autônomas todas as ciências, em virtude de seus próprios pressupostos, nenhuma serve de
modelo às outras.”
O texto é claro em si mesmo e dispensa comentários.
2. Qualificação e experiência vivida
2.1. “Com base nessas considerações, Weber submete a uma severa crítica os dois conceitos que,
em sua época (e ainda hoje) se achava comandarem a investigação científica: a quantificação e a
experiência vivida.”
Weber vai expor, de um lado, o que é a quantificação, como é que ela vale enquanto recurso
científico e quais são os seus limites e, de outro lado, o que é experiência vivida e intuicionismo.
Para que serve e quais seus limites.
2.2. “É erro acreditar que não haveria conhecimento científico válido e que não fosse de ordem
quantitativa. A quantificação e a medida são e não são nada mais que processos metodológicos.
Como tais, não poderiam constituir a finalidade da ciência, pois esta finalidade consiste na
verdade para todos os que querem a verdade.
Weber investe, de um lado, contra o prestígio de que desfrutam as matemáticas na teoria
tradicional da ciência e, de outro, contra o simplismo de certos sábios e sociólogos que acreditam
ter realizado uma obra científica pelo fato de haverem traduzido suas observações em números e
equações.
O fato de ter sido o conhecimento matemático cronologicamente o primeiro a alcançar o rigor
científico não lhe confere nenhuma superioridade lógica.
O processo matemático opera, como qualquer outro, uma seleção entre os aspectos da realidade
infinita; só vale, pois, dentro dos limites dos postulados que lhe são próprios, sem jurisdição fora
deles.
Não é verdade que o rigor conceitual só pode ser obtido pela precisão numérica: pode também ser
obra da crítica da racionalização lógica, da exatidão nas observações ou da acuidade da intuição.
Pelo fato de se haverem moldado no cadinho matemático, muitas teorias da ciência acabaram por
entrar em contradição com a experiência do infinito extensivo e intensivo, porque acreditaram
que seria possível deduzir a realidade a partir de conceitos. O que se esquece é que o conceito é
por essência seletivo e que a soma de conceitos, e por conseguinte de seleções, jamais equivalerá
à totalidade do real. O infinito não é uma adição de coisas indefinidas.
Que pode acrescentar o número a fenômenos que se compreendem por si sós? Tudo o que pode
haver é o risco de confusões em problemas que são claros, e de aparência de ciência em trabalhos
que são científicos.
[Embora não seja inconveniente em tirar proveito da quantificação, quando cabível, e embora ele
mesmo, como economista, se utilize dela. Weber crê que]
O importante é fazer a distinção entre uma meditação numérica capaz de ajudar a compreensão e
a moda pseudocientífica que acredita ter resolvido uma dificuldade pelo simples fato de havê-la
vestido de cifras e gráficos.”
Os preceitos metodológicos não têm validade metafísica. Uma coisa é você ter a consciência
metodológica das limitações daquele conhecimento particular que você está buscando, outra
coisa é fazer uma sentença de validade universal sobre as limitações inexoráveis do
conhecimento.
Entre a crença dogmática -- que a crença na veracidade total do conhecimento -- e a posição
cética -- que duvida do valor do conhecimento --, nós aqui não estamos tomando partido nem a
favor de uma e nem de outra; a ênfase de Weber na limitação do conhecimento é uma ênfase
metodológica que não implica de maneira alguma tomada de posição entre essas duas posturas.
Este seria um problema puramente metafísico.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 38 SÃO PAULO, 11 DE JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO: SÍLVIA
GARCIA PINTO JOEL NUNES DOS SANTOS FITA I

“[ Embora não seja inconveniente em tirar proveito da quantificação, quando é cabível, e embora
ele mesmo, como economista, se utilize dela, Weber crê que ] o importante é fazer a distinção
entre uma medição numérica capaz de ajudar a compreensão e a moda pseudocientífica que
acredita ter resolvido uma dificuldade pelo simples fato de havê-la vestido de cifras e gráficos.
3. Outros teóricos acreditam poder dar como fundamento à sociologia e disciplinas afins a
intuição, entendida ora como endopatia ( Einfuhlung), ora como revivescência (Nacherleben), ou
seja, o conhecimento imediato de outrem por uma espécie de introjeção da sua experiência
vivida.”
Endopatia quer dizer “sentir por dentro”, seja num processo de imitação do sentimento, seja por
imitação memorativa (ou revivescência).
“A isso objeta Weber que a intuição pertence à esfera do sentimento e que como tal não é um
conhecimento e que tal não é um conhecimento científico, pois este exige conceitos rigorosos. O
vago do vivido é pessoal, incomunicável e refratário à comprovação. Constitui uma abordagem
estética e não científica da realidade. Além disso, a intuição jamais coincide com a diversidade do
real, [ como ingenuamente imaginam alguns ], pois ela realiza uma seleção.”
Tanto quanto o raciocínio, a intuição também é seletiva. Não pode haver intuição de tudo, por
definição. Este é um ponto que geralmente se esquece quando se fala de intuição. As pessoas
ingenuamente imaginam que a intuição pega um todo, ao passo que a razão fraciona e divide.
Tanto a intuição quanto a razão juntam e separam e neste sentido uma não pode ser privilegiada
em relação à outra. O que podemos divergir de Weber é quanto à sua colocação de que a intuição
pertence ao mundo do sentimento. A intuição nada tem a ver com o sentimento. No sentimento
de endopatia, “sentir por dentro”, sem dúvida é sentimento.
A discussão de nada pode haver conhecimento intuitivo de matérias racionais, podemos deixar
para depois. Tratar-se-ia de intuição intelectual.
Corremos -- ao enfocar intuição e razão -- depois riscos: se o indivíduo vai submeter toda sua
inteligência ao critério da comunicação e da comprovação, está liquidado. Esta atitude, se tomada
não como método científico, mas como atitude gera uma paralisia.
Os sociólogos costumam padecer desta doença -- de fato é disso que se trata -- não conseguem
inteligir, intuir o que quer que seja, a não ser dentro dos esquemas que seriam comprovados por
uma coletividade de cientistas. Isto é ignorar a diferença que existe entre a operação real da
inteligência individual e o modo de verificação admitido pela comunidade científica. Não se pode
pensar individualmente (na vida prática, diária) como uma comunidade científica.
A idéia da comprovação e da verificação sempre é posterior à descoberta. O sujeito não pode
sufocar a sua inteligência, impedir que ela descubra coisas pelo simples fato de que tais coisas
são incertas ou não são verificáveis. Isto resulta no pedantismo, numa paralisia geral da
inteligência. A inteligência individual tem que ousar descobrir. Apenas ela não pode tomar como
certo aquilo. Por outro lado, os critérios admitidos na comunidade científica também mudam e
são suscetíveis de aperfeiçoamento. Portanto, não devem ser tomados como instância terminal.
Conhecemos no meio universitário uma infinidade de pessoas que são capazes de captar uma
evidência intuitiva qualquer, pelo simples fato de não sentirem segurança na medida onde tal
evidência não é comprovável. Isso é transpor para dentro da inteligência individual o que deve
ser uma norma coletiva. É como se, a lei proibindo roubar, o sujeito passasse a considerar que
também é proibido pensar no roubo. Se me proíbo pensar em todas as coisas que a lei condena,
não posso pensar em mais nada, não posso sequer ter opção, ter qualquer alternativa e nesse
sentido não posso desenvolver minha consciência moral. Se jamais penso em roubar, se isto está
completamente fora da possibilidade de ser pensado, então nunca saberei o que é roubo. Podemos
dizer que aquele que nunca teve vontade de roubar não pode compreender a psicologia do ladrão.
Uma coisas é a norma científica externa, outra é o funcionamento da nossa inteligência.
No entanto na nossa intelectualidade (entre paulistas e cariocas), é muito comum tal tipo de
doença. É comum porque o indivíduo toma contato pela primeira vez com a idéia de método e de
conhecimento rigoroso quando entra na universidade e a idéia que recebe já é a idéia de uma
metodologia adaptada à especialidade que estuda. É uma mente imatura que de repente recebe a
exigência de um rigor metodológico especializado e este é o único rigor que ela conhece. O
resultado disso geralmente é desastroso. Não basta saber um método científico e o método da
ciência que se pratica. É preciso que se forme toda a inteligência, que tenha a dimensão da
racionalidade primeiro para depois aprender o método de uma ciência em particular.
O fato de que um conhecimento não possa ser verificado cientificamente não quer dizer que ele
seja falso. A verdade é uma coisa e a prova é outra completamente diferente. É desejável que
exista a prova. A admissão da verdade não deve ser condicionada à prova. Apenas o que é
condicionado é a validação coletiva daquela verdade. Por exemplo, se vi um sujeito matar outro e
sou a única testemunha; e ocorre que também sou bêbado, drogado e bandido, o meu testemunho
não vai ter validação coletiva, ninguém vai acreditar em mim. O bandido, bêbado e drogado sabe
que viu e pode ter a convicção íntima que não é só uma convicção subjetiva, que é uma
convicção objetiva -- ele viu. Mesmo que não tenha meios de provar que viu o que viu. Nunca
podemos abdicar daquilo que sabemos. Porém, um coisa é saber que algo é verdade, outra é dar
estatuto de validade coletiva àquilo. No caso, tem-se que admitir: sei mas não posso provar,
portanto não tem validade científica ainda. Científico não quer dizer verdadeiro não quer dizer
científico. Científico quer dizer uma verdade que passou pelo filtro de um conjunto de regras de
comprovação e de validação e que por assim dizer um valor legal, coletivo.
O método científico não pode admitir a endopatia. Mas o homem, na condição de homem e não
enquanto cientistas, não pode viver, tomar decisões, sem endopatia. Oitenta por cento das
decisões que tomamos na vida diária são baseadas numa apreensão mais ou menos sentimental
das coisas. Se se sufoca isso, a cabeça não funciona mais. É apenas necessário fazer uma
distinção entre o que é a vida individual prática e o que é conhecimento científico. Mais ainda: as
futuras verdades científicas só podem aparecer na nossa mente sob a forma de uma intuição mais
ou menos vaga. Se não posso ter uma intuição mais ou menos vaga. Se não posso ter uma
intuição porque ela não é científica, então simplesmente não tenho o que comprovar
cientificamente depois. Isso resulta do fato de se dar uma formação científica a um homem
inculto -- a crença nesses pressupostos -- pois tudo que o sujeito aprende forma não só sua mente
profissional, mas forma também sua personalidade. Se o único parâmetro recebido são as regras
do método sociológico, por exemplo, estas regras passam a funcionar como regras de conduta,
como regras de escolhas vitais .. em suma, penetra dentro da pessoa, ao invés de ficar fora, como
deveria.
O ponto grave da rejeição do método intuitivo por Weber radica no que diz: a intuição é tão
seletiva quanto qualquer outra modalidade de conhecimento. Se ela é seletiva, então ela tem a
desvantagem de ter por critério de seleção a simples atenção pessoal. Ou seja, o critério de
seleção da intuição é a direção da atenção ( conceito que vamos estudar mais tarde e com muito
cuidado). Por que tenho a intuição disto e não daquilo? É simplesmente porque prestei atenção
nisto e não naquilo. Daí que o critério de seleção da intuição, por válida que ela seja, é sempre
subjetivo, pois não há nenhuma razão para se intuir uma coisa e não outra. Neste sentido, ela não
pode ser aceita como método científico de maneira alguma, ao mesmo tempo que não pode ser
excluída do método científico, pois que chega ao nosso conhecimento chega através da intuição.
Diremos que ela nos dá a matéria do conhecimento; esta matéria adquirirá uma forma racional,
científica, através de outros critérios.
“Longe de reproduzir ou repetir um estado anterior, a consciência intuitiva constitui antes uma
nova experiência vivida original.”
Isso quer dizer que, entre uma experiência vivida por você e a intuição endopática que eu possa
ter disso, na medida em que eu reviva interiormente a sua experiência a sua experiência, existe
uma diferença, não só de tempo mas também uma diferença ontológica: a sua experiência é uma
e a minha é uma nova experiência. A única relação que pode haver entre a experiência de um e a
experiência revivida endopaticamente pelo outro é uma relação de analogia. Entre uma
experiência e a sua revivescência, a relação é muito mais remota do que entre uma coisa e o seu
conceito lógico. O conceito lógico não tem só analogia com a coisa -- tem uma correspondência
estrutural efetiva e sempre igual. De maneira que quando tenho o conceito, estou na verdade mais
próximo do ser do fenômeno do que quando tenho a sua intuição. Esta, a intuição, pode
simbolizar aquele ente, pois tem uma relação analógica e simbólica com o ente; mas pode
simbolizar outra coisa também. O uso da faculdade intuitiva deve, portanto, ser cercada de
cuidados, mas não deve ser sufocada.
Há um livro onde se afirma que a verdade trazida na obra de René Guénon não pode ser aceita
aos pedaços, pedaço por pedaço, pois trata-se de uma verdade que tem que ser apreendida no seu
todo. Porém, uma verdade vivida que só se pode ser aprendida no seu todo só pode ter valor
analógico. Portanto, ela não é uma descrição do real, mas um esquema simbólico, que tem uma
validade estética, analógica. Neste sentido, ela não pode ser dita nem verdadeira nem falsa. Ela
apenas é adequada. Na medida em que tenha uma estrutura interna e abrangente, é uma grande
obra de arte e parece que através dela é possível ver o universo, como é possível fazê-lo através
da Divina Comédia, de Dante. Mas não se pode dizer que a Divina Comédia é verdadeira ou
falsa, pois verdadeiro ou falso são categorias que aplicam a juízos explícitos. Se trata de uma
verdade interna vivida, tem uma veracidade analógica. E o que é analógico é verdadeiro para uns
e falsos para outros. Depende de se compartilhar aquela intuição. Se compartilho, se consigo
sentir, revivenciá- la nos tempos mais ou menos análogos ao que o autor propõe, então passa a ser
verdadeiro para mim. A expressão racional, lógica, dessa veracidade, seria outra. Se fôssemos
dizer assim: “o que existe de verdade na obra de René Guénon? “Teríamos, para responder a tal
questão, que escrever uma outra obra, onde a relação dela com o real não fosse simplesmente
analógica, mas uma relação de conceitos.
Isso não se aplica a toda a obra de R. Guémon, pois há algumas que escapam dessa relação
analógica. Por exemplo, o que ele fala sobre as iniciações, sobre as sociedades secretas, tudo é
um material histórico, portanto tem que ter uma veracidade histórica. E tem certas teses que são
teses filosóficas, por exemplo, quando ele diz: “A lógica é uma ontologia do pensamento. “Isso é
uma tese filosófica, que pode ser verdadeira ou falsa.
Também é preciso ver que uma obra que, deliberadamente, afirma que uma parte dela tem que
permanecer secreta, com isto ela escapa do juízo sobre sua veracidade ou falsidade. É como dizer
a alguém: “vou lhe contar uma história mas não vou contá-la inteira, pois tem uma parte que é
secreta. Como é possível saber se é verdadeira ou falsa a história.
A intuição é, pois, o começo do conhecimento e não pode ser o seu fim. Ela pode ser o critério
com que julgamos o raciocínio e vice-versa. Não existe uma precedência de um sobre o outro. O
critério de veracidade de um longo raciocínio é, primeiro, a sua correção formal; segundo, a
veracidade das suas premissas, a qual só poderá ser conferida ou racionalmente ou
intuitivamente. Por outro lado, qual o critério de veracidade de um conteúdo intuído? Em
primeiro lugar, esse conteúdo intuído em si mesmo não pode ser verdadeiro ou falso. É preciso
que ele seja transformado num juízo, numa sentença a qual, sim será verdadeira ou falsa. O
mundo da intuição é prévio à veracidade ou falsidade.
O método científico é o método de alcançar a verdade e afastar a falsidade, portanto ele não lida
com a intuição, sendo posterior a ela.
A intuição verdadeira pode, outrossim, ser transposta num conceito falso. A intuição, por assim
dizer, é sempre verdadeira. Se vejo um elefante, vi um elefante. Se pergunto se tal existe ou não,
se é real ou não, isso constitui um outro problema que não pode ser resolvido intuitivamente. Isto
depende de categorias e estas fazem parte da razão. A intuição mostra apenas as essências; pela
intuição tomamos conhecimento de uma existência -- que a coisa existe -- mas não tomamos
conhecimento de probabilidade, improbabilidade, anterioridade, posterioridade, se a coisa é
princípio, meio ou fim, se é causa ou conseqüência. Isto é que vai dar as modalidades de
existência e isso não tem como ser percebido pela intuição -- são conceitos que só a razão pode
dar.
Se toda esta operação da razão pode ser realizada intuitivamente, é um outro problema -- acredito
até que sim. Não pode, porém, ser por qualquer um pois dá um grande trabalho. À medida em
que o indivíduo desenvolve o pensamento racional, desenvolve a sua intuição de assuntos
racionais também. Mas a intuição racional não é prova. A prova tem que ser extensiva. Não se
pode considerar provado algo apenas porque se “sacou” que isto é assim. Isto basta para se ter um
convicção pessoal, mas não para funcionar como prova junto a terceiros. Nunca se pode esquecer
que ciência é o que tem validade intersubjetiva entre uma coletividade de pessoas preparadas, que
estudaram o mesmo assunto. Não é possível forçar a própria intuição sobre toda essa gente.
Ninguém é obrigado a intuir o que você intuição. Você pode ter uma intuição pessoal mas não
validá-la como lei. Por outro lado, jamais pode abdicar da intuição, de abdicar de acreditar nela,
pois se assim o fizer, sua cabeça pára. O difícil é a pessoa viver sabendo que ela sabe um monte
de verdades, que essas verdades não são comunicáveis e que ninguém tem obrigação de acreditar
nelas. Para escapar dessa situação incômoda, alguns que não querem mais ter intuição; outros, ao
contrário, proclamam a validade universal da intuição, da sua intuição (como o faz René
Guémon). Se vir algo e negar que vi, sou um covarde e sobretudo cortei o fio de continuidade da
minha inteligência -- o que é um suicídio intelectual. Se eu proclamar a validade universal da
minha intuição -- o fato de eu ter intuído bastar como prova para todos -- então inventei um
princípio tirânico: as pessoas que não tiveram aquela intuição vão ter que se sentir seres
inferiores.
“A experiência vivida nunca é, como tal, um conhecimento científico. Pode vir a sê-lo, com a
condição de se submeter aos imperativos comuns da transformação conceitual, da verificação e
dos demais processos da prova.”
A transformação conceitual é a transformação da intuição num conceito e num juízo, é o dizer o
que a intuição afirma. Por exemplo, Dante viu o céu, Purgatório e Inferno. Este é o conteúdo da
sua intuição. Tal conteúdo vale, quer tudo seja real, quer tudo seja imaginário. Deve-se a seguir
transpor conceitualmente o conteúdo da intuição, condição em que tal conteúdo poderá ser aceito
como verdadeiro -- caso provado -- ou rejeitado como falso -- caso refutado. Mas a intuição em si
mesma não pode ser negada ou aceita como falsa ou verdadeira. Às vezes a transposição é
extremamente difícil. Como quando digo: “vi um elefante! “ Se alguém pergunta o que eu quis
com isso, se o elefante existe, verifico então que o conceito nunca está no mesmo plano da
intuição. Esta pode servir de ponto de apoio, de ponto de partida para o conceito o qual, será
verdadeiro ou falso. A intuição fornece dados, que sempre são verdadeiros mas nada significam
em si mesmos.
Os dados são pré-categoriais, estão antes das categorias. O que é pre-categorial não é nem
verdadeiro nem falso. Como uma dor de estômago psicogênica -- provocada por uma briga com a
mãe, por exemplo: ela é verdadeira num sentido e falsa em outro. Assim como a intuição é
verdadeira num aspecto e falsa sob outro. É preciso sempre escapar de tentar colocar a intuição
como juiz da razão e a razão como juiz da intuição, pois isso é confusão. Ambos são sempre juiz
da intuição, pois isso é confusão. Ambos são sempre juiz um do outro. Nunca se pode operar só
com uma ou outra dessas faculdades -- passamos de uma a outra todo o tempo.
“4. Na base da teoria da quantificação, como na experiência vivida, encontra-se um mesmo
preconceito: O devir físico seria mais racional do que o devir psíquico ou humano.”
Os que defendem a teoria de que para ser verdadeiro tem que ser quantificável e os defendem,
por outro lado, a validade universal da intuição, estão errando no mesmo ponto. Acreditam que
existe um mundo da natureza e das quantidades o qual se rege por critérios racionais; e por outro
lado existe um outro mundo, o mundo humano, psíquico e racional o qual misteriosamente estaria
colocado fora do âmbito da razão. É impossível provar isso, pois não há nenhum motivo para
acreditar que a natureza opere segundo leis mais racionais que a psique humana. A psique
também dentro da natureza, as coisas estão inter- relacionadas e não vale este fracionamento do
real em dois pedaços -- uma parte do real é racional e outra não. Pouco importa se num caso você
valoriza o racional e no outro valoriza o irracional; o que estamos questionando é a divisão
mesma.
“No primeiro caso, acha-se que o irracional é desprezível; no segundo, tenta- se preservar o
irracional. As duas posições fogem à essência da ciência. Por um lado, esta não conhece domínio
reservado e pode em princípio aplicar-se a toda a realidade; nenhum motivo existe, pois se
excluir o irracional do campo da sua investigação.”
Nenhum motivo impede que uma coisa irracional possa ser estuda racionalmente. Isso é
confundir matéria e forma. Por que não pode existir uma ciência racional da demência? Não pode
como aliás tem de ser assim, senão seria o caso de estar confundindo o psiquiatra com o louco.
Mas mesmo que os psiquiatras fossem loucos, a psiquiatria não é a demência. Uma coisa não é
outra. Neste caso, está sendo deduzido, de um traço do objeto, o seu método -- como se uma
coisa irracional só pudesse ser conhecida irracionalmente.
“Por outro lado, não poderia haver duas ciências contraditórias. Que se entende, de modo geral,
pela noção de irracionalidade? A imprevisibilidade e a contingência. Ora, em quê o número de
fragmentos de um bloco de pedra, que tenha caído e se espatifado é mais previsível do que um
ato praticado sob o impulso de uma paixão?”
É só colocar a questão deste jeito para tudo ficar esclarecido: você joga um bloco de pedras para
o alto e tenta calcular em quantos pedaços ele vai dividir, ao cair. Depois, pega um sujeito
violento e o enche de pinga e pergunte: o que ele vai fazer? Basta isso para qual das duas coisas é
mais previsível. Basta isso para saber que a ciência acertou com a quantificação de alguns
aspectos da natureza externa depois de longos séculos de tentativas e erros. Existe um know how
desenvolvido para a quantificação de certos aspectos da natureza, não todos. Nesses onde há
know how, onde há experiência, acerta- se e nos outros, não.
Os outros aspectos humanos, quanto a eles, não existe tanta experiência: a tentativa de estudá-la
racionalmente é recente. Houve tentativa neste sentido com Aristóteles na antigüidade e depois o
interesse por tal estudo esmoreceu. Retomou-se tal interesse no século passado, o que nos dá uns
duzentos anos de experiência quanto a tais aspectos e uns dez mil anos quanto às ciências da
natureza. Nada espantoso que uma esteja melhor do que a outra.
“Podemos porventura prever o tempo que fará daqui a um mês, melhor do que as ações de um
homem?”
Por exemplo, um terremoto pode ser previsto cientificamente no máximo com 2 minutos de
antecedência, o que não dá tempo nem do observador sair correndo do observatório.
“Inversamente, uma ação que, vez definido o fim, utiliza os meios adequados, é tão racional
quanto uma lei geral da física; pode então ser acessível a um saber nomológico.”
Saber nomológico: que formula leis. O que é particularmente evidente na Economia. Na
economia, os indivíduos procuram agir racionalmente: querem obter vantagens, não
desvantagens. Quando dá errado, é porque o sujeito raciocinou errado, seja porque os dados
eram, alguns, falsos, ou por falha do raciocínio. A racionalidade do comportamento se torna
nítida aí, onde a irracionalidade é tida como erro. Há setores onde se faz questão, aparentemente,
da racionalidade. Quando se diz: o sujeito se apaixonou e isso é irracional. Mas o comportamento
do sujeito para conquistar a garota é inteiramente racional. Ele não vai começar por fugir dela,
por nunca mais vê-la. Não há nada de irracional nas atitudes de quem se apaixonou.
O homem é racional em quase tudo que ele faz, pelo menos na sua intenção: ele procura agir
racionalmente, embora nem sempre o consiga. É a mesma coisa que na natureza: ela não acerta
sempre. O número de plantas e de animais disformes, natimortos, o número de aberrações ... Ela
age racionalmente com vistas aos fins, ela se provê dos meios necessários, mas às vezes alguns
meios faltam ou falham. Como para nós também se dá o mesmo: faltam alguns meios,
informações ... Em geral, o procedimento é racional, ainda que possa ter uma motivação
irracional. Mas mesmo esta motivação irracional por sua vez pode ser estudada racionalmente de
nada. Pode haver, sim, ações irracionais, coisas irracionais.
“Entre a possibilidade de prever os fenômenos singulares da natureza e a expectativa das
conseqüências de uma ação humana, não existe diferença de princípio. Também se compreende
outra coisa pelo conceito de irracionalidade: identificamo-lo com o da liberdade da vontade.”
O homem não seria sujeito a estudo racional pelo fato de que ele é livre, de que sua ação é
imprevisível. Este é um raciocínio comum -- o homem tem liberdade, portanto não podemos
reduzi-lo a leis de comportamento. Uma coisa não tem nada a ver com a outra: o fato de uma
ação ser livre não quer dizer que não exista uma consecução perfeitamente racional dos fins
através dos meios adequados. Uma vez decidido livremente, vai-se ter que agir em conseqüência
e para isso se usa a razão. A escolha dos fins não foi operada pela razão. No entanto, ela se apoia
na razão. Qualquer sujeito que escolha livremente um fim é capaz de argumentar em favor dele.
Mesmo que diga: escolhi um fim arbitrário, não nega o precedente. O fato da escolha ser
arbitrária não quer dizer que a coisa em si mesma seja absurda. Você naquele momento não teve
nenhum motivo para decidir isto e não aquilo. Escolheu pelo acaso, então. Nesse caso, escolheu
segundo uma regra de equivalência entre as opções opostas. E isso tem uma estrutura matemática
bastante clara. Não escapamos da estrutura racional em hipótese alguma. A distinção entre o
racional e irracional é uma distinção que vale só psicologicamente e não ontologicamente.
Todo e qualquer conhecimento se baseia na hipótese de que as coisas têm alguma estrutura
racional, todo e qualquer estudo de qualquer coisa. Os atos humanos podem ser em si mesmos
racionais ou irracionais conforme a sua motivação. Mas podemos dizer que mesmo na demência
a razão não está totalmente excluída.
“Também se compreende outra coisa pelo conceito de irracionalidade: identificamo-lo com o da
liberdade da vontade. Na opinião de Weber, esta tese é tão errônea quanto a anterior. A liberdade
humana não é mais irracional do que o determinismo, pois são as ações que temos consciência de
haver executado racionalmente aquelas que fazemos acompanhar do mais alto grau de sentimento
empírico de liberdade.”
Isso tem dois aspectos: por que um mundo rigidamente encadeado a leis de causa e efeito e que
prossegue implacavelmente o desenrolar das conseqüências, seria em si mesmo mais racional do
que o mundo onde haja uma certa liberdade de opção? Em que uma dessas coisas é mais racional
do que outra? Quer na esfera das ações humanas, quer na esfera da natureza, a coisa ser
determinada ou indeterminada nada tem a ver com ser racional ou irracional. Por exemplo, um
jogo que tenha uma estrutura racional, mas cujo resultado seja imprevisível: qual o elemento
imprevisível? É a capacidade dos jogadores e a contingência. Isso não torna esse jogo irracional:
se fosse irracional não poderia ter regra nenhuma; se tivesse regra nenhuma não seria jogo. Não
se pode, portanto, identificar determinismo com racional e indeterminismo com irracional.
Tudo isso são coisas que já estavam escritas antes que a física o princípio da indeterminação se
tornasse conhecido. Tal princípio, descoberto por Wener Heisenberg, diz: “Quando sabemos a
posição de um elétron, não sabemos a sua velocidade; quando sabemos sua velocidade não
sabemos sua posição.” Portanto, nunca podemos chegar a uma descrição suficiente do que está
acontecendo. O que implica que os elétrons mudam de órbita sem nenhuma causa.
Há um certo espaço para o jogo, para o acaso dentro da ordem física.
Isto foi proclamado como uma destruição da racionalidade da natureza -- baseado no princípio de
que só o determinístico é real. Mas o determinismo causal estrito é uma forma de racionalidade e
a combinatória probabilística é outra forma da racionalidade. É tudo racional do mesmo jeito,
caso contrário seria o mesmo que dizer que a estatística não é racional.
Racional e irracional, determinismo e indeterminismo, são categorias completamente diferentes.
Há uma crença atual de que existe um fundo irracional na física contemporânea, crença própria
de iletrados, própria de quem pensou no que é um conceito, no que é um outro conceito e falta de
cultura filosófica. O desconhecimento de metodologia leva o sujeito a confundir tais noções. É
lógico que é uma coisa, sendo determinada, nos da mais sensações de segurança, tranqüilidade,
quanto a seus desdobramentos, sendo indeterminado, probalístico, há uma certa insegurança.
Num mundo determinístico talvez o indivíduo se sentisse mais seguro e num indeterminístico, se
sentisse meio solto no espaço e portanto com um pouco de medo. Mas não deve deixar de ser
vista como absurda tal reação, porque o mundo determinístico é o mundo regido pela fatalidade,
onde não existisse a menor liberdade, não há possibilidade de ação. Em quê isso deve ser mais
tranqüilizante do que a outra situação na qual se tem uma margem de ação? É como preferir entre
a segurança e a liberdade -- segurança de que vai se dar mal ou a chance de se dar bem. É algo
que depende do temperamento do indivíduo, preferir uma ou outra coisa. E isso nada tem a ver
com o racional ou irracional.
A única coisa que é irracional é o contrasenso, a contradição, a coisa ser e não ser ao mesmo
tempo. Porém, ter uma lei natural que funcione não de modo determinístico mas de modo
probabilístico, não há contradição nisso. Às vezes opera quando há condições para que opere; às
vezes não opera quando as condições são suspensas: o que tem isso de irracional?
“Entre o determinismo e a liberdade, pode haver tanta irracionalidade e imprevisibilidade, ou, ao
contrário, racionalidade, numa esfera como na outra. O determinismo e a liberdade são, quando
muito, dados que é preciso aceitar. O sábio pode levá-los em cota a título de hipóteses, sem
contudo pronunciar-se quanto à sua validade metafísica.”
Weber, nesse sentido, é radicalmente positivista: as hipóteses metafísicas pouco lhe interessam. O
todo ser determinístico ou indeterminístico é assunto que não lhe interessa discutir. Apenas tenta
descobrir verdades científica sobre alguma coisa.
Podemos, em certas situações, adotar uma hipótese determinística: dadas certas, o efeito se
seguirá necessariamente; em outros casos, podemos fazer um raciocínio probalístico, de
causalidade em aberto, sobretuto quando existe uma simultaneidade, pois, uma perspectiva ou
outra conforme a conveniência da pesquisa e não por convicção metafísica.
“3. Causalidades, relação com os valores e interpretação.
1. Só há ciência do que existe. O problema vem a ser, portanto, explicar o que existe, pela
pesquisa das causas. Infelizmente, a relação de causalidade deu margem a malentendidos.
Uns identificam, por exemplo, causalidades e legalidade, no sentido de que só a condição capaz
de ser subordinada a uma lei mereceria ser chamada causa. É um erro, diz Weber. Um efeito
acidental depende tanto de causas, quanto um fenômeno dito necessário. Um acontecimento
singular é também ele resultado de causas, entre as quais algumas podem ter sido apenas
circunstâncias singulares. Tudo o que é produzido produz por sua vez uma ação.”
Este ponto nos vai interessar muito, particularmente desde que estamos lidando com ações
individuais.
As ações de um indivíduo singular, ainda que não possam ser reduzidas a leis, no sentido em que
“o indivíduo agiu assim, em obediência a um princípio filosófico que define que a + b = y”, ainda
que não podendo ser reduzido a uma lei, as ações do indivíduo, singular têm alguma causa ou
algumas causas, as quais também podem ser singulares e contigentes. Claro que tudo terá alguma
relação sempre com algum princípio geral, mas relação que pode ser muito remota.
Nos eventos singulares às vezes existe um concurso de uma multiplicidade de causas que
convergiram ali mais ou menos acidentalmente. Compreender esse evento pelas suas causas
consiste em fazer o repertório e o relacionamento de todas essas causas, ainda que não
conseguindo formular uma leu geral.
2. “Existe duas maneiras de considerar a causalidade: segundo a ratio essendi ( razão de ser) e
segundo a ratio cognoscendi (razão de conhecer).
Quando no curso de uma análise das causas da guerra, o ultimato da Áustria, etc., tais
acontecimentos têm o valor de causas no sentido de ratio essendi; são elos reais que contribuíram
efetivamente para a deflagração do conflito.”
A ratio essendi é a razão de ser. Uma coisa, uma causa é estudada enquanto ratio essendi na
medida onde aquele acontecimento em particular deflagrou, ocasionou um outro acontecimento
em particular, concreto.
Exemplo disso pode ser: se dou um tiro na cabeça de alguém e este alguém morre. O tiro é
estudado como causa enquanto razão de ser: um ato foi a razão de que o outro acontecesse. Um
ato particular concreto foi causa de outro.
“No entanto, quando falamos das causas econômicas das guerras, colocamo- nos em outro plano,
o do típico, isto é, o da ratio cognoscendi da guerra em geral.”
Dado que dei um tiro na cabeça de alguém e tal pessoa sucumbiu, isto pode ser estudado também
sob um ponto de vista geral: quais são os mecanismos pelos quais um traumatismo deste tipo
geralmente ocasiona a morte. Estou estudando este fenômeno sob o aspecto das leis gerais a que
ele se reporta. Mas não foram as leis da traumatologia que o mataram e, sim, o meu tiro. A causa,
enquanto razão geral, é estudada não enquanto ratio essendi razão de ser) mas apenas como um
meio de conhecer aquele dado. Aquele caso particular se torna mais claro à luz das leis gerais
envolvidas. Mas as leis gerais, por si mesmas, não são causas de nada. São apenas um esquema
coincidente entre inúmeros eventos do mesmo tipo. Por isso mesmo que neste último caso (ratio
cognoscendi) é estudar o caso sob seu aspecto típico.
Dá-se o mesmo no Direito: roubei o isqueiro da Célia. Há um artigo que determina um ano de
cadeia pelo crime de furto. Este artigo do Código penal é o princípio sob cuja alegação sou
condenado. Mas não sou condenado porque o código penal castiga tal crime -- sou condenado
porque de fato furtei.
O furto é causa da pena enquanto ratio essendi; o artigo tal do código penal é causa enquanto
ratio cognoscendi.
A coisa é estudada enquanto tipo, à luz da sua tipicidade, apenas enquanto ratio cognoscendi:
estudar pela tipicidade é reduzir o caso a uma lei geral -- o caso em questão é um exemplo, um
caso particular de uma lei geral.
As leis gerais são elementos lógicos que não causam nada -- a lei da gravidade não faz a maçã
cair: ela cai porque se desprende do galho. O fato de ela se desprender do galho e cair pode ser
referido a uma lei geral segundo a qual as maçãs geralmente procederão desta maneira, nesta
circunstância. Achar que o evento em particular é causado pela lei geral é conferir realidade
material a um ente lógico.
Na astrologia, isso assim se mostra: por exemplo, Saturno na casa tal produz tal coisa. Isso é uma
lei geral, assim como dizer que Saturno em tal casa provoca freqüentes dores de estômago.
Porém, tal dia, a tantas horas, tive uma dor de estômago, causada por lingüiça estragada que
comi; ou causada por uma briga que tive com quem gosto e, somatizando, meu estômago doeu.
Porém, as posições planetárias apenas simbolizam leis ou elas têm uma atuação concreta no
momento em que acontece?
Uma coisa é dizer que o zodíaco simboliza o esquema geral da causalidade (como considera
Guémon: a visão astrológica é um compêndio de todas as causas -- todo encadeamento causal
está contido dentro do zodíaco): a lingüiça fez mal porque estava estragada por tal e tal motivo;
quem a estragou agiu assim e assim ... vou subindo na esfera de causalidades até chagar no
zodíaco. Mas o zodíaco é um compêndio no sentido simbólico e analógico ou ele é realmente
causa eficiente? Uma coisa é colocar isso como encadeamento causal -- o planeta tem uma
atuação efetiva, ainda que remota, o que seria uma causa eficiente remota. Outra coisa, dizer que
ele não causa, que apenas expressa simbolicamente um conjunto de causas que está agindo num
momento determinado. Este é o problema central da astrologia: investigar a natureza da
influência astral. É algo que nem começou a fazer -- e acho que não há condições mínimas para
se começar a fazê-lo. Primeiro, tem-se que determinar a descrição do fenômeno, que é o que
estamos tentando fazer, e não do fenômeno astral em geral, mas de um fenômeno em particular,
que é a coincidência da figura astrológica com o caráter humano. Depois de ter várias descrições
comprovadas deste tipo, daí talvez dê para fazer uma astrologia geral.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 38 SÃO PAULO, 11 DE JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO:
JOEL NUNES DOS SANTOS FITA II

Ou será que essas posições astrológicas são parte da causa real? Neste ponto, a astrologia esbarra
nos limites do entendimento humano, suscitando questões que levarão muitos séculos para serem
respondidas.
“[ As causas consideradas sob o enfoque ‘geral’ ou ‘típico’] não são mais um elo na cadeia causal
da evolução histórica e real [ ... ] mas somente um meio de conhecer.” A causalidade comporta
duas idéias fundamentais: de um lado, a de uma ação relacional, de uma espécie de dinâmica
entre dois fenômenos qualitativamente diferentes, e, de outro lado, a de uma subordinação a uma
regra geral”.
Toda relação causal pode ser estuda de dois modos: primeiro, enquanto encadeamento de fatos;
segundo, enquanto tipo, enquanto manifestação de uma tipicidade.
Ao ir ao consultório, o médico diagnostica: “dengue!” O médico tipificou, reduziu a espécie de
um gênero. Concluiu: você tem uma sintomatologia típica e essa tipicidade permite que lhe dê
um nome -- dengue. Ter o nome, porém, não esclarece a respeito de sua causa (ou de suas
causas), permite apenas saber sua causa geral. As causas, porém, nunca podem ser gerais. As
causas concretas têm sempre que ser particulares: neste caso, tem que ser um mosquito, dois ou
três. Em qualquer caso, tem que ser um mosquito determinado, assim como tem que ter picado o
sujeito há “x” tempo, pois não acontece de alguém ser picado pelo mosquito hoje e ter dengue
daqui a cinqüenta anos. O hábito de, ao dar nome tipificar), acredita que se resolveu o problema,
é algo consolador apenas para o profissional. Se se for raciocinar realmente, para agir -- entrar na
ação terapêutica -- essa ação também tem que ser particular, concreta e determinada. O nível das
generalidades elimina o comprometimento do profissional.
Tipificar não é saber a causa. Saber a causa é conhecer a ratio essendi. No caso de furto, por
exemplo -- o que o delegado tipifica: “furto de veículo automotor”-- para achá-lo terá que saber a
causa segundo a ratio essendi. No caso de furto de carro, por exemplo -- que o delegado tipifica:
“furto de veículo automotor”-- para achá-lo terá que saber a causa segundo a ratio nessendi: quem
foi que roubou e onde o escondeu.
“3. O método generalizante utiliza a relação de causalidade de modo diferente do método
individualizante. O método generalizante tende a apagar a noção de ação e, por conseguinte, a de
causa, para deixar aparecer apenas a de lei, no sentido de uma igualdade matemática.
No método individualizante, ao contrário, ao contrário, é a noção de regra que tende a apagar-se
para por em evidência a unicidade qualitativa do devir em geral ou a singularidade qualitativa de
um de seus fragmentos.”
O médico, ao trabalhar adequadamente, usa os dois métodos: o generalizante para remeter a
sintomatologia a um tipo (é um caso de dengue, de tuberculose, não é nada, etc), que é a metade
do trabalho. Ao partir para o tratamento, terá que individualizar: terá que ver qual é o
encadeamento causal que está acontecendo realmente neste momento e em que ponto está. A
partir daí, não interessa mais tipicidade ou regra geral. Interessa até o contrário: o que for atípico,
pois pode haver interferência de elementos contigentes, casuais, que nem por serem causais
devem ser desprezados no tratamento.
Esses dois enfoques são absolutamente indispensáveis um ao outro e em todas as ciências.
“4. O que aprendemos a conhecer pela causalidade não passa jamais de uma visão fragmentária e
parcial. Desde a diversidade do real é infinita, a regressão causal é indefinida. Se quiséssemos
esgotar o conhecimento causal de um fenômeno, seria preciso levar em conta a totalidade do
devir.”
Tudo tem uma causa, que tem outra causa, que tem outra causa e assim por diante. Se vamos
enfocar um assunto qualquer, temos que fixar até onde vamos recusar nossa regressão causal.
Por exemplo, no diagnóstico de dengue: como se sabe que a transmissão dessa doença se dá por
determinado mosquito, a regressão causal do médico para aí. Se não se tratar de um médico, mas
de um epidemiologista, esta informação -- doença causada por tal tipo de mosquito -- não lhe
basta: terá de saber de onde veio o mosquito, por que veio parar aqui, quem trouxe (imigrantes,
animal?) Se ao invés de epidemiologista, trata-se de um patologista: quererá estudar o processo
mesmo da dengue. Não basta saber como o mosquito veio parar aqui, precisará saber qual o
mecanismo, qual o processo interno que torna esse mosquito o transmissor da dengue, o que
existe nele, em seu organismo, e assim por diante. Pode-se ficar procurando a causa da causa da
causa ... num processo que não termina nunca.
A interpretação da cadeia causal geralmente se faz pela divisão do trabalho: o médico clínico
tratará do indivíduo independentemente de ser o único indivíduo que tem dengue no mundo ou de
ser um entre milhares. Ele demarca sua área de interesse: o setor da realidade que o interessa é tal
e ele estuada o assunto até esse limite. O que exceder a tal limite não lhe dará respeito.
“Contentamo-nos, de cada vez, com o que se chama a razão suficiente, ou seja, realizamos uma
seleção [conforme] o rumo da nossa curiosidade. Apesar da hipótese teórica causa aequat
effectum, na prática a pesquisa causal sempre estabelece uma desigualdade entre os fenômenos.”
Causa aequat effetum = a causa iguala-se ao efeito. Esse é um pressuposto lógico. Na verdade,
isso não acontece.
Se dissemos: o mosquito provocou dengue, isso é absurdo. Pois como o mosquito pode ter esse
poder? Porém, não se trata do mosquito e sim da espécie de mosquito em questão, que provoca
dengue há um outro processo em questão, que provoca dengue porque há um outro processo que
envolve tal espécie; dentro desse processo, o mosquito (enquanto espécie) é um elo dentro de
uma cadeia causal e assim por diante. Para equalizar, obter uma causa que seja proporcional ao
efeito, só se pegar a causa inteira. Como nunca fazemos isso, nunca chegamos a ter uma
explicação causal perfeitamente equilibrada e homogênea. Sempre temos um efeito que parece
um pouco maior que a causa. Na verdade, não é que seja maior que a causa -- apenas omitimos
aspectos da causa que para efeito daquele estudo não interessa.
Se dissermos: “o atentado de Saravejo provocou a Primeira Guerra Mundial”, isso parece
absurdo: porque um sujeito deu um tiro em outro, precisou um continente inteiro se matar? De
fato, não é assim: aquela expressão referiu-se apenas à causa eficiente imediata, por trás da qual
tinha tal problema, por trás do qual outro e assim indefinidamente. Não é necessário remontar
tudo -- dá-se tal cadeia por pressuposta, ou por desconhecida e basta. O que importa não é achar a
causa inteira mas a causa suficiente, a causa que sossegue a nossa mente.
“5. Se o método naturalístico ignora a contingência, o acidental e, portanto, a classificação sob
uma regra geral é o seu critério de seleção, qual é o do método histórico ou individualizante?”
Acabamos de verificar que sempre na investigação das causas, temos que fixar um limite à
regressão causal: atrás do ponto “x” não interessa remontar. Se estou usando o método
naturalístico ou generalizante, tenho um critério que me permite dizer em que ponto parar a
regressão causal: vou pará-la no ponto do típico. Quando o médico diagnostica “dengue”, ele
pára sua regressão causal no mosquito, pois seu interesse é tipificar.
Vamos supor o contrário: não estamos investigando o dengue, estamos investigando história. Esta
não vai se contentar com o típico. Para a história, é necessário fazer o encadeamento real do que
aconteceu, ou seja, o interesse não é a redução a tipos mas o restabelecimento da seqüência
inteira. Porém, que seqüência inteira? Parar em que ponto?
Por exemplo, o sujeito que deu tiro no arquiduque -- fato que provocou a Primeira Guerra
Mundial -- porque ele fez isso? Poder-se-ia responder: tratava-se de um anarquista pago pela
organização tal. Pergunta-se a seguir: por que ele era anarquista? Porque desenvolveu uma
revolta contra a sociedade. Por que desenvolveu tal revolta? Porque apanhou da sua mãe. Por que
sua mãe lhe bateu? Porque sua mãe tinha problemas. Por que tinha problemas? ... e assim por
diante.
Rimo-nos disso porque nos parece absurdo levar a regressão causal até este ponto. Qual o critério
que faz com que a partir de certo ponto da regressão, julguemos desnecessário e até ridículo
prossegui-la? Qual o critério que está por trás dessa nossa decisão?
No caso do método generalizante, a resposta é simples: estou interessado apenas no evento típico
-- definido e investigo apenas no limite do típico. Porém, quais são os limites que fazem a gente
parar a investigação da regressão causal num certo ponto e não ir para além dele?
“Weber denomina-o a relação com os valores. [ Por que um historiador ou sociólogo escolhe um
assunto e o considera ‘interessante’?”
Por que o tiro desferido em Sarajevo contra o arquiduque Francisco Ferdinando é interessante
historicamente mas o fato de que mamãe tenha batido num anarquista não o é? É isso devido a
uma tipicidade ou exatamente o contrário? Porque só estamos interessados no princípio genérico
de que anarquista dão tiros em arquiduques? Ou exatamente pelo motivo contrário: não estamos
interessados na psicologia dos arnaquistas em geral e só estamos interessados naquele ato daquele
arnaquista e os resto da sua vida pouco nos importa? O princípio, neste caso, é o contrário do
típico -- é o atípico que importa. Não estamos fazendo psicologia dos atentados, queremos saber
por que foi cometido aquele atentado e suas conseqüências em particular. Nosso critério não pode
ser então o da tipicidade. Aliás, o caso em questão não é nada típico: guerras provocadas pelo
fato de um anarquista matar alguém só teve uma, que foi justamente a de 1914. Na segunda
Guerra, as causas foram outras e a próxima está tendo causas e assim por diante. Se estamos
interessados naquela causa em particular, o princípio que determina o limite da nossa
investigação não é o limite da tipicidade, mas um princípio que chamamos interesse: por que este
fato é interessante para o historiador e o resto não é? Que foi, este fato, a gota d’água, já o
sabemos. Mas por que esta gota d’água se torna importante para o historiador e não as causas
remotas que o provocaram? Em resumo, a pergunta é: o que o historiador quer saber? Por que
dirige sua atenção a um ponto e não a outro? É o que Weber chama relação com os valores. A
explicação disto tem um certo valor não só para o historiador como também para a comunidade
onde está, ao passo que a explicação do que se passou na infância daquele anarquista não tem
este valor. Dito isto, significa que o historiador tem que estar consciente dos valores que o
movem a investigar isto ou aquilo, porque senão ele não conseguirá determinar o âmbito da
investigação. Saber qual é a importância e o tipo de importância que tem o assunto, onde pára
essa importância é tão importante para o historiador como para o biólogo importante ter os tipos e
os conceitos determinados com os quais trabalha. Objetivamente (não só subjetivamente --
embora certos motivos subjetivos, do tipo “gosto de tal assunto”, possam ser motivos para o
historiador), tem que saber quais os valores vigentes no meio, na cultura, etc, que justificam tal
estudo. Se não souber isso, não saberá quando e onde parar.
A pergunta -- o que o historiador quer saber? -- é como se fosse uma coisa que foi solicitada. Mas
quando foi solicitada? É o mesmo que pedir dinheiro emprestado sem definir a quantia. O quanto
é definido pelo interesse: dinheiro para o cigarro, para conta de luz, para comprar um iate, etc. O
determinará quanto é o interesse; o que determina o interesse são os valores que estão em jogo.
Toda pesquisa em ciências humanas tem interesse objetivo. O interesse objetivo, não subjetivo. O
interesse subjetivo do indivíduo pesquisador apenas se encaixa dentro do interesse social. Se o
sujeito não está consciente deste interesse, ele não sabe os limites da sua pergunta. É questão
extremamente sutil.
Se perguntarmos: por que é necessário resolver o problema da astrocaracterologia? Esta é uma
investigação em ciências humanas, embora contenha alguns aspectos naturalísticos também.
Como tem um aspecto humano (psicológico, histórico, etc.), então entra a questão da relação com
os valores. Ou seja, até onde vamos estudar o processo da correlação astro/caráter? Se repararem,
perceberão que o curso inteirinho está formulado em termos de responder a esta pergunta até o
ponto em que o movimento astrológico em geral levantou o assunto e nem um passo a mais.
Embora o assunto em si mesmo, considerado objetivamente, independente da pesquisa, possa ter
um milhão de aspectos a mais. Mas o que vai limitar a nossa área de investigação é justamente
este por que investigar? Quando estou investigando este fenômeno -- a relação da posição astral
com o caráter -- estou tomando uma questão que já existe de certo modo e à qual já é dado um
valor “x” e os valores que estão em jogo nesta indagação são tais ou quais. Isto vai dar o tamanho
da minha investigação.
Esta é a questão mais difícil na área de ciências humanas. É uma espécie de sexto sentido que o
investigador tem que desenvolver, mesmo porque isto não faz parte de pesquisa científica. É
prévio a ela, é um primeiro passo e portanto não há um critério muito científico para fazer isso. É
justamente, porém, após tê-lo feito -- delimitado o âmbito da pesquisa -- que se vai criar a
criteriologia científica para aquilo. Se não houve delimitação, então vale tudo e então não tem
critério. O que nos permite dizer que em toda investigação em ciências humanas existe um passo
inicial que não é científico. A rigor, nas ciências naturais também existe isso. Apenas que elas são
mais antigas -- as ciências naturais -- e a esfera de seus interesses está por assim dizer
formalizada, existindo uma habilidade já definida. Em ciências humanas, ainda é cedo para ter
isto.
Há que haver relevância científica para o problema levantado, por trás da qual está presente a
relevância social. Mesmo que não tenha conseqüência prática alguma o resultado da investigação,
a qual pode ter uma importância objetiva (ou seja, ser socialmente), mesmo que reconhecia pela
coletividade.
Por exemplo, a resolução do problema astros/caráter vai colocar a astrologia num caminho
científico. Acontecendo isso, todo o panorama das ciências humanas vai ter que mudar, pois ele
passará a ser referido, no seu todo, ao plano cósmico. O fato de eu saber isso não quer dizer que a
coletividade esteja informada disto. O propósito d investigação astrocaracterológica é: tentar
equacionar de modo cientificamente relevante um determinado tópico. O quanto até onde isso
deverá ser feito: até o ponto necessário para provar a possibilidade teórica disto e fim. Isto já
delimita o campo, embora seja algo extremamente complicado, como já puderam ver. Ao se
demonstrar que é possível, criou-se um instrumento científico, instrumento esse que pode nunca
ser usado, mas que porém existirá e estará disponível.
“O devir, em si mesmo, é indiferente ao significado: não é nele que encontra o critério que
determina nossa curiosidade.”
A coisa não pode ser importante em si mesma. Tudo que é importante é importante para alguém e
não em si mesmo. Ser importante em si é apenas uma força de expressão -- define algo que é
importante universalmente, para todos os homens. Mas de fato, a importância de um evento vem
daqueles a quem ele afeta materialmente, intelectualmente, etc. Isso significa que o fato, o devir,
o conjunto dos acontecimentos em si mesmo nada me diz sobre o que é mais importante ou
menos importante: sou eu que tenho que tomar uma posição.
[ “Quando, ao estudarmos um tema, selecionamos os documentos e uns nos parecem essenciais e
outros desprezíveis,] em virtude de quê realizamos essa seleção, senão segundo uma relação com
os [nossos] valores? Esta relação exprime, pois o momento arbitrário que se acha no ponto de
partida de toda reflexão e de todo trabalho científico. É apenas nos limites dessa seleção que o
sábio aplica os processos ordinários da investigação científica. É neste ponto que se torna
indispensável afastar [daí por diante] toda apreciação valorizante.”
Esta seleção inicial do tema precisa ser autoconsciente, pois não há motivo nenhum se escolher
um tema a outro. Você aumenta ou diminui os limites do seu tema o quanto queira. Não há
nenhuma razão para fazer isto ou aquilo, existe apenas a convergência certas investigações são
convenientes e outras são inconvenientes, ou seja, não servem para nada. O que fixa essa
conveniência são os valores nos quais você se apoia. É preciso estar consciente desses valores
para saber por que você delimitou o âmbito “x” ou “y “. Pode ser que você faça uma investigação
que não tenha importância para mais ninguém além de você mesmo. Neste caso, você sabe que
está investigando uma coisa que não tem relevância científica nenhuma, só para você mesmo.
Supomos que alguém investigasse “as causas da inflação brasileira”. Se quero saber o conjunto
total e real das causas da inflação, preciso avançar minha explicação até um ponto “x” que
satisfaça a esta pergunta, mais aquela pergunta, mais aquela outra, etc.; ou seja, se quero dar uma
explicação abrangente para a inflação, tenho que encontrar respostas para todas as perguntas que
vêm sendo feitas sobre inflação. Se a minha ambição não é tão grande -- quero apenas descrever
um mecanismo causador da inflação -- quero descrever, por exemplo, o mecanismo psicológico
que afeta os comerciantes da classe média de São Paulo. Então: a simples precisão de
desvalorização da moeda faz com que eles aumentem o preço de tudo. É lógico que este estudo
em si mesmo não precisa responder quais as outras causas. Sei onde parar a minha regressão
causal -- ela termina na psique média do comerciante e fim. Por que o comerciante e fim. Por que
o comerciante tem essa psique média não me interessa saber.
A abrangência do estudo delimita o nível de exigência causal que você tem de atender.
O poder astrológico está tão aquém de ter colocado este problema que eles oferecem explicações
sobre o todo mas que não atendem a exigência causal alguma. Todas as perguntas que se fizer
ficarão irrespondidas. É uma inconsciência metodológica total, abaixo da crítica. Por que é
assim? Em parte, é porque s pessoas que vão estudar astrologia o fazem por motivos de
complementação da própria psique que, estando aleijada, necessita de uma muleta cósmica que
dê um simulacro de sentido de existência ao que não tem sentido algum. Este foi o motivo que
me levou a estudar astrologia. Quando percebi era um simulacro, percebi que não dava sentido
nenhum à minha vida, que era um enigma como qualquer outro, tive a honestidade de reconhecer
que onde fui buscar o sentido da vida, só havia mais um problema.
As outras pessoas que recusam o problema astrológico, que são qualificadas para estudá-lo, têm
medo de serem rotuladas de místicas ou idiotas, irracionais, e largam o problema, deixando-o nas
piores mãos. Quem se interessa pelo problema é louco e quem é são não se interessa pelo
problema. O ideal é chegar a uma média entre esses dois extremos.
“Os valores com os quais o sociólogo e o historiador relacionam a realidade são naturalmente
variáveis. O especialista das ciências humanas pode-nos fornecer, graças à relação com os
valores, uma visão nova sobre um problema, porque é levado a considerar como importantes
elementos que outros tinham deixado à margem.”
Cada vez que se formula um projeto de investigação, pode-se estar levantando temas, aspectos e
problemas que passaram despercebidos mas que são importantes. Por exemplo: digamos que eu
queira investigar a história da psicanálise -- em que valores estou me apoiando para fazê-lo? O
que fundamenta meu interesse por tal tema?
Digamos que meu interesse decorre do fato de eu ser psicanalista, conheci vários psicanalistas
notáveis que apresentaram trabalhos importantes aqui e ali e tudo isso pode se perder com o
tempo. É um material científico que pode ser esquecido e não quero que isso aconteça. Isso fixou
o âmbito do meu trabalho: é um trabalho puramente documental, histórico, que vai oferecer
documentos de certos eventos, de ordem intelectual e científico, que ocorreram em tais lugares
em tais ocasiões.
Suponhamos que não seja este o meu objetivo: estou interessado na psicanálise não como um
cultor dessa disciplina que está interessado em preservar este patrimônio do conhecimento, mas
que, ao contrário, acho que a psicanálise, não tendo uma estrutura científica suficiente, obteve
uma repercussão científica e filosófica indevida. Ou seja, aumentaram o tamanho da psicanálise,
tirando dela conclusões metafísicas, teológicas, etc.
O âmbito da minha investigação, meu interesse, serão as repercussões da psicanálise. Interessa-
me menos compreender profundamente o pensamento de Freud do que compreender as
conclusões que outros tiraram dele. Interessa-me sobretudo mostrar em que as conclusões tiradas
por filósofos teólogos, etc, divergem do seu -- de Freud -- texto original. Portanto, o meu material
já não é o material escrito do investigador anterior.
Se eu, querendo estudar as repercussões culturais da psicanálise, tiver em mãos todo o material
científico produzido por todos os psicanalistas, desde Freud até hoje, não resolverei meu
problema. Se estou falando de repercussões culturais, estou falando de coisas que estão fora do
âmbito profissional da psicanálise: repercussões na área da filosofia, da arte, da astrologia, etc.
Meu material, por assim dizer, é marginal, está em volta da psicanálise.
Como faço a seleção deste material? Primeiro, preciso tornar-me muito consciente de qual é meu
interesse. Os valores e o interesse determinam o âmbito da investigação. É em função desse
âmbito delimitado que posso em seguida fazer métodos de investigação apropriados e posso
também definir critérios de validade. O trabalho da criteriologia científica começa uma vez
delimitado o âmbito. Este senso dos valores que sustentam a pesquisa é uma espécie de sexto
sentido que o investigador tem que ter e é uma forma de autoconsciência. Autoconsciência do
historiador, do sociólogo, do psicólogo, enquanto investigador -- que é diferente da
autoconsciência pessoal dele enquanto cidadão. É um requisito sine qua non o fato de ter uma
consciência de si enquanto membro de uma cultura e saber do encaixe preciso entre os interesses
pessoais dele e os interesses conscientes ou inconscientes desta comunidade cultural. Sem isso,
não adianta dar um passo em ciências humanas. Se o sujeito tem isso, as demais deficiências
podem ser todas sanadas, mas a falta desta, não. O primeiro passo ao formular um problema
científico é saber por que tal problema é um problema e para quem, afinal, ele é um problema.
Não é qualquer tema que pode ser problema. Como o tema “a influência das barbatanas do
camarão na formação das marés”: não é absurdo estudar isso, embora isso só possa ser problema
para o camarão, evidentemente. Não se trata apenas só da importância reconhecida e objetiva
nem apenas das conseqüências práticas que a aplicação da pesquisa poderá ter, mas do seu relevo
cultural.
“A variação dos valores surge como a condição da variação dos pontos de vista. É o conjunto dos
pontos de vista possíveis que, precisamente, nos permite fazer uma idéia tão exata quanto
possível de um problema. A ciência varia sem cessar com os problemas novos que nascem dos
novos pontos de vista. A relação com os valores exprime o caráter indefinido da pesquisa. Um
sábio pode ter a impressão de haver apresentado a palavra decisiva sobre um problema, porém
um outro reformulará toda a questão, pois terá encontrado outra relação com os valores. A ciência
é obra de todos os sábios.”
É muito raro que um problema levantado por qualquer um investigador seja resolvido até o fim.
É muito raro na história da ciência que um sujeito mate um problema de modo que durante algum
tempo não tenha mais sentido investigar aquilo. Isso às vezes acontece. Por exemplo, acho que
até certo ponto Benedetto Crocce matou o problema das relações da razão com a intuição. Quer
dizer que esse problema fica assentado: ninguém consegue levantar um problema novo em torno
desse tema durante um certo tempo. Quer dizer que foi encontrada a explicação suficiente para
nossas necessidades de hoje. Amanhã ou depois, porém, poderá surgir um novo fato que surgira a
necessidade de investigar o assunto por outro lado. É algo que nunca acaba.
“6. Em resumo, este é o papel da relação com os valores:
(a) Determina a seleção do tema, destacando um objeto da realidade difusa.
(b) Orienta, no tema escolhido, a triagem entre o essencial e o acessório, isto é, define a
individualidade histórica ou a unidade do problema, vencendo a infinidade dos detalhes.
(c) É a razão do relacionamento entre os diversos elementos e da significação que se lhes atribui.
(d) Indica as relações de causalidade a estabelecer e até que ponto é preciso levar a regressão
causal.
(e) Por não ser valorativa e exigir um pensamento articulado, afasta o simplesmente ‘vivido’ ou
vagamente ‘sentido’”.
A tomada de consciência dos valores que estão implícitos numa pergunta não é em si mesmo um
julgamento de valor. Mesmo porque os valores em que a pergunta se apoia poderão eles mesmos
ser desmentidos pelo desenrolar da pesquisa. Você necessita dessa consciência dos valores
apenas a título de um apoio para a formulação da hipótese inicial. Mas até aí não se está
prejulgando nada.
“7. Daí segue-se que toda ciência humana procede por interpretação. Esta consiste no método
destinado a nos fazer compreender o sentido de uma atividade ou de um fenômeno e a
significação dos diversos elementos uns em relação aos outros.”
Ao formular esta hipótese inicial, estou oferecendo uma interpretação e esta interpretação
consiste em investigar o sentido ou significado de uma determinada atividade, de uma
determinada ação humana, seja ação política, intelectual, etc.
O que se entende por compreender, veremos mais à frente.
“Sendo o devir, em si mesmo, humanamente indiferente, é a interpretação fundamentada na
relação com os valores que lhe confere uma significação, colocando em evidência os motivos e
os fins de uma atividade.
8. Os malentendidos se originam de que ‘interpretação’ é tomada em diversos sentidos. Weber
distingue três:
1o A interpretação filológica. -- Consiste na apreensão do sentido literal de um texto, na crítica
dos documentos, etc. É um trabalho preparatório.
2o A interpretação avaliativa ou axiológica. -- Faz sobre o objeto um julgamento de aprovação ou
de desaprovação. Comporta vários graus, desde a avaliação puramente emocional por endopatia
até a esfera mais apurada dos julgamentos estéticos e éticos.
3o A interpretação racional. -- Seu fim é fazer-nos compreender, pela causalidade ou pela
compreensão, as relações significativas entre os fenômenos ou os elementos de um fenômeno.”
Causalidades ou compreensão, que quer dizer, pelo método explicativo causal ou pelo método
compreensivo (ao qual nos referimos anteriormente).
“A segunda não é um procedimento científico, embora o sábio por vezes deva levá-la em conta.
A interpretação racional é a detentora do sentido, quer tente o sábio determinar a significação que
indivíduos dão a seus próprios atos, ligando-os a estes ou àqueles valores, quer se refira aos
nossos valores para extrair a significação histórica ou sociológica de uma doutrina, de um
acontecimento ou do desenvolvimento de uma situação. É uma análise que propõe a precisar
quais os valores que estavam em jogo no curso de uma atividade.”
Chegamos ao ponto central para nós -- não no miolo da metodologia de Weber mas no miolo que
nos interessa. Porque todo estudo caracterológico vai procurar achar certos eixos do
comportamento do indivíduo. Se quisermos achar esses eixos a partir da observação externa do
indivíduo, teremos que ver os seus comportamentos e os seus atos mais ou menos tomados um a
um. Vamos ter que compreender e explicar esses atos. Por um lado, vamos ter que captar de
alguma maneira o sentido que uma determinada ação tinha para o indivíduo que a praticou, ou
seja, qual o significado que ele atribuía àquele ato em particular e isto não pode ser por
adivinhação. Na verdade, na vida diária o tempo todo atribuímos motivos aos outros; acreditamos
saber o sentido das ações individuais, pelo menos das pessoas que nos são mais próximas. Por
isso mesmo nunca questionamos. Se a pessoa age de uma maneira onde o sentido nos parece
evidente, então estranhamos; se estranhamos é porque estamos acostumados a julgar que
sabemos, de hábito, o sentido das ações dessas pessoas. Porém, uma coisa é esta intuição certa ou
errada, intuição endopática do sentido que temos na vida diária e dela precisamos para viver;
outra coisa é fazer um estudo científico disso. Naturalmente que esse estudo científico também
afetará a longo prazo o nosso julgamento cotidiano, mas não de imediato. Se nos perguntamos
então como ficamos sabendo do sentido que o indivíduo atribui a seu ato, vai haver um leque
imenso de respostas.
Podemos tentar por comparação -- embora na maior parte dos casos nem cheguemos a comparar
os atos dos indivíduos com outros atos: explícita e conscientemente não fazemos uma
comparação. Ao contrário, atribuímos um sentido, uma intenção.
A investigação das intenções é uma parte do nosso problema. Em segundo lugar, é preciso ver se
essa intenção consciente que o indivíduo tinha -- o que ele conscientemente visava -- coincide, de
um lado, com as causas reais que o levaram a agir assim ou assado. Porque nem sempre a
intenção é a causa. Por exemplo, o indivíduo pode visar conscientemente um certo objetivo mas
estar sendo levado àquele procedimento por outras causas que lhe escapam. Por exemplo,
suponhamos que fiquei o dia inteiro trabalhando num lugar onde havia muito ruído. Estava tão
concentrado no meu trabalho que não prestei atenção no ruído. Ele me perturbou de alguma
maneira, mas me perturbou fisicamente, não chegou a entrar na minha esfera de consciência e
cortar o fluxo de meus pensamentos, mas deixou-me enervado. Chego em casa e resolvo, por
exemplo, dar uma bronca na minha mulher porque o macarrão estava frio. Qual é a minha
intenção? Não era melhorar a qualidade da comida doméstica? Mas qual foi a causa da minha
ação? O macarrão estar frio foi apenas uma parte da causa. Houve uma outra causa que escapou
da minha intenção. Claro que as duas causas convergem. Mas e o peso relativo de uma e de
outra? As demais pessoas da mesa não acharam que o macarrão estava tão frio assim. Então, digo
que o macarrão foi um pretexto. A explosão emocial deveu-se a alguma outra coisa, que podia
estar totalmente ignorada, não ser inclusive uma causa profunda, estrutural; podia dever-se a uma
mera coincidência, a algo que aconteceu naquele dia em particular.
A investigação do sentido que a ação tinha para o indivíduo não se identifica com o estudo das
causas, embora isso às vezes possa acontecer. E ocorre quando o indivíduo está perfeitamente
consciente das causas e lhes confere o valor de motivos. Por exemplo, se devo um dinheiro e não
tenho de onde tirar e peço emprestado. O sentido da minha ação é: preciso pagar e não tenho
dinheiro. Portanto, peço emprestado. O motivo e a causa da minha ação é fato de eu não ter
dinheiro. Não houve necessidade de intervir outro fator.
Em cada caso a relação entre o motivo ou o sentido de causa é muito complexo. Não há lei geral.
É preciso conhecer toda a história direitinho.
É a isto que Weber chama interpretação, interpretação do ato humano. Pode haver uma ou várias
causas, assim como um ou vários sentidos para uma determinada ação humana.
Posso ter, subjetivamente para mim mesmo, vários motivos, várias intenções para praticar um
único ato; pode haver toda uma constelação complexa de motivos. E em certos casos esses
motivos podem coincidir perfeitamente com a causa e em outros casos, não. Inclusive o sentido
pode se voltar contra a causa. Ou seja, as circunstâncias, as causas desencadeadas me induzem a
agir assim ou assado. Porém, como o que eu quero é outra coisa, faço outra coisa. Além disso,
isto basta para compreender a ação? Não, certamente, pois toda ação implica o emprego de
meios. Os meios podem ser adequados ou não ao intuito desejado, o que se refletirá às vezes no
fracasso, e às vezes no sucesso casual.
Por exemplo, alguém me diz: “aposte no cavalo número 5 porque tenho informações seguras de
que ele vai ganhar”. Esqueço o número do cavalo e aposto no número 6 e coincide deste cavalo
ganhar. Houve uma inadequação entre meios e fim mas houve a interferência de uma outra linha
de causas contingentes, acidentais. Só compreendo a ação quando sei tudo isso: sei a causa, sei o
motivo, sei os meios e sei o processo causal que leva do meio ao fim. Sabendo tudo isso,
compreendi inteiramente a ação.
Podemos dizer que as ciências humanas em geral visam substancialmente entender as ações
humanas. Este entendimento das ações humanas tem dois momentos: o primeiro momento é a
compreensão dos motivos e o segundo, a explicação das causas. Entre o método compreensivo e
método explicativo, Weber vê uma continuidade perfeita. Interpretação para Weber abrange, de
um lado, compreensão e, de outro, explicação. Por isso mesmo a sociologia de Weber é chamada
sociologia compreensiva. Quando se fala sociologia compreensiva pode parecer que se está
querendo só a compreensão e não a explicação, o que não é verdade. A denominação não foi
muito bem escolhida. Seria mais adequada a denominação sociologia interpretativa, sendo que
por interpretação entende-se a operação que ocorre em dois momentos: compreensão dos motivos
e exposição das causas. Trazer as causas do estado de latência ao estado de patência -- do estado
de ocultamento ao estado de evidência.
Tudo isso (conhecimento do motivo, da causa, do meio e do fim) ainda não esgota toda a questão.
Precisaremos, para prosseguir, ler um trecho do prefácio do livro Economia e Sociedade (v.
Apêndice):
“Deve entender-se por sociologia (no sentido em que Weber usa tal palavra) uma ciência que
pretende entender, interpretando-a, a ação social, para desta maneira explicá-la casualmente em
seu desenrolar e efeitos. Por ‘ação’ deve entender-se uma conduta humana (quer consista num
fazer interno ou externo, quer num omitir ou permitir), sempre que o sujeito ou os sujeitos da
ação enlacem a ela um sentido subjetivo. A ‘ação social’, portanto, é uma ação na qual o sentido
mentado pelo sujeito -- ou pelos sujeitos -- está referido à conduta de outros, orientando-se por
esta o seu desenrolar.”
Para Weber, ação é uma conduta que, para quem faz, tem um sentido. Isso quer dizer que a ação
puramente não intencional, puramente reflexa, não é ação propriamente dita e cai fora do âmbito
das ciências humanas. Por exemplo, quando o estômago ronca. Tem causa, evidentemente, este
fato, mas não tem sentido, não resulta de um intuito. Não é portanto uma ação humana no sentido
weberiano. É um simples efeito de um procedimento natural que pode ter efeitos sobre a conduta
humana. Porém, não é uma conduta humana ainda. Ação humana é, portanto, uma conduta que
para aquele indivíduo tem sentido, mesmo que seja um sentido falso: ação social, para Weber, é a
ação na qual um dos motivos (ou um dos sentidos) seja a previsão ou a antecipação de condutas
alheias.
Se tenho uma coceira na perna e coço a perna, isto tem sentido, é uma ação humana, pois cocei
para que a coceira parasse. Agi assim porque supus que, arranhando a parte que estava coçando,
esta pararia de coçar: a antecipação do resultado foi o motivo da minha conduta. Se suponho que
vai chover e pego o guarda-chuva, trata-se de uma ação humana e tem sentido: precaver-me
contra a chuva. Porém, em nenhum desses dois casos tive que prever conduta de outra pessoa.
Consideremos outro exemplo: vou à banca de jornal e ofereço cem cruzeiros ao jornaleiro. Esta
ação seria impossível sem uma previsão pelo menos implícita de uma conduta dele, ou seja, de
que ele aceitará os cem cruzeiros em troca de um jornal. E se por acaso ele me disser “Meu
amigo, não estou aqui prá isso!”, a situação torna-se non sense. Se vou ao banco e pago minha
conta de luz, estou antecipando várias operações: que o caixa do banco, ao invés de embolsar a
importância e ir para casa, lançará aquele valor numa conta do banco o qual, por sua vez,
creditará em favor da companhia de luz. Se o caixa não fizer isso, cortam a luz, embora ela tenha
sido paga. A conduta, portanto, antecipa de maneira mais explícita ou menos explícita uma
conduta alheia. Neste sentido é uma ação social. O domínio do psicológico e do sociológico, para
Weber, é um pouco borrado. Uma simples conduta, como dar um presente para outra pessoa (por
supor que ela vai gostar disso), é uma ação social.
A ação social é a ação na qual o sentido está referido à conduta do outro.
É evidente que, tanto para a esfera sociológica quanto para a esfera psicológica, é este tipo de
ação sobretudo que importa, embora a psicologia abranja algumas outras condutas.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 38 SÃO PAULO, 11 JAN. 1991 FITA III
TRANSCRIÇÃO: JOEL NUNES DOS SANTOS.

Por sentido entendemos o sentido mentado e subjetivo do sujeito da ação, aquilo que ele
realmente pensou, o intuito realmente visado por ele. Entendemos sentido nesta acepção quer
seja:
a) como existente de fato (historicamente ou como média ou de um modo aproximativo);
b) tal como construído num tipo ideal.
Como ilustração do primeiro caso -- histórico ou estatístico -- podemos perguntar: por que as
pessoas assistem ao programa da Xuxa? Pode-se responder: porque gostam, porque ela é bonita e
acham que ligando a televisão nesta hora também vão ficar alegres.
Esta resposta está sendo dada como relato de um evento ou de um grupo de eventos
historicamente considerados um a um, ou como média? Está sendo dada como média, de modo
aproximado.
Um sentido, quando investigado como existente de fato, um sentido real dado efetivamente a
alguma coisa, pode ser visto de duas maneiras: de maneira histórica (relatando o sentido que
fulano, mais sicrano, mais beltrano, deu ou deram à sua ação) ou pode ser investigado como
média -- em média, as pessoas assistem à Xuxa por causa de tais e tais razões. Pode ser que tenha
um ou dois que assistam seu programa por motivos completamente diferentes. Por exemplo, o
sujeito odeia a Xuxa mas assiste ao seu programa para ficar com mais raiva da estupidez humana.
Saiu da média.
O tipo ideal (sentido b) é um tipo de conduta inventado. É o tipo de conduta como o que faz, por
exemplo, o romancista, como Cervantes ao escrever Don Quixote. É um tipo que age assim ou
assado por tal ou qual motivo e as demais ações suas têm coerência com essa motivação. Porém,
na realidade Don Quixote não existe, ele foi inventado.
Pode-se portanto estudar motivações em tipos ideais, não existentes. Não só se pode como
efetivamente se faz. Caso isso não fosse possível, o romance de ficção seria impossível.
É necessário reparar neste ponto: para chegarmos a distinguir um caráter de outro caráter, vamos
investigar ações, discernir o seu sentido e as suas causas e depois vamos tipificar vários tipos de
motivações e de causas. Depois verão que esses tipos de motivações e de causas se combinam
diferentemente em pessoas diferentes, formando individualidades em número quase indefinido. E
este é precisamente o método da caracterologia. Para fazer isso, vamos ter de apelar não só para
os tipos de causas mas também vamos ter de construir alguns tipos ideais de individualidades.
Porque não podemos estudar todos os tipos. E um estudo em média, pela média, não faria
sentido. Poderemos então estudar alguns casos existentes de fato, o que farão com os seus
biografados. E estudaremos outros tipos ideais de caráter, inventados por mim, para efeito de
explicação em aula, para efeito pedagógico.
O método dado por Weber refere-se exatamente ao que vamos fazer. Só que para o estudo
astrológico isso tem que ser adaptado até um certo ponto, porque a astrologia está no limite entre
a ação humana -- ação dotada de sentido -- e a ação reflexa, puramente causada por fatos
exteriores. É assim porque neste estudo não chegaremos a discernir qual é o limite entre a ação
causal do planeta e a intenção humana. Isto é um assunto de astrologia pura que não vamos poder
resolver. Deixando -- como vamos deixar -- esta parte em branco, isto implicará na continuidade
de existência de certos enigmas e certos problemas que não poderemos resolver e que deixaremos
para vocês resolvê-los, para o que terão o resto de suas vidas. Só não dizemos que podemos
aplicar o método de Weber inteiramente porque aqui a interferência de um elemento causal
externo que provoca ações de maneira puramente reflexa e sem passar pela atribuição individual
de sentido também pode ter lá a sua importância. Pode ser que o planeta, agindo
eletroquimicamente, faça o sujeito agir assim ou assado sem que ele perceba. São Tomás de
Aquino dizia que no caso do louco, demente, isso acontece. No caso do demente, o planeta é a
causa da sua ação e o sentido que ele eventualmente atribua a suas ações não pesa em
absolutamente nada. Por exemplo, o sujeito é louco e acha que é Napoleão Bonaparte: manda
prender você por acreditar que você chefiou uma rebelião contra o imperador. Você sabe que não
é nada disso que ele está fazendo, na verdade. A rigor, ele nada está fazendo. Do que se
compreende que no caso do louco, o sentido não tem importância, tem importância só a causa.
Este último dado é de grande ajuda para quem trabalha em psicoterapia, pois ajuda a discernir
quando é que começa a demência -- esta começa quando a ação do sujeito só tem causa, não tem
sentido. Não adianta querer compreendê-la, só dá para explicá-la.
Neste caso -- como o do louco -- teríamos que admitir a possibilidade de um planeta ser
diretamente, por algum processo desconhecido (de ordem eletroquímica ou qualquer outra), a
causa de certas ações que não poderiam ser propriamente ditas humanas. Neste caso seriam
necessários outros métodos que não têm nada a ver com as ciências humanas.
A astrologia oferece a possibilidade dessa transição -- ciência humana / ciência natural. Ela está
localizada nessa fronteira mais até do que a ecologia -- esta, por isso mesmo é uma ciência tão
complicada: tem uma multiplicidade de métodos. O método em ecologia chama-se método
sistêmico, que investiga a confluência de uma infinidade de causas. Em astrologia, é preciso ser
mais sistêmico ainda.
Inaugurar um estudo científico como um ramo não estudado é muito difícil, mas é um grande
negócio. Se isso for feito, estaremos abrindo um campo de investigação tal que não é possível
que vocês saibam onde isso pode parar. O mundo não precisa reconhecer que fizemos isso --
quando ele precisar disso, virá nos procurar. Pode ser que já estejamos mortos. Todo o nosso
material estará aí e não estaremos trabalhando para a glória, porém estamos trabalhando para ter
um resultado real, pelo menos um resultado cognitivo, para obter uma resposta e uma certeza e
para abrir uma possibilidade humana. Não cabe à ciência resolver o problema humano, mas cabe
a ela oferecer-lhes instrumentos para isso. Se vão usar o instrumento ou não isto não é nosso
problema -- é problema para os profetas, governantes, líderes, etc.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 39 SÃO PAULO, 12 JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO:
SORAIA MALAFAIA GOMES FITA I

Comentário ao texto de Max Weber:


“Os malentendidos se originam de que ‘interpretação’ é tomada em diversos sentidos, Weber
distingue três:
1o A interpretação filológica -- Consiste na apreensão do sentido literal de um texto, na crítica
dos documentos, etc. É um trabalho preparatório.
2o A interpretação avaliativa ou axiológica -- Faz sobre o objeto um julgamento de aprovação ou
de desaprovação. Comporta vários graus, desde a avaliação puramente emocional por endopatia
até a esfera mais apurada dos julgamentos estéticos e éticos.
3o A interpretação racional -- Seu fim é fazer-nos compreender, pela causalidade ou pela
compreensão, as relações significativas entre os fenômenos ou os elementos de um fenômeno.
A segunda não é um procedimento científico, embora o sábio por vezes deva levá-la em conta. A
interpretação racional é a detentora do sentido, quer tente o sábio determinar a significação que
indivíduos dão a seus próprios atos, ligando-os a estes ou àqueles valores, quer se refira aos
nossos valores para extrair a significação histórica ou sociológica de uma doutrina, de um
acontecimento ou do desenvolvimento de uma situação. É uma análise que se propõe a precisar
quais os valores que estavam em jogo no curso de uma atividade. Weber insiste em que esta
interpretação se submeta aos procedimentos ordinários do conhecimento científico e à
administração da prova. Por isto chama-a também interpretação causal ou explicativa.”
O que Weber denomina compreensão é um pouco diferente daquilo de falava Dilthey. Weber
inclui neste conceito também a explicação causal.
Dilthey denominava compreensão e apreensão interna de uma totalidade singular, como por
exemplo a forma interna de uma obra de arte, fazendo abstração de suas causas.
Compreender A Divina Comédia não é conhecer suas causas, mas propriamente aprendê-la
naquilo que ela é, independentemente do que a tenha causado. As causas de uma obra de arte
poderiam ser infinitas, mas elas não vêm ao caso. Assim, causas biográficas, psico-fisiológicas,
etc, poderiam ter levado Dante a escrever A Divina Comédia; porém, elas não importam.
A compreensão e a explicação, tal como entendidas por Dilthey, são processos opostos.
Weber usa a palavra compreensão num sentido que abarca também a explicação causal. Na
verdade, ele vê a fase compreensiva e a fase explicativa como etapas de um mesmo e único
processo.
A interpretação filológica (interpretação do documento, do texto escrito) só ocorre quando
queremos reconstituir o documento em seu significado mais ou menos originário. Se temos um
documento em língua do século XIII, temos que conhecer a gramática e a semântica do século
XIII, de forma a entendermos o que o documento representa. Este procedimento visa a
reconstituição do material. Uma coisa, porém, é interpretar um documento, outra coisa e
interpretar um fato. O fato não é o documento -- o documento versa sobre o fato. É portanto uma
interpretação de duplo nível: interpretar o documento para, depois, através dele, interpretar o fato.
A interpretação filológica é um requisito preliminar em toda e qualquer ciência. Como seria
possível estudar matemática não entendendo, antes, o que está escrito no livro de matemática?
Podemos por isso dar como certo que a Filologia é a mãe de todo o conhecimento, porque ler e
escrever são requisitos preliminares. Por ser uma parte preliminar, a filologia não faz parte
propriamente da ciência. A filologia serve a todas as ciências. É uma atividade puramente
histórica.
A interpretação avaliativa ou axiológica não é um procedimento científico caso não se trate de
uma ciência normativa como a Lógica ou o Direito (ciências que buscam criar normas para o
conhecimento e para a conduta humanas), ou a própria metodologia (que é parte da Lógica). Nas
ciências visadas por Weber, tal interpretação não é um procedimento científico. O procedimento
pelo qual se faz um julgamento axiológico é completamente diferente daquele pelo qual se julga
causalidades. Mesmo porque o julgamento axiológico depende dos fins pretendidos. Assim, uma
casa mal construída pode ser ruim para morar, porém boa para fazer um bom negócio. Todo
julgamento em geral depende da posição subjetiva e dos fins reais a que o indivíduo visa.
“Toda atividade vincula-se à relação de meios com um fim; compreendemos, com um alto grau
de evidência, a atividade que se volta para um fim consciente, com pleno conhecimento dos
meios mais apropriados. Neste caso, os meios se tornam as causas do fim esperado. A
interpretação racional se esforça por captar a relação significativa entre os meios utilizados e o
fim desejado; é importante que ela permaneça no plano que lhe é dado empiricamente, sem se
pronunciar sobre o valor ético do fim ou dos meios.”
Este parágrafo teria de ser desenvolvido muito extensamente, porque é uma coisa que nos
interessa muito. Desde que estamos lidando com a compreensão de atos humanos, este aqui é o
ponto chave para nós. Quanto a ele, quanto ao parágrafo, basta dizer que quando Weber fala de
compreensão, ele está se referindo sempre a ações humanas dotadas de sentido para o agente. A
chuva não pode ser compreendida, nem a tosse -- são coisas que só podem ser explicadas.
Ninguém tosse com intenção (a não ser que se queira, tossindo, mostrar o quanto se está doente).
A compreensão se aplica sempre à ação humana dotada de sentido para o agente, mesmo que seja
uma ação irracional mesmo que o sentido atribuído a ela seja falso, imaginário. Porém, não é isto
que interessa. O que interessa é compreender primeiro o sentido que a ação teve para o agente,
compreender para que para que o sujeito fez isto ou aquilo, ou para que ele achava que estava
fazendo isto ou aquilo. Conhecidos os fins, investigam-se os meios usados.
Uma ação é, por assim dizer, completa e evidente em si mesma, quando sua causa real é igual a
seu sentido; quando o que está fazendo o sujeito agir é o sentido que ele, voluntária e
conscientemente, atribui a seus próprios atos. Por exemplo, o sujeito se levanta para ir ao
banheiro. Esta ação é perfeitamente evidente. O que ele queria fazer lá? Certamente a alguma
necessidade fisiológica que percebeu e, tendo percebido, concebeu um fim e agiu de maneira
lógica para a sua consecução. Nem todas as ações humanas são assim. A ação pode ter causas que
escapam ao intuito consciente do agente, pode chegar ao extremo de o sentido atribuído pelo
sujeito agente à sua ação ser o contrário da causa real. No entanto, para conhecer a causa é
necessário primeiro conhecer o sentido. Primeiro, o que, depois, por quê -- compreender primeiro
o ato, para depois explicá-lo.
Esta compreensão só é possível quando existe um fim consciente. Se a ação é dotada de sentido,
racional, não quer dizer que ela seja certa em tudo nem quer dizer que ela, no fim, realize os
resultados desejados. Como num jogo de bilhar: ao tentar encaçapar as bolas, dou uma tacada e a
bola pode não entrar no buraco.
Para medir alguma coisa, precisamos de uma régua. A régua é o que Weber chama tipo ideal. Se
vamos estudar a conduta humana, as ações humanas, temos que ter alguns modelos de ação
humana para, comparando estes modelos com a realidade, vemos o que de fato aconteceu.
“O tipo ideal”
1. “Obtém-se um tipo ideal acentuado unilateralmente um ou vários pontos de vista e encadeando
uma multidão de fenômenos isolados, difusos e discretos, ... que se ordenam segundo os
anteriores pontos de vista escolhidos unilateralmente, para formarem um quadro de pensamento
homogêneo.
2. [ A relação com os valores, primeiro momento da seleção operada pela sábio, ] apenas orienta
o trabalho. Não lhe confere ainda rigor conceitual. Este é o papel do tipo ideal.”
A demarcação do âmbito do estudo -- demarcação feita pela importância que tal aspecto tem para
nós, para a nossa cultura, para o meio científico, etc. -- é puramente negativa, por exclusão. Para
começar a observação em medição positiva, temos que ter alguns conceitos iniciais, que serão
dados pelo tipo ideal.
O que é o tipo ideal? Consideremos o capitalismo. Capitalismo é um tipo de conduta na qual o
indivíduo faz uso de determinada riqueza para com ela fazer funcionar um empreendimento
comercial, industrial, bancário, etc., de forma que a quantia no início empregada lhe retorne, com
lucro. Pouco importa no que investe o dinheiro: agricultura indústria, banco, etc. O fato de ser
investimento agrícola, industrial ou bancário não impede que seja capitalismo. No capitalismo a
força considerada ativa é o dinheiro propriamente dito. Visa ao lucro, o que não quer dizer que
sempre dê lucro. Pode ao contrário dar um prejuízo enorme. Mas idealmente visa ao lucro.
Excluímos os erros de cálculo que o capitalista possa cometer, excluímos que numa determinada
sociedade pode haver elementos capitalistas misturados (como no Brasil). No capitalismo, os
indivíduos arriscam seu dinheiro. O fato real -- seguros do capital, garantias de governo, etc --
não altera a estrutura do que idealmente concebemos. De forma a compreender as diversas
combinações possíveis -- capitalismo/socialismo, capitalismo/feudalismo ... --, avaliá-las,
construímos um tipo ideal chamado capitalismo, um tipo ideal chamado feudalismo, um tipo
ideal chamado socialismo, vários tipos de conduta humanas.
Se quisermos saber o que é um católico e o que é um protestante, procedemos do mesmo jeito.
Mesmo que seja mais fácil definir um do outro (o católico é mais fácil que o protestante, pois sob
essa denominação há um grupo imenso de possibilidades), não importa: o procedimento é o
mesmo.
O tipo ideal pode nem mesmo existir, mas será através dele que podemos fazer as comparações.
A astrocaracterologia só lida com tipos ideais. Entender, portanto, o que seja tipo ideal, é a
condição preliminar para saber que estamos falando. É possível descrever o caráter,
independentemente da educação, do ambiente familiar? Sim, é possível. Porém, isso existe,
assim, dessa forma? Claro que não. Porém, podemos conceber que se o indivíduo permanecesse
inalterado após ter nascido, se seu caráter de nascimento encontrasse todos os canais livres de
expressão, se nada o atrapalhasse, pelo contrário, se tudo o ajudasse, então ele se manifestaria
cristalinamente. O fato é que ninguém é assim. Como é o sujeito realmente? Para responder isso,
é preciso fazer o tipo ideal do caráter para depois comparar com que aconteceu de fato. Daí a
distinção que fazemos entre caráter e personalidade. O caráter seria o tipo ideal e a personalidade
o tipo real.
Existe uma infinidade de tipos ideais, um para cada astrológico. Cada mapa astrológico é um tipo
ideal e a ele chegaremos pelo método de Weber. Primeiro, acentuamos unilateralmente certos
traços; segundo, apagamos outros traços dados no caráter são finalidades buscadas pelo
indivíduo; quarto, supomos que essas finalidades são sempre atendidas através dos melhores
meios, sem erro, e que não só o indivíduo lança mão dos melhores meios para seus fins como
também ninguém o atrapalha. Claro que podem nascer duas ou três pessoas no mesmo lugar e na
mesma hora, as quais terão o mesmo tipo ideal.
“3. O tipo ideal é o modo de construção de conceitos peculiar ao método histórico ou
individualizante. Como elaborar o conceito rigoroso de uma realidade singular se não se pode
proceder por generalização, no sentido da tomada de consciência das analogias e das semelhanças
com outras realidades, já que tal medida subordina os fenômenos a leis ou a conceitos genéricos
que precisamente despojam o singular de seus caracteres distintivos e particulares? Mais
brevemente: é possível formar conceitos individuais, embora admitindo-se corretamente que só
existem conceitos gerais?
Todo conceito é conceito de uma espécie. Portanto o indivíduo (que é singular) escaparia ao
conhecimento racional. Neste sentido, não se pode ter conceito do individual, pois só pode haver
conhecimento racional do genérico. Isto significa que ciências como História, a Sociologia, etc.,
estariam todas condenadas, nunca poderiam ter uma base racional. Weber tenta resolver isto
através do conceito do tipo. Quando pensamos em tipo, lembramo-nos de protótipo, arquétipo, de
um modelo passível de muitas cópias, o que por sua vez seria o conceito de espécie. Não é disto o
de que Weber fala.
“Acredita Weber achar a solução no conceito de tipo, entendido de uma certa maneira. Esta
noção de tipo pode:
(a) tomar o sentido de um conjunto de traços comuns, que constituem então o tipo
médio;
(b) mas também o de uma estilização que põe em evidência os elementos característicos,
distintos ou ‘típicos’; [ este é o tipo ideal ].”
A busca deste traço singularizante é a chave do tipo ideal. Para saber como se faz isto, é só ler os
grandes romancistas -- porque o grande romancista vai pegar, da vida do personagem, momentos
que singularizam, excluindo o restante.
“Harpagão não é o avarento médio; graças a um processo de aumento, de exagero e de
amplificação, Molière lhe deu a significação de uma individualidade características. Não resume
os traços comuns dos avarentos, mas é um personagem estilizado.”
Claro que dificilmente se achará um avarento que seja igual a Don Quixote, etc. Porque nestes
personagens os traços estão muito amplificados, exagerados e por estarem exagerados é que você.
Não fosse assim e os traços dos personagens se diluíram numa média, o personagem não
pareceria estar fazendo (nem sendo) nada de singular.
Nosso procedimento será portanto o de fazer vários tipos ideais, um para cada horóscopo.
Alguém pode alegar que isto é algo impossível de se fazer, dado que Balzac, em sua obra (de uns
18 volumes) criou 30 tipos característicos. Porém, no nosso caso, não precisaremos dar uma
expressão plena a este tipos ideais, a estes personagens. Vamos nos limitar a indicá-los numa
linguagem técnica, o que fará com que a nossa caracterologia pareça, sob este aspecto, uma
tipologia. Vamos aplicar quatro ou cinco conceitos descritivos que podem ser aplicados a todos
os casos, de todos os horóscopos. Assim, o conceito das faculdades é o mesmo para todos os
tipos e veremos a diferença, para cada indivíduo, apenas através de uma dosagem, de uma
proporção mútua, de um relacionamento quantitativo entre estas faculdades. De modo que
usaremos uma linguagem tipológica, mas não se iludam: não estaremos fazendo uma tipologia
mas sim uma caracterologia, porque este processo de singularização em astrocaracterologia pode
ser levado ad infinitum. Usando apenas os seis critérios que temos, isso gera 2.800.000 tipos;
acrescentando um item astrológico, teremos aqueles 2.800.00, vezes doze; se incluíssemos Urano
e Netuno, teríamos 2.800.000 vezes doze ao quadrado tipos. É uma cifra que escapa à nossa
imaginação, uma combinatória de tipos humanos tal que chegamos a uma caracterologia. Uma
tipologia é composta de tipos médios e uma caracterologia é composta de tipos ideais.
Cada individualidade tem o seu tipo ideal a que chamamos caráter.
A astrologia é um processo dedutivo, que parte de alguns elementos intuitivos. O procedimento
por excelência da astrologia é do tipo ideal individual, o qual terá de ser contrastado com
existência real na qual existem outras causas intervenientes. Todo bom astrólogo sabe perceber a
diferença entre o horóscopo e a realidade e por isso dá um desconto em cada caso. Faz (ou deve
fazer) o que já dizia São Tomás de Aquino: o astrólogo prognostica genericamente, não entra na
realidade concreta. Pois isto seria confundir caráter com personalidade.
“Weber fala, em sua definição, de uma acentuação ou amplificação unilateral de pontos de vista.
A idealidade desta construção é uma utopia, que nunca se encontra ou só raramente é encontrada
em sua pureza na realidade empírica e concreta. O tipo ideal do ‘capitalismo’ compreende os
traços característicos que definem a sua originalidade, as tendências e os fins a que ele visa como
objetivo, mas que não tenham sido realizados plenamente em parte alguma. O tipo ideal
representa os seu ‘desenho’ racional, isto é, a sua estrutura lógica, independentemente das
flutuações do real. Ele consiste numa totalidade histórica singular, obtida por meio de
racionalização utópica e de acentuação unilateral dos traços característicos e originais, para dar
uma significação coerente e rigorosa ao que aparece como confuso e caótico em nossa
experiência puramente existencial.”
O que vai construir a singularidade do estudo astrológico é que lidaremos com um tipo ideal não
inventado por nós, mas um tipo ideal que é construído por nós a partir de um protótipo que é
dado num simbolismo natural. Este será mais tarde um grande problema, não para nós, mas para
a astrologia pura. Se verificarmos de fato que estes tipos existem, não como concebidos pelo
homem, mas existem na natureza -- que é o que a astrologia parece indicar -- estaremos numa
espécie de pensamento cósmico captando realmente um indício de que existe uma espécie de
racionalidade cósmica que é prévia ao nosso pensamento. E isto é um enigma, um mistério que
levaria mais de mil anos para ser convenientemente investigado. O pressuposto mesmo da
astrologia é que o cosmos pensa e pensa humanamente, tem intenção. A astrocaracterologia
resolverá um problema à custa de criar um outro. Só que este outro já está equacionado.
“Weber faz aqui certas precisões negativas, para evitar confusões. Em primeiro lugar, ele opõe o
conceito de tipo ideal ao de substância, que pretende captar a realidade das coisas no seio de uma
hierarquia de espécies e de gêneros. O tipo ideal não precisa identificar-se com a realidade
‘autêntica’. A idéia que fazemos, por exemplo, de uma época ou de uma doutrina, sob a forma de
tipo ideal, não corresponde forçosamente à idéia que os seus contemporâneos faziam dela.”
O tipo ideal não é a essência. Porém, poderá em certas circunstâncias coincidir com ela. O tipo
ideal é concebido, inventado pela acentuação de certos caracteres, independentemente de serem
reais ou imaginários, o que interessa é se o esquema funciona ou não. Em certos casos, ele vai
coincidir com a situação real.
“Em segundo lugar, a idealidade dessa construção nada tem em comum com o ideal ou dever-ser
no sentido ético. Sua única perfeição é de ordem lógica e não moral.”
Quando se diz “tipo ideal”, não quer isto dizer que seja ideal do ponto de vista ético. Ao
contrário, eticamente pode ser a pior coisa do mundo. O tipo ideal da só é bom do ponto de vista
do tirânico.
“[ É preciso cuidado para não conferir indevidamente ao tipo ideal uma realidade empírica, o que
poderia dar a ilusão de podermos ] elaborar uma síntese definitiva da realidade.”
É o que fazem os astrólogos: a partir de um conjunto de tipos ideais -- Áries, Touros, Gêmeos,
etc, etc -- sentenciam: é o cosmos.
O tipo ideal pode coincidir ou não com a realidade.
Quais são as causas da crise do Oriente Médio? Você não terá respondido esta pergunta
simplesmente quando mencionar várias leis gerais que podem causar crises históricas, como
problema de fronteiras, ocupação de territórios ricos em minerais, etc. Tudo isso são leis gerais e
toda lei geral é sempre potencial, nunca é atual, efetiva. Quando você descobrir todas as leis
gerais que estão em jogo, ainda assim não saberá qual foi a causa. Na história, o método não é o
de encontrar leis gerais, mas encadear fatos singulares causadores de outros e assim por diante.
“2. Embora todos os elementos da constelação intervenham na produção de um acontecimento,
não adquirem eles todos a mesma importância aos do historiador. Este faz uma seleção, de modo
que nos vemos diante do problema: como determinar o peso de uma causa? Qual a operação
lógica que permite ao historiador introduzir uma desigualdade significativa entre os antecedentes
do objeto que analisa?
Nas ciências naturais existe a possibilidade de um experimento que, tendo hipótese todo um
conjunto de causas, suprime, efetivamente, algumas delas, para ver o que acontece. Porém, na
história nós não podemos fazer isto porque os eventos já aconteceram e não voltam mais. Não
podemos des-acontecê-los. A investigação das causas desenvolve-se sempre por comparação do
peso de uma causa com o peso de outra ou com a presença de uma causa e ausência de outra). Só
que em ciências naturais é possível reproduzir experimentalmente a situação porque são situações
repetíveis, como o processo pelo qual uma doença se instala e evolui.
“Para atribuir importância à batalha de Maratona, o historiador formula, implicitamente pelo
menos, a pergunta: que teria acontecido se os persas tivessem vencido? Esta pergunta é análoga à
do criminologista ou do juiz que indaga a si mesmo sob que condição pode afirmar que um
indivíduo é responsável por seus atos. O historiador isola em pensamento uma causa, para
indagar a si mesmo se o curso dos acontecimentos teria sido o mesmo ou diferente sem ela.
Fazendo o historiador essa abstração, constrói um curso possível das coisas, para determinar as
causas reais ou suficientes. ‘Para determinar as relações causais reais’, diz Weber, ‘construímos
causas irreais’.”
Investigação de causa é o mesmo que investigação de culpas. Quem foi que fez tal coisa? Como é
que procede o delegado, investigador ou juiz inquérito? Comparando as várias possibilidades de
ação, dos vários suspeitos envolvidos. Em História, em Psicologia, é a mesma coisa.
“3. Em quê é objetiva essa possibilidade? A objetividade se fundamenta em nosso saber positivo
das condições existentes e em nosso saber nomológico, apoiado nas regras gerais da experiência.
Não é uma visão arbitrária do espírito, uma hipótese gratuita, mas sim uma suposição racional,
que se deixa justificar por certo número de elementos conhecidos.”
O tipo ideal é a descrição ideal de um estado, de um modo de ser de uma conduta. Possibilidade
objetiva é um esquema causal ideal: dado certas causas, certos efeitos decorrerão necessariamente
por um encadeamento evidente.
“Como o tipo ideal, a possibilidade objetiva constrói um ‘quadro imaginário’, uma utopia, ou
melhor, uma ucronia, exceto que, em vez de acentuar traços característicos, ela faz abstração,
pelo pensamento, de um vários elementos da realidade, para indagar o que teria podido acontecer
no caso considerado. A possibilidade não é a expressão de um não-saber, pois se refere ao que
conhecemos por experiência.”
Consideramos o seguinte: Saddam Hussein invadiu o Kuwait. Fazia um ano que a CIA estava
avisando o Pentágono de que iria fazer isto. Por que o Pentágono não fez nada? Seria lógico que
fizesse algo, tendo em vista o interesse nacional americano. Como sabemos que um determinado
procedimento seria lógico, contrastamo-lo com o que aconteceu de fato. Daí levantamos
hipóteses: os EUA não o fizeram por negligência, etc. Não é possível fazer isso sem um tipo ideal
de conduta.
“Erraríamos, no entanto, se concluíssemos que a condição assim modificada, ou suprimida, seria
a única causa do acontecimento; ela toma somente a significação de uma condição importante
entre outras, pois a História não conhece causa única. ‘Não temos necessidade de saber o que
teria acontecido’, diz Raymond Aron;’ basta-nos saber que as coisas teriam sido diferentes.’ “
A atitude do Pentágono perante a crise evidentemente não pode ser tomada como única causa,.
Porque os outros também agem. Precisaria encaixar uma linha de explicação com outras
hipóteses. Tudo isso iria formar a constelação das causas.
A descrição do que teria acontecido não precisaria ser completa. É só suprimir imaginariamente
um fator e ver se ele teria mudado alguma coisa.
“4. Assim fica precisada a natureza da causalidade nas ciências humanas: ela é de ordem
probalística. E isto não somente por causa da imperfeição do nosso saber, mas também em
virtude da multiplicidade dos antecedentes. Por mais completo que possa ser o nosso saber, o
inevitável momento subjetivo da seleção bastaria para introduzir a probabilidade.
O processo explicativo em ciências humanas, sendo de ordem probalística, significa que o tipo de
explicação a que chegamos é do tipo: dadas tais ou quais condições, haverá uma tendência de x
% de acontecer isto, x % de acontecer aquilo. Não dá para ir mais além.
“5. O grau de probabilidade que resulta de uma construção objetivamente possível é variável.
Embora o grau de possibilidade objetiva em favor de um curso de acontecimentos diferente do
que teve lugar seja fraco, não se poderia, entretanto, dizer que sua significação tenha sido
absolutamente nula. Inversamente, embora o grau de possibilidade objetiva de um
desenvolvimento tivesse sido muito grande, não se pode dizer que essa evolução seria
absolutamente inevitável. O papel da categoria da possibilidade objetiva não é, pois formar
julgamentos de necessidade, mas sim pesar a significação das diversas causas. Quando a
probabilidade, resultante de uma construção objetivamente possível, é muito grande, Weber
sugere que se fale de um causalidade adequada; e quando ele é fraca, de causalidade acidental.”
É este o ponto aonde devemos aspirar chegar, ou seja, descrever a causa adequada de um
comportamento, de um ato, de uma situação e saber distingui-la das causas manifestadamente
acidentais. Dada uma causa, construímos um comportamento decorrente de modelo lógico;
suprimimo-la imaginativamente do desenrolar dos acontecimentos e observamos então que isso
alteraria pouco o comportamento. Dizemos tratar-se então de uma causa acidental.
Se isso fosse dotado como um princípio ético na convivência dos seres humanos, a vida seria bem
melhor. Com a prática decorrente do estudo da história, astrologia, psicologia, sociologia, é quase
impossível não acabar por adquirir-se um senso dos motivos das ações alheias. Isto permite fazer
julgamentos que, com grande probabilidade, serão mais justos.
“6. A recusa de Weber em aplicar a palavra ‘necessário’ em vez de ‘adequado’, se explica por sua
preocupação de sustentar para o devir seu caráter irracional.”
Podemos dizer que se encontramos uma causa com alto grau de probabilidade, encontramos a
causa necessária, efetiva. Weber não completou a simetria contrapondo o acidental ao necessário,
mas contrapôs o acidental ao adequado (ou provável). Porque * Weber * diz que o devir tomado
na sua totalidade não pode ser dito racional nem irracional a priori, pois não sabemos e não cabe
à ciência fazê-lo, por tratar-se de uma decisão de ordem metafísica.
“A história não é racional em si mesma, mas o historiador consegue racionalizá-la relativamente:
na medida em que ele consegue formular julgamentos objetivos de ordem probalística sob a
forma de uma relação adequada entre a causa e o efeito, é possível um conhecimento científico da
História. Não existe obstáculo lógico para uma ciência singular.”
Não existe obstáculo lógico para uma ciência do singular e uma caracterologia na mesma base é
possível, sendo que, ademais, contamos que os esquemas básicos em cima dos quais
construiremos descritivamente os tipos ideais já estão dados pela infinidade dos horóscopos.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 40 SÃO PAULO, 13 JAN, 1991 TRANSCRIÇÃO:
DENISE APARECIDA ALBANESE RODOLFO BARONCELLI JÚNIOR FITA I

A NEUTRALIDADE AXIOLÓGICA
1. “Tem o sábio o direito de aproveitar a autoridade adquirida em matéria puramente científica,
para tentar impor seus pontos de vista pessoais e partidários?
A posição de Weber é tanto mais irritante quanto despida de toda mesquinharia de espírito. O que
ele admitia era que se apresentassem como verdades científicas convicções pessoais subjetivas
sob o hábil subterfúgio que confunde, com uma pretensa boa-fé, as observações empíricas
constatáveis ou cientificamente controláveis e as tomadas de posição ou julgamentos de valor
cuja justificativa se apoia unicamente numa crença em fins últimos contestáveis e arbitrários.
Weber se opõe, em princípio, às avaliações feitas do alto da cátedra. Entretanto, num século em
que triunfa a especialização universitária, não se compreende que um sábio sinta a necessidade de
incultar nos seus estudantes, além da matéria especial que é objeto de seu ensino, uma concepção
do mundo. Não há especialidades acadêmicas revestidas da condição de profecias professorais.
Por uma simples questão de dignidade pessoal, o professor deveria, em sua qualidade de
professor, dar cumprimento à sua tarefa pedagógica sem fazer as vezes de reformador cultural
sem meios práticos, ou se atribuir qualidades de chefe de Estado a quem fala o essencial: a
coletividade estatal. Caso se considere a sala de aula o lugar onde se podem debater problemas
ideológicos e práticos, é preciso conceber o mesmo direito às opiniões contrárias. É a isto que se
chega com a liberdade de se fazer advogado de idéias práticos: a função de professor perde todo
seu crédito.
Aos olhos de Weber, a conduta de um professor deveria ser a seguinte: cumprir com simplicidade
a sua tarefa, subtraindo sua pessoa, para servir apenas à causa do ensino; não ignorar, quando da
exposição dos problemas da sua disciplina, os fatos desagradáveis e sobretudo os que poderiam
vir a sê-lo de sua posição pessoal, e fazer a distinção entre a constatação empírica e os
julgamentos de valor. Isso implica estar ele próprio em condições de tomar consciência da
heterogeneidade entre a esfera da ciência e a da convicção. A neutralidade axiológica no campo
da pedagogia depende, também ela, de uma avaliação.”
O que o texto esclarece é o óbvio. Só que no campo da astrologia, as pessoas que estão
pretendendo divulgá-la e entendê-la, junto com isso estão passando sua própria concepção de
mundo. Vender concepções do mundo é um negócio de grande rentabilidade.
Se supomos que ao pesquisar o fato astrológico devemos fazer os outros aceitarem em novas
concepções sobre a natureza da matéria, sobre a estrutura do cosmos ou sobre outro assunto
qualquer, fugimos inteiramente do campo da astrologia.
Estas teses podem até ser defensáveis, porém dentro de um outro estudo, dentro de um outro
esquema. Devo dizer-lhes que eu mesmo fiz isto: no meu texto Astrologia e Ciências (1977),
vendi concepções do mundo e vendi barato. Pensava que para a astrologia ser aceitável teria que
modificar toda a concepção de ciência. Dizia isto porque simplesmente tinha o conhecimento
médio das escolas universitárias. O que eu falava passava por perfeitamente respeitável. A luz de
estudos mais aprofundados, vejo que falei um monte de bobagens. Era jovem, tinha 29 anos. É
perdoável mas não tolerável.
Passados 15 anos, ainda há quem esteja falando a mesma coisa, repetindo as mesmas teses. Ainda
não perceberam que estas pretensões são exageradas, pois a astrologia não pode se oferecer como
reforma da estrutura do pensamento científico. E é nisso em que praticamente todos os astrólogos
acreditam.
Em recente congresso de astrologia, um astrólogo, por sinal muito inteligente, defendia
precisamente o fato de que nós estamos entrando numa época onde há uma nova concepção da
interdependência cósmica (tese de Fritzjof Capra). Só porque novos problemas em discussão, isso
não quer dizer que temos uma nova concepção pronta, uma nova metodologia. Sobretudo, pelo de
termos uma necessidade qualquer, isso não significa que a satisfação dessa necessidade ocorra.
Em ciência, leva séculos.
O que vemos é no máximo uma tentativa de adaptar, de maneira mais ou menos improvisada,
certas concepções do microcosmos e do macrocosmos, a lei da analogia, a teoria das simpatias,
para dar alguns exemplos. Estas concepções medievais ou gregas, que ficaram fora de moda
durante uns quatro séculos agora estão voltando.
O fato de se tentar fazer um aproveitamento científico destas idéias não quer dizer que a
metodologia para isto já existia. É a mesma coisa que, contatado o problema da inflação no
Brasil, considerar que já exista algum novo sistema econômico que esteja funcionando.
Pode-se tentar um enfoque um pouco diferente do puro enfoque causal linear, como um Ecologia,
onde há uma multiplicidade de causas operando ao mesmo tempo e que convergem para um
determinado resultado. Este não é um novo conceito de ciência, é o velho método de Weber. E o
que se vê portanto é apenas o oferecimento de novas idéias velhas, que estão aí desde São Tomás
de Aquino. Como disse um cientista político, “meu livro tem algumas idéias novas e algumas
idéias boas. Vocês podem objetivar que as boas não são novas e as novas não são boas.”
Quando Weber fala das condições pessoais do professor, ele quer dizer que existe uma postura
moral implícita no fato de um homem de ciência, enquanto atua no campo da pedagogia, não
tomar posição quanto a temas religiosos ou morais. Não podemos escapar totalmente das
avaliações morais, porém não devemos deixar de apresentá-las como aquilo que são. O professor
deve esclarecer quando o que diz é opinião sua, é fruto de sua postura pessoal, etc. Ele tem o
direito de fazer isso, mas não o de fazer passar como um fato confirmado em ciência uma postura
pessoal sua. A astrologia, inclusive, na medida em que uma parte do público a aceita, adquire
uma autoridade, pelo menos dentro desse círculo, e por conta desta autoridade o astrólogo passa
todas as suas convicções morais, como por exemplo a moral: da sutilização energética -- que é
um princípio indefensável mas que no entanto é vendido por conta da astrologia -- como se fosse
impossível a compreensão de alguma coisa sem o endosso de uma moral energética, que faz da
sutilização um bem, uma obrigação; cria o compromisso de passar de níveis mais grosseiros para
níveis mais finos de matéria como se isto fizesse alguma diferença do ponto de vista ético.
2. “Não é o que acontece no campo da pesquisa. Essencialmente a ciência é refratária aos
julgamentos de valor. Ela não quer agir por força de convicções pessoais, mas sim mostrar que
suas proposições se impõem a todos os que querem a verdade.”
Isto quer dizer que o homem de ciência não pode aceitar nem mesmo que seu público aceite as
suas afirmações simplesmente por respeito a ele. Não pode se contestar com isso.
A força do hábito de estar ouvindo um professor há algum tempo faz com que você aceite suas
teses. Mas, se há um intuito científico, isso não pode acontecer, pois você pode estar ajudando o
professor a se enganar a si mesmo. A autoridade pessoal não serve como garantia para tudo o que
o homem de ciência faz.
Há uma distinção necessária entre convencer e persuadir. Persuadir é tornar uma pessoa
simpática ao que se está fazendo; convencer é dar a uma pessoa uma convicção intelectual, de
maneira que ela mesma será capaz de fazer a demonstração para si mesma e sustentar perante si
mesma aquela tese e defendê-la contra as críticas que ela mesma emite.
Em qualquer estudo científico devemos tentar fazer com que o aluno alcance esta convicção
pessoal, reduzindo ao mínimo o papel da persuasão psicológica. De forma que o que estou
dizendo, vocês devem ouvir como se estivessem lendo um livro, vocês podem voltar atrás, podem
ler de novo, podem pensar um pouco, examinar bem. Caso contrário não vamos adquirir a clareza
necessária para que as nossas conclusões possam ser firmes.
“É verdade e continua a sê-lo, que na esfera das ciências sociais uma demonstração científica,
metodicamente correta, que pretende ter atingido seu fim, deve poder ser reconhecida como exata
igualmente por um chinês, embora não seja talvez possível realizá-lo plenamente, em virtude de
uma insuficiência de ordem material.” Nada proíbe ao sociólogo que tome por objeto de suas
pesquisas as opiniões diversas dos indivíduos sobre uma determinada questão, porém não está
mais fazendo ciência quando omite outra opinião sobre essas opiniões. Se o investigador topa
com fatos que não pode explicar com os meios atuais da investigação científica, não lhe cabe
negá-los em nome de uma concepção subjetiva, ignorá-los ou relegá-los à esfera da superstição.”
Os fatos desagradáveis têm sido sempre, no debate astrológico, omitidos tanto pelos defensores
quanto inimigos da astrologia. Todos escondem fatos, sem exceção. A comprovação do
fenômemo astrológico não comprova a veracidade da ciência astrológica. Há confusão entre
matéria e forma, entre o assunto e a ciência, entre o tema e o saber.
O meio astrológico, embora tenha algumas pessoas de certa cultura, em geral é preenchido por
uma mentalidade um pouco primitiva e mágica, quando se depara com o raciocínio lógico o teme,
como se fosse uma terrível armadilha.
O primitivo ao ouvir uma demonstração, teme ser enganado, pois o outro raciocina, fala mais
claro do que ele, dialetiza. Faz-se necessário dominar esta dialética. Caso não se dispunha de
lógica, dialética, etc, só resta acreditar nas impressões pessoais e estas certamente são
enganadoras com muito mais freqüência do que qualquer lógica do mundo. A credibilidade em
relação às próprias impressões é alta e a desconfiança na demonstração lógica, extrema. A
demonstração lógica só é valida coletivamente, enquanto as impressões pessoais são válidas
apenas para aquele indivíduo. Mas se houver muitos indivíduos com impressões pessoais
análogas, embora não idênticas, pode-se criar uma inter-confirmação, mas sem exame crítico.
Os encontros de astrólogos são deste tipo, de inter-confirmação. Um está lá para apoiar o outro. O
problema não está em se conseguir a confirmação de outra pessoa, mas em você mesmo persuadir
racionalmente, mediante um exame crítico. Se você reúne mil pessoas, todas fugindo do exame
crítico e uma confirmando a outra, de que vale esta confirmação? É como um hospício: cada
louco concorda com a loucura do outro porque cada um pensa que é Napoleão. É uma espécie de
demência coletiva e isto é algo que existe em muitos lugares, não só no meio astrológico. Pode
haver uma função psicológica, de reforço, para avaliara angústia, mas não estamos falando de
psicoterapia. Para um astrônomo, por exemplo, que participa de outra atmosfera, que não
participa deste sentimento, é normal que ele ache todos loucos.
3. “É verdade, observa Weber, que certos sábios e alguns espíritos simplórios que ocupam
cátedras universitárias continuam animados de otimismo ingênuo, que lhes faz acreditar que
poderão descobrir o caminho da felicidade individual e social. Pode-se sempre perguntar à
ciência: Que devemos fazer? Como devemos viver? Ela não dará nenhuma resposta, porque ela é
teoria. Essa resposta, cada deve procurar em si mesmo, de acordo com seu gênio ou sua
fraqueza.”
XXX
RESUMO
Alguns comentários que visam a esclarecer os conceitos usados.
Método generalizante:
Procura encontrar leis gerais que se apliquem a todos os seres de uma espécie. Tende a buscar
uma perfeição matemática.
Método individualizante:
Ocupa-se de singularidade (como as propriedades particulares de um ente, por exemplo). Tende a
apoiar-se na intuição.
O método generalizante era atribuído às ciências da natureza e o individualizante, às ciências da
cultura.
O método quantitativo é uma qualidade do método generalizante e o intuito, do método
individualizante. Não são, porém, a mesma coisa. Para se definir o método individualizante não
basta dizer que ele é intuitivo, assim como para definir o método generalizante não basta dizer
que ele é quantitativo.
Weber: todas as ciências fazem uso dos dois métodos.
Explicar e compreender:
Explicar é buscar uma causa segundo uma lei geral.
Compreender é o entendimento da coisa mesma, do seu significado.
O intuicionismo é uma empatia que se tem. A empatia dá a conhecer algo, porém, sem qualidade
universal. A não ser que o conteúdo seja transposto a uma forma conceitual e em seguida
submetido à verificação.
A intuição apenas coloca o objeto, sem nada afirmar. Por exemplo, quando você tem a
recordação de algo, quando lembra uma cena, visualiza-a, pode fazê-lo com o intuito de dizer:
“foi assim” Mas também pode lembrar da mesma cena com o intuito de dizer: “poderia ter sido
assim!” Qual das duas coisas você poderá dizer não é algo que a intuição esclareça, pois não trás
consigo uma afirmação explícita.
Intuição não implica juízo e só pode haver veracidade ou falsidade no juízo. Há que haver
portanto a transposição conceitual e submissão desse conceito a um juízo e este juízo à
verificação.
A intuição também é seletiva. No método quantitativo é fácil perceber a intuição: é só tomar um
caráter comum a vários fenômenos e somar quantas vezes este fenômemo apareceu sob tal
aspecto.
A intuição é presidida pela atenção. Só é possível intuir aquilo no que se presta atenção.
Há uma crença em que o devir físico é mais racional do que tudo quanto é próprio da
subjetividade humana. E isto é o que não sabemos porque, depois de Weber, a física descobriu
várias coisas no campo da matéria que parecem perfeitamente irracionais. Existe uma partícula, o
neutrino, que tem a particularidade de nunca estar em lugar nenhum. No entanto, existe. Também
o buraco negro, a anti-matéria, o universo paralelo .. que são hipóteses levantadas no mundo
científico e que parecem estar escapando da esfera do racional. Do mesmo modo que os eventos
psíquicos, alguns escapam à esfera do racional. Por outro lado, os eventos psíquicos estão hoje
em dia sendo remetidos ao ADN, uma combinatória matemática. E tudo isso dá razão a Weber.
Temos uma impressão de estabilidade do universo físico e uma impressão de instabilidade do
mundo emocional. Isso se deve principalmente a uma diferença de escala: observamos o universo
físico desde uma escala macroscópica. Por exemplo, pode ser que, ao virmos uma pessoa
rotineira, que parece estar sempre fazendo a mesma coisa, não consigamos observar uma grande
instabilidade emocional presente nelas. Do mesmo modo, o universo físico, observado sob certa
escala, parece estar (assim como o que o compõe), imóvel. Ao observar por uma outra escala,
vemos acontecer uma indefinida quantidade de coisas. Ou seja, tudo são impressões que têm que
ser corrigidas pela crítica racional. Deve-se conferir o conteúdo intuído com a razão e depois a
conclusão racional pela intuição. Se a pessoa acredita na impressão e não a compara com outras
impressões que não teve mas que poderia ter tido, então se engana.
Se você examina uma paisagem de longe, parece que está tudo parado. Olhando mais de perto, o
que se vê é outra coisa, conta-se por exemplo que algumas coisas se movem. A intuição não pode
fornecer este dado na medida em que só há intuição do que está presente. O possível não existe
para a intuição, só para a razão, do mesmo modo que para a razão não existe o fato. Uma (a
intuição), fornece o fato; a outra (razão), a possibilidade. É o contraste de uma coisa (fato) com a
outra (possibilidade) que chegamos à coisa inteira. De forma que mesmo admitindo que o mundo
seja irracional -- há quem o admita -- não há motivo para deixar de estudá-lo racionalmente.
Não se deve confundir determinismo com racionalidade.
Determinismo: determinadas condições serão causas necessárias de determinada direção dos
acontecimentos.
O encadeamento causal obedece a uma lei, a uma regularidade prévia. Determinismo é portanto a
concepção que remete todo processo causal a leis gerais. Isto é, existem leis gerais que presidem
todo o devir e nada escapa destas leis gerais. Neste caso, só poderíamos ter um conhecimento
racional de um evento caso conseguíssemos remetê-lo à lei geral que o constitui. Toda explicação
buscaria remeter o fato particular a uma lei geral. E é isto precisamente o que Weber nega.
Uma coisa pode ser racional. Por exemplo, quero ir ao banheiro, porém, no meio do caminho
desvio. Este desvio teve causa. O acontecimento que nos parece fortuito ou acidental também tem
causa. O que não pode ser submetido a uma lei geral nem por isso acontece do nada. Existem
causas particulares que podem se somar em grande número e formar uma constelação de
acidentes e provocar o evento, sem que isso obedeça a lei alguma.
Causalidade e legalidade
É erro identificar uma coisa com outra. Legalidade é remeter o singular à lei e o fato de não se
conseguir fazer isso não significa que o fato não tenha causa.
Razão de ser e razão de conhecer
Razão de ser: é o que de fato dá causa ao ente, evento, etc. O que se identifica com causa
eficiente, pois existem causas finais que poderiam ser razão de ser. O que é causa realmente do
fenômeno é simplesmente a lei geral sob a qual ele ocorre.
Razão de conhecer: é o conhecimento das leis gerais que nos dá a razão de ser, as leis próprias
daquele fenômeno. Quando se conhece a lei geral pela qual o fato acontece não se sabe qual a
causa, apenas se sabe que espécie de causas intervieram.
É como o caso do soldado que se apropriou de um carro para ir ao quartel. Não se configurou o
caso como furto na medida em que ele apenas usou e o devolveu. Não havia pena para furto para
uso. Este caso seria possível de ser enfocado pela razão de ser, mas não pela razão de conhecer,
pois o princípio geral a que pudesse ser remetido.
Os princípios gerais tanto podem ser estabelecidos pela quantidade (análise de inúmeros casos
semelhantes) quanto por pura dedução. Em geral, é por método indutivo; dispondo uma série de
eventos numa mesma seqüência, chega-se a conhecer esquematicamente qual deverá ser o
encadeamento do próximo evento, porém de maneira genérica, não efetiva.
Diferente noção de causa no método generalizante e no método individualizante. No caso do
método generalizante a causa é remetida à lei e no método individualizante, à causa singular.
O método generalizante enfatiza a ratio cognoscendi, embora sem descartar também a ratio
essendi; o método individualizante enfatiza a ratio essendi sem descartar totalmente a ratio
cognoscendi.
A limitação de todo conhecimento causal é não só devido ao fator de haver causa desconhecida
mas também por haver causa da causa, o que, prosseguindo, remeteria a uma causa indefinita.
Todo conhecimento causal é limitado mais ou menos arbitrariamente, pois existe a causa da causa
da causa. Com que autoridade é possível circunscrevê-la? Com a autoridade de quem só se
interessa por conhecer até aquele ponto. No caso das ciências humanas este critério é dado pela
relação com os valores.
Esses valores seriam aqueles relativos ao interesse particular do indivíduo, da justificativa social
do problema, da justificativa cultural, aos interesses de Estado, etc. Previamente à seleção do
tema existe a indicação mais ou menos vaga, depois o levantamento do valor deste tema para i
indivíduo pessoalmente, pois não se escolhe um tema pelo qual não haja interesse pessoal. O
indivíduo é o que escolhe o tema e por isso é o primeiro critério, o que porém não basta. É
necessário observar a sociedade onde ela está, como ela encara o tema. Caso não se saiba isso,
será difícil limitar o tema.
E se eu perguntar como a sociedade encara a Astrocaracterologia? Simplesmente não encara.
Tenho que saber que é um tema ausente, mas não sem importância, porque há certos temas em
discussão na sociedade que só poderiam ser resolvidos través deste estudo. Então, estou
localizando o tema.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 40 SÃO PAULO, 13 JAN. 1991 TRANSCRIÇÃO: JOEL
NUNES DOS SANTOS FITAS II E III

Se proponho um curso de astrocaracterologia, simplesmente a sociedade não encarará este tema,


pois é um tema ausente. Ausente mas não sem importância, pois há certos temas em discussão na
sociedade que poderiam ser resolvidos através deste estudo.
Pode ser que este tema seja de interesse para um grupo, para determinado meio científico. No
caso dos astrólogos, este tema poderia ser de interesse mas não é ainda). Dessa forma delimita-se
a importância meramente potencial do tema, pois é um tema que poderia ter diversas
conseqüências dentro deste campo de estudos. As conseqüências possíveis deste estudo, se
viradas ao contrário, estão delimitando este âmbito de estudos. Isso é como espelhos que vamos
colocando para enxergar melhor a coisa.
No século XII, o papa Inocêncio III baixou um decreto dividindo dois tipos de conhecimentos:
sagrados e profanos. Formalizou por decreto uma distinção que já existia informalmente na
sociedade. Na época, isso não parecia ter grande importância. Olhando à luz de três ou quatro
séculos de evolução histórica posterior, vê-se que isso teve enormes conseqüências. Se não sei
que isto passou despercebido na época mas que hoje é perceptível, já não sei qual é o tema. Se
quero estudar este decreto do papa e simplesmente não sei que na época ninguém reparou e que
hoje tem importância, onde foi parar minha visão do tema? Como o objeto de estudo no caso não
é material -- são relações entre ações humanas -- como é que se faz para delimitá-lo, para
delimitar a ação humana? Não é à luz de outras ações humanas que circundam? Do mesmo modo
os valores e significados. Para eu delimitar uma esfera de significados, preciso contrastá-la com
outras esferas de significados. Assim, aos poucos aquilo vai adquirindo uma figura para mim. É
isto que é a relação com os valores. Embora difícil, é uma operação meramente preliminar.
6. “Em resumo, este é o papel da relação com os valores:
(a) Determina, a seleção do tema, destacando um objeto da realidade difusa.
(b) Orienta, no tema escolhido, a triagem entre o essencial e o acessório, isto é, define a
individualidade histórica ou a unidade do problema, vencendo a infinidade dos detalhes.
(c) É a razão do relacionamento entre os diversos elementos e da significação que se lhes atribui.
(d) Indica as relações de causalidade a estabelecer e até que ponto é preciso levar a regressão
causal.
(e) Por não ser valorativa e exigir um pensamento articulado, afasta o simplesmente “vivido” ou
vagamente “sentido”.
7. Daí segue-se que toda ciência humana procede por interpretação. Esta consiste no método a
nos fazer compreender o sentido de uma atividade ou de um fenômemo e a significação dos
diversos elementos uns em relação aos outros.
Sendo o devir, em si mesmo, humanamente indiferente, é a interpretação fundamentada na
relação com os valores que lhe confere uma significação, colocando em evidência os motivos e
os fins de uma atividade.
A interpretação método das ciências humanas, abrange dois elementos: compreensão e
explicação. Weber dá o nome de interpretação à síntese desses dois momentos. Compreender
primeiro, explicar depois.
Compreender é captar o sentido que aquela ação teve para aquele indivíduo que praticou, para os
outros sobre quem ela foi praticada, para nós hoje.
Exemplo deste caso pode ser eleição da diretoria da SBA. O sentido é a expectativa de que a SBA
fique melhor estruturada, pois estava ficando definitiva a diretoria provisória. A sociedade não
seria extinta se não houvesse eleição. Não havendo eleição de diretoria, isso implicaria numa
desestruturação progressiva da entidade, pois uma diretoria provisória vai perdendo o gás. Este
foi o sentido que deram à eleição da diretoria. Até aí, houve compreensão. E a explicação? O que
se compreendeu foi o motivo ou foi a causa? Foi o motivo. O motivo já existia há meses -- a nova
diretoria deveria ter sido eleita no terceiro mês de aula. Porém, isso não ocorreu. E uma causa
deve ter determinado a eleição. E esta causa fui eu mesmo que determinei: ou elege nova
diretoria ou fecho a sociedade. A causa é este ultimato. Um simples estado de coisas não é causa
de nada. A constatação do estado de coisas é a constatação do motivo, do motivo subjetivo: as
pessoas têm motivo, reconhecem a necessidade de alguma coisa. Porém, isso não é suficiente
para que façam alguma coisa. Algo tem que determinar este fazer: ou eu ou alguém teria que
desenvolver uma ação. Esta ação é causa. A partir disso, percebe-se a diferença entre buscar os
motivos e buscar a causa.
Caso apenas se saiba de algo e não o motivo, nada se entende.
Conhecendo o motivo sem a causa, dá para saber que não foi uma ação insensata, que ela tem
sentido embora não se saiba por que aconteceu.
A investigação em Sociologia, em Psicologia, em todas as ciências humanas, enfim, visa a no
mínimo saber o motivo e, se possível a saber também a causa.
Não se pode tomar o motivo pela causa, pois o motivo não faz acontecer nada. A compreensão é
o motivo e a explicação a causa. Este é o segredo é o segredo de toda e qualquer ciência, é a
quintessência do método científico -- conhecer o quê e o por quê. Em termos de ciências, de
ações humanas, o quê é a ação e seu motivo, o valor, o significado daquilo para quem fez. Se não
há significado ou motivo, não é ação humana. Como no caso da tosse: não é ação humana e por
isso ser estudado sob o aspecto do significado. Não tendo significado, não tem intenção. Poderia
ser estudado sob o aspecto fisiológico, fisiopatológico, epidemiológico, etc, mas não sob o
aspecto humano. Em ciências humanas, primeiro deve-se conhecer o motivo. Quando se estiver
suficientemente seguro do que foi a ação e qual foi o seu motivo -- o motivo faz parte da ação, o
motivo é a própria natureza da ação -- parte-se para a investigação das causas.
Suponhamos, ainda neste caso da eleição da SBA, que muitas pessoas soubessem os motivos mas
não a causa. Isso não as impediria de agir. Eu sabia o motivo e a causa, mesmo porque a causa fui
eu mesmo. Nenhuma diferença faria (como não fez) o fato de saber quem requisitou a eleição.
Havendo um sentido para agir naquele sentido, já está desencadeada a causa bastando apenas
aderir ao movimento.
No caso de uma eleição, digamos, para Presidente da República, digamos que você votou em tal
candidato, o seu motivo é querer que ele seja o Presidente. Porém, qual é a causa da candidatura
deste candidato? Alguém precisaria tê-lo lançado candidato; uma discussão interna do partido,
provavelmente. Não é necessário essa (ou outra) causa para votar nele. A causa já foi
desencadeada e apenas pego o bonde andando. Todos os motivos que todos os eleitores teriam
para votar nele não o fariam candidato. De maneira que a explicação pelos motivos dá sentido à
ação mas não explica. Conhecer apenas a causa sem o motivo, é non sense. Para saber qual a é a
causa, tem-se que considerar que o ato é um ato voluntário. O homem é um gerador de causas.
No caso daquela eleição -- para Presidente da República -- posso ter votado no candidato sem que
isso se tratasse de um ato voluntário: posso ter sido coagido a fazê-lo. Porém, se o voto é ato
livre, o indivíduo é a causa. Em ciências humanas, se não se admite a existências do ato
voluntário, uma infinidade de coisas fica sem explicação.
Vamos supor: por que o furto dá cadeia? Não é porque é imoral furtar mas porque decidiu ser
esta a conseqüência para tal ato. Imaginemos que um determinado lugar todos concordem que
uma coisa é feia, horrível, mas ninguém toma a iniciativa de fazer uma lei que proíba aquilo.
Aquilo então continuará acontecendo. Quer dizer que entre um estado de coisas e o acontecido,
existe uma passagem e esta passagem chama-se causa. Em certos caso, a causa é voluntária, é um
fato voluntário, condição em que não adianta mais procurar causa, porque neste caso a intenção
do indivíduo se torna causa. Isto é o que podemos chamar um ato completo e perfeitamente
evidente, onde o motivo se torna causa: o indivíduo, tendo um motivo, desencadeia a ação, isto é,
põe em ação meios para realizar um fim. Ele mesmo, o indivíduo, na sua intenção, é a causa e
nada mais é necessário. Este é o ato mais óbvio, não fazendo sentido mais causas, sendo isso um
ponto terminal. Poder- se-ia explicar a causa em função de toda a sua vida. Pode-se dizer: ele fez
porque quis, pois nada o obrigava. Mas por que ele quis? Qual o processo bibliográfico que fez
com que ele gostasse mais disso ou daquilo? Nem por isso o ato deixa de ser livre.
No processo de formação das instituições que existem -- governo, administração, as leis --
sempre existe uma passagem, uma transição que é feita por um ato humano. Por exemplo,
porque, se entra alguém na sua casa, sem a sua permissão, você pode chamar a polícia para tirá-
la? É porque existe uma lei que o permite e esta não caiu da árvore.
Desde que existe o homem, ninguém gosta de ter o seu domicílio invadido. Se não existisse lei,
você mesmo teria que tirá-lo à força. Existe uma lei, que não é produto da natureza. A
jurisprudência é a explicação de lei a casos concretos que não estão explicitados na lei.
Se existe lei, é porque ela foi votada, com o que o juiz nada tem a ver. Quem vota a lei são os
deputados. A jurisprudência pode ser causa de uma lei, portanto. Pode-se ouvir: “não tem lei
nenhuma, mas todo juiz quando decide a respeito disso, decide tal coisa.” Pode então virar lei, o
que não é automático, não acontece sozinho. Isso pode ficar assim indefinidamente, por séculos.
Se não houver a interferência de deputados, senadores, tudo fica do mesmo jeito. Pode o país
inteiro achar que é daquele jeito, pode haver uma necessidade gritante, mas se não existe a ação
humana, nada acontece. No caso da ação que é completa e autoevidente, é a ação humana que
desencadeia o processo causal. Tem muita coisa que acontece cujo processo causal ninguém
desencadeou -- aconteceu sozinho, por uma combinação fortuita de ações não intencionais. É
como no caso da inflação brasileira: quando o governo decreta uma desvalorização do dinheiro,
está apenas assinando embaixo de um fato consumado, reconhecendo-o. O fato de que o dinheiro
vale menos é um dado. Não é possível saber quem começou o processo inflacionário. Cada um
contribui um pouco com este processo, tratando-se de uma combinação fortuita de ações, que por
sinal não é nada evidente. É processo de difícil compreensão, de difícil explicação. Pode-se
compreender suas conseqüências, mas não compreendê-lo como intenção.
Significado nem sempre é intenção. Significado é intenção para quem faz. Para quem padece, é
valor. Posso perguntar: que intenção eu tenho com a inflação? Nenhuma. Apenas dou-lhe valor
negativo. Esse é o significado dela para nós, ninguém teve intenção nenhuma de fazê-la.
O fenômeno não é razão de ser. Você o estuda sob o aspecto da razão de ser ou da razão de
conhecer, que não são nomes de coisas, mas de posturas cognitivas que assumo, de forma que
enfoco o dado sob tal ou qual aspecto.
8. “Os malentendidos se originam de que “interpretação” é tomada em diversos sentidos. Weber
distingue três:
10. A interpretação filosófica. -- Consiste na apreensão do sentido literal de um texto, na crítica
dos documentos, etc. É um trabalho preparatório.
20. A interpretação avaliativa ou axiológica. -- Faz sobre o objeto um julgamento de aprovação
ou de desaprovação. Comporta vários graus, desde a avaliação puramente emocional por
endopatia até a esfera mais apurada dos julgamentos estéticos e éticos.
30. A interpretação racional. -- Seu fim é fazernos compreender, pela causalidade ou pela
compreensão, as relações significativas entre os fenômenos ou os elementos de um fenômeno.
A segunda não é um procedimento científico, embora o sábio por vezes deva levá-la em conta. A
interpretação racional é detentora do sentido, quer tente o sábio determinar a significação que
indivíduos dão a seus próprios atos, ligando-os a estes ou `aqueles valores, quer se refira aos
nossos valores para extrair a significação história ou sociológica de uma doutrina, de um
acontecimento ou do desenvolvimento de uma situação. É uma análise que se propõe precisar
quais os valores que estavam em jogo no curso de uma atividade.
Weber insiste em que esta interpretação se submeta aos procedimentos ordinários do
conhecimento científico e à administração da prova. Por isto chama-se também interpretação
causal ou explicativa.
O primeiro sentido -- fisiológico -- trata-se de exame dos documentos, da linguagem, etc.
O segundo -- avaliativa ou axiológica -- remete à coerência da coisa com os valores, podendo ser
uma avaliação mais endopática ou causalista. Não é válida, a interpretação axiológica, nas
ciências que são teórico-explicativas, mas nas ciências que são de ordem prática, normativa
( lógica, ética, jurisprudência, etc).
O terceiro -- racional -- junta os dois aspectos: razão de ser e de conhecer.
9. “Toda atividade vincula-se à relação de meios com um fim; compreendemos, com um alto grau
de evidência, a atividade que se volta para um fim consciente, com pleno conhecimento dos
meios com um fim; compreendemos, com um alto grau de evidência, a atividade que se volta
para um fim consciente, com pleno conhecimento dos meios mais apropriados. Neste caso, os
meios se tornam as causas do fim esperado. A interpretação racional se esforça por captar a
relação significativa entre os meios utilizados e o fim desejado; é importante que ela permaneça
no plano que lhe é dado empiricamente, sem se pronunciar sobre o valor ético do fim ou dos
meios”.
Refere-se portanto à interpretação racional com elucidação de fins e meios -- coerência dos meios
em relação aos fins pretendidos.
4. O “tipo ideal”
1. “Obtém-se um tipo ideal acentuando unilateralmente um ou vários pontos de vista e
encadeando uma multidão de fenômenos isolados, difusos e discretos, ... que se ordenam segundo
os anteriores pontos de vista escolhidos unilateralmente, para formarem em quadro de
pensamento homogêneo.”
2. [ A relação com os valores, primeiro momento da seleção operada pelo sábio,] apenas orienta o
trabalho. Não lhe confere ainda rigor conceitual. Este é o papel do tipo ideal.
3. O tipo ideal é o modo de construção de conceitos peculiar ao método histórico ou
individualizante.
Como elaborar o conceito rigoroso de uma realidade singular se não se pode proceder por
generalização, no sentido da tomada de consciência das analogias e das semelhanças com outras
realidades, já que tal medida subordina os fenômenos a leis ou a conceitos genéricos que
precisamente despojam o singular de seus caracteres distintivos e particulares? Mais brevemente:
é possível formar conceitos individuais, embora admitindo-se corretamente que só existem
conceitos gerais?
Acredita Weber achar a solução no conceito de tipo, entendido de uma certa maneira. Esta noção
de tipo pode:
(a) tomar o sentido de um conjunto de traços comuns, que constituem então o tipo médio:
(b) mas também de uma estilização que põe em evidência os elementos característicos, distintivos
ou “típicos”; [este é o tipo ideal ].
Harpagão [personagem de “O Avarento”, de Molière] não é o avarento médio; graças a um
processo de aumento, de exagero e de amplificação, Molière lhe deu a significação de uma
individualidade característica. Não resume os traços comuns aos traços comuns aos avarentos,
mas é um personagem estilizados.”
O tipo ideal é portanto uma escala, que se constrói ressaltando exagerada e unilateralmente
alguns aspectos. Funciona como elemento de medição e contraste, como um padrão-referência.
A diferença entre tipo médio e tipo ideal é a seguinte:
Tipo médio: traços comuns a vários eventos ou pessoas.
Tipo ideal: traços incomuns.
4. “Weber fala, em sua definição, de uma acentuação ou amplificação unilateral dos pontos de
vista.
A idealidade desta construção é uma utopia, que nunca se encontra ou só raramente é encontrada
em sua pureza na realidade empírica e concreta. O tipo ideal do “capitalismo” compreende os
traços característicos que definem a sua originalidade, as tendências e os fins a que ele visa como
objetivo, mesmo que não tenham sido realizados plenamente em parte alguma.
O tipo ideal apresenta o seu “desenho” racional, isto é, a sua estrutura lógica, independentemente
das frustrações do real. Ele consiste numa totalidade histórica singular, obtida por meio de
racionalização utópica e de acentuação unilateral dos traços característicos e originais, para dar
significação coerente e rigorosa ao que aparece como confusão e caótico em nossa experiência
puramente existencial.
5. Weber faz aqui certas precisões negativas, para evitar confusões. Em primeiro lugar, ele opõe o
conceito de tipo ideal ao de substância, que pretende captar a realidade das coisas no seio de uma
hierarquia de espécies e de gêneros. O tipo ideal não precisa identificar-se com a realidade
“autêntica”. A idéia que fazemos, por exemplo, de uma época ou de uma doutrina, sob a forma de
tipo ideal, não corresponde forçosamente à idéia que os seus contemporâneos faziam dela.
Em segundo lugar, a idealidade dessa construção nada tem em comum com o ideal ou com dever-
ser no sentido ético. Sua única perfeição é de ordem lógica e não moral.
[É preciso cuidado para não conferir indevidamente ao tipo ideal uma realidade empírica, o que
poderia dar a ilusão de podermos] elaborar uma síntese definitiva da realidade. O sábio nunca
deve perder de vista os limites dos seus conceitos. Quando ele acredita ter penetrado o sentido do
devir, a humanidade pode bruscamente tomar outro rumo.
Os tipos ideais, em si mesmos, não são verdadeiros nem falsos: são úteis ou inúteis. Como a
ciência é uma pesquisa indefinida, os conceitos são sempre superados.
Conforme a necessidade, o sábio poderá construir diferentes tipos ideais de um fenômeno, para
compreedê-lo através de todos os pontos de vista possíveis.
6. O verdadeiro papel do tipo ideal é ser um fator de inteligibilidade, nos dois níveis da pesquisa
e da exposição. No primeiro aspecto, permite formar julgamentos de imputação causal, porque
guia a elaboração das hipóteses, com base numa imaginação nutrida da experiência e disciplina
por um método rigoroso. Permite determinar a singularidade de um desenvolvimento, indicando,
em cada caso particular, até que ponto a realidade se afasta do quadro de pensamento homogêneo
e irreal. O tipo ideal serve, por assim dizer, de instrumento de medida.
No plano da exposição, ele não pretende absolutamente reproduzir a realidade, mas sem dotar a
descrição de meios de expressão unívocos e precisos. O historiador e o sociólogo que renunciam
a construir tipos ideais os utilizam ainda assim, embora inconscientemente e sem elaboração
lógica, e acabam por tomar julgamentos de valor como ciência.”
O tipo ideal não é ideal no sentido moral, nem quer dizer que seja o tipo melhor. Ideal apenas
significa que ele existe na idéia e não no real. É ideal por ser contrário a real e não por ser bom
(ou ruim).
Weber diz que todo mundo usa o tipo ideal mesmo sem saber. Basta usar certos conceitos como,
por exemplo, capitalismo. Tal conceito não se constrói por média. É mais que evidente que não
foi construído indutivamente por média, mas como um comportamento ideal, no qual o indivíduo
mobiliza o seu dinheiro a fim de ter um lucro.
5. Possibilidade objetiva e causa adequada
1. A categoria da possibilidade objetiva situa sob uma outra forma o problema da imputação
causal.
Querer explicar um acontecimento histórico enquadrando-o sob uma lei geral é desvirtuar a
História, que é formada de uma sucessão de acontecimentos singulares. O único método
compatível é o método individualizante, que vincula um fato singular que Weber denomina uma
constelação.
2. Embora todos os elementos da constelação intervenham na produção de um acontecimento,
não adquirem eles todos a mesma importância aos olhos do historiador. Este faz uma seleção, de
modo que nos vemos diante do problema: como determinar o peso de uma causa? Qual a
operação lógica que permite ao historiador introduzir uma igualdade significativa entre os
antecedentes do objeto que analisa?
Para atribuir importância à batalha de Maratona. O historiador formula, implicitamente pelo
menos, a pergunta: que teria acontecido se os persas tivessem vencido? Esta pergunta é análoga à
do criminologista ou do juiz que indaga a si mesmo sob que condição pode afirmar que um
indivíduo é responsável por seus atos. O historiador isola em pensamento uma causa, para
indagar a si mesmo se o curso dos acontecimentos teria sido o mesmo ou diferente sem ela.
Fazendo o historiador essa abstração, constrói um curso possível das coisas, para determinar as
causas reais ou suficientes. ‘Para determinar as relações causais reais’, diz Weber, ‘construímos
causas irreais’.”
O método singularizante é necessário porque não há como repetir o fenômeno (dado histórico).
Consideramos um determinado acontecimento histórico que não tem possibilidade de repetição (o
que é próprio de todo acontecimento histórico), para chegar à sua compreensão e explicação.
Levamos em conta as causas geralmente admitidas naqueles casos. Vamos excluindo uma e outra
causa até chagar a determinada causa que seria necessária para existência daquele fenômemo
histórico. Por exemplo., no caso do nazismo, perguntamos: ele seria possível sem o
antisemitismo? Sim, seria; seria o fascismo em geral. Apenas, a exclusão deste componente,
tiraria a sua tonalidade especificamente germânica. A apologia da saúde física é característica do
nazi-facismo em geral. Todo regime nazi- facista adora esporte, perfeição física homem perfeito.
Sem isso seria difícil o fascismo, são coisas que não se poderiam excluir. Mas a ênfase
particularmente anti-judaica poderia ser excluída. As incursões de Mussolini contra os judeus na
Itália era apenas para patentear o seu apoio a Hitler, pois os judeus não tinham tanto poder na
Itália a ponto de sua perseguição poder ser um elemento de união nacional. Mussolini os
perseguiu apenas para agradar aos alemães. Na Alemanha, não, os judeus tinham realmente muito
dinheiro. Qualquer governo que quisesse fazer alguma coisa na Alemanha acabaria encontrando
um choque com interesses bancários que coincidiam ser judaicos. No lugar onde banqueiros não
fossem judeus, não seria necessário falar em anti-setismo. Podemos portanto dizer que o anti-
semitismo é uma característica, uma causa acidental do nazismo, mas não uma causa adequada.
Foi algo importante não em suas causas mas em suas conseqüências: matou muitos judeus,
transplantou populações inteiras. A quantidade de judeus que saiu da Alemanha e dos territórios
ocupados pelos nazistas é quase o que é a população de Israel hoje. Um transplante de população
deste tamanho, ainda mais sendo uma população de pessoas cultas, ricas, muda a história do
mundo. O antisemitismo pode ser colocado entre as causas da guerra, pois onde quer que
existisse uma comunidade judaica dotada de influência, dinheiro, etc, essa comunidade forçou o
governo local a entrar em guerra com a Alemanha. Neste sentido o antisemitismo foi causa da
guerra.
3. “Em quê é objetivada essa possibilidade? A objetividade se fundamenta em nosso saber
positivo das condições existentes e em nosso saber nomológico, apoiado nas regras gerais da
experiência. Não é uma visão arbitrária do espírito, uma hipótese gratuita, mas sim uma
suposição racional, que se deixa justificar por certo número de elementos conhecidos.
Como o tipo ideal, a possibilidade objetiva constrói um “quadro imaginário”, uma utopia, ou
melhor, uma ucronia, exceto que, em vez de acentuar traços característicos, ela faz abstração,
pelo pensamento, de um ou vários elementos da realidade, para indagar o que teria podido
acontecer no caso considerado. A possibilidade não é a expressão de um não-saber, pois se refere
ao que conhecemos por experiência.
Erraríamos, no entanto, se concluíssemos que a condição assim modificada, ou suprimida, seria a
única causa do acontecimento; ela toma somente a significação de uma condição importante entre
outras, pois a História não conhece causa única. “Não temos necessidade de saber o que teria
acontecido”, diz Raymond Aron; “basta-nos saber que as coisas teriam sido diferentes.”
4. Assim fica precisada a natureza da causalidade nas ciências humanas: ela é de ordem
probalística. E isto não somente por causa da imperfeição do nosso saber, mas também em
virtude da multiplicidade dos antecedentes. Por mais completo que possa ser o nosso saber, o
inevitável momento subjetivo da seleção bastaria para introduzir a probabilidade.
5. O grau de probabilidade que resulta de uma construção objetivamente possível é variável.
Embora o grau de possibilidade objetiva em favor de um curso de acontecimentos diferente do
que teve lugar seja fraco, não se poderia, entretanto, dizer que sua significação tenha sido
absolutamente nula. Inversamente, embora o grau de possibilidade objetiva de um
desenvolvimento tivesse sido muito grande, não se pode dizer que essa evolução seria
absolutamente inevitável.
O papel da categoria da possibilidade objetiva não é, pois formar julgamentos de necessidade,
mas sim pesar a significação das diversas causas.
Quando a probabilidade, resultante de uma construção objetivamente possível, é muito grande,
Weber sugere que se fale de uma causalidade adequada; e quando ela é fraca, de causalidade
acidental.
6. A recusa de Weber em aplicar a palavra “necessário” em vez de “adequado”, se explica por sua
preocupação de sustentar para devir um caráter irracional.
A História não é racional em si mesma, mas o historiador consegue racionalizá- la relativamente:
na medida em que ele consegue formular julgamentos objetivos de ordem probalística sob a
forma de uma relação adequada entre a causa e o efeito, é possível um conhecimento científico da
história. Não existe obstáculo lógico para uma ciência do singular.
7. Conquanto a História se ocupa de atos singulares da vontade, ou decisões, e que a Sociologia
se esforce para estabelecer regras gerais, seguem as duas, em certos pontos, um método comum,
por tratarem ambas da atividade humana. Para Weber não há diferença de natureza entre uma
atividade individual social.
O sociólogo se vê, como historiador, diante de uma ação realizada e dada, cujas é preciso explicar
a posteriori, compreendendo-se pelo fim e analisando os meios empregados para atingi-lo. Para
saber se os meios eram apropriados, é preciso construir o tipo ideal da ação racional por
finalidade. Desta maneira, pode-se medir o afastamento entre a atividade de tipo ideal
objetivamente possível e a atividade empírica, e descobrir a parte do irracional ou do acaso, a
intervenção de elementos acidentais, passionais ou outros. A relação teológica, de meio a fim,
não é senão uma simples inversão da relação causal. Em outras palavras, como atividade humana,
individual ou social, que implica uma relação causal, as categorias de possibilidade objetiva e de
causalidade adequada lhe são aplicáveis.
A atividade social se caracteriza pelo fato de se relacionar significativamente com o
comportamento dos outros. Desde que o sociólogo indaga a si mesmo se o agente podia
efetivamente contar com um comportamento determinado dos outros e, por conseguinte, se suas
posições eram justas, não existe outra solução senão construir pela imaginação. É somente
comparando a atividade real do agente com a atividade ideal que ele poderá saber se o agente
tinha razão de contar com as expectativas que nortearam, quais os erros cometidos durante o
empreendimento ou quais os elementos exteriores que desviaram a atividade do seu objetivo
inicial.”
Para saber se a causa tem fundamento, usa-se aquele método (5.1 e 5.2), porém contrastando
várias causas e dosando cuidadosamente a importância das causas retiradas.
Na melhor das hipóteses, chegaremos a um resultado estatisticamente significativo.
Podem existir causas que, mesmo sendo importantes, não são unilateralmente determinantes, caso
em que seria causa necessária. Por exemplo (de causa necessária), no corpo humano, se certos
órgãos forem atingidos, a morte se segue como conseqüência necessária, não precisando haver
interferência de nenhuma outra causa. Se perfuro o coração de alguém, isso é causa necessária,
pois não há como evitar a morte. Weber é cuidadoso mesmo quando uma causa é extremamente
importante. Tem um certo receio de dizer que é necessária -- diz que adequada. É uma
preocupação que adota.
Existe uma franja de irracionalidade que não podemos excluir a priori, embora às vezes possamos
fazê-lo a posterior. Se obtém explicação suficiente, o fator irracional está excluído. Não se pode
pressupor antes da investigação que tem que haver uma explicação inteiramente racional. Mesmo
porque existem atos humanos cuja motivação é irracional, embora as suas conseqüências possam
ser estudadas racionalmente.
Quanto a causas irracionais, pode-se pensar no caso da interferência dos métodos e técnicas
usadas pelas seitas. Observam-se nestes casos várias ações aparentemente imotivadas. Weber
dizia que se a explicação racional não basta, recorre-se ao irracional: o sujeito ficou louco, agiu
sob hipnose, era uma demência coletiva ou algo assim. Porém, deve-se antes tentar explicar o que
quer que seja por alguma motivação racional do indivíduo.
Com tudo isso que falamos estamos longe ainda de haver explicado o método de Weber a ponto
de poder torná-lo operativo. Antes de poder usá-lo, ainda falta mais uma coisa, que é -- além de
saber que ele existe, de conhecê-lo teoricamente -- ver uma aplicação prática. Transformado num
instrumento para uso, será possível aplicá-lo até a conjuntos enormemente complexos de eventos
e de causas.
O intuito de Weber foi de transformar as ciências humanas em ciências no sentido rigoroso do
termo, intuito que não teve tempo de levar a termo. Na verdade, a única aplicação extensiva que
ele fez foi um estudo que visava a responder a seguinte pergunta: porque a formação que
denominamos idealmente capitalismo só aconteceu no Ocidente? Por que não existiu um
capitalismo na China, na Índia e assim por diante? Seria necessário prosseguir, respondendo as
causas do capitalismo na civilização do Ocidente e sondar pelo menos mais duas outras
civilizações.
Weber fez essa pesquisa com relação à civilização da Europa ocidental, à civilização da Índia e
ao judaísmo antigo. A pergunta é muito curiosa: por quê não existiu um capitalismo entre os
judeus? Por que veio surgir aqui no mundo cristão? Por que só surgiu em tal época e não em
outra?
Em primeiro lugar, teria que demonstrar quais as épocas em que não houve capitalismo (já
aplicando o método). Teria que distinguir primeiro o que é o capitalismo na sua forma mais
aproximada do tipo ideal e, em seguida, quais as formas incipientes ou insuficientes, ou seja, o
que seriam fenômenos capitalistas? Essa pesquisa, Weber nunca a terminou.
Weber escreveu quatro livros: A Ética Protestante e o Espírito do capitalismo; O Judaísmo
Antigo; A Religião da China e A Religião da Índia.
Ele encontrou uma conexão entre uma certa ética, certo grupo de princípios éticos protestantes e
o surgimento do capitalismo. Não é que dissesse que o protestantismo causou o capitalismo, mas
sim que uma ética do tipo protestante é uma condição necessária para existir um capitalismo.
Sem isso ele não surge. A atenção dele foi chamada para isso quando ele começou a fazer
estatísticas de quem eram os maiores capitalistas da Europa e viu que eram sempre protestantes --
nem católicos, nem judeus (capitalismo é associado geralmente à imagem do judeu).
Weber verificou também que os cargos de direção (pessoas que não eram proprietárias) das
grandes empresas, mesmo em países de maioria católica, eram na maior parte constituídos de
protestantes. O que foi suficiente para lançar uma hipótese. Decidiu então fazer dois tipos ideais:
o espírito do capitalismo e a ética protestante, compará-los e depois ver se isso existiu em outros
lugares.
O país mais capitalista do mundo é protestante (na época de Weber, embora os Estados Unidos já
fossem uma nação rica, não tinham a importância que têm hoje). Essa importância surgiu depois
da 1a Guerra Mundial.
Essa foi de fato a única amostra completa da aplicação do método de Weber. Porém, depois
disso, já houve muita coisa. Para conhecer até onde pode ir esse negócio, é só ler o livro do talvez
principal continuador de Weber que é Raimond Aron.
Esse método pode ser aplicado não só em grandes problemas como este, mas também a coisas
muito mais restritas. Em princípio até a algum comportamento individual. Até um ato qualquer
do indivíduo pode e deve ser estudado sob este aspecto. Na verdade, não existe outro método.
Não é que este seja o melhor -- este é o único, todos os demais sendo apenas um de seus aspectos.
Mesmo o método marxista, que não é um método de sociologia geral, pois só analisa um
determinado aspecto, pode ser inserido dentro do método de Weber. Sendo o único método, é a
ele que devemos apelar.
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA Max Weber
“Deve entender-se por sociologia (no sentido aqui aceito desta palavra, que se emprega com tão
diversos significados) uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social, para
desta maneira explicá-la casualmente em seu desenrolar e efeitos. Por “ação” deve entender-se
uma conduta humana (quer consista num fazer interno ou externo, quer num omitir ou permitir),
sempre que o sujeito ou sujeitos da ação enlacem a ela um sentido subjetivo. A “ação social”,
portanto, é uma ação na qual o sentido mentado pelo sujeito -- ou pelos sujeitos -- está referido à
conduta de outros, orientando-se por esta o seu desenrolar.
Sociologia é a ciência explicativa da ação social humana. Ação é o ato dotado (para quem o
comete) de sentido, ou seja, da intenção ou valor. Esta delimitação não admite qualquer
possibilidade. Significa que o ato puramente reflexo escapa disso.
“A ‘ação social’, portanto, é uma ação na qual o sentido mentado pelo sujeito -- ou pelos sujeitos
-- está referido à conduta de outros, orientando-se por esta o seu desenrolar.”
A ação humana é uma ação dotada de sentido. A ação social é a ação na qual a previsão ou
expectativa de ações alheias funciona como um dos determinantes da ação.
1. “Por ‘sentido’ entendemos o sentido mentado e subjetivo dos sujeitos da ação, quer seja: (A)
existente de fato, a ( ) num caso historicamente dado; (b) como média e de modo aproximativo;
quer seja (B) tal como construído num tipo ideal com atores deste caráter. De maneira alguma
trata-se de um sentido ‘objetivamente justo’ ou de um sentido ‘verdadeiro’ metafisicamente
fundado. Aqui enraíza-se precisamente a diferença entre as ciências da ação -- a sociologia e a
história -- e toda ciência dogmática: jurisprudência, lógica, ética, estética, as quais pretendem
investigar em seus objetos o sentido ‘justo’ e ‘válido’ “.
2. “Os limites entre uma ação com sentido e um modo de conduta simplesmente reativo (como o
denominamos), não unido a um sentido subjetivamente mentado, são inteiramente elásticos. Uma
parte muito importante dos modos de conduta que são de interesse para a sociologia,
especialmente a ação puramente tradicional, se encontra na fronteira entre ambos. Uma ação com
sentido, isto é compreensível, está ausente em vários casos de processos psicofísicos, e em outros
casos só existe para os especialistas; os processos místicos, não comunicáveis adequadamente por
meio da palavra, não podem ser compreendidos com plenitude pelos que não são acessíveis a
esse tipo de experiência. Mas tampouco é necessário possuir pessoalmente a capacidade de
produzir por si mesmo uma ação semelhante à alheia para poder compreendê-la: ‘Não é preciso
ser um César para compreender César’. Poder reviver de modo pleno algo de alheio é importante
para a evidência da compreensão, mas não é condição absoluta para a interpretação do sentido.
Amiúde os elementos compreensíveis e os não compreensíveis de um processo estão unidos e
mesclados entre si.”
Quando se fala de uma ação que tem sentido, é o sentido que tem para aquele indivíduo, ainda
que ele esteja completamente errado, o que não vem ao caso.
Para cada caso, a fronteira do que é a ação com sentido e do que é a ação meramente reativa ou
reflexa, tem que ser examinada com muito cuidado e caso a caso. O fato de se dar uma definição
a priori -- ação com sentido é isso, ação reflexa é aquilo -- não quer dizer que na realidade essas
coisas apareçam sempre distintas. Ao contrário, em geral se mesclam. Mesmo porque o conjunto
das nossas habilidades reflexas funciona como base de operações de nossas ações intencionais.
Se tenho uma intenção, não é preciso que todos os atos com que vou realizar essa intenção sejam
refletidos. Muito deles podem ser automáticos. Toda ação intencional abarca um instrumento, um
conjunto de ações reflexas.
Por ação tradicional deve-se entender a ação que um indivíduo pratica porque a comunidade na
qual está a pratica há muito tempo. Existe uma intenção nela escondida há muito séculos e o
indivíduo, sem saber por que está fazendo aquilo, continua fazendo. Isso é uma ação com sentido
ou uma ação puramente reativa? Diz Weber que este é o caso típico de mistura.
Existe uma parte de toda ação que pode ser incompreensível, o que quer dizer que seja absurda.
Esta parte incompreensível pode ser explicada casualmente, pois tem causa e tem uma
racionalidade causal. Ela carece de sentido, de significado. Por exemplo, o caso da tosse: só tem
causa, pode ser explicada, mas não pode ser compreendida.
3. “Toda interpretação, como toda ciência em geral, tende à ‘evidência’. A evidência da
compreensão pode ser de caráter racional (e, então, quer lógica, quer matemática), ou de caráter
endopático: afetiva, receptivo-artística.”
Há dois tipos de compreensão: compreensão lógica e compreensão endopática. No caso desta
última, o sujeito pratica uma ação que me parece irracional mas compreendo que naquela
situação, o indivíduo poderia estar sentindo isto ou aquilo, o que levaria a agir desta ou daquela
maneira. Chama-se compreensão endopática porque eu sinto mais ou menos a mesma coisa ou
me imagino sentindo. Este tipo de compreensão também vale como método, contando que seja
submetida a controle, contanto que possa ser verificada por outros meios.
“No domínio da ação é racionalmente evidente, sobre tudo, aquilo que de sua ‘conexão de
sentido’ se compreende intelectualmente de modo diáfano e exaustivo. E há evidência endopática
da ação quando se revive plenamente a ‘conexão de sentimentos’ que nela se viveu.”
Existem dois tipos de evidências: a evidência racional, quando eu, tentando explicar a ação de um
outro, compreendo o enlace lógico que o sujeito faz entre fins e meios; e compreensão
endopática, quando compreendo o encadeamento dos sentimentos que levaram a tal ou qual ação.
Ainda que esse encadeamento não tenha validade lógica.
“Racionalmente compreensíveis -- isto é, neste caso: captáveis intelectualmente em seu sentido
de um modo imediato e unívoco --são sobretudo, e em grau máximo, as conexões significativas,
reciprocamente referidas, contidas nas proposições lógicas e matemáticas.”
Se o sujeito faz uma conta, um raciocínio matemático, é só reconstruir a mesma conta que fica
auto-evidente por que o sujeito chegou àquele resultado. Se ele soma 2+2= 4, eu fazendo a
mesma conta, vou chegar ao mesmo resultado. Entendi então com total evidência racional aquela
ação.
Compreendemos assim de um modo unívoco o que se dá a entender quando alguém, pensando ou
argumentando, faz uso da proposição 2x2= 4, ou dos teoremas pitagóricos, ou extrai uma
conclusão lógica de um modo -- segundo nossos hábitos mentais -- ‘correto’”.
Por exemplo, por que o sujeito construiu esta casa assim? Por que ela tem este formato, este
espaço onde nós estamos? Como você faria para compreender isso?
Uma parte dos motivos que podem ser compreendidos por evidência intelectual: o construtor
somou o peso da lage e viu que ia precisar parede e colunas de tal jeito e em tal lugar. Tudo isso
posso compreender por uma evidência de tipo intelectual. Porém, tem uma outra parte que não
posso fazê-lo, pois é uma parte na qual ele procedeu por motivos que não tinham fundamento
racional para ele mesmo. Por que pintou dessa cor? Por que ele deu precisamente este formato
quando não havia motivos técnicos suficientes para isso? Essa parte, não posso compreendê-la
por evidência racional. Vejamos se a evidência endopática seria evidente para nós: consigo
imaginativamente captar o que o sujeito imaginou, o encadeamento, por assim dizer, estético, que
levou a fazer a casa com esta forma. Às vezes, consigo captar isso, às vezes não. Caso a coisa
tenha uma referência estética em si mesma, eu capto; se não tem, tenho que admitir que foi
decisão mais ou menos arbitrária. Posso captar a desatenção estética do sujeito. O que me permite
ter a evidência endopática de que o sujeito num certo momento agiu arbitrariamente. A evidência
racional e a compreensão endopática são formas de evidências completamente diferentes. Mas
uma não é menos evidente do que a outra.
“De igual modo, quando alguém, baseando-se nos dados oferecidos por ‘fatos’ da experiência
que nos sejam conhecidos, e em finalidades dadas, deduz para sua ação as conseqüências
claramente inferíveis (segundo a nossa experiência) acerca da classe de ‘meios’ a empregar.”
Voltando um pouco à evidência endopática, nem de longe se imagine que a evidência intelectual
é mais clara ou mais evidente. Pode ser, pode não ser. Um sujeito pode ter construído uma
máquina de tal ou qual maneira porque ele fez um cálculo enormemente complicado e esse
mesmo cálculo poderia ser feito de uma infinidade de maneiras mais simples. Há até o preceito
alemão “para que simplificar se complicando também funciona. Às vezes fica difícil obter-se
evidência intelectual de por que se procedeu assim ou assado. Por outro lado, há certas evidências
endopáticas que são imediatas: o sujeito chegou em casa e encontrou a mulher na cama, com o
vizinho e matou os dois. Nada há mais endopaticamente evidente de que isto.
É meramente questão de hábito pensar que as coisas que são mais matematizáveis, que são
lógicas, são mais evidentes que outras que não são tão matematizáveis. O que é evidente é
evidente e não importa a causa dessa evidência. A evidência endopática de um motivo emocional
óbvio é mais clara do que a evidência intelectual de um procedimento lógico complicado ou
gratuito, imotivado.
Podem acostumar-se com esta idéia: às vezes o sujeito agiu de uma maneira estritamente lógica.
Mas essa maneira lógica é tão difícil de você reconstruir que fica obscura.
Suponhamos: consideremos o procedimento de um indivíduo ambicioso que deseja conseguir o
poder dentro de uma firma. A sua ação é inteiramente lógica. Cada palavra que ele fala é
premeditada, com vistas a um fim. Porém, ao mesmo tempo, esta ação é despistada. Reconstruir
aquele encadeamento lógico pode ser quase impossível. E às vezes a evidência endopática de um
sentimento salta aos olhos.
Cada caso é um caso. É hábito pensar que lógico quer dizer claro e sentimental, obscuro. Só
quem nunca estudou matemática pensa que o que é lógico é claro. Pode ser extremamente
obscuro o jeito de se fazer um cálculo. Como no caso de um sujeito que tenha um grande gênio
matemático mas que nunca tenha estudado sistematicamente a matéria. Ele pode fazer contas de
maneira enormemente complicada.
“Toda interpretação de uma ação conforme a fins orientada racionalmente dessa maneira possui
-- para a inteligência dos meios empregados -- o grau máximo de evidência. Com não idêntica
evidência, porém suficiente para nossas exigências de explicação, compreendemos também
aqueles ‘erros’ (inclusive confusões de problemas) em que somos capazes de incorrer ou de cujo
surgimento poderíamos ter uma experiência própria. Ao contrário, muitos dos ‘valores’ e ‘fins’
de caráter último que parecem orientar a ação de um homem, com freqüência não os podemos
compreender com plena evidência, mas apenas, em certas circunstâncias, captá-los
intelectualmente ...”
Isto é muito importante. Há fins de caráter ético, emocional, etc, que não se pode captar
endopaticamente por não se participar daquilo nem imaginariamente, por ser capaz de imaginar--
se sentindo aquilo. Embora o encadeamento da ação não seja lógico, porém emocional, você vai
ter de captá-lo intelectualmente e não emocionalmente.
Por exemplo, chego a uma sessão espírita e vejo as pessoas falando com vozes do além. Eu
pessoalmente não posso captar isso endopáticamente porque isso não acontece. Não me acontece
nem imagino isso me acontecendo. Mas entendo que existe uma finalidade declarada naquilo e
que o encadeamento emocional que fazem é esse, mais esse, mais esse. Entendo o processo,
porém o captei intelectualmente, não endopáticamente.
A compreensão intelectual pode ser direta ou indireta, conforme o grau de evidência. Se o sujeito
faz uma conta de 2+2= e chega ao resultado 4, eu sei que ele chegou a esse resultado: porque é
inevitável que chegue. Isto é imediatamente evidente. Se for um cálculo mais complexo, a
evidência intelectual é indireta: tenho que reconstituir todos os passos. Do mesmo modo , na
endopatia: há sentimentos que funcionam imediatamente como motivos de certos atos e eu os
compreendo imediatamente. Como no caso de o sujeito encontrar sua mulher com o vizinho. Bate
nos dois, mata os dois -- compreendo isso imediatamente, sem necessidade de explicação. Porém,
se o sujeito chegar em casa e, flagrando a mulher com o vizinho, ao invés de reclamar, liga a
televisão, isso não tem evidência. Posso compreender isso mas tenho que reconstruir a situação
mentalmente. Suponhamos que eu fique sabendo que esse sujeito deu graças a Deus de ela transar
com o vizinho pois faz 20 anos que não agüenta mais: tornou-se evidente a questão para mim.
Não de imediato. Sempre ode haver necessidade de uma reconstrução. Quanto mais reconstrução,
mais elemento intelectual entra e mais se afasta da endopatia pura.
Não é necessário, na endopatia, uma empatia (ser igual) ao sujeito. Só é necessário captar seu
motivo como suficiente para aquele ato, o que não quer dizer que você agiria do mesmo jeito.
Apenas aquilo surge a você como possível, faz sentido para você. Na verdade, toda a convivência
humana se baseia nisso, na atribuição de motivos por endopatia imediata. Fazemos isso o tempo
todo. Se não fizéssemos isso, não conseguiríamos agir, nunca. Observe os casos de atos que têm
motivação emocial que você nem questiona os motivos. Não, pois a ligação causa e efeito lhe
parece imediata. Portanto, o motivo que o sujeito tem para sair bravo, também é auto-evidente.
Há casos em que não há evidência: no mesmo exemplo da batida de carro, o sujeito sai rindo. O
carro não era dele e, sim, de seu maior inimigo.
Não é necessário que você participe do motivo. Apenas você o capta porque ele se expressa a si
mesmo.
“... mas tropeçando, com dificuldades crescentes em poder ‘revivê-los’ por meio da fantasia
endopática, à medida que se afastam mais rapidamente de nossas próprias valorações últimas.”
Quanto mais estranho, quanto mais afastado de seus hábitos é a ação, mais você tem dificuldade
de captar endopaticamente e, mais, você precisa de uma reconstrução intelectual que calce a
endopatia. Por exemplo, você detesta futebol e você vai ao campo e vê as pessoas se
emocionando, ficando contentes quando o time marca um gol. Isso dá para ter endopatia, não é
algo tão estranho assim. Embora você não participe daqueles sentimentos, dá para saber o que é.
Mas há outros casos onde o comportamento pode ser completamente estranho.
Na evidência endopática sempre entra um quantum de sentimento, no sentido em Weber usa esse
termo: endo = para dentro, pathos = sentir.
“Temos então de contentar-nos, conforme o caso, com sua interpretação exclusivamente
intelectual ou, em determinadas circunstâncias -- se bem que isto possa falhar -- com, aceitar
aqueles fins e valores simplesmente como dados, para em seguida tratar de tornar-nos
compreensível o desenvolvimento da ação por eles motivada, pela melhor interpretação
intelectual possível ou revivendo seus pontos de orientação o mais de perto possível.”
Em muitos casos, o motivo do sujeito é tão esquisito para nós que é impossível ter endopatia
direta ou indireta. Por mais que ele explique, você não entende e passa a tomar aquilo como dado.
Por exemplo, o sujeito que acredita que todos os coelhinhos são filhos do demônio e animais
muito perigosos. Não tem endopatia que resista a isso. Você não é capaz de sentir ou mesmo
imaginar que alguém sinta uma coisa dessas. Toma então aquilo como dado: o sujeito tem medo
de coelhinhos, portanto onde ele vir coelhinhos, vai sair correndo. A partir daí, tem lógica, ou
seja, a partir do dado, tem lógica. Mas o dado em si mesmo não é compreensível. Talvez possa
ser explicável.
Por exemplo, toda pessoa que tem problema pulmonar fica com medo de cachorro. É um dado.
Mas quer dizer que toda pessoa que tem medo de cachorro tenha problema pulmonar. É um dado
que foi observado em clínica médica, que não dá para compreender. Pode ter uma explicação bio-
físio-patológica qualquer. É um processo psíquico que se pode explicar. Se for investigado, faz
surgir uma explicação. Mas isso não tem uma intenção, não tem significado para o que investiga.
Ela pode fazer uma atribuição posterior de significado, uma racionalização, inventar uma história
do tipo “o cachorro o mordeu”...
Numa compreensão endopática, não é necessário recorrer à lógica. Toma-se aquilo como um
dado. Em certos casos, é necessariamente preciso recorrer à lógica (o que não se trata de
compreensão endopática).
Estudando as coisas assim, vemos que a quase totalidade das ações humanas tem uma lógica
absolutamente implacável. E que se está acostumado a achar que se a ação for lógica, vai dar
certo. Não é necessário assim. Porque toda ação lógica vai partir de alguma premissa, de alguma
coisa -- e a premissa pode estar errada.
“A esta classe pertencem, por exemplo certas ações virtuosas religiosas e caritativas, para o
insensível a elas; de igual modo, muitos fanatismos de racionalismo extremado (‘direitos do
homem’), para quem os aborreça.”
Por exemplo, no budismo existe a “máquina de rezar”. É assim: é preciso rezar para os quatro
pontos cardeais. O sujeito o dia inteiro girando aquilo. Tem compreensão endopática que resista a
um negócio desses? Pode-se até dizer: “no fundo, estão rezando”. Mas se ele está rezando, a reza
interior está virada para o Norte, Sul, Leste ou Oeste? Não está virada para parte alguma, por
certo. Trata-se de uma ação ritual da qual podemos participar endopáticamente. Pode-se dizer que
tem uma explicação, uma razão teológica. Mas não é endopático. Porém, se você desde pequeno
faz gesto e está acostumado a botar ali uma intenção piedosa, para você a coisa mais óbvia do
mundo é a máquina de rezar. Nós não podemos participar endopaticamente disso. Precisamos
reconstruir os motivos, intelectualmente. No caso, não existe uma evidência imediata -- existe
uma evidência imediata.
“Muitos afetos reais (medos, cólera, ambição, inveja, ciúmes, amor, entusiasmo, orgulho,
vingança, piedade, devoção e apetências de todo tipo) e as reações irracionais (desde o ponto de
vista da ação racional segundo fins) derivadas deles, podemos ‘revivê-los’ afetivamente de modo
tanto mais evidente quanto mais sejamos suscetíveis desses mesmos afetos .. “
Quanto mais você é suscetível a -- a suscetível: não quer dizer que você tenha -- um determinado
sentimento, mais fácil é você obter a endopatia. Não quer dizer que seja uma empatia, que você
participe do sentimento, mas quer dizer que você o admite como possível em você, faz parte do
repertório de sentimentos conhecidos.
“... e, em todo caso, ainda que excedam em absoluto as nossas possibilidades, por sua
intensidade, podemos comprende-los endopaticamente e calcular intelectualmente seus efeitos
sobre a direção e os meios da ação.
O método científico que consiste na construção de tipos investiga e expõe todas as conexões de
sentido irracionais, afetivamente condicionadas, do comportamento, que influam na ação, como
‘desvios’ de um desenvolvimento da mesma ‘construído’ como puramente racional segundo
fins.”
Quando falamos da “máquina de rezar”, falamos consequentemente de um comportamento
tradicional. Quer dizer que o indivíduo não precisa estar plenamente consciente das intenções
daquilo. Se disséssemos assim: “a comunidade, de um modo geral, está ...” mas quem é a
comunidade? Alguém na comunidade talvez esteja, ou pelo menos a comunidade teria obrigação
de estar. A ação tradicional fica no limite compreensível e do incompreensível, porque em parte é
ação reflexa. Como compreendê- la? Endopáticamente não dá. Tem que ser reconstruído. Mas
reconstruído, você pode chegar num ponto onde você esbarra no ato reflexo. Pode-se perguntar
por que aquele sujeito em particular está virando a máquina de rezar. É diferente você saber que
no budismo em geral existe este princípio. Isso não explica por que ele está girando. Isto é ratio
cognoscendi. Mas por que ele está girando? Ele talvez não saiba. Isso é uma ação tradicional, ele
repete a comunidade, ele já criou este reflexo desde pequeno. Ele nunca pensou se aquilo deve ter
ou não intenção. Há no caso uma mistura de elemento compreensível com elemento
incompreensível; há um elemento intencional e um elemento reflexo. Você vê dois homens
rezando: um é um teólogo budista que estudou todos os livros e escreveu uma teoria sobre a
“máquina de rezar” e um outro que está fazendo a máquina desde que nasceu -- o ato é o mesmo.
Só que num caso houve uma assimilação intencional de um simbolismo, pelo teólogo que está
girando por motivos que lhe são plenamente conhecidos; o outro, está praticando um ato reflexo.
Numa missa, temos todos os tipos de ações misturadas. Aparentemente, todos estão fazendo a
mesma coisa. Estudando caso por caso, é possível ver que o significado da ação é diferente em
cada caso.
“Por exemplo, para a explicação de um ‘pânico na bolsa de valores” será conveniente fixar
primeiro como se desenvolverá ação fora de todo influxo de afetos irracionais, para introduzir
depois, como ‘pertubações’ aqueles componentes irracionais.”
Trata-se aí de um tipo ideal. Supondo que houvesse, por exemplo, uma baixa repentina dos títulos
na Bolsa de Valores, quais seriam as conseqüências lógicas? O que aconteceria se não houvesse
nenhuma interferência irracional? Por exemplo, chego lá e espalho um boato, de que tais ou quais
títulos vão descer formidavelmente. Daí espalha-se o pânico. No pânico evidentemente houve a
interferência de um elemento irracional. Porém , qual é o peso, qual é o peso deste elemento? Só
posso saber isso se primeiro descrever qual seria o encadeamento de causas a interferência do
elemento irracional. Ou seja as conseqüências que adviriam logicamente da baixa de valores
daqueles títulos. Daí eu posso saber qual foi o peso do elemento irracional na conduta dos
indivíduos. Se não souber isso, nada relevante saberei. Senão que ficar em pânico? Para saber se
tem sentido o pânico, só sabendo suas conseqüências lógicas. Tira-se então o pânico e descreve-
se as conseqüências puramente lógicas.
Fazer requer uma grande paciência, o que geralmente as pessoas não têm. Julgam que as coisas
na esfera humana são malucas, nada dá para compreender ... Isso é tão maluco quanto a natureza
mesma.
“De igual modo procederíamos na explicação de uma ação política ou militar: teríamos de fixar,
primeiro, como se haveria desenrolado a ação caso se houvesse conhecido todas as circunstancias
e todas as intenções dos protagonistas e se houvesse orientado a escolha dos meios -- conforme
os dados da experiência considerados por nós como existentes -- de um modo rigorosamente
racional segundo fins.”
Para sabermos exatamente, por exemplo, as causas do conflito no Oriente Médio, é preciso
considerar a situação, com todos os dados possíveis e imagináveis, supor que todos os atores
envolvidos no evento conhecem esses dados e como deveriam agir logicamente para atingir os
fins a que cada qual visa neste caso. Somente aí ‘q que saberei onde houve interferência de um
elemento irracional, de um elemento fortuito. O fortuito e o irracional têm que ficar para o fim.
“Só assim seria possível a imputação dos desvios às irracionalidades que os condicionaram. A
construção de uma ação rigorosamente racional segundo fins serve nestes casos à sociologia --
graças à sua evidente inteligibilidade e, enquanto racional, de sua univocidade -- como um tipo
(tipo ideal), mediante o qual compreender a ação real, influída por irracionalidades de toda
espécie (afetos, erros), como um desvio do desenvolvimento esperado da ação racional.”
Você constrói um modelo que tenha um único sentido, que não tenha pluralidade de significados
e daí você o compara com o que efetivamente aconteceu.
Para você medir o desvio, só sabendo primeiro qual seria a rota correta. A rota correta seria
aquela que, por um encadeamento lógico de meios, levasse ao fim desejado.
“Deste modo, mas só em virtude desses fundamentos de conveniência metodológica, pode dizer-
se que o método da sociologia ‘compreensiva’ é ‘racionalista’. “
Neste sentido é racionalista porque coloca um motivo racional em primeiro plano. Não quer dizer
que ele predomine realmente. Por uma preocupação metológica, procuramos primeiro explicar a
ação por motivos racionais. Se falhar, apelamos para o irracional. Porque se apelar para o
irracional logo de início, então é preciso explicar mais nada, pois aí entramos no arbitrário.
Porém. É facílimo ver que a quase totalidade das ações humanas tem motivos racionais, mesmo
quando possuem uma franja irracional. Porque se for ação irracional, o erro ou acerto
dependendo do acaso.
“Este procedimento não deve, pois, interpretar-se como um preconceito racionalista da
sociologia, mas só como um recurso metódico.”
Weber não acreditava no que Hegel acreditava: que “o real é racional”. Eu acredito e acredito que
a totalidade do real tem uma estrutura rigidamente racional. Mas, tanto o método dele não
pressupõe nem uma coisa nem outra que até eu, que acredito no contrário do que ele acreditava,
posso usá-lo. Sua ênfase irracionalista -- acreditava numa profunda irracionalidade das coisas --
em nada altera o fato de, em seu método, o motivo racional vem em primeiro lugar e o racional
em segundo. Mesmo um irracionalista não pode negar que as pessoas “não dão ponto sem nó.”
O universo pode ser um absurdo, mas o fato é que quando alguém quer alguma coisa, age
logicamente, ou pelo menos de acordo com os meios que ele conhece. Procura empregar esses
meios da melhor maneira que lhe pareça. Pode-se objetar: e se o sujeito reza? Por exemplo, um
índio reza para ter bastante peixe. Após ter rezado para ter bastante peixe, não se omite de pescar.
Além da cadeia causal completa, acrescenta ainda mais um item, que um sujeito descrente
poderia julgar desnecessário. Na verdade, ele está sendo muito racional, pois está levando em
conta o acaso: “Pode ser que apesar de tudo que fiz, de por a linha convenientemente, o anzol,
ainda falte algo e só falta rezar”. E reza. Está agindo perfeitamente segundo a razão.
“... e muito menos, portanto, como se implicasse a crença de um predomínio do racional na vida.”
Weber realmente não acredita nisso. “Pois nada nos diz, no mais mínimo até que ponto, na
realidade, as ações reais estão ou não determinadas por considerações racionais de fins.”
Ele não está pressupondo nem mesmo que as ações humanas na maior parte dos casos seja
racional, coisa que eu estou pressupondo. Mesmo não pressupondo isso, teríamos que começar
pela tentativa de explicá-las racionalmente.
(“Não pode negar-se a existência do perigo de interpretações racionalistas em lugares
inadequados. Toda a experiência confirma, por desgraça, esta assertiva.)
Claro, não se deve atribuir todo um cálculo a uma situação onde houve cálculo. Hoje em dia, é
comum atribuir a um sujeito louco toda uma constelação de motivos filosóficos. Não querem
acreditar racionalmente o acaso é absurdo.
***
FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS DA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA Max Weber*
Deve-se entender-se por sociologia (no sentido aqui aceito desta palavra, que se emprega com tão
diversos significados) uma ciência que pretende entender, interpretando- a; a ação social, para
desta maneira explicá-la causalmente em seu desenrolar e efeitos. Por “ação” deve-se entender-se
uma conduta humana (quer consista num fazer interno ou externo, quer num omitir ou permitir),
sempre que o sujeito ou os sujeitos da ação enlacem a ela um sentido subjetivo. “A ação social”,
portanto., é uma ação na qual o sentido pelo sujeito -- ou pelos sujeitos -- está à conduta de outros
orientando-se por esta o seu desenrolar.
1. Por “sentido” entendemos o sentido mentado e subjetivo dos sujeitos da ação, quer seja: (A)
existente de fato, (a) num caso historicamente dado; (b) como média e de um modo
aproximativo; quer seja (B) tal construído num tipo ideal com atores deste caráter. De maneira
alguma trata-se de um sentido “objetivamente justo” ou de um sentido “verdadeiro”
metafisicamente fundado. Aqui enraíza-se precisamente a diferença entre as ciências empíricas
da ação -- a sociologia e a história -- e toda ciência dogmática: jurisprudência, lógica, ética,
estética, as quais pretendem investigar em seus objetos o sentido “justo” e válido”.
2. Os limites entre uma ação com sentido e um modo de conduta simplesmente reativo (como
aqui o denominaremos), não unido a um sentido subjetivamente mentado, são inteiramente
elásticos. Uma parte muito importante dos modos de conduta que são de interesse para a
sociologia, especialmente a ação puramente tradicional, se encontra na fronteira entre ambos.
Uma ação com sentido, isto é, compreensível, está ausente em vários casos de processos
psicofísicos, e com outros casos só existe para os especialistas; os processos místicos, não
comunicáveis adequadamente por meio da palavra, não podem ser compreendidos com plenitude
pelos que não são acessíveis a esse tipo de experiências. Mas tampouco possuir pessoalmente a
capacidade de produzir por si mesmo uma ação semelhante à alheia para poder compreendê-la:
“Não é preciso ser César para compreender César”. Poder reviver de modo pleno de alheio é
importante para a evidência da compreensão, mas não é condição absoluta para a interpretação do
sentido. Amiúde os elementos compreensíveis e os não compreensíveis de um processo estão
unidos e mesclados entre si.
3. Toda interpretação, como toda ciência em geral, tende à “evidência”. A evidência da
compreensão pode ser de caráter racional (e, então, quer lógica, quer matemática), ou de caráter
endopático: afetiva, receptivo-artística. No domínio da ação é racionalmente evidente, sobretudo,
aquilo que sua “conexão de sentido” se compreende intelectualmente de um modo diáfano e
exaustivo. E há evidência endopática da ação quando se revive plenamente a “conexão de
sentimentos” que nela se viveu. Racionalmente compreensíveis -- isto é, neste caso: captáveis
intelectualmente em seu sentido de um modo imediato e unívoco -- são sobretudo, e em grau
máximo significativas, reciprocamente referidas, contidas nas proposições lógicas e matemáticas.
Compreendemos assim de modo unívoco o que se dá a entender quando alguém, pensando ou
argumentando, faz uso da proposição 2 x 2 = 4, ou dos teoremas pitagóricos, ou extrai uma
conclusão lógica de um modo -- segundo nossos hábitos mentais -- “correto”. De igual modo,
quando alguém, baseando-se nos dados oferecidos por “fatos” da experiência que nos sejam
conhecidos, e em finalidades dadas, deduz para sua ação as conseqüências claramente inferíveis
(segundo a nossa experiência) acerca da classe de “meios” a empregar. Toda interpretação de
uma ação conforme a fins orienta racionalmente dessa maneira possui -- para a inteligência dos
meios empregados -- o grau máximo de evidência. Com não idêntica evidência, porém suficiente
para nossas exigências de explicação, compreendemos também aqueles “erros” (inclusive
confusões de problemas) em que somos capazes de incorrer ou de cujo surgimento poderíamos
ter uma experiência própria. Ao contrário, muitos dos “valores” e “fins” de caráter que parecem
orientar a ação de um homem, com freqüência não os podemos compreender com plena
evidência, mas apenas, em certas circunstâncias, captá-los intelectualmente, mas tropeçando com
dificuldades crescentes em poder “revivê-los” por meio da fantasia endopática, à medida que se
afastam mais radicalmente de nossas próprias valorações últimas. Temos então de contentar-nos,
conforme o caso, com sua interpretação exclusivamente intelectual ou, em determinadas
circunstâncias -- se bem que isto possa falhar -- , com aceitar aqueles fins e valores simplesmente
como dados, para em seguida tratar de tornar-nos compreensível o desenvolvimento da ação por
eles motivada, pela melhor interpretação intelectual possível ou revivendo seus pontos de
orientação o mais de perto possível. A esta classe pertencem, por exemplo, certas ações virtuosas,
religiosas e caritativas, para o insensível a elas; de igual modo, muitos fanatismos e racionalismo
extremo (“direitos do homem”), para quem os aborreça. Muitos afetos reais (medo, cólera,
ambição, inveja, ciúmes, amor, entusiasmo, orgulho, vingança, piedade, devoção e apetências de
todo tipo) e as reações irracionais (desde o ponto de vista da ação racional segundo fins)
derivadas deles, podemos “revivê-los” afetivamente de modo tanto evidente quanto mais sejamos
suscetíveis desses afetos; e, em todo caso, ainda que excedam em absoluto as nossas
possibilidades, por sua intensidade, podemos compreendê- los endopaticamente e calcular
intelectualmente seus efeitos sobre a direção e os meios da ação.
O método científico que consiste na construção de tipos investiga e expõe todas as conexões de
sentido irracionais, efetivamente condicionadas, do comportamento, que influam na ação, como
“desvios” de um desenvolvimento da mesma “construído” como puramente racional segundo
fins. Por exemplo, para a explicação de um “pânico na bolsa de valores” será conveniente fixar
primeiro como se desenvolveria a ação fora de todo influxo de afetos irracionais, para introduzir
depois, como “pertubações”, aqueles componentes irracionais. De igual modo procederíamos na
explicação de uma ação política ou militar: teríamos de fixar, primeiro, como se haveria
desenrolado a ação caso se houvesse conhecido todas as circunstâncias e todas as intenções dos
protagonistas e se houvesse orientado a escolha dos meios -- conforme os dados da experiência
considerados por nós existentes -- de um modo rigorosamente racional segundo fins. Só assim
seria possível a imputação dos desvios às irracionalidades que os condicionaram. A construção de
uma ação rigorosamente racional segundo fins serve nestes casos à sociologia -- graças à sua
evidente inteligibilidade e, enquanto racional, de sua univocidade -- como um tipo (tipo ideal),
mediante o qual compreender a ação real, influída por irracionalidades de toda espécie (afetos,
erros), como um desvio do desenvolvimento esperado da ação racional.
Deste modo, mas só em virtude desses fundamentos de conveniência metodológica, pode dizer-se
que o método da sociologia “compreensiva” é “racionalista”. Este procedimento não deve, pois,
interpretar-se como um preconceito racionalista da sociologia, mas só um recurso metódico; e
muito menos, portanto, como se implicasse a crença de um predomínio do racional na vida. Pois
nada nos diz, no mais mínimo, até que ponto, na realidade, as ações reais estão ou não
determinadas por considerações racionais de fins. (Não pode negar-se a existência do perigo de
interpretações racionalistas em lugar inadequados. Toda a experiência confirma, por desgraça,
esta assertiva).
4. Os processos e objetivos alheios ao sentido entram no âmbito das ciências da ação como
ocasião, resultado, estímulo ou obstáculo da ação humana. Ser alheio ao sentido não significa
“inanimado” ou “não humano”. Todo artefato, quer máquina, por exemplo, se compreende e se
interpreta, no fim das contas, pelo sentido que a ação humana (com finalidades possivelmente
muito diversas) empresta (ou desejaria emprestar) à sua produção e emprego; sem o recurso a
este sentido, permanece completamente incompreensível. O compreensível é, pois, sua referência
à ação humana, seja como “meio”, seja como “fim” imaginado pelo ator ou atores, e que orienta
sua ação. Só mediante estas categorias cabe uma compreensão de semelhantes objetos. Ao
contrário, permanecem alheios ao sentido todos os processos ou estados -- animados, inanimados,
humanos e extra-humanos -- em que não se menta um sentido, enquanto não apareçam na ação a
relação de “meio” ou de “fim”, e só sejam, para a mesma, ocasião, estímulo ou obstáculo. A
formação do Dollart (1), no ano de 1277, tem (talvez ! ) significação histórica como provocadora
de certos assentamentos populacionais de considerável alcance histórico. O ritmo da morte e o
ciclo orgânico da vida, desde o desvalimento da criança ao desvalimento do ancião, têm
naturalmente alcance sociológico de primeira força, pelos diversos modos em que a ação humana
se orientou e se orienta por esses fatos. Outra classe de categorias está constituída por certos
conhecimentos sobre o desenvolvimento de alguns fenômenos físicos ou psicofísicos (cansaço,
hábito, memória, etc.; e também, por exemplo, euforias típicas em determinadas formas de
debilitação, diferenças típicas dos modos de reação segundo ritmo, modo, claridade, etc.) que, se
apoiam na experiência, não implicam compreensão. A situação é, sem embargo, a mesma que a
existente em outros fatos opacos à compreensão: a “atitude compreensiva” aceita-os da forma que
o faz qualquer atividade prática, como, “dados” com que é preciso contar.
Cabe a possibilidade de que a investigação futura encontre regularidades não sujeitas à
compreensão em determinadas condutas dotadas de sentido, por escassa que tenha sido até agora
tal coisa. Diferenças na herança biológica (das “raças”, por exemplo) -- quando e na medida em
que se fornecesse a prova estatística de sua influência nos modos de conduta de alcance
sociológico; especialmente na ação social no que diz respeito à maneira de estar referida a seu
sentido -- seriam aceitos pela sociologia como dados, nem mais nem menos do que os fatos
fisiológicos do tipo da necessidade de alimentação ou dos efeitos da velhice sobre a ação
humana. E o reconhecimento de seu significado causal não alteraria em nada a tarefa da
sociologia (e das ciências da ação em geral): compreender, interpretando-as, as ações orientadas
por um sentido. Não faria senão enxertar em determinados pontos de suas conexões de motivos,
compreensíveis e interpretáveis, fatos não compreensíveis (assim: conexões típicas entre a
freqüência de determinadas finalidades de ação ou o grau de sua racionalidade e o índice
craniano, a cor da pele ou quaisquer outras modalidades fisiológicas hereditárias), como hoje em
dia ocorre nessa matéria.
5. Pode entender-se por compreensão: 1, a compreensão atual do sentido mentado numa ação
(inclusive: de uma manifestação). Compreendemos, por exemplo, de um modo atual o sentido d
proposição 2 x 2 = 4, que ouvimos ou lemos (compreensão racional, atual, de pensamentos), ou
uma explosão de cólera manifestada em expressões faciais, interjeições ou movimentos
irracionais (compreensão irracional, atual, de afetos), ou a conduta de um lenhador ou de alguém
que põe sua mão na maçaneta da porta para fechá- la, ou que dispara sobre um animal
(compreensão racional, atual, se ações); -- também: 2, a compreensão explicativa.
Compreendemos por seus motivos quê sentido pôs nisto quem formulou ou escreveu a
proposição 2 x 2 = 4, para quê o fez precisamente nesse momento ou nessa conexão, quando o
vemos ocupado numa operação mercantil, numa demonstração científica, num cálculo técnico ou
outra ação a cuja conexão total pertence aquela proposição pelo sentido que a ela vemos
vinculado; isto é, essa proposição obtém uma “conexão de sentido” compreensível para nós
(compreensão racional por motivos). Compreendemos o lenhador ou aquele que aponta uma
arma, não só de modo atual, mas por seus motivos, quando sabemos que o primeiro executa essa
ação para ganhar um salário ou para cobrir suas necessidades ou por diversão (motivo racional)
ou porque “reagiu de tal modo a uma excitação” (irracional), ou que aquele que dispara a arma o
faz por uma ordem de executar alguém, ou de defesa contra o inimigo (racional), ou então por
vingança (afetiva e, neste sentido, irracional). Compreendemos, por último, um ato de cólera, por
seus motivos, quando sabemos que por trás dele há ciúme, vaidade enfermiça ou honra ferida
(efetivamente condicionados: compreensão irracional por motivos). Todas estas representam
conexões de sentido compreensíveis, cuja compreensão temos por uma explicação do
desenvolvimento da ação. “Explicar“ significa, desta maneira, para a ciência que se ocupa do
sentido da ação, algo assim como: captação da conexão de sentido em que inclui uma ação, já
compreendida de modo atual, segundo o seu sentido “subjetivamente mentado”. (Sobre a
significação causal deste “explicar”, cf. No 6.) Em todos esses casos, também nos processos
afetivos, entendemos por sentido subjetivo do fato, inclusive da conexão de sentido, o sentido
“mentado”(afastando-nos do uso habitual, no qual “mentar”, com a significação aludida, só se
emprega a respeito das ações racionais referidas a fins).
6. Compreensão eqüivale, em todos esses casos, a: captação, a: captação interpretativa do sentido
ou conexão de sentido: (a) mentado realmente na ação particular (no enfoque histórico); (b)
mentado em média e de modo aproximativo (no enfoque sociológico em massa); (c) construído
cientificamente (pelo método tipológico) para a elaboração do tipo ideal se um fenômeno
freqüente. Semelhantes construções típico-ideais dão-se, por exemplo, nos conceitos e leis da
teria econômica pura. Expõem como se desenrolaria uma forma específica de conduta humana, se
o fizesse com todo rigor segundo a finalidade, sem perturbação alguma de erros e afetos, e se
estivesse orientada de um modo unívoco por uma só finalidade (e economia). Mas a ação real só
em casos raros (Bolsa), e isto de maneira aproximada, transcorre tal como foi construída no tipo
ideal (a respeito da finalidade de tais construções, cf. Archiv f. Sozialmiss. , XIX, pp. 64 ss., e
infra, no 8).
Toda interpretação busca a evidência. Mas nenhuma interpretação de sentido, por evidente que
seja, pode pretender, graças a esse caráter de evidência, ser também a interpretação causal válida.
Em si, não é outra coisa senão uma hipótese causal particularmente evidente (a) Com freqüência,
“motivos” pretextados e “repressões” (isto é, motivos não aceitos) encobrem, mesmo para o
próprio ator, a conexão real da trama de sua ação, de modo que o próprio testemunho subjetivo,
mesmo sincero, só tem valor relativo. Neste caso, a tarefa que incumbe à sociologia é averiguar e
interpretar essa conexão, mesmo que não tenha sido elevada à consciência, ou, o que ocorre no
mais das vezes não o tenha sido com toda a plenitude com que foi mentada em concreto: um caso
da interpretação de sentido. (b) Manifestações externas da ação tidas por nós como “iguais” ou
“semelhantes” podem apoiar-se em conexões de sentido muito diversas no ator ou atores; e
“compreendemos” também um atuar fortemente diverso, amiúde de sentido cabalmente oposto,
frente a situações que julgamos “semelhantes” entre si. (Exemplos em Simmel: Probl. Der
Geschichtsphil.) (c) Em situações dadas, os homens estão submetidos, em sua ação, à luta de
impulsos contrários, todos eles “compreensíveis”. Qual seja a intensidade com que se manifestam
na ação as distintas referências significativas subjacentes na “luta de motivos”, para nós
igualmente compreensíveis, é coisa que, segundo a experiência, não se pode apreciar nunca com
toda a segurança, e na maior parte dos casos nem sequer de um modo aproximado. Só o resultado
da luta de motivos nos ilustra a esse respeito. Como em toda hipótese, é indispensável o controle
da interpretação compreensiva de sentidos pelos resultados: a direção que a realidade manifeste.
Só nos casos e especialmente adequados da experimentação psicológica pode obter-se um
controle de precisão relativa. Também por meio da estatística, e com extraordinárias diferenças
de aproximação, nos casos (também limitados) de fenômenos em massa suscetíveis de
quantificação e correlação. Nos demais casos, e como tarefa importante da sociologia comparada,
só resta a possibilidade de comparar o maior número possível de fatos da vida histórica ou
cotidiana que, semelhantes entre si, só difiram num ponto decisivo: o “motivo” ou “ocasião”, que
precisamente por sua importância prática tratamos de investigar. Amiúde só resta,
desgraçadamente, o meio inseguro do “experimento ideal”, isto é, pensar como não presentes
certos elementos constitutivos da cadeia causal e “construir” então o curso provável que teria a
ação, para alcançar assim uma imputação causal.
A chamada “lei de Gresham” (2), por exemplo, é uma interpretação racional evidente da conduta
humana em determinadas condições e desde o pressuposto típico-ideal de uma ação estritamente
racional segundo fins. Até que ponto a conduta real concorda com a construção é coisa que só
nos pode ser ensinada por uma experiência (expressável, em princípio, em alguma forma
estatística) que comprove, nas relações econômicas, a desaparição efetiva da moeda de mais
valor; isto nos institui sobre a ampla validade da lei. Na realidade, a marcha do conhecimento é
esta: primeiro existiram as observações da experiência e depois veio a fórmula interpretativa.
Sem esta interpretação conseguida por nós, teria permanecido insatisfeita nossa necessidade
causal. Mas sem a prova, por outro lado, de que o desenvolvimento idealmente construído dos
modos de conduta se encarna, em alguma medida, também na realidade, uma lei semelhante, em
si tão evidente quanto se queira, teria sido uma construção sem valor para o conhecimento da
ação real. Neste exemplo é concludente a concordância entre adequação de sentido e prova
empírica, e os casos são suficientemente numerosos para que se tenha a prova como
suficientemente segura. A hipótese de Eduard Meyer sobre a significação causal das batalhas de
Maratona, Salamina e Platéia com relação à peculiaridade do desenvolvimento da cultura
helênica (e, com ela, da ocidental) -- hipótese inferida por adequação de sentido e apoiada
engenhosamente em fatos sintomáticos (atitude dos oráculos e dos profetas helênicos para com os
persas) -- só poderia fortalecer-se com a prova obtida dos exemplos da conduta seguida pelos
persas nos casos de vitória (Jerusalém, Egito, Ásia Menor) e, portanto, em muitos aspectos, tem
de permanecer incompleta. A evidência racional interpretativa da hipótese tem de permanecer
incompleta. A evidência racional interpretativa da hipótese tem aqui de servir forçosamente como
apoio. Em outros muitos casos de imputação histórica, de grande evidência ao que parece, nem
sequer cabe a prova do caso citado. Por conseguinte, a imputação permanece definitivamente
como uma simples hipótese.
7. Chamamos “motivo” a conexão de sentido que para o ator ou o observador aparece como o
“fundamento” com sentido de uma conduta. Dizemos que a conduta que se desenvolve como um
todo coerente é “adequada pelo sentido, na medida em que afirmamos que a relação entre seus
elementos constitui uma “conexão de sentido” típica (ou, como costumamos dizer, “correta”)
conforme os hábitos mentais e efetivos médios. Dizemos, ao contrário, que uma sucessão de fatos
é “causalmente adequada”, na medida em que, segundo regras de experiência, exista esta
probabilidade: de que sempre transcorra de igual maneira. (Adequada por seu sentido é, por
exemplo, a solução correta de um problema aritmético, de acordo com as normas habituais do
pensamento e do cálculo. É causalmente adequada -- no âmbito do acontecer estatístico -- a
probabilidade existente, de acordo com regras comprovadas da existência, de uma solução
“correta” ou “falsa” -- desde o ponto de vista de nossas normais habituais -- e também de um
“erro de cálculo” típico ou de uma confusão de problemas também típica). A explicação causal
significa, pois, esta afirmação: que, de acordo com uma determinada regra de probabilidade --
qualquer que seja o modo de calculá-la, e só em casos raros e ideais pode ser segundo dados
mensuráveis -- , um determinado processo (interno ou externo) observado segue-se outro
processo determinado (ou aparece juntamente com ele).
Texto adaptado e resumido de Julien Freud, Sociologia de Max Weber, trad. Luís Cláudio de
Castro e Costa, Rio, Forense, 2a ed. 1975, Cap. II, pp 32-66.
Max Weber; Cap. XIV pg. 231 in: Teoria Sociológica -- Nicholas S. Timasheff; Zahar Editores;
1979.
* Extraído de: Max Weber, Economía y Sociedad. Esbozo de Sociología Compreensiva, ed.
Johannes Winckelmann, trad. José Medina Ecnavarría et al., México, Fondo de Cultura
Económica, 2a ed., 1964, pp. 5 - 18.
Aulas de fevereiro de 1991.

AULAS DE FEVEREIRO DE 1991. ASTROCARACTEROLOGIA AULA 41 SÃO PAULO, 21


FEV. 1991 TRANSCRIÇÃO: VIVIAN HAMANN SMITH
P: Alguém pode recordar o que vimos sobre Weber, na última rodada de aula?
A: O cerne da questão é a metodologia. Antes, buscava-se caracterizar ciência humana e ciência
exata. Weber procurou mostrar o engano que havia em se enfocar determinado ramo do saber, um
como exato e outro como humano, dado que isso levava a uma aberração, fazendo crer que havia
mais conhecimento científico do lado das ciências exatas e menos do lado das ciências humanas.
A metodologia tinha que formulada. A idéia principal era mostrar que, não importando o assunto
da ciência, era preciso adaptar a metodologia ao conteúdo dessa ciência, e que isso implicava
numa especificação da metodologia científica; era preciso abandonar a preocupação em
generalizar a metodologia, e se adaptar à especificidade de cada ramo do saber.
P: Essa é a colocação geral do problema. O que Weber entende por ação social?
A: É uma ação segundo fins, e portanto pode ser compreendida e também explicada. É uma ação
que tem uma intenção. A ação social é aquela na qual a previsão de intenções alheias é um dos
componentes. Por exemplo, tomar banho é uma ação social? Pode ser, pode não ser. Se estou
tomando banho para que não sintam o fedor, é uma ação social. Mas, se estou tomando banho
sem nenhuma intenção de sair, e sabendo que eu vou ficar em casa sozinho, o resto do dia, não se
trata de ação de ação social, pois a intenção alheia, o julgamento alheio não foi um dos
componentes da ação.
P: O que é para Weber Sociologia?
Na ação social, o que se visa por um lado é a compreensão das intenções do agente e, por outro, a
explicação das causas da ação. As causas, por sua vez, podem ser sociais ou extra-sociais. No
exemplo citado, do banho, o sujeito tomou banho porque suou. O suor em si não faz ninguém
tomar banho, mas é um dos elementos que é levado em conta na intenção. É um fato natural, que
entra como uma das causas. Neste fato simples - tomar banho -, há um grupo de causas presentes.
O estar suado é elemento de causa, mas não causa total. Se somarmos todas as causas que podem
interferir neste fato, ainda assim elas não chegam a esgotar o fato, pois sempre vai precisar entrar,
como uma das causas, a intenção do sujeito.
A intenção, na medida em que prevê um fim e ordens os meios (atos) necessários à consecução
deste fim, ela mesma se torna uma causa. O fim, a finalidade, é uma causa, o que não acontece no
mundo da natureza, a não ser que suponhamos uma causa transcendente, uma intenção de Deus, o
que não é objeto d pesquisa científica. É um mistério e, como mistério, fica fora da investigação
científica. As ciências naturais não investigam os fins da atividade natural, enquanto na ação
humana os fins são sempre uma das causas. Entram, pois a consideração dos fins, dos valores que
determinam esses fins, das circunstâncias que são avaliadas pelo sujeito da ação, dos motivos
íntimos do sujeito, etc. Isto, para Weber, é a Sociologia.
Diferenças entre Sociologia e História
O objeto material de uma e de outra ciência é o mesmo: a ação social. O procedimento também é
mais ou menos o mesmo: por um lado, interpretação dos motivos, por outro, explicação das
causas. O objeto formal motivo é o mesmo, mas o objeto formal terminativo é diferente. A
história visa a reconstituir os acontecimentos na sua seqüência mais ou menos irrepetível, ao
passo que a Sociologia essencialmente a encontrar as regularidades, as leis explicativas
constantes.
No que difere - esse é o ponto que nos interessa - a Sociologia da Psicologia?
Tanto a Sociologia pode estudar ações individuais quanto a Psicologia pode estudar coletividade,
de forma que a diferença entre uma e outra ciência não é questão de individual ou coletivo. A
diferença é quanto ao motivo. Há motivos de ações humanas que interessam à Psicologia e não
interessam à Sociologia.
Uma ação que se esgote na esfera do próprio indivíduo interessa à Psicologia e não à Sociologia,
onde as ações humanas são sociais, levam em conta outros seres humanos. Por outro lado, as
ações que são sociais também interessam à Psicologia.
A ação é ou não é social, não conforme o número de pessoas que participam dela (porque a ação
individual também pode ser social). Tudo aquilo que o indivíduo faz por motivos que dizem
respeito exclusivamente a ele mesmo é ação social, mas sim ação humana.
Vê-se então que a Psicologia se interessa pela totalidade das ações humanas, e a Sociologia só
por uma parte delas. E o essa parte que interessa à Sociologia também faz parte da Psicologia. O
que significa que, para Weber, praticamente (embora ele não o diga teoricamente), a Psicologia e
a Sociologia estão colocadas como se fossem Gênero e espécie. Por isso mesmo, muitas vezes
sua sociologia é chamada Sociologia Psicológica embora ele negasse isso. Para ele, não
interessavam os motivos psicológicos.
A diferença entre motivos psicológicos e outros motivos pode ser assim compreendida: o sujeito
tem uma fobia e age em função dessa fobia é evidentemente uma interpretação falsa do real. Essa
interpretação falsa tem efeitos reais, tanto que o sujeito realmente age em função dela. Uma idéia
maluca pode ser ter como efeito um procedimento real. Isso interessa primordialmente à
Psicologia, e só interessa à Sociologia secundariamente. As causas não-racionais são enfocadas
de maneira diferente em Psicologia e em Sociologia.
O procedimento da Sociologia, seu método fundamental, criado por Weber, é o método do tipo
ideal da ação humana.
O tipo ideal se faz delineando à sua consecução.
Se quisermos saber o que é o capitalismo, podemos proceder assim: o objetivo do capitalismo é o
lucro. Como o capitalista procede par obter lucro? Idealmente, ele procede de tal jeito. O
capitalista pode, porém, ficar louco, brigar com a mulher e isto fará com que, acidentalmente, ele
deixe de proceder de uma maneira racional, com vistas a fins definidos. Essa intervenção do não-
racional é vista sempre como acidental, em Sociologia, mas em Psicologia não. Se construir o
tipo ideal do complexo de Édipo, o procedimento não será o mesmo do sociólogo, ou seja, o de
compor o tipo ideal como tendo um objetivo e um conjunto de meios racionais para atingi-lo.
Certamente não é assim. A construção do tipo ideal do capitalismo seria diferente da construção
do tipo ideal do Complexo de Édipo.
A ação social só pode ser descrita tomando como base o modelo que Weber chama de "ação
racional segundo fins". Isso não quer dizer que ação social seja sempre racional. O que acontece é
que a sociedade, por sua própria natureza, é uma organização segundo fins. Isto, porém, não vale
em Psicologia, pois os meios que usa não são os mesmos; ela não pode tomar como princípio ou
método a ação racional segundo fins. Porém as ações que são racionais segundo fins também
podem ser explicadas psicologicamente.
Tudo isso é para explicar que a Sociologia acaba sendo uma espécie do gênero Psicologia -
embora não da Psicologia tal como praticada no tempo de Weber. Por outro lado, também é
óbvio que, como as ações sociais também fazem parte do terreno da Psicologia, nada impede que
uma boa parte das ações humanas possa ser estudada psicologicamente como ações racionais
segundo fins. Nada impede que esses tipos ideais feitos por Weber, tal como Weber os explica,
sejam usados em Psicologia e é exatamente o que faremos. Observem que, até hoje, o terreno da
Psicologia não conseguiu se delimitar tão claramente e de maneira tão simples quanto Weber
delimita a Sociologia, porque tudo que o homem faça, pense, aja, deseje, sonhe, tudo isso parte
da Psicologia.
Não podemos dizer que psicológico é somente o que é não-racional, pois também faz parte da
Psicologia. Qualquer ação humana sempre é psicológica, e algumas vezes é sociológica. Sendo
assim, teremos que tomar um pouco a parte pelo todo, quer dizer, ao usar o método de Weber nós
já sabemos que vai chegar um momento em que ele vai se tornar insuficientemente para nós,
quando os motivos racionais começarem a ser insuficientes. Ou seja, sempre vai existir um
terreno para além do qual os motivos racionais já não podem explicar o comportamento, de
maneira alguma. Pior ainda, eles não são sequer levados em consideração.
Quando nós investigamos o sonho, é evidente que ele deve e de fato possui uma estrutura
racional, pois ele é um fenômeno natural e tem causas e essas causas devem ser encadeadas de
uma maneira racional. Hoje em dia, a tendência dominante no estudo dos sonhos é entendê-los
como mecanismo de reequilibração do organismo. Freud já os via como expressão de desejos
reprimidos, e hoje em dia se entende que a expressão de desejos reprimidos é só uma parte mais
ou menos insignificante da utilidade dos sonhos. Porém, uma coisa é dizer que o sonho, enquanto
fenômeno natural, tem uma estrutura racional ou compreensível racionalmente, e outra coisa é
dizer que o sujeito sonha por motivos racionais. Evidentemente, ninguém sonha por motivos
racionais; ninguém decide sonhar porque, consideradas as coisas racionalmente, será útil sonhar,
para tal ou qual fim. Em princípio, todas as causas são racionalizáveis, todas as causas de tudo o
que acontece. Porque a ciência não é outra coisa senão isto: o estudo racional das causas. Porém,
os motivos racionais têm pouquíssima importância. Nem mesmo esses fenômenos admitiriam ser
estudados sob este aspecto. Vai chegar o momento onde este método vai nos revelar sua
insuficiência. Nesse momento, veremos que causas que transcedem infinitamente a consciência
do indivíduo determinam o surgimento de motivos que nada têm a ver com as causas, e de fato
nada têm a ver com a ação real.
Todo comportamento inconsciente certamente tem causas, só que essas causas não coincidem,
em nenhum momento, com os motivos alegados. Quer dizer que a ordem da elaboração dos
motivos nada tem a ver com a ordem real das causas, ao passo que, numa ação racional, a própria
finalidade é uma das causas. Quando o sujeito toma banho, por exemplo, o desejo de ficar limpo,
que é fim visado pela ação, é uma das causas que estão presentes desde o início. Porém, quando
há uma ação que dizemos que é movida por causas inconscientes, ou não existe nenhuma
alegação de motivos, como no caso do sonho - pois ninguém tem motivos para sonhar -, ou então
os motivos apresentados à consciência pouco ou nada têm a ver com as causas, e não agem como
causas.
Isto é uma conquista psicológica de primeira grandeza: nós podemos dizer que uma determinada
ação foi inconsciente quando, radicalmente, os motivos alegados não agem como causas. Se um
motivo qualquer de determinada ação, ainda que misturado a uma infinidade de outras causas,
agir efetivamente como causa, então, pelo menos em parte, essa ação é consciente, voluntária. O
que é uma ação voluntária? É a ação na qual um fim conscientemente desejado age como causa.
Se eu suponho estar agindo por determinado motivo, e na realidade o que está me fazendo agir é
uma coisa completamente diferente, então o motivo alegado não tem força causante.
O tremo "racionalização", usado em Psicanálise, é quando um falso motivo é apresentado de
maneira lógica. Mas, evidentemente, a racionalização é uma espécie do fenômeno no qual os
motivos alegados não tem força causante. De qualquer modo, só podemos dizer que houve uma
ação inconsciente quando radicalmente o motivo alegado é alheio a essa causa. O caso clássico é
o sujeito sob hipnose e induzido, após o despertar do sono hipnótico, a fazer isto o aquilo. Ele, ao
acordar, sente um impulso incoercível de fazer isso ou aquilo e, se perguntarem por que ele fez o
que fez, imediatamente produzirá toda uma constatação de motivos que, no entanto, não estavam
presentes no desencadear da causa, mas foram inventados posteriormente. Mas ele acredita
nesses motivos. O motivo atua apenas como justificação a posterioridade de uma ação causada
por uma coisa completamente diferente. Neste sentido, verão que o número de ações
inconscientes é demasiado pequeno, porque na maior parte das nossas ações, ainda que o
mecanismo causal permaneça inconsciente, ele não contradiz os motivos alegados
conscientemente.
Se eu fico com fome e vou comer: não participei conscientemente do desencadear da fome, ela se
fez por si mesma; o organismo, agindo à minha revelia, sofreu tais ou quais transformações
internas que resultaram numa sensação de fome. Estou alheio a isto. Quando ou almoçar, pode
ser exemplo, porque apareceu uma pessoa no meu escritório em cuja companhia desejo almoçar.
Este seria o motivo, embora concorra muito levemente para o desencadear da ação, embora ele
venha mais ou menos a posteriori, ele não contradiz o processo causal real, ele simplesmente lhe
é alheio. E, de fato, na maior parte das ações humanas, não é necessário haver um motivo
consciente. Todas as nossas ações automáticas - respirar, andar, etc - não precisam de motivo
consciente para atuarem. Basta que esse imenso conjunto de ações automatizadas inconscientes
concorram em última análise para algum motivo consciente.
Por exemplo, se desejo sair daqui para ir ao cinema, só quero ver o filme, não preciso coordenar
conscientemente a totalidade das ações que vou empreender para este fim. O corpo agirá por si
mesmo na maior parte do tempo, eu não estarei consciente de todos os mecanismos causais
desencadeados, e o que importa é que esses mecanismos inconscientes concorram para uma
finalidade consciente. Ações deste tipo podem ser ditas inconscientes, porque neste caso as
causas inconscientes estão subordinadas a uma intenção consciente; embora continuem
inconscientes, elas agem com vistas a um fim consciente.
Isto quer dizer que todos os mecanismos reflexos, condicionados e incondicionados, não podem
ser ditos causas inconscientes propriamente ditas operem inconscientemente. Porque não são eles
de fato a causa da ação, eles são processos causais parciais que vão concorrer para uma ação
total, determinada por motivo consciente. Isto quer dizer que as ações que são realmente
inconscientes no homem, o são em número insignificante.
A tendência hoje é dizer exatamente o contrário, que o homem é inconsciente a maior parte do
tempo, porque não exerce consciente sobre a maior parte de seus atos. Alguns partem até para a
negação de que exista a consciência.
Muitas ações só são bem executadas quando se deixa o inconsciente funcionar direito, pois se
você começar a interferir conscientemente, você não consegue mais. Se eu aqui, ao dar esta aula,
começar, na mesma hora em que estou falando, a me interrogar sobre quais são os mecanismos
que, no meu cérebro, produzem a recordação das palavras aprendidas da língua portuguesa,
evidentemente que não conseguirei mais falar.
A quase totalidade das nossas ações se pratica através de processos causais inconscientes, porém
visa a um objetivo consciente, está subordinada a ele e não requer um controle consciente. As
ações que não requerem controle consciente não podem ser ditas ações inconscientes, porque o
processo inconsciente está subordinado a uma finalidade consciente. Só podemos dizer que existe
uma ação inconsciente quando existe uma contradição. A idéia de que, como a consciência não
interfere na maior parte das nossas ações, então o inconsciente é que predomina, é como você
dizer o seguinte: como o governo de uma nação raramente interfere na vida dos cidadãos (só
interferem na cobrança de impostos) e como na maior parte do tempo os cidadãos fazem que lhes
dá na cabeça, sem a interferência da autoridade, então a autoridade não existe, o Estado não
existe. Ora, se o Estado interfere pouco, é porque a maior parte das ações dos indivíduos
humanos concorrem harmônica e automaticamente para as finalidades do Estado, e ele não
precisa interferir diretamente.
Quando é baixada uma lei ou mesmo um código penal, a fiscalização que o Estado exerce sobre o
indivíduo é muito tênue. De todas as ações que o indivíduo pratica, raramente o Estado está
presente para fiscalizar se ele (o indivíduo) está transgredindo a lei ou não. Isso não quer dizer
que o Estado não exista, quer dizer apenas que essa presença não é necessária, esse controle
direto não é necessário, porque os indivíduos estão habituados a cumprir a lei. A presença tênue
do Estado é mais que suficiente para manter a ordem.
Do mesmo modo, no plano das nossas ações, a interferência da nossa consciência é geralmente
muito tênue, porque não é preciso que ela interfira mais. A parte inconsciente, sem ser submetida
a qualquer fiscalização da consciência, executará ordenadamente as ações necessárias à
consecução dos fins conscientes. Aliás, se a consciência tivesse de estar presente na regulação
dos mais mínimos atos automáticos, então a consciência se despersaria. Se você vai ler um livro,
você não pode estar consciente da sua respiração, da sua postura, da temperatura do ambiente,
etc. Você tem que se desligar de tudo isso, e deixar que o corpo se regule, e a consciência se fixe
somente na atividade central.
Isso quer dizer que a noção de consciência está essencialmente ligada a uma hierarquia de fins.
Uma das atribuições da consciência, é justamente fixar esta hierarquia, e conceber mais atenção a
algumas coisas e menos atenção a outras coisas. Esta seleção dos fins, longe de mostrar que a
consciência tem uma atuação restrita, longe de restringir a atuação da consciência, ao contrário, é
um dos processos essenciais da consciência.
É justamente por isso que lhes disse que podemos usar o método de Weber em Psicologia. O
ponto chave é primeiro compreender. Compreendemos um tipo de ação, na medida em que
captamos os seus fins, e o encadeamento dos meios necessários a este fim. Se depois chegamos à
conclusão de que esses meios, que racionalmente seriam os mais adequados do fim, foram
efetivamente empregados, então que dizer que essa foi uma ação adequada aos seus fins. E se foi
uma ação adequada aos seus fins, quer dizer que todos os motivos alegados se tornaram causas.
Neste caso, a compreensão coincidirá com a explicação, embora essa plena coincidência
raramente aconteça. Em Psicologia, a ação plenamente consciência é aquela cujos motivos
subjetivos alegados são efetivamente a causa dominante. É o ato livre, ato que nenhuma causa
obriga a cometer. E no ato idealmente livre, no ato livre puro, não há nenhuma causa além dos
motivos. O indivíduo se propõe uma meta, age utilizando-se dos meios necessários para atingir
esse objetivo e o atinge - seu desejo foi a única causa dos acontecimentos.
Na Psicologia, teríamos uma escala, que leva desde o ato livre puro até o ato totalmente
condicionado, que é o ato onde o motivo subjetivamente alegado seria totalmente impotente para
desencadear qualquer das ações, onde é necessário recorrer a outras causas que são independentes
dos motivos.
Os atos reflexos, por exemplo, considerados em si mesmo e não parte de um processo maior
ilustram este último caso. Se perguntamos: por que você respira? E você responder "porque quero
continuar vivo", digo que a resposta é falsa, porque mesmo o sujeito que quer morrer continua
respirando. A respiração respira por si mesma, independentemente dos motivos. Nenhum motivo
humano alegado é suficiente para explicar a respiração. É necessária a interferência de diversas
causas alheias à vontade para que continuemos respirando. Mesmo assim, o controle que posso
obter não chega a ponto de detê-la voluntariamente. Nunca se viu caso de um sujeito que
suicidasse detendo a respiração. Ninguém possui domínio sobre isso. A menos que fizesse por
meios indiretos no coração, e impedimento, por falta de instrumentos, que a respiração prossiga.
Mas diretamente não é possível deter a respiração.
O ato da respiração é um protótipo da ação inconsciente, dado que nenhum motivo consciente a
explica. Porém, essa ação inconsciente pode ser inserida junto com outras ações, para a
consecução de um propósito consciente. Se desejo correr daqui até a esquina, sei que vou ter que
respirar mais, que minha respiração vai acelerar, para poder oxigenar todos os músculos que
preciso para correr. Na hora em que pensei em correr, não pensei em nada disso, pensei apenas
em correr e todos os mecanismos inconscientes automáticos concorrem uniforme e
ordenadamente para aquela finalidade. Se não concorrem, então digo que estou doente. Se dou
dois ou três passos e me sinto cansado, se não consigo respirar o quanto é necessário para correr,
digo que estou doente.
A doença é a recusa de os mecanismos inconscientes concorrem para um fim consciente.
Entendemos que se, de um lado, o ato livre puro é aquele no qual o motivo domina e tem força
causal, por assim dizer, abrange, do outro lado o ato inconsciente é aquele no qual o motivo não
influi nem contribui à sua consecução, importando causas totalmente alheias aos motivos
alegados. De forma que, por tais esclarecimentos, é possível entender que rarissimamente os
motivos inconscientes são causas soberanas das nossas ações. E é o que justifica o uso em
Psicologia do método de Weber, método do tipo ideal da conduta racional. Porque, mesmo
presentes causas inconscientes, o dominante é o motivo consciente.
Pode-se dizer que o indivíduo tem um motivo consciente e age segundo este motivo, porém
baseado numa interpretação errônea dos fatos: tenho que entregar um documento e me disseram
que o guichê estaria aberto das 15:00 às 21:00h, quando o horário verdadeiro era das 9:00 às
15:00. Fui lá, praticando uma ação racional mas, baseado na informação errada, "dei com a cara
na porta". Qual foi a causa disso? A causa em mim? É causa inconsciente ou consciente? Nem
uma coisa nem outra - foi uma causa alheia a mim. O que quer dizer que as ações baseadas em
interpretações errôneas, também nelas os motivos conscientes predominam. Mesmo quando o
indivíduo é levado a obter resultados indesejáveis, por força de circunstâncias ou informações
errôneas. Num sentido ele está, por assim dizer, cego, está agindo às tontas, o que não quer dizer
que esteja agindo inconscientemente.
É necessário que se divida este conceito de inconsciente em dois: inconsciente de si e
inconsciente das condições externas. São coisas muitas vezes confundidas. Há o caso de o sujeito
agir inconscientemente, pensando estar agindo por um motivo quando na verdade está agindo por
outro - como quando está hipnotizado; há também o caso de o indivíduo chegar a resultados
indesejados, mesmo estando perfeitamente consciente de si e dominando perfeitamente todas as
etapas da sua ação - ele não domina as ações alheias. Isto quer dizer que os procedimentos
ditados por falsa interpretação das condições externas, das ações alheias, não são conscientes.
Mais tarde teremos que examinar com cuidado em que situações uma causa inconsciente se torna
dominante. Desde já nós podemos dizer que, por um lado, os motivos conscientes predominam e,
em outros casos, os motivos inconscientes não interessam, e são alheios àquela ação mas não
contraditórios com ela. Como no caso das ações de um bebê de colo: ele pouco propósito
consciente tem, mas ele não tem nenhum propósito consciente que seja adverso às causas que o
fazem agir desta ou daquela maneira. Não podemos dizer que as ações de um bebê de colo sejam
inconscientes - não são nem conscientes - não são nem conscientes nem inconscientes. São ações
reflexas que, não necessitando do concurso de um motivo consciente, por isso mesmo não podem
ser ditas inconscientes, pois inconscientes é o que se opõe ao consciente. Não havendo esta
oposição, escapamos portanto de tal categoria.
Consciente e inconsciente são conceitos opostos. Se não houver oposição, então as ações, como a
de um bebê, só poderão ser ditas inconscientes de um modo puramente metafórico. É por isso
mesmo que a extensão indevida do conceito de inconsciente está nos deixando loucos. Tratam
como sendo inconscientes ações não-conscientes ou a- conscientes.
Este modelo - tipo ideal da ação humana - pode ser usado para explicar quase a totalidade dos
nossos procedimentos. Mas vai chegar o momento em que esbarraremos em causas inconscientes
absolutamente irredutíveis a qualquer motivo conscientes.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 41 SÃO PAULO, 21 DE FEV. 1991 TRANSCRIÇÃO:
BEATRIZ OMETTO CABRAL DE VASCONCELLOS E ODAIR GERALDO DUCATTI FITA
II

Vamos entrar no texto de Mário Ferreira dos Santos; a rigor, este texto deveria ser muito,
porque este livro Filosofia e História da Cultura tem mais de cem páginas que são só de tipologia
e caracterologia, onde o objetivo fundamental é de fazer mais ou menos o que nós fizemos aqui,
no início, com a idéia das camadas da personalidade, que não é nada mais que uma tipologia das
tipologias, ou seja, uma caracterologia das caracterologias. Cada uma das várias caracterologias
ou tipologias distingue os indivíduos segundo um critério, segundo uma razão diferente,
delimitando planos que não se confundem absolutamente e que não se determinam um ao outro,
mas que são completamente independentes e que apenas se somam e se concretizam no
indivíduo. Por exemplo, a topologia racial é por sua vez, uma tipologia anatômica, existe ainda as
biotipologias como as de Kretschmer e Sheldon; uma se refere às proporções do corpo medidas
de fora, a outra se refere ao tipo de tecido predominante. Dividem-se o indivíduo em três tipos
fundamentais:
atlético
magro
gordo
Como formas possíveis de corpos e Kretschmer associa a esses tipos certas tendências emotivas e
comportamentais gerais. Sheldon os classificou pela predominância de tecidos: adiposo, muscular
ou nervoso.
Ao encararmos os indivíduos sob esta tipologia, aquela outra tipologia e assim por diante,
chegará o momento em que começaremos a nos repetir, onde entraremos em diferentes, e quando
chegarmos a este ponto, podemos dizer que, na prática, atingiremos uma caracterologia geral.
As caracterologias estudadas aqui serviram apenas de ilustração, nem de longe elas pretendem
esgotar uma caracterologia geral. Porém, a teoria das camadas da personalidade é esta
caracterologia geral, proposta teoricamente e não executada, não efetivamente construída ainda.
Nós vimos também que dentro de cada camada existem duas outras caracterologias diferentes que
enfatizam aspectos diversos dentro de uma camada existem duas outras caracterologias diferentes
que enfatizam aspectos diversos dentro de uma mesma camada. Seria preciso examinar cada uma
dessas caracterologias dentro de cada camada a ver quantas delas são necessárias e quantas estão
já entrando na repetição. Por exemplo, a distinção de Krecschmer, vários outros estudiosos
fizeram-na. Ao considerar tudo que falou Sheldon e tudo que falou Krecschmer, percebemos que
estão falando mais ou menos a mesma coisa. Um procede por meditações e, outro, simplesmente,
pelo predomínio de determinado tipo de tecido, mas o tipo que eles irão descrever, no fim, são
esses três, o que se poderá resumir, dizendo que há um tipo magrinho, um tipo gordinho e um
tipo musculoso. Com maior ou menor variação vão chegar sempre no mesmo ponto. Podemos
dizer que esta classificação pode ser esgotada, ou seja, que a partir de certo momento não é
necessário prosseguir nesta linha, porque já chegamos a uma descrição suficiente e que a partir
vamos começar a nos repetir. Evidentemente, essa tipologia pertence à camada dois. Se
passássemos para a camada três, quatro e assim por diante, o trabalho vai se complicando.
Neste trabalho que veremos, Mário Ferreira dos Santos faz, à sua maneira, mais ou menos isso.
Pegando três classificações diferentes (com um outro nome mas que é a mesma que nós já
estudamos aqui como psicologia das castas) distingue o tipo teocrático, o tipo aristocrático, o tipo
econômico e o tipo servidor, o que não é nada mais do que as quatro castas.) distingue o tipo
teocrático, o tipo aristocrático, o tipo econômico e o tipo servidor, o que não é nada mais do que
as quatro castas. Em seguida, dará descrições diferentes dos indivíduos destas quatro castas,
conforme por exemplo a antiga tipologia de Hipócrates, dos quatro temperamentos: bilioso,
sangüíneo, melancólico e fleumático. Compreende-se, então, que o indivíduo da casta sacerdotal,
por exemplo, pode pertencer a qualquer dos quatro tipos de Hipócrates, só que com resultados
diferentes do indivíduo de uma outra casta que pertença ao mesmo tipo hipocrático. Quer dizer
que um fleumático sacerdotal não é a mesma coisa que um fleumático aristocrático. Em seguida,
ele cruza com a tipologia astrológica, descrevendo os sete tipos planetários segundo uma vasta
tradição. O melancólico, etc., porém, dentro disto, ainda poderá pertencer a um dos sete tipos
planetários: ele poderá ser um saturnino, um jupiteriano, etc. A combinatória vai aumentando, se
complexificando, de maneira que uma descrição exaustiva de todos os tipos combinados se torna
na prática inexequível (o que não vale para a teoria). Inexequível e não necessária, porque tendo
um conceito básico, você fará a combinatória no momento em que for necessário, assim como
para aprende aritmética não se aprende todas as contas possíveis e imagináveis, entre todos os
números concebíveis. Isto é perfeitamente desnecessário. Aprendemos os princípios para variar
as operações e fim. Na tipologia deve-se conhecer apenas os princípios das várias caracterologias
e suas combinações. Um desses princípios é exatamente o que Mário Ferreira coloca como
princípio de emergência e o de permanência.
Dito isto vamos ler o texto e comentá-lo:
"Ora, como se demonstrou de modo apodítico (irrefutável) na Filosofia Concreta, não podemos
considerar concretamente um ser, enquanto não consideramos a sua emergência e a sua
predisponência. É uma maneira abstratista e supinamente falsa querer explicar a atuação de um
ser apenas em função dos fatores predisponentes contemporâneos, esquecendo-se que um ser atua
proporcionalmente à sua natureza e que a atuação extrínseca sobre ele é ainda proporcionada à
natureza do primeiro."
Isto quer dizer o seguinte: todo ser é alguma coisa, porém, daquilo que ele é, de tudo o que é
realmente, existem alguns aspectos ou alguns traços, sem os quais ele não seria o que é, e outros
que poderiam ser trocados sem que ele no entanto deixasse de ser o que é. Por exemplo, se
pegamos um homem e cortamos as suas unhas. Geralmente fazemos isso e nada acontece; porém,
se cortamos a sua cabeça, obviamente não será a mesma coisa. Se cortarmos um pé, ou uma
perna inteira, que é bem maior do que a cabeça, isto o altera mas não a ponto de suprimi-lo da
existência. Mas, se cortarmos a sua cabeça, o indivíduo passa a ser inexistente. Por esses
exemplos, que são eloqüentes na medida em que são grosseiros entendemos que as partes e os
aspectos de ser tem uma hierarquia; nem todos os aspectos têm a mesma importância para que o
ser seja o que é. Tudo aquilo que um ser é absolutamente essencial para ele ser o que é, é o que
Mário Ferreira denomina emergente - emergente é o que vem à existência juntamente com o ser,
porque se não viesse com a existência juntamente com o ser, simplesmente não viria. Porém,
existem outros aspectos nele que não fazem parte dele, que não precisam estar nele, porém sem
os quais aqueles outros aspetos emergentes também o estudo do ser nestes dois aspectos, 1o)
aspectos do ser que têm de estar nele para ele ser o que é; 2o) aspectos que sem estar no ser são
uma condição para que o ser exista. Daí a palavra - predisponência. Predispor quer dizer aquilo
que está de antemão arranjado, dispostos ou ordenado para que algo seja possível.
Podemos entender que muitas predisponências diferentes podem predispor a mesma emergência,
ou seja, existem muitas maneiras de fazer a mesma coisa. Vamos pegar, por exemplo, um objeto
de fabricação humana: um cigarro. Se o cigarro não tivesse papel nem fumo, não seria cigarro
absolutamente e, portanto, não podemos conceber um cigarro que não tenha fumo, nem papel.
Podemos suprimir o papel? Sim, pois é possível enrolá-lo na própria folha do fumo. Porém que
seria o cigarro sem fumo? Não seria cigarro. Basta o fumo. Um toco de fumo não é um cigarro e
não pode ser fumado - o cigarro precisa da permeabilidade. Fumo picado é a condição sine qua
non, mas fumo picado não é apenas uma condição para que exista o cigarro, ao contrário, é o
próprio cigarro. Porém, o fumo se pica a si mesmo? Nasce pronto em árvores? Não. Ele vem em
folhas, essas folhas não nascem em qualquer lugar, como por exemplo, no Polo Norte, mas,
embora não possa nascer no Polo Norte, há uma infinidade de lugares podem nascer: nasce na
Bahia, em Cuba, na Flórida, todos esses lugares têm fumo, embora as condições geográficas
sejam um pouco diferentes. Isto quer dizer que o fumio picado é uma condição emergente do
cigarro e o lugar onde pode nascer o fumo é a condição predisponente. A condição predisponente
pode variar, mas a emergente não. Porque a condição emergente é a própria coisa, o único
problema prático que se coloca é que às vezes fica difícil saber onde termina a emergência e onde
começa a predisponência. Por exemplo, no estudo da formação da personalidade humana, todos
nós perguntamos o que é externo e o que é interno. Ou seja, o que o indivíduo trouxe consigo ao
nascer e o que lhe foi imposto pelo meio. Nós podemos dizer seguinte: a comida que ele come é
predisponente, porque não está nele. Com isso nós queremos dizer que o sujeito pode existir sem
comer, ou que ele pode comer qualquer coisa, como parafuso, rosca, lasca de pedra. Sua
alimentação pode variar, sim, mas até certo ponto. Pode variar bastante, mas não ilimitadamente.
Isto significa que a aptidão para digerir certo tipo de comida não é predisponente e sim
emergente. E, por exemplo, se o indivíduo comesse parafuso? Nós não temos aptidão para digerir
parafuso e isto faz parte de nós mesmos. Podemos conceber um ser humano que nascesse com
essa aptidão? Não. Então isto significa que a forma emergente tem algo a ver a ver com a
predisponência. Nós estamos aptos a sofrer certas predisponências e outras não.
A relação do emergente e do predisponente é muito mais íntima do que parece, e é isto que
coloca Mário Ferreira quando diz que a atuação de um ser um função dos fatores predisponentes
atua proporcionadamente à sua natureza. Quer dizer que a "influência externa" que um ser pode
sofrer é proporcional a sua interna. Porque certas influências externas acabarão por suprimi-lo da
existência, por exemplo, dar uma martelada na cabeça de um bebê faz parte do que nós
chamamos influência do meio na educação, na formação da personalidade? É evidente que não,
pois a martelada suprimiria o bebê. O que suprime o indivíduo certamente não contribui para a
sua formação. A inaptidão para receber marteladas na cabeça faz parte da emergência e isto quer
dizer que marteladas na cabeça não fazem parte da predisponência. A emergência limita a
predisponência.
Esta relação do que é intenso com o que é externo é um fio de navalha, e se vamos fazer um
estudo de caracterologia, dizendo que o caráter do indivíduo é o que está nele e não o que possa
vir do meio, então estamos com um gravíssimo problema porque nós nunca conseguimos apontar
um único traço do indivíduo, uma única qualidade dele que, de certo modo, não dependa de algo
externo. Como nós poderíamos dizer que faz parte do caráter do indivíduo, daquilo que está nele,
da sua emergência, uma qualidade como a capacidade de liderança? Porque liderar alguém.
Alguém pode liderar no vazio? A presença deste caráter já liga desde o início o indivíduo ao seu
meio. E a liderança nada mais é que uma relação que se estabelece entre o indivíduo e seu meio.
Neste sentido nós não podemos dizer que ela é emergente, que ela é um traço de caráter. Porque
ela estará, em parte, ao próprio caráter do meio.
Idealmente o nosso conceito de caráter deveria poder isolar o indivíduo somente na sua
emergência, isto quer dizer que o caráter seria aquilo que o indivíduo é independente do meio,
considerado inclusive em qualquer meio possível e imaginável, qualquer meio possível e
imaginável, quaisquer que fossem as condições
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Mas vou lhes dar um exemplo: se nós dizemos que o indivíduo tem maior sensibilidade para os
estímulos provenientes do seu corpo, maior acuidade dos sentidos internos ou, ao contrário,
maior acuidade dos sentidos externos, isto é um traço que independe dele nascer em qualquer
outro lugar, independe dele ser esquimó, um alemão, um pigmeu ou qualquer outra coisa, isto é o
que podemos entender como predisponência vazia. Ou seja, estamos pressupondo como única
predisponência a existência de um meio físico terrestre. Contando que ele nasça na Terra - não
interessando onde nasceu, em que sociedade, etc, ou seja, sua predisponência não é histórica nem
social. Isto seria o que poderíamos chamar de Caracterologia Pura. Porém este exemplo está
ligado à realidade física, vamos fazer uma outra pergunta: poderíamos conceber traços
psicológicos (puramente psicológicos, não físicos) que fossem puros neste sentido? Ou seja,
absolutamente independentes da predisponência? É mais difícil, porém não é impossível.
Praticamente sim, mas teoricamente não. Por exemplo: a aptidão lingüística depende de qual
língua o sujeito fale? Não! O sujeito que tem mais aptidão lingüística, a teria independentemente
de nascer num meio onde se fale especificamente o português, o alemão, o malaio ou o francês. A
aptidão lingüística se revelaria no uso de sua língua em particular.
Basta isso para provar que é possível assinalar determinados traços puramente emergentes. E é
precisamente com estes traços que a astrocaracterologia lida. Porque astrocaracterologicamente o
indivíduo é suposto independentemente do meio social, histórico-humano sendo colocado
unicamente em face do meio terrestre de um lado e do meio celeste por outro. É preciso que
nasça na Terra senão não tem astrocaracterologia. O meio para ele, ou seja, a predisponência,
qual é? Não é histórica, não é social, não é psicológica: a presdisponência é astral e, portanto,
terrestre também. Basta que indivíduo nasça sob determinado céu, sob determinada figura astral,
independentemente do meio social para que ele tenha tais e quais traços independentemente da
influência que este meio possa exercer sobre ele. Se não fosse possível a emergência pura e o
conhecimento da emergência pura, seria o fim da astrologia.
A emergência pura da individualidade humana é identificada com a predisponência astral. Se o
indivíduo nasceu sob determinado céu ele tem determinados traços, independentemente do meio
humano restante. A única predisponência com a qual o seu ser emergente tem diálogo é o céu
astral, é a figura astral. Estamos supondo o indivíduo que nascesse numa espécie de não meio
social, de não meio histórico, cujo único meio fosse o universo físico a sua volta - o indivíduo
considerado como cidadão do universo físico apenas - deste indivíduo é que a astrologia fala. Isto
quer dizer que o mesmo indivíduo poderia ser um tipo mais ou menos adaptado ao seu meio
social sem que isto mudasse o seu caráter de base, seu horóscopo continuaria o mesmo. Isto,
evidentemente, significa que não podemos, por exemplo, dizer, a partir do horóscopo, se o
indivíduo é louco ou não. Porque a demência, onde ela vai aparecer? Justamente na evolução de
sua personalidade, quando demonstrar uma inadequação profunda com a realidade tal como é
vista pelo meio, tanto que, às vezes, um indivíduo que é demente num determinado meio,
transposto para um outro se cura, isto é muito comum, aliás isto é um dos tópicos fundamentais
da terapia do Szondi. Isto quer dizer que "diagnóstico de demência" já está fora das
possibilidades da astrologia. Basta este tópico para perceber que isto seria impossível, quer dizer
que a definição da loucura, da doença mental, depende muito do meio social, não é possível dizer
se o sujeito está louco ou não se ele estiver sozinho, é necessário em certo padrão de conduta,
para que se possa definir. Por exemplo, Robson Crusué era louco? Não nos parece, porque
embora ele aja isoladamente em sua ilha, usa os meios técnicos necessários para sua subsistência
como um homem acidental normal portanto, ele está isolado?
É evidente que não, ele naufragou aos 40 anos de idade, levando para esta ilha todo o
conhecimento legado pela sua cultura, só está sozinho fisicamente.
O homem puro que se reflete no horóscopo, o Homo Astrologicus, é um homem que não tem
meio social e nem meio histórico e que deveria poder ser concebido independentemente de
qualquer meio. Isto para nós indica que o estudo astrológico é um enfoque limite, ou seja,
levando ao máximo isolamento um indivíduo, o que nós encontraremos é o seu perfil astrológico
e daí não dá para ir mais adiante, a não ser que possamos supor que este indivíduo existe
independentemente da Etra ou de um lugar no espaço, mas aí seria puro espírito, não é? Quer
dizer que um passo antes do puro espírito está o homo astrologicus, um homem abstrato, que não
existe realmente, mas todo homem que exista é também o homo astrologicus, porque alguma
configuração astrológica havia quando ele nasceu.
Isto tudo é para que entendamos que o homo astrologicus é uma camada do ser humano e não um
ser humano. Esta camada tem uma outra característica, como ela é a menos determinada de todas,
como elas está ligada apenas a tempo e espaço e a mais nenhuma condição efetiva do meio em
torno, isto significa que ela não é afetada de modo algum pelo meio e que, inversamente, se ela é
o que há de mais próximo da emergência pura, ela também não pode ser alterada em hipóteses
alguma pelo que venha a acontecer. Quer dizer que uma mesma emergência, um mesmo caráter
astrológico, deve ser compatível com a multidão de predisponência diferentes e, portanto, com
uma multidão de resultados diferentes. O indivíduo com determinado horóscopo deve poder ter
várias personalidades diferentes, conforme as predisponências onde seja inserido. Ou seja, um
mesmo caráter astrológico deve ser compatível com uma multidão de personalidades diferentes.
Porém se invertermos isto podemos entender que cada uma destas personalidades têm que ser
compatível, por sua vez, com aquele horóscopo. Foi mais ou menos isto que René Guédon quis
dizer ao falar que de todas as condições a que o homem está submetido quando nasce, o
horóscopo expressa as mais gerais. Ora, as mais gerais são também as sutis, as mais difíceis de se
enxergar, porém ao mesmo tempo, são as mais rígidas e imutáveis. Por exemplo, uma influência
adquirida do meio é possível mudar, talvez até a hereditariedade seja possível mudar. Talvez seja
possível você "puxar" por esta ou aquela tendência hereditária mexendo no ADN do sujeito a
posteriori, porém, o caráter astrológico não é possível de mudança pois o indivíduo só pode
nascer uma única vez, e nascerá num determinado momento e lugar. Então, em princípio, todos
os traços que compõe a personalidade do indivíduo, são mais ou menos mutáveis mas, tem que
ter algum que, se mudar, muda o próprio indivíduo. E qual é este traço? É precisamente este aqui:
você nasceu neste momento e neste lugar.
Momento e lugar de nascimento são coextensivos à emergência, ao ser do sujeito. Nenhum outro
traço é coextensivo, todos podem ser teoricamente mudados. Podemos conceber que o indivíduo
mude a sua educação, a sua língua, mude de família, mude até sua estrutura hereditária, porém
não podemos conceber que ele nasça em outro lugar e outro momento senão aqueles em que
nasceu. Nascimento só há um; os outros são metafóricos, alegóricos, simbólicos ou são, ainda, de
direito, ou celestes, mas, a sua existência terrestre, que é a que se tem realmente, esta é
coextensiva ao memento e lugar de nascimento. Estou querendo dizer que horóscopo e
emergência são a mesma coisa, e que o horóscopo é a única coisa emergente que há no indivíduo.
Se temos que raciocinar em termos de emergência pura não encontraremos outra coisa a não ser
este momento e lugar, o resto - se formos passar daí - deverá ser abordado como uma espécie de
essência. Algo quase inapreensível, a diferença última, inefável, que é puramente individual, a
emergência pura, esta é incognoscível racionalmente mas, a um passo antes deste inefável há uma
coisa que é apreensível, que é, justamente, o seu horóscopo. Embora possa haver, às vezes, um
impedimento prático para diferenciar o horóscopo de dois indivíduos, nada impediria,
teoricamente, que uma técnica mais apurada conseguisse captar diferenças entre indivíduos que
nascessem com 1 (um) minuto de diferença e, aproximativamente, no mesmo lugar. Nada impede
que a astrologia desenvolva isto amanhã ou depois.
Por um lado existe a essência individual, que só pode ser apreendida intuitivamente e sobre a qual
não existe teoria. Quando nós começamos a teorizar sobre as diferenças do indivíduo, cada uma
dessas diferenças aparece por causa de sua correlação com algo do meio. Por exemplo, não
podemos considerar a hereditariedade do sujeito independentemente do pai e da mãe, quer dizer
que a hereditariedade não está nele, está no ponto de cruzamento entre ele e a família. Os seus
hábitos lingüísticos estão no ponto de articulação entre ele e o seu meio social. Cada um dos
outros traços que nós vemos no caráter do indivíduo são traços onde existe um elemento de
reciprocidade entre o indivíduo e o meio e, tudo aquilo que é puramente individual nos escapa, a
não ser que se suponha um meio "vazio", um meio não-humano, não-histórico, não social, ou
seja, a não ser que se considere, precisamente, a Terra e o céu, apenas. Um meio mais vago que
este nós não podemos conceber, a não ser que você diga Deus: o sujeito nasceu dentro do Ser.
Esta diferença individual do ENTE dentro do Ser é precisamente a essência dele, e esta essência é
o que é inapreensível racionalmente, só sendo apreensível como um dado intuitivo. Não pode
haver uma tipologia desta essência. Mas a um passo antes dela, se nós formos descascando,
tirando tudo aquilo que é determinado parcialmente pelo meio, e que vem à existência, e que
aparece dentro de nós por causa dessa função reagente, por assim dizer, do meio, como uma
reação química (quando você coloca uma substância numa outra e essa outra reage desta ou
daquela maneira). Se tivermos todos os traços que, são traços reativos neste sentido, que
pertencem meio ao indivíduo e meio ao ambiente. Se nós vamos descascando, descascando, vai
chegar uma hora em que nós chegaremos à essência individual pura, ao inefável, que é um quid,
um não sei do quê, que é aquele indivíduo.
Nós podemos supor que exista isso, e eu realmente acredito que exista. As individualidades
existem efetivamente, tanto que eu as percebo por intuição. No entanto, eu não posso fazer uma
caracterologia disso, não existe meio de descrever o indivíduo, a não ser por alegorias, por
símbolos. É o indizível, mas um passo antes desse indizível, tem o quê? Tem o seu horóscopo.
Entenderam o que é a camada um da personalidade?
O inefável mesmo, essa essência individual seria o ente diante, ou dentro, do Ser universal, ou
seja, a relação dele não com o meio histórico, social, físico, mas com o meio global, total, o meio
dos meios, isto é o Ser. Mas isto só é conhecível por intuição direta: não é definível, nem é
expressável; porém tem algo que é quase isto, que é o indivíduo dentro do meio cósmico. Neste
caso ele também será definido não em si mesmo mas em face de um meio, porém um meio muito
mais geral, no qual todos os homens estão contidos, e não somente estes ou aqueles, ou seja, o
meio cósmico, o sistema solar. Isto é apenas físico, não tem nada de transcendental; apenas
estamos vendo o indivíduo numa escala muito mais geral, e é precisamente isto que se chama
caráter na astrocaracterologia. Nós compreendemos que o caráter considerado nesta escala tão
geral, é difícil de captar, porque um mesmo caráter pode ter uma multidão de manifestações
diferentes, conforme as outras determinações históricas, sociais, hereditárias, nas quais ele vai se
misturando. Porém também entendemos que todas essas misturas deixam aquele caráter
absolutamente inalterado. Então, por um lado ele é a determinação mais firme que existe, por
outro lado é a mais tênue. Vamos fazer uma comparação: a forma do que nós chamamos de
triângulo não determina o material ou o modo de aparecimento deste triângulo: pode ser um
triângulo desenhado, impresso ou pensado; pode ser um triângulo de madeira, de papelão, etc;
isto quer dizer que esta forma do triângulo não determina a materialidade do triângulo. Por outro
lado estas determinações materiais também não determinam a forma do triângulo, apenas se
somam a ela. Só que triângulo é uma espécie, não um ser. Mas se supusermos essa forma pura
para a individualidade, é isso que estamos chamando caráter na astrocaracterologia.
"É um barbarismo filosófico julgar que um ser é totalmente produto da ação dos fatores
extrínsecos a ele. Se realmente, antes de um ente ser, exige ele causas predisponentes que o
realizem, pois um ser, que começa a ser, implica necessariamente antecedentes dos quais pende
naturalmente. Se a predisponência é ontologicamente antecedente a um ser, este, depois que
começa a ser, e começa a ser nesse precípuo momento, sua natureza (a emergência) já determina
o seu modo de atuar e de sofrer."
Então o que ele é, ele começa a ser na hora que aparece, quaisquer que tenham sido as causas que
o antecederam. Por exemplo, qualquer palavra que o homem diga, tem os seus antecedentes, ou
seja, as causas que puxaram para a existência; porém, uma vez dita esta palavra, ela é o que é,
independentemente dessas causas. Do mesmo modo, antes do indivíduo que vem ao mundo
existir, existem várias causas em operação e essas causas vão todas convergir para o momento
onde ele aparece. E no momento que ele aparece, ele é o que é, independentemente dessas causas,
tanto que se elas cessarem a sua ação ele continua. As causas do prosseguimento de uma
existência, ano são as causas da sua emergência.
A astrologia começa quando o sujeito percebeu isto: que esta figura do mapa é como se fosse
uma forma pura daquela individualidade. E que ela não tem nada a ver com traços de
personalidade, com tendências, com tudo o que só pode resultar de um concurso de causas que
são extra-planetárias, extra-astrológicas. Mas se, como diz Mário Ferreira, os fatores
predisponentes atuam proporcionalmente à natureza do indivíduo, do ser, isto quer dizer que a
personalidade total resultará em parte da emergência e em parte da predisponência. Porém esta
predisponência não é alheia a esta emergência, o que se entende quando dizemos, por ex., que um
gato não pode aprender a falar russo: este tipo de influência não atinge o gato porque é
incompatível com a sua forma, e assim, certamente, esta influência não somará aos caracteres
adquiridos pelo gato no curso de sua existência. Do mesmo modo os caracteres que o indivíduo
vai adquirindo no curso de sua existência não podem revogar a forma daquilo que ele já é. Mas
por outro lado, isto que ele já é nunca vai aparecer de maneira pura, mas somente através desses
outros elementos predisponentes que vão aos poucos se somando. Esta distinção
(predisponência/emergência) é algo que nós fazemos mentalmente porque concretamente,
realmente nunca acontece. Tanto que quando nós chegamos que nós chamamos de emergência
pura da individualidade humana, ela se identifica com a predisponência astral. Isto significa que
jamais a emergência e predisponência vão estar separados. Isto quer dizer que a emergência é
emergência em face à predisponência e vice-versa; é como frente e verso; sabemos que é frente e
verso, mas não há frente e verso!
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 41 SÃO PAULO, 21 FEV. 1991 TRANSCRIÇÃO:
BEATRIZ OMETTO CABRAL DE VASCONCELLOS E ODAIR GERALDO DUCATTI FITA
III

O verdadeiro intuito da astrologia, ao longo dos tempos, foi o de captar esta forma pura da
individualidade, empreendimento extremamente difícil e na maioria dos casos, empreendimento
fracassado.
Como contornar tais fracassos? Enquanto a mente humana não dispuser dos conceitos racionais
necessários para empreender tal descrição, ela apelará para as descrições simbólicas, afetivas,
artísticas. Isto quer dizer que, a rigor, só tivemos até hoje uma arte astrológica, que, não
conseguindo captar propriamente esta diferença individual, ou seja, não conseguindo descrever o
indivíduo puro em face do meio cósmico, sempre o entremescla com elementos tirados do meio
histórico, social, etc, e o faz de maneira confusa, sem saber o que está misturando, atribuindo à
individualidade pura traços que não lhe pertencem.
Também acontece de misturar elementos puramente predisponentes à emergência quando atribui,
por ex., ao caráter astrológico, traços que pertencem à personalidade feita, personagem concreta,
historicamente realizada ou, ainda, acontece o oposto que é atribuir ao caráter astrológico a
qualidade de forma pura da essência, como se fosse o arquétipo do indivíduo. A essência não é
isso e o caráter astrológico não é algo transcendente, é uma coisa física, determinando de maneira
muito geral e podemos entendê-lo como sendo a primeira determinação que o indivíduo sofre, de
certo modo, é anterior até mesmo à hereditariedade. Porque se existe a hereditariedade astral,
como Gauquelin pretende ter demonstrado, a conformação hereditária do indivíduo tem uma
relação com o momento onde ele nasce e, portanto, o momento de sua geração também. O
momento da geração e o momento do nascimento já estão, de certo modo, marcados de antemão
dentro deste imenso relógio cósmico. Isso quer dizer que um homem e uma mulher só podem
gerar um filho num determinado momento, não adianta forçar. É claro que é preciso algo mais
para que se nasça; este algo mais são as potências hereditárias daqueles dois indivíduos
encontrando-se num certo momento cosmicamente adequado - esta é uma certa teoria: existe uma
relação entre o caráter astral do indivíduo e os momentos de geração e de nascimento. Esta cadeia
causal é evidentemente rompida no caso da cesariana - onde o indivíduo nasce num momento que
não se parece com o "dele". Mas, idealmente, vamos raciocinar em torno do tipo puro, tal qual o
indivíduo, filho de fulana e de ciclano, tendo sido gerado em tal momento, só poderá nascer em
tal outro seguindo um processo natural. Porém, a intervenção artificial quebra esta cadeia causal.
A não ser que partamos para o absurdo, dizendo que todos os atos humanos são presididos pelos
astros e que, portanto, o momento onde fizeram a cesariana também estava determinado
astralmente, coisa em que eu não acredito e até acho um exagero. O perfil astral se apaga, se
borra no caso do nascimento por parto cesária. A verificação de Gauquelin é de que os mapas dos
filhos têm uma correspondência com o dos pais, excluindo-se os casos de cesariana e, mesmo
assim, nem sempre se verifica tal correlação. É estatístico, apenas não se verificam em todos os
casos, apenas há uma predominância.
Esta é a pista para estudar astrologia: não se pode partir do erro concretista, ou erro materialista,
que é de atribuir ao caráter astrológico traços que podem surgir depois, por influência do meio, da
educação, etc, etc. E nem atribuir ao caráter astrológico uma qualidade transcendente e prévia do
próprio ser, como faz, por exemplo, a astrologia hindu. Estas duas coisas são erradas, astrologia
não é nem uma coisa nem outra, ela é somente aquele momento e é naquele momento que o
indivíduo passa realmente a ser, quer dizer que a vida biológica individual começa no momento
da primeira respirada.
A astrologia hindu, na medida onde procura ver pelo mapa a existência de vidas anteriores, as
quais podem ser encaradas como existências terrestres ou como existência em planos pré-
terrestres, está atribuindo ao horóscopo um caráter transcendental, um caráter puramente
arquétipo, está identificando este mapa com a essência pura da individualidade. Isto é um erro
grave mas a astrologia hoje é composta desses erros, pois o objetivo próprio da astrologia é muito
difícil de pegar. Esses dois aspectos só têm valor alegórico; quando pegamos um mapa e
dizemos: este é o futuro presidente da república, este é um modo alegórico de expressão, pois
trata-se de traço difícil de expressar na linguagem astrológica pura. Agora, se pegamos este
mesmo mapa e dizemos: este indivíduo é um eleito dos deuses, nós não o estamos retratando por
um traço socialmente admitido, mas por algo que seria prévio a sua própria existência uma
sentença de Deus decretada desde que o mundo é mundo; "ele é um predestinado", o que também
é alegórico. Estamos querendo dizer que existe no horóscopo dele alguma coisa de muito especial
e que não conseguimos expressar de maneira alguma, então recorremos a este expediente mas,
tudo isso é linguagem alegórica, literária, não científica. A possibilidade de uma linguagem
científica para definir isto seria uma linguagem tipológica das personalidades puras, o que não é a
mesma coisa que essência individual. Nós desconhecemos a essência, mas ainda podemos dizer
que a mesma personalidade astrológica pode ser compatível com várias essências diferentes, ou
seja, vários indivíduos diferentes poderiam ter nascido naquele momento, mas o fato é que
nasceu um só.
Vocês já viram uma ampulheta: se pegarmos todas as causas prévias ao nascimento do indivíduo
como sendo a parte de cima da ampulheta e tudo e tudo o que aconteceu depois como sendo a
parte de baixo da ampulheta, podemos perguntar onde está o caráter astrocaracterológico. Está na
passagem, onde passa um grãozinho de cada vez. O astrocaráter não se identifica nem com o
antes nem com o depois, mas com o único momento onde aquele indivíduo é exclusivamente ele
mesmo. Esta é a maneira mais próxima de falarmos de uma essência. Assim, acabo de lhes
explicar a primeira das Camadas da Personalidade. Para tanto precisávamos dos conceitos de
emergência e de predisponência que ainda não havíamos estudado e vemos que, quando Mário
Ferreira explica isto, não por coincidência, mas levado por uma necessidade intrínseca do próprio
argumento, usa a palavra momento.
A descrição do horóscopo é a maneira mais próxima de dizermos qual é sua natureza. Porém é,
ainda apenas próxima, porque a natureza mesma é independente de momento quando diz que este
nascimento é um dos nascimentos. Quer neste ou naquele momento, mas de fato nasceu neste.
Dessa maneira, esta forma alegórica de expressão já indica que o horóscopo não é a natureza,
mas é compatível com a natureza; se não conhecermos por ele a natureza do indivíduo,
conhecemos algo desta natureza e é isto que a astrologia sempre quis dizer quando diz que o ser
tem as caraterísticas do momento em que nasce.
O horóscopo é a natureza do indivíduo, senão esta natureza seria coextensiva a este momento e
seria limitada por ele. Nós podemos dizer que a manifestação desta natureza é limitada por aquele
momento, quer dizer, aquele é o momento certo para ela aparecer, mas não quer dizer que seja o
único.
Pergunta: É o caso do parto cesáreo?
Sim, no caso ele nasceu naquele momento, mas ele pode nascer duas semanas antes, duas
semanas depois, não é impossível, apenas no parto cesáreo os índices astrológicos já não são tão
claros. Na verdade, os índices são os mesmos, porém, você vai usar mais ou menos o mesmo
lugar com algumas diferenças. Então, o indivíduo nascerá num momento aproximativamente
igual. E pode ser o caso em que sujeito morre no parto cesáreo, morreu ele, morreu a mãe, quer
dizer aquele momento não servia. É por isso que a astrologia tem uma raiz metafísica por um
lado e tem um desenvolvimento científico, pseudo-científico por outro, mas na verdade ela
mesma está colocada numa linha de demarcação entre o que é metafísico e que é ciência
empírica, daí resulta a sua dificuldade. Por isto que esta é uma ciência, por um lado tão nobre e,
por outro, uma palhaçada, uma demência. Ela é as duas coisas: uma grande ciência e uma
palhaçada ao mesmo tempo. É uma grande ciência pelo seu objeto, mas uma palhaçada pelo seu
desenvolvimento concreto. São Tomás de Aquino diz o seguinte: "é melhor você conhecer um
pouquinho das coisas mais importantes do que conhecer muito das coisas menos importantes."
Esta frase não é universalmente válida, por quê? Porque se o que você conhece sobre as coisas
mais importantes é falso, então qualquer conhecimento verdadeiro sobre as coisas menos
importantes valerá mais do que aquele. Essa hierarquia pode ser vista de duas maneiras: o assunto
astrológico é uma coisa muito importante, portanto vale mais conhecer algo dele do que de tudo o
mais; porém, o que conhecemos de verdadeiro é pouco ou quase nada, então qualquer ciência
vale mais do que ele. Por isso que a astrologia tem essa mistura, e é vista ora como rainha, ora
como prostituta.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 42 SÃO PAULO, 22 DE FEV. 1991 TRANSCRIÇÃO:
GIULIANA AGAZZI FITA I

P: A semelhança de caracteres astrais entre pais e filhos se deveria a uma espécie de


"programa Cósmico", no sentido que um certo horóscopo só poderia ser produzido por pais com
determinados horóscopos?
R: Isto é uma conjectura. A "hereditariedade astral" foi constatada ao nível dos fatos,
estatisticamente. Esta estatística nada nos diz a respeito do porquê da conexão. O que ela sugere é
que alguma conexão deve existir. Na aula passada, vimos que, segundo Max Weber, a veracidade
nas ciências humanas é probalística. Passados setenta anos, isto pode ser dito de todas as ciências.
As ciências naturais já não têm nenhuma preocupação explicativa e se detêm aonde começam as
ciências humanas. Para chegarmos a uma ciência explicativa talvez seja necessário refazer todo o
universo científico presente. No momento, o avanço das observações é tão grande no sentido
quantitativo, tantas relações foram observadas, que não há possibilidade explicativa de imediato.
Sabemos que existe esta repetição astrológica. Um número significativo de crianças nasce com
posições astrais similares às dos pais. É um fato, não há o que negar. Por detrás disto supomos a
existência de uma relação, mas sabe que relação é esta; porém basta dizer que ela existe para
concluirmos que deve existir uma correspondência estrutural qualquer entre caracteres
hereditários e caracteres astrológicos, não no sentido explicativo - de que uns determinam outros
- mas no sentido de que um fato, uma relação mais profunda ocorreria de maneira
estatisticamente significativa, porque o fenômeno mais superficial que o expressa foi verificado.
Se esta prudência fosse introduzida no campo da astrologia, ela passaria a ser tratada como
ciência. Como todos os fatos do cosmos estão correlacionados de alguma maneira, você consegue
delinear um padrão destas relações. Se você pode fazer uma correlação entre personalidade e os
astros, também pode fazer uma correlação entre os horários de partida dos aviões e a incidência
de divórcios. Não é possível que você encontre uma correlação, ainda que longínqua. Uma
relação absolutamente aleatória não existe, pois se há uma ausência de relação muito
pronunciada, ela já estabelece, por si, uma regularidade, sendo portanto uma lei. Se uma coisa
não tem uma relação alguma com outra, é uma regularidade no sentido negativo. Deste modo a
ciência que estudaria o horário das partidas dos aviões, a "aerometria matrimonial", acabaria por
estabelecer uma leu, mesmo que se limitasse à exclusão de uma relação. Nenhum estudo, mesmo
que chegue a um resultado meramente exclusivo, pode ser descartado. A possibilidade de criação
de abelhas na estrela Vega, por exemplo, se estudássemos isto e verificássemos que ela é
incompatível com o clima da estrela, seria um resultado científico. A "apicultura celeste" seria
uma ciência que demonstraria sua própria inviabilidade. No que consistiria a sua teoria? Na
negação sistemática de sua viabilidade prática. Isto não é uma ciência?
Noventa e nove por cento dos resultados científicos são deste tipo. Qualquer relação pode ser
maior ou menor, e nenhuma ciência tem compromisso de comprovar que a relação que ela
averigua existe, isto é, ela pode comprovar ou não sua existência. Se a ciência tivesse
compromisso seria como dizer que um juiz tem que condenar todos os réus. Tomando esta
preocupação, verificamos que o fenômeno astrológico é muito menos aleatório do que seria de se
esperar. A mentalidade atual está acostumada apenas a verificar outras relações que não as
astrais, as quais não deveriam existir absolutamente, ou seja, a astrologia teria um função de mera
excludência, demonstrando que não existe uma relação. Se Michael chegasse à conclusão de que
não existe nenhuma relação, a pesquisa deixaria de ser científica, o assunto deixaria de ser
astrológico? Não. Ele demonstrou que esta correlação existe, e se existe na superfície, é viável a
hipótese de que esta coincidência estatística reflita uma relação mais profunda, a ser averiguada.
"Ora, como se demonstrou de modo apodítico na Filosofia Concreta, não podemos considerar
concretamente um ser, enquanto não consideramos a sua emergência e a sua predisponência. É
uma maneira abstrativa e supinamente falsa querer explicar a atuação de um ser apenas em
função dos fatores predisponentes contemporâneos, à sua natureza e que a atuação extrínseca
sobre ele é ainda proporcionada à natureza do primeiro."
A ação e a paixão estão condenadas à substância. A ação e paixão de um ser dependem do que
ele é. Não apenas suas ações estão limitadas pelo que você é como também a sua possibilidade de
sofrer ações. A prova é, por exemplo, que não se pode queimar o "teorema de Pitágoras"; você
pode demonstrá-lo ou refutá-lo, mas não quebrá-lo ou queimá-lo.
"É um barbarismo filosófico julgar que um ser é totalmente produto da ação dos fatores
extrínsecos a ele. Se realmente, antes de um ente ser, exige ele causas predisponentes que
realizem, pois um ser, que começa a ser, implica necessariamente antecedentes dos quais pende
realmente. Se a predisponencia é ontologicamente antecedente a um ser, este, depois que começa
a ser e começa a ser nesse recípuo momento, sua natureza (a emergência) já determina o seu
modo de atuar e de sofrer. Desde esse instante, esse ser atuará ou sofrerá proporcionalmente à sua
natureza, ao que compõe formal e materialmente a sua constituição."
Quando se fala em natureza às vezes está se referindo à pura essência, à pura forma. O indivíduo
concreto não é pura forma, mas a espécie é pura forma. O gato é gato, independentemente de
existir ou não. Um gato em particular não pode ser compreendido como pura forma, pois ela é
igual à de qualquer outro gato. A diferença entre este gato e qualquer outro gato não é
propriamente formal, mas formal e material.
Um indivíduo é diferente de outro, em primeiro lugar, porque não ocupa o mesmo lugar. Dois
indivíduos diferentes não têm igualdade numérica, mas têm igualdade específica. Igualdade
específica é quando um indivíduo é igual a outro, e igualdade numérica é quando ele é igual a ele
mesmo. Pelo lado da espécie a forma é a mesma para ambos, porém materialmente eles são
distintos. Quando falamos na natureza do ser individual não estamos nos referindo à essência no
sentido de forma. Assim, a aparente contradição desta frase se resolve: o ser atuará
proporcionadamente à sua natureza, ou seja, ao que compões formal e materialmente a sua
constituição. Neste sentido, a matéria faz parte d natureza do ser.
P: A pura forma é o conceito?
R: É um conceito, não o conceito. O conceito nós o inventamos, mas a forma não. O conceito é
apenas a descrição das condições mínimas que este ser necessita para ser ele mesmo. O conceito
não esgota a essência. A atividade conceitual chega ao ponto de distinguir uma essência de todas
as outras: neste sentido, a essência de um ser seria a diferença entre ele e os outros seres; o
conceito não interessa por aquilo que tem de intrínseco. O conceito delimita o ser de maneira que
possamos diferenciá-lo dos demais seres. Assim, o conceito não é a mesma coisa que forma. A
forma não é meramente negativa, não somente a diferença de ser dos demais, mas é o que faz
com que ele seja o que realmente é. O conceito - que é a tradução mental da forma - se limita, por
uma questão prática, a assinalar a diferença entre ele e os outros. Esta distinção é suficiente para
que saibamos do que se trata - e esta diferença não basta constituir positivamente um ser. Para
que um ser seja, não basta que ele seja diferente dos demais. Esta diferença entre conceito e
forma.
P: O que quer dizer formal e material?
R: O que ele * diz é que o ser real age proporcionalmente à sua forma por um lado e, por outro, à
sua matéria. Neste sentido, a matéria faz parte da constituição do indivíduo, embora não faça
parte da espécie. A hereditariedade faz parte da matéria, pois o indivíduo recebe um aporte do pai
e da mãe. Por exemplo, ele recebe o sangue da mãe, e se este estiver doente, o indivíduo terá uma
série de limitações que não provêm do seu caráter - da sua forma - mas da sua matéria. Assim,
com esta mesa podemos fazer tudo o que fazemos com uma mesa, porém a matéria da qual ela é
feita tem tais ou quais características, que limitarão o uso que se faça dela. Se a madeira estiver
cheia de cupim você não pode colocar um peso, senão ela vem abaixo. Isto não é pelo fato de que
ela seja mesa por causa de sua forma, mas por causa de sua matéria. O ser individual age
proporcionalmente à sua forma e matéria, que o autor está chamando de natureza do ser
individual.
"Desse modo, como se demonstrou apoditicamente, um ser vem ao mundo já constituído de sua
emergência. Se é um produto de fatores extrínsecos predisponentes, que de certo modo, pelo
menos alguns, nele perduraram sendo, constituindo o que é (sua emergência), ele prossegue
cercado de fatores predisponentes, que o acompanham e atuam sobre ele proporcionadamente ao
poder que têm e à natureza daquele."
Ou seja, os fatores predisponentes que desencadeiam surgimento do ser continuam existindo e
operando nele. Cada ser tem em si, conversa em sua constituição, no seu modo de ser, uma série
de coisas que não são ele, mas que continuam atuando sobre ele. Por exemplo, as características
herdadas do pai e da mãe continuam atuando em você enquanto você vive. As causas que trazem
um ser à existência não cessam no instante quando ele nasce. Algumas podem cessar e outras
não.
Quando você coloca um disco na vitrola, o som toca por uma série de ranhuras, e uma agulha
sensível a estas ranhuras transmite o estímulo elétrico para um amplificador e este a um alto-
falante, e daí sai o som. O processo interno é o mesmo, independentemente do disco que você
toque. Fazendo uma analogia, este processo seria o lado psicológico. A diferença que existe entre
dois discos diferentes, não é uma coisa que diga respeito à vitrola, mas é uma diferença que diz
respeito a outra coisa, embora o som só apareça através da vitrola. Então, quando passamos da
operação subjetiva para a referência a uma verdade, a uma qualidade que é extrínseca ao
indivíduo, transcendendo-o, então saímos do campo psicológico e entramos no campo noológico
ou do espírito - o que não quer dizer que a atividade espiritual seja independente da psíquica.
Para tocar uma música, por exemplo, você precisa de instrumentos, e a música não chegaria ao
nosso conhecimento sem este meio. Mas os instrumentos são os mesmos, independente do quê
você toque. O que você toca não faz parte do funcionamento interno do instrumentos, mas o
transcede.
P: É um salto?
R: É um salto. Tudo o que pensamos é sempre psíquico, mas às vezes é espiritual também.
Quando se pensa na música, pensa-se com a própria cabeça. Ao fazer isso, você está usando a sua
intuição, memória, etc. Isto é a atividade da sua mente, como se fosse a vitrola ou o instrumento.
Qualquer atividade psíquica pode ser olhada pelo lado noológico ou pelo lado psíquico, embora
noologicamente muitas atividades não tenham importância, por causa de um excesso de
informações sobre o objeto. Por exemplo, o que um sujeito diz de outra pessoa está bêbado pouco
revela a respeito desta. Mas revela muito sobre ele mesmo. O valor noológico pode ser pequeno,
mas o psicológico muito grande. Quando um sujeito bebe, diz--se que ele fala muitas verdades,
mas são verdades não no sentido objetivo, mas subjetivo. A psicologia se interessa por aquilo que
ele verdadeiramente pensa, o que não quer dizer que o que ele pensa seja verdadeiro, e a
abordagem noológica se interessa somente por aquilo que é realmente verdadeiro no que ele
pensa. É como de disséssemos o seu verdadeiro pensamento e o seu pensamento verdadeiro: a
sua verdadeira opinião é a de que dois mais dois é igual a cinco, porém a verdade é que dois mais
dois é igual a quatro.
"Assim, o ser humano é emergentemente sua matéria (corpo bio-fisiológico), é formalmente
predisponentemente, o fator ecológico, o ambiente circunstancial geográfico em que vive, e o
histórico-social (a sociedade, o grupo, a família) em que se desenvolve."
Suponhamos que pudéssemos explicar toda a organização psicológica do indivíduo pela
influência do meio social. Não existiria nada na organização psicológica do indivíduo que não
tenha sido causado pelo meio. Esta explicação reduziu uma coisa a outra. O que interessa é o
seguinte: esta coisa que foi reduzida a outra é distinta desta. Reduzir uma coisa a uma causa não é
dissolver a coisa na causa. Se dou uma martelada na cabeça de alguém e ela morre, então digo
que podemos reduzir a morte dela a um efeito de uma causa desencadeada por mim, porém ainda
assim a causa e o efeito continuam distintos, ou seja, a sua morte não é a mesma coisa que a
martelada. Mesmo que uma coisa possa ser totalmente reduzida às suas causas, ela continua
tendo uma existência independentemente da causa, isto é, ela continua sendo alguma coisa.
Uma coisa é a abordagem descritiva, que diz o que é um certo fenômeno, certa relação, etc; e
outra é sua explicação que vai tentar reduzi-lo às suas causas. Não existe uma redução total à
causa, porque a causa é a causa, o efeito é o efeito; são coisas distintas. Na verdade nunca
chegamos, em hipóteses alguma, à explicação de uma causa totalmente necessária e suficiente de
algo; isto nunca existiu, nunca se conseguiu. Quando dizemos que uma coisa é causa suficiente
de algo, não quer dizer que ela seja a única causa possível. A mesma coisa pode ser produzida
por outra causa: por exemplo, se dou uma martelada na cabeça de alguém, isto é causa suficiente
do seu falecimento; mas não é necessária, porque ela poderia morrer por uma infinidade de outras
causas. Se tentamos reunir a totalidade das causas, sempre sobrarão outras. Sendo as causas
possíveis múltiplas, e o fenômeno um só - por exemplo, o falecimento de um cidadão - conclui-se
que ele é distinto de suas causas. O fato é o mesmo e as causas podem ser muitas.
P: Por isto é que, no máximo, Weber considera a existência de causa adequada?
R: Sim. Só que nesse tempo, a modéstia dele se aplicava apenas às ciências humanas, mas hoje a
modéstia tem de se aplicar a todas as ciências. Nunca temos a causa necessária, final ou terminal.
Existe apenas a causa adequada. Ela pode ser suficiente dentro de um certo grupo, mas ela nunca
esgota, porque sempre existe a possibilidade de que uma outra causa desencadeie o mesmo efeito.
Se ao invés de uma martelada eu desse tacada com taco de beisebol, teria o mesmo efeito. O
fenômeno é sempre alguma coisa considerada em si mesma, e por isto ele nunca pode ser
reduzido totalmente a uma causa. O que fosse somente efeito e que nada fosse em si mesmo, não
seria fato ou fenômeno, mas um epifenômeno, um efeito marginal, lateral.
Epifenômeno: imagine que estou muito preocupado com o trabalho que estou fazendo e não
consigo pensar em outra coisa. Você me faz uma pergunta e eu olho para você e parece que olhei
feio - não é que olhei feio, mas é que eu estava concentrado. Isto criou um efeito, uma reação
desagradável em você, mas não aconteceu nada, então trata- se de um epifenômeno. Esta
aparência passageira foi um epifenômeno de um processo causal completamente diferente. Epi
quer dizer o que está em torno, como se fosse uma casca. Fenômeno é algo que aparece, uma,
uma casca. O epifenômeno é a casca. Se é um fenômeno, é algo: um fato, um ser, uma relação,
etc. Neste caso a redução causal nunca é completa, e quando a redução dissolve o fenômeno,
então não se tratava de fenômeno, mas de um epifenômeno, ou seja, era nada. Era apenas um
jogo de aparências que simulavam um acontecimento.
O raciocínio redutivista é geralmente errado, porque para o redutivismo tudo é epifenômeno.
Como a crença de que o comportamento de alguém é apenas resultante de trauma de infância.
Mas como pode ser isso, se isso se diz de alguém que já está com quarenta anos? Talvez o trauma
de infância tenha contribuído para que houvesse tal comportamento, mas ele não se reduz ao
trauma, isto é, o efeito não se reduz à causa, mas é algo por si mesmo. Tanto que pode haver
outras causas contribuindo para o mesmo efeito. Mesmo que fizéssemos uma lista de todas as
causas, ainda assim sobraria um fenômeno distinto, e se não sobrasse, seria um epifenômeno, só
teria parecido que aconteceu algo. É uma tendência muito arraigada hoje se exceder, ao procurar
as causas e demonstrar que a coisa não existe por si. No raciocínio moral é muito comum: quando
se explica pejorativamente as ações de um outro. Por exemplo, Saddam Hussein diz que Bush é
um inimigo de Deus; e você diz que Saddam Hussein está apenas jogando areia nos olhos das
pessoas. Não podemos saber se realmente Bush é inimigo de Deus. O fato é que Hussein pensa
isto - e o que pode ser conveniente para os seus propósitos talvez seja também o que ele pensa
sinceramente. Se explicamos a atitude de um sujeito pejorativamente, estamos negando que a
intenção declarada dele exista, dizendo que só existe a intenção oculta. A intenção declarada
existe, mesmo se for mentirosa, errônea. Hitler mandou matar todos os judeus só porque queria o
dinheiro deles, e não porque achasse que os judeus fossem uma raça prejudicial? Havia as duas
coisas: por um lado, convinha muito ao governo alemão se apossar dos bens dos judeus e, por
outro, ele realmente achava e declarava que os judeus tinham tais e tais características nocivas.
Existe uma intenção declarada e existe uma intenção oculta, e, no caso, as duas foram
harmônicas. Se não existisse nenhuma intenção declarada, seria um ato invisível. Então deve
existir uma intenção declarada e, mesmo que ela seja baseada numa inverdade, é a intenção que o
sujeito realmente tem.
"Considerar a atuação do ecólogo e do historico-social como definitivo no modo de ser do
homem foi o vício de todo ecologismo e de todo historicismo. O primeiro quis reduzir todo atuar
do homem e ele mesmo às influências climatéricas, ao geográfico, ao regional. Os gregos seriam
um produto do céu e das condições climáticas da Hélade; os árabes apenas um resultado do
deserto, e os esquimós um conseqüência das regiões árticas."
A religião islâmica foi chamada de espiritualidade do deserto, porque a concepção islâmica de
Deus é abstrata, diferente da do cristianismo, onde Deus é uma Pessoa, aliás três Pessoas. Alguns
dizem que é uma concepção abstratista, a dos árabes, por eles morarem no deserto e como o
deserto não tem nada, então a imaginação não imagina nada. Onde a Igreja tem o altar, na
mesquita tem um espaço vazio na parede. Por quê? Porque Deus não se pode representar. Alguns
explicam isto pela teoria do deserto: se o sujeito morasse na Amazônia, ele conceberia Deus de
outro modo - o que pode ser verdade, mas é por isto que ele concebeu Deus assim? Isto não
explica, embora possa contribuir de alguma maneira,
A página 50, no original está em branco
vacas. Todas explicação deve reconstituir minuciosamente o que aconteceu, porque com um vago
esquema de possibilidades você faz apenas raciocínios possíveis. Por que a pecuária se
desenvolveu em tal região? Pela conjetura nós dizemos que é porque havia boas pastagens, mas
pensando um pouco mais, isto não é uma explicação causal suficiente: porque vaca não nasce
como grama, e existem pastagens porque nasce grama. Quem foi que colocou a vaca lá? Uma
coisa é se o rebanho foi lá sozinho, e outra é se alguém decidiu levá-lo para lá. Esta seria a efetiva
explicação. Porque há pecuária lá? Porque as vacas gostavam da grama ou porque fulano as levou
à força pá lá'?
"Ninguém pode negar a influência que exerceu o sol do norte sobre os povos germânicos, nem o
clima tropical sobre os homens meridionais. Os estudos sobre a influência ecológica na técnica,
nos costumes, nas atividades econômicas, na história de um povo, são impressionantes. Que tais
influências são reais, não resta dúvida. Mas que só elas explicam o homem e a história, é um
abstratismo imperdoável.
Os historicistas afirmam que o homem é um produto do meio social, dos seus antepassados e
destes herda determinadas condições, que atuam como causas, como raça, a moral, a educação
que lhe é ministrada, as estruturas sociais, os estamentos, estados, classes, etc., que determinam
seu modo de ser e o seu desenvolvimento histórico."
Quer dizer que tudo isto age, mas age sobre algo. Se o indivíduo fosse nada, como é que o meio
poderia agir sobre ele? Nada age sobre nada: é necessário que o ser que sofre a ação seja algo,
independente desta. Como disse Aristóteles., a categoria da substância precede a da ação e a da
paixão.
"O ser humano atua aí influído, determinado por seu ciclo cultural, apoiando e estatuto social em
que vive ou contra ele atuando, tentando rompê-lo. É em suma um produto da própria História.
Assim César é um produto da história romana, uma conseqüência inevitável dos acontecimentos
históricos, como foi Platão, Aristóteles e Alexandre na História grega. O homem apenas vive o
desenvolvimento histórico de seu povo e tanto é assim que os turcos na Grécia, não foram
capazes de criar uma cultura como a grega, nem capazes de levá-la avante, o que comprova que
os turcos são o que os turcos são, como os gregos eram o que os grego eram, e não se explica a
sua história apenas pelas condições ecológicas, como querem os ecologistas, nem pela raça
helênica, como querem os racistas, nem pela estrutura social, como querem os historicistas. Ora,
há sem dúvida também suficiente positividade na maneira de conceber dos historicistas, porque
há realmente influências de raças, das estruturas dos ciclos culturais dos estamentos, dos estados
e classes, da própria História do povo, da presença real do passado, atuando sobre o presente,
para nos explicar o porquê de certas atitudes e o desenvolvimento de um povo. O historicismo é
precedente em suas afirmativas, mas apenas no conteúdo delas, pois quando afirma que apenas o
histórico social nos pode explicar a História e o homem, e que este nada mais é que um produto
dos fatores histórico-sociais, erra por abstratismo.
Como vemos, as doutrinas que defendem a influência da predisponência na explicação do homem
têm positividade em suas afirmativas, mas falham pelo que as domina, pecam por deficiência
concreta."
Mário Ferreira dos Santos usa a palavra concreto no sentido de crescer com (do latim cum
crescior) quer dizer, as várias causas, os vários fatores, vão não apenas se somando, mas e
incentivando uns aos outros. Vão interatuando juntos e crescendo. A abordagem concreta é
aquela que vê este processo de desenrolar das várias causas atuando concomitantemente,
simultaneamente ou sucessivamente; a abordagem abstrata é a que separa uma delas para
observá-las isoladamente, o que é lícito porque cada uma destas causas é algo distinto, e portanto
pode ser estudada separadamente. Porém, estudar separadamente é uma coisa, e dizer que as
causas atuam separadamente é outra, embora o resultado seja sempre o mesmo. Por exemplo, se
vou jogar bilhar e dou uma tacada na bola, uma coisa é o movimento que imprimo no taco, e
outra é o peso da bola; porém não é a força da tacada que produz o peso da bola. O peso da bola é
produzido pelo material de que ela se compõe e pelo seu tamanho, e a força da tacada é dada pela
pressão que exerço com o braço. São com o braço. São causas que vêm de direções diferentes,
porém o resultado é o mesmo.
Assim, podemos considerar as causa abstratamente, - separando-as, vendo cada uma em si
mesma - ou concretamente, ou seja, que resultado deram quando se somaram. Do mesmo modo, a
teoria das camadas da personalidade, não faz outra coisa se não isto, ou seja, catalogar os vários
aspectos que a personalidade vai apresentando ao longo da sua existência - como quem avança e
ocupa um novo terreno, o qual é completamente distinto do anterior, porém, uma vez somado, ele
passa a fazer parte do mesmo patrimônio. Assim como os bens que um sujeito vai comprando: o
fato de ele ter comprado uma casa na R. Vicente Prado, não o obriga a comprar outra na R. Treze
de Maio; mas se ele compra uma aqui e outra lá, o tal dos impostos prediais é maior. Vêm juntos,
e quem paga sou eu mesmo. Então, estas causas que vêm de lados separados, a partir de um certo
ponto se juntam inexplicavelmente. Por exemplo, um indivíduo com uma certa hereditariedade:
ele pode sofrer esta ou aquela influência causal do meio, digamos da educação: ele pode ser
educado nesta ou naquela escola, nesta ou naquela classe social. A partir de um certo momento
estas influências que vieram de lugares distintos se casam, e não se separam mais. Cada um de
vocês tem uma hereditariedade e tem uma condição econômica, que pode não ter a ver com esta
hereditariedade. Porém, na vida real, estas duas coisas estão juntas na sua atuação, mas podem ser
estudadas separadamente. Elas incidem sobre um mesmo sujeito que é você.
O que Ferreira chama de abstração é um raciocínio que não junta, separa uma causa de outra e dá
relevo grande a uma delas. A maneira de dar este relevo é dupla: é relevo quantitativo ou
qualitativo.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 42 SÃO PAULO, 22 DE FEV. 1991
TRANSCRIÇÃO: JANETE EIKO HIRAMUKI FITA II

O exagero qualitativo - que é o pior - é quando se reduz o fato àquela determinada causa.
Num famoso estudo feito pelo fundador da Sociologia - Émile Durkeimer - ele viu que acontecia
mais suicídios em regiões onde a sociedade era menos coesa. Nas sociedades onde a há mais
interatuação dos indivíduos, há menos suicídios. Nas sociedades menos coesas, o indivíduo fica
mais solto, estabelece menos laços de solidariedade, de cooperação com o meio social. No
entanto, é evidente que não basta haver laços de solidariedade para o indivíduo suicidar. Se fosse
assim, após uma tentativa fracassada de suicídio, se você perguntasse ao suicida por que ele fez o
que fez, ele não iria dizer que tentou o suicídio porque a sociedade onde vive há poucos laços de
solidariedade. Provavelmente diria que tentou o suicídio porque sua mulher o largou, ou porque
tinha dívidas que não podia pagar, porque a vida não faz sentido, etc. Todos esses motivos são
subjetivos, e o determinante do ato é motivo subjetivo, não a causa social, pois a mesma causa
social está presente em todas as pessoas que não suicidam. Todas vivem num meio carente de
solidariedade; no entanto, apenas um ou outro suicida.
O exagero quantitativo seria a sobreposição da causa social às outras causas operantes no caso (a
motivos subjetivos). Seria o mesmo que dizer que o sujeito suicidou porque havia falta de
solidariedade no meio onde vivia.
Outra coisa é dizer que o suicídio se reduz a um problema de falta de coesão social, como se
tratasse de um epifenômeno, uma manifestação exterior de alguma causa profunda. Trata-se
também de abstratismo considerar as coisas dessa forma.
Do outro lado existe o holismo, que faz o contrário, mistura tudo. O holismo, querendo ser
concreto, acaba misturando as coisas. É como fazer um bolo: usamos farinha, leite e ovos e
mistura tudo. O holismo, querendo ser concreto, acaba misturando as coisas. É como fazer um
bolo: usamos farinha, leite e ovos e misturamos todos esses ingredientes. O holista acha que
farinha é ovo, que leite é farinha. Neste caso, para quê farinha, leite e ovos? É só misturar farinha
com farinha. Seu raciocínio é mais ou menos deste tipo. Ele quer juntar, não quer o abstratismo.
Aliás, ele condena a ciência oficial porque é abstratista, analítica.
P: O concreto não existe sem o abstratismo?
R: Neste caso, o que se vai concrecionar? Querer ver as coisas no todo é ter um todo sem partes.
Porém o todo que não é composto de partes é nada.
P: Não existe uma tentativa de querer considerar que um ponto de vista não invalida um outro,
não exclui o outro? Todos os pontos de vista seriam considerados excludentes?
R: O holismo consiste precisamente em querer englobar todos os pontos de vista, num pastiche,
sem distingui-los sem hierarquizá-los. No fim, equaliza todas as causas, pegam uma idéia num
todo indistinto. As causas, porém, sempre atuam de uma maneira hierárquica e essa hierarquia
varia para cada caso. Por exemplo, o que leva os indivíduos a suicidarem? Num caso particular,
concreto, a hierarquia das causas é esta, aquela outra. Houve um motivo subjetivo, um
julgamento de valor, etc. A mesma dívida - o sujeito deve 10 trilhões de cruzeiros - pode gerar
resultados diferentes em dois sujeito: um, não pagar e não quer viver como devedor e por isso
suicida; um outro, mesmo que se importe com a dívida, não suicida. No primeiro caso, teria de
haver pelo menos mais um motivo. Dizemos então que sofria de depressão, além do que em seu
meio social não havia fortes laços de solidariedade. Vamos somando todas essas causas,
dispondo-as cuidadosamente numa hierarquia para ver quais as que foram as mais determinantes
quais as mais próximas, quais as mais remotas. E isto não tem regra porque é um problema
histórico e história é contar as coisas como efetivamente se passaram; não é julgar por uma regra
dada de antemão.
Para cada caso vamos ter uma descrição da hierarquia das causas que efetivamente atuaram.
Depois de fazer isso em milhares de casos, estatisticamente, diz-se em geral tais ou quais causas
estão mais presentes.
O estudo de Durkhein não exclui as outras causas, fator. Sabemos que é um fator estatisticamente
se comprova que existem mais casos de suicídios numa sociedade frouxa do que numa coesa.
Durkhein notou que existia mais casos de suicídios entre os protestantes que entre os católicos -
os protestantes têm mil igrejas e os católicos uma só. Notou também que ocorria mais suicídio
entre trabalhadores autônomos que entre empregados - o trabalhador autônomo atua mais
separado do que o empregado. Assim ele foi somando vários fatores, sempre relativos à maior ou
menos coesão da sociedade. Como isso delineou a importância de fator, sem excluir os outros -
nada falou sobre os outros fatores. Se averiguasse mais um pouco, veria que há mais suicídios
entre os devedores do que entre os credores. Porém, isso não fazia parte de seu estudo.
Se você fosse estudar a partir de Szondi, veria que existem mais suicídios entre maníacos-
depressivos e histéricos do que entre epilépticos - o epiléptico ou tem um ataque ou mata outra
pessoa. Este fator - hereditariedade - e outros, são abstraídos do estudo de Durkheim.
O resultado que Durkheim achou foi muito significativo e ele poderia ser tentado a reduzir o fato
a esta causa, concluir que o suicida é apenas um epifenômeno; poderia ser tentado a um
redutivismo.
O holista faria ao contrário: ele diria que "suicídio é um todo complexo, um organismo vivente;
não pode ser reduzido a suas causas, porque ele é sempre um todo". E sendo ele um todo, deve-se
procurar então todas as causas. Vai dizer que "ninguém nunca suicida por uma única causa". Mas
é claro que pode acontecer suicídio por uma única causa e na ausência de todas as outras. Se essa
causa for extremamente grave, por que não poderia levar o indivíduo ao suicídio? Além do que,
existe o problema das normas sociais, das normas morais e de direito sobre o suicídio. Para o
Patrício romano, o grande proprietário romano, o suicídio era uma obrigação no caso de falência.
O sujeito, quando perdia os seus bens, estava moralmente obrigado a suicidar. No caso romano
bastava apenas esta causa - em ausência de todas as outras: o sujeito não era maníaco-depressivo,
a mulher não se separou dele, a sociedade é coesa, organizada, etc. Uma única causa produzia o
suicídio.
P: Tem de haver pelo menos um fator interno e um eterno? Uma causa externa e uma interna?
R: Não, porque a causa externa pode se sobrepor à interna e esta passa a ser parte daquela. Por
exemplo, se dou uma martelada na sua cabeça. Perguntamos: 'por que a Maria Cláudia morreu?"
Surgem duas respostas: 1) morreu porque o Olavo deu-lhe uma martelada na cabeça; 2) morreu
de hemorragia cerebral. A causa interna (hemorragia) foi desencadeada pela externa (martelada) -
a martelada causou a hemorragia cerebral, a qual causou a morte. Neste caso, a causa interna é
apenas uma etapa de um processo causal externo.
Do mesmo modo, a uma causa psicológica podem-se juntar fatores externos. O sujeito tem uma
profunda depressão, faz as contas e até que não deve tanto dinheiro, mas à luz da sua depressão, a
dívida lhe parece descomunal e suicida. Não foi a dívida a causa do suicídio; a dívida foi apenas
uma etapa, um elo na cadeia causal que proveio fundamentalmente da depressão em que estava.
Há casos onde se pode atribuir unilateralmente o suicídio a uma única causa, quando esta é
suficiente para englobar todas as demais. As causa sempre estão relacionadas umas com as
outras; porque se não estiverem, não atuam sobre o mesmo objeto.
P: Está sempre presente uma causa psicológica?
R: Não. No exemplo romano, um homem são, equilibrado, sem nenhuma tendência depressiva,
sem nenhuma tendência suicida, perde os bens e a moral determina que ele se suicide e ele o faz.
O samurai quando cai em desgraça também se mata. São todas causa sociológicas, nenhuma
psicológica. É uma ação racional a fins. Qual é o fim pelo qual o nobre romano ou o samurai
suicidam? É visando ao reestabelecimento do equilíbrio social que ele mesmo rompeu.
Nem sempre a causa está no sujeito, como no caso dos Kamikazes. Ele entra como elo dentro de
uma cadeia de agressão a um terceiro. O seu intuito não é suicidar - mesmo quando joga seu
avião contra o navio, por exemplo. É o mesmo caso do mártir que, sabendo que vai ser queimado,
(o que aconteceu muitas vezes), interrompe a execução, o rito, e pula dentro do fogo, com o
intuito de acabar logo com a coisa - além de matarem ainda querem me fazer de palhaço? Usa a
morte para desmoralizar o carrasco - não é suicídio. E aí não está presente nenhuma causa
psicológica. O sujeito, sob tortura, também pode agir do mesmo jeito: faz as contas e conclui que,
deixando-se matar aos poucos, acabará confessando a seus algozes o que não deve confessar. Faz
uso estão da capsula de cianureto que tem entre os dentes, ou ofende o torturador para que este
perca a medida e o mate. O espião faz isto; isto faz parte da sua profissão - é uma ação racional
segundo fins.
Tudo isso é para esclarecer que o estudo das causas requer muita finura para que se saiba
reconstituir a ordem do real e o sistema de relações verdadeiras que existia entre real e o sistema
de relações verdadeiras que existia entre as causas, o que pode ser diferente em cada caso.
Um fenômeno pode ter uma multidão de causas conco-
Está faltando a página 59, no texto original.
Causas, cada caso é um caso.
Ciência é isto, é descrever as coisas como elas realmente são. Depois de descrever vários casos
particulares, descrevê-los como realmente são, faz-se uma estatística para ver se existe uma
recorrência. Mesmo esta recorrência não permitirá, ainda assim, reduzir tudo a uma causa única,
a uma causa predominante.
O holismo é uma reação psicologicamente explicável contra o reducionismo (que consiste em
reduzir um fato, um ente, uma existência a uma ou a algumas de suas causas, tomadas
separadamente - como as considerações do tipo: "a cultura não passa de uma estrutura da
realidade econômica"; ou, "o comportamento do indivíduo não passa de expressão de um trauma
de infância")
P: De onde surgiu o holismo?
R: O holismo foi inventado por um filósofo que foi presidente a África do Sul, Jan Smuts.
Ninguém sabe mais quem é ele, mas o que inventou pegou. Ele não cometia essas confusões que
se vêm hoje. Sua idéia era pouco inspirada em Bergson: encarava os fenômenos sempre como
totalidades orgânicas viventes, nunca como processos separados, mecanicistas. O que daí derivou
chegou ao exagero, onde até agregados meramente causais, meramente acidentais de causa
passaram a ser vistas como totalidade orgânicas.
O holismo anula a categoria da acidentalidade. O holismo, no fundo, é uma teoria metafísica da
predestinação, o que significa dizer que tudo o que lhe acontece está predeterminado na sua
essência. De fato, tudo que lhe acontece tem que ser harmônico, senão poderia acontecer. Mas
não é determinado por ela. Assim, o gato não pode aprender alemão, porque isto não é
harmônico, não é concorde com a sua estrutura. Mas não é a estrutura do gato que proíbe as
pessoas ensinar-lhe alemão. Ao contrário, você pode tentar, pois o gato não o impede. Ele, o gato,
é quem está impedido de aprender. Do mesmo modo, a influências externas que causam doenças
têm que ser compatíveis com o doente em algum ponto. Mas certamente se o indivíduo nasceu
sem braço, nunca terá micose na unha. Mas não é a mão de ninguém que causa a micose. O
sujeito tem que ter mão e essa mão tem que ser exposta a uma influência que a atinja de algum
modo. De onde vem esse fator ativo. É endógeno ou exógeno? Se se apagar esta distinção, torna-
se tudo endógeno, acaba-se caindo no erro de condenar as vítimas de assassinato por terem ficado
na frente das balas.
De onde vêm todas bobagens? Da necessidade que os indivíduos sentem de uma explicação
universal. Não querendo uma explicação puramente religiosa, que se declare como tal, inventam
uma pseudo-religião, uma pseudo-ciência.
Fenômenos como o holismo e assemelhados são idéias que apelam aos sentimentos das pessoas e
que parecem atender a uma reivindicação profunda de uma insatisfação com a sociedade
industrial. Não têm validade intrínseca, não têm valor nenhum. Como as pessoas que são contra a
sociedade organizada, mecanicista e racional, que pregam a vida dos instintos. Eric Weil diz que
as pessoas que pregam essas idéias, felizmente, limitam o cumprimento dessas normas a elas
mesmas. Querem viver a vida dos instintos, mas pressupõe que os outros continuarão a viver a
vida da sociedade racional e não voltarão seus instintos contra eles. Se sou um homem
espontânea, faço o que quero e prego que a sociedade racional é um absurdo, ela desumaniza o
ser humano, dou graças a Deus por todos os demais continuarem mecanicamente obedecendo às
leis e por isso não me batem. Tudo isso é uma falsificação de postura existencial. Kant dizia que
uma ação é justa quando ela reflete uma norma universal, quando determinada maneira de agir
pode ser tida como normativa - quando qualquer outra pessoa, colocada na mesma situação,
estará moralmente obrigada a agir daquela maneira. Qualquer postura moral que não obedeça a
esta condição é sempre fala. Se prego a vida dos instintos, isto é normativo? Posso querer viver a
vida dos instintos, mas não quero que os outros extravazem os seus instintos agressivos obre
mim. Sendo o contrário do critério de Kant, isto mesmo revela a falsidade da proposta. Basta
colocar as coisas nos seguintes termos: é possível todos obedecerem a tal norma? Caso todos a
obedeçam, o que aconteceria?
Uma moral que pregasse a abolição de todos os horários poderia ser universalizada? Ou ela pode,
por sua própria natureza, apensa ser cumprida por alguns? Se só por alguns, evidentemente, não
pode ser universalizada, carecendo de qualquer valor. Trata-se de norma não normativa, de uma
norma que já se oferece como exceção, e não como norma. O mesmo se dá a defesa do
assassinato como coisa louvável. E se alguém agisse em conformidade com esta teria antes que
eu a divulgasse? A teoria não chegaria sequer a ser conhecida. A prática da teoria desmente o seu
conteúdo. O mesmo quanto ao aborto: se a mãe de quem o defendesse cresse nele, seu defensor
não existiria - o que não quer dizer que ele tenha que ser condenado. Apenas não pode ser
defendido. No máximo, pode ser tolerado. O mesmo se aplicando à homossexualidade: se a mãe
dos que defendem tal tese acreditasse piamente em tal tese, a tese não teria defensor.
Outra crença muito em voga é a de que os extraterrestres são um outro tipo de seres, têm uma
inteligência sobre-humana. Porém, um ser que tem corpo, ocupa - lugar no espaço -, raciocina e
fala, o que é? Não é homem? Por mais esquisito que seja, é homem. Sobre-humano seria se fosse
puro espírito. Caso atenda aos dois requisitos - é animal, ser vivo, raciocina, fala - é um animal
racional, o que é justamente a definição do que chamamos gente. Extraterrestres, se existirem e
forem inteligentes, são gente.
Há quem acredite que os extraterrestres vieram aqui para nos salvar. Digo que é o contrário. Se
vieram aqui é porque tiveram algum problema lá de onde vieram. Todas as grandes navegações
sempre foram causadas por problemas internos. Nenhum português saiu de Portugal dizendo:
"Vamos à África e Brasil para resolver o problema deles". Pelo contrário, é mais razoável que
tenham dito: "Estamos devendo dinheiro. Vamos lá matar alguns africanos, tomar o que têm e
pagar nossas dívidas." Os extraterrestres, se vieram aqui, o farão por motivos similares. Estando
bem no seu lugar de origem, de lá não saem.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 43 SÃO PAULO, 23 DE FEV. 1991
TRANSCRIÇÃO: JOEL NUNES DOS SANTOS FITA I

Aquele que não consegue organizar a parte elementar física de sua vida, nunca vai
entender algo. Com isso, não queremos afirmar a necessidade de cultuar-se a organização.
No Brasil, por um lado, é o caos; por outro, é um formalismo burocrático infernal, o pior do
mundo. Essas duas coisas são loucas. É o único país do mundo onde a seqüência dos estudos -
primário, ginásio... - não é feita para facilitar a vida do indivíduo, mas como obrigação, de forma
que nunca se pode saltar séries. Se um garoto, aos 8 anos de idade, já sabe toda a matemática do
segundo ciclo, mesmo assim ele é obrigado a fazer o primeiro ciclo, porque teme-se que, não
sendo assim, as coisas virem bagunça. Isto é formalismo, culto da organização por si mesma.
Outro exemplo de absurdidade é o regimento interno da câmara dos deputados, que regula o
comportamento dos mesmo nas sessões: é um livro de 203 páginas. Até o tal regimento se
decorado, passou-se a metade do mandato. E este é justamente o outro lado do brasileiro: o medo
de falhar no aspecto burocrático, pelo qual tem respeito e medo terríveis. Sempre existe alguém
que representa o fiscal, o "superego" que cobra dos outros horário, selo, estampilhas,
requerimentos, etc., tudo isso convivendo com o caos. Toda mecânica de organização fica
dissociada de seus fins. Neste caso, não é organização, é caos também, que não serve para coisa
alguma. E os exemplos poderiam se multiplicar: toda constituição do mundo é um corpo de
princípios mais ou menos vagos, de forma a ser possível sua adaptação às circunstâncias
concretas. A lei brasileira regula os mais mínimos atos da vida do cidadão, tornando-se algo
impossível de ser obedecido. Havia, também, regulando a vida dos cidadãos , 100 mil decretos.
Criou-se uma comissão para diminuir tal número, para simplificar as coisas. Duas semanas
depois esta mesma comissão já havia baixado 27 decretos!
Tudo isso se reflete na vida de cada um dos cidadãos. Segundo o INPS, 10% da população é de
doentes mentais diagnosticados, sem contar os bêbados, drogados, incapazes, pessoas totalmente
incapazes e que tem de ser carregadas pelos outros. Se cada brasileiro limitasse o seu dever ao
sustento de mulher e filhos, creio que alguns milhões morreriam de fome, porque cada brasileiro
carrega dois, três, ou quatro incapazes, que são jogados de mão em mão e ninguém se
responsabiliza por eles. Isso é um peso formidável. Como é que um país, que é pobre e precisa de
muito trabalho para progredir, pode ao mesmo tempo ser um hospital, uma entidade assistencial
deste tamanho? Há países, é verdade, onde as coisas estão um pouco piores. A Bolívia, por
exemplo, onde cada cidadão é drogado - às oito horas da manhã, pelo menos um cigarro de
maconha o guarda ou quem se encontre na rua, já fumou. Trata-se, porém, de um país pequeno,
ao contrário do Brasil, país de dimensões continentais e por isso mesmo palco de tragédia maior.
Se tantos, no Brasil, estão fora do processo econômico, por que, passadas duas ou três gerações,
não morreram todos, o que seria o normal? Não morreram porque têm, da parte da população que
trabalha, o sustento. O brasileiro é geralmente responsável por mais pessoas do que um europeu,
um americano. O cidadão pouco ganha e ainda tem que carregar quatro ou cinco incapazes nas
costas. E esta realidade - levando em conta apenas este último esclarecimento - mostra que a vida
é quase impossível, onde tudo se torna enormemente complicado e difícil.
Para evoluir intelectualmente, é preciso sair um pouco deste meio, para o que não adianta falar
mal do Brasil, o que, por sua vez, faz parte do caráter do brasileiro. É uma prática que não torna
nem menos brasileiro nem mais civilizado seu praticante. Tornar-se civilizado ocorre na hora em
que você começa a entender a coisa de um outro jeito e a agir de uma outra maneira, quando você
está se desaculturando, sendo desta cultura e incorporando outros elementos. É claro que você
não fará isso sem o apoio de uma formação intelectual muito forte. Se você não tem elementos
para pensar com a própria cabeça, você vai seguir o meio e isso é uma grande tragédia.
Texto: CONSCIÊNCIA E INCONSCIÊNCIA (*)
OS ASPECTOS GERAIS DA VIDA MENTAL
Capítulo 1:
Consciência e inconsciência
1. A consciência como força de coesão
"A consciência é uma atividade. Ali onde aparece a consciência, ela surge da bruma do
automatismo ou do adormecimento, sempre com esta virtude de eficiência."
A consciência não é uma estado - ela é uma atividade, atividade esta que é suspensa em certos
momentos. Sendo uma atividade, implica evidentemente um certo elemento voluntário e implica
numa transformação: ela age sobre um dado, faz alguma coisa com esse dado. Se estou falando
agora, há o aluno que está prestando atenção (está consciente) e um outro que não está prestando
atenção. A diferença não é simplesmente de estado, no sentido de que um está de uma maneira e
outro de outra maneira - um está fazendo algo e o outro não está fazendo algo. Só de pensar nesta
pista, vemos como pode ser complexa, problemática, a noção de consciente e de inconsciente.
Se a consciência é uma atividade, então automaticamente a suspensão desta atividade seria a
inconsciência. Se existisse algum estado em que o ser humano pudesse ser essencialmente
conduzido pelo inconsciente, teríamos o caso de uma atividade que seria presidida pela
inatividade.
Consciência e inconsciência são designadas na língua portuguesa (e em outras línguas ocidentais)
por substantivos. Dizemos: a consciência, a inconsciência, o consciente, o inconsciente. Daí se
tem a impressão de que são coisas. Porém não são coisas: um é uma atividade e o outro é a
suspensão desta atividade (e mesmo que possa ser um outro tipo de atividade, será sempre uma
atividade menor, uma atividade secundária) como a ação e o repouso. Enquanto o sujeito está
andando, agindo, carregando peso, está em atividade; quando ele pára, entra em estado de
repouso, sua atividade não cessou por completo, porém diminuiu, dispersou. Ao dormir, as
funções operam descoordenadamente, cada uma fazendo o que quer. Como no exército, na
"ordem unida": todos os soldados fazem a mesma coisa em direção a um mesmo fim. Quando
termina e, autorizados, debandam, não morrem, não param de agir. Apenas cada soldado irá para
o lado que lhe apetece. O conjunto que constituíram não produz mais nenhum efeito enquanto
conjunto. O conjunto não age, apenas suas partes agem. Do mesmo modo, esta é a diferença entre
o consciente e inconsciente: os vários órgãos, as várias funções continuam agindo, porém de
maneira dispersa, separada; o conjunto não age mais.
"Recolhe um ser disperso: faz com que atue no presente com toda a sua experiência, em vista de
um porvir que se estende na proporção da profundidade do olhar que é capaz de lançar sobre seu
passado. A consciência é, sobretudo, uma memória preparada para tarefas do porvir."
A consciência é uma espécie de ponto de intersecção entre o passado que já está dado de alguma
maneira, e que é conservado na memória, e um futuro que em parte depende das suas ações.
Podemos dizer que o indivíduo estará tanto mais consciente quanto mais retém desse passado
sendo capaz de compará-lo num instante com o futuro que ele deseja; estará tanto mais
consciente quanto mais dados do passado ele é capaz de utilizar em vista do que ele deseja no
futuro. Onde existir uma separação, um corte, de maneira que o estado presente é vivido sem
qualquer referência ao passado e sem qualquer referência ao futuro, estamos em plena
inconsciência. Para o indivíduo consciente, existe uma conexão entre passado e o futuro, uma
coordenação entre o passado dado e o futuro desejado, ao passo que quando há a inconsciência,
essa coordenação cessa e os momentos são vividos de maneira atomística, separada uns dos
outros; cada momento passa a ser vivido em si mesmo independentemente de suas conexões. O
sujeito que está inconsciente ou louco não deixa de perceber o que se passa. Ele está recebendo
os dados, está de certo modo consciente, está ligado no dado de alguma maneira, apenas não os
coordena com o passado em vista de um futuro. Do mesmo modo que se pode estar inconsciente
sem estar louco - passamos grande parte do tempo inconscientes.
A: No teste de Le Senne, havia perguntas a respeito de como a pessoa vê o tempo. Numa delas,
pergunta-se se a pessoa via o tempo como uma coisa contínua ou como momentos estanques.
Tem relação com isso que você fala?
Não, porque a maneira de coordenação nem sempre é temporal e histórica. Isso não quer dizer
que o indivíduo, para estar consciente, precise se lembrar do passado na ordem cronológica, i.e.,
viver o tempo como sucessão. Ele pode vivê-lo de maneira mais abstrata, hierarquizando todos os
dados, como se fossem um quadro espacial que ele utiliza para as suas decisões do presente. O
que Le Senne mostra é uma "visão" sucessiva do tempo, uma visão musical do tempo ou uma
visão arquitetônica, estrutural. As duas são formas de consciência.
"A consciência é, sobretudo, uma memória preparada para tarefas do porvir. Isto é que é ser
consciente. É estar na tarefa presente, com toda a alma."
"Com toda a alma"... esta frase é perigosa porque o sujeito estar na tarefa com a alma não implica
em que esteja totalmente absorvido por ela. Dá-se exatamente o contrário: o sujeito a absorve
completamente. Se o indivíduo está tão absorto por uma situação presente que ele não lembra de
mais nada, não projeta mais nada, então está inconsciente. É como se ele tivesse sido absorvido
por aquele momento. Mas ao que Pradines está se referindo é o contrário: você está presente e
toda a sua lama está presente. Esta alma, este aporte subjetivo, sempre transcende o momento.
Nunca o momento é tão rico que absorva você inteiro. Sempre existe uma retenção do passado e
uma projeção ao futuro, o que transcede o momento. Se acontecer o contrário, sumir o passado,
sumir o futuro, o momento é, por assim dizer, mais rico do que eu, então não estou consciente.
A: É a paixão isto?
Não, não é. O estado de paixão provoca isto. Mas não é a mesma coisa, porque pode ser um
simples entorpecimento.
"Pelo contrário, ser inconsciente é esquecer, é esquecer uma parte de si, naquilo que se faz, que
se diz, que se medita ou se projeta. Esquecer é chegar a ser incapaz de relacionar a atividade
presente com a consideração dos efeitos que inevitavelmente deve produzir."
Você tem que coordenar as suas ações com vistas a um fim. Por exemplo, "a que horas tenho de
chegar na casa do Olavo?" Você já sabe todos os antecedentes e todos os conseqüentes das suas
ações. Por que não os levar em conta? Discutiram aqui, hoje, a questão do horário de início das
aulas: todos sabem que se chegar atrasado, perde-se uma parte da aula, acaba-se então fazendo
perguntas que fazem recuar o assunto, etc. Se já sabem tudo isso, por que isso não é levado em
conta? Por que tais dados não pesam na hora da decisão? Porque é como se o indivíduo não
soubesse: ele está descoordenado, porque as ações presentes não levam em conta os dados que já
possui. É um estado de semi-inconsciência.
A consciência é uma memória preparada para as tarefas futuras, não é só a memória; é quando os
dados que se possuem convergem para o ato presente, de maneira que esses dados sejam levados
em conta. Se não são levados em conta, o ato é inconsciente, você os sabe mas age como se não
os soubesse; no momento certo, eles não ocorrem. O indivíduo muda isso quando preta mais
atenção no assunto e passa a enxergá- lo como é de fato.
A: O aluno pode pesar os prós e contras chegar no horário e decidir chegar atrasado assim mesmo
...
Pode ser, mas acho que este não é o caso em geral. Acho que impera uma confusão, mas é uma
decisão plenamente consciente que aceite todas as conseqüências. Não há aqui ninguém que
pretenda anarquizar conscientemente o curso, só se for um sabotador. Já houve isto, alguém
queria atrapalhar-se e me mandava um aluno perfeitamente esquizofrênico. Durante dez aulas não
era possível ensinar nada, até que eu mandasse embora. Acho que este não é o nosso caso
presente, ninguém está pretendendo anarquizar. Mas se não está pretendendo anarquizar e está
anarquizando, é porque não está agindo d acordo com o seu propósito declarado. Está portanto
descoordenado.
Todas as ações humanas são idealmente racionais. Sempre que você age, em qualquer situação,
você visa a um fim de maneira racional para a consecução desse fim. Isto idealmente é assim. Se
agíssemos sempre assim, conseguiríamos tudo o que desejamos, dentro dos limites, é claro, da
situação objetiva externa. Pelo menos nós não atrapalharíamos a consecução de nossos objetivos.
Todos sabemos que se eu desejo um efeito, tenho que produzir as causas convenientes. Até uma
criança o sabe: ela sabe que a causa do doce que come é a ação do pai. Ela sabe que tem que
desencadear essa ação, e o faz pedindo doce ao pai. Caso o pai não dê, ela tenta influênciá-lo de
alguma maneira: ela chora. E isso nada mais é que uma ação racional segundo fins. Ela está
usando exatamente o instrumento de que dispõe com vistas ao fim desejado. E se não pedisse?
Ao invés de dizer o que quer, sentasse num canto e não dissesse nada; não seria possível advinhar
ser bala ou doce o que ela quer. A criança que age assim, dizemos, está neurótica, pois não faz o
que quer. Ela age de acordo com fins, porém de maneira contraditória.
Quando definimos o homem como animal racional, isto é para ser levado em toda linha. O
homem é, ou pelo menos tem de ser, racional em absolutamente tudo o que deseja, porque senão
ele não vai conseguir nada, a não ser que seja favorecido pela sorte, o que, como é sabido,
geralmente não acontece. Já pensou se cada ato seu você o praticar de maneira não racional - sem
desencadear as causas convenientes - esperando que a sorte ou o acaso consintam em convergir
para a finalidade desejada? Se você agisse assim em metade dos seus objetivos, você já estaria
perdido. Quase tudo que conseguimos é porque agimos de maneira racional. Claro que às vezes,
mesmo agindo de maneira racional, ainda assim conseguimos ser bem sucedidos devido a
impedimentos externos. Porém, ninguém confia na sorte a ponto de dispensar o uso da razão,
aqui entendida apenas como encadeamento dos meios aos fins. Esse é o mínimo de razão que o
homem tem de ter e que todo homem possui. Quando falta isso, o comportamento do sujeito fica
tão anormal e tão ineficiente que chama a atenção.
Imaginemos um indivíduo que tem de chegar ao trabalho às oito horas. Isto o obrigaria a acordar
pelo menos às sete horas; na pior das hipóteses, às sete e meia. Se ele sabe isso porém jamais
arruma um despertador, jamais pede que alguém o chame e fica esperando que algo
miraculosamente o acorde no horário. É uma situação extrema: quando o sujeito age assim ou
está demente ou está nas portas da demência. Portanto, a razão está presente em tudo o que
fazemos porque ela é o encadeamento dos meios com os fins. Ela pode falhar quando você
desconhece os fatos: você faz uma montagem racional dos meios para conseguir os fins porém
você se baseia numa informação errada. Mas isso é corrigível, obtendo-se as informações
necessárias.
O normal é que o indivíduo puxe, em socorro de sua decisão, todos os dados necessários. Se
vendo copos e você diz que quer comprar copos de minha firma, tenho de ter informações a seu
respeito para saber se você costuma pagar seus credores, se tenho copos em estoque ou se tenho
que mandar fazê-los. A decisão requer todas as informações. E se eu agisse assim: o sujeito diz
que quer comprar copos e eu lhe dou, de imediato, o contrato para assinar, sem saber se tenho
copo, sem saber se ele é digno de confiança? Quem age assim, afunda.
Toda ação humana é sempre racional dentro dos limites do conhecimento que o indivíduo tem
dentro de uma dada situação. Sendo uma ação racional, ela tem que se apoiar em informações
porque a razão não funciona sem matéria prima. O que falta não é a razão; o que falta às vezes é a
consciência. Porque racional todo mundo é, querendo ou não. Porque é um animal racional e não
pode virar outra coisa. Sempre o indivíduo vai agir racionalmente, a não ser que esteja muito
doente. Nem sempre estará consciente, nem sempre puxará da memória todos os dados
necessários para a decisão a ser tomada no presente. Se falta isso, faltou consciência, não faltou
razão. Neste caso, puxa-se só uma parte dos dados e estes o indivíduo processa racionalmente,
porém vai se dar mal, porque faltou um monte de informações que no entanto possuía. Seria o
caso de aquele sujeito querer comprar copo, sendo ele representante de uma firma que já
comprou de mim inúmeras vezes e nunca pagou. Esta informação está nos meus arquivos e não
fui olhar. Esta é uma "ação" inconsciente, embora não seja irracional: agi segundo fins - eu queria
vender copos e ganhar dinheiro.
Independentemente de seu esforço de estar consciente, é claro que você pode esquecer alguns
dados. Porém, sempre existe um número de dados que a gente percebe como indispensáveis para
uma determinada decisão. Se nem estes dados o sujeito puxou da memória, então está
inconsciente. Se o indivíduo sabe que, chegando sempre atrasado, vai anarquizar o curso e isso
ele não quer, porque gosta do curso e quer que tudo chegue a bom termo e sistematicamente se
esquece de levar em conta este dado e continua chegando atrasado, só podemos explicar isso por
uma inconsciência.
Qualquer ato humano é sempre julgado com relação a seus fins e a seus fins declarados. É o
método de Weber: o que o sujeito queria, qual era a finalidade declarada? Em vista da finalidade,
avaliamos a adequação dos meios que o sujeito colocou em ação. Se vemos que esses meios são
totalmente inadequados, dizemos que o sujeito está inconsciente.
O que preside a seleção dos dados da memória são os fins. Normalmente, puxamos mais
informações do que o necessário. Puxamos um monte de informações e desprezamos uma parte.
Mas e se o sujeito puxa menos informação? É porque ele está num estado de relaxamento: não
alcançou o estado de tensão necessário para exigir da memória tudo que precisava. Todo processo
de escolha, de decisão, implica uma certa fase caótica onde se vêem varias possibilidades juntas.
Nesta fase de puxar os dados, é aí que o sujeito falha: não puxa os dados suficientes. É a
inconsciência. Como no caso de sargento chamar os soldados para a ordem unida e eles não o
obedecerem, não ocorrer à ordem. A vontade convoca as informações. Se a convocação em
demasiado frouxa há desobediência a ela. Pradines diz: a consciência é um esforço de coesão, ela
convoca um monte de informações, um monte de forças psíquicas com vistas à consecução de um
único fim. Se a convocação for eficiente, forte, convincente, então tudo que está na memória, até
esquecido, converge para aquele fim; se a convocação for frouxa, não vem. Essa frouxidão, esse
laceamento da vontade é precisamente a inconsciência.
A: Qual a relação entre consciência e razão?
É precisamente aí que quero chegar. Quero mostrar para vocês que o conceito de consciência não
tem nada a ver com o horóscopo e não pode ter. A consciência é a coesão de todas as funções,
visando a um fim. E é você mesmo quem escolhe os fins. A intuição não tem nada a ver com isso,
embora só exista intuição consciente. Mas a intuição é intuição de uma coisa só. Na verdade, a
consciência entra numa espécie de ponto intermediário entre a razão e intuição. Somente na
consciência é que se coerem os dados da intuição e os dados da razão.
Intuição você tem o tempo todo, querendo ou não; a razão também funciona o tempo todo, até
quando você está dormindo. Mas é possível intuir uma coisa e raciocinar outra. Isso acontece
com extrema freqüência: os raciocínios do sujeito pouco ou nada têm a ver com fatos que ele está
observando. Isso aí é uma inconsciência, uma descoordenação de razão e intuição. Mas não só a
razão e intuição podem ser descoordenadas, mas também as outras faculdades. A ação humana é
essencialmente (idealmente) racional. Assim como dizemos que a vaca dá leite, ela idealmente dá
leite, i.e., ela deve dar leite. Não queremos dizer que ela sempre dê leite - ela pode ficar doente. O
homem também: ele é idealmente racional - ele deve ser racional, ele tem de ser racional senão
está perdido. Não quer dizer que o seja sempre, que suas ações sejam sempre racionais. O homem
é racional. A razão também não funciona sozinha: ela precisa dos dados da intuição conservados
na memória. Não adianta nada a razão ir para um lado e a memória para o outro. Isso é
exatamente o que se chama estado de inconsciência. Se o sargento - a vontade - convoca e todos
os soldados - os dados - atendem à convocação, tem-se a ordem unida - estado de consciência.
Mas o sargento pode ficar gritando e nada acontecer, ele pode ficar falando sozinho.
Quando o indivíduo não age logicamente de acordo com seus fins declarados, é porque estás
havendo uma divisão dentro dele. A vontade convoca, a memória não obedece, a ação não se
desencadeia.
A: Prosseguindo na metáfora, não se necessitaria de uma sanção qualquer, à maneira de como é
feito no exército?
Não, porque a sanção por si mesma não desencadeia efeito. A sanção é uma coisa que vem de
fora. O castigo supões no indivíduo a capacidade de aprendizado: na verdade, supõe um desejo de
ser corrigido. O sujeito que entra no exército quer se tornar um soldado, quer estar à altura das
suas funções. Mas e se ele não quiser? No caso do serviço militar obrigatório, em geral o sujeito
não quer. Em geral, está lá contra a vontade. Seria necessário, neste caso, um castigo atrás do
outro e mesmo assim não iria funcionar: não se conseguirá criar um soldado assim. Tanto que,
em toda a história militar do mundo, os soldados que estão prestando serviço militar, que são
recrutas, são as tropas mais desprezíveis, que só são usadas em último caso, quando já morreram
todos os soldados profissionais. Vimos caso assim na guerra das Malvinas: os ingleses mandaram
dois mil soldados profissionais contra quarenta mil recrutas argentinos. Um soldado profissional
vale não por quarenta, mas por cem recrutas. O recruta está lá contra a vontade, não quer morrer,
a única coisa que quer é voltar para casa e não considera que matar o próximo seja o seu ofício.
Não encara isso como uma coisa normal.
Qualquer coisa que o indivíduo faça, seja ou não profissão, se o indivíduo não quer aquilo se
torna coisa repugnante. É como o sujeito, contra a vontade, tornar-se médico legista.
É necessário ao sujeito coerir a sua situação presente em face de todos os antecedentes e
objetivos futuros. O recruta que é jogado no meio de uma guerra não vê nem passado nem futuro.
Ele chega a saber sequer como o país chegou a estar: julga tudo uma arbitrariedade, que tudo se
trata de decisões de pessoas ruins, etc. Ou seja, explica infantilmente a realidade.
O exercício de qualquer função social pressupõe que o indivíduo esteja consciente das causas e
implicações do que está fazendo. Onde há muitas pessoas que estão colocadas nas funções em
que estão como diletantes, que aí estão sem saber como (estão evidentemente dormindo, não
sabem o que estão fazendo), é difícil ou mesmo impossível a adequação de meios a fins.
Quando fiz depoimentos em inquéritos, percebi que o escrivão em geral não sabe escrever. Sua
função é tomar ditado de pessoas, reduzir a expressão oral à escrita: é um técnico no uso da
língua. Porém, passa anos nesta função e não conhece a língua, não consegue entender o que as
pessoas falam e o que ele escreveu pouco ou nada tem a ver com a declaração efetivamente feito
e continua, impávido colosso, escrevendo bobagens. Explica-se este fenômeno como sendo um
fenômeno de inconsciência. Ele não sabe o que está fazendo ali, assim como não entende as
conseqüências do que escreveu. Vamos supor que chega uma pessoa de pouca cultura para fazer
um depoimento. Ela fala umas coisas de maneira embrulhada; o escrivão embrulha mais ainda e
escreve o contrário do que ele falou. Ele lê o que foi escrito, não entende e assim embaixo: algo
gravíssimo, criminoso, pois é obrigar a pessoa a sofrer judicialmente as conseqüências do que
não falou. Só que ele também, o escrivão, não sabe disso; não houve de parte alguma. Houve
inconsciência. Dos mais de vinte escrivães que conheci, todos eram assim. E não cabe a alegação
de que o escrivão ganha pouco: poderia ganhar nada, sem estar desobrigado de saber o que está
fazendo.
Quando se chega a uma situação em que este tipo de procedimento é quase uma norma geral na
sociedade, tem-se um estado de caos.
Mais tarde entendi que a psicologia dos juizes é assim: o juiz nunca tem preconceito a favor de
uma parte ou de outra parte; ele tem preconceito a favor de si mesmo. A favor de si, o melhor é
tomar uma decisão que seja a menos comprometedora, ou seja, a decisão que ele não precise
justificar. Então, em qualquer processo, o lado mais fácil ganha, porque o juiz sabe que tem na
mão uma massa de imbecilidades escritas por um escrivão que não prestou atenção, de outra
parte um advogado que também não entendeu o processo e ele tem que tomar uma decisão certa
com base em toda essa confusão. O que você faria se estivesse no lugar do juiz? Sairia pela
tangente, por certo. Esta é a norma. E também o critério de funcionamento de tudo no Brasil.
Leibniz dizia que existe uma harmonia pré-estabelecida. Façam as pessoas o que fizerem, no fim
vai dar tudo certo porque existe a ordem cósmica. O Brasil se mantém de pé devido à ordem
cósmica.
Numa situação destas - como no Brasil - os indivíduos têm pouca autonomia, eles não podem
agir, porque toda ação social se baseia numa previsão das ações e intenções alheias. Para que haja
uma ordem social, é preciso prever o que os outros farão em tal ou qual situação. Numa situação
onde não se pode prever, não é possível agir, ou mesmo planejar uma ação, pois a todo momento
o sujeito tem de estar apostando contra o acaso: há tanto domínio aí quanto jogar na loteria
esportiva.
Num processo, você fala ou apresenta a sua petição supondo que ela será compreendida de tal
maneira pelo promotor, pelo juiz, etc. Ao falar, a transcrição é diferente: o promotor entende
outra coisa, o juiz uma outra e no fim sentenciará sobre algo que não é o que foi dito no início.
Que domínio é possível ter da situação? Nenhum. Você não pode agir, propriamente dito. Daí
vem uma sensação de impotência que é terrível e todo brasileiro a tem, todo brasileiro julga que
tudo é impossível. Por isso mesmo, até quando o sujeito tem uma chance, quando a sociedade lhe
oferece meios de ação, ele não acredita, não tenta. Por isso mesmo a vida brasileira é muito mais
prática do que ela poderia ser na teoria. A sociedade oferece muito mais meios e oportunidades
do que as pessoas conhecem. Mas nem tentam isso porque têm a sensação de dificuldade,
impossibilidade. Ao entrar num tribunal, tem-se uma impressão kafkiana de que se entrou num
caos e o caos é ingovernável; assim, é melhor nada tentar. O brasileiro se sente mais impotente do
que ele realmente é. O que pesa é a limitação psicológica: se você tem uma possibilidade objetiva
mas não sabe ou admite que tem, então não vai tentar.
As possibilidades para os estudos, em qualquer lugar do mundo são fantásticas. Hoje em dia você
tem acesso a qualquer informação. No entanto, se você sugere a alguém pesquisar algo, surge a
sensação de impotência, como se a pessoa fosse o próprio Jeca Tatu: o homem impotente, que se
sente incapaz de fazer qualquer coisa. Como ele tem a sensação de impotência e a imaginação é
movida pelo desejo, o desejo, em face da sensação de impotência - que é uma forma de medo -
desvitaliza-se e a imaginação não anda. O sujeito não se lembra de procurar as coisas nos lugares
mais óbvios. E isto é algo que acontece na cabeça de cada um, aqui no Brasil. Se esse limite não
for superado, vencido, não se irá prá frente. Daí que a possibilidade de um grupo agir de maneira
perfeitamente coordenada, consciente, voluntária, com vistas a um fim, geralmente não é levando
em conta no Brasil, pois as pessoas não acreditam nisto.
A: Torqueville falava do hábito, prática da democracia, da racionalidade subjacente...
Numa democracia, um número maio de pessoas participa das decisões coletivas. Portanto,
quando a decisão coletiva dá errado, o indivíduo sabe que ele colaborou. Se você, porém, nunca é
consultado a respeito de nada, as forças que movem o destino social pairam muito acima de você,
são até invisíveis, você não é responsável por nada, evidentemente e você se sentirá impotente.
Recomendo a este respeito O Cangaceiro, de José Lins do Rego, seu melhor livro. O livro mostra
a vida de pessoas simples, humildes, do nordeste do fim do século passado. Mostra como a vida
dessas pessoas é decidida por forças históricas que desconhecem completamente. Por exemplo,
um coronel briga com outro lá na capital, coronel nunca visto por nenhuma daquelas pessoas. De
repente, o colono não pode mais morar onde está morando, sua vida é invadida, virada de cabeça
prá baixo, todos os seus planos foram para o brejo e ele não sabe por quê. Quanto mais
estratificada é a sociedade, quanto mais existe uma separação entre o centro de poder e a vida
cotidiana dos indivíduos, mais às cegas se vive. Não adianta tomar qualquer decisão, pois você
está vindo pelo caminho e de repente atravessa uma boiada e passa por cima de você; você anda
mais um pouco e surge uma tempestade... você então não faz mais planos. Você vive só o
momento presente - fica inconsciente.
Em países que são democráticos, que têm uma ordem jurídica, constitucional, as pessoas são
muito mais conscientes, muito mais atentas, pois suas ações levam em conta um panorama muito
maior de informações. Se você já está acostumado a viver no meio do caos, seria como, estando
num barco, no mar, as estrelas mudassem a toda hora de lugar, impedindo-o de orientar-se
convenientemente. Você desconhece as correntes oceânicas e as estrelas ficam pulando. Como
você vai traçar a rota do barco? Impossível fazê-lo.
***
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 43 SÃO PAULO, 23 DE FEV. 1991
TRANSCRIÇÃO: SHIRLEY HORIYE FITA II

A possibilidade de êxito numa ação intencional voltada a um fim é quase nula. Isto se
aplica inclusive às pessoas poderosas. O poderoso aqui também não consegue coordenar a
sociedade. Por ex., em Israel, eles fizeram um plano para acabar com a inflação (a inflação era de
400 % ao ano). Baixaram para 8% em um ano e ficou nos 8% ao ano, não 8% ao mês nem 8% ao
dia. E aqui, no Brasil, há quantos anos estão querendo combatê-la? E se compararmos os dois
governos, vemos que o governo brasileiro tem mais poder sobre os indivíduos do que o governo
de Israel. Aqui o governo invade a sua casa, etc, ninguém o segura. Apesar dele ter mais poder,
mais força física do que o governo israelense, ele tem menos poder efetivo e não consegue
governar a sociedade. O cidadão tem uma sensação de impotência, de ser esmagado por forças
superiores e as forças superiores têm a impressão de ingovernabilidade. Por ex., para você domar
um cavalo, não é prevendo o comportamento dele? Você sabe que se esporar o cavalo, ele corre;
se você bater nele, ele fica com medo; se você oferecer um torrão de açúcar cada vez que ele fizer
algo errado, ele vai tender, por ter uma racionalidade instintiva, a se comportar desta ou daquela
maneira. Mas, e se o cavalo não se comportasse assim? Você dá o açúcar, ele fica revoltado;
pune-o e ele pede mais. Só que no dia seguinte ele mudou de idéia: agora quer o açúcar. Você
consegue domar o cavalo? Não. Tudo que a gente vai fazer, qualquer ação humana é baseada na
previsão das conseqüências. Põe-se um tijolo em cima do outro porque se acredita que quando o
cimento secar ele vai funcionar como uma cola. E se você coloca uma tijolo sobre outro e no dia
seguinte todos derreteram? E se o cimento, ao invés de colar os tijolos, os repele? É a loucura. E
a sua esfera de consciência vai se retraindo cada vez mais até você ficar como um bebê que só
vivência o momento presente. Não tem passado e muito menos planeja o futuro.
Este é o panorama, é a base em cima da qual vivemos. A esfera de ações que nós podemos
empreender racionalmente com vistas a fins é, num país como o Brasil, muito pequena. A não ser
que você seja um gênio! Porque abarcar todo um caos e conseguir ordená-lo mentalmente, sem se
apoiar numa racionalidade social já presente, é muito difícil. Mas é precisamente disto que se
trata. Se a pessoa quer evoluir intelectualmente no Brasil, ela não vai poder partir desta base, pois
a base racional que a sociedade oferece é muito fraca. Então ela tem que fazer todo o serviço.
"A consciência de um estado é uma só e mesma coisa que sua união com outros estados..."
Isto é fundamental. Se eu estou consciente do estado que estou vivenciando no momento é
porque, junto com este estado que vivencio no presente, me lembro de outros estados já vividos e
os comparo. Quando um estado psíquico é isolado de um outro estado ele pode ser dito
inconsciente.
"... e esta união não é mais que uma organização de forças, isto é, de meios com vistas a uma
intenção. Numa palavra, a consciência é uma coordenação e a inconsciência uma incoordenação,
ambas dinâmicas."
Quando estávamos estudando Weber, vimos que a ciência social pega as ações humanas a partir
do momento onde elas têm fins declarados e procuram ser racionais. Ou seja, a Sociologia, neste
sentido, só se interessa pelas ações que já têm aquele mínimo indispensável de coordenação.
Todo o processo interior que vai produzir essa coordenação e possibilitar a ação social, tudo isso
não diz respeito à Sociologia. Diz respeito à Psicologia. As ciências sociais abarcam as ações
humanas a partir do momento onde elas têm, pelo menos, o intuito de serem racionais, mesmo
que não o consigam; a partir do momento onde a coordenação de meios aos fins alcançou um
certo patamar mínimo compartilhado por todos os membros daquela coletividade. Não
A página 83, no original, está em branco.
Dispersar. Não se conhece a própria vida como uma unidade mas apenas como uma sucessão de
episódios desconectados que são como se tivessem acontecido a pessoas diferentes. Esta incoesão
do eu e portanto esta falta de senso da própria biografia, é algo que podemos tomar como norma
geral do meio onde vivemos. As pessoas não são capazes de contar a sua própria vida. Contar
significa avaliar, porque você julga os episódios de sua vida em função de valores e finalidades
mais ou menos permanentes. É o único meio de saber se houve sucesso ou fracasso. E isso é algo
que em geral o brasileiro não sabe. Por não se lembrar mais do que ele queria. Às vezes, as
mudanças são tantas que o sujeito ia para uma direção e, no fim, foi para outra. E vivência as
duas de uma maneira indiferente; a sua vida é mudada várias vezes e ele não se apercebe disso.
Isto é um estado de alienação, um gravíssimo estado de inconsciência.
Nesta situação, os atos serão totalmente loucos, totalmente conforme o momento, sem visar a um
fim qualquer. Tal incoordenação, pode-se vê-la tanto num indivíduo quanto em certas situações
históricas. Quando um país desaba, ou quando uma instituição desaba, é justamente o neste
momento quando suas ações começam a visar apenas ao equilíbrio momentâneo da situação,
perdendo-se de vista os planejamentos a longo prazo. Acaba-se sendo levado pelas circunstâncias
para lá e para cá. A continuidade do objetivo no tempo é que traz o poder. Se há um corte, e
outro, e outro, o indivíduo - tratando-se de indivíduo - vê-se reduzido à impotência. Não sabe
para onde está indo nem por quem ou pelo que está sendo levado. Se por outro lado, o objetivo, o
valor permanece, então os acontecimentos são julgados em função dele. Aí é possível aquilatar o
êxito ou derrota: se tenho um determinado objetivo, em função do que decido minhas ações, o
êxito (ou fracasso) se definirá de maneira clara. Se não sei exatamente onde quero chegar, como
vou saber se cada episódio me favorece ou não? Caso não saiba isto, começo a decidir apenas a
uma acomodação momentânea às situações. Isso significa que quem conduz a orquestra não sou
eu. (A respeito do assunto, há um livro, A Marcha da Insensatez, de Bárbara Tuchman, onde se
considera que em certos momentos da história, os homens
poderosos começam a decidir contra os seus interesses e afundam quase que voluntariamente.
Observa como os papas da Renascença praticamente provocaram a Reforma Protestante, por não
terem nenhuma política a longo prazo. Tinham só um esforço de se acomodar à situação
momentânea. Do mesmo modo, faz a mesma observação quando estuda a guerra do Vietnã: os
americanos se envolveram nesta guerra como uma forma de acomodação a uma situação
momentânea, sem terem em vista os objetivos do país a longo prazo). No plano da história, da
sociedade, como na vida dos indivíduos, o problema é o mesmo. Onde existe coesão, existe a
continuidade das ações com vistas a um fim e portanto existe uma vitória ou uma derrota
determinadas. Onde não há objetivos, a própria noção de vitória ou de derrota é borrada.
Um exemplo e que falamos, exemplo atual, é o de Saddam Hussein. Se perguntarmos o que ele
quer, ouviremos como resposta "a unidade do mundo árabe". Porém, se ele quer a unidade do
mundo árabe, não deveria declarar, de cara, guerra a um país árabe. Se se diz: "ele está querendo
destruir Israel," perguntamos por que ele invadiu o Kuwait? Após o que, entrou em guerra com a
Arábia Saudita e jogou bombas em Israel. Jogou bombas em Israel na esperança de que
acontecesse alguma mágica. E o único resultado possível, de ações tão desordenadas, é a
desgraça. Do mesmo modo que a inconsciência do indivíduo o desgraça, a inconsciência social
desses países árabes os está desgraçando. No caso se corrigiram a partir do erro cometido, da
guerra do Vietnã. Estando são, há um mecanismo interno de correção que avisa. Estando
inconsciente, o avião não é percebido; há protesto e não se repara neste protesto. Há a diferença.
No indivíduo dá-se assim, como também no caso de países. - "Não se poderia considerar as ações
de S. Hussein como uma tentativa de acabar com o imperialismo inhanque?"
Se se quer acabar com o imperialismo, não se começa por fortalecê-lo. Com suas ações, Saddam
Hussein transformou os Estados Unidos em líder da maior aliança militar da história humana.
Deu aos EUA uma autoridade moral formidável. Transformou George Bush, que era uma
nulidade, num grande líder mundial. Israel ficou com um incrível prestígio mundial por não ter
reagido à bombas. Mudou muito da imagem do judeu: de diabo a santo, quando o sujeito está
exatamente o contrário do que desejava então é porque não houve uma coordenação dos meios
aos fins. Ao contrário, houve o raciocínio mágico. Com inimigos deste tipo, ninguém precisa de
amigos. George Bush de repente aparece como um novo Júlio César! Quando o sujeito está
agindo certo até os inimigos colaboram, mesmo que sem querer, evidentemente. Parece que a
providência divina dispõe tudo para que dê certo. Saddam Hussein poderia ter levado em conta
um Hadith que diz: "Confie em Deus e amarre a pata do camelo." A corda que se usa para
amarrar a pata do camelo é como se fosse um (8). O nome desta corda é 'agl e 'agl em árabe quer
dizer razão. A mesma palavra que se designa a corda com que se amarra a pata do camelo é a
mesma que ser usa para dizer razão. O hadith tem então um sentido mais profundo. Quer dizer:
confie em Deus e use a razão. Se você usa a razão, então Deus vai ajudá-lo; se nem você se
ajudar, o que Deus tem a ver com isso? Se o indivíduo usa a razão até o limite onde ele pode,
muito provavelmente mais dia, menos dia, as coisas começam a concorrer em favor de seus
objetivos. E isto se aplica à ação individual. Se for ação social, não adianta um usar a razão.
Vamos supor que Saddam Hussein fosse um camarada racional, lógico em tudo. Não adiantaria
nada, porque necessita que a sociedade a que pertence agisse racionalmente e a sociedade
iraquiana é um caos, assim como o Brasil. Os iraquianos não recebem informação correta do que
se passa. A televisão é do governo, a imprensa é do governo, então não podem tomar decisão,
qualquer coisa é informada exaustivamente, a população fica sabendo de tudo. Tudo quanto é
censura é burlada. O assunto é discutido, realizam-se assembléias o dia inteiro. Em cada
assembléia de igreja protestante discute-se o tempo todo se é para fazer greve ou não, se Bush
está certo ou errado, e se faz ou não guerra, etc. Forma-se um consenso geral pela discussão. É
difícil um país assim errar. Ele vai agir de acordo com o seu interesse nacional e vai agir de uma
maneira lógica. Mesmo assim pode errar como errou no Vietnã. Mas por que errou? Informações
foram sonegadas, de forma que não puderam tomar a decisão certa. Além do que coincidiu com
uma época que tinham problemas internos graves. Era época do que se retratava no filme
"Mississipi em Chamas". Havia uma guerra interna nos Estados Unidos, por assim dizer. Se há
um problema interno, no plano externo o indivíduo faz burrada. Assim como no caso dos países.
- "No caso do Vietnã, os Estados Unidos não pretendem evitar a expansão comunista?"
É Eles estavam raciocinando em termos ainda da 2a Guerra Mundial.
Há três maneiras de expansão do comunismo: pelas revoluções internas, pela ocupação militar ou
pela revolução cultural. A primeira é a tese lenista. A segunda é a tese estalinista - não esperamos
haver revolução, vamos lá e colocamos os pés em cima do que queremos. A terceira tese é a de
Gramsci, que é a tese vitoriosa no mundo inteiro. Qualquer país comunista está pouco interessado
em revolução armada ou em ocupação militar. E os americanos não perceberam isso, então
ficaram fazendo no Vietnã o que deveriam ter feito na Alemanha. Na Alemanha havia o general
Patton, que recebeu ordem de avançar até ponto "x" porque os russos vinham vindo de outra
direção. "Nós ocupamos metade e os russos ocupam a outra metade do território", pensou.
Porém, tendo ocupado uma metade, pensou: por que vou para por aqui? Já que vim até aqui,
ocupo também o pedaço russo e tudo fica para nós e não os russos." O pessoal liberal americano
caiu de pau nele e ele foi parado a contra gosto. Daí os russos foram lá e tomaram tudo e criou-se
a "guerra fria."
Na 2a Guerra o problema era este e Patton e Churchill resolveram tomar tudo antes que os russos
entrassem. Levantaram todos a questão da democracia, da igualdade dos acordos internacionais e
acreditaram nesse pacifismo idiota e se ferraram. Com 20 anos de atraso se arrependeram de
terem afrouxado na Alemanha e resolveram endurecer no Vietnã. Só que o problema nesta
ocasião já era outro. Quando se faz uma burrada, tem-se que reconhecer que ela é irremediável: já
perdi e vamos ver se na próxima não erro. Não adianta tentar, numa outra situação, fazer o que
deveria ter sido feito na primeira. Este foi o problema do Vietnã: houve uma intervenção militar
perfeitamente indevida, descabida, sem sentido e baseada numa avaliação 20 anos de atrasada.
Quem estava certo era o Kissinger, o maior gênio da política, porque ele sabia como tudo seria e
inventou um jeito de demonstrar o comunismo por dentro. Tudo o que hoje acontece é política do
Kissinger. Bush virou seu herdeiro. Tudo o que Kissinger fez, agora vem em benefício de Bush,
que aparece como líder mundial. Essas coisas a gente vê na sociedade e no indivíduo. Nós
também tomamos decisões erradas, porque agimos errado num certo momento e acreditamos que
a situação vai se repetir e a situação não se repete. Não existe fórmula certa. Tendo agido errado,
não basta seguir a fórmula da próxima vez para que tudo de certo. Não é assim. A nova situação
vai ser uma nova situação e você vai ter um outro ato de consciência, justamente o que não se
quis ter naquela primeira vez.
O ato de consciência consiste em você "puxar" todas as informações e avaliar racionalmente, doa
a quem doer; não confiar na coisa mágica, num ato mágico.
No fim da 2a Guerra os americanos se enganaram com relação aos russos porque eles estavam
imbuídos do espírito de unidade mundial, como se após a derrota da Alemanha, todos se tornar
bons. Até o Stalin ficaria bom, pensavam. Isso é raciocínio mágico. Ninguém se transforma. A
natureza humana é a mesma. Uma atmosfera sentimental diferente pode lhe induzir a crer que
tudo mudou. É no caso da mulher que apanha do marido todo dia e acredita que um dia ele vai
chegar em casa bonzinho. Mas ele não vai mudar, ele é assim mesmo. A não ser que ela mude - é
só aprender Karatê. Só temos uma alternativa: reconhecer o fato e agir racionalmente. Esta é a
única esperança humana. E se alguém perguntar: e Deus? Deus só entra em cena depois que se
fizer isso. Antes não. Se você está agindo irracionalmente, contra os seus interesses, não adianta
rezar. Gudjieff dizia: "maior parte das orações consiste em pedir que Deus faça 2 + 2 dar 5."
Deus, mais racional que nós, não vai fazer isso. Na medida em que você age racionalmente com
vistas aos fins, pode até ser que Deus simpatize com suas causas, porém não antes disso. Ele não
dará novamente o que já deu - Ele já deu a razão. É só o que temos. A razão não funciona sem a
consciência. Pode-se até fazer um computador, que é racional. Mas não é consciente e não pode,
por si mesmo, tomar uma decisão qualquer e chamar os dados necessários. Ele só lida com os
dados que já tem. E esta é precisamente a diferença entre nós e os computadores. Somos
racionais e conscientes e ele não. A consciência é uma compressão, portanto, às vezes é um
estado extremamente incômodo, assim como o esforço muscular: o que é fazer ginástica? Não é
produzir um estado de compressão? Depois o músculo fica ansiando por um relaxamento para
que cada vez, continuando a ginástica, você se torne capaz de uma compressão cada vez maior.
Com a inteligência é a mesma coisa. Você se acostuma a estar consciente. É um exercício
extremamente doloroso no começo.
Devemos ser ativamente racionais, porque a razão deixada no piloto automático é como o
computador, cujo pensamento, automático, não dói, não visa a fins e não solicita informações
necessárias. Uma das vantagens do estudo do horóscopo - e essa é decisiva - é que a imensidão
dos dados e das funções que temos que coerir, que temos de "puxar" para fundamentar a
consciência, no horóscopo já aparece mais ou menos catalogado segundo as funções e isso
facilita barbaramente as coisas.
A tipologia astrológica que classifica essas funções, não sei de onde saiu, mas acerta em cheio.
Na medida onde se cataloga o conjunto das representações, segundo essas funções, sempre dá
mais ou menos para a cada momento saber diagnosticar se o que se opõe à coesão do conjunto é
esta ou aquela função: se é o sentimento, a imaginação, a razão, etc, é por isso mesmo sempre dá
para que a função em questão seja corrigida. Mas isso pressupõe que o sujeito queira fazê-lo e aí
entramos num problema que é extra-astrológico, que é um problema cultural: o meio não está
acostumado a isto. O meio não está acostumado a confiar nas possibilidades da ação humana. O
meio é depressivo e desesperançoso; é um meio invadido por uma sensação de impotência e
acostumado a buscar a sua felicidade não na realização de objetivos, mas no mero descanso ou
diversão - a felicidade do impotente. Busca-se apenas alívios momentâneos o que, pior, pode ter
conseqüências mais que danosas, na medida em que se transforma num hábito. Esta impotência,
que gera hábitos de esquecer - o que leva alguns a beberem de forma que, em primeiro lugar,
esqueçam suas preocupações; depois, continuam bebendo para a esquecerem que são bêbados -
mais adiante, começar, num extremo de perversão cultural, a ser valorizada, a ser tida como uma
valor. É quando a nossa confusão, a nossa anarquia começa a ser valorizada como uma traço da
nossa cultura, traço esse que, sem dúvida, favorece a muitas outras culturas. Num país assim,
qualquer estrangeiro que chega põe as patas em cima e manda. Quando o mal, o erro, começa a
ser valorizado como se fosse o bem, saímos da neurose e entramos na psicose. A impotência do
sujeito, no começo,, pode ser vencida; depois, reconhece-se que ela não pode ser vencida e
finalmente passa-se a achar que ela é boa, que ela é a vontade de Deus. Vivemos num meio
assim. Inclusive essa luta impotente contra a inflação que se prolonga por quase três décadas.
Não se escuta falar de outra coisa. Nunca houve isso na história do mundo, uma inflação que se
prolongasse por tanto tempo, contra a vontade expressa de todos. A vontade nacional quer
maciçamente acabar com a inflação. Acontece que ela não consegue coerir os seus atos prá isto.
Isso é a impotência, o fracasso, e este é o meio onde estamos e no entanto temos objetivos
culturais que são bem mais ambiciosos do que o da totalidade da nação. A nossa situação não é
nada fácil porque nós teremos que alcançar um nível de organização interna, pessoal, que se
sobreponha à anarquia do ambiente, sem entrar em choque com ele, porque a anarquia pode
voltar-se contra nós mesmos. Sobretudo se vê que estamos conseguindo aquilo que ninguém
consegue - surge o ódio e a necessidade de se ser meio secreto.
As idéias de tipo irracionalistas, que pregam o fracasso total da inteligência humana, o
predomínio total do inconsciente, que o homem é levado por forças cegas, tais doutrinas pegam
muito em sociedades onde a situação é como a nossa. Quando a sociedade está afundando, tais
doutrinas pegam, como uma espécie de legitimação da derrota. No Brasil, há uma crença
generalizada em todas essas coisas. Por exemplo, achar que a medicina oficial é um fracasso, que
ela não cura nada e temos que recorrer à medicina mágica, esotérica... isto serve para brasileiro,
que já está destinado a morrer, mesmo. Porque se o europeu ou o americano ficam doentes,
optam pela medicina científica, mais desenvolvida, a mais racional, a que tenha mais domínio da
situação, ele paga por esta medicina. Como não podemos pagar, vamos ao pai-de-santo e
proclamamos que isto é realidade superior. Se isto aí funcionasse a nossa vida seria bem
diferente; se isto fosse realmente superior, teria então mais poder. O que é superior tem mais
poder do que o que é inferior. Se na Europa e Estados Unidos essas correntes de idéias não têm
força, aqui elas dominam, são quase a doutrina oficial. Aqui há encontro de bruxaria na USP,
coisa inimaginável de alguém da universidade John Hopkins conceber. Nos Estados Unidos, a
homeopatia é crime até hoje, não porque não funcione, mas porque ela ainda não deu provas de
que funcione suficientemente, ou seja, é considerada um assunto a ser estudado, não uma prática
médica a ser aceita sem discussão. Lá erro médico dá cadeia e aqui não.
Todas estas coisas mostram flagrantemente que poder e razão são a mesma coisa. Sempre se vê
que o dominante é racional e o dominado, irracional. É sempre assim. Podemos nos tornar
dominantes na medida em que nos tornemos racionais. Da mesma maneira como ocorre com os
hemisférios cerebrais - o dominante é racional e o dominado, irracional. Para fazer com que o
outro hemisfério se torne dominante, é só passar as funcionais racionais para ele e as irracionais
para o outro hemisfério - simplesmente há uma troca de lado. Porque dominante e racional é a
mesma coisa.
Do mesmo modo, referimo-nos à luz e às trevas: a luz é uma presença, a treva é uma ausência,
como Yang e Yin. Como diz o William Kawasaki, que conheceu um sujeito cujo mestre de Tai-
chi dizia que "esta história de Yin-Yang só ele entendia e a explicou com uma frase: 'só existe o
Yang, o Yin não existe'. "O William passou 20 anos meditando sobre esta frase. Eu digo que isto
é óbvio: só o ser é, o não-ser não é. Uma buraco não é uma coisa, é a ausência de uma coisa.
Caso não saiba distinguir presença e ausência, caso ache que ausência é uma coisa, então sua
ausência preencherá uma lacuna. Quando se vê toda a camada letrada de um país invadida por
essas idéias, entendemos porque estamos saindo da História. Aí entendemos porque Saddam
Hussein é mais importante do que nós. Será que é isto que cada um de vocês quer para o seu
país? Caso seja, então é só continuar indo no pai-de-santo, na macumba, no tarô, etc. A Rússia,
logo antes da Revolução, estava nesta situação: só tinha tarólogo, ocultista... a Alemanha, antes
do nazismo, a mesma coisa. É isto que estamos procurando e quem procura acha. Se não
podemos mudar o curso das coisas no plano social, nacional, tenho a impressão que podemos
mudar o da nossa vida, se não podemos mudar o da nossa vida, externa, podemos mudar a
interna. Não há que se ter medo de qualquer dessas coisas - magia, ocultismo, bruxaria - é
necessário compreender de que tudo isso se trata, para ver se você mesmo não está dominado por
tais coisas. Este é o direito que o homem tem: o de conhecer tudo. Temos que optar: optando pelo
caos, a conseqüência é a impotência, a ingovernabilidade dos próprios atos. Caso se queira isso,
digo que "é fácil descer aos infernos". O difícil depois é sair de lá. As portas do fracasso estão
sempre abertas para todos.
- Você colocou que o momento astrológico, o momento e o lugar definiram um tipo de ser e que
isto era um esquema abstrato e este era o ponto central da própria astrologia e se o astrólogo não
levasse isso em conta, não adiantaria mitologias, etc...
Eu comparei a uma ampulheta. Numa ampulheta passa um grãozinho de cada vez, de forma que o
ponto decisivo da ampulheta é aquela passagem, entre o que está antes, ou melhor, entre o que
ainda não é aquele ser e aquilo que já não é mais ele. Na descrição do horóscopo, às vezes é
muito difícil falar desse ponto, dessa passagem. Então recorremos a metáforas e símbolos que
refere o indivíduo ou aos antecedentes ou aos conseqüentes e com isso se perde de vista o que é
propriamente astrológico. O que propus é a formulação da idéia da astrologia pura, quer dizer, o
que é estudado pela astrologia e só por ela. Vamos ter de distinguir a Astrologia da Psicologia, da
Mitologia, etc, e ficar com certo núcleo que é pequeno, mas que é definido. Esse foi o raciocínio
que começamos a fazer nas primeiras aulas. Se a Astrologia estuda a correlação das figuras
celestes com os eventos terrestres, então, de cara, entendemos que isto é uma comparação, não
uma coisa. Entendemos também que o padrão de uma comparação, em parte tem de ser
formulado mentalmente antes de ser procurado na realidade. Por exemplo, prá medir uma coisa,
você tem que ter uma régua, um padrão e esse padrão é inventado antes de você medir as coisas.
E o falta fazer na astrologia e, na hora em que isto for feito, estar-se-á delimitando esse aspecto
puramente astrológico do ser humano e esse aspecto é o que eu chamo de camada um.
- Os conceitos de emergência e predisponência podem elucidar a causalidade astral?
A Astrocaracterologia é indiferente a se os astros causam ou não causam. Isto é um problema de
Astrologia Pura. Antes de você saber as causas de uma coisa, você tem de saber o que é a coisa.
Temos que partir primeiro de uma descrição da relação, até que se possa fazer um catálogo:
quando acontece tal coisa no céu, acontece tal coisa aqui. Depois de feita essa descrição mais ou
menos extensamente, dá para investigar as causas, o que por enquanto é impensável.
Podemos dizer, recorrendo à figura da ampulheta, que o horóscopo é a boca de funil. O
horóscopo é um esquema daquela individualidade que é possível naquele momento e naquele
lugar. Não se identifica com a essência do indivíduo porque nada impediria que essa mesma
essência se manifestasse num outro lugar, contanto que as condições fossem análogas. Talvez
fosse interessante ler um texto que foi usado num outro curso, há muito tempo, e que falava sobre
o método reflexivo em Spinoza. Diz o seguinte: "Segundo Spinoza, aquilo que faz com que uma
coisa exista num determinado momento e num lugar determinado e com ela dure somente por
certo tempo não é a natureza desta coisa, mas o número infinito das circunstâncias que a
acompanham." Segundo Spinoza, o que traz um ente à existência não é a sua emergência, é a sua
predisponência. Um ovo é o que é. Mas por que a galinha botou um ovo determinada hora? Não é
porque é um ovo, mas porque ela estava bem alimentada, porque acenderam a luz, etc. Em outros
termos, da definição ou essência de um ser não se pode concluir que ela existirá num certo
momento ou que ele cessará de existir num outro momento. Os eventos que convocam um ser à
existência ou que o expulsam da existência não entram na sua definição. São extrínsecos em
relação a ele. Dependem do conjunto de todas as outras coisas, do estado do universo inteiro em
cada momento. O momento em que um ser aparece na existência e o tempo em que ele passa nela
não fazem parte da idéia verdadeira desse ser.
Embora tudo isso seja manifestante certo, não se deve concluir que o conhecimento das
condições que cercam a entrada de um ser na existência nada se possa deduzir quanto à natureza
ou essência desse ser. Se essas condições externas são de fato extrínsecas à natureza do ser, em
compensação este poderia entrar na existência se as condições predisponentes lhes fossem hostis
e impeditivas. Entre a essência de um ser e o momento da entrada dele na existência não existe
uma ligação intrínseca, mas existe uma ligação de exigibilidade mútua. Do fato de um ovo ser um
ovo eu não posso concluir que vai ser botado numa certa hora. Mas posso concluir que, se eu
matar a galinha antes dela botar um ovo, ele não nasce. Porque não faz parte da essência de um
ovo ele se botar a si mesmo. Entre a essência e as condições que permitem a sua existência existe
uma ligação de harmonia e de exigibilidade. Portanto, conhecendo as condições - isto é o ponto
central - conhecendo todas as condições externas que cercam a entrada de um ser na existência,
algo posso saber da sua essência. Pelo menos um algo negativo, um algo que limite as essências
possíveis. E este é o princípio da Astrologia. A astrologia, se é que ela existe, se é que ela
funciona, diz o seguinte: neste momento aqui e neste lugar, com essa configuração planetária, os
seres que podem vir à existência têm de ser deste e daquele tipo e não daquele outro tipo, embora
não se possa delimitar precisamente, definir aquela essência em particular. Ou seja, não sabemos
qual é essência, mas sabemos quais são as essências compatíveis com aquelas condições. Daí que
as condições predisponentes, sendo externas à essência, devam, no entanto, ser harmônicas com
ela, devam ser propícias, concordes. Ora, nem todo quadro de condições predisponentes é
harmônico com todas e quaisquer essências, mas somente com algumas, por numerosas que
sejam. Isto quer dizer que o estudo desse quadro, se nada releva quanto a uma essência em
particular, que por via dele entra na existência, revela, no entanto, muita coisa sobre quais os
grupos de essências que têm a possibilidade de fazê-lo. O estudo das condições predisponentes
terá no mínimo a utilidade de limitar o campo às essências, cuja eclosão seja realmente possível
num dado instante. Dentro essas condições, será sempre possível distinguir de possibilidades e de
probabilidade. O horóscopo funciona como essa boca de funil, por onde só podem passar certos
tipos humanos, mas não determina que tipos são estes. Isto já indica claramente que o caráter, tal
como aparece no horóscopo, não pode ser a personalidade inteira. O horóscopo não limita a ponto
de definir quem pode nascer, mas excluir um monte de fulanos. Limita o campo. Podemos
comparar a um jogo de xadrez: a cada momento no jogo de xadrez existe um certo grupo de
jogadas possíveis para cada um dos dois jogadores. Esse grupo de jogadas possíveis pode ser bem
grande, mas é limitado. Por outro lado, nenhuma situação de jogo impõe uma jogada. Sempre
você tem pelo menos duas jogadas possíveis. O que interessa portanto não é deduzir do
horóscopo a personalidade, como fazem os astrólogos, porque isto é impossível. Isto é tentar
deduzir a essência a partir das condições d existência. O que interessa é limitar as personalidades
possíveis e depois, uma vez feito isto, complementar com outras determinações, até achar qual é
a personalidade verdadeira. O horóscopo não determina a personalidade, mas ele limita o grupo
possível. Por outro lado, sabemos que qualquer que seja a personalidade efetiva que o indivíduo
vai ter nunca é compatível com aquele quadro. Por exemplo, se o sujeito tem Saturno na casa I,
eu já sei que problema que vai necessariamente ocupar sua atenção, quer dizer, a área que vai ser
problematizada, que vai ser a sua primeira especulação racional, será função de sua própria
imagem. Isto não determina sua personalidade. Não posso dizer que vai ser tímido ou que vai ser
cara de pau. Isto vem depois e essas duas coisas são ambas compatíveis com esse traço
astrológico e o traço de personalidade - os astrólogos ignoram. Eles pensam que uma coisa é a
outra, procuram deduzir uma da outra e às vezes acertam. Por quê? Porque o traço de
personalidade será sempre compatível com aquela posição. Mais ainda, se chegamos ao indivíduo
com Saturno na Casa I e dizemos prá ele que é tímido ou que ele é cara de pau, ele vai aceitar
porque uma das duas coisas, qualquer uma das duas coisas, é compatível com tal posição
planetária. Com tal posição, em certos momentos ele se sentirá de um jeito e em outros de outro
jeito. Mas o fato é que no comportamento constante externo ele será com mais freqüência um e
com muito menor freqüência outro. Ele não pode ser tímido e cara de pau ao mesmo tempo, sob o
mesmo aspecto e em todo lugar. É por isto que a interpretação falsa, porém análoga, é aceita pelo
cliente, porque se ela não expressa o que o indivíduo está sendo, expressa o que ele sabe que
poderia ser. Se o indivíduo se torna mentiroso dentro do seu meio social, não por ter um impulso
de mentir, mas porque ele não confia neste meio social, então ele mente e sabe que está
mentindo, mas ele não se sente um mentiroso no sentido de desonesto. Se eu disser prá ele que
ele é mentiroso, ele vai ter concordar, porque ele sabe que ele mente. E se eu disser que ele é um
sujeito veraz, ele sabe que por dentro ele é veraz. Só estou expondo como traços de
comportamento coisas que são traços de comportamento. No comportamento dele estará presente
uma coisa ou outra, porque você não pode fazer e deixar de fazer algo ao mesmo tempo. Por
dentro você pode ter tendências contraditórias e você pode exteriormente comportamentos
alternantes, mas não comportamentos contraditórios no mesmo instante. Eu não posso, por ex.,
bater numa pessoa e deixar de bater nela ao mesmo tempo. Posso bater numa pessoa e sentir que
na verdade eu é que estou sendo agredido por ela. Se uma pessoa é cínica, é fria, é indiferente
com você, você desce-lhe a mão, você é que está se sentindo agredido. Se o astrólogo disser:
"você é um cara agressivo", isto é verdade; se disser: "você está sendo muito agredido pelas
pessoas", também é verdade. Porque psicologicamente as duas coisas coexistem, dentro de seu
esquema de motivações internas. Mas no mundo dos atos, do comportamento, é uma coisa ou
outra. A sua ação pode, no mesmo instante, ser contraditória com seu estado interno. Mas de qual
planos você está falando? Você bater na pessoa ao mesmo tempo em que se sinta agredido por ela
ou ao contrário, ela bateu no mesmo instante em que você a agredia psicologicamente? Você não
pode estar nestes dois papéis ao mesmo tempo. Esta distinção, que é a distinção entre Astrologia
e a Psicologia, é necessário estar clara. Para saber o que é esta distinção, é preciso saber o que é
Psicologia e o que é Astrologia. Se você não sabe nem o que é uma coisa nem o que é outra, o
resultado é uma psicoastrologia da pior espécie. Por grande que seja o interesse por uma coisa e
por outra, não se pode misturar uma coisa com outra. A astrologia não lida com os traços de
personalidade reais. A astrologia não lida com os traços de personalidade reais desenvolvidos
pelo indivíduo ao longo da vida, mas lida apenas com essa esquemática possível. Uma coisa é
estudar o código penal, outra é estudar criminologia ou sociologia do crime.
APÊNDICE: CONSCIÊNCIA E INCONSCIÊNCIA .
Resumo de Maurice Pradines, Tratado de Psicología General, t.I. El Psiquismo Elemental, trad.
Nelly A. Furtunyy y Elba B. Roggeri, Buenos Aires, Kapelusz, 1962 (trad. De Traité de
Psychologie Générale, 3e. Éd., Paris, P.U.F., 1948).
Introdução:
OS ASPECTOS GERAIS DA VIDA MENTAL
Capítulo 1:
Consciência e Inconsciência
I. A consciência como força de coesão
A consciência é uma atividade. Ali onde aparece a consciência, ela surge da bruma do
automatismo ou do adormecimento, sempre com esta vista virtude de eficiência. Recolhe a um
ser disperso: faz com que atue no presente com toda a sua experiência, em vista de um porvir que
se entende na proporção da profundidade do olhar que é capaz de lançar sobre seu passado. A
consciência é sobretudo, uma memória preparada para tarefas do porvir. Isto é que é ser
consciente. É estar na tarefa presente, com toda a alma. Pelo contrário, ser inconsciente é
esquecer, é esquecer uma parte de si, naquilo que se faz, que se diz, que se medita ou se projeta.
Esquecer é chegar é chegar a ser incapaz de relacionar a atividade presente com a consideração
dos efeitos que inevitavelmente deve produzir.
A consciência de um estado é uma só e mesma coisa que sua união com outros estados, e esta
união não é mais que uma organização de forças, isto é, de meios com vistas a uma intenção.
Numa palavra, a consciência é uma coordenação e a inconsciência uma incoordenação, ambas
dinâmicas. Um estado é consciente quando pode ser sentido em união de intenção com outros
estados (cum scire). Textualmente, não há estado consciente; só há grupos de estados
conscientes, nos quais a luz se desprende da sua compressão, como o calor do feno empilhado.
Um ser capaz de multiplicar-se sem dividir- se, de estender ao longe seu olhar no espaço sem
perder a referência dos pontos percebidos no lugar onde se encontra, de recordar igualmente seu
passado na perspectiva do presente e distingui-lo ao utilizá-la é, por isto mesmo con-sciente. Se
suas percepções e suas recordações perdem esse centro de referência, se ele recebe uma
percepção sem relacioná-la com outras, com as quais ela se amalgama sob o ponto de vista de seu
interesse ou de sua situação, se suas recordações se isolam umas das outras, como satélites
captados por atrações estranhas, é inconsciente, já que, por definição, não há coerência em suas
impressões, já que não se conhecem umas às outras, já que não é con- sciente.
Pierre Janet (L'Automatisme Psychologique, 1899) descreveu estados de dissociação que tinham
sua origem no debilitamento de um poder de síntese, cujo relaxamento tende a pulverizar essa
consciência. A pulverização é só o último termo da desagregação: esta pode começar por uma
simples dissociação da consciência em parcelas erráticas que, como ocorre no sonambulismo e na
sugestão, manifestam um poder de síntese limitado num campo de consciência restrito, incapaz
de abarcar o campo inteiro da percepção e da memória. / Esse estado / "impede que a pessoa
apreenda qualquer sensação fora daquela que ocupa atualmente seu espírito" (Janet). Nesses
processos de dissociação, a amnésia propaga-se com o mesmo movimento que a anestesia. Assim
criam- se na atividade mental essas espécies de focos de consciência dispersos... Essas criações
aparentes de consciências esporádicas, na realidade são somente os sintomas da dissolução da
consciência; são manifestações de uma consciência menos geral. No limite, a consciência se
desvanece ao mesmo tempo que alcança o termo final da incoordenação. Essa pluralidade de
sintetizações, longe de ser uma riqueza, é sempre uma miséria mental, um fracasso, um aborto,
um "erro" do esforço único e exaustivo de sintetização. Sob a aparência de multiplicar-se e
estender-se, ele se perde e se dispersa. Uma parte de si mesma é estranha ao sujeito que é e
permanece; aliena-se desse sujeito, isto é, de si mesma.
A consciência é a reunião da nossa ciência (cum scire), e não se pode conceber várias reuniões de
nossa ciência. Isto não seria na verdade senão um desmembramento.
A consciência aparece-nos como uma faculdade de coordenação e de unificação das forças vitais,
dotada de uma eficiência excepcional.
Entre o automatismo e a consciência, entre o ato reflexo e o ato reflexivo, a passagem situa-se no
momento em que a ação, em vez de ser desencadeada por uma irritação, que a provoca
automaticamente, se transforma no efeito da simples representação mental de uma irritação
possível, cuja causa conhecemos à distância, isto é, antes do contato que lhe permitirá exercer
sobre nós um estímulo automaticamente reflexógeno.
Essa representação é o que denominamos uma percepção, e inaugura o primeiro comportamento
no qual a reação está determinada, não por uma excitação, mas pela idéia ou antecipação mental
de uma excitação, não porque o ser vivo a experimente, mas porque a compreende.
/ Daí concluiu-se que / 1o A consciência nasce de uma automatismo que, sem ser consciente,
possui alguns traços do mais autêntico psiquismo, por exemplo sob a forma de hábito e de
instinto. Para que esta atividade se integre tão facilmente na vida consciente, é preciso que a
preforme. 2o Por outro lado, a consciência se dissolve ou morre numa outra forma de
inconsciência, que imita mais ainda a consciência, na qual, ao não integrar-se (já que é antes uma
desintegração), permanece como um elemento refratário inalienável.
Existe na vida mental um inconsciente de constituição, que é seu germe e permanece sendo a
condição e o elemento que consegue integrar-se. Existe também um inconsciente de dissolução,
que é a decadência ou o resíduo, que é antes seu obstáculo do que a condição de seu
funcionamento normal. Isto é, existe um inconsciente normal, necessário e são, e um inconsciente
anormal, evitável e morboso, e é grave erro confundi- los deliberadamente ou por omissão.
Encontramos aqui o primeiro tipo de um erro de método que consiste em buscar nos estados
patológicos, sem reserva e sem discriminação, uma simples exageração das atividades normais.
As funções mentais nem sempre se afundam seguindo a ordem inversa de sua formação. A
decomposição de um estado nem sempre libera os elementos que serviram para sua composição.
A enfermidade, a lesão ou o desgastes podem criar desordens originais: não atuam
necessariamente em prol de uma análise genética e explicativa; nem sempre são simples
regressões que nos restituem as etapas. A enfermidade opõe-se à ontogênese como a morte ao
nascimento. A destruição pode empregar procedimentos muito mais rápidos do que a construção
e chega a destruir mesmo os elementos, ou lhes impõe condições segundo as quais não teriam
podido organizar-se para uma colaboração funcional.
II. O inconsciente normal, ou de constituição
Exercemos nossa atividade de adaptação ao mundo exterior, sabendo-o ou ignorando-o. Mesmo
quando a ignoramos, essa atividade não carece necessariamente de adaptação e discernimento, e
mesmo quando dela tenhamos consciência tampouco carece necessariamente de automatismo e
impulsividade. Nossos instintos e hábitos aparentemente cegos testemunham, amiúde,
seletividade e intencionalidade, sem prejuízo de nossas atividades mais conscientes.
Reciprocamente, nossa atividade mais consciente não iria tão longe se uma espontaneidade e
impulsividade secretas, quase impossíveis de distinguir do automatismo, não a acompanhassem e
auxiliassem.
/ Por exemplo, no funcionamento da memória, observa-se que / "os fatos e acontecimentos não
nos chegam tal como foram vividos na ocasião porém incidindo agudamente sobre o porvir;
giram em direção a nós a face por onde podem ser-nos úteis / no instante da recordação e no
futuro / , e se agrupam de modo a poderem nos servir, ... como se ao compreenderem nosso
chamado se lançassem espontaneamente em direção à solução / de que necessitamos no momento
/ " (Charles Blondel, em Dumas, Noveau Traité de Psychologie, t. IV, pp. 428-438 da trad.
Argentina, Nuevo Tratado de Psicología, 8 tomos, Buenos Aires, Kapelusz, 1951).
Todas essas coisas que repousam comumente no fundo inconsciente de minha memória podem
estar sempre ausentes e estranhas, enquanto que toda a minha atividade consciente concorda com
elas com a mais perfeita exatidão, ao ponto que a ausência integral dos estímulos e inibições que
emanam de cada uma delas bastaria para dar a essa atividade o caráter de demência.
/ Essa atividade / é um sonambulismo organizado, isto é, em certos aspectos, o contrário do
sonambulismo propriamente dito. É um automatismo subordinado às intenções de uma atividade
dominada inteiramente / pela consciência /. O inconsciente se reconhece normal se reconhece por
seu caráter disciplinado e instrumental. Continua como servidor do pensamento e da consciência
e nunca é um substituto, mas um companheiro, como faz precisamente um bom servidor.
Salvo quando se trata de um estado morboso, aquilo que se designa sempre como inconsciente
em psicologia é o grau inferior de tensão das atividades que acompanham a consciência em seu
rendimento. A atividade inconsciente normal imita sempre uma atividade consciente; como um
decalque esteriotipado. A mecanização do pensamento e também uma função e o fracasso na
função vem quando o pensamento decide empreender a tarefa que pertence normalmente a seus
instrumentos mecânicos. O inconsciente é normal até o momento em que uma inversão dos
papéis reveste um caráter patológico.
No entanto, esse abismo do inconsciente tem fundo. Uma atividade nunca se automatiza
completamente com impunidade. O automatismo, com relação ao pensamento, é uma regressão, e
esta regressão não pode ser impulsionada mais além de um certo grau sem chegar a ser
irreparável. Chega um momento em que a recuperação da consciência sobre o automatismo e tão
difícil, que chega a ser impossível. A raridade crescente destes casos indica-nos a aproximação de
um limite, não matemático, mas absoluto, isto é a aproximação de uma forma de atividade mental
que não pode nunca mais voltar a entrar no campo da consciência, quer por não ter sido instituída
por ela, quer por ter sido liberada do seu controle durante tempo muito longo, e por completo.
/ Deste modo, consciência e inconsciência não devem ser oposta, tal como não se deve opor o
pensamento ao cérebro, considerando-se estes apenas como coisas "material". É ilusório tentar
ver cérebro e pensamento como "duas formas de uma mesma energia" após tê-los oposto tão
radicalmente, pois, nesse caso a passagem de um a outro / é inconcebível, na medida em que se
limita a descrever o cérebro como um lugar de movimentos e de correntes, isto é, de fenômenos
puramente físicos. Dentro desta forma, não somente a transformação do consciente em
inconsciente - isto é, do espírito em matéria - escapa à intelecção, mas também a correlação de
duas séries permanece dificilmente compreensível. O cérebro mesmo não pode colaborar
inteligentemente com a vida psíquica se não é concebido como animado, como instrumento de
uma atividade viva que o ultrapassa, da atividade de um ser vivo total; essa atividade não pode
reduzir-se ao traçado dos deslocamentos celulares ou de decorrentes nervosas, porém tem sempre
um fim e um sentido, uma alma. O funcionamento cerebral pertence à alma tal é o primeiro
princípio de uma psicologia coerente, e só um coronário desta evidência: que o corpo vivo está
animado: como estaria animado o corpo se suas partes não o estivessem? O cérebro é instrumento
de atos que, ainda que na forma de reações reflexas ou habituais às excitações externas,
expressam finalidades de adaptação e não podem ser inteiramente descritas em termos físicos-
químicos. Ainda quando a alma pareça descer ao corpo, ela somente se prolonga nele. Isso faz
com que ela possa recuperar às vezes as energias de consciência e de claridade que parece haver
perdido. Como o automatismo tem sua inspiração, ela encontra ali a sua obra ou a sua
preformação e, reciprocamente, à maneira do hipnotizador, pode despertá-la completamente.
Entre este inconsciente e a consciência, não há mais que a diferença do implícito ao explícito.
III. O inconsciente anormal, ou de dissolução
Existe outro inconsciente cujo caráter constante é pelo contrário, estabelecer à margem da
consciência e trabalhar, antes, em sentido inverso às suas intenções de síntese e de unificação. É o
inconsciente cujo poder dissociativo na libido mina, com seu trabalho de sapa, o poder de síntese
e de controle, o que destacaram muito bem Freud e sua escola. Consideramos alguns casos.
A) DISTRAÇÃO. - O caráter e o efeito da distração é provocar a inconsciência. / Por exemplo,
na / dispersão anestésica dos histéricos. A distração, com efeito, "equivale nos histéricos a uma
anestesia ao menos momentânea"(P. Janet. loc. Cit., p. 237). O sujeito chega à ser inconsciente
dos movimentos que lhe sugerimos efetuar, por anormais que sejam: levanta os braços, se atira ao
chão sem sabê-lo, e logo nega o que fez. Se lhe formulamos perguntas, responde outra. Esta
anestesia ameaça / também / aos distraídos normais. / A distração do meditativo difere da do
histérico. / Num caso, a distração é concentração; no outro, dispersão. O distraído normal se
afasta de várias excitações porque se apresentam todas ao mesmo tempo. O histérico se concentra
numa excitação porque não pode ordenar várias. A distração normal expressa a força da atividade
sintética de adaptação, a capacidade de formar um plano oportuno e submeter a ele todas as
potências do pensamento, do sentimento, do sentimento e da ação; a distração histérica expressa a
miséria de um ser que chegou a ser incapaz de dominar as excitações recebidas e que sucumbe
sob o número delas.
* Olavo refere-se a Mário Ferreira dos Santos, autor do texto no qual baseia seus comentários. (*)
O texto completo constitui o apêndice da presente apostila.
Aulas de março de 1991.

AULAS DE MARÇO DE 1991. ÍNDICE

Olavo de Carvalho CURSO DE ASTROCARACTEROLOGIA


Fascículo 12
Aulas 44 a 47
MARÇO/91
Transcrições não revistas pelo autor
Responsabilidade dos revisores
Aula 44 (14 mar.1991) (transcrição: Janete E. Hiramaki) Revisão: Meri A. Harakava
Aula 45 (15 mar. 1991) (transcrição: Edmilson C. Barbosa e Ma. Cláudia O. Tambellini)
Revisão: Meri A. Harakava
Aula 46 (16 mar. 1991) (transcrição: Antonio C. Vaz) Revisão: Meri A. Harakava
Aula 47 (17 mar. 1991) Parte I (transcrição: Giuliana Agazzi) Revisão: Meri A. Harakava Partes
II, III e IV (transcrição: Joel N. dos Santos) Revisão: Joel N. dos Santos
Este Fascículo contém as transcrições do 12o. Bloco de aulas (março de 1991).
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 44 SÃO PAULO, 14 MAR. 91
TRANSCRIÇÃO: JANETE EIKO HIRAMUKI REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

Quando falamos de Casas, o procedimento é o mesmo que usamos quando falamos de planetas,
ou seja, procedemos a uma redução fenomenológica de todo o material dado pela astrologia
corrente, antiga e moderna. E fazer a pergunta “o que a Casa tal, Casa I, Casa II, Casa III
significa?” para esses astrólogos não num ou noutro caso, mas necessariamente em todos os
casos.
Se vocês abrirem os livros de astrologia, vocês verão que as significações atribuídas às casas são
amplamente variáveis e que vários significados de cada casa são agrupados de maneira analógica.
Por exemplo, diz-se que a primeira Casa corresponde anatomicamente à cabeça então, no plano
social, representaria a projeção externa da individualidade. A segunda Casa representaria a boca e
a garganta e, analogicamente, os bens e a grana que o sujeito tem; a terceira Casa, a respiração, os
irmãos e os vizinhos, viagens curtas, etc.
São vários símbolos e cada grupo de símbolos está costurado por um intuito e este,
permanecendo invisível, é o elo que os mantém juntos. Então você tem um monte de analogias,
mas você não tem a razão das analogias, o logos analogandi, a razão de por que as analogias são
análogas; ou seja, se existe uma analogia entre o pulmão, os irmãos e as viagens curtas, então no
que reside esta analogia?
É preciso transformar essa linguagem simbólica e analógica num correspondente doutrinal.
Afinal de contas, tudo que simboliza, simboliza alguma coisa. E mesmo que apelássemos para a
idéia de que o símbolo é uma linguagem inesgotável, que não pode ser traduzido literalmente em
afirmações explícitas, mesmo que admitíssimos isto (que é altamente duvidoso), nós teríamos
também que admitir que a afimação explícita que nós encontrássemos, mesmo não esgotando o
significado do símbolo, tem algo a ver com ele. Então se nós disséssemos, por exemplo,
“interprete o que é cruz no cristianismo”, o simbolista responderá: “o significado do símbolo da
cruz, como todos os outros símbolos, é inesgotável, não pode ser reduzido a nenhuma afirmação
explícita. “Porém, nós podemos dizer: “com essa cruz você pretende dizer que houve um fato
histórico, que dia tal, a tantas horas, uma pessoa, Fulano de Tal, nascido em tal data, e
efetivamente existente na história foi crucificado. “Mesmo que isto não esgote o sentido do
símbolo, é um dos sentidos; ele não poderia ser excluído. Poderíamos dizer também: “com isso
você quer dizer que os pecados que o sujeito faz vão se acumulando e acabam formando sobre ele
um peso como o da cruz que Cristo carregou montanha acima? É isto o que você quer dizer?” Ele
dirá: “não é somente isto”. Não é somente isto, mas podemos excluir isto? De jeito nenhum. De
maneira que podemos encontrar para cada símbolo pelo menos uma interpretação que é
necessária, embora não esgote o assunto. Nenhuma interpretação de símbolo é suficiente, mas
reconhecemos que tem que haver algumas que são necessárias e pode haver uma série de outras
que são necessárias. Basta termos uma dessas interpretações necessárias e já podemos trabalhar
com elas.
Então, as casas astrológicas, cada uma delas também não é nem um símbolo, mas um complexo
simbólico; e desse complexo simbólico podemos encontrar pelo menos uma interpretação
necessária, ou seja, ela não pode ser excluída de jeito nenhum porque ela está subentendida em
todas as interpretações que você lê.
P.: Qual a necessidade técnica de ter as casas, já que elas são doze e estão relacionadas com os
signos e não se trabalhar diretamente com os signos?
Nenhuma. Nós poderíamos também perguntar por que a necessidade dos signos. A idéia de que
os signos precedem as casas é completamente errônea. As direções do espaço contadas a partir da
Terra são obviamente anteriores a qualquer divisão que você faça do céu em faixas. Para você
dividir o céu em doze faixas é preciso que você já tenha a noção das 12 direções a contar da
Terra. Portanto, a noção de casas é logicamente e cronologicamente anterior à noção de signo.
Ademais, os signos, ou seja, as figuras mitológicas com que você preenche esses 12 espaços
variam de civilização para civilização, mas as direções do espaço não variam. Então é fácil
perceber que a noção de casas é muito mais primitiva, muito mais fundamental que a noção dos
signos.
A noção básica de astrologia é o Sol e a Terra. Segunda noção: as direções no espaço são para
nós demarcadas ou tornadas visíveis pelas posições do Sol. Quer dizer que os movimentos
respectivos entre o Sol e a Terra demarcam para nós as direções neste céu concreto. Claro que as
noções de direção o homem tem antes até dele saber que existe céu, senão ele não conseguiria
ficar em pé, nem ir para a frente, nem ir para o lado. Então, a noção de direção é co-extensiva à
capacidade humana do movimento. Porém, a partir de que momento o homem aplica essa noção
das direções ao céu e demarca as direções distintas? Ele só pode fazer isso graças ao movimento
do Sol, porque este é o movimento mais óbvio. Se ele não percebeu que existe o dia e a noite
ainda, então não pode perceber mais nada.
A primeira divisão é uma parte que está em cima e outra parte que está em baixo. Acompanhando
este movimento entre o Sol e a Terra, parece que existe uma curva, e como toda curva ela chega a
um ponto máximo. Esse ponto máximo é onde você diz que é o que está em cima, e você supõe
que deve haver um ponto máximo para baixo e assim por diante.
Como essas estrelas não estão permanentemente aí, mas aparecem e desaparecem e existe um
deslocamento, é preciso que a noção de direções permaneça intacta. Ou seja, longe das direções
serem demarcadas pelas posições das estrelas, ao contrário, elas é que são o conceito primário
pelo qual se demarca a posição de estrelas e depois se diferenciam essas estrelas em constelações
e figuras, etc. Parece bastante óbvio. Vocês devem entender portanto que a noção básica de
astrologia é: 1) Terra e Sol; 2) as direções do espaço; 3) a Lua; 4) os outros planetas.
Nem mesmo poderíamos entender o que se passa com a Lua, se já não tivéssemos as direções do
espaço. Por quê? Porque a Lua aparece com várias caras diferentes. Como você vai saber que é a
mesma coisa? Só se você acompanhar seu curso, só se você fizer um cronograma do que está
acontecendo com ela. Para você fazer esse cronograma, você já precisa ter as direções do espaço.
Os signos vão aparecer no fim da história. E é por isto mesmo que, por exemplo, os significados
do Sol e Lua são universais, nunca mudaram, embora não só os significados, mas as próprias
figuras dos signos mudam de civilização para civilização. Quer dizer, entra aí um fortíssimo
elemento histórico e cultural. Quer dizer que se o sujeito viu lá um dragão, na cultura dele existe
dragão. Na China tem dragão, mas aqui não tem, então não temos o significado do dragão. Então,
o que pode significar o signo do elefante onde não existe elefante? Ou do tigre onde não existem
tigres? Dá para você perceber que os signos, como complexos simbólicos, não são dados da
natureza, como o Sol e a Lua, as direções do espaço, a Terra, etc., a luz e as trevas; tudo isso são
dados da natureza, são dados primários que marcam desde o início o confronto do homem com a
natureza e que impactam o homem, formando para ele a moldura do quadro das aparências vivas,
que vai ficar para ele como um quadro de referências eternas.
Os signos são elementos mitológicos. Sendo mitológicos, são de invenção humana, são produtos
diferentes de culturas diferentes, são elaborados ao longo do tempo e já não podem ser tão
básicos assim. É por isso que podemos trabalhar levando em conta somente as casas. Depois
colocamos os signos. Hoje em dia aprendemos a coisa assim: primeiro nós aprendemos o círculo
dos signos e, dentro do círculo dos signos, colocamos o Sol, a Lua, etc. Este é o nosso hábito
técnico.
A ordem de elaboração das coisas não é sempre a ordem do seu conhecimento. Do mesmo modo,
quando a gente conhece as pessoas, a gente conhece os seus caracteres; bom, supomos que são
caracteres de pessoas existentes, portanto, adultas. Tendo visto esta manifestação do caráter,
estudamos as suas raízes na biografia do sujeito e vamos do presente para o passado, mas ele
viveu justamente no sentido contrário, ele veio do passado para o presente. Então a ordem do ser
e a ordem do conhecer são inversas.
Com as doze Casas, o nosso procedimento é o mesmíssimo que fizemos com relação aos
planetas, ou seja, examinamos essa vasta coleção de significados que os antigos e os modernos
astrólogos atribuem a essas casas e perguntamos se existe alguma interpretação que é necessária,
ou seja, que está sempre presente e sempre subentendida em todos os significados que eles dão.
Tomando uma por uma dessas significações, quando se fala em auto-imagem em
astrocaracterologia, estamos nos referindo à auto-imagem física, isto é, aquilo que o sujeito
enxerga quando ele olha no espelho ou aquilo que você conhece da sua aparência por um exame
direto. Quando falamos em auto-imagem física, não precisamos pensar em termos de auto-
imagem psicológica. São coisas completamente diferentes. Uma coisa é o que eu conheço de
mim pelas minhas vivências internas. Por exemplo, eu sei quando tenho medo e sei quando
desejo alguma coisa e não preciso olhar no espelho para saber disso. Porém, tem uma outra parte
de mim que eu não conheço se não olhar no espelho. Suponha que alguém tivesse crescido até os
sete, oito, dez anos sem nunca olhar no espelho. Ele conheceria os seus sentimentos, seus
pensamentos, etc., e não teria uma idéia clara da sua imagem física. A partir do momento onde
tivesse, teria consciência de que o instrumento com que comunica as suas emoções e o
pensamento, etc., tem sua própria forma e imprime a esta comunicação uma diferença. Ou seja, a
sua aparência física é um traço importantíssimo da sua personalidade porque: 1) é através desse
perfil físico que você se comunica: e os outros só ficam sabendo de você o que eles vêem através
dessa imagem física; 2) a sua figura física limita, implanta uma forma sobre a sua comunicação;
por exemplo, o indivíduo sabe qual é a potência relativa da sua voz ou sua capacidade muscular,
os gestos que pode fazer e o que não pode. Tudo isto tem uma importância tipológica formidável;
isto faz parte da sua personalidade. Por exemplo, a absorção da imagem física é um requisito sine
qua non da elegância. Se o indivíduo não tem idéia da sua aparência, como ele vai poder modelar
os seus gestos para obter um efeito estudado? Isto não seria possível. Por outro lado, existem
coisas a nosso respeito que não podemos saber olhando para um espelho ou por um exame direto,
mas que nós só podemos saber por um confronto com as outras pessoas, pela reação delas
tomamos conhecimento disto ou daquilo a nosso respeito. Um exemplo típico é se você está com
sua aparência física alterada, se você está pálido — se ninguém o avisasse, não o saberia.
Quer dizer que mesmo no plano físico pode haver coisas cuja informação só nos chega através do
outro. E através desse outro nos chegam informações não só diretas, isto é, relativas à
comparação entre nós e o nosso interlocutor, porém que emanam da comparação que o nosso
interlocutor estabelece entre nós e outras pessoas que talvez desconheçamos.
Se não tivéssemos essas informações, o circuito do que nós sabemos sobre nós mesmos seria
muito estreito, de maneira que a informação que vem do outro é tão importante para a
composição da nossa auto-imagem quanto o exame direto. E aí está a dialética da Casa I e Casa
VII.
Existe o horóscopo de uma idéia que surgiu na cabeça de um sujeito num certo momento e lugar,
existe o horóscopo de uma nação que foi fundada naquele momento e lugar, existe o horóscopo
daquele indivíduo que nasceu naquele momento e lugar. Portanto, o ponto de articulação do
acontecimento com o espaço-tempo leva em conta sempre este fato de ordem individual. O
conceito básico do horóscopo é este, o indivíduo. É claro que sendo central neste indivíduo, o
horóscopo só pode se referir ao ponto de vista dele, não ao ponto de vista dos demais. Ou seja, os
demais sempre aparecerão aí encaixados dentro da tela, como o sujeito a vê. Quando se diz que a
Casa VII é o parceiro, não é o parceiro considerado material e independentemente deste
indivíduo, mas tão só em suas relações com este, as quais certamente não abarcam este parceiro
na sua totalidade. Isto aqui também está subentendido, mas acontece que a astrologia surgiu e se
desenvolveu ao longo do tempo sempre com uma linguagem simbólica aparentemente material.
Esta linguagem simbólica leva a muitas confusões, mas por um lado ela facilita o trabalho do
astrólogo, porque a linguagem simbólica, por sua própria natureza, é sintética. Ela junta um
monte de significações numa única palavra e permite que um indivíduo flutue entre essas várias
significações, sem necessidade de precisá-las. Se tivesse que precisar, daria muito mais trabalho.
Por outro lado, sabemos que o pensamento analógico é mais ou menos automático. Ele se faz na
memória e na imaginação, sem nenhuma interferência nossa. A analogia vem sozinha por uma
semelhança externa das formas, não é conhecimento ainda. A astrologia pegou a linguagem
simbólica analógica porque era o que ela podia fazer. Também porque todo e qualquer
conhecimento começa no nóvel analógico puramente simbólico. E não é possível saltar direto das
percepções neste sentido para o pensamento abstrato. Não existe consciência de coisas, apenas de
imagens de coisas. A imaginação é sempre a mediadora. Aristóteles já o dizia e cada vez mais
isso se confirma. Portanto, todo e qualquer conhecimento começa a se elaborar ao nível das
meras analogias. As hipóteses se formam por meras analogias, depois entra um raciocínio crítico
que vai cortar muito desse analogismo, mostrar que muitas delas são falsas, descabíveis e no fim
ficará com uma só.
A astrologia, tendo permanecido num estado primitivo em todos esses séculos, continuou usando
uma linguagem simbólica. Se vocês procurarem tratados de medicina escritos no tempo dos
antigos gregos e egípcios, verão que eles usam uma linguagem simbólica porque não tinham
outra. Uma linguagem conceptual desenvolvida não é feita do zero, ela não é inventada. A
linguagem conceptual é depurada a partir da linguagem simbólica. Isto é sempre e
uniformemente assim. Onde não temos um conhecimento simbólico fantástico, jamais teremos o
conhecimento racional científico mais tarde. Isto é absolutamente impossível.
A imaginação, a arte, precedem às vezes de séculos ou milênios a elaboração racional. Por outro
lado, é da própria natureza das coisas que o conhecimento simbólico, uma vez aparecido, tenda a
se depurar ao longo do tempo, ou seja, ninguém faz um milhão de hipóteses sem o intuito de
conferi-las.
O homem chega à verdade por meio do aparente e em parte por meio do falso mas é um falso
onde transparece algo do verdadeiro; um fingimento, uma falsidade na qual vamos aos poucos
discernindo as partes da verdade. Esse é o trabalho da imaginação, ela faz um fingimento através
do qual transparece a verdade. A arte faz o mesmo, você vai ao teatro e vê no palco uma história
inventada, fantástica, irreal, na qual transparece obscuramente algo do ser humano, algo do
destino, do ser, de Deus, da eternidade, ou seja, de coisas que seriam difíceis de captar
conceptualmente logo de cara.
O conceito se forma a partir da imagem. Sem imagem, só com experiência direta dos sentidos,
não adianta. Isto quer dizer que o homem que se aventurou, que teve a ousadia de buscar a
formação científica sem ter estudado muita arte, muito simbolismo, nunca vai entender o que é
ciência.
Entre a experiência vivida em toda sua plasticidade, sua variedade e o formalismo final do
pensamento científico, existe um hiato que só pode ser preenchido pelo trabalho da imaginação e
esse trabalho da imaginação se faz em grande parte com dados na língua. Se o sujeito não domina
a língua, ele pode continuar certos raciocínios científicos em linhas já predeterminadas que
recebeu do exterior, prontas, e continua pensando certinho por aquele canal, mas raciocinar a
respeito da realidade, ou seja, fazer ciência, não conseguirá. Isto é o mesmo que querer que vaca
dê leite condensado. Entre a vaca e o leite condensado existe um período intermediário que é o
leite líquido.
A ordem é aquela do velho dito de Aristóteles: percepção sensível, imaginação, pensamento. Não
se pode pular isto. Podemos ver que um artista talvez não necessite de grande formação lógica,
científica, matemática, etc. Ele precisa perceber para onde está indo, mas dá para quebrar o galho
sem isso durante algum tempo. Mas o homem de ciência, sobretudo o filósofo, não pode passar
sem arte simbólica ou religiosa de jeito nenhum.
Isto quer dizer que todos os conhecimentos que o homem tem passaram por esse estágio
simbólico imaginativo algum dia. Em algum ponto remoto da história todos foram mito, lenda,
símbolo, fantasia que expressa não o atraso da mente humana, mas o esforço para poder chegar a
algum lugar. À medida que uma ciência progride, o resíduo de simbolismo está cada vez mais
diminuído e se torna um conhecimento mais puramente conceptual, mas isto não brota em
árvores e sobretudo o conhecimento do homem conceptual não pode ser tirado do nada. Tem que
ser tirado do mundo das imagens mesmo. A idéia de contrapor pensamento simbólico e
pensamento racional como se fossem dois tipos e não duas etapas é o mesmo que comparar o que
é superior: a infância ou a adolescência?
A astrologia permaneceu nesse estado simbólico até agora, mas ela tem que sair disto algum dia,
não completamente. A astrocaracterologia procura alterar essa transição de um pensamento
simbólico para um pensamento conceptual, mas é evidente que não consegue realizar isso
completamente. Em grande parte continuamos nos apoiando em símbolos, analogias, etc., das
quais não podemos nos livrar pelo momento. Isso também quer dizer que as caracterologias, em
grande parte, terão que se apoiar em elementos que só têm fundamento analógico.
Em outros casos entendemos que a analogia vinculada pelo astrólogo transmite mais do que uma
analogia. Por exemplo, a analogia do Sol com a inteligência intuitiva eu pretendo já ter
demonstrado que isto não é uma analogia, mas um vínculo frontal: demonstrado não que o Sol
seja a causa eficiente da inteligência, mas uma causa instrumental da intuição sensível do mundo
exterior. Suprima-se o Sol e o homem, com toda sua capacidade intuitiva, não terá intuição
sensível do mundo exterior. Portanto, não se trata de vínculo analógico. Assim como dizer: a
arma do crime não tem um vínculo analógico com o crime, apenas é um instrumento realmente
usado; a arma não é análoga ao crime, faz parte do crime, está dentro da cadeia de causas. Então
não basta o homem ser dotado de capacidade da visão para ele poder ter a intuição sensível do
mundo exterior, é necessário que haja luz e luz natural. Naquele tempo não existia Eletropaulo e
a única fonte de luz natural que temos é o Sol. Isto quer dizer que a intuição sensível do mundo
exterior seria inconcebível sem o Sol. Basta isto para você entender que não é uma coincidência
que está aí o Sol, não é por uma coincidência que o olhar humano tem esta forma de atuação do
Sol e a forma do nosso olhar tem um vínculo que é algo mais que analógico, não é só uma curiosa
coincidência. Ou seja, este olho é particularmente apto a enxergar sob a luz deste Sol, assim
como este sol é particularmente apto a iluminar esta Terra numa certa proporção, com uma certa
intensidade compatível com o nosso olhar. É absolutamente impossível que estas coisas
aconteçam sem nenhum vínculo causal, ou seja, que a forma do olho humano tenha se
desenvolvido ao longo da evolução animal sem levar em consideração o Sol.
A ligação que nós fazemos do Sol com a inteligência intuitiva não é analógica. Neste ponto,
quando chegamos aí, abolimos a analogia e a trocamos por algo mais simples e melhor. Aí
passamos da linguagem analógica à linguagem conceptual. Melhorou. Porém, não é em tudo
ainda é possível fazer isso. Apenas concebemos a possibilidade de que outras analogias
astrológicas possam ocultar dentro delas relações causais deste tipo, ainda não elucidadas porque
essa é particularmente evidente; mas outras vezes não são tão evidentes assim.
Se exigirmos uma transição total da linguagem conceptual/racional, isto não vai andar nunca. É o
mesmo que dizer “vamos operar uma passagem que vai da física dos estóicos para Newton sem
torre intermediária.” Toda essa passagem é feita através de luzes e sombras, quer dizer, de um
jogo onde se misturam um pouco do raciocínio simbólico analógico com o raciocínio conceptual,
onde logicamente temos que ir forçando para o lado conceptual. Porém, quando as pessoas de
mentalidade dita científica querem estudar astrologia, elas querem operar essa passagem de
maneira mágica. Isto é simplesmente impossível. Nós deixamos escapar a astrologia mesma
quando tentamos fazer uma coisa destas.
O primeiro trabalho não é verificar estatisticamente se alguma coisa é verdade, mas justamente o
contrário, antes de partir para a verificação estatística, explicitar o corpo de hipóteses, ou seja, por
baixo de todas essas afirmações fantásticas qual é a afirmação explícita que estão fazendo? Esse é
o primeiro trabalho e isso nunca foi feito. Como nós estamos tentando fazer, é lógico que não
podemos fazê-lo todo de uma vez e tem pontos onde simplesmente não conseguimos interpretar
redutivamente esta linguagem analógica, ou seja, não conseguimos reduzir um conjunto de
analogias a um conceito, a um juízo explícito. Então, conservamos a analogia até segunda ordem.
No caso, por exemplo, desse sistema das casas, eu não acredito que tenha chegado aqui a uma
explicitação tão firme como no caso dos planetas, mas já dá para caminhar um pouco.
Tentaremos compreender o quê antes do por quê. Eu não estou seguro de ter compreendido este o
quê. Eu acho que é isto: tendo verificado (em diversos livros — centenas) as significações do que
são as várias casas, me parece que essas significações que eu dei as resumem perfeitamente ou,
pelo menos, não podem ser negadas. Nenhum astrólogo pode dizer que a Casa II não é o que
dissemos. Pode, sim, dizer que “não é só isto.” Concordo que não é só isto, mas é também isto.
Ou seja, estas significações têm de estar presentes de qualquer maneira, mas que têm outras que
podem ser suprimidas sem grave prejuízo. E o que importa não são as palavras pelas quais as
designo, mas os conceitos que delas dou.
A Casa II é o conhecimento que o indivíduo tem do real no sentido material, o mundo das coisas,
o mundo acessível aos nossos cinco sentidos. Ou seja, o mundo das formas, cores, pesos,
tamanhos, etc. Aquilo tudo que a intuição do homem pode captar por uma mera repetição dos
dados.
A Casa VIII ainda é o conhecimento do mundo das coisas do mundo físico que nos rodeia, porém
implicando algo mais que o mundo dos cinco sentidos. Em tudo que captamos no mundo físico,
por um lado a nossa intuição se limita a colher os dados dos sentidos e dar-nos imediatamente
uma forma, porém, se só soubéssemos isto do mundo físico, saberíamos quase nada, ou seja, só
teríamos conhecimento no presente daquilo que só pode ser captado intuitivamente agora. Toda e
qualquer captação do mundo físico implica um certo conhecimento ou uma retenção do passado e
de uma espécie de projeção do futuro, ou seja, se eu, caminhando, vejo um cachorro deitado,
posso captar pelos cinco sentidos a forma, o tamanho, a cor do cachorro e perceber que está
deitado, porém isto não me dá nenhum elemento para saber se devo ter medo dele ou não.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 44 SÃO PAULO, 14 MAR. 1991
TRANSCRIÇÃO: JANETE EIKO HIRAMUKI REVISÃO: MERI A. HARAKAVA FITA II

No entanto, por uma rapidíssima interpretação de pequenos sinais dados pelo cachorro
(interpretação esta que pode ser certa ou errada), ou eu fico com medo do cachorro ou não. Ou
seja, a tudo aquilo que captamos do mundo exterior acrescentamos algo que pode ser verdadeiro
ou falso. Isso que acrescentamos é o conjunto das expectativas que somamos aos objetos que
percebemos pelos cinco sentidos. Nunca percebemos nada pelos cinco sentidos sem expectativa
alguma, e nunca temos expectativa nenhuma com relação a coisas sem ser com base no que
percebemos com os cinco sentidos. Uma coisa é você perceber os entes físicos que o rodeiam
como meros dados e outra coisa é percebê-los como ocasiões de suas ações. O fato de eu
perceber um cavalo é diferente de eu perceber que posso montá-lo. Olhar o cavalo apenas como
uma forma física que está dentro de mim é uma coisa; percebê-lo como utensílio eventual ou
como um ser que pode reagir positiva ou negativamente às minhas ações é outra coisa
completamente diferente. Os cinco sentidos, no ato da percepção, não esgotam isso. É preciso
uma retenção de um passado, toda uma comparação imediata com uma experiência anterior e
uma projeção de possibilidades futuras. Isto é o que eu chamo de percepção do potencial. De
certa forma, tem uma semelhança com a expressão de conjectura que vimos anteriormente.
Isto existe porque o homem não é um mero conhecedor passivo das coisas. Se ele fosse somente
um par de olhos e um par de ouvidos abertos para o mundo, então ele teria só a Casa II, mas
acontece que ele também age continuamente. Os seres que o rodeiam não são só objetos de
conhecimento, mas são objetos de ação e, portanto, de reação também. Por exemplo, uma das
primeiras coisas que o bebê discerne pelos cinco sentidos é a figura da sua mãe, e ele não a
percebe como mero objeto de conhecimento, mas como alguém que age sobre ele e sobre o qual
ele também age. Desde o início, este conhecimento perceptivo e a ação já estão muito
interligados, embora eles sejam distintos.
O pensamento e a linguagem sempre surgem a partir de uma ação e não só de uma contemplação.
Não basta existirem um sujeito e um objeto, é preciso existir um intuito de ação e é este intuito
que estabelece o vínculo de signo ao seu significado. Ou seja, todo signo tem seu significado em
determinada situação por causa de um intuito que o indivíduo humano tem com relação a este
objeto. Portanto, esta idéia de eu e de outro, de real e de potencial, tudo isto é uma condição
lógica preliminar ao surgimento da linguagem, do pensamento.
É claro que não podemos fixar uma data ou um momento preciso onde o indivíduo passa de uma
atividade puramente de intuição sensível para o pensamento; o limite é muito fluido no caso.
Porém, uma vez estabelecido o pensamento, ele caminha para proceder através de um
encadeamento que não é infinito, ou seja, o pensamento visa formar um juízo. Juízo é uma
sentença na qual você acredita. Para chegar a um juízo, você pode fazer muitos encadeamentos
nos quais você não acredita, e que são apenas um trajeto que você usa como quem usa uma
escada para chegar a um ponto, mas depois que subiu a escada, passa a andar no plano. Então, o
pensamento se encaminha, tende para o juízo, que é a finalidade e é o fim do pensamento. O
juízo, uma vez atingido, só pode reafirmar a si mesmo. Por exemplo, se fazemos uma série
enorme de cálculos para saber quanto é 2+2=4, só podemos reafirmar isso.
Claro que podemos conferir, ou seja, colocamos o juízo em dúvida, mas na hora em que fazemos
isso, já não é mais juízo, ele voltou a ser pensamento, voltou a ser raciocínio. O juízo é um
fundamento da ação. O juízo, para o pensamento, por sua vez, pode servir de fundamento a
outros pensamentos, ou seja, a partir das coisas em que você acredita, sabe ou julga saber, você
raciocina sobre outras. Sem voltar a questionar aquele juízo a todo momento, estamos pensando
uma série de coisas, porém, tudo em que pensamos atualmente, nesse momento, se baseia numa
série de juízos que já estão prontos. Por exemplo, agora vocês estão tentando acompanhar minha
aula, naturalmente estão pensando, porém estão baseados no juízo de que vou dar aula ou de que
isto é uma aula. E se eu dissesse que não é uma aula e, sim, um baile carnavalesco? Todos
ficariam espantados. Ou seja, só existe um pensamento à custa de um juízo anterior, o juízo pára
uma determinada linha de pensamento, e permite que se inaugure outra.
Se o juízo for submetido à contestação e voltar a ser objeto de raciocínio, então, por sua vez, tem
que se basear em outro juízo e assim por diante. Então, a cada momento podemos discernir no
indivíduo o que ele está pensando, quais são os seus juízos, ou seja, aquilo que ele não está
pensando, aquilo que ele não pensa mais: aquilo em que ele acredita, sabe ou pensa saber são os
pressupostos apenas quando são juízos que o sujeito não sabe que tem; são juízos muito remotos,
feitos muito antigamente e como ele nunca mais questionou, ele nem se lembra mais daquilo.
Essa é a diferença entre premissa e pressuposto. Todo juízo é uma premissa de outro pensamento.
Porém, há premissas que, além de serem premissas, são pressupostos, isto é, são premissas que
você já esqueceu, mas continua utilizando; são premissas implícitas, não explícitas ou às vezes
nem mesmo explicitáveis. Por exemplo, cada um aqui está seguro de que é filho de seus pais. Isso
é um pressuposto. Vocês nunca se lembram dessa premissa e, no entanto, sempre que vocês
pensam e agem é com base nisso, não precisa explicitá-la.
A Casa IV é novamente uma auto-imagem, porém não externa, não é uma auto- imagem obtida
pelos sentidos externos e sim pelos internos; não é propriamente imagem, pois imagem nós temos
de uma coisa estática, ao passo que esta auto-imagem a que se refere a Casa IV é um
autoconhecimento de tipo dinâmico, feito de tensões, repuxos, tendências que eu sinto em mim
num momento determinado, ou seja, a cada momento eu sei que desejo alguma coisa que temo,
alguma coisa que tenho tal ou qual esperança, ou temor voltado para o futuro e tenho também
uma espécie de medida da minha felicidade ou infelicidade; sei se estou triste ou alegre. Seria o
conhecimento que o indivíduo tem do seu estado momentâneo, do seu estado interno
momentâneo composto fundamentalmente de desejos e temores e em termos lógicos, valores.
O indivíduo pode estar perfeitamente consciente do seu estado interno, sem ter a menor idéia de
se isto se traduz ou não na sua expressão. Assim, num momento você pode estar com medo e não
perceber se este temor está perceptível na sua face ou não. A auto-imagem da Casa IV é diferente
da Casa I. A Casa oposta é a Casa X, que é o conjunto dos papéis sociais efetivamente ocupado
pelo indivíduo em um determinado instante da sua vida.
A idéia de que existe, de um lado, o indivíduo interno inefável, impuro e, do outro lado, papéis
sociais que ele veste e desveste como roupa é um enfoque mecânico que não tem nada a ver com
a realidade. Entre a nossa intimidade e nossos papéis sociais existe uma relação como se fossem
as duas faces de uma mesma moeda, absolutamente inseparáveis. Podem ser distintos, mas não
separados, ou seja, uma distinção real- mental. São coisas que de fato são distintas, mas nunca se
dão separadamente. Podem ser concebidas separadas, mas não podem ser separadas de fato.
Agora, se concebemos separadamente e esquecemos a união real, caímos num abstratismo e
acreditamos nesta pureza interior totalmente desvinculada dos papéis sociais. Esta imagem
romântica de que o eu do indivíduo é uma coisa pura, separada da sociedade, é que leva a
situações grotescas, a ponto de o sujeito dançar rock e pensar que o que faz é a expressão mais
pura do seu íntimo, nada tem a ver com as pressões sociais, com a mecanicidade da sociedade
que o cerca. Por outro lado, ele trabalhar, procurar uma escola é uma imposição da mecânica
social que contraria o seu eu. Mas, este sujeito toma conhecimento do rock através da sociedade,
por promoções, outdoors, bailes.
Através do rock é a sociedade mesma que está comunicando com você tanto quanto através do
seu emprego. Na hora em que você dança, está agindo socialmente, tanto quanto quando trabalha.
A intimidade e a socialidade do ser humano não são separadas de jeito nenhum.
A idéia de que nós temos um eu perfeitamente separado dos papéis sociais leva àquela pergunta
de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Existe um eu puro e soberano, transcendente ou
nós somos apenas uma coleção de discursos que provêm de nossos papéis sociais?
Essa é uma das discussões centrais na psicologia e antropologia do século XX. E, no entanto, esta
discussão toda é bobagem. O homem tem o eu livre e soberano porque ele tem papéis sociais.
Uma pedra, por exemplo, não tem papel social. Ter um eu significa ser capaz de ter papéis sociais
e vice-versa. Se o sujeito ficar completamente esquizofrênico, quer dizer, o eu dele se fragmentou
em mil pedaços, não se consegue mais acertar o eu dele. Que papel social tem esse indivíduo? Ele
só tem papel social passivo, ele tem meio papel social. Ele é socialmente deficiente. A noção do
eu e a noção do papel social são co-extensivas à liberdade interna dos nossos pensamentos, à
consciência. Nós temos essa liberdade porque a consciência é dotada de papéis sociais. Essa
discussão é descabível.
A grande maioria das discussões filosóficas são equívocos de palavras. Essa dificuldade de se
raciocinar quando existe uma mutualidade entre dois fenômenos e a necessidade de se estabelecer
uma hierarquia de causa e efeito onde você tem uma identidade, uma distinção de modos, é uma
confusão lógica que uma verdadeira formação filosófica jamais fará. Dentro da psicanálise, por
exemplo, depois que se verifica que os traumas de infância assumem um papel tão importante na
formação da consciência individual adulta, então surgiu até mesmo o problema de se o eu
consciente é autônomo em relação a esse famoso inconsciente. Quer dizer, quem pode mais é
quem manda mais. O homem é consciente ou inconsciente, mas Freud não disse que essas coisas
vão se formando juntas. Forma-se uma porque forma-se outra. Se o sujeito não tiver consciente
nenhum, como formará o inconsciente? ( Sic Jung) Há quem diga: o primado do consciente, o
primado do inconsciente. Tudo isso são nomes e não coisas, distinções conceptuais, distinções de
ponto-de-vista.
O conhecimento que o indivíduo tem do eu dele não o inclina a ocupar determinados papéis
sociais, pois o eu já está determinado por esses papéis sociais. Por exemplo, o sujeito está triste
porque lhe falta algo. Conceba este algo independentemente de qualquer papel social. Estou triste
porque minha namorada me deixou, mas se ela não fosse minha namorada, como é que eu
poderia ficar triste por isso? Ou se eu não a conhecesse, como é que qualquer coisa que ela
fizesse poderia me entristecer? Cada sentimento, por íntimo que seja, já é definido por um papel
social de imediato.
Mesmo a pessoa que se isola da sociedade, isola-se somente fisicamente. Psicologicamente, está
vinculada até a medula, mais que os outros até, porque o filósofo solitário, o ermitão, pode
justamente, em sua solidão, rememorar tudo o que sabe e chegar a uma visão quase completa
daquele mundo que está vendo de mais longe. Aliás, ele jamais se afastaria, se não tivesse
chegado a uma visão mais ou menos global da sociedade onde está. Ele se afasta da sociedade em
nome de valores que aprendeu com ela mesma. Como no caso daquele que se afasta de
determinada sociedade por ver que nela não existe mais mora. O ermitão é a consciência da
imperfeição da sociedade. Tanto que até hoje vejo a influência social imensa das falas de tantos
ascetas. Essas pessoas mudam a história à custa de dela sair. Quer dizer, o homem nunca sai, é
absolutamente impossível — ele pode se afastar fisicamente de uma determinada comunidade,
mas nem mesmo desta comunidade em particular se afasta psicologicamente.
A idéia de se contrapor consciência individual, liberdade de consciência individual à opressão
dos papéis sociais, é uma idéia inadequada, um erro lógico. Você tem essa liberdade porque tem
papéis sociais e também porque concebe papéis sociais que podem ter tido ocasião de terem
existido em outra sociedade, reais ou imaginárias, embora nesta não sejam possíveis.
A liberdade de consciência existe exatamente no instante em que pode existir o papel social. O
papel social não limita a liberdade de consciência — ele a define. Por outro lado, não teria
sentido existir papel social se a consciência não tivesse liberdade alguma porque o papel social é
algo que se impões ao indivíduo, mas não fisicamente. Ela se põe em contato com a liberdade
daquele indivíduo. Quando arrumo um emprego, passo a ter um novo papel social, cujos deveres
e rotina próprias me impregnarão automaticamente, mas não fisicamente. É necessário que a ele
me habitue e tanto posso não conseguir fazê-lo quanto não querer fazê-lo, do que se conclui que
se trata de algo que não é traço físico. Não existe nenhum papel social que não conte com a
liberdade do indivíduo e que não se defina precisamente por essa liberdade. Um mesmo papel
social pode atrair a identificação de um determinado indivíduo e de outro, não, pode moldar a
personalidade de um e de outro não. Se não houvesse liberdade de consciência, qualquer
indivíduo colocado num determinado papel social se comportaria de determinado jeito. E nisto o
Brasil é pródigo: teve uma infinidade de presidentes da república que não conseguiram introjetar
tal papel. E enquanto o sujeito não está habituado a determinado papel social, não pode encarar
com objetividade as questões de tal papel. Como seria o caso de eu estar dando aula e estar em
dúvida se estou ou não convencido de minha posição. Se estou inseguro no meu papel, não posso
pensar na matéria que estou lecionando. Por outro lado, sem esse papel social, como é que eu
poderia lecionar? Não poderia fazê-lo antes que estivessem definidas as funções de professor e
aluno.
O papel social é a ocasião para o exercício da minha liberdade. No mesmo sentido, ele limita essa
liberdade, na medida em que ele é um papel e não outro. Na minha posição de professor, por
exemplo, tendo uma tarefa determinada e recebendo remuneração para desempenhá-la, não posso
esperar que, ficando calado e esperando que vocês falem, esteja tudo resolvido. O que significa
que não estou plenamente livre e também que não é esta liberdade que quero. Se quero ser
professor, quero a liberdade de ensinar, não a liberdade de que me ensinem. Claro que existem
papéis sociais inadequados, papéis sociais que são estreitos, em função das possibilidades do
indivíduo; existe tudo isto, porém também existe a consciência que é estreita em relação ao papel
social que ela desempenha. A consciência do sujeito não é suficiente para abarcar e transcender o
papel social, ele está sempre buscando a sua auto confirmação. Como no caso do sujeito que,
após 20 anos de casado, ainda não se crê casado.
Quanto mais torpes e indiferenciados são os papéis sociais, menos o sujeito sabe o que se espera
dele, o que se pode fazer, não sabe qual é o repertório de ações que são cabíveis no caso, mais
conturbado é o seu mundo interno — o que descreve um dos principais problemas dos brasileiros.
Ninguém sabe precisamente onde está na sociedade, as pessoas não têm consciência de classe
social. O fato de você não ser capaz de introjetar que você pertence a uma determinada classe
social é algo gravíssimo.
Somando tudo isto, tais coisas conferem ao indivíduo, a cada instante, a cada momento de sua
vida, um campo de ações que ele considera possíveis para ele, ou seja, um conjunto de forças e
capacidades que ele tem ou supõe ter em um determinado momento e que exclui outras tantas
forças e capacidades.
Mesmo isto seria indefinível sem o papel social. Cada um de vocês está neste momento mais ou
menos seguro de que pode entender esta aula. Não está seguro do que entendeu necessariamente,
mas está seguro de que tem capacidade para tal. Mas e se eu mudasse de assunto, passasse a
lecionar outra matéria completamente diferente, você poderia entender imediatamente que não
teria recursos para entender aquilo? A avaliação que o sujeito faz do seu domínio é mutável de
instante a instante. Ela só se aplica a uma circunstância dada, a uma cena já montada, a uma
batalha que já está sendo travada naquele momento. Ela poderá mudar, o homem que se sente
capaz de fazer isto ou aquilo hoje, amanhã poderá se sentir incapaz de fazer exatamente a mesma
coisa, porque ficou doente, porque está deprimido ou por qualquer outra coisa, porque esqueceu.
Casa (XI) Por outro lado, a avaliação de seu plano depende de um plano de vida, do que você
quer ser quando crescer. Não apenas no sentido social externo, o que é evidente, porém no
sentido da personalidade total que você pretende ter daqui a algum tempo. Isto não se aplica
somente às crianças e aos adolescentes. Evidentemente, nós sempre temos um plano de vida a
mais longo prazo, a mais curto prazo e cada ato nosso sempre se encaixa de maneira mais ou
menos explícita num ponto aonde você pretende chegar e que implica, portanto, capacidade que
você sabe que ainda não tem ou pelo menos não tem plenamente desenvolvidas; implica uma
perspectiva de desenvolvimento de certas capacidades e eventualmente o desenvolvimento de
outras que não interessa para aquele fim.
De outro lado, é claro que o plano de vida é a projeção daquilo que no momento você acha que é
capaz, de maneira que um se define pelo outro e o outro pelo um. Como tenho alguma capacidade
para desenho, suponho que amanhã ou depois poderei ser Pablo Picasso. É por comparação com
os desenhos de Picasso que percebo que ainda não o sou e quanto me falta eventualmente para
chegar lá. Avaliação essa que pode ser certa ou errada, não importando qual das alternativas se
verifique. Desde que o horóscopo seja referido ao indivíduo, não interessa se essas coisas são
reais ou não — interessa se é real para ele.
Finalmente, todos esses dados tomados produzem num indivíduo, a cada momento, um
sentimento, uma avaliação de se sua vida funciona ou não funciona, de se está tendo lucro ou
perda, como num balanço. Esse balanço leva em conta todas as possibilidades, todas as
necessidades, todos os meios e conseqüências e no fim pronuncia uma sentença. É a isto que
chamamos sistema. (casa VI) O que é o mesmo que o indivíduo considerar-se a si mesmo como
sendo um microcosmo, um todo fechado, como se olhasse a planta de si mesmo, o diagrama de si
mesmo.
(Casa XII) Por outro lado, por mais que ele possa se enxergar a si mesmo como o todo ou como o
conjunto, ele sabe ao mesmo tempo que ele, sendo um todo, não é o todo, ou, sendo o todo, não é
tudo. Existe alguma coisa que vai além dele, existem outros sistemas dentro dos quais ele está e
cujo perfil, desenho, podem não ser visíveis desde o ponto de vista onde ele está. Por exemplo,
cada um de nós sabe que é um membro da sociedade brasileira e que está de certo modo sujeito a
sofrer os efeitos, as consequências das forças que estão em movimento na sociedade brasileira,
cujo perfil, no entanto, freqüentemente nos escapa. Não sabemos delinear precisamente e no
conjunto o que acontece nesta sociedade, mas sabemos que estamos dentro dela. Sabemos que
uma decisão tomada por um banqueiro em Nova Iorque pode mudar nossa vida, mas não temos a
menor idéia do que está se passando na cabeça dele nesse momento. Sabemos que estamos
sujeitos a essas forças que desconhecemos, o que não quer dizer que sejam incognoscíveis e, sim,
apenas que são desconhecidas no momento. Tão logo elas se tornem conhecidas, passam a fazer
parte do meu universo, dados que existem dentro de mim.
Por assim dizer, passou-se da Casa XII para a Casa VI. Um exemplo mais banal que pode se dar é
o seguinte: um garoto entra numa escola primária. Desde o primeiro dia que entra na escola, ele,
como aluno e na posição de aluno, está sujeito ao regulamento, aos horários, às disciplinas, aos
hábitos, aos costumes, aos valores de toda escola. Ele está sujeito a tudo isto, tanto quanto
qualquer outro aluno e está sujeito a partir do momento em que lá entra. Porém, tendo acabado de
entrar, ele ainda desconhece que valores são esses, que valores, que normas, disciplinas, são
essas. Ele apenas sabe que está dentro de um mar que se agita para lá e para cá e pode conduzí-lo
de um para outro lugar. Ele está consciente de que este algo que vem de fora e cujo limite ele
desconhece, cujo perfil não enxerga, age sobre ele. Porém, à medida em que ele for conhecendo,
por exemplo, os horários da escola, ele começa a se organizar em função desses horários e esses
horários tornam-se seus hábitos. Esta passagem é do tipo Casa XII - Casa VI: ele foi engolido.
Um outro exemplo: temos um barco com dois marinheiros, um deles está no leme. Estando ao
leme, ele vê as ondas que se aproximam e trata de se desviar ou se aproveitar delas de alguma
maneira. Porém, de onde vêm essa ondas? Vêm de correntes marítimas que começaram léguas
adiante e que aquele marinheiro não enxerga de maneira alguma. Porém, no porão do barco está o
outro marinheiro com um monte de mapas, bússola, etc., fazendo as contas para saber quais são
as correntes marítimas que estão se formando não se sabe onde e que poderão amanhã estar
chegando a seu barco, afetando-lhe o curso. E, na mesma medida em que ele está fazendo isto,
ele está ocupado demais para estar ao leme. Quer dizer, um está ocupado com o que diz a Casa
VI e quer dizer o que ele pode enxergar, aquilo sobre o que ele tem o controle e onde ele pode
delinear o limite da situação completa. O outro, não, está levando em conta fatores que vêm de
fora, desde um âmbito ilimitado e que poderão amanhã ou depois estar afetando seu barco.
Resumindo:
1) Da mesma maneira como pegamos os planetas e deduzimos funções a partir de analogias, com
as casas também consideramos certas estruturas. Da mesma forma como os planetas estão
estruturados no universo, as funções cognitivas também estão dentro do homem. Imaginei que
também teríamos uma correspondência assim: as horas que determinam as Casas têm uma
semelhança.
2) Podemos entrar no estudo dessas analogias, dessas correspondências. Apenas, no caso dos
planetas, como nós achamos um ponto de amarramento entre os dois sistemas colocados na
analogia, a coisa foi muito mais fácil, mas aqui não existe este ponto de amarramento — não
ainda, mas deve existir.
A teoria da tripla intuição é o elo entre o mundo do pensamento, da psique humana e o sistema
planetário. Ou seja, enquanto fazemos analogia, estamos vendo apenas que dois sistemas, duas
estruturas são parecidas, somente isto. Porém, com a teoria da tripla intuição, vimos que não se
trata só de uma semelhança e sim que há um encaixe entre as duas. A analogia sempre tem um
elemento de gratuidade, a analogia pode ser ou não ser. A analogia é uma síntese das
semelhanças e das diferenças, a mistura das semelhanças com as diferenças. Porém, em geral,
quando estamos raciocinando com uso da analogia, não dá para saber, para dizer precisamente
onde termina a diferença, onde começa a semelhança, ficando sempre algo vago. Quando
estabelecemos um elo causal, um elo de identidade, real, aí a coisa melhorou muito. Se acharmos
esses elos todos com relação a todos os elementos da astrologia, então quer dizer que
convertemos o simbolismo astrológico numa teoria explícita sobre a natureza do homem, o lugar
do homem no Cosmos, o funcionamento da psique humana.
Eu acho que esta transformação é preliminar às investigações de se a astrologia funciona ou não.
Para você saber se uma coisa funciona ou não, é preciso primeiro saber o que esta coisa é. O fato
é que a astrologia ainda é mistério. O problema não é saber a respeito de sua funcionalidade ou
não — o problema mesmo, “o que é a astrologia?” é que não entendemos. Por exemplo, nem
sempre sabemos se quando um astrólogo diz que tal planeta influencia tal coisa, ele está querendo
falar de uma relação causal efetiva, de uma mera coincidência de eventos no tempo, de uma
analogia, de uma metáfora, de uma imagem poética.
Não se pode fazer síntese qualquer coletando curiosas coincidências e verificando se são
verdadeiras ou não. Uma ciência tem que ter uma hipótese estruturada, uma hipótese que seja em
si mesma compreensível e seja racional, independentemente de ser verdadeira ou falsa. Estamos
construindo o corpo da hipótese astrológica, que é uma hipótese monstro. É um conjunto imenso
de hipóteses para saber se a astrologia é verdadeira ou não: é preciso explicitar esse conjunto de
hipóteses depois investigar para saber se é verdadeiro ou não, porque cada uma das hipóteses
parciais só adquire sentido dentro dessa hipótese global.
A pergunta é a seguinte: “existem símbolos naturais?” Essa é a pergunta decisiva da astrologia.
Porém, qual é a ciência que estuda símbolos naturais? A antropologia, simbologia, simbólica,
estudo das religiões, estudam símbolos históricos, culturais. E a física e a biologia estudam os
seres naturais, não simbólicos: os fatos naturais não do ponto de vista simbólico. Digo então que
a única pergunta que interessa para a astrologia é se existem símbolos naturais e afirmo que não
há quem responda a essa pergunta. Existe as ciências naturais e as ciências culturais, mas isto foi
inventado por Dilthey no século passado e tal coisa continuou como um dogma. Do que derivou a
distinção entre ciências exatas e ciências humanas. Porém, pergunto: há alguma ciência humana
exata? Alguma ciência exata humana? Se não existir, não tem como a astrologia existir, porque
ela lida justamente com esse ponto de encaixe. Nenhuma ciência atualmente existente pode dar
conta do problema astrológico. Portanto, antes de qualquer ciência se meter no ramo, é preciso
um exame preliminar de ordem filosófica e metodológica para tornar esse assunto passível de
estudo científico. Ele não é ainda. É como querer digerir antes de comer. Depois de tudo isso
dito, a coisa fica óbvia. No entanto, os astrólogos não percebem que não existe ainda esta ciência
humana exata...
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 45 SÃO PAULO, 15 DE MARÇO DE 1991.
TRANSCRIÇÃO: EDMILSON BARBOSA E MA. CLÁUDIA O. TAMBELLINI
REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

Não esperem que todos esses elementos da astrologia possam ser explicados e fundamentados
como nós fizemos com os planetas. Isto não vai ser possível ainda, vai requerer muito tempo.
Uma parte nós vamos ter que engolir do jeito que a astrologia desenvolveu isto ao longo dos
séculos. Isto quer dizer que estas partes, que são recebidas tais e quais da tradição astrológica,
não são endossadas. Nós não estamos apenas dizendo que é isso que a astrologia quis dizer. Na
medida em que vamos montando esta tradução da astrologia em termos conceptuais (ora com
mais, ora com menos sucesso) nós estamos montando o corpo de uma hipótese, mas não ainda o
corpo de um saber científico final. Mas para saber se tudo isto tem fundamento ou não, primeiro é
preciso explicitar o quê está sendo dito, ou seja, nós não podemos aceitar a linguagem simbólica,
temos que traduzir numa linguagem de conceitos e dizer, por exemplo: tal casa corresponde, no
intuito dos astrólogos, a tal coisa.
Para conseguir isto é necessário que, primeiro, fixemos o plano do qual estamos falando. É
evidente que, cada Casa, sendo um complexo de símbolos que pode se aplicar a muitos planos,
nos impele a cair nas significações indistintas, impossíveis de fixar. Então, nós estamos fixando
um nível, um plano — e este plano, para nós, chama-se caráter.
Com relação ao caráter, a Casa I, o que quer dizer? Ela quer dizer precisamente isto aqui: a auto-
imagem. Então, não nos interessa o que a Casa I quer dizer em outros planos, por exemplo: se
você aplicar o zodíaco à sociedade humana, o que ela representaria na dita astrologia mundial? ou
em termos de trânsitos planetários, o que ela quer dizer? Tudo isso não interessa para nós.
Cortamos tudo isso e determinamos, delimitamos artificialmente (deliberadamente) um certo
plano, que é o do caráter humano. Definimos este caráter e estamos vendo quais os conceitos
astrológicos que poderiam corresponder a conceitos caracterológicos sem prejulgar se no fim
tudo isso se revelará verdadeiro ou falso.
Uma vez delineada esta hipótese, que é bastante comprida, que é um sistema, é toda uma teoria,
em seguida surgirá o problema dos métodos de verificação e depois, mais tarde, a verificação. O
que não tem sentido é proceder à verificação sem ter ainda o “de quê”, a verificação de fatos
isolados, ou seja: a ciência não se destina a verificar fatos, mas teorias.
O que nós estamos fazendo é compor a teoria. Dessa teoria que nós estamos compondo, algumas
partes se revelam para nós filosoficamente verdadeiras, ou seja, são dotadas de uma exigência
lógica e isto se torna evidente para vocês no curso das aulas. Agora, esta validade filosófica não
tem nada a ver com a validade científica. A validade filosófica se esgota num nível puramente
conceitual. Quer dizer que, dados tais ou quais conceitos, então tais ou quais decorrências são
necessárias, ainda que isto não corresponda a nenhum fato na ordem física. Toda veracidade que
nós pudemos constatar até agora é de ordem puramente filosófica; se tudo isso depois será
validade no nível do fato, isto é, poderá se encontrar uma correspondência estatisticamente
significativa no nível dos fatos, isto é coisa que veremos depois.
A dificuldade para fixar a significação das casas vem de duas coisas: primeiro, a variedade de
planos que se aplica a este esquema das casas e, em segundo lugar, de uma espécie de
concretismo, quero dizer, os astrólogos ficam presos a significações mais materiais, mais
individuais, concretas e não alcançam o nível da abstração suficiente para delimitar tudo aquilo
com um conceito único que abarque tudo.
Bem, faltou dizer o que são as casas. O que elas representam? Qual o conceito psicológico que
corresponde às casas? O que corresponde aos planetas seria as faculdades; mas o que corresponde
às casas?
— Seria o campo de ação do indivíduo? Motivação?
Se nós temos de um lado seis faculdades, o conceito correspondente poderia ser motivos de
ações? Nós não estamos falando de ação e sim de cognição. Se mais tarde vamos falar em
motivações, ações e etc., tudo isto tem de ser indireto, não é daí que nós podemos partir. Se temos
seis faculdades e queremos mostrar como é que elas funcionam nós não temos que falar em
termos de motivações; porque motivações não motivam faculdades, motivam ações. O que age
não é uma faculdade; o que age é o sujeito inteiro. Para poder chegar a falar de uma motivação
você já precisaria ter a síntese de tudo isto, a operação de todas as faculdades para, daí, você falar
em termos de valores, de motivações. Daí você já sai deste plano que nós estamos falando (que é
o plano da estrutura interna cognitiva do sujeito) e entra num outro plano mais sociológico.
Uma caracterologia que descrevesse o indivíduo em termos das motivações dos seus atos já não
estaria falando mais desta estrutura cognitiva interna, mas estaria partindo dela. Motivações nada
tem a ver com estrutura cognitiva. Estrutura cognitiva é uma e uma só em todos os seres
humanos. Se houver diferenças cognitivas não podem ser diferenças de motivações, porque as
motivações não existem para esta ou aquela faculdade, mas existem para o indivíduo. Se, por
exemplo, eu tenho raiva de uma pessoa e decido empreender uma ação qualquer contra ela, eu
não posso fazer isso com uma faculdade cognitiva só, é preciso todas. Quem tem raiva não é o
sentimento, não é a vontade, não é a inteligência: é eu. Portanto, uma psicologia da motivação
tem de partir de uma estrutura cognitiva completa. Mais tarde nós vamos falar disso.
Por ora, vamos dizer que estas casas são as direções da atenção. É evidente que a atenção não tem
nenhum correspondente planetário, não existe o planeta da atenção. A atenção é um fator que está
subentendido em todas as funções. A vontade não pode funcionar sem a atenção, inteligência
também não; nada pode funcionar se o sujeito não presta atenção. A atenção não é uma faculdade
cognitiva em particular. Por que não? Lembre-se do grupo de aulas passadas. Existe um planeta
da consciência? A atenção é um ato de consciência e a desatenção é uma privação de consciência.
Então, isto é uma síntese, é um ato de síntese. A atenção não é nem um estado e muito menos é
uma faculdade, mas ela é uma síntese de várias faculdades, de vários estados numa certa direção.
Portanto, isto aí não pode ter nenhum correspondente astrológico concreto e não pode
corresponder a um planeta, se bem que alguns astrólogos digam isto: o Sol é a consciência, a Lua
é a inconsciência, e a Lua Nova seria a inconsciência da inconsciência. Isto aí é uma
materialização, uma hipostatização, e se transforma numa pessoa, num personagem algo que na
realidade é um conceito abstrato que expressa uma ação de todo um indivíduo.
Como nós podemos definir a atenção? Nós vimos que a consciência é uma compreensão de
vários estados num instante só. Estes estados aparecem articulados uns aos outros: os estados
passados aparecem articulados aos estados presentes com vista no futuro, podendo ser mais
próximo ou mais remoto. Isto, em geral, é a consciência. A atenção é um conceito muito mais
particularizado. Mas qual é a diferença entre esse conceito de consciência e de atenção? Claro
que sem consciência você não tem atenção.
— A atenção não seria um conceito mais particular da consciência?
Particular — esta é a chave do negócio. Toda atenção é particular. A consciência é a articulação
de vários estados e a atenção é assim: em torno de quê, a propósito de quê. A atenção seria o
motivo da consciência; quer dizer que nós temos a consciência de alguma coisa em função da
atenção que prestamos a algo. A noção de atenção está intimamente vinculada à noção de
direção. A atenção a uma coisa sempre exclui a atenção a outras. Toda atenção implica uma
hierarquização da consciência em função de um foco e de uma periferia. Por isso mesmo é que
este conceito das casas, o qual não passa em última análise das direções do espaço, me parece a
única analogia perfeita. Direções do espaço são também direções da luz, direções do olhar,
portanto deve ser isso o que a astrologia ao longo dos milênios estava querendo dizer com casas.
Então, nós vamos trocar o conceito das casas pelo conceito das direções da atenção.
O horóscopo é feito em função do indivíduo. O horóscopo não é o mapa do cosmos tal como ele
apareceria a um astronauta, tal como é visto desde a Terra em geral e sim como é visto desde um
ponto particular da Terra num determinado momento onde está nascendo um determinado
indivíduo. Portanto, tudo aquilo que se espalha em torno do indivíduo, o espaço em torno dele, o
que é senão as direções para onde ele pode olhar? O que é Meio-do-Céu, Fundo-do-Céu,
Ascendente, Descendente? São as direções: direita, esquerda, em cima, embaixo, supondo que o
indivíduo possa conceber todas essas direções ao mesmo tempo, mas não pode olhar para todas
elas ao mesmo tempo. Quando eu olho para a direita, eu sei que existe embaixo. Aliás, se eu não
pressupusesse isto, eu não poderia olhar para direção nenhuma, mas ao mesmo tempo eu não
posso olhar para as duas.
Então, a atenção tem esta mesma peculiaridade: ela tem uma direção determinada a qual exclui a
direção contrária, sem negá-la. Na hora onde eu presto atenção em alguma coisa que me parece
importante eu continuo de certo modo consciente das coisas desimportantes, apenas eu as
coloquei no fundo do palco, eu tornei um determinado ponto atual e outro potencial. Aquilo em
que eu não presto atenção agora posso prestar atenção daqui a pouco; eu não o aboli, não esqueci
completamente que ele existe. Por exemplo: se estou lendo um livro, eu estou preocupado com o
conteúdo do livro, eu não estou preocupado com a disposição da sala onde estou, com a
arrumação dos móveis. Mas eu não estou inconsciente disto, eu não esqueci que existe a sala; ao
contrário, eu estou pressupondo que aquilo tudo existe, aquilo não foi abolido: foi virtualizado.
Do mesmo modo, quando eu vou para o norte eu não aboli o sul, aliás eu o tomo como ponto de
referência do qual me afasto. Do mesmo modo, a atenção se dirige para um lado sem abolir o
outro, ou seja, tomando-o como pano-de-fundo.
O percurso aparente feito pelo Sol em torno da Terra não é nada mais do que isso; é a circulação
da luz em torno de um determinado ponto, que é a Terra. Na medida em que a luz se desloca de
um ponto para outro, os pontos abandonados por ela não foram suprimidos; ao contrário,
continuam como ponto de referência. Quer dizer, quando faz noite num lugar, este lugar não foi
suprimido; ele está lá esperando porque, no dia seguinte, volta a ser dia claro. Me parece então
que desde o início, quando se vinculou esta idéia do horóscopo a esta hora e local e portanto ao
surgimento de um indivíduo em particular (tomando este indivíduo como centro), o conceito que
estava subentendido aí é o das direções da atenção.
Então, novamente eu repito: estes conceitos que dei das casas em particular, como auto-imagem,
pensamento e etc., e também este conceito geral das casas como direções da atenção não são
interpretações novas. Não estou inventando um novo sistema astrológico: eu estou procurando
apenas ler o que os astrólogos estavam tentando dizer, e que disseram por baixo de uma
variedade imensa de símbolos. Se eu fizer o horóscopo de uma banana ou de um país, aí
naturalmente vai mudar tudo. Mas desde o início nós fixamos o âmbito de nossa investigação,
que é o caráter. Nós temos de fazer isso porque a astrologia não tem nenhum objeto. O objeto
dela é uma comparação, e comparação é você colocar junto um par. Então, ela tem dois objetos.
Toda comparação é feita em algum nível do plano, não existe comparação total de qualquer coisa
com qualquer coisa. É impossível a comparação do ser com o ser mesmo. Toda comparação
pressupõe que você fixe o âmbito: você está comparando o quê com o quê, e sob que aspecto? A
comparação não consiste apenas em colocar um par de coisas, por ex. duas canetas: quando à sua
essência, quanto ao que elas são, elas são idênticas, as duas são canetas — ou seja, sob a
categoria da essência são a mesma coisa. Elas diferem quanto à cor: então há uma diferença sob a
categoria da qualidade. Se a comparação é feita ao nível da essência encontra-se um resultado; se
feita ao nível da qualidade, encontramos outro. E sob o aspecto da causa? A causa é idêntica,
novamente vieram da mesma fábrica. Toda comparação não implica só dois objetos, mas também
a fixação de um plano, ou de um âmbito no qual vai ser feita esta comparação. Ou seja, implica a
razão, o logos analogandi (a razão da analogia), a razão das diferenças e a razão das semelhanças.
Porque sob certos aspectos os objetos comparados podem ser semelhantes, e sob outros podem
ser diferentes.
Quando fazemos a comparação colocamos juntos não somente um par, mas no mínimo dois
pares, por ex. um par de funções ou um par de causas. Quer dizer que toda comparação
estabelece uma proporção. Toda comparação tem uma estrutura quaternária em torno de um
centro. É como se fosse uma cruz: o que está no centro é a razão da comparação; ou seja, toda
proporção é articulada em função de alguma razão. É exatamente como na matemática. Quer
dizer que proporção e razão não são exatamente a mesma coisa. A razão é o fundamento das
proporções. Em lógica, a mesma coisa.
Por isto mesmo, ao estudar o horóscopo temos que saber em que nível estamos falando. Todo
horóscopo é o horóscopo de alguma coisa, e esse “de quê” ele é o horóscopo, esta é a razão das
várias interpretações que nós vamos dar. Se esta comparação não fosse entre uma figura do céu e
o indivíduo, mas entre a figura do céu e uma nação ou um acontecimento, então toda significação
teria que ser alterada proporcionalmente à mudança do objeto. Como já fixamos a razão da nossa
comparação desde o início, e dissemos que é o caráter, então isto já limita o campo da nossa
comparação. É claro, então, que as casas podem ser outras coisas quando encaradas em outros
planos. No plano do caráter individual só podem ser as direções da atenção. Se desenvolvermos
uma caracterologia não baseada na cognição mas baseada na ação, então poderíamos encontrar
outras correspondências análogas a esta, em parte semelhantes, em parte diferentes. É onde
cairíamos nas motivações. A palavra motivações surgiu porque toda ação tem uma causa objetiva
e um motivo subjetivo, os quais podem coincidir ou não. Somente coisas que nós conhecemos
podem ser motivos; coisas desconhecidas podem ser causas das nossas ações, mas não motivos.
Portanto, onde existe a atenção, é daí mesmo que se vão gerar as motivações. As motivações
também poderão ser classificadas segundo as causas, e o sujeito encontra as motivações aonde ele
prestar atenção. Aquilo no qual ele não presta atenção, jamais é motivo de seus atos, embora
possa ser causa. O motivo é a causa somente naquilo que nós chamamos a ação racional segundo
fins, que é a ação perfeitamente transparente, onde eu sei o que estou fazendo, o porquê, o como
e o para quê estou fazendo, e tenho o domínio total do processo de todos os meios desencadeados
— aí sim motivos e causas são idênticos. As motivações sempre têm de ser conhecidas pelo
indivíduo embora possam se tornar inconscientes depois, ou embora possa haver todo um sistema
de falsas motivações, quando o indivíduo está agindo com um intuito, e diz para ele mesmo que o
intuito é outro. É evidente que estes dois intuitos são conhecidos de alguma maneira, não são
alheios à consciência dele; apenas ele centrou a atenção numa direção enquanto centrava o ato
noutra direção, age para a direita mas olhando para a esquerda; é a ação vesga.
Quer dizer que toda falsa motivação implica isso aí, a direção do ato não é a mesma direção da
atenção. Se você quer saber se o indivíduo está mentindo ou sendo sincero é só olhar isso aí, se
ele presta atenção no que ele faz ou em outra coisa. Por ex., os políticos alegam tais ou quais
motivos patrióticos para suas ações; mas no que ele presta efetivamente atenção, qual o ponto em
que ele age? É muito fácil aprender a desmascarar falsas motivações em você mesmo e nos
outros; no começo parece muito difícil mas o critério é somente este; quer dizer que se a atenção
e a ação vão na mesma direção, então a motivação é aquela mesma alegada; mas se o indivíduo
está prestando atenção em alguma coisa e fazendo outra, então o motivo alegado é falso. Também
não podemos falsificar uma motivação se não a conhecemos de algum modo; quer dizer que
motivações inconscientes não são tão inconscientes assim, elas são por assim dizer
inconscientizadas, são jogadas para dentro do inconsciente mas um dia foram conscientes, depois
foram rapidamente escondidas porque não convinham..
Então como a idéia mesma de motivação pressupõe consciência, e portanto a atenção, então
podemos mais tarde classificar os motivos dos atos segundo as direções da atenção.
Isto quer dizer que o indivíduo pode não só prestar atenção na sua auto-imagem como agir por
causa dela; uma determinada ação pode ter por finalidade expressar, alterar, ou esconder uma
auto-imagem, assim como uma ação pode visar uma coisa do mundo externo. Por ex., se o sujeito
decide pintar as paredes da casa — que estão no mundo exterior evidentemente — porém a sua
casa, de certo modo, faz parte da sua auto- imagem, então ele pode ou pintar as paredes da casa
para melhorar a casa, ou para melhorar sua auto-imagem, ou para melhorar as duas coisas, cada
caso é um caso. Nós podemos agir em função do desejo de saber alguma coisa, de adquirir uma
informação a qual acreditamos necessitar — então esta motivação estaria ligada à Casa III.
Também podemos agir em função de afirmar ou negar uma determinada crença — Casa IX.
As motivações que as pessoas alegam verdadeira ou falsamente terão que ser classificadas
rigorosamente segundo as direções da atenção. Porém uma coisa é a direção da atenção em si
mesma, enquanto componente do processo cognitivo do indivíduo. Outra coisa é esses mesmos
conteúdos das direções da atenção considerados como motivos de ações — neste último caso
estão por assim dizer dotados de uma força, de uma dinâmica e de um valor.
Aqui entra a consideração dos valores, ou seja, as coisas, os fatos, os acontecimentos, os seres
que encontramos nas doze direções são para nós dotados de certos valores, e somente por isto é
que podem ser motivações. As doze direções da atenção correspondem evidentemente a doze
categorias de entes. Poderíamos dizer o seguinte: do ponto de vista da psicologia da cognição são
as doze direções da atenção; do ponto de vista lógico são as doze categorias; do ponto de vista da
psicologia da ação são as doze motivações. Porém entre as coisas significadas pelas casas
consideradas todas como categorias e estas mesmas coisas consideradas como motivações tem
que haver a interferência de um valor. E nós não tiramos os valores do horóscopo certamente,
valores nós os aprendemos. Isto quer dizer que uma psicologia da motivação não pode ser tirada
diretamente do horóscopo. Por ex., para que minha auto-imagem além de ser algo que eu conheço
também seja motivo de ação, é necessário ver quais são os valores que eu associo a ela; por ex.,
para o indivíduo desejar mudar a sua auto-imagem é necessário por exemplo que ele a considere
feia. Mas isto depende das suas experiências reais, depende dos valores do seu meio ambiente,
etc. Então aí existe uma interferência de um fator que é completamente extra-astrológico. O que
nós podemos obter do horóscopo sem mais nada é apenas esta estrutura das direções da atenção e
das faculdades de cognição, e somente isto. Para nós pularmos desta psicologia da cognição para
uma psicologia da ação é preciso a interferência de algo mais. Por ex., a Casa VII é tudo aquilo
que eu fico sabendo a meu respeito através da convivência, da comparação com outros seres
humanos. Ora, esta comparação é entremeada de valores sociais, valores que não vêm da minha
cabeça mas que eu recebo prontos da sociedade; é lógico que os transformo a meu próprio modo,
mas não faço isto diretamente. Isto quer dizer que onde entramos na ação, na conduta, então
precisamos, além do horóscopo, de um algo mais. Nós temos com o horóscopo a estrutura
“atencional” daquele indivíduo, ou seja, como e em quê ele presta atenção por sua própria
natureza, por seu próprio caráter e independentemente das influências externas. Porém prestar
atenção em algo não é causa suficiente da conduta, é preciso ter uma causa eficiente, algo que
desencadeie. Este algo serão as causas externas e motivações, e as motivações se delineiam em
função de valores — e cadê os valores? Então nós podemos fazer o horóscopo de uma pessoa que
nasceu na China no séc. II a.C. e o horóscopo terá os mesmos elementos que tem o nosso, os
mesmos planetas, nas mesmas casas, porém os valores serão diferentes. Portanto, uma mesma
estrutura atencional, um mesmo caráter resultará em condutas completamente diversas.*****
Este bloco só foi revisado por mim após a redigitação até aqui.
O grande erro dos astrólogos consiste em achar que é possível deduzir a conduta do horóscopo.
Isto é absolutamente impossível, porque quem age não é o caráter, quem age é o indivíduo é
justamente aquela que pode mudar — então tudo age, menos o caráter. Isto quer dizer que a
interpretação do horóscopo é absolutamente impossível no caso de se desconhecerem os valores
que chegaram ao conhecimento deste indivíduo, ou seja, os valores vigentes no meio onde ele foi
colocado, onde ele existe, onde ele vive. Sem este dado externo a interpretação do horóscopo é
absolutamente impossível, a não ser em termos de puro caráter, o que não é uma interpretação
plena. Nós teremos ali uma estrutura caracterológica, e não o indivíduo real.
Nós dissemos que o caráter se identifica com a estrutura atencional do indivíduo. Que quer dizer
esta estrutura? A primeira tendência de resposta seria dizer que o indivíduo presta mais atenção
numas coisas que nas outras, mas esta resposta serve? Por ex.: ele presta mais atenção nas
direções em que tem planetas e menos nas outras. Então o indivíduo que não tem nenhum planeta
na Casa III nunca pensa, nunca presta atenção no seu pensamento? Não é possível esta resposta,
mesmo porque você tem mais casas do que planetas, fica sempre faltando. É fácil você entender
que as doze direções são doze categorias ou doze dimensões da vida que existem absolutamente
em todo ser humano, não pode faltar nenhuma, todo mundo tem estas doze dimensões, nós não
podemos conceber por ex. o indivíduo que não tenha auto-imagem, ou o indivíduo que só tenha
auto-imagem mas que não enxergue o mundo real em volta dele, ou o indivíduo que sempre
pensa e nunca chega a uma conclusão; tudo isto não é possível, o indivíduo que nada sonha e nem
deseja, o indivíduo que não está em parte alguma na sociedade, vive no vácuo, isto não existe.
Também no em que nós vamos prestar atenção não depende só de nós porque os acontecimentos
vêm de toda parte. Por ex., o indivíduo que não tem planeta na Casa X presta um bocado de
atenção no assunto da Casa X quando ele perde o emprego, sobretudo se ele necessitar do
emprego, e isto pode se transformar no acontecimento central da vida dele embora ele não tenha
nenhum planeta ali. Portanto a presença ou ausência de planetas nas casas não pode fazer
diferença do ponto de vista quantitativo, do ponto de vista de prestar mais atenção nisto ou
naquilo; não é possível que seja assim, todos nós somos forçados pelas circunstâncias a prestar
atenção nestas doze direções; ou seja, se existe a diferença de indivíduo para indivíduo conforme
as posições planetárias, não é uma diferença quantitativa.
P. - Já ouvi dizer que as casas são campos de experiências.
É uma outra maneira de você dizer as doze direções da atenção. Experiência é tudo o que
acontece, então tem campos de experiência, mas não quer dizer que os campos fundamentais são
aqueles nos quais você tem planetas, porque o que é fundamental e o que não é fundamental varia
conforme a situação. Por ex.: você pode não ter nada na Casa XII, porém você é um iraquiano
que está vendendo os seus legumes e cai uma bomba na sua casa — de onde veio a bomba? Você
não tem a menor idéia; então naquele instante você vai ter de prestar atenção na Casa XII, você
vai ter de prestar atenção numa coisa que você não sabe de onde veio. Aqueles camaradas de
Israel que estavam lá esperando a todo momento uma bomba que podia vir de qualquer lugar e
cair em qualquer outro ... não estava um país inteirinho prestando atenção na Casa XII, isto é,
prestando atenção justamente naquilo que não se enxerga? Isto quer dizer que todos eles estavam
cheinhos de planetas na Casa XII? Claro que não. Basta este exemplo para você ver que esta idéia
infantil, idéia de quem nunca pensou no assunto. E no entanto 80% dos astrólogos falam isto, e o
público aceita. Quer dizer que se de fato a astrologia tem de ter uma consistência, então nós
temos de abandonar estas coisas que vão contra o próprio senso comum. Série de perguntas.
Vamos supor que está em Israel Sr. Shimon Perez, andando pela rua, e ele sabe que pode vir um
scud de qualquer lado e cair em qualquer lugar. Então ele está prestando atenção na Casa XII;
mas ele está prestando atenção enquanto Shimon Perez ou enquanto cidadão israelense?
Enquanto israelense, porque todos estão no mesmo barco. Isto quer dizer que aquilo que o
indivíduo presta atenção e aquilo que ele valoriza nem sempre é do ponto de vista dele, nem
sempre enquanto indivíduo que ele faz isso. Por ex., o homem que ao ficar doente presta atenção
no estado do seu corpo ele está fazendo isto enquanto indivíduo humano? Ou qualquer indivíduo
que fique doente vai fazer a mesma coisa? Qualquer um vai fazer a mesma coisa. Então isto seria
um aspecto do horóscopo da humanidade como um todo, isto aí escapa do aspecto
caracterológico. Nós temos de entender que existe uma atenção caracterológica e uma atenção
não- caracterológica, que existe uma distinção da atenção que depende do caráter do indivíduo e
outra que depende de outras causas que puxam a atenção dele pra lá ou pra cá,
independentemente do seu caráter. E a atenção caracterológica é aquela que dirige o foco da
atenção deste indivíduo pra lá ou pra cá única e exclusivamente em função do caráter. Quando
você presta atenção nisto ou naquilo nós precisamos perguntar se você presta atenção nisto ou
naquilo enquanto você mesmo, enquanto ser biológico, enquanto ser humano, enquanto
brasileiro, enquanto membro da sua sociedade ... Existem milhões de motivos para prestar
atenção, e se alguns deles estão vinculados ao seu caráter, outros não estão. Ou seja, nós só
podemos dizer que existe uma atenção caracterologicamente determinada nos casos onde a
direção da atenção não é determinada por causas externas ao indivíduo. A idéia de que caráter é
destino é a idéia mais estúpida que pode haver, o caráter é a minha forma individual. Eu dizer que
tudo que acontece a mim está vinculado ao meu caráter é a mesma coisa que eu dizer que o
acontece a mim não acontece a mais ninguém. Se explode um scud e nós vamos todos pelos ares
este é o nosso destino, mas o que isto tem de ver com nosso caráter? foi em função do nosso
caráter que fomos desfeitos em pedaços? quer dizer que o indivíduo com outro caráter que
estivesse aqui continuaria inteiro? Muito do que nós fazemos e muito do que nos acontece não
tem nada a ver com nosso caráter. Então só podemos dizer que têm a ver com nosso caráter as
ações, paixões, etc., que não são diretamente determinadas por causas externas ao indivíduo.
Portanto o mapa é o mapa de seu caráter, e não o mapa de tudo o que lhe acontece. A idéia dos
astrólogos de que absolutamente tudo que lhe acontece tem algo a ver com o seu horóscopo é
uma idéia impossível de sustentar. Existem acontecimentos que não são assinalados por nenhum
trânsito formidável no mapa, e por outro lado têm trânsitos que não correspondem a nenhum
acontecimento notável. Porém isto se dará sobretudo nos casos de eventos de ordem externo ou
coletiva: por ex., o dinheiro de todos os brasileiros desvaloriza dia a dia — onde está isso em
nossos horóscopos? Se amanhã tiver uma invasão de marcianos na Terra isto afetará todos os
seres humanos — onde isto estará assinalado no horóscopo de cada um deles?
Esta confusão entre a existência individual do ser humano autoconsciente que quer, pensa,
executa, e a existência deste mesmo indivíduo como membro de uma espécie, habitante de um
país, de uma sociedade, a confusão destes dois planos é o sinal da burrice dos astrólogos. Se você
tem a analogia mas não tem as distinções, acaba fazendo este negócio.
Podemos dizer que existem acontecimentos que têm relação com a nossa ordem individual e
outros que não têm, que são de ordem geral. A distinção quantitativa dos focos de atenção podem
vigorar até certo ponto; porém dizemos que o indivíduo prestará mais ou menos atenção nisto ou
naquilo conforme a distribuição dos planetas naquilo que for da ordem do seu livre arbítrio,
naquilo onde os fatos externos não o obriguem a prestar atenção. Disto de outro modo, aquelas
são as áreas onde ele quer prestar atenção, não aquelas onde ele presta atenção efetivamente.
Temos de estabelecer uma distinção radical entre caráter e destino. O destino pode ser alheio ao
caráter, completamente oposto ao caráter, o destino pode negar o caráter, suprimir o caráter, pode
deixar o caráter sem efeito. O caráter é a sua marca singular, porém a marca dos acontecimentos
externos pode ser muito mais forte que a marca do seu caráter, por que nós dizemos que um
indivíduo tem um caráter forte, por ex., Napoleão? Porque é um indivíduo que imprime a marca
do seu caráter aos acontecimentos. Napoleão colocou marcas muito mais fortes sobre muita gente
do que os próprios caracteres dessa gente. Dirigiu a vida de muita gente no sentido que eles não
queriam — por ex., a vida do alemãozinho? Tem a ver com o caráter de Napoleão Bonaparte,
certamente, mas não com o seu. Eis como caráter não pode ser destino, a não ser em casos
muitíssimos privilegiados. Na medida em que o caráter se torna destino, o indivíduo se torna
responsável pelo seu destino. É lógico, porque na medida em que eu moldo o meu destino
segundo o meu caráter, eu dou à minha vida a forma do meu caráter, eu formo a minha vida,
então sou o autor dos acontecimentos, e então passo a ser cada vez mais responsável, não só pelo
que faço, como também pelo que me acontece. Porém quando o destino arrasta o caráter, vindo
desde fora, que responsabilidade pode ter o indivíduo sobre o que lhe acontece? A idéia de que
caráter é destino leva ao absurdo de você dizer que, se está andando pela rua e lhe cai um tijolo
na cabeça largado por um pedreiro do 12o. andar. Isto é o sujeito achar que quem move o mundo
é ele. Às vezes nós temos uma certa impressão de sincronicidade de nossos pensamentos e os
eventos exteriores, e a sincronicidade pode ser erroneamente interpretada como causa: por ex., na
hora em que pensei tal coisa, tal coisa me aconteceu. Então o sujeito pode ficar tão aterrorizado
por esta coincidência absurda que, para se consolar, ele diz que ele mesmo que causou tudo,
como se ele fosse um demiurgo cujos pensamentos movem o cosmos. Supondo que exista, esta
ação física do pensamento é uma ação mínima.
O indivíduo que acha que o pensamento dele gerou tudo o que lhe acontece virou um Uri Geller,
que move garfos, automóvel, submarino, nuvens, planetas. O que lhe acontece desde fora tem
causas que vieram desde fora. O horror que o homem experimenta ao perceber que ele está num
mundo físico imenso e que o corpo dele é muito frágil o leva a buscar refúgio numa concepção
errônea do poder de sua psique, ele procura se imaginar psiquicamente poderoso para contrastar
com o efeito da sua fragilidade física. De fato o homem é psiquicamente poderoso, mas não o
indivíduo, sim a espécie humana, que pela sua colaboração, pela sua organização racional da
sociedade, se torna um poder terrível sobre a própria natureza; mas o indivíduo continua tão
impotente quanto antes.
P. - De certa forma a tensão não vai traçar um destino?
Sim, daquilo que depende de você, aonde você prestar atenção é ali que você vai agir, mas você
não determina nem mesmo o que lhe acontece. Por ex., se eu penso insistentemente mal de uma
pessoa provavelmente mais dia menos dia eu vou ter um conflito com esta pessoa, mas como ela
vai reagir? Eu tenho o poder de determinar a reação dela? Ora, se eu tivesse o poder de prever e
controlar a reação dela eu poderia mudar o comportamento dela, portanto eu a faria ficar
boazinha e não teria mais motivo de ter raiva dela. Se eu chego a ter raiva de uma pessoa é
justamente porque eu não posso controlar as reações dela. A idéia de que o indivíduo seja
culpado pelos acontecimentos adversos que vêm de fora para ele é autocontraditória, eu não
posso ser sujeito criador da minha paixão do mesmo jeito que o sujeito criador da minha ação.
P. - Mas você pode mudar os atos de uma pessoa com uma variação dos seus atos.
Claro, mas nosso poder sobre isso é quase nulo, se refere a meia dúzia de pessoas, dá um trabalho
monstro para você mudar as opiniões de qualquer pessoa e para você mudar as ações dela. Por
ex., um adolescente. Dificilmente você muda quem quer que seja. A possibilidade de um ser
humano ter uma influência real sobre um outro depende da organização da sociedade, dos
indivíduos estarem organizados num Estado, com leis, etc. Isto forneceria certos meios que
permitiriam às vezes levar os indivíduos a uma conduta racional segundo fins, mas não é
garantido. Agora, o indivíduo sem ajuda do Estado não faz nada. O indivíduo pode tanto quanto o
outro, a não ser que seja mais forte fisicamente. A força psíquica sua domina o outro enquanto ele
acredita nela, porém o mundo está cheio de histórias de castas sacerdotais, gurus, magos, que
tiveram suas cabeças cortadas. Porque o sujeito obedecia, até que chegava o dia que perguntava
— mas o que é isto? por que estou obedecendo? Daí acabou o poder. Quer dizer que a ação de
um ser humano sobre outro, ou ela é intermediada e ajudada pela sociedade toda ou então é
impotente.
O ser humano depende totalmente da sociedade, depende de seus semelhantes, e essa idéia de
poderes mágicos do indivíduo humano é deprimente, pois é o máximo da impotência misturado
ao máximo de sonhos de grandeza.
A ação de um indivíduo sobre o outro é intermediada pela sociedade e somente em uma
sociedade racionalmente organizada temos algum poder, o resto é uma ilusão terrível. Não deixa
de ser curioso que essas ilusões são mais cultivadas precisamente nas sociedades mais fracas; as
sociedades dominadoras nunca têm estas idéias circulando, mas nas dominadas tem. O Brasil
também não vai pra frente porque todo mundo acredita nestas coisas. Quem vai pra frente é a
sociedade que acredita na ação racionalmente planejada sobre o mundo físico.
Os elementos simbólico-religiosos podem ajudar, eles podem dar uma grande força na hora onde
eles afirmam valores e colocam a razão a serviço desses valores para fazê-los vigorar na
realidade. A razão é patrimônio social da espécie humana, ninguém é racional sozinho. Essa
dependência que o indivíduo tem em relação à sociedade é às vezes muito humilhante para o
indivíduo, cada sujeito acredita que o seu gurú é o eixo do mundo. No mundo islâmico tem um
ditado que diz “confia em Deus e amarra a pata do camelo”. A corda que se amarra à pata de
camelo em árabe se diz ________, que quer dizer também razão. Este ditado tem sentido mais
profundo, que é: confie em Deus e use a razão. Se não usá-la então você negou sua própria
condição. Então Deus não tem a menor obrigação de te ajudar.
A razão, na medida onde ela é um sistema de coerência entre várias proporções, pode até certo
ponto captar uma parte da estrutura do mundo, e você então pode agir conforme a estrutura do
mundo. Aí você está a favor do real e tem um pouco mais de chance.
Tudo isto foi para mostrar que destino não é caráter de jeito nenhum. O caráter é a nossa forma
individual, e se ele determina as direções da atenção, ele determina apenas aquelas direções nas
quais eu, como indivíduo e no comando do meu destino, gostaria de prestar atenção se pudesse,
ou seja, aquelas são as direções nas quais eu, como indivíduo e no comando do meu destino,
gostaria de prestar atenção se pudesse, ou seja, aquelas são as direções preferenciais da atenção
do indivíduo, e que, deixado a si mesmo, ele estará prestando atenção naquelas direções, porém
raramente ele é deixado a si mesmo. Neste sentido é que o horóscopo pode ter algo a ver com as
motivações do indivíduo, mas não com as causas do seu comportamento. As motivações vêm
dele mesmo, de maneira mais próxima ou mais remota, porém as causas podem vir de fora. Uma
grande parte dos nossos comportamentos é ditada inteiramente por causas externas sem passar
pela intermediação do seu julgamento pessoal, só uma parte passa. Nós não somos seres
perfeitamente individualizados, e na verdade nós só nos individualizamos e só nos realizamos
como indivíduos por intermédio da grade de relações estabelecidas pela sociedade. Eu me tornar
um indivíduo autoconsciente não quer dizer que eu tenha de abandonar todos os meus papéis
sociais, justamente o contrário, eu tenho que entrar numa espécie de relação com os papéis
sociais, de maneira que a parte que cabe à minha individualidade seja satisfeita. O indivíduo se
realiza através da sociedade, ou também se desgraça, mas nunca sozinho. O indivíduo perante a
natureza não existe, está totalmente impotente. Se jogarem você na selva sua única chance como
bebê seria você encontrar um lobo, porque é o único bicho capaz de “criar” um ser humano.
P. - O indivíduo gosta de prestar mais atenção onde estão os planetas?
Não é que ele gosta, nós podemos dizer que é ali que ele prestará atenção sempre que é deixado à
mercê do seu movimento próprio; nos instantes, nos intervalos onde ele de fato é um sujeito, ele
prestará atenção ali.
P. - Quando ele é requisitado por uma situação que não tem nada a ver com o seu tipo
caracterológico?
Ele tentará articular os dados provenientes de fora na ordem e no esquema do seu caráter, mas
isto nem sempre será possível. O filósofo Ortega y Gasset tinha a famosa frase “eu sou eu e
minhas circunstâncias”; quer dizer que eu não existo sozinho, as circunstâncias, aquilo que está
em torno, também fazem parte de mim como minha dimensão extrapessoal ou impessoal... Ao
mesmo tempo onde eu sou eu, eu sou o Olavo, tenho este caráter, sou membro da minha família,
membro da sociedade, etc., e isto não externamente, mas como parte da minha própria estrutura
existencial. Isto também é eu, só que outro pedaço meu. Então não é “eu mais minha
circunstância”, é “eu sou esta fusão inextricável de uma individualidade e de uma circunstância”.
Ele tinha também uma outra frase, e esta é para pensar seriamente: “A reabsorção da
circunstância é o destino concreto do homem.” Isto é uma verdadeira fórmula mágica. Mais tarde
Jean Piaget chamaria esta mesma coisa de assimilação e acomodação, porque os dados que vêm
do mundo exterior entram em mim, passam a ser componentes meus, o coelho comeu alface, o
alface virou coelho, mas o alface também alterou o coelho; se o coelho comesse uma pedra ele
não poderia assimilar, tornar a pedra semelhante ao seu organismo com a mesma facilidade com
que comesse um alface. Se você recebe uma informação do mundo exterior, nem todas as
informações são igualmente assimiláveis, a informação de uma grande desgraça que acaba de
acontecer você não a recebe com a mesma naturalidade que uma informação agradável. Uma
informação difícil, complexa, obscura não é assimilada com a mesma facilidade, quer dizer, não
passa a fazer parte de você. Algumas vezes a informação que vem de fora, antes de ela ser
assimilada, é você que tem que mudar para poder engoli-la. Para o coelho tornar-se capaz de
digerir pedras seria preciso que alterasse o seu sistema digestivo. Para o homem assimilar
determinadas informações do mundo exterior é preciso que ele mude. Então existe sempre esta
dialética entre o caráter e o destino, o indivíduo tenta de certo modo perseverar no seu caráter,
mas o destino lhe impõe acontecimentos e informações que nem sempre concorrem na direção
desse caráter, mas ao contrário podem “forçar” a sua mudança de certo modo. Esta mudança na
realidade é impossível, você não pode mudar de caráter, você vai ter que desenvolver outros
aspectos da personalidade que não são caracterológicos. Por ex.: o indivíduo que, por seu caráter,
tende a prestar atenção no seu interior, no seu mundo de desejos, mas que por força das
circunstâncias seja obrigado a trabalhar numa coisa que o force a prestar atenção justamente no
contrário, isto é, no que se passa em volta, então há uma exigência do mundo externo que
contraria a estrutura caracterológica do indivíduo; mudar o caráter não pode, mudar a situação ele
também não pode, então ele vai ter de desenvolver uma dimensão extracaracterológica da
personalidade, a qual por sua vez ficará como um corpo estranho que será mais assimilado ou
menos assimilado ao longo do tempo. Quando submetemos uma criança a um treinamento que é
contrário à sua natureza, ela acaba se adaptando de um jeito ou de outro, não por assimilação,
mas por acomodação, quer dizer, ela muda a sua conduta mas não pode mudar o caráter; então
vai ter de desenvolver um outro pedaço, um apêndice. Tem pessoas cujas personalidades são
como que feitas somente de apêndices, o caráter ficando escondido no meio. Outros têm um
pouco mais de sorte, conseguem fazer com que predomine na sua vida as informações e os dados
que concorrem no sentido do caráter, de maneira que cada fato parece reafirmar seu caráter, e isto
é uma vida feliz, uma vida realizada, e onde a vida do sujeito faz um sentido individual para ele.
Mas que sentido faz a vida de uma pessoa que foi jogada num campo de concentração? Que isto
tem de ver com o caráter? Tem alguém que tivesse um caráter adequado a este destino? Tem
algum sujeito que tem isso como aspiração pessoal? Este é um exemplo de um destino hostil.
Todo destino hostil é hostil a que? Ao seu caráter.
P. - Tem indivíduos que superam isto.
É claro que tem. Teve até sujeito que superou o campo de concentração, fugiu dele. Viktor Frankl
fugiu de quatro campos de concentração, ele superou não só as circunstâncias, mas também as
marcas deixadas na sua personalidade, ele reabsorveu as circunstâncias de modo que o caráter as
abarcasse, predominasse, de maneira que aquilo que lhe aconteceu contra ele se tornasse um
elemento de realização do seu caráter, da sua vida.
P. - Pode ser que ele tinha um caráter de desafio?
Isto aí é você dizer que o cara tem uma vocação terrível para ir para o campo de concentração.
Isto aí não existe. Você pode ter um caráter que seja de certo modo opositivo, isto acontece por
ex. com pessoas que tenham concentração de planetas na Casa VII, as pessoas que tem um
caráter francamente opositivo, de oposição a algo, então podemos dizer que este indivíduo busca
um desafio, porém é certo que ele busca um desafio que segundo o entender dele já esteja à altura
de ser vencido por ele. Geralmente nós projetamos os desafios conforme a capacidade que
julgamos ter. E neste cálculo dos desafios mediante os quais eu vou realizar minha vida eu posso
acertar ou posso errar. Um caráter marcadamente opositivo, por ex., é Adolf Hitler. Ele tem uma
conjunção de Sol, Marte, Mercúrio, Vênus, tudo na Casa VII, então o que ele fez foi sair
buscando o inimigo; quer dizer que de fato ele fez a vida dele ao sentido que desejava, ele criou
uma oposição que lhe pareceu proporcional ao seu desejo. Duvido muito que fosse esse o caso de
um sujeito como o Viktor Frankl. Porque Adolf Hitler houve um, e judeu que foi parar no campo
de concentração houve milhões. Foi um destino coletivo, não individual.
P. - Viktor Frankl poderia ter um caráter que facilitasse essa “reabsorção da circunstância”?
Não, facilitar ou dificultar não depende do caráter, depende dos acontecimentos reais. Um caráter
opositivo, combativo, isto é o máximo que a gente poderia dizer. O sujeito mais apto a viver por
conta de um inimigo, de um adversário, seria o indivíduo que tivesse um bolo de planetas na Casa
VII, quer dizer, que faz a vida dele enquanto tem um inimigo, se não tiver o inimigo ele desliga.
Mas isso é o máximo que o caráter pode facilitar. Pode ser que o indivíduo que vê tudo que lhe
aconteça como oportunidade de aprendizado — Casa III —, mas isto às vezes facilita, às vezes
dificulta. Se a coisa é difícil ou fácil não depende do indivíduo, depende do que lhe acontece de
fato. O caráter nunca determina isto, o caráter é um dado apenas, e é fácil você ver que na dos
indivíduos o destino deles não tem nada que ver com o caráter, eles até ignoram que é o caráter,
ignora o que é e para onde quer ir. Por exemplo, um sujeito com o mesmo mapa de Hitler,
planetas na Casa VII quadrada com Saturno na X, poderia casar com uma mulher muito mais rica
que ele e que quisesse mandar nele; isto combina com o horóscopo dele, e poderia fazer da vida
dele um confronto eterno com a mulher dele, seria perfeitamente coerente com este caráter. Diz-
se que o sujeito que tem ______ na VII quadrado Saturno na X precisa levantar o mundo inteiro.
Isto depende de valores, da cultura do sujeito, da época. Na época havia um destino coletivo;
Hitler foi um soldado na I Guerra, ele viu a humilhação do país dele, viu o país ser retalhado
pelos vencedores, submetido a uma exploração, sugado, e foi criando aquela revolta, coincidiu
que ele morava vizinho do bairro judeu, e o judeu como não é propriamente alemão e tinha
parente em toda parte, eles estavam um pouquinho melhor que os alemães; então ele criou aquela
inveja; talvez se tivesse sido criado em outro bairro ele não iria criar essa birra contra o judeu,
mas contra alguma outra coisa, isto não depende do caráter dele. Certamente nasceram outras
pessoas com o mapa muito semelhante ao de Hitler no mesmo lugar.
O mapa dará a parte relativa ao caráter; o destino vem das circunstâncias.
P. - O caráter acaba sendo uma pequena influência?
Uma pequeniníssima influência, mas às vezes se torna grande quando o caráter é ajudado pelas
circunstâncias e pelo gênio; por isto é que existem homens cuja marca, cujo caráter se expande
até influenciar uma sociedade inteira, uma época inteira. Júlio César, Napoleão Bonaparte, estes
sujeitos são moldes.
P. - Nem sempre um caráter se expande ao ponto de influenciar uma sociedade inteira, mas
somente ao indivíduo mesmo?
Claro, o indivíduo pode moldar a sua vida sem exercer uma influência social considerável. O
indivíduo pode ter uma vitória subjetiva, pessoal, no caso de ter nascido em condições muito
adversas e simplesmente não se deixar dobrar: “não consigo mudar o mundo, mas o mundo
também não me muda”.
P. - Isto não tem nada a ver com o caráter?
Não, porque se a disputa é entre o caráter e o destino, esses são os dois fatores que estão sempre
em jogo, nenhum deles por si determina. O que determina é o imponderável: você pode chamar
de gênio, espírito santo, alguma coisa que não é o caráter nem o destino certamente. É
interessante você comparar mapas parecidos. Se você pegasse o mapa de Hitler, por exemplo.
Tee um astrólogo que achou que aquele cara ia ser um grande governante alemão, mas o
astrólogo já sabia que ele era uma cara metido na política; o indivíduo, com o mesmo mapa,
poderia ter realizado todo aquele antagonismo no nível doméstico.
P. - É engraçado como os astrólogos interpretam os mapas com se aquele mapa só pudesse dar
aquele destino!
Um astrólogo pode fazer isto por antecipação também, se tiver, por ex., um pouco de telepatia e
captar na cabeça do sujeito que veio lhe trazer o mapa alguns dados extra- astrológicos sobre
aquele indivíduo. O médium espírita pega alguma coisa do seu subconsciente, por isso ele vai
falar de seu problema tal como você o entende. A visão que ele te dá não é objetiva. E isso pode
ser pior ainda, você vai lá pensando que sua mulher te trai, e o médium espírita, sem você nada
falar, confirma sua suspeita, e vai ver, não é nada disso. O astrólogo pode até dizer alguma coisa
sensata usando a mediunidade para coletar informações sobre o sujeito. E se você não tem
mediunidade, então pergunte os dados externos — profissão, família, etc. — aí você terá um
conjunto de probabilidades externas que delineiam mais ou menos as circunstâncias. Este
indivíduo, com este caráter, neste momento histórico, dentro destas circunstâncias, só pode dar
isto assim, assim. Mas não só pelo mapa. O astrólogo que diz interpretar o mapa só usando a
astrologia está ignorando o que fez, ele pensa que pegou do mapa porque ele está habituado a
moldar toda sua imaginação astrologicamente, seja do mapa ou de fora dele. É um vício
profissional.
P. - Por que há necessidade das pessoas de explicarem tudo? As coincidências não existem mais,
tudo tem motivo?
A necessidade de se ter uma explicação para tudo é o impulso mesmo da razão. O homem te este
impulso de não deixar nada sem explicação porque ele é racional. Isto não quer dizer que na
realidade ele tenha condições para obter esta explicação a qualquer momento. Não tendo
explicação, ele inventa. Por que Saturno, na mitologia, é representado como o ser que gerava e
comia os próprios filhos? Porque os quadros explicativos que nós concebemos incessantemente
falham, e têm de ser recompostos centenas de vezes. Esta é a cruz que o homem carrega.
Quando o indivíduo se fecha numa visão fantasista, mitológica, e a defende contra os fatos, a
partir deste momento o sujeito passa a fazer vista grossa aos acontecimentos, ele não quer corrigir
sua visão, ter o trabalho constante de readapta o seu esquema racional diante do que está
acontecendo. Ele prefere ficar com o mesmo esquema racional e ser arrastado.
P. - Na medida que o caráter do indivíduo for incorporando todos estes acidentes, circunstâncias,
ele vai conseguindo responder cada vez mais a estas questões?
Se ele se esforçar para isto. E se tiver sorte. O homem é racional em potência, não quer dizer que
ele disponha em ato de uma explicação racional. Estas mitologias no fundo são uma tentativa de
explicação, mas muito toscas ainda, assim como as tentativas infantis, cheias de causas e efeitos
que a criança reconhece, e mesmo sendo fantásticas ela acredita nelas porque lhe dão uma
explicação, satisfazem sua razão naquele momento; então a razão se acalma, amansa, até segunda
ordem.
Na hora em que a razão se fecha num esquema explicativo que é prévio e despreza os fatos, aí a
inteligência morreu. Não se está mais buscando uma explicação e sim uma justificação prévia. Se
você não gosta de uma pessoa e você atribui aos atos dela uma explicação bem pejorativa, por
ex., fulano é invejoso, então tudo que ele faz é por inveja. Pronto, você não tem mais que explicar
caso por caso, pois já está explicado de antemão. As explicações ideológicas pejorativas entre
países, que as nações dão umas para as outras, tal país fez isto porque é imperialista, etc. Quando
você arruma justificações deste tipo você não precisa mais examinar os fatos, você está liberado;
quer dizer que a razão se fechou em si mesma, ela agora opera em circuito fechado. Na medida
mesmo em que você faz isto você perde a capacidade de agir realmente, por isso toda sociedade
quando se fecha num sistema deste tipo está destinada a perecer. As sociedades que têm uma
visão mais aberta, mais adaptável. O segredo do Império Romano foi que, a cada novo território,
novo povo que ele dominava, ele se adaptava aos costumes e valores deste povo, ele revia seus
próprios valores. Tinha a capacidade de se renovar incessantemente, ou seja, o trabalho da razão
não parava. O segredo do dinamismo dos Estados Unidos é que eles pensam mais que os outros,
as novas experiências, inclusive aquelas que contrariam a ideologia deles, eles acabam
assimilando de alguma maneira.
O domínio pela força é só o começo, precisa ver se você consegue manter, e para manter é
necessário ter um esquema racional plástico, capaz de se adaptar a todas essas variedades de
circunstâncias, para se poder acompanhar a história.
Nas sociedades dominadoras a história do pensamento é mais veloz que nas sociedades
dominadas. Neste sentido, o esquema racional é um poder. Se você fechou num esquema
justificativo, onde todas as suas derrotas já estão justificadas de antemão, você não tem mais
poder, você desistiu de viver. Estas são as sociedades retrógradas, incapazes de arcar com a
responsabilidade histórica, ou seres humanos incapazes de arcar com a responsabilidade da vida.
Porque na vida real nosso sistema racional nunca é suficientemente racional, só o de Deus é que
é. Toda hora você erra, e toda hora tem que consertar e tem de mudar. Enquanto a razão conserva
este movimento, esta plasticidade, ou seja, enquanto ela presta satisfações à intuição, está tudo
bem, porque a entrada de elementos novos é pela intuição, pela experiência real. Mas pode
ingressar um elemento novo que desminta todo esquema racional. Sem esquema racional nenhum
ninguém pode ficar; então você tem que fazer outro rapidamente, e isto é o próprio movimento da
história, tanto a dos indivíduos quanto a das nações. Então, quem tiver a capacidade de produzir
mais rapidamente e mais eficientemente um esquema racional abrangente, então este irá bem.
É fundamental que entrem informações novas. Nunca houve uma sociedade dominante na qual
não houvesse liberdade de pensamento para seus cidadãos. Só as sociedades onde existe
liberdade e discussão interna são capazes de dominar os outros, porque se a classe dominante se
fecha, deixa de receber informação e logo afunda.
P. - A adaptação do caráter ao destino é uma coisa de sorte?
Não cabe à astrologia responder isto. Isto é problema da filosofia, da metafísica.
P. - O que importa então na realidade é que meios este indivíduo tem para assimilar o destino?
Existem vários meios que nada têm a ver com o horóscopo. Por ex., a hereditariedade: o sujeito
pode ter uma hereditariedade boa ou ruim, se você já nasce doente já nasceu perdendo; se nasce
com uma hereditariedade boa mas não te deram leite quando era pequeno, suas chances vão
diminuindo; se deram leite mas não deram meios de informação, tua chance continua pequena. E
aos poucos você vai levando um destino que é menos o seu e mais o da sua comunidade.
O homem tem a capacidade de ser livre, mas não quer dizer que ele de fato o seja. Para o
indivíduo poder chegar a desfrutar de uma liberdade moral nesse sentido efetivo é preciso um
monte de condições que não dependem dele, e isto é omitido; quer dizer, como eu posso
considerar como igualmente responsáveis por seus atos um indivíduo que desde o início teve
todas as chances, recebeu comida, aprendizado, e outro que não recebeu comida nem ficou
sabendo de nada ... Não é possível colocar no mesmo plano essas duas coisas. Na prática
liberdade moral inexiste na quase totalidade dos casos.
As virtudes impessoais (humildade, resignação, etc.) todas as pessoas devem possuir. Então, em
princípio, elas nem favorecem nem desfavorecem o caráter do indivíduo. Por exemplo, o que é a
humildade num indivíduo que por disposição caracterológica é um dominador? O que é a
humildade do outro que por sua natureza mesma é submisso? São completamente diferentes; no
entanto a fórmula moral da humildade é a mesma nos dois casos. As virtudes pregadas na Igreja
católica fazem parte dos valores, e os valores são uma intermediação entre o caráter e o destino,
os fatos. Os valores podem evidentemente ajudar o caráter ou podem acabar de sufocá-lo. É
através dos valores que o indivíduo interpreta os fatos e tenta adaptá-los do modo mais
conveniente à realização do seu caráter, mas estes valores também podem confundi-lo. Por
exemplo: sua casa é assaltada, entra um sujeito lá e mata seus filhos, estupra a mulher, e na hora
que você vai dar a queixa na polícia seus parentes dizem que você deve perdoar, não deve ter
espírito de vingança ... Isto é um valor, só que interpretando os fatos à luz deste valor, desta
maneira você acabou de esmagar o sujeito que já foi esmagado pelos fatos.
Agora, nós podemos interpretar os fatos de outra maneira também: que só tem a possibilidade de
perdoar quem tem a possibilidade de castigar para ver depois se o castigo é justo e se eu pretendo
perdoar ou não. Outra coisa, existe perdão obrigatório? O perdão que não é um exercício da
liberdade nada significa. Jamais posso perdoar o mais forte do que eu porque não tendo poder
sobre ele não posso castigá-lo. O perdão é para o mais fraco. Posso perdoar um filho — poderia
castigá-lo mas não o faço —; mas não posso perdoar aquele sobre o qual não tenho o poder de
castigar. Interpretado assim, o valor cristão adquiriu um sentido favorável ao indivíduo, à vítima,
não mais ao criminoso.
P. - Qual a relação entre a atenção e o desejo?
É muito simples: você só tem o desejo aonde você presta atenção. Onde você não presta atenção
simplesmente você não deseja nada. A atenção é prévia ao desejo, o desejo é uma das formas do
sentimento, o contrário do temor. E essa dupla só pode surgir onde houve atenção.
P. - No fascículo 3 deste curso você diz que em nosso esquema das camadas da personalidade a
homologia de horóscopo, caráter e destino só começa a parecer com suficiente claridade da
camada 9 para cima.
Isto mesmo. A partir de uma certa camada o caráter começa a moldar o destino, podendo até
sobrepor-se ao destino. Então isto quer dizer que no horóscopo de um homem muitíssimo
poderoso, gênio, que tem o poder intelectual e também o poder sobre a sociedade é possível
prever os acontecimentos pelo horóscopo, porque começa a haver uma certa coerência entre o
caráter e o destino. A partir de um certo ponto é possível saber, no mapa de Napoleão, quando é
que ia se ferrar. As camadas da personalidade são algo externo ao horóscopo nada têm a ver com
as casas. As camadas se referem ao destino, elas são um meio de você saber mais ou menos em
que escala aquele destino está sendo vivido. Existe uma analogia entre os sistemas, porém as
camadas nada têm a ver com a interpretação do horóscopo; ao contrário, tem de haver a
interpretação do horóscopo e depois cruzar com uma das camadas. No horóscopo de Hitler vemos
que a partir de um certo nível a coisa começa a embolar, justamente quando seu destino externo
na história começa a ir um pouco além da sua personalidade.
Nota da Revisora: Esta última frase estava incompleta na transcrição; portanto não estou segura
de seu conteúdo.
Hitler era um político alemão, o universo militar dele era a Alemanha; ele só entendia o que era
alemão. Na hora em que ele invadiu a França ele não sabia direito o que estava fazendo lá.
Aquilo tinha ultrapassado o campo de visão dele. O destino acompanhou a capacidade, a visão
intelectual dele até o ponto onde ele invadiu a Tchecoslováquia; a partir daí ele não estava
entendendo mais nada. Diz uma frase: “Júpiter enlouquece aqueles a quem ele deseja perder”. Se
Hitler tivesse morrido em 1940 teria sido talvez o maior político alemão de todos os tempos. De
fato, ele juntou toda a população alemã que almejava a união, não havendo praticamente ninguém
objetando. Em contrapartida, Hitler não entendia as outras culturas, os outros países. Então,
sendo um sujeito tão tipicamente local, ao conseguir o poder sobre o continente inteiro tem que
acabar se dando mal. Até a invasão da Polônia ele tinha certeza absoluta do que estava fazendo;
ele se sentia conduzido como que por um espírito, agia com decisão firme. Nós podemos dizer
que este indivíduo não tinha alcançado, no seu desenvolvimento, a camada da personalidade
suficiente para ele desempenhar o papel histórico no qual o destino o colocou. O destino o
colocou acima do que ele podia. Igualmente, Saddam Hussein tinha capacidade para ser um
grande governante do Iraque, e de fato tinha um poder incontestável lá dentro. Só que se anda
mais três metros já não enxerga mais nada.
Nestes casos é onde o destino derrota o indivíduo não por privação, mas por excesso. Também
passou em cima do caráter este não estava desenvolvido além de uma certa camada. O destino
pode te esmagar ou porque te nega o recurso, ou porque te conduz, na ordem dos fatos, muito
além do que você está colocado na ordem do conhecimento, da consciência. Pode também
acontecer o contrário, o sujeito tem consciência de tudo, está enxergando tudo, tem conhecimento
de tudo, e na hora dos fatos é colocado à margem, não consegue agir de jeito nenhum. Um
exemplo é Charles De Gaulle: depois da I Guerra ele era um grande estrategista militar, um
professor do Colégio Militar, e tinha chegado à conclusão de que pelo tamanho do território, pelo
tipo de economia, pela distribuição das populações, etc., a guerra tendia daí para diante a ser uma
guerra mecanizada, ou seja, a chamada cavalaria mecanizada adquiriria um papel predominante.
Escreveu um livro que era a nova teoria da guerra. Na França ninguém leu o livro, mas na
Alemanha leram. Tem casos em que a visão do sujeito antecipa de décadas ou de séculos os
acontecimentos.
É o problema do equilíbrio entre o poder e o saber. Este tipo de problema só acontece a partir de
uma certa camada, a partir de um certo ponto de desenvolvimento da personalidade, do processo
de personalização do indivíduo. Então ele começa a ter o saber ou o poder, e começa a ter um
conflito entre ambos. Mas em geral isto não se coloca aos indivíduos. Agora, isso não tem nada a
ver com indivíduos com Sol na X ou coisa parecida. Se ele tiver todos os planetas na X vai
prestar uma enorme atenção na sociedade onde está; mas não quer dizer que ele a entenda, nem
que a personalidade dele vai se desenvolver ao ponto de ele poder desempenhar um papel nela.
Uma coisa é a vontade como capacidade de decisão; agora, se essa decisão poderá passar à ação
ou não, isto depende de uma integração de todas as faculdades, servindo à vontade. Este grau de
integração não aparece no mapa, assim como a consciência não aparece no mapa. Uma maior
consciência depende justamente de ele conseguir articular num único centro todas as informações
que ele recebe de todas as faculdades cognitivas, e isto não dá para saber pelo mapa.
Como definiu _____________, a consciência é a junção dos estados, é a síntese dos estados, e
esses estados são vivenciados através das várias faculdades. Onde a vontade e a razão acabam
predominando quer dizer que as outras faculdades estão integradas, mas isto não dá para saber
pelo mapa. Aliás, é justamente isto aí que vai dar o padrão de unidade com o qual você vai
interpretar o mapa. Desde a incapacidade total, a esquizofrenia, até o gênio perfeitamente
integrado, César, Napoleão, você tem toda uma escala de graduações. Esta escala de graduações
mostra a você que tipo de interpretação você tem que dar em cada caso, e este é justamente o
problema das camadas. E mesmo por isso aí você não pode avaliar o destino, porque o homem
pode ser um gênio assombroso, ter um poder e uma força de vontade extraordinária, e
simplesmente o meio não oferecer as ocasiões para ele. A “História Aberta” de Manuel Bandeira,
a vida que poderia ter sido e não foi, a vida é cheia dessas coisas melancólicas, chances perdidas.
Weber dizia que “a história é o conjunto do resultado indesejado das nossas ações”, e milhares de
pessoas agindo em sentidos que podem ser adversos, contrários, encavalados, combinados e no
fim vai dar uma resultante que nenhuma deles desejou particularmente. O homem que acha que
sabe o que fazer tem que se superpor a toda essa confusão.
Nós podemos tentar pensar o que teria sido a União Soviética se ao invés de Stálin tivesse
governado Trotski. Seria bem diferente, porque Stálin era sobretudo um homem nacionalista, um
russo, cujas perspectivas eram fechadas dentro da Rússia, e Trotski tinha perspectivas de
revolução mundial. Então, se um tivesse dado mais certo que o outro, é óbvio que a história teria
sido diferente. Para entendermos porque foi assim que aconteceu somente estudando toda a
sucessão de episódios para ver qual foi o momento em que Trotski bobeou e o outro puxou-lhe o
tapete. Ou se Lênin tivesse governado — ele fez a revolução e morreu dois anos depois. Para
saber que tipo de governo ele teria e para onde ele conduziria a coisa é só você ver o que ele
dizia, o que pretendia fazer. São objetivos declarados.
Muitas vezes a história pode ser decidida por um lapso, um erro que uma pessoa fez. Neste caso,
a vida desse sujeito tem muito que ver com toda a história. Qual é o poder do indivíduo sobre a
história e a sociedade? Isto é uma luta, uma dialética; dependendo do momento predomina a
sociedade ou o indivíduo. Em geral a sociedade arrasta os indivíduos, mas tem momentos em que
ela condensa na mão de um indivíduo um poder incrível, que pode determinar toda a existência
dela depois.
P. - A astrologia relaciona Saturno na X com o “cair em desgraça”, ou o poder que sobe à cabeça
— por ex., Napoleão e Hitler.
Tem casos de indivíduos com Saturno na X terem caído em desgraça justamente pelo motivo
contrário. ________ é um exemplo, o mapa dele é muito parecido com o de Hitler — é um mapa
de Casa VII e X. __________ fracassa justamente por não querer impor a sua vontade. E isso não
tem nada a ver com Saturno na X. Ele acreditava no diálogo, na democracia; ao final da guerra
ele poderia impor uma série de coisas aos europeus, estava em condições de dar as cartas, mas
não deu. Se o fizesse, a história certamente seria muito diferente. Outro exemplo é João Goulart.
Por ter Saturno na X um pode ter desejo de poder e outro, o contrário, porque os valores são
diferentes. Hitler era um alemão rancoroso, cheio de ódio contra os vencedores da I Guerra, e
esses valores moldaram o caráter dele. Wilson era um pastor protestante que acreditava na paz
universal e queria que todos fossem bons. Isto são valores diferentes, e nada têm a ver com o
horóscopo.
P. - E no que eles eram iguais?
Caracterologicamente eles eram duas personalidades flagrantemente opositivas, com uma
consciência muito grande da história (Sat. na X); há certas semelhanças de caráter mas não dos
conteúdos morais, de valores. Os valores funcionam como o intermediário entre o caráter e o
destino, e os valores são aprendidos. Ninguém pode descobrir a ideologia ou a religião do sujeito
pelo mapa.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 46 SÃO PAULO, 16 MAR. 91
TRANSCRIÇÃO: ANTONIO C. VAZ REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

A significação que estamos atribuindo às casas não são novas, mas são uma reinterpretação das
antigas interpretações. As casas são vistas como direções da atenção, ou direções da consciência.
Mais tarde poderemos encarar estas casas como o sistema das motivações humanas. Mas não será
diretamente, porque entre o sujeito cognoscente e as suas motivações, ou seja, entre o homem
como sujeito de conhecimento e o homem como sujeito de ações motivadas, existe a
intermediação dos valores. Estes valores não vêm dos planetas; vêm da educação, da sociedade,
etc.
Para cada direção da atenção temos uma fileira de objetos, e entre o sujeito da atenção e o objeto
existe a intermediação do valor. O objeto não é visto diretamente, ele é interpretado de acordo
com os padrões sociais admitidos — contra ou a favor desses padrões, mas sempre com
referência a eles. O indivíduo poderia, no máximo, escolher dentre os valores socialmente ativos
aqueles que fossem da sua preferência, mas não os poderia inventá-los sozinho. Porém ele só
poderá fazer essas escolhas na vida adulta, e não na infância nem na adolescência.
Vimos também que os pontos ocupados por planetas no horóscopo representam focos de atenção,
mas não permanentemente. Seria absolutamente impossível que os focos da atenção do indivíduo
fossem determinados apenas pelo seu caráter, o tempo todo. Uma das maneiras mais eficientes de
você determinar uma conduta é justamente determinar uma direção da atenção. Se o foco da
atenção no indivíduo coincidisse sempre com sua disposição caracterológica seria o mesmo que
dizer que é o caráter que determina o seu destino, que o caráter determina os fatos que estão
ocorrendo; o indivíduo só prestaria atenção naqueles pontos que carcacterologicamente
apresentam interesse para ele. Evidentemente não é assim. Por ex.: um indivíduo que está na
guerra é obrigado a prestar atenção no tiroteio, embora isso não tenha nada a ver com seu caráter.
Se ocorre uma epidemia e ele fica doente, ele terá que prestar atenção numa porção de coisas que
não têm nada a ver com seu caráter, porque ele vai parecer desta epidemia tanto quanto os demais
indivíduos da mesma sociedade.
Em suma, podemos dizer que existe um conflito na disputa de atenção. Existe o foco
caracterológico da atenção, e existem outros focos da atenção que nos são impostos pelas
circunstâncias.
A primeira disputa do indivíduo com o meio é o direito de prestar atenção no que ele quer,
naquilo que é de sua inclinação natural prestar atenção; ao passo que o meio lhe impõe que preste
atenção em outras coisas. Este é um dos episódios mais terríveis da formação dos homens. É fácil
você perceber que não somos donos da nossa atenção. A partir do momento que, na escola, você
é obrigado a prestar atenção naquilo que você não sabe o que é, não sabe de onde veio, não sabe
pra que serve, e no entanto aquilo é colocado diante de cinqüenta alunos de sete anos de idade —
eis o drama instaurado.
A exigência da atenção que vem de fora é mais ou menos uniforme para todos os seres humanos
daquele meio social. Cada um tentará responder de acordo com suas disposições caracterológicas,
com maior ou menor sucesso. À medida que esta disputa prossegue o caráter pode levar a melhor,
ou ao contrário, o externo pode levar a melhor.
Os papéis sociais que o indivíduo desempenha, se por um lado são um meio de a sociedade lhe
impor uma roupa que não lhe serve, por outro lado podem ser um meio de defesa do caráter, na
medida em que o papel social proporcione uma seleção mais conveniente ao indivíduo. De modo
que, no exercício de um papel, eu me defendo da sociedade, preservo meu caráter, se for um
papel social sempre se opõe à liberdade do eu.
A psicologia de Szondi ilustra parcialmente o que estou dizendo, quando afirma que a profissão é
um instrumento de socialização e humanização dos instintos.
O papel social não é uma coisa totalmente externa. Assim como, se você pensar um pouco, verá
que roupa também não é uma coisa totalmente externa, afinal a maior parte das pessoas veste o
que quer. A roupa não serve só para esconder — quantos traços de caráter você não pode tirar da
simples vestimenta do indivíduo! O mesmo vale para os papéis sociais. Eu não acredito que
existe o ser autêntico por dentro, e um monte de seres falsos por fora, definidos por papéis
sociais. Creio que existe uma dialética nas duas coisas. O indivíduo pode, inclusive, ser mais
falso para si mesmo do que para os outros: o papel social que ele exerce estar mais próximo de
seu caráter do que sua própria vida na intimidade.
Diremos então que os pontos ocupados pelos planetas são focos de atenção caracterológica, quer
dizer, pontos onde ele presta atenção quando não existe interferência de outros elementos que o
forcem a prestar atenção em outras coisas. Ora, esta interferência externa existe quase que
permanentemente. Porém, poderia haver momentos onde esta mesma influência do meio o
convidasse a prestar atenção naqueles mesmos pontos onde ele se inclina a prestar atenção. Em
suma, pode haver coincidência da exigência externa e a exigência caracterológica; pode haver
uma coincidência, uma luta, uma combinação; podem acontecer todas as possibilidades. O
desenlace disto irá no sentido da frase de Ortega, “a reabsorção da circunstância é o destino
concreto do homem”. Ele tentará reabsorver os dados circunstanciais, moldando-os de um jeito
ou de outro, de acordo com o caráter dele, tal como ele mesmo o conhece.
Se de um lado nós temos as direções da atenção, e de outro seis faculdades cognitivas, agora só
nos resta combinar uma coisa com a outra. Então teremos, em linhas gerais, a técnica da
astrocaracterologia. Mas o problema não é aprender esta técnica, o problema é compreender esses
conceitos. E saber, portanto, quais os limites desta técnica, e onde ela exigirá a intervenção de
outros conhecimentos. Porque quando uma ciência, com o seu método determinado, começa a
invadir outros campos, se pronunciar sobre coisas que não são do seu domínio, isto significa que
ela não se compreende a si mesma, não se basta a si mesma. A astrocaracterologia trata
exclusivamente do caráter humano; e o caráter não é a personalidade inteira. A personalidade
inteira implicaria um monte de outras faixas, de outras camadas, que não aparecem
absolutamente no mapa.
Não se pode confundir as casas com as camadas. Elas estão numa relação, como de horizontal
para vertical. As camadas da personalidade são instrumento extra- astrológico, embora moldado
num modelo astrológico. Mas não são conceitos astrológicos; são conceitos psicológicos.
Podemos dizer pedagógicos. Porque, desde este esquema, podemos verificar o nível de integração
da personalidade, e mais ou menos, a amplitude de consciência do indivíduo. Quanto mais capaz
o indivíduo for de relacionar os seus vários estados entre si, mais consciente ele estará. Ao passo
que o indivíduo menos consciente vive por sessões, por episódios mais ou menos atomísticos,
separados uns dos outros, incapazes de se relacionar, podendo chegar à personalidade múltipla, à
esquizofrenia.
O nível de consciência não é um conceito tão metafísico, abstrato, quanto pode parecer. É só ver
se o indivíduo consegue relacionar os vários aspectos e episódios da sua vida. Se ele tem
consciência de si como sujeito de uma biografia, se ele consegue articular os dados anteriores
com o presente e com o futuro que ele pretende, então ele está mais consciente. Não é uma coisa
muito difícil de você perceber.
As casas astrológicas mostram apenas o caráter. O caráter é fixo, e não é, em si mesmo, mais
evoluído ou menos evoluído, mais consciente ou menos consciente. A consciência não faz parte
do caráter; inclusive, é preciso ter consciência do caráter. Não existe o planeta da consciência;
não existe a casa da consciência. Consciência e inconsciência são estados que vão abranger a
totalidade da personalidade — e o caráter, que está dentro dela.
Se dispormos as casas em círculos, poderíamos dispor as camadas como se formassem um
cilindro, onde você tem doze círculos superpostos. Esses doze círculos são estruturalmente iguais,
apenas colocados em níveis diferentes, e como que o caráter, tal como é, por eles subisse ou
descesse.
Se as casas são as direções da atenção, é evidente que as chamadas faculdades cognitivas não são
nada mais do que uma diversificação desta atenção. Existem modos de prestar atenção. Atenção é
um nome genérico, que designa uma espécie de esforço, na direção de algum objeto.
Consciência e atenção não são faculdades cognitivas. As faculdades cognitivas estão para a
atenção assim como as espécies estão para os gêneros. As faculdades, não sendo nada mais do
que uma diversificação em modos da atenção, então fica fácil entender que o horóscopo do
sujeito não é nada mais que seu padrão de atenção diversificado, primeiro, quanto às direções,
segundo quanto aos modos de atenção — as faculdades. Este padrão de atenção difere de
indivíduo para indivíduo, de duas maneiras: 1) Quantitativamente, mostrando que o indivíduo,
deixado livre da influência de fatores externos que puxem sua atenção em determinadas direções,
prestará mais atenção em algumas coisas e menos em outras; 2) o padrão de atenção diferirá
quanto ao que vemos chamar circuito de atenção, que tem a ver com a hierarquia lógica das
faculdades, e que explicaremos em seguida.
As faculdades cognitivas não entram em operação ao mesmo tempo. Existe uma seqüência
imutável. Por ex., a memória não entra em funcionamento antes da intuição. Se eu não tiver
intuição de uma coisa, esta coisa não entrará em minha memória.
A ordem tradicional dos planetas expressa as etapas cronológicas da atenção. Estas etapas podem,
aparentemente, ser saltadas, no sentido de que a memória pode entrar em ação sem que haja uma
intuição atual de alguma coisa — mas certamente já houve.
Existe uma espécie de hierarquia lógica entre as faculdades cognitivas, no sentido de que a razão
não pode tentar coerir um conjunto de dados se ela não tem esses dados, isto é, se esses dados já
não foram valorizados no seu devido tempo, isto é, se o sentimento não se pronunciou, e
finalmente, se a vontade não operar uma determinada seleção. Quer dizer, a razão entra em
funcionamento sempre por último — nem sempre no sentido cronológico, mas sim no sentido
puramente lógico ou hierárquico.
A hierarquia entre as faculdades revela que umas necessitam das outras: a intuição não necessita
de mais nada, ela necessita apenas que as outras faculdades existem; para entrar em ação ela
necessita apenas que aquele indivíduo possua potencialmente as outras funções, mas não que elas
entrem em funcionamento atual. Porém a imaginação não entra em funcionamento se não for
puxada pelo sentimento. Existem vários intersistemas de hierarquia entre as funções.
Ficou claro que uma função pode ter uma precedência causal em relação a outra. Uma pode
depender da outra para funcionar. Isto não quer dizer que no momento “x” qualquer uma delas
não possa entrar em funcionamento, independentemente das outras, e até mesmo retroagir sobre
elas. Porém ela não poderia ter se formado sem que as outras a precedessem. Eu posso fazer um
raciocínio agora sem que tenha a ajuda da intuição. Porém o conteúdo deste raciocínio entrou
evidentemente, ao longo do tempo, pela intuição.
Portanto, o quadro astral do indivíduo mostrará: (1) os pontos fortes da atenção; (2) a hierarquia
entre os modos da atenção, ou seja, para cada dado que seja absolutamente novo (que não esteja
na memória), o mecanismo da atenção entrará em funcionamento pela ordem dos planetas (no
sistema solar). Este é o ponto decisivo. O seu mecanismo cognitivo tocará como um piano. Se
você tem Sol-II, Lua -VII, Mercúrio-III etc., o circuito de atenção “tocará” nesta ordem. O
indivíduo tentará dar à sua experiência do mundo a forma do seu horóscopo, com maior ou menor
sucesso. Por exemplo, se o indivíduo tem Sol-X, ele sempre que possível tentará olhar a coisa
pela Casa X. E se as circunstâncias chamarem sua atenção para outras casas, ele tentará em
seguida reverter tudo, e contar a história como se o dado tivesse entrado pela Casa X. Para que
isso fique totalmente claro temos que descrever casa por casa. É aí que entra justamente a
interpretação dos planetas nas casas.
A intuição é a primeira função que surge, porque ela é condição de todas as outras. Se não existe
intuição, não existe memória, raciocínio, nada. Existe apenas a potência para o exercício destas
funções, porém elas não podem ser exercidas na ausência de dados, e esses dados vêm da
intuição. A intuição povoa de seres reais o mundo interno do indivíduo. A função da intuição é
agrupar, juntar os dados sensíveis de modo a formar seres. A intuição constitui perante nós um
mundo objetivo, povoado de seres, e não apenas de estados internos nossos.
E por ser a primeira função que entra em operação, é aquela com a qual estamos mais
acostumados. Isto tem duas decorrências: (1) que nós nos apoiamos continuamente na intuição;
(2) que nós acreditamos nelas, ou seja, aquilo que alcançamos numa intuição, acreditamos saber
perfeitamente.
Nunca pedimos para ir além da intuição; só se estudarmos filosofia, e desenvolvermos uma
consciência crítica, e entendermos que a intuição não basta. Mas o homem, na sua posição
natural, pré-filosófica, confia na intuição com se o que ela oferece fosse a realidade mesma.
Podemos pela intuição receber dados contraditórios: eu vejo acontecer uma coisa, e depois
acontecer outra que parece desmentir a primeira. Aí a intuição encontra um limite, porque para
ela resolver o problema precisaria captar a relação entre os dois eventos, relação esta que, sendo
um dado puramente lógico, não pode ser intuído. Então, preciso conceber mentalmente uma
relação entre os dois eventos, e isto é pensamento.
A intuição tem credibilidade para o indivíduo, ao passo que o pensamento nem sempre. Aquilo
que o sujeito vê na sua frente é crível, porém o que ele mesmo pensa nem sempre é crível. O
pensamento estabelece entre as coisas vistas uma relação que não é vista, que não é visível.
Porém o pensamento é incumbido de dar a explicação causal das coisas vistas. Isto quer dizer
que, para pensar, é preciso de um pouco de coragem, o indivíduo precisa consentir em sair um
pouco do que vê, e tentar estabelecer um elo entre as coisas vistas.
Para muitas pessoas a constituição do pensamento permanece incipiente, subdesenvolvida, de
maneira que o indivíduo não consegue desenvolver uma crença no pensamento do mesmo modo
que ele crê na intuição. Portanto ele se tornará uma pessoa para a qual a demonstração lógica não
terá tanta credibilidade quanto à intuição. São pessoas a quem você demonstra o raciocínio, ela
acompanha, mas não introjeta nada, continua presa à intuição primária. Para o homem
mentalmente atrofiado a demonstração lógica não tem credibilidade, só tem credibilidade o que
ele intui ou o que ele sente, que são coisas primárias. O que ele intui é o que aparece diante dele;
o que ele sente é o valor interior que ele dá para aquilo. Se você colocar a coisa diante dele e
provocar nele reações afetivas, aí ele crerá, porque mexerá com ele. Porém quando chega na
terceira etapa, a do pensar, daí ele não passa mais. Não que ele não saiba pensar, pensar é natural
do homem. Porém a partir do momento em que esta função entra em operação ela não alcançará
sobre o indivíduo a autoridade, o poder e a credibilidade que têm a intuição e o sentimento. Daí a
extrema dificuldade de aprender com a experiência. Porque à medida que prossegue a
experiência, o indivíduo vai fazendo induções, vai tirando conclusões para ele não têm
credibilidade, ele precisará repetir a experiência várias vezes, até saturar a memória. Isto também
quer dizer que a memória auxilia o pensamento, porque a experiência repetida se grava na
memória, e o pensamento tira mais facilmente conclusões, e dá a essas conclusões mais
credibilidade do que ao evento que aconteceu uma única vez. A diferença entre um sujeito burro
e um inteligente é esta: o sujeito burro apela mais para a memória, e se for mais burro, apela
novamente para a intuição; não lhe basta recordar, é preciso que a coisa aconteça de novo.
A diferença entre os homens e os animais é que o homem precisa de muito menos experiência
vivida do que os animais. Nós somos capazes de compreender coisas das quais não tivemos
experiência e que jamais poderíamos ter. Podemos compreender raciocínios de ordem metafísica,
filosófica, que escapam da experiência. A capacidade de aprender com pouca experiência marca
o sujeito inteligente.
Em qualquer aprendizado a primeira coisa a vencer é esta incredulidade do indivíduo em relação
ao seu pensamento, e a credulidade excessiva em relação à sua experiência. O indivíduo não
percebe que a experiência dele é limitada, que não é com a experiência pessoal que ele tem que
aprender, é com a experiência dos outros.
A origem desse problema é justamente a seqüência das faculdades e a dependência de umas com
relação a outras no funcionamento. Elas se tornam independentes somente aos poucos. Por
exemplo, o sentimento entre em funcionamento depois de a intuição estar funcionando há um
longo tempo. O sentimento pressupõe um certo objeto, pressupõe que o indivíduo goste ou não
goste, por ex., de certa pessoa. Esta pessoa, para o indivíduo gostar ou não, tem de estar
constituída aos olhos dela, e isto foi um trabalho da intuição. Aos poucos, o sentimento passa a se
apoiar na memória, e isto significa que ele aprendeu alguma coisa, que ficou mais independente
da intuição.
Do mesmo modo, o pensamento também vai se tornando independente da intuição, do
sentimento, e até da memória. As funções vão adquirindo independência, o que marca a evolução
do ser humano.
A independência do pensamento em relação à memória se dá quanto aos conteúdos; passa a me
reportar apenas ao seu conceito.
A entrada em cena das faculdades é realmente a seqüência dos planetas. Bastaria que a psicologia
genética e o estudo da evolução da cognição demonstrassem que a seqüência é exatamente essa
para que já ficasse óbvia para nós que, quando os astrólogos de antigamente estabelecerem esta
ligação com os planetas, tinham captado já alguma verdade. Mesmo que a astrologia, em termos
de interpretação de mapas individuais não funcionasse, em termos de captação dessas estruturas
gerais da psique funcionam muito bem.
Como já foi dito, a intuição por ser a função primeira é aquela que adquire maior credibilidade a
nossos olhos. Em termos de interpretação do mapa do indivíduo, isso se refletirá no fato de que
os dados que o sujeito colhe na casa onde está o Sol serão, do ponto de vista dele, imediatos e
inquestionáveis. Os dados colhidos naquela direção onde está o Sol são para o indivíduo os mais
firmes, embora para nós que vemos de fora, eles sejam tão questionáveis quanto quaisquer outros.
Muito bem, se estes são os dados firmes e imediatos, naturalmente a conquista do conhecimento
mediato se apoiará neles. É na casa onde está o Sol que ele pegará as premissas, e por essas
premissas que ele tentará conferir a veracidade ou falsidade dos demais conhecimentos captados
por outras direções. Supondo que o indivíduo tenha o Sol definidamente numa determinada casa,
esta casa será para ele o começo da conversa, o porto seguro de onde ele sempre enxergará claro.
Para o indivíduo com Sol na I, o primeiro dado seguro que ele tem é sobre ele mesmo. Esse
indivíduo tem a impressão de se conhecer a longo tempo. Sua imagem não lhe é estranha, e tudo
aquilo que puder ser referido à sua auto-imagem adquire instantaneamente, de seu ponto de vista,
uma clareza muito grande. Esse indivíduo, sendo transparente aos seus próprios olhos,
naturalmente parecerá transparente aos demais. Ora, se o indivíduo tem esta impressão de
familiaridade com ele mesmo, como se ele se conhecesse a si mesmo desde o começo do mundo,
isto significa que para ele é muito fácil, muito crível, alguém ser como ele é. Isto não é problema,
o que pode ser incrível é alguém ser diferente. Esse indivíduo está sempre colocado numa
posição onde ele sabe quem ele é, sabe o que quer, sabe o que vai fazer no instante seguinte. Para
ele isso é o óbvio; entre ele e ele mesmo não existe hiato, não existe intervalo, não existe
distância crítica, não existe intervenção da dúvida. O único problema que ele não tem é o de
identidade; poderá ter todos os outros, mas procurará resolvê-los puxando-os de volta à sua
identidade. Uma criança com Sol na I você a verá desde o início mostrando uma desenvoltura,
uma naturalidade incrível. Ela exerce o seu próprio papel sem perguntar qual é, porque ela já
sabe. Ela tem autonomia, não é preciso dizer-lhe o que fazer, porque ela já o sabe e já o pretende
fazer. Em relação às outras crianças você verá uma iniciativa maior, ela não espera ninguém fazer
nada para começar a fazer. É mais fácil ela caminhar por si mesma do que por outro.
Neste indivíduo a intuição funciona a pleno vapor em se tratando da intuição de seu próprio
estado momentâneo, e da sua própria ação. Quanto a isso nunca há dúvida; enquanto este
indivíduo estiver colocado na posição de ser o centro dos acontecimentos ele estará entendendo
tudo, mas se o colocarem numa posição para observar algo, ele já não entenderá mais.
Qualquer dado, qualquer conhecimento que chegue a este indivíduo, ele só terá segurança,
firmeza, no momento em que aquilo estiver inserido dentro da ação que ele está exercendo
naquele momento. Tudo que lhe acontece só se torna um dado familiar, seguro, inquestionável,
na hora em que aquilo passa a ser um subsídio da ação que ele está desempenhando neste
momento, ou seja, na hora que aquilo é referido à pessoa dele, ao ato dele naquele instante.
É difícil para um indivíduo com Sol na I se conceber como objeto do pensamento alheio; ele é
sempre sujeito. Isto não quer dizer que ele não conseguirá, mas não é a posição natural dele; para
conseguir se ver como objeto terá que colocar um outro no palco, o que necessitará de um esforço
de imaginação e raciocínio.
Esta análise é muito sutil, pois não estamos lidando com traços de comportamento, e sim
retirando do comportamento todas as causas que interfiram sobre ele, até chegar à causa
caracterológica pura. E isto às vezes fica difícil de se enxergar porque nem todo o nosso
comportamento é caracterológico. Existem comportamentos ditados imediatamente pelo meio,
sem passar pelo filtro do caráter do indivíduo. É preciso que haja momentos de libre expressão,
onde você capte o sujeito agindo a seu próprio modo, aí veremos que modo é esse.
Já entendemos que o comportamento não poderá ser explicado inteiramente pelo caráter, pois
isso é o mesmo que dizer que cada indivíduo é o sujeito criador, único responsável pelos seus
atos realizados, o que é absurdo. Existem ações que são determinadas pelo caráter, ações que são
determinadas por causas exteriores, e ações onde está tudo misturado, que são a maior parte
delas. Você precisa ver o sujeito agindo em diversas ocasiões para perceber qual a constante
caracterológica, fazendo exclusão do circunstancial.
Um indivíduo com Sol na VII tem intuição clara do que os outros estão fazendo. Para o Sol na I a
pergunta “o que vou fazer?” teria uma resposta imediata; porém com o Sol na VII essa resposta
implica que haja uma proposta de ação externa à qual ele possa dizer sim ou não. O indivíduo
com Sol-I se conhece diretamente por intuição, conhece sua expressão, sua exteriorização, de
maneira imediata; ele se expressa como ação demanda a interferência de um elemento que torna a
ação indireta, não intuitiva, que exige uma escolha, porque a única coisa que é intuitiva é o que os
outros estão fazendo. E para eu fazer alguma coisa preciso pensar, preciso preferir, e para isso
preciso de alternativas. Portanto o resultado será um tipo de intuição que é positiva e opositiva.
Ou seja, depende de outro para poder ficar numa posição propícia à sua intuição. Ele intui de
preferência o que os outros estão fazendo; se ninguém estiver fazendo nada, a intuição desliga.
Este indivíduo, deixado a sim mesmo, portanto não tendo partido nenhum a tomar, se nada está
acontecendo, ele não pode ser contra nem a favor. Ele necessita do outro para que lhe dê o dado,
mas não que o outro faça a escolha por ele.
A diferença dos indivíduos com Sol-I e com Sol-VII é de ordem cognitiva. O dado, para um, é
primário e portanto seguro para outro é secundário, e portanto duvidoso — mas ele terá um outro
dado que para ele é primário, que é a proposta que lhe vem de fora, é a ação alheia, na qual presta
atenção. Mas isso não quer dizer que ele se identifique com ela. Ele está assistindo, e pode
responder positiva ou negativamente ao comportamento alheio. Para o sujeito com Sol-I não
houve esta alternativa. Para ele sua ação é prévia a qualquer escolha; não há outra alternativa
senão fazer o que ele já está fazendo, senão ser quem ele já é.
A inteligência do sujeito com Sol na I é regra de si mesma, é lei de si mesma, o que não quer
dizer que mais tarde o indivíduo não possa perceber o outro perfeitamente bem, pela experiência
acumulada, pela intervenção do pensamento, etc.
É errado dizer que a Casa I é o eu e a VII o outro. A Casa I é eu comigo mesmo; a Casa VII é eu
em face de alguém.
Com o Sol na Casa II saímos do eixo eu sozinho x eu em face do outro. Na Casa II o dado seguro
é o mundo que nos rodeia, o mundo de seres, entes, formas, coisas, pesos, cores, etc., ou seja, as
coisas como estão. Veja, o Sol na I cria um tipo de inteligência intuitiva autônoma porque é regra
de si mesmo; na VII é o que chamamos de inteligência intuitiva eletiva, porque ela elege, escolhe.
Com o Sol na II temos o que chamamos de inteligência intuitiva realista, porque é marcada pelo
real, pelo tamanho e forma das coisas que o rodeiam. Este já não é um mundo feito sobretudo de
ações humanas, mas é um mundo de coisas; já não é um mundo humano, é um mundo da
natureza, por assim dizer. E isto é que é o real para este indivíduo; as coisas têm a forma que têm,
e não a que você imagina ou desejaria, têm o peso que têm, etc.
Este é um tipo de inteligência intuitiva que, podemos dizer, busca a conformidade entre a visão
subjetiva e o que se passa em torno. Seria o “regrar o dentro pelo fora”, de Comte. Por exemplo:
as coisas pesam o que pesam; portanto, se pretende carregá-las terei de fazer uma força X para
carregar isto e uma força Y para carregar aquilo. Não é a toa que pessoas com Sol na II
desenvolvem uma capacidade de distinguir gostos que os outros não tem. O que pra gente é tudo
a mesma coisa, pra eles é tudo diferente.
Trata-se de uma inteligência que capta mais facilmente o fato consumado, aquilo que já está
manifestado, materializado sob a forma de coisa; não os processos sutis que estejam ainda em
andamento. Seria uma inteligência intuitiva que tende a uma visão estética, a um estado de
coisas.
Em termos de comportamento é muito característico destas pessoas agirem sempre pela última
alternativa que resta. Vejam a diferença entre o sujeito com Sol na I e o com Sol na II. Para o
primeiro pouco importa o estado das coisas, importa o que ele quer fazer agora. Para o segundo
talvez ele não saiba o que quer fazer, mas ele olha o quadro que está instalado na frente dele, e vê
que só resta fazer isto ou aquilo. Portanto será característica fixa deste indivíduo esperar o fato
consumado para depois agir. E agirá assim porque lhe é mais confortável, mais seguro, porque
baseado na intuição. Porém nem sempre poderá agir assim. O indivíduo poderá ser forçado a
imaginar as alternativas e antecipar o fato consumado, porém ele não o fará com plena confiança
como agiria numa situação de fato consumado.
Isto se torna mais claro quando você contrasta com o indivíduo com Sol na Casa VIII, que longe
de perceber o quadro como está, percebe mais facilmente as tensões latentes. Ele olha este
mesmo quadro, mas o olha pelo avesso. Ele tem um jeito de ver as coisas em torno não tanto
como elas estão, mas como poderão estar daqui a pouco. O mundo que esse sujeito vê já não é
um mundo de coisas como um museu, com um monte de quadros expostos. Ao contrário, é um
sistema de molas que estão prontas a saltar a qualquer momento; um sistema de botões, onde
cada um destes botões pode mudar totalmente o quadro.
É natural que o indivíduo com Sol na II se sinta mais confortável perante um quadro
perfeitamente definido, e o indivíduo com Sol na VIII se sinta mais confortável podendo apertar
o botão para ver se aquilo que ele tinha suspeitado era verdade mesmo.
Portanto o indivíduo com Sol na II assume de preferência uma posição de contemplador do
quadro, que não pretende alterá-lo exceto no mínimo indispensável, enquanto que com Sol na
VIII ao contrário procura interferir constantemente, porque é aí que ele enxerga.
Esses traços de comportamento que a gente ilustra não são para ser tomados muito a sério. O
indivíduo se comporta assim porque ele busca se colocar numa posição que favoreça a
inteligência intuitiva. Portanto é mais fácil de entender que a pessoa com Sol na II entende mais
facilmente o fato consumado, aceita e sabe agir em função do fato consumado, e que ao contrário,
o sujeito com Sol na VIII nunca espera consumar o fato, mas procura ele mesmo criar um fato.
Não se trata de traços de comportamento, mas de traços da inteligência, isto é, posições nas quais
o indivíduo procura se colocar para enxergar melhor, e não porque goste, não sendo impossível
que, do ponto de vista afetivo, ele tenha o traço contrário, ou seja, mesmo enxergando melhor da
posição tal, no entanto goste mais da posição inversa. Por exemplo, tendo o Sol na VIII e a Lua
na II, evidentemente seria uma posição afetiva extremamente desconfortável para a inteligência.
Então, nada de atribuir a esses traços que estou falando um valor dinâmico motivacional — não
são motivações. O indivíduo não vai buscar isso porque quer, porque gosta, e sim porque ele
precisa para poder enxergar.
O indivíduo sempre só enxerga por onde está o Sol, e mesmo que a situação seja completamente
outra, ele tentará se colocar naquela posição. O sujeito com Sol na VIII, mesmo que não se trate
absolutamente de ele agir, mesmo que a ação seja absurda, ele tentará agir e mexer um pouco
para ver se ele entende. Já o indivíduo com o Sol na II esperará até o fim para ver com é que fica.
Ele poderá antecipar imaginativamente o fato consumado. Mas de qualquer modo, o indivíduo
com Sol na II, para agir com perfeição, precisa de certo modo se sentir pressionado; ele precisa
poder se dizer “não fui eu que escolhi, foram os fatos que me impuseram esta decisão”. Aí ele
sente que está enxergando o real mesmo, não havia outra alternativa, tinha que fazê-lo. Ao passo
que o indivíduo com Sol na VIII, se chegar na última alternativa, ficará desesperado e nada
enxergará.
O indivíduo com Sol na VII que fica sem ninguém ou nada para comparar fica como o jogador
que joga sozinho com as pedras brancas, e não é que não tem ninguém jogando com as pretas;
simplesmente não tem pedras pretas. A situação de estar totalmente sozinho e ter de decidir
criativamente e que fazer da vida, para um indivíduo com Sol na VII é muito difícil. Se ele fica
sozinho não tem mais motivos para fazer qualquer coisa que seja. Então sua inteligência intuitiva
pára; fora da situação que lhe é favorável ela pára, e entra em funcionamento alguma outra
função: imaginação, vontade, etc.
Se o indivíduo tiver Sol na Casa III ele vê enquanto pode pensar (e pensar significa representar
uma coisa por outra). Noutros termos, enquanto ele pode conceber que as coisas poderiam ser de
outro modo e não daquele que ele está vendo. Pensar é comparar; para comparar é preciso ter
alternativas. Quanto mais alternativas, quanto mais movimento pode ter o pensamento, melhor
para esse indivíduo.
O indivíduo com Sol na III não aceita o dado, porque este se fechou; ele não pode mais pensar, e
portanto não tem mais interesse. Ao chegar a uma conclusão ele passa a pensar em outra, porque
aquela já não interessa mais. É um indivíduo que intui enquanto pode se colocar na situação de
aprendizado, ou seja, onde há possibilidade de acerto e de erro; quando tirar a possibilidade de
erro, não pensa mais. Ele concebe a possibilidade do erro até quando uma determinada verdade
não se impôs a ele, enquanto ele pode conceber uma outra alternativa. Mas, não tendo
escapatória, não tem mais interesse.
Suponha a posição contrária: o indivíduo busca situações onde aquilo que ele intui coincida com
aquilo que ele crê como verdadeiro. Enquanto o primeiro, com Sol na III, busca uma situação
onde haja alternativa, onde haja uma possibilidade de erro e onde haja, portanto, a possibilidade
de aprendizagem, este último, com o Sol na IX, procurará situações onde as verdades intuídas e
admitidas vão sendo empilhadas e se confirmam umas às outras, formando uma espécie de
sistema de crenças. Portanto podemos dizer que a certeza tem uma função diferente para essas
duas pessoas. Para um, sempre que chega à certeza isto marca uma mudança na direção da
atenção — se ele tem certeza sobre uma coisa, já vai prestar atenção em outra, completamente
diferente, e de preferência oposta. E o indivíduo com o Sol na IX, ao contrário, se chegou a uma
certeza, vai buscar prolongar e confirmar esta certeza cada vez mais positivamente.
Nessa dupla de casas a intuição do sujeito funcionará melhor, no primeiro caso, na medida onde
ele possa ter uma atitude dialética e oscilar entre negação e afirmação, e no segundo caso, Sol na
IX, onde possa ter uma atitude lógica-dedutiva, tirando conclusão após conclusão.
O indivíduo com Sol na III estará intuindo o real na medida em que o pensamento dele possa ter
esta atividade dialética; se parou, ele sente que apagou a luz. O mundo de certezas favorece a um
desses indivíduos, e desfavorece o outro. O sujeito com Sol na III necessita de mudança contínua
do pensamento, do contrário seria cansativo e ele teria a impressão de não enxergar nada. Não
que ele não consiga fazer dedução, ele o faz como qualquer outro, mas a intuição apaga. E para o
indivíduo com Sol na IX, a contínua mudança de direção de perspectiva criará uma situação de
desconforto e de incerteza, na qual sua intuição apaga.
Não se pode confundir a postura da inteligência com as crenças do indivíduo. Um sujeito com Sol
na III pode ter crenças muito mais fortes do que alguém com Sol na IX, e vice-versa. Mas,
mesmo tendo essas crenças, ele terá que fazer de conta que não tem para poder continuar vendo
as coisas claras. Ou seja, a postura da inteligência não está vinculada ao conteúdo real de suas
crenças, mas apenas ao seu processo de intuição — onde ele se coloca para poder intuir.
A polêmica tem uma função diferente para indivíduos com Sol na III e na IX. Um indivíduo com
Sol na IX, se fizer polêmica, é para impôr a posição que já tem; se conseguir, ele tem aquela
impressão de certeza, e aí ele está bastante inteligente. Já para o indivíduo com Sol na III é o
contrário, a polêmica talvez tenha a função de mudar a opinião dele: “se existe a possibilidade de
eu mudar de opinião, se eu posso experimentar pensar de um jeito e de outro”, assim o sujeito
sente que está vivo, sente que a inteligência está funcionando.
Para o indivíduo com Sol na III a dúvida é vitamínica; para quem tem Sol na IX a certeza é
vitamínica. Mesmo que tenha dúvida, o indivíduo com Sol na IX tentará afirmar para si como se
fosse uma certeza. E se não tem nenhuma certeza forjará uma para poder ter um sentido de
firmeza e continuidade do pensamento. Uma coisa é discutir as idéias que estão em circulação,
sem você colocar a sua inicialmente; outra coisa é você ter uma idéia pronta e argumentar em
função dela. O indivíduo com Sol na III se sentirá mais firme sempre que puder tomar a primeira
atitude; com Sol na IX sempre que puder tomar a segunda. Mas ambas as atitudes são
experimentais, o indivíduo as adota porque favorecem à sua inteligência, e não porque ele
acredita mesmo nelas.
O indivíduo com Sol na IX passa aos outros uma impressão de certeza, mas é uma certeza da qual
ele precisa para poder intuir, e não que ele a tenha efetivamente. Será fácil de perceber quando
um sujeito com Sol-IX está na incerteza a respeito de tudo, porque ele fala com certeza mas age
de maneira incerta. As posições contrárias a ele serão enfrentadas diretamente como erros a
derrubar, não como hipótese, a não ser que ele decida fazer isso por reflexão, mas não é a
tendência espontânea dele.
Para alguém com Sol-IX as situações de incerteza são extremamente desconfortáveis, ele fica
com a sensação de que lhe apagaram a luz. A intuição é a função na qual confiamos; o sujeito não
intuindo já se sente na incerteza. Aí tem que se apoiar no pensamento, mas o pensamento é
sempre dúbio, como a imaginação, então tem que se apoiar na vontade, mas a vontade é
arbitrária. Então não dá pra confiar em nada. Porém este indivíduo (Sol-IX) se apoiará numa tese
que é ditada pelo sentimento, pela vontade, e tentará perseverar nela, até poder enxergar as
coisas. Ele pode até mudar de opinião, mas se mudar, será tudo ao contrário. Ele não relativiza, o
relativizar para ele é um acidente, do qual ele tem que tentar sair o mais rápido possível. Para ele
a parte fundamental do pensamento é a parte afirmativa. Já para o indivíduo com Sol na VIII a
parte fundamental é a crítica.
Onde quer que você tenha o Sol é ali que você procura se colocar, porque é dali que você
enxerga. O símbolo é literal, o Sol ilumina aquela casa e não ilumina as outras: e a casa contrária
é a que está mais obscura.
Quando vemos o indivíduo agindo numa situação que é perfeitamente livre, quando não existe a
coação de outros fatores, mas ao contrário, existe uma expressão livre do caráter, então esses
traços se tornam mais nítidos. Por exemplo, na criação artística, que é livre, é onde o indivíduo
estará puxando o máximo de sua intuição. Na criação artística existe uma tensão de todo o ser
psíquico na direção do objeto a ser criado. Neste caso o caráter vai aparecer de maneira mais
nítida, ao passo que em outras ações esse indivíduo poderá agir impessoalmente. Balzac quando
escrevia era Balzac, mas quando ia votar, comprar algo para casa, etc., certamente não havia uma
expressão pessoal tão nítida. Isto quer dizer que em muitos casos o caráter do sujeito quase não
aparece, você vai ter que escavar muito, por baixo de camadas e camadas de ações impessoais,
para você achar onde é que ele está fazendo o que quer.
Para o indivíduo que tem Sol na IV o mundo que ele intui de maneira mais rápida, mais imediata,
e que para ele é a verdade mesma é o próprio mundo dos seus sentimentos, desejos, temores, etc.
O indivíduo possui uma espécie de termômetro da felicidade, ele sempre sabe se está feliz,
infeliz, e o por que, e o que o deixaria assim. Tenderá a agir de maneira que diretamente atenda a
esses anseios. Ele encara cada uma das outras pessoas como se fosse um depósito de desejos,
anseios, temores, etc. Acontece que o outro pode não se encarar a si mesmo assim; num
determinado momento posso estar pouco ligando para minha felicidade ou infelicidade, posso
estar pensando em outra coisa completamente diferente. O indivíduo com Sol-IV nos olha como
se fosse esse o nosso foco. E tão logo agimos segundo outros focos ele deixa de entender.
O indivíduo com Sol na X, ao invés de focar sua atenção no íntimo de cada indivíduo procura
olhar o sistema de articulações que preside o relacionamento entre todos, que encara as pessoas
não pelo seu próprio conteúdo afetivo, mas pelo sistema das posições em relação aos outros.
O indivíduo que tem o Sol na casa X, enxerga mais facilmente o sistema das relações entre as
pessoas. Dado um grupo de pessoas, ele sabe quem está em qual posição. Não só
hierarquicamente, porque hierarquia é só na vertical, mas faz um mapeamento, uma topografia
inteira. Cada pessoa para ele, é um sistema de relações com outras pessoas, ou seja, quem gosta
de quem, quem manda em quem, quem influencia quem. Ele sabe exatamente onde está, sabe
qual é sua posição: gosto de fulano, sou influenciado por beltrano, influencio sicrano.
O indivíduo com o Sol na casa IV intui mais facilmente a situação do indivíduo isolado, e o com
o Sol na X enxerga mais facilmente a posição do indivíduo no grupo.
Na ausência de dados sobre a posição do indivíduo em relação aos outros o camarada com o Sol
X enxerga todo um panorama, uma topografia, e cada um dentro daquilo. Um fenômeno curioso,
em termos de comportamento, são as crianças com o Sol X, a facilidade que elas possuem de
serem aceitas por adultos. Ela compreende facilmente as regras de convivência, o que é
conveniente naquele meio. E imita aquilo perfeitamente bem, ainda que não entendendo
intelectualmente. Isto quer dizer, que o indivíduo com o Sol na IV, sempre procurará se colocar,
do pondo de vista das fontes interiores do comportamento. Ele olhará o mundo em volta, como
um campo onde se realizará sua felicidade ou seu infortúnio. O mundo para ele é apenas um
cenário passivo, onde se desenrola a história de sua alma. E as coisas adquirem importância ou
desimportância conforme a tornem feliz ou infeliz. E olhará os indivíduos do ponto de vista
dessas fontes internas do comportamento. O indivíduo com o Sol-IV, procurará o que a deixa
feliz, percebe o que lhe dá prazer e acha que as outras pessoas estão preocupadas exatamente com
isso. O Dr. Albert Einstein, que tem o Sol na IX e alguns planetas na X, dizia: “Felicidade é um
ideal digno dos porcos”. Para ele era. Veja, o fato do sujeito ter o Sol numa casa ___ com que ele
encare as coisas, de maneira tão exclusivamente ligada aquele ponto de vista, que chega a
formular em palavras. O sujeito que tem o Sol na I, acha que todo mundo que ser ele mesmo, e
tem pessoas que estão pouco ligando para serem elas mesmas. O sujeito que tem o Sol na III,
acha que está todo mundo louco para aprender, que topa até sofrer, contanto que aprenda alguma
coisa. Já o cara que tem o Sol IV, prefere não aprender, a ter que sofrer.
É uma ingenuidade natural do homem achar que todo mundo é igual a ele. Por exemplo por eu ter
o Sol na III, a idéia de que amanhã estarei exatamente como estou hoje me é insuportável. Este
impulso de aprender, embora eu imaginasse ser natural nas pessoas — e não é — pode no
entanto, ser adquirido acidentalmente, ou pode ter sido por um outro motivo, ou ainda porque a
razão lhe mostrou que deve ser assim. Mas não é natural no indivíduo. Eu nunca liguei muito
para a felicidade, entre uma notícia ruim e verdadeira e uma boa e falsa, prefiro a primeira. Eu até
tendo a desconfiar um pouco da felicidade. Do mesmo modo, o indivíduo que tem o Sol na I, essa
originalidade, ou essa originariedade dele *________________ muito importante, o que importa
o resto do mundo? Eu sou eu.
Este estudo, de cara, serve para mostrar que as pessoas não são como você, não podem ser, e é
evidente que cada casa implica certos valores, que valem para todas as pessoas. Por exemplo:
esse valor da individualidade, cada um é cada um, não pode ser traçado por outro. Este é um
valor de casa I, e ele existe para todas as pessoas. Só que não é realmente central para todas as
pessoas, todas tem este valor e acreditam nele de alguma forma, mas, não como coisa central.
Se você tem o Sol na VII, a coisa mais importante é você acertar de que lado você está. Agora,
outro indivíduo vai dizer: mas por que você precisa decidir isso? Por que você não pode ficar
indeciso a vida inteira? Por que você precisa ser contra ou a favor? Este precisa! Ele precisa se
definir, ele tem a necessidade de se definir em face do outro. Ao passo que um cara com o Sol na
I, a idéia mesmo dele se definir em função do outro, pode lhe parecer bastante esquisita, ele já
está definido de antemão, o outro que se defina!
O sujeito com o Sol na VII, terá que tomar um partido, num conflito entre duas pessoas, ele
tomará uma das quatro decisões possíveis: a favor de uma pessoa, a favor da outra pessoa, a favor
da conciliação ou a favor do conflito, ou seja, sempre toma partido, mesmo que seja contra ou a
favor da briga. Já para outros indivíduos, essas coisas não são tão importantes.
O indivíduo com o Sol na IV só entende as coisas pelo ponto de vista da felicidade. Esse
termômetro da felicidade, enquanto funciona, ele enxerga o mundo, e procurará sempre enxergar
deste ponto de vista, pelo menos nos instantes em que ele possa ser como ele mesmo. E é
evidente que se arrumar emprego no qual ele tenha que ficar 8 horas por dia, pensando em outra
coisa, pensará em outra coisa, porém não é porque você seja você, e sim porque você ocupa
aquele emprego. Se fosse depender de você, você iria voltar à sua posição normal de encarar tudo
pela casa IV.
Na casa X, a mesma coisa, o indivíduo que fique isolado do meio social não entende mais a vida,
ele se torna burro. Ele precisa ter toda uma sociedade em movimento para ele poder encará-la, de
maneira que as ações de cada indivíduo sejam reportadas à sua posição em face dos outros e
assim por diante. Se ele se tranca em casa, e não tiver sociedade humana, emburreceu. Já o
indivíduo com o Sol na IV, pode ficar fechado em casa o tempo todo, sem emburrecer, pode ficar
infeliz, mas a intuição não apaga, pelo fato de perceber que está infeliz. Não é que ele precisa ser
feliz, ele precisa encarar as coisas do ponto de vista da felicidade ou infelicidade. E do ponto de
vista do que que o indivíduo quer? O que o indivíduo está buscando? O que que ele como
unidade singular, está buscando?
O sujeito com o Sol na V, o que ele encara, enxerga de modo patente, é o que ele tem capacidade
para fazer naquele momento. Para ele, o mundo é uma espécie de campo de batalha, onde a cada
momento a sua capacidade é solicitada a se mostrar. Isto quer dizer que, se não houver nenhuma
solicitação de capacidade, nenhum desafio, ele apaga. Numa situação, onde a sua participação
seja perfeitamente indiferente, você não tem nada a fazer lá, nenhuma das suas capacidades
sirvam para alterar no mais mínimo que seja o estado das coisas, nessa situação, eu acho que o
indivíduo não enxerga. Ou seja, o indivíduo com o Sol na V, a intuição dele liga, funciona nos
momentos e situações, onde ele encontra um desafio para mostrar a sua capacidade. Ele sempre
tem consciência de si, nos seguintes termos: isto eu posso; isto eu sei; aquilo eu não posso aquilo
eu não sei. Ele é tão autocêntrico quanto o indivíduo com o Sol na I, só que a ênfase agora não
cai somente na ação imediata que eu quero fazer, que sai porém de mim como ação espontânea
do meu eu, mas é uma ação mais mediada pela consciência da capacidade, ou seja, vou fazer não
porque quero, mas porque posso, porque sou capaz, mesmo que não queira. Agora, as situações
que não solicite de modo algum este tipo de intervenção, escapam da área de visão do sujeito. Por
isso ele se interessa por elas. Quer dizer, situações que sejam alheias às capacidades dele ele não
enxerga. É como se você dissesse: Tudo que não for campo de batalha, estado de jogo, não existe.
Por exemplo, uma situação que seja só para ficar assistindo: o cara que tem o Sol na V não sabe
assistir, tanto quanto o que tem o Sol na I. Este tem que ser o centro agente, como atividade
espontânea e que brota dele pelo simples desejo de ser, desejo de existir. Ao passo que com o Sol
na V não se trata disso, não é uma expressão tão direta e tão primária do EU, mas expressão de
uma capacidade autoconsciente. É como se você dissesse que o indivíduo com o Sol na I é: “fi-lo
porque qui-lo”, e o Sol na V: “fiz porque posso”. Seria uma inteligência tática, se refere à batalha
que está em jogo neste momento. A inteligência estratégica é a da casa XI. Nela o indivíduo
enxerga a sua vida inteira como um trajeto que se destina a chegar a uma apoteose, quando ele for
aquilo que ele quer ser. Quer dizer que cada ato, cada coisa que se passa, é um episódio na
formação deste personagem. Isto quer dizer, que a mera demonstração de capacidade não ajuda
em nada, ao passo que para o Sol na V ajuda. Um cara com o Sol na V é capaz de se envolver em
muitas situações, que de fato lhe interessam, situações e conflitos que não interessam, mas aquilo
é uma chance dele treinar. Ou de ele, reafirmando a sua capacidade, poder enxergar as coisas
claramente.
Uma pessoa com Sol na XI pode perder todas as batalhas contanto que ganhe a guerra. Os
eventos têm que se mostrar importantes, em função do grande objetivo final. Tudo é visto dentro
de um plano muito grande, e voltado para a consecução tempo-futuro. E se perder esta
perspectiva temporal o sujeito não enxerga mais nada. O conteúdo do plano depende dos valores
dele.
O sujeito com Sol na XI, com três anos, parece que já sabe o que vai ser. Isto é por intuição, ele
olha ele mesmo como se já fosse um sujeito famoso. O sujeito, a cada momento, tem o potencial
que tem, é real, está nele, então pode ser conhecido intuitivamente. Ele apenas não é real no
exterior, mas para ele já é. Sua consciência de vocação é extremamente aguda, e aparece muito
mais prematuramente do que em qualquer outro indivíduo.
Para o indivíduo com Sol na V as situações que ele vive podem ser importantes em si mesmas
porque, ele participando daquilo, tendo ocasião de demonstrar suas capacidades, está com sua
inteligência ligada, está entendendo tudo; ele não precisa conectar aquilo tudo com outras coisas,
o que importa é a situação imediata.
Um indivíduo com Sol na XI só parte para a ação depois de examinar a importância dela dentro
do plano a longo prazo. Ele procura se colocar dentro deste ponto de vista para poder continuar
confiando na sua inteligência. Ou seja, se você colocá-lo numa situação que está desconectada do
plano dele, ele não enxerga mais, ainda que ele goste, porque o indivíduo pode ter, por ex., a Lua
na V, e por um motivo sentimental ele vai se colocar numa posição na qual não enxerga nada.
A posição onde está o Sol é simplesmente a posição preferencial para você enxergar. Pode haver
casos onde exista destruição deliberada da inteligência intuitiva: o indivíduo nunca se coloca
nesta posição porque não quer enxergar nada. Um sujeito com Sol na X que foge ao convívio
social está ruim; está emburrecendo dia a dia. Já com Sol na IV, se não tiver convivência íntima
com ninguém com quem ele possa falar dele mesmo, vai ficar ruim. Com o Sol na III, que você já
obrigue a subscrever uma crença, uma religião, desde o primeiro dia sem questionar nada, vai
emburrecer. Agora, pode ser que este emburrecimento seja vantajoso para ele, sobre outros
aspectos como o sentimento, o desejo, etc., que podem levá-lo a buscar algo que, do ponto de
vista da sua inteligência intuitiva, é extremamente inconveniente.
O sujeito com Sol na VI enxerga claramente o seu próprio microcosmo, o conjunto do que ele é,
faz, deseja, age, padece, etc., e se está funcionando ou não, e o que tem de fazer para consertar o
prejuízo. Este indivíduo está numa posição boa quando ele enxerga tudo e sabe tudo. É quando
ele tem o domínio completo da sua vida. A vida para ele é como se fosse uma firma, na qual ele
tem conhecimento total das finalidades da empresa, da organização, da estrutura, dos
funcionários, etc., e tudo está sob seu controle; aí ele enxerga tudo, ou seja, quando ele tem o
poder total sobre sua vida.
E inversamente, o sujeito com Sol a XII, sua inteligência funciona justamente quando ele não tem
controle algum, quando ele está à mercê de correntes causais que o ultrapassam infinitamente,
porque essas ele enxerga. O que não está à sua mercê é aquilo que você não controla
absolutamente, mas você pode conhecer e enxergar, você pode pressentir. Quanto menos controle
tiver, mais seguro ele se sente.
Para o Sol na VI o saber é um poder, enquanto que para Sol na XII o contrário, o saber é o não
poder; o saber é a simples conformidade da inteligência com um universo de forças históricas,
cósmicas, sociais, sobre as quais não temos a menor ilusão de termos controle. É um indivíduo de
inteligência intuitiva dispersa.
Para o indivíduo com Sol na VI os dados que vêm de fora, imprevisíveis, fora de seu controle,
são justamente os que têm a capacidade de desligar sua inteligência. Já para o indivíduo com Sol
na XII tudo aquilo que está dentro do controle dele parece-lhe sempre demasiado pequeno e
insignificante no conjunto, nunca é o decisivo.
Um enxerga aquilo que já está sob controle, e o outro enxerga o que vem vindo por aí. O
indivíduo com Sol na XII de fato não enxerga, porque o que ele “vê” não está aí. É como se fosse
um pressentimento, é como se ele tivesse uma visão tão grande que qualquer detalhe não
significa nada. O indivíduo com Sol na VI tem controle de tudo, quanto mais os fatores em jogo
puderem estar sob a mira dele, melhor para ele. Ele tentará isoladamente cortar os vínculos com
as forças externas, evitar que o imprevisto penetre naquele microcosmo. Ao passo que o outro
tenta se abrir para perceber todas as forças que estão atuando naquele lugar.
Estas mesmas posições, para um dos sujeitos, será intelectualmente confortável, para o outro
desconfortável. Porque o indivíduo pode ter Sol na VI mas Lua na XII; ele enxerga quando está
tudo sob controle, mas acontece que ele adora ficar doido. Ou seja, isto o favorece
intelectualmente, do ponto de vista de ajudá-lo a compreender, não necessariamente a ajudá-lo a
viver.
Se você pegar um sujeito com o Sol na VI e for um sujeito que não tem emprego, não tem horário
para fazer nada, não sabe quanto tem no banco, você pode ter certeza de que ele está muito mal.
O grande escritor francês _________________ tem o Sol na XII; ele, para escrever um romance,
sentava na mesa de um bar, com dezenas de pessoas conversando em volta, aquela baita confusão
— e ali que saíam as idéias. E todos os romances dele foram feitos assim. Da imensa confusão
surge a clareza. É como você estar num barquinho, perdido no mar, e estar se sentindo seguro
porque ali você “está nas mãos de Deus”.
O sujeito com Sol na XII está numa confusão aparente, mas é ali mesmo que ele está entendendo
tudo. A casa XII dá uma sensação de liberdade, do ilimitado; se o sujeito tiver Lua ou Vênus
pode ser que se aproxime dessa coisa por gosto, mas não que lhe seja favorável para entender.
A inteligência intuitiva é uma só, nós estamos apenas distinguindo modos e direções de
operações. Toda distinção de modos é real-mental, porque não são coisas diferentes, não são duas
inteligências.
Tendo 12 tipos de inteligência intuitiva e 12 tipos de inteligência racional, temos então 144 tipos
de inteligência. Esses 144 tipos terão que ser descritos com todo o cuidado. Isto não é para ser
aplicado à realidade empírica ainda, porque é muito parcial. São tipos que estamos inventando,
como se existissem. Porém um conjunto de tipos começa a ficar parecido com a realidade.
Olhando o indivíduo sob vários aspectos, tomando diversas medições e articulando essas
medições, começa a aparecer uma pessoa real. Porque para o tipo de inteligência intuitiva poder
se traduzir em atos reais, concretos, precisa das seguintes mediações:
1. Precisa da mediação das outras faculdades cognitivas, cada uma das quais já interfere e modula
o comportamento; quer dizer, não é a inteligência intuitiva que age sozinha, quem age é o
indivíduo.
2. Precisa de intermediação dos valores, o que também não basta, o sujeito precisa da
intermediação dos objetos. E os objetos sobre os quais o indivíduo age não são os mesmos, ou
seja, nem todos os objetos existem em toda parte.
É fácil você compreender o problema: que tipo de emprego o sujeito busca? Começou a ser um
problema de dois séculos pra cá; ou seja, o problema de arrumar emprego é um problema que a
humanidade nunca teve, porque você nascia numa determinada posição social e lá ficava —
portanto se seu pai era sapateiro, já estava resolvido o problema. Este objeto que se chama
emprego, em face do qual nós podemos reagir de várias maneiras, só existiu para uma parte da
humanidade. Mas, cuidado, este objeto pode, por sua vez, ser objeto de valores distintos. O
emprego é um meio de assegurar a sobrevivência na luta contra a miséria imediata, para uns; para
outros pode ser um meio de ascensão social, ou ainda uma busca de auto-realização.
Precisam ser vistos os objetos e também os valores associados a esses objetos, aí sim, somando
tudo isso às outras funções, temos um comportamento concreto, real. E depois de termos feito
isso, daí nós poderemos dizer se tudo isso é verdadeiro ou falso. Saberemos se é verdadeiro se
delineando esses tipos ideais, compondo o caráter, somando os objetos, os valores, etc., supomos
que tal indivíduo, com tal caráter, em tais circunstâncias, teve tal comportamento, e que isto
aconteceu com uma freqüência significativa, então podemos dizer que estamos no caminho de
alguma descoberta importante. E isto é o máximo. Portanto a amostragem pela biografia é
extremamente importante. E essas biografias foram escolhidas porque são pessoas bastante
realizadas, são pessoas cujo caráter se externalizou a ponto de elas serem percebidas como
diferentes das outras. Nem sempre os seres humanos que nos rodeiam são tão evidentes assim.
Por isso temos que começar treinando com vidas evidentes, vidas onde o caráter transpareça,
onde a marca pessoal esteja sublinhada. Ao passo que na vida dos seres anônimos que nos
rodeiam muitas vezes a expressão do caráter é simplesmente potencial, está escondida; pelo
comportamento não dá para saber o seu caráter, apenas pelo mapa. O caráter vai se manifestar de
maneiras disfarçadas, misteriosas, obscuras. E isto se aplica a nós mesmos. Para muitos de vocês
o caráter pode ser algo desconhecido, que ainda está para se realizar e que ainda não encontrou os
canais. O modelo ideal seria você traçar o caráter pelo horóscopo, conhecer os objetos e valores
do meio onde o sujeito nasceu, e por outro lado conhecer efetivamente a vida dele. Aí sim
podemos chegar a alguma coisa.
No caso do escritor de ficção o material é uma verdadeira maravilha, se todo o mundo escrevesse
romance seria ótimo para nosso estudo. Porque numa obra de ficção o sujeito está bastante livre,
e é de supor que ele vá exteriorizar coisas que ele intuiu ou imaginou. Ele intui externamente e
internamente, então temos o mundo intuído por ele, uma coleção de objetos que ele intuiu. Então
podemos saber se ele olhou naquela direção. Por exemplo, um romancista com Sol na XII você
vai ver que não há uma exceção onde o personagem não viva a situação de estar à mercê de
forças imensas e incontroláveis. À mercê da natureza, como em Moby Dick, de Melville, um
sujeito que caça a maior baleia que existe, um ser imprevisível, que não se sabe se age
premeditadamente ou não, se ela tem um intuito malévolo contra o indivíduo ou não. Ou o
próprio _____________, o indivíduo perante o diabo, rodeado por mil seres, você nunca sabe por
onde ele vai pegar. Estas são imagens características de Sol na XII. O conteúdo do mundo
imaginário, a coleção de objetos é certamente dado pela posição do Sol. O processo da
elaboração disto, que cria o tema propriamente dito, a forma que o indivíduo vai dar, isto tem
relação com a inteligência racional.
P. - Balzac escreveu a Comédia Humana porque tinha Sol na X?
Evidente. O que o homem com Sol na X enxerga? A sociedade como um todo. Thomas Mann a
mesma coisa. Agora, quantos escritores você precisaria estudar para afirmar isto? Eu acho que
cem é um número razoável.
P. - E se o autor tem Sol na I?
Haverá o herói sozinho, tudo é com ele, não existe mundo. Quanto a Dostoievski, acho que tinha
Sol na X, o mundo dele não é psicológico, é histórico. Sartre é Sol na VIII, e qual o tema? A cena
característica de Sartre é o sujeito diante de um espelho com uma navalha, vendo se ele se castra
ou não — é o momento decisivo, a situação extrema. André Gide tem Sol na III, Stendhal é o
próprio Sol na III; o tem é viajar, aprender, transformar-se no curso do aprendizado, começar
num lugar e ir parar no outro; vinha por um caminho, aí aconteceu tal coisa ...
Agora uma coisa interessante se vê em Henry Miller (Sol-IX), não existe problema, não existe
incerteza; existe um monte de acontecimentos, mas o homem está firme em seu lugar. São
histórias incríveis, mas se vocês perguntarem “onde está o problema?” Não há problema.
Goethe tinha Sol na X; qual era o tema? Toda a história humana. Fausto é a epopéia da
humanidade, onde tudo aparece, todas as épocas, todos os seres, fez um panorama.
Temas sobre futuros dá para entender que se trata de Sol na XI. Não conheço o horóscopo, mas
pode ser o caso de Júlio Verne.
Os grandes cineastas — Chaplin, Welles (Sol-XII), etc. — também servem para nosso estudo
desde que sejam suficientemente personalizados; os grandes dramaturgos, romancistas, todo
mundo que inventa uma história, não importa o meio pelo qual a história se transmite. Isto é
melhor porque já aparece direto o mundo imaginário.
Não podemos confundir o gênero com o assunto; a posição do Sol vai dar o tema, os objetos;
agora se isso vai ser cômico ou outra coisa, isso não é assunto, é gênero. E o gênero é um
problema intelectual, não pode ser resolvido sem a influência da razão. Não que a razão dê o
gênero, nada disso é automático; o que é seguro é que o Sol dará os objetos do mundo que o
sujeito enxerga.
O fato é que a experiência, o conhecimento literário dos alunos é muito pequeno, isto não posso
suprir, você vai ter que ler. Antigamente o pessoal lia romance por divertimento, hoje em dia se
considera trabalho. Quando a gente fala de Balzac, Stendhal, se vocês leram vocês reconhecem,
se não, não. E também não basta ler, principalmente no caso do autor que você está estudando é
preciso fazer um repertório de quantas vezes surge, ou com que intensidade surge um
determinado tema, um determinado objeto. Se você pegar o mapa de Flaubert, que tinha Sol na II,
e portanto possuía uma enorme aptidão plástica, verá que ele mostra a forma das coisas, ele faz
ver fisicamente o que está acontecendo. Em Salambô, por ex., tem uma seqüência de batalha que
faz você vomitar, porque você praticamente sente o cheiro do sangue escorrendo. Você pode
fazer um recenseamento: quantas impressões plásticas este sujeito dá?
Mozart tinha Sol na V — se bem que com música o caso complica. Porque o músico pode fazer
óperas, mas geralmente trabalhará com histórias inventadas por outros; portanto você não tem
uma expressão literária própria. Wagner era seu próprio poeta, e tinha Sol na I.
É possível analisar as obras de pintores, mas eu precisaria conhecer melhor a estética da pintura,
porque entre o assunto e a obra tem um monte de mediações, dentre as quais as convenções dos
gêneros; muitas vezes o sujeito montou o tema assim ou assado não porque ele queria, mas
porque era convenção admitida, e se ele não fizesse assim as pessoas não iriam entender.
Por que Dickens escreve as coisas em episódios? Porque eram publicados em folhetins, e toda
semana tinha que ter um episódio novo. Então isso não é expressão do caráter dele. É preciso
também conhecer as convenções que têm prestígio em uma certa época. Na pintura precisaria
estudar com mais cuidado os princípios estéticos de cada época, de cada escola, para você poder
não atribuir ao indivíduo coisas que pertenciam a princípios comuns. Eu já vi uma interpretação
de Cézanne, que diz que ele fazia tudo em forma geométrica porque ele era capricorniano. Pode
até ser, mas eu acho que para geometrizar tudo seria preciso não ser um capricorniano, mas ter
Saturno na II. Porque ele está geometrizando o mundo sensível. É o mundo sensível, coisas,
formas, sons, coisas vivas que adquirem para ele a forma de estrutura geométrica. Me pareceria
mais uma coisa de Saturno na II do que de um capricorniano propriamente dito. Um outro
exemplo disto: S. Tomás de Aquino estrutura todo o livro por perguntas e respostas, refutação
das objeções, etc. Seria então uma mente capricorniana, aquariana? Nada disso, era uma
convenção da época. Mesma coisa que você pegar um trabalho publicado no séc. XX e dizer que
o indivíduo organiza tudo assim: ele coloca uma hipótese, material e métodos, argumentação,
conclusão e bibliografia — então deve ser um sujeito muito organizado. Não, isso é uma
convenção que deve ser seguida para o trabalho ser aceito. Tudo isso precisa ser descascado
cuidadosamente. Mas é assim que se fará deste assunto uma ciência; ou assim ou de jeito
nenhum. Eu não tenho a menor pretensão de que isto aqui seja um serviço terminado, isto é só o
começo e não o fim. Mas é o único começo possível, ou então tem que abandonar o assunto, dizer
que tudo isso é bobagem e desistir do assunto.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 47 SÃO PAULO, 17 MAR. 1991
TRANSCRIÇÃO: GIULIANA AGAZZI REVISÃO: MERI HARAKAWA FITA I

Os tipos ideais não se destinam a uma correspondência com a realidade — são um padrão de
comparação. Pode ser que em determinados casos eles tenham uma correspondência com a
realidade, o que não tem importância quando os estamos construindo. Tendo empreendido vários
tipos, depois nós vamos individualizá-los. Quer dizer, a ênfase no caso, é nada mais que a
construção de um tipo ideal feito da composição de vários traços.
Na construção do tipo de inteligência intuitiva, supomos que as outras funções estão colocadas de
lado e que, ou colaboram com ela no mesmo sentido em que ela deseja, ou pelo menos não
atrapalham interferindo negativamente. Também supomos a suspensão de qualquer interferência
externa das áreas não-pessoais no indivíduo.
Estamos tão acostumados a sermos nós mesmos que achamos que cada um de nós é um indivíduo
perfeitamente individualizado e distinto, o que é um mito, pois no momento em que podemos
refletir, conscientes de nossas motivações, aprovando perfeitamente os nossos atos, decidindo
com liberdade de acordo com critérios próprios, são muito poucos. Ora, noventa por cento de
nossas ações não passam pelo crivo deste julgamento pessoal. Agimos na maior parte das vezes
impessoalmente, como membros da família, ou como cidadãos do país. Isto é mais que suficiente
para que estas ações transcorram perfeitamente bem. A própria consciência moral do indivíduo
pode ser suspensa durante anos, sem que isto faça a mais mínima diferença na maior parte da sua
conduta. Para que a sociedade ande regularmente bem ela não precisa de indivíduos
autoconscientes. Ao contrário, a autoconsciência do indivíduo pode ser um problema para a
sociedade. Nós vemos que quando uma sociedade inteira percorre uma rampa, ou abismo,
aqueles que percebem o que está acontecendo são muito poucos. Isto prova que a autoconsciência
tem muito pouco peso. Na Alemanha de 1938, por exemplo, só havia nazistas, o que era
perfeitamente normal. Hoje em dia há certos acontecimentos que não podem de maneira
nenhuma ser endossados por um indivíduo autoconsciente, mas a grande maioria não percebe
isto, pois a autoconsciência tem muito pouca função a cumprir na conduta do indivíduo. O que a
autoconsciência diz a respeito do carnaval, por exemplo? Ela nem é consultada. Ela só funciona
duas vezes por ano quando o sujeito entende que dois mais dois é igual a quatro.
A consciência individual não é suprimida, mas ela pode ficar inoperante e assim ser confundida
com uma espécie de consciência grupal. Quando mais nós cultivamos os limites da nossa
individualidade, menos individuais nós somos. O processo de individualização na maior parte das
pessoas pára no meio, é frustrado, ou por culpa delas mesmas, ou por falta de ocasião. A
autoconsciência individual não é algo necessário para a sobrevivência do indivíduo, mas é
necessário que alguns a tenham. Na faixa dos governantes, por exemplo, se eles não forem
autoconscientes, o país não irá pra frente. Mas o povo, aqueles que obedecem, é difícil que sejam
autoconscientes, e de fato a maior parte não é.
A facilidade com que as exigências mais legítimas da autoconsciência são apagadas para fazer
com que o indivíduo se adapte facilmente ao comportamento global, mesmo absurdo, é aterrador.
Um indivíduo firmemente disposto a influenciar um outro querendo levá-lo à estupidez,
consegue-o facilmente, como o demonstra a programação neurolinguística.
O homem tem o dom da razão e da autoconsciência, o que não quer dizer que ele a use. A maior
parte da nossa conduta é padronizada, através de reflexo condicionado.
Para construirmos um tipo ideal supomos a inteligência intuitiva agindo sozinha, sem obstáculos.
Porém, antes de iniciar a construção dos tipos, eu queria alertar que os planetas não são as
faculdades cognitivas. Existe uma relação que nós vamos estudar mais tarde. Quando dizemos
que a Lua é o sentimento, Saturno é a razão, etc., estamos cometendo um gravíssimo abuso. A
relação entre planetas e faculdades não vai nos ocupar no momento, mas pelo menos vocês
devem estar conscientes do seguinte: longe de estes planetas se identificarem com estas
faculdades, mais tarde nós veremos que a verdadeira função deles consiste em atrapalhar a
operação destas faculdades. Atrapalhar e limitar. Por exemplo, se dizemos que um indivíduo tem
o Sol na casa três, tem maior facilidade de intuir certas coisas, seria mais certo que ele dificulta a
intuição de outras. Por quê? Porque a inteligência intuitiva não teria por si mesma que estar
limitada a uma determinada classe de objetos. O homem, em princípio, tem inteligência intuitiva
universalmente em todas as direções. A presença do Sol aqui ou ali não poderia por si mesmo
determinar um tipo intuitivo, a não ser que esta presença representasse uma limitação da atenção,
como se fosse algo que chamando a atenção para certos objetos faça com que o indivíduo
esqueça tudo o mais. Com isto nós evitaremos uma postura de identificação dos planetas com as
funções, a qual nos levaria, primeiro, a acreditar que o horizonte cognitivo se limita ao campo
assinalado por este planeta e, segundo, cairemos numa astrolatria.
Se você acredita num certo poder, de certo modo você estabelece um culto deste poder. Se você
acredita nele, você o teme. Porém, de todo o esquema astrológico que estamos descrevendo, a
idéia da consciência está excluída. Esta abarca o homem por inteiro e não é uma faculdade; então
nós entendemos que o que existe de decisivo do ponto de vista cognitivo humano, não tem nada a
ver com os planetas. O homem pode operar a passagem de uma simples psique arraigada,
biológica — e por isto forçosamente subjetiva — para uma consciência objetiva, e neste sentido
não-biológica, e isto não tem uma correspondência com o horóscopo.
P. - Quer dizer que o ser humano tem a capacidade de ultrapassar as limitações que os planetas
colocam?
Sim. Por definição ele tem que ter esta capacidade. Por quê? Porque se dissemos que a
consciência e a inconsciência não estão refletidas em parte alguma do horóscopo, se dissemos
que o nível de integração do sujeito (isto é, se ele é mais consciente ou menos consciente) não é
determinado pelo horóscopo, significa que o decisivo não está no mapa. O horóscopo determina o
tipo e não a qualidade. Ele apenas classifica se é tomate ou abacaxi. O Sol não é a inteligência
intuitiva, ele é um fator que, misteriosamente, fixa a atenção do indivíduo num certo tipo de
objeto, de maneira que ele se acostuma a operar intuitivamente numa só direção — o que é uma
limitação. Isto pode evidentemente ser transcendido, porém só na idade madura, e somente por
uma espécie de auto-superação, na qual a autoconsciência do indivíduo é superior às faculdades
das quais ela se utiliza.
Não acredito que exista uma faculdade determinada que possamos chamar de intuição intelectual,
mas existe um ato que se chama intuição intelectual. Se dissemos que a intuição só capta seres
singulares, e que a razão só capta generalidades, então não posso ter intuição de generalidades, e
no entanto tenho. Mas isto não é uma faculdade, mas uma potência da própria consciência. Não é
uma faculdade no sentido de que seja um modo de operação que se distinga dos outros no mesmo
plano, ao contrário, ela é um modo de utilização com um rendimento muito maior. Estas
faculdades têm que estar presentes em todos os seres humanos, e o que tem se chamado de
intuição intelectual nem sempre está presente. O que estou dizendo é mais ou menos o seguinte:
se vocês estudarem a anatomia de um indivíduo, vocês verão vários órgãos, o pulmão que é o
órgão da respiração, o estômago que é onde se precessa a digestão, etc.; a diferença deste
indivíduo para outro não é que ele tenha um órgão que o outro não tenha. A diferença de um
cavalo de corrida para um puro-sangue não é uma diferença de órgão. Do mesmo modo, a
diferença de um homem maximamente consciente, capaz de operar síntese intuitivas ao nível da
racionalidade, até o homem que opera apenas ligado ao seu processo fisiológico subjetivo, sem
conseguir sair deste círculo, não é uma diferença de órgão que um tenha e o outro não, a não ser
que usemos a palavra órgão metaforicamente. A turminha do Gurdjieff dizia que esta consciência
é um órgão que criamos em você. Basta encarar a coisa assim, que você não será capaz de
desenvolvê- la, pois estará materializando algo que não é material. Está dando nome, localizando
no espaço algo que não está no espaço. É como um ator que tivesse que desempenhar um papel
ou vários papéis, mas ele não tem um órgão para desempenhar cada papel. A diferença está ao
nível do comportamento total, e não se trata de um órgão que está ligado num momento e
desligado em outro. Esta psicologia das funções só pode ser compreendida corretamente se for de
fato relacionada à psicologia das camadas, e a diferença de uma camada para a outra não é a
diferença de um órgão para outro, e também não é a diferença da presença de um órgão aqui e
outro lá. É a presença ou ausência de uma ação. Um homem intelige certas coisas e o outro não, o
mais burro tem inteligência intuitiva e inteligência racional, e o mais inteligente as tem
igualmente. As faculdades cuja existência nós assinalamos aqui são relativamente distintas entre
si, embora estejam juntas no indivíduo. É uma distinção real-mental. Não há a menor
possibilidade de confusão entre ter um sentimento e raciocinar, pois são distintos. Porém a
distinção entre a intuição sensível e a intuição intelectual não está ao nível do modo de operação,
mas é uma diferença de objeto. A diferença não está no homem, mas no objeto que ele intelige:
por exemplo, posso com uma espingarda praticar tiro-ao-alvo no clube, ou ir para a Ilha de
Marajó caçar búfalos. A diferença não está na espingarda. Uma espingarda de calibre mais grosso
pode ser usada para o sujeito ficar atirando só no alvo do clube de tiros, e outra de menor calibre
pode ser usada para caçar búfalos. A diferença não está no sujeito, mas no objeto. A diferença
entre as funções é a diferença entre um tiro ou uma flechada, etc.; e a diferença entre o clube e o
búfalo. Esta diferença está colocada ao nível da utilização, que não transcende a estrutura dos
indivíduos. É uma diferença de qualidade, que existe ao nível do hábito. Além das faculdades nós
temos hábitos, que nós adquirimos, mas não temos um hábito como se fosse um órgão. As
faculdades não são hábitos, porque elas não existem somente quando praticadas. Não há um
único ser humano que não tenha estas faculdades. Mas e a intuição de ordem racional? Sua
prática, no começo, é estranha. É algo difícil de adquirir e uns a adquirem e outros não. Se você
estudar, por exemplo, a Suma Teológica de São Tomás de Aquino, após tê-la lido, de repente
você vê a estrutura de todo aquele pensamento projetado de modo simultâneo no espaço.
Qualquer pessoa que tenha familiaridade com a obra filosófica terminará por vê-la assim. Isto é
uma intuição racional. Quais as faculdades que entraram aí? As mesmas. Desta maneira, sou
contra a coisificação da intuição racional como fazia Guénon e coisificação muitíssimo pior que
fazia Gurdjieff, que a tornava um órgão.
É tão inútil se esforçar por desenvolver um órgão chamado intuição superior quanto se esforçar
para que a espingarda desenvolva um búfalo, ou que pedalando mais rápido uma bicicleta surja
dela o caminho. Esta maneira de colocar as coisas põe o indivíduo numa impossibilidade. Não se
trata de desenvolver nada mas de aplicar a um outro objeto. A parte que podemos descrever pela
astrocaracterologia é uma parte inferior, como se fosse uma psicologia fisiológica.
Podemos investigar mais tarde qual é a relação entre planetas e faculdades. Vou adiantar uma
hipótese que tenho a este respeito: não existe nenhuma faculdade cognitiva no homem, ou
conhecimento, que seja puramente espiritual. Todos os conhecimentos se apoiam no corpo
humano. Não pensamos absolutamente nada sem que tenhamos algum tipo de representação
sensível feita pelo corpo, ou porque ele recebe algo e reage, ou porque ele mesmo produz esta
representação dentro dele. Por exemplo, se você tenta falar “A” mas pensa no som de “U”. Façam
esta experiência. Vêem até que ponto a nossa imaginação depende do nosso corpo? Se você tenta
formular um conceito que não tenha nenhuma correspondência no mundo sensível, é uma
dificuldade extrema. Geralmente quando concebemos um conceito, concebemos um monte de
imagens.
A velha teoria de São Tomás de Aquino diz que os planetas influenciam corpos, de alguma
maneira que ainda é desconhecida. O planeta é um corpo, não é uma entidade espiritual, ou um
deus. Não posso acreditar que em Júpiter tem um sujeito barbudo que manda raios. O planeta é
uma bola de minérios que está rolando numa velocidade “x”. Que tipo de influência ele poderia
exercer sobre nós? A hipótese mais óbvia é que existe uma relação conosco enquanto corpos.
Que tipo de influência é? Como se dá? Ainda não sabemos. Apenas sabemos algumas
correspondências temporais assustadoras. Por exemplo, se fizermos uma proporção entre a órbita
de Mercúrio e Marte, encontramos a mesma proporção entre a respiração e a circulação do
sangue. Existe um monte de correspondências deste tipo que são assombrosas e que ainda não
foram explicadas. Só quando tudo isto for elucidado nós poderemos saber que tipo de ação os
planetas exercem, e por que meios. Isto ainda é uma incógnita.
A diferença de potencial elétrico entre a testa e o peito de um esquizofrênico é muito maior na lua
cheia. A lua cheia provoca uma alteração elétrica e as pessoas propensas a isto ficam mais
nervosas. Não é à toa que na lua cheia há muito mais internações em hospitais psiquiátricos do
que em outros dias. Esta linha de investigação será decisiva para explicarmos mais tarde o que os
planetas têm a ver conosco. Desta maneira, a ligação dos planetas com o caráter não é direta, mas
indireta. Ela passa pelo corpo humano, e é justamente isto que permite que uma astrologia médica
tenha algum fundamento. Se os planetas não tivessem nenhuma ligação com o corpo, se eles
determinassem magicamente o caráter, sem passar pela intermediação do corpo, então não
haveria motivo para dizer que Saturno em tal casa causa tal doença. Devemos encarar estas
diferenciações como limitações que os planetas introduzem indiretamente no caráter, por uma
ação exercida por meios desconhecidos. Investigar que atuação é esta e por quais meios ela
procede, faz parte da Astrologia Pura, ou de uma Astrologia Natural, o que escapa do âmbito da
astrocaracterologia, que não pretende ser uma ciência completa, mas só uma parte. Por isto
mesmo, quero alertar que ela não é tudo, que está faltando um capítulo no meio. A
Astrocaracterologia não vai completar o que deve ser estudado por outros meios. Estes meios
certamente não seriam os que estamos usando agora. Quer dizer, o meio de elucidar que
influência é esta, se é uma influência e como se dá, não seria através do método que estamos
usando para construir os tipos ideais através da explicação de motivações, etc., mas teria que ser
um método que se aproximasse mais das ciências naturais, e isto escapa do âmbito do nosso
curso.
O hábito de ver correspondências entre o caráter dos indivíduos e os respectivos horóscopos pode
nos fazer esquecer que a psique humana pode ir além do que é dado pelo horóscopo; mais ainda,
deve ser entendido como uma marca que no fundo é limitante. É uma limitação indispensável,
pois sem ela o indivíduo não poderia evoluir, desenvolvendo estes traços característicos, para
mais tarde superar as suas próprias limitações. Do mesmo modo que nós procuraríamos fazer
com que um indivíduo que nascesse com uma deficiência física superasse esta deficiência, dentro
daquilo que fosse possível para ele.
Cuidado com a identificação de que o Sol é a intuição, Saturno é a razão, etc. Não. Estes planetas
exercem uma ação que faz com que estas funções se liguem preferencialmente a certos objetos e
não a outros. Quer dizer que de fato os planetas não são as funções, mas eles fazem com que
determinados modos de atenção se liguem a certos objetos. Isto precisará ser elucidado mais
tarde. É lógico que se não existissem essas limitações, se as faculdades ficassem dançando, ou
não se dirigissem para algo, não seria possível ao indivíduo se desenvolver. Esta limitação é a
condição do destino humano, condição destinada a ser superada uma vez que cumpra a sua
função. Porém, no estado em que as coisas estão, mesmo as possibilidades que o sujeito tem, o
seu tipo astrológico não é realizado. Vamos tratar disto primeiro, ou seja, que o caráter tal como é
colocado pelo horóscopo possa se desenvolver até o ponto onde ele se torna desnecessário.
Os doze tipos intuitivos só adquirirão clareza maior quando nós os contrastarmos com os doze
tipos racionais, sendo que estamos tropeçando numa terminologia capenga, porque nós dizemos
doze tipos de inteligência, só que não existem tipos de inteligência, mas tipos de objetos para a
inteligência. A inteligência de um sujeito que tenha o Sol na casa quatro é a mesmíssima de um
que tenha o Sol na casa cinco, por exemplo, é a mesma função, só que ela presta atenção com
mais constância, ou até com atenção exclusiva, em determinado objeto.
P. - Poderia definir melhor o que está sendo chamado de inteligência? Você está falando de uma
intuição ou de uma composição de faculdades?
Boa pergunta. Eu estou usando a mesma definição dos escolásticos. Assim como a função do
pulmão é respirar, a função da inteligência é entender o que é captar a verdade. O que é a
verdade? Existem três sentidos em que algo pode ser dito verdadeiro. O verdadeiro se opõe ao
falso. Se dito que dois mais dois é igual a cinco é falso. O verdadeiro se opõe também à mentira.
A mentira pressupõe uma intenção humana. Dois mais dois é falso independentemente de
qualquer intenção humana. Se digo que você quer me fazer crer que dois mais dois é igual a
cinco, então não tenho apenas o falso, mas tenho algo mais. Tenho o objeto falso e uma intenção
falsa. Finalmente o que é verdade se opõe ao que é ilusão. Por exemplo, duas crianças que
brincam de Batman e Robin é de “mentirinha”, ou seja, é uma ficção. A ilusão se põe à verdade
no sentido em que não é hostil. Ao contrário, a ficção é uma espécie de espelhismo, isto é,
olhando o que está de um lado, percebe-se o que está no outro.
Toda a arte é ficção ou fingimento, até que se descubram alguma coisa que seja verdade. A
atenção do homem, do espectador, não vai para a verdade, mas para a ficção. Não é assim? Como
no teatro, onde você presta atenção numa história, sabendo que é ilusão. Se nós tomássemos
como verdadeira a peça, nós simplesmente não a entenderíamos. Tem sempre o tipo que manda
cheques para a heroína da novela que está com dificuldade financeira. Um tipo assim
simplesmente não entende a novela, quando a toma como verdade quando na verdade trata-se de
ficção. Você pode tomar a ficção como totalmente ilusória porque você recusa a credibilidade.
Você concede credibilidade emotiva, participando e sofrendo, o que prova que não é uma mentira
integral, mas recusa a credibilidade intelectual. Na mentira você cai inteiramente.
O que é verdadeiro? É o que não é nem ilusão, nem mentira e nem falsidade. Às vezes é difícil
definir o que é verdade, mas por esta distinção fica mais falsa. Existe evidentemente a verdade do
ser e a verdade do conhecer. Posso dizer que existe uma verdade desconhecida para mim. Por
exemplo, não sei o que vocês fizeram o dia inteiro antes de virem para cá, mas certamente vocês
fizeram alguma coisa, que é verdadeira embora eu não a conheça. No que consiste a verdade do
meu conhecer a respeito disto? No máximo no reconhecimento da minha ignorância. Se digo que
ignoro o que vocês fizeram antes de vir para cá, é verdade, embora o meu conhecer seja avesso à
verdade do ser. Existe um ser verdadeiro e eu sei que não o conheço. Na hora em que digo isto,
estou dizendo a verdade, embora seja de maneira negativa. O sujeito não pode saber uma verdade
se ele não sabe que ela é verdade. Se eu sei, eu sei que sei. E se eu não sei que sei, então não sei.
Por exemplo, se eu penso que todos estão na minha frente e se não estou consciente disto, se não
sei que sei, então isto quer dizer que vocês estarem aqui é o mesmo que não estarem. Se não sei a
respeito de uma informação, dou tanto valor a ela quanto ao seu contrário. Se o homem sabe,
então ele sabe que sabe. Esta condição nem sempre é cumprida, e por isto nem sempre o homem
está na verdade. Um conhecimento que você tenha mas que você não leve em conta, não pode ser
dito nem verdadeiro nem falso. Ficou inoperante. Por um lado existe a verdade do ser e do
conhecer, e por outro a verdade do objeto. Eu sei que dois mais dois é igual a quatro, mas não sei
que sei, assim poderia proceder como se dois mais dois fosse igual a cinco. Nesse caso, eu menti
a respeito do objeto e a respeito de mim mesmo, e agi como se não soubesse o que sei. Assim,
cometi um erro por um lado e uma ilusão por outro. Só existe verdade quando ela está no ser, no
saber e no objeto. Ela cumpre esta tríplice condição. Não é falsidade, nem mentira e nem ilusão.
Isto quer dizer que não existe nenhuma verdade objetiva que independa do postulado ético. Toda
verdade tem fundo ético, ou seja, o conhecimento científico independente do postulado ético é
uma mentira. O postulado ético de toda a ciência diz que o conhecimento tem que ser verdadeiro.
Por que ele não pode ser falso? Por que não posso fazer uma ciência falsa? Isto não é uma
afirmação ética? Por que o verdadeiro é melhor que o falso? É melhor que o falso se eu quiser.
Existe um fundo ético em todas as ciências até nas mais objetivas, até na matemática. Se eu
quiser que dois mais dois seja igual a três posso continuar a raciocinar corretamente. Por que não
faço isso? Porque não quero. Porque não desejo a coerência parcial, mas total. Por que o
conhecimento tem que ser coerente? Ele não precisa ser coerente, podendo ser totalmente
incoerente, mas eu tenho um compromisso com a verdade. Isto está no fundo de qualquer ciência.
Esta idéia de que a ética e a ciência estão separadas é absolutamente impossível. Uma vez
delimitado o objeto e o método, pode-se fazer com que os postulados éticos não interfiram,
porém os postulados de base já estão lá. Isto quer dizer que o indivíduo falso não pode conhecer
nenhuma verdade. Se ele é eticamente falso, seu raciocínio também é falso. Existe um elemento
moral que foi este que eu dei. Sei que sei. Isto chama-se o quê? Sinceridade. Reconhecer que sei
aquilo que sei chama-se humildade. Aceitar o fato consumado é a primeira virtude da ciência. A
segunda virtude é o reconhecimento que sei o que sei e não proceder como se não soubesse, e isto
chama-se sinceridade. Isto é a base de todo o método científico e ético também. A humildade é
você reconhecer o objeto, e sinceridade é reconhecer o estado do sujeito. Reconheço que dois
mais dois é igual a quatro e reconheço que sei isto.
P. - Posso reconhecer também que não sei?
Claro. Se ignoro a verdade do objeto, não ignoro no entanto a verdade do sujeito, que é a minha
ignorância a respeito. Isto é um saber incompleto que obedece às condições da ciência. O homem
não conhece a verdade fatalmente, mas porque ele quer. Ninguém pode ser a causa de que
ninguém conheça, nem mesmo Deus pode te fazer ver algo se você não quiser. Sou contra
qualquer formulário de regras morais, o que não quer dizer que seja adepto da imoralidade.
Qualquer padrão moral que não seja descoberto por sua sinceridade não vale nada. O homem tem
a capacidade, por sua sinceridade, de descobrir que está errado, porém se ele aceitar esta primeira
regra moral que é a humildade e depois a sinceridade. Você sabe e sabe que sabe. Basta isto e
tudo o mais é excessivo. Compreender é extremamente difícil porque às vezes a gente sabe mas
esquece que sabe. Sabe, mas não sabe que sabe. A exigência da coerência entre tudo o que você
sabe e entre os seus atos é o fundamento moral e é um fundamento para a prática científica
também. Esta história de que a ética e a moral dependem de uma escolha subjetiva é mentira.
Quando eles falam isto, eles se dão ares de que são detentores de um conhecimento objetivo, e
que o pessoal da ética e da moral são subjetivos. Esta idéia também de que seja necessário um
corpo moral para o indivíduo está errada, pois ele é necessário para a sociedade, para administrar
um grupo de pessoas porque não dá tempo que cada um descubra o seu erro, o que está certo e
errado. Os códigos morais dependem de uma exigência prática.
P. - A inteligência é o exercício coordenado de todas as faculdades para se chegar à verdade?
Sim. O exercício coordenado de todas as faculdades para se chegar à verdade é a inteireza do ser
humano. Se o sujeito não está inteiro, ele não capta a verdade, que deve ser o objetivo máximo.
Não consigo entender outra coisa. Ele poderá captar uma verdade, mas a seguinte não. Ele pode
esquecer que sabe, então está na mentira.
P. - A consciência seria a manutenção desta verdade?
Precisamente. Você não optar pela mentira, pela desrazão, porque lhe convém naquele momento.
Mas daí você se torna incoerente com a humanidade. Por que podemos condenar o sujeito que
rouba? Por que ele vai contra a verdade ou contra o bem? É fácil perceber que o ato do roubo
afirma e ao mesmo tempo nega o direito da propriedade. Assim, é um ato ilógico e não
precisamos recorrer à idéia do bem. Se eu fosse escrever um livro de ética, a palavra bem não
entraria, mas sim as palavras certo e errado. O bem seria uma das qualidades do verdadeiro.
Estamos distantes de Platão, pois para ele o fundamento da ética era o Sumo Bem. Mas não
precisa disto. Precisa? O fundamento da ética é o verdadeiro.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 47 SÃO PAULO, 17 MAR. 1991
TRANSCRIÇÃO: JOEL NUNES DOS SANTOS FITA II

Os tipos que vamos descrever não são tipos de “inteligência racional”, mas tipos de assuntos, de
temas, de perguntas.
A razão procede construtivamente, buscando entre os vários elementos que foram intuídos um
senso de totalidade e de proporcionalidade mútua. Ela só faz isso, o que implica dizer que a razão
tem de entrar em funcionamento depois da intuição. Depois de os vários objetos terem sido
intuídos, retidos na memória, etc., a razão vai tentar dar a essa coleção um sentido de inteireza, de
proporcionalidade, de harmonia e de equilíbrio. Em algum lugar ela tem que começar esta
operação — ela tem que ter um fato, um motivo inicial que tome como base para poder referir a
ele os demais dados. Há sempre um dado que para a razão é básico e este dado básico é por assim
dizer o pilar da construção.
Suponhamos que pudéssemos articular o mundo todo um sistema racional tal como fez São
Tomás de Aquino (que partiu de princípios universais e dedutivamente chegou aos particulares).
Seria tudo fácil, tanto que se você pegar a Suma Teológica e pô-la num computador, este a
prossegue, não precisando mais de São Tomás de Aquino. Por que isto é fácil? Porque ele partiu
de princípios universais.
Partindo dos princípios da lógica (identidade, não-contradição, terceiro excluso), é possível
desenvolver todo um sistema de metafísica. Aliás, até um computador faria isso com regular
eficiência. Mas o fato é que na vida do indivíduo, em seu processo biográfico, ele não parte de
princípios universais. Sua construção racional parte do que lhe aconteceu, das evidências que se
lhe impuseram intuitivamente.
Imagine-se Sherlock Holmes investigando um crime. Você tem de um lado toda a linha
cronológica dos eventos que se deram desde o planejamento do crime até a sua consecução. Para
que haja um crime, é necessário alguém que o planeje, que tenha a idéia de fazê-lo; daí os meios,
os instrumentos, a ocasião, etc., são concebidos; a seguir, o desencadeamento dos meios para a
consecução do crime. Esta é a ordem dos eventos.
Se Sherlock Holmes conhecesse os eventos nesta ordem, ele seria infalível. Mas o fato é que
quando se investiga um crime, não é por aí que se começa e, sim, pelo fato consumado. Ao
chegar lá, você vê o cadáver estendido — às vezes, nem o cadáver vê, tendo sobrado apenas o
charuto que a vítima fumava. Vai ter de fazer toda uma cadeia dedutiva às avessas, procedendo
indutivamente, às vezes dialeticamente (dialética: cadeia dedutiva ao contrário). Este é
exatamente o problema: as pistas das quais Sherlock Holmes parte nem sempre são as melhores,
pois são aquelas que o assassino deixou por engano ou mesmo com o propósito de confundi-lo.
Na vida, estamos na posição não do computador que parte de princípios e vai tirando as
conseqüências por ordem, mas na posição acidental, lateral, marginal, ou propositadamente falsa,
tenta remontar a cadeia. Por isso mesmo, procedemos por indução, por dialética e também por
isto mesmo montamos o esquema racional de maneira falsa e temos que derrubá-lo e começar
tudo de novo.
Este ponto de partida, esta pista inicial que a vida colocou para você, é isto que é determinado
pela casa onde está Saturno. E a pista pode ser falsa.
Houve um detalhe qualquer, um evento qualquer que chamou a sua atenção e você começa a
raciocinar e tentar coerir os dados tomando aquele dado como central e como inicial. Isto quer
dizer que a posição de Saturno nesta ou naquela casa não ajuda em nada o processo racional; ao
contrário, atrapalha-o.
São Boaventura dizia que a noção de Deus ou do Absoluto é um dado inicial; que é a primeira
coisa que conhecemos. Os escolásticos negavam isso (São Tomás o negava, dizia que Deus não é
um dado inicial, mas o que se conclui no fim). Parece que a razão está do lado de São Tomás de
Aquino, pois se o Absoluto fosse um dado inicial, todo mundo começaria raciocinando das
causas, indo para os efeitos e seria uma racionalidade maravilhosa. Porém, é possível que São
Boaventura tenha razão no sentido de que quando você aos quarenta ou cinqüenta anos completa
a dedução, vê que algo desses primeiros princípios já eram conhecidos lá atrás. Diríamos, então,
que o Absoluto é primário não na ordem cronológica mas na ordem lógica. Cronologicamente
não começamos a história dos princípios primeiros, mas de algum acidente.
O homem é racional por natureza: tem o dom ou necessidade de coerir tudo que ele sabe; ele não
quer que nada escape, não tolera o puramente acidental; não o tolera porque deseja ter poder
sobre o que acontece, porque não deseja ficar no escuro, porque deseja governar o fluxo dos
acontecimentos, deseja agir e agir é proceder racionalmente utilizando os meios necessários à
consecução de um fim. Não adianta desencadear os meios necessários a um fim se existe ao
mesmo tempo outras linhas de causas desencadeando a operação de outros meios que anulam a
ação daqueles que eu desencadeei. Portanto, toda ação pressupõe uma visão coerente do todo no
qual essa ação se encaixa. Aluno: A percepção do acidente não afirmaria a posição de São
Boaventura? Não seria isto uma quebra do que já estava articulado para o sujeito? A percepção
de que algo falha em relação ao esquema que ele já possuía? Olavo: É algo pior do que isto. O
esquema que ele começa a montar já parte de um acidente. Por exemplo, para investigar o crime
— sou detetive — chego no local do crime e vejo que tem vários objetos fora do lugar: um vaso
que quebrou, uma cadeira virada, etc. Parto do princípio de que houve uma briga, alguém
derrubou o vaso e este quebrou. Mas o vaso pode ter quebrado na véspera e não ter nada que ver
com o assunto. Comecei a raciocinar a partir de um acidente. Se vocês lerem Sherlock Holmes,
verão que sistematicamente o inspetor da Scotland Yard, o Inspetor Lestrade, vai pelo dado
acidental e Sherlock Holmes, por uma intuição maravilhosa, vai pelo dado importante. Mas às
vezes Sherlock Holmes também erra, só que Lestrade persevera no erro e Sherlock Holmes volta
atrás. É o que os diferencia.
Na vida sempre partimos de detalhes acidentais, porque foram eles que nos chamaram a atenção;
nos chamam a atenção porque contrariam o nosso instinto de coerência; eles mostram que
aconteceu algo que não poderia acontecer, ou algo que fere o meu senso de integridade do real ou
o senso da minha própria integridade.
Suponhamos que na investigação do crime você chega lá, encontra o cadáver, a arma do crime
cheia de impressões digitais, o cartão de visita do assassino ... tudo isso é muito esquisito, fere o
nosso senso de integridade: o sujeito sabe que vai ser punido, então seu interesse é se esconder.
Esta incoerência nos chama a atenção.
Num romance policial de Durrenmatt há um sujeito famoso, um senador que entra no restaurante
e na frente de todos que lá comem, dá dois tiros na vítima. O senador evidentemente é preso.
Contrata então um advogado, a quem propõe pagar o que este quisesse para proceder a uma
investigação baseada na hipótese de que ele não cometeu tal assassinato. O advogado, junto com
um detetive particular, partem para investigar a hipótese que todo mundo sabe ser falsa. E com
isso arma uma tamanha confusão que no fim acabam por soltá-lo.
Por que ele fez isso? Porque havia uma estranheza: um sujeito famoso, bem de vida, mata outro
sujeito, confessa o crime e depois pede que seja investigada a hipótese de não ter sido ele o autor.
Algo esquisito, que começa a ser ponto de partida de um outro raciocínio. No fim, com isso se
arma uma confusão em que todo mundo passe a suspeitar que de fato não foi ele o criminoso, até
as testemunhas acabam confundidas, duvidando se viram realmente o que viram.
O ponto do qual começamos a raciocinar é aquele no qual temos motivo para raciocinar. E esse
motivo é uma incoerência aparente que nos chama a atenção. Por isso mesmo, por ela ser o
motivo a respeito do qual nós pensamos, é ela também o ponto de partida do raciocínio. A razão
sempre funciona assim, a não ser que seja uma razão treinada para vencer seus próprios enganos.
Sherlock Holmes, por exemplo, nem sempre prestava atenção na coisa mais estranha. Às vezes
uma coisa perfeitamente óbvia que não chamaria a atenção de ninguém pode ser a pista para
alguém que tenha longos anos de prática. Não se vai querer que uma criança de três ou quatro
anos, quando começa a raciocinar, já tenha toda esta prática. Ela vai raciocinar desde aquilo que
lhe chamou a atenção, desde aquilo que lhe pareceu absurdo, coisa essa que é justamente onde
falha a intuição, onde se intui como verdadeiro o que não pode ser verdadeiro: constata que
aconteceu o que não pode acontecer, o não-ser passou a ser. Até esse momento a sua intuição
resolvia todos os problemas: o que você enxergava, era e você tem aquela certeza de que era; de
repente, você enxerga mas não é ou não enxerga mas é. Ocorreu o bloqueio da intuição, deu-se a
humilhação da inteligência, portanto, o medo, o estranhamento. “O conhecimento começa com
um espanto”, dizia Aristóteles. Naturalmente ele se referia ao conhecimento racional e não ao
conhecimento intuitivo. O intuito existe, com ou sem espanto, mas o racional, não. O que
provoca o espanto é a questão inicial, que por sua vez é a pista inicial. E esta pista pode ser falsa.
Todos nós somos racionais. Somos racionais porque somos homens. Colocamos esta potência
racional em ação a partir do momento em que sentimos que dela precisamos, que precisamos
completar o dado, quando julgamos que algo está faltando no real, algo foi sonegado. Já que não
podemos perceber, temos que conceber. É um pedaço da história que se furta à intuição, um
pedaço do qual não há intuição. Concebo esta parte para completar, para criar o elo entre as
partes intuídas e é isto mesmo que a razão faz. Aluno: Não estou conseguindo fazer distinção
entre intuição e atenção. Olavo: Você tem que ter atenção tanto para intuir quanto para raciocinar.
Aluno: Quando raciocino também não tenho que ter intuição para raciocinar? Olavo: Claro que
tem. Se você raciocina e não percebe que está raciocinando, este raciocínio de nada lhe serve. Por
exemplo, durante o sono a gente raciocina. Mas só que não percebemos, não temos a intuição de
que estamos raciocinando; não temos também, no sono, a atenção. A atenção é um esforço em
direção a algo. Nem sempre esse esforço provoca a intuição. Você pode prestar muita atenção e
não intuir nada.
A intuição é a primeira faculdade. Sem a atenção, porém, nenhuma faculdade funciona. É
evidente, portanto, que a primeira coisa que a atenção mobiliza é a intuição. Também é claro que
quando você recorda, tem de ter a intuição de que está funcionando e você não tem todo o tempo
a intuição dela. Você recorda mas não sabe que recordou, o que é o mesmo que nada recordar.
A atenção é uma seleção, uma exclusão, uma capacidade que temos de fixar-nos em alguma coisa
e apagar o resto. É uma capacidade abstrativa, que funciona tanto na intuição quanto na razão. É
bobagem dizer que a intuição capta as coisas concretamente e a razão abstratamente. O conteúdo
de uma é concreto e o da outra é abstrato. O modo de operação é abstrato nos dois casos. Atenção
e abstração, no fundo, é a mesma coisa. Abstração é o reverso da atenção.
Quando o olhar se dirige para determinada direção, as outras coisas ficam como pano de fundo.
Não são abolidas, estão lá.
Quando prestamos atenção em algo, estabelecemos uma hierarquia de importância. Tem um foco
que é importante e o resto fica virtualizado, fica pra depois, mas sabemos que está ali. O sujeito
hipnotizado presta atenção só naquele ponto e o resto não existe, ele não recebe nenhuma
informação deste fundo. A atenção é um processo abstrativo e seletivo. No sujeito hipnotizado,
esta abstração é forte demais: abstrai tanto que tudo o mais cessa de existir — apaga. É como se
você fosse ao cinema e ficasse tão envolvido com o filme que esquecesse que está num cinema, a
ponto de, ao sair do cinema, de um filme que envolvesse chuva, você corresse à marquise mais
próxima com medo de molhar-se, num dia de sol, sem chuva.
A atenção é prévia a qualquer faculdade: ela é a capacidade abstrativa. Como a primeira
faculdade cognitiva é a intuição, a maneira primeira através da qual a atenção entra em
funcionamento é através da intuição. Mas não se confundem.
A memória também é seletiva: quando se recorda, não se recorda tudo e, sim, o que interessa.
Caso você recorde tudo indistintamente, você não capta nada. A recordação é sempre seletiva. O
sentimento também é seletivo, dado que se você tiver todos os sentimentos ao mesmo tempo,
você não saberá de sentimento algum. Ela, a atenção, está presente em todas as faculdades. Ela
não é uma faculdade, é a capacidade de recortar o real. Quem presta atenção é eu, sou eu. E no
horóscopo não tem eu algum. Aluno: As faculdades são modos de atenção? Olavo: Sim, são
modos de atenção. A atenção se diferencia em direções, que são as casas e modos, que são as
faculdades.
O processo da razão começa a partir de um evento ou de um ser ou de alguma coisa no que
prestei atenção e que fere e bloqueia a minha capacidade intuitiva. Ou seja, olho mas não vejo.
Suponho que está faltando algo no mudo intuitivo e começo a conceber esse algo. Começo, na
minha cabeça, a montar esquemas, que conectem e hierarquizem os dados intuídos de maneira
que eles não se desmintam mais, que eles não se neguem mais uns aos outros. O fato que me
chamou a atenção a partir do qual raciocino, é acidental, é um fato qualquer, que pode estar muito
longe das suas causas, que pode não ter importância nenhuma na ordem das coisas, mas que para
mim foi o dado fundamental. Aluno: Seria preciso um volume grande de informações para que a
atenção pudesse ser chamada no sentido de que algo está faltando ... Olavo: Claro. Por isso a
razão só entra em funcionamento um pouco tardiamente, quando o indivíduo já tem uma
constelação de objetos na memória, um certo esquema, já tem uma esquematização primitiva a
qual se faz na memória mesma. Quando estudarmos a memória, veremos que ela já realiza uma
parte do trabalho da razão. A memória coere também um pouco as coisas, porém só um
pouquinho. Mas chega um momento onde essa coerência intuitiva da memória não basta mais.
O princípio de seleção da memória é como se fosse um reflexo condicionado: a coisa que é
repetida grava facilmente. Se houver repetição um número excessivo de vezes, o dado apaga. Por
exemplo, se sua mãe lhe dá uma bronca porque sujou a camisa uma vez, não adianta; duas vezes,
três vezes, começa a adiantar porque você começa a prestar atenção. Porém, se ela fala isso
milhares de vezes, o estímulo já ficou enfraquecido e então não grava mais. Este é o princípio de
seleção da memória, que não deixa de ser um princípio racional, de certo modo. Mas é uma razão
primitiva. Até um certo ponto de vida, isto basta para o indivíduo se governar. Chega um ponto,
porém, onde isto não basta mais, onde a memória não lhe dá mais as respostas automáticas: a
memória e a intuição começam a falhar. Daí ele quer algo mais, quer conceber um esquema. A
memória tem esquemas mas são esquemas puramente aprendidos, nos quais o homem insere os
novos dados. Porém, uma hora eles não bastam mais. O homem, a partir daí, tem que inventar um
outro esquema. E este novo esquema não está na memória. O homem o cria. A isto se chama
razão, a capacidade de criar esquemas que relacionem os dados para além dos esquemas naturais
da memória. Porém, o que nos interessa é que o ponto de partida, o que desencadeia esse
processo no indivíduo, é um acidente. Assim Sherlock Holmes saiu para investigar um crime.
Acontece que no meio do caminho ele foi assaltado e o ladrão que o assaltou bateu em sua cabeça
fazendo-o desmaiar. Ele pode começar a pensar que quem bateu na sua cabeça foi o assassino,
que assim o fez para tirá-lo da investigação. Mas e se foi um outro ladrão que não tem nada a ver
com a história e que coincidiu de assaltá-lo? Ei-lo na pista falsa.
Coincidência e casualidade: é fato que determinadas linhas causais sem ligação entre si se cruzam
no espaço e no tempo; ligações que são cronológicas, porém não lógicas; coisas que acontecem
ao mesmo tempo e no mesmo lugar e que não têm nada que ver uma coisa com a outra. isto pode
colocar o sujeito numa pista falsa, embora nem sempre porém a pista seja falsa. O que interessa é
que o que nos chamou a atenção foi um determinado evento que os esquemas automáticos da
memória não bastavam para articular ou, ao contrário, até contrariavam esses esquemas da
memória. Como ocorre ao haver a introdução de um estímulo que contrarie todas as cadeias de
estímulo-respostas já montadas. Se você faz isso com um cachorro, ele enlouquece. Se você
treina o bicho anos a fio para responder de determinada maneira a determinados estímulos, e
depois você começa a lhe dar estímulos que não têm nada a ver com os estímulos que ele já
conhecia, ele enlouquece. A capacidade de coerir que ele tem está vinculada à memória, não
passando dela e funcionando na base de estímulo-resposta. Pavlov fez esta experiência. Como
resultado, os cachorros ficavam tão malucos que começavam a atacar o dono e lamber a mão dos
estranhos, porque não entendiam mais nada. Isto porque depende, o cão, de que os eventos do
presente sejam sempre coerentes com os do passado, que as linhas de estímulo-respostas
continuem, sejam sempre iguais. Da mesma forma que a criança até chegar à idade da razão.
Porém, o homem chega a um ponto onde, se vem um estímulo adverso, ele não enlouquece
imediatamente: ele recua para conceber uma resposta nova. Por isso que o homem é racional: ele
responde para além da cadeia de estímulo-resposta já formada. Ele pode conceber a possibilidade
de outros estímulos; ele pode graduar essas possibilidades; pode fazer a possibilidade de
possibilidades e armar esquemas de possibilidades tão complexas que fica longe de tudo que o
animal possa, de longe, suspeitar que exista. Porém, o fato é que este processo nele se
desencadeia a partir de um acidente qualquer que quebre as linhas de estímulo- respostas já
assentadas.
O animal, se se colocar para ele desafios que só podem ser respondidos pela razão, simplesmente
enlouquece e o homem na mesma situação começa a pensar, a conceber outros esquemas de
outras possibilidades que vão infinitamente além do fato consumado. É uma verdadeira maravilha
que o homem possa fazer isso. O problema é que a causa eficiente que desencadeia isso é
acidental. A causa formal é: o homem raciocina porque é racional. Porém, o que faz o homem
começar a raciocinar é um acidente qualquer. E esse acidente é não somente a causa que o faz
começar a raciocinar mas é o assunto mesmo a respeito do qual começa a raciocinar. É o ponto de
partida da sua cadeia lógica. É causa eficiente, causa instrumental e causa material do raciocínio.
E este é o grande problema, que afirma um indeterminismo: qualquer coisa pode ser pretexto para
o começo do raciocínio. Aluno: Você disse que esse momento de início, que é uma coisa
acidental, é muito importante para o desenvolvimento cognitivo no sentido de que seria
importante para a criança até uma certa idade ter muita intuição e pouco desenvolvimento da
razão. Olavo: De fato, a criança tem pouco desenvolvimento da razão, pois não está habituada a
fazer esquemas. Um dia ela vai começar a fazê-los. Os primeiros esquemas que faz, porém, não
são propriamente esquemas racionais, mas esquemas da memória, esquemas puramente
associativos. O acidente pode adiantar esse processo.
Não é possível preservar a criança disso. O problema está em que o evento que desencadeia o
princípio do processo racional é ele também o assunto a respeito do qual o indivíduo começa a
raciocinar. Se não fosse isso estaria tudo bem. E o que a presença de Saturno nas casas nos indica
é justamente isto: o assunto! Ou seja, indica o primeiro evento que lhe chamou a atenção como
absurdo. Não qualquer um, que pode até não ser exatamente o primeiro. Mas é aquele primeiro
que você não conseguiu resolver, aquele primeiro evento que transcendia a sua capacidade de
esquematização, o evento que colocava uma pergunta que transcendia infinitamente a sua
capacidade de resposta no momento. Resultado: este primeiro problema com o qual a sua razão
se defronta e que a derrota, evidentemente gera medo. Porque isto marca o limite da sua
inteligência, o limite do seu poder. Mas ao mesmo tempo, todo este medo é um assunto que lhe
chama muito a atenção. Porque você não se conforma com o limite do seu poder, não se
conforma com a humilhação da sua inteligência.
O assunto, o tema assinalado pela casa onde está o planeta Saturno, é o princípio do espanto. E
fica sendo para você, pelos anos seguintes, o tema que mais lhe espanta, o que mais você
necessita saber e aquele que você mais teme. O que demonstra que seria absurdo dizer que
Saturno é a razão. Ao contrário, Saturno é o planeta cuja posição em determinado lugar, assinala
um certo tipo de evento que desencadeia o processo racional, o que não quer dizer que ele o
ajude. Aluno: E quanto à identificação que os astrólogos fazem entre Saturno e tempo? Olavo:
Essa identificação vem de uma etimologia errada. Saturno não tem que ver com khronos, tempo,
mas com cronos, que quer dizer coroa, reino, poder. De cronos saiu a palavra coroa, crânio. Tal
identificação é um mero trocadilho.
Que Saturno tem a ver com o poder é evidente que tem.
Podemos dizer que esta primeira experiência coloca você em face de um poder que o transcende,
transcende sua inteligência. Pelo menos naquele momento: você percebeu que existe o mundo da
acidentalidade, o mundo do absurdo, o mundo inexplicável. Então você vai colocar a máxima
potência da sua razão a serviço do intuito de resolver aquele problema. Mas acontece que, ao
mesmo tempo, este problema atemoriza.
Temos doze temas iniciais que são assinalados pelas doze posições do planeta Saturno. Como se
fossem doze perguntas ou doze objetos estranhos. Se têm alguma relação com o tempo, é apenas
no sentido da inexistência de um vínculo entre a ordem lógica e a ordem cronológica. O que
acontece num determinado momento e lugar não obedece à ordem lógica que eu tenho na cabeça,
mas obedece a uma outra ordem que me é externa e estranha. O meu esforço será o de estabelecer
os vínculos entre ordem lógica e ordem cronológica, em recolocar os eventos cronológicos dentro
de uma seqüência lógica causal. Não é isto que faz o detetive? Buscar saber o que aconteceu
antes e o que aconteceu depois e qual é o vínculo lógico, não apenas cronológico? Transforma o
cronológico em lógico. Esta seria a única relação que poderíamos admitir entre Saturno e o
Tempo. Ele assinala, Saturno, que aconteceu alguma coisa. Se aconteceu, aconteceu
cronologicamente e, mais ainda, cronotopicamente, ou seja, num tempo e num lugar. E esta
ordem do cronotópico nem sempre corresponde à ordem lógica, ou seja, com a ordem de
hierarquia das causas.
Fundados nisto começamos a rescrever a nossa biografia, a nossa história, de maneira que faça
sentido, de maneira que a ordem cronológica faça sentido, reflita uma hierarquia lógica.
A relação entre ordem cronológica e lógica são extremamente confusas. O exemplo do qual nós
primeiro tomamos conhecimento nem sempre é o primeiro na ordem cronológica dos eventos.
Tenho, por um lado, a ordem cronológica do que aconteceu; segundo, a ordem cronológica do
meu conhecimento — vou conhecendo numa certa ordem. Porque o meu conhecer também é um
acontecimento, ele também tem uma história. Aí há duas histórias: uma que começou antes e
outra que começou depois.
O meu conhecimento também tem a sua ordem lógica, a qual não coincide com a ordem lógica
dos eventos que procuro conhecer. Só na hora que consigo encaixar essas diversas linhas de
sucessão é que sinto que descobri a verdade. E isto é difícil e requer tempo.
A associação de Saturno com o tempo não tem sentido. Nada na mitologia faz essa associação. O
tempo é regido pelas Parcas, que vão tecendo o fio do tempo. É outro e completamente diferente
mito. É lógico que tudo que acontece tem relação com o tempo. Mas associar Saturno a isso seria
a mesma coisa que dizer que Marte tem relação com o tempo, porque ele faz alguma coisa e se o
faz, o faz também no tempo.
Toda mitologia é “história da carochinha”. Toda história da carochinha pode ter sentido profundo
se o leitor for profundo. O que não quer dizer que quem inventou os mitos fosse muito profundo.
Acho que as tentativas de interpretar as mitologias no sentido de Paul Diel, de Schelling, são
idealizações da sabedoria inerente à mitologia. Pois, existe sabedoria inerente a tudo, a uma
pedra, inclusive, o que não quer dizer que seja uma sabedoria voluntária, autoconsciente. Posso
ler uma peça de Nelson Rodrigues e achar nela profundidades inauditas, que não estavam na
cabeça dele.
Há um verso de Antônio Machado: “He visto en mí soledad cosas mui claras que no son verdad”.
Pense sempre nisto: raciocinando lá no seu profundo você tem intuições incríveis mas que não
são verdade. Aluno: Às vezes o crítico é melhor que o artista. Olavo: Acontece. E é possível ao
sujeito ver profundidades onde não há nenhuma.
O mito pode ter todos esses sentidos que lhe são atribuídos a posteriori. E que de certa maneira
estão lá mas nem sempre lá estão de maneira certa. Se estivessem lá de maneira certa, teriam sido
explicitados desde o primeiro momento. Como também com a filosofia de Heiddeger: se de fato
queria dizer isso, por que não o disse? De fato, o que via de um jeito confuso, obscuro e do jeito
que viu falou. Se o sujeito é enigmático é porque ele viu um enigma: um sujeito que conta um
mito, uma revelação, uma inspiração, também não entendeu nada, apenas vende o peixe pelo
preço que comprou. Dizer que Deus sabe o que ele quis dizer com o mito é o mesmo que dizer
que Deus também sabe o que ele quis dizer com os rios, as montanhas, as árvores, o céu ... para
ele é evidente e para nós é obscuro.
Sou contrário à atribuição de sentidos demasiado profundos a mitos do passado. Isso é legítimo
quando se entende que é você que está vendo isso e não atribuindo ao mito mesmo aquela
intenção.
Feita esta ressalva, poderíamos dizer que de fato Saturno representa uma etapa da criação do
mundo. E esta etapa teria ligação com a criação do triplo tempo: primeiro havia uma eternidade,
limitada em todas as direções, o que era representado por Urano, que é infinitamente criativo.
Abaixo deste se cria um tempo cíclico, um tempo que se repete: o que acontece agora
desacontece depois — Saturno gera os filhos mas os come logo a seguir ... acontece mas não
acontece nada. Finalmente existe o tempo cronológico tal qual nós o entendemos, que é um
tempo linear, que abre a possibilidade do encerramento definitivo de certos acontecimentos —
somente as coisas morrendo definitivamente é que pode existir algo novo. Por isso se diz que
Júpiter inventou o calendário: o calendário é cumulativo, ele absorve as partes cíclicas nos meses
do ano, que se repetem. Mas tem um aspecto linear na soma dos anos que nunca se repete, nunca
volta. Na hora que Júpiter cria essa dimensão linear, possibilitou a vida humana: o homem não
pode viver no eterno retorno, no cíclico. Porém, se os mitólogos sabiam de tudo isso, eu não sei,
apenas sei que nós o sabemos. Se sabiam de tudo isso, por que não disseram exatamente isto?
Como as histórias que minha avó contava e que eu não entendia: hoje vejo nela profundidades
inauditas, assim como Freud analisando “Chapeuzinho Vermelho” vê também coisas fantásticas.
A interpretação dos mitos, é bom saber, varia conforme o tempo e também conforme os
interesses do sujeito que os interpreta. Goebels distribuiu cópia de “Nostradamus” que dizia que
em 1940 Londres seria destruída. Atualmente, distribuem o mesmo “Nostradamus” para justificar
a guerra contra Saddam Hussein, o qual por sua vez deve interpretar “Nostradamus” de maneira
diferente. Os mitos, no fim das contas, são convenientes às sociedades secretas, aos grupos que
querem manipular a opinião pública, etc. Têm de fato uma parte de sabedoria, porém menos do
que a que existe na cabeça de qualquer ser humano autoconsciente e pensante. Não acredito de
maneira alguma na autoridade de uma tradição imemorial que se sobreponha à consciência
individual.
Saturno poderia ser interpretado cosmogonicamente neste sentido mas não estou muito seguro de
que os gregos entendiam isso. Na verdade, eles viam essas coisas de maneira realmente
mitológica, temiam esses deuses mesmos. Eles achavam que Saturno ou Júpiter faziam isso ou
aquilo. Basta saber que achavam isso para entender-se que era uns idiotas perfeitos, que estavam
redondamente enganados. Achavam realmente que com tais ou quais ritos se podia aplacar tais ou
quais forças cósmicas. Mas é você que está servindo a elas e não elas a você. Não podemos
esquecer que no mundo greco- romano esses mitos tinham sentido religioso, era religião oficial.
E basta saber isto para entender que não havia tanta sabedoria assim, mas que havia um negror de
ignorância, estupidez, maciças. Não conseguiam de maneira alguma conceber a idéia de uma
divindade transcendente à natureza. Isso não lhes entrava na cabeça. Platão conseguia conceber a
idéia do bem supremo. Logo, era muito mais inteligente que os gregos. Mas os mitólogos,
sacerdotes, todos eles eram barbaramente sensorialistas. Por serem sensorialistas, precisavam de
historinhas da carochinha para transmitir algo, um conhecimento do qual se diz: é mito — um
conhecimento mudo. Se é um conhecimento mudo, inexpressável de mim pra fora, não consigo
dizê-lo para um outro. Mas se não consigo expressá-lo nem para mim, quer dizer que não
conheço nada: é uma potência de conhecimento e não conhecimento mesmo.
O homem é o animal que fala. E só sabe o que fala. Às vezes fala pra si, às vezes é muito difícil
expressar para fora. E se é difícil você expressar pra si, então seu conhecimento é obscuro.
A apologia do incomunicável, do silêncio também é a apologia da ignorância. E acho que isso
tudo tem um lado profundamente anti-humano e contrário a Deus também. Do ponto de vista da
criação, Jesus Cristo é o Verbo de Deus, é a fala de Deus. Se se diz que há o deus mudo, pode-se
dizer que este deus mudo mandou avisar, através do Cristo, que é o Verbo e o caminho. Se se
quer o caminho mudo, tal caminho não existe, pois é aquele no qual não se entende nada e
através do qual nada dá certo. Não interessa um deus que não fala. Se não fala, não é preciso
ouvi-lo.
Há quem considere que as verdades profundas são incomunicáveis. Se são incomunicáveis, como
saber se são profundas?
A palavra é coisa divina, é o que se fala, o que expressa e comunica o que deve se tornar claro
para todos. O mito é mudo. O grande salto da humanidade foi quando o homem passou do mito
para o logos: passou da potência de conhecimento para o conhecimento efetivo.
Saturno nada tem a ver com o tempo e, sim, com o poder. Esse poder que se afirma maciçamente
ante a inteligência humana como de fato um muro opaco ao qual a inteligência não atravessa,
como a placa de chumbo para o Super-homem (aliás, motivo tirado da mitologia: o Super-homem
tem visão de raios-x que penetra tudo, menos a placa de chumbo).
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 47 SÃO PAULO, 17 MAR. 1991
TRANSCRIÇÃO: JOEL NUNES DOS SANTOS REVISÃO: JOEL FITAS III E IV

A razão é feita para o homem compreender precisamente o que ele não enxerga. A intuição
funciona no claro e a razão constrói uma ponte através do escuro. Quando você não enxerga, ou
contorna ou fura o obstáculo. O que constrói a ponte que sobrepassa ou a broca que fura o
obstáculo é a razão.
O homem tem que ter a razão porque ele não tem intuição universal. Se tivesse intuição o tempo
todo e em todas as direções, ele seria Deus, para quem tudo é imediatamente evidente. Ao
contrário de Deus, que já sabe tudo e por isso não precisa pensar, o homem tem que pensar,
porque sua intuição é limitada. Caso alguém “resolva” não querer mais a razão e só ter a intuição,
ficará limitado apenas ao dado imediato.
A Casa onde está colocado o planeta Saturno assinala exclusivamente um ponto de partida: um
evento que adquire aos olhos do indivíduo uma importância desmesurada, às vezes incompatível
com a importância real que o evento tem na seqüência verdadeira das causas. Mas que para
aquele indivíduo, naquele momento, foi o grande problema, o que se traduzirá numa pergunta que
funcionará para o indivíduo como o centro de gravidade da sua inteligência, no ponto para a onde
a sua inteligência convergirá automaticamente.
A pergunta que não foi respondida, aquilo que surgiu para o indivíduo como um grande enigma,
atrairá sua atenção, quer ele queira ou não pensar nela; tornar-se-á um foco de atenção
involuntária, ao ponto de consumir uns oitenta por cento da sua inteligência.
Quando estamos gravemente ocupado com um problema, é normal que não tenhamos inteligência
suficiente para lidar com outro problema. Por exemplo, se Saturno ocupa a Casa I, o ponto que
chama a atenção do indivíduo é a sua própria aparência. Que ele tenha essa aparência, essa cara e
não outra, lhe parece como um fato gratuito. No espelho ele se acha mortalmente feio, podendo,
do nosso ponto de vista, ter ou não razão quanto a isso. Mas, se ele é tão feio assim, por que sua
mãe o trata por “gracinha”, “benzinho”?...parece-lhe que estão querendo enganá-lo. O que ele vê
é diferente do que lhe dizem. Surge-lhe a dúvida de qual é a sua verdadeira cara, o que é um
problema gravíssimo para quem tem Saturno na I. É algo que afeta sua própria identidade, um
problema que se traduzirá na pergunta: “quem sou eu, afinal de contas?”
Isto é uma questão que surge desde cedo na vida de quem tem Saturno na Casa I, para quem o
foco da feiúra, do absurdo, é ela mesma, tenha ou não razão quanto a isso. Outras crianças (que
não têm Saturno na I) há que nunca tiveram um hiato de separação entre elas mesmo e sua
aparência, sendo este um dos dados inabaláveis que possuem. Para quem tem Saturno na I,
parecerá uma falsidade lhe dizerem que a acham uma gracinha.
O que nós achamos de nossa aparência física é um dos fatores determinantes da nossa conduta.
Podem reparar que há certas pessoas que não têm idéia da sua aparência física, ignoram-na e isto
lhes dá uma desenvoltura maior. Confiam em si mesmas, na própria aparência — naquilo que
você confia, raramente questiona. Outras pessoas, ao contrário, têm consciência da própria
aparência física e sabem usá-la, sabem que são bonitas e usam esse dado como um instrumento.
Com Saturno na I, há a estranheza da própria aparência, há o questionamento da própria
aparência, o que poderá ser traduzido pelo sujeito como feiúra, como algo estranho ... Não
importando como o sujeito traduzirá esse sentimento de estranheza, o fato é que não se
conformará com a aparência que tem. Um dia o ponto de interrogação surgiu e problematizou
este item. Se este ponto de interrogação não aparecesse no tempo devido, depois não adiantaria
mais; não adiantaria o sujeito depois de 20 anos de idade começar a estranhar a sua própria cara.
Pois nesta idade isto não teria para ele quando criança. Será apenas um raciocínio a mais que
estará, aos vinte anos, fazendo, não se transformando em algo capaz de ocupar o centro de suas
atenções, de suas preocupações constantes. Ao contrário, diríamos estar louco um sujeito que aos
vinte ou trinta anos começasse repentinamente a ter gravíssimos quanto a sua aparência.
Inversamente, para o sujeito que tem Saturno na VII, o estranhamento surge em relação ao que os
outros esperam dele. Por que lhe dizem coisas contraditórias, por que papai manda fazer uma
coisa e mamãe outra? Isto é algo que acontece com todas as crianças, mas nem todas estão ou
terão a atenção voltada para este ponto, para o fato de as pessoas as tratarem diferentemente ou
mesmo para o fato de a mesma pessoa as tratarem diferentes em momentos diferentes.
Certamente, quem tem Saturno na VII vai reparar nisto.
Nenhuma destas questões (Saturno na I, na II, na III...) pode ser respondida por uma criança.
A atenção que o sujeito dá a este problema — à contradição que busca entender —, sendo ele
ainda incapaz de resolvê-lo, se torna um foco de atenção, algo como uma obsessão. Mesmo que o
sujeito não queira pensar nisso, seu cérebro instintivamente cai nesta pergunta, a qual fica
martelando em sua cabeça como uma espécie de automatismo indesejável.
Uma parte da inteligência começa a operar, por assim dizer, no vazio, dando voltas em torno de
uma questão sem poder respondê-la. Por um lado é uma hiperatividade da inteligência; por outro,
é uma passividade, pois é uma atividade da qual nada resulta.
As resultantes, em termos de comportamento, a partir da posição de Saturno na I, podem ser: o
sujeito, estando inseguro quanto à sua aparência ou tratará de escondê-la (o que não é possível)
ou tratará de manobrá-la de algum jeito de maneira a ter uma aparência estudada. Tendo uma
aparência estudada, ele naturalmente terá consciência de se funcionou ou não tal alternativa, o
que vai criar um problema extra: que cara fazer diante do quê? Na medida em que o sujeito tenta
resolver o problema assim, tem consciência de ser um farsante, assim como também tem
consciência de que os outros podem descobrir que ele está sendo farsante, o que o obrigará a
disfarçar um pouco mais. Pode então adotar um personagem fixo para não ter que responder à
angustiante pergunta de quem é ele, para não ter mais a sensação de estar fingindo a todo
momento. Nos momentos em que isso falhar, ele se sentirá inseguro.
A resolução mais simples é a da fixação da conduta, de forma que o esforço racional se torna um
esforço repetitivo. É uma forma de não se pensar mais no assunto. O sujeito passa a repetir as
mesmas frases, as mesmas invocações, os mesmos cacoetes.
A posição de Saturno nas casas coloca um problema. As sucessivas resoluções que o sujeito vai
tentando dar a esse problema variam enormemente. Por isso não podemos estabelecer um elo
direto entre esse traço e a conduta. A conduta é uma tentativa de resolução do problema e essa
tentativa varia conforme a inteligência do sujeito, conforme sejam seus recursos, etc. A única
coisa que podemos dizer é que todas essas condutas, enormemente variadas, no fundo estão
tentando resolver um único problema. É como sabermos que o problema é este? Porque somente
esta hipótese explica a conduta.
Com Saturno na VII, uma das maneiras de o sujeito resolver o problema seria ele adotar um tipo
de conduta-padrão. Pega uma pessoa que se comporta com ele de determinada maneira e faz de
tal comportamento o padrão do que espera de todo mundo, para não ter que pensar, resolver os
problemas um por um.
Outra maneira seria não esperar nada das pessoas, aceitar o que vier, virando um “maria-vai-com-
as-outras”. É muito comum ver pessoas com Saturno na VII andando acompanhadas de pessoas
cuja presença é intolerável, acompanhadas de uma plêiade de chatos apenas porque não quer
pensar no problema, porque não sabe julgar as pessoas.
Uma terceira alternativa seria conceber um padrão abstrato de conduta e aplicá-lo às pessoas,
exigindo que elas se comportem daquele jeito, ficando irritado quando as pessoas se recusam a
isso.
Tudo isso são soluções que o sujeito vai tentando arrumar para resolver um problema que no
fundo é apenas seu. Se quem tem Saturno na VII espera de você uma conduta “x”, certamente,
você não tem nada a ver com isso — é ele que está tentando se ajeitar consigo mesmo. Do
mesmo modo, se aceita tudo que você faz para ele, nunca reclama, não quer dizer que você está
agradando. Trata-se de problemas do indivíduo, que ele resolve dele para com ele mesmo,
arrumando uma forma de conduta que temporariamente pelo menos o equilibra com suas próprias
exigências. Os outros não têm nada a ver com isso, na medida em que também têm os seus
próprios problemas.
Para que o sujeito se torne consciente do problema que tem é necessário que perceba que as
outras pessoas têm outros problemas, o que, empiricamente se vê, acontece muito pouco.
Essas áreas de exigências onde um indivíduo — que para manter a sua própria coerência interna
precisa se comportar desta ou daquela maneira, precisa que os outros se comportem assim ou
assado — é justamente o que torna a convivência humana tão precária. Porque trata-se de uma
exigência gratuita, arbitrária.
Se o indivíduo tem Saturno na I, uma das saídas ou uma das condutas resolutivas que ele pode
adotar seria adotar uma máscara fixa, ficando sempre com a mesma cara. Se arruma um emprego,
veste a camisa daquele emprego, identifica-se com aquilo e tenta proceder daquele jeito vinte e
quatro horas por dia. Evidentemente ele se torna incômodo para as pessoas. As pessoas poderão
reclamar dele, considerando-o falso, frio, fingido e ele nem vai entender do que estão falando.
Porque ele não pode abdicar daquela conduta enquanto não arrumar uma solução melhor. Impõe
então aquela conduta aos outros, impondo-lhes com isto um peso, do mesmo modo que o que tem
Saturno na VII quer que as pessoas ajam assim, assado, de acordo com uma regra já existente ou
que ele mesmo inventou. Essa é a maneira que ele tem de se equilibrar consigo mesmo.
Necessidade esta que nada tem a ver com o outro, embora quem terá que arcar com isso será o
outro, o que é uma coisa perfeitamente irracional e quando isto é questionado, surge a
insegurança no sujeito. São tais coisas assim como fetiches, totens, que cada um precisa para a
sua segurança interna. Leva muito tempo para você perceber que se trata de um fetiche e que se
você precisa disso o outro também precisa de um outro e se o outro lhe agüenta é porque gosta de
você e perdoa que você seja um chato — afinal de contas, todo mundo neste ponto é chato.
Estas áreas da personalidade são áreas que se tornam cristalizadas, imutáveis, onde não se
consegue influenciar ninguém. E é ao que o sujeito se apega como se tratasse de sua exclusiva
tábua de salvação. Porque, não sabendo resolver a questão, impôs para si mesmo uma
determinada resposta da qual não tem certeza, restando-lhe apenas reafirmá-la. Como uma crença
que, quanto mais dela se duvida, mais é reafirmada.
São estas as partes mais feias da personalidade humana, podendo chegar ao ponto da
monstruosidade. Para retirar essa rigidez, você tem que ir aos poucos, tanto no que se refere à
própria rigidez quanto à do outro; você tem que reconhecer a sua impotência naquele ponto. É
como se fosse uma crença gratuita sobre a qual se sustenta todo o edifício da sua racionalidade. A
crença, em si mesma, é falsa. Porém, você a usou para passar adiante e descobrir um monte de
verdades. Se essa falsidade é retirada, o resto cai, como se se tratasse do pecado original da
inteligência, a mentira originária.
Esta mentira originária compromete apenas parcialmente a construção racional que sobre ela se
edificou. Pode-se dizer que aquele assunto — a mentira originária — pode não ser importante em
si, sendo importante apenas para você. É mentira que não prejudica todo o restante.
Há, no processo adaptativo, crises crônicas: o sujeito está sempre inseguro naquele ponto. Com
Saturno na I, o sujeito pode tornar-se morbidamente tímido, porque para cada pessoa que
encontre, acha que precisa de antemão a cara que nunca fica pronta. Com Saturno na VII, pode
haver a resposta contrária: ao invés de se tornar o tipo regulamento implacável, pode tornar-se o
tipo “maria-vai-com-as-outras”, porque, não sabendo se as pessoas estão agindo certo ou errado
com ele, aceita todo mundo.
O comportamento resultante pode ser muito variável. Apresentei alguns, mas existem inúmeros
outros para cada caso. O que importa é que toda a variedade de comportamentos do indivíduo
naquele setor visa a aplacar uma pergunta que não conseguiu responder. Claro que na idade
adulta conseguirá responder. Porém, neste momento, na idade adulta, terá todo um repertório de
condutas aprendidas; ao mesmo tempo, já conviveu com outras pessoas que estão acostumadas
com ele assim ou assado, o que o prende numa prisão que ele mesmo construiu.
Para o sujeito mudar, ele tem que mudar todo o circuito de relações com todo mundo, o que dá
um imenso trabalho. É o que em geral não se faz. Os preconceitos infantis, as crenças infantis
sedimentadas...em geral, prefere-se jogar a própria vida pela janela do que tais crenças.
Com Saturno na VII, o sujeito se pergunta: por que me tratam desta maneira? Se alguém é bom
com ele, ele não entende; se é mau, também não. Às vezes radicaliza: proclama todos bons ou
todos bandidos, infiéis.
É possível, por outro lado, partir de outra base e reconstruir tudo de novo. Isto é possível,
contanto que se desista da pergunta por compreender que ela remete a uma pista falsa. Para largá-
la, é necessário ter-se a ela dedicado um certo tempo, tempo suficiente para entender que se trata
de uma bobagem. O sujeito precisa desenvolver aquele tipo específico de inteligência, para
depois poder entender que aquela questão não é a única importante.
A questão dos papéis sociais é importante para quem tem Saturno na I; a dos direitos e deveres
recíprocos para quem tem Saturno na VII. Existem outras questões muito mais importantes ou,
pelo menos, outras onze questões igualmente importantes. Se estou interessado numa certa coisa,
não tenho o direito de transformar tal coisa num critério universal para julgar todas as pessoas.
Vou ter que conceder à questão a importância que ela tem, coisa essa que também está na
mitologia: Saturno, no fim da vida, é destronado e preso numa ilha e nesta ilha ele se torna um rei
bondoso. Se aquela questão, própria da posição de Saturno, for limitada, dentro de seus limites
ela tem os seus direitos.
Quem tem Saturno na I tem dificuldade para entender que é necessário ele prestar atenção nas
coisas que está fazendo e esquecer qual é o papel que está desempenhando. É como o caso do
deputado que não consegue convencer-se de que é deputado depois de trinta anos de mandato.
Isto seria uma síndrome de Casa I, caso não se tratasse de um fato social no nosso meio, se fosse
um comportamento individual.
Falta, ao sujeito com Saturno na I, objetividade; há dificuldade em que sua atenção vá para além
de si mesmo. Não é que goste de pensar em si mesmo (talvez até deteste fazê-lo), mas não
consegue fazer com que sua atenção vá além do papel que está desempenhando. Ter consciência
disto pode amenizar o problema, na medida em que isso é apenas um dos dados da sua vida, que
não tem mais do que um doze avos de importância. No fundo, mesmo, não tem realmente
importância alguma.
Do mesmo modo, quem tem Saturno na Casa II, a questão que surge para ele são as seguintes:
- olho uma maçã, pego-a, como-a. Tão logo tornei minha a maçã, ela não existe mais, o que
significa dizer que a propriedade é a propriedade do nada.
- meu pai me dá uma bicicleta e diz que a bicicleta é minha. Se ela é minha, significa que tenho
poder sobre ela. Porém, chega um moleque mais forte, monta-a e sai andando nela. Em que
sentido ela é minha?
- pego um fio de cabelo meu, ponho-o no fogo e ele se queima. Em que sentido, então, meu corpo
é meu, se ele pode sumir de repente, se não tenho poder sobre ele, a ponto de impedir que isto
ocorra?
Conclusão: toda relação do homem com o mundo material circundante está sujeita à dúvida. O
mundo parece evanescente; a realidade das coisas físicas é falsa, portanto a minha posse delas
também é falsa.
Por exemplo, um homem ganha ou compra um terreno. Em que sentido ele é dono deste terreno?
O terreno passa a fazer parte dele? Ele o leva — ao terreno — aonde quer? Ao contrário, o sujeito
é quem está preso ao terreno. Além do que, o domínio que ele tem sobre o terreno vai até quantos
metros de altitude? Na hora que compro o terreno também sou dono do espaço aéreo? Não, pois
este é do governo, assim como também é dono do subsolo. O que significa que sou dono de uma
faixa de tantos centímetros de espessura e ainda tenho que pagar imposto. Tenho, pois, a
propriedade do terreno apenas num sentido negativo, no sentido de que posso impedir outras
pessoas de nele entrarem. Porém, posso realmente? Não posso, pois há quem nele entre à minha
revelia. Mesmo que eu possa (após eles terem entrado) mover um processo contra eles, talvez
depois de uns três ou quatro anos eventualmente sejam punidos. Se é assim, é um direito muito
tênue que eu tenho; toda propriedade é tênue, porque a relação do homem com o mundo material
é tênue. O mundo material é evanescente, conclui, ele não é real, ele não existe. Portanto o
mundo das sensações também é irreal. Justamente na hora que acabei de comer a maçã, que a
introjetei completamente, que ela é completamente minha, não sinto mais seu gosto.
Se o sujeito que tem Saturno na I tem dúvida sobre sua própria identidade, este aqui, com Saturno
na II, tem dúvida sobre a sua propriedade. Propriedade é uma coisa que é nossa, sem porém fazer
parte da nossa essência. Do mesmo modo que o sujeito com Saturno na I não conseguia ter
certeza da sua identidade, este não consegue ter certeza da sua propriedade.
As reações que o sujeito que o sujeito com Saturno na II pode desenvolver para responder a esta
inquietação são: ficar avarento, tornando-se alguém que sempre quer mais e mais. Acontece que
quanto mais tem, menos sente que tem. Seria como o sujeito que perdeu o paladar: não adianta
comer um montão de coisas — isto não o fará sentir nada. Não se convence de que o que tem é
seu. Com relação às pessoas, é a mesma coisa: se alguém lhe faz um carinho no rosto, isto
provoca-lhe uma sensação que, mal começou, já acaba, por todas as sensações serem
evanescentes devido à crítica racional a que são submetidas. O que é gostoso fica ruim.
Pode o sujeito tornar-se um “budista”, proclamando a irrealidade do mundo — a não necessidade
de dinheiro, comida... Mas acontece que esta “renúncia” é uma renúncia que é demasiado
sublinhada, não sendo uma renúncia e, sim, uma espécie de repulsa.
Pode desenvolver uma incapacidade de receber. Ao receber um presente, emaranha-se em
dúvidas que derivam da idéia de que quem deu o presente é que tem o poder sobre o presente. Na
hora que você o presenteia, no mesmo ato conclui que ele não tem poder sobre o que recebeu.
Esta posição de Saturno — na Casa II — coloca o homem contra o mundo material que o rodeia,
a ponto de o sujeito que a tem sentir-se humilhado ao receber um presente qualquer.
Um exemplo desta posição é Nietszche. O impulso nietszcheano de destruir tudo é um jeito de
negar que o mundo exista, afirmando a existência apenas de si mesmo: a vontade do Super-
homem é soberana e o mundo não existe, não existe realidade objetiva. Conclusão esta que
decorre do fato de o sujeito, sem paladar, comer algo e, não sentindo o gosto, declara que aquilo
era ruim e procura então anulá-la.
Há, na vida de Nietszche, alguns detalhes biográficos interessantes: morreu de sífilis, que é uma
doença que vem do prazer, do prazer que mata. Também ele dizia: “quando você for falar com as
mulheres, leve seu chicote.” Na verdade, ele saiu com uma dona e quem levou a chicotada foi ele,
tanto que tal chicotada o matou.
O impulso destrutivo pode ser muito grande em pessoas com Saturno na II, ocorrendo um pouco
como na fábula da raposa e as uvas: se não dá para ter, é melhor destruir.
Muitas pessoas com Saturno na II são dilapidadores de patrimônio. Tudo que têm, liquidam
rapidamente. É uma conduta adaptativa, que também não satisfaz ao sujeito, assim como a do
avarento.
Não se deve esquecer que nenhum desses comportamentos que aponto é necessário, sendo todos
contingentes. Todos podem ser, podem não ser, podem vir juntos ou separados, pode não se dar
nenhum deles e surgir um outro, mais inventivo.
Onde quer que o sujeito tenha Saturno é onde ele não tem nenhuma naturalidade, nenhuma
espontaneidade, a não ser que aprenda; a não ser que leve até o fim a crítica racional começada e
a supere. Mas como levá-la até o fim se ele detesta pensar em tal assunto?
Se o indivíduo tem Saturno na Casa VIII, o que é colocado em dúvida racional é a sua própria
possibilidade de interferir no curso das coisas. Se com Saturno na II as coisas é que são
evanescentes, na VIII, a sua ação é que não muda nada na ordem das coisas. O sujeito se vê na
posição de alguém que escreve numa lousa que continuamente apaga o que foi escrito; acha que
nada do que faz tem a mais mínima conseqüência — como escrever na areia: vem o mar e apaga.
Se na Casa II é a impossibilidade de ter, de assimilar algo a mim, na Casa III é a impossibilidade
de desencadear efeitos, pelo menos efeitos significativos, ou de reconhecer os efeitos como sendo
aqueles que eu desejei.
Toda ação humana entra dentro de uma rede de causas e efeitos já pronta. O efeito que você
obtém nunca é exatamente o que você desejava, mas algo um pouco diferente. A questão é: onde
termina a minha ação e começa a ação alheia? Fui eu que fiz ou foi coincidência? Mais tarde, na
vida adulta, examinando caso por caso, dá para entender quais são os limites da ação causal e
onde entra outras linhas de causas. Porém, para tanto é preciso pensar muito tempo a respeito,
coisa que criança não pode fazer. Disto pode decorrer um sentimento de impotência quase total, o
sujeito concluir que não dá para fazer nada, que nunca dá para fazer nada.
Como a Casa VIII tem a ver com o potencial de ação que se esconde atrás de cada objeto, e como
Saturno sempre tem a ver com o processo da generalização, o problema é que o indivíduo sempre
procura obter não uma resposta à questão que o momento lhe coloca, mas uma resposta genética
que sirva para todos os casos. Isso não quer dizer que quem tenha Saturno na II, na hora que
come uma maçã, não sinta nada, mas, sim, que ele se pergunta qual é o fundamento permanente
de tal experiência — experiência esta que não tem fundamento permanente.
A razão sempre recusa a contingência. Ela quer sempre a regra geral e a regra geral leva muito
tempo para ser descoberta. Enquanto você não tem a regra geral você não tem segurança. E nada
garante que se o presente recebido foi bom, o próximo também o será.
Cada experiência que é vivida é vivida sob o pano de fundo de todas as experiências do mesmo
gênero e julgada assim e por isso mesmo ela é anulada.
Com Saturno na VIII esta impossibilidade de agir — o que às vezes acontece com as pessoas, por
exemplo, submetidas a um perigo e nada podem fazer naquele momento — é generalizada. Nada
nos garante que em outros momentos vamos conseguir agir numa situação de perigo. Como
posso ter uma garantia de que em todas as situações conseguirei agir, interferir e levar a termo o
que eu desejo? Nada me garante isso. E é isto o que o sujeito de Saturno na VIII busca: achar
uma garantia permanente contra todas as situações de emergência, para todas as situações onde
precise agir. Porém, ter isso — algo assim como um manual de emergência — leva uma vida
inteira.
Suponhamos que este intento fosse dirigido para um só setor da vida, não para a vida em geral
(coisa essa que seria impossível); vamos supor que o indivíduo fosse um cirurgião que
trabalhasse na emergência de um hospital. Ele sabe o que fazer em todas as eventualidades, em
todas as emergências que surgirem? Mesmo que seja um cirurgião super-especializado, um
cirurgião gástrico, por exemplo. Nem neste caso ele está garantido de saber o que fazer na hora
“h”. O que quer dizer que a regra que lhe dê a segurança total para todas as situações de
emergência não existe e nunca vai existir.
Algo típico desta posição de Saturno — VIII — é a inércia na hora da ação. Por outro lado, se for
uma ação que o sujeito possa controlar racionalmente, então dará tudo de si. Pode-se dizer que
este sujeito é tudo, mas apenas em duas ou três circunstâncias. O pânico também é uma
experiência muito comum para tais pessoas.
O sujeito com Saturno na VIII deve compreender que a técnica da ação pode existir. Porém, esta
técnica será sempre limitada: há alguns setores que ele pode dominar e, no resto, estará à mercê
do acaso como todo mundo. Todos podem correr perigo e não há como evitar isso — apenas ele
quer se prevenir justamente contra isso, contra os perigos inesperados. Todos estamos
despreparados para isso.
O contrário se dá com quem tem o Sol na VIII, pois tem a intuição do que está acontecendo
naquele momento, por isso consegue agir. O que tem Saturno na VIII, não; a situação que vive é
apenas um exemplo de uma regra geral. Seu procedimento tende a ser portanto um procedimento
racional, científico. Porém, para poder ter um procedimento racional, científico, é preciso
conhecer uma infinidade de casos iguais e nada garante que o sujeito sobreviverá ao terceiro ou
quatro desses casos.
Só se pode obter segurança para atuar num setor determinado onde a ação a ser empreendida seja
muito importante. Você só pode ter estratégias, esquemas de antemão, apenas para uma área
muito pequena da realidade, não para a vida inteira. Não é possível estar preparado para todas as
emergências o tempo todo.
Se o sujeito tem Saturno na III, algum dia ele percebe a diferença entre o que ele pensa e os
objetos sobre os quais pensa. A isso sua atenção se prende.
Por exemplo, um dia está comendo bananas e alguém lhe diz: “me dá uma banana!”. Ele pensa:
mas que relação tem o som “banana” com isto que como, que também é chamado de outra
maneira quando quem fala é russo, malaio, grego?...Qual é, pois, a relação do som com o
sentido?
A frase que pronunciamos também é um objeto, objeto sonoro, que existe fisicamente. De um
lado, tem-se uma experiência auditiva que é o som de — “me dá uma...” — e de outro lado a
experiência visual que é aquele objeto. E o que conecta uma coisa (o som) com outra (o objeto)?
Por acaso não posso dizer um monte de coisas que não têm nenhuma relação com realidade
alguma? Se tenho capacidade de falar, posso inventar um monte de palavras que a nada
equivalem. Se eu disser a verdade ou mentira, são frases do mesmo jeito. O que quer dizer que a
linguagem, na maior parte dos casos, funciona por uma espécie de automatismo, cuja função é
atribuir intenção ao que foi falado. A intenção deriva, pois, do hábito.
Quem tem tal posição de Saturno — na III — rompe com este hábito e começa a ter um sentido
de linguagem como coisa; é um concretista nato.
As palavras, além de remeterem a um significado, também são alguma coisa; o raciocínio
também é alguma coisa. O raciocínio que faço do tipo: “vou comer uma banana. Banana
estragada dá dor-de-barriga. Essa banana aqui está estragada, logo eu vou ter dor-de-barriga.”
Isso expressa, de um lado, uma relação possível entre minha barriga, meu estômago e a banana e
por outro lado, expressa um encadeamento de pensamentos. A facilidade que tem o sujeito com
tal posição de Saturno para enxergar o seu próprio processo lógico faz com que ao mesmo tempo
ele enxergue de maneira este outro processo lógico e as coisas. É como olhar através de uma
lente. Porém, e se a lente ficar suja? Posso prestar atenção à própria lente e não nas coisas que
vejo através dela. Ela, a lente, também é um objeto, também pode ser vista. A linguagem é a
mesma coisa, ela é um vidro através do qual se enxerga a realidade. Mas vidro também é coisa.
Se alguém lhe diz: “vou bater-lhe na cara”, o sujeito ouve o som do que foi dito mas não o
conecta com o seu estado afetivo. Claro que depois ele pode desenvolver defensivamente uma
espécie de confusão entre as coisas e as palavras. Porque na hora que o sujeito percebe que o
pensamento é desvinculado das coisas, percebe que o mundo do pensamento é um abismo.
Percebe que, apenas pensando, pode ir tão longe, afastar-se tanto da realidade que pode
enlouquecer. Quando ele vê este abismo da dedução, pode recuar horrorizado e tentar se prender
a uma infinidade de coisas.
A reação do sujeito — qualquer sujeito — ou, dito de outro modo, sua conduta adaptativa, não o
caracteriza mas, sim, a pergunta ou problema que a motivou. O sujeito não é sua reação. Ao
contrário, a reação deriva de um problema que ele procura resolver. É este problema que
caracteriza o sujeito, problema que é real. A conduta, reação, é coisa meramente adaptativa.
Muitas vezes ela se torna em si mesma caricatural, mas mesmo assim ela só pode ser
compreendida em relação a um pano de fundo. Deve-se sempre ter em vista que, para cada
conduta possível, que lhes apresento, apresento uma outra conduta, possível e contrária. Sempre
que o sujeito adotar uma conduta qualquer, ele guarda a outra, contrária, como uma espécie de
reserva, de contrapeso. As condutas contrárias não são coisas excludentes, a ponto de o sujeito
ater-se a ela definitiva e coerentemente. Sempre haverá uma tensão. Nenhuma conduta adaptativa
que o sujeito assuma pode sossegá-lo completamente.
O sujeito com Saturno na III, a partir do momento que vê esta distinção entre o som e a coisa
designada por este som, pode entender que está livre para mentir. Percebeu, neste momento, que
tem a capacidade de mentir e que isto é uma força. Mas ao mesmo tempo sabe que está mentindo.
Pode, a partir de um certo ponto, decidir controlar sua mentira, não falando mais nada, assim
como pode exigir sempre a verdade entendida num sentido literal, de fato. É essa tensão entre as
várias condutas opostas que caracteriza o indivíduo e não a conduta rigidamente estratificada
como uma caricatura.
A diferença entre uma conduta e a sua contrária decorre de o sujeito agir de um jeito para fora e
de outro para dentro, como o sujeito que mente ao mesmo tempo que confessa a si mesmo a
verdade, ou fala a verdade insistentemente percebendo que o outro vai entender outra coisa e que
portanto o resultado da sua verdade é uma mentira.
O que caracteriza a posição de Saturno nas várias casas é uma pergunta inicial irrespondível, que
gera uma tensão. As várias condutas que o sujeito experimenta são soluções precárias dessa
tensão. Ele só vai resolvê-la no dia que tiver uma compreensão racional daquele setor e que
aquela pergunta perder para ele aquela importância central, quando ela for colocada no seu
devido lugar. Isso demora muito tempo e dá um trabalho imenso.
Uma outra alternativa para o sujeito com Saturno na III seria ele decidir dominar totalmente a sua
linguagem para dar a aparência de verdade ao que quer que ele fale. A outra, para escapar da
angústia de sentir-se mentiroso, seria se ater sempre à verdade, esta entendida apenas no seu
sentido factual imediato, sem dar relevo maior à possibilidade de que podemos dizer a verdade
dos fatos com o intuito de levar a uma conclusão falsa.
Com Saturno na IX, o problema é exatamente o oposto: o sujeito pode pensar mas não pode
concluir. A falsidade não está no pensamento. Não é o pensar que se afasta da verdade, é que toda
conclusão, uma vez dita, já não é mais verdadeira. Toda generalização é falsa.
As nossas crenças são sempre limitadas em relação ao real. Portanto, na hora que chego a uma
conclusão, esta conclusão, para ela ser verdadeira, precisaria ser contrabalançada por um milhão
de outras conclusões a que não cheguei ainda.
A posição de Saturno na IX, em suma, consiste da relatividade de nossa crenças, num ceticismo
universal: tudo está colocado em dúvida.
Para o sujeito escapar deste relativismo total, que não lhe dá nenhuma base para uma conduta
acertada, uma das soluções alternativas seria afirmar peremptoriamente um certo corpo de
crenças que no íntimo ele sabe que está tão errado quanto qualquer outro, mas do qual precisa
para ter uma certa segurança. Torna-se um Aiatolá Khomeini que, porém, por dentro duvida de
tudo que fala; quanto mais alto fala, mais duvida.
Outra alternativa seria concordar em permanecer inconclusivo, como quem adotasse o dístico
“não julgueis para não serdes julgados”, interpretado num sentido de que não dá nem para saber
se matar a mãe é feio ou não.
Essas duas condutas adaptativas são ou coexistentes (uma para fora e outra para dentro). O
indivíduo não consegue se acomodar tanto numa com noutra, com de resto não conseguirá
acomodar-se em nenhuma outra, inclusive a que o inclinasse a não pensar mais no assunto.
Porque mesmo que não pense nisso voluntariamente, inconscientemente continuaria grudado no
mesmo assunto. E quando o sujeito decide não pensar mais no assunto que o atormenta,
geralmente fica burro. Porque o fato é que a atenção dele, oitenta por cento da sua inteligência já
está grudado naquele assunto. Não pensar mais em tal assunto é desligar a maior parte da sua
inteligência. É algo do que não há escapatória; é jaula da qual só se escapa engolindo-a, ficando
maior que ela, o que significa que o esquema racional tem que crescer muito a ponto de dele
poder abarcar aquela questão entre inumeráveis outras.
Com Saturno na IX, o problema não está no pensar ou no falar, mas no crer. Todas as conclusões,
todos os juízos que você formula são sempre incertos. E de fato, na prática, nossos juízos são
sempre incertos, o juízo de todo mundo, independentemente de onde se tenha Saturno. Porém, as
outras pessoas, na hora que formulam um juízo, já deixam subentendido qual é o território de sua
validade e entendem que aquela conclusão vale dentro de um certo âmbito. Relativizam. O que
tem Saturno na IX, porém, quer a conclusão final, quer o valor absoluto ou a ausência absoluta de
valor daquela conclusão. Como isso nem sempre é possível no momento, o indivíduo fica
inseguro. É como se o sujeito quisesse ter um sistema filosófico já pronto.
Com Saturno na IV o problema é o da defasagem entre as aspirações e os desejos do indivíduo e
a obtenção dos respectivos objetos que nunca vêm na hora. Aquilo que deixaria o sujeito feliz, ele
só pode obter daqui a pouco, quando o que estiver querendo já vai ser outra coisa. Como a
Mafalda: “de que adianta eu ser grande quando crescer? Eu quero ser grande agora!”, ou mesmo
como se lê no verso: “A árvore dos dourados pomos: sempre está onde nós a pomos e nunca a
pomos onde nós estamos.”
A crítica racional da felicidade demonstra, por “a+b”, que a felicidade não existe, porque
vivemos no tempo e o tempo ou consome os motivos de felicidade ou antecipa o desejo de
felicidade que só será atendido quando não interessar mais.
Este problema de fato existe e todos os seres humanos o têm, porém transigem quanto a ele e o
sujeito que tem Saturno na Casa IV, não, porque faz parte da razão esse impulso de obter
explicação geral e absoluta.
O que ele indaga é: quais sãs os fundamentos e as causas permanentes e imutáveis da felicidade
humana? Como obter uma felicidade que seja permanente e inabalável? Já que não a tenho, todas
as outras são formas da infelicidade. Como o sonho do paraíso perdido.
A razão de porque nenhuma conduta resolve o problema é porque ela está, a razão, buscando a
verdade e só a verdade pode sossegar o sujeito.
O raciocínio vedantino é assim: a avareza é o contrário da prodigalidade. Portanto, ela só pode
destruir a prodigalidade, não pode destruir a falsidade. No fundo, o que o sujeito está procurando
é uma verdade universal, um sistema coerente. E isto é a única coisa que pode sossegá-lo. Só que
o sujeito tem que ser advertido que ele está procurando isto desde uma pista acidental que pode
não ser tão importante quanto ele pensa. Em suma, é preciso que ele desvincule a razão do seu
interesse puramente psicológico, fisiológico, porque ascender à razão é subir de nível.
Do mesmo modo, com Saturno na X, o sujeito quer justificar qual é a posição que ele ocupa
diante da sociedade. Por que ele está no lugar em que está e não no outro? Questão que também
não tem resposta, porque isso é mais ou menos “por sorteio”. Uns são pobres, outros ricos; uns
mandam e outros obedecem, apenas porque aconteceu e acontece de ser assim. Claro que existe
alguma racionalidade nisto tudo, mas não uma racionalidade que possa dar plena justificativa ao
fato.
Se o sujeito consegue justificar plenamente sua posição na sociedade, é porque obteve um
domínio intelectual completo da sociedade; se obteve um domínio intelectual completo da
sociedade, ele manda na sociedade.
A justificação, a explicação que o sujeito busca não virá tão cedo. Isso fará com que ele
empreenda sucessivos ensaios para entender a sociedade, para testar o seu poder nela. Este
ensaio, por sua vez, terá conseqüência sobre outras pessoas. Essas conseqüências irão complicar
mais ainda a situação.
As condutas adaptativas que o sujeito tentará para escapar desta agonia, a primeira, será ficar fora
da sociedade, não mandando nem obedecendo, não estando em parte alguma. A outra seria, ao
contrário, tentar subir o mais possível para ver tudo de cima, pois só quem enxerga a sociedade
inteira é que manda nela.
Evidentemente que nem descendo nem subindo o sujeito vai enxergar qualquer coisa, porque
mandar é o contrário de obedecer e nenhum dos dois é o contrário da falsidade, da incoerência.
A grande desgraça é que os indivíduos tentam soluções existenciais a um problema que é, no
fundo, puramente intelectual. E nada do que se faça ou deixe de fazer dará resposta ao problema.
Mudando de classe social, para cima ou para baixo, nem por isto o sujeito vai estar entendendo o
que está se passando. Vamos supor que ele se torne o mais poderoso. O mais poderoso não tem
visão da sociedade inteira, portanto não tem o poder inteiro, consequentemente algo fica faltando.
De fato, somente o que o satisfaria seria a visão intelectual do mundo social e histórico, o que
independe de onde ele está socialmente. É um problema teórico, intelectual, racional.
Em geral quase todo mundo tenta resolver o problema, que é intelectual, na prática. Por que ele
se tornou conhecido pelo sujeito não como um problema intelectual, mas como um problema
existencial. O sujeito tenta resolvê-lo ali onde o problema apareceu, existencialmente. Quanto
mais tentar, mais falha.
Sendo um problema intelectual, o indivíduo conseguiria uma solução adequada quanto mais ele
se inserisse dentro da cultura. Toda a cultura humana, se ela ajudar, pode permitir uma solução.
Porém, o sujeito sozinho, tratando de sua vida individual, nunca o vai conseguir. Seria como
tentar resolver uma equação fazendo força física ou esforço moral.
Tal ordem de problema prende o homem com uma força maior do que qualquer grade, do que
qualquer corrente, dado que o prende numa impossibilidade. A grade não pode ser quebrada pela
força porque ela existe sob a forma de uma impossibilidade, que não é nem material nem
emocional.
Esta conformidade do homem com a razão é difícil de obter, porque o homem só acredita naquilo
que sente e isso, do que estamos falando, não dá para sentir. Do mesmo modo que não dá para
sentir que dois mais dois é quatro — é algo que só se concebe abstrativamente, e o que é abstrato
é muito tênue, embora seja mais duro do que qualquer pedra. A verdade nunca se imporá a
ninguém fisicamente mas, sim, pelas conseqüências.
Quando dizemos, que “o homem é um animal racional”, queremos dizer que o homem é um
animal que tem que ser racional, pois não tem outra saída. Não adianta tentar ser um animal
sensitivo, emotivo, pois animal sensitivo e emotivo todo bicho é. Ser feliz ou infeliz é algo que
todo bicho é. O homem, porém, tem acesso à dimensão da verdade ou mentira, através do
desenvolvimento da razão.
O problema também não é o sujeito achar a resposta, simplesmente e, sim, ele se colocar num
nível de universalidade suficiente no qual a razão possa operar de maneira frutífera. Isto é o
quanto basta, e é isto que sossega o homem. A partir do que não faz diferença se ele não achar a
resposta, pois neste caso tratar-se-á apenas de mais um problema científico que ficou em aberto.
Isto vale para todas as casas. O que o sujeito deve é desistir de achar resposta existencial, pois
não existe resposta existencial para uma equação. E no caso que estamos tratando, a resposta
possível é puramente intelectual; é um problema que é colocado para o homem de modo que ele é
forçado pelas circunstâncias a reconhecer a sua racionalidade, a sua capacidade de conhecer a
verdade.
A maior parte das pessoas vive num circuito que é puramente empírico: quer a sua felicidade, a
sua alimentação... Vivem como um bicho e, ademais, os objetivos vitais da quase totalidade da
humanidade são objetivos de bichos. Não que também não tenhamos que resolver estes
problemas. Mas isto só não basta. No fundo, o homem peca por modéstia excessiva: além de ter
sua comida, de ter sua felicidade, também tem o direito à verdade. Porém, como o que em geral
se quer é a felicidade primeiro, a comida primeiro, então não se obtém nada.
Estes problemas só encontram solução quando o sujeito escapa do mundo das necessidades
fisiológicas — o desejo de felicidade é tão fisiológico quanto qualquer outro. O homem passa a
querer algo mais que não está em nenhuma das doze casas. Em geral, os indivíduos buscam
atender às necessidades dessas doze casas e esquecem que existe algo que é principal com relação
a tudo isso.
O desejo de felicidade é da Casa IV: ele é tão justo quanto qualquer outro desejo. Só que todos
esses desejos são desejos animais, desejos fisiológicos, por assim dizer.
Se o sujeito quer primeiro ter a felicidade para depois ter a verdade, já propôs-se realizar uma
equação impossível. A verdade é necessária em primeiro lugar. Se estou com fome, preciso de
comida: preciso saber onde tem comida de verdade. A necessidade da verdade é a primeira e
última necessidade do homem. Se o sujeito decide atender às necessidades secundárias em
primeiro lugar, antes de ter a verdade, o que encontrará serão respostas falsas.
Na hora que o sujeito sossega o interesse fisiológico e decide pensar no que é o problema mesmo,
então encontra a resposta e junto a esta resposta a resposta do seu caso. Se por outro lado quer
uma solução só para o seu caso, isto é impossível de ser realizado. O sujeito está, neste caso,
querendo a espécie sem o gênero, como seria querer um gato que não fosse animal, um quadrado
que não seja figura geométrica. Este é o drama humano.
Todos esses problemas que são colocados por Saturno nas casas só são resolvidos pela plena
aceitação da maturidade, da racionalidade e a morte de todo pensamento animista, mágico, etc.
Pedir socorro às potências da natureza, fazer despacho para os exus...coitado deles, pois eles é
que precisam do sujeito e não o contrário. Se o homem deixar o exu de lado, o exu morre.
Aulas de abril de 1991.

AULAS DE ABRIL DE 1991. BLOCO DE ABRIL DE 1991. BLOCO INTEGRALMENTE


REVISTO APÓS A DIGITAÇÃO

ASTROCARACTEROLOGIA SÃO PAULO, 11 DE ABRIL DE 1991 AULA 48 FITA I


TRANSCRIÇÃO: SHIRLEY HORIYE REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

Vamos fazer uma parada no percurso que vínhamos seguindo e vamos dar uma “reprise” de tudo
que vimos desde o começo. Na medida em que eu for falando, vocês vão fazendo uma lista destes
tópicos que nós abordamos, e se por acaso eu esquecer alguma coisa, vocês se lembrem do que
foi dito no curso das aulas, me chamem a atenção e eu volto atrás e tento colocar essas coisas.
Também uma certa desordem nessa exposição é perfeitamente de se esperar pelo fato de que a
matéria é inteiramente nova. Não existe nenhuma experiência no ensino de astrocaracterologia.
Ela é uma ciência nova, ou pelo menos a proposta de uma nova ciência, ou a descoberta de um
novo ângulo pelo qual se encarar um velho objeto, ou ainda a descoberta de um novo objetivo
com que se vai adotar um velho ângulo; ou seja, estou me referindo aos três objetos da ciência,
conforme os escolásticos: objeto material; objeto formal- motivo; objeto formal-terminativo.
Toda ciência tem um objeto, e esse é triplo: (1) é o objeto material, é o quê; (2) é o objeto formal,
e este se divide em duas partes: objeto formal-motivo e objeto formal-terminativo. O objeto
formal-motivo é exatamente o motivo pelo qual você enfoca aquele objeto. Vamos supor um
mesmo objeto de várias ciências, por exemplo, a sociedade humana. Esta é o objeto material de
várias ciências: economia; astrologia, história, política, etc. Acontece que cada uma delas encara
este mesmo objeto material por um motivo diferente: o motivo pelo qual a história encara a
sociedade humana é a constatação de sucessão de acontecimentos ao longo do tempo; a
sociologia a encara por um motivo diferente, a constatação de movimentos nas classes sociais.
Explicamos assim o objeto formal-motivo. Já o objeto formal- terminativo é o término, o termo,
isto é, onde se pretende chegar com a investigação. Por exemplo, a história e a sociologia têm o
mesmo objeto material — a sociedade humana, a atividade dos homens em sociedade —, o
objeto formal-motivo é mais ou menos o mesmo — chegar a uma compreensão dos processos
sociais internos. Mas o objeto formal-terminativo é bem diferente: o termo da história é o
restabelecimento da sucessão verdadeira dos fatos, ao passo que o objeto formal-terminativo da
sociologia é a descoberta, se possível, de leis ou regularidades nos movimentos sociais.
Este nosso estudo começa na hora em que temos certeza de que existe nosso objeto, que não
estamos estudando o nada; se nós definimos logo de início a astrologia como a ciência que estuda
as relações entre as configurações celestes e os eventos terrestres de ordem natural ou humana,
então é preciso estarmos seguros de que essas relações existem, porque se elas não existem, não
há objeto de estudo. Sendo assim, a afirmação do objeto de uma ciência é de certo modo prévia à
constituição dessa ciência. Só existe uma ciência da biologia onde já sabemos que existem seres
vivos há muito tempo; existe uma física porque, antes de aparecer o primeiro físico, todos
estavam certos de viverem num mundo material. Porque existem esses objetos e porque há
interrogação a respeito deles, estas são as razões pelas quais surge uma ciência. Isto quer dizer
que a afirmação taxativa de que existem as relações entre os eventos terrestres e celestes não faz
parte da astrologia, é uma coisa prévia à ela. Portanto, só pode haver uma astrologia se existirem
essas relações. Ora, quando vemos que até hoje a maior parte dos estudos e pesquisas sobre o
assunto astrológico têm tido por objetivo justamente provar que essas relações existem ou não,
então vemos que não temos nem certeza da existência do objeto, e muito menos poderemos ter
certeza de que deva existir uma astrologia. No entanto, a partir da pesquisa de Michael
Gauquelin, acho que é difícil ocultar as existências das relações entre configurações celestes e
eventos terrestres. Essa pesquisa pegou uma das mais antigas alegações dos astrólogos, que é a de
que existe uma relação entre o horóscopo natal do indivíduo e seu caráter, portanto, com sua
profissão, e, tendo comparado com os horóscopos de pessoas de diferentes grupos profissionais,
num total de 500.000 horóscopos, chegou à conclusão de que realmente havia uma constante
estatística na presença de certos planetas em certos lugares nos horóscopos desses cidadãos, com
uma freqüência em que o acaso explicaria uma porcentagem de apenas um caso para oito
milhões. Muitas ciências estudam objetos muito mais tênues do que este. Por exemplo,
Horkheimer fundou a sociologia baseada na idéia de que existia algo chamado fato social. Se
você procurar a demonstração de que existe o fato social, que é distinto do fato econômico, do
fato histórico etc., vemos que Horkheimer tinha muito menos motivos que nós para acreditar na
existência do seu objeto: nós temos uma certeza suficiente para justificar que exista uma ciência
para estudar nosso objeto.
A pesquisa de Gauquelin não é propriamente uma pesquisa astrológica, mas uma pesquisa
estatística, que verifica que o objeto da astrologia existe. Agora, que relações são estas, qual é o
alcance delas? Existe uma configuração celeste própria a cada evento terrestre, ou só a alguns?
Tudo o que acontece na Terra tem uma simultaneidade com algo no céu, ou só algumas coisas?
Além do mais, quando a gente fala “eventos”, qual é a elasticidade desse conceito de evento? Por
exemplo, o sujeito escolheu uma profissão — isto pode ser dito um evento? Me parece que, ao
contrário, a escolha de uma profissão é uma enorme sucessão de eventos, que começa na
infância, e que chega a desenlace por uma escolha feita na idade madura, a qual inclusive pode
ser revogada depois. Podemos dizer que uma crise econômica é um evento, ou também uma
constelação mais complexa ainda de eventos, qual é o tamanho, qual é a elasticidade que vamos
conceder à quantidade de eventos menores que compõem um maior? Se existe esta relação, por
mais vaga ou elástica que seja, entre os eventos celestes e terrestres, está justificada uma ciência
que justamente responda essas perguntas, ou seja, que termine de definir o seu objeto. Se não
cabe a uma ciência definir seu próprio objeto — mas ao contrário, ela deva recebê-lo pronto, da
evidência do senso comum ou de outra ciência anterior — cabe perfeitamente a ela, na sua parte
introdutória, delimitar esse objeto, isto é, distingui-lo dos objetos de outras ciências e fixar os
limites e o alcance da investigação que ela pretende empreender. Essa seria a tarefa número um
de uma astrologia, se ela existisse. Só por essa constatação inicial nós já podemos estar seguros
de que não existe astrologia nenhuma; isto nunca foi feito. Além do mais, esta astrologia, deveria
também demonstrar a possibilidade das respostas a essas perguntas, ou seja, demonstrar que não
são perguntas apenas filosóficas ou metafísicas, mas que são perguntas que podem ser
respondidas por um método científico. Em terceiro lugar, caberia a ela estabelecer que métodos
científicos são esses e, finalmente, em quarto lugar, tratar de aplicar esses métodos e chegar a
alguns resultados. Ou seja, tarefa inicial de uma ciência: (1) delimitar o seu campo, (2)
demonstrar a possibilidade do seu estudo científico, (3) estabelecer sua metodologia, (4) colocar-
se em movimento. Isto é feito absolutamente em todas as ciências; particularmente nos últimos
três séculos, onde vemos surgir uma multidão de ciências novas, podemos ver que o processo
seguido é exatamente este que descrevemos. Por exemplo, quando surge a paleontologia, o
estudo dos seres antigos. Descobriram-se ossadas escondidas a vários metros de profundidade, e
as ossadas eram de seres inexistentes; então supôs-se que eram de seres que teriam existido. Que
seres eram estes, quando estiveram aí, qual é a possibilidade de estudar isso cientificamente, e
como, estes foram os primeiros problemas da paleontologia. Outras ciências que foram surgindo,
como a sociologia, a moderna ciência política, a economia, etc., todas essas ciências de cara
encontram esta seqüência de quatro problemas.
Procurem em todos os livros de astrologia e respondam essas perguntas: se os astrólogos
colocaram essas quatro questões e se começaram a trabalhar. Nem começaram. Eles já partiram
do pressuposto de que tudo isso já é sabido, de que a ciência da astrologia já existe não só na sua
concepção geral, mas como patrimônio de conhecimentos adquiridos, ou seja, de resultados de
inúmeras pesquisas, e de que dessa ciência já pronta se pode até deduzir uma técnica, e mais
ainda, uma técnica para aplicar ao estudo dos casos particulares e que, além de tudo isso, se
aplique a todos os casos particulares ocorridos a todo os seres humanos e até a animais etc., e que
tudo isso funciona com plena eficácia. Tudo isso é pretensão e demência, e os astrólogos estão
falando mais do que sabem. Eles não estão totalmente loucos, não estão estudando o nada, desde
que, como já dissemos, o objeto existe. Só nos resta fazer humildemente aquilo que eles
pretensiosamente já tomam como se estivesse feito. Quem sabe até, ao final do nosso estudo, nós
descubramos que eles estão certos em mais coisas do que pensam, só que nós saberemos se eles
têm razão ou não. Eu não conheço um único astrólogo que não viva numa dúvida atroz de que
astrologia não funciona. Embora confirmados pela prática, essa confirmação não tem fundamento
racional. Que astrologia funciona é óbvio, todo o mundo sabe, mas porque funciona? Como você
não sabe o porquê, então também não sabe os limites dessa eficiência. Portanto nunca sabe se ela
diferencia um saber totalmente empírico de uma ciência, mais ou menos a probabilidade que você
tem de acertar ou não. A astrologia é um conhecimento puramente empírico; nós estamos
praticando astrologia hoje como o homem de Neanderthal manejava o porrete; algum
conhecimento do porrete ele tinha, mas era puramente empírico.
Tudo isso é de uma evidência tão grande, que os astrólogos não terem reconhecido isto até hoje
só pode se explicar ou por orgulho, ou por um radicalismo a que a gente é levado quando entra
numa polêmica. Quando você começa a defender uma coisa contra inimigos hostis você acaba
reafirmando o que defende com muito mais certeza do que realmente tem. Aquilo que só se
sustenta no adversário, aquilo que só adquire existência, consistência, porque tem um adversário
que o contesta é porque não é sólido em si mesmo. O astrólogo que está perante o inimigo da
astrologia está confiante na astrologia, mas quando está sozinho às três horas da manhã, ele passa
a duvidar.
Tanto mais firmeza um conhecimento tem quanto mais a sua aquisição foi difícil no começo. Esta
elaboração crítica que procede e fundamenta uma ciência, é ela mesma que vai lhe dar firmeza
mais tarde. Nós sabemos de histórias de ganhadores da loteria que na semana seguinte já tinham
gastado tudo, e de herdeiros de fortunas que dissiparam tudo, porque não tiveram o trabalho para
adquirir a riqueza. Com o conhecimento é a mesma coisa. O conhecimento que os astrólogos têm
não lhes custou nada. Custou ao sujeito a leitura de alguns livros da Antigüidade, concordar com
tudo, acriticamente, e começar a praticar. Então vamos começar tudo do início, e tentar obter,
com dificuldade, o que os outros obtiveram com facilidade, para que mais tarde tenhamos certeza
daquilo que possuímos. Este foi o intuito inicial da astrocaracterologia.
Dito tudo isso, um dos primeiros passos depois de delimitar o objeto da astrologia, seria ver quais
são as perguntas que se têm feito e que se podem fazer sobre ele. Uma das primeiras perguntas
que surgiria seria a dos símbolos naturais, como já mencionei aulas atrás. Por que? Porque toda a
astrologia sempre funcionou à base de símbolos. O fato de um planeta estar em tal casa às vezes é
interpretado como causa de eventos, às vezes como mero sincronismo, quer dizer, mero
indicador, às vezes como símbolo: por exemplo, o Sol seria o símbolo da inteligência intuitiva
porque esta é a faculdade mais central, do mesmo modo que o Sol é o centro do sistema solar, do
mesmo modo que o coração é o centro do organismo, etc. Quando o astrólogo faz este tipo de
interpretação ele está dizendo que o Sol simboliza, mas não está dizendo só isto. Ele não está
dizendo que o Sol é símbolo disto ou daquilo no sentido em que, quando nós lemos um poema,
dizemos que tal ou qual palavra simboliza tal ou qual coisa. O astrólogo pretende que o Sol
simbolize tal ou qual coisa não porque os homens lhe atribuíram tal função, mas porque ele é
naturalmente símbolo disto ou daquilo, ou seja, de porque as relações simbólicas entre os seres
não são inventadas pelos homens. Ora, todo o mundo sabe que existem os símbolos, mas que eles
não dão em árvores, que eles variam de cultura para cultura, mas são produtos da cultura humana.
A astrologia baseia-se no pressuposto de que existem símbolos não inventados, não- culturais,
dito de outro modo, símbolos naturais. Símbolos naturais teriam de ser aqueles que: (1) não
variam de cultura para cultura, teriam de ser iguais em todas as culturas existentes — universais
portanto —; (2) são aqueles que de certa maneira são impostos pela natureza, ou seja, símbolo
cuja evidência têm uma espécie de necessidade, não poderiam representar outra coisa. Um dos
pressupostos da astrologia antiga é que símbolos dessa ordem existem, Podem existir símbolos
naturais? Em geral a resposta das ciências humanas tem sido: não; os símbolos são parte da
linguagem humana, são inventados pelo homem. A astrologia de modo geral não tem se
preocupado com esses símbolos de ordem universal. Isto é muito explicável: tão logo se
constituiu a antropologia ela começou a fazer o recenseamento dos dados das várias culturas, e
inicialmente ela estava mais interessada na peculiaridade, na diferença das várias culturas, do que
na unidade delas. Para você constatar, por exemplo, a existência de instituições uniformemente
iguais em todas as culturas é preciso que primeiro se faça um recenseamento imenso das várias
culturas, e enquanto você faz o recenseamento, você está preocupado com as diferenças. Foi só
nos últimos dez anos que a antropologia começou a se preocupar com as constantes do espírito
humano. Constantes são traços que estão presentes em todos os homens e que não variam
conforme a cultura. É claro que elas têm a ver com os símbolos naturais. Há outras questões a
serem colocadas além da dos símbolos naturais, mesmo porque esta questão não pode ser
resolvida pela astrologia, e além disso a astrologia só lida com uma parte desses símbolos, que
são justamente os símbolos astrais.
Como dizíamos, a tarefa primeira da astrologia é delimitar seu campo, e o fizemos quando
dissemos que a astrologia é o estudo de todas as relações entre eventos celestes, ou posições dos
astros no Céu, e eventos terrestres. Se essas relações forem causais, muito que bem, se forem
apenas relações de, como dizia Jung, relações não-causais, relações de sincronismo, isto é, série
de eventos que, por motivos insondáveis, costumam acontecer ao mesmo tempo. Por exemplo,
quando às sete da manhã soa o seu despertador, você sabe que ao mesmo tempo tem uma
multidão de pessoas na cidade acordando ao mesmo tempo. Mas certamente não foi o seu
despertador que os acordou. Então não existe uma relação causal, existe uma relação de
sincronismo, que nesse caso é devido a um hábito social. Porém havendo sincronismo, é
suficiente para que, dado um evento, você possa legitimamente prever um outro sem conexão
causal entre eles. Causalidade e sincronismo seriam duas relações possíveis. Caberia a astrologia
esclarecer se as relações Céu e Terra são de ordem causal ou de ordem sincronística, por
exemplo. Porém a astrologia não pode ser chamada “a ciência das influências astrais”. Por quê?
Porque se você diz isto você já está pressupondo que os planetas exercem uma ação causal, ou
seja, estaríamos dando por respondida justamente a pergunta que se trata de responder. Temos
que ter uma definição mais vaga, e é por isso que dizemos “é a ciência das relações...”, quaisquer
que sejam as relações. Em seguida partimos para algumas deduções. Ou seja, nós fixamos a
definição mais ampla que poderia existir de ciência astrológica, definição de tal modo que
nenhuma astrologia já praticada neste mundo ou praticável nos séculos vindouros pudesse
escapar dessa definição. Essa é uma das condições de definição: que não deixasse escapar
nenhum caso. Em segundo lugar que ela fosse suficiente para distinguir o seu objeto de todos os
outros objetos, ou seja, para distinguir a astrologia de todas as demais ciências. Não existe
nenhuma outra ciência que estude especificamente isso. Por outro lado, tudo o que se escreveu
sobre astrologia desde que o mundo é mundo, não passa de um estudo das relações entre eventos
terrestres e eventos celestes. Então vemos que esta definição é bastante adequada. Dito isto, nós
começamos um processo dedutivo, ou seja, se aceitasse essa definição (que me parece não ter
como aceitar), então isto tem algumas decorrências. Em primeiro lugar, uma ciência que estuda
relações não é uma ciência que estuda coisas. Ou seja, uma ciência como a biologia, por
exemplo, é uma ciência que encontra o seu objeto pronto na natureza, dado na natureza. A
existência de seres vivos é uma evidência até para os bebês. Porém relações não são um tipo de
ser assim tão claro quanto lagartixas, minhocas, etc. Se o objeto da astrologia é uma relação, a
relação é um ente lógico, e a relação tem que ser logicamente definida pelo homem antes de
tentar ser encontrada na natureza. Vamos supor que eu quisesse estudar, por exemplo, as relações
que existem entre uma pessoa e outra, e eu me pergunto assim: existem relações entre fulano e
fulano, entre Ronald Reagan e a Dercy Gonçalves? Alguma relação tem que existir: no mínimo
eles caminham sobre o mesmo planeta. Então podemos dizer que as vidas de ambos estão
fundamentadas num mesmo conjunto de leis físicas, e esta é uma relação entre eles. Mas se
dizemos que não é esta relação que nós queremos, nós queremos uma relação de parentesco, ou
queremos saber se existem relações econômicas — alguém comprou ou vendeu, ou alugou para o
outro —, ou se existem relações sexuais... Ou seja, “relações” é um nome de um conceito
genérico que implica um monte de relações diferentes. Relações não são seres, não são coisas,
são como se fosse “posições” entre os dois seres. Então, não estamos interessados nem em um ser
nem no outro, apenas nas relações entre eles. Como a relação é um ente lógico não pode ser
encontrada na natureza, ela tem que ser concebida, delimitada, para depois ser procurada.
Analisando os termos da relação mencionada na nossa definição, isto é, eventos celestes e
eventos terrestres, nós descobrimos a seguinte peculiaridade: eventos terrestres é algo
amplamente elástico — por exemplo, uma crise econômica, um terremoto, uma idéia que ocorre
na cabeça de alguém, a queda de Napoleão Bonaparte, etc. —, já os eventos celestes são
estudados por uma única ciência, a astronomia; os eventos terrestres já estão todos catalogados no
sistema das ciências em eventos históricos, econômicos, físicos, químicos, biológicos etc. Vamos
substituir o que são “eventos terrestres” por “conhecimento científico”. O conjunto de tudo o que
aconteceu na Terra é o conjunto de tudo o que a ciência sabe. De um lado temos os “eventos
celestes”, ou a astronomia, de outro lado nós temos “eventos terrestres”, ou tudo que as demais
ciências sabem. Então trocamos a definição de astrologia: “A astrologia é astronomia
comparada.” É uma astronomia que não estuda os eventos celestes só com o intuito de descrevê-
los, medi-los, compará-los entre si, porém de compará-los com eventos de outra ordem —
eventos terrestres. A astrologia é astronomia comparada aos conhecimentos adquiridos por
alguma outra ciência, por exemplo, à história, à física, à astrologia, à biologia etc. Com isto nós
resolvemos o problema da delimitação do campo da astrologia: antes era vago e elástico e agora,
embora vasto, enorme, ele está perfeitamente definido.
Este assunto que estamos aqui tratando rapidamente foi assunto durante todo o decorrer do curso,
e somente ele já seria matéria para um curso inteiro.
Vamos continuar deduzindo. Como estes vários objetos que constituem o terrestre são estudados
por estas ciências com métodos e conceitos desta ciência, geralmente não servem para outra, isto
é, não posso estudar por exemplo economia política com os conceitos da geologia, nem a
geologia com os conceitos da química. Então entendemos que a astrologia ou astronomia
comparada não é uma ciência com um método único em todos os casos, mas que ela tem que ter
um método específico para cada um de seus casos. Dito de outro modo, ela não é uma ciência,
mas um conjunto de ciências. Se nós vamos fazer, por exemplo, a comparação da astrologia com
a história. Qual seria o método? Seria o método tipo cronológico: nós teríamos que estabelecer o
quadro dos movimentos planetários ao longo do tempo e os correspondentes eventos terrestres
que estavam se sucedendo durante esses ciclos, dizendo por exemplo que, quando se formou
determinada conjunção no Céu no mesmo instante, aqui na terra, estava acontecendo — ou não
— tal ou qual coisa. Depois de fazermos imensas tabelas deste tipo podemos começar a encontrar
certas regularidades. Um estudo muito bonito deste tipo foi feito por Gasthon Georgel, no livro
“Le quatre Âges de l’humanité”. É um livro lindo, mas é cheio de tabelas e datas. Isto aqui seria a
astrologia histórica. Mas todo este estudo de Georgel não serve, por exemplo, para responder
nada sobre astrologia psicológica. Por quê? Porque o método da psicologia não é o método da
história: para fazer psicologia não basta narrar os acontecimentos na sua ordem cronológica. A
astrologia ou astronomia comparada é uma multidão de ciências com um método diferente em
cada caso. Isso significa que vamos ter de dividir o campo da astrologia em duas partes: uma que
é astrologia pura, que discute o que é o objeto da astrologia em geral, qual é a possibilidade de
conhecê-lo e qual é a diversidade de métodos para isso. E de outro lado nós temos a imensidão
das astrologias, ou seja, que vão tratar de desenvolver e aplicar esses diversos métodos ao estudo
dos diferentes campos, sabendo que um não serve para o outro e o outro não serve para um.
Este servicinho de botar essas coisas em ordem, aqui é a fundação de uma ciência: A ciência se
funda exatamente assim. O nosso passo seguinte seria diversificar: por um lado continuar com
estes exames de astrologia geral, e por outro, uma vez estabelecido um campo qualquer, começar
a constituir pelo menos uma astrologia especial, senão nós vamos ficar sempre no discurso oco. A
astrologia geral ou pura é apenas a teoria geral das astrologias especiais, mas cada uma delas
também precisa de uma teoria especial, que delimite o seu próprio campo, as possibilidades, e o
método para estudá-lo. Feito isto nós entendemos que pode haver uma astrologia histórica, uma
astrologia biológica, etc., e uma astrocaracterologia. Quer dizer que, dentro da astrologia
psicológica — que estuda as relações entre os eventos celestes e todo o campo da psicologia —,
pode haver uma subdivisão que estuda os eventos celestes e suas relações com o caráter humano.
Não é a única astrologia psicológica. Por exemplo, nós poderíamos fazer uma astopsicogenética,
ou uma astropsicogênese, que estudasse não o caráter do indivíduo, mas a formação da sua
personalidade no tempo, comparando com os eventos celestes através dos chamados trânsitos
planetários. É mais do que óbvio que a astropsicogenética não poderá usar os mesmos métodos
da astrocaracterologia: também é claro que não pode existir uma astropsicogenética decente antes
de existir uma astrocaracterologia: se a gente não entende um objeto quando ele está parado,
quanto mais quando ele está se mexendo: se você não consegue montar num cavalo quando ele
está parado, quanto mais quando ele está correndo. Então também se poderia, com base nessas
duas, desenvolver mais tarde aplicações psicológicas disso, por exemplo, uma astropsicoterapia,
ou ainda uma astropsicopatologia, ou seja, quais as relações entre as configurações celestes e o
surgimento das patologias mentais ou doenças mentais, e quais as possibilidades de utilizar essas
oportunidades abertas pelos eventos celestes para introduzir tais ou quais terapêuticas. Tudo isso
pode existir, tudo isso são astrologias psicológicas, porém me parece que em todo esse campo de
astrologia psicológica, o problema inicial é o astrocaracterológico, e foi por isto mesmo que eu o
escolhi. Então, escolhi este campo de astrologia psicológica porque aqui me sinto mais seguro do
que se fosse, por exemplo, estudar uma astrologia geológica. Cada um sabe onde lhe aperta o
sapato, então cada um sabe quais são os setores que ele domina, e é evidente que, se a astrologia
é de fato astronomia comparada a uma ciência, é preciso que o astrólogo domine esta ciência. Ou
seja, o sujeito que se mete a fazer, por exemplo, previsões meteorológicas com base na astrologia
sem ter estudado meteorologia então estará fazendo astrologia comparada ao nada. Se você não
conhece nem mesmo os conceitos com que se descreve esse objeto, como é que se vai fazer o
astrologia desse objeto? Como é que eu posso fazer, por exemplo, um estudo de astrologia
política se eu nunca abri um livro de Machiavel, Montesquieu, Max Weber, etc. Quer dizer, você
nem sabe o que é política, onde começa e onde termina, então confunde política com
administração, política com fisiologia... Cada campo da astrologia requer conhecimentos
especializados, e o astrólogo será sempre um especialista desta ou daquela ciência astrológica, a
não ser que ele queira ser um especialista em tudo: pense bem o que isto significa: se astrologia é
astronomia comparada, se um dos termos da comparação é a figura do Céu e o outro termo é todo
o campo dos conhecimentos humanos, isso significa que aquele que diga “eu sou astrólogo em
geral”, ele está querendo dizer “eu sou especialista na comparação da astronomia com todos os
conhecimentos humanos”. É o mesmo que dizer “eu sou especialista em todos os conhecimentos
humanos”. O especialista em astrologia geral não existe, a não ser que seja brasileiro,
evidentemente...
Só existem as astrologias especiais, a astrologia geral é apenas um prefácio às astrologias
especiais. Quem quer que pretenda ter algum conhecimento astrológico terá que ter conhecimento
astrológico de alguma coisa. Astrologia não tem um objeto próprio, o objeto dela são relações.
Relação que é sempre feita entre um termo que é uniforme, que são os eventos celestes, e outro
termo, que é perfeitamente indefinido. A astrologia em si não é propriamente um campo de
interdisciplina, ela é interdisciplinar por sua própria natureza, ela é um estudo comparativo, e se é
interdisciplinar tem que ter pelo menos duas disciplinas. Tem três tipos de conhecimento que
constituem o tripé dos conhecimentos do astrólogo: a astronomia (somente os fenômenos
terrestres), a lógica e a metodologia das ciências, de uma ciência em particular, por mais limitada
que seja. Por exemplo, se eu souber a astronomia e lógica e metodologia e souber, por outro lado,
a história administrativa do bairro da Móoca por exemplo — é uma ciência, não é? — eu posso
fazer a comparação. Se eu não souber nem isto, então nada feito.
Então o ponto em que eu me sentia mais seguro era o da psicologia. Poderia ter sido outro ponto,
talvez história. Também este problema psicológico suscita mais interesse das pessoas e dos
astrólogos Em geral, 80% da astrologia que se faz é astrologia psicológica — aí juntavam a fome
com a vontade de comer. É lógico que se eu tivesse desenvolvido outros estudos durante a minha
vida teria, ao invés de fazer uma astrocaracterologia, feito outra astrologia, uma astroeconomia,
mas não é o caso.
Então, temos que ter de um lado uma astrologia geral e uma astrologia especial pelo menos. Com
isto nós encerramos o prefácio do Programa. Eu acho que tudo o que eu disse até aqui é
inevitavelmente assim. Quer dizer, não é conduzido pelo gosto do freguês, mas por uma
necessidade intrínseca, pelas leis da dedução. A lei da dedução é assim: A implica
necessariamente B que implica necessariamente C e assim por diante. Se nós tomamos como
certa a definição inicial e fizermos a dedução direitinho não temos como escapar dos seus
resultados. Porém nem tudo na ciência poderá seguir somente por dedução. Se a gente pudesse
descobrir tudo por dedução seria uma maravilha. O filósofo Spinoza, achava que, tendo apenas os
princípios gerais, podemos seguir apenas deduzindo, como por exemplo em geometria, e obter
quase todo o conhecimento importante só por dedução. Isso é uma utopia. A dedução nos dá um
conhecimento absolutamente firme: se as premissas de que nós partimos são certas, tudo que
deduzimos delas pelas leis da lógica é inevitavelmente certo, porém, na prática, nem tudo pode
ser conhecido por dedução, porque nós só podemos deduzir de premissas que nós já temos. E
onde a gente encontra as premissas? Por exemplo, eu disse que a astrologia é o estudo das
relações entre eventos celestes e terrestres. Essa foi a premissa da qual eu parti. Porém, como é
que a gente fez para achar esta premissa, da onde que eu a tirei? Para encontrar as premissas (ou
os primeiros princípios de Aristóteles) de uma ciência que nós não conhecemos ainda, só tem um
método: o método dialético. Quando nós saímos da dedução e entramos na dialética, nós saímos
do que é firme, seguro e claro para o campo do que é escorregadio, contestável, duvidoso e até
maligno. A dialética é a arte de raciocinar segundo duas linhas contrárias de dedução. Por
exemplo, nós partimos do princípio, por um lado, de que os quadrados são redondos, e por outro
lado, que os redondos não são quadrados, e vamos seguindo essas duas linhas ao mesmo tempo e
confrontando os resultados. Na arte da dialética você conjectura possibilidades e as confronta
com fatos conhecidos ou com resultados de dedução anteriores, etc. Em suma, a dialética é o
entrechoque de idéias, e ela serve para selecionar o possível do impossível, ou o provável do
improvável. As leis da dialética são enormemente complicadas. Embora todas elas baseadas nas
leis da dedução, não são tão simples. As leis da dedução acho que todo o mundo aqui tem uma
idéia: “Se Sócrates é homem, e todo homem é mortal, então Sócrates é mortal...”, e coisas assim.
São silogismos. Mas a dialética funciona com cadeias simultâneas de silogismos, e às vezes tem
de averiguar não duas cadeias, mas dez, quinze ou vinte, todas ao mesmo tempo, e elas sempre
partem de uma multiplicidade de dados, tomados por sua vez como premissas, e tenta reduzir
esses dados a uma unidade. E ela formula certas hipóteses e as discute, até que vai afastando,
afastando, jogando fora, e chega a uma que parece segura e inderrubável. Isto quer dizer que esta
definição de astrologia foi obtida por um método dialético, e por um trabalho monstro que eu não
vou explicar tudo aqui de novo, mas que foi mais ou menos assim: nós vamos pegar uma
definição qualquer de astrologia, e vamos discuti-las, ou seja, nós vamos dialetizá-las. Por
exemplo, eu encontro uma assim: “astrologia é o estudo da influência dos astros sobre a
personalidade humana”. E então pego o livro do Jung e leio que os astros não influenciam coisa
nenhuma, mas que “existe um sincronismo”. Então, pela definição anterior, isso aqui não é
astrologia. Depois eu pego outro livro qualquer que estuda influência dos astros nas abobrinhas.
As abobrinhas não fazem parte da personalidade humana. Então isto quer dizer que isso não é
astrologia? Então, esta definição é deficiente. A gente vai substituindo, trocando, até encontrar
uma definição que possa alcançar toda a multiplicidade de exemplos de astrologia colhidos na
história. Aí, por este método dialético, chegamos a esta definição. Uma vez encontrada a
definição, o resto começa a ficar mais fácil. Por quê? Porque dela apenas podemos deduzir.
ASTROCARACTEROLOGIA SÃO PAULO, 11 DE ABRIL DE 1991 AULA 48 FITAS II E III
TRANSCRIÇÃO: EDMILSON CARVALHO BARBOSA REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

Não estou dizendo que esta definição seja nova. Qualquer astrólogo que raciocinasse sobre o que
ele mesmo está fazendo, e tentasse definir sua ciência, teria que chegar a isso aqui, é lógico. Não
estou postulando esta definição porque quero, porque gosto. Não. É porque, de fato, isto é o que
os astrólogos têm feito. Por exemplo: o sujeito que defina a astrologia como o estudo da
influência dos astros sobre a personalidade humana pode, no instante seguinte, estar estudando as
abobrinhas, sem perceber que ele mesmo tornou sua definição mais elástica do que ele pretendia.
Simplesmente, ao formularmos isto, nós tentamos chegar a uma definição mais ampla do que de
fato os astrólogos têm estudado ao longo do tempo, e não do que eles dizem que estão estudando.
Mas isto não impede, evidentemente, que um ou dois deles saibam que estão estudando
precisamente isto. Então, esta definição é verdadeira, ela expressa de fato, o que qualquer
astrólogo está fazendo. Qualquer sujeito que raciocinasse sobre sua atividade de astrólogo
chegaria a conclusão de que a definição dessa atividade é exatamente esta.
Tudo que nós estamos falando até aqui já são os fundamentos, são as pedras angulares de uma
ciência:
1) A constatação de que existe um objeto material;
2) A delimitação do seu campo (porque esta delimitação vai dar, depois, o seu objeto formal);
3) A especulação sobre a possibilidade de conhecer o objeto, e sobre os requisitos desse
conhecimento.
Por exemplo, um requisito que nós vimos é este que acabamos de citar: não pode haver um
estudo astrológico genérico, a não ser que seja puramente lógico, metodológico, que é o que nós
chamamos de astrologia geral, mas isto não é astrologia ainda. Só existem astrologias especiais,
cada uma delas com um método. Isto aqui é o primeiro requisito metodológico inicial que tiramos
da própria definição.
A partir do momento que equacionamos a coisa assim, podemos dizer que existe uma ciência
astrológica. Não que a astrologia não tenha descoberto nada ainda sobre nenhuma relação
astrológica em particular. Mas, uma ciência não se torna científica pelos seus resultados. Uma
ciência que equacionasse um problema racionalmente, sistematicamente, que estabelecesse um
objeto, delimitasse seu campo, colocasse a discussão da possibilidade de conhecer e articulasse a
estratégia do estudo, mas que, por uma fatalidade, depois de cem anos, esse estudo não
produzisse nenhum resultado positivo, não deixaria por isto de ser ciência. Uma ciência não é
ciência pelos seus resultados mas pelo seu procedimento. Por exemplo, nós falamos da ciência da
paleontologia. Os resultados da ciência da paleontologia, desde que ela foi fundada (mais ou
menos no século XVIII), são extremamente modestos até hoje. Comparando com outra ciência,
por exemplo, a geometria; a geometria é uma ciência extremamente desenvolvida, uma ciência
monstro, que vem progredindo sem parar a milênios. Uma não é mais científica do que a outra:
uma é apenas mais rica do que a outra. Ou dito de outro modo: ela teve mais sorte.
A partir do momento em que nosso problema foi equacionado, ninguém pode, sem trapacear,
negar o caráter científico desse estudo. Se o objeto existe, por vago que seja, se este objeto está
delimitado, se existe um equacionamento do problema, uma consciência metodológica e uma
estratégia para atacar o assunto, então já é ciência. Só que ela é uma ciência que não sabe nada —
a inteligência do recém-nascido ainda não sabe nada, e nem por isto deixa de ser inteligência; já a
inteligência da minhoca não é inteligência, por mais coisas que a minhoca “saiba”. Então, um
conhecimento não é científico por ser grande, por ser rico, por ser cheio; um conhecimento
científico vazio pode ser científico, conquanto que ele obedeça a certos requisitos.
Bastava os astrólogos terem feito isto para que ninguém no mundo pudesse dizer que astrologia
não é ciência. Quando se coloca este problema: “astrologia é ciência?”, como é que os astrólogos
procedem? Em vez deles quererem provar que o estudo que estão fazendo tem uma estrutura
científica, ao contrário: eles esquecem essa estrutura científica e tentam provar que todos os
conhecimentos particulares, adquiridos por eles nesse estudo, são verdadeiros, um por um. Eu
digo: não há nenhuma ciência que possa chegar a tanto. Por exemplo: a física é uma ciência,
ninguém nega. Isto quer dizer que todas as teorias físicas lançadas desde que existe física são
verdadeiras? Não, ao contrário; a maior parte é falsa. A maior parte das teorias físicas que o
homem foi concebendo foi sendo jogada fora. E a física existe justamente por causa disto: não
porque ela prova que tudo que diz é verdadeiro mas porque ela tem condições de rejeitar o falso.
E por que ela tem condições de rejeitar o falso? Porque ela tem uma estrutura lógica e tem um
método. Não é isto? Então, o que falta para a astrologia ser ciência não é ela só dizer verdades: é
ela ser capaz de poder rejeitar suas próprias falsidades.
Isso se chama teoria da refutabilidade. A refutabilidade foi concebida pelo maior metodólogo do
século que se chamava Karl Popper. A refutabilidade é o traço distintivo da ciência. A ciência é a
atividade intelectual que formula teorias que ela mesma seria capaz de refutar. Isto quer dizer que
se a astrologia não descobrir mais nada a partir deste ponto, se nós, daqui a dez anos, estivermos
reunidos nesta casa e descobrirmos que nosso estudo não deu em nada, que não descobrimos
nada de seguro, se este for o resultado estará provado que nosso estudo é científico. Uma verdade
científica é uma teoria que não foi derrubada ainda, mas que temos que fazer de tudo para
derrubar.
Entretanto, os astrólogos tem procedido de maneira contrária: eles querem afirmar que tudo é
verdade; tudo que Ptolomeu, Morin de Villefranche, Guido Bonacci, Kepler e todos os astrólogos
da história disseram é verdade; todas as regras da astrologia são verdadeiras. Eu digo: exigir isso
da astrologia é exigir uma coisa excessiva, que ciência nenhuma no mundo pode dar. No entanto,
quando o sujeito é pretensioso, é normal que os outros exijam dele. A astrologia se apresenta com
uma pretensão monstro: a pretensão de, pelos eventos celestes, diagnosticar e prever qualquer
evento terrestre. Então não é de se espantar que exijam que ela prove tudo. Entretanto, se
colocarmos as coisas nestes termos, esse debate em si não é científico. Porque se existe de um
lado, um sujeito tentando provar que a ciência sabe de tudo, tem razão em tudo; e outro tentando
provar que sabe de tudo mas que não tem razão em nada — isso é debate científico? É possível
equacionar cientificamente este debate? Não. Isso quer dizer que amigos e inimigos da astrologia
estão completamente fora do campo da ciência. E o curioso é que este assunto é tão cercado de
preconceitos, de maluquices, de temores, de superstições de parte a parte que até sujeitos sãos de
cabeça, metodologistas da ciência, quando entram nisso, parece que dá um não-sei-o-quê na
cabeça deles e começam a querer discutir nesses termos abrangentes. Isso aí tem feito com que
quase todos os debates sobre o assunto não dêem em nada.
Quando se faz uma coisa como a feita pela revista Nature, onde do fato de que os astrólogos não
conseguem discernir traços de personalidade a partir do mapa o pesquisador conclui que não
existe relação entre os astros e o caráter humano; quando a gente vê que gente séria, de uma
universidade, escreveu uma revista prestigiosa — como é que um erro tão primário quanto este
pode ocorrer? Ou seja, o erro de tirar conclusão não fundamentada na própria pesquisa, aconteceu
por quê? Porque eles ficaram obcecados com o assunto e ficaram bobos na hora em que foram
tratá-lo. Sobretudo, estão com muita pressa de saber se astrologia funciona ou não — mas nós
não acabamos de ver que a astrologia não existe? E que é preciso constituir esse setor de estudos?
Que só poderemos saber se a astrologia funciona ou não depois que a tivermos constituído? Ora,
você fazer um estudo para ver se um certo empirismo qualquer que existe na praça funciona ou
não, tem sentido isto? Por exemplo, vou fazer um estudo para ver se as adivinhações por búzios,
por borra de café, tarot, funcionam ou não — tem algum sentido científico esta pesquisa? Não,
porque o empirismo não tem regras, ele pode ser feito de qualquer jeito e isso quer dizer que eu
não posso saber se ele funciona ou não. A mesma coisa é fazer uma pesquisa para saber se a
astrologia funciona ou não: não tem o menor sentido. Qualquer indivíduo no mobral da
metodologia devia saber disso. Então, se o sujeito tenta fazer uma pesquisa dessa, já provou que
está por fora.
O que tem sentido é fazer pesquisas para verificar se a relação entre astros e eventos terrestres
existe em si e independentemente do empirismo que pretende interpretar essas relações. Foi por
isto que a pesquisa de Gauquelin funcionou. Ele nada perguntou aos astrólogos; ele não
investigou a astrologia tal como se pratica: ele foi direto ao fenômeno. Aí sim você encontra
alguma coisa; coisa essa que se pode comprovar em certos casos e desmentir em outros. Por
exemplo, o mesmíssimo Gauquelin fez a mesmíssima pesquisa (a dos grupos profissionais) com
relação não a planetas mas a signos. Ele queria saber se existem grupos profissionais
estatisticamente associados a determinados signos do mesmo modo que ele tinha investigado se
existiam grupos profissionais associados a determinadas posições planetárias — e o resultado foi
negativo. Esse estudo todo é mais científico. Agora, um estudo para saber se a astrologia
funciona ou não — vocês acham que “fulks” funciona ou não? Fulks é tão indefinido quanto a
astrologia.
Qual é a astrologia que as pessoas praticam? Uns acham que é uma ciência puramente dedutiva,
ou seja, partindo de leis metafísicas vai-se deduzindo até chegar ao evento particular; outros
acham que é uma ciência divinatória, que você, por inspiração do “espírito”, adivinha; outros já
acham que é uma ciência de introdução, etc. Todos eles estão fazendo coisas diferentes: os
pressupostos e as técnicas são diferentes, infinitamente variadas, e a cada momento eles inventam
novas técnicas. Nos últimos anos eu mesmo pude tomar conhecimento de uma centena de
técnicas astrológicas novas, improvisadas, inventadas pelo sujeito na hora: já ouviu falar de
mapas harmônicos? Existe uma infinidade de técnicas que cada um inventa. Como é que eu posso
saber se tudo isso funciona ou não? Ou seja: a pergunta, em si mesma, não é científica. Nós
temos que sair do campo dos debates malucos. E antes de perguntar se astrologia funciona ou
não, nós vamos ter que fazê-la. E o nosso objetivo não é fazer uma astrologia que funcione, mas
fazer uma astrologia de modo que possamos saber se ela funciona ou não. Um saber que
equacione de uma maneira cientificamente responsável o seu problema e que, depois de vários
estudos, está em condição de afirmar sua própria validade ou nulidade é ciência. E é isto o que
nós queremos.
No campo das ciências humanas, o sujeito começa o estudo sobre uma coisa e daqui a pouco está
falando de outra. Até os maiores da sociologia e da antropologia fazem isto. Por quê? Porque são
ciências que estão muito confusas. Elas estão confusas e chegam a um mal resultado, mas nós
não podemos negar que sejam ciências. Por quê? Porque elas têm consciência metodológica. Elas
têm uma delimitação de um campo — e uma consciência da própria confusão metodológica. Ou
seja: já são científicas, ainda que seus resultados sejam nulos. Você pode procurar na sociologia
se há algum resultado firme e você não encontra. Mas a mesma coisa hoje em dia se pode dizer
da física: anos atrás era uma ciência em que se acreditava muito nos seus resultados mas que hoje
em dia ninguém sabe do que se está falando. Se você achar um físico que consiga dar uma
definição de “matéria” você ganha um doce. A sociologia está mais crível do que física; não quer
dizer que ela não seja científica; quando ela entra numa confusão, sabe que está confusa; sabe que
está num estado insatisfatório. Mas a astrologia não sabe, a astrologia está sempre segura de si.
O importante é justamente esta consciência do problema, consciência das dificuldades: isto é a
marca do saber científico. O saber científico é crítico e autocrítico. Isso quer dizer que ele é
autoconsciente. Ele não vai acreditar em si mesmo, e também não vai acreditar nos seus críticos,
nos seus adversários, na primeira vez. Este foi o tema da nossa primeira rodada de aulas.
Dito isto, já temos então um campo definido, que seria o da astrologia psicológica e, dentro dele,
o estudo da relação entre as figuras do céu e do caráter humano. Como o objeto geral está
definido, resta definir o objeto especial, que é a relação entre astros e caráter. Mas como os astros
a gente já sabe o que é, temos que entrar na definição do caráter. Uma vez encontrada a definição
de caráter, nós podemos fazer dela uma dedução do mesmo tipo. Porém, como encontrar essa
definição do caráter? Aí temos que entrar num movimento dialético. Este movimento dialético
constituiu os meses seguintes do curso. Como se faz esta dialética? Sugerindo várias definições
do caráter. Isso quer dizer que toda a seqüência seguinte do curso, que foi estudando as várias
caracterologias, não foi nada mais do que um movimento dialético enormemente complicado
como todo movimento dialético, para chegar a uma delimitação do que é o caráter em termos que
admitam sua comparação com o horóscopo.
Começamos por exemplo, olhando uma definição e um enfoque particular do caráter, o enfoque
de Szondi. Szondi descrevia o caráter como um quadro de pulsões ou de instintos. Ou seja, ele
definiu ao mesmo tempo a matéria e a forma do caráter: matéria — o caráter compõe-se de
instintos ou desejos primários; formas — o caráter se compõe do entrechoque e combinação;
mútuo reforço ou mútua anulação desses vários instintos. Daí ele deduziu mais outra coisa: um
princípio da diferenciação individual do caráter. Se o caráter se compõe de instintos, e se a forma
do caráter é de um sistema de compensações, de mútuo reforço ou de mútua anulação dos
instintos, então o caráter individual, de indivíduo para indivíduo, se diferencia conforme a
fórmula final do equilíbrio encontrado entre esses vários instintos. Ou seja, os instintos são os
mesmos em todos os seres humanos; instintos, desejos primários ou necessidades primárias.
Essas necessidades primárias, conforme seu ambiente social, o ambiente cultural, etc., e enfim a
liberdade do seu ego, estes instintos acabam se combinando, se chocando, anulando,
compensando e chegando enfim a uma fórmula final que tende a permanecer constante, estável. É
assim que Szondi define o caráter; define e descreve.
Entretanto o que nos importa saber é se o caráter assim descrito pode ser comparado com o
horóscopo ou não. Para que nós pudéssemos estabelecer uma comparação entre o quadro
pulsional do indivíduo — tal como Szondi o descreve —, por um lado, e por outro lado, seu
horóscopo, o que seria necessário? (Aqui nós estamos dialetizando. Dialética é exatamente isto).
Seria necessário, primeiro, que nós encontrássemos para cada impulso básico o devido
correspondente astrológico. O horóscopo também se compõe de fatores ou elementos, e de uma
disposição desses vários elementos. Quais são os elementos? São os planetas. Qual é a
disposição? É a localização dos planetas aqui ou ali. Os planetas são sempre os mesmos, mas eles
se distribuem diferentemente de indivíduo para indivíduo. Então, do mesmo modo, os instintos
são sempre os mesmos mas eles se distribuem e têm relações mútuas diferentes de indivíduo para
indivíduo. Então, aparentemente, haveria uma analogia entre o quadro das pulsões básicas tal
como descreve Szondi e o horóscopo; porém, essa comparação só existe a grosso modo.
Para que pudéssemos estabelecer uma comparação entre um horóscopo determinado de um
indivíduo determinado e o seu quadro pulsional verdadeiro seria preciso que não apenas
tivéssemos uma analogia mais ou menos grosseira entre essas duas estruturas teóricas, isto é,
quadro pulsional e horóscopo, mas que nós soubéssemos qual elemento astrológico
correspondente a qual elemento na psicologia de Szondi. Por exemplo, se existe um instinto
paroxismal, que é um instinto de acumular e descarregar energia, se existe um instinto do sexo, se
existe um instinto de agressão, etc., a que fator astrológico corresponderia cada um? Pode
procurar quanto queira que você não vai achar. Por quê? Porque para que você pudesse
fundamentar esta analogia entre instintos e astros, seria necessário que você já possuísse o
sistema completo das interpretações dos astros. E isto não podemos fazer porque isto pressuporia
a existência de uma astrologia pronta.
Eis aí o motivo básico pelo qual estamos realmente começando uma ciência, não podemos partir
do ponto de vista de que ela está pronta. De cara já sabemos que não podemos encontrar essas
correspondências porque elas teriam que se fundamentar num sistema de interpretações
simbólicas que nós já tomássemos pronto, definitivo e fundamentado. Isso nós não temos. Porém,
se teoricamente é impossível, na prática é muito mais. Não existe nenhuma única razão para que
você associe nenhum dos instintos assinalados por Szondi com nenhum dos planetas. As
analogias que você pode formar são todas fortuitas e aparentes. E a prova disso é que se você,
após ter feito um quadro de correspondências, trocar todas correspondências, funciona do mesmo
jeito. Dá tudo igual. Quer dizer que não temos por onde comparar o caráter tal como Szondi o
descreve e o horóscopo. Por exemplo, o que você faz com m, o impulso aquisitivo? Na
astrologia, o desejo sexual e o impulso aquisitivo são colocados os dois sob a regência de Vênus,
não são? Mas em Szondi eles são coisas distintas. Então como é que tem duas Vênus? É só você
começar a raciocinar pora ver que não vai dar certo.
Simplesmente você vê que esses quadros — o do sistema astrológico, que são planetas e casas, e
o dos instintos tal como descrito por Szondi — estão falando de problemas completamente
diferentes e que não têm correspondência biunívoca. Não tendo correspondência biunívoca, acaba
a comparação. A comparação só poderá ser estabelecida de modo indireto, empírico. Como? Se
nós diagnosticarmos 500 mil pessoas pelo teste de Szondi, catalogarmos seus tipos instintuais e
depois levantarmos o seu horóscopo e encontrarmos uma recorrência entre tipos instintuais e
tipos astrológicos; aí sim estabeleceremos uma correlação, ao nível puramente factual, empírico,
a “posteriori”. Qual é a diferença? A diferença é que aquilo que é empírico você não conhece sua
razão de ser. Se conhecêssemos a correspondência entre cada fato Szondiano e cada fator
astrológico nós teríamos a regra de correspondência e poderíamos deduzir que, dado um certo
horóscopo, provavelmente o tipo instintual do sujeito será tal. Porém, se, não encontrando esta
correspondência interna nós, depois, por pesquisas, por acumulação de dados, chegarmos a
estabelecer uma correlação empírica, ainda não teremos o fundamento dessa correlação. São dois
modos de conhecer completamente diferentes. Quando você aprende aritmética, você não
aprende pelo empirismo: você aprende por regras gerais pelas quais você pode deduzir os
resultados em qualquer caso. Isso é dedução pura — por isso mesmo é conhecimento firme.
Agora, quando você vai só pelos procedimentos contrários, só pelo empirismo — tal ordem de
eventos coincide no tempo e no espaço com esta aqui, mas eu não sei por quê — isso aí não deixa
de ser algum conhecimento. Mas é um conhecimento muito deficiente. Você nunca sabe se nos
casos seguintes aquela correlação vai poder se verificar e, mais ainda, porque ela existe.
O conhecimento que é puramente obtido da experiência e por indução, e cujo fundamento você
não possui, é sempre deficiente. O tipo de correlação que estamos procurando entre horóscopo e
caráter não é do tipo empírico. Nós queremos saber as chaves dessas correspondências, as regras
dessas correspondências de modo que possamos fazer deduções — e isso mesmo é que será a
teoria astrocaracterológica. A teoria astrocaracterológica terá que ser um sistema de
correspondências entre o horóscopo e caráter de tal modo que, dado um horóscopo, possamos
deduzir um caráter. Então o procedimento, evidentemente, não pode ser intuitivo em primeira
instância; tem que ser dedutivo. Isso significa que o caráter tal como definido e descrito por
Szondi está fora da possibilidade de comparação astrológica. Não só por estas razões como por
uma outra: se Szondi diz que o quadro dos instintos, que é em parte hereditária e em parte
determinado pela cultura e pelos hábitos etc.; chega a uma estabilização algum dia, a pergunta é:
que dia? Porque o mapa astrológico tem um dia determinado, não é? E a hora em que o sujeito
nasceu. E a formação do caráter de Szondi, quando acontece? Pode acontecer quando o sujeito
tiver 20, 30, 40, 50, 60 anos e pode não acontecer nunca. Portanto o quadro instintivo do
indivíduo é elástico. E o horóscopo; é elástico? Horóscopo você não troca, horóscopo é sempre o
mesmo. A possibilidade de comparação entre um quadro que permanece inteiramente fixo e outro
que é indefinido, elástico, é bastante problemática. Isto significa que se nós queremos uma
comparação entre horóscopo e caráter, não pode ser o caráter no sentido que Szondi fala.
Esse é o resultado de nossa dialética. Que é que nós ganhamos? Na verdade, nós perdemos. Nós
chegamos a um resultado negativo. Resultado do tipo “não é por aí”. Nós estamos que nem no
poema do José Régio: “Eu não sei da onde vim, não sei aonde vou, eu só sei que não vou por aí”.
Já é uma certeza, embora uma certeza negativa. Mas a ciência é constituída sobretudo de certezas
negativas, de portas fechadas, onde o cientista é geralmente como o prisioneiro que estivesse
procurando um buraquinho para escapar da prisão, e que apalpasse os muros. Se ele chegasse à
conclusão de que não existe nenhum buraco, nenhuma pedrinha solta, isto quer dizer que ele não
ia poder escapar de maneira alguma. Do ponto de vista prático, existencial, ele estaria ferrado
mas do ponto de vista científico ele seria um sucesso. Ele estaria certo, a sua conclusão foi
verdadeira.
Quem escolhe fazer ciência não está buscando a felicidade, está buscando a verdade. Como a
verdade, na maior parte dos casos, é extremamente desagradável, ninguém poderá fazer ciência
se não se dispuser a deixar essa questão da felicidade para um pouquinho depois. Mas como já
dizia Einstein: “A felicidade é um ideal digno dos porcos”; vamos cuidar da coisa mais
importante. E o que é mais importante: você ter dinheiro para pagar tudo ou você saber se dá ou
não dá para pagar? Existem dois tipos de pessoas: um que preferia ter dinheiro para comprar tudo
mesmo que não soubesse da onde vem o dinheiro, que preferia ser feliz, que o dinheiro caísse do
céu, da mão do papai para ele ir gastando, ou seja: “quero ser uma criança feliz”. E tem outro que
diz: “Não, pera lá, mesmo que eu não tenha o suficiente, eu quero saber como que eu ganhei, de
onde que eu ganhei, como é que se faz para eu obter mais”. Ou seja: quero ter o controle da
situação, quero ser um ser humano adulto. Do ponto-de-vista intelectual é a mesma coisa: você
quer alguma coisa na qual você possa acreditar e se sentir feliz e reconfortado, porque acha que
descobriu a verdade, sem saber da onde ela veio, se ela é verdade mesmo, por que ela é verdade e
etc.; ou você quer uma coisa que você mesmo controla, sabe de onde saiu e por quê? Aí se divide
a humanidade: 99,999% quer a felicidade infantil e, evidentemente, só tem desgostos; e tem
0,001% que diz: eu quero saber como é que é o negócio mesmo. Por incrível que pareça, esses
0,001% são pessoas geralmente mais felizes que o restante da humanidade.
Se você lê a história dos grandes filósofos, cientistas, vai ver que eles perdiam muito pouco
tempo com dramas existenciais. Você nunca vê: “Eu estou deprimido”, “Estou angustiado”,
“Minha namorada me largou”. Nenhum deles nunca perguntou por essas bobagens. Geralmente,
o procedimento do filósofo é que nem o do famoso monge budista, que disseram para ele que ele
tinha transado com uma moça na cidade e que ela tinha tido um filho e que o filho era dele.
Descarregaram o moleque no colo dele, e ele: “Oh!” e ficou lá, cuidando do moleque. Três anos
depois falaram que o filho não era dele, era de outro cara, que descobriram o pai: “Dá aqui o
moleque”, e ele: “Oh!”.
Se vocês querem saber realmente do que se trata, então nós todos vamos ter muito trabalho. Eu
não vou ter mais certeza do que vocês podem ter, nós todos vamos ter que caminhar um pouco na
insegurança, passo a passo, e a nossa colheita, no fim, pode ser somente de certezas negativas —
mas já será alguma coisa, não é? A investigação científica é baseada no preceito de que, quem
está sentado no chão, não cai. Só que fica no pequeno, no que dá, no seguro.
Nós já entendemos que a comparação entre o horóscopo e o caráter não pode ser feita se
tomarmos como caráter o que Szondi definiu. Nesta dialética, já temos uma vantagem: a
vantagem de que já existe uma caracterologia amplamente desenvolvida. Centenas de psicólogos
e investigadores da maior envergadura se dedicaram a investigar e a descrever o caráter. Nós não
vamos precisar inventar tudo. Nós simplesmente pegamos as definições do caráter que eles dão, o
caráter tal como eles o descrevem, pegamos a coisa pronta e tentamos comparar com o horóscopo
para ver se é possível. Não precisamos pegar todas as caracterologias, pegamos apenas algumas
como amostras. Porque desta comparação, desde que nós não cheguemos a resultado positivo
algum, talvez nos ocorra uma outra definição de caráter. Isto quer dizer que o movimento
dialético não precisa abraçar todas as possibilidades porque, depois de você imaginar cinco
possibilidades numa direção, você já chega a conclusão de que não é por ali, e concebe uma outra
direção possível: lança uma hipótese.
Prosseguindo, nós examinamos a caracterologia de René Le Senne. Le Senne não se preocupou
com a hereditariedade. Ao contrário de Szondi, ele nunca se perguntou: “Da onde provém o
caráter?” De onde vem sobretudo uma teoria genética do caráter? Genética quer dizer a respeito
da gênese, da origem. Szondi explicava a formação do caráter a partir da hereditariedade e
através das sucessivas influências que o indivíduo vai recebendo. Por isso se preocupava também
com o modo de interferir neste caráter, ou seja, de dirigir o processo genético — por isso mesmo
era um terapeuta, não apenas um psicólogo teórico. Le Senne não se preocupou com
absolutamente nada disso. Ele não quer saber da gênese; ele quer saber apenas uma técnica
descritiva que permita diferenciar os indivíduos de maneira que você não os confunda, e que você
possa agrupá-los em tipos determinados, o menor número de tipos possível. Ele forma a noção de
caráter por uma dedução a partir dos seus componentes básicos. Porém, esses componentes
básicos, são de natureza instintiva — pergunto eu? Da onde vem eles?
Le Senne não se pergunta isso. Ele apenas diz que no comportamento dos indivíduos tal como já
estão , não importando de onde vieram, nós podemos discernir três linhas diferentes de reações:
uma linha que ele chama de Emotividade, outra de Atividade e outra de Ressonância. Isso não
quer dizer que exista um instinto da emotividade, que exista um instinto da atividade e que exista
um instinto da ressonância; pode ser que emotividade, atividade e ressonância sejam apenas três
nomes diferentes da mesma coisa. Quer dizer que, no fundo, talvez elas sejam um mesmo fator
— mas Le Senne não se interessa pelo fundo, mas apenas pela diferenciação no comportamento.
Ou seja, se você pegar a semente de uma árvore, na semente já está o tronco, a raiz, as folhas —
não tá tudo lá? Tudo na semente, tudo embolado. O que interessa é que depois que a árvore
cresce você vê distintamente as folhas, os galhos, o tronco, a raiz. Isso quer dizer que em Szondi,
cada fator diferente que ele considera, são forças efetivamente diferentes que não se confundem
jamais entre si, ao passo que em Le Senne as diferenças entre as várias constantes do caráter não
são tão profundas assim. Pode ser, por exemplo, que a causa da emotividade seja a mesma causa
do fator que ele, mais adiante, vai chamar de ternura. Interessa apenas que, ainda que seja no
fundo uma causa só, ela aparece de forma diferente no comportamento. Ou seja, é uma
caracterologia baseada em diferenças de comportamento, diferenças visíveis porque os indivíduos
na mesma situação agirão de maneira diferente, e agirão de maneira significativamente diferente,
isto é, o comportamento diferente se repetirá se a situação se repetir: a resposta dos emotivos será
sempre diferente da resposta dos não-emotivos: a resposta do sentimental será sempre diferente
da resposta do fleumático.
Isto quer dizer que nós percebemos no teste de Le Senne diferenças entre os indivíduos pelas
constantes do seu comportamento. Ao contrário, no teste de Szondi, nós não precisamos saber do
comportamento: ao conhecermos o quadro instintivo é que podemos deduzir o comportamento.
Como é que nós sabemos no teste de Le Senne que o indivíduo é emotivo ou não-emotivo? Ativo
ou inativo? É respondendo aquelas perguntas: “O que é que você faz em tal circunstância?” Em
Szondi não perguntamos o que o sujeito faz, nós mostramos a ele uma fotografia e perguntamos:
“É simpático ou antipático?” Só isto. A diferença entre os dois enfoques do caráter é grande: um
é o enfoque genético; o outro é o enfoque descritivo do comportamento.
Será que no caso de Le Senne nós obtemos mais sucesso em comparar o caráter com o
horóscopo? Menos ainda do que em Szondi, porque esse caráter, expressando-se no
comportamento, é mais elástico ainda do que aquele. Mais ainda: em Szondi nós podemos ter
algum controle das mutações do caráter porque, se nós conhecemos as forças que produzem o
caráter, conhecemos então o que se passa com essas forças, podemos mais ou menos prever
mutações do caráter. Tanto que a terapia do Szondi é baseada na indução de mudanças
individuais. É o que ele chama de rotações dos sintomas. Então até que o caráter tal qual como
descrito por Szondi é mais previsível do que o descrito por Le Senne porque, desde que você
conhece suas causas, você sabe mais ou menos e por alto como é que regula a maquininha, como
é que nós fazemos para um indivíduo com um quadro instintivo mudar para um outro, se
transformar para um outro quadro diferente. E a terapia Szondiana é todinha feita nesta base.
Chegava a induzir modificações com uma facilidade muito grande, através de uma terapia que ele
chamava de psicochoque. Psicochoque é uma notícia súbita com que o terapeuta muda todo o
quadro instintual do paciente. Mas se com o Szondi já era assim e não obtivemos nada, muito
menos vamos obter com Le Senne.
E assim fomos estudando várias caracterologias, e para cada caso nós afastávamos a
possibilidade de comparação por uma razão determinada. Vimos também a psicologia das castas,
psicologia das quatro castas hindus. E em seguida perguntamos: é possível a comparação entre o
horóscopo e isso? Dito de outro modo: É possível pelo horóscopo saber a que casta pertenceria
fulano? Evidentemente não; o indivíduo pertence à casta séculos antes dele nascer. O tataraneto
do brâname vai ser brâname, o tataraneto do vaishva vai ser vaishva — e cadê o horóscopo dele?
Ou seja, a pertinência do indivíduo a esta ou aquela casta é absolutamente independente da hora
em que ele nasce, e não se pode estabelecer uma conexão lógica entre uma coisa e outra. Então,
não é por aí. No entanto, a especulação em torno do simbolismo levou muitas vezes os astrólogos
a tirarem do horóscopo conclusões sobre castas. Por quê? Porque existe uma analogia entre castas
e os elementos, não existe? Assim como entre as castas e os planetas: todo mundo sempre disse
que Saturno rege os brâmanes, Júpiter rege os kshatriyas, etc. Essas analogias que se aplicam
apenas ao sistema astrológico — o conjunto de planetas, signos e casas, considerando como um
sistema simbólico — nada tem a ver com os horóscopos individuais. Há analogia entre as castas,
de um lado, e o sistema astrológico com um todo, do outro lado —mas não com o horóscopo
deste ou daquele indivíduo em particular. E que os astrólogos se equivocaram gravemente ao
olhar o horóscopo e verem que lá tem um monte de elemento terra e dizer: “Esse cara é shudra”.
Porque camaradas com elemento terra no horóscopo nascem uniformemente em todas as castas;
castas não determinam o horário de nascimento.
Bom, com a tipologia das castas também não dá para lidar, assim como as demais que vimos. O
primeiro que forneceu alguma pista foi Jung. Quando nós descrevemos a caracterologia, a
tipologia de Jung, a coisa pareceu mais promissora, por quê? Porque Jung diferenciava os
indivíduos de uma maneira estática, em primeiro lugar. Um sujeito que era, por exemplo,
intuitivo-introvertido ficava. O sujeito que era sensitivo-extrovertido, permanecia sensitivo-
extrovertido. Aí já melhorou um pouco, não é? Melhorou em termos da comparação que
desejamos fazer, na medida em que ele descrevia tipos fixos, ou seja, descrevia um tipo de caráter
que permanecia por assim dizer consubstancial ao indivíduo; um tipo que nascia com ele e com
ele morria, e que era indiferente a todas as mudanças de personalidade que o indivíduo pudesse
sofrer ao longo da vida. Isto era bastante parecido com o horóscopo porque o horóscopo
permanece o mesmo desde que o indivíduo nasce até quando ele morre. Então, a primeira
caracterologia que nos deu alguma experiência de uma possibilidade de comparação foi essa do
Jung, e por este motivo. ( Sic !!! Os tipos em Jung não são fixos).
Daí nós pudemos deduzir já alguma coisa; neste momento, nós podemos parar um pouco o
movimento dialético e colher seus primeiros frutos, suas primeiras conclusões. Qual era a
conclusão? Primeiro, que só é possível comparação entre o horóscopo e o caráter se dermos ao
caráter a seguinte definição: Caráter é uma estrutura de personalidade que permanece fixa por
baixo de todas as mudanças que o indivíduo teve, ou seja, que para poder ser comparado com o
horóscopo ele tem de ser encarado naquilo que ele tem de fixo. Isto significa que nós temos que
enfocar o caráter de tal maneira que o mesmo seja compatível com várias mudanças, com várias
fases, com várias expressões ou várias manifestações diferentes no mesmo indivíduo — e este
requisito a tipologia de Jung atendia porque, se o indivíduo é um sensitivo-extrovertido é
evidente que ele pode sofrer um monte de mudanças de personalidade durante sua vida, porém
permanecendo sensitivo-extrovertido.
Isto quer dizer que o caráter, aí, é o fundamento das mudanças. Ele mesmo não sofre mudanças.
Ele é como o pé que você põe no chão para poder levantar o outro pé. É evidente que tudo aquilo
que muda, muda porque alguma outra coisa permanece igual. Se tudo mudasse ao mesmo tempo,
da mesma maneira, você não repararia em mudança alguma. Por exemplo: você vê que o ponteiro
do relógio mexeu por quê? Porque o quadrante não mexeu; porque se ao mesmo tempo em que o
ponteiro estiver indo pra frente o número estiver indo para trás, você não perceberá nada do que
aconteceu. Quando você anda, você sabe que está indo para frente porque o chão ficou no lugar
— em relação a você, é lógico; é claro que a terra também se moveu, mas em relação a uma outra
coisa que, em relação a ela, permaneceu no mesmo lugar, e assim por diante. Ou seja, toda a
transformação é vista em face de uma permanência e se nós não achamos qual é o fundo
permanente não podemos saber qual é a mudança que ocorreu. Este fundo permanente era aquilo
que Jung chamava de “tipo”, e que nós vamos chamar de caráter. Tipo e caráter, no fundo são a
mesma coisa. Então nós entendemos que uma caracterologia, para ser comparada ao horóscopo,
tem que atender a este requisito: tem que ser uma caracterologia inteiramente fixa — se é que isto
existe, se é que Jung não estava equivocado.
Ainda que toda a tipologia do Jung possa estar errada, para nós ela tem essa vantagem: ela é
comparável, quer dizer, o nosso estudo terá que entrar por aqui, por uma direção mais ou menos
desse tipo. Aí nós vamos dar um chute — e o chute é admissível conquanto que você saiba que é
chute e que esteja mais tarde disposto a voltar lá e a consertar o que estiver errado. O chute nos é
sugerido pela própria caracterologia de Jung, porque é uma caracterologia que distingue os
indivíduos não por seus impulsos, não por seus atos, não por seus comportamentos, mas por suas
diferenças cognitivas. E o chute é o seguinte: quem sabe nós temos que achar uma caracterologia
cognitiva, não-comportamental e não-motivacional, que estude os motivos profundos do
comportamento. Nós temos que achar uma tipologia que saia da esfera dos atos, que se esqueça
dos atos e comportamentos e se volte para as diferenças de cognição; ou seja, que descreva como
indivíduos diferentes recebem informações diferentes sobre o mundo que o circunda, não
importando em que tipo de comportamento essas diferenças vão resultar depois. Quando Jung
fala do sujeito introvertido ou extrovertido, ele não está falando de diferenças de comportamento,
isto é, que o extrovertido, por ser extrovertido, gesticulasse ou falasse alto, etc., e que um
introvertido, por ser introvertido, ficasse no cantinho, escondido. O extrovertido é aquele para
quem os dados mais importantes provém do mundo exterior e introvertido, que provêm dos seus
próprios sentidos internos. Não é diferença de hábitos. O chute que nós damos nessa altura é esse:
quem sabe uma caracterologia, uma tipologia cognitiva, e que descreva os indivíduos de maneira
estática permita a sua comparação com o horóscopo.
Puxa, já é uma maneira formidável, não é? Nós não tínhamos nada; agora, temos uma hipótese.
Partindo daí, o que restaria fazer? Restaria ver se no desenvolvimento histórico da astrologia não
existiu uma caracterologia assim, que nós já pudéssemos pegar mais ou menos pronta. É
exatamente assim que procede na investigação científica: passo a passo, levantando dados,
colhendo respostas, criticando, ou seja, agindo com paciência de Sherlock Holmes. Por enquanto
a nossa colheita é esta. Pode ser uma caracterologia que diferencie os indivíduos segundo tipos
cognitivos, estáticos, imutáveis, indiferentes às demais mudanças de personalidade possa permitir
uma comparação como o horóscopo. Que faltaria para isso? Faltaria que esta caracterologia
descrevesse os indivíduos segundo categorias que fossem similares às do horóscopo; não
similares por uma analogia forçada, como podemos forçar a analogia entre o fator h de Szondi e
Vênus, não, mas segundo uma analogia que fosse evidente por si mesma.
P. - Por que não usamos a tipologia do Jung?
Já expliquei isto durante o curso. É porque a tipologia do Jung tem um problema: ela tem um
defeito estrutural interno. Primeiro porque ele comete o erro de considerar as sensações puras
como fonte de conhecimento. As sensações não são fonte de conhecimento; as sensações são,
como se pode dizer, ocasião do conhecimento. Ele reconhece o tipo sensitivo, e diz que o
sensitivo é uma diferença de caráter. Mas isso não podemos aceitar de maneira nenhuma, isso foi
uma cochilada do mestre. Ele também define cada uma das faculdades cognitivas diferenciando-
as pela origem das informações recebidas. Por exemplo, o sentimento: o que é o sentimento? Diz
ele que é como se fosse um julgamento de valores que você faz sobre alguma coisa. Então
quando você teve um sentimento, você sabe que teve um sentimento não é? Você sabe que não
recebeu o sentimento pelos cinco sentidos; você sabe que não obteve também o sentimento pelo
raciocínio. Ele distingue as funções de maneira bastante clara, mas quando chega a hora de
definir a intuição ele faz uma mixórdia, e a define como função misteriosa que opera através do
inconsciente — isto quando, para nós, já ficou claro que as três funções anteriores também
podem operar através do inconsciente. Então, ele não define coisíssima nenhuma. Este é o
principal motivo pelo qual não continuamos a investigar na linha de Jung. Ele mesmo já se
confundiu aí. Nós precisamos, para utilizar a sua tipologia, reformá-la. Então já não seria
precisamente a tipologia de Jung mas uma tipologia revista e ampliada. Mas existem outras vias
que me parecem mais frutíferas e é o que nós vamos ver a partir de amanhã.
Isto tudo foram os meses do curso. Como pode ver, tudo é difícil, não é? Mas eu tenho a
impressão que de tudo que foi visto até agora nada é seriamente contestável. Quer dizer: tem uma
estrutura científica. Agora, visto tudo isto, o que é que nós já sabemos a respeito de astrologia, de
qualquer posição planetária? Não sabemos nada. Nossa ciência está vazia. Ela está vazia mas está
limpa. É que nem uma casa que você vai ocupar: não tem móvel ainda mas pelo menos não tem
rato, barata. É assim que nós vamos fazer nossa ciência: ela pode ser vazia, o conteúdo pode ser
pequenininho, mas é limpinha e organizadinha.
ASTROCARACTEROLOGIA SÃO PAULO, 12 DE ABRIL DE 1991 AULA 49
FITAS I, II E III TRANSCRIÇÃO E REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

O conjunto destas aulas teve o intuito de reexpor os tópicos principais que foram tratados até
agora no Curso e que constituem sua espinha dorsal, e isto por ocasião do ingresso de um novo
grupo de alunos na turma.
Portanto, consideramos desnecessário a transcrição integral da aula, e em algumas delas fizemos
um resumo dos tópicos, reexpostos condensadamente, e que se encontram mais plenamente
explicados nas apostilas já publicadas.
O único tipo de enfoque do caráter que nos permite comparação com o horóscopo é a tipologia de
Jung, porque o tipo junguiano é um tipo estático, ( sic ! ) que permanece o mesmo
independentemente das transformações que o indivíduo venha a sofrer no decorrer da vida. E o
mesmo acontece com o horóscopo.
A investigação astrológica de quaisquer fatos por meio, por exemplo, de estatística, deve ser
antecedida por uma teoria astrológica preliminar. Isto é assim em todas as ciências. É preciso: (1)
criar um corpo de conceitos que esquematize as possibilidades de enfoque dos fatos; (2) conceber
uma metodologia para investigar o objeto em questão; (3) investigar, e chegar a alguma
conclusão. O erro da pesquisa da revista Nature é não ter dado nem o primeiro nem o segundo
passo e ido diretamente às conclusões, que por isto mesmo ficam sem valor.
Uma teoria é um corpo de conceitos, hierarquizados. Somente em função desses conceitos que os
fatos adquirirão algum perfil que permita enxergá-los. Os mesmos fatos, encarados por ciências
diferentes, adquirem significados diferentes.
O comportamento de um consumidor que compra uma dúzia de bananas, por exemplo, adquirirá
significado diferente conforme o ponto de vista da ciência que enfoca este fato, seja ela a
botânica, a fisiologia, a economia, etc. A diferença não virá do fato, mas do quadro de conceitos
de cada ciência. Do ponto de vista da economia, os conceitos serão o de mercadoria, de relação
de compra, venda, consumo e produção. Do ponto de vista da psicologia os conceitos de
motivação, desejo, gosto.
A diferença das ciências é sobretudo de forma, não de matéria, e essa forma é dada pelo corpo de
conceitos.
Porque a abordagem da astrologia tem sido tão tosca, mesmo em se tratando de uma revista de
prestígio como Nature? A resposta é complexa. Veja o seguinte: por que até o século XIX não
havia uma ciência da ecologia? Porque a economia não estava mundializada; não havia nenhuma
sociedade que lidasse com o planeta inteiro e, portanto, não havia porque considerá-lo como um
todo sob nossa responsabilidade. Além disso, as várias ciências que dão subsídios à ecologia não
estavam suficientemente desenvolvidas para poderem ser relacionadas num estudo
interdisciplinar. Não havia conhecimentos botânicos, filosóficos, geológicos, antropológicos para
tanto.
Com a astrologia é a mesma coisa. Ela só se torna realmente necessária enquanto ciência a partir
de um certo ponto da história, quando a sociedade humana começa a se relacionar
conscientemente, voluntariamente, com o ambiente cósmico em torno. E isto começou quando o
homem pisou na lua. Um objeto no qual você não tem a menor possibilidade de interferir, um
objeto com o que você não se relaciona de maneira alguma, que você só contempla no espaço
dificilmente seria objeto de uma ciência. Primeiro, não tinha o por quê. Segundo não tinha o
como. Podemos dizer que a formação de uma ciência ecológica é uma condição preliminar para
que exista uma ciência astrológica. A astrologia é uma ecologia maior.
Outro motivo que explica o atraso na pesquisa astrológica é o tamanho do problema. Realidades
de tipo “total”, sistêmicas muito grandes, é natural que sejam abordadas durante muito tempo
somente pela imaginação (daí as mitologias, etc.). A astrologia tem sido um esforço imaginativo,
com o intuito não de produzir um conhecimento efetivo, mas de obter uma dimensão do real, do
possível. E sendo imaginativo, é um esforço não-crítico, não-autoconsciente, meio aleatório. Os
livros de astrologia variam enormemente quanto aos conceitos, às hipóteses interpretativas dos
horóscopos, e mesmo quanto às interpretações de casas, planetas e signos. Tudo isto é uma pré-
astrologia.
O próprio fato de os debates terem se centrado na questão de se a astrologia funciona ou não
mostra que o que preside os debates é a superstição, o desejo do maravilhoso — ou o desejo de
contestá-lo, porque o maravilhoso é também sempre terrível. Por fascínio, ou por pânico, as
pessoas querem uma resposta rápida: “A astrologia funciona ou não?” “Deus existe ou não?”
“Qual é a finalidade da vida?” São perguntas que emanam do ser humano assustado perante uma
totalidade confusa. Somente quando estiver mais sereno é que poderá abordar a questão, quando
ela tiver perdido aquela urgência assustadora e deprimente.
Se os astrólogos acertam 50%, 90%, pouco importa. Suponha que os neurologistas acertem 31%
ou menos, dos resultados. Isto não significa que neurologia não é ciência. A eficiência de uma
técnica nada tem a ver com a cientificidade do conhecimento em que ela se baseia. Técnicas
perfeitamente eficientes podem ser desenvolvidas a partir de conhecimentos científicos errôneos
(por exemplo, a máquina a vapor). O sujeito não entende o encadeamento das causas, no entanto
na ação, toca nos pontos necessários para desencadear o processo causal. Também podemos
saber, por exemplo, que um sujeito fica bravo toda vez que você fala certas coisas. Você não sabe
por que, e no entanto é capaz de agir sobre aquilo, levando em conta apenas essa relação entre um
antes e um depois, sem conhecer o elo causal.
Existe uma lógica das aparências que nos faz confundir aquilo que está antes com aquilo que é
causa. Isto é uma figura de sofística: post hoc, propter hoc — depois disto, logo, por causa disto.
Mesmo que este antecedente esteja sempre presente ao desencadear do efeito, isto não quer dizer
que ele seja causa. Por exemplo, a luz de sua casa acende sempre depois que você toca o
interruptor. Mas isto é causa para que a luz acenda? Isto produz a luz? O toque foi apenas um elo
numa imensa cadeia causal, e poderia até ser dispensado.
O caminho dedutivo percorrido na definição de astrocaracterologia foi: (1) equacionar as
condições gerais de uma investigação astrológica, entendida a astrologia como o estudo das
relações entre os eventos celestes e eventos terrestres; (2) decidir por um campo específico ao
qual aplicar a atenção primordialmente: a relação entre posições astrais e caráter definido como
parte fixa e constante da personalidade.
Averiguação das condições para investigação desta investigação em particular — a
astrocaracterologia:
1 - Cada caracterologia que estudamos encara o caráter como um sistema. Sistema é um certo
número de elementos unidos por uma regra de combinação, que pode dar em certas resultantes
conforme a aplicação desta regra.
Nessas caracterologias existem uma enumeração de elementos. Em Szondi são as pulsões; em Le
Senne os fatores. Em cada uma dessas caracterologias existe uma regra de relacionamento desses
elementos.
Em Szondi os elementos (pulsões) intervém uns sobre os outros. Por exemplo, uma dessas
pulsões, o ego, e ao mesmo tempo a instância que toma as decisões, e portanto pode escolher
entre expressar, ou deprimir, uma outra pulsão. Existe um jogo entre elas, mas existe uma
hierarquia neste jogo. O ego, sendo uma instância superior, manipula as outras. E como se
distribuem aos pares, há uma polaridade dentro delas; não é qualquer pulsão que interfere na
outra.
Em Le Senne os elementos (fatores) são independentes; quando um está alto o outro poderá estar
tanto alto quanto baixo. A regra que coere o conjunto é bem mais frouxa que em Szondi.
Em Jung a regra é restrita, de modo que quando um dos quatro fatores de base — sensação,
sentimento, pensamento, intuição — adquire o domínio do consciente ele manda sua
complementar inversa para o subconsciente. Existe um jogo de compensação como dois pratos
em uma balança. Esta regra de combinação é mais exigente que a de Le Senne e a de Szondi. Em
Szondi admitem-se muitas combinações entre os elementos; em Le Senne qualquer uma.
2 - Além de conhecer a regra do conjunto, é preciso entender cada um dos elementos não como
mera peça material num jogo de xadrez, mas como um pequeno sistema, com sua dialética
interna. Por exemplo, a ressonância pode ser primária ou secundária; portanto pode ir em duas
direções contrárias.
Finalizando, para conhecer um sistema (no caso, o caráter), precisamos definir: (1) quais são seus
elementos; (2) qual é a dinâmica interna dos elementos considerados isoladamente; (3) qual a
regra de combinação do conjunto. Tudo isto tem de fazer parte de uma teoria astrológica.
Já expusemos o trabalho de averiguação das condições para a astrocaracterologia pelo lado do
caráter. Vejamos agora pelo lado do horóscopo:
Não podemos confundir o horóscopo considerado astrologicamente com o horóscopo
considerado astronomicamente.
Astrologicamente o horóscopo é um sistema também, composto de elementos, cada um com sua
dinâmica própria, e o horóscopo como um todo tem sua regra de combinação.
Astronomicamente, o horóscopo é o próprio sistema solar, onde também verificamos: (1) certo
número de elementos; (2) uma dinâmica interna dos elementos; (3) uma regra de combinação do
conjunto. Esse sistema é composto de astros; eles ocupam certas posições recíprocas e
desenvolvem certos movimentos recíprocos. A enumeração dos elementos é fácil, é só contar os
planetas; já a descrição da dinâmica de cada um é mais complexa: o que definirá cada elemento
— planeta — isoladamente será sua posição e velocidade. Qual a regra de coesão do conjunto? É
a do sistema tal como descrito por Kepler: existe um centro, o Sol, e todos se posicionam em
torno deste centro.
Voltando à astrologia, cada um dos elementos astronômicos teria de designar uma forma que está
relacionada de alguma maneira a determinados processos terrestres. Não podemos descrever
todos esses relacionamentos, porque a atuação de um planeta no plano terrestre é tão vasta quanto
tudo que acontece na Terra. Mas, tentando definir isto apenas com relação ao nosso objeto de
estudo em particular, com relação ao caráter, então cada um dos planetas teria que corresponder a
um componente do caráter.
Tendo de um lado, o desenho da estrutura do caráter, da sua dinâmica, e de outro, um mapa
astrológico, teremos de encontrar a correspondência biunívoca, entre seus elementos, porque não
pode sobrar um elemento nem para cá nem para lá. Isto é o primeiro requisito da comparação. O
segundo é que, sendo os movimentos planetários independentes entre si, estando conectados
apenas com relação ao seu centro, então não pode haver conexão necessária (como nas funções
cognitivas de Jung) entre os elementos do caráter, esses elementos também terão de ser
independentes entre si. Ao fazer a correspondência entre determinados planetas e determinados
aspectos do caráter, estes aspectos terão que ser independentes entre si, tal como nas colunas do
teste de Le Senne.
Tudo isto não é investigação astrológica ainda, é pura teoria; estamos fazendo o quadro de
conceitos com o qual, depois, enfocaremos os fatos.
No momento em que desenvolvo o quadro dos conceitos eu ainda nada sei sobre os fatos; mas
por outro lado, os fatos concretos nada significariam sem os conceitos. Com que quadro de
conceitos nós vamos enfocar o fenômeno astrológico? Estas especulações sobre caráter, estrutura,
sistema, etc., podem ser ainda muito rudimentares, mas são o começo da teoria astrológica.
A finalidade da teoria é orientar e permitir a investigação dos fatos. Só há investigação policial se
tivermos os conceitos de crimes, autor, cúmplice, instrumento, local, ocasião, etc. Entretanto, os
conceitos não são apenas um conjunto de palavras, mas coisas que têm uma coerência intrínseca
— por exemplo, a relação entre autor e cúmplice não é a mesma entre autor e vítima.
A teoria é uma estrutura de conceitos relacionados entre si e perfeitamente organizados, mas que
ainda não tem conteúdo fático, ainda não se refere a nada em particular. As teorias científicas não
são verdadeiras nem falsas em si mesmas, mas apenas um esquema que possibilita a averiguação
da verdade. Por exemplo, o cúmplice é um sujeito que tem uma participação na autoria do crime,
mas que não faz a parte principal. Mas num caso concreto pode haver crime sem cúmplice. Mas
se ele existir, ele será exatamente isto, que o conceito descreveu.
Quando falamos que as posições planetárias têm de ser consideradas destacadamente, nós
escandalizamos a uma mentalidade holística que diz “tudo está relacionado com tudo”. A
resposta é: tudo está relacionado com tudo, mas não do mesmo jeito. Existirão relações de
dependência mais frouxa ou mais estrita, ou até de independência total, isto é óbvio.
Os componentes do caráter que vamos encontrar por comparação com o mapa não têm que ser
destacáveis entre si. Se o mapa pode ser interpretado caracterologicamente, como condição
preliminar ele deverá poder ser interpretado considerando os planetas isoladamente.
Entendemos então que a regra que coere estes vários aspectos do caráter é uma regra de simples
acumulação, onde cada fator se soma com os demais fatores; portanto não é como no caso das
faculdades cognitivas de Jung onde, por exemplo, dado que o sujeito é intuitivo- extrovertido na
sua parte consciente, então ele será necessariamente sensitivo-introvertido no inconsciente.
Concluímos: (1) Só é possível a comparação se o caráter for considerado estaticamente,
independente das mudanças, portanto não considerados como a personalidade inteira. (2) Não só
o caráter terá de ser encarado independentemente do restante da personalidade, mas os
componentes do caráter também terão de ser encarados separadamente uns dos outros — de um
traço não se poderá deduzir outro. (3) Suspeitamos a partir da contribuição de Jung, que a parte
que nos interessa na personalidade, e a que chamaremos de caráter, é de natureza
fundamentalmente cognitiva, e não de natureza pulsional, motivacional, impulsiva. Ou seja, não é
um aspecto voltado diretamente ao comportamento e às ações do indivíduo, mas sim ao seu modo
de apreender a realidade em torno. Por exemplo, da tipologia de Jung podemos deduzir alguma
coisa sobre o comportamento? Podemos, mas muito pouco, porque essa tipologia diz respeito à
apreensão da realidade, o que ele enxerga e por onde enxerga. É claro que geralmente o indivíduo
só age nos campos onde enxerga, mas a relação entre a cognição e o comportamento é indireta.
Porque para eu saber o que o indivíduo vai fazer não basta saber o que ele está enxergando.
Posso, sim, supor que onde ele não enxerga, ele não age; posso excluir uma parte das ações.
Da estrutura cognitiva não podemos deduzir o comportamento. É preciso conhecer algo mais: a
motivação. O mesmo objeto pode ser conhecido por dois indivíduos, mas suas motivações com
relação a ele poderão ser diferentes, e originarem um ou outro comportamento. Por exemplo, o
gosto pelo fumo fará com que um pegue o cigarro e o acenda, e o que não gosta o jogue fora. O
gosto foi a motivação que se interpôs entre o conhecimento e o comportamento.
Do conhecimento não se deduz a motivação, e como o horóscopo só diz respeito ao
conhecimento, isto quer dizer que pelo horóscopo não se pode conhecer as motivações, no
máximo excluir algumas, baseados em que, onde o sujeito não enxerga, ele não age.
Para saber o comportamento do indivíduo precisamos saber as motivações, e as motivações
provêm de valores; dos valores associados aos objetos. Esses valores vêm do meio social.
Podemos reagir de várias maneiras a eles, rejeitando, transformando, etc. Porém não os
inventamos, eles vêm de fora, e nós os aceitamos ou não, conforme nossa disposição inata.
Para deduzir do horóscopo o comportamento precisamos de um dado extra-astrológico, que é o
sistema de valores, existentes no meio. Porém, se do horóscopo é possível deduzir a estrutura
cognitiva do indivíduo — portanto os padrões de percepção do real e se, por outro lado,
conhecemos o meio onde o indivíduo está, o que este meio valoriza ou não, podemos com
razoável grau de probabilidade prever o comportamento do indivíduo em situações padrão.
O dado sociológico é absolutamente indispensável para podermos falar de comportamento dos
indivíduos, por mais que estudemos o seu horóscopo. Na falta da informação sociológica não
poderemos falar do comportamento, e deveremos nos ater ao caráter, como estrutura de cognição.
Tudo isto aqui é a teoria astrocaracterológica; ainda não estudamos nenhum mapa concreto,
nenhum fato, estamos só no domínio das possibilidades lógicas.
Resumindo:
1 - A astrologia é uma ciência que estuda relações. Relação é um ente lógico, que
primeiro precisa ser concebido antes de ser encontrado.
2 - Essas relações são entre um dado astronômico e uma profusão ilimitada de conhecimentos
humanos. Ou seja, astrologia é astronomia comparada.
3 - A coleção de objetos possíveis da astrologia coincide com o sistema das ciências numa dada
sociedade. Para cada um desses tipos de objetos é necessário um método em particular. Existem
muitas astrologias possíveis, e cada uma tem de ter a sua teoria.
Se nós optamos por este tipo de objeto de estudo em particular que é a astrologia psicológica,
então temos de prestar contas aos métodos da psicologia. Dentro do mundo da psicologia,
escolhemos um fenômeno em particular que é o caráter. Por quê? Porque nos pareceu que o
estudo do caráter precede o estudo do comportamento, baseado no preceito escolástico “para agir
é preciso ser”. Mais ainda, estudaremos apenas o caráter enquanto estrutura cognitiva, deixando
de lado todas as outras concepções de caráter criadas pelos caracterólogos.
Por esse sistema de distinções sucessivas fomos enfocando o objeto, que foi ficando cada vez
mais preciso — e note que até o momento nós não sabemos sequer se este objeto existe. Nós
apenas estamos dizendo que, se existir, terá de ser assim.
Precisando mais a definição de caráter, vimos que: 1 - Tínhamos de entender o caráter no sentido
de uma estrutura cognitiva que não muda ao longo da vida do indivíduo. 2 - Entendemos que ele
tinha que ser composto de partes destacáveis que simplesmente se somam.
Neste ponto, podemos nos perguntar: Ao longo da história da astrologia já não houve algum
sistema astrológico adequado ao nosso estudo? ( porque sempre que pudermos raciocinar com
dados já existentes melhor ). A resposta é sim. Nós encontamos na astrologia medieval islâmica e
ocidental, insistentemenet, a associação de determinados planetas com determinadas faculdades.
Faculdades se definem como operações possíveis da psique. Faculdade quer dizer facilidade. São
propriedades que a psique exercita facilmente, com maturidade.
Pegamos a lista dessas faculdades e os respectivos planetas e vamos tentar encontrar a definição
subjacente, porque os autores nem sempre definiam essas faculdades claramente. Não poderemos
usá-las tal e qual, precisaremos fazer uma adaptação, dar em primeiro lugar, um conceito fixo a
cada uma dessas faculdades.
Então, pegando o que os vários astrólogos antigos e medievais dizem a este respeito e
procuramos tirar deles a sua quintessência, chegamos a estabelecer um certo quadro de
correspondências. Este quadro de correspondências seria o princípio com base no qual eles
faziam a interpretação de mapas. Para nós não serão isso. Serão apenas hipóteses com que cremos
trabalhar. Ou seja, nós estamos fazendo uma descrição teórica do que seria a correspondência
entre horóscopos e caráter, para depois verificarmos se isto existe no plano dos fatos.
O quadro é o seguinte:
O Sol corresponde à inteligência intuitiva.
A Lua ao sentimento.
Mercúrio à linguagem e pensamento.
Vênus à memória e imaginação.
Marte à faculdade estimativa ou conjectural (ou ainda vontade reativa).
Júpiter corresponde à vontade.
Saturno corresponde à razão.
Estas faculdades nunca tiveram um conceito claro e fixo, e ficará por nossa conta o trabalho de
defini-las.
A partir deste momento, os nossos estudos têm que se desdobrar em duas direções. Ou seja, dada
esta lista de elementos possíveis de caráter no sentido astrocaracterológico, podemos investigar
isto em duas direções: A primeira é perguntar: Por quê? Por que esses planetas representam
exatamente isto? Aí nós entramos no estudo da astrologia geral, puramente teórica. Mas nós não
estamos interessados na astrologia geral, mas apenas na teoria astrológica do caráter, não é isto?
Portanto esta pergunta nós vamos abandonar. Nós não sabemos por que nem nos interessa por
enquanto saber por que. Interessa por enquanto apenas saber se é assim mesmo. Antes de saber o
por quê nós temos de saber o quê. É claro que deve existir algum motivo para os astrólogos
antigos terem associado esses planetas com essas faculdades, mesmo que tenha sido um motivo
entrevisto obscuramente. Cabe a nós explicitar essa alguma coisa e ver se ela tem fundamento.
No esforço para ver isso — que é um esforço paralelo e que nada tem a ver com
astrocaracterologia em particular, mas que é um estudo da astrologia geral —, nós explicamos
aqui a teoria da tripla intuição. Nos pareceu que a associação que os antigos fizeram entre o Sol e
a faculdade intuitiva não é gratuita, não é somente analógica (como a da Lua com o sentimento,
por exemplo, onde a Lua cresce e diminui, e portanto se associa com o sentimento, que também
cresce e diminui).
Intuição significa o conhecimento imediato e evidente; conhecimento que não requer e nem
admite prova. Por exemplo, eu sei que vocês estão na minha frente agora. Isto é intuitivo. Se eu
pedir para vocês provarem que estão aqui, não há meio, porque esta evidência imediata é em si
mesma a prova. Por exemplo, não preciso provar que A=A, porque isso é evidente, intuitivo. A
maior parte das intuições que temos são intuições sensíveis, captadas pelos cinco sentidos.
As sensações em si mesmas não produzem conhecimento. Nós temos sensações o tempo todo, só
que não reparamos na maior parte delas. Quando você repara, você destaca um grupo de
sensações das outras, e esse conjunto de sensações que você isolou forma um objeto. Por
exemplo, quando você olha para mim agora, você está tendo um monte de sensações visuais, mas
você não está prestando atenção em todas elas, você destaca um grupo, e este grupo é o Olavo.
Isto chama-se intuição. A intuição é um ato de espírito que requer atenção, e quando você presta
atenção num grupo de sensações e destaca um ente, e você teve um conhecimento intuitivo desse
ente. A maior parte das nossas intuições são intuições sensíveis, ou seja, que captam seres ou
fatos que chegam ao nosso conhecimento pelos cinco sentidos. Entendemos perfeitamente que,
dos órgãos dos sentidos, aquele do qual nós mais dependemos para o conhecimento é o sentido da
visão. Também entendemos que, de todos os sentidos, a visão é aquele que nos traz a informação
mais tênue sobre os seres, e por ser a mais tênue é também a mais rica. Você é capaz de ter ao
mesmo tempo, e de maneira clara, uma multidão de sensações visuais. Por exemplo, se a cada
sensação visual que tenho ao olhar esta classe correspondesse uma sensação auditiva, eu me
desorientaria completamente, mas a visão simultânea de todas essas coisas é bastante clara.
Isto quer dizer que a visão tem um lugar privilegiado no mundo das intuições sensíveis. A maior
parte das intuições são não só intuições sensíveis, mas também visíveis, e é sobretudo a visão que
orientará a faculdade intuitiva. Nós entendemos perfeitamente que as intuições sensitivas-visíveis
seriam impossíveis sem a presença da luz. Ao mesmo tempo entendemos que a luz não vem do
nada, ela vem de uma fonte luminosa. Mas ao mesmo tempo que esta fonte luminosa possibilita a
intuição visiva, é ao mesmo tempo um objeto que também é visto. Então, existe o Sol, que
ilumina a terra. Ao iluminar, ele permite a visão dos seres e coisas. Mas ele também é visto. Ele é
ao mesmo tempo objeto de intuição e condição de possibilidade de intuição. A única,
absolutamente única fonte de luz natural que os seres deste planeta têm é o Sol. Isto quer dizer
que este objeto é, ao mesmo tempo, um objeto visto entre outros objetos, e ele mesmo é a
condição da possibilidade da intuição visiva. Por isto é que nos pareceu que a ligação entre o Sol
e a intuição feita pelos antigos não é meramente simbólica, mas é uma relação mais estreita,
porque o Sol é causa fundamental da intuição visiva. Não é ele que provoca a intuição visiva
(mas a visão mesma), mas ele é o instrumento sem o qual a visão não poderia ocorrer. Portanto,
se entre a intuição visível e o Sol existe a relação que há entre um evento e a sua causa
instrumental, essa relação é muito mais estreita e necessária do que uma mera analogia. Pode ser
que a relação que nós fazemos entre a Lua e o sentimento seja realmente uma analogia. Isto é, só
uma semelhança, ou seja, não precisamos absolutamente da Lua para termos sentimentos, mas
certamente a humanidade necessita do Sol para ter intuição visiva.
Toda esta investigação é paralela à investigação astrocaracterológica, ou seja, não estamos
interessados nos fundamentos últimos do conhecimento astrológico, mas apenas na investigação
do caráter em particular. E estamos fazendo o mínimo de teoria geral para permitir isso.
Tão logo fizemos esta lista dos elementos astrológicos, temos que o problema da comparação
entre horóscopo e caráter não é apenas questão de uma lista de elementos correspondentes, mas
de uma regra para sua combinação. Esta regra para o horóscopo é dada pela diferenciação das
posições, ou seja, cada uma das funções deveria operar diferentemente conforme seu planeta
correspondente estivesse colocado aqui ou ali, de modo que, às diferenças de posições
planetárias, deveriam corresponder diferenças caracterológicas. Para que existisse uma
caracterologia seria necessário que nós tivéssemos não apenas a definição de cada uma dessas
faculdades, mas tivéssemos também o princípio de sua diferenciação, em doze tipos de atuação
diferentes. A pergunta é a seguinte: Se a faculdade intuitiva é aquilo que é, como que poderia
haver tipos de intuições diferentes? Por exemplo, o que difere uma intuição sensível de uma
intuição intelectual? O que mudou, a intuição ou apenas o objeto da intuição? Quando intuo que o
sujeito está na minha frente, e quando intuo que A=A (protótipo da intuição intelectual), a
intuição é exatamente a mesma, apenas num caso o objeto é intelectual. A intuição é a mesma,
um conhecimento direto e evidente, um conhecimento sem intermediário, e que nem requer nem
admite prova. A prova é o que? Ela se destina a criar indiretamente uma evidência onde esta não
aparece por si. Então, mudam os objetos, não muda a intuição. Entendemos que, se for possível
esta diferenciação entre tipos de intuição, tipos de sentimento, etc., esta diferenciação só pode ser
em função dos objetos, e não de um diferente modo de operação das faculdades. Entretanto, para
a astrocaracterologia, o horóscopo não fala dos objetos que o indivíduo conhece, mas fala do
sujeito cognoscente. Isto quer dizer que uma comparação entre horóscopo e caráter seria
absolutamente impossível se já não existisse no próprio sujeito uma diferenciação de objetos
possíveis, e é justamente isto que a gente provê com a teoria das direções da atenção; ou seja,
temos de catalogar todos os tipos de objetos possíveis, tomando como ponto de partida o sujeito,
uma catalogação subjetiva dos objetos, não dos objetos em si mesmos.
Entre o indivíduo e o objeto existe uma relação de atenção: presta atenção em umas partes de real
em outras não. Essas direções da atenção nos permitem catalogar todo o mundo em torno não
como ele é em si mesmo, mas conforme ele apareça para um determinado indivíduo.
As direções da atenção não são catalogações de objetos considerados em si mesmos; não estão
catalogando todas as coisas, mas apenas catalogando as diferentes posições que os objetos podem
ter em relação ao sujeito. Por exemplo, uma coisa que existe posso considerá-la minha ou alheia;
posso colocá-la como conhecida ou desconhecida; como próxima ou estranha. Elas só podem sê-
lo em relação a mim, não em si mesmas.
Isto significa que para eu fazer uma astrocaracterologia, é preciso que, além de ter os elementos
cognitivos, eu tenha um princípio de catalogação dos objetos conhecidos em relação a indivíduos,
segundo as posições que esses objetos ocupem funcionalmente em relação a ele. Isto é a teoria
das casas.
Uma vez que isto estiver montado, aí sim seria possível completar esta teoria fazendo a teoria das
diferenciações caracterológicas conforme as posições planetárias. Isto é, se eu tenho os
elementos, se eu sei como cada um funciona em si, como cada um deveria se diversificar
conforme os objetos a que se aplica, então eu teria um princípio das diferenciações individuais.
Somente a partir daí posso começar a pensar na investigação empírica, ou seja, estudar
horóscopos reais, para saber se a diferenciação teórica que eu vi no horóscopo existe mesmo de
fato. Aí aparece outro problema da teoria: o problema do método de verificação.
A relação entre horóscopo e caráter não pode ser averiguada diretamente porque a conexão do
caráter com o comportamente — (e tudo o que nós conhecemos do indivíduo diretamente é seu
comportamento, seus hábitos) — é uma conexão muito indireta, porque é mediada pelos valores.
Caráter + valores = motivações (ações).
Para verificar se o indivíduo tem de fato este ou aquele caráter precisamos ver, de um lado, quais
são as suas ações, e de outro lado, quais são os seus valores e motivações, porque, então,
descontando os valores e motivações, teremos o caráter como restante.
Esta é a cadeira de relações que nós temos de estabelecer. Com este fim é que nós introduzimos
desde o início o estudo da biografia. A biografia é constituída de atos dentro de um contexto
social marcado por valores. São esses valores que deverão ser discernidos e descontados, para
então sobrar o caráter. Esta parte metodológica é muito delicada e sutil, e precisa ser feita com
muito cuidado, porque a tentação de generalizar sobre os detalhes da vida do indivíduo e reduzi-
lo a conceitos genéricos, e achar que está vendo o que na realidade você está imaginando, é muito
grande. Em psicologia o que há de mais difícil é observar o detalhe das ações. Assim como não
posso comer uma banana em geral, não posso ter complexo de Édipo em geral, porque minha
mãe é a minha e não uma outra, nem ser covarde em geral. Aí que vamos ver quem é psicólogo e
quem não é, na hora em que capta o conceito geral acha que compreendeu o indivíduo. Mas não
se trata de compreender generalidades, trata-se de compreender indivíduos. E a maneira de
compreender o indivíduo é contar sua história com todos os detalhes. Compreender o esquema é
fácil, basta ter um pouco de lógica e paciência, mas o caso particular sempre tem algo a mais do
que está no esquema geral. Normalmente o ser humano é assim: quando se analisa a si mesmo ele
enfoca o caso particular com todos os seus detalhes, e quando analisa o outro ele encara só o
esquema geral. Para eu explicar as minhas motivações eu preciso contar com uma longa história
com todas suas nuances, mas as suas motivações eu explico com a maior facilidade colocando
logo um carimbo: você é hipócrita, etc., e esses conceitos gerais exercem sobre minha alma um
efeito calmante, na medida onde eu tenho a impressão que te compreendi direitinho. Mas eu só
terei te compreendido quando eu for capaz de contar a sua história com a mesma precisão com
que conto a minha. Por isto mesmo que o estudo da psicologia é extremamente deprimente para o
nosso orgulho, porque nós gostamos de achar que somos muito diferentes das pessoas. Por
exemplo, “aqueles lá são uns sem-vergonha, só vivem na gandaia, não prestam...” Eu não sou
honesto, sou correto. Então essas diferenças que a gente estabelece entre nós e os outros vão
ficando cada vez mais problemáticas na medida em que você começa contar a história com seus
detalhes, sempre partindo da pergunta: “Que é que eu faria se estivesse lá?” Porque
evidentemente suas motivações e seus atos só podem adquirir credibilidade para mim na medida
em que eu me imagine capaz de tê-los. Se eu não me imagino, se eu acho que estou excluído das
suas motivações, principalmente as vis, eu já não te entendo mais. Aqui nós entramos na essência
das ciências humanas. Elas estudam o comportamento humano nas suas formas, nas suas
categorias e nos seus valores. O grande metodologista das ciências humanas, particularmente da
história, Benedetto Croce, dizia o seguinte: “O homem é um microsmo, não no sentido
cosmológico, mas no sentido histórico.” Isto, é, ele tem dentro de si cada um dos valores que
presidiram o comportamento de todos os seres humanos que já existiram. Diz ele, “se eu não
tenho em mim nada do espírito do cavaleiro medieval, como é que posso entender as gestas de
cavaleiros? Não farão o menor sentido para mim. Se não sou isso em potência, não poderei
entender. Se não tenho as motivações dele, nem mesmo em potência, dentro de mim, eu não
posso compreender. Isso quer dizer que todo homem é cavaleiro medieval, é profeta, é assassino,
é ladrão, é rei, é papa, é pai, é mãe, é filho, é rico, é pobre, todo ser humano, no seu ser
psicológico. Um estudo psicológico deverá ir atualizando intelectualmente a compreensão das
motivações dos indivíduos nas várias situações humanas.
Ao compreender o outro, você precisa estar consciente de seus próprios julgamentos morais. A
compreensão psicológica e o julgamento moral são processos psicológicos intelectuais
radicalmente diferentes. O sinal de pouca inteligência psicológica consiste na mistura indevida
desses dois processos. Se um determinado comportamento de uma pessoa já me parece, de cara,
totalmente absurdo, então não posso chegar a uma compreensão psicológica. O comportamente
do doente mental, psicopatológico, não pode ser compreendido psicologicamente. A diferença
entre o comportamento do louco e do indivíduo são tem um limite perfeitamente definido. É o
extremo limite da compreensão psicológica. O indivíduo que está louco, as suas motivações são
incríveis para qualquer outro ser humano, só existem para ele, e não poderiam ser atribuídas a
outros seres humanos colocados na mesma situação. As motivações psicológicas do homem têm
de ser sempre compreensíveis para outros seres humanos; o do louco não, ele esbarra no
incompreensível.
Se você não alargar sua compreensão psicológica até o extremo limite e compreender como
humanos, como possíveis para você todos os comportamentos, por mais aberrantes que pareçam,
você jamais chegará a saber o que é loucura e o que é doença mental. Muito mais coisa do que é
efetivamente doença mental lhe parecerá doença mental. Somente o indivíduo que tem uma
espécie de imaginação de alma plástica, capaz de se colocar imaginativamente na posição de
quase todos os seres humanos e de levar isso ao limite extremo possível, é capaz de compreender
que existe um limite, além do qual não é possível compreender, e se requer a explicação
psicopatológica, que é completamente diferente.
Houve uma corrente no século XX que negou a existência de doença mental. Por que negaram?
Porque acharam que é possível o psicológico se colocar exatamente na posição do doente. Não é
possível, existe um limite. Prova disso é que alguns antipsiquiatras ficaram loucos. A
compreensão psicológica não implica uma identificação na prática. Eu posso entender as ações de
pessoas completamente diferentes de mim e hostis a mim sem precisar eu mesmo tornar-me
adversário e hostil a mim. Mas além de um certo limite isso acabará acontecendo, e esse é o
limite da psicopatologia.
O mundo psicológico é acessível à compreensão imaginativa teórica, e o mundo da
psicopatologia não. Por exemplo, não posso compreender psicologicamente o indivíduo que
estupra uma criança de três anos e a mata. Ou seja, não posso me colocar na posição dele, em
hipótese alguma. Sempre haverá entre eu e ele um hiato de rejeição: eu não quero fazer o que ele
fez em hipótese alguma. Dizem que não podemos dizer “desta água não bebo”. Mas que água?
É preciso ir alargando a compreensão psicológica, até onde for possível. Por exemplo, eu rejeito
moralmente o roubo. Mas compreendo que eu roubaria em certas circunstâncias. Há quem diga
que não roubaria jamais, tem medo de pensar nisso. Esta não terá compreensão psicológica.
Roubar não é comportamento psicopatológico. Existem comportamentos extremamente imorais,
horríveis, mas não são psicopatológicos. O comportamento de um Stálin, que para governar um
país de 400 milhões de habitantes mata 20 milhões, não é psicopatológico. É
psicopatologicamente compreensível. Isto quer dizer que o psicólogo de verdade não pode recuar
de horror ante comportamentos aberrantes. Ele recua de horror apenas onde o comportamento é
impossível. Por exemplo, nós podemos compreender psicologicamente Hitler? Claro. Ele era
excepcionalmente ruim, mas não era louco. Se fosse louco não teria conseguido governar um
país. É até neste nível que podemos alargar a nossa compreensão psicológica, por confusa que
seja. Porém as motivações do louco contêm uma contradição intrínseca que as torna impossíveis.
No momento onde a motivação contradiz o próprio ato, aí entramos na loucura. A patologia
mental é a motivação impossível, que se autocontradiz, que elimina o seu objeto no instante
mesmo onde o deseja, a motivação que não pode se confirmar em hipótese alguma.
Existem pessoas liberais e conservadoras. As pessoas conservadoras são as que circunscrevem o
campo das suas motivações possíveis e consideram aberrante tudo o mais. O liberal acha que o
contrário, que tudo é possível, considera crível, adequado, toda motivação, possível. É quase
necessário que o primeiro acabe considerando patológica quase toda a humanidade, e que o
segundo acabe achando tudo cabível, compreensível, até as motivações de loucos. Se vocês são
conservadores, tratem de atenuar muito as diferenças que vêem entre vocês e os outros. As
pessoas que têm uma tábua de valores muito definida e rígida, certamente terão de estourar essa
tábua de valores se quiserem ser bons psicólogos. Os que não têm tábua de valores alguma vão
ter que fixar alguns, senão daqui a pouco vão achar legítimo estuprar e matar criancinhas.
Todo esse parênteses sobre motivações e valores é só para poder mostrar que, no seu estudo das
biografias, vocês certamente não estarão compreendendo o indivíduo durante muito tempo.
Principalmente aqueles que estudaram astrologia e que acreditam ter compreendido este ou
aquele traço a partir de posições planetárias, certamente estarão inventando o sujeito estarão
compreendendo-o desde fora, desde esquemas muito gerais, e não desde o caso particular. Estará
fazendo teoria psicológica, e não um diagnóstico. O diagnóstico só é diagnóstico de um caso
particular, e a única maneira de fazer um diagnóstico é contar a história e perceber o
encadeamento real dos seus motivos e dos seus atos na seqüência em que apareceram, dentro de
um mínimo de credibilidade.
Compreender um caso geral, compreender genericamente um caso é apenas catalogá-lo. Daquele
caso compreendi apenas que ele tem em comum com os outros casos da mesma espécie. Por
exemplo, fulano é homossexual. Isto é apenas o que ele tem em comum com outros indivíduos da
mesma espécie. Isto não é diagnóstico.
O estudo da psicologia é o mata-burros para o sujeito abstratista, que nunca compreende nada de
psicologia, só a teoria. O conhecimento do caso concreto, particular, requer uma superação dessa
mentalidade. Alguns são levados a essa mentalidade por serem tipos lógicos, ou então por causa
do tipo ético-jurídico, que acha que, julgou, então compreendeu: a hora em que aprovou ou
condenou, então compreendeu. Não se avança no estudo da psicologia sem passar por uma
grande perplexidade moral durante muito tempo. Quem acha que está seguro do que é certo e do
que é errado, e que julga com facilidade, jamais progredirá em psicologia. Para poder ir longe
terá de agüentar a perplexidade moral durante muito tempo. Em certas circunstâncias,
comportamentos que você mesmo considera aberrantes, baixos, eram no entanto a única saída
possível.
Neste sentido, vocês poderiam estudar a vida do Dr. Freud. A vida de Freud é o protótipo do
engolidor de sapos. (Engolir sapos é a psicologia propriamente dita; você vê o que não quer ver,
vê o que contraria o seu juízo moral, o que te escandaliza, o que te repugna, e no entanto você
tem que entender que é assim, goste ou não goste). Se você conhece a biografia de Freud, vê que
ele pessoalmente era um sujeito extremamente moralista, conservador, pater-familias, e que, no
entanto, sonseguiu mexer com tudo isso.. Tinha muita coragem nesse campo, talvez até demais.
Tudo isto aqui é só para obter a visão dos valores e motivações e poder descontá-los, e restar o
caráter. O melhor a fazer por enquanto com as biografias e decorar a vida do sujeito, mas não
tirem conclusão nenhuma. Guardem-nas como hipóteses. Como as pessoas que vocês estão
estudando já são falecidas, as injustiças que vocês por acaso cometam não vão afetá-los no mais
mínimo, será uma injustiça meramente teórica, potencial. Porém quando vocês forem ler os
mapas de indivíduos vivos, e que pior, forem confiar no seu julgamento, daí a coisa complica. Aí
que você verá mais do que nunca a necessidade de não opinar antes de conhecer toda a história, o
detalhe da história, não a generalidade. Corretamente os astrólogos, bastando ver que Saturno
está em tal lugar, Júpiter em tal outro, eles sentenciam. Ele estará catalogando o sujeito no seu
tipo, mas o tipo é uma coisa e a personalidade real outra.
O diagnóstico astrológico é sempre tipológico, que não é a mesma coisa que uma descrição de
personalidade. Se lhe aplico o teste de Szondi ou de Le Senne, por exemplo, este resultado é seu
tipo, mas ainda não é sua personalidade, falta alguma coisa. O hiato entre o tipo e personalidade é
preenchido pela narrativa. O indivíduo só pode ser conhecido narrativamente.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 50 SÃO PAULO, 13 DE ABRIL DE 1991 FITA I
TRANSCRIÇÃO: VIVIAN HAMANN SMITH REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

Em toda e qualquer ciência, temos primeiro a teoria, depois a metodologia, e depois a


investigação propriamente dita. Isso é o “arroz com feijão” das ciências, é universalmente sabido.
E é tão universalmente sabido, que é espantoso que tenha passado desapercebido aos indivíduos
que debateram a astrologia. É tão espantoso, que a única explicação que eu encontro para isso é
que a questão astrológica está tão carregada de emocionalismos, de superstição, que até os
camaradas sensatos, quando vão discutir isso aí, parece que ficam um pouco “bêbados”. É a única
explicação que me ocorre.
Ontem, nós terminamos a parte da teoria e estávamos vendo o método; vimos, na parte da teoria,
primeiro uma teoria geral, e depois uma teoria em particular, da astrocaracterologia. Vimos,
então, as condições que seriam necessárias para que fosse possível uma astrocaracterologia. Uma
vez delineado isso, vimos que o método teria de ser comparativo e biográfico.
Ou seja, para saber se o caráter de um indivíduo é tal ou qual, nós não recorreremos a testes de
personalidade (isso eu não mencionei ontem); nós recorreremos ao método biográfico, partindo
do princípio de que o caráter do indivíduo, somado aos seus valores e motivações, se expressará
nos atos. E simplesmente não existe teste que possa ter mais clareza do que o comportamento real
dos indivíduos. Só que, para aplicarmos isso, nós precisaremos levar em conta que o caráter, por
si, não produz comportamento, mas sim o caráter somado às motivações. As motivações, por sua
vez, vêm dos valores vigentes no meio imediato e mediato, ou seja, no meio onde o sujeito é
criado — a família, o bairro, etc. —, e no meio mais remoto — a sociedade como um todo, a
época, o tempo, etc. Esses valores chegam ao indivíduo, e interferirão na sua conduta, não
mediante uma cópia passiva, de maneira que o indivíduo receberá os valores, mas reagirá (ou
retroagirá) sobre eles, aceitando-os, dosando-os, transformando-os, rejeitando-os, etc.. De
qualquer maneira, o indivíduo nunca é fonte criadora dos próprios valores.
Vamos supor um indivíduo que seja um grande gênio, um homem extraordinariamente criativo,
que chegue a conceber ou a implantar um valor novo na sociedade, já é um prodígio; mas nunca o
corpo todo de valores vigentes num tempo pode ser inventado por um indivíduo. Então, ele rege e
modula esses valores segundo a sua fórmula pessoal, mas esses valores são recebidos do meio.
Precisaríamos, então, conhecer essas pautas de valores vigentes; em seguida, verificar as
alterações e modulações que o indivíduo introduziu e, finalmente, isolar esse corpo de valores e
as motivações dele decorrentes, para que nos sobrasse, - dos fatores explicativos da conduta, - o
caráter em estado puro, ou maximamente puro (o mais possível).
Se o horóscopo reflete efetivamente o caráter do indivíduo, então, nesse caso, descontado o
sistema de valores e motivações, esse caráter deverá ter uma força explicativa suficiente com
relação aos atos. Ou seja, se o que determina os atos é a mistura de caráter mais motivações,
então, descontando as motivações, o caráter deverá ser causa suficiente dos comportamentos. Não
uma causa necessária, mas uma causa suficiente.
Porém, surge o seguinte problema: nós só temos, até o momento, o horóscopo, e do outro lado
conhecemos a biografia do sujeito, o comportamento. Nós não dissemos ainda como é que
faríamos para descrever o caráter, independentemente do horóscopo. Se tiramos o horóscopo,
vemos que o caráter será conhecido por exclusão das motivações. Mas como é que nós vamos
descrever positivamente esse caráter? Eu só disse que é para tirar as motivações. Mas de acordo
com que conceitos, com que critérios, que teorias, nós descreveremos o caráter? Isso não foi
ainda abordado.
A resposta é a seguinte: nós descreveremos com a mesmíssima teoria astrológica, só que
descontando o fator astrológico; ou seja, sem comparação com o horóscopo. Isso aqui é muito
importante. Ou seja, se a astrocaracterologia descreverá o indivíduo em termos das suas
faculdades cognitivas, distribuídas segundo doze direções da atenção, nós podemos fazer isso
com o horóscopo, ou sem o horóscopo.
Então, nós experimentaremos fazer, por um lado, sem o horóscopo, por outro, com o horóscopo,
e compararemos. Se eu conheço a tipologia astrológica em toda a sua extensão, sou capaz de
aplicá-la ao conjunto dos fatos de uma vida, sem conhecer-lhe o horóscopo.
A astrocaracterologia, então, discernirá doze tipos de inteligência intuitiva, doze tipos de
inteligência racional, doze tipos de vontade, etc., conforme a distribuição dos planetas no
horóscopo. Como farei para discernir qual é o tipo a que pertence fulano ou sicrano? Tenho duas
maneiras: ou leio o horóscopo dele, ou estudo a vida dele. Esta é a única maneira que me parece
legítima de tirar esta questão a limpo, e por isso mesmo é que eu pedi que, ao estudar essas
biografias, vocês não investigassem o horóscopo do indivíduo. Porque tem que ser possível
chegar a uma descrição suficiente sem o seu horóscopo. Para isso é necessário que você conheça
o sistema de valores e conheça as motivações expressas na conduta, e em seguida isole essas
motivações e veja o que sobra do caráter. Por exemplo, isto aqui está vago demais. Como se faz
isso? Isso aí eu vou explicar, quando nós passarmos caso por caso. Não tem jeito de explicar
genericamente.
Em princípio, e como regra geral, nós podemos fazer a seguinte pergunta: Como saber se uma
determinada conduta do indivíduo provem diretamente dos valores que constituem as suas
motivações, ou, ao contrário, refletem o seu caráter? Para isso, você vai ter que distinguir a forma
e a matéria da conduta. A matéria será sempre dada pelos valores, e a forma pelo próprio caráter.
Nós vimos, por exemplo, uma certa descrição das pessoas que têm Saturno na Casa I (o que é
bem fácil de você reconhecer); vimos que, nesses indivíduos, o foco gerador de dúvidas, o
enigma principal com o qual começa a estruturar a sua interpretação racional do mundo, é a
questão da sua própria auto-imagem. Isto é um traço caracterológico que estará presente em todos
os indivíduos que têm Saturno na Casa I. Porém, isto é apenas a forma da questão.
Materialmente, ela deverá assumir um aspecto diferente em cada indivíduo.
Por exemplo, num meio onde seja extremamente importante o indivíduo ter uma flexibilidade
social, para que ele pareça estar bem em todos os meios, isto é um valor social. Esse valor
representará para ele uma motivação, isto é, o desejo de parecer que está bem em todas as
circunstâncias. Porém, esse valor não faz parte do caráter dele; esse valor é acrescentado ao traço
de caráter desde fora, produz uma conduta centrada no desejo de melhorar a auto-imagem para
parecer mais flexível e mais desenvolto em todos os meios sociais. Porém, entendemos que, se o
indivíduo for, por exemplo, um monge num mosteiro da Idade Média, ele não vai ter essa
motivação. Porque a flexibilidade da conduta, a desenvoltura, não é aí considerada um valor, um
bem. Então, o mesmo traço de caráter, acoplando-se ou misturando-se com valores diferentes,
resultará em condutas diferentes. Isto quer dizer que a única maneira de tirar mesmo isto a limpo
seria conhecer inteiramente os valores do meio — onde o sujeito foi criado, onde ele vive —,
para poder descontá-los, o que complica formidavelmente a investigação.
Por isso mesmo é que a investigação a ser feita aqui não pode ser do tipo estatístico, mas tem que
ser do tipo “Estudo de Caso”. Cada caso será tão formidavelmente complicado em si mesmo, que
ele em si requer uma atenção prolongada. Para formar uma amostragem significativa nós
levaremos alguns anos. Mas o que interessa não é a comprovação; se você provar que isto
aconteceu num único caso, já é mais do que suficiente, porque aí seria preciso objetar que um
outro caso poderia se dar de maneira diferente, e isso seria extremamente problemático.
Então, o que interessa não é o número de casos, ou o número de mapas, mas é você chegar ao
ponto de ter a certeza suficiente de que você, naquele caso em particular, isolou a forma da
conduta da matéria da conduta, e que, portanto, você sabe distinguir, no indivíduo, o que é
caracterológico e o que é motivacional.
O pessoal tem me perguntado muito da caracterologia de Klages. Nós não estudamos a
caracterologia de Klages individualizadamente, como fizemos com Szondi, Le Senne, etc.
(Klages é o fundador da Ciência da caracterologia no século XX). No entanto, nós estamos o
tempo todo usando conceitos de Klages. Por exemplo, a distinção entre uma forma e uma matéria
do caráter é Klagesiana. Por outro lado, nós não seguimos Klages no sentido onde ele diz que o
sistema das motivações é o caráter.
O caráter, tal como nós o entendemos aqui, não é um sistema de forças: ele é como uma grade
estática por onde qualquer força que passe terá que assumir aquela forma. O caráter é sobretudo
forma, tal como nós o entendemos. A parte que seria a matéria do caráter, para nós faz parte de
um acréscimo que vem de fora, e que não é o caráter propriamente dito. A matéria do caráter é
constituída justamente dos valores e motivações.
Se vocês entenderam o método, consiste no seguinte: estudar uma vida, com todos os seus
detalhes. Pode ser a vida de um personagem histórico, como a de alguém que você conheça. Cada
um destes oferece vantagens e desvantagens; o personagem histórico está morto, não age mais,
portanto, a conduta dele não muda mais. Esta é uma vantagem. Por outro lado, não estando mais
vivo, você não lhe pode fazer perguntas; para uma pessoa viva e próxima, você pode. Então, será
necessário estudar a vida de um personagem histórico ou de um conhecido seu, exaustivamente,
como se fosse a sua própria vida, se interessando pelo sujeito como se fosse por você mesmo.
Isso já oferece uma série de obstáculos, da ordem dos impedimentos morais ao conhecimento
psicológico, de que nós falamos ontem. Em seguida, fazer a lista e o sistema das motivações e
valores que conduziram o indivíduo em cada momento de sua vida. Terceiro lugar: discernir no
indivíduo a forma que tomaram esses valores. Forma, descrita em termos das faculdades
cognitivas. Catalogar o indivíduo num tipo de inteligência intuitiva, um tipo de inteligência
racional, etc., tudo isso sem o horóscopo dele. Feito isso, ver se confere com o horóscopo.
Em suma, o método é extremamente simples, este método mesmo que a gente recorre no dia-a-
dia, quando, não conhecendo o horóscopo do indivíduo, lhe atribuímos tal ou qual posição
planetária pela sua conduta. E eu lhes digo que os astrólogos geralmente erram quando fazem
isso, porque não têm uma noção firme do que é cada posição planetária. E por que não têm a
noção firme? Nós vimos lá no começo do curso, quando falamos das interpretações acidentais e
essenciais. Ou seja, existe uma infinidade de coisas que, em Astrologia, o planeta tal, na casa tal
ou qual, pode significar. Mas tem de existir alguma coisa que ele tem de significar em todos os
casos. E nós precisamos nos ater exclusivamente a isto, resistindo ao desejo de fazer proezas
adivinhatórias. Todos os sistemas que existem atualmente para correção de hora de nascimento a
partir dos acontecimentos da vida, ou são baseados nos trânsitos planetários, que terão por sua
vez que ser interpretados, ou são baseados nessa mesma interpretação da conduta. Por isso é que
geralmente os astrólogos erram, eles não sabem dizer se o sujeito tem Saturno em tal ou qual
casa. Porque não só não têm o conceito firme das posições planetárias, mas geralmente têm uma
psicologia muito tosca e não observam o caso por tempo suficiente.
Houve uma infinidade de casos onde eu fiz assim; conhecendo uma pessoa ou um personagem
histórico por anos a fio, eu fui investigando, gradativamente, as suas posições planetárias
possíveis. Eu faço isso há anos, e nunca errei. No começo, errava um bocado, mas de seis ou sete
anos para cá eu não erro mais. Porque já tem um método; não é truque, é método. O método
consiste numa série de perguntas que nós devemos fazer, e ele só é possível de praticar com
pessoas cujo meio social e valores você conheça excepcionalmente bem. Então, se você disser:
“Eu tenho aí o mapa do Papa Pio V”... pode esquecer, nós jamais saberemos. Agora, se é de
pessoa do seu meio, que você conhece, ou se é, por exemplo, de um autor cujas obras você
estudou muito e conhece a história ... Vocês têm a medida do que é conhecer algo muito bem? Eu
digo o que é muito bem. Por exemplo, o maior biógrafo do século, no meu entender, chama-se
John Tolland. John Tolland fez a biografia do Hitler; fez 1000 entrevistas de cinco a seis horas,
cada uma, sem contar todos os livros que leu, todos os documentos, etc. Levou dez anos para
fazer. Se você gasta dez anos orbitando em torno de uma outra figura que não é você acaba
conhecendo. Se você lê a biografia do Tolland, devagarzinho (eu estou mexendo nela faz um ano,
vou e volto), você vai ficando cada vez abismado de quanto este sujeito teve que pensar, para
interpretar cada evento; como é que ele sabe que o fulano, em dado momento, pensou isto ou
aquilo? Ele tinha que ter consultado cinco ou seis testemunhas que estavam lá, ele tinha que ir
fechando as possibilidades, uma por uma, e é assim que você acaba conhecendo alguém.
Por exemplo, você conhece você mesmo? Você sabe a sua própria história, direitinho? Aí, nós
entramos no principal obstáculo de qualquer estudo psicológico — isto eu já falei também na
primeira aula. São obstáculos morais terríveis, nós temos muito medo das pessoas, porque nós
temos medo também de descobrir coisas ruins a nosso próprio respeito. Nós somos como
“alminhas cândidas”, virgens, que não podem ser expostas ao mal, e têm que ser protegidas numa
redoma para poder conservar sempre a idéia de que sua conduta é boa, de que é bom, de que você
é bom, de que você está certo. Porque somente assim você se sente seguro. Você não quer se
sentir mal-acompanhado vinte e quatro horas por dia; quem é que quer? Se você não quer isso,
então dificilmente você vai progredir na Psicologia. Veja o dr. Freud, dos 30 anos até os 70,
dormiu diariamente com um sujeito que tinha complexo de Édipo, um sujeito que queria transar
com a mãe.
Ele nunca esqueceu disto, um único dia. Como que ele podia se respeitar, se ele sabia que dentro
dele havia essas idéias infantis, bocós? Matar o papai e transar com a mamãe... é terrível, não é?
Mas o psicólogo é isso, um psicólogo é um ser profundamente decepcionado consigo mesmo, e
que aprendeu a se tolerar, no máximo. O máximo que dá para fazer é se tolerar. Porém, a
psicologia não é uma ciência para indivíduos que pretendem ter, desde o começo, uma postura
muito afirmativa perante a vida. A psicologia é uma ciência para pessoas capazes de duvidar de si
mesmas e permanecer inseguras por longo tempo. O próprio Klages dizia que uma das
disposições caracterológicas que fazem um bom caracterólogo é ele ser um sujeito muito
conflituado. Pois ele sendo conflituado, ele tem uma multidão de motivações contrárias. Ao passo
que, se ele só tiver duas ou três motivações muito simples e diretas, ele não compreende as
alheias.
Isso quer dizer que o desejo de conhecer a alma humana impõe, pelo menos durante certa fase da
vida, a abdicação do desejo de interferir sobre ela, porque primeiro você vai ter que reconhecer
que não está entendendo, você vai ter que esperar até entender, e se você interfere muito, você
muda. Você fica achando que as pessoas são assim ou assado, mas não é que elas sejam assim;
você que fez com que elas fossem assim. Então, até onde vai o efeito da sua ação, e onde começa
o caráter ou a personalidade própria daquele indivíduo? Demora um tempo para você perceber
isso.
Isso quer dizer que a psicologia é uma ciência que faz mal, não é? Todo mundo deve saber disso.
Se você quer saber coisas saudáveis, você vai estudar Botânica, Lógica, tudo isso faz um bem
danado. Quando você entrou na psicologia, você entrou no mundo do “lusco-fusco”. Ela faz mal
porque ela te deixa muito incerto. Basta você ver que, em qualquer faculdade de psicologia, todos
os alunos, além de serem alunos eles são pacientes, são todos malucos. Na verdade, isso é
exigido, você tem que ficar um pouco louco.
Aqui não faz parte do currículo você ficar doido, mas tem um “quanto” de loucura que é
inevitável. Mas não é bem a loucura; no nosso caso, nós vamos nos limitar a um estado de
perplexidade. Perplexidade também quer dizer indecisão. Ou seja, você reconhecerá que você
sabe pouco ou nada a respeito das pessoas, então você vai fazer — com se diz — a “tábua rasa”,
você vai apagar tudo. Eu achava que este sujeito agia por causa disto ou daquilo, agora eu não sei
mais. Agora eu vou ter que contar a vida dele. Este estado pode se prolongar durante algum
tempo.
Porém, enquanto isso, a vida continua, e você continua tendo que tomar decisões. Para tomar
decisões, você precisa ter uma pauta de valores definida, e não pode ficar esperando para
conhecer as pessoas até os últimos detalhes. Isso significa que esse estudo não é possível se o
indivíduo não leva uma espécie de “vida dupla”, em dois andares.
Esse é o recurso inventado por René Descartes, que ele chamou a “moral provisória”. Se você
resolve, por exemplo, questionar toda a Moral, toda a Ética, você sabe que esse serviço pode
levar uns dez anos, até você terminar. E como é que você vai fazer, enquanto isso? Como é que
você vai agir, enquanto isso? Você não pode dizer: “espera aí, espera a minha ética pronta, aí eu
te digo o que vou fazer”. “Você vai pagar a conta, ou não vai pagar a conta; você vai ficar bravo
ou vai aceitar o que acontece; como você vai agir e reagir aos desafios do dia-a- dia? Você não
pode pedir que o mundo inteiro espere a sua filosofia moral ficar pronta, para daí você decidir.
Então, você precisa de uma moral provisória; e você, sabendo que ela é provisória, que é
contingente, e sabendo que ela não vale grande coisa, vai se ater firmemente a ela, enquanto
prossegue seus estudos. Então, você reconhecerá que seus julgamentos atuais das pessoas são
puramente preconceituosos, ou resultantes do hábito, e você não tem nenhum motivo para crer
nesses julgamentos; no entanto, você vai conservá-los. Você vai continuar julgando as pessoas
exatamente como você julga, só que sabendo que é provisório.
Eu acho que isso aqui é o “quanto” de loucura que é inevitável num estudo psicológico, e de fato
não é preciso ir além disso. Mas as faculdades de Psicologia acham que o sujeito tem logo que
partir para experimentar todas as drogas, experimentar todas as doenças mentais, ficar
esquizofrênico, ficar paranóico, etc., porque senão ele não tem a vivência. Isto é uma contradição,
porque você só pode conhecer por vivência, diretamente, aqueles atos cujas motivações são
possíveis, a experiência pessoal da loucura nada ensina. Isto é muito importante. A experiência de
viver uma neurose, sim; uma neurose, uma angústia. Mas de demência, não. Em geral, quando o
sujeito fica louco e sai da loucura, quem menos sabe do que se passou é ele mesmo; não há o que
saber. Mais tarde nós explicamos isso, direitinho. Então, essa história de que Rogers era um
grande psicólogo porque era maluco — Carl Rogers se internava seis meses por ano —, não, ao
contrário, ele era grande psicólogo, apesar de louco.
O sofrimento moral, o sofrimento psíquico, ensina muito, mas a demência não. A demência é
uma solução para o sofrimento psíquico, mas é uma solução que justamente impede o
aprendizado. Aqui eu não quero que ninguém fique louco, mas sofrer pode, não proíbo. Pois
justamente as pessoas endoidam porque não agüentam mais o sofrimento e querem uma saída.
Então, não tem saída, é para agüentar, mesmo, e passar humilhações, como todos nós; essas
humilhações são boas para o psicólogo. Ademais, este estado de perplexidade vai acabar
ensinando ao indivíduo uma coisa preciosa que é o seguinte: Todos nós gostamos de julgar que
nós somos certos, e os outros são errados. Esta é a primeira coisa. Segundo: Nós nos julgamos de
perto, e julgamos os outros de longe. As explicações que damos para as nossas condutas são
complexas, abrangentes, e suficientes; as explicações que damos para a conduta dos outros são
sumárias, esquemáticas e vagamente caricaturais.
Por exemplo, eu jamais explicaria a minha conduta só pela classe social a que eu pertenço. Não
posso dizer “ajo assim e assim porque sou um pequeno-burguês”. Eu me sentiria mal, me sentiria
estranhado de mim mesmo se eu fizesse isso. Não explicaria jamais a minha conduta pela minha
raça, mas a conduta do outro pode ser explicada pela sua raça, pela sua classe social, por tudo o
que é externo, por tudo o que não é ele. Isso quer dizer que, na explicação do outro, você
despersonaliza.
O que já é um erro metodológico, pois você está tratando como seres de espécies diferentes, seres
que são da mesma espécie. Isto, além de ser um erro metodológico, é a origem de todos os erros
morais, absolutamente todos. Porque nós só somos capazes de agir mal sobre o outro quando não
o enxergamos perfeitamente. Ou seja, quando deixamos de seguir a regra de Cristo: “Faça ao
outro o que você quiser que lhe façam”. Esta regra é o fundamento da Ética, e também é o
fundamento da metodologia psicológica. Somente conheço o outro, quando eu for capaz de
explicar a conduta dele de tal modo que a mesma explicação sirva para mim, potencialmente. Ou
seja, só conheço o outro quando vejo, na conduta dele, o ato de uma potência que também existe
em mim.
Por isso é que não é possível explicar a conduta demente, pois esta, como veremos mais tarde, é a
conduta não-motivacional. Mas a conduta má, a conduta imoral, a conduta criminosa, a conduta
desonesta, a conduta covarde, etc., são atos de uma potência que também existe em mim. Só me
resta explicar por que em mim permanece em potência e nele se transformou em ato. A única
diferença é esta.
Isto também não quer dizer que você tenha que aprovar moralmente todas as condutas; é claro
que não. É preciso compreendê-las psicologicamente — isso é outra coisa. Agora, qual é o direito
que nós temos ao julgamento moral, sem ter a compreensão psicológica inicial? Nenhum. Porque
você estará julgando moralmente uma coisa que não conhece. Como é que você estará julgando
moralmente uma coisa que não conhece. Como é que você vai saber se é mal ou se é bom, se
você não sabe o que é?
“Ama a teu próximo como a ti mesmo”. Isto é a regra número um da Moral, mas também é a
regra número um da metodologia psicológica. Porque, se eu emprego, para explicar o outro,
categorias diferentes das minhas, eu estou criando uma dissimetria metodológica que não tem
nenhum motivo. Eu sei que eu sou um ser humano, e que somos da mesma espécie, e a diferença
entre nós é uma diferença de posição, não é uma diferença essencial; é uma diferença acidental.
Então, eu devo olhar a minha conduta pelo mesmo padrão com que olho a sua. Isso quer dizer
que o meu esforço de compreensão tem de ser levado muito mais adiante do que normalmente é,
pelo menos até nós podermos dar um relato da conduta alheia e dos seus motivos, tão
minuciosamente quanto damos dos nossos. Isso não precisa ser perfeito, mas chega um ponto que
você entende que é suficiente, que não precisa ir mais além, não precisa compreender tanto
assim. Preciso compreender até o ponto em que aquela conduta se torna verossímil para mim. E
onde eu entenda que, na situação, eu muito provavelmente agiria do mesmo modo. E se eu disser
“não agiria”, então também eu preciso explicar como isso é possível.
Para os psicólogos, então, os julgamentos sumários da conduta alheia são uma desgraça. É
melhor você ser um sujeito amoral — existem grandes psicólogos inteiramente amorais —, do
que você ser moralista. Quando a gente diz que o sujeito é moralista, ele geralmente diz que não.
Por quê? Porque é muito feio ser moralista. E, na hora que ele diz que não, ele já está provando
que é. Por isto mesmo; por que é que não pode ser moralista? Então, se você for um moralista,
por temperamento, não vai deixar de sê-lo do dia para a noite. Nós só pedimos que, enquanto
psicólogo, você use a tática da moral provisória, a que você se atém na conduta do dia-a-dia; mas
não a aplique nestes estudos.
Por exemplo, pode-se perguntar: Você está habituado a olhar as pessoas de perto, ou de longe?
Quando você olha de perto, em geral o seu enfoque do outro é narrativo; você conta a história
dele para você mesmo. Quando você olha de longe, o seu enfoque é classificatório. Se você já
catalogou o sujeito segundo o tipo, etc., então você está olhando de longe. Ou seja, você
compreende o indivíduo pelo que ele tem de comum com outros da mesma espécie: “Esta aqui é
a psicologia do pequeno-burguês, esta é a psicologia do morador do bairro do Brás, é a psicologia
do sujeito que tem Saturno no raio-que-o-parta, esta é a psicologia do japonês, esta é a psicologia
do alemão”, e assim por diante. Você está catalogando, portanto você está olhando de longe.
Quando você olha de perto, você está olhando individualidades, e a individualidade é irredutível
a classes. Portanto, só existe um modo de compreensão da individualidade. Essa compreensão
chama-se narrativa; você conta a história. Conta para você mesmo, não é algo que você faça em
voz alta, mas é a hora em que você julga o sujeito. E não é como você julga em público, mas
sozinho — três horas de manhã, na sua solidão. O que você está fazendo? Você está contando a
história do sujeito, ou você o está classificando?
Então, todo mundo já pode, desde o princípio, ser catalogado numa dessas duas classes: os que
olham as pessoas de perto, e os que olham as pessoas de longe. Qualquer das duas tem de ser
corrigida, complementada pela oposta.
É evidente que este curso aqui não visa só a passar para vocês uma teoria. A partir do momento
em que nós completamos esta curva de um ano, e estamos fazendo aqui este balanço, nós estamos
largando a parte teórica e estamos entrando na parte técnica. Claro que eu vou fazer um retorno,
particularmente em consideração aos alunos novos, mas o centro do interesse daqui para diante
não é mais teórico, e sim técnico. Se é para ensinar uma técnica, é para ensinar o domínio da
técnica. Como é que se sabe se o sujeito domina uma técnica? Não é se ele consegue repetir a
exposição da teoria, mas se, na prática, você entregando o “abacaxi” para ele, ele sabe resolver.
Isso quer dizer que, doravante, o seu proveito no curso não vai ser mais medido com testes,
provas, etc. Eu estou seguro de que a parte teórica foi bem melhor compreendida do que eu
esperava, pelas respostas dos testes. Vamos ver se na parte técnica, agora, a gente obtém
respostas tão boas. Só que essas respostas não serão no papel; serão, em parte, na maneira de
você lidar com casos que eu lhe entrego. Por exemplo, como você lida com o seu biografado? E,
por outro lado, eu vendo como você lida com as pessoas, aqui dentro.
Então, nós vamos fazer o seguinte compromisso: Daqui para diante, todas as pessoas que estão
neste curso são seus objetos de estudo. Eu não sei como você age na sua vida em geral, na sua
vida lá fora, e não pretendo interferir nisso, de maneira alguma. Continue agindo segundo seus
hábitos, seus valores, até seus preconceitos. Tudo isso é muito importante para o homem. Nós
não podemos viver sem preconceito; às vezes se se tira um preconceito e não tem mais nada,
você cai. Então, segura o preconceito. Porém, lá fora; aqui, entre os membros do curso, não
podemos continuar assim. Porque, como é que vocês vão trocar idéias sobre isto? Vocês vão ter
que se enfocar, não segundo seus hábitos e valores, mas segundo esta técnica, senão não vão
saber do que estão falando. Portanto, na conduta de uns com os outros, nós podemos ver: este
está compreendendo aquele, ou está cego, não está enxergando... Isso, partindo do princípio de
que, até um certo ponto, eu tenho prática disto aqui, e sou capaz de ver quando as pessoas não
estão se enxergando, essa é a minha especialidade, mesmo.
Doravante, então, não exijam mais dos que seus colegas uma conduta correta; não precisa mais,
porque, se ele fizer tudo errado, não tem importância. Enquanto aluno do curso, o único objetivo
é você compreender o que ele está fazendo, e por que ele fez. Cada um é cobaia dos outros. Onde
é que nós vamos encontrar tantas outras cobaias — suponho eu —, dispostas a falar a verdade?
Suas mães vão todas mentir, seus amigos também; mas aqui, todo mundo diz que quer conhecer
este negócio. Então, vamos fazer um compromisso: nós vamos falar a verdade. Claro que não
vamos obrigar ninguém a ficar pelado aqui na frente, a se desnudar, a contar todos os seus
“podres”. Não, isso tudo é sabido, e não adianta nada. Mesmo porque, com pouca coisa que o
sujeito fala, a gente já adivinha o resto.
Uma das coisas mais terríveis que existe, por exemplo, em grupo de psicoterapia, é que você é
obrigado a se desnudar, a abrir o seu coração, com pessoas com as quais, na vida, você nem
mesmo teria o menor contato. Pessoas completamente diferentes, que estão num meio social
diferente, com preocupações diferentes, das quais você não se aproximaria e não teria vontade de
se abrir com elas. E no grupo de psicoterapia, você tem que se abrir com elas, motivo pelo qual
eu acho que psicoterapias de grupo são “grupo” (no outro sentido da palavra). O terapeuta
também fica numa posição esquisita, é a mesma coisa que dizer: “Bom, vou jantar aqui uma
abóbora, uma lista telefônica, um rato branco, a coroa do rei da Dinamarca e um rádio transistor,
e vamos ver que conclusão posso tirar. Não vai dar em nada. Agora, grupos mais ou menos
homogêneos, ou que participem de um mesmo problema social, aí começa a ficar interessante.
Porque as diferenças individuais começam a ser significativas, em função daquele drama de vida
em comum. Por exemplo, você pega um grupo de velhos, mais ou menos da mesma classe social,
relegados, vamos dizer, velhos da classe média, abandonados pelos filhos. Aí dá para as
diferenças individuais começarem a ficar significativas. Então, eu não acredito em psicoterapia
de grupo, a não ser em grupos que tenham homogeneidade social. Isso faz parte da estrutura da
profissão de terapeuta, e não da ciência, ou da técnica.
No entanto, aqui nós não estamos na posição de terapia, onde nós vamos ter que abrir as nossas
almas, e contar tudo o que porventura se passa na mente. Não, nós estamos interessados nas
condutas mais óbvias do cotidiano, e estamos excluindo as condutas psicopatológicas, que
requeiram explicações mais profundas. Nós nos limitaremos a coisas assim: “fulano ficou
cismado com sicrano”, ou “fulano deixou de fazer o que tinha de fazer”, ou “fulano está triste”—
isto é o máximo que nós vamos especular. E é disto aí que nós precisamos. Não se trata de
explicar as neuroses, mas exatamente as condutas correntes.
Tudo isso para chegar ao ponto onde nós sejamos capazes, mais ou menos, de isolar, no
indivíduo, o que é motivacional e o que é caracterológico. Nós só podemos isolar mentalmente;
isto é uma distinção real-mental, porque essas duas coisas estão juntas no ato. Por exemplo, um
indivíduo que (voltando ao nosso exemplo) problematize a sua auto-imagem, mas que o faça em
termos de ser socialmente uma pessoa desenvolta, ou não; ele não está preocupado primeiro com
a auto-imagem, e segundo com a desenvoltura. Isso para ele forma um complexo coeso, unitário.
Para ele, é a mesma coisa, na conduta dele, e no seu modo de sentir. Somos nós que vamos ter
que discernir e entender que este mesmo indivíduo, com este mesmo caráter, se fosse criado num
outro meio-onde, por exemplo, a conduta valorizada não fosse a conduta desenvolta, mas, ao
contrário, a conduta rígida e impessoal —, este indivíduo se comportaria de outra maneira,
completamente diferente. E ele teria que problematizar a sua auto-imagem de outra maneira,
talvez até se sentisse muito mais confortável neste meio, ou talvez pensasse que não consegue ser
tão rígido quanto deveria.
Então, nós vamos ter que partir de certos exemplos simples, e nós podemos o tempo todo usar a
terminologia astrológica, ou astrocaracterológica.
Se você já conhece o mapa do seu biografado, você está com problemas, porque você vai ter que
isolar mentalmente. Não é impossível, mas dá um certo trabalho, e você nunca vai ficar seguro de
que não trapaceou com você mesmo. Por isso, o melhor é quando você desconhece radicalmente.
Pode acontecer também que, por um lapso, eu dê como exemplo aqui algum mapa de um
personagem histórico que você está biografando. Se isso acontecer, vai ser um problema. Eu
tenho procurado evitar, tanto que não tenho dado esses exemplos. No caso da pessoa ler, ler, e
chegar à conclusão de que o indivíduo tinha um mapa, que é o real, tem que ver, em primeiro
lugar, se não foi por uma belíssima adivinhação, por uma impressão geral. É lógico que sem
impressão geral nós não conseguimos fazer hipóteses. Agora, se você tem uma impressão geral,
pergunta para mim, e eu confirmo, isso é uma grande desgraça. Porque a confirmação deveria ser
buscada não no meu testemunho, mas em outros fatos que você fosse colecionando.
Por exemplo, você dizer: “Em tal situação, o sujeito agiu desta e desta maneira, os valores
implícitos serem tais e tais, portanto, descontando os valores, só poderia ser por este elemento
caracterológico”.
Por exemplo, o mapa que nós estudamos nas primeiras aulas, acho que todo mundo sabe de quem
é (está na apostila), tem alguém fazendo a biografia de Franklin Roosevelt? Não, então nós
podemos falar dele à vontade, ele vai ser a nossa cobaia. Quem quiser, pode ler a sua biografia, e
eu, como conheço alguma coisa dele, irei tentando demonstrar como, em certas situações,
determinadas condutas implicavam tais ou quais valores, que vinham do meio imediato, e que
neste indivíduo estavam sedimentados desta maneira, e que, uma vez isolados, deixariam à
mostra o traço caracterológico “x”. Por exemplo, no mapa de Roosevelt havia uma conjunção de
Saturno e Júpiter na casa IX, lembram disso?
Como nós interpretaríamos, então, este Saturno na casa IX? Nós teríamos que ver, de um lado, a
forma do traço caracterológico referente a isto, e, de outro lado, o conteúdo das condutas, isto é,
os valores associados.
Nós vimos, aulas atrás, que o ponto onde está o planeta Saturno no horóscopo é o ponto onde
começava, para o indivíduo, a construção do seu mundo racional. Ou seja, que, de acordo com as
doze direções da atenção, cada casa corresponde a um determinado assunto, a um ângulo pelo
qual o indivíduo vê o mundo. Que a posição do planeta Saturno indicava para ele o ponto onde a
sua inteligência, durante a experiência infantil, havia esbarrado em alguma questão, em alguma
pergunta que não podia ser respondida, de maneira alguma, com os instrumentos da infância. E,
não obstante, o indivíduo, no esforço de responder a essa questão, tirava um monte de conclusões
e sedimentava crenças que mais tarde ele só teria o trabalho de derrubar e ter que montar tudo de
novo. Que, quanto mais ele fizesse essa operação, quantas vezes mais ele ficaria com o
sentimento da problematicidade daquele negócio, e que aquilo lhe pareceria bem mais
complicado do que às outras pessoas, mas porque ele tornou mais complicado.
Isso quer dizer que a posição de Saturno numa casa indica, formalmente, apenas uma coisa: que
aquela é a pedra angular do sistema de crenças do indivíduo. Ou seja, é a questão básica, cuja
resposta, no entanto, pode ser bastante problemática.
Colocando Saturno na casa IX, nós vemos que o traço que nós podemos formalmente atribuir a
todos os indivíduos, absolutamente todos, sem distinção, é que, nos assuntos desta casa, o
indivíduo buscará uma resposta definitiva. Ao passo que, nos demais setores da vida, se contenta
com respostas provisórias. Porém que, na verdade, para o ser humano, nenhuma resposta é
suficientemente definitiva, nunca. No entanto, ele continuaria tendo problemas. E que havia duas
condutas alternativas, que são adaptações pelas quais o indivíduo procura escapar deste
problema: uma delas é continuar pensando no assunto, e fazer daquilo um modo de vida: e uma
segunda é conformar-se com o seu desconhecimento daquele campo, conformar-se com a sua
insuficiência, e produzir uma espécie de indiferença.
Então, não sabemos quais eram os valores e motivações deste indivíduo. Porém, nós sabemos
desde já, pelo seu mapa, que o seu sistema de crenças morais, ou era problemático —
conscientemente problemático —, ou era inconclusivo, havendo uma terceira saída: ele poderia
ser estereotipado, ou seja, o indivíduo procura sair da angústia, da problemática daquele campo,
adotando uma solução qualquer, exteriormente mas da qual continua duvidando, por dentro.
Então, das três, uma: ou Franklin Roosevelt era um indivíduo que vivia constantemente com
problemas do que é o certo eo errado moralmente, ou adotava uma postura falsa de certeza, ou
simplesmente deixava o problema de lado.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 50 SÃO PAULO, 13 DE ABRIL DE 1991 FITA II
TRANSCRIÇÃO: MERI A. HARAKAVA REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

Se estudarmos a vida de Roosevelt, vemos que foi criado para ser um menino rico, bem-
sucedido. Quando jovem era esportista, estimulado pela mãe, que era muito vaidosa dele. Vê-se
que não havia nele conflitos morais, era apenas um bom rapaz. Isto no começo da vida dele.
Fazendo uma somatória de tudo o que os seus biógrafos disseram sobre a vida dele, todos dizem
que ele era um grande homem, mas tinha algo que faltava. Intelectualmente não deixou nada. Ele
fez os EUA ganharem a guerra, tirou o país do buraco financeiro, mas não se consegue extrair,
por assim dizer, uma filosofia de Roosevelt.
Com isto estou lhes dando, de maneira abreviada, elementos referentes aos valores vigentes no
meio. No meio próximo — família — e no meio remoto — a sociedade onde estava.
Compreendemos então que das três alternativas de comportamento em relação a Saturno,
Roosevelt escolheu uma: a indiferença. Era um homem que, perante qualquer problema, só se
interessava pelo lado prático. O problema das definições éticas não lhe interessava. O astrólogo
poderia ser tentado, a partir do mapa, a deduzir logo essa indiferença. Mas não, essa indiferença é
apenas uma alternativa encontrada para um problema expresso pelo planeta Saturno no mapa, e
que só pode ser explicada pelo conhecimento dos valores e do meio, os quais geraram as
motivações. Ela não pode ser indicada pelos outros traços do mapa; para cada um deles o
problema é o mesmo. Por exemplo, o indivíduo tem o Sol na casa VI: isto indica que ele tem
espírito prático? Não, porque prático e teórico são valores, que só podem vir do meio. Esse
indivíduo tem uma inteligência orgânica, que olhando as coisas, já lhe dá uma forma de conjunto.
Isto é o que sabemos pelo fato do indivíduo ter o Sol na VI, mas que tipo de coisas ele vê
realmente, só sabemos conhecendo sua vida.
Roosevelt tinha o Sol na casa VI. A grande obra de Roosevelt, antes da guerra, foi de ordem
econômica. Ele transformou o Estado americano num capitalista. Antes o estado se abstinha o
mais possível de interferir no capitalismo porque o dogma do capitalismo era a livre empresa.
Acontece que isto levou a uma crise. Houve um homem chamado John Maynard Keynes, grande
gênio, que chegou à conclusão que a única solução era que o Estado promovesse tantas obras
públicas de forma que ele mesmo se tornasse um grande investidor. Roosevelt foi o sujeito que
leu isso e acreditou, e empreendeu. É evidente que o sujeito para ter uma visão da economia
nacional como um todo certamente tem que ter uma visão orgânica. Outra coisa notável em
Roosevelt era sua capacidade de aproveitar um monte de pessoas e correntes diferentes para um
mesmo fim, por mais hostis que fossem entre si. Isso também é visão orgânica: capacidade de
tirar de cada pessoa o que ela pudesse dar. No entanto tudo isso não podemos pura e
simplesmente deduzir do Sol na Casa VI — no máximo poderíamos dizer que ele teria um
potencial para tudo isto.
Mas o que importa para nós é assinalar o potencial, saber em que traço efetivo esses potenciais se
baseiam. Mas até para saber o potencial é necessário saber cruzar o dado caracterológico com o
dado motivacional.
Nós concebemos facilmente que este mesmo indivíduo (com Saturno na IX), se fosse criado num
meio supermoralista, religioso, se em vez de ser um menino mimado ele fosse uma espécie de
David Copperfield, só levasse pancada do pai, do professor, os valores seriam outros, e ele teria
de se arrumar com esses dados; porém ele teria de dar a eles a forma desse caráter.
A história da vida de Roosevelt é a história de um indivíduo que você vê que é sortudo, um
indivíduo que nunca foi infeliz, mesmo quando ficou paralítico. Foi três vezes presidente do país
mais poderoso do mundo, ganhou a maior guerra que já houve, fez uma reforma econômica que
melhorou o padrão de vida de milhões de pessoas. Que mais precisava para ele ser bem- sucedido
e feliz? As pessoas o consideravam quase um santo.
P. - E o fato de ele ter Júpiter na mesma Casa (IX) não alteraria alguma coisa?
Embora ele fosse um homem que não tinha um sistema muito profundo de convicções pessoais,
mas simplesmente endossava mais ou menos as idéias do meio, os valores médios da vida
americana, apenas disto ele fazia um programa de rádio todo o dia que era escutado pelo país
inteiro e no qual ele dava lições de moral para a conduta das pessoas. Então ele foi uma espécie
de diretor de consciência dos americanos, um fiscal da consciência, do bem e do mal, dos valores
da vida americana. Quando ele fez as reformas econômicas sofreu uma resistência terrível entre
os empresários. Imagine os milionários, com suas empresas monstro, vendo chegar um outro
monstro muito maior, o estado, querendo dizer o que eles deviam fazer, o que produzir e onde,
sob pressão financeira do Estado. Eles ficaram aterrorizados, e diziam é que Roosevelt era
comunista, porque a intervenção do Estado na economia naquele tempo era visto como coisa de
comunista. E ficavam mais irritados com ele por ele ser um filho da sua classe, e que tinha
“passado para o lado dos proletários”. Ele fazia o programa diário do rádio, pedindo a
colaboração das pessoas. (Um pouco diferente do nosso Collor de Mello, que na campanha saiu
dando patada na elite, e não fez nada). Roosevelt, falando manso, acabou fazendo muita coisa.
Ele fez a cabeça da nação: de comunista acabou se revelando o salvador do capitalismo, como
todos perceberam depois. Ele desempenhou esse papel, de “guru” da nação, no plano da ação.
Vejam como o planeta da vontade, colocado na Casa IX, não implica convicções profundas.
Implica apenas uma capacidade de agir em função de convicções. Quer dizer, uma ação
fundamentada em convicções muito firmes. O que reclamavam de Roosevelt não é que ele não
tinha convicções mas que suas convicões eram muito banais. Não dá para compará-lo com
Lincoln, e sobretudo o mestre dele — ele foi discípulo de Woodrow Wilson — que além de
grande presidente era também um pensador político, com grandes obras de história, de filosofia
política e de direito; ele deixou não apenas o exemplo pessoal, mas um corpo de idéias.
Agora a filosofia política de Roosevelt era apenas uma meia dúzia de crenças que qualquer
americano teria. Quer dizer, perto do porte de sua ação, do seu cargo, a sua filosofia e as suas
crenças eram demasiadamente banais. Lincoln, por exemplo, era um homem profundo, tinha toda
uma meditação moral e religiosa, tinha a consciência atormentada, perdia o sono. Roosevelt não
perdia um minuto de sono por causa disso. Ele não tinha escrúpulos de consciência, era um
sujeito bom, mas sem escrúpulos, uma espécie de Maquiavel inocente. Ele era espontaneamente
maquiavélico, não precisava premeditar, era simplesmente o jeito natural dele ser. O sujeito ia
falar com ele convencido de uma coisa e saia convencido de outra, sem perceber o que tinha
acontecido, tal a habilidade de Roosevelt, que, sem discutir muito, contando piadinhas, conseguia
o que queria. A eficiência do homem, a grandeza da sua liderança, a imensidão do poder que
teve, tudo isso é desproporcional com a vacuidade das suas idéias. Eu sei, porque li os discursos
dele. Pregava aquilo que você esperaria que qualquer pessoa acreditasse: “antes rico e com saúde
do que pobre e doente”, “é melhor a liberdade do que a tirania”, essas coisas... No entanto ele no
programa de rádio, todo o dia, exerceu uma influência. Então tinha o poder de irradiação de suas
crenças, mas não tinha o poder de trabalhá-las intelectualmente de maneira profunda. Não tenho
ainda dados sobre a infância dele, mas isto deve-se provavelmente a alguma perplexidade moral
que lhe apareceu logo no começo e ele achou que não valia a pena prosseguir por aí. Quando ele
foi estudar Direito (e ele não gostava de estudar), ele escolheu Direito Marítimo, que é uma coisa
técnica.
Não há idéias jurídicas de Roosevelt. Mas ele poderia ter sido um tipo completamente diferente,
talvez, se essa problemática religiosa-moral fosse importante no seu meio; se, em vez de ser um
menino mimado, aprovado por todos, houvesse uma exigência moral maior, então seria um
indivíduo convidado a duvidar de si. Tendo o Saturno na Casa IX isso tomaria provavelmente o
contorno de um drama moral.
Provavelmente aconteceria exatamente o contrário com indivíduos notáveis que tivessem o Sol
na cada IX. O indivíduo com Sol na IX capta de início uma constelação de valores morais,
enxerga em função daquilo e não precisa problematizar, é um indivíduo que adere facilmente aos
valores que intui. Por exemplo, Bismarck, desde pequeno, introjeta certos valores da cultura
alemã e de sua classe, e já de início sabe onde quer chegar: a Alemanha tinha que ser um país
unificado para ser, politicamente, aquilo que era no campo da cultura. Nunca se questionou isso,
não por incerteza, mas por certeza. Não por preguiça, por saber que vai dar muito trabalho, mas
por já saber o que tem que ser.
Daqui para frente vamos nos ater mais à parte prática e técnica, deixando essas considerações
teóricas só para algum retorno.
Cada uma das posições planetárias tem que ser descrita separadamente, e lembrando que num
sistema temos que ter elementos, cada um com sua dinâmica própria, então cada posição
planetária é descrita não como um traço estático, de modo que não dá para descrevê-la por um
adjetivo, p. ex., o sujeito é preguiçoso, é covarde, etc. Cada um desses traços é descrito como um
problema, como um entrechoque de forças que por si mesmo já gera um desconforto e requer
uma solução.
Então primeiramente faremos a descrição de cada posição planetária, independente de qualquer
mapa. Depois as descrições de personalidade de seus biografados terão que ser feitas nesses
mesmos termos, apenas sem conferir o horóscopo.
Isto aqui nos livra do problema que houve na pesquisa da Nature, que é uma desproporção, uma
dissimetria entre os padrões com que você descreve a personalidade no teste e aqueles que
aparecem no horóscopo. Nós vamos usar a mesma tabela, de maneira que, supondo-se que você
conhecesse profundamente algumas biografias, você fosse facilmente capaz de localizar numa
pilha de mapas, os mapas dos seus biografados. Para chegar a este nível de precisão foi
necessário cortar quase tudo da astrologia. Do conjunto do que a astrologia nos oferece, a parte
que é firme e que poderia resistir a um teste como esse da Nature, seria muito pequena. Por isso é
que nós apagamos, por exemplo, a interpretação dos signos. A interpretação dos signos é incerta,
ainda requer muito trabalho para chegar a uma precisão. Segundo, seria preciso apagar os três
planetas trans-saturninos, cuja interpretação também é nebulosa. É preciso ficar exclusivamente
com esses seis planetas, tomados exclusivamente nas casas. Isto aqui é o que sobra, se queremos
lidar com um terreno seguro; isto não impede que mais tarde se desenvolva eventualmente
técnicas para interpretar os signos, mas temos que reconhecer que elas não existem ainda.
Sabemos, nesta caracterologia, que os planetas correspondem a funções cognitivas, a modos
diferentes de conhecimento, diferentes operações cognitivas. As operações são formalmente
diferentes, não apenas materialmente, são diferentes em si mesmas, independentemente dos
objetos conhecidos. Nós sabemos que o sentimento é diferente da intuição não porque o objetivo
é diferente, mas porque essa operação tem uma forma diferente. Ou seja, podemos definir cada
uma delas pelo que ela é, e não só pela diferença de objetos. Podemos também distinguir as casas
como direções da atenção, mas eu sinceramente não vejo a que poderiam corresponder os signos,
na caracterologia. Eu tenho uma hipótese, muito vaga, muito remota que talvez, pelo estudo dos
signos nós poderíamos entrar no problema genético, no problema da formação das faculdades, de
maneira que as diferentes faculdades no indivíduo se desenvolveriam a partir de certos dados que
talvez pudessem ser identificados pelos signos. Mas isto é especulação da especulação.
Com isto estou querendo dizer claramente que, nos atendo aos planetas e casas, e seguindo este
método, vocês conseguiriam obter um resultado muito melhor do que o obtido pelos astrólogos
pesquisados pela Nature, porém nunca poderia ser por um simples resultado de testes, mas pelo
conhecimento efetivo da biografia, até penetrar em detalhes, em meandros do subconsciente.
Porque o resultado de testes já é muito abstrato, é uma seleção extremamente empobrecedora,
sobretudo com intuito classificatório. O teste da Nature consistia em você cruzar os resultados de
duas classificações, completamente diferentes. Os astrólogos pesquisados não perceberam isto.
Por exemplo, qual é a posição planetária que indica liderança? Marte na X? Isso indica que você
é um líder tirânico ou que o seu chefe é um tirano? Se o Saturno está na X você é o trabalhador
caxias, ou o preguiçoso, que não consegue parar em emprego nenhum? Esses traços de
comportamento, sobretudo os catalogados de acordo com estereótipos sociais bem definidos, isso
não pode corresponder a nada na astrologia, nem na prática nem na teoria. A posição planetária
não pode corresponder a um comportamento. Por quê? Porque a posição planetária é sempre a
mesma, e não há nenhum comportamento que não tenha a alternativa do seu contrário. Ademais
você se comporta com relação a outras pessoas. Por exemplo, ontem veio uma cliente e disse que
um astrólogo lhe tinha dito que ela não ia casar. Mas, e ele leu também o mapa do seu não-
marido? Para casar é preciso casar com alguém. Não é possível pelo mapa saber se a pessoa vai
casar ou não. Se eu soubesse estaria ganhando rios de dinheiro. Também essas questões do
comportamento no trabalho. Bom, é preciso conhecer o meio em que ele trabalha. Ou seja, pra
você fazer a interpretação astrológica de qualquer coisa não basta conhecer o mapa, é preciso
conhecer a coisa, mesmo porque o mapa não vem com a identidade do sujeito grudada. Para cada
momento existe um mapa, e não é em todos os momentos que nascem pessoas. Por aí você vê
que não existe um vínculo de necessidade, um vínculo tão estreito entre o sujeito e o mapa, assim
a ponto de pelo mapa você poder chegar a saber tudo a respeito dele. A astrologia chega ao ponto
de proclamar a identidade do horóscopo com a personalidade, do horóscopo com a essência...
Bem, pode ser a essência num sentido esquemático, limitado, como nós já nos referimos
anteriormente. Tudo isso são exageros que nós devemos ir cortando, e o dia em que vocês
enxergarem o que é que a astrologia realmente pode, e o que não pode, então aí dá para vocês
trabalharem com segurança, pulando fora dos tradicionais dramas de consciência dos astrólogos.
Mas este pouquinho que a astrologia pode já é surpreendente.
A explicação de porque a astrologia pode revelar alguma coisa sobre a pessoa é um problema de
astrologia pura, mas só este fato já não é uma coisa formidável? Imagine que pelo horóscopo
pudéssemos determinar uma única coisa, que fosse por exemplo a cor dos olhos. Já não
ficaríamos procurando explicações para esse fato? Na verdade o horóscopo revela muito mais do
que isto. Isto levanta tantas questões que poderíamos dizer que, ao invés de uma solução para
nossos problemas, a astrologia é o maior de todos. Por que, afinal, os astros têm alguma relação
com o que acontece aqui? Mas o fato é que esta correlação é comprovada pelos fatos, numa
freqüência estatística abismante. Este é um fato que vai levar muito tempo para ser explicado. As
explicações existentes, da “influência” astral, do sincronismo, não são explicações.
Tendo tomado como base que o fenômeno existe, que a correlação existe e ela é estatisticamente
significativa, estamos tentando catalogar as suas variações: os vários tipos de posições planetárias
e os vários tipos de eventos terrestres que lhe correspondem, no domínio particular do caráter
humano, vamos fazer o repertório dos caracteres e dos seus correspondentes astrológicos. Feito
tudo isto, o que teremos obtido? Uma coleção de fatos. Essa coleção, sendo maior do que a que
temos agora, levantará um problema maior ainda. Mas enquanto não fizermos esse repertório, a
investigação das causas dos fenômenos é prematura, porque antes de termos o por quê temos de
ter o quê.
Aristóteles é tido como o fundador da biologia. Se no tempo de Aristóteles os camaradas ainda
estivessem em dúvida sobre se os seres vivos existem ou não, Aristóteles não fundaria a biologia
para explicar os seres vivos. Quando o fato astrológico estiver plenamente reconhecido, e mais
ainda, estiver descrito suficientemente nas suas variedades, aí é que começará a ciência da
astrologia geral. Agora, quando vemos que durante séculos estiveram discutindo se esta técnica
funciona ou não, e nós, que resolvemos tomar o problema a sério, chegamos à conclusão de que é
prematuro até para tentar formular esta ciência, sinceramente existe um traço de insanidade no ser
humano. Não é espantoso? Todas as discussões, morais, religiosas, mostram um pouco dessa
doidice. A astrologia, também. Nós aqui iremos com calma. Vocês não tenham dúvida de que
vocês estão colaborando para um empreendimento que, se der certo, deixará sua marca na
história das ciências. Se não der certo, também deixará. Porque estamos tratando deste assunto
com tanto cuidado, com tanta minúcia, que, se for para chegar num resultado negativo e dizer
“toda e qualquer astrocaracterologia é impossível; é impossível estabelecer qualquer correlação
entre o caráter e o horóscopo”, se chegarmos a esse resultado teremos sido os primeiros que
chegaram com tal fundamento. A astrologia até hoje nunca pôde ser confirmada nem negada nas
suas pretensões. Se o resultado for positivo, como acredito sinceramente, e tenho elementos para
acreditar nisso, então teremos acabado com uma discussão estéril e aberto uma linha de
investigação que pode ser extremamente útil para a humanidade no futuro. Até hoje ninguém
pôde se arrogar ter estudado este assunto cientificamente. Esta á a primeira vez; pode ser que
tenha alguém no mundo neste momento fazendo exatamente a mesma coisa, aliás até
provavelmente existe. As questões científicas são colocadas nos momentos onde elas se tornam
necessárias. A questão da astrologia começa a se tornar necessária agora, quando a convivência
do homem com o ambiente cósmico é uma coisa que existe; antes o homem só olhava o ambiente
cósmico, mas não mexia nele. Quando a situação está madura, a questão científica aparece e
começam a aparecer os modos de resolvê-la. Como o surgimento de uma ciência é colocado por
uma civilização, então geralmente quando um sujeito coloca o problema, outros já a estão
colocando. Foi o que aconteceu na época de Darwin: um outro cientista havia colocado a mesma
teoria, e Darwin chegou a reconhecer a procedência do outro.
P. - Seria um sincronismo?
Sim, mas não no sentido junguiano. Porque aqui existe uma causa comum: a necessidade
histórica, que comprova o mesmo acontecimento em lugares diferentes. Já o sincronismo de Jung
não tem causa, diz apenas que quando acontece algum movimento planetário acontece tal coisa
na Terra. Não diz se um causa o outro, nem se tem uma causa anterior que determina as duas. Diz
apenas que há um sincronismo. Quando ele diz que o sincronismo é uma relação não-causal
significativa ele pretende insinuar a existência de uma intencionalidade cósmica. JUNG - SIC!
Quando ele fala da teoria da sincronicidade escapando da atribuição causal dos fatos aos planetas,
ele entra num outro raciocínio, tentando atribuir a presença do planeta lá e o acontecimento aqui a
uma outra causa. Não há uma relação de causa-efeito entre os dois, mas tem uma significação.
Significação o que é? Intuito (Weber). Se há intuito, há uma mensagem de um para outro. O que
Jung quer fazer entender é que, por trás do sincronismo, haveria um causador, Deus, que estaria
querendo através disso passar-nos uma mensagem sobre o sentido da vida. Outro dia eu estava
lendo um livro de história onde o autor dizia que Roma não foi inteiramente destruída com a
invasão bárbara porque deve ter havido cinco justos, ao contrário de Sodoma e Gomorra. Por que
é que essas explicações que colocam Deus como a causa das coisas não explicam nada? Por que
Deus não é explicação científica?
Alunos: porque não pode ser provado./Porque não é falseável, portanto não pode ser provado
(Popper)./Porque é uma explicação subjetiva.
Muito antes de tudo isso, é pelo seguinte: Se foi pela vontade de Deus, então foi Deus que
causou. Mas Deus não é causa de tudo? Acontece alguma coisa que não seja vontade de Deus?
Não. Então não explica nada. Aquilo que é causa de tudo não tem sentido eu dizer que aquilo foi
causa de uma coisa particular. O que nos interessa é as causas que houve para este evento em
particular. Deus é causa da sobrevivência de Roma como é causa dos movimentos dos planetas,
causa da sua condenação ou absolvição no Juízo Final; enfim, não nos adianta nada, Deus é
muito genérico. As explicações pelo recurso à vontade divina não são explicações causais, são
explicações finais. Se você diz que foi porque Deus quis, então você está atribuindo isto a uma
vontade divina que se destina à finalidade de todas as coisas. Isto não é uma explicação, isto é
aquilo que entraria no domínio daquilo que chamamos compreensão. Se digo que Roma não foi
destruída porque havia seis justos, eu não estou explicando a causa, mas o sentido moral do
acontecimento. Como explicação de sentido ela também poderia ser discutida: “Isso você não
pode provar”. Mas o sentido não se prova, se admite, como valor.
Sendo assim, as explicações que insinuam causas de ordem metafísica para o fenômeno
astrológico são todas falsas; mesmo que fossem verdadeiras, não resolveriam nada. Dizer que os
movimentos planetários me dão um vislumbre de sentido da minha vida é muito bonito, mas não
explica nada. Uma coisa é o sentido, outra coisa é a causa. O que estamos querendo saber é a
causa. Claro que uma resposta sobre o sentido é importante do ponto de vista filosófico, moral,
mas isso não tem nada a ver com a questão que estamos discutindo. Os melhores livros escapam
pela tangente dando explicações metafísicas para a astrologia. Por exemplo, um livro incrível, de
Oscar Adler, Astrologia como Ciência Oculta, é muito bonito, mas quanto mais ele tenta explicar
a causa do fenômeno, mais ele escapa dessa questão e vai parar na outra, do sentido. O sentido
pressupõe uma intencionalidade, e para captar uma intencionalidade, do cosmos, por exemplo,
primeiro você poderia precisaria comtemplá-lo esteticamente para poder ter uma intuição do
conjunto; daí você depende do sentido, e você poderia depreender um sentido contrário. Neste
caso você o está interpretando como obra de arte. Agora, existe alguma obra de arte que tenha
uma interpretação só, unívoca? Isto é impossível; da mesma forma não há só uma interpretação
do sentido do cosmos. Mas interpretar é uma coisa, e explicar é outra. A interpretação tem que
ver com o sentido, a explicação com a causa.
Mas não somos nós que vamos explicar o fenômeno astral. Nós vamos primeiro tentar descrevê-
lo no tocante à um domínio em particular, e para esta descrição já é necessário uma série de
colocações teóricas preliminares. Essa teoria será fundamento da investigação, quando esta
investigação estiver terminada elas não terá dado a explicação de nada, apenas a descrição
ordenada de um fenômeno.
Nós precederemos como Bouffon fez para classificar os animais: ele colocou uma série de
critérios, de conceitos, pelos quais ele diferenciava os animais, separando uns dos outros, e
catalogando os semelhantes. Depois de ter feito isto, ele tinha uma explicação de por que os
animais eram assim? Evidente que não, ele tinha apenas a parte descritiva da ciência. Conosco e a
mesma coisa: antes de poder ter o Darwin da astrologia, que vai tentar explicar a gênese, a causa,
certa ou errada, antes você tem que ter o Bouffon. É preciso primeiro fazer a teoria do catálogo,
depois fazer o catálogo, e depois esperar que venha um Darwin para tentar explicar tudo. Que
provavelmente inventará uma teoria errada, tal como Darwin. Mas já será um começo; corrigindo
essa hipótese se chegará a alguma coisa. Mas isto ficará para daqui cem anos; até lá ainda há
muito trabalho, não há a mínima possibilidade de procurar a explicação agora; mesmo que você
atinasse com a resposta certa, não haveria meio de prová-la. Entenderam qual é o papel de vocês?
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 51 - 14.04.91 FITA I
TRANSCRIÇÃO: GIULIANA AGAZZI REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

A teoria das camadas da personalidade foi feita para conseguirmos localizar a definição de
caráter. Das várias caracterologias estudadas, nós vimos que elas se colocavam em planos
diferentes. Cada uma delas dava o mesmo nome a fenômenos de planos diferentes. Daí surge
naturalmente a pergunta de quantos planos devem existir, ou seja, se estes diferentes enfoques
colocados em planos distintos, não poderiam ser unificados num sistema, de maneira que
pudéssemos fazer uma tipologia das tipologias. Isto é a teoria das camadas da personalidade.
O que vamos estudar não tem nada a ver com a educação do sujeito. Para distinguir o campo que
vamos enfocar, precisamos isolá-lo dos outros. Quantos outros campos existem? Desde que
outros pontos de vista a personalidade poderia ser enfocada? Pensamos isto para que sempre que
nos faltar algo, saibamos a que plano nos referir. Também para que tenhamos consciência de que
o caráter é uma parte da personalidade. A hereditariedade não faz parte do caráter tal qual nós o
entendemos.
O caráter é uma forma singular que está vinculada de alguma maneira ao fato do sujeito ter
nascido num certo lugar e numa determinada hora. Não seria possível que o caráter fosse
decorrência apenas do espaço e tempo independentemente dos planetas? A rigor, a Astrologia é
exatamente isto, pois ela lida com os planetas por uma coincidência, porque são os planetas que
estão lá na hora do nascimento, mas o que importa é a noção de uma forma espaço-temporal da
existência, e que essa forma é definida pelos ciclos planetários, entendidos apenas como uma
relação espaço-temporal e não como movimento de corpos. Se a Lua fosse feita de queijo daria
no mesmo, pois o que importa não é isto, mas sim que existe algo lá que delimita uma forma ou
figura, que é como um retrato do momento, dentro de uma combinatória de sucessivos
momentos. Cada figura é como se fosse o símbolo geométrico daquele momento.
Vamos fazer uma regra para a classificação dos fenômenos astrológicos, pois sem isto não
podemos fazer nada. Por isto mesmo, a idéia de caráter é difícil de definir. Naquele momento e
espaço, só nasceu um sujeito. É como se você tivesse um catálogo de todos os seres possíveis.
Tenho um texto que se chama “Astrologia e as Condições Predisponentes”. Neste texto partimos
do raciocínio de Spinoza que diz que a essência de um ser nada tem a ver com as condições que o
trazem à existência: o fato de ser um gato, nada tem a ver com o fato dele ter surgido aqui ou ali,
ou morrer tal dia. O conhecimento da existência nada ensinaria se ela fosse feita de fatos mais ou
menos aleatórios. Sendo assim, só interessaria conhecer a essência. Em princípio está certo,
porém acontece o seguinte: em cada condição de existência nada descubro sobre a essência,
porém eu sei que em determinadas condições a existência de determinados seres é impossível.
As condições predisponentes das quais fala Mário Ferreira são as condições de existência. Das
condições de existência nada se pode deduzir sobre a essência, mas se pode excluir certas
essências. Por exemplo, no deserto não nasce peixe. Para cada quadro de condição de existência
estão excluídas quase todas as essências. Isto quer dizer que se pudéssemos idealmente traçar
todas as condições que cercam um determinado momento, nós saberíamos qual seria a única
essência possível de vir à existência neste momento e lugar. É um raciocínio utópico, mas se
soubéssemos do conjunto de condicionamento existencial, nós poderíamos dizer que neste lugar e
hora só é possível este ser vir à existência (talvez ele não venha, mas se vier vem ele). Quais são
os seres que são possíveis em cada lugar e hora? Isto nada tem a ver com influência astral, mas é
uma simples combinatória de espaço e tempo. A condição total da existência se cifra para nós em
espaço, tempo e número (ou quantidade). Se pudéssemos definir isto, poderíamos saber o que
cada condição deixa passar, de maneira que inverteríamos o método de Spinoza, que só quer
saber das essências e despreza a existência.
Abordamos este assunto para que vocês tenham uma idéia do que estou querendo dizer sobre o
caráter. O caráter é a forma da individualidade possível para um determinado momento e lugar, o
que não quer dizer que vá existir um sujeito com este caráter, mas se nascer neste momento e
lugar só poderá ter este tipo de caráter. Por enquanto ainda não definimos o caráter
individualmente porque ainda estamos dentro de um raciocínio tipológico.
A astrocaracterologia só abrange dois milhões e oitocentos mil tipos, e evidentemente existem
mais pessoas que este número. Mas quanto mais fatores nós colocarmos nesta combinatória,
levando em conta outros planetas, chegaremos a um número assombroso. Tudo isto é um estudo
de combinatória que pode ficar para bem mais tarde, pois o problema não é este. Estamos
tocando nisto para que a noção de caráter não venha a ser confundida com a hereditariedade ou
com os hábitos, ou seja, com tudo aquilo que constituirá a matéria do caráter. Caráter é a forma
cognitiva da individualidade, é um padrão cognitivo que marca as relações deste ser com tudo o
que ele perceberá em torno.
Se perguntarmos qual é a causa do caráter responderemos que ele é assim porque é assim. Ele
tem esta forma caracterológica porque ele é ele e não o vizinho. Porque, dentro da combinatória
possível, só era possível este, porém estas especulações terão que ficar para mais tarde. Nisto
consiste a Astrologia Pura.
Voltaremos a isto, mas o importante agora é compreender a idéia de que o caráter não tem causa,
pois seria a mesma coisa que perguntar porque gato é gato e não banana. Do mesmo modo que as
espécies não tem causa, são o que são, e são porque são, os caracteres singulares não têm causa,
porém a personalidade, no seu conjunto, tem causa. Se perguntarmos porque um sujeito tem tais
traços de personalidade e explicarmos que é porque ele tem tal combinatória hereditária, porque
recebeu tais ou quais influências, porque exerceu tal ou qual papel social, porque aprendeu isto
ou aquilo, etc., então todos esses traços terão causas, mas o caráter não, pois seria a mesma coisa
que perguntar porque ele é ele e não outra pessoa.
A noção de caráter pressupões que exista nas personalidades algo de distinto e absolutamente
irredutível a uma outra pessoa, e perguntar a causa disto não faz sentido algum. É fácil perceber
isto quando pergunto porque eu sou eu e não outra pessoa. É uma pergunta manifestadamente
absurda, quer dizer que o ser é um dado e não um conceito que inventamos ou poderíamos
admitir ou não, trocando-o por outro conceito. O ser é um dado primário. O ser é e o não ser não
é, assim o que é, é.
Sempre que constatamos que uma coisa é algo, não faz mais sentido perguntar por que é, mas por
que tal coisa aconteceu. O “por que é” se refere à essência, e neste sentido nós poderíamos dizer
que o caráter é a essência do indivíduo. Não a essência no sentido de algo misterioso que só
surgirá no dia do Juízo Final, mas é simplesmente a forma da singularidade e, neste sentido, ela é
a coisa mais óbvia que conhecemos no indivíduo: sabemos que ele é ele. Claro que podemos
conhecê-lo mais profundamente, mas se somos capazes de distingui-lo dos demais, conhecemos a
sua essência.
A definição de Sigwart dizia que a essência é a forma de um ser de tal modo que ela exige a
presença de certas propriedades, que são inerentes àquele ser. Apenas não gosto de usar o termo
essência porque tem uma ressonância “misticóide”, como se fosse um outro “eu” superior que
existisse por detrás do “eu” empírico. Já dizia Plotino que a essência é o que há de mais evidente,
sendo que o que você precisa esperar para ver é a existência porque você só conhece a existência
na experiência. O máximo que você poderia ter antes disso seria um quadro combinatório de
possibilidade de eclosão de essências possíveis.
P. - Nós não chegamos a ver direito o Sol em cada casa.
Nós levaremos uma aula para casa. Aquela aula foi só uma prévia. Mas nós teremos que fazer
isto usando como amostras os seus horóscopos, porque não há nenhuma outra pessoa que vocês
conheçam em comum. Poderíamos usar personagens históricos, mas estes nós os conheceríamos
de longe, e seria necessário conhecer mais de sessenta, e só vai dar tempo de vocês conhecerem
uns dois.
É por isto que tenho feito estas observações, morais ou amorais, porque todos têm impedimentos
morais. Todo homem parte do princípio de que ele é bom e os outros são ruins. Você não
conseguiria dormir se você achasse que você não é bom. Você não agüentaria ficar em sua
companhia. Geralmente nós estamos errados com relação aos outros, quando atribuímos a eles
uma quantidade de mal que seria impossível ao ser humano. Kant faz a seguinte pergunta: o
homem seria capaz de fazer um mal integral? O homem é limitado, ele tem algo de bom
necessariamente e se quiser praticar um mal talvez faça um bem. O homem não é um diabo,
apesar de as vezes querer olhar o outro sob esta óptica, ou querer ser visto assim quando imita,
por exemplo, Maquiavel.
Existem muitas imagens infantis do diabo. Gazetear a escola, por exemplo, mas talvez isto não
seja um mal se a escola não for boa. Muitos dos males que pensamos que estamos fazendo não
são males, pois quando olhados por outro lado podem ser um bem. Assim, as considerações
moralistas são perfeitamente irrelevantes. Se você fica preocupado achando que desagradou o
Senhor, então tente, que você conseguirá: quando você faz algo que julga ser um mal,
imediatamente faz a coisa contrária para compensar.
O ser humano é intrinsecamente bom. Ele é burro, isto sim.
Se não houver impedimentos morais ao observarem uns aos outros, acabaremos fazendo o
circuito de todas as posições possíveis; não a combinação das posições, que são milhões, mas as
72 posições de base que nós iremos estudar, pois isto é o alfabeto da astrocaracterologia.
P. - Nós não vamos estudar o Klages?
Klages encara o caráter no sentido da sua matéria e nós estamos tentando evitar tal distinção. A
matéria é o conteúdo do caráter: as motivações e valores. Ele faz uma classificação de
motivações e valores, mas sempre que entramos nesta parte estamos entrando na parte empírica,
sendo que as classificações teriam que ser inumeráveis. Não dá para reduzir isto a um grupo. Na
astrocaracterologia nós estamos fazendo uma abstração, e se levarmos em conta as motivações e
valores, nós deveremos fazer um tipologia das famílias, das classes sociais, dos meios, etc., que
são conhecimentos gerais das ciências humanas, que vocês terão que arrumar.
Nós nos ateremos à distinção formal. Formal por quê? Porque partimos do pressuposto que o ser
humano se define pela sua relação cognitiva com o meio. A relação do indivíduo com o meio é
marcada pela atenção, que é seleção, pois quando você olha para algo, você deixa de olhar para
outra coisa. Portanto, se tivermos um esquema de instrumentos, dos meios que o indivíduo dispõe
para conhecer, e uma seleção das direções da atenção, nós teremos distinções meramente formais
dos caracteres, onde não entram as distinções de conteúdo.
É lógico que podemos levar esta distinção formal apenas até um certo ponto, pois não podemos
fazer todas as distinções de todos os caracteres possíveis. Aliás, nós não vamos fazer nem a
distinção dos caracteres, mas dos elementos separados, os planetas nas casas, e montar alguns a
título de exemplo. Quando terminarmos isto, o curso terá acabado.
Vocês tem que ter consciência que estas distinções são formais, ou seja, todos os seres humanos
têm estas mesmas faculdades, e todos os seres humanos têm as doze direções da atenção.
Poderiam ser 13 ou 14, mas existe um motivo lógico para que seja 12. Todos têm as mesmas
funções, e fazendo-as girar nas direções da atenção, vai dar uma certa combinatória, não
interessando os objetos que são colocados. O mapa é um diagrama das direções da atenção e das
faculdades, mas fora deste círculo existe o mundo. O que o indivíduo olha? Não interessa, pois
conforme o meio ele olhará coisas diferentes. Temos que saber que o estudo do caráter não é o
estudo da personalidade inteira, que resultará da somatória do caráter mais valores, que é igual a
motivações.
A seqüência é esta: o caráter é definido como a estrutura cognitiva individual, e se não existisse
mundo o indivíduo seria igual ao que ele é. Podemos considerar o indivíduo abstraindo o mundo,
ou seja, considerar a forma singular que faz com que ele seja o que é e não outro, mas este
indivíduo vive no mundo que é o seu objeto de conhecimento. A totalidade do que ele conhece é
o objeto, e ele é o sujeito. Caráter mais objetos (destes alguns adquirem valor) é igual a
motivações. Motivações mais ocasiões é igual a comportamento ou conduta.
Se podemos estudar o caráter independente dos objetos e das motivações, podemos perguntar se
dá para fazer o contrário, ou seja, se poderíamos explicar a conduta do indivíduo levando em
conta somente os seus valores e motivações, porém não o seu caráter. Isto seria um enfoque
classificatório, pois estaríamos olhando somente para aquilo que ele tem em comum com os
outros indivíduos que participam dos mesmos valores ou motivações. Estaríamos explicando pela
sua classe social, pela sua família, sua nacionalidade, etc.
P. - Segundo isto, nós vamos pegar a biografia e estudar a conduta do biografado segundo as
motivações, isolando o caráter?
Sim. Se você isolar direito estes fatores, no fim sobrará o caráter, ou seja, quando você não
conseguir mais explicar a conduta do biografado pelas motivações e pelos seus valores, quer
dizer, se com tudo isto ainda estiver faltando algo para explicar a sua conduta, significa que este
algo está na própria individualidade.
Dada a mesma motivação e ocasião, os indivíduos agem diferente uns dos outros. Descontadas as
motivações, sobra somente a individualidade: por exemplo, se perguntarmos porque um gato mia,
responderemos que ele mia porque está com fome ou porque você pisou no rabo dele, etc.;
descontado isto, ele mia porque é gato.
Do ponto de vista lógico, as ações podem ter causas ocasionais — materiais, instrumentais,
eficientes, finais — e podem ter causas formais, que é por exemplo, o gato mia porque é gato.
É neste tipo de explicação que temos que chegar. Por que ele agiu assim? Por que havia tais ou
quais valores e motivações em jogo. Descontando isto, a resposta seria que ele agiu assim porque
ele é ele, e se fosse outro teria agido diferente. Só quando chegamos neste ponto, nesta diferença
individual irredutível, chegamos ao caráter. Mesmo assim a nossa visão do caráter ainda não é
individual, seria individual se nós tivéssemos este catálogo de todas as relações espaço-tempo
possíveis. A nossa visão ainda não é propriamente caracterológica, mas é tipológica, embora ela
seja bastante diferenciada.
A rigor só existe um tipo de conhecimento do indivíduo, que é a narrativa; todos os outros
conhecimentos são genéricos, vão associar aquele indivíduo a uma classe, espécie ou gênero. A
caracterologia está no meio, entre o genérico e o individual.
Temos uma intuição do individual, mas para chegarmos a ele seria preciso um catálogo de todos
os caracteres possíveis, mas isto é utópico. Disse isto porque o nosso conhecimento do individual
sempre tem um resíduo de generalidade. Por mais que você conheça alguém, ainda assim você a
encara sob certos aspectos genericamente, porque ela mesma se encara assim. Nós nunca somos
inteiramente personalizados onde somos, somos de modo não por sermos nós mesmos, mas por
sermos filhos de nossos pais, ou por pertencermos a uma classe social, a tal raça social, ou porque
nasci em tal época. Não são caracteres pessoais, eles estão em mim mas não são meus.
Isto evidentemente não faz parte do caráter, o que não quer dizer que ele possa ser concebido
independente do espaço e tempo, que seria tão absurdo quanto dizer que ele existe sem a
existência. A essência está junto com a existência. É apenas uma distinção mental do que é
essencial e do que é existencial, ou do que é caráter e o que é personalidade.
Nós sabemos que a interpretação de posição por posição é de ordem puramente formal, mas
acontece que para desenvolver um vocabulário que permitisse à exposição puramente formal das
72 posições planetárias, este descomprometido de qualquer referência a matéria do caráter, seria
um desafio terminológico terrível. Assim nós não vamos nem tentar, pois sempre que tentamos
fazer um raciocínio puramente formal, nós entramos numa terminologia embrulhada. Eu estou
lendo agora um grande clássico da sociologia, o Sistema Social, que é uma tentativa de fazer uma
tipologia social independente dos fatos históricos, etc., ou seja, a tudo que existe realmente. Ele
queria pegar o sistema no seu formalismo puro, mas quando você chega na página quinze você
está sufocado, porque são aqueles termos que vão girando e se combinando uns com os outros, e
que escapam da possibilidade de você intuir. É uma combinatória matemática, e este é o grande
perigo dos estudos matemáticos. Se você diz que a matemática é boa para a inteligência eu digo
que é letal, pois as combinatórias matemáticas são fáceis, é apenas uma questão de prática, tanto
que até um computador faz. Estas formas de conceitos possíveis são apenas uma parte.
O próprio do homem não é que ele apenas raciocine, mas que ele consiga raciocinar sobre suas
intuições, e isto é que é fantástico. Mas se um indivíduo desenvolve a sua aptidão matemática,
fazendo contas durante anos e acha que esta é a realidade... Não. Tanto que os grandes erros
filosóficos, os mais trágicos, foram feitos por filósofos matemáticos. Platão foi o primeiro. O
mundo ideal ou dos arquétipos só poderia ser inventado por um matemático que está acostumado
a pensar fora da condição da existência, ou seja, pela mera combinatória. Aristóteles já não era
matemático, mas biólogo, ele examinava os seres usando os cinco sentidos.
Entre os vários tipos de personalidade que Klages vai estudando no seu Tratado de
Caracterologia, uma delas é a personalidade formalística, que é justamente moldada por estilos
matemáticos, e que está habituada a pensar sem as intuições correspondentes, mas apenas pela
combinatória. É como se fosse uma sintaxe sem semântica, o que um computador faria bem
melhor que qualquer um de nós. A idéia de que a racionalidade do homem consista na
matemática é uma grande tragédia: se isto fosse próprio do homem, então o computador seria
muito mais humano que o homem. O homem não é o ser que matematiza ou que geometriza,
como diz Platão. O homem é o ser que dá forma lógica para a experiência vivida. Dar forma
lógica ao próprio pensamento lógico, até um computador dá. Existe um indivíduo que não tenha
experiência, que tenha forma lógica? Não. O homem é esta mistura inextrincavelmente, pois o
mundo intuitivo está ligado ao mundo racional. Se você desiste da racionalidade, querendo entrar
no mundo da intuição pura, seguindo a linha de Bergson, é impossível. Você procuraria,
procuraria, e quanto mais chegasse perto da pretensa experiência pura, diretamente vivida sem a
razão, mais ela desapareceria da sua frente.
O nouveau roman, que é uma técnica que inventaram na França que tentava reproduzir a intuição
pura, sem nenhum elemento racional, procurava reproduzir a intuição do momento da experiência
singular, sem localizá-la em nenhum quadro de referência. Mas quanto mais eles tentavam isto,
mais pareceria premeditado, quanto mais procuravam a experiência pura, mais artificial
pareceria.
Podemos não por esta linha, mas podemos procurar desenvolver a lógica matemática, etc. Mas
quanto mais lógico você fica, mais delirante você parece. Vocês leram O Sonho de Descartes, no
qual é contado sobre o estado atual das ciências matemáticas? Está uma loucura. O raciocínio
puramente lógico vai parecendo cada vez mais um delírio. Quanto mais perto da experiência
pura, que seria dita irracional, mais razão você encontra, e quanto mais perto da razão pura
matemática, mais você encontra o mundo da intuição e da experiência.
Não adianta querer separar. O homem é o animal racional. Ele não é animal — animal e nem
racional — racional. Isto é que é próprio do homem, e não conseguimos intuir nada fora de nossa
forma. Kant já havia dito. Não adianta tentar conceber as coisas como se não houvesse nenhum
homem presente. Que tipo de conhecimento eu teria deste sujeito se eu o apagasse? Todo
conhecimento que o homem tem é antropomórfico, isto é, damos a nossa forma ao conhecimento
que adquirimos. Nós catalogamos o indivíduo segundo certos tipos, por exemplo.
Esta mistura inextrincável de intuição e razão é o homem, e para manter uma orientação sã, é só
não separar estas coisas, mantendo-as sempre juntas. Há uma compensação entre a razão e a
intuição : quanto mais você raciocina, mais necessidade tem de intuir.
Os estudos matemáticos deveriam ser reservados para o homem adulto. Achar que eles sejam
úteis para a filosofia é uma inversão, pois eles levantam uma série de problemas para a filosofia
responder. Devemos deste modo, inverter o lema de Platão: ao invés de ser “ninguém entra aqui
se não for matemático”, diríamos que ninguém entra se não for filósofo.
Todas estas noções que queremos pegar, as dos caracteres, ou de uma forma pura de
personalidade, são logicamente fáceis de entender, sendo que o difícil é compreender que isto
exista na realidade, ou seja, que existe uma forma pura do caráter de uma pessoa realmente
existente, que faz com que ela seja ela e não outra. Compreender isto todo mundo compreende,
mas na hora de enfocarmos a pessoa escapamos disto, pois é muito mais fácil compreendê-la por
aquilo que ela não é.
Se explicarmos que uma pessoa é de um modo porque ela teve um trauma por causa de seu pai e
sua mãe, ou porque é rica ou pobre, ou por causa de sua raça, etc., se a explicarmos assim,
estaremos mudando de assunto, estaremos atribuindo a ela algo que é externo à ela a raiz de seu
comportamento.
Uma pessoa colocada na mesma situação que outra, reagiria de maneira diversa. Há uma faixa de
imprevisibilidade muito grande e quanto mais um comportamento é previsível, mais o indivíduo
está agindo impessoalmente, segundo a sua classe ou hábitos do meio, etc. Se o comportamento
fosse completamente previsível, haveria a tirania perfeita, onde o planejador social conceberia o
comportamento de todo mundo e todos agiriam conforme o que ele quisesse. Por que isto nunca
funcionou? Por que o planejador social também é um ser humano.
Nenhuma abordagem é completa se ela se detêm a um nível que não leva em conta o elemento
pessoal irredutível, e esta incomparabilidade é que faz com que associemos esta idéia à uma alma
imortal. O que não tem causa externa é indestrutível. Mesmo que você não existisse, você
perseveraria no ser. Isto tem decorrências de ordem religiosa que não são do nosso interesse, mas
não são de se desprezar. Se quiserem ter uma visão clara de um pensamento centrado nesta
irredutibilidade do ser humano, que rejeita todos os enfoques de ordem sociológica ou histórica,
leiam Nicolai Berdiaev.
O amor ao semelhante é uma verdade científica por mais que pareça ética. Ninguém consente em
ser reduzido às causas eficientes que o tornaram assim, quer dizer, o homem reivindica uma
autonomia, uma irredutibilidade que ele de fato tem, embora às vezes ela apareça disfarçada ou
diluída.
Não é o tempo todo que o comportamento, os atos do indivíduo refletem esta diferença, às vezes,
ao contrário. Por exemplo os atos que o indivíduo faz na rotina de trabalho em função apenas do
cargo que ele ocupa, nada têm de pessoal, pois talvez um outro fizesse a mesma coisa. Nesta
condição ele se esforça por anular-se. Outro exemplo é quando um indivíduo age pela vontade de
outro, achando que é sua. A liberdade que os indivíduos têm é mais limitada do que se imaginava
há um tempo atrás.
Todas as possibilidades de despersonalização de um indivíduo não revogam a realidade do seu
caráter, apenas não há efeito ao nível do comportamento. O caráter é uma matriz do
comportamento, mas existem formas de comportamento onde o caráter não interfere. Às vezes
são formas alienadas, causadas pela loucura.
A idéia na psiquiatria de que o louco expressa o seu ser mais profundo é um erro, pois se há um
sujeito que não é ele há muito tempo, é o louco. Os junguianos também caem nisto quando
pensam que os loucos que desenham mandalas, etc., estão sendo mais profundos. Se o sujeito está
captando conteúdos do inconsciente coletivo ele não fica mais autêntico, ao contrário, a
individualidade é “comida” por ele, o que o próprio Jung dizia ser a maior catástrofe que pode
acontecer; mas os junguianos acham uma beleza.
A partir do próximo mês começaremos com um estudo sistemático das posições planetárias. A
técnica da astrocaracterologia não pode ser compreendida por quem não entende da sua teoria.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 51 - 14.04.91 FITA II
TRANSCRIÇÃO: MÁRCIA JOÃO PEDRO REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

P. - Minha idéia inicial foi de que a astrocaracterologia daria, como principal contribuição, as
disposições e tendências de um indivíduo de modo a definir melhor sua vocação, mas depois da
exposição da influência planetária segundo as casas ficou a impressão de que esta ênfase, dada a
certos objetos de cognição, tem um aspecto muito mais limitativo no desenvolvimento total da
personalidade do que propriamente propiciador da atualização de um talento qualquer.
Assim, do ponto de vista por exemplo do orientador pedagógico, caberia encarar a especialização
determinada pelo horóscopo de nascimento como um indicador infalível das habilidades
individuais ou, ao contrário, um entrave, operando à maneira de um filtro da realidade, cuja
consciência seria indispensável ao pleno amadurecimento da personalidade?
Não é uma coisa nem outra. A sua idéia inicial é: através do horóscopo veríamos o potencial do
indivíduo. Porém, depois do que falamos, nos parece que é o contrário, ao invés de dar o
potencial parece dar uma limitação. Tudo que podemos chamar de potencial do indivíduo, está
colocado num plano diferente daquele em que está colocado o caráter. O caráter em si não pode
ser potencial para coisa alguma. Ele só pode se constituir das limitações espaço-temporais. E
quando dizemos que o indivíduo possui potencial para algo, estas coisas para as quais ele teria
potencial são atividades humanas que só existem no plano da sociedade humana. Por exemplo:
como é que o indivíduo teria vocação para pintura se ninguém tivesse vocação para olhar pintura?
Imaginem o homem de Neanderthal com vocação para pintura num tempo em que não existia
pintura. O que ele faria?
Todas as vocações estão no plano dos valores e vão constituir motivações. Estes valores e
motivações são genéricos em relação ao indivíduo. o indivíduo é ele mesmo e tem seu caráter,
sua forma singular. Porém, em parte por uma determinação desta foram singular e em parte pelos
dados que recebe de fora, ele desenvolve um amor ou uma predileção por certos valores. Por
exemplo, a pessoa que gosta de futebol, não poderia gostar de futebol só pelo seu caráter, pois a
atração pelo futebol não é um traço de caráter.
A vocação que cremos ter é genérica. Aquele que acredita que quer se tornar um grande jogador
de futebol é porque viu o Pelé jogando. Aquele que acredita que tem vocação para pintura é
porque viu Picasso ou Michelangelo.
O sujeito faz a opção porque viu a obra do outro e não a sua. Suas obras-primas não estão prontas
ainda. Ele sabe que vai ter que pintar outra coisa, pois a que vê, Picasso já pintou. Ele sabe que
não pode levar a vida do outro, mas sabe que a vida que quer levar tem algo do outro. Entre estes
símbolos genéricos das vocações e potenciais humanos que chegam até o conhecimento do
indivíduo e as disposições limitativas de seu caráter, é que ele irá achar a sua vida.
O caráter é uma forma singular, portanto, é limitativo. O sujeito é aquilo e não pode ser outra
coisa. Por outro lado no ambiente em que o indivíduo vive, olhando ao seu redor ele vê coisas e
valores que despertam nele uma afeição ou um desejo. Porém para que ele, estes valores não são
pessoais no momento onde ele os vê. Estes valores vêm de fora para ele. Quando ele determina
que vai ser pintor, ele não sabe qual o quadro que irá pintar, se soubesse ele o pintaria agora. Da
mesma forma, quem determina que irá ser um inventor, não sabe o que vai inventar, se soubesse
estaria inventando neste exato momento. O indivíduo sabe que as vocações, os potenciais que vê
em torno são símbolos ou indícios de alguma coisa que ele pode fazer mas que ele não sabe
exatamente o que é.
Entre o genérico, que é o valor que vem de fora, e o singular que é a própria forma do indivíduo
ele tem que achar uma fórmula, um acordo. Por outro lado ele adapta a sua conduta ao modelo
vindo de fora e adapta as possibilidades deste modelo às suas próprias disposições. É a fórmula
de Ortega Y Gasset: “A reabsorção das circunstâncias é destino concreto do homem”. Por isso o
caráter é limitativo. Quando olhamos o mapa não podemos saber de forma alguma qual a vocação
do indivíduo. O que podemos saber é qual a forma singular que ele vai ter que dar à sua vocação.
Às vezes nós confundimos as duas coisas porque não conseguimos exprimir as funções zodiacais
em linguagem puramente formal, então usamos uma linguagem tirada de valores, de instituições,
constumes e hábitos da sociedade. Nos parece assim que estamos falando de vocação. Por
exemplo: Alguém com Saturno na Casa VII; não significa que ele tenha vocação para ser
advogado. Mesmo porque ele pode estar vivendo numa sociedade onde não existam advogados.
Numa tribo indígena, por exemplo. Neste caso o que se quer dizer é que a forma da mente dele é
jurídica. Quanto ao conteúdo, ele pode querer ser pintor e neste caso então ele vai ter que lidar
com estas duas coisas.
O astrólogo pode orientar o indivíduo vocacionalmente, mas não exclusivamente a partir do
mapa. O mapa vai nos dar a limitação que a forma individual dele coloca em tudo. Esta limitação
acaba sendo uma grande vantagem se o indivíduo der sorte e realizar direito a reabsorção das
circunstâncias. Porém quando existe um desajuste entre a forma do indivíduo, os valores
escolhidos e os potenciais que ele quer realizar, então ele terá problemas.
Se o indivíduo quer ser uma coisa e de fato é outra, então ele terá que achar um acordo. Pois ele é
livre para fazer o que deseja mas não é livre para mudar a sua forma. O indivíduo tem que fazer
uma forma dialética entre o que ele é e o que ele ama e deseja. Claro que isto pode chegar ao
ponto da tragédia, por exemplo, quando o sujeito deseja coisas que não tem condições de jeito
nenhum. Em geral sempre há um jeito.
Os sujeitos das vidas completamente realizadas são aqueles que conseguiram dar a sua forma
singular ao objeto amado, e por outro lado se adapta a ele também. Houve aí um casamento do
homem com o destino. Por isso mesmo que eu acho que o provérbio que diz “Caráter é destino” é
uma aberração.
O caráter não é o destino, se fosse seria a maior maravilha. Cada um faria seu destino de acordo
com o seu caráter e só lhe aconteceriam coisas que estaria apto a resolver. Quem percebeu bem
esta questão foi Shakespeare quando disse: “O dom deste e a finalidade daquele”. Eu sou isso,
mas eu quero ser aquilo, ou eu sou isso mas só me acontece aquilo.
Não podemos dizer que existe no caráter do indivíduo o gosto por nada. Todo gosto depende do
objeto. Por exemplo: o sujeito gosta de maçã não simplesmente pelo seu caráter, mas sim porque
existe a maçã.
O objeto do qual o sujeito gosta mostra um potencial seu, mas o objeto não está nele. Este
potencial está metade nele e metade no objeto. No caráter não tem nenhum potencial, o caráter é
algo que está fechado e não pode mudar. Dado um caráter não está dado uma vida, um destino,
como disse Karl Marx: “O homem faz sua própria história, mas não num cenário escolhido por
ele”.
A defasagem entre caráter e destino é a essência do sofrimento humano. Existem três elementos
mediadores neste caso:
(1) a consciência humana e a vontade livre;
(2) a sorte;
(3) a Providência.
Parece que quanto mais o indivíduo consegue ajustar o caráter ao destino desejado, mais a
Providência o ajuda a realizar aquilo que pretende.
Algumas pessoas não tem vocação para a felicidade. Esta é a única divergência que tenho em
relação a Aristóteles, que diz: “O objetivo da vida humana é o encontro com a felicidade”. Só que
a felicidade é um acidente. Ela resulta de algo que você faz, sendo assim um efeito colateral. A
felicidade é um conceito genérico, não pode ser objetivo de nada. Quem quer fazer algo tem um
objetivo concreto. A felicidade em si mesma é o estado em que ficamos quando fazemos o que
queremos. Portanto, não pode ser ela mesma o que se quer. Este foi um lapso do mestre
Aristóteles.
Dizer que a felicidade é o objetivo da vida humana, é o mesmo que dizer que o sujeito faz sexo
por prazer. Mas não é assim, é o contrário, ele terá prazer se fizer sexo. O prazer como objeto
implica que pode ser feito com qualquer pessoa. Porém quem tem um desejo não tem desejo por
uma mulher genérica, tem desejo por alguém especificamente.
O desejo é sempre o cruzamento entre um sujeito e um objeto. Sem o objeto não existe o desejo.
Na verdade o desejo não é genérico, ele é específico, porém não é suficientemente
individualizado. Só poderíamos ter um desejo individualizado de um objeto que já
conhecêssemos bem e quiséssemos de novo.
Nós temos a intuição da essência, mas não conhecemos o objeto na sua inteireza. Isto causa o
desejo de completar no plano da existência a plenitude de essência. O indivíduo acha que seu
objeto de desejo lhe permitiria vivenciar no plano da existência algo que esteja tão fechado e tão
completo como a própria essência. Os desejos surgem a partir destes pedaços que estão faltando.
Platão é quem dizia isto, que os seres foram cortados e jogados no mundo, então eles ficam
procurando pedaços que estão faltando.
O desejo é freqüentemente equivocado, pelo fato de que desejamos algo que não temos ainda: se
não temos ainda não conhecemos. O desejo é como um indício, como um sinal que nos faz
parecer ser este objeto aquilo que nos falta, mas só vamos saber se é mesmo depois que o
experimentarmos. A experiência é o único meio de conhecer as coisas. Mas por outro lado, a
experiência é perigosa. Ela pode ser traumática, e a partir daí o indivíduo não quer mais ter a
experiência, fica com medo. Ela pode também ser uma vertigem e o sujeito passar a pensar que a
experiência é a finalidade em si. Como ocorreu com Andrá Gide, que fez disto a pauta de sua
vida; a experiência pela experiência, e não deu certo.
Quando o sujeito se atira aos objetos e afãs desejados, esquecendo se ele tem jeito para aquilo ou
não, as exigências da forma do caráter vão ficando cada vez mais radicalizadas. O caráter é como
uma forma fixa, quanto mais você força para fora mais aquele pedaço que é forçado vai doer. Só
o que lhe resta fazer é voltar e ver qual a exigência caracterológica que está bloqueada.
Por exemplo: no indivíduo que tem Saturno na Casa I existe uma exigência caracterológica de
que preste uma tremenda atenção na forma de sua individualidade e se interrogue: Quem sou eu?
Esta é a pergunta chave. Porém ele pode não querer pensar nisso. O seu objeto desejado pode ser
outro. Neste caso, o pé da existência vai andar, mas o pé da essência irá segurá-lo para trás.
P. - A atitude correta seria orientar o indivíduo quanto aos conhecimentos que deve adquirir
relacionados à casa onde está Saturno?
Depende, se o indivíduo esbarrou num obstáculo intransponível, sim, ele vai ter que voltar para
trás e recomeçar tudo, pensando melhor no assunto referente. Mas se ele não encontrar obstáculos
intransponíveis ele deve continuar andando em frente. Por exemplo, no caso de Roosevelt nada
impediria pensar que sua doença foi uma somatização de um conflito não resolvido. Para ser do
jeito que era, levar a vida que levava, teve que entregar as pernas.
P. - Sendo Saturno a razão, quanto mais intelectualizar a casa onde ele está não seria melhor para
o indivíduo?
Claro. Mas não podemos transformar isso numa receita para a felicidade humana. Poderíamos
dizer a Roosevelt: “Desista destas coisas de política e vá ser pastor protestante que você ganha as
suas pernas de volta”. Não adiantaria nada, pois ele tem a sua liberdade de escolha.
Quando a vida do indivíduo entrava ele não consegue mais ir para frente. Ele tem que buscar
força onde ele tem. Existe uma espécie de força negativa que é a força interrogativa da razão. O
indivíduo sortudo, que já está sendo levado pela vida, não irá fazer esta pergunta. O indivíduo
que conta com a sorte não precisa desta força. Só é necessário saber até quando ele pode confiar
na sorte, pois ela pode falhar.
É evidente que casos como o de Roosevelt são exceções. Não é isto que geralmente acontece. E
se o indivíduo não tem sorte terá que esforçar-se e usar o que tem. A vida não pára, ele toca em
frente e não quer saber quem você é. Teremos que ver até que ponto é possível uma acomodação
da sua existência, uma renúncia da conquista e vamos ter que resolver este problema.
O seguro é que sempre quando a vida do sujeito amarra há uma vantagem secundária. Esta
vantagem que o sujeito tem com o fracasso, com a inutilidade de um monte de tentativas que faz,
é que no fundo ele está tentando conservar a integridade de sua imagem no mundo. Não poderia
ter sósia neste ponto.
O ponto onde está Saturno no mapa é a questão que ele precisa responder, porque é a única
questão que de fato lhe interessa. É a única questão que ele teme também, e portanto, é a única
que lhe parece importante. Se ele deixar esta questão de lado fica inteiramente à mercê da sorte. E
a sorte é tão boa com uns e ruim com a maioria. Deixando inteiramente de lado esta questão ele
vai se afastando dele mesmo. A única saída seria ser bastante humilde naquele ponto, e dizer:
“não, eu não tenho capacidade para isso, eu me dou por vencido”.
A pessoa com Saturno na Casa IX como Roosevelt tem consciência ética cheia de perguntas
irrespondíveis. Mesmo fazendo o bem o sujeito sente que está errado em algum ponto. As
pessoas acabam acusando-o do que ele não fez, mas poderia ter feito. Por exemplo, Roosevelt
poderia reclamar o seguinte: “Eu procuro fazer o bem, sou bem intencionado, mas todos acham
que sou oportunista e inescrupuloso, e o pior, é que alguns gostam de mim exatamente por isso”.
Esta contradição sumiria se ele questionasse e procurasse compreender melhor o seu Saturno.
Roosevelt parecia ser um sujeito que fazia o que tinha que fazer para que as coisas dessem certo.
Como o sujeito que quer o sucesso a qualquer preço, vai ter que dar certo, e para ele o certo e o
errado não existe. Dava uma imagem exatamente suspeita. Os conteúdos de suas ações eram
todos bons, não se sabe de ter ele feito nenhum mal para a humanidade. Mas o fato é que existia
uma consciência moral insatisfeita com sua própria simploriedade moral. Entre esta má
consciência que tinha no fundo e a simploriedade da consciência, os outros viam contradição, e já
o acusavam de estar fazendo uma coisa que não tinha feito, o que para sua consciência moral
reprimida poderia ser encarada como coisa real.
As pessoas o viam como mais leviano do que realmente era. Como presidente isto não era um
problema, visto o meio em que estava, porque os americanos gostam do tipo esportivo e jovial.
Isto só era exigido dele parcialmente. Não era um meio onde as pessoas fossem promovidas por
uma consciência moral fora do comum. Promoviam-no justamente pelos caracteres que tinha, um
homem jovial, de sorte e de sucesso, mas sempre sobrava alguém para acusá-lo de inconsistência
neste ponto. E esta acusação devia doer nele. As intenções do sujeito neste caso podem ser
elevadas, mas a sua elaboração moral é muito pobre, ele pensa muito pouco neste assunto. Talvez
este indivíduo tivesse a consciência bem mais atormentada do que parecia.
Ninguém escapa de Saturno, porque se existe uma inconsistência ou incoerência, a sua
consciência pode não pensar naquilo, mas aquilo existe e se você não vê, alguém vê. A única
solução é o próprio sujeito se ajeitar com ele mesmo. Porque se você está no seu estado de
coerência ninguém pode derrubá-lo. Muitas vezes este aspecto da coerência que o ser humano
necessita se externaliza. Em vez dele ter coerência dentro dele, passa a haver uma espécie de
coerência do destino. Porque você fez, e passa a ter um resultado do que você fez. Ou você
mesmo toma consciência de incoerência e procura mudar, ou o destino continuará refletindo a
repetição dos seus erros.
Mas isto é só uma parcela da coisa. Nem tudo o que acontece ao indivíduo é porque tem uma
incoerência nele. Existem outros seres humanos que também agem. Isto é apenas uma injustiça
que o indivíduo fez com ele mesmo. Mas das injustiças que nós sofremos, somos culpados de
somente um milésimo delas, os outros 999 milésimos são os outros que nos fazem.
A própria vida de Roosevelt é o exemplo de que o sujeito pode ser incoerente e continuar tendo
sorte nos outros setores evidentemente. Por outro lado, existem pessoas inteiramente coerentes e
que nem por isso deixam de sofrer um destino, acontecimentos externos que se abatem sobre ele,
sem nenhuma culpa de sua parte.
Esta idéia de que o sujeito é culpado de tudo que lhe acontece é uma ilusão de que ele poderia,
por alterações internas, governar tudo que está a sua volta, isto é, um efeito mágico. Para alguém
poder governar seu destino teria que governar o destino de todos que o rodeiam. Acontece que
cada um dos seres tem seu destino, sua consciência, suas decisões, que não estão à sua mercê. É
claro que o homem que tem muita coerência internamente tem um poder sobre os outros mas é
um poder limitado. Sempre chega um ponto em que ele se depara com alguém que tem mais
poder que ele, e este outro pode lhe impor coisas que ele não quer.
A coerência é uma grande força do ser humano, aliás a única que ele tem. Ou tem coerência ou
tem sorte. Em geral quem age pela consciência tem melhores resultados. E são raros os casos em
que o sujeito dá certo contra toda a racionalidade possível.
A coerência em si mesma não gera o sucesso além de uma medida muito restrita. Mas ainda é a
única força que temos.
Napoleão também tinha Saturno na Casa IX, mas não dá para saber qual ideal ele tinha, que ele
considerava certo. Ele pensava muito e justamente por isso ia criando muitas idéias. Foi ele
praticamente que criou o código civil da França. Foi um assunto sobre o qual ele pensou a vida
inteira, tanto é que deixou alguma contribuição neste setor. Neste sentido é diferente de
Roosevelt. Napoleão foi um dos grandes legisladores da humanidade, seu código civil é a base de
todos os códigos que existem no mundo. Podemos até dizer que ele inventou uma sociedade
humana. Foi pensando nestas questões morais que ele construiu o mundo dele. A carreira de
Napoleão foi o resultado de sua pessoa. A época napoleônica foi um projeção da personalidade
dele. Já a época de Roosevelt não foi uma projeção de sua personalidade.
Roosevelt não foi um grande homem como foi Napoleão ou Carlos Magno. Podemos dizer que
ele foi um pedaço de grande homem. Roosevelt lançou o princípio da economia em que o Estado
é o elemento ativador da economia, e isto é a base da economia moderna. Na verdade ele
difundiu esta idéia, mas a idéia era de Keynes. Hoje quem segue esta idéia não se inspira em
Roosevelt, mas em Keynes. Ele foi o executor de uma idéia alheia, idéia que talvez ele nem
dominasse.
Roosevelt era simpático, as pessoas gostavam dele, ele tinha instinto para saber qual era a pessoa
certa para fazer o negócio certo. Mas levou muito tempo para ser levado a sério. Não é como
Wilson, que quando foi para a presidência era reitor da Universidade de Princeton. Ele criou todo
um sistema de ensino, que é um dos melhores do mundo. Colocou ali todos os seus
conhecimentos teóricos-educacionais em prática. Era uma escola pequena que tinha se
transformado na maior universidade americana. Ele já era um homem de sucesso, tinha mais de
50 anos. Possuía já autoridade, e aí então foi chamado à política.
Roosevelt não tinha esta autoridade, as pessoas gostavam dele mas não o levavam a sério. Ele era
como Ronald Regan. Era um cara que faz piadas, é engraçado. Nos EUA eles gostam disto, se
fosse no Brasil seria ridicularizado, pois aqui o povo gosta de formalidade. Todos os presidentes
nos EUA foram eleitos assim, exceto Nixon, que não tinha graça nenhuma.
Roosevelt tinha todas as características que agradam os americanos em dose monstro. Isto
implica que ele pudesse ser conduzido pela sorte, independente da sua inconsistência pessoal em
outros setores. Os americanos já erraram muito por votar no mais simpático, como no caso de
Carter — ele tinha Vênus na Casa X, todos achavam ele muito simpático, mas ele só cometeu
erros.
As características do indivíduo têm que ser contrastadas com aquelas que são aceitas no meio
social. Se formos ver por exemplo a vida de Lula, perguntarmos por que ele não deu certo? Com
certeza não é porque não tem cultura, pois o Collor está num nível até pior do que ele. Lula sabe
muito mais que Collor. Lula não ganhou porque não temos a tradição de votar num homem do
povo. O tipo para presidente no Brasil é o do tipo aristocrático, então votaram no mais rico.
Aulas de maio de 1991.

AULAS DE MAIO DE 1991. INDICE DO BLOCO DE AULAS DE MAIO DE 1991

AULA 52 - FITA 1 ( transcrição: Sílvia )


- Características da descrição Astrocaracterológica
- A relação existente entre o caráter e a motivação
- O caráter como constante cognitiva
- Saturno e a razão
- Temas das Casas I e VII, ocupadas com Sol e Saturno

AULA 52 - FITA 2 E 3
- A regra áurea da interpretação - A idéia holística e a Astrologia
- A natureza do poder e sua relação com os temas das Casas IV e X
- Temas das Casas IV e X, ocupadas com Sol e Saturno
- Uma mesma posição planetária frente a diferentes biografias
- Características motivacionais da posição solar

AULA 53 - FITA 1 ( transcrição: Cacau )


- Procedimentos habituais na interpretação da Astrologia vigente
- A Astrologia como técnica diagnóstica
- Diferenças entre intuição e razão
- Sol e Saturno nas Casas dos eixos I VII e IV
- Sobre a natureza da razão

AULA 53 - FITA 2 ( transcrição: Sanshiro )


- O equívoco da interpretação simbólica como técnica diagnóstica
- Sobre a natureza da memória
- Sol nas Casas IV, VII e I
AULA 53 - FITA 3 e 4 ( transcrição: Márcia )
- O Sol e a intuição
- Sol nas Casas I, II, III, IV e VII
- Saturno nas Casas II

AULA 54 - FITA 1 e 2 ( transcrição: Bia e Odair )


- Regras para a interpretação astrocaracterológica
- A razão e a intuição
- Temas das Casas VIII e III, ocupadas com Sol e Saturno
- A razão como finalidade da espécie humana

AULA 54 - FITA 3 e 4 ( transcrição: Sanshiro )


- Sol e Saturno na Casa IX
- Sobre a natureza das Casas de Fogo
- A questão da consciência humana, do Bem e do Mal
- O discurso otimista no ramo psicológico
- Sobre a busca do prazer e da verdade
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 52 - FITA 1
TRANSCRIÇÃO: SÍLVIA 10MAI91

Vamos iniciar a descrição dos tipos. Essa descrição não pode ser feita de maneira estática como
em determinados livros de astrologia e testes de personalidade, onde se usam determinadas
palavras-chave para determinar um comportamento padrão como, por exemplo, se diz de um
indivíduo quando tem liderança, iniciativa, sociabilidade e etc. Essa maneira de descrever dá uma
aparência de rigor mas é fundamentalmente inadequada para a psicologia e à astrologia em
particular. O máximo que um teste poderia ser ocorreria quando ele fosse comportamental - ou
seja, um teste que medisse os comportamentos de indivíduos - e não quando fosse um teste que se
diz de personalidade, porque o comportamento humano, mesmo que possa ser repetido, não é a
chave principal da personalidade - essa chave chama-se "motivação". Uma motivação nunca é
unívoca, ou seja, um vetor que vai em linha reta e faz o indivíduo se comportar dessa ou daquela
maneira, e sim uma espécie de resultante de uma dialética bastante complicada. Ou seja: o
indivíduo deseja tais coisas em tais circunstâncias contanto que tais condições sejam cumpridas e
contanto que tal pessoa esteja envolvida, e não desejaria outras coisas numa outra situação
diferente. Essas diferenças mínimas dos componentes da situação alteram completamente a
motivação. O índice de sociabilidade ao longo da vida do indivíduo pode ter pouco ou nada a ver
com a personalidade do indivíduo, e pode ter tudo a ver com o meio mais ou menos propício para
tal. Ou seja: você o muda de meio e a sociabilidade dele acaba. Não há um traço como
"sociabilidade" na personalidade do indivíduo que permaneça estável, e é somando os vários
comportamentos ao longo da vida que chegamos a uma resultante. Podemos fazer uma estatística
em média mas seria difícil associar essas resultantes estatísticas à personalidade do indivíduo.
Sendo assim, dizer que o indivíduo seja sociável ou não é apenas fazer uma média de
comportamento e, assim, nunca saberemos se a sociabilidade está nele, no ambiente ou na
circunstância. Para dizermos que o indivíduo, dentro da sua psique, tenha um impulso sociável,
teríamos que estar falando exatamente dele e não apenas do seu comportamento visto de fora e
quantificado.
A descrição da personalidade nunca pode ser feita em termos de traços estáticos do caráter, tais
como liderança, sociabilidade e etc, pois todas essas constantes do comportamento podem não ter
quase nada a ver com a personalidade. As mudanças de comportamento que o indivíduo sofre em
determinadas situações e meios sociais podem transformá-lo em um indivíduo sociável. Na
realidade, os testes obtêm uma média de comportamento real mas sem uma legitimidade
científica para serem associados à personalidade. A expressão "teste de personalidade", em si
mesma, já é contraditória: se é personalidade, não pode ser conhecida por teste; e se pode ser
conhecida por teste, não pode ser personalidade mas apenas comportamento. A descrição então
não é feita por soma de traços e sim pela dialética de um drama, de um conflito. Cada posição
planetária, cada traço caracterológico corresponde a uma equação que descreve um conflito. Mas
a palavra conflito não precisa ser usada com sentido belicoso: se refere apenas a um modo de
relacionamento do indivíduo com o seu passado, seu futuro, as pessoas que o cercam, a história
em que se encontra. Entretanto, nunca existe um acordo completo entre essas circunstâncias e
nem um desacordo completo: a fórmula de maior ou menor acordo em cada uma dessas direções
é quem vai dar a chave da descrição.
Se queremos saber qual é o tipo intuitivo do indivíduo, os elementos são: a faculdade da intuição
e a direção da atenção, ou seja, uma seleção que ele opera em todo o mundo vital ao seu redor e
dentro de si. As doze casas astrológicas são, assim, as doze direções da atenção - para dentro ou
para fora - , doze maneiras de olhar o mundo, doze maneiras de olhar-se. E é por onde a atenção
sai que ela volta. Em suma: de um lado, a faculdade; de outro, a direção da atenção; e, de outro,
os dados que vêm de fora e que nada têm a ver com o horóscopo, tais como meio social, valores,
educação e etc. Mas, para descrevermos um outro traço de caráter - como a inteligência racional,
por exemplo - temos que mudar apenas um desses elementos - a faculdade - e ver toda a alteração
que isso causaria na disposição dos personagens daquele drama. Sendo assim, a descrição é
bastante complexa e nunca poderá ser reduzida a uma soma de caracteres assinalados por
adjetivos, por uma simplificação mnemônica ( fórmulas, abreviaturas e etc ). Os nomes
encontrados para os tipos são puramente convencionais, não devem ser tomados como descrições
de um indivíduo. Por exemplo, se dizemos que um indivíduo com Sol na Casa I tem uma
inteligência intuitiva autônoma, isso não quer dizer que ele seja autônomo ( decisões, profissões )
e sim que esta é a forma da sua inteligência intuitiva. Além do quê, o indivíduo não é apenas a
sua inteligência intuitiva e seria impossível reduzir essa caracterologia a rótulos, a adjetivos
identificadores de comportamento.
A descrição que vamos iniciar não será feita por somatória de adjetivos mas sim por um jogo de
forças, por uma somatória de todos os jogos de forças existentes. Nenhuma posição planetária
jamais corresponde a qualquer comportamento identificado, ou seja, se nós pegarmos várias
pessoas com a mesma posição planetária, será em vão que procuremos constantes de
comportamento em comum. O fato de um sujeito ter Saturno na Casa VII e um outro também,
não indica similaridade de comportamento mas sim similaridade de motivos íntimos, havendo
portanto vários comportamentos diferentes sob mesmas circunstâncias. Entretanto, quando
perguntamos com é que eles justificam seus comportamentos, É NESSA JUSTIFICATIVA QUE
ENCONTRAMOS A COMUNIDADE DOS TRAÇOS CARACTEROLÓGICOS. Por isso, não
há relação direta entre posição planetária e comportamento: essa relação é indireta, através dos
motivos. Esses, por sua vez, são de composição dupla pois também não advêm diretamente de
uma posição planetária, mas de uma posição planetária acrescida de valores adquiridos. Sendo
assim, a posição planetária é a constante cognitiva no indivíduo. Ela processa os dados do mundo
exterior, recebidos através daquela casa e daquela função e, por isso, temos que calcular uma
resultante dos valores adquiridos somados ao da posição planetária. Essa resultante será o valor
introjetado, que é diferente do valor recebido. Esse valor introjetado, por sua vez, produzirá
comportamentos que são diferentes em situações diferentes. O valor adquirido é, assim, a
resultante de certa perspectiva cognitiva do indivíduo acrescida do valor recebido. Este valor
introjetado - do qual a posição planetária é um dos componentes - será, por sua vez, a chave de
outros comportamentos futuros em outras situações. Para chegarmos desde fora até a
compreensão da posição planetária do indivíduo nós precisamos conhecer a situação em que ele
age agora, os valores recebidos anteriormente e qual foi o valor introjetado - se não
reconstruirmos toda essa cadeia causal não dará para saber qual é o papel que, no conjunto da
personalidade, desempenha a posição planetária.
Aquilo que não representa para você uma possibilidade de ação compreensível, você nem capta
no outro. Isso representa um limite de nossa compreensão, porque quanto menos possibilidades
diferentes você reconheça em você mesmo, tanto menos você poderá compreender o outro. Para
chegar a fazer interpretação de todo esse círculo de possibilidades de comportamentos diferentes
é necessário saber, dentro de você, onde está o germe de cada um deles. A maioria de nós nunca
teve Saturno na Sétima; porém, sem ter tido, pode ter vivido e introjetado valores similares a
alguém que tenha. Mas, tendo recebido valores similares acaba, por sua vez, introjetando valores
diferentes pois, tendo um traço caracterológico diferente, processa isso de uma maneira diversa.
É somente sabendo o nosso que poderemos medir a diferença que temos com relação aos outros
indivíduos.
Saturno nos dá uma indicação sobre o processo racional do indivíduo. A razão é definida, aqui,
como a faculdade do sistema, a faculdade do todo, a faculdade totalizante, aquela que
"harmoniza" toda a experiência do sujeito e que constrói uma visão que parece coerente para ele.
A Casa onde está Saturno é a Casa onde o indivíduo fará questão de processar todos os dados
recebidos, julgá-los e colocá-los dentro de um todo conscientemente admitido. A introjeção de
valores na Casa de Saturno sempre será consciente porque ela é problemática, ou seja: um órgão
que dói você reconhece, toma consciência, e o que não dói você nem percebe. Como o processo
racional é um processo sempre crítico, então, os dados recebidos na casa onde está Saturno
sempre chegam ao seu conhecimento consciente. Entre vários indivíduos que têm Saturno na
Casa Sete, o traço comum que existe em todos eles não é de natureza comportamental mas sim
cognitiva. Este traço cognitivo está por detrás do comportamento e não aparece à plena luz do dia
como esse. Por exemplo: um indivíduo pode ser extremamente delicado no seu trato social por ter
Saturno na Sétima Casa e um outro pode ser um grosseirão pelo mesmo motivo. Isso quer dizer
que podemos desistir de encontrar esses traços óbvios. O tipo cognitivo a que ele pertence é um
dos componentes do comportamento e este pode ser a chave explicativa do comportamento - mas
não é o comportamento. Os dados que o indivíduo recebe naquela Casa (direção, categoria) são
problematizados porque o seu Saturno está lá. Podemos, então, dividir as pessoas em dois tipos:
as que têm mais e as que têm menos inteligência racional. Só que isto não é um dado que
encontramos no mapa . Se temos dois indivíduos com Saturno na Casa Sete com o mesmo
problema, um deles pode resolver rápido o assunto e o outro pode demorar mais para fazer a
comparação entre ele e os outros, que é o tema da Casa em questão. Na Sétima Casa o indivíduo
faz um par de pares: aqui tem eu, ali tem ele; aqui tem meu comportamento, ali tem o dele; aqui
tem o valor do meu comportamento, lá está o valor do comportamento dele; o que ele fez é mal, o
que eu fiz é bom, e vice-versa. Já com o Sol na Casa Sete essa operação é instantânea. Ela não é
problemática. Ela é feita intuitivamente, ou seja, capta todo o sistema de proporções que existe
entre o próprio comportamento e o comportamento dos outros intuitivamente. Porém, ele capta
isso só no instante em que a coisa está acontecendo e não tira conclusões. Isso significa que
aquilo que ele captou num momento não determinará o seu comportamento em outros, ou seja, a
cada momento ele captará de modo instantâneo a proporção e a comparação entre ele e o outro e
produzirá um novo comportamento adequado àquela situação em particular. Mas com Saturno na
Sétima acontece que, cada vez que fizer a comparação entre o próprio pensamento e o do outro,
ele vai querer extrair daí uma lei, uma regra aplicada à explicação do seu comportamento anterior
e ao planejamento de seus comportamentos posteriores. Portanto, ele deseja extrair mais da
experiência do que o indivíduo que tem, aí, o Sol.
A Casa Sete é a informação comparativa entre o eu e o outro, ou seja, a comparação que se faz
entre si e as outras pessoas, entre os outros com os outros - é a equivalência. Essa bilateralidade
existe em todas as pessoas, mas a maneira de fazer essa comparação por um indivíduo com Sol
na Sétima e por aquele com Saturno na Sétima é completamente diferente. Com o Sol na Sétima,
ele capta essa relação com o outro instantaneamente; porém, capta somente aquela que está em
jogo na situação vivida no momento, capta essa bilateralidade do momento, age em função dela e
a esquece. Se vive uma situação é como se a primeira não tivesse existido: capta de novo um
outro padrão de bilateralidade que só existe naquele momento, compreende aquilo naquele
momento, e desenvolve uma atuação adequada naquela situação em particular. Porém, com
Saturno na Sétima cada situação de bilateralidade não é vivida como única mas sim como
amostra de uma regra geral, ou seja: o indivíduo pretende extrair dela uma conclusão que
fundamente uma regra geral com a qual possa avaliar todo o seu comportamento anterior e o
comportamento seguinte. Para o indivíduo com o Sol na Casa Sete as situações de bilateralidade
efetivamente vividas tem como única finalidade a adequação do indivíduo a essas mesmas
situações; já com Saturno na Casa Sete cada uma das situações é vivida como amostra e exemplo
de algo que deveria ser uma regra geral, ou seja, cada situação é um novo padrão de avaliação de
todas as relações do indivíduo. É justamente aí que nós vamos encontrar a semelhança entre os
indivíduos que tem Saturno na Sétima: não no comportamento, mas na operação cognitiva que
eles fazem. Ou seja: apenas quando procurarmos explicar os motivos deste comportamento é que
encontraremos a comunidade de traços astrocaracterológicos, e se compararmos dois
comportamentos com dois motivos. Pode ser que um dia a similaridade cognitiva se denuncie em
um comportamento igual entre dois sujeitos que tenham a mesma posição planetária mas, às
vezes, não se denuncia, e seus comportamentos continuam a ser diferentes, apenas o MOTIVO
sendo sempre igual. Há também a possibilidade de que o indivíduo aprenda tanto sobre aquela
Casa que o comportamento dele acabe ficando enormemente diversificado e bastante parecido
com alguém que tenha o Sol na Sétima; porém, isso ocorre somente na vida adulta e somente
depois de muita experiência acumulada. Podemos supor também que no início da vida as reações
às situações de bilateralidade do sujeito com Saturno na Sétima sejam reações mais duras e
canhestras porque, na falta de experiência, poucas conclusões se podem tirar. Isto quer dizer que
o indivíduo revelará uma insegurança e uma hesitação não de comportamento mas de natureza
intelectual, ou seja, uma incerteza quanto à maneira de julgar tais ou quais situações. Essa
incerteza poderá ser agravada ao longo do tempo, ou poderá diminuir.
Essa noção da bilateralidade é a noção fundamental em dois setores do conhecimento: moral e
direito. Existe uma bilateralidade de deveres e direitos tanto no sentido da moral como no sentido
jurídico. A diferença da moral jurídica reside no fato de que o setor jurídico contém uma
obrigatoriedade imposta pelo poder do Estado, enquanto na moral pura e simples não podemos
prender o indivíduo por um comportamento que nos pareça imoral - a não ser que, além de
imoral, esse comportamento também seja ilegal. Ou seja: se é imoral mas não é ilegal, nada
podemos fazer. Se a Casa Sete é a Casa dos julgamentos morais e dos juízos, isso quer dizer que
nós podemos compreender um pouco mais dos processos cognitivos dessa Casa com referência a
essas duas disciplinas. Sendo assim, o indivíduo com Saturno na Casa Sete usa cada situação
como se fosse um dado a mais numa imensa explicação moral e jurídica que ocupa uma boa parte
de seu tempo; ele tenta criar um código moral e jurídico para suas relações humanas. Com o Sol
na Sétima o indivíduo não tenta criar esse código e nem mesmo precisa sabê-lo: ele procura
apenas se manter dentro do código existente. Cada situação implica num código moral e jurídico
próprio, porém a diferenca que existe entre Sol e Saturno na Casa Sete é a mesma diferença que
existe entre você inventar as regras de um jogo ou jogá-lo bem: quando alguém joga bem, na hora
em que está jogando, não se lembra das regras. O conjunto de regras morais e jurídicas da
sociedade ou do sujeito é um jogo que o indivíduo com o Sol na Sétima procurará jogar o melhor
possível, e que o indivíduo com Saturno na Sétima procurará codificar para ter certeza de que os
lances seguintes já estão previstos. Dá para entender que tanto um quanto outro desses traços
pode se expressar numa variedade enorme de comportamentos e, se procurarmos explicar o
porquê deles, encontraremos essa motivação no fundo.
Estudemos, por exemplo, determinado traço de comportamento: o indivíduo afetado. Trata- se de
uma pessoa que procura mostrar exageradamente uma qualidade ou um defeito que não tem,
expressando-os de uma maneira estilizada. Na medida que enfatiza demais, percebemos que ele
tenta chamar a atenção sobre si mesmo, como, por exemplo, quando fala de seus defeitos, quando
fala da sua própria burrice e vai além de toda burrice já realizada. Seja um indivíduo com Saturno
na Casa Sete ou na Um, como é que poderemos distinguir? Pelo MOTIVO. E qual seria o motivo
do indivíduo? Qual é a diferença básica de motivo existente entre Saturno na Casa Sete e na Casa
Um? A pergunta é: por que o indivíduo exagera um traço dele ( que pode até ser negativo ),
estilizando-o e fazendo questão de mostrá-lo? O indivíduo com Saturno na Casa Um representa
para si mesmo; já o que tem Saturno na Casa Sete procura se mostrar desse jeito para ver qual é a
reação do outro, ou seja, representa para o outro para conhecer a reação do outro.
Há um setor da vida em que o indivíduo tem uma incerteza ( uma espécie de buraco negro ) e,
então, ele tenta representar um papel para ver no que dá, mas, ao mesmo tempo, como isso é feito
sem nenhuma consciência, o experimento científico pode resultar em pouco ou nenhum proveito.
O impulso que move o indivíduo a agir assim é fundamentalmente de natureza cognitiva, embora
haja o fundo emocional também. Mas por que o indivíduo quer conhecer? É lógico que é porque
o que ele não conhece nele, ele teme, e porque o que ele não conhece no outro, ele teme também.
É bom lembrar, entretanto, que o temor ou a falta de temor não são traços caracterológicos.
Sendo assim, cada um desses traços só é descritível como um processo, como um drama. Esse
comportamento do indivíduo que age afetadamente para se mostrar assim ou assado - para si
mesmo ou para os outros - é um processo bastante complexo e não pode ser dito um
comportamento constante. O comportamento pode ser abandonado amanhã ou depois, trocado
por um procedimento qualquer como, por exemplo, por um afastamento, pela busca da distância
entre si e os demais. Por quê? Com Saturno na Primeira, para observar-se; com Saturno na
Sétima, para observar as pessoas. Vejam: o comportamento será exatamente o mesmo. Como
diferenciamos? Verificando se esta explicação encontrada se aplica também a outras condutas do
indivíduo ou não. Se a motivação que está por trás é de desenvolver para si e perante si mesmo
uma imagem coerente e se esta explicação funciona para uma infinidade de comportamentos do
indivíduo, então é Saturno na Primeira; mas se a motivação é conhecer o que os outros pensam
ou que normas os outros seguem para poder enfim se adequar ou, inversamente, para poder julgar
as pessoas, e se percebemos que esta motivação é constante em vários comportamentos, então é
Saturno na Sétima. Ou seja: encontraremos as diferenças não a nível dos comportamentos mas
sim a nível dos motivos - e motivos de ordem cognitiva. Se nós vimos que o mesmo
comportamento pode aparecer tanto no indivíduo que tem Saturno na Casa Um quanto na Casa
Sete, por analogia poderíamos dizer que o mesmo comportamento poderia aparecer entre
indivíduos com o Sol na Sétima e na Primeira. A marca característica do indivíduo que tem o Sol
na Sétima é a rapidez com que ele intelige as situações de bilateralidade, ou seja, na base do
improviso; do mesmo modo, a marca característica do indivíduo que tem o Sol na Primeira é a
rapidez com que intelige o papel que ele mesmo representa perante ele mesmo. Esses dois traços
podem facilmente resultar em comportamentos similares, tais como uma certa desenvoltura
social, uma certa espontaneidade e etc; porém, essa espontaneidade teria um fundamento
cognitivo diferente: a desenvoltura do indivíduo que tem Sol na Sétima é uma desenvoltura que o
encaixa facilmente na expectativa alheia enquanto a desenvoltura do indivíduo que tem Sol na
Primeira é uma desenvoltura de quem não precisa ter prestado atenção num outro qualquer. Ou
seja: são modos de desenvoltura qualitativamente diferentes. A desenvoltura de um Sol na Sétima
só pode ser a do indivíduo que se move facilmente num meio social que ele compreende;
portanto, é sempre uma desenvoltura harmônica com o ambiente. A desenvoltura do indivíduo
que tem o Sol na Primeira é uma desenvoltura mais espontânea ainda: é a desenvoltura de um
bebê que ignora a situação onde está e age como se fosse o centro.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 52 - FITAS 2 E 3 10MAI91

A ausência de planetas numa casa nada significa, assim como a ausência de uma palavra num
texto não poderia ser interpretada. Se bem que a última moda em estudos literários seja você
pegar os manuscritos e ver precisamente as palavras que foram eliminadas. Isto é a última moda:
a obra não-escrita, a obra recusada. Não precisa nem dizer que, na minha modesta opinião, isso aí
é demência. Isso aí não quer dizer absolutamente nada - tal como os planetas ausentes. Portanto,
fiquem sabendo que não ter planetas em determinada casa significa que as perguntas referentes a
esta casa não são motivos determinantes da sua conduta: as suas ações, neste setor, são
determinadas por motivos de outra casa. Se você tiver outros planetas diferentes nesta mesma
casa, então, esta casa, este tipo de assunto é determinante no seu comportamento - mas por outras
vias. Por exemplo: se você tem a lua ou vênus na Casa VII, não se trata mais de você conseguir
captar aquilo para se orientar, para você enxergar, mas trata-se de uma reação mais diretamente
valorativa, ou seja, gostar ou não gostar, desejar, temer e etc. Mas isto é mais complicado.
Bem, espero que vocês tenham entendido que a similaridade e a diferença não se dá ao nível da
conduta mas ao nível da explicação da conduta, da explicação motivacional da conduta. Vejamos
outro exemplo.
Os livros de astrologia sempre assinalaram a existência de dois tipos polares, ou melhor,
polarmente opostos de Saturno na Casa X, que são o do trabalhador ambicioso e o do vagabundo
marginal. Eles assinalam essa diferença mas o que eles não explicam é como é que a mesma
coisa pode causar resultados tão diferentes, como é que comportamentos tão diferentes podem
resultar do mesmo fator planetário. Mas nós podemos achar essa resposta na medida em que
entendemos que os fatores planetários nada tem a ver com a conduta, exceto muito indiretamente,
e que o fator planetário é um dos componentes da motivação que, por sua vez, é um dos
componentes da conduta. Em suma: nós entendemos que o segredo do acerto na astrologia é
limitar o seu alcance. Na realidade, o astrólogo deve falar do que é acessível ao estudo
astrológico e ficar quieto quanto ao resto. Ou seja: não podemos, por uma posição planetária,
prever a conduta, exceto um leque de condutas possíveis, entre as quais alguma que é o próprio
exemplo fornecido.
Isto é a mesma coisa que dizer que, sabendo que o indivíduo tem Saturno na Casa X - e se eu
quizer dar uma interpretação ao nível da conduta - que ele será trabalhador ou preguiçoso, ou
talvez nem uma coisa e nem outra, e talvez até mais ou menos. Sendo assim, fechamos a lógica
"abolística": tem o sim, o não, o sim-e-não e o nem-sim-nem-não. Ao nível da conduta, todas as
predições astrológicas serão exatamente assim mas, ao nível da EXPLICAçãO DA CONDUTA,
não: o negócio muda. Aí é o contrário: encontramos uma unidade, uma univocidade do motivo. O
motivo que leva um indivíduo com Saturno na Casa X a ser um trabalhador ambicioso é
exatamente o mesmo que faz com que um outro indivíduo com Saturno na Casa X seja um
vagabundo, um marginal. Mas qual é o motivo?
O motivo é que a estrutura da sociedade humana, a ordem das instituições nas quais ele deverá se
encaixar no curso da sua vida lhe parece muito complicada. Isto porque não basta para ele - o que
já ocorre com o indivíduo de Sol na Casa Dez - se encaixar harmoniosamente na situação do
momento. A Casa Dez, sobretudo, é a hierarquia social; já não é a bilateralidade, a relação cara-a-
cara, mas a relação de autoridade e poder. E o poder no seu sentido mais amplo e não no sentido
somente institucional como, por exemplo, a relação entre um indivíduo que tem mais força de
vontade e o que tem menos. Neste mundo da estrutura do poderio social, o indivíduo com Sol na
Casa Dez se limita a jogar bem o jogo; a cada momento ele capta a situação de quem manda e de
quem obedece aqui e agora, não tirando conclusão alguma. Por quê? Porque uma outra situação
pode ser completamente diferente, e as regras aprendidas na experiência anterior nada
significarão. Mas, para o indivíduo com Saturno na X, não: cada experiência que ele tenha com
relação ao mundo do poder pode e deve servir para ele de amostra de uma regra geral, de uma lei
sociológica. Assim como a Casa Sete é a Casa da moral e do direito, a Casa Dez é a Casa da
sociologia e da política, da história.
Então, em última análise, o sujeito que tem Saturno na Décima está permanentemente tentanto
abstrair leis políticas, ou seja, as leis do poder. Se ele obtém sucesso nos primeiros passos, ele se
tornará um sujeito trabalhador e ambicioso porque ele desejará subir dentro de uma escala que ele
compreendeu; mas, se a experiência em questão se complicou muito, ficou muito difícil e não
está se entendendo nada, ele pode ou se esforçar mais um pouco ou sentir aquele imenso peso da
dificuldade e voltar pra trás, concluindo que o melhor é ficar fora disso aí. Ou seja: o motivo que
levou o indivíduo a lutar pela ascensão social ou abdicar dela é exatamente o mesmo. Ao nível da
motivação, existe unidade de interpretação de Saturno na Décima; ao nível da conduta, nada se
pode dizer, a não ser que o indivíduo será trabalhador ou preguiçoso.
Estão entendendo como esse negócio de descrição das posições planetárias é um negócio que tem
de ser feito com extrema delicadeza? Também é bom entender que não é legítimo dar
interpretações de tipo emocional ou energético quando se tratar de Saturno ou Sol. Eles exigem
uma interpretação puramente intelectual, propriamente cognitiva. É claro que isto influencia na
parte emocional. Mas influenciar é uma coisa e se identificar com ela é outra completamente
diferente. Também é claro que, sem se considerar a faixa da compreensão que equivale a Sol e
Saturno, o que sobra é grego. A regra aúrea da interpretação é não procurar o perfil nos
comportamentos e nem nos adjetivos descritivos mas nos fundamentos motivacionais do
comportamento.
Esses fundamentos são de três tipos:
1) intelectuais;
2) volitivos;
3) afetivos.
Entretanto, devemo-nos lembrar de outras regras que foram dadas inclusive no começo do curso,
ainda mais aquela em que concluímos que cada posição planetária teria de poder ser interpretada
isoladamente das outras - o que não quer dizer que, no comportamento, todas elas não vão
aparecer juntas. É lógico que vão! Assim como no bolo que você faz tem farinha e ovo, tudo
junto, antes disso todos eles eram isoladamente o que eram: farinha e ovo. Estes traços cognitivos
que nós estamos associando a presença de Sol e Saturno nas Casas Cardinais são reais
independentemente da posição de outros planetas, apenas o comportamento concreto e real do
sujeito é que vai resultar da mistura deles; mistura que implicará outros problemas. Mas não é
bem uma mistura: é uma resultante que aparece de uma combinação cujas regras veremos muito
mais tarde. Primeiro, estamos tentando compreender quais são esses elementos, e nada do que
viermos a aprender sobre outros elementos alterará uma única vírgula do que estamos dizendo
sobre eles - mas vai mudar a resultante, e não o elemento em si. A farinha, quando misturada ao
ovo, dá bolo; porém, neste bolo existem qualidades e propriedades que derivam da farinha e
outras que derivam do ovo, ou seja: mesmo na totalidade já concreta, toda misturada, as várias
qualidades são identificáveis separadamente e cada uma proveniente da sua própria fonte, sem
confusão. Afinal, não é a farinha que adoça o bolo... No momento em que você come o bolo,
você está comendo farinha, ovo e açúcar ao mesmo tempo; porém, se você examinar, verá que a
consistência vem da farinha e do fermento e que a doçura vem do açúcar - e não do ovo - e assim
por diante. Do mesmo modo, o comportamento de um indivíduo e cada ato seu é uma totalidade,
mas essa totalidade é compreensível como composta de elementos cujas fontes são distintas.
Então, no mesmo comportamento, existe um componente intelectual, outro volitivo e outro
afetivo, sendo as fontes desses componentes diferentes.
Por exemplo: se o indivíduo tem Saturno na Casa Dez e a Lua na Casa Sete; então, haverá um
componente intelectual neste comportamento que vem da Casa Dez e um componente afetivo que
vem da Casa Sete. Entretanto, esses componentes não se confundem, são perfeitamente
distinguíveis. Isto vocês verão mais tarde. Essa idéia holística de que tudo está em tudo não é
bem assim: tudo está em tudo, de fato - mas não de qualquer jeito. Tudo está em tudo, é certo,
mas NUMA RELAçãO PRECISA COM outras coisas. Por exemplo: se você coloca a farinha no
ovo, ela vai agir sobre este de uma certa maneira, que é diferente da maneira do ovo agir sobre o
açúcar. Isto quer dizer que, mesmo na totalidade composta, a estrutura é discernível, isto é, a
relação entre as várias partes é discernível. Desse modo, tudo fica perfeitamente arrumadinho. É
isto que faz com que o bolo seja uma totalidade identificável porque, se todos os elementos
fossem misturados anarquicamente, não poderíamos discernir nem mesmo nenhuma qualidade.
Isto é o que ocorre, por exemplo, com o corpo humano: ele é uma totalidade. Notem, entretanto,
que ele é chamado de organismo, e isto porque ele é uma totalidade organizada, onde cada parte
desempenha a sua função e tem uma relação muito precisa com as outras partes; relações, estas,
que não se confundem pois, se confundirem-se, o organismo entra em colapso. O que ocorre, por
exemplo, se penetrar uma quantidade de ar no coração? O indivíduo morre, é lógico. Isto quer
dizer que a relação da circulação com a respiração é uma relação precisa, que não é de forma
alguma trocável por outra relação - por isso, nada de pastiche, nada de confusão! No estudo do
comportamento humano, há mais necessidade ainda de tomar cuidado para que esses elementos
não se confundam.
Voltemos ao Sol e Saturno. Eles são os elementos intelectuais da motivação que, por sua vez, é
um dos elementos da conduta. Vimos que condutas diferentes podem ser explicadas pela mesma
motivação; porém, é a mesma motivação inserida em situações existenciais diferentes. Pelo
mapa, não podemos saber se o ambiente no qual o indivíduo desenrolou a sua vida foi propício
ou não, e se facilitou ou não a alteração daquelas faculdades - e é por isso mesmo que indivíduos
com mapas semelhantes podem ter destinos completamente diferentes. É claro que se estudarmos
todos os trânsitos, veremos que há um certo sincronismo entre eles; porém, é um sincronismo
simplesmente temporal - qualitativamente, as vidas serão completamente diferentes. Com isso,
entendemos que o indivíduo com o Sol na Décima se adapta intantaneamente e
momentaneamente - isto é, provisoriamente - a situações de Casa Dez, isto é, a situações onde
seja identificado uma situação de poder, que é muito diferente de uma relação de bilateralidade.
Mas... o que é o poder? Poder é um conceito-chave de todas as ciências humanas, tanto das
ciências sociais quanto da psicologia. Poder significa o livre exercício da vontade. Poder significa
fazer o que quer, quando quer e como quer. Vocês poderiam dizer: " isto aí não existe! " Porém,
esta é apenas a essência intemporal do poder. Todo poder que existe é limitado, a não ser que seja
um poder absoluto. Mas o " poder absoluto " nós concebemos como existente em Deus, isto é,
como um ser que seja absoluto e que tenha poder absoluto. Por isso, o fato do poder ser mais
limitado ou menos limitado não muda a sua essência: ele é sempre o livre exercício da vontade.
Ora, a primeira coisa que limita a nossa vontade é a vontade mesma. Então, precisando um pouco
mais a noção de poder, diríamos que " o poder é a capacidade de fazer com que os outros
cumpram a nossa vontade ". Isso significa que, se as relações de casa Sete - as relações morais e
jurídicas - são sempre vistas como bilaterais, as relações de poder não o são; na verdade, são
unilaterais. Um ato de poder desencadeia uma linha de causas que prosseguem numa direção só, e
que idealmente não tem retorno: se mando alguém fazer algo, isto não significa que um outro vai
me mandar fazer a mesma coisa. Esta linha de Casa Um - Casa Sete é a linha da bilateralidade.
Entretanto, as relações de poder não são bilaterais. É evidente que a maneira de conhecê-las
também não é a mesma das relações bilaterais; portanto, essa linha de Casa Quatro - Casa Dez
surge como determinante do comportamento, sendo entretanto esta completamente diferente da
de Casa Sete.
É claro que Casa VII todos temos, já que as doze casas representam as direções da atenção,
portanto direções da atuação humana. Todo mundo atua nas doze casas: basta existir para você
estar colocado no espaço e no tempo, e poder ser representado por um círculo de relações
possíveis. Porém, se não há planetas na Casa VII ou na I isto significa que esta linha não
representa motivação direta pro indivíduo,e o que ele fizer com relação ao tema destas será
determinado por outras motivações. Ou seja: o contato dele com este setor é valorizado
indiretamente. Isto significa que, para um indivíduo que tenha planetas na Casa VII, a imagem
que ele transmite para os outros no seu ambiente imediato é um dado fundamental do seu
comportamento enquanto que, para um indivíduo que não tenha nenhum planeta aí localizado,
esse dado é secundário. Por isso, se não houver planetas na Casa Sete e sim na Casa Dez, o
fundamental não será as relações bilaterais e sim as relações de poder.
Ora, as relações de poder repercutem sobre as relações bilaterais. Mais concretamente, vamos
supor o seguinte: se minha vida está se desenrolando em termos de Casa VII, eu vou querer saber
o que você acha de mim para poder adequar o meu comportamento ao seu, ou o seu ao meu;
entretanto, se tratar-se de Casa IV ou X, será o contrário, isto é, os outros serão instrumentos ou
de exercício ou de padecimento do poder - Casa X - ou do atendimento de desejos - Casa IV -,
sendo que nenhum desses implicará em bilateralidade. Ou seja: aquele que atende um desejo
meu, não necessariamente tem de receber algo em troca - aliás, é o contrário. Notem que pai e
mãe vivem atendendo os desejos da criança e esta não diz nem obrigado. Aliás, nem se espera
que ela diga obrigado. Do mesmo modo, o indivíduo que se sente carente de algo, fraco,
pequenininho e desamparado deseja receber algo, uma ajuda ou um socorro, um conselho que
precisamente não implique bilateralidade alguma pois deseja receber de graça. Este desejar
receber ou dar de graça é Casa IV. Ela implica em relações de desejo, que são contrários e
complementares as relações de poder e que, ao mesmo tempo, são semelhantes a ela por não
serem bilaterais e sim unilaterais, apesar de ainda assim serem diferentes. E isto porque o poder é
o livre exercício da liberdade própria, ou a imposição da vontade alheia à minha; portanto, ele
implica essa noção de coerção. Poder sem meios de coerção é um poder inconcebível. Se eu
monto num cavalo, teoricamente eu tenho poder sobre ele mas, se eu não tenho meios de castigá-
lo caso ele não ande para onde eu desejo, então não tenho poder algum.
As relações pautadas no desejo também podem ser coercitivas, mas não ostensivamente. Eu
posso forçar uma pessoa a atender um desejo meu - mas forçar mediante o quê? Mediante
persuasão sutil, chantagem emocional; mediante uma espécie de anzol que eu jogo dentro da
alma dela e faço ela desejar o que eu desejo. Percebam a diferença que existe entre o que é uma
relação de poder e uma relação de desejo: para que eu faça o cavalo me obedecer, é indiferente
que o cavalo goste disso ou não; mas se eu for capaz de fazer ele gostar - quando lhe dou um
torrão de açúcar toda vez que ele fizer o que eu quis - então eu exerci o poder através do desejo
dele. Mas, se eu uso simplesmente um chicote, estou pouco ligando para o desejo dele. Na
realidade, estou usando o contrário do desejo, que é o temor. O poder em si mesmo é
independente do desejo porque ele pode ser atendido mediante o desejo ou mediante o temor;
porém, a relação pura de desejo não necessita ser atendida por temor: a pessoa simplesmente
deseja que um outro deseje atendê-la. Sendo assim, ela pode exercer uma coerção ou um poder.
Mas tem que ser um poder disfarçado em amor, simpatia ou atração - muito mais em atração,
diríamos. O poder está presente na questão do desejo, porém sempre de modo indireto e
disfarçado, não podendo ser ostensivo. Vejamos, por exemplo, que poder tem um bebê: nenhum.
Você pode jogá-lo pela janela. Entretanto, como é que ele consegue impor o que ele quer? Pois
este é um poder típico de Casa IV: é o poder de fazer você querer atender um pedido, o poder de
criar um desejo em você.
Veja que, a cada momento, assim como temos uma relação conosco mesmo, isto é, uma auto-
imagem que está em mudança - Casa I - e um conjunto de relações bilaterais - Casa VII -
,também temos uma avaliação do nosso poder de coerção ou de outro sobre nós, e do nosso poder
de atração. Nós sempre contamos com isso. Entretanto, a quase totalidade das condutas dos
indivíduos do Eixo IV - X será determinada por motivos ligados a avaliação do seu poder de
coerção ativo ou passivo, isto é, do seu poder exercido ou padecido, e do seu poder de atração
exercido ou padecido - e não pelo julgamento que faz sobre a auto-imagem ou a bilateralidade.
Além do quê, esse julgamento que faz sobre o seu poder de coerção e de atração será diferente
conforme a presença ou do Sol ou de Saturno.
Se o indivíduo tem o sol na Casa IV, isso significa que ele tem instantaneamente, intuitivamente
e sem dificuldades uma visão de qual é a atração exercida ou padecida. Quando a atração
exercida falha, ou quando a atração padecida é rejeitada, nós temos uma substituição da relação
de desejo por uma relação de temor. O temor é uma introdução indesejada do elemento de poder
coercitivo nas relações de desejo. E isso é uma regra. Vou detalhar: o indivíduo com Sol na IV
tem o conhecimento instantâneo e intuitivo da atração exercida e padecida a cada momento. É
como se disséssemos que ele sabe o quanto consegue atrair os outros para fazerem o que ele
deseja, ou seja, para que os outros o tornem feliz, atendendo o seu desejo, e o quanto que os
outros o atraem para que realize o desejo destes, tornando-os felizes. Porém, esta relação só dá
certo se o outro responde na mesma medida. Entretanto, se o indivíduo sobre o qual eu exerço
uma atração rejeita essa relação,muito embora padeça dela, ele não quer de modo algum que essa
atração determine a sua conduta. Por exemplo: o bebê está chorando e, com isto, faz a sua mãe
querer lhe dar mamadeira. Porém, a mãe pode estar pensando em outra coisa e fechar a porta a
esse apelo, ou melhor, gritar ou reagir com indiferença. O que foi que aconteceu aí? Entrou um
elemento de poder coercitivo, isto é, a criança apelou num determinado plano e foi respondida em
outro. Isto chama-se temor. O temor é quando a relação do apelo do desejo é respondido no nível
do poder coercitivo - é isto e somente isto. Do mesmo modo, a relação de poder pode ser
atenuada pela introdução do elemento desejo, como, por exemplo, quando um homem, que tem
poder formal sobre outro, transmite uma ordem e este outro, pressionado, chora, põe o rabo entre
as pernas e dá um sorrisinho para se disfarçar de simpático - o que atenua a relação de poder
coercitivo, passando então esta relação para a esfera do desejo. Quando se tratar de Casa IV -
Casa X, sempre haverá esta espécie de jogo entre elas. Em contrapartida, o que o indivíduo que
tem Sol na X percebe instantaneamente é a quantidade, a dosagem e o equilíbrio dos poderes
coercitivos em jogo, ou seja,o quem manda e quem obedece, sendo que na mesmíssima medida a
sua percepção do elemento desejo não será tão clara.
Mas e se você tivesse Saturno na Casa IV? Ocorreria-lhe simplesmente a tentativa de codificar
num sistema compreensível as relações de desejo - o que daria um trabalho miserável, não? Essa
é particularmente uma posição infeliz: quanto tempo e quantas experiências infelizes o indivíduo
não precisará ter para conseguir descobrir alguma lei constante sobre a felicidade humana?
Muitos astrólogos dizem que as pessoas com esta posição são pessoas apegadas ao passado
enquanto outros dizem também que estas pessoas se separam frequentemente dos seus pais - mas,
se elas são apegadas ao passado, como é que se separam dos pais? Por quê? Pelo mesmíssimo
MOTIVO. O importante não é se eles se separam ou ficam juntos. O importante não é a conduta -
mas a motivação da conduta. Podemos dizer que o sujeito permanece apegado ao passado porque
ele pensa muito no asssunto. Onde você tem Saturno, você tem que pensar muito, senão não se
chega a conclusão alguma. Curiosamente, ao mesmo tempo, permanece afastado, porque a
atividade da razão é uma atividade crítica, ou seja, não é uma atividade que aproxime - a razão
não aproxima você do objeto conhecido mas, ao contrário, o distancia do objeto, reduzindo esse
objeto à espécie de um gênero, ou seja, a um exemplo dentro de um catálogo de casos
semelhantes e diferentes.
A relação intuitiva coloca o objeto diante de nós como uma coisa viva, presente e única; não é
uma amostra de outra coisa mas é tal como ela é em si mesma. A relação racional a aproxima das
semelhantes e a afasta das diferentes; portanto, a razão sempre vê uma coisa em função de sua
relação com todas as demais coisas, do seu lugar dentro do conjunto. Isto é a mesma coisa que
dizer que a intuição vê de perto o que a razão vê de longe. Por isso, o esforço de compreensão
racional das raízes da sua afetividade, dos mecanismos e processos do desejo - que é o processo
da felicidade e infelicidade - aproxima o indivíduo das suas origens como objeto de suas
preocupações. Ele pensa muito nessa questão e, por isso, se afasta dela qualitativamente, isto é,
procura vê-la e avaliá-la de longe. A intuição sempre tem essa aceitação do objeto como real em
si mesmo. Ela não discute. Ao passo que a razão faz exatamente o contrário: discute, relativiza o
objeto e o reduz a uma amostra. É facil você ver que, com base nessa mesma motivação de
Saturno na IV, o individuo pode permanecer grudado na saia da mãe até os oitenta anos ou pode
se afastar dela aos treze, pelo mesmo motivo. É evidente que a mãe, a origem, o lar será objeto de
pensamento dele porque, entre outras coisas, ele quer saber porque ele deseja aquilo que ele
deseja, isto é, porque ele deseja isto e não aquilo, já que outras pessoas desejam outras coisas.
Portanto, Saturno na Casa IV pressupõe uma desidentificação do indivíduo com seus próprios
desejos - mas desidentificação crítica. Porém, desidentificação não significa que ele deixe de
desejar pois não se deseja com a razão: a razão apenas opõe a inteligência ao desejo. O indivíduo
continua a desejar mas a sua inteligência, de certo modo, se opõe ao desejo para poder vê- lo de
longe e compreendê-lo racionalmente.Sendo assim, sempre existirá essa alternância para o
indivíduo: ser arrastado pela força irracional dos seus desejos ou fazer o esforço de compreender
e dominar os seus desejos racionalmente - eis a problemática de Saturno na IV.
Dificílima. A pessoa sofre. É um problema, quer dizer, um problema a ser resolvido, talvez, na
velhice. Talvez o sujeito precise da experiência de uma vida inteira para resolver isso. O Saturno
na Casa IV nos aproximará sempre dos problemas das origens e das causas do desejo. O
indivíduo sempre conviverá com o problema da memória, onde aparecerá melhor toda a
dimensão da HISTãRIA. O que é a História? É você compreender os motivos das ações antigas,
das ações passadas, que lhe são estranhas. Do mesmo modo, será também a Casa onde você
encontrará a Psicologia. Existe um certo número de disciplinas e ciências que são uma espécie de
ampliação de motivações humanas, ou melhor, de motivações intelectuais. Por exemplo: a moral
e o direito são uma ampliação do desejo humano de ordenar as suas relações com o próximo.
Entretanto, todo mundo tem isso e não somente os filósofos morais e os juristas; na realidade,
eles são apenas os sujeitos mais especializados no assunto e que formalmente, por ofício, se
dedicam a pensar sobre isso. De fato, todo mundo pensa sobre isso, pelo menos um pouquinho.
Espero que tudo isso que eu esteja falando sobre cada uma dessas posições planetárias seja
considerado como um exercício. Eu vou dar tudo isso desordenadamente e, depois, vocês vão
separar e fazer uma espécie de catálogo, como se fosse uma fichinha pra cada posição. Isso é
responsabilidade de vocês. Entretanto, isso não é para apenas uma única pessoa fazer - todo
mundo terá que participar. É isso aí que vai habilitá-los a uma leitura eficiente do mapa, mais
tarde.
Após esses exercícios, vamos apelar aos indivíduos que sejam amostras vivas dos casos
mencionados para que se coloquem. O ideal seria que um indivíduo com determinada posição
planetária, e que conhecesse um outro com a mesma posição, procurasse identificar as
semelhanças e as diferenças de comportamento entre eles para, por detrás dessas, identificar a
similaridade ou a unidade da motivação. Peguemos, por exemplo, uma dupla de pessoas que se
conheça. De certo modo, vocês terão que ser sinceros e simplórios. Evidentemente nós não
vamos fazer confissões - mas não queremos também explicações. Nós queremos descrições.
Você terá que descrever o outro. É certo que esse tipo de estudo sempre implicará em algumas
situações um pouco constrangedoras; porém, quem se mete nesse negócio de astrologia e
psicologia terá que perceber que se saiu na chuva foi para se molhar mesmo. É claro que nós não
vamos nos deleitar morbidamente com essa tarefa, nos constrangendo. Esses são os ossos do
ofício.
Que se apresentem as duas cobaias. Bem,vejo que tanto a Stella quanto o Joel tem Saturno na
Sete, muito embora não tenham o Sol no mesmo lugar. Procurem diferenças óbvias na sua
conduta com relação aos outros, isto é, aos seus iguais. Mas diferenças e semelhanças ãBVIAS.
Comece por você, Joel.
- Acho que até pelo mesmo motivo, ou seja, por ter Saturno na VII, a Stella tende a se aproximar
das pessoas para conhecê-las enquanto eu tendo a me afastar. Esta é uma diferença óbvia que
noto entre nós dois.
( Stella confirma ).
- Quem ouviu esse depoimento e os conhece concorda?
( A turma diz que não. Todos riem ).
- Vejam, eu não sei se perguntei uma bobagem, não sei. Mas uma coisa é fácil de observar: a
Stella é alguém mais pessoal e amigável do que o Joel. O Joel é mais formal. Isso é óbvio ou
não?
( Todos concordam ).
- Mas uma coisa que acontece a mim é que eu começo com uma relação pessoal que se torna, aos
poucos, formal; me parece que com o Joel ocorre o contrário.
( Joel concorda ).
- Entretanto, há uma outra coisa que eu reparo, e que é uma diferença entre os dois: a Stella,
quando se decepciona com uma pessoa, se decepciona profundamente. É o tipo Meu Mundo
Caiu. Se alguém falha na expectativa, cai tudo. Mas o Joel não é bem assim, quer dizer, ele
resiste mais às decepções, em parte porque o julgamento que faz das pessoas aparece um pouco
negativo ou mais negativo do que o normal. É como se ele já não esperasse muito da pessoa, a
ponto de se surpreender de uma maneira positiva com uma atitude alheia. Ou seja: o Joel se
surpreende positivamente e a Stella se surpreende negativamente. Mas isso ocorre em função de
uma expectativa, ou seja, o Joel tem uma expectativa baixa com relação às pessoas enquanto a
Stella tem uma expectativa extremamente alta. A que poderíamos, então, atribuir essa diferença
de expectativa se a posição de Saturno é igual?
- à posição da Lua.
( O restante da turma discorda ).
- Mas pode ser um motivo tanto de ordem astrológica quanto extra-astrológico. Porém, para saber
se é um ou se é outro, você deve verificar se a Lua ou se esse outro planeta que você está levando
em consideração está no mesmo eixo de casas ou se está em outro; se está em outro, não tem
nada a ver com a história. Mas eu acho que seja um motivo de ordem extra-astrológico, tal como
formação, família e etc.
- A minha biografia é bem mais doce do que a do Joel.
- Exato, Stella! É isso: o Joel já teve a "decepção" e formou a jurisprudência - ninguém presta.
Consolidou, assim, uma espécie de juízo: ninguém presta. E esta passa a ser uma regra.
- Enquanto a Stella, não - comenta a Sílvia - pois ela fez o contrário...
- Que nada - interrompe o Joel . Ela está se decepcionando agora!!
(Todos riem ).
- Vejam: a Stella está relutando em tirar essa conclusão. Entretanto, você percebe que o
julgamento do outro é uma coisa extremamente importante para os dois. Mas porque é que você
tem que chegar a uma conclusão se as pessoas prestam ou não prestam? Por que é que você não
pode passar a vida inteira sem saber disso? Ou seja: isto depende de você ter Saturno na VII ou
algum outro planeta aí que torne isto uma motivação importante para você. Eu posso lhe
assegurar o seguinte: eu, que não tenho Saturno na VII, antes dos trinta e cinco anos, nunca me
preocupei se uma pessoa era boa ou ruim. Sabe o que é isso ? Isso aí é o milésimo item do meu
programa. Entretanto, isso aí é fundamental para a orientação da conduta dos dois, ou seja, há
uma preocupação de ordem moral e jurídica no fundo. As condutas poderão ser muito diferentes
mas, no fundo, o problema que o sujeito estará tentanto responder será sempre o mesmo.
E o que ocorre com os indivíduos com o Sol na VII? O tema seria o mesmo, ou seja, o moral-
jurídico, mas qual seria a diferença fundamental? É claro que os indivíduos com o Sol na VII não
estão tão conscientes dessa motivação quanto os de Saturno na VII. Isso é óbvio. Por que, a quem
tem Saturno na VII, é só perguntar: aonde dói? Mas, onde não dói, onde o problema aparece
resolvido, é difícil de você perceber. O indivíduo com Sol na VII, para cada situação de vida,
concreta, percebe imediatamente se o outro é suficientemente bom ou mal para aquele momento
e, portanto, dificilmente ele meditará profundamente sobre a bondade ou a maldade dos
indivíduos que com ele convivem.
Percebam, por isso, a atitude de confiar e desconfiar. Para um indivíduo com Saturno na VII, isto
é um dos pilares da sua conduta, e qualquer postura que ele assuma sempre se revelará
inadequada. Por quê? Porque se o indivíduo faz como o Joel, que abaixa uma jurisprudência da
ordem do " ninguém presta ", haverá uma certa rigidez na avaliação do próximo. Os outros dirão
que esse sujeito é orgulhoso, ou coisas do tipo. Isto é o que a gente chama de inadequação
objetiva - e objetiva porque aparece fora. Mas pode ser uma inadequação subjetiva, no sentido de
que o sujeito percebe o erro de suas relações. Por outro lado, se não fechou a jurisprudência
ainda, está continuamente pensando se este merece ou não a sua confiança. Sendo assim, só tem
essas duas alternativas, e dá trabalho do mesmo modo: baixar sentenças desde o início ou deixar a
situação em aberto.
Deixem-me fazer uma outra pergunta: entre a Stella e o Joel, qual dos dois vocês acham que
comete mais injustiças? Percebam que, se você deixa o julgamento em aberto, você fica
baratinado - mas não comete injustiças. Ou seja: quem não sentenciou não pode cometer
injustiça. Se não houve sentença, isto é, se um processo ainda está em discussão, não pode haver
julgamento; e se não houve julgamento, não ocorreu justiça e nem injustiça. Por isso é que a
Stella está continuamente em dúvida sobre esse julgamento, continuamente com medo de se
equivocar, enquanto o Joel, do mesmo modo, tem medo de se equivocar sobre o julgamento
alheio pois, apesar de já ter baixado uma sentença, está incerto quanto ao julgamento que fez. Ele
está continuamente refletindo sobre o julgamento já feito.
Mas tudo isso me é facilmente explicável: o Joel é pai de família, tem um emprego e uma
situação definida e, assim, tem que ter uma conduta definida - não pode ter tanta coisa em aberto.
Isto é uma diferença de natureza social. Seria difícil ele poder sobreviver na vida civil se já não
tivesse chegado a uma conclusão mesmo que falsa a respeito das relações das pessoas para com
as outras. Ele não poderia continuar eternamente em dúvida pois isso seria lesivo para a sua vida
civil, ao passo que a Stella ainda mora com a mãe, é estudante e etc; pode ter um monte de coisas
ainda em aberto porque a situação social em que vive não exige que se feche o processo.
Entretanto, qualquer que seja a decisão que tome, sempre haverá uma outra chance, enquanto o
Joel tem apenas uma outra: a de descobrir que julgou errado. O Joel teve que se definir
prematuramente na vida por condições sociais e tudo isso obriga o sujeito a tomar uma atitude
com relação ao próprio Saturno. Eis, pois, uma diferença fundamental a se observar em pessoas
que tenham Saturno na mesma Casa: constatando em que estágio está o problema. Ainda está em
aberto, ainda existe aquela hesitação, aquela agonia de ficar pensando no sim e no não ou, ao
contrário, o indivíduo já procurou se safar, consolidando uma posição? Se ele já consolidou uma
posição, certamente vai errar. Por quê? Porque ninguém aos sete anos de idade pode fazer justiça.
É impossível. É como se fosse um sujeito obrigado a julgar os outros numa idade em que é
impossível julgar. Por outro lado, se ainda não consolidou, continua então incerto, o que é um
obstáculo à consolidação da sua posição na vida civil. Se consolidou, certamente fez injustiça; e
se não consolidou, continua em aberto, continua pressionando, existindo uma grave incerteza
quanto às relações que mantem com os outros, sendo esta incerteza um obstáculo à consolidação
da sua posição na vida civil. Esse indivíduo pode voltar atrás no seu julgamento mas isto daria
um trabalho miserável. Com o tempo, ele iria procurando uma adaptação prática mas certamente
não iria rever toda a sua jurisprudência de uma única vez porque senão iria cair novamente na
incerteza - o que não dá. Nào dá porque já tem inúmeros comprometimentos de ordem social.
Então, se eu fiz injustiça, que se dane a injustiça!!
Mas isso quer dizer que essa situação fica então como matéria para reflexão a ser realizada na
velhice? Eu acho que não. Eu acho que essas questões nunca tem solução porque este é o limite
da razão humana: qualquer solução que você achar sempre será provisória, vacilante - sempre.
Mas essa vacilação pode ser subjetiva ou objetiva. Subjetiva quer dizer: quando o sujeito se sente
vacilante. E objetiva quando, por dentro, ele não vacila mais, muito embora os efeitos das suas
ações sejam contraditórias. Isso é uma coisa que vocês observarão facilmente entre a Stella e o
Joel, ou seja, a ação da Stella é conscientemente mais vacilante do que a do Joel. Ela vacila, sabe
que vacila, está na incerteza e sabe que está numa tremenda confusão. Por quê? Porque não sabe
como julgar as pessoas: confia e não confia, aposta e deixa de apostar no outro. Isto é uma
vacilação subjetiva. Mas toda essa problemática nós não observamos no Joel, que age de uma
maneira mais firme; porém, os efeitos reais obtidos não são tão lógicos e coerentes quanto à ação.
E é isto que quer dizer uma vacilação objetiva. A Stella vacila no julgamento, sabe que vacila,
sente que vacila e portanto sofre subjetivamente a dificuldade de traçar uma conduta por causa da
dificuldade de julgar as pessoas; o Joel, como já baixou uma jurisprudência, não tem mais que
pensar nisso aí pois age coerentemente com a jurisprudência que baixou. Mas como o mundo é
muito mais complicado do que isso - pois as vezes as pessoas prestam - ele, o Joel, pode se
surpreender pois nem tudo ocorre da maneira que ele pensava. As consequências objetivas da
ação, de uma ação conduzida logicamente não são consequências lógicas porque a rigidez da
conduta se choca com a complexidade do mundo em torno. Já presenciei situações em que o Joel
agiu da maneira que considerou mais correta e impecável, enquanto o outro absolutamente irado
com a atitude tomada por ele. Ou seja: a sua conduta é lógica, porém rígida, deduzida
logicamente de um preceito já baixado de antemão.
As situações e as cabeças humanas são infinitamente variadas. Num caso, existe aquilo que
podemos chamar de uma incerteza subjetiva, que faz o indivíduo sofrer; e num outro, existe uma
vacilação, uma incerteza objetiva que, se causar sofrimento psicológico, causa desajustes sociais.
As ações da Stella são incoerentes também - só que ela sabe que são incoerentes. Ela vivencia
esta incoerência, isto é, existe uma demora no julgamento das pessoas, e é capaz de ficar anos
pensando: presta ou não presta? E não chega a se posicionar. Então, ela passará uma imagem da
vacilação dela. Já a ação do Joel, não; porém, os efeitos obtidos exteriormente podem ser tão
incoerentes e muito diferentes do que ele estava esperando. Você frequentemente verá ele
dizendo que agiu certo, muito embora alguém tenha ficado irado. No caso da Stella, existe um
sofrimento psicológico; no caso do Joel, existe um sofrimento sociológico, que se traduz depois
numa ineficácia da ação.
Qualquer que seja a posição de Saturno, essas duas alternativas sempre existirão: onde existe a
consolidação numa atitude, existirá essa vacilação e essa incoerência no externo, nas
consequências da ação; porém, onde não houve essa consolidação, onde não se fechou ainda a
sentença, existirá uma vacilação interna. Por exemplo, vamos perguntar aos dois: quando é que
você deve tratar uma pessoa como amiga e quando é que você deve tratá-la como cliente?
- Isso é um drama - diz Stella.
- Com certeza - diz Joel.
- Agora - sugere o Olavo - façam essa mesma pergunta às pessoas com Sol na Casa VII.
- Não consigo nem imaginar - diz o Edil.
- É claro! Você não sabe nem do quê nós estamos falando!
- Bem, até agora eu não entendi nada...- retorna o Edil.
( Todos riem ).
- Pois é: a casa onde você tem o Sol é a Casa onde você enxerga tudo mas é aonde você não se
enxerga. Isto não significa que esta posição indica a ausência total dos seus problemas, de jeito
nenhum. Na casa onde você tem o Sol, você enxerga um monte de coisas, mas não tem
consciência do seu ato cognitivo. Você não tem consciência de si. É como eu disse: onde não dói,
você não enxerga. Você se espanta: afinal, que raios de problema é esse, de não saber se deve
tratar uma pessoa como o próprio cliente ou como amigo? Para pessoas com Sol na VII, acho que
isso deve ser algo muito esquisito porque cada pessoa lhe tratou de um jeito, conforme o
momento, e elas nunca pararam para pensar nisso aí.
- Eu consigo entender isso - diz o Edil - como possibilidade, ou melhor, a sua estrutura lógica, a
dinâmica: mas só consigo entender isso. - É claro! Você entende só logicamente mas
vivencialmente, não. Você nunca viveu isso. Você não sabe do QUE nós estamos falando. Mas
isto não quer dizer que todos sejam considerados como amigos e sim que nunca pensou sobre
isto, existindo uma adequação sua para com os outros, isto é, joga bem o jogo sem saber as
regras. Você nunca pensou em codificar as suas relações com os outros porque não precisa disso.
Entretanto, com relação a um indivíduo com Saturno na VII, podemos dizer que há vezes que ele
acerta na mosca e há outras que ele erra terrivelmente - mas ele sabe quando errou ou acertou. E
o indivíduo com o Sol na VII sabe? Ele não sabe se acertou ou errou porque não existe uma
consciência crítica debruçada sobre essa experiência. A intuição é rápida e momentânea, você
esquece; quando você teve uma intuição, você sacou, agiu certo e nem lembra do que fez - deu
certo como que miraculosamente. Os outros é que enxergam. Lembrem-se de que todos tem uma
Casa Sete; porém, os indivíduos que tem Saturno localizado aí consideram a questão da
bilateralidade como motivo central da sua existência. É o pilar da sua visão do mundo, é o
fundamento de toda a sua conduta. Ele não pode esquecer o assunto um único dia. Mas, se você
observar um indivíduo com Sol na VII, ele não perderá um único minuto de sono por conta
dessas coisas, a ponto da sua reação ser bem característica: ele nem saberá do quê se está falando.
Em geral, o problema de você julgar ou a conduta alheia ou a sua conduta perante o outro não é,
de maneira alguma, um tema predominante pro indivíduo que tenha o Sol na VII, mas é pro
indivíduo que tem Saturno na VII. Com o Sol na VII, isso aí já está resolvido de antemão: o
sujeito saca a situação do momento, resolve e toca em frente. É claro que ele pode ter um
interesse cognitivo por isso aí também; entretanto, não por ser fundamental para determinação da
sua conduta. Isto não será um problema pessoal para ele.
O que deve ficar claro é o seguinte: onde está Saturno há uma pergunta fundamental cuja
ausência de resposta abala todo o resto, sendo toda a estruturação do seu mundo dependente
dessa pergunta. E a pergunta é a mesma para os indivíduos com Saturno na mesma Casa; porém,
a resposta é diversificada, a conduta é mais diversificada ainda e não adiantará você procurar,
então, constantes de conduta. Assim como podemos dizer que um indivíduo com Saturno na X
será trabalhador ou vagabundo, podemos dizer que um indivíduo com Saturno na VII será rígido
no seu julgamento alheio ou será benevolente para com outros, por vacilação - e, assim, não
teríamos dito nada.
- Deixa eu comentar - disse a Bia - uma coisa curiosa. O Odair trabalha com Engenharia. Durante
uma construção, ele mantém relações desde o setor administrativo até o operário. E eu já vi, no
mesmo dia, o Odair tratar ambos de maneira surpreendentemente diferente, mudando até o tipo
de fala! Eu chegue até a comentar sobre alguns inconvenientes dessa atitude mas ele nem
percebeu... E o curioso é que ele consegue uma simpatia muito grande dos outros.
- Muito interessante essa sua observação, Bia. Ele tem uma plasticidade na conduta social - mas
uma plasticidade inconsciente.Ele faz isso e pode perceber, mas não precisa perceber. Se não
perceber, vai fazer isso do mesmo jeito. - Os meus familiares - interrompe o próprio Odair -
sabem com quem estou falando ao telefone, e a minha briga é porque eles acham que eu fico
mudando o modo de me expressar por ...
( Não consegue nem acabar de falar: todos riem ).
- É claro! No contato com o outro, o sujeito instintivamente modula o seu discurso, a sua voz, a
sua pose e gestos, e faz isso por um ato intuitivo de percepção do que cabe naquela situação.
Depois, não precisa nem lembrar. Geralmente a intuição não lembra - se vocês se lembrassem de
todas as intuições que tiveram, vocês seriam um gênio. Aliás, todo mundo é gênio na
intuição.Mas o problema é pensar que tem que desenvolver a intuição - que nada! Todo mundo
tem intuição o tempo todo - o que tem que desenvolver é a memória!
- A respeito de tudo isso que está sendo falado - disse o Edil - eu me lembrei de um episódio que
me aconteceu quando morei uns quatro anos numa cidade do interior de Minas. Nela, as pessoas
acabam formando pequenos grupos. Quando me ausentei de lá, comecei a receber cartas das
pessoas onde elas me perguntavam a respeito de outras que, apesar de continuarem lá, eram de
outro grupo, de um grupo com que deixaram de conviver. Achei muito curioso quando constatei
que eles não conversavam mais e se cumprimentavam de qualquer jeito.
- Veja: a própria adequação do indivíduo às circunstâncias favorece o relacionamento. Onde você
tem o Sol, ou seja, essa capacidade invisível, você age de sobremaneira eficiente. E se o
indivíduo é eficiente na relação social, ele não é eficiente só pra si: ele é eficiente para quem está
em torno. Entretanto, o indivíduo com Saturno na VII, tentando conscientemente unir as
pessoasm as vezes obtém um resultado terrível pois consegue deixar miraculosamente todos
contra todos! É como se a vida, naquele ponto onde temos Saturno, te perseguisse para mostrar
que você não é tão inteligente o quanto pensa. É essa a desgraça humana: a gente consegue ter
conhecimento intuitivo de quase tudo; só que, depois, não se lembra de mais nada. Por outro
lado, consegue-se ter um conhecimento racional e organizado, porém sempre parcial, ou seja, não
se aplica aos casos seguintes. Entretanto, quem conseguir juntar essas duas coisas será um gênio.
Durante os próximos meses, nossa atividade vai ser praticamente esta aqui, que vai exigir muita
paciência até completarmos não o catálogo inteiro mas, pelo menos, o suficiente para que vocês
possam continuar deduzindo.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA NO. 53 SÄO PAULO - 11 MAI. 91 FITA I
TRANSCRIÇÃO: CACAU REVISÃO: MERI A. HARAKAVA

O procedimento habitual dos astrólogos, quando pegam um mapa, consiste em desencadear uma
tempestade de analogias. Cada signo, cada casa, cada planeta, cada aspecto é uma matriz que
contém muitos símbolos análogos, formando aquelas cadeias de analogias, de onde se vão tirando
os vários significados que os astrólogos atribuem a cada coisa. Por exemplo, a casa 2 é a
garganta, é o dinheiro etc. A ligação entre esses vários planos, às vezes, é bastante tênue, porque
analogia é, no fundo, uma semelhança.
O raciocínio analógico é coisa extremamente fácil; uma vez que a imaginação pegou o fio da
meada, ela produz analogias com tanta facilidade, que é como a vaca produzindo leite.
O procedimento habitual de interpretação dos astrólogos é uma espécie de dança entre muitos
símbolos, onde muitas analogias são possíveis. E elas são produzidas de maneira improvisada e
com uma velocidade tal, que o astrólogo não saberia justificar o porquê de ele estar dizendo isto
ou aquilo.
Cada posição poderia ser interpretada de uma pluralidade de maneiras, segundo as cadeias
analógicas similares. O único controle do raciocínio analógico que o astrólogo tem é a presença
do freguês ou a situação de consulta. O simples fato do astrólogo conhecer bem as situaçöes já
faz com que ele encaminhe esta sequência de associaçöes de idéias, num sentido que tenha a ver
com o assunto. Porém, há vários inconvenientes: 1o.) este controle é racional, (?) onde ele possa
trabalhar com segurança do que está dizendo (?); 2o.) você forçar o raciocínio analógico é uma
das coisas mais estupidificantes que pode existir, porque toda a sua imaginação fica trabalhando
direitinho, segundo as cadeias de associação de idéias da astrologia; e você simplesmente não
imagina mais nada fora daqui. É como se você prendesse a imaginação dentro de um código. A
facilidade que o indivíduo tem para fazer associação de idéias vem junto com o empobrecimento
do imaginário do astrólogo.
Se, por um lado, há uma inflação psíquica (a imaginação está o tempo todo trabalhando,
produzindo analogia), por outro lado, há um empobrecimento: praticamente qualquer símbolo,
qualquer situação de vida será vivida dentro desses padröes astrológicos.
A astrologia é um sistema de interpretação do mundo, como se fosse um código classificatório
universal. De tanto interpretar situaçöes à luz desse código classificatório, o astrólogo fica com a
impressão de que ele está enxergando o mundo na sua totalidade. Isto é impossível sem uma
depressão do senso crítico. Então, a astrologia, tal como é interpretada, faz mal, em primeiro
lugar, para o astrólogo. Por outro lado, sabemos perfeitamente bem que, para a imaginação, não
existe a menor distinção entre o real e o possível. Ou seja, aquilo que é captado como simples
potencial de uma situação, o astrólogo toma como se fosse uma situação real, efetiva. Cada
situação implica um monte de situaçöes análogas, possíveis. Por exemplo, esta situação de aula:
quantas analogias podemos fazer na situação de ensino? Ensinar pode ser um conduzir, levar:
atividades que seriam de casa 3. É por isso que na casa 3 você coloca os professores e os
motoristas de táxi, pois "ambos te conduzem". Ou seja, o motorista te conduz, como eu os estou
conduzindo; astrologicamente, não há a menor diferença. Por isso, André Barbault dizia que o
mapa astrológico é como se fosse a planta da casa onde você tem apenas as proporçöes entre os
cômodos, mas não tem a escala total. Você não sabe se aquilo é um castelo ou uma casa de
bonecas. Apenas as relaçöes entre as partes estão dadas de maneira identificada.
O mundo da analogia é o mundo das semelhanças. Para estar correta uma analogia, basta ser um
pouco parecida.
O pensamento analógico é o começo do conhecimento. Sem pensamento analógico, não há
conhecimento. Mas ele mesmo ainda não é um conhecimento. Por exemplo: quando você ouve
um ruído de madrugada, dentro da sua casa, aparece um monte de conjecturas: "é um ladrão? é
um rato? é algo que caiu? etc." Você faz uma cadeia de associaçöes de idéias. E é a partir dessas
associaçöes de idéias que você vai investigar para saber o que é. Se você não fizer associação
nenhuma, é porque aquilo não mexeu com você. A primeira reação da inteligência é produzir
analogias, mas, se parar aí, não gera conhecimento.
Nosso procedimento aqui é justamente o contrário. Nunca vamos fazer associaçöes de idéias.
Nem é para interpretar usando a imaginação. Iremos interpretar de maneira racional e
classificatória, porque a astrologia, pela sua forma, é racional, é classificatória, tipológica. Porém,
o que ela classifica são as imagens, é o domínio da imaginação. A astrologia como classificação
das imagens, símbolos, ritos, mitos, etc. é uma outra coisa, é a astrologia como sistema de
pensamento; não é disto que trata este curso.
Iremos tratar da astrologia como técnica diagnóstica. A astrologia corrente faz uma confusão
entre duas coisas: a astrologia como sistema de pensamento, e como técnica diagnóstica. É uma
confusão mais ou menos do seguinte tipo: tudo que falamos, falamos de acordo com as categorias
gramaticais. Estou incessantemente falando verbos, advérbios, pronomes, conjunçöes, etc.
Porém, se lhe pergunto: - o que é isso? E você responde: - É um substantivo! Não está errado,
mas está inadequado à situação; eu não posso fumar um substantivo, embora, gramaticalmente
considerado, o cigarro seja um substantivo. Quando o astrólogo aplica as categorias do
simbolismo astrológico para diagnosticar um indivíduo, ele está fazendo exatamente a mesma
coisa.
Se interpreto o seu mapa e expresso símbolos do que lhe acontece, símbolos do que você é, não
estou dizendo nem o que você é, nem o que lhe acontece; estou encontrando os seus análogos,
dentro de um determinado sistema de categorias. Ou seja, estou trocando a pergunta; desloquei de
um plano a outro.
A astrologia como código classificatório é algo como a gramática, um conhecimento de tipo
formal, que não tem a ver como a individualidade real dos homens, não tem a ver com os
acontecimentos concretos.
É lógico que, para estudar e aplicar bem a astrologia, você precisa conhecer bem a simbologia,
pelo menos intrinsecamente, assim como para o sujeito escrever, ele precisa de um conhecimento
pelo menos intrínseco de gramática. Não precisa conhecer terminologia gramatical, mas precisa
conhecer as estruturas e saber manejá-las. Porém, quem escreve, escreve a respeito de algo. E
esse algo não pode ser dado pela gramática. Quem diagnostica por um mapa, diagnostica um
mapa de algo, e o conhecimento deste algo não pode se dar pela própria astrologia, enquanto
código simbólico. Por exemplo: eu nasci no dia em que a questão palestina surgiu na ONU. Sou
gêmeo da questão palestina. Astrologicamente, posso ser descrito nos mesmos moldes da questão
palestina; mas só astrologicamente. E realmente? O esquema simbólico que serve para
diagnosticar a questão palestina é o mesmo que serve para me diagnosticar. Isto não quer dizer
que seja a mesma coisa.
O horóscopo, como técnica diagnóstica, diagnostica alguma coisa, que em si mesma não é
astrológica. Assim como para você escrever, você vai usar as regras da gramática, para escrever
algo que não é dado pela gramática.
Astrologicamente, não existe como distinguir eu da questão palestina, porque essa questão não
diz respeito à forma da estrutura simbólica do horóscopo, mas à matéria real, concreta que
estamos tentando catalogar, classificar, através desta estrutura.
A todos esses erros o indivíduo é levado, por acreditar que o raciocínio analógico é suficiente.
Mas o raciocínio analógico é suficiente para você poder traduzir uma linguagem simbólica em
outra linguagem simbólica, é só. E o que vamos fazer aqui não é isto. Vamos fazer um catálogo
de correspondências que não são analógicas, porque toda correspondência analógica é plurívoca,
pode ter muitos significados e muitos planos diferentes. E o astrólogo não diz em que plano está
falando e troca de plano com a maior facilidade; e é isso, justamente, que dá a impressão de um
raciocínio tremendamente profundo, quando, na realidade, é apenas um automatismo
imaginativo.
O quadro de correspondências, que nós estabeleceremos, não será de tipo analógico, será de tipo
biunívoco. Sabemos qual é o nível de interpretação: é o psicológico, caracterológico. Não
estamos falando do destino do indivíduo, não estamos falando das qualidades morais dele e,
sobretudo, não estamos falando do que nele não é caracterológico. Ou seja, tem um nível de
interpretação perfeitamente definido e fixo. Fixado este nível, podemos estabelecer as tabelas de
correspondência. A cada posição planetária corresponde um, e somente um, traço
caracterológico. A interpretação já não se forma num procedimento imaginativo, mas
declaradamente classificatório.
Nosso intuuito é reduzir drasticamente o trabalho imaginativo do astrólogo que, se for seguido
muitas horas a fio, por muitos anos, produz um estado permanente de inflação psíquica. O
indivíduo fica realmente um pouco demente, fora do ar.
Recordando a aula passada, vamos diferenciar o Sol de Saturno nas casas.
O assunto em que o Sol está colocado leva o sujeito, nas situaçöes em que aquele assunto está
presente, a captar a situação intuitivamente, rapidamente, e não necessariamente levando a uma
conclusão; é suficiente, para ele, se adequar àquela situação dada.
Saturno leva a uma necessidade do indivíduo, naquela casa, de retirar uma conclusão que permita
não só fazer uma avaliação de situaçöes similares passadas, como também tirar uma regra geral,
que permita a ele estabelecer uma conduta.
Aí tem uma diferença importante, porque onde está o Sol, a apreensão intuitiva não recorre
necessariamente à memória, mas, ao contrário, a maior parte das intuiçöes que o indivíduo tem
entra e sai na mesma hora, não é gravada na memória; cada situação é vivida como se fosse nova,
você não apela à memória. Na verdade, não é assim, isto é apenas a impressão que o indivíduo
tem. A memória está funcionando tanto num caso como no outro, apenas não existe um apelo
consciente à memória. Ao passo que na casa onde está Saturno, para que o indivíduo possa ter
conclusão da situação, é necessário que o ele compare com as anteriores. Portanto, a casa onde
está Saturno faz constantemente apelo à memória para poder estabelecer comparação e tirar
conclusöes, como um procedimento científico. O sujeito está tentando tirar de várias situaçöes o
que existe de comum e separar do que existe de diferente. Existe uma busca do homogêneo --
através do heterogêneo.
Sendo assim, como ficam os dois eixos? No eixo 1-7, você, tendo Saturno na 7 tem necessidade
de sistematizar suas relaçöes, as relaçöes bilaterais que ocorrem na vida. Ou seja, em todas as
situaçöes ele vai buscar essa bilateralidade, enquanto que o Saturno na 1 faz com que o sujeito
busque tudo aquilo que possa responder acerca da sua auto- imagem.
O Sol na 1 vai fazer com que o sujeito tenha consciência plena do que ele é; não tem a menor
dúvida da sua fachada, quanto à sua auto-imagem. E isso ele nem leva em consideração, posto
que é um dado.
Com o Sol na 7, as relaçöes bilaterais de indivíduo para indivíduo, de indivíduo para um grupo,
vão ser encaradas como um dado, no qual ele não precisa se deter, não precisa racionalizar, será
uma coisa fácil, simples, ele vai lidar com isso com desenvoltura, com espontaneidade.
No eixo 4-10, você sai do terreno da bilateralidade e entra no da unilateralidade. O indivíduo com
o Sol na 10 vai ter desenvoltura e uma facilidade de captar as situaçöes e relacioná-las com
situaçöes de poder, de hierarquia, de estrutura social. Quer dizer, não terá dúvida quanto a isso e
nem vai pensar sobre isso. Já o Saturno na 10 terá uma preocupação extrema com situaçöes de
autoridade, de poder. Tem consciência de estar por cima ou por baixo, e isso poderá desencadear
dois comportamentos inversos: lutar para subir, ou ficar esmagado sob o peso de todo mundo que
está por cima. Nesta última hipótese podem haver duas saídas: 1a.) sofrimento; 2a.)
esquecimento. E onde você vê o esquecimento da problemática de Saturno, você sempre verá
uma conduta ou artificial, ou ineficaz, ou trágica etc.
Se o homem não conseguir uma resposta racional a um problema que ele mesmo colocou, ele
acaba sendo esmagado pelo próprio mecanismo da sua racionalidade. A razão se volta contra ele;
ele pensa contra ele mesmo. Fica pensando contra si mesmo e procura fugir do próprio
pensamento; quer dizer, este indivíduo estará cada vez pior.
Saturno na X pode gerar um comportamento ambicioso ou conformado; o que, no fundo, são o
mesmo, é a mesma atitude, tanto que você verá frequentemente os indivíduos com Saturno na X,
que estão por baixo, terem uma visão muito clara do que se passa em cima. Eles estão sabendo de
tudo que se passa acima deles, e não gostam. E, inversamente, você verá indivíduos que subiram
muito na vida, que frequentemente passaram por situaçöes exatamente inversas. Por exemplo:
Hitler chegou a ser mendigo; Gandhi, mesmo nunca sendo mendigo, viveu como se o fosse.
Várias condutas são adotadas como respostas sempre provisórias, sempre parciais, sempre falhas,
a um problema que no fundo é de natureza intelectual, que é a compreensão da estrutura do poder
vigente, no lugar em que você vive, e do seu lugar dentro dela.
O problema colocado na casa onde está Saturno não pode ser respondido nem pelo pobre, nem
pelo rico, nem pelo ambicioso, nem pelo desambicioso, nem pelo bom, nem pelo mau, nem pelo
esforçado, nem pelo preguiçoso; só pode ser respondido pelo homem, enquanto animal racional,
e só.
Quando a atividade intelectual do indivíduo está dirigida para aquela casa, você vê que aquele
traço caracterológico desaparece da conduta.
A partir do momento em que a própria razão é colocada para resolver um problema que a própria
razão colocou, este problema passa a ser o assunto dela; portanto, está dentro da atividade dela.
Neste sentido, aquele traço de caráter desaparece, ele é engolido pela razão, ele não é percebido
na conduta do indivíduo. Mas quando a atividade intelectual é colocada num outro setor,
completamente diferente, então aquele traço é ressaltado. Não quer dizer também que os
indivíduos são mais inteligentes ou produzem mais quando se aplicam aos assuntos daquela casa.
Isto lhe fará bem enquanto ser psíquico. Dedicando sua inteligência ao estudo daquele assunto,
vai, de certo modo, aliviar o conflito dele, mas não quer dizer que ele será um gênio. Szondi dizia
que o trabalho é a maneira de legitimar nossa demência - você pode arrumar uma profissão onde
seja solicitado justamente naquilo, e você até acaba ganhando dinheiro com a sua loucura.
A razão é universal, e daí a inadequação que existe, sempre, entre o nosso organismo psicofísico -
que é um, é individual, singular, que tem suas próprias necessidades - e o funcionamento da
razão. Nós nunca estamos perfeitamente adequados à razão. A razão só trata de generalidade, ela
nunca é adequada para compreender nenhum caso singular e muito menos o nosso.
O estudo de disciplinas afins pode transferir as preocupaçöes de uma escala pessoal, na qual ele
não vai encontrar resposta nunca, porque não tem, para uma escala onde é possível encontrar
resposta. Mas o indivíduo precisa fazer um sacrifício, que é se desinteressar, por um tempo, pelo
problema dele, para se interessar por um problema análogo, numa esfera mais universal.
Onde você tem Saturno, surge, algum dia, um grande desafio à sua inteligência, uma pergunta
irrespondível, onde você naturalmente empaca, e permanece com aquela pergunta. Quanto mais o
sujeito detesta aquele assunto, mais ele o persegue. Se você conseguir parar de pensar naquele
seu problema pessoal e se dedicar a estudar a questão analógica, de ordem universal, você vai
acalmar, vai melhorar. Mas acontece que este passo as pessoas não dão, não acreditam que seja
possível. Por exemplo, o indivíduo com Saturno na 1 é preocupado com sua auto-imagem, com o
papel que ele está representando. Como você poderia compreender o seu papel individual, exceto
dentro de uma galeria de todos os papéis possíveis? Para você compreender a galeria de todos os
papéis possíveis, você precisa parar de perguntar sobre o seu um pouco e levantar a questão num
nível mais genérico. Se você der este salto, a sua vida irá bem, você não é mais inimigo da sua
razão e, portanto, ela não o persegue mais e começa a ajudá-lo.
A razão é a cruz que o homem carrega. Em geral, a urgência daquele problema pessoal que foi
colocado impede o indivíduo de olhar a coisa mais de cima. Se o indivíduo, confrontado, no
limite da sua inteligência racional, perante um problema que ele não conseguiu resolver - um
problema pessoal - conseguir deixar este problema seu de lado e prosseguir no seu processo de
educação, ou seja, (no processo de se transformar num membro da humanidade, um cidadão), o
destino é um (se ele proseguir), mas se ele empacar, o destino é outro. Só que isto não dá para se
saber pelo mapa. Pelo mapa só dá para saber qual é o problema com que o indivíduo se
defrontou, mas onde ele está no momento, só pela biografia.
Isto é um instrumento diagnóstico eficacíssimo, pode-se medir se o indivíduo é neurótico ou não
por esse ponto. Por isso todas as teorias da neurose que tem por aí... menos a de Freud, que estava
na pista, porque ele viu que a neurose é inadequação entre o nosso organismo psicofísico e as
exigências da cultura e o restauro da razão. Também estava certo no sentido do que ele dizia: que
a cultura e a razão já tinham ganho a briga de antemão. Não adiantava querer se livrar dela, ou
seja, o caminho do homem é de fato tornar-se racional, entrar na sociedade, entrar na história, não
tem jeito.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA NO. 53 SÄO PAULO - 11 MAI. 91 FITA II
TRANSCRIÇÄO: SANSHIRO NASCIMENTO REVISÄO: MERI A. HARAKAVA

Näo é impossível que quando fizeram o hieróglifo de Saturno tenham pretendido fazer uma coisa
em cima de um capricórnio. Existe uma série de caracteres gráficos da língua chinesa que säo
parecidos com o desenho de Saturno e eles representam, por exemplo, o homem que tenta saltar o
obstáculo e não consegue, o homem entrevado, amarrado à cama, tudo isso é uma cadeia
simbólica muito interessante.
Veja, näo estou criticando tudo o que falei no começo, näo quero dizer que sou contra o
simbolismo astrológico, ao contrário, temos que estudá-lo, é uma coisa muito bonita, muito
interessante; apenas näo é para aplicá-lo e transpô-lo indevidamente ao plano da astrologia como
técnica diagnóstica. Näo se faz a interpretaçäo astrológica com base no simbolismo astrológico,
na base de fazer analogia. Se Saturno é o homem entrevado, entäo na casa onde tem Saturno, esse
alguém está entrevado e Saturno na casa 2 significaria que a sua grana está lá, entrevada,
amarrada pelo Collor. Näo é isso! Se tem Saturno na casa 3, sua fala näo consegue transpor o
obstáculo da língua e você gagueja. Também näo é isto.
Estas interpretaçöes às vezes podem até dar certo, mas uma em um milhäo, e quando dá certo é
sempre na base da analogia. Quer dizer, você tem um problema e o astrólogo fala sobre outro
bastante parecido, mas näo é a mesma coisa. Assim, se eu tenho uma dívida para com um sujeito,
adianta eu dar a grana para outro parecido? Claro que näo adianta. Se você está procurando uma
rua com seu automóvel, adianta você entrar numa outra rua parecida? O parecido é a coisa mais
perigosa que tem; a gente só se engana porque as coisas säo pareceidas. O análogo näo é
verdadeiro; análogo é o análogo. Ele é mais ou menos parecido. O análogo näo é idêntico. O
simbolismo astrológico tem que ser fundado porque ele tem um monte dessas sugestöes. Ele tem
que ser educado, mas näo aplicado.
Se a interpretaçäo de mapa é uma aplicaçäo da astrologia a um domínio psicológico em
particular, deve haver um código explícito, um código literal da correspondência, o que estamos
tentando fazer aqui.
P: Se intuiçäo é razäo, eu acho que há momentos em que ela desaparece da inteligência. Como é
que uma pessoa poderia fazer com que a coisa sem o Sol se guiasse?
Näo pode, porque este é um problema completamente diferente. A intuiçäo pode substituir a
razäo em alguma circunstância? Por exemplo, se você está tentando demonstrar um teorema,
você, por intuiçäo, sacar o problema e pronto? É isto o que se pede para você fazer no exame? A
näo ser que você confie na sua intuiçäo. Mas confiar na intuiçäo é uma coisa que o homem näo
pode fazer, porque a intuiçäo é singular. Posso confiar que numa outra situaçäo diferente terei
uma intuiçäo; isto pode até funcionar, mas nunca lhe dará segurança sobre tudo. Näo posso
transferir este conhecimento a uma outra pessoa, como foi dito anteriormente. Se você retivesse
todas as intuiçöes, você seria um gênio. Mas se você retivesse todas as intuiçöes, acabaria as
transformando em imagens, depois em memória, e depois em conceito. O mundo intuitivo de
todos é muito rico, mas de tudo o que você capta pela intuiçäo nada sobra para que este material
possa ser aproveitado. Seria necessário reter na memória, dar-lhe uma forma e transformá-lo em
conceito ou em expressäo artística. Näo há como desenvolver a intuiçäo, ela já é eficiente. Talvez
melhorar a atençäo, a memória, o uso da memória. Isto como condiçäo preliminar para você
poder desenvolver a razäo. Por isso, Aristóteles dizia: "Todo conhecimento começa com a
memória".
Por exemplo, percepçäo sensível todos os animais têm, alguns retém um pouco mais na memória.
Algo sempre se retém na memória. Quanto mais retém, mais fácil é para tirar conclusöes que se
apliquem às situaçöes seguintes. Quanto mais memória, mais previsäo. O animal com maior
memória é o homem. A memória organiza o conhecimento e prepara o trabalho da razäo.
A intuiçäo é muito boa em quase todas as pessoas. O indivíduo intui, mas perde aquilo täo
rapidamente que é como se näo tivesse intuído. A memória e a razäo säo hostis ao caso singular.
A memória funciona por analogia, ela busca o parecido. A experiência singular, irrepetível, näo
se memoriza, senäo desarticularia a pessoa. É preciso ampliar o número de escaninhos na
memória, e na medida do possível substituir o esforço da memória pelo da razäo, porque a razäo,
numa única fórmula, guarda uma infinidade de experiências diferentes. Desta forma, você
descarrega a memória. O problema é a memória e a razäo. A intuiçäo já é boa, é sempre
consciente, mas durante muito pouco tempo ela fica no consciente. É preciso também melhorar a
capacidade de permanecer em dúvida, reter os dados duvidosos. Isto será o espírito de ciência, de
investigaçäo. O homem investigativo, quando näo entende algo, guarda na memória -- mesmo
que isto lhe cause um desconforto - - até que possa compreender. O cidadäo comum ignora o que
näo entende. A lei do menor esforço é o principal inimigo da inteligência. Os dados da intuiçäo
säo inquestionáveis, é algo do real.
O indivíduo precisa ter um domínio consciente de sua ignorância, transformá-la em dúvidas. É
condiçäo primordial para o aperfeiçoamento da inteligência.
Voltando ao assunto, a casa onde está Saturno no mapa expressa uma pergunta que, nem uma
atitude, nem uma omissäo podem jamais apaziguar. A grande dificuldade é esta: o homem
comum é pragmático, requer muito pouco o uso da razäo. Se a vida do sujeito se esgota num
nível pragmático, as perguntas que solicitarem a inteligência racional ficaräo de lado, näo
aumentaräo a sua inteligência teorética e o homem é por natureza o “homo theoreticus”, o
homem contemplativo que vê, interroga e sabe. Esta é a diferença específica do homem, ele é
capaz e está obrigado a fazer isto. No entanto, a orientaçäo completamente pragmática do homem
näo permite o desenvolvimento do homem teorético, que nada tem a ver com o mundo
pragmático. O homem tem muito mais inteligência do que a utilizada para resolver seus assuntos
pragmáticos. Este excedente, que continua funcionando, o oprime com perguntas irrespondíveis.
O que seria a principal arma do homem torna-se seu principal inimigo. Este é o drama da casa
onde está Saturno. Na casa onde tem o Sol também tem um drama. Qual é? A questäo da
resultante; aquilo é täo natural que você näo pára para pensar no assunto, você dificilmente chega
a uma consciência refletida. Fica limitado ao que já sabe naturalmente. Na casa onde está o Sol
sempre existe esta inconsciência.
Outro grande problema de onde o sujeito tem o Sol: como ele olha por um ângulo, ele imagina
que todos têm o mesmo tipo de visäo. A pessoa com Sol na casa 1 age como se tudo que é
parecido com ele näo necessitasse de explicaçäo. Sempre que ele vê uma motivaçäo parecida com
a dele, lhe parece correta e inquestionável. Ele se torna o padräo. Onde o sujeito tem o Sol, ele
tem a facilidade de intuir as situaçöes reais, mas näo tem, geralmente, consciência crítica. Ele näo
sabe avaliar corretamente o valor do que se sabe. Dá-lhe uma grande auto confiança. E a pessoa
näo percebe esta inadequaçäo.
Ao contrário da casa onde tem Saturno, em que a pessoa é a primeira a saber. O drama da casa
onde está Saturno é o drama do indivíduo que näo consegue arcar com a sua condiçäo de animal
racional... Ele está tentando dar uma soluçäo na esfera animal, na esfera da açäo, da vida, dos
sentimentos. É uma coisa que näo se coloca ali. Para que a inteligência racional funcione, ela
precisa de uma certa imobilidade, tranquilidade, mas de certo modo, a tranquilidade forçada. A
maior parte das pessoas näo atina com isto. Quando cessa a atividade, a agitaçäo psíquica, a
pessoa sente cansaço e dorme. A inteligência racional tem atividade mínima. Cessar todo o resto,
mas manter o mínimo desperto, acertar com este ponto é condiçäo necessária para a inteligência
racional. A maior parte das pessoas está täo arrastada no fluxo de imagens, sentimentos, que
quando o fluxo pára, estäo cansados. É próprio do indivíduo que tem a racionalidade
desenvolvida a igualdade de ânimo, näo muda muito de estado de ânimo. O contrário de quem
tem a racionalidade atrasada. Quem tem a racionalidade desenvolvida tem menor instabilidade
emocional. Se näo, näo consegue. Isto é muito difícil de se conseguir, e é este o problema da
concentraçäo, que quer fazer você continuar pensando no mesmo assunto, seguindo um fio de
raciocínio. O sujeito desconcentrado é desviado deste fio, seja por uma imagem, seja por um
sentimento.
Na casa onde está Saturno, eu preciso pensar, me desinteressando de resolver do meu caso
pessoal imediato, e dando algo de mim para a minha própria evoluçäo como ser inteligente. A
tragédia humana é que o homem se recusa a fazer uso da razäo. Quando os problemas säo de
ordem psíquica dele, ele é o culpado. Nada tem a ver com o karma.
Os quatro tipos já estäo descritos no seu ponto de partida, que é a interrogaçäo da casa, e no
desenrolar do drama, que é o leque de condutas possíveis, que väo de um extremo a outro.
Quem tem Sol na Casa IV tem uma autoconsciência, capta instantaneamente os desejos dele e do
outro. Capta a relaçäo de desejos e manipula isto. Sabe como o desejo age nele e no outro. O
desejo é o faltar algo, é o anseio por um preenchimento. Atender o desejo é colocado como uma
condiçäo para a felicidade, a homogeneidade interna. A todo momento, desejamos algo. O desejo
é que coloca o homem em movimento, cria um certo clima de desconforto momentâneo, que visa
atingir um estado de conforto. A relaçäo do quanto do desejo é que marca a "temperatura"
emocional do sujeito. Este aspecto do homem é que o indivíduo com Sol na casa IV capta
intuitivamente. Para o sujeito com Sol na casa IV também é fácil identificar o estado emocional
das pessoas. Existe o caso onde a relaçäo de desejo se transforma na relaçäo de temor; é quando
entra o elemento coercitivo. A relaçäo de desejo é de agradar e ser agradado, e näo de impor.
Entäo o desejo é acompanhado de uma expectativa de que o outro deseja atender. O atendimento
do desejo só é perfeito quando espontâneo, quando näo existe choque. É pedir e ser atendido.
Mas às vezes o desejo tem uma força coercitiva psicológica muito mais forte que qualquer poder,
mesmo assim aquele que atende o outro pela força do desejo dele frequentemente näo sabe que
está sendo coagido, ao contrário, gosta de ser levado. A linguagem do desejo consiste em fazer
com que o outro queira fazer aquilo que quero que ele faça, e näo obrigá-lo. É induzi-lo a querer.
Onde o sujeito tem o Sol, ele tem uma aptidäo, percebe as coisas, mas näo se enxerga, a näo ser
que reflita sobre uma conduta sua anterior, daí identificará uma constante. Quem tem Sol na IV,
consegue que os outros geralmente queiram fazer o que ele quer que façam. Deste modo, näo há
choque. A casa onde está o Sol é o meio natural onde o indivíduo se move; é muito difícil
transcender isto porque é täo natural você enxergar daquele jeito que você pensa que todos
enxergam por ali também, você näo está consciente de enxergar por ali. Está apenas consciente
do que vê como se näo existisse outra coisa.
A adequaçäo do sujeito com Sol na IV em torno do emocional é uma adequaçäo automática e
sem choques. Isto é uma intuiçäo psicológica. A intuiçäo demarca o quadro de tudo que nós
enxergamos: tudo o que sabemos é por intuiçäo. Só sabemos que isto tem limites por causa da
existência de Saturno no mapa, que mostra algo que näo enxergamos. Mas o tipo intuitivo do
indivíduo delimita gravemente o que ele é capaz de enxergar ou näo. Só adquirimos uma auto-
consciência ali à custa de uma trabalhosa comparaçäo com outras pessoas. O sujeito com Sol na
casa IV sabe o que sente, tem um perfeito entendimento no seu mundo interno. Sol na IV e Sol na
I têm mais dificuldade para perceber que as outras pessoas näo enxergam um mundo da mesma
forma que eles. Quem tem Sol na VII näo vê os estados emocionais dos outros projetados nele, ao
passo que Sol na IV sim. Sol na VII, para enxergar a si, olha o outro. E Sol na IV, para enxergar
o outro, olha para si, -- näo para o seu estado emocional, mas para o papel que está representando
no momento. Para pessoas com Sol na casa IV, as outras pessoas parecem mais estáveis
emocionalmente. O mundo para quem tem Sol na VII é um mundo onde cada pessoa representa
um papel diferente. O mundo de quem I tem Sol na IV é um mundo de sentimentos e forças que
está sempre mudando, composto mais de estados que de pessoas. Quem tem Sol na I vê o mundo
como uma coleçäo de papéis, estes organizados por ele. Para este sujeito, todos à sua volta säo
expectadores, o papel dos outros näo lhe interessa muito. É como se a pessoa se visse de vários
lados. Praticamente, a única coisa que o indivíduo com Sol na I percebe nos outros é se agradou
ou näo. Quem tem Sol na I é auto referido, todos os papéis que ele representou, tudo em que
participou funciona para ele como a chave do mundo. Sol na I é auto referido e näo satisfeito,
pois satisfeito é um traço emotivo, enquanto que referido é um traço cognitivo. A interpretaçäo de
Sol e Saturno é cognitiva, intelectual, näo é afetiva. Nenhum traço afetivo traduz perfeitamente
de que se trata, apesar de nossas deficiências de linguagem que nos obrigam, às vezes, a usar um
vocabulário afetivo ou volitivo para designar isto, mas, neste caso, nós estamos falando
impropriamente. O indivíduo com Sol na I pode se adorar ou se desprezar, isto säo posturas
afetivas ou valorativas, em parte. O ponto chave é que o indivíduo com Sol na I considera, por
assim dizer, a sua biografia, a coleçäo de papéis como sendo a chave do mundo. Só pode ser
compreensível aquilo que se refira a algo que lhe aconteceu, nunca chegando a fazer o raciocínio
inverso, de estranhar um comportamento próprio e ter que compreendê-lo através de outra
pessoa. Ele näo entende. Para entender a situaçäo, ele precisa se colocar no papel principal e ver
o que faria ali. As outras pessoas nunca säo objeto de intelecçäo, diretamente. Elas säo apenas,
por analogia consigo mesma, objeto de intelecçäo. O indivíduo com Sol na I nunca usa outro
como medida.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA NO. 53 SÄO PAULO - 11 MAI. 91 FITA III E IV
TRANSCRIÇÄO: MÁRCIA J. PEDRO REVISÄO: MERI A. HARAKAVA

POSIÇÄO DO SOL
É através do Sol que o indivíduo intui o que ele é. Sabe que está vivo e que existe. Através dele
que o sujeito recebe informaçöes de si mesmo.
A posiçäo do Sol é justamente uma janela para a autoconsciência. Através das outras casas esta
visäo näo é possível, a näo ser por um esforço näo natural, que é a aprendizagem, como estamos
fazendo aqui.
Quanto mais o indivíduo tiver ciência da casa onde está o Sol mais ele estará reforçando sua
perspectiva individual. Torna-se difícil ter autoconsciência de seu próprio Sol, pois o Sol é por
onde o indivíduo enxerga. Isto é o mesmo que o olho querer enxergar o próprio olho.
O Sol é a luz através da qual enxergamos todas as coisas, mas é a única coisa que näo podemos
enxergar. Para identificar o Sol temos que criar artificialmente uma dificuldade. Contrastar o que
ele está enxergando com algo que ele näo vê, porque näo sabe quais säo as outras formas de se
enxergar.
Identificando os dados que säo retidos na memória identificamos mais facilmente onde está o Sol.
A memória só retém o que o indivíduo capta.
Conservamos na memória aquilo que intuímos. Como o indivíduo sempre presta atençäo num
mesmo tipo de coisa, automaticamente é aquilo que ele vai guardar. E como näo guarda outra
coisa além disto, pensa que isto é tudo. Somente contrastando com outras pessoas é que isto
aparece e ele percebe. Normalmente o indivíduo caminha naturalmente na direçäo onde está o seu
Sol.
Todas intuiçöes possíveis das outras onze casas, onde näo se tem o Sol, estäo operando no
indivíduo também, mas de modo implícito, subconsciente. Por exemplo: tenho o Sol na III,
recebo uma pergunta de um aluno e procuro captar a sequência das idéias que o levou a uma
conclusäo qualquer para que fizesse aquela pergunta. Esta é a forma de captar do indivíduo com
Sol na III. É claro que o tempo todo estou recebendo o dado sensorial da situaçäo, pois näo sou
surdo ou cego, mas estes dados ficam a nível subconsciente.
POSIÇÄO DE SATURNO
Para explicar a posiçäo de Saturno tudo fica mais fácil. O Saturno é seu grande questionamento
de vida, portanto näo há necessidade de forçar nada, nem comparar com nada.
A educaçäo nunca irá mudar estes aspectos, só irá lhe dar uma capacidade extra, que
habitualmente näo irá exercê-la. Por exemplo: eu tive educaçäo visual, estudei pintura, sou
desenhista, mas nem por isso penso como um pintor ou intuo como pintor.
A arte da pintura consiste em ver os elementos sensoriais separados de seu contexto histórico.
Isto näo quer dizer que näo possa existir pintores com Sol na III ou em qualquer outra casa.
Existem pintores que fazem pintura de uma maneira mais intelectual.
Outro exemplo: se um indivíduo com Sol na III vier estudar letras, isso pode aumentar seu
talento, pode lhe dar capacidade profissional, mas näo estará acrescentando nada nele. Somente
estará desenvolvendo algo que já estava nele.
Nenhuma posiçäo planetária significa conduta, mas sim motivo da conduta. Se näo sabemos o
motivo, isto é, o que está por trás da conduta, näo teremos com o que comparar a posiçäo
planetária. Como consequência näo iremos entender a conduta.
SOL NA I
O indivíduo com Sol na I tem um mundo constituído por um monte de papéis e funçöes suas. Ele
é uma espécie de humanidade, desempenha todos os papéis, é o herói e o bandido também. É
como se visse o mundo nele mesmo. Este indivíduo se recorda dos dados situacionais a respeito
dele mesmo. Para este indivíduo, a diferença entre o modo de perceber dele e do outro é a última
coisa que ele consegue enxergar. Esta auto-referência näo lhe permite se medir com outros. Para
ele na verdade näo existem outros, os outros säo apenas exemplos dele.
Percebe o mundo da seguinte forma: tal coisa existe em mim, tal coisa näo existe em mim. Tenta
compreender os outros comparando consigo mesmo. Mas o problema é que näo existe um
indivíduo com padräo certo para podermos compará-lo com todos. Sua atitude é como a de
alguém que tem uma régua de centímetro e quer medir tudo com ela: temperatura, peso, pressäo.
Isto não é possível, nem tudo dá para ser comparado consigo mesmo porque existem aspectos que
näo estäo no sujeito, e existem aspectos que estäo nele e no outro, porém näo de maneiras iguais.
Para o indivíduo com Sol na I demora um grande tempo para que os outros se tornem para ele täo
reais quanto ele mesmo. Para um conhecimento tipológico só poderíamos tomar nós mesmos
como padräo comparativo para compreender o todo, se tivéssemos a certeza de termos a
amplitude para isso, mas nimguém tem.
Sabemos que determinada característica existe no outro e näo em nós näo porque comparamos o
outro conosco, mas porque comparamos os dois com um terceiro. É a visäo deste terceiro que
falta para o indivíduo com Sol na I.
SOL NA II
O indivíduo com Sol na II vive num mundo de coisas. O mundo corporal é um dado fundamental
para ele. É o dado pelo qual ele se orienta. Mesmo a visäo das pessoas é um dado sensorial. O
mundo para ele é constituído de formas, pesos, cheiros, inclusive as pessoas säo isto.
Bastaria para este indivíduo o ambiente físico para que estivesse relativamente situado. Ele
precisa estar ciente do que tem a sua volta, do que toca. Mesmo que näo tenha ninguém. É claro
que näo vamos relativizar a posiçäo, pois nenhum homem nasce sozinho. E mesmo o ambiente
físico tem marcas da cultura.
Este indivíduo olha sempre para o mundo exterior. Logicamente ele percebe muito mais coisas do
mundo externo do que as outras pessoas. A memória dele é carregada de dados sensoriais. Ele
pode näo se lembrar das coisas que ele fez, mas se lembra das coisas que viu, do que captou pelos
sentidos: tato, audiçäo, visäo, olfato. Por ser atento a estes dados sensoriais, normalmente ele se
recorda de mais sabores do que consegue nomear.
SOL NA III
O indivíduo com Sol na III irá reter a história, o relato lógico-temporal dos fatos. Para ele é fácil
reconstituir o encadeamento lógico das idéias. Conclui um monte de coisas levando em conta
somente os dados que habitualmente intui. É evidente que existe um encadeamento lógico
implícito em tudo, mas para o Sol nas outras casas näo é este dado que será retido. Por exemplo:
quem tem o Sol na IV é capaz de perceber os estados de ânimo que se passam a sua volta, mas
näo reconstitui o encadeamento lógico dos fatos que levou àquele estado de ânimo; para o
indivíduo com Sol na III isto é mais fácil.
SOL NA IV
Com o Sol na IV o indivíduo é capaz de identificar os estados de ânimo fundamentalmente, ou
seja a atmosfera, independentemente das referências sensoriais ou históricas do que estava
acontecendo.
Para este indivíduo é fácil entrar na atmosfera sentimental quando ele a recorda. Existe uma
diferença entre revivê-la e reatá-la. Por exemplo: o indivíduo com Sol na III vai se recordar mas
näo irá entrar na mesma atmosfera novamente.
Marcel Proust, por exemplo, tinha o Sol na IV e, quando foi escrever suas memórias, que nada
mais eram que suas memórias com nomes trocados, näo descreveu acontecimentos, mas sim
estados afetivos. Em Proust näo fica claro se o estado que ele descreve era o que ele sentia, se era
o estado que estava no ar ou se o sujeito que lê é que está sentindo aquilo na hora que lê.
Ele dissolve a noçäo de personagem e os próprios estados passam a ser as personagens. Fica
difícil neste caso delinear os personagens de Marcel Proust como fazemos por exemplo com os
personagens de Balzac, onde podemos identificar um trapaceiro, um avarento, um esforçado. O
personagem näo tem um delineamento porque a sucessäo de estados torna-se a aventura, e a
unidade psicológica dos personagens fica no fundo.
SOL NA VII
O indivíduo com Sol na VII tem como referencial as outras pessoas. Se retirarmos todas as
comparaçöes possíveis entre ele e os demais e lhe perguntarmos "quem é você para você
mesmo", provavelmente o indivíduo terá dificuldade de se definir. Outros indivíduos podem se
definir em face do ambiente físico em que se colocam, e näo em face dos outros, como é o caso
de Sol na II.
Um dado importante de você mesmo é possível ser obtido independentemente da referência de
outras pessoas. A verdade é que o homem é um ser social e político, como já dizia a Bíblia: "Näo
é bom que o homem viva só." Portanto uma dimensäo social todos têm. Mas acontece que esta
näo é a única dimensäo que ele possui. Qualquer uma destas dimensöes pode servir de janela para
sua autoconsciência.
Para a pessoa com Sol na VII é comum a seguinte questäo: fazer algo para quem? Em funçäo de
quem? Este indivíduo pode perfeitamente ignorar o ambiente físico à sua volta sem que isto
apague sua autoconsciência o que näo seria possível com Sol na II.
O indivíduo com Sol na VII pode jamais ter reparado mais seriamente no ambiente físico sem
que isto o torne desorientado. Basta para ele olhar para as pessoas e saber o papel que representa
ali, e estará suficientemente orientado.
SATURNO NA II
O indivíduo com Saturno na II tem a assiduidade crítica e organizadora da razäo diretamente
voltada para os dados sensíveis. Por exemplo: se sente gosto de abacaxi se perguntará: É gosto de
abacaxi mesmo? Por que sinto gosto? Säo questöes paradoxais. Ele duvida da existência do
mundo exterior. Os indivíduos que têm Saturno nas outras casas podem um dia se questionar a
respeito da existência do mundo externo, mas este näo será um fator determinante de sua conduta,
como o é para quem tem o Saturno na II. Este indivíduo tem necessidade de se certificar do dado
sensível, de senti-lo. O sujeito acaba testando os dados sensíveis na tentativa de obter maior
clareza, mas isto pode confundi-lo mais ainda.
Tem o desejo de suprir a informaçäo sensorial como se tivesse um buraco nos sentidos. É uma
sensaçäo terrível de falta, como se o mundo desfarelasse à sua frente. O questionamento racional
do dado sensível persegue este sujeito e este questionamento näo tem resposta desta forma.
Porque a razäo näo pode operar diretamente sobre os dados sensíveis.
Quanto mais a razäo critica os dados sensíveis, mais ela cai no famoso problema cartesiano, a
existência do mundo. Por exemplo: "Estou vendo você, mas será que você existe mesmo?" Isto é
um hábito, näo tenho nenhuma prova racional de que aquilo que vejo existe. Toda a prova que se
oferece a nós para provar que um dado sensível é verdadeiro, se baseia na crença neste mesmo
dado sensível. Entäo se a razäo critica um dado sensível, o máximo que ela consegue fazer é
negá-lo. Ela näo consegue encontrar outro fundamento a näo ser ele mesmo.
A relaçäo deste indivíduo com dinheiro também é muito complicada, mas näo sabemos
exatamente por que. O indivíduo nestes casos pode ser avarento ou simplesmente näo dar a
menor importância para dinheiro. Na verdade o problema näo está exatamente aí, pois o dinheiro
entra na vida do indivíduo mais tardiamente. É um símbolo de quantidade que permite uma
operaçäo, näo dá para perceber numa criança, portanto näo é um dado cognitivo.
O problema na verdade começa na apropriaçäo do mundo sensível, isto é, na relaçäo de seu corpo
com o mundo externo. Por exemplo: quando comemos uma maçä, em seguida ela deixa de
existir, ou seja a satisfaçäo que obtivemos foi a custa da destruiçäo do objeto desejado. Entäo o
indivíduo com Saturno na II irá questionar: em que sentido a maçä é minha? Se como a maçä,
como näo pode ser minha?
Existe aí uma ambiguidade na noçäo de propriedade e assimilaçäo. Normalmente é ambígua para
todos os seres, mas para este indivíduo será motivo de entraves, e ele näo conseguirá sair dali.
Uma coisa que olhamos estamos assimilando, porém a assimilaçäo por olhar é tênue pois näo
tocamos o objeto com o olhar. Entäo aquilo que olhamos por um lado está assimilado mas por
outro continua fora de nós mesmos. Quando procuramos assimilar mais para torná-lo nosso,
passamos a näo enxergá-lo mais. Quando vejo é porque näo comi, quando como näo vejo. Nunca
coincide a posse com a visäo e todos nós passamos por isso, mas para o indivíduo com Saturno
na II isto será fator determinante de sua conduta.
Existem muitas pessoas com Saturno na II dilapidadoras de patrimônio. Mas antes de serem
dilapidadoras de patrimônio foram dilapidadoras de sensaçöes. Isto é, ao mesmo tempo que você
nega uma sensaçäo, você a destrói. Por exemplo: na hora que estou comendo algo eu quero
raciocinar e encontrar o fundamento racional desta sensaçäo. Isto näo é possível. É possível
pensar a respeito das sensaçöes antes ou depois, mas näo durante. O sujeito destrói a sensaçäo a
custa de criticá-la.
Näo é possível ter razäo e intuiçäo ao mesmo tempo, porque a razäo näo opera pela matéria
intuitiva, mas sim pela memória. Opera pela forma de intuir depositada na memória. Tentar fazer
isto é o mesmo que tentar digerir a coisa antes de comê-la.
A razäo opera uma abstraçäo de 2o. grau. A abstraçäo de 1o. grau é operada pela memória. A
memória retém a forma da coisa sem o seu conteúdo e sem a sua existência atual. Por cima desta
abstraçäo vem uma segunda que é operada pela razäo. Entäo o negócio é fazer Saturno na II
compreender que o certo näo é raciocinar sobre a sensaçäo que ele está tendo no momento, mas
sim sobre sensaçäo em geral. Se o sujeito conseguir entender isto estará bem.
A razäo transforma tudo em conceito e em esquemas lógicos e cataloga este esquema dentro de
um quadro imenso. Dentro deste quadro näo existe nenhuma sensaçäo, sentimento, só existe
conceito. Mas qual é o gosto que existe no conceito? A palavra cäo näo morde e a palavra maçä
näo tem gosto. A alteraçäo conceitual tem que ser posterior à sensaçäo.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA NO. 54 SÄO PAULO - 12 MAI. 91 FITA I E II
TRANSCRIÇÄO: BEATRIZ O. VASCONCELLOS E ODAIR G. DUCATTI
REVISÄO: MERI A. HARAKAVA

Vamos retomar as regras que estamos seguindo:


1o.) As posiçöes planetárias näo säo interpretadas como equivalentes a condutas, a
comportamentos ou atos.
2o.) As posiçöes planetárias ( Sol e Saturno) näo säo interpretadas como traços afetivos ou
volitivos.
3o.) A interpretaçäo tem de ser de natureza cognitiva (pois estamos interpretando Sol e Saturno).
Sendo assim, as posiçöes planetárias expressam a luta entre a forma, a estrutura cognitiva daquele
indivíduo em particular e o meio onde ele está, meio este onde existem pessoas que enxergam de
maneira diferente.
O indivíduo, com sua forma de perceber, entra em choque, de um lado, com o mundo físico --
que näo foi moldado para ele em particular, mas para todos --, e por outro lado entra em choque
com o meio social, onde também as pessoas näo säo feitas de modo a enxergarem as coisas pelo
lado dele.
4o.) A posiçäo de Saturno expressa a primeira questäo que toma conta do indivíduo, expressa sua
dúvida fundamental que coloca em movimento a razäo.
Ou seja, quando é dito que Saturno é a razäo, isto deve ser entendido de maneira metafórfica. Ele
apenas assinala uma das doze direçöes da atençäo que dá o motivo do espanto, o qual coloca em
movimento a razäo.
De outro lado o Sol, na medida que expressa a faculdade intuitiva, expressa uma maneira de
conhecer bem diversa daquela da razäo, porque o que é intuído näo é conhecido como algo
construído, mas nos parece a traduçäo do próprio real, e näo elaboraçäo de nossa mente.
O conhecimento racional é sempre reflexivo. Quando estamos raciocinando fazemos uma
hipótese, que tomamos como real, ao lado de outras que tomamos apenas como possíveis.
Portanto o exercício da razäo sempre implica uma consciência da relatividade do conhecimento.
Com a intuiçäo näo, o dado intuitivo é tomado por nós como absoluto, inquestionável. De fato
assim é, sob certo aspecto. Mas ele é limitado; embora a intuiçäo nos dê um dado seguro do real,
nada garante que a situaçäo que estamos captando se esgota naquele dado captado. Por outro lado
näo está garantido que o ângulo pelo qual captamos é o mais adequado. É como se a intuiçäo me
desse dados que, se por um lado säo inquestionáveis, por outro lado näo vêm com uma indicaçäo
de qual o seu lugar no conjunto.
Quer dizer que o indivíduo que intui um aspecto lateral, insignificante de uma situaçäo, está
intuindo tanto quanto outro que intui o "miolo" do assunto. As duas intuiçöes säo válidas.
Somente a atividade da razäo é que vai criticar, localizar e relacionar as intuiçöes entre si.
Por isso mesmo, as limitaçöes mais graves da inteligência näo surgiräo na Casa onde está Saturno
(porque é nesta Casa que há o máximo esforço para transcender esses limites), porém essas
limitaçöes apareceräo na casa onde está o Sol, que indica uma espécie de "vício da atençäo", que
olha as coisas sempre por um tal lado, de modo que este lado é como se fosse a realidade mesma
no seu todo.
A intuiçäo tem esse problema, de ser barbaramente convincente. Ela faz com que você se
identifique com o que você vê. Tudo aquilo que é intuído passa a ser um elemento do seu mundo.
A intuiçäo näo deixa de ser um critério de veracidade, porque ela equivale à evidência -- se você
intui é evidente, se é evidente é certo. Só que essa evidência só pode ser tomada como válida se
for criticada pela razäo, e delimitada por ela.
Enquanto isolamos o conteúdo do que foi intuído sem tirar nenhuma conclusäo, estamos em
terreno seguro. O problema é quando interpretamos toda uma situaçäo por ela, tomamos a
intuiçäo como chave para tudo.
Näo existe intuiçäo do conjunto, ela é parcial por definiçäo. O todo só nos é conhecido de modo
potencial, näo atual. Se pudéssemos ter uma visäo atual, efetiva do todo, veríamos o universo
inteiro, todo o seu desenvolvimento desde o início dos tempos até o fim; isso näo existe. Um
conhecimento destes näo pode ser intuitivo, isto é, atual e efetivo, mas apenas potencial, como
um esquema de possibilidades concebido racionalmente.
Aí está o absurdo das afirmaçöes tais como: "a intuiçäo unifica tudo; a razäo separa". É
exatamente o contrário: a razäo articula as coisas no todo, e a intuiçäo afirma as partes, os seres e
as situaçöes singulares.
Já vimos que é mais difícil fazer o indivíduo enxergar qual é o traço de caráter equivalente à sua
posiçäo de Sol do que a de Saturno. A posiçäo de Saturno é o órgäo que dói. Já a maneira de
intuir parece täo natural ao sujeito que o indivíduo nunca a questiona, näo experimenta enxergar
de outra maneira.
Somente através da razäo podemos conceber outras maneiras de ver. Para chegar ao ponto de
captar intuitivamente o que o outro enxerga, eu preciso conhecer profundamente este indivíduo,
ter uma longa convivência.
Vale lembrar que, na explicaçäo dessas diferenças cognitivas, existe a dificuldade do uso das
palavras. Näo podemos esquecer que o mundo linguístico do indivíduo também depende do
mundo intuitivo dele. Nunca haverá uma expressäo plena e segura de todas essas diferenças
cognitivas. Haverá sim uma expressäo técnica, mais ou menos convencional (ou seja, que apenas
designe um conteúdo que é dissertativo). Nós vamos ter de encontrar um esquema descritivo
aproximativo, e convencioná-lo, para cada uma das posiçöes planetárias.
Eu näo consegui até hoje expressá-las numa linguagem inteiramente conceptual. Sempre tenho
que recorrer a imagens, a exemplos, o que torna este estudo um pouco deslizante. Precisamos
chegar a uma fórmula interpretativa de cada posiçäo, numa expressäo consistente, uniforme, e de
interpretaçäo unívoca (de consenso).
Casa VIII:
A oitava casa é a percepçäo do potencial de açäo de cada momento, näo como expressäo do
próprio eu (como na Casa V), mas como expressäo da situaçäo mesma. Ou seja, a Casa VIII säo
as açöes que a situaçäo requer, ou seja, o que é preciso fazer neste momento. A Casa V é o que eu
posso fazer neste momento em termos de demonstraçäo de minha capacidade criativa.
A diferença é o seguinte: a Casa V é o que eu quero fazer agora; a Casa VIII é o que a situaçäo
requer que eu faça. Portanto a Casa VIII é o aspecto da urgência, do ato necessário em vista de
uma situaçäo. Por exemplo, se aparece um touro feroz na minha direçäo, todo mundo sabe que eu
tenho que correr. A percepçäo desta necessidade implícita de açäo em dada situaçäo, isto é o Sol
na Casa VIII.
Para o indivíduo com o Sol na VIII o mundo é constituído de um monte de estímulos à sua açäo.
As possibilidades de açäo que cada situaçäo sugere surgem para este indivíduo de maneira
imediata. Näo é raro que por isso estas pessoas pareçam irrequietas aos outros, e
permanentemente dispostas a fazer o que é preciso. Säo os primeiros que percebem o que é
preciso fazer.
Isto quer dizer também que, quanto mais a situaçäo sugere açöes, mais claro o indivíduo vê. E se
a situaçäo näo sugere nada, ele nada vê. A atençäo do indivíduo está voltada para as
oportunidades de açäo, ou de reaçäo, colocadas pelas situaçöes.
Passando para as condutas possíveis, dizemos que estes indivíduos enxergam melhor nas
situaçöes de emergência, de urgência. Ou seja, enxergam mais nas situaçöes anormais, de
precipitaçäo de acontecimentos, do que nas que transcorrem num ritmo normal. O personagem
Sherlock Holmes parece que foi concebido para isso mesmo, näo como caricatura, mas como
comportamento característico. Näo é que ele comece a agir na hora que é solicitado, mas começa
a pensar, a intuir, a prestar atençäo a partir do momento que lhe acontece algo. Näo é uma mente
contemplativa; é uma mente que só liga quando há um estímulo do mundo exterior.
Inversamente, o indivíduo que tem Saturno na VIII, para ele as situaçöes que solicitam uma
decisäo imediata desencadearäo nele o senso da crítica, do paradoxo. Desencadeará uma
sequência de pensamentos que contradizem esta possibilidade de açäo, que a problematizam e
rejeitam criticamente.
Para Saturno na Casa VIII as situaçöes de emergência, que o solicitam, surgem para ele como
oportuidades de operar uma abstraçäo sobre elas, e tentar achar uma regra geral de conduta que
solucionem todas as emergências de um mesmo gênero (por exemplo, a estrutura de uma
UTI).Este indivíduo gostaria de estar sempre prevenido, com um conjunto de esquemas que lhe
permitissem dar conta de todas as emergências que surgissem. Mas isto é impossível.
Dentro das condutas possíveis, este indivíduo pode se tornar perplexo, paralisado perante as
situaçöes de emergência, ou, ao contrário, nas situaçöes emergenciais nas quais já tenha refletido
e se sinta preparado para enfrentar, pode mostrar uma eficiência fora do comum.
Com o Sol na VIII o que existe é uma adaptaçäo simples e imediata a qualquer situaçäo do
momento.
Existe um aspecto subjetivo, um aspecto afetivo na relaçäo de Sol e Saturno:
Geralmente, onde o indivíduo tem o Sol, ele gosta de permanecer olhando as coisas desde aquele
ângulo, parece-lhe natural estar vendo as coisas daquele jeito. Ao passo que na Casa de Saturno é
o contrário, säo situaçöes que incomodam o indivíduo, e que ele procura dominar precisamente
porque näo gosta (consideraçöes como estas devem ser feitas com cuidado).
Um caso dramático de Saturno da VIII visto recentemente foi o de José Sarney. Sempre que as
situaçöes engrossavam ele ficava em dúvida, paralisado.
Mas para conduzir um processo racional, com decisöes a longo prazo, o indivíduo com Saturno
na VIII é bastante adequado.
Um mecanismo frequentemente observado nas Casas onde está Saturno, é que nestas o indivíduo
se resguarda atrás de uma atitude profissional, impessoal, social, de modo a poder dizer: "Näo
sou eu que estou fazendo isto, é a lógica mesma, ou a força das circunstâncias que me obriga."
Isto é sempre um alívio na Casa onde está Saturno.
Isto funciona até certo ponto. Porque pode ser também um princípio de falsa consciência, porque
o indivíduo pode sempre se resguardar atrás disso e achar que não tem responsabilidade pessoal
alguma no que fez.
No setor intelectual e artístico podemos tirar uma constante de conduta de indivíduos com Sol na
VIII. Näo encontraremos indivíduos que tenham uma obra planejada de antemäo. Tende a uma
série de rupturas, como Sartre, que mudava de idéia toda semana, conforme a situaçäo requeresse
uma resposta dele.
As pessoas com Sol na VIII säo consideradas irriquietas intelectualmente, näo fisicamente.
Vamos ver maior predomínio de açäo física quando há Marte ou Júpiter na VIII. Lincoln, por
exemplo, ficou famoso primeiramente como lenhador, depois como lutador e mais tarde como
orador. Imitava os gestos dos adversários, mimetizava, era um ator. Tudo isto é açäo muscular; se
tirarmos, abstrairmos tudo isto de sua personalidade, ele näo será mais o mesmo personagem.
No indivíduo com Saturno ou Sol na VIII a açäo física pode estar totalmente ausente. Ela é
irrelevante, o que interessa é a resposta intelectual.
Casa III:
Com o Sol na III acontece uma inteligência intelectual muito peculiar. Ela sempre desliza do
significante para o significado. É uma inteligência na qual tudo é sinal de outra coisa (esta é a
característica mais marcante).
Tem um contraste marcado com o Sol na II. Este intui diretamente uma sensaçäo. O indivíduo
com Sol na III desliza sobre esta sensaçäo para ver de onde isto veio e aonde vai. Ele se interessa
pelo antes e pelo depois. Por isso dizemos que é uma inteligência interpretativa (hermenêutica),
embora interpretar seja uma postura racional, e näo intuitiva. O Sol na III tem como que uma
intuiçäo de significado (a expressäo é meio paradoxal); é uma inteligência que está sempre pronta
a buscar atrás de uma coisa uma outra coisa, e geralmente percebe este fundo primeiro.
Por exemplo, na linguagem, quando falamos, acontece uma estimulaçäo sensorial: produzimos
sons, entonaçäo, voz, etc. Estamos täo acostumados a comunicar- nos que saltamos diretamente
deste sinal físico para a intençäo significada. Porém fazemos isto com maior ou menor
velocidade.
Podemos fazer a seguinte pergunta: "Se entender a linguagem é interpretar, e interpretar é ver
uma coisa atrás da outra, quantas coisas você interpreta?"
Uma pessoa com Sol na III interpreta tudo, tudo para ela é símbolo de outra coisa, mesmo as
impressöes sensíveis. É natural ela prestar pouca atençäo no estímulo isoladamente; desliza
rápido para as suas conexöes e significaçöes de causa, etc Näo se trata de estabelecer relaçöes e
conexöes -- isto é atividade racional --, trata-se de trocar um conteúdo intuitivo por outro que
também é intuído.
Por exemplo, você vê uma vaca. A primeira coisa que você vê é a aparência da vaca; mas você
sabe também que a vaca dá leite. O indivíduo com Sol na III é como que näo visse a vaca, mas
visse diretamente o leite; a vaca é como que um pretexto para enxergar algo mais. Cada
informaçäo interessa pouco em si mesma, porque o indivíduo quer outra e mais outra.
Isto é distinto da atividade conceptual, onde há a substituiçäo de um dado por um conceito (näo
de um dado por outro dado). Isto só pode ser feito pela razäo.
A memória do indivíduo com Sol na III vai ser uma memória de histórias, de nexos, de
interligaçöes.
No caso do indivíduo com Saturno na III, esta passagem, este deslizamento, é obstruído pela
pergunta: "por quê?" A situaçäo mais incômoda é quando o indivíduo fala "banana", e pára pra
pensar o que o som " banana ?" tem que ver com a banana propriamente dita. Esta pergunta só
será respondida quando ele se tornar um linguista. Ele entenderá que os sons individualmente näo
correspondem a nada, mas que apenas a coleçäo de sons, na sua totalidade, é feita para ser um
sistema das diferenças das percepçöes de coisas. As palavras näo säo coisas, säo diferenças entre
coisas. Esta resposta pode acalmá-lo.
O processo da significaçäo vai ser questionado, e nesta hora ele pára de enternder o que é banana,
e vai tentar raciocinar sobre a teoria da significaçäo já aos cinco anos de idade.
Passando para o plano da conduta, este indivíduo nos dará uma idéia de extrema inteligência e
burrice ao mesmo tempo. É uma inteligência profunda, mas ineficaz, sem flexibilidade. Demora
para entender as coisas porque fica meditando sobre coisas mais profundas, fora da capacidade
dela no momento. Isto pode ser a causa de fracasso escolar.
Toda interpretaçäo baseia-se num código. Entäo ela tem um elemento arbitrário. Portanto näo dá
segurança ao indivíduo, que passa a questionar a interpretaçäo espontânea que ele mesmo está
fazendo. Isto pode fazer com que a linguagem, o esquema de grafismos, os sons e sinais fiquem
separados da realidade, do mundo da percepçäo, e para Saturno na III isto torna-se o grande
dilema -- o abismo entre o mundo dos sinais e mundo das percepçöes.
Em termos de conduta, podemos constatar a dificuldade do indivíduo em articular o que está
falando, com a situaçäo que está intuindo. Pode agir como um mentiroso: "Se posso falar
qualquer coisa e isto näo tem conexäo com o mundo percebido, posso combinar as palavras do
jeito que quiser, tudo é falável. Onde está a diferença entre mentira e verdade?"
A posiçäo de Saturno sempre coloca um desconforto, e o indivíduo vai ter de se posicionar em
face deste desconforto. Alguns podem tentar apagar o problema, e tendo Saturno na III pode se
transformar num mentiroso inconsciente, que näo sabe que está mentindo e nem quer saber. Ou
pode duplicar o esforço para entender o problema. Nenhuma dessas posturas resolve inteiramente
o problema, porque se trata de um problema cognitivo.
Se você levantou o problema do que é a linguagem, qual sua relaçäo com o mundo percebido,
entäo você mesmo terá de responder.
Todo ser humano tem perguntas que só podem ser respondidas com o conhecimento. Mas nem
todos väo dedicar seu tempo à procura dessas respostas; elas querem uma soluçäo prática para
alívio do desconforto. Entäo dividimos as pessoas em dois grupos, as que querem a verdade, e as
que querem alívio. Estes últimos näo o encontraräo; a nível puramente pragmático o problema
näo tem soluçäo.
Isto é a marca de que o homem é um animal racional, um ser feito para investigar a verdade. Ele
é capaz disto, e se näo atende a isto fica deficiente. Näo é concebível que a natureza produzisse
um animal täo complicado e complexo em seu sistema nervoso só para trabalhar e sustentar a
família.
Toda e qualquer verdade "pronta" faz mal para o homem. Ele tem que usar a cabeça para saber o
que é verdade ou näo.
A religiäo sem a tensäo religiosa só serve para corromper o sujeito, usada como "alívio". A
tensäo está exatamente entre a fé e a dúvida. Onde näo existe dúvida, a fé é um analgésico da
consciência. E como as pessoas buscam a fé para näo terem dúvida, entäo ela é um analgésico na
quase totalidade dos casos.
Entre o homem que busca a verdade (consciente de sua natureza racional) e o que näo a busca (o
homem pragmático), a diferença é a mesma que existe entre um ser humano e um animal.
Hoje em dia a racionalidade, inclusive a científica, tem sido mais um instrumento da animalidade,
com finalidades apenas pragmáticas. Fazer ciência, curar doenças, etc., deixa de ser uma
finalidade em si mesma, mas uma atividade instrumental apenas, que se esgota no atendimento de
necessidades animais. Além da racionalidade científica, a razäo mesma é uma finalidade do
homem. E a espécie humana é particularmente infeliz porque näo vive segundo sua finalidade. O
homem é o animal que pode, portanto deve, conhecer a verdade. Ele é como um tigre; deve caçar
a verdade por si mesmo, sem esperar que alguém lha traga. Acho eu que isto resume o pecado
original. O que é a árvore do bem e do mal (a árvore proibida)? É o gostoso e o desagradável. O
que é a árvore do conhecimento? É da busca da verdade. Dessa o homem pode comer, da outra
näo. A primeira é a das necessidades meramente animais, a segunda a das necessidades humanas.
AULA 54 12 MAIO 1991 FITA III - LADO A

É feita diretamente para o homem pragmático. Ela é uma resposta no campo existencial. Näo
eram os caras que eram melhores alunos, mais aplicados, nem os caras cultos, näo foi assim. Mas
foram aqueles que na juventude tiveram experiências profundas e marcantes. Por exemplo, o
pessoal que fazia política estudantil, que corria riscos, etc. Estes se tornaram mais inteligentes. O
aprendizado intelectual na adolescência e perda de tempo, claro que existem exceçöes, que säo
exceçöes vocacionais. Entäo, aquele indivíduo tem jeito para aquilo. Mas em geral o aprendizado
intelectual na adolescência é perda de tempo, ele vai esquecer tudo, tudo. Agora, uma outra coisa
em contraste com o que estou falando, o único aprendizado que é bom na infância e na
adolescência é o aprendizado de línguas. Nunca mais você vai encontrar tanta facilidade quanto
na infância e na adolescência. Mas o resto, por exemplo, você aprender matemática aos 12 anos
de idade, me explica para que serve isto? Você vai começar a entender este negócio quando tiver
30, 40 anos. Entäo você vai decorar um monte de bobagens, carregar aquela carga imensa de
coisas, sem entender. Você estudar história, por exemplo, é quase impossível.
Bom, o Sol na casa IX se caracteriza pelo seguinte: existe um momento no processo intuitivo
onde uma percepçäo, uma intuiçäo vem acompanhada de uma crença muito profunda. Se nós
pegarmos esse processo do Sol na III, que é de varar o dado e ir um pouco mais atrás; se no
momento onde esse processo pára e o indivíduo tem a impressäo de que viu a verdade, isto é o
Sol na casa IX. Ou seja, o que ele enxerga coincide perfeitamente com a sua expectativa e com a
sua crença. Ou, dito de outro modo, coincide com o que ele quer. Nem sempre nós temos a
capacidade de enxergar as coisas como nós quereríamos que fosse. Näo é isto? Por exemplo, se
eu estou contra um indivíduo, eu detesto aquele indivíduo e, no entanto, eu o vejo em certos
momentos como uma luz favorável, entäo eu fico dividido. Entre o que eu quero, o que eu creio e
o que eu enxergo tem um hiato. Se eu conseguisse olhar aquele indivíduo sempre como uma luz
desfavorável, entäo a minha crença coincidiria com o que eu estou enxergando. Isto é a casa IX,
capacidade que o indivíduo tem de ver as coisas de maneira que coincida com a sua vontade.
Entäo, isto é que vai dar a experiência subjetiva da certeza. O sujeito só vê o que ele quer, mas
ele näo está falseando, embora aquilo possa ser objetivamente falso. É a adequaçäo da intuiçäo
com o restante da personalidade, e ele enxerga as coisas de uma maneira que é harmônica com o
que ele mesmo é. Onde existe a coincidência entre a intuiçäo que o sujeito tem e o que ele deseja
ser, isto é casa IX. Entäo, isto é o dom da certeza. Nós podemos isto negativamente: é a
capacidade de näo prestar atençäo naquilo que contradiz o seu modo de ser. O Sol na casa IX
sempre vem junto com uma certa dificuldade de você aprender a perspectiva de um outro. Em
termos de conduta, as pessoas que têm o Sol na casa IX näo säo, por exemplo, boas alunas, difícil
serem, podem ser pessoas muito inteligentes. Isto näo é dogmatismo, porque dogmatismo é
quando uma conduta é tomada como molde; o fato de o sujeito ser assim näo quer dizer que ele
proclame que todo mundo deva ser assim. Dogmatismo näo é um traço de inteligência, é um
traço de conduta apenas.
Dito de outro modo, nem sempre nós concordamos afetivamente ou volitivamente com o que
vemos. A casa IX é um ponto de acordo entre o enxergar e o concordar, entre o intuir e o
concordar, a casa IX em si mesma. O Sol na casa IX destacará esta possibilidade. Dizendo ainda
de outra maneira, um ponto de coincidência entre o verdadeiro e o certo. Seria próximo de Sol na
casa I, apenas com a diferença, (?) que essas três casas estäo relacionadas com o símbolo do fogo,
que säo a I., a V, e a IX., säo casas onde existe um comportamento auto referido.
Apenas na 1a. casa ela é referida à sua figura; na 5a. é referida às suas forças, ou capacidade de
açäo; e na 9a. é referida às suas crenças ou preferências. É como se você dissesse que esses três
indivíduos que têm o Sol na I, na V e na IX, têm a capacidade de enxergar só aquilo que lhes
interessa. É o que vai fazer deles pessoas onde o ser visto, ou seja, onde o existir predomina sobre
o inteligir. Existir é ser visto, se manifestar para fora. Exemplo, um ator no palco. Se o ator no
palco deixar de prestar atençäo no que ele mesmo está pensando e prestar atençäo na platéia, o
que acontece? Acabou. Isto se refere a Sol naI, V e IX.
Outro exemplo, se o sujeito que está executando uma música parar de prestar atençäo nele
mesmo e começar a prestar atençäo ou na platéia ou numa inadequaçäo qualquer de um
instrumento, o que acontece? Pára a música, ele erra. A capacidade de näo ver, de näo enxergar,
é, às vezes, necessária para que a conduta seja inteiramente pessoal. Entäo, esta coisa
autocêntrica aparece nestas três casas. Só que ela aparece de uma maneira direta e espontânea,
quando tem o Sol e de uma maneira problemática, confusa e auto contraditória quando tem o
Saturno na casa. Parece assim, o sujeito que tem o Sol na Casa IX tem a capacidade de só saber o
que ele quer saber, de só enxergar o que concorde com o que ele já pense. De certo modo, ele é
um cego. Mas o curioso é que isto näo fará falta, na conduta dele ele näo precisa entender o que o
outro pensa, basta entender o que ele mesmo pensa. Quer dizer, é como se nós disséssemos que
as funçöes receptivas säo todas conscientes nessa pessoa.
É claro que se eu estou conversando com um sujeito com o Sol na casa IX, é lógico que ele está
percebendo o que estou falando, só que a atençäo dele näo se volta para este ponto, a atençäo se
volta para o que ele mesmo pensa. E a faculdade receptiva é totalmente inconsciente. Assim
como, por exemplo, vamos fazer uma analogia com o Sol nacasa V: se você tem dois jogadores,
o mais importante näo é você perceber a jogada do adversário, mas você manter a iniciativa na
sua mäo, näo é isto? Portanto, essa parte que emite informaçöes é muito mais importante que a
que recebe. Talvez o segredo de Sol nas casa I, V e IX seja nunca ficar na defensiva, e sim
sempre na ofensiva, no ativo e deixar o defensivo para o subconsciente. Todas essas diferenças de
que estamos falando näo säo diferenças no sentido absoluto, mas diferenças do atual e do
potencial, do consciente e do inconsciente. Por exemplo, se você disser assim: o indivíduo que
tem o Sol na casa VII está consciente das outras pessoas, mas isso näo quer dizer que ele näo
esteja consciente dele, apenas o controle que ele faz da sua própria conduta é um controle
automático e incosnciente, ele näo precisa pensar nisso, näo precisa prestar atençäo nisso. Quer
dizer, é como um palco giratório, tem o que está na frente do palco, e tem o que está no fundo,
mas as duas coisas estäo lá. Entäo para o indivíduo que tem o Sol na I, quem está na frente do
palco é ele mesmo e a percepçäo dos outros é jogada para o fundo, é automatizada. Portanto, ela é
rudimentar, isto é, ela é reduzida ao mínimo, mínimo indispensável para poder continuar a agir.
Entäo este mesmo traço que nós vemos com Sol na casa I também existe no camarada que tem o
Sol na IX, apenas transferido para o setor intelectual, näo existencial.
Pessoas com Sol na casa IX, no plano das condutas, säo pessoas que se näo descobrirem as coisas
sozinhas näo väo descobrir de forma alguma. Agora, inversamente, a posiçäo de Saturno torna
problemática esta admissäo que o sujeito faz daquilo que ele mesmo crê. Quer dizer, qualquer
coisa na qual ele tenha um sentimento de certeza e automaticamente problematizada. É como se
dissesse, é um indivíduo que näo pode realmente crer em nada. É por assim dizer, impedido de
sentenciar. No plano da conduta, isso aí pode encontrar um monte de saídas, uma delas é o
indivíduo ficar cético e debutativo, quer dizer, colocar tudo entre parênteses. A outra seria a de
ele aderir arbitrariamente a qualquer corpo de crenças que lhe pareça ter consistência lógica e
afirmá- lo fanaticamente para aliviar a dúvida, isto é a repressäo da razäo. A repressäo da
atividade crítica da razäo é um dos fundamentos da neurose. O indivíduo faz a crítica racional,
mas, ao mesmo tempo, ele se impede de ver que está fazendo isto, näo quer saber.
Eu acho que a repressäo da razäo é muito mais grave do que a repressäo do sexo, por quê?
Porque o homem pode viver sem sexo, mas e viver sem razäo? Você näo pode viver cinco
minutos sem a razäo. Portanto, se você reprime, por exemplo, o instinto sexual, no máximo o que
você pode ter é um desequilíbrio energético que, aliás, como já demonstrou o Dr. Freud, resolve-
se facilmente no sonho, você sonha que fez as coisas que näo fez e fica tudo resolvido. Se você
sublimar no sonho, está resolvido, mas como vamos sublimar a razäo? Do mesmo jeito que
sublimamos o sexo, ou seja, os conteúdos críticos negativos da razäo säo passados para o sonho,
para a atividade inconsciente. Acontece, pelo fato da razäo ter uma coerência, dela acabar, de
uma maneira ou de outra, presidindo o seu comportamento; entäo você começa a agir de acordo
com uma lógica interna que você desconhece que está no seu subconsciente. Basta seguir um
pouquinho nesta direçäo para chegar à demência. Qualquer sujeito que seja obrigado, por força
do seu cargo, posiçäo social, a defender sempre uma mesma posiçäo, das duas uma, ou ele vai ter
que crer realmente naquilo ou entäo ele vive em permanente perigo para a sua integridade. Por
exemplo, a razäo exerce a sua atividade crítica, quer você queira, quer näo. Portanto, aquilo em
que você crê hoje, você pode duvidar, a razäo pode colocar aquilo em jogo. Mas e se o sujeito
tem que comparecer perante o público reafirmando a mesma coisa? Por exemplo, eu sou um
pastor protestante, um padre ou qualquer coisa e eu tenho que continuar reafirmando aquela
mesma verdade da qual, por dentro, estou duvidando. Entäo eu posso assumir o meu estado de
crise, ou posso reprimir a atividade crítica, chutando para o inconsciente. Se eu chuto para o
inconsciente, eu mantenho a coerência aparente do campo consciente, mas a minha conduta acaba
saindo, por baixo do pano, levada para direçöes que eu näo quero. Por isso que a grande
divergência a partir das posiçöes de Saturno é esta: existe um comportamento que a gente diz
crítico. Entäo, o homem que está dividido é que sofre. Ou seja, ele está conscientemente dividido,
é consciência cindida, é consciência que luta contra si mesma. Essa é uma das possibilidades, isso
equivale ao homem que sofre. Por outro lado, tem o homem que puxa o conflito para fora da
consciência e que conscientemente näo sofre, mas cuja conduta é incoerente, entäo este é o
homem ineficiente. Isto é a quase totalidade da humanidade. Quer dizer, a capacidade de sofrer
conscientemente de uma dúvida muito pouca gente aguenta. Entäo, por exemplo, no caso de
Jimmy Schwagart (?), um grande pastor protestante, um homem de uma eloquência fora do
comum, que arrebatava multidöes e convertia todo mundo e que depois foi descoberto num
bordel, descobriram que ele era um voyer, as prostitutas mantinham ato sexual e ele lá
observando, vendo, como o personagem do filme "Sexo, mentiras e videotape". Bom, isto
evidentemente näo é uma consciência cindida, mas é o caso de um indivíduo que tem uma
conduta que nega tudo em que ele acredita. Certamente esta conduta era chutada para baixo do
pano. Na hora de fazer a pregaçäo, ele näo se lembrava de pensar: "bom, estou pregando uma
coisa, mas na verdade quero outra". Entäo, estou com um problema, porque estou pregando que
todo mundo deve abdicar do pecado etc, etc, mas eu estou ao mesmo tempo praticando aquelas
mesmas coisas que eu considero pecado, entäo das duas uma, eu vou ter que dar um jeito. Posso
ir para o lado da consciência cindida, que seria o melhor. Mas, bom, tenho aqui um problema,
acredito intelectualmente numa coisa, mas existencialmente näo acredito nela, porque se digo
uma coisa, mas faço outra, entäo é porque näo acredito inteiramente naquilo. Entäo, das duas
uma, ou vou ter que mudar este corpo de crenças, fundamentar a minha conduta, defender a
minha conduta, ou vou ter que abdicar dessa conduta, vou ter que dar um jeito, vou ter que fazer
uma psicoterapia, tenho que parar com isso de algum modo. Ou paro com isso ou mudo minhas
crenças. Porém, a segurança com que ele pregava todas essas coisas no protestantismo contrasta
violentamente com a conduta, portanto, näo é o caso de consciência cindida. Ao contrário,
consciência tem uma certeza em bloco, apenas ele estava fora de foco.. (FIM DO LADO A)
.....É puxar para dentro dela, puxar para dentro da consciência todas as divisöes e todas as
contradiçöes. Consciência cindida é quando você sabe que você está dividido. Por exemplo, eu
sei que desejaria acreditar numa coisa e prefiro fazer outra, entäo eu tenho que usar a inteligência
para ir trabalhando aquilo até achar uma soluçäo, nem que isto dure até o último dia da minha
vida. Entäo esta soluçäo preserva a inteligência, mas a custa de muito sofrimento, o homem
dividido sofre. Eu, pessoalmente, acho que ter consciência é ter consciência culpada, portanto, é
ter consciência dividida. Porque se o indivíduo näo tem a consciência culpada, näo tem a
consciência dividida, das duas uma, ou ele é santo ou chutou a divisäo para debaixo do tapete.
Entäo sofrer na inteligência é próprio do homem inteligente e consciente, ou seja, do homem que
deseja a coerência, deseja o bem e, näo obstante, compreende as divisöes, as contradiçöes da
vida, os paradoxos em si mesmo. Ou seja, ele sabe que näo é um tratado de lógica, ele sabe que
näo é uma ediçäo do evangelho. Entäo, seria o caso também do sujeito pensar assim "mas se eu
sei todo o certo e só faço o errado, entäo esse certo näo pode ser täo absolutamente certo. Uma
coisa que é irrealizável por si mesma näo pode ser certa, ela é certa apenas em teoria, entäo temos
que repensar isso de alguma maneira. Pensar essas coisas, sofrer intelectualmente essas coisas e
tentar resolvê-las é carregar cruzes e isto é enfrentar a realidade. Entäo a saúde da inteligência é o
sofrimento da própria inteligência, a inteligência saudável sofre. Ela tem consciência culpada
porque tem consciência. Isto só é possível para o homem que deseja fundamentalmente a
verdade. Agora se ele deseja o alívio e o conforto, ele vai chutar essa divisäo para debaixo do
pano. Entäo eu divido os homens em dois tipos: os que carregam as contradiçöes e os que as
escondem. Näo precisa mostrar para todo mundo também, dizendo "Ah, eu estou dividido, eu
estou com problemas, näo estou entendendo nada, estou maluco". Também näo é assim; mas para
si mesmo. Tem que saber todas as suas contradiçöes, uma por uma e fazer da consciência que
você tem dela uma parte da sua visäo do mundo. Se nós formos conversar em termos de
psicopedagogia, psicoterapia, eu acredito na possibilidade do desenvolvimento humano uma
terapia centrada nisto aí, fazer o indivíduo arcar com a razäo, portanto, arcar com a contradiçäo,
ou seja, transferir o sofrimento dele do aspecto existencial para o aspecto intelectual. A
inteligência aguenta tudo, é a parte mais forte do homem. O homem aguenta viver em dúvida a
vida inteira. Por exemplo, se você vir o sofrimento intelectual de Santo Agostinho, de Pascal, é
uma coisa fantástica, säo problemas que se você transferir para a esfera existencial, você morre.
Como diz Säo Paulo Apostolo, "näo faço o bem que quero, faço o mal que näo quero". Eu estou
pregando o bem, eu sei o que é certo, mas na verdade, o que é que eu faço? Eu faço o mal , estou
consciente da minha contradiçäo. A obra de Säo Paulo Apóstolo é toda contradiçäo para cima e
para baixo, cheia de paradoxos.
Se o sujeito for sincero, ele näo dará esta divisäo, esta coisa cindida como provisória, dizer "Ah,
estou errando, ainda; mas serei santo". Esta divisäo faz parte da natureza humana. Mas Säo Paulo
Apóstolo näo diz: "faço por enquanto, mas vou continuar tentando, eu vou ser um cara legal". Eu
vou errar até o último dia, tenho o espinho da carne, näo tem jeito, tenho consciência culpada, sei
o que estou fazendo e é assim que tem que ser, e saber isto é o certo. Agora, você colocar o mal,
o pecado como estágios a serem superados, isto é o supra sumo da hipocrisia, isto é errado, näo
pode ser verdadeiro. O homem vai ter esta contradiçäo até o último dia, porque é um animal
racional. Ele é contradiçäo. Ele é um ponto de naturezas adversas entre si. Estar consciente disto
é carregar a condiçäo humana, o que importa näo é a resultante que você obtem na conduta.
Pode ter um sujeito que, por um esforço brutal, vai na direçäo do bem, uma conduta mais ou
menos boa, fazendo um esforço brutal aqui. O problema näo é conduta, é o que está na
consciência dele, porque ele pode ter uma conduta boa e até santa, mas apagando a contradiçäo,
entäo ele perdeu o melhor da história. Ele sabe que näo pode ser nem um pouco santo, näo dá
para ser nem um pouquinho. Quanto mais você tenta fazer o certo, mais você carrega a carga do
errado. Entäo o importante näo é fazer o certo, mas carregar a carga do errado, ou seja, padecer
na sua consciência, isto que é importante. Mas fazer o certo, qualquer imbecil com medo pode
fazer o certo. Quer dizer, se você aterroriza o cara, ameaça-o, o sujeito faz tudo certinho. Mas isto
melhorou o sujeito? Näo, melhorou a conduta dele, mas a conduta é apenas o elemento social
desse ser. Entäo, você obtém uma conduta melhorzinha de maneira que ele incomode menos o
próximo. É bom para nós isto, é bom para os outros, e para ele mesmo? Ele mesmo näo melhorou
em nada nisto. O homem näo pode melhorar, a näo ser na consciência, e a consciência dele
melhora à medida que ele é capaz de arcar com a contradiçäo. Se der para ele melhorar a conduta
também, é melhor para os outros, ele vai encher menos o saco. A contradiçäo näo diminui, ela
diminui na hora em que você morre, suprime a parte animal e fica só a racional. Quando você
morre, acabou o problema. A eliminaçäo das contradiçöes é o supra sumo da covardia. Näo, nós
vamos aguentar a contradiçäo, carregar a cruz até morrermos; esta é a mensagem do Cristo,
quando ele parou de sofrer? Quando morreu.
[É interessante que esta expectativa da eliminaçäo da contradiçäo, como é que ela perpassa a
pessoa ... Entäo, esta expectativa de que é uma condiçäo provisória, que a partir de um
determinado momento acabou, bom, näo haverá mais contradiçäo, isto é uma coisa que perpassa
a cabeça do pessoal em geral. Eu tive um professor que dava testes. Entäo, ele era especialista em
testes de Zulliger (?). Ele tinha um amigo que era padre, e ele viu o padre praticar alguns atos que
ele julgava bondosos. E ele aplicou o teste do Zulliger (?) no padre. Entäo, só que a análise que
ele fez disto, até como se ele tivesse decepcionado um pouco com o fato disso, assim julgava-se
que o cara que era padre, teria que já ter eliminado, por exemplo, essa tensäo, essa contradiçäo. E
essa contradiçäo é que se manifesta].
Você veja, entre a conduta boa e a conduta má, você pode passar uma para a frente do palco e
chutar outra para o fundo. Entäo, sua cabeça vive cheia de males, mas você só faz o bem. Entäo
você se torna uma pessoa falsamente melhor, você incomoda menos o próximo e até o ajuda. Isto,
sem dúvida, é um progresso, mas acontece que isto näo é um ponto decisivo. O ponto decisivo
näo está na conduta boa ou má, o ponto decisivo está na consciência do sujeito. Se ele fez isto aí,
parou de fazer o mal, está fazendo o bem, em prejuízo da sua consciência, ele é apenas um idiota
piedoso. Ele está redondamente enganado sobre si mesmo, ele tem uma falsa consciência e é
fundamentalmente um mentiroso. Agora, se o indivíduo fez isto pensando em procurar fazer o
bem, escondendo o seu mal, está consciente de que o esconde porque tem vergonha dele, mas o
carrega consigo. Esconde dos outros, mas näo dele. Mas ele pode ser traído. O homem de falsa
conciência faz o mal sem perceber, ele faz o mal com uma tremenda boa consciência. Este é o
pior tipo; ao meu ver, está na mais baixa escala da moral, o indivíduo faz o mal e näo percebe.
Geralmente a conduta moral e religiosa do homem vulgar é assim, porque o homem vulgar está
atuando na esfera do prazer e dor. No fundo, ele é um epicurista sem saber. Agora, existe a
possibilidade também: o indivíduo faz o bem, esconde o mal e carrega a má consciência, tipo Säo
Paulo Apóstolo, mas este é um herói; e existe o caso contrário: o indivíduo näo consegue parar de
fazer o mal e deseja fazer o bem e carrega a consciência dolorida. Este também é bom. Entäo, o
homem mau que sofre, sofre conscientemente, ele arca com a carga do seu mal; e o homem bom,
que esconde o mal, mas que arca com a carga dele, säo bons; isto no meu ver.
Na doutrina católica o mal existe e você näo se livra dele em nenhum minuto, ela é
fundamentalmente pessimista. Agora se começar com esse negócio de otimismo cósmico, dizer
que o mal näo existe, näo pode haver o mal, isto já é espiritismo, isto é outra coisa. A doutrina
cristä é profundamente pessimista contra a natureza humana, porque diz que o mal está na raíz da
existência humana, o mal está no pecado original, você näo pode apagá-lo. Você já nasceu
estragado, nada vai te consertar, mas isto é o realismo, livra de direito mas näo de fato, livra em
termos de juízo final e näo em termos de sua conduta neste mundo. E daí vai entrar outra doutrina
que vai dizer: "bom, mas se você puder se livrar do mal e ser bom entäo näo precisa mais de
graça divina", você se apresenta no juízo final carregado de direitos. Mas a doutrina verdadeira
diz o seguinte: "näo adianta todo o bem que você fez, você já chega lá com o pecado original, já
chega estragado, já está ferrado, você näo tem direito a nada". Eu pessoalmente acho que a
quantidade de pecados, de erros, tem menos importância que a qualidade da consciência.
- Já na Acese? Islâmica, essa consciência que pode estar, num certo sentido, ligada ao aspecto
racional, quando se chega nesta esfera de Saturno você entende o bem que havia no mal que você
fez. A contradiçäo sempre pode ser absorvida num outro ponto, o ponto de vista humano é
perene. Mas está ligado no racional, esse aspecto da razäo é aquele responsável pelo
enquadramento de toda conduta numa direçäo onde o mal e o bem estäo, näo aduladas, mas estäo
no sentido existencial, encaixadas em planos onde a contradiçäo é sempre absorvida num outro
ponto. O ponto de vista humano é perene. A medida que você vai passando do código epicurista,
do prazer e dor, para o código da verdade e erro, a sua preocupaçäo com o mal e o com o bem
que você faz, diminui formidavelmente, já näo se interessa tanto em saber se você é bom ou mal,
você já sabe que é mal mesmo. Existe um mérito na admissäo da verdade, o amor à verdade é
uma virtude fundamental. Se além de ter amor a verdade dá para você ter uma conduta um pouco
melhor, para encher menos o saco, melhor para nós, mas é somente isto, uma conduta melhor só
serve para os outros. Eu creio que este seja o sentido de dizer que Deus te julga pelo o que está
dentro e näo pela sua conduta, quer dizer näo é a conduta mas a chave da conduta, näo é o que
você fez mas porque o fez. Por exemplo, existe uma estória islâmica que acho muito bonita, o
Islä condena o suicídio, mas tem uma estória do indivíduo que se suicidou de medo do juízo final,
e foi absolvido por isto; o que importa näo é a conduta mas o fundamento da conduta. Agora, isto
só Deus pode julgar porque a gente nunca sabe, a nossa investigaçäo sobre o fundamento da
conduta alheia vocês estäo vendo aqui como ela é problemática, as ocasiöes onde você consegue
realmente captar os motivos da conduta alheia säo raríssimas, requerem uma investigaçäo
desgraçada. Como é que você poderia julgar todas as pessoas assim? Entäo julgamos
provisoriamente näo pessoas mas apenas atos, ou seja, condutas, tomadas isoladamente. Agora,
julgar pessoas é absolutamente impossível, porque precisaria julgar pelos motivos da conduta. E
para conhecer os motivos da conduta de um nós já ficamos pulando como um cabrito, entäo fica
igual a justiça brasileira, leva dez anos para cada processo. Entäo, por isto mesmo é que julgar
pessoas näo é próprio do homem. Seus próprios motivos nem sempre säo claros para você, se
você conhecer seus próprios motivos você já é quase um gênio. Entäo por isso o homem näo tem
capacidade para julgar o homem, mas ele tem capacidade para julgar atos humanos isoladamente,
do ponto de vista exclusivamente jurídico. Quer dizer, a condenaçäo jurídica näo implica um
julgamento do indivíduo mas julgamento dos efeitos sociais daquela conduta, o sujeito pode até
ser um santo mas näo é isso que vem ao caso, é um julgamento meramente pragmático, isso é
máximo a que o homem pode chegar.
Tudo isso nós falamos a propósito da dupla conduta: uma conduta afirmada e outra praticada,
uma regra de condutas que é pregada e outra que é seguida na prática. Quem faz isto nós dizemos
que é um hipócrita, um indivíduo que é bom para fora mas que por dentro é ruim. O que importa
não é exatamente isto mas saber se o indivíduo sabe que está fazendo isto e esta divisäo, se esta
dicotomia dele faz parte da sua consciência ou se ela foi jogada para baixo do tapete, de maneira
que ele agindo detestavelmente tem, näo obstante, uma detestável boa consciência, uma
consciência tranquila.
Entäo, o indivíduo que pratica o mal com consciência tranquila é o pior de todos; isto está
colocado em um dos primeiros diálogos de Platäo, onde Sócrates contesta a idéia de que o mal
que é feito inadvertidamente é menos grave que aquele feito propositalmente. Do ponto de vista
jurídico, sim; mas ponto de vista jurídico é uma coisa, ponto de vista moral é outro. Do ponto de
vista jurídico, o crime cometido com intenção é mais grave que o cometido acidentalmente. Por
exemplo, se eu mato um indivíduo com um tiro porque eu quis matá-lo: isto é um crime doloso.
Se eu o atropelo inadvertidamente é um crime culposo, menos grave. Mas isto é do ponto de vista
jurídico. Do ponto de vista da moral, nem sempre a gente pode aceitar este ponto de vista da
intencionalidade. Se o indivíduo faz o mal, mas sem ter consciência ... Só que ele tem a obrigaçäo
de estar consciente de seus atos, ou seja, näo ter consciência deste mal que fez já é um crime
maior do que o mal mesmo.
Entäo, por exemplo, o sujeito atropelou fulano porque quis matá-lo e o outro atropelou porque
näo sabe guiar. Como você se mete a dirigir um ônibus se näo sabe guiar? Isto é um crime muito
pior, porque você está expondo todo mundo, toda a sociedade a um perigo, é um crime muito
mais grave do que atropelar uma pessoa só; e porque você quis.
Isto quer dizer que a inconsciência, em grande parte dos casos, é um agravante do mal, näo
atenuante, se bem que a ética da nossa classe média é: (mandamento número 1) "näo sei de nada,
näo fui eu que fiz".
Por exemplo, a minha filha, Leila, se derruba alguma coisa, ela fala: "näo fui eu, foi o bicho
papäo", porque ela só considera que foi ela se ela jogou (aí, sim, foi ela). Se caiu da mäo, entäo
näo foi ela. Quer dizer, entre a ausência de intençäo declarada e a inexistência do ato, ela näo
percebe a diferença.
Agora, quantos adultos näo säo assim? Eu posso te assegurar que na classe média brasileira, da
média para a alta, quase todo o mundo é assim: "Näo fui eu! Bebi, estava bêbado, cheirei a coca e
entäo joguei a dona do décimo andar. Näo fui eu, estava fora de mim". Foi o "bicho-papäo"? E
quem foi que cheirou a coca, entäo? Foi o "bicho- papäo"?
P: {...}
Eu digo que toda a classe média brasileira é assim, primeiro porque é a classe que eu conheço
mais, e eu acredito que, para a pessoa subir na vida e manter uma posiçäo alta, frequentemente
ela precisa ter uma boa consciência, senäo ela cai. Se ela começar a ficar muito dividida, ela cai,
vai pro brejo. Entäo frequentemente o "beautiful people" (as pessoas que estäo bem na vida) säo
felizes etc, é porque tem falsa consciência. E täo logo a consciência é dividida, a pessoa näo
aguenta e cai socialmente.
Entäo, também esse é um problema da falsa consciência. Sobre esse assunto tem que se estudar
Marx e Nietzsche. Veja que existe sempre a tendência de você explicar o próprio sucesso pelas
suas qualidades e o próprio fracasso pelas forças das circunstâncias.
Por exemplo, se eu tive sucesso e fiquei rico é "porque eu sou bom, sou inteligente, porque Deus
está ao meu lado"; todo o mundo explica assim. Ninguém chega pra você e diz: fiquei rico por
acaso, näo fiz nada. Mesmo que o sujeito tenha herdado uma fortuna, ele acredita que herdou por
seus méritos; e se ele perde tudo e fracassa, a culpa näo foi dele, foi do "bicho papäo".
Entäo, essas justificativas aparecem mais nas pessoas bem sucedidas que nas mal sucedidas,
evidentemente. O sujeito mal sucedido geralmente tem má consciência, ele tem consciência
cindida porque ele sabe que ele é mal sucedido. Eu já vi mais pessoas arrependidas porque näo
têm dinheiro para dar um presente para seus filhos, do que pessoas arrependidas de terem
prejudicado outras pessoas. As pessoas se arrependem dos seus fracassos, não dos seus pecados.
Isso é o que Proust chamava de arrependimento econômico, o sujeito näo se arrepende ter
assaltado um banco, mas se arrepende de ter assaltado num dia errado, porque retiraram todo o
dinheiro do caixa. Quer dizer, o ato mau, bem sucedido, näo causa arrependimento; você roubou
um tio e deu tudo certo, está com a consciência tranquila. Bem, e o ato bom mal sucedido? Aí o
cara se arrepende. Tudo isso é falsa consciência. E observamos a falsa consciência, com mais
frequência, nas pessoas bem sucedidas do que nas que estäo por baixo.
P: {...}
As classes superiores, o fato delas serem corruptas, mentirosas, isto é um fato universal; agora,
quando o próprio povo fica assim, aí, entäo, acabou. O povo sempre foi o reservatório das
qualidades morais, mas se ele também näo tem, daí, acabou. Mas eu vejo mais pessoas mal
sucedidas se acusando do que pessoas bem sucedidas. Você nunca ouviu falar que o homem mau
dorme bem? É o filme do Akira Kurosawa.
Portanto, quem está no ramo psicológico precisa apagar de vez o discurso róseo, senäo você
nunca vai entender o ser humano; a gente tem a obrigaçäo de ser pessimista. Psicólogo otimista é
o fim da picada. Quer dizer, você conhece o ser humano e, quanto mais você o conhece, mais
você tem que ser pessimista. Você pode ser otimista com relaçäo à natureza, a Deus e a alguns
muito raros homens, mas em geral você tem que ser pessimista.
P: {...}
Mas não confunda: caráter em si näo é mau, o ser humano é que é mau; um caráter näo é pior que
outro.
P: {Como é que você separa um do outro?}
É que este é um ato livre. Por exemplo, a escolha entre a razäo ou a animalidade é uma escolha
livre. Nada no horóscopo do sujeito ou no caráter dele permite a você antecipar se ele fará uma
escolha ou outra. A liberdade humana existe, infelizmente existe. Ou seja, liberdade também quer
dizer imprevisibilidade, näo dá para saber que lado o sujeito vai escolher; o fato é que a maioria
sempre escolhe a animalidade: prazer e dor, que ele chama de mal e bem. Entre a busca do prazer
e a fuga da dor e o que os indivíduos já chamam de moral eu näo vejo distância alguma, é a
mesma coisa. Só pode saber mais ou menos o que é moral o homem que busca a verdade. Aí,
sim, se ele saiu do plano do prazer e dor, portanto, saiu do plano do bem e do mal. Daí, desde o
ponto de vista da verdade, ele enxerga um outro bem e mal, referidos à verdade e a ele, aí sim.
Tudo isto é a problemática que aparece na sua vida através da casa onde está Saturno. Se näo
houvesse este limite à intuiçäo humana, nós ficaríamos seguros como um bebê: aquilo que nós
intuímos nos parece ser a verdade universal, nós nunca erramos, temos a segurança de um bebê
no colinho da sua mäe.
AULA 54 12 DE MAIO 1991 FITA IV

[...] O dever de conhecer a verdade, näo é isto?


Por exemplo, se o Marquês de Sade estava convicto de que tudo aquilo era bom (é bom, ele
coloca aqui a cabeça da moça, no torniquete e aperta, aperta, aperta e acha que isso é o bem,
porque isso lhe dá prazer), nós podemos dispensar o Marquês de Sade dessa informaçäo? Ele näo
tem obrigaçäo de saber que isto é prejudicial à saúde? Ele tem obrigaçäo.
Entäo, é assim: o bem e mal só existe em face da consciência. Se tiramos a consciência, bem e
mal vira só um discurso ideológico pra justificar a própria conduta.
Entäo, a consciência existe e se fortalece na medida em que existe a busca da verdade. Se näo
existe a busca da verdade e existe apenas a busca da vida, que importa o que você acha que é o
bem e o mal? O bem que você vai fazer é tudo mentira e o mal também. Se você abdicou da
verdade, você abdicou do bem. A verdade é coextensiva com o bem, ela é o bem mesmo.
P: {A busca da verdade é uma negaçäo do lado vital?}
Näo, é apenas um reconhecimento da limitaçäo. Porque um bebê está na verdade universal, tudo
o que ele sente, quer, deseja, tudo aquilo é universal. Se ele continuar assim, evidentemente ele
näo estará na verdade; a verdade só serve para bebês. A razäo nos coloca na posiçäo crítica de
saber a limitaçäo das nossas intuiçöes, de nossos desejos, das nossas inclinaçöes. Mas, em
princípio, a posiçäo natural do homem é de achar que tudo aquilo que ele quer é bom. Exemplo,
se eu quero aqui dar três tapas na cara do Joel, acho uma maravilha, porque me satisfaz; se eu
quero meter a mäo no bolso do Edmilson e tirar toda a grana que ele tem, pra mim é bom, me dá
um prazer desgraçado. Entäo, tudo o que me agrada é tido como bom, um bem universal. Bem
mais tarde eu descubro que näo é assim: ah! É bom pra mim, mas é ruim pra ele. Entäo,
precisamos tirar uma média.
Veja, nada que o homem faz é univocamente bom ou mal, esse que é o problema. Entäo, ele
precisa ter consciência, precisa examinar cada caso, precisa pensar, gastar a cabeça para ele achar
qual a atitude precisa em cada circunstância. E se o sujeito näo quer fazer isso, se ele já näo quer
pensar, entäo ele näo quer ter consciência moral, ele näo quer ter consciência alguma. Se abdicou
da consciência, abdicou da vida humana! Mais ainda: a indiferença pela verdade é dito no
Cristianismo que é o pecado contra o Espírito Santo. Todos os pecados podem ser perdoados,
mas o pecado contra o Espírito Santo näo é perdoado nem neste mundo nem no outro. Entäo
cometa todos, mas näo cometa este, näo é? A abdicaçäo da verdade! Esse aí näo pode. Mas e o
resto? Ah, bateu na mäe, bateu a carteira, em tudo isto pode se dar um jeito. P {...}
Aulas de junho de 1991.

AULAS DE JUNHO DE 1991. ÍNDICE DE JUNHO DE 1991 - SÃO PAULO

Aula 55 Fita I - Transcrição: Vivian.


1- A dinâmica da evolução do caráter à personalidade.
2 - A razão como ponto de passagem da auto-regulação animal para a auto regulação
propriamente humana.
3- Esquema do processamento cognitivo de uma informação, desde a percepção até uma ação
tomada pelo indivíduo.
Fita II - Transcrição: Janete
1- O valor diagnóstico de Saturno num mapa astrológico.
2- O primeiro obstáculo ao desenvolvimento do racional: a cisão entre razão e imaginação.
3- O pai como símbolo da razão.
4 -Paternidade, maternidade e suas funções.
Fita III - Transcrição: Vivian -
1- Paternidade maternidade e suas funções
2- O trauma da razão e sua psicopatologia.
3- A razão como a perspectiva humana de uma ordem cósmica e de uma lei universal.

Aula 56 ( 15 de junho): 9 folhas


Fita I : Transcrição: Joel Nunes dos Santos. 16 folhas
1-Advertência sobre a interpretação astrocaracterológica.
2- Outras ocorrências advindas da cisão entre a razão e imaginação.
3- Uma proposta pedagógica para o pleno desenvolvimento cognitivo.
4- Comentários às anotações de Stella sobre a aula anterior.
5- Definição de Inconsciente
Fita II
1-Características da razão
2- A beleza e a harmonia da poesia como reflexos do modelo cósmico.
3- Arte e demência
4- Saturno na casa cinco.
Fita III : Transcrição : Marly
1- Saturno nas casas cinco, onze, seis, doze e sete.
Fita IV
1- Saturno na casa doze

Aula 57 - (16 de junho)


Fita I: Transcrição Roberto Celotti
1- Sobre a natureza dos traços de caráter
2- A razão como perspectiva de dar coerência a própria imagem do
mundo
3- Chaves para a compreensão biográfica.
4- Alguns biografados: Mussolini, Pessoa, Hitler, Goethe, Proust.
Fita II: Transcrição: Soraia
1- Alguns biografados: Ghandi, Einstein, Koestler, Lincon, Trotsky, Stalin,
Nabuco, Nietzsche.
Fita III: Transcrição: Roberto Celotti 7 folhas
1- Alguns biografados: Mozart, Nit sche, Guénon, Hitler.
2- Chaves para a compreensão biográfica.
3- Sugestões para a entrevista astrocaracterológica.
4- Busca para a compreensão psicológica.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 55 SÄO PAULO, 14 DE JUNHO DE 1991 FITA I
TRANSCRIÇÄO: VIVIAN HAMANN SMITH REVISÄO: MERI A. HARAKAVA

Vamos aprofundar um pouco mais as possibilidades de desenvolvimento que o indivíduo tem, a


partir das posiçöes planetárias. É óbvio que, se aquilo que aparece no mapa é o caráter, entäo é
evidente que o caráter nunca aparece na nossa frente. O que aparece é a pessoa, composta de
caráter e de mais uma multidäo de coisas que, somando com a biografia, väo compor no fim o
que entendemos por sua personalidade. Se bem que aquilo que captamos no contato direto com o
indivíduo também não é a personalidade, mas uma espécie de resumo dela, a que nós poderíamos
talvez chamar a sua "presença". A pessoa tem uma presença que reflete algo da sua
personalidade, e desta personalidade, uma parte se chama caráter. Ou seja, nunca toparemos com
um caráter na nossa frente.
Por causa disso, a pura e simples descriçäo do caráter sempre pode parecer um pouco abstrata e
genérica; o que nós de fato encontramos na vida real säo comportamentos. E comportamentos
repetidos säo traços de personalidade. Quer dizer que a simples repetiçäo de um comportamento
näo o torna um traço caracterológico, no sentido de ser inerente àquele indivíduo; apenas lhe dá
uma importância estrutural maior -- entäo dizemos que é um traço de personalidade. Isso quer
dizer que, observando uma pessoa pelo seu comportamento repetido, conseguimos delinear
alguns traços de personalidade. Os traços de caráter se transformam em traços de personalidade
pelo seu enxerto com a biografia. Isso quer dizer que o mesmo traço de caráter, dependendo de
dados biográficos diferentes, pode tomar diferentes evoluçöes, diferentes desenvolvimentos, de
acordo com determinado jogo de composiçäo, um jogo de confronto dialético entre o que é
caracterológico e o que é biográfico. É disto que nós vamos falar agora.
Antes de estudar o que foi a vida do indivíduo, para que nós possamos captar como ele foi
evoluindo a partir do seu caráter, ou seja, antes de nós entrarmos numa narrativa real -- ele se
torna assim ou assado por causa disso ou daquilo que ele aprendeu -- seria bom nós fazermos um
quadro geral das possibilidades dessa evoluçäo. Ou seja, cada posiçäo astrológica,
correspondente a um traço de caráter, pode evoluir num certo número de direçöes básicas,
formando uma espécie de segunda combinatória. O caráter já é resultante de uma combinatória
das posiçöes planetárias: vários traços de caráter se combinam, formando um todo chamado
caráter. Cada um desses traços, por sua vez, tem um certo número de possibilidades de
desenvolvimento, que nós tomamos como as mais prováveis.
Por que as tomamos como as mais prováveis? Porque conhecemos este meio social onde estamos,
os valores vigentes, os sentimentos vigentes, os hábitos em matéria de educaçäo, de convivência,
etc., entäo supomos que existe um certo número de "dados na praça", que mais provavelmente
entraräo em combinaçäo com os dados caracterológicos. Isso näo quer dizer que esta segunda
tipologia -- que seria a tipologia dos desenvolvimentos possíveis a partir do caráter, que eu vou
esboçar aqui -- possa abarcar todos os casos, nem que esses casos tenham que ser os mais
significativos. Porém, no meio onde nós estamos (vamos tomar esse meio como sendo mais ou
menos a classe média paulista e carioca), as possibilidades de desenvolvimento a partir do caráter
säo em número mais ou menos limitado.
Quer dizer que, quando você se defronta com duas, ou três, ou quatro pessoas que têm posiçöes
planetárias semelhantes, nós sabemos que para cada uma dessas posiçöes existe um certo número
de evoluçöes possíveis que esses indivíduos devem ter percorrido. Como aquilo com que nós nos
defrontamos quando vamos ler o mapa é uma pessoa inteira, uma pessoa já pronta, e näo apenas o
seu caráter, se näo tivermos uma idéia desses esquemas de desenvolvimento possíveis, näo
saberemos aí voltar desde a personalidade, que está mais ou menos aparente, até o caráter, que
está mais ou menos oculto.
A evoluçäo do caráter à personalidade se dá por uma dialética. Dialética quer dizer um conflito
mais ou menos criador, onde dadas duas forças ou duas tendências, elas podem se anular
mutuamente, elas podem se reforçar, elas podem entrar numa síntese, e assim por diante. Quando
digo dialética, näo deve ser necessariamente no sentido hegeliano, onde, dados dois elementos, se
formará um terceiro, que é uma síntese. Nem sempre existe síntese, às vezes a contradiçäo se
perpetua num antagonismo que näo se resolve, näo se sintetiza, passando a ser, ele mesmo, um
traço de personalidade.
O elemento mais fácil a partir do qual nós podemos estudar a evoluçäo do caráter à personalidade
é precisamente a posiçäo de Saturno. Por motivos óbvios, por ele representar algo de uma
faculdade que é particularmente difícil de o ser humano carregar, que é a razäo. Quando
descrevemos o traço de personalidade correspondente ao traço de caráter, correspondente, por sua
vez, à posiçäo de Saturno, o que nós estamos tentando fazer é captar a dialética pela qual,
partindo de um traço de caráter referente à razäo, o indivíduo chega à idade adulta - suponhamos,
trinta anos - com um certo arranjo de soluçöes que ele conseguiu montar. Quer dizer que, entre as
exigências inatas de seu caráter, as exigências do meio, as exigências dos fatos da biografia, etc.,
esquematizou um conjunto de soluçöes que se tornaram habituais para ele. E, tendo se tornado
habituais, elas marcam a maneira daquele indivíduo pensar e esquematizar o mundo. Näo
propriamente pensar; cada indivíduo tem um certo grupo de procedimentos pelos quais ele
esquematiza a sua experiência, e esse conjunto de procedimentos e critérios resulta, em parte, do
caráter, em parte de elementos adquiridos e em parte dessa dialética entre inato e adquirido.
Quais säo as possibilidades desse desenvolvimento? Nós podemos partir da idéia, do próprio Max
Weber, do Tipo Ideal. O Tipo Ideal seria o desenvolvimento da razäo sem obstáculos. Vamos
supor entäo que o indivíduo, tendo o planeta Saturno em tal casa, e tendo portanto a sua
curiosidade, o seu dom de espanto despertado por um certo tipo de acontecimento diferente dos
acontecimentos que atrairiam a atençäo dos outros, começa, a partir deste evento, o
desenvolvimento da sua racionalidade, ou seja, da sua capacidade de esquematizar
conscientemente a totalidade da experiência.
Entäo, como seria o desenvolvimento ideal? Seria um desenvolvimento onde nenhum outro
elemento, nenhuma outra força, viesse perturbar o crescimento da capacidade racional. Como é
que ela cresceria? O que é a razäo?
A razäo é a capacidade de dar forma coerente à totalidade da experiência. Como essa capacidade
de coerência poderia crescer? O que seria o crescimento da capacidade de coerência, o
desenvolvimento da razäo?
Esse desenvolvimento teria que ser em dois sentidos: Primeiro, no sentido de que essa razäo teria
que ser capaz de ir abarcando áreas, domínios de informaçäo cada vez maiores - seria um
crescimento, por assim dizer, horizontal. Porém, só esse crescimento näo basta; é preciso que,
internamente, as estruturas da razäo do indivíduo se tornem também mais complexas, isto é, que
ele seja capaz de abrir novas chaves, que estabeleçam novas modalidades de relaçöes entre os
dados. Ou seja, que ele vá captando novas categorias, novos conceitos, nos quais ele possa
resumir domínios cada vez mais amplos de experiência, com uma experiência crescente.
Entäo, a razäo se desenvolveria no sentido da extensäo do continente abarcado; esse continente
seria, idealmente, idêntico ao conteúdo da memória, ou seja, idealmente, tudo aquilo que está
dentro da memória do indivíduo é - ou pode ser - colocado dentro do mesmo esquema racional.
Por um lado existe, entäo, esse crescimento quantitativo e horizontal, e existe, por outro lado, o
crescimento da integraçäo. Entäo, esse duplo processo, da extensäo do conhecimento e da
integraçäo, cada vez mais perfeita e mais organizada, se daria no sentido de uma abstraçäo cada
vez maior, num processo indutivo. Ou seja, cada vez que se vai ampliando a experiência do
indivíduo, mais facilmente ele classifica essa experiência dentro de conceitos abstratos mais
abrangentes. Se existe o crescimento, ao mesmo tempo, da extensäo e da integraçäo, existe uma
simplificaçäo cada vez maior.
Quer dizer que a razäo, idealmente, procura abarcar toda a experiência e resumí-la em três ou
quatro princípios básicos, convicçöes básicas, certezas básicas, sendo capaz de referir a elas toda
a experiência que lhe acontece. Isso seria o desenvolvimento ideal. Se näo houvesse nenhum
obstáculo, a razäo prosseguiria abarcando tudo aquilo que vai, através da intuiçäo, penetrando na
memória; ela vai abarcando, classificando e integrando, de uma maneira cada vez mais coerente,
até que todo o edifício da experiência possa facilmente ser resumido em um, ou em alguns
princípios básicos.
A razäo procura reduzir a um mínimo o trabalho do pensamento. É por isso que pensar näo é a
razäo. Na verdade, quanto menos racional é o indivíduo, mais ele vai ter que pensar. Porque se o
mundo da razäo estiver de fato organizado, a maior parte da experiência ele já sabe o que é, ele já
cataloga facilmente nos gêneros, espécies e princípios já conhecidos, e aquilo näo requer um
novo exame. Ou seja, a razäo opera no sentido da economia do indivíduo. Entäo, o máximo de
perfeiçäo da razäo seria o máximo de economia do pensamento. Näo haveria, idealmente, casos
omissos. Dentro do campo de princípios que fundamenta a atividade racional daquele indivíduo,
ele tem os princípios suficientes para explicar racionalmente toda a experiência que ele já tem, e
mais a experiência vindoura. De maneira que, à medida em que esta vai entrando, ele
simplesmente vai reclassificando dentro das mesmas chaves.
Esse processo é descrito por Piaget. Vamos dar uma chave: Quando você é criança, você vai
captando, no mundo que o rodeia, certas regularidades, ou seja, coisas que acontecem da mesma
maneira, e você atribui a essa constância um valor causal, um valor explicativo; você explica os
acontecimentos de uma certa maneira, você hierarquiza os acontecimentos. Quer dizer, um
acontecimento está vinculado a outro, de maneira que quando acontece um, vai acontecer o outro.
Por exemplo, o pai, quando sai para trabalhar, traz um doce para o filho; entäo, o filho acredita
que o pai está saindo para lhe trazer um doce. De maneira que, se o pai sai e näo traz doce, entäo
falhou a explicaçäo: entäo foi alguma outra coisa que o pai foi fazer. Demora para a criança
chegar a esta conclusäo, para ela derrubar o falso princípio que já estava estabelecido. E é
esquematizando princípios cada vez mais abrangentes, isto é, que deem conta da veracidade dos
fatos, que a razäo vai progredindo. É claro que de vez em quando ela dá saltos tremendos. Neste
processo de induçäo, ela näo vai por uma induçäo estatística; se fosse, nunca passaríamos da
inteligência de um garoto de três anos, pois nunca teríamos dados suficientes. Mas acontece que a
razäo tem alguma iniciativa, ela se antecipa aos fatos, criando novas chaves, novos princípios,
que às vezes säo de um acerto maravilhoso.
Mas o que importa é saber que a razäo, à medida em que coerencia os dados da experiência
vivida, os dados da memória, ela simplifica o trabalho do pensamento, ela diminui a área de
experiência pessoal, ou seja, o indivíduo näo precisa experimentar mil vezes a mesma coisa para
saber no que vai dar - ele experimenta duas ou três, e já faz a induçäo, imediatamente - portanto
ela economiza tempo e energia. Entäo, a razäo está ligada diretamente ao instinto de auto-
conservaçäo do indivíduo. Comparando com os animais, a razäo é, para o homem, aquilo que um
princípio de auto-regulaçäo instintiva é para os animais; a razäo é uma auto-regulaçäo do homem.
Se a razäo funcionasse de uma maneira ideal, se funcionasse exatamente como tem de funcionar,
em todos os casos, teríamos que ter um indivíduo que, ao alcançar a idade adulta, tem um
esquema racional suficiente para enfrentar todas as situaçöes que lhe säo pelo menos rotineiras,
como o animal crescido tem o domínio de todos os processos que ele necessita desencadear para
a sua subsistência. Por exemplo, um lobo crescido deve saber caçar; para saber caçar ele tem que
entrar numa comunicaçäo funcional com os outros membros da alcatéia, ele precisa saber cheirar
a pista dos animais, da caça, e localizá-la. Ou seja, ele tem um conjunto de procedimentos que
permite a sua subsistência, pelo menos no meio onde ele está habituado a viver. Claro que, se
você o transportar para um meio completamente diferente, ele pode ter problemas, no sentido em
que os fatos com que ele se defrontará ali näo estäo previstos no seu código.
Se o animal crescido tem esta auto-regulaçäo suficiente para assegurar a sua subsistência no meio
no qual foi criado, idealmente, a razäo no homem adulto deveria ser suficiente para ele dar conte
de todos os novos problemas e todas as novas situaçöes que podem surgir, dentro de uma certa
regularidade, no seu meio. Ora, nós sabemos que isso näo acontece. Sabemos que pessoas
crescidas, de vinte, trinta ou quarenta anos, estäo geralmente abaixo das solicitaçöes do meio. Ou
seja, näo conseguem dar conta da sua própria vida. Por quê? Porque houve algum obstáculo. Se o
animal adulto näo atingisse o nível de auto-regulaçäo necessária à sua subsistência, ele morreria.
Mas o ser humano näo o alcança. Entäo, o que acontece? Ele se socorre da razäo comunitária, da
organizaçäo da comunidade. E a comunidade, por sua vez, como comporta muita gente, e uma
variedade muito grande de tarefas e atividades, ela sempre acaba mais ou menos socorrendo o
indivíduo. Mas é evidente que o indivíduo necessita de tanto mais socorro, quanto menos ele está
estruturado. É só vocês verem o número de psicoterapias, trabalhos de auto-desenvolvimento que,
em grande número de seres humanos, a razäo näo alcança um desenvolvimento suficiente, nem
mesmo para as necessidades do indivíduo num meio costumeiro, no mesmo meio onde foram
criados. Porém, nós também podemos contar com a hipótese de mudanças repentinas desse meio,
como uma crise social, uma revoluçäo, uma crise econômica, uma guerra, ou um fenômeno
natural que perturbe a organizaçäo social. E neste caso os indivíduos se mostram ainda menos
aptos a enfrentar emergências.
Um animal adulto näo só está pronto a executar as tarefas de rotina para a sua subsistência, mas
ele tem uma infinidade de esquemas para enfrentar emergências. Por exemplo, os animais sabem
fugir de caçadores, mesmo aqueles que nunca foram caçados. Quando o primeiro caçador branco
chegou na Africa com a espingarda, os animais rapidissimamente aprenderam o que era
espingarda, e bolavam esquemas incríveis para fugir. Os caçadores de urso, por exemplo, relatam
que um urso chega a enganar caçadores, ele premedita falsas pistas. Isso quer dizer que o seu
esquema de auto-regulaçäo é mais do que o suficiente para as suas necessidades rotineiras, já que
ele abarca necessidades surgidas de situaçöes inéditas, e de emergências. Claro que existem seres
humanos capazes de enfrentar quaisquer emergências; mas a maioria näo é nem capaz de
enfrentar situaçöes de rotina, e vive, entäo, escorada no apoio de outros seres humanos.
Podemos dizer, entäo, que no ser humano acontece um desnível: alguns seres humanos väo muito
além das necessidades rotineiras, e conseguem até mesmo enfrentar as emergências mais
esdrúxulas. Ou seja, alguns têm muito a mais, e outros têm muito a menos. Isto näo acontece em
nenhuma espécie animal. Numa espécie animal, a capacidade de auto- regulaçäo de todos os
membros é mais ou menos homogênea, näo existe nenhum que seja muitíssimo mais hábil do que
os outros. Claro que existem diferenças de habilidade entre um urso e outro urso, entre um lobo e
outro lobo, entre um tigre e outro tigre, mas säo mínimas se comparadas às diferenças entre seres
humanos.
Por exemplo, quando vemos a habilidade de um sujeito como o Luis Carlos Prestes, que foi
perseguido pelo exército pelo país inteiro, fugindo, saiu do norte, foi para o sul, ninguém o
pegava, como se fosse um urso. Este homem é muito mais hábil do que os outros, muito mais
hábil que os seus perseguidores.
Um homem pode, entäo, ser infinitamente mais hábil do que os outros, em situaçöes inéditas. Por
outro lado, há pessoas que, diante da urgência mais elementar e mais rotineira, se revelam
incapazes. Näo parecem ser membros da mesma espécie. A espécie humana näo tem um nível de
capacidade que nós possamos dizer médio ou normal, näo existe. O ser humano pode estar muito
abaixo, ou muito acima, e será considerado normal, nos dois casos. E, mais ainda, graças ao
apoio da comunidade, a maioria de incapazes näo será destruída, será protegida. Isso quer dizer
que alguns seres humanos exercem sobre os outros, uma infinidade de outros, uma funçäo
protetiva, que nenhum animal exerce para todos os membros do seu grupo. Você pode procurar,
numa alcateia de lobos: existe um lobo que tenha que ser protetor de todos, enquanto os outros
fogem? Näo acontece isto. Ou seja, o nível de resposta de todos os animais àquele meio é mais ou
menos semelhante. Ao passo que, na espécie humana, o desnível pode chegar quase ao
incomensurável.
Por que é que isso acontece? Por uma infinidade de causas, mas, sem tentar abarcá- las nem
tentar oferecer uma resposta suficiente à pergunta, dá para vocês entenderem já que essas
diferenças de capacidade de auto-regulaçäo säo diferenças na capacidade racional entre um
indivíduo e outro. E essas diferenças devem surgir, ou do fator inato, biológico, - näo referido ao
caráter - ou do fator biográfico. Ou seja, nos mapas astrológicos näo veremos esta diferença.
Portanto nós deveremos procurá-la, ou na hereditariedade, ou na biografia.
As diferenças ocasionadas pela interferência de fatos durante a biografia podem aumentar as
diferenças entre seres humanos, nesta escala que eu estava lhes dizendo. De maneira que, entre
dois indivíduos com o mesmíssimo traço de caráter, nós podemos ver diferenças de capacidade
que väo do retardado mental ao gênio. Sem contar que o indivíduo pode ser gênio setorialmente,
e retardado mental setorialmente - ter capacidade para certas coisas e situaçöes, e outras näo.
Como se dá esta dialética? O começo da formaçäo da razäo é igual para todos: o processo da
razäo é desencadeado pelo espanto. Claro que existe no ser humano, logo que ele nasce, um
princípio de auto-regulaçäo animal. Nem todo aprendizado que o indivíduo faz já tem relação
com a razäo. Por exemplo, o garotinho que está aprendendo a andar, está aprendendo uma auto-
regulaçäo, e isto já é análogo à razäo.
Quando é que o indivíduo passa da pura auto-regulaçäo animal para a razäo propriamente dita?
Eu tenho a impressäo de que este ponto de passagem se marca no instante onde o indivíduo faz
uma pergunta a si mesmo, ou seja, onde entra uma dúvida consciente. A dúvida consciente
pressupöe o conhecimento da linguagem; entäo quer dizer que a razäo, neste sentido que estamos
falando, só começa efetivamente a se desenvolver depois que o indivíduo tem uma linguagem
suficiente para poder fazer uma pergunta a si mesmo. Quando ele faz uma pergunta a si mesmo,
isso quer dizer que ele tem consciência de que é possuidor de conhecimento, e de que um
determinado conhecimento lhe falta naquele momento. Entäo é claro que isso näo acontece a um
garotinho de seis meses.
O desencadear do processo racional é uma espécie de salto qualitativo em relaçäo ao puro e
simples aprendizado. O aprendizado começa desde que o indivíduo nasce, e vai prosseguindo, e
encontra obstáculos näo ao nível da dúvida, mas ao nível do erro. Por exemplo, o sujeito vai
tentar andar e cai. Ele se corrige. Isto ainda näo é uma dúvida; houve uma tentativa e erro. Muita
coisa pode ser aprendida por tentativa e erro, e enquanto o método de tentativa e erro lhe basta,
esse aprendizado ainda näo tem nada a ver com a razäo. Porém, chega um momento em que o
indivíduo sente necessidade de algum conhecimento, de alguma resposta que ele näo obtém por
tentativa e erro. Entäo, ele tem a admissäo consciente de uma falta, ele conscientemente admite
que lhe falta algo, e que esse algo é muito importante. Ou seja, ele tem consciência de si como
detentor de conhecimento, e tem consciência de si como detentor de um conhecimento
insuficiente e falho. Insuficiente e falho em funçäo de necessidades que ele sente como reais e
urgentes. Surge na cabeça dele uma pergunta grave e urgente. Näo quer dizer que ele saiba
expressar essa pergunta perfeitamente, porque senäo ele poderia fazê-lo em voz alta a alguma
pessoa.
Note que a pergunta que desencadeia o processo racional pode surgir sob formas muito variadas e
disfarçadas. Por exemplo, os psicólogos conhecem bem a infinidade de perguntas diferentes com
que as crianças enfeitam e variam a pergunta "de onde vêm os bebês?" Eu näo lembro bem, mas
havia um psicólogo que, assediado por um menino que vivia lhe fazendo perguntas e perguntas,
um dia ele perguntou ao garoto: "de onde vêm os bebês?" O garoto lhe respondeu "eu näo sei".
Aí ele explicou, e o garoto nunca mais fez pergunta alguma. Quer dizer, era esta a pergunta, mas
ela näo aparecia com esta forma. Porque, se o indivíduo soubesse formular perfeitamente sua
pergunta, encontraria a resposta.
Porém, nós só podemos formular perguntas a partir dos conceitos e das palavras que nós temos.
Mas a dúvida e a interrogaçäo vêm da experiência real, intuída, e näo temos certamente nomes
para tudo aquilo que nós intuimos. Quando você näo sabe o nome de uma coisa, como é que você
a designa? Quando você näo sabe o seu nome particular, você designa pela sua espécie; se você
näo sabe, designa pelo gênero, e se näo sabe o gênero você designa como "coisa", ou ser, que é o
gênero mais amplo, pois tudo o que existe é uma coisa ou ser.
Isto quer dizer que conhecemos, pela intuiçäo, e temos na memória uma infinidade de seres e
coisas cujos nomes nós näo possuimos. Ou seja, eu conheço uma forma de imagem de vida, a
imagem está dentro de mim. Como é que eu posso transmitir a uma outra pessoa a imagem de
uma coisa cujo nome eu näo sei?
Veja o que é a diferença entre você ter um conhecimento, e você ter uma representaçäo: Por
exemplo, algo que eu vivi pode ter me escapado da memória, ou seja, me lembro partes,
nebulosamente. Tenho a recordaçäo, mas näo tenho a representaçäo, nem para mim mesmo.
Posso possuir uma representaçäo subjetiva, ou seja, sou capaz de relembrar aquela coisa na
minha memória, mas näo sou capaz de transmití-la, de objetivá-la, ou seja, de torná-la um objeto
de conhecimento para os outros; näo sou capaz de ter, portanto, uma percepçäo inter-subjetiva, de
compartilhar da mesma experiência subjetiva, porque me faltam os nomes. Basta isso, para você
ver que quase todas as perguntas säo formuladas com outros nomes. Coisas que você conhece por
experiência pessoal, por intuiçäo, cujos nomes ou sinais você näo possui, você possui de maneira
muito imperfeita; você näo consegue manipular aquele conhecimento.
Isto com relaçäo a objetos do mundo exterior. O nosso conhecimento do mundo exterior já é
quase totalmente incomunicável, pois você se referirá às coisas que näo consegue denominar de
maneira genérica, näo especificamente, e muito menos particularmente. Embora essa experiência
venha do mundo exterior, ela, täo logo se deposita na nossa memória, nos isola dos outros seres
humanos. Só nos comunicamos com eles - e, na verdade, conosco mesmos - quando sabemos os
nomes ou temos algum sinal. É a partir do momento em que temos sinais que podemos manipular
esta informaçäo, trocando-a por outra informaçäo, ou complementando- a, mediante perguntas,
enfim, agir sobre ela. Tudo aquilo que se deposita na nossa memória, que nós näo conseguimos
manipular, representam sedimentos, um sedimento que pesa. Pesa porque, de um lado, está na
nossa memória, faz parte, portanto, da nossa visäo de mundo; mas näo podemos trabalhar com
aqueles dados. É como a moeda sem liquidez: você tem um montäo de moedas, mas elas näo
podem ser trocadas, ou seja, elas näo servem para nada. Mas elas atravancam a sua memória.
Imagine que, dessa experiência depositada na memória, uma parte seja enigmática, dolorosa,
traumática, etc. Você näo pode esquecer dela, porque ela te incomoda; por outro lado, você näo
pode manipulá-la. Ou seja, você näo pode objetivá-la para encontrar uma soluçäo qualquer e
resolver o problema. Isso quer dizer que a insuficiência da linguagem do indivíduo já é um
primeiro obstáculo para que ele se domine a si mesmo. Porque se ele näo pode objetivar, ele
também näo pode pensar sobre aquilo.
Tudo isso que eu disse se refere ao conhecimento do mundo exterior, a coisas vistas. Agora, se
näo temos nomes sequer para as coisas vistas fora, você imagina para as coisas sentidas e criadas
dentro de você mesmo, para descrever os seus estados, as suas imaginaçöes, os seus sentimentos,
etc. Ou seja, você está isolado dos outros seres humanos por uma infinidade de memórias
incomunicáveis, näo trabalháveis, näo-pensáveis, näo-manipuláveis, de maneira alguma. Se
somarmos tudo aquilo que você criou dentro de você, e que você também näo sabe expressar,
nomear, e portanto você näo pode manipular, näo pode pensar, você imagina o peso de
recordaçöes näo-manipuláveis que cada um carrega! Toda essa área da experiência fica fora do
mundo da razäo. A razäo só pode classificar, catalogar e enquadrar dentro de uma moldura
racional aquilo que ela é capaz de designar, de sinalizar, de simbolizar ou de nomear de alguma
maneira.
Este, entäo, é o primeiro passo da dialética do desenvolvimento do traço caracterológico para o
traço de personalidade - esta separaçäo entre o que será racionalizável, e o que näo será. A razäo
do indivíduo só pode operar com uma parte mínima da sua experiência, aquela cujos nomes ele
conhece, que ele tem sinais para designar, e aquela que a sua linguagem abarca.
E a outra, onde é que fica? Fica fora do mundo racional dele. Essas coisas que ficam fora do
mundo racional do indivíduo näo precisam ser irracionais, por si mesmas; säo irracionais para
ele. Näo säo manipuláveis racionalmente por ele; para outro aquilo pode ser uma banalidade.
Acontece que as questöes mais profundas, mais dramáticas, mais radicais do indivíduo podem
estar colocadas justamente neste sedimento, näo-utilizável pela razäo. Por quê? Porque pode
acontecer que as experiências que suscitam em você a interrogaçäo sejam justamente essas cujo
nome você näo tem, e, quando você formula a pergunta, acaba formulando outra pergunta, com
outros nomes, e recebe portanto outra resposta.
A partir daí, cinde o mundo da experiência e o mundo da razäo. Isto acontece em quase todos os
seres humanos.
A partir dessa cisäo, a razäo do indivíduo opera numa direçäo, e a sua existência opera em outra.
A razäo já näo funciona direito, porque só funciona para resolver uma parte muito insignificante,
e essa parte pode näo ser a mais relevante para aquele indivíduo.
Como é que o indivíduo reage, entäo? Näo podendo trabalhar racionalmente com dados que lhe
säo importantes, ele às vezes trabalha com os seus análogos, com seus símiles, como eu disse,
trocando a pergunta. Você quer saber como nascem os bebês, mas você pergunta de onde vem a
espiga de milho, e você continua operando com a resposta a esta pergunta. Isso é muito comum.
Entäo, como é que você faz? A questäo verdadeira, que está no fundo de você, mas que você näo
conseguiu expressar, é, por assim dizer, devolvida ao sub- consciente. Ela pode ser esquecida. E
ela é jogada para o sub-consciente para ser respondida mediante a auto-regulaçäo animal
espontânea, a qual, evidentemente, näo está capacitada a lidar com estes problemas. A auto-
regulaçäo animal espontânea näo pode responder perguntas humanas.
O indivíduo pode esquecer a pergunta, simplesmente, porque ele pensa que foi respondida. A
razäo foi enganada, ela só recebeu uma parte dos dados, a parte mais significativa está lá na
memória, e vai ser trabalhada pela memória, e näo pela razäo. A memória funciona
fundamentalmente por analogia, ela também opera uma classificaçäo dos dados, mas é uma
classificaçäo puramente analógica, aproximando o similar com o similar näo por um processo
racional, mas por um processo de simbolismo. O indivíduo fica funcinando, a partir desse
momento, com duas mentes: uma mente racional, que tenta organizar o todo da experiência, e
uma mente simbólica analógica que opera na memória através de uma outra classificaçäo. Ora, o
simbolismo, a mente analógica, opera por similitudes mais ou menos aparentes. Entäo, como se
vê no Dr. Freud, um cano de ferro pode significar o pênis do sujeito, embora o indivíduo cujo
pênis funcionasse como um cano de ferro precisasse de socorro médico. Ou seja, logicamente,
racionalmente, uma coisa näo tem nada a ver com outra. Mas, se o indivíduo näo conseguiu
formular a pergunta a respeito do pênis, racionalmente, a sua memória e imaginaçäo continuará
fazendo perguntas a respeito do cano de ferro, e fará analogia entre ele e o cabo de vassoura, a
mangueira, etc; chegando a conclusöes perfeitamente estpafundias, que teräo que ser mais tarde
interpretadas no divä do psicanalista.
Entäo, ocorre a coexistência dessas duas metades, que estäo normalmente superpostas, mas que
se comunicam muito mal entre si. Essa é a origem do mau funcionamento da razäo. Ou seja, tudo
começa porque o homem "possui" a linguagem. Mas quem possui a linguagem é a espécie
humana, e näo o indivíduo. O indivíduo a possui, conforme a linguagem que o seu grupo lhe
ensinou, e o grupo pode ter ensinado muito pouco.
Foi colocado na lousa o seguinte esquema:
RAZÄO
AÇÄO LINGUAGEM
N MEMORIA
A
T
U
R
A INTUIÇÄO
L
M
E
N
T
E PERCEPÇÄO
Entäo, da entrada da informaçäo até o seu processamento na memória, o processo decorre
naturalmente. Do momento da percepçäo, uma parte se torna consciente - essa parte é chamada
de intuiçäo - e essa intuiçäo naturalmente se deposita na memória. Porém, para passarmos isso
para a razäo, que vai inserir esses dados de memória num quadro de conjunto coerente, a
passagem näo se dá naturalmente, mas se dá pela intermediaçäo da linguagem. E como a
linguagem do indivíduo pode ser muito limitada, estando muito abaixo das suas necessidades
reais, uma parte vai de fato até a razäo, e vai ser catalogada, classificada segundo conceitos,
princípios, chaves e categorias que a razäo possui. Porém, uma parte é rejeitada de volta para a
memória.
Näo é por um processo freudiano, näo foi rejeitado porque havia um mecanismo repressivo que
impedia o indivíduo de perceber e aceitar aquilo. Isto é somente uma parte do que estou falando.
O inconsciente freudiano é formado apenas pelos conteúdos que foram rejeitados por motivos de
impedimento moral. Porém, uma parte muito maior do que essa é rejeitada por falta de nomes. Se
o inconsciente fosse só aquilo que o Dr. Freud fala, ele seria muito menor.
A açäo, o comportamento do indivíduo, será um amalgama daquilo que é compreendido pela
razäo - sendo que a razäo nunca funciona sozinha, ela funciona por um esforço de vontade - e
uma parte vem diretamente da memória. Ou seja, o indivíduo está funcionando com dois
cérebros: um que funciona pelas categorias lógicas, e outro que funciona por categorias
analógicas. Um que lhe diz, por exemplo, que o pênis é o membro viril que serve para a
procriaçäo, o outro que lhe diz que o pênis é um cano de ferro. E ele acredita nas duas. Quanto
maior a limitaçäo da capacidade expressiva do indivíduo, mais ele tem que confiar nesse
computador analógico que funciona no ardar de baixo.
A razäo opera simplificando, reduzindo tudo a espécies e gêneros, traduzindo as leis, as regras,
em outras mais abrangentes, até articular tudo em três ou quatro princípios, de maneira que,
sabendo esses princípios, o resto pode ser deduzido automaticamente. Porém, a memória näo;
quando a memória opera uma simplificaçäo errônea, porque ela aproxima só por analogia. E
analogia é uma síntese do semelhante e do diferente. A razäo separa o semelhante do diferente,
segundo conceitos das várias essências, que catalogam os seres, enfim, segundo o sistema das
categorias. Esse sistema pode ser descrito de muitas maneiras; o sistema das categorias de
Aristóteles é uma das maneiras de dizer como o cérebro humano cataloga as coisas, em
substância quantidade, relaçäo, etc. O cérebro humano faz isso com relativa facilidade, ele opera
logicamente porque ele é lógico. A ciência da lógica apenas verifica o que o cérebro já está
fazendo, como ele já está catalogando e procura expressar isso. A lógica näo visa ensinar
ninguém a pensar, simplesmente expressa como já se pensa, ou como você pensa quando näo há
interferência da percepçäo, da memória, etc. Ou seja, o pensamento puro, sem outras
interferências. Porém, na prática näo se pensa assim, porque você pensa ao mesmo tempo com a
parte lógica e com a parte analógica. Para piorar ainda mais as coisas, nós já vimos, numa aula
anterior, que a razäo näo pode operar diretamente sobre a experiência dos sentidos. Ela necessita
de uma primeira filtragem, operada pela memória. A memória forma figuras das espécies e as
submete à razäo; a razäo, por sua vez, critica este material proveniente da memória, introduz nela
as distinçöes lógicas e recataloga de maneira lógica. Porém essa passagem só é possível através
da intermediaçäo da linguagem.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 55 FITA II SÄO PAULO, 14 JUN 1991
TRANSCRIÇÄO: JANETE

...Para você conseguir encontrar um esquema que resuma ...... ou seja, se eu racionalizo, se a
razäo opera essa simplificaçäo , ou me lembro apenas do esquema e a memória faz o resto.
Quer dizer, quanto mais racionalizado está o conteúdo, mais dócil é a memória (racionalizado
quer dizer simplificado, reduzido à sua essência; agora, quanto menos racionalizado, mais
comprida, mais extensiva tem que ser a recordaçäo, e mais difícil. Ou seja, a impossibilidade ou a
dificuldade de transferir o conteúdo da memória para a razäo também torna difícil a recordaçäo,
que é o uso da memória. É mais fácil você se lembrar de uma coisa simples do que de uma coisa
complicada, näo é? Portanto, nós conseguimos recordar facilmente episódios, situaçöes, coisas
lidas etc. na medida em que esquematizamos de uma forma simples; esta esquematizaçäo é a
razäo que faz.
Por exemplo, eu te dou uma aula. Se você reduz esta aula a um esquema, isto é, em vez de você
tentar recordar sensorialmente palavra por palavra, com todos os seus sons, com a reconstituiçáo
do momento concreto que você viveu, se em vez de você fazer isso, você reduzir isto a um
esquema lógico, você se recorda muito mais facilmente do desenrolar da aula e basta você puxar
da sua memória o esquema, que a memória facilmente contribui com o restante. Ou seja, a
memória obedece a razäo. Deu para entender? Quanto mais esquematizado o conteúdo, mais fácil
é recordá-lo.
Isto quer dizer que se o conteúdo da memória näo chega a ser racionalixado, dificilmente ele é
recordado, porque a sua recordaçäo teria que ser extensiva e näo apenas intensiva.
{P: quer dizer que prejudicaria o próprio funcionamento da memória?} A própria utilizaçäo da
memória, que é a recordaçäo.
{P:... mais tarde venha a ter uma linguagem ...} Pode, claro. É o que se faz quando o sujeito faz
análise. Na análise ele tenta expressar e expressa de maneira inadequada. O que faz o analista?
Ele critica a sua expressão; o analista näo interfere, näo coloca nada, só critica. Ele pode dizer:
"näo é bem isato, eu comparei com outra coisa que você falou ontem" ou "näo pode ser isso que
você está falando porque na semana passada você disse que estava outra coisa" e vai espremendo,
espremendo e espremendo até que o sujeito fala o português claro. Na hora em que ele fala o
português claro, ele intui, ele entende. Entäo, esta dificuldade de você expressar pode vir ou por
impedimentos morais, como no caso daqueles a que Freud se referia, ou simplesmente por uma
dificuldade de expressão,por uma incultura do sujeito.
Quer dizer que o domínio insuficiente da linguagem também é um mau conhecimento de si
mesmo; é uma limitada capacidade de auto-expressão, portanto, uma pequena capacidade de
auto-domínio.
Entäo este é o primeiro obstáculo que surge ao pleno desenvolvimento da razäo. O mapa
astrológico dá uma indicaçäo preciosa: ela nos diz qual foi o tipo de pergunta que desencadeou o
processo racional, quer você se lembre desta pergunta, quer näo lembre. Näo existe nehuma outra
maneira de você descobrir isto a näo ser pelo mapa astrlógico. A outra maneira é você continuar
interrogando o sujeito por dois ou tres anos, até que ele consiga se expressar. O mapa dá este
ponto e serve exatamente para isto, que já näo é pouca coisa, näo é?
{P: o gênero...} O gênero por exemplo, o assunto sobre o qual foi feita a pergunta, se foi sobre
você mesmo, sobre sua aparência, se foi sobre sua origem, se foi sobre sua forma, sobre a forma
do seu corpo, se foi sobre o que os outros pensam de você e assim por diante; em algum lugar
começou o processo racional. Se esse processo desenvolveu melhor ou pior, isso só podemos
saber pela biografia do sujeito, porém “onde ele começou” isto o mapa nos dá. Comparando o
estado atual com o “por onde ele começou” entäo podemos saber mais ou menos como foi o
desenrolar do processo.
{P: isto tem a ver com Saturno?}. A posiçäo de Saturno no mapa do sujeito?.
Bem o primeiro obstáculo que surge é este; quer dizer que setores que deveriam idealmente ser
abarcados pela razäo säo devolvidos à memória e passam a operar subconscientemente; ora, tudo
o que é feito subconscientemente é muitíssimo mal feito a näo ser quando a atividade
subconsciente é dirigida conscientemente. Por exemplo, (como a gente faz isto?) você quer
resolver um problema de matemática, entäo você pega todos os dados que existem sobre o
problema e os decora: vai dormir e no dia seguinte você tem a soluçäo. Aí você dirigiu, quer
dizer, você faz a parte da razäo e a memória sozinha faz o resto, mas se você näo fizer a partre da
razäo, a memória näo funciona. Quer dizer que esse negócio (por exemplo) das inspiraçöes que
vêm do subconsciente: a inspiraçäo vem do subconsciente quando você esquematizou o
problema. E somente quando existe um interesse efetivo em resolver o problema e quando o
trabalho da razäo e da consciência estäo completos que, daí, o subconsciente consente apenas o
toque final.
{P ?}. Quando você construiu a estrutura completa, durante o sono näo precisa trabalhar. {P: É o
contrário do que se oferece na [prática, na praça}. E na prática, o pessoal está tentando inventar
um jeito de o subconsciente funcionar sozinho, sem você precisar esquematizar; isso aí é a
mesma coisa que a vaca dar o leite sem nunca comer, você näo alimenta a vaca e ela produz leite
do nada. O inconsciente também näo produz do nada; o inconsciente é um depósito de um milhäo
de imagens, bilhöes e trilhöes de imagens, todas confusas. Mas como ele funciona por analogia, é
daí mesmo que nós tiramos vantagens, porque quando nós damos uma estrutura que é análoga a
algum dado que ele tem lá dentro, ele puxa o dado e nos oferece, ele é atraído, por assim dizer,
pela estrutura que você lhe forneceu. Ou seja, a pergunta estruturada, formulada claramente atrai
a resposta, por iso mesmo que vale mais a pena você deixar o subconsciente trabalhar do que
você forçar a resposta, porque na resposta pode vir combinatória enormemente variada da
memória e às vezes a consciência näo é capaz de perseverar a este ponto. Entäo basta
esquematizar a pergunta e deixar a resposta {?}. Mas esta esquematizaçäo tem de ser feita; claro
que de vez em quando pode haver uma esquematizaçäo que você fez sem perceber; e daí o
subconsciente te dá a resposta e você pensa que saiu sozinho dele. Näo saiu. Na verdade, você
estava pensando no problema há vários dias.
Entäo o processo de desenvolvimento da razäo encontra nesta cisäo entre razäo e memória o seu
primeiro grande obstáculo; e esta cisäo vem de duas fontes e näo de uma. Ela vem, por um lado,
da repressäo e da rejeiçäo pelo inconsciente, como dizia o Dr. Freud, mas, de outro lado, ela vem
da pobreza de meios de expressäo. Näo pensem que a linguagem serve para nos comunicarmos
com os outros. A linguagem serve, em primeiro lugar, para você se comunicar com você mesmo.
Mas se o indivíduo näo tem meios de expressäo, ele näo tem meios de atuaçäo.
{P:?} Ela planta na deficiência individual. Ela proíbe determinada palavra , por exemplo. Quer
dizer que se näo houvesse a deficiência de linguagem, a formaçäo de subconsciente, como Dr.
Freud diz, seria impossível. Ou seja, o fundamental, näo é o processo repressivo, mas a
deficiência dos meios de expressäo, está é a origem do inconsciente. Entäo, idealmente näo existe
nenhum inconsciente com uma força autônoma ( prestem atenção ); idealmete o inconsciente
todo trabalharia docilmente no sentido pela razäo, ou seja, ele seria um respondedor de perguntas.
Se o homem fosse capaz de dirigir as perguntas certas, à sua memória, cada um veria que é quase
um gênio, porque a experiência de cada ser humano é enormemente variada e, dadas as perguntas
estruturadas certinhas, a memória faria o restante do serviço e concorreria docilmente para as
finalidades conscientes, ou seja, eu me lembraria das coisas que desejo lembrar, eu teria as
intuiçöes na hora em que desejo tê-las, eu teria as inspiraçöes na hora em que preciso delas.
Isto näo quer dizer que um homem idealmente desenvolvido näo tivesse um subconsciente. Todo
mundo tem que ter um subconsciente, porque somente um idiota completo quereria ter tudo
diante da consciência a todo o momento; näo precisa, uma boa parte pode ficar guardada no
inconsciente, mas o inconsciente deve servir à finalidade do consciente, como a vaca que vem
quando o garotinho a puxa pela argola.
Porém nesse processo quando uma parte das perguntas é rejeitada para o subconsciente e este
começa a trabalhá-las autonomamente, o inconsciente se transforma numa força independente,
que tem suas próprias leis e que näo obedece ao intuito consciente do indivíduo e que pode, ao
contrário, em certas circunstâncias (que säo muito frequentes), asumir ele o comando da conduta,
no sentido contrário ao conscientemente desejado.
{P:?} Descobri que quem inventou o negócio da função arcaica não fui eu. Isto é uma coisa
esplêndida, hem. Foi um historiador, Jaco Boffet(?). Ele no século passado, disse que as funçöes
que näo säo atuadas conscientemente se tornam arcaicas e grosseiras e passam a atuar
inconscientemente. Esta sentença de Boffet, eu desenvolvi esta teoria a partir daí. (sic Jung)
Entäo aí é que começa a se tornar complexo o desenvolvimento da razäo, ou seja, começa a se
afastar do modelo ideal. No modelo ideal, a razäo idealmente comanda e esquematiza todos os
conteúdos da memória, näo quer dizer que eles têm que permanecer na consciência, mas, estando
organizadinhos e guardados lá no fundo, eles afluem à luz da consciência täo logo necessários,
täo logo convocados. Esses conteúdos referem-se tanto aos dados de natureza intelectual e
cognitiva quanto aos dados volitivos e emotivos, ou seja, na hora em que necessito ter vontade de
fazer algo, bastaria esquematizar a questäo e a motivaçäo surgiria facilmente em mim. Mas vocês
sabem que na prática näo é nada disso que se dá Eu conscientemente quero fazer uma coisa, mas
é como se o corpo resistisse. Näo é corpo que resiste, ele é sempre dócil e indócil, é a memória e
a imaginaçäo.
Quando a imaginaçäo escapa totalmemte do domínio da vontade, ou seja, quando ela näo
responde mais às perguntas convocaçöes da vontade, entäo o sujeito está louquinho da silva; ele
está possuído pela memória. É o esquizofrênico é a memória que fala por ele, por assim dizer. E
os conteúdos da memória vem conforme um jogo puramente analógico e näo faz o menor sentido
interpretar isso, porque qualquer coisa pode ser analogada com qualquer outra coisa.
{P: E essa coisa de exaltar aqueles quadros, o pessoal de arte nas peças ...}
Isso tudo é bom quando o louco näo é nosso parente. Quando é parente e está na sua casa, tem
que ter saco, näo existe ninguém mais monótono do que louco.
Isso näo impede que certos indivíduos, ao mesmo tempo onde estäo enlouquecendo, possam estar
paralelamente desenvolvendo alguma outra aptidäo, isso acontece. Tem o famoso poeta Hug(?)...
Ele ficou louco de pedra, mas acontece que foi justamente no período em que ele estava ficando
louco que ele escreveu os melhores poemas. Entäo o pessoal acha que é porque ele ficou louco
que ele escreveu os poemas. A prova contrária é que quando a loucura se instalou mesmo, ele
parou de escrever, ficou quarenta anos parados, era louco manso. Quer dizer, quando a loucura
venceu a , o dom poético acabou. Era coisa da mente reativa que, apesar da loucura ou tomando a
sua loucura como matéria, dava forma poética a experiência; a loucura por si näo faz isso. É o
mesmo caso do atleta que, apesar de alguma doença, continua progredindo, por assim dizer, na
medida em que luta contra esta doença para vencer, mas a doença mesma näo pode favorecê-lo, a
näo ser motivacionalmente, o desejo de vencer a doença pode se tornar uma motivaçäo muito
forte. Mas dizer que a loucura pode enriquecer a criaçäo poética, isto é que é loucura mesmo. Isso
é a mesma coisa que dizer o seguinte: no caso de um sujeito muito endividado, as dívidas podem
motivá-lo a ganhar dinheiro (para pagar as dívidas); mas daí a dizer que as dívidas enriquecem e
que a melhor maneira de enriquecer é contrair dívidas ... é a mesma coisa que você dizer que a
loucura aumenta a sua inspiraçäo.
{P?} As pessoas fazem isso porque elas têm medo de ficarem loucas e elas já querem, de certa
maneira, dizer que näo vai ser täo ruim assim, näo é? É como se dissesse: olha, se eu ficar louco,
näo me mande para o hospício, daí vou ser um cara legal, criativo, afinal de contas, você vai ter
mais prestígio por ter um louco dentro de casa. Mas tudo aquilo que é muito horrível a gente
procura embelezar de alguma maneira, näo é ? As pessoas näo dizem que a morte é apenas uma
transformaçäo? Eu nunca vi nenhum sujeito transformado, andano por aí, vocês já viram ? ou
todo fim é um começo, mas eu sei que quando o meu dinheiro acaba, eu olho a carteira e näo tem
dinheiro algum; ah! agora acabou, mas amanhä vai ter de montäo. Que dizer, tudo isso säo
palavras que consolam. Millor Fernandes tinha antigamente uma seçao que se chamava "Palavras
que consolam" onde apareciam essas coisas. Entäo tudo isso está confundindo uma relaçäo
motivacional com uma relaçäo causal
{P: a linguagem se sente exigida como necessidade da razäo? A linguagem obedece a uma
dinâmica da razäo?} Näo. Existem duas coisas que impulsionam o indivíduo ao domínio cada vez
maior da linguagem: é o desejo de poder sobre si mesmo, sobre suas circunstâncias, e o amor
pelo semelhantes; o impulso de se comunicar, de compreender e ser compreendido. Se falhar uma
dessas duas, a linguagem näo se desenvolve mais.
{P: poder?} Você näo quer ter poder sobre o que acontece, por exemplo, dentro de você? E se
você fica repentinamente triste, você näo quer o meio de acabar com a tristeza? Ou quer que ela
tome conta de você e näo vá embora mais? Quer dizer, o desejo de dominar-se e de dominar as
circunstâncias é natural ao homem, assim como o amor por seus semelhantes, o desejo de
compartilhar. Mas essas duas motivaçöes fortíssimas podem se tornar deficientes por um montäo
de coisas. Porém, também, sem que elas sejam deficientes, a linguagem pode näo se desenvolver
simplesmente porque näo tem meios de fazê-lo. Ou seja, eu insistiria mais no papel de limitaçäo
cultural, a limitaçäo do meio: você näo aprende as palavras que o meio näo sabe, isso é
inevitável, näo é ? Portanto, ele tem o desejo do poder e tem o impulso do amor pelo semelhante,
ele tem essas duas coisas normalmente, portanto, isto é o motor que impulsiona o
desenvolvimento da linguagem. Porém, o meio näo tem os recursos linguísticos de que ele
necessita, entäo ele näo os terá em tempo. Agora, pode acontecer por outras, por exemplo, o
desejo do poder; se você pegar um garoto uma hora e tentar [?] até os dois anos o desejo de poder
e você faz cucuia, tá certo, ele näo tem mais, ele pifa.
Entäo, a linguagem é um dos meios de poder fundamentais, porque sem ela näo pode você
objetivar os seus estados, vocë näo pode dizer para si mesmo o que se passa dentro de você,
portanto, você näo pode se dominar, você näo pode nem planejar uma ação, por mais simples que
seja.
Por exemplo, o bebê, quando quer mamadeira, simplesmente chora; chorar näo é uma expressäo
linguística, porém, vai chegar um ponto em que ninguém lhe dá a mamadeira se ele chora, porque
esperam que ele diga o que ele quer. Toda criança por volta dos três anos tem um problema
terrível, um dos piores dramas da humanidade, que é a necessidade de comunicar coisas que ele
näo sabe comunicar. Por que ? Porque ele tem intuiçäo e pela, intuiçäo ele sabe de um monte de
coisas, ele capta os objetos de fora, capta os seus estados de dentro, de certo modo ele está
consciente de tudo isto , porém näo pode objetivá-las.
Por exemplo, se uma criança sente o desejo de uma coisa que ela näo sabe o que é; quantas
crianças näo chegam para você e dizem "eu quero aquilo" (não é aquilo roxo"; se fosse , já dava
para entender, mas nem roxo); nem especifica, é genérico: " aquilo". Vocês nunca viram criança
chorando, dizendo que querem aquilo ? Eu já vi criança desesperada.
{P: às vezes ela fala a palavra errada} Se tiver algum nome, já melhorou, mas às vezes, näo tem
nem nome. Entäo, suponhamos que toda vez que ela quer "aquilo" ela simplesmente näo é
ouvida, porque as pessoas também näo sabem o que é aquilo e näo podem dar. Assim, acham que
a criança é chata, e mandam-na calar a boca, parar de chorar ou tentam agradá-la. Depois que ela
pedir "aquilo" uma, duas, três, quatro, dez vezes sem ser atendiada, ela chega a conclusäo de que
"aquilo" näo pode. Näo pode, näo existe, é inviável etc...
Portanto, a primeira obrigaçäo de um pai ou de uma mäe é ajudar o seu filho a expressar-se,
mesmo que você tenha que interrogá-lo durante uma hora, porque ele näo tem obrigaçäo de
expressar uma coisa que ele näo sabe expressar, entäo quem tem que expressar é vocë. Ou seja,
ele vai participar da linguagem passivamente. Ora, se você prefere ou mandá-lo calar a boca ou
dar um agrado ou dar outra coisa qualquer, você vai tentar fazer dele um imbecil. Vamos supor
que ele quer um par de tamancos e você lhe dá uma balinha; você está ensinando- o a ser
confuso.
Bem, prestem atençäo, que aqui tem mäes e säo principalmente as mäes que ficam em contato
com as crianças. Em geral, as pessoas pensam que os grandes problemas das crianças vem da
esfera puramente afetiva. Mas isto aqui é muito mais grave; pode gostar do seu filho quanto você
queira, mas se você o está pressionando numa comunicação deficiente, ele näo tem jeito, ele está
lascado. Quer dizer que falar, compreender a criança, fazer um esforço monstro para
compreender o que ela está querendo dizer e näo pode é o dever número um. Täo logo a criança
começa a falar, você tem que ajudá-la a falar. Mas em geral a preocupaçäo com o bem estar
físico, a higiene, a saúde física e, no máximo com o emocional tomam uns 99% a 100% de
interesse das mäes. Isso está errado. Tudo o que a criança quer na vida é deixar de ser criança,
esse ímpeto de progredir, de aprender é feroz, o ímpeto de se superar numa criança é
violentíssimo, é a coisa que ela mais quer, e você tem que ajudar nisso, ela näo pode ir sozinha,
de jeito nenhum.
Entäo, veja que se a criança está suja, näo almoçou na hora certa, tudo isso näo vai fazer mal a
ela, isso é mais uma questäo de imediatismo, de comodidade às vezes da própria mäe, que quer,
talvez, que ele coma na hora certa, porque ela näo quer fazer o almoço depois e acha que a
criança vai compreender essas rotinas. Ela vai ter tempo para aprender tudo isso, mais tarde, por
exemplo, você quer fazer com que a criança coma quando todos sentam-se à mesa; bem, se você
deixar a criança sozinha, mesmo que ela näo queira no momento, mais dia menos dia, ela acaba
comendo aquela hora, é inevitável, näo precisa fazer esforço para que ela coma na mesma hora
que os outros.
Mas este outro negócio requer esforço, um esforço de interpretaçäo, de complementaçäo da
linguagem da criança. Por exemplo, eu acho que, muitas vezes, quando a criança faz um esforço
para dizer algo que ela quer e finalmente consegue, ela deve ser premiada. Ela deve receber um
prêmio para que aprenda a falar,ao invés de gritar ou chorar. Forçá-la assim: "diga o que você
quer; ela fala de um jeito e você reponde "näo entendi, explica de novo" ; na hora em que ela
consegue, você se compromete a lhe dar o que ela pediu, por menor que seja, uma folha que seja,
senäo, de todo este trabalho de opiniäo de ferro, näo valerá a pena eu me comunicar,
evidentemente. Entäo você está ensinando o sujeito a continuar berrando, em vez de tentar falar.
Mas geralmente é o contrário, quando a criança pede educadamente, ela ainda näo encheu o saco
suficientemente e entäo o pai e a mäe negam, e quando ela berra e se joga no chäo eles däo para
que ela pare de berrar, êpa! Estäo entendendo ? Você está descivilizando a criança. Entäo, a
norma deveria ser ao contrário: aos gritos, nunca, nada. Nunca ceder perante o grito, mas sim
perante uma palavra, mesmo que ela esteja deitada: deitou, mas falou.
Entäo, esta cisäo de razäo e memória é o primeiro desvio. Bem, a partir daí, nós vamos ter que
interpretar o funcionamento da razäo do indivíduo, levando em conta esse duplo discurso: onde
existe um discurso racional, na superfície existe um discurso analógico, simbólico, verbal e aí a
coisa complica formidavelmente. Isto quer dizer que, tendo à sua frente um mapa, um horóscopo,
e você vendo uma posiçäo do planeta Saturno, o mundo racional do indivíduo pode estar
organizado a partir daquele ponto de uma maneira inteiramente irracional, inteiramente
analógica. E daí, só vai restar interpretar o comportamento do indivíduo, interpretar como
psicanalista interpreta sonhos, aí entramos no mundo mágico onde os canos de ferro säo pêndulos
etc... É o mundo da loucura, evidentemente.
Entäo, por exemplo, para o indivíduo que tem Saturno na 4 é muito natural que o problema das
suas origens, o problema de ele um dia näo ter sido nada e um dia ele ter surgido para a existência
é um problema grave; este sujeito talvez chegue aos 40 anos pensando de onde vêm os bebês.
Porém, ele näo fez esta pergunta e, sobretudo, näo sabe que é com ela que ele está preocupado
agora. Ela pode ter uma infindade de outras perguntas e sobretudo pode ter maneiras analógicas,
simbólicas de atender a pergunta; uma delas é ele permanecer apegado ao passado, porque é lá
que está a pergunta. Veja, um indivíduo com Saturno na 4 näo precisa ser mais apegado ao
passado que qualquer outra pessoa, apenas que o fio da meada está lá. Assim como um indivíduo
com Saturno na 1 pode olhar no espelho, muitas vezes, estranhar a sua cara, näo porque goste
dela, mas porque é lá que está a pergunta. as qual é esta pergunta ? Você já näo lembra mais,
você já fez uma confusäo monstro em cima desta raíz de todas as perguntas. E sobretudo quanto
mais o assunto foi transferido da esfera da razäo para a esfera da memória, mais indiretas väo se
tornando as maneiras de tratá-las e respondê-las e, sobretudo, cada vez menos väo sendo
maneiras intelectuais e cognitivas e cada vez mais väo sendo necessidades existenciais e se
expressam ao nível do comportamento.
Portanto, nós podemos concluir que numa pessoa onde o desenvolvimento da razäo seguiu mais
ou menos quanto possível a linha ideal, a posiçäo de Saturno näo deverá indicar comportamentos
muito significativos; onde o dilema da razão seguiu a linha ideal, a posição de Sturno näo
indicará tanto comportamentos externos, mas comportamento. {Fim do lado A}...
Da memória, aí entäo pode ter sido trabalhado de maneira simbólica, carregada de uma carga
afetiva, perfeitamente extemporanea, e se traduzindo em comportamentos mais ou menos
compulsivos.
Por exemplo, se o sujeito tem Saturno na 1, e aos 30 anos de idade permanece tímido, ainda näo
tem naturalidade nos seus gestos, no seu comportamento, entäo é sinal de que ele está buscando
uma resposta no campo existencial, está buscando ser ou fazer alguma coisa e näo saber. O que
quer que você faça, sinta, experimente, vivencie, näo lhe responderá a pergunta nenhuma, porque
responder perguntas é uma atividade da inteligência, atividade cognitiva e só pode ser atendida na
esfera cognitiva.
Entäo, quanto mais próximo da linha ideal está o desenvolvimento da razäo, menos ele equivale a
comportamentos na esfera existencial (emocional, etc.) e mais equivale a traços intelectuais
daquele indivíduo.
Normalmente, a posiçäo de Saturno deveria apenas interesses intelectuais predominantres, sem se
repetir necessariamente em comportamentos muito marcados. {P:} Um ato näo responde a uma
pergunta, somente uma resposta responde a uma pergunta, näo é ? Quer dizer, o agir é o contrário
do padecer, é o contrário do não agir, mas não é o contrário do näo saber. Assim, nunca
insistiríamos demasiado neste ponto: a casa onde está Saturno é a casa onde se faz uma pergunta
formidavelmente estranha. Esta pergunta é para você a pedra angular em cima da qual você
constrói a sua imagem racional como uma esquemática vazia. Para ela começar a operar, tem que
operar em cima de alguma coisa concreta, real; ou seja, a descriçäo do mundo tem que começar
por algum pedaço do mundo. É este pedaço que está indicado pela casa onde está Saturno.
Porém, a coisa complica porque, em primeiro lugar, uma parte da pergunta é devolvida à
memória e é trabalhada de maneira analógica, simbólica; como dizia Freud, ou seja, existe o
inconsciente freudiano, o inconsciente que é fruto näo simplesmente da ignorância, (como é esta
outra parte que nós estávamos falando) , mas é fruto da repressäo. Näo acredito que esta
repressäo vise somente a esfera instintiva, sexual; se abrangesse só isso seria uma moleza tratar,
porque todos os conteúdos do inconsciente você já saberia mais ou menos de que natureza säo, é
só você procurar lá a chave sexual no fundo e mataria a charada. Mas eu acho que näo é assim, eu
acho que muito mais conteúdos, além dos instintivos, sexuais, podem ser repelidos para o
subconsciente, por motivos puramente casuais, como por exemplo estes que eu estava citando, no
caso da criança que começa a falar e que uma certa pergunta, uma certa palavra se torna, por
assim dizer, proibida, por uma contingência, por uma casualidade; a partir daí, quando (e isto
aqui é um ponto também decisivo) a pergunta fundamental é jogada para a memória e continua a
ser tranbalhada analogicamente.
E é aí que a própria razäo como funçäo adquire uma personificaçäo mitológica na cabeça do
sujeito. A partir do momento onde o conteúdo da razäo é devolvido para a memória, começa a ser
trabalhado pela imaginaçäo e memória; a partir daí, a própria razäo se torna um personagem no
subconsciente. Que personagem ? Muito simples, a razäo vai representar a minha capacidade de
auto-regulaçäo, portanto representa a minha auto-conservaçäo, a minha defesa, a minha
capacidade de me defender e representa o meu poder.
E a partir do momento onde o sujeito näo consegue desenvolver normalmente o seu poder que ele
começa a operar em nível subconsciente os símbolos de poder, os símbolos da razäo.
Compreenderam a importância terrível desse negócio ?
{P: atribui a um outro..} Exatamente, (a potência que está nele) Claro, projeta esta potência num
indivíduo, em símbolos colocados fora dele, por exemplo o pai. Eu näo tenho o poder de auto-
regulaçäo suficiente para eu fazer o que eu quero, näo é isto ? Eu me sinto impotente perante o
mundo exterior e perante os meus próprios estados interiores, näo me governo a mim. Porém,
existe um outro sujeito que está colocado lá fora e que näo parece ter esses dramas que eu tenho,
ele parece dominar as circunstâncias perfeitamente e tanto domina as circunstâncias que domina
até a mim e me dá ordens. Portanto, ele é a razäo, ele é a auto- regulaçäo, ele é a auto-
conservaçäo, ele é o poder. E aí surge, entäo, todos os símbolos saturninos do pai.
Veja, pai é uma coisa que entra na vida da criança relativamente tarde; a mäe já entra na história
dele antes dele nascer, ele já está na barriga da mäe e nasce. Se o pai gerar o filho e for embora,
ele näo faz a menor falta, a mäe näo precisa do pai para continuar a gestaçäo. Portanto, o pai gera
e pode, na prática, voltar. Agora, se ele näo tiver a mäe que o carrega durante nove meses, ele não
nasce. Entäo, o pai gera e sai da história e vai voltar mais tarde, porque durante o primeiro ano de
vida a criança praticamente nem sabe que isso existe. O pai volta a entrar em cena quando
começa o aprendizado da linguagem e logo ele se transforma no símbolo da razäo e do poder.
Entäo, näo sendo capaz, eu mesmo, de resolver o que eu preciso resolver, de obter por minhas
próprias forças o que eu quero, aprendo que existe um outro sujeito poderoso, racional, fora de
mim, que domina as circunstâncias e me domina a mim mesmo e passo a temer a ele. Mas note
bem, o pai näo é a sua razäo, ele näo é a sua auto-regulaçäo, ele näo é o seu poder, ele apenas o
simboliza dentro de você.
Porém, para o indivíduo, que já se inibe em ver o pai, que tem no andar de cima um computador
lógico e embaixo um computador analógico, (para ele) a confusäo entre a razäo e o pai pode
continuar por longos anos a frente. E este indivíduo se tornará incapaz de colocar os problemas
da sua auto-regulaçäo sem referência do pai. Mas e se ele näo tivesse o pai ? Você foi criado só
com a sua mäe numa ilha deserta. O que você iria fazer? {P: uma tempestade...} Näo, a sua auto-
regulaçäo vai prosseguindo, a mäe näo impede isto, ela näo pode fazer isto. Por que a mäe näo
pode ? {P: ele representa o poder numa outra coisa ...} Que outra coisa ? A mäe näo pode. (talvez
introjetasse algum elemento da natureza) Mas a tempestade näo parece agir logicamnete. Bem,
depois de longos anos de experiência, talvez ele conseguisse, por abstraçäo, captar algo vago,
como a ordem natural. Mas é muito mais difícil você perceber a ordem natural do que a presença
de seu Fulano, seu Ciclano que você chama de pai. Portanto, o padräo de racionalidade do
mundo, das duas uma: ou virá simbolicamente através do pai, ou ele terá que encontrar esse
padräo.
{P: por que a mäe näo pode ?} A mäe näo pode porque é o próprio sujeito. A ligaçäo dele com a
mäe é muito íntima, é de ordem física. A mäe näo é um elemento exterior. Näo é elemento
estranho. (Ela näo se ausenta). Ela näo está fora do sujeito: näo é porque ela näo se ausenta, vocês
näo estäo entendendo, você veio do corpo de sua mäe, é um pedaço do corpo de sua mäe, é e será
sempre, näo existe alteridade, mesmo que ela se ausente, näo é um problema da frequência da
presença. O pai pode estar mais frequente que a mäe, ela sai para trabalhar e o pai fica em casa,
nos EUA isso acontece muito. {... por questöes biológicas}. Sim, você näo pode mamar no seu
pai. Mas näo é por um fator posterior ao nascimento, você veio do ventre de sua mäe, você
continua a funcionar no rítmo orgânico da sua mäe. Longos anos à frente; as suas necessidades,
os seus sentimentos säo mais ou menos concomitantes com os dela. Qualquer mudança tipológica
da sua mäe se reflete na sua cabeça imediatamente, mesmo que ela esteja a kilômetros de
distância, você funciona que nem um relógio sincronizado com a mäe. Portanto, näo existe
alteridade. Se a mäe pudesse algum dia representar a razäo, seria muito mais tarde, porém, se a
mäe fizer isso, ela terá que representrar uma duplicidade de papéis: ela representa, de um lado, a
sua origem, ou seja, você mesmo, e, de outro lado, a ordem externa. até aqui
O que caracteriza o pai é que ele näo tem esta ligaçäo orgânica com a criança, e que ele vem de
fora. Ele é um outro, a sua mäe näo é um outro. {dúvidas}. A primeira coisa que você repara no
seu pai é que ele domina a situaçäo, esta näo é a primeira coisa que você repara na sua mäe. O
caráter específico que marca o pai é o primeiro dado importante que você fica sabendo a respeito
dele, é que domina a situaçäo, domina a sua mäe, domina você, pelo menos você ele domina. A
sua mäe também pode te dominar, pode dominar muito mais do que o pai, pode até dominar o
pai, mas näo é por aí que você a viu primeiro. Antes de você saber isso a respeito dela, você ficou
sabendo um monte de outras coisas, você sabe até o gosto dela, você mamou nela, você se
alimentou no corpo dela, näo é isto? Veja quanta coisa você já sabe da mäe, antes de você saber
que ela domina a situaçäo, que ela organiza a casa etc, etc. Você vai saber disso muito mais tarde.
E do pai? Você näo sabe nada. O primeiro dado a respeito dele que você toma conhecimento já é
um dado que näo é biológico, mas é sociológico. Por isto que ele entra muito mais facilmente
como símbolo da razäo do que a sua mäe, por mais racional que seja a sua mäe e por mais
irracional que seja o seu pai. Por que? Você tomará conhecimento dos seres pelo impacto que
eles tiveram em você; e a sua mäe, antes dela ter esse impacto sociológico, já teve um impacto
biológico muito mais intenso. Nenhuma impressäo que você tenha da sua mäe conseguirá se
superpor, por exemplo, à impressäo do cheiro, do gosto que está cravado fundamente na sua
memória. Esse contato físico profundo com a mäe, mesmo que você seja separado da mäe no
instante do nascimento, esse já é o primeiro dado que você tem a respeito dela, você já conhece a
sua mäe nove meses antes de você nascer, de muito perto. Por isso, entäo, ela já tem uma outra
funçäo; e o pai näo, o pai sempre teve nenhum contato mais profundo. A primeira coisa que você
repara nele já é o que? Uma funçäo dentro da família. Por causa disso, entäo, é normal que o
sujeito projete no pai essa sua auto-regulaçäo. Portanto, você está acostumado a lidar com a sua
mäe em todos os pontos onde você näo tenta uma auto- regulaçäo. Assim, primeiro existe a
mamäe, depois existem os meus primeiros passos no sentido de uma auto-regulaçäo, que
começam, por exemplo, quando você aprende a andar, aprende a ir sozinho ao banheiro etc, etc.
Esta auto-regulaçäo fracassa em certos pontos onde näo é suprido pela mäe. Por exemplo, você
deseja pegar algo que está no alto do armário e näo consegue de jeito nenhum. Este näo é um
caso como o de você chorar só porque está com fome e sua mäe te dar mamadeira. Você näo
precisa fazer um esforço consciente para obter a mamadeira. Isto quer dizer que a sua mäe entra
mais como um símbolo da sua dependência, näo do seu poder. Ou seja, a mäe näo entra como
centro de poder alheio.
O pai, ao contrário, a primeira coisa que você fica sabendo dele é que ele tem algum poder sobre
você. Por isto mesmo, veja, o indivíduo tem um princípio de auto-regulaçäo com ou sem pai, ele
näo precisa de pai para ter auto-regulaçäo. Ele poderia se desenvolver racionalmente sem pai. A
orfandade näo traz a irracionalidade. Ao contrário, tem muita gente orfä que depois virou
matemático, filósofo. {dúvidas}. Bem, você näo precisa de pai nenhum, poderia teoricamente
desenvolver a sua auto-regulaçäo copiando, por exemplo, o padräo da causalidade natural e
acompanhando e tentando se adaptar às situaçöes e aprendendo, aprendendo e aprendendo e, no
fim, você formaria um quadro racional. Poderia até levar mais tempo. O pai lhe dá, em parte um
sistema racional pronto, na medida em que ele lhe dá ordens e mantém essas ordens com uma
certa regularidade; isto é o máximo que ele faz. Porém, näo é por isto que ele se torna importante.
Ele se torna importante porque você, sendo insuficiente, você imagina que ele é suficiente. Tudo
aquilo que você näo consegue fazer ele consegue. O domínio, que você desejaria ter, ele tem.
Isto significa que daqui por diante existem duas razöes entre aspas operando no sujeito. A razäo
efetiva, que está na consciência dele, e o símbolo da razäo, que está na memória e imaginaçäo.
Daí para diante, ele muitas vezes esperará do símbolo algo que somente a razäo pode fazer tudo
isso do qual lhe falei. Por exemplo, quando um indivíduo achar que ele ser bonzinho, obedecer ao
pai pode desencadear um efeito físico, por exemplo, "eu quero obter algo, mas ao invés de eu
fazer um esforço racional, eu vou fazer um esforço afetivo, vou agradar o meu pai", e aí o
indivíduo aprende a obter as coisas por mágica e näo pela razäo. Todos gestos, figuras, as
expressöes etc, etc, que ele copiar do pai representa o que? Uma tentativa de parecer racional e
poderoso a seus próprios olhos, mas näo de sê-lo efetivamente. Na casa onde está Saturno,
portanto, você verá um monte de cacoetes de imitaçöes de racionalidade, de imitaçöes de poder.
Ou seja, o indivíduo tentará imitar esta figura, imitá-la positiva ou negativamente, pouco importa,
de maneira a sentir que tem o poder. Mas justamente na medida em que ele faz isto, ele está
abdicando do seu próprio poder.
{P: ....} Näo pode, é o pai; näo interessa se é o pai de carne e osso ou se é alguma pessoa que
desempenha o papel de pai, mas na melhor das hipóteses se näo houver uma figura paterna
nenhuma, nenhuma, o indivíduo terá que, por abstraçäo, se for um gênio, captar algo como sendo
a ordem cósmica, a lei, Deus, qualquer coisa assim; é muito mais difícil.
Porém, a razäo está presente no indivíduo, está presente como potência, e ele supöe que existe
alguma outra instância, alguma outra figura a qual näo existe como potência, e sim como ato.
Entäo, o pai tem efetivamente a racionalidade, o poder de auto-regulaçäo que eu tenho em
potência. Na hora em que o sujeito capta isso, ele näo está na falsidade, o pai, de fato, é mais
racional que ele, o pai, de fato, tem mais auto-regulaçäo e mais poder do que ele; porém, o
impacto desta figura sobre ele se deposita, por assim dizer, na sua memória, e a memória e a
imaginaçäo confunde o que que é a imitaçäo e o símbolo da racionalidade com o exercício
efetivo da racionalidade.
Isto é a origem de todas as piores qualidades do ser humano, quando ele tenta parecer Deus, ou
parecer pai, e acredita que fazendo assim ele está adquirindo algum poder. Na verdade, ele está se
afastando da razäo e está seguindo o procedimento de ordem mágica, imitativa, onde pela
imitaçäo de uma figura, procura desencadear um efeito externo. {...} Näo, aí é que ele estaria
muitíssimo enganado, porque a razáo é uma só para todos os seres humanos, 2 + 2 dá 4 para
todos os seres humanos, a razäo é impessoal e é justamente esta impessoalidade, universalidade
que ele deveria copiar e näo o seu próprio pai, näo a figura do pai. O pai, cada um tem um, algum
tem dois ou três, mas sempre será um número finito, limitado, igual uma figura concreta e
particular. A imitaçäo de uma figura concreta e particular jamais ligará você com a
universalidade da razäo. Por isto mesmo, a funçäo educativa do pai consiste em ele ser a ponte
entre aquele indivíduo e a universalidade da razäo, em apagar seu (rudimento?) por trás da razäo
e da lei universais, ou seja, impor a sua figura como modelo.
Quer dizer que o pai está ali para o garoto como um representante da razäo. Note bem, eu
represento a razäo para aquele moleque que está ali, faça eu o que eu fizer, por mais irracional
que eu seja, para ele eu sou o símbolo da razäo. Ora, ser o símbolo da razäo näo é pouca coisa,
pois é um poder formidável, porque sua vontade é lei. O que quer dizer que a vontade do pai é
lei? Significa que ele funciona para todo garoto como uma máxima universal, válida em todos os
casos. Por exemplo, se um dia o pai disser "comer sorvete faz mal", isso significa que se a criança
ver qualquer pessoa, em qualquer lugar, situaçäo ou instância, comendo sorvete passará mal; a
criança politiza as ordens do pai, porque ela näo o ouve como a um indivíduo, mas ouve como se
fosse a voz da razäo. Portanto, nesse sentido, o que cabe ao pai? Cabe ser de fato racional, ser
universal. Por que? Porque se ele impöe ao filho regras arbitrárias, por exemplo, essa do sorvete,
todas as regras seräo universalizadas na cabeça do garoto. Se ele disser que 2 + 2 é 5, 2 mais 2
passa a ser 5. Aí mais tarde ele pode odiar que seja cinco, mas ele vai continuar acreditando, näo
racionalmente, mas na memória e imaginaçäo, que é o decisivo. E ao pai que eles obedecem; se o
pai é racional e lógico, e é racional e lógico para e naquilo que transmite à criança, tudo bem, a
criança também será, e a ponte dela entre a sua situaçäo de criança e a razäo universal está
facilitada. O pai é uma ponte, o pai é como se fosse o guru, o guru inicia-a apenas, leva a criança
através das várias etapas até a conquista da razäo universal. Mas na posiçäo de guru, ele pode
iludir a criança e de fato ele o faz sem perceber, näo sabendo que ele é um guru, näo sabendo que
o que ele fala é lei. Entäo daí, o primeiro conselho para os pais: dê o número mínimo de ordens,
mas mínimo, näo de ordens ocasionais, só de ordens constantes, refletidas e que possam
efetivamente funcionar como máximas. Se você falar "näo faça isso", virará uma máxima, será
generalizada, e você é a razäo e a razäo é a generalidade, razäo é universalidade, você baixa leis,
você näo dá ordens particulares, como a mäe, você forma a jurisprudência. Entäo, o pai é como
um tribunal de segunda instância, que deve ser consultado raramente, só em açöes importantes.
Ele deve falar pouco, porque, aquilo que ele fala tem muito peso, ele deve estar presente, mas
deve ordenar pouco, deve dar poucas ordens, nunca deve voltar atrás e näo deve impor o seu
estado emocional à criança. Quer dizer, nunca é quase impossível, sempre escapa alguma coisa,
mas o pai deve estar consciente da posiçäo elevada que ele ocupa perante a criança.
A mäe da criança é como se fosse o seu próprio corpo, ela mesma; entäo, por isso mesmo as
ordens da mäe näo tem tanto valor porque näo säo ordens; as ordens da mäe säo sempre vistas
como desejos de uma pessoa mais forte, näo tem valor de lei, nunca tem para a criança, porque
ela está demasiada ligada com a mäe. Entäo, se a mäe quer uma coisa e ela quer outra, a criança
sente isto como uma divisäo de vontades dentro dela mesma, um conflito emocional; por isso
mesmo que a palavra da mäe nunca tem tanto peso, porque se a mäe diz näo, é como se um
pedaço da criança mesma dissesse näo, entäo ela está dividida, está com problemas; mas se o pai
fala näo, aquilo é uma ordem que veio de fora, veio de cima, é uma ordem cósmica que está
falando com ele; entäo ela vai o que? Ela vai absolutizar este näo. Se ela concordar com o näo,
muito que bem, se näo, significa que ela já está condenada pela ordem cósmica, a partir desse
momento; por isso mesmo que a interferência do pai näo sabe o desastre que está fazendo. A
criança näo vai aguentar, vai ficar cheia de jurisprudência na cabeça; entäo, crianças criadas sem
pai, às vezes, säo crianças desordenadas, säo rebeldes, e as criadas sem mäe säo fracas e
covardes. A mäe dá a energia para a criança, dá a vida, a coragem de viver vem dela; entäo, é
como dizer "você será tão corajoso quanto a sua mäe e täo inteligente quanto o seu pai".
Entäo, por que a criança criada sem pai fica desordenada? Porque nem todo mundo é gênio para
captar uma ordem cósmica abstrata, você precisa de algum símbolo para passar por esta; entäo
todo homem precisa de um pai, precisa de um símbolo, mas a funçäo do símbolo, o que é? Torna-
se transparente. A funçäo do símbolo é anular-se, enquanto símbolo, para deixar vir por trás de si
a coisa que ele simboliza. Eu estou aqui como seu guru, o seu guru transmite o que? A lei
universal.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 55 - 14/06/91 FITA III
TRANSCRIÇÄO: VIVIAN H. SMITH

A funçäo do pai é a mesma de um professor, que tem que transmitir algo que näo é ele mesmo,
mas algo que está atrás dele. Um professor de Matemática, por exemplo, está lá para ensinar a
Matemática que ele quer, do jeito que ele gosta, ou a Matemática como ela é? O professor de
Biologia tem que ensinar o que säo os seres vivos, animais, plantas, e näo ensinar ele mesmo.
É a funçäo de um guru, ou seja, a funçäo de símbolo, de transparência. O pai deveria ser
transparente, de maneira que por trás da personalidade dele se visse a lei, a ordem social, a ordem
cósmica.
A mäe, ao impor algo à criança, impöe um desejo, que pode ser um desejo contrário ao da
criança. Mas isso será sentido pela criança como um conflito de desejos dentro dela, como se
fosse a natureza se voltando contra ela mesma. Porém, um conflito com o pai näo é um conflito
dentro dela, mas um conflito entre ela e o real, entre ela e o mundo, entre ela e a ordem, entre ela
e a lei. Somente o pai condena, somente ele julga. O julgamento da mäe näo pesa para a criança
como julgamento, mas apenas como uma adversidade. Quando a mäe se opöe a você, é como se o
pneu do seu carro estivesse furado. É algo que naturalmente se opöe a você, mas näo tem valor de
lei. Por isso mesmo é que a criança gosta muitas vezes de discutir com a mäe. Ela sente um certo
prazer nisso, é como um exercício. Agora, se ela sentisse aquele "näo" como uma lei, ela teria
medo de discutir. Qualquer criança, de qualquer sexo, geralmente tem muito medo de discutir
com o pai, e näo tem tanto medo da mäe. Se ela tiver medo da mäe está "lascada", pois medo da
mäe faz mal, e medo do pai, näo. Aliás, medo do pai é natural, faz parte das relaçöes com o pai.
Tudo isso é natural e säo. O que näo é täo natural e säo é o indivíduo continuar apelando para o
símbolo da razäo, ao invés de desenvolver a razäo. Ou seja, continuar imitando, seja de maneira
positiva ou negativa - porque você rejeitá-la ou lutar contra ela também é imitá-la - a imagem
paterna, ao invés de desenvolver a razäo.
Quanto menos racional for o pai nas suas relaçöes, quanto menos ele transmitir objetivamente,
transparentemente, a idéia de uma lei social externa, de uma ordem cósmica, e quanto mais ele
impuser a sua figura, mais confuso você vai estar entre seu pai e a razäo. Entäo você vai achar
que sendo bonzinho, por exemplo, você pode fazer dois mais dois dar cinco, porque você
obedece ao papai. Mas você está obedecendo àquele papai concreto que você teve, e näo à razäo,
e näo ao real.
Mais tarde, isso vai tingir, "borrar" todas as suas relaçöes com a ordem social, com a lei, com o
aprendizado. Você escapou pelo caminho da irracionalidade. As consequências podem chegar ao
nível da monstruosidade, porque, se o pai representa a razäo, a ordem, a lei, e se ao mesmo tempo
a sua relaçäo com ele é negativa, ou seja, o medo predomina muito sobre a confiança - isto aqui é
fundamental -, se na relaçäo com o pai o medo predomina muito sobre a confiança, acontece que
mais tarde você só confia naquilo de que você tem medo. Aquilo que lhe pareça maligno,
destrutivo, que lhe pareça dotado de um poder enigmático, feroz, destrutivo, que se volta contra
você, lhe parecerá a própria encarnaçäo da razäo.
É assim que as pessoas se tornam discípulas do Rejneesh, do Reverendo Moon, do Hitler,
etcétera. Tornaram-se discípulas e confiam neles, porque näo os entendem e porque eles as
atemorizam.
O Gurdjeff coloca o pai dele como o protótipo do educador, e a educaçäo consistia em, por
exemplo, jogar uma aranha no bercinho dele quando ele tinha três anos, fazê-lo correr pelado pela
neve com vinte graus abaixo de zero, e assim por diante. E ele fala do pai como um grande
educador, com humor diabólico. É possível que isso seja tudo mentira, que ele esteja montando
uma imagem do que seria ser educado pelo Diabo. O Diabo, entäo é uma das figuras do pai. É o
pai que näo fornece uma imagem da ordem, da lei universal. Ao contrário, é uma imagem do
absurdo, do terror, do incompreensível. Porém, você só confia neste, é só este que lhe parecerá
racional.
Näo adianta na esfera de cima, no "computador do andar de cima", você saber que tal coisa é
irracional ou errada. Porque a sua razäo individual lhe diz que dois mais dois é quatro, mas se o
símbolo da razäo, depositado no andar de baixo, lhe diz que dois mais dois é cinco, é muito difícil
você acreditar que é quatro.
Desligar-se desta imagem de pai, substituindo-a pela imagem verdadeira de pai, é uma das tarefas
mais difíceis. A noçäo de bem e de mal é colocada ali na imagem de pai. O indivíduo somente se
livrará da falsa imagem da razäo na medida onde ele mesmo obedeça à razäo. Isso significa tomar
a autoridade desse falso pai. Para colocar aonde? Nas mäos do seu dever? Nas mäos do seu
sentimento? Näo, nas mäos da sua razäo. E a razäo significa também ordem e disciplina. Ou seja,
somente o indivíduo capaz de ordenar-se a si mesmo, disciplinar-se a si mesmo mais duramente
do que lhe exige o próprio pai, se livrará dele.
Todo esse processo é vivenciado na casa onde o indivíduo tem Saturno. É esse o drama que ali se
desenrola, e a interpretaçäo do mapa é uma pista para você saber aonde foi perdido o fio da
meada, e aonde é que você tem de continuar a raciocinar para exorcisar esse falso pai. Os traços
disformes observados na casa onde o indivíduo tem Saturno estäo todos referidos a isso, e só
podem ser corrigidos se a pergunta for recolocada na linha cognitiva, saindo da linha existencial e
emotiva.
Isso aqui é todo um sistema de Psicologia Genética, de Psicologia Evolutiva, e também o
princípio de uma Psicopatologia, formada a partir da idéia do Trauma da Razäo em determinado
estágio do desenvolvimento.
Dá para entender, entäo, qual é a origem do fascínio pelo guru, o mago, aquelas figuras
enigmáticas, maquiavélicas. Um cara como o Gurdjeff puxa as pessoas por este ponto: ele veste a
figura do "pai malvado", aliás, do pai irracional. O pai autêntico pode ser até mais malvado, bater
às vezes, exigir muita coisa, e ele pode até ser bonzinho, mas a sua especialidade é ser
incompreensível, irracional. Na hora em que ele exerce a autoridade de pai irracional, você se
joga de joelhos diante dele. É assombrosamente fácil dominar as pessoas assim. O que ele quiser
virará norma. Você näo pode voltar a sua razäo crítica contra o símbolo da razäo, você está de
desarmado. Você näo pode raciocinar contra ele, porque ele é o fundamento da razäo.
Näo se pode fazer nada, nem pelo método analítico. Tal método só funciona porque entra um pai
substituto, o analista. Na medida em que você vai conversando com ele, ele vai reordenando a sua
psique, ele assume a autoridade do pai. Mas pode ser que ele também seja um "guruzäo", e aí é
uma tragédia.
Você tem que dizer adeus ao pai de carne e osso e, se näo houver um outro pai melhorzinho para
idealizar, você tem que começar a se referir a Deus-Pai, ou ideal do pai, a uma figura mitológica,
divina de alguma maneira. Todas as figuras mitológicas que representam uma força positiva näo
säo nada mais do que o impulso do ser humano de reencontrar uma figura simbólica que
neutralize o pai maligno, ou Satanás. A razäo em si mesma teria força para isso, mas nós näo
temos, porque näo nos motivamos por idéias abstratas, mas por imagens. A imagem atrai o
desejo, e o desejo atrai a vontade. Para o indivíduo ser racional, ele precisa ter uma imagem de
racionalidade que possa copiar. Ele tem que ter vontade de pensar. É por isso que você näo pode
voltar a sua razäo crítica contra o pai maligno, porque só ele coloca a sua razäo em
funcionamento, no sentido que ele quiser. É por isso que pessoas que caem nas malhas desses
gurus nunca conseguem se libertar dele, nem que pensem tudo contra ele. Você pensa, mas é a
sua razäo individual que pensa, e ela näo tem a força da autoridade. A sua é uma razäo potencial;
a dele é vista como atual.
Uma das técnicas usadas pelo guru pode ser a de desacreditar as imagens paternas autênticas, os
sábios. O sábio é um indivíduo que ensina a razäo universal, é uma figura transparente. Se a
imagem do sábio for tirada ou apagada de uma sociedade, ocorre a perda de uma poderosa defesa
contra o mal. Entretanto, a nível individual geralmente nem é necessária essa técnica, pois o
sujeito já está fixado na imagem do pai mau, e é só a ele que obedece. O indivíduo já se
prosternará ao guru na primeira ocasiäo, sem que seja preciso fazer mais nada.
Ao contrário do que dizem todos os autores religiosos, eu näo acredito que a prática da religiäo
defenda contra isso. Nada defende contra isso, pois isso é o imprevisível, o incomensurável. Pode
acontecer de toda uma casta religiosa incorporar o pai maligno. Näo só pode acontecer, como de
fato aconteceu muitas vezes na história.
"... a dureza do coraçäo; os movimentos da Graça; as circunstâncias externas". (Pascal)
Até hoje eu penso que frase Pascal queria concluir com esses três elementos. Mas é a soluçäo
para este problema todo: A dureza do coraçäo é justamente o fechamento do indivíduo para a
razäo universal. Os movimentos da Graça é aquilo que Deus resolver fazer por sua própria conta,
o que é absolutamente imprevisível. E as circunstâncias externas é o que aconteceu na biografia
do sujeito. É isso o que vai decidir a parada.
A melhor defesa contra tudo é uma boa imago paterna. Imago é uma imagem carregada de
afetividade positiva ou negativa. Uma boa imago paterna é tênue, näo ocupa muito espaço, é
transparente e deixa ver as coisas como säo. O pai deve, assim como o professor, procurar ser o
canal neutro por onde passe o objeto, o soberano deve ser o objeto. Quanto mais precocemente
ocorrer essa distorçäo da racionalidade, mais difícil é o indivíduo se encontrar depois.
Na interpretaçäo da casa onde está Saturno há uma elasticidade que ocorre dentro de uma
determinada linha de desenvolvimento que, ou foi bem, ou foi mal, ou foi mais ou menos. Existe
uma sequência de interpretaçöes possíveis dentro de uma única linha de desenvolvimento, com
três extremos: Primeiro, o desenvolvimento ideal. Segundo, o pior desenvolvimento possível. Ou
seja, aquele Saturno que está inteiramente projetado no papai, que nada tem a ver com a ordem
cósmica, nem com a razäo. Terceiro, o caso intermediário. Vocês veräo que todas as
interpretaçöes possíveis estaräo ao longo desta linha. E toda essa problemática será vivenciada
pelo indivíduo na linha daquela casa, é ali que apareceräo os sintomas, os talentos, os benefícios
ou malefícios.
Numa sociedade mais homogênea, onde as regras säo conhecidas por todos, é mais fácil o
indivíduo ser pai. Ele se torna transparente, as regras da sociedade passam mais facilmente
através dele. Numa sociedade mais complexa, onde existe a coexistência de códigos morais
diferentes, o pai teria que usar o seu discernimento pessoal para alcançar essa universalidade nos
valores que transmite. Isso é dificílimo, pois os indivíduos neste sentido säo proverbialmente
burros. Por isso é que sociedades estáticas, que näo progridem, produzem às vezes mais pessoas
saudáveis do que sociedades que progridem. Isso näo quer dizer que eu prefira sociedades
estáticas. Näo tenho esse saudosismo. Apenas é mais fácil ser pai nesses contextos, pois um faz
igualzinho ao que o outro faz.
E aqui? Aqui o pai tem que tomar uma infinidade de decisöes pessoais na educaçäo de seus
filhos, para as quais näo está absolutamente preparado. A sociedade é mais complexa, em cada
bairro, cada família, você tem dez ou quinze códigos morais diferentes. Para o pai educar o filho,
é necessário que primeiro ele mesmo se ache no meio dessa confusäo.
Por tudo isso, todas as interpretaçöes do tipo "mágico", maligno, dadas ao planeta Saturno, näo
deixam de funcionar, pois a humanidade é muito burra. "Saturno é o carma" - näo deixa de ser,
porque você é um cretino. Isto é gravíssimo.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 56 15 JUN 1991 FITA I
TRANSCRIÇÄO: JOEL NÚNES DOS SANTOS

A interpretaçäo quanto à posiçäo de Saturno deve ser um processo regressivo, no qual você parte
do estado atual de -- traços de personalidade -- e vai remontando até o traço de caráter. O traço de
caráter é o que você, astrólogo, vê no mapa; se você o disser ao indivíduo, tal e qual, dificilmente
ele vai se reconhecer. O que você vai ter que pegar é um traço de personalidade que o indivíduo
reconheçe em si, que ele saiba e que é. Este traço de personalidade näo é o que aparece no mapa,
mas uma reduçäo do cruzamento entre o traço de caráter e a biografia. Você tem que fazer uma
decodificaçäo dessa biografia, remontando até o traço de caráter. Por isso mesmo a técnica de
entrevista é uma coisa muito complicada e näo sei se vou conseguir ensiná-la. Na verdade, como
transmitir isso àquele indivíduo em particular, näo tem como ser explicado; nenhum curso pode
dar isso. No máximo, dou a teoria e a técnica, porém a prática só vem com a prática.
A nossa técnica é de tal maneira que, você lendo o horóscopo ou para um outro técnico da mesma
coisa ou para um observador isento, ele reconhece o que você está falando. Mas para o próprio
indivíduo se reconhecer nisso é às vezes um pouco difícil. Funciona um pouco ao contrário da
técnica astrológica corrente, que tem grande credibilidade para o indivíduo. Tudo o que o
astrólogo fala é parecido com o que o sujeito é, no que ele se reconhece, o que é algo enganoso.
A interpretaçäo astrocaracterológica pura näo se parece com o que o indivíduo sabe de si, mas se
parece com o que os outros sabem dele. Se você descrever seu mapa para dez testemunhas que o
conhecem, essas pessoas diräo que ele é realmente assim e o indivíduo somente concordará com
isto, se reconhecerá naquele desenho, se estiver disposto a se examinar, a contar a sua própria
história e assim por diante.
Toda esta dialética deve ser usada por vocês näo para repetirem isto para o cliente, mas para
vocês remontarem a corrente em sentido inverso. Isso é para orientaçäo sua, para vocês saberem
o que está se passando e como o indivíduo se transformou desde o traço de caráter até o traço de
personalidade que você enxerga nele agora. Vocês que teräo que decodificar tudo isto em sentido
contrário.
Falamos já da ruptura inicial entre razäo e memória. Ao longo de uma vida, esta ruptura pode se
acentuar mais ainda, devido à educaçäo e devido ao desenvolvimento de aptidöes "racionais", por
assim dizer, especializadas, que säo efetivadas somente pela parte racional sem nenhuma
referência à memória e à experiência real do indivíduo. Por exemplo, o indivíduo entra na escola
e vai aprender matemática. A matemática é uma disciplina que em si mesma é racional; na sua
estrutura interna ela é racional. O que näo quer dizer que ela vai ocupar uma funçäo racional
dentro da estrutura do indivíduo. Se a mente já está cindida -- a parte de baixo, memória e
imaginaçäo e a parte de cima, a razäo; se já estäo, uma indo para baixo e outra indo para cima -- o
ensino de matemática vai fazer a parte de cima se afastar mais ainda, afastando mais ainda o
indivíduo da sua experiência própria. A matemática vai aumentar o poder estruturante do
indivíduo. A razão é a estruturação da experiência. Ela é como uma forma que vai colocando,
ordenando a matéria que está na experiência e na memória. Mas chega um momento onde a
forma vai para um lado e a matéria vai para outro. Se, pelo ensino da matemática, você aumenta o
poder de formalização e estruturalização do indivíduo, não quer dizer que ele vai aplicar isto
sobre os conteúdos da memória.
Alquimicamente falando, essas coisas correspondem ao que se chamaria o enxofre e o mercúrio.
O mercúrio, na alquimia, representa um caos de possibilidades, um caos de potencialidades, que
equivaleria à memória. Mas aí entra um elemento que tem poder estruturante, que dá forma,
estrutura, e que é o enxofre. A mistura desses dois dá o sal - como se fosse o cristal. Se o enxofre
não entrar em contato com o mercúrio, não adianta aumentar a quantidade de enxofre; se a mente
está cindida, se a maior parte da experiência do indivíduo já não está sendo organizada pela
razão, se a atividade desta já está dissociada da experiência real depositada na memória, então
não adianta aumentar a quantidade de recursos, de instrumentos racionais que o sujeito tenha.É
até o contrário: uma educação que fosse realmente séria deveria não puxar pela racionalidade do
indivíduo muito além da sua experiência real. Isto quer dizer que só quando o indivíduo
demonstrasse o domínio da esfera de experiência que ele já tem que você daria a ele um pouco
mais de elemento racional.
Por exemplo: um garoto de 12 anos, que não tem os instrumentos linguísticos para expressar sua
experiência interna, e você enche a cabeça dele de matemática. O que vai acontecer? A parte
racional vai se estruturar a si mesma, ficando cada vez mais independente da experiência e, no
final, a razão só servirá para ele estudar matemática e tirar dez na prova. Mas, para ele pensar a
respeito do que lhe acontece, não servirá - é assim que você faz o esquizofrênico. Então, o que
importaria, no caso, seria você ir ajudando o sujeito a estruturar a experiência que ele já tem. Dito
de outro modo: o aumento das aptidões racionais do indivíduo deveria ser precedido de uma
ampliação de um recurso linguístico. Se dependesse de mim, o que eu ensinaria a garotos de 12
anos? Só literatura e história, e linguas, durante bastante tempo. Na hora em que o sujeito
soubesse umas seis línguas, fosse capaz de se expressar e dizer o que se passa, contar os
episódios, adquirir a aptidão narrativa, aí, sim, poderíamos ensinar um outro negócio.
É a linguagem que vai fazer essa transição do imaginário para o racional. Mas, se a linguagem é
pouca e você vai ensinar uma outra "língua", uma língua racional e especializada, que não serve
para a expressão da experiência real tal como a matemática, então você dançou: a parte do
raciocínio lógico-matemático é o último que deve ser ensinado. Deveria ser ensinado, por
exemplo, música, línguas -- artes, de um modo geral, mas principalmente a linguagem. Porém
näo a linguagem especializada, como a geografia, história, matemática, mas a linguagem com a
qual os indivíduos se comunicam o tempo todo (ao contrário da música, por exemplo, que é uma
linguagem especializada, com a qual alguns indivíduos se comunicam com alguns outros em
certos momentos). O fundamental é ensinar a falar, ler, escrever e ouvir. Quando o indivíduo
estivesse estruturado, haveria uma ligaçäo entre seu mundo racional e sua experiência. Pois seria
muito difícil, partindo de estudos especializados (como a Física, por exemplo), conseguir
sintetizá-los com a sua experiência subjetiva, pois näo há transiçäo entre essas duas coisas.
É muito difícil ir para frente nesses estudos, isso em geral ocorrendo quando o sujeito tem uma
aptidäo excepcional para alguma dessas matérias. Como é dificil haver um progresso uniforme
em dez disciplinas, o jeito é ensiná-las em série, puxando uma outra, por assim dizer: no ensino
da língua, você tira a poética; desta, os meios de expressäo (a língua e a organizaçäo puramente
imaginativa da experiência); daí você tira a lógica, como crítica da experiência; e da lógica, você
puxa a matemática.
Mas isto são coisas que jamais serão postas em prática: agora, não dá mais tempo. Faz pelo
menos 500 anos que esse negócio está assim. Acho que ninguém, nunca, foi ensinado direito: o
ensino sempre foi uma coisa desprezada. Você vê que até as maiores mentalidades nunca se
ocuparam de ensino.
- Mas, para Platão, a criança com sete anos deveria ser ensinada em matemática e lógica.
O que posso dizer é que Platão era doido! Ele dizia que aos trinta anos você deveria começar a
estudar filosofia mas, para que você a estudasse, já deveria ter dominado antes, extensivamente,
matemática, ginástica e música - o que é uma coisa de doido. Creio que a matemática é a última
coisa que se deva estudar. Por isso mesmo que a escola platônica não foi pra frente: não dá pra ir
pra frente! Platão tem muita coisa de maluco: ele é grande - mas é metade, metade de um
filósofo. E a metade de cima. Platão é a mistura de um filósofo com um sujeito iluminado,
místico, meio louco, que tinha umas sacadas geniais mas, ao mesmo tempo, tinha cada asneira do
tamanho de um bonde. Por exemplo, com relação à própria Doutrina das Idéias, ele mesmo não
sabia se as idéias eram substâncias ou um negócio metafórico. É uma doutrina bonita pra
caramba: só que você não sabe exatamente o que ela quer dizer. Até hoje ninguém sabe.
Mas todos os filósofos pelo menos concordam que a poesia e o mito são a linguagem originária
da humanidade. Isto quer dizer que a humanidade foi fazer lógica e matemática muitos milhões
de anos depois dela já saber fazer poesia: então , por que que com o indivíduo não deveria ocorrer
a mesma coisa? Nós vemos que, na criança, a conquista do raciocínio lógico é uma coisa que
começa aos poucos e vai se desenvolvendo penosamente, e que só se desenvolve a medida que a
outra, a linguagem analógica-simbólica, já está sendo dominada. Tudo deve se encaminhar desse
modo para que não se fique como uma estátua sem pés, ou seja, como um edifício sem
fundamento.
Mas ouçamos as anotações de Stella Caymmi sobre a aula anterior, para posteriores comentários:
(TEXTO RESUMO: STELLA CAYMMI)
(Texto resumo: Stella Caymmi)
"O que aparece na nossa frente -- uma pessoa -- näo é o caráter, mas a pessoa com seus inúmeros
traços acrescidos do caráter. E com isso você tem uma presença que vem refletir (?) a
personalidade e dessa personalidade, só um pedaço é o caráter."
Comentário: Presença, personalidade, biografia, caráter. É nesta ordem que vamos conhecer
alguém: temos a presença, depois, pelos atos repetidos mais ou menos a imagem da
personalidade; a partir da personalidade vamos conhecendo a biografia, indo de trás para diante e,
no fim, pegamos o caráter.
"Na vida real encontramos comportamentos que, quando repetidos, säo os traços de
personalidade. O traço de caráter se transforma em traço de personalidade com o enxerto de
dados biográficos. Assim, no estudo do mapa astrológico, deve-se fazer o quadro geral de
possibilidades da evoluçäo dos traços de caráter."
Comentário: Näo no estudo do mapa. Nós devemos fazer isso aqui, no estudo da
Astrocaracterologia, näo para cada mapa que você for estudar.
"No meio onde estamos -- classe média paulista e carioca -- as possibilidades de evoluçäo
percorridas pelo sujeito säo em número limitado."
Comentário: Este repertório de possibilidades nos é conhecível porque temos uma referência do
meio mais ou menos homogêneo.
"Essa evoluçäo se dá por uma dialética, um conflito entre dois traços. A posiçäo de Saturno é
mais fácil de estudar porque ela é uma dificuldade patente, difícil de o sujeito carregar - - trata-se
da faculdade da razäo."
Comentário: O conflito é entre o traço de caráter e o meio, näo entre dois traços. O traço de
personalidade vem dessa dialética, da soluçäo ou ausência de soluçäo deste conflito.
"Partindo da posiçäo de Saturno -- partindo da razäo -- temos condiçöes de captar a dialética que
levaria o sujeito, na idade adulta, a um certo arranjo habitual, ou seja, um conjunto de
procedimentos com que o sujeito esquematiza o mundo. O método de estudo, aqui, é o de Max
Weber, o tipo ideal, que seria o de considerar o desenvolvimento da razäo sem obstáculos, o
desenvolvimento ideal da razäo onde nenhuma outra força viesse atrapalhar o seu crescimento.
Este desenvolvimento ideal teria que se fazer em dois sentidos: o primeiro, o sujeito ser capaz de
ir abarcando domínios de informaçäo cada vez maiores. Este seria o crescimento extensivo,
quantitativo, por assim dizer um crescimento horizontal."
Comentário: Se já viram uma aranha fazer uma teia, o procedimento é o mesmo: você lança um
fio em volta e depois vai amarrando dentro. Quanto maior vai ficando a teia, mais pontos de
ligaçäo interna ela vai estabelecendo. Assim crece a razäo: à medida que amplia a experiência,
ela vai estabelecendo mais conexöes internas.
"O segundo sentido do desenvolvimento ideal da razäo é que ela seja capaz de abrir novas
chaves, novas categorias e conceitos de modo a poder integrar os diversos domínios. Este seria o
crescimento vertical, o crescimento da integraçäo da experiência do sujeito nas chaves já
existentes. A razäo simplifica o trabalho do pensamento e diminui a área de experiência. Saturno
está ligado também ao instinto de conservaçäo. A razäo é uma autoregulaçäo no homem: seu
ideal é o indivíduo chegar à idade adulta capaz de compreender e abarcar a sua experiência.
Idealmente a razäo deveria ser suficiente para o homem dar conta de tudo que possa acontecer no
seu meio e näo é o que acontece."
Comentário: A razäo é inicialmente uma autoregulaçäo no mesmo sentido da autoregulaçäo
instintiva dos animais. Podemos perguntar: um conhecimento especializado que o sujeito adquira
na idade adulta (matemática ou física, por exemplo), para que que serve quanto à sua
autoregulaçäo, para a autoregulaçäo do indivíduo? Para nada. Serve para a regulaçäo da
sociedade. Esta é uma parte que dizemos especializada, ou seja, que näo é mais genérica. Estas
habilidades só servem para o desempenho de uma certa aplicaçäo, por assim dizer, da razäo. Se
esta parte acaba se desenvolvendo mais do que a razäo nas suas tarefas fundamentais, entäo a
espécie comeu o gênero.
"A razäo, idealmente, deveria ser suficiente para o homem dar conta de tudo que se passa no seu
meio. Näo é o que acontece. As pessoas geralmente estäo muito abaixo das solicitaçöes do meio.
Isso significa que houve obstáculos e o homem acaba apelando à razäo comunitária para resolver
seus problemas. Nem num meio costumeiro, hoje em dia, a razäo dos indivíduos está apta a
enfrentar as emergências. A maioria näo está apta nem para as situaçöes rotineiras."
Comentário: Comparando com o animal: todos os animais de uma dada espécie, ao chegar à
idade adulta, estäo aptos a resolver todos os problemas rotineiros que surjam para qualquer
animal daquela espécie. Vamos supor que antes de um cachorro ser capaz de se virar nas tarefas
rotineiras de um cachorro, você lhe ensina uma habilidade especializada, como equilibrar uma
bola na ponta do nariz. Isto näo serve para ele viver como cachorro, mas apenas para ele trabalhar
em circo, como uma habilidade que ele desenvolve que só lhe serve numa certa circunstância
específica. É como o garoto que, antes de ter o esquema racional pronto, começa a estudar física
e matemática. No caso do cachorro, que aprendeu uma atividade específica e näo aprendeu nem a
demarcar seu território, ele terá que ficar sob a proteçäo de algum ser humano pois, no meio dos
da sua espécie, ele estará em desvantagem.
"Enquanto uns näo estäo nem aptos para situaçöes rotineiras, temos outros seres humanos muito
mais aptos que os demais. Isso näo acontece entre membros de qualquer espécie animal; essa
elasticidade, disparidade, é própria da espécie humana. Existe ainda um outro elemento, que é a
funçäo protetiva, que também näo existe no mundo animal com a elasticidade com que existe na
espécie humana, em que alguns protegem hordas de pessoas insuficientes, incapazes. Essas
diferenças de capacidade de regulaçäo säo diferenças de capacidade racional e nos mapas
astrológicos nós näo veremos essas diferenças. Elas estaräo nas biografias ou na hereditariedade.
Como se dá essa dialética, uma dialética do traço com o meio? O começo da formaçäo da razäo é
igual para todos: começa com um espanto; começa quando o indivíduo faz uma pergunta a si
mesmo, onde entra a dúvida consciente. A dúvida consciente pressupöe, primeiro, o
conhecimento da linguagem e pressupöe que o sujeito tenha algum conhecimento. Näo se deve
confundir dúvida com o método de tentativa-e-erro, que nada tem a ver com a razäo ainda. A
dúvida é uma admissäo consciente de uma falta; o sujeito tem consciência de ser um detentor de
conhecimento, mas consciência também de ter um conhecimento falho e insuficiente. A pergunta
aparece de muitas maneiras e disfarçada, assim como as crianças perguntam de diversas maneiras
de onde vêm os bebês. As dúvidas, elas vêm de coisas intuídas e nós nem sempre temos nomes
para tudo o que intuímos. Na memória temos coisas cujos nomes desconhecemos. Como
comunicá-las? Essa é a diferença entre percepçäo e representaçäo. A representaçäo já é uma
intersubjetividade."
Comentário: Havendo percepçäo de muitas coisas mas näo suas representaçöes, näo há
conhecimento.
"Quase todas as perguntas säo formadas por coisas e sinais cujos nomes näo possuímos. O nosso
conhecimento do mundo exterior é incomunicável, porque nos referimos a coisas genericamente
e näo especificamente ou particularmente. Tudo depois fica na memória e o que näo conseguimos
manipular ou representar vira sedimento, que näo serve para nada, mas atravanca a memória. E se
parte desses sedimentos for enigmático ou doloroso, isso significa que o sujeito näo conseguirá
esquecê-lo ou objetivá-lo. Entäo podemos considerar que o primeiro obstáculo na formaçäo ideal
da razäo, do desenvolvimento ideal da razäo, é a linguagem. Imagine que, se é täo complicado
para as coisas do mundo exterior, como näo será para o nosso mundo interior? Existe um peso
incalculável de experiências näo manipuláveis que o sujeito carrega dentro de si e essas
experiências estäo colocadas fora da esfera de atuaçäo da razäo."
Comentário: O sujeito näo consegue pensar sobre aquilo que näo tem representaçäo.
"Existe uma cisäo, uma separaçäo, entre o que é racionalizável e o que näo é. O que näo é fica
fora da atuaçäo do mundo racional. Esses elementos näo precisam ser propriamente irracionais,
mas o säo para o sujeito, que näo consegue nomeá-los, os quais para outro sujeito podem ser
banalidades. Ocorre que as perguntas mais profundas ou fundamentais podem estar justamente
depositadas nesses sedimentos, no lugar onde você näo tem nomes para nomeá-las. O sujeito
acaba formulando perguntas erradas e encontrando, obviamente, respostas erradas. A partir daí a
razäo näo funciona mais direito, porque funciona em assuntos insignificantes e às vezes
irrelevantes para o sujeito. O sujeito acaba devolvendo esse material sedimentado na memória
para a autoregulaçäo animal, que näo pode dar conta desses problemas, pois eles säo
propriamente humanos. O sujeito acaba funcionando com duas mentes, uma que opera
racionalmente e outra que é simbólica, que opera com os signos, com a imaginaçäo. E essas duas
mentes se comunicam muito mal.
Os conteúdos entram através da percepçäo (säo intuídos) e väo se depositar na memória. Até a
memória, o processo ocorre fácil, o processamento da informaçäo ocorre naturalmente. Porém, da
memória para a razäo, que vai inserir a informaçäo num quadro de representaçäo coerente, a
passagem se dá pela intermediaçäo da linguagem. Como a linguagem está muito abaixo das
necessidades reais, uma parte desse conteúdo volta para a memória porque näo encontra um
nome."
Comentário: Nós só conseguimos pensar porque estabelecemos uma relaçäo de significaçäo: uma
coisa funciona como signo de outra. O que quer dizer que nenhuma imagem solta, sozinha, é em
si mesma compreensível. Pensar é estabelecer ligaçöes. Se você näo tem nada que represente a
outra coisa, que possa entrar no lugar dela, você näo pode continuar pensando. Você pára com
aquela imagem mesma; ela fica diante, na sua frente, e você simplesmente näo tem o que fazer
com ela.
Quando a linguagem näo é suficiente para dar conta das imagens, elas adquirem um poder
hipnótico sobre você. Na tentativa de escapar disso, a memória e a imaginaçäo geram os seus
próprios signos, trocando uma imagem por outra, estabelecendo analogias. O sujeito passa a
pensar por imagens, e o pensamento por imagens já é alguma coisa; mas ele leva a equívocos. Ou
a imagem vai ficar diante de você como uma coisa parada, hipnótica, ou você vai trocá-la por
outra imagem, ou vai trocá-la por uma palavra. Näo havendo palavra, vai trocá-la por outra
imagem, criando uma ideologia, raciocinando como se fosse uma linguagem de sonhos, que já é
algum movimento -- você sonha justamente para se livrar de imagens obsessivas, você converte
uma coisa em outra. Já é um rudimento de pensamento. Só que, no sonho, o pensamento é de tipo
analógico, uma imagem sucedendo a outra por um critério de semelhança entre as imagens. O
que já é melhor que estar com uma imagem parada, sendo hipnotizado por ela.
O sonho faz parte também da autoregulaçäo biológica e näo deixa de ser uma forma rudimentar
de racionalidade. Se o indivíduo näo sonhar, as imagens que tem das experiências ficam paradas
e näo säo integradas de jeito nenhum. Porém, o processamento de imagens que se faz no sonho é
muito rudimentar e näo serve como uma adaptaçäo eficiente ao mundo. Se o sonho fosse a sua
única forma de regular o seu comportamento, você nunca iria para diante. Nas circunstâncias
habituais, a memória, a imaginaçäo e o sonho säo por demais exigidos: o número de coisas que o
sujeito näo pensa e que "chuta" para a imaginaçäo resolver sozinha, é muito grande.
"A açäo do indivíduo será um amálgama do que é produzido pela razäo e do que é produzido pela
memória, enquanto que na razäo, o que funciona, funciona por categorias lógicas e o que está na
memória funciona por categorias analógicas. É como se o sujeito tivesse duas mentes, duas
cabeças. A razäo necessita de uma primeira filtragem na memória e para isso ela precisa de uma
intermediaçäo da linguagem, pois sem a expressäo, esses conteúdos näo chegam à razäo. O
subconsciente se forma pelo que é rejeitado por questöes morais, como Freud explica -- mas isto
é muito pouco em relaçäo ao conteúdo total do subconsciente, que é formado pelo que näo
consegue ser expressado conscientemente. As dificuldades de transformar o conteúdo da
memória em dado de razäo, é o que nos impede também de recordá-los, o que é também uma
funçäo da memória. (essa näo-transformaçäo acaba prejudicando o funcionamento da própria
memória). Além disso, um domínio insuficiente da linguagem é um mau conhecimento de si
próprio e uma autoregulaçäo insuficiente. O mapa astrológico dá um sinal de qual foi a pergunta
que o indivíduo se fez para desencadear o processo racional. Na verdade, näo a pergunta, mas o
gênero de pergunta, ou, ainda melhor, o assunto da pergunta onde começou o processo racional e,
a partir daí, a sua evoluçäo e os seus percalços. O subconsciente trabalha muito mal. Ele só
trabalha bem quando é dirigido para isso, quando o trabalho racional e consciente já está pronto.
Na verdade, ele só funciona bem quando a pergunta já está bem formulada e bem preparada.
A cisäo causada pela repressäo moral à qual o Dr. Freud se refere e, principalmente, pela pobreza
dos meios de expressäo, é o primeiro obstáculo ao desenvolvimento da razäo."
Comentário: Os estudos sobre o inconsciente tomaram os seguintes rumos: primeiro, Freud viu o
inconsciente como uma espécie de "lata-de-lixo" do consciente -- tudo o que o consciente rejeita,
por motivos morais, ele joga para o inconsciente. Depois, Adler insistiu mais ou menos no
mesmo conceito de inconsciente, só que ao invés de conteúdos de tipo sexual, eram conteúdos de
tipo social (desejos e impulsos de autoafirmaçäo). Depois, Jung viu o inconsciênte como um
"depósito da sabedoria universal", depósito dos arquétipos que vinham desde o tempo de Adäo.
Acho estranho que ninguém se lembrou de dizer que a pessoa joga para o inconsciente
simplesmente aquilo que ela näo consegue trabalhar conscientemente, o que seria a explicaçäo
mais óbvia e fácil de inconsciente. O que vai para o inconsciente é tudo aquilo que o sujeito näo
consegue trabalhar conscientemente, sejam impulsos sexuais, sejam impulsos de autoafirmaçäo
ou mesmo uma frase que o sujeito ouça mas que seja dita numa língua estrangeira. O sujeito, näo
tendo o que fazer com ela, "chuta-a" para o inconsciente. É só você perceber que os indivíduos
näo têm uma consciência ilimitada que você percebe qual é a origem do inconsciente. O erro
desses primeiros estudos relativos ao inconsciente foi que tiveram uma noçäo muito especializada
dele; destacaram aspectos do inconsciente. O que Freud diz que está no inconsciente, lá está; o
que Adler diz, também, assim como o que Jung diz também está. Cada um falou de alguma coisa
que efetivamente está lá -- pegaram as espécies e näo o gênero. Cada um como que falou de uma
espécie diferente de inconsciente. Estando tudo isto no inconsciente, basta considerar que tudo
que näo estiver na consciência está no inconsciente. Partindo desta definiçäo, você vê o
inconsciente näo pode ser nem só o que Freud, Adler, Jung, dizem, mas deve ser tudo isso e mais
alguma coisa. Inconsciente näo é tudo que você ignora, mas tudo que, tenho passado pela sua
consciência, náo é trabalhado mais ao nível consciente. O que você esqueceu, está no
inconsciente; o que você nunca soube, isto näo está no inconsciente. Inconsciente näo é sinônimo
de ignorância, mas de esquecimento. É a parte mais ineficiente, inoperante, da memória. (Para o
estudo da memória, v. Proust e Bergson. Quanto mais se estuda a memória, mais se vê que
Bergson estava certo, e este se baseava em Proust).
ASTROCARACTEROLOGIA

AULA 56 - fita 2
15 JUN 1991

... e dessa superfície escura e móvel pula-se para uma outra sensação similar que ele teve na
infância - e que está tendo exatamente igual, agora. E daí esta puxa a outra - ele vai descrevendo
como é que se monta isso. Isso aí não tem muito mais que teorizar: tem mais que descrever. Se
não fosse a descrição dada por Proust, não sei como se conseguiria fazer uma teoria da memória.
É certo que o conhecimento perceptivo, imaginativo, precede o conhecimento racional-
científico. Toda teoria tem que ser através de alguma coisa, e esta alguma coisa tem que primeiro
entrar pelos olhos, pela percepção e depois ser então depositada na memória. Daí, tem que ser
recordada. E, depois de recordada, tem que ser representada. E depois de representada ela é
conceituada - e assim por diante.
A razão, em princípio, tem que abarcar tudo. Ela pode abarcar tudo mas ela não pode dar os
materiais para ela mesma. A razão tem que abarcar tudo numa explicação universal; é evidente
que ela tem que fazer isso. Vemos o exemplo de Werner Heisenberg que, de passagem, teve uma
educação muito mais completa: com 16 anos ele já conseguia ouvir aquela composição de Bach e
perceber, ali, um modelo cósmico, ou seja, um modelo racional do mundo. Este sujeito tem uma
visão muito mais elástica da razão; ele está profundamente interessado na integração de toda a
experiência. Isto é, de fato, uma personalidade mais integrada - mas qual de vocês teve essa
educação? Heisenberg, com 16 anos, estava lendo Platão em grego e ouvindo Bach embora
economicamente estivesse muito pior do que os aqui presentes. Aqui as pessoas acham que só vai
dar pra fazer isso quando forem milionárias. Entretanto, algumas gerações atrás receberam uma
bruta educação que permite ter essa visão da razão. Você vê que aquelas discussões entre a
filosofia de Mallebranche e a música de Bach, para um garoto de 16 anos, demonstram que ele
tinha um conhecimento muito profundo daquelas coisas. Se fosse assim, se gradativamente você
fosse ensinado com poesia, música, e se gradativamente fosse tirado destas os princípios da
razão, haveria um elemento harmônico extraordinário.
Mas a maior parte das pessoas não tem idéia que a razão é a equilibração de toda experiência, e
acha que se pode viver aplicando a razão somente em alguns departamentos. Conforme o estudo
que o indivíduo faça, essa razão vai se tornar ainda mais especializada e mais limitada. É como
um indivíduo que vai ser físico mas, nas horas de folga, é pai-de-santo. A matemática é uma
especialização da razão lógica: então, se você vai matematizar a sua experiência interior, você
endoidece. Se você fosse Deus, você conseguiria matematizar a sua experiência pois Deus
construiu o Cosmos numa linguagem matemática: não tem a menor dúvida de que ele fez isso. Só
que isso, para o ser humano, é perfeitamente inacessível. As áreas da experiência que nós
conseguimos matematizar são muito pequenas, e dá um trabalho miserável. Você vai querer usar
a razão matemática para estruturar sua experiência? O último que conseguiu matematizar toda a
experiência foi Deus. Não adianta: você vai ter que usar outras formas da razão que sejam mais
flexíveis.
Essa intuição de uma totalidade ordenada que Heisenberg narra que teve ao ouvir a Chacona de
Bach: em algum momento o sujeito precisa ter isso, quer a visualize sob uma forma musical ou
arquitetônica - em algum modelo cósmico, por assim dizer - de modo que esta imagem se
imprima profundamente na sua alma, mas que ele continue sabendo que isso é só uma imagem.
Mas as leituras que as pessoas fazem nos dias de hoje, tais como Borges, Pessoa, Lautréamont e
Rimbaud, são coisas que jamais vão te dar um modelo cósmico. Nunca. De fato, os poetas são os
guias: é neles que você vai encontrar algo. Mas as poesias que as pessoas lêem hoje em dia não
dão esse algo. Entretanto, os poetas fazem isso quer você queira ou não: na hora em que você se
encanta com aquela imagem poética, na hora em que você a acha de extrema beleza, aí está o seu
modelo - e é atrás disso que você irá a vida inteira. Então, para se educar alguém, deve-se dar a
esse alguém a grande arte de primeira qualidade. Você quer modelo cósmico? Então, vá ler Dante
e Homero. Todo objeto de beleza é modelo cósmico, e é isto que você sempre irá encontrar na
arte, querendo ou não. Não existe uma idéia de beleza que seja separada da idéia de forma: na
hora em que você achou uma coisa "bela" é porque você viu nela uma harmonia, uma totalidade.
Mas acontece que isso pode ser uma arapuca. Se você quer saber, Borges e Pessoa eram uma
arapuca. De fato, os poetas são os gurus da humanidade e são por isso mesmo a coisa mais
perigosa deste mundo pois essas imagens de beleza que você vislumbra através deles têm o poder
de puxar toda a sua imaginação e fazer com que tudo se encaixe dentro do seu modelo.
Entretanto, o modelo de Borges é um labirinto que não leva a parte alguma; o modelo de
Rimbaud e Lautréamont é uma espécie de buraco negro e, se você quer saber, é uma espécie de
"cu cósmico" - e eu não estou brincando. Certamente, este é um universo bastante diferente do de
Bach, Shakespeare, Dante; se você quer ter uma imagem do mundo bastante fidedigna, leia- os.
Só assim você perceberá a diferença. Veja: qualquer pessoa que tenha visto um urso, sabe
distinguir entre o que é um urso e o que é um cachorrinho miniatura Pincha; mas, quem nunca
viu, se admira e se espanta. A juventude de hoje lê Pessoa, Borges e etc e acha tudo uma
verdadeira maravilha. Mas ela nunca viu outra coisa, não é? Entretanto, se o impacto que você
recebe é de algo verdadeiramente grande, nunca mais você liga para essas coisas. Nunca mais!
O que importa é o seguinte: que a formação artística do sujeito seja algo capaz de dar a ele o que
esta Chacona de Bach, naquele momento, deu a Heisenberg. Quem leu Fernando Pessoa e crê que
teve isto, caiu num engodo. Na hora em que você se comove com essas coisas, elas tem mais
importância e mais influência sobre você do que qualquer livro de filosofia que você leia. Quer
dizer: uma única obra poética tem cinquenta filosofias dentro. Os maiores sábios são os poetas,
são eles os gurus da humanidade. Você não pode conceber Platão, Aristóteles, Sócrates sem
Homero: não dá. Homero é o guru de todos eles. Ou seja: os primeiros poetas que você lê serão
os seus gurus por muitos anos. A formação literária de todos aqui é deficiente porque a formação
literária brasileira é deficiente; a não ser que um sujeito tenha a preocupação explícita de procurar
saber o que foi uma educação literária em outras épocas e cidades. Ao sabor das leituras,
ninguém vai adquirir isto aí.
Para vocês terem uma idéia, o "fenômeno poético" começou como oráculo. O oráculo é um
transmissor de uma revelação. Os primeiros poetas tem, então, autoridade de oráculos. A
linguagem do oráculo tem uma característica mágica: ela une a experiência externa com a interna,
ou seja, ela salta sobre a distância sujeito-objeto e une os dois numa sentença que pode ser
interpretada tanto psicologicamente, objetivamente quanto naturalmente, que dá certo do mesmo
jeito. Tudo o que a humanidade sabe foi transmitido por meio desses oráculos. Depois, a
humanidade obteve outros meios de adquirir conhecimento; mas, na mesma hora em que obteve
esses outros meios, a função da linguagem pode ir mudando, mudando e mudando, até que no fim
ela se transformou numa espécie de inversão de oráculo: parece um oráculo, mas não está
dizendo lhufas. A poesia de Borges e de Pessoa é exatamente isto: um pseudo-oráculo. Essa
experiência que Heisenberg teve com a Chacona de Bach significa que ele pode, durante dez ou
vinte anos pela frente, experimentar estruturar toda a sua experiência do mundo na forma daquela
peça musical - o que deu relativamente certo. Ao passo que, se você pegar uma peça de Pessoa e
for fazer o mesmo, tudo o que você estruturar vai dar zero. O Borges, mais ainda: tudo vira um
buraco negro. Isto é magia negra da brava!! O indivíduo não sabe que é - mas está fazendo.
Praticamente, tudo o que a juventude está lendo nesses dias são coisas desse tipo; então, o sujeito
com 22 anos já emburrece, já não é mais nada. Isto é um amputador de inteligência.
Mas nós estávamos dizendo o seguinte: a razão vai abarcando a totalidade da experiência; essa
totalidade, por sua vez, cresce e, quanto mais cresce, mais integrada está. Ela mantem-se dentro
de um sistema de crescimento orgânico. E desenvolvimento orgânico é a noção-chave de toda
educação. Na verdade, noção-chave da biologia. Essa noção foi descoberta por Aristóteles. É uma
coisa que cresce para fora, aumenta de volume e, ao mesmo tempo que aumenta para fora, está
cada vez mais estruturada por dentro.Ela aumenta o território, e aumenta o domínio sobre esse
território: é como um país que fosse ocupando territórios vizinhos e, a medida que os ocupa, não
se limita a invadir com os exércitos mas estabelece uma administraçào, coloca uma rede de água
e esgoto, uma prefeitura e etc, de maneira que, quanto mais se alastra, mais vai mantendo uma
rede de conexões com o governo central. Se você simplesmente ocupa um território, você faz
como Napoleão: ocupa a Rússia inteira e, depois, por não ter o que fazer com ela, joga-a fora. O
"modelo cósmico" é, então, como o esquema administrativo de uma potência imperialista que
fosse invadindo territórios e implantando administrações nestes lugares.
Cada um de nós é uma espécie de potência imperialista com relação ao mundo exterior - e
potência imperialista no sentido cognitivo e não no sentido de poderio externo pois nosso poderio
externo aumenta em quase nada. O nosso conhecimento, sim, aumenta e, a medida que ele
aumenta, você vai instalando órgãos administrativos que lhe permitem manter o poder sobre tudo
aquilo. Qual é o esquema, então, no qual você se baseia para implantar essa administração? Qual
é o código? Pois saiba: uma grande obra de arte te dá o código disto. E esse código dura por
muitos anos. Se a influência artística fundamental sobre você é como se fosse a de um Fernando
Pessoa, isto significa que é mais ou menos como você tentar administrar o mundo com a
constituição da Zâmbia - que não funciona nem mesmo no seu próprio território. Isto tudo quer
dizer que, quanto mais você alarga o seu conhecimento, menos você teme. Ou seja: essas formas
tem a virtude de tirar a inteligibilidade do que quer que elas toquem. E o sujeito que faz isso está
cultivando a sua própria impotência cognitiva. Ele pode estudar e ler e, quanto mais ele lê, menos
entende. Isto ocorre porque o indivíduo não tem um esquema anterior, não tem uma
personalidade que possa ir abarcando tudo aquilo e administrando as novas informações a medida
em que lê. Lembra das invasões de Gengiskan, dos Bárbaros? Eles tomaram o mundo inteiro:
cinco anos depois não tinham mais nada. Tal como o Império Português: dominou o mundo
inteiro - mas depois veio a Inglaterra e se apossou de tudo. É mais ou menos assim. Por quê?
Porque a organização interna de Portugal não permitia que ele se alastrasse. Para tal, seria preciso
mudar o padrão dessa organização interna - e é isto que eu estou chamando de "modelo".
É necessário que a educação artística do sujeito imprima nele desde novo certos modelos que
tenham o potencial de crescer indefinidamente e que dêem força de expansão e de integracão. Se
a sua educação musical é feita na base de Debussy e Ravel, pode ser que você não vá longe e, do
mesmo modo, se você for educado na base de Pessoa e Borges. Mas... e se o sujeito se encheu
dessas leituras e quer comecar tudo de novo? Então, primeiramente, nós vamos ter que invadir a
caaba e derrubar os ídolos. Depois, vamos ter que colocar uma outra coisa lá dentro. A analogia
com religião funciona: uma religião, para se expandir, precisa ter um potencial de universalidade;
já pensou se os habitantes primitivos da Austrália decidissem invadir o mundo e implantar a sua
religião? No mundo inteiro passaria a ter o culto de divindades locais que só existem lá, na
Austrália, como por exemplo o canguru. Este rito está muito ligado a uma circunstância
específica, a um momento e lugar: não tem plasticidade, não tem elasticidade. E, por isso, não
pode se expandir. Como é que você poderia, por exemplo, expandir a religião japonesa? Não
pode: ela foi feita pra japonês, pelo imperador japonês, só serve para este cidadão - não dá para
expandir. Mas o cristianismo pode se expandir, o islamismo pode e o budismo também, porque
têem esse potencial de universalidade. Tem religiões, entretanto, que são estritamente locais,
onde participam apenas cem indivíduos e, para eles, tudo é inteiramente válido. E tem religiões
que, ao contrário, fazem mal para os seus próprios praticantes - nunca dão e deram certo. Um
exemplo disto é a religião dos astecas. As culturas do México nunca duraram mais de cem anos:
aquilo era um rito de convocar o diabo, e o diabo vinha; vinha sob a forma de uma outra tribo que
matava todo mundo e implantava então um novo rito que, por sua vez, chamava também o diabo.
E, assim, existem mais de cem culturas superpostas umas as outras - o que é um suicídio. Isso aí é
bruxaria. Eles faziam bruxarias para acabar com eles mesmos - e acabavam. Funcionava. Se você
estruturar a sua mente na base do Borges e do Pessoa, é isso aí que vai acontecer; você está
pedindo para não entender nada e, de fato, você não vai entender nada mesmo. Tem muitos
esquemas que se voltam contra o próprio indivíduo assim como tem certos tipos de organização
nacional que se voltam contra o próprio país. Se nós entramos numa dessas vias, entramos num
buraco. Existem muitas arapucas para o ser humano: religiosas, artísticas, culturais e etc.
Geralmente, quando se vê uma estética que leva o artista ao suicídio, se você adotá-la muito
provavelmente você vai chegar a mesma conclusão. Se é isso que você quer, ninguém pode
impedi-lo. Mas isto não tem nada a ver com artistas que ficaram loucos pois isto aconteceu por
causa de outros motivos: sífilis, porrada na cabeça e etc. Mas existem alguns casos de demência
que estão intrinsecamente ligados a própria estética do artista, que é uma espécie de auto-
bruxaria. Veja o próprio Artaud: não é difícil você perceber que ele se enlouqueceu a si mesmo.
Em especial, essas coisas levam tudo para o buraco - é preciso ter muito cuidado com elas.
Analisemos, por exemplo, "Wether", que foi um erro da juventude de Goethe. Ele voltou atrás,
depois de tê-lo escrito.Sabemos que o enredo do livro termina com o suicídio do artista. Na
realidade, Goethe se apaixonou pela noiva de um amigo; ele quase ficou louco, e não se suicidou
porque escreveu um romance onde ele contava essa mesma história, na qual o herói se suicidava,
ou seja: ele se suicidou literariamente. Daí o livro vendeu horrores pela Europa inteira. Mas todo
mundo começou a meter a bala na cabeça. Daí Goethe percebeu que estava entrando numa
errada, que não era nada disso, e renegou o princípio dessa estética e partiu para um outro. Eis,
então, os princípios de uma estética errada, que qualquer um pode fazer - até Goethe entrou
nessa. Entrou mas saiu, né? Ou seja: os princípios filosóficos e estéticos também levam a
demência. O que se deu com Fernando Pessoa? Quanto mais ele entendeu, menos ele se entendia;
ficava cada vez mais louco a ponto de, no fim, estar pedindo socorro. Se você lê Fernando
Pessoa, é assim que você termina: igualzinho. Mas quando você lê Goethe, não: você vê uma
auto-construção que, partindo do "eu", partindo do verdadeiro lar, o sujeito vai crescendo,
crescendo.
Esse vasto parênteses não é despropositado porque a sua aptidão em compreender a
personalidade alheia depende da amplitude e da integração da sua personalidade. E esse
parênteses sobre a educação não é alheio também ao assunto. Mas é claro que, no Brasil, somos
todos um pouco aleijados e teremos que tocar o bonde assim mesmo. É muito difícil você
encontrar nesse país uma personalidade completa. Todos os grandes personagens da história
brasileira tem sempre uma coisa de "pedaço faltando". Creio que foi o Oswald de Andrade quem
disse que o Brasil é "pedaços de gênio". Acho que a única personalidade completa que teve aqui
foi José Bonifácio da Silva; o resto, é tudo pedaços. E ele foi o primeiro e último, um homem
grande em todos os sentidos. É personalidade universal, que tem valor para o mundo, que você
pode apresentar ao mundo como modelo: Ecco Hommo - esse é o homem. É um tipo para ser
imitado, um tipo ideal. Mas essa idéia do que é verdadeiramente um homem : quando falo isto,
vocês têm essa idéia? Por exemplo: o que é um cavalo? Quando você vê um cavalo de raca, de
alta qualidade, você sabe distingui-lo embora nem tenha estudado o assunto. Ou seja: pela
perfeição exterior você reconhece alguma coisa de valor, não? E o homem?... A educação que
não dá isso, não dá nada! Você sabe reconhecer um cavalo, um cachorro; você sabe distinguir um
cão dinamarquês de um vira-lata: mas, e o homem? Essa imagem precisa-se ter, ou seja, de
alguns indivíduos que chegaram a desenvolver plenamente a possibilidade do Homem.
Plenamente quer dizer: até o limite do imaginável, em várias direções. Precisa-se ter essa idéia
para que se tenha um padrão que esteja dentro de uma "normalidade ideal"; caso contrário, você
vai ter uma idéia de uma "normalidade" apenas estatística, ou seja, nivelada por baixo. Mas se
José Bonifácio da Silva pode ser e fazer isto e aquilo, devemo-nos perguntar: se ele pode, por que
nós também não podemos? Qual é o problema? Veja: entre um cavalo de raça e um pangaré, a
diferença não é tão grande como a que existe de um indivíduo para outro indivíduo - esta é
fantástica!! O que parece ser também uma característica da espécie humana: muitos podem ficar
muito abaixo do potencial da espécie - inclusive abaixo do nível animal - como podem também
subir muito acima. Mas que ser esquisito é este, o ser humano... Notem que, no caso do animal,
mesmo ele sendo treinado, adestrado, não vai passar de um certo ponto pois o que se vai fazer
com ele é aumentar certos pedaços - mas você não vai ver um cachorro com uma aptidão que seja
completamente ausente em um outro. Por exemplo: a santidade de São Francisco de Assis é
completamente ausente no Dr. Anibal Lecter, ou seja, um tem uma coisa que o outro não tem,
nem potencialmente.
Em suma: o indivíduo tem essa chave estética, ou seja, ele "estetiza" tudo aquilo que lhe toca.
Isto quer dizer que - voltando aquele negócio de "modelo" - o indivíduo introjetou um
determinado modelo e ele, dentro desse modelo,absorve toda a experiência de maneira que ela
seja transfigurada pela força dessa coerência estética. Isto aí é exatamente o que a educação
deveria dar. Mas você não precisa ser um artista para ter isso pois esse modelo tem que ser
assimilado pela arte, em primeiro lugar.
Mas voltemos a astrologia. Peguem uma posição de saturno, suponham a linha de
desenvolvimento ideal, ou seja, se esse desenvolvimento tivesse seguido sem obstáculos, como é
que ele seria, e depois comparem com a história real do indivíduo que está do outro lado. As
coisas que você pode localizar são: qual é a pergunta fundamental? Qual é o grande enigma do
qual o indivíduo partiu ? Aí, você pensa assim: se ele continuar raciocinando sobre esse mesmo
enigma desde pequeno até a idade adulta, ele deverá ter adquirido uma montanha de
conhecimento e de experiências naquele setor, ou seja, ele saberá um montão de coisas sobre
aquilo e terá toda uma estrutura racional para se adaptar àquilo; portanto, será um conhecedor
profundo daquele assunto - mas tudo isso na hipótese de um desenvolvimento sem obstáculos.
Porém (vamos fazer a outra hipótese: o desenvolvimento com obstáculos) a interrogação logo
pára e, no lugar da elaboração racional, entra o símbolo da razão: a autoridade do pai. Portanto,
existirá um temor naquela região, e é nesta região que o indivíduo estará desarmado perante a
imagem do poder e da astúcia.
SATURNO NA CASA V
O que é a quinta casa? É a demonstração de uma capacidade numa circunstância presente. Qual é
o segredo que torna o indivíduo hábil e dominador numa determinada situação? Este é o enigma
de indivíduo com saturno na quinta casa. Por exemplo: diante de uma situação montada, o que é
que eu faço agora? Como é que eu faço para sair bem daqui? Então, esse indivíduo sabe que
algumas pessoas sabem fazer isto mas que ele mesmo não sabe. Qual é o segredo da habilidade?
Qual é o segredo da vitória? Esta seria a pergunta do saturno na cinco. Como é que a gente faz
para ganhar a parada? Veja que a diferença desta casa com a casa oito é que esta última significa
"sair de uma emergência", ou seja, se livrar de um aperto, de um perigo eminente - e não por um
espírito de competição e por auto-afirmação: é por necessidade. É por uma necessidade natural,
não forçada. Por exemplo: o sujeito que entra numa competição. Ele entrou no aperto - mas
entrou porque quis. E a casa oito, não; a casa oito é: como resolver uma situação de emergência?
E a casa cinco é: qual é o segredo da vitória? Porque uns vencem e outros perdem? Parece que,
mais ou menos, é esta a pergunta da casa cinco. Suponha, então, que o indivíduo tenha feito esta
pergunta e que o desenvolvimento da sua razão tenha seguido a linha normal, que ela tenha se
desenvolvido sem obstáculos. Aonde este indivíduo chegaria? Que tipo de conhecimento ele
poderia adquirir para regular a sua adaptação no mundo? Por exemplo: o indivíduo que sabe a
técnica de um esporte sabe disso. E o indivíduo que sabe a técnica de subir na vida também.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 56 FITA III SÄO PAULO, 15 JUN 1991
TRANSCRIÇÄO: MARLY

SATURNO NA V
O indivíduo desenvolveria o conhecimento, ao longo do tempo, das técnicas necessárias para
competir e vencer nos setores que lhe interessam. Quando chegasse à idade adulta ele teria um
conhecimento acumulado sobre estas técnicas e habilidades. Este deveria ser o desenvolvimento
normal. Ele teria o conhecimento técnico refletido, näo espontâneo, de todas as áreas onde ele
precisasse atuar. Seria o "como ser bem sucedido no que faz". Näo só profissionalmente mas em
todas as áreas onde se sentisse desafiado ele aprenderia a tecnologia necessaria. Saberia o que
precisa para adquirir uma performance razoável nas suas áreas de atuaçäo.
Sendo um conhecimento técnico evidentemente näo é intuitivo; näo é limitado ao caso dele. Ex.:
o sujeito que sabe mecânica de automóveis näo quer dizer que saiba consertar somente o defeito
ocorrido. Ele tem que saber todos os defeitos possíveis. Para cada um dos setores de atuaçäo o
indivíduo teria um leque de conhecimentos técnicos que por um lado bastaria para resolver os
seus problemas e por outro ultrapassaria muito a esfera destes problemas.
Há uma série de coisas que precisamos saber que näo representam áreas de atuaçäo específicas
mas säo habilidades genéricas, que servem para a atuaçäo profissional ou näo. Por exemplo:
saber falar, saber dançar, saber se vestir, etc. Säo técnicas na luta pela vida que näo tem a ver
diretamente com a profissäo.
O que importa é que o indivíduo com Saturno na V näo seja desafiado em coisas que näo
conhece. Se a pessoa näo tem esta posiçäo planetária e é desafiada em algum setor ela poderá
improvisar; já quem tem Saturno na 5a. näo. Ele tem que ter o conhecimento técnico. Se ele näo
souber dançar previamente ele näo vai dançar na hora, se ele näo tiver estudado a técnica do
futebol näo irá jogar e assim por diante.
Idealmente o Saturno na V teria uma série de técnicas desenvolvidas para todas as circunstâncias
que o desafiassem. Naturalmente, como qualquer indivíduo, ele näo seria desafiado em tudo. Mas
nas áreas onde fosse solicitado se aplicaria.
É evidente que, como o aprendizado de uma técnica näo é só para um caso mas para uma série de
casos, ele teria mais conhecimento do que precisa. É a idéia de estar preparado para tudo. E com
este conhecimento "sobrante" ele poderia vir a ensinar, como um de vocês sugeriu. Um lutador de
boxe sabe muito mais do que vai aplicar na luta e chegará um momento em que, com a sobra,
pode se tornar um instrutor.
Aonde o desenvolvimento ideal poderia empacar? Poderia empacar aonde o sujeito se sentisse
incapaz de aprender uma habilidade e apelasse entäo para quem soubesse, para quem tivesse o
domínio da situaçäo. Transferiria entäo o seu poder para um "pai", ficando ao seu lado e
passando a contar com a proteçäo mágica da sua imagem. Ela seria um meio de desenvolver suas
habilidades. O que uma imagem faz? Persegue, condena, humilha; dá um atestado de
incapacidade. Ela será täo mais dominadora quanto menos transmitir este conhecimento. Ela se
coloca exatamente na situaçäo de um pai: eu posso o que você näo pode. Perante que tipos de
pessoas um Saturno na V seria servil? Diante de um competidor, um jogador bem sucedido, por
exemplo, aquele que parece ter o segredo da vitória. O outro näo é a causa do sujeito se submeter
mas o motivo, como ele se explica interiormente. Ele pode ter visto casualmente o outro se
saindo bem; é só uma idéia que faz do outro e fica entäo hipnotizado, numa tentativa de adquirir
o conhecimento por osmose. Mas isto näo existe. E como vai sair disto? Näo adianta um ato de
coragem. Tem que voltar ao ponto onde parou e começar a desenvolver as atividades que o
desafiaram.
No desenvolvimento näo ideal há uma síndrome de incapacidade, de impotência, uma espécie de
impossibilidade de se colocar em condiçöes de competir com quem acha que é muito melhor.
Mesmo que adquira a técnica, se ficar se medindo com quem a própria pessoa colocou acima de
si, quando chegar lá o outro estará metros à frente e assim nunca alcançará. A soluçäo é o
indivíduo näo se comparar com o outro mas com sua própria necessidade. Ou seja, näo interessa
fazer tal coisa täo bem como fulano faz mas fazer o quanto é preciso para resolver um problema
presente.
Joel: é uma questäo de inveja ou admiraçäo. Olavo: Claro. O invejoso inveja algo que näo vai
poder ter nunca. Ele inveja por imperícia. Ao passo que a admiraçäo näo contém uma oposiçäo
em relaçäo ao outro e sim uma graduaçäo.
Na verdade você está competindo com uma imagem abstrata de perfeiçäo que é como uma regua
de borracha que no fundo é um conceito quantitativo do domínio. O problema é que há uma
imagem maligna do pai misturada à imagem da razäo. Se näo houvesse esta mistura era só formar
uma outra imagem benigna ou imagem nenhuma.
Se você mede sua performance com alguma coisa que você viu na infância e que é
esmagadoramente superior a você nunca se sentirá superior àquilo ou àquela pessoa: por
definiçäo você näo pode chegar lá. Stella: Mas não pode funcionar como um estímulo? Olavo: As
vezes sim. Você se supera, se supera e continua sentindo interesse. Este é o outro lado do Saturno
na V a compulsividade. P. ex., há muitos jogadores de xadrez com esta posiçäo planetária. O
xadrez é um jogo enigmático. Ele tem uma espécie de segredo matemático que nunca pode ser
desvendado. Por mais domínio que se adquira sempre ele tem um segredo mais fundo. A vitória
no jogo de xadrez na verdade dá uma sensaçäo de impotência; pior se jogar com o computador.
Você está apostando sua capacidade contra um inimigo indefinidamente maior. Näo dá satisfaçäo
competir com quem näo se pode ganhar.
SATURNO NA XI
A pergunta é: "quando é que eu vou ser gente grande?" Gente grande quer dizer gente que tem
importância. As pessoas säo nada, säo apenas sujeitos empíricos mas às vezes elas representam,
significam algo. A casa XI se refere a isto. É o típico problema da Mafalda: "o que me adianta ser
grande quando eu for grande, quero ser grande agora!!"
Idealmente um Saturno na XI desenvolveria um conhecimento sobre as matrizes da fama e da
significaçäo da vida. Buscaria formas de adquirir uma vivência significativa cuja importância
transcendesse a esfera puramente pessoal, como ampliar a vida, como ter repercussäo. Dito de
outro modo, como integrar a vida pessoal na sociedade, na cultura, na História.
A fama é o que falam de você. A motivaçäo da fama é o mais legítimo desejo do ser humano.
Näo há ninguém que queira ser absolutamente obscuro, que queira significar nada. Falem mal
mas falem de mim! É como você querer adquirir em cima da sua personalidade uma outra,
pública.
Um Saturno na XI quando chegasse à idade madura saberia como as pessoas se tornam famosas.
Saberia também que a vida humana cresce através da participaçäo na sociedade.
Consequentemente teria a arte de integrar os indivíduos na corrente social através de movimentos
coletivos que os indivíduos isolados näo podem alcançar. Dito de outro modo, fazer com que eles
participem da fama, esta no seu sentido mais elástico de repercussäo da vida.
O indivíduo às vezes abdica da recompensa material da fama mas quer, se é normal, que seus atos
proliferem. P. ex. Gandhi renunciou à sua vida pessoal mas quis que suas açöes reverberassem
numa esfera muito maior.
Há também indivíduos que querem o aplauso sem ter feito nada. Isto seria um simulacro de fama.
Na fama verdadeira há uma repercussäo efetiva.
Com SOL na XI a pessoa já tende a conceber seus atos como algo que reverberam por si. Ela se
acha naturalmente importante. Com Saturno na XI a pergunta é: "como é que eu vou fazer para
isto reverberar?"
No desenvolvimento näo ideal o ídolo é justamente quem lhe parece famoso. A tendência é se
achar fraco e covarde perante quem lhe pareça deter a fama. Qualquer sujeito que reverbere na
sua frente parece que tem o que você näo tem. É como a figura do papai: ele adquire poder sobre
você.
Idealmente o Saturno na XI é o sujeito que sabe no fundo fabricar a fama mas paradoxalmente
pode, no meio do caminho, conferir este poder a outro.
SATURNO NA VI
Eu achava o máximo o burocrata, por exemplo, o gerente de banco. O tecnocrata domina näo só
suas qualidades pessoais mas também sua inserçäo dentro de uma estrutura. Ele sabe se colocar
corretamente no sistema. Mas näo raciocinem em termos de profissöes porque cada tipo de
profissäo é exercida dentro de uma multiplicidade de situaçöes que näo é redutível a tipos
astrocaracterologicos.
Aos 17 anos fui ser arquivista. Foi uma chave. Mas a partir do momento que se percebe como
funciona a coisa ela nos desencanta. Este é o segredo: tem-se que exorcizar os fantasmas.
Transferir-se da esfera imaginativa - onde você cultua o poder que ignora - para a esfera da razäo,
onde você vê que aquele poder näo é täo grande assim. É neste sentido que você tem que
"engolir" a imagem do pai. Quando engolida e assimilada você a domina. Näo tem outro jeito. Se
você näo adquirir aqueles conhecimentos - que säo poder - que inveja e teme você vai continuar a
invejar e ter medo. Na verdade esta é uma problemática infantil e é ridículo que você possa sofrer
por causa disto - mas sofre.
Idealmente, o Saturno na VI estaria livre quando aprendesse o controle "cósmico" das situaçöes,
mesmo näo gostando de fazer isto mas é a partir daí que ele iria montando a sua imagem de
racionalidade do mundo. Um exemplo infantil que acontecia comigo: quando meu quarto estava
em desordem eu olhava a meia, os papéis, os brinquedos, os livros, e me dizia que era
evidentemente impossível por em ordem aquelas coisas. Porque para arrumá-las eu precisaria de
um sistema de classificaçäo que era justamente o que eu näo sabia - mas queria saber. Se eu näo
pensasse eu faria a arrumaçäo como qualquer um. Mas antes de arrumar o quarto eu tentava
conceber na minha cabeça tudo classificado. O problema vem porque você coloca a questäo
teórica antes da questäo prática. Evidentemente é mais fácil você resolver um problema prático
sem pensar nele, do que você saber a teoria geral. Só mais tarde eu vi que aquela questäo de ser
necessário um lugar adequado para cada objeto na sua casa era impossível de se resolver aos 12
anos de idade. Para quem näo tem este tipo de preocupaçäo colocaria as coisas em qualquer lugar
e depois veria o que fazer. A questäo é que a pessoa com Saturno na VI "bola" um sistema muito
maior, muito mais geral do que precisa. A soluçäo teórica é genial mas se torna inviável na
prática. A soluçäo é resolver cada problema prático que se apresenta por vez porque se você näo
resolver este näo resolverá os outros. A pergunta para Saturno na VI é: "qual é o código?" Porque
se näo se sabe o código näo dá para saber nada e consequentemente näo dá para agir.
SATURNO NA XII
Aqui o problema é inverso: "como eu saio daqui de dentro?" "Como eu me oriento näo dentro de
um sistema fechado, descritivo, mas no totalmente indeterminado? Por exemplo, um barquinho
no meio do oceano sem nenhuma orientaçäo: no céu nenhuma estrela, você näo sabe aonde está o
Sol portanto näo sabe o horário, se à esquerda ou à direita ... este é a questäo do Saturno na XII. É
uma espécie de sentido de direçäo näo determinado.
Todos nós somos colocados em situaçöes aonde näo há parâmetro algum. E surge uma mäo que
lhe tira do aperto. O Saturno na XII quer saber qual o segredo desta mäozinha, qual o segredo da
Providência. Para se saber sobre isto é necessário conhecer o sentido da Existência, qual o sentido
último da finalidade cósmica. Näo busca o nexo entre as partes (Saturno na VI) mas o nexo do
Todo com um acontecimento, um tópico em particular. Neste sentido qualquer coisa pode ter
sentido com qualquer coisa, independentemente de qualquer código determinado. Bem, mas isto
tudo é analógico, impreciso. O único nexo que diretamente há entre parte e Todo só pode ser o
seguinte: ou o nexo analógico, tipo macrocosmo/microcosmo ou seja tudo que está no Todo se
refletirá (?) nas partes, ou o nexo da finalidade onde tudo e cada singularidade tem um fim. Estou
falando de sentido último, independentemente de qual seja a ordem. Por exemplo, suponhamos
que eu sou um soldado que me desgarrei do exército. Eu posso tentar recompor o seu caminho
através do conhecimento que eu tenho da estrategia adotada, etc., ou posso entender assim: o que
é o exercício? É aquele cuja finalidade é matar o adversário. Entäo por via das dúvidas quem eu
encontrar pela frente é para matar ... (continua na fita seguinte)
SATURNO NA VII
O indivíduo segue quem é moralista. Qualquer pessoa que julgue, mesmo que mal, é uma
autoridade.
A pergunta do Saturno na VII é: "como é que eu vou fazer para ser aceito pelos outros?" "Como
eu vou fazer para as pessoas gostarem de mim?"
E quem tem a chave, quem representa a autoridade para tornar as pessoas aceitas ou rejeitadas?
Quem se coloca como o dono da moral. Com Saturno na VII há sempre um critério moralista
para saber quem vale e quem näo. Sua preocupaçäo é saber o código moral pelo qual está sendo
julgado e depois refletidamente proceder ao julgamento.
Mas geralmente acontece que o sujeito com Saturno na VII acabe pelo mesmo processo descrito
nas outras posiçöes aderindo ao julgamento moral que mais o convém. O efeito é a prosternaçäo
frente ao adversário. Quando seu julgamento se tornar objetivo, isento, tranquilo, näo mais auto-
defensivo, ele estará livre. Mesmo assim estamos sempre sujeitos a nos enganar. Até hoje, se
alguém vier a mim com uma conversa administrativa muito complicada eu fico com medo. Eu
tenho que pensar um pouco. Entäo, se me pega desprevinido é capaz de ter uma autoridade sobre
mim pelo simples fato dele saber que eu custo um tempo para digerir algo mais complicado. Isto
é perigosíssimo. Pode vir o vendedor do "baú da felicidade" e eu o acabar comprando. Temer e
odiar é a marca registrada da casa onde se tem Saturno.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 57- FITA I SÄO PAULO, 16 JUN. 91 TRANSCRIÇÄO:
ROBERTO CELOTTI REVISÄO: MERI A. HARAKAVA

O que vocês têm de saber detalhadamente é a dialética da passagem do traço de caráter para o
traço de personalidade.
O caráter é como uma forma vazia, é um esquema de relaçöes entre partes; ele näo tem nenhum
traço material, nenhum conteúdo. O conteúdo só pode ser dado pela experiência, pela educaçäo,
pela biografia enfim. Atribuir traços materiais ao caráter -- gostos, inclinaçöes profissionais, etc.
-- é erro grave.
O caráter se define como uma forma vazia que distribui a atençäo do sujeito por um certo número
de direçöes. O que ele vai ver nessas direçöes depende do que estiver lá. Tentar descobrir traços
materiais no caráter é a mesma coisa que, pela descriçäo da estrutura do binóculo, tentar
descrever o que se pode ver do outro lado. Isso näo faz parte do binóculo, é o seu objeto. A planta
do binóculo näo diz se o que se está vendo é um elefante ou uma nuvem. Do mesmo modo, a
descriçäo da estrutura do caráter näo diz qual é o conteúdo da personalidade. Por isso mesmo o
caráter é täo difícil de descrever, e só pode ser descrito através da personalidade. E essa descriçäo
deve remontar do estado atual até a forma inicial do caráter, através de um caminho ideal de
desenvolvimento da personalidade em questäo, caso näo tivesse encontrado obstáculos. Esses
obstáculos säo de duas ordens: um de ordem geral ou antropológica, isto é, um desvio que se
introduz na formaçäo da personalidade em todo ser humano; mas podem haver outros.
P. - A imagem paterna?
Esse desvio da imagem paterna, creio que é universal. Ele vem daquilo que falava René
Descartes, ou seja, todos nossos problemas säo originados pelo fato de que antes de sermos
adultos nós fomos crianças. No processo de formaçäo do adulto é que se introduzem desvios,
distorçöes etc. Dessas distorçöes, pelo menos uma parece inevitável, que é a que mencionamos.
Com o que nós falamos nas duas aulas anteriores dá para vocês entenderem também o que eu
quis dizer com o trauma da emergência da razäo. O homem carrega a sua razäo como quem
carrega uma cruz (na língua árabe a palavra que significa cruz é a mesma que significa espinha
dorsal, çulb). A mesma cruz que o mantém de pé é ela mesma que o derruba. Dito de outro modo,
somente aquilo que lhe dá poder pode destruí-lo, ou como no ditado muçulmano "só quem pode
ajudá-lo pode atrapalhá-lo".
Näo confundam, porém, o planeta Saturno com a faculdade da razäo. A ligaçäo de Saturno com a
razäo é simplesmente como dos outros planetas com as demais faculdades. Eu já dei a vocês a
hipótese que tenho em torno disso: o desenvolvimento das faculdades se apóia na estrutura
corporal do homem. Existe uma ligaçäo muito íntima entre anatomia e fisiologia do homem e
este esquema das faculdades. Será através de alteraçöes na percepçäo do próprio corpo humano
que os planetas podem exercer um papel qualquer no desenvolvimento das faculdades. Tudo isto
está na esfera da hipótese e faz parte da astrologia pura.
Para efeito de astrocaracterologia, a única ligaçäo entre Saturno e a razäo é que a sua posiçäo no
mapa indica qual é o enigma fundamental a partir de cuja resposta o indivíduo começa a ter uma
coerência em sua imagem do mundo. Para a interpretaçäo correta de Saturno no mapa basta saber
este ponto.
Em princípio uma visäo coerente do mundo pode ser desenvolvida a partir de qualquer um dos
doze temas das casas. O sujeito começa a estruturaçäo do seu mundo a partir de alguma coisa que
lhe chamou a atençäo. Ele faz esta pergunta, antes de fazer outra. Considero isso empiricamente
verificável pelo estudo das biografias, ou seja, se você estudar com cuidado muitos casos, verá
que sempre esta pergunta, esta área, exerce uma espécie de dominaçäo, de fascínio para aqueles
indivíduos com Saturno em determinada casa. O indivíduo sente o problema como muito difícil,
e de cuja soluçäo dependeria sua segurança, seu bem estar no mundo.
A açäo consequente, racional, segundo fins, pressupöe a construçäo prévia de uma visäo racional.
Por isso mesmo entendemos que o esforço de racionalizaçäo aparecerá na casa onde está Saturno,
tanto mais pronunciadamente quanto mais fortes forem os dois impulsos que já mencionei, o
ímpulso pelo poder e o amor aos semelhantes, os quais podem ser deprimidos no começo da vida.
O indivíduo pode se desinteressar de exercer qualquer poder. O que é poder? Poder significa
desencadear os efeitos que lhe interessam. É a produçäo voluntária de efeitos. Hoje é moda todo
mundo dizer que näo quer poder, mas é uma cisma, como antigamente näo se podia falar
palavräo. Para ver como isso é mentira basta inverter a pergunta, ou seja, você prefere o näo-
poder? Você quer poder ou näo poder? Esse impulso pode ser bastante deprimido no ser humano
e ele pode desistir de ser ele mesmo a causa dos efeitos, numa atitude conformista.
O segundo impulso, o de amor pelos semelhantes, pressupöe interesse, curiosidade, desejo de
conhecer, desejo de convivência, o que também pode ser, e é, bastante deprimido nos seres
humanos. Entäo, quanto mais fortes forem esses dois impulsos, mais intensa será a luta do
indivíduo pela construçäo de um esquema racional do mundo.
Se, contrariamente, os impulsos säo deprimidos, provavelmente a luta pela razäo será
internalizada, chutada para o inconsciente, e fica entäo difícil descobrir o que aconteceu de fato.
Mas será sempre possível reconstituir a biografia e ver onde o indivíduo desistiu de ter um
domínio racional da situaçäo e onde passou para o comportamento mágico, ao culto do pai.
Esses antigos mitos que falam que as pessoas se reuniam e comiam o próprio pai talvez näo
devam ser interpretadas de maneira täo literal, mas talvez num sentido freudiano, porque você
comer uma coisa é incorporá-la a si. A partir do momento em que o portador da razäo, o portador
do poder passa a ser você e näo seu pai, você "comeu" seu pai. Assim, todo mundo, de certo
modo, "come" o próprio pai.
Do mesmo modo, e num curso como este, o papel paterno é desempenhado pelo professor, mas o
professor dá aula para que você mesmo passe a pensar e conceber. Você tem que "comer" esse
conteúdo; se você näo o faz sua relaçäo com o professor continua sendo uma espécie de símbolo
da sua razäo, e você imagina que convocando esta imagem ela o socorrerá, resolverá todos os
problemas, demonstrará todos os teoremas.
O exercício da razäo é uma atividade voluntária, porém existe também um automatismo da razäo,
uma espécie de simulaçäo da razäo que, ao nível imaginativo, continua "pensando" e montando
os dados mais ou menos segundo uma estrutura que parece racional. Isso quer dizer que só existe
a operaçäo da razäo mesma quando é voluntária. Isso parece contraditório com o que eu falei a
uns meses atrás (que a razäo funciona até quando você está dormindo). Temos que fazer uma
meditaçäo sobre essas duas afirmaçöes. Quando existe um esforço voluntário de racionalizaçäo
da experiência, é lógico que este esforço prossiga um pouco involuntariamente também, como
uma espécie de movimento de inércia. Quer dizer que se estou fazendo um esforço para montar
um esquema racional, eu continuo montando esse esquema até quando eu näo estou pensando
nisso. A atividade do consciente puxa a do inconsciente. Entäo, nesse sentido é que podemos
falar que existe uma operaçäo inconsciente da razäo. Você coloca o problema matemático,
organiza os dados e o inconsciente faz o resto.
Com isso espero que vocês possam captar a diferença entre a interpretaçäo puramente
astrocaracterológica do Saturno no mapa, e os traços de personalidade que de fato você encontra.
Dos traços de personalidade você tem que fazer uma hermenêutica, uma interpretaçäo, até você
remontar ao traço de caráter. Agora, eu gostaria de saber se vocês encontram isso nos próprios
mapas.
De várias pessoas com Saturno na mesma casa você vai encontrar uma espécie de parentesco
entre as várias soluçöes a que os indivíduos chegam. Essas fórmulas que definem a personalidade
podem ser catalogadas em doze espécies. Para Saturno na I você vai ter um certo leque de
possibilidades. Näo é um leque täo grande assim. Eu acho que valeria a pena vocês se esforçarem
para fazer uma lista, casa por casa. Por exemplo, sabendo qual é o ponto de partida - - Saturno na
I, II, III etc. -- conjecturarem algumas das evoluçöes possíveis para näo serem pegos
desprevenidos. Mas sem o intuito de esgotarem o assunto. Mas eu acredito que essa conbinatória
näo vai täo longe assim.
Ontem fizemos um exercício sobre os tipos de atraçäo mórbida a que as pessoas säo submetidas
de acordo com a posiçäo de seu Saturno. A resposta a essa questäo se tornará patente por esta
vulnerabilidade do indivíduo a um tipo de "capeta" em particular. A pergunta é: A quem você
confere poder sobre você? A quem, e por que? O que é necessário alguém fazer para fazê-lo de
trouxa? Cada um é vulnerável num ponto completamente diferente. Isso é facílimo de verificar
nos biografados. Vocês devem ter percebido nas biografias que estudaram que sempre os seus
personagens säo profundamente vulneráveis a alguém ou a algo que os dominam. Você tem que
ver por onde esse dominador domina. Você pode descobrir essa vulnerabilidade primeiro e
conjeturar a posiçäo possível de Saturno para aquele indivíduo, tentando fundamentar essa
hipótese. Tentem fazer isso agora com seus personagens. P. - A grande falha de Mussolini (Sol na
IX, Vênus e Júpiter na VIII, Saturno, Lua e Marte na VII ) foi ter se aliado a Hitler. Tinha uma
profunda admiraçäo pelo jeito germânico de ser e pela disciplina férrea dos exercícios nazistas.
Tentou impor isso na Itália e passou ridículo.
Mussolini é o protótipo de alguém que foi dominado por outro.
O ponto fraco aparecerá na vida sob a forma de uma ou uma série de falhas, sob a forma de uma
vergonha muito profunda, e sob a forma de uma fragilidade que os outros saberäo ver e saberäo
facilmente apontar onde está. Geralmente o indivíduo é condenado e criticado justamente por
isto. Partindo do princípio que nós estamos o tempo todo tentando dominar os outros, nós
também somos pagos pelo ponto fraco. Quando chegam a te criticar em voz alta já näo é täo ruim
assim porque pelo menos estäo indicando qual é o defeito, mas às vezes näo fazem isso, se
aproveitam daquilo. Muito menos faräo o que estou fazendo aqui, ou seja, explicar o ponto fraco.
Vamos ver um outro exemplo: Hitler tinha Saturno na X. Näo é de estranhar que desde pequeno
tivesse uma única preocupaçäo. Qual era? Fazia discursos patrióticos desde dezoito anos. A idéia
mais fundamental de Saturno na X é o de ser, por assim dizer, comido pela sociedade, assimilado
e identificado com a sociedade. Qual a diferença entre essa atitude e a de Luiz XIV, que dizia
"l'État c'est moi"? Um tem o Estado, o outro, o Estado o tem. No caso de Luiz XIV ou no caso de
Napoleäo, uma personalidade imprime sua marca sobre toda uma sociedade; no outro caso é
exatamente o contrário, a personalidade do indivíduo que é comida pela sociedade. Ela incorpora
todos os valores daquela sociedade. Para Napoleäo e Luiz XIV a França é que "se virasse" para
ficar igual a eles.
E Lincoln? Coloca sua marca nos EUA ou, ao contrário, incorpora os valores nacionais e faz
deles parte de sua personalidade. Incorpora. Ele se nulifica perante o espectro da pátria. A pátria
o come vivo, por assim dizer.
Se você pegar governantes com o Sol na X ou Saturno na X você verá essa diferença gritante na
expectativa deles. Você pode ver um ditador e imaginar que é a sua vontade pessoal que esteja
sendo imposta, mas é a sociedade, a naçäo, que pode ser vista como o fator estruturante da
personalidade. Esse fator estruturante pode ser duplo para indivíduos com o Sol e Saturno na X.
Outra pergunta: Ele se entende como molde do país ou ele quer que o país o molde? O sonho de
Hitler era ser alemäo até o fundo d'alma. Queria incorporar todos os povos alemäes à Grande
Alemanha. E Napoleäo? Näo era nem francês, era italiano ... Hitler era sensível à história do país,
às instituiçöes, valores nacionais, etc.
Em muitos indivíduos com Saturno na X esse desejo de ser moldado pela sociedade, pelos
valores da sociedade, pode ser perfeitamente inconsciente. Ele pode ser moldado por alguém que
para ele representa a sociedade. Por exemplo seu emprego, a autoridade do pai e assim por diante.
Isso depende da amplitude intelectual do sujeito (que näo aparece no mapa).
Hitler e Lincoln conheciam suficientemente a história das instituiçöes nacionais para
conscientemente desejar incorporá-las. A sua identificaçäo com o país é um traço consciente da
personalidade, mas em muitos indivíduos näo será.
A autoridade pública pode ser vista pelo indivíduo de muitas maneiras conforme sua inteligência,
cultura etc. Isso näo dá para saber pelo mapa, mas que essa autoridade da sociedade é que vai,
como quer que o sujeito a veja, ser o poder diante do qual o indivíduo se ajoelha, isso de qualquer
modo.
Outro exemplo de Saturno na X: Marcel Proust. Nele era notável a ausência de personalidade
própria. Incorporava efetivamente o meio social onde estava, consciente e voluntariamente
também.
A seguir Olavo procurou saber dos alunos se estavam na pista certa para a localizaçäo do Saturno
de seus personagens. Procurou levantar com os alunos quais seriam os pontos onde cada
personagem poderia ser subjugado. Observou que esses pontos säo os mais apontados pelos
estudiosos que escrevem e falam do personagem e näo tanto pelos próprios personagens. Henriete
colocou que acabou chegando ao Saturno de Lincoln porque estudou sua história a partir de um
escritor que virou sua vida de alto a baixo, e que partiu da pergunta: Como foi possível aquele
Joäo Ninguém, sem estudo, virar presidente da república?
Outro personagem citado foi Trotsky. Olavo propôs a seguinte reflexäo: Qual foi o ponto onde
Trotsky foi mais criticado? Onde ele errou, teve vergonha de errar, onde nunca pode se levantar?
Qual a diferença fundamental entre Trotsky e Stálin? O que fez com que Stálin ficasse no poder e
Trotsky caísse? O que todos dizem a respeito de Stálin e Trotsky, a coisa mais patente que
aparece säo as diferentes superioridades de cada um. Houve uma diferença decisiva que selou o
destino dos dois. Dos dois o mais inteligente era Trotsky. E por que Stálin ganhou a parada?
Trotsky era muito mais inteligente, mas era muito teórico. Stálin era menos inteligente, mas sabia
responder às coisas na prática.
Existem personagens que säo uma dificuldade analisar a biografia, por exemplo, os indivíduos
muito mitificados. Existem personalidades em que se tem interesse de descobrir as falhas, outros
näo. Sobre Einstein e Gandhi, por exemplo, ninguém escreve coisas ruins. Stálin e Trotsky já
recebem ataques; Jung näo é atacado, mas é sincero em sua biografia. !!!?
Outro exemplo que elucida a relaçäo entre uma acusaçäo e a posiçäo de Saturno é Goethe, que
tinha Saturno na primeira casa. As pessoas o acusavam de näo ser gente, de ser uma estátua.
Diziam que ele era um mito, näo uma pessoa. É algo paradoxal, porque ele estava sempre
preocupado com isso, com a busca de uma conduta cada vez mais correta, fazer as coisas de uma
maneira mais correta. Mas qual era o correto para ele? Qual o padräo? Ele se baseava em grandes
personalidades, filósofos. Ficava, portanto, acima da populaçäo comum, se destacava.
As pessoas o acusavam de ser uma estátua dele mesmo. Se eu vejo a minha vida e digo: este é um
lado que näo serve, está ruim, vou modificar, tornar perfeito e o faço, quando mostro isso, o que
acontece? As pessoas admiram, mas näo gostam, porque é bom demais para ser gente. É um tapa
na cara. O que todos dizem a respeito de Goethe, qual foi sua obra-prima? Ele mesmo. Ele näo
fez nada mais que estivesse à altura dele mesmo, a näo ser sua própria personalidade. Ele constrói
a si mesmo, refere-se a si mesmo, e é egocêntrico neste sentido, e chega a ser täo egocêntrico que
para que sua imagem ficasse perfeita, supera o próprio egocentrismo. Daí ninguém aguenta mais.
A vida de Goethe é isto, uma linha só. Ele começou como ator, acreditanto numa vocaçäo teatral
que depois viu ser falsa. A vida dele era uma longa auto-elaboraçäo. Tanto que nós podemos
dizer que de fato a questäo que foi colocada para ele é um enigma a respeito de si mesmo, e
podemos dizer que neste caso a razäo seguiu quase uma linha normal de desenvolvimento. P. - A
linha de desenvolvimento normal de um indivíduo com Saturno na I seria se reformar?
Claro, fazendo uma imagem para si. E se ele näo tivesse feito isto? O sujeito quer ter uma
imagem perfeita, quem é que o derruba? Quem vê a imperfeiçäo da imagem, näo quem a tem
perfeita, mas quem consegue furar a imagem construída. E isso ninguém conseguiu fazer com
Goethe. As pessoas podem ficar bravas, mas têm de admitir que Goethe ganhou. Isso é uma coisa
que raramente acontece. O indivíduo com Saturno na I dificilmente chega a este ponto.
P. - Qual seria o desvio disso se näo desse certo?
Näo dar certo é uma coisa, agora o sujeito näo atinar direito qual é a pergunta é pior ainda. Nós
supusemos dois estágios anteriores. O primeiro o sujeito tentou e näo conseguiu, e o outro nem
chegou a elaborar a pergunta conscientemente. Qualquer pessoa que nega a perfeiçäo da sua
imagem já tem poder sobre você. Você é escravo do mau-olhado. Quanto mais a razäo incomoda,
mais vulnerável vai estar frente aqueles que vêm seus defeitos.
É muito comum no Saturno na I querer parecer-se com aquilo que mais odeia. É uma forma de
neutralizar essa vulnerabilidade, para tentar exorcizar o mau-olhado. O desejo de se parecer com
o que você mais odeia e mais teme, evidentemente aparecerá com Saturno em todas as casas.
Apenas que, com Saturno na I, isso se torna mais evidente para quem olha o sujeito, na primeira.
Por isso as pessoas com Saturno na I säo, às vezes, presenças desagradáveis. As vezes a imagem
do indivíduo näo é ele, às vezes é o inverso dele. Pode ir para o lado pernóstico, para o lado
tímido, ou para o lado que tenta parecer ruim, parecer impessoal. Na quase totalidade dos casos o
resultado que dá é isto: o indivíduo tenta parecer aquilo que ele mais odeia porque somente isto é
digno de respeito, somente isto que tem autoridade. Entäo ele parece com o capeta dele, näo é?
Bastaria observar a questäo de Saturno na I para as pessoas entenderem que algo há na astrologia.
É só você fazer uma coleçäo de pessoas com Saturno na I, olhar para a cara delas. O sujeito está
procurando uma imagem que seja adequada a ele mesmo, mas näo acha. Pode parecer falso, pode
parecer franco demais, de uma franqueza forçada. Todas essas possibilidades existem. O que há
de comum entre todas elas é uma inadequaçäo profunda entre a imagem que o sujeito procura
passar e o que ele realmente pensa dele mesmo. E isso é consciente nas pessoas, sabem que têm
isso e geralmente sofrem com isso. Todo mundo pode ter tido isso na adolescência, mas depois
esquece, mas com Saturno na I continua.
A hora em que você conseguir localizar as posiçöes de Saturno e Sol, somente aí é que as outras
posiçöes se tornaräo significativas. As posiçöes de Sol e Saturno daräo a escala dentro da qual
você deve medir o resto. Portanto desista dos outros planetas. Só na hora que Sol e Saturno
saltarem aos olhos -- o que evidentemente näo conseguiremos fazer em todos os biografados, por
falta ou excesso de dados -- é que é hora de pesquisar os outros planetas.
O ponto fraco de Nietzsche (Saturno na II Sol na XI) é fácil de pegar, porque ele só se ocupou de
pontos fracos a vida inteira. Onde ele via uma coisa em pé, ele ia lá derrubar. É só você virar a
máquina ao contrário que você enxerga direitinho onde estava o ponto fraco dele. É só ser
nietzscheano contra Nietzsche. Nietzsche "filosofava a marteladas". Entäo você vira o martelo e
diz: vamos derrubar essa coisa aí, no que ela se assenta. Nietzsche tinha um ponto fraco muito
evidente na sua personalidade. O que Nietzsche idealiza e näo tem?
P. - Certeza?
Näo, ele estava pouco ligando para a certeza, ele näo a tinha e näo a idealizava. Idealizava a
força, o poder, a vitalidade. A vitalidade no sentido animal. A pista está em algo que ele idealiza,
que vê como um valor legítimo. Porque todos os valores para ele säo ilegítimos, mas tem um que
ele legitima, e este justamente, como indivíduo, ele näo tem, é totalmente destituído. O que ele
idealiza é o que ele chama vontade de potência, a vontade de poder. É a vida que quer ser mais
vida. Esse é o único valor maior para ele. No fundo é um valor biológico, a reproduçäo em si. Ele
destrói todos os valores à luz da vontade de poder. Assim, automaticamente, a vontade de poder é
afirmada como valor, quer ele queira, quer näo queira. Isso ele näo questiona, é o ponto que deixa
intacto. Se raciocinarmos nietzscheanamente, o que tem por trás dessa vontade de poder?
Impotência. Impotência de viver. A filosofia de Nietzsche é uma brutal ampliaçäo invertida da
sua impotência de viver. Essa é a pista: Quais säo os dois maiores prazeres da vida? O sexo e a
comida. É isso que Nietzsche näo tinha. Ele deu uma trepadinha na vida, pegou sífilis e morreu
disso. Você vê aquele monstro destruindo a marteladas toda a civilizaçäo, mas no fundo o
problema dele é este. Nietzsche näo é um grande homem. Qual é a chave de toda a sua
psicologia? O ressentimento. Ele foi professor de filosofia, sucessor de Jacob Burckhardt na
principal universidade de Basiléia, Suíça. Tudo isso ele teve, mas houve algo que ele näo teve,
algo que qualquer moleque tem. Esta é a pista. Pouquíssima gente lembrou de aplicar a psicologia
nietzscheana a Nietzsche. Aplicada a ele mesmo sua filosofia diminui de importância
formidavelmente. Isso näo acontece por exemplo com o dr. Freud; se você psicanalizasse Freud,
parece que o resultado confirmaria o valor da psicanálise.
Toda a obra de Nietzsche é uma auto-biografia às avessas. Ele reclama contra tudo, exceto contra
aquilo que lhe dói. Um sujeito poderia tomar uma atitude exatamente contrária; tendo esse
mesmo drama, poderia partir para a negaçäo da vida biológica, a negaçäo da vontade de poder, a
negaçäo dos prazeres primários e a afirmaçäo dos valores abstratos, valores da civilizaçäo etc. E
essas duas atividades estariam ligadas à mesma motivaçäo. Mas de qualquer modo, vê-se que
aquilo é um ponto anormal na vida daquele indivíduo. A hora que vocês começarem a montar o
caráter de seus personagens veräo que coisa maravilhosa, que chave que este instrumento pode
ser para o conhecimento da biografia dos indivíduos.
E Mozart? ( Sol na V - Saturno na V ) Na verdade nada derrubava Mozart. Acho que ele nunca
teve um momento de dúvida sobre si mesmo desde que se entendeu por gente. A vida dele é
como uma flecha que é disparada numa direçäo e rapidamente atinge seu alvo. Mozart é um caso
onde a razäo desenvolveu-se mais ou menos normalmente, näo por esforço mas por ter tido a
educaçäo conveniente, por sorte. Mozart foi educado para ser o quê, especificamente? Foi
treinado para ser um pianista. Para ser um executante, um concertista, e era isto que ele fazia. A
primeira coisa que ele fez foi tornar-se um concertista brilhante. Ele recebeu uma educaçäo que
lhe deu exatamente o que ele precisava para se virar na vida. Se você pensar bem, é uma vida
besta, mas é uma vida feliz. Mozart era feliz, com miséria e tudo, nunca se sentiu abatido. Vivia
rindo e fazendo piada. É um caso raro, onde por sorte o sujeito obtém exatamente aquilo que ele
precisa para resolver o problema exato que ele tem.
Uma vida que durou trinta e poucos anos, o indivíduo fez a mesma coisa a vida inteira desde que
nasceu até morrer, näo pensou em absolutamente nada, näo se atormentou com nada; no fim da
vida tem algumas preocupaçöes de ordem maçônica, mas simplesmente porque o levaram à
Maçonaria. Quando ele estava cansado de simplesmente fazer música boa e decidiu fazer música
para alguma coisa, essa alguma coisa já estava lá. Ele era um cara sortudo. Só näo teve dinheiro,
mas näo precisava, ele tinha todas as mulheres que queria, tinha honras, tinha tudo. Qual a falha
dele? A falha fica latente, näo aparece, mas é explorada no filme "Amadeus". O que está lá
poderia ter acontecido, mas näo aconteceu. Você teria de supor o que aconteceria com Mozart se
sua educaçäo fosse falha; aí ele falharia em algum ponto, mas näo falhou. Por isto mesmo a sua
vida parece näo ter conflitos. Ela tem dores, problemas, mas näo tem contradiçäo. Sua vida
parece que escorre naturalmente; vai numa só direçäo como uma flecha que nada segura. A vida
dele era uma sucessäo de trabalhos criativos e divertimentos, só isto. Apesar de sua passagem
pela maçonaria, acho que ele näo pensou nele mesmo um único minuto, näo deu tempo, morreu
com trinta e quatro anos. O segredo de Mozart está na educaçäo que o habilitou a fazer
exatamente o que tinha de fazer, que resolveu exatamente os problemas que ele poderia vir a ter,
quando muitas vezes a gente é educado para resolver outros problemas. Talvez se vivesse mais
viesse a mostrar algum conflito interior, mas Mozart sempre dá a impressäo de uma notável
objetividade, um indivíduo voltado fundamentalmente para fora, adequado às situaçöes. Uma
pessoa com um esquema de personalidade muito simples e muito eficiente. O conflito interior
reduzido ao mínimo, de tal forma que ele pôde se entregar totalmente ao que estava fazendo. Näo
tinha que prestar atençäo em si mesmo, näo tem que voltar para trás e corrigir alguma coisa.
Recapitulando tudo que nós falamos em todos esses casos: A posiçäo de Saturno é onde o
indivíduo necessita de um determinado poder, esse poder só pode lhe ser dado pela educaçäo,
pela sociedade humana. Ele näo pode inventar por si mesmo, náo é algo que brota naturalmente
no indivíduo. É algo que tem que ser adquirido, algo que tem que ser introjetado. Se fossemos
fazer um paralelo com o que diz Jean Piaget da assimilaçäo e acomodaçäo, diríamos que este é o
ponto da acomodaçäo, porque é o ponto onde o indivíduo se transforma, onde ele muda seu
esquema para adaptar-se a uma ordem do mundo para poder exercer o seu poder nele. A
asimilaçäo é o contrário, o indivíduo torna os dados similares a ele. Eu acho que näo seria errado
dizer que o ponto onde está o Sol é o ponto da assimilaçäo, onde tudo fica igual ao indivíduo, e
Saturno o ponto da acomodaçäo, onde ele tem que se tornar igual a algo que está fora dele e só
pode fazê-lo com a ajuda da educaçäo e da cultura. Isso quer dizer que o esquema racional do
indivíduo nunca é construído inteiramente por ele mesmo, mas é uma adaptaçäo à racionalidade
do próprio mundo. Existe uma luta pela adaptaçäo. Essa adaptaçäo evidentemente pode ser bem
sucedida ou mal sucedida, dependendo da educaçäo, da família, da sorte. Nós vimos aqui alguns
casos onde uns foram bem sucedidos e outros näo, como Nietzsche, que foi educado näo para
resolver o problema que tinha, e, assim, sua biografia näo concorreu para a resoluçäo daquele seu
problema fundamental.
Podemos entäo dizer que uma vida será mais, ou menos coflituada a partir deste ponto: se a
sociedade lhe dá a resposta que você necessita, ou se näo lhe dá nem ao menos os elementos para
perceber qual é o problema. No segundo caso, mesmo que o homem seja talentoso e inteligente,
seu nível de autoconsciência será muito baixo e sua vida expressará um ponto cego.
Na vida de René Guénon näo há propriamente um ponto cego, mas uma parte amputada,
conscientemente amputada, uma incapacidade reconhecida e aceita como tal. Isto faz com que
certas áreas da personalidade ampliem formidavelmente e outras fiquem atrofiadas. O caso de
Guénon pode ser o de um indivíduo que alcançou certas perfeiçöes intelectuais e espirituais antes
de alcançar uma perfeiçäo humana. No caso de Nietzsche é notável que ele nunca parou para se
examinar ou se corrigir em determinado ponto, ele é inconsciente dos próprios defeitos, mas
muito consciente dos alheios, o que faz dele um grande mentiroso. Em Guénon você também tem
uma deformidade mas, aceita a título sacrificial, ela é justificada, reintegrada dentro de uma outra
coisa, assim como um padre que renuncia à vida sexual evidentemente fica um sujeito amputado
de uma dimensäo da personalidade. Sendo amputado, näo atua naquela área, entäo näo pode fazer
o mal naquele ponto.
Para efeito de sua própria auto-educaçäo, nunca devem tomar esses tipos disformes como
mestres, nenhum deles. Vocês devem procurar o que é mais perfeito, completo. Goethe é um tipo
completo.
O fato de o indivíduo num certo momento abdicar do desenvolvimento da razäo é um fato
antropológico, acontece em alguma medida a todo mundo. Outros tipos de obstáculos, que näo
säo antropológicos, podem ocorrer. Mas este de que estou falando é mais abrangente que o
próprio complexo de Édipo. Poderíamos chamá-lo complexo de autoridade. Ou ainda, complexo
de Adão. P. - No complexo de Édipo sempre se remete à questäo do sexo.
E a uma determinada estrutura familiar. Com uma família um pouco diferente näo dá para haver
complexo de Édipo, mas o complexo de autoridade é sempre possível.
P. - E as crianças que näo tiveram pai?
Se você tinha o ídolo material para projetar nele, entäo achou um outro. Ou a razäo seguiu seu
desenvolvimento normal ou näo seguiu, e surgiu um ídolo da razäo. Esse ídolo ou é o pai ou é
alguma outra coisa. Se näo é o pai, entäo trata-se de outra pessoa, ou algo mais abstrato, talvez a
sociedade humana. Mas näo conheço um único caso onde a mäe ocupe este lugar, por motivos
que já expliquei. P. - A astrocaracterologia possibilita colocar o indivíduo na pista certa?
Acho que isto é possível. Mas tenho sempre dito que antes de estender a mäo para o outro é
preciso ser alguma coisa. É preciso ser implacavelmente honesto na visäo que você tem de si
mesmo, saber contar sua própria história.
Quase tudo que nós falamos na vida diária näo revela compreensäo efetiva para com o objeto, é
tudo projetivo, coisas que saem de dentro de nós e que colocamos em cima das pessoas. Estive
lendo um livro de alquimia, e o autor colocou uma questäo que me deixou perplexo. Ele diz o
seguinte: todos os historiadores da química dizem que a alquimia foi apenas uma química
primitiva que evoluiu para a química. (Isto é uma interpretaçäo do que é alquimia.) Ele diz ainda:
qual desses historiadores seria capaz de explicar, palavra por palavra, uma página de alquimia? O
indivíduo lê uma página de uma obra e se sente capaz de fazer uma síntese histórica de dez
séculos de evoluçäo de todo um setor do conhecimento! Isto é manifestamente impossível. Isso
significa o quê? Que o comportamento desses historiadores é projetivo. Ele nada tem a ver com o
objeto que está diante dele. Vejam, se toda uma classe culta é capaz de fazer isso com um objeto
desse tamanho, você imagina o que a gente näo faz na vida diária. E em Psicologia, isto se torna
um risco terrível. Aparece um sujeito na sua frente e você projeta tudo o que você sente e acha,
sem prestar nem um segundo de atenção no cara. Para prestar atenção ao indivíduo é preciso
durante alguns minutos esquecer de você, ficar como Mozart, pensando na música. Essa
soberania do objeto deveria ser cultivada como parte da disciplina.
Eu considero que você pode chegar a saber que compreende uma pessoa quando, como diz
Honório Delgado, você consegue expressar a autenticidade da pessoa quase melhor do que ela
mesma; você consegue dizer pelo outro o que ele quer, e o satisfaz plenamente. Quer dizer, é
preciso muita concentraçäo amorosa, no intuito de compreender aquele indivíduo.
Um dos grandes obstáculos para fazer isso é que somos todos caipiras, tememos as pessoas. E
pessoas famosas, que viveram em outras épocas, mais ainda; tendemos a vê-las como coisas
estranhas enquanto näo achamos um estereótipo dentro do qual encaixá-las.
Nós temos pouca tolerância com o estado de dúvida, de perplexidade. É preciso paciência. As
pessoas tentam adivinhar, quando lanço aqui as perguntas. Por exemplo, quando falamos de
Hitler e perguntamos o que ele queria, logo veio a resposta: poder. Por quê? "Porque os ditadores
querem poder". Dedutivamente, dada uma definiçäo de ditador, deduziram dela uma propriedade.
Mas näo estamos falando dos ditadores em geral, mas deste em particular. Nós partimos para a
deduçäo porque deduzir é mais fácil do que fazer uma induçäo, evidentemente. A induçäo
pressupöe um salto, que é difícil de dar. Observando direito, vemos que Hitler tentou muito
menos ter poder, do que influenciar as pessoas a favor da Alemanha, tal como ele a concebia,
independentemente de ele estar no poder ou näo. Era alguém possuído por uma idéia, uma
ideologia, mais do que por um intuito pessoal. Na sua juventude as biografias o ilustram como
um sujeito com pouca ambiçäo, e que näo faria questáo de chegar onde chegou se houvesse
alguém que ocupasse aquele lugar; ele ficaria contente em servi-lo, assim como ficava contente
em ser soldado na Primeira Guerra.
A base, tanto do aprendizado geral como da compreensäo psicológica, é você consentir na
entrada de informaçäo inteiramente nova. É o que a pura atividade dedutiva barra, porque aí você
apenas repete conclusöes, especificando o que já sabe. Devemos admitir que näo estamos
entendendo nada, até gostar um pouco desse estado de suspense, ou seja, curtir a aventura do
conhecimento; e conhecer uma pessoa é uma aventura.
Quanto mais você estuda a biografia de uma vida tanto mais fica difícil reduzi-la a um
estereótipo. Conhecendo bem a vida de Hitler e de Mussolini, fica claro que o conceito de ditador
pouco tem a explicar sobre as carreiras e as motivaçöes deles.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 57 SÄO PAULO, 16 JUN 1991 FITA II
TRANSCRIÇÄO: SORAIA M. GOMES

Comentários sobre o estudo dos biografados:


Olavo: Ghandi era um exemplo característico de imprevidência. Para um político isto é algo
imperdoável, um político é responsável pelas consequências de seus atos e, näo só pelas suas
intençöes subjetivas.
Aluno: Ele está no inferno?
Olavo: Näo está no inferno. Provavelmente está no céu, mas quanto a sua inteligência podemos
ter graves dúvidas.
Eistein: O caso de Eistein é muito difícil. Você näo vai achar facilmente. Para você descobrir o
que acontece com Eistein, você vai ter que entrar na vida pessoal dele, na convivência com
amigos ... Você näo vai conseguir achar só com os atos mais públicos.
Artur Koestler:
Olavo: Artur Koestler era um homem inquieto, investigativo ... Estava sempre procurando
alguma coisa, em todos os movimentos de qualquer coisa no tempo em que ele viveu ele, passou
por todos.
Aluno: Isso é um traço de carater?
Olavo: É um traço de carater. Esta tremenda mutabilidade, adaptabilidade à situaçöes novas, mas
isso näo pode ser encarado como um ponto fraco pelo contrário, isso era o ponto forte da
personalidade dele.
Nós vemos que o interesse político de Artur Koestler foi uma coisa acidental. O que ele queria
fazer no começo da vida, e que depois näo fez devido as circunstâncias e que no fim da vida ele
retoma: Ele era fundalmentemente um homem de ciência. Os primeiros enigmas que ele encontra
säo de ordem cientifico-filosófica, mas de uma questäo filosófica bem determinada.
Olavo: O critério para vocês deve ser o seguinte: Näo procurem a questäo materialmente
considerada. Procurem o que é a forma, existe sempre um elemento estruturante que vai estar
presente em tudo. No caso de Artur Koestler se quizessemos dominar, envergonhar, subjulgar
este indivíduo por onde nós o pegaríamos? Este é o traço que mais os outros apontam no
indivíduo criticamente do que ele menos sabe do que se está falando, sabe que tem isso.
Abrahan Lincon:
Aluno: Eu tive mais sorte, porque eu peguei um trabalho biográfico do Viana Moog que, levou
mais de vinte anos escrevendo sobre Lincon para desmistifica-lo. No sentido de contar a história
como ela verdadeiramente aconteceu...
Olavo: O que que ele pergunta? O Viana Moog.
Aluno: Como que o Lincon virou este mito.
Olavo: Como foi possível aquele pobretäo, Joäo Ninguém virar presidente da República. Algo
está errado. Aí chegamos na questäo do Saturno.
Trotski:
Olavo: qual é o ponto em que o Trotsk foi mais criticado. Onde ele errou, teve vergonha de errar
e nunca pode se levantar?
Qual a diferença fundamental entre Trotsk e Stalin que, fez com que Stalin ficasse no poder e
Trotsk caisse?
É uma coisa que todo mundo diz de Trotsk e Stalin uma coisa muito patente que aparece.
Qual era a superioridade de um e do outro algo que no conjunto todo mundo que estuda as suas
vidas diz na primeira? Uma diferença descisiva, o que selou o destino.
Trotsk era muito mais inteligente, mas era muito teórico. Já Stalin era menos inteligente, mas ele
sabia resolver as coisas na prática. Isto todo o mundo diz.
Aluno: Isto parece Saturno na 8a. casa?
Olavo: Näo, o Saturno na VIII será acusado e condenado porque no instante decisivo näo soube
agir, acovardou-se.
Goethe:
Aluno: O Goethe tinha um problema com a imagem dele que ele passava para outras pessoas.
Olavo: Isto mesmo. As pessoas o acusavam disto: Ele näo é gente ele é uma estátua, um mito.
Todo mundo diz que Goethe era uma estátua de si mesmo e näo ele mesmo.
Ex: Eu pego este Olavo e digo: Este Olavo aqui näo serve. A minha vida é muito ruim, este
Olavo é muito ruim e eu, vou fazer um outro que seja perfeito.
Olavo: O que todo o mundo também diz de Goethe?
A obra prima dele era ele mesmo. Ele näo fez nada que estivesse a sua altura a näo ser ele
mesmo. É um indivíduo que a vida inteira pensa nele mesmo, constroi a si mesmo, se refere a si
mesmo...
Aluno: Egocêntrico?
Olavo: Egocêntrico neste sentido. E que chega a ser täo egocêntrico que para a imagem ficar
perfeita, ele tem que superar o egocentrismo.
De fato é um caso de Saturno na casa I. Goethe começou a vida como ator, acreditando numa
vocaçäo teatral, que depois viu ser falsa e, daí decidiu fazer tudo de novo. A vida dele é uma
longa auto-elaboraçäo. Nós podemos dizer que de fato, a questäo que foi colocada para ele era
um enigma a respeito de si mesmo e, podemos ver que neste caso a razäo seguiu uma linha
normal de desenvolvimento. A linha normal de desenvolvimento do indivíduo com Saturno na
casa I, seria realmente esta. Idealmente falando: se reformar, fazer uma imagem para si...
Se Goethe näo tivesse conseguido este desenvolvimento perfeito de fazer uma imagem de si täo
perfeita quem é que o derrubaria?
Quem visse a imperfeiçäo da sua imagem.
Na casa onde o indivíduo tem Saturno ele fica escravo do mau olhado e, para neutralizar este mau
olhado, o indivíduo tentará parecer-se com aquilo que ele mais odeia, mais teme pois, só isto é
que tem autoridade de acordo com o seu ponto de vista.
Olavo: Este negócio do Saturno na 1 bastaria para as pessoas entenderem que: Algo há na
astrologia. É só você fazer uma coleçäo de pessoas com saturno na 1 mostrar e dizer: Olha na
cara delas. Se você näo vê, você está cego.
Aluno: A imagem do indivíduo com Saturno na 1 näo se adequa ao que ele é mesmo?
Olavo: Claro. O sujeito está procurando uma imagem que seja adequada a ele mesmo. Mas näo
acha esta imagem. Existe uma inadequaçäo profunda entre a imagem que o sujeito tenta passar e,
o que ele pensa de si mesmo. Entre imagem interna e externa e isso, tem mesmo, e o indivíduo,
está consciente que tem isso.
Joaquim Nabuco:
Aluno: Eu vi que se acusassem Joaquim Nabuco de qualquer besteira ele, ficava irritado com
isso.
Olavo: No caso de Joaquim Nabuco salta os olhos isso: Era um sujeito que suscitava a admiraçäo
de todo o mundo por ser um sujeito rico, bonito, simpático e bem sucedido na vida.
A vida de Joaquim Nabuco é bem característica do Saturno na casa onde ele de fato o têm.
Olavo: Você acusar o Joaquim Nabuco de virar casaca, de ser de uma classe de latifundiários e
no entanto, você entre no movimento abolicionista etc... Isso näo teria poder sobre ele esta
acusaçäo ao contrário, ele se orgulhava disto.
Aluno: Ele tinha uma boa Fama?
Olavo: Ele tinha uma fama muito boa.
Agora se o acusassem de alguma bobagem, de superficialidade isso pertubaria Joaquim Nabuco.
Nietzsche:
Olavo: Nietzsche é fácil de você pegar o ponto fraco. Por que ele só se ocupou de pontos fracos a
vida inteira. Onde ele via uma coisa de pé ele ia lá e derrubava. É só você virar Nietzsche ao
contrário e você vai enxergar direito onde está Nietzsche. É so você ser nietzscheano contra
Nietzsche. Ele filosofava a marteladas entäo, você vira o martelo e descobre Nietzsche. Vamos
derrubar esta coisa, em que que ela se assenta?
Olavo: O que Nietzsche idealiza e näo tem?
A força, o poder, a vitalidade... Esta vitalidade no sentido animal da coisa. Este valor que ele
considera legítimo ele näo tem. Esta vontade de poder (que é um valor biológico). Raciocinando
nietzcheneanamente: O que realmente há por traz desta vontade de poder?
Aluno: Uma impotência?
Olavo: Muito bem. Uma impotência de viver. A filosofia de Nietzsche é uma brutal ampliaçäo
invertida da sua impotência de viver.
Olavo: Quais säo os dois maiores prazeres da vida?
Sexo e comida. Entäo é isso aí que Nietzsche näo tinha.
É horrível. Você vê aquele monstro destruindo a marteladas todas as civilizaçöes. No fundo o
problema dele é esse. Um profundo ressentimento por näo possuir aquilo que ele mais idealiza.
(*) a mim mesmo, de maneira repetível, näo posso manipular aquele dado de mamória: aquilo
está sedimentado; está fechado dentro da memória e está sendo trabalhado na memória por uma
espécie de analogismo louco que vai converter aquilo em coisas muito diferentes, misturar as
coisas e aparecer no fim sendo uma linguagem täo disfarçada que deverá ser analisada por um
analista e é aí que se forma o inconsciente.
Mas nos recordamos de uma coisa quanto mais facilmente conseguimos (*) , se leio uma página
de um livro é muito mais difícil recordar o que está escrito ali se eu tiver que recordar palavra por
palavra, mas se conseguimos captar a idéia que está contida na página, torna-se mais fácil.
ASTROCARACTEROLOGIA

AULA 57 - FITA 3 (transcrição: Celotti)


16JUN91
Nietzsche foi sucessor de Jacob Buckardt na principal universidade da época na Suíça, em
Basiléia. Tudo isso ele teve. Mas há algo que ele não teve, algo que qualquer moleque tem - esta
é a pista. Na verdade, pouquíssima gente lembrou de fazer essa psicologia nietzschiana com o
próprio Nietzsche. Quando você fizer, a filosofia dele diminui de importância formidavelmente.
Mas isso não acontece, por exemplo, com o Dr. Freud. Se você psicanalisar o Freud, ao contrário,
parece que isso confirma o valor da psicanálise. Quanto mais freudiana é a psicologia de Freud,
mais razão parece que ele tem. Mas, com Nietzsche, não; essa inversão parece que o desvaloriza.
Toda obra de Nietzsche é uma auto-biografia às avessas. Ele reclama contra tudo, exceto contra
aquilo que realmente lhe dói.
Vamos supor que um sujeito poderia tomar uma atitude exatamente contrária a de Nietzsche, quer
dizer, tendo esse mesmo drama ele poderia partir para a negação da vida biológica, da vontade de
poder, dos prazeres primários e afirmar somente os valores abstratos e morais da civilização e etc.
Essas duas atitudes, entretanto, estariam ligadas a mesma motivação. Mas de qualquer modo você
vê que aquele é um ponto anormal na vida do sujeito. Ou seja: na hora em que vocês começarem
a montar esse negócio, verão que coisa maravilhosa que é, e que negócio lindo, que chave essa
dica pode ser para a compreensão da biografia dos indivíduos. De qualquer forma, a vida de
qualquer biografado ficaria entre esses dois limites: sol e saturno.
E sobre Mozart, quem já leu alguma coisa? Na verdade, nada derrubava Mozart. Creio que ele
nunca teve um momento de dúvida sobre si mesmo desde que se entendeu por gente. A vida dele
é como uma flecha disparada em uma direção e que termina rapidinho.
- E aqueles episódios com o pai dele?
Aquilo tudo é inventado. Aquilo que apareceu no filme é inventado, ficção. Aquela possibilidade
existia, poderia acontecer, mas é uma interpretação psicológica e não fatos. O filme não é
verdadeiro mas é verossímel, quer dizer, ele poderia ser derrubado: poderia, mas isso não
aconteceu. Nunca aconteceu porque ele tinha muita sorte. Mozart é um caso onde a razão se
desenvolveu mais ou menos normalmente; não por esforço próprio - como no caso de Goethe -
mas por ter tido uma educação conveniente, e por sorte. Vejam: Mozart foi educado para ser o
quê? Para ser um pianista. Para ser um executante, um concertista. E ele foi ou não foi? Foi: um
concertista absurdo. Ele recebeu a educação que lhe deu exatamente o que ele precisava para ele
poder se virar na vida; portanto, virou-se na vida, não teve problemas. Se você pensar bem, é uma
vida besta! Mas é, contudo, uma vida feliz. No fundo, Mozart era feliz, e isso é que é o pior de
tudo... Mesmo com miséria, problemas e etc, nunca viu-se Mozart abatido: vivia rindo, fazendo
piada. É um caso raro onde, por sorte, o sujeito obtém exatamente aquilo que ele precisa para
resolver exatamente o problema que ele tem. É uma vida que durou trinta e poucos anos onde o
sujeito fez uma só coisa durante toda ela, desde que nasceu até a morte, não pensando
absolutamente em mais nada. No fim da vida ele teve, de fato, umas preocupações filosóficas de
origem maçônica mas isso também aconteceu de graça porque levaram-no para a maçonaria.
Quando ele estava cansado de só fazer música boa, ou seja, quando ele quis fazer música para
alguma coisa, já tinha essa alguma coisa também, já tinha essa finalidade. É um homem sortudo.
Só não teve dinheiro. Mas não precisava de dinheiro: para quê precisaria de dinheiro se ele tinha
todas as coisas que ele queria? Tinha honras, tinha tudo: quê mais?
- Aonde estaria então a falha dele?
A falha fica latente. Simplesmente não aparece. Porém, é o que foi explorado no filme. O que
poderia ter acontecido, por onde ele poderia ter sido derrubado se o "desgraçado" falhasse em
algum ponto? Você tem que supor: o que aconteceria com Mozart se a sua educação tivesse sido
falha? Se ele não tivesse recebido subsídios necessários, iria falhar em algum ponto - mas não
falhou. Por isso mesmo que a vida dele parece não ter conflitos: ela tem dores, problemas, mas
não tem conflito, ou seja, contradição. Tudo parece que transcorre naturalmente. Sua vida era
uma sucessão de trabalhos criativos e divertimentos - era só isso. Creio que ele não pensou em si
mesmo um único minuto: por que eu sou assim? o que está acontecendo? Não houve tempo para
levantar essas questões.
O segredo de Mozart está na educação que ele teve e que o habilitou a fazer exatamente o que ele
tinha que fazer, e que resolveu os problemas exatamente que ele poderia ter. Muitas vezes a gente
é educado para resolver outros problemas. Talvez, se ele tivesse vivido mais, viesse a ter algum
conflito interior. Mas Mozart sempre dá a impressão de uma notável objetividade: um indivíduo
voltado fundamentalmente para fora, adequado às situacões. Dá a impressão de uma pessoa que
tem um esquema de personalidade muito simples e muito eficiente. Ou seja: este é um conflito
interior reduzido ao mínimo, de maneira que ele pode se entregar totalmente àquilo que está
fazendo. Nào tem que prestar a atenção em si, não tem que voltar para trás para corrigir alguma
coisa. Então, procure por aí a pista: qual é o segredo do sucesso de Mozart? O segredo do sucesso
de Mozart é o justamente o segredo da personalidade dele. E, se tivesse fracassado, teria
fracassado exatamente por isso.
Mas não tenham tanta pressa com isso. Vamos devagarzinho. Na hora em que você pegar esse
encaixe no indivíduo que está biografando, você vai pegar em todo mundo.
Recapitulando: a posição de saturno é onde o indivíduo necessita de um determinado poder. Esse
poder só pode lhe ser dado pela educação e pela sociedade humana, não pode ser inventado por
ele mesmo. Não é algo que brota naturalmente do indivíduo: é algo que precisa ser adquirido. É
algo que tem de ser introjetado, por assim dizer. Se nós fôssemos fazer um paralelo com o que
disse Jean Piaget sobre a assimilação e a acomodação, nós diríamos que este é o ponto da
acomodação e não o da assimilação porque este é o ponto onde o indivíduo se transforma, é onde
ele muda o seu esquema para se adaptar a uma ordem do mundo e para poder exercer, enfim, um
poder nele; ao passo que a asssimilação é o contrário, é onde o indivíduo torna os dados similares
a ele. Eu acho que não seria errado dizer que onde está o sol é o ponto da assimilação, onde tudo
fica igual ao indivíduo, e onde está saturno é o ponto da acomodação, onde - ao contrário - ele
tem que se tornar igual a algo que está fora dele e só pode fazê-lo com a ajuda da educação, da
cultura e etc.
O esquema racional do indivíduo nunca é construído inteiramente por ele mesmo mas é uma
adaptação à racionalidade do próprio mundo - existe uma luta pela adaptação a algo. Por isso é
que saturno foge da esfera individual. Essa adaptação pode ser bem sucedida ou mal sucedida,
dependendo da educação, da família, da sorte e etc. E nós vimos alguns casos onde houve até a
sorte. Mas nós podemos entender que Nietzsche não foi educado para resolver os problemas que
ele tinha: foi educado para outra coisa. A sua vida, a sua biografia não concorreu para a resolução
daquele problema fundamental mas para outra coisa. Ao contrário de Mozart que, desde
pequenininho, foi ensinado para o que ele deveria fazer. Então, pode-se dizer que uma vida será
mais ou menos conflituada a partir deste ponto: se a sociedade lhe dá mais ou menos a resposta
que você necesssita, melhor para você; mas, se ela não lhe dá nem mesmo os elementos para
perceber qual é o problema, você vai ter um nível de auto-consciência muito baixo, e mesmo que
você seja um homem muito talentoso, muito inteligente, na sua vida se expressará um ponto
cego. No caso de Nietzsche existe um ponto cego: se ele percebesse qual era o problema dele,
tudo o que pensava teria que mudar. Na vida de René Guénon, entretanto, não há um ponto cego:
há um ponto amputado, conscientemente amputado.Há uma incapacidade conhecida e aceita
como tal, o que faz com que certas áreas da personalidade ampliem formidavelmente enquanto as
outras ficam atrofiadas. De qualquer modo, não são personalidades bonitas, nem Nietzsche e nem
Guénon. No caso de Guénon, por ser um indivíduo que talvez tenha pulado para certas perversões
intelectuais e espirituais antes de alcançar a perfeição humana - no caso de Nietzsche, acho que
ele nunca pensou na perfeição humana, em se corrigir em determinado ponto. Isto, nele, é
notavelmente inconsciente. Inconsciente de seus próprios defeitos, mas muito consciente dos
defeitos alheios: Nietzsche é formidavelmente rude. Com o seu sofrimento pessoal intenso, ele
causa uma revolta contra Deus. Ele se parece um pouco com o Dr. Anibal Lecter: sabe tudo sobre
a mente dos outros mas nada sobre a própria. Não resta dúvida que Nietzsche tinha uma mente
disforme como a do Dr. Anibal mas, no caso de Guénon, vemos que havia uma deformidade,
aceita à título sacrificial. Ou seja: ela é justificada e reintegrada dentro de uma outra coisa, tal
como o camarada que vai ser padre e renuncia a sua vida sexual - evidentemente que uma
dimensão da sua personalidade ficará amputada. Por ser amputado ele não atua naquela
dimensão; então, ele não pode fazer o mal naquele ponto porque não pode fazer, ali, nada. É
como se você cortasse a língua de uma pessoa e ela não pudesse falar mal de ninguém. O sujeito
surdo não ouve as fofocas, não dá ouvido às fofocas: é uma deformidade. Mas é um elemento
técnico da via espiritual. No outro caso, não se trata de uma renúncia: trata-se de uma
deformidade de base congênita.
Voltando ao assunto que nós discutimos ontem: para efeito de sua própria auto-educação, vocês
não devem nunca pegar esses tipos disformes como os seus mestres - nenhum deles. Deve-se
procurar o que é mais perfeito, o que é mais completo - sempre. O fato de que num certo
momento o indivíduo abdica do desenvolvimento da razão e se prosterna perante um ídolo da
razão é antropológico, eu diria, pois acontece um pouco com todo mundo. O sujeito supera isto
em mais ou em menos, mas pode acontecer outros tipos de obstáculos que não são
antropológicos. Esses outros são obstáculos acidentais de ordem, por assim dizer, sociológica que
vem, em parte, puramente daquele meio. Mas isso aí não dá nem para a gente enumerar pois pode
ser uma infinidade de coisas: para cada caso é um caso. Entretanto, isso que eu estou falando é
que nem o complexo de Édipo, e todo mundo tem: é o complexo de autoridade. Pode-se associá-
lo até de alguma maneira ao complexo de Édipo embora eu o ache mais universal, e isto porque o
complexo de Édipo sempre remete à questão do sexo e a uma determinada estrutura familiar; e se
não existir esta estrutura familiar, ele não pode se desenvolver. É o que diz Malinovsky: se a
organização da família é um pouco diferente não dá pra existir o complexo de Édipo - mas dá pra
existir um complexo ligado a autoridade, de alguma maneira. Seria um outro complexo: o de
Adão.
Das duas, uma: ou a razão seguiu seu desenvolvimento normal ou não seguiu, e surgiu assim um
ídolo da razão. Esse ídolo ou é o pai ou é alguma outra coisa. Se não houve um pai, então trate de
procurar alguma outra coisa, algo mais abstrato - talvez, a própria sociedade humana, se você
conseguir. Entretanto, mesmo você não tendo pai, você pode projetar isso aí em um outro. Então,
você tem que contar a própria história, a própria biografia. E pode apostar que em 99,9% dos
casos vai surgir um ídolo e este ídolo é aquele que representa para você a razão. Isto acontece
quanto menos você seja capaz de ser racional. Ele tem tanto mais poder quanto menos você tem,
ou seja, ele se alimenta da sua falta - e toda essa problemática aparece na casa onde se tem
saturno. Automaticamente, se você vê doze possibilidades de falha, você vê também doze
caminhos para corrigir-se e recolocar-se na pista do seu desenvolvimento normal - se isto ainda é
possível.
- Esse curso que nós estamos fazendo dá um poder para colocarmos o indivíduo que vem nos
consultar na pista certa: é este o caso?
Eu acho isso possível. A Astrocaracterologia em si permite isto. Entretanto, depende de quem
sejam vocês. E eu estou falando isto desde a primeira aula: é preciso ser alguma coisa para poder
estender a mão para o outro. A primeira coisa que se precisa é ser implacavelmente honesto com
a visão que se tem de si mesmo - é saber contar sua própria história. Sem isto, não é
possível.Porém, eu também acho que é preciso saber de muito mais coisas. Pense assim: antes do
sujeito chegar na sua frente, que condições tenho eu para compreendê-lo; o que seria preciso
saber para poder compreender o que se passa? Quase tudo que nós falamos na vida diária não
revela compreensão efetiva do objeto - é tudo projetivo: coisas que saem de dentro de nós e que
colamos em cima das pessoas.
Eu estava lendo um livro sobre alquimia e, lá, o sujeito faz um pergunta que eu quase caí de
costas. Fiquei aterrorizado de ver como era verdadeiro o sentido da pergunta que ele fazia. Ele
falava que todos os historiadores da química dizem que a alquimia foi apenas uma química
primitiva e que evoluiu para a química, quer dizer, eles estão interpretando o que é alquimia. Mas
ele diz: qual desses historiadores seria capaz de chegar aqui para mim e me explicar palavra por
palavra de uma única página sobre alquimia? Ou seja: de uma página de uma obra, é capaz de se
fazer uma síntese histórica sobre dez séculos de evolução de todo um setor de conhecimento. Isto
aí é manifestamente impossível, é a mesma coisa que, não sendo capaz de analisar um único
soneto de Pernando Pessoa, te ofereça aqui toda uma síntese da literatura portuguesa. Mas, se eu
não entendo nem um soneto, como é que eu vou entender a literatura inteira? E isso significa o
quê? que o comportamento desses historiadores é projetivo, que ele nada tem a ver com o objeto
que está diante deles, que aquilo expressa um estado de espírito deles e que o objeto ficou
apagado completamente. Veja: se toda uma classe de pessoas cultas é capaz de fazer isto com um
objeto deste tamanho, você imagina então o que se faz na vida diária. Em psicologia, isto se torna
um risco terrível: aparece um sujeito na sua frente e você projeta tudo o que você sente, tudo o
que você acha. Você não prestou nem um segundo de atenção nele. Para prestar atenção no
indivíduo você tem que estar, durante alguns momentos, esquecido de você; precisa ficar que
nem Mozart: pensando na música, pois tem algo ali que é mais importante que todos os seus
problemas, que todos os seus interesses.
Temos, então, essa soberania do objeto. Isso deveria ser cultivado como parte da disciplina, pelo
menos durante quinze minutos, ou seja: tem uma outra pessoa que tem de ser mais importante
para você do que você mesmo, sabendo inclusive desde já que a possibilidade de se enganar é
muito grande. Vamos supor,entretanto, que se pode chegar a saber que se compreendeu uma
pessoa tal como fala Honório Delgado. Então, quando você conseguir dizer para um outro o que
ele quer - e assim você vai satisfazê-lo plenamente - será como aquilo que nós falamos ontem
sobre a criança: ela está querendo alguma coisa e, na hora em que você conseguir interpretá-la,
dizer para ela a própria palavra faltante, nesse instante você a compreendeu. Na hora em que você
prestar uma grande atenção e ir raciocinando, pensando quinhentos quilômetros por hora, e
chegar a dizer esta palavra mágica que expressa o que o indivíduo quer mas que ele mesmo não
sabe, neste instante você o compreendeu. Não é isto? Isto quer dizer que você precisa de muita
concentração amorosa no intuito de compreender aquele indivíduo, conseguindo vivenciar esse
impulso cego como se fosse seu. Isso não é suficiente para se compreender um outro indivíduo
mas, em alguns momentos, você terá que pegar isso.
Você pode fazer isto com um biografado também mas um dos grandes obstáculos para isso é que
nós todos somos caipiras e tememos as pessoas; se são pessoas famosas, nós tememos mais
ainda. Tendemos a vê-las como uma coisa estranha e, enquanto não acharmos o estereótipo para
rotulá-las, parece que continuamos inquietos. Temos pouca tolerância com o estado de dúvida, de
perplexidade - é preciso ter um pouco mais de paciência com isto.Por exemplo, quando eu
perguntei do Mozart, por que as pessoas ficaram tentando adivinhar? Não!! Aguenta mais um
pouco! Se você tiver um pouquinho mais de paciência às vezes se acha a palavra certa; mas, se
você quiser logo procurar um estereótipo que te acalme, então nunca você irá entender nada. Por
exemplo: o que Hitler queria? Mas já vem a resposta: poder! E isto porque o ditadores querem
poder! Ou seja:você está raciocinando dedutivamente a partir de uma regra geral; dada a
definição de ditador, você está deduzindo dela propriedades. Mas eu digo: espera lá; eu não estou
falando dos ditadores em geral, estou falando deste sujeito aqui em particular. Então, não poderia
ser dedutivamente; deve-se deixar as definições guardadas de lado e prestar atenção ao caso em
particular. Nós sempre partimos para a dedução porque com a dedução é mais fácil. É mais fácil
fazer uma dedução do que uma indução, evidentemente. A indução pressupõe um salto. Mas,
dada uma situação de incomodidade, nós fazemos uma dedução e pensamos que saímos, que
resolvemos o problema - mas é aí que você passou léguas do problema. Se você estudar a
biografia de Hitler, por exemplo, você verá que ele tentou muito menos ter poder do que
influenciar as pessoas a favor da Alemanha tal como ele a concebia, independentemente dele
estar no poder ou não. Ele era muito mais um sujeito possuído por uma idéia, por uma ideologia,
do que por um intuito pessoal. É até esquisito você ver a sua juventude: não dá a impressão de
um sujeito que tem qualquer ambição. Eu acho que, de fato, ele não tinha ambição; acho que ele
foi parar lá meio sem saber como. Ele simplesmente queria que alguém fizesse aquilo - não
precisava ser ele. Creio que se aparecesse um outro Hitler, que fizesse a mesma coisa, esse aí
estaria feliz em servi-lo, como ele estava feliz em ser soldado na primeira guerra. Ele se dedicou
de corpo e alma, e não porque ele fosse o líder do exército: ele era apenas o recruta que chegou a
ser cabo; então, não tinha nenhuma pretensão à carreira militar. Hitler foi muito levado pelas
circunstâncias. Não se trata de uma carreira planejada, de uma ambição, como no caso de
Napoleão Bonaparte.
Mas, o nosso erro consiste em ir dedutivamente do gênero para a espécie, em vez de se ater
àquele objeto em particular. Se você vai do gênero para a espécie, você está tirando conclusões
do que você já sabe, você está apenas especificando coisas que você já sabe, você não está
deixando entrar um objeto novo, uma informação nova . Essa é a desgraça da mente humana.
Depois que o indivíduo aprendeu "xis" coisas, ele não quer crescer mais. É que nem crianca que
não quer comer: ela pensa que dá para continuar gastando eternamente a comida que ela comeu
ontem. Comer pode ser incômodo, mexe com o seu organismo: a entrada de informação também
incomoda. Então, a gente quer, às vezes, funcionar em circuito fechado. A base tanto do
aprendizado em geral quanto da compreensão psicológica é esta: é você consentir a entrada da
informação inteiramente nova, é você admitir que não está entendendo nada. E até gostar um
pouco desse estado de suspense, ou seja, curtir um pouco a aventura do conhecimento - conhecer
uma pessoa é uma aventura.
No caso do seu biografado, a primeira coisa é assumir que, de fato, não está se entendendo o
sujeito - mas que se está curioso.Quanto mais você ler e estudar a vida, mais você verá que é
difícil reduzir o sujeito a qualquer esquema ou estereótipo. Vamos supor, por exemplo, que você
estude a biografia de Hitler e de Mussoline. Compare os dois. Daqui a pouco você vai ver que o
conceito genérico de ditador já foi todo para as cucuias e que ele não explica mais nada. Daí,
compare então com o Francisco Franco, que é um outro personagem fantástico.São três ditadores
mas, na hora em que você compara,vê que o que eles estão fazendo lá é completamente diferente,
que o que os levou até lá foram motivações completamente diversas e que de nenhum desses
homens se pode falar que houve uma motivação de "poder", de poder pessoal, do tipo "eu quero
fazer". Tem alguns casos que você encontra nitidamente esta motivação: o indivíduo quer ter ele
mesmo as rédeas. Mas ainda tem o sujeito que faz isso porque gosta e outro por compulsão.
Napoleão, por exemplo, gostava, ele se deleitava com isso aí; Luiz XIV também. Você encontra
alguns casos assim, mas a estrutura de personalidade do sujeito é totalmente diferente.
Houve uma época em que esse pessoal da escola de Frankfurt tentou descrever um negócio
chamado "a personalidade autoritária". Criou uma espécie de estereótipo dos ditadores - mas isto
é tudo furado. Aqui no Brasil, por exemplo, quem foi o sujeito que começou com o movimento
militar e que instalou o primneiro governo militar? Foi Castelo Branco. Procure na personalidade
do sujeito para ver se ele tinha algo desse tipo de personalidade: nada, nada, nada. Era um sujeito
que foi feito para obedecer, não para mandar; no entanto, era ele quem mandava.
Aulas de julho de 1991.

AULAS DE JULHO DE 1991. INDICE DO BLOCO DE AULAS DE JULHO DE 1991

AULA 58 - 12JUL91 - FITA 1 ( transcrição: Marly )


- A questão corpo & mente.
- A psicoterapia de Victor Frankl e W.R. Bion.
- Sobre a natureza da razão.
- Saturno na Casa I.

AULA 58 - 12JUL91 - FITA 2


- Sobre a questão da auto-imagem.
- Razão & intuição e as atividades emissivas & receptivas.
- Saturno na Casa II.

AULA 58 - 12JUL91 - FITA 3 (transcriçào: Henriete)


- Saturno na Casa II e VI.
- A perversão da razão a nível social.
- A relação entre sociedade e psique.

AULA 59 - 13JUL91 - FITA 1


- Advertências sobre a descrição e a técnica astrocaracterológicas.
- Saturno na Casa I,II,III e IV.
- Saturno nas Casas e as questões filosóficas.
- A animalidade e a racionalidade.
- O enigma da racionalidade humana.

AULA 59 - 13JUL91 - FITA 2


- Saturno na Casa I,IV e V.
- Saturno nas Casas e as ilusões.
- As aporias.

AULA 59 - 13JUL91 - FITA 3


- Saturno na Casa V.
- Satuno e as aporias filosóficas.
- O Homem como a conexão existente entre a vida e a razão.
- A filosofia deveria se debruçar sobre a vida.
- Advertências para a interpretação astrocaracterológica.

AULA 60 - 14JUL91 - FITA 1


- A palestra sobre o filme O Silêncio dos Inocentes.
- Considerações sobre análise psicológica em obras de arte.
- Personagem de ficção e personagem real.
- Advertências sobre a avaliação biográfica.
- Atos que são e que não são expressão do caráter.
- Arte e natureza.
- A lógica, a silogística, a doutrina das categorias e as aporias.

AULA 60 - 14JUL91 - FITA 2 e 3 (transcrição: Sílvia)


- Sobre a natureza da razão.
- A sociedade e a razão individual.
- Marte e Saturno na Casa VI.
- O conhecimento do outro.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 58 SÄO PAULO, 12 JULHO 1991 FITA I
TRANSCRIÇÄO: MARLY LAURITO PISCIOLARO

Vamos repassar Saturno nas casas e a melhor maneira de fazer isto é cada vez que se for analisar
uma posiçäo começar toda deduçäo novamente. Pelo menos é o que eu faço porque isto é täo
complicado que fica quase impossível fazer uma interpretaçäo direta se näo se recordar todos os
conceitos que estäo em jogo.
Outro ponto difícil é como fazer para explicar o significado de um planeta numa casa a alguém
que nunca ouviu falar disto. Nós aqui temos um código implícito; cada vez que se fala algo,
lembra-se de uma série de coisas. Mas, como explicar para uma pessoa que näo tem nenhuma
referência sobre o assunto?
Para exercitarmos essas questöes peço um voluntário. Aluno: Eu começaria explicando que os
planetas representam faculdades cognitivas, ou seja, modos de se perceber a realidade em torno.
As casas astrológicas, por outro lado, significam as direçöes da atençäo, isto é, por onde o
indivíduo olha. Essas direçöes säo representadas por um sistema de 12 classes, 12 domínios da
vida. Aí passaria a explicar cada planeta e sua devida representaçäo com as faculdades
cognitivas, e cada casa correspondendo a um determinado domínio da vida, ou em que direçäo a
atençäo é colocada; e que um planeta, estando em determinada casa, significa que há uma
maneira inata de voltar a atençäo para aquele domínio da vida numa certa modalidade, que é a
faculdade cognitiva correspondente. Por exemplo, Saturno corresponde à Razäo mas para
entendê-la tenho que primeiro falar da Intuiçäo que é o que o indivíduo percebe de imediato
como real para ele e, portanto, onde tem segurança, onde nem percebe que está percebendo de täo
natural que é para ele. Saturno por seu lado é o outro extremo. É o que causa espanto ao
indivíduo e gera um problema porque ele vai perguntar: "o que é isto?" e percebe uma
contradiçäo. A Razäo, que vai procurar coerir os dados coletados pela Intuiçäo chega num ponto
em que, relacionando cada dado, näo consegue uma soluçäo imediata. Entäo formula uma
pergunta que, mesmo que näo tenha todas as palavras, vai acompanhar a pessoa a vida inteira.
Sua atençäo estará voltada para esta pergunta. Por exemplo, Saturno na IV significa que a questäo
está relacionada com os sentimentos da pessoa. Olavo: Onde há uma pergunta há um
estranhamento, uma espécie de medo do assunto. A Intuiçäo é algo que, quando você absorve,
passa a ser seu. O que foi intuido faz parte do seu mundo e, portanto, é você. Há uma espécie de
identificaçäo com a coisa intuída. Na Razäo ocorre exatamente o contrário: há um estranhamento.
Aluno: Imagino entäo que o indivíduo nesta situaçäo ou escolhe uma posiçäo que lhe pareça mais
confortável de - näo pensar no assunto - ou, passa justamente a querer investigar a questäo,
elaborando esquemas racionais que väo ampliando o modo que ele tem de entender as coisas.
Olavo: Por que aquele que pensa, tanto pensa e näo chega a resultado algum, ou seja, por que é
um problema? Porque lhe falta elementos, pois quando começa a lançar a pergunta é criança
ainda e näo tem dados de experiência suficientes para encontrar a resposta. Quando, mais à
frente, chegar a obter estes elementos pode ser tarde demais porque ele já terá construído toda
uma constelaçäo de respostas falsas que se consolidaram no fundo da memória, gerando, por sua
vez, comportamentos que complicam mais ainda a situaçäo. Além do indivíduo, ao fazer a
pergunta, formulá-la como criança, pode haver também uma pobreza cultural, onde näo há
recursos de linguagem e de imagem suficientes para se trabalhar o problema. Entäo vai trabalhar
de uma maneira tosca, com imagens apenas. Quando tiver os dados de modo que possa completar
a resposta aí näo adiante mais. O que tem a fazer? Contar toda a história de novo. Atentem para a
diferença que existe, em gravidade, entre isto e tudo, tudo que a psicologia do século XX tem
abordado. Por exemplo, se o indivíduo enquanto pequeno tivesse condiçöes de chegar a uma
compreensäo racional do complexo de Édipo, entäo, simplesmente este näo existiria. O complexo
é problema porque o indivíduo equaciona a questäo com uma lógica de criança e tira portanto
conclusöes distorcidas. Podemos comparar isto com o sujeito que chegou num beco sem saída
deste tipo. É como um computador a que se dá continuamente uma série de dados e ele vai ficar
rodando, rodando até queimar, sem achar a soluçäo. Aí você compara com o que faz a
psicoterapia reicheana. Ela parte do princípio de que certos conflitos väo se somatizar numa
espécie de êxtase muscular em alguns pontos que acabam por formar uma carapaça
caracterológica que precisa ser desmontada para a energia poder circular novamente. Se
pensarmos no garoto que está na escola tentando resolver um teorema de geometria e näo
consegue, näo é natural que lhe apareça uma tensäo muscular? Como resolvemos mais facilmente
isto: desfazendo a tensäo muscular primeiro ou, simplesmente, dizendo-lhe qual é a soluçäo do
teorema? Se você tira a tensäo muscular mas näo dá a soluçäo do problema ele vai fazê-la de
novo. A idéia de trabalhar as esferas inferiores do sujeito - seu lado instintivo, sentimental, etc. e
tentar manipulá-las näo funciona. O velho ditado diz: "quando a cabeça näo pensa o corpo
padece", mas a psicoterapia quer que o corpo pense para a cabeça näo padecer. As dificuldades
começam nas esferas superiores do ser humano justamente porque säo as mais complexas. As
mais próximas do animal näo têm grandes problemas, funcionam direito. A criança nasce
afetivamente sä e permanecerá assim provavelmente com uma resistência muito grande mas, sua
Razäo está começando a se estruturar, é mais fácil embolar a coisa aí do que em outro campo.
Nem os adultos têm uma Razäo funcionando perfeitamente. O homem padece, fica neurótico e,
eventualmente, até psicótico, näo porque tem instintos, traumas de ordem afetiva, sexual, etc.,
mas porque näo consegue desempenhar a funçäo que lhe é própria. É claro que o ser humano tem
também problemas na esfera animal, mas näo säo estes os conflitos característicos. Existem
doenças que säo próprias de cada espécie animal. As ligadas à Razäo é que seriam próprias do
homem e esta é a questäo essencial.
Isto tudo que lhes estou falando é contrário a tudo o que a psicologia, pelo menos na área de
psicoterapia, tem feito há 100 anos. Eu me pergunto por quê näo seguiram esta pista? Ao
contrário, mexem da esfera afetiva para baixo. Mesmo a psicoterapia de Viktor Frankl, que
pertence às esferas mais superiores, trata apenas do aspecto moral, dos valores e do sentido da
vida, nunca da esfera lógica. O único que conheço que pensou nestes termos foi um sujeito
chamado W. R. Bion. Ele imaginou algo neste sentido mas näo disse que o problema está aí.
Penso que se valoriza os aspectos afetivos, instintivos, etc., porque o sofrimento está aí, e é por aí
que você sofre. Mas, o fato de estar doendo em algum lugar näo significa que lá esteja o
problema. Por exemplo, o indivíduo que precisa de 200 no final do mês e só ganha 100. Näo
adianta mexer com os afetos, imaginaçäo, etc. Ele tem um problema real.
Excluindo a idéia de que todos possamos ter nascido doentes, minha hipótese é de que na maior
parte dos casos nascemos säos nas áreas inferiores. Os conflitos vêm, de alguma maneira, de fora
para dentro, na medida em que há uma situaçäo inacomodável, ou seja, no processo de
assimilaçäo das informaçöes do mundo externo é que podemos ficar doentes.
O tipo de sofrimento que tem o sujeito que está com o problema do dinheiro é igual ao de uma
criança que está com um enigma que näo pode resolver. Aquilo transcende a sua capacidade.
Daqui há algum tempo a situaçäo pode melhorar mas, provavelmente, näo adiantará mais.
É óbvio também que o problema da criança, às vezes, nos parece ridículo mas, é o que ela
consegue enxergar. Do mesmo modo, o problema do indivíduo que se atrapalha com os traumas
financeiros, visto do ponto de vista de uma pessoa mais hábil, pode ser ridículo.
Quantas vezes vemos o indivíduo ter meios para ganhar mais e ele näo enxerga.
Eu acho que a esquematizaçäo lógica que ele está fazendo do problema é que o está oprimindo.
Ele monta o problema de uma tal maneira que näo tem soluçäo. Näo porque é neurótico mas
porque näo sabe, näo tem os dados. É claro que isto tudo pode sedimentar numa série de conflitos
afetivos, instintivos, etc.
Toda vida humana contém uma contradiçäo que precisa ser encontrada e desmontada.
O conflito do neurótico tem um fundamento real. Talvez o indivíduo esteja vendo de um ponto de
vista inadequado em relaçäo a quem sabe mais do que ele. Com os dados que tinha só poderia
chegar à conclusäo que chegou. Estes pontos de amarramento que encontramos na vida humana
têm um caráter trágico porque parecem näo ter soluçäo.
Frequentemente o ser humano é colocado em situaçöes sociais, políticas, econômicas, etc.,
absurdas e, nestas ocasiöes, o normal é que ele seja neurótico mesmo, a näo ser que tenha
inteligência suficiente para resolver o enigma e encontrar uma saída. Mas a maior parte das
pessoas näo a tem.
Muito do conceito vigente de neurose parte de um princípio errôneo de que a sociedade é normal,
sä e que o neurótico é aquele que tem reaçöes desproporcionais. Mas só podemos dizer que há
respostas desproporcionais ou proporcionais se existir uma ética consolidada que todos cumprem
mais ou menos igual. Entäo se sabe qual é o princípio, qual é o critério e, portanto, se tem a
proporçäo certa, normativa para as reaçöes. Mas se näo se tem isto näo dá para saber quem é
neurótico e quem näo é.
Se ficarmos tentando lidar com a esfera afetiva, instintiva, etc., estaremos tentando regular algo
que näo é regulável. Mas a relaçäo entre as necessidades objetivas que o sujeito reconhece e sua
capacidade de resolver o problema, isto é, a capacidade de atender suas próprias necessidades ou,
em última análise, a capacidade de açäo racional segundo fins, o indivíduo deve ter isto para ser
considerado minimamente normal. Se näo o tem, devemos ver a situaçäo objetiva para verificar
se esta situaçäo näo lhe sonega os meios. Devemos procurar o esquema racional da conduta para
por ele medir o outro. O racional é que tem proporçäo. O irracional näo tem. Näo existe irracional
anormal. No inconsciente tudo é normal. Entäo näo há como você regulá-lo ou, mais ainda, curá-
lo. Um esquema de normalidade é produzido a partir duma proporçäo entre os meios, os fins e a
conduta, o qual vai poder medir ou avaliar o que se passa no inconsciente de uma pessoa. O
contrário näo é possível. Se compreendemos onde está a falha no esquema racional do sujeito
entäo podemos entender o resto. Acredito que se elucidarmos este ponto o resto está mais ou
menos resolvido. O indivíduo pode fazer a pergunta: "mas por que eu sou assim? Por que tenho
Saturno em tal casa?"
O indivíduo normal pode ter uma inconformidade com o real. Mas esta näo é uma questäo
psicológica e sim filosófica, espiritual. O sujeito que trate de estudar e resolver o assunto. Näo há
psicoterapia que possa resolver uma näo aceitaçäo do real. Aliás a maioria das pessoas estäo
assim hoje: pode-se dizer que säo imorais e trapaceiras com a vida mas näo que estäo doentes.
As vezes o processo analítico pode ser necessário para reconstituir toda sua história se o sujeito
näo for mais capaz e muitas vezes, näo é. Lidando com a interpretaçäo de mapas percebi que,
para algumas pessoas, a leitura elucida quase tudo imediatamente. É como se fosse um problema
de matemática que você desse um elemento faltante: de repente tudo faz sentido. Mas com outras
pessoas näo. Vai dar mais trabalho. Näo basta dar o elemento faltante: Vai ser preciso fazer um
retrospecto de como se foi formando gradativamente o sistema de interpretaçöes falsas. Às vezes,
o conjunto das mentiras existenciais é täo pesado que o indivíduo näo consegue mais desmontar.
Deve haver alguma maneira de se fazer isto mas eu näo desenvolvi o assunto. É algo para se
pensar mais adiante. Se o Dr. Freud nos ensina a reconstituir a história do indivíduo por que näo
sua história lógica, ou seja, como foram se formando, sucessivamente, os quadros de referência?
Nesse sentido a obra de Bion pode ser útil, embora seja muito complicada. Ele é um freudiano
que leu Kant, começou a interpretar os sintomas neuróticos como Kant interpretou as formas a
priori do entendimento, isto é, algo que está a priori na cabeça da pessoa e que faz com que esta
veja de uma forma diferente. Bion chama isto de grade através da qual ele interpreta a neurose.
Mas, o próprio fato de chamar de grade mostra como é difícil reconstituir a história porque, na
verdade, é uma sucessäo de grades que mudam com o tempo.
Para poder reconstituir a história é preciso ter a chave central, ou seja, como é que o indivíduo
começou a construir estas grades. Nós temos a pista no horóscopo: pela posiçäo de Saturno
podemos saber por onde o indivíduo começou a construir suas grades de referência.
Näo podemos esquecer também que há uma história mal contada. O indivíduo está na pista falsa,
däo-lhe os nomes falsos das coisas, fica faltando elementos e ainda lhe exigem que faça o que
näo pode fazer! Acho até que, ao contrário do que Freud dizia que somos todos doentes, somos
heroicamente säos. Näo é que näo funcionemos; funcionamos sim, mas com um nível de
rendimento muito baixo. O fato é que ao chegar à vida adulta a quase totalidade dos seres
humanos está lesada para qualquer tipo de expressäo pessoal mais profunda, para qualquer tipo
de aprendizado e iniciativa que possa mudar sua vida, de modo que o seu curso já está
determinado, mas, de algum modo sobrevive.
É fácil notar que aos 30 anos a capacidade de aprender praticamente já acabou, e se o sujeito näo
pode aprender mais entäo näo pode adaptar-se a situaçöes novas, portanto ele depende de que
tudo permaneça como está. Mas, atualmente, graças à mudança econômica acelerada, nada fica
como está. Näo adianta persuadir quem montou seu esquema lógico errado a pensar
corretamente, porque ele remonta a idéia.
O ponto fundamental de tudo isto e que, desde a Idade Média se discute, é que o sujeito sabe o
que é certo mas ele continua a fazer errado. Ele sabe que 2 + 2 = 4 mas age como se fosse 5. A
tendência é procurar a soluçäo fora do âmbito da razäo porque acredita-se que ela está persuadida
e que, se continua no errado, é porque há alguma outra coisa näo racional que o impele àquilo.
Säo Tomás de Aquino, a psicanálise e vários outros afirmam isto mas eu acho que neste ponto
todos estäo na pista falsa. Tenho muito respeito pela tradiçäo cultural acumulada e acho que näo
devemos desafiá-la a todo momento querendo brincar de Nietzsche, mas creio que neste ponto
em particular pode ter havido algum engano por falta de um exame mais profundo da questäo.
Säo Tomás diz que quando se sabe o certo conhece-o genericamente. Sei que 2 + 2 = 4 de uma
forma genérica. Mas a conduta, os atos, näo säo dirigidos por nenhum conhecimento genérico
mas sim particular, ou seja, pelo conhecimento intuitivo. Portanto o sujeito näo faz a ponte do
racional para o intuitivo.
No século XX partiu-se para a seguinte hipótese: o consciente do indivíduo sabe mas o
inconsciente continua querendo fazer do mesmo jeito. Vou lançar uma outra hipótese: o
indivíduo sabe que 2 + 2 = 4 porque você o informou mas todo o esquema racional dele está
montado de forma a que dê 5. De maneira que aquela informaçäo particular näo junta com nada.
Ele admite que é verdade naquela hora mas volta a raciocinar, aonde a vida comum dele continua
funcionando, segundo seu esquema interpretativo corrente. Por ele mesmo näo chegará à soluçäo
certa. Portanto, näo se trata de mudar uma convicçäo, nem de operar no subconsciente mais
profundamente, atuando no afetivo, no imaginativo, etc.
Para levar o indivíduo a admitir com toda sua alma que 2 + 2 = 4 o que se deve fazer é permitir
que o esquema racional dele possa comportar essa informaçäo. E para isto você às vezes até
precisa ir às premissas iniciais. Explicando a posiçäo de Saturno às vezes o esquema lógico
desmonta e remonta com uma velocidade impressionante, quando o sujeito lembra dos seus
fundamentos primeiros e percebe a inadequaçäo deles. Mas em outros casos pode ter embolado
demais e alguém precisaria recordar ao indivíduo suas premissas. Sobretudo em muitos casos,
todo este processo de formaçäo das mentiras em série, se tornou inconsciente porque se raciocina
inconscientemente. A gente pensa durante o sonho, faz cálculos sonhando. Já está provado que o
inconsciente sabe matemática e, portanto, sabe lógica, enquanto estamos dormindo podemos
continuar produzindo mentiras perfeitamente lógicas e que näo lembramos mais a cadeia, o que
torna necessário a remontagem. Dá muito trabalho e este é um campo de estudo para a
psicoterapia: o como fazer a remontagem.
Mas, partindo do caso ótimo, no momento em que você descreve a posiçäo de Saturno, funciona
como um catalizador e instantaneamente vê-se aonde está o eixo da máquina, ou seja, o princípio
das falsas interpretaçöes. Temos que ver também que estas falsas interpretaçöes provêm näo do
fato de que o indivíduo, movido por impulsos inconscientes, torceu a verdade, isto pode
acontecer mas é raro. Na maior parte dos casos as crianças väo torcer a realidade porque näo têm
informaçöes suficientes, näo têm experiência. Ou seja, näo se trata de um trauma ou de uma
distorçäo mas sim de uma privaçäo.
Se pensarmos, primeiro na inexperiência da criança e, segundo, na privaçäo cultural a que foi
submetida, acho que isto basta para explicar a grande maioria dos casos. Ou näo tinha acesso a
determinada informaçäo porque era muito pequeno ou no seu meio aquele dado näo existia. Isto é
suficientemente complicado e já basta para enlouquecer qualquer um.
A faculdade da razäo, se os evolucionistas têm alguma razäo, ainda näo é plenamente dominada
pelo homem.
Se houve alguma humanizaçäo a partir de uma base animal é normal que carreguemos estas
faculdades superiores como uma cruz, pois é pesada demais para nós.
É curioso que o Dr. Freud que era um evolucionista convicto näo tenha pensado nisto, mas ele
estava na pista certa quando disse que a civilizaçäo era a origem das neuroses. A Civilizaçäo
forma o corpo de leis, os costumes, todo o mundo da razäo. Isto pesa sobre o homem. Pena que o
Dr. Freud, depois de ter dito isto, ao invés de continuar procurando nesta mesma esfera foi descer
lá embaixo, nos instintos. O mais curioso é que ele usou o exemplo do complexo de Édipo mas,
se você lê a história vê que só pode ser interpretado neste sentido que eu estou apresentando,
porque Édipo erra näo por qualquer atitude doentia mas por desconhecimento. Faltou-lhe um
dado importantíssimo quando a Esfinge, um ser quimérico, meio celeste meio infernal, falou-lhe
sobre o seu destino. Mas por que Dr. Freud, tendo a premissa maior e a menor, näo tirou a
consequência?
O homem tem acesso a um conhecimento que é muito superior a ele mas o recebe de um modo
fragmentado, incompleto. Este assunto - do incompleto - é um dos temas mais fundamentais da
literatura universal, que obceca a imaginaçäo humana. Veja o número de histórias de mapas de
tesouro incompletos, de objetos fragmentados onde precisa ser encontrada a outra parte, casos de
indivíduos que desconhecem uma parte de sua própria origem. É a base das narrativas policiais
pois, se o detetive tivesse todas as informaçöes, näo haveria história. Aristóteles, quando define a
tragédia, diz que a história basicamente se compöe de: 1o.) patético - cenas que säo emoçöes
exageradas - 2o.) peripécia - quando os acontecimentos tomam um rumo imprevisto - e, o que
nos interessa, 3o.) reconhecimento - quando se descobre algo que elucida o sentido dos eventos.
Vejam a importância que tem a informaçäo faltante e é incrível que toda a psicologia moderna
näo tenha dado a mínima atençäo a isto. A psicanálise e as diversas linhas da psicologia no
entanto funcionam, embora tenham critérios interpretativos diferentes, ou seja, o esquema causal
de cada uma é diverso, porque säo análises. Mesmo que tudo que se fale seja mentira obtém-se
algum resultado porque o analisado reconstitui sua história do ego de uma forma mais ou menos
coerente e que lhe serve por um determinado tempo. Ele reconstitui a possibilidade de um
domínio lógico.
O que representa uma análise? Um indivíduo está falando a outro, isto é, pensando perante uma
testemunha. Ora, se fossemos capazes de, sempre, quando estamos sozinhos, pensar como se
houvesse uma testemunha presente, nós acabaríamos acertando sempre. Mas quando estamos sós
mentimos, porque näo tem ninguém olhando. Basta na sua solidäo você introduzir uma presença
humana imaginária que acabará acertando. E entender que, quando sozinho, näo saiu da espécie
humana mas, ao contrário, está nela.
Se pensar que dentro de si é como se estivesse falando em voz alta, para Deus por exemplo,
acabará pensando corretamente. Mas a maior parte das pessoas näo faz isto. E precisa pagar
alguém para ficar, às vezes até dormindo, de testemunha dos seus pensamentos. Essa testemunha
serve para você corrigí-los, quando percebe que tomou o rumo errado e que ali alguém está
vendo. Por isso quanto menos o analista fala, melhor para você. Sua funçäo é uma espécie de
espelho retrovisor. Se o indivíduo, pensando sozinho, conservar a plena consciência de que ele é
o mesmo que aparece em público, fatalmente corrigirá seus pensamentos enganosos.
Por que em família nos mostramos mais loucos do que com pessoas de fora? Porque näo
aceitamos os membros familiares como testemunha. É como se ninguém estivesse olhando. Mas
se começarmos a considerá-los como seres humanos, ou seja, pessoas estranhas acabaremos com
o problema. Por exemplo, por que tem assuntos que você fala com sua mäe e näo com seu
vizinho?
O processo de aquisiçäo da razäo é o processo de socializaçäo do indivíduo porque a razäo é uma
faculdade essencialmente humana. Socializar e torná-lo racional é mais ou menos a mesma coisa.
Vamos agora tentar reconstituir as 12 possibilidades de Saturno. Aluno: A casa I se refere a auto-
imagem, isto é, como o indivíduo vê a si mesmo. Tendo Saturno na I väo surgindo elementos da
imagem que ele mesmo faz de si e que näo se coadunam. Ele näo consegue juntar coisa com
coisa, até que pergunta: quem sou eu? e fica espantado porque näo tem a percepçäo de si
enquanto unidade. Olavo: Esta definiçäo está muito genérica. Parece qualquer Saturno. Na
verdade com Saturno na I, introduz-se um hiato entre o indivíduo e ele mesmo, sem qualquer
referência aos demais. Näo é que ele seja vários perante inúmeras pessoas. Ele se estranha diante
de si mesmo, na sua solidäo. Às vezes, pode parecer a ele que os outros sejam mais naturais e
menos estranhos do que ele mesmo. Este estranhamento começa com a aparência física do seu
rosto (espantar-se com as próprias mäos, o peso - às vezes sente-se valendo uma tonelada, outras
nada - é um estranhamento do corpo. Aluno: Há um hiato entre a percepçäo subjetiva que o
indivíduo tem dele mesmo e o que está estampado em seu rosto. O rosto näo expressa o estado
interno, pessoal dele. Por isso que se explica que uma pessoa com Saturno na I está
frequentemente se olhando, checando para ver se entre o discurso dela e a expressäo que está
fazendo há uma coerência. Olavo: Sim. A identidade que ela percebe dela mesma pelos sentidos
internos näo coincide com o que ela capta pelos sentidos externo. A contradiçäo é entre uma
informaçäo dos sentidos internos e uma outra informaçäo.
Outro sentimento característico de uma pessoa com Saturno na I é ela achar ...
ASTROCARACTEROLOGIA SÃO PAULO AULA 58 - FITA 2 12 JUL 91

Saturno na I
Ele acha as outras pessoas mais naturais do que ele mesmo. É de estranhar menos a cara alheia do
que a própria, isto é, a própria expressäo pessoal. É como se ele se olhasse no espelho e
perguntasse: quem sou eu? O indivíduo vai fazer essa pergunta; entretanto, como é que ele vai
responder? Se ele fosse mais grandinho, nós poderíamos dizer-lhe que, se a cara da sua mäe, por
exemplo, lhe é mais familiar do que a própria, é porque ele vê essa cara o dia inteiro enquanto a
própria ele só vê quando se olha no espelho, e que é por isso que ele a considera mais natural do
que si mesmo. Mas e se o sujeito empacar aí? Primeiramente, ele näo expressa essa pergunta em
palavras mas, se ele conseguisse verbalizar completamente essa contradiçäo e obtivesse uma
resposta como esta aqui talvez se acalmasse na mesma hora. Ele entenderia que isto é uma
paradoxo lógico que faz parte da vida humana mesma e näo um problema exclusivamente dele.
Como ele acha que a cara da mäe dele é muito natural, provavelmente ele pensa que pra ela, a
cara dela, também é muito natural para ela, quando na verdade ela também tem o mesmo
problema.
Esse ponto onde Saturno se localiza no mapa introduz uma diferença imaginária pois ele pensa
que há uma diferença entre ele e os outros quando, na realidade, näo há diferença alguma. Eu
acho que o caso exposto exemplifica bem isto, ou seja: nós estamos muito mais acostumados com
a cara dos outros do que com a própria. Todo mundo é assim. Aquele problema que ele levantou,
todo mundo tem; entretanto, os outros passam por cima desse problema e näo se detêem nesse
ponto enquanto ele, näo. Ele empaca, ele quer uma resposta. Por que é que ele quer uma
resposta? Porque ele mobilizou ali a razäo: ele necessita daquele dado porque ele é importante
para montar um esquema racional de maneira a poder continuar pensando. Mas, se näo obtém, ele
vai ficar girando em círculo. Todas as perguntas de Saturno em qualquer uma das Casas tem
respostas óbvias - mas óbvias depois que você consegue dá- las. Porém, encontrar cada uma
dessas respostas depende de que o indivíduo aceite a experiência humana como coisa normal, até
normativa, como quando disse que o sujeito acha a cara da mäe dele mais natural porque convive
com ela o dia inteiro enquanto com a própria, näo. Qual é o fundamento da veracidade dessa
resposta? Näo é a experiência repetida? É experiência repetida e reconhecida como normal. Mas
se é assim pra todo mundo, isso é um dado e ele näo pode ser mais questionado. Entretanto, faz
parte da razäo rejeitar o dado, ou seja, querer uma justificativa de ordem universal. Por outro
lado, essa justificativa universal só poderá ser obtida depois de uma longa experiência. Mas se
você quer uma justificativa universal antes da experiência você vai empacar por aí mesmo e nem
ter a experiência... Em suma: todo esse problema é como raciocinar como criança em torno de
problemas que näo são para criança, mas que no entanto nos säo colocados desde o início. Na
espécie humana, a demora da criança em se tornar adulta é uma grande tragédia. É a espécie
animal que mais demora pra ficar adulta. Ou seja: o crescimento do ser humano é muito
complicado. E este aqui - a razäo - é um dos obstáculos que surge, e me parece o principal. É a
pergunta que o sujeito tem e, para ela, existe resposta - mas näo naquele momento. Sobretudo,
näo pode obtê- la por seus próprios recursos: alguém teria que lhe dar essa resposta. Entretanto,
como é que ele vai exprimir isso aí? Por exemplo, ele pode exprimir sob a forma de uma rejeiçäo
dele mesmo, ou seja, näo gostando de si até fisicamente. Qualquer coisa serviria de pretexto. Se
já parte de uma rejeiçäo, de um estranhamento, e se você perguntar qual é o problema, como é
que ele vai expor sua tragédia nos termos em que eu lhe expus aqui? É impossível. O sujeito vai
ter que dar uma expressäo simbólica qualquer.
Entäo, deu pra entender a diferença entre isso e o que seria a imagem social do indivíduo? Esse
negócio de imagem social é típico de um Saturno na VII, quando você percebe que você é
pessoas diferentes para pessoas diferentes e quando você näo consegue reduzir isto a uma
unidade. Aí você vai perceber uma contradiçäo - mas baseado no comportamento alheio e näo em
si mesmo. Entretanto, com Saturno na I, näo: você vê o problema em si mesmo, e talvez este seja
o pior de todos porque näo tem como explicá-lo pra ninguém. Com Saturno na I, você estranharia
a si mesmo, a própria fisionomia, como se ela fosse a de um cadáver, como se fosse a de uma
coisa morta e näo viva porque você sente a vida dentro de você - mas aquilo está dentro näo
transparece, isto é, näo vai ao rosto. Por que é que as pessoas com Saturno na Casa I às vezes
tendem a ter uma expressäo fixa, quer dizer, eles amarram uma máscara na cara e näo mudam
mais? Näo é pra poder observar a si mesmo? Ele está fixando uma coisa na esperança de que,
parando de mexer, quem sabe, ele consiga olhar e entender.
- Olavo, por que é que a atividade teatral é um dos auxílios para o drama que o indivíduo com
Saturno na Casa I vive?
- O simples fato deste indivíduo tentar ter imagens diferentes lhe ajuda a pensar sobre isto. É
interessante também qualquer outra coisa que estimule o seu raciocínio a pensar sobre este ponto,
que mostre que pensar sobre isso näo é estar louco; que faça ele perder o medo de pensar sobre
isto e que, ao mesmo tempo, tire aquela pergunta daquele circuito fechado e egoísta em que se
encontrava. Veja que pensar sobre a própria cara o tempo todo fecha e encerra o indivíduo dentro
de uma prisäo onde näo tem saída; entretanto, fazer a mesma coisa para poder representar um
papel curiosamente lhe dá uma ponte de contato com os outros, ou seja, ele vai se comunicar com
os outros exatamente a partir disso aí. Por isso que esta atividade o liberta. Pensar sobre a
conexäo interna-externa de um personagem é a maneira dele conectar o interno com o externo
dele. Näo me ocorre nenhuma outra atividade que pudesse oferecer isso aí. Qualquer coisa que o
fizesse repetir os mesmos raciocínios para o mesmo assunto mas num nível que: primeiro, fosse
socialmente aceitável, tivesse alguma utilidade e, segundo, que se transformasse numa ponte
entre ele e a sociedade seria adequado. Ou seja: essa mesma maneira de fazer a coisa e que
prende o indivíduo é a mesma maneira de libertá-lo.
- Parece que isso diz respeito a um modo que é próprio da razäo: 1) ela näo acompanha os dados
na velocidade que estes surgem, ou seja, na existência eles väo passando sucessivamente e o
indivíduo vai se ater a eles lentamente; 2) a atividade que repete o esquema lógico do indivíduo já
faz com que ele passe a ter um dado que näo é próprio dele como indivíduo e sim da sua espécie,
ou melhor, da sociedade onde ele está.
- Exatamente. E como seria entäo esse processo para um indivíduo com Saturno na Casa II? O
que ele estranharia? A materialidade propriamente dita do que se constitui como real. E
estranharia por quê? Por subordinar as experiências sensoriais a esquemas lógicos, isto é, por
fazer a crítica racional da experiência sensorial. Estäo entendendo? Bem, vou dar um exercício
para vocês de modo que entendam esse assunto e nunca mais se esqueçam. Vejam: existem dois
tipos de atividade mental básicos que säo, 1) atividades receptivas, onde você recebe a
informaçäo e 2) atividades gerativas, onde você gera, produz esquemas. Por exemplo: vocês estäo
ouvindo o barulho do carro que passou? Pois bem: isto foi um simples registro passivo pois o
corpo se limita a receber esta informaçäo. Pois bem: fechem os olhos agora e simplesmente
façam o registro de tudo o que ouvem, por dois minutos. Viram quantos ruídos haviam que näo
eram percebidos antes? Agora, vocês väo fazer a mesma coisa, ou seja, väo fechar os olhos e
imaginar tudo preto e depois, dentro desse preto, imaginar um ponto branco que se prolonga e se
transforma numa linha e que vai formando um quadrado. Pois bem: viram a diferença entre esses
dois tipos de atividade? Entre você receber uma informaçäo e construir um esquema há uma
diferença enorme. Para entender o que é a intuiçäo e a razäo é preciso entender isso aí. A saúde
da mente depende de que estas duas atividades estejam perfeitamente distintas. Mas, o fato, é que
nós estamos o tempo todo passando de uma para outra com uma rapidez täo enorme que às vezes
näo sabemos se uma coisa foi recebida ou emitida. Em termos filosóficos, nós näo conseguimos
distinguir entre o dado e o construído. Mas, com um pouquinho de prática, você acaba
percebendo e se perguntando: o que é que eu recebi do real e o que é que eu criei?
A distinçäo entre essas atividades receptivas e emissivas mostra que se houver um predomínio do
receptivo você näo conseguirá ter uma atividade mental autônoma, ou seja: você tentará imaginar
um quadrado e näo conseguirá, isto é, você näo terá continuidade de esforço na mesma direçäo. E
se predominar o emissivo? Você só emitirá informaçöes erradas pois foi você mesmo quem as
inventou. Nesse segundo caso, ou seja, de atividades gerativas, onde se tenta construir uma
figura, desaparecem todos os dados. E a maior parte do tempo você é solicitado para atividades
que säo emissivas, enquanto você deixa o receptivo funcionando no fundo. Isso é a mesma coisa
que dizer que você näo percebe quase nada do que acontece. As atividades emissivas também
gastam mais energia do que as receptivas. É por isso que um indivíduo näo consegue acompanhar
o raciocínio presente em um livro pois ele simplesmente está cansado de se manter
constantemente numa atividade emissiva, quando o receptivo começa a solicitá-lo, ou seja: ele
quer prestar atençäo no livro que ele está lendo mas ouve o zumbido da mosca. O que é que ele
deve fazer? Parar e ouvir o zumbido da mosca até se cansar, quando enfim poderá retornar a
leitura. E quando você deita mas näo consegue dormir, o que é que está acontecendo? Está
havendo um predomínio da parte emissiva, näo é? Pois, ao invés de você tentar dormir, sabe o
que é que você deve fazer? Tentar captar todos os ruídos que se passam - em cinco minutos você
estará dormindo. Entretanto, quando näo se consegue ter uma atividade intelectual contínua näo
adianta forçar nesta mesma direçäo, ou seja, você já passou do que aguentava; agora, terá que ir
para o receptivo. Tudo depende de você conseguir equilibrar essas duas coisas.
No indivíduo com Saturno na Casa II, o receptivo é quase nulo. Isto quer dizer que, mal recebeu a
informaçäo de fora, já construiu um esquema imediatamente. A Casa II säo os sentidos, näo é?
Entäo, se a atividade racional já está voltada diretamente para as informaçöes que vêem dos
sentidos näo haverá tempo para receber a informaçäo - a razäo já reage em cima deles. No caso,
isto se refere a informaçöes que vêem dos sentidos externos. Em vez de simplesmente ouvir, ele
já cataloga imediatamente: o barulho do carro que ouviu é de tal marca, que tem tal preço e etc.
Näo há tempo para a entrada da informaçäo. E a mania por dinheiro vem justamente daí: ele é
uma quantidade e uma das formas mais elementares de racionalidade que existe. Ou seja: você
dar um preço a todas as coisas é olhá-las sob a categoria das quantidades. Coisas que você näo
sabe catalogar com nomes no entanto você pode dar número, isto é, você pode dar quantidade. É
uma atividade racional muito primitiva, mas é. Quanto que é? É um pouco ou um montäo? Se näo
consegue classificar de um outro jeito, vai classificar pela quantidade. Esse é o mínimo de
informaçäo que você pode obter - a informaçäo mais externa que você pode obter sobre uma
coisa é saber quanto ela custa. Você näo sabe nem o que é e nem pra que serve - mas sabe o
quanto custa. É uma forma elementar de racionalidade. Como alguma racionalidade o sujeito vai
ter de ter - porque ele näo pode deixar os sentidos funcionarem sossegados - entäo o que é que ele
vai fazer? Vai perguntar o preço. Em suma: o indivíduo quer racionalizar sobre o dado de alguma
maneira mas, näo tendo elementos para fazer uma coisa mais complexa, ele já vai parar por aí
mesmo, o que parece que o sossega um pouco. Mas é uma forma aparente de descansar. Vejam:
escutar os ruídos, receber a informaçäo é uma coisa e quantificá-los é outra. Saber se foi alto ou
se foi baixo, se foi perto ou se foi longe já é sinal de entrada de uma atividade de ordem emissiva,
ou seja, da razäo. O sujeito com Saturno na II precisa sempre associar o dado a alguma coisa,
quer dizer, näo consegue simplesmente receber a informaçäo, aquela qualidade isolada, que é
uma coisa muito importante para você ter uma visäo da textura física do mundo. É essa
informaçäo que um indivíduo com Saturno na II dificilmente tem porque cada informaçäo
sensorial, na hora em que entra, já entra sob a forma de um enigma, sob a forma de uma pergunta
- como se assustasse o sujeito. Ele näo aceita, por assim dizer, a sua condiçäo de ser corporal
sensível. E, de fato, qual é o problema dele? O problema é simples: näo existe ligaçäo direta entre
os sentidos e a razäo. Mas, para explicar isso para o sujeito, ele precisa pelo menos ter uns vinte e
cinco anos. Os dois pontos que doem no ser humano säo problematizados neste caso: sexo e
dinheiro. Por exemplo, se você quantificar as sensaçöes eróticas, o que é que acontece com elas?
Nada acontece. A atividade receptiva recebe uma quantidade única que nunca mais vai repetir. É
uma informaçäo totalmente nova. E é por isso que uma atividade puramente receptiva descansa o
cérebro. Näo é o cérebro que está pensando: ele está sendo alimentado de fora. Mas se você
resolve quantificar, você näo está tentando se alimentar - você está tentando digerir, processar
aquilo.
Por isso, imaginem quantos problemas filosóficos um garotinho de quatro anos tem sem,
entretanto, já ter desenvolvido condiçöes para resolvê-lo. Mas vamos supor que esse garoto
estude música. O que é que um músico faz? Ele quantifica todas as sensaçöes auditivas, isto é,
coloca numa escala todos os sons que ouve com o intuito de compor determinada melodia, a
ponto de nunca mais chegar a ter uma sensaçäo auditiva pura. Ou seja: um sujeito com Saturno
na II salta da estimulaçäo sensorial para o conceito com mais rapidez do que os outros, se
detendo pouco sobre a fonte de estimulaçäo. Percebam, por exemplo, o simples fato de um
sujeito conseguir diferenciar sensaçöes; a maioria das pessoas consegue diferenciar muito pouco
porque no dia-a-dia ela só lida com as sensaçöes a que está habituada enquanto as outras que
surgem e que säo novas passam e väo embora. Um sujeito com Saturno na II é como se ele
estreitasse isto ainda mais: täo logo as sensaçöes, já se afasta delas, providenciando uma troca,
isto é, a troca de um estímulo por um signo. E o signo foi inventado por ele mesmo. Percebam
que o som da buzina lá fora só é recebido quando alguém a toca: eu mesmo näo posso fazer nada
para produzir para minha própria orelha a sensaçäo da buzina. Mas a palavra "buzina" eu posso
dizer quantas vezes eu quizer. Isto quer dizer que estas atividades emissivas säo aquelas que eu
mesmo produzo e para produzí-las, de certa maneira, eu preciso me desligar do ambiente
sensorial - o que aconteceu a vocês quando tentaram desenhar um quadrado imaginariamente. É
claro que vocês podem näo ter conseguido desenhar o quadrado porque estavam cansados, ou
seja, a atividade emissiva já foi além do que lhes convinham no dia. Além do quê, a atividade
emissiva, quanto mais você a faz, mais fácil fica de fazê-la. Por exemplo: se você é um
desenhista, você já está acostumado a projetar figuras num espaço; se você é jornalista, você está
acostumado a projetar esquemas verbais; se é matemático, está acostumado a pensar esquemas
quantitativos - isto pra você é fácil, enquanto o restante, näo. Além dessa especializaçäo pode
haver um abuso e, na maior parte dos casos, há. Eu considero que um sujeito ficar empregado
numa atividade de cálculo dentro de um escritório por oito horas seja um absurdo, um engano do
próprio empregador pois ninguém calcula durante oito horas - no máximo, durante uma hora e
meia, havendo durante o resto da jornada de trabalho uma despesa enorme do tempo. Para estes
trabalhos intelectuais, vigorar a mesma jornada de trabalho de uma linha de produçäo é uma
loucura, uma ilusäo. Numa linha de produçäo você pode fazer o mesmo gesto, mecanicamente,
durante oito horas justamente porque você está pensando em outra coisa. Se o indivíduo fosse
empregado para fazer cálculos durante uma jornada de trabalho de uma hora e meia a sua
produtividade seria a mesma a de horas seguidas, pois o rendimento de uma atividade como esta
é espantosamente desproporcional em ambos os casos.
Entretanto, esse näo é o problema de Saturno na Casa II - a simples catalogaçäo das sensaçöes -
mas, sim, a introduçäo de uma atividade crítica sobre as mesmas. O sujeito pode catalogar porque
tem facilidade para tal, sem que isto o atrapalhe. Mas se o indivíduo, ao mesmo tempo em que
recebe o estímulo, procura fazer um esquema que avalie criticamente aquilo - entäo, paralisou
tudo. Com avaliaçäo crítica estou querendo dizer que o indivíduo tentará provar para si mesmo se
a conclusäo a que chegou é verdadeira, ou seja, se aquilo que suas sensaçöes receberam é aquilo
mesmo ou se é outra coisa. É o exemplo do desenho animado: "será que eu vi um gatinho?". Mas
isto também pode ser uma simples percepçäo estética que ele tem das coisas e que se traduz
facilmente em palavras. O problema, entretanto, é quando existe esta rejeiçäo do dado - a razäo
näo é só uma atividade catalogatória pois esta catalogaçäo é feita na memória. Vejam, por
exemplo, nos romances do século passado como eles estäo cheios de descriçöes, a ponto de você
se perguntar como é que o indivíduo chegou a reparar em tudo aquilo. Como é que o sujeito
consegue fazer isto, hein? É porque ele sabe o nome de todas estas coisas. Se você quizer
descrever alguma coisa, a primeira que tentar fará você descobrir que você näo sabe ainda o seu
nome. Na nossa fala diária, por näo sabermos os nomes particulares ou específicos das coisas,
apelamos para o gênero: designamo-as por "pecinha", "aquela parte" ou qualquer coisa que o
valha. O genérico é mais genérico ainda em crianças, designando as coisas assim: eu quero
"aquilo". Aristóteles dizia que o Ser é o gênero dos gêneros, ou seja: näo tem uma coisa mais
genérica do que você pedir "aquilo". A diferença que vai desde a criança que tenta se expressar e
que só conhece o genérico e o escritor que descreve precisamente cada coisa em seu lugar é a
mesma que existe entre o genérico e o específico. Se é um indivíduo tem a memória verbal boa,
ele guarda as formas de um monte de coisas com seus respectivos nomes - e isto nada tem a ver
com Saturno na II. E isto näo é uma atividade racional: é a memória. Ele simplesmente tem na
memória um monte de palavras que é associado a um monte de coisas. Mas se o indivíduo, na
hora em que recebe o dado, se volta - por assim dizer - contra esse dado, questionando a realidade
dele, comparando com outra sensaçäo anterior, entäo tudo se complica. Uma coisa é
simplesmente você dar nomes: isto é mais ou menos fácil; você faz isso sem perder a conexäo
com o dado. Mas, para você poder comparar com outro dado, você precisa reproduzir este outro
na memória: você precisará se desligar do estímulo recebido. Na hora que você vai reproduzir a
imagem do dado anterior, você tem que se desligar do estímulo recebido. Se - mais ainda - você
quer avaliá-lo, você foi parar muito mais longe: se você quer saber se uma sensaçäo é mais
agradável ou menos agradável do que a que teve dez anos atrás, ficou desagradável só em pensar
nisto.
- Isto quer dizer que você vai sempre querer comparar com uma experiência anterior?
- Onde tem razäo tem comparaçäo. E avaliaçäo também. É como se fosse uma espécie de
impaciência perante o dado: quer esquecê-lo rápido para poder pensar nele. Um dado é uma coisa
que lhe é apresentada, e o sujeito tem urgência de transformar esta apresentaçäo numa
representaçäo, dele para ele mesmo. Isto é bem diferente de você simplesmente dar nomes. Em
suma: para o indivíduo avaliar uma sensaçäo que ele teve, ele precisa - em primeiro lugar - parar
de tê-la para transformá-la em representaçäo. Onde é que ele vai fazer isto? Na memória. É a
imaginaçäo que vai fazer esta ponte. E a imaginaçäo depende do quê? Depende de memória, ou
seja, de se ter tido um monte de experiências similares - e se näo teve, o que é que acontece? O
dado que lhe é apresentado lhe aparece como enigma puro. Cada sensaçäo nova é uma espécie de
ameaça, ou seja, uma coisa estranha que vem de fora e lhe assusta. Onde está Saturno, existe um
estranhamento e onde tem estranhamento existe o medo. Sendo assim, o indivíduo com Saturno
na Casa II tem medo da sensaçäo enquanto tal. Ele quer passar rapidamente por ela porque o mais
seguro, o mais tranquilo seria pensar sobre ela. A razäo näo gosta de nada novo. A razäo gosta de
tudo já esquematizado, já catalogado e de tudo aquilo que seja redutível de uma espécie a um
gênero. O que é singular, o que näo é catalogável a razäo näo capta. Geralmente, quando
recebemos dados näo catalogados, nós os abandonamos. E se o sujeito faz questäo de catalogar
exatamente aquele dado e näo tem elementos para fazê-lo normalmente? Tudo se embanana. Há
uma descoloraçäo dos dados captados sensorialmente e quanto mais ele sente, pior ainda.
Estabelece-se uma corrida entre os dados dos sentidos e a razäo. Quanto mais coisas sentidas,
mais coisas a compreender e, assim, mais cansativo seria, mais pesado seria - a tendência, entäo,
seria negar o dado. Mas, se nega, o que é que acontece? O corpo se revolta, por assim dizer. Ele
näo pode ficar sem sentir nada, ele quer sentir alguma coisa. Esta é uma das posiçöes mais
desconfortáveis que tem. É que nem uma sarna: o sujeito näo pode parar quieto - uma sarna
mental. Uma das saídas que ele encontra para o seu drama pode ser a de procurar experiencias
maiores sensaçöes pois a medida que ele matou as anteriores, abre- se uma carência, um vazio,
fazendo com que ele precise de mais. Entretanto, se tiver mais, vai piorar mais ainda.
Racionalizar uma coisa é dominá-la - a razäo significa o poder. E você quantificar as coisas é
uma forma muito elementar de domínio e é aquela que a gente recorre na impossibilidade de
qualquer outra, ou seja: uma coisa que você näo sabe o que é, pelo menos se pode quantificá-la.
A quantidade é um atributo que é externo a essência do ser. Se você diz que é um ou dois, você
näo precisa dizer em que se consiste este um ou dois. Quando você näo sabe nada de um ser, näo
tem nenhuma informaçäo, pelo mesnos essa você pode ter facilmente porque é somente uma
questäo de contar. Entäo, é muito natural que neste esforço de dominar o mundo sensorial você
comece a quantificá-lo. Mais tarde, quando você aprende o que é dinheiro e aprende que tudo tem
um preço colado você acha que descobriu o segredo do mundo. Isto quer dizer que é
reconfortante - pelo menos no início - saber que tudo tem um preço pois isto lhe dá uma
impressäo de racionalidade. Mas é só uma impressäo: é só viver num país com inflaçäo que você
vai entender que o preço é algo relativo. Vejam que se o indivíduo perdeu o controle das suas
finanças e se isto - para ele - é a forma suprema de racionalidade a que ele chegou, entäo ele está
perdido, ou seja, é uma espécie de luta contra a loucura. O dispêndio irracional e casual deve lhe
parecer muito ameaçador. O indivíduo quer controlar as suas finanças porque aquilo lhe parece a
chave da estrutura racional do mundo. E como nós estamos num sistema capitalista, isto aí näo
deixa de ser uma chave que lhe permite, até certo ponto, a convivência social. É uma loucura,
mas ele tem uma vantagem secundária sobre esta loucura. Se bem que eu lhes digo que é muito
difícil uma pessoa assim ir pra frente no mundo das finanças. O indivíduo com Saturno na II, por
ter pouca flexibilidade com o dinheiro, é difícil se tornar um bom financista. O indivíduo que é
rico, financista e que sabe ganhar muito dinheiro näo é racional com as finanças: há um certo
elemento mágico, ou melhor, ele improvisa muito. Pode ser tornar, entretanto, um grande
financista teórico, um economista. Mas, ganhar grana mesmo, é muito difícil. Näo se trata
propriamente do sujeito precisar ter um dinheiro porque, se o sujeito tem dinheiro, ele näo se
sente seguro ainda assim. Por quê? Por que näo há o problema da propriedade - há o problema do
controle racional que ele exerce sobre aquele patrimônio. É mais o problema do sujeito sentir que
a razäo domina um certo setor da experiência. Numa situaçäo de muita inflaçäo o sujeito fica
desesperado. É um desafio permanente a razäo - näo há razäo que aguente. Também existe o
outro caso, o do sujeito que cria uma espécie de rejeiçäo por tudo que se refira à dinheiro: ele näo
quer pensar nisso.
Notem que para cada um desses casos existe um esquema täo complicado que eu mesmo me
atrapalho. É muita coisa demais. É uma tipologia imensa. Näo há como se ter tudo isso na cabeça
ou na ponta da língua. É por isso que eu acho importante que a gente vá aos poucos redigindo
uma espécie de ficha, uma para cada posiçäo para mais tarde poder conseguir redigir um perfil
mais ou menos completo de um sujeito. Para cada uma das posiçöes existe um pequeno tratado.
Lendo a tipologia do Le Senne é fácil você reconstituir a expressäo pura de cada tipo pois você se
utiliza de adjetivos mas na hora em que você tenta descrever aquilo que ele chama de
psicodialética - que é o jogo interno de forças - você pula que nem um cabrito. E isto porque você
precisa de recursos literários e de expressäo: a palavra te escapa. Você näo tem que descrever
estados interiores mas um conflito de estados.
Em suma: o ponto mais fácil de observar estes conflitos típicos de um Saturno na II é nas
relaçöes do indivíduo com a posse e no sexo. Aí a coisa aparece quase em estado puro. Deve
haver uma infinidade de outras situaçöes possíveis mas, na medida em que nós conseguimos
descrever estas, as outras ficaräo mais fáceis. No sexo você se permite ter sensaçöes corporais
que escapam completamente ao seu controle. Aliás, você está lá para escapar. Sendo assim, täo
logo termine isso, a impressäo de irracionalidade, isto é, de ter sido arrastado num caos sem
sentido pode ser insuportável.
- Afinal, a questäo de Saturno na Casa II é corporal?
- Näo, näo é corporal. E também näo é sensorial. A questäo é a da atitude do indivíduo perante os
sentidos.
- Se aquilo que o sujeito sentiu näo tem explicaçäo racional, ele fica biruta ...
- Mas näo é bem uma explicaçäo: é uma justificaçäo.
- O que você quiz dizer com o fato de um Saturno na II estranhar a expressäo física das emoçöes?
- Lembrem-se de que a Casa II se refere aos sentidos e näo aos sentimentos propriamente. E näo
se esqueçam que razäo significa poder, ou seja, um domínio consciente sobre alguma coisa. Mas
você me pergunta: e o prazer? Mas se o prazer custou a perda do seu poder isto significa que a
experiência saiu muito cara...
ASTROCARACTEROLOGIA SÃO PAULO AULA 58 - FITA 2 CONTINUAÇÃO E FITA 3
(TRANSCRIÇÃO: HENRIETE) 12JUL91

Vejam, por exemplo, que as pessoas com Saturno na Casa VI têem uma sensação terrível de
perda de tempo. São pessoas que gostariam de racionalizar o tempo completamente. Onde o
sujeito perdeu o fio do tempo, sente que ficou louco. Entretanto, as sensações que o indivíduo
tivesse durante um ato sexual dificilmente poderiam atrapalhá-lo. Ou seja: a sensação de perda de
poder que o indivíduo teria com as sensações eróticas não seria tão surpreendente assim para o
indivíduo com Saturno na VI quanto para o indivíduo com Saturno na II. Mas, se o indivíduo
com Saturno na VI se prolongar, por exemplo, num ato sexual por horas, quando ele sair daí vai
ter uma sensação de loucura - ele perdeu o domínio do tempo. Em suma: com Saturno na II é a
própria sensação que introduz um elemento de irracionalidade.
Quem tem, aqui, Saturno na VI? Por exemplo, quando vocês perdem a hora de alguma coisa não
dá uma sensação de abismo, terror e pânico, como se a ordem do mundo tivesse caído? É essa
sensação que o sujeito com Saturno na II tem quando ele recebe uma sensação corporal nova,
pouco importando se ela é agradável ou não.
- É como se a própria encarnação o incomodasse?
- Sim. É uma rejeição da condição corporal em si mesma.
- É um tipo meio místico, então?
- Não, porque a rejeição da condição corporal é um elemento diabólico, ou seja, a rejeição da
condição humana é diabólica em si mesma. E a razão sempre teve esse estigma de coisa
diabólica, e isto porque ela é uma espécie de superação da condição humana. Mas, aí, nós
estamos entrando não na análise psicológica e sim na análise filosófica da razão. A razão permite
que o homem transcenda intelectualmente a sua condição carnal, temporal e etc.Ela permite que o
indivíduo, por exemplo, compreenda e domine intelectualmente coisas que vão muito além da sua
experiência. Porém, existe duas maneiras de fazer isso, assim como existe, por exemplo, duas
maneiras de se dominar um animal: você pode dominá-lo cuidando bem dele, alimentando-o e
banhando-o; ou então você pode dominá-lo na base da porrada! Isto quer dizer que, no instante
em que a razão briga com o dado, entra o elemento diabólico. E isto porque a razão tem que ser
humilde. Ela é muito poderosa, mas tem que aceitar o dado tal como é. No livro do Gênesis diz-
se que, quando Deus fez o mundo e viu o mundo feito, Ele disse que aquilo era bom - isto quer
dizer que o próprio Deus aceita o dado. A rejeição, por exemplo, da sua figura pessoal ou a
rejeição dos sentidos ou da temporalidade é diabólico. Tanto é que a razão, não aceitando o real,
tem que inventar um outro. Mas a razão tem que se adaptar ao real, ao dado para, sutil e
delicadamente, se elevar acima - não pode ser a base da porrada. - Sem rejeitar o dado, mas
superá-lo.
- Superar é uma coisa, destruir é outra. Para cada posição de Saturno haverá sempre uma tentação
e um poder imaginário que, se você acreditar, estará perdido. Onde está Saturno há o princípio da
razão e o principio da rejeição também - mas esta é uma contradição inerente à razão mesma. No
momento em que a razão nega o dado, ela não serve para mais nada mesmo. Só serve para
atrapalhar.
- É daí que surgiria a distorção, isto é, a coisa diabólica que é distorcer, exagerar, confundindo
justamente porque nega o dado e cria um outro no lugar.
- Sim. Ela coloca uma outra coisa no lugar do que foi recebido. É normal que o homem queira ter
o domínio de uma situação mas ter domínio é uma coisa e destruir aquilo sobre o que pretende ter
domínio é outra. Onde está Saturno você não tem que destruir nada: tem que superar. Mas, para
superar, você precisa aceitar. Aceitar a coisa como ela é. Entretanto, como é que você vai fazer
para a razão do indivíduo aceitar um dado inaceitável, horrível? É óbvio que a melhor maneira
seria você não levantar o problema mas, já que levantou, vai ter que completar com a solução. E
quanto tempo vai se levar para completar: vinte, trinta anos? É por isso que a vida humana é algo
tão difícil, tão perigoso. E isto porque o homem TEM A RAZãO. Se ele não tivesse, ficaria tudo
mais fácil . Se ele não pensasse, não seria homem - seria outra coisa.
Mas, conforme o tipo de sociedade onde esteja, você pode ser ajudado ou prejudicado. Quando
eu digo que Saturno na II é uma posição particularmente dolorosa, eu quero dizer que isto ocorre
NESTA SOCIEDADE. Isto não quer dizer que numa outra seja a mesma coisa. E eu digo que é
doloroso nesta sociedade por causa da extrema valorização da relação econômica. Você pode
perceber que em todas as sociedades humanas a atividade econômica nunca teve um lugar - por
assim dizer - sagrado. O sagrado numa sociedade é aquilo que não se discute. É aquilo que está
acima de qualquer discussão.Tudo o mais pode ser discutido: o sagrado, não. Mas a nossa
sociedade colocou a vida econômica nesse lugar. Isto quer dizer que É INDISCUTIVEL, por
exemplo, que todo mundo tenha que ser produtivo, tenha que render. Porém, para render você
precisa racionalizar a sua relação com o mundo físico. Isso quer dizer que a pessoa com Saturno
na II facilmente encontra na sociedade uma certa justificação para o seu modo de ser. Ela acredita
que agindo assim está PROFUNDAMENTE adaptada à sociedade, que está no real - e isto é que
é um terrível engano.
Vocês estão acompanhando? Essas coisas são de uma sutileza tão grande que a gente esbarra no
limite do inexpressável. E eu não sou nenhum Camões pra ficar a toda hora produzindo
expressões do inexpressável. Tendo os conceitos de base, é fácil de explicar a parte teórica;
porém, quando você entra na descrição dos meandros psicológicos da experiência real do indivíd
uo, é de "arrancar os cabelos". E, no entanto, é isso mesmo que nós temos que fazer. Vejam que a
linguagem que nós estamos usando é ainda uma linguagem conceitual, um pouco inadequada à
descrição da experiência real - mas é a que nós temos. Ou seja: se tentamos descrever no singular,
nós mesmos nos enganamos; entretanto, se formos para o genérico, ficará genérico demais. Em
ambos os casos a descrição das tensões psicológicas que se formam nos escapa. Tem-se que
achar um meio-termo - e é exatamente isto que nós estamos tentando fazer.
Voltando ao ponto inicial: eu diria que o indivíduo com Saturno na II, nesta sociedade, tende a
ser um pouquinho mais capitalista do que o próprio capitalismo. Nem o capitalismo é tão
capitalista assim. Esta é a questão da racionalização das relações do homem com o meio natural.
O próprio capitalismo reserva uma faixa de relação puramente lúdica com o mundo natural. E
não pretende racionalizá-la pois, se racionaliza tudo, é a própria crise ecológica: tudo acaba.
Entretanto, para o indivíduo com Saturno na II, não: ele acha que ele é o próprio sujeito realista e
que só estará dentro da ordem das coisas se racionalizar tudo. Só que, daí, ele fica mais "realista"
do que o "rei". Percebam que nós estamos vivendo hoje na sociedade a desaparição dos últimos
sinais de uma ética cristã. Ela está sumindo. Mas a sociedade nunca viveu sem isso. Há dois mil
anos não vivemos sem isso, e não sabemos como seria o mundo sem ela. Mas, de qualquer modo,
o pessoal está louco, quer experimentar... e vão acabar fazendo isso. Vai ser horrível!! Por
exemplo: a idéia de que todo comportamento bom é necessariamente hipócrita e que só pode
existir o bem sob a forma do mal aparente se constitue, já, em situações extremas, ou seja, em
limites que hoje estão sendo tomados como norma. Vejam que é evidente que o indivíduo
monstruosamente feio possa ser bom - mas acontece que isto não pode ser levado como norma.
Pode acontecer, por exemplo, que um assassino, no fundo dele, possa ter algo de bom - mas isto
não é uma regra.
- O que me chamou a atenção com relação ao fato dos indivíduos passarem - voluntaria ou
involuntariamente - a cultuar o mórbido a pretexto do que possa ser bom foi quando observei um
vício de linguagem durante o meu período de faculdade onde, para se definir que algo era legal e
gostoso, dizia-se que era "louco".
- Você expressar uma coisa pelo seu contrário chama-se "ironia". Ironia é quando você fala uma
coisa querendo dizer exatamente o contrário. Porém, se a linguagem irônica se torna normativa, a
linguagem direta se torna irônica. Só que, daí, não dá pra ninguém entender mais nada. E é
exatamente isto que está acontecendo. Isto quer dizer que para você fazer atualmente um gesto
direto você precisa cercá-lo de explicações porque senão ninguém entenderá. Se você decide, por
exemplo, ajudar uma pessoa de uma maneira que seja evidentemente boa, ela já vai te interpretar
ironicamente, fazendo então com que você precise se explicar. Antigamente era assim: o que era
bom - mas parecia mal - é que precisava de explicação; hoje em dia, porém, é o contrário. Por
exemplo: se você faz um carinho numa pessoa, você tem que explicar que não é irônico, que não
está afim de "sacanear". Quando essa inversão se processa, ou seja, quando a ironia se torna o
modo normativo de comunicação, tudo fica muito complicado... Para a criança, então, não tem
nem vez: ela nunca vai entender isso aí. Ela não pode entender e, no fim, vai absolutizar. Em
suma: nós estamos numa sociedade cujas normas não são consideradas legítimas. O Estado
brasileiro não é tido como legítimo. Ele não tem legitimidade. Mas isto não quer dizer que ele
não seja sério. Aqueles que negam a legitimidade do Estado, na verdade, não sabem o que fazem.
Se você diz, por exemplo: "Todas as leis que estão aí não são para se cumprir porque ninguém as
cumpre mesmo!" O indivíduo que faz isso não está criticando a sociedade: ele a está criticando ao
mesmo tempo que a está estragando. É o tipo de crítica que produz de certo modo o mal que ele
mesmo critica. Ou seja: é uma situação extremamente destrutiva. E isto porque você não tem uma
outra proposta - você tem um indivíduo, que é um sociopata, criticando um Estado ilegítimo. Mas
o Estado legítimo não foi feito para sociopatas. A situação brasileira é extremamente maluca.
Entretanto, o Estado jamais vai cair porque os sociopatas não derrubam o Estado. Mas podemos
fazer uma revolução e instaurar um outro Estado. Seria uma maravilha. Derruba-se uma forma de
legitimidade e instaura-se outra. Mas acontece que aqui a revolta não é contra ESTA forma de
legitimidade. Notem, por exemplo, a dificuldade das pessoas manterem um compromisso
assumido ao nível pessoal - isto nada tem a ver com o Estado. Mas isto quer dizer que não é o
Estado que não é legítimo: todas as formas de convivência não são legítimas no momento, e os
indivíduos mesmos não são legítimos. E isto é um problema daqui, do Brasil. Há a falta total de
modelos confiáveis circulando por aí, que tenham integridade. Qualquer coisa confiável que
apareça é rapidamente destruída. Como pode? Notem que aqui no Brasil você tem outras
condições... Lembrem-se de que no livro "Estado e Revolução " do Lênin afirma-se que as
revoluções acontecem quando os de baixo não querem mais a situação e quando os de cima não
conseguem mais segurá-la. Lendo este livro você percebe que todas as condições ditas
revolucionárias existem aqui no Brasil. Mas porque não acontece a revolução? Por que falta mais
alguma coisa. Toda a revolução tem que ser feita em nome de um valor positivo, aceito como
positivo - mas isto não existe de fato, não existe um único valor que seja aceito como tal. Em
suma: o que acontece no Brasil não é um problema de falta de legitimidade do Estado - é uma
falta de legitimidade de todas as relações humanas, me parece. Além de haver o Estado corrupto,
há o problema da intelectualidade que se opõe ao Estado e que, por sua vez, cultiva filosofias
niilistas. Então, você tem o nada lutando contra o nada. Como é que eu posso fazer uma
revolução? Não existe uma revolução niilista. Tem que haver alguma coisa em que se acredite.
Tem que haver alguma coisa positiva que você afirme contra um estado de coisas. Você tem que
ter um ideal que se oponha ao real. Entretanto, aqui o real está podre e o ideal não existe. Não se
conhece valores positivos. Já falei para muitas platéias diferentes e vi que a mínima afirmação de
qualquer valor positivo suscita a maior estranheza. Não se pode dizer, por exemplo, que se confia
na inteligência humana. Isto é um valor positivo, mas causa uma estranheza imensa. Isto quer
dizer que se você não parte para o negativismo completo as pessoas ficam céticas. Mas se todos
estão negativistas não haverá revolução alguma. Onde todos são negativos, o que vence é a força
da inércia. E o Estado Brasileiro se mantém em pé por inércia. É a maior força que existe. Vejam
que Ele é mais imóvel, mais incompetente e mais pesado do que tudo - é ela (a inércia) quem
gera o poder. Então, em nome de quê você vai condenar a corrupção do Estado? Eis o problema
do PT. O PT é um imenso partido de massas, um dos maiores partidos operários que já houve no
mundo - e ele nada pode.
- Isto porque o pessoal não acredita.
- E não acredita por quê? Porque é dirigido por um bando de intelectuais niilistas que não
acreditam em nada. Sendo assim, o discurso deles é fraco. O movimento proletário no mundo
sempre teve esta mística que girava em torno de certos valores positivos como, por exemplo, o da
solidariedade. Leiam o romance "A Mãe", de Górki: ele pega todas as virtudes cristãs e as
proletariza de certo modo. Diz que as virtudes cristãs não estão nos cristãos, que são capitalistas,
mas que estão nos materialistas, que são proletários e que cultivam a verdadeira fraternidade...
Entretanto, quem é que pode acreditar nisto hoje? Um proleta pode acabar batendo a carteira de
um outro do mesmo modo.
- Eu estive olhando o currículo de algumas pessoas que foram eleitas e deu para saber um pouco
dos motivos pelos quais elas entraram em militância política. O currículo de vários eleitos e
reeleitos era mais ou menos assim: " liderou greve em tal lugar, em outro e em outro ". Ou seja: o
currículo do sujeito é uma negação do funcionamento orgânico das coisas. Cada vez um número
maior de indivíduos com um currículo como esse está no poder.
- Sem contar que uma das estratégias do movimento proletário de esquerda no mundo de hoje foi
feita por Habermas. Ele diz que uma das maneiras de se contestar a sociedade tecno- burocrática
é reinvindicando coisas que, uma vez atendidas, gerarão desequilíbrios maiores ainda. Então, na
hora em que você cria um partido ou uma corrente que está continuamente gerando
desequilíbrios, não adianta atender as reinvindicações bem como deixar de atendê-las. E isto que
é canalizar todo o movimento proletário no sentido destrutivo. Quando se fala na perversão da
razão, vejam que isso não acontece somente na escala do indivíduo mas pode acontecer também
numa escala social. Aqui está acontecendo nitidamente isto. Por isso que os nossos padrões de
sanidade e normalidade são meio confusos - é mais fácil você saber se um europeu é são ou
maluco do que um brasileiro. Entretanto, não adianta você constatar isso e ficar somente como
mais um jogando pedra. É aí que nós temos que seguir Szondi, que diz: "Você tem que ter a
coragem de ser bom mesmo quando todo mundo é mau". Ou seja: você tem que afirmar um valor
positivo, queira ou não queira, gostando ou não gostando, entendendo ou não. Se você, ao afirmar
um valor positivo, vai ser odiado por todo mundo, o que é que se pode fazer? É uma confusão -
mas tem que ser assim, senão você vai jogar mais lenha na fogueira da destruição. Só assim é que
você mantém a coerência consigo mesmo. É a única coisa que é possível, que tem cabimento
fazer. Saibam que toda crítica é em função de algum valor: se não há valor, não há crítica - a não
ser que a crítica mesma passe a ser um valor. Isso é a mesma coisa que você dizer que a fome
daqui em diante será o seu alimento. Mas isso chama-se "úlcera", ou seja, quando você come o
próprio estômago. Sendo assim, quando os únicos valores são vivenciados de maneira irônica,
crítica e contrária, não tendo nenhuma coisa que valha por si mesma, nem a crítica fará sentido. É
a coisa mais paralisante que existe. E é como nós estamos no Brasil de hoje.
Tudo isso que nós estamos explicando a respeito da psique só pode ser compreendido com este
pano de fundo. Isto quer dizer que a possibilidade de você reconstruir uma vida que tomou um
rumo errado se baseia no fato de se apoiar em alguma coisa que haja na sociedade. Mas, se você
não encontrou isto... então, os psicoterapeutas que se virem, que vejam as coisas em torno de um
valor positivo. Entretanto, isto também não resolve pois se o único valor positivo que o sujeito vê
está no psicoterapeuta, então ele transforma esse psicoterapeuta num Deus.
- Para o indivíduo ser feliz a sociedade tem que ter uma certa felicidade coletiva. É uma loucura,
uma alienação afirmar que o indivíduo encontra uma saidinha pessoal pro caso dele.
- Isso não existe de maneira alguma. Na "Etica" de Aristóteles fala-se sobre uma série de
condições para a felicidade humana. Dentre essas, há aquela que versa sobre a necessidade de se
nascer num país antigo. Por que isso? Porque um país antigo é mais fácil de se conhecer e,
portanto, você consegue se orientar mais facilmente nesta sociedade. Qualquer sociedade
européia é muito mais simples do que esta aqui; com algum tempo lá, o indivíduo já entendeu
tudo, já soube quais são as cartas do baralho e por isso fica menos perdido. Ou seja: ele tem mais
soberania perante a sociedade. Entretanto, aqui, não: você vive no meio do caos, numa sociedade
inabarcável. Daí, você não pode agir, você não pode ser feliz. Szondi também falava da família,
ou seja, que a sua história fosse conhecida, que você soubesse de onde veio. Mas, no Brasil,
quem é que sabe? Você consegue remontar até o seu avô, mas daí para trás é um verdadeiro
enigma! Você, de fato, não sabe quais são as pulsões szondianas que estão dentro de você. Você
não sabe quais são as exigências dos seus antepassados.Você consegue remontar até o seu avô,
mas daí para trás é um verdadeiro enigma! Você, de fato, não sabe quais são as pulsões
szondianas que estão dentro de você. Você não sabe quais são as exigências dos seus
antepassados. Portanto, você não pode se posicionar perante elas: nem a favor, nem contra. Isto
quer dizer que se um sujeito, saído de um antigo tronco euroupeu, decidir romper com sua
família, ele saberá com quem está rompendo e onde precisará se definir, isto é, onde ele vai
precisar tapar os buracos. Mas se você rompe com o nada, com o desconhecido, então você está
no ar. Dá para compreender que não dá para ser feliz quando todos os problemas que a sociedade
deveria ter resolvido terá que ser resolvido pela sua cabecinha? Muito provavelmente, numa
sociedade muito complexa, os gênios consigam ser felizes; os outros, não. Essa idéia, então, de se
buscar as soluções individuais... Creio que um certo esforço para uma felicidade coletiva faz
parte da estrutura da felicidade individual - mas isto nesta situação em que nos encontramos. Se
você é um nobre europeu, vá cuidar da sua felicidade pessoal porque, da coletiva, já cuidaram,
fizeram o máximo que dava por ela. Creio que seja viável ele cuidar do seu próprio caso;
entretanto, nesta situação em que nos encontramos é absolutamente inviável.
Aristóteles já fazia a idéia de que a nossa psique tem raiz no coletivo. Ele já sabia disso, mas hoje
em dia nós fazemos de conta que não. Toda a psicologia mundial fala disso mas os indivíduos
não entendem. Parece que não admitem isso, ou seja, que nós só somos indivíduais e pessoais sob
certos aspectos, e que tem muita coisa em nós que não é nós, que se assume como pessoal e que
não é. E vejam uma outra coisa, ainda dentro do raciocínio de Aristóteles: num meio homogêneo,
todo contato humano é mais fácil pois as pessoas se comportam da mesma maneira, teêm os
mesmos códigos, teêm as mesmas convenções, sendo então facílimo estabelecer o contato
humano. Mas... e onde você tem que adivinhar as convenções ocultas, como é que se faz? Eu
tenho que adivinhar, de cada pessoa que conheço, do quê ela gosta e do quê ela não gosta, sem
nunca saber se vou agradar ou não. É uma loucura, não é? E muitas das dificuldades que a gente
tem pra tratar de psicologia é por causa disto. Nós estamos numa sociedade confusa e, por isso,
nós estamos aqui, descascando com muito cuidado esse abacaxi.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 59 - FITA 1 13 JUL 91

É quase impossível ter todas essas sutilezas psicológicas, descritas pelas posiçöes planetárias,
memorizadas na cabeça. Tem coisas que as vezes te ocorrem e que, logo depois, se näo forem
anotadas, somem. Tem coisas que eu falei a meses atrás e que nunca mais vou lembrar. Vejam
quantas posiçöes planetárias säo e a complexidade de cada diagnóstico, de cada retrato. Por isso,
nós temos que organizar um material de consulta. Tudo é de uma sutileza täo grande que, uma
vez que você pegou a pista, você a reconhece sempre. E a sua capacidade de reconhecimento se
testará quando você, pelo comportamento de pessoas conhecidas, for capaz de saber onde está
Saturno no horóscopo delas. Isso näo é difícil. Mas, para tal, você precisa de duas coisas: ou de
uma prática enorme que vai se acumulando ao longo de muitos anos ou de anotar tudo conforme
sugeri. Se você for esperar que a experiência recorde cada uma dessas coisas que eu estou
falando, você vai levar tanto tempo quanto eu levei. Entäo, näo vai adiantar nada. Sobre cada
uma dessas posiçöes planetárias tem uma infinidade de observaçöes; infinidade que eu nunca
nem tentei redigir, porque näo dá. Por enquanto, a memória desse negócio sou eu mesmo. E se eu
estou falando é para que a coisa seja justamente registrada para que, a posteriori, haja um
material para consulta.
Também näo pensem que, com uma certa imagem esquemática obtida numa primeira descriçäo,
vocês estäo sabendo alguma coisa pois essa imagem esquemática você confunde logo com outra.
Eu näo tenho a menor dúvida de que um dos grandes problemas da astrologia é um problema de
expressäo verbal. Ela falha. Por isso mesmo que alguns astrólogos acabam recorrendo a uma
linguagem impressionista e literária, como faz o Barbaut. Mas a descriçäo de tipos sempre
oferece essa dificuldade; em qualquer tipologia, você entra em sutilezas que parecem te escapar a
todo o momento. Se você estuda Szondi, por exemplo, e obtém uma certa prática vendo pessoas
atrás de pessoas, entäo você junta certas palavras correspondentes. Mas quando nós temos que
montar uma estrutura verbal sem a experiência correspondente - que é o que nós estamos fazendo
aqui - para que só mais tarde venhamos a ter a experiência, torna-se um empreendimento quase
que impossível. Entäo, só há um jeito: cada uma das descriçöes tem que ser decorada para que
depois a experiência possa ir te mostrando as correspondências disto aí. Em suma: vocês näo
podem tentar aprender as coisas do mesmo jeito que eu fui aprendendo, isto é, mediante uma
experiência e a crítica da experiência - vocês tem que fazer exatamente o contrário, ou seja, tem
que ter a experiência dirigida.
Vocês väo ter que montar esses esquemas como se estivessem montando personagens para uma
peça. Mas na hora em que você tenta descrevê-los, isto é, na hora em que você tenta
conceptualizar o tipo, você escorrega em dificuldades. E isto por causa do conceito de tipo. Tipo
é uma espécie ou um gênero em relaçäo aos seus membros. Mas, ao mesmo tempo, o tipo é um
indivíduo em relaçäo ao conjunto da humanidade. Entäo, descrever um tipo é como descrever
uma pessoa. E näo existe coisa mais difícil: ou nós caímos na confusäo do que você fala para um
serve para outro ou, ao contrário, a descriçäo dada näo serve nem pra este. Entäo nós temos que
achar índices diferenciadores bastante claros. E como, por outro lado, nós vimos que os traços
característicos näo equivalem a comportamentos, entäo esses índices diferenciadores näo poderäo
ser encontrados ao nível dos fatos mas sim ao nível das constantes de comportamentos, ou
melhor: das chaves do comportamento, dos motivos do comportamento, das causas do
comportamento.
Isto quer dizer que um indivíduo difere do outro astrocaracterologicamente näo pelos seus
comportamentos mas sim pelas causas dos seus comportamentos. Há indivíduos, por exemplo,
que se acham feios; mas existe uma montanha de motivos diferentes pelos quais esses indivíduos
chegaram a tal impressäo. E nós só encontraremos a diferença astrocaracterológica quando
chegarmos nesse ponto. Näo sendo uma tipologia de comportamento mas uma tipologia de
motivos, isto significa que você só consegue diferenciar astrocaracterologicamente os indivíduos
quando você os conhece em profundidade, cada um deles. Näo é como a tipologia de Le Senne
em que se vê alguns comportamentos evidentes mas que, ao nível dos fatos, se diferenciam em
sentimental, passional ou colérico, que têem certas atitudes típicas. A tipologia de Le Senne faz a
abstraçäo das causas - ela näo se interessa por causas. Ela se interessa por reaçöes constantes que
denomina de tendências. Isto quer dizer que estatisticamente o sujeito tende a reagir X % das
vezes de tal maneira enquanto um outro tende a reagir menos de X %. Mas por que é que isto
acontece? Bem, isso aí escapa da caracterologia de Le Senne. No caso do Szondi, por exemplo,
há uma parescença maior com a astrocaracterologia pois ele näo diferencia os tipos por
comportamentos mas sim pelas causas dos comportamentos. Isto quer dizer que o mesmo
comportamento, contrastado com dois resultados diferentes de teste, será explicado
diferentemente, ou seja, conforme um determinado comportamento se mostre, pelo teste, E+ ou
E-, embora seja materialmente o mesmo, será diagnosticado de maneira diferenciada. Por isso
mesmo que a aplicaçäo do teste de Szondi é täo complexa. Do mesmo modo, a diferença de um
indivíduo com Saturno em qualquer uma das Casas näo vai ser encontrada em termos de
comportamento e nem em termos de traços caracterológicos no sentido de Le Senne. É o mesmo
que perguntássemos assim: o teste de Szondi diz a respeito de quê? O teste de Le Senne é a
respeito do quê? E o mapa é a respeito do quê? Nós vamos encontrar três respostas diferentes.
Embora nós tenhamos analisado cada uma dessas caracterologias com certo cuidado, ainda assim
existe a tendência de interpretar um mapa em termos que seriam adequados ao Szondi, Le Senne
ou até a outras caracterologias.
Acontece que a posiçäo mental que você tem que optar para interpretar um mapa é extremamente
incômoda porque você tem que olhar por um determinado lado que näo existe naturalmente. O
caráter, no sentido que nós usamos, näo aparece nunca, ou seja, näo aparece no comportamento.
Sendo assim, precisa-se conhecer o comportamento, remontar às suas motivaçöes profundas e daí
aparecem as diferenças astrocaracterológicas. Sempre que nós quizermos encontrar uma
correspondência direta do mapa no comportamento nós erraremos. É inevitável. Se acertamos,
será por acaso - mas este acerto irá lhe custar caro. É o que ocorrerá quando dissermos, por
exemplo, que um indivíduo com Saturno na Casa II é päo-duro. Você poderá acertar mas näo
estará compreendendo exatamente o que está falando. O que conecta o päo-durismo do sujeito
com o Saturno na II é um fator cultural intermediário e näo a posiçäo planetária em si mesma. É
lógico que estatisticamente, num meio homogêneo, você encontrará X % de indivíduos com
Saturno na II que seräo päo-duros enquanto encontrará outros que seräo exatamente o contrário.
Säo vários os fatores intervenientes. E a verdadeira interpretaçäo astrocaracterológica saltará por
cima deste fator comportamental e irá até as motivaçöes mais profundas do comportamento. A
dificuldade, entäo, para se colocar cada vez nesta posiçäo é que se torna extremamente trabalhoso
o raciocínio do astrólogo. Por isso que a interpretaçäo de um mapa tem que ser feita de maneira
comedida, näo dando para atender de cinco a sete pessoas no mesmo dia. Porque, das duas, uma:
ou você liga no piloto-automático e carimba um tanto de comportamentos ou vai fazer o serviço
tecnicamente correto. Mas para fazer isso você precisa, na sua cabeça, ou mesmo em voz alta,
refazer toda a deduçäo. Entendem por que é täo trabalhoso? E isto caso você queira acertar
mesmo.
Eu näo acredito muito na Astrologia como prática pública. Notem que a Astrologia, para nós, é
um trabalho extremamente demorado e que näo tem jeito, com honestidade, mantendo a
eficiência do negócio, transformá-la numa prática pública para milhares de pessoas. Um mapa
deveria ser um negócio que você passasse dias fazendo aquilo, dias conversando com o cliente e,
naturalmente, teria que cobrar bastante caro. Entäo, se poderia calcular, por exemplo, um mapa
por semana. Mas quanto é que o astrólogo vai cobrar para cada um desses mapas? Uma fortuna!!
Mas o que nós vemos na prática é astrólogo atendendo uma pessoa a cada hora e cobrando algum
dinheiro. Ou seja: vai sair uma porcaria esse serviço. Näo dá para um astrólogo trabalhar nesta
velocidade. A Astrologia sempre foi um trabalho feito para elites: um governante, por exemplo,
tinha um astrólogo que trabalhava para ele. Entäo, se vocês tiverem algum cliente milionário,
tratem de viver por conta dele ... pois näo vai dar para atender muitos clientes. Ou entäo tratem de
viver de outra coisa. Como eu mesmo: vivo de cursos e, algumas vezes, atendo, e com extrema
má vontade. Dá muito trabalho e näo vale a pena. Você vai ter que fazer um esforço monstro:
pensar durante alguns dias, tomar um cuidado enorme com tudo para que, no fim, o sujeito te
pague somente por uma hora de trabalho. Mas como é que nós poderemos fazer para otimizar o
rendimento desta coisa? Talvez num esforço coletivo, codificando a coisa, transformando-a numa
técnica mais padronizada. Mas isso depende de vocês fazerem este negócio. Eu acredito que é
possível melhorar muito esse rendimento, embora eu mesmo até hoje näo tenha conseguido.
Uma vez que tenhamos compreendido as posiçöes de Saturno e Sol em todas as Casas, as outras -
Marte, Júpiter e Lua - seräo muito mais fáceis. Mas essas 24 posiçöes teräo que ser pensadas com
muito cuidado. As descriçöes da psicodinâmica de cada uma delas é uma coisa e a explicaçäo
delas para um cliente é outra completamente diferente. Esse é um problema que nós vamos entrar
mais tarde. Por enquanto, estamos fazendo uma descriçäo de técnicos para técnicos; pode ser
numa linguagem kantiana, escolástica e etc - näo terá importância. Mais tarde você terá que
aprender a traduzir isso aí nos termos que interressam àquele indivíduo em particular e num
sentido que ele possa compreender.
Mas voltemos às posiçöes astrocaracterológicas.
O indivíduo com Saturno na Casa II coloca um intervalo entre ele e o objeto. E esse intervalo é
construído de raciocínios críticos que podem ser de ordem cognitiva - quando o indivíduo
questiona a realidade em torno, ou seja, tem um sentimento de irrealidade do mundo material - ou
de ordem valorativa, no sentido de que o indivíduo pode questionar o valor que aquilo tem, ou
seja, se ele gosta ou näo. Nós podemos também entrar numa outra linha de raciocínio para
explicar o Saturno na II: normalmente, na vida corrente, nós somos todos materialistas. Isto quer
dizer que a referência do que é o real para nós é de ordem material. Das várias posiçöes
filosóficas possíveis - sendo ainda um consenso entre os filósofos - nós podemos dizer que o
homem comum, a näo ser que tenha crenças religiosas que interfiram no meio, é um materialista
espontâneo. Se perguntar a ele o que é a coisa real, ele baterá na coisa sólida mais próxima e dirá:
"real é isso aqui". Real é um muro, o chäo, ou seja, uma coisa sólida. A idéia de solidez, de
resistência material aparece pra ele como sinônima mesma da realidade. Vamos supor que nós
nunca tivéssemos passado dessa fase, ou seja, que nós continuamos materialistas ingênuos. E
continuássemos vivendo com base nessa crença. Aonde nós chegaríamos pelo desenrolar das
coisas? Se só o que existe é material logo você veria que tudo o que existe é evanescente, ou seja,
some. Tudo o que é material acaba. Entäo, o indivíduo que persistisse - e que näo fosse só um
materialista espontâneo como todo mundo é - e que refletidamente aceitasse filosoficamente esta
posiçäo materialista e a afirmasse e continuasse raciocinando a partir dela logo descobriria que o
real é evanescente. Se o único real que existe é material entäo este mundo é uma ilusäo porque
materialmente nada fica como está. O mundo é um contínuo desgaste. Entäo, nós teríamos
saltado do materialismo mais denso e mais sólido pro niilismo mais vazio. Isto quer dizer que
entre um universo cheio de matéria, sólido, resistente e firme, e entre um universo constituido
apenas de vácuo näo haveria distância alguma. E qualquer tentativa desse indivíduo viver
coerentemente e firmemente ancorado na noçäo de substancialidade como sinônimo de
materialidade o levaria ao niilismo. Formar-se-ia um certo tipo de sensibilidade profundamente
melancólica porque o mundo estaria continuamente indo embora.
Quando dizemos substância, entendemos: substância é aquilo que existe materialmente, ou seja,
que tem uma identidade, uma firmeza, uma persistência. Se nós identificamos a substância com a
matéria, ou seja, a substancialidade com a materialidade, entäo chegamos a conclusäo de que a
substância é inconsistente. Isto aí é uma dialética inevitável, tanto que as filosofias materialistas
do passado sempre terminam numa atitude melancólica. Se você avalia o epicurismo, por
exemplo, você percebe que é uma filosofia terrivelmente melancólica pois, quando o indivíduo vê
a evanescência do real, acaba buscando consolo. Vendo que ele também é evanescente - porque
ele também é material, ou seja, que vai acabar e que está caminhando inevitavelmente em direçäo
ao nada - o consolo oferecido pela filosofia epicurista é que, depois de morrer, näo se sente mais
nada. Isto é importante: você näo vai estar mais infeliz. Mas isto näo é só melancólico - é terrível!
Isto quer dizer que eu estou indo em direçäo ao nada e que meu único consolo é que o nada nada
sente! Já no Marxismo se tem uma outra idéia de matéria, isto é, já näo é o materialismo puro. É
um materialismo que já vai se identificar com a idéia de humanidade, de história; entäo, tem
sempre uma saída. Mas no materialismo puro mesmo, que é como o de epicuro e do filósofo
italiano Jaques Molepardi (?), sempre se termina numa terrível melancolia. Isto quer dizer que da
experiência da solidez do mundo material para a experiência da sua vacuidade é apenas um
passo.
Isto que eu estou expondo é um problema filosófico. Eu estou expondo a coisa nos termos em
que ela aparece na filosofia e na cultura. Porém, isso näo aparece só na filosofia e na cultura:
aparece na psique individual também. E para o indivíduo que tem Saturno na Casa II esta é a
vivência fundamental dele. E qual é a diferença fundamental dessa vivência aí para o indivíduo
com Saturno na Casa I? Vejam que eu disse que havia um tipo de experiência humana que em
algum momento todo mundo tem, e que essa evanescência do mundo material - e portanto a
experiência da insubstancialidade do real - decorre necessariamente deste materialismo
espontâneo, de maneira que todos seres humanos tem esta experiência. Por exemplo: nas suas
memórias, Theilhard de Chardin conta que, quando ele era pequeno, a sua mäe lhe tirou um fio
de cabelo para demonstrar o quanto era perigoso ele ficar brincando com a chama de uma vela,
encostando esse fio na chama, que se desintegrou. E ela disse: "se você se encosta aí é isto que
acontece com você". E ele ficou aterrorizado porque naquele instante ele percebeu que ia virar
um nada. E isso deixou uma marca em Theilhard de Chardin a ponto de se lembrar desse episódio
depois de adulto e meditar sobre ela. Mas você näo pode dizer que esta experiência o atrapalhou.
Isto quer dizer que o grande problema filosófico dele näo era esse, isto é, se a matéria era
substancial ou näo. O grande problema dele é o de se a evoluçäo cósmica tem um sentido. Se ele
tivesse Saturno na Casa II ele ia parar por ali mesmo e essa seria a grande pergunta. Para o
indivíduo de Saturno na II essa experiência da evanescência do real, ou seja, da
insubstancialidade do real material é a experiência fundamental da vida. Tudo o que ele fizer
estará marcado por isso. Por quê? Porque a razäo dele tropeça neste ponto e ele de certo modo
exige uma resposta - e isto näo tem resposta. Isso näo tem fundamento. Isso é um dado: é assim.
Mesmo para você poder tentar explicar filosoficamente a coisa tem que, primeiro, aceitar que é
assim. Mas eu digo; e se isso escandaliza a sua inteligência já num primeiro momento? Entäo,
você tem medo de reconhecer que de fato é assim. E, de certo modo, você tem uma necessidade
de provar que näo é assim.
Vocês imaginem entäo o impacto que isso pode ter na cabeça de um garoto de quatro ou cinco
anos. Evidentemente que eu näo posso descrever essa experiência com as mesmas palavras ou
representações que surgem na cabeça do garoto. Eu só posso descrever o seu equivalente
expresso na cultura. Os filósofos e os poetas exprimiram em linguagem poética e filosófica esta
experiência que, para um garoto ou mesmo para um homem feito com Saturno na II, pode ser
uma experiência confusa e inexpressa, quando ela fica mais terrificante ainda. Entäo, tentem me
dizer qual é a diferença entre essa experiência fundamental de um homem com Saturno na II e a
experiência fundamental de um homem com Saturno na I? Ou seja: o que é insubstancial na vida
de um Saturno na I? O "eu" dele e näo a matéria. É como se nós disséssemos que a pergunta de
um Saturno na I está dentro da de um Saturno na II. É evidente: o número 1 está dentro do
número 2. Ele näo chega a formular e a vivenciar profundamente a insubstancialidade da matéria
porque, para prestar atençäo na matéria, o indivíduo já precisaria ter passado por si, ou seja, ele já
precisaria näo ter dúvidas a respeito da substancialidade dele mesmo. Para eu sentir a
insubstancialidade do meu próprio corpo, que é matéria, eu precisaria estar seguro sobre a
substancialidade do meu eu, porque é como se eu perguntasse: "quando este corpo acabar, aonde
irá o meu EU?" Só posso perguntar isso se eu entendo e vivencio este eu como uma coisa
substancial. Mas e se ele mesmo näo chega a ser uma coisa substancial? Entäo a dúvida sobre a
materialidade do mundo fica pra depois. E nem conseguiria formular essa dúvida; a näo ser mais
tarde, filosoficamente, e se estudasse - mas näo é essa a questäo existencial.
Isto quer dizer que cada uma das grandes questöes filosóficas se pöe na existência concreta dos
indivíduos. Alguns chegam a formulá-la filosoficamente, ou de alguma maneira segundo às
formas da cultura que existem - mas para a maioria das pessoas isto é um drama inexpresso. Mais
ainda: o indivíduo pode sentir que isso é um drama pessoal dele e que ninguém mais tem - e daí
tá louquinho. Mas se o indivíduo chegar a compreender que estas säo questöes que toda a
humanidade enfrenta de algum modo, entäo, em primeiro lugar, o problema já se
despersonalizou, já saiu da esfera egotista e se transformou num problema de ordem cultural e
filosófica. Entäo, de certo modo, enobreceu o problema. E você, já näo estando sozinho, está
carregando esta cruz com o restante da humanidade. É este mesmo o processo de cura. Você näo
vai resolver o problema: vai apenas constatar que ele näo é uma questäo para moleques e que, se
está interessado numa resposta, vai ter que fazer o favor de tratá-lo de uma maneira um pouco
mais adequada.
E com Saturno na III, o que é que se torna insubstancial? Evidentemente que eu sou substancial e
as coisas também; näo säo elas que säo questionadas - mas a representaçäo delas pela linguagem,
sim. Ou seja: o que se torna insubstancial é a ligaçäo entre linguagem e coisa. Por exemplo: o que
é que o som "banana" tem a ver com a banana? O que é que me garante que toda vez que eu falar
"banana" as pessoas saberäo que estou me referindo a isto? Aliás, o que é que é "palavra"? É
apenas uma outra palavra. E "outra"? É outro som. Näo existe conexäo entre o sistema da língua
e o sistema dos objetos. Näo existe nenhum. As pessoas com Saturno na III, quando crianças,
geralmente aprendem a falar muito cedo e sabem um monte de palavras - mas é como se o
aprendizado da palavra tivesse ido além do aprendizado das coisas. Entäo a questäo surge: e qual
é a causa eficiente pela qual ela surge? É que o sujeito sabe um monte de palavras e näo sabe as
coisas correspondentes. Ele é colocado numa posiçäo na qual essa pergunta surge quase que
necessariamente. Existe um hiato entre o mundo dos objetos e o mundo da representaçäo desses
objetos que também surge entre duas formas de representaçäo, ou seja, entre a representaçäo
verbal e näo-verbal.
CONTINUAÇÃO DA FITA 1 DA AULA 59 DE 12/06/91.
Vejam: se eu digo a palavra "banana", ela está tão ligada com o objeto banana quanto com à
imagem de banana que eu tenho na minha cabeça - ela não está ligada nem com um e nem com a
outra. Ou seja: eu não posso dizer nem a verdade dos objetos e nem a verdade dos meus
pensamentos porque as palavras não significam nem os objetos e nem as suas imagens - a não ser
que eu queira que elas signifiquem. Portanto, toda a linguagem se apóia num elo que é puramente
voluntário. É terrível você perceber que as palavras só significam tais coisas ou quais coisas
porque se quer que elas signifiquem. Mas parece que os outros também querem: então,
momentaneamente, estamos todos de acordo. Notem que existe uma conexão intrínseca entre a
banana e a cor amarela porque não existe banana cor-de-rosa e nem prateada. Então, as cores
estão coladas aos objetos de uma maneira mais ou menos inseparável, assim como as suas
formas: se uma banana tivesse forma de abacaxi, dificilmente seria uma banana. Então, eu não
posso separá-las, trocá-las. Mas as palavras com que eu os designo podem ser trocadas
facilmente: por que eu não posso chamar uma banana de abacaxi? Se nós convencionarmos que
banana vai se chamar abacaxi, pode. De maneira que a conexão que existe depende do indivíduo.
Ora, eu posso dar a cada coisa o nome que eu quiser e você pode admitir as significações também
se você quiser. Mas se é assim, se tudo depende de um acordo entre as vontades, decorre-se uma
infinidade de consequências:
1) todos nós podemos estar enganados;
2) nós podemos nos enganar uns aos outros quando quisermos.
E isto porque não há conexão entre palavra, fala, linguagem e verdade. Isto gera a
impossibilidade de conhecer e de sentir que se fala a verdade, mesmo quando se fala. Esta é uma
questão filosófica: a questão do fundamento do significado. Mas quando um moleque de cinco
anos aparece com esse problema, o que é que nós vamos fazer com ele, hein? Dizer pra ele ler o
Levi- Strauss, o Socier? Isso, na cabeça de um garoto, é um enigma! Para resolver esta questão -
e todas são resolvíveis; é possivel resolver cada uma delas: mas não com os instrumentos
intelectuais de uma criança de cinco anos e não com os de um homem sem cultura. Você precisa
ser um pouco filósofo para resolvê-la. Ou você vai resolvê-la filosoficamente ou vai esquecê-la.
Existem onze tipos de questão que você se esquece facilmente - enquanto uma outra você só
resolverá se estudar filosofia. A dúvida filosófica é própria do homem - todo homem tem. Todos
homens têm a dúvida filosófica - mas quantos têm a investigação filosófica? Só a investigação
filosófica poderia acalmá-los. Mas quase ninguém se dedica a isto. Então, o sujeito fica
arrastando a sua questão filosófica e transformando-a, traduzindo-a na sua linguagem própria.
Como este sujeito ( de Saturno na III ) não tem a linguagem de conceitos e não se ocupa de
filosofia, ele transforma a linguagem em seus interesses pessoais, isto é, ele equaciona os seus
interesses pessoais segundo o formato daquela questão - e eis, então, que estes interesses pessoais
estão gravemente lesados. O sujeito usa a própria inteligência, a própria razão - que formulou a
questão - como instrumento para se perseguir e para se aprisionar existencialmente num problema
insolúvel. E isto porque ele quer usar a razão - mas ele não quer ser usado por ela. Ele quer que
ela lhe dê alguma coisa mas não quer dar nada para ela. Ou seja: só quando o indivíduo assume a
sua condição de homem racional é que ele começa a ter uma chance de sair disso. Ele precisa
tratar a questão com a dignidade que ela tem. São questões colocadas a todos os homens e que
representam um desafio à razão humana em geral. São questões elevadas e complexas demais
para serem entregues na mão de qualquer um e, no entanto, são entregues na mão de todos. A
fonte da desgraça humana é só isso e, neste sentido, é certo você dizer que o único mal é a
ignorância. Ele não é o único mal mas, na prática, é a raiz de todos os males porque, se não
houvesse esta ignorância, todos os outros problemas que surgem - como conflitos na esfera
afetiva - poderiam ser resolvidos. Mas, para o indivídu o resolver, tem que usar o esquema
racional que ele possui. Mas este esquema racional está lesado porque a pergunta principal já tem
um contrasenso intrínseco; qualquer solução que ele dê a qualquer coisa estará sempre viciada
por este ponto.
Me parece óbvio que não existe nenhum conflito mais grave do que este. Todos os outros
conflitos são, por assim se dizer, conflitos de força, ou seja, de coisas que estão em movimento.
mas este não é um conflito de força: é um conflito estático. Ele não se desenvolve: ele
simplesmente se repete. É como se dissessemos que os outros conflitos são apenas conjunturais,
isto é, apenas fatos que acontecem e que o tempo se incumbe de dissolver. Mas este conflito não
está na esfera dos fatos - está no conflito da própria estrutura do pensamento racional com que ele
tenta enfrentar os fatos. É como se nós perguntássemos: qual a diferença entre um homem que
está no escuro e um cego? O sujeito que está no escuro, quando se fizer dia, ele vai enxergar -
mas e o cego? Vai continuar não enxergando porque o defeito não é a escuridão ambiente - é ele
quem está internamente no escuro. Esta posição de Saturno mostra uma espécie de defeito
constitutivo do esquema racional do indivíduo. Este defeito, na análise, no estudo, e no
posicionamento dele em relação a qualquer situação da vida e do conhecimento sempre repetirá o
mesmo equívoco - a não ser que ele se decida a resolvê-lo primeiro. Mas se chega um indivíduo
com Saturno na II reclamando que não tem dinheiro, como é que você vai convencê-lo de que o
problema dele é uma dúvida filosófica sobre a existência do mundo real? Vai parecer, para ele,
uma coisa muito longe da outra. A não ser que ele tenha um desejo sincero de autoconhecimento
- neste caso, ele pode reconhecer o que está se passando com ele. A maior parte das pessoas está
disposta a aceitar explicações do tipo Freudiana e Reicheana e etc, que sempre vão remeter a
algum fator exterior a ele. Por quê? Porque nós confundimos problemas com crimes; os crimes
sempre tem um autor que é a família,o capitalismo, o passado ou qualquer outra coisa, ou então é
você mesmo. Ou seja: a culpa ou é dos outros ou é sua. Mas, neste caso, não é dos outros e nem
sua - então, é a FATALIDADE. Fatalidade da própria constituição humana.E é isto aí que
ninguém quer ver. Tudo que tem autor é contingente: aconteceu mas poderia não ter acontecido.
O que é contingente nos alivia de certa maneira. Aquilo que tem sempre um culpado é sempre
alguma contingência, um acidente. Mas e aquilo que não tem culpado? A culpa não é de mamãe,
não é de papai, do passado, do capitalismo e também não é minha. É a pergunta: quem é culpado
do drama de Édipo? Você não pode dizer que nem mesmo é o acaso porque o acaso poderia não
acontecer.O de Édipo talvez não pudesse acontecer mas este aqui, sim, porque ele é constitutivo
do ser humano. Na hora que nós aceitamos esse sofrimento como constitutivo do ser humano,
entendemos que temos que carregar essa cruz dignamente como todo mundo. Mas, e se não
aceitamos? E se aquilo que é necessário, nós desejamos tratar como contingente, e desejamos que
tenha uma solução a toda força? Eu digo: não tem solução isso aí! Isso não é para ter solução no
nível em que você colocou o problema.
Imaginem os seres como se eles fossem figuras geométricas: cada figura geométrica é aquilo que
é e está presa então a um conjunto de leis que a definem, ou seja, um conjunto de propriedades
que decorre necessariamente da sua definição. Sendo assim, quantas vezes você somar,
multiplicar e comparar, vai se chegar ao mesmos resultados: a soma dos ângulos internos de um
triângulo - feita de cá pra lá e de lá pra cá - sempre vai dar 180 graus. Não é por acaso. Não é por
que alguém fez dar 180 graus - é porque simplesmente é assim. Está na natureza daquele ser. Este
conflito do homem com a sua própria razão está na sua própria natureza: ele não pode deixar de
tê-lo. Por que o homem - se é de fato um animal racional - é definido por uma espécie de
contradição; contradição, esta, que não lhe cabe resolver a não ser como desenlace final de uma
vida. Essa contradição não pode ser resolvida no começo - se resolve-se no começo, abole-se o
ser humano. Isto quer dizer que a resolução dessa contradição é que é a vida do indivíduo. Se não
houvesse contradição não haveria vida. Se você quer desligar, isto é, separar os dois fios então
você não quer viver: você está recusando a vida. O preço da vida é este sofrimento. O preço da
vida do animal racional é ele arcar com a contradição da animalidade e racionalidade, sem poder
abdicar de nenhuma delas. Da animalidade é evidente que ele não abdica porque seria a mesma
coisa que morrer na mesma hora, ou seja, a vida biológica todo mundo quer. Mas se você quer a
vida animal, isto é, se você diz que a quer já não é só vida animal porque o animal não toma
decisão. A apologia da animalidade é dessas coisas perfeitamente utópicas e que só nos devem
fazer rir. O sujeito diz: o homem deve ser animal, visceral... Quando você vai ver, por trás dessa
visceralidade toda, existe uma elaboração racional complexíssima, e que o sujeito está apenas
disfarçando. Se você for ver o Marques de Sade, existe toda uma lógica embutida que tenta se
disfarçar sob a forma de sangue e fezes; mas eu digo que não tem sangue e nem fezes: tem
silogismos apenas. Por outro lado, se você vê tudo o que o homem fez em termos de
racionalidade, você percebe também que tem o toque animal porque o homem não é
racionalidade pura; o homem nunca é racionalidade pura porque, se assim o fosse, simplesmente
não haveria dados, ou seja, não haveria sobre o que pensar - seria como um programa de
computador sem o próprio computador. Se nós fôssemos razão pura não estaríamos aqui, falando.
Não dá pra desligar. É o que dizia Aristóteles: o Homem é uma fusão inseparável, uma mistura
inseparável da racionalidade e da animalidade. E a separação disso, é o quê? É a morte. Este
conflito, que é o que define o ser humano e que dá a ele o estatuto humano, é o que vai ser
encontrado na Casa onde o indivíduo tem Saturno.
Mais uma vez eu preciso dizer para não se confundir Saturno com a faculdade da razão. Existe
algum elo que faz com que este fenômeno puramente físico da posição de um astro no céu
corresponda para determinado indivíduo com o encontro deste problema. Mas seria contraditório
se este problema, que é de ordem puramente racional, não estivesse por sua vez assinalado por
um indício físico. Isto quer dizer que é um fenômeno de ordem física ( a presença de um planeta
num lugar ) que nos assinala a presenca de um problema que por sua vez não é de ordem física,
não é da ordem da vida animal mas que é da ordem da racionalidade. De maneira que a
racionalidade e a animalidade estão amarradas em algum ponto de modo inseparável. E se estão
amarradas assim no Homem, eu não vejo porque não deveriam estar amarradas também - de
algum modo - na estrutura do mundo físico que nos rodeia. Quando eu digo para vocês que a
astrologia pode ser uma espécie de ponto de encontro de ciências naturais e de ciências humanas
é precisamente disto que eu estou falando. É exatamente como o Saturno no mapa, que parece
uma espécie de cordão umbilical que ata a racionalidade humana com a vida animal. Mas isto é
um mistério tremendo que nós não vamos elucidar agora. Nos temos que primeiramente aprender
a descrever o fenômeno para que no curso dos séculos se descubra como esse Saturno veio parar
aí e como é que ele pode exercer sobre o ser humano uma espécie de efeito físico ao qual ele tem
que responder numa esfera de pensamento racional. Esse é um mistério terrível - mas aqui não é
um curso de mistérios mas um curso de ciência. A ciência não pode negar as perguntas
irrespondíveis - mas ela pode tentar tratá-las metodicamente, isto é, pô-las num caminho onde
cada passo reencontre o seu devido resultado, o seu devido prêmio.
Então, nós não vamos colocar os problemas dos fundamentos, das razões ou das causas disso aí
antes de termos o fenômeno descrito na sua totalidade. E isto baseado no princípio de que antes
do "porquê" tem que ter o "o quê". Nós vimos que é uma das características da mente do homem
vulgar e inculto passar rapidamente sobre o "o quê" e cair direto no "porquê". O número de
porquês que o homem comum levanta é muito grande. Mas ele conhece poucas coisas. É a
disciplina, o estudo que vai fazendo você entender que tem que adiar o porquê e que antes disso
tem um problema mais grave ainda e que na maior parte dos casos, você sabendo o "o quê", o
"porquê" já vem respondido implicitamente.
Raciocinando ainda dentro da mesma linha, qual seria a experiência fundamental para o sujeito
que tem Saturno na IV? Para este, as emoções e os desejos seriam irreais. O que é o desejo? É
uma relação que você tem com uma coisa que não está na sua frente. É uma relação com o
inexistente. A coisa que você deseja age sobre você: você é uma vítima passiva do objeto dos
seus desejos. Você se põe de quatro e de joelhos perante o objeto desejado e, no entanto, ele não
existe. Ele tem um poder que foi você quem lhe deu; se você parar de desejá- lo, ele não terá mais
poder sobre você. Por outro lado, você não consegue deixar de desejar. Então, que raios de
escravidão é essa? Que coisa contraditória...
A experiência imediata de cada uma dessas doze dimensões contém uma contradição que não
pode ser resolvida nos termos da primeira experiência que a define. Vejam que perante a razão,
considerada como o sentido da coerência universal, todas essas doze dimensões são um pouco
irreais: o eu é um pouco irreal, a matéria é um pouco irreal, a significação é um pouco irreal, o
desejo é um pouco irreal. Ou seja: perante a razão nada disto se sustenta integralmente. Tudo isto
tem existência - mas tem uma existência relativa, contingente. Se o Homem não consegue
vivenciar plenamente uma ou todas essas dimensões é porque realmente nenhuma delas pode ter
a plenitude em si mesma.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 59 - FITA 2

(...)
Isto quer dizer que o "eu" do indivíduo é real, havendo criaturas ou não. Ele não precisa de um
"não-eu" para ser "eu". Um "eu" assim, para nós, é inconcebível. Você consegue conceber um
"eu" assim? O seu "eu" pode ser assim? O seu "eu" esteve sem objeto um único instante? Não,
pois na hora em que se questiona ele já se colocou do ponto-de-vista do objeto e contra o "eu" de
certa maneira. Se eu noto, por exemplo, uma contradição em mim, se eu era assim e fiquei
assado, então a palavra "eu" começa a ter um duplo sentido: "eu" como observador constante e
"eu" como figura que mudou, ou seja, um "eu" atemporal" e um "eu" temporal. É evidente que
esse drama vivido por um indivíduo com Saturno na I não tem solução nos termos em que ele
exige. Quanto tempo o indivíduo precisará para crescer e aprender que a existência dele é relativa
à existência de outros? Se uma criança, com todo aquele sentido de onipotência que ela tem
dentro da sua solidão - onde ela se identifica com todo o real, como se o fosse - coloca o
problema do "eu", é evidente que não tem solução. Ela não pode aceitar que o "eu" dela é relativo
porque essa é a única coisa que ela tem. Tanto o "eu" é absoluto que, no começo, ela não sabe
que tem "eu" porque ela está dentro do eu, de certo modo. É como o peixe que está na água: o
"eu" é a própria realidade, o próprio mundo.
Quanto tempo nós precisamos para sabermos que nós não somos o mundo, até chegarmos a plena
consciência da nossa insignificância? A maior parte das pessoas nunca chega, sempre conserva
um resíduo desse senso de onipotência. Volta e meia nós encontramos pessoas que dão até uma
expressão filosófica a uma ilusão de onipotência. Por exemplo, quando o indivíduo fala assim:
"eu tenho a minha verdade e você tem a sua verdade". O que é isto? Isto aí é uma ilusão de
onipotência. De onde você tirou essa sua verdade? Foi alguém que lhe deu? Aonde você leu essa
sua verdade? Você sempre pensou assim ou aprendeu a pensar assim? Se você aprendeu, essa sua
verdade veio de fora. Provavelmente antes de você já havia gente que pensava assim. Então, você
vê que a sua verdade é bem coletiva. Essa é uma ilusão de onipotência. Com um pouco de estudo,
você vê que raramente existe alguma idéia que veio dar na sua cabeça por criação sua - mas
muito raramente. Você está sendo o tempo todo atravessado por correntes de idéias, assim como
fisicamente nós estamos o tempo todo atravessados por milhares de correntes eletromagnéticas
que se parassem de circular o nosso corpo se esfarelaria na mesma hora. Se nós não tivéssemos
dentro do meio cultural e linguístico, onde as pessoas falam e trocam os signos o tempo todo, nós
não conseguiríamos pensar. Então, como é que eu poderia ter a minha verdade se os outros não
me deram nem um pedacinho dela?
A ilusão solipsista é como a ilusão materialista. E a experiência de Saturno na I é uma
experiência solipsista, onde o indivíduo tenta encontrar a sua identidade por referência apenas a
ele mesmo - isto é impossível. Quem sou eu perante mim? Eu digo: nada. O problema do eu só
tem solução por referência ao outro. Como é que eu vou saber quem sou eu se eu não me
posiciono perante os outros? Por exemplo, eu gosto de certas pessoas e não gosto de outras;
certas pessoas para mim são importantes e outras são insignificantes. São informações que eu
tenho a meu respeito e que não poderia obter diretamente de mim mesmo. Estão entendendo
como a presença alheia é constitutiva do nosso eu? O indivíduo que, sozinho na sua sala, perante
o seu espelho, coloca a pergunta " quem sou eu? " , acreditando que ele mesmo pode colocar a
pergunta e oferecer a resposta, está profundamente enganado. A pergunta é irrespondível nestes
termos. Ela só será respondível quando ela for relativizada, ou seja, quando ela for atenuada no
sentido do indivíduo entender que ela coexiste com outras tantas perguntas e que de alguma
forma já se colocou para todos os seres humanos.
A ilusão solipsista, então, é a primeira ilusão: " só eu existo"; a materialista é a segunda ilusão; a
terceira é a ilusão cética, isto é, o ceticismo próprio da impossibilidade de captar qualquer
verdade: é tudo mais ou menos mentira e falso. O cético não contesta a realidade do mundo - este
é o niilista. O cético contesta a realidade do conhecimento que nós temos do mundo. Em suma:
ele contesta a validade da linguagem, do pensamento. Mas ele está iludido. Então, aí nós temos
doze posições filosóficas (falsas) mas justificadas até certo ponto porque elas colocam perguntas
que tem fundamento. E com Saturno na IV, que tipo de ilusão você tem? Vejam que o indivíduo
com Saturno na Casa I está tentando - ele mesmo, sozinho na sua solidão - resolver o problema
da realidade do seu "eu", sem se lembrar que ainda ontem ele não existia e que, portanto, esse
"eu" é emprestado; o indivíduo com Saturno na Casa II está querendo resolver mediante
pensamentos o problema da existência da matéria; o indivíduo com Saturno na Casa III está
usando a linguagem para negar a própria linguagem, ou seja, a linguagem se come a si mesma,
então ele não pode nunca pensar porque cada pensamento que ele faz, faz outro para anulá-lo.
Isto é a ilusão cética. O cético nega que a gente possa saber alguma coisa mas, na hora em que ele
diz isso, acredita que sabe isso, ou seja, que ele sabe que nós não podemos saber nada. Então, das
duas, uma: ou ele disse " sei" e então ele sabe alguma coisa ou então disse "não sei" e então nós
não sabemos se não podemos saber nada.
Cada uma dessas experiências, transformadas e expressas em linguagem filosófica, é facilmente
solúvel porque se mostra sempre auto-contraditória. Mas esta auto-contradição é o vício que o
indivíduo adquire por ter colocado esta pergunta prematuramente. E por que é que ele a coloca
prematuramente? Porque - como dizia René Descartes - todos os problemas que nós temos vem
do fato de nós termos sido criança antes de termos sido adulto. Ser criança é ser inadequado à
medida das coisas. Vejam que no mundo nada foi feito no tamanho da criança. Tudo foi feito no
tamanho do adulto - já pararam para pensar nisso? Então, quando você é criança está inadequado
ao meio físico, e é por isso mesmo que criança tem horror de ser criança e quer rapidamente
crescer, para desfrutar dos benefícios da vida humana que, no entender dela, lhe são negados.
Houve uma época que os educadores diziam: " a criança não é apenas um adulto pequeno, ela
tem algo de específico ". É como se você dissesse que os cachorros se dividem em cachorro-
grande e cachorro-pequeno, sendo cachorros só os grandes e os outros, gatos. É o mesmo que
você dizer que o gato, quando crescer, vai ser cachorro. É um raciocínio do mesmo tipo. Mas a
criança é exatamente um adulto pequeno e nada mais do que isso... Isto quer dizer que o fato de
estar numa fase anterior de crescimento não o faz mudar de espécie.E em que consiste a
educação? Ajudar a criança a tornar- se adulta e a ter paciência com a sua condição de criança. É
a pergunta da Mafalda: " O que me adianta ser grande quando for grande? Quero ser grande
agora!" Então, a criança é um ser mais contraditório ainda do que o homem em geral porque ela
tem essa contradição temporal. Por isso mesmo que essas doze questões filosóficas, colocadas
para crianças, se transformam num drama insolúvel.
Então, qual é a ilusão filosófica do indivíduo que tem Saturno na Casa IV? Vamos nos ater à
palavra "desejo". Acho que ela é melhor. Não é só isso, mas vamos definir por aí porque acho
que é mais fácil. O desejo é uma privação: se eu desejo algo é porque não tenho. Então, o desejo
dói. Mas, ao mesmo tempo, o atendimento do desejo é imaginado por mim como felicidade.
Então, a minha felicidade parece que está na dor. A contradição inerente a idéia de desejo é esta:
desejo é como uma presença de uma coisa faltante, de algo cuja falta ocupa o lugar na sua
ausência. E a sua ausência é preencher uma lacuna. Então, a ilusão que o sujeito tem aí é a de
poder saltar este hiato, ou seja, é a ilusão da felicidade, da plenitude. Por exemplo: se a gente
suprimir todos os desejos, estamos felizes? Não, pois o homem sem desejo não está nem feliz e
nem infeliz. Você diz que alcançou o nirvana: mas no nirvana você é feliz? Não: você é a-feliz.
Porque das duas, uma: ou ele tem aquilo que lhe dá a felicidade ou não tem. Se ele tem, então ele
tem essa felicidade porque ela atendeu a um desejo; então, o instante do atendimento é
dependente do instante da falta. Uma tal coisa me dá a felicidade porque a sua ausência me dava
dor. Se no instante que obtenho algo que eu desejo não me lembro mais que o desejava, o que é
que acontece? Não tem graça nenhuma, não é verdade? Quando eu desejava, não tinha; agora eu
tenho - mas não me lembro mais que desejava. Eu era feliz e não sabia. Isso aí é uma contradição.
Isso quer dizer que a própria noção de desejo, o próprio fato de que o homem tenha desejo é a sua
felicidade e é a sua infelicidade ao mesmo tempo. Essa é uma contradição que todo ser humano
carrega. Mas talvez uma criança pequena acredite que seja possível resolver isso. Na medida em
que ela tenta resolver então ela tenta, por exemplo, ter o desejo do desejo, quer dizer: "se eu
pudesse ter o domínio sobre todos os meus desejos, seria mais ou menos como se eu os atendesse
todos". Mas na hora em que eu procuro ter o domínio já acabou os desejos. Em suma: eu desejava
isto, isto e mais isto, ou seja, tinha vários desejos e sofria por todos eles; então, para me livrar
desse sofrimento, o que é que eu faço? Eu desejo ter a posse e ter o domínio do próprio desejo.
Então, sumiram os objetos e, agora, eu tenho o domínio do desejo; e então eu não desejo mais.
Bom, mas eu estou feliz? Não. Eu me lembro do tempo em que tinha desejo e me lembro de que
aquilo era mais feliz do que meu estado atual - então, eu passo a ter desejo do desejo, e assim por
diante, isto é, termina numa vasta masturbação mental que nunca mais acaba.
Esses problemas filosóficos são inerentes à condição humana de animal racional. Ninguém pode
escapar deles. Portanto, só quem adquire uma consciência de ser animal racional, ou seja, uma
consciência da sua condição humana é quem pode resolver isto aí. Mas acontece que os
indivíduos não tem consciência da condição humana - tem apenas consciência da sua
individualidade. O que é consciência da condição humana? É saber que você é um ser humano a
título pleno, ou seja, se morressem todos os seres humanos e sobrasse somente você, seria
exatamente você o único representante da humanidade perante o cosmos. Nenhum ser humano
está isento da obrigação e da necessidade de arcar plenamente com a consciência dessa sua
condição. Todo animal sabe disso, isto é, um lobo não é meio lobo: é lobo inteiro, e um lobo faz
o que todo lobo faz. Um lobo está em princípio apto para fazer o que os outros lobos fazem,
assim como as vacas e os passarinhos. Mas... e o ser humano? Ele acredita que pode viver por
delegação, por procuração, incumbindo a sociedade humana de ser humana no lugar dele, como
se somando todo mundo junto fosse dar algum resultado. Essa é a saudação coletiva, a ilusão
judaica - o judaísmo foi pras cucuias por conta disso. No judaísmo, nenhum judeu precisa
cumprir a lei. Por quê? Porque a comunidade cumpre: fulano cumpre um pedaço, outro cumpre
outro pedaço e outro cumpre outro pedaço; somando tudo, nós saímos bem. Mas acontece que,
todos os judeus pensando assim, ninguém cumpre nada. Éexatamente assim!
Cada ser humano vai precisar arcar com esse negócio. O que é que representa a idéia de juízo
final? É você estar perante Deus e responder inteiramente, como se fosse o único ser humano.
Então, você é o culpado de tudo. Você responde pela humanidade. Mas, se você tira essa idéia de
juízo final, o que é que acontece? O juízo final é como se fosse um símbolo religioso de uma
situação que todo homem realmente vive. Mas acontece que a maior parte das pessoas não tem
capacidade nem pra pensamento filosófico. Aí, se diz que se precisa do símbolo; mas se tira o
símbolo, o que é que acontece? O indivíduo acredita realmente que tudo é coletivo, que sempre
vai haver divisão de trabalho, que isto existe tanto no céu quanto no inferno, e que a natureza das
coisas também tem essa divisão de trabalho. Então cada um pode fazer somente aquela sua
partezinha, ou seja, ele pode ser como se fosse a espécie sem o gênero. Isso aqui é uma grande
ilusão.
Se atenham a palavra "desejo" para entender então o indivíduo com Saturno na IV. A questão
sobre origens e passado inclusive vai sair daí. A preocupação com origens e passado surge desta
dinâmica que nós estamos descrevendo, isto é, quando o sujeito se lembra do tempo em que ele
tinha desejo. Surge daí o mito da idade de ouro, de quando ele era criancinha e daí ele cria essa
mania de passado. Mas, originariamente, nós podemos dizer que a Casa IV não é a da idéia de
origem e de passado, que já é uma concepção intelectual, mas a de desejo, que é uma experiência
imediata. Com relação ao objeto de desejo, sou eu que projeto nele a sua desejabilidade de certa
maneira, ou seja: ele se torna desejável na medida em que o desejo. E se eu me privo do desejo?
Eu me privo do desejo e do objeto. E se não tenho desejo eu não me movo. E que poder que eu
contestei? O poder de não fazer nada. Se eu desejo um objeto e me movo em direção a ele então
eu tenho um movimento; mas esse movimento não é um poder porque é um movimento que eu
faço em função de um objeto que me atrai. Então, é ele que me domina. E se ao mesmo tempo eu
abdico do desejo, adquiro o poder de não fazer nada, ou seja, estou frito nas duas hipóteses.
Quanto tempo o Homem não precisará evoluir para chegar a uma espécie de acordo com o seu
objeto de desejo, isto é, uma espécie de partilha de poderes? Precisa-se de maturidade para isto,
não é? Isto não é assunto para criança.Tão logo essa questão é colocada pela criança, está armado
o rolo. Na verdade, com relação a Casa IV, seria melhor não explicar em termos de poder que
você tem mas em termos de plenitude, de felicidade, isto é, se você obtem o objeto desejado a
plenitude não é sua pois foi o objeto que te completou. É como se ele te desse a existência. E se
você se priva dele para que ele não tenha mais poder sobre você, saiba: a privação também não é
a felicidade. O sujeito está encurralado... É por isso que a famosa solução budista sempre me
pareceu muito engraçada: " a felicidade se encontra na supressão do desejo". Mas se o sujeito não
tem desejo como é que ele vai saber se é feliz? Ele simplesmente neutralizou o problema da
felicidade. Prometer a felicidade mediante a supressão da busca da felicidade não me parece
solução alguma e sim rejeição do problema. Na verdade, esse negócio do budismo é meio
metafórico, não é bem assim.
Dá pra passar adiante ou é melhor insistir nesses quatro? Bem, vamos voltar a posição de Saturno
na Casa II. Como é que eu comecei a pensar sobre isso, ou melhor, como é que eu formulei o
problema? Eu não falei de uma experiência de base que todos os seres humanos tem? Todo ser
humano é materialista expontâneo. Todo ser humano acha que, se você perguntar para ele o que é
a coisa real, ele instintivamente apontará como sinônimo do real a coisa material. Filosoficamente
falando, o material pode ser apenas um indício do real, e o indício mais evidente. Mas
suponhamos que, ao invés de tomarmos o material apenas como indício do real, o tomássemos
como sinônimo, ou seja, que nós cristalizássemos esse materialismo expontâneo numa atitude
final - o que aconteceria? Esse mundo se tornaria insubstancial. A partir daí fizemos uma
comparação disso com a experiência da insubstancialidade do próprio "eu" e não das coisas; em
seguida, com a insubstancialidade da linguagem, do conhecimento. E que o indivíduo deveria
despersonalizar este problema, começando a tratá-lo como qualquer outro ser humano o trataria,
ou seja, como é que um filósofo sem Saturno na II trataria este problema? Ele tem que achar uma
solução que seja estável e universal. E entender que não é somente com ele que ocorre o negócio.
Na Casa IV nós temos de novo a insubstancialidade do sujeito - mas enquanto sujeito desejante.
Não é a insubstancialidade do sujeito no sentido da Casa I mas é como se nós disséssemos: a
insubstancialidade da alma. A alma como conjunto dos seus desejos, aspirações, sentimentos e
etc. Tudo isso se torna insubstancial, irreal para você. É quase impossível você saber o que deixa
feliz uma pessoa de Saturno na Casa IV.
A dinâmica do desejo é uma dinâmica de movimento e de contradição: nunca pára. Se nunca
pára, não pode ser reduzida a uma fórmula lógica, definitiva; portanto, não há como você
trabalhar logicamente esta questão do desejo e achar uma solução lógica para ela. E isto porque o
desejo é acidentalidade quase pura. Você pode desejar qualquer coisa, e o que você desejar estará
te escravizando naquele momento. E tentar abdicar do desejo é se libertar de fato daquela
escravidão - mas não se liberta da escravidão à privação mesma. É como o escravo que fugisse da
senzala e daí não tivesse mais o que comer: então, ele volta pra senzala com o rabo entre as
pernas... Daí, ele foge de novo, fica na miséria de novo e retorna, ou seja: não tem solução! Para
onde quer que ele vá, está lascado. Isso aí faz parte da condição humana. E o objeto do desejo,
para ser obtido, ele tem que ser obtido depois do desejo: desejo e atendimento não podem ser
simultâneos. Mas se é obtido depois então significa que o desejo que é atendido já não é mais o
mesmo. Ele é um movimento que está em constante mutação. É pura acidentalidade. Ele não faz
o menor sentido.
O que aconteceria se nós decidíssemos aceitar plenamente o desejo? Eu vou me abrir a todos os
desejos que eu tenho: também não dá porque nenhum deles vai durar um único segundo. Então,
se você se abre a todos os desejos, você os neutraliza todos. Então, existe um certo quantum de
privação que é necessário para que o desejo se defina; senão, fica o desejo indefinido, ou seja, é o
desejo de nada. Saturno na IV é terrivelmente infeliz! O sujeito quer racionalizar o acidente.
Notem que a saciedade existe para todos os seres humanos - mas não chega a incomodar a todos.
Quando você está saciado, você pára de pensar naquilo. Porém, se você é um indivíduo com
Saturno na IV, o negócio muda pois o desejo que foi atendido já não é bem aquele desejo que
havia antes.
Vocês estão entendendo que maluquice que é fundamentar tudo no desejo? O desejo é aquilo que
não tem fundamento algum. Ele é acidentalidade mesmo. Para você desejar qualquer coisa, você
pode desejar a qualquer momento e em qualquer lugar. E faz parte da sua estrutura mesma a sua
insatisfação, ou seja: o desejo só tem solução dentro de uma espécie de relatividade e de uma
multiplicidade de acordos que se vai trocando o tempo todo. É como contentar um bando de
crianças: você tem que enganá-las em parte. O desejo, na maior parte dos casos, acaba sendo
enganado. Por quê? Porque é impossível atendê-lo. E porque ele não está ali para ser atendido -
mas para ser enganado. Senão ele morre. Se você o atende, não era bem isso; se você o nega,
você definha. Então o desejo está aí para ser continuamente transformado em desejo de outra
coisa - e é isto que nos mantém em movimento. Com Saturno na IV, o sujeito quer entender qual
é o sistema, o critério, a lei e a regra desse movimento - e não tem regra. E aquilo que não tem
regra, como é que pode ser compreendido? Qual é a forma de razão da acidentalidade? Aquilo
que não tem regra, que é absolutamente aleatório, não pode ser esquematizado racionalmente. Só
existe uma única forma de razão de é compatível com ela e que é a razão narrativa, ou seja,
contar o que aconteceu. A questão das origens surge por conta disso aí: é o senso histórico. A
história é talvez a forma mais elementar de razão que existe depois da quantidade, mesmo porque
a história singulariza o dado. Por isso que as pessoas com Saturno na IV tem uma certa aptidão
para isso. Não existe desejo sem tempo; sentido do tempo, sentido narrativo: é por aí que este
sujeito terá que evoluir. Uma história, por exemplo, que não possa ser compreendida no entanto
pode ser contada. Notem o exemplo kafkiano: não dá pra compreender mas tanto dá pra contar
que o Kafka contou. É o extremo limite, ou melhor, o limite inferior da razão: menos do que isso
ela não pode compreender.
Vejamos um exemplo característico de Saturno na IV e que não esteja na lista que forneci.
Lembro de um: Julius Evola. Ele tinha um talento todo especial para alquimia e magia e de certo
modo era um homem que captava certos movimentos íntimos da natureza em conexão com certos
movimentos íntimos do ser humano. É um mundo irracional, meio maluco mas que ele consegue
de alguma maneira expressar. A alquimia - este "quimia" quer dizer "terra" mesmo. Com Saturno
na IV, o indivíduo seria interessante para estes efeitos. Mas isto é muito genérico... No caso de
Marcel Proust - já que mencionaram - é exatamente o contrário: o passado para ele não é
propriamente um enigma. Esse fundo sentimental não é um enigma. O enigma é exatamente o
contrário: é a sociedade. Como é que este fundo, ou melhor, o mundo interno das várias pessoas
que é tão evidente se articula numa sociedade? Eis Proust na quase sua totalidade.
Existe um habito mental, um vício de tentar enxergar comportamentos de posições astrológicas.
Parem com isso.Não vai dar. Qualquer comportamento pode resultar de qualquer uma dessas;
mas como é que você vai fazer para interpretar esses comportamentos senão em função das
motivações profundas? E é aí mesmo que vai entrar a astrocaracterologia. Por exemplo: você
detecta um não envolvimento pessoal, ou seja, que o sujeito é distante. Agora, você imagina um
sujeito com Saturno na I e outro com Saturno na IV, sendo os dois assim : qual é a diferença?
Vendo, a gente sabe que tem alguma diferença - mas não consegue expressá-la. E o que eu estou
tentando fazer é dar alguns instrumentos conceptuais que lhes permitam expressar isto, e
expressar não literariamente, impressionisticamente mas em termos de tipos. Então, nós diremos
assim: o indivíduo com Saturno na I terá que se distanciar porque ele não sabe quem é ele
mesmo, e estando em dúvida sobre si mesmo é como se ele tivesse rachado em dois. Ele é uma
contradição. E o indivíduo com Saturno na IV, se tiver um comportamento arredio, é por causa de
uma experiência de dor, de felicidade e de infelicidade, de expectativas não cumpridas no
relacionamento humano. Em suma: devemos sempre partir do comportamento que pode ser igual
para buscar a motivação; na hora que você entender qual é a motivação, por exemplo, no caso de
um Saturno na I, poderá ser uma simples dificuldade de como se apresentar. É um problema bem
mais elementar: no primeiro passo dele já está bloqueado. Mas um sujeito com Saturno na IV,
não: a dificuldade é ao mesmo tempo mais profunda e mais ligada aos próprios sentimentos; não
é uma dificuldade diretamente cognitiva como a de um Saturno na I. Tanto que um indivíduo
com Saturno na I pode ser arredio sem a experiência de infelicidade: ele é arredio não porque os
outros o tornam infeliz. Mas com Saturno na IV, não: se o sujeito é arredio, certamente porque é
doloroso conviver com os outros, isto é, porque existe uma frustação, toda uma dialética de
desejo-frustação. Isto quer dizer que sempre vai haver uma motivação sentimental com um
Saturno na IV enquanto que com um Saturno na I não necessariamente. O sujeito com Saturno na
I pode até estar satisfeito com ele mesmo mas isto não lhe resolve nada porque este "eu" com o
qual ele está satisfeito não é real. Ao Saturno na IV é que poderia se referir o termo
"insatisfação".
O drama de Saturno na Casa IV é tornado mais familiar por causa da ênfase na satisfação
individual. Numa sociedade onde não existisse isto aqui, não seria tão familiar assim. A idéia de
que você tem que encontrar felicidade sobre a Terra é uma idéia bastante nova. Em outras
gerações, as pessoas já foram educadas de que essa Terra aqui é um vale de lágrimas e que só vão
se lascar mesmo e que então têem que se preparar para outra vida. Evidentemente que um
problema de Casa IV já não tem essa ênfase que tem hoje. Evidentemente, hoje, as pessoas só
acham que é normal a pessoa feliz, e que o sujeito infeliz é anormal. Se você vê uma pessoa com
problemas, você foge dela porque é como se sofrer fosse um índice de que tem alguma coisa
errada na pessoa. O que é isso aí? Isso aí faz parte da ideologia do mundo burguês. O burguês
tem que ser um cara satisfeito, contente porque só assim é que ele prova que Deus está de bem
com ele. É um pouco o contrário do católico, para quem Deus manda o sofrimento para aqueles
que Ele gosta. O sofredor então é mais prezado do que o homem feliz. Mas, no meio protestante,
é o contrário: como existe a predestinação, ninguém sabe quem são os salvos e quem são os
condenados. A única maneira do sujeito ter alguma segurança é ir bem nessa vida porque daí ele
acha que Deus estará do lado dele. Então, ele tem que ser feliz. E essa mentalidade é do
capitalismo. Isso, hoje, está entrando aqui com toda a força.
Vamos tentar mais um? Com Saturno na V, nós entramos num outro departamento. Não existe
dúvida sobre a identidade inicial, sobre a materialidade do mundo, sobre o conhecimento e a
linguagem ou sobre o que o sujeito deseja: tudo isto está bastante esclarecido para o indivíduo. Só
resta uma dúvida: em que medida o Homem pode ser o sujeito criador dos seus atos? Por
exemplo: eu me coloco em determinado desafio que desejo vencer; aquilo ali vai ser minha auto-
afirmação. Mas acontece que, na hora em que venci o desafio, acabo de ser definido pelo desafio
que venci: fui eu que criativamente implantei a situação ou, ao contrário, fui feito de fora pra
dentro? É o Homem que faz os seus atos ou é o resultado deles que faz o Homem? Por exemplo:
eu entro numa competição de corrida e ganho; teoricamente eu deveria estar satisfeito porque fui
eu o sujeito criador daquela vitória; porém, na hora em que o sujeito pendura a medalha no meu
peito, ele está me constituindo como vencedor - mas e se eu não tivesse vencido, não seria nada?
Cada ato humano tem essa contradição: você o faz e depois de que você o faz você vê que foi ele
que te fez. Você não sabe mais se você foi o sujeito criador - o dono da situação - ou se, ao
contrário, foi a situação que te dominou.
Essas contradições em filosofias se chamam "aporias". Aporia quer dizer: aquilo que não tem
poros, ou seja, é um muro opaco que não tem um único buraquinho por onde se possa passar. É o
supra-sumo da contradição. É uma contradição aporética: não tem solução de maneira alguma.
Para a razão, tudo isso pode ter solução - é para o Homem que não pode ter. O Homem não é
razão e nem animal; se ele fosse ou razão ou animal estava tudo resolvido. Mas ele não é nem
uma coisa e nem outra. Tanto que as aporias se resolvem pela razão. Mas elas não se resolvem na
hora em que você precisa da solução delas. Ou seja: esses problemas, formulados como eu os
estou formulando, não tem solução alguma. Tem solução num outro plano, isto é, trabalhando
filosoficamente você encontra. Mas a solução sempre será conciliatória, dialética. Dialética quer
dizer que as duas partes, os dois dados serão conservados. Por exemplo: a aporia do "eu"; para
você resolver se você é um "eu" substancial ou se você é apenas uma sombra você vai ter que
encontrar um jogo dialético entre a substância e sua sombra, e entender que você é alguma coisa
mas alguma coisa correlativamente ao objeto perante o qual você se posiciona como sujeito. Ou
seja: a realidade do "eu" é coextensiva com a realidade do "não-eu". O "eu" não é substância em-
si e por-si - pelo menos o "eu" humano. Mas posso conceber um "eu" divino que não dependeria
de um "não-eu". Mas aí entraria a velha pergunta: se Deus não precisa de um "não-eu", porque é
que ele fez o mundo? Então, talvez até Deus precise de um "não-eu"... Esse é um outro problema,
uma questão filosófica terrível! Cada uma dessas aporias pode ser solucionada dialeticamente,
mas não logicamente. Não há uma resposta lógica taxativa e unívoca:há uma resposta de mão
dupla em todos os casos. Vai ser necessário um acordo, mas para este acordo será necessário que
a exigência racional seja contrabalançada com a experiência. Somente uma longa experiência
trabalhada pela razão é que pode dar a solução. Mas o problema equacionado e formulado
exclusivamente na sua estrutura lógica direta e brutal não tem solução.
Este que eu estou dizendo, por exemplo: eu sou feito pelos meus atos ou são eles que me fazem?
Evidentemente eu nunca enfrento desafio nenhum e nunca desejo me impor a nada se não é em
última análise para tirar uma dúvida a respeito de mim mesmo. Se eu faço algo, se mostro que
tenho uma capacidade da qual eu não tenho mais nenhuma dúvida, aquilo não contribui para me
definir absolutamente em nada. Por exemplo: eu sei andar. Todos sabem andar. Algum de vocês
tem dúvida de que sabe andar? Não. Então porque é que você não se sente feliz e vitorioso por
conseguir andar? Você diria: ah, isto é um ato mecânico, é um ato habitual e portanto não é um
ato do "eu"; não sou eu que ando, é o corpo que anda: já automatizei. Então, isto não significa
mais nada para você, não lhe dá um feed-back. Todo ato que é verdadeiramente importante para
um "eu" é um ato através do qual ele vai se conhecer e se reconhecer. Então, ele precisa deste ato.
É uma espécie de confirmação de si. Mas na hora em que ele consegue o ato, este ato o define.
Ou seja: quanto mais ele consegue fazer, mais ele ficará em dúvida sobre ele mesmo. As coisas
que você faz por auto-afirmação - e que se você consegue fazer, portanto, você obtem a auto-
afirmação - são imediatamente desvalorizadas tão logo você se dá conta de que as fez por auto-
afirmação. Notem que o auto- aperfeiçoamento implica numa passagem de tempo e portanto
implica numa experiência acumulada. Além do quê, o auto-aperfeiçoamento é fruto da ação
criadora do "eu" ou ao contrário é recebido desde fora? Por exemplo: eu te ensino a fazer algo e
você aprende a fazer isto; o mérito é seu ou é metade do professor? Então, não serve como pura
auto-afirmação. Não é pura: é impura. É meio afirmação minha, meio do outro.Mas o sujeito diz:
bem, agora eu quero fazer algo que seja realmente expressão criadora minha; eu quero ser
criador. Então, invento alguma coisa. E faço. Depois que eu faço, tendo conseguido fazer, aí eu
digo: mas eu fiz só por auto-afirmação. Se eu fiz só por auto-afirmação é porque eu tinha dúvida;
então, ao invés de ser o poderoso criador eu sou é um infeliz moleque tímido cheio de dúvidas a
respeito de mim mesmo.
O indivíduo com Saturno na Casa V não se sente sujeito criador de seus atos, não sente que tem o
domínio dos seus atos. Já não é o "eu" como ser, que é Casa I, mas é o "eu" como agir, criar, o eu
que se expressa em atos. Em termos de Casa V já não existe mais o problema de onipotência, ou
seja, o indivíduo só pode ter uma ilusão de onipotência dentro da esfera puramente imaginativa,
interna; externamente nós sabemos que não somos onipotentes. Todo mundo sabe. Portanto, na
hora em que você deseja fazer um determinado ato é porque você já sabe que é onipotente. Por
isso é que eu digo que onipotência, no fundo, é um problema de Casa IV. Casa V é somente
potência e não onipotência mais. Mas a ilusão aqui não é uma ilusão de onipotência mas uma
ilusão de impotência. O indivíduo não se reconheceu nos seus atos.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 59 - FITA 3 13JUL91 (...)

É uma coisa que particularmente nunca compreendi. Eu não consigo compreender. Consigo
compreender só intelectualmente. Mas, quanto mais você jogar, quanto mais você ganhar, mais
em dúvida você ficará. Você nunca vai saber se foi você quem ganhou ou se foi o outro quem
perdeu.Este é um problema de Saturno na V. Eles são grande jogadores. Se você for no Clube de
Xadrês de São Paulo, você vai ver que os maiores malucos são os jogadores de Saturno na V.
Mas, com Sol na V, você tem a compreensão intuitiva disso aí, ou melhor, em cada jogo em
particular dará para saber intuitivamente se foi você que ganhou ou que perdeu - mas neste jogo
em particular. Mas e se eu quiser analisar, tirar uma conclusão final? Aí, não dará. Quando a
pergunta é generalizada é que surge o drama. Porque o fato de ter ganho neste jogo por
habilidade não quer dizer que o fator decisivo da vitória seja a habilidade sempre. O que é que faz
do homem um vencedor, o dominador da situação? Ou o sujeito criador dos seus atos? É esta
pergunta que o indivíduo com Saturno na V coloca. Este indivíduo pode também dizer que tem
uma habilidade mas que ela não é dele: é adquirida, é uma coisa externa. Este indivíduo pode
fazer um monte de perguntas a esse respeito e cada uma introduz uma cunha, um corte, uma
ruptura entre o "eu" e seu ato. Mas a dúvida não retroage sobre a substância do "eu", que é tema
de Casa I. O "eu" continua a existir. Mas em que medida que este "eu" que de fato existe (Casa I)
e que existe num mundo real (Casa II), conhece algo (Casa III), sente e deseja (Casa IV) e do
qual eu sei estas quatro coisas pode agir e ser o sujeito criador dos seus atos? Em que medida nós
fazemos alguma coisa ou somos apenas feitos? Em suma: em que medida somos verdadeiramente
sujeitos ou somos apenas objetos? Eis o problema de Saturno na V: "até hoje ninguém sabe quem
morreu; eu garanto que foi ele e ele garante que fui eu" !
Essas doze posições de Saturno são doze aporias filosóficas. E se você souber resolvê-las
filosoficamente ... Mas o sujeito está tentando resolver por um método experimental um
problema puramente teórico. No fundo, este é o problema de Saturno em qualquer uma das
Casas: o indivíduo tenta resolver na vida um problema que não está na vida. Fitche, um grande
filósofo, dizia a seguinte frase que era para pensar: " Filosofar é não viver. Viver é não
filosofar".Ou seja: você está tentando resolver na vida um problema filosófico. Você está
confundindo a teoria com a prática. Mas acontece que a teoria tem a sua exigência: ela chama o
homem. O homem não pode viver totalmente no mundo prático. Ele tem um aspecto teorético
que é inerente à condição humana - mas ele renega! Por que é que ele renega? Porque tem o
desejo desgraçado de ser feliz, ele tem pressa de ser feliz. Ele acha que se jogando direto na vida
prática ele vai encontrar, quando na realidade deveria fazer o contrário: teria que recuar, meditar;
teria que não-viver. Vamos citar o evangelho: " quanto mais você quer a vida, mais você a
perde". Alma é vida - no hebraico, "nohayath" (?) é vida. Então, " Aqueles que querem conservar
sua alma..." e " Aquele que quer a vida, perde;aquele que desiste dela, ganha " querem dizer que
filosofar é não-viver? Sim. Mas, aí, é filosofando que você vive. Mas se você diz: " ah, então,
agora, eu só vou filosofar". Eu digo: " Mas você vai filosofar sobre o quê?"
Não tem saída: pra onde quer que você se vire, o homem é um animal racional. Ele é o filósofo
vivente. A razão é quem introduz o indivíduo, por assim dizer, no gênero ao qual ele pertence;
daí que os problemas suscitados pela razão mesma só podem ser resolvidos fora do âmbito
particular dele. A razão é a faculdade possuída igualmente por todos os seres humanos. O que é
válido para mim, para minha razão, é válido para sua razão. Mas ... e na esfera animal, na esfera
da vida? A minha vida não é a sua vida: se você morre, eu continuo vivo; se dói o seu dente, o
meu não dói nada. Mas se eu somo dois mais dois e dá quatro, pra você também dá - estão
compreendendo a diferença entre razão e vida? Aquilo que eu sinto você não sente
necessariamente. O sentimento só existe na hora em que eu o sinto e na hora em que alguém
concretamente o sente. Mas eu pergunto: " E uma verdade racional?" Ela é verdade quando você
pensa e quando você não pensa. No tempo em que ninguém conhecia o teorema de Pitágoras, no
tempo do Homem de Neanderthal a soma dos quadrados dos catetos já não dava o quadrado da
hipotenusa? E depois que desaparecer o último homem sobre a Terra? Continuará dando. Isto
quer dizer que entre a esfera da vida, da experiência e a esfera da razão existe um abismo. E
quem transpõe esse abismo? O Homem é a conexão entre esses abismos. E é a única conexão que
existe entre a animalidade e a racionalidade, ou entre o singular e o universal.
Cada posição saturnina corresponde a uma aporia filosófica que trabalhada por uma mente
inexperiente e preguiçosa vai virar um drama existencial insolúvel. Este drama é, no fundo, o
disfarce de uma aporia lógica que vai introduzir no sistema lógico do indivíduo um vício. Este
vício reaparecerá todas as vezes que ele pensar sobre qualquer coisa. Esse vício é o quê? É a
ilusão, vamos dizer, solipsista: "só eu existo e portanto o "eu" também não existe"; ou é a ilusão
materialista: " só existe a matéria e portanto a matéria também não existe " - e assim por diante.
São vícios de constituição do esquema lógico que se repetirão infindavelmente. Dá para corrigir -
lógico que dá! Mas só dá pra corrigir se você tiver a bondade de desenvolver a sua inteligência de
maneira que ela se torne apta a trabalhar com este problema - o que não quer dizer que o sujeito,
sendo filósofo, vai resolver. Isto porque ele pode filosofar sobre outros problemas, e pode até
evitar criteriosamente este porque este o incomoda. Senão todos os alunos de faculdade de
filosofia seriam um primor de equilíbrio - coisa que não são absolutamente. Na Usp,
particularmente, se dá pra virar um racional puro: você vai ter que filosofar igualzinho aos outros
filosofam e qualquer coisa que você ponha ali, partindo da sua realidade pessoal, já não poderá
mais filosofar. Em suma: o sujeito é um filósofo do terceiro andar pra cima e do segundo pra
baixo é um jumento. Particularmente, se você aprender filosofia, como se diz, de fora pra dentro,
e aprende filosofia antiga, medieval, lógica, epistemologia e etc e nunca coloca um único
problema real então você fica com toda a parafernália do equipamento filosófico, não sabendo
onde usar isto. Eis o típico filósofo uspiano. Lembrem-se de que Platão não aceitava aluno com
menos de trinta anos, ou seja: se você não tem experiência, vai filosofar sobre o quê? Você vê
que em toda a história humana você não encontra - nos gênios de música, da matemática e da
pintura - um único filósofo precoce. Não tem um fílósofo com a idade em torno dos dezoito anos.
Isso não é coincidência. Existe a genialidade mas ninguém que possa deixar uma grande obra que
se perpetue. Percebe-se os temas filosóficos que os filósofos precoces levantam, e é claro: a
pergunta filosófica geralmente surge numa idade precoce. Mas eu digo: e a solução? A solução é
uma vida.
Não estamos supondo aqui que o estudo da filosofia vai te curar. Todo mundo tem que ser
filósofo - mas filósofo sobre aquilo que realmente lhe interessa. Fora disso, você pode filosofar
sobre um milhão de coisas. Mas não estará resolvendo nada. Pior: estará complicando mais ainda.
Se você não coloca a questão que é decisiva, não adianta nada. Vejam que a estrutura das
faculdades de filosofia no mundo inteiro, sem excessão, não está para formar filósofos: não dá.
Para formar filófosos você teria que estudar com um único filósofo, o mesmo, durante vinte anos.
Aristóteles ficou dezoito anos, o dia inteiro, estudando na academia platônica. Aí, sim, alguém te
formou como filósofo. O ensino de filosofia deveria ser assim. Quando não tem nenhum filósofo
vivo, é proibido então ensinar filosofia. Deveria ser assim no meu modesto entender. Você vai
ensinar filosofia a partir da filosofia vivente, ou seja, do sujeito que existe, do filósofo que existe
e que é capaz de filosofar. Isto porque o sujeito que apenas informa o que o outro filosofava está
ensinando a não-filosofia. Até para interpretar a filosofia de um outro você precisa filosofar pois
interpretar significa revivê- la, isto é, refazê-la todinha de novo desde o seu próprio ponto de
vista. É extremamente difícil você compreender qualquer filosofia. Então, o indivíduo que não
tem uma atividade filosófica pessoal não compreende nem a do vizinho. Essa é uma cota de
filosofia que todo o ser humano necessita. Dessa cota ele não pode fugir de jeito nenhum.
Por isso, tenham paciência com estas coisas. Estas posições de Saturno tem que ser
compreendidas definitivamente. Isto não quer dizer que vocês tenham que saber explicá-las tão
logo alguém aperte o botão como vocês vivem comigo. Também acontece que as expressões
usadas se gastam, ou seja, cada vez que você vai explicar parece que cai num estereótipo. E não
pode ser assim: tem que ser uma explicação livre, que corresponda a alguma intuição real que
você está tendo neste momento. Isto quer dizer que decorar fórmula também não resolve: é
preciso saber trabalhá-la novamente, novamente e novamente. Este é o aspecto criador da
astrologia e, como toda atividade criadora, dá muito trabalho. É que nem aprender a tocar piano:
você já sabe a partitura mas isto não basta para que você toque bem; é preciso que, na hora, você
preste uma baita atenção e dê tudo o que tem - a interpretação astrológica é assim. Ela é uma
interpretação no mesmo sentido em que uma interpretação do pianista. Você sabe a regra, a
fórmula toda - mas isto é a mesma coisa que não saber nada.
E vocês queriam que eu chegasse no Saturno na XII, hein?
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 60 - FITA 1 14 JUL 91

A arte da narrativa näo foi inventada ontem. Ela tem alguns milênios. Nesses milênios se
consolidaram esquemas. Quando você resume bem uma história, o extremo resumo chama-se
fábula. As várias fábulas säo esquemáticas, ou seja, figuram situaçöes típicas que se chamam
"topos". Se você quer mesmo entender uma narrativa, você tem que ver todos os topos, esquemas
e fábulas que nela existem e somente depois encaixar dentro disso o estudo dos simbolismos
existentes. Vejam que é todo um procedimento científico mesmo. Fazendo isto com o filme O
SILENCIO DOS INOCENTES, ficamos geralmente espantados com a riqueza e perfeiçäo da
obra. Ela chama atençäo, evidentemente, pelo assunto pois o tema do canibalismo impressiona.
Mas ela impressiona por uma outra coisa completamente diferente. Com canibalismo e tudo, é
uma obra de enorme valor, muito mais do que as pessoas já perceberam. Creio que isso dá pra
demonstrar facilmente, e é o que pretendo com a palestra a ser realizada com uma carga horária
de seis horas. Evidentemente, sempre vai ter uma ligaçäo de esquemas astrológicos com o
aspecto do simbolismo em questäo pois o simbolismo é um só. Existe um aspecto de simbolismo,
de mitologia comparada que também entra na análise do filme. Aliás, é impossível você analisar
qualquer narrativa sem isso. Todas as narrativas, em última análise, remetem a estes esquemas e
fábulas que väo sair da onde? Em última análise, de narrativas míticas muito antigas.
Praticamente näo existem narrativas novas: existem combinaçöes de esquemas. Como os
esquemas säo muito numerosos e as maneiras de combiná-los também, as pessoas se perdem.
Sendo assim, se você näo consegue remeter a obra aos esquemas de onde ela provém, ela às
vezes lhe parece mais nova do que é. Mais nova e, portanto, mais esquisita, isto é, menos
compreensível. Mas a análise da crítica brasileira foi parar bem longe disso aí. Partiram para
análises psico-analíticas. Análise psico-analítica em obra de arte, desde 1930, já se sabe que näo
há mais frutos, sendo completamente abandonada no campo de estudos literários. Mas, no Brasil,
é o único lugar em que se acredita ainda nisto aí, assim como é o último país espírita e muito
provavelmente o último país a ser comunista. É o último país em que se acha que psicanalisar
personagem de ficçäo é a mesma coisa que psicanalisar gente. É um pouco de realismo ingênuo
pois se trata aquele personagem como se ele fosse uma pessoa, näo entendendo que ele é um
esquema inventado por um ser humano. Nenhum personagem de ficçäo tem motivaçöes, paixöes
e caráter, pelo simples fato de que quem tem isso é gente. Personagem de ficçäo, que eu saiba,
tem esquemas, fábulas, símbolos e topos pois ele se compöe disto. É um ser composto de
palavras. Psicanalisar uma obra de arte é mais ou menos o mesmo que submeter uma análise
fisiológica à fotografia de uma animal: ah, vamos ver a dosagem sanguínea da fotografia de um
elefante. É mais ou menos o mesmo.
Quando se analisa as fábulas, os esquemas, tentando relacioná-los com os símbolos particulares
usados na obra, ou seja, tentando levantar a relaçäo dos símbolos com o macro- símbolo, que é a
estrutura completa, é que se percebe se a obra de arte fica em pé ou näo. Na maior parte dos
casos, quando você faz isso, percebe-se que a obra näo tem harmonia e que é uma coisa um
pouco forjada. Mas com o SILENCIO DOS INOCENTES, näo: pra onde quer que você o vire,
você encontra consistência. A obra de arte autêntica tem um tipo de coerência mágica que a
análise näo "fura": quanto mais você a analisa, mais ela se mostra inalisável, ao passo que a obra
mais falha se desmonta em pedaços separados diante do poder da análise.
Analisar astrocaracterologicamente personagens de ficçäo é absurdo. Você pode psicanalisar ou
fazer uma análise astrocaracterológica de um personagem histórico na medida onde sempre será
possível descobrir novos dados a respeito dele. Ou seja: a hipótese que você lançou sobre as duas
primeiras biografias lidas, poderäo ser confirmadas ou näo com a leitura das seguintes. Partindo,
entretanto, sempre do princípio de que as informaçöes seräo sempre menos ricas do que a vida.
Näo existe informaçäo sobre tudo o que o sujeito fez ou pensou. Por tudo isso é que se mostra
válido uma análise astrocaracterológica. Se você pega um romance cujos personagens remetem a
uma certa tipologia, é provável que se estabeleça algum tipo de correspondência entre eles - mas
somente isso. Personagens de ficçäo näo tem caráter, näo retratam um indivíduo inteiro pois säo
apenas um ângulo de visäo, uma perspectiva do autor que os criou.
As pessoas näo tem idéia de que a obra de arte é uma representaçäo e näo uma apresentaçäo, isto
é, algo que está acontecendo. É um espetáculo, é só para ser olhado e näo para ser vivido. É para
ser comtemplado. Por exemplo: se o poeta descreve a dor de dente dele, isto näo provoca dor de
dente em você. A obra de arte nunca te dá uma vivência real: ela dá uma vivência espiritual,
comtemplativa. Você näo tem os sentimentos que os personagens envolvidos tinham - você tem a
contemplaçäo daqueles sentimentos. Percebam que isto aqui é o mobral da arte. Mas cem por
cento dos brasileiros, inclusive os críticos, näo sabem disso. Näo tem o estudo teórico, o
conhecimento científico do que é a teoria da arte. E sempre confundem a arte com a vida.
A análise psicolígica de qualquer obra de arte só pode ser feita de modo metafórico. A psicologia
näo trata de seres irreais: ela trata do ser humano. Ao passo que os personagens de ficçäo säo
esquemas irreais que podem, em alguns casos, ser modelados sob aspectos da realidade empírica
conhecida pelo artista mas que, de qualquer modo, independem dela. Tanto é que determinadas
situaçöes sociais retratadas em romances do século passado já näo existem mais enquanto a sua
representaçäo simbólica continua, tendo que ser compreensível independentemente até mesmo
das suas fontes. Ou seja: aquela estrutura de símbolos, que é a obra de arte, continua. Ela tem que
poder ser compreensível independentemente da realidade de onde foi extraída como modelo.
O que é contemplar um sentimento? Näo é a mesma coisa que senti-lo. Se eu vejo uma pessoa
que está sofrendo por causa de um acidente, eu olho aquilo e sinto compaixäo e näo uma dor na
perna. Quem sente a dor na perna é ele. O sentimento do expectador é diferente do sentimento do
personagem: você näo tem que participar dele. O sentimento contemplado é, às vezes, justamente
o contrário, ou seja, você contempla o sentimento na medida em que näo participa dele, na
medida em que ele te produz estranheza. Em "Mackbeth" você vê aquela ambiçäo cega que näo
hesita diante de nada e que recorre aos piores meios para alcançar os seus objetivos. Mas você
näo participa deste sentimento - tanto é que nem gosta dele. Mas você pode contemplá-lo, pode
olhá-lo. Ou seja: mesmo a peça que te emociona, ela te emociona contemplativamente e näo
vivencialmente. Uma coisa da qual você pudesse participar vivencialmente näo seria um
"espetáculo" pois "espetáculo" é justamente uma coisa para se olhar. Alias, o Wood Alen fez a
sátira do espectador moderno que vivencia mais realisticamente o que se passa na tela do que a
vida dele mesmo. O que é a protagonista desse seu filme A Rosa Púrpura do Cairo? É uma
mocinha bobinha. Mas aqui näo säo as mocinhas bobinhas: säo os próprios críticos de arte, os
professores!
Partindo do princípio de que você tenha a contemplaçäo ou a participaçäo contemplativa,
evidentemente que ela pode ser de dois gêneros: compassiva ou crítica. Mas, em todo o caso,
vivencial e direta ela nunca poderá ser. E se isso näo é levado em conta entäo você está
confundindo o que é uma representaçäo da realidade com o que é a realidade mesma. Isso é a
mesmíssima coisa que, no restaurante, você comer o cardápio ao invés de pedir a comida. Ele é
uma representaçäo perfeita de tudo que existe na cozinha - täo perfeita que quase dá para comer!
Lembrem-se de que Aristóteles definia a arte como uma imitaçäo. Mas todo mundo entendia isso
no sentido de que a arte tinha que ser realista. Mas ele dizia que a imitaçäo era: 1) modelada
sobre alguma coisa; 2) näo era essa coisa. Tem uma parte da estrutura da imitaçäo que depende
da coisa que ela imita e outra que depende da sua própria regra constitutiva, que näo tem nada a
ver com a coisa. Se eu imito uma emoçäo em palavras, percebam que a emoçäo propriamente näo
se compöe de palavras, e que ela pode ser acompanhada de palavras também. Mas existe uma
emoçäo sem uma tensäo muscular, sem uma alteraçäo da pressäo sanguínea? Näo existe. Ou seja:
a emoçäo é um estado físico também. Se eu decido imitá-la em palavras, eu näo posso imitá-las
com toda a estrutura real que tem a emoçäo, que é uma estrutura, por assim dizer, espacial-
temporal. Entäo, eu vou imitar somente a equivalência estrutural dela numa certa modalidade de
representaçäo que, no caso, é a gramática. A emoçäo obedece as leis da fisiologia, da psicologia e
etc mas a representaçäo da emoçäo larga de lado, por exemplo, essas leis e começa a obedecer as
leis da gramática e da semântica. Pelo que a representaçäo escrita tem que ter com a emoçäo, ela
segue mais ou menos os esquemas da emoçäo; mas, por outro lado, ela é palavra e por isso está
vinculada a um outro esquema, que é a gramática. A imitaçäo em parte é a coisa imitada e em
parte é outra coisa que tem as suas próprias leis. Qual é o elemento propriamente artístico aí?
Somente este último. O que é artístico numa obra näo é a sua referência tal ou qual a um objeto
externo mas a sua própria constituiçäo porque ela também é um objeto. Tanto é assim que pode
haver uma obra de arte que näo imita coisa alguma - a arte abstrata näo imita nada, ou melhor: ela
imita possibilidades de concepçäo de formas.
Isso aí é uma coisa que todo mundo deveria saber. Isso deveria ser ensinado no ginásio para,
quando o sujeito chegar aos 16 anos, estar apto para conhecer as obras de arte. Mas isto näo é
ensinado no ginásio, nem na faculdade e nem em parte alguma. Em suma: daqui a pouco você vê
um indivíduo fazendo uma análise linguística ou psicológica de uma obra de arte enquanto nem
mesmo ele a viu, näo sabendo inclusive a diferença entre ela e a vida. Notem que a própria
geraçäo de um ser humano faz parte da fisiologia. Por isso é que essa idéia de se transpor o limite
da arte ou da natureza pode ser comparada a um cachorro querendo morder o seu próprio rabo. É
utópico. Por exemplo: eu näo posso dizer que um elefante seja minha obra de arte pois näo fui eu
quem o fez. Mas a obra de arte pode consistir em se trazer o elefante e expô-lo: essa é uma forma
cabível com que o artista tratou de representar seu objeto. Mas a matéria - o elefante - ele mesmo
näo poderá jamais gerar. A única coisa que poderia ter de arte aí é o ato mesmo de expor o
elefante - mas näo o elefante mesmo.
A arte é tudo aquilo que é feito pelo homem. Tudo aquilo que, na arte, näo foi feito, näo é arte.
Arte é aquilo que você faz com aquilo que você encontra. Hoje em dia existe esse sentido irônico
em certas correntes de arte. Elas deslocaram o sentido da obra. É o que ocorre quando o próprio
conjunto de atos do sujeito se submete a ser apreciado e näo a matéria propriamente dita. Mas por
que isso ocorre? Por causa de debates internos dentro daquela arte. Os artistas já näo sabem mais
o que fazer e por isso apelam, ou melhor, se deslocam dramaticamente para fora da sua arte e
emprestam leis de uma outra. É o que ocorre quando o pintor resolve dar alguma encenaçäo à
obra plástica: ele está fazendo teatro e näo sabe. Pois, de plástico, aquela obra quase já näo tem
mais nada. É evidente que aquilo näo é obra plástica pois obedece a outras leis completamente
diferentes. É teatro. Pelo o que eu saiba, o artista plástico é o sujeito que faz quadros e esculturas
e que por isso mesmo está limitado pelos instrumentos que ele usa. Mas se ele decide apelar por
um outro instrumento que näo tenha aquelas limitaçöes, significa que ele mudou de gênero. Ele
está falando num outro código. Na hora em que você muda o instrumento, você muda a
linguagem. Se você usa um instrumento para fazer de conta que está falando por um outro, você
está usando uma linguagem irônica. A idéia de você fazer uma coisa que chama de arte plástica
mas que, no fundo, é teatro, provoca uma espécie de reaçäo pois säo truques que os artistas às
vezes usam para despertar as intuiçöes num público cansado. Do mesmo modo, uma obra que näo
possa ser compreendida em termos de significaçäo verbal evidentemente näo é literária mas, se
ela se diz assim, deve estar usando um outro esquema e ironicamente se apresentando como
literária. De qualquer modo, quando a arte chega numa crise, quando o artista näo tem mais nada
o que fazer, entäo só resta fazer o velho.
Mas a primeira providência que o espectador tem que tomar é saber reconhecer o que é que ele
está olhando. Afinal, ele foi até ali pra olhar um pinico ou outra coisa näo täo evidente? Pinico
ele já sabe o que é. Mas há ali também uma outra coisa: há um ato humano. Ou seja: o artista
colocou o pinico num lugar onde ele näo costuma estar e obedecendo uma funçäo que ele
normalmente näo tem - é esta a obra de arte. Crie a opiniäo que se quiser - mas crie sobre isto,
que näo é sobre o pinico propriamente dito.
Todas essas coisas aí, hoje em dia, estäo muito confusas. Por isso tudo o que se estuda em
psicologia e astrocaracterologia näo deve ser puxado para a obra de arte porque senäo vocês väo
se dar muito mal. Vocês väo analisar personagens, mas personagens reais, que tenham essa
inesgotabilidade do personagem real, sobre o qual sempre é possível obter mais alguma
informaçäo. Ao passo que a característica fundamental do personagem de ficçäo é que ele está
fechado. Fechada a obra, näo se diz mais uma palavra a respeito. E se você tirar uma única
palavra, você estará mutilando a obra. Mas qual de nós é assim, ou melhor, sobre qual de nós
podemos dizer tudo sabível e fechar dentro dum livro, botando um ponto final? Nada mais
faltaria a dizer sobre esse indivíduo? Nada também poderia ser acrescentado? Pode-se dizer que
aí está todo o indivíduo, tudo, e que näo há nada mais do que isso? Isso é absolutamente
impossível. No entanto, tudo o que havia a se narrar sobre o Dom Quixote está encerrado dentro
das duas capas do livro a que ele pertence. E se você decidir fazer uma continuaçäo - como
Miguel de Unamuno o fez quatro séculos depois - será um outro livro completamente diferente,
contado por outro sujeito, com outro intuito.
É claro que estes esquemas que nós estamos dando podem apresentar analogias com personagens.
Mas näo se esqueçam também de uma outra coisa: o que é apresentado de dentro do personagem
de ficçäo é uma seleçäo. E essa seleçäo é proposital para destacar a forma dos atos, dos estados,
ou seja: a forma do tipo. Ao passo que o que nós vemos na vida real näo säo atos selecionados.
Eu näo vou agir de maneira coerente para que transpareça o meu caráter e facilite o trabalho do
caracterólogo. Ninguém faz isso. Isto quer dizer que os atos aparecem misturados: existem atos
que säo quase que a expressäo direta do caráter, outros que säo a expressäo indireta, outros que
säo uma expressäo travestida, outros que säo uma expressäo quase evanescente e outros que
NÄO SÄO EXPRESSÄO DO CARATER, de maneira alguma, isto é, traços perfeitamente
impessoais. Por exemplo: qualquer pessoa que recebe uma martelada na cabeça desmaia - mas a
que traço caracterológico corresponde isso? Näo corresponde a nenhum traço caracterológico e
sim a fisiologia humana. Portanto, é impessoal. E na ficçäo? A näo ser que haja um propósito
deliberado de despersonalizar o personagem, ele será mostrado somente nos momentos
significativos para, com isto, realçar a forma ou do seu caráter ou do seu estado de consciência e
etc. Portanto, você extrair tipos de personagens de ficçäo é covardia. Sobretudo, se você pega
autores que säo especialistas em fazer desenho de caracteres como, por exemplo, Eça de Queiroz:
com duas páginas, ele lapidou um caráter que fica inconfundível. Entäo, ele já te deu o tipo. Você
vai fazer o que, entäo? A caracterologia do caráter que já está lá exposto? Só faltaria mencionar
na beira da página que ele é colérico ou passional, que tem Saturno na Casa tal e que no Szondi é
o tipo "x"!! Por isso mesmo que o que vocês tem de um personagem de ficçäo já é um retrato de
caráter. Entäo, näo tem que ser submetido a análise caracterológica. Em outros casos, ele pode ser
um retrato de um estado de consciência. Ao passo que as pessoas reais, näo: as açöes que säo
caracterologicamente significativas vem misturadas com outras. Na vida, 90% dos nossos atos
säo caracterologicamente anódinos, inócuos. Por quê? Porque näo emanam de nós como
expressäo de nosso caráter mas como respostas padronizadas a situaçöes padronizadas. Vejam
que todo dia nós acordamos de manhä e vamos para o trabalho. Por que é que eu faço isso?
Porque todos os cidadäos estäo fazendo isso igualmente. Näo tem nada de caracterológico aí. O
que é que eu poderia saber de um indivíduo a partir desse ponto? Poderia, por exemplo, saber que
ele é rotineiro? Näo, porque o sujeito que näo é rotineiro está submetido a mesma rotina e está
agindo do mesmo modo. O sujeito que odeia a rotina vai cumpri-la do mesmo modo também.
Percebam que estas distinçöes säo justamente as que se däo entre as Camadas da Personalidade.
Lembram-se disso? Pois é: o personagem de ficçäo tem uma ou duas Camadas de Personalidade -
e só. Já os seres vivos, humanos, näo.
Já no século passado começaram a discutir como é que se poderia montar um personagem de
maneira que näo fosse, por exemplo, caracterológico. Os romances naturalistas se preocupam
com isso, ou seja, em mostrar um personagem em que nada seja caracterológico e sim social,
onde tudo que é feito seja igual. Já a partir de Proust começa a se perceber estados psicológicos
que qualquer pessoa poderia ter igual, independentemente do seu caráter, porque reflete
justamente a estrutura da memória. E a estrutura da memória é idêntica em todos. Entäo, näo é
um personagem. Se eu ou você estivéssemos lá, aquilo se passaria na nossa cabeça igualmente,
independentemente do nosso caráter. Ou seja: é um personagem sem caráter, só tem estados. E
esses estados, em Proust, ainda tinham continuidade temporal; depois, chegou esse pessoal do
Noveau Roman que pegou estados mais atomísticos ainda. Säo estados que se poderiam
combinar indiferentemente para formar qualquer pessoa: é como se você tivesse os atos, os
estados mas näo tivesse os autores. O ato é visto separadamente - como uma coisa. Dá pra
construir uma obra de ficçäo em cima disso. Mas sempre, em todos os casos, vai haver o
princípio de seleçäo. A näo ser que você faça o romance universal - porém, Deus já escreveu esse
aí. Esse teria todo o tempo, todos os atos e todos os estados de todos os personagens desde que o
mundo começa até quando ele acaba - mas esse näo precisa escrever porque já está escrito.
A obra de arte é forma, e isto partindo do princípio de que a matéria você encontra no mundo. A
arte é sempre uma coisa diferente da natureza. Ela pode ser diferente no sentido de prolongar a
natureza ou no sentido de se opor a ela mas, de qualquer modo, é diferente. Mas se você quer
fazer uma arte que obedeça à natureza ... Bem, a própria natureza näo obedece ela mesma no
sentido em que você pretende obedecer. A árvore, quando cresce e puxa alimento do solo, näo
sabe que está obedecendo à natureza - näo é obediência refletida. A árvore nunca foi consultada
para saber se ela queria fazer isso ou näo. Vejam que todas essas distinçöes säo elementares. Se o
sujeito näo sabe que arte é açäo humana entäo é porque ele pensa que os quadros däo em árvores
e que obedecem às leis da natureza e näo às leis da linguagem, da comunicaçäo e da sociedade, e
que existe sempre o elemento da linguagem convencional, sedimentada ao longo dos séculos. Ou
seja: o indivíduo näo sabe que a arte se desenvolve dentro de uma tradiçäo que ele prolonga ou
no mesmo sentido ou reativamente - mas sempre com referência a ela. Nenhuma obra de arte é
compreensível isoladamente. As obras de arte formam o universo, mesmo quando o sujeito näo
sabe.
Eu vou te dar um exemplo, que säo topos. Topos é uma situaçäo-padräo, e que pode se repetir nos
contextos mais diversos possóveis. Por exemplo, o topos do encontro decisivo, isto é, aquela
pessoa com quem você se encontra de uma maneira mais ou menos acidental e cujo encontro
muda a sua vida. Sem esse topos, a literatura seria impossível. E em quantas situaçöes diferentes
esse topos vai aparecer? Certamente ele começou a existir em algum dia, foi se tornando cada vez
mais convencional até que se tornou, por assim dizer, uma palavra, que é usada e trocada de
contexto a vontade. A maior parte das pessoas acha que a obra de arte sai de dentro do indivíduo,
que esse indivíduo é original, que ele é causa-sui, e que sem nenhuma filtragem de elementos da
história e da cultura ele faz a sua obra. Para tal, ele teria que ter inventado, no caso do romance, a
própria língua com que ele o escreveu. Ou seja: ele inventou essa língua ou a recebeu pronta? Até
no caso de Joyce e Guimaräes Rosa percebemos que ambos foram mudando a língua em
obediência a leis que säo imanentes a ela, como as leis de composiçäo, derivaçäo e etc. O que é
que o artista faz, entäo? Ele inventa combinaçöes. Dizer que o artista CRIA neste sentido
absolutista é um equívoco. Mas, hoje em dia, dizer isso aqui no Brasil parece uma blasfêmia ...
Esta é a teoria "gastro-interológica" da arte: ela consiste em por para fora, apenas. Mas, mesmo
isso que você pôs para fora foi tirado de algum lugar, ou seja: se você näo comer, nem mesmo
isso você vai fazer.
Mas voltemos às posiçöes de Saturno. Existem muitas maneiras de se expor cada uma delas.
Essas maneiras ora däo mais certo e ora däo mais errado, dependendo de como está o ouvido do
freguês. Explicar pelas doze aporias, isto é, explicar pelas doze contradiçöes básicas é uma
maneira que às vezes pode funcionar, dependendo de para quem você está falando. A aporia, näo
se esqueçam, é um dilema lógico, sem soluçäo nos próprios termos em que é colocado. Para
solucioná-lo você precisaria dialetizar o conflito e inseri-lo, sobretudo, dentro da corrente do
tempo. Se vocês leram o trabalho "Dialética Simbólica", entenderäo do quê eu estou falando.
Quando passamos do raciocínio de igualdade e diferença para o raciocínio dialético, nós
introduzimos o elemento tempo, o elemento transformaçäo. Näo pode simplesmente haver
dialética sem o elemento tempo. O raciocínio de identidade e diferença coloca uma equaçäo que
pode ser solúvel ou insolúvel. E uma aporia é uma equaçäo absolutamente insolúvel. No entanto,
mesmo sendo insolúvel, ela pode ser fluidificada. Por exemplo: se sabemos que dois elementos
de uma equaçäo näo se däo ao mesmo tempo, muito provavelmente a equaçäo já está resolvida. É
como dizia o falecido Baräo de Itararé: "Como pode o jovem Dom Pedro I ser pai do velho Dom
Pedro II? Vejam que é uma contradiçäo insolúvel: o filho näo pode ser anterior ao pai, é evidente.
E muitas dessas nossas aporias säo desse tipo, e só podem ser resolvidas se você introduz o
elemento de transcurso do tempo. Se você pega duas fotografias e vê um velho de barbas brancas
e um jovem de uns 29 anos e diz que aquele que no retrato aparece como jovem é pai daquele que
no outro retrato aparece como velho, você - com sua lógica de criança - näo entende.
A lógica infantil é algo trágico. O problema é que, até você adquirir a consciência de que ela está
errada, você já sedimentou hábitos e crenças às vezes sobre coisas graves, e continua acreditando
nelas. É o que dizia o Dr. Muller: "Neurose é a mentira esquecida na qual ainda se acredita". Na
hora em que você descobre que a sua neurose vem de um raciocínio desse tipo - de que o jovem
Dom Pedro I é pai do velho Dom Pedro II - você fica decepcionado com a própria inteligência.
Säo aquelas questöes que, em algum dia, todos se pegam a perguntar: Deus seria täo onipotente
que poderia fazer uma pedra que fosse mais pesada do que ele mesmo aguentasse? Foi o ovo ou a
galinha quem veio primeiro? Säo aporias desse tipo. E säo falsos dilemas, na verdade. Mas, na
história da constituiçäo da inteligência do sujeito, vê-se que ele vai se enrroscar nessas aporias e
quando elas estäo carregadas de periculosidade, ou seja, representam uma ameaça, uma emoçäo
negativa muito forte, um medo, o sujeito empaca. Ou seja: com quanto mais medo ele fica, mais
ele está preso dentro daquilo, como um macaco que meteu a mäo na cumbuca e näo quer largar a
castanha. Quando se encontra uma aporia desse tipo, uma das tentativas é "fluidificá-la", ou seja,
colocar esse dilema no rio do tempo para ver se é possível a coexistência e a simultaneidade dos
dados. Se eles näo säo possíveis de se darem simultaneamente entäo certamente näo há
contradiçäo alguma. É a questäo da Mafalda: "O que adianta ser grande quando eu for grande?
Quero ser grande agora!"
Percebam que a lógica da criança é täo lógica quanto a nossa. Isto quer dizer que a criança tem
perfeitamente o sistema silogístico. A lógica se compöe de duas grandes partes: a silogística e o
sistema das categorias. A silogística é uma coisa täo fácil que até um computador aprende. E, na
verdade, o macaco também sabe. Ou seja: näo é para perder tempo com ela. Na hora em que você
combinou a premissa maior com a premissa menor, você percebe que é uma combinatória que se
aprende em dez minutos, sendo que apenas para reconhecer de que tipo ela é que leva um tempo.
Mas näo existe uma dificuldade intrínseca. A parte nobre e difícil da lógica é o sistema das
categorias. Ele é um pedaço onde a lógica é limítrofe com a ontologia. Tanto que a doutrina das
categorias pode ser explicada como doutrina lógica - e até como doutrina gramatical, se você
quizer - e como doutrina ontológica, a ponto de ser muito difícil separar uma da outra. A criança
tem o domínio do sistema silogístico - mas ela näo conhece o sistema das categorias. Esse
sistema das categorias leva anos para você montar, para poder distinguir o que é substância,
acidente, quantidade, qualidade e etc. Curiosamente, todo imenso progresso que a lógica fez no
século XX é somente da operacionalidade do silogismo enquanto que, com a doutrina das
categorias, näo se fez nada. Näo deixa de ser um progresso mas se tivesse botado tudo isso desde
o início num computador, ele mesmo teria feito sozinho toda a obra de Husserl, Wittgenstein e
etc.
Uma descriçäo séria das doutrinas das categorias ainda näo foi feita, e isto justamente por ser
mais difícil. Entäo, se é mais difícil historicamente é mais difícil também na evoluçäo do
indivíduo. Piaget explica um pouco isso, ou seja, como é que o indivíduo vai formando as
categorias lógicas. É um verdadeiro jogo de tentativa-e-erro, e há verdadeiros desastres que
podem acontecer nesse caminho. Mas nós näo estamos acompanhando a coisa evolutivamente
pois o nosso ponto-de-vista näo é genético: é histórico. Mas nós näo vamos contar a história do
sujeito pelo seu mapa; por aí você näo vai ter toda a história do indivíduo e saber aonde ele
tropeçou. A abordagem näo é histórica: é geográfica. É por isso que se chama MAPA. Você näo
vai ver QUANDO ele tropeçou mas ONDE ele tropeçou. Evidentemente que sem geografia näo
há história pois se você näo sabe aonde aconteceu tais eventos, näo vai entender nada deles.
Essas doze aporias, todas elas, podem ser resolvidas dialeticamente. Porém, para dialetizar, você
tem que entrar com o conhecimento das categorias como, por exemplo, para saber se uma coisa é
substância ou acidente. Isto dá mais trabalho. Entäo, o sujeito näo vai poder achar uma soluçäo
nos termos em que ele mesmo colocou aquele dilema que, visto com vinte anos de distância,
pode se tornar ridículo. Nós até rimos desses enganos infantis. Mas, na hora em que eles ocorrem,
säo trágicos. E, às vezes, continuam a ser cometidos: você continua equivocado, mas é um
equívoco, por assim dizer, especializado. Ou seja: ele é lógico, correto e tudo o mais - só que
naquele ponto onde já se sedimentou certas crenças o sujeito sempre vai falhar, cometendo de
novo o mesmo erro. O erro quanto a sua própria definiçäo, quanto ao seu julgamento da realidade
das coisas do mundo externo, quanto à ligaçäo entre signo e significado, quanto ao desejo e a
coisa desejada empaca o sujeito em determinados pontos, e parece que sua cabeça pára. E o
sujeito mais inteligente se torna burro naquele ponto. Quando formos ler um mapa, veremos que
há um certo ponto em que o sujeito näo pensa direitinho, enquanto no restante, sim. E que este
ponto coincide perfeitamente com a presença de Saturno.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 60 - FITA 2 E 3 (TRANSCRIÇÄO: SÍLVIA) 14 JUL 91

A aporia que surge na Casa VI é quanto à relaçäo entre parte e todo, ou seja, a parte é parte do
todo e o todo é o todo da parte. Sendo assim, se um depende do outro e o outro depende do um, a
relaçäo hierárquica é dupla. O indivíduo com Saturno na VI se enrosca com o seguinte: se faltar
um pedaço qualquer, ele já näo entende o todo. Por esse motivo, haverá uma grande dificuldade
em lidar com a acidentalidade pois o acidente é um fragmento que näo podemos inserir dentro de
um conjunto. Esse raciocínio, se aplicado ao corpo do indivíduo, poderá mobilizá-lo
completamente pois ele terá grande dificuldade de fazer duas coisas ao mesmo tempo, já que a
coordenaçäo dos atos é uma ligaçäo entre todo e parte.
Como é que se resolve esse problema? Fluidificando, dialetizando, e vendo que determinadas
operaçöes nunca säo feitas ao mesmo tempo, ou seja, que a consciência do processo fisiológico
do movimento nunca é contemporânea deste porque ela é uma outra operaçäo a ser feita num
outro momento. Porém, na hora em que o sujeito coloca esse dilema, pode ser horrível. Ele acha
que näo tem a menor coordenaçäo motora, que há algo de errado com ele. Posso dar um exemplo
que é o meu próprio caso: quando fui aprender piano, achava que havia algo de errado ou com o
piano ou com o número de dedos que possuía em cada mäo. Esses dilemas do todo e da parte, de
dentro e de fora, todos eles säo característicos de Saturno na Casa VI, e isso pode dar ao
indivíduo uma vivência do caos, de descoordenaçäo total, dando uma impressäo de
impossibilidade de qualquer açäo humana dentro desse âmbito. Uma das maneiras com que em
particular tentava resolver isto era fazendo diversas coisas diferentes, desenvolvendo diversas
habilidades; mas o problema continuava, ele näo requeria a prática de diversas habilidades - pois
ele era uma inabilidade lógica. O aprendizado de determinadas disciplinas pode ser quase
impossível e o sujeito pode empacar em determinados tópicos se, ao começar a estudar a
disciplina, näo souber mais ou menos aonde o professor quer chegar.
Com Saturno na VI, o indivíduo tem uma exigência de sistematizaçäo que nem sempre na prática
dará para se obter. Na prática, você tem que aprender uma coisa depois da outra para só bem mais
adiante poder montar o conjunto. Isso significa que inicialmente os elementos ensinados väo ter
que ser colocados em conjunto mas teräo que ser aceitos provisoriamente como estäo, ou seja,
desmembrados, sem relaçäo explícita. Isto ocorre porque este indivíduos só consegue entender as
coisas através da relaçäo parte-todo, nunca conseguindo estabelecer somente uma relaçäo
unilateral. Como é que surge, por exemplo, o paradoxo no problema da organizaçäo do tempo?
Assim: você tem "xis" coisas para fazer no dia mas, para planejar o gasto do tempo, gasta tempo,
de modo que dentro do seu planejamento teria que constar o tempo que você está gastando para
fazê-lo; para isso, entretanto, ele precisaria estar feito - mas ele näo está feito pois está sendo feito
exatamente agora. Em suma: fica sendo impossível planejar o tempo.
Essa aporia lógica, multiplicada pelas situaçöes de vida que o indivíduo tenta interpretar com os
instrumentos lógicos que tem, forma um panorama tal como em Mackbeth - uma história contada
por um idiota, cheia de barulho e fúria - em que nada significa nada, onde tudo é o próprio caos.
Basta essa impressäo para que o indivíduo esteja seriamente lesado e, se näo superar isso, näo
adiantará superar materialmente pois a sua razäo vai construir tudo de novo - é como serrar uma
tábua com uma serra torta: tantas vezes que serrar, tantas vezes terá um pedaço torto. Isto
significa que é o próprio instrumento lógico que terá que ser corrigido. Porém, isso näo pode ser
feito antes da idade madura. O que se desubstancializa, neste caso, é a noçäo de organicidade do
mundo, é a noçäo da ordem.
Onde você tem Saturno está o ponto de falha da sua lógica, e é por onde as pessoas tentaräo te
derrubar. Ninguém sabe o que fazer com o próprio Saturno mas sabe o que fazer com o do outro.
Mas näo nos esqueçamos que é profundamente anti-ético explorar esse conhecimento em
prejuízo do outro. Cristo fala que tem que ajudar o outro a carregar sua cruz e näo jogar a própria
nas costas dele. Geralmente, nós acusamos o outro neste ponto.
É evidente que essa confusäo acaba se transpondo à área afetiva e volitiva, isto é, as suas
emoçöes e atos também ficam lesados porque estes näo tem estrutura lógica suficiente para se
sustentar. Quando se passa à esfera volitiva é a sua vida prática que passa a ser prejudicada pois
você passa, por exemplo, a näo saber andar e mascar chiclete ao mesmo tempo. Você se atrapalha
e quando se atrapalha, além de já estar se sentindo com medo por causa deste problema, pode
aparecer alguém e te criticar exatamente por isto. Se for alguém que você preza e que tem alguma
autoridade sobre você, piora tudo. É assim que se vai formar um bolo de neuroses. Quando você
vê que sofreu tanto por causa de algo täo estúpido, é lamentável. Se chegamos a perceber que
determinado indivíduo será sempre inadequado com aquilo que lhe é trabalhoso, näo custaria
contornarmos essas dificuldades, näo exigindo que ele fosse mais produtivo nestes pontos, desde
que ele já estivesse se trabalhando por dentro. Essa deveria ser a conduta ideal. Mas näo é a que
vemos. Cada um dos complexados quer se vingar no outro, ou seja, alguém percebe que é
atrapalhado num certo ponto e que tem conseguido manter isso escondido enquanto o do outro
está à mostra.
Esse pequeno desajuste na defasagem lógica, multiplicado pelo fator volitivo e emotivo e pelas
exigências näo atendidas da vida social, prática, econômica e etc vai criar tragédias. É como um
desvio de meio grau de abertura que, quanto mais se prolonga, vai abrindo cada vez mais um arco
imenso, chegando a um ponto em que isso näo terá mais soluçäo. Como é, entäo, que o indivíduo
faria para resolver isso sozinho, sem ter a cumplicidade do meio que o rodeia? Só se o indivíduo
for um gênio.
Todas essas aporias estäo vinculadas a uma só, que é o salto entre a experiência e a razäo. Se
assim näo fosse, como é que se poderia usar uma razäo defeituosa para consertar a própria razäo?
Você fica girando em círculos por causa disto. E isto porque näo é a razäo propriamente dita que
conserta isso: é você. Este é um ato criativo do homem. A razäo, cada vez que equaciona,
equaciona nos termos que tem: ela, por si mesma, näo pode buscar um novo dado qualquer, näo
pode nem sequer fazer essa suposiçäo. Quanto mais confusäo a pessoa cria, mais o seu
procedimento se torna padronizado e repetitivo naquele ponto, e mais o comportamento repetitivo
produz novos dados falseáveis; dados que väo entrando e, daí, näo se tem mais saída: ou o
indivíduo é muito inteligente ou é necessário que as pessoas sejam muito boas para com ele.
Tudo isso que está sendo explicado a vocês é o segredo da vida, ou melhor, é o segredo da
soberania do indivíduo. Sejam muito atentos com o uso desse assunto - ele pode ser usado como
benefício ou como mal. Um indivíduo pode até usar isso sem saber o porquê, sem ter toda essa
teoria: ele instintivamente percebe a fraqueza do outro. E é sempre mais fácil estragar e
embaralhar a vida alheia. Há pessoas que julgam que a maior tarefa de suas vidas é confundir o
outro; säo muitas as pessoas, hoje em dia, que gostam de dividir os outros, jogando- os uns contra
outros. A soluçäo - para Saturno em qualquer casa - é subir o nível da pergunta, entender aquilo
como um dilema que se coloca a todo homem, que faz parte da condiçäo humana mesma e que
näo se precisa dar à própria vida prática uma soluçäo universal. Em suma: näo tentar consertar os
defeitos que você tem ali pois, quanto mais você tentar consertá- los, mais você se amarrará
neles; deve-se acolher a incoerência como tal, dialeticamente, e resolvê-la, näo fazendo desta
incoerência uma experiência que lhe fosse pessoal, individual. Goethe dizia: "É urgente ter
paciência". Ou seja: quando a situaçäo está apertada você näo pode se dar ao luxo de ficar com
pressa. Isto näo significa que você deva fingir que näo há problema - ou fugir do problema - e
sim ter uma consciência täo aguda dele que sabe que deve aguardar novas informaçöes para
mexer com ele cuidadosamente, ou seja, até que se possa equacioná-lo de uma maneira mais
inteligente, o que se torna possível quando se chega a idade adulta. Antes de se alcançar pleno
crescimento físico näo é possível alcançar soluçäo para isso pois, enquanto você está crescendo, o
esquema da sua sensorialidade está mudando rapidamente e a sua percepçäo de cor, cheiro e som
muda de semana para semana, isto é, as informaçöes que você recebe näo dizem respeito aos
fatos que estäo acontecendo em volta mas apenas ao estágio de transformaçäo em que você está.
Sendo assim, só quando se alcançar o crescimento físico total e os dados se tornarem repetitivos é
que o observador se encontrará estável, podendo assim ver a estabilidade dos dados também. É o
que ocorre na impressäo que temos sobre o tamanho das coisas, na passagem da infância para a
adolescência: temos a impressäo de que as coisas diminuiram de tamanho fantasticamente e que
depois, na vida adulta, o tamanho delas se estabilizou consideravelmente.
Quando a experiência começa a se tornar repetitiva é que se sabe se ela é sua, do dado ou dos
dois. Ou seja: precisa-se de um certo conhecimento do meio social para saber se o dado que se
está recebendo é devido a uma alteraçäo que se recebeu ou se a coisa é assim mesmo. A
conquista a objetividade pressupöe uma estabilidade prévia do observador. Numa situaçäo de
mudança social constante é fácil perceber que as pessoas nem chegam a isso. Por isso que o
progresso acelerado da sociedade näo é bom para a formaçäo da personalidade. Quando a
comunidade está mudando rapidamente os indivíduos säo lesados, ao passo que personalidades
mais firmes se criam em situaçöes sociais mais ou menos estáveis. O que é bom para a sociedade
näo é bom para o indivíduo e vice-versa. Nos últimos vinte anos passamos, no Brasil, por grandes
transformaçöes políticas, civis. Tudo isso custa muito caro para os indivíduos pois, quando o
espelho social näo tem estabilidade, estes näo recebem um feed-back correto e ficam, entäo,
desorientados. Isso também quer dizer que, para a formaçäo de personalidades estáveis, o
indivíduo precisará ou de um meio mais ou menos estável ou de, percebendo a própria situaçäo,
gerar uma estabilidade mais ou menos à força.
Essas informaçöes sobre as doze posiçöes de Saturno são de extrema gravidade pois você pode
ou levantar ou afundar um indivíduo, bem como a si mesmo. E qualquer planeta na sexta Casa é
uma pista marcante para se entender uma pessoa. Mas por que os traços de caráter
correspondentes a Casa VI säo assim täo proeminentes? Porque a idéia que o sujeito forma de
todo e de parte é um mapeamento que ele tem de todas as suas açöes; entäo, isso vai aparecer em
tudo o que ele faz. Mais ainda: como isso é padräo de organizaçäo dele, vai se traduzir nas
formas de açäo prática. A Casa VI é como se mapeia o organismo, o conjunto da maneira como é
que se trata qualquer situaçäo. Sendo assim, a maneira como o indivíduo equaciona qualquer
problema sempre terá uma forma padronizada. O exemplo mais fácil é dado pela presença de
Marte nesta Casa. Lembrem-se de que Marte é a interferência, é a açäo imediata, a exteriorizaçäo
imediata do que se passa dentro do indivíduo. Ou seja: entre a pessoa que tem Marte na Casa VI e
a pessoa que aí tem Saturno há uma diferença brutal pois enquanto uma tentará ter sempre o
poder sobre aquela situaçäo imediata que se oferece, ainda que isso bagunce tudo o mais, a outra
tentará equacionar tudo para poder ter poder sobre o conjunto. Se o indivíduo, com Saturno na
VI, precisa de algo, ele vai equacionar se convém obter aquilo agora e se aquilo näo dará
problema mais tarde; com Marte, ao contrário: ele percebe num instante a idéia do poder sobre o
conjunto naquele momento. Eis a diferença característica entre um e outro. O indivíduo com
Saturno na VI sempre tem um senso de poupança de energia e de tempo. Entretanto, esse senso
de poupança pode se tornar täo agudo que o indivíduo pode não conseguir fazer mais nada, e
nisto perder o tempo todo. Mas sempre será uma tentativa de abarcar o conjunto, a organizaçäo
da sua vida, e isto porque ele näo sabe bem o quanto aquilo vale, já que inclusive näo reconhece
bem o todo.
Mas você näo pode deduzir nenhum traço de personalidade disso aí. Você não pode dizer que o
indivíduo com Saturno na VI é organizado; ele pode ser organizado ou desorganizado,
dependendo de ter tido sucesso ou fracasso neste setor. Só dá para saber que, se ele for
desorganizado, é porque tem uma confusäo lógica e, se for organizado, é porque tem uma ordem
lógica e porque resolveu o problema teoricamente primeiro. Ao passo que, se o indivíduo com
Marte na VI for desorganizado, é porque ele mexeu muito no que näo devia e bagunçou tudo; se
for organizado, é porque deu certo de mexer nas coisas certas. Traços como esses de
comportamento, ou seja, descuidado, organizado, säo apenas descritivos, näo tem valor
explicativo. O melhor é desistir da descriçäo por adjetivos. A descriçäo certa é de ordem dialética
e de ordem dinâmica: o ser humano existe no tempo e ele só pode ser descrito como um drama. O
drama é uma sucessäo de acontecimentos que se encontra num certo momento, num certo lugar e
que tem um desenlace assim ou assado - essa é a maneira correta de descrever um ser humano.
Usando esses adjetivos fazemos uma operaçäo mental que parece simplificar mas que, na
verdade, complica. Esse raciocínio é um raciocínio catalogatório, que faz equivaler a certos
padröes de comportamento palavras que os mostram desligados do próprio contexto. Ou seja: säo
comportamentos que só fariam sentido se fossem mencionados dentro do próprio contexto.
O ser humano näo pode ser descrito por esses traços, a näo ser que a cada palavra você acrescente
uma definiçäo convencioanl e as regras do seu emprego como faz, por exemplo, Le Senne, que
descreve seus tipos por acúmulos de traços, definindo porém cada um desses traços e os inserindo
de traços, definindo porém cada um desses traços e os inserindo dentro de algo que se chama
psicodialética. Nós, aqui, estamos tentando fazer a psicodialética mas näo com esses tipos de
traços pois estes säo traços de comportamento e nós näo estamos descrevendo comportamento
algum. Ou seja: quando a motivaçäo já está formada e equacionada a muito tempo, pode ser que
o comportamento ainda esteja latente no indivíduo, que está com a disposiçäo X mas que está
agindo no sentido Y. Sendo assim, entre a descriçäo do caráter no sentido astrocaracterológico e a
descriçäo de comportamento existe um abismo. O caráter é um esquema de interpretaçöes que
gera, por sua vez, um esquema de motivaçöes que, contrastando com a situaçäo e com o contexto,
gera um comportamento. Ou seja: o comportamento tem uma ligaçäo indireta com várias
motivaçöes.
Percebem as pessoas com as quais você convive e acredita conhecer profundamente. Por que é
que você acha que as conhece profundamente? É porque você conhece o comportamento delas ou
é porque tem algo que, sem observar o comportamento, você já sabe, isto é, algo que você pegou
no ar? Isto significa que você conseguiu saltar por cima do comportamento. Quando nós
conhecemos uma pessoa, ela näo precisa falar nada para você saber qual é o seu estado porque
você já o reconhece - sabe disso como se tivesse aproximado uma lente que vai direto para as
motivaçöes. Ou seja: com índícios quase nulos, você é capaz de perceber as pessoas. As vezes,
com indícios físicos como, por exemplo, calor e cheiro. Mas a adivinhaçäo também faz parte dos
mecanismos habituais e normas da convivência humana. Normalmente temos vários instrumentos
físicos: olfato, visäo, tato e etc; tudo isso para entendermos o próximo. Nós temos todos os
instrumentos para entendermos o outro e entendermos a nós mesmos. Se na vida real temos tudo
isso e somos capazes dessa operaçäo complexa, deveríamos nos esforçar para que o
conhecimento refletido e científico da psicologia pudesse ser täo rico quanto a experiência real é.
Se para desenvolver uma ciência você perde o conhecimento intuitivo do qual essa ciência se
originou, é o mesmo que afirmar que, quando aprendemos a andar de bicicleta, desaprendemos a
andar a pé. Sendo assim, em qualquer coisa que você faça, tente näo perder o que você já tem por
natureza. Existe o conhecimento espontâneo e o conhecimento refletido (pensado); mas, se você
perder o conhecimento espontâneo, você vai refletir sobre o quê? O conhecimento espontâneo
näo é para ser derrubado: ele é a coisa mais preciosa que o ser humano tem, ele é a base de tudo.
Se você deixa de ser científico, tudo bem; mas, se você deixa de ser humano, você näo é mais
nada. Toda ciência e arte se desenvolvem em cima de um mundo humano - é aí que está a raiz de
todo o conhecimento.
Você sabe perfeitamente, pela convivência diária que tem sobretudo com seus entes queridos, que
näo podemos catalogá-los dentro dessa categoria ou de outra. Por quê? Porque, mesmo que o
sujeito näo tenha mais a capacidade de mudar, você tem a esperança que ele mude, ou seja: você
confere a ele algo da qualidade que ele näo tem para que ele a tenha. Mas, se você já carimbou, é
a sua relaçäo com ele entäo que já está mudada. Se eu digo que alguém é trapaceiro, por exemplo,
eu fechei, pois, se ele é trapaceiro, näo falo mais com ele; mas se ele fez uma ou duas coisas
erradas e eu näo o carimbo completamente, deixo em aberto, e posso continuar convivendo com
ele na esperança de que, ante a honestidade do meu comportamento, ele puxe suas raízes de
honestidade e se transforme. Se näo houver isso, a convivência humana se torna impossível - é
essa fluidez dos caracteres que permitirá a convivência humana. A catalogaçäo por adjetivos é
natural, imoral e anticientífica; o rótulo é um estigma, um carisma negativo. Ela é uma coisa que
você näo pode fazer com uma pessoa que você pretende conhecer, compreender e muito menos
ajudar. Mas quando você quizer mentir sobre uma pessoa, ou seja, quando você quizer
transformá-la num cadáver que está perfeitamente definido, e que quer que ela faça
obrigatoriamente cairá dentro deste padräo de comportamento - eis a maneira de se fabricar uma
pessoa e näo de conhecê-la.
Com Saturno na Casa VI o indivíduo sempre terá a ilusäo do caos, da desordem, e
sucessivamente verá as coisas como caos; quanto mais ele tentar ordená-lo, mais terá o
sentimento de caos. Entretanto, a vida real é sempre uma passagem do caos à ordem e da ordem
ao caos, e isto só se resolve com o tempo. Você precisaria dialetizar isso, näo dando para se
chegar a uma sentença final do tipo "tudo é um caos" ou do tipo "tudo é uma ordem". Isso se
corrige na medida em que a razäo vai perdendo o seu esquematismo infantil e se tornando
plástica e hábil e, de simples razäo, se transformando em PHRONESIS, ou seja, em gotas de
sabedoria que vem da experiência. Todo o drama do homem vem disso aí: ele nasce com a
potência da razäo, e esta capacidade é muito superior à experiência que ele tem.
Aulas de agosto de 1991.

AULAS DE AGOSTO DE 1991. INDICE DO BLOCO DE AULAS DE AGOSTO/91

AULA 61= 16/08/91- Fitas 1 e 2.


ASSUNTO: O movimento astrológico, sua história.
Como equacionar o problema astrológico.

AULA 62= 17/08/91- Fitas 1, 2, 3.


ASSUNTO: O problema da individualidade intransferível.
A revelação, seu papel no conhecimento humano.
Definições formais e materias sobre o cárater.
O processo das posições planetárias, como constitutivas da formação do cárater
Astrocaracterológico.

AULA 63= 18/08/91 - fitas 1, 2 e 3.


ASSUNTO: As posições de Saturno.
Saturno na casa 7 - Exemplo biográfico: Getúlio Vargas.
Saturno na casa 8.
Saturno na casa 9 - Exemplo biográfico: Franklin Roosevelt.
Saturno na casa 10 - Exemplo biográfico: Woodrow Wilson, Hitler e Lincon. E uma abordagem
de Napoleão Bonaparte, como exemplo de sol na casa 10.
ASTROCARACTEROLOGIA PÁG: 1 AULA:61 16/08/91-FITAS 1 E 2

Vamos ver se nós conseguimos, refazer o itinerário, de tudo o que nós estamos fazendo até hoje.
Então, este tema da astrologia, ele existe há muito tempo e, particularmente no século XX, ele
despertou, um interesse extraordinário. Desde o começo do século, se formou um gigantesco
movimento astrológico que, atraiu a atenção e o interesse de camadas universitárias, letradas no
mundo inteiro. Passados cem anos, desde que começou este movimento astrológico, com Paul
Choisnard na França. A astrologia hoje constitui: uma profissão estabelecida. Existem no mundo,
sindicatos de astrólogos, faculdades de astrologia, institutos de pesquisa e publicação astrológica
etc... Enfim, a astrologia, adquiriu uma validade, adquiriu um lugar de respeito, na sociedade. O
curioso é que, a mudança de atitude do público, interessado, com relação a astrologia, se deu, sem
que a questão básica, da astrologia, fosse , realmente resolvida, ou seja, hoje nós sabemos tanto
quanto no começo do século, se existe relação entre os eventos celestes e terrestres, ou seja, não
sabemos absolutamente nada. De modo que, este mesmo fênomeno, do movimento astrológico, é
um fênomeno social muito estranho, porque, se trata de uma mudança geral de atitude, uma
mudança geral de posição que, não está embasada em nenhuma descoberta nova, não está
embasada em nenhum fundamento científico, ou seja, não temos fundamento científico, nem para
aceitar, nem para recusar, a propósta da astrologia hoje, como não tínhamos no começo do
século. Deste modo, a eclosão e o sucesso, deste movimento astrológico, não deve ser
interpretado, de maneira alguma, como algo que se pudesse atribuir, à uma vitória da tese
astrológica, sobre a sua contrária, sobre a sua adversária. Nào é disto que se trata, ou seja, o
sucesso da astrologia, se deve, à alguma outra coisa que, não tem nada a haver com a essência,
com o miolo da questão astrológica. É uma mudança de gosto, cujas causas, devem ser buscadas,
na psicologia do público e, não no fato astrológico própriamente dito. O pior é que, a medida em
que a astrologia, alcançava este sucesso crescente, também foram crescendo, na mesma
proporção, as suas pretensões, ou seja, as áreas sobre as quais, a astrologia acreditava poder
sentenciar. No começo do século, um astrrólogo, que conseguisse, fazer as pessoas acreditarem,
com base no horóscopo que, ele era capaz, de predizer um fato ou de descrever a personalidade
de uma pessoa, já se consideraria vitorioso. Mas hoje não! A astrologia hoje está sentenciando,
está dando opinião, sobre áreas, cada vez mais vastas, ela se propõe, como um movimento, que
viza, a dar um sentido de vida as pessoas, a inaugurar as bases de uma nova civilização,a dirigir a
vida íntima dos individuos, a curar males psicológicos, a desvendar os sêgredos das
reencarnações e assim por diante... Existe uma reinvindicação, crescente, de autoridade por parte
dos astrólogos e, essa reinvindicação está evidentemnte sendo aceita. É só você continuar
insistindo, nas suas propostas,a medida em que as gerações vão se sucedendo,as gerações
seguintes, vão engulindo, o que as anteriores rejeitaram,então, o crescimento da astrologia, não
deve nos iludir absolutamente, porque, o sucesso dela , não é devido à sua maior ou meneosr
veracidade, enquanto saber,enquanto ciência. Porque vemos que, nesta onda astrológica, o que
vem sendoo aceito, da astrologia, é o melhor junto com o pior, é o verdadeiro junto com o falso,
sem nenhuma preocupação, de se descriminar uma coisa da outra. Mesmo quando os astrólogos
acreditam, dever elevar o nível da sua atividade, trata-se, no máximo de dar aparência científica,
como esse pessoal do movimento astrológico paulista. Eles acham que, está na hora de dar, uma
cárater científico na astrologia e, dar um cárater científico, na mentalidade deles, consiste em
apresentar os trabalhos, datilografados em tantas laudas com a seguinte forma: A hipótese, os
materias e métodos e etc... Ou seja, eles chegam a confundir, a metodologia ciêntifica com a
técnica da redação do trabalho científico, quer dizer, como se fosse um conjunto de normas
editorais e acham, que se a astrlogia , for apresentada assim, ela estará sendo científica. E o pior,
é que eles estão mentindo, quando dizem isto, eles estão sendo, perfeitamente sinceros, eles
acreditam nisso mesmo! Por outro lado, areas que, nada tem haver, com a astrologia, que são
alheias ou até mesmo hostis, ao trabalho dos astrólogos, chegam à cada ano, novas confirmações,
que a hipótese astrológica tem algum fundamento. A última coisa espantosa, que se descobriu
neste sentido é que, a aspirina( o ácido acetilsalisilico), é seletivo, que ele , não funciona
igualmente, em todas as pessoas e, o critério de seleção, é por signo astrológico. Isto aqui foi uma
descoberta que foi feita, casualmente, por um não astrólogo que, pesquisando os resultados
obtidos com a aspirina, ele viu que, em certas pessoas, a aspirina não funcionava e, noutras
funcionava com muita eficácia e daí, tentou ver todas as características constantes, que podia
haver , nestes vários grupos e, só para estabelecer um controle, fazer um duplo controle, entre as
características, ele colocou o signo, como protótipo, do traço que seria aleatório(randomico),
porém, todos os outros traços, é que se revelaram aleatórios e esse, revelou uma incidência
sistemática. De modo que: a aspirina estatísticamente não funcionava em pessoas, nascidas no
signos de gêmeos e libra. Isto é uma absurdidade! Mas a pesquisa foi repetida, um monte de
vezes e, alguma coisa tem. Eles tentaram ver, caractéres raciais, Bio-tipo, alimentação etc... e,
sempre dava um resultado aleatório, agora, o único traço constante que viam, foi justamente,
aquele que eles tinham escolhido, como protótipo do traço aleatório. Quem descobriu isto não é
astrólogo, nada tem haver com a astrologia e escolheu, essa diferenciação por signo, justamente
por acreditar, que ela é randomica. Os astrólogos como sempre, pegaram este resultado e, sairam
por aí exibindo: Está vendo como a astrologia funciona! Mas isso não é uma prova de que a
astrologia funciona, porque, nunca nenhum astrólogo, tinha dito isto: Que a aspirina não
funciona, em gêmeos e libra. Isto é uma prova, de que existe o fênomeno astrológico e, não de
que a astrologia funciona. Porque a ineficácia, a inocuidade da aspirina no signos de gêmeos e
libra, não é uma doutrina astrológica. Eu nunca vi isto, vocês já viram? Agora, se se disesse que,
a aspirina não funciona em gêmeos e libra, desde Ptolomeu, todos estão dizendo isso e, agora a
ciência confirmou, bom, isto foi uma vitória da astrologia.
Como sempre, existe a confusão, sobre o que é o fênomeno e, o conteúdo da ciência(ou dita
ciência) astrológica. Nós não podemos confundir, o fênomeno com o que os astrólogos dizem
dele, a prova de que um fênomeno existe, não comprova ,a veracidade, dos coteúdos da ciência
que diz estudá-lo. São duas coisas completamente diferentes.
Por exemplo: Todos nós sabemos, que existe a Terra, mas isto não quer dizer que, a Geografia
sempre esteve certa, desde que ela existiu, ao contrário, hoje nós sabemos que, muita coisa estava
errada, na Geografia antiga.
Então, a confusão da coisa com o que se diz da coisa, é uma das figuras silogísticas (sofiística),
mais elementares que existe. Ex: Quando você confunde, a história, o desenrolar dos fatos, o
devir histórico, com a História enquanto ciência, então, atribuindo a uma os caractéres da outra. É
a mesma coisa que você dizer que, como a história está continuamnte mudando, isso significa
que, os livros de Hitória, jamais ficam como estão. Cada vez que você, vai ler novamente, os
livros de Herótodo, está escrito uma outra coisa, porque a história mudou.
Este raciocínio de você atribuir, à ciência astrológica, a veracidade do fênomeno astrológico, é
mais ou menos do mesmo tipo. Quer dizer, como os planetas tem alguma relação com os
fênomenos terrestres, então, quer dizer que, tudo o que está escrito nos livros de astrologia, é
verdade. Aliás, a astrologia é o único setor do conhecimento, que é cultivado, no qual, a distinção
de verdade e êrro, não tem a mais minima importância. Quer dizer: Nunca nada é contestado na
astrologia. Se um sujeito diz uma coisa e, o outro diz outra, dá a impressão que, aquilo é verdade
e, que isto aqui também é verdade. Ex: O sujeito diz que: Saturno é o pai e, o outro diz que:
Saturno é a mãe. Não é que um está contestando o que o outro disse. Ninguém contesta ningúem,
é tudo uma fraternidade! Quer dizer que, as categorias de veracidade e de falsidade, não existe,
dentro do campo astrológico e, isso é sem dúvida, uma das razões do seu sucesso.
Se jamais, você corre o risco de ser contestado, então, você vive na mais perfeita segurança,
qualquer bobagem, em que você creia, você está seguro de que, ninguém vai contestar. Ex:
Quando apareceu, num congresso astrológico, aquele sujeito, que tinha inventado, um processo
de acerto de hora, sem saber os acontecimentos da vida. Prestem bem atenção! Se eu não sei os
acontecimentos da vida, então, tanto faz essa vida como aquela vida e se, tanto faz essa vida
como aquela vida. O curioso, é o seguinte: O sujeito fala isto, para uma platéia, de duzentas
pessoas e, ninguém percebe que tem algo errado. Então, de quem é o horóscopo? Tanto faz. o
sujeito apresentou o trabalho, que era uma parafernália de cálculos matemáticos, ninguém
entendiae, até hoje esse astrólogo é considerado, um astrólogo brilhante que, fez vários acertos de
hora e, as pessoas acreditam. Então, essas coisas se aproximam, perigosamente da demência,
motivo pelo qual, os astrólogos não são levados a sério. Aliás, é bom vocês saberem que, está no
Brasil, uma das mais famosas astrólogas americanas: Donna Cuningam e, até gostei dela. Ao
desembarcar no Rio de Janeiro, ela foi entrevistada, por todas as televisões, jornais etc... E ela
disse assim:-- Olha! Nos Estados Unidos, eles nunca publicam nada, sobre astrologia e, muito
menos sobre mim. Eu nunca fui tão famosa, na minha vida, quanto sou aqui. Eu vou mudar para
o Brasil! Ela foi muito honesta, ela falou a verdade. Nos Estados Unidos, ela é um joão-ninguém,
mas aqui, ela já é alguma coisa.
Todo este progresso, do movimento astrológico, se formos julgar, do ponto de vista, do progresso
do conhecimento astrológico, é zero, desde o começo do século, até agora e, todas as provas, os
indícios de que existe o fênomeno astral, absolutamente todas, vieram de não- astrólogos, pois, os
astrólogos mesmos, nada descobriram. Michel Gauguelin, não era astrólogo, ao contrário, ele
começou a estudar astrologia, depois da pesquisa e,evidentemente se interessou pela coisa A
mulher dele se transformou, numa astróloga praticante, muito famosa: Françoise Gauguelin.
Todas as descobertas fundamentais, vieram de não- astrólogos, pois, os astrólogos não estão
interessados em conhecer, a natureza do fênomeno, porque eles acreditam, que já conhecem.
Acreditam que, explicações simbólicas e mitológicas, são explicações. EX: Se você perguntar,
porque que Saturno, faz você quebrar a perna. Eles respondem que: Saturno é o pai, é o osso,
Saturno comia os próprios filhos e, isso aí, é o suficiente, para apaziguar a curiosidade dele. O
individuo não concebe, a diferença que existe entre: um pensamento simbólico(analógico) e uma
explicação científica. Ele não percebe que existe um abismo e, também não percebe que, todo o
assunto, sobre o qual, se esboçou, alguma tentativa de explicação científica, foi justamente,
porque ,essa assunto, já tinha milhares de explicações mitológicas antes. Quer dizer: Um assunto,
para o qual, não existe, nenhuma explicação mitológica , nenhuma lenda, nenhum símbolo,
nenhuma estória de fadas, é porque simplesmente, um assunto que, não despertou a curiosidade
de nenhum ser humano e, assuntos que não despertam a curiosidade do ser humano, nunca
acabam de ser estudados científicamente.
Tudo isso aí cria, uma situação paradoxal, a astrologia, quanto mais ela progride, parece que mais
bôba se torna. O fato de sermos aceitos e aplaudidos na nossa loucura, evidentemente confirma,
que essa loucura é santa. Quando um sujeito, fala bobagem e, é aceito, é aplaudido, então,
naturalmente o cara se sente reconfortado, ele se sente, confirmado e autorizado a prosseguir
naquela linha e, isso tem acontecido, com um número cada vez maior de astrólogos. Pessoas que,
há dez anos atráz, eram malucos, mas eram tímidos, hoje, continuam tão malucos quanto antes,
mas elas estão seguras de si, se sentem melhor e, até engordaram, isto é , ocupam mais espaço. A
segurança deste individuo, essa crença, que se revela, cada vez mais firme. Essa
certeza adquirida , não se deve a um motivo i nterrno( intrinsêco), ao fato de que ele tenha, obtido
uma confirmação daquilo, mas simplesmente, vem do fato de que, o público ignorante confirma.
Então, o juiz da astrologia, é o seu público, e isso, também não acontece em nenhum outro
departamento do saber. Vocês nunca ouviram dizer que, em qualquer ciência, a teoria que vence,
é a teoria que é, aplaudida, por quem não pratica aquela ciência. Tudo isso, vai fazendo, do
movimento astrológico, uma patologia social das mais graves. É claro, que não tem a mais
minima ilusão, de corrigir, este movimento astrológico. Ele não é possível de corrigir. Mas o quê
é possível fazer? É possível esvazia-lo, completamente, em algumas décadas, basta que, o
assunto, passe a ser estudado efetivamente. A hora que, o tema astrológico( o assunto), for
equacionado, de tal maneira, que seja possível, a sua abordagem científica, ela será feita
necesariamente. E, a hora, em que isso for abordado assim, o quê irá acontecer? Vai acontecer
que, daí para diante, existe, uma criteriologia, existe uma preocupação, pelo menos, de separar
teorias astrológicas verdadeiras de teorias astrológicas falsas, como aliás em qualquer ciência.
Mas pelo menos, isso aí, abrirá a cabeça das pessoas, para a idéia de que é possível, haver ,teorias
astrológicas falsas.
A partir do momento, onde isto esteja, mais ou menos montado, certamente, o movimento
astrológico, não poderá prosseguir, por essa linha onde está e, as pessoas que pretendem, puxar a
coisa, para o lado revelatório, iniciático, mistíco etc etc..., terão, certamente, que se separar
daqueles, que querem estudar o assunto mesmo. Ou seja, é só despertar o interesse para o tema
astrológico que, ele será desviado, da astrologia. Porque o fênomeno, nunca é estudado
diretamente, não se estuda o fênomeno, mas somente o que os astrólogos dizem dele. É mais ou
menos por exemplo: Um país, onde não existe atividade política, só existe ciência política, então,
não se faz política, não tem parlamento, não tem eleição, não tem nada..., mas tem um monte de
catedráticos de ciência política. A astrologia também é assim: O fênomeno astrológico não
interessa, mas interessa que, o Adolfo Vaz diz tal coisa no livro dele, que Emma de Maschevile
diz não- sei-o-que, que o Sepharial diz não sei o que mais.... É somente isto que se discute, se
discute os livros e as pessoas e, não o tema própriamente dito. Em suma, uma proliferação, de
uma falsa astrologia, depende exclusivamente, da inexistência de uma astrologia verdadeira.
Para equacionar isso aqui, para que seja possível uma ciência astrológica é, que nós tivemos que
partir de uma série de providências, que são, a inaugurção de qualquer ciência. Então, eu parti da
hipótese, falsa evidentemente, mas só para ajudar o raciocínio: E, se não existisse a astrologia?
Vamos supor, que se não existisse astrologia nenhuma, que se nada estivesse escrito sobre
astrologia e, não existisse ninguém, no mundo, aparecendo em público, com a pretenssão de já
possuir uma saber astrológico, mas se no entanto, existisse o fato, de tipo astrológico. Então,
como nós deveríamos estuda-lo? A primeira providência, para você instituir uma ciência, é
naturalmente, você delimitar um objeto, essa delimitação, dificilmente, tem a sorte, de poder se
resolver simplesmente, mediante, o ato de apontar um determinado objeto material. Ex: Eu vou
fazer uma ciência, que vai estudar essa porta, porque, a maior parte dos objetos que existem, no
mundo, já estão estudados por outras ciências. Então, a delimitação, raramente se resolve ao nível
do objeto material, e sim, ao nível do objeto formal. Aí, surge o seguinte problema: Quando, por
exemplo, o pessoal que estuda ritmos biológicos( ciclos de manchas solares que, equivalem em
curvas de crescimento e decréscimo na produção de cereais, também, a incidência de mortes por
doenças cardíacas), publicam estes resultados e dizem: Isto não é astrologia, de maneira alguma.
O que eles estão querendo dizer? Eles estão querendo dizer que a astrologia é mitologia. Então,
se nós fossemos aceitar isso aí, nós teriámos que dizer o seguinte: A astrologia é a ciência que
estuda a relação, entre, fênomenos terrestres e celestes, do ponto de vista mitológico. A idéia
subjacente, que existe, na cabeça de muitos astrólogos e também, na cabeça dos adversários da
astrologia, é que a astrologia, tem que ser uma abordagem mitológica, então, o objeto material
seria o mesmo: Ciclos de manchas solares( fênomenos celestes) e as mortes por doenças
cardíacas( fênomenos terrestres). Será que nós podemos admitir esta hipótese, de que, se isto for
estudado, por observção de indução-estatística é uma outra coisa e, se isto for estudado,
mitológicamente é astrologia. Será que nós podemos aceitar isso aí? Acho que não! Acho que
isso aí tem que ser, chamado, de astrologia de quaquer jeito. E, se for estudado, do ponto de vista
mnitológico, como é que nós vamos chama-lo? Astrologia também! Ou no minimo, seria uma
pré-história da astrologia,
Tudo isto aí já nos revela que, a definição, do campo da astrologia, está extremamente confusa.
Assuntos que são evitentemente, astrológicos, estão sendo estudados e, está se chegando a
descobertas importantes que, tem que ser apresentadas, com outro nome, para não dar uma
conotação esotérica. Por outro lado, os astrólogos, eles mesmos dizem, que a astrologia, é uma
ciência que pode confirmar, as suas afirmativas, as suas aserções, por indução-estatística. Ora,
mas se os astrólogos podem, se fundamentar, em indução-estatística, então, que diferença
haveria, entre, os estudos astrológicos e esses outros estudos que, as vezes, são feitos com o nome
de cosmobiologia, ciência dos ciclos.... Isto quer dizer que: O assunto astrológico, ele está
espalhado por uma infinidade de outras ciências. Se começamos assim, o debate já está todo
viciado. O que nós temos que fazer é pegar a unidade, deste assunto e, essa unidade, é encontrada
nesta definição: A astrologia é o estudo, das relações, de fênomenos celestes e terrestres de
qualquer natureza. Supondo que, nós fossemos fazer uma ciência para estudar isso aqui, nós não
podemos pressupor, ainda, nenhum método para estudá-lo, mas o método tem que vir, da própria
natureza do objeto. Seria a própria fenomenologia, do objeto de estudo, que tem que, determinar,
qual é o método ou os métodos adequados, mais ainda, é a experiência, quer dizer: o sucesso,
maior ou menor, deste ou daquele método, irá confirmando, se vale a pena continuar por essa
linha, ou se é necessário abrir uma outra. Bom, tudo isso aí são providências, preliminares, para o
estabelecimento de qualquer ciência. E, eu me pergunto: Como é possível haver tanto debate,
sobre astrologia, sem nunca ter levado em consideração esse ponto? Isso aqui, é o central. A
Astrocaracterologia, não passa de: um pedaço do pedaço, uma parte da parte desta ciência, que
estuda, as relações entre fênomenos celestes e terrestres.
Partindo, desta definição, nós vimos já nas primeiras aulas que, o estudo de uma relação, não é
um estudo de um ente e que, relação é um ente lógico, que ela precisa ser delimitado
lógicamente,para poder, ser encontrado na natureza. Então, há um itém, que nós omitmos no
começo, porque não me pareceu importante: É de que, todas essas relações, se dão no tempo e
que, se não forem relações, de algum modo cíclicas, vão escapar, a nossa ciência. Nós podemos
precisar um pouco mais e dizer: A Astrologia, é o estudo das relações cíclicas, entre, fênomenos
terrestres e celestes. E, se dizemos ciclo ( quer dizer retorno), porque, todos os fênomenos
celestes, que nos interessam, todos eles são cíclicos, ou pelo menos, são estudados, no que tem de
cíclico. Ex: Quando falamos: Saturno está a tantos graús de tal signo. O que nós estamos
querendo dizer? Que ele está em um determinado momento do seu ciclo ( da sua órbita). Um
ponto fundamental para a astrologia: Se a astrologia é um estudo de ciclos, então, ela é um estudo
de repetições e, se é um estudo de repetições, então, nós vamos ter que abandonar, um velho mito
astrológico, que é o de que, a astrologia estuda singularidades irrepetíveis e de que, neste sentido,
ela é um tipo de ciência intuitiva, muito diferente, das ciências estatístico-indutivas.
Se nós dizemos que, os fênomenos astrológicos, são todos cíclicos e que, não há nenhum que não
seja, então, ela é , essencialmente, um estudo de repetições, se ela é um estudo de repetições, ela
é, essencialmente, um estudo estatístico- indutivo. Se a astrologia pretende se legitimar,
cestatísticamente, então, é porque ela estuda, repetições dos ciclos. Se ela estuda individualidades
irrepetíveis e, na individualidade irrepetível, o que interessa é o que tem de irrepetível, então, ela
não pode se legitimar estatísticamente. Isto aqui é uma contradição. EX; Houve uma moça, no
Rio de Janeiro, aliás professora da Astrocientia que, publicou um artigo no Jornal do Brasil,
dizendo essas duas coisas: A astrologia estuda a individualidade irrepetível, ao contrário, das
demais ciências que, só pegam, os esquemas comuns. Só que, dez linhas adiante ela diz: A
astrologia é fundada em observação e indução- estatística. Dá para compreender o estado em que
nós estamos? A mulher escreve isso, as pessoas leêm isso, o editor do jornal lê isso e, não
percebe que, isto é um total contra-senso, e que se, um aluno , do terceiro ano de ginásio,
escrevesse isso, teria que repetir de ano. Qualquer pessoa, que tenha a mais minima idéia do que
é ciência, não pode falar um negócio desse. Isso está ao nível do Mobral! E no entanto, todo o
mundo aceita.
O que dá a impressão de que, todas as pessoas, que estão envolvidas neste debate, seja pró ou seja
contra, estão todas hipnotizadas, estão todos bêbados, então, não reparam no que está
acontecendo. Se você perguntar: Por quê que acontece isso? Eu também não sei. Mas que é um
fênomeno social muito esquisito, é muito esquisito! Porque em qualquer assunto, as pessoas,
estão sempre interessadas em exercer o juizo crítico, cada um quer dar a sua opinião e, quer
contraditar o outro. Em qualquer assunto é assim, só na astrologia que não. É porque ela vem
carregada de um prestígio oracular, das coisas que estão, acima do entendimento humano, Mas
você já viu algum oráculo, dizer que,ele usa de estatística e indução, algum profeta dizendo isto.
Se o sujeito apela para a estatística e indução, ele já está declarando, que ele não é um oráculo.
No entanto, o público, continua à trata-lo como tal. Quer dizer que: A atitude, tanto dos
astrólogos quanto do público, com relação a astrologia, ela é patológica e, tanto é patológica que,
é uma atitude que, não pode se estender aos outros domínios. E, se ela se estender: Se o debate
em medicina, em economia, em política e etc.. for na mesma base, então, o mundo está perdido!
Pode se discutir assim, mas só assuntos que não tem importância, como nenhuma , descisão
fundamental, é tomada, com base na astrologia, então, pode-se falar a besteira que quizer. Mas
vamos supor que nós, por uma patologia nossa, decidíssemos levar a sério este assunto. E, é
exatamente isto que eu estou fazendo.
A primeira coisa à constatar, é essa aí : Se isto é um estudo de ciclos, é um estudo de repetições e,
se é um estudo de repetições, é por indução-estatística. A individualidade irrepetível, cai fora
deste estudo. Para o estudo da individualidade irrepetível, terá que haver, um outra técnica, que
não é uma ciência, mas uma combinação de ciências. Exatamente como em medicina, o
diagnóstico clínico, não é uma ciência, ele é uma composição de ciências(técnicas), uma arte que
um tem fundamento científico. Então, nós vamos ter que distinguir duas coisa: A ciência
astrológica e a técnica do diagnóstico astrológico. Ora, como pode haver esta técnica, se nem a
ciência astrológica existe ainda? Pode-se existir a técnica, na base de um empirismo cego, mas
ainda não é técnica com fundamento científico, é uma técnica baseada no chute.
Para converter, isso aí, numa técnica que realmente, valha a pena estudar, seria preciso,
desenvolver o estudo, da ciência astrológica, sob vários pontos de vista, ou seja, desenvolver
várias ciências astrológicas. Por quê várias? Por causa da variedade dos eventos terrestre, cuja
correspondência , cíclica, com eventos celestes, pode ser estudada. Cada um destes ciclos
terretres, tem a sua característica própria, suas exigências próprias e tem, seus mecanismos
causais próprios. Isso quer dizer que, de, cara, também temos que entender que, a astrologia não é
uma só ciência, mas ela é muitas ciências, para desenvolver qualquer uma, dessas muitas, nós
precisaremos, pegar o objeto constante que é, o fênomeno celeste, e o objeto mutável que é, cada
um dos ciclos de eventos terrestres e, estudar a estratégia e a tática , desta comparação, para cada
caso em particular. E, dito isto, o que nós passamos a fazer em seguida foi, esboçar, um
movimento neste sentido, voltado, para o estudo do cárater humano. Em primeiro lugar, nós
teremos que separar, daquele objeto, o que é comparável com o ciclo astrológico e, o que não é.
Uma coisa é nitida: O que o cárater tiver de, exclusivamente singular e único , absolutamente
irrepetível e incomparável, certamente, não é comparável. Ou seja, se nós dissermos: a
individualidade humnana, enquanto tal, ela tem um valor singular, isubstituível e irrepetível, ela é
como se fosse, uma novidade absoluta. Do ponto de vista filosófico, ético e teológico, você pode
seustentar isso aí, a pessoa humana, cada pessoa humana é absolutamente incomparável, sob este
aspécto, se ela é incomparável, já está dito, não pode ser comparável. Esta individualidade
incomparável, é precisamente o que escapa, de qualquer estudo. A individualidade humana, no
que ela tem de incomparável, só pode ser conhecido, talvez, por outra individualidade humana,
por um ato intuitivo que, implica o conhecimento do seu valor. Conheço uma pessoa, enquanto
pessoa humana, enquanto alma imortal etc..., na medida em que, intuo o seu valor, ou seja, na
medida em que a amo, daí conheço. Mas isso aí, não é estudo cietífico, isso aí, é outra coisa.
Ninguém vai fazer, estatística e indução, para estudar o ser humano, desta maneira. Também não
nego, que o estudo científico, pode aprimorar, indiretamente, a nossa intuição da individualidade
humana. O sujeito que está, acostumado, à comparar tipos humanos, grupos humanos, esquema
de comportamentos etc etc... ;depois de uma longa prática disto, ele adquiri, uma intuição mais
perfeita da individualidade. Mas entre o estudo científico e a intuição aprimorada, não existe uma
relação lógica, não é que ele deduz, do seu conhecimento tipológico, algo sobre este individuo
que ele está intuindo, é o contrário, ele é que foi aprimorado, quer dizer, que existe uma relação,
mas não uma relação de causa e efeito, não uma relação lógica, existe um aprimoramento da
atenção apenas, há uma mediação psicológica, de uma coisa à outra. Em suma, o conhecimento
do individuo, nunca vai poder ser deduzido lógicamente, do conhecimento da generalidade.
Podemos estar firmemente, escorados neste negócio, se existir um estudo científico da astrologia,
vais ter que obedecer essas condições aqui, toda e qualquer astrologia, que pretenda se validar,
estatísticamente, tem que obedecer a esses critérios. Se existe uma validação estatística :
Primeiro, Nem tudo do objeto foi abarcado, mas somente o aspécto repetível. Mais ainda, nem
todo o aspécto repetível, pode ser comparado, com os movimentos dos planetas. Por exemplo:
Mudanças minimas e muito rápidas no tempo, como compará-las, se os movimentos planetários
se prolongam por vinte e oito, por oitenta e quatro anos? Isto seria absolutamente impossível. Ou
seja:
1-Só podemos comparar, com movimentos planetários, aquilo que nos eventos, seja cíclico.
2-Somente podemos comparar, aquilo, que possa ter uma duração, compátivel, com a dos
fênomenos planetários.
Ex: O fênomeno planetário, mais rápido, seria a mudança de fase da lua e, a posição do sol (o
dia). Mas vamos supor, que nós chegássemos, a mais fina observação, ou seja, discernir
diferenças, entre graus, do signo ascendente(que mudam de 4 em 4 minutos). Tudo o que
acontecesse, dentro, desses 4 minutos, para nós, do ponto de vista astrológico, seria igual.
Quantas coisas podem mudar em 4 minutos.... O sujeito estava vivo, no primeiro minuto e, no
segundo, ele está morto. Vamos supor que, aprimorássemos, a técnica astrológica, até esse ponto,
microscópico, do grau do ascendente (por estudo, hoje, só existe do ponto de vista mitológico: os
mitos dos graus).
Veja você, que esta comparação, tem limites e, esses limites, são intransponíveis, senão
teóricamente, pelo menos na prática. Então, para cada novo objeto, de comparação astrológica,
nós teremos que delimitar: 1-O que ele tem de cíclico.
2-Quais são os ciclos que ali, estão
envolvidos.
3-Qual a possibilidade da comparação,
para daí, se lançar a comparação.
Basta fazer estas coisas, para que, a astrologia, se torne possível.
Com relação ao cárater, o que nós temos, não é própriasmente, uma ciclicidade, mas uma
tipologia( um equivalente, espacial e extático dos ciclos). EX: Como as cartas do baralho, elas
estão todas lá, ao mesmo tempo, mas elas vão sendo jogadas, uma de cada vez. Ou, como as
letras do alfabeto: Elas existem, todas ao mesmo tempo, mas vão sendo usadas, uma de cada vez.
Do cárater humano, nós só podemos comparar com o mapa astrológico, aquilo que for,
própriamente, tipológico e, com isto, a individualidade irrepetível, foi para as cucuias.
O cárater humano, evidentemente, tem um aspécto de singularidade irrepetível, mas por outro
lado, ele sempre pertence à algum tipo(um grupo). Pelo menos, nos seus aspéctos, ou partes
componentes, ele apresentará, semelhanças e diferenças, com relação à outros individuos e, é por
estas semelhenças e diferenças, que nós vamos descreve-lo. Portanto a comparação de horóscopo
com cárater, terá que ser de índole tipológica. Não temos como escapar disso aí. O que é que
estamos fazendo aqui: Nós apenas seccionamos, no individuo humano, certo número de aspéctos
e, agrupamos, estes aspéctos, por suas semelhanças e diferenças. Ex: Quando dizemos assim:
Planetas nas casas. Saturno na casa l, Satruno na casa ll, Saturno na casa lll.... Isto são tipos, Não
são tipos de individualidades, mas são tipos de traços. Claro, que a combinação, desses vários
tipos de traços, num individuo, pode ser bastante rara e, pode ser até única. Mas o mapa
astrológico vai discernir no individuo, o que ele tem de referível e comparável com outros seres.
Com isto, significa, que nós estamos nos colocando, no puro terreno da ciência estatístico-
indutiva e, não existe, nenhuma diferença, entre, este estudo estatístico-indutivo e qualquer outro.
O debate, entre astrólogos e inimigos da astrologia, ele pode ser resumido, na seguinte coisa:
1-Quando o astrólogo, quer dar, uma aparência científica, ao que ele está falando, ele diz que, é
uma ciência estatístico- indutiva. Quando espremido, pelo cientista, ele vê, que ele não vai
conseguir nada por ess lado, ele apela, e diz que, é uma cciência intuitiva revelada, que capta, as
individualidades irredutíveis.
2- O inimigo da astrologia, também, argumenta duplamente. Ele vai argumentar assim: Se é uma
ciência revelada, intuitiva, então, ela não pode ser provada, ela esacapa, do território da ciência,
então, não é ciência, Agora, por outro lado, submetido, pelo teste estatístico-indutivo, a gente
mostra, que ela não funciona.
Quer dizer, os dois lados, eles trocam de argumentos, conforme lhes interessa. Mas isto é um
jôgo de carta-marcada. Vamos tirar, o aspécto, da individualidade irrrepetível, tira-lo,
completamente de campo. A técnica da astrocaracterologia, se interessará pela individualidade
irrepetível, porém, isto é o que ela vai ter de, precisamente, de não astrológico. Claro, que se você
está estudando, a astrocaracterologia, é porque você vai querer chegar, a compreender, o mapa de
um individuo. Então, precisamos dividir o estudo, em duas partes, uma parte científica e uma
parte tácnica. A parte científica, é a comparação, dos vários traços, sob o ponto de vista
tipológico, portanto, comparativo. E, a parte técnica? A parte técnica, consciste na aplicação
disto, para um caso singular, para isso, nós precisamos ter uma série de conhecimetos de
psicologia, de filosofia, de ética etc etc...; que nos permita, captar, o que existe de singular no
individuo. Mas isto é precisamente, o que não é astrológico. Isto aí, foi o que vocês
tiveram,quando estudaram, o texto do Honório Delgado e, o que que isso tem de astrológico?
Nada. Exemplo: todaa as precauções, que você deve ter, para você poder, se assegurar, de que
você, está sendo, objetivo, verdadeiro, no seu conhecimento do individuo singular.
O mapa astrológico não te socorre, em absolutamente nada. Toda vez que, você olhar, o mapa
astrológico dele, você, está olhando, justamente, o que nele existe de repetível. Agora, só quando
você tira o mapa astrológico, e olha a cara dele, olha ele, enquanto pessoa, bom, esse aí é
irrepetível. O mapa astrológico, ele pode funcionar, como um esquema, que simboliza o
individuo irrepetível, mas que não é. Vamos raciocinar da seguinte maneira: O coonceito do
particular, se opõe, ao conceito do geral. O conceito do singular, se opõe, ao conceito do
universal. não é a mesma coisa, Então, nós podemos dizer assim: O particular está para o geral,
assim como, o singular está para o universal. Quando nós dissemos que o individuo é, uma
singularidade irrepetível, nós estamos contrapondo-o ao universal, estamos dizendo, que ele
escapa da abordagem, particular geral. A particularidade é apenas, um desvio, em relação a uma
norma geral, comporta excessões. Não é neste sentido que, o individuo é uma singularidade
irrepetível, ele é uma singularidade irrepetível, justamente, pelo valor universa insubstituível
dele. Ora, o horóscopo o estuda, do ponto de vista, da sua particularidade, ou seja, pelas suas
semelhanças e diferenças em relação, ao geral. O particular pode ser, um esquema, que ajuda, as
vezes, à captar algo do singular, mas não é o singular. Ex: Se eu pego, todos os exames de
laboratório de uma pessoa, captei a singularidade? Não, captei a particularidade. Esta
particularidade, ela pode ser, tão particular, mais tão particular que, não tem igual, é díficil de
repetir, mas não é impossível de repetir. Quando dizemos que, o individuo é uma singularidade
irrepetível, nós não estamos dizendo, que ele é díficil de repetir, mas nós estamos dizendo que ele
é impossível de repetir( por definição). Se aparecesse dois individuos, com a mesma cara, as
mesmas características bio-tipológicas etc etc...; Nós diriámos que é o mesmo individuo? Não.
Porque, particular, está dentro da identidade específica e o singular está na identidade numérica,
quer dizer que, numéricamente, os individuos, cada um é um. Então, nós podemos dizer, que o
individuo, enquanto singularidade irrepetível, só pode ser objeto de um conhecimento humano,
de um conhecimento existêncial, de um conhecimento pessoal ( pessoa a pessoa ), ele é uma dado
da intuição e, se ele é um dado da intuição, não é conhecimento científico, de maneira alguma e,
não tem sentido, estudá-lo científicamente. Seria tão ilegítimo, estudar, a individualidade
irrepetível do outro, quanto a minha própria.
A ciência é uma modalidade de conhecimento, e essa modalidade é praticada, por um individuo
humano. A ciência se dá dentro,do mundo da experiência, como dizia Edmund Hurssel: " O
mundo da vida." Isto é um pressuposto. Só quem existe é que faz ciência, só quem existe é que
conhece, pois, quem não existe, não conhece nada. Esse conhecimento do individuo pelo
individuo, Não é um conhecimento científico, e nem pode ser, nem tem sentido, é um absurdo!
Aliás, ele é um pressuposto do conhecimento científico. Ex: Se eu não tenho autoconsciência do
individuo e, não sou capaz de captar um individuo, que não seja eu, então, sou esquizofrênico e,
esquizofrênico não deve estudar ciência nenhuma.
O conhecimento existêncial ( natural ), ele é um pressuposto do conhecimento científico e, se
você nãao o tem, então, não adianta fazer conhecimento científico. Por outro lado, o
conhecimento científico, escapa ,do dominio das relações interpessoais humanas. Ex: Se eu digo
que: 2 + 2 = 4, isso não cé para ser válido só entre eu e você. Isto adquiri um valor normativo,
isto é válido, para qualquer ser humano e, qualquer ser humano tem que engulir assim. Esta é a
diferença: o conhecimento existêncial, o conhecimento direto ele é, evidentemente insubstituível,
mas ele só vale para quem o tem. O conhecimento científico, tem que ser válido para quem tem e,
para quem possa vir a tê-lo, amnhã ou depois e, para quem não tem também. São como que, um
avesso do outro, por isso mesmo, é que comparação ou hierarquização dos dois, é inteiramente
absurda! Pois se são formas de conhecimento absolutamente contrárias, se são contrárias, são
complementares, assim, como frente e verso.
O conhecimento existêncial ( conhecimento intuitivo imediato) , a intuição é um pressuposto da
razão e, isso funciona, de maneira, completamente inversa. Todos os contrários são
complementeres. Tudo o que é radicalmente contrário do outro, exige a presença do outro. Essa
confusão, vem do fato de as pessoas, não entenderem, o que é o contrário, e o que é contraditório.
1- Contraditório: A existência de um, suprime, a existência do outro. Uma coisa não pode ser e
não ser, de maneira alguma. Se 2 + 2 = 4, então, não pode dar 5. Nào pode dar 5 hoje e, não pode
dar 5 nunca. É absolutamente impossível!
2- Contrário: São coisas, cuja oposição interna, compõe um objeto. Quando uma é latente, a outra
é patente e, quando uma é patente, a outra é latente, aí, é dialético. Ex: A intuição e a razão, não
são contraditórias, elas são contrárias. Uma é inconcebível sem a outra.
--Esses dois contrátios, tem haver, com o conhecimento científico e mitologia?
Olavo: --Claro! Onde não houve conhecimento mitológico, não vai haver conhecimento
científico. E, se tem conhecimento científico, é porque tem, o conhecimento mitológico.
Onde não tem mito, também, não tem ciência. Essa é a regra do Benedetto Croce: " Se o homem,
não fosse, animal fantástico, também, não seria animal lógico." Se o homem não tivesse a
fantasia, também, não teria a lógica. Isso é que nem, o ovo e a galinha. Ovo e galinha, são nomes,
da mesma coisa, tomada em duas fases, dialéticamente contrárias, portanto, complementares do
seu desenvolvimento.
O aspécto de individualidade irredutível e, o aspécto genérico do homem, também, são como o
ovo e a galinha. Então, aquilo que em mim, é o mais individual, e aquilo que mais genérico, estão
em mim, fundidos inseparávelmente. EX; Individualidade irredutível: Só Deus. Ele não é, um
membro de uma espécie, não pertence a genero nenhum, não pode comparar com nada. Agora,
qualquer ser que exista, ele tem por um lado, uma individualidade irrepetível, e por outro lado,
tem uma série de características genéricas e, essas duas coisas, são nele contrárias. Essa
contrariedade, forma a sua estrutura interna.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 62 L7/08/91 FITAS: 1, 2 E 3.

A Astrocaracterologia, não é senão, uma tentativa de precisar, um determinado objeto, para essa
comparação. É evidente que, esse esforço de precisar um objeto, não pode ser confundido, com o
esforço de precisar, o sentido de uma palavra. Em geral, a mente que não está habituada, o que é,
a investigação científica e investigação filosófica, ela confunde muito o que é, a delimita ção de
uma coisa (uma realidade), do que é, a simples definição de uma palavra. Ou seja, o esforço todo
que nós fizemos, nestes vários meses, em trono da noção de cárater, não foi apenas, no sentido de
tornar mais claro, o sentido da palavra cárater, ou seja, não foi uma investigação verbal, não foi
uma invstigação semântica. Precisar o sentido de uma palavra, não daria tento trabalho assim,
bastaria, que nós, convencionalmente, por uma decisão nossa, formulássemos uma sentença que,
expresse o sentido, que empregaremos à aquela palavra. Mas como nós temos o intuito de que, a
nossa definição, vai coincidir com o objeto, isso significa que, olhando, este mesmo objeto
depois, sob todos os ângulos, que nos ocorra conceber, nós não encontraremos, nenhum traço,
que esteja fora da definição e, muito menos, algum traço que , desminta, essa definição.
Nào se pode confundir a operação, puramente lógica ou semântica, de estabelecer uma definição,
e a operação fenomenológica , que é de você, examinar a própria coisa. Lógico, que a noção de
cárater, como não expressa, um ente que nós encontremos, na rua ou na natureza e, que expressa,
por sua vez, um ente, de natureza lógica. Só pode ser especulada através de palavras,
evidentemente. Ex: Nós não podemos colocar o cárater, aqui em cima da mesa, para que todos
olhem e, confiram, se nele há algo que falta à nossa definição, ou se ao contrário, se a nossa
definição, tem algo mais que nele não está.
O fato de, esta operação, ter que ser feita, através de palavras, as vezes, engana, a mente
destreinada. Particularmente, no meio brasileiro, existe uma tendêcia verbalista. Com verbalismo,
eu não quero dizer, que são pessoas que falem muito, as vezes, falam até pouco. Mas é de confiar
nas palavras, enquanto poder. Existe popularmente, na nossa cultura, a idéia, que uma pessoa
culta, é uma pessoa capaz de falar qualquer coisa e, de provar qualquer coisa que ela queira. Uma
espécie de conceito retórico, do que seja, o conhecimento.
Na verdade, nós sabemos que, quanto mais nós conhecemos uma coisa, menos livros nós usamos,
para falar qualquer coisa sobre ela. Exemplo: Nós, que nada entendemos de eletrônica, podemos
dizer qualquer coisa, a respeito, de como funciona um rádio, um gravador etc... Mas o técnico de
eletrônica não. Ele sabe que se ele, inventar, um rádio, um gravador, desta ou daquela maneira,
ele não irá funcionar, que só, obedecendo, um certo encadeamento de causas e efeitos, é que se
obterá, o resultado desejado. Quer dizer que: O conhecedor de um assunto é o sujeito, cujas
idéias, sobre aquele assunto, estão, severamente limitadas pela experiência real.
Este algo, este residuo, este ranço do verbalismo,tornaria díficil, acompanhar, através de uma
demonstração, que é feita inteirinha com palavras, os correlatos objetivos, dessas palavras. De
maneira que, como o cárater, só pode ser referido, só pode ser mencionado, só pode ser mostrado,
indiretamente, através de palavras, então, a realidade, daquilo que se fala a respeito, pode
escapar.
A definição de cárater, que foi dada no começo, não é a definição astrológica. Não tem nada que
ver com astrologia. A definição dada, foi, a do lógico Sigwart: "O cárater de uma coisa, é a
natureza dela, explicada de tal modo, que dela decorre, necessáriamente, certas propriedades."
1-Isto não é astrológico.
2-Isto não é individual e intransferível.
Se nós definimos assim, uma essência, de qualquer coisa, que se possa predicar, dessa mesma
essência, se poderá predicar, as mesmas propriedades. Ex: Uma vaca é um mamífero, então,
significa que, ela pode se alimentar, se nutrir e crescer, fundalmentamente, na base do leite. Isso
aí, não é uma característica individual e intransferível de cada vaca, mas sim, da espécie vaca.
Enão, se dizemos, que o cárater é uma essência, como concluir daí, que isto aí, é individual e
intransferível, ao contrário, podem existir essências individuais, mas podem existir essências de
espécies e de gêneros.
--Seriam os tipos?
Olavo:--Claro! Um tipo, o que é? É um cárater,é uma essência, de tal modo, que uma vez
descrita, dela decorrerão necessáriamente, certas propriedades. Neste sentido, o cárater é uma
essência, mas não é uma essência individual e intransferível.
O cárater, então, se ele existe, se ele é real, ele deve , conscistir de um certo conjunto de nexos,
que é inseparável. Você não pode conceber o cárater, de maneira frouxa. Os elementos do cárater,
nós não podemos, montá-los, de qualquer jeito, eles estão colocados em uma certa ordem e,
aquilo lá, resiste a nossa tentativa de concebe-lo de outro jeito. Resiste, não porque nós não
consigamos concebe-lo, mas resiste porque, se concebermos assim, então, aquilo que
concebemos, já não confere com a experiência. Isto acontece porque:
Exemplo: Como o pensar( o encadeamento lógico das idéias), é uma operação, que você faz,
independentemente, da recordação da experiência vivida. Ou seja, recordar é uma coisa e,
raciocinar é outra coisa. Então o sujeito, quando começa a raciocinar, ele entra numa linha de
raciocínio e diz: Tchau! Para a recordação. Quando ele começa a recordar, ele diz: Tchau! Para o
raciocinio. Obedecendo a uma espécie de automatismo do cérebro. Ex: Você liga o computador,
num determinado programa, ele vai, seguir a lógica daquele programa. Você aperta um botão:
Raciocinar, ele começa a fazer uma sequências de silogismos. Aperta o botão: Recordar, ele
apresenta imagens. Agora, você vai pensar, mas ao mesmo tempo você vai recordar e, para tudo o
que você pensar, para cada silogismo que você pensar, você, tem que achar uma imagem
correspondente do lado de lá. Esta operação é díficil e, justamente, por ela ser díficil é que, nós
podemos ter a certeza, que ela nos informa algo de real. Pois, tanto o raciocínio, deixado a si
mesmo, quanto a memória solta, eles entram em desvarios. Tanto o raciocínio nos engana, quanto
a memória nos engana e, só não engana, se você, comfere o testemunho de um, com o
testemunho do outro. Então trata-se de você dar uma consistência lógica, a uma sequência de
imagens recordadas. Você começa a pensar, já não só com palavras, mas começa a pensar com
coisas. Isto é evidentemente díficil. Exemplo: É o que acontece no cinema, só que no cinema, não
foi você que fez o filme. O diretor, já encadeou, as imagens, em sequência certa, para levar você,
a uma certa conclusão, a um certo desenlace. Você só tem que, completar, umas partes faltantes.
Mas não se trata apenas de você, produzir um cineminha para você, trata-se, de você produzir um
cineminha, que repita a ordem lógica. No cinema, o sujeito, está repetindo, uma ordem
cronológica apenas. Se ele inventar uma estória, perfeitamente, absurda, que nem o Exterminador
do Futuro, você também completa as imagens, só que, você não faz a crítica lógica. No
Exterminador do futuro, o sujeito, volta ao passado, para alterar no passado o seu próprio
futuro.Isto aí é evidentemente impossível. Isto não é fisicamente impossível, isto é
metafisicamente impossível(lógicamente impossível).
A idéia de retorno no tempo, é uma idéia que , em si mesma, ela é contraditória. Retorno: é uma
figura espacial, o espaço, é precisamente aquilo, onde tudo tem retorno. Porque o espaço,é a
simultaneidade de todas as relções. Agora, se eu, transformo, este retorno, numa figura de
linguagem e digo: Retorno no tempo, então, eu estou aplicando ao tempo, uma categoria espacial,
que não funciona absolutamente. Se a expressão: Retorno no tempo, fosse possível, bastaria ela
ser possível( expressar uma realidade), para que eu, retornando, os ponteiros do relógio, fizesse
recuar o tempo. Porque retornando os ponteiros do relógio, eu estou um retorno no espaço e, essa
figura espacial: Relógio, simboliza o tempo. A idéia de repetição no tempo, é uma idéia que se
contradiz a si mesma. ( idéia do Eterno Retorno). O tempo é precisamente, um esquema de
relações, no qual, por definição, o que foi feito, não se faz mais. Uma definição do tempo, seria, a
absoluta impossibilidade de repetição. No tempo, só existe analogias(simbolos), mas repetição
não existe. O curioso é que, essa irrepetibilidade, o velho Heráclito( que era um pouco sofista,
sem saber), ele cometeu, quando ele disse que: "Nós nunca nos banhamos, duas vezes, no mesmo
rio." Banhamos sim! Nós não nos banhamos nas mesmas aguas, mas no mesmo rio sim. Porque, a
àgua passa, mas o rio fica. Exemplo: É o verso do poeta francês: " Os dias se vão e eu fico." /
Estes jogos todos de palavras, este jôgo, entre, relações gramáticais e relações lógicas. Isso aí, é
um bicho-de-sete- cabeças do pensamento humano, 99% dos êrros filosóficos, vem desse tipo de
confusões.
O tempo é precisamente, a ausência, da possibilidade, de repetição e, o espaço, é a possibilidade,
permanente, da repetição. Mas acontece o seguinte: Você conhece alguma coisa que exista
somente no tempo, sem espaço, e conhece alguma coisa que exista, somente no espaço sem
tempo? Não. Então, quer dizer que , todos as coisas estão prêsas, nestes dois feixes, nestes dois
sistemas de relações, chamados, espaço e tempo. Nós podemos pensar essas coisas
separadamente, mas elas não podem existir, quer dizer que, a diferença, entre tempo e espaço, é
uma diferença, real mental.
No instante em que definimos, o cárater, como uma essência, não quizemos dizer, que é uma
essência individual e intransferível, deixamos esta questão em aberto. Ele é uma essência, no
sentido, de que ele é, o conjunto de qualidades, a natureza de determinado ser, ou de uma espécie,
concebida, de tal modo, que dada esta natureza, tais ou quais propriedades se seguem
necessáriamente. Um tipo, é exatamente a mesma coisa.
O que que significa, você pertencer a um tipo. Por exemplo: No raciocinio do Le Sene, se você
pertence a um tipo, isso significa que, em tais ou quais situações, tais ou quais propriedades, irão,
se manifestar necessáriamente. Mas se você é um emotivo, mas nunca fica emocionado. Que raio
de emotivo é esse? O emotivo, não é um sujeito que reage, é mais alterado pelo que acontece. Um
emotivo que, sendo emotivo, permanecesse inalterado, ou seja não manifestasse esta propriedade,
não seria emotivo, de maneira alguma.
Toda esta descrição que nós estamos fazendo desses traços, vão compondo uma essência, só que
esta essência, é a essência do seu tipo astrocaracterológico, e não, a essência sua individual. Não
se pode, de maneira alguma, confundir o horóscopo do individuo, com ele mesmo. Aliás, é ao
contrário, o mapa astrológico, expressa somente uma parte do cárater, a qual, é só uma parte da
personalidade. Para que nós não cometamos, a asneira, de tomar o cárater astrológico, como se
fosse o cátater própriamente dito e, tomarmos o cárater própriamente dito, como se fosse o
sujeito, foi exatamente para isto, que eu quiz que vocês lêssem o texto do Honório Delgado , que
enfatiza esta multiplicidade de planos, nos quais, nós conhecemos o ser humano. No qual, o plano
do confronto imediato de individuo para individuo, é absolutamente isubstituível. Se eu não
tenoh este conhecimeto, então, eu só posso conhecer, no individuo, aquilo que é genérico, ou
seja, só posso conhecer o seu tipo, ou sua classe social, ou o seu cárater, no sentido de Le Sene,
ou o seu quadro punsional, no sentido, do Szondi, mas não posso conhecer a ele. Este
conhecimento do individual, não é astrológico e, não pode ser, porque, o astrológico, é a
comparação do individuo com algo que não é ele. Basta, você dizer isto, para entender, que não é
individual e intransferível. Para que isto fosse, individual e intransferível, seria preciso que se
demonstrasse, a impossibilidade teórica, de haver dois individuos, com mapas, astrológicamente
iguais, notem bem, não astronomicamente.
Astronomicamente: Se um sujeito nasceu, dois minutos, depois do outro, já é diferente. Haveria,
no signo ascendente, uma diferença de meio grau. A astrologia, tem instrumentos, para interpretar
diferenças de meio grau? Não. Então, astrológicamente, essa diferença de meio grau, é
irrelevante, ela não existe, para a astrologia, embora, exista astronomicamente.
Por outro lado, individuos com mapas semelhantes, tem destinos semelhantes. Como no famoso
exemplo do ferreirro, que nasceu, no mesmo dia e hora que o rei. Era um rei da Inglaterra, que
nasceu na mesma hora, em que nasceu um ferreiro. No dia em que o rei casou, ele também casou,
no dia em que o rei subiu ao trono, ele se tornou chefe da ferraria. no dia em que o rei caiu do
cavalo e quebrou a perna, ele também caiu do cavalo e quebrou a perna e, assim por diante.... O
simples fato de você citar, este exemplo, já está gritando, que o mapa, não é individual e
intransferível.
Por quê que os astrólogos alegam isto? Alegam porque, quando, tendo colocado a discussão da
astrologia, no plano, da indução-estatística, eles começam a se dar mal, então, eles passam para o
outro departamento, para o departamento da intuição, quando lhes interessa e, se no departamento
da intuição também vai mal... Quando demonstramos para eles que, interpretação de simbolos,
não pode, por definição, ser uma operação intuitiva, por ser uma intepretação, então, eles voltam
correndo para a ciência de indução-estatística. Em suma: Este negócio é uma trapaça, que não
acaba mais!
No entanto eu pergunto: Para quê tudo isto, se por outro lado, existe uma comprovção do
fênomeno astral? Se pode haver uma astrologia com fundamento, para que fazer toda essa
patifaria? A resposta é a seguinte: Acho que os caras, não acreditam em astrologia. Todo o
astrólogo tem um complexo de que, a astrologia não funciona.
O individuo acostumado a sustentar, essas bolhas de sabão, como se fossem verdades científicas.
Se a bolha de sabão estourar, estoura a vida dele, estoura o sentido da vida e daí, ele vai entrar
numa crise, ele vai ter que virar tudo ao contrário. Aliás, tem um amigo meu a quem aconteceu,
exatamente isto. Ele era uma astrólogo, desses crentes na astrologia, foi discipulo da Dona Emma
de Maschevile e que, derrepente, ele deve ter tido, uma evidência intuitiva de que, tudo aquilo era
uma bolha de sabão e , ele entrou numa crise existêncial, ele virou Pastor protestante e, do alto do
Púlpito, ele condena os astrólogos, até hoje, ao fogo do inferno.
Trata-se, de uma mudança de crença, sem nenhuma relação, com o conhecimento do seu objeto.
Eu acho que tudo isso, toda essa mitologia, toda eessa fantasia, essa necessidade de sustentar uma
crença, apelando, ora para o movimento científico, ora para o movimento religioso, mudando de
código, conforme o momento. Tudo isso, para mim, forma uma psicopatologia coletiva, tão
maluca, quanto qualquer outra crença, deste tipo, que a gente vê hoje na praça. O que mais me
espanta! É que esta fantasia toda. é feita, para sustentar uma crença, que no entanto, se poderia,
sustentar por meios, muito mais serenos. Bastando que você, concentrasse a sua crença, no
fênomeno astrológico, e não nos poderes da astrologia. Porque no fundo não se trata, na cabeça
deles, de uma crença na existência de um certo fênomeno, mas na crença de que eles tem um
certo poder. O fênomeno, já está mais que comprovado que existe, existe pesquisas e mais
pesquisas.... já encheu até o saco... Então, se existe o fênomeno, podemos, fazer uma astrologia,
para estudá-lo, quer dizer, não precisaria ter tanto sofrimento por causa da astrologia, é só , de
fato, você começar a fazer, a tal da ciência, que você diz existir a mais de 10.000 anos.
Mas se o individuo está a fim de acreditar, que a astrologia, enquanto tal, é um conhecimento
revelado, então, vai mal!
A astrologia, ela pode ser um conhecimento revelado, no sentido em que todo o conhecimento foi
revelado. A própria inteligência humana foi revelada. Mas acontece, que o conhecimento
revelado, tem essa peculiaridade, ele nunca é explícito. A astrologia é um conhecimento revelado,
ela pode até ser e, por isso mesmo não é um saber científico, por isso mesmo ela tem que ser
decifrada e por isso mesmo não é própriamente um saber. A revelação não se coloca, no nível, do
que nós podemos denominar, o saber. A revelação é matéria de saber, não é um saber. Se ela tem
tantos aspéctos, enigmáticos, ela é justamente algo, a ser sabido, a ser investigado ao longo do
tempo. Então, você diz: O conhecimento revelado, é superior a ciência. Isto é uma grandesissima
bobagem! Porque o conhecimento revelado é matéria de ciência. Como é que você vai saber, o
que é superior, a matéria da ciência ou a ciência? É a mesma coisa que você perguntar: O que é
superior, a comida ou a digestão? Isso é inteiramente absurdo!
Se o sujeito diz: --Ah! Você tem apenas a ciência( material humano), mas nós aqui, temos um
saber revelado.
Eu digo: --Ah! Mas você possui o conhecimento desta revelção, no mesmo sentido em que eu
possuo, o conhecimento de que, 2 + 2 = 4 ? Se o sujeito for honesto, vai dizer que não.
Podemos concluir, facilmente, se é uma revelação, não é um saber, mas uma matéria de saber.
Aliás, isso é até uma exigência. Teológicamente, a preimeira coisa que Deus revelou, foi o
universo, foi a criação mesmo. E o universo o que é, é um saber? Nào, ele é matéria de saber.
Bastava, isto aqui! Para pegar uma obra, como a do Rene Guénon, e dizer, vamos contestá-lo pela
base: Revelação, não é um saber, mais sim, matéria de saber.
O que define o saber, não é só a matéria, mas a forma. Saber é uma forma de relação, que se
estabelece, entre, a consciência humana e um objeto. Neste sentido, a revelação, não é saber, de
maneira alguma, a não ser, que você diga: --Nós recebemos aqui os Vedas, e ista é a revelação,
mas junto, nós recebemos toda a interpretação. Nós sabemos, que isto é históricamnte falso! A
interpretação, foi sendo feita depois, de maneira, muito trabalhosa, utilizando, os mesmos
recursos de filologia, de lógica etc etc... que nós usamos, para adquirir, qualquer outro saber.
Estas advertências todas, servem, para por ordem no debate.
Prosseguindo o passo do nosso raciocínio: Se o fênomeno astrológico existe, então, temos que
conceber o método. Nós vimos, que é uma exigência do método, que ele seja, pelo menos um,
diferente, para cada ordem de objetos, que nós decidamos comparar à configuração astrológica.
Em todos os casos, sendo um estudo comparativo, não pode ser, um estudo intuitivo da
individualidade incomparável. Tudo o que é individual e incomparável, cai fora, de um estudo
que é, na base, comparativo.
Também e errado, colocar a astrologia, como uma epécie de ciência do tempo, como ciência do
momento irrepetível. Um momento, considerado em si mesmo, é irrepetível, porém, o horóscopo
não retrata um momento. O horóscopo é, categóricamente, um momento do céu, visto desde um
determinado lugar. Pode-se calcular um mapa, desde lugar nenhum? Não. Então, o memento,
pode ser, em si mesmo, irrepetível, mas o lugar é repetível e, as posições, consideradas, são todas
elas repetíveis, então, é uma síntese de tempo e espaço, onde, neste estudo, nos interessará,
fundalmentamente, exatamente o que é repetível. Por isso mesmo, é que a preocupação nossa,
nesta rodada de aulas, tem sido a de, estabelecer o catálogo das posições repetíveis, para que
depois, possamos, ir compondo aos poucos, uma tipologia das mais variadas possível. Nesta
tipologia, nós obteremos , dois milhões e oitocentos mil tipos. Isto é limitado, no mundo existe
mais de dois milhões e oitocentas mil pessoas, então, sempre existe naturalmente, a possibilidade
de repetição, de determinados traços, embora, não no mesmo individuo. Essas posições de Sol e
Saturno, que nós estudamos, elas podem ser articuladas, em 144 tipos. Você conhecer 144 tipos,
é claro que isto aumentará, a sua capacidade intuitiva do individuos. Você sabe porque? Sabe
como é que você, aprimora a intuição? Exigindo dela menos. Presta bem atenção! Porque que
esse estudo, catalocatório, puramente racional, como ele deveria favorecer a intuição? Na medida
onde eu conheço, os caractéres tipológicos( bio-tipológicas), características hereditárias, sociais
etc etc..., eu sei, que tudo isso não é ele, na medida em que, eu sei que não é ele, eu presto
atenção, no que é ele. Não havendo o risco, de eu confundir algo que é coletivo (geral) com o que
é singular, pelo simples fato, de eu te-lo apreendido intuitivamente. Neste caso, eu seria
enganado: Eu posso, apreender intuitivamente, um certo traço do individuo, acontece, que ele
pode ter esse traço, em comum, com a mãe dele, com a avó dele etc etc...Por eu ter captadp
intuitivamente, me parece, que aquilo é singular do individuo, e acabo de cair em uma armadilha.
A intuição, tem este pequeno problema: Tudo o que a intuição, lhe apresenta, é absolutizado no
mesmo instante. Por quê? Porque a intuição não compara. Para a intuição essas diferenças não
existem. Para a intuição não existe, nem mesmo, a diferença entre real e irreal. Na hora que eu
intuo uma vaca, com os dois olhos da cara, é uma vaca e, na hora que eu intuo uma vaca,
imaginária, é vaca também do mesmo jeito. A intuição só capta, neste sentido, essências (ou
traços, ou notas) isoladas e para ela, no instante onde ela capta, aquilo é a única coisa que existe.
Aonde está aquele traço, dentro da hierarquia da forma total , que compõe aquele individuo,
aonde está este traço? Este traço, longe se ser singular, característico dele, pode ser comum à toda
a sua familia, ou à sua classe social, isso aí, não tem jeito de eu saber pela intuição Mas no caso,
eu intui certo, a coisa que eu vi estava lá, mas o juizo implícito, que eu faço a respeito, é
enganoso. Até para captar o singular eu preciso da razão, para balizar, para colocar essa
singularidade numa moldura, de maneira que, a singularidade do individuo, não se confunda, com
a singularidade dos vários traços, ou dos vários elementos que eu discerni nele. Exemplo: Eu olho
o individuo, e vejo que ele tem um nariz de batata. Então captei isto intuitivamente, mas essa é a
singularidade daquele nariz, naquele momento em que eu vi, quer dizer, eu não estou pensando o
conceito de nariz de batata, eu estou vendo um nariz de batata, eu estou seguro de que ele está na
minha frente, A singularidade do individuo, onde está este nariz, é mui outra coisa, tanto que, se
nós arrancássemos este nariz, o individuo continuaria sendo ele mesmo. A intuição da totalidade
singular do individuo, é uma intuição muito complexa e muito rica, não é uma intuição simples,
como a de que o sujeito tem um nariz de batata. É uma intuição, que implica sentimento, implica
uma valoração total do individuo, e que as vezes, nós nunca chegamos. Na verdade a intuição da
sua individualidade irrepetível, é na realidade, o conhecimento mais alto que você pode ter de um
ser humano, o mais profundo, tanto, que na maior parte dos seres , você não chega, você conhece
os seres só pelo que eles tem de genérico. É exatamente sobre isto, que fala o Honório Delgado: "
Conheço o individuo, sob certos aspéctos, que me interessam. " O quê que eu estou conhecendo
dele? Um aspécto genérico. Exemplo: Eu sou um sujeito interessado em pedagogia (ensinar as
pessoas). É evidente que qualquer sujeito que eu converse, a primeira coisa que eu reparo nele, é
se ele entende o que eu falo ou não, se ele é inteligente ou não, se ele tem vontade de conhecer ou
não. Isso aí, o quê que é? É uma categoria genérica, eu observo isto em todo o mundo. Um
individuo, por exemplo, pode ter muita vontade de conhecer, e isto não ser central nele. Ele tem
muita vontade de conhecer, mas tem alguma coisa que ele quer muito mais do que isso. Um outro
individuo, pode não ter, nenhum impulsso de conhecer, mas acontece que esse desinteresse, pode
também não ser central, pode ser acidental. Como é que eu vou saber isto por intuição?
A intuição completa do individuo é, mais ou menos, como a representação que você faz, de um
edifício ou de um templo, depois de have-lo olhado por fora e por dentro, depois de ter percorrido
todos os seus compartimentos, depois de ter olhado desde as várias perspectivas, e daí, derrepente
aquilo tudo aparece, para você, montado numa única forma. É um ato intuitivo, mas que tem de
ser preparado. Esta percepção da forma total, ela pressupõe, que na memória, esteja depositado
muitas informações sobre as partes, então, aí é que chegamos nessa intuição.
Exemplo: Quando Miguel de Cervantes, concebeu o Dom Quixote, isto é evidentemente um ato
intuitivo: A percepção (invenção) de um personagem. Isto saiu do nada? É uma intuição simples,
como você perceber que um sujeito tem nariz de batata? É evidente que não! Veja: A intuição da
formal total de uma catedral Gótica, é tão intuição, quanto a intuição de que un sujeito tem nariz
de batata, é a mesma coisa, só tem uma diferença de conteúdo, então, um conteúdo maior, leva
mais tempo para ser intuido, Na hora que essa montanha de detalhes particulares, aparece
repentinamente, únidos numa síntese, aí você teve uma intuição, daquela individualidade como
um todo, antes não, você tinha a intuição de suas partes e, um conceito racional de seu todo.
Preste bem atenção! Normalmente nós só temos intuição de detalhes, porque, uma intuição do
todo é uma intuição complexa. E o que é mais complexo, as vezes, nós não pegamos intuitivente,
nós só pegamos, pelo desmembramento lógico, pela arquitetura lógica da coisa. Do ponto de vista
lógico, cada um de nós, sabe, que cada um dos outros , tem que ser, uma individualidade
intransferível, mas isto é um saber lógico. Eu sei a coisa, mas eu não a vi.
A intuição da individualidade intransferível de um individuo, é um coroamento, é um ápice do
conhecimento que você tem dele e, este ápice, você só atinge, depois de uma longa experiência.
Exemplo: Para você perceber, toda a arquitetônica, da Divina Comédia de Dante, Só depois de te-
la lido. Primeiro, você precisou intuir as partes(ler) e, no momento em que eu lia cada parte, eu
sei, por lógica, que aquilo é parte de um todo, mas eu não conheço ainda este todo, eu só
conheço, pelo seu conceito lógico : Eu sei que é um poema, feito por fulano de tal, que se divide
em tantos cantos e etc..., então, eu tenho um conhecimento conceitual, lógico da estrutura deste
poema, mas não tenho a vizão intuitiva ainda. O conhecimento lógico, é o quadro potencial,
quadro ainda vazio, o quadro a ser preenchido de experiência. A experiência, por sua vez, é cheia,
é densa, mas ela é parcial. Só quando houver uma experiência, totalmente preenchida e,
totalmente formalizada ( dotada de uma forma única), Ah! Bom, aí tem a intuição da
individualidade.
Na intuição da individualidade intransferível de um sujeito humano, o seu horóscopo pode entrar
como uma das partes.
--O horóscopo não tem condições de poder falar desse todo do individuo?
Olavo:--Claro que não! O horóscopo é apenas uma parte da parte, ele é uma parte do cáreter, o
qual, é uma parte do individuo. Ex: Tendo observado o sujeito por longo tempo, sabendo uma
parte da história dele, conversando com o sujeito ( tendo uma re relação pessoal), observando
pela astrologia, observando pelo teste de Szondi e etc etc...; Então, eu tenho um monte de partes
e, repentinemente, essas partes podem se constelar num todo, não imaginário, mas num todo que
eu vejo naquele individuo.
Nós mais facilmente obtemos este tipo de intuição, sobre aspéctos parciais, não sobre o todo. Se
nós tivéssemos isto aí sobre o todo, o tempo todo. Este mundo seria uma maravilha! As pessoas
se compreenderiam maravilhosamnete bem, ninguém mais teria mêdo de ninguém, ninguém
desconfiaria de ninguém, ninguém faria suposições erradas a respeito de ninguém. Tudo seria a
paz e a concórdia! Toda a desgraça vem de que as nossas intuições são parciais.
Como é errada esta idéia Bergsoniana (Bergson), de que a razão só sedimenta as coisas, e a
intuição dá o senso de unidade. Ao contrário. Você pode obter o aspécto total ou parcial pela
razão ou pela intuição. Só que se você obtem só pela intuição, então, você capta o todo de uma
parte . Se é pela razão, você capta a totalidade, mais capta somente em modo potêncial, ou seja,
como uma forma vazia a ser preenchida. Só quando chega a ter esta intuição definitiva( intuição
do todo), ao mesmo tempo, formado, arquitetado e cheio, é que se chega ao estado
contemplativo. Para você ter este tipo de intuição sem razão, é absolutamente impossível, pois, a
intuição sozinha não pode fazer isto. Escoto Erígena: " A intuição do racional."
A idéia de um todo hierarquizado, essa idéia, é racional em si mesma, mas acontece que eu,
geralmente, só conheço os todos hierarquizados, pelo seu conceito abstrato. Ex: É como se eu
tivesse visto uma planta do edifício. A planta, não é o edifício, ela é um conceito abstrato. Agora,
depois de eu ter visto a planta, de ter caminhado para cá e para lá, ao longo de anos, eu tenho, um
conhecimento vivencial da estrutura inteira cheia e, não vazia como na planta. Aí eu estou tendo
a intuição completa do edifício.
Conhecimento contemplativo: É quando você chega a percepção intuitiva dessas grandes
totalidades, mas não só em modo potencial. Quando o individuo chega a uma percepção intuitiva
de totalidades, a que , somente a razão tem acesso, bom, isso aí é o estado contemplativo. Ela é
uma intuição de um conteúdo racional, ela não é, nem fruto da razão e nem da intuição, ela é um
outro negócio. Ela é uma intuição da coisa racional ( um conhecimento intuitivo de coisas
racionais).
O conhecimento racional de coisas racionais, é oconhecimento por conceito, o conhecimento por
esquemas e não, o conhecimento direto da coisa. Na hora em que essas coisas, que eu conheci por
esquema, eu repentinamente , as reconheço na realidade da experiência: Isto aí é uma intuição
racional. Note Bem! Ela não é uma outra modalidade de conhecimento. Ela é uma intuição, tanto
quanto, a intuição que um sujeito tem nariz de batata. Quando o pessoal fala: Intuição intelectual,
intuição afetiva etc etc... Isto é uma espécie de duplicação de serviço. A intuição será afetiva, se
for intuição de conteúdos afetivos. Será intuição intelectual, se for intuição de conteúdos
intelectuais. Não é a função que muda, é a mesma função, só, que está operando sobre coisas
diferentes. E a razão? Existe uma razão afetiva, uma razão fisiológica etc etc... conforme você
mude de assunto? Claro que não! Ex: Se eu faço um raciocínio, sobre a intuição, Isto se chama:
Razão intuitiva.? Claro que não! Razão é razão, intuição é intuição. Mas eu posso raciocinar
sobre conteúdos intuitivos, como posso intuir conteúdos racionais.
O conhecimento é racional ou intuitivo, não conforme a natureza do objeto, mas conforme a
relação que eu estabeleço com ele. Se eu percebo, instatâneamente, todo um quadro racional,
bom, compreendi aquilo intuitivamente, mas o conteúdo é racional. Se eu raciocino, se eu faço
uma cadeia de raciocínios, sobre o conceito de intuição ou sobre um conteúdo que foi intuído.
Ex: Eu mostro isso aqui: Isso é vermelho, logo, se é vermelho, então, não é azul. Eu estou
raciocinando a partir de um conteúdo intuitivo, nem por isso deixa de ser raciocínio.
Neste sentido, é que o estudo dos tipos, como qualquer estudo racional, vai te dando um conjunto
de chaves, que lhe permite distinguir, o que é o genérico que está no ente, e o que é singular. A
coisa mais singular, que existe num ser, é a sua existência, não a sua essência. O conhecimento da
individualidade incomparável, é um conhecimento existêncioal, porque, nenhuma definição de
essência,contém a existência. Tudo aquilo, cuja essência, eu defini, nem por isso, está dito que
não segnifica que exista. Ex: A definição de Deus, famosa prova de Santo Anselmo: "O ser, cuja
essência, exige a existência." Argumento: Se nós concebemos um se absoluto, então, este ser, é
necessáriamente existente, porque, se ele fosse inexistente, ele seria relativo.
Todos os seres, todas as substâncias, que podem ser definidas, na sua essência, nem por isso,
estão dadas como existentes. Eu só posso conhecer por intuição, o existente. Porque a intuição é
um conhecimento direto, é um conhecimento por apresentação. Como é que uma coisa que não
existe, pode estar presente. O conhecimento da individualidade intransferível de um outro se
humano, ele se completa, no instante, onde você reconhece plenamente a existência deste ser.
Isso aqui é uma grande sutileza. Porque é uma tendencia natural do homem, ele se achar mais
existente, do que os outros homens. Por um motivo muito simples. Você recebe informação, a
seu próprio respeito, o tempo todo. Cada musculo que se move em você, te dá uma informação.
Cada idéia, por mais tola, estúpida e passageira, que passe pela sua cabeça, te dá uma informação
sobre você. Então, você está o tempo todo, recebendo uma carga de informação sobre você,
então, você tem uma presença densa para você mesmo. Densa e constante. E os outros? Os outros
não. Você está aí o tempo todo, os outros só estão de vez enquando, Mais ainda, é mais fácil,
você selecionar, as informações que recebe sobre os outros, do que, sobre você mesmo. Ex: Se o
sujeito é feio, você vira a cara. Mas e da sua própria recordação do sujeito feio, como é que você
faz para se livrar? Enquanto a feiura dele, é externa, nós nos livramos facilmente, mas na hora
que ela se internaliza ( passa a ser um dado de consciência nosso). Ah! Daí , é díficil livrar-se
dela.
Por causa disto, nós caímos numa espécie de vicio cognitivo, que é, a de diluir, a de tirar o pêso
de realidade da existência alheia. É como se nós pronunciássemos, inconscientemente, um juízo,
que nos declara à nós mesmos absolutos, e ao outro, contingente. Eu sou e tenho de ser, e existo
necessáriamente: " Penso, logo existo." O outro existe contingentemente, ele existe, enquanto eu
penso nele. Na verdade, se Rene Decartes, tem razão: a única coisa que o homem tem certeza, é
dele mesmo. E el tem certeza de si mesmo, na hora em que ele está pensando se tem certeza. E
dos outros? Os outros são muito mais diluídos, muito mais evanescentes do que eu. Neste
momento, a meu respeito, eu tenho um monte de informações, visuais, motoras, acústicas,
olfativas etc etc... E de vocês? De vocês, eu só tenho informação vizual, tá todo o mundo
quietinho. É claro, que se um de vocês, chega, e me dá uma porrada na cabeça, naquele instante
eu reconheço, plenamente, a sua existência, mas posso nega'la logo em seguida. Esqueço.
Pelo fato de que todo o ser humano, se conhece, na posição de sujeito executivo de seus atos e,
conhece os outros, como formas que se movem no espaço, então, a tendência subjetivista é inata
no homem. A tendência subjetivista faz com que, sempre nos pareça, que o outro poderia ser de
um outro jeito. Prestem bem atenção! Aquilo que nos acontece, aquilo que nós somos, nós
escolhemos ser, nós perseveramos no nosso ser, com tamanha insistência, nós amamos a nossa
forma de ser, amamos o nosso hábito, de tal maneira, que nos parece, que nós não poderiámos ser
de um outro jeito. Tanto que muitas vezes, nós gostaríamos de mudar situação. Ex: Se sou pobre,
gostatia de ser rico. Se sou gordo, gostaria de ser magro, e vice e versa e assim por diante...
Gostaria de mudar de situação, mas não de postura interior. Eu não quero deixar de amar, aquilo
que eu amo, se eu quizesse deixar de amar, eu já estaria deixando na mesma hora. Então, aquilo
que eu amo, aquilo que eu desejo, aquilo que eu escolho, me parece absoluto e, me parece, que
não poderia ser de outro jeito. Porque se fosse de outro jeito, eu não seria eu. Ou seja, me parece,
que eu não me reconheceria a mim mesmo, se eu amasse, o que não amo, se eu quizesse o que
não quero, se eu não esperasse o que não espero e assim por diante... Portanto, eu não posso
deixar de ser eu. Porque eu sinto, essas minhas preferências, essas minhas escolhas, esses meus
sentimentos, como uma projeção imediata, do meu próprio modo de ser.
Não tenho nada disso, a respeito dos outros. Os outros entram e saem da cena, como sombras. E,
se o sujeito é de uma certa maneira, se ele age de uma certa maneira, que me desagrada. Eu tenho
um sentimento vivo, que ele poderia ser de um outro jeito. Porque, os meus sentimentos e as
minhas ações estão, fortemente amarrados, uns nos outros, por um nexo de coesão íntima. Eu sei,
que para mudar um pedaço, eu precisaria mudar tudo, mas eu não quero mudar nada. E o outro?
Os atos dele, não me aparece, dentro de um contexto tão coeso, mas me aparece isoladamente. Eu
vejo aqui um ato, lá outro ato.... não sei o encadeamento, entre um e outro, então, eles sempre me
parecem contingentes, parece que poderia ser de um outro jeito. Por isso, é que é fácil, dar
conselhos para os outros e, díficil dar para si mesmo. O outro é fácil de mudar, díficil é mudar eu.
Se eu sou assim, é por uma imposição dos Deuses. Foi Deus que me fez assim. Que nem o
Popey: " Eu sou o que eu sou." Eu me trato como absoluto, me vejo como absoluto, me vivencio
como absoluto. E os outros, como contingentes e, todo ser humano faz isso aí. Se existe um
realismo ingênuo, então, nós podemos dizer, existe também, um idealismo subjetivista ingênuo.
Que é inato no homem, e que também, precisa ser criticado e corrigido, tanto quanto o realismo
ingênuo. O homem, acredita ingenuamente na existência do mundo exterior, eu digo: Com mais
ingenuidade ainda, ele acredita na existência absoluta dele mesmo. Tanto que ele se vivencia
como imortal. Ninguém concebe a sua própria extinsão, mas concebe a extinsão do outro. A
morte do outro,para mim, é uma coisa real, viva. O cara sumiu! Ele não existe mais, só tem pó. E
eu? Eu posso conceber a ausência de qualquer um, mas não posso conceber a minha própria
ausência, e no entanto, sou tão mortal quanto os outros. A famosa sentença se Espinoza: "
Sentimos e vivenciamos que somos eternos. " O quê que é isto? Subjetivismo idealista ingênuo.
Porque sinto que eu sou eterno. E o vizinho? O vizinho é evanescente, ele um dia está aí, e no dia
seguinte morreu, já não está mais. E eu? Ah! Eu estarei aí for ever ( para sempre ), portanto,
vocês tratem de me aguentar!
Isto é um desvio cognitivo, é um vício cognitivo ingênuo, que tem que ser corrigido, pela crítica
filosófica.
O conhecimento da individualidade irredutível e incomparável do outro, é menos, um
conhecimento da sua essência do que o conhecimento da sua existência. Consiste, em primeiro
lugar, em reconhece-lo plenamente como existente. O conhecimento da individualidade
irredutível, é um conhecimento intuitivo, é um conhecimento existêncial. É um conhecimento que
sente, profundamente, o outro como existente, como real. E isto, a razão não pode te dar. A razão
não pode, jamais, te dar informação plena da existência real e atual de alguma coisa. Conhecer
intuitivamente, a essência do individuo, não serve para nada. Mas conhecer a existência, isto já é
alguma coisa. E isso aí, só pode ser pela intuição. Com isto aí, nós nos afastamos brutalmente do
astrológico. E o mapa astrológico, só entrerá no fim, como uma das muitas informações, que você
tem sobre o individuo.
Me parece que os astrólogos, estão procurando conhecimento intuitivo, onde este conhecimento
não é possível.
Estes 144 tipos de inteligência, se forem bem compreendidos, um por um, eles acabaram por dar,
a vocês, um esquema de distinções. Este esquema de distinções, é como, se você fosse afinando a
sua visão, para prestar atenção, nos pontos em que interessam. E você, captando essas
generalidades e contrastendo com individualidadesc com as singularidades do individuo. Vai se
formar uma combinação, que é de fato inseparável, inextricável, quer dizer: Eu não posso separar
o individuo concreto, da sua hereditariedade, da sua classe social e de uma série de outros traços
genéricos, que estão colados nele, mas que não são ele. No individuo humano, o que nele é
individual e, o que nele é genérico, forma também uma síntese. Uma síntese inseparável, uma
síntese de contrários, que estão, as vezes em luta e as vezes em colaboração. Aquilo que em você
é mais individual, tende a se realizar, através do que é geral. O individual tentará se manifestar
através do genérico. Do mesmo modo, as suas características tipológicas, não são você, mas são
uma espécie de ponte, entre você e o outro. De maneira que, se eu tenho Saturno na casa 6, ou na
casa 3, ou na casa 4 e assim por diante... e tenho, tais ou quais características derivadas disto.
Estas características, não são própriamente eu, mas são um sistema de diferenças e semelhanças,
entre eu e outras pessoas. Como uma rede de canais de comunicação, no sentido, de que isto
facilita a comunicação com certas pessoas, e dificulta com outras. Mas não é eu. Não é que eu
quero ter, aquelas precisas dificuldades que eu tenho na casa onde está Saturno e, que não quero
ter a do vizinho. Apenas, o fato de eu ter aquilo ( um traço caracterológico meu), estabelece um
padrão nas minhas relações com ele e, na medida onde estabelece esta ponte, então, escapa do
própriamente individual. Ex: Eu posso, sabendo que eu tenho Saturno na casa tal, e que o outro
tem Saturno na casa Y, compreender um certo padrão repetitivo meu. Padrão esse, que se é
repetitivo, também não pode ser dito inteiramente meu. Porque eu não sou repetível, mas meus
traços, meus hábitos, meus valores são. Eu sei que eu vou repetir certos comportamentos em
certos momentos, a não ser, que eu consiga usar esta mesma repetitividade como um meio de
supera-la.
Cada posição planetária que corresponda a um traço de cárater, traço este, que te marca
definitivamente para o resto da vida. Este mesmo traço é a escada, através do qual, você subirá a
uma esfera, onde este traço não atrapalha mais. Esta escalada abstrativa, também é uma escalada
no sentido da universalização, ou seja, os problemas na casa onde está o planeta Saturno, tem de
ser universalizados. Estas 12 aporias de que nós falamos, elas inicialmente serão, vivenciadas
pelo individuo, como um drama pessoal dele. Quanto mais ele perceber o alcance universal desta
aporia, menos ela o limitará enquanto individuo e, mais ele perceberá, como no fundo, todos os
individuos estão limitados por aquilo mesmo, apenas com a diferença, de que ele, reparou naquilo
mais do que os outros. Exemplo: o individuo com Saturno na casa 1, repara na sua aparência: "
entre o ser e o parecer". Que ser humano que não tem esse problema? Todo mundo tem. Apenas,
o individuo que tem Saturno na casa 1, acha, que somente ele tem este problema. Porque a
atenção dele foi chamada para aquilo, multiplique isto, por aquilo que nós chamamos de
idealismo subjetivo ingênuo. E vocês verão o resultado. Este problema( da casa de Saturno), se
tornará, o único problema e, somente eu terei este problema, e com isto me fechei, dentro do
circulo do egotismo mais trágico. Estou fechado dentro da minha subjetividade. Como sairei
desta prisão subjetiva, para chegar a uma comunicação real com os outros? Através deste mesmo
tema, que a eles, também interessa de algum modo, embora secundáriamente. Ex: Se eu tenho
Saturno na casa 2, isto não quer dizer, que eu tenha mais problemas financeiros do que os outros.
Quer dizer, eu reparo neles, de uma maneira especial, que dá a esses problemas, uma espécie de
onipresença, este problema colore todos os setores da minha vida. Uma outra pessoa pode ter o
mesmo problema num grau muito mais elevado, mas para ela, este problema é setorial e não um
problema central, ele vê isso, de maneira acidental. Não é um traço da sua personalidade no
entender dele. Agora, o individuo com Saturno na casa 2, parece, que ele estar sem dinheiro, é
um traço da sua personalidade, no entender dele.
Quanto mais nós vamos universalizando a visão, destas aporias, mais nós vamos entendendo que
todos tem os mesmos problemas:
Saturno na 1: Todos são tímidos.
Saturno na 2: Todos não possuem o que desejavam.
Saturno na 3: Todos se atrapalham com o raciocínio e a fala. Todos mentem para os outros e para
si mesmos.
Saturno na 4: Todos são crianças desemparadas.
Saturno na 5: Todos são impotentes.
Saturno na 6: Todos são retardados mentais e confusos.
Saturno na 7: Todos são vitimas da incompreenssão alheia.
Saturno na 8: Todos tem mêdo.
Saturno na 9: Todos tem dúvidas.
Saturno na 10: Todos estão defazados e mal, perante a sociedade como um todo.
Saturnno na 11: Todos ignoram o futuro.
Saturno na 12: Todos tem mêdo do desconhecido.
O Dr. Juan Alfredo Cezar Muller dizia: " Este negócio de astrologia, isto é a grande fantasia . É
tudo uma imensa fantasia. É um monte de mentira." Mas é uma mentira cósmica, pois, os seres
humanos estão envolvidos realmente nesta mentira. Porque na medida onde tem estes traços
caracterológicos, eles realmente encaram as coisas assim e, realmente acham que aquele
problema é um problema fundamental, sendo um problema fundamental, escolheu a eles por
vitima.
A saída do individuo dessa esfera individual, para ele chegar, à uma escala de humanidade. Para
ele entender que ele é só mais um caso, dentro, de um esquema tipológico que se repete. Nele
tudo aquilo que for tipológico, não é a individualidade intransferível. Portanto não implica aquela
responsabilidade cósmica, aquela responsabilidade perante Deus. O que torna as coisas tão mais
graves. Se o sujeito caminhar com tudo isto, então, é como o título da peça do Plinio Marcos: " A
jornada do imbecil até o entendimento."
Estes traços todos, eles são superados, através deles mesmos . Não simplesmente da repetição dos
comportamentos, mais da sua universalização conceptual. É evidente que isso só é acessível a
pessoas muito inteligentes. Os outros vão ficar sofrendo ali mesmo de qualquer maneira.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 63 18/08/91

Vamos continuar a descrever os tipos de Saturno nas casas. Vamos começar pela casa 7:
Saturno na 7
Assunto da casa: A bilateralidade. O outro. O semelhente. Minha relação com ele, na qual, me
reconheço. Os papéis sociais.
Aporia: Se algo de mim eu só fico sabendo pelo outro, será que eu sou realmente alguma coisa?
Ou sou apenas uma imagem (um reflexo)? Argumento: O nosso eu não tem nem nenhuma
consistência fora da convivência humana. Se eu necessito do outro para me definir, então, eu
substâncialmente não sou nada, eu não sou uma substância, eu sou apenas relação. Se cada um
me vê de um jeito, o que que eu sou realmente? Eu não sou nada.
Contraste da casa 1 com a casa 7: O problema de Saturno na casa 1 é o contrário: Eu sou uma
substância que não corresponde precisamente a nenhuma das imagens que transmite. To da a
imagem que eu transmito é mentirosa. Agora com Saturno na 7 não, eu sou somente a imagem,
eu mesmo não sou nada. Tanto a casa 7 quanto a casa 1, são casas auto-reflexivas. Só que
funcionam de maneira exatamente inversa. Se um sujeito tem Saturno na casa 1, ele não tem
dúvida nenhuma, de que ele para ele é intensamente real, são as suas imagens que são falsas.
Com Saturno na casa 7 é o contrário, só tem imagem, não tem eu. Quem sou eu? A pergunta é a
mesma para ambas as casas, só que com a seguinte diferença: Casa 1:( O dado é o eu.) Quem sou
eu perante eu mesmo? Casa 7:( O dado é o outro.) Quem sou eu? Surge na casa 7, por causa da
diversidade de imagens, que eu mesmo recebo a partir dos outros.
O que é o dado imediato em jôgo? O dado imediato de um individuo com Saturno na casa 1, é o
que ele sabe dele. Se é um individuo com Saturno na casa 7, o dado imediato, é o que ele está
recebendo do outro naquele momento. Existencialmente esta problemática não tem solução. Sé
tem uma solução dialética, num plano intelectual, muito mais distante, da realidade da vida
existêncial do individuo.
Ilusão: A ilusão se dá, no sentido, de que É possível você uniformizar os outros, de modo a
receber deles, sempre a mesma imagem. Vai substituir os outros por um esquema. Ele quer coerir
as diversas imagens que ele recebe dos outros, num padrão.
Drama: O problema do julgamento da conduta alheia, para esse individuo, não tem solução.
Como é que ele vai julgar a conduta alheia, senão, com relação a ele mesmo? Mas se é ele mesmo
que está sendo questionado,então, é como se o fiel da balança estivesse quebrado. Isto dará , para
ele, o problema de determinar a sua própria conduta (os seus direitos e deveres com relação aos
outros). Nisto pode resultar em um abseteísmo moral, ou seja, ele não julga mais ninguém e
aceita tudo como veio( tudo que vier é lucro). Fora das imagens (ou condutas) que ele recebe dos
outros, ele não tem informação nenhuma sobre ele mesmo. Tudo o que ele faz tem sempre um
espectador, que o observa. E se tirar o espectador, o que é que eu sou?
Isto não parece Saturno na 1?
Olavo: O cara com Saturno na casa 1, pode fazer para um espectador, Só que ele tem consciência
de ser o sujeito agente, que está produzindo estas imagens, ele tem um monte de máscaras. Com
Saturno na casa 7 não, são os outros que grudam a máscara nele, do jeito que eles querem. O
outro é quem está decidindo quem ele é. A relação com os outros é que o constitui. Esta crença
sustenta todo o processo racional dele.
O Saturno na casa 1, inventa um pouco os outros, conforme a necessidade do seu papel. Ele troca
os outros de papel, na medida, em que ele determina um papel para ele, mas de qualquer modo, é
sempre ele o sujeito agente.Ele se atrapalha, justamente, porque tem muitas caras, sabe que tem.
Ele se pergunta: Qual cara que eu vou vestir agora? Qualquer que eu vista, pode satisfazer este ou
aquele, mas não satisfaz a mim.
O sujeito com Saturno na casa 1, pode mudar de máscara, várias vezes, perante a mesma pessoa.
O sujeito com Saturnno na casa 7 não. Na hora em que ele fixou uma relação com aquele
individuo, então, ele sempre vai repetir aquela máscara, a não ser, que o outro mude. Saturno na
casa 1, se atrapalha porque tem o governo dos seus papéis. Saturno na casa 7, se atrapalha porque
não tem o governo sobre seus papéis.Com Saturno na 7, o que está faltando é ele mesmo. Eu
nunca estou separado, nunca estou comigo mesmo, sempre estou com o outro. com Saturno na 1,
o que está faltando é o outro.Eu estou sempre mentindo, eu nunca me encontro realmente com
ninguém, eu estou separado do outro.
Esta situação é repetitiva. Só conseguiria resolver, se o individuo rodasse entre as aporias. Sentir
as doze aporias como se fossem dele. Daí ele poderia passar de uma para outra e, responder uma
pela outra. Ex: Se eu estou prêso neste negócio de Saturno na casa 7, eu poderia, eventualmente,
encontrar uma saida, se eu conseguisse proceder como se tivesse Saturno na casa 1. Se você
conseguir persuadir o sujeito com Saturno na 7, a representar determinados papéis que ele decide,
independentemente do outro, forjar, por assim dizer , uma conduta do outro, saber que o outro
também responde a conduta dele.
De certo modo, um sujeito com Saturno na casa 7, está pedindo para ser enganado, para então, ele
poder dizer ao outro: Você me enganou. você é um canalha!
O sujeito com Saturno na casa 1, no fundo, ele quer que um dia, se estabeleça um
relacionamento, no qual, ele não seja farçante.No qual, ele possa ser sincero. Mas isto não tem
solução, pois o farçante é ele mesmo e, só ele poderia parar de representar. Não tem quem tenha
mais domínio da sua expressão, do que um sujeito com Saturno na casa 1. O sujeito com Saturno
na casa 1, ele quer um encontro autêntico com uma outra pessoa.
O problema com o sujeito de Saturno na casa 7, é exatamente ao contrário. Ele nunca está
isolado, sempre tem alguém dando palpite. O sujeito com Saturno na casa 7, quer um encontro
autêntico com ele mesmo.É isto.que o tornaria feliz.Se ele pudesse encontrar uma solidão, na
qual, ele se reconhecesse, se bastasse, aí ele estaria satisfeito.
Exemplo biográfico: Existem muitos mapas de Getúlio Vargas, mas o que mais me parece
provável, é o que tem uma conjunção Sol e Saturno na casa 7. Até hoje, Getúlio Vargas é
considerado um enigma, ninguém saba quem ele é, prque ele não era nada. Ele era uma para cada
um, conforme o gosto do freguês.Para um individuo comum isto não seria uma grande
deficiência, mas para um homem desta envergadura sim, quer dizer, falta algo. Porque Getúlio
Vargas se suicidou? Isso é lá coisa que se faça. Ele não podia ter dado no pé, depois voltar e
tomar o poder pela terceira vez, então, existe um fundo de iconsistência na personalidade e, deste
fundo de inconsistência, nós padecemos até hoje. Ele poderia ter conclamado o povo e feito uma
revolução, todo mundo daria apoio. Getúlio Vargas( se é que ele tinha Sol e Saturno na casa 7 )
,eu tenho a impressão, que ele trocou de aliados tantas vezes, que no fim, ele não sabia mais se
podia confiar em ninguém, eu tenho a impressão, que ele achava que estava todo mundo contra
ele, mas de fato não estava. A onda de revolta que a morte dele provocou depois, mostrava que
ele tinha apoio de 80% da população, que o pessoal estava disposto a matar e morrer por ele e,
teria sido mais fácil enfrentar o problema. Mas ele já estava em depressão, já estava planejando o
suicídio à meses, mas entrou nesta depressão, eu acho que por uma espécie de culpa. Ele
chamava as pessoas para fazer alianças, e depois as jogava fora. Ele fez alianças com todos os
inimigos, e jogou fora todos os amigos, depois chamou os amigos de volta de novo. E o pessoal
ia e vinha e, eu tenho a impressão, que ele foi tão longe nesta coisa, que chegou uma hora em que
ele disse: "Se fosse eu, eu não confiaria em mim. " Ele não sentiu firmeza, ele abusou da
confiança das pessoas.
Saturno na casa 8
Assunto da casa: O potencial de ação do momento presente. Decisão.
Aporia: Qual seria o padrão racional dos imprevistos?
Para eu ter uma segurança, de antemão, eu preciso ter um sistema, um critério, uma regra, mas se
esta segurança é em face dos imprevistos, então, por definição, não pode ter regra, então, não
pode ter segurança. Cada situação é uma situação nova.
Ilusão: Do medo ( nada pode ser feito ). Não dá para agir.
Drama: Quem tem sol na casa 8, faz exatamente a interferência, nesta situação urgente. Para ele o
mundo é constituído de muitos extímulos de ação.
No caso de Saturno na casa 8, o sujeito, ao se deparar com situações de emergência, que o
solicitam, ele desenvolverá uma sequência, racional, de possibilidades de ação. Todas as
perceptibilidades, que se desencadeiam nele, são problematizadas. No entanto, como as situações,
que o solicitam, vão ser sempre de urgência, ele para para pensar, nas possíveis ações , que
seriam mais eficazes para o momento. Então, ele acaba não agindo, não fazendo coisa alguma.
ele vê uma impossibilidade de interferir no curso das coisas, de desencadear os efeitos desejados
para solucionar aquela situação de emergência. Todas as situaoes urgentes que acontecem, serve,
para o individuo, regulamentar e sistematizar as possibilidades de ação. O que, segundo ele, lhe
permitiria obter um padrão, que servisse de modelo a futuras soluções de situações de
emergência. Isto só acontecerá, se o individuo demarcar um setor de ação e, depois de muito
pensar nas possibilidades de ação, talvez, ele consiga obter um sistema de previdência para as
suas ações, mas isto só num setor específico. Ex: Um cirurgião gástrico. Ele só terá dominio da
situação, se ela se referir a especialidade dele.
Um individuo com Saturno na casa 8, tem uma capacidade investigativa muito grande. Ele se
pergunta: Por quê que as coisas acontecem, porque que tudo não fica como está?
A resposta para isto, é obter, para cada caso, o conhecimento de uma causa eficiente, que
desencadeou a mudança. Então, a compreenssão das causas eficientes, aos poucos, libertaria o
sujeito deste problema, mas só, na hora em que ele percebe-se que, o que ele está perguntando é:
Porque que as coisas mudam?
Um estudo científico seria bom para este sujeito. Qualquer ciência experimental, que possa
investigar aluguns processos causais determinados, o que veio antes, o que veio depois, com que
meios se alcançou tal resultado etc etc... Ex: Investigação policial.
O individuo com Saturno na casa 8, está sempre atrazado em agir, em fazer alguma coisa.
Quando ele age, o momento da ação, já passou. Existe sempre uma desproporção da intensidade (
força) da ação. Ex: As vezes age demais ou , as vezes age de menos.
Saturno na casa 9
Assunto da casa: As convicções. As crenças. Os juízos.
Aporia: O nosso pensamento que é temporal e histórico, apreende verdades, que são a- temporais
e a-históricas. Como é que o temporal e o a-temporal conseguem se cruzar num determinado
momento. Embora, a verdade em si mesma, seja, absoluta e imutável, ela nunca pode ser pensada
ou afirmada, senão, em oposição, ou a uma falsidade, ou a uma meia verdade, ou a uma verdade
de outro tipo. O ser humano, sempre pensa dialéticamente, por isso, a verdade nunca fica estática.
Ilusão: Da dúvida ( a tentetiva de não pensar dialéticamente ).
Drama: O individuo com Saturno na casa 9, procura achar verdades definitivas, mas a cada vez
que ele as acha, ele caí no ceticismo. Se alguém afirma uma verdade sobre uma coisa, mas uma
outra pessoa afirma outra verdade sobre a mesma coisa, então, aonde está a verdade ( o juizo
verdadeiro).
Sempre existe uma dialética, para que a verdade se evidêncie.
Ex: Vamos supor: Eu quero dizer a verdade, mas eu não quero entrar em polêmica com ninguém,
então, eu afirmo a verdade em si, independentemente de qualquer discussão polêmica. Isto é
impossível! No próprio ato de dizer a verdade ela já entra numa dialética.
Nós compreendemos que existe uma verdade definitiva, mas que ela nunca é pensada
definitivamente e, ser for pensada definitivamente, já deixou de ser definitiva na mesma hora.
O sujeito de Saturno na 9, ele desejaria encontrar a verdade definitiva, que não precisasse ser
dialetizada. A passagem dialética, é um jôgo de contradições, então, o sujeito quer evitar a
contradição. Então, ele se pergunta: No o quê que eu creio definitivamente, então, se eu creio,
não posso questionar, mas se eu não questiono, a verdade, na qual acredito, morre. Se não
questionamos as verdades, então, não pensamos nelas e, senão pensamos nelas, elas não existem.
A verdade é a luta pela verdade. O individuo fica com medo de perder as suas convicções,
quando vê que tem que dialetiza-las, para que elas se tornem em verdades.
Exemplo biográfico: Roosevelt era um exemplo típico de Saturno na casa 9. Ele não acreditava
em nada, virou cético, mas um cético, que procede, como se acreditasse em alguma coisa. isto
também é uma solução, mas que implica, ela mesma, em uma contradição. Ex: Se o Roosevelt
não acreditava em nada, por quê ele lutou tanto por determinados valores? Ele retirou estes
valores da esfera intelectual. Ele era capaz de lutar por eles, mas não era capaz de justificá-los e,
se tentasse justificá-los ia ter que dialetiza-los e, se os dialetizasse, ficaria em dúvida. No caso de
Roosevelt, as crenças dele eram, de um esquema, bastante simples, crenças de senso comum do
tipo: "Antes rico e com saúde do que pobre e doente.," Você não deve matar a sua mãe".etc etc...
No fundo ele tinha uma pobreza intelectual e, esta pobreza intelectual se explica, como solução,
para este dilema. Nào uma pobreza intelectual, mas uma pobreza filosófica, uma pobreza de
ideais, pois, os ideais dele eram muito óbvios e mutio banais. Ele era capaz de lutar por eles na
prática, mas não de aprofundá-los intelectualmente, se fosse aprofundá-los, deixaria de crer neles.
Então, ele fez uma espécie de pobreza intelectual. Isto é um esquema adaptativo, que não deu
uma solução para a problemática de Saturno, mas que coincedentemente contribuiu para o
sucesso dele. A própria vida de Roosevelt o comprometeu tanto, e tão intensamente, com a luta
por estes valores, que foi até bom ele não os questionar, pois, se parasse para questionar suas
crenças, naquela hora, ele estaria liquidado. No entanto, a deficiência transparecerá na vida dele,
sua ação foi meramente prática. Se comparado a outros estadistas, vemos que ele nada nos legou.
Por exemplo: Lincom deixou um monte de idéias profundas a respeito da política, do Estado
etc..., era uma força inspiradora e é até hoje. Era um estadista completo. E Rooselvelt, o que ele
deixou? Nada. Ele não foi um grande estadista, ele foi meio estadista ( meio lincon). Falta
profundidade, falta idéias, ele se limitou a quebrar o galho. Não teria lugar numa galeria de
grandes homens.
Não sei se Roosevelt tinha consciência dessa sua vacuidade. Quando ele adotou a política do
New Deal, não foi uma idéa dele, mas sim do Keynes ( Jonh Meynard Keynes). Roosevelt
precisava de uma solução prática e aí, chamou Keynes. Mas ele mesmo não pensou
profundamente sobre o assunto. A grande deficiência do Roosevelt, o quê que as pessoas o
acusavam? Ah! este sujeito é vazio, ele é um oportunista, um play-boy bem sucedido...
--O ponto, aonde está Saturno, só passa a ser tema, quando ele é problemático, quando ele cria
um problema?
Olavo: Não. Ele é um problema, mas acontece que ele pode ser externalizado. Ele não precisa ser
um problema interno. O sujeito pode não ter consciência do problema, e no entanto, na conduta a
contradição interna dele transparece para os outros, e os outros vão reclamar precisamente disto.
Ele pode se absorver tanto na vida prática, que ele não pensa mais naquilo. Mas então, ele é como
um Touro numa loja de louça, aonde passa, vai quebrando tudo. Um dia pode acontecer um
revertério, e alguém o acertar por ali. No caso, Roosevelt foi um homem sortudo, ele morreu
antes que isso pudesse acontecer. E o quê que a gente assiste hoje? Hoje é que nós estamos nos
livrando do fantasma de Roosevelt. Esta estória de privatização, o Estado tem que diminuir,
liberalismo econômico... O Estado Capitalista, é o fantasma de Roosevelt, o mundo inteiro está
gememendo sob o pêso deste fantasma. Na época foi uma solução genial, mas não precisava
exagerar!
Roosevelt parecia muito camaleão, trocava de idéia várias vezes, conforme lhe interessava, É
díficil você definir um individuo onde ele não é nada.
Saturno na casa 10
Assunto da casa: O conjunto de papéis sociais, ocupados pelo sujeito efetivamente, sua
hierarquia. O poder.
Ilusão: Da falta de poder ( todos estão mal colocados na vida). De se sentir um Jão ninguém,
mesmo não sendo.
Aporia: Se eu só sou alguma coisa, na medida em que a sociedade me reconhece,então, eu
mesmo não sou nada.
Argumento: Se eu quero ser alguma coisa, é preciso que a sociedade me reconheça,então, eu
busco me preencher deste conteúdo, que me é dado pela sociedade. Porém, na hora em que eu me
preencho, tenho esta identidade, tenho este poder, eu percebo, que ele não é meu, foi a sociedade
quem me conferiu. Então, quem sou eu ? Sou um fantoche nas mãos da sociedade.
Drama: O individuo de Saturno na casa 10, vê a contradição que existe entre a posição que ele
ocupa na sociedade e posição que ele gostaria de ocupar. Ele percebe, que se a sociedade não o
reconhecer, naquilo que ele quer dela, ele não será nada. Este problema é verdadeiro Exemplo:
Você vai pedir um emprego, então, você precisa ir bonito, bem vestido, como você já estivesse
trabalhando e ganhando bem. Mas na verdade você não está ganhando nada! Quando eu fui
arrumar o meu primeiro emprego era assim: Eu tinha que tirar a carteira de trabalho, mas quando
eu ia tira-la, eles perguntavam: Cadê o emprego? Então eu ia buscar emprego e aí, quando eu
achava o emprego, eu não ficava empregado porque não tinha a carteira de trabalho.
O individuo de Saturno na casa 10, tenta justificar a posição que ele ocupa na sociedade ( porque
esta posição e não outra). Tenta entender a sociedade, para testar o seu poder dentro dela. Quando
ele obtém poder na sociedade, ele vê que esse poder não é para ele fazer o que ele quer, mas sim
o que a sociedade quer. O sujeito de Sol na casa 10, ele tem uma espécie de co-naturalidade com
a sua posição. Ele não é um sujeito que está súplicando para a sociedade lhe dar um cargo, para
ele poder servi-la de alguma maneira. Ele já está agindo como se já estivesse ocupando o cargo
que ele postula.
No caso do individuo com Saturno na casa 10, ele vai sacrificar o seu eu, para ocupar aquele
lugar que a sociedade lhe conferiu. Existe um sentimento de submissão perante a sociedade( ou
nação) Ex: Hitler, Lincon....
O individuo de Saturno na casa 10, não é tanto o poder que ele almeja, mas a cada demonstrção
que ele não tem poder, lhe doi. O que o incomoda é a impotência.
Exemplo biográfico: Hitler, Lincon e Woodrow Wilson tinham Satruno na casa 10. Nos três
casos houve, uma absorção do individuo, na idéia da nação, como se fosse um servidor: " Eu
estou aqui, para ser feito de gato e sapato, em benefício da nação."
Em Woodrow Wilson, nós vemos, uma dialética entre casa 10 e casa 4. Saturno na casa 10 e Sol
na casa 4. Wilson buscou uma conexão entre o cargo público e o sentimento mais íntimo, atrvés
da idéia de história, tradição, sentimento nacional... Toda a obra dele é voltada neste sentido: Um
sentimento muito íntimo, mas que vem dos antepassados, da familia e, que se prolonga na
extrutura da sociedade, quer dizer, a extrutura da sociedade surge deste fundo da tradição. Wilson
foi um grande, cientista político, jurista, historiador... Então, a vida intelectual e pública dele,
estavam diretamente ligadas, a este fundo afetivo nacional, e ele consseguiu uma boa síntese
dessas coisas, ele tratou de se equilibrar assim. Wilson, um dos grandes êrros da vida dele, foi
ser, demasiado idealístico, demasiado sentimental na sua visão da política. Ele passou para a
história, como um sujeito que foi feito de trouxa pelas raposas velhas da Europa.
--Se fosse a posição de sol na casa 10, o quê que destaca este Saturno nna casa 10, o quê os torna
diferentes?
Olavo:-- O sujeito com o sol na casa 10, ele tem uma espécie de co-naturalidade com a sua
posição social. Ele já olha as coisa de cima como ele já estivesse lá. Ele acha muito lógico ele
estar no lugar que está. Ex: Fidel Castro,tem o Sol na casa 10, o lema dele é: " Ele veio para
ficar". Faça ele o que fizer, seja bom ou mal para o país, todo mundo acha que ele deve ficar lá.
Ele é que dá a marca da nação, e não a nação que o absorve.
Napoleão Bonaparte também tinha sol na casa 10. Como foi que ele voltou ao poder? Ele estava
exilado na ilha de Elba, aí, ele tomou um barquinho com mais dez fulanos e, foi andando até
Paris. No meio do caminho, as pessoas foram se juntando e, quando ele chegou no palácio, já
tinha um imenso exército daí, ele subiu as escadas e sentou no trono e falou: --"Agora, sou eu de
novo!" Não deu um tiro. Para vocês entenderem, como é natural este sujeito estar lá, é tão
natural, que ninguém questionou.O próprio Rei que estava no trono, achou, que ele devia sair
para o Napoleão sentar. Napoleão nem era francês, ele nasceu em Córsega.
No caso de Hitler( Saturno na 10), foi uma longa luta que o levou ao poder, na verdade, ele nunca
teve esta idéia de que era ele que precisava estar lá. Ele achava que a Alemanha precisava fazer
isto e mais isto... Se fosse um outro cara, eu acho que ele aceitaria naturalmente. Ele tinha esta
idéia de submisão a nação, a nação está sempre acima dele. Ele se definia por ser um Alemão.
Veja a diferença desta postura para a de Napoleão Bonaparte: Quando teve a revolução, a França
ficou sem dinheiro, a única fonte de renda era que Napoleão( que era General), ia invadindo os
paises vizinhos, saqueava tudo, e mandava a grana para a França. Ele via a França como uma
mulher que está dependendo dele: --Sou eu que sustento ela, se ela ficar sem mim, ela está
lascada!"Então eu vou lá pegar o que é meu. Nas memórias dele,a gente fica sabendo, que ele
achava que a França ainda estava devendo muita coisa para ele. Ele estava engrandecendo a
nação, e não, o contrário.A grandeza da França era um reflexo da grandeza dele.
Na história de Hitler você vê que o que acontecia na Alemanha. A personalidade dele era um
reflexo da Alemanha. Se você estudar a história da Alemanha, você vai ver, que não era só Hitler
quem pensava assim, mas todo mundo ali estava a fim de fazer uma desgraça, só que Hitler foi o
mais trouxa (bode espiatório). Um dos grandes paradoxos da vida do Hitler é que: lhe deram um
poder pessoal e, ele mesmo acabou obtendo um poder pessoal, mas ele mesmo não tinha
consciência de que tinha tanto poder assim. Ele sentia que sempre estavam contestando ele. Ex:
Ele juntava todo o Estado alemão, tratava os caras como crianças, cuspia na cara deles, e ainda,
ficava louco da vida dizia: --Ninguém me obedece! Todos são rebeldes. Ele estava sempre
desesperado porque achava que não o obedeciam. Ele sempre sentia que o poder dele não era
suficiente, a cada nova crise que tinha, ele solicitava mais poderes, não porque ele desejava, mas
porque ele sentia que estava sendo ameaçado e desobedecido até o último momento.
Não devemos nos esquecer, que estas aporias, encontradas nas doze casas, são constitutivas do
ser humano, são o que o definem como Animal racional.
Aulas de setembro de 1991.

INDICE DO BLOCO DE AULAS DE SETEMBRO/91

AULAS: 64 e 66 - 14/09/91 e 16/09/91


ASSUNTO: Apresentação da faculdade da Reatividade (Marte) e seu contraste com a faculade da
Razão (Saturno).
Marte nas seguintes casas: I, VII, II, VIII, III, IX, IV. Com alguns exemplos.
Explicação sobre a Vontade ativa (Jupiter) e Vontade reativa (Marte), como submetê-las a razão.
Nota: Como já expliquei no começo do bloco, essas aulas foram transcritas juntas pois tratavam
do mesmo assunto.

AULA: 65 - l5/09/91
ASSUNTO: As posições de Saturno nas casas XI e XII.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 64 - 14/09/91 E AULA: 66 - 16/09/91
(AS DUAS AULAS FORAM TRANSCRITAS JUNTAS EM VIRTUDE DE AMBAS
TRATAREM DO MESMO ASSUNTO)

Nesta aula nós vamos dar alguma idéia sobre as outras posições planetárias possíveis , sem
nenhuma intenção de completar e muito menos de dar este material em ordem, pois, vocês é que
vão depois reunir tudo o que foi falado de cada posição planetária, criando assim uma espécie de
arquivo.
Vamos voltar um pouco atrás:
Quase todos os livros de astrologia, que dão as interpretações das posições planetárias, em quase
todos eles, você verificará, que uma vez descrita a interpretação, é necessário complementá-la
com um monte de excessões e atenuações. Por quê que isto acontece? Isto acontece, pelo próprio
cárater empirico dessas interpretações. O quê que seria um conceito empírico? Conceito
empírico, é um conceito que procura mais ou menos, agrupar, objetos ou fênomenos por suas
semelhanças mais evidentes. Um conceito deste tipo, ele nunca chega a ter uma consistência
lógica completa, nunca chega a abarcar todos os casos possíveis, em suma, tudo aquilo que é
obtido por indução, isto é, por acumulação de casos semelhantes, sempre vai requerer acrécimos,
atenuações, excessões e etc etc...
Exemplo: Vamos supor, que vocês tentem elaborar um conceito, elaborar lógicamente uma idéia
de "Casa". Qualquer definição de casa que vocês arrumem, sempre vai ter algo, que pode ser
visto como casa e, que não se encaixa precisamente naquilo.
Aluno:-- É o lugar aonde se mora.
Olavo:-- Então, quer dizer que a concha do caracol é casa, a pele do cachorro onde mora o piolho
é casa....Qualquer definição de "Casa" será sempre precária, não é possível definir, esta definição
é que se chama "conceito empírico". Então, você não sendo capaz de delimitar lógicamente: "O
quê é casa." Você convenciona, chamar de casa, um certo grupo de objetos que tem lá uma
semelhança e, você convenciona que outros objetos, mesmo tendo essas mesmas semelhanças,
ficarão fora da definição. O conceito empírico, agrupa, fatos ou seres por suas semelhanças, mas
como as semelhanças depende da casualidade, pode haver enTào, uma quantidade infindável de
casos fronteiriços, de coisas mais ou menos parecidas e, é por isso, que essa definição nunca vai
ficar perfeita. As definições que os astrólogos, tem tentado para as interpretações das casas, são
exatamente desse tipo. Eles procuram ver quais são as semelhanças e diferenças, entre pessoas,
que tem a mesma posição planetária e, tentam deduzir daí uma regra, então, esta regra
evidentemente nunca abarca todos os casos. Nós estamos tentando contornar isto aqui, pelo
artifício de delimitar também a nossa intenção, que se torne possível uma definição, de modo
que, se houver excessões ou casos fronteiriços etc etc...; todas essas excessões, possam ser
abstraídas, possam ser esquecidas como: Variáveis desprezíveis numa conta.
Exemplo: Se ao definir casa, você disesse: "Eu estou me referindo à casas construídas pelo
BNH." Isto você pode delimitar perfeitamente, não pode? Nào há a menor possibilidade de
confusão, então, este já é um conceito muito mais rigoroso do que o anterior. Isto é o que nós
estamos tentando fazer. Nós estamos tentando delimitar ,o alcance, daquilo que nós esperamos da
interpretação planetária. E, nós dissemos, de cara, que tudo aquilo que se refira, ao
comportamento do individuo, está excluído. Tudo quanto se refira, a traços de ordem moral,
também tem que ser excluído. Que por exemplo, a noção de cárater, só pode descrita, se nós
excluirmos comportamentos de significação moral, isto é uma coisa, que há mais de cem anos o
pessoal já percebeu. Exemplo: Vejam, que as caracterologias antigas, como, a caracterologia de
Hipócrates: Dos quatros temperamentos, ela já levava isso em conta, ela excluia, qualquer
significação moral, no fato de o sujeito ser, por exemplo, um melâncólico, um bilioso... Isto é
uma coisa moralmente neutra. Mais para adiante, do século XIX pra cá, muitas vezes, se caiu
nesta esparrela de tentar definir, caracterológicamente, traços morais: Honesto, desonesto,
mentiroso, veraz etc etc...
Só de nós termos excluído estas duas coisas: o comportamento, e a significação moral, então, o
nosso território está bem mais delimitado. A terceira coisa que nós excluímos, é udo aquilo que
possa ser mudado pelo tempo. Cada um dos traços astrológicos, nós só procuramos defini-los sob
um único aspécto. que é o aspécto da diferença de percepção( cognição), que existe entre, este
indiividuo e os outros individuos. É só isso que nós procuramos e, qualquer coisa que nós
coloquemos a mais, estão sendo, ampliações que nós estamos fazendo por nossa própria conta,
mas que escapam rigorosamente do que é a Astrocaracterologia. Muitas vezes o traço cognitivo, é
difícil de você descrever em si mesmo, porque você só pode captá-lo mediante comportamento,
então, nós podemos usar o artíficio de descrever provisóriamente um comportamento, só como,
um artifício(truque) para você enxergar o traço de cárater, mas uma vez enxergado o traço de
cárater, nós suprimimos o comportamento através do qual nós olhamos. Exemplo: É como, para
você captar o fato de uma pessoa ser um tipo histérico- exibicionista, você assinalasse o fato de
ela usar roupas extravagantes, mas as roupas extravagantes, entraram aí apenas, como um indício
de algo que está por tráz e, se a pessoa não usasse roupas extravagantes, ela usaria um outro meio
de se exteriorizar, de se exibir.
Quando descrevemos comportamentos, é apenas como uma isca, para captarmos um traço de
cárater própriamente dito, que pode ser difícil de expressar diretamente em palavras, mas isso não
deve iludi-los. Nestas posições de Saturno que nós descrevemos, como houve uma longuissíma
explicação, de como funciona no homem a razão, de como é a progressiva descoberta e
desenvolvimento da razão no homem, até que ficou relativamente fácil. Mas se nós trocarmos
para outros planetas? Nós veremos que, as vezes fica quase impossível, captar o traço
diretamente sem ser através de um comportamento que o expresse, portanto, um simbolismo.
Eu gostaria de fazer isto agora, antes de terminar o Saturno, justamente para fazer o contraste.
Nós vamos pegar um aspécto que, sob certos ângulos, é exatamente o contrário de Saturno, que é
o que a gente chama: Reatividade ( relacionado ao planeta Marte).
Nós vimos que na casa onde está o planeta Saturno, todas as experiências que ali são vividas, elas
tendem a ser retidas e elaboradas na memória por longo tempo. Vemos que o individuo procura
inserir essas experiências, esses conhecimentos em vários quadros de referência possíveis, até
tentar encontrar um quadro mais estável, no qual, ele possa se apoiar. Também vemos que esse
processo é sempre trabalhoso e problemático, e que sobretudo, esta tentativa de chegar à crenças
mais estáveis., com relação a determinados tipos de acidentes, não pode chegar a bom resultado
antes da idade madura, é absolutamente impossível. Porque enquanto o individuo está crescendo
corporalmente, ele vai percebendo as coisas de modo diferente. Ex: A sua percepção corporal não
é a mesma, quando você tem 1.50 mts, 1.60 mts, 1.80 mts etc etc...; não é a mesma coisa. A
criança que cresce, engorda e se torna mais forte, a relação fisica dela com o mundo está
mudando, portanto, ela está recebendo informações alteradas. Então, o pressuposto mínimo da
estabilização do problema da razão seria, pelo menos, o fim do crescimento fisico. Porém, existe
muitas outras coisas que podem mudar com grande velocidade no individuo, impedindo esta
estabilização. Sermpre que existe a entrada de novas experiências, completamente diferentes das
anteriores, isto aí, certamente se opõe a tendência da razão de estabilizar um quadro de referência
e, na hora em que ela tenta estabilizar, vem logo, uma outra experiência que derruba tudo aquilo
que já foi estabilizado. Portanto, além do crescimento fisico, um outro pressuposto, seria a
estabilização de uma série de outros aspéctos da vida do individuo. Ex: Estabilização social, ele
ter uma posição social, que ele possa reconhecer, que não mude toda a semana. Estabilização de
um quadro de convivência, do qual, não haja o tempo todo, troca de novas pessoas, saídas de
outras...Enfim, tudo aquilo que concorra para a estabilização da vida do individuo, concorre para
a uniformização da experiência dele. Ex: Quanto menos muda a vida do cara, mais ecxperiência
repetitiva e, quanto mais repetitiva é a experiência, mais fácil é para ele, estabilizar um quadro de
conclusões e convicções.
A coisa mais característica da casa onde está o planeta Saturno, é justamente a retenção da
experiência e, por aí a gente observa, que fatos que ocorreram à 10 anos ou 15 anos atráz, podem
continuar presentes para o individuo, e podem continuar tão problemáticos quanto na hora que
ocorreram pela primeira vez, quer dizer, na hora que aconteceu, o sujeito não entendeu e,
passados vinte anos ele continua não entendendo e, continua tentando colocar aquilo em outros
quadros, em outras grades interpretativas, procurando sempre alcançar uma estabilidade, que
acaba no fim das contas, sendo um pouco utópica. Na casa onde estiver o planeta Marte, nós
vamos observar a tendencia exatamente contrária, ou seja, a tendencia de rejeitar a experiência, a
tendencia de rejeitar a informação, e portanto, a tendencia de o individuo permanecer exatamente
como ele já está.
Exemplo: Nós podemos comparar, neste sentido, a casa onde está Marte e a atuação desta
faculdade de reatividade, com a pele do boi que treme para espantar o mosquito. Para que o boi
não tenha que sair do lugar e, para que o mosquito não o pique, ele dá uma tremidinha, isto é, ele
reage a uma informação que vem de fora, justamente para que esta informação não entre.
Do ponto de vista cognitivo, o individuo, é muito mais alterado na casa onde tem Saturno, mas só
que ele reage mais facilmente e visivelmente na casa onde tem Marte.
Aluno:--E se ele tiver Saturno e Marte na mesma casa?
Olavo:--Eu também não sei e essa é que é a verdade! Se você quer saber: --Acho que isto aí não
tem solução. Tendo os dois planetas conjuntos na mesma casa, o sujeito vai ter que se virar de
algum modo. Veja! Esta pergunta tem sentido lógico? Pensem um pouco e, vocês vão ver que
não.
Aluno:--Você recebe a informação, admite a experiência, elabora... , mas ao mesmo tempo, você
rejeita e expele esta mesma informação.
Olavo:--Bom! Isto é a mesma coisa que você perguntar assim: Ex: O ser humano tem um impulso
de assimilar os alimentos engulidos, assimila e transforma aquilo, joga fora uma parte e, assimila
o resto no sangue. Mas ele tem uma outra cadeia de reflexos que vai expelir certos alimentos que
não possam ser digeridos. Daí você pergunta: O que acontece, se ele comer ao mesmo tempo
alimentos digeríveis e indigeríveis? Qual é a resposta? Nào sei! Pode acontecer qualquer coisa. O
máximo que podemos fazer é uma grade de alternativas: 1-Ou o individuo vai fazer um esforço
gigantesco para digerir o indigerível. 2-Ou ele vai vomitar tudo. Em suma, pode acontecer
qualquer coisa.
Se o sujeito tem numa mesma casa, dois planetas que assinalam funções contrárias, partindo
deste conflito, pode acontecer qualquer coisa. Isto aí é perfeitamente imprevisível. A única coisa
que você sabe, é quais são as forças que estão presentes e, qual é a contradição que está em jôgo.
Mas que traços de cárater o individuo vai desenvolver a partir daí? Eu digo:--Isto aí é
irrespondível, isto é empírico. Não pode ter resposta lógica para uma coisa dessas.
Aluno:-- E traços de comportamento?
Olavo:-- Ele vai inventar um traço de comportamento, o qual, também pode ser variável, ele pode
tentar mudar aquilo toda a semana. Dessas duas posições contrárias numa mesma casa, não
resulta disso um terceiro traço de cárater. Isto é absolutamente impossível! Você tentar sintetizar
duas coisas contrárias. Ex: Se você disser: O sujeito tem dois traços de cárater que são
contraditórios, disso resultaria um terceiro traço de cárater? Isto não resulta em absolutamente
nada! Pois isto é mais ou menos assim: Um sujeito deve dinheiro pra mim e não me paga e, eu
devo dinheiro para um outro e também não pago, Qual é a resultante? Pode acontecer qualquer
coisa: Todo mundo desiste, continua brigando etc... Veja, o problema em si, montado dessa
maneira, ele não pressupõe nenhuma solução, pode ser qualquer uma solução. Você pode desistir
de achar traços de cárater correspondentes a presença de vários planetas na mesma casa. Não tem.
Só tem os vários traços independentes e a resultante final? Isso aí é empírico, isto aí depende de
cada um. O que você pode dizer é que, ele tem um traço e que tem um outro também. Ah! Mas aí
esta armado um problema? De fato está. Mas o quê que resulta disto aí? Com isto aí, você sai da
esfera da ciência, não é permitível à ciência. É a mesma coisa que você perguntar: Como é que o
sujeito resolve um problema? Isto não é previsível. Você pode até dar alguma sujestão, mas você
não pode concluir, desde já,que partindo do fato, de que ele tem estes dois planetas na mesma
casa, resultará este ou aquele traço. Claro, que você pode descrever, em termos de dinâmicas
possíveis: combinando os dois traços, você vê, que pode seguir este rumo ou aquele outro, mas
em princípio, não dá para você saber de antemão no que vai dar.
Ex: Quando o astrólogo diz: As pessoas que tem conjunção Marte/Saturno são pessoas muito
violentas. Mas de vez enquanto, você encontra um sujeito que é timido e, que parece até um
pombinho. Então, o astrólogo vai dizer: Ele é agressivo para dentro. Pelo que eu saiba, ser
agressivo é ser agressivo para fora, pois, agressivo para dentro, qualquer um pode ser
"ingressivo".
Agora cientificamente, eu não posso resolver as combinações. Você já pensaram em quantas
combinações podem resultar num horóscopo? Um montão, um montão em todas as casas.
Exemplo: Sol/Venus na casa 1. Sol/Venus/Mercurio na casa 1. Sol/Venus/Marte na casa 1
etc...Nós não vamos terminar tão cedo! Quer dizer que as combinações são em número
inesgotável e, nós temos que nos ater aos elementos da combinação. Ex: Quando você vai jogar
xadrez, o sujeito te explica o movimento e potêncial de cada pedra e a regra do jôgo. Mas aí você
pergunta: Ah! Mais se tiver o peão à quatro do rei, a dama à seis do bispo, o quê que vai
acontecer? O instrutor de xadrez vai te responder: Não sei, se vira! O jôgo só tem as regras
gerais, e as combinações são empíricas, elas podem acontecer ou não. As combinações, tem que
ser estudadas uma por uma, empiricamente. Não existe uma regra de antemão. Para qualquer
combinação possível, a resultante da combinação será uma para cada caso, então, não tem estudo
lógico para isso, não faz parte da regra. E o cara que tentar te ensinar isto, ele está te enganando.
Exemplo: Se você vai aprender a dirigir, o sujeito de dá a mecânica do carro, os princípios da
condução do veiculo e as leis de trânsito. Daí você pergunta: Ah! Mas se eu estiver na Av.São
João esquina com a Av Ipiranga, às 4 horas da tarde, do meu lado tem um Volkswagen vermelho,
atráz tem um Passat branco, ali tem um guarda e vem um outro veiculo na contra- mão. Qual é a
regra? Qual é a resposta? Se vira!
Vocês estão entendendo, o aluno espera que eu responda uma coisa dessas, mas quem vai
responder não sou eu é vocês, na medida em que forem topando com estas combinações, e
resolvendo caso por caso em particular. Vocês imaginem quantas combinações nós já temos, sem
levar em conta as conjunções, os quadrados, as oposições etc... O astrólogo que lhe prometer
ensinar isto aí, ele vai estar passando para você um cheque sem fundo de uma quantia
inesgotável. Isto aí, não se pode ensinar, vai ter que pesquisar caso por caso e, não tem ciência de
antemão, que possa abarcar uma coisa dessas. O que pode ser abarcado de antemão, por uma
teoria ciêntífica, é a regra geral de funcionamento e o pêso de cada elemento, e fim. Isto se você
levar em conta sómente a combinatória interna, os vários aspéctos possíveis entre planetas, casas
etc.. Agora, sde você levar em conta, fatores extra- astrológicos.... Em geral, os livros dão assim:
Planetas casa por casa, signo por signo e os aspéctos isolados. Ex: Você tem a Lua trigono com
Jupiter, então, você é um sujeito bem humorado e benevolente, porém, ao mesmo tempo, a Lua
está em quadratura com Marte, então, você é bilioso, irritável e briguento. Você tem os dois
traços, qual é a resultante? Não sei. O máximo que eu vi de combinações, foi num livro do
Nicolla S. Purim, onde ele tentava dar, por exemplo, os vários planetas nas várias casas e junto
nos vários signos: Sol na primeira casa em Aries, Sol na primeira casa em Touro, Sol na primeira
casa em gêmeos e asim por diante...., planeta por planeta. Isto aí, deu umas setecentas páginas,
mas ele não levou em conta aspéctos, não levou em conta que o sujeito podia ter: O sol na
Primeira casa em Aries, a Lua na terceira casa em gêmeos. Esta combinatória, ou você vai pela
imaginação, ou seja, puxar um personagem para cada uma das cpmbinações possíveis e isso, eu
não recomendo, pois isto, vai dar uma inflação psicológica tremenda, ou então, você vai ter que
estudar caso por caso concreto que apareça na sua frente. Aí, você terá que ir por indução, então,
você tem de um lado a parte teórica e a dedução que você pode tirar dela, do outro lado, você tem
os fatos e você tenta combiná-los de alguma maneira, agora na interpretação, você deve dar
realmente os traços isolados e, se houver traços contraditórios e o cliente reclamar, você tem que
dizer: O problema é seu e não meu. Voltando ao caso de Lua trigono Jupiter e quadrado com
Marte, o máximo de interpretação astrológica que vocês poderão chegar, distinguir e dizer para o
cliente: Olha, em tais casos você será benevolente e você será agressivo em tais casos...
Então, se você tem uma conjunção Saturno/Marte na mesma casa, isso quer dizer exatamente o
seguinte:
a) Os dados que ali entram são retidos por muito tempo, e você procura encaixa-los em muitos
quadros de referência.
b) Você faz o que pode para não receber os dados e para rejeita-los, ou seja, para que não entrem.
Isto é que é o seu problema e, na verdade isto é uma descrição quase perfeita do que se passa de
fato ali.
Vamos sublinhar este contraste, para tornar as coisas mais claras. Eu disse: Que do ponto de vista
cognitivo, ou seja, do ponto de vista da assimilação das informações, muitas coisas acontecem na
casa onde o sujeito tem Saturno e, tudo aquilo que acontece, tem uma reverberação há muito
longo prazo e, o individuo é profundamente alterado por cada um dos dados que entram.
Justamente, na medida onde ele tenta dominar aquela informação, coloca-la num quadro de
referência estável, ele, trabalha com ele durante muito tempo e, para trabalhar a informação, ele
precisa rete-la. Na casa onde o sujeito tem Marte, ele vai fazer exatamente o contrário: Ele vai
tentar ser minimamente alterado pela nova informação, vai tentar exorciza- la, esquece-la, na
mesma hora. Ora, isto quer dizer, que do ponto de vista da expressão externa( da ação externa), o
que vai se dar, é exatamente o contrário. Porque, o que se passa na casa onde o sujeito tem
Saturno, é sempre um processo interno, mas você verá o individuo, se manifestar e agir muito
mais, na casa onde ele tem Marte. O que pode você cair na esparrela e achar que, onde ele se
mexe mais, as coisas ali, são mais importantes para ele. Então, certamente, na casa onde está
Marte, você verá o individuo, agir e até mesmo agitar-se, mas exteriormente, como se fosse, da
casca para fora. O que ele está procurando na verdade, é não ser alterado, ele está procurando
ficar como está, conservar a sua homeostase, conservar o seu estado de bem estar e, para que a
informação não o altere, ele procura, ele mesmo alterar a informação. Ou seja, na hora em que
vem a informação, o fato, a experiência, ele procura repeli- la e, para repeli-la, o quê que ele faz?
Ele age, ele muda o estado de coisas, para que ele mesmo não mude, exatamente como a vaca,
que move a pele para que ela não precise se mover e, para que ela não seja alterada pela picada
do mosquito.
Em geral, os astrólogos se equivocam muito neste ponto, porque vendo a intensidade, com que o
individuo age na casa onde ele tem Marte, então, conclui por lógica, a partir deste índicio, que
aqueles acontecimentos, que ali se dão naquela casa, devem ser, extraordinariamente importantes
para o individuo. Que aquilo ali, deve ser o centro de interesses fundamental dele, quando as
vezes, é exatamente o contrário. O sujeito se move muito ali, porque recebe muitos estímulos, e
nenhum deles lhe interessa.
A astrologia, em geral, procura dizer: que você permanece estável onde você tem Saturno e, que
você mexe e se transforma onde você tem Marte, porém, isto só é verdade do ponto de vista
externo, pois, do ponto de vista cognitivo é exatamente o contrário. Do ponto de vista cognitivo,
aonde você tiver Marte, é aonde você recebe o menor número de informaçòes, é o assunto no
qual você menos deseja pensar e, é aonde você está constatemente exercendo uma ação de
limpeza, de chutar para fora. Aliás, os antigos já tinham percebido claramente, quando
desenharam este hieróglifo de Marte, com uma bolinha com uma seta para fora. A seta para fora,
é como aquilo que expele a informação, para que ela não entre no circulo interno. Eu não sei se
os antigos tiveram esta intenção, mas isto é significativo. Daí, nós podemos concluir: Que como
todo o animal e o homem também, gosta de perseverar, num estado de equilibrio interno, não
gosta de ser alterado, a não ser, quando é no sentido prazeiroso, porém, mesmo uma alteração que
é prazeirosa, pode mais tarde se tornar dolorosa, motivo pelo qual, muitos à evitam também.
Então, podemos partir do princípio, de que todo o animal, gosta de perseverar como está e que,
no impulso de evitar essas transformações que são forçadas desde fora, ele vai desenvolver ao
longo do tempo, um conjunto de automatismos, para que esta operação( rejeição), possa ser
realizada da maneira mais simples, exatamente como a vaca automatiza o tremor da pele.
Portanto, na casa onde estiver Marte, nós vamos ver, em todo o individuo, um grande número de
respostas automáticas à situações externas. Sobretudo, essas respostas automáticas não expresam
a vontade própria daquele individuo, não expressam aquilo que é autêntico nele, mais expressam
apenas o desejo de repelir alguma coisa. É muito importante que vocês estejam conscientes do
seguinte aspécto: Sempre que a gente repele uma invasão é para defender alguma coisa, mas o
conteúdo dessa alguma coisa, não pode ser deduzido do ato mesmo pelo qual o sujeito repele a
invasão. Exemplo: O individuo que defende a sua casa contra um ladrão. Vamos supor que ele
tenha uma espingarda, então, entra um ladrão e ele passa chumbo no ladrão. Por quê que ele fez
isto? Para defender o quê? O quê havia dentro da casa para ele defender? Podia haver, por
exemplo, um montão de ouro ou de dólares, podia hever sacos de cocaina, podia haver os seus
filhos e, podia não haver nada, a não ser, o simples valor da integridade da propriedade que ele
estava defendendo. Agora, cada um destes individuos, estaria agindo em defesa de um valor
completamente diferente, e no entanto, a ação externa com que cada um deles repele o ladrão, é
exatamente igual. Portanto desta acão, nada podemos concluir quanto aos valores do individuo.
Na casa onde estiver o planeta Marte, é onde o sujeito é mais epidérmico, é onde suas ações
expressam menos o que ele por dentro pensa, deseja, quer etc etc.... Veja, na casa onde está
Saturno, já não é assim. Na casa onde está Saturno, nós podemos concluir muita coisa, sobre os
conteúdos e os valores, que o individuo preza. Mas na casa onde tem Marte não, porque se trata
de uma ação superficial, que viza apenas a conservar o individuo como está, não importando, o
que está verdadeiramente dentro dele.
Também podemos concluir, do fato de o individuo ter Marte numa determinada casa, alí, ele
percebe no mundo exterior, muitos desafios, muitas provocações e, procura repeli-las
imediatamente. Porém, ele não percebe estas incomodidades, no mesmo sentido, em que as
perceberia na casa onde está Saturno. Os problemas da casa onde está Saturno, o individuo
conserva e ele tem uma espécie de má consciência culpada daquilo, onde está Marte é o
contrário, ele tenta manter uma reação epidermica, chutando sempre a culpa para o mundo. Na
casa onde estiver Marte, o individuo, tende a ser nuito pouco consciente de si mesmo. Neste
sentido, as ações que ele cometa naquela área, não devem ser consideradas significativas, mas
meras adaptações à uma circunstância externa, tal como o individuo a entende.
Aluno: -- Ele é um pouco alienado ali onde ele tem Marte.
Olavo: -- Sim, ele é alienado.
O pior de tudo, a dificuldade de você governar os assuntos desta casa, vem de que: 1- As reações
de rejeição são todas elas automatizadas. O individuo não só procura prestar atenção no assunto o
minimo possível, mas procura fazer com que a sua própria reação seja cada vez menos
trabalhosa( existe aí um princípio de extrema economia). Ex: A vaca começa a abanar o rabo para
espantar o mosquito, mas depois ela passa a abanar o rabo sem saber se há mosquitos ou não, e
depois, ela não percebe nem mesmo o rabo.
Aluno:-- É a lei do menor esforço?
Olavo:-- Sim. Existe um dispendio de energia, pois, sempre tem uma ação. 2- Na maior parte dos
casos, não é uma ação significativa, é apenas uma ação defensiva. Esta ação, não expressa
diretamente, os valores que o individuo deseja preservar, só expressa, que ele está preservando
algo. 3-Por haver naquela casa, onde tem Marte, um sistema de condutas automatizadas, tudo
aquilo que está automatizado ao longo do tempo, é muito difícil de ser mudado, então, o
individuo tem um esquema de reações defensivas, que ele foi acumulando desde a infância e que
depois, ele não consegue mudar mais. Evidentemente é uma casa onde se acumula muitos maus
hábitos, difíceis de mudar, não pela sua profundidade. Mas são difíceis de mudar: Primeiro,
porque estão automatizados, segundo, o individuo não quer pensar neles. Ele desenvolveu estes
esquemas de defesa, justamente para não ter que pensar nos assuntos daquela casa.
Pode acontecer, no entanto, acidentalmente ele pode receber muitas agressões do meio exterior
naquele ponto e aí, pode se desenvolver uma espécie de patologia, uma espécie de gosto pela
incomodidade. Mas isto só acontecerá, se o individuo for muito desafiado na casa onde ele tem
Marte.
Marte na casa 1
O sujeito que tem Marte na casa 1. A casa 1 é a auto- imagem dele, isto quer dizer, que do ponto
de vista dele, a auto-imagem dele nunca fica parada. Ela nunca fica parada tanto quanto ele
desejaria, ela sempre está sendo alterada desde fora, inclusive o próprio corpo, neste sentido, é
um depósito, uma coisa que está fora do individuo. Isto significa, que o individuo desenvolverá
uma série de esquemas, destinados à que a sua auto- imagem, não o incomode, não o perturbe. Na
mesma medida em que ele tem estes esquemas adaptativos, ele está constantemente agindo alí, e
portanto, para ele não ser incomodado, ele vai sempre incomodar os outros ( ou o meio
ambiente). Você imagine alguém, que a todo o momento, percebe coisas que afetam a sua auto-
imagem e que não quer ser incomodado por isso. O quê que ele tem que fazer? 1-Ou ele vai ter
que reagir, para manter as pessoas a devida distância. 2-Ou ele mesmo vai mudar a sua auto-
imagem a todo o momento. A pessoa de Marte na casa 1, nunca fica como está, ela está em
movimento externo, para evitar um movimento interno.
A função de marte é repelir todas as informações, que você não pode processar de maneira
nenhuma, é a rejeição de informações. Mas acontece em que na medida em que o sujeito rejeita
informações, ele age, então, ele evita a entrada de informações, e nós percebemos, mas ele pode
não estar percebendo absolutamente nada da sua ação. Ele está sempre atacando o dado.
Ex: Por isso, no simbolismo astrológico, Marte rege o signo de àries, que por ser o primeiro
signo, é a porta de entrada do zodiáco. Isto significa que se nós estivéssemos abertos a todas as
informações, nós seriámos invadidos, ficariámos paralizados. Este processo de paralização, é um
pouco como o que acontece na casa onde você tem Saturno: Você recebe um número excessivo
de informações, depois, você não consegue colocar estas informações num esquema
orgânico(organizado), então, você fica paralizado até você terminar de processar os dados.
Como todo o mecanismo de defesa, a função de Marte, pode se tornar um problema, pois, na
medida em que você tem estes hábitos defensivos você age e, na medida em que você age, você
provoca situações e, esta é que é a tragédia!
Procurem se lembrar de um único caso, de pessoas que tem Marte na casa 1, que não está fazendo
constatemente alguma coisa para adaptar a sua imagem, para mudar a sua imagem. A pessoa
muda a imagem externa, para que não mude a imagem interna. Então, estas pessoas, de marte na
casa 1, darão sempre a impressão de estar mais intensamente presentes em uma situação, do que
os outros.
Vamos usar um esquema sobre Marte, que o Edimilson fez, e tentar aprimorar a definição sobre
Marte nas casas:
Edmilson:--Marte na casa 1: O individuo reagirá prontamente a situações, em que for incômodo
perceber, que há uma diferença entre as atitudes tomadas e o seu cárater, ou melhor, entre o que
ele manifesta e o que ele é. Terá um senso agudo do que ameaça a sua integridade.
Olavo:--Será que é isso mesmo?
Aluno:--A primeira parte, parecia Saturno na casa 1.
Olavo:--Qual a parte que parece com Saturno na casa 1?
Aluno:--Essa parte que fala da distinção, entre o que o individuo é e o que ele manifesta. Essa
preocupação, me parece de ordem Saturnina.
Olavo:--Claro! Pois aí está dependendo de uma avaliação critica que o sujeito faz. O que o
Edmilson diz, sobre a ameaça a integridade, está muito certo, mas essa primeira parte está muito
complexa: O sujeito vai parar para pensar, se o que ele fez, expressa realmente o que ele é, de
fato, isso aí seria mais um problema de Saturno na casa 1.
Aluno:--Essa parte da integridade eu não entendi. por quê essa parte fisica é igual aí, a
integridade?
Olavo:--Claro! Integridade fisica, não quer dizer a integridade somática( do corpo),não são
somente as ameaças a integridade do corpo, mas as ameaças à sua presença, por exemplo: Aquilo
que possa envergonhar, aquilo que possa fazer baixar os olhos, aquilo que possa fazer você
enrrubecer etc..., Tudo isto, imediatamente antes de acontecer, o sujeito já vai agir, para escapar
disso aí. Exemplo: Dois comportamentos, que você poderia contrastar, de Saturno na casa 1 ou
Marte na casa 1, perante uma situação que possa envergonha-lo:1- Marte na casa 1: A tendência
do Marte, é escapar o mais rápido possível para não ter que pensar no assunto. 1- Saturno na casa
1: Vai problematizar a situação, pensar nela ,e tentar achar algum esquema, a mais longo prazo,
que resolva a situação de uma vez por todas. Neste caso, é mais provável,em termos de
comportamento, que o individuo com Saturno na 1, finja, não ter sido alterrado, tentando dar uma
impressão de impassibilidade, as vezes, até forçada. Agora, o individuo com Marte na 1, ao
contrário, mesmo que ele tente disfarçar, ele acaba manifestando ostensivamente, os seus
sentimentos.
Para o individuo de Saturno na casa 1, pensar na sua própria imagem é um meio de auto-
controle, portanto, ele estará continuamente pensando nela. É como se ele tivesse,
permanentemente, um espelho diante dele. ele controla as suas reações. Ele quer estar se vendo, o
tempo todo, para controlar o efeito que ele está desencadeando, através da sua expressão facial,
corporal etc..
O individuo com Marte na casa 1, ele quer evitar de pensar na sua auto-imagem, pois, se ele
pensar nisto aí, ele ficará inseguro. Se colocarmos um espelho, na frente deste individuo, ele
perderá o rebolado. O ideal para ele, seria ser tão expontâneo, que ele nunca precisasse pensar na
cara que tem. Não é de fato, o que ele faz ,mas o que ele desejaria fazer. Portanto, em situações
constrangedoras, a diferença, de reação, desses dois individuos, é total.
Para um individuo com Marte na casa 1, fazer esta auto- análise que um sujetio de Saturno na
casa 1 faz, seria para ele extremamente desesperador, ele não quer fazer. Vocês vão ver, que
individuos com Marte na casa 1, freguentemente ignoram a imagem que tem, não tem nenhuma
idéia ou tem uma idéia errada. Agora, um sujeito com Saturno na casa 1 sabe tudo a respeito de
si.
Exemplo: Se você ofende um sujeito com Saturno na casa 1, em geral, o sujeito vai fazer cara de
ostra, você não vai saber qual é a reação dele e, ele, vai fazer o possível para que você não saiba,
se ele ficou com raiva, se ficou com medo etc...Porque ele vai querer ter uma reação planejada. O
tempo da reação é longo.
O sujeito com Marte na casa 1, se você o ofender, ele vai expressar imediatamente a raiva ou o
mêdo e etc... Vai ter uma reação imediata, que é justamente para que aquela informação que veio
de fora, não seja retida, ele vai tentar diminuir a importância do que aconteceu. Neste caso, o
tempo de reação é curto.
Vamos supor o caso contrário:
Marte na casa 7
Marte na casa 7: O individuo com Marte na casa 7, é considerado, como um sujeito briguento:
Ele arruma briga a todo o momento. Por quê que ele arruma briga a todo o momento?
Para não sentir a hostilidade das pessoas para com relação a ele, ele não quer pensar nisso. Agora,
se você tem Saturno na casa 7, uma pequena manifestação de hostilidade que um sujeito tenha
com você, você pode ficar pensando nela dez anos seguidos: Por quê que ele fez isso comigo?
Isso não está certo..., você tenta explicar e justificar. Você dá importância cognitiva aquele dado
e, fica trabalhando em cima dele.
Com relação a Marte na casa 7, na relação com outras pessoas, qualquer minimo sinal de
oposição que se ofereça a esse individuo, ele reage, ele não fica parado olhando. Agora, ele pode
reagir brigando ou fugindo. Mas de qualquer maneira é seguro de que aquilo o incomoda muito, e
que ele não quer pensar naquilo nem um minuto sequer, ele quer resolver logo, ele não quer
prolongar o sofrimento.
Aluno:-- Existe uma solução para este problema de Marte, como existe solução para o Saturno ?
Olavo:-- Isto aí não é um problema, isto aí já é uma soluçào. Se o sujeito não suporta a
hostilidade, durante cinco minutos, sem que ele tenha que brigar ou ir embora, o quê acontece?
Ele adquire fama de briguento e as pessoas vão brigar com ele. O próprio esquema defensivo
pode gerar novos problemas, mas isso é uma coisa que sai do âmbito do nosso estudo, para nós
não é importante saber o que pode acontecer. O que interessa é que o traço constante em todos os
casos, é esse.
Esta capacidade defensiva, na casa onde você tem Marte, você nasce com ela. Só que ela está
funcionando, mais ou menos, no piloto automático, até que você tome consciência que você à
tem. Esta faculdade de Marte, ela funciona sozinha por si mesma, não precisa ser educada, é uma
faculdade animal. Porém, se ela vai servir ao bom desenvolvimento do individuo, ou se ela vai
virar uma fonte de neurose, bom, tudo isso não é problema nosso. O fato é que ela está ali e
funciona deste jeito. O ponto sensível onde você vai ver o individuo repelir agressões o tem po
todo, é justamente ali onde ele tem Marte.
Para o sujeito, que tem esta posição, ele não tem a noção, de que ele reagiu a coisa, antes mesmo
de que ela acontecesse e de que, do ponto de vista alheio, ele não foi provocado absolutamente,
foi ele quem tomou a iniciativa de brigar.
Vamos comparar com Saturno na casa 7:
Aluno:--O Saturno na casa 7, tem dificuldade de julgar o outro.
Olavo:--Tem dificuldade de julgar e necessidade de julgar também. Então, cada vez que surja
uma situação, que você não sabe, se uma pessoa está com você, ou está contra você. Para o
individuo de Saturno na 7, isso aí é um problema, no qual, ele vai ficar pensando uns dez anos,
buscando um esquema fixo que lhe permita automatizar a resposta.
Para um individuo de Marte na casa 7, essa preocupação de justiça ou injustiça do procedimento
do outro, ou da sua reação a ele, para que isso não tenha que entrar na sua cabeça, ele aceita o que
o outro propõe na mesma hora. Já se declara partidário ou inimigo na mesma hora, ainda que no
dia seguinte ele tenha uma reação inversa. No caso de Saturno na 7, isso iria dar um caso de
consciência muito grave.
O problema que o sujeito que tem Saturno numa determinada casa, compra, para ficar com ele o
resto da vida. É justamente o mesmo problema, que o sujeito que tem Marte na mesma casa,
procura evitar.
Exemplo: Um sujeito de Marte na casa 7 briga com você hoje, e amanhã já te chama para tomar
uma cerveja. Tudo bem. Mas se você tiver Saturno na casa 7 ? Para você, isto não é bem assim.
Voltando a Marte:
A sutileza do negócio é, que o individuo reage antes de que haja o fato consumado( ele fareja
algo ameaçador), ele reage para não ser alterado. Do ponto de vista do espectador que não sabe o
que está passando na cabeca dele, não sabe qual foi a previsão que ele fez, quem foi o sujeito
quem começou a ação? Foi ele. O individuo não quer ser alterado no seu esquema de bem estar
interior.
Processo de Marte: Na medida em que o sujeito age, ele cria situações, e essas situações por sua
vez, vão trazer novas informações para ele. Tudo o que você faz, desencadeia um efeito, então, o
simples fato de você agir, você cria situações, e dessas situações, você certamente receberá
informações mais cedo ou mais tarde.
Exemplo: Se eu não suporto que um sujeito me olhe torto nem por um segundo, então, quando eu
vejo que ele está tendendo a me olhar torto, eu já reajo. Do ponto de vista dele, o quê que eu fiz?
Fui eu quem briguei com ele. Aí está criada uma situação e, certamente desta situação, eu
receberei informaçào mais cedo ou mais tarde. Isto quer dizer que, do ponto de vista biográfico,
na casa onde ele tem Marte, ele vive criando situações que ele não devia criar. Por isso é que se
sofre neste ponto. Na medida onde você deseja se manter inalterado, você chuta o estímulo para
fora. O quê que você fez? Você mudou a situação, mas essa não é propriamente a sua intenssão,
você só queria ficar quieto no seu canto.
Aluno:-- Como se o sujeito, carregasse uma placa dizendo: 'Não perturbe."
Olavo:--Claro!
As conseguências que você desencadeou, você pode estar inteiramente inocente ou inconsciente.
Ex: Marte é como se fosse a casca da tartaruga , é pela casca que ela vai receber as pancadas que
vem de fora.
Na casa onde você tem Marte, é onde você vai acumular o maior número de problemas com o
mundo externo, e não com você mesmo. Por isto é que eu digo: É o contrário neste sentido, da
casa onde está Saturno, aonde você tem um grande problema com você mesmo, é onde você está
contra você. Na casa onde você tem Marte, você está contra os outros, você está contra o meio.
Tendo na mão este princípio, agora, vocês tentem fazer o Marte nas outras casas.
Marte na casa 2
Aluno:-- Marte na casa 2, deve ser terrível, pois o sujeito rejeitará toda a informação sensível.
Olavo:-- Marte na casa 2, é a extrema defesa do seu bem estar sensorial. O sujeito não quer
nenhuma sensação desagradável. Mau cheiro, mau gosto.... Por exemplo: Se ele rejeita sensações
desagradáveis. O quê vai acontecer? Ela vai reclamar de qualquer coisa que o incomode
fisicamente. Na medida em que ele reclama ou que ele age. Como é que os outros, encaram
histo? Ela vai criar um monte de incomodidades sensoriais para os outros.
Aluno:-- A solução, não seria o sujeito tentar arranjar um meio a fim de adequar o traço de
cárater dele?
Olavo:-- Ele pode racionalizar este esquema, este é o problema de que falou o Roberto, isto aí vai
ter que funcionar sob o dominio da razão.
Exemplo: Se você é um sujeito hiper-sensivel sensorialmente, se o negócio cheira mal você fica
bravo, se o gosto não tá bom você fica bravo. Qualquer incomodidade sensível já mexe com
você. Você não quer nem pensar que isto possa vir a acontecer. Ora, se você é assim, você pode
ao longo do tempo, tomar um monte de providências justamente para evitar essas incomodidades,
usando a razão. Porém, como é que nós vamos saber se o individuo fez isto. Se ele ajeitou a vida,
para que ela fosse de acôrdo com a conveniência dele, ou se ele continua reagindo aos trancos e
barrancos? Isto depende da biografia, isto não depende de o sujeito ter Marte na casa 2. E a
biografia vai depender em parte da razão e, em parte da sorte.
O Marte na casa 2, é como se fosse o inverso do senso estético, é o senso do não estético. Ele tem
o senso do feio, do incomodo, do inadequado..... É como se a beleza o impressiona menos do que
a feiura. Ele menos busca a beleza do que foge da feiura, ele menos busca o gostoso do que foge
do desagradável. É um individuo difícil de contentar senssorialmente.
Também, como eu disse para vocês, este mecanismo pode se tornar invertido, no sentido de que,
o individuo pode tomar gosto pela incomodidade. Ele adquiriu tanto o hábito de reagir naquele
ponto, que ele já não vive mais sem isto.
Voltemos ao Marte na casa 1 e casa 7. Qual é a diferença entre eles?
Aluno:--O que tem Marte na casa 1, se incomoda com a própria auto-imagem. E o que tem Marte
na casa 7, se incomoda com a imagem do outro ( sua hostilidade) com relação a ele.
Olavo:--Na casa 7, se não houver interferência do outro, não aocntece nada. Agora na casa 1 não.
O individuo fica sozinho e briga com ele mesmo, ele olha no espelho e briga com ele mesmo. A
auto-imagem dele não é estável, e o que ele desejaria, é estar tranquilo com relação a ela, mas
justamente por isto, nunca está. Porque a qualquer minima alteração ele é sensível. E aí vigora o
principio: Quanto mais mexe mais fede.
Aluno:--Na casa 7, eu não entendi...
Olavo:--Na casa 7, a sua relação é com partidários e inimigos. Se você percebe que uma pessoa
não está do seu lado, ela tem alguma possibilidade de hostilidade, você sente a necessidade de
definir a situação logo de cara: " Quem não está comigo está contra mim." Um político com
Marte na casa 7, é um desastre, pois, a política é a arte de transigir e, como é que você vai se virar
na base do: Quem não está comigo está contra mim.
O marte na casa 1, o individuo é sensível a ofenças feitas a sua cara, a sua aparência imediata.
Com Marte na casa 7 não, a ofença é no sentido de: Lealdade ou deslealdade, apoio ou
hostilidade....
Marte na casa 8
Com Marte na casa 8, o sujeito repele qualquer perigo, ele está sempre alerta. Nào deixa nada
sem uma reação ao perigo. Nào suporta risco nenhum. Se tem uma ameaça a possibilidade de
risco, ele já tem que agir. Isto não quer dizer, que ele será nem corajoso ou medroso, pois, isto
são traços morais, que não dá para você deduzir do Marte na casa 8 e, nem do Marte em casa
alguma.
Aluno:--Eu sempre achei que o Marte na casa 8, ia dar um sujeito que ia agir em tudo.
Olavo:--Fugir é agir, o sujeito que foge não fica onde está.
Aluno:--Bater em retirada é uma estratégia importante.
Olavo:--Claro! Ex: Isso é que nem o Barão de Itararé: Tendo sido agredido por um lutador de
boxe, ele demonstrou que a corrida de velocidade é um esporte muito superior.
Então, em todos esses casos, você revidar a agressão ou você fugir, você estará agindo do mesmo
modo. O que importa, não é o tipo de reação que você vai ter, porque, isto depende de um monte
de variáveis que não são astrológicas. O que importa é que o sujeito naquele ponto não fica como
está.
Aluno:-- O Marte na casa 8, não daria um individuo previdente?
Olavo:-- Isto mesmo! Ele será previdente, mas não a longo prazo, ele será previdente, contra
perigos iminentes. Ex: Como um cão de guarda: Qualquer coisa, e já está alerta.
Aluno:-- O Saturno na casa 8, também não é previdente?
Olavo:-- O Saturno na casa 8, também é previdente, porque ele faz uma confusão desgraçada. Ele
não quer reagir no momento, ele quer ter um esquema perfeito, para todas as emergências futuras,
possíveis e imagináveis. Como isto é muito complicado, em geral, você verá que na hora H, o
sujeito fica todo atrapalhado, a não ser, que ele seja velho, que dizer, já acumulou tanta
experiência, que agora ele já sabe como agir. Mas o sujeito novo com Saturno na casa 8,
geralmente ele se embanana na hora H, a não ser, que seja algo que ele tenha um conhecimento
especializado. O que é muito comum, é o sujeito com Saturno na 8, não agir. Se você abrir a
cabeça dele nessa hora, você iria encontrar, um enigma enorme e, o sujeito estará muito
atrapalhado ali, e não estará entendendo nada.
Exemplo: No Rio, eu estava tramando um negócio com uma moça que tem Saturno na casa 8. Ela
estava muito animada, foi atrás, arrumou tudo só que na hora de fechar o negócio, ela deu pra
trás. Para ela, tudo tinha que ser pensado e analisado, durante alguns meses, até achar a solução
mais certa. Este tipo de comportamento, é muito previsível no meio social como o nosso, já está
mais ou menos padronizado.
Também vimos este procedimento na guerra do Golfo com George Bush, que estava recebendo
informações, sobre o que se passava, fazia um ano, provavelmente, na hora em que ele recebeu as
informações ele ficou em estado de choque, sua cabeça deve ter entrado em parafuso. Como se
tratava de assunto político, houve tempo para o sujeito planejar a ação e executá-la um ano
depois. Mas na vida civil, nas situações pessoais, dificilmente você dem condições para isto, quer
dizer, a política é um mundo mais racional do que a vida dos individuos.
Marte na casa 3
Se o sujeito tem Marte na casa 3, na convivência verbal, o sujeito se antecipa ao que o outro vai
falar.
Olavo:-- Eu tenho Marte na casa 3. Eu faço isso o tempo todo, vocês não percebem? O sujeito vai
falar uma coisa e eu já concluo. Antes de fazer a pergunta, eu já respondi, já captei todo o
processo de antemão e, as vezes respondo a mais, e o sujeito fica ofendido...
Existe uma impaciência na hora de pensar, na verdade, eu mesmo estou seguro de que nada
pensei até meus vinte anos de idade. Não pensava. Completar um silogismo era a coisa mais
horrivel do mundo, ou captava na hora, ou não captava mais. Isso era uma maneira de me
defender, se fosse botar a minha cabeça para funcionar, ia incomodar, então, havia duas
maneiras: ou tentar fugir do assunto, ou tentar captar o mais rapido possível, para não ter um
longo trabalho ali. Pensar dói, então, melhor não pensar. Para começar estudar qualquer coisa , eu
tive que fazer muito esforço, foi horrível.
Aluno:-- Mas você também tem o Sol na casa 3, a intuição...
Olavo:-- Claro! Se não fosse por intuição, eu não estudaria de jeito nenhum. Eu não era burro, se
você me explicasse um negócio que me interessava, eu sacava na hora, mas se não, eu nem queria
ouvir falar daquilo.
Já vi as duas coisas com Marte na 3, uns que rejeitam qualquer estudo e, outros , o contrário,
estudam tudo aos trancos e barrancos. Depende do que é mais incômodo para o individuo. Ex:
Estuadar pode ser incômodo para uns, mas para um outro, ele passar por burro, pode ser mais
incômodo ainda. No meu caso, eu não tinha orgulho, esse negócio de ser o último da classe, eu
nunca liguei. Estudar era mais doloroso do que passar por incompetente. Agora, os valores
incorporados podiam ser outros e, o individuo ia reagir diferentemente.
Olavo:-- Depois dos meus vinte anos, eu me preocupei em aprender coisas, mas sempre com este
princípio: " Como é que eu vou fazer, para aprender isso aí, o mais rápido possível e com minimo
gasto de energia."
Exemplo: Aprender linguas, eu tenho muita facilidade em aprender, eu tenho dificuldade em
frequentar o curso de linguas.Cada vez que você vai a aula, você aprende só duas palavras novas,
aí, você faz uma hora de exercício, e repete..., até aprender mais duas palavras. Na verdade eu
nunca fiz um curso de linguas, entrei num agora e não sei quanto vou aguentar.
Sempre estudei tudo por mim mesmo, tinha que fazer mais esforço, mas não tinha que esperar.
Uma coisa vocês podem concluir: A reatividade de um sujeito com Marte na casa 3, será sempre
espasmódica, quer dizer, dois dias num mês ele aprende tudo, e os outros dias ele não aprende
nada. Se vocês observarem uma pessoa com Saturno na casa 3, verão freguentemente, ela
procurar a coisa mais incômoda possível, engole todo aquele estudo como se fosse uma
penitência.....São pessoas que decoram dicionário. Quanto mais ele ficar ruminando, repetindo as
mesmas palavras, aquilo tranquiliza e dá uma seguranca. Onde você tem Saturno, você busca
uma estabilização, coisas que você não entende mais que se tornam habituais, você não tem mais
mêdo.
Tem coisas que dá para aprender de uma vez, por exemplo: Nadar. Para você aprender a nadar,
ou você aprende na hora, ou você afunda, não tem meio termo. Você joga o sujeito dentro da
àgua, ou ele sai nadando, ou ele afunda. Este é o tipo do aprendizado ideal, para o sujeito que tem
Marte na casa 3. Não vai por etapas. Ele arrisca tudo de uma vez, ou dá certo, ou dá errado. Do
mesmo modo: Guiar um automóvel. Eu aprendi a guiar um automóvel assim, peguei o carro e sai
guiando. Se não aprendesse assim, precisasse ir por etapas, aí, eu nunca aprenderia.
O sujeito que tem Marte na casa 3, tem que aproveitar os impulssos. Podemos fazer uma
comparação: A onça e o camelo. A onça, daonde ela está, ela dá um salto e, em dois segundos ela
atinge a velocidade de 60 Km/h, corre cinco minutos e cansa. E o camelo? O camelo, só para ele
levantar, demora umas duas horas, mas depois que ele começa a andar, ele não para mais, vai ali
à 15 Km/h e nunca para.
Onde tem Marte é a onça, onde tem Saturno é o camelo. O cara com Saturno na casa 3, ele
precisa esquentar o motor para aprender.
Aluno:--Então, o Marte na casa 3, seria sempre uma reatividade envolvendo processos de
aprendizagem....
Olavo:-- Claro! Processo de aprendizegem, de raciocínio.
Aluno:-- Dá uma pessoa polemista.
Olavo:-- Claro! O Marte na 3, facilita a polêmica, mas pode pegar também um horror à polêmica.
Na verdade, eu faço muita polêmica aqui, mas se está na mesa do bar, se está numa festa, então, o
sujeito pode falar qualquer besteira que eu nem ligo, eu fujo, me dá mal estar. Mas isso acontece
agora, depois de muito sofrimento. Quantas vezes eu não perdi horas discutindo com pessoas que
nem estavam prestando atenção, por exemplo, um bêbado. Discussão idiota, com um idiota.
Levou muito tempo para eu me controlar. Agora, se eu tiver que ouvir um argumento até o fim,
sabendo onde o outro vai chegar, isto é a pior coisa do mundo. É muito fácil de você pegar os
planetas na casa 3, porque a casa 3 são os escritos, a linguagem... Se vocês verem um sujeito de
jupiter na casa 3, verão que existe uma facilidade em encadear as palavras, fala
despreocupadamente, tem muita fluência, é fácil acreditar no que ele fala.Na hora que o sujeito
fala, ele está seguro de que aquilo é verdade. Com Jupiter na casa 3, você não tem dialética, só
lógica.
Com Saturno na casa 3 não. Tudo o que você fala, na hora que você falou uma coisa, você já
pensou a contrária.
A pessoa com Marte na casa 3, é o contrário, as vezes, ela quer uma objeção para esquentar o
negócio. Com Marte na 3, as vezes o sujeito gosta de falar o contrário do que ele pensa, para
provocar as pessoas, para agitar o ambiente e criar polêmica. Como Marte é exteriorização,
qualquer enigma que passe pela sua cabeça, você vai sempre chutar para fora.
Marte na casa 9
O sujeito com Marte na casa 9, ele duvida de tudo o que ele crê, mas só ele que pode duvidar,
ninguém pode colocar em dúvida. As pessoas com Marte na casa 9, certamente, serão muito
suscetíveis, a qualquer coisa que mexa com seus valores, com suas crenças. Por causa disto,
exergam em todo o lugar, desafios as suas crenças e valores. Ora, se você enxerga muitos
desafios nas suas crenças e valores, isto quer dizer, que você mesmo os está questionando o
tempo todo. Se você está questionando, você não quer que ninguém questione, porque você não
aguenta mais.O sujeito de Marte na casa 9, quanto mais prega uma coisa, menos ele acredita nela.
Aluno:-- O Saturno na casa 9, também não dá esse questionamento de crenças?
Olavo:-- Com o Saturno na casa 9, não é que você está questionando a todo o momento, você já
está numa dúvida total. É como se você estivesse destituído de crenças, não há nada, no qual,
você acredite positivamente. Com Marte, você afirma e nega, tão logo você afirma uma coisa,
você percebe a contrária e, já tenta combate-la de alguma maneira. Se o sujeito for um pregador,
quanto mais ele converter os outros, menos fé ele terá. Não acredita na religião que ele mesmo
prega, pois, ele à está sempre questionando. Você quer ver um sujeito com Marte na 9
desesperado, é ele ter que defender com intensidade e ímpeto, porque, quanto mais ele defender,
mais ele ficará abalado. Na hora que ele convence o outro, aí ele já estará duvidando do que ele
pregou.
O ideal, no ponto onde está Marte é não acontecer nada, pois, tudo o que acontece está fora de
lugar.
Antes de completar estas posições planetárias nas casas, vocês podem contrastá-las, por exemplo
com a Lua. A lua é sentimento, sentimento é desejo, desejo é do que você não tem ( ninguém
deseja o que já tem). Portanto onde está a Lua, você , não quer nunca ficar como está. Você quer
buscar algo que você não tem, algo que lhe falta. Existe desejo estático? Não. Se tem desejo, é
porque alguma coisa está faltando. Tão logo, você obteve essa alguma coisa, bom, agora você
deseja voltar ao estado anterior. Onde tem a Lua, é onde você constatemnete se expõe a mudança:
você quer ser afetado, você quer ser alterado, você se oferece, você se abre... Se você tiver uma
conjunção Lua/Marte ? É horrível, você está ferrado!
Quando nós temos qualquer aspécto entre planetas, seja ele: Conjunção, trigono, quadratura etc..
Isso quer dizer que esse elementos planetários estão presentes. Mas se eu disser: Lua quadrado
Marte dá isso, Lua conjunção Marte dá aquilo. Você vai ver, que as vezes os elementos( no caso
Lua/Marte) estão presentes e as vezes não estão.
Existe basicamente dois sistemas de você expor essas posições: 1-Você expor planeta por
planeta, casa por casa. 2- Você ir conntrastando as várias posições. Eu prefiro ir contrastando,
pois senão, isso dá bode. Se você explica um planeta até você chegar no outro, você já perdeu a
cadeia do seu raciocínio. Agora, se você contrasta, vamos supor, Saturno/ Marte/Lua, você vai
ver três processos completamente diferentes, na mesma casa. Onde tem a Lua, é como se tivesse
um buraco dentro de você, algo que está faltando e, que você só pode receber de fora. Portanto, é
onde você se abre, onde você se torna, quase que voluntariamente, vulnerável.
Marte na casa 4
Aluno:-- Marte na casa 4, dá uma das posições mais problemáticas, pois se a casa 4 são os
desejos do individuos, com Marte lá, o sujeito não quer que os desejos não o incomodem...
Olavo:-- É uma das posições mais problemáticas. É a mema coisa que você dizer: Eu quero,
sentir exatamente aquilo que eu quero, nem um pouquinho pra cá, nem um pouquinho pra lá, ou
seja, eu quero a satisfação total e imediata dos desejos, de modo que, não me incomode de
maneira alguma. Por isso é que quase todas as pessoas de Marte na casa 4, tem úlcera no
estômago. Porque, o problema do desejo, a felicidade ou infelicidade, a gente somatiza muito no
estômago. Ex: O bebê que está de barriga cheia, aí ele está feliz. A satisfação ou insatisfação,
neste aspécto, é fácil você perceber que o Marte na casa 4, é um estado de profunda insatisfação,
profundo desejo de felicidade, extremamente difícil de você atender nos termos em que o sujeito
quer.
Eu estava explicando a Lua. A Lua é a mesma coisa que casa 4, então, o sentimento e o desejo,
são a mesma coisa, um buraco. Na verdade dois buracos, como vasos comunicantes: na hora em
que você enche de um lado, esvazia o do outro. A casa 4, funciona do mesmo modo. A casa 4, é
tudo aquilo, que nós achamos, que nos dará a felicidade, é aonde você quer ser preenchido.
Agora, se eu quero ser preenchido de alguma coisa, mas o que quer que mexa comigo, me
incomoda, isso é Marte na casa 4.
Exemplo: É como se eu tivesse muita fome e dor de dentes ao mesmo tempo. Dá para entender?
Ontem, eu estava mais ou menos assim. Eu estava com fome, com frio e com sono.Como é que
você vai fazer para você dormir e comer ao mesmo tempo? No fim, eu desisti de dormir e fui
comer.
Se o sujeito tem Marte na casa 4, o que é seguro é que, um monte de coisas ele fará, por motivos
de busca de satisfação subjetiva. Ele vai querer mexer num monte de coisas, mas o quê ele está
querendo no fundo, só ele é que sabe. Como é que você vai saber o que o sujeito está querendo
no fundo? O que, no entender dele, o deixaria feliz, mas se ele se mexer para obter aquilo, vai
incomodá-lo também. Dá para você entender, que é um fator, de um comportamento bastante
estranho, para os outro, pois, para o individuo, tudo estará normal. É difícil você saber, se esse
sujeito, está feliz ou infeliz...
Tem um jeito de você explicar isto: O mecanismo de desejo é um ciclo( como um curva de
biorritmo), onde existe a fase do desejo, e a fase da satisfação. No caso do sujeito que tem Marte
na casa 4, essa curva é muito estreita, ela é curta, porque se se prolongar, por muito tempo, o
estado do desejo, começa a incomodar demais. Então, é mais ou menos como se o individuo diz:
Eu quero a felicidade agora, já, senão, daqui a pouco, já começo a encher o saco. Essa seria a
atitude do individuo, porém, qual será a consequência real disso aí? Como é que ele vai se
adaptar, como ele vai se virar, com isso aí? Muitos arrumam úlcera no estômago, é uma solução.
Por exemplo: O sujeito que tem Jupiter ou Sol na casa 4, é um sujeito que pode aguentar
insatisfação por muito tempo, porque a previsão do que ele vai obter, o torna feliz. Então, não dá
nem briga, porque se ele ficar infeliz, ele não estará totalmente infeliz, porque a antevisão do que
ele quer, já o torna parcialmente feliz.
Se tiver Saturno na casa 4, ele estar feliz por antecipação do que não tem, é contraditório. O
desejo é uma curva, portanto, ele é sempre contradição. Essa contradição para o sujeito de
Saturno na 4, aprender a lidar com isto, leva uma vida inteira. O quê que ele faz? Para de desejar
qualquer coisa, mas se ele para de desejar, ele já está infeliz, então, ele é um infeliz profissional.
São pessoas que dificilmente vamos saber o que elas querem, e as vezes, elas nem mesmo sabem.
Se els obtem o que querem, o esforço de adaptação ao desejo, é muito grande.
Voltando as diferenças de Marte e Saturno, o critério é sempre o mesmo: O problema que o
sujeito, que tendo Saturno na casa, compra, é o problema, que o sujeito com Marte na mesma
casa, evita. O problema que um retém, é o problema que o outro expele. Isso significa que
interiormente, o pêso respectivo, pode ser exatamente inverso daquele que tem exteriormente. Eu
acho que isso pode ser expressado de maneira simples, pode ser verificado na conduta de vocês
mesmos e, pode ser verificado na conduta de outras pessoas que você conhece.
Vamos entender plenamente Marte, se compararmos a interpretação de Marte com Jupiter.
Porque eu defini a vontade : em Vontade Pura e Vontade Reativa. Quando eu digo, que Marte é
vontade reativa, eu estou dando a palavra Vontade um sentido diminuido. Não é uma Vontade, no
sentido integral e próprio de algo, que vem totalmente de dentro do individuo, é apenas uma
reação característica dele, mas não é uma iniciativa dele. Neste sentido, onde o individuo tem
Marte, ele é impulsivo, quer dizer, o seu impulso momentâneo, não expressa a totalidade da sua
maneira de ser. De uma reação defensiva que o individuo tenha, não dá para você saber o
conteúdo, da coisa que ele está defendendo. Ex: O individuo que defende a sua propriedade
contra uma invasão. O quê que tem dentro desta propriedade? Um defende a casa, porque lá está
guardado o dinheiro dele. O outro defende a casa, porque lá estão os filhos dele. O conteúdo do
bem defendido, é completamente diferente num caso e no outro, no entanto, aparentemente, as
reações serão as mesmas. Por isso que eu não uso Marte, não como Vontade propriamente dita,
mas como Vontade impropriamente dita, meramente reativa, de mim para fora, e não, como uma
projeção inteira da minha personalidade. Porque para saber a projeção inteira, eu precisaria saber,
qual é o bem que está sendo defendido.
Aluno:--É uma reação instintiva? Olavo:--É uma reação instintiva, e meramente epidérmica.
Agora, o ato de Vontade, que nós vamos estudar com jupiter, nem sempre se expressa em atos. A
Vontade se expressa na decisão e na preferência, mas nem sempre essa decisão e preferência, se
expressa num ato. O individuo, pode ser extremamente decidido, e ao mesmo tempo,
extremamente inativo. Também pode ser extremamente ativo e extremamente indeciso.
Marte é a ação, mas não quer dizer que o individuo está agindo exatamente com os valores que
escolheu com a sua decisão própria. Agora, o encaixe da Vontade com a ação, é um dos grandes
segredos da vida. Todos nós somos capazes de agir, todos nós somos capazes de querer, mas agir
segundo o que se quer, este é um gravissímo problema. Você opta por um valor, mas se defende
contra ameaças a um outro.
Exemplo: Vamos supor: Eu sou um sujeito que decidi, ser doravante, um sujeito educado, para
ser bem aceito pela coletividade. Isto é um valor que eu decidi e por mim mesmo escolhi. Porém,
ao mesmo tempo, eu sou um sujeito barbaramente ciumento, então, basta eu desconfiar que um
sujeito olhou para minha mulher e pronto, toda a minha decisão, de ser um cara educado, vai para
o brejo. Eu escolhi um valor, mas a ameaça à um outro, me atinge mais. Existe uma defasagem
entre o aspécto ativo e criativo da Vontade e o seu aspécto passivo reativo.
Existe uma defasagem entre, a vontade ativa e a vontade reativa. Para estabelecer a coerência,
seria preciso que você passasse a se tornar sensível a ameaças à aquele bem, livremente escolhido
e, se tornasse indiferente a ameaças à um outro bem, que você mesmo decidiu desprezar.
Aluno:--É possível disciplinar a reação deste Marte?
Olavo:--Claro! Mas este é um dos grandes segredos da vida. Porque as pessoas pensam, que para
terem o poder da vontade, elas precisam agir muito, e não é isto, elas precisam desligar a
reatividade do que não interessa.
Normalmente, como este aspécto de vontade reativa é um ponto de reflexo, que foi sedimentado
ao longo da vida, você aprendeu a reagir a coisas que eram ameaçadoras quando você era criança
e, continua reagindo as mesmas ameaças.
Esta dualidade de valores, que tem em todas as pessoas, é a dualidade da Vontade Ativa e a
Vontade Reativa. Você diz que gosta de uma coisa, mas é uma outra que te dói.
Precisamos nos tornar conscientes, aprendermos a contar a nossa própria história, conhecer as
nossas contradições, dificuldades...Isto aí é a essência de qualquer conhecimento psicológico e,
isso aqui é um conhecimento psicológico. Eu não posso admitir, que um sujeito, que decorou os
termos técnicos da Astrocaracterologia, esteja amanhã ou depois, lendo mapas das pessoas, e que
não saiba essas coisas a respeito dele mesmo. Eu vpou pedir para vocês pensarem neste assunto
com sinceridade. Vejam assim: Qual foi os valores que você escolheu e, quantas vezes , você
parou de lutar por eles, por ter sido desafiado num outro ponto, que não lhe interessava.
Exemplo: No meu caso, por eu ter Marte na casa 3, eu me conscientizei , depois dos meus 35
anos, que eu discutia com as pessoas erradas, que não queriam ouvir nada do que eu estava
dizendo.Conclusão: Eu estava perdendo o meu precioso tempo. Mas não pensem que foi fácil.
Tinha dias que eu estava com a boca cheia, louco para falar, mas eu fui me disciplinando, hoje
em dia, eu fico quietinho... Quantas situações ruins eu não arrumei na minha vida, por discutir
com um sujeito que não estava interessado. Esta história de: Perde o amigo, para não perder a
piada. Isto me aconteceu muitas vezes.
Um dia eu fui ao Masp, para assistir a umas palestras sobre ética com o Mota Peçanha. Fiquei lá
quietinho, só ouvindo, apesar de ter abertura para perguntas. Quando cheguei em casa, peguei
todas as palavras que eu havia engulido durante a palestra , e escrevi um belo trabalho.
Com isto você pega, esta força impulsiva, da casa onde está Marte, e você, dirige ela para onde
lhe interessa. Mas você vai fazer a burrada muitas vezes, até perceber qual é o seu reflexo, depois
que você percebe, só aí você pode dominar. Será uma energia, que você passa a usar, direcionada
pela sua Vontade.
Aluno:--Tem que Saturnizar este Marte.
Olavo:--Isto mesmo! Tem que Saturnizar o Marte, para você poder depois, submete-lo a Vontade.
A Vontade por si mesma, não governa este Marte, precisa de um esquema racional, por isso que
leva tempo.
Aluno:--Uma vez este Marte Saturnizado, sob a direção da Vontade, essa àrea onde está Marte,
seria uma àrea de realização?
Olavo:--De muita realização! É a àrea principal de expressão do sujeito. É a àrea onde você mais
pode fazer coisas, é a àrea onde você age. Não adianta agir, no sentido, daquilo que você não
quer. Para dominar isso aí, não é na base da repressão, não é na base da inibição...Leva uma vida
inteira para você contar a história, aprender o arco inteiro, do sistema das suas reações, e aos
poucos, você ir dirigindo isso.
Aluno:--Eu tenho Marte/jupiter na casa 2...
Olavo:--A conjunção de Marte/Jupiter, é uma coisa de muita coerência, numa determinada
direção. Exemplo: Eu conheci uma moça, que tinha conjunção Marte/Jupiter no meio do céu. Ela,
de fato, mandava no quarteirão inteiro e, ela tinha um irmão, que era deliquente e vivia batendo
nas pessoas... A única pessoa que segurava ele, era ela. Ela ia, enchia a cara dele de porrada e, ele
ficava bonzinho. As pessoas tinham o instinto de obedecer a moça, era uma coisa inata. Isto dá
uma capacidade incrível de impor a sua autoridade.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 65 - 15/09/91 FITAS: 1, 2 E 3

Vamos voltar na descrição das posições de Saturno:


Saturno na casa XI
Assunto da casa XI:
A casa XI está relacionada à idéia de projetos de futuro, de como o indivíduo concebe o próprio
futuro. Trata também do posicionamento do indivíduo face à História. A partir daquilo que o
indivíduo imagina ser possível, através dos antecedentes históricos de que tenha conhecimento,
ele faz considerações do que seria possível para ele mesmo. Para conceber um determinado
plano, para chegar a um determinado resultado, o indivíduo tem de ter em vista os recursos que a
sociedade onde ele está possua, é necessário que ele enquadre seus planos num panorama
histórico qualquer.
Para você realizar uma coisa qualquer no futuro, você precisa acreditar que ela é possível e que
você tem os meios, condições e a força para realizá-la. Como vai fazer para acreditar no seu
plano?
Você só pode acreditar nele se, de certa forma, você começar a agir agora como se você já fosse
esse que você quer ser. Porém, isso é um fingimento, que toma como real uma coisa que não é
real ainda, que vai ser real. É somente assim que a gente consegue realizar qualquer coisa neste
mundo.
Isso quer dizer que, se o indivíduo parar para examinar criticamente o que ele está fazendo, ele já
não realiza mais nada, pois examinando criticamente ele vê a distância entre o que ele é agora e o
que ele quer ser. Ora, para uma criança pequena ou um adolescente, qualquer plano de vida que
ele faça, qualquer objetivo que ele tenha está muito distante da sua condição atual, a diferença é
muito grande. Para poder acreditar nisso, seria preciso que ele esquecesse a distância que existe.
Mas se, pelo fato de ter Saturno alí, ele está inclinado a enfocar esse assunto do futuro de maneira
racional, então, ele vai querer uma fundamentação racional que demonstre a possibilidade
daquilo que ele quer realizar. Não basta a fantasia, ele quer algo mais. Mas nahora que ele tenta
ter essa certeza, ele recorre à razão, e a razão mesma destrói o fundamento da sua crença.
Isso não precisa acontecer apenas com um plano grandioso, mas com qualquer coisa que se
queira realizar. Vamos supor, você quer comprar um carro. Você não tem o dinheiro para
comprar o carro, e se você ficar permanentemente pensando que não tem o dinheiro para comprar
um carro, você também não vai lutar para obtê-lo. Então, de certo modo, você tem que se sentir já
possuidor do dinheiro que você não tem ainda, para que você tenha força de lutar por ele, senão
você não tem motivação. A motivação para você se esforçar pelo futuro é contrária a uma visão
realista da situação presente. A visão do atual em si mesmo não sugere nenhuma crença no
futuro. De certo modo, o presente é neutro; presente é como já está.
Se o indivíduo quer provas racionais de que ele é capaz de fazer aquilo que pretende fazer, o
esforço de obter prova racional inibe a faculdade de crer no projeto que ele deseja realizar. Você
não pode estar julgando criticamente alguma coisa e ao mesmo tempo crendo nela com todas as
suas forcas. Não é possível. O futuro depende da sua ação, não totalmente, mas
fundamentalmente. Ora, uma coisa que depende fundamentalmente de você, não pode ser
provada como real ou irreal, pois não é uma coisa, nem outra. Ela é apenas futura. Como é que
você vai fazer para ter uma visão perfeitamente objetiva, uma prova racional dessa possibilidade?
Você não pode obte-la, porque é você quem tem que dar essa prova.
O sujeito pode tentar bolar todo um planejamento, uma arquitetura racional. E se falhar? Ele vai
ter que bolar outra. Na prática da vida não dá para bolar uma estrutura racional, fundamentar todo
o seu plano de vida, a cada momento. A gente é conduzido para o futuro por uma espécie de
crença cega. Nada fundamenta a sua crenca, mas você acredita naquilo, e por acreditar, você vai
atrás daquilo. E pro isso mesmo você consegue fazer.
Agora, se entrar dúvida na sua cabeça, ela pode até ter fundamento, mas se você está em dúvida
da possibilidade de uma coisa, certamenta você não vai se esforçar com tanto ânimo. Você já
começa a se esforçar de uma maneira tímida.
Nenhum de nós planeja o esforco racionalmente. Você pode usar a razão de uma maneira
instrumental, no sentido de prover os meios, mas na hora em que você coloca um projeto, uma
idéia, se você na mesma hora é desafiado a provar matemáticamente a possibilidade daquilo que
você está falando, é como encostar você na parede.
Um garoto de quatorze anos diz: " Eu quero ser presidente da República. " Se você disser: "Prove
que você tem condições de ser presidente da República". É evidente que ele não pode provar. Ele
vai colocar o esforço dele aonde? Ele vai se dirigir no sentido, de colocar toda a sua força para a
realização de uma meta , que parece no momento fantástica, ou, ao contrário, ele vai colocar
todas as forças no esforço racional de examinar as possibilidades e de rebater todas as objeções
internas que surgem? Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
Habitualmente, de um modo geral, a gente não questiona o nosso objetivo de vida. Ninguém faz
isso. Quando você chega a questionar, você já está no caminho de realizá-lo há muito tempo. Aí
você pode até questionar, mas não vai fazer mal. Mas, se logo de cara, já vem um
questionamento, uma ixigência de prova, você fica desencorajado.
Pensar em plano de vida como profissão é estar na pista completamente errada, é uma doença,
euma extrema limitação. A um jovem de 14 ou 15 anos não é normal que ele pense em termos de
uma profissão - vou arrumar um emprego para ganhar tanto - mas sim, que ele pense em termos
de uma imagem integral da vida que ele quer levar, de tudo que ele deseja obter da vida.
A maioria dos aqui presentes é de classe média. A classe média procura ver o futuro em termos
de profissão, que aliás não é futuro algum, porque geralmente, o sujeito é da classe média escolhe
profissão de classe média, e diz que vai lutar para realizar aquilo, que ele não precisa nem lutar,
porque já está mais ou menos na linha de causas e consequências. É como um automatismo. Isso
não é um plano de vida, mas o contrário: é uma ausência quase que total de ambição. Neste
sentido, se vocês examinarem um pouco as suas vidas, verão que nenhum de vocês tem um plano
de vida, nenhum de vocês suniu um cêntímetro acima do seu pai e de sua mãe, e a maioria
desceu.
O critério é ver qual a ocupação, a classe social de pai e mãe, e que recursos isto oferece. Então,
vemos se o que o sujeito realizou depende exclusivamente dos recursos que pai e mãe lhe deram,
depende de ele gastar esses recursos, ou se ele conseguiu fazer algo a mais. Por exemplo, o pai
era advogado, o filho é advogado. Pronto, ele não saiu de onde estava. Agora, a mãe é lavadeira,
o filho é médico. Aí, sim, parece que o efeito foi maior que a causa. Neste caso, é para supor que,
ou houve uma intervenção da sorte, ou houve um esforço hercúleo da própria pessoa, que forjou
parte do seu destino, através de um plano concebido. Isto é um plano de vida.
Pegamos neste exemplo o aspécto profissional, para simplificar. Se nós formos ver em termos
culturais, ou de crescimento da personalidade, então, fica pior ainda. Em termos de ampliação de
horizonte vital do indivíduo, para conseguir enxergar um sentido de vida para ele mesmo dentro
da coletividade humana, neste sentido, é ainda mais complicado, a queda é vertiginosa.
Mas se nos ativermos somente ao ponto de vista econômico, acho que não posso falar, em termos
de plano de vida, com relação à maior parte das pessoas que conheço, que foram minhas alunas e
que eu atendi lendo mapas. Porque ainda estão na classe média, e a classe média está caindo, se
proletarizando faz vinte anos. Está todo mundo seguindo o curso do evento. Se eu acompanhar
pela história da família, vejo, que das últimas três gerações para cá, foi queda. A classe média
está tentando desesperadamente manter o padrão de vida, e não subir.
Quando eu era moleque, aspirar por um emprego, era coisa de mendigo. Se ele, num esforço
gigantesco, conseguisse chegar ao ponto de ter um emprego, tinha que garanti-lo. Mas hoje você
vê assim: O pai é administrador de empresa, e o sonho dele, é que o filho arrume um emprego,
não tão bom quanto o dele, mas qualquer emprego.
Plano de vida é quando você tem uma meta, um sonho, este sonho lhe mostra um horizonte mais
amplo do que aquele que você pode enxergar no momento, e você abre a rede das condições
estabelecidas, para você poder passar. Frequentemente, a aspiração à um emprego, longe de ser
um plano de vida, é um sintoma depressivo. Se você pode não ter emprego, mas ser você mesmo
o patrão, você querer um emprego é um sintoma depressivo.
Sujeito ambicioso é aquele que "toma na cabeça" cento e cincoenta vezes, e quanto mais 'toma na
cabeça", mais ele está querendo vencer. É vencer ou morrer. Normalmente a nossa classe média
não tem ambição e nem plano de vida algum. Você ainda encontra um pouco disso nas classes
muito baixas, onde não dá para continuar como estão, então, o indivíduo vai ter que subir, pois se
não subir ele morre. Então, essa casa XI fica meio difícil de a gente entender, porque a casa XI é
a inserção do indivíduo dentro da corrente histórica, supondo-se que essa corrente esteja indo
para algum lugar, e que ele queira ir junto com ela. Ele tem uma noção do progresso e do
melhoramento coletivo, do qual, ele quer ser um dos beneficiários. Agora, se a gente não vê a
coletividade indo para lugar algum, que plano de vida faremos?
Quase que a totalidade dos brasileiros trabalha e se esforça sem ambição. Trabalha e se esforça
porque, se não fizer isso, não come no dia seguinte. Seu esforço é de manutenção, o que quer
dezer que, o ato de hoje não é para gerar um efeito amanhã. Não, o efeito já estava gerado antes,
e você age hoje só para tampar o efeito já aocntecido. Mesmo as classes que têm recursos e que
não precisariam viver assim, já tem essa mentalidade atualmente.
Se a ambição não fosse uma coisa que em si mesma é desejável, por que então o sujeito tem casa
XI no horóscopo? Se é para você não querer ser ninguém, não pensar no futuro, não ter futuro
algum, então, para quê que o homem tem essa dimensão "futurível"? Veja que toda a nossa vida é
vivida sempre em função do futuro. O futuro é uma dimensão do próprio homem. O homem que
não vive em função do futuro está doido.
A casa XI são os ideais compartilhados com toda a geração. Normalmente uma geração jovem
quer mudar tudo, mudar o mundo, e nesse mundo mudado, você e seus companheiros acuparão
os cargos mais altos, serão os chefes. Isto é ambição: querer ser o maior e o melhor naquilo que
faz. Qualquer coisa em que você entre, se não tiver disposição de ser o melhor de todos, você está
só ocupando espaço.
Se você disser: "eu quero ser qualquer um" ; para ser qualquer um, qualquer outro poderia estar
no seu lugar. Por quê você? Por que você deve merecer uma oportunidade para realizar uma
coisa, que qualquer um poderia realizar tão bem quanto você? É justo isso? Se o sujeito tem ou
não aptidão, é o que nós vamos avaliar pelos resultados. Mas se o camarada não tem nem mesmo
a ambição, o quê ele vai fazer?
Para um sujeito jovem, não é normal ele querer isto. Se tiver cincoenta anos, ou sessenta, já
começou a ser normal, porque aí você mede o tempo que pode viver, e pode ser que você chegue
a conclusão de que não dá para fazer mais grande coisa. Mas quando você tem vinte anos, você
não fez nada ainda, portanto, você não tem passado, você não pode viver de um passado que não
tem. Você tem que construir a vida. Agora, se você já entra querendo ser o décimo-quinto, em
vez de ser o primeiro...
Todos nós dedicamos a nossa vida a alguma coisa, e essa " alguma coisa "nos limita. Ninguém
faz tudo, então, voc6e vai ter que ser bom em alguma coisa, em duas três ou quatro, mas não em
um milhão de coisas. Nesta coisa que você escolheu, em princípio, você a escolheu porque você
acha, que pode ser o melhor lá do que em outras coisas. Agora, melhor do que quem? Se você
não acha que você é melhor do que seu competidor imediato, por que é que vamos dar o lugar a
você, e não ao seu competidor imediato?
A ambição é normal no ser humano, ela é desejável, tem que ter ambição. Quando o indivíduo
vai procurar ser o melhor, não significa que ele vai chegar a ser o melhor, mas ele está tentando,
dando o melhor de si neste processo. Se ele não tem idéia de ser o melhor, não vai ser nada, só o
mínimo indispensável para continuar " tocando ".
A ausência de ambição na verdade é um egoísmo de auto-conservação(tipo egoísmo de velho). O
indivíduo teme correr riscos, não quer gastar um grão de energia, não quer se transformar, não
quer padecer aquela insegurança. Em suma, ele não quer viver intensamente, e sim de uma
maneira diminuída. Como isso é regra geral aqui no Brasil, então, essa platéia não entende
dereito o que é a tal da casa XI.
Por outro lado, existe todo um moralismo voltado contra a busca de riqueza, a busca de da fama,
da vitória. Todo mundo diz: "eu não tenho ambição", "eu não quero riqueza", eu não quero o
conhecimento", "eu não quero o poder". É feio você querer o poder. Se é feio querer o poder,
então, é bonito querer não poder. O contrário do poder é a impotência: quem não quer o poder,
quer a impotência. Para a nossa classe média parece bonito você dizer essas coisas, porque você
se finge de santo. Todo mundo quer ser São francisco de Assis. Então, por quê você não ser
esforça para ser São Francisco de Assis? Ah! Também não tenho ambição de ser São Francisco.
Então, você tem ambição de ser o quê? " Tenho a ambição de ser eu mesmo" Mas isso você já é.
Aliás, isso é o máximo que você vai conseguir. Isso é um discurso falso, uma racionalização, é
um sintoma de depressão coletiva.
O sujeito abdicar de uma coisa para poder fazxer outra, é uma coisa inteiramente normal. O
prblema é o sujeito que na verdade não abdica de nada, não se dedica a nada, e também não quer
ser nada. Isto não é normal.
Em princípio, os filhos dos ricos são a classe dominante. Uma geração fica rica para a outra ser
poderosa, em geral é isto: além da riqueza, o poder, ou o gênio, a cultura, alguma coisa além da
riqueza. Normalmente, a vida se dirige a um "mais". Quando se dirige a um "menos", o sujeito
está em vias de morrer. Agora, quando toda uma sociedade começa a pensar assim, então, está
muito deprimida.
Essa depressão surge em parte pelo confronto com a ambiguidade e a contradição entre os
valores. " Você para ficar rico precisa abdicar disso e daquilo...": Essa é uma visão de valores em
conflito. Ora, o conflito entre valores é uma característica depressiva. O homem que não está
dividido sabe conciliar os vários valores, e o que é bom ele vê como bom. O ideal é você ser:
rico, bonito, popular, simpático, saudável, você ter todos os valores. O homem normal deseja
todos os valores, e não vê contradição entre eles; quando a vida eventualmente coloca uma
situação contraditória, tenta resolver, temta saltar por cima da contradição.
Mas, se a cada contradição que surge, o sujeito fica paralisado, então, ele já está deprimido. O
fato de você ter abismos e contradições insolúveis, já significa que você tem menos força na sua
alma do que a situação externa. Ela já te derrotou. Se, por exemplo, é colocada uma alternativa
entre você estudar e trabalhar para ganhar dinheiro: se você é homem forte, você estuda e
trabalha. Agora, se aquela contradição já te derrubou, você já perdeu a priori.
Qualquer coisa viva cresce assimilando o que se lhe opõe, assimilando o seu contrário. Fazendo
esse contrário trabalhar para ela. Na hora em que você perde essa capacidade de assimilar a
adversidade, você não cresce mais. Enquanto você usa a própria adversidade, como argumento
para você não andar para frente, isto é definição da derrota.
Por exemplo, vamos supor que uma vez na vida você seja obrigado a tolerar uma situação
humilhante, para você poder sustentar sua família. Você passa a humilhação e segue em frente.
Porém, se essa situação te derruba, faz você perder a motivação, você está derrotado.
Por exemplo: A minha única motivação verdadeira foi a de conhecer um monte de coisas, eu
queria ser um sábio. Me dirigi por aí. Dinheiro eu sempre achei que viria de algum lugar, como
de fato sempre acabou vindo. E sempre dizia assim: " Se algum dia meter na cabeça que quero
ficar muito rico, ficarei". Nunca achei tembém que era um sujeito elevado demais para poder
sustentar minha família. Se tinha "mulher e filhos", tinha que trabalhar, aceitar um emprego,
dançar conforme a música. Agora, se você diz: " Não posso estudar, pois tenho que trabalhar e
sustentar a família", pronto acabou a ambição. A própria palavra "sustentar" quer dizer manter.
Sustentar a família não leva ninguém à diante, só mantém na situação em que está. Isso é o
minimo. Se você decidir que não dá para estudar, para sustentar a família, você já fechou as
portas. Você tem que ser capaz de sustentar a família e fazer algo mais.
A capacidade de perceber contradição e montar logicamente um problema, isto é a razão. O
sujeito que tem Saturno na casa XI monta, esquematiza a contradição de uma maneira muito
fácil. Quer dizer que, qualquer estímulo que ele tenha para perceber uma contradição, ele a
percebe. Como a razão é a faculdade da coerência, ela percebe as incoerências.
Ora, se nos seus planos de vida você mesmo percebe a incoerência, então, além de você padecer a
depressão geral que já tem na comunidade, você acrescenta mais um pouco. Você argumenta
contra os seus fins, ficando, em geral, flagrantemente abaixo das suas capacidades.
Contrapondo com Saturno na casa V:
Com Saturno na casa 5, o problema todo é com relação a um desafio imediato. Exemplo: Você
põe um garotinho com Saturno na 5, em frente a uma piscina e diz: Nada aí desgraçado! Se ele
estiver habituado a nadar todo o dia, mesmo assim vai pensar: "será que dá"? Mas isso ocorre
perante uma situação, que já está montada, perante o presente. Ao passo que Saturno na casa XI
não é uma coisa imediata, mas coisa de uma vida inteira. Saturno na casa 5, pode se sentir
incapaz no momento, mas sabe que a longo prazo ele pode chegar, se ele tiver tempo. Aliás, é
exatamente isso que um cara de Saturno na casa 5 sempre pede: Tempo para treinar. Agora o
outro não, o individuo de Saturno na casa XI, quanto mais tempo passar, pior ele fica. Saturno na
casa 5, só aceita desafios para os quais esteja preparado, quer sempre saber as regras do jôgo de
antemão. Se você o pega meio de surpresa, pedindo que ele demonstre sua capacidade no ato, aí
ele inibe.
O sujeito, para agir, precisa acreditar no que está fazendo, e essa crença não é racional, nem
irracional. Ela está fora da razão, poi pertence ao dominio da sua liberdade. Eu sou livre para crer
que sou capaz ou incapaz. Nenhuma das duas coisa é verdadeira, ainda, sobretudo o que eu nunca
fiz. Eu posso ser incapaz e me tornar capaz, também posso ser capaz e me tornar incapaz. Aí eu
estou exercendo a minha liberdade. Agora, para onde eu vou dirigir essa liberdade? Eu tennho
que delinear um sonho, uma imagem, um objetivo, mas não o posso colocar distante de mim. Eu
tenho que já ver algo daquilo em mim agora, senão não consigo fazer.
Exemplo: Já pensou voc6e tocar uma peça de piano, ao mesmo tempo onde você lembra da
execuçãodo Arthur Rubinstein, e vê como a sua está sendo diferente da dele? É absolutamente
impossível. Você tem que acreditar que a sua execução é a melhor do mundo, tem que estar
plenamente envolvido com aquilo e convicto, senão você não toca. Agora, depois de tocar, você
pode ouvir a gravação e dizer: "que coisa horrível". Aí você pode julgar.
A ação e o momento crítico do que foi feito são momentos distintos. Você não pode examinar
criticamente na mesma hora em que está fazendo. Não dá! É como você inspirar e expirar. Se é
uma coisa que é livre, a razão não tem que interferir ainda.
O pensar é outro processo, ele é necessariamente dialético. Tudo aquilo que eu falo, qualquer
sentença, só tem sentido quando acompanhada da sua negação parcial. Exemplo: Eu digo assim:
"esta sala é grande". O que eu estou querendo dizer com isso? Que ela é maior do que uma outra,
porém menor do que outra. O processo do pensamento é sempre assim, carregado de uma
negação parcial, de uma atenuação. Não existe o pensamento no vácuo, ele sempre tem positivo
ou negativo, senão você não consegue pensar. O pensar é dialético, ou seja, auto- contraditório,
ele é a resolução da contradição.
Agora, a ação não é dialética, é inteiramente lógica, one-way. Você pode pensar duas coisas
contraditórias ao mesmo tempo, mas você não pode fazer duas coisas contraditórias ao mesmo
tempo, só pode fazer uma coisa depois da outra. A ação é linear e temporal, esbarra na limitação
do fisico.
Para você sair do mundo do pensamento e entrar na ação, existe um intermediário psicológico,
que é a crença. Você tem que acreditar que aquilo seja possível, pelo menos momentâneamente.
A crença em si, não é nem verdadeira nem falsa, ela é apenas um pretexto. A capacidade de você
crer numa coisa sem julgá-la como verdadeira ou falsa é que te permite agir. A fé remove
obstáculos interiores para agir, os exteriores não.
Quando este processo se refere a um plano de vida, de futuro, é aí que o sujeito com Saturno na
casa XI "empaca", porque ele vai ver tantas contradições lógicas na imagem que ele está
projetando, que ele não consegue mais acreditar nela. Então, ele deixa o assunto para amanhã.
Uma outra solução frequentemente encontrada, é o sujeito estabelecer um plano muito simples,
rotineiro, de acôrdo com uma tendência que já vem dos antepassados, e seguir aquilo, para não
ter que pensar, pois toda vez que pensar vai dar "bode".
A anormalidade deste processo não está aparecendo muito para vocês, porque hoje em dia isso é
regra geral, no Brasil. Todo mundo é um pouco assim. Paramim aparece, porque há muitos anos
eu estou me dedicando a essa crise de vocação, então, eu quero "tocar" as pessoas para frente, poi
vejo a possibilidade do sujeito e vejo a diferença entre o que ele está fazendo e o que ele pode. E
vejo como é difícil às vezes para o indivíduo transpor essa diferença. E é fácil você perceber que,
se o indivíduo tem Saturno na casa XI, vai ser muito difícil você tirá-lo dessa perplexidade, você
desamarra um nó e tem outro.
Isso também acontece, por outro motivo, com o indivíduo que tem Saturno na casa 4, que são
desmotivados, mas não com relação a planos de futuro, mas desmotivados com relação a tudo.
São pessoas difíceis de você mover.
Aporia de Saturno na casa XI
O indivíduo deseja obter uma certeza, uma prova daquilo que não tem condições de ser provado
no momento, já que a razão só trabalha sobre os dados já estabelecidos, e os projetos, planos, não
podem estar estabelecidos.
Ilusão:
É de que sua vida não tem importância, que ele é um "joão ninguém".
É difícil encontrar uma pessoa com Saturno na casa XI, que saiba exatamente quem ela é
socialmente. Não sabe da importância coletiva que tem, no seguinte sentido: "Se nós suprimirmos
você do quadro, a vida de quantas pessoas será alterada? Para pior ou para melhor? Faça essa
pergunta, e você vai ver que o seu círculo de ação é muito maior do que você imaginava, e
noutros casos é muito menor.
Para o indivíduo com Saturno na casa XI, é muito difícil ele avaliar isso, só se pensar muito, e em
geral ele avalia errado. Tem uma tendência em errar na conta. Pode se achar muito importante,
quando na verdade não é nada, ou pode se achar um nada quando de fato pesa alguma coisa.
Desenvolvimento ideal:
Seria o indivíduo desenvolver a capacidade de utilizar bem, instrumentos que permitam a
integração não só dele, mas também de outros indivíduos na História. Isso significa a imposição
da personalidade pública do indivíduo sobre sua personalidade empírica, ou seja, suas dúvidas
sobre planos futuros não prevaleceriam sobre a sua vida. Pela sua consciência aguda da
problematicidade do futuro, estaria particularmente habilitado a fazer planos de futuro, mas não
para ele. O ideal seria que desenvolvesse uma consciência crítica em relação ao tempo, a
História, ao desenvolvimento da sua geração, e também que desenvolvesse sua capacidade de
planejamento racional. Seria a sua vocação, já que presta mais atenção nesta questão do que os
demais.
Comportamentos adaptativos:
Condutas adaptativas são soluções que o indivíduo vai encontrand, depois que o problema se
instalou. Elas devem responder à pergunta: " Como é que o indivíduo pode viver sem conseguir
desenvolver uma meta de futuro na qual ele acredite? Este é o problema instalado, e as condutas
adaptativas visam responder essa pergunta. A partir do momento onde se instalou a contradição,
o indivíduo está sentindo uma incapacidade. Como é que ele vai se adaptar para poder viver com
essa incapacidade?
1-) Uma forma seria não pensar no futuro, vivendo como se não tivesse futuro.
2-) Conceber para si um futuro diminuído.
3-) Aproximar-se de pessoas famosas, para viver a sua fama de maneira delegada, vivendo um
pouco da fama alheia (tipo "Caetano Veloso mora no meu prédio" )
4-) Adotar uma rigidez artíficial, uma perseverança inadequada nos planos estabelecidos, uma
perseveranca cega.
5-) Erro na avaliação do futuro, e da sua importância social.
idolo da razão
Será o homem famoso. As pessoas que ele julgue famosas exercerão sobre ele um poder.
Saturno na casa XII
Assunto da casa: A casa XII, diz respeito a finalidade última da vida, do cosmos etc...enfim, de
todas as coisas.
O indivíduo que tem Saturno na casa XII, se coloca continuamente este paradoxo: " Se existe
uma ordem, estou preso dentro dela; para não estar preso, seria preciso estar no caos." Toda a
situação que ele entende, torna-se para ele uma preisão.
Não é o caos que ele não suporta, e sim a ausência de liberdade, a predeterminação lhe parece
absurda.
Para ele tudo o que tem ordem não tem sentido, só encontra sentido na "desordem".
É comum ver estes indivíduos repetidamente fugirem de seus empregos. Porque a hora que o
indivíduo entende onde está, entende a ordem estabelecida, vê que é uma maquina, que funciona
sempre do mesmo jeito e onde ele está preso. Então, ele dá no pé, volta para o caos. Comporta-se
anti-socialmente, como um marginal. Não aguenta o emprego e procura outro, sucessivamente.
Ele não encontra livre-arbítrio na ordem.
Ele quer a liberdade dotada de sentido. Mas para uma coisa ser feita é preciso uma certa ordem,
uma certa lógica. Quando ele entra nesta certa lógica, aí não a quer mais.
Ele quer uma coisa que tenha sentido e que tenha valor, e ao mesmo tempo o deixe livre.
Como fazer isto? Bastaria ele agir com ordem e lógica. Mas na hora que ele entra numa certa
maquina para se servir dela, ela é que se serve dele. Ele se vê preso dentro dela. Não vendo nem
liberdade nem sentido, foge em busca deles. O problema se dá quando ele fica solto no caos,
como um marginal, não poderá agir, então, essa liberdade, esse livre-arbítrio, não se realiza. Ele
fica entre a impotência do marginal e a prisão dentro do sistema.
Isto é como ele vivência a coisa. Talvez não formule o problema com estas palavras. Mas
veremos que esta preocupação está presente na vida dele, não sob a forma de pensamento, mas
pela lógica de suas ações( no caso muito ilógicas) A preocupação pode ser totalmente
inconsciente. Ele vive o problema de forma existencial, não filosoficamente. Nota: ( o indivíduo
vivenciar este problema existencial, interpretando continuamente as situações reais da vida nesses
termos, não quer dizer, que ele esteja pensando no problema. Isto serve para a explicação que o
indivíduo dará ao prblema colocado por Saturno, independentemente da casa onde Saturno
esteja.)
Se observarmos que, tão logo que ele conquista uma posição, fugirá dela, e isto repetidamente,
então, podemos formular o enigma, a lógica implícita dos seus atos: "A ordem, uma vez
instalada, é repetitiva e mecânica, ela prende o indivíduo cerceando sua liberdade. Sem liberdade
não há sentido."
No fundo, o indivíduo de Saturno na casa XII, quer estar dentro e fora ao mesmo tempo. Sendo
assim, o enquadramento social destes indivíduos é sempre problemático. Ele é inimigo de tudo
aquilo que ele entende.
Condutas adaptativas:
1-) Fazer as coisas sem entende-las lógicamente.
2-) Arrumar situações que o deixem "fora e dentro" ao mesmo tempo. Exemplos: Enfermeiro de
um hospício. Nesta posição ele conviverá com pessoas sem nenhum padrão social na cabeça, mas
só que ele terá uma posição social definida.
3-) Entrar em um serviço secreto. Exemplo típico: O ex-presidente Ernesto Geisel, com Saturno
na casa XII, era presidente e chefe do SNI, fez sua carreira no serviço secreto.
4-) Tornar-se um religioso, um Padre, que é um especialista em guardar segredos( ouve
confidências).
Em todos esses casos, o indivíduo ficará em uma "zona isolada". Esta "zona isolada" dará a ele
uma sensação de poder atuar socialmente sem estar totalmente preso na malha da sociedade. ele
resguarda uma liberdade, mas ao mesmo tempo, isto é isolamento e solidão. Quando você entra
dentro de uma ação coletiva você está preso; para ficar parcialmente fora, tem que ficar
parcialmente sozinho.
O Saturno na casa XII, só adquire o poder, na medida em que ele sabe o que o outro não sabe,
pois ele está vendo de fora, não está totalmente comprometido com a sociedade, e assim ela não
tem poder total sobre ele. Este é o seu poder. O indivíduo nunca vai estar perfeitamente
identificado com um papel social, por isto podemos dizer, que ele nunca é totalmente aquilo que
ele parece ser perante a sociedade. Tem sempre um outro lado que é mais importante.
Fazendo um paralelo com Saturno na casa VI, vemos que enguanto este busca uma integração de
tudo, uma organicidade, o outro busca uma separação, em resguardo de uma parte fora do
sistema.
Idolo da razão: Todo aquele que tiver um lado secreto, no caso, um guru. Só ele entende a
doutrina, mas para os outros deixa apenas os enigmas.
Aulas de outubro de 1991.

INDICE DO BLOCO DE AULAS DO MES DE OUTUBRO DE 1991.

AULA: 67 - 11/10/91
ASSUNTO: O problema da interpretação do horóscopo, seus limites.
Como interpretar os trânsitos.

AULA: 68 - 12/10/91 -
As fitas desta aula foram extraviadas.

AULA: 69 - 14/10/91 -
Na há fitas, mas há uma transcrição feita pela Meri.
ASSUNTO: A camada 4 - das camadas da personalidade -- Sua correspondência com o
horóscopo.

Amém
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 67 - 11/10/91 FITAS: 1 E 2.

O que voces não devem perder de vista nesta fase é que nós estamos fazendo a construção de
uma hipótese, ou seja, toda esta parte técnica da astrocaracterologia, embora ela possa ser usada
na aplicação prática, ela não pode ser considerada uma coisa segura. Pela primeira vez na história
da astrologia do século XX nós estamos tentando sistematizar uma hipótese completa: O quê que
é a relação dos planetas com a vida humana? Quais poderiam ser os seus limites levando em
conta determinados casos? E como essa relação se diferenciaria em várias modalidades segundo
as posições planetárias.
A essência da astrologia não reside apenas na alegação da existência de relações ou influências
entre fênomenos celestes e terrestres, mais na idéia de que esta influência não é em bloco
(homogênea), mas é diversificada:
1-) Conforme os planetas, ou seja, seria possível delinear um tipo de influência (relação) para
cada planeta.
2-) Conforme as posições, e essa diversificação vai se dividir em dois tipos: a) Conforme a
posição deles em relação ao Sol (posição zodiacal). b) A sua posição horária conforme a posição
da Terra. Este é o miolo da astrologia.
Reconhecer apenas que existe influências planetárias em geral não basta para fazer de um sujeito
um astrólogo ou um adépto da astrologia. A tese da influência astral não é própria e muito menos
exclusiva da astrologia: O individuo pode perfeitamente aceitar que existe relação entre eventos
celestes e terrestres (influência astral), mas não aceitar a teoria da diversificação segundo as
posições por signo e por casas, e segundo os planetas. Por exemplo: Poderiam supor alguma
influência em bloco. A posicão dos planetas em face da Terra, certamente, é um dos fatores
formativos da natureza terrestre e, disso aí ninguém duvida. Pelo menos esta influência genérica,
difusa e global do céu sobre a Terra, isto aí, ninguém pode negar em sã consciência, por mais
anti- astrológico que seja e, de fato nunca ninguém negou isto.
A astrologia apenas conclui um passo mais além. Fica afirmado que: 1-) Essa influência é
diversificada astro por astro.
2-) Que é possível identificar que influência é esta por uma espécie de correlação estatística.
3-) Que é possível construir um sistema de interpretações e portanto de previsões. Exemplo: Se
um planeta quando está em determinado lugar provoca isto ou aquilo, quando ele voltar a este
lugar e completar o seu ciclo, deverá provocar acontecimentos similares ou reações similares.
Esta idéia geral do que seja astrologia, na verdade, ela nunca foi expressada plenamente, porque
na hora que nós começamos a expressar, nós vemos o problema que a coisa implica. Um dos
problemas, é que o estabelecimento dessas correlações entre eventos celestes e terrestres tem
alguns limites. Exemplo: Todos os eventos celestes que interessam à astrologia são todos de
ordem cíclica: não há nenhum acontecimento que seja único e irrepetível. A astrologia lida
basicamente com ciclos planetários. Isto significa que uma comparação entre fênomenos celestes
e quaisquer fênomenos terrestres, só é possível, no caso desses fênomenos serem cíclicos
também. Tudo o que acontece na Terra: o que não for cíclico não haveria possibilidade de
astrologiza-lo. Exemplo: Um acontecimento único, singular e irrepetível não teria como ser
estudado do ponto de vista astrológico. Isto aí, gera um grave problema, pois o astrólogo diz que
o horóscopo é uma configuração irrepetível e, é fácil você ver que na prática é irrepetível mesmo,
então, pareceria que o quê eu estou dizendo, é o contrário da astrologia. Mas na verdade o
horóscopo é uma figura singular e irrepetível, então, como ela é interpretada em astrologia? Ela é
interpretada em função das posições planetárias as quais, por sua vez, se definem justamente pelo
cíclico. Exemplo: Quando você diz que um sujeito tem Mercúrio em Aries, o quê que é Mercúrio
em Aries? Aries é um dos doze signos que mercúrio percorre durante seu tempo. Aries não é
nada mais que uma etapa no ciclo do planeta Mercúrio. Cada signo é uma etapa de um ciclo
planetário.
Por outro lado se nós raciocinarmos em termos de mapa astrológico isoladamente, ou seja, cada
mapa tem uma estrutura, talvez fosse possível também comparar essa estrutura com alguma outra
estrutura correspondente na Terra tomando- a estáticamente, como no caso nós chamamos o
cárater. Todo o estudo astrológico teria que ser enfocado por dois lados apenas: 1-) Um
fênomeno cíclico. 2-) Estruturas estáticas. Em tudo o mais, não há condições para você fazer
astrologia. Portanto nós vimos logo no começo do curso, que a astrologia, sendo o estudo da
relação entre fênomenos celestes e terrestres, podia ser definida como astronomia comparada e
que nessa comparação um dos termos é descrito astronomicamente (evento celeste), e que por
outro lado, os fênomenos terrestres é simplesmente, tudo o que aconteceu ou que poderia
acontecer sobre a Terra e, tudo o que aconteceu ou poderia acontecer sobre a Terra, era nada mais
nada menos, que o objeto na totalidade das ciências existentes, portanto, a astrologia virava uma
astronomia comparada com os resultados obtidos por qualquer outra ciência. Sendo este objeto
terrestre inesgotávelmente diversificado, teria que haver uma inesgotável diversificação dos
métodos da astrologia para cada um dos casos. Isto quer dizer, que os campos de estudo, onde os
fênomenos estudados possam ter sido reduzidos à formulas cíclicas, a comparação fica mais fácil.
Por isso mesmo, é que até hoje, o resultado mais seguro do estudo astrológico é o obtido através
da Economia, História e Biologia que são três ciências que lidam fundamentalmente com ciclos
( a História não lida própriamente com ciclos, mas o simples estabelecimento de cronologias faz
com que determinados ciclos saltem aos olhos. Não é difícil você estabelecer ciclos históricos.Ex:
Todas as teorias da civilizaçõo são todas elas de natureza cíclica, descrevendo a história da
civilizaçõa por uma espécie de curva: com começo, meio e fim. Isto é natural ao fênomeno
Histórico.)
Por isso mesmo nesses setores: Economia. História e Biologia, a astrologia, progrediu bem mais
do que por exemplo, na psicologia.
Aluno: --O curioso! É que a repercussão da astrologia é maior do ponto de vista psicológico do
que o econômico e o histórico...
Olavo: --Claro! Existe mais interesse por astrologia psicológica. Mas se existe mais interesse ou
mais necessidade de uma coisa não quer dizer que exista a condição de atende-la . Existe um
interesse em astrologia psicológica, mas não existe condições de atender a esta demanda.
Me pareceu que pelo lado da astrologia psicológica, nós poderiámos obter maior progresso não
pelo lado dos ciclos, mas sim pelo estudo das estruturas estáticas que é a segunda possibilidade.
No caso da Economia, História e Biologia essas ciências costumam formular os seus
conhecimentos sob forma de ciclos, então, nós já encontramos pelo material resultados já
prontos, só restando ao astrólogo estabelecer a comparação. No caso dos ciclos psicológicos é
uma idéia rudimentar e nós não encontramos o material pronto para comparar. Este foi o motivo
que me levou a escolher essa coisa do cárater. Excluindo por tanto, de cara, do estudo
astrocaracterológico, todo elemento dinâmico evolutivo. A idéia de que haja um cárater fixo é
apenas uma hipótese e, nós não temos nenhuma prova que exista o cárater, mas nós podemos, por
lógica, acreditar que deve existir algum molde fixo no fundo do índividuo que modelaria todo o
seu imenso esquema de possibilidades de comportamento e de possibilidade de transformação. Se
não existisse isto, seria muito díficil você dar à vida do índividuo qualquer padrão de unidade. O
próprio sentimento de unidade da nossa vida seria enganoso. Algum cárater fixo tem de existir,
embora, não tenhamos a prova experimental da sua existência. Para que se obtenha, para que se
enxergue essa parte fixa, então, nós teremos que proceder por abstração mental negativa:
separando e cortando tudo aquilo que possa ter a possibilidade de mudar com o tempo. Daí ,se
explica todo o trabalho que nós tivemos com relação às várias caracterologias. Só que o resultado
desse estudo foi decepcionante e, nós chegamos a conclusão que praticamente nenhuma das
caracterologias nos ofereceu um produto pronto, com o qual, nós pudessemos simplesmente
comparar o horóscopo. Uma idéia que surgiu recentemente para o estudo cíclico em psicologia,
seria, através das biografias dos biografados estudados, tentar captar nos índividuos que tenhem
uma expressão criativa qualquer, os ciclos de criatividade e os ciclos de esterilidade que todo o
artista tem. Por mais criativo que o artista seja tem sempre um periodo em que a criatividade se
esgota. Exemplo: Balzac sentava na cadeira e dali só saia quando concluia o livro, mas de vez em
quando sua criatividade pifava. Só que Balzac era uma excessão, pois para a maioria dos artistas
é muito díficil ser criativo todo o tempo. Existem épocas em que não brota nenhuma criatividade.
Então, na medida onde fosse possível identificar por documentos biográficos essas curvas( de
criatividade ), num número suficientemente grande de exemplos, talvez se pudesse estabelecer a
relação entre esses ciclos e determinados trânsitos planetários. Exemplo: É evidente que se o
sujeito é escritor, qualquer trânsito planetário pela casa 3, poderá revelar algum periódo criativo
ou improdutivo dependendo dos planetas.
A dificuldade que existe nessa pesquisa é sómente material e não teórica.
Uma outra coisa que confunde muito nessa área, é quando nós encontramos correspondências
astrológicas não como fênomenos particulares, mas com grandes estruturas repetíveis. Exemplo:
É mais do que evidente que a evolução da capacidade cognitiva da criança, passa por uma série
de etapas que repete a ordem dos signos, a ordem das casas, a ordem das regências planetárias.
Isso aí, é mais do que óbvio. Porém, a correspondência entre dois grandes ciclos mais ou menos
permanentes e repetíveis na natureza, é uma coisa e, a possibilidade de você referir um evento em
particular à um horóscopo em particular, é outra coisa completamente diferente.
Certamente não é esta correspondência que nós estamos procurando. O que nós estamos
procurando a correspondência entre um cárater em particular e um mapa em particular. Os
astrólogos se confundem muito, quando querem achar correspondência entre o sistema
astrológico e a influência astral. Sistema astrológico é uma coisa, e influência astral e a
correlação entre eventos celestes e terrestres é outra coisa completamente diferente: de uma coisa
não decorre a outra e vice-versa. Ex: Seria a mesma coisa que confundir forma e matéria.
Aluno:-- Uma coisa que me confunde muito é a valorização dos signos. Como é que fica essa
questão do signo e da casa?
Olavo:-- Nós adotamos aqui as casas só como um artíficio para simplificar, pois me pareceu que
a diferenciação por signos, justamente por ser uma coisa mais lenta, deveria ser mais sútil, mais
díficil de você identificar. Exemplo: Qualquer planeta fica duas horas em uma casa, então, a
diferenciação individual salta aos olhos ou deveria saltar aos olhos. A idéia da divisão de casas,
ela é a individualização do horóscopo. O signo sem casa não é horóscopo, ele é apenas o mapa do
dia e, ele passa a ser horóscopo na hora em que é domificado. A essência da idéia de horóscopo
está nas casas e não nos signos. Por isso mesmo é que diversos astrólogos consideraram que os
chamados aspéctos mundanos, podem ser mais importantes que os aspéctos celestes. Porque o
aspécto mundano refletirá uma situação passageira, que vai caracterizar alguns indíviduos e em
seguida ele vai embora, ao passo que, o aspécto celeste pode durar um mês dois meses, três
meses.... que vai caracterizar uma geração. Exemplo: O pessoal não fala assim: A geração do
Urano quadrado Netuno ( Geração do flower power). Interpretação: Urano é a renovação e
Netuno são os sonhos, então, Urano quadrado Netuno são os sonhos inéptos de renovação. Isso
pode até ser verdade, mas acontece que esse aspécto durou muito tempo e caracteriza uma
geração inteira e jamais poderá ser um traço de cárater individual. Muitas pessoas referen-se a
seus horóscopos de maneira muito engraçada: --Ah! Eu nasci com Saturno em Leão e Plutão em
Libra. Eles falam assim como se a humanidade interia também não tivesse nascido quando
Saturno estava em Leão ou Plutão em libra, então, isso jamais pode ser um traço de cárater, pois
esses são traços que você compartilha com milhões de pessoas.
Isso acontece porque as pessoas não entendem a própria essência da palavra horóscopo:
Horóscopo é o retrato da hora , esse retrato se traduz na domificação, que é a coisa mais preciosa
que existe na astrologia. Exemplo: Nós podemos comparar: Os signos são como se fossem os
tijolos e as pedras com que você faz o horóscopo. Toda a casa é feita de tijolos e pedras. Agora o
que vai diferenciar uma casa da outra, é o tamanho relativo dos compartimentos etc...é a
proporção interna. E no horóscopo, onde é que esta essa proporção interna? Está na distribuição
das casas. Então, entre um indíviduo que nasceu com Plutão em Leão, ou Plutão em virgem, ou
Plutão em libra.... Certamente haverá menos diferença, embora estejam separados por trinta anos,
do que o indíviduo que nasceu com Saturno na casa X ou Saturno na casa I, e que nasceu no
mesmo dia. Vai ser mais fácil você verificar essas diferença pelas casas do que as diferenças de
Saturno em Leão, plutão em Câncer e etc....Mesmo porque essas diferenças de mentalidade de
geração para geração, longe de elas terem algo a haver com o cárater, elas são justamente o
fundo, no qual, o cárater precisa se destacar para ser alguma coisa. Esses traços ( Saturno em
Leão, Plutão em câncer e etc ...) são a medida coletiva e impessoal, sobre a qual, terão que
aparecer traços de cárater que se diferenciaram. Essas traços podem valer no caso da astrologia
Histórica, que é um outro departamento.
Todas essas informações imprecisas só mostram o estado rudimentar do movimento astrológico.
Se todas as informações astrológicas sãoo de vital importância, então, acabou a noção de
horóscopo, pois assim não dá para hierarquizar a importância e nem interpretar. Exemplo: Eu
quase fiquei louco, no começo do meu estudo sobre astrologia, porque eu pegava todos os livros
de interpretação e tentava interpretar o meu mapa através deles, e via que eu tinha um pouco de
todos os mapas, todas as posições planetárias. Sempre tem um truque em que você pode
transformar uma posição em outra posição. Isso aí é uma trapaça que não tem mais tamanho! É
uma trapaça inconsciente. Quanto mais técnicas astrológicas o sujeito pratica mais charlatão ele
é. Ele pode provar qualquer trânsito utilizando as várias técnicas. Exemplo: Estou me sentindo
debilitado como se Saturno estivesse quadrado com meu Sol. Se isto não está acontacendo em
virtude de um trânsito, então, pode estar acontecendo na revolução solar, na progressão, no mapa
do ponto médio do meu casamento e etc etc.... Isso aí é uma anti- astrologia.
Temos que encarar a ângustia de frente, jogar fora todas essas técnicas e começar a levar a sério
este assunto.
No caso dos trânsitos, realmente quase não existe nenhum acontecimento importante que não
possa ser reportado a um trânsito importante. Exemplo: Conheci um sujeito, que era um astrólogo
fanático, que fazia seis meses que ele estava com uma terrível insônia. Passava a noite toda de
olhos abertos, e curiosamente no dia seguinte ele estava descansado. Daí, ele procurou e viu que
não havia nenhum trânsito importante, então, ele se desiludiu com a astrologia. Quando passou a
insônia, ele reparou que ele estava com Netuno quadrado Mercúrio esse tempo todo e, ele não
tinha percebido. Para um sujeito com Netuno quadrado Mercúrio não perceba o que está
acontecendo, isto me parece bastante óbvio. Netuno geralmente assiná-la alguns fênomenos
cíclicos bem esquisitos. Ora, os trânsitos realmente você pode confiar e, se você não descobriu
nenhum indício significativo num trânsito, então, é porque você não sabe ler trânsitos ou você
não prestou atenção suficiente. As vezes isto acontece quando o sujeito quer procurar indícios
astrológicos de eventos insignificantes. Tudo aquilo que represente uma mudança estrutural
profunda vai aparecer em trânsitos, por outro lado, tem um monte de trânsitos que por si mesmos
são insignificantes.
Os trânsitos importantes tem que ser referidos à aquelas posições planetárias no nascimento, e
serão não sómente referidos aos pontos onde estavam no nascimento, como serão evidentemente
mais importantes,( como já dizia Ptolomeu, Morim de Vilefranche etc...), quando eles repetirem
aspéctos que já estavam formados no mapa de nascimento.
Exemplo: Se um sujeito tem Saturno quadrado Lua no horóscopo natal, quando formar Saturno
quadrado Lua pelo trânsito, aí, você vai ver a coisa em toda a sua plenitude. Porém, vocês podem
fazer a seguinte pergunta: Mas será que o sujeito que tem Saturno quadrado Lua no seu
horóscopo também será sensível aos momentos onde forme outro Saturno quadrado Lua no céu,
sem formar aspécto com o seu mapa natal? Se o sujeito começar a fazer perguntas como esta ele
fica doido! O que quer dizer este " ser sensível "? O estudo dos trânsitos tem que ser feito a
posteriori conforme modificações objetivas que você de fato sofreu, e não conforme um vago
sentimento que você teve num momento díficil. Exemplo: Eu posso estar deprimido, sem que
esteja formado um Saturno quadrado Lua no céu referido ao mapa natal, e verifico, que
curiosamente, Saturno está quadrado Lua no céu sem formar aspécto com o meu mapa. Eu vou
explicar uma coisa pela outra. Por quê eu vou fazer isto? Não precisa disto.
No momento aonde as leis básicas da interpretação astrológica estejam estabelecidas para um
domínio em particular, daí pode-se gradativamente, sistemáticamente ir estrapolando sem grande
possibilidade de êrro, porém, até o momento isso não existe. O que existe são sujestões,
observações mais ou menos casuais, existem alguns princípios formais de interpretação, que são
aqueles de Morin de Vilefranche: "Um planeta benéfico numa casa benéfica com aspéctos
benéficos traz efeitos benéficos." e vice-versa. Muito do material astrológico que está aí desde a
antiguidade tem de ser cuidadosamente estudado para saber da veracidade de suas afirmações,
provavelmente deve existir muita falsidade. Tudo o que existe no céu seja planetas, cometas,
asteróides deve ter alguma influência na Terra, mas o problema não é este. O problema é que a
essência da astrologia não consiste em afirmar apenas esta influência, mas conseguir identificar
individualizadamente cada uma delas. E isto não é nada fácil!
Pela tradição astrológica eu acho, que hoje em dia, não existe nenhuma possibilidade de você
confundir a influência do Sol e de Saturno. Porém, quando o pessoal fala de Netuno, Urano e
Plutão , principalmente Plutão, tudo o que o pessoal fala me parece enormemente confuso. Dizem
que Netuno e Plutão são esquisitos, mas você considerar a esquisitice do planeta como traço
individual, isto é loucura!
Hoje em dia se nós pegarmos a partir do século XIII vocês verão que a astrologia da época, tinha
uma comparação suficiente entre os conhecimentos astrônomicos da época e os sistemas das
ciências existentes na época. Depois disto, tanto o sistema das ciências cresceu formidávelmente
quanto a astrônomia , em particular, cresceu formidávelmente. Então, hoje em dia a astrologia
lida com uma astrônomia do século XIII e, ainda não consegue abarcar o sistema das ciências
existentes hoje. É um descompasso. Se a astrônomia comparada existe, então, evidentemente ela
só pode funcionar bem, na medida onde haja essa possibilidade da comparação do sistema das
ciências ( da globalidade do conhecimento em um certo momento) e esta ciência em particular
que se chama astrônomia. Hoje em dia não existe isto ainda. No século XX, devido ao processo
de coleta, de simplificação e síntese de informações, talvez nós possamos ter uma síntese
ciêntífica comparável com determinado quadro do céu. Dai vamos ter uma outra grande época da
astrologia. Este assunto é muito grande. Se o sujeito não consegue resolver realmente os seus
problemas, é comum que ele os resolva na fantasia. Como é quase impossível desenvolver uma
astrologia ciêntífica hoje, então, o pessoal desenvolve uma astrologia imaginária. Mas isso não é
astrologia. A astrologia do século XIII era astrologia de fato. O fato é que o problema astrológico
é fundamental. A humanidade jamais vai perder a curiosidade deste assunto. Por outro lado sendo
um problema fundamental, é um problema muito díficil de investigar.
Esta coisa da Astrocaracterologia, eu estou expondo há um ano e meio e não acabei ainda. A
exposição da hipótese astrocaracterológica, ela é comprida mesmo. E não tem outro jeito. É
preciso ir parte por parte.... Na medida onde descrevemos cada posição planetária, nós vamos
sistematizando e comparando com as posições anteriores. Porém, para saber se isto é verdadeiro
mesmo, é preciso muito mais do que eu estou fazendo aqui: É preciso realizar. Uma vantagem da
astrocaracterologia é que ela já oferece o seu próprio método de verificação e eventual
contestação. Deste método sai a sujestão de algumas pesquisas à realizar. Exemplo: A temática
dos grandes româncistas. Partindo da idéia de que se de fato as posições de Sol e Saturno são os
dados fundamentais do sistema cognitivo do sujeito, então, algo disto deve transparecer na
seleção dos temas. O sujeito ao escrever um romance fica vários meses repensando as mesmas
imagens e, seria impossível para ele fazer isto se estas imagens não fossem importantes para ele.
Se não tivesse uma ancoragem profunda na sua própria experiência interna. O quê que um
romancista faz? Básicamente ele conta uma estória, uma sucessão de acontecimentos que se
passaram com um indíviduo. Você não escreve um romance em dois dias, isso leva tempo. Cada
romancista vai acompanhar a estória do seu personagem durante muito meses. Ele estará
pensando naquele personagem como se ele existisse mesmo. Isso é evidentemente impossível se
aquele romancista não tem um interesse profundo naquele personagem e, isto mostraria
certamente a fixação da imaginação daquele sujeito em certos tipos ou situações humanas, que
seriam portanto, recorrentes dentro da sua obra. Então, haveria ali a facilidade de você identificar
os "Topos" (Topoe: situações esquemáticas repetíveis). Na obra do sujeito existe um monte de
"Topos", que se você identificar, verá que a temática toda do sujeito se resume em dois ou três
assuntos, mesmo que ele escreva cem livros. A posição do Sol deve revelar algo da matéria do
"topos". Porque se o Sol tem relação com a intuição, então, é justamente onde está o Sol que o
sujeito presta mais atenção e, onde ele presta atenção é o que ele vê . E o que ele vê não é o que
lhe acontece, mas o que ele vê do que lhe acontece, seja, da sua experiência real ou da sua
experiência imaginária. Por outro lado, na casa onde ele tem Saturno lhe aparecerá aquilo que ele
julgue um problema, portanto, o padrão da dramaticidade e conflito da estória. Que tipo de
matéria que o sujeito olha e que tipo de conflito que ele vê ? Essa é a hipótese: A matéria está na
casa onde o sujeito tem o Sol e, o tipo de drama deve estar na casa onde ele tem Saturno. Essa
pesquisa tem alguns problemas: 1-) Nem sempre a criação literária é um curso livre da
inventividade do sujeito, pois, muitas vezes o escritor se verá prêso da moda literária da época.
2-) Ele tem que escrever com os instrumentos narrativos que ele encontre mais ou menos prontos
no seu ambiente à não ser que ele invente outros.
Isso quer dizer: Não é qualquer autor que serve à pesquisa.1-) Vocês terão que recorrer a história.
Os historiadores é que selecionam os autores mais importantes em seu país de origem . 2-) Fazer
um recenseamento dos "Topoe". 3-) Tem que separar dos elementos técnicos os que foram
aprendidos de outros autores, do meio etc... Depois disto é que vocês verão que muitas vezes a
obra do autor é como se fosse o seu próprio mapa.
Exemplo: Thomas Man. No seu livro "A montanha Mágica" o tema era: Qual é a relação entre os
estados físicos vividos pelo indíviduo e a civilização aonde ele está. Como a mudança da
civilização reflete nos estados orgânicos do indíviduo. Saturno na casa VI e Sol na casa X : O
corpo e a civilização. A decadência do corpo e a decadência da civilização. Thomas Man tirou o
tema do seu próprio horóscopo.
Num recenseamento de grandes romancistas vocês sempre vão achar esta identidade entre obra e
o horóscopo do romancista.
Exemplos: Charles Dickens tinha o Sol na casa IV e Saturno na casa III. O tema básico é a
felicidade e a infelicidade das pessoas e o que as tornariam felizes ou infelizes. O drama é a
peripécia, o aprendizado e o amadurecimento através do tempo, das viagens ou os personagens
fogem de casa e saem enfrentando uma série de coisas e, assim vão aprendendo e amadurecendo.
É a casa IV vista através da casa III.
Balzac tinha o Sol na casa X e Saturno na XII. O tema abordado é o mesmo tema de Thomas
Man: A civilização, a sociedade etc.... Mas este tema é visto através de forças misteriosas,
sociedades secretas que ocultamente vão decidindo o destino da sociedade. A casa X no caso não
é vista através da casa VI de uma pequena amostra através do corpo do indíviduo. Balzac escreve
de uma forma a descrever do mais material subindo até enfocar o espiritual ( o puramente
metafísico) a causa única de tudo aquilo que está acontecendo desde o começo da estória: Forças
misteriosas que dirigem mágicamente a sociedade humana e o curso da história. É a casa X vista
através da casa XII.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 68 - 12/10/91.

Nota: Esta aula não foi transcrita em virtude do extravio das fitas. As fitas da aula 69 14/10/91
que foi dada numa segunda-feira também não foram achadas, mas existe uma transcrição feita
pela Meri.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 69 - 14/10/91 TRANSCRIÇÃO: MERI A. HARAKAVA.

Muitos astrólogos têm procurado utilizar o horóscopo como meio de chegar a aspéctos
inconscientes do indivíduo. Isso me parace que deve ser evitado cuidadosamente. Se você,
interpretando por exemplo a personalidade intelectual do sujeito, interpreta os traços que aí
enxerga como se fossem parte do cárater, pode estar profundamente enganado. Do mesmo modo,
um certo comportamento social nem sempre pode ser atribuído a uma camada anterior, como a
hereditariedade. O êrro de atribuir à personalidade intelectual traços que estão no cárater é o
mesmo êrro de atribuir à hereditariedade todo e qualquer comportamento. A hereditariedade não
é a causa única de tudo o que acontece nas camadas seguintes.
Quando tratamos de conflitos inconscientes estamos evidentemente nos referindo à camada 4,
que chamamos de " história pulsional e afetiva ". Pelo fato de ser uma história, então, não pode
referir-se a um sujeito só. Sem conflito ( com os outros) não há história.
Segundo Pradines, haveria um inconsciente constitucional ou norma, e um inconsciente
patológico, estrutura esta que começa a se formar a partir de determinada idade, e, ao impulso dos
acontecimentos exteriores, vai formando as estruturas que se opõem ao funcionamento da
consciência, funcionam à margem dela, ao invés de colaborar como é o caso do inconsciente
normal. Esse inconsciente normal, segundo Pradines, seria a somatória de todos os automatismos,
tanto físicos ( respiração, digestão etc...) quanto psíquicos ( jogos de associação de idéias que
concorrem como um substrato em cima do qual se desenvolve a atividade consciente). Esse
inconsciente normal seria a raiz, da qual o tronco -- o consciente -- puxa suas energias. Já o
inconsciente patológico se formará já não como um substrato para a atividade consciente, mas
como obstáculo.
Se nos perguntamos como se forma esse inconsciente patológico, encontramos várias
explicações. A mais conhecida é a de Freud, que diz que ele se forma por um mecanismo
chamado recalque, ou repressão: determinados conteúdos psiquicos, não podendo ser aceitos de
acôrdo com o código de conduta imposto pelo pai e mãe, o sujeito os recalca para o inconsciente.
Vejam que a idéia de inconsciente não é nova em psicologia. A própria obra de Freud surge
depois de 120 anos de discussão do assunto na Alemanha; desde 1790 mais ou menos, se viu
aparecer livros sobre a interpretação de sonhos e sobre o inconsciente em geral. Como todo este
movimento em torno do assunto se limitou aos países de língua alemã, sem repercussão fora
deste circuito, quando a obra de Freud despontou pareceu mais inédita do que realmente era; mas
ele teve muitos antecessores durante mais de cem anos. Também pelo fato de que Freud
associava esse mecanismo do recalque aos conteúdos de natureza erótica, sua obra chamou muita
atenção. Mas existem outras explicações.
Existe uma explicação que é bastante simples, e que hoje em dia talvez seja a que reúne o maior
consenso entre psiquiatras do mundo inteiro. Esta teoria diz o seguinte: Todo o ser vivo tem
determinadas necessidades que ele tem de atender de qualquer maneira. Exemplo: Respiração,
alimentação, necessidades cujo não atendimento implica um dano grave para o próprio
organismo, porém nem sempre um dano imediato ( parar de comer ). Assim existem várias
necessidades que podemos colocar dentro de uma escala de urgência, maior ou menor, mas que
em última análise são todas importantes. O bebê recém-nascido já nasce com todas essas
necessidades, e não tem o menor meio de atende-las ( não pode esquentar sua mamadeira, trocar
sua própria fralda etc...). Porém além de ele não ter esses meios, o que faz com que ele se torne
dependente do pai e da mãe -- dependência esta maior e mais duradoura do que em qualquer
outra espécie animal --, além de não ter meios de atender, também não tem meios de expressá-las,
de solicitar o atendimento desta ou daquela necessidade em particular. É tão díficil ele esquentar
sua própria mamadeira quanto dizer que quer mamar, ou ao contrário explicar que mamou demais
e está com dor de barriga.
Então, segundo este consenso atual, a formação do inconsciente não procede do recalque de
determinados conteúdos, mas -- aqui há uma grande sutileza -- da impossibilidade de a criança
conscientizar determinadas necessidades que ela mesma não pôde expressar em tempo, e que não
foram suficientemente advinhadas pelos pais ou por quem cuidou dela.
A teoria de Freud dizia que o inconsciente se forma a partir de proibições determinadas; sua
teoria só levanta um determinado tipo de conteúdo do inconsciente -- o sexual. Se o inconsciente
fosse somente isso acho até que não haveria um problema tão grande, porque se os conteúdos se
referem basicamente a sexo , e els forma tornados inconscientes exclusivamente por uma
proibição, isso não poderia ser tão díficil de recordar pelo ser humano adulto.
( A proibição do tema sexual não é assim tão grave que um homem adulto ainda tema levar uma
bronca do pai ou da mãe porque está manipulando o próprio pênis.)
Tudo isso seria bôbo demais para poder criar tanto problema. Se a origem do inconsciente --
portanto das neuroses -- fosse essa, as neuroses deveriam ser muito mais fáceis de curar. Não é
impossível que uma parte delas tenha origem neste tipo de proibição; mas a idéia corrente hoje
não é a de uma proibição, não é a de que uma coisa foi para o inconsciente após ter passado pelo
consciente, tendo ido para o inconsciente por efeito de uma proibição de pensar nela. O que
deposita uma coisa no inconsciente não é uma proibição de pensá-la, mas uma impossibilidade de
pensá-la.
Você suponha que um bebê de colo sinta a falta do calor do corpo da mãe junto ao dele. O que
ele pode fazer para dizer que ele quer isso? No máximo chorar, estender os bracinhos. Se este
pedido não é corretamente interpretado pela mãe, ou se ela mesmo interpretando corretamente
nega, ele vai pedir uma, duas, três vezes, até que a tensão entre a necessidade e o seu não-
atendimento vai chegando a um ponto intolerável. E quando chega ao ponto do intolerável,
produz-se a ruptura entre a necessidade e a consciência. Ele não aguenta mais sentir aquilo,
então, não sente mais.
É um mecanismo tão simples que é espantoso que ele não tenha sido detectado antes, e que se
tenha procurado para a origem das neuroses explicações muito mais complexas do que esta. Veja
que qualquer coisa que você deseja e lhe seja negado por um tempo muito longo você
simplesmente pára de de pensar naquilo porque não aguenta mais.
A teoria Freudiana torna a neurose sobretudo um fenômeno de ordem moral, e me parece que ela
é um pouco rebuscada demais. Acho na verdade que para surgir uma neurose de ordem freudiana
é preciso que tenha havido uma base anterior, é preciso que o sujeito já esteja um pouco mal
antes. Segundo Freud o ego vai se formar por volta dos 4 ou 5 anos de idade, que seria então a
época de se consolidar as neuroses. Ora, é fácil ver que aí a neurose já estará colocada numa faixa
bem mais superficial do inconsciente, porque a criança de 4 ou 5 anos sabe falar. Não é nada
díficil você lembrar os pensamentos que lhe ocorriam nessa idade numa análise, e formulá-los na
linguagem com que você falava nessa época. Ex: Eu me lembro de vários termos, torneios de
frases que eu usava, não é uma dificuldade tão grande. Para que esses conteúdos estivessem
soterrados no inconsciente seria preciso que a repressão tivesse sido brutal. Eu acho que a
simples repressão não bastaria para impedir o sujeito de pensar; no mínimo ele iria continuar
pensando as mesmas coisas em segredo e não teria coragem de confessar. Então, não seria um
inconsciente, mas um pré-consciente, um subconsciente, algo que enquanto criança você não
gosta de pensar, mas quando grande pensa. Então, o inconsciente freudiano não é tão grande
assim.
A mim me parece que esses conflitos dessa idade não seriam grande coisa se já não existisse um
conflito prévio, que se dá numa esfera ainda não-verbal, e portanto dificilmente verbalizável
porque o indivíduo jamais vevenciou aquilo sob forma verbal; vevenciou sob forma de tensões
corporais, de desejos difusos, ângustias vivenciadas fisicamente, e no máximo na forma de
imagens.
Se na época em que este problema foi vivido pela primeira vez o sujeito já não verbalizava, mais
tarde, quando já tiver até esquecido essas necessidades, aí é que ele não vai verbalizar nunca
mais. Porque ele não consegue mais sentir as mesmas necessidades. O sujeito abandona aquelas
demandas não atendidas, e as substitui por necessidades simbólicas que, estas sim, dá para
atender. O exemplo clássico é o sujeito que teria sido desmamado muito prematuramente, e que
fuma feito um desesperado. Para mamar não dá mais, mas para fumar dá. Acontece que nem toda
a necessidade simbólica é assim tão óbvia e elementar, você pode formar quadros muito
tortuosos. Por exemplo, suponha a criança que não desfruta de suficiente atenção, ela grita e
ninguém presta atenção; depois de um certo tempo ela desiste de chamar atenção. Mas como é
que ela pode viver sem chamar atenção de ninguém? Ela vai desenvolver algum outro mecanismo
para chamar a atenção indiretamente. Isso aí pode causar comportamentos dos mais aberrantes.
Sendo assim deve haver um montão de comportamentos adultos que são atendimento de
necessidades simbólicas. Nem todos esses comportamentos serão neurose; serão neurose na
medida em que impliquem um sofrimento enorme para o sujeito. Ainda nesse negócio de fumo,
tem gente que fuma e se sente culpado toda a vez que pega num cigarro. Se eu sentisse culpa não
fumava absolutamente. Se há culpa, então, além do desmame deve ter havido algum negócio
muito traumático.
As necessidades elementares de bebê é díficil voltar a sentir porque nós estamos acostumados
apenas a conscientizar as necessidades que estamos habituados a verbalizar, que podemos pedir
de alguma maneira. Se eu voltar a sentir as necessidades de bebê eu não vou poder expressá-las
em linguagem de adulto, porque a linguagem não corresponde àquilo. Então, no tempo em que eu
precisava daquilo eu não podia me expressar; agora que eu posso expressar: 1-) Posso expressar
numa linguagem que não diz exatamente aquilo. 2-) A coisa não me interessa mais. Esta ruptura
entre o mundo das sensações físicas e a consciência, essa mesma é que é a origem do
inconsciente neurótico.
É uma ruptura ao nível da sensação mesma, e acontece dos dois aos quatro meses de idade.
Quanto mais grave for essa ruptura, maior a possibilidade de complicar na fase própriamente
freudiana de surgimento das neuroses, mais dificuldade vai ter na formação do ego.
Aluno: -- Essas terapias que lidam com sedimentos corporais procuram atingir essa faixa, mas daí
para a verbalização há um impasse?
Olavo: -- Na verdade eu acho que essas coisas não dá para curar mais; a única coisa que dá para
fazer é dizer " já passou" ; depois de você lembrar aquelas situações agonizantes, vai fazer o quê?
Como é que o sujeito com 30 ou 40 anos vai obter a satisfação daquelas necessidades infantis?
No máximo vai ter uma conformidade com o destino que foi triste, e vai tentar evitar que a
mesma coisa aconteça com seus filhos e netos. A conscientização por meio de terapia ajuda a
racionalizar, a entender seu destino, mas o problema não é você entender seu destino, o problema
é que a nacessidade mesma não foi atendida. Não se pode reintegrar na personalidade o que não
aconteceu. O fato de você lembrar que houve uma necessidade não atende a necessidade. Além
do que se você vai começar sua terapia com 30 ou 40 anos, já foram 30 ou 40 anos perdidos com
essa bobagem. Isto não tem terapia que cure. E o grande problema do neurótico é que ele não
quer apenas conscientizar a perda e dizer: "É perdi." Ele exige de certo modo que alguém atenda
aquela necessidade agora. Essa é a grande dificuldade. É fácil entender o processo neurótico, uma
vez explicado fica óbvio que é isto.
Aluno: -- Será que fornecer ao outro, à criança, aquilo que ele gostaria de ter recebido não é uma
forma de cura, na medida em que traz uma satisfação?
Olavo: -- E como convencer o neurótico a fazer isso? Isso pode ser uma cura dependendo do
nível de moralidade do sujeito; mas o problema dele é médico antes de tudo.
Aluno: -- Não é normal os pais quererem dar aos fhos aquilo que foi uma necessidade deles?
Olavo: -- Mas não esse gênero de necessidade. Este é muito mais profundo. Geralmente você
quer dar ao filho coisas que você quis na adolescência.
A grande tragédia é que todo este tecido de necessidades simbólicas com que você substitui as
necessidades não-atendidas, isto se perpetua, e você usa seu próprio filho para atender
necessidades simbólicas suas. A criança é um bebê inocente e indefeso solto na mão de um bebê
grande completamente maluco. Eu sinceramente morro de terror quando vejo as criancinhas nas
mãos das mães. Eu acho que cuidar de criança é um assunto demasiado sério para as mães. A
mãe é um mal necessário: sem ela você não nasce, mas com ela você não vive.
Aluno: -- O Doutor Angelo Gaiarsa sempre fala no seu programa de televisão: " Eu sempre digo:
Cuidado com as mães..."
Olavo: -- O Gaiarsa é meio maluco, mas é um sábio. Ele diz: " As mães são bichos perigosos..."
Para criar crianças só tem um jeito: você tem que compreendê-la. Como você precisa
compreender qualquer ser humano, que é dever número "um" de todo o homem. Você vai
compreender por empatia, ou seja, você se imagina sentindo o que ela sente, desejando o que ela
deseja. Para criar uma criança saudável, você tem que compreendê-la, interpretar seus sinais,
sacar o que ela está querendo e completar a comunicação. Mas como é que você vai fazer isso se
as necessidades, que ela está expressando numa linguagem não-verbal, por assim dizer semi-
conscientes, são as mesmas que você apagou em você mesmo? Este é o cerne da desgraça
humana, que vai passando de geração em geração.
A criança é um ser igualzinoh a nós, ela não é diferente. Houve um tempo em que se dizia: " A
criança não é apenas um adulto pequeno, mas é um ser diferente, com necessidades próprias, etc
...". Isso é o fim-da-picada! É o mesmo que dizer que quando ela crescer ela vai mudar de
espécie; ela nasce "jacaré", e quando crescer vai ser "vaca". A criança é realmente apenas um
adulto pequeno, é igualzinha a nós, as coisas que ela quer não são diferentes das que nós
queremos, são coisas elementares e simples, proporcionais ao tamanho dela, e à sua fragilidade. E
ela expressará essas necessidades numa linguagem que, para quem só está acostumado com
linguagem de adulto, é muito obscura. Mas para quem já foi nenêm e lembra como é que era
quando era nenêm, lembra do que queria quando era nenêm, então, é moleza entender. Exemplo:
Eu vou dar um exemplo: Minha filha Leila estava chorando que nem uma doída, já fazia três
horas: E todo mundo perguntava o que ela queria: --Você quer isto? Não quer. Tá com vontade
de fazer côco? Não. Está doendo o dente? E a barriga? Não adiantou, ela não parava de chorar.
Estavam todos reúnidos : A mãe, a avó e toda uma assembléia de sábios. Daí eu cheguei e
abruptamente e perguntei: Quer mamar na mamãe? Quer? Não tem mais leite, mas mesmo assim
ela foi mamar na mãe. O problema era este mesmo. Ela mesma não sabia direito o que queria. Por
quê? Porque quando foi feito o desmame, foi negado tantas vezes que ela desistiu da causa.
Porém a necessidade ficou lá, e vai se expressar em necessidades simbólicas: chorando, berando,
exigindo isto e aquilo... No caso coincidiu de eu ser um sujeito realmente preocupado com este
assunto. Quantos pais estão preocupados com este problema justamente quando a filha está com o
problema? É muita sorte!. Podia ser que eu mesmo, em outra época da vida, não percebesse o que
era.
Não é a violência da repressão que importa. Importa simplesmente que a coisa não é atendida e o
sujeito esque dela e inventa uma outra que lhe parece mais viável; não que ela queira essa coisa,
mas é o que dá para obter. Veja isto aí, um pouco mais tarde, pode complicar formidávelmente,
quando entra em ação a razão. Você imagine o que podeacontecer quando o esquema da razão
começa a ser constituído em cima de informações falsificadas -- que é esse processo anterior. Vai
parar bem longe. Aí nós vamos ver toda a galeria de monstruosidades, neuroses, psicoses etc...
No fundo é um problema bastante simples: é um problema de um ser humano entender outro ser
humano, estar disposto a dar o que ele quer. Isso quer dizer que a criança não é um bicho tão
misterioso; e talvez não seja tão díficil educar uma criança para que se torne um adulto saudável.
Você precisa vêla desde dentro, como você vê um outro ser humano com o qual você se entende.
Agora, se você não tem essa identificação, se você não saca a necessidade dela como uma coisa
real e que poderia estar acontecendo com você, então, seu entendimento é sempre externo, não é
intuitivo, é racional. Se você vai pelo entendimento racional, então, você não está cuidando
daquela criança, você, está cuidando de uma criança genérica. E aí você vai errar sempre. Se eu
não saco, por exemplo, os sentimentos dos indivíduos um por um, não adianta eu tentar fazer
justiça genéricamente, eu vou errar sempre, porque o dado intuítivo está falsificado; eu só tenho a
regra geral, mas não conheço nenhum caso particular. Então, vou pela média estatística, e vou
cair naquela coisa: " Eu tenho dois frangos, e você não tem nenhum; logo nós temos um frango
cada um ".
Em geral os educadores, pedagogos, fazem sempre assim; eles procuram encontrar o que é regra
geral para as crianças, e procuram tratar a todas mais ou menos igual, quando na realidade o
problema não é esse, é um problema de comunicação de ser humano para ser humano, saber o
que o sujeito está querendo na hora em que está querendo, e procurar atender exatamente isto.
A criança não sabe dizer nada, é um perfeito idiota, é analfabeto, não te entende, então, é você
que tem que ser o funcionário dela. Todos os pais se preocupam em saber como é que eles vão
embocar dentro da cabeça da criança os hábitos e habilidades para que ela possa viver
socialmente. Eles funcionam como um canal da sociedade para a criança, transmitem os
conteúdos da sociedade para a criança. E o vece-versa? Você é o intérprete da sociedade perante
a criança. E da criança perante a sociedade? Para ter propriedades é preciso ter essência. Você
está preocupado em formar a criança para ela ser alguma coisa. Mas acontece que antes de ela ser
alguma coisa, ela tem que ser ( para ter propriedades é preciso ter essência ). Então, ela precisa
ser aquilo que ela é, com as necessidades que ela tem. Se não for permitido que ela seja
exatamente isso, então, ela nunca vai ser nada, ela só pode fingir que é alguma outra coisa.
Isso aí não tem como você identificar no horóscopo: " Você tem a Lua não sei aonde, Saturno
não sei aonde..." Não, porque as coisas que podem ter acontecido a um sujeito são infinitas.
Quantas necessidades podem ter sido negadas ao sabor de acontecimentos mais ou menos
fortuitos? Por exemplo: uma das necessidades mais frequentemente negada, é a necessidade de
você tocar, de sentir o corpo da mãe, do pai. Então, o sujeito pode desenvolver mais tarde uma
intensa necessidade de contato físico, que ele interpretará como erotismo. Por quê? Ele quer
receber carinho físico das pessoas; não tem sentido ele pedir isso aí.... Então, a maneira
socialmente aceita de ele receber esse carinho, é ele chamar as pessoas para transar com ele. Mas
na verdade não está querendo transar, está querendo um outro negócio. No caso acontece
exatamente o contrário do que diz o Dr. Freud: " o que foi reprimido foi um conteúdo não-
erótico, e o que é permitido é o conteúdo erótico. Se um sujeito com 40 anos de idade quer
carinho materno, fica meio chato, mas se ele quer transar com todas as mulheres, uai, o que é que
tem? É normal... Se o indivíduo tem necessidade de carinho paterno? Então, ele gosta de tocar
pessoas do mesmo sexo, de ser abraçado, etc... Ele vai interpretar como homossexualidade; está
redondamente enganado. Ele vai reinterpretar sua necessidade antiga em termos que lhe parecem
compatíveis com a sua situação social atual. E vai lhe dar um nome, um nome errado.
Onde é que você vai achar um negócio desses no mapa? Você teria que interpretar que a
necessidade faltante é aquela relativa à casa onde está Saturno, ou a Lua, por exemplo. Mas
acontece que isso não é a realidade, isto é a fantasia que ele faz. Qualquer que tenha sido a
necessidade negada -- e isto é o que interessa para o astrólogo -- ele interpretará nos termos da
casa onde ele tem Saturno. Por quê? Porque a partir do momento em que você começa a formar
aquele complexo da razão, que eu já expliquei, é natural que o sujeito tente re-explicar para si
mesmo sua própria vida. Não importa o que lhe falte, você vai explicar sua carência -- que é uma
carência de ordem corporal, prestem bem atenção --, em função da sua carência intelectual. Quem
é que dá as explicações, não é a razão? Então, onde a razão falhar, você vai achar que tudo o mais
falhou exatamente ali.
Veja, a casa onde está Saturno é um desafio que se impõe à razão do indivíduo. Isso não acontece
aos dois, três anos, acontece mais tarde. Aquele ponto onde o indivíduo tropeçar, vai lhe parecer
obscuro à sua razão, onde ele não consiga transpor, não consiga varar, vai criar nele uma espécie
de temor intelectual. Portanto aquele assunto vai ficar para ele como se fosse um fantasma, um
mistério. Ora, não é muito natural que qualquer outro problema que ele tenha, ele procure achar
que o problema está exatamente ali? Estão entendendo? Vejam, a necessidade faltante já foi
tornada inconsciente, está guardada lá no fundo, ele nem consegue expressá-la; ele sabe que tem
alguma coisa que dói. Então, aqui você tem uma coisa que dói; muito mais tarde tem uma coisa
que você não entende e que te atemoriza. Não é natural que você pense que as duas são a mesma
coisa? Pode acontecer, mas não tem nenhum motivo para que seja.
O ponto onde sua inteligência foi traumatizada não é necessáriamente o ponto onde você foi
traumatizado. O sujeito padece de um problema, mas vai se queixar de uma outra coisa. Por isso
é que se você pega um sujeito com Saturno na casa II, ou na casa IV, e diz que na infância dele
aconteceu tal coisa relativa a essas casas, ele vai dizer que é verdade. Porque esta é a
interpretação que ele está dando. Porém, isto não é verdade histórica, não é fato, e sim, a
interpretação que ele deu depois.
Aluno: -- Então, é tudo um grande engano! Como é que dá para detectar isso?
Olavo: -- Conhecendo a história real dele. Existem muitas maneiras de você penetrar nas camadas
mais profundas do inconsciente e saber o que é que tem lá.
1-) A hipnose: ele vai se queixar exatamente daquilo que está doendo, e não daquilo que ele
interpretou depois.
2-) Essa famosa terapia primal: o sujeito fica lá repetindo: "papai, mamãe, papai mamãe..."
hipnóticamente, até que, de repente, ele se vê transformado num bebê de um ano e meio. É um
tipo de hipnose auto-induzida sob controle.
Nota: ( aqui tem um monte de gente aplicando terapia primal, mas é bom vocês saberem que
quem quer que apareça com isto aí, está um pouco no charlatanismo, porque existe um Instituto
Primal nos Estados Unidos, e só pode aplicar essa terapia quem passou por lá, quem estudou.
Esta terapia é muito perigosa.).
3-) Você pode proceder por simples interpretação das necessidades simbólicas, usando todo o
aparato Freudiano, quando, por exemplo, eu interpreto que o sujeito que fuma muito é porque foi
desmamado muito cedo.
Aluno: -- Há também a possibilidade de uma reconstituição biográfica mais fidedigna?
Olavo: -- Claro! alguém pode ter visto a vida do sujeito. A própria mãe pode se lembrar disto,
sempre tem jeito de reconstituir. Porém, certamente este problema real que está escondido lá
embaixo não é o de que ele se queixa. O de que ele se queixa coincide sempre com a casa onde
está o Saturno, porque é o ponto cego da inteligência dele.
Vamos fazer uma comparação: vamos supor que aqui você tem o governo de um país, você tem
um exército e um serviço secreto. Dentro do exército existe um setor que não funciona: você pôs
lá um destacamento na fronteira, mas o general está sempre bêbado, ou é vendido pro inimigo.
Então, o exécito inimigo está entrando por aquele ponto: botamos um exército ali na fronteira da
Bolívia, e está entrando um monte de tropas inimigas por aquele ponto. Por outro lado, no
Serviço Nacional de Informações, existe um departamento que também é corrupto, e que te
esconde informações sobre o que está se passando, não na fronteira da Bolívia, mas na fronteira
com a Argentina. Não é normal que você pense que esteja havendo algo de anormal na fronteira
da Argentina e não com a da Bolívia? Claro! Aqui você tam um bloqueio na informação, surge
uma suspeita. Mas não quer dizer que o problema esteja ali, pode estar num lugar completamente
diferente. Ou seja, esta é a diferença entre a base sensitiva-emocional do sujeito, e o seu esquema
racional de interpretação, seu sistema consciente enfim. Os dois podem ter problemas, mas um
não precisa coincidir com o outro. Mais ainda, o ponto de entupimento da razão surge como uma
fábrica de explicações falsas e de necessidades simbólicas, aumentando ainda mais a neurose. Por
isto é que o DR. Muller dizia que quanto mais inteligente, mais neurótico. Quando chegava lá um
cara com uma neurose bem confusa, ele ficava entusiasmado, e dizia para o paciente: " Mas você
é um gênio! Para inventar uma neurose como esta não é qualquer um! " Então, quanto mais
desenvolvida a razão do sujeito, provavelmente mais ele vai enfeitar as necessidades não
atendidas e substituir por outras.
Por isso que é um grande êrro dos astrólogos acreditar que na casa onde está Saturno existiu um
problema real. Pode coincidir também, mas aí que é uma tragédia mesmo. É como uma doença
chamada gota: vem do rim, mas dói o dedão do pé. A coisa aparece lá, mas não é lá que está
doente. Para o sujeito o sofrimento dele naquele pontp é real, está doendo ali; mas não adianta
resolver aquele ponto porque vai formar mil vezes o mesmo quadro.
Quando nós explicamos Saturno, eu acredito ter demonstrado que o que acontece ali é uma
aporia, um enigma para a inteligência intalectual, no momento insolúvel. Não é um problema
emocional, não é físico, é cognitivo. Por isso que meu Mestre Dr. Muller dizia: " O horóscopo
não é a realidade do sujeito, mas é a fantasia dele." Não é o que se passa, mas é o que ele
imagina. Se as posições planetárias são as suas faculdades cognitivas, elas são os orgãos por onde
você capta o mundo, mas não são elas mesmas a realidade. Por isso que o sujeito que tem, por
exemplo, Saturno na casa II, vai sempre achar que está com falta de grana; mas não é. Tudo o que
lhe aconteça, ele vai achar que é falta de grana. O sujeito vai colocar, na casa onde está seu
problema cognitivo, toda a carga de seu padecimento emocional, o que justamente vai impedi-lo
de encarar o problema com a objetividade devida, no seu devido plano que é intelectual. O sujeito
que vai ao astrólogo, e tem confirmada a " causa " de seu problema, estará triplamente enganado:
" O astrólogo disse que eu sou assim." Ele tem um problema intelectual, imagina que tem um
outro problema, e ainda por cima, o astrólogo confirma. Então, ele estará autorizado na sua
neurose.
O astrólogo tem que ver o horóscopo não para saber o que aconteceu, mas para saber por onde o
sujeito está olhando. O ponto de vista do horóscopo é um ponto de vista inteiramente subjetivo. O
ponto de vista do sujeito tem a sua validade, e às vezes, ele coincide com o real, mas não é o
único ponto de vista possível. Existem outras pessoas em tôrno. eu ( o astrólogo ) também tenho
o meu ponto de vista.
Temos que tentar ver o problema de vários pontos de vista, e não tomar o daquele horóscopo
como se fosse universalmente válido. Quando o sujeito tem Saturno em tal ou tal lugar, ele
sempre vai tentar explicar seu problema por ali, porque é ali que ele não enxerga. O resto ele
sente que domina. Mas quem disse que o inimigo está onde você não enxerga?
O negócio é como no Tai-chi: Você tem que puxar o sujeito para cima e para baixo também. Ou
seja, pelo lado da razão ele tem que subir até o máximo de universalidade; pelo lado de
sentimentos e sensações, ele tem que sentir o que ele sente, não outra coisa. Tem que ser como
uma árvore: " a árvore penetra na Terra e sobe para o céu." Esse é o homem saudável.
Como dizia o meu professor de Tai-chi Michel Veber: -- A água desce e o fogo sobe.". O mundo
de sentimentos e sensações tem que arraigar no corpo, de maneira que, eles sejam vividos como
tais, e não substituídos por imagens. Aí vemos que a possibilidade de o sujeito ser sincero
diminui cada vez mais, porque: ele começou a negar o que ele sentia, o que desejava, depois,
além de negar, ele encontrou uma explicação falsa, e construiu todo o seu mundo intelectual em
cima de dados falsos. É uma inteligência que está inutilizada. Agora, se ainda além de inutilizar a
inteligência, o esquema das necessidades simbólicas começa a falhar, então, além de burro ele
está neurótico. É assim que se inutiliza um ser humano. E não é um processo complicado, é por
um processo de tratá-lo como algo que ele não é; é pelo processo de nunca dar o que ele quer, e
sim outra coisa; é pelo processo de ruptura do diálogo entre o adulto e a criança.
É uma coisa tão simples; agora, para explicar o processo começou com o Dr. Freud, a explicação
mais rebuscada de todas, e daí a coisa foi depurando até chegar mais ou menos nisto aqui. Então,
neste sentido é como dizia o Dr. Muller: " Não há culpas, só há necessidades não atendidas."
Como é que você vai culpar seu pai e sua mãe se eles estavam na mesma? Chega uma hora em
que alguém tem que acabar com essa desgraça e dizer: " Agora eu tenho que entender de fato o
que é que está se passando." Também isto não adianta nada se o seu filho não proceder assim
com o filho dele e assim por diante.
Enquanto a criança não tem necessidades simbólicas, ela não pede nada que ela não precise. ela
começa a pedir o que não precisa, depois que descobriu a necessidade simbólica e desistiu da
necessidade verdadeira. Mas quem foi que inventou isso, foi ela? Não. Porque no começo ela não
precisa, ela não conhece outras necessidades além de seus próprios desejos, ela não tem condição
de mentir ainda.
Aluno: -- O sistema de organização da sociedade vai complicando ainda mais esse problema,
porque o pai trabalha, a mãe trabalha, e a criança desde cedo é marcada por uma existência em
instituição....
Olavo: -- Esse foi um dos grandes problemas do século. A separação entre lugar de trabalho e
moradia foi uma coisa muito recente, surge só com o capitalismo. Até o século XVIII todo
mundo, com exceção dos padres e militares, trabalhava no lugar onde morava -- o artesão, o
agricultor, até os governantes. Mas é mais do que evidente que as crianças nunca forram bem
atendidas: até o século XVII ou XVIII havia um instrumento que prendia a criança por uma tira
até um poste, e a criança ficava andando em círculos. Usavam isso para a criança não encher o
saco, além das hoistórias escabrosas, bicho- papão, que até hoje se usa. Tudo isso é uma covardia
atroz. É um meio de que o sujeito usa para não perder tempo com a criança. De fato, vai perder
muito mais. Não é possível não perder tempo com crianças.
O fato é que alguém paga pela desorganização da sociedade. Quem é que paga? É o mais fraco, é
a criança. A partir daí surge um monte de questões falsas, por exemplo, se a educação deve ser
autoritária ou liberal. Dá na mesma. Se você é autoritário, mas atende a criança, entende a sua
necessidade, ela segue a sua autoridade; e se, você é liberal e também a entende, ela vai lhe
obedecer do mesmo modo. Isso é indiferente, é até uma questão de temperamento. A educação
autoritária não acaba com ninguém; se fizermos uma estatística: filhos de pais autoritários ficam
neuróticos, dependentes? 50% fica, 50% não fica. Filhos de pais liberais? A mesma coisa.
Educar criança não deveria ser algo tão díficil assim. Porque se você tiver que tomar um baita
cuidado: h, não pode o pai falar uma coisa e a mãe outra..." Por quê, se eles pensam diferente, e
se de fato o mundo está cheio de contradições? Isso no máximo será um enigma intelectual para
ela. Por quê você não pode lhe dar umas palmadas de vez em quando? Por exemplo: ela dá um
cacete no irmãozinho menor, e você não pode encostar a mão nela? Isso aí não faz diferença, não
é este o problema. Se ele bate no irmão menor e sabe porque agora apanha, ele entende que existe
justiça, e que justiça não é brincadeira.
Tem coisas que vão fazer mal necessariamente, por insignificantes que sejam, porque no
momento em que aconteceram eram importantes para aquele cara e ele não tinha nenhum
instrumento de defender sua própria causa, criando o abismo entreo verbal e o não-verbal, entre o
mundo das sensações físicas e o mundo das palavras e imagens. Se a criança foi mordida por um
cachorro, e ficou com medo do pai, isso tudo não cria neurose, são coisas completamente
compreensíveis e que estão na esfera do verbalizável, do mundo dos sentimentos e emoções
comuns e compartilháveis entre os seres humanos. Mas tem uma outra parte que fica obscura, o
tira do discurso coletivo e fica tampada para sempre, o isola da humanidade, o torna inumano.
Quando você descobre que era uma necessidade de bebê, você fica decepcionado, pois, por causa
daquilo que você construiu todo um castelo de cartas.
O mais importante é isso: a criança, tão logo nasce, tem que entrar no mundo humano, num
mundo de comunicação, da linguagem. E ela não pode fazer isso tomando um papel ativo, ela só
pode fazer no passivo. Ela não pode compreender, ela tem que ser compreendida. Isso é que vai
tirá-la do mundo obscuro dos movimentos internos incomunicáveis, e colocá-la dentro do mundo
humano. Qualquer coisa que você possa expressar um dia você encontra alguém que entende e
que pode de dar o que você quer, mas e o que você não pode expressar? E outras crianças não
podem ajudar, porque é um problema entre a criança e o adulto. Um miserável não pode ajudar
outro miserável. A criança é pobre, o pai e a mãe são ricos em relaçãoà ela. Só eles podem dar o
que ela precisa.
Quantos adultos não respeitam mais aqueles que lhes negam as coisas do que os que lhe são mais
generosos? Isto é uma perversão que não tem conserto, é sadomasoquismo. Seria próprio do pai e
da mãe conceder à criança o máximo que eles aguentarem. Ela deve poder fazer o máximo que
ela quizer, até o extremo limite do risco. Você não está lá para dizer o que ela deve fazer, mas
para ajudá-la. Para ajudar e proteger. É por isto que você tem uma autoridade de direito natural,
como a polícia tem autoridade sobre você. Mas ela não está aí para dizer o que você deve fazer,
mas só para impedir de fazer o que ofereça risco. Uma polícia boa é a polícia que interfere pouco
na vida dos cidadãos.
O fundamento da autoridade paterna é que o pai é o guardião, o protetor do filho, e tem a
autoridade do guardião e nada mais. Ele não é dono do filho, ele tem a autoridade sobre o filho na
medida em que o protege.
O fundamento da autoridade paterna é o mesmo da autoridade do Estado. O Estado tem de
proteger o cidadão de outros cidadãos, e também de possíveis abusos do próprio Estado. O
mesmo acontece com o pai. Se você usa esse poder como um bebê crescido para atender as suas
necessidades inconscientes, você estará propagando, através das gerações, o mal humano
fundamental. Qual é esse mal? É a impossibilidade do sujeito entrar na esfera humana. É a prisão
do indivíduo dentro de um universo de desejos e temores incomunicáveis que o tornam um
anilmalzinho assustado. Este é o pecado original da família. A família foi feita para integrar o
sujeito na sociedade, mas na verdade ela o prende. ( Sem ela você não nasce, com ela você não
vive ).
As vezes as psicoses são causadas por uma irrupção súbita das necessidades infantis. Por isso é
que coisas como o LSD podem acabar com o sujeito: repentinamente surgem camadas de
memória que estão sedimentadas, e que o sujeito não tem como controlar. Derruba o esquema de
necessidades simbólicas.
Numa perspectiva de cura desse mal, eu acho que ela depende de um elemento moral: Não basta
o sujeito recordar -- este é o ponto em que quase todas as terapias esbarram. Veja: por que um
sujeito de 30 anos vai se conformar de ele ter tido tando azar, de suas necessidades fundamentais
lhe terem sido negadas e ele ainda ter permanecido enganado durante 30 anos? A hora em que o
sujeito conscientiza isso, pode ficar ainda mais revoltado. O que vai fazê-lo aceitar esse destino?
Isto depende de ele ter uma escolha ética, de ter uma finalidade e um valor da vida que justifique
o sofrimento, e que depois de tudo ele possa dizer: " Mas mesmo assim, ainda vale a pena!"
É preciso completar uma psicoterapia deste fundo sensitivo-emocional com uma psicoterapia do
espírito. ( A água desce e o fogo sobe.) Depois de ter mostrado ao indivíduo causas do seu
sofrimento, é preciso mostrar-lhe novas razões para viver. Uma terapia que busca suprir esta
dimensão do espírito é a logoterapia ( Vitor Frankl ).
Vocês tem todo um arsena. De um lado esta teoria da origem do inconsciente patológico, portanto
a explicação da etiologia das neuroses; por outro lado, no horóscopo, têm o princípio da
explicação das racionalizações. E princípios éticos fundamentais. Com a prática e com o estudo
temos um sistema para o exercício da clínica psicoterápica ( exceto o CRP, que fica por conta de
vocês ). De fato foi exposto, neste curso, uma teoria psicológica completa, na qual, o horóscopo
entra como um elemento de diagnóstico. Ele não pode ser uma coisa central. Assim com em
Szondi o teste não é a coisa central. Em qualquer psicologia, a técnica diagnóstica é um
complemento, ema extensão da teoria. A interpretação do horóscopo é aqui a técnica diagnóstica.
Ainda assim vocêm tem de estar preparado para, na falta do horóscopo, deduzir do
comportamento o diagnóstico. Só que o horóscopo poupa meses de trabalho. Com ele você já tem
todo o esquema da história que o paciente vai lhe contar. A fantasia do sujeito está ali. E o que é a
fantasia? A fantasia é o seu aparato cognitivo projetado sobre o mundo. A fantasia é quando a
forma cognitiva do indivíduo, em vez de ser transcendida na direção do universal, se torna padrão
e lei.
Sem este aparato teórico e moral, o terapeuta, transforma o paciente em paciente profissional, que
ficará o resto da vida remexendo suas vivências emocionais. Isto se torna um estilo de vida.
Como isto aqui é um curso, podemos tratar livremente da teoria. Mas o psicólogo que vai tratar o
neurótico, primeiro, vai ter que mexer em baixo, e depois, na parte na parte intelectual. Primeiro,
tem que tirar o sujeito do mundo das necessidades simbólicas e depois, tratar da parte consciente,
cultural.
Na verdade todo este arcabouço cultural e moral deve estar pressuposto, provir da sociedade. Não
é justo exigir que o psicólogo clínico, além de curar suas neuroses, ainda lhe dê os valores, a
filosofia, o ensino universitário. Ele vai lidar com essa parate de baixo e depois te soltar. O
problema é que às vezes ele estará supondo, ingenuamente, que os valores que o indivíduo
precisa, ele os vai encontrar na sociedade, mas isso poucas vezes acontece.
A pedagogia e o ensino são fundamentais para a saúde psicológica do sujeito. Muitas pessoas
ficam neuróticas justamente porque não encontraram o ensino de que precisavam. O drama é
universal, mas numa sociedade atrasada, como a brasileira, a coisa é pior ainda, porque você não
tem os elementos culturais por onde escapar.
Acredito que se o sujeito for muito inteligente e adquirir muita cultura pode, retroativamente, ele
mesmo, compreender essas necessidades fundamentais. Através da arte, ele pode revivenciar
muita coisa e curar-se. Mas quantos têm acesso a esse tipo de ensino? São pessoas felizardas, que
com seu talento poético, músical etc...; conseguiram sair de suas neuroses. Isto é, em primeiro
lugar, para quem tem talento, e segundo, além do talento, os meios. Não se pode contar com isto.
Aluno: -- Um professor pode curar muito mais gente do que um terapeuta?
Olavo: -- Sim. Mas quando o sujeito vai para uma terapia, ele não está nem em condições de
ouvir uma aula. Ele precisa falar, falar, até ter condição de ouvir. Vejam vocês: tiveram de
suportar, ouvir pacientemente uma porção de conceitos, teorias, demonstrações, até que
pudessem alcançar uma compreensão mais profunda de vocês mesmos através do próprio estudo.
O neurótico não está em condições de fazer este esforço. O horóscopo é um ponto de vista do
sujeito no momento do nascimento. Além desse pontro de vista, subjetivo, há outros pontos de
ivsta, sob os quais, a história do indivíduo deve ser contada; existe, inclusive, o seu pontonde
vista de astrólogo que também é testemunha.
O horóscopo, elém de ser o ponto de vista do sujeito, é ao mesmo tempo, o ponto de articulação
dele com os outros pontos de vista. Se absolutizamos, o ponto de vista do sujeito, o tornamos o
centro do mundo. Mas o meu ponto de vista, por exemplo, já o modifica.
O característico do ser humano é a capacidade de transcender o próprio ponto de vista e, abarcar
os pontos de vista alheios. Por exemplo: Se tenho um defeito visual, posso descontá-lo e imaginar
como uma outra pessoa, com outra vista, enxergaria o objeto.
Intelectualmente é a mesma coisa. Por exemplo: Há romances, que são construídos, através da
composição de narrativas, desde o ponto de vista de várias personagens ( Contraponto de Aldous
Huxley ); compreendemos o romance, quando juntamos esses pontos de vista. Um romance de
William Faulkner, O Som e a Fúria, é uma estória narrada do ponto de vista de um retardado
mental. Dentro da distorção da visão dele, você consegue reconstituir o que realmente se passou.
A capacidade de integrar, pela imaginação e pela razão, pontos de vista alheios, isto caracteriza o
ser humano. Isto chama-se intersubjetividade. A tragédia do homem é que ele pode perder o
acesso a essa intersubjetividade.
Este ponto cego é a neurose, e a neurose é um processo de humanização, que não se completou.
Existem coisas que não enxergamos diretamente, que só podemos enxergar, através dos olhos da
humanidade inteira, com os olhos da cultura, da história, da antiguidade. É por isso que essa parte
dos estudos -- Letras, História etc... -- é o que se chama educação.
Nota: ( Aí, vale a pena lembrar Erik Satie: " Nem todos os animais receberam os benefícios da
educação humana." )
Tudo isso que vimos sobre o inconsciente patológico, se refere a camada 4, e portanto, não está
no horóscopo (camada 1 ) . O horóscopo mostra o ponto de vista do sujeito. Ele serve sobretudo
para saber qual é o elemento originário de sua mente, e onde ela pode ter se confundido. Somente
o horócopo fornece esta informação. Todos os testes psicológicos tem a ver com a história do
indivíduo ( se é história, pressupõe-se interação, conflito; não é o indivíduo sozinho.
Devemos procurar a raiz de nossos sentimentos e desejos mais verdadeiros -- que são os
primeiros, os que tínhamos quando éramos pequeninos. Por outro lado, identificar-se com valores
universais.
Lembrem-se de Cidadão Kane. A personalidade complexa do personagem é investida pelos
repórteres. Querem descobrir o que significa " rosebud ", que ele teria pronunciado antes de
morrer. Ao final do filme aparece a imagem do trenó de brinquedo sendo queimado, e o nome
rosebud impresso nele. Associamos imediatamente esta imagem à cena em que, quando criança,
ele é separado de seus pais e tirado de sua casa. Rosebud, significava todo o seu mundo infantil,
que naquele momento lhe tinha sido brutalmente arrancado. Esta é a chave de toda a sua vida.
Neste filme já está tudo o que foi falado nesta aula. Podemos dizer que o personagem não foi um
autêntico homem de poder, pois tudo que fazia, era em atendimento de necessidades simbólicas
de um homem neurotizado.
Houve um grande escritor: Georges Bernanos, que morou no Brasil, que dizia que tudo o que ele
escrevia, era para pagar uma dívida com o menino que ele tinha sido. Sua inspiração vinha toda
desse menino: ele escrevia, ele que mandava, nele que estava a verdade do que ele realmente
queria.
O homem saudável é o que nunca rompeu com este menino. É assim: O menino, que entra dentro
do adolescente, que entra dentro do adulto, que entra dentro do homem maduro, que entra dentro
do velho. Por isso que ele vê essa fila de personagens, com o menino na frente, porque ele que
veio primeiro. Assim dizo poema de Wordsworth: " The child is the father of de man" A criança
é o pai do homem.
Aulas de novembro de 1991.

AULAS DE NOVEMBRO DE 1991. SÃO PAULO- FASCÍCULO XX - NOVEMBRO DE 1991

Aula 70- ( 02 de novembro) Fitas I, II, III, IV


Fita I:
1- A Astrologia, um diagnóstico de ordem formal
2- René Guénon e a Doutrina Simbólica
3- Diferenças entre o verdadeiro e o real
4- Fundamentos implícitos no sistema astrológico
5-A questão da auto-consciencia
Fita II:
1- A questão da auto-consciencia
2- Kant, Karl Marx e Weber
3- O saber, o poder e a condição humana
4- Saturno na casa I
Fita III:
1- Saturno na casa I e Goethe
2- Sol na casa I
3- O astrocaráter e a questão das Camadas
4- Astrologia, ciência e loucura

Aula 71 -( 03 de novembro) - Fitas I, II, III - Transcrição: Joel Nunes


1- Goethe: drama característico de Saturno na casa I
2- Leitura experimental do mapa do Joel. posições abordadas: Sol
na IV, Saturno na VI, Júpiter na III e Marte na IX.
3- O perfil propriamente de um mapa: Sol e Saturno
4-O perfil volitivo: A dupla ética (Marte e Júpiter)
5- O caráter como esquema cognitivo.

Aula 72 - ( 04 de novembro) - Fitas I, II, III Transcrição: Joel Nunes 11 folhas


1- Texto exemplo para leitura de um mapa astrocaracterológico
2- O esquema cognitivo opera uma seleção da realidade.
3- Sobre a natureza da Psicologia
4- A auto-consciencia como juiz do conhecimento objetivo.
5- A função da Imaginação

ASTROCARACTEROLOGIA AULA 70 - FITA 1 02NOV91


A escolha dos termos, nós vamos ver depois. É claro que você tem razão de ter a preocupação
que isso caia nas mãos erradas. Essa é a parte mais perigosa, porque é isto que todo astrólogo está
querendo: uma "receitinha". Aliás, ele tem sempre uma "receitinha". Mas, se lhe dermos a
"receitinha" mal formulada, ele vai falar mais besteira do que já falava. Se falármos: "fulano com
tal planeta em tal lugar se sente assim ou assado", isto às vezes é um chute alto. Nós estamos
querendo dar um exemplo de uma coisa que pode acontecer em certas circunstâncias: isso não é
uma regra de interpretação. Mas a pessoa pode tomar como uma regra. Por exemplo, ao dizer
como o " sujeito se sente". Veja: com essa frase, nós escapamos do critério que nós mesmos
formulamos, ou seja, de que a posição planetária deve ser interpretada exclusivamente de modo
cognitivo. O resto são consequências que a gente vai tirando , são variedades da mesma
interpretação, são variações que a gente faz para casos particulares. Por exemplo, como é que
vamos dizer como é que o sujeito se sente? Se sentir depende do momento, do lugar; é uma coisa
puramente empírica, da qual não se poderia ter regra alguma.Então, o ideal seria , ao fazer uma
versão mais definitiva disso aí, separar o que é uma regra fixa de interpretação e o que são as
variações que simplesmente colocamos aí para chamar a atenção do astrólogo para verificar se
não está acontecendo isso EM PARTICULAR. Por exemplo, essa frase: "O sujeito se sente assim
ou assado" - o que se está querendo dizer com isso é: verifique se o seu cliente não se sente assim
ou assado.
- E' um ponto de investigação?
Sim. Mas a regra de interpretação é outra coisa. Agora, o que os astrólogos denominam regra de
interpretação é precisamente isto aí que eles estão dizendo, e que não é. O que eles consideram a
regra de interpretação é o traço material, concreto, que aparece no caso empírico. E' isso que eles
querem saber porque é isso aí que dá a impressão de que eles estão acertando, é isso aí que
impressiona o freguês.Depois, é exatamente nisso aí que teremos que entrar com muito cuidado, e
esclarecer aos astrólogos que isso NãO E' astrologia. O que é astrologia é sempre FORMAL;
informal é muito abstrato. Entretanto, nós vamos preenchendo com determinados conteúdos
psicológicos, e que NãO SãO astrologia.Então, tentar dar a astrologia essa aparência de realidade
concreta é um truque muito perigoso.
O que nós vimos é que justamente as posições planetárias não podem, em caso algum, equivaler a
comportamentos concretos.Isso seria absolutamente impossível.A determinação dos planetas sob
o caráter tem que ser mais ou menos genérica, por sua própria natureza; senão, o sujeito estaria
determinado em detalhes da sua personalidade e do seu comportamento. Isso é uma
absurdidade.E' a mesma coisa que dizer que a posição planetária determina qual a próxima
palavra que eu devo dizer, ou se vou arrotar ou não. Isso é demência!
- Na realidade, é o que a astrologia atual tenta fazer.
Claro. Se você disser um traço particular determinado pelo planeta, então você está dizendo que
os planetas determinam particularidades. Se você aceita isso aí para um único caso, você está
aceitando para todos.Se é uma posição planetária que me fez agir assim ou assado, então deve ter
sido uma posição planetária que me fez agir assim em todos os demais momentos da vida, ao
longo de toda a minha existência. Quer dizer: eles determinam tudo, no geral e nas
particularidades. Então, pra que serviriam as outras causas todas (hereditariedade, educação e etc)
? Podemos partir, então, para aquele famoso subterfúgio a que recorre o René Guenon: "As
posições planetárias sintetizam todas as ordens de causas que existem'. Mas sintetizam como:
simbolicamente? ou elas são as causas dessas causas?? Existem muitas causas mas, se você diz
que todas elas estão resumidas no horóscopo - como ele diz - isto pode ser interpretado em dois
sentidos, ou seja, que os planetas simbolizam apenas isso aí, ou que eles são a causa essencial e
central da qual todas essas são apenas a manifestação exterior. Essa é uma frase de duplo sentido,
e ele fala isso no livro A Grande Tríade.
- Ele não fala isso no sentido de causa eficiente?
- Não, ele não esclarece porque, se ele fosse esclarecer, ele já não falaria.
- Poderia ser no sentido de uma causa final, não? O que já seria uma outra coisa...
- Mas se é causa final, então as causas eficientes teriam que ser determinadas em razão dessa
causa final, ou seja: uma ação racional segundo fins, feita por Deus. Deus pretende tal coisa,
então ele coloca os planetas em tal lugar, faz você ter essa hereditariedade, conhecer fulano e etc;
então, tudo está concorrendo para determinado fim, não é isto? Mas, veja bem: se fosse este o
caso, não seria exato dizer que os planetas "sintetizam". Prestem atenção: se fosse isto que ele
queria dizer, a frase já estaria errada no mesmo lance porque, no caso, os planetas seriam símbolo
da causa final - mas qual outra causa que não seria símbolo da causa final? Todas poderiam ser.
Suponha um ato seu,algo que você queira fazer: então, você põe em movimento um monte de
causas; mas, existe alguma dentre elas que simboliza o todo onde você quer chegar? Não.
Somente o fim em si mesmo é que absorve todas elas pois nenhuma delas absorve as outras. Ou
seja: você está confundindo a finalidade com a causa que a desencadeia. Os astros poderiam ser,
então, a causa final? Bem, se a nossa finalidade consiste em realizar o que está colocado no céu -
não é isso? - então, eles não são símbolos da causa final: são a causa final mesma.
Então, em tudo isso aí existe uma gigantesca confusão. Esse modo de pensar um pouco equívoco
é próprio de todo esse pessoal da escola Guenoniana, porque eles acreditam na idéia de uma
Doutrina Simbólica. Eles dizem quem as doutrinas metafísicas só podem ser expressas
simbolicamente e que nenhuma expressão formal delas é perfeitamente correta; que todas
expressões formais, lógicas, são insuficientes, somente a expressão simbólica sendo suficiente.
Mas o que é que quer dizer isso? Quer dizer que você tem uma realidade e que, daí, você a
expressa em símbolos e que estes, por sua vez, são expressos em doutrinas. Porém, de onde você
tirou os símbolos? Não foi da realidade mesma? A lua, o leão, o caranguejo, não estão na
natureza? Então, se eu digo que as realidades últimas da natureza só podem ser expressas por
símbolos, isto é a mesma coisa que dizer que a realidade só pode ser expressa por ela mesma, e o
que quer que eu diga sobre ela será insuficiente. Então, não existe doutrina simbólica: existe
símbolo de um lado e doutrina de outro - mas, cadê o símbolo? Símbolo é a realidade mesma.
Doutrina Simbólica é uma contradição de termos: se é doutrina, não é simbólica; se é simbólica,
não é doutrina.
O que é que articula os vários símbolos numa visão, num conjunto coerente? É o símbolo mesmo
ou é a doutrina? E' a interpretação deles à luz de uma doutrina. Nesse caso, a doutrina vai além
dos símbolos porque é ela que os abarca. Mas, por outro lado, a doutrina expressa limita o
significado do símbolo.Então, a idéia que existe uma doutrina secreta que só pode ser expressa
por símbolos é auto-contraditória porque os símbolos estão dados na realidade mesma; eles não
são uma coisa que você pensou sobre a realidade: eles são a realidade. São a realidade do ordem
física. Tudo aquilo que não seja físico não é símbolo de nada.
- Mas qual é o sentido de doutrina? E' uma teoria?
- Sim. Por exemplo: você pega a teologia cristã, fala, fala, e expressa toda a doutrina em sentido
lógico; mas vem alguém e diz que esta aí é apenas uma versão da doutrina porque a verdade
mesma está contida no símbolo e não na doutrina, e que doutrina é apenas uma especificação, é
uma interpretação do símbolo, podendo ter muitas outras interpretações possíveis. E que a
verdade está nos símbolos e não na sua interpretação. Entretanto, um não- símbolo não pode ser
verdadeiro e nem falso: ele é simplesmente o dado. O sol é verdadeiro ou falso? Depende de
como você o interpreta. O fato em si, o dado em si, nunca é verdadeiro e nem falso; ele se torna
verdadeiro ou falso em função de uma interpretação.
- O que eu entendo de quando o Guenon fala dessa possibilidade de haver uma Doutrina
Simbólica é que, no momento em que você teoriza, você estaria limitando o alcançe do símbolo,
e que ele, então, está se referindo a uma vivência do símbolo, que não é doutrinal...
- Mas, uma vivência é verdadeira ou falsa? Nem verdadeira, nem falsa. Essa vivência é feita a
partir de uma doutrina.
- Teria que ser, né? Não dá pra conceber de outro modo.
- Veja: o que significa o peixe? Bem... Depende da doutrina por onde você o olha. Se você é
cristão, já tem uma interpertação: o peixe significa tal e qual coisa, e você vai vivenciá-lo por aí.
O cristão que come o peixe na sexta-feira santa não está fazendo a mesma coisa que um
muçulmano ou um budista quando estes pescam um peixe. Qual a diferenca? Ela está no símbolo
ou está na interpretação?... Vejam que, se ele diz que o fundamental está nos símbolos e não na
doutrina, eu concordo plenamente pois a realidade mesma é superior a qualquer doutrina que
você faça sobre ela, sem sombra de dúvida; inclusive porque ela é a justificação, o motivo pelo
qual você faz doutrinas. Uma única síntese simbólica pode se proliferar num monte de doutrinas,
das quais algumas serão verdadeiras e outras,falsas.
Por exemplo: você lê um romance, tal como o "Crime e Castigo". Aquilo ali é um monte de
símbolos que pode ser interpretado de um monte de jeitos. Mas, todas as interpretações são
verdadeiras? São adequadas? E' claro que não. A idéia de veracidade ou de falsidade surge na
interpertação, e não no símbolo mesmo. O símbolo é apenas uma potência de interpretações, uma
potência de teorias e, como potência, não é nada ainda. Precisa se notar quando virar ato: daí é
que você vai saber se aquilo é verdadeiro ou falso. Nesse sentido, então, dizer que o símbolo é
superior à interpretação que você faz dele é o mesmo que você dizer que o problema é sempre
superior e anterior à solução - acontece, entretanto, que ele, em si mesmo, não é certo e nem
errado. E' o mesmo que dizer que a dívida é superior ao pagamento: é a quantidade, o pagamento
que é adequado ou não a quantidade da dívida em si, e não o contrário. Acontece, entretanto, que
dívida não é patrimônio, não é um bem que você possua. Então, existe um primado do problema
sobre a solução, existe um primado da realidade sobre a teoria - isso é obvio! A realidade é um
conjunto de problemas que se colocam a você e o que será adequado ou não, verdadeiro ou falso,
é a solução que você dá e não o problema mesmo.
As doutrinas tradicionais tem muitos jogos de palavras: são fundamentais, mas está tudo
embaralhado, quer dizer, há uma falsa clareza nesse negócio. Vamos supor, por exemplo, que
você vai ao médico e está com determinado conjunto de sintomas. O médico vai interpretá-los
como sinais de uma determinada evolução possível e é em função disso que ele vai te medicar. Se
ele errar na interpretação dessa evolução, ele também vai errar no diagnóstico da situação
presente e na prescrição do medicamento. Então, o sintoma em si mesmo, como é que ele poderia
ser dito verdadeiro ou falso? Ele é empírico, ele acontece. Por exemplo, você está com dor no
fígado : porque você bebeu muito ontem ou porque você está com câncer?... Não é a mesma
coisa, não é? A dor no fígado pode ser a mesma - mas é um dado empírico. Agora, a
interpretação que você dá é que vai introduzir o elemento de veracidade ou falsidade. O dado
pode ser dito verdadeiro num determinado sentido: ele é verdadeiro, mas é insignificante - e é aí
que você introduz uma significação, na medida em que o interpreta.
- Na verdade, é mais no sentido de existente ou não-existente, não é?
- Claro. Ou ele é um dado ou não é um dado; ou ele existe ou não existe. A veracidade ou a
falsidade não está a nível do dado: está a nível de teoria. A teoria procura além do dado, e procura
vinculá-lo a outros dados presentes ou possíveis - é nesta vinculação que se introduz a veracidade
ou a falsidade.
- O Guenon, com essa insistência na supervalorização do símbolo, não visava afirmar que o
patrimônio simbólico, enquanto filosofia perene, seria aquela fonte que geraria uma doutrina em
particular...
- Mas que raio de coisa é essa, senão a realidade mesma?... Essa é a verdadeira filosofia porque
essa é a filosofia de Deus. A filosofia de Deus está estampada nas coisas que ele criou na
natureza, nas pedras, nos animais, nos astros, em nós e etc. Mas isso aí não é uma filosofia: é a
realidade mesma. Acontece que, desta mesma realidade, pode-se tirar filosofias verdadeiras e
falsas, ou seja, são as interpretações que fizemos da realidade que são verdadeiras ou falsas.
Agora, você dizer que a realidade mesma, o dado, é mais verdadeiro do que as interpertações é,
por um lado, o mesmo que você dizer uma coisa óbvia e, por outro, não dizer nada. Vejam: a
doença é mais verdadeira do que o seu tratamento? E'?... Tudo isso demonstra o desejo de que, no
fundo, a interpretação que ele esteja dando passe como sendo a própria voz de Deus. Entretanto,
qualquer coisa que você fale, é sempre a interpretação da realidade: a dele como a nossa, como a
de qualquer outro. Nunca é Deus mesmo falando. Se Deus falou, falou de duas maneiras, que eu
saiba: pela criação da Natureza e pelo Texto Sagrado. Mas, ambos são o quê? São
simbólicos.Deus nunca deu uma interpretação explícita do que ele mesmo disse. E tudo, tudo
pode ser interpretado em muitos sentidos. Não adianta você dizer que o discurso de Deus é super-
abundante em matéria de sentidos, que ele tem um monte de sentidos pois isso é a mesma coisa
que dizer que qualquer sentido vale. Mas a Palavra de Deus não pode ser verdadeira ou falsa no
sentido em que a nossa é verdadeira ou falsa. A Palavra de Deus é a matriz da verdade, como é
também a matriz da falsidade. Não foi Deus quem criou o Diabo?... Então, como é que a palavra
Dele é verdadeira?
E' verdadeira em outro sentido - no metafórico. No sentido literal, a única que pode ser
verdadeira ou falsa é a palavra humana. Quer dizer, a categoria do verdadeiro ou falso não se
aplica aí de jeito nenhum... Aplica-se a categoria do dado: isto é um dado, é um problema, e o
problema em si não é verdadeiro nem falso - ele é o dado. Caso você coloque a palavra de Deus
em face da palavra humana, dizendo que uma é mais verdadeira que a outra, é logico que você
está fazendo um sofisma do brabo. Por exemplo: Deus criou o mundo em sete dias (ele diz isso).
Então, isso aqui é mais verdade do que tudo o que os homens já falaram a respeito. As palavras
humanas passarão e a de Deus não passará. Nesse sentido, ele é mais verdadeiro. Mas, isso quer
dizer que qualquer interpretacão que eu faça disso será verdadeira? Não se pode comparar
doutrina humana com doutrina divina. Não se pode colocá-las no mesmo plano, de jeito nenhum,
e tentar rebater uma com a outra.
- Não existe nenhum modelo de Doutrina Divina?
- Vejam: doutrina, filosofia divina, é tudo entre aspas. E' uma expressão metafórica. A gente
escreve com palavras e Deus com coisas. E as coisas não podem ser verdadeiras ou falsas no
sentido em que as palavras o são. A verdade das palavras não é a mesma que a verdade das
coisas. Por exemplo: se eu lhe apresento uma moeda falsa - o que se quer dizer com isso? que ela
não existe? Vejam: enquanto coisa, ela é verdadeira - enquanto interpretação é que ela é falsa. A
moeda falsa é uma verdadeira moeda falsa. Então, as coisas em si mesmas não são verdadeiras e
nem falsas - e, neste sentido, só existe o verdadeiro e o falso no sentido do existente e do
inexistente; o inexistente só é falso quando um homem o toma como existente. Ou seja: a mentira
que ninguém acredita não é mentira, não funciona como mentira. Entào, como é que a Doutrina
Divina pode ser mais ou menos verdadeira do que a doutrina humana? Esta é uma frase sem
sentido, oca. Agora, se o indivíduo tem lá sua interpretaçào humana das coisas e pretende fazer
com que ela passe por uma interpretacào divina, entào, ele se reveste disso e diz: " Olha, isto aqui
é tão verdadeiro quanto as pedras e as montanhas, os astros; não passará, e as vossas palavras
passarào ". E eu digo: "Não. As vossas também passarão. Se forem palavras, passarão; mas se
forem coisas... ah, bom, certamente não passarão ". Então, a verdade ou a falsidade está no que
você pensa das coisas e não nas coisas mesmas. Entretanto, a verdade ou falsidade existe para o
homem. Você diz: " O diabo é falso ". Isto quer dizer que ele não existe? Ou: " A mentira é falsa
". Isto quer dizer que ela não foi falada?... Será que é neste sentido?? O teólogo, o místico, cada
um deles tem um coeficiente de intrujão. As vezes com boa intenção - mas sempre tem.
Sempre que você entra num ponto onde o símbolo se encontra com a doutrina, quer dizer, onde a
doutrina encontra a sua raiz no símbolo, sempre existe ali uma intervenção humana: o homem
decidiu encarar assim ou assado.Ele poderia ter encarado de outra maneira.Por isso, uma outra
pergunta que você fez sobre o fundamento das casas zodiacais pode ter como a resposta mais
certa a seguinte: as casas não tem fundamento algum, e nem a interpretação dos signos. E' claro
que poderia se ter interpretado de outro modo, diferente; mas o fato é que o homem o fez assim.
Se fosse possível fundamentar absolutamente os significados dos signos, isto seria o mesmo que
dizer que eles não são um dado da natureza e sim uma doutrina. Mas o fato é que eles não são
uma doutrina.
- Então, você não tem uma concepção de categorias e casas ligadas de modo intenso umas com as
outras?
- Não.E isto porque, no meu entender, a verdade não vai estar inteiramente nem no dado da
realidade e nem na teoria. A verdade só existe quando as duas coisas se casam - e elas se casam a
posteriori, me parece. Quando você descobre a verdade, você descobre uma conexão que já
existia antes. Mas na sua mera existência, essa conexão não é verdadeira e nem falsa. A verdade é
uma coisa que vai acontecendo para o ser humano. E a realidade não é verdadeira - dá pra você
entender? Nem falsa. Real e Verdadeiro não é a mesma coisa. Agora, se os signos são realidades
astronômicas ou realidades geométricas, espaciais - isto não é verdadeiro e nem falso; é um dado
que está aí. Nós decidimos interpretá-los de uma determinada maneira que se revelará adequada
ou inadequada conforme o conhecimento que você poderá tirar deles depois. Agora, se você
pudesse deduzir inteiramente, fundamentar absolutamente e metafisicamente a astrologia, isso
seria a mesma coisa que dizer que os signos são uma doutrina estampada nos céus. E' a doutrina
das pedras, dos túmulos dos bichos. E eu não entendo que eles possam ser uma doutrina neste
sentido. Se eu interpreto os signos como expressão das categorias, então você tem aí uma
coincidência entre uma realidade natural e um conjunto de leis alógicas. Esta correspondência,
em si, não é verdadeira nem falsa porque uma coisa funcionaria totalmente independente da
outra. Apenas há uma analogia significativa, interessante, mas ela não é verdadeira e nem falsa.
Pouco importa se a ligação que eu estabeleço entre as casas zodiacais e as categorias da lógica é a
interpretação correta ou não. O que acontece é que as categorias da lógica tem uma necessidade
intrínseca: correspondam ou não aos planetas, isto é um problema dos planetas; correspondam ou
não aos signos, isto é um problema dos signos.
- Então, o verdadeiro e o falso está ligado só a lógica?
- Não. Veja: o verdadeiro e o falso existe no dizer humano. Mas, nas coisas, não existe verdadeiro
e nem falso: existe o real e o irreal - e isto é outra coisa. O verdadeiro é aquilo que eu digo sobre
o real e que de fato acontece. Por exemplo: aqui acontece um crime, um sujeito vem e mata um
outro. Quantas coisas eu posso dizer sobre este evento? Sobre este único evento eu posso dizer
uma infinitude de coisas: posso descrever a temperatura do local, posso dizer porque estas duas
pessoas se cruzaram ali, naquele instante, e outras mais. E tudo isso é pertinente ao assunto.
Posso dizer um monte de verdades e um monte de mentiras, e é nessas coisas que eu digo que
estará a verdade ou a falsidade porque o evento, em si, é verdadeiro ou falso dependendo por
onde você o olha. Por exemplo: se eu decido fazer uma descrição estética do assassinato - isto é
verdadeiro ou falso? Isso só pode ser esteticamente verdadeiro ou falso, e é neste sentido que a
verdade depende do ponto-de-vista. Cada ponto-de-vista que você adota tem, em si mesmo, um
critério de veracidade ou falsidade. Pois o assassinato não pode ser belo esteticamente? Taí o
cinema que, a toda hora, mostra isso, e você fica babando. Mas... e moralmente? Moralmente
pode ser essa mesma coisa bela, ou feia. Cada um desses pontos-de- vista tem o seu próprio
critério de veracidade ou falsidade. E o evento mesmo? Ele é a matriz de infindáveis
interpretações. E cada uma delas será verdadeira ou falsa de acordo com seu próprio critério.
Se o que eu digo sobre o evento que eu vejo sobre determinado ponto-de-vista é coerente com
esse ponto-de-vista e é julgado pelo critério determinado por esse ponto-de-vista e conhecido
pelo o quê de fato aconteceu, então ele é verdadeiro. Mas sobre este mesmo evento, encarado sob
outros pontos-de-vista, poderia ser dito um montão de coisas falsas. E' claro que aquilo que é real
não pode ser verdadeiro ou falso no mesmo sentido que é aquilo que foi pensado sobre o real - e é
neste sentido que ele diz que a realidade não é verdadeira e nem falsa. A verdade é uma coisa; a
realidade é outra completamente diferente. Verdadeiro é aquilo que foi dito e que coincide com o
real. Verdade é a coincidência do pensado com o acontecido. Esse, por sua vez, independente do
que pensemos sobre ele, não é verdadeiro e nem falso - é o exemplo da moeda falsa: a moeda
falsa é a verdadeira moeda falsa. E ela se torna falsa no instante em que alguém a interpreta como
verdadeira. A falsidade, então, está na interpretação pois eu pretendo que você tome a moeda
como verdadeira e você a toma - fui eu que te enganei, não foi a moeda. Eu te dei a verdadeira
moeda falsa, e você a tomou como a verdadeira moeda verdadeira e não como a verdadeira
moeda falsa. Aonde está a verdade ou a falsidade? Está no que você pensa, na interpretação que
você dá ao real e não no real mesmo. Veja: a moeda falsa tem duas possibilidades de
interpretacào, ou seja, de ser tomada como verdadeira e de ser tomada como falsa. Mas a primeira
interpretracào é falsa enquanto a segunda é verdadeira porque o mesmo objeto tem, em si, a
verdade e a falsidade. - E o irreal?
- O irreal só é falso se você o tomar como real. Fadas, dragões, duendes, são todos irreais - mas
eles são falsos? Só se você acreditar que eles são reais. Se eu te conto uma história fictícia e você
a ouve como fictícia, é que ela é fictícia mas não é falsa. Isto quer dizer que, no plano intuitivo,
as coisas não são verdadeira e nem falsas: elas são dadas ou não dadas; estão aí ou não estão aí.
E' a razão ou a linguagem humana que introduzirá o elemento de veracidade ou falsidade. E é
neste sentido que o discurso divino não pode ser verdadeiro ou falso.
- E' neste sentido que há uma blasfêmia?
- Claro; porque senão qualquer modo que eu interprete o que Deus falou seria tudo verdadeiro,
não é?
- Na primeira apostila você define o que é Astrologia: é astronomia comparada. Aí, você já
definiu qual é o objeto. Uma ciência está pronta: aí, você tem que ver qual é o o objeto formal
terminativo dela e etc. E isto para você verificar então se a teoria que você formulou - a
Astrocaracterologia - corresponde a uma interpretação correta conectada com o dado, ou seja, se
ela tem algo a ver com esse dado. E isso só vai ser feito quando você formular toda essa teoria e,
na prática, observar, voltar ao real e fazer uma verificação. Daí, você vê: está certo! Ou, então:
que delírio!! Ou seja, que aquilo que você teorizou não corresponde ao dado.
- Claro. Mesmo assim, não precisa ser falso: você pode dizer que isso é apenas uma possibilidade
lógica que existe; então, não é inteiramente falsa.
- Alías, quanto a questão da verificabilidade, você mesmo já disse: a Astrocaracterologia pode ser
uma ciência para você mas, para nós, não, porque ainda não a verificamos.
- Mas antes disso nós precisamos conhecer os dados. Antes de tirar uma conclusão lógica da
coisa, é preciso conhecer a própria coisa.
- Precisamos ter os dados, é certo. Por isso é que me parece que a doutrina das categorias seja
pertinente ...
- Pertinente em que sentido? Você quer dizer que a doutrina das categorias é o fundamento dessa
interpretação, e que eu interpreto os signos como categorias? E' isso?... Mas os astrólogos vivem
dizendo isso. E eu estou apenas partindo do ponto-de-vista do que eles dizem. Eu não estou
tentando fundamentar o que eles dizem. Se não, teria que haver uma parte neste curso de
Astrologia Pura, que seria a investigação desse fundamento - e é exatamente o que nós não
estamos fazendo. Logicamente, a Astrologia Pura deveria vir antes, mas não é nisso que nós
estamos interessados, ou seja, nos fundamentos últimos da Astrologia, e nem na sua didática. Nós
simplesmente deixamos isto de lado. Tendo ou não fundamento o que os astrólogos dizem, nós
estamos partindo disso: eles interpretam tradicionalmente assim e, no fundo, eu vejo que o quê
eles estão querendo dizer é que os signos são as categorias, muito embora eles não tenham sacado
que eles mesmos dizem isso.
Nos estamos querendo ver se a partir desse monte de hipóteses que os astrólogos fazem nós
conseguimos chegar a uma descrição eficiente de um dado real, que é o carácter. Se chegamos,
está provado a posteriori que alguma adequação existe. Entretanto, o ponto-de-vista da
fundamentação lógica da astrologia, da fundamentação dedutiva, quer dizer, de você partir de
certos princípios evidentes com que vai montando toda uma teoria, é apenas um caminho; mas o
caminho que nós estamos fazendo é exatamente o contrário: é o caminho indutivo. Estamos
apenas expondo a teoria tal como ela se encontra, não importando quais sejam os seus
fundamentos lógicos - e vamos ver se ela coincide com o fato.
Agora, isso aí de fundamentar as casas é outro curso: é curso de Astrologia Pura. Acontece que,
se tivesse uma exposição unificada fundamentada desde o começo, seria fácil você captar a
unidade do sistema astrológico, ou seja, que o sistema astrológico vai partir de certos
fundamentos e vai construir uma visão do mundo a partir disso. Se eu tivesse ensinado tudo isto,
seria mais fácil conservar tudo na cabeça: você teria um objeto só e não uma multiplicidade de
dados. Acontece que isto é outro problema, tema de outro curso. E se eu não desenvolvi tudo isso
aqui no curso em São Paulo é porque é proposital: dou a propriedade; agora, vocês que concluam
o resto. E' melhor, pois vocês têm que trabalhar um pouco também, ou seja: partindo dessas bases
que ensinei, vocês deduzirão mais ou menos o resto. E isso você deve fazer com tudo o que estou
falando; senão, isto aqui é um curso de desenho onde você reclama que o professor não fez todos
os desenhos. Mas isto aqui não é um curso de apreciação pictórica: é um curso de desenho, onde
você deveria vir aprender a desenhar. De fato, vocês têm que botar a cabeça para funcionar e
completar esse negócio mas, se você não consegue, é sinal de que não tem cabeca para aprender
esse negócio. Agora, se sair tudo errado, eu corrijo: estou aqui para isso. Mas não é para eu fazer
tudo, ou seja, todas as posicões de planetas em casas - não tem o menor sentido eu dar tudo isso.
Eu dou os fundamentos e exemplos até da maior parte mas o resto são vocês que terào que
completar. Agora, o fundamento filosófico do sistema das casas zodiacais, isto é outro negócio.
Eu acho o seguinte: quando você constata uma coincidência insistente de certas estruturas do
pensamento humano com o sistema astrológico ou o solar, creio que não é coincidência. Deve
haver um fundamento, uma causa como, por exemplo, encontramos na questão da "tripla
intuição". A tripla intuição conecta o pensamento humano com a natureza, em torno de uma
unidade.E' quando você percebe que um dado corresponde a uma necessidade lógica: o homem
enxerga a natureza circundante à luz da luz do sol e se não houvesse a luz do sol ele não
enxergaria coisíssima nenhuma. Certamente, existe uma conexão entre a capacidade de intuição
visível que o homem tem e esta fonte de luz que existe em torno, ou seja: é como se fossem feitos
um para o outro. E' a frase de Goethe: " O olho e o sol são da mesma natureza ". Isto aí, sim,
seria, por exemplo, um dos fundamentos do sistema astrológico. Para mim, ele é auto-evidente.
Mas não é o tipo de fundamento metafísico, não. Esse fundamento é empírico, e você o percebe
não só como princípio lógico mas também como fato. Creio que isso aqui seja o tipo da doutrina
integralmente verdadeira. E isto porque ela é logicamente necessária e coincide plenamente com
o que acontece. E' onde você vê o encadeamento lógico do próprio fato, onde você vê que ele é
assim e que não poderia ser de outro jeito de nenhum modo.
No entanto, nem sempre nós temos essa felicidade pois a interpretacão que foi feita da lua,
mercúrio e etc já não é tão segura assim. A lua poderia ter sido interpretada de outros jeitos...
Mas a interpretação mais antiga que existe do sol, como símbolo da potência cognitiva humana
mesma, eu não vejo qual outra interpretação que poderia se ter. Aliás, eu náo vejo nada que o
homem pudesse pensar que não partisse disso aí. Mas, como é que eu poderia fundamentar todo o
sistema astrológico com base nisto? Só se eu fizer que nem o Titus Burckhardt: faço lá um
sistema dedutivo pra tudo ficar bonito mas não dá pra saber se é assim mesmo; eu vejo a conexão
lógica - mas não estou vendo a conexão empírica. Por exemplo: a dedução que ele faz das
direcões do espaço e tudo o mais é muito bonito e está logicamente perfeito - mas eu não sei se é
verdadeira. Ele diz que as posições do sol demarcam as direções do espaço e que, portanto, a
intuição demarca os quadros da razào. Mas uma não é demarcada pela outra e nem a outra por
aquela porque o que demarca a direção do espaço não são as posições do sol - são as posicões do
sol em relação à Terra. Mas você poderia também dizer o contrário: que são as posições da Terra
em relacão ao sol que demarcam as direções do espaço. Vê-se, então, que o quadro racional
parece independer totalmente do intuitivo e vice-versa. A discussão desse fundamento é
complicado, muito filosófico. E realmente não é nisso que estamos interessados no momento.
Pode ser assunto de discussão para mais tarde.
Para nós, interessa se a interpretação total das relacões entre astros & homens, tal como os
astrólogos as desenvolveram , coincide em alguma coisa com um dado que nós possamos
verificar - só isso. A partir do que eles dizem, nós tentamos resumir tudo à uma interpertação
essencial. Somando tudo o que eles dizem sobre o sistema das casas zodiacais, no fundo percebe-
se que eles estão querendo dizer que é o sistema das categorias. E eu apenas interpretei, não disse
se isso é verdadeiro ou falso - isso não interessa a mim. O que interessa é que eles desenvolveram
isso como um instrumento para poder interpretar as posicões planetárias e referi-las aos
acontecimentos humanos. O que interessa é saber se essa segunda parte que eles desenvolveram é
verdadeira ou falsa; a primeira, não. A primeira é problema da Astrologia Pura, que deixaremos
de lado.
Os fundamentos últimos da astrologia não são nosso problema, pelo menos por enquanto. E' claro
que é uma coisa extremamente interessante mas não é o dado filosófico, metafísico que nos
interessa e sim a sua aplicacão psicológica para uma determinada coisa, ou seja, a descricào do
caráter. Nós temos aqui que desenvolver e otimizar esse aparato tal como os astrólogos o fizeram,
ou seja, tomá-lo na melhor de suas versões para ver se ele funciona. E, daí, veremos que tem um
fundamento científico. Mas isto não quer dizer que ele tenha um fundamento metafísico absoluto,
e nem precisa. Existe um monte de teorias científicas que se baseia numa metafísica bastante
frágil e que, no entanto, funciona na prática - e é isto que queremos saber: se funciona
empiricamente. Entretanto, como toda dimensão psicológica, ela tem suas deficiências, e a
primeira vem, em parte, da natureza humana mesma. Veja: aquilo que falamos da conexão entre a
doutrina e o símbolo, tudo depende disso aí, ou seja, que a verdade vai estar na conexão da
doutrina com o símbolo, da teoria com o fato - mas aonde está essa conexão?
- Nos olhos de quem viu.
- Isso. Bonito... Mas o sujeito escolhe arbitrariamente ?
- Não.
- Não , por quê? Porque você mesmo é símbolo e pensamento. Você mesmo também é fato. Você
não é só ser cognoscente: você existe realmente. Nesse sentido, o homem é ponto de
amarramento da teoria com o fato. O que importa, entretanto, é que os fatos a teu respeito você
sabe. Então, você está em perfeitas condições de verificar se as teorias que você faz a teu próprio
respeito são verdadeiras ou não. Logo, você é juiz, réu, testemunha e vítima. Por isso mesmo que
a autoconsciência é a base de tudo.
- Mas a Astrocaracterologia não está precisando as diferenças entre os modos de como pessoas
diferentes vêem a mesma realidade?
- Claro. Mas eu estou falando disso a respeito dos outros... Estou pressupondo uma
autoconsciência, que é uma base disso aí. Não é o estudo da Astrocaracterologia que vai te dar
autoconsciência; vamos contar parte da autoconsciência como condicão prévia. O único critério
da verdade que o homem tem é a sua memória: ele sabe o que lhe aconteceu, o que ele fez e o que
não fez. Ele tem esse dado.Ele pode interpretar esse dado, ou seja, ele pode conferir com aquilo
que ele sabe a respeito de si mesmo.Mas, ao mesmo tempo, a maneira como ele interpreta as
coisas arreflui sobre os seus próprios atos. Ou seja: interpretando as coisas de determinada
maneira significa que agirei tal e qual modo, produzirei novas situacões que também poderão ser
interpretadas assim ou assado. Isto quer dizer que na autoconsciência do sujeito agente está
amarradinho todos os dados e os fundamentos. Aquele negócio de dizer que "penso, logo existo"
é completamente errado pois você não constata que existe porque pensa; na realidade, você não
duvidou da sua própria existência um único instante. Isso é quase um truque lógico.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 70 - FITA 2 02NOV91

Para eu poder colocar esse problema eu já me tomo como existente de antemão.Não é possível a
um homem conceber sua própria inexistência sob aspecto algum, por exemplo: se eu não
existisse, o que estaria fazendo agora? Como seria esta sala,se eu nunca tivesse existido e nem
estado aqui?... Se você pensa assim, você já está pensando falso. Se você quer saber, isso aí é a
matriz de toda a falsidade. Isso aí é o pensamento irresponsável, que é o pensamento que quer ser
como se ele não tivesse sido pensado por ninguém. Quer dizer, uma idéia, pra ser verdadeira, ela
teria que ser verdadeira em si mesma independentemente de alguém a pensar - então, já começou
com a hipótese totalmente falsa. E esta é a falha de praticamente toda a filosofia moderna: a idéia
é como se fosse independente do sujeito, ou seja, como se o sujeito fosse um estorvo para a
verdade! Mas é o contrário: a verdade só existe nele: é nele que tem de se realizar a verdade. Por
exemplo, é a maior perda de tempo você pensar na coisa em si, ou seja, essa idéia de como seria a
coisa em si, independentemente da sua relação com qualquer outra coisa. Entretanto, me parece
que existir, ser real, é justamente estar em relação com todas as coisas; fora disso, você está
fazendo um pressuposto de uma dualidade do real. Mas o certo é você afirmar o contrário, ou
seja, a unidade do real, que é um só, indivisível, inseparável. Nenhum ser pode estar existindo
efetivamente sem estar por isso mesmo em relação com todos os demais seres. Se você pudesse
tirar um do quadro, então ele já não seria perfeitamente real; pelo menos, ele tem que ter relações
possíveis com todos os demais seres.
Então, existir é o potencial de relação com todos os demais seres, inclusive como sujeito que
conhece pois se eu tiro a mim mesmo do quadro, creio que cai o mundo. E' como dizia o velho
Gurdief: " Se algo pudesse ser diferente, tudo poderia ser diferente ". Essa é uma visão
completamente esquizofrênica - no sentido técnico da palavra. Veja: quando eu desenho uma
vaca, eu estou supondo que a vaca poderia ser bidimensional. Mas eu faço isto justamente porque
sei que a vaca não é bidimensional e o que eu vou desenhar não é vaca: é um desenho de vaca.
Agora, se em seguida eu digo que o desenho de vaca é mais real do que a vaca propriamente dita,
e que o mundo todo é um conjunto de aparências de vacas, cuja realidade está no meu desenho,
então eu estou doido! Se eu bolo um modelo matemático do qual amputo todas condições reais de
existência, eu estou virando tudo e dizendo que, no fundo, tudo é constituído de relações
matemáticas e que elas são o verdadeiro mundo - e estou ficando completamente biruta!! Eu
estaria comendo desenho de bife, ora!
- Parece que é isso que dá fundamento ao raciocínio dos economistas do Brasil...
- Mas não é só no Brasil; isto é em toda ciência moderna: é um defeito congênito. E daí você vê
que a coisa funciona tecnicamente. Daí, toma como prova de que você estava na realidade... Mas
você não entende que o mundo da técnica não é o mundo que existia antes, e sim o mundo que
você está fazendo? Você fez ele funcionar desse jeito, e ele não é mais real do que o mundo que
existia antes. Isso é a mesma coisa que dizer que aqui tem uma árvore que eu pego e faço a
abstração das folhas, da raiz, da casca, e fico só com o miolo, com a madeira; e com esta faço
uma cadeira e digo: no fundo, a árvore é uma cadeira; a cadeira é a explicação da árvore e a
cadeira é mais real do que a árvore... Mas não é exatamente isso?
- A patologia da coisa estaria na sua segunda etapa.
- Não. Ela está na interpretação que você dá. Ela está nas conclusões metafísicas que você tira de
algo que você mesmo fez. Esse pitagorismo moderno que vem a partir de Kepler, Newton,
Galileu, está cheio disto aí. No fundo, todos estes que estão falando isto estão ficando
completamente biruta: eles inventam um negócio, a coisa funciona e, em seguida, eles dizem que
aquilo é mais real do que o que existia antes.
- Mas eu acho que o fato de funcionar ainda está prévio a conclusão que eles tiram porque, se
funcionou, funcionou enquanto uma metodologia que você tirou... - Funcionou enquanto
tecnologia, enquanto ação humana - a ação racional segundo fins. E só tem essa realidade: ela só
existe enquanto produto humano. Por exemplo: a cor. Diz-se que a cor é uma ilusão, e que só é
verdadeiro o peso, o volume e etc. Mas que coisa maluca... pois foi você mesmo quem fez esse
modelo, quem inventou, quem separou!! Ou seja: você constroí esse modelo e, em seguida, diz
que ele é real e tudo o mais e falso! Isso aí é a coisa esquizofrênica mesmo: " Ah, no fundo tudo é
falso; na verdade, tudo são átomos que dançam " . Esse é o vício de toda ciência moderna. Kant
ficou doido por causa disso: ele queria saber se a coisa-em-si existe. Mas, que interessa saber se
ela existe ou não, ou seja, a coisa independentemente de qualquer observador? Por exemplo: eu
pego uma pedra e a ponho aqui no chão. O chão que está embaixo dela não é um "observador"
em relação a ela, não é um outro em relação a ela? Mas eu quero saber se a pedra poderia existir
sem chão - mas o chão não é composto de pedra? Só percebemos das coisas aquilo que
corresponda ao nosso quadro cognitivo - e as coisas-em-si são em si: jamais poderemos conhecer.
E elas, eu diria, muito menos: elas também não poderão saber nada a respeito de si mesmas...
Este foi um abismo lógico que o pessoal entrou: você construiu um monstro e, depois, você
mesmo ficou com medo desse monstro.
Uma aplicação técnica muda o cenário do mundo, e você vive dentro do mundo técnico e não
dentro do mundo da natureza. Mas, você pensar que sempre foi assim, e que esse mundo aqui é
mais real do que o que existia antes... Mas você não se lembra do que fez, você perdeu a sua
consciência? Você a amputou?? Você vinha fazendo um negócio e, em seguida, você supos que a
coisa se fazia a si mesma. Isso é o mesmo que dizer: não fui eu que matei, eu só dei o tiro; quem
matou foi Deus. Não é a mesma coisa? Ou seja: você não está se lembrando de que é o sujeito das
suas ações. Por isso mesmo que essa visão física ou matemática do Cosmos só é verdadeira se
inserida dentro do seu quadro histórico. Mas acontece que no mundo moderno as duas visões, ou
seja, a físico-matemática e a histórica, vão cada uma para um lado: quem tem uma, não tem a
outra e quem tem a outra, não tem uma; são desenvolvimentos completamente autônomos. Por
um lado, você tem Kepler, Newton, Descartes e etç e toda a física moderna que sai daí; e, por
outro lado, você tem uma visão histórica, de onde vão sair todas as ciências sociais, que surgem
com outros homens completamente diferentes e que não entenderam coisa nenhuma de física.
Então, você tem um sujeito que age e outro que se lembra dos seus atos: está esquizofrênico ou
não?
Karl Marx quis juntar as duas coisas porque tinha uma visão da técnica e da ciência como ações
humanas. Mas, quem leu tanto Karl Marx, parece que não entendeu... E' um grande filósofo da
humanidade e, de fato, a cura dessa loucura toda já está dada lá na obra dele. Mas "O Capital",
deixe-o para ler por último; entretanto,teria que se ler a obra toda, inteirinha: é uma verdadeira
maravilha. Mas saiba: Karl Marx só escreveu fragmentos - e este é o ponto.Ele foi um homem
que teve uma vida muito atrapalhada, e que escrevia as coisas mais ou menos ao sabor da
polêmicas. Então, seus principais livros são respostas a alguma idéia que havia na época;
geralmente, respostas à filósofos que você desconhece mas que eram importantes na época. Um
dos problemas do marxismo é esse: tentam reduzi-lo a um sistema e, de fato, não foi assim que
Marx pensou.Mas isto já é a perversão do marxismo. Entretanto, o primeiro sujeito que disse que
essa visão científica do mundo tinha sido feita por gente foi Karl Marx: a ciência é ação humana.
Mas os outros não sabiam, e pensavam que a ciência era a visão inteiramente objetiva do cosmos
em si, a realidade mesma. Ele disse: " Não! Essa ciência foi feita numa certa época, por um certo
sujeito, em vista de uma determinada finalidade técnica que estava ligada à economia desta e
desta maneira... Em suma: foi gente quem fez ". E o que é isso aí? Isso aí é a cura da
esquizofrenia. Você tem um pesadelo e, quando você acorda, vê que quem criou as criaturas do
pesadelo foi você mesmo. Isso é algo tão esclarecedor que, quando o próprio Karl Marx percebeu
tal engodo, ele mesmo falou que teria que se criar uma confusão maior ainda porque senão eles
iriam perceber toda a verdade. Daí, criou esse imenso simulacro que é esse movimento comunista
mundial, e que é uma palhaçada.
A filosofia de Karl Marx é tão grandiosa que não é de se espantar que ela tenha virado uma
espécie de "vulgata" para o uso das massas. Mas, de qualquer modo, ela propiciou algo que não
havia existido antes e que é a ação coletiva autoconsciente: massas inteiras raciocinando sobre
sua acão racional, organizada, no mesmo instante em que estão agindo. Isto é um progresso de
consciência absolutamente formidável. Isso nunca houve em toda história. Quando se julgar
daqui a uns três ou quatro séculos a verdadeira importância que Karl Marx teve, você vai ver que
ele foi uma espécie de Prometeu: ele entregou o fogo aos homens.E' um dos maiores heróis de
todos os tempos. Ao pessoal que estava sendo arrastado pela história - a história que estava se
desenrolando na frente deles como uma fantasmagoria que os apavorava - ele devolveu a autoria
do negócio: sáo vocês mesmos que estão fazendo isto aí. Então,se você está fazendo, até certo
ponto você pode dirigir o curso dos acontecimentos; tanto que a idéia da ação racional segundo
fins, que era uma ação que tinha sido perdido já em torno de Aristóteles, volta a partir daí. E você
não pode esquecer que Weber veio depois de Marx. E Weber foi um sujeito que pensou sobre
Marx a vida inteira; estudou profundamente e procurou dar uma interpretação não-socialista a
esta questão, porque ele era um burguês convicto, um liberal democrata e etc. Mas, de qualquer
modo, não dá pra entender um sem o outro pois essa idéia de que os homens fazem a sua própria
história - mas não a fazem num cenário livremente escolhido - é, de fato, a chave da ação
humana.
A idéia de que a verdadeira autoconsciência humana, histórica, na qual você se lembra dos seus
atos, essa idéia é curativa - e é a mesma idéia que surge na psicanálise. Essa idéia permeia todo o
mundo moderno, todo o século XX. E se não fosse ela, já estaríamos todos loucos. Você sempre
tem a possibilidade de se lembrar do que fez - não do que é a natureza, do que é o ser- em-si -
mas lembrar que você também é um ser que existe concretamente e que também age e, nessa
medida, que cria situações e que, então, uma parte da realidade está sendo fabricada por você.
Pergunte-se: o que foi que você encontrou dentro de si e o que foi que você acrescentou aqui na
realidade? Basta você fazer isso e um monte de fantasma vai pro brejo. Todos nossos hábitos,
julgamentos morais e etç se você não tem uma consciência histórica de onde eles surgiram, você
os toma como se eles fossem um dado natural, e que é natural um homem agir assim. Mas quem
falou que é natural? Você age assim porque te ensinaram. Quando? Tal época, assim e assim,
aconteceu isto e mais isto, con solidando então determinado valor. As consequências disso para a
Psicologia são absolutamente formidáveis. Eu venho insistindo em tal ponto: não percam de vista
o que é que, em você, é comportamento de classe. Prestem bem atenção: comportamento de
classe não é seu, não é seu caráter; está em você, claro, existe em você mas não é um traço
individual definitório, a não ser que você o assuma como tal. Por exemplo: verifique como é que
você se relaciona com pessoas de outras classes sociais. Como é que você as encara? Quais são as
suas reações imediatas? São naturais?... Mas se fossem naturais, tudo seria igual em todo mundo.
- Atualmente eu ando muito de ônibus e, como é uma linha que serve a bairros periféricos, é
praticamente impossível dizermos que conhece se uma outra pessoa porque, no contato com o
povo propriamente dito, percebemos que eles já não são assim o que eles normalmente são na
nossa ausência. Percebemos que existe uma alteração...
- Eles não são naturais, eles são condicionados: é isto que você quer dizer? E'? Mas você está
observando a alteração que a sua presença causou neles - mas e a que eles causaram em você?
Você observa o que você mudou nele; porém, como você é minoria sempre, é um só, é mais
"exato" você observar no que é que você é alterado já que a sua presença não é tão avassaladora
assim que vá mudar todo mundo. Mas veja: como é que você se comporta na frente do pobre e do
rico? O que você pensa? Que idéias te ocorrem? Você pensa que essas idéias nasceram em você
no dia em que nasceu? Não: foi-lhe ensinado gradativamente. Ninguém quis te ensinar; apenas
estavam vivendo daquele jeito e acharam muito natural. Veja: estou lendo as memórias de
Simone de Bouvoir. E' maravilhoso. Impressionante. Mas é filosoficamente todo errado, do
começo até o fim. Entretanto, ela conta que foi a Portugal e que visitou uma senhora da sociedade
e que, quando elas viam um moleque pedir esmola, elas diziam com toda impaciência: " Tenha
paciência ". Ou seja: tenha você paciência com o seu destino de miséria, com todo o seu
sofrimento, para que eu não tenha que ter dois minutos de paciência com você, porque eu não
aguento. Aguente você porque eu não aguento - mas não é isso que todos estão dizendo no
fundo? Quando você olha isto sob este ângulo, você percebe o quanto é monstruoso esse
negócio... Por isso, quando aparece um sujeito que vem lhe pedir esmola, o que é que você faz?
Qual a sua reação imediata? Mas um sujeito de classe média nunca pensou: "eu sou um sujeito
saudável, bem alimentado e, se eu quiser, arrebento com a cara dele; além do quê, ele está bêbado
e com um safanão eu o derrubo". Entretanto, este é um dado que não lhe passa na cabeça. Um
outro, é que você não sabe a intenção dele, não é? Mas ele sabe a sua? E quando você vai pedir
algo, você gosta que a pessoa te submeta a esse julgamento de intenção? Existe um monte de
atitudes que você pode tomar mas o problema é: você está consciente do que está fazendo? Não
estou falando sobre o aspecto moral, mas sobre o aspecto cognitivo. Existe toda uma gama de
reacões possíveis, e todas elas vem de um lado social. Mas o indivíduo se comporta como se ele
tivesse uma certeza de algo que ele não sabe; não sabe e nem tem a menor idéia. A sua reação é
totalmente irreal, sempre. Para ver as coisas como elas realmente estão se passando, você precisa
conseguir descascar todas as atitudes e, pior: depois, terá que escolher uma delas. Você não vai
poder ficar sem nenhuma. E todas elas são mais ou menos falsas porque a relação entre as classes
sociais é falsa. E' como dizia Karl Marx: " enquanto existir classes sociais as relações humanas
serão todas falsas evidentemente. Só que ele achava possível não existir classes sociais. Eu não
acho. Então, existe um coeficiente de falsidade que é inerente à condicão do homem como um ser
social e que, como indivíduo, ele pode superar intelectualmente mas não inteiramento no plano
da ação. Ou seja: como indivíduo sou dotado de uma capacidade de inteligência universal e posso
compreender quase tudo, mas não posso agir em todos os papéis. Então, é um saber onde você
tem de aguentar com a própria impotência.
Qualquer atitude que você tomar está certa. Porém, só quero saber se você está agindo de acordo
com uma verdade ou se você está tampando tudo e fazendo uma confusão desgraçada. Não estou
perguntando se você é cristão bonzinho ou se você é nietzscheana... Não é isso. Mas saiba: a
atitude falsa vai ser fundamentalmente lesiva a sua autoconsciência. Entretanto, uma atitude
imoral nem sempre é lesiva. Mas a atitude que é auto-contraditória causa um rebuliço imenso.
Esse ponto-de-vista é extremamente importante pois eu estou careca de ver astrólogo atribuindo
aos planetas causas de atitudes que são hábitos de classe, como se o planeta selecionasse a classe
social do indivíduo. Por isso, se vocês não pegarem isso em vocês mesmos, vocês não pegaram
nos outros nunca. A autoconsciência social do homem é uma das coisas mais dolorosas e
humilhantes que existe. E' praticamente aí que você vai ver toda a sua imensa falsidade - e
quando você vai ver que você é um louco!!
Por isso é que uma verdadeira psicologia não pode ser praticada por pessoas falsas; pode ser
praticada por pessoas más e cínicas . Mas, na verdade, o cinismo não é incompatível com o
conhecimento - mas a falsa consciência, sim. Você ter opções, atitudes claras - clara para você; os
outros não precisam entender nada e, em geral, acabam não entendendo nada mesmo e nem vai
haver nem tempo para explicar. Se você quer realmente conhecer, você vai ter que partir por aí;
por outro lado, terá que aceitar que a sua inteligência é infinitamente mais potente do que a sua
capacidade de acão. Você vai ter que aceitar o saber sem poder. Isto é um dos maiores testes pelo
que o ser humano passa. E, em geral, a pessoa não aguenta. Por não conseguir aumentar o poder -
o que é difícil - e para mantê-los nivelados, as pessoas rebaixam o saber; esquecem o saber pois
não estão aguentando a responsabilidade de saber sem poder. Ter consciência é ter má
consciência: ter consciência é ter consciência culpada. O que quis dizer Cristo quando disse
"carrega a tua cruz"? Não foi isso? A base do conhecimento da verdade é essa: é você aguentar a
culpa e saber que a tua não é tão maior que a dos outros, não - está todo mundo culpado. E o pior
é que não vai fazer muita diferença, vai continuar assim mesmo.
Sempre que o sujeito descobrir uma coisa, se ele quiser agir para aliviar aquela incomodidade da
consciência de impotência, então ele nunca irá saber nada. Você já pensou o quanto de poder eu
precisaria ter para equilibrar com o que eu estou ensinando para vocês aqui? Eu precisaria ser
papa. Ou Deus. E isso não é possível. Mas esse é o destino do homem. O homem sabe de coisas
que se prolongam para trás e para dentro de sua existência, e que vão infinitamente além do raio
de sua ação física - e é por isso mesmo que ele é homem. Se o raio de sua ação pudesse se
estender tanto quanto o seu conhecimento ele seria Deus, e se ele quizesse nivelar a sua
consciência apenas à esfera do seu poder, ele se tornaria um animal. No animal não existe
contradição entre o saber e o poder: tudo o que ele sabe expressa um poder real que ele tem. E
onde ele não tem poder, ele de nada sabe. Então, se o sujeito não aceita o conhecimento, o saber,
mesmo ficando impotente, ele não aceita a condição humana mesma: já que ele não pode ser
Deus, ele resolve ser um bichinho. Veja: seu poder é inclusive restrito no que diz respeito à ação
sobre você mesmo pois quantas vezes você não viu que certas ações tuas deveriam ser
conduzidas de um outro modo mas você não conseguiu? E por causa disso você não vai querer
mais pensar nisso? Por exemplo: um sujeito bêbado; ele sabe que, bebendo, está adquirindo uma
cirrose e que vai morrer. Ele não quer morrer, mas não consegue parar de beber. Então, ele vai
esquecer que a bebida dá cirrose? Além de bêbado, ele é um covarde. Aceitar o saber sem poder é
a base de toda ética humana.
Todo sujeito decente tem que saber que ele não pode nada, e que "carregar a própria cruz" é essa
limitação no espaço temporal, é essa condição carnal de uma inteligência, por assim dizer,
imortal. Mas isto é a definição do homem, ora! E' o animal racional: enquanto racional é a razão
universal, abarca tudo; enquanto animal, você está cravado nesse corpo que é frágil, que dura
pouco, que já está se estragando, que dói e que, por qualquer coisinha, fica doente. Esta que é a
verdade. E, inclusive, a rejeição da condição carnal é a definição do diabólico: a rejeição para
cima, onde você quer ter poder universal para se livrar da consciência da fragilidade física; ou
então você vai para baixo, vira um bichinho e destrói a consciência. A maior parte dos sujeitos
que se mete a estudar essas coisas avança pouco porque não tem a humildade e paciência de dizer
que vão saber de tudo isso mas que, em contrapartida, não poderão fazer nada. Mas isso é assim
mesmo. Por que é que é assim? Não sei. Por isso que o homem necessita de alguma instância
superior: de Deus, da História, em cuja ação ele confia porque sabe que ele mesmo não pode
fazer nada mas que Deus ou a História vão consertar... ou o Destino, ou qualquer coisa assim.
A base do conhecimento psicológico é você ter consciência do seu limite de ação. Por exemplo: a
sua ação sobre um outro ser humano é tão limitada que, praticamente, você não pode forçar
ninguém a nada. Você pode manipular uma pessoa mas, se o indivíduo é manipulado e age, se
você o faz agir sem que ele perceba, a ação dele vai diminuindo de eficiência. Mas você quer que
ele aja com plenitude de eficiência: isto, entretanto, só se ele estiver agindo conscientemente.
Mas, para agir conscientemente, você precisa deixar de manipulá-lo. As democracias e as
tiranias, não são assim? As democracias são muito mais eficientes porque todo mundo só faz o
que quer e, por isso mesmo, ninguém consegue dirigi-lo. E a ditadura? Você põe todos para
trabalhar na mesma linha mas acontece que eles viram um bando de idiotas, de covardes e
submissos que não têem iniciativa e que só ficam fazendo burradas, umas atrás das outras. Se
você estudar a história dos tiranos, o número de burradas que os seus acessores faziam - porque
não pensavam - é abismante. Eu li um livro, "Os "Ultimos Dias de Hitler", que dizia que ele
estava rodeado de um bando de puxa-sacos que não tinha coragem de dizer não, e não tendo
coragem de dizer não, não pensava mais no não. Então, não conseguiam enxergar um palmo a
diante do nariz. Outra: o guru disse que os russos são uma raça inferior; sendo assim, eles não
teriam uma capacidade militar que pudesse se equiparar com a nossa e que, portanto, três
soldados alemães deveriam poder com dez mil russos. Os alemães pensavam mais ou menos
assim - e se ferraram. No final, todas as mulheres alemãs foram estupradas por russos por conta
dessa doutrina - mas por quê? Por causa do cordão de puxa-sacos, dum bando de hipnotizados
que obedecia fielmente mas, como não pensava, obedecia mal. Então, eles disseram: " Ah, agora
vamos inverter! Vamos desipnotizar todos e torná-los conscientes para que possam ser eficientes.
Mas, a medida que se torna consciente, cada um quer fazer o que lhe der na cabeça, não é assim?
Esse é um drama humano. Isso não tem solução. O homem está preso dentro dessa coisa - isto é o
próprio destino humano. O maior perigo da astrologia é esse: o sujeito vai começar a ver causas
celestes e vai achar que está com um princípio explicativo na mão que explica tudo, e vai deixar
de cultivar uma autoconsciência.
- A solicitação para o indivíduo fazer uso desse engano e grande, não é?
- E como! Entretanto, quanto à questão de "como fazer para contentar o freguês" é outra coisa.
Em geral, as pessoas que leram o mapa comigo saíram satisfeitas - e eu não fiz isso. Mas tem
outro jeito de você contentar o freguês: resolvendo um problema verdadeiro que ele tenha, ou
seja, prestando um serviço real que ele tenha condição de perceber que o ajudou. Não é possível
que ele não fique grato, mais do que você contasse uma história bonitinha para ele. Por isso,"
como agradar o freguês" é um problema e como você se prostitui pra ele é outro problema.
Mas vejamos esse dicionário das posições planetárias que está sendo feito. Ele é fundamental,
mas não se esqueça que isso aí, sem aquele esquema das camadas da personalidade, não vale
nada. Acaba sendo um desenho sem escala. No Rio, fizemos uma experiência que quero fazer
aqui também: pegaremos um mapa de uma pessoa daqui e iremos virá-lo do avesso, até o fim. Ou
seja: primeiro, vamos pegar a interpretação astrocaracterológica pura, que é esta aqui; em
seguida, nós vamos ver quais são as linhas de comportamentos possíveis a partir daí, ou seja,
construir o modelo ideal; e, terceiro, nós vamos confrontar com a biografia e ver o que é que foi
acontecendo de fato, ou seja, como é que este carácter filtrado pela hereditariedade, pela classe
social e etc veio a resultar numa personalidade. Ou seja: qual é o caminho do carácter até a
personalidade? Para tal, precisaremos de uma cobaia, cujo mapa tenha planetas em casas
diferentes e, aos poucos, vamos dando consistência humana a este esquema. Mas, primeiro,
teremos que fazer o esquema puro. Para tal, vamos precisar ter mais ou menos uma interpretação
esquemática dos vários planetas nas várias casas. Nós não temos todos, mas vamos inventar na
hora - vocês vão inventar. Eu não dei nem todos os planetas, nem todas as casas, mas poderemos
produzir a partir do que foi dado. Daí, anotaremos tudo. Quando tivermos esse
esquema,filtraremos pelos outros elementos ( pela instrução, classe social, teste de Szondi e etc )
e vamos, enfim, enchendo a personalidade. O sujeito-cobaia está evidentemente exposto a ser
conhecido - aí é que fica mais difícil pois esse sujeito precisa ser muito honesto. Além do quê,
pode virar um pouco um grupo de terapia.. mas é sempre um risco que nos persegue.
Mas agora eu vou tentar rever uma dessas posicões astrológicas do dicionário por completo,
mesmo que dê vinte páginas: uma única posicão planetária, e que eu entrego para vocês. Daí,
então, vocês vão recopiando o modelo. Entretanto, nunca se pode esquecer a questão das
camadas... Mas, de qualquer modo, o sujeito pode se reconhecer nesses traços aqui e perceber
que um deles está nele estaticamente e para sempre - que não é o caso de algo que foi aprendido,
ou seja, de algo que pode deixar de ser assim - e somente o que não pode deixar de ser assim que
é astrológico. Bem... Vamos tentar ler um desses textos, sem nenhum intuito de completar, só pra
ver como é que o grupo está indo.
- Até a quarta casa não houve tantas objecões.
- Certo. Mas não houve objecões no sentido de comparar o que está copilado aqui com o que eu
falei - mas acontece que eu posso comparar o que eu falei com o que eu acho que deveria ter
falado... Nesse sentido, eu vou tentar acrescentar alguma coisa.
CASA I
Assunto da casa: a auto-imagem, como o sujeito se vê - mas não precisa acrescentar isto pois, se
é auto-imagem, já está subentendido. Aporia: impossibilidade saber quem se é por referência
apenas a si mesmo - mas, se o problema fosse apenas este, não seria uma aporia pois aporia quer
dizer um problema sem solução. Veja: se eu não posso saber quem sou apenas por referência a
mim mesmo, bastaria eu recorrer a referência de um outro e estaria resolvido o problema. Ou
seja: isso não configura uma impossibilidade total. A aporia se completa quando se diz:
impossibilidade de saber quem se é por referência apenas a si mesmo e a inadequação de
quaisquer imagens comparativas a que se recorra. Não posso saber quem eu sou partindo apenas
de mim mesmo; por outro lado, as imagens de outros com que me ocorre comparar são
meramente fortuitas porque eu me comparo com as pessoas que conheço e elas, também, não me
parecem adequadas a mim mesmo.
Toda aporia tem que ser assim: de um lado, tem esse problema; de outro, tem aquele problema.
Aporia é um problema assim bicórneo, ou seja, com dois cornos; você está preso entre os dois e
não tem saída. Por exemplo, no caso de saturno na quinta: a aporia seria quando você dissesse
que há a impossibilidade de julgar seu valor independentemente dos seus feitos e também de
julgar seus feitos independentemente do conhecimento do seu próprio valor. Entenderam? Tem
que haver uma contradicão, ou seja, uma deverá estar amarrada na outra. Aqui, no caso de
saturno na primeira casa, o drama é que todas as comparações que você fez são fortuitas pois são
pessoas que coincidiu de você cruzar e que podem, no entanto, não ser as comparações mais
reveladoras... Então, você não pode se conhecer nem a partir de sdi mesmo e nem - muito menos
- a partir dos outros. Mas é desta impossibilidade mesma que vai sair aos poucos uma selecão das
comparacões possíveis, quer dizer, depois de se conhecer centenas de pessoas você irá
selecionando e vendo quando é que as comparações rendem alguma coisa. Mas isso só é possível
através da experiência. Poderia se dizer assim: que eu só poderia me conhecer por comparação
com exemplos adequados mas , para saber se são adequados, eu já precisaria me conhecer. Ou
seja: estou preso dentro de um enigma lógico, e não tem saída no momento. A saída só poderá ser
dada no decorrer do tempo, conforme coincida cair na minha mão os exemplos que, por
coincidência, sejam adequados ao meu caso. Entretanto, quem não se conhece não pode se
reconhecer - isto que é uma aporia. E' o mesmo que dizer que quem não tem experiência, não
pode trabalhar: para você trabalhar, você precisa de carteira de trabalho mas, para ter carteira de
trabalho, você precisa trabalhar...
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 70 - FITA 3 02NOV91

E' assim: só poderia me conhecer por comparação com exemplos adequados mas para saber quais
são os exemplos adequados eu precisaria me conhecer. Ou seja: para eu saber o meu papel na
peça eu preciso saber qual é o papel dos outros; mas, para saber o papel dos outros, eu preciso
saber qual é o meu! E o que vai ter dar essa resposta? Somente o desenrolar da peça, ou seja, o
acúmulo de informações que vai montando uma alternativa razoável.
Mas, e com relação a auto-imagem: é só da aparência física? Não; é também do personagem que
você está desempenhando. Quando você olha no espelho, você não vê só aparência física: você
vê algo mais. E' uma aparência, mas não é física.
Vejamos a ilusão de saturno na casa 1: é a solipsista, ou seja, a insubstancialidade do eu. A
verdadeira ilusão consiste em que, na medida onde esse "eu" aparece para o sujeito como
problemático, ele fica preso dentro desse problema; não saindo de dentro do problema do "eu",
não vai enxergar o outro; se ele não enxerga o outro, ele tem mais dificuldade ainda de conhecer
a si mesmo. Então, de certo modo, a aporia se repete. Notem que o número dois é o número da
multiplicação e da divisão: a divisão, o número dois, têm a mesma raiz. Isto quer dizer que tudo
aquilo que tem uma dualidade se repete e, se subdividindo, se multiplica indefinidamente. Ou
seja: quanto mais o indivíduo procura resolver o problema do "quem sou eu", mais está preso
dentro desse problema; quanto mais está preso dentro desse problema, menos consegue enxergar
o outro e a dialética das suas relações com o outro; quanto menos enxerga essa dialética, menos
se conhece.
- A aporia é uma impossibilidade lógica que diz respeito à inteligência mesma do sujeito
enquanto a ilusão seria o impacto desse problema, mas com um traço mais psicológico.
- E' isso aí. A ilusão é a vivência subjetiva da aporia, ou seja, qual é mais ou menos a impressão
que o sujeito tem por viver como ele vive dentro desse problema. Vamos dizer que esta ilusão
seja a seguinte: que eu deveria me conhecer à priori, ou seja, que esse conhecimento de si deveria
ser apriorístico - e daí decorre tudo o que foi falado. Bem, deixa eu explicar esse exemplo com
Goethe, para ver se vocês entendem melhor. A coisa mais notável no seu comportamento na
adolescência era um extremo artificialismo: parecia que todas as suas atitudes eram posadas.
Todas! De modo que os outros achavam que era para chamar a atenção. Percebemos pela sua
correspondência na época que ele assumia poses - poses de quando você exige das pessoas coisas
paradoxais - como quando escrevia para a irmã, exigindo dela um comportamento social tal e, ao
mesmo tempo, dizendo que era o contrário do que fazia. Ou seja: você vê que não é uma coisa
natural, vê que existe um elemento intelectual , uma distorção intelectual que parece proposital.
Mas havia um único sujeito com o qual a correspondência dele parecia natural, humana. E era um
sujeito que era seu admirador e que praticamente se recolhia à posição de mero observador. Ele
vivia para ficar observando Goethe, colecionando os bilhetes do homem. Era um admirador, um
fanático. E era um sujeito de quem se tem a impressão que não tinha personalidade nenhuma, que
era apenas um par de olhos. Com este sujeito, Goethe parecia humano e espontâneo. Por quê? Ele
parecia natural porque ele nunca se comparava com esse sujeito. O sujeito não existia: só
observava. Por isso, ele não criava uma superfície de comparação possível.Veja: aqui estou eu
com saturno na casa um; existe a minha consciência por dentro e existe a figura externa que eu
observo. Mas, se você tem uma figura externa também, eu vou comparar a minha com a sua; se
você não tem nenhuma, o que acontece? Acontece que a minha consciência fala direto com a sua.
A contradição é que, tendo eu uma consciência e uma figura e ao observar essa minha figura,
vejo como ela está sozinha, solta no ar - e não a entendo. E se eu comparo com a figura do outro,
surge a contradição. Mas, e se o outro não tem figura alguma? Ou seja: o problema da figura foi
colocado de lado, ficando só as consciências. E é uma comunicação direta das consciências,
como se estivesse falando consigo mesmo. No caso, a comunicação humana verdadeira só se
estabeleceu com o sujeito cuja figura externa, cuja presença estava neutralizada, de modo que
esse indivíduo, não criando contradições entre a minha figura e a dele, me permitiu que eu me
comunicasse independentemente de figuras.Então, eu só consigo ser eu mesmo com ele porque
ele não me olha desde fora, ou seja, desde sua figura - mas desde sua consciência. Ou seja: ele
não me estranha. Não me estranhando, eu não me vejo como estranho; logo, não tenho nenhuma
preocupação de mostrar a ele uma figura externa qualquer. Ou seja: este seria o único ser humano
que não vai me dar nenhum feed-back de mim mesmo.E por isso mesmo eu posso continuar
falando e sendo expontâneo. Se ele desse um feed-back, já iria surgir uma contradição: não iria
combinar o dado que o outro diz dele com o dado que ele tem dele mesmo. E se o outro não dá
dado nenhum, não tem contradição.
Esse negócio é de uma sutileza incrível. Só de você matar esse problema aqui de saturno na casa
um, baseado neste exemplo, o seu trabalho psicológico já se torna de um imenso valor.
- A relação dos dois era só de correspondência?
- Não. Eles eram amigos também. Mas ele era o único amigo real. Goethe tinha um monte de
amigos, mas parecia para todos uma espécie de palhaço, de sujeito extravagante que só faz coisas
absurdas, que veste e fala coisas esquisitas e nunca se sabe se ele está falando a sério ou se está
brincando. Ou seja: ele está fazendo tudo para espantar as pessoas. Ele está criando uma figura
externa que, na verdade, é para disfarçar e não para revelar. Mas, para quem que ele mostrava
essa figura externa? Para a figura externa dos outros. Entretanto, o único sujeito com quem ele se
relacionava - não através de figura externa - era o único sujeito que era alheio ao seu meio social,
mas com quem tinha uma espécie de convivência direta. E esse sujeito era o único que se
recolheu à posição modesta de mero observador-receptivo, observador- compreensivo, para o
qual não tinha que se mostrar figura nenhuma - porque ele não tinha figura alguma.
- O outro não se personalizava na frente de Goethe?
- Isto. Então, dava-se a impressão de um contato direto entre consciências. Examinando as
poesias que ele fazia na época para mostrar às outras pessoas, percebe-se que elas eram de um
artificialismo gritante, enquanto as que ele fazia para esse amigo eram muito profundas, sérias e
verdadeiras. O curioso é que, embora esse sujeito se recolhesse a essa posição modesta, ele nutria
uma grande admiração pelo homem. Acreditava ser Goethe o único homem honesto que ele
conhecia, e dizia assim: " No mundo, não existe lugar para um sujeito como você - você é
honesto demais " ... Era uma relação assim, onde um só mostrava e o outro só observava. Nesse
sentido, a relação era desproporcional. Mas a parte ativa - que era o próprio Goethe - não
desprezava o outro: ao contrário, valorizava-o muito. Era uma amizade muito profunda e
verdadeira.
- Um a espécie de relacão ideal entre paciente e terapeuta?
- Quase isso...
- Como se Goethe estivesse no divã e o outro sentado.
- Ah, sim. Claro! Pois ele me deixa ser eu mesmo, ele não compara a minha imagem com a sua,
ele não me julga. Não se sentindo observado desde fora, mas compreendido desde dentro, Goethe
era realmente espontâneo. Tem muita gente que é assim: o sujeito é tímido quando o olham mas,
se você desvia um pouco o olhar, ele se abre.
- No relacionamento entre paciente e analista também não tem contexto social.
- Exato. E' separado, invisível. De preferência, na análise clássica, o paciente nem olha para o
analista, para evitar constrangimento, como se fosse uma relacão meramente auditiva e não
visual. O visual é precisamente do externo; entretanto, quando o sujeito se explica, fala, ele está
tentando dizer o que está por dentro. O problema de saturno na casa um é fundamentalmente
visual: é o olhar do outro que o intimida; então, é preciso fazer uma abstração do olhar,
reduzindo-o a uma relação auditiva, verbal. E o sol? O sol é completamente o oposto: é visual. Se
o sol está na casa um, o que você mostra e o que os outros vêem, para você, é como se fosse você
mesmo. E' como se a expressão de um fosse oral, verbal, e portanto auditiva; e a do outro fosse
física, e portanto visual.
- O sol na casa um parte naturalmente da idéia de que as expressões dos outros se refletem no que
é ele mesmo?
- De que o quê os outros estão olhando é exatamente o que ele é, e de que ninguém está se
enganando a respeito dele.Ou seja: é um outro tipo de ilusão. Mas tudo isso depende também de
onde é que você está se expressando e onde é que você se reconhece, ou seja, se você só se
reconhece naquilo que você vê projetado no espelho ou se reconhece-se apenas no seu discurso
interior? Você se reconhece na imagem que você projeta , que você vê no espelho e, portanto,
naquilo que acha que os outros estão vendo de você fisicamente, ou se reconhece apenas no seu
discurso interior, que não transparece nessa imagem? Isto é sol & saturno. Então, se o indivíduo
tem sol na primeira casa, evidentemente ele se reconhece na imagem que ele projeta e portanto
acha que está sendo reconhecido pelos seus gestos. Mas se você está se identificando apenas com
o seu discurso, com o seu pensamento, é obvio que este não transparece fisicamente: é muito
mais complexo. Logo, num caso, existe uma proximidade entre o indivíduo e sua imagem
externa; e, no outro, uma distância. Seria como se, num caso, ocorresse expressão corporal e,
num outro, expressão verbal. E o indivíduo se identifica com uma, com outra, ou com as duas.
Mas, partindo dessa base caracterológica dada pelo mapa, o indivíduo vai de cara se identificar
com uma ou com outra.
Nos termos de Jung, é como se fosse o extrovertido e o introvertido, mas não em tudo. E a sua
auto-imagem é uma ou outra, ou seja, ele se reconhece naquilo que dele está se exteriorizando
fisicamente ou naquilo que guarda, que fala para si. A auto-imagem do sujeito com sol na casa
um é a auto-imagem extrovertida, ou seja, ele se reconhece naquilo que dele se projeta
instintivamente e automaticamente no exterior, através de gestos, expressões e etc.
- Esse indivíduo não tem ato interno e externo, ou o interno não está contando muito?
- O interno não conta.Nem se lembra do interno. Mas não existe ato entre o "eu" e o externo, mas
entre o interno e o externo sempre tem.
- Que horrível... Parece que, pra quem tem saturno na casa um, quando se relaciona, há um
sensação constante de falsidade.
- Claro: você só é verdadeiro mesmo quando está sozinho. Mas, ao mesmo tempo em que está
sozinho, você também se lembra de ter sido estranhado pelos outros: retroativamente, você pode
se sentir falso. Dá pra entender que enquanto o sujeito não conquistar um ambiente verbal
próprio, ele não vai se reconhecer. Só quando ele puder falar oralmente ou por escrito do que se
passa dentro dele para os outros, ou seja, quando ele se ver reconhecido nas palavras que os
outros captam dele, aí, sim, ele vai se reconhecer. Mas isso demora um tempo, ao passo que o
conhecimento visual é muito mais imediato. Por outro lado, ter sol na casa um não garante que ao
longo do tempo - na medida em que desenvolve o seu mundo verbal dentro de si - que ele vá se
reconhecer aí. Pode acontecer exatamente o contrário pois os pensamentos que lhe ocorrem
podem lhe parecer estranhos. E isto porque, da mesma maneira que ele se reconhece no seu
mundo externo, o interno pode parecer muito esquisito para ele...
De qualquer modo, o indivíduo que tem sol na casa um leva uma vantagem na infância e na
adolescência - vide Pedro. Todo mundo conhece o Pedro; o Pedro se reconhece em todo mundo e
não tem a menor dúvida sobre si mesmo; porém, na medida em que for entrando no mundo
verbal, que pode ser estranho para ele mesmo - quer dizer, esse discurso, essas palavras que se
passam na sua cabeça são de quem ? São minhas ou são de um outro? Sou eu que estou dizendo
isso ou foi alguém que falou para mim?
- Também dá um drama danado.
- Claro. Só que vai aparecer muito mais tarde. Mas essa relação entre imagem visual e auditiva
não é no sentido da programação neurolinguística,onde se diz que a apreensão que o sujeito tem
do mundo é visual ou auditiva. Não é disso que estamos falando. A apreensão que o sujeito tem
do mundo pode ser exatamente a contrária da que ele tem dele mesmo. Veja: com um indivíduo
de saturno na casa um, a apreensão que ele tem dele mesmo é auditiva - mas quem disse que a
que ele tem do mundo não é visual? O indivíduo com saturno na casa um fala muito consigo. O
importante para ele é se reconhecer naquilo que fala para si. Mas se é um indivíduo com sol na
casa um, não é consigo que ele fala: ela já está numa comunicação direta com o mundo exterior
através do seu corpo. E quando ele começa a falar consigo mesmo? De onde vêm estas palavras?
Ele se reconhece no seu discurso interior?
- Você está levantando, pela primeira vez, um problema que uma pessoa poderá ter numa casa
onde ela tem o sol.
- Não, não é isso. Não é que ela terá problema na casa onde ela tem o sol. Qualquer planeta em
qualquer casa significa que o planeta não está nas outras casas - significa apenas isso. Veja: o que
fala Yung do intuitivo extrovertido e introvertido? O indivíduo intuitivo extrovertido estranha as
suas próprias sensações internas, quer dizer, está interno mas, para ele, é como se fosse externo -
vêm de um outro. O corpo dele é como se fosse um outro que o atrapalha e o invade. Nós
podemos dizer que as sensações internas para o indivíduo com o sol na casa um não seriam tão
familiares quantos às externas, quer dizer, é um indivíduo que se reconhece nas relações que ele
tem com o mundo físico em torno. Na mesma medida em que ele se isola neste mundo físico e
está fechado consigo mesmo, surge um mundo estranho dentro dele. E' como se fosse assim: a
auto-imagem de um indivíduo com sol na casa um é a de um intuitivo extrovertido - mas isso não
quer dizer que ele seja um intuitivo extrovertido na sua percepção do mundo. Aliás, deverá ser
exatamente o contrário. Este contraste da auto-imagem com a imagem do mundo dá para se
articular direitinho neste jogo de sol e saturno na casa um.
Você pode continuar trabalhando nesta linha. Nós não vamos completar isso agora: talvez não
completemos isso nunca. Para que se tenha todo esse sistema montadinho na cabeça com todas as
respostas automáticas, eu digo: só Deus tem. Para cada caso teremos que fazer uma dedução - dá
uma trabalheira miserável. Por isso mesmo que nós precisamos codificar essa coisa, justamente
porque essa apreensão intuitiva desse sistema astrológico não existe. Só astrólogo pensa que
existe isso. Ele pensa que existe porque ele tem uma visão intuitiva de um todo, do sistema,
daquilo que surge através dele; só que este sistema não coincide com o real: é imaginário.
Mas vontemos às posicões planetárias. O que singularmente acontece é que o indivíduo com o sol
na casa um se reconhece na imagem que ele projeta para fora, através de gestos, e que o outro -
com saturno na um - se reconhece naquilo que ele guarda para si mesmo. O que sou eu? Eu sou
aquilo que mostro para todo mundo ou sou aquilo que só eu sei de mim? Todo mundo projeta
algo e conserva algo: mas o que é que ele chama de "eu" ? Aonde é que ele se reconhece e se
sente traquilo, familiar? Com aquilo que sai para fora ou com aquilo que ele guardou? O que é
absolutamente seguro é: o sujeito com sol na um se reconhece justamente naquilo que projeta
para fora e, ao ser reconhecido por um outro, ele confirma ainda mais a sua auto-imagem. E o
outro,não: o outro se reconhece precisamente naquilo que não mostrou, naquilo que reteve para
si; e, ao ser reconhecido desde fora por um outro, perceberá o contraste entre o que este outro viu
e o que ele sabe. Ou seja: o que quer que você veja de mim, eu estou sabendo algo mais que você
não sabe. Então, nunca há a coincidência entre o que está se mostrando e o que se sabe dele.
Inversamente,como o indivíduo com sol na casa um percebe que há algo dentro dele que o outro
não viu, é aí que ele se estranha. Ou seja: o que um sente como familiar e próximo, o outro sente
como estranho e ameaçador.
E a aporia? A aporia sempre estará na própria definição da casa. E ela aparecerá tanto para um
quanto para outro. Só que, o que é seguro, é que o sujeito com Saturno na Um vai viver essa
aporia conscientemente; e o outro, não. E as camadas? As outras camadas? Pois, se tentar cruzar
o astrocaráter com a camada I, o que acontecerá? A camada I é o próprio caráter: ele é o próprio
desenvolvimento ideal. Por isso, pode esquecer o cruzamento com a camada I e passar a pensar
nas outras camadas. O que é o cruzamento do caráter com a camada I? E' o que nasce da mistura
de coelho com outro coelho: coelho! Ou seja: é a partir da camada II que se deverá comecar pois
conforme as disposições hereditárias, isto aí poderá tomar um rumo ou outro rumo. Vamos pegar
dois extremos: no caso, nós estamos dando o exemplo de Goethe. Ele era um sujeito
extremamente favorecido pela hereditariedade: extremamente saudável, com uma disposição
biológica das melhores que você podia imaginar. Pois bem: você imagina um sujeito com o
mesmo caráter e que nascesse um pouco retardadinho - o que ia acontecer? Que desenvolvimento
teria um e que desenvolvimento teria outro? De cara, você vê que, num sujeito bem dotado, isto
aí é um início de um longo desenvolvimento, ao passo que, no outro, isso aí já é um bloqueio
inicial ao desenvolvimento, do qual ele não vai passar. Se o sujeito não tem a condição intelectual
para arcar com esse problema, então esse problema é um bloqueio e ele vai ficar parado aí toda a
vida. Isto quer dizer que, o que um vai ganhar com este, a partir dessa base, o outro já perdeu. Por
outro lado, quanto à questão da educação: Goethe teve a melhor educação possível. O seu pai
tinha vocação pedagógica e ficou ensinando tudo para ele desde pequenininho, disposto a fazer
do filho um gênio - e fez. Então, este sujeito está com tudo! Podemos supor então que essa
disposição caracterológica - este problema caracterológico que acabamos de colocar - será a
matriz de um desenvolvimento imenso, e isto porque ele não só teve a disposição hereditária
suficiente para enfrentar isso mas também a educação. Depois, então, veremos a sua história
pulsional afetiva, veremos se houve grandes traumas, desastres, se houve acontecimentos
neurotizantes: se houve, a coisa vai para um lado e se não houve, vai para outro. Tá
compreendendo? Você tem que ir recompondo a história à luz de cada uma das camadas. No caso
de Goethe, você vê que, nas camadas II, III e IV, todas elas só ajudaram: a hereditariedade foi
favorável ao desenvolvimento integral da personalidade, a educação também, e a sua história
afetiva isenta de traumas impeditivos. Basta isso para você entender que todo o desenvolvimento
posterior já está garantido, e que vai ser num sentido de reconhecimento desta problemática e
que, no fim, esta mesma problemática do "eu" será - como o foi - o centro da sua obra.
O caráter é o mesmo. Pode ter nascido um outro sujeito mais ou menos na mesma hora e no
mesmo local, mas com outra hereditariedade, com outra educação e que, partindo dessa mesma
aporia, deste mesmo conflito, não andou dois passos. E o que é que isso tem a ver com a
astrologia? Não tem nada. Os astros efetivamente determinam alguma coisa, mas determinam
muito menos do que os astrólogos imaginam. Existem as outras causas, que são alheias - isto é
importante frisar. O astro não sintetiza: é um absurdo dizer que o astro é a síntese de todas
influências que caem sobre o indivíduo. Não pode ser porque senão você poderia
independentemente da hereditariedade, da educação e etc traçar o perfil de uma vida, e a
biografia seria inteiramente dependente do horóscopo. E não é. Claro que o horóscopo a limita
severamente: limita mas não dirige! E' o mesmo sentido que existe em " Os astros inclinam mas
não obrigam ". Eles obrigam, sim; mas obrigam só um pedacinho, e esse pedacinho não é uma
tendência - prestem atenção: ele é uma coisa que está determinada, e que está determinada para
sempre. Acontece que existem muitas outras coisas que serão determinadas depois por outras
causas, e que já estão sendo no mesmo momento determinado por outras causas. Por exemplo: a
hereditariedade. Quando você nasce, já está com a sua hereditariedade toda prontinha - não é que
ela vá se somar depois.
O máximo que nós poderemos conceder ao astrólogo ou a uma teoria astrológica seria que talvez
a configuração astral limitasse a possibilidade de determinados nascimentos pois ela formaria
uma grade que só permitiria a passagem de certos tipos hereditários. Isso é o máximo que nós
poderemos conceder - mas não que ela determine! Ela é uma causa dentre outras causas: aquilo
que ela determina, determinado está; do mesmo modo que a hereditariedade determina algo, e
determina de uma vez para sempre. Mas acontece que a biografia, o destino, não depende só
desta determinação, mas de muitas outras. Por exemplo: a hereditariedade pode determinar as
possibilidades de ação do indivíduo mas não pode determinar as possibilidades de ação de outros
sobre ele. Por acaso a hereditariedade do sujeito pode determinar se ele vai levar uma martelada
na cabeça tão logo tenha nascido? Se o obstetra vai derrubá-lo num balde? Lógico que não pois
isso depende do obstreta!! Isto quer dizer que a forma de um não determina os atos de um outro.
Por exemplo: o sujeito tem um certo biotipo; esse biotipo determina o volume total de força física
que ele pode exercer; portanto, isso determina em quem ele pode bater mas não determina quem
vai bater nele. Pode ser que até um outro mais forte do que ele o derrube: não foi o que aconteceu
com o Mike Tyson? Não chegou um outro que o derrubou? Mas isto está determinado na
hereditariedade do Mike Tyson? Não: está determinado na hereditariedade do outro! Afinal, o
outro foi maior e mais forte do que ele. E' claro que o horóscopo do outro determina algo do meu
também: é evidente! Mas não é o meu que determina o dele. O meu determina as minhas
possibilidades de ação sobre os outros em geral. Senão, seria possível você deduzir o mundo
inteiro a partir de um único mapa. Por exemplo: eu pego o meu mapa, pego todas as pessoas com
quem eu cruzei e digo que todas as ações delas com relação a mim foram determinadas pelo meu
mapa. Isso seria a mesma coisa que dizer que o outro não tem mapa nenhum, e que só eu tenho.
Outro dia eu estava andando pela rua do Catete e veio um bêbado, juntou toda a forca que tinha e
me deu um soco, que não fedeu e nem cheirou... Mas foi o meu mapa que determinou que ele me
desse um soco? Foi o meu mapa que determinou que o soco dele fosse fraco demais para me
derrubar? Foi ele? Não! Foi o fato de que ele estava bêbado. Se não estivesse, talvez eu saísse
machucado; se o mesmo cara, sóbrio, resolvesse me bater, talvez tivesse feito um estrago. Mas eu
não determinei nada: eu estou ali que nem Pilatos no credo;ia andando por um caminho e um
bêbado me deu um soco. Isso aí foi uma ação que sofri: não fui em que cometi. Nada do que
esteja em minha constituição jamais poderia determinar a ação dele. Isso é absolutamente
impossível porque isso é a mesma coisa que dizer que é o mapa dele que determinava que eu
passasse ali naquele momento - eu, e não outro.Será possível que o mapa de um sujeito contém
tantas causas de tantas ações alheias? Então, pra quê que cada um precisa ter um mapa? Faz um
mapa só pra todo mundo! E' o mapa do karma coletivo! Aí você sai prum raciocínio que é um
beco sem saída, uma loucura, pois você elimina a acidentalidade...
- Por incrível que pareça, é exatamente isso que os astrólogos estão tentanto fazer.
- O negócio é grotesco! Mas o que é que nós podemos fazer com esse movimento astrológico?
Não dá pra sanear isto aí: é quase impossível. Por quê? São mentes muito fracas lidando com
problemas que o próprio Aristóteles tremeria de medo. Quanto menos dotado o sujeito é, maior o
problema que ele pega: esse bêbado achava que ele podia derrubar não a mim, mas o próprio
Mike Tyson - e os astrólogos acham a mesma coisa. Eles pegam problemas terríveis, pensando
que vão resolver o enigma do mundo. Então, no fundo, o sujeito não se enxerga, e é precisamente
porque ele não se enxerga que ele faz isso. As vezes tem uns astrólogos fazendo essas coisas,
dando várias interpretações sobre o mundo, e eu fico com essa impressão que eu fiquei diante
daquele bêbado: o que é que nós podemos fazer? Nada! E olhar, pois o sujeito vai cair sozinho na
primeira esquina, e a gente vai ficar com dó. E isso é um tipo de demência que na nossa
sociedade é aceitável, até. E' uma saída, é um escoador para muita loucura. O sujeito está
louquinho da silva, mas é um louco localizado: nas demais coisas da vida, ele procede como uma
pessoa normal, ou seja, ele já resolveu o enigma das reencarnacões de Jesus Cristo e, não
obstante, no dia seguinte, ele vai trabalhar como qualquer pessoa, assina o ponto, paga as suas
dívidas - e não joga ninguém pela janela. Então, a gente também não deve querer curar essa
demência pois vai que você conserta a doutrina astrológica do astrólogo e ele fica louquinho e
tudo o mais!
Todo mundo tem um pouco de demência, de demência localizada, e que era o sentido do carnaval
antigamente. No carnaval você tem três dias e autorização pra fazer tudo o quanto é loucura, e
durante o resto do ano você procede normalmente. Mas agora já regulamentaram todo o carnaval,
então as pessoas ficam doidas... Antigamente, o sujeito ia ao carnaval para ficar muito louco e
para poder botar ali toda a demência dele, e pra poder voltar normal no restante do ano. Mas
acontece que os sujeitos, hoje, vão ao carnaval profissionalmente: batem ponto, ensaiam
diariamente e etc. Então, já não basta o carnaval: vamos procurar outra loucura. Mas vamos fazer
o quê? Vamos ao candomblé - mas acontece que o candomblé também está profissionalizado:
precisa de carteira de trabalho e etc. Ah... então, a gente não pode ser louco nunca? Pois, então,
eu vou tomar pico - mas daqui a pouco o governo fornece o pico, e você terá que ir lá entregar o
talão e etc.
- O que a gente pode ir fazer também é astrologia...
- Mas já está aí o Olavo que vem e estraga tudo, querendo levar tudo a sério! Não deixam a gente
ficar louco nem um minuto!Por isso que eu estou falando: esta astrologia a sério é pra nós - e se
vocês são loucos, tratem de arrumar outra coisa! Mas a racionalidade tem limites. O homem é um
animal racional: só não pode não ser racional no máximo 51%; o resto, tem que ser louco mesmo,
senão faz mal, senão ele definha. Já que estamos racionalizando a astrologia, fiquem sabendo que
ela, para nós, não é um escoadouro para a nossa fantasia; para nós, ela é uma ciência. Então, a
linha é disciplina, é dureza; mas, se você precisa de expressão para a sua esquizofrenia, arrume
outra coisa. Tudo termina, entào, naquele troço: você não pode andar porque senão você pode
pisar numa formiga e a formiga é um ser, é uma criatura de Deus que você não pode matar. E
trate de ficar paradinho pois se você está respirando, está matando um tanto de microorganismos
- entào, pare de respirar!! Ou seja: é a vida sem morte, e esta é a realidade: a vida de um sempre
vai custar a morte de outro. E' fato. Agora, tem atitudes ascéticas que são tomadas aqui por
simbólico: então, o monge budista adota todas essas práticas - mas ele é um sujeito cuja vida vai
ser cheia de incomodidades. E, sobretudo, vai encher o saco do mundo. Você não imagina quanto
sofrimento não causa para outros a disciplina ascética de um. Para um poder ser bom, você tem
que criar uma horda de malfeitores. As vezes, é bom deixar tudo bem dividido: mezzo-a-mezzo.
Para nós, o que interessa é o seguinte: na hora em que decidimos tornar científica a astrologia,
fechamos uma porta a nossa fantasia - ou a nossa demência, pelo menos. Nós não podemos fazer
uma astrologia de auto-expressão; naturalmente, temos que encontrar uma outra. As expressões
mais inocentes sempre foram sexo, festa, bebidas, exportes malucos - coisa que não vai feder e
nem cheirar.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA 70 - FITA 4 02NOV91

Esse apelo místico que existe hoje, em grande parte, é para isto: o pessoal quer escapar um pouco
do mundo que parece todinho racionalizado e organizado. Mas quem foi que mandou racionalizar
e organizar tudo? Eu vou fazer uma profecia para vocês: no século XXI as relações sexuais serão
todas regulamentadas pelo estado, com carteirinha, atestado e etc - a aids vai dar nisso, não vai?
Vai ser um negócio sério pra caramba. Vai acontecer tudo isso aí, e vai fazer parte da vida
econômica-administrativa de todos. Não vai ter mais fantasia, vai ter que botar a fantasia em
outra coisa - quem sabe, trabalhar se torne uma aventura. Umas das coisas que pode acontecer
daqui para diante, ou seja, a interferência estatal na vida do indivíduo, ela pode crescer a um
ponto que " O Admirável Mundo Novo " vai ser brincadeirinha, fichinha. Mas como é que nós
vamos fazer para viver nesse mundo? E' impensável... E' horrível. Tanto que faço outra profecia:
a pesquisa científica vai ter que ser coibida pela polícia porque vai chegar um ponto deles não
poderem mais botar inovação técnica nenhuma, senão isso vai dar a maior crise. Então, isso fica
proibido. A pesquisa científica pode chegar a um ponto onde ela produza tantas inovações
técnicas tão rapidamente que ofereça riscos para a sociedade como um todo. Não é que ela terá de
ser fomentada e dirigida pelo estado: ela vai ter de ser regulamentada; vai ter que haver proibiçao.
Hoje está se oferecendo meios para pesquisa científica para todo mundo: o sujeito faz um bomba
atômica em casa. E o estado que for entregar todo esse poder para todos os seus cidadões é louco!
Ele vai se dissolver a si mesmo. Então, para que o estado não se dissolva, vai ter que haver um
controle disso aí. Vai acontecer muitas coisas nas próximas décadas, e quase todas que virão nos
parecerão absurdas mas, se você estudou Karl Marx direitinho, verá que isto é compreensível.
Mas você tem de saber que não pode se identificar muito com o rumo da sociedade pois a
consciência individual transcende a sociedade: você tem que vê-la todinha afundando, mas
matendo- se de pé. Claro que, de outro ponto-de-vista, emocional, você pode sofrer muito - mas a
consciência fica de pé. Entretanto, o sujeito que se mete a estudar astrologia deve estar preparado
para enfrentar esse tipo de visão pois ele não quer saber para onde vai a história como um todo?
Não quer prever o que vai acontecer? Não quer levantar a própria visão até esta altura? Então,
aguenta o que vai ver. E' a história do Dr. Fausto: ele convoca o espírito do macrocosmos para
saber o que é o mundo e na hora que aparece esse espírito, ele diz: " Não, eu não aguento ver ".
Pois trate de aguentar! Quem é Fausto ? E' o astrólogo, o alquimista - e quem se mete com a
astrologia é outro Fausto. Fausto quer todo o conhecimento e todo o poder. Bem, todo o
conhecimento dá mas todo o poder, nào. Você quer ser Deus? Então, vá sofrer os extremos de
Cristo, vá ficar crucificadinho... Esse é o nosso destino mesmo, não é? O que eu não entendo é:
como é que essas pessoas não perderam seus medos mais bobos ao se lançarem a estudar essas
coisas, pois não passaram a ver uma coisa suficientemente aterrorizante? E você está com medo
de alguma coisa depois de ter visto isto aí? Mas não é pra ter medo de mais nada!
O macrocosmo é aterrorizante: e você pensar no sistema astrológico é pensar nele. Na verdade, o
homem aguenta ver isso, e aguenta ver muito mais pois chega um ponto onde você observa essas
coisas e tem como que uma serenidade perante o universo. O homem pode ter uma idéia do que é
essa imortalidade da consciência - não sei se ela é bem isso mas, pelo menos, é uma idéia; neste
sentido, este estudo pode elevar o indivíduo espiritualmente, e muito.Mas se for conduzido dessa
maneira.
- E' neste sentido que o zen-budismo aborda o não-fazer?
- Mas que outro remédio você tem senão o não-agir? E' propriamente a aceitação do saber sem
poder. Na medida onde existe esta aceitação, também existe umna compreensão da situação real,
e existe a aquisição de algum poder. E' o que dizia Lao Tse: " Primeiro, a regra do poder: deixar
tudo como está ". Bem, vamos parar por aqui, senão vamos ficar sábios demais...
AULA 71 - 03 DE NOVEMBRO DE 1991 - SÃO PAULO

Emil Ludwig começa na adolescência de Goethe. Dá uma descrição de um personagem


extremamente desagradável: pedante, esquisito, artificial. Apresenta alguns comentários típicos
que faziam em torno de Goethe na época. Um diz assim:
"Quem o vê, pensa tratar-se de um príncipe de sangue, tão pretensiosas são as suas maneiras. No
entanto não passa de um moço de 17 anos. É muito possível que seja até um bom rapaz. Mas com
relação às pessoas adultas, assume atitudes que não são verdadeiramente próprias para a sua
idade."..."Suas maneiras não tardam a fazer com que as famílias deixem, aos poucos, de convidá-
lo para as suas casas..." "Nas relações com os companheiros adota a mesma atitude autoritária,
pedante, ríspida e incoerente. A fim de contar suas histórias a um, vai em procura de um segundo
e escreve aum terceiro para que pergunte a um quarto o que este pensa dele. Convida um
camarada e o manda embora para escrever a outro. Suas cartas nunca perguntam como está
passando. Mas se o destinatário se esquece, quando responde, de informar sobre seu último
namoro, recebe, incontinente, uma verdadeira reprimenda."
Mais adiante fala do único amigo mais profundo que Goethe tinha:
"Tratava-se na verdade de um pobre diabo de 30 anos, professor particular do filho de um
nobre...Tratava-se de Begge, o homem que atacou todos os autores da época para não admitir
senão os poemas de Goethe, dos quais empreende a cópia caligráfica e solene, com curiosos
comentários sobre as letras góticas, a tinta, o papel, a encadernação a empregar. Fez todo esse
trabalho sob a condição de que Goethe não entregasse nada aos impressores. Tal era o excêntrico
com o qual o jovem passava o tempo inteiro do adeus definitivo à sociedade...Um belo dia soube-
se que o jovem Goethe consagrava uma série de versos aos méritos de um pasteleiro em
detrimento dos méritos de um professor de faculdade. Begges, que era funcionário na faculdade
se viu de um momento para outro sem o seu emprego por ter um tal amigo..."
O autor contrasta: os poemas que Goethe escrevia em geral ( geralmente poemas de sociedade, de
circunstância, "rococó e com uma graça meramente social" ), com os poemas que ele escrevia
secretamente para este Berich. Exemplo de poema para Berich:
"Partes e eu fico triste Deixa-me. Homem honesto, Foge deste lugar Aqui misturo
indissoluvelmente Suas exalações, o mormaço dos charcos e o nevoeiro Fumegante do outono.
Foge dos doces caminhos noturnos Banhados pelo luar. Lá os sapos barulhentos se ajuntam No
canto das estradas. Sem serem perigosos, No entanto espantam. Homem honesto, foge deste
lugar."
Outro:
"Fica insensível. Um coração que se emociona facilmente é mesquinha vantagem nesta terra
vacilante. Berich, que o sorriso da primavera nunca alegre a tua fronte e também que nunca
ensombreça a austeridade tempestuosa do inverno. Quebra os teus grilhões, não ficarei triste. O
mais nobre dos corações não o poder de reter o amigo que, prisioneiro como ele, tem a liberdade
de fugir. Tu partes, eu fico, mas eis que os raios alados do último ano giram em torno do eixo
fumegante. Eu conto as batidas na estrondosa roda e bendigo o último. Já os ferrolhos saltam.
Sou livre como tu."
O biógrafo comenta: "onde encontrar nestes acentos o prazer de alinhar os versos e de polir as
rimas brilhantes? O que foi feito da zombaria elegante, das flechas mortais da ironia e da sombra
da alcova entreaberta? Eis bruscamente o acento do outono, o grito de pesar, a amargura do
homem que do seu batente vê partir o companheiro. Eis subitamente o caos que se inflama, o
desejo de liberdade que sobre nos ritmos livres, sombras vigorosas que pedem para viver e que se
laceram em resignações prematuras." E assim por diante.
Creio que isto dá para mostrar o contraste entre essas duas personalidades do indivíduo. Uma,
exterior, incoerente, propositadamente artificial, artificial até o exagero e uma outra interna,
muito pesada e séria. Mas certamente que, quanto mais pesada e séria fosse, mais o faria sentir-
se inadequado em sociedade. Quanto mais sombrias eram as preocupações dele, preocupações
íntimas, mais estranhos ele termia parecer em sociedade. Então, curiosamente, para se defender
dessa estranheza, ele criava um outro tipo de estranheza que é a estranheza do excêntrico, mal
educado e pretensioso. Ele tinha que criar uma personalidade artificial desagradável para evitar
que as pessoas tomassem conhecimento de um outro lado profundo que talvez fosse mais
desagradável ainda. A maneira que este indivíduo tem de imaginar como os outros o concebem é
extremamente complexa. É um verdadeiro problema para ele, problema ao ponto de ele criar uma
carapaça, uma fantasia que, mesmo sabendo que ela vai ser desagradável, basta para protegê- lo,
não vejam o que ele tem no íntimo. Se vissem, ele temeria ser mais desagradável ainda. No
fundo, ele odiava esse meio, do qual no entanto não conseguia se afastar porque eli é onde tinha
as garotas, que era verdadeiramente o que interessava.
Isto ilustra bem o drama de Saturno na Casa I.
Esta carapaça desagradável estava lá justamente para ser achada desagradável ( "isso não sou
eu" ). Uma coisa é você ser um excêntrico amalucado e outra coisa é perceberem uma
incompatibilidade total do indivíduo com o meio. Para que não percebessem essa
incompatibilidade total, ele criou a máscara de incompatibilidade parcial e aceitável. Os caras o
achavam um chato mas por outro lado não deixavam de ter curiosidade, pois ele se comportava
de maneira extravagante. É como se fosse um inimigo da sociedade. Odeia mas está disfarçado
numa espécie de Juca Chaves, sujeito que faz piadas incômodas.
Toda esta personalidade externa o sujeito não vai construir sem ter pensado, sem ter premeditado
um bocado. Não é fácil montar uma figura externa e manter aquilo mais ou menos coerentemente
sabendo que você não é bem aquilo. Ninguém faz isso espontaneamente. Faz isso porque tem ali
todo um drama e que esse comportamento lhe parece ser uma solução pelo menos provisória.
Curiosamente, esta fabricação de uma máscara aos poucos vai evoluindo nele para a criação de
um mito dele mesmo. A fantasia se transforma em lenda, a lenda em mito e o mito se transforma
numa estátua, num modelo, num arquétipo dele mesmo. Esta foi a evolução que isto tomou no
caso da vida de Goethe, graças ao interesse dele por autoeducação, pela criação de si mesmo.
Quanto ao Sol: o ponto onde ele está, a perspectiva que se abre pela casa onde tem o Sol é a que
lhe parece mais natural e óbvia e é por onde ele enxerga; automaticamente tenta formular todos
os problemas da vida nos termos daquela casa. Portanto ele reduz tudo à medida daquele tema
específico, seja isso cabível ou não. O sujeito tenta reduzir o problema da outra casa àquela onde
tem o Sol. A tendência do sujeito com Saturno na I, é fazer como Goethe: vai se esculpindo aos
poucos, vai se modelando, para se adaptar aos valores que lhe parecem certos. A tendência do Sol
na casa I é o contrário, é a de esculpir o mundo pela imagem dele. Na verdade, as perspectivas de
evolução da personalidade são menores para um sujeito que tenha Saturno na I. A gente vê o que
tem de melhor -- quem tem Saturno na I -- na velhice; com Sol na I, a gente vê isso na infância.
Como ele vai recuperar -- Sol na I -- como vai conseguir uma outra fase onde tenha aquele brilho
da infância? Só se houver um esforço deliberado neste sentido. Daí que com a posição do Sol o
sujeito também cria uma ilusão. Todas as posições ( e planetas ) criam uma ilusão. Apenas acho
que a que mais pode levar o sujeito a sair da realidade completamente a que corresponde a
Saturno na I, porque é a mais difícil de lidar, porque é a mais duradoura.
Aluno: O mundo verbal está ligado ao Saturno. Vamos dizer que o Sol esteja na I e Saturno na V.
Na V, o problema seria o ver o reflexo de seu valor nos atos, no sucesso de cada ato. Se tem o Sol
na I, então ele reduziria este problema também ao problema de autoimagem: vai tentar o sucesso
num determinado feito mas com um enfoque de que aquele sucesso tem de se aproximar da
autoimagem que ele vê. Ele começa a ter uma dialética do problema que existe entre imagem
visual e imagem verbal mas esta dialética se conduz dentro, agora, das duas casas, Casa I e Casa
V. Isso pode prosseguir colocando-se Saturno nas diversas outras casas, depois invertendo:
Saturno fixo e Sol nas diversas outras casas.
Olavo: Mas é isto que vocês precisam fazer. Fazer duas vezes doze, o que dará os 144 tipos de
inteligência, o que não poderemos fazer extensivamente. Acho mais fácil seguir um caminho um
pouco diferente: pegarmos um mapa e o estudarmos em profundidade. Porque a partir das
posições que tem neste, vamos compreendê-lo por comparação com outras posições de outros
mapas.
Procedimento: Inicialmente vamos pegar cada interpretação de posição planetária isoladamente.
Vamos ver o que podemos dizer sobre ela e vamos anotá-la, uma por uma. Depois, vamos fazer a
síntese à qual o Paulo se referiu: tipo intelectual por Sol/Saturno, volitivo por Marte/Júpiter, etc.
Consideremos o mapa do Joel, com as seguintes posições:
Sol-IV; Saturno-VII
Marte-IX; Júpiter-III
Lua-VIII; Vênus-VI.
Vamos proceder assim:
1. O que é a casa IV?
2. O que é o Sol?
Deve-se fazer a dedução inteira, nunca tentando sacar tudo de uma vez. Devemos ir por partes.
CASA IV
-desejos, esperanças e temores. A vida psíquica, ou a vida propriamente psicológica.
A descrição deve ser feita de maneira distintiva, de forma a delinear este indivíduo de modo que
ele se torne diferente dos outros, vendo-se o que existe nele de peculiar. Todos têm intuição da
vida emocional, de forma que dizer isso não peculiariza ninguém.
"Você não tem dificuldade para perceber quais os seus estados de ânimo e os dos outros.
Habitualmente, percebe isto."
Não se deve considerar que percebe mais que os outros ou menos que os outros porque estamos
face a apenas um mapa. Nenhuma definição que dermos poderá ser comparativa; deverá ser
singularizante. Porque numa comparação temos que ter os dois termos. Qual o outro termo, quem
é o outro termo no caso em questão? O outro é a humanidade. De forma que o sujeito deve ser
definido por tal ou qual traço, da mesma maneira que, ao olharmos um copo poderemos diezer: é
um copo branco e de plástico. Se disermos que é mais branco, menos branco, não o
singularizaremos. Devemos apontar traços que permitam reconhecer o indivíduo
independentemente de quaisquer comparações. Por isso não pode ser algo feito em termos
genéricos. Tem que ser algo que o destaque e o destaque por contraste com uma média humana
óbvia, não genérica ou nebulosa. Não é uma questão quantitativa. É que em geral as pessoas não
têm muita facilidade para perceber os seus próprios estados de ânimo e os do vizinho. Este
indivíduo que estamos considerando, tem. Seria como dizer: você tem uma facilidade
extraordinária para a matemática. em geral as pessoas têm dificuldade extraordinária para a
matemática. Se você tem uma aptidão muito grande para uma coisa que é reconhecidamente
difícil, então esta aptidão o singulariza e o diferencia dos outros, sem precisar entrar com a idéia
do mais e do menos. No mesmo sentido em que você tem uma aptidão e os outros não têm.
Vamos prosseguir, como se tivéssemos um mapa encomendado por alguém e nós todos somos o
astrólogo que vai produzir a interpretação. Como se todos fôssemos um cérebro só, onde cada um
de vocês é um neurônio: quando um falha, o outro rebate...e através dessa complexidade do
raciocínio dialético, o astrólogo chega a uma conclusão. Um coloca, o outro rebate, outro
completa e, no fim, chega-se à fórmula final.
Não se deve empregar o termo tender. Veremos o que é ou o que o indivíduo não é. A quê ele
tende, veremos depois de estar pronta toda a lista de interpretação astrocaracterológica pura.
Acrescentaremos então todas as outras camadas da personalidade e chegaremos até a entender o
sujeito. Por enquanto, não podemos fazer isto.
Aluno: Ele parte do discernimento do estado de ânimo dele, do outro ou do ambiente para
entender o restante da circunstância concreta.
Olavo: Embora esteja correto, não está simples. Devemos chegar a fórmulas corretas e simples.
Pode-se dizer: percebe primeiro uma coisa -- os estados de ânimo -- e depois as coisas concretas.
Ao chegar num lugar, é mais fácil você sentir uma atmosfera do que perceber exatamente quais
são as relações que há entre as pessoas, por exemplo.
O sujeito sabe o que deseja a cada instante. A Casa IV, não se deve esquecer, sendo a casa do
desejo, é a casa da mudança, da impermanência, da névoa da psique: ora quer uma coisa, outra
não quer mais; uma coisa que hoje me deixa feliz, amanhã me entristece. É essa mudança
permanente do seu próprio estado que ele percebe facilmente e percebe nos outros.
Casa IV: desejos, esperanças, temores.
O que caracteriza o mundo dos desejos, esperanças e temores? Não é a sua impermanência, a sua
constante mudança? O desejo não é uma insatisfação? A busca da satisfação não é uma coisa
cheia de contradições, de paradoxos? Por exemplo, se quero uma coisa e ela demora, não a quero
mais. Se vem rápido demais também não é bom. É um mundo cheio de sutilezas, muito
escorregadio.
Incluem-se nesta casa as idéias de acidentalidade e de singularidade. O mundo dos desejos é um
mundo mais ou menos acidental. O sujeito pode imaginar como lhe fazendo falta qualquer coisa
que lhe dê na cabeça imaginar como tal. Todo mundo aqui tem maturidade suficiente para
perceber que seus próprios estados de ânimo não têm nenhum fundamento racional. Acordamos
às vezes revoltados, enfurecidos, até, depois isto muda...o humor muda constantemente e não há
nada que se possa fazer para que ele pare de mudar. No entanto, nesta mudança, às vezes se
perfilam determinadas formas: o sujeito percebe que deseja determinada coisa, que lhe falta isto
ou aquilo, que está triste por isto ou aquilo, que o que o deixa contente é isto e descontente
aquilo. ãs vezes sente uma tristeza, um mal-estar vago que não associa a nada. De maneira que a
percepção desses conteúdos varia conforme a pessoa. teremos o grau máximo de facilidade para
perceber isso no sujeito que tem o Sol na IV, baixando na escala até o sujeito que tem Saturno na
IV.
O Sol é intuição, que é o conhecimento imediato daquilo que está de fato acontecendo.
entendemos por isto que o sujeito com o Sol na IV, na hora que está sentindo, ele sabe que está
sentindo; na hora que está desejando, sabe que está desejando. O sujeito sabe o que deseja a cada
momento, o que é diferente de saber o que desej,a que tem mais o sentido de ter uma meta clara,
de saber aonde quer chegar.
Do mesmo modo que o sujeito está acostumado a saber isso a respeito de si mesmo, é também o
que vê nos outros.
Formulemos isto, de forma que possamos dizer que traço de caráter este sujeito possui.
"É um indivíduo que percebe de imediato seus estados de ânimo: humores, em geral; percebe- os
habitualmente. Percebe primeiro o estado de ânimo e depois a situação objetiva. Sabe o que
deseja a cada instante. Sabe se está feliz ou infeliz, assim como se as outras pessoas também o
estão."
Dizer isto para o sujeito o caracteriza. Pode ser até algo falso, mas é um traço bastante definido.
Se for por compração, teria praticamente que dar todas as posições planetárias para o sujeito e
dizer: exclua onze e o que sobrar refere-se a você. Se isto fosse pissível seria muito mais fácil. Na
verdade não é, pois não é possível fazer isso. Teremos que inventar um jeito, um artifício verbal
para expressar o que queremos de maneira suficientemente distintiva.
Dado que a pessoa tem, como primeira percepção, a percepção dos estados de ânimo, é natural
que ela julgue que os demais também percebem isto. Como ele sempre sabe se os demais estão
felizes ou infelizes, ele acha que os outros também sabem se ele está feliz ou infeliz. E isto é algo
fundamental. Pode-se dizer-lhe: geralmente você espera, tem a expectativa de que as pessoas
saibam o que você está sentindo e deve ficar muito surpreendido quando percebe que não o
sabiam absolutamente.
O que faremos e estamos fazendo é somente a interpretação astrocaracterológica pura: somente o
traço cognitivo. Nada de comportamento, relações sentimentais, acontecimentos
biográficos...tudo isto vamos precisar depois.
O sujeito intui os demais separadamente.
Aluno: Isto não tem a ver com a singularidade?
Olavo: Entendi por isto a coisa momentânea, a percepção do momento como sendo muito boa: o
sujeito percebe bem o momento que passa. Portanto, também tem o senso do ritmo do tempo, das
mudanças ritmicas do tempo, o senso da sua própria história e também da história alheia. Porém,
o que a Ana falou é outra coisa: o sujeito percebe mais facilmente o indivíduo isolado, o
indivíduo como um mundo dotado de conteúdo próprio do que um indivíduo colocado no
contexto total das suas relações.
Não é que seja sem importância a questão do tempo porque o sujeito tem o senso, o sentimento
vivo da passagem do tempo e das mudanças, o senso da temporalidade.
Aluno: A distinção do indivíduo em relação ao resto seria apenas sob o aspecto emocional?
Olavo: Não é só sob o aspecto emocional. Se você está conversando com uma pessoa, você tem
em princípio duas maneiras de localizá-la: a primeira é de fora para dentro e a segunda de dentro
para fora. A primeiro, é do contexto para o indivíduo: sabe qual é a sua função, o que está
fazendo ali, quais são os interesses objetivos pelos quais está lutando. A outra maneira é, sem
saber nada disto, perceber o estado de ânimo daquele indivíduo e depois você o referir a esta
situação objetiva.
Tentando organizar isto tudo:
"O indivíduo percebe de imediato seus estados de ânimo e humores. Percebe primeiro os estados
de ânimo e depois as situações exteri- ores. Sabe o que deseja a cada intante; sabe se está feliz ou
infeliz, assim como se as outras pessoas estão felizes ou infelizes. Como sabe se está feliz ou
infeliz e também se as outras pessoas estão felizes ou infelizes, acha que as pessoas também
sabem se elas estão felizes ou infelizes e inclusive se ele está feliz ou infeliz. Tem percepção do
ritmo do tempo."
O sujeito com o Sol na IV conversando com quem tem Saturno na IV pode ser algo horrível: tudo
o para um é óbvio para o outro é um enigma. Ao conseguir fazer um que tenha Saturno na IV
dizer o que está sentindo, dá-lhe uma paralisia geral.
"Tem senso da própria história e da história alheia. Senso do tempo, da passagem do tempo,
portanto senso da diferença qualitativa dos momentos. Os momentos são muito diferentes para
quem tem esta posição. Como se fosse um rio que vai fazendo curvas, movimentos, está sempre
se mexendo. Percebe o outro de forma isolada, em seu contexto intrasubjetivo, próprio. Percebe
mais o indivíduo isolado no seu contexto próprio do que o indivíduo colocado no contexto global
de suas relações."
Será que, dito assim, está dito de maneira clara para um sujeito que nada conheça de astrologia?
Vamos reformular o que foi dito para uma forma que seria adequada caso estivéssemos face-a-
face com um cliente. Começando assim: "Você é um indivíduo..."
"Você é uma pessoa que percebe de imediato os próprios estados de ânimo, sabe se está feliz ou
infeliz sabe os motivos imediatos que causaram a felicidade ou infelicidade, não as causas
profundas. Por perceber com clareza os próprios estados de ânimo e o das outras pessoas, pensa
que os outros também percebem os próprios estados de ânimo e os seus estados de ânimo. Tem
um senso melódico do tempo ( não ritmo, pois ritmo é o que se repete ). Tem o sentido melógico
do tempo, da passagem do tempo. Este estado de ânimo que você percebe na pessoa de primeira é
mais fácil com a pessoa sozinha do que quando tem muita gente em torno. Percebe o indivíduo
mais em particular, isoladamente, do que dentro de um contexto. Consegue enxergar as pessoas
no íntimo, se são felizes ou infelizes. (Olavo): enxerga as pessoas mais isoladamente do que
dentro de um contexto social determinado, este contexto social ficando como se fosse uma névoa
em torno da qual se destaca um indivíduo em particular). Quanto menos as causas exteriores
forem importantes, mais percebe outra pessoa. Percebe o outro indivíduo isolado,
independentemente da causa exterior, do tecido de relações sociais em que o sujeito esteja
envolvido. De imediato e sem prestar atenção atenta para o sujeito isolado, independentemente
das causas circundantes. A atenção imediata vai de preferência para o tônus emocional do que
para o tecido real das relações envolvidas. Ou: a atenção imediata vai preferentemente para o
tônus emocional mais do que para o tecido de relações reais que existem."
Em resumo, a linguagem deve ser rigorosa, porém simples.
A interpretação não pode ser metafórica, não pode ser feita na base do exemplo ( que é sempre
metafórico ), ou seja, deve-se evitar a conotação, usando-se a linguagem denotativa e, neste
sentido, a linguagem deve ser científica porém não em terminologia técnica. Esta só é usada para
abreviar para si mesmo tudo o que foi dito. Se dissermos que o Sol na casa IV é "inteligência
intuitiva psicológica", tudo quanto dissemos é a explicação deste termo. Para nós mesmos não
deveria ser necessário dizer mais nada do que isso; isto deveria ser o bastante.
SATURNO NA CASA VII
Casa VII
A Casa VII: O eu em face do outro. As relações bilaterais ( bilateralidade não precisaria ter como
um dos polos o sujeito, podendo ser uma bilateridade entre outra, que você observa de fora ).
Todas as comparações bilaterais que se estabelece: de você com o outro, de um outro com um
terceiro, etc. O próprio sujeito como elemento de um par, de uma relação bilateral.
Saturno: representa a razão, que é o senso da unidade ( coerência entre todas as relações ), da
proporcionalidade, do todo, da integridade. Portanto é o impulso de reduzir as multiplicidades a
uma coerência. Logo, Saturno na VII pode ser assim definido: se a Casa VII é as relações
bilaterais e Saturno é o impulso de coerência, de coerir a multiplicidade num sistema, num todo,
Saturno na VII é o impulso de coerir todas as relações bilaterais num sistema, num todo.
Aluno: Saturno, por outro lado, não tem o aspecto de, dado o todo, destaca os elementos que o
estão compondo?
Olavo: Já está implícito que se naão tem elementos não tem todo. Partimos do princípio de que
existem os elementos.
Aluno: Dada uma multiplicidade de elementos, Saturno é o impulso de coeri-los num todo. Dado
um todo, também existe nesta percepção o impulso de desmembrar, de problematizar este todo?
Olavo: Se já está dado como todo, o problema já está resolvido. Se é um todo coerente, claro, não
se for um caos.
Tecnicamente, o que sabemos de Saturno na VII é o impulso de coerir todas as relações bilaterais
num sistema.
Com Saturno na VII, o sujeito é do tipo que procura descobrir as leis que regem as relações.
Procura por trás das relações entre todas as pessoas um padrão, procura encontrar o padrão, o
esquema que exista por trás das relações, um padrão ou esquema que seja constante. Busca a
regra, o padrão constante entre todas as relações humanas. Pergunta-se: qual é a regra que preside
a convivência das pessoas entre si e das pessoas com você? Está constantemente procurando
identificar este modelo.
Não precisa muita inteligência para perceber que onde você busca a coerência você percebe a
incoerência. Portanto, podemos certamente dizer, que você percebe muita incoerência e muito
desnível em todas as relações entre as pessoas, das pessoas com você e das pessoas entre si.
Desnível, incoerência, absurdidade, na maneira de as pessoas se relacionarem entre si. Muito
provavelmente você dará a elas o nome de injustiça, deslaldade: você vai carimbar moralmente
( o que é uma conclusão que podemos tirar, que não faz parte do caráter. Mas se não entrar nisso
aí não será possível dizer ao sujeito o que estamos querendo expressar).
Podemos dizer:
"Você busca perceber em todas as relações humanas um padrão ou regra constante que as pessoas
estejam obedecendo, como se fosse um código. E frequentemente você vai encontrar incoerências
entre o comportamento e o código, código esse que você mesmo julgo descobrir. Frequentemente
você reparará em desníveis, desproporções, incoerências nas relações das pessoas entre si e das
pessoas com você. Incoerências na ausência de reciprocidade nas relações e provavelmente você
encarará isso sob o aspecto de injustiça. Você tem então uma coleção de injustiças e deslealdades
na cabeça, sejam elas cometidas com relação a você, seja das pessoas entre si."
Se não concretarmos deste jeito a coisa, o sujeito nem percebe do que estamos falando. Este
desenvolvimento é quase inevitável.
Aluno: Na hora em que se fala com um cliente sobre o Sol dele, fica evidente. Porém, quando se
fala sobre Saturno, se não se concretar para ele, ele nada perceberá, o que é uma peculiaridade do
próprio Saturno. Olavo: É como dizer: você vive se sentindo injustiçado o tempo todo, todo
mundo o sacaneia, você é uma pobre vítima, todo mundo é estelionatário e vigarista...é assim que
a pessoa vivencia isto. Não podemos nem dar para ela uma interpretação técnica explicativa
( explicar o fundamento último do seu comportamento ) nem endossar completamente a maneira
como ela vê. Se se disser para o sujeito: "você vive sofrendo injustiças", como se fosse uma
realidade, ele vai dizer que é a pura verdade. Se você diz: " "você procura captar as estruturas
constantes do relacionamento entre as pessoas", ele não vai entender o que você está falando.
Entre uma ilusão verossímil e uma verdade inverossímil, vamos ter que achar um meio termo.
Vamos dizer o seguinte: você constantemente repara em relações desproporcionais,
desequilibradas, que você vivencia como injustiça, que acha que são injustiças. Constantemente
repara numa desproporção na relação de um com o outro, na ausência de balanço das relações,
seja das pessoas entre si, seja com você, e que você vai denominar como injustiça." Não sei se
são verdadeiras ou não, mas que percebe, percebe. Não pode nem endossar a visão que ele tem
nem deslegitimá-la por completo, dizendo que tudo que ele está vendo é ilusão, no fundo o de
que se trata é uma busca da racionalidade nas relações humanas.
Entre a reprodução da percepção dele e uma explicação redutiva que vai apagar a interpretação e
mostrar apenas a causa, tem que achar um meio termo.
Aluno: Pode-se dizer que ele adota uma conduta padrão de relacionamento?
Olavo: Isto já é uma solução que ele pode encontrar quando esta sua inclinação cognitiva gerar,
ela mesma, um desequilíbrio. Isto é coisa para mais tarde, pois estamos tentando apenas
descrever o traço cognitivo, como ele enxerga. Quando descrevemos o Sol, descrevemos uma
coisa que o sujeito enxerga na primeira; como estamos descrevendo Saturno, estamos dizendo
algo que ele procura enxergar.
Também podemos dizer que " você vive comparando as relações que estas pessoas têm entre si
com aquelas que as outras pessoas têm entre si. Se você vê dois casais, compara inevitavelmente
a relação de um com a relação de outro. Compara e emite um parecer, não em voz alta
necessariamente."
Juntando Sol com Saturno
Partimos do gênero gramatical de palavras que servem para juntar idéias diferentes: da
CONJUNÇÃO: e, mas, porém, contudo, todavia.
Aluno: "Ao perceber a felicidade ou infelicidade das pessoas, julga que isso é porque elas estão
sendo maltratadas ou porque existe injustiças ou desproporções nos relacionamentos."
Olavo: Você montou isto numa relação de causa-e-efeito que este indivíduo faz. Festa não é a
única montagem possível, porque existem muitas conjunções. O esquema é: "no seu entender ( do
cliente ), acontece isto por causa daquilo." Pode-se dizer: "Você acha que existem injustiças
porque as pessoas estão infelizes." Ou: "O sujeito está frustrado, por isso ele trata aquele outro
injusticamente; ele sofreu injustiça, por isto está frustrado." Aí estabelecemos a conexão através
da conjunção porque. Poderíamos fazer através da conjunção mas: acontece isto mas por outro
lado tem aquilo. Com no entanto: o sujeito sofreu muitas injustiças, no entanto ele está feliz.
Entre os assuntos da casa que tem o Sol e a que tem Saturno, o sujeito vai estabelecer uma porção
de elos deste tipo. Podemos estabelecer alguns tipos de modelo, como acabamos de fazer.
Afluno: Provavelmente há uma chance de trazer como causa do estado interno o que Saturno
define.
Olavo: Mas também pode ser o contrário: explicar as relações pelo estado interno.
Com isso temos o padrão, o modelo de oitenta por cento do que se passa pela cabeça do cliente. E
é a partir do momento em que estamos fazendo isto que percebemos que o ser humano é
monótono: só pensa nisto.
Aluno: Pode-se dizer que ele terá dificuldade de ter intuição do estado emocional do outro por
conta da presença de Saturno na VII?
Olavo: Não. Ele vai tentar explicar a regra geral ( Saturno ) a partir do dado intuitivo ( Sol ); ou
fundamentar o dado intuitivo ( Sol ) numa regra geral ( Saturno). Ou seja, estabelecer uma
relação entre a casa IV e a VII. Vai tentar estabelecer uma conexão no seguinte sentido: vai
explicar a regra geral pelo dado intuitivo e vice-versa. O que ele está vendo se explica em função
de uma regra geral abstraída antes ou, ao contrário, a regra geral é que está sendo fundamentada,
provada, demonstrada por um dado que ele está colhendo na hora. E os assuntos serão sempre
este: o estado de felicidade ou infelicidade determinados pelas relações justas ou injustas nas
quais o sujeito se envolveu ou, ao contrário,as relações justas ou injustas explicadas pelo estado
emocional. Na verdade, ele vai pensar nisto a videa inteira e tudo vai ser referido a isso. O que
não significa uma limitação porque todos os interesses humanos podem ser vistos sob este
ângulo.
Aluno: Uma outra pessoa com outro mapa pode ter este mesmo pensamento mas não de forma
constante?
Olavo: Imagine que fosse o contrário: alguém com Sol na VII e Saturno na IV. O dado intuitivo é
o tipo de relação que há entre as pessoas: este está próximo daquele, aquele outro é inimigo de
outro, este gosta daquele...É isto que percebe na hora. O que é problematizado é o porquê o
sujeito está sentindo aquilo. Por que está feliz ou infeliz? Isto para ele será um problema de
rachar o crâneo: por que eu estou infeliz? Se tenho Saturno na IV, para saber por que estou
infeliz, tenho que contar a história para mim desde o começo do mundo. É muito difícil para este
indivíduo entender por que ele está assim ou assado, por que um outro está assim ou assado. Para
explicar este ponto em particular, seria preciso uma regra que explicasse a felicidade humana em
geral. Se tem Sol na VII, as relações entre as pessoas são-lhe óbvias: ele sabe quem é amigo de
quem e quem está contra quem e como se faz para aproximar ou desligar pessoas. Isto é um dado
intuitivo: as relações que existem. Por outro lado, existe uma tentativa de achar uma regra geral
que explique a felicidade ou infelicidade. Ora ele vai fundamentar as relações percebidas nesta
regra geral ou tentará, ao contrário, explicar essa regra geral pelo que ele está percebendo na
hora. Um, o dado intuitivo fundamenta o dado recional e vice-versa. É assim o tempo todo.
Aluno: Mas um outro indivíduo também pode pensar nestas mesmas questões?
Olavo: Sim, mas não deste mesmo ponto de vista. Ele não permanecerá fixo nisto de jeito
nenhum.
Aluno: Considerando Sol na VII e Saturno na IV, não se poderia dizer que ele olha as coisas
assim: fulano é inimigo de sicrano mas continua feliz. Não entendo isto. Ou: as pessoas, embora
muito diferentes, assim mesmo andam juntas.
Olavo: Reparar nisto seria a coisa típica de quem tem Sol na VII e Saturno na IV. E, ao contrário,
reparar que o sujeito está feliz ou infeliz porque foi bem ou mal tratado é o que há de típico no
caso de Saturno na VII e Sol na IV.
Um dado intuitivo pode confirmar uma regra geral ou desmenti-la. Daí que podemos considerar
que as regras gerais que o sujeito montou na casa onde tem Saturno continuamente estão sendo
confirmadas ou desmentidas por novos dados intuitivos que entram pela casa onde tem o Sol.
Sol em IV e Saturno em VII: o estado íntimo dos indivíduos é fácil ele perceber. No entanto, o
padrão dos relacionamentos externos não é fácil de perceber porque ele quer encontrar a
justificativa, por assim dizer, universal para isto, quer achar o padrão constante, por não se
contentar em explicar aquele caso em particular. Isso quer dizer que esses padrões de
relacionamentos que o indivíduo monta estão continuamente sendo abalados e renovados a partir
de novas intuições de tipo psicológico. Por exemplo, um determinado procedimento: a pessoa age
assim ou assado com ele. E ele acha que esse procedimento é uma sacanagem. No entanto,
quando ele vai conversar com o sujeito, percebe que o indivíduo está sendo sincero naquilo.
Então ele vai ter que achar uma média, uma solução: objetivamente é uma sacanagem mas
subjetivamente parece que não é. Do que decorrerá uma dificuldade de julgamento devido à
mutabilidade dos sentimentos. O que é evidente dada a quadratura entre as casas IV e VII. Aluno:
A casa onde está o Sol é um conteúdo permanente do esquema lógico que Saturno dá, não?
Olavo: É isto mesmo. Onde está o Sol, está continuamente entrando novos dados e Saturno que
se vire para montar todos eles num esquema coerente.
Aluno: Por eu ter o Sol na XI e Saturno na X, sempre me surpreende ver o potencial do sujeito, o
que ele poderia ser e a função que ocupa na sociedade não refletir isso.
Olavo: Teoricamente o sujeito deveria ser isto ou aquilo. Objetivamente, não é ninguém. Com o
Sol na XI, percebe facilmente o que ela mesma poderia ser e as outras pessoas também: olha o
indivíduo como que por um telescópio que mostra aonde o indivíduo poderá chegar. Por outro
lado, com Saturno na X, procura achar uma razão de por que o esquema social é este que está aí e
não outro, e não encontra resposta.
O esquema é: os dados entram por um lado ( Sol ) e se estruturam por outro ( Saturno ).
Acrescente-se que o sujeito passa rapidamente de um ( do Sol ) para o outro ( Saturno).
De fato, vemos que os interesses fundamentais do sujeito estão onde está o Sol e Saturno. No
resto, nem vai reparar, fazendo-o apenas em decorrência destes temas. Na medida em que as
coisas têm relação com esses dois ângulos ié que ele vai se interessar por tudo o mais.
Aluno: Uma vez você disse que, caso o sujeito tente escapar do seu próprio tipo cognitivo, o
sujeito emburrece.
Olavo: Escapar disso é impossível. Finge-se, apenas. Paraliza-se. Onde o sujeito tem o Sol, ele
não vai deixar nunca de olhar as coisas por ali. A casa que o sujeito recusa é onde tem Saturno. É
aquela que o sujeito tenta desligar constantemente.
Aluno: porém, se o sujeito tiver o Sol na V e não tiver como atuar, por estar desempregado ou
outra razão qualquer...
Olavo: Por uma situação externa, você quer dizer. Se as circunstâncias o tornam totalmente
inadequado -- um sujeito com esta perspectiva, com este tipo intuitivo, não se encaixa ali de jeito
nenhum, então ele está perdido. Não que vá desligar esta sua peculiar forma de percepção. Com o
Sol na IV, numa situação onde a visão que ele tenha da felicidade dele ou da felicidade do outro
não importe absolutamente, então está perdido. Se ele for isolado de qualquer contato humano,
fazendo um serviço meramente técnico ( fazendo contas o dia inteiro ), depois chega em casa e
não tem ninguém com quem se relacionar ou só tem relações impessoais com todas as
pessoas...isso quer dizer que o tipo de intuição que ele tem nunca se aplica ao caso. Ele ficaria
doido.
Aluno: Entre as regras que essa pessoa elegeria para enfocar o relacionamento dela com os outros
e dos outros entre si, uuma delas poderia ser justamente: as pessoas deveriam por regra prestar
mais atenção às conveniências ou normas de relação para que fossem mais felizes. Uma regra de
relacionamento que já seria consequência da relação entre esses dois planetas.
Olavo: Também se poderia dizer o seguinte: haveria uma dificuldade no sentido de
despersonalizar o julgamento sobre condutas certas ou erradas. Se Saturno está na VII, enão
existe o julgamento a respeito de condutas certas ou erradas. Porém, a visão intuitiva dele é
pessoal. Portanto, todo julgamento é feito em termos pessoais.
Com Saturno na VII, esta posição em si mesma, faz o sujeito ver questão de justiça e injustiça em
todas as relações humanas. Porém, quando tem o Sol na IV, tenderá a colocar uma ênfase
emocional no assunto. Se houve uma decepção: para decepcionar-se, é porque você esperava
alguma coisa dele, porque aquilo lhe toca emocionalmente, de algum modo. Vai haver uma
tendência de personalizar os julgamentos das relações humanas.
Somando essas duas posições, isso dá uma grande problemática moral, pois o julgamento moral
está muito próximo do sentimento, da vida psicológica pessoal.
Suponhemos que o sujeito tivesse Saturno na VII e Sol na X. Existe a mesma problemática da
lealdade/deslealdade nas relações humanas em geral. Porém, a ênfase já não é mais pessoal e sim
social, no sentido de que o sujeito não cumpriu seus deveres como cidadão, falhou com as leis,
está sacaneando a sociedade humana. Se o sol está na IV, encara que quem sacaneou sacaneou
alguém e este sujeito a quem sacaneou sentiu, tornou-se infeliz. Se houve um julgamento de
deslealdade, isso é visto pelo lado que afeta o sentimento pessoal e não pelo lado que afeta a
sociedade humana ou outra coisa qualquer.
A síntese, portanto, tem sempre que ser feita em termos das conjunções, que vão relacionar o
percebido numa casa com o percebido na outra. É difícil delinear 144 perfis intelectuais.
Aluno: Você numa determinada aula definiu a inteligência intuitiva e a racional como
parâmetros.
Olavo: O resto são instrumentos de manifestação deste tipo de inteligência particular do sujeito.
Passemos agora ao perfil volitivo
O perfil volitivo vai ser feito de duas maneiras: como são dois planetas, um deles -- Júpiter -- vai
mostrar onde o indivíduo toma decisões com maior desenvoltura; onde ele se sente livre para
tomar decisões e determinar o curso de sua própria existência. Portanto, onde ele decide com
mais constância. Dito de outro modo, onde ele se sente senhor da situação.
Por outro lado, a casa onde estiver Marte vai mostrar onde ele age mais, onde ele se expressa
exteriormente. Vai mostrar qual é a sua expressão externa mais costumeira. Porém, onde estiver
Marte, não é o indivíduo que está tomando decisão e, sim, onde ele é de certo modo obrigado a
agir, onde se sente impelido a agir, onde se sente provocado a agir.
Onde está o planeta Júpiter, existe um valor que você preza e que você facilmente afirma. Por
outro lado, onde está Marte, existe um valor, não que você preza, mas que você teme quando ele
é atacado. Júpiter: ataque; Marte: defesa.
Isso gera um problema que chamei de dupla ética: o sujeito preza uma coisa mas teme o ataque a
uma outra. Nós o veremos mais o sujeito agindo no ponto onde teme do que no ponto onde está o
valor que ele realmente preza.
São duas faculdades de percepção: uma percebe as suas possibilidades de ação, que decisões você
pode tomar, que campo está livre diante de você para você agir. Percebe sua própria
possibilidade, sua própria força de ação. A outra percebe o que em você está sendo atacado, o que
está sendo contestado. É como se você fosse um comandante de exército que recebe dois
relatórios: um sobre o avanço das suas tropas e o outro sobre o avanço do inimigo. Onde está
Júpiter, é o relatório sobre o avanço de suas tropas; onde está Marte, sobre o avanço do inimigo.
Você vai agir mais no avanço do inimigo; nisto vai prestar mais atenção.
Quanto mais acuado você estiver, menos você presta atenção no ponto onde você está agindo e
mais presta atenção na ação do outro. Por isso digo que Marte não é uma ação, mas uma reação,
uma reatividade.
Partindo de toda essa problemática psicológico/moral de casa IV e casa VII, vejamos como ela
pode se expressar; que instrumentos de expressão exterior ela tem a partir desses dois pontos. É
seguro que o sujeito vai agir onde ele decide e onde o obrigam a agir. Este perfil volitivo já entra
quase que no comportamento do indivíduo. Porque se trata da percepção de oportunidades ou
necessidades da ação.
Júpiter: casa III; Marte: casa IX
Casa III: a linguagem, o falar, ler, escrever, aprender, expressar-se, discutir, etc.
Onde você tem Júpiter, você vê possibilidades quase ilimitadas. Por ver possibilidades quase
ilimitadas, você tem uma imensa facilidade de agir ali. Sempre existe, para o sujeito que tem
Júpiter na III, a possibilidade de ele aprender alguma coisa. Não vivenciará nada como muito
difícil de dizer. Onde está Júpiter, a coisa se traduz como uma autoconfiança, porém uma
autoconfiança que não é premeditada. ãs vezes o sujeito nem percebe que tem uma autoconfiança
ali: vai agindo e está acabado. É uma autoconfiança espontânea, não adquirida. ãs vezes
desproporcional com a timidez do indivíduo nos demais setores. Pode-se encontrar o sujeito que
tenha Júpiter numa casa e ele, sendo tímido em tudo o mais, ali ele será ousado. Como está
acostumado a ser ousado ali, achará que isso é normal e não vai perceber que existe nada a mais
no seu comportamento naquele ponto. Os outros perceberão.
Com Júpiter na III, as possibilidades de aprendizado, de uso da palavra, parecem ilimitadas. O
sujeito pensará: não há nada que eu não possa conseguir falando. Dito de outro modo: posso
persuadir qualquer um de qualquer coisa. Não que tenha algum dia pensado nisso, mas
simplesmente está fazendo isso desde que nasceu.
Esta é a possibilidade real de ação que o invidíduo vivencia. Porém, não é aí que ele vai agir
mais, pois ele tem outro lugar que pode ser atacado. O que é atacado? As crenças e valores
( Marte na IX) e convicções.
Gosta de persuadir os outros mas sente as suas crenças frequentemente atacadas. Quando
ninguém ataca, ele mesmo as ataca.
Com isso vai-se delineando um perfil moral. A problemática moral aqui está sendo levada às
últimas consequências. Se Marte estivesse em outro lugar, seria outra coisa. Se Júpiter estivesse
em outro lugar, também seria outra coisa.
Aluno: Ele sente as crenças atacadas por ele mesmo, independentemente de algo vindo do
exterior?
Olavo: Só podemos saber aí onde estão as faculdades e nào como elas foram educadas. Ter
Júpiter na III significa acreditar, sentir que tem a capacidade de aprendizado quase ilimitada;
também uma capacidade de uso da palavra quase ilimitada. Porém, quanto de fato ele aprendeu
na vida? Que instrução recebeu? Isso não sabemos. É algo que não está no horóscopo. Se o
sujeito que tiver Júpiter na III for um perfeito ignorante, então vai falar de maneira que persuade
outro perfeito ignorante. Os perfeitos ignorantes que não têm Júpiter na III serão persuadidos por
este. Se for um homem letrado, então vai persuadir letrados. Pode até não conseguir convencer
ignorantes, sendo ele um letrado.
Júpiter na III poderia ser uma saída, um alívio para a problemática do Sol na IV e Saturno na VII.
Poderia ser se não tivesse a oposição com este Marte na IX.
Assim: o sujeito tem essa tremenda problemática moral já explicada anteriormente. Isso cria uma
problemática que é dolorosa: como julgar as pessoas e ao mesmo tempo compreendê-las. Com
Júpiter na III, o sujeito pode ir aprendendo, evoluindo e superando essas coisas. Onde tem Júpiter
é como se houvesse uma boca de funil: tenta-se sempre sair por ali. E consegue. Porém, se ao
mesmo tempo todas as suas crenças estão ameaçadas, quanto mais você aprende, quanto mais se
acha apto a persuadir, mais contestado você vai se sentir.
ã medida em que você vai montando um mapa como um todo, você vai percebendo que o
indivíduo humano, o caráter humano não pode ser descrito por adjetivos, do tipo: o sujeito é
preguiçoso, é inteligente... O sujeito tem de ser descrito tensionalmente. Ele é um sistema de
tensões. Evidente que este sistema pode ser mais apertado ou menos apertado conforme o
horóscopo. Quanto mais apertado o sistema de tensões, maior será a concentração em
determinados tópicos que o sujeito vai querer resolver à força.
Vamos supor que este mesmo sujeito tivesse Marte não na casa IX, mas na casa X. A
problemática moral, com Marte na X e Júpiter ainda na III, o que seria ameaçado seria a posição
social do sujeito. A problemática de emprego que este sujeito teria seria considerável: se sentiria
às voltas com um bolo de injustiças e, pior, sentiria que as injustiças viriam de cima (Sol na IV,
Saturno na VII e Marte na X).
Aluno: O que ele aprende, automaticamente o volume do que aprende, com Júpiter na III ( as
possibilidades ilimitadas de aprendizado ) aumentao ao mesmo tempo a possibilidade de
contestação?
Olavo: Sim, de fato. Imaginemos o contrário: Marte na III e Júpiter na IX ( inverter sempre é uma
maneira de clarificar o sentido dessas posições): o processo de aprendizado do sujeito seria
mediante ameaças contínuas; aprenderia através do conflito. Porém, estabilizaria um monte de
crenças nas quais ele continuaria acreditando firmemente. Mesmo aprendendo pelo conflito, as
crenças iriam se estabilizando sem grandes conflitos. O sujeito que tem Júpiter na IX, para ele
não é difícil acreditar que ele tem razão. E que, em última análise, ele está do lado do bem
( mesmo que esteja do lado do mal ). É como vai se sentir. A casa IX é a busca da certeza. Com
Júpiter na IX, é então facílimo adquirir certezas espontâneas, não as certezas adquiridas com
muito esforço. Não as certezas finais, as certezas iniciais. Com Marte na IX, é muito difícil: as
certezas estarão sendo constestadas a todo momento. Mas ao mesmo tempo, com Júpiter na II e
Marte na IX, fica na situação de ter de persuadir as pessoas de coisas que ele nào está
perfeitamente seguro. É muito difícil lidar com isso: na hora que persuade o outro você mesmo
nào está persuadido. É uma luta pela certeza. Não é uma certeza tranquila. Cada certeza é obtida
à custa de uma vitória sobre uma contestação.
O que vimos e estamos vendo até aqui é o esquema cognitivo do sujeito, de forma que não temos
como saber o conteúdo que o movo e, sim, apenas aquilo no que ele presta atenção
preferentemente. Não entramos ainda na questão das camadas da personalidade. Por enquanto é
uma forma vazia, apenas. O caráter não é a personalidade, é apenas um de seus componentes. De
forma que não é de maneira alguma acertado tentar interpretar o que o sujeito tem de objetivo à
luz apenas deste esquema vazio. A personalidade é muito mais complexa do que isto. O que
estamos falando é a respeito do que se pode conhecer a priori, sem ter visto sequer o sujeito. Sem
que o sujeito tenha existido, inclusive. Assim, do sujeito com Júpiter na III pode ser dito: ele
tendo essa confiança na sua capacidade de aprendizado, ele teve oportunidade de aprendizado ou
não? O que deram para ele estudar? Onde ele nasceu? Se nasceu em Heidelberger é uma coisa
mas se nasceu no meio do deserto do Saara é outra completamente diferente. Também não se
pode prejulgar o vocabulário do sujeito: dele pode ser dito que é alguém que deve conhecer um
monte de palavras, mas que palavras? Tudo isso não dá para saber, pois estamos vendo apenas a
forma. Depois, sim, vamos ver camada por camada, até preencher e montar um Joel de fato. Por
enquanto é um Joel teórico. Este é o esquema das possibilidades que ele tem e do qual não vai
sair. Infelizmente nós, para montar esta forma, temos que usar palavras que se referem
frequentemente a conteúdos, mas isto pode criar um engano. De qualquer modo, esta oposição
Júpiter/Marte, ela em si mesm, independentemente dos conteúdos, vai sempre mostrar essa tensão
extrema entre o que o indivíduo sente que pode fazer e o ponto exatamente contrário onde ele se
sente impelido, obrigado a agir.
Para dar um exemplo: com Júpiter na III, ele se sente capaz de persuadir. Porém, não se trata de
persuadir, mas de crer, que é outro problema. Do mesmo modo, se fosse o contrário, Júpiter na
IX, ele seria capaz de crer, ter uma tranquila certeza. Porém, ele enxergará no ambiente em torno
( Júpiter na III ) contínuos desafios para que ele persuada.
Vamos supor outras duas casas: Marte na IV e Júpiter na X:
Marte na IV: o estado interior está continuamente sendo ameaçado. Ele não pode parar quieto. Ao
mesmo tempo, acha que os outros estão loucos para serem mexidos no seu estado de ânimo.
Continuamente vive mudando o estado de ânimo alheio. Há um desejo de repelir o que pode
afetar seu estado interno. Quanto mais o repele, mais mexe no estado interno dos outros.
Júpiter na X: ele acredita que ele sempre pode olhar a sociedade humana desde cima. Ele acredita
na sua própria aptidão de comando. Por acreditar, ele a desempenha se os outros aceitam isso ou
não. Geralmente dá certo. O problema porém não é este e, sim, esteja ele onde estiver, tenha o
poder ou autoridade que tiver, ele se sente continuamente ameaçado por dentro. Não importa o
volume de autoridade: as pessoas terão sempre a capacidade de torná-lo infeliz, de enraivecê-lo,
de tirá-lo do sério.
A ação de repelir faz com que a pessoa aja muito para fora. Na casa IV, se Marte está lá, o sujeito
vai mexer na casa IV dos outros.
Com Júpiter na X e Marte na IV, há uma contradição do tipo: não basta mandar -- o sujeito ainda
quer ficar provocando os outros.
Aluno: Não se poderia pensar o contrário? O sujeito não poderia ser um excelente comandante
por saber onde exatamente mexer nos outros?
Olavo: Se ele conseguir isso...A reatividade é uma função passiva. Ela não está na sua mão. E
você aprenderá a controlá-la, direcioná-la racionalmente depois de muito tempo. A tendência
espontânea não é esta. O sujeito não escolhe do que tem medo nem do que tem raiva. Ele
simplesmente tem medo disto e tem raiva daquilo. Ter medo da coisa certa e raiva da coisa certa
é algo que só se aprende depois de longo tempo. Onde tem Marte, você tem uma grande
capacidade de exteriorização. O problema é que você não exterioriza o que você quer e, sim, o
que você pode.
Quando tocar as pessoas, em quem deve tocar, por que e com qual objetivo? Se o sujeito
aprendesse isso, daria essa resultante: além do sujeito ter a capacidade de comando, ele ainda
seria capaz de fazer as pessoas se sentirem mal quando ele quer ou de motivá-las quando ele
quer...mas isso só se ele aprendesse, não se tratando de um traço caracterológico. Em princípio,
podemos dizer, como regra geral: a reatividade da maior parte das pessoas não está governada
absolutamente, ela é completamente irracional, é espontânea.
Aluno: Quando se parte de análise de caráter tem de se partir desta premissa?
Olavo: Sim. Vamos supor outro caso: Marte na V e Júpiter na XI. O sujeito sabe perfeitamente
quem ele pode ser quando crescer, confia no seu futuro, etc. No entanto, se sentirá continuamente
desafiado em situações particulares para afirmar sua capacidade nisto ou naquilo que não
interessa absolutamente àquele plano. Se ele, porém, conseguir dominar este Marte, respondendo
somente aos desafios que interessam para seu plano de longo prazo, seria ótimo. Normalmente,
porém, não é isso que acontece.
Júpiter IX e Marte III: tem suas certezas. Acontece que se sente desafiado por tantos lados que
vai responder a coisas que não interessam e vai falar um monte de besteiras. Se ele conseguir
dominar isso e responder somente àquilo que interessa para a afirmação de suas crenças, então
poderá ser um grande pregador religioso, por exemplo. Na quase totalidade dos casos, o sujeito
não faz isto. O sujeito acertar a modular este Marte é antes exceção do que regra. Porque a
reatividade é uma função animal, instintiva e no homem está muito mal organizada. A maior
parte das pessoas não tem nenhum governo disto. Aliás, nem tem idéia de que existe isso. Porque
tão logo sentimentos medo ou raiva, acreditamos que aquilo tem causas objetivas. Se fico com
medo, geralmente tendo a procurar algo que criou este medo. Tenho medo primeiro e depois
invento um jacaré que estava embaixo da cama. Para mim esse jacaré é real.
Aluno: As artes marciais não servem para educar isso?
Olavo: Pode ser o contrário também. Em geral elas servem para deixar o sujeito mais apavorado
ainda. Aluno: Pode repetir o sentido de Marte na IV e Júpiter na X?
Olavo: Na casa IV, você está buscando sempre a felicidade. Ora, o que os teus subordinados têm
a ver com a sua felicidade ou infelicidade? Com Júpiter na X e Marte na IV, o sujeito, além de
mandar nos subordinados, ainda vai querer que o amem e se não o emocionalmente muito
incômodo, por causa disto.
A casa X é a sociedade humana. O sujeito com Júpiter na X vê a sociedade humana como um
campo aberto, onde ele pode subir e descer à vontade, pode circular dentro dela, etc. Ele se sente
capaz de ocupar qualquer posição na sociedade, desde a mais baixa à mais alta. Não existe
nenhuma responsabilidade suficientemente grande para o sujeito que tem Júpiter na X. Se alguém
disser para o sujeito: "Você vai ser Papa!", ele dirá "Pois não!".
Aluno: Onde você tem Marte, você está continuamente agindo. Automaticamente, você vai agir
nos outros, vai obter uma resposta. Neste caso, é uma regra o fato de " se você tem Marte na IV
Casa, vai mexer na Casa IV dos outros?"
Olavo: É evidente isso. Onde a pessoa tem Marte é onde ela vai mexer na casa correspondente do
outro, ou seja, se o sujeito tem Marte na I, mexerá na casa I do outro. Se o sujeito tem Marte na
casa X, ele sente a sua posição social ameaçada: vai mexer na casa X do outro.
Aluno: Neste caso, a ordem, a disposição dos planetas no horóscopo do indivíduo define o padrão
que este mesmo indivíduo projeta nos outros?
Olavo: Todo mundo, enfim, pensa que todo mundo tem o mesmo horpóscopo. O indivíduo vê e
acha que os outros também vêm a mesma coisa. Onde ele consegue agir é por onde acha que o
outro vai agir. Daí surgem todas as confusões. Se o sujeito tem Marte na VII, vai sentir nas
relações bilaterais ou vai sentir que estão contestando sua posição, cobrando lealdade indevida;
vai cobrar dos outros isto. Marte na VII é o tipo do briguento, encrenqueiro.
Aluno: E dois sujeito com Marte na mesma posição?
Olavo: É um atrito constante: dois bicudos não se beijam.
O problema, fundamentalmente, não é de você com os outros, mas de você com você mesmo. O
problema é em primeiro lugar você articular o seu valor positivo, que é Júpiter, com o valor
negativo que é Marte: aprender a lutar por aquilo que você quer e não por aquilo que os outros
querem ou que você sente que os outros querem que você lute. Parar de gastar energia à toa.
Júpiter é onde você decide e Marte onde você se sente obrigado a agir. Sem nem sentir, você já
está agindo, está-se exteriorizandeo por ali. Se o sujeito aprender a subordinar uma dessas coisas
à outra, ele vai longe. Por isso mesmo que a conjunção de Marte e Júpiter numa determinada casa
pode revelar um excepcional poderio de ação num determinado campo. Se o sujeito tem
Marte/Júpiter na casa X, então duvidará que exista alguém acima dele. Ele abre a porta que
quiser, vai entrando...
John Kennedy tinha essa mesma conjunção na Casa VIII. Era um homem de uma coragem
absurda, coragem física, inclusive. Tão absurda que acabou levando um tiro. Na casa II, dá uma
capacidade de ação no terreno material e concreto muito grande; é um criador de qualquer coisa,
sendo alguém que no que põe a mão, realiza.
Toscanini tinha a conjunção Júpiter/Vênus na Casa II: o grande bom gosto; um ouvido
excepcional. A Casa II tem muito a ver com a alegria de viver.
Aluno: Possuo Marte/Júpiter na II e Saturno na VIII.
Olavo: Emperra-se só quando tem de tomar uma decisão grave. Há uma aluna, no RJ, que tem
Mercúrio em X, em Capricórnio, trígono com Júpiter na II e Saturno na VIII. Dá uma habilidade
muito grande. Adora negócios imobiliários. Acha negócios imobiliários fantásticos e em
quantidade. Na hora, não fecha nenhum, pois sente medo. O trígono Mercúrio/Júpiter dá uma
habilidade muito grande.
Saturno na VIII dá pessoas boas para tomar decisões que são muito difíceis e muito demoradas,
como George Bush. Quando Bush decidiu, a questão já era fato consumado. Pode até dizer que
não foi ele que decidiu nada.
***
AULA 72 - 04 NOV 91 - FITA I - SÃO PAULO.

Não vamos falar de casa, planeta, intuição. Vamos descrever o indivíduo. A configuração do
horóscopo do Joel é:
SOL: quarta casa
SATURNO: sétima casa
JÚPITER: terceira casa
MARTE: nona casa
VÊNUS: sexta casa
LUA: oitava casa.
Vejamos se alguém faz um texto disto:
"Não tem dificuldade para perceber seus estados de ânimo, desejo e temores. Percebe com
clareza instantaneamente seu estado psicológico e as sutilezas desses estados nos outros e no
ambiente circundante. A cada instante capta o estado de seus desejos, sabe se está feliz ou infeliz
e mais ou menos sabe por que está feliz ou infeliz. Como sempre percebe os estados próprios e
dos outros, pensa que os outros também percebem o seu próprio estado. Tem maior facilidade de
percepção do indivíduo na sua individualidade do que nas suas relações com o meio. Tem o senso
do tempo, da musicalidade do tempo, percebendo as mudanças qualitativas do tempo. A atenção
inicial dirige-se mais para o tônus emocional do que para o tecido de relações sociais que
existem.
Procura descobrir um padrão, uma regra constante nas relações humanas e frequentemente vai
encontrar incoerências entre o comportamento das pessoas entre si e entre elas e ele e entre elas e
o esquema que acha que existe. Vai perceber um desnível nas relações e perceber injustiças nas
relações das pessoas entre si e entre as pessoas e ele. Como percebe o estado emocional das
pessoas, acha que esses estados são ocasionados pelas relações delas com os outros ou, ao
contrário, que as relações são de tal ou qual jeito devido ao estado emocional, íntimo, delas.
Como percebe as relações sob o critério de justiça/injustiça, colocará uma conotação emocional,
personalizando o próprio julgamento moral das relações humanas.
Tem uma confiança ilimitada nas suas possibilidades de aprendizado, achando-se capaz de
aprender tudo. Sente que pode persuadir qualquer um de qualquer coisa. Sente, ou é capaz de
sentir, duas formas de ataque às suas crenças: ataque externo, que vem de fora, o que o faz sentir-
se contestado. Neste caso, pode discutir para reafirmar suas crenças. Ataque interno, o que se
manifestará sob uma forma de dúvida. Também pode ocorrer de esses ataqueas às suas crenças
provirem dos dois lados ao mesmo tempo. Vê-se constrangido, então, a defender uma crença ao
mesmo tempo em que está começando a dela duvidar."
Quando você aprende alguma coisa, o que aprendeu é automaticamente aborvido na crença já
existente; consolida-se. No caso que tratamos, o aprendizado gera dúvidas e insegurança, na
medida em que tem que alterar o patrimônio já adquirido de crenças e formular outro. Isso não
tem saída de jeito nenhum. É algo que terá que aguentar.
Melhorando aquele texto inicial: não é apenas que o indivíduo tenha esses traços assinalados. O
problema é que a visão intelectual das coisas está limitada a isso. Ele não se interessa por nada
que esteja fora desta clave. Isto que é o característico. O jogo de Sol e Saturno estabelece não
tanto traços positivos mas uma limitação da clave àqueles ângulos. Ele só olha por esses ângulos
e o que deles sair, fugir, não lhe interessa. É um recorte do real.
Alguma coisa não me satisfaz neste perfil intelectual inicial. Não foi apresentado de forma a
diferenciar suficientemente este indivíduo de outros indivíduos; não foi algo suficientemente
enfático. Está muito genérico, muito vago. Deve ser algo dito deste indivíduo que não se poderia
dizer de qualquer outro indivíduo.
Ao invés de "sabe o que deseja a cada instante" -- o que dá idéia de uma pessoa decidida,
voluntariosa -- por "a cada instante, capta os estados dos seus desejos, sabe se está feliz ou infeliz
e mais ou menos sabe porq eue está feliz ou infeliz."
Aluno: Pode-se dizer que é um indivíduo que enxerga as pessoas do ponto de vista da captação de
desejos, felicidade, infelicidade, em suma, do ponto de vista emocional?
Olavo: Costuma olhar o indivíduo do ponto de vista emocional, o que não é subjetivo. O que ele
capta mais facilmente nas pessoas é o seu estado emocional do momento; o que apreende mais
facilmente dos indivíduos é os estados e as mudanças emocionais. Detecta a causa próxima
dessas mudanças, em si e nos outros. Causa próxima, imediata, não causa profunda. Tem o senso
da própria história, da própria biografia.
Ao invés de "tem o senso do tempo", pode-se dizer " tem o agudo sentido da própria biografia, de
como ele foi mudando ao longo do tempo." Encara a própria vida como uma melodia, como
desenvolvimento no tempo.
Aluno: Como seria a outra maneira de perceber o tempo? Olavo: Por quadro espacial, perceber a
estrutura da própria temporalidade. Voce pode não ter a memória clara do fluxo dos
acontecimentos. Capta o seu resultado final, as tendências e qualidades que se consolidaram e
que no presente formam uma estrutura. Seria, neste caso, uma pessoa completamente diferente.
Aluno: Neste caso seria uma outra posição solar, não? Sol na VI casa?
Olavo: Sim, Sol na VI casa.
sujeito que consideramos sabe contar a própria história para si mesmo. Tem o sentido da sua
própria temporalidade. Dado que percebe a euforia ou depressão, a alegria ou tristeza e sabe de
onde tais coisas vieram e qual a sucessão de transformações que levou a este estado, sabe contar a
biografia, a história emocional, psicológica.
A cada instante capta o estado dos seus desejos e mais ou menos o motivo imediato por que está
feliz ou infeliz. Costuma olhar os indivíduos do ponto de vista emocional do momento. Apreende
os estados e as mudanças emocionais com facilidade. Tem o agudo sentido da própria biografia,
encara a própria vida como uma melodia, como um desenvolvimento no tempo. Sabe contar a sua
própria história, emocional, psicológica. Percebe primeiro o estado de ânimo e depois a situação
externa, objetiva."
Devemos fazer a análise de tal modo que funcione mesmo para uma pessoa que nada saiba de
astrologia. O problema não é tanto de a pessoa se reconhecer, mas de que ela deveria se
reconhecer, seria exigível que nela ele se reconhecesse. Partindo do princípio de tratar-se de
alguém normal.
Suponhamos que fôssemos descrever o Sol na VIII casa: é o sujeito que está sempre procurando
numa coisa ver o símbolo da outra, está procurando ver o signo de outra. É uma mente que não
pára. Tudo para ele é sinal. Está numa coisa e desliza para a próxima. Vai procurar dar a tudo
uma expressão verbal. O sistema de signos por excelência é a linguagem: logo, procurará
verbalizar tudo.
Se um sujeito falasse isso para mim ( que tenho o Sol na III), eu teria que me reconhecer nisto,
supondo que eu estivesse são de juízo, pois tenho de me lembrar de ter feito isto desde
pequenino. Do mesmo modo, descrevendo o Sol na IV, tem-se que falar de um jeito que o sujeito
esteja, por assim dizer, moralmente obrigado a se reconhecer. Ainda que ele não se reconheça de
fato. Mesmo que se diga a ele algo que ele desconhecia, algo que para ele é uma coisa nova mas
que ele vai descobrir naquele momento. E sobretudo coisa no qual os outros o reconheçam. Só no
caso de o sujeito ser um neurótico de marca que pode dar-se o caso de ele não se reconhecer em
nada do que se fale dele. Devemos fazer portanto uma descrição não na qual ele se reconheça de
fato mas na qual ele deveria se reconhecer e as pessoas que o conhecem o reconheçam. Algo no
que testemunhas isentas o reconheçam, ao passo que testemunha isenta sobre si mesmo é coisa
rara. Há muito impedimento para a pessoa aprovar uma descrição dele, tal como ele é: sempre vai
achar que está bom, bom demais, ou que não está bom. Há pessoas que sempre esperam que você
diga algo monstruoso a respeito delas, sem o que não ficam satisfeitas. Sofrem tanto que acham
que devem ter um monstro escondido dentro delas. Se você não lhe mostrar um monstro, não
ficam satisfeitas. Outro, ao contrário, necessitado de uma compensação, espera que você diga
uma coisa esplêndida a respeito dele. Caso você não diga, fica frustrado.
Não podemos saber quais são todas as expectativas subjetivas que dependem de estados mais ou
menos momentâneos, passageiros. Não é a isto que devemos satisfazer, pois isto é fácil. Aliás,
para fazer isto nem precisa de mapa astrológico. Olha-se na cara do sujeito e se vê mais ou menos
o que ele quer e diz-se exatamente isto. Porém, aí se trata de programação neurolinguística e não
de astrologia. Satisfazer subjetivamente as pessoas é a coisa mais fácil que tem. Não estamos aqui
nem para contentar nem para descontentar ninguém. Temos que dar uma descrição que
testemunhas isentas, que observem as pessoas, digam que de fato o sujeito é assim.
r exemplo, a chave psicológico/moral. O Joel é inteirinho isso aí. Onde tem o moral tem o
psicológico; onde tem o psicológico tem o moral. Uma coisa não se desvencilha da outra. Não se
desvencilha porque está interessado justamente em qual é o cruzamento dessas duas coisas.
Qualquer que seja o problema, ele vai olhar por ali, porque a resposta que procura é esta.
Perguntaram-me a diferença entre o quadrado, o trígono, a oposição...Digo que em princípio
qualquer planeta, conectado por qualquer aspecto, vai dar mais ou menos na mesma, seja qual for
o aspecto. Onde tem uma conexão tem aspecto, pior ainda: o enfoque chega a ser obsessivo. O
indivíduo está interessado naquele elo comum das coisas, vai olhar por ali e não vai olhar por
outro ângulo porque é aquele que lhe interessa. Por mais que este ângulo se revele inadequado à
situação real, ele não vai abandoná-lo. Assim como um sujeito que estivesse profundamente
interessado num problema de Física: pensa nisso o dia inteiro, não interessa onde está e qual a
situacão real que está vivendo. Numa festa, num ônibus, ao dormir...está sempre pensando no
problema de Física. A mente está ocupada certo problema. No caso astrológico, mais ainda: o
problema domina a mente. Não será possível escapar dele nunca porque ele é o seu ponto-de-
vista, do qual não é possível sair. O que se pode fazer é universalizá-lo, de modo que dentro da
sua limitação, você enxergue de cima. É como se cada um de nós estivesse amarrado na cadeira e
não pudesse observar a sala senão deste ângulo, mas que pudesse imaginariamente abarcar outros
pontos-de-vista sem abandonar o próprio. Daqui, estou vendo com meus olhos físicos. Mas eu
posso imaginativamente conceber o que você está vendo daí. Vou então absorvendo seu ponto-
de-vista no meu, sem abandonar nunca o meu. Isso sim é possível fazer. Você não precisa sair de
fora de seu caráter para ser um sujeito objetivo. Esse seria o progresso da consciência.
Se a consciência do sujeito estivesse limitada e vinculada eternamente ao ponto-de-vista real de
onde ele está, então estaria condenado ao subjetivismo atroz. Nunca cresceria nem compreenderia
nada a não ser do ponto-de-vista subjetivo. Isso não é o que acontece. Por outro lado, tentar
preceder o próprio ponto-de-vista, no sentido de abandoná-lo, aí é que não se enxerga mais nada
-- seria como fechar os olhos para enxergar as coisas bem melhor. A superação do próprio ponto-
de-vista, da própria posição, não se dá pelo abandono dele, mas por absorção das outras nele. Por
exemplo, se vou desenhar uma pessoa, quando desenhar os olhos, os olhos estarão olhando para
algum lugar. E a expressão que se reflete neles vem do objeto que ele está olhando. Se vou
desenhar uma pessoa que está aterrorizada porque vem um leão para comê-la; se vou desenhar
uma outra que está feliz porque está vendo o ente querido que esteve longe e voltou; se vou
desenhar outra pessoa que está triste porque está vendo uma cena degradante: tudo o que estão
vendo se reflete em seus olhos. Mas vou desenhar apenas elas. Desde o meu ponto de vista, vou
ter de abarcar o ponto-de-vista dela e o objeto que ela vê desde esse ponto-de-vista, assim como o
reflexo deste objeto dentro dela.
A imaginação é como se fosse o espelho retrovisor do carro: você está vendo algo na frente mas
sabe que tem outra atrás. Neste caso, estou vendo do meu ponto-de-vista mas eu sei qual é o seu.
O meu, capto fisicamente porque estou aqui; o seu, capto imaginativamente; o meu, capto
diretamente e o seu, indiretamente. O número de pontos-de-vista que o indivíduo pode abarcar
imaginativamente é quase ilimitado. Você pode compreender imaginativamente uma época
inteira, uma civilização inteira, uma sociedade inteira, um número inesgotável de pessoas. Ao
longo da vida, você vai sabendo como as pessoas te viam. Quantas pessoas você já cruzou? Você
tem alguma idéia sobre o que cada uma vê em você. Se se você não tivesse nenhuma idéia e
apenas as viu, só as viu fisicamente mas não captou qual era o ponto-de-vista delas -- então não
os absorveu. A superação do ponto-de-vista subjetivo se dá não pelo abandono do próprio lugar,
mas por absorção imaginativa do outro.
Tudo isso parece muito óbvio. Como dizia Jung: "o estudo da psicologia está limitado pelo fato
de que é a mente que estuda a própria mente." Porém, isto não é uma limitação, isso é a própria
psicologia. A mente tem, entre outras coisas, a aptidão de ser sujeito e objeto ao mesmo tempo,
ao passo que os outros objetos não têm isso. Não posso estudar a anatomia do dedão do pé
usando como órgão cognitivo o próprio dedão do pé; tenho que usar um outro órgão cognitivo.
Do mesmo modo, para eu ver o olho, com que órgão que eu vejo o olho? Com o próprio olho,
pois o olho tem essa capacidade de ver qualquer coisa inclusive o olho mesmo. Eu poderia
estudar o olho olhando-o com o fígado, com o umbigo? Impossível. Carece de sentido, pois, esta
frase de Jung. É um contrasenso escondido. Considerar que "o defeito da psicologia é de que a
mente nela é o próprio sujeito e o próprio objeto, portanto ela está condenada ao subjetivismo
irremediável." De maneira alguma, pois seria o mesmo que dizer que dizer que não posso contar
a minha própria história porque sou o sujeito dela, pois a minha narração será então subjetiva.
Evidentemente que somente o ponto-de-vista subjetivo corresponde ao meu ponto-de-vista.
Como eu poderia contar a autobiografia de um outro? A minha biografia não está limitada por ser
autobiografia. Apenas autobiografia é uma coisa e biografia é outra. Autobiografia não é uma
biografia mais limitada e, sim, uma outra coisa. Quem pode dizer como eu vi as coisas melhor do
que eu mesmo? Só se eu estiver louco que não. O subjetivismo não é uma limitação, mas um
instrumento com que você conhece. Eu conheço as suas emoções a partir da minha. Este é um
instrumento de conhecimento, não uma limitação. Seria impossível conhecer as emoções do outro
por outro meio. A alternativa seria conhecê-las fisicamente; porém, neste caso, se conheço
fisicamente as emoções do outro, não sou mais eu e, sim, o outro, o que é impossível. Desse
modo, não poderia dizer o que estou vendo aqui -- teria de dizer o que estou vendo ali. O que é
uma aporia, uma absurdidade.
O conhecimento de um ser humano por outro ser humano é possível. Ele é possível em parte por
identificação imaginativa e em partre por uma des-identificação intelectual. Posso me identificar
imaginativamente com as suas emoções, sabendo que não participo fisicamente delas e posso
julgá-las intelectualmente. Posso achar uma determinada emoção sua desproporcional ao objeto
que a causou. O sujeito tem um "xelique" porque viu um cahorrinho pequeno querendo mordê-lo.
Entendo que foi uma reação desproporcional, porque posso participar imaginativamente do
evento, perceber o que ele sentiu e também posso julgar e ver que é inadequado, do mesmo
ponto-de-vista. A tentativa de querer transcender a subjetividade é bobagem. Não há porque
transcendê-la. A subjetividade tem de crescer, nào ser transcendida. Da mesma forma que para
ser adulto nào é necessário deixar de ser criança, apenas compreender o deixar de ser criança de
uma certa maneira. Para ser adulto é preciso ter sido criança, necessariamente. Ser objetivo é
você transcender o ponto-de-vista subjetivo. Porém, como transcendê-lo se você o suprime? Da
mesma forma que de uma raiz nasce o tronco, deste os galhos, destes as folhas e frutos. Cada um
vai indo além do outro. Por que não nasce galho direto, sem tronco nem raiz? Porque aquilo que
transcende prolonga e o que prolonga está ligado: tem raiz por trás. A objetividade do
conhecimento é conquistado com raiz na subjetividade sem romper com ela. Se já me revolto
com o fato de que sou subjetivo, daí então não saber nada nunca. Isso trata-se de armadilha
psíquica que inibe a mente das pessoas. É óbvio que só posso conhecer um outro a partir de mim
mesmo. Se este conhecimento, por ter sido obtido assim, fosse necessariamente errado, seria a
mesma coisa que dizer que para eu conhecer você seria preciso que eu não fosse eu. Porém, se eu
não fosse eu certamente eu não conheceria nada. Isto é um sofisma, acreditar que a subjetividade
é um defeito. É conhecimento mesmo: é subjetivo porque está no sojeito. Como diz Jean Piaget:
quando o coelho come alface, esta é que se transforma em coelho e não o coelho em alface. Da
mesma maneira, o que conheço é um conhecimento que se dá dentro de mim. O que conheço a
seu respeito não afeta você em nada; você pode nem saber que eu sei. É subjetivo neste sentido:
porque está no sujeito. O que não é limitação do conhecimento. Pelo contrário, é o próprio
conhecimento.
O tipo de aporia acima é do tipo que eu colocava quando moleque: olhava com um olho e via de
um jeito; com o outro olho, via de outro jeito. Perguntava: como as coisas são realmente? Jamais
posso saber, desde que só posso ver com meus olhos. Se os dois olhos divergem entre si, não
posso resolver este enigma jamais. Como sair disso? Se há uma pequena diferença entre os dois
olhos, miopia num, astigmatismo noutro...qual dos dois tem razão? Como você sai dessa? Tudo é
subjetivo pois só vejo com meus próprios olhos e um desmente o outro? Então jamais posso saber
como são as coisas...
Aluno: A visão de cada um dos olhos é incompleta. Os dois permitem uma completude, uma
tridimensionalidade.
Olavo: Isto é um princípio de solução. Porém, é um raciocínio muito elaborado e não precisa
tanto. É preciso achar uma solução imediata. Para a criança que coloca este problema, a solução
não pode ser tão rebuscada. Há uma outra solução que é simples: o juiz da realidade do que o
olho vê não é o olho -- sou eu. Além disso, as coisas que vejo com os olhos, também me
relaciono com elas através de outros órgãos, de outros sentidos. Se existe uma coerência em todas
as relações que estabeleço com a coisa, aí sim; não precisa haver coerência entre o que um olho
vê o o que o outro olho vê. O que importa é se o indivíduo, tomado como um todo, na sua relação
com aquele objeto, obtém uma resposta coerente ou não. No mesmo sentido, o fato de que você
só pode conhecer uma pessoa por uma espécie de analogia com seus estados internos, não é uma
limitação deste conhecimento, mas o canal mesmo por onde se dá o conhecimento. Conheço as
tuas emoções por uma analogia, concebida imaginativamente, com as minhas emoções. O que
não quer dizer que esteja sendo projetivo.
O conhecimento é uma mera fantasia projetiva quando aquilo que você percebe não se encaixa
com aquilo que você imagina. Se vejo um indivíduo se comportar de determinada maneira: vejo:
tenho este dado, é um dado que recolhi. Imagino por trás disto um estado interno, um estado
psicológico que deveria explicar aqueles atos daquele indivíduo. É como a explicação paranóica:
o sujeito me olha torto e para eu explicar por que ele me olhou torto, invento que ele concebeu
um plano assassino e deseja me matar. Por isso ele está tramando e vejo seu ar sinistro. Explico
deste jeito -- mas a explicação não é muito complexa para indícios tão pobres? Então, não
combina o dado com a explicação. Você foi longe demais: por isso trata-se de alco projetivo. Se o
sujeito me olha torto e digo assim: ou ele vê em mim alguma coisa que me desagradou ou está
pensando em alguma coisa desagradável e coincidentemente o olho dele se virou na minha
direção e isto não tem nada a ver comigo. Por exemplo, pode ter brigado com a mulher em casa e
por isso saiu olhando torto para todo mundo. Mas o motivo não tem nada a ver com as pessoas
que estão em sua frente. Isso não é projetivo, pelo contrário, é algo perfeitamente adequado com
o indício que você recebeu. Neste caso, há uma relação entre o que é dado e o que é construído
imaginativamente. Isso é uma espécie de harmonia, uma coisa estética.
Aluno: A projeção se daria quando a realidade fosse tomada por uma influação na sua
imaginação?.
Olavo: Sim, quando a imaginação comeu: ela não procura casar-se com o indício mas o cobre, o
engole. Tem que haver uma proporcionalidade, de algum modo, entre o que é captado -- o dado -
- e o que é construído. Isso é assim no conhecimento imaginativo, conhecimento por
identificação imaginativa -- por entropatia ou endopatia como dizia Weber -- como é assim no
conhecimento racional.
No conhecimednto racional você tem dois ou três fatos e compõe uma hipótese monstro, um livro
de duas mil páginas para casar com esses dois fatos. Há aí uma completa desproporcionalidade.
Está interpretando demais um número demasiado reduzido de indícios. Este encaixe, esta
harmonia entre o dado e o construído é a base do conhecimento objetivo.
Normalmente as pessoas não têm muita confiança na sua capacidade de conhecimento objetivo,
nem psicológico, nem científico, nem filosófico, nem nada. Padecem da doença do ceticismo. O
tempo todo questionam aquilo que estão conhecendo. Mas questionam abusivamente, não fazem
um questionamento de tipo cartesiano, metódico. É um questionamento mórbido, por pura falta
de autoconfiança. Como não têm isso, nunca têm um critério próprio para saber se o que estão
pensando é verdadeiro ou falso. Não tendo um critério próprio, ficam dependendo do outro.
Acontece que o outro também tem a mesma dúvida. Cada um fica ( e está ) apavorado,
procurando buscar segurança no outro. O que ninguém consegue, consegue no máximo enganar-
se um ao outro.
O homem não tem outra saída senão ele mesmo se tornar juiz de seu conhecimento e saber se está
sendo objetivo ou não. E isto é perfeitamente possíve. É possível através dessa autoconsciência:
em primeiro lugar, saber quais foram os atos que você praticou -- o que você fez, pensou, o que
intencionava, o que obteve e como julgou o resultado. Esta é a primeira folga. Caso não haja isso,
todo conhecimento que você tem do mundo objetivo está falso e se você não conhece nem aquilo
que você fez, como você vai entender aquilo que encontrou feito? Este é um raciocínio de Jean
Baptista Vicco: " quem fez o mundo foi Deus. Então, Deus deve conhecer o mundo de trás prá
diante, pois foi ele mesmo que fez e deve se lembrar. Eu não fiz o mundo, mas eu fiz os meus
atos. O que é então mais fácil eu conhecer? Os meus atos. Através do conhecimento de meus
atos, da clareza que obtenha sobre meus atos, vou obtendo uma clareza sobre o que se passa no
mundo externo e não ao contrário." Se nós adotamos a norma contrária, de Augusto Comte, que
é: "você tem que regrar o interno pelo externo: o externo é o juiz do interno." Então o sujeito fica
esquizofrênico. Ao contrário, é a autoconsciência que é juiz do conhecimento externo objetivo e
não o contrário. E particularmente no caso desses conhecimentos de ordem psicológica, mais
ainda. Fora disto, a única que você pode obter é uma segurança de tipo estatístico, onde a maioria
das pessoas aprova a sua opinião. Porém, a opinião da maioria é um juiz seguro? Se fosse um juiz
seguro, Collor jamais seria presidente da república. Se a maioria fosse realmente sensata...A
opinião da maioria serve para você se apoiar nela quando é absolutamente impossível chegar a
um conhecimento objetivo. Então aí a gente se apoia na opinião da maioria.
Neste caso, a pessoa que nós estamos tentando descrever, nós a descrevemos a partir de uma
construção imaginativa do que nós veríamos se estivéssemos colocados onde ela está. E o fato
que acidentalmente devememos ter sido já colocados nesta posição; algum dia devemos ter
estado nesta posição que ele está ou pelos menos temos a possibilidade de vir a ser colocados. É o
que dizia Benedetto Crocce, um dos grandes teóricos da ciência histórica e por isso mesmo
podemos dizer que, indiretamente, foi um dos grandes teóricos da psicologia. Ele dizia: " o
homem é um microcosmo não no sentido físico, mas no sentido histórico. Ou seja, tudo que todos
os homens fizeram, sentiram, pensaram, esperaram, temeram, eu ou temi, desejei, esperei, pensei
uma coisa análoga ou tenho a possibilidade de fazê-lo. E é justamente por esta minha memória
das possibilidades já vividas, por esta imaginação das possibilidades futuras que compreendo o
que os outros fizeram." Então, tenho que percorrer o meu microcosmo.
Este sujeito, Joel, encara constantemente as coisas por este lado; este é o interesse fundamental
dele. Ele olha tudo por aí e o que não está aí ele converte nos termos que ele deseja. Só posso
compreender isso se em algum momento também fiz a mesma coisa ou se tenho a possibilidade
de fazê-lo. Em algum momento das nossas vidas, os problemas morais e psicológicos se
cruzaram de maneira inextricável tal como estão cruzadas permanentemente para ele. Em algum
momento da minha vida me perguntei se algum estado interno meu, emotivo, é justo ou injusto
em face das relações que tenho com os outros. Em algum momento devo ter perguntado isto, a
única diferença sendo o fato de que ele pergunta isto vinte e quatro horas por dia. Eu não preciso
ser o Joel para compreendê-lo nisso: simplesmente capto a analogia e em seguida reestabeleço a
correta proporção. Entendo que aquilo que em mim é pequeno, nele é grande e vice-versa.
Se a gente pega um sujeito que tem Saturno na casa VI, entendo que em certos momentos este
sujeito tem uma visão do seu próprio corpo como sendo uma coisa tão enormemente complexa
que ele se sente perdido dentro dele. Mas em algum momento devo ter vivido isto também. Só
que acontece que este sujeito passa por isto todo dia. E é por isso que um sujeito com Saturno na
VI acorda e pergunta: como vou fazer para levantar da cama? ãs vezes acontece. Ele julga quase
impossível levantar da cama sozinho. A infinidade de toda a cadeia de sinapses que tem que
correr no cérebro, os estímulos têm de descer até o pé...é tão complicado que parece que não vai
dar para fazê-lo. No meu caso, é uma experiência que tenho muitas vezes por dia: é
evidentemente impossível comer, mastigar, respirar...é uma sensação que voltga muitas vezes. No
sujeito neurótico, ela mesma se torna a matriz de um monte de fantasias persecutórias, etc. Se
virar psicótico, aí então entrou dentro de algo que não sai mais. Porém, todos nós tivemos isso em
algum momento da nossa vida.
No caso presente -- Saturno na VII: as relações entre as pessoas sempre têm evidentemente algum
código, explícito ou implícito, formal ou informal. Sempre tem. E a gente em algum momento da
nossa vida deve ter percebido isso. Se você vai visitar um casal, você percebe que o marido não
gosta de certas coisas e a mulher não faz essas coisas que o marido não gosta. Por exemplo, você
vai visitá-lo e só lhe servem chá sem açúcar. Por que não tem açúcar. Porque o marido não gosta
e a mulher, entre servir chá sem açúcr para as visitas ou desagradar o marido, escolheu a primeira
alternativa: não serve chá com açúcar. Percebe então uma regra: no código que rege a relação das
pessoas há tal ou qual lei.
Nós captamos isto muitas vezes e às vezes reparamos que pode haver códigos que são incoerentes
e que as pessoas às vezes estão tentando obedecer leis que anulam umas às outras. Ou então que
você obedece determinada lei com determinada pessoa e com outras pessoas, nào. Em algum
momento de nossa vida devemos ter percebido que essas incoerências existem. Acontece que
para quem não tem Saturno na VII, esta não é a coerência predominante que mais espanta, aquela
na qual mais pensa; esta não é o modelo de incoerência. Ao contrário, esta é uma incoerência que
você percebeu a partir do seu próprio modelo.
Se você tem Saturno na casa VI, você vai perceber este tipo de incoerência nas relações humanas
dentro do modelo da coisa não funcional; vai perceber que esta é uma coisa que não funciona. Do
mesmo modo, o sujeito que tem Saturno na casa VII, ao perceber um ato ineficiente de alguma
pessoa, vai tentar explicar isso em função dos códigos que a pessoa obedece. Como deslealdade,
lealdade, como resultado do fato de o sujeito nào ter introjetado certas normas e assim desde cada
uma das casas, você enxerga todas as outras. Seja você como form, você pode compreender todos
os outros, deixando de fazê-lo se não quiser. Os seres humanos são mais parecidos do que parece.
Só que parecidos através de uma grade de diferenciações que você precisa conhecer e a astrologia
é um dos grandes meios para captar essa diferenciação. Podemos em princípio descrever cada
uma das pessoas sem termos que nos transformar nelas, sem ter que arrancar a própria cabeça
para ser objetivos, como dizendo: não quero pensar com os meus pensamentos, quero pensar com
os seus. Tenho, então, que parar de pensar.
Há ainda os dois itens faltantes: Imaginação e Sentimento.
Não é necessário ser extensivo na explicação dessas duas funções porque já as expliquei. Vamos
ver apenas o que é necessário para a aplicação da técnica.
Onde se localiza Vênus, é naquela casa, naquela direção que se polariza a imaginação; são os
assuntos daquela casa que despertam a imaginação, fazem-na funcionar e é ela que retroage sobre
aquele setor.
A imaginação tem por função sobretudo suprir a falta das informações sensoriais: o que estou
vendo com os olhos da cara, não preciso imaginar. Assim como aquilo que está presente não
preciso recordar.
A imaginação vai suprir uma informação faltante no tempo e no espaço. Por isto mesmo vai se
desdobrar nos aspectos de imaginação memorativa e imaginação combinatória ou criativa, que é
a imaginação propriamente dita. Memória e imaginação: no fundo, são dois nomes da mesma
coisa.
Ademais, já vimos que para o organismo psicofísico humano, considerado independentemente de
uma autoconsciência crítica, a coisa vista ou a coisa imaginada é igualmente real. É isto que
explica a hipnose: encosto o dedo no braço do hipnotizado e digo que o dedo é um cigarro e ele
queima de fato o braço. Porque suprimiu a autoconsciência crítica naquele momento. Neste caso,
qualquer informação é recebida como dado real. Traduzindo isto em termos de lógica, uma vez
suprima da consciência crítica, aessência é tomada como existência. Qualquer coisa que dê para
saber o que é, acredita imediatamente que existe. É como se o dizer a palavra "vaca" bastasse
para produzir a presença de uma vaca. Na imaginação é tudo assim. Para a imaginação, tudo que
pode ser reconhecido, existe de fato e existe presentemente.
Aulas de dezembro de 1991.

INDICE DO BLOCO DO MES DE DEZEMBRO/91

Aula: 73 - 06/12/91
1-) Recapitulação do curso.
2-) A questão da AUTORIDADE e das fontes biográficas.
3-) Como conduzir os estudos biográficos. Exemplos:
a) Lincon
b) Hitler
c) Goethe.
4-) A questão das auto-biografias. Exemplo:
a) O livro: " Honrra a teu pai"
b) Benedetto Croce.
5) Como agrupar dados de traços caracterológicos. Exemplo:
a) Goethe
b) Fernando Pessoa
6) A transcendência da vida puramente biológica é a definição do homem.
Exemplo: Arthur Koestler

Aula: 74 - 07/12/91
1-) O problema da explicação astrológica ( teoria do Dr. Percy Seymour)

Aula: 75 - 08/12/91
Assunto:
1-) Texto: "Investigações lógicas" ( Edmund Husserl).
2-) Comentários e exemplos: " A homicidologia e a astrologia " Exemplo: a) Lincon
b) Arthur Koestler
c) Fernando Pessoa
d) Lutero
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 73 - 06/12/91

Vamos fazer uma recapitulação e tentar esquematizar tudo o que já foi falado. Isto servirá para
que vocês entendam exatamente o que nós estamos fazendo agora e o que vai acontecer em
seguida.
O curso foi planejado de uma certa maneira, e até o que acabou saindo não foi tão diferente do
que eu havia pensado no começo, mas também não foi exatamente a mesma coisa. Algumas
partes do programa original eu acabei tendo que desistir, mas isto não chega a prejudicar o centro
do projeto.
O que nós fizemos até agora, se dividiu nas seguintes partes:
1) Uma colocação do problema astrológico e da sua situação atual.
2) Uma parte de astrologia "pura" ( ou teórica): A definição do que é o fenomêno astrológico,
qual é a àrea exatamente que nós vamos estudar, que tipo de ciência deveria ser e quais seriam os
princípios teóricos gerais desta ciência.
3) Colocação do problema "astrocaracterológico", ou seja, o problema da relação entre o
horóscopo e o cárater.
Tendo colocado isto aí, nós partimos para a primeira etapa da astrocaracterologia, que é o estudo
da caracterologia. Pelo meu plano nós deveriámos ter estudado muitas outras caracterologias,
mas só abordamos umas cinco ou seis, só a título de amostra. Deste estudo das caracterologia o
quê que nos sobrou? Sobrou uma noção do cárater que é comparável, que é aproveitável, no
estudo astrológico ( uma nova noção do cárater diferente de todas essas das outras
caracterologias).
Para que fosse possível planejar o estudo do cárater tal como nós o definimos,então, foi
necessário esboçar uma outra psicologia da personalidade ( teoria das camadas). Feito isto, aí é
que nós entramos na técnica astrocaracterológica própriamente dita, que é exatamente o ponto
onde nós estamos. Essa técnica conscistiria na enumeração das posições planetárias e, mais ou
menos como deveriámos interpretá-las, como nós descreveriámos o cárater a partir do mapa. Aí
houve um pequeno problema: Na parte da psicologia da personalidade havia um aspécto ( um
capitulo ) que era referente ao conhecimento do ser humano por outro ser humano ( como
chamou Honório Delgado ). Como nós pretendemos descrever pessoas vivas, esta parte é
extremamente importante e, o fato é que nós enrroscamos aí.
Honório Delgado dividia o conhecimento do ser humano em três etapas: 1) O contato pessoal e
imediato ( a primeira impressão). 2) O estudo do individuo no seu ambiente real ( círculos de
vida ). 3) A compreensão biográfica. Para nós as duas primeiras etapas ficam amputadas , pois os
nossos biografados já são pessoas falecidas, resta apenas a terceira: A compreensão biográfica.
Ao mesmo tempo onde eu prossegui a exposição da técnica astrocaracterológica, nós estamos
pressupondo que o estudo biográfico continua. Eu tinha dito no ínicio que precisaria ler cinco
biografias ( de preferência cinco boas biografias), que dessas biografias o que interessaria, seria
você aos poucos, destacando determinados comportamentos repetitivos, que não fossem tão
significativos, que pudessem, justificar a suspeita de ali se encontrar um traço caracterológico.
Para que a gente prossiga de maneira frutífera, é preciso agora que vocês me deem um feed-back
desse negócio. Está chegando a hora de examinarmos o material que efetivamente nós dispomos,
com relação à essas biografias. Precisamos prosseguir sincronicamente de um lado: a minha
exposição e de outro os seus estudos biográficos. Apesar de sabermos que já perdemos este
sincronismo.
Eu pediria a vocês, que cada um me mostrasse o que leu, o quê tem de material, e se está em
condições de enumerar alguns comportamentos repetitivos ou inclinações muito óbvias, que
possam ser consideradas caracterológicas, dos seus biografados. Também se está em condições
de usar aquela teoria das "Camadas da Personalidade", para cortar o que nos interessa do que não
nos interessa ( o que é, e o que não é astrológico ).
Com relação a parte técnica ( as posições planetárias) eu tenho certeza de que já falei demais,
agora é preciso que vocês façam a sua parte e me mostrem como é que está o seu estudo
biográfico.
" A questão da AUTORIDADE e das fontes biográficas "
Este curso foi planejado em dois anos, para que vocês tivessem tempo de achar "Cinco boas
biografias", le-las, anotar os traços caracterológicos e, quando fosse terminando os dois anos,
vocês já fossem capazes de juntar os dois pontos: A exposição da Astrocaracterologia com o
resultado dos seus estudos biográficos.
Aluno: --No meu caso, eu não achei quase nada de material biográfico, a não ser uma biografia
que você mesmo me indicou: Martim Lutero - Funck-Brentano.
Olavo: --Vocês estão procurando direito essas biografias? Já foram à biblioteca Municipal? Já
procuraram na Enciclopédia Britânica, que informa através do nome da personalidade, a
quantidade e o nome de livros públicados sobre o biografado?
Isto aí é um puxão-de-orelhas! Um estudante de nível universitário para começar uma pesquisa:
Você tem que fazer uma lista de 150 livros, para daí, tirar cinco.
Aluno:--Essa biografia que você me indicou é muito boa e já dá para eu tirar algumas conclusões.
Olavo: --Como é que você sabe que é uma boa biografia?
Aluno:--Porque você me indicou e eu confio na sua autoridade...
Olavo:-- O problema não é eu ter autoridade, mas de você adquirir autoridade. Dar palpite, todo
mundo pode emitir a sua opinião, mas eu pergunto: --Quanto custou a sua opinião? E você me
diz: --Olha, eu li uns 200 livros sobre o assunto, faz vinte anos que eu penso nisso, já perdi
muitas noites de sono... --Ah, então, custou alguma coisa, você pagou bem caro por ela.
Isso aí é AUTORIDADE!
AUTORIDADE: Vem de AUTOR. Autor é o sujeito que faz, então, você fez a sua própria
opinião.
A pessoa nunca está habituada à ter CERTEZA por si própria. Se você não cria este hábito, então,
sempre vai depender do papai, da mamãe, do professor ou do Papa, para tirar a sua dúvida. Aí
você diz: --Olha, eu não li, mas o Papa leu e diz que é uma porcaria.... Então, vamos instituir um
novo Clero, que irá dizer para nós o que presta e o que não presta, fazem um INDEX.
Isto é um problema de autonomia intelectual. Eu pergunto: --Para quê que serve a liberdade de
opinião para um sujeito que não tem " Autonomia Intelectual" ?
É preciso que você mesmo tenha condições de verificar o quê está falando, para que você possa
ter a certeza e a AUTORIDADE para falar. Aprovar um aluno neste curso, é preciso que eu
reconheça que ele tem AUTORIDADE para falar daquilo. Tem que existir uma transferência,
uma delegação de AUTORIDADE, que não pode ser simbólica, tem que ser real. Eu tenho que
sentir firmeza no aluno, sentir que ele sabe o que ele está fazendo.
" Como conduzir os estudos biográficos "
Temos que descascar o "Mito" gerado em torno do personagem.
1-) Exemplo: "Lincon".
Todo mundo acha que o Lincon é o grande " Libertador dos escravos". Essa aura de Santo e de
libertador dos escravos, está tão colada no sujeito, que as pessoas inevitávelmente vão procurar o
lado "Santo" do sujeito. Eu digo: --Ele estava pouco se lixando pelos escravos! Para engulir esta
verdade, você precisa derrubar o "mito". A libertação dos escravos foi uma coisa acidental, pois,
na guerra o lado vencedor era contra a escravidão. Agora, os americanos levaram mais de 40 anos
depois da morte de Lincon, para enxergar isso.
2-) Exemplo: " HITLER "
Outro dia chegou alguém que disse que o Hitler era " Coprófago" ( pessoa que come fezes)
Aluno: --Já ouvi dizer que ele era assim e fez o que fez porque tinha um testículo só....
Olavo:-- Quer dizer, o sujeito parece tão monstro, vampiro... e você não consegue entender qual
era a motivação dos atos do sujeito. Escuta: Se o Hitler era "coprófago", em quê que a coprofagia
poderia determinar um comportamento politico? Seria díficil.
São personagens que é díficil você chegar na verdadeira psicologia deles. No caso do Hitler a
biografia do Jonh Toland é o primeiro estudo objetivo sobre o Hitler. E o livro só veio à sair no
fim da década de 70. Os dados sobre a juventude do Hitler só o Jonh Toland é que foi atráz.
Eu acho que um sujeito que tivesse uma pervessão sexual ou de outro tipo, jamais faria essa
violência toda que o Hitler fez. O tipo de demência dele pertence a outra faixa. Um tipo de
demência, que serve muito mais para um sujeito que é certinho em tudo
(disciplinado),exatamente o tipo do Hitler. Vamos supor que Hitler fosse impotente. É impossível
que um sujeito impotente não pare para pensar uma única vez na vida, que ele é impotente e, que
está fazendo tudo isso por ressentimento. É impossível que ele pensasse nisso sem entrar numa
baita crise. Hitler nunca entrou em crise nenhuma. A vida dele é uma linha reta. É um outro tipo
de demência.
3-) Exemplo: "Goethe"
Tem um livro do Emil Ludvig, que é uma contestação de 100 anos de biografia de Goethe. Os
caras passaram 100 anos escrevendo as biografias num sentido, ele chegou e disse: --Está tudo
errado, não é nada disso. Ele abre a biografia dizendo isto: Que ele ia tentar revelar o lado
noturno, demoniáco de Goethe, o qual, tinha ficado obscurecido por 100 anos de biografia
apologética. Basta você ler isto, para que você diga: --Opa! este negócio é polêmico e ninguém
faz polêmica sozinho.
" A questão das auto-biografias "
Olavo: -- Eu estou lendo uma biografia, que é um livro interesantíssimo: " Honra a teu pai " É
uma história sobre a máfia : Houve um famoso mafioso que foi sequestrado por outros mafiosos,
o filho dele assume a chefia do bando e começa a procurar o pai. A história se resume nisto. Eu
fui lendo, lendo... e de repente, eu saquei uma coisa: Todos os dados do livro são de uma fonte
só. O biográfo não precisaria ter consultado mais de uma fonte exaustivamente para fazer este
livro. Quem era esta fonte? Era o próprio personagem. O biógrafo se trancou com o personagem (
o filho do mafioso ) durante sete anos. Ele deve ter gravado milhões de kilômetros de fita, e
sondando aquilo ali, foi construindo o livro. Este livro ficou meses na liste de Best-Sellers do
New York Times. Foi celebrado, como uma das melhores biografias já feitas.
Não é díficil você fazer uma biografia assim, mas você sabe que ela é todinha de uma fonte só. É
uma biografia apologética ( ela defende o cara ). O livro é muito bom, mas o mérito não é do
escritor, o mérito é do personagem que conseguiu se lembrar de toda essa quinquilharia, anos
depois de ter acontecido, e contar tudo.
Exemplo: Quando vocês leêm um livro que diz que o personagem em tal situação pensava assim
assim....Quem pode dizer o que uma pessoa pensou em tal momento? Só ela mesma. Então , você
já sabe qual é a fonte: A fonte é o personagem mesmo.
Todos os relatos subjetivos que vocês lerem, só pode ter vindo do próprio personagem.
Nós poderiámos nos basear só nisto aqui para fazer um trabalho? É evidente que não.
Prescisariámos saber de um outro lado do personagem, contado por outras pessoas.
Exemplo: " Benedetto Croce "
Benedetto Croce quando tinha 50 anos escreveu uma auto-biografia intelectual. Ele tinha acabado
de escrever uma obra filosófica em 4 volumes, que para ele, era o coroamento da carreira dele.
Ele tinha começado a vida como um historiador. Como historiador foi levado a se confrontar com
alguns problemas filosóficos, que resolveu-os em 4 volumes. Já se considerava um grande
homem.
Tendo feito isto, escreveu uma curta auto- biografia intelectual ( 50 páginas ), daí ele viveu mais
10 anos e disse:" Como eu tive mais 10 anos de trabalho, resolvi acrescentar isso, mais aquilo e
etc...." Depois ele viveu mais 10 anos e disse:" Ainda estou vivo, então, decidi acrescentar aqui
mais um pedaço assim, assim... " Depois disso ainda tem mais dois pedaços, e daí ele faz mais
um e diz: " Agora de fato eu encerrei a minha carreira, disse tudo o que tinha para dizer, daqui
para diante não vai ter mais novidade. " Passado mais 6 anos ele diz: " É inacreditável! Eu ainda
estou vivo, e tive umas outras idéias.... "
Tem uma coisa central que a gente já pega sobre o cárater desse individuo. Uma coisa
fundamental:
O plano de vida desse sujeito ia até um certo ponto e depois foi ultrapassado. Benedetto Croce
passou muito mais adiante do que ele queria ir. Pelo fato de ele ter feito uma prestação de contas
aos 50 anos (um testamento). Ele fez um monte desses testamentos, toda a hora ele estava
fechando o balanço, esperando ter dito a última palavra. Isso significa que a próxima parte não
foi planejada. Isto não é óbvio? Não é nenhuma elucubração você concluir isto.
Benedetto Croce tinha estudado para ser um historiador ( escreveu mais de 70 livros de história),
mas acontece que ele se viu as voltas com problemas filosóficos históricos, daí estudou filosofia e
escreveu 4 volumes. Ele mesmo se espantou: "Puxa, nunca pensei em ir tão longe"
Ele desconhecia formidávelmente o curso futuro da sua vida. Isso não deve ser interpretado
necessáriamente como um Saturno na XI. Agora nós podemos dizer que a vida dele não foi
aquilo que ele planejou e, não só não foi, como ele tinha certeza que ela ia ser uma determinada
coisa, mas foi outra completamente diferente. Pode ser que ele tivesse muitos planetas na casa
IV, pois tinha um interesse histórico. Na casa X, também dá um interesse histórico, mas um
interesse de modo que possibilite a uma atuação na sociedade.
Para você chegar nisso aí, você precisa de algo mais. O simples fato de o sujeito ignorar o seu
próprio futuro ( fazer um plano de vida totalmente errado), não significa que tenha Saturno na
casa XI. Você precisa juntar vários traços deste tipo para compor uma posição planetária.
Exemplo: Geralmente o Saturno na casa XI, ele não vem sómente sob esta forma de você não
conseguir fazer um plano de vida, mas ele vem com um aspécto doloroso: O sujeito padece de
uma ambição muito grande, descomunal, mas ao mesmo tempo existe uma incapacidade de
prever o seu próprio futuro e, de fazer um plano de vida devido a isto. No caso de Benedetto
Croce isto não aconteceu, ele se surpreendia com a própria obra. A sua ambição era normal para a
época.
Vamos supor o seguinte: Se este traço do Benedetto Croce (ignorar o próprio futuro), viesse com
uma preocupação muito grande pela sua psique. O quê poderia ser? Poderia ser um legitimo
Saturno na casa IV ou um Saturno na casa I : O sujeito ignora o seu próprio futuro, na medida em
que ignora os seus sentimentos (desejos ) ou a sua figura (auto-imagem).
1-) Exemplo: " Goethe "
Vamos demonstrar por Goethe, como se procede para agrupar dados de um único traço
caracterológico: " Saturno na casa I " :
Goethe:
1-) Tinha esse problema da "aparência extravagante".
2-) Metade do que ele escreveu foi sobre ele mesmo.
3-) Até o fim conservou uma preocupação extrema com a aparência, só que depois de uma certa
idade, já não foi só no sentido de ser extravagante, mas sim de ser uma aparência constante.
4-) Foi "ator" no começo da vida e, considerou que o decisivo para sua vida, ou seja, a grande
escola dele foi o Teatro.
Você vai somando todos estes traços e no fim, só um cego não enxerga que ele tinha Saturno na
casa I. Mas vocês precisam ter todo este material. Com traços isolados, vocês não vão conseguir
grande coisa.
2-) Exemplo: " Fernando Pessoa "
Que coisa estranha: Por um lado era um sujeito totalmente subjetivista, mas por outro lado, faz
um monte de poemas patrióticos ( poema de puxar o saco do governo ).
Edmilson:--Inclusive a grande obra, pela qual ele ficou reconhecido, ele começou a escrever e só
acabou um pouco antes de morrer.: "Mensagem" essa obra tem a duração de toda a vida dele.
Uma obra de cunho patriótico. Fala de todo o movimento de Portugal.
Olavo: Então, você vê que a grande preocupação dele só aparece no fim. Não é um cara que você
conheça fácil.
Havia uma época 1968/69 que o pessoal fumava maconha e lia Fernando Pessoa o tempo todo.
Os jogos verbais que Fernando Pessoa faz, parece com certas associações de palavras, que um
sujeito maconhado faz. Eles viam isto no Fernando Pessoa, mas isso era um Fernando Pessoa que
eles inventaram. Se você vê os poemas patrióticos do cara: " Quem vai lembrar de ser patriota
quando está com a cuca cheia de maconha."? Ninguém.
Aluno:-- Agora faz mais sentido, o fato de saber, que todo o aniversário de Fernando Pessoa na
cidade em que ele nasceu, tem uma comemoração que se inicia na mesma hora em que ele
nasceu.
Olavo:-- Por outro lado, você precisa isolar um fator social: Pegue um único Português que não
seja profundamente preocupado com o destino de Portugal. Ache um se você for capaz.
Marly:-- Eu tive a impressão que o Fernando Pessoa parou na camada 4.... para mim foi uma
grande decepção.
Olavo:-- Não, de jeito nenhum! É que o Fernando Pessoa foi exaltado um pouco além do que
devia. Se você comparar com outros poetas portugueses....
Mas mesmo assim, é um homem de uma consciência histórica formidável.Sobretudo não parece
que o assunto dele seja ele mesmo, aliás, as vezes até parece, mas não é. Todos os sentimentos
que estão em suas poesias são falsos, e ele mesmo dizia: " O poeta é um fingidor..."
Porém, tem um que não é: a patriotada não é fingida, a preocupação com o passado e a identidade
portuguesa também não são fingidas.
Edmilson:-- No material auto-biográfico dele, ele faz questão de deixar isto claro, ele fala: --Não
encontrei um único Português que tenha uma preocupação autêntica com meu país como eu."
Olavo:-- Isto é importante! Agora e as outras poesias que expressam sentimentos subjetivos? As
pessoa não veêm que estas poesias foram escritas por Heterônimos, ou seja, são sentimentos que
o sujeito não tem, mas que um personagem que ele inventou tem. Se ele fosse Alberto Caieiro, se
ele fosse Ricardo Reis etc... ele sentiria isso. Então, ele está descrevendo estilos poéticos,
psicológicos diferentes. Nào é um poeta confessional, ao contrário, é um poeta, cuja a
persoanalidade não aparece em parte alguma da sua obra. Isto é uma das coisas notáveis de
Fernando Pessoa: Essa tremenda "Impessoalidade".
Agora, que este poeta tivesse sido curtido por aqueles caras intimistas, psicológicos e que só
pensavam neles mesmos. Isto é um dos maiores equivocos literários da História!
Aluno:--O cárater dele foi vitorioso ou teve uma certa derrota?
Olavo:-- Artisticamente ele falhou , ele achava que tinha falhado. Fernando Pessoa foi um dos
grandes artistas falhados da História, porque ele era para ser um novo "Camões" e foi ser
Fernando Pessoa.
Tem um verso em alemão que diz:
" Para quê que nós precisamos de um poeta em tempos mediocres."
Fernando Pessoa, como aliás outros da geração dele, foram vítimas disso aí: "A mediocridade de
um país, que não obstante eles amavam e amavam profundamente". Mas ao mesmo tempo aquele
negócio está podre, então, a única coisa que você poderia celebrar não existe mais....
Camões já era assim, pois, quando ele fez "Os Lusiádas", já se tratava de um passado próximo.
Ele já se lamenta pois ele diz que no tempo dele:
"Portugal vive numa apagada, fera e vil tristeza." Já era um poeta épico de um treco que já
aconteceu e que no tempo dele não era mais nada.
Essas grandes epopéias, elas marcam o ínicio de alguma coisa e nunca o fim. Só a epopéia
portuguesa é que marca o fim. Um país produzem os épicos quando ele está surgindo, é um
momento de grandeza.
Camões não foi assim, ele escreveu um épico de Portugal rapidinho antes que acabe. Fernando
Pessoa que surge depois de 4 séculos, mais ou menos com uma vocação similar. O quê que ele
pode sentir? A não ser, um palhaço, um homem deslocado da história. Que não quiz optar pelo
suicídio, como seus amigos, nem ficou louco. Não ficou louco, mas ficou lá cuspindo na própria
cara até o último dia.
Camões é um épico funebre, um épico que fala das glórias passadas de Portugal.
Se vocês pegam o épico americano Walt Witmam: "As Flores da relva", não tem comparação, é
um poema épico de um país que está com 50 anos, um país que está começando...
Tem uma série de coisas que você tem que saber a respeito da história de Portugal, e o próprio
Fernando Pessoa é que vai te dar as dicas. Procurem uma biografia escrita por João Gaspar
Simões, essa biografia é muito boa. Esse Antonio Quadros deve estudar o Fernando Pessoa sobre
este aspécto, pois, ele é um autor de importantes estudos sobre o "Mito Sebastianista". Um dos
melhores poemas de Fernando Pessoa é o de "Dom Sebastião". Este poema não fala de Dom
Sebastião em nenhuma linha do poema, só chama Dom Sebastião rei de Portugal:
" Louco sim, louco porque quis grandeza, a qual a sorte a não dá...."
Fernando Pessoa é um homem extremamente deprimido , mas a depressão patriótica como tantos
portugueses tem. Só que ele talves seja a expressão mais plena dessa " depressão nacional
portuguesa".
" História de Portugal"
Dom Sebastião foi um rei que morreu numa batalha, depois disto criou-se uma lenda dizendo que
ele não tinha morrido, mas que ele ia voltar. E tem muito português que acredita nisto até hoje, e
o Fernando Pessoa acreditava nisto piamente: "Dom Sebastião ia voltar do além" (Antonio
Quadros tem um importante estudo sobre isto).
Portugal dominou militarmente o mundo. Tomou a Africa, a Asia, as Américas... tomou tudo no
tapa. Veja o país não tinha nem gente suficiente: para cada português que existia, existia do outro
lado 100, 200, 1000 pessoas. Ele como um povo militar, foi o povo militar mais impressionante
de toda a história, só sabia dar tiro, cortar cabeças... Então, ele tomou tudo e ficou com nada. Ele
ia com as bombas, e o Inglês ia atras com o talão de cheques (o inglês ficava com tudo).
Portugal não se recuperou disto até hoje, e nem vai se recuperar, quando é que vai ter outra
chance? É um país trágico!
Era um povo militar que não tinha capacidade para administrar os territórios conquistados.
Tomava os territórios, e depois de dois séculos colocava lá uma administração colonial.
Quando Portugal invadia os territórios, saqueava tudo, levava para Portugal e depois gastava tudo
comprando coisas na Ingleterra.
Onde acaba o poder militar, aí acaba o gênio português. Por quê que foi assim? Isso ocorreu
porque Portugal surgiu como Estado Militar, ele foi formado pelo rei. Lá não houve o
feudalismo, essa Idade Média Feudal, nunca houve uma aristocracia independente. O rei tomou
conta de todo o mundo porque ele tinha o exército, então, o exército era o país. Isso já em 1300.
Portugal foi o primeiro Estado Nacional que surge, um Estado independente. Surge baseado
todinho no exército.
Portugal nunca teve uma consciência étnica " é o povo menos racista do mundo", aliás, eles nem
sabem de onde eles vieram, já é tudo uma mistura, uma salada.... Lá vocês veêm pelo menos três
raças: Uma de origem européia, os Arabes e os negros, além do que, existia um número
assombroso de Judeus.
A nação portuguesa foi formada pelo Estado Português, o qual era o rei, o qual era o exército
Português. Se vocês verem no Brasil foi a mesma coisa. O Brasil foi formado pelo Estado, teve
Estado antes de você ter a sociedade civil.
A única preocupação de Fernando Pessoa era " Portugal".
Aluno:-- Agora eu quero chegar no seguinte ponto: Se o Fernado Pessoa tivesse empacado na
camada 4, como seria ?
Olavo:-- Ele poderia ter empacado na camada 4, e viver falando de Portugal. Só que aí ele criaria
um outro Portugal, que seria uma mera projeção da personalidade dele. Para ver se isto
aconteceu, você vê se o Portugal, do qual ele fala, é o mesmo do qual os outros falam, ou se é um
que ele próprio inventou . A problemática portuguesa de Fernando Pessoa é igual a de todos os
outros, então, não é projetivo, ao contrário, é introjetivo. É uma incorporação de um valor, e para
haver esta incorporação, ele teria que ter chegado na camada 10 ou 11.
Edmilson: -- O que me chamou a atenção em Fernando Pessoa, é que ele sempre faz referência a
respeito de ter "uma obra a realizar". Uma extrema preocupação, uma insistência com esta "obra
a realizar".
Olavo: -- Havia uma problemática de Futuro....
Edmilson e Marly: --Sim nós percebemos isto.Ele sempre dizia que tinha uma coisa maior para
fazer.
Olavo:-- Essa "coisa maior" que ele se sentia guiado é a mesma...
Edmilson:-- Da tentativa de contribuir com a humanidade? Olavo: --Não é a obra dele para a
humanidade, mas sim "Portugal". Ele quer tentar, através da obra dele, fazer com que isto seja
um aspécto, um prolongamento, uma consequência do seu país. ( Portugal)
Vemos isso em Dostoievsky, ele vizava expressar com sua obra: "A missão evangélica da Russia
no mundo"
Temos tanto em Fernando Pessoa quanto em Dostoievsky essae patriotismo misturado com uma
aura mística. Em Dostoievsky é flagrantemente religioso, no caso de Fernando Pessoa é
Histórico-épico. Seria o caso de você perguntar: Qual é a relação da missão de Portugal com a
religião? Fernando Pessoa não era religioso, era flagrantemente anti-católico.
Como é que um sujeito anti-católico pode ele levantar a bandeira, e dilatar a fé e o império? Que
coisa estranha. Se ele era contra a religião, que ajudou a defender o país, como é que ele se sente
"A vóz de Portugal"? Isso é um conflito.
Fernando Pessoa tem uma mentalidade épica, mas não está no tempo de epopéia, e ao mesmo
tempo, ele está profundamente desligado de uma das tradições nacionais: A religião Católica. É
com esses conflitos que você irá formando traços.
Tudo o que pareça estranho, esquizito, contraditório, isto é o que mais nos interessa. Os traços
caracterológicos se descrevem como um " jôgo de forças ". O que nos interessa na vida do sujeito
é o seguinte:" O quê" que estava em conflito contra " o quê ". Se você conseguir equacionar uma
vida toda num único problema, você será o maior biográfo da história.
" A transcendência da vida puramente biológica é a definição do homem "
Está faltando é material para vocês completarem esses trabalhos. Vocês precisam ler muito sobre
os seus biografados. Para isto é preciso um interesse profundo. Se um personagem não te
agradou, se a coisa não te entusiasma, você não vai muito longe.
Em geral, não existe um entusiasmo, enquanto a gente não percebe o quê aquilo tem haver com a
gente. Que os nossos problemas tem haver com a gente, é evidente que tem. Porém, a capacidade
de você captar outras vidas humanas, e ver, a relação que tem, ou por diferença, ou por
aproximação, ou por contraste... com a sua vida. Isto aí é a base da "compreenssão humana".
Se um sujeito sabe que o seu semelhante tem haver com ele, e ele só sabe o seu próprio problema
refletido no espelho da sua própria alma, e da sua própria imaginação. O quê que ele é? Ele é um
IDIOTA. É um cara que fica no mesmo ( só capta ele ), não vê o outro.
Todos nós até a adolescência somos "IDIOTAS": Só pensamos em nós mesmos. Mas chega um
dia em que nós entendemos, que não podemos nos compreender jamais, a não ser que nos
esqueçamos de nós e nos percamos no outro.
No dia em que você achar que alguma pessoa é mais interessante que você, prestar bastante
atenção nela, talvez você acabe sabendo alguma coisa a seu respeito.Se você é astrólogo,
psicólogo, você vai viver disto, ou então, você vai ficar lendo o mapa do outro, mas falando de
você mesmo: --Olha, do seu mapa eu não sei, mas eu estou com problema: Me dói aqui, mamãe
não gostou de mim, papai era um chato, minha mulher pior ainda, meus filhos só dão
despesa....enfim, eu estou cheio de problemas. Agora, você paga a consulta e me ajuda a resolver
esse problema...
Não pode acontecer isto aí. Você tem que esquecer de você, se transcender ( deixar de viver
dentro da mesmice )e, encontrar o outro como verdadeiro semelhante na sua diferença. Isto aí é o
destino humano ( transcender-se, ir para fora de si).
Essa é a definição do ser humano: Ir além do seu limite biológico.
O valor de um homem se mede por aquilo que ele dedica à vida dele. Dedicar é dar, a vida não
lhe pertence.
Ex: A mãe que dá a vida pelos seus filhos. Ela já se auto-transcendeu nisto aí. Você diz:- -É
muito pouco. É muito pouco, mas já é algo real.
Você se dedicar e deixar a sua vida queimar feito um pavil, ela vai ser queimada (gasta) por
alguma coisa. Mas se você disser que o seu interesse é você mesmo( um interesse que você já
tinha ), então, você é um IDIOTA. É o mesmo que queimar o mesmo.
O sujeito trabalhar nessa coisa de astrologia, e não sair dessa IDIOTICE, então, ele merece ser
esmagado por uma moto-niveladora. Você tem que se perder no seu cliente, no seu aluno...é
evidente. O conhecimento dele por ele mesmo, deve ser um objetivo, que para você naquele
momento, é muito mais importante do que qualquer problema que você possa ter.
Para quê devemos fazer isto? Isto é próprio do ser "humano", ele ir além do biológico, ir além do
necessário a sua subsistência. O homem tem forças a mais.
Esses biografados que vocês estão estudando, são pessoas muito interessantes, que conseguiram
ir além, muito além do biológico.
Exemplo: Pense bem! Se chegar no seu consultório uma típica "Dona" de classe média com
problemas padronizados, você vai se interessar por esta "Dona"? Mas se você nem se interessa
por Dante, Goethe, Lincon etc.... Com é que você vai se interessar por esta "Dona"? A não ser
que você diga que é por interesse "erótico" ou "financeiro" (preciso que ela me pague a consulta).
Aí você volta para o biológico. Você cai nos dois maiores "motores" da humanidade: " Sexo e
dinheiro". Isto é natural, aliás é tão natural, que só pode ser estritamente natural. O homem foi
feito para muito mais, pois comer e trepar qualquer animal se interessa por isso. Você vai viver
para comer e procriar. Se nós vivemos para isso, para quê que você precisa ter inteligência
Universal, o dom da palavra, a razão, a cultura etc... Já pensou, o sujeito estudar pra caramba,
para depois fazer só essas duas coisas. Isso seria um desperdício formidável!
3-) Exemplo: "Arthur Koestler"
Paulo: --Tem uma coisa que eu percebi no estudo: um ego-altruísmo, que seria uma ligação entre
eu e o personagem, isto partindo do drama: O homem tem todo este aparato muito mais complexo
do que a gente necessita. Seria uma potência, só que se não for desenvolvida, vira um caos de
forças que os outros animais nem podem imaginar. No meu personagem de estudo, eu consegui
fazer uma ligação, a partir do momento em que eu vi que sou apenas mais um....
Olavo:--No Arthur Koestler tem um monte de traços que você pode ir anotando já:
1-) Ele mudou de vida uma porção de vezes. Ele começa a fazer uma coisa, vai até um certo
ponto, daí vem uma crise e ele começa a fazer outra coisa completamente diferente. Ele muda de
país, muda de lingua, muda de partido político,muda de ocupação, muda de mulher (ele casou
umas 15 vezes).
2-) Muitas vezes ele muda de vida para destruir uma coisa que ele estava fazendo.( ele estava
construindo e ao mesmo tempo botando uma bomba embaixo). Só depois ele percebe que havia
uma conexão.
Tem várias pessoas que vive várias vidas, mas tem muitas maneiras de você fazer isto:
Por absorção consciente, é o caso de Goethe. Goethe vai vivendo por etapas, ou seja, ele absorve
conscientemente cada uma delas, vai se construindo. Ele sabia que ele estava fazendo uma coisa e
que ia ser alguma coisa no fim. Como se ele tivesse sub-conscientemente um plano: O quê que eu
vou ser quando crescer. Quando eu ficar pronto, como é que eu vou ser. Ele constroi a própria
vida como um artista.
No caso de Arthur Koestler ocorre uma crise repentina, que destrói tudo o que ele vinha fazendo.
As vezes ele é levado por acontecimentos imprevistos do mundo exterior, cujo sentido ele acorda
( um acontecimento faz o sujeito acordar), para algo que estava na cara dele e que ele não via.
Exemplo: Quando ele esteve na União Soviética (ele era comunista nessa época), ele viu que em
todas as estções que o trem parava: um monte de mães vinha trazendo os filhos (crianças de
colo), pedindo que as pessoas os levassem para lhes dar uma vida melhor em outro lugar. Ele diz
que viu isto, mas isso não fez ele mudar de idéia, não tirou a fé no comunismo.... Isso ficou como
um dado registrado, uma excrescência. Anos depois, repentinamente juntou tudo isto, formou um
quadro e ele disse: "É o negócio é uma droga mesmo."
Cada momento, cada etapa de sua vida ele vive intenssamente. Ele se entrega totalmente à aquilo
que ele está fazendo ( nào pensava nem no antecedente, nem no consequente), depois é que ele
via que deu tudo errado. Quando ele foi ficando velho, é que foi somando essas coisas, e no fim
tirou a conclusão final: Se matou.
Para ele a vida não deve ter sido o que ele queria, mas para nós ele deixou uma grande obra.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 74 - 07/12/91

" O problema da explicação astrológica"


A astrologia está numa situação aflitiva, porque o problema astrológico é muito sério e, eu disse
que algum dia alguém ia chegar a conclusão: " A astrologia é um problema muito sério para ficar
na mão dos astrólogos". Isso já está acontecendo.
Na Inglaterra, o astrônomo Percy Seymour escreveu um livro: "Astrology: The evidence of
science". Através de leituras que ele fez do livro do Michel Gauquelin, e viu que ali tinha um
fato, e esse fato requeria uma tentativa de explicação científica. Ele bolou uma teoria explicativa
astrológica inteira , para tentar explicar por quê que acontece asse fenômeno. Resultado: Ele fez
uma teoria científica completa, baseado no fenômeno de "Ressonância Magnética ". Criou um
modelo cósmico em miniatura, na base da ressonância magnética, já matemáticamente
expressado, já com método de verificação e com a verificação feita.... enfim, matou o problema.
Isso quer dizer que a primeira teoria astrológica . desde o tempo de São tomaz de Aquino, não foi
feita por astrólogo, e a última teoria " Percy Seymour", também não foi um astrólogo quem fez.
A pesquisa Gauquelin, também não foi feita por um astrólogo . Em suma: " O astrólogo não faz
coisa nenhuma em matéria de astrologia ".
O livro do Percy Seymour foi um escandálo no meio astrônomico da Ingleterra. Percy Seymour é
um decano da astrônomia inglesa. Não precisamos nos preocupar em verificar se a sua teoria está
errada, pois, os astrônomos estão tentando derruba-la em vão. Isso é sinal que a teoria é
obviamente conscistente.
A teoria começa demonstrando que:
a) A ressonância magnética é uma coisa reconhecida em toda a natureza.
b) Ele começa a demonstrar isto em modelos pequenos: Um corpo qualquer tem uma ressonância
magnética em qualquer outro corpo, que esteja perto dele.
c) Ele vai ampliando estes modelos, até chegar ao sistema solar.
De qualquer modo, essa parte da explicação causal do fenômeno, isso aí, escapa completamente
da minha área de interesse. A astrologia pura deveria abarcar dois setores:
1-) A epistemologia da astrologia ( saber realmente o quê que é o problema astrológico , e por
onde atacá- lo)
2-) Logo após, ela se desdobraria : a) Uma parte descritiva ( que é o quê interessa ao astrólogo).
b-) Uma parte explicativa. A parte descritiva independe da parte explicativa, embora, o contrário
não aconteça. Ex: Pesquisa Gauquelin ( astrologia descritiva )
A astrocaracterologia é uma parte da astrologia descritiva. Para nós, a teoria explicativa, quer ela
esteja certa ou errada, não alterará em nada a astrocaracterologia . A teoria explicativa é um
problema para a astrologia pura.
A fundamentação do fenômeno astrológico mudaria o curso da história . Tornando Ipso- facto: A
astrologia será a ciência central do século XXI.
ASTROCARACTEROLOGIA AULA: 75 - 08/12/91

Texto: "Investigações Lógicas"


( Edmund Husserl )
A concepção dos fins de uma ciência encontra sua expressão na definição da mesma. Não
queremos dizer, naturalmente, que o cultivo frutífero de uma disciplina exija uma prévia e
adequada definição do conceito de seu objeto. As definições de uma ciência refletem as etapas de
sua evolução. Não obstante, o grau de adequação das definições exercem tembém seu efeito
retroativo sobre o curso da ciência mesma; e este efeito pode ter sobre o curso evolutivo da
ciência influxo escasso ou considerável, conforme a direção em que as definições se desviem da
verdade.
O reino da verdade divide-se, objetivamente, em distintas esferas; as investigações devem
orientar-se e coordenar-se em ciências em conformidade com essas unidades objetivas. A
inadequação da delimitação ( de uma ciência ) pode consistir meramente em que, no começo, se
conceba a sua esfera de um modo demasiado estreito em relação ao dado, e que as concatenações
dos nexos fundamentais ultrapassem a esfera considerada. Incomparavelmente mais perigosa é a
" confusão de esferas ", a mescla do heterogêneo numa presumida unidade, sobretudo quando
radica numa interpretação completamente falsa dos objetos. " Uma Metábasis éis állo génos "
assim inadvertida, pode ter os efeitos mais nocivos: fixação de objetivos falsos; emprego de
métodos incomensuráveis com os verdadeiros objetos da disciplina; confusão de camadas
lógicas, de mode que as proposições e teorias fundamentais, ocultas, sob os disfarces mais
singulares, vão perder-se entre séries de idéias estranhas, como fatores aparentemente
secundários ou consequências incidentais.
" Comentário "
Nós vamos pegar esse texto e aplicar em dois exemplos:
1-) O estudo do homicídio (homicidologia).
2-) A astrologia ( em geral ) e o caso da astrocaracterologia ( em particular).
Ele começa dizendo o que é necessário para você começar uma ciência: "definir o seu campo.
Mas na verdade nem é preciso definir. A ciência começa mais ou menos aos trancos e aos
barrancos. Se você estudar a origem de qualquer ciência verá que dificilmente alguém havia
delimitado o campo perfeitamente antes de atacar o objeto. Na medida em que esses
conhecimentos vão adquirindo uma consistência ( uma unidade), então, aí passa a ser necessário
definir claramente a ciência para que as investigações futuras não se desviem do seu objetivo. Em
seguida ele diz:
" O reino da verdade divide-se, objetivamente, em distintas esferas "
Isso quer dizer que a divisão das ciências, conforme as suas várias denominações, não reflete
apenas um arbitrio humano ( não reflete o desejo que o homem tem de encarar as coisas por este
ou aquele lado), mas segundo Hursserl, reflete uma exigência dos objetos mesmos. Cada
fenômeno envolve vários aspéctos que estão objetivamente separados.
Exemplo: " O Homicídio "
Um sujeito chega e dá um tiro no outro. Esse fenômeno que é um fato concreto, é concreto
porque nele todos os seus aspéctos aparecem juntos ( eles convergiram no mesmo momento e no
mesmo lugar). Nós podemos ver, por exemplo:
a) Um homicídio não acontece sem razão.
b) Para cometer um homicídio é preciso uma arma. Como o homicida adquiriu esta arma? De
onde saiu esta arma?
Isso aí faz com que a simples presença da arma nas mãos desse sujeito esteja ligada a uma
complexa rede de fatores sociológicos, que também fazem parte daquele acontecimento:
Como foi que ele adquiriu a arma: ele comprou, ganhou, roubou.... A arma era licenciada ou foi
adquirida no câmbio negro. O certo é que se um único desses fatores faltasse, a arma não iria
parar na mão dele, ele não teria cometido o homicídio. Pergunto eu:
-- O quê que um motivo psicológico ( de um individuo matar o outro) tem haver com os fatores
sociológicos que permitem que ele possua uma arma? Absolutamente nada.
Entendemos que esses dois fatores:
O fator psicológico que determina a prática do homicídio e, o fator sociológico que permita a
posse da arma, são objetivamente desligados entre si. Eles não tem nenhuma conexão. A conexão
deles é incidental, ou seja, coincidiu que no mesmo momento, na mesma ocasião, o sujeito que
tinha um motivo para matar, pôde dispor também dos meios para matar. Mas a concatenação de
causas que produzem os motivos psicológicos, é totalmente independente da concatenação de
causas que permita a existência e presença do instrumento.
Esses dois aspéctos não esgotam o assunto evidentemente. Porque se a bala matou o sujeito é
porque:
a) Ou o atingiu num ponto vital ( coração, rins, figado...).
b) Ou o sujeito estava muito debilitado.Portanto qualquer ferimento poderia ser fatal.
Nos dois casos, entra em jôgo um processo fisiológico que leva o sujeito à morte. Este processo
fisiológico é independente: dos motivos psicológicos ( que moveram o assasino) e dos motivos
sociológicos ( que colocaram a arma na mão dele). Este processo fisiológico representa uma outra
concatenação de causas perfeitamente independentes dos outros dois processos:" psicológico" e "
sociológico".
Ainda existe mais um fator: Para que a bala atingisse o sujeito é necessário ver:
a) A potência da bala.
b) A distância em que ela foi disparada.
c) A força do impacto quando a bala atingiu o sujeito.
Nós aí dependemos de fatores de ordem física, que são estudados pela ciência da balística.
O quê que a potência da bala, a sua força de impacto etc etc..., tem haver:
1-) Com os motivos psicológicos do homicídio.
2-) Com as causas fisiológicas da morte.
3-) Com os fatores sociológicos que permitiram que o individuo possuisse o instrumento do
assasinato.
Esses três fatores nada tem haver com os fatores de ordem física ( potência da bala, força do
impacto).
Todos esses fatores são destacáveis, são ordens de causas objetivamente separaveis.
O quê que nós chamamos de " fato concreto "?
Fato concreto: é aquele fato, no qual todas essas ordens de causas objetivamente separáveis, sem
conexão intrinsêca umas com as outras, coincidem num determinado momento e lugar para
produzir um evento.
Então, nós entendemos que nenhuma ciência pode estudar nenhum fato concreto. Porque o fato
concreto, por definição, ele ajunta linhas de causas que não tem nada uma que ver com as outras,
e que portanto não tendo conexão entre si, não podem ser reduzidas a uma explicação teórica
única e central. Não podem ser remetidas a uma causa única.
Exemplo: Se você diz: --A causa única foi o arbítrio do assassino. Eu digo: --Não. O arbítrio do
assassino não produz as leis da balística, não produz as leis da fisiologia e não produz o
fenômeno sociológico que permite que o assassino possua uma arma
Por mais que você se esforce, você não consegue reduzir essas várias linhas de causas à uma
causa fundamental única, a não ser que seja uma causa de ordem metafísica: aconteceu por que
Deus quiz. Porém, essa explicação também não explica nada porque: Se Deus quis como é que
ele fez para as coisas acontecerem? Então, isto não explica nada.
No caso da homicidologia nós poderiámos, segundo Hursserl, errar por dois lados:
1-) Por ter delimitado o campo dessa ciência de uma maneira demasiado estreita. A concatenação
das causas acaba ultrapassando o campo que nós delimitamos.
2-) A confusão das esferas.
Como seria o primeiro êrro? Se nós definissemos que essa homocidologia como uma ciência que,
estudando o crime, enfoca o processo letal: porque que a vitima morre. Aonde começaria esse
processo letal? A partir do momento em que a bala entra ou a patir do momento em que a bala é
disparada?
Se nós dissemos assim teremos que entender que , o impacto da bala e os efeitos da bala no corpo
da vitima, implica variedade de impacto diferentes que tipos de balas diferentes podem ter no
corpo da vítima. Exemplo: Bala dum-dum, bala envenenada, bala de calibre 32, 38, 45....
Esse estudo para chegar a bons resultados, precisaria levar em conta o tipo de bala. Porém o tipo
de bala, segundo nós definimos a nossa ciência, está fora do dominio do campo que nós
delimitamos. É precisamente o caso em que a concatenação das causas fundamentais, ultrapassa o
dominio delimitado.
Qual seria o exemplo do segundo êrro, a confusão de esferas?
Seria o que exatamente aconteceria se nós juntássemos os vários aspéctos do homicídio
( psicológicos, fisiológicos, sociológicos...), tentando reduzi-los à uma causa única. Se nós
forjássemos uma unidade essencial para uma coisa que só tem unidade acidental:
Exemplo: Dizendo que o homicidio aconteceu, porque esses vários processos causais que se
juntam no momento do homicídio, se ajuntaram ali por vontade do assassino. Isto não bastaria.
Precisa de uma série de coincidências que o ajudassem a cometer o assassinato. Então, se
tentássemos reduzir toda essa multiplicidade de linhas causais a uma causa única, não
encontratiámos essa causa única jamais. Isto deria uma unidade presumida ( uma falsa unidade).
Essa falsa unidade se basearia, então, numa concepção falsa da natureza do objeto. Estariámos
tratando o homicídio com se ele fosse uma unidade, e não apenas um fato. Nós estariámos
tendando dar uma unidade essencial a uma coisa que só tem unidade acidental.
Como é que nós aplicariámos isso à astrologia em geral tal como os astrólogos a praticam?
Exemplo: O astrólogo diz: "Quando Saturno passa pela casa X ":
1-) Você tem problemas com seus superiores no emprego.
2-) Você se sente humilhado e quer afirmar, artificialmente, o seu poder.
3-) Você tem doença nos ossos.
4-) Você pode padecer de anemia.
5-) Você pode ter problemas matrimoniais.
6-) Podem lhe dar um cargo ( ou uma responsabilidade) que ultrapasse a sua capacidade.
O quê que o astrólogo está fazendo?
Ele está atribuindo uma pluralidade de eventos diferentes a uma só causa, que é a presença de
Saturno na casa X.
Como é que Saturno poderia agir, ainda que supuséssemos que ele pode agir em todas essas
esferas disdintas (e de fato ele pode), ele não pode agir lá pelos mesmos meios.
O processo causal pelo qual você demite o sujeito do emprego, não é o mesmo processo causal
pelo qual você provoca uma doença nos seus ossos. Mesmo que Saturno pudesse fazer essas duas
coisas, ele teria que fazer isto desencadeando processos diferentes em esferas diferentes. Nenhum
desses processos poderia ser desencadeado sem a interferência de outras causas. Seria preciso que
a presença de Saturno na casa X coincidisse com a presença de outras causas já desencadeadas,
ou que se desencadea-se naquele momento.
Exemplo: Se o sujeito não tivesse emprego, ele não poderia ser demitido. Seria preciso que ele
tivesse o emprego antes. Quem foi que colocou ele no emprego? Saturno na casa X, isso não
pode ser porque chegou só agora na casa X.
Este é um caso típico de "unidade presumida" ( falsa unidade). É uma unidade que ultrapassa,
formidávelmente, a linha causal percorrida.
De todos esses múltiplos efeitos, causados por Saturno em tal lugar, sómente um ou dois devem
estar referidos a presença de Saturno. Se é que Saturno faz alguma coisa quando passa na casa X
ou em qualquer casa, ele não pode fazer tantas coisas.Mas é necessário que ele faça uma. Alguma
influência ele tem que ter, para que essa influência, cruzando com outras causas, possa ter um
efeito.
Qual é a ação própriamnte dita do Saturno na casa X? Não sabemos ainda.
Vamos supor que estivesse certo o Dr Seymour : Se ele dissesse que, por um fenômeno de
resonância eletromagnética, a presença de Saturno em tal ou qual lugar causa uma alteração
eletromagnética no sujeito, a qual provoca imediatamente uma alteração psicológica, a qual, se
coincidir com determinadas circunstâncias, provocará esta ou aquela consequência na esfera
social, de convivência etc etc....
Ao planeta Saturno nós só podemos atribuir uma alteração: a alteração eletromagnética. O resto
depende de outras causas que podem ou não estar presentes e, que portanto, não fazem parte da
astrologia.
Exemplo: Eu quero estudar os efeitos da privação de alimentos no organismo. Eu vou chegar a
descrever uma série de processos que são desencadeados no organismo a partir da privação de
alimentos, mas cujo efeito final, sobre o individuo, depende de uma infinidade de causas que
nada tem haver com fisiologia, entre as quais:a)O motivo em que ele está sem comer.( ele é um
faquir, está fazendo greve de fome).
b) O lugar onde ele está sem comer.
Se o sujeito ao definir a ciência da fisiologia quisesse abarcar nela essa pluralidade de
circunstâncias diferentes, fizesse uma espécie: " Fisio-sociologia politico psicológica " Que
explica porque o sujeito está passando fome, que resonâncias isto tem sobre o meio social etc
etc... e, finalmente, por quê que a fome mata. Ele estaria fazendo uma unidade presumida e falsa.
Quando o astrólogo procura enumerar todas estas causas diferentes da posição de Saturno no
mapa, ele está fazendo a mesmissima coisa. De todas estas causas, que ele falou, só uma ou
algumas poucas é que são astrológicas. Só umas poucas causas é que podem ser referidas
diretamente a posição planetária naquele lugar. E as outras causas? Dependem da concomitante
presença de outras causas, que são absolutamente irredutíveis a qualquer implicação astrológica.
Quando a astrologia surgiu entrou no caso de um mundo oculto. Não foi necessário definir
perfeitamente o campo para poder fazer progredir a ciência, foi possível fazer com o campo
confuso durante muito tempo. Porém, a medida em que foram acumulando conhecimentos
factuais, o quê acontece? Quanto mais conhecimentos a astrologia adquire, mais é necessário
delimitar o campo para que este crescimento não seja de natureza cancerosa : ( acabe abarcando
fatos que nada tem haver com o assunto). Foi exatamente o quê aconteceu.
Exemplo: A presença do planeta Saturno nesta ou naquela casa, pudesse desencadear efeitos nas
suas vidas futuras. Isso não é um pouco extravagante? Se é vida futura, você vai ter que nascer de
novo, você vai ter um novo horóscopo. Pergunto: Foi este horóscopo que causou o horóscopo
seguinte? Na próxima encarnação você nasce no dia tal a tantas horas, porque nesta encarnação
você nasceu no dia tal a tantas horas e na anterior..., ou seja, no fim das contas você tem um
horóscopo só que vai atravessando séculos. Será que é a isto que estão se referindo? Se é assim,
como é que nós explicariámos o seguinte fato: O Dr. Jung um pouco antes de ele morrer, ele
estava estudando astrologia e falou com a filha dele: --Puxa! Esse negócio aqui é tão terrível que
funciona até depois da morte. Ele falou isto e morreu dois dias depois. A filha continuou
observando que quando aparecia: " Homenagem a o Dr. Carl Jung em tal universidade" ,tinha
alguma coisa no mapa dele. Quando aparecia: "Edição das obras completas póstumas do Dr. Carl
Jung ", tinha alguma coisa no mapa dele.
Das duas uma: ou a sua vida póstuma continua dependente do horóscopo anterior e portanto o seu
novo nascimento será indiferente ao novo horóscopo, ou o novo horóscopo tem alguma
importância. Isso é um exagêro caricatural, não precisamos chegar até aí.
Mas o simples fato de, o astrólogo, interpretar as posições planetárias em vários domínios
diferentes, simultâneamente referidos todos à uma mesma causa, já é uma extensão cancerosa do
domínio da astrologia, Ou seja, isto não é astrologia. Isto não nada tem que haver com a
astrologia, ou tem que haver acidentalmente. Tudo tem que haver com a astrologia, porque tudo
pode ter que haver com qualquer coisa.
Exemplo: Existe algum fenômeno psico-sociológico que aconteça com você que não tenha uma
concomitância fisiológica qualquer? Não. Qualquer alteração: Se o sujeito casa, se ele perde o
emprego ou separa da mulher.... Tudo tem uma concomitância fisiológica.
Nós podemos estudar o estado fisiológico do sujeito, e a partir dele dicernir leis sobre, se ele tem
emprego, se ele casou bem ou mal ? Não é absurdo! Se é absurdo para a fisiologia, então,porque
não seria absurdo para a astrologia.
Por quê que o astrólogo faz esse exagêro?
É porque a astrologia foi definida errada. Eloa foi definida como: " O estudo da influência dos
astros sobre os homens ". Ela foi definida inicialmente de modo demasiado estreito. Prestem
atenção:
Se você diz: " Estudo da influência sobre os homens" O quê que você quer dizer? Você vai
enfocar o seu estudo fundamentalmente naquilo que interessa para o homem. O quê que interessa
para o homem? A sua vida, a sua biografia, o seu destino.
O quê é o nosso destino? É o que nós fazemos e o que nos acontece. ( nós casamos, arrumamos
emprego, perdemos emprego, etc...)
Tendo definido a astrologia, inicialmente, de modo demasiado estreito. Tendo enfocado, portanto
, aquilo que interessava fudamentalmente ao homem como um ser biográfico. A astrologia , ao
longo do tempo, foi obrigada à apelar para uma multiplicidade de fatos que, interessando ao
destino humano, pouco ou nada tem haver com astrologia. Por força de uma definição,
inicialmente, demasiado estreita,estes fatos acabaram de ser englobados na definição da
astrologia ,a qual se tornou demasiado ampla.
Ao começarmos o curso nós definimos: " A astrologia é o estudo da relação dos eventos celestes
e terrestres de qualquer natureza"
1-) Isto permite um campo suficientemente amplo.
2-) Isto exclui deste campo tudo o que não tem relação com as posições planetárias. Tudo que
depende de outras causas.
Aquilo que faz parte da astrologia faz parte quer interesse ao destino humano quer não interesse.
Ex: O estudo da influência astral sobre as minhocas é tanto astrologia quanto o estudo da
influência psicológica dos astros.
Por um lado essa definição é mais ampla e por outro lado é mais restrita.
No caso da " astrocaracterologia " em particular: O setor que nós decidímos enfocar é um setor
que interessa ao ser humano: " O cárater ". Agora se nós definirmos que: " Cárater é destino
" ( conhecendo o seu cárater eu posso prever o seu destino). Então, o estudo astrológico do
cárater passa a ser o estudo do destino humano. Daí voltamos ao êrro anterior, ou seja, alargamos
formidávelmente o campo.
Primeira coisa que nós temos que constatar: " O cárater não é destino " O destino é determinado
por uma série de fatores dos quais o cárater é sómente um. Primeiro serviço: Delimitar o que é
cárater e o que não é. Reconhecer a esses outros fatores do destino a sua devida importância.
Porque senão nós teremos que referir ao cárater, tudo o que o sujeito faz e tudo o que lhe
acontece. Ora, mas se tudo o que eu faço e tudo que me acontece depende do meu cárater, então,
àquele que me faz alguma coisa, aquele que me dá um presente ou me dá um tiro; ele está agindo
em função do cárater dele ou do meu cárater? O meu cárater é a causa dos seus atos? Quer dizer,
você bate a minha carteira porque eu tenho um cárater de otário, e não porque você tem um
cárater de batedor de carteira. O cárater poderia ser destino se existisse só um ser no mundo,
então, se ele é um ser único evidentemente ele é a causa de tudo o que lhe acontece. Mas como
existem vários seres, e eles agem uns sobre os outros, então, algumas coisas que me acontecem
devem prover do meu cárate e outras devem prover do cárater de quem fez acontecer. Agora se
eu disser: --Ah, mas você cruzou com esse sujeito, na sua vida, porque estava no seu cárater, e
também porque estava no cárater dele. Então, existe uma prédeterminação. Isto resolve o
problema? Não. E porque que não resolve? Se estava prédeterminado que eu, que tenho um
cárater de otário, cruzasse com você que tem um cárater de batedor de carteira, então, é evidente
que não foi o meu cárater sozinho que decidiu isto.
Nenhum ente pode, por sua própria constituição, ser a causa única de uma relação dele com outro
ente.
Isto aí nos mostra, de maneira clara, que nenhuma relação de dois pode estar decidida
unilateralmente no cárater de um, mesmo que tivesse prédeterminada. Portanto: "O cárater não é
destino de maneira alguma."
Se a astrocaracterologia é o estudo do cárater, nós temos que tomar por regra número um: O
cárater não faz o destino.
Nós temos de separar do cárater algumas ações que acontecem ao sujeito. Também é claro que
algumas ações são provenientes do cárater dele, mas outras coisas podem lhe acontecer sem que
ele se dispomha a nada.
Exemplo: Não entraram na casa da Célia e roubaram dois gravadores. Isto está no cárater dela?
Não. Foi o moleque que deixou a porta aberta. Então, está no cárater do moleque? Veja se é
possível: Está no cárater do moleque que ele vai expor a sua mãe à ser assaltada. Não é possivel
isto acontecer. Por quê isto não poderia estar no cárater do ladrão? Não seria ele o agente
decisivo? Neste caso você poderia punir as vítimas, porque as vítimas favorecem o crime: Você
foi assaltado porque você tinha dinheiro no bolso. Se você tem dinheiro no bolso, você está
favorecendo ao ladrão, se você está favorecendo ao ladrão, então, você é cumplice. E o ladrão?
Ah! O ladrão agiu por força das circunstâncias, o verdadeiro autor é você.
Tudo isso é um raciocínio solipsista, um raciocínio idiota. O sujeito só vê, ele mesmo como causa
do que acontece. Isto é o que se chama: " Paranóia megalômana"
A astrologia está virando uma fábrica de paranóicos.
Por quê que isto acontece?
É porque o fenômeno astral existe. Pois se ele não existisse, não seria preciso criar todo esse
charlatanismo em cima.
Onde está essa verdade, onde está essa pequena base veridica de toda esta falsidade, de toda esta
falsificação?
A pequena base consiste no seguinte: De que de fato existe alguma relação entre os eventos
celestes e terrestres. E o quê consiste a astrologia? Consiste em indentificar, descrever e, se
possível, explicar esta relação e não ampliar desmesuradamente o campo, estabelecendo
correlações entre causa astral e todas as infinitas concomitâncias que a coisa possa ter.
Supondo que a teoria do Dr. Seymour esteja certa, a alteração, que as posições planetárias
causam, é de origem elétromagnética. Sendo facílimo de entender, que à elas se seguem,
imediatamente e sem a interferência de outras causas, alterações fisiológicas. Se há uma alteração
de elétromagnetismo, a alteração fisiológica se segue imediatamente.
Exemplo: Se o planeta "X" está em tal casa, então, independentemente do que você comeu ou do
seu estado de saúde, vai acontecer uma alteração fisiológica quer você queira ou não. Essa
alteração poderá ser diferente conforme a interferência de outras causas, mas que não será
bloqueada por elas, e nem fundamentalmente alterada por elas.
Entendemos que os efeitos psicológicos das posições planetárias não são, diretamente, o objeto
do estudo da astrologia, mas sim indiretamente. Porque a alteração fisiológica que os planetas
exercem não depende de outras causa, mas as alterações psicológicas podem depender. No
sentido de que você, sentindo uma alteração, cujo motivo você não enxerga, mas que em última
análise é uma posição planetária, você pode reagir contra ela de diferentes formas.
Exemplo: Você pode comer mais ou comer menos: Pessoas que contornam uma depressão se
enchendo de comida. Elas estão deprimidas no fundo, mas não se comportam como deprimidas e
sim como glutões. O comportamento externo é completamente diferente de uma pessoa
deprimida e um glutão. Porém nem todas reagem comentdo mais, algumas se comportam com
deprimidas mesmo. Isto não pode ser determinado pelas posições planetárias.
Essa teoria das camadas da personalidade é a única que vai para frente, é a única que é possível
investigar nessa linha. As outras teorias todas que explicam: por sincronicidade, explicações
holísticas, em geral, não permitem uma investigação científica. Porque elas abordam o fato
concreto na sua concretude sem querer desmembra-lo nas suas concatenações causais diferentes,
o que torna impossível qualquer estudo científico. O holismo é a homicidologia. O holismo é
fundamentalmente errado. Ele pega a atitude natural do ser humano e tenta erigir em ciência.
Quando a ciência começa, justamente, na hora em que você se afasta da atitude natural.
Exemplo: A atitude natural seria à que corresponderia a ciência da história. O único aspécto
científico que nós podemos tirar da atitude natural, é a ciência da História. A história se interessa
pelo fato concreto, na sua multiplicidade simultânea de causas, tal como o fato aconteceu, tal
como ele se apresentou fenômenicamente aos demais seres humanos. Porém, a História só pode
contar o que já aconteceu e, não pode deduzir leis. Pois, tão logo deduz leis, deixa de ser História
e, começa a ser: Sociologia da História ou qualquer outra coisa. Se eu da História começo a
deduzir leis, eu não estou fazendo mais História e sim Sociologia da História. A atitude do ser
humano, é como se nós disséssemos: a atitude natural do ser humano é uma atitude histórica.
Essa atitude em si mesma não é científica. O holismo pretende que tudo deve ser encarado de
acôrdo com a postura natural do homem. A postura: é ver um fato concreto na sua concreção e,
misturar todas as suas causas na produção do fato concreto.
O holismo é a ciência do fato concreto. Portanto é a ciência que não existe. Toda a ciência é
abstrata, aliás todo o conhecimento é abstrato.
Exemplo: Na hora em que você vê um homem matando outro, e fica indignado. Você já fez uma
abstração, não fez? Por quê? Porque de todos os aspéctos: fisiológicos, balísticos, sociológicos
etc etc..., que convergem naquele ponto, você está com um: o aspécto moral. Isto quer dizer que:
até mesmo na atitude natural já existe um princípio de abstração. O quê me impressiona, no ato
do homicídio, não é a fisiologia do falecido, não é as leis da balística, mas é a imoralidade do ato.
E no entanto, isso é só um dos seus aspéctos mais ainda, é um aspécto posterior ao fato. ( porque
o julgamento moral de um ato é posterior a ele). De todo aquele fato concreto eu me interessei
não por ele, na sua concretude, mas por ele em um de seus aspéctos que, na verdade, é uma sua
consequência. Nós estamos toda hora escapando da atitude natural para termos uma atitude
moral, que já não é uma atitude natural.
O holismo vai levar, em última análise, a uma estupidificação do ser humano, que vai ficar
apatetado perante o fato concreto na sua multiplicidade, e vai ficar contemplando a unidade do
cosmo. Claro que o holismo trouxe algum benefício ( não tem nada que seja absolutamente mal
no mundo ). O holismo trouxe uma certa consciência da interdisciplinaridade. Porém, o quê é
interdisciplinaridade? É holismo? Ela é uma outra coisa.
A interdisciplinaridade é uma síntese voluntária, deliberada e racional de conhecimento. Ela não
é um retorno à atitude natural, ela transcende a atitude natural.
O processo científico se caracteriza por operar essas várias abstrações e depois reconstruir o
conjunto, sabendo: o quê que estava naturalmente junto e, o quê que estava naturalmente
separado.
Do conhecimento científico procede um outro tipo de conhecimento: " o conhecimento técnico ".
A técnica é uma arte de você pôr em movimento determinadas causas para produção de
determinados efeitos.
Isto aqui é fundamental: Existe alguma técnica que possa proceder de uma só ciência? Não. Toda
técnica ajunta ciências. Porque a técnica, se vai interferir na realidade, vai produzir um fato
concreto. Se ela vai produzir um fato concreto, vai ter que contar com a multiplicidade de causas.
A técnica é a arte de juntar, artificialmente, causas que naturalmente estão separadas, ou seja, ela
é exatamente o contrário da ciência.
Quê consequências tiramos disto para a astrologia. A interpretação de mapas, é uma ciência ou é
uma técnica? É uma técnica neste sentido de produzir artificialmente uma causa? Não. Então, não
é uma técnica neste sentido, ela é uma ciência. A interpretação de mapas, considerada em si
mesma, é uma ciência. Porém a leitura de mapas para o cliente é uma técnica e, nesse sentido ela
não pode ser baseada só em astrologia.
Na hora em que você vai ler o mapa, você vai ter que levar em conta fatores : astrológicos,
psicológicos, sociológicos etc etc.... Isto por definição. Seria impossível da astrologia, ou da
astrocaracterologia, deduzir uma técnica de leitura de mapa.
De tudo o quê nós falamos, nós tiramos uma regra prática: " A interpretação de mapa depende de
nós conseguirmos isolar os fatores astrológicos dos fatores não-astrológicos"
Trocando em miúdos: Para você compreender o mapa, você precisa conseguir separar o quê é
astrológico do que não é. Mas para você explicar aquilo para o individuo, você vai precisar
juntar, de novo, esses aspéctos: hereditários, sociais etc etc...
Dito isto, nós vemos que todo o problema consisti num só ponto: saber o quê é astrológico e o
quê não é. No nosso caso, mais particularmente, saber o que é astrocaracterológico e o que não é.
Nós entendemos o seguinte: que de tudo o quê compõe a personalidade humana, só dois tipos de
fatores podem corresponder aos astrológicos:
a) Aquilo que seja permanente e imutável no individuo e, que possa ser referido à uma estrutura
permanente, que é o seu horóscopo.
b) Aquilo que não sendo permanente é, não obstante, cíclico e repetitivo de algum modo.
Consequência prática: quando vocês que estão estudando essas biografias, só se interessem pelo
que se repete, ou pro aquilo que não muda nunca. Aquilo que não muda nunca, é aquilo que tem
que estar presente: na criança, no adolescente, no adulto e no velho, uniformemente.
Se eu digo:--Procurem o quê é cíclico. Então, prcurem transformações que possam ser referidas à
uma pauta constante. ( se existem mudanças e, se essas mudanças ocorrem em vista de uma
permanência de fundo, então aí interessa a astrologia ).
O traço caracterológico:
1-) Ele é sempre moralmente indiferente.( no sentido de que ele pode ir para um lado como pode
ir para outro)
2-) Ele não está prêso a nenhuma expressão e, na verdade, ele muda conforme a idade, conforme
as circunstâncias etc...,mas você vê que tem sempre um fator constante que não muda nunca.
Exemplo: Lincon tinha um traço de uma tranquila auto-confiança ( sempre teve este traço). Ele
nem chegava a ser competitivo porque não precisava ( ele se achava tão superior, que não
precisava competir). Isto é um traço que você pode reconhecer em comportamentos muito
diferentes. Por quê que as vezes ele entra numa situação competitiva? Por quê que as vezes ele
pula fora desta situação competitiva?
Se você for ver, é sempre pelo mesmo motivo: Ele pensava: --Ah! já ganhei mesmo, então, para
quê que eu vou entrar nesta porcaria.
Paulo:-- No caso do Arthur Koestler tem dois traços que eu peguei:
a) Dinâmica de ir construindo algo e ao mesmo tempo, paralelamente, ir sabotando o que ia
construindo.Vivendo de crise em crise.
b) Confia na saída in-extremis. Tem alguma coisa que na hora "H" o tira das situações.
Edmilson:-- Fernando Pessoa tinha uma identificação com a história e tinha uma mistificação.
Olavo:-- Ele tinha uma identificação com a história, tal como ele a compreendia e tinha realmente
um traço de mistificação. Isto são dois traços caracterológicos.
Soraia: -- O Lutero tinha um temor fora do comum. Ele sempre tinha medo de algo superior sobre
ele ( nas mãos de Deus ou do Diabo) e, também tinha uma grande expressão verbal ( discutia,
falava, escrevia muito)
Olavo:-- Isso aí são traços caracterológicos.

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