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Longa vida aos filmes Alumbramento

Por Érico Araújo Lima

A encruzilhada que levava a Ythaca abriu vaá rias fendas. Quanto mais se
caminha pela estrada, mais caminhos de cinema saã o experimentados. Saã o tornadas
possíáveis novas dinaâ micas de relaçaã o, de invençaã o e de vida com o cinema. No lugar
da oscilaçaã o entre duas vias, podemos falar de uma porosidade maior aà s
bifurcaçoã es, aà s dobras e aos atravessamentos. A figura da encruzilhada eá tomada
por processos de diferenciaçaã o, porque cada ponto do caminho pode abrir-se para
uma outra travessia e fazer surgir toda uma nova intensidade de forças. “ÉÉ preciso
estar atento e forte, naã o temos tempo de temer a morte”.

***

A cada processo, um filme, e esse um eá aqui fundamental, porque se torna


signo de singularidade. Ém muitos casos, podemos ver nos iníácios das projeçoã es a
indicaçaã o: “um filme Alumbramento”. Éssa apresentaçaã o pode variar e tambeá m
surgir segundo outras disposiçoã es textuais. O nome pode vir direto e seco, sem
intermediaá rios linguíásticos, anunciando o porvir: tela negra, “Alumbramento”. Pode
tambeá m estar ao final, assinando aquilo que foi visto e encerrando a sucessaã o das
imagens. Pode ainda vir seguido pela palavra “apresenta” (que tem surgido, cada
vez mais, em companhia tambeá m de alguns parceiros de aventuras): eá a
Alumbramento que nos apresenta, entaã o, aquela experieâ ncia que vai se desenrolar
dali em diante na tela, como quem compartilha algo que quer mostrar para os
amigos. Mas seria possíável operar com aquela primeira formulaçaã o, a que enuncia
“um filme Alumbramento”, para dizer naã o apenas da marca da produtora (aspecto
fundamental, sem duá vida), mas, sobretudo, das implicaçoã es sensíáveis para a
proá pria experieâ ncia fundada a cada obra. Cada filme eá um filme, e nada mais. Cada
filme surge como uma singularidade. Mas eá tambeá m um filme habitado por um
mundo, por uma rede de conexoã es, por um espíárito de desejos, de memoá rias e de
processos coletivos, como se estivesse graá vido de uma comunidade. Um filme
Alumbramento poderia ser, entaã o, o eterno retorno como diferença de uma
infinidade de afetos e de uma multidaã o de encontros. A cada vez, sempre um, e a
cada vez, sempre muitos.
Nesse jogo de singularizaçaã o dos trabalhos dos filmes, a paisagem sensíável eá
povoada por variaçoã es de figuras, que ao mesmo tempo ressoam entre si e
apontam para trilhas bastante proá prias. Ressoam porque as partilhas continuam
sendo processadas, os encontros naã o cessam de existir, e cada um segue
experimentando com o outro, segue no diaá logo com o outro, na troca muá tua de
afinidades. Mas tambeá m fazem linhas desviarem, porque eá a configuraçaã o maleaá vel
e aberta dessa reuniaã o de forças para fazer cinema que naã o permite o
estabelecimento de programas ou de visoã es dogmaá ticas quanto a um dever ser,
quanto a um seguimento de possíáveis jaá percorridos. ÉÉ que cada trabalho pede para
si as proá prias condiçoã es de possibilidade. Naã o se trata de falar de evoluçaã o de
linguagem, porque essa perspectiva naã o parece dar conta do que se passa aos
processos de invençaã o. Uma tal noçaã o evolutiva corre o risco de colocar em etapas
muito compartimentadas toda a complexa aventura que eá fabricar cinema. Se os
filmes Alumbramento teâ m, no presente, certos desenhos sensíáveis, isso se daá muito
menos porque teriam passado por fases, dentro de uma suposta sucessaã o de
estados formais, do que por uma constante inquietaçaã o produtiva, com idas e
vindas de motivos meloá dicos nos processos de criaçaã o, com aberturas de diferentes
frentes esteá ticas e políáticas e com um caraá ter potente de proliferaçaã o. Se o cinema
resiste, eá preciso que ele resista primeiro a ele mesmo. Para que se faça com a
capacidade de questionar os proá prios percursos e quebrar qualquer linha contíánua
e segura. O cinema precisa correr perigo.
Nas variaçoã es tonais que passam a soar, seria possíável esboçar um breve
retrato dessa paisagem mais recente da produçaã o da Alumbramento, colocando em
relevo as figuras que as obras inventam. Poderiam ser considerados alguns
conjuntos de passagens que vaã o de certa autonomia maior que se daá para as
possibilidades dos encontros a um controle mais forte por parte da mise-en-scène.
Se tomarmos filmes como Fim de Semana, de Ivo Lopes e Pedro Dioá genes, e Odete,
de Luiz Pretti, Clarissa Campolina e Ivo Lopes, podemos perceber dois campos de
experimentaçaã o distintos que se abrem, desde jaá pelas proá prias diferenças da
natureza entre o trabalho documental do primeiro e a construçaã o ficcional do
segundo, mas principalmente pela motivaçaã o que faz acontecer cada um dos
curtas, no contato deles com o mundo e com os materiais expressivos de que
dispoã em para se efetivar. As variaçoã es podem se dar tambeá m entre a construçaã o
dramatuá rgica vinda dos arranjos de imagem/som e operaçoã es mais tomadas pela
atençaã o aà palavra e aà enunciaçaã o. ÉÉ notaá vel como toda a narratividade que
podemos atribuir a filmes como A Misteriosa Morte de Pérola, dirigido por Guto
Parente, e Medo do Escuro, de Ivo Lopes, eá fundamentalmente imageá tica e sonora,
costurada pelos recursos dos enquadramentos visuais e sonoros. Jaá a linha
apontada por O Rio nos Pertence, de Ricardo Pretti, estabelece um diaá logo com uma
dramaturgia em que o realizador passa a se colocar tambeá m no exercíácio de dirigir
uma cena mais mediada pela palavra, pela enunciaçaã o e por um estilo de
decupagem mais marcada.

Quadro e mistério
ÉÉ na espessura da imagem e na densidade dos sons que alguns dos
trabalhos articulam grande parte das atmosferas e da poteâ ncia mesma de cinema.
Guto Parente e Ticiana Augusto Lima fazem de A Misteriosa Morte de Pérola uma
obra que pinta as sensaçoã es na superfíácie do quadro cinematograá fico. Éstamos aqui
em um filme que coloca em curto-circuito as formas expressivas do cinema e da
pintura: de um lado, eá na passagem entre as imagens, nos ritmos e nas duraçoã es de
cada plano que se desenrolam os climas; de outro, temos na unidade do quadro,
nas camadas que ele cria, no campo que ele abre e na textura que ele tece os
lugares por exceleâ ncia das fulguraçoã es e do povoamento fantasmaá tico. A
heterogeneidade de mateá rias fíálmicas, possibilitada pelas transiçoã es para a
modulaçaã o caracteríástica do víádeo caseiro, reverbera de forma sintomaá tica nesse
trabalho de associar texturas para compor o quadro.
O curto-circuito operado vai sendo progressivamente, tambeá m, entre um
mundo de caá e um mundo de laá da imagem, entre lugares que podem criar vida e
morte, ora recriando uma forma de vida, ora desencadeando a morte. Cineasta bom
eá cineasta morto. Se o cinema se contamina pelas formas pictoá ricas, eá toda a casa
que se transforma em um corpo vivo, repleto de respiraçoã es proá prias, e capaz de
ser um portal para outras forças e energias variadas – passagens misteriosas nesse
universo de co-habitaçoã es e de interpenetraçoã es. Éssas figuras pictoá ricas de Pérola
naã o deixam de reverberar o interesse presente tambeá m no colorismo e nas
velocidades experimentadas em Dizem que os cães veem coisas, tambeá m de Guto
Parente, e nos tons de Doce Amianto (dirigido por Guto em parceria com Uiraá dos
Reis), filme tambeá m permeado pelas experieâ ncias fulgurantes da imagem e pelos
intercaâ mbios da fada Blanche, que vem de outros mundos para tecer relaçoã es com
os viventes.
Os contatos com um cinema de geâ nero, na perspectiva de uma subversaã o,
saã o tambeá m o motor em Medo do Escuro, jaá numa vizinhança maior com a ficçaã o
cientíáfica e segundo um caraá ter poá s-apocalíáptico. Uma cidade desabitada e em
ruíánas eá o que parece desencadear as assombraçoã es e os misteá rios aqui. Jaá naã o
tanto com o rigor formal do quadro fixo, como em Pérola, mas com um interesse
semelhante pela plasticidade e pela superfíácie pictoá rica da imagem, a caâ mera vai
passeando ao ritmo do corpo do personagem central. Tambeá m se trata de um
trabalho de texturas e de intensidades pictoá ricas, criadas pelas escalas de cores, de
brilhos e de vibraçoã es do material fíálmico, mas agora a paisagem que se abre eá
diversa, e a construçaã o do quadro se processa de forma mais delirante. ÉÉ um filme
que pinta a devastaçaã o de um mundo, para o qual soá se pode responder com a
energia vital do movimento do corpo errante, observado na sua ritualidade
performaá tica. Ésse ritual pega delíário especialmente na dança final, em que muá sica,
corpo, luz e caâ mera colocam-se em jogo de imprevisibilidades, numa sequeâ ncia que
faz lembrar a intensidade atingida tambeá m na cena final de Os Monstros (Guto
Parente, Luiz Pretti, Pedro Dioá genes e Ricardo Pretti), quando a performance
musical dos quatro atores e diretores era acompanhada pelo movimento de uma
caâ mera-corpo gestual e igualmente performaá tica.

Filmes selvagens
O empreendimento de estudo das texturas e das formas eá carregado de toda
uma tonalidade políática. Éssa preocupaçaã o naã o eá ineá dita nas estradas dos
realizadores da Alumbramento, especialmente se entendermos como políáticos
pequenos deslocamentos no olhar, micro-acontecimentos que podem desconcertar
uma estruturaçaã o da sensibilidade, como quando Guto Parente observava o lugar
adquirido pela imagem como mediadora da experieâ ncia, em Flash Happy Society,
filme de operaçoã es muito sutis, de uma absoluta simplicidade, e ao mesmo tempo
de uma radical contundeâ ncia no gesto de provocar crises dentro do jogo extremo
de visibilidades da sociedade contemporaâ nea. Éssas tensoã es saã o tomadas por um
interesse em fazer da proá pria forma fíálmica um operador ativo de desestabilizaçaã o
e de ranhura nas constituiçoã es aparentemente dadas do mundo. Fazer filmes
selvagens. Toda uma praá tica composicional que dialoga fortemente com a esteá tica
do víádeo eá posta em açaã o para desencadear descompassos com uma maneira
organizada de gerir a vida, os corpos e as imagens. ÉÉ o Filme Selvagem, de Pedro
Dioá genes, uma expressaã o emblemaá tica dessa toada de assumido manifesto, que
instaura embates com as formas de governança dos sentidos. É a tessitura críática
passa pelo campo das formas que fazem fissura em outras formas, desgoverno que
desvia de uma organizaçaã o modelizante.
Saã o taá ticas de resisteâ ncia que passam a ser experimentadas como taá ticas de
cinema. Ém Com os punhos cerrados, de Luiz Pretti, Pedro Dioá genes e Ricardo
Pretti, ouvimos a leitura do fragmento “Como fazer TNT”, extraíádo do “Livro de
receitas do anarquista”, enquanto as imagens apresentam imensos blocos de
concreto, preá dios emblemaá ticos que dizem muito das estrateá gias dos poderes em
esquadrinhar o espaço urbano. Os ruíádos nas texturas da imagem e do som
deslocam todo um modo de perceber esses lugares pobres de experieâ ncia. É entaã o
o cinema, nas suas taá ticas de montagem e de encenaçaã o, encontra uma forma tanto
de tornar dizíável uma insatisfaçaã o quanto de tornar fazíável uma imagem
insurgente, taã o incendiaá ria quanto TNT. Éxplosoã es de cinema que podem ser vistas
tambeá m em Não estamos sonhando, de Luiz Pretti, que aponta um cinema projeá til
para a cidade, quando o gravador de som vira detonador da fabulaçaã o que abala
estruturas, desfaz coordenadas e leva virtualmente um mundo de concreto ao lugar
de ruíánas. Éssas roturas sensíáveis se daã o no limiar do cinema com um fora, o que
fica ainda mais evidente em O Porto (Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Clarissa Campolina
e Julia de Simone), que carrega para a escritura uma conexaã o urgente com o
presente e com os processos de ordenaçaã o do espaço urbano.

A ficção que nos pertence


Ésse desejo de intervençaã o políática eá ainda inseparaá vel da poteâ ncia
constituinte vinda da dramaturgia dos filmes. É um dos lugares de destaque para
essa invençaã o de mundos eá a ficçaã o. Haveria toda uma políática da ficçaã o, que
consiste em possibilitar a fabricaçaã o, no sentido mais concreto que essa palavra
pode ter. Uma resisteâ ncia passa menos pela loá gica da oposiçaã o e da postura reativa
que de uma capacidade de insistir numa produçaã o de mundos. Fabricar tem a ver
com uma maneira de articular elementos para fazer irromper um timbre ineá dito,
uma vibraçaã o ainda naã o sentida, uma voz que naã o era ouvida, um corpo que naã o
tinha espaço. Quando A Misteriosa Morte de Pérola e Medo do Escuro tomam para si
toda uma matriz de cinema de geâ nero, trata-se tambeá m aíá de dar novos usos aà
linguagem e fazer com que ela desvie de um caminho estabelecido previamente. O
esforço fundamental estaá no jogo de desapropriar um modo de fazer. Cabe
transformar primeiro em impropriedade um certo campo de refereâ ncias, que como
tal, jaá naã o pode pertencer a um ou outro, mas precisa tornar-se comum. O gesto
seguinte eá inventar o proá prio possíável, a partir desse territoá rio que foi
desapropriado e se tornou terra partilhaá vel por todos. Éis uma políática ficcional
bastante intensa nos filmes da Operaçaã o Sonia Silk, projeto que inclui O Rio nos
Pertence, O Uivo da Gaita, de Bruno Safadi e O Fim de uma Era, de Ricardo Pretti e
Bruno Safadi: ativando toda uma operaçaã o narrativa mais marcada, eles tomam
algo como que uma supermemoá ria do cinema para contar histoá rias que naã o cessam
de colocar os filmes em crise com um estado do mundo.
Se O Fim de uma Era faz a ficçaã o da ficçaã o, a imagem dentro da imagem,
compondo rostos e vozes, a partir da proá pria aventura de fazer cinema dentro do
processo de realizaçaã o desses treâ s filmes, o trabalho de construçaã o de personagens
vai surgir com maior marcaçaã o em O Rio nos Pertence, com dramaturgia bastante
singular dentro dos outros trabalhos que Ricardo jaá realizou dentro dos proá prios
trajetos Alumbramento. Jaá naã o se trata tanto dos recursos expressivos de filmes
como Estrada para Ythaca, Os Monstros e Com os punhos cerrados. Seria possíável
mesmo reaproximaá -lo de Medo do Escuro e tambeá m de A Misteriosa Morte de
Pérola, se pensarmos em todo o temor que ronda misteriosamente os personagens
dos treâ s filmes, com se houvesse sempre um mundo que bate aà porta, ameaçador e
prestes a tudo engolir. Aqui eá a cidade inteira que assombra, e todo o jogo de
encenaçaã o, de dramaturgia e de decupagem vai sustentar um sentimento de
desconexaã o com o espaço. Ir e vir, sair e entrar: todas as passagens operadas pelo
corpo da personagem vaã o se materializar tambeá m no controle dos traâ nsitos do
cinema. Talvez se trate de constituir a sensaçaã o de uma cidade da qual seria preciso
se despedir, uma cidade desterro.

***

Alumbramiento, um filme de Victor Érice. Uma vez o Pedro Dioá genes me


contou que esse curta de dez minutos era uma grande inspiraçaã o para o coletivo
Alumbramento. Um filme que pode ser visto em suas vaá rias implicaçoã es, mas que
me parece dizer muito do tempo, da possibilidade de uma simultaneidade de
acontecimentos na espessura de uma duraçaã o. Éxiste uma seá rie de açoã es
coexistindo ao longo do filme. Énquanto um bebeâ receá m-nascido tem um
sangramento que demora a ser percebido, a maã e dorme um sono inquieto. Ém
outro canto, um garoto desenha no pulso um reloá gio, ele cria a sua ficçaã o do tempo.
Um pouco mais longe, uma mulher estende roupas no varal. Dizendo muito
rapidamente, eá mais ou menos assim que segue o curta, com essa variaçaã o de
frentes abertas, ateá uma posterior conflueâ ncia. ÉÉ que uma vida e um filme podem
condensar toda uma heterogeneidade de percursos. As figuras do cinema teâ m
tambeá m a ver com as figuras temporais da vida. É o tempo eá tambeá m marca de
redes e de aberturas, de bifurcaçoã es e de fendas. Um filme Alumbramento poderia
ser pensado segundo essa figura da multiplicidade: comunidade de tempos, de
afetos e de espaços. Naã o mais escolher entre dois caminhos: fabricar caminhos.

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