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EIXO TEMÁTICO:

MARXISMO, EDUCAÇÃO,
PEDAGOGIA SOCIALISTA,
LUTAS DE CLASSES E
EMANCIPAÇÃO HUMANA
ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6
VIII EBEM, 2018
Encontro Brasileiro de Educação e Marxismo
Cascavel – Paraná
Eixo Temático: Marxismo, Educação, Pedagogia Socialista, Lutas de Classes e
Emancipação Humana
ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 06

A formatação dos textos é de responsabilidade de seus autores


EDUCAÇÃO POPULAR E MOVIMENTO SOCIAL:
CONSTRUINDO A PRÁXIS MILITANTE DO LEVANTE
POPULAR DA JUVENTUDE-PARAUAPEBAS
Débora Aquino Nunes,
Pryscila Albuquerque Souza

Introdução:
Os grupos sociais ao produzirem seu espaço, através do trabalho, modificam a
natureza para atender às suas necessidades. O trabalho é quando o homem através de seu
corpo, a fim de apropriar-se da natureza, produz objetos mais úteis à reprodução da sua
própria vida. Nesse processo, o homem e a natureza se transformam dialeticamente
(MARX, 1989).
Destaca-se que através do trabalho o homem modifica o espaço, aprendendo e
ensinando ao mesmo tempo, ou seja, construindo o processo de ensino-aprendizagem.
Entende-se que trabalho e educação caminham dialeticamente juntos (SAVANI, 1994).
Nesse sentido, considera-se que a educação não se dá apenas de maneira formal.
Muitos reduzem-na ao trabalho desenvolvido no âmbito institucional, mais precisamente
em escolas, faculdades, universidades e instituições educacionais em geral. Para outros,
educação relaciona-se ao nível de civilidade, cortesia e urbanidade. Nessa perspectiva, a
educação restringe-se aos elementos da subjetividade individual (ECCO; NOGARO,
2015).
Para além dessas análises reducionistas, Freire (1996, 1987, 1983) considera que
o verdadeiro significado de educar é humanizar. Dialogando com as suas ideias, a
educação popular, construída principalmente nos movimentos sociais e com o objetivo
de contribuir para a transformação e o fortalecimento do senso crítico da sociedade, é o
resultado de práticas sociais diversas em diferentes espaços e momentos. A educação

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emancipação humana
popular se baseia na conscientização e análise do funcionamento da atual sociedade, do
trabalho alienado e da dominação que sustenta o capitalismo, visando a análise e a ruptura
do status quo atual (CASTRO, 2012).
Assim, nesse trabalho buscamos identificar e analisar as práticas de educação
popular em movimentos sociais, tendo como estudo de caso os encontros do Levante
Popular da Juventude (LPJ) da cidade de Parauapebas-PA. Para isso lançamos mão das
seguintes técnicas de pesquisa: a) levantamento teórico-conceitual de temas referente a
pesquisa, a saber: educação popular, educação libertadora e movimento social; b)
observação sistemática do processo de produção do ensino-aprendizagem através da
educação popular; c) análise de conteúdo das poesias recitadas nos encontros do Levante
Popular da Juventude-Parauapebas. d) sistematização e análise dos dados.
Esse trabalho se justifica pela necessidade de se debater e construir práticas de
educação popular que contribuam na práxis dos sujeitos sociais envolvidos. A
transformação da atual realidade social perpassa também por uma educação
comprometida com a construção de caminhos e conhecimentos contra hegemônicos,
levando em consideração o processo coletivo de ensino-aprendizagem e as vivências dos
militantes.

Educação Libertadora e Popular e Movimento Social


A educação que favorece a manutenção da sociedade de classe é, muitas vezes,
esvaziada dos conteúdos sociais, preenchendo o conhecimento com informações
decorativas e pouco críticas. Para esse tipo de educação, Freire (1987) construiu a
concepção de educação “bancária”. Esta, é baseada na hierarquia autoritária do saber, no
qual o processo de ensino-aprendizagem é conduzido apenas por um único indivíduo, o
professor, detentor do conhecimento. Os educandos são, então, depósitos e arquivos de
informações. Nesta visão de educação, não há espaço para criatividade e produção do

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saber, e sim para a construção de indivíduos aptos a obedecer e a se adaptar passivamente
a realidade social.
Freire (1996, 1983) propôs uma educação libertadora. Esta toma como ponto de
partida o pensar e o viver do povo. O conteúdo desta educação é construído a partir de
situações concretas e existenciais das pessoas e grupos sociais. Deve-se buscar as raízes
das problemáticas vividas. A educação é construída, nesse sentido, através do diálogo,
tendo como objetivo analisar de maneira crítica a realidade e agir conscientemente nela
(FREIRE, 1996). Assim,
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora,
terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão
desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis,
com sua transformação; o segundo em que, transformada a realidade
opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a
pedagogia dos homens em processo de permanente libertação
(FREIRE, 1987, p. 44).

Contribuindo e dialogando com a pedagogia da libertação, a educação popular


também é uma prática pedagógica que visa transformar a realidade, contribuindo para a
formação de cidadãos mais humanos, críticos e ativos na sociedade. Ela é uma ação
coletiva organizada. Tal ação visa conscientemente contrapor e superar as contradições
produzidas pelo capitalismo (CASTRO, 2012).
Destaca-se que as ações coletivas que configuram a prática da educação popular
são construídas através da dialogicidade que transforma, por meio da práxis, o indivíduo.
Este vai se descobrindo cada vez mais enquanto responsável e sujeito ativo capaz de
transformar a sua realidade (CASTRO, 2012).
Também é importante frisar que a educação popular é principalmente tratada e
trabalhada nos movimentos sociais. Os movimentos sociais são organizações que
questionam de maneira aprofundada os problemas nacionais e internacionais e as

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estruturas do capitalismo. Eles visam entender a essência do funcionamento da sociedade
para, então, transformá-la (SOUZA; RODRIGUES, 2006).
Nesse contexto, nossa análise se baseou nas práticas educativas realizadas nos
encontros do Levante Popular da Juventude-Parauapebas. Entendemos que as poesias
aqui expostas e trabalhadas são parte da concretização do processo de ensino-
aprendizagem de práticas baseadas na educação popular e libertadora dentro do
movimento social Levante Popular da Juventude-Parauapebas.

Educação popular e Levante Popular da Juventude-Parauapebas


O Levante Popular da Juventude é um movimento social de jovens militantes
voltado para a luta de massas em busca da transformação da sociedade. Intitulados de
Juventude do Projeto popular, tal movimento se propõe a construir um novo modelo de
sociedade, baseado na superação da luta de classe, na soberania popular e no respeito as
diferenças e combate às desigualdades e injustiças sociais (LPJ, 2016). Para essa
sociedade se constituir é necessário, então, uma inversão de papéis, no qual o valor de
uso e a humanidade passem a ocupar o centro das atenções da vida, das práticas sociais e
do planejamento e gestão públicas, construindo, dessa forma, uma outra sociedade
possível.
Nesse contexto, o LPJ se organiza em três campos de atuação: territorial,
estudantil e camponesa. É importante destacar que em Parauapebas só existe um frente
de atuação, a territorial. Esta diz respeito a organização da juventude da cidade que não
necessariamente é estudante secundarista ou universitária.
Nesse sentido, a frente territorial de Parauapebas é composta principalmente por
jovens desempregados, empregados em subempregos e da juventude assalariada. Isso não
significa dizer que dentre os militante não existam estudantes, mas sim que o movimento

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se organiza principalmente nos bairros da cidade e não em espaços estudantis. Assim,
alguns militantes também conciliam estudo e trabalho.
Destaca-se que o Levante Popular da Juventude surge de maneira mais organizada
no Estado do Rio Grande do Sul, no início dos anos 2000. Nesse período, a Via
Campesina e a Consulta vinham realizando encontros de formação da juventude, com o
objetivo de fortalecer a luta desse segmento social nas pautas do projeto popular (LPJ,
2016; CASTRO, 2012)
Surge, dessa maneira, o Levante Popular da Juventude em 2006. Tal movimento
se nacionaliza em 2013 e já se encontra espalhado na grande maioria dos Estados
brasileiros. Nesse mesmo ano, em Parauapebas surge o grupo de estudos Dina Teixeira,
em homenagem a militante que atuou na Guerrilha do Araguaia. Esta foi uma luta armada
no interior da Amazônia, que se deu entre os Estados do Pará, Tocantins e Maranhão,
visando a derrubada da ditadura militar e a instituição de um Estado Socialista e Popular.
Este grupo composto por jovens da cidade, recebeu ajuda direta da Consulta
Popular e em 2015 se transformou em Levante Popular da Juventude – Parauapebas, com
auxílio também de outros movimentos como MST e do próprio Levante que já estava
instituído em Marabá, polo regional que fica cerca de 170Km de Parauapebas.
Outro elemento importante de identidade levantina e que é base para a Educação
Popular implementada no movimento, tanto em Parauapebas como nacionalmente, são as
experiências trazidas das Pastorais da Juventude (PJ). O Levante se inspirou no método,
na forma de organicidade (organização) e nos valores como amizade, troca,
compartilhamento da vida, vivência e acompanhamento, que marca fortemente a PJ
(CASTRO, 2012).
Nesse sentido, a formação de militantes do LPJ se dá partir do trabalho de base
realizado pelas células. Estas são os espaços onde os jovens militantes se encontram,
podendo se realizar nas universidades, no campo ou nos bairros da cidade. Os setores

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também compõe os espaços de mobilização do movimento, reunindo os militantes
segundo os setores de opressão, a saber: mulheres, negritude e diversidade sexual.
Em Parauapebas existem duas células, a Carlos Marighela e a Lorena Lima, bem
como apenas um setor de auto-organização, o das mulheres. Nesses espaços acontecem
os debates. A Educação Popular permeia os encontros. A temática trabalhada em cada
encontro parte das necessidades de compreensão do mundo da juventude e dos problemas
vividos. O saber pretérito se encontra com novas informações e teorias, recriando o
conhecimento. Nunca perdendo de vista as bases que sustentam a atual sociedade
capitalista, os debates são permeados pela crítica as estruturas e violências do sistema
social atual e pelas perspectivas de transformação.
É importante destacar que há uma preocupação com o ambiente de debate, que é
organizado com bandeiras de luta, leituras e livros que possibilitam uma interpretação
melhor do capitalismo, do socialismo, do comunismo e de uma sociedade mais humana.
No início sempre ocorre uma mística de abertura, preparando os militantes para o debate.
As músicas cantadas sempre trazem à tona problemas sociais e apontamentos para
transformação social. Tudo isso faz parte de uma Educação Popular que consegue
envolver o jovem em discussões baseadas nos anseios da vida social. O foco não é
conteudista, mas sim de práxis e uso do conhecimento para atuar mais conscientemente e
ativamente na sociedade em que se vive.
Após esses momentos normalmente existem duas pessoas, previamente
escolhidas, que mediam o debate. Todos falam, contribuem, perguntam uns aos outros.
Alguns fazem anotações. É utilizado, as vezes, a técnica de leituras coletivas ou leituras
prévias para preparar mais teoricamente o militante. Após a discussão abre-se o espaço
para leituras de poesias, textos ou interpretações teatrais, bem como para o batuque e a
música. As palavras de ordem encerram o encontro.

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É importante destacar que após esses encontros ocorre uma produção intelectual
e artística dos militantes espontaneamente. Várias poesias, raps, músicas, cantos e textos
são criados. Selecionamos nesse artigo trechos de três poesias que foram criadas após os
debates realizados dentro do Movimento ou em formações de outros movimentos, que
tiveram origem na vivência prévia e posterior do militante e nos conhecimentos
sistematizados a partir de práticas de Educação Popular (quadro 01).
Quadro 01: Formação e Poesia do LPJ - Parauapebas
Temas e Encontros Trechos das poesias
O avanço da direita e a revolução […]
eminente – Célula Lorena Lima Olhos em chamas
A vida ceifada, julgada
A carne exposta na calçada
O brasileiro de bem é assassino e mata.
Agressões, desceu a porrada.
Nem disse adeus à vida e aos desejos de outrem, de alguém.
Do preto, LGBT, mulheres, pobres e favelados.

Mas, resistiremos na canção, no rap e na poesia.


Com punhos erguidos no ar.
Em todos os lugares.
Queremos a revolução.
A transformação.
(D. A., militante do LPJ, 2017).
Água e energia com soberania, Vocês que nos olham daí do alto.
distribuição da riqueza e controle Vocês que todas as manhas acordam com seu café na cama,
popular – 8º Encontro Nacional do sua geleia industrializada
MAB e seu pão integral importado.

[…]
Sim...vocês
que exploram meu povo,
que roubam nossa gente,
que controlam nossos bens.
[...]
Sim...vocês mesmos,
O que farão quando tudo acabar?
O que explorarão quando mais nada restar?
O que farão quando todo dinheiro acumular?

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emancipação humana
Porque nós…
Nós não aguentaremos mais.
Nós não suportaremos mais.
Nós não nos esconderemos mais.
Nós não fugiremos mais.
[...]
E sim…
A vocês que nos enxergam daí do alto,
vocês nos verão a caminhar,
vocês nos ouvirão a gritar.
E o principal de tudo,
vocês nos verão a lutar por nossa
Soberania Popular.
(J. C. - C. Militante do LPJ, 2017).
Como o machismo nos afeta [..]
enquanto sociedade? – Formação Nos ferem porque é pecado amar, gozar, viver.
mista do setor de mulheres Nos sangram nos socos, murros, tapas, amarras,
estupros e nas mutilações genitais

Nos invisibilizam quando na Grécia antiga contavam a nossa idade,


quando nos juntávamos com um macho.
Quando na Idade Média eramos queimadas ao fazer medicina,
para cuidar do nosso povo.
Quando o macho companheiro morria,
eramos expulsas de nossas casas e de perto dos nosso filhos

Somos invisibilizadas quando dizem não existir machismo,


quando dizem não existir machismo,
Como assim?

(G. C., Militante do LPJ, 2017).


Elaboração: Autores, dez. 2017.

Como podemos destacar através do quadro 01, todos os poemas trazidos possuem
uma relação direta com temas de encontro e formações realizadas pelos militantes. A
produção de tais textos representam a materialização do processo de ensino-
aprendizagem trazido pela educação popular implementada no movimento. O primeiro
poema foi escrito após o debate sobre o avanço do conservadorismo no Brasil e a
revolução necessária, trazendo à tona a violência exercida pela direita e a resistência e
sonhos dos militantes da esquerda. A segunda poesia foi escrita no encontro nacional do

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MAB. Ela narra o sentimento de um militante num grande ato nacional, trazendo o debate
sobre as problemáticas sociais e a necessidade da construção de uma soberania popular
sobre os nossos recursos. O último foi escrito após vários encontros da auto-organização
das mulheres e foi utilizado em uma formação mista feminista, que reuniu homens e
mulheres. Ele traz as problemáticas de gênero que historicamente foram construídas e que
permanecem até os dias atuais.
No Levante Popular da Juventude, a experimentação, traduzida na autonomia, no
protagonismo, na organização, nas atividades de enfrentamento e na vivência de valores
humanos, é prioridade na prática cotidiana (CASTRO, 2012). Apesar das dificuldades de
cunho teórico enfrentadas pelos militantes, como construir espaços próprios de formação,
a educação popular alimenta o Levante de Parauapebas. Este se constrói a partir da luta
coletiva. O processo de ensino-aprendizagem é baseado na construção dos espaços de
debate, no diálogo, nas leituras e nas vivências do grupo.

Considerações finais:
Lança-se mão da educação popular como elemento chave na construção do
Levante Popular da Juventude de Parauapebas. Nesse sentido, os espaços de encontro
sempre são preparados para receber as discussões e os temas escolhidos são produtos de
problemáticas do mundo em que vivemos. A organização do espaço, as músicas, as
leituras, os diálogos, as interpretações teatrais e as palavras de ordem fazem parte do
processo de ensino-aprendizagem e envolvem os jovens nos espaços de formação.
Assim, o resultado da pesquisa demonstra que o Levante Popular da Juventude
em Parauapebas constrói sua formação com base na Educação Popular e Libertadora, que
visa desconstruir os alicerces da atual sociedade de classe e lutar por uma nova mulher,
um novo homem e uma nova humanidade. Destaca-se que o conhecimento é construído
através da práxis, levando em consideração o diálogo, a formação teórica e as vivências

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emancipação humana
prévias e posterior de cada militante. Esse processo não é sistematizado em forma
avaliativa ou de prova, como no ensino formal (escola). No caso do Levante Popular da
Juventude de Parauapebas, normalmente o processo de ensino-aprendizagem se
materializa espontaneamente na forma de textos e poesias.

Referência bibliográficas:
CASTRO, C. A. Educação popular, movimentos sociais e cursinhos populares: uma
análise pelo espaço. CADERNOS CIMEAC, Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, p.24-33, 2012.

ECCO, I. NOGARO, A. A educação em Paulo Freire como processo de humanização. In:


Anais do XIII Congresso Nacional de Educação. Curitiba, PUCPR, 2015.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1996.

_________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

_________. Educação como prática da liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.

LPJ. Levante Popular da Juventude. Histórico. S/L, 2016. disponivel em <


https://issuu.com/levantejuventude/docs/escola_nacional_de_forma____o_web_ >;
acessado em: 10 de dezembro de 2017.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. Vol. I, Tomo I. São Paulo: Abril
Cultural, 1989.

SAVIANI, D. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In:


MADEIRA, F. R.; FERRETTI, C. J.; FRANCO, M. L. P. B.; ZIBAS, D. (orgs.). Novas
tecnologias, trabalho e educação. Petrópolis /RJ : Vozes, 1994.

SOUZA, M. L.; RODRIGUES, G. B. Planejamento urbano e ativismos sociais. São


Paulo: UNESP, 2004.

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emancipação humana
EDUCAÇÃO E NEOLIBERALISMO

Dirceia Aparecida Silva Anjos

Introdução
O neoliberalismo é um fenômeno interessante porque muda relações profundas
nas sociedades em que se instala, não apenas no âmbito econômico mas também político
e social, por isso tenta transformar radicalmente as relações de trabalho, educação, o
modo como se configura os nexos de poder dentro dos Estados nacionais, que se despojam
voluntariamente de sua força para permitirem que os mercados ajam como senhores das
decisões.
A maneira como cada Estado deveria resolver suas dificuldades locais, é então
baseada sempre num planejamento mundial, não tendo mais uma lógica de Estado forte
para manutenção da independência do povo daquele local, mas sim uma abertura que
desnuda as suas características sociais para o mercado financeiro, nessa racionalidade, o
Estado então, vive de defender interesses corporativos e financeiros, não tendo mais
compromisso com políticas de cunho local, mas com agendas globalizadas aplicadas
contra quaisquer mazelas, das quais as organizações mundiais, formadas por economistas
liberais, ditam as regras. Baseada nos conceitos de educação para o desenvolvimento
através do mercado, capacitação para o trabalho, empreendedorismo e inovação, ideias
que quando analisadas no contexto da prática neoliberal, excluem uma parcela
significativa da população que não terão acesso à universalização com qualidade
suficiente para deixar de sobreviver e passar a viver. O presente artigo é uma pesquisa
bibliográfica sobre a relação do estado brasileiro, suas políticas educacionais e o
neoliberalismo.

Discussão: a lógica neoliberal para a educação

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A lógica neoliberal é francamente conhecida, quanto mais à competição se acirra
dentro do capitalismo, com desenvolvimento de tecnologias de alto nível em uma
determinada área do mundo, quanto maior é a expansão de ativos financeiros, maiores
são as consequências destrutivas nos países periféricos com desmonte e desestruturação
de suas economias. A ação neoliberal contra as forças produtivas caracterizam-se pela
crescente precarização das relações entre trabalho e capital com aumento do desemprego
e prolongamento da jornada laboral mesmo havendo um avanço tecnológico sem igual
que possibilitaria sua redução, ou seja “desemprego em dimensão estrutural, precarização
do trabalho de modo ampliado e destruição da natureza em escala globalizada tornaram-
se traços constitutivos dessa fase da reestruturação produtiva do capital.” (ANTUNES,
2009, p. 36) este fato também faz parte da análise de Mendes, Bonilha, Ichikawa, Sachuk
que afirmam:
O desenvolvimento da ciência e tecnologia (C&T) nos países
capitalistas impulsionou a difusão de tecnologias poupadoras de mão
de obra (substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto) e focada na
maximização dos lucros e na acumulação de capital. Essas TC1
acabaram impulsionando níveis de desemprego e formas diversas de
exploração do trabalho, perpetuando as assimetrias nas relações
políticas e sociais (MENDES et al, 2015, p. 689).

Além é claro da acumulação flexível, iniciada nos anos setenta, sendo uma forma
de produzir que está centrada não mais numa linha que especializa ao máximo o
trabalhador, como na concepção taylorista/fordista imperante no Estado de bem estar
social, que consistia num modo de trabalho que fez o incremento dos meios de produção
através da inclusão de maquinário, do aumento da fiscalização e do maior rigor dentro da
concepção fabril, para que fossem alcançados níveis mais altos de produtividade, por sua

1
TC, tecnologia convencional em contraponto a TS, tecnologia social do qual versa o artigo.

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emancipação humana
vez a acumulação flexível segundo Lourenço & Engelbrecht (2017, p. 05), é baseada na
concepção toyotista de produção onde o princípio:
se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras
de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo,
taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional (HARVEY, 2008, p. 131 apud LOURENÇO &
ENGELBRECHT, 2017, p. 05).

No Brasil a passagem do Estado capitalista desenvolvimentista para o Estado


neoliberal teve certamente um aprofundamento com FHC2, como podemos ver na política
educacional, na implementação da LDB em 1996, que trouxe em seu bojo diversas ideias
vindas do mercado. Através de conceitos como medição de desempenho , da
universalização e obrigatoriedade do ensino básico. Focando sempre em políticas de
formação de mão de obra para o mercado de trabalho em detrimento de uma formação
integral e humanizadora seguindo a orientação sistemática dada pelo BIRD3(CAETANO,
2016; SAVIANI, 2008). Também em curso e com a anuência do Banco Mundial existe
uma mudança no padrão de educação global, segundo CHOMSKY (1999), o grande
capital transnacional, não necessita mais de vastos contingentes de mão de obra com
educação superior, e portanto vem implementando através de relatórios com sugestões de
políticas públicas para os países periféricos, a mudança gradativa na qualificação da mão
de obra focando no ensino básico (no Brasil esta modalidade é composta pelo ensino
fundamental e médio) de cunho pragmático e tecnicista, por isso a universalidade dessa
parte da educação, e a constante inclusão da privatização do ensino superior nas
discussões recomendadas aos países membros, tendo a meta para o combate a pobreza

2
FHC - Fernando Henrique Cardoso, presidente brasileiro de 1995 a 2002
3
BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

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emancipação humana
como objetivo oficial do BM4, verifica-se formalmente esse viés das políticas nas agendas
da ONU5 e do BM, “O investimento nas pessoas, especialmente por meio da saúde e da
educação básicas; O apoio ao desenvolvimento da iniciativa privada;” (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 2017)
4.3 Até 2030, assegurar a igualdade de acesso para todos os homens e
mulheres à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a
preços acessíveis, incluindo universidade
4.4 Até 2030, aumentar substancialmente o número de jovens e adultos
que tenham habilidades relevantes, inclusive competências técnicas e
profissionais, para emprego, trabalho decente e empreendedorismo.
(grifo meu)

Portanto verifica-se uma migração silenciosa do foco do Estado nacional como


definidor de suas metas internas, para uma agenda de planejamento universal, o
documento do Banco Mundial (2017) solicitado pelo governo federal para saber quais são
as necessidades de ajuste econômico para promover conceitos como eficiência e eficácia
dentro da administração pública, torna a política estatal reduzida à política econômica em
todas as esferas de atuação, promovendo uma homogeneização em bloco dos países,
tendo apenas como referência o mercado e o capital, CAETANO (2016) ou como nas
palavras de Gramsci ao falar sobre a Liga das Nações :
Ela representa para a burguesia liberalista anglo-saxônica a garantia
política da atividade econômica de amanhã e do ulterior
desenvolvimento capitalista. É a tentativa para adequar a política
internacional às necessidades das trocas internacionais [...]. É o grande
estado burguês supernacional6 que dissolveu as barreiras alfandegárias,
que ampliou os mercados, que ampliou o respirar da livre concorrência
e que permite às grandes empresas, as grandes concentrações
capitalistas internacionais (GRAMSCI apud MELLO, 2006, p. 108).

4
BM - Banco Mundial
5
ONU - Organização das Nações Unidas
6
A expressão “SUPERNACIONAL” consta no texto de Mello, e tem o sentido de SUPRANACIONAL =
ir além das fronteiras nacionais, idéia básica da Liga na visão de Gramsci.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A influência do neoliberalismo na educação tem como consequência uma geração
formada para o trabalho (trabalho que propõe a mudança sempre, por isso o foco em
equipes, adaptável a quaisquer empresas e condições, é volátil como o interesse do
capital), porém tendo como visão educacional o domínio da técnica ou seja sem o
componente emancipador da educação, a capacidade de formular questionamentos que
possam alterar a ordem das coisas, segundo Caetano:
As reformas na gestão pública, bem como as reformas educacionais,
propõem alterar as estruturas da escola, promovendo mudanças
administrativas e pedagógicas com a implantação de uma gestão
educacional apoiada no modelo empresarial, orientadas pelos princípios
gerenciais (CAETANO, 2016, p. 84).

Por que a educação é um lado do neoliberalismo que se revela importante para sua
concretização como política hegemônica? A mesma autora nos diz que:
A privatização, a terceirização, a descentralização e a publicização são
estratégias gerenciais consideradas modernizadoras presentes na
proposta de Reforma do Estado para diminuir o papel do Estado perante
as políticas sociais e a educação pública que se situa no marco
referencial dos organismos multilaterais, especialmente do Banco
Mundial, propiciando os quase-mercados. Por tal motivo, é essencial
entendermos as contradições do sistema capitalista, que se manifestam
em todas as esferas da vida (HARVEY, 2005), incluindo a educação
com novas demandas para a formação de mão de obra com adequação
ao modo de acumulação flexível (CAETANO, 2018, p. 85).

Ou seja a educação é quem forma e conforma, não somente mão de obra, mas
também consumidores para o mercado Caetano (2016) e Chomsky (1999), também nos
dizem que existe importante relação entre diversas empresas transnacionais e grupos
empresariais, através da criação de fundações, instituições e ONGs7 e que muitas delas
apresentam estreitos laços com bancos ou grandes corporações e que há ainda “outras
formas de privatização na educação do país, como a venda de livros ou sistemas

7
ONG - Organização Não Governamental

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
apostilados, propostas de formação de professores e gestores e desenvolvimento
curricular”8. Essa é também a visão de Alfaro:
Actualmente se puede afirmar que el impacto del proyecto neoliberal
en la educación se manifiesta através de políticas modernizadoras
tendientes hacia la privatización, la descentralización, la reducción de
la asignación de recursos públicos para el área educativa, así como la
modificación curricular al servicio de un mercado escasamente
regulado9(ALFARO, 2009, p. 282).

As ideias de educação neoliberal são formadas nos conceitos do fordismo e do


capital humano que promovem o arcabouço epistemológico necessário para sua
implantação, pois segundo esse pensamento a educação deve ser buscada pelo indivíduo
para sua promoção pessoal dentro da lógica de mercado, quanto mais anos de estudo
maior a empregabilidade Alfaro continua pontuando:
La teoría del capital humano pone especial énfasis en la elección
individual de invertir o no invertir en si mismo para explicar la
distribución del ingreso y el desempleo, afirmando que ambos son el
resultado de las diferencias individuales en los niveles de educación.
De acuerdo a esto, el desempleo de los trabajadores no calificados es
un problema de oferta más que de demanda. Al respecto, en los círculos
neoliberales se afirma que "no hay desempleo, hay gente que no quiere
emplearse” (Puigross, 1999, apud ALFARO, 2009, p. 284).10

8
Para ter mais conhecimento das sugestões do BM, acessar o relatório: Um Ajuste Justo: Análise da
eficiência e equidade do gasto público no Brasil, BRASIL REVISÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS
Volume I: Síntese Novembro, 2017
9
“Atualmente se pode afirmar que o impacto do projeto neoliberal na educação se manifesta através de
políticas modernizadoras, tendendo a privatização, a descentralização, a alocação de recursos públicos para
a área educativa, assim como a modificação curricular a serviço de um mercado escassamente regulado”
10
“A teoria do capital humano coloca especial ênfase na escolha individual para investir ou não investir em
si mesmo para explicar o distribuição de renda e emprego, afirmando que ambos são os resultado de
diferenças individuais nos níveis de educação”. De acordo com isto, o desemprego de trabalhadores não
qualificados é um problema de oferta, em vez de demanda. A este respeito, em círculos neoliberais afirma-
se que "não existe desemprego, há pessoas que não querem empregar-se" (Puigross, 1999 apud Alfaro,
2009).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Essa concepção de educação vinculada ao capital humano é corrente no
pensamento dos países que estão vivendo reformas de cunho neoliberal, a exemplo da
Espanha:
O economista do BBVA11 Rafael Doménech sustenta que “grande parte
da desigualdade de renda vem da desigualdade de capital humano, e a
desigualdade de capital humano se explica pelo fracasso escolar”. Para
piorar, desenvolveu-se pouco a formação de grau intermediário, e esse
círculo vicioso se retroalimenta ainda mais pela interação com a
globalização e por um avanço técnico que requer muitas habilidades.
[...] “É surpreendente que na Espanha não esteja sendo dada maior
atenção à reforma da educação, para quebrar essas dinâmicas”, conclui
Onrubia (EL PAÍS-BRASIL, np, 2017, grifo meu).
A crítica atual ao neoliberalismo pauta-se principalmente no foco da implantação
pela via dos organismos internacionais de uma agenda única de desenvolvimento que
negue as diferenças locais de cada povo, e as necessidades de desenvolvimento de
políticas públicas também econômicas que mesclem uma agenda nacional com a global ,
essa perspectiva é defendida por Chomsky (1999), pois os grandes países capitalistas
liberais não seguem as agendas do BIRD, BM ou ONU, limitando a sua aplicabilidade a
pertinência em relação às suas políticas , ou seja como aponta Foucault (2008) um Estado
de interesses:
A partir da nova razão governamental e é esse o ponto de descolamento
entre a antiga e a nova, entre a razão de Estado e a razão do Estado
mínimo - a partir de então o governo já não precisa intervir, já não age
diretamente sobre as coisas e sobre as pessoas, só pode agir, só está
legitimado, fundado em direito e em razão para intervir na medida em
que o interesse, os interesses, os jogos de interesse tornam determinado
indivíduo ou determinada coisa, determinado bem ou determinada
riqueza, ou determinado processo, de certo interesse para os indivíduos,
ou para o conjunto dos indivíduos, ou para os interesses de determinado
indivíduo confrontados ao interesse de todos, etc. O governo só se
interessa pelos interesses. O novo governo, a nova razão governamental
não lida com o que eu chamaria de coisas em si da governamentalidade,
que são os indivíduos, que são as coisas, que são as riquezas, que são

11
BBVA : Banco Bilbao Vizcaya Argentaria

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
as terras. Já não lida com essas coisas em si. Ele lida com estes
fenômenos da política que precisamente constituem a política e os
móveis da política, com estes fenômenos que são os interesses ou aquilo
por intermédio do que determinado indivíduo, determinada coisa,
determinada riqueza, etc. interessa aos outros indivíduos ou a
coletividade (FOUCAULT, 2008, p. 62).

Assim vemos o estabelecimento de um Estado que ao optar conscientemente por


não intervir, age na omissão em relação às políticas sociais, e na ação nas políticas
econômicas, quando defende o interesse das grandes empresas transnacionais e do capital
especulativo:
A financeirização da economia desmonta núcleos produtivos,
convertendo-se na forma “mais alienada, mais fetichizada da relação
capitalista”, na felicíssima caracterização de Marx. E dinheiro
reproduz-se sem passar (necessariamente) pela mediação produtiva
(ANTUNES, 2004, p. 77).

Ao mesmo tempo em que há uma estimulação exacerbada do cidadão consumidor


ao desperdício e superfluidade, conforme o mesmo Antunes (2004) nos diz, mas negando
a educação para a fruição consciente, tentando deslocar a centralidade do trabalho, porém
reiterando a lógica valorativa do mercado.
O mercado possui uma dinâmica que lhe é peculiar, seu pensamento, foco e
energia vão para a relação produção/consumo, a educação corporativa, é focada em
pedagogias de competências, aprender a aprender, do capital humano, para que as
relações entre os colaboradores (agora não mais chamados de empregados) e o mercado
sejam constituídas na forma de qualidade, eficiência e competitividade. Porém a escola
que se pretende laica, universal e democrática, não faz produtos, ela forma pessoas. Sua
racionalidade deve ser diferenciada (Parecer Conselho Nacional de Educação/Câmara de
Educação Básica CNE/CEB nº 09/2010).

Considerações finais:

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Não há saídas prontas ou propostas fáceis quando trata-se de educação, menos
ainda numa perspectiva integral de desenvolvimento humano. Precisamos pensar a
educação para além de ferramenta de formação para o mercado, mas para a necessidade
de um ser humano completo.
A colocação do Brasil dentro da ordem mundial do trabalho, é pensada como
produtor de insumos primários e fornecedor de mão de obra barata, nesse contexto a
educação não é tratada na sua forma emancipadora, como ferramenta para a construção
de um indivíduo consciente e livre, plenamente capaz de pensar sua vida, ainda que
sejamos todos condicionados em algum nível pela conjuntura, ao menos sabedor de que
esta sendo parte da engrenagem mundial, ou seja menos alienado e assim apto a
transformá-la.
A supremacia do mercado sobre o social, é uma escolha consciente dos
governantes, porém as áreas em que será efetivada a retirada do Estado das políticas
públicas não é casual, mas minuciosamente planejada para que o Estado entregue à
iniciativa privada, aquilo que é valoroso naquele momento e local para o capital. A
educação assim como o trabalho será também, e sempre, uma área sensível e nevrálgica
de importância estratégica num mundo de mudanças em grande agitação das organizações
capitalistas.

Referências:

ALFARO S. O.; Políticas educativas y el modelo de desarrollo dominante: un


acercamiento crítico in Revista Realidad 120, 2009 (El Salvador) p: 281-292.

ANTUNES R.; A desertificação neoliberal: COLLOR, FHC, LULA, Editores


Associados, Campinas, SP, 2004. p.77.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica nº 09/2010.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Banco Mundial; Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público
no Brasil BRASIL REVISÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS Volume I: Síntese
Novembro,2017.

CAETANO, M. R. O Ensino Médio no Brasil e o Instituto UNIBANCO: um caso de


privatização da educação pública e as implicações para o trabalho docente Revista
Educação e Emancipação, São Luís, v. 9, n. 1, jan./jun. 2016.

CHOMSKY, N.; DIETERICH, H.; A sociedade global: educação, mercado e


democracia, Editora da FURB, Blumenau - SC,1999.

FOUCAULT M. O nascimento da biopolítica, Livraria Martins Fontes Editora Ltda.


São Paulo - SP, 2008, p. 62.

LOURENÇO C. M. E; ENGELBRECHT M. R. O modo de produção capitalista e as


novas formas de requisição do trabalho - II Seminário Nacional de Serviço Social,
Trabalho e Políticas Sociais Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis –
23 a 25 de outubro de 2017.
MENDES, L.; BONILHA M.C.; ICHIKAWA, E.Y.; SACHUK M. I. ; In: Tecnologias
Sociais, Biopolíticas e Biopoder : Reflexões Críticas Cad. EBAPE. BR, v. 13, nº 4,
Artigo 2, Rio de Janeiro, Out./Dez. 2015.

MELLO, A.F. de ; Gramsci, o capital supranacional e o novo teorema da política in:


http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v21n62/a08v2162.pdf acesso em 15/11/2017.

https://nacoesunidas.org/pos2015/ods8/

https://nacoesunidas.org/pos2015/ods4/

https://nacoesunidas.org/pos2015/ods12/ acesso em 15/11/2017

SAVIANI, D. O legado educacional do regime militar. Cad. CEDES, Campinas, v. 28,


n. 76, p. 291-312, Dec. 2008. Available from
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
32622008000300002&lng=en&nrm=iso . access on 02 Dec. 2017.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-32622008000300002.

Autora:

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Dirceia Aparecida Silva Anjos
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica pelo IFPR e graduanda em pedagogia
pela Faculdade Machado de Assis, Curitiba - PR.
email: anjosdirce@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A LIBERDADE ENQUANTO CATEGORIA FILOSÓFICA NO
LIBERALISMO E NO MATERIALISMO HISTÓRICO-
DIALÉTICO: DA CRÍTICA AO PROJETO DE EDUCAÇÃO
BURGUÊS E SUA LIBERDADE PROCLAMADA À
CONTRIBUIÇÃO COM O AVANÇO DA PEDAGOGIA
HISTÓRICO-CRÍTICA PARA CONSTRUÇÃO DO COMUNISMO
Robson Machado

Introdução:
Este texto busca comunicar o projeto de pesquisa que vimos desenvolvendo no
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Unicamp pela linha Filosofia
e História da Educação, em especial, no Grupo de Estudos e Pesquisas História,
Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR).
Dentre as leituras que efetuamos durante o processo de investigação, despertaram
nossa curiosidade epistemológica para o amadurecimento do problema de pesquisa a ser
apresentado, notadamente, algumas obras e produções de Saviani, Lombardi, Jacomeli,
Sanfelice, Duarte e Frigotto. Esses autores, tendo como referência e inspiração os
trabalhos de Marx e Engels, bem como os de outros intelectuais situados na esfera do
marxismo (Gramsci, Lukács, Vázquez, Pistrak, Suchodolski, Manacorda, Makarenko,
Snyders) expressam através da prática pedagógica e da produção teórica educacional
questões inerentes ao problema que pretendemos abordar. Tais questões dizem respeito à
construção do “homem novo”, da “mulher nova” e da “nova sociedade”, ou seja, da
sociedade livre em que os seres humanos possam desenvolver relações plenas de sentido
e de conteúdo.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A partir do diálogo com nossas referências, reafirmamos a educação e o marxismo
como nossa área de interesse e apresentamos como campo de estudo o trabalho educativo
e a epistemologia na intenção de contribuir com a construção coletiva da pedagogia
histórico-crítica (PHC). Assim, o tema que nos propomos abordar diz respeito à categoria
de liberdade, isto é, a liberdade como necessidade humana e o papel da educação na
promoção da liberdade genuína.
Em linhas gerais, pretendemos discutir como a liberdade é concebida na filosofia
que orienta o capital, o liberalismo12, e como tal concepção de liberdade é aplicada no
campo pedagógico-educacional em suas teorias correlatas, as pedagogias hegemônicas,
ou, para usar uma expressão de Duarte (2008), “pedagogias do aprender a aprender”. Isso
implica dizer, que vimos à necessidade de analisar, por um lado, dada a urgência do
avanço em direção ao socialismo, diante do acirramento das contradições de classes
evidenciadas na atual crise do capitalismo, como a concepção alienada de liberdade
burguesa tem sido colocada em prática desde o avanço das propostas neoliberais no
terreno das políticas públicas e teorias pedagógicas no Brasil (JACOMELI, 2011) e, por
outro, porque essa concepção de liberdade, ao que nos parece, não interessa à classe
trabalhadora, pois opera na perspectiva de não socialização dos conhecimentos, mais do
que isso, opera na construção de barreiras para impedir que a verdade seja conhecida pela
humanidade (SAVIANI, 2012a, p.84). Em vista disso, um dos objetivos da pesquisa
proposta é colaborar com o desvendamento da ideologia burguesa, deslindar sua
concepção de liberdade.
Outra questão que deve ser esclarecida, já que temos como hipótese, em função
das leituras prévias que realizamos, que a liberdade, na concepção de mundo burguesa

12
Utilizamos a expressão liberalismo na esteira da reflexão de Orso (2007) que defende que o
liberalismo, expressão ideológica do capitalismo, apesar de suas reformulações, muda sem deixar de ser o
mesmo. Ou seja, as transformações ocorridas são realizadas na intenção de recompor o poder hegemônico
do capital nos momentos de crise.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
não é uma liberdade genuína, é como se apresenta a categoria liberdade na concepção
materialista histórica. Por consequência, pretendemos compreender a liberdade na prática
social mais ampla e, especificamente, na atividade pedagógica. Com isso tencionamos
discutir o papel da educação na construção do homem novo e, sobretudo, como, na
conjuntura da atual crise, podemos contribuir para construção do “reino da liberdade”.
Partindo do pressuposto de que a concepção de liberdade burguesa não atende às
classes trabalhadoras, o nosso problema de pesquisa pode ser traduzido na seguinte
indagação: que função assume a liberdade, enquanto categoria liberal-burguesa, no
projeto de educação brasileiro e qual sua atribuição na concepção marxista (histórico-
crítica) de educação?
Essa questão, só poderá ser respondida, a partir das considerações já realizadas
nesta introdução, se empreendermos uma análise da conjuntura histórico-educacional
brasileira, principalmente a partir dos anos de 1990. Acreditamos que, dessa maneira,
poderemos analisar etapas diferentes no cenário da educação brasileira que nos permitirão
compreender melhor o projeto de liberdade burguesa para educação durante a Sexta
República. Em outras palavras, trata-se de esclarecer o que há de velho e o que há de novo
no recrudescimento das forças da direita que dizem respeito à educação neste período de
agudização da crise. Essa análise conjuntural, como nos lembra Lombardi (2017, p.64),
pode dar sustentação e norte à discussão da liberdade como categoria de importância para
superação da crise e indicar a possibilidade de fazer a revolução. Para isso, é fundamental
conceber a liberdade como categoria em interação dialética com a necessidade, o trabalho
e a práxis revolucionária.

A liberdade enquanto categoria filosófica e a educação brasileira: primeiras


aproximações

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O que orienta nossa discussão sobre a liberdade é a possibilidade de avançar em
direção ao comunismo diante da crise. Assim, dissecar a relação dialética entre política
pública, método e teoria pedagógica no projeto educacional burguês nos permitirá
comprovar que sua concepção de liberdade não é genuína. Em outras palavras, a análise
de conjuntura deve fortalecer o amadurecimento das condições subjetivas necessárias ao
avanço da revolução.
Conforme Lombardi (2017), a crise brasileira está inscrita na crise estrutural da
sociedade capitalista que afeta os principais pilares desse modo de produção. Isso permite
dizer que nos encontramos na possibilidade de revolucionar as estruturas econômicas e
transformar o modo como os homens produzem sua existência. Posto isso, acreditamos
que a importância de nossa pesquisa está em contribuir com as possibilidades de tal
transformação.
Mas o que justifica nossa problematização a partir da categoria de liberdade? A
categoria liberdade se revelou para nós, durante a pesquisa realizada em nível de
mestrado na Universidade Federal de Lavras, como essencial para o projeto de educação
comprometido com a superação da sociedade do capital. Ao empenharmos, naquela
ocasião, o estudo da PHC, notamos que a categoria de liberdade é central em todos os
aspectos de seu desenvolvimento, porque não só orienta a materialidade da ação
pedagógica, mas também se apresenta como desiderato da própria atividade pedagógica.
Em outras palavras, a liberdade, articulada as categorias necessidade, trabalho e práxis
é, ao que nos parece, a categoria que dá sentido a PHC. Assim, hipoteticamente, a
liberdade, a partir da reflexão que tem a educação como objeto de estudo, se apresenta de
duas maneiras que se inter-relacionam: a liberdade na atividade pedagógica e a liberdade
na prática social13 global.

13
Nossa orientação sobre a liberdade enquanto categoria filosófica no marxismo e sua relação com a
educação tem sido influenciada pela leitura de Duarte (2016), Saviani & Duarte (2012) e Saviani (2012b).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Isso implica dizer, que a partir da concepção de mundo materialista histórica,
existe a liberdade genuína, que difere substantivamente da liberdade alienada, defendida
de modo pertinaz pelos intelectuais da burguesia. Agora, se acreditamos que na
concepção materialista histórica a liberdade genuína só pode ser conquistada com a
ascensão do comunismo, quando os homens desenvolverão relações plenas de sentido,
temos de reconhecer que a construção do comunismo se dá a partir da sociedade do
capital, isto é, é possível, ainda que sob o jugo do capitalismo, orientado filosoficamente
pelo liberalismo, caminharmos em direção ao Reino da Liberdade.
A PHC entende que a educação, como um elemento inserido no movimento
dialético de transformação da realidade, deve desempenhar uma função imperiosa no
interior da sociedade de classes, a de transmitir o conhecimento em suas formas mais
desenvolvidas para coletividade dos homens. Em vista disso, o papel da educação
“define-se pela importância do conhecimento na luta contra o capital e na busca pela
formação plena do ser humano” (DUARTE, 2012b, p.153). Nesse sentido, Saviani afirma
que “[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens” (SAVIANI, 2012b, p. 13), pois “[...] lutar pelo socialismo é lutar pela
socialização da propriedade dos meios de produção (DUARTE, 2012b, p. 153)” e os
conhecimentos científicos produzidos historicamente pela humanidade não podem ser
dissociados dos meios de produção, pois é o conhecimento que permite sua existência
efetiva.
Se reconhecemos que o processo de trabalho humano, bem como o de produção
dos meios de produção, exigem uma antecipação da ação pelo pensamento, não podemos

O desenvolvimento da liberdade nas relações de ensino-aprendizagem ocorre pela socialização dos


conhecimentos produzidos pela humanidade que foram apropriados pela burguesia. A liberdade, neste
estágio, se dá quando o aluno domina o conteúdo, pois o conhecimento objetivo permitirá uma atividade
consciente na prática social global.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
negar que os meios de produção contêm conhecimentos científicos objetivados. Isso
implica dizer, que ao socializar o conhecimento produzido historicamente pelos homens
com a classe trabalhadora, estaremos socializando os meios de produção. O ideário
histórico-crítico, assentindo que a socialização plena dos meios de produção não pode
ocorrer na estrutura societária capitalista, evidencia que a contradição imanente a essa
realidade permite iniciar o processo em direção ao comunismo (DUARTE, 2011). Daí o
fato de afirmarmos que os pressupostos da sociedade comunista estão dados na sociedade
do capital, cabendo a classe trabalhadora apropriar-se da riqueza material e espiritual
em sua totalidade para superar o capitalismo. Desse modo, entendemos o comunismo
como “movimento real que supera o estado das coisas atual” (DUARTE, 2011, p. 8).
A concepção de liberdade que captamos na PHC, e que orienta nosso
entendimento da liberdade genuína a partir dos pressupostos do marxismo, nos foi
aclarada, especialmente, pelas formulações de Saviani e Duarte. Para esses pensadores a
liberdade inexiste na natureza, sendo uma criação exclusivamente humana que, a partir
de sua atividade laboral, transforma as condições materiais em que vive. A liberdade,
portanto, é uma contingência histórico-social que se dá em meio à produção e reprodução
das objetivações humanas que, pelas contradições apresentadas no bojo da sociedade de
classes, também produzem e reproduzem seu contrário, isto é, a viabilidade da não
concretização da liberdade (DUARTE, 2016).
Acreditamos que o exposto anteriormente permite esclarecer, ainda que em linhas
gerais, o que estamos chamando de liberdade genuína e, sobretudo, como entendemos a
liberdade genuína a partir da promoção do comunismo e sua relação com a liberdade
construída na prática educativa através da socialização dos conhecimentos objetivos. Mas
o que justifica o estudo aprofundado da categoria de liberdade na concepção materialista
histórico-dialética? O estudo justifica-se pela urgência de se contribuir com o

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
fortalecimento da PHC e com sua construção coletiva que concorre para superação do
capitalismo diante do acirramento das contradições de classe.
Esclarecida, ainda que por aproximação de caráter introdutório, a concepção de
liberdade que orienta nosso estudo, cabe agora sinalizar o percurso que buscamos
percorrer no tocante a liberdade (ou negação da liberdade genuína) defendida pela
burguesia.
Antes, porém, gostaríamos de declarar que o marxismo não nega a importância
das conquistas da sociedade burguesa, uma vez que a liberdade genuína só encontra sua
possibilidade a partir dos avanços que precedem sua concretização. Isso implica dizer que
a educação marxista e a sociedade comunista se dão pela incorporação e superação dos
elementos existentes na “pré-história da humanidade”. Tomemos como exemplo o fato
de que a ascensão da sociedade burguesa e do modo de produção industrial possibilitou a
transformação do aparato escolar que, até aquele momento, era dominado pela educação
familiar e religiosa, e agora tenderia a ser laico e estatal (LOMBARDI, 2008). Isso,
porque o grau de desenvolvimento social atingido com o estabelecimento do modo de
produção capitalista determinou o modo de ser da atividade educativa, assim como os
modos de produção dominantes no estágio anterior ao capitalismo determinavam formas
dominantes de educação.
De acordo com Lombardi (2008, p. 15), “as transformações desencadeadas pela
Revolução Industrial e o desenvolvimento teórico do liberalismo foram responsáveis
pelas proclamações de pensadores liberais que atribuíam à educação e ao conhecimento
a responsabilidade de criar condições de igualdade entre todos os cidadãos”. Nessa
direção, a bandeira de luta por uma educação pública (no capitalismo confunde-se com
estatal), gratuita, laica e de qualidade é deficitária da ideologia liberal, o que indica um
passo em direção a liberdade no que diz respeito à educação, ainda que a burguesia,
enquanto classe controladora do Estado, não tenha obtido êxito em sua proposta original.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Não obteve êxito, porque o que de início era defendido pelo seu princípio filosófico e
político acaba por contrariar a economia política dessa mesma classe que passa a defender
a “educação como um negócio para o capital e um serviço para os usuários”
(LOMBARDI, 2017, p. 80). Diante da constatação de que a educação seria uma atividade
como qualquer outra existente no marcado, a luta pela educação laica, pública, gratuita e
de qualidade é assumida pelos socialistas.
A liberdade na educação para ideologia liberal passa a ser a liberdade de lucrar
com escolas enquanto negócio e a liberdade de escolher, enquanto cliente, a escola em
que pretende se matricular. Obviamente, essa lógica também subverte o princípio de
igualdade de condições, uma vez que os serviços prestados pela iniciativa privada não
atenderia a todos da mesma forma e a educação pública seria, propositalmente, sucateada.
“O estado de classe estava [e ainda está] intimamente ligado ao ensino de classe. Ainda
que não sem tensões, o aparato escolar se convertia em um apêndice da classe dominante”
(MARX; ENGELS, 2011, p.18). Por essa razão, a educação escolar, a partir das
pedagogias hegemônicas, tem se reproduzido e se reinventado ao longo da história como
um instrumento de exclusão social que busca a manutenção do poder burguês. Mesmo
quando adota o discurso de liberdade, promove, através de práticas pedagógicas
aligeiradas e relativistas, a alienação e a negação da democratização do saber elaborado
(SAVIANI, 2012a).
Para comprovarmos o que estamos atestando, lançamos mão da crítica realizada
por Marx sobre a proposta de Adam Smith em que afirma que o estado deveria dar atenção
especial à educação da população pobre, pois a divisão do trabalho destruía as virtudes
sociais da classe trabalhadora. Diante de tal proposta, Marx afirmou que: “[...] A fim de
evitar a degradação completa da massa do povo, originada pela divisão do trabalho, A.
Smith recomenda o ensino popular pelo estado, embora em doses prudentemente
homeopáticas” (MARX, 1985, p. 285 apud LOMBARDI, 2017, p. 80 grifo nosso).

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emancipação humana
Tendo como pressuposto a tese defendida por Orso (2007), que o liberalismo
muda, sem deixar de ser o mesmo, não seria a crítica de Marx aplicável as propostas de
educação na contemporaneidade? Como a proposta da burguesia se apresenta na crise
atual da educação brasileira? Não seriam as reformas, nas quais estão inscritas a Reforma
do Ensino Médio e o Programa Escola Sem Partido, mecanismos que operam como
barreiras para promoção da liberdade da classe trabalhadora? Qual a importância de se
discutir a categoria liberdade para desvendar a ideologia burguesa e progredir na proposta
comunista?
Saviani (2011) tem nos ajudado a refletir sobre a categoria de liberdade e seu
caráter contraditório na ideologia liberal ao levantar a questão que, na educação burguesa,
existem os objetivos proclamados e os objetivos reais. Desse modo, entende que os
objetivos proclamados são “as finalidades gerais, as intenções últimas, ao passo que os
objetivos reais indicam os alvos concretos da ação” (SAVIANI, 2011, p. 190). Em suma,
“os objetivos reais podem se configurar como concretizações parciais dos objetivos
proclamados, mas podem também se opor a eles, o que ocorre com bastante freqüência.
Nesse último caso os objetivos proclamados tendem a mascarar os objetivos reais”
(SAVIANI, 2011, p. 190).
O precursor da PHC, ancorando-se na produção marxiana que fundamenta o
“fetichismo da mercadoria”, adverte que a função que os objetivos proclamados têm de
mascarar os objetivos reais é marca distintiva da ideologia liberal, ideologia típica do
modo de produção capitalista “[...] que introduziu, pela via do ‘fetichismo da mercadoria’,
a opacidade das relações sociais” (SAVIANI, 2017, p. 37). A opacidade das relações
sociais a que se refere Saviani, obviamente, se aplica a educação e está intimamente
vinculada a cisão entre a aparência e a essência, entre o direito e o fato, entre a forma e a
matéria (SAVIANI, 2011, p. 215). Mas o que isso significa e como se aplica a discussão
de liberdade na educação?

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O modo de produção capitalista instaurou para as relações sociais uma forma
fantasmagórica em que a relação entre os homens assume forma de relação entre coisas
que, sob o discurso naturalizante, acaba por dissimular e obscurecer a verdade, ou seja,
as coisas como elas de fato são. O embuçamento da verdade é que permite a promoção
da concepção de liberdade subsidiada pela burguesia. Liberdade na aparência, não na
essência, liberdade de direito, mas não de fato.
O que temos como hipótese é que a lógica do capital, que fomenta a opacidade
das relações sociais, também suscita a opacidade das relações pedagógicas que
impossibilitam o avanço em direção a liberdade genuína. Cabe salientar que em tempos
de crise essa ação se intensifica na intenção de impedir o progresso dos interesses dos
trabalhadores, já que as classes trabalhadoras “[...] tenderão a encarar as crises
conjunturais como expressão das contradições de estrutura, buscando explorar a crise de
conjuntura para mudar a correlação de forças tendo em vista a transformação estrutural”
(SAVIANI, 2017, p. 33), enquanto “a classe dominante tende a encarar as crises como
desarranjos ou disfunções que apenas exigem rearranjos ou ajustes (reformas)”
(SAVIANI, 2017, p. 33). Portanto, as reformas, como adverte Saviani, agem para impedir
a verdade e, por conseqüência, a liberdade genuína.
A PHC, tendo a escola como instituição mais desenvolvida para socialização do
conhecimento produzido historicamente, reconhece que o saber, objeto específico do
trabalho escolar, é um meio de produção. Dessa forma, a escola transmissora do
conhecimento promove a socialização do saber, que antes era propriedade privada
(SAVIANI, 2012b, p. 85). Daí a contradição imanente da relação da burguesia com a
escola, pois se em sua fase revolucionária essa classe colocava a necessidade da educação
de forma geral para cumprir seu projeto de hegemonia diante da ordem feudal e
absolutista, uma vez consolidada como classe detentora do poder, adota posição

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conservadora, no intuito de impossibilitar aos trabalhadores acesso a verdade, como
salienta Smith.
Nas palavras de Saviani:
Enquanto a burguesia era revolucionária, ela possuía interesse na
verdade. Quando passa a ser conservadora, a verdade então a incomoda,
choca-se com seus interesses. Isso ocorre porque a verdade histórica
evidencia a necessidade das transformações, as quais, para a classe
dominante – uma vez consolidada no poder – não são interessantes; ela
tem interesse na perpetuação da ordem existente.
[...] que a escola básica é importante para todos, que a alfabetização
deve ser acessível a todos é obvio. No entanto, isso fica obscurecido
por uma série de tergiversações as quais servem para retardar a
consecução desse objetivo, contemporanizar e prolongar as
desigualdades vigentes (SAVIANI, 2012b, p. 86 grifo nosso).

Na esteira do pensamento de Saviani, o professor Newton Duarte, por ocasião da


XIV Jornada do HISTEDBR levanta a questão que vem chamando de obscurantismo
beligerante. Tal obscurantismo é a arma usada pela classe dominante contra os
trabalhadores para lhes impedir o acesso à verdade e, consequentemente, a liberdade.
Opera a partir dos mecanismos apontados anteriormente, como a opacidade das relações
sociais, os objetivos proclamados (que mascaram os objetivos reais) para educação e a
promoção de concepções de mundo idealistas, naturalizantes e relativistas. Em resumo,
agem de modo a contribuir com as tergiversações adotadas pela burguesia para impedir a
ação efetiva da escola e da educação. Nessa direção, Duarte (2016): assevera que: “No
que diz respeito à escolarização da classe trabalhadora, a burguesia e os intelectuais a seu
serviço há muito tempo vêm lançando mão de duas estratégias, a da seletividade e da
precariedade” (DUARTE, 2016, p. 26 grifo nosso).

À guisa da conclusão
Acreditamos que os apontamentos que realizamos anteriormente esclarecem,
ainda que por aproximação, como o poder hegemônico da burguesia, que controla as

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emancipação humana
forças do Estado, diante da contradição que possibilita aos trabalhadores se apropriarem,
ainda que minimamente, do saber elaborado, age para impedir o avanço e a
democratização do conhecimento produzido pela humanidade e, desse modo, impedem a
universalização do gênero humano e reproduzem as apropriações e objetificações das
relações alienadas impedindo a promoção da liberdade (DUARTE, 2013).
No que diz respeito à liberdade, enquanto categoria filosófica no materialismo
histórico dialético, buscamos evidenciar os motivos pelos quais acreditamos que somente
na sociedade comunista, isto é, no Reino da Liberdade, encontraremos a liberdade real
(genuína) e de que maneira a liberdade pode ser promovida na educação, a partir da
sociedade do capital, com as contribuições de uma teoria da educação que opere na
perspectiva da socialização do saber sistematizado, a pedagogia histórico-crítica.
Diante disso, acreditamos que seja necessário refletir sobre as seguintes questões:
Não seriam as reformas propostas para educação pela classe dominante uma
intensificação da seletividade e da precariedade? Como o obscurantismo beligerante na
educação, que age contra a liberdade genuína, opera e tem operado em tempos de crise?
Qual o papel da educação socialista diante da atual conjuntura? Qual a importância da
verdade para promoção da liberdade?

Referências:
DUARTE, N. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Campinas:
Autores Associados, 2008.

. Fundamentos da pedagogia histórico-crítica: a formação do ser humano na


sociedade comunista como referência para a educação contemporânea. In: MARSIGLIA,
A. C. G. (Org.). Pedagogia histórico-crítica: 30 anos. Campinas: Autores Associados,
2011. p. 7-23.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
. Luta de classes, educação e revolução. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (Org.).
Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas: Autores
Associados, 2012b. p. 149-165.

. A individualidade para si. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2013.

. Relações entre conhecimento escolar e liberdade. Cadernos de Pesquisa, São


Paulo, v. 46, n. 159, p. 78-102, jan./jun. 2016.

JACOMELI, M. R. M. As políticas educacionais da Nova República: do governo Collor


ao de Lula. Revista Exitus, Pará, Volume 1, Número 1, p. 119-128, julho/dezembro de
2011.

LOMBARDI, J. C. Educação, ensino e educação profissional em Marx e Engels. In:


LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D. Marxismo e Educação: debates contemporâneos.
2. ed. Campinas: Autores Associados, 2008. p. 1-38.

LOMBARDI, J. C. Crise do capitalismo e educação. Algumas anotações. In:


LOMBARDI J. C. (Org.). Crise capitalista e educação brasileira. Uberlândia:
Navegando Publicações, 2017. p. 61-94.

MARX, Karl. O capital. Crítica da Economia Política. Livro 1, Tomo 2. São Paulo:
Nova Cultural, 1985.

MARX, K.; ENGELS, F. Textos sobre educação e ensino. Campinas: Navegando, 2011.
ORSO, P. J. Neoliberalismo: equívocos e consequências. In: LOMBARDI, J. C. &
SANFELICE, J. L. (Orgs.). Liberalismo e Educação em debate. Campinas: Autores
Associados, 2007. p. 163-184.

SAVIANI, D. A nova lei de educação: trajetória, limites e perspectivas. 12. Ed.


Campinas: Autores Associados, 2011.

. Escola e democracia. 42. ed. Campinas: Autores Associados, 2012a.

. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. Campinas:


Autores Associados, 2012b.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
. Marxismo, educação e pedagogia. In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (Org.).
Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas: Autores
Associados, 2012c.p. 59-87.

. Crise estrutural do capitalismo e seus impactos na educação pública brasileira.


In: LOMBARDI J. C. (Org.). Crise capitalista e educação brasileira. Uberlândia:
Navegando Publicações, 2017. p. 31-46.

SAVIANI, D.; DUARTE, N. A formação humana na perspectiva histórico-ontológica.


In: SAVIANI, D.; DUARTE, N. (Org.). Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na
educação escolar. Campinas: Autores Associados, 2012. p. 13-37.

Autor:

Robson Machado
Universidade Estadual de Campinas/Unicamp
robson_historia@yahoo.com.br

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emancipação humana
A PSEUDO NEUTRALIDADE DEFENDIDA PELO MOVIMENTO
ESCOLA “SEM” PARTIDO

Danielli Maria Neves da Silveira

Introdução:
O movimento Escola “sem” Partido, o qual surgiu em 2004, mas, que passou a
aparecer mais e crescer a partir de 2014, vem se apresentando enquanto um sério ataque
à escola pública, mostrando a face do conservadorismo, ele foi avançando dentro do
campo educacional no Brasil.
O Projeto de Lei foi elaborado por Miguel Nagib (também coordenador do
movimento), segundo este, o movimento representa pais e estudantes que se opõem ao
que chamam de “doutrinação ideológica” no ambiente escolar. Apresentando discurso
conservador e liberal, o advogado que divulga o movimento defende que a escola seja
neutra e voltada ao aprendizado.
O que se afirma no movimento apresenta uma aparência “tentadora” para pais e
estudantes, pois, acredita-se nessa neutralidade. Porém, seria esta neutralidade possível?
Existe conhecimento desinteressado?
O presente texto pretende discutir esse viés do Escola “sem” Partido — as aspas
indicam a discordância com o termo sem partido, a qual será explicitada no texto —
buscando analisar as raízes mais aprofundadas que o movimento apresenta e compreender
para além da aparência do mesmo.
O caráter de ameaça aos direitos humanos básicos foi denunciado e repudiado por
organizações como o Alto Comissariado para os Direitos Humanos e a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência. Rodrigo Janot (procurador-geral da República), o
Ministério Público Federal e a Advocacia-Geral da União consideraram o projeto
inconstitucional, demonstrando o caráter contraditório do Projeto de Lei.

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emancipação humana
O PL elaborado pelo ESP, recebe críticas de vários grupos de estudantes e
professores, sendo nominado principalmente como “Lei da Mordaça”, por atingir a
liberdade de ensinar e de aprender no espaço escolar. Uma das primeiras iniciativas de
oposição ao ESP foi o movimento “Professores contra o Escola sem Partido”.
No presente texto pretendemos colocar em discussão estes aspectos do ESP, não
encerrando o debate, mas sim levantando incógnitas e debater contradições dentro do
próprio discurso do movimento, que carrega consigo intencionalidades que repercutem
para muito além do ambiente escolar.
Para realizar este diálogo, utilizar-se-á autores que debatem sobre o tema, bem
como o conteúdo produzido pelo movimento, seja pelos seus discursos ou materiais
produzidos principalmente no espaço da internet.
Como finalidade, pretendemos avançar na discussão colocando em pauta os
aspectos que aparentam ser nocivos, porém ameaçam veemente a educação brasileira, e
consequentemente a sociedade.

ESCOLA “SEM” PARTIDO: para além da aparência


Os dados aqui utilizados em relação a como o movimento se apresenta são com
base no site, Escola sem Partido14, meio este pelo qual o ESP divulga e compartilha ideais,
recebe “denúncias de doutrinação” e se comunica com a grande massa de pais e
estudantes do país.
Na presente discussão o termo “sem” aparecerá entre aspas, devido a contestação
que se tem da denominação do movimento pelo seu caráter contraditório, concordamos
com a argumentação de FRIGOTTO (2017) em que delineia,
Ao por entre aspas o termo “sem” da denominação Escola sem
Partido, quer-se sublinhar que, ao contrário, trata-se da defesa,
por seus arautos, da escola do partido absoluto e único: partido

14
Site do movimento: http://www.escolasempartido.org/. Acesso em: 25/01/2018.

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emancipação humana
da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões do
mundo, de conhecimento, de educação, de justiça, de liberdade;
partido, portanto, da xenofobia nas suas diferentes facetas: de
gênero, de etnia, da pobreza e dos pobres etc. Um partido que
ameaça os fundamentos da liberdade e da democracia [...]
(FRIGOTTO, 2017, p.31)

Conforme apresentado no conteúdo no site, em linhas gerais, os alunos são vistos


como vítimas de assédio ideológico, que advém da esquerda (compreendem esta como
um movimento político hegemônico no espaço escolar), a concepção do movimento, é a
de que a família que deve educar moralmente o aluno.
Convenhamos que em uma sala de aula com mais de 20 alunos (sendo uma média
baixa para se referir a realidade brasileira, apenas como exemplo), se o professor for
considerar a moral de cada família, o que será discutido? Haverá como atender cada aluno
em sua “singularidade”? O espaço escolar que seria o espaço do pluralismo de ideias,
acaba por empobrecer e esvaziar seu caráter educativo desta forma.
O movimento se autodenomina neutro, argumentando que não promove tópico de
agenda liberal, conservadora ou tradicionalista. Esta afirmação revela uma contradição
dentro do próprio discurso do Escola “sem” Partido, pois, o próprio criador, Miguel Nagib
afirmou o fato deste ser inspirado no Código de Defesa do Consumidor.
MATTOS ET AL (2017, p. 80), ressaltam sobre este dado que: “[...] revela a
compreensão da educação como prestação de serviços e o exercício da cidadania como
ajuste e proteção da parte vulnerável nos contratos”. Conforme discute PENNA (2017),
partindo desta análise já se percebe como se relaciona ao modelo de mercado, portanto,
como pode-se afirmar neutro?
Nagib, que anteriormente enquanto membro do instituto Millenium, que defendia
valores de mérito e individualidade, já demonstra em seu caráter enquanto indivíduo que
não é neutro, “[...] Meritocracia é um valor neutro necessário para transmitir o
conhecimento? Eu creio que não.” (PENNA, 2017, p. 40).

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O movimento “defende” a liberdade, e conclama o direito da família sobre a
educação de seus filhos, mas, ataca veemente a liberdade de ensinar e de aprender, de
conviver com opiniões diferentes e utilizar o espaço escolar para o debate.
Os riscos de intolerância e conflitos decorrentes disso, podem ser pautados pelo
próprio discurso de partidos apoiadores do movimento e do Projeto de Lei do Escola
“sem” Partido. Discursos de teor fascistas embasam e defendem deliberadamente uma
agenda liberal e conservadora. SAVIANI dialoga,
[...] Ao proclamar a neutralidade da educação em relação à
política, o objetivo a atingir é o de estimular o idealismo dos
professores fazendo–os acreditar na autonomia da educação em
relação à política, o que os fará atingir o resultado inverso ao que
estão buscando: em lugar de, como acreditam, estar preparando
seus alunos para atuar de forma autônoma e crítica na sociedade,
estarão formando para ajustá–los melhor à ordem existente e
aceitar as condições de dominação às quais estão submetidos. Eis
por que a proposta da escola sem partido se origina de partidos
situados à direita do espectro político com destaque para o PSC
(Partido Social Cristão) e PSDB (Partido da Social Democracia
Brasileira) secundados pelo DEM (Democratas), PP (Partido
Popular), PR (Partido da República), PRB (Partido Republicano
Brasileiro) e os setores mais conservadores do PMDB (Partido
do Movimento Democrático Brasileiro). Como se vê, a “escola
sem partido” é a escola dos partidos da direita, os partidos
conservadores e reacionários que visam manter o estado de
coisas atual com todas as injustiças e desigualdades que
caracterizam a forma de sociedade dominante no mundo de hoje”
(SAVIANI, 2017, pp. 230-231).

Avançando na discussão a partir do argumento de SAVIANI, pretende-se ressaltar


o que há de implícito no discurso do movimento, visto que quando se analisa
determinantes que envolvem e permeiam o mesmo se compreende que avança para além
do que aparenta. O movimento demonstra uma essência conservadora, que vem
permeando cenário político na atualidade do país de forma deliberada.

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contexto no qual se insere o Escola “Sem” Partido
Após discutido os principais aspectos que cerceiam a discussão sobre o
movimento, pretende-se explicitar em que contexto o mesmo se insere, visto que
conforme coloca Leandro Konder com base na dialética marxista:
Qualquer objeto que o homem possa perceber ou criar é parte de
um todo. Em cada ação empreendida, o ser humano se defronta,
inevitavelmente, com problemas interligados. Por isso, para
encaminhar uma solução para os problemas, o ser humano
precisa ter uma certa visão do conjunto deles: é a partir da visão
do conjunto que a gente pode avaliar a dimensão de cada
elemento do quadro [...]. (KONDER, 2004, p. 36).

O movimento que mesmo tendo surgido em 2004, uma década após seu
surgimento, toma maior amplitude, o que nos faz indagar a razão pela qual ele se amplia
em dado momento específico na sociedade brasileira.
Em 2015, começa a se espalhar de forma mais visível pelas casas legislativas no
país, principalmente nas câmaras municipais, enquanto o projeto já tramitava em âmbito
federal, este que acabou não sendo aprovado.
Faz-se pertinente colocarmos o momento vivido pelo país, que se caracteriza por
um avanço do conservadorismo dentro e fora do ambiente acadêmico/escolar.
O governo do Partido dos Trabalhadores, desde o início do governo Lula em 2003
caracterizou-se por um partido de esquerda que vence as eleições e faz uma aliança com
a direita, de forma que houveram avanços para a classe trabalhadora, porém, de forma
“tímida” e que não ameaçou a aliança com a burguesia.
Conforme coloca ALVES (2017, p. 136) “[...] as raízes profundas da reação
conservadora e reacionária estão na incapacidade candente do projeto político do PT de
romper com o Estado neoliberal de cariz oligárquico–político [...]”. Desta forma, temos
uma contradição dentro na gestão do Partido dos Trabalhadores.

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Após 8 anos de gestão de Lula, a então presidente Dilma Rousseff, também do PT
é eleita e sofre o processo de impeachment no ano de 2016, através de um golpe que já
estava sendo articulado para este ultimato final.
Após vencer as eleições, que desagradou frações hegemônicas que detêm o
capital, começou-se um movimento para a derrubada do cargo da presidência, de maneira
que o golpe se deu, e se denomina desta forma, devido ao fato de não haver crime
praticados pela então presidente da república.
ANTUNES (2017) relata que o governo do PT fracassou tentando implementar a
terceira via, de forma que apenas essa conciliação, não era mais interessante para o
neoliberalismo que retoma o controle, no caso do Brasil foi através de um golpe.
O golpe, deu-se devido a crise pela qual o Brasil atravessa, a crise de 2008 que
atingiu os países centrais, e que veio a chegar nos países periféricos a partir de 2013
tornou o cenário impróprio para conciliações para a política neoliberal, dessa maneira,
para garantir que a burguesia continue dominante e mantendo privilégios em tempos de
crise, fez-se todo o aparato com mediação da mídia, do judiciário e de setores das frações
dominantes, para reiterar como a burguesia age em tempos de crise do capital
(ANTUNES, 2017).
Os protestos no ano de 2013, já apontavam a insatisfação de frações da burguesia
no país, e já começaram a apresentar a face do golpe que viria a acontecer no ano de 2016,
conforme aponta ALVES:
Por exemplo, na sociedade política, o espírito golpista adquiriu
um “corpo monstruoso” na maioria política do Congresso
Nacional, eleito em 2014, com uma composição reacionária e
conservadora, e que escolheu o Dep. Eduardo Cunha/PMDB para
presidi–lo. O sistema político arcaico permitiu que grandes
empresas financiassem candidatos comprometidos com a
espoliação do fundo público e dos direitos sociais e trabalhistas
do povo brasileiro. Na sociedade civil, o espírito golpista
assumiu seu “corpo monstruoso” nos movimentos sociais de
direita, tal como o MBL (Movimento Brasil Livre), que,

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emancipação humana
financiados por grandes empresários, articulou–se com
ruralistas e evangélicos para defender pautas neoliberais,
reacionais e conservadoras. As “víboras” da reação
conservadora se multiplicaram pela sociedade civil (ALVES,
2017, p. 135, grifos meus).

Partindo deste diálogo do autor, entendemos que o cenário da crise econômica


refletiu fortemente em todos os demais âmbitos: sociais, políticos e educacionais, nesse
contexto começa a tomar mais forma o denominado Escola “sem” Partido.
Conforme coloca PENNA (2017) o ESP, não foi enfrentado antes, “[...]
justamente por parecer absurdo e sem fundamentos legais para aqueles que conhecem o
debate educacional [...]” (p.35).

A pseudo neutralidade do Escola “Sem” Partido


O discurso de neutralidade pelos propositores do movimento Escola “sem”
Partido, não ocorre por acaso, assim como não por acaso esse movimento cresce e se
espalha junto a uma força reacionária e conservadora no Brasil.
O conhecimento é compreendido aqui a partir da história e no âmbito das relações
humanas, jamais neutro, e sim vinculado às condições sociais, econômicas e políticas da
sociedade, portanto, concordamos com a seguinte colocação:
Os pressupostos dos quais partimos não são arbitrários nem
dogmas. São bases reais das quais não é possível abstração a não
ser na imaginação. Esses pressupostos são os indivíduos reais,
sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas que
eles já encontraram elaboradas quanto aquelas que são o
resultado de sua própria ação. Esses pressupostos são, pois
verificáveis empiricamente. [...]. Da maneira como os indivíduos
manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide,
com sua produção, tanto com o que produzem como o modo
como produzem. O que são os indivíduos, por conseguinte,
depende das condições materiais de sua produção (MARX,
ENGELS, 2010, p. 44-45).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A partir desta citação de Marx e Engels, pretende-se explicitar que na educação
não desconsideramos a sociedade em que o aluno está inserido, consequentemente o
professor. Compreende-se que na sociedade capitalista, cindida na divisão de classes e
com interesses antagônicos, é marcada por diferentes pressupostos.
Pressupostos estes, que defendem o interesse de uma das classes, portanto,
incumbida da educação da classe trabalhadora, a escola pública deve defender os
interesses da mesma, visto que a neutralidade não é possível, o que se pretende com o
Escola “sem” Partido, é retirar da classe trabalhadora um de seus instrumentos de
consciência e libertação.
SAVIANI (2017) argumenta, que há um duplo componente que traz essa ofensiva
para o campo da educação, sendo um deles de caráter global e corresponde a crise
estrutural pela qual passa o capitalismo, em que é recorrido a mecanismos de coerção na
política junto a persuasão da sociedade, neste se insere a educação é vista como
mecanismo de doutrinação.
O autor explicita ainda, que há o componente relacionado especificamente a
formação social brasileira, em que a classe dominante age “[...] tramando golpes sempre
que pressente o risco da participação das massas nas decisões políticas. [...]” (SAVIANI,
2017, p. 228).
O próprio surgimento do movimento não é neutro, e nem mesmo os envolvidos
nele, tenta-se escamotear os interesses por trás deste, e desafia educadores a repensarem
a educação, através de uma forma cômoda o movimento aciona o senso comum, e retira
algumas das funções da escola que é a formação do pensamento crítico, o estímulo ao
debate e a formação da cidadania.
Conforme aponta ORSO (2017), em relação ao momento atual vivido pela
educação no Brasil “[...] ao contrário de exigir o rebaixamento da qualidade da educação

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
e o afrouxamento da capacidade crítica, revela a necessidade de maior aprofundamento
teórico e crítico. [...]” (p.137).
Para se combater estes discursos fundamentalistas e conservadores, devemos
tomar o caminho oposto e ressaltar a importância da discussão, do debate na educação, a
mudança se faz necessária, porém, no caminho oposto ao apontado pelo ESP, rumo a uma
educação emancipadora e não que “amordaça”.
Conclusão:
A partir da discussão feita no presente resumo, não se pretendeu esgotar a
discussão e sim enriquece-la, com base na importância de avançarmos para além da
aparência e compreender a objetivação do Escola “sem” Partido em sua essência, que nos
provoca a colocar o contexto na qual se insere, o discurso do qual se prevalece e a
intencionalidade escamoteada em seu interior.
Sabendo-se que não existe conhecimento desinteressado, fazendo assim com que
a neutralidade seja impossível, o que o movimento faz é “amordaçar” tudo aquilo que faz
pensar o sistema vigente e se contrapõe ao que é imposto e disseminado em todos os
demais espaços, como a mídia faz com excelência.
Se no espaço escolar não se puder falar sobre política, questões de gênero (como
o movimento tanto ataca junto a setores conservadores) e haver uma pluralidade de ideias,
em que espaço isso irá ocorrer?
Os demais espaços que fazem parte da vida do educando como a igreja, a família
e a mídia possuem sua própria limitação, e a escola é o espaço destinado não somente a
instruir como aparece no discurso do ESP, mas de educar, educação para a vida do
cidadão, o que constitui a base da instituição escolar.
O avanço do discurso de cunho fascista, um judiciário comprometido com o
capital, grupos políticos conservadores e uma polarização no Brasil traz à tona o Escola
“sem” Partido para que se “cure” a crise, calando a classe trabalhadora.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Em um momento de reformas, retrocessos econômicos e sociais, o movimento
Escola “sem” Partido defendendo uma “pseudo neutralidade”, vem justamente reforçar o
que está posto, impedindo que se discuta e se construa alternativas de combate à
exploração do proletariado.

Bibliografia:
ALVES, Giovana. Notas sobre o Golpe de 2016 no Brasil Neodesenvolvimentismo ou
Crônica de Uma Morte Anunciada. In: LUCENA, Carlos; PREVITALI, Fabiane Santana;
LUCENA Lurdes (Orgs.). A crise da democracia brasileira. Uberlândia: Navegando
Publicações, 2017. P. 129-147.

ANTUNES, Ricardo. A era das contrarrevoluções e o novo estado de exceção. In:


LUCENA, Carlos; PREVITALI, Fabiane Santana; LUCENA Lurdes (Orgs.). A crise da
democracia brasileira. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017. P. 53-61.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A gênese das teses do Escola sem Partido: esfinge e ovo da
serpente que ameaçam a sociedade e a educação. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.).
Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio
de Janeiro: UERJ, LPP, 2017. P. 17-34.

KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção primeiros
passos: 23).

MARX, Karl; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. 3ª Reimpressão. São Paulo, SP: Martin
Claret, 2010.

MATTOS, A; MAGALDI, A. M. B. de M.; COSTA, C. M.; SILVA, C. F. S.; VELLOSO,


L.; LEONARDI, P.; ALBERTI, V.; PENNA, F. de A. Educação e liberdade:
apontamentos para um bom combate ao Projeto de Lei Escola sem Partido. In:
FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a educação
e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017. P. 87-104.

ORSO, Paulino José. Reestruturação curricular no caminho inverso ao do ideário do


Escola sem Partido In: FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola “sem” partido: esfinge
que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017. P.
133- 144.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
PENNA, Fernando de Araújo. O Escola sem Partido como chave de leitura do fenômeno
educacional. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola “sem” partido: esfinge que
ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017. P. 35-
48.

SAVIANI, Dermenval. O golpe parlamentar e seus impactos na educação brasileira: A


crise política no Brasil, o golpe e o papel da educação na resistência e na transformação.
In: LUCENA, Carlos; PREVITALI, Fabiane Santana; LUCENA Lurdes (Orgs.). A crise
da democracia brasileira. Uberlândia: Navegando Publicações, 2017. P. 215-232.
Autora:
Danielli Maria Neves da Silveira
Mestranda em Educação pela Universidade do Oeste do Paraná. E-mail:
daniellisilveira94@gmail.com

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emancipação humana
TRABALHO, EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA:
ESTUDO DAS POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES DE UMA
PEDAGOGIA REVOLUCIONÁRIA
Jaqueline Antonello
Mariane Bertonceli

Introdução:
Conforme indica a grade curricular do curso de Pedagogia da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Francisco Beltrão, uma das
disciplinas elencadas para o segundo ano da graduação é a disciplina de Filosofia da
Educação II.
O estabelecimento desta disciplina como componente curricular do segundo ano
é consequência da Resolução nº 374/2007 do Conselho de ensino, pesquisa e extensão da
Unioeste, que aprovou alterações no Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso a partir
do ano de 200815.
De acordo com o plano de ensino de Filosofia da Educação II, um dos objetivos
da disciplina é “analisar a filosofia da educação das pedagogias marxistas e, em específico
da Pedagogia Histórico-Crítica numa perspectiva de superação das relações sociais
capitalistas” (UNIOESTE, 2016, p. 1).
Este objetivo resultou em conteúdos programáticos que compuseram 20 horas da
carga horária total da disciplina e deveriam abordar “A filosofia da educação da

15
A problematização e discussão que originou a sistematização inicial deste trabalho foi realizada na
disciplina de Filosofia da Educação II no ano de 2016, portanto faz-se necessário explicitar que neste
momento, o PPP que norteava a organização da graduação ainda era o aprovado em 2008 e que estará em
vigor até o ano de 2020 para as turmas que foram matriculadas no curso antes da aprovação do novo PPP.
Este novo documento, que passa a vigorar para as turmas posteriores ao ano 2017, provocou mudanças na
organização curricular do curso de pedagogia da UNIOESTE, Campus de Francisco Beltrão, incluindo
também a própria disciplina de Filosofia da Educação.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Pedagogia Histórico-Critica: filosofia marxista e educação - Marx e Gramsci e a
pedagogia histórico-crítica como expressão da filosofia marxista no Brasil” (UNIOESTE,
2016, p. 2).
Com o intuito de cumprir com tal objetivo, estudos bibliográficos e debates foram
realizados em sala de aula sobre as categorias marxistas e suas relações históricas e sociais
com a educação. Foram abordadas as múltiplas determinações capitalistas do trabalho, ou
seja, como forma de exploração e alienação do ser, mas também como princípio educativo
essencial à própria formação de professores em nível superior.
Este trabalho procura expor o resultado dos estudos e discussões realizados no
coletivo da turma de segundo ano de Pedagogia em 2016, bem como a sistematização de
um texto elaborado a partir das exposições e do debate teórico em sala, que serviu também
como requisito avaliativo na disciplina. Assim sendo, consideramos que foi possível
compreender a importância e a necessidade da articulação entre trabalho e educação, na
perspectiva materialista histórico-dialética para a formação do Pedagogo.

Trabalho, educação e pedagogia histórico-crítica


A partir dos estudos realizados ao longo da graduação em Pedagogia e
aprofundados também na disciplina de Filosofia da Educação II, tornou-se perceptível
que ao longo do tempo a educação tem ocupado um papel cada vez mais importante na
sociedade. Atualmente, educação tornou-se praticamente sinônimo de melhoria de vida,
pois é por meio dela que as pessoas esperam conseguir empregos melhores e,
consequentemente, uma vida um pouco menos difícil.
Essa concepção está nas ruas, está nos discursos das pessoas, está na escola e
também na consciência dos indivíduos que iniciam cursos de formação profissional.
Sejam tais cursos técnicos, biológicos, ligados às ciências exatas ou humanas, o objetivo
inicial costuma ser o mesmo: ascender socialmente.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O trabalho não tem sentido ontológico, mas a sua importância está em satisfazer
as necessidades básicas dentro desta lógica capitalista. Marx nos Manuscritos
Econômicos e filosóficos nos explica como a alienação é expressa.
Sob dois aspectos, portanto, o trabalhador se converte em escravo do
objeto: primeiro, por receber um objeto de trabalho, isto é, receber
trabalho, e em segundo lugar por receber meios de subsistência. Assim,
o objeto o habilita a existir primeiro como trabalhador e depois como
sujeito físico. O apogeu desta escravidão é de ele só poder se manter
sujeito físico por ser um trabalhador (MARX, 1983, p.92. grifos do
autor).

Assim, podemos ressaltar que o professor, enquanto trabalhador também está


alienado, pois, da mesma forma que o trabalhador da indústria vende sua força de trabalho
para sobreviver nesta sociedade, o trabalho docente também se reduz a emprego
assalariado, é por meio dele que o trabalho se torna valor de troca, deixando de ser meio
de subsistência dos povos para se tornar destruidor da vida humana e critério de
classificação social. Essa situação não é nova. Pelo contrário, “desde o século XVIII, em
quase todas as sociedades, o trabalho vem sendo regulado pelas relações sociais
capitalistas” (FRIGOTTO, 2002, p. 16).
A relação social capitalista se configura pela exploração do homem pelo homem,
visa a acumulação de capital e constitui, ao mesmo tempo que distingue, duas “classes
sociais fundamentais: os proprietários dos meios e instrumentos de produção e os não
proprietários – trabalhadores que necessitam vender sua força de trabalho para
sobreviver” (FRIGOTTO, 2002, p. 16). O pertencimento dos sujeitos a uma dessas classes
define posição social e, por esse motivo, também acaba definindo oportunidades.
A partir do momento em que os indivíduos vendem sua força de trabalho aos
proprietários dos meios e instrumentos de produção, “os trabalhadores, eles mesmos,
tornam-se uma mercadoria. Uma mercadoria especialíssima, pois é a única capaz de
incorporar um valor maior às demais mercadorias que produz” (FRIGOTTO, 2002, p.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
16). A venda da força de trabalho transforma o trabalhador em mercadoria capaz de criar
valor.
Apesar disso o trabalhador se considera livre, uma vez que não compreende seu
trabalho como exploração, porque ele é legitimado por um contrato que efetiva o regime
de assalariamento e “contribui para difundir a falsa ideia, [...] segundo a qual, mediante o
salário, os trabalhadores obtêm a remuneração integral do seu trabalho” (NETTO, 2010,
p. 117).
Por se considerar livre, o trabalhador “vende a si mesmo, pedaço a pedaço [...] aos
capitalistas” (MARX, ENGELS, 2004, p, 27) porque esse é o meio que encontra para
poder existir. O trabalhador “trabalha para viver. Para ele próprio, o trabalho não faz parte
de sua vida; é antes um sacrifício de sua vida. É uma mercadoria que adjudicou a um
terceiro” (MARX, ENGELS, 2004, p. 27) em troca do único produto que produz para si
mesmo: o salário que é a legalização da exploração.
Ainda que a concepção capitalista de trabalho permeie as relações sociais, “o
trabalho é humanamente imprescindível ao homem desde sempre” (FRIGOTTO, 2002,
p. 12) como criador de valores de uso. É por meio dessa compreensão que o trabalho se
torna princípio educativo e se constitui como dever e direito necessário a todos os homens
e à própria reprodução da vida.
O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é
indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas
de sociedade – é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio
material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida
humana (MARX, 1983, p. 50).

Através desta concepção, entende-se o trabalho como um processo de que fazem


parte o homem e a natureza, por meio do qual o homem modifica a natureza e também a
si próprio. O homem apropria-se dos recursos da natureza e lhes imprime forma útil, ao
fazer isso, “desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
jogo das forças naturais” (MARX, 1999). Nessa relação intrínseca e necessária entre o
homem a natureza no processo de trabalho, o homem constitui-se como ser humanizado.
Atentando às contradições entre o objetivo primeiro do trabalho e a forma como
ele veio a se configurar, entende-se que o trabalho possui duas faces, ele é,
simultaneamente, criador e destruidor da vida humana. Mas a “forma de sociedade
vigente no mundo atual e, portanto, também no Brasil, define-se pelo domínio do capital”
(SAVIANI, 2013, p. 44).
O que predomina nas relações sociais e, consequentemente, nas práticas
educativas - uma vez que a educação formal das escolas não se desvincula dos
condicionantes históricos da sociedade - é a face destruidora do trabalho, por meio da
qual a exploração do homem pelo homem é legitimada diariamente.
Visando modificar a prevalência desta face destruidora do trabalho nas relações
sociais e, portanto, na formação dos indivíduos por meio da educação escolar, é
necessário primeiramente conhecer a estrutura da sociedade. O conhecimento da
realidade sócio-histórica é condição essencial para a atuação consciente e consistente na
educação, o conhecimento da realidade social é o que incialmente possibilita
transformação.
Através da compreensão da estrutura social, Dermeval Saviani se propôs a
formular uma Pedagogia pautada no materialismo histórico-dialético de Marx.
Compreendendo a sociedade do capital, composta de classes sociais com interesses
antagônicos, cujos personagens principais são o trabalhador e o capitalista, Saviani
procurou explicar as contradições sociais e discutir qual é o papel da educação sobre elas.
Dizer, então, que a educação é um ato político significa dizer que a
educação não está divorciada das características da sociedade; ao
contrário, ela é determinada pela sociedade na qual está inserida. E,
quando a sociedade é dividida em classes cujos interesses são
antagônicos, a educação serve a interesses de uma ou de outra das
classes fundamentais (SAVIANI, 2013, p.26).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A concepção de educação enquanto ato político, isto é, sem neutralidade, que
defende o autor é a educação enquanto “ato de produzir direta e intencionalmente em cada
indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens” (SAVIANI, 2011, p. 13).
Desta maneira, pode-se dizer que a educação ocupa papel central na sociedade,
pois, é responsável por produzir a humanidade construída historicamente pelos homens,
que assim como o trabalho, mesmo no sentido alienado, é responsável pela evolução
humana.
Isso indica que “os processos educacionais, escolares ou não, constituem-se em
práticas sociais mediadoras e formadoras da sociedade em que vivemos, que [...] podem
constituir-se em instrumento de crítica em relação a essas relações sociais” (FRIGOTTO,
2002, p. 23). A crítica das relações sociais conduz à necessidade de práticas educativas
como instrumento de luta da classe trabalhadora pela transformação social, porque o papel
da escola é mostrar a face oculta das relações sociais, ou seja, das relações de trabalho.
A Pedagogia Histórico-Crítica posiciona-se, portanto, no campo da luta de classes,
ao lado da classe trabalhadora, defendendo seus interesses e preocupada em articular a
educação escolar com esta luta histórica.
Podemos concluir que a pedagogia histórico-crítica vem sendo
construída como uma teoria pedagógica empenhada em elaborar as
condições de organização e desenvolvimento da prática educativa
escolar como um instrumento potencializador da luta da classe
trabalhadora pela transformação estrutural da sociedade atual. Dizendo
de outra maneira: o que a pedagogia histórico-crítica se propõe é
articular a educação escolar com a luta da classe trabalhadora pela
superação do capitalismo e implantação do socialismo (SAVIANI,
2013, p. 44).

No entanto, as contradições e múltiplas determinações impostas pela sociedade


capitalista no processo de trabalho e na própria educação, seja ela formal ou não, dadas

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emancipação humana
pela estrutura social de classes, impõe limites para a concretização de uma pedagogia de
cunho socialista, como idealiza Saviani quando elabora esta pedagogia de caráter
revolucionário.
O papel da escola não é reforçar e reproduzir a desigualdade das relações sociais
cotidianas, pelo contrário, seu papel é mostrar a face destruidora do trabalho, revelando
“aspectos essenciais das relações sociais que se ocultam sob os fenômenos que se
mostram à nossa percepção imediata” (SAVIANI, 2012, p. 2). Através da compreensão
das relações sociais os indivíduos percebem a necessidade da transformação dessas
relações. Quem atua nesse processo é a escola e ela faz isso por meio das próprias práticas
sociais dos sujeitos.
No processo educativo, “o trabalho pedagógico se configura, pois, como um
processo de mediação que permite a passagem dos educandos de uma inserção acrítica e
inintencional no âmbito da sociedade a uma inserção crítica e intencional” (SAVIANI,
2012, p. 9). Na metodologia da pedagogia histórico-crítica, tamanha é a importância da
prática social, que ela ocupa a posição de ponto de partida e de chegada.
A referida mediação ocorre através da problematização da prática social, da
apropriação teórica e prática necessária à solução dos problemas da prática
(instrumentalização) e da “efetiva incorporação dos instrumentos culturais” (SAVIANI,
2012, p. 9) à prática social dos sujeitos, ou seja, por meio da catarse. Pode-se dizer que a
prática social no ponto de partida e no ponto de chegada é e também não é a mesma.
É a mesma porque é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte
e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da
prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de
nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação
da ação pedagógica (SAVIANI, 2012, p. 10).

Tal percepção do processo educativo é válida na medida em que os indivíduos


conseguem se dar conta das contradições da ordem social vigente e agir sobre elas, de

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
forma dialética, visando a transformação das práticas e relações sociais. Essa visão mais
abrangente da educação e da sociedade é essencial, especialmente àqueles que exercerão
o papel fundamental de fomentar essa discussão e ampliar a visão de mundo de muitos
outros sujeitos para além do imediatismo e das coisas que estão postas como norma social
devido à interesses de classe.
De acordo com Saviani (2013), o papel da educação é humanizar, se quem
dissemina a educação formal nas instituições de ensino são os professores, também lhes
cabe a humanização e se tão abrangente é seu papel, maior ainda deve ser o compromisso
das instituições de ensino que os formam.

Considerações finais:
É necessária a expansão da discussão sobre trabalho para que seja superada a visão
da educação como espaço de formação para o trabalho, em prol da valorização da
educação que forma sujeitos na relação com o trabalho, agindo dialeticamente para
enquadrá-lo em discussões e ações mais amplas, compreendendo-o não como forma
capitalista de exploração, mas sim como princípio educativo para todos os homens.
Acreditamos que é papel da escola e dos próprios professores, enquanto sujeitos
políticos, a formação do senso crítico e da consciência de classes. Entretanto, sabemos
que a escola é produto das relações de produção capitalista e isto significa que a
humanização elaborada neste campo de luta está minada pela ideologia burguesa, que
forma seu exército de trabalhadores alienados diariamente. Para que haja efetiva
transformação nas relações educativas estabelecidas cotidianamente nas escolas é
necessário, prioritariamente, transformar a própria sociedade na qual a educação se
engendra.
Se ainda acreditamos que a Pedagogia também é um campo de luta, não há como
fugir da discussão sobre a forma como a educação é parte de um sistema social mais

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amplo, o sistema capitalista, que precisa ser transformado em prol de uma sociedade mais
humanizadora, sem relações de classe.
A Pedagogia, enquanto ciência da e para a educação que compreende o fenômeno
educativo em sua totalidade e historicidade, pode contribuir para modificar a sociedade,
na medida em que formará professores críticos, que poderão somar esforços e lutar pela
sua própria classe, a classe trabalhadora, por meio da educação escolar.

Bibliografia:
FRIGOTTO, Gaudêncio. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida
humana. In. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). A experiência do
trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

MARX, Karl. O capital. 7. Ed. São Paulo: Difel, 1982.

. Trabalho Alienado. In. FROM, E. Conceito marxista de homem. Apêndice:


manuscritos históricos e filosóficos de 1844 de Karl Marx. Zahar editores. 8ºed. Rio de
Janeiro, 1983.

. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização brasileira,


1999.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. 4. Ed. São Paulo:
Centauro, 2004.

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. São
Paulo: Editora Cortez, 2010.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. Ed.


Campinas: Autores Associados, 2011.

. Origem e desenvolvimento da pedagogia histórico-crítica. Marxismo e


Educação: Fundamentos Marxistas da Pedagogia Histórico-Crítica, São Paulo, 2012.

. Pedagogia histórico-crítica, as lutas de classe e a educação escolar. Germinal:


Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 5, n. 2, p. 25-46, dez, 2013.

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emancipação humana
UNIOESTE. Resolução nº 374/2007. Aprova alteração do Projeto Político Pedagógico
do curso de Pedagogia – campus de Francisco Beltrão. Cascavel, 2007.

UNIOESTE. Plano de Ensino da disciplina de Filosofia da Educação II. Curso de


Pedagogia, Francisco Beltrão, 2016.

Autoras:

Jaqueline Antonello
Graduada em Letras pelo Centro Universitário Internacional UNINTER e Acadêmica do
Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Francisco
Beltrão.
jaqueline_antonello@hotmail.com
Mariane Bertonceli
Mestre em Educação e professora colaboradora da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Campus de Francisco Beltrão.
marianebertonceli@gmail.com

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emancipação humana
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA: O CURRÍCULO NUMA
PERSPECTIVA REVOLUCIONÁRIA
Jussara Marquezi
Julia Malanchen

Introdução:
Em busca de uma educação emancipadora no campo da educação escolar, faz-se
necessário refletir sobre o saber que interessa produzir como resultado do trabalho
educativo a fim de superar os interesses da burguesia. Assim, no final dos anos 1970, a
Pedagogia histórico-crítica fruto de uma construção coletiva, surge como uma pedagogia
revolucionária, termo empregado por Saviani em sua obra Escola e Democracia (2012),
no sentido de compreender a questão educacional com base no desenvolvimento
histórico-objetivo com o compromisso de transformação da sociedade através da
superação do modo de produção capitalista. Nessa perspectiva Malanchen (2016),
interpretando Saviani, coloca a importância de compreender que, “o saber escolar, ou seja
o currículo, é o saber objetivo organizado e sequenciado de forma a possibilitar seu ensino
e sua aprendizagem ao longo do processo educativo” (p. 166).
Buscando a compreensão desse processo, indaga-se quais seriam os elementos que
contribuem para a conceituação de um currículo voltado para a formação da concepção
de mundo materialista histórica e dialética. Para melhor esclarecer o assunto em pauta,
neste artigo, será realizada uma pesquisa bibliográfica dialogando com alguns estudiosos
da temática: Saviani (2000); Saviani (2012; 2013; 2014); Malanchen (2016); Duarte
(2016); Orso (2017).
De acordo com Saviani (2014), “a sociedade está dividida em classes cujos
interesses são antagônicos, a educação serve a interesses de uma ou de outra das classes
sociais fundamentais” (p. 44). De tal modo, a educação não se dissocia da sociedade da

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emancipação humana
qual faz parte, sendo necessário entender a função política da escola em seu papel de
manutenção ou transformação da sociedade. Duarte (2016), lembra que, no campo da
política educacional brasileira, muitas vezes ocorre o caminho oposto à formação de um
sistema de ensino que garanta a apropriação do saber sistematizado.
As reformas educacionais brasileiras, carregam a característica do pensamento
neoliberal como podemos verificar com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, a LDBEN 9394/96 , ocorreram diversas reformas nas políticas
curriculares em toda a educação básica brasileira, sendo que a questão do currículo
assumiu uma perspectiva multicultural, articulada com os ideais pós-modernos, para
Malanchen (2016), adota-se então uma postura relativista como valor absoluto e se recusa
a admitir a objetividade do conhecimento.
A pedagogia histórico-crítica busca a superação desse modelo social, através da
superação da alienação. Somente um currículo escolar, baseado no Materialismo
Histórico e Dialético, pressupõe a conquista da totalidade do conhecimento. Assim sendo,
o presente trabalho tem por objetivo compreender a Pedagogia Histórico-Crítica enquanto
defensora da socialização do saber objetivo convertido em saber escolar ao longo de todo
processo educativo, como base para a formação da concepção de mundo materialista,
histórica e dialética.

Fundamentação teórica:
O diálogo dos autores sobre o tema possibilita o entendimento de que a pedagogia
histórico-crítica, uma pedagogia Marxista, no processo de luta pela superação da
sociedade capitalista, evidencia a escola como um meio para construir uma sociedade em
que a educação esteja no centro das atividades humanas. A educação origina-se nesse
processo, onde os seres humanos se educavam pelo trabalho, já que poucos tinham acesso
a forma escolar de educação. Assim, para Saviani (2013), o homem agindo sobre a

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emancipação humana
natureza, através do trabalho, vai construindo o mundo histórico da cultura, o mundo
humano.
Nesse sentido, Saviani (2013) afirma que a educação deve garantir a socialização
à todos os indivíduos aquilo que de melhor a humanidade tem produzido, no campo da
arte, da ciências, da filosofia, as produções mais elevadas do gênero humano, sendo
importante a discussão sobre os conhecimentos que formam o currículo.
Para a pedagogia histórico-crítica, a especificidade da escola é sua função
educativa, ligada à questão do conhecimento. Sendo o saber, o objeto específico do
trabalho escolar, assim:
O objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da
espécie humana para que eles se tornem humanos e de um lado e
concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para
atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2013, p. 13).

Vale destacar, então, que para o autor, somente com conteúdos significativos e
relevantes é possível realizar uma prática pedagógica capaz de selecionar a cultura
burguesa para instrumentalizar a classe trabalhadora. Saviani (2013), afirma que, “O
clássico é aquilo que se firmou como fundamental, como essencial” (p. 17). Portanto, na
escola o clássico é a transmissão-assimilação do saber sistematizado, sendo isso o que se
quer atingir. Dessa forma Duarte (2016), defende que “A escola por si só não faz a
revolução, mas lutar para que a escola transmita os conteúdos clássicos é uma atitude
revolucionária” (p. 27).
Pode-se dizer que o que chamamos de saber escolar é a organização sequencial e
gradativa do saber objetivo, dessa forma, Saviani (2013), reserva para o termo currículo
as atividades essenciais que a escola não pode deixar de desenvolver, sob pena de
descaracterizar, de perder a sua especificidade. Tendo claro que o que determina os
métodos e processos de ensino aprendizagem é o fim que se deseja atingir. Portanto, o

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ensino escolar, desde que organizado adequadamente, será adequado para que a criança
forme e desenvolva capacidades fundamentalmente humanas.
Nesse sentido, podemos observar que para o indivíduo passar de uma elaboração
de conceitos espontâneos para os científicos, é necessário que a organização do currículo
esteja pautada no saber objetivo, ou seja, nos conteúdos clássicos, sistematizados,
conteúdos indispensáveis à formação do pensamento por conceitos. Para Saviani (2000):
Na perspectiva histórico-crítica, o específico da educação escolar é lidar
com o conhecimento sistematizado (metódico): sua transmissão-
assimilação/apropriação, que exige – ao mesmo tempo permite – o
desenvolvimento do raciocínio (metódico sistemático), próprio do
pensamento teórico, do conhecimento científico, que não é somente
representação, descrição, mas que também não se restringe a
imaginação, especulação. (SAVIANI, 2000, p.47).

Dessa maneira, a tarefa da escola deve ser viabilizar o acesso ao conhecimento


sistematizado ao aluno, mesmo que ele não tenha interesse sobre esse tipo de saber, e isso
não significa anular o conhecimento de senso comum do aluno, mas é somente pela
mediação da escola, num movimento dialético, que acontecerá a passagem do saber
espontâneo, ao sistematizado buscando promover uma prática que verdadeiramente se
articula aos interesses do proletariado.
Segundo Saviani (2013), a escola deve proporcionar às novas gerações adquirir o
saber elaborado, científico, sendo o currículo escolar a sistematização desse saber. Para
ele “o currículo é o conjunto das atividades nucleares desenvolvidas pela escola” (p. 15),
ou seja, atividades essenciais que a escola não pode deixar de desenvolver. Ressalta-se, a
importância de diferenciar o ensino do saber objetivo, das demais atividades
extracurriculares, como festas e datas comemorativas. Primordial essa diferenciação,
entre o que é principal e o que é secundário. Assim, para que escola não neutralize o seu
papel no desenvolvimento humano, necessita-se então organizar processos e descobrir
maneiras adequadas de se atingir a finalidade a que se propõe.

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Assim, Malanchen (2016), dispõe que “o saber escolar, ou seja, o currículo
envolve os conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos que possibilitem a
compreensão da realidade natural e social para além das aparências” (p. 177). Nessa
perspectiva, a educação escolar é uma aliada nesse projeto de formação do indivíduo que
alcança a máxima capacidade para pensar e compreender a realidade, além do que as
aparências indicam. A escolha do conhecimento deve ser intencional e planejada para
transmitir conhecimentos científicos, como instrumento de superação para o
desenvolvimento da classe trabalhadora.
De acordo com Duarte (2016), “O conhecimento mais desenvolvido é aquele que
permite a objetivação do ser humano de forma universal e livre” (p. 67). Assim, em
relação a educação, cabe buscar os conhecimentos que levem ao desenvolvimento pessoal
do indivíduo, sua humanização, através do trabalho educativo. O autor defende a ideia de
que a educação escolar deve desempenhar, a função de mediação entre a vida cotidiana e
as esferas não cotidianas de objetivação do gênero humano, especialmente a ciência, a
arte e a filosofia, para o desenvolvimento do ser humano.
Para Duarte (2016), busca-se como tarefa da escola a socialização do saber
elaborado, a fim de que os indivíduos apropriem-se dos elementos culturais necessários
a sua humanização, tendo como objetivo da pedagogia histórico-crítica formar as bases
para difusão do materialismo histórico dialético como concepção de mundo ao longo do
processo de escolarização desde a educação infantil até o ensino superior. Assim para
Duarte (2016), “Ensinar conteúdos escolares como ciência, história, geografia, artes,
educação física, língua portuguesa e matemática é ensinar as concepções de mundo
veiculadas por esses conhecimentos, ou seja, é educar” (p. 95). Para tanto, torna-se
imprescindível compreender as relações entre as concepções de mundo, a prática social
e o conhecimento, sempre numa visão histórica e dialética.

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A escola pode então, tanto contribuir com a conservação da sociedade vigente,
como pode, em sentido contrário, contribuir para o fortalecimento da classe trabalhadora.
Para Saviani (2000), “a escola deve permitir que os dominados tenham acesso aos
conhecimentos monopolizados pelos dominantes e os utilizem como arma não só para
entender a realidade mas também para transformá-la” (p. 58). Opondo-se as teorias
baseadas no senso comum e no pragmatismo, tendo como elemento norteador os
princípios do materialismo histórico e dialético a fim de superar esse antagonismo, sendo
importante a seleção e organização dos conteúdos que possibilitem aos alunos esse
posicionamento.
Nesse processo, segundo Malanchen (2016), “para trabalhar o currículo à luz da
pedagogia histórico-crítica, faz-se necessário expor o modelo de organização pretendido,
que seja o mais coerente possível com seus pressupostos teóricos” (p.189). Dessa forma,
utilizando-se o método dialético como referência para a organização curricular, o
movimento será do empírico ao abstrato e deste ao concreto. Complementando esse
pensamento Orso (2017), dispõe que “por meio da educação, acessar o mundo real, de
fazer da educação/escola um instrumento de conhecimento e de apropriação do mundo e,
consequentemente, um instrumento de luta e de transformação social” (p. 161), somente
assim, a educação pode assumir seu caráter revolucionário.
Conforme Saviani (2000), na visão do materialismo histórico “O conhecimento
não é mero reflexo da realidade objetiva nem simples momento da atividade livre e
criadora do homem” (p. 46). O conhecimento parte da realidade, sendo histórico e
socialmente determinado, dessa forma não é neutro. Para o autor, a socialização do saber
elaborado, permeia democratizar e transformar a sociedade, possibilitando aos dominados
a superação de sua condição ao apropriar-se do saber sistematizado.
Na perspectiva de Duarte (2016), a base para a concepção de mundo materialista
histórico dialético pode ser formada pelo ensino dos conteúdos escolares, além dos

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“conhecimentos e posicionamentos valorativos acerca da vida, da sociedade, da natureza,
das pessoas e das relações entre todos esses aspectos” (p. 99). Assim, ao definir os
conteúdos curriculares, estaremos assumindo uma posição entre as concepções de mundo
transmitidas por esses conhecimentos. Pode-se dizer então que através do ensino dos
conteúdos escolares é possível formar as bases de uma concepção de mundo materialista
histórica e dialética.
Considerações finais:
A partir dessa exposição, acredita-se que um currículo que busque a formação da
concepção de mundo materialista histórica e dialética, deve compreender-se estruturado
a partir do saber sistematizado, tendo em vista que a atividade nuclear da escola é a
transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado, para Saviani (2013) o que
chamamos de saber escolar é a organização sequencial e gradativa do saber objetivo,
sendo o termo currículo designado as atividades essenciais que a escola não pode deixar
de desenvolver, sob pena de perder a sua especificidade.
Partindo então do método materialista histórico dialético, entender o currículo na
perspectiva revolucionária, segundo Orso (2017), implica a compreensão da sociedade
numa totalidade, assim pressupõe-se que “por meio da prática pedagógica, do
conhecimento, ou então dos conteúdos escolares os alunos aprendam a ler o mundo”
(p.163). Dessa forma, a apropriação dos conhecimentos significativos deve possibilitar
aos alunos compreender seu papel enquanto trabalhador, através da consciência de classe
e perceber-se como instrumento de transformação social. Portanto, o caminho para a
organização de um currículo é ter como eixo norteador de nossa concepção de mundo,
aquilo que é próprio do ser humano: o trabalho, como característica humana de
transformação da natureza.

Referências:

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
DUARTE, N. Os Conteúdos Escolares e a Ressurreição dos Mortos: contribuição à
teoria histórico-crítica do currículo. Campinas, SP: Autores Associados, 2016.

MALANCHEN, J. Cultura, conhecimento e currículo: contribuições da pedagogia


histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2016.

ORSO, P.J.; MALANCHEN, J.; CASTANHA, A.P. (Orgs.) Pedagogia histórico-


crítica, educação e revolução: 100 anos da Revolução Russa. Campinas, SP: Armazém
do Ipê, 2017. 227 p.

SAVIANI, D. Escola e Democracia. 42ª ed. Campinas, SP. Autores Associados, 2012.

______. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11ª ed. Campinas, SP.


Autores Associados, 2013.

______. O Lunar de Sepé: paixão, dilemas e perspectivas na educação. Campinas,


SP. Autores Associados, 2014.

SAVIANI, N. Saber Escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/


método no processo pedagógico. 3ª ed. Campinas. Autores Associados, 2000.

Autoras:
Jussara Marquezi
UNIOESTE, Foz do Iguaçu/PR.
jumarquezi@hotmail.com
Julia Malanchen
UNIOESTE, Foz do Iguaçu/PR.

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emancipação humana
A UNIVERSIDADE BURGUESA E O SEU “MODOS OPERANDI”:
O “ANTRO” DO ESPONTANEÍSMO E DA
PSEUDOCONCRETICIDADE
Daniel Henrique Rodrigues

Introdução
Compreender e refletir acerca da universidade burguesa torna-se uma tarefa
necessária e essencial caso queiramos atingir a realidade objetiva que nos cerca, a final,
não se trata de um espaço, uma instituição isolada, mas um antro social onde perpassa
todas as relações burguesas, suas contradições e os limites do conhecimento que nela é
produzido.
Logo, diante de tanto empirismo, da experiência que temos em nosso cotidiano
com a universidade, não podemos nos deixar levar por seu imediatismo, cair no mais
sensível de seu conhecimento. A empiria é válida, porém, permanecer sobre ela nos
impede de alcançar a totalidade das relações sociais e, assim, compreender, de maneira
crítica e objetiva, o funcionamento, o “modos operandi” da universidade burguesa
(LEFEBVRE, 1983). Partindo do referencial de que é a vida que determina a consciência,
e não o seu oposto, devemos entender que a cotidianidade, levado pelo sensitivo, está
repleta da ideologia burguesa, da classe dominante, que nos inculca. A universidade não
se diferencia, nesse sentido, mesmo por ser uma instituição do Estado, onde transparece
as relações da ideologia dominante, que vem para atender os interesses da classe que
mantém o poder político e o controle do Estado (MARX, ENGELS, 2007). Sendo assim,
devemos estar conscientes de que, através de toda essa problemática, a produção
espiritual vem justamente para atender as necessidades da produção material, ao mesmo
tempo que parte dela.

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emancipação humana
Perante o imediatismo, permanecemos em sua superfície, em sua aparência,
enfim, no fenomênico, o que compreende a realidade. Porém, ao mesmo tempo, é o que
nos impede de compreender a realidade, a sua concreticidade (KOSIK, 1976). Apesar
disso, a universidade continua a ser um espaço importante de se compreender, mesmo
porque continua sendo um espaço de formação de intelectuais, os mesmos que estão a
produzir conhecimento a partir de seu chão social.

Fundamentação teórica
Permanecendo sobre o debate, é preciso apreender a universidade em sua
essencialidade, naquilo que torna básico a sua compreensão. Logo, não se trata de uma
simples representação, estando acima enquanto uma mera instituição de conhecimento,
mas persiste a sua existência em cima das próprias relações que tornam o seu
conhecimento um conhecimento real. Como está exposto nas Teses sobre Feurbach
(MARX, 2010. p. 554), a relação de conhecimento com o objeto é parte não apenas de
uma teoria mistificada, mas que está desenvolvida e atravessa a própria realidade sensível,
material, nesse sentido, pensada e refletida pela consciência a partir de sua concreticidade
na realidade.
“O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é,
unidade do diverso” (MARX, 1978. p. 116). Nesse sentido, para atingir o concreto, se
tratando da universidade, não podemos partir da própria síntese que ela representa, ou
seja, não podemos negar o processo que dá a ela sua existência. Se a universidade,
partindo de sua concreticidade, é a síntese do diverso, é, com isso, a síntese das suas
relações sociais. Assim, como poderíamos pensar a universidade desconsiderando a luta
de classes, as condições sociais, o surgimento de novas necessidades humanas e ela
inserida como parte dessas necessidades, o acúmulo histórico das organizações (inclusive
ao se tratar do conhecimento) etc? Ao se pensar a universidade, tratamos dela como uma

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emancipação humana
abstração da totalidade, pensando o método dialético, porém, não podemos nos apartar
das relações que ela constitui com a própria totalidade histórica. Por isso, não nos cabe o
empirismo, não nos cabe permanecer na síntese do concreto, mas atingir o próprio
concreto.
A busca da compreensão da realidade objetiva da universidade, a sua totalidade,
as relações que há entre a produção material e a produção espiritual, além da reprodução
da ideologia burguesa dentro dela, está posta, considerando tudo isto, diante da dialética,
ou seja, do materialismo histórico-dialético. Através dele, do movimento do real, o elo do
trabalho entre o homem e a natureza e o processo de produção da vida material,
procuramos entender, de certa maneira, porém, não acabada, ou mesmo eternizada, as
relações que se encontram em seu espaço, que partem do próprio chão social em que a
universidade se encontra. Perceba que não se trata de compreender a universidade por ela
mesma, mas a universidade enquanto síntese de seu próprio processo de constituição.
Nos colocamos diante desse método justamente por ser o único que nos permite
alcançar a totalidade, nesse sentido, a totalidade sobre a qual a universidade está exposta.
Como nos coloca um autor que ousou escrever sobre a lógica dialética, não é possível
alcançar a totalidade por uma questão de soma, com base apenas no empirismo, no
imediato e no espontâneo, mas só se alcança essa totalidade a partir da dialética, do
movimento. Tal movimento não pode ser quebrado, ou mesmo ter suas partes deslocadas,
sem noção alguma (LEFEBVRE, 1983). Ou seja, não se trata de somar as partes, como
um mero quebra-cabeça, mas elege-las e abstraí-las, mantendo as relações dialéticas com
o todo. Assim, buscamos fazer com o nosso objeto, que é a universidade. Relacioná-lo
dialeticamente com a estrutura social e a estrutura social com a universidade e o seu
processo de formação e inserção em seu intercâmbio material. Nesse sentido, mantemos
a nossa preocupação em cima do que é proposto – pensar a universidade burguesa
enquanto o antro do espontaneísmo e da pseudoconcreticidade. Assim, diante da

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emancipação humana
totalidade histórica que a universidade está inserida, a partir de seu próprio processo de
constituição, compreender o seu “modos operandi” e a realidade objetiva para isso.
Logo, a partir do materialismo histórico-dialético, do elo que há entre o homem e
a natureza, que se trata do trabalho e da capacidade do homem, ser social, produzir e
alterar o meio que nos cercam, vemos a universidade. Diante da produção da vida
humana, encontra-se a universidade como um produto histórico e social, que vem
justamente para atender as necessidades de organização dessa vida. Nesse sentido, o
embasamento está de acordo com o marxismo, no sentido mais geral, e o que compreende
a própria centralidade do trabalho, já que a problemática gira em torno desta, condição
essencial da vida humana. Dessa maneira, nos apropriamos de autores dos quais
consideramos importantes, entre eles Karl Marx, Karel Kosik e Henri Lefebvre, George
Lukács, com a questão da ortodoxia do método, pensando a realidade objetiva, e, para se
tratar da educação e do próprio processo de formação, em seu sentido mais amplo e
intelectual, Newton Duarte, Sérgio Lessa e Gilberto Luiz Alves.

Discussões
As discussões giram em torno da própria centralidade do trabalho, dentro da
relação material e dialética da produção da vida. Partindo disso, a universidade é um
produto histórico e social, criado, em um dado período, do qual a organização humana
vai se complexibilizando, justamente para atender as necessidades materiais. Ou seja,
diante da afirmação e da compreensão de que a vida determina a consciência, temos a
universidade como um produto dessa consciência, que é um produto das próprias relações
do chão social. Assim, as contradições desse chão social encontram-se em seu espaço.
Compreender essas contradições, a produção do conhecimento e como, a partir disso, ela
opera, é o que nos faz caminhar com essas discussões.

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Devemos considerar, e na maioria das vezes consideramos, a universidade como
um espaço idealizado. Lefebvre reafirma que idealismo é elevar uma parte do saber
adquirido ao absoluto, tornando a em totalidade pela sua própria representação (1983. p.
53). Assim, forma-se, diante do saber elevado, um pensamento misterioso, antes
mistificado. Isso existe em consequência das próprias contradições. A partir da divisão
do trabalho, como um produto social e também parte da realidade da universidade, vemos
a divisão do trabalho material e intelectual. Logo, refletimos a própria consciência
estando ela distante da consciência real, considerando as representações o que meramente
representam (MARX; ENGELS, 2007. p. 35). Nos colocamos distantes da solução
racional, com base na vida social, e permanecemos na mistificação (MARX, 2007. p.
534). Fazemos isso com a universidade todos os dias, quando negamos as suas
contradições do próprio chão social que é parte.
Logo, nos vemos diante da importância de travar o debate sobre o movimento
dialético, a fim de desvendar o mundo real a partir da própria mistificação diante da
realidade.

Considerações finais
Como a dialética envolve movimento, seria inviável dizer, como já foi afirmado
antes, que pudemos alcançar um resultado final, ou mesmo eternizar um conhecimento já
alcançado. A relação material, que parte do trabalho, da produção da vida humana,
compreende-se dentro desse movimento dialético, logo, a universidade também
compreende esse movimento, além de compreender as relações e contradições dessa
materialidade. Diante de um espaço que tem por objetivo a produção espiritual, ao mesmo
tempo que a produção espiritual está de acordo com a produção da vida material, já que
a universidade está sobre o seu chão social, ele não está impossibilitado de reproduzir os

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
interesses daqueles que dominam as relações materiais, ao mesmo tempo que se encontra
como importante instituição de formação de intelectuais.
Assim, percebemos que a própria universidade, enquanto que deveria ser um
espaço de produção de conhecimento, carrega a contradição, dentro dessa lógica, de
ocultação do conhecimento humano e objetivo.

Referências bibliográficas

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 2º ed. Tradução de Célia Neves e Alderico


Toríbio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

LEFEVBRE, Henri. Lógica formal. Lógica dialética. 3º ed. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente


filosofia alemã em seus representes Feurbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo
alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle, Nélio
Schneider, Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo, 2007.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente filosofia
alemã em seus representes Feurbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus
diferentes profetas (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider, Luciano
Cavini Martorano. In: MARX, Karl. 1. Ad. Feurbach (1845). pp. 533 – 535. São Paulo:
Boitempo, 2007.

__________________. Para a Crítica da Economia Política. In: O Método da Economia


Política. Tradução de José Arthur Giannotti e Edgar Malagodi. 2º ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1978. Pp. 107 – 257. Coleção Os Pensadores.

Autor:

Daniel Henrique Rodrigues


Graduando em Licenciatura no curso de Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul (UEMS)
Unidade Universitária de Paranaíba (UPA).

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emancipação humana
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: FORMAÇÃO PARA O TRABALHO
E ESVAZIAMENTO DOS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS
Lilian Fávaro Alegrâncio Iwasse
Emerson Pereira Branco
Alessandra Batista de Godoi Branco

Introdução
A compreensão do processo que permeou a educação profissional nos séculos XX
e início do século XXI, apresentam como principais categorias de análise trabalho e
educação. Dessa maneira a análise sustentou-se em fontes bibliográfica e documental,
considerando as políticas econômicas e educacionais nacionais e internacionais,
apresentando como principal fonte o Plano Nacional de Educação (2014-2024).
Nesse sentido, tivemos que a história econômica do período apresentou uma
economia predominantemente capitalista. O Brasil nesse contexto, se comparado aos
países capitalistas centrais ocupa espaço de um país subordinado, atrasado, com uma
força de trabalho precária e uma formação que “qualifica” os trabalhadores para o
mercado de emprego. Esse mercado de emprego, apresentou ao longo dos anos um
enxugamento no número de vagas, intensificação, racionalização e precarização das
condições de trabalho, sendo conduzidos por diferentes modelos produtivos.
A educação sendo organizada para atender as demandas de cada período e
atendendo as orientações capitalistas, cede espaço para a modalidade da educação
profissional, vista como impulsionadora da formação para o trabalho, ou seja, de capital
humano. A teoria do capital humano é entendida por Saviani (2010, p. 344) “[...] na
educação como formação de recursos humanos para o desenvolvimento econômico
dentro dos parâmetros da ordem capitalista.
Nesse sentido, assim como o mercado desenvolveu e reformulou atendendo a
lógica capitalista, a educação profissional também incorporou uma formação aligeirada e

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emancipação humana
de baixo custo, distanciando-se de uma formação para a emancipação, sustentada pelos
conhecimentos científicos produzidos historicamente. As políticas públicas educacionais
abriram espaço para a inserção do privado e do terceiro setor, minimizando a ação do
Estado na educação.

Educação Profissional: histórico na lógica capitalista


No limiar do século XX, o processo de desenvolvimento no Brasil incorporou uma
nova tendência. Se até então a economia brasileira era predominantemente agrária, com
a revolução de 1930, um novo impulso foi dado para o desenvolvimento do país alterando
assim a plataforma econômica, emergindo para uma economia industrial. Esse cenário
conduziu-nos à compreensão de como o mundo do trabalho incide sobre a educação e
vice-versa, fato que se verifica quando MARX (1984) afirma que para as diferentes
funções dos trabalhadores, exigem-se diferentes graus de formação, sejam elas simples
ou complexas, inferiores ou superiores, possuindo valores diversos.
A ruptura com a “velha ordem” pautada na economia agrária, culminou na “nova
ordem” com modelo industrial e na necessidade de mão de obra para atender a nova
demanda de trabalho que crescia no país. A educação foi vista como propulsora da
formação do novo trabalhador para ocupar um espaço na indústria, pois surgiu a
necessidade de instruir minimamente o trabalhador, refletindo assim na ampliação da
educação para um contingente maior de pessoas/trabalhadores.
A educação ao atender as necessidades do modelo industrial teve nas Reformas
de Capanema (década de 1940), grande expressão, principalmente para a modalidade que
abrange a educação profissional, para Batista (2010) dois posicionamentos foram
apresentados para a organização dos industriais e a educação profissional do período, a
doutrinação da classe submissa e a preparação dos trabalhadores, torná-los modelos.

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emancipação humana
Emergindo dessas reformas o dualismo educacional, de um lado a formação
técnica, instrumental e pragmática, direcionada para os filhos dos trabalhadores e por
outro uma formação secundária, possibilitando a continuidade para os níveis mais
elevados do ensino aos filhos da “elite industrial” (BATISTA, 2010, p. 302).
A educação profissional teve como principal marca a disseminação do dualismo,
que com o passar dos anos se reinventou e reconfigurou seguindo as ordens da economia
e do mercado. Assim, se nas décadas de 1930 e 1940 a educação iniciou seu processo de
ampliação, nas décadas seguintes este intensificou-se. A formação passou a apresentar
um caráter estritamente profissionalizante, atendendo as necessidades emergenciais da
economia, também conhecida por formação do capital humano.
O período, influenciado pelo modo de produção taylorista/fordista, reforçou assim
a “[...] emergência e a consolidação de técnicos separados dos produtores imediatos aos
quais serão confiadas tarefas de elaboração das ferramentas ou, mais geralmente, dos
meios de trabalho” (CORIAT, 1985, p. 99).
Uma nova configuração do mundo do trabalho, retirou o trabalhador do espaço
social que lhe era atribuído nas empresas, “adestra-o e disciplina-o no aproveitamento do
tempo e na realização de suas tarefas” (CUPERTINO JÚNIOR; LARA, 2017, p. 33), esse
processo conduz o trabalhador a alienação, de tal modo que o sujeito não se reconhecesse
como parte do trabalho que executa.
Processo esse que também pode ser identificado como deformação do trabalhador,
que Marx e Engels (1992), definiram como monstruoso, pois leva o trabalhador a
desenvolver uma habilidade parcial à custa da repressão de um mundo de instintos e
capacidades produtivas. Os autores afirmam que a “divisão do trabalho só surge
efetivamente a partir do momento em que se opera uma divisão entre o trabalho manual
e intelectual” (MARX; ENGELS, 1992, p. 16).

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Esse modelo produtivo refletiu nas políticas públicas para a educação brasileira
na Lei Nº 5.692/71, que estabeleceu as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus,
logo no primeiro artigo da Lei foi apresentado o objetivo geral “[...] proporcionar ao
educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como
elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício
consciente da cidadania” (BRASIL, 1971). Diante do artigo, verificamos os
direcionamentos da formação para atender as demandas do mercado.
Na década de 1970, uma nova reestruturação econômica e reajustamento social e
político ocorreu, resultantes da profunda recessão de 1973. A reestruturação atingiu os
modos de produção e do trabalho, onde racionalidade, eficiência e produtividade estavam
diretamente ligados, surgiu assim o modelo “flexível”, idealizado por Taiichi Ohno,
implantado a princípio na Toyota e após a década de 1970, difundido pelo mundo
intitulado como Toyotismo.
Marcuse (1999, p. 80) definiu esse modelo como “um aparato racional, combinado
a máxima conveniência, economizando tempo e energia, eliminando o desperdício,
adaptando todos os meios a um fim, antecipando as consequências, sustentando a
calculabilidade e a segurança”. Com esse modelo de produção flexível, o capital
apropriou-se da subjetividade do trabalhador, e a educação por sua vez incorporou o
pragmatismo, mas agora não para uma parcela restrita da população, mas para todos, ou
seja, “o avanço do capitalismo monopolista dá as condições básicas para o
desenvolvimento do caráter tecnicista na educação” (KAWAMURA, 1990, p. 35).
A Lei de Diretrizes e Bases promulgada no ano de 1996, atendeu corretamente as
orientações da formação para o trabalho, de tal modo que dedicou um capítulo para a
educação profissional. Vale destacar que a sociedade emergida em um modelo econômico
que seguiu as políticas neoliberais, conduziu a formação para atender uma lógica
mercadológica, ou seja, o que estava em questão não é negar o processo técnico, o avanço

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emancipação humana
do conhecimento, os processos educativos e de qualificação simplesmente, que atenda a
postura dominante e maquiavélica, mas ele propõe que não basta ofertá-los, mas sim ir
muito além e inserir o indivíduo em um cenário com condições de disputa (FRIGOTTO,
2015).
Diante do exposto, compreende-se que a educação profissional foi permeada pelo
discurso da “qualidade e quantidade”, de tal modo que o conhecimento científico e a
formação na educação profissional, apresentaram-se de um lado – composto pelos
interesses dominantes – o que se propõe é quantidade de formações, e de outro – formado
por indivíduos com interesse de emancipação social - o que está em jogo é a qualidade.
Dessa maneira Gramsci (1980, p.403) afirma que “a política da qualidade quase
sempre determina o seu oposto: uma quantidade desqualificada”. A educação profissional
teve seu desenvolvimento alicerçado nesta política de qualidade, resultando em uma
quantidade desqualificada, atendendo assim aos direcionamentos do capital.
Visto que a educação profissional tem por finalidade a formação direcionada para
a especialização/qualificação, importante considerar que “a especialização fixa o
esquema dominante da padronização” (MARCUSE, 1999, p. 90). Nesse contexto, temos
que os organismos internacionais conduzem as políticas públicas para a educação
nacional, nas palavras de Frigotto (2015, p. 83) “o controle da natureza [...] tem ficado
nas mãos unilateralmente do capital”, assim também foi incorporada pelos Planos de
Educação.

A educação profissional no Plano Nacional de Educação (2014-2024): formação para


um mercado precário
O Plano Nacional de Educação (PNE 2014 - 2024) direcionou duas de suas metas
para a educação profissional, sendo que a primeira envolveu educação de jovens e adultos
“Meta 10: oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação

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emancipação humana
de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação
profissional” e a segunda para a formação em nível médio integrado “Meta 11: triplicar
as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade
da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público”
(BRASIL, 2014).
Como afirmamos anteriormente, o capital utilizou-se de políticas públicas para
disseminar suas ideologias, por meio do “conteúdo do ensino veiculado através dos
programas, cursos e currículos escolares” (KAWAMURA, 1990, p. 38). Neste sentido,
as metas do plano ao abordarem a educação profissional resguardaram a formação para o
trabalho.
Não obstante o PNE (2014 - 2024), incuti na meta 11, estratégia 11.3 a mesma
ideia da educação profissional na modalidade educação a distância. Compreendemos
que adotar uma política incentivadora da educação a distância aprofunda o caráter
pragmático, parcelar e técnico, onde não há espaço para a qualidade e formação, pois o
trabalhador somente reproduz.
A ciência e a tecnologia, incidindo no campo educacional por meio da educação
a distância, contribuíram para a precarização do ensino. Segundo Marcuse (1999) no
desdobrar-se do avanço tecnológico, uma nova racionalidade e padrões de
individualidade se disseminaram na sociedade, de tal modo que o processo tecnológico
reduziu a variedade das qualidades individuais à sua base natural de individualização.
Concordamos com as autoras Galuch e Sforni (2011), ao afirmarem que esses
recursos tecnológicos inseridos no ensino, não podem se confundir com qualidade da
educação, tampouco, podemos considerar que os recursos tecnológicos podem substituir
o professor. Embora o discurso tenha se voltado para a educação a distância como visto
no plano, o professor ainda ocupa espaço indispensável no processo de ensino, por meio
das situações didáticas que o mesmo organiza.

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emancipação humana
Unindo educação a distância à educação profissional e de curta duração, temos os
programas disseminados pelo Governo Federal em parceria com o Ministério da
Educação (MEC) desde o ano de 2011, por meio da Lei nº 12.513 a qual criou o Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)16, cujo objetivo tem sido o
de expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional e
tecnológica no país, além de objetivar a formação profissional qualificada.
No ano de 2017, o programa Pronatec apresentou-se com um novo formato o
“Pronatec Oferta Voluntária”, o programa visa ofertar formação inicial e continuada
(FIC) ou até mesmo a qualificação profissional. O Ministério da Educação (MEC)
apresentou que “a oferta será feita por instituições privadas de educação profissional e
tecnológica, que se candidataram a ofertar os cursos de forma voluntária, ou seja, sem o
recebimento de recursos por parte do MEC” (BRASIL, 2017).
Observa-se que a modalidade educação a distância apresentou-se como eixo
importante desse processo, com oferta articulada às instituições privadas, que afirmam
não haver recebimento de recursos por parte do MEC, justificando assim o slogan do
programa “Pronatec Oferta Voluntária”.
No entanto, o programa conta com parcerias com as esferas federais, estaduais,
distritais e municipais de educação profissional e tecnológica, com os Serviços Nacionais
de Aprendizagem (Sistema S) e com instituições privadas. De acordo com o “Guia
Pronatec de Cursos FIC” (Formação inicial e continuada):
Os cursos relacionados neste documento são ofertados gratuitamente
em âmbito nacional, em parceria com a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica, com as Redes Estaduais,
Distrital e Municipais de Educação Profissional e Tecnológica e com
os Serviços Nacionais de Aprendizagem – SENAI, SENAC, SENAR e
SENAT (BRASIL, 2016, p. 17).

16 Para saber mais sobre o PRONATEC, acessar o site http://pronatec.mec.gov.br/inscricao/.

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emancipação humana
Outro ponto que mereceu destaque, quanto as informações apresentadas no site
MEC – Pronatec, a aba dos “Itinerários Formativos e Reconhecimentos de saberes”, neste
campo foi apresentado a flexibilização desse formato de formação. Segundo o MEC esse
modelo de formação “[...] aumentará a atratividade da educação profissional,
possibilitando ao jovem e trabalhador iniciar a sua formação num curso de qualificação
profissional e avançar até a conclusão de um curso profissional de nível superior”
(BRASIL, 2016).
Essa realidade conduz a educação profissional para a precarização atendendo a
lógica neoliberal, como Batista (2010, p. 118) assevera,
Como maneira de conceber as relações políticas institucionais (aquilo
que cabe ou não ao Estado), o neoliberalismo move-se principalmente
pela tese do Estado mínimo, que visa a redução do tamanho, papel e
funções do Estado e faz apologia do mercado, considerando como o
melhor e mais eficiente mecanismo de organização e alocação de
recursos na sociedade.

A contribuição de Batista (2010) apresenta a forma ineficiente com que o Estado


tem desenvolvido as ações para a educação profissional, principalmente quando se utiliza
da educação a distância, inserindo as empresas privadas com o discurso insustentável de
serem “voluntárias”. Graciolli e Diniz (2010, p. 119) apontam que esta questão está
intimamente relacionada com o “trato à questão social que emerge no neoliberalismo
brasileiro via ‘terceiro setor’”, desse modo, o terceiro setor ocupou espaço de destaque
propondo metodologias inovadoras.
Configura-se, portanto, a inserção do terceiro setor, visto que o “Estado vem
perdendo seu papel central como ator da regulação e os empresários, através de suas
organizações (instituições filantrópicas, ONGS, fundações), vão se consolidando como
protagonistas das políticas educacionais” (ZANATTA, 2017b, p. 324). Tal qual,
encontramos nas estratégias 11.6 e 11.7 do PNE, onde apresentam o direcionamento de

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ampliação não somente nas redes públicas, mas à oferta de educação profissional técnica
de nível médio em entidades sem fins lucrartivos e instituições privadas (BRASIL, 2014)
Compreende-se a transferência das funções do Estado para as empresas, as quais
não economizam esforços para garantir a formação de mão de obra para o mercado, em
caráter de reserva. Uma educação profissional ideologicamente adaptada, ofertando o
conhecimento formalizado, articulado com investimentos públicos cada vez mais
escassos, condições precárias, refletidas inclusive pela deficiência cultural e cognitiva dos
alunos, fruto da condição social que estes se inserem.

Considerações finais
O percurso que envolveu a educação profissional permeado pelas orientações das
políticas internacionais, cedeu espaço para uma formação esvaziada de conhecimento
científico, necessário para a emancipação do indivíduo, em geral trabalhadores. O
processo de reestruturação dos modos de produção, provenientes de modelos capitalista
que se reinventam objetivando a manutenção de sua hegemonia, culminou contradição
que se apresentou entre a simplificação das tarefas e a exigência de formação contínua do
trabalhador. Kuenzer (1999, p. 168), abordou esse processo afirmando que:
A crescente incorporação de ciência e tecnologia aos processos
produtivos e sociais, a serviço dos processos de acumulação do capital
internacionalizado, configura uma aparente contradição: quanto mais se
simplificam as tarefas, mais conhecimento se exige do trabalhador, e,
em decorrência, ampliação de sua escolaridade, a par de processos
permanentes de educação continuada.

Assim, a educação profissional, com direcionamentos para uma formação a


atender o mundo do trabalho cada vez mais precário em extinção, tem colaborado com o
esvaziamento dos conhecimentos científicos, dificultando o processo de emancipação por
parte da classe trabalhadora.

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emancipação humana
Autor/as:
Lilian Fávaro Alegrâncio Iwasse
Mestranda em Ensino. Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus Paranavaí.
Professora município de Nova Esperança e da Secretaria do Estado do Paraná (SEED-
PR). E-mail: coordlilianfavaro@gmail.com
Emerson Pereira Branco
Mestre em Ensino. Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranavaí.
Professor de Matemática da Secretaria do Estado do Paraná (SEED-PR). E-mail:
ems_branco@hotmail.com
Alessandra Batista de Godoi Branco
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar. Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranavaí.
Pedagoga do Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Paranavaí. E-mail:
alessandra_g12@hotmail.com
UMA ANÁLISE DA IMPLANTAÇÃO DA BNCC E DA REFORMA
DO ENSINO MÉDIO NA PRECARIZAÇÃO DO ENSINO PÚBLICO
Emerson Pereira Branco
Alessandra Batista de Godoi Branco
Lilian Fávaro Alegrâncio Iwasse

Introdução
Por meio de uma análise na história da Educação no Brasil observa-se que o
sistema público educacional sempre esteve subordinado aos interesses e às concepções
que distanciam o conhecimento das necessidades reais dos indivíduos, sobretudo
daqueles que pertencem às classes menos favorecidas, os filhos dos trabalhadores.
A política educacional no Brasil tem reiterado a tendência de apropriação privada
das formas mais desenvolvidas dos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos
produzidos pela humanidade, o que se observa, inclusive, no âmbito das reformas
curriculares. A partir de 1990, com o desenvolvimento do neoliberalismo no país, a

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educação pública foi sendo ajustada às demandas da ideologia da globalização, processo
que se mantém até os dias de hoje (MARSIGLIA et. al, 2017).
Nessa perspectiva, a influência do capital e do modo de produção nas políticas
sociais e educacionais não é algo novo. O capitalismo, a cada crise, procura se reinventar
para garantir sua manutenção, implementando reformas em diferentes esferas da
sociedade. Na atual conjuntura política, vivemos sob a lógica neoliberal, na qual os
serviços públicos e as políticas sociais tornam-se oportunidades de negócio. Assim, a
lógica do mercado se insere no campo educacional para que possa funcionar à sua
semelhança. E a partir desses interesses propõe a implantação da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) e a Reforma do Ensino Médio (GONÇALVES, 2017).
Convém observar que, a implantação da BNCC e a Reforma do Ensino Médio não
são pontuais, subsidiadas pela Lei no 13.415/2017 estabelecem mudanças na carga
horária, na organização curricular e no financiamento da educação, trazendo importantes
implicações para o ensino público, como o esvaziamento dos conteúdos, a precarização
do ensino e a aplicação de recursos públicos na iniciativa privada.
Com o intuito de compreender melhor as mudanças propostas, o presente estudo
tem como finalidade analisar qualitativamente, por meio de metodologia de pesquisa
bibliográfica e documental, o processo de implantação da BNCC, a Reforma do Ensino
Médio e sua relação com a Lei no 13.415/2017, bem como, as questões políticas que estão
envolvidas e a interferência dos agentes externos nacionais e internacionais.

A elaboração da BNCC: contexto e implicações


A implantação de uma base nacional comum para a Educação Básica está prevista
na Constituição Federal (CF) de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) de 1996. Segundo a CF, em seu artigo 210: “Serão fixados conteúdos
mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e

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respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). Já a
LDB, em seu artigo 26, explicita que: “Os currículos do ensino fundamental e médio
devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar [...]” (BRASIL, 1996).
Entretanto, para Marsiglia et al. (2017), a elaboração da BNCC está relacionada
também ao Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, assim como às exigências dos
organismos internacionais. A primeira versão da Base foi disponibilizada para consulta
pública entre setembro de 2015 e março de 2016. A versão final (Educação Infantil e
Ensino Fundamental) foi aprovada em dezembro de 2017. Entretanto, vale ressaltar que
as entidades e pesquisadores ouvidos foram aqueles que de alguma forma estavam
interessados nas alterações de orientação curricular do país. Desse modo, manteve-se a
direção de sua formulação nas mãos dos representantes dos aparelhos privados da
hegemonia do empresariado.
Para Macedo (2014), a participação de agentes sociais privados, na elaboração da
BNCC, objetivava interferir nas políticas públicas para a educação com perspectivas de
maior controle sobre os currículos. Fundações ligadas a grupos financeiros como Roberto
Marinho, Victor Civita, Airton Senna e Lemann, empresas como Natura, Gerdau e
Volkswagen, grupos educacionais como o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação,
Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) e “movimentos” como o Todos pela Educação são
alguns dos exemplos.
Saviani (2014) salienta que a força do privado traduzida na ênfase nos
mecanismos de mercado vem contaminando a esfera pública. Desse modo, o movimento
dos empresários vem ocupando espaços nas redes públicas, principalmente, via União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Conselho Nacional de
Secretários de Educação (Consed) nos Conselhos de Educação e no próprio aparelho do
Estado, como o ilustram as ações do Movimento “Todos pela Educação”.

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emancipação humana
Nessa perspectiva, a participação dessas diversas instituições no processo de
elaboração e de implantação da BNCC tem como objetivo principal a manutenção da
ideologia neoliberal sobre a educação, estabelecendo padrões de qualidade e impondo um
novo consenso para o campo educacional e para a formação do cidadão.
Diante dessas considerações, é oportuno frisar que:
As finalidades da educação escolar, bem como da organização
curricular e pedagógica, devem ser objeto permanente de reflexão das
escolas e dos professores, e não somente dos órgãos do sistema de
ensino como o MEC, as Secretarias de Educação, o Conselho Nacional
e os Conselhos Estaduais e Municipais de Educação. O currículo oficial
ou escrito materializa-se por meio da prática dos professores; por essa
razão, eles devem ser envolvidos permanentemente em sua formulação
e em suas estratégias de execução, em benefício do conjunto dos alunos
(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012, p. 259).

Entretanto, a participação da comunidade escolar nas discussões e debates sobre


a elaboração da BNCC, não se concretizou de modo expressivo, ainda que o discurso diga
o contrário, configurando apenas um arremedo de participação, que na prática serve
apenas para legitimar a proposta. Tal situação pode corroborar para a rejeição da Base
por grande parte dos docentes.
Com relação aos conteúdos, a BNCC afirma que os mesmos devem estar a
“serviço do desenvolvimento das competências” (BRASIL, 2017a, p. 15), definindo o
conhecimento como uma soma das habilidades que os alunos devem ter, para que sejam
capazes de empregar o conhecimento para encontrar novas formas de agir, o que implica
num modo de adaptação aos interesses do mercado e não um meio de transformação
social.
A BNCC, ao enfatizar as “habilidades”, as “competências”, os “procedimentos” e
a “formação de atitudes”, e não destacar os conteúdos, o trabalho educativo e o ensinar,
denota uma perspectiva que visa adaptar os alunos ao mercado de trabalho. Ao invés de
uma Base esvaziada de conteúdo, voltada para a adaptação dos indivíduos ao capitalismo,

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espera-se que a BNCC esteja sintonizada com os interesses da classe trabalhadora, e que
a finalidade da escola seja transmitir os conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos
que se tornaram patrimônio universal (MARSIGLIA et al., 2017).
Entretanto, o que se apresenta na elaboração da Base é um documento que
caminha na contramão daquilo que se espera para a formação de um cidadão emancipado,
capaz de pensar, refletir e agir em sintonia com as questões sociais, transformando para
melhor a difícil realidade na qual está inserido.
Macedo adverte que:
[...] um currículo nacional não vai melhorar a educação nem garantir
desenvolvimento e melhor distribuição de renda. O que ele tem a
oferecer é apenas a tentativa de controle do imponderável da qual
depende, não o sucesso da educação, mas a hegemonia do imaginário
neoliberal de que ele é parte (MACEDO 2014, p. 1553).

Desse modo, a implantação da BNCC configura como mecanismo de manutenção


e avanço da hegemonia neoliberal sobre as políticas curriculares nacionais, de modo
similar ao que ocorreu na década de 1990 com os PCNs. Portanto, ainda que de forma
velada, busca-se atender aos interesses da classe empresarial, garantindo dessa maneira a
hegemonia capitalista, ao invés de garantir a todos o acesso aos conhecimentos
historicamente sistematizados e uma formação humana emancipatória.

A Reforma do Ensino Médio e a Lei nº 13.415/2017


Sob o argumento da obsolescência do Ensino Médio e amparado pelos baixos
índices de aproveitamento escolar dos estudantes, o Governo Federal propôs a Medida
Provisória (MP) nº 746/2016, transformada na Lei nº 13.415/2017. A Lei altera alguns
artigos da LDB; a Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), além de modificar um artigo

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da CLT e de revogar a Lei no 11.161/2005 sobre o ensino da Língua Espanhola, que era
de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno.
Segundo Gonçalves (2017), devido ao fato da reforma ser proposta por meio de
MP, evidenciou a postura antidemocrática do governo, pois não foi dada oportunidade de
diálogo e discussão, uma vez que a MP precisa ser aprovada em até 120 dias.
Isso indica que, a preocupação maior que direciona a Reforma do Ensino Médio,
bem como a implantação da BNCC, não é atender as demandas de educadores e
educandos, e sim direcionar o ensino para atender as demandas de mercado, centrando o
ensino em uma formação aligeirada e de baixo custo. Conforme destaca a Figura 1, a Lei
nº 13.415/2017 promove mudanças em três aspectos principais: na carga horária mínima
do Ensino Médio; no financiamento da Educação; e na organização curricular.
Figura 1. Principais implicações da Lei nº 13.415/2017.

Fonte: Os autores, 2018.


Com relação à carga horária do Ensino Médio a Lei estabelece que: “a carga
horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser
superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo
com a definição dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017b). Dessa forma, ainda que todas
as disciplinas atuais fossem mantidas, a carga horária total seria reduzida de 2400 para
1800 horas, o que implica na redução de conteúdos hoje abordados e, consequentemente,
esvaziamento do currículo e precarização do ensino.

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emancipação humana
É importante destacar que, além da BNCC os estudos serão complementados por
itinerários formativos, entre eles a formação técnica e profissional. Entretanto, é lícito
supor que essa formação, “aligeirada”, será igualmente precária, até mesmo porque
grande parte das escolas não apresentam infraestrutura mínima adequada. Além disso, a
limitação dos gastos públicos, em consequência da Emenda Constitucional nº 95/2016,
por vinte anos, impede a elevação necessária de investimentos para atender as escolas e
adequá-las às novas exigências educacionais impostas pelos novos arranjos curriculares.
No que tange ao financiamento, a Lei possibilita ainda mais o advento das
parcerias público-privado, uma vez que, “para efeito de cumprimento das exigências
curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e
firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento
[...]” (BRASIL, 2017b). Assim, ao invés de investir nas escolas públicas, a tendência será
a aplicação de recursos públicos na iniciativa privada, como já tem ocorrido com
programas e ações como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), com o Programa
Universidade para Todos (Prouni), com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego (Pronatec), com a aplicação de recursos no Sistema S, entre outros.
Abrem-se possibilidades para a realização das chamadas parcerias, que
na prática funcionam como meio de transferir recursos públicos, do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e outras fontes,
para a iniciativa privada. Não é sem razão que figuram entre os
principais apoiadores da reforma a Confederação Nacional da Indústria,
o Sistema S e fundações de bancos e empresas privadas (MOURA;
LIMA FILHO, 2017, p. 125-126).

Isso demonstra que a Lei nº 13.415/2017 e a Reforma do Ensino Médio estão em


consonância com as políticas neoliberais, pois, não apenas direcionam o ensino público
para a atender às demandas do capital, mas também transformam a Educação em

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emancipação humana
mercadoria, criando novos nichos de mercado a serem disputados pelo Sistema S e
empresariado, “parceiros” que participaram ativamente na elaboração da BNCC.
Com referência à organização curricular, a Lei determina que o Ensino Médio será
composto pela BNCC, comum a todos, e pelos itinerários formativos, de forma que os
alunos poderão fazer escolhas para compor seu currículo de acordo com as áreas que
desejarem. Entretanto, há aqui dois pontos importantes que devem ser analisados,
primeiro: apenas Língua Portuguesa e Matemática serão obrigatórios nos 3 anos do
Ensino Médio, de modo que muitos conteúdos, não serão abordados e algumas disciplinas
poderão até mesmo deixar de existir, passando a serem contempladas como estudos e
práticas.
Segundo: é provável que muitas escolas, devido à situação de infraestrutura
inadequada, não tenham condições de ofertar mais do que um itinerário formativo, e a
propalada liberdade de escolha dos jovens não acontecerá, uma vez que, como a própria
Lei nº 13.415/2017 prevê, o currículo do Ensino Médio será composto pela BNCC e pelos
itinerários formativos, “que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes
arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos
sistemas de ensino (BRASIL, 2017b, grifos nossos).
Nesse contexto,
Destacamos o caráter contraditório do discurso e da Lei. Se evidencia a
impossibilidade de realização dos proclamados protagonismos juvenil
e flexibilidade, pois essas precárias condições, na grande maioria das
escolas, demandam amplos, vultosos e imprescindíveis investimentos.
Não obstante, tal ampliação está negada por duas décadas face às
consequências da EC 95 (MOURA; LIMA FILHO, 2017, p 120).
Para Frigotto (2016), os responsáveis pelas reformas, sejam elas no campo
educacional ou não, são coautores da cartilha dos intelectuais do Banco Mundial,
Organização Mundial do Comércio, entre outros organismos multilaterais, cujos

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compromissos primordiais não são com direito universal à educação básica, pois a
consideram um serviço que tem que se ajustar às demandas do mercado.
Nesse sentido, a Lei nº 13.415/17 é uma ameaça concreta à oferta de
qualidade do ensino médio e configura a redução do direito à educação.
A formação integral, crítica e cidadã, que assegurasse aos alunos o
pleno desenvolvimento intelectual, afetivo, físico, estético, moral e
social, com base em princípios éticos e políticos que oportunizem sua
emancipação, era a utopia a perseguir no ensino médio, hoje descartada
(LINO, 2017. p. 82).

Há vários outros pontos na Lei nº 13.415/2017 passíveis de questionamentos como


por exemplo: a regulamentação do “notório saber” dos profissionais que poderão atuar na
formação técnica e profissional, sem uma formação didática/pedagógica necessária; a
subordinação e adequação das licenciaturas à BNCC; o estabelecimento de padrões de
desempenho esperados para o Ensino Médio; a política de fomento para o Ensino Médio
integral, prevendo repasses de recursos para escolas por apenas 10 anos; a modificação
na Consolidação das Leis do Trabalho; a revogação da Lei no 11.161/2005 sobre a
obrigatoriedade da oferta da Língua Espanhola; entre outros.
Portanto, as alterações promovidas pela aprovação da Lei no 13.415/2017 que dão
suporte à Reforma do Ensino Médio, não são coerentes com as reais necessidades da
educação pública, estando em consonância com as políticas neoliberais e com os
interesses do capital. Nesse interim, o que preocupa é a possível precarização e o
esvaziamento do ensino, a perda de qualidade, e supressão do direito de uma escola mais
social, equitativa e emancipatória, além da aplicação de recursos públicos na iniciativa
privada em detrimento de investimentos na educação pública, aprofundando a dualidade
educacional, dificultando ainda mais o acesso dos jovens provenientes das classes menos
favorecidas ao Ensino Superior.

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Considerações finais
A implantação da BNCC e a Reforma do Ensino Médio centralizam-se na
reorganização curricular e na oferta dos itinerários formativos, por meio de um processo
em que o empresariado e instituições internacionais tiveram uma participação mais
efetiva do que os próprios educadores e educandos, defendendo os interesses
mercadológicos e a formação de mão de obra flexível, com vistas a uma formação
aligeirada e de baixo custo.
A Lei nº 13.415/2017, que subsidia a reforma, além de não promover avanços na
superação das demandas do ensino público, configura-se como um retrocesso, estando
mais alinhada aos interesses do capital, abrindo novos nichos de mercado e favorecendo
a privatização e a terceirização dos serviços públicos por meio de parcerias.
Portanto, a reforma não apenas está longe de melhorar a qualidade da educação,
mas implicará em uma precarização ainda maior do ensino público, acentuando o
dualismo entre a escola pública e a privada, decretando mais uma vez uma escola para os
ricos e outra para os pobres. Dessa forma, é difícil discordar de Arroyo (2012, p. 123),
quando afirma que: “o mundo letrado, onde a burguesia e seus intelectuais se propõem a
introduzir o povo via escola, não é mais o mundo das letras, das artes liberais e da cultura;
é apenas o mundo natural da sobrevivência”.

Referências
ARROYO, M. G. O direito do trabalhador à educação. In: GOMEZ, C. M. [et al.].
Trabalho e conhecimento: dilemas na educação do trabalhador. 6. ed. São Paulo: Cortez,
2012. p.103-127.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. 2017a. Disponível em:


<http://agbcampinas.com.br/site/http://agbcampinas.com.br/site/wp-
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
________. Lei no 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis Nºs 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494,
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das
Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei Nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o
Decreto-Lei Nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei Nº 11.161, de 5 de agosto
de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio
em Tempo Integral. 2017b. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm>. Acesso
em: 27 jul. 2017.

FRIGOTTO, G. Reforma do ensino Médio do (des)governo de turno: decreta-se uma


escola para os ricos e outra para os pobres. Movimento Revista de Educação. Ano 3, n.
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LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas,


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MACEDO, E. Base Nacional Curricular Comum: novas formas de sociabilidade


produzindo sentidos para a educação. Revista e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 3, p.
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MARSIGLIA, A. C. G.; PINA, L. D.; MACHADO, V. O.; LIMA, M. A base nacional


comum curricular: um novo episódio de esvaziamento da escola no Brasil. Germinal:
Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 9, n. 1, p. 107-121, abr. 2017.

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emancipação humana
MOURA, D. H.; LIMA FILHO, D. L. A reforma do ensino médio: regressão dos direitos
sociais. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 109-129, jan./jun. 2017.
Disponível em: <http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/760/pdf>.
Acesso em: 16 out. 2017.
SAVIANI, D. Sistema nacional de educação e plano nacional de educação. Campinas:
Autores Associados, 2014. 118 p.

Autor/as:
Emerson Pereira Branco
Mestre em Ensino. Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranavaí.
Professor de Matemática da Secretaria do Estado do Paraná (SEED-PR). E-mail:
ems_branco@hotmail.com
Alessandra Batista de Godoi Branco
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar. Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranavaí.
Pedagoga do Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Paranavaí. E-mail:
alessandra_g12@hotmail.com
Lilian Fávaro Alegrâncio Iwasse
Mestranda em Ensino. Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus Paranavaí.
Professora município de Nova Esperança e da Secretaria do Estado do Paraná (SEED-
PR). E-mail: coordlilianfavaro@gmail.com

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emancipação humana
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: A “INOVAÇÃO”
DA RESIDÊNCIA
Renata Lúcia Baptista Flores

Introdução
A pretensão deste trabalho é compartilhar reflexões e sínteses que vêm se
originando do exercício de estudo da ideia de Residência aplicada à Educação.
No percurso de reconhecimento da forma aparente das proposições que vêm sendo
apresentadas para a aplicação da ideia de Residência – o discurso contido nos textos –
para, a partir dela, buscar estabelecer relações com a totalidade de modo que a essência
da política seja desvelada, o que foi sistematizado até aqui resulta principalmente de dois
movimentos preliminares: (1) um balanço de literatura realizado a partir da compreensão
da importância de se conhecer o que já se pensou sobre a temática; (2) uma análise de
documentos, já que com Shiroma, Campos e Garcia (2005) a percepção é a de que a
documentação é, simultaneamente, produto e produtora de orientações políticas.
Problematizar o que está colocado na produção acadêmica acerca deste tema,
apontando o que se vislumbra no contexto da Formação de Professores no Brasil, é a
contribuição que este trabalho pretende oferecer.

1. Residência na Educação: contextualização

Mas não é verdade que a teoria pertença apenas à


esfera da teoria. Toda noção, ou conceito, surge de
engajamentos empíricos...
(E. P. Thompson, 1981)

Muito antes da recentemente anunciada proposta de Residência Pedagógica (RP),


que constitui uma das linhas de ação do novo Plano Nacional de Formação de Professores

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
anunciado pelo MEC, a questão da “Residência” aplicada à educação tem suscitado uma
abordagem cuidadosa.
Por ser professora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (CAp/UFRJ) e, desde minha inserção nesse espaço, voltar minha atenção para a
área das Políticas Públicas para a Formação de Professores, fiquei especialmente
mobilizada quando tive notícia de que um Programa da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES) havia sido apresentado às unidades de Educação
Básica das Universidades Federais, notadamente aos Colégios de Aplicação do país. Tal
apresentação ocorreu numa reunião do Conselho Nacional dos Dirigentes das Escolas de
Educação Básica das Instituições Federais de Ensino Superior (CONDICAp), em 2014,
e chegou, ao menos no CAp/UFRJ, com proposta de implementação. Tratava-se do até
então inaudito, ao menos para mim, Programa de Residência Docente (PRD).
Além do relato de nossa diretora à época da reunião de dirigentes, tivemos contato
com um documento apenas, de nove laudas, apócrifo, impresso em papel timbrado do
CONDICAp, e cujo título – “PROGRAMA DE RESIDÊNCIA DOCENTE NOS
COLÉGIOS DE APLICAÇÃO DAS IFES”17 – dá por si a noção do que contempla: uma
síntese do que seria o programa, casada com a proposição de implantação do mesmo nas
referidas unidades universitárias.
Atuamos de modo a resistir à criação do Programa no CAp/UFRJ, mesmo diante
das alegações de que o Colégio Pedro II (CPII)18 já o realizava desde 2012. Apontávamos

17
Tivemos acesso ao documento impresso e algum tempo depois, já interessada em me envolver de
modo mais sistemático com o objeto, encontrei-o no site do CONDICAp, salvando uma cópia digitalizada
do mesmo. Atualmente, contudo, o site do Conselho está fora do ar, em reformulação, não sendo
possível acessá-lo por enquanto.
18 Fundado em 2 de dezembro de 1837, é a primeira e única instituição exclusivamente de Educação
Básica do país. Segundo informação disponível em seu sítio eletrônico, foi “Equiparado aos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, com a sanção da lei 12.677/12[...]” e atualmente “[...] conta
com 14 campi, sendo 12 no município do Rio de Janeiro, um em Niterói e um em Duque de Caxias, e um
Centro de Referência em Educação Infantil, localizado em Realengo.”.

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emancipação humana
que, no mínimo, deveríamos compreender melhor a proposição que chegava. De fato, a
implantação não se deu, assim como o interesse inicial de alguns em encampar o projeto
esmoreceu com esse breque logo de saída. De maneira geral, as pessoas não foram atrás
das informações sobre o PRD ou sobre a experiência do CPII com o Programa, ao
contrário de mim que, definitivamente, me intriguei. Com Thompson (1981)
materializamos que também os objetos de estudo nascem de engajamentos empíricos.
Tendo o Programa se tornado, assim, objeto de estudo para mim, iniciei um
trabalho de pesquisa mais detido, ingressei no doutorado e desenvolvi, logo no primeiro
semestre do curso, um balanço de literatura. Neste processo, tomou forma consistente
uma percepção que os diferentes caminhos vinham apontando: o Programa de Residência
Docente da CAPES não é o único modelo de Residência proposto na Educação.

1.1 A polissemia da Residência na Educação


Com base no percurso trilhado até aqui, é possível afirmar que a temática ganhou
maior notoriedade recentemente – a partir de outubro do corrente ano de 2017 – em
função do anúncio, por parte do Ministério da Educação (MEC) de nova Política Nacional
de Formação de Professores que contém proposta de Residência Pedagógica (RP). De
todo modo, desde antes dessa súbita projeção do termo, proposições significativamente
diferentes já vinham circulando no campo educacional e tendo ‘Residência’ como
palavra-chave. Precisamente, se constata a existência de três denominações: Residência
Docente, como a CAPES instituiu; Residência Pedagógica, como o MEC anunciou e,
ainda, Residência Educacional. Essas nomenclaturas, por sua vez, e ao contrário do que
possa parecer à primeira vista, não correspondem necessariamente a três modalidades
específicas. Pelo apurado, o que ocorre, ressalte-se, é que essas denominações oscilam

Para mais dados cf. < http://www.cp2.g12.br/historia_cp2.html>. Acesso em 25 nov. 2017.

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bastante e por vezes intitulam projetos de conteúdos distintos com uma mesma dessas três
expressões. O que essa variação de nomeação ressalta, por outro lado, é a permanência
destacada: o termo Residência se mantém.
Cabe apontar, em linhas gerais, que consegui mapear ao menos oito proposições
de Residência, às quais não me refiro nesse momento com maiores intenções analíticas,
por isso sem pormenorização cronológica, por exemplo, apenas objetivando caracterizar
a polissemia constatada. São eles: o próprio PRD da CAPES, que está ativo em 2018 tanto
no Colégio Pedro II quanto no Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas
Gerais; o Programa de Residência Pedagógica da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP/Campus Guarulhos); a Proposta de Residência Pedagógica desenvolvida pela
Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FFP/UERJ/Campus São Gonçalo); uma atividade extensionista de Residência
Pedagógica desenvolvida no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – que não tem qualquer relação com a iniciativa da CAPES; o registro
legislativo de três Projetos de Lei que têm em comum a absoluta síntese de seus textos,
que indicam, quase exclusivamente, a alteração da Lei de Diretrizes e Bases pela inclusão,
aí a divergência ao menos linguística, da Residência: Educacional em um, Pedagógica em
outro e Docente em outro; e, enfim, o Programa de Residência Pedagógica anunciado
pelo MEC como componente do novo Plano Nacional de Formação de Professores.
O PRD fomentado pela CAPES é um “projeto-piloto de indução profissional”
(BRASIL.CAPES/UNESCO, 2013) que enuncia por objetivo:
[...] aprimorar a formação do professor da Educação Básica recém-
formado, oferecendo formação continuada, por meio do
desenvolvimento de competências docentes in loco, ampliando a
formação recebida nas Instituições de Ensino Superior de origem pela
imersão em contexto escolar de reconhecida excelência e, desta forma,
contribuir para elevar o padrão de qualidade da Educação Básica.
(BRASIL. CAPES/UNESCO, 2013, p.2)

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Consiste basicamente em angariar espaços de Educação Básica de “reconhecida
excelência” para organizarem seus próprios projetos que se orientam pela regulamentação
geral do Programa.
Os programas, cada qual com suas especificidades, das quais não avalio ser
imprescindível fazer detalhamento neste momento, selecionam e recebem professores da
Educação Básica, formados há pouco tempo e concursados, atuantes nas redes oficiais.
Esses docentes-residentes, durante o período previsto pelo programa, frequentam
regularmente a escola que sedia e organiza o mesmo, tendo um professor local como
referência, como orientador ou tutor. Acompanhar o cotidiano deste professor orientador,
ao que parece pelo que investiguei até aqui, é a principal atividade do docente-residente
no programa: assistir suas aulas, receber sua orientação ‘experiente’. Sua estada no
programa é, em geral, por um ano letivo, período durante o qual os residentes recebem
bolsa, e concluem esse ciclo com uma certificação de pós-graduação lato sensu.
Em linhas gerais, o Programa da UNIFESP se organiza como atividade dentro do
processo de formação inicial no Curso de Pedagogia da Universidade. Está previsto em
seu currículo, como sistematiza Poladian (2014):
A partir da segunda metade do curso de Pedagogia (5º semestre)
começa a ser vivenciado pelos estudantes o Programa de Residência
Pedagógica (PRP) [...] na função de aproximar a prática profissional da
formação inicial. Mais do que isso, o PRP amplia essas vivências de
modo articulado com algumas escolas municipais de Guarulhos, que
são parceiras na função de formar futuros professores. (POLADIAN,
2014, p.69)

Compreende-se, portanto, que o programa se constitui como uma modalidade de


Estágio Supervisionado.
A proposta de Residência Pedagógica realizada na FFP/UERJ apresenta-se como
um trabalho acadêmico de perspectiva extensionista que visa contribuir com a formação
continuada de professores recém-graduados, tal como a coordenadora da atividade indica:

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Em nosso projeto de formação docente, que chamamos Residência
Pedagógica, reunimos professoras e professores em atuação nas escolas
das diversas redes de ensino, em sua maioria, egressas e egressos dos
cursos de licenciatura de uma instituição pública do Estado do Rio de
Janeiro, com vistas a discutir práticas e situações vividas, bem como
dilemas da prática docente (GIMENO SÁCRISTAN, 1992),
estabelecendo redes de comunicação e proteção. (FONTOURA, 2017,
p.125)

A atividade desenvolvida pelo Colégio de Aplicação da UFRGS19 funciona como


um curso de extensão e também é voltado a professores recém-graduados. Selecionados
por edital público, os integrantes do curso passam o ano na unidade universitária,
desenvolvendo atividades relacionadas ao cotidiano docente, sob a supervisão de
professores da escola. A partir de certo período, assumem turma.
Quanto às proposições legislativas, a primeira foi a do então senador Marco
Maciel, DEM/PE, em 2007. Declaradamente inspirado na Residência Médica, o Projeto
de Lei do Senado (PLS) 277, propunha em sua ementa o acréscimo de “dispositivos à Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para instituir a residência educacional a
professores da educação básica.” (BRASIL, 2007, grifos meus) Esse PLS foi arquivado
sem ter ido à votação, mas, em 2012, o senador Blairo Maggi, PR/MT, adapta o texto
original e apresenta ao Senado Federal o PLS 284 propondo a alteração da “[...] Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para instituir a residência pedagógica para os professores da educação básica.”
(BRASIL, 2012, grifos meus) Essa proposição seguiu para a Câmara, onde tramita como
Projeto de Lei 7552/2014 e tem apensado a ele atualmente o PL5054/16, que “Altera Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional),

19
Projeto sobre o qual tenho poucos dados ainda, tendo em vista que na breve pesquisa que realizei na
internet não consegui quaisquer documentos sobre ele. As informações sistematizadas nesse texto me
foram passadas por membro da Direção atual do Colégio, em encontro presencial durante o Seminário
CONDICAp de 2017, ocorrido no Colégio Universitário da Universidade Federal de Viçosa, nos dias 13 e
14 de novembro.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
para dispor sobre a residência docente na educação básica.” (BRASIL, 2016, grifos
meus)
Sobre a proposta governamental de RP ainda não se tem muito material, mas se
propaga a intenção de que esta figure como meio para “universalizar a iniciação à
docência” (BRASIL/CAPES, 2017, s.p.), embora de fato se inicie com a parceria
específica do governo de São Paulo e com a previsão de “80 mil bolsas” (CASTRO, 2017,
slide 14).

2 Formação de Professores via Residência: da aparência à busca da essência


O que me parece relevante de sistematizar num primeiro momento diz respeito a
uma significativa distinção que se coloca entre as proposições embaralhando-as, em
linhas gerais, em intenções esparsas, desencontradas. De ações para a formação inicial de
professores, ou seja, apontando a necessidade da Residência como parte do processo
formativo para a docência; a proposições que se referem à uma perspectiva de pensar a
formação continuada, isto é, pensar a Residência como etapa ulterior à formação inicial
e, com frequência, mirando num processo que tem sido denominado como ‘inserção
profissional’, não se verifica solidez nem ao menos terminológica. Por vezes, inclusive,
mesmo que não claramente, essas perspectivas se mesclam numa mesma proposta.
Além disso, é rapidamente apreensível a noção de que uma perspectiva de
inovação é atribuída às propostas que trazem a ideia da Residência, como se
materializassem uma novidade no campo da formação de professores. Sem iniciar um
debate em relação à falaciosa absolutização do novo como elemento eminentemente
positivo, o que de fato não acrescentaria à reflexão pretendida neste texto, é mister
sublinhar que é o velho pragmatismo que emprenha as diferentes proposições abarcadas
no material revolvido. Muito longe de se vislumbrar a estruturação de novas perspectivas
para a formação, o que se vê é a reconfiguração do que há muito se engendra neste campo:

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
o quase confinamento do professor da Educação Básica à sala de aula, como se tudo em
seu trabalho e ao que a ele se relaciona se restringisse a ela.
Para além dessas questões, algo ainda mais relevante se coloca: a produção
acadêmica que se tem sobre a temática se revela fortemente matizada pelo fato de que é
majoritariamente organizada/produzida por quem de algum modo se posicionou em
relação ao tema: pessoas vinculadas aos programas/projetos sobre os quais discorreram,
alguém que diretamente faz, ou fez, parte da equipe de desenvolvimento do mesmo. É
preciso dar a ver que é possível aferir que a teoria está sendo estruturada
hegemonicamente pelos que comungam dos projetos/programas.
É conhecida a tensão entre as correntes que defendem a “neutralidade” da ciência
e aquelas que refutam com veemência a possibilidade de sujeitos produtores de
conhecimento científico, imersos no mundo, conformarem-se neutros. A partir do
pressuposto dos engajamentos empíricos de Thompson, por óbvio refutamos a
possibilidade da dita neutralidade. Agora, a perspectiva analítica que cabe neste exercício
de reflexão demanda reconhecer que essa tendência tem imposto limitações ao
entendimento do que está em jogo em relação às políticas para a Formação de Professores
no Brasil. Sobretudo porque tem se direcionado à apresentação de projetos e, com isso,
tem consolidado a ausência de análise pormenorizada das proposições.
Residência é um termo que vem sendo utilizado por diferentes sujeitos – dos
ligados ao aparelho de Estado, aos fortemente vinculados a Organizações não
governamentais. Mas em que consiste, afinal, a ideia de Residência aplicada à área da
Educação? E seria Residência Educacional? Residência Docente? Ou Residência
Pedagógica porque foi a terminologia escolhida pelo governo federal? A profusão de
proposições, distintas entre si em parte de seu conteúdo e com significativa oscilação de
complemento em seu nome vem atestando a permanência superficial de um termo, o que
pode ser compreendido como estratégia de colonização do discurso para que se espalhe

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
como parte de um pensamento educacional que demanda modernização (SHIROMA,
CAMPOS e GARCIA, 2005). A partir da contribuição de Shiroma e Santos (2014) a
constatação de que “[...] o uso cotidiano de alguns conceitos pode dar a falsa impressão
de que são naturais e inevitáveis e que constituem o fazer cotidiano e, com isso, gerar a
conformação.” (p.22) se consolida e precisa ser problematizada.
Pelos aspectos que tivemos a oportunidade de expor até aqui acreditamos que se
trata de processo a ser problematizado e combatido. Para tanto, nosso compromisso
precisa ser com o método: voltar nossa atenção para materialidade da vida e analisar o
que dela destacamos para que sejamos capazes de identificar suas determinações e fazer
a crítica. Marx (s.d., s.p.) alertou:
A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não
para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação,
mas para que se liberte das cadeias e apanhe a flor viva. (MARX, s.d.,
s.p.)

Espanta a falta de uma perspectiva crítica nesse percurso. A tarefa, portanto, é


empreendê-la.

Referências:

________. Senado Federal. Projeto de Lei 277 de 2007. Acrescenta dispositivos à Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, para instituir a residência educacional a professores
da educação básica. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.aspp_cod_mate=80855 >. Acesso
em: 4 jun. 2017.

_________. Senado Federal. Projeto de Lei 284 de 2012. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para instituir
a residência pedagógica para os professores da educação básica. Disponível em
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106800 >
Acesso em: 4 jun. 2017.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
_________. CAPES/UNESCO. Edital CAPES/UNESCO Nº. 13/2013: Termo de
Referência para contratação de consultoria na modalidade produto. Disponível em
<www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/Edital-Unesco-13-2013.doc>
Acesso em: 18 mai. 2017.

_________. CAPES. Residência Pedagógica quer universalizar a iniciação à docência.


2017. Disponível em <http://www.capes.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/8684-
residencia-pedagogica-quer-universalizar-a-iniciacao-a-docencia> Acesso em: 11 fev.
2018.

_________. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 5054 de 2016. Altera a Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor
sobre a residência docente na educação básica. Disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2082291
> Acesso em: 20 nov. 2017.

CASTRO, Maria Helena Guimarães de. Política Nacional de Formação de Professores.


Brasília: Ministério da Educação, 2017, 21 slides, color.

FONTOURA, Helena Amaral da. Formação de professores para a justiça social: Uma
reflexão sobre a docência na Residência Pedagógica. Revista Ibero-Americana de
Estudos em Educação [online]. v.12, n.1, p. 120-133, 2017.

MARX, K. Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. Disponível em <


https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/critica/introducao.htm>. Acesso em: 09
set. 2017.

POLADIAN, Marina Lopes Pedrosa. Estudo sobre o Programa de Residência


Pedagógica da UNIFESP: uma aproximação entre Universidade e Escola na formação
de professores. 2014. 129f. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2014.

SHIROMA, Eneida O.; CAMPOS, Roselane F.; GARCIA, Rosalba M. C. Decifrar textos
para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de
documentos. Perspectiva. Florianópolis, SC: v. 23, n.2, p. 427-446, 2005.

SHIROMA, Eneida; SANTOS, Fabiana Antonio dos. Slogans para a construção do


consentimento ativo. O que revelam os slogans na política educacional. Araraquara,
SP: Junqueira&Marin, 2014. p.21-45.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

Autora:

Renata Lúcia Baptista Flores


Professora do CAp/UFRJ, mestre em Educação pelo ProPEd/UERJ e doutoranda em
Educação pelo PPGE/UFSC
renataflores2010@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
EDUCAÇÃO E TRABALHO: FORMAÇÃO OU
PROFISSIONALIZAÇÃO?
Alessandra Batista de Godoi Branco
Emerson Pereira Branco
Lilian Fávaro Alegrâncio Iwasse

Introdução
O trabalho e a educação são atividades que se correspondem por sua própria
existência e objetivos e, neste pressuposto, a educação serve ao trabalho ao mesmo tempo
que pode transformá-lo. Ao tratar das ciências da educação, Gimeno Sacristán (1983),
numa visão epistemológica, a considera em dois aspectos e funções distintas: em parte
reproduz e, em outra, inova cultural e socialmente. Assim, para se adentrar ao objeto da
educação, segundo o autor, há de se considerar esta duplicidade.
Nesta vertente, a escola dual apresentada nesta pesquisa se refere a divisão social
do trabalho. Nisto, pode ser propedêutica – ensinar propriamente, formação acadêmica -,
e profissionalizante – quando objetiva a formação profissional. Ao pensar nesta
dualidade, não é simples a tarefa de predizer, de forma ampla e crucial, qual função é
mais forte, considerando a própria sociedade em que se insere. Visto que a educação não
é neutra, não científica ou apartidária, mas se manifesta em meio a ideologias, política,
economia, cultura e sociedade que talham seus objetivos e práticas.
Ao apresentar esta problemática, este trabalho pretende apresentar breve relação
entre a educação e o trabalho e, a partir desta reflexão, estudar o processo em que
ocorreram a reforma do ensino médio (Medida Provisória nº 746/2016; Lei nº
13.415/2017) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tal investigação pretende
responder para que serve: formação ou profissionalização?

Educação e trabalho: uma relação histórica

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emancipação humana
Em seu estudo sobre a natureza e especificidade da educação, Saviani (1984) trata
do homem e do trabalho. Nesta relação, considera que a educação “é, ao mesmo tempo,
uma exigência de e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de
trabalho” (SAVIANI, 1984, p. 1). Entre as categorias de trabalho material e imaterial, a
educação se classifica no segundo.
A partir desta categorização, é salutar compreender as formas de produção social
e de conhecimento. Para tanto, manifesta-se o papel social da escola que, a priori, é (ou
deveria ser) a formação. Contudo, pode servir para a reprodução ou a superação do status
quo ou o status vigente para determinada sociedade.
A escola tem relação estreita com o capital, ao servir para a formação do
trabalhador. Partindo de uma investigação, pode-se refletir acerca das competências e
habilidades objetivadas para cada instância (escola e fábrica): O que é necessário ser
produzido? Quais habilidades e competências são exigidos para ter êxito? Que aptidão se
exige diante dos níveis estabelecidos? Estas e outras determinações são utilizadas para
avaliar os sujeitos diante dos objetivos propostos, do que se espera que seja e faça. Nesta
afinidade, é pertinente refletir acerca da origem da escola pública.
A este respeito, Galuch (2013) apresenta um histórico sobre sua origem, em meio
aos conflitos entre classes que constituíam a sociedade (Séc. XIX). O discurso da busca
de suposta “unidade nacional” por meio “de uma educação comum”, serviam de
argumentos para ocultar reais interesses:
Para unir os homens e alcançar a homogeneidade de ação em favor da
ordem estabelecida, da conservação da sociedade, a razão objetiva, que
tinha sido utilizada para unir os homens na luta contra a sociedade
feudal, parecia insuficiente. Surgiu, assim, a necessidade de se atingir a
subjetividade de cada um, ou seja, o sentimento e o coração. Quando a
escola se tornou pública, esse foi o ideário que fundamentou toda a
educação (GALUCH, 2013, p. 19).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
No contexto histórico, a escola pública é criada, para atender interesses da elite.
O ensino obrigatório serviria para conter conflitos e fortalecer a ordem social vigente:
“uma educação igual para todos mostrava-se como o remédio acertado para o excesso de
individualismo que emergia da natureza das próprias relações sociais (idem, p. 71).
Para Saviani (1984, p. 2) “a escola é uma instituição cujo papel consiste na
socialização do saber sistematizado”. Segundo os interesses do capital, serve como
espaço de criação da força de trabalho, onde “o conteúdo do ensino veiculado através dos
programas, cursos e currículos escolares tende a privilegiar conhecimentos pragmáticos
voltados para a profissionalização (KAWAMURA, 1990, p. 38).
Isto se nota ao relacionar as mudanças nas formas de produção e a educação que
serve às suas necessidades. O modo de produção utiliza o conhecimento, em prol de seus
interesses e, deste modo, a escola pode atender as demandas do mercado e atuar para a
produção do (des)conhecimento.
Tal questão nos remete a Braverman (1974, p. 116-117), ao lembrar que o mundo
do trabalho se tornou, para maioria dos trabalhadores, “cada vez mais despido de qualquer
conteúdo de qualificação ou conhecimento científico” e, assim, ocorre a desumanização
do trabalho, a separação da concepção e execução.
Ao tratar da racionalização da produção e do trabalho, Gramsci (2011, p. 266)
observara: “novos métodos de trabalho são indissociáveis de um determinado modo de
viver, de pensar e de sentir a vida; não é possível obter êxito num campo sem obter
resultados tangíveis no outro”. Nessa compreensão, a escola é lugar de hegemonia e serve
a determinados interesses. Portanto,
Levando em consideração que o saber é também um meio de produção,
essa contradição atravessa também todo o campo educacional, pois se
a classe trabalhadora luta pela democratização do acesso ao
conhecimento produzido pelo conjunto da humanidade ao longo de sua
história, a burguesia busca secundarizar a escola esvaziando-a
(MARSIGLIA et. al, 2017, p. 108).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Nessa vertente, considerando a educação básica em intervenções recentes, julga-
se pertinente investigar quais interesses servem a BNCC e a Reforma do Ensino Médio
(Lei nº 13.415/2017).
A “urgente” reforma para a “emergente” BNCC
Num cenário em que a educação básica permanece em nítida discrepância e
desigualdade (principalmente entre o público e privado), o Governo Federal, pautando-se
em discursos de democracia e de preocupação diante de dados insatisfatórios, estabeleceu
em 2017 reformas de grande impacto.
Ao se mostrar como urgente a Reforma do Ensino Médio foi instituída por força
de lei pela Medida Provisória (MP) nº 746/2016. Kuenzer (2017, p. 333) pontua que “a
restrição ao debate e o tempo reduzido [...] evidenciam o caráter autoritário das novas
diretrizes”. A MP foi transformada na Lei nº 13.415 já em 16 de fevereiro de 2017.
No discurso, as mudanças são exibidas para justificar a urgência: garantir a
equidade na educação, melhorar a qualidade do ensino, assegurar conhecimentos
mínimos e aprendizagens essenciais, fortalecer a educação integral, respeitar o projeto de
vida e o poder de decisão de jovens, valorizar as diferenças, atender as pluralidades, entre
outros slogans que, analisados superficialmente, soam benéficos a todos,
indiscriminadamente.
As justificativas vão ao encontro com propostas de teóricos e organizações que
continuam a influenciar a educação: os pilares para a educação apresentados por Delors
(2010); as competências de Perrenoud (1999) e os saberes de Morin (2011).
Nos argumentos apresentados, considera-se relevante a “necessidade de corrigir o
número excessivo de disciplinas do ensino médio, não adequadas ao mundo do trabalho”,
permitindo a oferta de “educação de boa qualidade”, solucionando, assim, o “problema

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
do ensino médio” devido a um descompasso causado por um “currículo extenso,
superficial e fragmentado” (BRASIL, 2016).
Para Krawczyk e Ferretti (2017), este processo de mudanças, apresenta como
justificativa a má qualidade do ensino, os indicadores de baixo rendimento e de elevado
fracasso. Ao mesmo tempo, favorece a mercantilização, alarga diferenças regionais,
seleção, exclusão e desigualdade.
Desse modo, a ineficiência da escola é apreendida na teoria do capital humano:
A visão do capital humano vai reforçar toda a perspectiva da
necessidade de redimir o sistema educacional de sua “ineficiência” e,
por sua vez, a perspectiva tecnicista oferece a metodologia ou a
tecnologia adequada para constituir o processo educacional como um
investimento – a educação geradora de um novo tipo de capital – o
“capital humano”. A educação, para essa visão, se reduz a um fator de
produção (FRIGOTTO, 2010, p. 139).

Nesta vertente, a educação gera capacidade de trabalho e o potencializa pela


produção de habilidades, atitudes e conhecimentos (FRIGOTTO, 2010). Tais objetivos
20
podem ser notados na justificativa apresentada por Queiroz (2016, p. 32) sobre a
viabilidade da reforma do ensino médio: “pretende-se oferecer escola de boa qualidade a
uma crescente população de jovens, de forma a garantir mão de obra capacitada para o
mercado e cidadãos atuantes na vida democrática”. Em consequência, “espera-se que ao
possibilitar a existência de trajetórias profissionais, o País possa começar a solucionar um
de seus problemas econômicos estruturais que é a falta de mão de obra qualificada, além
da baixa produtividade do trabalho” (idem, p. 41).
Nesta falácia, enquanto tramita a discussão e elaboração da BNCC - que iniciou
seu processo de elaboração e consulta pública em 2015, com a terceira e última versão
entregue ao Conselho Nacional de Educação em abril de 2017 -, a mesma já é apresentada

20
O mesmo consultor legislativo que assina o Sumário Executivo de Medida Provisória da MP nº 746/2016.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
na MP nº 746/2016 e na Lei nº 13.415/2017. Assim sendo, durante o processo da dita
construção coletiva, de ampla consulta e participação, suas funções já estão postas.
Acerca do conhecimento, que serve para indicar a função social desta educação,
destacamos três aspectos: o notório saber, o reconhecimento de conhecimentos tácitos
e a escolha por formação conforme projeto de vida.
A BNCC (BRASIL, 2017b) influenciará na regulação do ensino superior,
requerendo a revisão na formação inicial e continuada de professores para se adequarem
ao ensino das competências e diretrizes comuns. Enquanto se ilude acerca de suposta
preocupação com o professor diante de tais mudanças, é normatizada a possibilidade de
atuação dos “profissionais com notório saber” que possam “ministrar conteúdos de áreas
afins a sua formação ou experiência profissional” (BRASIL, 2017a, art. 61, IV).
O notório saber é um recuo - a “desprofissionalização” docente (KUENZER,
2017). Configura-se a desvalorização, a desqualificação e o ataque à formação e
profissionalidade do professor, pois, induz à desqualificação da atividade docente e
encaminha a precarização geral das condições de trabalho desses profissionais (MOURA;
LIMA FILHO, 2017).
Para o ensino médio fica estabelecido que os currículos considerem sua formação
integral adotando “um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para
sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais” (BRASIL, 2017a). A
BNCC enfoca o projeto de vida logo no início da educação básica, de modo que o aluno
possa refletir acerca do que deseja para o futuro e de como agir para construí-lo. Os
estudantes poderão escolher seu itinerário formativo de acordo com o seu projeto de vida.
Desta maneira, a organização do ensino médio por itinerários formativos, com redução
da formação comum, fragmenta o currículo, que, não seguirá uma formação integral
(KUENZER, 2017).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O termo liberdade pode apresentar várias facetas, pois, “com tanta avidez, certas
concepções particulares de direitos e liberdades enquanto tentam nos persuadir de sua
universalidade e bondade” (HARVEY, 2013, p. 46). Frigotto (2010) menciona sobre a
liberdade do trabalhador na escolha do trabalho e do capitalista a quem servirá, ao passo
que a liberdade de não trabalhar é a mesma de passar forme ou sofrer degradação social.
Assim, a BNCC e o “novo” ensino médio dão liberdade ao estudante de preparar
seu projeto de vida. O poder de decisão fica a cargo de cada indivíduo. Da mesma forma,
os resultados (sejam bons ou ruins) continuarão sob sua responsabilidade, apenas.
Para o “novo” ensino médio, o reconhecimento de “conhecimentos tácitos” e a
possibilidade de terminalidade específica atendem a flexibilização na educação
profissional e técnica. É preocupante que os conhecimentos tácitos e o notório saber
adquiram institucionalmente o status de conhecimento científico. Nesse aspecto, os
conhecimentos prévios adquiridos em experiências deixam de ser ponto de partida e se
tornam suficientes para determinados ideais educacionais.
Neste direcionamento a formação do estudante é esvaziada, se esvanece a
qualificação em detrimento do conhecimento tácito. Flexibilizam-se os conteúdos, as
aprendizagens, os conhecimentos e as aptidões e o estudante será preparado para aprender
no decorrer de sua vida, deve estar apto a acompanhar as mudanças e adaptar-se para
atender as demandas do capital. Ao analisar o processo de elaboração da BNCC e da
reforma do ensino médio, é possível notar a pressa em efetivar mudanças em prol de
interesses neoliberais que agridem, ainda mais, a equidade na educação.
Com efeito, a educação do mundo do trabalho objetiva formar o trabalhador
proativo, resiliente capaz de adaptar-se as mudanças, inovações e de atividade. Nesta
concepção, as aprendizagens, competências e habilidades propostas pela BNCC para a
educação básica não deixam dúvidas a quem e para que serve.

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emancipação humana
As aprendizagens, competências e habilidades essenciais da BNCC
O Quadro 1 apresenta as principais características da formação proposta pela
BNCC:
Quadro 1: A formação e o Desenvolvimento Humano Integral estabelecido pela BNCC.
Proposta Características e sentidos
A BNCC define: Objetos de conhecimento (conteúdos, conceitos e processos).
Competências (o que os alunos devem desenvolver).
Habilidades (aprendizagens essenciais, relacionadas a
comportamentos, vivencias, comportamentos, interações).
Objetivos e direitos de aprendizagem e desenvolvimento.
Questões centrais do processo O que aprender; Para que aprender; Como ensinar; Como
educativo promover redes de aprendizagem colaborativa; Como avaliar
o aprendizado.
Mais do que a acumulação de Comunicar-se; Ser criativo; Analítico-crítico; Participativo;
informações, requer: Produtivo; Responsável.
Objetivos de aprendizagem Aprendizagem e desenvolvimento global do aluno.
Projeto de vida Refletir o que o aluno quer ser no futuro;
Planejar ações para construir esse futuro.
Formação de novas gerações Saber; Ser; Fazer; Aprender a aprender.
Fonte: BRASIL, 2017b. Elaborado pelos autores.

A BNCC indica quais aprendizagens, competências, habilidades e conhecimentos


são necessários. Em um discurso de preocupação com a equidade, apresenta a comunhão
de princípios e valores. Sob aparato ordenado de conteúdos e objetivos, influenciará na
constituição do currículo, na prática docente, no processo de ensino e aprendizagem, na
avaliação, no projeto político pedagógico, em processos seletivos para ingresso em cursos
superiores, na formação docente, em recursos financeiros, em parcerias público-privado
e na contratação de professores.
Kuenzer (2017) considera que este processo se alinha ao regime de acumulação
flexível, enfatizando o discurso de protagonismo. Desta maneira, como a BNCC faz parte
desta mudança, sendo que por meio dela se estabelecerá uma organização curricular que
obedece “ao princípio da flexibilidade, com redução de custos” (idem, p. 334). Assim,
por meio deste estudo, tais direcionamentos evidenciam que o papel social da escola:

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emancipação humana
defendem a profissionalização, fomente a precarização da educação pública e agrava a
dualidade - a formação é ofertada à minoria, a elite.

Considerações finais
Num contrassenso, em meio a manifestações contrárias, debates e protestos, é
manifesta uma urgência pela formação de novas gerações, com competências, habilidades
e conhecimentos organizados categoricamente, sistematizados em códigos e
hierarquizados. Mas “com liberdade”! Os sistemas de ensino e as escolas terão liberdade
para se organizar e se adequar às suas condições de oferta. Os estudantes serão livres para
escolher e, de acordo com seu projeto de vida, poderão refletir e planejar seu futuro. Os
professores terão liberdade para adequar a ordem dos conteúdos e serão capacitados
previamente.
Entre as aprendizagens essenciais, os conhecimentos, habilidades e aptidões que
constituem a BNCC, ficam evidentes os ideais educativos e como deve ser conduzido o
processo de ensino e aprendizagem. Neste processo, serão reconhecidos conhecimentos
adquiridos no decorrer da vida, de práticas e experiências extraescolares e do trabalho.
Conforme julgar-se oportuno, serão considerados suficientes e terão a mesma validade
que o saber elaborado. Assim, o princípio educativo favorece o aligeiramento na
formação e acentua o afastamento entre concepção e execução do trabalho. Valoriza-se,
portanto, o indivíduo polivalente, flexível e multifuncional.

Referências
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Legislativa. Núcleo de Estudos e Pesquisas. Senado Federal. 2016. Disponível em:
<https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/126992>
Acesso em 30 jan. 2018.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
KUENZER, A. Z. Trabalho e escola: a flexibilização do ensino médio no contexto do
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<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/533918>. Acesso em 30 jan. 2018.

Autor/as:
Alessandra Batista de Godoi Branco
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar. Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranavaí.
Pedagoga do Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Paranavaí. E-mail:
alessandra_g12@hotmail.com
Lilian Fávaro Alegrâncio Iwasse
Mestranda em Ensino. Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus Paranavaí.
Professora município de Nova Esperança e da Secretaria do Estado do Paraná (SEED-
PR). E-mail: coordlilianfavaro@gmail.com
Emerson Pereira Branco

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emancipação humana
Mestre em Ensino. Programa de Pós-graduação em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Paranavaí.
Professor de Matemática da Secretaria do Estado do Paraná (SEED-PR). E-mail:
ems_branco@hotmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: OS IMPACTOS NA
FORMAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL PÓS ANOS 1990
Daniela Skrowonsk

Introdução:
As mudanças da sociedade estão atreladas aos processos produtivos e formativos
que permeiam a vida social. Os diferentes modos de produção, estabelecidos a partir do
contexto histórico-social vivenciado, desencadeiam formas de conceber a categoria
trabalho, assim como a educação, pois uma está interligada à outra.
Desse modo, a fim de compreendermos como as mudanças no mundo do trabalho
impactam a educação, temos ciência de que a categoria trabalho precisa ser elucidada.
Para tal, recorremos principalmente à Marx, sociólogo que mais veementemente estudou
a sociedade capitalista a partir da categoria trabalho. Sua crítica à sociedade capitalista
está direcionada ao processo de desumanização gerado a partir da exploração do
trabalhador pelo capital.
Nesse sentido, para Marx (1988) o trabalho é um processo de que participam o
homem e a natureza, em que atuando sobre a natureza e modificando-a, o homem ao
mesmo tempo modifica sua própria natureza, além de distinguir-se dos animais porque
planeja seu trabalho antes de executar.
Ainda, é preciso evidenciar o trabalho na sua dimensão ontológica. Segundo
Saviani (2007), a essência do homem é o trabalho, uma vez que é produzida pelos próprios
homens. Por isso, o homem se faz pelo trabalho, sendo este um processo histórico.
Compreendemos, dessa forma, o trabalho enquanto formador da própria espécie
humana. Entretanto, este também pode desumanizar devido às formas de organização do
trabalho que estão submetidas à lógica do capital.

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emancipação humana
Nesse sentido, as características da organização taylorista/fordista, como o
trabalho parcelado em tarefas, a produção em massa, a aceleração do ritmo de produção,
a separação entre concepção e execução são substituídas por uma forma mais flexível de
trabalho, com características próprias do toyotismo. Atualmente, a influência do
neoliberalismo também afeta o sistema produtivo, acentuando a exploração do
trabalhador e aumentando as desigualdades sociais.
A partir desse contexto, consideramos que a educação tem papel importante no
processo de mudança social, mas não exclusivo, uma vez que está atrelada à sociedade
capitalista. Ao longo dos processos histórico-sociais, a função social da escola foi
controlada de modo a responder às demandas do capital.
Diante do exposto, com este trabalho objetivamos analisar como as mudanças no
mundo do trabalho influenciaram os processos formativos, ou seja, verificar quais têm
sido as implicações à educação frente às transformações da sociedade capitalista, em
específico no Brasil a partir dos anos 1990. Por isso, propusemos o seguinte
questionamento: como as mudanças no mundo do trabalho impactam a formação do
sujeito?
A partir de pesquisa bibliográfica acreditamos compreender melhor a necessidade
de repensarmos uma transformação social, que envolva os diferentes segmentos sociais,
a fim de superar a exploração imposta pelo capital e consequentemente as desigualdades
sociais, rumando para a emancipação humana.

Fundamentação teórica
A educação é processo social que desde os primórdios está presente na vida em
sociedade. Tem sua origem a partir da dimensão do trabalho, em que a aprendizagem de
um ofício era repassada de geração para geração. Entretanto, de acordo com o contexto
histórico-social vivenciado, assim como dos diferentes modos de produção que existiram

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emancipação humana
na sociedade, a educação passou por transformações que se configuram em avanços e
retrocessos que perduram até os dias atuais.
As mudanças ocorridas no mundo do trabalho, que originam-se pelo movimento
do capital, impactam diretamente a educação, gerando uma crise sem precedentes para a
escola como instituição. Tonet (2016) aponta três formas em que a crise rebate na escola:
[...] em primeiro lugar, revelando a inadequação da forma anterior da
educação frente às exigências do novo padrão de produção e das novas
relações sociais. [...] Em segundo lugar, levando à busca, em todos os
aspectos, de alternativas para esta situação. Em terceiro lugar,
imprimindo a esta atividade, de modo cada vez mais forte, um caráter
mercantil. (TONET, 2016, p. 32)

Tendo em vista esse contexto, o autor utiliza-se de respostas de importantes


teóricos da educação. Uma delas aponta para a necessidade de novas leis, novas políticas
educacionais, novos métodos, técnicas e conteúdos que permitam formar os indivíduos,
considerando as adequações às novas exigências. Assim, é recorrente o uso de termos
como a qualidade total, formação flexível e polivalente, novas qualificações,
competências, empregabilidade, etc. Outra resposta entende que as políticas neoliberais
são as responsáveis pelo agravamento dos problemas da humanidade, o que pressupõe ser
inviável a possibilidade de controlar a lógica do capital (TONET, 2016).
Nesse sentido, torna-se fundamental compreendermos o desenvolvimento da
realidade e as relações existentes entre as multi determinações sociais, uma vez que
estamos inseridos numa sociedade capitalista, que reinventa-se diante de crises,
condicionando pensamentos, valores e ideias. Assim, a formação do sujeito ainda está
atrelada ao sistema capitalista, “forma-se, molda-se o cidadão para o trabalho e para o
consumo. Forma-se e molda-se o cidadão para a alienação no trabalho e para a
passividade conformada nas estruturas da sociedade” (SANFELICE, 2013, p. 70).
A partir disso, o que se verifica com relação à educação é a formação para
competências e habilidades. Ramos (2008) entende que o currículo constituído por

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
competências, ou seja, conteúdos que visem uma formação orientada para as
competências que se pretende desenvolver nos educandos, dá origem à “pedagogia das
competências”.
Dessa forma, a pedagogia das competências “pretende preparar os indivíduos para
a adaptação permanente ao meio social instável da contemporaneidade” (RAMOS, 2008,
p. 304). Uma educação nesse formato nega o conhecimento científico construído
historicamente/socialmente, isto é, nega a ciência, a teoria, dando ênfase ao processo.
Além disso, é uma formação focada para o proletariado, que segundo interesses do
capital, necessariamente precisa apenas saber fazer, não incorporando a ciência no seu
processo formativo.
Todo esse conjunto de competências necessárias à empregabilidade conspiram a
favor da teoria do capital humano, que determina a educação como fator para o
desenvolvimento.
Temos o entendimento que a teoria do capital humano procura negar as
desigualdades sociais, que são fruto de uma estrutura de classe e da exclusão promovida
pelo capitalismo. Logo, a visão propagandeada junto à sociedade em geral é de que o
investimento se faz necessário porque há falta de profissionais qualificados, originando,
a partir da qualificação, a divisão entre competentes e incompetentes.
Tudo isso corrobora para uma formação que dirige-se para a empregabilidade,
para a unilateralidade, e não para uma formação fundamentada na integralidade do
homem, que propicie uma visão totalizante da realidade, sendo esta a formação
omnilateral. Para Manacorda (2007) a omnilateralidade representa romper com o
processo de desumanização a que o ser humano está submetido, buscando a riqueza do
desenvolvimento humano amplo e livre. Assim, percebemos com maior evidência o papel
fundamental que necessita ser desempenhado pela escola, no sentido de formar indivíduos

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a partir da dimensão da totalidade, apropriando-se dos conhecimentos científicos
construídos socialmente/historicamente, visando a transformação social.
Assim, para aqueles que acreditam numa escola emancipadora, cabe ressaltar que,
principalmente a escola pública e gratuita, deve ser uma instituição à serviço do
proletariado, pois é um dos poucos espaços de socialização/construção do conhecimento
a que esta classe tem acesso. Por isso, a classe trabalhadora deve defender e lutar por uma
escola com esta finalidade, objetivando o desenvolvimento humano. Porém, o que se
percebe é que desde os primórdios a escola vem apresentando funções que na maioria das
vezes não estão relacionadas com o processo de emancipação social, mas com a
manutenção do “status quo”. De acordo com Saviani (2005, p. 22) “a educação passou,
pois, a ser concebida como dotada de um valor econômico próprio e considerada um bem
de produção (capital) e não apenas de consumo”.
Outro fator que precisa ser considerado a partir das mudanças no mundo do
trabalho como impacto na formação dos sujeitos é a reprodução do dualismo educacional.
Este, por sua vez, origina-se na Revolução Industrial, com a necessidade de qualificação
dos trabalhadores.
Podemos afirmar que durante todo o século XX e início do século XXI a educação
apresentou caráter dualista, mantendo privilégios para a classe burguesa, e
consequentemente ocasionando a divisão social do trabalho. O que se percebe é que,
especialmente, a educação profissional tem características arraigadas da divisão social do
trabalho. No Brasil, durante muito tempo, o ensino médio era destinado àqueles que
prosseguiam seus estudos em nível superior, enquanto que a educação profissional era
destinada àqueles com imediato ingresso no mercado de trabalho.
O Decreto 2208/97, estabelecido no governo de Fernando Henrique Cardoso,
impôs um conjunto de reformas à educação profissional no país, sendo a principal delas
a separação estrutural entre o ensino médio e o técnico. Dessa forma, restabeleceu o

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emancipação humana
dualismo entre educação geral e específica, humanista e técnica, destruindo o escasso
ensino médio integrado existente na rede CEFET (FRIGOTTO, 2007).
Contudo, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva podemos constatar que
houve avanços na tentativa de uma formação integral, a partir da substituição do Decreto
2208/97 pelo Decreto 5154/04, que ofereceu novas possibilidades de integração
curricular entre ensino médio e ensino técnico profissionalizante. O governo também
implementou políticas públicas nessa direção, dentre elas, a criação dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em 2008. Mas, tal governo não representou
a supressão da dualidade no sistema educacional. Isso pode ser verificado por meio da
criação de outras políticas públicas que deram continuidade ao dualismo educacional,
como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), em 2011.
Entretanto, o que verificamos atualmente é o retorno ao dualismo educacional a
partir da reforma do Ensino Médio, lei 13.415/17. Esta lei vem destruir a educação
pública, determinando o ensino que será ofertado para a classe trabalhadora e objetivando
manter o capital na posição em que se encontra na sociedade, ou seja, no controle das
classes subalternas.
A reforma impulsionada pelo governo interino de Michel Temer representa a
limitação dos sonhos e possibilidades dos jovens brasileiros, pois tem foco no
imediatismo, fragmentando o ensino médio e fazendo com que os estudantes se tornem
trabalhadores, cidadãos, consumidores adaptados à forma de organização produtiva do
capital. A intenção é preparar para o mercado de trabalho e não para o mundo do trabalho,
limitando a qualidade da formação ofertada a esta etapa da educação básica.
A contra-reforma é expressão do pensamento conservador, valendo-se
de uma lógica economicista e pragmática expressiva de nosso
capitalismo dependente, em um tempo de hegemonia neoliberal e
cultura pós-moderna; a cultura do fragmento, do imediato, do utilitário
e do enxuto. Trata-se de uma política que liofiliza a educação básica
retirando-lhe conteúdo de formação científica e ético-política que se

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esperaria numa sociedade que tem as pessoas e não o mercado como
razão da política pública. (RAMOS, FRIGOTTO, 2016, p. 37)

Portanto, a reforma do Ensino Médio está atrelada aos interesses da classe


dominante, visando coibir que os sujeitos adquiram compreensão mais crítica do processo
de exploração do trabalhador e consequentemente do contexto social. Diante disso,
precisamos “pensar soluções para a educação que não sejam apenas formais, mas
essenciais. [...] Daí a necessidade urgente do contraponto: é preciso pensar, enquanto
cultura de resistência, a formação de uma contraconsciência” (SANFELICE, 2013, p. 86).
Nesse sentido, essa contraconsciência deve permitir que a classe trabalhadora
adquira ação transformadora, com possibilidade de superação da alienação provocada
pela exploração do trabalho no sistema capitalista, pois “na emancipação do operário está
implícita a emancipação humana geral” (MANACORDA, 2007, p. 87).
Assim, entendemos que a formação da contraconsciência trata-se de uma tarefa
urgente e necessária, mas que implica o envolvimento de diferentes instâncias sociais,
pois a conscientização necessita ser coletiva para que as práticas também o sejam.

Considerações finais
Ao analisar o capitalismo é possível compreender como as mudanças no mundo
do trabalho impactaram a vida em sociedade, sobretudo a educação. Temos o
entendimento de que as mudanças no mundo do trabalho modificam valores, concepções
e ideias, impactando diretamente a formação dos sujeitos. Além disso, a lógica do capital
tem imposto uma formação de caráter acrítico, a fim de que os sujeitos não possuam
compreensão do contexto de exploração a que estão submetidos.
Nesse sentido, ressaltamos a necessidade de superar as consequências do
capitalismo, sendo primordial conhecê-lo em profundidade, visto que reinventa-se nas
crises. Por outro lado, também há necessidade de clareza acerca das funções sociais da

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emancipação humana
educação, buscando oferecer o melhor conhecimento possível aos sujeitos e articular lutas
sociais, ampliando discussões e a conscientização sobre o processo de exploração do
capital. Por isso, a sociedade deve ser o ponto de referência da educação. A ação
pedagógica deve ser exercida em sentido social e não atendendo interesses particulares.
Consideramos que a educação responde ao anseio de cada sociedade específica.
Em cada momento histórico há um tipo específico de educação. Atualmente, por exemplo,
dada a ideologia neoliberal, a escola começa a introduzir elementos do novo capitalismo
- ser empreendedor, desafiar-se constantemente, ter iniciativa. Essa ideologia perversa
busca melhorar sua hegemonia na sociedade e não formar um cidadão crítico. Entretanto,
a sociedade exige da escola tal formação, uma vez que vive o tempo presente,
contemporâneo, ficando evidente a contradição produzida pela lógica do capital.
Assim, diante do capitalismo, das individualidades presentes na sociedade
contemporânea, necessitamos pensar numa educação social. Essa educação que não
apresenta somente caráter formal, mas que envolve a sociedade como um todo. Para
pensarmos num processo de mudança, de revolução social, precisamos pensar
coletivamente. Para Marx (1988) deveria haver uma transformação simultânea entre as
condições sociais e o sistema de ensino. Assim, uma prática educacional transformadora
decorre de mudanças de cunho social.
A revolução social ocorrerá no momento em que os indivíduos, munidos de
conhecimento, terão a possibilidade de transformar a realidade. A escola apresenta-se
como alicerce nesse processo, incluindo ainda ampla participação social e mudanças na
estrutura estatal.

Bibliografia

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 125
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
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Editora Alínea, 2007.

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em:<http://www.ivotonet.xpg.com.br/arquivos/educacao_contra_o_capital_-
_3a_ed.pdf#page=27>. Acesso em: 07 dez. 2017.

Autora:
Daniela Skrowonsk
Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação
Centro de Ciências Humanas

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Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE - Campus Francisco Beltrão.
E-mail: danielaskro@gmail.com

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UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA
MARXISTA
Eucinéia Regina Müller

Introdução:
Embasado na teoria apresentada por Karl Marx, com as contribuições do
pensamento de Friedrich Engels e os diálogos de Paulo Freire, esta produção analisa como
as relações da produção capitalista se efetivam na relação social com os sujeitos. Pensar
para além do limite e de uma sociedade do capital, se contrapondo à sociedade das
“coisas” e ter como filosofia a educação como elemento em permanente transformação
será um balizador das nossas discussões. Neste sentido, dialogaremos com a premissa de
Marx (2004), que critica o capitalismo quando o interesse dos ganhos materiais é o
principal foco de existência, condicionado pelo sistema alienante, dominador e opressor.
Marx, nos Manuscritos econômicos-filosóficos de 1844, apresenta seu
pensamento filosófico sobre a economia política e a forma que a produção capitalista se
efetiva na relação social com os sujeitos, através do trabalho. Diante dos desafios e
mudanças que a sociedade tem se deparado, sua teoria é colocada em evidência para dar
conta de entender a complexidade do amplo movimento social, abrindo possibilidades de
compreender a realidade, de analisar as esferas alienantes da sociedade e no conjunto de
ideias dominantes determinadas pelas ideologias em cada momento histórico,
principalmente pela a lógica opressora da organização social que advém da estrutura dos
meios de produção. Por essa razão, Marx (2004) nos apresenta como combate a toda
forma de alienação na história humana a luta de classes, por entender que as relações entre
as classes sociais se dão pela oposição, exploração e antagonismo nos meios de produção.
Mas, por outro lado, ele assinala que as classes sociais são ao mesmo tempo
complementares e interdependentes, haja vista que, uma só existe em função da outra.

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emancipação humana
Em sua teoria revolucionária, ele se preocupa com a transformação social e sua
obra se destaca como fundamental para compreender como se organiza e funciona uma
sociedade. Discutir sobre o marxismo, não é simplesmente reproduzir suas teorias, mas,
a partir delas, incorporar e estudar o “passado” para absorver o “novo”, compreendendo,
desta forma, os fenômenos sociais em sua totalidade. Assim, o marxismo se constitui
como concepção materialista da história e afasta-se de qualquer forma de determinismo,
de alienação, de opressão, de ideologias dominantes, e compreende a predominância da
materialidade sobre a ideia e das coisas em seu movimento, em sua inter-relação. Os
conceitos marxistas, somente são compreensíveis se levar em consideração todo o
processo histórico. Destarte, dialogaremos com Marx, para fazer releituras e buscar
compreender a educação e a sociedade tendo em vista que, ambas não estão dissociadas.

A luta de classes e a educação:


Reconheçamos que a sociedade é condicionada por uma série de fatores
econômicos, políticos, culturais, conjunturais que determinam a organização das classes
sociais. Estas, por sua vez, têm seus interesses próprios, estando relacionadas a várias
condicionantes, principalmente nas relações de propriedade. Marx e Engels (1998, p. 41)
destacam que “a sociedade capitalista divide-se em dois campos opostos, em duas grandes
classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado”. Mas,
De todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o
proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras
classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande
indústria; o proletariado, pelo contrário, é seu produto mais autêntico
(MARX; ENGELS, 1998, p. 49).

Contudo, ao analisarmos as lutas de classes que se estabelecem na atualidade,


observamos uma fragmentação das várias “lutas”, ocasionadas pelo sistema neoliberal, o
que culminou no enfraquecimento global em prol de todos os proletariados. Não temos
uma luta universal, mas vários guetos (operários, negros, campesinos, ribeirinhos, gays e

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emancipação humana
outros) que lutam em pequenos grupos contra a dominação, a exploração, a invisibilidade,
o desrespeito, buscando o reconhecimento de seus direitos sociais. A educação pública,
nesse contexto, também apresenta suas batalhas pelo reconhecimento social, pela
autonomia de sua profissionalização, pela afirmação do trabalho docente sem linha de
montagem, buscando romper com o projeto empresarial de educação que se instala por
meio dos projetos hegemônicos do Estado. A educação, na atualidade, se apresenta como
um desafio social emergente e nos provoca questionamentos latentes: Para onde caminha
a educação brasileira? Rompemos com a educação que brutaliza e desumaniza ou
estamos reproduzindo situações opressoras?
Para a concepção marxista, são os homens quem transformam as circunstâncias.
“Primeiro, mudam-se os homens e sua consciência para só depois mudar as
circunstâncias” (MARX, 2008). Ancorados nessa premissa, dialogamos com Tambara
(2005) que nos diz que o sujeito exerce um papel principal na construção de uma nova
sociedade e, a dimensão dialética é primordial nesse processo. Nesta dinâmica, enquanto
operadores da educação21 temos um papel fundamental no embasamento crítico e
problematizador das classes sociais proletariadas, haja vista que, de modo geral, a
educação pode se transformar em um instrumento mobilizador para romper com os
problemas sociais ou ser um meio de alienação e reprodução do que está posto. Sobre tais
questões, Tambara (2005, p. 20) questiona:
Em que sentido, historicamente, os processos educacionais têm
contribuído para a reprodução de valorizações diferenciadas e que
atendem não à formação de uma omnilateridade, mas, sim, a
interesses específicos de reprodução de um sistema social desigual?

21
Em alusão ao comentário do professor Robson Loureiro (2017), no qual ele faz uso desse conceito para
se referir aos trabalhadores da educação.

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emancipação humana
Esse é um grande desafio – analisar a lógica do trabalho docente – se contrapor
ao processo de exploração que provém do estado de alienação global e buscar mudanças
na sociedade vislumbrando a educação como potencializadora dos processos
revolucionários.

As contribuições de Marx para a educação


Karl Marx não apresenta sistematizações em suas obras sobre a educação, mas por
intermédio de sua teoria podemos estabelecer várias reflexões que contribui para analisar
e compreender as relações que se encontram enredadas em sua hipótese pela concepção
social, histórica, política, filosófica e sobre a influência destas nas práticas educativas em
cada época. Para compreendermos qual a perspectiva, a ideologia, o determinismo e a
relação de alienação que atua sobre a sociedade, é necessário analisar os fenômenos
educativos a luz da teoria de Marx (2004), a fim de refletirmos sobre as influências das
situações socioeconômicas e do trabalho através da história. A educação é influenciada
pelas relações sociais, desta forma, ambas estão articuladas e precisam ser debatidas,
analisadas e contestadas para buscar a transformação da sociedade.
Analisando a obra Textos sobre Educação e Ensino, (MARX E ENGELS 2011),
buscamos contribuições e reflexões que dialogam com a educação e do ponto de vista
econômico, histórico, social, político, nos apontam que a educação é afetada diretamente
pelos modos de produção. Essa relação não significa a sobrevalorização dos elementos
econômicos sobre a dinâmica social como um todo, contudo a de apresentar como as
forças produtivas atuam sobre a realidade educacional concreta em cada tempo histórico.
Engels (2008, p. 91) em sua obra Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico nos
apresenta que os homens fazem sua história, porém, condicionados pelas condições
materialistas e capitalistas. Estas por sua vez, têm influência sobre as atividades
educativas, considerando que, por vezes determinam que sociedade o Estado idealiza.

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emancipação humana
Refletir acerca da reprodução do sistema dominante pautado no adestramento que
é imposto sobre as práticas educativas é o que a teoria de Marx nos recomenda.
Analisando seus inscritos, vislumbramos uma educação voltada para as práticas sociais
transformadoras e não alienantes. É pensar para além do limite e de uma sociedade do
capital. Se contrapor à sociedade das “coisas” e ter como filosofia a educação como
elemento em permanente transformação. Todavia, imersos ao caos neoliberal que coloca
o trabalhador à condição de máquina (MARX, 2004, p. 27) voltamos a nos questionar se
os processos educativos proporcionam aos estudantes produzir conhecimentos ou
somente reproduzir conteúdos prontos e acabados?
Marx considera que se faz necessário romper com a concepção de educação que
adestra os estudantes. Seus ideais sugerem [...] a necessidade já incontestável de acabar
com uma educação e um ensino que se considera como adestramento da força de trabalho,
da integração social, da exploração [...] (MARX, 2011, p. 21). Mediante ao complexo
desafio, é fundamental que o professor compreenda a teoria de Marx para analisar como
a sociedade está organizada, e, por meio do ato educativo suscitar nos estudantes
mobilizações para transformá-la.
A passividade e a neutralidade pedagógica, diante das relações e decisões
antidemocráticas que se estabelecem com a educação brasileira na atualidade, são nocivas
para a emancipação. O que se observa é que a “força de trabalho” limitada, inclinada,
reprodutora, se insere nas práticas educativas a partir do movimento das forças produtivas
da infraestrutura e das relações ideológicas da superestrutura que interferem no fazer
pedagógico. Desta forma, o professor tem uma importante contribuição no sentido de
romper com todo tipo de alienação e exploração, mas precisa ter consciência de que sua
força de trabalho também é explorada pelo modo de produção e formas de alienação que
a sociedade impõe.

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emancipação humana
Atuar num processo educativo que visa afirmar-se pelos indicadores numéricos;
que submete os estudantes a tensões permanentes com as avaliações externas; com
práticas anabolizantes para elevar os índices; que expropria a autonomia da docência; que
importa pacotes pedagógicos ultrapassados; que expõe as escolas ao ranqueamento
gerando competitividade; com empresas e profissionais terceirizadas pensando e
elaborando ações para a educação; com imposição de uma base nacional comum numa
lógica conteudista, nos aponta uma pedagogia alienante para a educação, e leva-nos a
outros questionamentos: Produzimos alienação ou emancipação no processo educativo?
As práticas anabolizantes destinadas a elevar os índices avaliativos em larga escala têm
incorporado as várias formas de determinismo, alienação e ideologias que Marx aponta
em sua teoria? Que projeto está se pensando para a educação brasileira? Nesse projeto,
os operadores da educação têm ou terão participação em seu planejamento?
Essas e outras indagações nos inquietam, basta ver que, não estamos encontrando
a priori respostas para os problemas que se apresentam e que podem culminar com um
projeto empresarial para o sistema educacional. Com quem está o poder de pensar a
educação?
A premissa de Marx é de que “[...] quanto mais o homem transfere seus próprios
poderes para os ídolos, mais pobre ele fica e tanto mais dependente dos ídolos, pois estes
só lhe permitem reaver pequena parte do que era originalmente dele” (FROMM, 1983, p.
51). Tais ídolos, segundo Marx podem ser a igreja, imagens de deuses, uma pessoa,
posses, o Estado. A adoração a algo é sempre uma idolatria, e na educação é preciso
analisar se todas as ações pensadas pelo Estado estão sendo idolatradas e executadas sem
questionamentos e se estas permitem a autonomia pedagógica docente. Porém, como
idolatrar uma educação que reprime, isola, produz e reproduz a individualidade, que
transforma o ato de ensinar em “coisa” e submete ao silenciamento do ensino, não

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proporcionando a discussão, a indagação, à produção de significados? Nesta dinâmica,
Marx e Engels (2011) nos atentam que:
O sistema de ensino é entendido, assim, como uma concreta
qualificação da força de trabalho que alcançará seu aproveitamento
máximo se conseguir também o ajuste e a integração dos indivíduos no
sistema, única maneira de não desperdiçar sua força de trabalho, mas
sim, aproveitá-la. Dito de outra forma: reproduz o sistema dominante,
tanto a nível ideológico quanto técnico e produtivo (MARX; ENGELS,
2011, p. 14, 2011).

Tal concepção nos remete a analisar todas as situações em que o sistema de ensino
é submetido, e, a buscar respostas para as ideologias e dominações que estão camufladas
nas ações que são desenvolvidas na educação na contemporaneidade. A apropriação da
educação se dá pelas relações sociais, pela interação da natureza humana, portanto
desconsiderar a potencialização dos sujeitos envolvidos na práxis educativa é construir
um estranhamento na produção do conhecimento. Por isso, mediante a todo aligeiramento
que o sistema educacional enfatiza, no sentido de produzir em tempos determinados, uma
das maiores alienações na educação é a falta do discurso, em especial o uso da linguagem
para discutir e expressar os conhecimentos e os questionamentos. Fromm (1983, p. 52)
destaca que “a alienação da linguagem demonstra toda a complexidade da alienação. A
linguagem é uma das mais preciosas conquistas humanas; (...)”. Desta forma, calar-se
mediante as situações de opressão que navega o sistema educacional vigente é se voltar à
idolatria do Estado.
Romper com o dado, onde os indivíduos não sejam subordinados a máquina
burocrática e capitalista do Estado e buscar uma educação que mobilize e transforme os
sujeitos, que os levem a produzir conhecimento de maneira não alienante, a questionar a
negação dos direitos à educação, é dialogar com o que Marx e Engels nos destacam em
suas obras. Precisamos nos atentar ao sistema hegemônico dominante, que aliado ao

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sistema neoliberal torna-se um desafio de grande potencial, principalmente nas relações
ideológicas que tem tomado a educação como projeto empresarial.
Contrapor ao sistema hegemônico neoliberal dialoga com a premissa de Marx
(2004), que ignora o capitalismo, quando o interesse dos ganhos materiais é o principal
foco de existência, sendo condicionado pelo sistema alienante, dominador e opressor.
Desta forma, ele realça que “o sistema de produção da vida material condiciona o
processo da vida social e intelectual em geral.” (MARX, 1998, p. 91). Nessa perspectiva,
Marx nos convida a proposta permanente de transformação da sociedade, levando em
consideração o papel fundamental da educação nesse processo histórico. Nessa dimensão,
Freire dialoga com Marx, ao pensar a educação como propulsora da transformação
política e social. A preocupação de Freire (1979) está muito presente na atualidade e se
fundamenta com a de Marx (2004). Seus ideais vislumbram uma “educação que tratasse
de ajudar o homem brasileiro em sua emersão e o inserisse criticamente no seu processo
histórico” (FREIRE, 1979, p. 66), vislumbrando uma educação que liberte pela
conscientização. Corroboramos com Freire (1979) na concepção de uma educação que
não doméstica e acomoda.
As palavras de Freire se fundam na atual circunstância brasileira, tendo em conta
que, estamos em transição com as políticas públicas para a educação nacional e a
preocupação com os rumos que ela terá são constantes. Nessa premissa, Freire nos atenta
que “não temos que esperar que a sociedade se democratize, se transforme, para
começarmos a democratização da escolha e do ensino dos conteúdos” (FREIRE, 2005, p.
112/113). A partir dessa concepção e tomando como referência Marx e Freire, o papel
do professor deste tempo não pode ser somente o de reproduzir propostas hegemônicas,
pautadas na transmissão de conteúdos e resultados em avaliações externas, mas de uma
educação que teorize e interprete a sociedade capitalista. Uma educação que produza
sentidos e conhecimentos relevantes, pautada nos processos de mudanças sociais e que

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emancipação humana
problematize a sociedade opressora. Uma educação que se preocupe com a emancipação
das massas. Enfim, uma educação que vise formar, transformar, libertar e revolucionar os
sujeitos.

Conclusão
As ideias e indagações aqui apresentadas têm por finalidade analisar o cenário
educacional, visando problematizar as relações que estão implicadas no sistema
hegemônico. Não se pretende encerrar as discussões com este trabalho, mas que a partir
dele possamos discutir como os pressupostos do pensamento neoliberal estão povoando
a educação nacional. Destacamos que uma nova configuração educacional precisa se
afirmar no sentido de romper com toda forma de determinismo, opressão, alienação do
sistema hegemônico, buscando romper com todo tipo de repressão, isolamento dos
indivíduos e reprodução da ordem dominante.

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ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. 1. ed. São Paulo:
Sundermann, 2008.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 14ª Edição. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1979.

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tecnologia, memória e fantasia. Vitória: PPGE/Nepefil/CE/Ufes, 2017.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Tradução Álvaro Pina. 1ª


edição. Boitempo Editorial. São Paulo: 1998.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. Campinas (SP):
Navegando, 2011

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. Tradução Jesus Ranieri.
Boitempo Editorial. São Paulo: 2004.

MENDONÇA, Sueli Guadalupe de Lima; SILVA, Vandeí Pinto da; MILLER, Stela
(Orgs.). Marx, Gramsci e Vigotski: aproximações. Araraquara: Junqueira & Marin;
Marília: Cultura Acadêmica, 2012.

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educação no século XXI. In: Luciano Mendes de Faria Filho. (Org.). Pensadores
sociais e história da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

Autora:
Eucinéia Regina Müller
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES (e-mail: eucineiarmuller@gmail.com)

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LICENCIATURAS PRIVADAS:
UM ESCANDALOSO MERCADO DE MATRÍCULAS EM
EXPANSÃO
Olinda Evangelista
Allan Kenji Seki
Artur Gomes de Souza

Introdução
As políticas neoliberais, exacerbadas nos Governos de Fernando Henrique
Cardoso22 (1995-1998/1999-2002), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB),
trouxe consequências funestas para a sociedade brasileira. No que tange à área da
educação e do preparo docente, vimos crescimento exponencial da formação docente na
esfera privada, a distância e fortemente determinada pelo capital internacional.
Esse movimento levou a que acompanhássemos após 2000, estupefatos, o
crescimento da “fábrica de professores” (MANDELI, 2014) e do mercado dos diplomas
superiores no país23. Do ponto de vista oficial, estaríamos frente à verdadeira
“democratização do acesso” ao ensino superior, slogan desfraldado com grande apelo nos
Governos Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff (2012-2016), do Partido dos Trabalhadores
(PT). O projeto de formação docente em nível superior que então se desenhou
silentemente para a Escola Básica brasileira foi impactado, sobretudo a partir de 2006-
2007, pela financeirização de gigantescas escolas particulares.
Nesta conjuntura, respeitadas as especificidades históricas resultantes do
desenvolvimento desigual e combinado que condiciona diferentes mediações aos países

22
Anteriormente foi Ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco (do Partido da Renovação
Nacional), de 19 de maio de 1993 a 30 de março de 1994.
23
Em 2015 nos cursos EaD de universidades particulares a proporção foi de 396 matrículas para cada
professor!

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centrais e aos dependentes, caso do Brasil, inflexões importantes geraram um campo novo
para a exploração mercantil em escolas superiores de preparação do magistério. Três
questões candentes nos interessaram discutir diretamente: 1) formação docente 2) em
escolas particulares financeirizadas 3) na modalidade EaD. Lastreou nossa análise
informações coligidas nos microdados do Censo da Educação Superior do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) (2003-2015) que
permitiram verificar o surgimento e o crescimento exponencial de uma realidade
perversa, uma reserva de mercado, que se consolida a partir de meados da primeira década
do século XXI.
As três questões expressam-se em cinco formas: 1) a oferta privada24 de matrícula
em licenciaturas cresceu proporcionalmente entre 2003 e 2015, atingindo 61,7% no
último ano, na esfera pública ficou em 39,3%; 2) no interior das IES privadas, houve um
deslocamento inversamente proporcional, com decréscimo nas matrículas presenciais e
acréscimo na modalidade EaD; 3) o maior contingente de alunos está nas IES privadas
com fins lucrativos; 4) as matrículas nas IES públicas, presenciais e em EaD, cresceram
(109.038 novas matrículas presenciais e 48.229 em EaD) em números absolutos, mas
diminuíram em números percentuais; 5) há um novo molde de oferta de cursos de
licenciatura no âmbito das IES particulares, aquele em que o estudante importa menos
que o valor das instituições educacionais e a potência de compra e venda das matrículas,
descarnadas dos sujeitos que lhes dão suporte. Estudantes e IES figuram como cartas no
baralho dos fundos de investimentos e nas ofertas públicas de ações nas bolsas de valores,
onde impera a valorização sob a forma fictícia desses capitais.

24
As IES privadas comportam instituições sem fins lucrativos – confessionais, comunitárias e filantrópicas
– e instituições com fins lucrativos denominadas particulares.

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emancipação humana
Licenciaturas privadas: mercado em expansão
O total geral de matrículas em licenciatura na modalidade EaD estava, em 2015,
em 38,36% (562.934), significando que 61,64% (904.247) se encontravam em cursos
presenciais. Entretanto o crescimento no período foi assustador, pois, em 2003, com
dados do último ano do segundo Governo FHC, contava com 5,91% das matrículas. Em
2007, com dados do último ano do primeiro governo Lula, as matrículas em EaD foram
para 23,13%. Não está visível que parte substantiva das matrículas se enquadram em
processos “financeirizados”, “oligopolizados” e “internacionalizados”, segundo
designações variadas. Leher (2013) denominou essa nova estratégia econômica de
“mercantilização de novo tipo” tendo em vista exprimir, predominantemente, o papel
desempenhado pelos capitais portador de juros e fictício nesta seara.
O labirinto que percorremos nos microdados do INEP para apreender a passagem
das licenciaturas da esfera pública para a privada e sua simultânea adesão à modalidade
EaD iniciou com o levantamento do número de cursos (7.597) de licenciatura oferecidos,
em qualquer IES, e o total de matrículas (1.467.181), informação que não expõe, de
imediato, a concentração de matrículas na esfera privada nem os cursos preferencialmente
oferecidos. Dois exemplos são suficientes: 1) a centralização de polos de EaD em um
curso, caso da Licenciatura em Pedagogia da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)
que concentrava 71.980 matrículas em 2015; 2) os cursos concentradores de matrícula
em EaD são, principalmente, os de Pedagogia e Educação Física.
Em 2015, das 1.467.181 matrículas em licenciaturas, 652.199 (44,4%) estavam
em 1.612 (21,2%) cursos de Pedagogia. Apenas neles, as IES particulares acumularam
337.669 (52%) das matrículas, sendo 230.204 (35,3%) em 36 (2,2%) cursos EaD.
Somando todas as IES privadas, chegamos a 80,4% (524.546) das matrículas em 66,6%
(1.073) dos cursos de Pedagogia. Quase a mesma proporção pode ser encontrada nas

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emancipação humana
licenciaturas em Educação Física, com 79,4% (133.047) das matrículas em 466 (69,4%)
cursos privados, sendo 39.488 (23,6%) em três (0,4%) cursos particulares EaD e 76.148
(45,4%) em 189 (28,2%) cursos particulares EaD ou presencial.
Da informação de que 80,4% das matrículas em cursos de Pedagogia – no qual se
formam profissionais para a Educação Infantil e séries finais do Ensino Fundamental –
estão na esfera privada decorre a conclusão histórica de que o contingente principal de
brasileiros trabalhadores é formado via privatização da qualificação dos profissionais da
escola pública.
O incremento de 10% (84.980) nas matrículas em licenciaturas presenciais e de
993% (511.451) em EaD de 2003 para 2015, configura parte do problema em pauta. Em
2015, por exemplo, 562.934 (38,4%) matrículas em licenciaturas concentravam-se em
619 (8,1%) cursos na modalidade EaD. Agregue-se que 72% (429.863) desse aumento
ocorreu em IES privadas. O crescimento de matrículas na modalidade EaD, em
instituições privadas, mais acentuado nas IES particulares, foi tendência crescente em
todo o período.
No mesmo período iniciou a mudança qualitativa nas IES particulares com a
retração de 102.960 matrículas presenciais e incremento de 82.341 em EaD. As privadas
sem fins lucrativos que vinham em linha ascendente até 2011, chegando a 31,2% das
matrículas, perderam força em 2015 e recuaram para 24,2% do montante. Verificou-se
algo importante em 2011: a substituição de matrículas presenciais pela modalidade EaD
compôs organicamente a oligopolização de IES, explodindo em 2015. A aquisição pela
Kroton da UNOPAR25, em 2011, é um excelente exemplo.
Nas IES particulares a modalidade EaD não parou de crescer: de 180.808
matrículas, em 2011, foi para 350.032, em 2015. Ao mesmo tempo, acompanhamos a

25
Em 2015, das matrículas em licenciaturas na UNOPAR, 99% (131.319) eram na modalidade EaD.

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retração das matrículas em IES privadas sem fins lucrativos e públicas de 2011 para 2015,
algo que não parece acidental. Isso rebateu no número maior de concluintes de cursos de
licenciatura em 2016, na modalidade EaD nas IES privadas (79.296), do que nos cursos
presenciais (67.941) e EaD (10.577) nas escolas públicas (BRASIL, 2017a).
As evidências sistematizadas demonstram que, nos períodos Lula e Dilma, com
seus mais de 30 programas ou projetos de formação (EVANGELISTA, 2013), ganhou
maior peso a qualificação na esfera privada, sendo esse, de fato, o projeto político para o
magistério daqueles governos, cabendo à administração federal o papel de propor,
supervisionar e avaliar o cumprimento das orientações pelas IES privadas, assim como
criar as condições concretas para que sua expansão ocorresse de forma segura e novos
nichos de mercado fossem criados. De um lado, as IES privadas sem fins lucrativos
cresceram na oferta de licenciatura presencial e as IES particulares cresceram
imensamente na oferta da modalidade EaD.
Se a questão em tela se revela grave, a tendência é que se intensifique em razão
do Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017 (BRASIL, 2017b), que altera determinações
substantivas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394, de
20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996). Com esta norma, o (des)governo de Michel
Temer (2016-?), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), concedeu
às IES maior autonomia para a abertura de novos polos de EaD, prescindindo de
autorização prévia do Ministério da Educação, ademais de poderem se conformar como
instituições vocacionadas unicamente para o ensino nessa modalidade26.
Convenientemente, a expansão das IES via EaD ocorre justamente quando os recursos
oriundos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) foram parcialmente afetados pelos

26
Nos termos do art. 11º, § 2º: “É permitido o credenciamento de instituição de ensino superior
exclusivamente para oferta de cursos de graduação e de pós-graduação lato sensu na modalidade a
distância” (BRASIL, 2017b).

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cortes orçamentários a partir de 2013. Por outra parte, a crise política e econômica que
assolou o país e se aprofundou após essa data conduziu maior parcela dos estudantes do
ensino privado a uma situação de trabalho e emprego precária, visível nos índices de
inadimplência do Fies27.

A danosa hegemonia das IES particulares no mercado da formação docente


A diminuição percentual das matrículas e cursos em IES públicas foi um forte
elemento para que a partir de 2006, início do segundo Governo Lula, surgisse um novo
matiz. Inicialmente as IES particulares dominaram esse campo, sobretudo na modalidade
EaD. Essa operação combinou-se com outra, no campo do trabalho, cujo registros mais
emblemáticos podem ser vistos na “excepcionalidade permanente” das formas de
contratação temporárias (SEKI et al, 2017). Concretizaram-se, pois, as duas formas
essenciais de educação na acepção de Mészáros (2005): a via de preparação das
consciências, na qual a escola cumpre papel privilegiado, e a via da conformação pelo
trabalho.
A qualificação de professores transformou-se em alvo de grandes escolas
privadas de formação superior. Dados de 2016 (BRASIL, 2017a) ilustram o contexto no
qual aspirantes ao magistério foram certificados: 67,2% (160.401) dos estudantes
passaram por IES privadas; 32,8% (78.518) por IES públicas. As ameaças decorrentes da
progressiva submissão das instituições e dos conteúdos da qualificação do magistério às

27
Seki (2017, p. 9) informa que “O Fies passou à centralidade das políticas de financiamento estudantil e
alcançou, em 2016, a marca do financiamento de 22% de todas as matrículas no ensino superior privado, o
que significa 2,3 milhões de jovens trabalhadores”. Interessa registrar que a formação de professores figura
em terceiro lugar (10%) dos contratos do programa firmados em 2016. A inadimplência foi agravada pela
crise econômica mundial, sendo 50% de inadimplentes, em 2010, e 53%, em 2016; 27% do total de
contratos esteve em atraso por mais de um ano.

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novas formas de oferta sob o comando do capital, especialmente nas escolas particulares,
estão em andamento.
Isso resulta da reforma do ensino superior engendrada nos governos neoliberais,
articulada às diretrizes do Banco Mundial (WORLD BANK, 2002). Essa movimentação,
a partir da segunda metade da década de 1990, foi crucial para a progressiva atrofia da
formação universitária. De modo sub-reptício floresceu um sem número de tipos
institucionais e de modalidades de cursos, produzindo extensa fragmentação e
atratividade para o capital, dado que nesse espectro cabiam as IES não vinculadas à
pesquisa e extensão. Pode-se dizer que a diferença almejada pelas instituições se refere
aos diferentes graus de autonomia para a abertura de novos cursos, campi ou polos de
ensino.
A desregulamentação do ensino superior brasileiro e sua respectiva liberalização
criou excelentes condições para a ampliação do capital na educação superior.
Intensificou-se drasticamente a hipotrofia dos cursos de licenciatura nas IES públicas,
predominantemente universitárias, em favor das IES privadas nem sempre universitárias.
A escolarização tornou-se um bem mercadejável (GRANEMANN, 2007) do qual derivou
a alucinante comercialização da formação inicial. Em contrapartida, como dito, houve
redução das matrículas presenciais privadas.
O fato objetivo da expansão e concentração de matrículas nas IES privadas
coaduna-se à hipótese de que houve uma mudança de fundo na estrutura da educação
superior brasileira, a assim chamada financeirização. Esse processo exigiu um conjunto
de situações sociais e posicionamentos ativos das frações da classe dominante, com
dominância da financeira, seja por meio de ações propriamente privadas ou sob a forma
de atividades (aparentemente) estatais.
Os cursos de licenciatura, considerados baratos quando comparados aos que
exigem laboratórios, técnicos especializados, instalações específicas, máquinas e

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equipamentos e outros requisitos legais, figuram como verdadeiras “máquinas de fazer
matrículas”, especialmente para as grandes escolas particulares, ou seja, instituições de
direito privado com fins lucrativos. Não restam dúvidas de que as ações do capital, “sob
a forma de atividades estatais”, capitanearam esse processo e progressivamente as
matrículas foram disponibilizadas para a livre exploração por grandes escolas
particulares, como procuramos demonstrar na seção anterior. Assim, a brutal
concentração das matrículas em IES privadas realizou-se com o encolhimento nas
públicas, de 47,1% em 2003, para 39,3%, em 2015.
O rebatimento sobre a formação de professores, em estreita vinculação com a
das futuras gerações de brasileiros, é inescapável. Sobressaem os questionamentos sobre
o que se oferece sob a forma de mercadoria, tendo em vista que a apropriação de IES
particulares pelos monopólios tem sido sinônimo da demissão em massa de professores
doutores e contratação de especialistas e graduados; da substituição de textos e livros por
apostilas e materiais resumidos; da redução massiva de carga horária, especialmente nas
disciplinas consideradas propedêuticas, em favor da qualificação em serviço, aligeirada e
sob a primazia do “praticismo”; da substituição do ensino presencial por cursos (parcial
ou integralmente) à distância e oferecidos por tutores e facilitadores sem a devida
formação. Entre as gravíssimas mazelas que infestam o ensino superior particular no que
tange à formação do magistério, uma mais mereceu nossa atenção – a espúria e chocante
relação de professores por alunos em cursos EaD nas maiores escolas. As mantenedoras
líderes são as do Grupo Kroton, como a Anhanguera que, em 2015, tinha em média 1.737
matrículas por professor na EaD; dos 77 docentes que nela atuavam, oito pesquisavam,
nenhum com bolsa.

Referências

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emancipação humana
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Brasília, 1996.

BRASIL. MEC. CGDIRES. DPR. SERES. Sistema e Cadastro e-MEC: Regulação,


BRASIL. MEC. INEP. Censo da Educação Superior 2016: principais resultados.
Brasília, 2017a.

BRASIL. Decreto nº 9057, de 25 de maio de 2017. Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394,


de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
2017b.

EVANGELISTA, Olinda. Mapas da formação docente no Governo Lula (2002/2010).


Projeto de pesquisa. Florianópolis, SC. UFSC. 2013. Mimeografado.

GRANEMANN, Sara. Políticas sociais e financeirização dos direitos do trabalho. Em


Pauta. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, n. 20, p. 57-68, 2007.

IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: Educação 2016, PNAD contínua.
Rio de Janeiro: IBGE, 2017.

LEHER, R. Controle da educação superior privada pelos fundos de investimentos: uma


mercantilização de novo tipo. Relatório parcial de pesquisa 2012-2013. Rio de Janeiro.
UFRJ, 2013. Mimeografado.

MANDELI, Aline de S. Fábrica de professores em nível superior: a Universidade Aberta


do Brasil (2003-2014). 2014. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 2014.

MÉSZÁROS, István. Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial,
2005.

PINTO, Ana E. de S.; SALDAÑA, Paulo. Novo Fies prevê dívida fixa e fim do prazo de
carência para pagamento. 2017. Folha Uol.

SEKI, Allan K. et al. Professor temporário: um passageiro permanente na Educação


Básica brasileira. Práxis Educativa (UEPG. ONLINE), v. 12, p. 942-959, 2017.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SEKI, Allan K.. Financeirização do capital na educação superior: articulações entre a
apropriação de parcelas do fundo público e a desregulamentação da educação nacional.
In: Colóquio Internacional Marx e o Marxismo 2017, 2017, Niterói (RJ). Anais... Niterói
(RJ): NIEP-Marx, v. 1. p. 1-13, 2017.

WORLD BANK. Constructing knowledge societies: new challenges for tertiary


education. 2002.

Autores:

Olinda Evangelista
Mestre e Doutora em Educação pela PUC/SP. Professora Voluntária no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste Catarinense
(UNOESC). Bolsista CNPq. E-mail: olindaevangelista35@hotmail.com
Allan Kenji Seki
Graduado em Psicologia. Mestre e Doutorando em Educação no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista
CAPES. E-mail: allanknj@gmail.com.
Artur Gomes de Souza
Licenciado em Educação Física. Mestrando em Educação no Programa de Pós-Graduação
em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista CAPES. E-
mail: artur.gsouza@hotmail.com.

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emancipação humana
A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA NO CURRÍCULO DE
CASCAVEL
Leonete Dalla Vecchia Mazaro
Paulino José Orso

Introdução:
Para compreendermos os pressupostos do currículo para a rede pública
municipal de ensino de Cascavel, apresentaremos em linhas gerais, breves considerações
sobre a concepção de homem, trabalho e educação. Para isso, partiremos da premissa que,
a condição elementar da história dos homens é a de estarem vivos e no estreitamento de
suas relações com outros de sua espécie e com o meio, produzem os instrumentos para
sua sobrevivência e reproduzem-se. A produção e os meios dessa, de certa forma
determinam, como os homens são, ou seja, “o que os indivíduos são depende, [...], das
condições materiais da sua produção” (MARX e ENGELS, 1998, p. 11). Portanto,
compreendemos o homem como resultado de suas relações com a natureza e com outros
de sua espécie por meio da atividade do trabalho, logo não se constitui individualmente,
mas social e coletivamente.
O trabalho, para Leontiev (1978), é uma atividade especificamente humana e
condição fundamental para a existência do homem, por provocar neste a “transformação
e a hominização do cérebro”. Provoca mudanças anatômicas e fisiológicas no homem e
possui dois elementos interdependentes: a fabricação de instrumentos e a atividade
coletiva. Em síntese, o homem humaniza-se por meio do trabalho, que é uma atividade
que permite fixar e transmitir as gerações futuras o conhecimento produzido histórica e
coletivamente (LEONTIEV, 1978, p. 70).
O homem, concebido a partir de suas relações sociais, resultado do processo
histórico, humaniza-se por meio do trabalho e transmite às novas gerações, as
objetivações “histórica da cultura material e intelectual da humanidade” (CASCAVEL,

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emancipação humana
2008, p. 43), por meio do trabalho educativo. Para Saviani (2005), o trabalho educativo,
sob uma perspectiva revolucionária de educação, consiste no “ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2005, p. 13), portanto é
indispensável ao desenvolvimento e emancipação humana.
No mesmo sentido, Orso (2017) afirma que “a educação não é neutra e pode
cumprir um importante papel na transformação da história e da sociedade existente em
favor da humanização, da emancipação humana” e para isso, deve ser colocada “a serviço
da transformação de si e do mundo, da superação, da dominação” (ORSO, 2017, p. 128).
Para o autor, a teoria educacional que se propõe a realizar um “trabalho educativo voltado
para a transformação estrutural da sociedade” (ORSO, 2016, p. 107) é a pedagogia
histórico-crítica-PHC.
Com seu início datado do final dos anos de 1970, a Pedagogia Histórico-Crítica
(PHC) se propõe a superar por incorporação, as visões críticos-reprodutivistas de
educação, apresenta como categoria central o trabalho e traz em seu bojo discussões sobre
trabalho educativo, ação pedagógica, saber elaborado, produção e socialização do saber,
conteúdo, forma, relações entre a teoria e a prática, entre outras. A optar por realizar um
trabalho educativo a partir dessa teoria, é preciso ter ciência que a mesma é uma “Teoria
Político-pedagógica”, e requer a compreensão de uma “concepção de mundo, de ser
humano [...] um projeto de educação e de sociedade, na perspectiva da superação da
sociedade capitalista” (ORSO e MALACHEN, 2016, s/p).
Assim, com base em Saviani (2005), podemos afirmar que uma das
características fundamentais da pedagogia histórico-crítica é seu caráter contra
hegemônico e posicionamento favorável aos interesses da classe trabalhadora. Para isso,
o currículo escolar deve ser sistematizado e organizado intencionalmente a fim de dar
sustentação teórica ao trabalho educativo. Mas, de acordo com Malanchen (2016),

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
[...] um dos desafios a serem enfrentados pela pedagogia histórico-
crítica na atualidade é a de propor currículos escolares que expressem
de maneira mais consciente e sistematizada possível aquilo que estava
contido de modo limitado e contraditório no currículo da escola
elementar tradicional, ou seja, a concepção do ser humano como um ser
que se autoconstrói no processo de transformação da realidade objetiva
(MALANCHEN, 2016, p. 208).

O município de Cascavel, na região Oeste do Estado do Paraná, vem enfrentado


esse desafio, desde o ano de 2005, quando iniciou a construção de seu currículo, na
perspectiva da PHC.
Para Orso e Malanchem (2016), um currículo fundamentado nos pressupostos
da PHC deve ser concebido como um “produto histórico, resultado de uma luta coletiva,
da disputa entre as classes, que envolve questões ideológicas, políticas e pedagógicas”
(ORSO e MALANCHEN, 2016, s/p). Portanto, um currículo fundamentado nos
pressupostos da pedagogia histórico-crítica, deve possibilitar que a escola, inserida num
processo histórico, social, marcada pela luta de classes, supere a fragmentação e o
esvaziamento do conhecimento destinado a classe trabalhadora, ou seja, socialize toda
produção cultural, artística e filosófica já produzida pela humanidade.

A justificativa para a produção de um currículo próprio


De acordo com Zóia (2007), a prática social é o ponto de partida para a produção
de um currículo por isso, é imprescindível compreender “as relações sociais, econômicas
políticas, culturais, éticas afetivas, morais educacionais e estéticas que produzem e
reproduzem as desigualdades sociais” (ZÓIA, 2007, p. 355).
Ainda, segundo essa pesquisadora, no ano de 2004 a SEMED de Cascavel
realizou um levantamento junto aos professores da rede municipal de ensino, sobre a
perspectiva de educação existente e o resultado apontou que alguns desenvolviam o

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emancipação humana
trabalho a partir dos pressupostos do Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná28
e outros pelos Parâmetros Curriculares Nacional29. Esse diagnóstico permitiu concluir
que a rede se apresentada naquele momento de forma eclética e era necessário buscar a
unidade.
Assim, sob a justificativa de superar o ecletismo que vinha assolando a educação
ofertada pela rede pública municipal de Cascavel, os professores acenaram a necessidade
de sistematizar teórica e metodologicamente um documento que desse suporte para a
condução de todo trabalho educativo.
Contrariando as forças das pedagogias burguesas, propostas pelo capital, o
Currículo para a Rede pública Municipal de Ensino de Cascavel, forjado coletivamente,
traz objetivos bem definidos, centrados nos fundamentos da pedagogia histórico-crítica.
Defende a educação escolar, organizada intencional e deliberadamente como uma das
possibilidades para instrumentalizar a classe trabalhadora rumo a emancipação humana.

Aspectos teóricos e pedagógicos presentes no currículo


Fundamentado no método materialista histórico dialético, o currículo de
Cascavel expressa que o homem é resultado de suas relações com a natureza e com outros
de sua espécie por meio da atividade do trabalho. Portanto, ele “não se constitui
individualmente, mas, se modifica na relação com outros da sua espécie e na interação
com o meio” (CASCAVEL, 2008, p. 13). Nessa relação, mediada pela atividade do

28
De acordo com Figueiredo (2001), o Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná “foi organizado
a partir da explicitação de uma determinada concepção de educação, de inspiração marxista e, de forma
sistematizada, apresentou conteúdos encaminhamentos metodológicos e avaliação” e a partir do ano de
1991 se tornou obrigatório para as redes municipais de ensino do Estado do Paraná (FIGUEIREDO, 2001
p. 112-113).
29
Documento com enfoque multiculturalista, encaminhado pelo Ministério da Educação, na década de
1990, a todos os professores da educação básica do país.

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emancipação humana
trabalho, conscientemente, o homem cria instrumentos e meios para satisfazer suas
necessidades e garantir sua sobrevivência.
A sociedade, condicionada por fatores culturais, econômicos e políticos, é
retratada no Currículo de Cascavel, como “resultado do trabalho da ação humana” que,
ao longo de sua história, foi assumindo diferentes formas de organização, de acordo com
a produção e reprodução da “materialidade da vida humana” (CASCAVEL, 2008, p. 15)
e se encontra dividida em classes, com interesses antagônicos, onde a classe dominante
detém os meios de produção, “utiliza-se de mecanismos de regulação, desempenhando
uma função ideológica no âmbito de manutenção dessa ordem” (CASCAVEL, 2008, p.
17) e à classe trabalhadora não lhe resta alternativa senão, vender “sua força de trabalho
para garantir a sua sobrevivência” (Idem, p. 14).
Diante disso, faz-se necessário compreender a natureza e as especificidades da
educação escolar em uma perspectiva histórico-crítica. Para Saviani (2005, p. 11),
enquanto um fenômeno que é próprio dos seres humanos, a educação é considerada um
“processo de trabalho” (Idem, p. 12), logo, diz respeito a trabalho educativo e não há
como discutir educação escolar, isolada da escola e da sociedade em que está inserida.
Nesta perspectiva, a escola pública, laica e gratuita, inserida na sociedade
capitalista, possui “papel político essencial, que é lutar pela socialização do conhecimento
científico” (CASCAVEL, 2008, p. 17) para que a partir da apropriação das objetivações
humanas, a classe trabalhadora tenha a possibilidade de elevar-se a emancipação.
O Currículo de Cascavel, defende e aponta que a função da escola pública é
“assegurar conteúdos científicos, artísticos e filosóficos” e, para isso deve organizar
meios para os alunos terem “contato com os conhecimentos mais elaborados”
(CASCAVEL, 2008, p. 22). Mas, Saviani (2005 p. 18) alerta que “não basta a existência
do saber sistematizado”, do conteúdo na escola, é preciso organizar o ensino a partir dos
pressupostos da PHC, viabilizar e organizar os meios e instrumentos auxiliares

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VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
necessários para a sua assimilação e conduzir o ensino na perspectiva da emancipação
humana e para transformação da sociedade.
Quando a escola pública “ensina de fato, quando ela consegue fazer com que os
alunos aprendam os conteúdos em suas formas mais ricas e desenvolvidas, ela se
posiciona a favor do socialismo” (DUARTE, 2016, p. 28).
Porém, o sistema econômico atual é o capitalista. Este possui todo o controle e
domínio dos meios de produção. Nesse sistema, a educação para a classe trabalhadora é
concebida a partir do ideário da produtividade, do desempenho, da eficiência, da
competitividade, enfim é projetada a cumprir com a demanda do capital. Nessa sociedade,
cindida por classes antagônicas, o Estado tem realizado o papel de controlador dos
conflitos, movendo-se sempre em direção aos interesses da classe dominante.
A escola pública, parte constituinte do Estado, compreendida a partir dos
pressupostos do materialismo histórico “é também espaço de tensão de classes e [...]
espaço de construção de consciência” (CASCAVEL, 2008, p. 24). Porém, essa
consciência só será construída se a escola cumprir com seu papel político, na socialização
do conhecimento escolar e lutar para que esse esteja ao alcance de todos e não somente
da classe dominante, haja vista que a classe trabalhadora precisa “aprender a lutar, a
radicalizar, a manter a dignidade, aprender a ter firmeza e clareza diante dos conflitos e
das relações de poder” (MASCARENHAS, 2011, p. 21) e, somente o conseguirá isso,
por meio do acesso ao conhecimento.
Temos claro que a escola ou mesmo a educação escolar não transformarão a
sociedade, mas, se cumprirem com a função de transmitir, à classe trabalhadora, os
conhecimentos produzidos historicamente, em sua forma mais elaborada, proporcionarão
condições para a construção da consciência de classe e a partir dessa, possibilidades de
transformação dessa sociedade.

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Ao tratar sobre os pressupostos pedagógicos, o Currículo de Cascavel discute a
apropriação do conhecimento, transmissão do conhecimento e as relações entre os
sujeitos dos processos de ensino e de aprendizagem. Sobre a apropriação do
conhecimento enfatiza que
[...] é tarefa da educação escolar mediar a formação dos indivíduos e a
produção da cultura universal humana, num processo educativo
intencional, por meio do qual o indivíduo é levado a se apropriar das
formas mais desenvolvidas do saber objetivo produzido historicamente
pelo gênero humano (CASCAVEL, 2008, p. 39).

Para Saviani (2005, p. 7) “o saber que diretamente interessa à educação é aquele


que emerge como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho
educativo” e para se chegar a esse saber é preciso “tomar como referência, como matéria–
prima de sua atividade, o saber objetivo produzido historicamente”. Para esse intelectual,
um ensino com base na pedagogia histórico-crítica, está voltado, também para a
“identificação das formas mais desenvolvidas [...] conversão do saber objetivo em saber
escolar” e “provimento dos meios necessários” (idem, 2005, p. 9), para que além de
assimilar o saber escolar, o aluno compreenda o processo de produção.
Ainda, segundo o autor, para que o saber escolar seja assimilado pelo aluno “é
necessário viabilizar as condições [...] dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe
gradativamente do seu não-domínio ao seu domínio” (SAVIANI, 2005, p. 18). Portanto,
não basta afirmar que é necessário se apropriar do saber objetivo, é preciso identificá-lo
enquanto produção humana, o contexto em que foi desenvolvido, convertê-lo em
conteúdo escolar e prover os meios, as formas adequadas à sua apropriação, com vistas a
superação da cotidianidade pela cientificidade.
Nesse processo educativo, professor e aluno se apresentam como sujeitos
distintos. Ao professor compete “conhecer os elementos que estão envolvidos no processo
de ensino” e ao aluno “aprender os conteúdos” (CASCAVEL, 2008, p. 40). Contudo, para

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emancipação humana
que o conteúdo seja apropriado pelo aluno, o professor precisa estudar, “planejar
encaminhamentos pedagógicos adequados” e organizar suas ações articulando os
conhecimentos já acumulados, pelos alunos, com os “novos conceitos científicos”
(CASCAVEL, 2008, p. 44).
Na tentativa de explicar a relação entre os sujeitos envolvidos nos processos de
ensino e de aprendizagem, ou seja, na relação que deve existir entre professor e aluno, o
Currículo de Cascavel aponta que o professor deve ser “um profissional coerente,
consistente e ético no exercício de sua atividade” além de “ter uma postura firme e
controlada e agir com objetividade” (CASCAVEL, 2008, p. 46) e o vínculo afetivo que
deve ter é com a atividade profissional.
Isso não significa que deva agir indiferente ao aluno, pois este precisa de atenção,
respeito e cuidado. Respeito compreendido como “atitude ético-profissional”, onde a
docência deve ser comprometida com “o ato de transmitir os conhecimentos científicos,
artísticos e filosóficos” proporcionando assim, ao aluno, o direito ao acesso a um ensino
de qualidade (Idem, p. 47).

Considerações finais
Por se tratar de uma teoria educacional de cunho revolucionária, o ensino a partir
da pedagogia histórico-crítica deve provocar revoluções. Primeiro internamente, ao
provocar no indivíduo as transformações intelectuais necessárias, por meio do ensino de
conteúdos, depois coletivamente, ao proporcionar possibilidades para a tomada de
consciência de classe. Logo, um ensino na perspectiva da PHC pressupõe
intencionalidade, portanto não a espaço para a neutralidade.
A escola pública, ao ter como meta e atividade central a “transmissão dos
instrumentos de acesso ao saber elaborado” (SAVIANI, 2005, p. 16), cumpre com uma

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emancipação humana
de suas funções que é instrumentalizar a classe trabalhadora e aproximá-la da
possibilidade de uma transformação social.
Compreendemos que os limites e obstáculos impostos pela burguesia podem
interferir no desenvolvimento dos trabalhos educativos, porém visualizamos por meio da
compreensão dos fundamentos da PHC, alternativas possíveis de educação que conduzam
a classe trabalhadora a superação de sua condição de alienação e a vislumbrar uma
sociedade justa, socialista.
Enfim, o currículo de Cascavel compreende a escola como parte da sociedade e
em meio a contradições existentes tem como função de transmitir o conhecimento em um
processo de ensino e aprendizagem intencional e de qualidade para a classe trabalhadora.
Referências bibliográficas

CASCAVEL. Secretaria Municipal de Educação. Currículo para a Rede Pública


Municipal de Ensino de Cascavel: volume II: ENSINO FUNDAMENTAL–anos
iniciais. Cascavel, PR: Ed. Progressiva, 2008.

DUARTE, Newton. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição


à teoria histórico-crítica do currículo. Campinas: SP. Autores Associados, 2016.

FIGUEIREDO, Ireni Marilene Zago. Políticas educacionais do estado do Paraná nas


décadas de 80 e 90: da prioridade à “centralidade da Educação básica”. Campinas:
SP, 2001.

LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte. 1978.

MALACHEN, Julia. Cultura, conhecimento e currículo: contribuições da pedagogia


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Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MASCARENHAS, Angela Cristina Belém. Consciência de Classe, identidade política e


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
(Orgs.). Sociedade, subjetividade e educação: perspectivas marxistas e
frankfurtiana. Campinas, Sp: Editora Alínea, p. 9-24, 2011.

ORSO, Paulino José. Reestruturação curricular no caminho inverso ao ideário do Escola


sem Partido. In: FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Escola “sem” partido: esfinge que
ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ LPP, p. 133-144,
2017c.

ORSO, Paulino José. Pedagogia Histórico-Crítica no Campo. In: BASSO; NETO;


BEZERRA. (Orgs.). Pedagogia histórico-crítica no campo: história, desafios e
perspectivas atuais. São Carlos: Pedro & João Editores e Navegando, p. 91-113, 2016.

ORSO, Paulino José; MALANCHEN, Julia. Pedagogia histórico-crítica e a defesa do


saber objetivo como centro do currículo escolar. (X SEMINÁRIO NACIONAL DO
HISTEDBR) Campinas, SP. 2016.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. 9ª


Edição. São Paulo: Autores Associados, 2005.

ZOIA, Elvenice Tatiana. Proposta curricular: o desafio da reestruturação coletiva –


limites e possibilidades. In: Anais do Seminário Nacional Interdisciplinar em
Experiências Educativas – SENIEE. Organização de Mafalda Nesi Francischett, et al.
Francisco Beltrão-Pr: Unioeste, p. 354-360, 2007.

Autor/a:

Leonete Dalla Vecchia Mazaro


Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNIOESTE/Cascavel
e-mail: leonetedvmazaro@gmail.com
Paulino José Orso
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
UNIOESTE/Cascavel
e-mail: paulinorso@uol.com.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
ENSINO MÉDIO, ALIENAÇÃO, DIVISÃO DO TRABALHO,
OMNILATERALIDADE E POLITECNIA
Marcio Bernardes de Carvalho

Introdução:
A análise crítica do Ensino Médio no Brasil dentro do marxismo necessita
compreender o processo econômico e social no plano macro e identificar nos processos
locais ou setoriais suas expressões e como se reproduzem.
Com o objetivo de contribuir para a reflexão crítica sobre o Ensino Médio, este
artigo apresentará, de forma sintética, como os conceitos de alienação, divisão do
trabalho, omnilateralidade e politecnia podem ser inseridos no debate sobre o
desenvolvimento da última etapa da Educação Básica no Brasil, questionando que Ensino
Médio é necessário para a classe trabalhadora.

Alienação, divisão do trabalho, onmilateralidade, politécnica e ensino médio


O ser humano se potencializa através do trabalho, com ele nos vivenciamos
como indivíduos e nos identificamos com o produto do nosso trabalho; o que não nos é
estranho, pois é produto consciente da nossa reflexão e ação externada, ou seja, da
produção. A alienação é a negação de tudo isso, é uma forma passiva da existência
humana, forma inibidora das potências do indivíduo. No marxismo, o conceito de
alienação é basilar nas análises do sistema capitalista e de sua relação com os
trabalhadores.
Para Marx, no capitalismo
O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz,
quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O
trabalhador torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior
número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas,
aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens.

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emancipação humana
O trabalho não produz apenas mercadorias: produz-se também a si
mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma
proporção com que produz bens (MARX, 2011, p. 111, grifos do autor).

Se por um lado o trabalho não alienado potencializa o que de melhor o ser


humano tem, por outro a alienação potencializa a individualidade, a visão unilateral de
mundo, aprisionando o indivíduo e; como processo, se reproduz nas relações de alienação.
Com o capitalismo o trabalho dos seres humanos tornou-se alienado uma vez que nega a
essência humana, coisifica o homem, o reifica30.
A visão unilateral de mundo que o capitalismo produz através do trabalho
alienado é uma limitação do entendimento de como a realidade está dada para o indivíduo,
uma realidade complexa e com múltiplas determinações. A visão unilateral fragmenta a
realidade, parecendo simplificá-la, porém ela apresenta a aparência da realidade como
essência, limitando a percepção.
É necessário compreender que pela perspectiva do materialismo histórico o
pensado necessita ser vivenciado (realizado, tornar-se concreto) para que seja uma
experiência que possibilite a potência humana, caso contrário acaba por alienar o
indivíduo.
Como as potências humanas não se desenvolvem no trabalho alienado
desumaniza-se o indivíduo, seu trabalho vira também objeto e ele mesmo – o trabalhador
– vira peça na produção, podendo ser a qualquer momento substituído, pois a relação do
trabalhador com a produção está invertida, o capitalismo sobrevive do lucro e da

30
“Reificação é o ato (ou resultado do ato) de transformação das propriedades, relações e ações humanas em
propriedades, relações e ações de coisas produzidas pelo homem, que se tornaram independentes (e que são
imaginadas como originalmente independentes) do homem e governam sua vida. Significa igualmente a transformação
dos seres humanos em seres semelhante a coisas, que não se comportam de forma humana, mas de acordo com as
leis do mundo das coisas. A reificação é um caso ’especial’ de alienação, sua forma mais radical e generalizada,
característica da moderna sociedade capitalista”. (BOTTOMORE, 2012, p. 314)

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emancipação humana
exploração dos trabalhadores que são, na visão do capital, tão produtos quanto os que eles
mesmos produzem.
O sistema capitalista percebeu que ao distanciar o homem da sua essência
humana é necessário preencher essa lacuna vital criando um sistema complexo. O não
pertencimento ao trabalho torna o produzido estranho ao produtor, este movimento afasta
a possibilidade de maior reflexão sobre sua força de trabalho e seu desenvolvimento
pessoal. Ao reproduzir este estranhamento em outras relações humanas cria-se um
sistema onde a alienação torna-se elemento fundante de diversas relações sociais. Desta
forma aprisiona-se cada vez mais a consciência humana e sua capacidade de
desenvolvimento e evolução histórica, como um dique que represa o desaguar das
potências humanas.
O capitalista quer extrair a mais-valia da força de trabalho do indivíduo e esta é
a relação objetiva entre classe dominante e trabalhadores.
É o trabalho criador que desenvolve a potência humana, a essência humana
desenvolvida através do trabalho criador gera ainda mais potência criadora e é esta a
lógica que deve orientar todos os seres humanos explorados, pois sua libertação depende
de uma ruptura com o modo de produção capitalista.
Para criar uma base para o debate sobre educação é preciso entender as
características da divisão do trabalho no capitalismo e como isto é reproduzido nas
relações dentro da escola.
Marx, no livro Manuscritos Econômicos-Filosóficos define que no capitalismo:
A divisão do trabalho é a expressão econômica do caráter social do
trabalho no interior da alienação. Ou então, uma vez que o trabalho
constitui apenas uma expressão da atividade humana no seio da
alienação, da manifestação da vida como alienação da vida, a divisão
do trabalho não passa do estabelecimento alienado da atividade
humana como uma atividade genérica real ou como a atividade do
homem enquanto ser genérico (MARX, 2011, p. 160, grifo do autor).

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emancipação humana
Sendo a divisão do trabalho dentro do capitalismo o estabelecimento alienado da
atividade humana, podemos concluir que esta divisão reproduzida em outras relações
sociais tende a continuar sendo uma forma de desumanização do indivíduo. Porém, não
podemos entender a divisão do trabalho no capitalismo como divisão de tarefas ou
organização do trabalho como era realizado em períodos anteriores à revolução industrial.
Trata-se de diferentes questões que podem, pela má utilização do conceito fora de
contexto, serem compreendidas de diferentes formas.
Se o trabalho é o processo onde o ser humano medeia, regula e controla seu
metabolismo com a natureza e desta forma através do trabalho altera a natureza, diferente
dos animais que tendem a se adaptar a ela; ao alterar a natureza externa ele altera a sua
própria, desenvolvendo potências, desenvolvendo-se. Assim, qualquer processo que iniba
este desenvolvimento deve ser considerado prejudicial ao desenvolvimento humano.
Quando se utiliza a divisão do trabalho para planejamento, organização e
controle não se perde a noção de totalidade, diferente da divisão do trabalho que é
utilizada para garantir maior produção e em consequência mais-valia, que fragmenta a
ação do indivíduo limitando sua compreensão do todo. Quando o todo é dividido em
múltiplas partes, ficando cada trabalhador com uma parte isolada e sem conexão entre ele
e os demais trabalhadores, deixamos de executar processos de trabalho que visam
melhorar a dinâmica e rumamos para um trabalho parcelado. Desta forma, mais do que
aumentar a produtividade, o capitalista retira do trabalhador o conhecimento do todo,
precarizando sua inteligência produtiva visto que deixa de ser o construtor de algo que
pode ser compreendido e conectado em outras relações sociais e torna-se um reprodutor
de tarefas mecanizadas.
Os processos vão se desenvolvendo e tornando-se cada mais complexos pela
introdução de novas máquinas, novas técnicas e novas formas de organização. Uma

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emancipação humana
organização industrial considerada “simples” décadas atrás hoje é um sistema complexo
onde o trabalhador é considerado somente um componente.
Essa é uma falsa realidade pois é o trabalhador que constrói a máquina, é ele que
retira o minério que vai servir de matéria-prima para os componentes desta máquina; bem
como é o trabalhador que ao aprimorar as técnicas do seu local de trabalho deu a
possibilidade de criação e pesquisa de novas formas de organização do trabalho.
Está é uma lógica que o modo de produção capitalista impõe e que se reproduz
nas demais relações sociais.
Diferente do processo de desenvolvimento industrial, a escola pública brasileira,
em especial as escolas que ofertam o Ensino Médio, não segue o mesmo ritmo de
assimilação de novas técnicas e tecnologias, porém assimilam bem a burocratização e a
fragmentação do trabalho imposto pelo capitalismo industrial.
As escolas controlam a entrada dos alunos e professores, controlam conteúdo,
hierarquizam as relações entre alunos por meio de notas e avaliações, separam o
conhecimento em diversas disciplinas que, em muitos casos, não dialogam entre si ou
permitem um mínimo de conexão entre os conteúdos que possam levar o aluno a uma
objetivação do que tem estudado durante esses três anos da sua vida (pensando numa
trajetória de ensino médio sem repetição de ano ou desistência).
Até o momento analisamos os conceitos de alienação e divisão do trabalho que
influenciam diretamente o indivíduo, que no sistema capitalista não desenvolve as
potências humanas e fragmenta o conhecimento do trabalhador em parcelas (no caso da
divisão do trabalho). Desta forma é necessário apresentar um contraponto a este produto
do trabalho alienado no capitalismo. Visando garantir um fio lógico teórico
apresentaremos os conceitos de omnilateralidade e politecnia.
Os escritos de Marx (2011) sobre o capitalismo e sua crítica à formação de um
indivíduo unilateral, especializado e distante da sua humanidade, é fundamentado através

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emancipação humana
da análise do trabalho alienado que arruína o espírito do trabalhador levando-o à condição
de mercadoria. Essa condição garante ao capitalismo sua reprodução no âmbito da
educação, pois desvirtua o sentido emancipador e transgressor desta para uma reprodução
mecanicista.
A lógica da educação fragmentada impede o exame do “todo” educacional e suas
relações, permitindo ao indivíduo apenas uma visão parcial limitando, assim, sua
capacidade de intervenção na realidade. As próprias questões referentes ao Ensino Médio
podem exemplificar que reformas pontuais tendem a reproduzir desigualdades e aumentar
os privilégios das classes dominantes. Desta forma é necessário pensar o conjunto da
educação brasileira, bem como um projeto de desenvolvimento para o País.
O sistema capitalista acaba por formar indivíduos unilaterais que não conseguem
ampliar suas potências, limitando sua capacidade de desenvolvimento e, por
consequência, sua emancipação. A emancipação humana só é possível através da
superação do trabalho alienado. Bogdan Suchodolski argumenta que:
Só a abolição da alienação permite o desdobramento total de todas as
forças e capacidades humanas, possibilita um desenvolvimento da
humanidade em constante aperfeiçoamento, que se realiza com base no
trabalho humano. O trabalho, que sob as condições da propriedade
privada se tinha convertido em meio de lucro e instrumento de
exploração, assume uma função adequada ao seu carácter. Converte-se
num bem para quantos produzem e numa força que constrói no seio da
natureza um mundo mundano cada vez melhor. O homem libertou-se
das limitações da existência animal graças ao trabalho e também, pelo
trabalho, poderá desenvolver-se no que lhe sucede, quando os produtos
do trabalho pertençam a todos (1976, p. 195-196).

A omnilateralidade é o desenvolvimento das potências humanas através do


trabalho de uma forma geral, entendendo que “o conteúdo da essência humana reside no
trabalho” (SAVIANI, 2005, p. 225), pois é no trabalho que o homem produz a si mesmo.
Para alcançar essas possibilidades é preciso que a educação, dentro do Ensino
Médio, neste caso, seja baseada nos princípios de emancipação humana, essa educação é

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emancipação humana
centrada no conceito de politecnia definido em Saviani (1987). Alguns críticos podem
considerar que a politecnia só pode ser efetiva após terem sido alcançadas as condições
objetivas de superação do trabalho alienado com a mudança de modelo social/econômico.
Todavia, em nosso entendimento, a politecnia é a possibilidade de avanço para a
emancipação na sociedade socialista e a contradição necessária na sociedade capitalista
para a sua superação. Enquanto a educação baseada nos princípios da burguesia se propõe
a conservação do sistema – tentando desta forma anular a essência da educação que é a
superação –; a politecnia, no sistema capitalista, utiliza as contradições do próprio sistema
e o conhecimento para ativar e desenvolver as potências do indivíduo e por consequência
a superação do sistema.
A concepção de politécnica aparece no Ensino Fundamental de “forma
implícita” defende Saviani (1987), pois nessa etapa os indivíduos incorporam “elementos
que são também instrumental para a sua inserção efetiva na própria sociedade”
(SAVIANI, 1987, p. 12).
No Ensino Médio é necessário avançar para a explicitação deste conceito,
visando uma escola preparada e adaptada a essa condição do ponto de vista pedagógico e
físico. Isso é necessário para que a concepção politécnica, como conceito pedagógico para
emancipação humana, possa seguir “na direção da superação da dicotomia entre trabalho
manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral” (idem,
ibidem p. 13).
Contudo, a politecnia não pode ser entendida como uma escola de Ensino Médio
com um curso direcionado a somente um ramo da produção ou um conjunto de cursos
que atenda às demandas do mercado ou para inserção de jovens no primeiro emprego.
Ainda segundo Saviani (1987):
[…] A noção de politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos
científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de
trabalho produtivo moderno. Diz respeito aos fundamentos das

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emancipação humana
diferentes modalidades de trabalho. Politecnia, nesse sentido, se baseia
em determinados princípios, determinados fundamentos e a formação
politécnica deve garantir o domínio desses princípios, desses
fundamentos. […] A ideia de politecnia envolve a articulação entre
trabalho intelectual e trabalho manual e envolve uma formação a partir
do próprio trabalho social, que desenvolve os fundamentos, os
princípios, que estão na base da organização do trabalho na nossa
sociedade e que, portanto, nos permitem compreender o seu
funcionamento (p. 17-19, grifo do autor).
É imprescindível que o aluno tenha o ferramental necessário para a compressão
do trabalho como um todo e, através da execução prática, possa avançar no
aprofundamento desse conhecimento e refletir criticamente sobre todo o processo, seus
princípios e bases.

Considerações finais
Retomando a ideia que se desencadeou através das análises, em síntese, no plano
ideal, temos a necessidade de acabar com o sistema de exploração de um ser humano por
outro ser humano, criando um novo sistema pensando o bem comum. Esse novo sistema
tem o dever de criar um projeto de desenvolvimento para o País alicerçado em outras
premissas que não a exploração. Uma vez definido o projeto, no plano educacional, é
primordial um sistema que permita acabar com a dualidade produzida na sociedade de
classes, propiciando debates para uma educação voltada para a classe trabalhadora
(maioria), de acordo com nosso atual contexto político e de estruturação, questionando o
projeto de desenvolvimento do País e suas prioridades, em contexto continental e
planetário.
Todavia, entre o ideal e o real ainda permanece a necessidade de avançar na luta
por um Ensino Médio para a classe trabalhadora. Visto que, em lógica inversa à escola
politécnica, vê-se estabelecida uma contradição entre a educação que os trabalhadores
querem para si e para os seus filhos e a educação que a burguesia oferece hoje com

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emancipação humana
discurso de igualdade, justiça e democracia proclamada, mas não realizada no sistema
capitalista. Essa contradição pode criar condições para uma reavaliação geral da educação
brasileira através de um sistema nacional de educação e um projeto de desenvolvimento
para o País que podem ser debatidos simultaneamente, mas necessitam ser construídos
coletivamente.
O sistema voltado para a classe trabalhadora tem por princípios a emancipação
humana através do trabalho, porém a questão do trabalho ainda precisa ser amplamente
debatida e aprofundada para que não tenhamos – como alguns alardeiam – o “fim do
trabalho” como tese possível de estar presente nos debates educacionais.

Referências:
BOTTMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar,
2012.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2011.

SAVIANI, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ.


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________.Educação socialista, pedagogia histórico-crítica e os desafios da sociedade de


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Marxismo e educação: debates contemporâneos. Campinas: Autores Associados;
HistedBr, 2005.

SUCHODOLSKI, Bogdan. Teoria marxista da educação. Volume I. Santos: Martins


Fontes, 1976.

Autor:

Marcio Bernardes de Carvalho


Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná – UTP
Email: marciojr8@yahoo.com.br

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 166
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
ORGANISMOS INTERNACIONAIS E SUA INFLUÊNCIA NA
EDUCAÇÃO
Andressa Torinelli
Dirceia Aparecida Silva Anjos

Introdução
Neste artigo discute-se como os organismos internacionais têm se colocado no
país,suas decisões e orientações fazem com que o Estado trabalhe “política e
economicamente” para atender aos pressupostos do grande capital estrangeiro. O ano de
2017 foi marcado por grande deterioração dos direitos humanos no Brasil (OLIVEIRA,
2018), lembrando o desmonte das políticas públicas que o governo vem trazendo, com as
reformas trabalhista e na educação, postas como salvação da crise econômica. Autores
diversos apontam a influência do Banco Mundial na política de educação brasileira a
partir de 1990, aprofundando as relações deste órgão com o país, o que influenciou
grandemente o modo de criação e entendimento das leis da educação.

Discussão
Foucault, ao estudar o Estado neoliberal diz que o seu cerne é a desigualdade, no
liberalismo clássico a ideia essencial é um Estado que deixasse fazer, somente fixando os
limites do mercado. Para os neoliberais, porém a desigualdade é a espinha central que se
expressa por meio da concorrência, é o Estado que deve ser limitado pelo mercado,
portanto, existe para Foucault uma troca ocorrida no pós II guerra, quando diz “o essencial
do mercado está na concorrência [...] isto é, que não é equivalência mas a desigualdade
(FOUCAULT,2008, p. 161)”. Ao continuar sua análise afirma que existe uma simbiose
entre o governo e a governamentalidade neoliberal, ou seja, governa-se para o mercado.
Essa é a realidade encontrada por Faria quando diz que ao não conseguirem administrar

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de maneira competente as suas instituições, o capital necessita socorro e então retira
recursos do Estado:
[...] sem o Estado Capitalista para financiar ou socorrer o capital, esse
sistema já teria se desmanchado no ar, exatamente porque esse é o
destino de tudo que é sólido. Em essência, é pouco importante se o
Estado age para salvar as corporações, regular a economia, intervir ou
assumir atividades de investimento direto e de infraestrutura para o
capital. O fato é que não há mais capitalismo de mercado sem Estado
Capitalista (FARIA, 2009, p. 40).

A educação é um campo vital, Marx, em O Capital (2013, p. 485/1493), nos diz


que o capitalista “tem de revolucionar as condições técnicas e sociais do processo de
trabalho”, a ideia é a de que a educação seja o método pelo qual as condições técnicas e
sociais do trabalho sejam revolucionadas. Cada sociedade, em seu momento econômico
(alto ou baixo desenvolvimento, por exemplo) forma seu projeto pedagógico, isto é, cria
projetos que visam atender às necessidades da divisão técnica do trabalho do modo de
produção dominante (GRAMSCI, 1978 apud GRABOWSKI e KUENZER, 2016, p. 3).
Mas, o que se define como educação de qualidade? Depende: para o empresariado, uma
boa qualificação significa mão de obra treinada para ser flexível, adaptar-se às mudanças
do mundo produtivo, mudanças estas que já se haviam anunciado, na década de 90,
haviam projetos para a formação de trabalhadores do tipo “totalflex”, possuidores de alta
capacidade de adaptação em diferentes tarefas podendo, ao longo de sua vida realocando-
se em várias atividades produtivas, uma característica altamente necessária ao capital.
Sendo assim diversos organismos multilaterais influenciam a educação brasileira. São,
principalmente entidades econômicas, que ditam as regras na educação pública e privada
brasileira Tais entidades verificam se os países se enquadram nas orientações dadas pelo
capital para a educação, tornando-se assim atrativos para investimentos, pois podem
fornecer mão de obra qualificada, segundo os padrões definidos pelas classes dominantes

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emancipação humana
(ANTUNES, 2017, p. 6).Como exemplos podemos citar o Banco Mundial (BM) e a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Um dos reflexos dessa política é a necessidade afiançada pelos organismos
internacionais de que a educação superior não pode ser pública, devendo ser delegada à
iniciativa privada, a justificativa obviamente não é a falta de interesse do capital, mas o
dispêndio financeiro com retorno igual ao das instituições privadas,(BM, 2017, p. 121-
137), ou seja, o investimento financeiro alocado na educação superior não compensa:
As despesas com ensino superior são, ao mesmo tempo, ineficientes e
regressivas. Uma reforma do sistema poderia economizar 0,5% do PIB
do orçamento federal. O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7%
do PIB com universidades federais. [...]Isso também se reflete no fato
que os níveis de gastos por aluno nas universidades públicas são de duas
a cinco vezes maior que o gasto por aluno em universidades privadas.
[...] Além disso, embora os estudantes de universidades federais não
paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem aos 40% mais
ricos da população. Portanto, as despesas com universidades federais
equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população
brasileira. [...]O Brasil já fornece esse tipo de financiamento para que
estudantes possam frequentar universidades particulares no âmbito do
programa FIES. Não existe um motivo claro que impeça a adoção do
mesmo modelo para as universidades públicas. A extensão do FIES às
universidades federais poderia ser combinada ao fornecimento de
bolsas de estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais pobres da
população (atualmente, 20% de todos os estudantes das universidades
federais e 16% de todos os estudantes universitários no país), por meio
da expansão do programa PROUNI. Todas essas reformas juntamente
melhorariam a equidade e economizariam pelo menos 0,5% do PIB do
orçamento federal (BM, 2017, p. 13 – grifo nosso).

A ideia é de que a eficiência (a capacidade de fazer corretamente as coisas)


juntamente à eficácia (fazer a coisa certa),se funda numa política de “justiça social”, em
que os mais ricos terão de pagar pelo benefício estatal, e os mais pobres serão
beneficiados com a “justiça” através da participação nos programas de financiamento,
mas se atualmente somente 20% dos estudantes das universidades federais e 16% de todos
os universitários brasileiros são pobres (segundo o relatório) então se aumentarmos a

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qualidade do ensino básico, por certo não aumentaríamos a capacidade efetiva desses
alunos de concorrerem com seus pares mais ricos31?A solução do BM a esse
questionamento não ataca o cerne da questão, ou seja, que tipo de educação básica está
sendo oferecida para o jovem pobre. Para tal organismo, o corte de professores através da
não reposição por aposentadoria, a introdução de bônus por produtividade e a criação de
escolas charters são soluções, pois:
Por poderem ser penalizadas por mau desempenho, elas baseariam as
decisões sobre contratação, demissão, promoções e salários no
desempenho individual dos professores, e não em sua estabilidade ou
antiguidade. (BM, 2017, p. 137)

Também a cobrança de mensalidades nas universidades e institutos federais,


promoveria uma equidade no ensino, logicamente trata-se de um argumento financeiro,
ancorado na proposta de redução do déficit público, não há preocupação quanto a
dualidade no ensino básico entre pobres e ricos, mas sim a interpretação por parte do BM
de que o privado é mais eficiente e o público deveria portanto ser mudado para um modelo
semelhante. Aqui claramente, são ideias que sempre passam pelo argumento do mérito e
do individualismo. Hirtt afirma que existem três considerações nessa perspectiva
globalista de educação:
En efecto, el aparato escolar “el más imponente servicio público que
jamás haya existido” está siendo llamado a servir mas y mejor a la
competición económica, y esto de tres maneras: formando más
adecuadamente al trabajador, educando y estimulando al consumidor y
por fin abriéndose él mismo a la conquista de los mercados (Hirtt, 2001,
p. 1).

31
E de certa forma, retira a cidadania dos ricos, pois sempre que estão na universidade pública, estariam
“roubando” a vaga de um pobre. Mas a discriminação é vedada em todos os sentidos, constitucionalmente
portanto, garantir que possam concorrer em igualdade de conhecimentos poderia equilibrar o jogo.

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Ao transformar a educação seja a básica ou a superior em ferramenta de capital
humano, tornamo-la um serviço e não mais um direito, e enquanto serviço poderá ser
terceirizado ou privatizado (CHAUÍ apud PICONE, 2013, p. 36), desta maneira:
O Estado torna-se coordenador, nessa perspectiva, repassando à
sociedade as tarefas que inicialmente eram suas. O que vem a
caracterizar uma lógica gerencial de administrar, na qual prioriza
elementos quantitativos, percebendo o cidadão como cliente e
consumidor, que participará da manutenção da escola. Cria-se a
administração gerencial baseada no controle de resultados do processo
ensino-aprendizagem[...]o que ocorre efetivamente é uma
descentralização das tarefas e atribuições, mas não do poder (PICONE,
2013, p. 36).

Então o projeto de educação do capital é embasado pela ideia de que as pessoas


devem investir em si mesmas por meio de inúmeras capacitações, de forma que consigam
adaptar-se à demanda intelectual e laborativa vigente, então pressionam-se as escolas para
uma formação de cunho prático e ligeiro. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
do Brasil já prevê essa formação aligeirada, conectada ao desenvolvimento de
competências que o trabalhador deverá se adequar em sua vida laboral, nos diferentes
momentos pelos quais deverá passar. A avaliação das escolas básicas pela nota e fluxo
escolares (IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) não leva em conta
outros fatores que influenciam na qualidade do ensino: situação socioeconômica e
cultural dos alunos, valorização dos docentes, condições de trabalho materiais e
imateriais, infraestrutura da escola, entre outros (CHIRINÉA e BRANDÃO, 2014, p. 1),
o que tende a fazer com que as escolas se preocupem em ter boa performance nos dois
quesitos cobrados, preparando os alunos de forma a que tirem notas boas, esquecendo da
formação humana integral de que eles necessitam.
Conforme análise de Molina-Perez (2017, p. 41) uma das características do
pensamento neoliberal é o conceito economicista das políticas sociais. Nesse contexto, as
escolas passam a viver a lógica do mercado concorrencial, em que políticas públicas

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pressionam por resultados, mensurados através de indicadores (PISA, IDEB, ENADE,
Prova Brasil, Provinha Brasil) promovidos pelos organismos internacionais e financeiros,
vem deles a definição da atuação estatal e a homogeinização dos currículos, bastando ver
que o que consta no BNCC 32recentemente aprovada:
É esse também o enfoque adotado nas avaliações internacionais da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (Pisa, na sigla em inglês), e da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês),
que instituiu o Laboratório Latino-americano de Avaliação da
Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em
espanhol) (BNCC, 2017, p. 13).

O desenvolvimento de competências é a política adotada pelos avaliadores


internacionais, e deve, portanto, orientar as pedagogias para saber e saber fazer, a questão
é: a OCDE tem a preocupação de formar com que finalidade? Afinal conforme Molina-
Perez (2017), ”Sus pretensiones se manifiestan desde su nomenclatura y a tal objetivo
destina sus acciones” (p. 42). A formulação de competências é feita para o mundo do
trabalho, o PISA, relaciona e mapeia o desenvolvimento da mão de obra, direcionando os
sistemas escolares de seus associados, para a construção de uma educação básica gratuita
que conforme Faria(2009) forma mão de obra que foi separada tradicionalmente da sua
capacidade de pensar o trabalho em sua totalidade e uma educação superior paga, pois
não há necessidades de muitos intelectuais para as funções diretivas de alta patente e
postos gerenciais (CHOMSKY, 1999, p. 183-4); essas diretivas vão solidificando junto
aos discentes a ideia do mérito, a junção da educação para “conseguir emprego”,
acentuando a individualidade e a concorrência entre os futuros trabalhadores, e “hace

32
BNCC: Base Nacional Comum Curricular. É documento de caráter normativo que define o conjunto
orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das
etapas e modalidades da Educação Básica. Fonte: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf, acesso em 12 abril 2018.

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referencia a una persona que interioriza los valores del capitalismo neoliberal con escasas
posibilidades de reflexión y crítica” (MOLINA-PEREZ, 2017, p. 41).
Esse tipo de educação forma o aluno para que ele aja de acordo com os preceitos
do capital, criando habilidades de adaptação e disponibilidade. Com a superação da
acumulação fordista e taylorista, necessita-se conformar o trabalhador de acordo com a
nova lógica, desse modo o discurso do capital sinaliza para a formação de profissionais
flexíveis, que acompanhem as mudanças da tecnologia e microeletrônica, não há razão
para formar um profissional especializado, investindo em educação profissional
(GRABOWSKI e KUENZER, 2016, p. 4). Antunes (2017, p. 7) cita a fala de Claudia
Piccinini (UFRJ), nas discussões sobre a BNCC foram ouvidos sindicatos, estudiosos da
educação, movimentos populares, mas que o documento foi construído somente com base
nas indicações dos grupos empresariais que participaram. Verifica-se que essa lógica foi
determinada pelos agentes globais de atuação que como pontuam Grabowski e Kuenzer
(2016, p. 6): “as políticas de educação, ao negar aos que vivem do trabalho, a
possibilidade de acesso à formação tecnológica, em nome de uma educação genérica,
respondem às demandas da acumulação”, pois necessitam moldar os trabalhadores ao que
deseja o capital, ou como nos diz Hirtt (2017)33, a escola de competências é contra a
cidadania crítica, ele comenta que a construção da educação feita por meio da perspectiva
economicista da OCDE, reduz o saber a uma perspectiva utilitarista alijando-a de sua
função crítica, essencial a formação cidadã, afirma ainda que, estamos muito longe de
formar em nossas escolas pessoas que sejam capazes de reflexões acerca de assuntos
pertinentes à sociedade em que vivem, pois as competências preconizadas pelos
organismos internacionais e acatadas pelos governos prescindem da capacidade reflexiva,
valorizando principalmente a tecnologia em detrimento das humanidades.

33
http://www.skolo.org/2017/07/21/lecole-competences-contre-citoyennete-critique/ acesso em 21/01/18

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emancipação humana
Conclusão
Políticas educativas são implementadas ao redor do mundo, subsidiadas por
organismos internacionais numa formação que deixa claros seus objetivos: educação para
o trabalho volatizado e de alta rotatividade, habilitando para competências que em si
mesmas podem ser úteis mas que não cumprem a função básica da escola de dotar os seus
discentes de habilidades que os capacitem para uma visão holística, capaz de resgatar sua
subjetividade e emancipar os trabalhadores/estudantes da grande ilusão capitalista. Mota
Junior e Maués (2014, p. 1139) mostram que há duas décadas tais organismos orientam
as políticas educacionais nos países periféricos, pois, além de perceber a educação como
um amplo campo de mercado, eles visam a formação de massas de trabalhadores a serviço
do capital, se adequando às novas técnicas e conhecimentos necessários às mudanças que
ocorrem na área econômica e produtiva. Os mesmos autores colocam que essa influência
do Banco Mundial apenas faz com que o analfabetismo funcional seja “camuflado”, pois
o aligeiramento na formação do ensino básico só requer números, não focando na
educação como um todo. Outra orientação é compor o primeiro escalão do Ministério da
Educação com pessoas que ocuparam vagas e eram atuantes nesses órgãos internacionais.
E assim as práticas pedagógicas que embasam os documentos de ensino, deixam claro a
relação do capital com a educação; expressam uma concepção burguesa para consolidar
o neoliberalismo e a teoria do capital humano (MOTA JUNIOR e MAUES, 2014, p.
1150); a relação é econômica, promover competências para o mercado, fazendo uso de
políticas de direcionamento das populações para atividades que sejam de interesse do
capital, por fim de superestrutura a educação muta-se em infraestrutura que dá suporte ao
capital.

Referências
ANTUNES, A. A quem interessa a BNCC? Revista Poli, Ano X, nº 54, p. 06-7, nov-dez
2017.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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CHIRINÉA, A.M.; BRANDÃO, C.F.O IDEB como política de regulação do Estado e


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22 jan. 18.

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FOUCAULT M.;Nascimento da biopolítica, Editora Martins Fontes, São Paulo, SP, p.


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FARIA, J.H. Gestão Participativa, relações de poder e trabalho nas organizações.


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GRABOWSKI, G.; KUENZER, A.Z. A produção do conhecimento no campo da


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________ L’école des compétences, contre la citoyenneté critique.Disponível em


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MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I: O processo de produção


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MOTA JUNIOR, W.P.; MAUÉS, O.C. O Banco Mundial e as políticas educacionais
brasileiras. Revista Educação e Liberdade, v.39, nº4. Porto Alegre, RS, p. 1139,2014.
Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/edreal/v39n4/10.pdf>, acesso em 22 jan.18.

OLIVEIRA, C. “2017 foi ano de grave deterioração dos direitos humanos no Brasil”.
Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/revista/987/2017-foi-ano-de-grave-
deterioracao-da-situacao-dos-direitos-humanos-no-brasil>, Acesso em 22 jan. 2018.

PÉREZ, M.J. Políticas educativas en la hegemonía neoliberal. Revista Educativa


Hekademos, nº 23, Ano X, Diciembre 2017. Acesso em 20 jan. 18.

PICONE, E.V. Avaliação da educação. Instituto Memória Editora e Projetos Culturais,


Curitiba, PR PR, pg.36,37, 2013.

Autoras:

Andressa Torinelli
Instituto Federal Catarinense
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica pelo IFPR
atorinelli@yahoo.com.br
Dirceia Aparecida Silva Anjos
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica / IFPR
anjosdirce@gmail.com

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emancipação humana
TRABALHO E EDUCAÇÃO: O SENTIDO ONTOLÓGICO E A
EMANCIPAÇÃO HUMANA
Aline Arantes do Nascimento

Introdução
Este texto objetiva tecer uma discussão a cerca da centralidade do trabalho como
ato que pode revolucionar ou não o pensamento da classe trabalhadora e a desalienar por
meio da Educação. Pretende-se com este texto, o qual é fruto de reflexão teórica de parte
de estudos desenvolvidos para pesquisa de mestrado em Educação, construir uma análise
e compreensão a partir do entendimento de que é necessário, ao processo de
profissionalização dos trabalhadores, ter bem fortalecida a proposição do Trabalho
enquanto meio de produção da existência e apartado de uma consciência alienante do
Trabalho quando deturpado de seu sentido social.
À luz da temática deste evento, que tem como uma de suas proposições a discussão
da “Educação e revolução”, e, sob a percepção de que a Educação, nesse sentido, provoca
a atividade reflexiva do trabalhador fazendo-o pensar sobre si e sobre o trabalho que
realiza, buscou-se problematizar – questionamento este instigado pelos atuais desmandos
conservadores na sociedade, incidindo na Educação e nas questões do Trabalho – “Quais
as possibilidades da Educação para a emancipação?” e, nesse sentido, demonstrar a
relevância da Educação com vista à emancipação, para a formação humana e profissão
de docentes e discentes dos níveis Fundamental, Médio e Superior quanto à Educação
Profissional. A importância deste texto consiste, então, em expandir e popularizar a
discussão do Trabalho no meio educacional nos diferentes níveis de ensino.
A metodologia utilizada está pautada no Materialismo Histórico Dialético. Para
tanto, utilizou-se de pesquisa e de discussão bibliográfica que possibilitam o
aprofundamento teórico e a análise conjuntural que reiteram a discussão. A este respeito,

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emancipação humana
ressalta-se a importância do Materialismo Histórico como método de investigação para o
desenvolvimento deste trabalho, por permitir “[...] uma apreensão radical (que vai à raiz)
da realidade e, enquanto práxis, isto é, unidade de teoria e prática na busca da
transformação e de novas sínteses no plano do conhecimento e no plano da realidade
histórica” (FRIGOTTO, 2010, p. 73).

Aportes para a discussão sobre Trabalho, Sociedade e Educação


A questão do Trabalho, tendo em vista seu conceito, discutido em Ciências
Humanas, nas produções de pesquisadores da Educação, demonstra-se cara. Preza-se a
relevância do trabalho no contexto de vida social dos homens, uma vez mais, a relação
entre ele e a ponte que se tece em relação aos aspectos históricos, econômicos e políticos.
Tal contexto, ao longo do desenvolvimento da e na sociedade e refletidos na Educação,
é de extrema relevância, sobretudo no processo que leva a compreender a produção da
vida humana no ambiente material no qual vivemos e de bem estruturar e posicionar o
conceito de Trabalho com extensão a toda a sociedade. Passa-se a observar, então, a
abordagem de Trabalho como aquela que dá substância à existência humana. Pela
perspectiva de que trata Marx e Engels,
[a] primeira premissa de toda a história humana é, naturalmente, a
existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é,
portanto, a organização corpórea (köperliche) desses indivíduos e a
relação por isso existente (gegebenes) com o resto da natureza. [...]
podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela
religião – por tudo o que se quiser. Mas eles começam a distinguir-se
dos animais assim que começam a produzir os seus meios de
subsistência (Lebensmittel), passo esse que é requerido pela sua
organização corpórea (MARX; ENGELS, 2009, p. 24, grifos do autor).

Estando o indivíduo vivo, gozando de plenas condições físicas, em harmonia com


sua própria natureza, para executar determinada atividade, está apto a desempenhá-la e

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emancipação humana
garantir sua existência. Sendo, portanto, isso o que o qualifica como homem e o distingue
como tal em detrimento dos animais.
A esse respeito de Trabalho para produzir e atender a necessidades básicas ou para
consumo aleatório (sem que seja para fins de subsistência), assinala-se, conforme as
discussões de Braverman (1980), que o trabalho não se dá com a posse, pelo homem,
daquilo que é próprio à natureza, mas, sim, quando “[...] se altera o estado natural desses
materiais para melhorar sua utilidade” (BRAVERMAN, 1980, p. 49). Deste modo, o
homem realiza a transformação da natureza para seu usufruto e benefício.
Em sentido não ontológico, quando o Trabalho do indivíduo serve à expansão de
bens de consumo (pelo consumo), à atividade que executa no seu emprego – “forma
determinada de uso do trabalho humano” (BARROS et al., 1997, p. 43) – com vistas a
também obter sua subsistência, mas que a isto acrescenta-se a extração da mais-valia
sobre seu Trabalho, prevendo o lucro do empregador, evidenciamos a organização
corpórea, anteriormente mencionada, desse indivíduo como o meio indispensável de
venda de sua força de trabalho, sendo, aliás, o modo exclusivo dessa troca entre
empregado e patrão; sua organização corpórea; sua força de trabalho.
A mudança dos e nos tempos, a questão histórica em si, os determinantes culturais,
populacionais, de comércio, de relação entre pessoas e entre o coletivo das pessoas
passaram a admitir novos percursos para o tipo de produção que melhor se encaixam em
determinado padrão de sociedade. A produção, não necessariamente da existência do
homem, mas a de necessidades dos grupos na sociedade, é que passa a determinar o
movimento de lógica de Trabalho e processo de Trabalho.
Nesse ínterim, refere-se à constituição de comunidades tribais, feudais, até que
chega-se à sociedade capitalista atual. Tendo os dois primeiros exemplos que não se
atentará neste estudo, passando, sim, ao último, por tratar-se do tema próximo à análise.
Até então, trata-se da produção de existência, em sentido básico. No entanto, nos dias

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emancipação humana
atuais, a produção da existência do homem continua a se dar pelo trabalho que busca a
sobrevivência material, entretanto, trata-se de um trabalho que se desenvolve sob as bases
de uma sociedade capitalista monopolista, estágio em que
[...] a concentração e centralização do capital, sob a forma dos primeiros
trustes, cartéis e outras formas de combinação, começaram a firma-se;
foi então, consequentemente, que a estrutura moderna da indústria e das
finanças capitalistas começou a tomar forma (BRAVERMAN, 1980, p.
215).

Combinado a esse cenário, a formação dessas novas organizações ocasionava


disputas relativas ao maior poder de influência econômica nos territórios internacionais.
Com isso, aumenta-se “[...] a internacionalização do capital, a divisão internacional do
trabalho, o imperialismo, o mercado mundial e o movimento mundial do capital, bem
como as mudanças na estrutura do poder estatal” (BRAVERMAN, 1980, p. 216). A
formação das classes sociais no capitalismo, da estrutura social e do Estado também
constitui o processo de formação da sociedade, de divisão do trabalho, de tipo capitalista.
Vê-se que
[a] divisão do trabalho na indústria capitalista não é de modo algum
idêntica ao fenômeno da distribuição de tarefas, ofícios ou
especialidades da produção através da sociedade, porquanto, embora
todas as sociedades conhecidas tenham dividido seu trabalho em
especialidades produtivas, nenhuma sociedade antes do capitalismo
subdividiu sistematicamente o trabalho de cada especialidade produtiva
em operações limitadas (BRAVERMAN, 1980, p. 70).

Nesse momento, a estrutura social também recebe uma ressignificação quanto aos
modos de vida, aos tempos e aos espaços, que vão além de uma estrutura de trabalho
industrial. Assim como a posição das classes – o que supõe, por sua vez, a divisão destas
–, Poulantzas (1978, p. 18) aponta que “[...] [o] lugar nas relações econômicas detêm,
entretanto, o papel principal na determinação das classes sociais”, entendendo este lugar
nas relações econômicas enquanto lugar de detenção do processo de produção, também

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condensado pelo processo de trabalho. É fato que, “[e]m toda sociedade dividida em
classes, a primeira relação (proprietários/meios de produção) destaca sempre o primeiro
aspecto: são os proprietários que detêm o controle real dos meios de produção”.
(POULANTZAS, 1978, p. 19). Nesse sentido, o Estado, no que concerne às classes,
expressa-se como “produto e manifestação do antagonismo inconciliável das classes. [...]
E, reciprocamente, a existência do Estado prova que as contradições de classes são
inconciliáveis” (LENIN, 1983, p. 09).
Observar esse breve quadro histórico da sociedade vista a partir de algumas das
suas principais ramificações aqui expostas – a sociedade de classes, a divisão do trabalho,
a performatização do capitalismo, à luz de sua própria trama, com base nas reiteradas
modificações da forma de trabalho e de produção – demonstra um vasto campo de análise
política e sociológica que não se logrará esgotar, mas que serve de “tracejo” para garantir
a anuência entre as duas pontas que propõe-se unir, qual seja: a concepção de Trabalho e
a Educação como fundamento para a emancipação.
Verifica-se que o Trabalho é distorcido do sentido ontológico no capitalismo, e o
foi ocorrer quando passou a atender a uma lógica de produção em que apropriação dos
“resultados” da produção realizada pelo conjunto dos trabalhadores pertenceria apenas a
determinados grupos que demandam o domínio dessa mesma produção. A venda da força
de trabalho para garantir sustento, mas também para obter o lazer, a cultura, o ensino, a
comodidade, os benefícios da tecnologia, entre outros fatores, modificou a maneira como
o Trabalho praticado por outrem seria na sociedade um complexo que a forja, que a
constrói. “Bens” que são alcançados por meio do trabalho, ou melhor, do emprego, que
estabelece um contrato entre trabalhador e patrão, cuja proporção em dinheiro lhe dá o
direito de usufruí-los. Marx e Engels (2011, p. 49-50) analisam a questão da posse pelo
trabalhador:

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emancipação humana
A propriedade privada nos tornou tão estúpidos e unilaterais que um
objeto somente é nosso quando o temos, quando existe para nós
enquanto capital ou quando é imediatamente possuído, comido, bebido,
vestido, habitado; em suma, utilizado por nós. Ainda que a propriedade
privada conceba, por sua vez, todas essas realizações imediatas da
possessão somente como meios de vida e a vida a que servem como
meios é a vida da propriedade privada, o trabalho e a capitalização.

A afirmação do ser, sobremodo, tornou-se o ter. Ocorre que esse ter, ainda que o
trabalhador mantenha um contrato de trabalho, não lhe garante acesso a todos os
mecanismos de usufruto da vida material que lhe cerca, inclusive o acesso ao
conhecimento acumulado socialmente e àquele que, ao se apropriar, dá-lhe a consciência
desse processo pelo qual está inevitavelmente inserido. Tem-se, então, que “[a] superação
da propriedade privada é a emancipação plena de todos os sentidos e qualidades humanas
[...]” (MARX; ENGELS, 2011, p. 50).
A sociedade tal como está posta, considerando todos os meandros pelos quais
passou para se ter hoje o tipo de trabalho, de trabalhador e, sobretudo, para construir em
cada trabalhador – por meio da conjuntura ideológica global – a mentalidade que se
pretende que este tenha a respeito do trabalho que ele executa, reflete a soberania no papel
ideológico dessa estrutura universal.

Expressões políticas da pauta capitalista no contexto contemporâneo


É recorrente o discurso de incentivo ao social em documentos de políticas públicas
educacionais. Esse tipo de atuação, visível no slogan nacional do “Compromisso Todos
pela Educação”, exemplifica tal evento. Mészáros (2010, p. 125) reitera que “[...] o futuro
poderá trazer ainda maior imposição de determinações políticas regressivas ao cotidiano
das massas populares”.
Trazendo esse futuro para bem mais perto, temos latente a Reforma da Previdência
no Brasil (PEC nº 287/16), a PEC nº 55, a qual limita os gastos públicos por 20 anos, que,

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emancipação humana
nas palavras de Motta e Frigotto (2017, p. 366), “[...] [l]iquida o Estado brasileiro como
agente de garantia de direitos universais, dos quais se destacam o trabalho, a educação, a
saúde, e a habitação”, e, ainda, a Reforma do Ensino Médio, já aprovada pela Lei nº
13.415/2017, que, segundo Motta e Frigotto (2017), possui a marca de antieducação
pública tendo base político-econômica de capitalismo dependente. Compreender por
meio da dialética, que permite ir às profundezas do entendimento do processo produtivo,
das objetivações para com a proposta de formação que se oferece para a população,
sobretudo, em cursos de formação profissional, requer desenvolver a produção das ideias,
levando a retrucar as investidas truculentas que atingem as classes trabalhadoras.
Marx e Engels (2009, p. 31) afirmam que “[a] produção das ideias, das
representações, da consciência está em princípio diretamente entrelaçada com a atividade
material e o intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real”. Nesse sentido, o
comportamento da assimilação no plano das ideias no homem está associado àquilo que
executa no plano de suas ações materiais. Pode-se associar isso, uma vez mais, à luta, ao
enfrentamento, e, novamente, como num ciclo, ao plano da posse do conhecimento: a
formação social e política. Marx e Engels (1848, p. 40) defendem que a “história de todas
as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes”. Ainda que haja, e há,
no cenário nacional uma desmotivação por parte da população quanto às perspectivas
políticas que engendrem mudanças nos padrões sociais postos, é importante ter em vista
que
[p]or mais desencorajadoras que sejam suas formas institucionais
dominantes e suas práticas de autoperpetuação, não há opção fora da
política. Contudo, precisamente por essa razão a política é importante
demais para ser deixada com os políticos (MÉSZÁROS, 2010, p. 125).

Isso se traduz pelo fato de que somos seres políticos e que, na luta pela escola,
pelo ensino, pela formação revolucionária, pela socialização do conhecimento e da terra,
pelo domínio e pela consciência de seu próprio trabalho e do que seja trabalho, são

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emancipação humana
necessárias a unificação das classes e a formação política, cultural e social das camadas
da sociedade, a fim de derrubar o obscurantismo na disseminação do conhecimento,
direito de todos. É preciso salientar, ainda, que é também pelo caminho político que
propostas de degradação social, como as reformas mencionadas, são perpetradas à
sociedade. Nesse sentido
[a]s alegações de “dar poder ao povo” – sejam da ideologia do
“capitalismo popular” (armado com muitas ações sem direito a voto),
sejam sob os slogans de “oportunidade igual” e “imparcialidade” num
sistema de desigualdade estrutural incorrigível – são absurdas demais
para serem levadas a sério mesmo pelos seus propagandistas mais
proeminentes (MÉSZÁROS, 2010, p. 124).

Sugerir a participação dos sujeitos nas decisões populares é uma estratégia, cujo
ato político é antagônico. Entretanto, as possibilidades da educação para a promoção da
emancipação humana são expressivas na medida em que o esforço educativo, tomado
como um processo que transita entre o pensamento e a prática, garante a quem lhe
endereça a condição de sujeito autônomo sobre esse pensamento. Os riscos em não
promover um debate sobre Trabalho em sentido ontológico compromete a formação
humana desses sujeitos, seja no âmbito da formação de professores (Universidades,
Centros de Formação e em áreas de formação específica, em Escolas Técnicas e
Profissionalizantes), seja em relação à formação de discentes de diferentes níveis de
ensino, de modo especial, no campo do Ensino Superior da Pedagogia.
O discente não deve sair da universidade sem consciência, informação e formação,
sobretudo política e sociológica, solidificada, pois, sem isso, esses espaços acima
mencionados, estão formando profissionais passíveis de absorver e introduzir na escola
e/ou no ensino qualquer modelo de sociedade, de trabalho e de Educação que possa surgir.
Situação esta que se refletirá no tipo de ensino que esse indivíduo lecionará nos anos
iniciais, Ensino Fundamental e Médio, implicando, mais uma vez, no tipo de homem, que
a escola pretende formar. Kuenzer (2017, p. 351), sobre a formação de professores, afirma

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emancipação humana
que o processo deve “[...] abranger não apenas o desenvolvimento de competências
técnicas para o exercício profissional, mas também o desenvolvimento da capacidade de
intervenção crítica e criativa nos processos de formação humana [...]”.
Ao pensarmos esse processo, com vistas a refletir sobre uma construção teórica a
respeito do trabalho enquanto prática e concepção e de outro lado a educação como
desbravadora do caminho da desalienação do trabalhador estudante ou não, da luta pelos
direitos e da apropriação da emancipação pessoal, é que vislumbramos este trabalho,
partindo da crença que o trabalho, em seu sentido ontológico para a emancipação social,
carrega em si as bases para a democratização do conhecimento integrador das
potencialidades humanas, sociais e igualitárias.

Considerações finais
A concepção de trabalho que massivamente a sociedade manifesta se traduz numa
construção que, para muitos, nem sequer lhes foi permitido saber: seu sentido real de
produção histórica; de produção de sua história com base em um pressuposto de trabalho
para a liberdade. Esse olhar para a questão do trabalho está enviesado e historicamente
transfigurado por uma concepção de Trabalho, na qual o capitalismo como mundial
influenciador das políticas internacionais impera sobre a estrutura de produção. A
(r)evolução tecnológica, a automação e as novas formas de consumo advindas do século
passado modificaram a maneira como os homens produzem sua sobrevivência e como
lidam com todo esse processo diante de seus olhos.
Ter a compreensão política e (in)formativa a respeito desse processo, que constitui
e continua a canalizar até mesmo ideologicamente a sociedade, é necessária para a
condição de emancipação humana das classes trabalhadoras. A Educação escolar, nesse
sentido, precisa suscitar, em sua pauta, as reflexões inerentes à importância do trabalho
para a constituição das relações sociais e de trabalho, pelo Trabalho, sobretudo, em seu

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sentido ontológico. Em síntese, entende-se que a possibilidade de transformação social
que práticas democráticas de emprego e de educação na sociedade podem promover é
revolucionária. E isso é possível devido à socialização das vias de conhecimento, que
podem ser difundidas em condições igualitárias aos sujeitos.

Referências Bibliográficas

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http://www.scielo.br/pdf/es/v38n139/1678-4626-es-38-139-00331.pdf>. Acesso em: 09
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LENIN, V.I. O Estado e a Revolução. São Paulo: Hucitec. 1983.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 1848.

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MÉSZÁROS, István. Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MOTA, Vânia Cardoso da; FRIGOTTO, Gaudêncio. Por que a urgência da reforma do
Ensino Médio? Medida Provisória nº 746/2016 (Lei nº 13.415/2017). v. 38, n. 139, São
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http://www.scielo.br/pdf/es/v38n139/1678-4626-es-38-139-00355.pdf>. Acesso em: 09
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POULANTZAS, Nicos. As classes sociais e sua reprodução ampliada. In:______. As


classes sociais no capitalismo de hoje. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 11-38.

Autora:
Aline Arantes do Nascimento
Universidade Estadual de Londrina/UEL
e-mail: alinearantesnasc@gmail.com
Agência financiadora: CAPES

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emancipação humana
REFLEXÕES SOBRE A UNIVERSIDADE BRASILEIRA
APÓS A DÉCADA DE 1990
Maria Inez Barboza Marques

Introdução:
Deflagrado após a década de 1970, oriundo das mudanças no modo de produção
capitalista e da onda neoliberal que foi se instaurando em nível internacional, o
movimento do capitalismo gerou reflexos em diferentes âmbitos.
O processo instaurado, por regime de exceção, deixou consequências que
atingiram as diferentes políticas, entre elas a política educacional. As décadas de 1960 e
1970 celebraram um percurso liberal que tinha como objetivo a “qualificação
profissional” de acordo com os interesses vigentes.
Tais processos se expandiram para as décadas de 1980 e 1990 e anos 2000,
aprofundando o sentido de uma educação não só liberal, mas neoliberal, que vem
afirmando seus princípios ainda nos dias atuais.
No que se refere à universidade e ao Ensino Superior, as mudanças levaram a uma
racionalidade capitalista que vem tomando conta desses espaços, tornando-os cada vez
mais aliados do mercado capitalista e, consequentemente, levando a educação superior a
constituir-se em mercadoria.

Universidade Brasileira na Década de 1990.


Ao examinar questões concretas relacionadas à cultura e à educação no Brasil, é
pertinente mencionar Frigotto (2014). O autor pondera que, no governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC), tanto uma como a outra ficaram subordinadas à lógica do
capital global, mais especificamente à lógica do capital financeiro.

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emancipação humana
A reflexão sobre o caráter mercadológico da educação após a década de 1990,
incluindo o sistema público de ensino, remete às considerações de Sader sobre a condição
de mercadoria em que se encontra a educação brasileira:
No reino do capital, a educação é ela mesma uma mercadoria. Daí a
crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do
capital e pelo esmagamento dos cortes de recursos dos orçamentos
públicos. Talvez nada exemplifique melhor o universo instaurado pelo
neoliberalismo, em que ‘tudo se vende, tudo se compra’, ‘tudo tem
preço’, do que a mercantilização da educação. Uma sociedade que
impede a emancipação só pode transformar os espaços educacionais em
shopings centers, funcionais à sua lógica do consumo e do lucro
(SADER, 2008, p. 16).

A década de 1990, de fato, constituiu-se em marco para a mercantilização da


educação, particularmente no contexto da universidade. Para Chauí (2001)34, a nova
forma de acumulação do capital não precisa da universidade, bastando-lhe centros
especializados. A universidade passa e se configurar como excludente e antidemocrática,
não havendo mais necessidade da instituição escola-universidade como espaço de direitos
de cidadania. Essa seria a última fase da inessencialidade da universidade, pois os serviços
deixariam de ser necessários e indispensáveis.
Para Lima (2012, p. 1-2), a educação superior foi se expandindo, nesse contexto
neoliberal, a partir de três necessidades do capital:
1- Subordinação da ciência à lógica mercantil: nos países centrais, a aceleração
da produção de novos conhecimentos tem por objetivo garantir a concorrência entre
empresas. Em países dependentes, como é o caso do Brasil, essa produção se realiza nos
marcos da inovação tecnológica e incide na educação superior, bem como na ciência e
tecnologia (C&T). Esse movimento é materializado através da venda de “serviços
educacionais”, através de cursos pagos e parcerias universidades-empresas, viabilizados

34
Chauí escreve a partir do contexto da USP, na década de 1990, que sofria os reflexos da onda neoliberal.

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emancipação humana
através das fundações de direitos privados nas universidades públicas. Ocorre, também,
o incentivo à competitividade, ao pragmático empreendorismo e ao produtivismo que
atualmente caracterizam a política de pós-graduação e a pesquisa;
2- A constituição de novos campos de lucratividade: aumenta significativamente
o número de instituições privadas de Ensino Superior, o que reforça a concepção de
educação como um negócio lucrativo para as frações internacionais e, também, às locais
da nova burguesia, já que esta detém os serviços educacionais;
3- A construção de estratégias para obtenção de consenso ao projeto burguês de
sociabilidade em tempos de neoliberalismo reformado: movimento vislumbrado pelo
Banco Mundial (BM), que se consolida através da educação terciária, com a justificativa
da “democratização da educação”. A concepção de educação superior – reduzida à
educação terceirizada – é compartilhada e difundida pelos reitores das universidades e
também pelos docentes dessas Instituições de Ensino Superior (IES).
Lima (2012) analisa a expansão da educação superior articulada pelo regime
burguês citando Florestan Fernandes, que a define como um “milagre educacional” que
somente criou ilusões de “democratização do acesso”, mas que, na verdade, ocorreu como
um processo que aumentava significativamente a participação do setor privado na área
educacional.
Para Chauí (2001, p. 177), o pressuposto da Reforma do Estado, na década de
1990, traz como herança a ação racionalizadora imposta pela economia política
neoliberal, nascida por volta de 1974.
O neoliberalismo econômico e político tornou-se responsável pela
mudança da forma de acumulação flexível do capital, hoje conhecida
como ‘acumulação flexível’ e que não havia sido prevista pelo grupo
neoliberal. De fato, este propusera seu pacote de medidas na certeza de
que baixaria a taxa de inflação e de crescimento econômico. A primeira
aconteceu, mas a segunda não, porque o modelo incentivou a
especulação financeira em vez dos investimentos na produção; o
monetarismo superou a indústria. Donde falar-se (sic) em ‘capitalismo

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emancipação humana
pós-industrial’. É esse modelo, com os ajustes monetaristas, que vem
sendo aplicado para a Reforma do Estado brasileiro (CHAUÍ, 2001, p.
177-178).
Para a autora, a Reforma do Estado passa a conceber a universidade como
prestadora de serviços, conferindo um sentido determinado à ideia de autonomia
universitária. Assim, introduz o vocabulário neoliberal para pensar o trabalho
universitário, como fica evidente no uso de expressões como “qualidade universitária”,
“avaliação universitária” e “flexibilização da universidade” (CHAUÍ, 2001, p. 182).
Ao discutir a questão da autonomia universitária, Chauí (2001) esclarece que, no
ano de 199635, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) distribuiu um
documento intitulado “Ensino Superior na América Latina e no Caribe. Um documento
estratégico”. A autora chama a atenção para o termo ‘estratégico’, uma vez que este já
coloca a perspectiva técnico-operacional, anunciando que a questão do Ensino Superior
será tratada do ponto de vista da eficácia administrativa.
O banco deseja aplicar ao ensino superior os mesmos critérios que são
válidos para todos os seus investimentos. Os financiamentos devem
sustentar atividades que façam sentido econômico, que gerem mais
benefícios do que o mercado pode proporcionar, que correspondem a
uma prioridade social e que não seriam promovidos por uma atuação
isolada das forças do mercado. Outrossim, em uma área em que os
gastos são extremamente elevados e em que os clientes mais imediatos
pertencem às faixas mais altas da distribuição da renda, as
considerações da justiça social são prioritárias. Por fim, os projetos que
comportam em si um forte componente de reforma serão favorecidos
pelo Banco na medida em que melhoram a eficiência, aumentam os
benefícios e/ou melhoram o perfil da justiça social (CHAUÍ, 2001, p.
198).

É possível constatar que o BID trata o Ensino Superior como todos os outros
investimentos, ou seja, em uma perspectiva administrativo-operacional.

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Acredita-se que, não por acaso, ocorrências como esta acontecerem no mesmo ano da Promulgação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil.

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emancipação humana
Nesse sentido, Chauí (2001, p. 201 a 205) argumenta que quem acompanhou as
propostas governamentais que compuseram a reforma do Ensino Superior reconhece a
existência das exigências do BID nesse âmbito. Também ressalta a fina sintonia
ideológica entre o pensamento do Banco e o do Ministério da Educação e Cultura (MEC),
que seguem a mesma cartilha neoliberal de privatização do que é público e do mercado
como destino fatal. A autora pondera que, se comparadas as propostas do documento do
BID com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é possível verificar uma
mudança no conceito de autonomia, pois, gradativamente, a universidade foi sendo
transformada em uma organização administrativa e administrada.
As reformulações realizadas na educação, conduzidas pelo governo de FHC,
expressaram, de um lado, uma concepção de universidade como instituição de ensino e,
de outro, uma universidade a serviço do padrão mercantil de produção do conhecimento.
Esse modelo tem sua centralidade na heteronomia e não na autonomia. O Estado,
juntamente com os setores privados, amplia o poder de definição das agendas das
universidades, imprimindo marcos políticos da competitividade econômica. Assim, é
possível considerar que, no governo FHC, “o Brasil vivenciou mais uma etapa da reforma
universitária consentida e conduzida pelo capital, nos marcos da expansão
operacionalizada pelo projeto neoliberal de educação superior” (LIMA, 2012, p. 11).

Contexto das Universidades pós governo FHC


Quando Luiz Inácio Lula de Silva assumiu o governo, no ano de 2003, havia
expectativas de alterações no quadro em que se encontrava a universidade no Brasil. No
entanto, em oito anos, de 2003 a 2010, houve um intenso processo de reformulação da
educação superior brasileira. Implementou-se um conjunto de dispositivos como pauta de
ação política do governo que possibilitam algumas análises (LIMA, 2012).

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emancipação humana
Quadro 1 – Principais Ações do Governo Luiz Inácio Lula da Silva na Política De
Educação Superior (2003-2010)

Arcabouço Jurídico Conteúdo


GT Interministerial, em 20 Elaboração de documento: Bases para o Enfrentamento da Crise
de outubro de 2003 Emergencial das Universidades Federais e Roteiro para a
Reforma Universitária Brasileira
Medida Provisória 147/03 Institui o Sistema Nacional de Avaliação e progresso do Ensino
Superior – SINAPES
Grupo Executivo da Elaborou o documento Reafirmando Princípios e Consolidando
Reforma do Ensino e Reforma da Educação Superior
Superior, em 6 de fevereiro
de 2004
Lei 19.861, de 14 de abril de Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
2004 – SINAES
Decreto Presidencial 5.205, Regulamenta as parcerias entre as universidades federais e as
de 14 de setembro de 2004 fundações de direito privado
Medida Provisória n. 213, Institui o Programa Universidade para Todos – ProUni
de 10 de setembro de 2004
Projeto de Lei 3627/2004 Trata do sistema especial de reserva de vagas para estudantes
egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas,
nas instituições públicas federais de educação superior
Lei de Inovação Trata do estabelecimento de parcerias entre universidades
Tecnológica nº 10.973/04 públicas e empresas
Lei de Parceria Pública- Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria
Privada nº 11.079, de 30 de público-privada no âmbito da administração pública
dezembro de 2004
Lei 11.096/2005 Institui o Programa Universidade para Todos (ProUni), que trata
de “generosa” ampliação de isenção fiscal para as instituições
privadas de ensino superior
Projeto Lei 7.200/06 Tratam da Reforma da Educação Superior
(apensado ao PL nº
4.212/04 e PL 4.221/2004)
Universidade Aberta do Legislação que trata da regulamentação do EAD e da criação da
Brasil (Decretos 5.800/06 e UAB – consórcio de instituições para oferta de cursos a distância
5.622/05)
Decreto 6095/07 Estabelece diretrizes para o processo de integração de
instituições federais de educação tecnológica para fins de
constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia – IFET, no âmbito da Rede Federal de Educação
Tecnológica

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Decreto Presidencial Decreto de criação do Programa de Apoio de Reestruturação e
6069/07 e divulgação das Expansão das Universidades Federais (REUNI) e Portarias que
Portarias Interministeriais tratam da criação de um Banco de Professor-Equivalente,
22 e 224/07 (Ministério do inscritos no Plano de Desenvolvimento da Educação/PDE
Planejamento, Orçamento e divulgado em 2007
Gestão/MPOG e Ministério
da Educação/MEC)
“Pacote de autonomia” em Esse “pacote” amplia a ação das fundações federais de direito
2010, composto pela
privado nas universidades federais; retira das universidades a
Medida Provisória
definição de projetos acadêmicos a serem financiados,
495/2010 e pelos Decretos transferindo essa prerrogativa para as fundações de direito
7232, 7233 e 7234/2010 privado; legaliza a quebra do regime de trabalho de Dedicação
Exclusiva/DE; não resolve a falta de técnico-administrativos,
criando somente um mecanismo de relocações de vagas entre as
instituições federais de ensino superior/IFES; cria as condições
para a diferenciação dos orçamentos das IFES, de acordo com
os índices de produtividade, intensificando ainda mais o
trabalho docente e, por fim, cria o Programa Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES), sem deixar claro de onde
sairão os recursos para realização do Programa
Medida Provisória 520, de Autoriza a criação da Empresa Brasileira de Serviços
31 de dezembro de 2010 Hospitalares. Embora Estatal e vinculada ao MEC, a nova
entidade terá a personalidade jurídica de direito privado,
flexibilizando a contratação de trabalhadores dos hospitais
universitários
Fonte: LIMA (2012, p. 11-14).

As diferentes ações apresentadas, de fato contribuíram para o acesso à educação


superior. Mas a que preço? Na essência, a reformulação da educação realizada no governo
Lula pode ser considerada uma parte da contrarreforma do Estado Brasileiro e da
expansão do neoliberalismo reformado.
Na verdade, o processo instaurado no governo Lula foi implementado por um
vasto conjunto de ações que podem ser identificadas através de dois grandes eixos
temáticos: “O empresariamento da educação e a certificação em larga escala” (LIMA,
2012, p. 14).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O primeiro eixo expressa a privatização e mercantilização da educação
superior através (i) do aumento do número de IES privadas e do
financiamento público indireto para o setor privado via FIES e
PROUNI, (ii) da privatização interna das IES públicas via cursos pagos,
parcerias universidades-empresas e fundações de direito privado e (iii)
do produtivismo que atravessa e condiciona a política de pesquisa e de
pós-graduação conduzida pela CAPES e pelo CNPQ (LIMA, 2012, p.
15).

Iamamoto (2014, p. 625) enfatiza que “[...] a tendência tem sido imprimir a lógica
mercantil e empresarial à universidade”, o que estimula sua privatização. Iamamoto
menciona Chauí, concordando com a autora quando ela denomina “universidade
operacional” ou “universidade de resultados e serviços”.
Explica que o modelo de universidade, nesse contexto, se torna condizente com
as recomendações dos organismos multilaterais, e que esse direcionamento tende a
permitir que o Ensino Superior se adéque à financeirização do capital, o que leva as
descobertas científicas a se tornarem meios para obtenção de lucros excedentes.
(IAMAMOTO, 2014)
Por esse mesmo ângulo, Pinto (2014) pondera que, no contexto vigente, de crise
estrutural do capital, o projeto governamental dá materialidade a um projeto de educação,
estreitamente vinculado aos interesses do capitalismo. Nesse sentido, a autora pontua oito
estratégias no interior desse processo:
1) a formação como preparação imediata para o trabalho, com ênfase
na capacitação técnico-operativa e o desenvolvimento de habilidades
para a adaptação; 2) a reprodução do conhecimento em detrimento de
produção de novos conhecimentos, o que se caracteriza pelo baixo
investimento; 3) a redução da formação ao ensino entendido
exclusivamente como repasse de conhecimentos, excluindo a pesquisa
e a extensão; 4) a ingerência e a primazia do interesse do mercado na
definição das orientações acadêmicas, definindo, assim, os perfis dos
cursos; 5) a remodelação do investimento público na educação e o
incentivo à privatização, resultando no exponencial crescimento do
empresariado na educação; 6) a quantificação das tarefas como critério
de avaliação, progressão e promoção; 7) a flexibilização dos projetos

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
político-pedagógicos dos cursos de graduação para responder à
imediaticidade do mercado e a aceleração da formação; 8) a
fragmentação dos trabalhadores pelas novas configurações dos
processos de trabalho e de absorção da força de trabalho (PINTO, 2014,
p. 663).

Os aspectos pontuados por Pinto (2014) evidenciam tendências que de fato vêm
sendo implementadas pelos governos nas últimas décadas. As diretrizes para o Ensino
Superior e a adequação da educação aos contornos do capital são claras. No entanto, para
além das evidências que levam às críticas, é preciso apontar saídas que recriem o sentido
da universidade pública, gratuita, laica e com compromisso com a construção de um
conhecimento voltado às reais necessidades da classe trabalhadora, que vem sofrendo os
reflexos do sistema vigente.
Tais saídas têm como princípio o reconhecimento das reais contradições que
permeiam as relações capital/trabalho, que devem ser identificadas em diferentes
contextos, entre eles a política educacional e o projeto que está levando as universidades
públicas a um caminho que pode não ter volta.

Considerações Finais
Para a realização das considerações finais, é pertinente recorrer a Meszáros
(2008), quando afirma que poucas pessoas negariam que os processos educacionais e os
processos sociais mais amplos de reprodução estão intrinsecamente ligados. Sendo assim,
torna-se de fato necessária uma reforma contundente na educação, aliada a uma
transformação do quadro social, no qual as práticas educacionais da sociedade precisam
cumprir suas vitais funções.
A análise de Meszáros (2008) evidencia que a educação, denominada por ele de
“para além do capital”, tem por objetivo uma ordem social diferente qualitativamente.
Nesse sentido, a educação deveria assegurar uma transformação sustentável, não em um
período estritamente limitado da vida, mas como um processo contínuo da consciência

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emancipação humana
socialista na sociedade em geral, exigindo um afastamento radical das práticas
educacionais dominantes sob o capitalismo avançado.
Na mesma direção, Tonet (2012, p. 35) reflete que, “Como o capital é o sujeito
fundamental da atual forma de sociabilidade – nesta sociedade quem é livre é o capital e
não os homens36 – a plena liberdade humana só pode florescer para além do capital”.
O espaço destinado a esta comunicação não permite maiores problematizações;
no entanto, é necessário refletir sobre a “encruzilhada” que se coloca à frente da educação,
da universidade e do Ensino Superior. Nesse sentido, é necessário afirmar a
responsabilidade das diferentes formas de organizações sociais populares que devem se
posicionar e lutar pela defesa da essencialidade da universidade pública, de fato, para
além do capital.

Referências

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2001.

FRIGOTTO, Gaudêncio. As novas e velhas faces da crise do capital e o labirinto dos


referenciais teóricos. In: ______.; CIAVATTA, Maria (Org.). Teoria e educação no
labirinto do capital. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2014. p. 21-46.

LIMA, Kátia. Expansão da educação superior brasileira na primeira década do novo


século. In: PEREIRA, Larissa Dahmer Pereira; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de (Org.).
Serviço Social e Educação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 1-26. (Coletânea Nova
de Serviço Social).

IAMAMOTO, Marilda Vilela. A formação acadêmico-profissional no Serviço Social


brasileiro. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 120, p. 608-639, out./dez. 2014.

MESZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução de Isa Tavares. 2. ed.
São Paulo: Boimtempo, 2008.

36
E as mulheres.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
PINTO, Marina Barbosa. Condições sócio-ocupacionais do trabalho docente e a formação
profissional. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 120, p. 662-676, dez. 2014.

SADER, Emir. Prefácio. In: MESZÁROS, István. A educação para além do capital. 2.
ed. Tradução de Isa Tavares. São Paulo: Boimtempo, 2008. p. 15-18.

TONET, Ivo. Educação contra o capital. 2. ed. rev. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.

Autora:

Maria Inez Barboza Marques


UNESPAR – Campus Paranavaí/PR
e-mail: maria.marques@unespar.edu.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A ESCOLA DA ESCOLHA: EDUCAÇÃO INTEGRAL, O MODELO
ICE
José Mendes de Oliveira Neto

Introdução
Esta pesquisa, que se encontra em fase inicial, pretende abordar criticamente
algumas dimensões da configuração das políticas educacionais no discurso neoliberal
tendo como foco a análise da implantação e implementação, via ICE (Instituto de
Corresponsabilidade pela Educação – entidade privada), do ensino médio integral no
Estado do Rio Grande do Norte. Concomitantemente, visa analisar, a pedagogia da
Presença, paradigma pedagógico que norteia o trabalho desse instituto. Para tal intento
este trabalho pretende percorrer as nuanças político-ideológicas que asseguram o Estado
burguês na construção da hegemonia das relações sociais e educacionais como uma
estratégia de poder que se programa em sentidos articulados: por um lado, por meio de
um conjunto razoavelmente regular de reformas concretas no plano econômico, político,
educacional e por outro, mediante uma série de estratégias orientadas a impor novos
diagnósticos acerca da crise estrutural do capital e construir novos significados sociais a
partir dos quais visa legitimar as reformas de caráter neoliberal como sendo as únicas que
podem e “devem” ser aplicadas no atual contexto histórico de nossa sociedade civil. Na
esteira dessa configuração ideológica, a implementação do ensino médio integral no
Estado do Rio Grande do Norte via ICE - (Instituto de Corresponsabilidade pela
Educação) vem corroborar com a lógica da inserção capitalista no meio escolar e
principalmente na sua gestão. É notório a retórica empresarial desse instituto, utilizada
amplamente na formação dos educadores, e que tem por base a chamada Tecnologia
empresarial Odebrecht. A partir desta orientação foi sistematizada uma variante intitulada
TESE (Tecnologia empresarial Socioeducacional) a ser utilizada no ambiente escolar.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Essa tecnologia foi desenhada para levar os conceitos gerenciais/empresariais para o
ambiente escolar. Por fim, o trabalho tenta lançar mão de uma crítica à Pedagogia da
Presença, pois vislumbra em tal paradigma pedagógico um viés nitidamente pós-moderno
e conservador recoberto com um manto de valores humanistas, solidários e cidadãos.
Metodologia
A presente pesquisa é de cunho teórico. Realizou-se um levantamento
bibliográfico inicial, seguido de estudo do material produzido pelo ICE - Instituto de
Corresponsabilidade pela Educação que serve de base para formação teórico/prática das
equipes escolares, cujo objetivo é a implementação no chão da escola. A partir do
acúmulo teórico analisar-se-á os vínculos entre esse programa e as ideologias neoliberal
e pós-moderna, bem como sua vinculação às ideias escolanovistas.

Fundamentação Teórica
Diante da implementação recente e tardia do Ensino Médio Integral no Estado do
Rio Grande do Norte (2017), cujos índices educacionais corroboram com o quadro de
degradação geral da educação brasileira. Faz-se necessário um estudo que contribua para
a incorporação de uma pedagogia marxista ao campo dos debates e políticas da educação
integral, buscando-se romper com as posições hegemônicas e articulando a educação
integral à luta pela socialização do saber sistematizado.
A disjuntiva barbárie ou socialismo nunca esteve tão viva quanto antes. A crise da
economia capitalista, crise de caráter estrutural, estaria atingindo as estruturas mais
profundas do capital, que para reproduzir-se agravaria profundamente os problemas da
humanidade. Como diz Tonet (2007, p. 24), “é preciso apreender a lógica mais profunda
que preside o evolver da sociedade capitalista, já que ela é a matriz a partir da qual se
ergue todo este edifício social”. Embora, não se pretenda deduzir mecanicamente uma
crise a partir da outra, mas de fato seria impossível compreendê-las separadamente.

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emancipação humana
Segundo Godeiro (2015) é justamente na fase do ensino médio da educação básica
que todas as contradições sociais afloram de forma gritante, sendo a fase em que ocorre
a maior perda de matrículas na rede pública (de responsabilidade dos Estados). A
realidade do estado do Rio Grande do Norte se alinha a esse contexto, quando
vivenciamos resultados preocupantes, com altas taxas de evasão, reprovação, abandono
e uma grande distorção idade série que provoca resultados pífios em exames oficiais. Nos
resultados apresentados pelo Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação
Institucional – SEEC/RN (SIMAIS - 2016), dos alunos avaliados no 3º ano do ensino
médio das escolas estaduais só 5,7% estavam com aprendizagem adequada em leitura;
0,4% em matemática; 2,3% em ciências sociais e 1,6% em ciências da natureza. Em 2011,
segundo IBGE/PNAD havia um número elevado de jovens na faixa etária entre 15 e 17
anos fora da escola, perfazendo um total de 30.738 ou (20%). E, ainda aliado a esses
fatores temos uma rede de escolas com a estrutura física bastante precária e antiga.
Para o entendimento da crise da educação e as saídas propostas pelo capital e os
governos de plantão precisamos estudar a fundo sob quais paradigmas se dá a
implementação do ensino médio integral via ICE – Instituto de Corresponsabilidade pela
Educação no RN. Por outro lado, na esteira de uma fundamentação crítica e no
entendimento que o trabalho é o fundamento ontológico do ser social. Cabe aqui uma
reflexão sobre as inflexões que o mundo do trabalho sofre e qual o rebatimento que este
tem sobre a educação, pois se verifica uma inadequação da forma antiga da educação com
as novas exigências produtivas e as relações sociais daí derivadas. Por fim, o próprio
metabolismo insaciável do capital busca incorporar por todos os meios, fatias
consideráreis de novas áreas para investir. A educação é uma delas. (TONET,2007).
Por isso, de acordo com Almeida (2006), a escola perde cada vez mais a sua antiga
função intelectual-cultural-social, para assumir um caráter mais social, com riscos de se
tornar uma instituição de assistência pura e simples. A escola acaba por ser cooptada

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
nessa rede pelo setor econômico. Quando passa a buscar parceiros privados que a
“ajudam” no fazer cotidiano da escola, isentando muitas vezes o Estado de prover com
eficiência o funcionamento e a manutenção correta da estrutura escolar. Por outro lado, o
indivíduo, livre das amarras da escola e do sistema de ensino, torna-se o único responsável
pelo seu êxito ou fracasso. Sendo assim, ele precisa de forma permanente estar se
qualificando e adquirindo competência e habilidade, bem ao gosto das demandas oriundas
do setor privado.
No campo marxista, há um acúmulo histórico de reflexões, debates e experiências
sobre a formação humana omnilateral e a educação integral. Esse debate passa pela
questão da superação da unilateralidade da vida humana na sociedade capitalista e divisão
do trabalho em trabalho manual e trabalho intelectual. No que se refere ao primeiro
aspecto, Marx (2004, p. 08), nos Manuscritos Econômico-Filosóficos afirmava que:
A propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto
somente é nosso se o temos, portanto, quando existe para nós como
capital ou é por nós imediatamente possuído, comido, bebido, trazido
em nosso corpo, habitado por nós etc., enfim, usado. [...] O lugar de
todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado, portanto,
pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter.

No caso do segundo aspecto, trata-se da luta pela superação da educação


formatada pela lógica da divisão social do trabalho, que cinde o trabalho em dois tipos
opostos e antagônicos de atividade: a intelectual e a manual. Sobre isso, escreveram Marx
e Engels (p. 26) em A Ideologia Alemã:
A divisão do trabalho só se torna efetivamente divisão do trabalho a
partir do momento em que se opera uma divisão entre trabalho material
e trabalho intelectual. A partir desse momento a consciência pode de
fato imaginar que é algo mais do que a consciência da prática existente,
que ela representa realmente algo, sem representar algo real.

É necessário caminharmos em uma direção oposta à formação humana unilateral


provocada pelo capitalismo, é necessário caminharmos em direção à formação

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emancipação humana
omnilateral superando o individualismo, a mesquinhez e os preconceitos da sociedade
atual, denominada capitalista. Tem que haver um processo de desprivatização do
conhecimento, desprivatização da riqueza material e intelectual da humanidade. A
educação não é a única forma de superação da apropriação privada da riqueza intelectual,
mas uma forte arma para combatê-la.
A formação ominilateral não se identifica com a educação de tempo integral, pois
a defesa da educação de tempo integral pode se limitar à questão do tempo diário de
permanência do adolescente na escola, sem uma proposta pedagógica que
verdadeiramente assuma, o compromisso com a superação do caráter unilateral da
formação e da vida humana na sociedade burguesa.
Isso de fato acontece na educação integral, e particularmente, na proposta
encaminhada pelo ICE e pela SEEC/RN pois se assevera como uma proposta pedagógica
que está a serviço da burguesia, sendo assim contribui para formação unilateral, formando
pessoas para atender às demandas do capitalismo. Quero destacar que antes do tempo ser
estendido, o aluno é integral.
Ele deve estar essencialmente envolvido em atividades absolutamente integradas
ao currículo, por isso é necessário um bom currículo que lhe permita a formação humana
plena, ou seja, numa dimensão “omnilateral”.

Considerações Finais
Nesse sentido é importante uma articulação da pedagogia histórico crítica e do
marxismo com a educação integral para tornar-se mais efetiva, segura e abrangente,
superando-se o risco da ampliação do tempo ocorrer de uma forma desestruturada, sem
foco na aquisição de conhecimento. Não é algo que possa ser realizado em curto prazo
ou de maneira superficial, pois há implicações de profunda mudança do ideário de
educação e de suas práticas. Ainda assim, como afirma Mészáros (2008, p. 25):

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos
sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados.
Consequentemente, uma reformulação significativa da educação é
inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no
qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais
e historicamente importantes funções de mudança. Pois caso não se
valorize um determinado modo de reprodução da sociedade como o
necessário quadro de intercâmbio social, serão admitidos, em nome da
reforma, apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, incluindo
o da educação.

A educação dentro deste tipo de enfoque está perdendo a perspectiva de ser


realmente integradora para aprofundar à sua função justificadora das desigualdades
sociais. A educação desloucou-se, portanto, da esfera do direito social para colocar-se no
plano individual, cuja regra central é a valoração do mercado. Este é o pano de fundo da
Escola da Escolha (ICE) e da “Pedagogia da Presença”.

Referências
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escola em xeque no Brasil do século XXI. Acesso em 15 de janeiro de 2018, disponível
em – Revista Diálogo Educacional :
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/dialogo?dd1=590&dd99=view&dd98=pb

BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.


Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Pedagogia da presença: da solidão ao encontro. Belo
Horizonte: modus Faciendi, 1997.

EVANGELISTA, João E. Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno. 3ed – São


Paulo: Cortez, 2002.

GODEIRO, Nazareno. A quem serve a crise da educação brasileira? Uma análise da


realidade no Brasil e no RN, São Paulo/RN: ILAESE, 2015.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional de
Amostragem Domiciliar. 2011. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

LAZARINI, Ademir Quintilio. Capital e educação escolar na obra de Dermeval Saviani:


apontamentos críticos – São Paulo: Instituto Lukács, 2015.

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo, Boitempo, 2004.

MARX, Karl e Engels, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital.2ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Norte.


(SIMAIS 2016) - Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação Institucional.

SANTOS, Deribaldo. Educação e precarização profissionalizante: crítica à integração da


escola com o mercado. São Paulo: Instituto Lukács, 2017.

TONET, Ivo. Educação contra o capital. Maceió: EDUFAL, 2007.

Autor:

José Mendes de Oliveira Neto


Graduado em História - UFRN
jmendesneto2004@gmail.com

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emancipação humana
O PROFESSOR COMO SUJEITO HISTÓRICO DA PRÁXIS:
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E PEDAGOGIA HISTÓRICO-
CRÍTICA NA ESCOLA
Lucas Rinaldini
Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho

Introdução
Este trabalho surge das observações realizadas em duas salas de 5º ano de uma
escola pública municipal de Birigui/SP. A pesquisa pressupõe uma intervenção formativa
na escola, a qual foi engendrada no GEIPEEthc (Grupo de Estudos, Intervenção e
Pesquisa em Educação Escolar e Teoria Histórico-Cultural), da UNESP-Presidente
Prudente. Nossas reflexões tomam como pressupostos teóricos de análise a teoria
histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica iluminadas pelo materialismo histórico
dialético.
Durante as observações foi possível verificar que as atividades dos professores em
sala de aula têm como objetivo transmitir o conhecimento. No entanto, nem sempre de
forma crítica e humanizadora. Essas práticas são predominantemente pautadas pelo
ensino tradicional e possuem como princípio a manutenção da disciplina dos alunos como
garantia para a apropriação do conhecimento, o que para nós, trata-se de um grande
equívoco.
Nesse trabalho não queremos julgar os professores por se utilizarem das
concepções tradicionais no exercício de sua prática pedagógica. Sabemos que em muitas
escolas, esses profissionais enfrentam inúmeras situações que dificultam sua atuação,
sobretudo por vivenciarem cotidianamente a precarização do trabalho docente,
consequência de políticas públicas educacionais que não valorizam o trabalho
humanizador na escola pública.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Buscam meios de superar essas dificuldades e procuram apoio em diversas teorias,
técnicas e na troca de experiências com os colegas. Nesse contexto composto por um
amálgama de teorias e experiências pessoais, aceitam explicações tanto do senso comum,
como outras explicações cuja cientificidade é questionável, fatos que implicam
consequências várias na prática pedagógica em sala de aula.
Nossa crítica situa-se na direção das consequências negativas desse processo, vez
que consideramos que esse amálgama pseudocientífico que embasa os professores e seu
modo de compreender o trabalho educativo, não abarca a totalidade da realidade e
desconsidera o ser humano como sujeito histórico e como síntese de relações sociais.
No caso do aluno, as justificativas dos professores são embasadas em
compreensões do indivíduo a partir de visões naturalizantes e organicistas, fato que
pressupõe as dificuldades de aprendizagem como problemas de ordem biológica, ou seja,
patologias e distúrbios do indivíduo, para as quais o tratamento é centrado na
medicalização (ASBAHR, 2012).
A justificativa naturalizante ou biologizante, atribui o caráter de deficiência
biopsicológica às dificuldades escolares. Essa visão concebe o aluno como inapto,
incapaz ou sem inteligência suficiente para acompanhar o ritmo da escola. Atribuem-se
esses problemas às condições da família ou do ambiente em que vive o aluno,
considerados desestruturados (ASBAHR, 2012).
No bojo das teorias e pseudoteorias científicas presentes na escola, existe ainda
aquela que responsabiliza o professor como decisivo para o sucesso ou fracasso na
aprendizagem do aluno. No cerne desse pensamento está o questionamento da
competência e dos conhecimentos do professor, considerados insuficientes quando o
resultado é o mau desempenho dos alunos (ASBAHR, 2012). No entanto, considerar que
os professores são incompetentes e atribuir-lhes a responsabilidade pelo fracasso escolar
é desconsiderar a historicidade da escola pública e daqueles que a compõem, bem como

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a dimensão política na qual a escola pública está inserida. Assim como os alunos, os
professores possuem suas histórias, são singulares e estão inseridos em contextos
heterogêneos, sendo que a escola é parte significativa desse processo histórico (SOUZA,
2018).
Como podemos observar, parece ser regra em nossa sociedade, diante de uma
crise, a responsabilização dos indivíduos, desconsiderando o processo histórico nos quais
eles se encontram e se constituem. Essa forma de analisar as situações caracteriza-se
como um desdobramento do modo de produção capitalista que, ao mesmo tempo em que
valoriza o esforço individual, como cerne do sucesso, também deposita no indivíduo a
causa dos fracassos, isentando de responsabilidade a sociedade capitalista.
A partir de nosso posicionamento teórico, pretendemos propor reflexões que
superem essa compreensão a-histórica do ser humano na escola. Para tanto, consideramos
a realidade escolar em que as aulas ocorrem, a situação social dos professores e suas
concepções de educação e desenvolvimento humano para assim analisarmos as condições
que engendram suas práticas docentes na escola.

Fundamentação teórica e metodologia


Para a teoria histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica, a compreensão do
homem vai além do conhecimento de suas características biológicas. Ambas propõem a
superação de uma visão do homem como um ser isolado. Não afirmamos, com isso, que
o homem esteja livre de sua condição biológica, mas sim, que esta não determina o seu
desenvolvimento social e histórico e tampouco sua aprendizagem na escola (LEONTIEV,
1978).
Por não estar predominantemente sujeito às necessidades biológicas, o homem
não apenas se adapta à natureza, mas a modifica pelo seu trabalho. Isso se dá na medida

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em que aprende com as gerações anteriores, ou em outras palavras, através das aquisições
da humanidade, num processo de apropriação e objetivação (DUARTE, 1993).
Neste ponto, é possível afirmar que ao considerarmos o homem sujeito histórico
e social estamos no rumo contrário à visão que afirma o desenvolvimento do indivíduo
através de si-mesmo. Pois, não é possível responsabilizar unicamente o indivíduo sem
considerar as condições objetivas nas quais o mesmo está inserido e tampouco aludir
conclusões de uma observação puramente empírica e imediatista dos fenômenos
humanos. Segundo considerações de Leontiev (1978, p.267), "cada indivíduo aprende a
ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em
sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do
desenvolvimento histórico".
Ao analisarmos as condições objetivas nas quais a educação escolar encontra-se,
podemos, a partir de Leontiev (1978), refletir sobre como a relação social em sala de aula
ocorre, pois o desenvolvimento do aluno está diretamente associado ao processo de
apropriação da cultura. O professor é sujeito indispensável desse processo. Somente
compreendendo como se dá essa relação social de apropriação da cultura se dá é que
poderemos, de fato, aproximarmo-nos da essência dos fenômenos humanos na escola.
Contudo, é importante lembrarmos que a aprendizagem das crianças inicia-se com
seu nascimento. Ao encontrarem a educação escolar, portanto, estas já possuem noções
dos conteúdos que a escola apresentará. Sendo assim, apresentam um certo nível de
desenvolvimento, o qual Vigotski (1989, p. 111) chama de “nível de desenvolvimento
efetivo da criança”.
Sendo assim, cada criança, a partir da relação social em aula, poderá lançar-se na
esfera do seu potencial humanizador.
É na escola, com a ajuda do professor, partindo do nível de desenvolvimento
efetivo, que a criança aprenderá os conteúdos sistematizados da cultura humana. Esses

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futuros passos do desenvolvimento que a criança alcançará, a partir da mediação do
professor e do acesso à cultura sistematizada pela ciência, artes, filosofias e outras
objetivações genéricas são imprescindíveis para sua humanização (DUARTE, 1993).
Diante do que discutimos até aqui, consideramos que ser professor e compreender
que cada aluno possui sua particularidade torna-se essencial e que o trabalho educativo
torna-se imprescindível. Conforme afirma Saviani (2000, p.17) o trabalho educativo "é o
ato de produzir, direta e intencionalmente em cada indivíduo singular, a humanidade que
é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens". O autor afirma ainda
que a educação escolar diz respeito tanto à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos alunos, para que eles se tornem humanos, como também,
a descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.
Essa concepção do homem como sujeito histórico e do trabalho educativo como
processo humanizador contraria a visão capitalista, que concebe a educação como
preparação para o mercado de trabalho e concentra tanto o sucesso quanto o fracasso
exclusivamente no indivíduo. No modo de produção capitalista, a ideologia liberal
considera cada indivíduo o único responsável pela sua essência. Para Heller (2000) na
sociedade capitalista, considera-se que o indivíduo pode desenvolver-se livremente,
inclusive fora de qualquer comunidade, e que o interesse individual é um bom fio
condutor para a liberdade individual.
A escola pública está inserida nesse contexto em que o capital domina e, portanto,
também sofre sua influência. E o faz na medida em que consente que se classifiquem os
alunos a partir de seu desempenho impondo rótulos àqueles que fogem às regras de
adaptação ao modo de produção capitalista. Ao reduzir os problemas de aprendizagem à
questões localizadas no próprio indivíduo culpabilizando-os, a escola cumpre o seu papel
de reproduzir as relações sociais capitalistas.

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emancipação humana
A fim de nos aproximarmos dos elementos que compõem a totalidade dos
fenômenos e de propor uma educação que possibilite ao sujeito o desenvolvimento pleno
de suas habilidades, consideramos que a teoria histórico-cultural e a pedagogia histórico-
crítica oferecem meios para compreender as contradições presentes nas relações sociais
escolares e para a superação do modelo não crítico e amalgamado pseudocientificamente
que é predominante na educação escolar brasileira.
Para a realização dessa análise é indispensável a base epistemológica do
materialismo histórico-dialético, pois concebemos que a vida social é essencialmente
baseada na prática e que a uma pesquisa científica não basta apenas descrever e interpretar
o mundo de diferentes formas, mas sim, criar condições para a sua transformação. Não
basta realizarmos uma pesquisa qualitativa que descreve e analisa os fenômenos mas sim,
torna-se imprescindível assumir o método materialista histórico-dialético como guia do
nosso pensamento (MARX, 2007).
Em suma, compreendemos que para o pesquisador crítico, a realidade se
apresenta com suas necessidades ou problemas e constitui-se de múltiplas determinações.
A escola não foge a esse movimento dialético e todo o esforço intelectual de pesquisa
deve existir para desvelar as múltiplas determinações dos fenômenos humanos lá
presentes, enfatizando a atuação dos professores, como também dos alunos, pois são os
sujeitos principais do processo educativo na sala de aula.
Para esta pesquisa, buscamos compreender a razão da predominância de práticas
tradicionais por parte dos professores dos dois 5º. anos observados. Para isso realizamos
visitas sistemáticas em sala de aula por duas horas semanais, de abril a junho de 2017,
num total de 14 visitas, cujos dados registramos em diário de campo.

Análise dos dados da pesquisa

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Durante o período de observação em sala de aula, foi possível verificar em ambas
as salas de aula que as professoras utilizavam as mais variadas técnicas e que
predominavam práticas tradicionais, privilegiando a manutenção da disciplina no
comportamento dos alunos como determinante para a aprendizagem.
Para nós trata-se de um equívoco, pois os alunos precisam ser sujeitos de seu
processo educativo e devem agir, serem ativos e questionadores, sempre sob a orientação
do professor.
Buscamos compreender essas práticas tentando superar análises e julgamentos
que culpabilizam o professor, no sentido de compreendê-lo como um sujeito histórico e,
portanto, submetido às contradições próprias da sociedade capitalista e da escola que, por
sua vez, reproduz as relações próprias do modo de produção capitalista. Procuramos
igulamente superar justificativas que responsabilizam o aluno pelo seu fracasso escolar,
julgando-o como incapaz de aprender devido à sua condição natural e biológica.
É importante salientar que, para uma análise que possibilite aproximarmo-nos o
máximo possível da concreticidade do fenômeno humano na escola, torna-se necessário
conhecer a história do professor, as teorias e experiências cotidianas que embasam sua
prática docente, bem como conhecer a particularidade dos alunos de cada sala e suas
condições objetivas de vida. Queremos salientar, portanto, que para discutir as
dificuldades encontradas na escola, tanto dos professores quanto dos alunos, há que se
fazer uma análise crítico-filosófica rigorosa e não nos limitarmos às aparências empíricas
e imediatas do cotidiano escolar.
Começamos nossa análise dos dados constatando que a quantidade de alunos em
sala de aula é excessiva para que haja um bom desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem. Ambas as salas possuíam cerca de 30 a 35 alunos, considerando as
transferências daqueles que saíam ou ingressavam naquelas salas de aula. Diante dessa
situação, as professoras precisavam, em vários momentos da aula, elevar o tom de voz e,

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muitas vezes, recorrer a gritos. Uma das professoras, inclusive, utilizava um microfone
para preservar a sua voz.
Verificamos também a constante dificuldade em corrigir as atividades de todos os
alunos individualmente, sendo que muitos deles sequer eram atingidos pelo que era
transmitido pela professora durante a aula. Muitos alunos eram deixados a mercê de si-
mesmos. Mesmo nas discussões que visavam à participação de todos, apenas poucos
participavam de forma ativa mesmo diante de incentivos propostos pela professora.
Essa dificuldade em acompanhar o processo de aprendizagem dos alunos
individualmente, por sua vez, dava espaço para práticas que tinham o objetivo exclusivo
de ocupar aqueles mais adiantados com atividades aleatórias ou recompensá-los com
pontos positivos ou negativos, a fim de manter o silêncio e a ordem em sala de aula.
Existe ainda outro fator que compõe a complexidade desse processo: nas duas
salas havia alunos com deficiências e necessitavam de um atendimento educativo
especializado. As professoras, sem o apoio de auxiliares, tentavam, na medida do
possível, organizar o tempo para trabalhar com esses alunos. Entretanto, quando
dedicavam sua atenção a esses casos, não podiam demorar, pois o restante da turma
dispersava-se, situação bastante difícil que, por absoluta falta de condições objetivas, não
possibilitava à professora conciliar tais ações em sala de aula.
Junto a isso, evidenciamos a cobrança por resultados nas avaliações oficiais. Isso
impactava na prática docente, sobretudo na escolha de determinados conteúdos a serem
trabalhados, privilegiando aqueles que seriam cobrados nas avaliações e realizando um
trabalho superficial com os demais conteúdos, considerados menos importantes para as
citadas avaliações. Uma das professoras insistia em trabalhar a gramática em sala de aula,
mas era desencorajada, pois o importante era treinar os alunos para as avaliações e não
ensiná-los conteúdos gramaticais.

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Outra dificuldade observada foi a questão dos materiais disponíveis para o
professor elaborar atividades diferenciadas. A biblioteca da escola conta com algumas
revistas que podem ser utilizadas para essas atividades. Porém, nos casos observados
nessa pesquisa, as próprias professoras que providenciavam as atividades e cópias
reprográficas de conteúdos referentes às aulas, arcando, inclusive, com os custos
financeiros.
Diante desses elementos que, dentre outros, compõem o cotidiano das salas de
aula observadas, torna-se fundamental a superação da visão culpabilizante que
responsabiliza o indivíduo pelos problemas enfrentados na escola; o aluno pelo seu
fracasso e o professor pela sua incompetência, visão essa superficial e que não reconhece
esses fenômenos nas suas determinações históricas e sociais.

Conclusão
Após analisarmos as práticas das professoras sujeitos da pesquisa, aproximamo-
nos um pouco mais das reais condições que propiciam o uso de métodos tradicionais em
sala de aula. Isso permitiu que refletíssemos sobre os obstáculos concretos para que a
escola pública possa servir como espaço de socialização do saber sistematizado, de acesso
às camadas populares e enquanto possibilidade de superação das imposições perversas e
desumanizadoras do sistema capitalista. Como nos orienta Mezáros (2008, p.59):
Os princípios orientadores da educação formal devem ser desatados do
seu tegumento da lógica do capital, de imposição de conformidade, e
em vez disso mover-se em direção a um intercâmbio ativo e efetivo com
práticas educacionais mais abrangentes (...) Sem um progressivo e
consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como
“a nossa própria vida”, a educação formal não pode realizar suas muito
necessárias aspirações emancipadoras.

É imprescindível que para a prática de uma educação humanizadora sejam


compreendidos como históricos os sujeitos que a compõem. Isso implica considerá-los

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em desenvolvimento e inseridos em relações dialéticas e que, portanto, precisam ser
analisados nesse movimento. A escola constitui-se no bojo da sociedade capitalista e
assim deve ser reconhecida para ser transformada.
Em se tratando da escola atual, Viotto Filho (2016) afirma a necessidade de pensá-
la numa perspectiva de comunidade e considerar as possibilidades de construção, nessa
escola-comunidade, de valores próprios de uma integração social consciente. Somente
nessa condição é que o próprio homem, como totalidade e respeitado no seu processo
histórico, poderá avançar em seu desenvolvimento e atingir o humano-genérico.
Ao realizarmos uma análise da prática docente na escola atual, vemos como esta
se encontra submetida à ideologia liberal, expressão ideal das relações sociais dominantes
sob o modo de produção capitalista. Essa ideologia é comum aos seus alunos e também
aos seus professores. Sendo assim, torna-se inevitável compreender a escola e os sujeitos
que dela participam, sem uma reflexão sobre o modo de produção capitalista. Antes, a
escola deve ser compreendida como síntese de muitas determinações e submetida, como
as demais instituições sociais, às contradições próprias dessa sociedade.
Analisamos criticamente que as condições que favorecem a presença de métodos
tradicionais na prática docente. Vimos como decorrem, sobretudo, da ideologia da
sociedade capitalista, presente na escola na concepção de educação dos professores e na
compreensão que os alunos têm da escola e do conhecimento.
A partir dessa constatação, elaboramos uma proposta de intervenção, com objetivo
de realizar atividades com grupos menores de alunos. Nossa proposta visava conduzi-los,
de forma diferenciada, no processo educativo.
Os resultados dessa intervenção ainda se encontram em processo de análise. Mas
já é possível notar que trabalhar com um número reduzido de alunos tem possibilitado
uma aprendizagem mais significativa, assim como maior valorização do conteúdo

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aprendido e seu valor social. Sobretudo, o importante papel do professor no processo de
humanização dos alunos na escola.
Concluímos até o momento que essa pesquisa permitiu-nos ultrapassar a visão
empirista e imediatista e nos mostrou que a quantidade excessiva de alunos por sala de
aula, a pressão por resultados em avaliações oficiais e a falta de recursos materiais
disponíveis para o uso do professor, dificultam seu papel na transmissão do conhecimento
sistematizado comprometendo o processo de humanização dos alunos na escola pública.
Enfatizamos que a escola pública precisa ser transformada, sendo que os
professores e alunos, como também pais e familiares, devem participar desse processo.
Segundo a lógica capitalista, a escola tem cumprido o seu papel e são os indivíduos que
dela participam, tanto os professores, quanto os alunos, que não conseguem acompanhar
o ritmo da escola capitalista. Há que se reverter esse processo e transformar a escola por
dentro, na busca de construção de uma escola-comunidade, como afirma Viotto Filho
(2016). Construir uma escola que possibilite aos sujeitos que dela participam, atingir as
esferas mais desenvolvidas do gênero humano.

Referências bibliográficas

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FILHO, I. A. T. PONCE, R. F. (org.). Psicologia e educação perspectivas críticas para a
ação psicopedagógica. Birigui, SP: Editora Boreal, 2012.

DUARTE, N. A individualidade para-si. Campinas: Autores Associados, 1993.

HELLER, A. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do Psiquismo. Horizonte Universitário. Lisboa,


1978.

MARTINS, Lígia Márcia. As aparências enganam: divergências entre o materialismo


histórico dialético e as abordagens qualitativas de pesquisa. 2006. Disponível em:

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MARX, Karl. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus
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MÉZÁROS, I. A educação para além do capital. 2ªed. São Paulo. Boitempo. 2008.

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VIGOTSKI, L.S. LURIA, A.R. LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e


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VIOTTO FILHO, I.A.T. A escola atual numa perspectiva de comunidade:


contribuições teórico-críticas de Agnes Heller. Presidente Prudente: UNESP, 2016.

Autores:

Lucas Rinaldini
UNESP/Presidente Prudente
e-mail: rinaldinilucas@gmail.com
Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho
UNESP/Presidente Prudente
e-mail: tuimviotto@gmail.com

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emancipação humana
MERITOCRACIA NAS ORIENTAÇÕES INTERNACIONAIS:
CONVERGÊNCIAS E DESAFIOS PARA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA
Franciele Soares dos Santos
Sueli Ribeiro Comar

O objetivo do texto é analisar a meritocracia a partir das orientações internacionais


bem como a relação dessa categoria com a organização da escola. Sinalizamos,
primeiramente, conceitos e debates sobre a meritocracia no contexto dos documentos dos
organismos internacionais, as quais coincidem com reformas educacionais na América
Latina, justificadas pelo argumento da educação como condição de desenvolvimento.
Num segundo momento, debatemos a escola como lócus e materialização da
meritocracia, seja pela premiação de gestores e professores, como também, pela avaliação
em larga escala, posta como única via para qualidade total em educação. Como
metodologia optamos pelo estudo bibliográfico referente ao assunto. Como resultado,
esperamos a compreensão da escola como um terreno de luta na perspectiva da construção
de uma educação contra-hegemônica num momento de profundas injustiças sociais,
falência moral e ética e porque não dizer, a dizimação do que mais importa no campo
educacional: a formação humana na sua plenitude.
O Dicionário Priberam37 define meritocracia como “uma liderança que se baseia
no mérito, nas capacidades pessoais e nas realizações, em detrimento da posição social”
Em outra fonte, o Oxford Advanced Learner´s Dictionary (2005)38, meritocracia é tratada

37
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 2008-2013. Disponível em
http://www.priberam.pt/dlpo/chave [consultado em 21-10-2014].
38
Oxford advanced learner's dictionary of current English. Oxford: Oxford University Press, 2005(Online
Version). (OCoLC)891647419.

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emancipação humana
como “país ou sistema social onde as pessoas obtêm poder ou dinheiro com base em sua
capacidade”. Assim, a expectativa da prosperidade, como resultado individual e não,
como transformações das relações de produção foi tomada pelos organismos
internacionais a exemplo do Banco Mundial, BIRD (Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento),
UNESCO (Organizações das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura) e pela
UNICEF (Fundo das Nações Unidas para Infância) com o Slogan “Criança Esperança”.
De modo mais dinâmico, após a década de 1990, considerando a pobreza e os
atrozes resultados da política neoliberal, principalmente na América Latina, ajustes e
reformas anunciam uma solução para a Região. Não uma solução pautada nas mudanças
sociais e políticas, mas um pretexto no qual a educação se tornaria a saída para os
problemas sociais, econômicos e de convivência para as diferenças em um mundo
globalizado, a lógica do mérito, encontra campo fértil nesta conjuntura. Portanto, a
centralidade conferida à categoria meritocracia nas políticas sociais não é dada ao sabor
do acaso nas orientações das agências multilaterais. Ao trazer a meritocracia para a pauta
das discussões, ocorre uma troca conceitual e necessária às articulações políticas e de
mercado das economias centrais, porque esse processo impôs uma reorganização e nova
atuação do Estado39. Essa conjuntura baseada em ajustes e reformas, justificadas pelo
jargão “Menos Estado e mais Mercado” é o que garante a consolidação dos aspectos
meritocratas. São os princípios do mercado e do mundo empresarial, agora, legados a
educação.

39
Estado aqui entendido como a “forma de organização que os burgueses necessariamente adotam, tanto
no interior como no exterior, para garantir recíproca de sua propriedade e de seus interesses (MARX, 1993,
p.98).

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emancipação humana
Esse novo conceito de desenvolvimento pautado nas iniciativas pessoais, torna-
se ponto basilar da educação. Em documento da UNESCO datado da década de 1980, lê-
se
La educación es un instrumento fundamental en la liberación de las
mejores potencialidades del ser humano, para alcanzar una sociedad
más justa y equilibrada, y que la independencia política y económica no
puede realizarse cabalmente sin una población educada que comprende
su realidad y asuma su destino (UNESCO, 1979, p. 02).

Cada ser humano poderá, então, assumir seu destino, o caminho pelo qual deseja
trilhar. Ocorre certa liberdade individual anunciada e intencionada nas orientações
políticas, afinal, agora somos livres para nossas escolhas, num momento de Estado menos
atuante, podemos definir o sucesso ou o fracasso da nossa existência. Marx (2012)
argumenta que essa liberdade e igualdade se constituem uma grande farsa, pois, para ser
livre cada sujeito necessita construir uma intenção para suas ações, ou seja, ser consciente
do que deseja fazer, não de modo individual, mas coletivo. A liberdade meritocrata é
hipócrita no capitalismo, porque enfraquece justamente a coletividade, cada indivíduo se
faz pelo próprio empenho.
Importante também destacar que a categoria meritocracia está atrelada a outras
formas gerenciais que se destacam nas orientações aos países em desenvolvimento como
meio de modernização frente as grandes economias. No relatório “Equidade e
Desenvolvimento” preparado pela UNESCO em 2006, no qual se lê “a maior equidade
da educação sugere uma operacionalidade econômica mais eficiente, esforços da
comunidade para a redução dos conflitos sociais” (p.3). Aqui equidade é entendida como
equilíbrio para possíveis conflitos sociais e, de modo algum, significa igualdade entre
classes.
Fonseca (1998) entende que meritocracia e equidade caminham juntas no âmbito
das agências internacionais, não se trata de uma conjunção banal, mas com custos

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significativos nos resultados da política comprometida com a justiça social. De modo
convergente, o relatório da UNESCO (2006), traz a meritocracia como meio de
conquistas pessoais determinadas por talentos e esforços, e não por circunstâncias como
etnia, gênero, história social ou familiar. Portanto, embora não resolva a raiz dos
problemas, o mérito pode ser útil na prevenção da privação de resultados, especialmente
em saúde, educação e níveis de consumo.
Há um afastamento da garantia da igualdade (conceito que não cabe em uma
sociedade de classes), dando ênfase na equidade como sinônimo de oportunidade igual
para todos. No caso da educação, a equidade e meritocracia garantem a oportunidade de
estudos por meio da universalização do ensino e Educação para Todos, mas essa garantia
não está presente no ponto de chegada com resultados significativos para a educação.
Outro elemento é a forma como são cobradas as iniciativas para este novo
trabalhador, assim: “os sistemas de gestão de recursos humanos do Governo do Brasil
têm incorporado com sucesso os princípios de meritocracia, ética, integridade e
legalidade em suas práticas de recrutamento e promoção, mas o foco na eficiência e no
desempenho tem sido mais limitado” (BIRD, 2011, p. 99). Nesta perspectiva reitera-se o
dever de cada país em ampliar a responsabilidade pelos resultados e articular as ações do
Estado entre os níveis central, regional e local.
Desse contexto, é possível identificar que o projeto educativo defendido pelos
organismos internacionais, ainda lega para a América Latina uma herança neoliberal que
obstrui a construção de políticas opostas à marginalização da Região. Segundo Soares
(2016, p.1) este processo se configura por quatro aspectos relevantes, sendo o primeiro a
falta de conexão entre o projeto desenvolvimentista e o compromisso com a formação
humana, pois, aponta como objetivo central, à redução da extrema pobreza, com medidas
que se configuram como paliativas no sentido de que não resolvem a causa dos problemas.

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emancipação humana
O segundo aspecto está no uso de políticas focalizadas para as quais os direitos de
cada cidadão são reduzidos a programas emergenciais, com investimentos que não
resultam efeitos significativos. Em terceiro lugar, está a condução da solução dos
problemas à sociedade civil, as iniciativas pessoais e as ONGs, ocasionando a perda de
dinamismo de certos programas, colocando-os cada vez mais afastados das políticas de
governo e, inserindo-os no plano local e pessoal.
Por fim, como quarto argumento, está o processo que parece anular um projeto
consistente de desenvolvimento, movido pela promessa da educação básica como
condição para eliminar as injustiças. Com isso, consolidam-se direitos mínimos e a
naturalização da desigualdade em nível pessoal, ignorando os fatores estruturais dos
problemas sociais. Os efeitos do discurso meritocrático no contexto escolar brasileiro, são
materializados por meio da aceitação e incorporação de proposições empresariais, como
por exemplo, do Movimento Todos pela Educação40.
Freitas (2012; 2014), Leher (2014) e Shiroma et al (2011) e Martins (2009),
apontam que esse movimento representa a inserção do capital financeiro no
direcionamento das políticas educacionais brasileiras, que culmina na mercantilização da
educação. Posto isto, faz-se necessário reconhecer que o movimento TPE tem como
protagonistas “Itaú-Unibanco, Bradesco, Santander; os grandes meios de comunicação:
Fundação Roberto Marinho, Victor Civita; corporações da indústria editorial; setores
metalúrgicos, como a Vale e próprio grupo Gerdau; os representantes do agronegócio,
como a Monsanto” (LEHER, 2014, p.170).

40
“Os empresários além de apropriadores da riqueza socialmente produzida, assumem a função de
educadores sociais, tornando-se parceiros privilegiados dos governos neoliberais. Os governos, por sua vez
mercantilizam-se assumindo concepções e práticas empresariais para implementar políticas de educação,
saúde, habitação e transporte, entre outras, visando a conformação de uma nova sociabilidade. (MARTINS
& NEVES, 2012, p. 541).

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Sob a chancela do governo Lula ocorreu a fusão do Estado com os representantes
do movimento TPE. Fusão esta, representada principalmente pela criação do Plano de
Desenvolvimento da Educação/PDE, nomeado “PDE: Compromisso Todos pela
Educação”. Quer dizer, o movimento TPE, conseguiu, por meio do consentimento do
governo, organizar uma agenda educacional em consonância com interesses do capital
para a formação dos trabalhadores41.
Nessa dinâmica, a lógica empresarial é transferida para a educação, conduzindo a
construção de uma série de mecanismos de controle e gestão da educação nacional 42. Na
trama de tais mecanismos, temos a constituição de um discurso político, ou seja, uma
“liturgia da palavra” articulada ao um movimento e “conversão de almas” as
transformações na educação empreendidas pelo TPE (SHIROMA et al, 2011).
Na avaliação de Freitas (2012) o êxito destes mecanismos ocorre
fundamentalmente, por meio de três categorias que definem o rumo das políticas
educacionais brasileiras nas duas últimas décadas, são elas: responsabilização,
meritocracia e privatização.

41“O modus operandi do mencionado movimento confirma o seu caráter de organizador e persuasor de uma
certa hegemonia. Ele se apresenta como um movimento da sociedade civil autônomo em relação ao governo
e ao Estado, recusando dinheiro do Estado. Como é que eles funcionam? Os donos do dinheiro e do poder
objetivam garantir que as políticas do Estado sejam as suas políticas e, para isso, organizam uma agenda
de consenso para a educação pública. O que é esse consenso? O primeiro ponto é que a escola pública dever
ter como função social difundir competências e não conhecimentos. Essas competências devem ser
mensuráveis. Como mensurar as competências? Essencialmente pela avaliação. Que avaliação? Avaliação
de desempenho, daí se cria o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O IDEB está
assentado em uma série de teses – e agora temos um novo, o teste para crianças de 8 anos. Começamos
com a Provinha Brasil, a prova ABC para as crianças de 8 anos, o SAEB, ENEM, ENAD, e isso tudo
balizado em um sistema internacional de avaliação, o teste PISA” (LEHER, 2014, p. 171).
42
De acordo com Freitas (2014, p. 64-65) “a matriz de controle mundial das políticas educacionais é hoje
a OCDE, um organismo internacional destinado à cooperação e desenvolvimento econômico das nações
desenvolvidas [...] ela é responsável pela avaliação em nível mundial da qualidade da educação dos países
ricos nas disciplinas de leitura, matemática e ciências pelo exame do Pisa”.

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Operando por meio do discurso da responsabilização, os “reformadores
empresariais” (FREITAS, 2012) organizam testes para os estudantes das escolas públicas
como forma de analisar e divulgar o desempenho destes, abrindo caminho para uma
política descarada de recompensas e sanções para a instituição escolar que obter melhores
resultados, ou seja, notas. Amalgamada a tais estratégias, está a meritocracia.
Na escola a meritocracia incide diretamente na avaliação do desempenho dos
alunos por meio dos testes. Seu receituário focaliza no mérito e esforço dos sujeitos para
o sucesso no trabalho e na vida, sob o argumento de que a igualdade de oportunidades é
dada de forma igualitária a todos os indivíduos na escola, a diferença ocorre devido à
dedicação de cada um.
A redução da educação ao mérito atinge diretamente o trabalho docente. A
expressão disso está no controle da prática pedagógica, quando os professores ficam
sujeitados a lógica da política de avaliação educacional. É por meio do consentimento de
estados e municípios que os reformadores empresariais instituem uma espécie de
bonificação para os docentes, que é calculada a partir do desempenho dos seus alunos em
testes aplicados pelo governo. No caso, culpabilizando estes se os resultados não forem
satisfatórios. Além disso, outros arranjos compõem o controle da prática pedagógica, por
meio da organização de processos de avaliação do trabalho docente, que visam controlar
as instituições formativas apelando para o discurso do pragmatismo.
Ainda, é no bojo desses mecanismos criados pelos representantes do TPE, que
emerge outra categoria, a privatização. A privatização está ligada as duas primeiras
categorias já explicitadas, e tem por objetivo privatizar o sistema público de ensino. Nas
últimas décadas a privatização está articulada a gestão por concessão.43

43
“[...] O advento da privatização de gestão introduziu na educação a possibilidade que uma escola continue
sendo pública e tenha uma gestão privada (gestão por concessão) [...] Continua gratuita para os alunos, mas
o estado transfere para iniciativa privada um pagamento pela sua gestão. Há um “contrato de gestão” entre
a iniciativa privada e o governo (FREITAS, 2012, p.386).

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Sobre as estratégias de privatização, é importante destacar ainda a política dos
“vouchers” ou como chamamos aqui no Brasil “as bolsas de estudo”. Os vouchers dão
acesso aos alunos pobres as escolas privadas por meio de processos seletivos na maioria
das vezes. Na verdade, o que está em jogo é “apenas a disposição ideológica para afirmar
que o privado é melhor que o público” (FREITAS, 2012, p. 387).
Os citados mecanismos apresentam efeitos perversos para educação e a escola.
Dentre estes, Freitas (2012) destaca: o estreitamento curricular; competição entre
profissionais; pressão sobre o desempenho dos alunos e preparação para testes; fraudes;
aumento da segregação sócio-econômica no território; aumento da segregação sócio-
econômica dentro da escola; precarização da formação de professores; destruição moral
do professor e destruição do sistema público de ensino.
Feitas essas observações, cabe ainda considerar que, nas últimas décadas, o
projeto do capital para educação vem promovendo uma espécie de apartheid educacional
entre as classes sociais (LEHER, 2014). Quando, por exemplo, estabelece o “ensino do
básico” nas escolas por meio da ratificação de um currículo mínimo com ênfase em um
“corpo de habilidades básicas de vida, suficiente para atender aos interesses das
corporações e limitando a algumas áreas de aprendizagem restritas (usualmente leitura,
matemática e ciências) ” (FREITAS, 2012, p. 390).
Certamente, foram as demandas do capital que levaram os Organismos
Internacionais a preocupar-se com a educação e construir políticas pautadas no discurso
meritocrático. Pois, como destaca Leher (2010, p.19) “[...] a educação é parte da estratégia
política e, por isso, historicamente, os setores dominantes têm empreendido esforços para
caracterizá-la e aprisioná-la com um campo guiado por razão utilitarista”.
Este cenário apresenta desafios cada vez mais grandiosos à classe trabalhadora na
disputa por um projeto educativo e por uma escola de novo tipo. Estes desafios apontam
na direção da necessidade da compreensão de que a escola é, sim, um campo estratégico

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imprescindível para as lutas da classe trabalhadora por carregar em si as contradições
inerentes à sociedade de classes.
Ou seja, é a partir do antagonismo de classes que é gestada a possibilidade da
construção de propostas educativas contra-hegemônicas, pois, “a educação define-se no
embate hegemônico e contra-hegemônico que se dá em todas as esferas da sociedade e
por isso, não pode ser tomada como ‘fator’ isolado, mas como parte de uma totalidade
histórica, complexa e contraditória” (FRIGOTTO, 2009, p. 17). O ponto de partida é a
disputa pela educação e pela escola, na superação da forma escolar atual construída no
seio das relações capitalistas.
Portanto, mais do que nunca a tese de Snyders (1981) da escola como terreno de
luta de classes é válida. Ou seja, a escola deve ser entendida pela classe explorada como
meio de resistência e possibilidade de libertação. De acordo com ele, “[...] a escola é um
terreno de luta, o teatro em que se defrontam forças contraditórias – e isto porque já faz
parte da essência do capitalismo ser contraditório, agir contra ele próprio, criar os seus
‘próprios coveiros’ (SNYDERS, 1981, p. 105).
Nesse sentido, é imprescindível construir processos de contrainternalização
(MÉSZÁROS, 2005). O que implica em assumirmos desafios e enfrentamentos que
culminam na construção de práticas educativas que objetivem a transformação social e a
superação do modo de produção capitalista, e no nosso entendimento que tenham como
eixo e fundamento orientador as proposições da educação socialista.
Por essa razão, o autor ressalta que para efetivarmos a educação na perspectiva da
luta pela emancipação humana e pela transformação social, faz-se necessário resgatar dois
elementos imprescindíveis: “a universalização da educação e a universalização do
trabalho como atividade humana auto-realizadora. De fato, nenhuma das duas é viável
sem a outra” (MÉSZÁROS, 2005, p. 65). Por sua vez, estes elementos são o alicerce da
educação para além do capital.

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emancipação humana
Tal entendimento revela, a nosso ver, a necessidade da compreensão do trabalho
como categoria ontológica fundamental que constitui homens e mulheres enquanto seres
genéricos. Diante disso, afirmamos que este deve ser a referência para educação enquanto
processo de formação humana. Por isso, defendemos e reconhecemos a necessidade da
junção trabalho educação na formação humana na busca pela superação da educação
unilateral capitalista e na defesa da omnilateralidade e de uma educação para além do
capital e do discurso meritocrático.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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UNESCO. Relatório sobre Desenvolvimento Mundial. “Equidade e Desenvolvimento”


2006. Disponível em www.world Bank .org. Acesso em 10/12/2014.
Autoras:
Franciele Soares dos Santos
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel.
Professora do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR
Email: sfrancielesoares@gmail.com
Sueli Ribeiro Comar
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel.
Professora do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR.
Email: sueli_ricomar@hotmail.com

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emancipação humana
O ESVAZIAMENTO DOS SENTIDOS DA ESCOLA PÚBLICA E A
FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA: NUANCES E
VICISSITUDES DA “NOVA” REFORMA DO ENSINO MÉDIO NO
BRASIL
Dayanna Pereira dos Santos

Introdução
O neoliberalismo, implementado no Brasil tardiamente, assim como nos demais
países latino-americanos, foi constituinte das políticas de ajustes estruturais operadas a
partir da década de 1990. Desse modo, foi compreendido mundialmente como estratégia
hegemônica de ampla reestruturação do capital frente à crise da social democracia, ao
progresso tecnológico-científico, à reorganização geopolítica e às lutas de classe que se
empreendem pós-1970, estendendo-se, essencialmente, em três frentes relacionadas: a
reestruturação produtiva, a reforma do Estado e a oposição aos direitos dos trabalhadores.
Destarte, a ideologia neoliberal passou a afetar as políticas educacionais
brasileiras, de modo mais nítido na década de 1990, por meio de uma organização
pedagógica centrada no atendimento dos interesses de manutenção da hegemonia do
capital. Logo, a educação passou a se configurar como um mecanismo mercadológico
que permite o puro treinamento dos indivíduos mais pobres para as empresas do setor
privado. Outrossim, as políticas educacionais são estabelecidas em prol da perpetuação
da soberania das ideologias da burguesia em relação à classe trabalhadora.
Sob esse prisma, a escola pública brasileira passa, na atualidade, por um turbilhão
de desintegração, nutrido pela consolidação de um Estado cada vez mais poderoso e
legalmente amparado, que, mediante a proposição da “Nova” Reforma do Ensino Médio,
via Lei nº 13.415/2017, objetiva repetir o modelo de classificação do ensino público em
propedêutico e ou profissional, via dispositivos curriculares, cujo objetivo é o da

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segregação social. Com uma visão tecnicista do ensino, a Lei baliza o trabalho do
professor quanto à especificação dos saberes disciplinares imprescindíveis aos alunos
para o ingresso precoce no mercado de trabalho. Prevalece a ênfase no desempenho e na
avaliação, em detrimento da realidade do aluno e das condições de trabalho docente.
Desse modo, tal Reforma coloca-se a serviço do capital.
Segundo Mészáros (2008), a sociedade dividida em classes divide também o
conhecimento, assegurando, para a pequena parcela da sociedade, a arte, a ciência, a
filosofia; aos demais, destina apenas a formação básica, ler, escrever, contar e como
complemento é disponibilizado o ensino profissional. Essa distribuição desigual do saber
dentro da escola reproduz a lógica do capital na medida em que, a partir do discurso da
empregabilidade, competitividade e a instauração da dominância pedagógica das
competências, busca-se, sobretudo, o aumento da produtividade em detrimento da
compreensão crítica dos processos produtivos. Por ter uma finalidade em si mesmo, o
processo produtivo, sob a lógica do capital, aliena o trabalhador, pois é somente para
produzir que ele existe.
Todavia, o autor salienta que a educação pode funcionar como um mecanismo de
contrainternalização dos valores da classe dominante e se converter em um projeto de
educação para além do capital, desde que seja empreendido um projeto de “sociedade,
para além do capital”. Trata-se da luta pela instauração de uma sociedade com novas
formas de sentir, pensar e agir no mundo, possibilitando, pois, “um efetivo feedback dos
indivíduos educacionalmente enriquecidos, com suas necessidades mudando
corretamente e redefinidas de modo equitativo, para determinação global dos princípios
orientadores e objetivos da sociedade” (MÉSZÁROS, 2008, p. 75).

O esvaziamento dos sentidos da escola pública e a formação da classe trabalhadora:


nuances e vicissitudes da “nova” reforma do ensino médio no Brasil

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Conforme o Manifesto Comunista, de Marx e Engels (1848/2009), as classes
sociais passam a existir a partir da divisão social do trabalho, fracionando a sociedade em
grupos de detentores (burguesia) e grupos de não detentores dos meios de produção
(trabalhadores/operários), dando origem à classe dominante e à classe dominada. Esta
formação, atributo da sociedade capitalista, apregoa as desigualdades nas quais se
baseiam as classes sociais. Em razão da divisão social do trabalho e dos meios
inicialmente, “a sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade feudal,
não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir novas classes, novas
condições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado” (MARX;
ENGELS, 1848/2009, p. 32). A sociedade burguesa simplifica os antagonismos sociais
ao cindir a sociedade em duas classes rivais que entram em confrontos diretos: a burguesia
e o proletariado.
Com efeito, é possível depreender que a evolução percorrida pela burguesia é,
antes de tudo, antes da soberania política, inclusive, a revolução do capital, a revolução
econômica, da propriedade privada, da mercadoria, do assalariamento, da mais-valia, do
lucro, da acumulação e da submissão da ordem feudal à nova ordem do capital. Isso
porque é na dinâmica das trocas, energia típica do capital, na geração de valor, no ganho,
na unificação, na imposição das forças produtivas, que se ergue o poder. Ou seja, em
razão da divisão social do trabalho e dos meios, a sociedade se radicaliza entre os
detentores e os não detentores dos meios de produção. Logo, a dominação burguesa e sua
reprodução têm como ponto de origem o próprio capital.
Nesse contexto, o Estado comparece como uma instância criada pela burguesia
para afiançar seu domínio econômico sobre o proletariado, conservando e protegendo a
propriedade privada dos meios de produção, enquanto a ideologia estaria incumbida de
propagar a visão de mundo e os valores burgueses, legitimando e consolidando seu poder.

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Isto é, o Estado aparece para representar os interesses da classe dominante e cria, para
isso, inúmeros aparatos para manter a estrutura da produção.
Segundo Ianni (1989, p. 7),
[...] o capital parece estabelecer os limites e as sombras que demarcam
as relações e as distâncias entre o presente e o passado, a superstição e
a ilustração, o trabalho e a preguiça, a nação e a província, a tradição e
a modernidade. Em suas conotações sociais, políticas e culturais, além
das econômicas, o capital parece exercer uma espécie de missão
civilizatória, em cada país e continente, no mundo.

Assim, o capital e as relações de produção passam a gerir tanto a distribuição dos


meios de produção e dos produtos quanto a assimilação dessa distribuição e do trabalho,
ou seja, o capital promulga os modos sociais de organização direcionados para a
produção. Para Marx (1848/2009), a consciência humana é causada pelas relações sociais
de produção, porque somos efeito da práxis, da ação dos conflitos históricos, ou seja, é a
luta entre as classes que suscita as ideias. Logo, ao causar as condições materiais de
existência, o homem também produz sua consciência, sua forma de pensar e compreender
o mundo, suas feições. Portanto, não é a consciência dos sujeitos que define a realidade.
Adversa a isso, é a realidade social que gera a sua consciência, o que implica dizer que a
consciência é dada pela materialidade e não o contrário. Essa contraversão é para ratificar
que as ideias são produzidas pela realidade histórica.
De modo específico, considera-se que, no sistema capitalista, as relações humanas
são mercantilizadas, manipuladas, porque o sujeito pensa e opera para o capital, para a
produção, sob a égide da ilusão de que é ele quem elabora e dá cumprimento ao processo,
enquanto, na verdade, a deliberação do que é e de como produzir, realizar, atuar não cabe
ao trabalhador. Esse processo mercantiliza, portanto, a potência de trabalho, a força
humana, os elementos de produção, as relações sociais, e produz valor para si. O
capitalismo extrapola os limites como padrão de organização socioprodutivo,

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constituindo-se também em um aparelho ideológico de alienação a serviço da classe
dominante.
Entende-se que o processo de alienação do trabalho tem como referência a
universalidade do trabalho. Nessa lógica, o homem é concebido como ser genérico que
se rescinde na economia capitalista na qual o valor do sujeito é negado. Nesse caso,
segundo Marx (1964), o trabalho que o homem emprega no objeto lhe é estranho, pois,
apesar de o sujeito se pôr no objeto que produz, ao executar apenas uma das partes, perde
a referência do objeto como um todo e por isso não é capaz de se reconhecer nele. Assim,
ele se perde de si e se aliena.
O trabalho, em sua configuração alienada, altera a relação do homem com aquilo
que constitui a essência da humanidade. O homem submerge à compreensão de sua
existência e, ao invés de se humanizar ao trabalhar, afasta-se cada vez mais da relação
com os outros homens: segrega-se e toma a direção da barbárie. Trata-se, pois, da
objetivação do homem face ao produto de seu trabalho. É o valor de troca que prevalece,
visto que o ser humano não representa outra coisa senão mão de obra para produzir. Seu
ser, enquanto ser histórico, absoluto, integral, homem que se sobrepõe à natureza, planeja
suas ações, produz e se humaniza pelo próprio trabalho, deixa de ter significado dentro
dessa sociedade.
Para Resende (2003, p. 213):
No capitalismo, as necessidades dos trabalhadores são reduzidas às
necessidades para a manutenção de sua força física, o que afasta o
homem de sua essência social e lhe tira a força de afirmação. [...] as
relações humanas são mercadorias que os indivíduos trocam [...] o valor
das mercadorias vai determinar o valor dos indivíduos. O caminho da
individualização é o processo da alienação histórica do homem que, no
começo, separou-se de sua comunidade, para, posteriormente, separar-
se de si mesmo.

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emancipação humana
Nota-se que a preocupação da autora com o problema da alienação do trabalho
consiste numa tentativa de entender como no capitalismo o mundo das coisas
praticamente se confunde com o mundo das mercadorias. Para a autora, além do produto
como consequência da alienação do trabalhador, o processo produtivo é uma alienação
ativa, uma atividade alienante e alienadora. O trabalhador não pertence mais a si, mas a
outrem e perde sua espontaneidade. O produto do trabalho alienado são a concentração
de riqueza ou propriedade privada em grupos minoritários e a miséria na vida daqueles
que efetivamente trabalham no processo de geração da riqueza, mas que, apesar de sua
atuação, não podem dela usufruir.
Sob tal lógica, é promulgada a Lei nº 13.415/2017, responsável pela “nova”
Reforma do Ensino Médio, que objetiva a flexibilização da matriz curricular. A atual
matriz prevê uma parte comum e obrigatória a todas as escolas por meio da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) e outra seção flexível. Tal mudança é justificada pelo
objetivo de aproximar ainda mais a escola das novas demandas profissionais do mercado
de trabalho.
Nesse caso, a BNCC define as competências e conhecimentos oferecidos a todos
os estudantes na parte comum em 1.800 horas, envolvendo linguagens e suas tecnologias;
matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas
e sociais aplicadas e a formação técnica e profissional. A formação técnica e profissional
é apresentada sob a prerrogativa de preparar os jovens para o mundo do trabalho e também
para a continuidade de estudos. Entretanto, a preocupação com a formação da classe
trabalhadora em fase escolar e com aspectos como a evasão e a defasagem de
aprendizagem não se faz presente nessa proposta pedagógica.
Sabe-se que a constituição de um projeto de educação realça as disputas de
concepções e estratégias de cada período histórico. Segundo Motta e Frigotto (2017), a
ideia de promover, no Ensino Médio, o desenvolvimento de habilidades e competências,

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emancipação humana
que maximizam a inserção do jovem no mercado de trabalho, constitui-se em uma
ideologia, injusta e ardilosa, pois os “cortes no orçamento da educação e os repasses de
recursos públicos para setores privados ofertarem cursos aligeirados e de baixo valor
tecnológico agregado vão de encontro à ideologia do capital humano” (MOTTA;
FRIGOTTO, 2017, p. 361). Isso implica pensar que a trajetória de implementação de uma
política pautada na imbricada relação entre a formação para o trabalho e o Ensino Médio
não deveria acontecer de modo impositivo, via medida provisória ou decreto, visto que
exige efetiva discussão com diferentes frações da sociedade, inclusive com os contrários.
Ainda para Motta e Frigotto (2017), apenas propor a formação da classe
trabalhadora em consonância com o discurso produtivista e suas demandas atuais, como
a flexibilidade e adaptabilidade, não é suficiente para se garantir a melhoria da qualidade
da educação. A melhoria da qualidade da educação brasileira incide no aumento e não no
congelamento dos investimentos nas intuições públicas, conforme posto na Emenda
Constitucional nº 95/2016, que prevê drástica limitação para os gastos públicos do
governo federal, por vinte anos.
Dentre os desdobramentos desse cenário, o “novo” Ensino Médio brasileiro,
empreendido pelo atual Governo de Michel Temer (2016-2017), é questionado por vários
pesquisadores brasileiros, que engendram discussões quanto à origem das reformas
educacionais que o ensino propedêutico e profissionalizante tem experimentado desde a
Reforma Capanema, promulgada em 9 de abril de 1942, Lei Orgânica do Ensino
Secundário, elitista e conservadora, que materializou o dualismo educacional ao definir
que o ensino secundário público seria proposto às elites dominantes, e o ensino
profissionalizante para as classes populares. Realidade análoga ao atual contexto do
Ensino Médio brasileiro calcado no imperativo de produtivista.
Na concepção de Motta e Frigotto (2017), a Lei nº 13.415/2017 não promove a
necessária ruptura com o modelo dualista educacional brasileiro (uma escola para pobres

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emancipação humana
e uma escola para os ricos), por condensar tríplice retrocesso histórico: criação de
itinerários estanques não equivalentes; profissionalização precária frente ao orçamento
insuficiente e divisão classista à luz do argumento de “livre escolha” pelo ensino
profissionalizante nas esferas pública e privada. Em suas palavras, a Reforma
[...] apresenta rigidez no tocante à implementação das disciplinas
recomendadas pelos organismos internacionais, intelectuais coletivos e
orgânicos do capital e do mercado e na negação tácita do conhecimento
básico para uma leitura autônoma da realidade social, esta acobertada
pela delegação da “livre escolha” do jovem dentre as opções
ofertadas.[...] trata-se de uma contrarreforma que expressa e consolida
o projeto da classe dominante brasileira em sua marca antinacional,
antipovo, antieducação pública, que nega os fundamentos das ciências
que permitem aos jovens entender e dominar como funciona o mundo
das coisas e a sociedade humana. (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 368-
369)

Nesse sentido, os autores alertam sobre os malefícios de um projeto educacional


que não prima pela equidade social, por desconsiderar os problemas estruturais do Ensino
Médio brasileiro, seja a desvalorização dos professores, seja o número dos alunos por
classe, seja a defasagem da escola perante as novas tecnologias do mundo digital. Ainda
denunciam que essa problemática é contínua no curso da história da educação brasileira.
A esse respeito, é oportuno frisar que o Ensino Médio contemporâneo retoma elementos
estruturantes da Lei de Diretrizes e Bases nº 5692/71, segundo a qual o ensino médio
assume um caráter essencialmente profissionalizante, devido à crença de que tal grau de
ensino deveria, sobretudo, treinar os estudantes para o mundo do trabalho. No entanto,
vale lembrar que essa proposição foi calamitosa e operou, na verdade, para “conter o
aumento da demanda de vagas aos cursos superiores” (NASCIMENTO, 2007, p. 83) e,
com isso, também dividir ainda mais a juventude, entre aqueles que ascenderiam ou não
ao Ensino Superior. Trata-se, pois, do risco de condenar significativa parte da juventude
à condição de pura mão de obra para o mercado.

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Entende-se, a partir de Saviani (2011), que, diante do atual cenário mercantilista
em que a sociedade se encontra, a educação, como “o ato de produzir, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é gerada histórica e coletivamente pela conjuntura dos
homens" (SAVIANI, 2011), torna-se cada vez mais urgente e necessária. Para tanto,
avalia-se que as discussões sobre o processo dialético do materialismo histórico, que pode
possibilitar a emancipação social consciente, torna-se fundamental na escola pública
brasileira, que sofre intensos ataques quanto a sua autonomia por meio de políticas
regressivas que visam promover o real esvaziamento dos sentidos dessa escola.

Considerações finais
Neste trabalho, procurou-se construir, sucintamente, um esboço das implicações
do sistema produtivo capitalista nas questões da educação escolar brasileira. Buscando
situar estes fatores, recorre-se à literatura sobre a temática, evidenciando a necessidade
de se educar as novas gerações, tendo como proposição a superação do capitalismo. Com
efeito, destacou-se a crítica às correntes de pensamento pedagógico integrantes do
universo ideológico neoliberal, com ênfase para a política educacional que estabeleceu a
“nova” Reforma do Ensino Médio, que, na realidade, repete o velho dualismo escolar a
partir do qual se delineiam caminhos diferenciados, conforme a classe social do
indivíduo.
Concorda-se com Mészáros (2008) quanto ao verdadeiro sentido da educação, que
não é o negócio, e sim criação. Portanto, defende-se que a educação vigente nas escolas
deveria formar para a vida e não para o mercado de trabalho, e seu papel como propulsor
de conhecimento incide em afastar o sujeito do individualismo produzido pelo capital,
que delineia as relações de competição orientadas atualmente pelo sistema capitalista.
Trata-se da tentativa de se ultrapassar a lógica desumanizadora do capital, que tem como

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emancipação humana
bases de sustentação o individualismo, o lucro e a competição, para arquitetar a sociedade
tendo como ponto nuclear o ser humano.
Cabe, pois, buscar e “reivindicar uma educação plena para toda a vida, para que
seja possível colocar em perspectiva a sua parte formal, a fim de instituir, também aí, uma
reforma radical” (MÉSZÁROS, 2008, p. 55). Ora, o objetivo primordial da educação é o
de elaborar, desenvolver e realizar as transformações políticas, econômicas, culturais e
sociais necessárias. Assim se busca uma educação empenhada na construção de outro
mundo possível, que prime pelo ser humano e não apenas pela sua atividade de trabalho.

Referências
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SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Autores


Associados, 2011.

Autora:
Dayanna Pereira dos Santos
Universidade Federal do Goiás- UFG
e-mail: dayannagyn@hotmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
UMA LEITURA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA NO
PERIÓDICO ENVIRONMENTAL EDUCATION RESEARCH POR
MEIO DA REVISÃO SISTEMÁTICA

Pâmela Angélica da Costa


Jorge Sobral da Silva Maia

Introdução

Esta é uma pesquisa que parte do pressuposto que a educação ambiental crítica
objetiva elaborar elementos teóricos e práticos para atuar sobre a crise societária que
também é ambiental. Fundamenta-se em uma perspectiva histórica e concreta da relação
de domínio entre sociedade e natureza. Entretanto, sobre a égide de crítica, várias
concepções de diferentes ideologias e de modelos de sociedade são agrupadas e, na
maioria, buscam articular as possíveis soluções para citada crise perpetuando sua causa
primeira, isto é, o modo capitalista de produção.
A afirmação implica no entendimento da educação ambiental crítica como aquela
que busca enfrentar, com vistas a superar, o modelo civilizatório contemporâneo e, neste
sentido, cristaliza-se por meio dos processos e estratégias educativas que ampliem a
condição humana para que os seres humanos consigam sua emancipação por meio da
transformação social.
Verifica-se uma especificidade que precisa de esclarecimento, a saber: qual o
sentido e significado de emancipação. Esse termo foi usado por Marx (2010) que a discute
em seu sentido político, entendendo-a como muito importante, mas como uma etapa para
emancipação humana. Cabe então perguntar se é neste sentido que os estudiosos que
compõem o campo teórico da educação ambiental a compreendem e, em que medida,
aproximam-se da referência original proposta por Marx em sua obra.

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emancipação humana
Além do exposto é relevante considerar as implicações para outras áreas da
atividade humana em sociedade que, direta ou indiretamente, estão associadas a educação
ambiental que se propõe crítica, como a política, a economia, a educação entre outras,
necessárias para uma compreensão, ainda que mínima, da crise já citada afim de superá-
la.
Parece obvio que não é possível uma educação ambiental crítica numa perspectiva
reducionista, já que se instituiu historicamente um campo teórico repleto de polêmicas e
tensões diversas, inclusive de caráter epistemológico, dado a complexidade das questões
socioambientais (LOREIRO, 2007). Nesta dinâmica de constituição do campo teórico
com as diversas categorias elaboradas e os sólidos fundamentos já poderíamos ter
resultados mais efetivos do ponto de vista da ampliação das consciências dos fenômenos
humanos e suas consequências, entretanto os vários retrocessos na cartilha
socioambiental brasileira e mundial nos leva a seguinte questão de pesquisa:
As categorias e os fundamentos da educação ambiental crítica presentes em seu
campo teórico, evidentes nas pesquisas publicadas em periódicos internacionais permitem
a formação da consciência filosófica socioambiental para o enfrentamento da sociedade
de classes, da desvalorização do trabalho como agente humanizador e emancipatório e da
dilapidação do patrimônio ambiental contemporâneos?

Metodologia
Compreendemos a metodologia como um conjunto de conhecimentos que
permitem uma leitura crítica da produção do conhecimento científico identificando seus
limites e suas possibilidades, considerando-a, portanto como a forma de fazer ciência
(DEMO, 1989; MARTINS, 2004).
Nesta abordagem metodológica busca-se a obtenção de dados descritivos por meio
do contato direto com o objeto ou sujeito do estudo. Diversas podem ser as fontes

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primárias nos estudos qualitativos e constitui-se a partir de corte espaço-temporal
realizado pelo pesquisador (NEVES, 1996).
Neste estudo realizaremos uma pesquisa teórica para formular quadros de
referências e estudar as teorias e aprimorar conceitos relacionados à educação ambiental
crítica.
Optamos aqui pelo método materialista histórico-dialético por considerá-lo
conveniente para a realidade social, ao ponto de o tomarmos como postura metodológica
específica para essa realidade no sentido em que não se aplica à realidade natural, porque
esta é destituída do fenômeno histórico subjetivo. Nem por isso deixará de conviver com
estruturas da lógica, pelo que faz sentido falarmos de lógica dialética. Dizíamos que entre
as realidades natural e social há diferença suficiente, não estanque. Entretanto, para além
das condições subjetivas, a realidade social é movida igualmente por condições
subjetivas, que não são maiores nem menores. (DEMO, 1995, p.88).
Ainda permite compreender que formação social é repleta de contradições e está
sempre em movimento, uma vez que sua constituição é histórica e somente
compreendendo a história dos processos humanos é possível, em alguma medida,
desvendar a sociedade.
A partir destes pressupostos adotaremos a abordagem qualitativa e nos valendo da
revisão sistemática e buscaremos por meio dela apreciar as produções científicas em um
periódico internacional em busca de materiais teóricos que nos permitam aprofundar as
tendências e desvendar as ideologias que podem existir nas produções e as bases
epistemológicas nas principais elaborações do campo teórico da educação ambiental
crítica.
É relevante esclarecer que a revisão sistemática é
[...] uma forma de pesquisa que utiliza como fonte de dados a literatura
sobre determinado tema. Esse tipo de investigação disponibiliza um
resumo das evidências relacionadas a uma estratégia de intervenção

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emancipação humana
específica, mediante a aplicação de métodos explícitos e sistematizados
de busca, apreciação crítica e síntese da informação selecionada.
(SAMPAIO; MANCINI, 2007, p. 84).

Neste estudo analisamos o periódico Environmental Education Research


especializado em pesquisas em educação ambiental. A pesquisa abrangeu o período entre
2006 a 2017. Adotamos os seguintes critérios para a inclusão dos artigos as expressões
Crítica, Dialética, Materialismo e Marxismo.
Durante a seleção dos estudos verificamos os títulos e os resumos (abstracts)
identificados na busca inicial de forma independente e cega, obedecendo rigorosamente
aos critérios de inclusão e exclusão definidos no protocolo de pesquisa. Quando o título
e o resumo não eram claros, buscamos o artigo na íntegra, para não corrermos o risco de
deixar estudos importantes fora da revisão sistemática.

Resultados e discussão
Foi realizada uma busca na revista Environmental Education Research utilizando
os termos em inglês, no período entre 2006 a 2017, notadamente verificou-se um número
relativamente pequeno de artigos com as temáticas, no total foram considerados 519 e
encontrados 26, dentre os quais 21 tratam de forma explicita sobre os diversos temas que
permeiam o materialismo histórico-dialético na pesquisa em educação ambiental.
Algumas das edições como as de 2006, 2008, 2010 e 2015, tiveram um maior número de
artigos que abordam o tema de forma satisfatória. Nota-se também que alguns dos artigos
englobam a pedagogia histórico-crítica remetendo a educação ambiental, mostrando com
clareza as dificuldades encontradas para o ensino.
A figura 1 a seguir expõe a identificação, triagem e elegibilidade de artigos, bem
como os critérios para inclusão dos textos. Ainda o número de artigos identificados,
aqueles excluídos por título e resumo, o número de artigos selecionados e elegíveis. Sua
importância está na planificação do mapeamento da pesquisa e sua dimensão teórica e

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emancipação humana
prática constituindo uma referência para este estudo proporcionando uma descrição direta
e objetiva dos trabalhos publicados no periódico em análise.
Figura 1: Fluxograma de identificação, triagem e elegibilidade de artigos do
periódico Environmental Education Research (EER) entre 2006 e 2017.

Artigos identificados:
EER (n=519)
Identificação

Artigos excluídos por título e resumo

EER (n=493)
Triagem

Artigos selecionados:
EER (n=26)
Elegibilidade

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emancipação humana
Artigos completos de acordo
Artigos elegíveis com critérios:
Crítica, Dialética, Materialismo e
EER (n=26)
Marxismo

(n =26)

Modificado de Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG, The PRISMA Group (2009). Preferred Reporting Items for
Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement. PLoS Med 6(6): e1000097. doi:10.1371/journal.pmed1000097

Estes dados indicam, em alguma medida, que a abordagem crítico-dialética surge


notoriamente em uma escala muito reduzida nas pesquisas desenvolvidas no período entre
2006 e 2017 no periódico em análise.
Esta frágil ocorrência pode ser explicada de diversas formas. Entretanto é preciso
caracterizar a concepção crítico-dialética e como esta se vincula epistemologicamente a
educação ambiental, principalmente em sua vertente crítica, emancipatória e
transformadora para elaboração de hipóteses que expliquem satisfatoriamente o ocorrido.
A concepção crítico-dialética emerge como um instrumento gnosiológico para a
captação e compreensão da história real dos seres humanos sistematizando a elaboração
dos conhecimentos dos fenômenos considerando sua aparência, sua essência e as diversas
e complexas relações que o acompanham (MAIA, 2015; KOSIC, 1995). Neste sentido
enquanto método de estudo e análise torna-se importante para o enfretamento da
problemática ambiental e social oriundas da forma de produzirmos a vida em sociedade.
Verifica-se, pois, a necessidade de produções no âmbito científico e filosófico que
permitam desvendar a intricada rede ideológica do domínio do capital sobre o trabalho,
possivelmente a principal causa da degradação do patrimônio ambiental mundial. A
compreensão científica e filosófica desta rede e de seu papel no processo do capital e na

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
luta de classes são elementos relevantes da teoria materialista histórico-dialética em
relação às estruturas sociais vigentes.
Na perspectiva da educação ambiental crítica é possível afirmar que dialogar com
esta vertente - materialismo histórico-dialético - é cada vez mais urgente para que se
efetive um exercício de instrumentalização da sociedade para reconhecer os laços da
dinâmica mundial que dilapida, em nome do lucro, a riqueza ambiental. Este diálogo
mostra-se necessário na medida em que se adjetiva a educação ambiental com os termos
crítica, emancipatória e transformadora.
Esta conceituação mostra que é relevante a idealização de um esquema teórico
para lidar com as racionalidades, as percepções, os cálculos e as táticas empregadas
diuturnamente na relação capital, Estado e trabalho que culminou com a crise societária
que começa a impor a sociedade mazelas econômicas, sociais, políticas, ambientais e
institucionais.
Para esta idealização o compromisso deve se por em questão o modo atual de gerir
o mundo, a existência humana, sistema econômico mundial que produz crescentes
desigualdades e que coloca a ciência a serviço do mercado e, portanto, da exploração da
natureza e do trabalho. Cabe, portanto ao intelectual crítico assumir para si este
compromisso. (BIANCHETTI; VALLE e PEREIRA, 2015).
É possível pensar em hipótese que a pesquisa em educação ambiental também
segue esta mesma linha que defende Sguissardi? Pode ser esta uma das causas da pequena
incidência dos fundamentos críticos e dialéticos na pesquisa em educação ambiental no
periódico em estudo? Estaria nesta condição de produtivismo imposto aos pesquisadores
a pouca transformação oriunda da pesquisa em educação ambiental? Estas são questões
relevantes que necessitam de estudos cuidadosos para serem respondidas.

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Todavia, sabe-se que a produção acadêmica em educação ambiental praticamente
não chega às escolas como explicam Tozoni-Reis; Maia e Teixeira em pesquisa
apresentada na 34a reunião ANPED. Os autores afirmaram que
[...] nossas publicações acadêmicas e científicas estavam distantes dos
professores da educação básica. Percebemos o desconhecimento, por
parte dos professores, de formas mais elaboradas de divulgação dos
conhecimentos, produzidas no meio acadêmico e científico, concluindo
que esse desconhecimento dificulta análises aprofundadas para a
inserção da EA nas escolas. (2011, p. 02).

Neste sentido os autores buscam, para compreenderem sua realidade de pesquisa,


categorias de análise em Tozoni-Reis (2008) que podem ser compreendidas como:
disciplinatória-moralista (que orientam a prática educativa ambiental para “mudança de
comportamentos” ambientalmente inadequados ou “adestramento ambiental”); ingênua-
imobilista (que se preocupam fundamentalmente pela “contemplação” da natureza,
centrando o processo educativo na sensibilização ambiental); ativista-imediatista (que
supervalorizam a ação imediata sobre o ambiente, substituindo o processo de ação-
reflexão-ação pelo ativismo ambientalista); conteudista-racionalista (que orientam o
processo educativo para a transmissão de conhecimentos técnicos científicos sobre o
ambiente); crítica-transformadora (que concebem a EA como um processo político de
apropriação crítica e reflexiva de conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos,
objetivando a construção de uma sociedade sustentável).
Verifica-se que é ainda necessário, apesar do avanço do campo teórico da
educação ambiental na última década, identificar, problematizar e analisar tanto os
fundamentos epistemológicos para a pesquisa em educação ambiental, como da sua
inserção dos diversos espaços em que a produção do conhecimento seja importante,
principalmente nos espaços educativos formais para superar as categorias evidenciadas
pelos autores com vista a uma concepção crítico-transformadora

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emancipação humana
Também é preciso considerar o papel do pesquisador no sentido da organização
da cultura e da produção do saber. Para esta função é fundamental o compromisso social
político do intelectual.

Conclusão
Há duas questões a serem consideradas. A primeira é a utilização da revisão
sistemática para estudos em educação ambiental. O levantamento deu margem para
conhecer certas orientações epistemológicas que vem sustentando a pesquisa em
educação ambiental. Focamos, por conta de nossa opção teórica e prática, na perspectiva
crítico-dialética, e ficou evidente a carência de trabalhos de pesquisa que adotem este
referencial teórico metodológico. A segunda questão está na necessidade de entendermos
que esta ocorrência pode ter diversas causas que precisam ser exploradas pelos
pesquisadores que fundamentam seus estudos na perspectiva crítica. Sustentamos que os
pesquisadores podem trabalhar estratégias para enfrentar a força destrutiva do capital
sobre a sociedade humana e sobre a natureza, onde claramente se instaurou em partes uma
sociedade baconiana de apropriação da natureza pelo homem, onde este vê se como um
deus modulador de um todo.
Por isto entendemos que a educação ambiental é crítica, transformadora e
emancipatória e aqueles que pesquisam, ensinam e militam em seu fundamento
epistemológico, têm relevante papel na mudança do cenário de crise global de caráter
social, econômico, político e ambiental, na luta contra o avanço do capital e do Estado
sobre o trabalho em favor de uma classe social hegemônica (MAIA, 2017).

Referências

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 250
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
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Autor/a:

Pâmela Angélica da Costa


PIBIC- Fundação Araucária – UENP, e-mail: pamelayhtg@gmail.com
Jorge Sobral da Silva Maia
Professor do PPG em Ciências Jurídicas e do Centro de Ciências Humanas e da
Educação – UENP)
Bolsista de Iniciação Científica da Fundação Araucária.
Universidade Estadual do Norte do Paraná/Centro de Ciências Humanas e da Educação.
e-mail: sobralmaia@uenp.edu.br.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO
EM KARL MARX: DESAFIOS DA FORMAÇÃO TEÓRICA NA
GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA
Juliana Borba
José Luiz Zanella

Introdução
A tendência hegemônica na formação de professores, na graduação, é a da
epistemologia da prática, com ênfase aos quefazeres ou metodologias de ensino, em
detrimento da formação teórica. Em oposição a essa tendência, entendemos, com Saviani
(2012), que, na graduação, é fundamental propiciar estudos e pesquisas de
aprofundamento teórico-metodológico. “No Curso de Pedagogia [...] é recomendável que
eles [alunos] se distanciem da escola básica; vivam intensamente o clima da universidade;
mergulhem nos estudos dos clássicos da pedagogia e dos fundamentos filosóficos e
científicos da educação” (SAVIANI, 2012, p. 13).
Em atenção ao chamamento de Saviani, optou-se para realização de um projeto
de iniciação científica voluntário44, com uma acadêmica do Curso de Pedagogia, para um
aprofundamento dos estudos na concepção marxiana45 de educação, em específico da
relação trabalho e educação. O objetivo do presente texto é mostrar o percurso deste
estudo, evidenciando a relevância da formação teórica na graduação. A metodologia
utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com fichamento e análise das categorias trabalho e
educação.

Fundamentação teórica

44
Título do projeto: Introdução ao estudo da concepção de educação em Karl Marx: a relação trabalho e
educação, período de realização: 01/02/2017 a 31/01/2018.
45
Referente ao pensamento de Marx. No texto, quando utilizamos concepção marxista de educação
referimo-nos ao pensamento de Marx.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O primeiro passo foi a elaboração de um memorial pela aluna, o qual evidenciou
as condições de vida da família e as dificuldades para estudar, certamente semelhantes às
de grande parte de estudantes da classe trabalhadora que frequentam cursos de formação
de professores. A seguir, apresentamos algumas partes do memorial.
Minha trajetória junto a minha família é uma história de trabalho,
escrita pela enxada, pelo arado e manchada de suor, é uma história que
nasce no campo [brasiguaio sem terra/trabalho de agregado] e floresce
na cidade [assalariado – pendura de frango na Sadia/Vigilante/dona de
casa, diarista]. Indagava: por que meus pais, que tanto se esforçavam e
trabalhavam, ainda não tinham realizado o sonho de ter uma casa
própria? Por que, apesar de tanto trabalhar, éramos ainda tão pobres?
Daí surgiu a necessidade de conhecer a teoria marxista mais a fundo e
dela me apropriar, para compreender minha realidade, as razões por trás
das diversas situações em que se encontram famílias de origem
trabalhadora como a minha, para entender o funcionamento da
sociedade em que vivemos e, principalmente, para, por meio do
conhecimento adquirido, partir das condições dadas, apreendendo-as a
ponto de iniciar uma pequena revolução mental capaz de me colocar em
condição de romper com a alienação (BORBA, 2017, pp. 1-2).

Demostrava-se, assim, que o estudo da concepção marxista de educação não era


uma imposição arbitrária, ao contrário, era uma necessidade para o entendimento da
relação trabalho e educação na vida da acadêmica.
O primeiro passo foram os estudos sobre a vida e obra de Marx. Com estas
leituras foi possível responder as seguintes questões: quem foi Marx? O que fez e o que
defendeu? Que filosofia/pensamento tinha? Foi possível compreender que Karl Marx foi
o fundador da filosofia da práxis, que desenvolveu uma ciência dialética articulada aos
interesses da classe trabalhadora na transformação da sociedade capitalista. Marx mostrou
que o homem é um ser histórico e social, portanto, é um ser de trabalho que, ao
desenvolver as tecnologias, pode passar do reino da necessidade ao reino da liberdade.
Foi um teórico e um homem de práxis ao mesmo tempo. Analisou cientificamente o
funcionamento do modo de produção capitalista e seu consequente processo

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
desumanizador. Fez uma análise original do trabalho na sociedade capitalista, a partir de
sua inserção na luta dos trabalhadores.
Em seguida, a pesquisa buscou conhecer e compreender o significado do trabalho
como princípio educativo na dialética entre positividade e negatividade do trabalho no
modo de produção capitalista.
Segundo Marx o trabalho é o criador da vida. Por meio dele, o homem se torna
humano, é o trabalho, portanto, atividade que produz humanidade; trabalhar é exercício
inerente à natureza humana, pois transforma o natural em cultural de modo a atender às
necessidades materiais e espirituais do homem. De acordo com Marx:
Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um
processo em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e
controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com
a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as
forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça
e mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil à
própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza
externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua
própria natureza (MARX, 1999, p. 212).

O trabalho é historicamente determinado e vem passando por um longo processo


histórico de alienação, que o torna estranho ao homem e, consequentemente, o homem
torna-se estranho a si mesmo, não se reconhecendo no trabalho.
Ser alienado não é condição natural, mas, sim, resultado de um processo histórico
oriundo da divisão do trabalho, divisão que, no princípio, era natural em toda a sociedade
e separava o trabalho de acordo com o gênero, força física, etc. Mas foi a divisão técnica
do trabalho, instituída a partir do modo de produção capitalista, que, segundo Marx,
dividiu o homem.
Essa divisão capitalista do trabalho ampliou a separação entre o trabalho manual
e o trabalho intelectual, o que implicou uma visão de que as duas coisas juntas não podem
nem devem existir e só podem ser aplicadas a indivíduos diferentes entre si. Assim,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
trabalho e satisfação, produção e consumo, espiritual e material não se encontram,
destinam-se a sujeitos distintos que, por trabalharem com apenas uma das partes, acabam
por se tornarem indivíduos unilaterais, portanto, seres incompletos.
[...] O trabalhador cada vez mais se empobrece, enquanto a força
criativa do seu trabalho passa a se constituir, frente a ele, como força
do capital, como “potência estranha”, e ele “se aliena do trabalho como
força produtiva da riqueza”. Todos os progressos da civilização, todo
aumento das forças produtivas, enriquecem o capital e não o trabalho,
acrescentam apenas o poder que domina o trabalho, e daí decorre, como
processo necessário, que suas próprias forças se coloquem perante os
trabalhadores como estranhas (MARX, 2007, p. 63).

Devido a essa ocultação da exploração do trabalho é que Marx o considera como


algo negativo, pois ela transmite ao trabalhador a falsa ideia de que ele recebe um salário
condizente com as oito horas trabalhadas. Nessas circunstâncias, na sociedade da
propriedade privada, o trabalho deixa de ser uma manifestação pessoal e torna-se uma
mercadoria trocada por um salário; sua divisão produz uma unilateralidade que divide o
homem, a sociedade e, assim, desumaniza o trabalhador e o priva da totalidade da vida
humana.
A forma que o trabalho adquire na sociedade da propriedade privada não é natural,
pois não é manifestação de vida do trabalhador; ao contrário, é destruição da vida, porque
divide o homem, domina-o, extingue sua relação natural e voluntária com a natureza e o
subordina ao capitalista.
A negatividade do trabalho, tão explicitada por Marx, não se deve apenas a esses
aspectos do capitalismo, mas, também, ao fato de que os capitalistas utilizam técnicas de
exploração para aumentar a mais-valia, como a extensão e a intensificação da jornada de
trabalho.
Assim, o trabalho, que é, desde sempre, atividade necessária à vida humana,
portanto, criador da vida, é, simultaneamente, destruidor da vida, característica adquirida

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
na sociedade capitalista, que mascara a exploração do trabalho com contratos trabalhistas
legalizados.
O sentido negativo do trabalho, em Marx, deve-se, portanto, à desumanização e à
alienação do homem, provocada pelo capitalismo que, ao longo de seu desenvolvimento,
produziu técnicas cada vez mais veladas de exploração e estranhamento do trabalho
humano. Para que se reverta essa negatividade do trabalho, -e lhe seja devolvido seu
aspecto puro, de criador da vida, é necessário antes, extinguir a propriedade privada dos
meios de produção e a divisão técnica do trabalho.
O trabalho como princípio educativo é uma relação entre trabalho e educação
capaz de desenvolver no homem todas as suas potencialidade, assim sendo, indaga-se:
como Marx entende a educação?
Manacorda (2007), na obra Marx e a Pedagogia Moderna, mostra que, embora
Marx não tenha formulado de forma sistemática uma teoria educacional, sua produção
apresenta textos “explicitamente pedagógicos” relacionados a três programas políticos:
1. Os princípios do Comunismo e o Manifesto (1847-48); 2. As instruções aos Delegados
e O Capital (1866-67); 3. A Crítica ao Programa de Gotha (1875). Esses três textos
explicitam os fundamentos da educação em Marx e Engels. O principal fundamento é o
da relação entre instrução e trabalho. A seguir, uma síntese dos três textos.
O primeiro texto, Princípios do Comunismo, foi escrito por Engels em 1847 e
serviu de base para o Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels, em
1848. No Manifesto, encontra-se o primeiro princípio: “Ensino público e gratuito a todas
as crianças. Abolição do trabalho das crianças nas fábricas em sua forma atual. Unificação
do ensino com a produção material” (MARX: ENGELS, 1987, p. 126). Destaca-se a
defesa do ensino público para todas as crianças e a união do trabalho com a educação.
No segundo texto, As Instruções aos Delegados, Marx defende a união entre
trabalho produtivo e educação, para crianças. Quando instrução e trabalho se encontram

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
em lados opostos, ocorre a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual,
processo característico da sociedade capitalista. Vivendo no contexto do século XIX, na
Europa, Marx procura articular trabalho e educação a partir das condições dadas. Divide
o trabalho articulado à educação para jovens e crianças em três distintas categorias, das
quais a primeira inclui crianças de nove a doze anos (duas horas), a segunda, dos treze
aos quinze (quatro horas) e, por fim, a terceira, dos dezesseis aos dezessete anos (seis
horas).
Assim, essas três categorias de trabalho devem estar associadas a uma educação
intelectual, corporal e tecnológica, capaz de formar o sujeito omnilateral. De acordo com
Marx:
Por educação entendemos três coisas:
1) Educação intelectual.
2) Educação corporal, tal como a que se consegue com os exercícios de
ginástica e militares.
3) Educação tecnológica, que recolhe os princípios gerais e de caráter
científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia as
crianças e os adolescentes no manejo de ferramentas elementares dos
diversos ramos industriais (MARX, 1868, p. 85).

Para Marx, o fundamento ontológico do trabalho é o que caracteriza a atividade


laborativa como princípio educativo, ou seja, a humanidade se faz presente no homem
porque houve um intercâmbio com a natureza, por meio do trabalho. Se o trabalho é a
essência do homem, é o que lhe permite transformar a natureza e, através disto, constituir-
se enquanto ser humano que produz humanidade e se organizar em sociedade para
continuar trabalhando dentro dela, constantemente a transformando, evidentemente, é por
meio dele que se deve organizar e compreender a educação.
Neste sentido é que Marx propõe a educação tecnológica ou politécnica que
objetiva o desenvolvimento omnilateral do sujeito. A educação politécnica pretende
superar a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, entre instrução geral e

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
instrução profissionalizante, aspectos marcantes da divisão do trabalho no capitalismo,
que utiliza a educação para apartar aqueles que executam o trabalho braçal daqueles que
pensam e controlam este processo. “Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos
científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno”
(SAVIANI, 2003, p.140).
Com uma formação politécnica ou tecnológica, o sujeito teria domínio dos
fundamentos científicos que dão estrutura à organização do trabalho, na sociedade
contemporânea, e seria capaz de executar qualquer das atividades laborativas modernas,
graças ao aprendizado dos fundamentos que estão na base de todas elas.
Manacorda destaca outro texto de Marx em que a educação tecnológica ou
politécnica aparece como princípio do desenvolvimento das forças produtivas. Trata-se
do capítulo XIII da obra O Capital - a Maquinaria e a indústria moderna. No referido
texto, Marx mostra que
Do sistema fabril, conforme expõe pormenorizadamente Robert Owen,
brotou o germe da educação do futuro que conjugará o trabalho
produtivo de todos os meninos além de uma certa idade com o ensino e
a ginástica, constituindo-se em método de elevar a produção social e de
único meio de produzir seres humanos plenamente desenvolvidos
(MARX, 1999, pp. 548-549).

Os germes da educação do futuro se originam do próprio desenvolvimento


contraditório da indústria moderna capitalista. Isto porque a base da indústria moderna é
revolucionária. “A indústria moderna nunca considera nem trata como definitiva a forma
existente de um processo de produção. Sua base técnica é revolucionária, enquanto todos
os modos anteriores de produção eram essencialmente conservadores” (MARX, 1999, p.
551).
Em função de ser a base técnica da indústria moderna revolucionária, ela vai trazer
necessidades novas para a formação dos trabalhadores. Ao mesmo tempo que desemprega

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 258
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
e desqualifica, traz, contraditoriamente, a necessidade de uma formação polivalente e, nos
setores industriais mais desenvolvidos, a necessidade da formação tecnológica.
O terceiro texto é a Crítica ao Programa de Gotha, escrito em 1875, do qual se
destaca, aqui, a crítica de Marx a uma educação popular a cargo do Estado.
Na sociedade dividida em classes sociais com interesses antagônicos, a escola é
dualista. Aos filhos da burguesia, destina-se uma formação humanista, científica,
filosófica, ou seja, teoria. Aos filhos dos trabalhadores, destina-se uma formação escolar
voltada para a profissionalização, com conhecimentos mínimos. Desse modo, seguem
ambas as classes, unilaterais, pois, enquanto uma cultiva a teoria, a outra restringe-se á
prática, portanto, não há omnilateralidade também nas camadas mais altas da sociedade
capitalista, de modo que burguesia e proletariado permanecem desumanizados e parciais.
Entende-se, então, que a proposta marxista de educação considera a instrução
politécnica ou tecnológica como o caminho para o desenvolvimento no homem, da sua
omnilateralidade, que é justamente, o oposto da unilateralidade. Enquanto esta deriva da
propriedade privada, que introduz o sujeito num trabalho parcial que o fragmenta e o
impele a ver apenas uma parte do todo e fazendo-o valorizar o “ter” para “ser”, a
omnilateralidade, ao contrário, consiste no desenvolvimento integral do sujeito
(intelectual, corporal, tecnológico, filosófico etc.), o que lhe permite vislumbrar as
diferentes perspectivas da realidade, ou seja, todas as dimensões da vida humana.

Conclusão
Podemos afirmar que é necessário e possível, na graduação em Pedagogia,
propiciar o conhecimento teórico dos clássicos. É com este conhecimento que o aluno
poderá analisar e compreender as contradições da sociedade.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O processo de estudos e pesquisa aqui iniciados são uma primeira aproximação,
mas propiciaram à aluna compreender os princípios da teoria marxiana de educação,
dentre os quais destacamos a compreensão:
- do sentido do trabalho como princípio educativo, na sua dialética de criador de
valor de uso (sentido ontológico), na sociedade capitalista, assume a forma de valor de
troca (sentido histórico/trabalho assalariado/estranhado);
- da divisão capitalista do trabalho e de suas determinações na educação: o
dualismo educacional e a formação unilateral; e, por fim,
- da concepção marxiana de educação, entendida como formação
politécnica/tecnológica e ominilateral.
Poder-se-ia afirmar que estão aí as bases teóricas que possibilitarão a
instrumentalização para o desenvolvimento de pesquisas empíricas com mais
profundidade.

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SAVIANI, Dermeval. O choque teórico da politecnia. Campinas: Autores Associados,


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Autor/a:

Juliana Borba
Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
Unioeste Campus de Francisco Beltrão-PR.
José Luiz Zanella
Docente do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste
Campus de Francisco Beltrão-PR.
E-mail: zanellazl@hotmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A MEDIAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE CLASSE NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES: A PREMÊNCIA DA PRÁXIS
Adriana Regina de Jesus Santos
José Alexandre Gonçalves

Introdução
Apresenta-se nesse estudo uma analise que visa reconhecer que, no processo de
formação do professor, a práxis do docente formador e o estudo das contribuições teóricas de
base no materialismo histórico são os elementos mediadores para a formação da consciência
de classe do futuro docente. O trabalho destina-se a quem esta diretamente envolvido com
esse processo nos curso de Licenciatura, ou seja, os docentes formadores, aqueles que
enxergam as duas dimensões da atividade docente, á saber, a técnica e a politica.
Julgamos ser essa uma discussão pertinente, pois acreditamos que a competência de
um professor também é medida pela sua consciência em relação a seu trabalho, seu
posicionamento e compromisso com a transformação da sociedade (NOSELLA, apud.
SAVIANI, 2005, p. 40-42). Ou seja, a competência apresentada aqui, não se assemelha em
nada daquela noção descrita nas politicas educacionais neoliberais, mas a transcende; trata-
se da concepção de um profissional ético, que assume atitude e se engaja coletivamente.
A relevância do nosso estudo em argumentar essa questão se deve ao fato de que os
bons cursos de Licenciatura, devido à natureza de seu trabalho, se preocupam com a formação
da consciência critica dos acadêmicos. Para isso, tais cursos formulam seus Projetos Políticos-
Pedagógicos (PPP’s) estabelecendo como objetivos específicos, no plano ético-político, a
formação do profissional com compromisso, e dentre várias questões, com a “justiça social”,
desígnio destacado nos PPP’s de alguns cursos de Licenciatura analisados, ofertado pelas
Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES) do Paraná. - Mas como objetivar a formação
dessa consciência e desse compromisso com a justiça social?
A intencionalidade deste estudo é reconhecer a importância da atitude politica do
docente Formador nos cursos de licenciatura diante das questões relativas ao mundo do

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
trabalho e sua contribuição ao processo de desenvolvimento da consciência de classe do
acadêmico, futuro professor. Para isso, nos empenhamos na compreensão de conceitos
primordiais como ética e práxis, exclusivamente em Adolfo Sanches Vásquez, um eminente
intelectual marxista. Especificamente estaremos buscando caracterizar o paradigma do
materialismo histórico-dialético como estudo indispensável ao processo formativo
emancipador do professor. Outrossim, comentaremos as demandas e os recentes ataques que
motivaram os movimentos dos trabalhadores das IEES publicas do Estado do Paraná. Trata-
se, portanto, de um trabalho de caráter teórico e de analise qualitativa, que seguiu os
pressupostos da abordagem crítico-dialética (GAMBOA, 2012); e teve como processo de
investigação a pesquisa bibliográfica e documental.
O texto organiza-se em duas seções. A primeira explana especificamente o quadro
precário que assola a Educação Superior no Estado do Paraná, em razão da crise financeira
anunciada pelo governo do estado e que repercute em medidas austeras que impelem sobre a
comunidade acadêmica e principalmente sobre os docentes. Nesse cenário o caminho das
mobilizações emergiu e estas compõem o nosso breve destaque. Na segunda seção do artigo
argumentamos sobre a necessidade de se reconhecer a importância da atitude politica do
Professor Formador manifestada em seu compromisso com sua categoria profissional diante
das questões relativas ao mundo do trabalho. Além do mais, buscaremos expressar o quanto
esse posicionamento pode contribuir ao processo de desenvolvimento da consciência e
emancipação de seus alunos, futuros professores.

Demandas dos docentes das iees do paraná: uma breve contextualização


Iniciamos nossa analise mencionando dois termos que se tornaram corriqueiros
nos discursos do governo do estado do Paraná nos últimos anos: “crise” e “ajuste”. Esses
dois aspectos, um como causa (a crise econômica) e outro como consequência (os ajustes
fiscais), causaram efeitos diretos e indiretos sobre a Educação pública paranaense e em
nosso caso especial, nas Instituições Estaduais de Ensino Superior - IEES e toda a

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emancipação humana
comunidade acadêmica. A austeridade tem dado a tônica em projetos de lei do Poder
Executivo estadual para “enxugar” e “cortar gastos” da maquina pública. Para o modelo
neoliberal a Educação é vista só como mais uma despesa do Estado e não como um bem,
um investimento. O Estado do Paraná, desde 2011 é governado por um grupo político que
segue a logica desse modelo. Analisando esse contexto e seus reflexos no trabalho dos
profissionais da Educação nesse referido Estado da federação, Ruiz, Silva e Batistão
(2017) argumentam que:
[...] os trabalhadores da educação são pressionados por reformas na área
da educação, tendo em vista o contexto de crise do capital e o
acirramento das políticas neoliberais, que apoiam a privatização, a
mercantilização e as parcerias entre o setor público e privado [...]
(RUIZ, et al. 2017, p. 135).

Traçando uma precisa sequência de fatos, as autoras citadas narram e comentam


os acontecimentos que desde 2014 marcaram negativamente a história da Educação
pública paranaense, resultando em mobilizações e greves, culminando no fatídico dia 29
de abril de 2015, dia do confronto entre policiais e outros servidores do Estado, que na
imensa maioria eram professores e agentes da Educação Básica e Superior. Dentre vários
itens listados num “pacote” de ajustes, o ponto que uniu várias categorias do serviço
público foram as alterações previstas no fundo previdenciário, pois anunciava o governo
que “tal mudança possibilitaria ao Estado utilizar algo em torno de oito bilhões de reais
dos fundos da Paraná-Previdência para ajustar a crise financeira do Estado” (RUIZ, 2017,
p. 136).
Como uma pressão exclusiva sobre as IEES, sob o argumento do controle de
gastos, o governo anuncia as novas medidas na forma de gestão da folha de pagamentos
dos professores, disposição que entra em conflito com os preceitos constitucionais46 de

46
Constituição Federal, Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa
e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão.

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autonomia das Universidades. As objeções a esse aspecto motivou várias moções e
manifestos num embate entre governo e IEES que se encaminha para o terceiro ano, sem
nenhum sinal de recuo por parte do Executivo do Estado diante desta notória medida
inconstitucional. Sobre essa questão, Salermo e Pizzol (2017) vem nos lembrar que o
conceito de autonomia permeia a essência da Universidade e não pode ser ameaçado, pois
para que se cumpra as suas atribuições (de espaço do saber universal, mister em transmitir
e produzir conhecimentos, disseminar e acumular pensamento critico, busca pela
transformação social, etc.), esta entidade precisa de liberdade; haja visto que
genericamente “o tema autonomia está ligado à participação social e à ampliação da
participação política dos indivíduos, enquanto coletividade.” (SALERMO e PIZZOL,
2017, p.306).
O Estado do Paraná, conta com sete Universidades ou Instituições Estaduais de
Ensino Superior – IEES. Nestas instituições, outro aspecto que tem impelido nos últimos
anos, como observam Santos e Malanchem (2015) são as condições de trabalho precárias,
ou melhor, a sobrecarga de trabalho por conta da falta de recursos humanos para suprir a
demanda de serviço. Discutindo sobre essa necessidade em um caso especifico de uma
IEES objeto de estudo, as autoras ressaltam que:
A escassez de recursos humanos, especialmente com a contratação de
docentes, fato este, que contribui para que os poucos docentes que se
dispõem aos cargos administrativos e participação em comissões
passam a sobrecarregar-se com todas as demais atividades próprias da
planilha docente (aulas, preparação, orientações, iniciação científica,
relatórios, projetos, etc.), enfim, atividades que somadas, resultam em
situações de intensificação e sobrecarga de trabalho. (SANTOS e
MALANCHEM, 2015, p. 90)

Dada as exigências por produções cientificas, Santos e Malanchem (2015) acusam


que o trabalho desses docentes estende-se para além da jornada, adentrando os espaços e
tempos da vida familiar. Essa situação relatada, por indução, também é fato nas demais

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IEES do Paraná. E tal circunstancia é, no discurso do governo, justificada pela falta de
recursos para promover novas contratações de servidores estatutários.
Apresentado de maneira bem sucinta, esse é o quadro em que se encontram os
docentes da Educação Superior no Estado do Paraná. Uma situação perturbadora, que
motiva os constantes movimentos de resistência. Estes são o único aspecto que podemos
listar de positivo nesse cenário. A luta dos trabalhadores pela manutenção de seus direitos
trabalhistas, pela democratização da educação publica e gratuita. Profícuo porque as
inquietudes do mundo do trabalho retrata a luta de classes e são nesse aspecto,
importantes, pois possibilita a emancipação, o salto da consciência (LUKÁCS, 2013). A
consciência que em Marx (1985), Lukács (2013) e Vazquez (2017) genericamente
entende-se por consciência de classe, atributo do sujeito emancipado, figura que se
contrapõe ao individuo alienado. Esse sujeito de práxis engajada é indispensável na
Universidade e na Escola e é sobre essa concepção que fundamentamos nossa próxima
seção.

Suplantando o conformismo, mediando a consciência.


A apreciação realizada na seção anterior torna-se relevante aos nossos propósitos
pois serviu para caracterizar a agenda de demandas do magistério na Educação Superior
no Paraná, e para exemplificar uma ocasião de conflito a qual enseja os indivíduos (em
nosso caso, docentes e agentes das Universidades) em uma situação tensa – um problema
ético, que lhes possibilita a liberdade de escolher entre aderir ou não aos movimentos de
resistência dos trabalhadores. Versando sobre essas questões éticas e sobre a moral, que
nos colocam em condições de sujeitos sócio-históricos, Vazquez (2017) destaca que os
problemas éticos são caracterizados pela sua generalidade, ou seja, a opção em adotar um
conduta não se restringe somente ao particular por que:
O comportamento moral é tanto comportamento de indivíduos quanto
de grupos sociais humanos, cujas ações tem caráter coletivo, mas

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deliberado, livre e consciente.[...] Trata-se de conduta que tem
consequências, de uma ou de outra maneira, para os demais e que, por
esta razão, é objeto de sua aprovação ou reprovação. (VAZQUEZ,
2017, p, 68)

Nesta conjuntura de demandas e imposições, os indivíduos são levados à assumir


posição, uma atitude política: a conformidade ou a resistência; a omissão ou o movimento.
Pesa aos intelectuais, enquanto sujeitos de virtudes, o fato de que seu comportamento é
notável, e estando sob á critica, pode lhe trazer a admiração ou o desculto.
Destarte, em um levantamento que realizamos para nossa pesquisa sobre o a
formação do professor de Geografia, analisamos os Projetos Politico-Pedagógicos
(PPP’s) de quatro cursos de Licenciatura ofertados por IEES do Paraná47. Em dois dos
documentos que apreciamos, deparamos com o objetivo específico, no plano ético-
político, “a formação do profissional com compromisso”, e, dentre as várias questões que
citadas, destaca-se o compromisso, “com a justiça social”. Ou seja, em meio a vários
objetivos elencados na formação para a docência, uma intenção desses cursos analisados
seria formar ou desenvolver também a consciência e o compromisso em seus acadêmicos
com a mudança social. Nesse sentido, relatando os escritos de Marx, Vazquez (2011) vem
mencionar o papel que dos “fins”; que as finalidades, impõe sobre as atividades humanas
citando que:
Ao final do processo de trabalho, surge um resultado que, antes de
começar o processo, já existia na imaginação do trabalhador, ou seja,
idealmente. [...], objetivo que ele sabe que determina como uma lei, o
modo e a maneira de seu agir, e ao qual ele tem que subordinar sua
vontade. (MARX, apud VAZQUEZ, 2011, p.224).

47
Projeto Politico Pedagógico do Curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal do Paraná
- Setor Litoral; Projeto Politico Pedagógico do Curso de Licenciatura em Geografia da Universidade
Estadual de Ponta Grossa; Projeto Politico Pedagógico do Curso de Licenciatura de Geografia da
Universidade Estadual de Londrina; Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Geografia
da Universidade Estadual de Maringá.

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Idealizar agentes de mudanças na sociedade no intuito de promover “justiça
social” é a finalidade teleológica que guiará, consequentemente, atividades teleológicas
(trabalho intencional) que “refere-se a uma realidade futura e, portanto, inexistente
ainda”.(Idem. 225). Para tanto, afirmamos com base em Almeida (2007), Arnoni (2012),
e Saviani (2005) entre outros, que a práxis48 docente deve ser a mediação para tal
intenção. De acordo com Almeida, “o processo educativo é constituído de mediações,
portanto não pode haver educação sem que haja mediação” (ALMEIDA, 2007. p. 108).
O autor argumenta que ensinar é um ato intencional e por isso o professor está no plano
do mediato, ou seja, é aquele que sabe o “como” e o “aonde” quer chegar.
Isto posto, dentro de nossa problemática queremos argumentar, no intuito de
reconhecer duas premissas: a) que no processo de formação do professor, a práxis do
docente formador é um elemento mediador da formação da consciência de classe do
futuro docente; b) que o estudo das contribuições teóricas de base no materialismo
histórico-dialético é o fundamento para a emancipação, tendo como síntese um sujeito
comprometido com a transformação social.
Por certo, as premissas que levantamos anteriormente não precisariam ser
exploradas de tão obvias que parecem ser: a práxis se constrói sob os fundamentos
teóricos da filosofia da práxis49. Contudo, urge realizar tal discussão diante do atual
contexto, em que se apresenta ao campo da formação de professores uma inconsistência
que deixa lacunas e que, intencionalmente ou não, procura se afastar dos preceitos e

48
Conceito aqui é o que foi desenvolvido por Sanches Vázquez na obra “Filosofia da Práxis”, para o qual,
“a práxis é, na verdade, atividade teórico-prática; ou seja, tem um lado ideal, teórico, e um lado material,
propriamente pratico, com a particularidade de que só artificialmente, por um processo de abstração,
podemos separar, isolar um do outro” (p.241). Ou seja, Práxis é a inseparável junção entre Teoria e
Prática que se objetiva numa ação criativa ou trabalho revolucionário, de criação do novo, de
transformação das condições reais.
49
Denominação utilizada por Vázquez (2011) e outros autores marxistas para se referirem ao paradigma
do materialismo histórico-dialético.

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emancipação humana
condutas que outrora se faziam imprescindíveis na análise da dinâmica da sociedade e de
todas as consequências que impelem na Educação e na profissão de Professor. Falamos
da fuga que se presencia das leituras de base marxista que é possível de se perceber nos
cursos de formação de professores sob a justificativa de se assistir a conjuntura da pós-
modernidade. Na defesa da pluralidade de ideias, da democracia, da não doutrinação e do
respeito do multiculturalismo e da liberdade, etc. fica implícito um fenômeno presente
atualmente no processo formativo de grande parte dos profissionais do magistério: o
absentismo de uma corrente teórico-filosófica. Não lhe estuda com rigor sob a acusação
de sua ortodoxia e desatualização. Ou ainda para não se comprometer; não ter de dar
explicações sobre sua conduta, já que tal corrente exige, com efeito, o sujeito engajado.
Um curso com a incumbência de formar professores e que se propõe a uma
composição crítica para desenvolver o compromisso ético-politico em seus acadêmicos,
para que estes tenham compromisso com a “justiça social”, precisa que a maioria do seu
corpo docente compartilhe de uma visão de mundo, que se não homogênea, pois as
pessoas tem ideologias diferentes, porém, que convirjam e se semelhem no que toca ao
papel da Educação e do que é ser profissional da educação50. Ou seja, precisa de sujeitos
com postura critica e atitude em relação aos acontecimentos que surgem no contexto do
mundo do trabalho. Dessa forma insistimos; é a práxis do docente formador a mediação
entre acadêmicos e a consciência. Por atitude de um sujeito critico entendemos o dialogo,
o questionamento, o posicionamento, a petição, a objeção, etc., elementos presentes nesta
práxis que se traduzirá no plano objetivo no engajamento do sujeito com uma causa. Essa
sensibilidade para com o geral e não ao particular se constrói com leitura nos referenciais
teóricos que fundamentam uma práxis transformadora. A tendência da Pedagogia
Histórico-Critica (PHC), enraizada no materialismo histórico-dialético, dá possibilidade

50
Nas ideias de Enguita (2004) ser professor não é apenas dominar conhecimento, mas ter a consciência de
que é preciso ter empatia; acreditar no próprio trabalho e saber que se é exemplo a ser seguido.

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emancipação humana
para mudança na postura e nas escolhas dos docentes que ainda não se reconhecem como
sujeitos, pois como justifica Saviani, “enquanto movimento pedagógico (a PHC) veio
responder a necessidade de encontrar alternativa à pedagógica dominante.” (SAVIANI,
2005. p, 130).
Essa “pedagogia dominante” é o paradigma que aliena e limita as possibilidades
de ação transformadora e advoga um fazer prático utilitário, objetivo, que a todo o
momento cobra por mais “competência” em detrimento do desenvolvimento da
consciência. Esta competência buscada pela pedagogia dominante é aquela atrelada aos
ditames do capital, numa dimensão exclusivamente técnica (racional, eficiente,
produtiva) em detrimento da dimensão politica. E, em se tratando da consciência, quando
esta por ventura é admirada e buscada, ate mesmo quando descrita nos documentos
oficiais que norteiam a Educação, os fundamentos da pedagogia dominante se alimenta
nos pressupostos teóricos dos intelectuais da pós-modernidade, que alijada da perspectiva
da totalidade, até reconhecem a importância da emancipação do individuo perante as
imposições do consumo por exemplo, mas que teleologicamente não conseguem
vislumbrar outros cenários sociais diferente da logica do capital.
Formar para a “justiça social”, ou melhor, para uma consciência crítica, é, ao nosso
entender, preocupar-se com questões para além da tarefa de construir subsídios para a
competência técnica de seus alunos. Este é o seu objetivo, entretanto não é o único porque
comungando com Rios (2003), compreendendo que um curso de formação de professores
precisa se preocupar também com a formação profissional e ética. Dessa forma, ousamos
utilizar o atributo do conceito de competência, que, dentro dos nossos princípios, assim
como advoga a autora:
Fundamentamos nossa noção de competência na posição de educadores
que compreendem esse conceito numa dupla dimensão: técnica e
política. Entre essas dimensões esta a ética fazendo a ponte entre os dois
polos que se relacionam dialeticamente e como síntese terá o

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emancipação humana
profissional competente, com atitude e compromisso (RIOS, 2003, p.
46)

Explica Rios que na etimologia, compromisso se remete ao comprometimento


com a promessa. Nos documentos que analisamos, os PPP’s dos cursos designavam a
“promessa” da “justiça social”. Dai a importância do engajamento que se manifesta na
práxis de docentes conscientes e que entendem que é preciso objetivar a proposta
elaborada pelo curso.
Temos o discernimento que entender que em um curso de licenciatura ou numa
escola, nem todos os docentes terão a mesma visão de mundo. Sobre esse assunto, Marta
Chaves (2014) vem invocar essa necessidade de se recorrer aos referencias da PHC como
amparo para que aqueles que tem compromisso, que já são emancipados, não caírem na
“tentação” de se acomodar e fazer como a maioria faz; naturalizar certas situações que
nos oprimem não reconhecendo que elas são escolhas políticas de certo grupo dominante
(CHAVES, 2014).
Retomando o ponto inicial desta seção, a consciência emerge portanto, com o
“conflito” que se instaura nas questões entre os seus interesse e os da comunidade. No
caso dos professores e alunos do curso de formação de professores estão em constantes
tensões e escolhas entre o pensar individualmente e sendo indiferente ao seu ser social,
ou decidir por colocar em primeiro lugar os interesses coletivos. É nesse processo,
explicam Vazquez (2017) e Lukács (2013), que a ética atua. Nas palavras desse segundo
autor, “a ética atua no interior da contradição gênero/particular tendo em vista a superação
da relação dicotômica entre indivíduos e sociedade.” (LUKÁCS, 2013, p.152). Sua
função é permitir ao individuo assumir como suas, as necessidades postas pelo
movimento social. Reiteramos que é a na presença da tensão entre o gênero e o particular
nos conflitos sociais, essa tensão se constitui em impulsos à elevação da consciência
(LUKÁCS, 2013).

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emancipação humana
Consciência que, na concepção mais geral é definida pela filosofia da práxis como
“consciência de classe”. Nesse entender, estamos de acordo com o que Molina (2012)
vem nos apresentar quando argumenta que, “a consciência de classe é, portanto, uma
síntese, tirada da experiência pessoal adquirida no decorrer de uma prolongada luta, que
criticamente revê todo o conhecimento previamente disponível” (MOLINA, 2012, p.64).
Dessa maneira, é imprescindível a conduta ativa de participação dos sujeitos em todas as
situações que sua classe o conclama. Desse modo, compreendemos a práxis dos sujeitos
emancipados e o estudo teórico, os elementos mediadores para a formação da consciência
de classe dos acadêmicos, futuros docentes. Alegamos que os conceitos e temas
discutidos nas bases do materialismo histórico-dialético por autores reconhecidos como
clássicos dentro dessa corrente teórico-filosófica, quando usados como tópicos
programáticos em um curso de formação, darão fundamentos para o incipiente processo
de desenvolvimento da consciência do futuro professor

Considerações finais
As lutas de classe em geral e as lutas do magistério em particular remetem os
indivíduos à um problema ético. É preciso ser emancipado (ter consciência) para assumir
uma atitude de sujeito que se reconhece enquanto membro de um grupo e defende os
interesses dos seus pares. Isso posto, entendemos como um exercício ético indispensável
aos Professores de todos os níveis do Ensino e, especificamente aqui, aos docentes do
magistério das IEES que estão a formar futuros professores, é se mostrarem prontos à
participação aos movimentos de sua categoria profissional. Pois, devido natureza do
trabalho na Educação, é primordial encarar a adesão nas lutas do magistério como
momento pedagógico onde se esta a ensinar; essa é uma concepção de educação
emancipadora.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Para isso, é fundamental compreender que na conjuntara de disputas ideológica
que se estabelece na concepção Projeto Politico-Pedagógico de um curso, deve-se admitir
que não exista neutralidade. Por mais que se apegue no apreço ao respeito a diversidade,
ao espirito democrático, esse documento expõe o interesse de alguns sujeitos que se
envolveram no processo de sua concepção e por isso a sua elaboração não pode ser
entendida como só mais uma tarefa a ser realizada cumprir uma exigência normativa, mas
sim um trabalho teleológico no plano teórico, que deverá se efetivar com a práxis.

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Associados, 2005.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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VAZQUEZ, Adolfo Sanches. Filosofia de la Práxis. Miguel Hidalgo, México, D.F:
Editorial Grijalbo, 1980.

_______. Ética. 37ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

Autor/a:

Adriana Regina de Jesus Santos


Universidade Estadual de Londrina (UEL)
e-mail: adrianatecnologia@yahoo.com.br
José Alexandre Gonçalves

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emancipação humana
APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO E DISCIPLINA:
CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA SOCIALISTA
Gilmar Fiorese

Introdução:
A realização de uma escola em condições favoráveis ao processo de aquisição
do conhecimento está profundamente vinculada aos propósitos que temos com a
educação. Trata-se de uma dimensão política que, entendendo a importância do saber
elaborado como uma das possibilidade para uma melhor compreensão da realidade,
procura fazer da escola um local que viabilize, através de suas atividades práticas e
teóricas, a apropriação do saber, cujo propósito seja a busca por uma sociedade menos
excludente. Neste sentido, a prática educativa se constitui numa atividade mediadora no
processo de produção de um indivíduo com capacidade cultural necessária para agir no
interior de uma sociedade e movimentar-se no sentido de trazer melhorias às condições
de existência para todos.
Entendida a dimensão política da ação educativa e reconhecendo a importância
do conhecimento como uma das condições para a busca de outra realidade social, faz-se
necessária também, a definição de ações que permitam a concretização de uma escola que
efetivamente democratize o saber científico historicamente produzido. Assim, na escola,
o desenvolvimento de ações educativas voltadas para a disciplina é uma tarefa (além de
outras) imprescindível no processo de ensino e da aprendizagem.
Este trabalho, produzido a partir da pesquisa bibliográfica, tem o propósito de
explicitar, ainda que brevemente, as contribuições que a pedagogia socialista (Gramsci e
Makarenko) oferecem para a educação. Estes autores, cada qual a sua maneira, destacam
a importância do desenvolvimento da disciplina como uma condição imperativa no
processo de apropriação do conhecimento. Gramsci, intelectual Italiano (1891 – 1937),

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
reconheceu que a disciplina deve ser desenvolvida desde criança, não como um processo
espontâneo, mas como um ato de diligência, de exatidão e de compostura física, portanto
metódica. Makarenko, pedagogo e escritor ucraniano (1888 – 1939), desenvolveu suas
reflexões afirmando que a disciplina é um efeito de todas as influências a que estão
submetidas as crianças. Neste sentido, para este autor, a disciplina, sendo resultado de
uma boa educação, deve ser relacionada com um trabalho de organização.
Destacamos a relevância desta produção, tendo em vista que a questão da
disciplina escolar hoje se constitui numa problemática concreta vivenciada
cotidianamente no interior das escolas. Se tomarmos as reclamações diárias vindas dos
educadores, ao que tudo indica, a problemática relacionada a falta de disciplina figura
entre aquelas que vêm causando maiores inquietações e solicitando muita atenção. Na
análise de muitos professores, nos últimos anos, este problema vem ganhando dimensões
cada vez maiores e a escola não está conseguindo encontrar mecanismos apropriados para
enfrentá-lo. Assim, diante deste quadro, temos como consequência, especialmente em
relação aos professores, o desânimo, o pessimismo e consequentemente o alargamento da
insatisfação com a profissão, o que, certamente, interfere no processo de ensino e
aprendizagem.

Apropriação do conhecimento e disciplina: contribuições da pedagogia socialista:


Embora neste trabalho não apresentamos uma reflexão sobre a disciplina no
interior das relações sociais, afirmamos que reconhecemos a escola como uma instituição
contextualizada. Isto significa dizer que ela está inserida num contexto maior e é parte de
uma determinada sociedade. Portanto, a escola e seus alunos são a expressão dessa
sociedade. Neste sentido, as manifestações da disciplina no interior da escola é, também,
a manifestação das relações sociais. Assim, a disciplina, um aspecto relevante no processo
formativo da criança, não deve ser analisada apenas no âmbito do espaço escolar, mas

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emancipação humana
também nas relações sociais vigentes. Antonio Gramsci (1991), quando analisa a
consciência da criança no contexto das relações sociais afirma: “Mas a consciência da
criança não é algo de ‘individual’ (e muito menos de individualizado), é o reflexo da
fração da sociedade civil da qual a criança participa, das relações sociais tais como elas
se concentram na família, na vizinhança, na aldeia, etc.” (p.131).
Nesta perspectiva, a disciplina nasce de todas as experiências sociais e, portanto,
está também profundamente relacionada com a escola e com a família. Para Makarenko
(1976), o verdadeiro trabalho educativo está profundamente relacionado a um trabalho de
organização: organização da vida pessoal, da família, da criança e, certamente, na
organização da escola. Ao afirmar a importância e o caráter educativo da organização,
este autor enfatiza os pormenores, ou seja, os pormenores no trabalho educativo são tão
importantes quanto aqueles equivocadamente entendidos como de “maior importância”.
O verdadeiro trabalho educativo, como decerto já sabeis, não reside
essencialmente nas vossas conversas com a criança, nem na influência
directa que exerceis sobre ela, mas na organização da vossa família, da
vossa vida pessoal e social, e na organização da vida da criança. O trabalho
educativo é, antes de mais nada, um trabalho de organização. E nesta tarefa
não há pormenores a minimizar. Não tendes o direito de considerar seja o
que for como um pormenor, e de o esquecer. Seria um erro terrível pensar
que na nossa vida e na do vosso filho haveis de distinguir algo de
importante e consagrar-lhe toda a vossa atenção, desprezando tudo o resto.
No trabalho educativo não há trivialidades sem importância. Um laçarote
que atais ao cabelo de uma menina, este ou aquele chapelinho, um
brinquedo, tudo isso são coisas que podem ter a maior importância na vida
da criança. A boa organização é aquela que não perde de vista os mais
pequenos pormenores e as mais pequenas circunstâncias. As pequenas
coisas actuam regularmente. Quotidianamente, a toda a hora, é delas que a
vida se faz. Dirigir esta vida, organizá-la, será a vossa tarefa mais essencial
(MAKARENKO, 1976, p. 368).

Mas, se a disciplina é uma condição indispensável para a condução de uma


prática pedagógica, portanto para uma boa educação, é também verdade, que uma boa
educação é condição imprescindível para o desenvolvimento da disciplina ou da

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autodisciplina. Makarenko (1976), em suas atividades realizadas com pais de alunos
insistia na afirmação de que os mesmos deveriam recordar-se sempre que, a disciplina
não era simplesmente o resultado de “certas medidas disciplinares, mas de todo o sistema
de educação, de todos as circunstâncias da vida, de todas as influências a que estão
submetidas as crianças. [...] a disciplina não é a causa, não é o método, não é o meio de
uma boa educação, mas o seu resultado” (p. 379). Portanto, para Makarenko, escola e
família, colaboram na construção de uma educação para uma boa disciplina e de uma
disciplina para uma boa educação.
Se reconhecermos as afirmações acima como pertinentes ao processo educativo,
a construção da disciplina na família e na escola, necessariamente, requer uma atitude
responsável, racional e sincera diante de todas as ações desenvolvidas tanto na família
quanto na escola: interesse dos pais pelos filhos; acompanhamento dos estudos; horários
para deitar-se, levantar-se, para as refeições; colaboração com os trabalhos da casa;
organização do seu quarto, suas roupas, seus materiais; participação dos educandos nas
decisões organizativas da escola; boa relação do professor com seus alunos; organização
e compromisso dos professor; domínio do conteúdo; aulas bem preparadas; metodologia
adequada; critérios de avaliações não classificatórios; exigência com a apropriação do
saber, são alguns dos aspectos, entre tantos outros, a serem considerados na organização
do trabalho educativo das crianças. Tais ações, obviamente, não devem se realizar por
meio do simples autoritarismo e obediência. “A autoridade e a obediência não podem ser
um objetivo. Só pode haver um único objetivo: uma boa educação. É unicamente para
esse objetivo que se deve tender” [...] (MAKARENKO, 1976, p. 369).
Quando nos referimos a atitudes disciplinares, não estamos entendendo a
disciplina como sinônimo de imposição, silêncio, passividade e submissão, definida
apenas no âmbito do corpo docente sobre os discentes. Ao contrário, a defesa que fazemos
da disciplina configura-se como a necessidade do desenvolvimento da autodisciplina,

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entendida como algo necessária para a conquista do saber, que é uma condição básica
para a conquista da liberdade e da autonomia. “Perder” a autonomia no presente,
submetendo-se rigorosamente à uma disciplina de estudos, pode significar a preparação
para a conquista da liberdade futura, conquistada pelo acesso ao saber e pela possibilidade
de uma melhor compreensão dos mecanismos de funcionamento da sociedade. Para
Nosella (2004), Gramsci insiste na positividade da disciplina e “acredita que os bons
hábitos assim adquiridos, longe de se contraporem ao exercício da liberdade e da
autonomia do homem adolescente e maduro, constituirão o esteio de base para que essa
liberdade a autonomia se concretizem e se exercitem de maneira mais plena e responsável
A atitude, o hábito, o desenvolvimento da concentração para com os estudos são
entendidos por Gramsci como um processo que deve ser desenvolvido com atos
disciplinares metódicos. Assim, a disciplina não é algo que se desenvolve
espontaneamente, mas um verdadeiro exercício repetitivo, que deve ser desenvolvido
desde criança e não apenas quando adulto.
Trabalha-se com rapazolas, aos quais deve-se levar a que contraiam certos
hábitos de diligência, de exatidão, de compostura mesmo física, de
concentração psíquica em determinados assuntos, que não se podem
adquirir senão mediante uma repetição mecânica de atos disciplinados e
metódicos. Um estudioso de quarenta anos seria capaz de passar dezesseis
horas seguidas numa mesa de trabalho se, desde menino, não tivesse
assumido, por meio da coação mecânica, os hábitos psicofísicos
apropriados? (GRAMSCI, 1991, p. 133).

Para Gramsci, a aquisição da disciplina de estudo é uma produção social que


exige renúncias, que não se conquista através do espontaneísmo, mas através de
compostura física e concentração psíquica, de atos disciplinados e metódicos. [...] “é um
processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e mesmo
sofrimento” (1991, p. 139). Portanto, para Gramsci, estudar não é simplesmente um ato

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prazeroso, não cansativo, mas é trabalho e, trabalho fatigante, um verdadeiro tirocínio
psicofísico, muscular nervoso e intelectual.
[...] é igualmente certo que será sempre necessário que ela se fatigue a fim
de aprender e que se obrigue a privações e limitações de movimento físico,
isto é, que se submeta a um tirocínio psicofísico. Deve-se convencer a
muita gente que o estudo é também um trabalho, e muito fatigante, com
um tirocínio particular próprio, não só muscular-nervoso, mas intelectual:
é um processo de adaptação, é um hábito adquirido com esforço,
aborrecimento e mesmo sofrimento (GRAMSCI, 1991, p. 138-139).

Portanto, se aceitarmos a presença da disciplina como uma condição necessária


para a o processo de apropriação do saber e, se considerarmos as manifestações vindas
do interior da escola, expressando uma profunda preocupação no que diz respeito à
indisciplina escolar, evidencia-se a importância de uma análise crítica das práticas
educativas bem como da necessidade de se desenvolver outras ações que possam
contribuir para a melhoria da problemática em estudo. “Uma nação que deixa de ensinar,
com carinho e disciplina, às suas crianças os hábitos elementares do estudo, sofrerá um
enorme prejuízo histórico, pois está desperdiçando boa parte de sua competência
potencial” (NOSELLA, 2004, p. 134). Para Franco (2003) a necessidade da disciplina
aparece não por mero autoritarismo ou arbitrariedade, mas como condição indispensável
para conduzir uma prática pedagógica comprometida com o conhecimento.

Considerações finais:
A breve explicitação acima apresentada, tendo como referência o pensamento de
Antonio Gramsci e Anton Makarenko, aponta que a problemática da disciplina não é um
fenômeno isolado. As contribuições de Gramsci, ao afirmar que a consciência da criança
não é algo individual, mas reflexo da sociedade da qual a criança participa, e Makarenko,
ao considerar que a disciplina é resultado de todas as influências a que estão submetidas
as crianças, no remete para uma reflexão para além do âmbito escolar e familiar, já que a

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mesma é manifestação das relações sociais existentes. Embora ela seja um fenômeno que
se manifesta mais “visivelmente” na escola e na família, não é um problema só da escola
e da família, mas problema da sociedade.
Mas, se o formato da disciplina manifestada no interior da escola é a expressão
das determinações oriundas das relações sociais presentes na sociedade, não significa que
estas determinações sejam absolutas51. A escola, também tem seu papel, e fundamental,
na definição de um determinado tipo de comportamento. A escola, no que diz respeito à
indisciplina, precisa reconhecer, além das determinações externas, os limites e os
problemas internos. Ainda que limitada pelas determinações externas, a escola tem algo
a fazer e pode contribuir para o desenvolvimento de um ambiente escolar favorável à
realização do processo de ensino e da aprendizagem. É preciso reconhecer que a escola,
pela ação pedagógica desenvolvida intencionalmente por seu corpo docente, pode exercer
sobre a criança uma ação formativa marcante, cujo horizonte seja a produção de uma
sociedade alicerçada em um novo tipo de relação social. Como nos ensina Florestan
Fernandes “a história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre. São os
homens, em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que fecham ou abrem
os circuitos da história” (1997, p. 5).
Além disso é importante afirmar, que a educação escolar, por representar a forma
mais desenvolvida de educação e, também, por ser um espaço capaz de revelar as
contradições do nosso presente, deve estar comprometida com a produção de um outro
projeto de sociedade, alicerçada na garantia da apropriação da cultura e na busca
incessante da eliminação das injustiças. Nesta perspectiva, os estudos de Gramsci e

51
“O indivíduo mantém uma certa autonomia relativa em relação a essas circunstâncias, reagindo a elas”
(OLIVEIRA, 1992, p. 62).

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emancipação humana
Makarenko podem contribuir para a busca do objetivo comum de melhoria das condições
da disciplina e, consequentemente, à melhoria da qualidade da educação.

Referências bibliográficas:
FERNANDES, Florestan. Os circuitos da história. São Paulo: HUCITEC, 1977.

FRANCO, Luiz Carlos Carvalho. A disciplina na escola: práticas docentes de cada dia.
Brasília: MEC. 2003.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 8. ed. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1991.

MAKARENKO, Anton. O livro dos pais. Lisboa: Horizonte Pedagógico, 1976,. (vol. 2).

NOSELA, Paolo. A escola de Gramsci. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

OLIVEIRA, Betty A; DUARTE, Newton. Socialização do saber escolar. 6. ed. São


Paulo: Cortez, 1992.

Autor:

Gilmar Fiorese
Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus de
Francisco Beltrão.
Membro dos Grupos de Pesquisa Sociedade, Trabalho e Educação.
E-mail: gilmar.unioeste@hotmail.com

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ESCOLA: LUGAR DE IDEOLOGIA(S)? QUAL(IS)?

Anderson de Sousa
Fabricio Pedroso Bauab

Introdução
Este trabalho, parte complementar de dissertação na área do conhecimento
geográfico, tem por finalidade contribuir para uma temática algures esquecida, pouco
debatida nos âmbitos acadêmicos, especialmente em dias atuais. Acreditamos que, dentre
outros motivos, isso se deva pela interferência daqueles que visualizam os espaços
escolares como lugar de repassamento de ideologias, aliás, algo recorrente em nosso atual
cenário. Em nossa visão, de fato a escola, como Aparelho Ideológico do Estado
(ALTHUSSER, 1970) tem contribuição nesta área, mas, sobretudo, reproduzindo a
ideologia dominante, um pouco diferente do que apontam alguns grupos sociais, tal qual
os defensores da chamada “Escola sem partido”.
Percebemos que a ideologia dominante é a que persiste em permanecer nos
espaços acadêmicos, bem como na sociedade em geral por se constituir também como a
“ideologia das massas”. Em nossa visão, o Estado tem papel de destaque, também por
defender interesses que vão de encontro à luta de classes e à equidade social.
Nesse sentido, propomos uma discussão que leve em conta esses condicionantes,
analisando-a assim, como uma questão política relevante em nossa formação social.
Destarte, buscamos discutir o papel da teoria crítica e a formação de “intelectuais
orgânicos” (GRAMSCI, 1999) para a compreensão desta configuração e, logo, a luta pela
superação da ideologia dominante na busca pela revolução social.

Ideologia e ideologia dominante


Na música “Ideologia” (CAZUZA, 1988), composta por Frejat e Cazuza, lançada,
por sinal, em tempos de intensas discussões políticas e ideológicas pelo qual passou nosso

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país, mostra-se instigante, sobretudo no trecho “Ideologia, eu quero uma pra viver”. Este
trecho remete-nos ao fato de que “tudo é ideologia”, e de que não podemos, pois, escapar
dela. Todavia, cabe a nós escolher qual ideologia assumir, qual concepção de mundo, de
vida, de ser humano.
O termo ideologia, segundo Marx e Engels (1993), Chauí (1981), Althusser
(1970), teria sido utilizado primeiramente pelo filósofo Destut de Tracy que o designou
apenas como a “ciência das ideias”. Notadamente, tem se tornou mais complexo e de
maior investigação pelas diversas correntes filosóficas, mas ganhou destaque na
interpretação materialista histórica dialética, que se constitui como método analítico dos
autores destacados.
Se nada é por acaso e se não existe neutralidade (Demerval Saviani discute isso,
ao apresentar-nos as várias pedagogias – críticas, não críticas e reprodutivistas, cada qual
com sua intencionalidade em Escola e Democracia, 1999) nas interpretações que temos
do mundo e das pessoas com quem convivemos não devíamos nós, aderir abertamente a
alguma ideologia tal qual apontava Cazuza? Ora, entendemos que o mundo que
conhecemos optou sim por uma delas, a ideologia dominante, que nos oblitera de outras,
nos cerceando e amoldando.
Saviani (2003), aliás, aponta que socializar o conhecimento, por si só, configura
ação política, haja vista o fato de que toda sociedade democratizada surge da necessidade
de difundir o conhecimento às diferentes camadas sociais, sendo este, peça chave para a
formação cidadã e para a inserção dos sujeitos no próprio mercado. Ele diz isso nessa
obra em que procura estabelecer a relação da educação com a política, por entendê-la
como fundamental. Logo, somos seres políticos, mesmo antes de assumirmos qualquer
postura em relação à educação ou qualquer que seja nossa função.
Sobre a temática, Althusser (1970), nos moldes freudianos, talvez, afirma que a
ideologia transcende toda a história, é atemporal, omnipresente e eterna como o

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inconsciente. Seria uma representação da relação imaginária dos indivíduos com suas
condições de existência. Mas faz, ao mesmo tempo, uma alusão e uma ilusão do mundo.
Entretanto, mesmo crendo na existência de diversas ideologias, pensamos que
existem posicionamentos arraigados em construções filosóficas, científicas, e também,
pensamentos e afirmações, que pura e simplesmente acabam possuindo ligação com o
que Gramsci (1999) entende por “senso comum”, atrelado à religião ou crendices
populares, sem conotação ou comprovação técnico-científica.
Althusser (1970), assim como Gramsci (1999), aponta como Aparelho Ideológico
o próprio Estado, com características de repressão, criado e objetivado pela classe
dominante a partir das revoluções burguesas, como a Francesa e a Inglesa, do final do
século XVIII, e a Americana, posteriormente. Aponta-nos, ainda, outros aparelhos
ideológicos, também criados para manipular e moldar nossa forma de pensar, tais como
(a escola, as instituições religiosas, o próprio seio familiar, instituições jurídicas, políticas,
sindicais, de informação e os meios culturais).
Esses aparelhos são, para os autores, elementos que compõem o que Marx (2008)
compreende por superestrutura, produto da infraestrutura capitalista e possuem a
incumbência de nos mostrar o mundo pelos vieses idealista e naturalista, ou seja,
naturalizando, entre outros antagonismos, a hierarquização social, a exploração do
homem e, por conseguinte, a desigualdade social. Essa visão, que se estabeleceu como a
“ideologia dominante” persiste em nos fazer interpretar o mundo pelo seu prisma.
Cremos, então, que nosso mundo, apesar de apresentar características
multifacetadas e ampla diversidade ideológica, se divide entre duas concepções centrais,
que se contrapõem obviamente: a visão liberal conservadora, com os principais ideários
difundidos pelas revoluções burguesas supracitadas (base do capitalismo moderno) de
viés idealista e naturalista, e a visão materialista histórica dialética, de interpretação

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crítica, totalizante, arraigada na compreensão dos fatos reais, e compreendida por buscar
a essência para além das aparências fenomênicas e imediatas. (NETTO, 2011).
Sobre a concepção idealista, que está na raiz da visão (ideologia) predominante,
mesmo nas sociedades modernas, podemos dizer que ela prioriza as ideias ao homem real,
as coisas concretas e suas relações. Assim, o ideal de homem e de sociedade estaria
contido primeiro no campo metafísico, ou, no campo das ideias. Feuerbach, por exemplo,
acreditava que o homem ideal buscava se assemelhar a Deus (ALTHUSSER, 1970;
MARX & ENGELS, 1993).
Destacamos ainda que das revoluções burguesas supracitadas, herdamos, na
atualidade, muitos fetiches e crenças lançados pelos ideais defendidos nesses períodos.
Destes, destacamos o primado da Revolução Francesa, os ideais de Liberdade, Igualdade
e Fraternidade (MELLO & DONATO, 2011) cujo lema, ainda serve de base, inclusive
para nossa atual carta magna (Constituição Federal de 1988), sobretudo no seu preâmbulo
e em seus primeiros artigos que contemplam, entre outros, o exercício dos direitos de
“liberdade, de igualdade e justiça”, também como princípios fundamentais.
Vemos, é claro, na cristalização do pensamento burguês, e na tomada do poder
por estes, em relação ao clero, a nobreza, um importante movimento histórico que nos
propiciou progressões. Destacam-se, desse período, como mola propulsora do
desenvolvimento moderno, a decadência do pensamento clerical, o racionalismo como
propulsor do saber e a colocação do indivíduo como centro do universo (MELLO &
DONATO, 2011.), valores que tiveram seu embrião no Renascimento e no advento da
Ciência Moderna.
Ademais, destaca Engels (1976) que o modo capitalista de produção, apesar de
ocasionar muitos antagonismos, foi o que mais fez a humanidade avançar no quesito
produção/base produtiva. E, em se tratando de macroeconomia, para o autor, tudo o que
até hoje possuímos de ciência econômica se reduz quase que exclusivamente à gênese e

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ao desenvolvimento do regime capitalista de produção, sobretudo do século XVIII em
diante, após as revoluções burguesas.
Deste modo, podemos observar que tais revoluções é que possibilitaram a
formação dos Estados modernos e, posteriormente, a consolidação do capitalismo.
Inglaterra, França, e seus casos, foram os primeiros e mais importantes nesse processo,
apresentando-nos as revoluções industrial e francesa (COTRIM, 2010).
Todavia, se apenas nos apegarmos nestes fatos, não estaremos considerando as
múltiplas determinações, que, para se chegar ao estágio atual de desenvolvimento, foram
necessárias drásticas mudanças que foram, não obstante, menos positivas. Destas,
destacamos a destituição dos meios de produção pela classe trabalhadora, quando do
nascimento das modernas indústrias capitalistas, na Revolução Industrial Inglesa
(COTRIM, 2010) ou, as transformações internas, radicais, que fomos impelidos a aceitar
(COSTA, 2002).
Historicamente, para Althusser (1970), existe um pequeno grupo de homens
cínicos assentando sua dominação e exploração do povo, apresentando uma representação
falseada do mundo, que inventaram para subjugar os espíritos, dominando a imaginação
das pessoas, pela religião, pela política, pela falsa ciência idealista.
É para entender toda essa situação e essa passividade que buscamos compreender
e mensurar o quanto os aparelhos ideológicos, e a ideologia dominante interferem na
compreensão de mundo pela sociedade como um todo. Também, por entendermos que
essas ideologias estão postas à sociedade, pelos diversos aparelhos, buscando nos
impregnar tal ideologia.
Ademais, Althusser (1970) destaca que a partir da crença, da aceitação de
determinada ideologia, o indivíduo tomará algumas atitudes, no mundo real, que o farão
dar vida a ela. Se não as faz, muito provavelmente estará dando vida a outro tipo de ideia,

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ou ideologia, mas agimos de acordo com nossas crenças (ou as que nos impelem a
acreditar).
No campo da ciência, Konder (2009 p.101) aponta-nos que seria ingênuo acreditar
numa separação entre ciência e ideologia, pois isto seria uma deficiência da compreensão
do pensamento ideológico. [...] “Isso não ocorre. O ideológico não exclui o científico”.
As práticas, aliás, em todos os locais, só existem através das ideologias. E só
existem ideologias através dos sujeitos e para os sujeitos reais. Tanto o escritor dessas
linhas, quanto o leitor são sujeitos, e, espontaneamente, ou, naturalmente, são sujeitos
ideológicos. O homem, por natureza, é um animal ideológico (ALTHUSSER, 1970).
Destacamos então, que está claro, para nós, que as ideologias travam,
constantemente, debates e tensões nos diversos espaços. E, estamos constantemente
aprendendo e “lendo” o mundo que nos cerca, pois não é só na escola que se aprende
(BRANDÃO, 1988). Todavia, ela possui lugar de destaque nas discussões que procuram
entender os entremeios de nosso corpo social por ser lugar do conhecimento, e porque
não, das ideologias?

A escola é lugar de ideologia? Qual (is)?


No ínterim das discussões até aqui levantadas, esclarecemos que há, contudo, um
intenso debate sobre a atuação, nos espaços escolares, daquilo que se considera,
especialmente alguns movimentos, como o “Escola sem partido”, por “lugar de
doutrinação”. Para a organização desse movimento, segundo sítio específico na internet,
“no Brasil, a despeito da mais ampla liberdade, boa parte das escolas, tanto públicas,
como particulares” [...] “vítimas do assédio de grupos e correntes políticas e ideológicas
com pretensões claramente hegemônicas, essas escolas se transformaram em meras
caixas de ressonância das doutrinas e das agendas desses grupos e dessas correntes”
(ONG ESCOLA SEM PARTIDO, 2018).

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emancipação humana
Para esse grupo ainda, os professores, a pretexto de querer transmitir aos alunos
uma visão “crítica” da sociedade, um sem-número de “militantes travestidos de
professores se faz valer da liberdade da cátedra e dos ambientes fechados em sala de aula
para fazer dos alunos, discípulos das ideologias de seus partidos políticos”. Quanto ao
aspecto educacional são adeptos da “pedagogia libertadora” que visa, entre outros, a
transformação da educação (ONG ESCOLA SEM PARTIDO, 2018).
Para nós, não está errada a visão da organização da classe que milita pela
emancipação dos homens, mas, diferentemente do grupo, entendemos que há uma parte
diminuta de professores que labuta nesse sentido, pois nosso sistema de ensino, na
realidade, não possibilita galgarmos muito na direção contrária, isto é, irmos de encontro
à lógica produtiva de formação para o trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases da educação
nacional, por sinal, deixa isso evidente logo no seu artigo segundo, quando afirma que a
educação, sendo “dever da família e do Estado”, e, “inspirada nos princípios de liberdade”
[aos moldes da lei maior - CF], “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (LDB, Art. II, 1996 – grifos nossos).
Ademais, por mais que entendamos que seja mesmo o caminho, pela via da
“Pedagogia da libertação” do educador e filósofo brasileiro, Paulo Freire, com notório
reconhecimento internacional, um caminho que ensine o aluno a pensar por si próprio o
mundo em que ele se insere, não visualizamos, na formação básica, a priorização por
formar sujeitos críticos e atuantes em seu meio. Pelo contrário.
Corroborando, Saviani (1999, p. 99) salienta que “as sociedades de classe se
caracterizam pelo primado da política, o que determina a subordinação real da educação
à prática política”. Dessa forma, entendemos que essa prática é que determina os rumos
da educação e dos demais setores sociais e que ela, a educação, por si só não será capaz
de mudar essa lógica, tampouco, transformar o mundo, mesmo que queiramos isso.

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emancipação humana
Precisamos, pois, compreender a dialética totalizante, os movimentos históricos e
os indícios que estes nos apontam. Em uma intensa discussão para compreender o
“movimento” das coisas, Chauí (1981) compreende que já nas sociedades antigas os
filósofos buscavam explicações para os movimentos/transformações. Mas, este mundo,
dinâmico e em movimento, é mais intricado do que parece e, precisa-se, por isso,
compreender todos os meandros que fazem da educação, ao invés de um aparelho
transformador, um aparelho de reprodução dessa realidade.
Dessa forma, cabe a nós questionarmos se há, verdadeiramente, possibilidades de
os “intelectuais orgânicos” (GRAMSCI, 1999), verdadeiros defensores das teorias
críticas e emancipatórias, conseguirem destituir um sistema que lhes é imposto, desde há
muito tempo, institucionalizado e legalizado, que defende uma formação produtivista e,
sobretudo, a reprodução da sociedade estratificada.

Considerações finais: Há como criar condições de superação da ideologia


dominante?
Diante das afirmativas, e do que consideram as próprias leis, destacadas
anteriormente, também há o fato de que, num verdadeiro processo de precarização do
trabalho docente, que se inicia já nas áreas de base de nossa educação, vemos, em nosso
país, que esses profissionais possuem muitas dificuldades de realizar um ensino com
autonomia. Existem muitas barreiras que os impedem, por conta das dificuldades
materiais, humanas e até formativas, este processo (BERTONCELI, 2016).
Notadamente, Chauí (1981), ao teorizar sobre a realidade social, por relativizar a
classe operária, propõe uma visão mais condizente com nossa realidade. É nítida, para
ela, a hierarquia social, logo, também, que não nos constituímos como seres “iguais”, não
possuímos as mesmas raízes, e o acesso ao que desejamos obviamente não é igual a todos,
assim como a educação, que não é a mesma para todas as classes.

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emancipação humana
A escola, para Althusser (1970), toma todas as crianças, de todas as classes como
suas, para ensinar, embora vise aos filhos dos proletários, um futuro diferente. Desde os
primeiros anos (em que ela é mais vulnerável) busca-se oferecer os “saberes práticos”
envolvidos na ideologia dominante. Nenhum outro aparelho ou lugar dispõe de meios tão
eficientes e menos ainda, a atenção das crianças como a escola.
“Algures, por volta dos dezesseis anos, uma enorme gama de crianças cai na
produção: são os operários ou os pequenos camponeses” (ALTHUSSER, 1970, p. 64-65).
Outros formarão os quadros médios e pequenos empreendedores, outros ainda, se
formarão como agentes da repressão do Estado (militares, políticos, administradores) e
outros, profissionais de outras ideologias (padres, pastores, etc.).
De acordo com Marx e Engels (1993) a ideologia dominante é, notadamente, a
ideologia da classe dominante, e, aqueles que não as contestam, defendem-na. Os mesmos
autores se preocuparam em demonstrar, com base nos pressupostos teóricos do
materialismo histórico dialético, que essa ideologia não surge do nada, sendo produzida
a partir das relações socioeconômicas, da luta de classes, das contradições que existem na
sociedade em que vivemos, mas com um objetivo maior, de tentar justificar, ou omitir
seus conflitos, tornando-os naturais.
Em nosso consentimento, em as pessoas absorverem o ideário “escola sem
partido”, estarão omitindo, ou naturalizando as coisas e desmantelando a luta de classes,
desconsiderando as verdadeiras faces do capitalismo e da ideologia que os domina, papel
exercido pelos defensores do “não partidarismo” na escola, que nisso enxergam, valores
democráticos.
Chauí (2000, p. 09), aliás, aponta-nos que quando as pessoas começam a
questionar o que vivenciam começam a tomar distância de si mesmo. “Ao tomar essa
distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que
cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e nossos

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emancipação humana
sentimentos”. Saindo do pensamento comum, do modo padronizado de viver, essa pessoa
estaria tendo uma “atitude filosófica”.
De um modo geral, a ideologia dominante atinge, certamente, toda a esfera social,
pelos mais diversos aparelhos. Destarte, acreditamos que uma transformação dessa
sociedade, arquitetada e bem estruturada, só deverá acontecer quando essa ideologia for
completamente superada, e quando a sociedade como um todo, passar a ter como “senso
comum” outro tipo de filosofia, que não essa. Todavia, neste momento, tal acontecimento
pode ser considerado utopia, cabendo aos “intelectuais orgânicos” buscarem desenhar
uma sociedade que, conhecendo todas as ideologias, possa optar por aquela que possua
mais coerência, mais justiça social e que não nos retire a essência política.

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Autores:

Anderson de Sousa

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Mestrando em Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Francisco
Beltrão - PR
Fabricio Pedroso Bauab
Professor Dr. da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, e orientador – Francisco
Beltrão – PR

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emancipação humana
OS PROCESSOS DE EDUCAÇÃO PARA OS TRABALHADORES
NO CONTEXTO DAS MODIFICAÇÕES ECONÔMICAS DO
MUNICÍCIPIO DE FRAIBURGO/SC
Mirian Carla Cruz
Juliana Aparecida Cruz Martins

Introdução
O objetivo deste artigo é apresentar um recorte analítico sobre duas pesquisas que
investigam a relação entre educação e trabalho no município de Fraiburgo/SC. Sendo que
uma delas trata de um estudo a respeito do Programa de Aprendizagem Jovem Aprendiz
Cotista da Macieira e as modificações no processo produtivo de maçã e a outra pesquisa
é análise do curso Jovens Empreendedores Primeiros Passos (JEPP). Para este texto
apresentamos alguns apontamentos de como que o município de Fraiburgo se modificou
economicamente e em consequência também os processos de educação direcionados aos
filhos dos trabalhadores deste município.
A perspectiva teórica adotada para nossas análises corresponde a teoria marxista.
Nessa direção, entendemos como Lukács (2013), que compreende o trabalho como aquele
que possibilitou ao ser humano o salto do ser orgânico para o ser social, permitindo a
complexificação cada vez maior das relações sociais. Na sociabilidade capitalista a vida
cotidiana do ser humano se articula diretamente com as atividades desempenhadas em
um trabalho, que assume características de trabalho abstrato. A educação em sentindo
amplo tem como foco tornar as atividades humanas adaptadas de acordo com as
necessidades da sociedade em que este homem faz parte conforme o desenvolvimento
econômico de cada época.
Na sociedade capitalista a qualificação da força de trabalho dos trabalhadores
torna-se central, desde a infância até a juventude, uma série de cursos de qualificação

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passam a serem partes da vida daqueles que serão os futuros trabalhadores. Os processos
de educação se metamorfoseiam mediante às alterações na esfera econômica da
sociedade. Assim, apresentamos uma compreensão acerca dos processos de educação
articulados ao trabalho na forma do capital na especificidade de Fraiburgo.
Desse modo, primeiramente expomos alguns aspectos sobre as transformações
econômicas na região de Fraiburgo/SC, o contexto histórico-social em que os
trabalhadores se inserem, evidenciando como os cursos que outrora atendiam à produção
da maçã (Programa Jovem Aprendiz Cotista da Macieira), que era a base econômica do
município são outros conforme as necessidades do mercado, um destes é o JEPP que
preza pela educação empreendedora do trabalhador, já em sua infância.

Contexto histórico das modificações na economia do município de Fraiburgo/SC

O município de Fraiburgo/SC se encontra localizado na região do meio oeste do


Estado de Santa Catarina. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a área da unidade territorial (2016) do município é de 547,854 km2 e conta
atualmente com uma população estimada de 36.261 habitantes52. Além disso, os dados de
2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD53) registram um
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,731, isto é, o município está entre as
regiões consideradas com alto desenvolvimento.

52 Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estimativas da população


residente com data de referência 1º de julho de 2017” (IBGE, 2017). IBGE. Santa Catarina – Fraiburgo.
Disponível em:
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informa%25E7%25F5es-completas
Acesso em: 08.09.2017.
53
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http://atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/fraiburgo_sc
Acesso em: 08.09.2017.

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emancipação humana
Antes de se constituir como município, Fraiburgo/SC passa por muitas mudanças
econômicas e sociais. Conforme Martins (2016):
Por aproximadamente cinquenta anos a predominância da mercadoria
maçã constituiu a base econômica principal da região, sendo a
sobrevivência dos trabalhadores suprida somente pela venda da força
de trabalho nesse processo produtivo. Todas as esferas da vida do
trabalhador, sejam elas jurídicas, políticas, sociais, religiosas,
educacionais, etc. vinculavam-se para atender a esse processo de
produção (MARTINS, 2016, p. 119).

No entanto, anterior a esse processo de produção, a região onde atualmente se


localiza o município era coberta por matas nativas, onde habitaram as primeiras
populações aborígenes, denominados de povos Xokleng e Kaingang (VALENTINI,
2009). Porém, a chegada dos primeiros imigrantes, fugitivos de conflitos, como a
Revolução Farroupilha (1835-1845), Guerra do Paraguai (1864-1870) e Revolução
Federalista (1893-1895) torna a vida dos povos aborígene conturbada, fazendo-os
deslocarem-se para outros locais (MARTINS, 2016). Findado esses conflitos, a região
toma outra configuração, sendo que colonos se deslocam para o local e fundam as
primeiras fazendas, as que tiveram importante papel no contexto histórico para a
constituição de Fraiburgo/SC, foram as fazendas Liberata e Butiá Verde, que ficaram
conhecidas nesse período como localidade “Campo da Dúvida” 54.
Sobre os fatos que marcaram o início de Fraiburgo/SC, Martins (2016, p. 119-
120) explica que:
A região de Fraiburgo também é marcada pelo conflito do Contestado
(1912/1916) e, devido à luta pela terra, muitos caboclos (descendentes
de indígenas e imigrantes) resistem às tropas do governo federal;
entretanto, muitos são mortos, e a dominação do capital internacional

54
Brandt (2007) apresenta diversas versões que explicam o porquê do nome “Campo da Dúvida”, umas
delas é que, “existiam nestas fazendas, de acordo com Thomas Burke, uma certa imprecisão em suas
divisas, já na época em que estas pertenciam a família Burger, acarretando em tensões e conflitos”
(BRANDT, 2007, p. 174).

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emancipação humana
adentra a região para o grande empreendimento da construção da
estrada de ferro e posse das terras dos povos caboclos.

Após o movimento do Contestado ou Guerra do Contestado, Brandt (2007, p. 55-


56), elucida:
Na década de 1930 a localidade do Campo da Dúvida, que pertencia ao
município de Curitibanos, no planalto de Santa Catarina, recebeu a
instalação da serraria René Frey & Irmão, que passou a explorar as suas
vastas florestas de araucárias. Antes da serraria, o uso que se fazia
daquelas terras era baseado no usufruto comum de seus recursos
naturais, realizada principalmente por pequenos e médios sitiantes,
muitos deles posseiros. Forma de uso da terra que entrou em decadência
a partir da instalação da serraria, que, ao longo das décadas de 1930 e
1960, devastou, cercou e iniciou a urbanização de boa parte das terras
da localidade, que deu origem, no ano de 1961, ao município de
Fraiburgo.

Com a escassez da madeira, devido ao excesso de sua exploração, os Frey apostam


na produção de uma nova mercadoria e assim iniciam o cultivo de maçã. A produção de
maçã trouxe notoriedade ao município tanto nacionalmente como internacionalmente,
com a exportação da fruta para diversos países. Como citado anteriormente, a mercadoria
maçã compôs a base econômica da região. Para Martins (2016, p. 120):
[...] Por esse fato, muitos trabalhadores de regiões do Brasil
direcionaram-se para residir na cidade de Fraiburgo, outros deixaram as
atividades no campo e foram viver na cidade, para encontrar melhores
condições de vida e de salário, para sustentar a família. As
agroindústrias de maçã tornaram-se uma alternativa de trabalho e de
garantias futuras para muitas famílias de trabalhadores. No início de
2010, ocorre o enfraquecimento desse processo produtivo e modifica a
vida de muitos trabalhadores que vivem na cidade, e a própria produção,
a mercadoria, modifica-se, e a vida do trabalhador altera-se, o que antes
era promissor deixa de ser.

A partir do explicitado acima Martins (2016, p. 120) ainda declara que, a produção
de maçã em Fraiburgo/SC “destacou-se como a mercadoria que permitiu a subsistência
dos trabalhadores assalariados e ainda hoje em proporção cada vez menor”. Com isso,

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mais uma vez percebe-se mudanças na conjuntura econômica do município de
Fraiburgo/SC e o que antes parecia lucrativo, a produção de maçã, aos poucos dá espaço
à novos processos produtivos e mercadorias. Via de regra, a diminuição na produção de
maçã,
[...] se explica em virtude do aumento da produção de grãos, milho e
soja, entre 2009 a 2013, desta forma a área plantada de maçã nesse
período diminui pela metade. E, ao analisar os números, é perceptível
para qual produção o município se volta, de uma cidade da fruticultura
passa para uma cidade agrícola produtora de grãos (MARTINS, 2016,
p. 122-123).

Além da produção de grãos, outra produção que se destaca é a madeira


(reflorestamento) (MARTINS, 2016). Isto mostra, como significativas mudanças no
campo produtivo e econômico no município de Fraiburgo/SC altera todas as esferas da
vida dos trabalhadores, inclusive nas escolas, os processos de ensino como em qualquer
sociedade gerida pelo capital deve se articular de acordo com a suas necessidades.
Todavia, perante o exposto, que tipo de trabalhador se demanda para uma produção
agrícola? Sabendo que a produção de grãos e reflorestamento, é realizada
preponderantemente por máquinas e necessita de um número mínimo de forças de
trabalho, o que farão as outras forças de trabalho diante dessa realidade? Quais são as
possibilidades aos trabalhadores? Porventura, ser empreendedores?

Educação para o capital: o empreendedorismo em escolas públicas no município


de Fraiburgo/SC
Os fenômenos sociais em suas mediações se efetivam na realidade concreta de
modo dinâmico, contínuo e contraditório. Após a análise do contexto histórico-social
econômico no município de Fraiburgo/SC, outro campo que pretendemos abordar neste
texto é como a educação se configura para atender os interesses da burguesia. Sendo
assim, para o momento analisaremos um dos processos de educação que se encontra

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dentro de algumas escolas pública municipais, que é a educação empreendedora do curso
JEPP, levando-se em conta a questão produtiva e econômica do município, conforme
explicado no tópico anterior.
Nesse atual cenário de modificações cada vez maiores e rápidas no campo
econômico é que observamos os processos educacionais em sua grande maioria
comprometidos com a tentativa de encontrar formas de qualificação de forças de trabalho.
Ou o trabalhador se qualifica para o trabalho no chão da fábrica, ou este trabalhador se
qualifica para ser criativo, autônomo, flexível, proativo, “dono do seu próprio negócio”
dentre outros aspectos da educação empreendedora. A educação empreendedora desta
forma assume as características que atendem as necessidades de manter a ordem do
mercado que se encontra cada vez mais instável.
No caso do Município de Fraiburgo que teve muitos de seus setores liberando
força de trabalho, a educação empreendedora contribui como uma alternativa ao
trabalhador devido ao evidente desemprego. A educação para o empreendedorismo ganha
relevo nos últimos anos em algumas das escolas pública municipais, por meio do curso
JEPP. Como mencionado, o JEPP é um curso de educação empreendedora criado pelo
Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), para a
qualificação de estudantes do ensino fundamental dos anos iniciais e finais, que tem como
principais eixos o comportamento empreendedor e o plano de negócios.
O Sebrae, em um dos seus mais recentes documentos diz que a educação
empreendedora é “uma proposta de educar para formação do ser autônomo capaz de
tomar decisões, superar desafios, realizar sonhos, construir propostas inovadoras e
empreender” (SEBRAE, 2015, p. 3). Mas, será provável uma formação com todas essas
possibilidades, levando-se em conta a sociedade em que se encontram os estudantes?
Temos que considerar que esta sociedade está configurada para atender os interesses dos

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capitalistas que detêm os meios de produção em prol da valorização do seu capital e de
seus lucros.
Pensamos assim como Mészáros (2006, p. 275) que “a educação formal está
profundamente integrada na totalidade dos processos sociais”. Então é equívoco pensar
que uma educação como essas propostas pelo Sebrae tenha a intenção de formar sujeitos
autônomos e que poderão ser protagonistas de sua própria história. Mészáros assevera
(2006, p. 275): “A educação tem duas funções principais numa sociedade capitalista: 1 a
produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia, e 2 a formação
dos quadros e a elaboração dos métodos de controle político”.
Dessa forma, Lukács (2010) salienta que nenhuma sociedade pode se reproduzir,
de fato, sem regular e dirigir as atividades sociais e pessoais de seus membros, para ela
necessárias. Com essas aproximações, é fato que as proposições da educação
empreendedora soam como algo natural dentro do processo educativo. Assim sendo, por
quê e de que maneira poder-se-ia alguém questionar uma educação que oferece a
formação basilar para os trabalhadores serem futuros empreendedores, “donos de seu
próprio negócio”?
Por outra parte, o capitalismo se mantém sobre intensas crises, e essas crises nada
mais levam do que a novas reconfigurações, novos modelos de desenvolvimento e novas
formas de poder de classe (HARVEY, 2011). Por isso se entende que a educação
empreendedora nas instituições de ensino é uma resposta a essa tendência, ou seja, a partir
dos resultados da crise, marcado pela precarização do trabalho e o desemprego, é o que
tem movido essas instituições no incentivo dos trabalhadores ao empreendedorismo.

Considerações finais
Ao pensar a educação a partir dos desdobramentos históricos pelo qual perpassa
o desenvolvimento da sociabilidade capitalista e novas exigências a serem cumpridas,

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“foi preciso, então, elaborar uma nova pedagogia, um projeto educativo de outra
natureza” (MORAES, 2009, p. 319). Nesse sentido, é preciso adaptar os estudantes e
docentes à essa nova realidade. Não obstante, é nítido como a educação empreendedora
se sustenta nesses princípios e ideais, ou seja, um ensino que corrobora à ordem vigente,
preparando os estudantes para uma sociedade que prioriza a competitividade e as
desigualdades sociais.
A partir do processo histórico e da complexificação das relações sociais é possível
perceber no aumento do grau de sociabilidade as contradições entre o desenvolvimento
das forças produtivas e as relações de produção. Nesta direção, compreende-se a urgência
em mediar um debate que permita aprofundar a apreensão da sociabilidade, os produtos
culturais e de bens de consumo com os quais os trabalhadores convivem em sua vida
cotidiana e para além dela, configurada conforme as determinações do capital.

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em História), Fac. Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS, Porto Alegre: 2009.

Autoras:
Mirian Carla Cruz
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina.
e-maiç: mi_carla09@hotmail.com
Agência financiadora - FUMDES
Juliana Aparecida Cruz Martins
Doutora em Educação e Pós-Doutoramento em Serviço Social da Universidade Federal
de Santa Catarina.

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emancipação humana
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
E-mail: julianahist.edu@gmail.com
Bolsista Capes

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A EDUCAÇÃO SUPERIOR A PARTIR DA INTENSA
INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA (1930-1980)
Jalme Santana De Figueiredo Junior
Hernani Flavio Pessatto Nunes

Introdução:
Vivenciamos um processo de transformação da educação superior em mercadoria “algo
muito estranho, cheio de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas” (MARX, 2017, p.92).
Ciências como Pedagogia, Geografia, Direito, Medicina dentre outras áreas se tornam produtos
disponibilizados para o consumidor, de modo que por serem mercadoria, geram lucratividade
devido ao caráter misterioso inerente a mercadoria:
A Mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características
sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como
características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos
do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos
individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação
social existente, à margem deles, os produtos do seu próprio trabalho
(MARX, 2017, p.94).

Nesse contexto as áreas de ensino ofertadas pelas universidades e faculdades não


correspondem ao trabalho produtivo de profissionais qualificados, dedicados e
valorizados, mas sim uma mercadoria que dissimula o trabalho humano se tornando
coisas sociais perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos (MARX, 2017).
Não obstante, no caso brasileiro, assistimos desde o século passado relação direta
entre Estado e instituições privadas de ensino superior (principalmente a partir de 1960)
que em grande medida ampliaram acesso à educação superior dentro da lógica de
mercadoria55. Grupos empresarias como a Kroton (fundada em 1966), Unopar (Fundada

55
Exemplo curioso sobre esse processo podemos assistir em vídeos promocionais socializados em meios
digitais como o Youtube, onde verificamos propagandas para o ensino a distância, colocando atores
carismáticos para vender um produto bom, barato, de acesso fácil com término rápido. Destacamos as
propagandas caricatas da Unopar com Rodrigo Faro e Whindersson Nunes como expressão desse processo
de mercadorização do ensino superior na contemporaneidade.

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em 1972), Estácio de Sá (fundada em 1970) dentre outros acabam ganhando
lucratividade, nos provocando a refletir:
Agora tudo se mundializa: a produção o produto, o dinheiro, o crédito,
a dívida, o consumo, a política e a cultura. Esse conjunto de
mundializações, cada qual sustentado, arrastando, ajudando a impor a
outra, merece o nome de globalização (SANTOS, 2009, p.204).

Articulando as proposições de Marx (2017) sobre a mercadoria e seu caráter


dissimulado, juntamente a ideia de globalização sustentada por Santos (2009),
percebemos que o processo de acesso à educação superior no Brasil está diretamente
relacionado com os ditames do mercado financeiro em relação direta e contraditória entre
Estado e empresas globais, atores que transformam a educação superior em mercadoria
objetivando aumentar seus lucros e vantagens justificando cortes e déficits.
Para compreendermos essas relações complexas, neste trabalho pretendemos
realizar discussão em torno de dados referentes as transformações na educação superior
brasileira, no período de transformações urbana-industrial ocasionada pela revolução de
1930 e por governos constituídos a partir dessa data.
O recorte temporal se faz necessário pois a partir dele podemos verificar forte
articulação entre o projeto nacional de formação do estado brasileiro e suas relações com
os avanços contraditórios do capitalismo industrial. Dessa forma contextualizaremos os
respectivos períodos, ressaltado fatores econômicos e políticos, para realizar a discussão
posteriormente.

Educação superior brasileira no século XX: avanço ou retrocesso?


A partir do início do século XX inicia-se processo desencadeador da
industrialização nacional, havendo profundas mudanças nas políticas econômicas. Lopes
(2008), aponta a aceleração da industrialização, o processo de constituição de um
mercado nacional e a intensificação de uma hegemonia industrial regional, como

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características centrais do desenvolvimento brasileiro, refletindo no processo de
“substituição de importações” (LOPES, 2008, p.6).
Esse processo desencadeou a consolidação do sistema urbano-industrial
brasileiro, havendo interiorização e transformações no espaço brasileiro, a exemplo:
formação de novos municípios a partir da “marcha para o oeste”, rompendo em grande
parte com o modelo centrado apenas na exportação agrária para constituir uma economia
industrial nas cidades e desenvolvimento das exportações.
Pode-se afirmar, portanto, que os séculos XIX e XX assistem a uma
nova “revolução urbana”, tão profunda e vasta nas transformações
sociais que provoca, quanto o foi a primeira revolução urbana nos
primórdios da história. Ademais, criaram-se sociedades completamente
urbanizadas, ou melhor, “metropolizadas”, para fazer uso de um
neologismo sugestivo. Não se trata, apenas, da proporção dos habitantes
que vivem em cidades ou em metrópoles (LOPES, 2008, p.06).

Na conjuntura de intenso crescimento econômico proporcionado por políticas de


Estado, houve mudanças no contexto voltado para a educação superior entre 1930-1980,
dessa forma podemos observar os aumentos referente as matrículas nas universidades a
partir da criação da USP, Universidade de São Paulo em 1930.

Tab.01: Evolução dos números de matrículas em estabelecimentos públicos e privados no


ensino superior brasileiro (1933-2010)
Público Privado Total
Ano Número % Número % Número
1933 18.986 56.3 14.737 43.7 33.723
1945 21.307 51.6 19.968 48.4 41.275
1960 59.624 58.6 42.067 41.4 101.691
1970 210.613 49.5 214.865 50.5 425.478
1980 492.232 35.7 885.054 64.3 1.377.286
1990 578.625 37.6 961.455 62.4 1.540.080
2000 887.026 33 1.807.219 67 2.694.245
2010 1.643.298 25.8 4.736.001 74.2 6.379.299
Fonte: Elaborado com base nos dados do INEP (2010). (*) incluindo EAD.

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Conforme vemos os dados da tabela acima, a partir do período da reforma
educacional de 1968, o número de matrículas registrou saltos históricos, em 1960 esse
dado registrava 59.624 ingressos nas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas,
passando para 210.613 em 1970, registrando aumento numérico de 71.69%. Entre 1970
e 1990 tivemos aumentos ainda mais significativos, em 1990 passamos para 578.625
matrículas, registrando um aumento percentual entre 1970-1990 de 174.73%.
Nas IES privadas a partir de 1960, também obtemos aumentos significativos
referente às matrículas, em 1960 tivemos 42.067 matrículas na modalidade de ensino
superior privada, tendo um aumento gradual e registrando 214.865 matrículas em 1970,
e registrando um aumento percentual de 410.76%. Em 1990 esse dado aumentou para
961.455 estudantes matriculados em instituições de ensino privadas, se compararmos os
dados de 1970 com 1990, perceberemos um aumento histórico de 347.46%.
Conforme dados em tela, vemos que o crescimento de matrículas nas instituições
públicas se deu consideravelmente menor do que nas IES privadas, ampliando a leitura
da educação superior enquanto mercadoria:
Do ponto de vista teórico, a política educacional do regime militar se
pautou na chamada “teoria do capital humano”. Nesse sentido, tentou
estabelecer uma relação direta, imediata e mesmo de subordinação da
educação à produção e tentou também implementar uma política de
descomprometimento com o financiamento da educação pública e
gratuita concorrendo decisivamente para a privatização do ensino,
transformado em negócio rendoso e em muitos momentos subsidiados
pelo Estado (CUNHA & GÓES, apud, SOUZA, OTRANTO, 2002,
p.1382, 1383).

Frente ao exposto pelo autor em diálogo com os apontamentos de Marx (2017)


notamos que o negócio de se trabalhar com o ensino superior se tornava lucrativo, e o
processo de mercadorização do serviço dessa educação contribuiu para a ampliação das
instituições privadas, articuladas diretamente com políticas de Estado, em uma lógica
globalizante, como apontou Santos (2009).

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Com efeito, notamos avanços importantes no que tange acesso à educação
superior no decorrer do século XX, entretanto tal avanço se deu acompanhado por um
processo dissimulado, provocado pela transformação dessa educação em mercadoria a ser
consumida implicando limitações da qualidade em várias áreas do ensino superior,
refletindo diretamente na produção da educação superior atualmente.

Perspectiva a partir dos anos 2000: redesenho das políticas de acesso à educação
superior brasileira
Os anos 2000 e seguintes, foram marcados por mudanças estruturais nas políticas
econômicas, ocorreu período de mudanças afirmativas referente a abertura do acesso ao
nível de ensino superior privado e público. Isso ocorreu a partir da atuação do
Financiamento Estudantil (FIES), do Programa Universidade para Todos (PROUNI), do
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI) e do Sistema de Seleção Unificada (SISU).
Frente a tais apontamentos, Pochmann (2011), expõe que no início do século XXI
verifica-se sinais de mudanças estruturais no capitalismo, de modo a apontar uma leitura
pós-neoliberal. Ainda nesse argumento, o autor apresenta que “a tributação sobre
inovadoras formas de riqueza, permitiu constituir o fundo público, superior ao permitido
pelo estado mínimo (liberal) (POCHMANN, 2011, p.20).
O aumento no número de matrículas foi ainda mais expressivo do que em tempos
passados, no ano 2000 houve 887.026 matrículas nas instituições de ensino públicas, a
partir da atuação do REUNI institucionalizado em 2007, e do SISU criado em 2012, esses
números passaram a aumentar gradualmente chegando a 1.643.298 matrículas em 2010,
e registrando um aumento de 85.25% dos ingressos ao ensino superior público. Fato esse
que se articula aos apontamentos feitos por Pochmann (2011).

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Nas IES privadas, os aumentos foram ainda mais expressivos, em 2000 o número
de matriculados na modalidade de ensino foi de 1.807.219, tendo um aumento acentuado
e chegando a 4.737.001, obtendo um aumento numérico de 162.11%. Perceber também,
aumento significativo de estudantes concluintes do ensino superior a partir de 1992, como
podemos ver na tabela abaixo.
Tab.02: Concluintes do Ensino Superior por regiões, 1992-2002
Ano Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
Oeste
1992 234.288 6.291 30.185 145.224 37.813 14.775
1993 240.269 8.101 30.930 146.862 38.873 16.203
1994 245.887 7.267 32.442 149.583 39.655 16.940
1995 254.401 8.437 34.940 151.952 41.352 17.720
1996 260.224 8.856 34.845 155.614 42.147 18.762
1997 274.384 9.542 38.196 161.348 45.453 19.845
1998 300.761 11.480 39.392 177.104 49.723 23.062
1999 324.734 12.477 42.916 188.114 55.877 25.350
2000 352.305 12.145 46.860 205.661 60.762 26.877
2001 395.988 13.895 54.771 225.851 70.828 30.643
2002 466.260 17.765 68.824 255.980 84.960 38.731
Fonte: MEC/INEP, 2000
Analisando os dados da tabela 02, percebemos que a expansão das instituições no
país, resultou no aumento de graduandos formados. A partir de 1992 conforme os dados
acima, vemos que houve salto quantitativo para os próximos anos; em 1997 houve
270.384 formandos, em 1998 foram registrados 300.761 universitários concluintes
proporcionando um aumento de 11.23%; em 2000 o número de formados foi de 352.305
e em 2001, 395.988 registrando uma evolução de 12.39%; em 2002, houve 466.260
concluintes, constituindo entre 2001-2002 um aumento de 17.74%.
Se compararmos os números de 1992 com os dados de 2002, perceberemos uma
evolução de 89.62% de concluintes nos cursos das IES em todo o país, na maioria das

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regiões o aumento numérico desse período foi maior do que os números nacionais, com
a exceção da região Sudeste que teve uma evolução percentual menor, do que se
comparado aos números nacionais, em 1992 tivemos na região sudeste 145.224
concluintes, e em 2002 esse número foi de 255.980, um aumento numérico de 76.26%.
Não obstante, os dados demonstram que a democratização e expansão do acesso
à educação superior, foi colocado enquanto tema importante e rotineiro no debate
nacional e internacional. Desse modo, seguindo tal lógica, a educação superior brasileira
vem sendo reformada nas últimas décadas (ROSA, 2013).
Nas regiões norte, nordeste, sul e centro-oeste, o aumento percentual entre 1992-
2002, foi maior do que se comparado aos números percentuais nacionais. No Nordeste os
dados referentes aos formandos de cursos superiores de 1992 foi de 30.185, e em 2002
registrou-se 68.824, havendo um aumento de 128%. No Norte em 1992 os dados dos
graduandos que concluíram o curso foi de 6.291, e em 2002 os dados mostraram que
17.765 estudantes concluíram seu curso superior, um aumento percentual de 182.38%.
No Sul em 1992, a quantidade de concluintes dessa modalidade de curso foi de
37.813, e em 2002 esses números evoluíram para 84.960, um crescimento de 124.68%, e
por fim no Centro-Oeste, em 1992 foram registrados 14.775 concluintes, e em 2002
84.960 um aumento de 162.13%. Vemos que nesse período o sudeste teve uma evolução
percentual abaixo das demais regiões, devido a infraestrutura das IES já instalada na
região, ao contrário das demais regiões que teve uma expansão a partir da década de 1990.
O estado na perspectiva lógico/histórica aqui adotada, tem na vida
material dos indivíduos sociais a sua base. Esta não se dá segundo a
vontade do estado, mas é condicionada pelo modo de produção
capitalista e pelas suas formas de intercâmbio, necessárias enquanto
houver divisão do trabalho e propriedade privada (PERONI, 2003,
p.21).

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Nesse processo, houve também a expansão de acesso à educação superior nas
principais cidades brasileiras, concentrando-se nos polos econômicos nacionais como,
Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte entre outras cidades.

Considerações
A partir do início do século XX o Brasil ingressa em modelo econômico
conhecido por urbano-industrial, não obstante destacamos a atuação de políticas
econômicas adotadas a partir da revolução de 1930 enquanto centrais na expansão do
ensino superior. Na conjuntura de mudanças, tivemos nesse período a singela expansão
das unidades de ensino superior, e um crescimento considerável do número de matrículas
bem como aumento de instituições privadas que contribuíram para ampliar o acesso ao
nível superior de educação.
Embora ocorrência de aumento significativo no que diz respeito à acesso a partir
de 1960 e depois de modo mais intenso a contar de 2000, tal processo contribuiu para
transformar a educação superior em mercadoria, implicando na desvalorização dos
profissionais que produzem e ensinam nos cursos superiores – principalmente nas
instituições privadas, tendo em vista o processo dissimulador da mercadoria conforme
aponta Marx (2017).
O nosso estudo, aponta necessidade de enfrentamento político para reverter o
quadro que se coloca diante dos profissionais envolvidos com a educação superior, tendo
em vista as reformas encampadas pelo governo e sua base na atualidade, que privilegia
apenas grandes corporações que tratam o conhecimento produzido no ensino superior
como mercadorias que podem gerar lucratividade para pequenos grupos da sociedade.
Com efeito, há de buscarmos ocupar os locais de decisão política a fim de
incentivar e promover ações voltadas à educação pública e gratuita pautadas na qualidade,

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qualificação e valorização profissional e sobretudo material dessas instituições enquanto
direito social e justiça social.

Bibliografia

LOPES, B, R, J. Desenvolvimento e mudança social formação da sociedade urbano-


industrial no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I/ Karl Marx; tradução de
Reginaldo Sant’Anna. – 35ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.

PERONI, V. Política educacional e papel do estado. São Paulo. 2003. p.207.

POCHMANN, M. O trabalho no Brasil pós-neoliberal. Brasília. Liber Livros. p.206


2011.

ROSA, M, C. Políticas públicas para a educação superior no governo Lula. Poíesis


Pedagógica, Catalão-GO, v.11, n.1, p. 168-188, jan/jun. 2013.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. – 4. Ed. 5.


Reimpr. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.

SOUZA; F, N, A; OTRANTO, R, C. As políticas educacionais para o ensino superior


da ditadura militar (1968-1985) e do governo lula da silva (2003-2010) e seus reflexos
na reformulação do estatuto e regimento geral da ufrrj (1970-2011). João Pessoa.
p.18 2012.

Autores:
Jalme Santana De Figueiredo Junior
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia nível Mestrado - UNIOESTE.
Linha de pesquisa Educação e Ensino de Geografia. Bolsista Capes.
Pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa em ensino de Geografia-GEPEG.
Graduado em Licenciatura em Geografia pela UNIOESTE.
e-mail: jalmefigueiredo18@hotmail.com
Hernani Flavio Pessatto Nunes
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia nível Mestrado – UNIOESTE.
Linha de pesquisa Educação e Ensino de Geografia. Bolsista Capes.

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Pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa de Estudos em História e Epistemologia
da Geografia-HEGEO.
Graduado em Licenciatura em Geografia pela UNIOESTE.
e-mail: hernani_flavio@hotmail.com

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O COMPROMISSO DO PROFESSOR COM TODOS OS ALUNOS56.
Valdenice Maria da Silva Setti
Maria Ester Rodrigues

O presente artigo é um ensaio, baseado na literatura e na experiência docente das


autoras acerca da necessidade de a educação, a escola e o professor assumirem um
compromisso com todos os alunos. Entende-se que esse olhar, aliado ao domínio de
métodos e técnicas comprovadamente eficazes com base em evidências (em
contraposição a eficácia meramente opiniática), é condição sine qua non para que se possa
atender a todos os alunos em suas especificidades.
Constitucionalmente, os cidadãos têm assegurados seus “direitos sociais e
individuais, liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça”
(BRASIL, p. 1). Por não nascer plenamente humanizado, o ser humano precisa entrar em
contato com o mundo construído histórica e socialmente. Dos espaços privilegiados para
o desenvolvimento do ser humano destacamos o escolar.
Sabemos da complexidade que envolve os conceitos de educação e de escola e,
por isso, recorremos inicialmente a alguns autores para defini-los. Autores de diferentes
tradições parecem concordar que a educação se destina à transmissão e perpetuação da
cultura. Para Antunes (2008, p. 469) a educação é “uma prática social humanizadora,
intencional, cuja finalidade é transmitir a cultura construída historicamente pela
humanidade”. Henklain; Carmo (2013), Rodrigues (2005) e autores de tradição analítico-
comportamental, em geral, entendem a educação como destinada a estabelecer nos
membros da cultura comportamentos que sejam vantajosos no futuro, tanto aos indivíduos
como para o seu grupo social e cultural.

56
Artigo originalmente escrito como um dos requisitos para conclusão da disciplina de Psicologia da
Educação e Formação de professores, no curso de Mestrado em Educação UNIOESTE, campus de
Francisco Beltrão

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A agência social “escola” é explicada por Antunes (2008) como uma instituição
nascida da complexificação crescente das sociedades, demandando formação específica
de seus componentes, com o objetivo de propiciar a universalização do acesso aos bens
que culturalmente foram criados pela sociedade, oferecendo a todos as condições de
aprendizagem e desenvolvimento.
A educação nos espaços escolares, responsável pelo processo de humanização,
age para possibilitar a emancipação. Hoje a escola apresenta o papel de agente de
democratização, embora não com exclusividade. Nas palavras da autora: “[...] embora
não seja o único, é certamente um dos fatores necessários e contingentes para a construção
de uma sociedade igualitária e justa.” (ANTUNES, 2008, p. 469)
Diante do exposto, a escola tem papel fundamental na vida dos sujeitos por ser
uma instituição social, cabendo a ela, em conformidade com Janke; Rodrigues (2012, p.
156), a “manutenção (transmissão e acúmulo) e/ou transformação da cultura”. Apesar
dessa indiscutível importância, os resultados obtidos pela escola não têm sido todos
louváveis. Como exemplo, os dados obtidos pela Avaliação Nacional de Alfabetização
2014 do MEC (ANA): Uma em cada cinco crianças, aos oito anos de idade, lê apenas
palavras isoladas. Apenas uma em dez crianças (9,88%) atingiu o objetivo esperado para
o desenvolvimento da lecto-escrita ao fim do ciclo de alfabetização. Não menos
importante é o dado revelando que um quarto das crianças avaliadas em 2014 (24,29%)
atingiram o nível 1 na escala matemática e 32,78% o nível 2, ambos considerados
inadequados.
Com tais dados a respeito dos resultados generalizados da educação percebemos
o quanto é necessário que professores, especialmente os alfabetizadores, analisem a
prática pedagógica e que as escolas façam valer as propostas pedagógicas, enfatizando a
real função da escola: ensinar. No entanto, ao invés de mudança de postura, perpetua-se
o questionamento desnecessário dos dados obtidos por sistemas de avaliação em larga

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escala, efetuado com parcos argumentos sobre o poder de tais sistemas poderem avaliar
realidades individuais.
Moroz; Luna (2013) mencionam que a força de uma sociedade é proporcional ao
número de seus membros efetivamente ensinados e à amplitude da instrução por eles
recebida. Pereira, Marinotti; Luna (2004) descrevem a crise no sistema educacional e
alertam para o que está sendo feito em nome da educação, pois estamos com dificuldades
de promover no aluno a transformação almejada. Este sistema precisa de mudanças e as
vezes a autonomia vivida pelos agentes escolares é ilusória, até o currículo é elaborado
para turmas de alunos em nível mediano, desconsiderando as diversidades existentes nas
salas de aula.
Concordamos com Pereira, Marinotti; Luna (2004) ao afirmarem que muitas
práticas comuns nas escolas são desperdício de tempo como o treino da caligrafia, cópias
sem nexo, rotinas formais, atividades mecânicas, exigências burocráticas e cumprimentos
de programas pré-estabelecidos estipulados antes de se conhecer os alunos para os quais
se destinam. Nas palavras de Zanotto (2004, p. 40) o professor, por vezes, é “trabalhador
alienado” que cumpre rituais, desconhecendo a real importância de cumpri-los.
Salientamos que muitos fatores influenciam nos processos ensino-aprendizagem,
mas a parcela que cabe ao professor deve ser por ele assumida. Moroz; Luna (2013) e
Skinner (1968/1975) mencionam que apesar da possibilidade de aprender sem ter sido
diretamente ensinado, o contrário nunca será verdadeiro, ou seja, não é possível dizer que
alguém ensinou, se alguém não tiver aprendido.
Conforme defendem Moroz; Luna (2013) o professor é o profissional fundamental
no ensino, devendo modificar o seu comportamento em função da aprendizagem dos
alunos. Janke; Rodrigues (2012) abordam que o professor deve conhecer o repertório
inicial do aluno, dominar os conhecimentos que fazem parte dos conteúdos a ser ensinado
e preferencialmente, aplicar metodologias de ensino baseadas em evidências. A formação

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emancipação humana
continuada do professor também tem importância fundamental e é claro que a avaliação
constante é imprescindível.
Janke; Rodrigues (2012) reforçam a importância do bom planejamento por parte
do professor, ressaltando que é a partir dele que o docente será capaz de:
[...] decidir os passos sequenciais de ensino, os objetivos de ensino
intermediários e finais, com base em critérios que identificam os
comportamentos de entrada e os comportamentos que o aluno deverá
exibir ao longo e ao final do processo de ensino (JANKE;
RODRIGUES, 2010, p. 146).

Da mesma forma Moroz; Luna (2013), Zanotto (2004), Janke; Rodrigues (2014),
Henklain; Carmo (2013) também afirmam a necessidade de que o professor tenha o
máximo de conhecimento sobre o aluno, etapa fundamental para o planejamento visando
as aprendizagens futuras e o estabelecimento de objetivos de ensino, intermediários e
finais, bem adotar procedimentos para alterar o repertório inicial (ponto de partida) em
direção aos objetivos (ponto de chegada).
Nesse ponto vemos algumas semelhanças entre o que a literatura propõe enquanto
tarefa ou funções do professor baseados no referencial analítico-comportamental
(necessidade de se modificar o comportamento do aluno a partir de um objetivo final e
objetivos intermediários, tendo critérios claros de desempenho), e o proposto por
Dermeval Saviani: necessidade de se partir de um ponto e chegar a outro, após percorrer
um caminho, ao longo de um processo.
Saviani (1993) sugere cinco passos para que tomemos professor e aluno como
agentes sociais ativos no processo ensino-aprendizagem: O ponto de partida seria a
prática social inicial, de docente e discente, ambos com diferentes níveis de compreensão
desta prática; o segundo passo seria selecionar os principais problemas apresentados nesta
prática inicial, isto é, a problematização que tem o objetivo de identificar as questões que
precisam ser resolvidas, ou os conteúdos a serem ensinados/aprendidos; Como terceiro

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passo o autor apresenta a assimilação dos conteúdos repassados pelo professor por meio
de diferentes instrumentos teóricos e práticos (produzidos socialmente e preservados ao
longo do tempo), ou a instrumentalização para a tentativa de resolução dos problemas
apresentados; Como quarto passo temos o conceito de catarse explicado como a síntese
mental do aluno frente aos três passos que já foram desenvolvidos e; como quinto passo,
temos a prática social final quando se percebe se houve aprendizagem, mudança de
comportamento/atitude na vida dentro e fora da escola. Neste último passo os alunos
devem ascender ao nível sintético.
Saviani (1993, p. 70) usa a expressão ‘teoria da Curvatura da Vara’ ao mencionar
que o processo de ensino e aprendizagem é complexo e desacomoda tanto o professor
como o aluno. “A ‘teoria da Curvatura da Vara’ serve para polemizar, abalar, desinstalar,
inquietar, fazer pensar”, ou seja, desmistificar as incertezas do professor em relação a sua
prática com vistas a melhorá-la.
Com efeito, assim como para se endireitar uma vara que se encontra
torta não basta colocá-la na posição correta, mas é necessário curvá-la
do lado oposto, assim também, no embate ideológico não basta enunciar
a concepção correta para que os desvios sejam corrigidos: é necessário
abalar as certezas, desautorizar o senso comum. (SAVIANI, 1993, p.
70)

Acreditamos ser importante o conhecimento da realidade dos alunos, o


conhecimento do repertório comportamental de entrada do aluno na escola, ou, nas
palavras de Saviani (1993), a ‘prática social inicial’ de cada um e percorrer com eles os
caminhos necessários para que todos consigam atingir os objetivos finais do processo de
ensino-aprendizagem, ou a ‘prática social final’. Fazer com que todos os alunos aprendam
é um grande desafio e com certeza não é tarefa fácil. Em cada um dos passos sugeridos
por Saviani o docente precisa analisar cada um de seus alunos.

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emancipação humana
Em relação a abordagem analítico-comportamental, para explicar o
comportamento dos alunos, o professor, primeiramente, precisa conhecê-lo e analisá-lo,
na sequência, é necessário planejar o ensino e após, executar o planejamento.
O planejamento deve contemplar as diferenças individuais existentes na turma. Os
alunos, em função de sua história passada (filogenética, ontogenética e cultural), diferem
em ritmo de aprendizagem, em existência ou ausência de pré-requisitos e o ensino deve
ser individualizado, adequando-se as atividades para as especificidades de cada um. Na
ausência de pré-requisitos para aprendizagens subsequentes, deve haver ensino explícito
das habilidades faltantes. O conteúdo deve ser explicado com variações, com o
fornecimento de diferentes tipos de atividades e havendo retomada de conteúdos sempre
que necessário. Os discentes com ritmo mais acelerado devem receber atenção e
suplementação necessária. O planejamento educativo, sempre complexo, exigirá tempo e
dedicação do profissional da educação. Talvez nem todos os profissionais estejam
dispostos a fornecê-los e esse pode ser um dos fatores que explica os problemas do
sistema educacional em relação ao processo de ensino-aprendizagem.
Moroz; Luna (2013, p. 120) também chamam atenção para a necessidade de
individualização do ensino (bem como autores analítico-comportamentais em geral),
visto que os “ritmos de aprendizagem dos alunos são diferentes, o que por sua vez exige
ritmos de ensino diferentes”. Existem, no entanto, complicadores para essa tarefa, como
o número excessivo de alunos por turma, a sobrecarga de trabalho do profissional devido
a ausência de valorização da profissão docente e, ainda, a as precárias condições de
infraestrutura dos prédios escolares.
A falta de planejamento por parte do professor acarreta sérios problemas no
processo ensino-aprendizagem. A respeito disso, Pereira, Marinotti; Luna (2004)
mencionam que o professor que repete as atividades ano a ano, simplesmente copia aulas
prontas de outros professores, utiliza as mesmas estratégias de ensino para todos os

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alunos, demonstra despreparo para agir diante de situações corriqueiras da sala de aula.
Precisamos aprender a ser professores, ter conhecimento teórico para poder relacionar
teoria e prática, confrontar experiências com as de outros colegas, participar de cursos,
seminários e estudos com vistas à melhoria de sua atuação profissional. Janke; Rodrigues
(2012) defendem que o professor é capaz de desenvolver as necessárias habilidades se for
ensinado explicitamente a ensinar.
É necessário que, ao executar o planejamento, o professor esteja sensível as
mudanças de comportamento em seus alunos, promovidas pelo seu comportamento de
ensinar e possa modificá-lo quando necessário em função do que ocorre (ou deixa de
ocorrer) com seus alunos. Isso inclui a avaliação contínua do processo ensino-
aprendizagem, alteração de planejamentos, mudança de métodos em função da avaliação
contínua realizada, aplicação de princípios de comportamento e individualização do
ensino, atentando para as necessidades de cada um de seus alunos.
Enfatizamos a sensibilidade, teórico-técnica, do professor em entender tudo o que
abrange o processo de ensino-aprendizagem, por ser o profissional especialista nesse
processo. Cabe a ele identificar o que é estímulo reforçador e/ou punitivo para cada aluno
e utilizar correta e eficientemente reforçadores, visto que a punição não é recomendada
como técnica de ensino. O professor precisa estar atento às individualidades para
proporcionar reforços positivos, preferencialmente (mas não unicamente) naturais à
situação de ensino, a todos os seus alunos. Sobre a importância da transferência da
utilização dos reforçadores arbitrários para os naturais Henklain; Carmo (2013)
esclarecem,
[...] é necessário ressaltar que reforço não é só nota, prêmio ou
estrelinha colada no caderno. Essas são consequências
artificiais/arbitrárias, pois são extrínsecas à situação de aprendizagem.
Podem ser utilizadas no início da aprendizagem [...]. Portanto, ao
definir os reforçadores, é importante cuidar para não empregar apenas
(ou por longos períodos) reforçadores artificiais. É preciso desenvolver

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procedimento de ensino para realizar a transferência do controle do
comportamento por reforçadores artificiais para reforçadores naturais.
(HENKLAIN; CARMO, 2013, p. 715).

Porém, ao perceber que o aluno não atinge os objetivos cabe ao docente alterar
suas atividades, seu planejamento de ensino, os reforçadores utilizados ou o que mais for
identificado como necessário a ser alterado em função da análise da situação específica
de ensino-aprendizagem.
Janke; Rodrigues (2012), Moroz; Luna (2013) e Zanotto (2004) destacam que é
necessário dar oportunidade para o aluno se comportar em relação àquilo que foi
ensinado, ao invés de se destacar a atuação do professor. De acordo com Henklain; Carmo
(2013), bem como inúmeros outros autores da área, ao planejar suas aulas o professor
precisa prover espaços para a participação dos alunos, visto que eles devem ser ativos no
processo e, ao participarem, demonstram se a aprendizagem está ocorrendo de fato, o que
oportuniza ao professor o reforçamento de comportamentos relevantes. Estes autores nos
dão suporte teórico para nossa prática efetiva.
Janke; Rodrigues (2012) mencionam que o professor planejador de contingências
deve se preocupar com o método de ensino e não apenas em analisar processos de ensino
e aprendizagem já ocorridos. Deve promover, intencional e planejadamente,
aprendizagem e desenvolvimento, tendo ciência de que não é possível aplicar um método
de ensino que efetivamente funcione para cada um de nossos alunos.
Sendo assim, atentar-se com o método significa preocupar-se com os alunos e com
a identidade básica da função docente, o ensino, voltando-se a todos os alunos, sem
exceção. Somente um professor bem preparado teoricamente é capaz de escolher e utilizar
quaisquer métodos e técnicas a depender das necessidades e situações que surjam e das
idiossincrasias que se apresentem.
Alunos com dificuldades de aprendizagem são tidos como desinteressados e
apáticos, logo com poucas chances de obterem sucesso escolar. No entanto, é preciso

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analisar melhor a participação de todo o sistema escolar, incluindo a atuação do professor
em relação à história prévia de aprendizado do aluno na produção de tal desmotivação,
que pode ser, em função de fatores externos ao aluno e internos a escola (intraescolares).
De acordo com Henklain; Carmo (2013),
A rigor, dizer que o aluno não está motivado significa apenas dar uma
falsa explicação. A motivação não é intrínseca ao aluno: depende de
variáveis ambientais, como o tipo de tarefa que o professor requisita, as
consequências que o aluno produz com a realização da tarefa, a clareza
da tarefa ou das instruções para a sua realização etc. (HENKLAIN;
CARMO, 2013, p. 712)

Enquanto docentes precisamos ter o entendimento de que o aluno pode estar


desinteressado e a causa relacionada às nossas práticas pedagógicas. Quando atribuímos
a responsabilidade pelo fracasso em aprender sempre a fatores internos ao aluno e
externos à escola, deixamos de nos ver como parte do processo. Problemas de
aprendizagem geralmente ocorrem em função de fatores pedagógicos.
No meio escolar é pertinente entender que a palavra ensinar não se reduz a uma
única ação, mas ao complexo conjunto de ações ou funções do professor. O docente tem
papel importante no processo ensino-aprendizagem, mesmo inserido numa trama de
relações e numa política educacional complexa.
A motivação do discente pode ser criada ou suprimida a depender das condições
de ensino propiciadas ao aluno. Um professor “reforçador”, oferece atividades
diversificadas, explica com variações, demonstra, simula, modela, estabelece repertórios,
respeita o ritmo de aprendizagem dos alunos, individualiza e planeja o ensino etc., tem
muito mais probabilidade de ter alunos motivados/ interessados em aprender.
O professor precisa ter um olhar e uma prática diferente para cada aluno. Uma
breve análise da literatura confirma nossa experiência pessoal acerca da necessidade da
individualização do ensino. Conhecer os diferentes alunos que estão na sala de aula e
propor atividades adequadas a cada um é um desafio, porém uma necessidade

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fundamental para o cumprimento de nossa função. A ação do professor comprometido
em sala de aula é determinante para a aprendizagem do aluno. Por vezes o professor é
levado a alterar consideravelmente sua prática, não em função de uma necessidade
advinda de sua avaliação, mas por modismos ou determinações políticas com as quais
não concorda.
Em nossa experiência, além do repertório dos alunos em relação aos conteúdos a
serem ensinados, procuramos conhecer a realidade onde os alunos vivem e seu histórico
de vida. Esses dados são armazenados num portfolio individual e ao planejar, levamos
em conta essa ‘bagagem’ trazida pelo aluno. Sempre que possível, em consonância com
os pedagogos, entramos em contato com a família dos alunos.
Realizamos aulas dinâmicas, contextualizando os conteúdos, desafiando os alunos
a trabalharem em grupo e propiciando oportunidades de interação e pesquisas conjuntas.
Aos alunos que apresentam dificuldades na aprendizagem fornecemos explicações extras,
atividades e reforçadores individualizados, num caderno extraclasse. As atividades são
específicas para o aluno avançar em seu nível de conhecimento, retomar conteúdos, fixar
os básicos e fundamentais para o ano escolar em que se encontra. Semanalmente este
caderno é recolhido, corrigido e novas atividades são repassadas juntamente com uma
mensagem de incentivo. Algumas famílias, por inúmeros problemas, não se dispõem a
ajudar na execução das atividades que são enviadas para casa, mas se comprometem em
auxiliar lembrando o(a) filho (a) de fazê-las.
Pereira, Marinotti; Luna (2004) relatam que a família é responsável direta pelo
aluno e não pode desconhecer os direitos dos filhos. Deve de forma atuante, questionar o
papel da escola e do professor em relação à aprendizagem para que esta seja mais eficaz.
Na maior parte das vezes contamos com o apoio da família e, com tal apoio, o trabalho
pedagógico torna-se mais efetivo.

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Ao obter sucesso em atividades fornecidas, de acordo com suas habilidades atuais,
o aluno se motiva a ir adiante e o professor de continuar ensinando. Sob pena de não
atingir compromisso com todos os seus alunos, o docente não deve adotar um único
padrão de escolha de métodos, explicações, atividades e avaliações. Pereira, Marinotti;
Luna (2004, p. 15) afirmam que “a escola reforça as diferenças sociais ao oferecer as
mesmas condições iguais para grupos que não são iguais”. O discurso oral de que todos
têm oportunidades de aprender deve ser efetivado na prática.
Partindo do princípio de que ainda existe uma grande lacuna no desenvolvimento
e na avaliação de métodos e técnicas em todos os níveis de ensino que se comprovem
eficazes, com base em evidências científicas e não apenas por decisões políticas ou
meramente opiniáticas, entende-se existir um amplo campo de pesquisa científica para a
educação e para educadores que se definam como comprometidos com todos.

Referências

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perspectivas Psicol. Esc. Educ., v12, n 2, Campinas, 2008
http://dx.dol.org/10.1590/S1413-85572008000200020 acesso em 11/11/2016

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

HENKLAIN, M. H. O.; CARMO J. S. Contribuições da Análise do Comportamento à


Educação: um convite ao diálogo. Cadernos de Pesquisa, v.43 n.149, p.704 -723,
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PEREIRA, M. E. M.; MARIOTTI, M.; LUNA, S. V. O compromisso do professor com


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JANKE, J. C; RODRIGUES, M. E. O papel do professor na proposta da análise do
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MORENO, A. C.; RODRIGUES, M. “Uma em cada cinco crianças de oito anos no sabe
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MOROZ, M.; LUNA S. V. Professor - o profissional de ensino! Reflexões do ponto de


vista behaviorista/comportamental. Psic. da Ed., São Paulo, 36, 1º sem., 2013, pp. 115-
121.

SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze


teses sobre a educação e política. São Paulo: Cortez, 1993.

ZANOTTO, M. de L. B. Subsídios da Análise de Comportamento pra a formação de


professores In HÜBNER, Maria M. C.; MARINOTTI, M. (org.) Análise do
Comportamento para a Educação: contribuições recentes. 1ª Ed SP: ESETEC
Editores Associados, 2004. Cap. 2, p.33-48

Autoras:

Valdenice Maria da Silva Setti


Professora da Rede M. de Educação de Francisco Beltrão e Mestranda em Educação pela
UNIOESTE Campus Francisco Beltrão.
Maria Ester Rodrigues
Psicóloga pela UFPR, Mestre e Doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP, Profa.
Associada da UNIOESTE Campus Cascavel.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A PERSPECTIVA CURRICULAR SOB A LUZ DA PEDAGOGIA
HISTÓRICO-CRÍTICA: BREVES APROXIMAÇÕES
Marta Regina Coppe
Francielly Cristina Wisnievski Trelha Leite
Viviana Patricia Kozlowski Lucyk

Introdução
O presente texto pretende discutir brevemente a questão curricular sob o viés da
Pedagogia Histórico-Crítica, ressaltando assim a importância dos conteúdos escolares no
processo de emancipação humana. A base teórica está alicerçada em Dermeval Saviani
(2013), Antonio Gramsci (2000), Newton Duarte (2016) e Julia Malanchen (2014).
Discutir currículo escolar levando em consideração a Pedagogia Histórico-Crítica
significa ponderar a relevância dos conteúdos escolares construídos historicamente pela
humanidade, destacando a necessidade consciente de escolha dos mesmos, tendo em vista
a emancipação humana. Dessa forma esta breve discussão apresenta o currículo a partir
da Pedagogia Histórico-Crítica, fazendo a defesa de uma educação voltada para os
interesses proletários.

Pedagogia histórico-crítica e o currículo: foco nos conteúdos científicos e na


emancipação humana
Para compreender o currículo a partir da Pedagogia Histórico-Crítica é necessário
ter clareza de que a educação é um elo com os seres humanos, sendo assim a educação
escolar exige que se compreenda primeiramente a natureza humana, a qual segundo
Saviani (2013a) é representada pelo trabalho, entendido pelo mesmo autor como “[...]
uma ação adequada a finalidades”. Ou seja, a educação é uma ferramenta humana de
trabalho destinada a transformação, sendo assim:

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emancipação humana
[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente,
em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação
diz respeito, de uma lado, à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à
descoberta das formas mais adequadas para atingir este objetivo.
(SAVIANI, 2013a, p. 13).

Saviani (2000) destaca que o currículo traz na sua essência questões econômicas,
políticas, culturais e históricas que ultrapassam a ideia de uma simples seleção de
conteúdos disciplinares. Dessa forma um currículo sociocultural estaria propondo não só
uma relação de conteúdos a serem seguidos, mas dimensões que possam possibilitar uma
formação humana e emancipatória para aquele aluno, que é considerado um sujeito
histórico.
Nesse sentido Gramsci (2000) defende a escola unitária, para ele está escola
deveria “[...] assumir a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los
elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a criação intelectual e prática e
a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa” (GRAMSCI, 2000, p. 36).
A escola unitária significa para Gramsci o início de novas relações entre trabalho
intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida social. Num
novo contexto de relações entre vida e cultura, entre trabalho intelectual e trabalho
industrial, as academias deveriam se tornar a organização cultural (de sistematização,
expansão e criação intelectual) daqueles elementos que, após a escola unitária, passarão
para o trabalho profissional, bem como um terreno de encontro entre estes e os
universitários.
Tendo em vista que a educação e consequentemente o currículo são visualizados
como trabalho e assim encarados como mecanismos de transformação, cabe destacar que
o conhecimento defendido por esta pedagogia é o conhecimento sistematizado, aquele

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emancipação humana
produzido historicamente, com base na materialidade, ou seja, para Saviani (2013a, p.14)
“é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar” e é
partir desde saber que se visualiza a formação do sujeito omnilateral57.
Partindo destes pressupostos o currículo para a Pedagogia Histórico-Crítica deve
ser conduzido pensando no aluno concreto, naquele sujeito que é fruto de “uma rica
totalidade de determinações e de relações numerosas, síntese de relações sociais”
(SAVIANI, 2015, p. 79), sendo assim os assuntos de interesse deste aluno baseiam-se na
vivência que ele se encontra, na materialidade imediata. Porém o objetivo do currículo na
perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica é ir além desta necessidade imediata,
recorrendo ao saber sistematizado e histórico. Dessa forma,
Esse conhecimento sistematizado pode não ser de interesse do aluno
empírico, ou seja, do aluno em termos imediatos, pode não ter interesse
no domínio desse conhecimento; mas ele corresponde diretamente aos
interesses do aluno concreto, pois enquanto síntese das relações sociais,
o aluno está situado numa sociedade que põe a exigência do domínio
desse tipo de conhecimento. E é, sem dúvida, tarefa precípua da escola
viabilizar o acesso a este tipo de saber. (SAVIANI, 2015, p. 80).

Observa-se que novamente o currículo escolar é centrado na perspectiva do


trabalho, voltado para ações intencionais e não espontâneas, o que nos leva a pensar o
currículo como um rol de ações específicas da escola, um conjunto de atos voltados para
o saber sistematizado.
Sendo a escola o lócus do saber sistematizado, Saviani (2013a) defende que a
escola deve ter clareza sobre do que é primário/nuclear e o que é secundário em suas
ações diárias. Sendo que o núcleo da escola consiste no processo de transmissão-

57
O conceito de omnilateralidade apresentado por Manacorda (1996, p. 81) dispõe que [...] a
omnilateralidade é, portanto, a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e,
ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar,
sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado
excluído em consequência da divisão do trabalho.

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assimilação do conhecimento, sendo as outras atividades tidas como secundárias na sua
visão.
Porém, há na escola uma inversão das atividades tidas como nucleares e aquelas
consideradas secundárias, Saviani (2013a, p. 15) nos alerta, dando um exemplo
corriqueiro:
[...] o ano letivo começa na segunda quinzena de fevereiro e já em
março temos a semana da revolução; em seguida a Semana Santa;
depois, a Semana do Índio, a Semana das Mães, as Festas Juninas, a
Semana do Soldado, Semana do Folclore, Semana da Pátria, Jogos da
Primavera, Semana da Criança, Semana da Asa etc., e nesse momento
já estamos em novembro. O ano letivo encerra-se e estamos diante da
seguinte constatação: fez-se de tudo na escola, encontrou-se tempo para
toda espécie de comemoração, mas muito pouco tempo foi destinado ao
processo de transmissão-assimilação de conhecimentos sistematizados.
Isto quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto
é, a transmissão dos instrumentos de acesso ao saber elaborado.

Nesta perspectiva defendemos de acordo com a visão de Saviani (2013a) que a


escola precisa priorizar os conteúdos tidos como clássicos, termo compreendido por ele
como aquilo que resistiu ao tempo e se tornou essencial, diferenciando as atividades
curriculares daquelas extracurriculares. Nesta linha de pensamento o currículo necessita
representar a organização da escola e dos conteúdos perante as atividades nucleares, ou
seja, é a sistematização das atividades escolares tendo em vista a disseminação do
conhecimento produzido historicamente pela sociedade.
Outro pressuposto da Pedagogia Histórico-Crítica é a questão da objetividade ou
saber objetivo, que de acordo Saviani (2013a) é aquele saber interessado a determinado
fim. Sobre este tema Malanchen (2014, p. 169) afirma:
[...] o currículo é o saber objetivo organizado e sequenciado de maneira
a possibilitar seu ensino e sua aprendizagem ao longo do processo de
escolarização. O currículo não é o agrupamento aleatório de conteúdos,
havendo necessidade dos conhecimentos serem organizados numa
sequência que possibilite sua transmissão sistemática.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Defender a objetividade dentro dos currículos escolares, não significa de acordo
com Saviani (2013a) ignorar a subjetividade dos sujeitos no processo de assimilação do
conhecimento, pois ao sequenciar e delimitar os conteúdos leva-se em consideração as
particularidades dos sujeitos.
Contudo considerar o sujeito um ser situado em determinados tempos e espaços
específicos, não pressupõem que o saber universal deva ser abandonado. Sobre isso
Saviani (2013a, p. 48) afirma:
[...] se o saber escolar, em nossa sociedade, é dominado pela burguesia,
nem por isso cabe concluir que ele é intrinsicamente burguês. Daí a
conclusão: esse saber, que, de si, não é burguês, serve, no entanto, aos
interesses burgueses, uma vez que a burguesia dele se apropria, coloca-
o a seu serviço e o sonega das classes trabalhadoras. Portanto, é
fundamental a luta contra essa sonegação, uma vez que é apropriação
do saber escolar por parte dos trabalhadores que serão retirados desse
saber seus caracteres burgueses e se lhe imprimirão os caracteres
proletários.

Nesse sentido, corroborando com Malanchen (2014) dizemos que não existe um
conhecimento diferente para cada classe-dominante e proletária, ou seja, o conhecimento
é o mesmo, porém o que temos é uma apropriação deste pela classe dominante, sendo que
o objetivo da Pedagogia Histórico-Crítica é tornar esse mesmo conhecimento um
instrumento de revolução para os proletários.
Ou seja, o currículo para a Pedagogia Histórico-Crítica preza pelos conteúdos
científicos sem desconsiderar a realidade social dos sujeitos envolvidos nesse processo,
tornando-se assim uma ferramenta de emancipação da classe proletária, pois é
fundamental que os proletários conheçam e sistematizam os conhecimentos disseminados
pela burguesia a fim de se inserirem nessa prática de forma consciente e transformadora,
pois “[...] quanto mais adequado for nosso conhecimento da realidade, tanto mais
adequados serão os meios de que dispomos para agir sobre ela” (SAVIANI, 2013b, p.
61).

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emancipação humana
Dessa forma os conteúdos são baseados na realidade, comtemplando assim um
currículo que carrega a visão de totalidade entre os assuntos discutidos na escola. Saviani
(2016) apud Gama e Duarte (2017, p. 524) discorrem sobre isso afirmando:
[...] trata-se de, por meio da socialização dos conteúdos das diferentes
áreas do conhecimento, permitir ao aluno que aprofunde sua
compreensão acerca da realidade. Considerando que, para produzir
materialmente, o ser humano necessita antecipar em ideias os objetivos
da ação, é necessário impulsionar os alunos a representarem
mentalmente os objetivos reais, o que inclui o aspecto de conhecimento
das propriedades do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de
simbolização (arte) na produção de ideias, conceitos, valores, símbolos,
hábitos, atitudes e habilidades.

Convém destacar que Saviani (2012, p. 20) aponta que “[...] pela mediação da
escola, acontece a passagem do saber espontâneo ao saber sistematizado, da cultura
popular à cultura erudita”. Saviani destaca que a concepção pedagógica histórico-crítica
envolve a compreensão da realidade humana como sendo construída pelos próprios
homens, a partir do processo de trabalho, ou seja, da produção das condições materiais ao
longo do tempo. Em outras palavras, Saviani (2012) defende que o aluno é um sujeito
histórico, e esse sujeito é o centro do processo. Assim sendo a escola é a mediadora dos
conhecimentos científicos, ou seja, de todo saber produzido historicamente. O ponto de
partida é o saber popular, o conhecimento espontâneo, mas o ponto de chegada deve ser
a apreensão da cultura erudita em saberes sistematizado.
Percebe-se que a Pedagogia Histórico-Crítica visualiza o currículo como a
articulação das partes ao um todo, onde o ensino e conhecimento partem do abstrato para
o concreto a fim de que o aluno compreenda a realidade social em que está inserido. Por
isso Malanchen (2014) baseada também nas contribuições de Saviani reforça a
importância da seleção dos conteúdos a serem listados nos currículos e posteriormente
trabalhados nas salas de aulas, uma vez que esta seleção consciente e intencional permite
ao sujeito compreender a realidade de forma articulada.

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emancipação humana
Nesta relação da Pedagogia Histórico-Crítica com a noção de currículo o que se
almeja em primeiro plano é a disseminação das bases do materialismo histórico dialético
como uma concepção de mundo, processo que ocorre segundo Duarte (2016, p. 96)
“desde a educação infantil até o ensino superior”, pois a inserção de uma determinada
visão de mundo é mais propícia de ser inculcada na infância e dessa forma torna-se um
processo contínuo que ocorre durante toda a escolarização. Sobre o conceito de visão de
mundo Duarte (2016, p. 100) ainda afirma:
A concepção de mundo é sempre simultaneamente individual e
coletiva, isto é, ela possui características singulares que correspondem
às singularidades da vida de cada indivíduo, sem nunca deixar de ser
constituída coletivamente tanto em seus conteúdos como em suas
formas. O coletivo que assegura a existência de uma concepção de
mundo pode variar em sua amplitude, chegando, no limite, à
universalidade do gênero humano. Também o grau de individualização
da concepção de mundo poderá variar, a depender das possibilidades
socialmente existentes de desenvolvimento da individualidade.

Notamos que a constituição da visão de mundo parte sim de experiências


individuais como também do meio social em o indivíduo está inserido, contudo ela não
se constitui de forma linear, pelo contrário é formulada a partir de momentos de
reelaboração, de contradições e ressignificações na sua forma de visualizar os
acontecimentos que o rodeiam.
No currículo essa visão de mundo é compreendida na relação entre conteúdo e
forma, ou seja, nenhuma visão de mundo pode ser disseminada pensando exclusivamente
no conteúdo ou na forma, pois os dois termos caminham lado a lado na prática educativa,
sendo assim é “imprescindível a mediação de uma adequada articulação, por parte do
professor, entre o conteúdo a ser ensinado e a forma pela qual será ensinado” (DUARTE,
2016, p. 109).
Tendo em vista que não existe neutralidade na relação entre conteúdo e forma,
pois sempre almeja-se determinado objetivo e para isso são estabelecidas formas

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emancipação humana
específicas de aprendizagem, é necessário segundo Duarte (2016) levar em consideração
sempre o que pretende-se ensinar, para quem e as circunstâncias em que o processo está
acontecendo, sem nunca esquecer-se que “[..] há algo a ser ensinado e cabe ao professor
a tarefa de efetivação do ato de ensinar” (DUARTE, 2016, p. 109).
Em fim compreender e disseminar um currículo baseado na Pedagogia Histórico-
Crítica tendo em vista o método materialista histórico dialético, pressupõem uma
mudança na estrutura societária, não são passos prontos e acabados mas visam a
superação da sociedade capitalista.

Considerações finais
Tendo em vista que este texto não pretende discutir todos os aspectos do currículo
dentro Pedagogia Histórico-Crítica as considerações finais são apenas um esboço para
alavancar discussões mais amplas. Inicialmente percebemos que muito além da
disseminação de uma visão de currículo, o objetivo central da Pedagogia Histórico-Crítica
na educação é a edificação da teoria materialista histórica dialética, uma vez que está
orienta a proposição de mundo e de ser humano a ser construída pela escola, pois ao longo
dos tempos, os currículos sempre foram elaborados para atender às demandas
econômicas. Neste sentido, todas as mudanças curriculares sempre seguiram os interesses
políticos do modelo econômico vigente.
Dessa forma, discutir o currículo é consequentemente elaborar questões políticas,
pois ele é visualizado como uma ação intencional e transformadora, onde os conteúdos
são constituídos ao longo do tempo pela humanidade, sendo assim fruto de lutas coletivas
mais amplas, onde existe uma disputa pela hegemonia.

Referências

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
DUARTE, Newton. Os conteúdos escolares e a ressureição dos mortos: contribuições
à teoria histórico-crítica do currículo. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2016.

GRAMCI. Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 2. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 2000.

GAMA, Carolina Nozella; DUARTE, Newton. Concepção de currículo em Dermeval


Saviani e suas relações com a categoria marxista de liberdade. Revista Interface. Página
521-530. 2017.

MALANCHEN, Julia. A Pedagogia Histórico-Crítica e o Currículo: para além do


multiculturalismo das políticas curriculares nacionais. Programa de Pós-graduação
em Educação Escolar, da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista (UNESP). Tese. Araraquara: 2014.

SAVIANI, Dermeval. Educação do senso comum a consciência filosófica. 19° edição.


Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2013b.

. Escola e Democracia. 41. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

. Marxismo, educação e Pedagogia. In: SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton


(orgs). Pedagogia histórico-crítica e a luta de classes na educação escolar. Campinas,
São Paulo: Autores Associados, 2015.

. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. (rev). Campinas,


SP: Autores Associados, 2013a.

Autoras:

Marta Regina Coppe


Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO
martacoppe@hotmail.com
Francielly Cristina Wisnievski Trelha Leite
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO
franciellycristinaleite@hotmail.com
Viviana Patricia Kozlowski Lucyk
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste UNICENTRO
vivipk23@yahoo.com.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A FORMAÇÃO DOCENTE EM CURSOS DE PEDAGOGIA DE
UNIVERSIDADES FEDERAIS: A APARÊNCIA E ESSÊNCIA DO
SUPERDOCENTE

Jocemara Triches

Introdução
No presente texto apresenta-se os principais resultados da tese de doutorado
defendida em 2016, no qual se teve como objetivo compreender que Licenciado em
Pedagogia pretendem formar Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), tanto pelos
conteúdos que aplicam quanto pela concepção que sustentam, bem como analisar o
processo de conformação dos Cursos ao projeto de formação docente aprovado em 2006
nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia (DCNP) (BRASIL, 2006).
Como empiria primária, além da Resolução CNE/CP n. 1/2006, foram analisados 29
documentos que apresentam a proposta político-pedagógica e a matriz curricular de Curso
de Pedagogia (CPe) de 27 Universidades Federais58.

58
Priorizou-se as universidades da capital, uma por Estado da Federação e a do Distrito Federal, do
campus central, com a oferta de CPe regular e presencial, sendo elas: Universidade Federal do Acre
(UFAC), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Federal de Roraima (UFRR),
Universidade Federal de Tocantins (UFT), Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Universidade Federal
do Pará (UFPA), Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do
Maranhão (UFMA), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade
Federal do Sergipe (UFS), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade de Brasília (UnB), Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Quanto à documentação, priorizou-se a seleção de projetos político-pedagógicos de Cursos de
Pedagogia (PPCPe), mas, na sua ausência, outros materiais foram utilizados, por isso, algumas Instituições
possuem mais de um documento (TRICHES, 2016).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O Curso em questão, como espaço por excelência de formação docente para as
primeiras etapas da Educação Básica e de formação de outros profissionais da educação,
tem sido envolvido em inúmeras polêmicas e disputas entre grupos e intelectuais da área
com projetos distintos, e carrega os interesses antagônicos entre o capital e a classe
trabalhadora. Para o capital, a formação e o trabalho docente têm sido vinculados,
constantemente, ao discurso de que o desenvolvimento econômico e social do país
dependeria da educação do trabalhador, por isso responsabiliza-se a educação, a escola e
os profissionais que nela atuam. Almeja-se que o docente contribua para gerar consenso,
adesão, conformação e internalização do projeto educativo do capital para, em última
instância, colaborar na manutenção da ordem e aumentar a produtividade do trabalho com
a maximização do lucro capitalista (MARX, 2012a, 2012b). Como indica Mészáros
(2005, 2007), em todos os cantos da existência humana precisa existir a internalização
do ideário capitalista, induzindo à ideia de que a sobrevivência só seria possível dentro
da ordem capitalista. Ainda que não o seja!
Para que isso fosse possível, superando crises políticas e econômicas a partir da
década de 1990, uma agenda de reformas neoliberais, também chamadas de sociais-
liberais (CASTELO, 2013), foi executada em países periféricos fundamentais para o
capital imperialista. Um dos eixos foi a produção de consenso e cooptação de intelectuais
e partidos de esquerdas ou progressistas. Estes, estando subordinados à nova pedagogia
da hegemonia, tinham por função produzir conhecimentos, disseminar ideias de uma
pseudonegociação de classes e conseguir adeptos, ou seja, servir ao capital, sob um manto
conciliador e com face humanitária (NEVES, 2005, 2010). Neste processo, destaca-se o
papel do Movimento Todos para Educação, de governos com maior aceitação social –
como o petista –, da mídia, da CNI, de Organizações Multilaterais, de intelectuais da
educação ou de instituições formadoras, entre outros. É neste campo complexo que entra
a formação docente e o Curso de Pedagogia.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Quem é o licenciado em pedagogia proposto pelas IFES?
A pesquisa permitiu constatar que as 27 IFES se adequaram e internalizaram as
DCNP, ainda que com variações na forma de organização dos cursos ou mesmo
contrariando um ou mais elementos da Resolução, sem, no entanto, ferir o sentido da
formação. As reformas nos Cursos de Pedagogia, com as Diretrizes obedeceram a um
intento aparentemente interno às IFES, bem como responderam – conscientemente ou
não – ao movimento da ordem capitalista, que busca incessantemente, em todas as
dimensões da vida, estratégias de internalização e reprodução de seu modo de entender,
pensar e agir na sociedade.
No caso das Universidades estudadas, não se trata apenas da internalização, mas
também da defesa da reforma, que para muitas não representou novidade, visto que a
mesma lógica de formação tem sido aplicada desde a década de 1990, fazendo eco às
formulações defendidas pela ANFOPE e de seus intelectuais. Evidenciamos ainda a
carência de críticas ao projeto político contido na Resolução CNE/CP n. 1/2006, realizada
por apenas duas IFES (UFPR e UFSC), e certo silenciamento, a partir do Governo Lula,
sobre a conjuntura política e econômica e sua relação com o CPe. Faz parte deste último
aspecto uma perspectiva que denominamos de “história atrofiada”, por retomar questões
emblemáticas e desafios da Pedagogia em si mesmos ou vinculando-os apenas a aspectos
da política educacional.
Quanto à organização do curso, há alguns elementos que se diferenciam entre as
Instituições estudadas: na UFRGS o estágio obrigatório para todos os discentes é em
apenas numa das etapas iniciais da Educação Básica; na UFSC direciona-se a formação
à docência para EI e AIEF; na UNIFESP denomina-se o estágio de “residência
pedagógica”; em algumas IFES incluem-se estágios ou temáticas pouco comuns,
especialmente em espaços não escolares; na UFRJ e na UFPR conferem ao egresso o

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
título de pedagogo; em algumas universidades há a defesa e o reconhecimento de que o
licenciado deva ser um intelectual da educação; na UFPB, na UFMG e na UFMS o Núcleo
de Aprofundamento e Diversificação de Estudos aproxima-se das antigas habilitações,
tendo inclusive estágio em alguns casos; entre outros.
No que concerne aos aspectos comuns e hegemônicos entre as IFES destacamos:
a concepção de docência alargada; a ressignificação do sentido de docência e de docente,
visto como pesquisador, gestor e professor; a presença do tripé docência-gestão-pesquisa
em todos os CPe, variando apenas a articulação entre as três áreas; o sentido da pedagogia
como dimensão prática e como curso; a diversidade de denominações do egresso; a
diversidade de sentidos da gestão na formação (campo de atuação, conteúdo da formação,
administração, defesa de gestão democrática, gestão profissional e gestão de ensino); a
hegemonia da pesquisa como ferramenta de autoajuda do docente, num viés utilitarista e
reduzido em relação à produção de conhecimentos; o perfil, as competências e as
atribuições do profissional a ser formado, sendo muitas delas no campo comportamental
e na formação de valores; a responsabilização política do licenciado por problemas
educacionais, profissionais, econômicos e sociais; a presença da perspectiva inclusiva; as
confusões, lacunas e ambiguidades conceituais; carência de espaço e tempo na formação
para os conhecimentos dos fundamentos e metodologias do ensino, com predomínio de
carga horária para português, matemática e ciências – mesmas áreas indicadas como
essenciais pela CNI (2013, 2014) e por organizações multilaterais.
Na organização da matriz curricular há pouco tempo dedicado para conhecimentos
de base para a formação, como história da educação, política educacional, trabalho e
educação e disciplinas que tematizem a profissão docente, privilegiando-se a inserção de
muitas disciplinas, das mais variadas temáticas, com baixa carga horária.
A atual formação docente no CPe está permeada, entre outras, pelas concepções
da Teoria do Capital Humano, pela Pedagogia das Competências, pela Pedagogia do

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Aprender a Aprender, pela defesa da educação ao longo da vida e da reconversão docente,
pelo discurso da responsabilização docente e do trabalhador, pela lógica gerencialista (da
escola, do ensino, do trabalho docente e da profissão), pela perspectiva reflexiva-
investigativa pragmática, na qual a pesquisa é tida como ferramenta de autoajuda do
docente (aquele que é mediador da aprendizagem e da inclusão), pelo controle dos
resultados.
Outro aspecto, extremamente importante, refere-se ao modo como o ensino foi
contemplado nos cursos: minimização de cargas horárias de disciplinas específicas;
ênfase na aprendizagem mais do que no ensino; priorização de soluções pragmáticas para
os problemas teórico-práticos em termos pedagógicos e subordinação da pesquisa às
demandas da prática em sala de aula ou da gestão. Em suma, perdeu-se de vista o ensino,
o professor, a função da escola; logo, a noção de docência é funcional ao sujeito que os
CPe das IFES anunciam que formarão. Essa secundarização do ensino ocorre quando se
propõe um curso com tamanha dispersão de assuntos, sem aprofundamento e com pouco
espaço e carga horária reservada para tal. São muitas as implicações desse problema, dos
quais destacamos: se, de fato, o licenciado sair com a formação proposta, não conseguirá
executar sua função no processo de ensino-aprendizagem e a formação da classe
trabalhadora na Educação Básica estará severamente comprometida. Identificamos esse
problema na relação entre formação restrita e alargada e, principalmente, na debilidade
da formação no que tange aos conhecimentos, fundamentos e metodologias nas áreas de
conhecimento específico que o licenciado terá que trabalhar na escola. Se levarmos em
conta que o papel da escola vem sendo também reconvertido, secundarizando-se a
apropriação ativa dos conhecimentos historicamente produzidos, essa perspectiva de
formação não está incoerente. Contudo, estará se pensarmos em superar o aprender a
aprender, defendendo a articulação orgânica de processos de ensino-aprendizagem.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Ademais, ficou latente que há uma reconversão e uma ressignificação conceitual
da docência, com sentido alargado, que não é sinônimo de atividade de ensino, e sim
qualquer atividade realizada em espaços educativos, na função de professor, de gestor, de
pesquisador ou outras. Quer-se que o licenciado em Pedagogia seja um professor-
instrumento da reforma e uma espécie de superdocente, anteriormente denominado de
superprofessor (TRICHES, 2010). A ressignificação do conceito “docência” na
documentação legal foi incorporada em quase todos os CPe, abrangendo atividades de
ensino, gestão e pesquisa, sobrecarregando o licenciado com muitas funções,
responsabilidades, expectativas, sem a correspondente formação profunda. Esta distinção
entre o docente e o professor resultou em confusão conceitual entre as universidades e
internamente nos próprios cursos.
Este alargamento da concepção coloca em risco a identidade, a formação e o
trabalho do professor. É preciso reconhecer esse movimento na política e alertar para o
risco de uma possível intensificação e precarização do trabalho docente, entre outros
motivos, por ter que conciliar uma infinidade de atribuições sem condições materiais, de
formação e de valorização. Evangelista (2010a, p. 67) considera as DCNP um dos
exemplos da política de “reconversão docente” na América Latina e no Caribe, que visa
“atender as exigências da reestruturação produtiva e as demandas da flexibilização do
trabalho”. Acredita-se que essa tendência na formação docente tem relação com as
mudanças no mundo do trabalho (NETO; BRAZ, 2009; LIMA FILHO, 2010; NOMA;
CZERNISZ, 2010; SOUZA; ARAUJO, 2010; PREVITALI, 2012; CASTELO, 2013).
Ao internalizarem a agenda educativa capitalista e o modelo de professor que ela
apregoa, as Universidades Federais propõem um Licenciado em Pedagogia que não se
sabe ao certo quem será, mas, como dito, por suas características poder-se-ia chamá-lo de

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emancipação humana
superdocente. Este se apresenta, na aparência59, como um profissional “forte”,
supostamente capaz de responder às inúmeras atribuições e responsabilidades sobre ele
depositadas, competente para os vários campos nos quais poderia atuar. A outra face,
essencial, evidencia sua fragilidade, devido a uma formação incipiente, com dispersão de
disciplinas distribuídas em exíguas cargas horárias e escassa verticalização dos estudos;
uma profissão passível de questionamento sobre a sua identidade. São muitos os limites
dessa formação. Ela se caracteriza por ser alargada e, ao mesmo tempo, restrita.
Alargada por ser sobrecarregada de temas a serem abordados num mesmo curso e pela
multiplicidade de campos de atuação. Restrita, porque nela predominam “doses
homeopáticas” de aprofundamento nesses assuntos devido à sua duração e carga horária.
Nesse movimento, alargamento e restrição, ficou evidente, independentemente
dos motivos, a adesão majoritária à inclusão de vários campos de atuação num mesmo
curso, inclusive com a presença de campos de atuação não mencionados explicitamente
nas DCNP – como Educação do Campo, espaços não escolares, OnG, empresas, hospitais
e movimentos sociais. Não se pode negar que a inclusão desses espaços educativos e de
temáticas diversificadas nos CPe atendem a reinvindicações de forças mais ou menos
organizadas em movimentos sociais, que tiveram algum poder de intervenção na
definição das DCNP e na organização dos CPe. Outras possíveis explicações para essa
adesão podem ser: a trajetória dos núcleos e grupos de pesquisa relacionados a alguma
das áreas de conhecimento e intervenção; a história das instituições e sua localização
geográfica, que podem favorecer certas escolhas; as precauções relativas às avalições que
os cursos sofrem por parte do MEC, que exige correspondência entre o PPCPe e as
Diretrizes; a incorporação da lógica disseminada, nacional e internacionalmente, a partir

59
Para compreensão de aparência e essência, coisa e fenômeno cf. Lefebvre (1983).

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emancipação humana
da década de 1990, de que todos os lugares são lugares de aprendizagem, ao longo da
vida, tal como proposto no Relatório Delors (2000).
Por fim, entre as competências demandas ao egresso do Curso estão que ele tenha
habilidades práticas e subjetivas, que seja flexível, proativo, que se autorresponsabilize e
se autoavalie constantemente. Quer-se que a Educação Básica e os seus professores sejam
e contribuam com a formação de indivíduos que tenham atributos necessários de
empregabilidade, protagonismo, empreendedorismo, criatividade, flexibilidade,
iniciativa para interpretar desafios, solucionar problemas e inovar ideias, que tenham bom
senso, capacidade de aprender continuamente, ter facilidade de adaptação, que saibam
interagir ativamente no grupo e lidar com as diferenças, utilizar as novas tecnologias e
dominar, principalmente, língua portuguesa, matemática e ciências. Ou seja, deve possuir
um conjunto de competências úteis para o mercado e que facilitem o processo de
conformação política e ideológica do capitalismo.

Considerações finais
A pesquisa evidenciou uma triste e preocupante situação da formação dos
profissionais da educação, especialmente dos Licenciados em Pedagogia. Todavia,
sabemos que não diz respeito apenas a este Curso, mas estende-se às demais licenciaturas
e políticas educacionais, já que o projeto educativo está internalizado nelas também. A
intenção foi de demonstrar que o problema está na internalização do projeto educativo do
capital na política educacional e em instituições formadoras.
Para além do exposto, não se pode deixar de levar em conta que “[...] a escola não
é uma mera ferramenta e criação do capital, mas um espaço de contradições que toma
determinada direção de acordo com a luta de classes” (MIRANDA, 2005, p. 7). A
formação e o trabalho docente são alvos de interesses contraditórios; comprometem-se,
em última instância, com a internalização ou com a contrainternalização das relações

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
sociais capitalistas e, fora desse contexto, não podem ser compreendidos (MÉSZÁROS,
2004).
Para a classe trabalhadora, a escola é uma das condições necessárias para adquirir
os conhecimentos socialmente produzidos que podem permitir a ela: a reprodução da sua
existência nessa sociedade; o desenvolvimento das várias dimensões do ser humano; a
compreensão de si e do funcionamento das relações sociais, históricas, econômicas,
políticas, filosóficas e culturais; o desenvolvimento da “capacidade do aluno de indignar-
se com as mazelas sociais impostas pelo mundo na atualidade” (PICCININI, 2011, p. 9);
auxiliar na conscientização de classe, contribuindo para criação das condições necessárias
para a transformação social. Para essa “nova ordem” ser construída é necessário, entre
outros elementos, uma educação que vá além do capital, e a escola poderia contribuir com
esse processo. Sabe-se que não basta defender a escola pública, mas é preciso explicitar
que função e que tipo de educação se defende para ela.
Partilha-se da defesa de Saviani (1992, p. 285), na esteira do pensamento de
Gramsci, que se faz necessário superar o otimismo ou pessimismo “ingênuo, em direção
àquilo que eu chamaria, na falta de uma expressão melhor, entusiasmo crítico”. Ou seja,
faz-se necessário problematizar e lutar contra a política de formação docente em
andamento, conhecendo os meandros do passado e do presente para pensarmos com
“entusiasmo crítico” nas estratégias de luta em favor da formação de professores e da
classe trabalhadora, com uma perspectiva de educação para além do capital.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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Autora:

Jocemara Triches
Universidade Federal de Santa Catarina
e-mail: jtriches.ufsc@gmail.com

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emancipação humana
IDENTIDADE, UNIDADE E DIVERSIDADE: A PEDAGOGIA
HISTÓRICO-CRÍTICA COMO FUNDAMENTO PARA A
EDUCAÇÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL
Saulo Rodrigues de Carvalho
Adnilson José da Silva

Unidade na Diversidade
Falar sobre diversidade não tem sido fácil, ainda mais quando tentamos ultrapassar
a barreira do senso comum que se criou sobre esse termo. Primeiro é preciso pensar a
diversidade, não como um conceito alegórico, mas como uma categoria própria do ser
social da humanidade. Ela é uma constatação ontológica do desenvolvimento histórico e
social dos seres humanos. Isso significa que ela é uma forma de existência do ser social.
Isto é a humanidade não pode existir sem se diversificar. Não existe uma humanidade
monolítica, que nasceu pronta e acabada para habitar o mundo, a humanidade se tornou
humana em face da sua relação contraditória de apropriação e transformação da natureza.
E esse processo de humanização é infindável, ou quase. O término dele pode ser dado
pelo próprio homem, que tem destruído nas últimas décadas todas as condições de vida
humana no planeta, porém esse é um assunto que não iremos tratar neste momento.
Mas, o que é a diversidade humana? Faremos agora um breve comentário do que
significa a diversidade para o Materialismo Histórico-Dialético. Contudo, é em Hegel que
encontramos uma teorização sobre a “identidade e diferença” (MELO, 2007). Para Hegel
os sujeitos se relacionam uns com os outros, formando sua identidade num processo de
contraposição e “suprassunção”, ou seja, a incorporação e a supressão do outro por
incorporação. O “outro”, é o diferente dessa relação, na qual os sujeitos se contrapõem
enquanto “ser outro” e encontram consigo mesmos, afirmando assim a sua
individualidade. Na visão hegeliana a identidade dos sujeitos estaria oculta e só se

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emancipação humana
revelaria na medida em que ela se contrapusesse a um “outro”, formando a sua própria
identidade, que é sempre singular e irrepetível. Na visão marxiana essa relação se
encontra de “cabeça para baixo” (GRESPAN, 2002). Para Marx a diversidade ocorre na
formação da humanidade desde o princípio. É diferença que incorpora e determina a
identidade e não o contrário. Desse modo, a identidade passa a ser compreendida como a
“unidade do diverso”, resultado da “síntese de múltiplas determinações” (MARX, 2010)
contraditórias que compreende assim o indivíduo concreto, isto é, o indivíduo inserido
historicamente em relações sociais determinadas.
Para os marxistas a categoria diversidade não pode ser vista em separado da
categoria unidade. E qual é essa unidade? É própria produção genérica da humanidade.
A partir do momento em que o trabalho se consolida como atividade vital e consciente da
espécie humana o processo de adaptação biológica, cede espaço a um novo processo de
“adaptação ativa” da humanidade. O trabalho é a atividade pela qual os seres humanos
transformam a natureza de forma consciente, a fim de obter dela os meios para a sua
existência. Converte os objetos da natureza em objetos úteis para a vida humana. Nesse
processo de transformação, os seres humanos não só modificam a natureza exteriormente,
como também alteram a sua própria natureza. Cada processo de produção descoberto,
cada uso diferente das forças da natureza (o fogo, a eletricidade, os ventos) cada novo
objeto, que a humanidade põe na realidade objetiva, produz um efeito sobre a constituição
dos indivíduos. Isso, de tal modo, faz com que a humanidade se reproduza não somente
enquanto espécie animal, mas enquanto gênero humano.
Enquanto espécime é possível observar a conservação das condições mais
elementares da vida biológica. Esse é um processo ininterrupto e pertencente a todas as
esferas da vida no planeta. Enquanto um ser orgânico o ser humano segue
indiscutivelmente um processo de evolução e reprodução biológica, como as demais
espécies da vida orgânica. Mas, é enquanto ser genérico que a humanidade se diferencia

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das demais espécies. A natureza se auto-produz enquanto espécie, numa genericidade
“muda” (LUKÁCS, 2013). Isto é, a natureza tende a produzir sempre o mesmo, da mesma
forma, somente quando uma grande modificação radical no ambiente ocorre se tem
também uma modificação radical das espécies naturais.
A genericidade humana pelo contrário está em permanente mudança. A produção
da vida genérica dos homens, não elimina os processos biológicos da reprodução da vida
animal, mas constitui sobre tais determinações orgânicas, novas necessidades cada vez
mais puramente sociais. Assim, as necessidades decorrentes da fome, do sono, do frio,
dos processos fisiológicos e psicológicos dos indivíduos, são mediadas pela produção
sócio-cultural da humanidade (LUKÁCS, 2013). Se tomarmos os primeiros “homo
sapiens” de pelo menos 200 mil anos atrás como referência, veremos que a sua
constituição biológica permaneceu inalterada até os dias de hoje. Contudo, a sua forma
de vida tem se modificando radicalmente pelo menos nos últimos 50mil mil anos, em que
se têm notícias do seu comportamento moderno (ou seja, o uso de ferramentas, a
linguagem e arte). No desenvolvimento genérico da humanidade, cada pequena alteração
no seu modo de vida, pode gerar modificações profundas na sua genericidade (LUKÀCS,
2013). Isso faz com que a produção da genericidade dos indivíduos humanos seja diversa,
em todo âmbito da sua vida social, inclusive na sua sexualidade.
Enquanto a natureza produz organicamente enquanto espécie, o macho e a fêmea,
a produção genérica da humanidade se auto-produz como gênero homem e mulher, mas
essa produção do gênero sexual do ser humano extrapola simplesmente os aspectos
reprodutivos da sexualidade, englobando em seu ser social elementos representativos da
afetividade, do erotismo, do romantismo e do amor, que são sempre características do
comportamento especificamente humano construídos historicamente. Evidentemente
essa produção genérica da sexualidade dos seres humanos, não poderia se limitar à relação
entre o homem e a mulher, mas de maneira diversa ela sintetiza as relações afetivas entre

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todos os indivíduos da humanidade, dando origem a uma gama de comportamentos
afetivos que tão logo se manifestam nos indivíduos orientando suas preferências sexuais.
De tal forma a humanidade se caracteriza não só pela sua reprodução sexual como
espécie, mas também como gênero, provocando uma diversidade de comportamentos
sexuais que são produto da produção genérica da vida humana. Assim, gays, lésbicas,
trans-gêneros, bissexuais, homens, mulheres, expressam de modo particular o
desenvolvimento genérico da sexualidade dos seres humanos, o modo como a
humanidade se relaciona com o sexo em seu ser social.

Alienação e Diversidade sexual


Como já foi dito, a diversidade sexual é parte do desenvolvimento genérico da
humanidade que expressa à relação social dos indivíduos humanos com sua afetividade e
sexualidade. Mas, esse entendimento não é assim tão bem aceito em nossa sociedade
atual. Por muito tempo o comportamento homoafetivo, foi considerado como um tipo de
comportamento “desviante” fruto de um processo de degenerescência moral, ou de
alguma doença genética. Por conta disso, muitos homossexuais, no mundo todo, foram e
hoje são perseguidos, violentados e mortos. Tidos como pervertidos, em muitos períodos
da história humana, foram considerados, por governos tiranos e por concepções
autoritárias, como os principais detratores dos costumes da moral das sociedades. Ainda
hoje, nas sociedades democráticas são considerados como cidadãos de segunda classe.
Em alguns países são proibidos de se casarem e de constituírem legalmente uma família.
São as vítimas preferidas do ódio dos moralistas e reacionários.
No Brasil, durante a discussão do último Plano Nacional de Educação, assistimos
a uma movimentação muito grande de setores reacionários da sociedade quando se
buscou discutir as questões relativas à identidade de gênero e diversidade sexual nas
escolas. Muito daquilo que os contrários a essa discussão dentro do ambiente escolar

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apresentaram como argumento, se baseava em preconceitos religiosos e
convencionalismos infundados. Mas, se somos uma genericidade diversa, de onde vem
tanto ódio aos homossexuais?
A partir do momento em que as sociedades comunitárias dão origem e são
“engolidas” pouco a pouco pelas sociedades de classe, as diferenças entre os indivíduos
passam a ser acentuadas como elemento decisivo na reprodução social. Trocando em
miúdos, a sociedade de classes só se mantém por meio da submissão do trabalho dos
indivíduos por outros indivíduos, isto é: “a exploração do homem pelo homem” (MARX,
2014). A escravidão foi à primeira forma de exploração do homem, que mais tarde em
face do seu desenvolvimento histórico, deu origem a formas mais eficientes de submissão
originando o trabalho assalariado na sociedade capitalista. A divisão de classes impôs
deste modo uma divisão social do trabalho, na qual se torna cada vez mais preciso
diferenciar e hierarquizar as relações entre os sujeitos dessa produção. A divisão do
trabalho é, ao mesmo tempo, uma distribuição60 desigual dos resultados do produto do
trabalho, correspondentes agora aos níveis hierárquicos estabelecidos pela divisão do
trabalho. Cada pessoa passa a ter uma “[...] esfera de atividade exclusiva e determinada,
que lhe é imposta e da qual não pode fugir [...] e assim tem de permanecer se não quiser
perder seus meios de existência [...]” (MARX e ENGELS, 1965, p.29, grifo nosso). Essa
não é somente a divisão estreita das tarefas do trabalho, mas de forma encarnada, retrata
a divisão política dos indivíduos na estrutura social, instituindo com certa rigorosidade a
identificação dos indivíduos destinados à dominação e a submissão. Ela estabeleceu de
tal modo um “padrão” de humanidade a ser seguido, tendo como modelo a forma de vida
das classes dominantes, como o exemplo de humanidade a ser atingida. Os gregos antigos,

60
A distribuição segundo Marx (1983, p.207) “[...] determina a proporção (a quantidade) de produtos que
cabem ao indivíduo; a troca determina os produtos que cada indivíduo reclama como parte designada pela
distribuição”

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emancipação humana
por exemplo, consideravam os escravos como “ferramentas que falavam”, somente os
homens, senhores de escravos eram considerados humanos, às mulheres era reservado
apenas o espaço do gineceu, onde lhe cabia cuidar dos filhos e administrar a casa. Na
sociedade capitalista o modelo de humanidade que se impôs é o do homem, branco,
heterossexual, europeu, cristão, e tudo o que foge a esse padrão passa ser visto com
desconfiança.
A sociedade de classes consolidou também um modo específico de sociabilidade,
a propriedade privada pelo “patriarcado”. Ou seja, a submissão da mulher à escrava
particular do homem. Estabelecendo como ordenamento social o casamento
monogâmico, como forma estrita de reconhecimento dos herdeiros do homem. Como
tendência histórica o casamento monogâmico cumpriu assim para a organização social
fundada na propriedade privada, uma função claramente determinada por leis sociais
instituídas, ora pela religião e ora pelo Estado, que estabelecem como objetivo a garantia
da reprodução sexual de certo tipo de indivíduo. Sua particularidade, em vista da
manutenção da propriedade privada e da subalternização do homem pelo homem, sobre
patamares elevados de alienação da sexualidade e a afetividade recíprocas entre os
indivíduos. Grande parte do ódio destilado aos homossexuais se destaca da opressão que
a sociedade patriarcal dirige as mulheres.
A alienação consiste, sobretudo, no processo de negação da humanidade do outro.
O não reconhecimento da sexualidade de gays, lésbicas e transgêneros representa na
sociedade o grau de alienação e opressão com os quais as pessoas estão submetidas no
capitalismo. Isso faz com que a luta contra o preconceito e a discriminação aos
homossexuais se transforme também numa luta contra a opressão de classe da sociedade
capitalista.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Mas esse nunca foi um debate tranquilo. Mesmo com Revolução Russa de 1917,
que tinha como objetivo instaurar uma sociedade comunista, as tentativas de superar a
agressão contra as minorias homossexuais, não ocorreu sem contradições.
Apesar do desconforto com a homossexualidade masculina, os líderes
bolcheviques descriminalizaram a sodomia entre adultos no Código
Penal da República Russa em 1922, como forma de desmantelar os
impedimentos religiosos da época czarista e os obstáculos burgueses à
livre expressão do amor sexual e romântico, enquanto a legislação
moralizante na Alemanha e na Inglaterra continuava a criar obstáculos
às vidas de homens homossexuais (JESUS, 2010, p.21).

No período czarista as pessoas que assumissem publicamente sua


homossexualidade eram perseguidas, punidas com a perda dos direitos civis e condenadas
de nove a doze anos de trabalhos forçados. Durante o processo revolucionário as leis
czaristas foram abolidas e o casamento se tornou igualitário. Era uma forma de se
contrapor ao regime anterior. Mas, não havia no interior do movimento bolchevique uma
maior compreensão a respeito do amor homoafetivo, com exceção de Alexandra
Kollontai de defendia abertamente sobre a emancipação feminina e o amor livre. Havia
ainda muito desconhecimento a respeito da questão homossexual que foi tratada, como
uma forma de “degenerescência burguesa” e deixada aos cuidados especificamente das
ciências médicas.
Ainda assim, em 1926 a revolução bolchevique permitiu que qualquer pessoa
tivesse sua identificação de gênero mudada nos documentos oficiais, conforme a sua
vontade pessoal. O caso mais conhecido foi o do soldado Evgenii Fedorovich, antes
chamado Evgeniia que se casou com uma empregada dos correios e continuou a servir o
exército.
Georgy Chicherin, também se tornou outro caso emblemático da revolução.
Declaradamente homossexual Chicherin foi comissário das relações exteriores e foi
nomeado delegado para acompanhar as negociações que deram origem ao tratado Brest-

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emancipação humana
Litovski. Mas, o isolamento da revolução russa, e a ascensão de Josef Stálin ao poder,
deu início a um processo de restauração das de algumas das antigas leis autoritárias.
Stalin, havia feito um tratado com as burguesias locais, o qual deu início a um resgate dos
valores morais burgueses, dando-lhes terminologias “marxistas-leninistas”. Em 1933 a
homossexualidade voltou a ser proibida e condenada a 5 anos de trabalhos forçados.
Houve uma perseguição sistemática aos gays na União Soviética e países que sofriam a
sua influência direta. Até hoje a Rússia continua sendo um dos países mais autoritários e
fechados à questão LGBT.

Educar para a diversidade sexual


Existe hoje um debate nacional acirrado a respeito da diversidade sexual. O
sequestro da última versão da Base Nacional Curricular Comum pelo Ministério da
Educação (MEC) fez desaparecer do documento as referências à “identidade de gênero”
e “Orientação sexual”, que faziam parte das versões anteriores. Com a anuência do
Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou-se uma BNCC, neotecnicista e
neoconservadora. Desta maneira, fundamenta sua concepção pedagógica com base nas
teorias pedagógicas das competências e habilidades de aprendizagens, ao mesmo tempo
em que reposiciona a obrigatoriedade do Ensino Religioso como forma privilegiada de
orientação “(...) para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir
de valores, princípios éticos e da cidadania” (BRASIL, 2017). De fato, a BNCC coroou
o discurso conservador contra a chamada “ideologia de gênero”, tirando da pauta escolar
as discussões sobre identidade e diversidade sexual. No seu lugar apresentou o conhecido
discurso vazio das competências pessoais do Relatório da UNESCO (1998), agora
acrescido de vagos “princípios éticos”61, ofertados pelo Ensino Religioso. Assim as

61A rigor, o que a BNCC classifica como “princípios éticos” é na verdade um conjunto de preceitos
morais, que revelam um determinado comportamento adequado as formas contemporâneas de
expropriação burguesa , como expresso no Parecer da Base: “[...] 8. Conhecer-se, apreciar-se e

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emancipação humana
discussões sobre discriminação, preconceito, homofobia, racismo, sexismo, são
substituídas por conceitos dimanados da gestão pessoal. Responsabilidade, competências
pessoais, habilidades emocionais, empatia, flexibilidade, resiliência, podem ser
facilmente identificados ao discurso empresarial62 e se afastam do verdadeiro debate
político, das conquistas sociais e dos debates acadêmicos realizados em torno da
diversidade sexual.
Por outro lado é preciso perguntar como é possível trabalhar a questão da
diversidade sexual sem cairmos no senso comum que a BNCC homologou? Silva (2015)
defende uma perspectiva Histórico-Crítica para o tratamento da sexualidade na escola.
Entende que é preciso discutir o tema dentro dos pressupostos científicos, artísticos e
filosóficos relacionados ao tema.
Uma alternativa para o tratamento da sexualidade na escola coerente
com os pressupostos da pedagogia histórico-crítica é a discussão do
tema a partir da leitura dos clássicos universais, os quais apresentam
relações afetivas, sexuais, de gênero, etc. sob a perspectiva do momento
histórico em que foram escritos, o que coloca em evidência o caráter
histórico e social da sexualidade humana. Em outras palavras, a história
da sexualidade está objetivada nos produtos da cultura e, portanto, a
compreensão da sexualidade como fenômeno histórico-cultural

cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e


reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos de forma harmônica e a cooperação,
fazendo-se respeitar, bem como promover o respeito ao outro e aos direitos humanos, com
acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes,
identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10. Agir
pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e
determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos,
sustentáveis e solidários”. (BRASIL, 2017b, p.27, grifos nossos)

62Como ressalta Carvalho e Martins (2013, p.148), “o imperativo da empregabilidade sustenta o


discurso da reformulação da educação dos indivíduos, calcado agora sob a aparência da
competência. Os conhecimentos escolares, os conteúdos das ciências, das artes, da filosofia
tornam-se secundários para esse tipo de currículo fundado no desenvolvimento das
características “cognitivas” e “afetivas”, como se isso fosse possível na ausência de uma sólida
formação acadêmica”.

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emancipação humana
vincula-se à apropriação do patrimônio cultural da humanidade.
(SILVA, 2015, p.85)

Ao propor uma compreensão do desenvolvimento histórico-cultural da


diversidade sexual a partir da Pedagogia Histórico-Crítica, Silva (2015) destaca o caráter
ontológico da sexualidade humana. Não unicamente como um fenômeno biológico, mas
uma objetivação da ação humana no processo de transformação da natureza, criativo e
contraditório.
Assim, para a pedagogia histórico-crítica, a qual corrobora a concepção
de desenvolvimento da psicologia histórico-cultural, não existe cisão
entre desenvolvimento afetivo e cognitivo e, portanto, a sexualidade
pode e deve ser abordada como conteúdo científico, promovendo-se a
compreensão e a análise crítica da gênese e do desenvolvimento
histórico dos conceitos a ela relacionados. A própria constituição da
sexualidade como traço identitário dos indivíduos deve ser questionada
para que a normatização da atividade sexual possa ser superada. É
importante destacar que a psicologia histórico-cultural ainda não
apresenta uma teoria sobre o desenvolvimento psicossexual e, portanto,
desenvolvê-la é uma tarefa que se impõe para as/os pesquisadoras/es
dessa vertente.(SILVA, 2015, p.86)

Deste modo, recomenda um ensino universalizante que não separe os aspectos


afetivos e cognitivos, relacionados ao tema em questão.

Considerações finais.
Para concluir é preciso pensar a diversidade humana numa perspectiva ontológica,
isto é, uma condição do ser social, que é irrevogável. O que não é “natural”, o que é fruto
da alienação do homem é toda opressão contra a diversidade, que tem uma gênese
histórica e uma objetividade funcional, que é a manutenção das sociedades de classe e em
particular da sociedade capitalista. Mas, não podemos ser ingênuos, de achar que
podemos construir uma sociedade justa e diversa, dentro de um sistema injusto e opressor,
nem de achar que podemos simplesmente acabar com os preconceitos, a discriminação,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
o sexismo, o racismo, a homofobia e a transfobia, apenas acabando com as classes. O
socialismo é o pressuposto para eliminação das barreiras políticas e econômicas que
impedem a livre e autêntica expressão das individualidades humanas, mas não é uma
fórmula mágica que irá transformar de um dia para o outro o pensamento e o sentimento
das pessoas. Desde já, é necessário que e a educação nos sirva de instrumento no processo
árduo de transformação das consciências.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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Autores:

Saulo Rodrigues de Carvalho


Doutor e Mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP-FCLAR/ Campus Araraquara).
Professor Colaborador da Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná
(UNICENTRO – Campus Sta. Cruz/Guarapuava.
Adnilson José da Silva
Doutor em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. Mestre em Educação pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Professor do Departamento de Pedagogia Universidade Estadual do Centro Oeste do
Paraná (UNICENTRO – Campus Sta. Cruz/Guarapuava.

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emancipação humana
MATERIALISMO HISTÓRICO E PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Leandro Turmena

Introdução
O objetivo deste artigo é discutir a pesquisa em fontes e o método científico
Materialismo Histórico-Dialético. Tal temática se justifica pela necessidade de analisar
as fontes numa pesquisa em história da educação, tendo como base um aporte teórico e
um método científico de investigação. Neste sentido, o texto está organizado em duas
partes. Primeiramente, consiste na discussão sobre o método Materialismo Histórico-
Dialético e a pesquisa em Educação. Posteriormente, propõe-se o estudo e apontamentos
sobre pesquisa em fontes.

Materialismo histórico e pesquisa em educação


Para a realização de pesquisas com fontes, neste caso em específico, em história
da educação, é necessário um suporte teórico e um método científico que subsidiem a
análise do objeto de investigação, no intuito de analisar a sua essência. Assim
apresentaremos, neste tópico, o método científico Materialismo Histórico-Dialético, pois
entendemos que o mesmo, a partir de algumas categorias de análise – principalmente a
categoria da totalidade - contribui significativamente para a pesquisa com fontes em
história da educação.
Contrapondo-se ao método dialético-idealista elaborado por Hegel, Marx
adentrou no campo da História no intuito de entender as relações que movimentam a
mesma e neste terreno, desenvolveu sua teoria científica conhecida como Materialismo
Histórico-Dialético ou Materialismo Histórico. A dialética materialista concebe o
movimento, possuindo por base a materialidade (totalidade de relações de produção).
Para os idealistas, é o pensamento, a ideia que cria a realidade. O espiritual, o absoluto,

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emancipação humana
são forças que se movem por si mesmas e que movimentavam todo o universo. Já para
Marx o movimento do pensamento é um reflexo do real, pois na medida em que é produto
do cérebro humano e que o homem é, ele próprio, produto da história, o pensamento não
poderia deixar de ser também um produto desta mesma história. A partir de Marx e Engels
(1986, p. 20), “não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a
consciência”.
O ponto de partida é a existência real do ser homem e mulher, “(...) partimos dos
homens em sua atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos
também o desenvolvimento dos reflexos e das representações ideológicas desse processo
vital” (MARX;ENGELS, 1986, p. 19). O que os indivíduos são depende,
incondicionalmente, das condições materiais de como os mesmos produzem sua
existência/subsistência. “É na vida real que começa, portanto, a ciência real, positiva, a
análise da atividade prática, do processo, do desenvolvimento prático dos homens”
(MARX;ENGELS, 1986, p. 20). E continua: “A primeira condição de toda a história
humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. A primeira situação a
constatar é, portanto, a constituição corporal desses indivíduos e as relações que ele gera
entre eles e o restante da natureza” (MARX;ENGELS, 1986, p. 10). Portanto, “toda
historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua transformação pela ação dos
homens, no curso da história” (MARX;ENGELS, 1986, p. 10).
Neste sentido, interessava a Marx explicar a base material da sociedade em que
viviam em pleno século XIX. A ele importava saber qual era a base econômica que
sustentava essa sociedade: quem produzia, como produzia, com que produzia, para quem
produzia e assim por diante, numa perspectiva de transformação social. Foi visando a isso
que Marx se lançou ao estudo da economia política, tomando como ponto de partida a
escola inglesa, cujos expoentes máximos eram Adam Smith e David Ricardo.
Numa sociedade estruturada sob o modo de produção capitalista, as relações

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sociais são relações de classes, pois implicam relações de luta entre os proprietários dos
meios de produção, a burguesia e os não-proprietários, o proletariado, os modernos
operários, ou seja, a classe dos que vivem do próprio trabalho. Entretanto, na sociedade
capitalista as relações econômicas de produção se dão entre os que compram e os que
vendem a força de trabalho (mercadoria) o que se constitui na infraestrutura.
Sobre esta base econômica (infraestrutura) se levanta segundo Marx, uma
superestrutura jurídica e política onde atua o Estado (política, religião, cultura, educação).
Dessa forma, as relações sociais de produção da existência são antagônicas. Há um jogo
de relações de forças que se articulam ao nível da infra e da superestrutura, na busca da
consolidação da hegemonia de uma classe. A hegemonia na sociedade capitalista é
exercida pela classe dominante, a burguesia. “A hegemonia é a capacidade de direção
cultural e ideológica que é apropriada por uma classe, exercida sobre o conjunto da
sociedade civil, articulando seus interesses particulares com os das demais classes de
modo que eles venham a se constituir em interesse geral” (CURY, 1995, p. 48).
Investigar a base econômica do modo de produção capitalista e sua superestrutura
onde ambas se articulam dialeticamente, pela ótica materialista, é uma tarefa desafiadora.
Remonta ao uso do Materialismo Histórico-Dialético de Marx, bem como as categorias
que o engendram, que são imprescindíveis para desvendar a essência do real na
perspectiva de transformação social sob a ótica de opção da classe trabalhadora, pelo fato
de esta representar a contradição da sociedade capitalista.
A categoria da totalidade é a primeira expressa por Marx no Método da Economia
Política onde se parte do real, do concreto, dando a visão de totalidade. Portanto, numa
perspectiva de totalidade, não é correto afirmar que, por exemplo, na sociedade, o
particular econômico predomina sobre os aspectos sociais, políticos e educacionais. A
sociedade é entendida como um todo, como um conjunto de determinações que se
integram e minunciosamente se relacionam. Assim, a síntese das múltiplas

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determinações, é o concreto pensado, ou seja, a unidade do diverso. Dialeticamente, o
concreto “aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como
ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida
também da intuição e da representação” (MARX, 1996, p. 39-40).
Esta categoria implica numa concepção de realidade enquanto um todo (que é
composto pelas partes) em processo dinâmico de estruturação, em que há a articulação
entre o todo e as partes, as partes e o todo e, entre as diversas partes deste todo. Segundo
Kuenzer (1998, p.65) “cada fenômeno ao revelar a si mesmo e ao todo, deverá ser
compreendido como um momento do todo, que ao mesmo tempo explicita e o esconde”.
Buscando um novo conhecimento, uma nova compreensão da realidade e para se
ter uma visão concreta do objeto é preciso a superação da visão da realidade na
perspectiva fenomênica. Isso se dá através do movimento do pensamento que vai do
abstrato ao concreto pela mediação do empírico. Ou seja, “através do efetivo movimento
da teoria para a prática e desta para a teoria (...) buscando sua concretude” (KUENZER,
1998, p. 64). Esse movimento de práxis que, a partir do empírico, busca na teoria já
produzida os meios para sua compreensão, tende a reconstruir e reformular esta teoria na
sua relação com o objeto de investigação, demonstrando o conhecimento verdadeiro. A
categoria da práxis na pesquisa educacional assume um papel intencional onde o
conhecimento e as críticas estão a serviço da transformação da realidade anterior no plano
do conhecimento e no plano histórico-social (FRIGOTTO, 2001). Nesse processo de
investigação da realidade, em sua totalidade e visando à sua transformação, é importante
também levar em consideração as categorias de contradição e mediação. A primeira vai
desvelar no movimento as contradições “(...) enquanto relação ativa de contrários em
busca de superação, mesmo que conservando o que cada um tem de determinado: a
incessante conversão de um no outro, e exclusão ativa” (LEFEBRE apud KUENZER,
1998, p. 65), dando continuidade ao movimento histórico.

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Para o Materialismo Histórico-Dialético, o todo não é a simples junção das partes,
mas é a sua junção/relação com as partes. Esta relação do todo com as partes e vice-versa
se dá através da mediação. É obvio que para conhecer um determinado objeto se torna
necessário fazer uma cisão no todo, isolando alguns fatos particulares. Contudo, esta cisão
é apenas um recurso teórico/metodológico para delimitação e análise do problema a ser
investigado. De acordo com Kuenzer (1998, p. 65), “no contexto do real nada é isolado;
isolar os fatos significa privá-los de sentido e inviabilizar sua explicação, esvaziando-os
de seu conteúdo”; por isso a importância necessária de se trabalhar na pesquisa com a
categoria da mediação.
Nesse sentido, é possível estudar até as ínfimas relações entre o todo e as partes,
o simples e o complexo, a universalidade da teoria e a singularidade dos fenômenos e
vice-versa, e desvendar o conjunto de relações que se estabelece para a superação da
aparência (concreto sensível, caótico, abstrato, porque pouco se sabe dele) à essência
(concreto pensado, porque dele se conhecem as múltiplas determinações, e também
abstrato, mas abstrato, pois se constitui numa construção mental sobre a realidade,
determinada por esta mesma realidade). (MUNHOZ, 2006).
Nesta perspectiva, para a análise das fontes coletadas numa pesquisa em história
da educação, no intuito de entender seus determinantes reais e concretos, é preciso
entender o movimento do geral para o particular, isto é, do macro para o micro e do
simples para o complexo, num movimento dialético que leve em consideração a mediação
entre o todo e as partes, as contradições inerentes; o concreto (as múltiplas determinações)
que são responsáveis pela existência de um fenômeno.
Em tese, não se defende a ideia de que a realidade, as fontes coletadas, devem se
encaixar incondicionalmente no método; e sim o seu contrário, de que o método – que
demonstra a opção teórico/metodológica assumida - tem o papel de dar validade
explicativa a estas fontes e aos objetos das pesquisas, visando ao desvendamento do

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concreto.

Pesquisa em fontes
O “fazer história” é distinto de “escrever sobre a história”. “O primeiro é a história
propriamente dita, o desenrolar dos fatos. O segundo é a historiografia, ou seja, o ato de
se escrever a história” (COSTA, 2010, p. 195). Assim, o presente de hoje é o passado de
amanhã e, que a memória procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Por
isso, atualmente, o ato de escrever sobre a história traz consigo a questão das fontes. No
entanto, concordando com Nosella e Buffa (2009), a leitura das fontes não é uma
atividade fácil. Depende da ótica teórica e ética e da política do pesquisador.
Castanho (2010), ao considerar que o conceito sobre as fontes se disseminou a
partir da escola metódica do século XIX, cuja ênfase circunscreve a obra de Leopold von
Ranke que considera o documento (escrito), a fonte por excelência da história, ressalta
que Ranke, em sentido amplo, pode ser considerado um positivista, o que também o torna
merecedor das críticas feitas pela Escola dos Annales à escola tradicional de matriz
positivista a partir de 1930. Segundo seus críticos, a história tradicional
No entanto, mesmo na leitura dos Annales, feita pelos autores acima citados, o
leque de fonte ainda é restrito. Atualmente tem-se um arsenal de fontes - sejam elas
escritas, audiovisuais, sonoras, pictóricas, iconográficas, arquitetônicas, mobiliárias,
orais, dentre outras - que podem ser usadas para pesquisas em História da educação.
Na perspectiva da história e historiografia da educação, o pesquisador, para tirar
o máximo de proveito das fontes, deve se preocupar com a totalidade dos fatos que
envolvem tais fontes. “Quanto mais claro estiver o contexto social, político, cultural,
econômico, etc., mais proveitoso será o diálogo com os autores sociais da época que
‘falam’ por intermédio de nossas fontes” (COSTA, 2010, p. 196).
Nesse sentido, para a história e, para a história da educação, as fontes são

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emancipação humana
construídas num determinado período histórico, ou seja, são produções humanas. Saviani
(2004) analisando o conceito de fonte, os sentidos da palavra e as relações com a
historiografia da educação, nos alerta para não considerarmos as fontes como origem do
fenômeno histórico.
As fontes estão na origem, constituem o ponto de partida, a base, o
ponto de apoio da construção historiográfica que é a reconstrução, no
plano do conhecimento, do objeto histórico estudado. Assim, as fontes
históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e
flui a história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos
históricos, são a fonte do nosso conhecimento histórico, isto é, é delas
que brota, é nelas que se apoia o conhecimento que produzimos a respeito
da história (SAVIANI, 2004, p. 05-06).

Essa questão evidencia o caráter de totalidade e as múltiplas determinações que


abrangem uma fonte histórica na investigação de um determinado objeto e para a
construção da historiografia. Neste sentido, é importante observar segundo o autor, o
caráter de inesgotabilidade das fontes históricas. “Sempre que a elas retornamos,
tendemos a descobrir novos elementos, novos significados, novas informações que nos
tinham escapado por ocasião das incursões anteriores” (SAVIANI, 2004, p. 06). Assim,
é importante que o pesquisador defina claramente o que deseja pesquisar,
recortando/delimitando o objeto e buscando as fontes necessárias que ajudem a
problematizar e reconstruir (no âmbito da abstração/do pensamento – concreto pensado)
o objeto de investigação e as relações que o envolvem. Pois os objetos investigados só
adquirem estatuto de fontes diante do historiador na medida em que este formule um
problema de pesquisa e delimite os elementos em que serão buscadas as respostas às
questões levantadas. Consequentemente, os objetos selecionados e as respostas
alcançadas passam a constituir fontes para a produção do conhecimento histórico
(SAVIANI, 2004).
Atualmente no Brasil, especificamente a partir da década de 1990, tem aumentado

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emancipação humana
o número de pesquisas em educação de caráter historiográfico e, consequentemente, o
levantamento de fontes para tais. De acordo com Miguel (2004), o crescimento da
historiografia se deve às pesquisas inerentes aos programas de pós-graduação e a ações
de docentes via grupos de pesquisas nas universidades. No entanto, tal produção
historiográfica é subsidiada pelas fontes. Algumas fontes estão cuidadosamente
preservadas, em arquivos. Outras o cuidado é precário, pois faltam verbas, força de
trabalho especializada e local/ambiente apropriado para sua conservação.
No entanto, as fontes não “falam” por si só. É preciso ler “as linhas e entrelinhas”
e não confiar cegamente nos documentos e fontes consultados. Elas só são passíveis de
interpretação ao serem contextualizadas. Isso acarreta ao pesquisador a necessidade de
análises da totalidade referente ao contexto histórico que envolve o objeto de
investigação, levando em consideração as mediações e as contradições inerentes. Pois, “a
amplitude do olhar do pesquisador se dá ao levantar as fontes. Aí ele não identifica apenas
objetos específicos, mas descobre outras questões sociais que demarcaram um período”
(MIGUEL, 2004, p. 116).
Nesse processo, visando dar conta da totalidade que envolve o objeto de
investigação é importante não recorrer a uma única fonte e sim, confrontar várias fontes
que problematizem o objeto de investigação possibilitando sua explicação e análise.
Todavia, mesmo considerando que “todos os tipos de fontes são válidas para o
entendimento do mundo e da vida dos homens, tem-se que convir que o tipo de fonte a
ser utilizado decorre, em grande medida, do objeto de investigação” (LOMBARDI, 2004,
p. 157). Nem sempre se tornam necessárias todas as fontes. “Em função dos objetivos
específicos da pesquisa é possível, e até desejável, privilegiar umas e não outras. (...) o
privilegiamento de uma ou outra fonte determina o tipo de história” (NOSELLA;BUFFA,
2009, p. 63).
Importante para a pesquisa em história da educação, consideramos a explicação e

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emancipação humana
distinção dada por Toledo e Gimenez (2009) em relação às fontes primárias e secundárias.
Assim, considerando os aspectos indissociáveis para a realização de uma pesquisa
histórica, é preciso, após o recorte/delimitação da temática de investigação, eleger as
fontes primárias, relacionar às fontes secundárias e à literatura de apoio para nelas
sustentar a interpretação (TOLEDO;GIMENEZ, 2009).
Outro aspecto a salientar é o que Costa (2010) considera como parâmetros, para
se estabelecer o diálogo interpretativo com as fontes: o contexto em que a fonte está
inserida e a temporalidade e historicidade do pesquisador.
Castanho (2010) contribui para nossa discussão afirmando que a teoria da história
marxiana é uma reflexão sobre a realidade histórica concreta. “A premissa básica dessa
teoria é que o caminho percorrido pela sociedade (...) deve ser detectado com base na
análise da realidade social contemporânea do pesquisador” (p. 11).
Tais questões nos alertam para o fato de que para a análise de uma determinada
fonte numa pesquisa em história da educação, o estudo do passado está em constante
conexão com o presente e que, dependendo do objeto de pesquisa, pode haver distintas
abordagens. Eis o fundamento da visão marxiana de que o contemporâneo - mesmo a
sociedade não tendo superado os aspectos característicos da modernidade – é o mais
desenvolvido, o mais complexo, do que em tempos passados.
As fontes, como material empírico de análise, revelam os fatos ou, vice-versa.
Entendemos que a análise das fontes e dos fatos deve ser a partir de um referencial teórico
que mostre a totalidade dos mesmos.
Como exemplo, podemos citar a pesquisa histórica de uma instituição de ensino
superior. Esta instituição, independente dos fatos que instiguem a problematização e o
interesse pela investigação, levarão a diversas fontes de pesquisa que servirão de base
para o estudo da mesma. Tais fontes encaminharão procedimentos a partir de um
referencial teórico para a explicação dos fatos que envolvem o surgimento da instituição

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investigada. Essas fontes também poderão instigar a outros fatos – e, consequentemente
outras fontes - que a priori não foram hipoteticamente observados. No entanto, as diversas
fontes selecionadas para o estudo de uma instituição de ensino deverão contemplar as
múltiplas determinações dos aspectos específicos/gerais, singulares/universais que de
forma alguma se anulam, mas sim, se relacionam e se complementam pois, segundo
Castanho (2010), a história da educação só ganha legitimidade na medida em que se
articula com a totalidade histórica.
Para a realização de pesquisas da identidade de instituições escolares, neste caso,
a partir do exemplo acima, de ensino superior, o pesquisador deve se lançar nos aspectos
micro e macro que envolvem o objeto de investigação. Segundo Sanfelice (2007, p. 79)
“Mesmo admitindo que as instituições adquiram uma identidade, esta é fruto dos laços de
determinações externas a elas e, como já foi dito, ‘acomodadas’ dialeticamente no seu
interior”.
Tomando o rumo conclusivo deste texto enfatizamos que o método de
investigação Materialismo Histórico-Dialético investiga as íntimas conexões,
evidenciando as contradições, entre a forma pela qual a sociedade produz sua existência
material e a instituição escolar que cria.
Assim como uma determinada sociedade foi condição para a criação e
o desenvolvimento de uma determinada instituição escolar, esta é
condição de existência daquela, porque lhe molda suas relações de
produção, sem esquecer, porém, que, na produção da escola, a
sociedade opera de forma conflituosa, pois suas opostas classes sociais
lutam, em opostos campos, em favor de escolas que atendam aos seus
próprios interesses (NOSELLA; BUFFA, 2009, p. 80).

Acreditamos que o pesquisador que leve em consideração a totalidade de fontes


(as diversas fontes que envolvem um objeto de pesquisa, feitos os devidos recortes de
análise) e a totalidade que envolve as fontes (os aspectos econômicos, políticos, sociais,
educacionais, culturais, etc. - do particular, singular, geral e universal), caminha com

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passos firmes para a explicação do movimento do real, ou seja, da instituição estudada.

Considerações
Após a realização do estudo concluímos que, para pesquisas em fontes - neste caso
pesquisas em história da educação - partindo do Materialismo Histórico-Dialético, o
fundamental é relacionar as mediações entre o particular/singular (os aspectos
relacionados com o dado empírico) com o geral/universal (totalidade social),
evidenciando as contradições.
Assim, entendemos que, assumindo o Materialismo Histórico-Dialético como
método científico de análise, para o trato com as fontes em história da educação, é
possível caminhar rumo ao entendimento do movimento do real. O que implica em
explicitar as relações entre o empírico, o abstrato e o concreto. Considerando que o
concreto é para Marx, concreto pensado.

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ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 371
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SAVIANI, Dermeval. Breves considerações sobre Fontes para a história da educação. In:
LOMBARDI, J. C.; NASCIMENTO, M. I. M (Orgs.) Fontes, historia e historiografía
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memoria. Campinas: Alínea, 2009, p. 109-125.

Autor:
Leandro Turmena
UTFPR/Campus Dois Vizinhos
e-mail: leandroturmena@utfpr.edu.br

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A ORDEM DO CAPITAL E A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS
PARA A EDUCAÇÃO
Cristine Dos Santos Farias
Maria José Ferreira Ruiz
Tânia da Costa Fernandes

Introdução
O estudo do materialismo histórico possibilita uma visão mais ampliada sobre a
realidade social e sobre a construção das políticas públicas para a educação. Tendo isso
em vista, o trabalho em questão foi realizado a partir de estudos de textos em disciplina
cursada no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de
Londrina. Faz parte também de estudos preliminares de projeto de pesquisa, que ocorre
nesta mesma universidade e visa identificar as contribuições do materialismo histórico
para os estudos das políticas educacionais.
Entre outras discussões, buscamos conhecer e refletir sobre termos utilizados pelo
marxismo como: Mercadoria, Dinheiro, Trabalho, Mais Valia, Alienação, Fetichismo,
Reificação, Ideologia, Capital, Classes Sociais, Relações de Produção, Imperalismo,
Democracia, Emancipação, Crise do Capital, Burguesia, Proletariado, Estado, Revolução,
Socialismo, Comunismo, entre outros. Estes conceitos são balizadores para compreender
as vivências atuais em ordem mundial, brasileira e local. As discussões aprofundaram
nossos estudos no materialismo histórico, contribuindo para uma visão mais abrangente
na política educacional.
O estudo, tornou possível compreender, entre outras questões, que a organização
capitalista faz com que o sujeito acredite que possua autonomia e poder de decisão,
levando a uma pseudo-realização, pois, são as relações produtivas que ditam as normas
para a vida social, tornando o sujeito adaptado à servidão, na ordem do capital. Nesta
conjuntura, a relação do sujeito social com o trabalho está baseada nos modos de produção

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
e nas relações mercantis em que todas as coisas se tornam mercadorias e as relações
produtivas são baseadas na defesa da meritocracia e do individualismo.
O estudo se justifica por ser uma forma de apontar para possibilidades de uma
visão descortinada da sociedade em que vivemos, a fim de fomentar posicionamentos
políticos em nossa atuação na realidade social e no interior das escolas públicas.
Instituição que, ao mesmo tempo em que, por sua natureza estatal, serve ao capital,
também é espaço de formação cognitiva e política da classe que vive da venda de sua
força de trabalho. O texto tem o objetivo de discutir alguns elementos da ordem do capital,
a partir do materialismo histórico, para ampliar o entendimento da luta pela educação
pública de qualidade socialmente referenciada.

Referencial Teórico
O materialismo histórico traz base para a compreensão do trabalho na vida do ser
humano. De forma genérica, o trabalho é um processo por meio do qual o homem
transforma a natureza em seu próprio benefício, tendo em vista sua sobrevivência,
atribuindo forma útil à natureza social e humana.
Na transformação da natureza, o homem se funde a ela e o trabalho ganha
significado ímpar na própria construção humana, sendo “o processo de trabalho, como o
apresentamos em seus elementos simples e abstratos, atividade orientada a um fim para
produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas.”
(MARX,1985, p. 153).
Desde os primórdios, a humanidade age sobre a natureza para construir objetos
usando de força, seja ela manual, mecânica, química, mental, física, enfim, de diversas
formas para atingir seu objetivo de transformação e garantir seu meio de subsistência. À
medida que a sociedade se desenvolve, o trabalho vai se tornando mais complexo,

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emancipação humana
exigindo do trabalhador esforço diferenciado para concretização de algo muito superior à
questão da subsistência.
Com a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX o produto do trabalho
humano torna-se mercadoria e passa a ser trocado por dinheiro. Assim, o processo
embrionário do Capital vai sendo gestado, e tem início ao que Marx (1985) vai nominar
de acumulação primitiva. Se em períodos anteriores à Revolução Industrial as relações
eram de troca, agora passam a ser comerciais, não somente pelo valor de uso dos objetos,
mas, sobretudo, pelo valor de mercado, ou seja, o dinheiro e a mercadoria entram em
cena, mudando a relação entre o homem e o trabalho, em um círculo vicioso, no qual a
mercadoria se torna dinheiro e o dinheiro mais mercadoria. Assim, a mudança da forma
da produção do trabalho, está engendrada pela formula de Marx (1985) M-D-M
(Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria).
Este movimento circular transforma o trabalho do homem, que então, precisa
produzir cada vez mais, só que não para sua realização e subsistência como antes, mas
sim para servir ao Capital. Assim, Marx (1985) assinala a origem do trabalho alienado,
no qual o homem não se reconhece na sua criação, já que pela fragmentação do trabalho,
apenas parte da construção lhe é concedida, retirando o sentimento de realização de
quando era detentor dos meios de produção e então, com a industrialização pelo trabalho
assalariado, nada lhe pertence, nem os meios, nem os fins de seu trabalho. A ele resta
apenas a força de trabalho, que precisa vender, ao capitalista para garantir seu sustento e
de sua família.
A transformação da mercadoria em dinheiro e novamente em mercadoria,
necessita de um fator imprescindível para a circulação, a saber, a extração da “mais-
valia”, que se trata do valor excedente da mercadoria, que ocorre por meio da produção e
da força de trabalho. Cada mercadoria contém um trabalho materializado em seu valor-
de-uso, pelo tempo e meios de trabalho utilizado para sua produção. Após quantificar o

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
custo necessário para a produção de uma mercadoria ao todo, o empregador faz com que
o trabalhador produza ainda mais, resultando em lucro para o empregador que irá obter a
metamorfose da “M-D-M”.
Neste cenário desigual, são constituídas as denominadas classes sociais,
teorizadas por Marx (1985). Sobre isso Poulantzas (1975, p.14) aborda de maneira
concisa a configuração das classes sociais necessárias para a ordem do capital, que se
definem “pelo seu lugar no conjunto de práticas sociais, isto é, pelo seu lugar no conjunto
da divisão social do trabalho, que compreende relações políticas e relações ideológicas”.
As estruturações das classes sociais ocorrem via embates, ou seja, na luta, que
pode ser ideológica, política ou econômica, dado ao interesse desigual que a sustenta. O
processo de produção se constitui pela exploração “ processo de reprodução das relações
de dominação/subordinação políticas e ideológicas” (POULANTZAS,1975, p. 22).
Na medida que a sociedade incorpora o modo de produção63 capitalista, duas
classes se tornam fundamentais para a manutenção do sistema: a burguesia e a classe
operária (proletariado). Isso denota uma classe que domina política e ideologicamente e
outra que é servil à primeira.
A fim de manter a ordem vigente, surge a questão dos Aparelhos de Estado, que
se efetivam em diversos formatos: Aparelho Ideológico - a escola, a igreja e outros meios;
Aparelho da Informação – rádio, televisão, imprensa; Aparelho Cultural –cinema, teatro,
edição; Aparelho Sindical de colaboração de classes e os partidos políticos burgueses e
os Aparelhos Repressivos – utilizado quando o controle não é viabilizado por meio da
ideologia – quando o Estado usa do exército, da polícia para manter a ordem de forma

63
Modo de produção é a forma de apropriação historicamente pela sociedade na produção de bens, ou
seja, no modo de produção está implícito a cultura, os valores, o modo de pensar e agir, o jeito de
relacionar com o outro, tudo o que compõe o modo de viver de um determinado período temporal e
geográfico interfere no modo de produção (FERRETTI, 1997).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
coercitiva (ALTHUSSER, 1971). Nesta relação o Estado utiliza-se destes aparelhos para
manter o poder e a dominação.
Somente pela luta de classes, seria possível uma modificação do sistema, isso
conforme a teoria revolucionária de Marx. Embasado nesta vertente, Lênin (1983) aponta
em sua produção “O Estado e a Revolução”, em que descreve a relação entre o Estado na
sociedade de classes. Assim, o próprio Estado é constituído como um meio de exploração
do povo, já que utiliza destes Aparelhos a seu favor. Lênin (1983) e Poulantzas (1975)
apontam que para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classes, e nem sempre
existiu, da forma que ele é conhecido no capitalismo. Este formato do Estado capitalista
surge da necessidade em consequência da divisão entre as classes sociais.
Neste sentido, Engels (apud LÊNIN, 1983, p.19) afirma que “A sociedade,
reorganizando a produção sobre a base da associação livre e igual de todos os produtores,
enviará a máquina governamental para o lugar que lhe convém: o museu de antiguidades,
ao lado da roda de fiar e do machado de bronze”. O definhamento do Estado pela
revolução violenta seria de fato o fim do Estado e da própria democracia, já que ela se
constitui no mesmo curso do Estado.
Todavia, a marcha da humanidade segue os rumos do capitalismo e Netto (1981),
reportando-se à teoria de Marx, aponta para a questão crucial da sustentação do capital: a
mercadoria, e apresenta os conceitos de alienação e fetichismo da mercadoria. A fim de
manter a organização capitalista da vida social, a mercadoria se torna o centro da atenção
humana, isso se reflete no modo de produção, na circulação e no consumo que influência
comportamentos e dita o modo de viver das pessoas, que estão totalmente enfeitiçadas
pela mercadoria, tornando-se elas próprias a mercadoria – coisificada – reificada em sua
essência.
Neste frenesi, o sujeito é totalmente controlado, em todas as áreas de sua vivência,
seja ela no trabalho, na família, no lazer, nas relações sociais, tudo se funde num “ [...]

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difuso terrorismo psicossocial se destila de todos os poros da vida e se instila em todas as
manifestações anímicas e todas as instâncias que outrora o indivíduo podia reservar-se
como áreas de autonomia [...] converte-se em limbos programáveis” (NETTO, 1981, p.
81). A alienação do trabalho somado ao fetiche da mercadoria são os ingredientes
perfeitos para manter a ordem do capital. Todos estão imersos no sonho do “ter” e se
esquecem de quem “são”, uma relação perversa em que o primeiro determina o segundo.
Wood (2003) em seu texto “O que é (anti) capitalismo”? Salienta a globalização
como a forma atual de manter a cultura da ganância, onde a livre concorrência gera a
competição e as exigências da maximização do lucro e acumulação do capital (para
poucos). As grandes potências mundiais mantêm a dominação sobre os chamados países
do “terceiro mundo64” com os ditames dos Organismos Multilaterais para gerenciar o
sistema. Assim, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e o
General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), entre outros, “foram desenhados para
administrar um sistema no qual o desenvolvimento econômico mundial depende em larga
medida da aceitação das condições impostas pelos Estados Unidos” (WOOD, 2003, p.
43).
Sendo o mercado o grande ditame da sociedade capitalista e os Estados Unidos o
centro gerenciador deste cenário mundial capitalista, a autora afirma que o capitalismo “
ameaça a paz, a democracia e o meio ambiente sustentável” (WOOD, 2003, p. 48) e para
superá-lo, a transformação da sociedade depende em grande escala dos anticapitalistas,
que se fazem presentes entre os trabalhadores, nos movimentos de oposição que precisam
se ampliar e ganhar força nas comunidades locais para uma verdadeira mudança em que
não haja mudança no capitalismo, mas de fato, que seja superado.

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Expressão utilizada no período da Guerra Fria para diferenciar o 1º mundo (capitalista) do 2º mundo
(socialista) e dos demais a serem conquistados – o 3º mundo.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
As concepções, apontadas até aqui, embasadas no materialismo histórico, são
importantes para entender as políticas para a educação e alguns conceitos que medeiam
os discursos dos projetos e programas de governos para a educação, como, por exemplo,
a questão da qualidade na educação. Sobre isso, Secco e Santiago (1997) destacam que
este conceito, tão propalado atualmente é defendido nos moldes da “qualidade total”, que
visa a formação do aluno-cliente para o mercado de trabalho. Este termo – qualidade -
surgiu no Japão e nos Estados Unidos durante a Revolução Industrial na busca de um
padrão satisfatório para os produtos e serviços do mercado, chamado de Qualidade Total.
A educação nos moldes da qualidade total, jamais possibilitaria a transformação social,
ao contrário, é um meio de manter o aparelho ideológico escolar, a serviço do capital. A
educação a serviço do capital, está preocupada em oferecer mão de obra para o mercado.
Assim, são instituídas avaliações cada vez mais fragmentadas, onde a criticidade não tem
importância e o que vale é o caráter técnico. Os alunos são levados a competir desde
muito cedo, na busca da meritocracia, pois somente os melhores conseguem chegar a um
“ lugar ao sol” e desta forma, o acirramento competitivo se faz presente impulsionando o
individualismo.
Assim, é possível questionar sobre o papel da escola: Formação do aluno de forma
plena/ampla ou apenas formação aligeirada para o mercado de trabalho? Poderia ser
entendido o aluno enquanto “ produto” e o mercado o “cliente” que compra o “produto”?
Qual é o tipo de aluno/produto que o mercado atual deseja? Como o empresariado
brasileiro tem se articulado para influenciar nas políticas curriculares para a formação
deste aluno/cliente? Estas questões precisam ser discutidas no âmbito das políticas
públicas para a educação, quando são apontadas as questões sobre a qualidade da
educação. É preciso organização política na defesa de uma qualidade socialmente
referenciada, defendida pelas associações, fóruns e outros espaços que lutam em defesa
da escola pública e gratuita.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Um destes espaços de resistência, pode ser a Conferência Nacional Popular de
Educação (CONAPE 2018). Esta Conferência está sendo organizada a fim de “manter a
mobilização em torno da defesa do PNE”. A proposta é acompanhar as metas do PNE
(2014-2024) e analisar criticamente as medidas que vêm inviabilizando a efetivação deste
PNE “em especial, a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016, que estabelece um
teto de 20 anos aos gastos públicos federais, inviabilizando a consagração plena de todos
os direitos sociais, especialmente a educação” (FNPE, 2017, p. 2).
Defendemos, neste texto que o estudo da educação, por meio das concepções
teóricas do materialismo histórico é fundamental para fugir de proposições abstratas e
reducionistas sobre os encaminhamentos das lutas pela educação pública. Para tanto, é
imprescindível o embasamento nas categorias: totalidade, contradição, mediação,
hegemonia e reprodução, conforme Cury (1995), para se ter o entendimento que as lutas
atuais, precisam desembocar na transformação substancial da sociedade de classes, para
aí sim, garantir o acesso a uma vida plena e digna a todas as pessoas.

Conclusões
Finalizamos este trabalho afirmando sua contribuição para a reflexão dos
envolvidos na luta pela educação pública de qualidade socialmente referenciada, por meio
de estudo, sínteses, debates, produções e reflexões, possibilitando uma breve
aproximação às questões fundantes da ordem do capital, a fim de superá-la. Romper com
a ordem do capital, depende de muito esforço, mas o primeiro é compreensão dos
fenômenos que se estabelecem nesta ordem perversa e desumana, que reifica as relações
sociais e educativas.
Por certo, a crise do capital, que se reinventa por meio da própria crise, deve ser
combatida, o que será possível quando as vozes se somarem, em uma revolução que há
de surgir, ou como idealizava Marx e Engels, ou em uma outra forma de revolução que

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
ainda não sabemos ao certo como se dará. Na busca por uma sociedade mais justa e
igualitária, que nossas pequenas ações possam ser um sopro de esperança para manter
vivo o sonho de um ser sujeito emancipado, livre, e de fato, humanizado.

Referências
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CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação e Contradição: elementos metodológicos para


uma teoria crítica do fenômeno educativo. 6ª edição. São Paulo: Cortez, 1995.
FERRETTI, Celso João. Uma nova proposta de orientação profissional. 3.ed. São
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Acesso em: 10 de fev. 2018.

LÊNIN, V.I. O Estado e a Revolução. O que ensina o marxismo sobre o estado e o


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NETTO, José Paulo. Capitalismo e Reificação. São Paulo, Livraria Editora Ciências
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SECCO, Linconln; SANTIAGO, Carlos. Um olhar que persiste: ensaios críticos sobre
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WOOD, Ellen Meiksins. O que é (anti) capitalismo? Crítica marxista. Trad. Lígia
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Acesso em 01/10/2017.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Autoras:

Cristine Dos Santos Farias


Universidade Estadual de Londrina / UEL
e-mail: crispajopa@gmail.com
Maria José Ferreira Ruiz
Universidade Estadual de Londrina / UEL
e-mail: mjfruiz@gmail.com.br
Tânia da Costa Fernandes
Universidade Estadual de Londrina / UEL
e-mail: taniafernandes@uel.br

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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emancipação humana
FORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA PÓS
REVOLUÇÃO DE 1930

Hernani Flavio Pessatto Nunes


Jalme Santana De Figueiredo Junior

Introdução

Este trabalho é uma pesquisa bibliográfica, que pretende apontar as principais


mudanças, que ocasionaram a formação da educação superior no país a partir da chegada
de Getúlio Vargas a presidência pela revolução de 1930, provocando mudanças nas
políticas econômicas.
Realizaremos ainda apontamentos sobre as transformações econômicas, políticas
e educacionais dos períodos posteriores a Getúlio Vargas, 1930-1945 e 1950-1954,
Juscelino Kubistchek, 1956-1960 e do período militar, 1964-1985, momento conhecido
por industrialização limitada e industrialização pesada. Cada período de governos que
abordaremos, serão primeiramente discutidas as mudanças na política e na economia,
para que posteriormente sejam mencionadas as mudanças na educação.

As mudanças econômicas e educacionais pós 1930

A constituição da educação superior, se deu articulada com a formação histórica


através dos fatores populacionais, econômicos, políticos e urbanos, intensificados durante
o século XIX. As atividades econômicas em algumas localidades do país, entre elas na
cidade de São Paulo, desempenharam forte influência no modelo de implementação da
educação superior no Brasil a partir de 1930.
No bojo dessas mudanças, houve um grande movimento do sul do país liderado
pelo PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, que resultou na posse do Presidente Getúlio

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emancipação humana
Dornelles Vargas a Presidência dos Estados Unidos do Brasil. Com isso através de
algumas mudanças econômicas, a política do café deixou de ser a principal atividade da
economia nacional, e destaca-se portanto, os setores das indústrias e das infraestruturas
urbanas.
Não obstante, Romanelli (2014) expõe que essas mudanças econômicas “em
última instância, são manifestações de ruptura político-econômica que marcam o ingresso
do Brasil na era da civilização urbano-industrial” (2014, p. 57). Frente ao exposto pela
autora, apontamos esse momento como a realização de uma reformulação econômica,
concentrando as atividades comerciais do país em São Paulo e Belo Horizonte, pois:
Pode-se afirmar, portanto, que os séculos XIX e XX assistem a uma
nova “revolução urbana”, tão profunda e vasta nas transformações
sociais que provoca, quanto o foi a primeira revolução urbana nos
primórdios da história. Ademais, criaram-se sociedades completamente
urbanizadas, ou melhor, “metropolizadas”, para fazer uso de um
neologismo sugestivo. Não se trata, apenas, da proporção dos habitantes
que vivem em cidades ou em metrópoles. (LOPES, 2008, p.06)

Notamos assim que entre 1850 e 1930 o mundo ocidental passou por grandes
mudanças na base comercial e industrial, processo pelo qual as populações se mudaram
para as grandes cidades formando espaços metropolitanos, na conjuntura as populações
deixaram os hábitos nativos, para utilizar os utensílios vindos da modernidade industrial.
A partir dessas transformações, a economia e a sociedade ingressam em um
processo no qual a população do campo passou a produzir com o intuito de vender para
o mercado urbano, além do consumo próprio. Assim, em anos posteriores para
exportação, como foi o caso da soja, após a chegada da industrialização da agricultura.
“Foram os avanços da segunda revolução industrial e tecnológica, durante o último
quartel do século 19 – que possibilitou a difusão da produção, a partir da energia elétrica,
do motor a combustão, do automóvel, do avião entre outras mercadorias.”
(POCHMANN, 2011, p.34).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
No início do século XX, intensifica-se a formação sócio espacial e econômica do
Brasil, nas localidades mais próximas as regiões litorâneas, como Rio de Janeiro e São
Paulo. Entretanto não existia no momento uma política econômica, voltada para a
expansão urbano-industrial do país, anterior ao contexto que constitui-se a Revolução de
1930.
Esta expansão da indústria ocorre no primeiro governo Vargas e foi
consequência da política de manutenção do preço internacional do café.
A depreciação cambial, a primeira forma encontrada para proteger o
lucro do setor cafeeiro, indiretamente, favoreceu a indústria ao tornar
mais caro os bens importados (ALBUQUERQUE, 2015, p.06 e 07).

Na conjuntura, formou-se o processo de criação e implementação das


universidades brasileiras, sucedendo um conjunto de discussões em torno do setor.
Desde as primeiras décadas do século XX, os rumos da educação do
país estiveram na pauta de discussão de vários setores organizados da
sociedade. Como resultado, houve a criação, por educadores, da
Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, incentivadora de
vários debates em torno da questão educacional; a formação do
Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, em 1930; a
promulgação da Constituição de 1934, estabelecendo a necessidade de
um Plano Nacional de Educação.(ANDREOTTI, 2006, p.105)

Com o início do governo Vargas, institui-se o Ministério de Educação e Saúde


pública, através da atuação do Ministro Francisco Campos, iniciando algumas reformas
no campo da Educação, como a implementação da USP, Universidade de São Paulo e da
UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro. No processo de mudanças ocorreu a
implantação do primeiro CNE, Conselho Nacional da Educação, que teve a
obrigatoriedade de planejar e implementar os primeiros PNE´s, Planos Nacionais da
Educação, estabelecendo algumas metas educacionais que a união, os estados e os
municípios passaram a ter que cumprir.
Após um processo da denominada industrialização restringida, 1930-
1955, houve um novo período de crescimento econômico, ocasionado
por políticas econômicas de abertura comercial, em que Juscelino

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emancipação humana
Kubistchek, chega a presidência da república, e inicia a atuação do
Plano de metas. “Durante o governo de JK, o Brasil experimentou uma
de suas maiores fases de crescimento econômico. O Plano de Metas que
visava à industrialização pela substituição de importações, e a
construção de Brasília, foi o auge do “desenvolvimentismo”
(ALBUQUERQUE, 2015, p.06 e 07).

Assim houve a consolidação da indústria de máquinas agrícolas provocando, o


início da industrialização no campo, elevando a produção de commodities65, “sementes
agrícolas”, e iniciando a constituição do CAI´s, Complexo Agroindustrial.
O seu governo tinha como objetivo transformar e aprofundar a
industrialização brasileira, através da implementação da indústria
pesada. Para tanto, foi articulado o chamado Plano de Metas, o qual
continha trinta metas agrupadas em cinco áreas e uma meta que
considerava especial. Algumas metas foram modificadas durante a
execução do plano e outras, nem chegaram perto do que se propôs, mas,
em termos gerais, o programa conseguiu atingir seus objetivos,
provocando um forte crescimento do PIB e um razoável aumento da
renda per capita, tornando o Brasil da época o país em desenvolvimento
mais industrializado do mundo (ALBUQUERQUE, 2015, p. 14, 15).

Entre as áreas de industrialização tivemos o fortalecimento do setor rodoviário a


partir da atuação do programa de JK, havendo a construção das primeiras grandes
rodovias brasileiras, a partir da projeção da nova capital, Brasília. A Rodovia Belém-
Brasília, BR-153 antiga BR-14, a Rodovia Régis Bittencourt, antiga BR-2, que liga
o Sudeste do Brasil á região sul, a rodovia Fernão Dias que liga São Paulo a Belo

65
Após ter sido introduzida operacionalmente na lógica bancária pelo acesso ao crédito rural subsidiado, a
agropecuária dentro das cadeias de produção passa a operar com base em contratos de venda antecipada de
safra (contratos de soja verde, contratos de aquisição de insumos prazo safra, etc.). Dessa maneira, os
demandantes de matérias-primas (agroindústrias processadoras e traders) e os ofertantes de insumos
(agroindústrias de fertilizantes e agroquímicos) poderiam continuar operando suas plantas produtivas.
Essa sistemática contratual interna às cadeias de produção agropecuária, em especial no segmento de
commodities, evoluiu para a financeirização da produção com a emergência dos títulos financeiros a partir
do lançamento da Cédula de Produto Rural em 1995, ainda como CPR-física, tornada CPRfinanceira em
2000. Trata-se da construção de um novo padrão de financiamento cujo lastro foi a formação das teias de
agronegócios pela proliferação de contratos nos diversos elos das cadeias de produção.(GONÇALVES,
2006, p.03)

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emancipação humana
Horizonte, e a BR-364, ligando Cuiabá a Porto Velho e Rio Branco, foram construídas
a partir de então. Na perspectiva também ocorreu à implementação das primeiras
montadoras automobilísticas, entre elas a Volkswagen, a Simca e a Vemag.
Na conjuntura ocorreu a expansão acelerada no número de Universidades federais,
conforme podemos observar no quadro abaixo:
Quadro 06: Linha do Tempo da criação das Universidades Federais
Governo (período) N° de instituições implementadas
1919-1922 Epitácio Pessoa 1
1930-1945. 1951-1954 Getúlio Vargas 1
1946-1951 Gaspar Dutra 4
1954-1955 Café Filho 2
1956-1961 Juscelino Kubistchek 11
Fonte:Sesu/MEC. Org: NUNES, H, F, P, 2017.

Podemos perceber que, a atuação do plano de metas também impactou em alguns


setores educacionais, que podemos verificar no quadro acima a quantidade expressiva de
universidades federais criadas durante o governo JK. Entre 1919-1961 foram
institucionalizadas 19 IES federais, nas quais em apenas 5 anos do período Kubistchek
foram criadas 11 instituições, 57.89% do total.
A fim de pôr em prática este ambicioso plano de desenvolvimento
através da industrialização, eram necessários vultosos recursos, não só
técnicos como também financeiros e, levando-se em conta que o
orçamento da União era extremamente mal formulado, e, por fim,
demonstrando que o Estado seria uma arma decisiva em favor do
crescimento, JK criou vários Fundos Especiais de Investimentos
voltados a objetivos específicos além de ter renovado fundos
preexistentes. (ALBUQUERQUE, 2015, p.13)

O número de IES federais implementadas durante o plano de metas, foi resultado


da política econômica atuante durante o período, abrindo espaço para a implementação
dos cursos de pós-graduação, e para os programas governamentais voltados para a

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emancipação humana
pesquisa científica. Esse processo se intensifica, a partir da chegada dos militares no poder
nacional.
A partir do momento em que tivemos um intenso momento de crise política,
ocorreu a ruptura populista e democrática havendo a repressão a vários movimentos
sociais, dessa forma conforme (SOUZA, OTRANTO, 2012), [...] “a ruptura política com
o populismo e o aprofundamento das tendências econômicas preexistentes e forneceu a
moldura para algumas transformações expressivas na sociedade e nos rumos do
capitalismo brasileiro”. Também assistimos a expansão de algumas políticas econômicas,
iniciadas nos governos anteriores, Getúlio Vargas, 1930-1945 e 1951-1954 e Juscelino
Kubistchek, 1956-1961.
A projeção do governo era a de que em 1977 o PIB (Produto Interno
Bruto) ultrapassasse a casa dos US$100 bilhões e que o Brasil se
transformasse na oitava maior economia mundial. O II PND tinha metas
audaciosas e contava com uma participação, central do Estado no
planejamento e execução do Plano e das empresas estatais, além das
empresas privadas nacionais e estrangeiras, formando o chamado tripé
(LESSA, 1977, p.55, apud, RODRIGUES, 2015, p.17).

Nesses moldes a partir da atuação do PND, Plano Nacional de desenvolvimento,


assistimos à chegada de novas multinacionais a, Chevrolet, a Fiat, a Gradiente, a
Panasonic, entre outras. Ocorrendo a expansão da industrialização, processo que
ocasionou a concentração populacional nos grandes centros nacionais, como São Paulo,
Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, e havendo a reestruturação populacional do país.

Quadro. 09 Evolução População Rural, Urbana e Total do Brasil (1960/2010)


1960 1970 1980 1991
Pop. Urbana 31.303.034 52.084.984 80.436.409 110.990.990
Pop. Rural 38.767.423 41.054.053 38.566.297 35.834.485
Pop. Total 70.070.457 93.139.037 119.002.706 146.825.475

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emancipação humana
Fonte: IBGE. Org.: Leme (2015).

A partir da implementação de duas políticas que aceleraram o processo de


modernização e industrialização da agricultura, o Sistema Nacional de Crédito Rural,
institucionalizado através da Lei No 4.829/1965, e o Sistema Nacional de Cadastro
Rural, instituído através da Lei 5.868/1972, assistimos a um intenso êxodo rural.

No contexto, a população urbana brasileira que era em 1960, 31.303.034 de


habitantes, em que havendo crescimentos nos períodos posteriores, elevou-se esse
número para, 52. 084.984, em 1970, 80.436.409 em 1980 e 110.990.990 em 1990,
registrando um crescimento percentual de 66.38%, 54.43% e 37.98% respectivamente.
Assim, o uso de inovações tecnológicas, a produção em alta escala, a
dependência de elementos externos à propriedade, a integração com a
indústria, a circulação da produção em outros países, a mobilidade
geográfica do capital produtivo e financeiro, entre outros, são elementos
da agricultura dita moderna (MATOS, PESSÔA, 2011, p.03).

Houve nesse processo a consolidação do CAI´s, Complexo Agroindustrial


formando uma indústria anterior as safras agrícolas, de maquinários e defensivos
agrícolas e outra indústria posterior, de agro alimentos constituindo através de matéria
prima produzida no campo, os frigoríficos e os laticínios.
Na conjuntura tivemos a modernização da educação superior, havendo a
implementação de novas instituições de ensino superior, a formação dos primeiros cursos
de graduação constituídos, e os programas de pesquisa científica, através das políticas
governamentais implementadas. O CNPQ, Conselho Nacional de Pesquisas, instituída
sob a Lei nº 1.310/1951, e a CAPES, Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior, instituído pelo Decreto nº 29.741/1951.

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emancipação humana
A partir de políticas de investimentos para a educação, tivemos a expansão do
número de matrículas na modalidade educacional, do número de cursos e de concluintes
dos mesmos.

Considerações finais
Podemos considerar que a partir da revolução de 1930, houveram profundas
mudanças nas políticas econômicas brasileiras, entre elas a inserção da industrialização
no país, e a implementação de um regimento para a contratação de trabalhadores. Em
meio a esse processo, intensifica-se a formação da educação superior brasileira, que se
implementa a USP, Universidade de São Paulo e a UFDF, Universidade Federal do
Distrito Federal a atual UFRJ.
No governo Juscelino Kubistchek, 1956-1960, houve a atuação de um plano de
metas com o objetivo de impulsionar a economia brasileira, havendo a construção da nova
capital federal Brasília, e a construção das primeiras grandes rodovias brasileiras. Entre
elas a Rodovia Belém-Brasília, BR-153 antiga BR-14, a Rodovia Régis Bittencourt,
antiga BR-2, que liga o Sudeste do Brasil á região sul, a rodovia Fernão Dias que liga
São Paulo a Belo Horizonte, e a BR-364, ligando Cuiabá a Porto Velho e Rio Branco.
No contexto houve a construção de 11 novas universidades federais.
No período militar houve a consolidação da modernização da agricultura e do
CAI´s, Complexo agroindustrial através da atuação do SNCR, Sistema Nacional de
credito rural e do Sistema nacional de cadastro rural, havendo a criação da CAPES e da
CNPQ para a consolidação da pesquisa na educação superior.

Bibliografia
ALBUQUERQUE, B, A. Desenvolvimentismo nos governos Vargas e JK. Vitória:
2015. 28 p.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
ANDREOTTI, L, A. A administração escolar na era Vargas e no nacional
desenvolvimentismo (1930 - 1964). Revista HISTEDBR On-line, Campinas, 2006. 22
p.

LOPES, B, R, J. Desenvolvimento e mudança social formação da sociedade urbano-


industrial no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. 233 p.

MATOS, P, F; PESSÔA, V, L, S. A modernização da agricultura no Brasil e os novos


usos do território. Geo UERJ - Ano 13, nº. 22, v. 2, 2º semestre de 2011 p. 290-322 -
ISSN 1981-9021

POCHMANN, M. O trabalho no Brasil pós-neoliberal. Brasília. Liber Livros. 2011. p.


206

RODRIGUES, L, H, C. Plano de Metas, PAEG e II PND: Análise e Desdobramentos.


Vitória: 2015. 32.p.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: (1930/1973). 40.


ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

SOUZA; F, N, A; OTRANTO, R, C. As políticas educacionais para o ensino superior


da ditadura militar (1968-1985) e do governo lula da silva (2003-2010) e seus reflexos
na reformulação do estatuto e regimento geral da ufrrj (1970-2011). João Pessoa.
2012. 18 p.

Autores:

Hernani Flavio Pessatto Nunes


Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia nível Mestrado - UNIOESTE.
Linha de pesquisa Educação e Ensino de Geografia. Bolsista Capes.
Pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa de Estudos em História e Epistemologia da
Geografia-HEGEO.
Graduado em Licenciatura em Geografia pela UNIOESTE.
e-mail: hernani_flavio@hotmail.com
Jalme Santana De Figueiredo Junior
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia nível Mestrado - UNIOESTE.
Linha de pesquisa Educação e Ensino de Geografia. Bolsista Capes.
Pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa em ensino de Geografia-GEPEG.

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emancipação humana
Graduado em Licenciatura em Geografia pela UNIOESTE.
e-mail: jalmefigueiredo18@hotmail.com

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emancipação humana
A PRODUÇÃO DA VIDA MATERIAL NA SOCIEDADE
CAPITALISTA E O TRABALHO DOCENTE

João Junior Bonfim Joia Pereira


Regiane Abrahão

Introdução
Ao longo da trajetória de estudos voltados Pedagogia Histórico-Crítica e o
desenvolvimento de nossa prática docente, temos constatado que muitos desconhecem a
organização e o processo de desenvolvimento da sociedade, bem como qual a importância
do trabalho para o ser humano e sua vida em sociedade. O conhecimento sobre a
transformação da natureza para a produção da vida material e sua influência sobre a
organização social, é de fundamental importância para que os indivíduos compreendam
sua condição de sujeito explorado pelo sistema capitalista.
Entendendo que o professor é uma figura importante no processo de emancipação
intelectual, devido sua formação acadêmica, seu acesso aos conhecimentos
cientificamente elaborados e seu contato com um grande número de alunos por turma,
tem nos provocado a seguinte reflexão; O que os autores que seguem a linha Marxista
cunharam sobre a transformação da natureza para produção da vida material e em que
ponto fica pautado o trabalho do professor? Para responder esse questionamento
apresentamos duas hipóteses: a) os cidadãos não percebem sua ação sobre a natureza e os
operários continuam em condição de subordinados por não possuir consciência de sua
alienação; b) os professores não contribuem para a formação de cidadãos críticos e
emancipados intelectualmente porque eles próprios não os são. Nesse sentido, este estudo
propõe-se a apresentar como o homem age sobre a natureza para produção de seus bens
materiais, os efeitos desse processo de transformação da natureza e como se dá o trabalho
docente na atualidade.

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emancipação humana
Para atender o aqui proposto, esse trabalho foi organizado em dois momentos,
sendo que no primeiro momento apresentaremos o que autores que seguem a linha
Marxista cunharam sobre a ação do homem de transformar a natureza para produção da
vida material, como a sociedade se organiza a partir do trabalho e como o homem
modifica seu pensamento e suas necessidades na medida em que transforma a natureza.
No segundo momento buscaremos esclarecer como ocorrem as divisões de classe no
sistema de produção capitalista, como o trabalhador vende sua força de trabalho, como
ele se vê dependente do trabalho para sobreviver e como se dá algumas concepções sobre
o trabalho do professor na manutenção do sistema capitalista.

A produção da vida material e a organização da sociedade


A produção material é decorrente da ação transformadora do homem sobre a
natureza. Segundo Spirkine; Yakhot (1975) o homem para produzir seus bens materiais
de consumo age sobre a natureza de maneira que supra suas necessidades. Neste processo
de produção da vida material os homens estabelecem relações com outros indivíduos,
dando origem assim as relações sociais. “A produção dos valores materiais está na origem
do aparecimento da sociedade, é a base de sua existência e a condição decisiva do seu
desenvolvimento” (SPIRKINE; YAKHOT, 1975 p.29).
De todas as ocupações humanas, considera-se a produção material a atividade
mais significativa, visto que é por meio do trabalho, da transformação da natureza que
homens irão produzir os meios para sua sobrevivência. Duarte (2008) pontua que o que
diferencia o homem dos outros animais é justamente esta ação de transformar a natureza
para produção da vida material. O homem ao satisfazer suas necessidades ele não
transforma apenas a natureza, mas transforma a si mesmo. Nesta perspectiva Spirkine;
Yakhot (1975) apontam que à medida que o homem modifica seus meios de produção
material, modifica sua consciência, ou seja, transforma seu ser social. Conforme o homem

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emancipação humana
muda seus meios de trabalho, aprofundam-se mais seus conhecimentos sobre a natureza
e enriquece seus pensamentos, modificando assim as forças produtivas e as técnicas de
apropriação e transformação da natureza, em um processo histórico e dialético.
Duarte (2008) ressalta que na medida em que o homem transforma a natureza e se
transforma, surgem novas necessidades e o mesmo irá agir para supri-las, esse processo
acontece gradativamente. O mesmo ainda assevera que os produtos da ação humana
adquirem um significado, de maneira que o mesmo possui algumas finalidades, que serão
transmitidas de um indivíduo para outro por meio da atividade produtiva e também no
processo educativo, onde os conhecimentos historicamente produzidos são transmitidos
sistematicamente pelo docente.
De acordo com Spirkine; Yakhot (1975) a produção dos bens materiais é a força
que move todas as esferas sociais, ou seja, tudo o que acontece na sociedade está de
alguma forma ligado ao trabalho. Assim Lenin (1979) ressalta que a produção de
mercadorias estabelece as relações sociais entre os homens, tudo o que ocorre na
sociedade está ligado à produção dos bens materiais.
Sobre a mercadoria produzida pelo homem a partir da transformação da natureza,
Lenin(1979) pontua que esta mercadoria recebe um valor de troca. O valor atribuído a
mercadoria produzida pelo homem é determinada pelo tempo gasto para produzi-la, pela
quantidade de trabalho e pelos materiais utilizados para produção da mesma. A troca
destes produtos resulta na relação entre os produtores pela produção mercantil, ou seja,
um produtor se relaciona com outro para realizar a troca de produtos. Neste contexto
Duarte (2010) cunha que para Marx o dinheiro nada mais é do que uma mercadoria e o
trabalhador, é apenas o indivíduo que vende sua força de trabalho por não possuir meio
de produção. O trabalhador se vê obrigado pela sociedade capitalista a vender sua única
fonte de humanização para poder comprar as mercadorias que precisa para sobreviver.

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emancipação humana
De acordo com os apontamentos de Marx, destacados por Spirkine; Yakhot (1975)
a produção material divide-se em dois aspectos: as forças produtivas e as relações de
produção. As forças produtivas são constituídas pelos trabalhadores que vendem sua força
de trabalho para produção da vida material. Para produzir os bens materiais os homens
precisam de ferramentas, pois não há como transformar a natureza sem instrumentos. A
produção dos bens materiais constitui-se primeiramente na confecção dos instrumentos
de trabalho. “Eles permitem ao homem exercer sua influência sobre o mundo exterior e
transformá-lo no seu interesse e no da sociedade” (SPIRKINE; YAKHOT, 1975, p.40).
Além dos instrumentos também são necessárias maquinas, indústrias, oficinas, no
entanto, Spirkine; Yakhot (1975) ressaltam que os homens desempenham o papel
principal na produção dos bens materiais.
Sem os homens, os meios de produção não são nada. [...] O homem e o
seu trabalho são a maior riqueza sobre a terra. Para que os meios de
trabalho entrem no processo de produção, é necessário empregar a mão-
de-obra, o trabalho humano vivo. Quem forja o ferro não é o martelo,
mas o ferreiro (SPIRKINE; YAKHOT, 1975, p.42).

Para produzir os bens materiais os homens estabelecem determinadas relações


entre si, estas relações Spirkine; Yakhot (1975) chamam de relações de produção e é por
causa das relações que o homem tem com outros e com os meios de produção que uns
comportam-se de uma maneira e outros de outra. As relações sociais é que influenciam
na formação do comportamento humano. Neste caminho Luria (2006) ressalta que o
homem é um ser social que aprende a partir da interação com o meio a que está inserido,
logo nas relações de trabalho o homem aprende com os outros indivíduos e com o contato
com os instrumentos.
Para Spirkine; Yakhot (1975) nas relações de produção se desenvolvem as
relações sociais, onde uns ocupam lugar de dominantes e outros são subordinados a
receber ordens em uma sociedade dividida em classes. As classes sociais são divididas de

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emancipação humana
acordo com os meios de produção, onde quem tem mais detém maior poder sobre aqueles
que têm menos e se aproveitam disso para acumular bens. Com a evolução das forças
produtivas modificam-se as relações de produção, ou seja, as forças produtivas é que
movimentam as relações de produção, são elas que determinam o modelo de organização
social.

A luta de classes na produção da vida material e o trabalho docente


A divisão da sociedade em classes sociais gera desigualdades, onde quem detém
os meios de produção explora o trabalho de quem não possui meios. De acordo com
Spirkine; Yakhot (1975) no desenvolvimento da produção material desenvolvem-se as
relações de domínio e subordinação, onde o trabalhador se vê obrigado a vender sua força
de trabalho para o capitalista.
Segundo VASCONCELOS (2001), a formação humana é algo que, em tese, cabe
à sociedade como um todo fazer, porém aos poucos esta função tem sido transferida
unicamente para a escola num movimento progressivo em que a aprendizagem de
condutas passa das famílias e das comunidades à escola, como os hábitos educacionais
elementares: escovar os dente, amarrar sapato, respeitar os mais velhos, etc. O professor
está sozinho neste processo, sem o apoio do Estado (que representa os interesses da classe
dominante) e sem o apoio da Sociedade Civil e da Comunidade, porque já não identificam
o professor como um aliado, profissional capacitado, de prestígio e papel importante na
formação das novas gerações. Quando há mudanças na forma de organização de produção
material e organização social, a educação modifica-se para atender aos interesses do
sistema capitalista, ainda que este não seja sua função social.
Duarte (2010) ressalta que o sistema capitalista se mantém da exploração humana
da mão de obra do operário, para manter o capital é necessário produzir cada vez mais
valor. “Não há capitalismo sem a reprodução da relação entre capital e trabalho” (Duarte,

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2010, p. 77). Não há sistema capitalista onde cada indivíduo seja independente, o sistema
capitalista somente se mantém em regime de exploração e alienação da classe menos
favorecida. Duarte afirma que:
Não existe um capitalismo onde todos sejam patrões, onde não exista a
apropriação da mais-valia. Nesse seu processo reprodutivo, o
capitalismo é voraz e indiferente às questões morais. Não estou
afirmando que as pessoas, na sociedade capitalista, não se preocupem
com as questões morais, mas, sim, que a lógica de reprodução do capital
é indiferente a essas questões. O capital se reproduz com ou sem a
sanção da moral. É claro que as lutas sociais acabam muitas vezes
criando restrições à exploração desmedida do capital, e essas lutas
podem, em última instância, estabelecer alguns limites morais para a
reprodução do capital. Mas o fato é que o capital, cedo ou tarde,
encontra formas de superar esses limites. (DUARTE, 2010, p.77)

Os trabalhadores se veem presos e dependentes deste sistema, muitas vezes


aceitando salários que mal assegura a sobrevivência. “O trabalhador é obrigado, portanto,
pela sociedade capitalista, a vender sua própria atividade, a vender a única fonte de
humanização, que é a atividade humana, em troca de dinheiro” (DUARTE, 2010, p.79).
Não há como o ser humano se humanizar se ele não sobreviver, logo ele precisa
do dinheiro para comprar o essencial para sua sobrevivência e se vê cada dia mais preso
a este sistema de exploração de sua força de trabalho (DUARTE, 2010). O professor neste
processo não se diferencia dos outros trabalhadores, visto que o mesmo também se vê
obrigado a vender sua força de trabalho, em condições precárias para o desenvolvimento
do mesmo, em um processo alienante.
FRIGOTTO (1996) aponta que esta composição da sociedade implica no plano
sócio-econômico de ajustamento de nossas sociedades à globalização excludente, no
plano cultural ideológico e ético-político gera uma exclusão sem culpa, a naturalização
da exclusão, a ideia de que a única alternativa é a refuncionalização do capitalismo, no
âmbito teórico, a crise da razão e emergência do pós-modernismo e, no plano pedagógico,
a reiteração do dualismo e fragmentação, e a mudança do "direito à educação" em

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emancipação humana
"mercadoria ou serviço que se compra", logo, aquele que tem maior poder de aquisitivo,
compra mais e melhor educação, vista aqui como apenas um produto.
Podemos observar no professor um grande aliado na mudança das concepções da
sociedade capitalista, com potencial de torná-la mais igualitária e justa, pois este, é o
profissional que passa várias horas do seu tempo de trabalho ensinando os filhos das
novas gerações, sejam filhos de operários, sejam filhos de burgueses todos passam pelo
trabalho do professor, este então, pode ser um poderoso agente de modificação dos
padrões sociais estabelecidos pelo capital se formar cidadão emancipados
intelectualmente e críticos, capazes de estabelecer novos valores à sociedade. Porém, “A
lógica social capitalista é, portanto, um impeditivo para o desenvolvimento da cidadania”
(DUARTE, 2010, p.81). Influenciando inclusive na formação dos professores, para que
estes também não formem cidadão críticos a ponto de mudar o sistema. Para Duarte
(2010) o sistema capitalista sempre encontra uma forma de superar as crises que surgem
devido à luta de classes, assim garantindo a manutenção do seu sistema de produção
material.
Ao discorrer sobre o processo educativo FRIGOTTO (1996) reforça a ideia de
educação como mercadoria, em que os capitalistas estabeleceram então dois tipos de
sistemas educacionais: um sistema privado para os integrantes das classes mais
favorecidas e que podem passar mais tempo na escola, se preparando melhor para
continuarem como classe dominante, e outro sistema de ensino público precarizado, para
formar rapidamente os indivíduos pertencentes às classes menos favorecidas que servirão
de mão-de-obra, não podendo ser totalmente analfabetos, pois necessitam de
conhecimento mínimo para operar máquinas, mas também não podendo se dedicar
durante muito tempo aos estudos, necessitando passar rapidamente pelo sistema
educacional e logo começar a produzir.

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emancipação humana
Duarte (2010) pontua que para Marx a sociedade capitalista impossibilita o
desenvolvimento da cidadania do homem, visto que a venda da força de produção é uma
prática alienante. Nesse contexto de luta de classes e superação por parte dos capitalistas
este modelo de organização de produção da vida material tem se mantido de maneira que
muitos acreditam que a mesma nunca será substituída, e o professor que tem potencial
para ser determinante nesta mudança de concepções também se mantém alheio ao seu
papel determinante, pois muitas vezes não se vê neste processo de dominação e
exploração do sistema capitalista.

Considerações finais
Com o trabalho desenvolvido constatamos que para produzir seus objetos de
consumo o homem age sobre a natureza por meio do trabalho na medida em que o homem
transforma a natureza para suprir suas necessidades, ele também transforma seu ser, ou
seja, suas necessidades e seus pensamentos se modificam. Conforme surgem as novas
necessidades os homens agem sobre a natureza e modificam seus meios de produção para
suprir as necessidades que surgem no decorrer do tempo, este processo de transformação
e surgimento de novas necessidades fazem parte da história do homem.
Por meio do trabalho os homens interagem uns com os outros, dando assim origem
às relações sociais. É no trabalho que os homens se apropriam das técnicas de produção
desenvolvidas pela humanidade no decorrer da história. Conforme se modifica os meios
de produção social, também se altera as relações sociais entre os indivíduos. Neste
contexto surgem as relações de dominados e dominantes, as divisões da sociedade em
classes. O professor exerce papel de potencial importância, pois detém conhecimento
técnico e científico, mas acaba por atender, de maneira inconsciente, aos propósitos do
capital e ajudar na manutenção do modelo já estabelecido.

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emancipação humana
Na sociedade dividida em classes o operário vende sua força de trabalho por
salários que mal dá para comprar os produtos necessários para sobrevivência. O professor
vende sua mão-de-obra que é ensinar os conhecimentos acumulados pela humanidade às
novas gerações, mas sem receber valor suficiente para manter uma vida confortável,
necessitando então de um volume muito grande de aulas para garantir um salário razoável,
o que faz com que a qualidade da sua aula fique comprometida. Ou seja, se os professores
tivessem real noção do seu potencial de persuasão em massa, poderia esclarecer as classes
baixas sobre seu poder de atuação na sociedade.
Referências
DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou Sociedade das Ilusões? Quatro
ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. Campinas, SP: Autores Associados,
2008 (Coleção polêmicas do nosso tempo, 86).

DUARTE, Newton. Limites e contradições da cidadania na sociedade capitalista. Pro-


Posições, Campinas, v. 21, n. 1 (61), p. 75-87, jan./abr. 2010.

FRIGOTTO, G. A formação e a profissionalização do educador: novos desafios, In:


GENTILI, P.; SILVA T. (orgs.)Escola S.A. Quem ganha e quem perde no mercado
educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996.

LENIN, V. I. As três fontes e as três partes constitutivas do marxismo. São Paulo:


Global Editora, 1979 (Coleção Bases n.09).

REGO, Tereza Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 2.


ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

SPIRKINE, A. YAKHOT, O. Princípios do Materialismo Histórico. S. São Paulo:


Estampa, 1975.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Para onde vai o professor? Resgate do professor


como sujeito de transformação. São Paulo: Libertad, 2001.

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emancipação humana
Autores:

João Junior Bonfim Joia Pereira


Mestre em Ensino e professor pedagogo da rede pública do Paraná.
Regiane Abrahão
Mestranda do Programa de Pós-graduação Mestrado em Ensino: Formação Docente
Interdisciplinar (PPIFOR) da UNESPAR – Campus de Paranavaí.
Grupo De Pesquisa Estudos das teorias e práticas pedagógicas na perspectiva crítica da
educação escolar

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emancipação humana
EDUCAÇÃO INFANTIL: O TRABALHO DOCENTE NA
PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA
Silvana Lazzarotto Schmitt

Introdução
Este ensaio diz respeito a um relato de experiência, direcionado para a formação
continuada de professores. Foi realizado no segundo semestre de 2017, pela autora, tendo
como público alvo professores da redes pública municipal de ensino de Cascavel e Santa
Tereza do Oeste.
É caracterizado como uma ação de extensão, mas que pressupõe pesquisa e
efetiva-se por meio da atividade de ensino. O curso de extensão justifica-se a partir de um
contato com a Secretarias Municipais de Educação de Cascavel e Santa Tereza do Oeste
com o objetivo de verificar demanda de formação continuada aos profissionais da
educação da rede, nesse contato, constatamos a necessidade de oferecer curso sobre o
processo de alfabetização.
A proposta deste curso buscou articular os interesses de formação continuada dos
profissionais da educação da rede municipal da educação, em consonância com os
pressupostos teóricos do Currículo deste município, bem como, no que tange ao o IFPR-
Campus Cascavel, a efetivação das finalidades dos IFs, expressas no Art. 6º da Lei nº
11.892/2008, de “qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de
ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização
pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino” e de “desenvolver programas de
extensão e de divulgação científica e tecnológica”.
Toda a formação esteve direcionada pela indissociabilidade entre teoria e prática.
Assim, o objetivo principal foi contribuir com a compreensão das especificidades do
processo de ensino e de aprendizagem desenvolvidos pela teoria da educação denominada

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emancipação humana
PHC, com a clareza de que o trabalho docente pressupõe conhecimentos específicos para
que a educação escolar possa contribuir efetivamente com o processo de desenvolvimento
infantil, portanto para humanização.

Fundamentos teóricos e práticos da Pedagogia Histórico-Crítica


Esta proposta de formação continuada de professores esteve direcionada pelos
pressupostos teóricos e práticos da Pedagogia Histórico-Crítica. Esta teoria da educação
está pautada no materialismo histórico dialético, é portanto uma pedagogia de cunho
socialista. Dessa forma, para tratar do trabalho pedagógico na infância, faz-se mister
recorrer ao conceito de infância desenvolvido pela PHC.
A PHC está alinhada a concepção de que a essência humana é produzida pelo
homem, nesse processo ele se forma enquanto homem, tendo com atividade mediadora a
educação. Todavia, a educação é trabalho, trabalho não material, uma vez que produtor e
produto não se separam, ou seja, a aula é produzida e consumida ao mesmo tempo.
Assim, recorre-se as considerações realizadas por Dermeval Saviani no texto:
“Sobre a natureza e especificidade da Educação”: “Dizer, pois, que a educação é um
fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, urna
exigência de e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de
trabalho.” (2012, p. 12).
O trabalho pedagógico na Educação Infantil pressupõe essa clareza, uma vez que
as crianças precisam ser educadas para ascender a condição humana. Ou seja, diferente
dos demais animais, o ser humano não adapta-se a natureza, mas transforma-a para
produzir as condições de vida humana. “Para sobreviver o homem necessita extrair da
natureza ativa e intencionalmente os meios de sua subsistência. Ao fazer isso ele inicia o
processo de transformação da natureza, criando um mundo humano (o mundo da cultura).
Assim, o desenvolvimento da criança não é dado naturalmente. Portanto, recorremos aos

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emancipação humana
estudos da Psicologia Histórico Cultural, suporte teórico e prático para PHC, no que tange
ao processo de desenvolvimento do psiquismo humano. Foi considerado a periodização
desenvolvimento.
Antes de recorrer aos pressuposto da Psicologia Histórico Cultural, retomamos os
aspectos centrais do método didático da PHC, o qual deve ser compreendido como
processo, sendo que Dermeval Saviani, de forma didático, organiza em cinco momentos,
os quais fazem parte de um mesmo processo, não podem ser considerados como passos
fragmentados.
Em lugar de passos que se ordenam numa sequência cronológica, é mais
apropriado falar aí em momentos articulados num mesmo movimento,
único e orgânico. O peso e a duração de cada momento obviamente irão
variar de acordo com as situações específicas em que se desenvolve a
prática pedagógica. Assim, nos inícios da escolarização a
problematização é diretamente dependente da instrumentalização, uma
vez que a própria capacidade de problematizar depende da posse de
certos instrumentos.” (SAVIANI, 2008 p. 74-75)

Temos como momentos do processo didático na PHC a prática social, que é o


ponto de partida e o ponto de chegada (concreto pensado). No início do processo professor
e alunos são tomados como agentes sociais com níveis diferenciados de compreensão da
prática social, quando o professor possui uma síntese precária e o aluno uma visão
sincrética.
A problematização diz respeito ao processo de reflexão do professor sobre quais
conhecimento são importantes para serem transmitidos aos alunos para que os mesmos
possam viver na sociedade de forma livre. Ou seja, “Trata-se da apropriação pelas
camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam
diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem.” (SAVIANI,
2008, p. 71)

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emancipação humana
Segue-se para o momento denominado por instrumentalização, para elucidar o
conceito de instrumentalização, nos utilizaremos de uma provocação realizada pelo
fundador da PHC quando da escrita do livro Escola e Democracia, a qual diz respeito a
possível fala de um pai da classe trabalhadora, reconhecendo a importância da educação
escolar para seus filhos, declararia: “[...] se o meu filho não quer aprender, vocês têm que
fazer com que ele queira.” (SAVIANI, 2008, p. 49). Dermeval Saviani esclarece que:
E o papel do professor é o de garantir que o conhecimento seja
adquirido, às vezes mesmo contra a vontade imediata da criança, que
espontaneamente não tem condições de enveredar para a realização dos
esforços necessários à aquisição dos conteúdos mais ricos e sem os
quais ela não terá vez, não terá chance de participar da sociedade.
(Idem, grifos nossos).

Essas considerações de grande relevância para os professores que trabalham na


educação infantil, uma vez que “No início da escolarização a problematização é
diretamente dependente da instrumentalização, uma vez que a própria capacidade de
problematizar depende da posse de certos instrumentos.” (SAVIANI, 2008, p. 75)
Temos o momento da catarse, que Dermeval Saviani reitera que a mesma está
ancorada na acepção gramsciana de “elaboração superior da estrutura em superestrutura
na consciência dos homens” (GRAMSCI, 1978, p. 53). Ou seja, é a “efetiva incorporação
dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação
social.” (SAVIANI, 2008, p. 72)
A prática social (final), caracteriza-se como o concreto pensado (por meio da
abstração). E não deixa de ser novamente a prática social inicial, uma vez que é preciso
dosar a transmissão do conhecimento, que pressupõe pré-requisitos.
Reiterar que a finalidade da PHC está direcionada para a preocupação é com os
filhos da classe trabalhadora que não tem acesso ao conhecimento elaborado/clássico. Os
filhos da classe dominante já possuem este acesso, e inclusive utilizam este conhecimento

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emancipação humana
para perpetuar os interesse da sua classe. Cuidado com o ensino baseado na
fantasia/mística – é um equívoco.
O processo educativo é a passagem da desigualdade à igualdade. Por isso a
questão da Democracia, ou seja, da igualdade no ponto de partida precisa ser
compreendida por meio das condições objetivas dos agentes sociais envolvido no
processo, sendo coerente considerar o fato de que se há igualdade desde o ponto de
partida, a escolarização, a aula não se justifica. Assim, a defesa da Liberdade deve vir
acompanhada da efetividade do ensino e da aprendizagem dos conhecimentos científicos,
artísticos e filosóficos, uma vez que não podemos nos libertar sem conhecer!
Para a PHC, as contribuições dos professores estão pautadas no momento da
instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico,
literário etc.
Será mais eficaz quanto mais o professor for capaz de compreender os
vínculos da sua prática com a prática social global. Assim, a
instrumentalização desenvolver-se-á como decorrência da
problematização da prática social, atingindo o momento catártico que
concorrerá na especificidade da matemática, da literatura, etc. para
alterar qualitativamente a prática de seus alunos como agentes sociais.
(SAVIANI, 2008, p. 80)

Dadas as considerações centrais sobre o método didático da PHC, enfatizamos as


especificidades no que tange ao desenvolvimento do psiquismo humano, com vistas a
fundamentar a pratica docente na direção da humanização.
De forma sintética, os psicólogos russos, organizam em estágios o
desenvolvimento humano, sendo que no caso da educação infantil, o trabalho educativo
centra-se no estágio denominado de primeira infância e infância ou pré-escolar. Nesses

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emancipação humana
estágios as crianças desenvolvem-se por meio dos avanços em suas atividades-guia.66
Todavia, destacamos que:
[...] embora os estágios do desenvolvimento também se desdobrem ao
longo do tempo de uma certa forma, seus limites de idade, todavia,
dependem de seu conteúdo e este, por sua vez, é governado pelas
condições históricas concretas nas quais está ocorrendo o
desenvolvimento da criança. Assim, não é a idade da criança enquanto
tal, que determina o conteúdo de estádio do desenvolvimento; os
próprios limites de idade de um estágio, pelo contrário, dependem de
seu conteúdo, e se alteram pari passu com a mudança nas condições
histórico sociais (LEONTIEV, 2001, p. 65-66 apud MARTINS; ARCE,
2013, p.49)

Dessa forma, reiteramos que o processo de desenvolvimento infantil não é dado


de forma natural, como preconiza as bases teóricas e práticas do construtivismo, e sim
produzido. Sendo que a educação escolar possui uma função essencial no processo de
humanização, direcionando inclusive a qualidade deste.
Após as reflexões sobre a periodização do desenvolvimento infantil, o terceiro
momento do processo de formação dos professores foi dado ênfase as especificidades do
ensino de Artes e Literatura, em seguida o ensino de história e geografia na educação
infantil.
Para subsidiar este debate, nos utilizamos dos estudos de Vigotski, especialmente
em sua obra: “Imaginação e criação na infância”, um ensaio com oito capítulos, na qual
ele destaca que é possível verificar no comportamento humano, além da atividade
reprodutiva, a atividade criadora.
A imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se sem
dúvida, em todos os campos da vida cultural tornando também possível
a criação artística, a científica e a técnica. Nesse sentido,
necessariamente, tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem,

66
Esta nomenclatura é utilizada com base nas traduções e estudos realizados por Zoia Prestes em sua tese
de doutorado defendida em 2010. Tal nomenclatura é também utilizada por Ligia Márcia Martins e Ana
Carolina Marsiglia, duas referências utilizadas para realização da formação e redação deste texto.

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emancipação humana
todo o mundo da cultura, diferente da natureza, é produto da imaginação
humana que nela se baseia. (VIGOTSKI, 2009: p. 15)

Já na primeira infância identificamos nas crianças processos de criação que se


expressam melhor em suas brincadeiras. A brincadeira é uma reelaboração criativa de
impressões vivenciadas. Ou seja, a capacidade de combinar o velho de novas maneiras
que constitui a base da criação.
A atividade criadora da imaginação depende diretamente da riqueza e da
diversidade da experiência anterior da pessoa. Dessa forma, a conclusão pedagógica a
que se pode chegar com isso consiste na afirmação da necessidade de ampliar a
experiência da criança, caso se queira criar bases suficientemente sólidas para sua
atividade de criação.
A atividade da imaginação subordina-se a experiência, às necessidades e aos
interesses na forma dos quais essas necessidades se expressam. Ou seja: “Qualquer
inventor, mesmo um gênio, é sempre um fruto de seu tempo e de seu meio. Sua criação
surge de necessidades que foram criadas antes dele e, apoia-se em possibilidades que
existem além dele.” (VIGOTSKI, 2009, p. 67)
Nesta direção, Vigostski, ao discorrer sobre a criação literária na idade escolar,
destaca que de todas as formas de criação, a literária e verbal são as mais características
da idade escolar. O autor, ao tratar da escola tradicional, destaca que na velha escola, o
trabalho pedagógico com o ensino da literatura era realizado a partir de temas dados pelo
professor, estava pronto. O desenvolvimento da criação literária infantil torna-se de
imediato bem mais fácil e bem sucedido quando se estimula a criança a escrever sobre
um tema que para ela é internamente compreensível e familiar e o mais importante, que
incentiva a expressar em palavras seu mundo interior.
A lei principal da criação infantil consiste em ver seu valor não no resultado, não
no produto da criação, mas no processo. Além da peça, deve-se também deixar que as

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emancipação humana
crianças façam toda a parte de decoração material do espetáculo e, para que não haja uma
quebra na sua estrutura psicológica – o que ocorre com a imposição do texto estranho.
Nesta direção, reiteramos os estudos de Angelo Antonio Abrantes, que com base
na PHC e na Psicologia Histórico Cultural, destaca o cuidado com a relação conteúdo-
forma com a relação teoria e prática da realidade humana, no sentido da emancipação da
infância. Sendo necessário a clareza dos professores de que:
Literatura infantil como uma modalidade de produção artística,
portanto mesmo reconhecendo que em seu interior são consideradas as
possibilidades compreensivas da criança, a sua essência encontra-se na
produção de relações mediadas com a realidade, articulando-se com o
rompimento da automatização na medida em que se apresenta como
forma complexa de enunciar. (ABRANTES, 2011, p. 171)

Assim, os professores da educação infantil precisam dar ênfase ao trabalho com


conceitos científicos, com vistas a contribuir com o desenvolvimento do pensamento
teórico.
Destacamos na reflexão sobre o desenvolvimento do pensamento no
indivíduo, considerando nossa preocupação com a educação infantil, a
dialética entre os conceitos espontâneos e científicos, na medida em que
defendemos a posição de que o pensamento teórico se constitua como
parâmetro na organização das atividades das crianças. Partimos do
reconhecimento de que o conceito científico, considerado sempre no
interior de um sistema teórico, é apreendido pelos indivíduos a partir
dos nexos e vinculações com os conceitos espontâneos. (ABRANTES,
2011, p. 232)

No que tange ao ensino de geografia e história, a ênfase também de estar


direcionada para este fim. Os conhecimentos destas disciplinas estão imbricados no
processo de desenvolvimento das condições de vida humana. Foram, continuam sendo
imprescindíveis para satisfação das necessidades básicas dos seres humanos.
No caso da geografia, conhecimentos sobre condições climáticas, moradia,
espaço, tempo, são essenciais para o processo de humanização, por isso, devem ser

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emancipação humana
socializados desde a primeira infância. Assim, recorremos a defesa de que entendimentos
científicos sobre a produção dos arranjos espaciais, desde a tenra idade, contribui com a
produção de uma ordem social e espacial mais justa. Os conhecimentos do campo da
história, também foram produzidos pelo coletivo da humanidade, ao longo da história,
portanto, contribuem para que o aluno possa inserir ao meio coletivo de forma qualitativa.
Desde os primeiros anos da escolarização, o trabalho educativo precisa voltar-se
para a compreensão da realidade, pelo alunos, enquanto resultado do trabalho humano
historicamente organizado. Portanto as condições sociais em que o aluno encontra-se
inserido não é dada naturalmente. Porque
A liberdade é, portanto, um processo social no qual se unem
objetividade e subjetividade. Os seres humanos não se tornam livres
pela negação da objetividade da natureza, mas por seu conhecimento e
seu domínio. Para dominar a realidade o ser humano precisa dominar
sua atividade, que deve ser uma atividade consciente. (DUARTE, 2016,
p. 122)

Assim, a proposta inicial estava pautada no ensino de Artes e Literatura,


porque consideramos pertinente que os professores que trabalham na educação infantil,
tenham a clareza da relevância das artes nesse processo de emancipação humana,
preconizado pela PHC. Recorremos novamente aos estudos de Newton Duarte:
As artes educam a subjetividade tornando-nos capazes de nos
posicionarmos perante os fenômenos humanos de uma forma que
ultrapasse o pragmatismo cotidiano. As artes trazem para a vida de cada
pessoa a riqueza resultante da vida de muitas gerações de seres
humanos, em formas condensadas, possibilitando que o indivíduo
vivencie, de maneira artística, aquilo que não seria possível viver com
tal riqueza na sua cotidianidade individual. (2016, p. 132)

Algumas considerações
As contribuições da formação continuada de professores, na perspectiva da PHC,
são essencialmente no sentido de garantir formação adequada aos filhos da classe

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trabalhadora. Todavia, para que esta formação efetive-se de forma qualitativa, é essencial
que o professor tenha conhecimento sobre o processo didático.
Assim, ao finalizar o processo de formação dos profissionais da educação infantil,
fica a reflexão que nos remete Gramsci:
[...] é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma
maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção
de mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja,
por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente
envolvidos desde sua entrada no mundo consciente [...] ou é preferível
elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira crítica e
consciente e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro,
escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na
produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do
exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?
(GRAMSCI, 1995, p. 12 apud SAVIANI, 2008, p. ).

A proposta também elucidou a necessidade de retomar a formação dos professores


da educação infantil no que tange as especificidades das áreas do conhecimento. O relato
dos professores, durante o curso e em especial na avaliação final, demonstram esta
necessidade. Reiteram que os estudos devem estar voltados para o trabalho educativo na
perspectiva da PHC na educação infantil, no ensino de matemática; ciências; geografia;
história; educação física, enfim.
Salvo algum equívoco, temos a clareza de que este é o desafio da PHC, sua
implementação nos espaços escolares, na sala de aula, garantindo as especificidades de
cada disciplina, e o conhecimento para os alunos.
Arriscamos ainda afirmar que a PHC enquanto pedagogia, possui leis gerais que
foram anunciadas no início deste texto, os momentos do método didático, bem como os
pressupostos teóricos que a mesma está inserida. Resta agora a manutenção dos esforços
coletivos dos educadores, para garantir que estas leis gerais possam garantir a apreensão
do real pelas crianças, com vistas ao acesso ao conhecimentos científicos, filosóficos e
artísticos, conforme defesa de Newton Duarte no seu recente trabalho, com título muito

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emancipação humana
sugestivo “Os conteúdos escolares e a ressureição dos mortos: contribuição à teoria
histórico-crítica do currículo.”

Bibliografia
ABRANTES, Angelo Antonio. A educação escolar e a promoção do desenvolvimento do
pensamento: a mediação da literatura infantil. 2011. Tese (Doutorado em Educação) –
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP.

ARCE, Alessandra e MARTINS, Lígia Márcia (orgs.). Quem tem medo de ensinar na
educação infantil? Em defesa do ato de ensinar. 3 ed. Campinas: Alínea, 2013.

DUARTE, Newton. Os conteúdos escolares e a ressureição dos mortos: contribuição à


teoria histórico-crítica do currículo. Campinas, SP: Autores Associados, 2016.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil brasileira: histórias e


histórias. São Paulo: Ática, 1999.

PRESTES, Zoia Ribeiro. Quando não é quase a mesma coisa: análise das traduções de
Lev Semionovitch Vigotski no Brasil Repercussões no campo educacional. Tese de
Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília 2010.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11 ed.


Campinas, Autores Associados, 2012.

SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 40 ed. Campinas, Autores Associados,


2008.

VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na infância. Trad. Zoia Prestes. São Paulo: Ática,
2009. Coleção Ensaios comentados.

Autora:

Silvana Lazzarotto Schmitt


Professora do IFPR
Doutoranda em Educação/PPGE-UNICAMP

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emancipação humana
A TEORIA DO CAPITAL SOCIAL NOS CADERNOS
PEDAGÓGICOS DO PROGRAMA PRO JOVEM CAMPO –
SABERES DA TERRA
Darlene Novacov Bogatschov
Gesilaine Mucio Ferreira

Introdução
A Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) destaca, em suas
publicações e documentos a partir de 1990, a preocupação em avaliar em que medida as
crises econômicas influenciam os aspectos sociais. A partir destas publicações ganhou
espaço nas pesquisas e estudos desta agência a temática do capital social com a finalidade
de favorecer o desenvolvimento econômico e social dos setores frágeis da população.
As publicações da CEPAL (2002; 2003) afirmam que o fortalecimento dos laços
e relações de confiança, reciprocidade e cooperação entre os indivíduos aliados ao
empoderamento aumentam a capacidade dos mesmos empreenderem projetos coletivos
que possibilitem o desenvolvimento econômico, cultural e social de suas comunidades.
Dentre os setores frágeis destacados pela agência encontram-se a população do
campo. Neste sentido a educação para a população do campo passou a ser alvo de estudos
como meio primordial para atingir um nível alto de capital social que favoreçam a
organização da comunidade e ações coordenadas de cooperação para o desenvolvimento
econômico e social sustentável.
Bogatschov et al (2011) revelou que o Brasil mostrou-se alinhado às
recomendações internacionais difusoras da Teoria do Capital Social ao elaborar políticas
educacionais relacionando o desenvolvimento sustentável da população do campo com
a formação de jovens e adultos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA),
associando qualificação profissional e social.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Diante de tais constatações, fez-se necessário analisar como tais fundamentos
neoliberais se materializam nos programas educacionais federais. Para tanto, o trabalho
enfoca a análise dos Cadernos Pedagógicos do Programa ProJovem Campo – Saberes da
Terra com o intuito de identificar a presença dos elementos do capital social.
Assim, primeiramente, foi preciso compreender o processo histórico da educação
do/no campo no Brasil; posteriormente, identificar o significado da educação do/no
campo reivindicado pelos movimentos sociais e, finalmente, analisar os Cadernos
Pedagógicos do Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra.

A Educação do/no campo no Brasil: reivindicações e ressignificações


A educação destinada à população rural tem uma trajetória histórica marcada pelo
preconceito, pela superficialidade nos conteúdos, pela falta de recursos físicos e descaso
com a formação de professores. Além disso, as políticas públicas são marcadas pelas
relações conflitantes entre os trabalhadores e pequenos produtores rurais de um lado e
os grandes latifúndios e oligarquias de outro.
Segundo Freitas (2011), entre as décadas de 1950-1960, a questão agrária ganhou
espaço no debate político, tornando-se o centro das preocupações do governo, dos
partidos, da igreja Católica e de movimentos sociais. Desta preocupação, resultou a
elaboração de propostas educacionais para a população do campo fundamentadas na base
teórico-metodológica de Paulo Freire e movimentos ou entidades ligadas ao campo.
Essas propostas defendiam uma educação popular entendida como um conjunto de
práticas que se desenvolvem no processo social e histórico.
O projeto de uma educação voltada aos interesses da população do campo foi
interrompida com o Golpe de 1964. Freitas (2011) destaca que somente na década de
1980 a produção pedagógica do período anterior ao Golpe foi resgatada e sistematizada
pelos movimentos sociais atuais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Terra (MST). Outro marco para que a educação do campo se tornasse pauta de interesses
e debate foi a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien,
em 1990. Nesta a educação passou a ser considerada fundamental para favorecer o
progresso social, econômico e cultural (UNESCO, 1990).
Impulsionado pelo discurso promovido pela Conferência o direito de acesso e
permanência do homem do campo na escola passou a ser reconhecido. O Brasil como
signatário da Declaração de Jomtien adotou as suas propostas e a Educação do Campo
passou a ser debatida nos estados brasileiros em encontros e conferências tais como, o
1º Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA) de
1997 e a Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada em Goiás,
em 1998. Neste mesmo ano foi criada a Articulação Nacional Por Uma Educação do
Campo. Em 2004 foi realizada a segunda Conferência Nacional Por Uma Educação
Básica do Campo. Dos encontros e conferências deste período foi instituído o Conselho
Nacional de Educação (CNE), foram elaboradas as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, em 2002, e foi instituído o Grupo Permanente
de Trabalho de Educação do Campo (GPT), em 2003 (SANTOS, 2012).
Segundo Azevedo (2007), a Articulação Nacional sugeriu a substituição do termo
Educação Rural pelo termo Educação do Campo, para exprimir a diversidade dos povos
do campo que engloba os povos das florestas, da pecuária, das minas, da agricultura,
pescadores, caiçaras, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas. Além de indicar um
processo educativo pautado nas necessidades e identidades do povo do campo, sua
diversidade e os sujeitos que a constroem.
As conferências e o estabelecimento de políticas públicas para educação do/no
campo poderia significar o atendimento os interesses e direitos da população do campo
pelo Estado. Porém, é preciso considerar o fato de que há uma manobra para que a
formação da população do campo atenda aos moldes do capitalismo mundial. Para

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emancipação humana
comprovar tal questão é preciso resgatar o significado de educação do/no campo
defendido pelos movimentos sociais.
Caldart (2009, p. 39) ressalta que a Educação do Campo nasce “[...] como crítica
à realidade da educação brasileira, particularmente à situação educacional do povo
brasileiro que trabalha e vive no/do campo”. Porém, não se detém à crítica enquanto
denúncia, mas aponta construções e ações alternativas de políticas e de práticas, de
conceitos e de concepções. Caldart (2008) afirma que ela é negatividade ao denunciar
uma situação exploratória; positividade ao elaborar novas propostas concretas de
educação e, também superação ao projetar outra educação, outra sociedade e outra
relação campo/cidade. Ela é uma conquista diária desta população colocada na periferia
das decisões que envolvem a produção de riqueza na sociedade capitalista e sua
manutenção. Desta forma, é preciso considerar o sujeito histórico da educação do campo,
o sujeito real e que vive o movimento contraditório da expansão do capitalismo no
campo.
Por enfatizar a formação do sujeito-político coletivo que luta para participar da
dinâmica social, capazes de influenciar na agenda política da sociedade, a educação do
campo não se restringe à educação escolar (CALDART, 2009). É importante frisar que
são esses sujeitos coletivos que devem ser protagonistas na construção das políticas
públicas e da pedagogia para a educação do/no campo. Qualquer distanciamento desta
questão mostra uma deturpação do significado defendido pelos movimentos sociais do
campo.
A educação do campo, para a autora, luta também pela desalienação do
trabalhador, pela humanização plena, a favor da democratização, do acesso ao
conhecimento e a cultura, bem como a sua produção, revelando assim seu caráter
emancipatório. Neste sentido o conhecimento é um instrumento para formação de
sujeitos capazes de criar alternativas para o desenvolvimento do campo com vista aos

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emancipação humana
movimentos populares. Esse conhecimento não deve ser isolado das dimensões que o
produziram; essa é uma armadilha do capitalismo para garantir a sua hegemonia a partir
da produção de sujeitos alienados de sua realidade pelo fato de não se perceberem como
sujeitos históricos.
Nesta perspectiva o vínculo entre trabalho e educação, segundo Caldart (2009),
é ponto central quando se trata de educação para emancipação política. Isso porque a
práxis como princípio educativo compreende o trabalho como aspecto de transformação
e formação da realidade e do sujeito histórico que o efetua. No campo o trabalho é
princípio educativo para formação ou produção do ser humano e não se separa da
educação como nos centros urbanos quando se pensa na preparação para o trabalho.
Tais aspectos são de suma importância para se considerar uma política pública
para educação do/no campo que esteja em consonância com os anseios e reivindicações
dos movimentos populares do campo. Azevedo (2007) destaca que muitos governos, ao
lançar programas e políticas para a educação do/no campo, não reconheceram a
população do campo como sujeitos da política e da pedagogia; lançando programas
educacionais domesticadores e ligados aos interesses econômicos do capital.
As ações do Estado, principalmente, no período de 2003-2010 revelam que houve
um estranhamento entre as políticas educacionais para o campo e as reivindicações de
sua população, justamente por não se considerar as necessidades da população do campo.
É esse estranhamento que se revela nos Cadernos Pedagógicos do Programa ProJovem
Campo – Saberes da Terra.

A teoria do capital social nos Cadernos Pedagógicos do Programa ProJovem


Campo
O Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra, iniciou-se em 2005 como
projeto piloto vinculado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Diversidade (SeCAD/MEC) ainda com o nome Programa Saberes da Terra e abrangeu
onze municípios do estado. O objetivo do programa está relacionado:
[...] ao desenvolvimento de uma política que fortaleça e amplie o
acesso de jovens agricultores (as) familiares, situados na faixa etária
de 18 a 29 anos, no sistema formal de ensino e sua permanência tendo
em vista a conclusão do Ensino Fundamental com qualificação social
e profissional (BRASIL, 2009, p. 7).

A vinculação do Programa ProJovem Campo com a Teoria do Capital Social foi


demonstrada por Bogatschov et al (2011) ao focalizar a Educação de Jovens e Adultos no
sentido profissionalizante e não no sentido da emancipação plena; no empoderamento da
população do campo para o desenvolvimento econômico; no fortalecimento da
agricultura familiar como meio de desenvolvimento econômico e para fixar a população
no campo; na sustentabilidade; no fortalecimento do relacionamento de confiança,
reciprocidade e cooperação para formação de grupos ou redes na comunidade do campo;
dentre outros aspectos que são a base para o desenvolvimento do capital social. No que
se refere ao empoderamento Staples (1990 apud CEPAL, 2002b) entende como o
processo de conquista, desenvolvimento e exercício da autoridade por um determinado
grupo e não como algo concedido por uma instância superior.
Com base nos aspectos destacados por Bogatschov et al (2011) priorizou-se a
análise dos Cadernos Pedagógicos de Educadores e Educadoras do Programa ProJovem
Campo – Saberes da Terra, no sentido de identificar a materialização da Teoria do Capital
Social por meio da prática educativa. O estudo deu primazia aos Cadernos Pedagógicos
por entender que as políticas educacionais estabelecidas se efetivam através da
capacitação dos profissionais da educação que trabalharam diretamente com a população
alvo das políticas e para realização dos objetivos pretendido
Tal questão se verifica com os objetivos dos Cadernos Pedagógicos que enfatizam
a qualificação social e profissional relacionado à elevação da escolaridade,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
[...] oferecer subsídios para que cada segmento do ProJovem Campo –
Saberes da Terra, no Tempo Escola e no Tempo Comunidade, avance,
respectivamente, na sua formação docente e na qualificação social e
profissional com elevação da escolaridade (conclusão do Ensino
Fundamental). (BRASIL, 2010a, p.13)

É importante lembrar que a educação do/no campo defendida pelos movimentos


do campo entende que a escolarização é apenas um elemento do processo educativo das
populações do campo e não o seu fim.
Os Cadernos Pedagógicos são compostos de cinco volumes que envolvem os
seguintes temas: 1. Agricultura familiar, identidade, cultura, gênero e etnia; 2. Sistemas
de Produção e Processos de Trabalho no Campo; 3. Cidadania: Organização Social e
Políticas Públicas; 3. Economia Solidária e 4. Desenvolvimento Sustentável e Solidário
com Enfoque Territorial.
O Caderno 1 deixa claro tal propósito ao apresentar que espera “[...]que esta
coletânea de leituras ajude no equacionamento dos problemas que a Agricultura Familiar
vive no Brasil e contribua para que a capitalização da família rural garanta um futuro
brilhante a todas e todos vocês (BRASIL, 2010a, p. 15). A proposta é trabalhar a
identidade, a cultura, o gênero da agricultura familiar, contudo o sujeito dos cadernos
pedagógicos é nomeado como agricultor familiar. Tal posicionamento, contudo se
estranha à necessidade de a educação do/no campo ser elaborada a partir da diversidade
expressa pela população do campo, como já foi citado anteriormente.
O caderno destaca, como objetivo das atividades possibilitarem a construção
consciente e consistente da humanidade, da família, da comunidade, do entorno territorial
e regional, “[...] refletir sobre a realidade existente, as potencialidades e possibilidades de
reinvenção do campo, o fortalecimento das ações e dos vínculos de pertencimento de
trabalhadoras e trabalhadores do campo [...]” (BRASIL, 2010a, p. 17). Contudo, revela a

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
preocupação com a continuidade do sistema produtivo da agricultura familiar como meio
de fixar o homem no campo, superando os problemas,
[...] para que essas pessoas possam contentes e satisfeitas, viver mais
dignamente e suas crianças e jovens possam encontrar na Agricultura
Familiar horizontes econômicos, políticos e de realização pessoal,
dando continuidade a esse sistema produtivo e cultural, mas que essa
continuidade possa ocorrer em condições crescentes de humanização
(BRASIL, 2010a, p. 22).
O Caderno 3 conduz a discussão para a formação da cidadania participativa, ativa
e que busca compreender o papel do homem e da mulher do campo, contudo, afirma que
os saberes desenvolvidos neste eixo temático,
[...] pretende contribuir para a construção da Agricultura Familiar
Sustentável, no sentido da participação e cooperação entre os sujeitos
envolvidos na formação, que (re)assumem suas identidades coletivas,
de povos do campo que desejam fortalecer a luta e consolidar a
sustentabilidade solidária (BRASIL, 2010b, p.20 – grifo nosso).

Apesar de tratar de questões aparentemente ligadas aos interesses e reivindicações


dos movimentos sociais do campo tais como agricultura familiar e a identidade coletiva,
verifica-se que há uma distorção quanto ao conceito de cidadania participativa. Esta
assume o viés economicista, de um papel ativo do sujeito na promoção do seu
desenvolvimento econômico. As atividades e propostas pedagógicas do caderno
consideram apenas as ações autônomas coletivas dos sujeitos do campo no sentido de
encontrar alternativas para a produção econômica de suas vidas.
O Caderno 4 destaca que é sua pretensão “[...] fortalecer as redes solidárias
existentes e fomentar outras formas de organização fundadas nos princípios da Economia
Solidária” (BRASIL, 2010c, p. 12). A proposta é de fortalecimento das redes familiares

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
(capital social grupal67), para redes locais (capital social comunitário68) até o capital social
regional69. Desta forma, é possível que as redes se fortaleçam a tal ponto que o
desenvolvimento econômico seria uma consequência destas relações.
Desta forma, revela que a economia solidária decorre de uma crise no modelo
econômico vigente que não consegue absorver os trabalhadores no processo produtivo. A
economia solidária surge no momento em que os trabalhadores criam ou recriam formas
alternativas de organização social e econômica, tais como trabalho autônomo,
cooperativas entre outras.
Esta proposta pedagógica está em consonância com a necessidade de
empoderamento das redes locais que, segundo a CEPAL (2002), se efetiva pela criação
de ambientes públicos nos quais os membros da comunidade possam dialogar e expor
suas necessidades bem como organizar-se para supri-las. Assim, o Caderno 4 pretende
trabalhar temáticas como
[...] cooperativismo, associativismo, microcrédito, finanças solidárias;
mercados solidários; comércio justo; análise de conceitos de
solidariedade; relações sociais e econômicas presentes na sociedade
em geral; capital social como possibilidade de desenvolvimento
humano e solidário (BRASIL, 2010c, p. 19).

Tais temas revelam o objetivo da participação da população do campo no sentido


de fortalecimento de suas formas de organização para criar alternativas para superação da
produção “rural” de subsistência para uma agricultura sustentável tal como orientado pelo
processo de empoderamento.

67
Redes formadas por relacionamento de pessoas que têm alto grau de confiança decorrente de múltiplas
experiências de reciprocidade (CEPAL, 2003).
68
O capital social é plenamente coletivo, pois a participação envolve o direito dos integrantes. Trata-se
de um sistema sociocultural próprio da comunidade, suas estruturas normatizadoras, gestionárias e
sancionadoras (CEPAL, 2003).
69
São os vínculos horizontais e simétricos a pessoas ou instituições distantes, geralmente resultam em
alianças ou coalisões (CEPAL, 2003).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Os objetivos demonstram, portanto, a relação com o capital social quanto ao
incentivo da organização e fortalecimento da agricultura familiar, para que as redes
familiares estreitem seus relacionamentos interpessoais e se expandam em redes mais
amplas de relacionamento social e econômico. Tal processo tem como finalidade a
inserção das redes familiares em créditos pessoais e profissionais.
O Caderno 5 cuja temática é o Desenvolvimento Sustentável e Solidário com
Enfoque Territorial pretende ser uma síntese dos conhecimentos trabalhados nos cadernos
anteriores como uma “[...] reflexão sobre que outro mundo é possível de se construir; as
possibilidades da sustentabilidade da vida no campo e da agricultura familiar” (BRASIL,
2010d, p.18). Neste sentido a educação é entendida como estratégia fundamental pois,
Realizar uma educação com o desenvolvimento sustentável é
considerar que o local e o território podem ser reinventados por meio
das suas potencialidades. (GOVERNO FEDERAL, 2005, apud
BRASIL, 2010d, p. 23).

Esta afirmação indica que a educação é chave para formar o homem e mulher do
campo para cidadania ativa no sentido de desenvolver ações sustentáveis e, assim,
favorecer o desenvolvimento de suas comunidades. É a compreensão de que está no
próprio local ou território a chave para o seu desenvolvimento, a partir da ação coletiva
na gestão das políticas para as comunidades em que vivem. Como se verifica a
responsabilização da comunidade excluída pelas ações públicas para que ela promova os
seus direitos e fortaleça ações coletivas é um argumento do Estado no sentido de
minimizar sua responsabilidade com as políticas que garantam o direito de acesso aos
bens sociais.

Considerações finais
O Capital Social é um mecanismo do Estado para justificar e reproduzir as
relações capitalistas de produção e imprimir uma formação a contento dos interesses do

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
agronegócio. A educação passa a ser esse instrumento poderoso, na visão dos neoliberais
adeptos do capital social, para que ocorra uma mudança de comportamento na população
do campo no sentido de superar a agricultura familiar de subsistência e alcançar níveis
maiores de desenvolvimento econômico através da organização de microempresas e
cooperativas. Para que tal objetivo seja alcançado se faz necessário fortalecer os laços de
confiança, solidariedade e cooperação no campo. O que não se analisa são as condições
de produção no campo, a concentração de terra e das riquezas, a produção para o mercado
internacional, a expropriação intelectual da população do campo tanto como produtores
de conhecimento como pelo conhecimento fragmentado que lhes é oferecido.
Os Cadernos Pedagógicos do Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra é
um exemplo de qualificação do trabalhador/trabalhadora do campo para inseri-los no
contexto da produção agrícola ligada ao mercado internacional. Não há preocupação com
uma formação voltada para a compreensão das relações sociais, econômicas e políticas
postas pelo capitalismo e instrumentalize a população do campo para dar continuidade a
sua luta pelos direitos que lhes são negados.
Neste sentido, para que a educação do campo não perca sua essência, é preciso
superar as práticas educativas alienantes a partir do resgate de seu conceito original
construído nos embates e lutas dos movimentos sociais ligados ao campo, bem como da
identificação dos mecanismos utilizados pelo Estado na conformação dos sujeitos do
campo às relações capitalistas.

Bibliografia
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http://educampo.ufsc.br/wordpress/seminario/files/2012/01/Bicalho-dos-Santos.pdf. Acesso
em: 23 out. 2012.

Autoras:

Darlene Novacov Bogatschov


Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Gesilaine Mucio Ferreira
Universidade Estadual de Maringá (UEM)

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A JUDICIALIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR E A
MINIMIZAÇÃO DO
ESTADO
Ana Carolina Becker Nisiide

Introdução
A judicialização das relações sociais é fenômeno crescente. O sistema judiciário
passou a ter papel central na regulação de relações sociais, políticas e econômicas,
versando sobre as mais diversas questões, já que, como citado por Sá e Bonfim (2015),
em respeito ao art. 5o, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 (CF), pelo princípio
de inafastabilidade o Poder Judiciário não pode se abster de se pronunciar frente as
demandas que lhe chegam. Dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2016),
demonstram que no ano de 2014 o total de processos tramitando no judiciário brasileiro
(casos baixados e pendentes) era de 100 milhões, no ano de 2015 esse valor passou para
102 milhões. O aumento continuado no número de litígios no Brasil repercutem não só
nos custos do sistema judiciário, que em 2015 tiveram despesas totais de R$ 79,2 bilhões
o que equivaleu a um aumento de 4,7% em relação a anos anteriores, mas na sua
representatividade social, no poder exercido por essa instituição e nas normativas e
regulação da vida de vários sujeitos enlaçados na trama jurídica.
O fato da “judicialização da vida”, que para Barroso (2009) representa a
transferência de decisão do âmbito do executivo e do legislativo para o poder judiciário,
expressam tanto uma tendência mundial quanto uma realidade brasileira. No Brasil,
artigos jornalísticos e pesquisas vêm sendo publicadas para discussão desse fenômeno no
âmbito das relações político partidárias, da execução e implementação de políticas
públicas, no que se refere a organização da vida familiar, entre tantos outros setores, o
que demonstra a amplitude do processo de judicialização e o alcance das deliberações

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
jurídicas. Ademais, supõe-se que o poder judiciário será cada vez mais requisitado para
dar resposta a uma contradição impossível de ser superada nessa forma de sociabilidade,
acarretada pela existência legal do direito afirmado pela Constituição Federal de 1988 e
pelos retrocessos no sistema de garantia de direitos, pautado em uma política de
receituário neoliberal.
Frente a amplitude desse fenômeno, essa pesquisa faz um recorte se propondo a
estudar dentro do âmbito das políticas públicas a política de educação, de forma mais
específica, a judicialização da política de ensino superior. O estudo desse segmento se
justifica não apenas pelo aumento quantitativo de processos de judicialização que afetam
todas as políticas sociais, mas principalmente pelas repercussões qualitativas que o
processo de judicialização traz para a organização da política em si, seu planejamento e
orçamento, e para os sujeitos que dela dependem.
Para a análise dessa problemática, essa pesquisa se pautará no estudo teórico-
bibliográfico de livros e artigos que vêm discutindo a temática, no intuito de compreender
a relação entre o fenômeno da judicialização e a minimização do Estado na oferta de
políticas educacionais para o Ensino Superior. Utilizando os descritores “judicialização e
ensino superior”, foi encontrado apenas um trabalho na plataforma da Capes, de Franca
(2017). Frente a isso, foi necessário ampliar a busca no google acadêmico, onde deparou-
se com trabalhos como o de Amaral (2012) e Ximenes (2016), os quais deram
fundamentação para discussão aqui apresentada.
Nesse sentido, o próximo tópico partirá da explanação sobre a atual conjuntura da
política de educação em tempos de Estado mínimo e de políticas sociais austeras para, a
partir daí, focar na judicialização do ensino superior e no debate referente a alguns estudos
que estão sendo feitos sobre essa temática.

A judicialização e o neoliberalismo.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A partir de 1990 as oportunidades de escolarização no Brasil são ampliadas,
questão relacionada à redemocratização do Brasil, a Constituição Federal de 1988, a
ampliação da obrigatoriedade do período de escolarização para todo o Ensino
Fundamental e a implementação de políticas de regularização de fluxo (aceleração de
aprendizagem, ciclos de educação, entre outros) que diminuíram os índices de repetência
e de evasão escolar. Por outro lado, mecanismos de exclusão também foram forjados,
como a passagem dos alunos pela escolarização sem se apropriarem de instrumentos
mínimos necessários para a crítica e a inserção social, fatores intimamente relacionados
a necessidade de cumprir metas estabelecidas por agências internacionais como o Banco
Mundial, refletidas nas metas do Plano de Desenvolvimento de Educação do Brasil (PDE)
e medidos por avaliações como a Prova Brasil e o Exame Nacional de Ensino Médio
(ENEM), que desconsideram os processos educativos e valorizam apenas os resultados
quantitativos obtidos (ARAÚJO, 2011).
Esse contexto reflete no acesso e permanência dos trabalhadores e da população
mais vulnerável ao Ensino Superior. Dados do Plano Plurianual de Educação de 2016 a
2019, afirma a necessidade de democratização do acesso ao Ensino Superior e de
interiorização das universidade federais. Apesar do significativo aumento na taxa líquida
de matrículas que de 2004 a 2013 saltou de 10% para 16,3%, esse número ainda é irrisório
comparado ao número de pessoas não chegam a acessar essa modalidade de ensino ou
que evadem muito antes disso (BRASIL, 2015).
Ademais, o aumento quantitativo de vagas não representa uma melhora qualitativa
na formação e na articulação entre ensino, pesquisa e extensão. A proposta do Plano
Plurianual de Educação frente a esse cenário é a expansão da rede pública e apoio a
matrícula na rede privada, com bolsas e financiamentos (BRASIL, 2015). O que se assiste
na atualidade é a precarização das condições objetivas de manutenção das redes públicas
de ensino e o incentivo massivo de programas e financiamentos para rede privada,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
demonstrando a privatização e mercantilização da educação em benefício de interesses
privados. Em nota divulgada por Guimarães (2017), presidente do Conselho Regional de
Medicina (CRM/PR), o mesmo denuncia o aumento de 2.224 vagas no ano de 2017 nos
cursos de medicina. Dentre os beneficiados pela medida do Ministério da Educação
encontra-se o Centro Universitário de Maringá (Unicesumar), que em seus seis anos de
criação do curso já é a terceira maior escola do Brasil em número de ingressantes de
medicina, ofertando agora 298 vagas, apesar das queixas de deficiência na formação
teórico-prática, da falta de estrutura, de hospital próprio para estágios e de ocupar a 136
posição no Ranking da Folha de escolas de medicina do Brasil. Esse cenário preocupa o
conselho profissional, que aponta o aumento do número de queixas de pacientes e de
processos, o que reflete também na qualidade da formação dos profissionais e na
crescente judicialização da área da saúde.
Esse mix entre o público e o privado e o processo 70 de mercantilização do ensino
superior só pode ser compreendido a partir da conjuntura política e econômica brasileira
e dos princípios neoliberais nos quais ela se pauta. Afinal, no Brasil não ocorreu à
implantação de um Estado de bem-estar71, mas de um pluralismo de bem-estar. Este
modelo plural de bem-estar deriva de uma partilha de responsabilidades entre o Estado,
o mercado, e a sociedade civil, especialmente em relação às organizações voluntárias e

70
Exemplo desse cenário e da falta de um limiar entre o setor público e o privado, foi a liberação aprovada
pelo atual presidente da república Michel Temer, de 11,4 milhões de reais para empréstimos de
financiamentos estudantis destinados a Fundação Presidente Antônio Carlos (Fupac), dirigida pelo
deputado federal Antonio Bonifácio. Esse montante representa quase o dobro do que a instituição recebia
anteriormente à entrada desse governo. (POLÍTICA EM DEBATE, 2017).
71
O Estado de Bem-Estar social ou Welfare-State (WS) “refere-se a um tipo específico de intervenção do
Estado na área social e é datado historicamente. […] O WS configura um momento e um regime específico
de proteção social, introduzido a partir de políticas sociais mais abrangentes para diferentes grupos sociais,
de efeito sinérgico e incorporando as classes médias em expansão. Este padrão ou regime de proteção social
emerge na Europa no pós-guerra, e configura uma etapa específica do desenvolvimento capitalista, quando
o papel do Estado se alastra para diferentes campos e ganham importância, nas decisões políticas, atores
como a burocracia governamental, sindicatos e a grande corporação” (VIANA; LEVCOVITZ, 2005, p. 20-
21).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
caritativas e à rede familiar. Essa partilha de responsabilidades colocou o Estado como
setor oficial da proteção social, que oferece o recurso de poder e de coação; o mercado
como setor comercial com o recurso do capital; e a sociedade como setor voluntário e
recurso de solidariedade, tanto formal através das organizações não governamentais
(ONGs) quanto informal através de redes de solidariedade e dos vínculos de pertença
como a família e a vizinhança (ABRAHAMSON apud PEREIRA, 2010, p.32).
Com esta partilha o Estado cada vez mais se afastou de suas responsabilidades
com as políticas sociais, dentre elas a de educação. O mercado quando pratica a filantropia
é em busca de marketing, preferindo investir na sua especialidade de incentivo ao
consumo e aumento de lucro e não em necessidades sociais, o que demonstra seu
investimento massivo nos setores de serviços como as universidades privadas. Cada vez
mais fica a cargo da sociedade e da família um papel voluntarista ou de fonte privada de
proteção social (PEREIRA, 2010).
Frente a minimização do Estado na efetivação das políticas sociais, muitos sujeitos
procuram na via judicial a possibilidade de efetivação dos seus direitos; não encontrando
respaldo na rede de proteção social, acabam recorrendo ao sistema jurídico como um
mecanismo para agilizar e acessar os direitos que lhe são positivados em lei.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo que esse direito passa a ter maior possibilidade em
ser garantido, ele traz a baila questionamentos referentes aos direitos individuais e
coletivos, dos cenários de embate de classes no sistema capitalista e das repercussões da
judicialização no orçamento público. Ademais, no tangente ao ensino superior, os casos
judicializados referentes ao ensino privado também merecem atenção, já que ao
transformar a educação em mercadoria, os direitos do consumidor também passam a fazer
parte dessa relação e muitas celeumas são solucionadas no campo jurídico.
Em sua tese, Amaral (2012), ao estudar o Tribunal de Justiça Federal da 1a Região,
apresenta a vulgarização do judiciário para resolução de conflitos do ensino superior que

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emancipação humana
poderiam facilmente ser resolvidos em instâncias administrativas das instituições.
Questão que demonstra não apenas a banalização dessa instância por uma impossibilidade
subjetiva dos sujeitos para a resolução de seus conflitos, como também reflete as
dificuldades objetivas de igualdade de acesso e de condições de permanência no ensino
superior.
Além disso, a mercantilização do ensino superior ficou evidente em sua pesquisa,
onde várias das ações levantadas tinham esse aspecto como central ou pano de fundo. Na
análise processual desses casos, percebeu-se que parte das decisões jurídicas julgaram
pela necessidade da cobrança de débitos motivada pela subsistência da instituição de
ensino, porém, a maioria "valora as prerrogativas sociais em relação aos anseios
individuais, com a transmissão da imagem de um Estado zeloso e preocupado com as
questões sociais” (AMARAL, 2012, p. 227). Conforme a autora, nesses casos as decisões
jurídicas, de modo geral, se ampararam na concepção de que a educação não deve ser
tratada como uma relação de mercado.
Amaral (2012), pondera que a busca crescente pelo meio jurídico pode ser tanto
uma opção da elite que se sente ameaçada na garantia de seus direitos e busca sustenta-
los ou aumentá-los ou uma forma de grupos organizados adquirirem respaldo para
amparar determinados posicionamentos. Por outro lado, Ximenes (2016, p. 129), ao
estudar a judicialização do acesso ao Ensino Superior no Distrito Federal, aponta que a
opção pela via jurídica revela a tentativa de dar voz a diferentes atores sociais, o que
demonstra uma perspectiva equivocada sobre a função do Direito, já que, "a demanda não
é pelo Direito em si, na perspectiva do 'direito a ter direitos', mas sim uma demanda de
cunho procedimental, que não pode ocorrer via Poder Judiciário, mas sim por intermédio
do arranjo democrático”. Ou seja, corrobora-se com Ximenes, pois se compreende que a
minimização do Estado perante suas responsabilidades, a mercantilização do ensino e a
precarização do ensino superior vem refletindo na judicialização, e o Direito acaba se

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
tornando campo de resolução de conflitos que representam um cenário mais amplo de
luta de classes, tornando-se menos célere em suas ações e assumindo responsabilidades
que refletem a ineficácia do executivo.
Ademais, Ximenes (2016) alerta para o fato de que a banalização da judicialização
representa riscos para o arranjo democrático brasileiro, já que nos processos pesquisados,
verificou-se que os casos judicializados representaram muito mais a individualização do
direito do que a possibilidade de discussão da política de educação em si, seu acesso e
possibilidades de melhoria. Ficando assim, restrito a um direito personalizado e
privatizado, não representando a possibilidade de efetiva inclusão social da população por
meio do acesso aos saberes socialmente construídos. A justiça, passa a ser assim
simultaneamente bombeiro e piromaníaco: num mesmo movimento, ela
afasta os indivíduos uns dos outros, desqualificando a autoridade
tradicional e se apresentando como autoridade paliativa a essa
ausência.... A justiça sai desse processo profundamente abalada: se, até
o momento, ela se limitava a distribuir estatutos e honrarias, bens
jurídicos e econômicos, eis que ela se vê a partir de agora também
obrigada a distribuir funções sociais, melhor, ela deve prover os sujeitos
de uma identidade social. (GARAPON apud XIMENES, 2016, p. 141).

Esse cenário também foi debatido na pesquisa de Franca (2017), ao discutir a


judicialização do Revalida, exame realizado para validação no Brasil de diplomas de
medicina cursados no exterior, questão em voga especialmente após a aplicação do
programa “Mais Médicos”. O autor constatou que no ano de 2013 cresceu em cinco vezes
o número de processos em comparação ano ano de 2011, a grande maioria direcionadas
as universidades envolvidas no procedimento documental do Revalida. Dos processos
levantados, 77% "o fizeram porque se sentiram prejudicados pela adesão da universidade
ao procedimento do Revalida, e apenas uma 24% dos demandantes discutiam outros
problemas como pagamento de taxas e/ou dificuldades de apresentação de documentos
envolvidos na revalidação” (FRANCA, 2017, p. 42). Como resultado de sua pesquisa,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Franca (2017, p.49), pontua que "diferente de outras políticas públicas, a maior parte das
decisões judiciais foram proferidas no sentido de corroborar a escolha do administrador”,
respeitando o princípio de autonomia universitária e mantendo o direcionamento do
executivo, ressalvado os casos de ilegalidade.
A partir das pesquisas levantadas, alguns resultados podem ser apontados, o
primeiro refere-se a pessoalização e individualização do direito. Esse direito
personalizado e privatizado foi debatido por Marx (2009, p. 23) , o qual afirma que no
modo de produção capitalista os direitos humanos refletem os direitos “do homem
egoísta, do homem separado dos outros homens e da comunidade”. O homem tomado
como ser natural, individualista, distancia-se cada vez mais do humano genérico, já que
a emancipação política não garante a emancipação humana. Porém, nessa forma de
sociabilidade, o máximo que os trabalhadores conseguem alcançar em termos
emancipatórios é no âmbito político, nesse sentido, o Estado e o sistema jurídico tornam-
se palco de disputas, de luta entre classes. Como medida de aprazamento desse embate,
responde atendendo em partes as demandas dos trabalhadores, o que contraditoriamente
auxilia na reprodução do sistema através da garantia de mínimos sociais através do direito
positivado, por outro lado, em larga medida beneficia a burguesia, sustentando a sua
permanência e reprodução. A norma jurídica não se aparta desse cenário, o que ficou claro
ao analisarmos que esse mecanismo é utilizado historicamente como palco de disputas
por hegemonia, dentre elas a da educação como direito. Afinal, frente as imensas
dificuldades que assiste-se hoje em relação ao Ensino Superior, o que se verifica é que
muitos sujeitos ao acessarem o judiciário individualizam o direito, como algo privado,
próprio do egoísmo do homem burguês. As lutas coletivas tornam-se escassas e mais
difíceis de serem sustentadas, o direito passa a ser tomado também como uma propriedade
privada e não reflexo da luta de classes por condições mais dignas de vida e o judiciário,

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emancipação humana
envolto pelo véu ideológico da neutralidade, torna-se mais um mecanismo de reprodução
do modo de produção capitalista.
Outro ponto que merece destaque a partir deste estudo é o ensino como
mercadoria. A retração constante do Estado fragiliza a política pública de educação e,
frente a ideologia neoliberal, muitos passam a buscar no mercado o acesso ao ensino
superior. Sustentado no discurso da ineficiência e fragilidade do ensino público, o Estado
incentiva e financia através de bolsas o acesso da população a rede privada de ensino, ao
mesmo tempo que sucateia as universidades públicas. Nesse contexto, muitos
trabalhadores acessam a universidade privada como possibilidade de inserção no ensino
superior e muitas vezes não conseguem arcar com os custos que isso acarreta, gerando
assim processos que buscam resolver esses débitos no âmbito jurídico.
Por fim, vale salientar a necessidade de incentivo de pesquisas nessa área. No
levantamento realizado foram encontradas pesquisas consideráveis relativas a
judicialização da saúde, o que se justifica pelo número exorbitante de processos nessa
área em especial relativos a saúde suplementar e para acesso a medicação e procedimentos
médicos. Todavia, como apontado, esse embate se estende para as demais políticas sociais
e deve ser compreendido a partir das macro relações em que se inserem. Apenas olhando
para as atuais configurações do modo de produção capitalista é possível compreender as
demandas crescentes pelo ativismo jurídico, como aqui ressaltado de modo mais
específico, a judicialização do Ensino Superior.

Considerações finais
As dificuldades enfrentadas pela educação no Brasil estão intrinsecamente
relacionadas as formas de produção e reprodução da sociedade capitalista e como isso se
expressa na sociedade brasileira, repercutindo em baixa remuneração dos professores,
dificuldades de oferta de formação continuada nos serviços educacionais e baixo

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
financiamento das políticas públicas. Por outro lado, a educação se insere de forma
contraditória nessa sociedade, podendo ser instrumento de crítica ou de conformação
social, nesse sentido, ela possui uma importância social inegável, tendo a possibilidade
de se transformar em um espaço de reapropiação pela classe trabalhadora do saber
socialmente construído, tarefa que pode garantir a transformação social, emergindo assim
como instrumento de luta e de debate político na sociedade ou, de conformação e
adaptação do sujeito a realidade posta.
Assiste-se no cenário atual uma retração do Estado frente suas responsabilidades
na garantia e efetivação de direitos sociais. Pautado no ideário neoliberal, mostra-se
mínimo no atendimento das demandas dos trabalhadores e máximo no benefício do
capital. Cenário esse que repercute na qualidade do ensino superior e no incentivo à
educação como mercadoria. Esse contexto reflete no processo de judicialização de
demandas educacionais, tanto de acesso quanto de permanência dos discentes.
Contraditoriamente, ao mesmo tempo que o judiciário busca atuar no sentido de dar voz
aos sujeitos na sociedade democrática, garantindo seus direitos, a banalização da
judicialização dentro da sociedade capitalista acaba por individualizar a problemática,
tornando mais difícil a discussão no campo democrático, dentro da mobilização coletiva
e mesmo no debate das instancias do executivo e legislativo quanto a efetivação da norma
através de uma política educacional para o ensino superior pública, laica e de qualidade.

Referências bibliográficas

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das decisões jurisdicionais do Tribunal Regional Federal da 1a Região no período de 1988
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Autora:

Ana Carolina Becker Nisiide


Doutoranda em Psicologia pela UEM
Docente da Unioeste

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emancipação humana
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL
INCLUSIVA NO BRASIL NO SÉCULO XXI: EMANCIPAÇÃO OU
REPRODUÇÃO?
Gesilaine Mucio Ferreira
Darlene Novacov Bogatschov

Introdução
O debate sobre a inclusão dos alunos com deficiência, transtorno globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação nas classes comuns do ensino
regular ganhou ênfase no Brasil a partir da década de 1990, com a aprovação da Lei de
Diretrizes e Bases n° 9.394/96 que destinou o capítulo V especificamente para a educação
especial, prevendo atendimento preferencial destes educandos na rede regular de ensino
(art. 58).
A bandeira da inclusão escolar foi ratificada com a aprovação de vários
documentos e legislações. A Resolução CNE/CBE n° 02, de 11 de setembro de 2001, que
instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,
estabeleceu no artigo 7° que o atendimento dos alunos supracitados deve ocorrer em
classes comuns do ensino regular. Em 2008, foi aprovada A Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, que objetiva “[...] o acesso, a
participação e a aprendizagem dos estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares [...]” (BRASIL,
2010a), proposta ratificada pelo Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispôs
sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE) e pela Resolução CNE/CBE nº
4, de 2 de outubro de 2009, que instituiu as Diretrizes Operacionais para o atendimento
educacional especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A garantia do sistema educacional inclusivo foi aprovada como uma das diretrizes
do Decreto n° 7.611, de 17 de novembro de 2011, que dispôs sobre a educação especial
e o atendimento educacional especializado, e do Decreto n° 7.612, de 17 de novembro de
2011, que instituiu o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano
Viver sem Limite. Em 2014, a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, aprovou o Plano
Nacional de Educação (2014-2024) que estabeleceu como meta 4 a universalização do
atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, aos
educandos de quatro a dezessete anos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, bem como a garantia de um sistema
educacional inclusivo. Em 2015, foi aprovada a Lei n° 13.146, de 06 de julho, que
instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência).
No entanto, uma análise minuciosa dos documentos e legislações supracitados
revela que o discurso humanitário que sustenta a defesa de sistemas educacionais
inclusivos pode camuflar interesses econômicos e políticos capitalistas. Nesse sentido,
esta pesquisa tem como objetivo evidenciar que as políticas públicas brasileiras para a
educação especial inclusiva no século XXI podem contribuir para a reprodução das
relações capitalistas contemporâneas no Brasil e, por conseguinte, gerar entraves ao
processo de emancipação do público alvo da educação especial.

As nuances conservadoras das políticas públicas brasileiras para a educação especial


inclusiva no século XXI
O século XXI tem produzido um consenso quanto à necessidade de políticas
públicas de inclusão social. Um processo que, contraditoriamente, avança no momento
em que se intensificam a marginalização e a exclusão social. Porém, os discursos e
políticas de inclusão são fomentados de forma naturalizada, desconsiderando-se o

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
contexto político, econômico e social do capitalismo contemporâneo. A busca da
compreensão da totalidade histórica na análise das políticas públicas brasileiras para a
inclusão escolar evidencia seus nexos com a reestruturação política e econômica do
capitalismo a partir do final do século XX, sistema que desde sua origem se reproduz pela
apropriação privada dos bens produzidos coletivamente e por relações de trabalho que
geram mercadorias/valores, aliena o ser humano, produz desigualdade e exclusão social.
Esta essência histórica e social do capitalismo não produz estranhamento ou alienação
apenas no âmbito material. A educação como um processo interdependente do processo
de trabalho tende também a não socializar os bens culturais e educacionais produzidos. É
nesse sentido que cabe um olhar histórico para os interesses políticos e econômicos
implícitos nas políticas de inclusão escolar.
Na década de 1990, o Brasil vivenciou a reestruturação capitalista sob a ótica
neoliberal (governos Collor e Fernando Henrique) que legitimou a abertura econômica,
as privatizações e a desregulamentação do Estado (ALVES, 2014), bem como a
minimização dos gastos públicos e a descentralização administrativa e financeira. Estes
ajustes neoliberais, aliado ao processo de acumulação flexível, culminaram na
precarização do trabalho, na ampliação do desemprego, da miséria e da massa de
excluídos nos países centrais e periféricos (ANTUNES, 2011). A crise desse modelo foi
sentida no país no início da década de 2000 quando uma nova dinâmica foi dada à
acumulação capitalista brasileira como crítica a ortodoxia neoliberal. Introduziu-se um
projeto neodesenvolvimentista (Governos Lula e Dilma) pelo qual foram mantidas as
bases da macroeconomia neoliberal, mas promoveu-se uma reforma no papel do Estado
que assumiu a função de regulador e investidor, mas não no sentido da social-democracia
do Estado do Bem-Estar Social (ALVES, 2014). Este novo projeto visava apenas à
construção de uma escala de acumulação de capital que possibilitasse a redistribuição de
renda, a ampliação do mercado de consumo e a introdução de suportes sociais mínimos

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
de existência aos trabalhadores pobres, cujo gasto social só poderia ser ampliado nos
limites do orçamento público (ALVES, 2014).
Para isto, os governos Lula e Dilma buscaram apoio constante nas oligarquias
regionais e fomentaram a expansão das parcerias público-privadas e da responsabilização
da sociedade civil para desempenhar as funções sociais anteriormente da competência do
Estado. Nesse sentido ressignificou-se o conceito de cidadania e de participação
democrática que distancia-se da ideia de participação na elaboração, implementação e
fiscalização das políticas públicas, por exemplo, para restringir-se à operacionalização e
à execução destas políticas. Alves (2014, p. 140) reconhece este novo projeto como
reformista, pois
[...] Por um lado, assume a tarefa histórica de combater a pobreza
extrema e de promover a inclusão do subproletariado no mercado de
trabalho formal, realizando, deste modo, o sonho de consumo dos
trabalhadores da massa marginal; por outro lado, preserva os pilares do
modo de desenvolvimento social excludente do capitalismo histórico
no Brasil, incentivando a centralização e concentração do capital
oligopólico nas condições histórico-mundial da senilidade capitalista
como modo de desenvolvimento civilizatório.

A condição de exclusão é uma ameaça à lógica do capitalismo, pois os sujeitos


excluídos, por não terem mais nada a perder, constituem-se em atores potenciais na luta
contra a hegemonia burguesa (ANTUNES, 2011). Nesse sentido, o Estado desenvolve
políticas sociais focalizadas e compensatórias, em parceria com a sociedade, a fim de
“incluir” os excluídos para aliviar a tensão social. Contudo, apenas são oferecidas
condições mínimas de sobrevivência aos grupos mais excluídos, mantendo-os em sua
condição social.
Considerando-se este contexto histórico, pode-se dizer que os documentos e
legislações brasileiros para a educação especial produzidos no século XXI estão
impregnados do ideário capitalista contemporâneo, sobretudo pela defesa da parceria

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público-privada, na tentativa de desonerar o Estado dos gastos públicos mediante o apelo
emocional às ações de cidadania e de solidariedade da sociedade civil. Por exemplo, 12
dos 28 objetivos e metas do Plano Nacional de Educação (de 2001) para a educação
especial, referem-se à parceria público-privada, sendo ela proposta para: o atendimento a
alunos com dificuldades severas de desenvolvimento; a disponibilização de livros de
literatura falados em Braille e em caracteres ampliados; a implantação e generalização do
ensino da Língua Brasileira de Sinais aos alunos surdos; a ampliação da oferta e do uso
de equipamentos de informática como apoio à aprendizagem do educando especial
(BRASIL, 2005).
De forma semelhante, isto aparece no artigo 14 da Resolução CNE/CEB nº 2/2001
ao reconhecer que a garantia do atendimento aos educandos com necessidades
educacionais especiais requer o estabelecimento de convênios ou parcerias entre escolas
ou serviços, públicos ou privados, e os sistemas públicos de ensino (BRASIL, 2004a).
A intencionalidade de transferência da responsabilidade financeira do poder
público para a sociedade civil também consta no Parecer CNE/CEB nº17/2001 que
fundamenta a Resolução CNE/CEB nº 2/2001. Este Parecer prevê que “Os sistemas
públicos de ensino poderão estabelecer convênios ou parcerias com escolas ou serviços
públicos ou privados, de modo a garantir o atendimento às necessidades educacionais
especiais de seus alunos [...]” (BRASIL, 2004b, p. 88).
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
de 2008, recomenda o atendimento do público-alvo da educação especial nas escolas
regulares, dentre outros aspectos, mediante a garantia da participação da família e da
comunidade, bem como a promoção de parcerias entre o setor educacional e os demais
setores sociais “[...] visando à acessibilidade arquitetônica, aos atendimentos de saúde, à
promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça” (BRASIL, 2010a, p. 25).

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emancipação humana
Na mesma perspectiva, o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, ratifica a
parceria entre o poder público e as instituições comunitárias, confessionais ou
filantrópicas sem fins lucrativos, que atuam especificamente na educação especial, para a
oferta do AEE aos alunos matriculados no ensino regular público, desde que elas sejam
conveniadas ao Poder Executivo da instância federativa competente, prevendo apoio
técnico e financeiro da União a estas instituições (art. 5°) (BRASIL, 2011a).
No que refere-se ao custeio do Plano Viver sem Limite, o Decreto n° 7.612, de 17
de novembro de 2011, prevê no seu artigo 11, fundos oriundos de dotações orçamentárias
da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, “de órgãos participantes do Plano Viver
sem Limite que não estejam consignados nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade”, bem
como de outras entidades públicas e privadas (BRASIL, 2011b).
Nesta lógica economicista, a Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015, apregoa, no
artigo 4°, que “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades
com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.” (BRASIL,
2015). Para isto, deve se considerar a realização de adaptações razoáveis, definida no
artigo 3° como “[...] adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não
acarretem ônus desproporcional e indevido [...] a fim de assegurar que a pessoa com
deficiência possa gozar ou exercer [...] todos os direitos e liberdades fundamentais”
(BRASIL, 2015 Grifos Nossos). Todavia, não determina o que se entende por ônus
desproporcional e indevido. Assim, diante da aprovação da Emenda Constitucional n.º
95/2016, que instituiu o teto dos gastos públicos, há o risco dos pedidos de adaptação
razoável serem julgados como ônus desproporcional e indevido.
Frente ao exposto, afirma-se que os documentos e legislações brasileiros acerca
da educação especial inclusiva analisados demonstram ter incorporado o discurso de
parceria, solidariedade e responsabilidade social das políticas econômicas capitalistas
vigentes no país e a intenção de repassar atribuições do Estado para a iniciativa privada.

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Para Witeze e Silva (2016), a transferência de responsabilidades para a iniciativa privada
é perigosa, pois os interesses do setor privado diferenciam-se dos interesses do Estado
(ou daquilo que deveriam ser de interesse do Estado). Desse modo, as estratégias do
Estado acabam por impossibilitar a concretização das políticas de inclusão, uma vez que
“O resultado final acaba sendo uma diminuição dos valores a serem disponibilizados e
aplicados por aluno, um enfraquecimento dos princípios defendidos pelas políticas
inclusivas e um consequente déficit na qualidade da educação oferecida” (WITEZE;
SILVA, 2016, p. 379).
Outro problema é que as políticas públicas de inclusão escolar não consideram as
relações de trabalho capitalistas contraditórias que reproduzem condições de exploração
dos trabalhadores e de apropriação privada de grande parte dos bens produzidos
coletivamente, criando-se a falsa ideia de que a exclusão social pode ser resolvida no
âmbito político e ético-moral.
Além disso, o sistema educacional desempenha papel importante no processo de
interiorização pelos indivíduos das concepções de mundo capitalistas, fator que favorece
a alienação humana e a reprodução deste sistema social excludente (MÉSZÁROS, 2006).
Nesse sentido, Mészáros (2008, p. 45) ressalta que as instituições educacionais formais
têm como uma de suas principais funções na sociedade capitalista educar para o consenso.
Assim, esperar que elas, por si só, consigam promover a superação desta ordem social
que exclui “seria um milagre monumental”. Nesse sentido, torna-se complexa a tarefa de
conceber a implementação de políticas e de escolas inclusivas no interior de um sistema
capitalista que reproduz a exclusão social.
Entretanto, considerando-se o caráter dialético e dinâmico da história, acredita-se,
como afirma Neves (2005), que o equilíbrio instável obtido pelo capitalismo, em âmbito
nacional e internacional, pode ser abalado pela precarização das condições de trabalho e
de vida e, consequentemente, favorecer a luta contra-hegemônica. Assim, a educação tem

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emancipação humana
papel importante no processo de superação das relações sociais capitalistas. Mészáros
(2008) ressalta que esta superação requer que a transformação das condições objetivas de
reprodução da sociedade e a mudança progressiva da consciência dos indivíduos (no
sentido de desenvolver uma contrainternalização das práticas e discursos capitalistas)
ocorram simultaneamente, atribuindo à educação papel soberano neste processo.
Considerando-se que o projeto pedagógico do capitalismo opera para além das instâncias
educativas formais para a garantia de sua hegemonia, a luta contra-hegemônica para além
do capital, como ressalta Mészáros (2008), mediada por uma relação recíproca entre
educação e transformação social, deve também se estender para todas as práticas
educativas como forma de desmistificar a naturalidade e a imutabilidade da ordem social
burguesa a fim de produzir a internalização da possibilidade e da necessidade de uma
nova ordem social.

Considerações Finais
As políticas públicas brasileiras para a inclusão dos educandos com deficiência,
transtorno globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação nas classes
comuns do ensino regular, quando elaboradas e implementadas a partir da ótica
capitalista, convertem-se em estratégias reformistas e paliativas que não garantem uma
educação de qualidade a estes educandos, reproduzindo sua condição de excluídos. Isso
porque o atendimento educacional especializado requer investimentos em recursos físicos
e humanos que não condiz com o modelo da acumulação flexível e de Estado vigentes
que prioriza o acúmulo privado dos bens e a minimização dos gastos públicos.
A inclusão escolar no sentido da oferta de um ensino de qualidade a todos os
educandos implica na produção de uma sociedade inclusiva, condições que não serão
gestadas pelo capitalismo. Entretanto, partindo do pressuposto marxiano de que cada
sociedade produz os germes de sua própria destruição, acredita-se que a abertura social

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emancipação humana
aos marginalizados pelas políticas de inclusão pode servir também de espaço contra-
hegemônico para a conscientização acerca do caráter dialético, histórico e, portanto,
passível de superação da sociedade capitalista como condição para o processo de
emancipação humana e social de todos e não apenas dos educandos com deficiência,
transtorno globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Bibliografia

ALVES, Giovanni. Trabalho e neodesenvolvimentismo: choque de capitalismo e nova


degradação do trabalho no Brasil. Bauru: Canal 6, 2014.

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no mundo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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educação nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 21 fev. 2018.

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BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001: institui Diretrizes


Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: Senado Federal,
2004a.

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2004b.

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In: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Marcos político-legais
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BRASIL. Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008: Dispõe sobre o atendimento educacional


especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de
1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto n° 6.253, de 13 de novembro de 2007. In: BRASIL.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
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BRASIL. Resolução CNE/CEB n.º 4, de 2 de outubro de 2009: Diretrizes Operacionais para o


atendimento educacional especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. In:
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Marcos político-legais da
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BRASIL. Decreto n° 7.611, de 17 de novembro de 2011: Dispõe sobre a educação


especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. 2011a.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
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Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. 2011b. Disponível em:
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Acesso em: 22 fev. 2018.

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PNE e dá outras providências. Brasília, 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso
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BRASIL. Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015: institui a Lei Brasileira de Inclusão da


Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso
em: 22 fev. 2018.

MÉSZÁROS, István. A alienação e a crise da educação. In: MÉSZÁROS, István. A


teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 263-282.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo,
2008.

NEVES, Lúcia Maria Wanderley. A sociedade civil como espaço estratégico de difusão
da nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A nova
pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo:
Xamã, 2005. p. 85-125.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
WITEZE, Erika Marinho; SILVA, Régis Henrique dos Reis. Políticas educacionais
inclusivas em tempos neoliberais: o dito, o não dito e o mal dito. Argumentos Pró-
Educação, Pouso Alegre, v. 1, n. 3, p. 370-391, set./dez., 2016. Disponível em:
<http://ojs.univas.edu.br/index.php?journal=argumentosproeducacao&page=issue&op=
view&path%5B%5D=12&path%5B%5D=showToc>. Acesso em: 21 fev 2018.

Autoras:

Gesilaine Mucio Ferreira


Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Darlene Novacov Bogatschov
Universidade Estadual de Maringá (UEM)

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emancipação humana
APONTAMENTOS SOBRE A CONEXÃO ESCOLA E VIDA NA
PEDAGOGIA SOCIALISTA RUSSA

Franciele Soares dos Santos

Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o legado da pedagogia socialista
russa, principalmente no que se refere a compreensão da necessidade da conexão escola
e vida material. Para tanto, destaca-se o papel das dimensões educativas: atualidade, auto-
organização do estudantes e trabalho socialmente necessário-TSN nesse processo. A
metodologia adotada para elaboração do trabalho foi estudo bibliográfico das principais
obras escritas pelos educadores socialistas russos: Fundamentos da Escola do Trabalho
(2003), A Escola-Comuna (2009), Ensaios sobre a escola politécnica (2015), Rumo ao
Politecnismo (2013) e A construção da pedagogia socialista (2017).
Durante o período revolucionário russo, especificamente de 1917 a 1931, são
realizadas experiências educativas e escolares que tinham por objetivo construir uma
pedagogia de caráter socialista, apresentando a educação como um terreno
potencialmente fecundo para contribuir para a transformação social com vistas à
construção do socialismo. Assim, constitui-se a pedagogia socialista russa.
Na pedagogia socialista russa o trabalho constituiu-se como a categoria central na
organização das experiências escolares, tendo por referência primeira os escritos os
escritos de Karl Marx, ou seja, o método do materialismo histórico dialético. Somando-
se a categoria trabalho encontrava-se organicamente vinculadas às dimensões educativas
da atualidade e auto-organização dos educandos. A nosso ver, a elaboração destas
dimensões educativas demonstrava a preocupação destes educadores com a conexão
escola e vida, ou seja, conectar a escola com a vida material. De acordo Krupskaia (2009,
p. 108), os organizadores da nova escola tinham o “[...] desejo incansável de ligar a escola

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
com fortes fios a vida social ao redor, transformar a própria escola em parte integrante
dessa vida”.
A tentativa da realização da nova escola conectada com a vida ocorreu por meio
da organização da Escola Única do trabalho. Em setembro 1918, é publicada a
“Deliberação sobre a escola única do trabalho”, pelo Comitê Central do Partido
Comunista (bolchevique). Em outubro do mesmo ano, é publicado pelo Narkompros um
documento intitulado “Princípios Fundamentais da Escola Única do Trabalho”. Nesse
mesmo ano, há a criação das Escolas Experimentais Demonstrativas, como a Escola-
Comuna Lepeshinski72, que se organizavam a partir dos princípios da Escola Única do
Trabalho.
Foi pelo e no trabalho em suas diferentes nuances que as experiências escolares
socialistas objetivam contribuir para leitura crítica da atualidade enquanto pertencente à
totalidade e a vida. Por meio da dimensão educativa da atualidade busca-se no processo
educativo desnudar a essência da luta de classes, para assim compreender os objetivos de
luta da classe trabalhadora.
Dessa forma, a escola deveria apresentar, discutir, estudar e analisar com os
estudantes a atualidade para, assim, garantir a análise do caráter histórico e dialético da
luta de classes e dos anseios da classe trabalhadora na construção e efetivação do
socialismo. Como se pode observar, a dimensão educativa da atualidade vai além da
leitura da realidade imediata. De acordo com Pistrak (2003, p. 134)
Estuda-se a realidade atual pelo conhecimento dos fenômenos e dos

72
Freitas (2012) esclarece que a terminologia escola única do trabalho estava vinculada à ideia
de uma a escola comprometida com a construção de uma nova sociedade, sendo instrumento a
favor da conscientização e emancipação da classe trabalhadora, bem como única por não ser
dual, ou seja, há uma forma de organização escolar e curricular comum a todos. E, ainda, do
trabalho, por apresentar a compreensão do trabalho como princípio educativo, com ênfase na
formação politécnica.

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emancipação humana
objetos em suas relações recíprocas, estudando-se cada objeto e cada
fenômeno de pontos de vista diferentes. O estudo deve mostrar relações
recíprocas existentes entre os aspectos diferentes das coisas,
esclarecendo-se a transformação de certos fenômenos em outros, ou
seja, o estudo da realidade atual deve utilizar o método dialético.
Para Shulgin (2013), a base conceitual da relação entre trabalho educação está
presente no conceito de trabalho socialmente necessário, sendo este também o elemento-
chave para conectar a escola à atualidade e à vida. Dessa maneira “[...] rompe com a
limitação das escolas; ele, precisamente ele, introduz a criança na sociedade mais ampla;
as inclui na vida dos adultos, e com eles ensina a resolver as tarefas do trabalho social”
(SHULGIN, 2013, p. 142)
A nosso ver, o TSN permitiu ampliar a compreensão do trabalho como princípio
educativo, revelando o vínculo essencial do trabalho com a realidade, ou seja, estreitando-
se assim os laços que unem escola à vida, isto é, a atualidade. Entendia-se que “a
finalidade da escola é proporcionar à criança a compreensão da realidade viva”
(KRUPSKAIA, 2017, p. 125).
O TSN era entendido como um meio de mediar a relação escola e vida, podendo
ser, ao mesmo tempo, uma espécie de antídoto ao isolamento da escola no tocante às
problemáticas da comunidade que a cerca. Somando-se a isso encontra-se a valorização
do trabalho coletivo, por meio principalmente de diferentes formas organizativas no
âmbito da escola, que se vinculou diretamente ao processo de auto-organização dos
alunos nas diferentes faixas etárias.
Assim, outra dimensão educativa fundamental no processo de constituição da forma
didático-pedagógica das experiências escolares russas é a auto-organização dos estudantes. Para
apreender melhor seu significado, é preciso atentar ao fato de que a auto-organização envolve a
capacidade dos estudantes de organizar suas atividades escolares participando ativamente desse
processo.
Para os educadores russos era consenso que a auto-organização deveria ser

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ensinada desde a mais tenra idade, articulada à construção da noção de coletividade,
hábitos e habilidades de auto-organização. Pistrak (2003) afirma que a auto-organização
se relaciona com a capacidade dos educandos trabalharem coletivamente; o que implicava
em responsabilidade, obrigações e, principalmente, compromisso com a coletividade.
Como alerta o pedagogo “[...] se a auto-organização dos estudantes não é baseada na
coletividade das crianças ela se torna um projeto natimorto” (PISTRAK, 2003, p.134).

Ao descrever os aspectos necessários para consolidação da auto-organização nas


Escolas-Comunas, Pistrak (2009) destaca que a auto-organização deve aproximar-se ao
máximo as tarefas dos interesses das crianças, para estimular o desenvolvimento e a
aprendizagem da iniciativa, organização, bem como a criatividade. Do ponto de vista
pedagógico, o professor deve atuar no sentido de fomentar a participação ativa das
crianças na escola, ele deve ajudar e dar conselhos, mediar e dirigir discretamente o
trabalho das crianças.
Nesse cenário, é a constituição de coletivos infantis dá suporte à auto-
organização. Segundo Pistrak (2003, p.173) “a necessidade do coletivo infantil deriva da
necessidade fundamental de inculcar nas crianças a atividade, a iniciativa coletiva, a
responsabilidade correspondente à sua atividade. O coletivo das crianças criará, pelo
próprio fato de existir, a auto-organização”. Observa-se também que os coletivos infantis
devem possuir formas de organização que visem à construção de responsabilidades. Para
tanto, “[...] deduz-se que a auto-organização das crianças não é apenas um jogo. Deve ser
uma necessidade, uma ocupação séria das crianças encarregadas de uma responsabilidade
sentida e compreendida” (Ibidem, p. 197). A participação das crianças no trabalho
pedagógico efetivava-se por meio de sua representação no Conselho Escolar. Essa
participação tem um objetivo amplo de construir noções de coletividade para que não haja
mais a distinção “entre (nós) e eles (educadores) ”. Em relação à formação dos coletivos

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infantis, o educador destaca a necessidade de eleições por meio da Assembleia Geral dos
Alunos que se constitui como o princípio fundamental do coletivo.
Para além da importância da auto-organização nas atividades escolares, Shulgin
(2013) ressaltou que esta categoria pedagógica é extremamente necessária para a
efetivação do trabalho socialmente necessário.

O trabalho socialmente necessário requer não apenas conhecimentos e


habilidades, não só o treino, mas também uma organização específica
ou auto-organização das crianças. Da parte das crianças, ele exige
capacidade de ação, engenhosidade, desenvoltura, capacidade de
observação, interesse, trabalho inteligente; e não o individual, mais o
coletivo, não só no seu canto, mas com o povo, na rua, etc. Exige,
portanto, organização. E isso é muito importante. É muito necessário
(SHULGIN, 2013, p. 113).

Exatamente por estas características, a proposta da escola russa estava entrelaçada


com o objetivo de “armar” as crianças, adolescentes e jovens russos para a luta e para a
criação da nova sociedade, ou seja, enquanto lutadores e construtores da “república do
trabalho”.
Shulgin afirmava constantemente a necessidade de a escola articular o
conhecimento teórico com conhecimento prático. Segundo ele, as escolas da época
estavam isoladas da vida, o que faz com que o trabalho torne-se desnecessário na
educação das crianças e jovens. A solução para ele abrangia a necessidade da efetivação
do trabalho como princípio educativo,
[...] o trabalho é uma forma de introduzir os estudantes na família
trabalhadora mundial para participar de sua luta, compreendê-la, seguir
a história do desenvolvimento da sociedade humana, obter experiência
de trabalho, de organização coletiva, aprender a disciplina do trabalho.
Para nós o trabalho é fundamento da vida, fundamento do trabalho
educacional, é a melhor maneira de ensiná-los a viver a atualidade de
ensinar, como ele, da melhor maneira, une-se a ela: a fábrica é o melhor
e mais sensível registro da atualidade. Assim, fundem-se em uma

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emancipação humana
unidade indivisível de autogestão o trabalho, a atualidade, e assim são
puxados desafiados pela vida pelo caminho do desenvolvimento
econômico, que exige uma escola necessária para a classe trabalhadora,
a classe operária, uma escola cria um lutador e construtor da vida
(Ibidem, p. 42).

Para o autor, o trabalho na escola deve proporcionar a atuação na vida real e


cotidiana da comunidade. Ou seja, “[...] a escola estuda a vida, a economia, o nível
cultural e político de uma determinada região do campo, a aldeia, da cidade, etc. Mas isso
não é suficiente: ela tem que ajudar a introduzir o novo na economia, melhorá-las. Só
desta maneira vai se tornar uma escola do trabalho”.
Isso porque a proposição de Shulgin não era só a de introduzir o trabalho na escola,
mas também de compreender sua forma social:
O termo “trabalho socialmente necessário” precisa ser decifrado do
seguinte modo: por trabalho social, vamos entender o trabalho de
organização da escola ou do destacamento dos pioneiros, orientado para
a melhoria da economia e da vida, para elevar o nível cultural do meio,
trabalho que dá determinados resultados positivos (se quiserem,
resultados produtivos), isso em primeiro lugar; em segundo, é o
trabalho pedagogicamente valioso; em terceiro, o que está incluído no
segundo ponto, mas no qual insistem os camaradas e que realmente é
necessário enfatizar: é aquele trabalho que está em conformidade com
as forças dos adolescentes e com as particularidades da sua idade [...]
(Ibidem, p. 90).

Compreendido como trabalho social, este requer conhecimentos, habilidade,


treino, organização ou auto-organização dos educandos: “[...] ele exige capacidade de
ação, engenhosidade, desenvoltura, capacidade de observação, interesse, trabalho
inteligente: e não o individual, mas o coletivo, não só no seu canto, mas com o povo, na
rua etc” (Ibidem, p. 113).
Sem dúvida, em sua obra o educador apresenta os requisitos para que a antiga
escola de estudos se transforme na escola do trabalho social. Ele enfatiza que o trabalho

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social sempre exigirá um tempo diferente, adicional, no qual o professor ajuda as crianças
a se organizarem.
Ele descreve ainda as etapas do trabalho social: a) o trabalho planejado, o plano;
b) a propaganda entre a população; c) a preparação para a sua realização (habilidades,
conhecimentos adicionais, aquisição do equipamento, etc.); d) o próprio ato de execução;
e) a avaliação. Conclui que, para estas etapas se realizarem de forma satisfatória, é
necessária uma atenção redobrada à organização.
Se há uma autogestão, bem organizada, coletivos fortemente coesos,
experiência no trabalho, tudo se ajusta bem. [...]. Mas se todos os pontos
são feitos coletivamente e pelo coletivo, isso não significa que todos
fazem o mesmo e no mesmo lugar. [...] O trabalho pode ser realizado
sozinho por um tempo, mas como parte de um trabalho mais amplo.
Mas o registro é sempre comum. É preciso relatar não apenas aquilo
que foi feito por cada um, mas como foi feito o trabalho todo, mas não
ante ao professor, mas ante o conselho, ante a população. Então, eles
vão elogiar e dirão que o trabalho foi bem realizado – aí poderemos
dizer que o trabalho social foi feito. É isso que temos que conseguir.
Assim, posta a escola desenvolve nas nossas crianças o hábito de
trabalhar para as necessidades da sociedade. Assim, e só assim posta, a
escola educa para nós comunistas (Ibidem, p. 152).

O TSN é compreendido como um trabalho social articulado com o meio, que


estabelece um compromisso com a comunidade local em todos os seus aspectos desde
melhoria da economia e da vida e até a elevação cultural dos sujeitos. “Ele ocorre fora da
escola, na vida e entorno dela, coloca a criança na posição de pesquisador e executor. Ele
apaga os limites da escola” (SHULGIN, 2013, p. 114). Vale destacar que a grande crítica
de Shulgin (2013) era o afastamento da escola da vida. Na visão do educador, é impossível
ignorar a vida, pois “a escola estuda a vida” (Ibidem, p. 44), não estando descolada de
suas problemáticas e contradições.
Sem dúvida, ao adotar o TSN e a conexão escola e vida como dimensões
educativas da escola, os educadores socialistas russos expressam a busca por maneiras

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de subverter a forma histórica escolar capitalista, e ainda as dimensões educativas da
pedagogia socialista russa, descritas por Pistrak a partir da experiência escolar realizada
nas Escolas-Comunas, e também sistematizadas por Krupskaia e Shulgin, tinham como
um dos objetivos principais repensar o trabalho pedagógico e construir a subversão à
forma histórica escolar naquele contexto histórico, mesmo com limites e contradições,
com objetivo de sua transformação.
Em resumo, as experiências escolares desenvolvidas pelos pedagogos socialistas,
seguindo as orientações dos escritos de Marx, ensinaram que construir uma educação
socialista implica incorporar obrigatoriamente no processo educacional o trabalho como
princípio educativo, por meio das mais variadas formas de trabalho socialmente
necessário, articulando-as à leitura crítica da atualidade, ou seja, da vida, bem como a
autogestão do trabalho pedagógico, fazendo uso da auto-organização dos educandos,
tendo ainda como objetivo final a formação politécnica e multilateral de homens e
mulheres. Cabe, enfim, sublinhar que as questões pontuadas pelos educadores socialistas
são atuais e ainda se constituem como demandas do nosso tempo histórico.
Devido a isso, a nosso ver, há um grande legado deixado pelas experiências
escolares desenvolvidas no contexto revolucionário russo, e este nos provoca a apreender
as lições presentes nestas experiências, bem como potencializar no exercício de como
destaca Freitas (2017, p. 234) “[...] extrair alguns requisitos para qualificar melhor a
formulação de propostas pedagógicas contra-hegemônicas”.

Referências bibliográficas:
FREITAS, Luiz Carlos de. Escola Única do Trabalho. In: CALDART, Roseli; PEREIRA,
Isabel; ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs). Dicionário da Educação
do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Expressão Popular, 2012.

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emancipação humana
. A pedagogia socialista: devolvendo a voz aos pioneiros da educação russa.
CALDART, Roseli, BÔAS, Rafael Litvin Villas (orgs). In. Pedagogia socialista: legado
da revolução russa de 1917 e desafios atuais. São Paulo: Expressão Popular, 2017.

KRUPSKAIA, Nadjla. K. Prefácio. In: PISTRAK, Moisey M. A Escola-Comuna. Trad.


Luiz Carlos de Freitas e Alexandra Marenich. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

. A construção da pedagogia socialista. São Paulo: Expressão popular, 2017.

PISTRAK, Moisey. Fundamentos da escola do trabalho. Trad. de Luiz Carlos de


Freitas. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2003.

. A Escola-Comuna. Trad. de Luiz Carlos de Freitas. São Paulo: Expressão


Popular, 2009.

. Ensaios sobre a escola politécnica. Trad. de Luiz Carlos de Freitas. São Paulo:
Expressão Popular, 2015.
SHULGIN, Viktor. N. Rumo ao politecnismo. Trad. Alexey Lazarev e Luiz Carlos de
Freitas. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

Autora:

Franciele Soares dos Santos


Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel.
Professora do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR.
e-mail: sfrancielesoares@gmail.com

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emancipação humana
A REFORMA DO ENSINO MEDIO E A PRIVATIZAÇÃO
OCULTA: NAVEGANDO POR ÁGUAS PERIGOSAS
Diego Minuzzo
Ana Claudia de Oliveira Guizelini Merli

Introdução
A regulamentação do ensino é uma ferramenta utilizada pelos governos desde a
institucionalização da educação de massas. Percebe-se que este instrumento (a
Legislação) tem um uso comprometido com a adequação do ensino à uma serie de
conjunturas políticas, e as necessidades econômicas, militares, e sociais do estado e de
seus controladores.
Naturalmente esta realidade encontra-se presente ao longo da história da educação
brasileira, ficando evidente ao longo das diversas reformas por que passou o sistema de
Ensino ao longo dos anos. Nos capítulos mais recentes desta história os fatos marcantes
foram a queda do regime militar(1964-1985), e a reabertura política do Brasil com a
promulgação da constituição de 1988. Após a abertura política, marcada pelo fim da
ditadura militar e a Constituição Federal de 1988, ocorreu uma retomada ao espírito
democrático, e paralelo a isso, um crescimento das políticas neoliberais, notadamente
intensas nos governos Fernando Collor de Mello(1990-1992), e Fernando Henrique
Cardoso (1994-2002), ( FRIGOTTO,2002 e 2009, e AKKARI, 2001)relatam.
Os esforços dos governos para diminuir a presença do estado na educação concentram-
se a partir da década de 1990, com diversas mudanças na legislação que rege a educação,
incorporando muitos elementos de mercado hoje presentes na estrutura do nosso ensino, como as
avaliações quantitativas/classificatórias do desempenho, e a privatização de parte do ensino
superior.
Diante deste rol de reformas, somos levados ao seguinte questionamento: A atual
reforma do ensino médio, aprovada pela medida provisoria (MPV) numero 746/2016, e

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convertida na Lei 13.415 de 17 de fevereiro de 2017, pode, de fato, mexer com o status-
quo da educação? Uma demanda antiga em sala de aula seria uma maior liberdade das
alçadas decisórias (o primeiro projeto de lei visando aumentar a autonomia das escolas
data de 1948 segundo Ribeiro (1992). O governo de Temer alega nas divulgações
publicitárias da reforma que o novo modelo proposto para o Ensino Médio vem atender
estas demandas, dando mais autonomia às escolas, além do novo modelo aproximar o
ensino médio da realidade de mercado, o que aumentaria o interesse dos jovens, e
diminuiria a evasão.
Em vista do que foi apresentado até aqui infere-se que é necessário um olhar mais
atento às propostas de reforma na educação, pois as intencionalidades expressas podem
não envolver quem mais pr ecisa das escolas públicas e, ainda, serem medidas danosas à
emancipação dos cidadãos.
Referente ao contexto de aprovação em que esta reforma foi idealizada, o sítio do
Congresso Nacional73 informa que a comissão que analisou a proposta, de autoria da
presidência da República, foi instalada no dia 19/10/2016, tendo todos os tramites de
votação concluída em menos de 120 dias (em 16/02/2017 houve a sanção presidencial,
após a análise da comissão e dos votos do senado), sendo que de tal período ainda perdeu-
se 60 dias no recesso de fim de ano. A excessiva velocidade pode ser um indício de que
a análise da lei não tenha ocorrido de forma profunda o bastante para sua aprovação. Além
disto, houve resistência por parte da população, que mostrou sua desaprovação por meio
da consulta pública realizada pelo próprio Congresso, que registrou 73.564 votos
contrários à reforma, e apenas 4.551 a favor.
Outro fator de destaque é que a lei chegou em um momento conturbado: Crise
política e econômica assolam o país, ao passo que muitas reformas entram em discussão

73 Disponivel em http://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-
/mpv/126992 acesso em 28/09/2017, 23:05

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simultaneamente (As Reformas políticas, previdenciárias, e trabalhistas foram propostas
praticamente ao mesmo tempo em que a do Ensino Médio) criando condições para que
medidas contrárias ao interesse público passassem despercebidas pela população, em
meio a uma turbulência de acontecimentos.
Alguns pontos polêmicos, como a flexibilização da necessidade de licenciatura
dos docentes, e tornar opcionais as disciplinas de história, sociologia, filosofia, artes e
educação física foram removidos do texto original durante o período de análise da
comissão de educação e cultura, mas quantos pontos ainda não foram suficientemente
analisados? A despeito da rejeição popular, o projeto foi aprovado. A proposta
abertamente defendida pela reforma é a de modernizar a educação, regulamentar o ensino
integral e incentivar a formação técnica, dando mais autonomia às escolas. Em que grau,
e em que dimensões esta autonomia proposta esta sendo concedida? Esta reforma propicia
algum tipo de descentralização/ desconcentração? Vimos ainda que a privatização pode
estar oculta neste tipo de medidas. Seria este o caso?
Ocorre que a concessão de autonomia, e a descentralização nos sistemas de ensino
públicos são como remédios perigosos, que em doses erradas podem envenenar quem os
recebe. Estes questionamentos nos levaram a realizar um estudo qualitativo que visou
analisar o texto da lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, e compara-lo com dados da
bibliografia com os autores apresentados, buscando identificar se a tendência
descentralizante permanece em vigor no Brasil, avaliar se a reforma concede autonomia
para as escolas, e em quais dimensões da autonomia o governo esta concedendo mais
espaço, bem como se existem elementos de privatização oculta na reforma.

Justificativa

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Ao passo que existe uma necessidade legítima de mudanças em nosso sistema de
ensino, o capital74 também volta os olhos para as escolas. A iniciativa privada vem
demonstrando interesse em controlar diretamente o sistema educacional, seja para
garantir a formação da mão de obra dentro dos parâmetros que tem interesse, seja pela
educação ter se tornado um nicho em que podem obter lucro.
Para Ball (2008), o fenômeno da privatização do ensino público é global. Como o
ensino está profundamente enraizado nas atribuições do estado, o autor demonstra que
modelos intermediários à privatização propriamente dita tem se espalhado por diversos
países através de reformas neoliberais, modelos estes que contém o que ele chama de
privatização oculta (hidden privatisation), termo que compreende uma gama de
tendências políticas que podem ser entendidas como formas de privatização que não
declaram abertamente este propósito. Embora, algumas vezes, as formas de privatização
sejam explicitamente perseguidas como soluções efetivas para as inadequações
percebidas da educação no serviço público, na maioria dos casos isso não acontece. Os
objetivos declarados pelos políticos na privatização oculta são articulados em termos de
escolha, responsabilidade, melhoria da escola, autonomia, competitividade ou eficiência.
Embora não utilizem o termo privatização, se baseiam em técnicas e valores do setor
privado, introduzem a participação do setor privado, ou têm o efeito de fazer educação
pública mais parecida com um negócio (More Busines like).
As tendências da privatização oculta na educação pública abreviam o caminho
para as formas explícitas de privatização da educação, mesmo quando ela não envolve o
uso direto de empresas privadas. Estas formas de privatização alteram a forma como a
educação é organizada, gerida e entregue, como o currículo é decidido e ensinado, como
o desempenho dos estudantes é avaliado, e como professores, escolas e comunidades são

74
Capital no sentido Marxista, representando a classe dominante, Leia-se: os detentores do Capital

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emancipação humana
julgados. As tendências de privatização mudam a forma como os professores são
preparados, a natureza e o acesso ao desenvolvimento profissional contínuo, os termos e
condições dos contratos e salários dos professores, bem como as atividades docentes
diárias e a forma como experimentam suas vidas profissionais. A flexibilização das
normas de trabalho dos professores é um componente chave da maioria das versões de
privatização, ameaçando alterar a percepção dos professores na sociedade e a qualidade
da experiência dos alunos nas escolas.
A privatização oculta pode ocorrer de maneira endógena, com o estado simulando
mecanismos do mercado, como colocar escolas em competição por recursos financeiros,
suspender garantias de estabilidade aos servidores, e estipular sanções administrativas
para o não cumprimento de metas de resultado unilateralmente estabelecidas. Também
pode ocorrer de maneira exógena, através de parcerias público-privadas, ONGs, ou até
mesmo a terceirização do ensino, onde o governo passa a pagar para que a iniciativa
privada forneça a educação, serviços de limpeza, e merenda, afastando a responsabilidade
do estado. No Brasil, a privatização endógena já foi identificada em reformas do ensino
anteriores a lei 13.415 de 16/02/2017 por Souza (2003), que em seu estudo, relatando a
aplicação destas medidas por parte do governo, utilizou outra denominação para este
mesmo fenômeno: “Quase-mercado”, sendo, entretanto, o mesmo conceito em essência:
A conhecida crítica à “ineficiência” do Estado gerou diferentes formas
de privatização. Uma, que pode ser chamada de stricto sensu, tratou de
transferir a propriedade de setores estatais para a iniciativa privada,
numa perspectiva de enxugamento da ação econômica do Estado. A
outra, mais matizada, tratou de disseminar formas de gestão ancoradas
na lógica de mercado. Nesse caso, não se discute a propriedade da
empresa, mas se introduzem concepções privadas de gestão (SOUZA,
p. 5, 2003).

Tanto para Ball (2008), quanto para Souza (2003), e Frigotto (2009), o perigo da
privatização está nos valores que vem agregados a ela.

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O foco da iniciativa privada, estando sempre no resultado e na produtividade,
tende a negligenciar as necessidades individuais, tanto de alunos como de professores.
Esta ótica leva a aumento nas desigualdades, pois os recursos não são distribuídos
conforme a necessidade, mas sim sobre o retorno possível, seja em termos de
desempenho, ou apenas financeiro. A renda que é de fato o objetivo da escola privada,
fazendo com que o acesso a educação esteja sempre ameaçado quando o lucro não for
considerado suficiente. Principalmente num pais de realidades tão contrastantes como o
nosso, os mais pobres tendem a ser os mais prejudicados nestes modelos.
Uma vez que a privatização oculta acontece principalmente em termos
relacionados a descentralização e autonomia, torna-se necessário analisar também estes
conceitos para compreender este fenômeno mais claramente. Descentralização para
Novaes (2010) é a transferência das responsabilidades para os níveis executores, ou
periféricos da administração:
Parece haver consenso quando, em linhas gerais, se trata de caracterizar
a descentralização a partir da transferência de poder e da distribuição
de atribuições e responsabilidades, do nível central para os níveis
intermediários e periféricos de uma estrutura de governo e
organizacional (NOVAES, p. 14, 2010).

No contexto da administração de entes federativos, que referem-se aos sistemas


de governo dos Municípios, Estados, Distrito Federal e União, quanto mais próxima
estiver a responsabilidade sobre uma determinada tarefa de quem a executa, mais
descentralizado é o sistema. Mostra-se um conceito bastante amplo, e com um forte
elemento de relatividade, pois depende da percepção do analista sobre o que é ser
responsável pela tarefa, e normalmente exige um parâmetro de referência que sirva de
modelo de (des)centralização. A descentralização aumenta ou diminui à medida que se
concentram ou dispersam as responsabilidades nos níveis administrativos, mas a
quantidade de níveis também influenciam na percepção de quanto o sistema está

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emancipação humana
centralizado.
O valor epistemológico do termo descentralização aumenta quando analisamos,
também, o conceito de autonomia. Embora tenha definições diferentes nas muitas áreas
do conhecimento, no contexto da gestão escolar geralmente é utilizada para denominar a
capacidade da alçada decisória de um determinado nível de administração.
Para Oliveira (2017), a autonomia está dividida em 4 áreas: administrativa,
jurídica, financeira, e pedagógica, onde a legislação pode conceder mais poder de decisão
em cada uma destas quatro dimensões separadamente, embora tais áreas interfiram entre
si, uma vez que sem autonomia financeira, por exemplo, a autonomia pedagógica pode
ser prejudicada, posto que a escola não poderá direcionar recursos financeiros para cobrir
gastos que o modelo pedagógico de escolha venha a gerar. As quatro dimensões se
interligam, mas precisam ser avaliadas separadamente, pois pode existir maior disposição
do governo em conceder algumas autonomias em detrimento de outras.
Se a descentralização é a dispersão das responsabilidades, e a autonomia é a
capacidade de decidir sobre quais ações tomar num determinado âmbito, nota-se, neste
sentido, que a descentralização pode estar ou não acompanhada de um aumento de
autonomia. Souza (2003), considera que na verdadeira descentralização a autonomia deve
necessariamente estar presente, e denomina de desconcentração a descentralização sem
autonomia.
[...] parece bastante evidente que os Programas autodenominados de
descentralizadores são, em sua grande maioria, desconcentradores.
Ocorre que a transferência de tarefas para a escola posta no seio das
reformas educacionais, importa consigo um conjunto de
responsabilidades que a acompanham. Até aí, não há diferença entre
desconcentração e descentralização. Mas a diferença crucial entre uma
forma e outra está centrada na autonomia da instituição em lidar com as
novas responsabilidades, desde a sua constituição até a sua execução
(SOUZA, p. 24, 2003).

Podemos perceber que uma formidável armadilha pode surgir diante da

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descentralização. Idealmente esta deveria vir acompanhada de autonomia para facilitar o
atendimento das novas obrigações que são repassadas aos níveis periféricos, mas, muitas
vezes, isso não acontece. Descentralizar acaba se constituindo como apenas uma
sobrecarga de responsabilidades sem contrapartida, como aponta Akkari(2001), que em
seu trabalho sobre a descentralização também percebe a falta de autonomia, notadamente
a financeira, mas não utiliza o termo desconcentração para discernir a descentralização
desacompanhada de autonomia:
A progressiva descentralização do ensino fundamental possibilitada
pelo retorno à democracia, em 1985, não foi acompanhada por um
dispositivo de apoios financeiro, técnico e pedagógico suficientes, nem
por uma garantia acerca da qualidade do ensino ministrado nas escolas
municipais. Esse processo de descentralização da educação constituiu-
se, no Brasil, em um mecanismo vertical e pouco democrático. O
Estado Federal delegou aos estados, às municipalidades, às ONGs e às
comunidades locais a gestão da educação pública básica sem
implementar um planejamento que permitiria um financiamento
adequado em todas as regiões do país (AKKARI p.14, 2001).

Outro ponto a avaliar neste contexto é a falta de diálogo com que as


responsabilidades, muitas vezes, são distribuídas. Para Barroso (1996), a autonomia se
distingue também entre Decretada e Construída. A autonomia Construída é fruto das
relações entre as partes envolvidas no processo do ensino, e se estabelece naturalmente
através das aptidões de cada parte, podendo estar tais responsabilidades formalmente
atribuídas pela legislação ou não a quem as tomam. A autonomia Decretada, por outro
lado, é aquela que está formalmente instituída pelas leis e normas estabelecidas.
Idealmente a autonomia decretada deveria estar estabelecida o mais próximo
possível do que seria a autonomia construída, mas o poder público por vezes cria leis
concedendo autonomias, e descentralizando o sistema de ensino unilateralmente, sem
garantir que as escolas estejam preparadas para absorver tais responsabilidades,
prejudicando o ensino, e levando a uma não efetiva implementação das políticas. Em

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emancipação humana
verdade, ”Isto significa que não existe, verdadeiramente, uma "autonomia Decretada"
(BARROSO, 1996, página 11). Neste sentido, o que se pode decretar são as normas e
regras formais que regulam a partilha de poderes e a distribuição de competências entre
os diferentes níveis de administração, incluindo o estabelecimento de ensino. Essas
normas podem favorecer ou dificultar autonomia da escola, mas não só por si as criam,
nem as destroem.
Estes questionamentos nos levaram a realizar um estudo qualitativo que visou
analisar o texto da lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, e compara-lo com dados da
bibliografia e os autores apresentados, buscando identificar se a tendência desestatizante
permanece em vigor no Brasil, avaliar se a reforma concede autonomia para as escolas, e
em quais dimensões da autonomia o governo esta concedendo mais espaço, bem como se
existem elementos de privatização oculta, descentralização, e desconcentração na
reforma.

Analise do texto da lei


A Lei estudada possui 22 artigos, e altera outras 8 leis diferentes. O estudo focou
apenas nos artigos que, de alguma forma, alteravam aspectos de autonomia, centralização,
e a presença do Estado na nova estrutura do ensino médio proposta, movendo o poder
decisório e as responsabilidades de onde estavam previamente alocados na legislação
anterior. Naturalmente, mesmo mudanças que não alteram tais aspectos podem ter
igualmente grande impacto no ensino, mas excedem aqui em quantidade, e complexidade
aquilo que pode ser abrangido por este estudo.
A palavra “Autonomia”, não aparece nenhuma vez no texto, nem termos
relacionados à centralização/decentralização, no entanto, sob o olhar de nossa
fundamentação teórica inferimos que quatro artigos possuem textos modificando estes
aspectos, são eles: 3, 4, 13, e 14. Os artigos 3, e 4 tratam da Base Nacional Curricular

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emancipação humana
Comum.(BNCC), enquanto os artigos 13, e 14, tratam do ensino integral.
Os artigos 3 e 4 da referida lei mostram-se ligados entre si, pois ambos tratam da
construção do currículo. No artigo 3 parágrafo 5º, o componente curricular obrigatório da
BNCC cai para 1800 das 4200 horas/aula que o ensino médio passa a ter(antes eram 2400
horas horas/aula para conclusão do ensino médio, que deveria seguir a BNCC com apenas
algumas complementações), ficando a partir de então, uma fração maior do currículo a
ser definida pela escola. Seria claramente uma concessão de autonomia se no texto não
encontrasse algumas ressalvas:
§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26,
definida em cada sistema de ensino, deverá estar harmonizada à Base
Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto
histórico, econômico, social, ambiental e cultural.
[...]
§ 5º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional
Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do
total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos
sistemas de ensino.
§ 6º A União estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o
ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de
avaliação, a partir da Base Nacional Comum Curricular.

Percebe-se que a autonomia curricular nominalmente concedida recebe restrições


sutis: a parte diversificada do currículo deve estar em harmonia com a BNCC, e haverão
metas quantitativas definidas pela União avaliando o desempenho das escolas. O termo
harmonia por si só já se mostra bastante abstrato, revelando uma fragilidade: Quais
critérios definirão se o currículo proposto estará suficientemente harmonizado com a
BNCC? Alem disso, as metas que por ventura sejam implementadas pelo governo podem
agir como um contentor da autonomia curricular, pois ao determinar as metas,
indiretamente obrigam o currículo a direcionar conteúdos ao atendimento delas. Torna-se
difícil mensurar quanta autonomia foi de fato concedida diante destas disposições, uma
vez que ela dependerá da abrangência dos conteúdos da BNCC, das metas fornecidas às

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escolas pela união e da interpretação do que é harmonia pelos órgãos avaliadores do
currículo.
A privatização endógena, enquanto fenômeno que busca emular o mercado nos
sistemas de ensino, prevê o controle através da criação de metas, concomitante a um
afastamento da ação direta do Estado sobre a escola, que passa a trabalhar conforme a
mão invisível do mercado simulada pelo poder publico. O achado na legislação estudada
mostra-se coerente com estas premissas, embora mantenha dúvidas quanto a sua natureza
de incrementar a autonomia.
Na seqüência, os conteúdos do artigo 4 ainda tratam do currículo. Neste artigo
aparece um incremento das obrigações da escola, e sua abertura para convênios externos:
Art. 4º O art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a
vigorar com as seguintes alterações:
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional
Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser
organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares,
conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos
sistemas de ensino, a saber:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas;
V - formação técnica e profissional.
[...]
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino
médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar
convênios com instituições de educação a distância com notório
reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação:
[...]
§ 12. As escolas deverão orientar os alunos no processo de escolha das
áreas de conhecimento ou de atuação profissional previstas no caput.
(NR)

Fica determinado pela lei que a escola passe a ofertar diversos arranjos
curriculares, e a fornecer apoio aos alunos nas decisões de quais destes arranjos seguir,
ao passo que não garante apoio às escolas para que estas forneçam tal serviço de

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orientação vocacional, nem neste artigo nem em nenhum outro da lei.
O parágrafo 11 do artigo 4º ainda prevê a criação de convênios para cumprimento
de exigências curriculares, numa forma compatível com privatização exógena.
Nitidamente vemos um incremento de responsabilidades caindo sobre a escola, sem
garantias da parte do governo para que esta escola tenha condições de atender as novas
demandas. A tendência lógica é que esta abertura de convênios acabe ocupando estas
lacunas, privatizando exogenamente o sistema.
Percebe-se que os limites entre a concessão de autonomia, desconcentração e
privatização oculta turvam-se facilmente: a concessão de autonomia curricular com a
abertura da possibilidade de firmar convênios, e a falta da presença do estado, levam a
possibilidade de uma (por hora) tímida privatização do ensino, confirmando o risco destas
iniciativas.
Os artigos 13 e 14 tratam da instituição de uma política de fomento à escola
integral, que claramente recebe favorecimento por parte da nova lei, que garante
disponibilidade de recursos financeiros apenas às escolas que optem pelo regime integral,
em detrimento do meio período. O artigo 13 determina os elementos que os termos de
compromisso devem apresentar para a implementação da escola integral, enquanto o
artigo 14 fornece algumas garantias:
Art. 14. São obrigatórias as transferências de recursos da União aos
Estados e ao Distrito Federal, desde que cumpridos os critérios de
elegibilidade estabelecidos nesta Lei e no regulamento, com a
finalidade de prestar apoio financeiro para o atendimento de escolas
públicas de ensino médio em tempo integral cadastradas no Censo
Escolar da Educação Básica, e que:
I - tenham iniciado a oferta de atendimento em tempo integral a partir
da vigência desta Lei de acordo com os critérios de elegibilidade no
âmbito da Política de Fomento, devendo ser dada prioridade às regiões
com menores índices de desenvolvimento humano e com resultados
mais baixos nos processos nacionais de avaliação do ensino médio; e
II - tenham projeto político-pedagógico que obedeça ao disposto no art.
36 da Lei nº 9.394, de 20 dezembro de 1996.

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§ 1º A transferência de recursos de que trata o caput será realizada com
base no número de matrículas cadastradas pelos Estados e pelo Distrito
Federal no Censo Escolar da Educação Básica, desde que tenham sido
atendidos, de forma cumulativa, os requisitos dos incisos I e II
do caput.
§ 2º A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de
valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para
atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação.

Percebe-se então que ocorre uma concessão de autonomia no âmbito financeiro,


mas apenas para as escolas integrais, e ainda com ressalvas mediante o atendimento das
exigências da lei de fomento e disponibilidade do valor. Os repasses também serão feitos
proporcionalmente ao número de alunos matriculados anualmente.
A prática de “pagar por cabeça” também é acusada por Ball (2008), de ser um
método de privatização endógena, pois induz colégios próximos a competir por alunos,
prejudicando o ensino nas escolas que eventualmente percam matriculas. A intenção de
levar as escolas a competir para atrair alunos acaba por prejudicar alguns colégios em
beneficio de outros, sendo os estudantes também indiretamente atingidos.
Embora a lei não exija que as escolas adotem o regime de tempo integral, percebe-
se uma pressão neste sentido, pois as escolas de meio período não têm recursos garantidos
na lei para implementar as novas grades curriculares, o que pode obrigar a uma migração
em massa para modelos de escola integral, mesmo sem desejo, a priori, de tal mudança,
mostrando como a autonomia Decretada nesta lei pode vir seriamente comprometida pela
ausência de opções para viabilizar as alternativas que muitos colégios eventualmente
adotariam.

Considerações finais
Este Trabalho buscou identificar se o fenômeno da privatização oculta esta
presente Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, bem como os aspectos da autonomia e
da descentralização dentro da gestão escolar que foram alterados pelo texto.

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No âmbito da descentralização não identificamos nada no texto que indique
promover descentralização da estrutura atual do ensino. Pelo contrário, as metas
quantitativas de desempenho que passam a ser definidas pela união mostram uma
centralização do processo avaliativo das instituições de ensino. A concessão de maior
autonomia curricular evanesce diante da obrigação de harmonizar os conteúdos
específicos com a BNCC e atender a metas estipuladas pela União.
No âmbito curricular, nota-se ainda uma desconcentração das responsabilidades
sobre o mesmo, uma vez que obriga que um percentual mínimo da grade curricular seja
determinado pela escola, sem para isso conceder autonomia, uma vez que o currículo a
ser proposto pela escola obrigatoriamente devera estar harmonizado com a BNCC,
representando um aumento das obrigações sem uma contrapartida à altura.
As questões mais explícitas que puderam ser identificadas neste trabalho
encontram-se atreladas artigo 4º, que nitidamente leva o Ensino Médio a um processo de
privatização oculta exógena, por propor o uso de parcerias com a iniciativa privada para
suprir necessidades curriculares.
A lei em si discretamente obriga as escolas a adotar sistemas de educação
integral, pois não garante margem orçamentária suficiente para as escolas regulares.
Pudemos perceber, ainda, que os artigos da Lei 13.415 de 16/02/2017 além de
possuírem elementos de privatização oculta (endógena e exógena) claramente
identificáveis, desconcentra a construção do currículo e resiste à concessão de autonomia,
pois na mesma proporção que a disponibiliza, também a restringe, tanto nos âmbitos
curriculares quanto financeiros, sendo estes dois aspectos da autonomia os únicos que, de
alguma forma, tiveram a dinâmica alterada no texto. A tendência desestatizante pela qual
passa a Educação Brasileira se mantem.
Mais estudos avaliando as mudanças que não alteram os aspectos diretamente
abordados neste trabalho são necessários para avaliar o impacto total que o texto da lei

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emancipação humana
terá na educação. Como a privatização oculta costuma agir como um anteposto da
privatização propriamente dita, renova-se a necessidade de atenção frente às mudanças
que os governos propõem à população, e de medidas no sentido de proteger e garantir
uma escola pública de qualidade acessível à todos.
Esforços a fim de buscar uma delimitação mais clara entre o que são medidas
que aumentam autonomia e/ou descentralizam, e medidas desconcentrantes e de
privatização oculta são necessários, pois podem ajudar futuramente a compreender de
forma mais rápida e precisa a natureza de novas reformas que surjam, e a construção de
pautas mais assertivas em torno da educação.

Referências bibliográficas

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subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. Educação & Sociedade, Campinas-
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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http://escoladegestores.mec.gov.br/site/4sala_politica_gestao_escolar/pdf/conselho_esc
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BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 9394/96.


Brasília: 1996.

Autores:
Diego Minuzzo
Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR
Ana Claudia de Oliveira Guizelini Merli
Universidade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR
POLÍTICAS EDUCACIONAIS NA ORDEM DO CAPITAL: UMA
ANÁLISE NECESSÁRIA
Aroldo José Bichaco
Tania da Costa Fernandes

Introdução

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Neste texto, temos como principal objetivo compreender e problematizar o
direcionamento que tem sido dado às políticas educacionais brasileiras, no contexto das
tendências e imposições do capitalismo mundial.
Para isso, num primeiro momento, apresentamos as características gerais que
configuram o sistema capitalista, colocando nosso problema de pesquisa em perspectiva
ao apresentarmos o contexto de nossa discussão e análise e, brevemente, indicamos neste
contexto a forma como o lucro é obtido, o papel do Estado burguês, as crises periódicas
e a globalização. Na sequência, abordamos como a crise econômica mundial, iniciada nos
anos 1970, motivou mudanças profundas nas configurações do trabalho, com o
predomínio do toyotismo. Por fim, analisamos como a política educacional brasileira,
sobretudo nas últimas três décadas, foi direcionada para atender aos interesses do
mercado, no âmbito do neoliberalismo.
O estudo, pautado numa pesquisa bibliográfica de análise qualitativa, está atrelado
ao Grupo de Pesquisa, CNPQ, Políticas Públicas, Currículo, Gestão e Sociedade e ao
Programa de Estudos Complementares em Currículo e Gestão da Educação – PROEGE,
ambos desenvolvidos na Universidade Estadual de Londrina.

Desenvolvimento
Breves considerações sobre o capitalismo: colocando o problema de pesquisa em
perspectiva
A forma como uma sociedade organiza a produção e distribuição dos recursos
básicos necessários à reprodução da vida diárias das pessoas é capaz de moldá-la. Numa
sociedade capitalista, quase a totalidade daquilo que é produzido é direcionado ao
mercado, assim como praticamente tudo o que necessitamos para o nosso dia a dia
também vem do mercado. Esse modo de organizar a vida material despontou na história

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emancipação humana
da humanidade por volta dos séculos XVI e XVII, a princípio na Inglaterra, e tornou-se
maduro no século XIX, já no contexto da Revolução Industrial (WOOD, 2003).
Marx destaca que foi essencial para a estruturação das relações de produção
capitalistas o surgimento de pessoas que, no contexto histórico inglês dos séculos XVI,
XVII e XVIII, expulsas dos campos pelo processo dos cercamentos, não tivessem
qualquer posse e outros meios de sobrevivência que não a venda de sua força de trabalho
a um patrão, proprietário dos meios de produção, em troca de um salário, o qual passaria
a ser utilizado para pagar por comida, roupas, moradia etc., ou seja, os recursos básicos
necessários à reprodução da vida (MARX, 1985).
Os lucros dos capitalistas vêm da exploração do mais-valor sobre o trabalho, ou
seja, da diferença entre os salários que pagam pelo tempo de aplicação da força de
trabalho dos trabalhadores e os preços que conseguem no mercado pelos produtos que
esses últimos efetivamente produzem. A princípio, os capitalistas podem até negar a
exploração, tendo em vista que eles pagam pela força de trabalho por um tempo
determinado, no entanto, é fato que os trabalhadores não recebem o equivalente a tudo o
que sua força de trabalho é capaz de produzir (MARX, 1985; WOOD, 2003).
Também é importante destacar que no sistema capitalista há uma competição
constante entre os capitalistas por recursos, força de trabalho e para a venda daquilo que
é produzido no mercado, tornando o lucro incerto. Nessa lógica, os capitalistas são sempre
impelidos à busca pela melhora da produtividade e para a redução dos custos do trabalho,
tendo em vista sempre uma melhor posição e lucros em ascensão no contexto de um
mercado altamente competitivo. É constante também, seguindo esse raciocínio, a
necessidade de investimentos frequentes e o acúmulo de capital.
Outro fator importante a ser considerado é com relação à estrutura do Estado, que
no caso do capitalismo, podemos chamar de Estado burguês. De acordo com Lefebvre
(1968), Saes (1998) e Lênin (1983), esse Estado, com todo o seu aparato burocrático

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(tribunais, secretarias, ministérios, departamentos etc.) e repressivo (polícias, exército
etc.), serve aos interesses dos grupos dominantes e à reprodução das relações de produção
capitalistas. Os negócios precisam de regularidade, regras claras, regulamentos e
instituições fortes para fazer com que tudo isso seja cumprido, inclusive diante de
possíveis contestações.
Por criar um ambiente altamente competitivo no mercado, o capitalismo exige o
incremento contínuo da produtividade do trabalho, com inovações tecnológicas e a busca
constante pelo crescimento econômico. Mas justamente por isso, o capitalismo também
está sujeito a períodos de estagnação e queda geral da taxa de lucros, ou seja, períodos de
crise, em que são comuns tanto a superprodução quanto a capacidade ociosa. Nesses
contextos de crise, são comuns a busca por novos mercados e recursos e as pressões para
a redução dos custos de mão de obra. Esse movimento gera ainda mais competição e o
encolhimento do mercado consumidor, já que menores custos de mão de obra também
significam menores recursos nas mãos dos trabalhadores (WOOD, 2003).
Mesmo quando tratamos da globalização, com o amplo crescimento da
desigualdade entre ricos e pobres, o direcionamento de todo o globo de acordo com os
interesses do capital e a ampliação irresponsável da degradação ambiental, ainda assim,
em essência, estamos tratando do capitalismo, sujeito às imposições do mercado e a uma
tendência geral de busca por novos mercados, recursos e mão de obra barata (WOOD,
2003).

A crise dos anos 1970 e as novas configurações do trabalho: adensando o contexto


analisado
O sistema capitalista, em que pese o fato de que potências capitalistas tenham
dominado territórios e formado impérios coloniais, permitiu o surgimento de um novo
modelo de controle imperial, que abriu mão do domínio político e militar direto, ao passo

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
que cada vez mais regiões do globo passaram a serem submetidas a fortes interesses
econômicos e às regras do mercado, de acordo com os ditames do capital. Essa nova
forma de dominação se impôs definitivamente somente na segunda metade do século XX
e a nação que assumiu a sua dianteira foi os Estados Unidos.
Para auxiliar essa nova forma de domínio imperial, foram criadas uma série de
instituições capazes de direcionarem as diversas nações do planeta, de acordo com os
interesses do capital imperial e gerenciar todo o sistema. Dentre essas instituições
podemos citar o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Banco Mundial e o GATT
(General Agreement on Tariffs and Trade, predecessor da OMC – Organização Mundial
do Comércio) (WOOD, 2003).
Nos anos 1970, o mundo se viu às voltas com uma grave crise econômica,
relacionada em grande parte a uma crise de superprodução e a uma acentuada queda das
taxas de lucros. Diante desse novo cenário, as grandes potências capitalistas, em especial
Estados Unidos, buscaram novas formas de aplicar o capital que não gerava mais lucros
na produção, se aproveitando do controle que tinham sobre o sistema financeiro
internacional para facilitar a movimentação de capitais e gerar lucros por meio da
especulação financeira. Ainda, nesse sentido, como veremos mais adiante, uma série de
condições foram impostas a países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, de
forma que pudessem se adaptar a essas novas necessidades (WOOD, 2003).
Também relacionado a esse contexto de crise internacional, João Bernardo (2004)
e Cláudio Katz (1995) nos ajudam a compreender as alterações promovidas no interior
do sistema capitalista internacional nas formas de organização e controle da força de
trabalho, que levou à mudança do taylorismo para o toyotismo. Basicamente, o que
ocorreu nesse período e vem se desenvolvendo até os dias atuais, está perfeitamente
adequado à lógica capitalista de busca constante da ampliação da produtividade e da
redução de custos do trabalho, com vistas à elevação das margens de lucro.

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emancipação humana
João Bernardo (2004) aponta, inclusive, o clima de contestação crescente dos
trabalhadores nos anos 1960 e 1970, com uma intensa atividade sindical e greves, como
um dos motivadores da crise econômica mundial que teve início nos anos 1970. Esse
clima de contestação, aliado à superprodução e à queda geral das margens de lucros levou
à conclusão de que era necessário um maior controle sobre a força de trabalho e uma
drástica redução dos custos da mão de obra.
Em substituição ao modelo taylorista, que havia predominado no mundo desde as
primeiras décadas do século XX, com suas linhas de montagem, intensa divisão de
tarefas, fábricas gigantescas, grandes estoques e rígido controle sobre a atuação dos
trabalhadores, foi se impondo a partir dos anos 1970 o modelo toyotista. No modelo de
organização da produção toyotista, surgido originalmente nas fábricas japonesas da
Toyota, os trabalhadores passaram a ser divididos em pequenas equipes de trabalho, essas
equipes passaram a poder tomar algumas pequenas decisões e seu conhecimento passou
a ser aproveitado pelas empresas visando à melhoria dos processos de produção; os
trabalhadores ficaram também encarregados de fazer o controle de qualidade da
produção; as fábricas deixaram de acumular grandes estoques; e partes da produção foram
passadas à responsabilidade de fornecedores, ou seja, terceirizadas, de maneira, inclusive
a separar fisicamente os trabalhadores, evitando sua organização e atuação política
(BERNARDO, 2004; KATZ, 1995).
No âmbito do toyotismo, podemos entender que houve um aprofundamento dos
métodos de controle e exploração da força de trabalho próprios do taylorismo. Houve a
flexibilização tanto da produção, quanto das regras e leis que organizavam a força de
trabalho, precarizando ao máximo as condições de trabalho, em benefício do aumento das
margens de lucros dos capitalistas. Foi por essa época, por exemplo, que passaram a se
tornar comuns as modalidades de trabalho parcial, temporário e o aluguel da força de
trabalho (terceirização) (BERNARDO, 2004; KATZ, 1995).

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emancipação humana
Esse novo cenário, com suas exigências de qualificação da mão de obra para a
ampliação da produtividade do trabalho, teve graves efeitos sobre as políticas
educacionais desenvolvidas nos mais diversos países sujeitos às imposições do mercado,
no âmbito do capitalismo globalizado. Um desses efeitos foi o direcionamento das
políticas educacionais quase que exclusivamente à preparação para o trabalho, em
detrimento de uma formação crítica e emancipadora.

As políticas educacionais na perspectiva do capital


As políticas neoliberais, cujo ideário foi elaborado logo após a Segunda Guerra
Mundial por homens como Hayek, Mises, Friedman, entre outros, se tornaram
hegemônicas no mundo entre os anos 1970, período em que teve início uma grave crise
econômica internacional, como destacamos, e no início dos anos 1990, momento em que
o mundo estava às voltas com mais uma situação de recessão. Em seu cerne, essas
políticas promoveram o constante desmantelamento das políticas de bem-estar social
(saúde pública, educação pública, previdência social, legislação trabalhista etc.),
privatizações de empresas estatais e de serviços públicos (fornecimento de água, energia
elétrica, coleta de esgoto etc.), a redução de impostos para os rendimentos mais elevados
e, dentre outras medidas, a ampliação das taxas de desemprego para gerar instabilidade
no mercado de trabalho e inviabilizar os sindicatos, que com suas constantes demandas
salariais, seriam os grandes vilões a exaurir as possibilidades de lucros da empresas.
Também houve a redução da atividade reguladora e disciplinadora do Estado sobre a
economia, a flexibilização das relações de trabalho e abertura das economias nacionais
ao capital internacional (ANDERSON, 1995; SAES, 2001).
Por essa época, nos anos 1980 e início dos anos 1990, o Brasil vivia o contexto da
redemocratização. Estávamos saindo de um período de mais de 20 anos de ditadura civil-
militar e amargávamos uma grave crise econômica, com altos níveis de desemprego,

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emancipação humana
inflação e uma dívida externa que não parava de crescer. Para conter os efeitos dessa
crise, o Brasil, seguindo a lógica de inúmeros outros países em desenvolvimento, teve
que recorrer a empréstimos de agências financeiras multilaterais, tais como o Banco
Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Como contrapartida a esses
empréstimos, o país teve que aderir, o que foi apoiado pelos governos do período, às
reformas estruturais de características neoliberais, tais como as expostas no parágrafo
anterior.
O auge das políticas neoliberais empreendidas no Brasil, durante os anos 1990,
ocorreu nos governos de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, que teve um forte apoio
no Congresso Nacional de partidos como PMDB e PFL (atual DEM) para aprovação de
reformas estruturais. É preciso destacar, no entanto, que de certa forma, as políticas
neoliberais continuaram avançando no Brasil, mesmo durante as gestões petistas (PT),
nos primeiros anos do século XXI. Houve uma ampla reforma do Estado brasileiro, com
a privatização de empresas públicas, quebra de monopólios como o da Petrobrás sobre o
petróleo, flexibilização das leis trabalhistas, redução dos gastos públicos e abertura da
economia nacional aos investimentos internacionais.
Os direitos sociais, adquiridos ao longo de décadas de mobilizações, foram
tratados como entraves ao desenvolvimento e privilégios que não deveriam ser
preservados. Foi nesse quadro que se deu a redefinição das políticas educacionais
brasileiras, em consonância com os princípios neoliberais, que tratam a educação como
elemento essencial para a sua concretização.
Nossa política educacional passou por profundas mudanças, fortemente
influenciadas pelas políticas das agências multilaterais de financiamento, com destaque
para o Banco Mundial. As propostas de reformas na educação defendidas pelo BM eram
justificadas com o discurso de que elas viabilizariam o desenvolvimento do país e a
redução da desigualdade social. Os investimentos deveriam ser centralizados na educação

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emancipação humana
básica, como uma forma de otimizar a rentabilidade econômica e diminuir a pobreza. Em
conformidade com tais políticas e os interesses por elas deflagrados, não se falava em
ampliação dos recursos destinados ou na melhoria das condições de trabalho e salário dos
profissionais envolvidos com a educação. A qualidade na educação seria alcançada
mesmo com a redução das despesas dos governos com o ensino público, com a
descentralização das ações e do financiamento e parcerias com o setor privado. Além
disso, a educação básica deveria se restringir a habilidades mínimas como saber ler,
escrever e calcular, o mínimo necessário para formar a força de trabalho, de acordo com
os interesses do mercado (MARONEZE; LARA, 2009).
Ideologicamente, a educação ajudaria a reforçar os argumentos que justificavam
as reformas neoliberais. Para as agências multilaterais, a educação não apenas explicaria
o baixo crescimento econômico, como também seria o meio a partir do qual seria possível
melhorar a rentabilidade econômica dos países. Ao invés de se apontar as relações de
produção capitalistas como as responsáveis pelas mazelas sociais, essas passam a ser
explicadas a partir do baixo nível de desenvolvimento educacional do país, que
reduziriam as oportunidades de emprego e desenvolvimento pessoal (MARONEZE;
LARA, 2009).
De acordo com Gaudêncio Frigotto (2010), nesse contexto passou a predominar
com relação à educação o conceito de capital humano. A educação deixa de ter
importância pelo seu aspecto de formação humana de pessoas críticas e reflexivas e o que
passa a ser largamente defendida é a ideia da escolaridade, treinamento e mesmo o
adestramento para o trabalho. A teoria do capital humano enaltece a visão de homem, de
sociedade e os valores do modo de produção capitalista, ao mesmo tempo em que
escamoteia sua capacidade para gerar desigualdade e exclusão social. Tanto a ascensão
social de cada indivíduo, como a melhora dos índices econômicos dos países só poderiam
ser obtidos a partir do investimento em um certo tipo de escolarização, capaz de melhorar

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emancipação humana
a produtividade do trabalho. A esse respeito, podemos associar a ideia da meritocracia, a
partir da qual a pobreza, o sucesso ou o insucesso de cada indivíduo estão relacionados
única e exclusivamente às suas habilidades e capacidades individuais.

Considerações finais
Inicialmente, apontamos que a forma como uma sociedade organiza a produção e
a distribuição dos recursos básicos necessários à reprodução da vida diárias das pessoas
é capaz de moldá-la. Sendo assim, acreditamos, diante do que foi exposto até aqui, que
não restam dúvidas acerca da capacidade que tem o sistema capitalista mundial de
direcionar os mais variados aspectos de nossas vidas, desde a forma como trabalhamos
até a forma como funcionam as escolas e são formadas as futuras gerações, tendo em vista
sempre a manutenção das relações de produção capitalistas.
Nas últimas décadas, ficou claro que a política educacional brasileira foi
planejada, elaborada e desenvolvida para atender aos interesses de organismos
internacionais, tais como o FMI e o Banco Mundial, de maneira a adequar o país aos
ditames do neoliberalismo que, como vimos, começou a se impor a partir dos anos 1970,
diante de uma situação de grave crise econômica mundial.
Mas, mesmo diante desse panorama um tanto desalentador, acreditamos ser
possível encontrar formas de resistências. Para Ellen M. Wood,
Por mais livremente que o capital se mova ao redor do mundo,
ignorando fronteiras territoriais, a verdade é que ele ainda depende tanto
quanto sempre dependeu (ou mais) do suporte local, especialmente
aquele proporcionado pelos Estados nacionais. Isso significa que as
forças verdadeiramente democráticas, no nível local e nacional, dentro
ou fora do Estado, podem fazer uma real diferença (WOOD, 2003, p.
49).

Dessa forma, embora saibamos que as possibilidades de reforma do capitalismo


sejam limitadas, diante de sua própria natureza umbilicalmente atrelada aos imperativos

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
do mercado, os trabalhadores podem e devem exercer pressão, sejam organizados
livremente, por meio de movimentos sociais ou por meio de seus sindicatos, de maneira
a conseguir melhorias efetivamente possíveis em suas condições de vida e trabalho. Daí
nosso esforço, neste estudo, de fazermos a necessária denúncia e revelarmos, sobretudo
aos trabalhadores vinculados à educação, de modo sistemático, com argumentos e
referenciais teóricos consistentes, as implicações deste contexto sócio-político e
econômico capitalista ao manipular e orientar, em favor dos interesses e demandas do
capital, nossas diretrizes, projetos e políticas educacionais.

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Autor/a:

Aroldo José Bichaco


e-mail: bichaco.hist@gmail.com
Tania da Costa Fernandes
Universidade Estadual de Londrina / UEL
e-mail: taniafernandes@uel.br

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emancipação humana
DESAFIOS À EDUCAÇÃO NO INSTITUTO FEDERAL DO
PARANÁ: FORMAÇÃO POLITÉCNICA E A PEDAGOGIA
HISTÓRICO CRÍTICA
Izaias Costa Filho
Maria de Fátima Rodrigues Pereira

Introdução
Este texto é sobre a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) e a possibilidade de sua
afirmação por meio da Política de Cotas e da Política de Assistência ao Estudante no
Instituto Federal do Paraná (IFPR). O IFPR é uma instituição pública federal que está
vinculada ao Ministério da Educação (MEC), que tem suas atividades na oferta gratuita
de Educação Profissional (EP) e tecnológica em diferentes modalidades e níveis de
ensino. Pode se dizer que, no Brasil, historicamente, a EP tem raiz nas múltiplas
mediações históricas que concretizam este processo educativo que se caracterizou,
predominantemente, por visões assistencialistas, a formação técnica para o mercado de
trabalho. Todavia, na contramão e no sentido da EP do interesse da classe trabalhadora,
propõe-se a uma educação politécnica. No atual contexto de reestruturação dos níveis de
acumulação do capital, a disputa pela formação da classe trabalhadora é acirrada e, desta
forma, a EP é impulsionada pela divisão social do trabalho. O capital impõe-lhe,
politicamente, os contornos que lhe favorecem a formação da mão de obra que lhe
interessa. De outro lado, forças ligadas a projetos de superação de atuais relações de
produção da vida vêm a lume propor e defender uma educação politécnica, emancipatória,
o que se desenha com as contribuições da PHC. A criação dos IFs se assenta nessa
conjuntura de disputas em que a EP tem atendido, predominantemente, à formação de
técnicos para o imediato mercado de trabalho ou a formação propedêutica. Nesta
totalidade em que se inscreve a educação no seio das formações sociais em que

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emancipação humana
predominam os interesses do capital, em tela a EP, a PHC tem em suas mãos a
possibilidade de mediar e contribuir com políticas transformadoras desta sociedade e por
meio das políticas implementadas no IFPR, pode-se perceber que encontra seu espaço
para sua concretização.

Os IFs como possibilidade de implantar a PHC


Atualmente não é possível compreender uma possibilidade de transformação
sem a apropriação de fundamentos políticos e científicos que potencializem práticas
educacionais de formação integral do homem que contribuam para estágios mais
avançados da vida. A criação dos IFs, desde os primeiros momentos, esteve sempre ligada
ao conjunto de políticas para a EP e tecnológica comprometida no todo social do Governo
Federal, com uma concepção onde “em nenhuma das perspectivas anteriores, os projetos
do ensino médio e profissional estiveram centrados nos sujeitos. Sua função formativa
esteve sempre, historicamente, subsumida ao caráter economicista da educação, que se
tornou hegemônica na sociedade” (CIAVATTA; RAMOS, 2011, p. 31).
Neste interim, os IFs se apresentam com possibilidades de se fazerem escolas
que superem esse economicismo, e encontra muitos defensores com o objetivo da
construção de uma EP voltada para a
politecnia como uma utopia sempre em construção, como uma
concepção que compreende o trabalhador como sujeito de realizações,
de conhecimentos e de cultura, capaz de transformar a realidade dada
em realidade para si (RAMOS, 2011, p. 114).

Com o desenvolvimento de investimento e a expansões dos IFs em todo o país


(38), com um corpo de docentes na sua maioria com mestrado e doutorado
[...] essas instituições estariam em condições de realizar esse projeto no
nível médio como nunca antes na história, podendo constituí-lo como
base para a formação em nível superior comprometida com um outro
projeto de nação que não o da dependência” (RAMOS, 2011, p. 114).

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emancipação humana
Diante destas disputas em que o ensino médio faz parte da conjuntura na qual está
inserido o jovem no mundo do trabalho, este nível de ensino “tem uma função estratégica
central dentro da construção de uma nação no seu âmbito cultural, social, político e
econômico e é condição para uma relação soberana e, portanto, não subalterna e
colonizada com a demais nações” (FRIGOTTO, 2005, p. 72-73). De acordo com a sua
Lei de criação, Lei N o 11.891/2008, no seu artigo 8o, os IFs devem oferecer o mínimo de
50% de suas vagas para atender o EP técnico de nível médio, prioritariamente na forma
de cursos integrados (BRASIL, 2008, p. 1) e desta forma tornam-se atualmente
importantes instituições formadoras deste nível de ensino, abrindo uma possibilidade de
atuação para que se compreenda que

o que persegue não é somente atender a essa necessidade, mas mudar


as condições em que ela se constitui, é também uma obrigação ética e
política garantir que o ensino médio se desenvolva sobre uma base
unitária para todos. Portanto, o ensino médio integrado ao ensino
técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição
necessária para fazer a “travessia” para uma nova realidade
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 43).

Neste sentido é possível pensar e fazer uma formação humana com os estudantes
dos IFs que compreenda a integração de todas as extensões da vida, ou seja, um processo
formativo de unidade entre o trabalho, a ciência e a cultura. Trata-se de uma formação
que proporcione aos estudantes,
a compreensão do processo histórico de produção científica,
tecnológica e cultural dos grupos sociais considerada como
conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente, para a
transformação das condições naturais da vida e para a ampliação das
capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos. Ao mesmo
tempo, é pela apreensão dos conteúdos históricos do trabalho,
determinados pelo modo de produção no qual este se realiza, que se
pode compreender as relações sociais e, no interior dessas, as condições
de exploração do trabalho humano, assim como de sua relação com o
modo de ser da educação (CIAVATTA; RAMOS, 2011, p. 32).

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emancipação humana
Os IFs têm em suas mãos a possibilidade de proporcionar aos seus estudantes,
esta formação que ofereça uma visão além da expressão fenomênica de compreender a
realidade da qual fazem parte, em que a apropriação do conhecimento historicamente
produzido ganhe significado ético e político na construção de um modo de existência que
supere a alienação de homens por outros homens. Duarte esclarece como proceder e como
a educação pode contribuir para superar as consequências que este metabolismo causa,
em especial a alienação, pois trata-se de “[...] um processo de incorporação e superação
das forças humanas desenvolvidas nessa sociedade, o que inclui os conhecimentos, ou
seja, a apropriação da ciência, da arte e da filosofia como parte das forças essenciais
humanas” (DUARTE, 2014, p. 42).
Ao ter-se o entendimento de que a educação pode ser uma mediação na
transformação da formação social atual, superando as práticas hegemônicas, é possível
dizer que a EP politécnica vislumbra a possibilidade de uma visão crítica, que leva em
conta o papel ativo dos IFs na formação de seus estudantes, realizando uma integração
com outros setores da sociedade à luz dos determinantes históricos e sociais deste mundo
hodierno.
Esta concepção de EP pode contar com a PHC, desenvolvida a partir dos anos
80 por Demerval Saviani e hoje por tantos educadores que se juntam para constituir e
implantar uma pedagogia possível nos IFs que propicie esta formação politécnica.
De acordo com Saviani (2007), na década de 80 se constituíram pedagogias75 em
busca de alternativas que fossem contra a pedagogia oficial, ou seja, contra hegemônicas,
que atendessem os interesses da classe dominada.
A PHC, fundamenta-se em uma teoria que entende a prática educativa que pode
mediar a transformação no interior da prática social, seguindo “[...] as trilhas abertas pelas

75
Pedagogias da educação popular, Pedagogias da prática, Pedagogia crítico-social dos conteúdos e
Pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2012).

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emancipação humana
agudas investigações desenvolvidas por Marx sobre as condições históricas de produção
da existência humana que resultaram na forma da sociedade atual dominada pelo capital”
(SAVIANI, 2011, p. 422).
Sendo assim,
uma de suas características fundamentais é que ela se posiciona
claramente a favor dos interesses dos trabalhadores, isto é, da classe
fundamental dominada na sociedade capitalista. Daí seu caráter de
pedagogia contra-hegemônica inserindo-se na luta pela transformação
da sociedade atual (SAVIANI, 2014. p. 12).

Em uma prática social em que o metabolismo tem o capital como dominante,


esta mediação dá condições ao estudante dos IFs conhecer de que forma está estruturada
a formação social na qual se insere. É importante lembrar que esta abordagem
teórico/prática só existe porque há na sociedade a luta de classes que se expressa também
nas lutas pela EP de ensino médio imposta pelo Estado por meio seu poder dominante.
Em uma formação social como a brasileira,
[...] os professores podem integrar-se, ainda que não intencionalmente,
na luta de classes da burguesia desempenhando o papel de contornar
acidentes da estrutura, de impedir que as contradições estruturais
venham à tona, de segurar a marcha da história, de consolidar o status
quo, quando podem desempenhar o papel inverso de, a partir dos
elementos de conjuntura, explicitar as contradições da estrutura,
acelerar a marcha da história, integrando-se na luta de classes do
proletariado e contribuindo, assim, para a transformação estrutura da
sociedade (SAVIANI, 2014. p. 12).

Mas como podem os docentes contribuir para superar as contradições do


capitalismo e suas consequências, em especial a alienação no seio da EP nos IFs? Duarte
nos responde que para isso “[...] é necessária a apropriação do conhecimento produzido
ao longo da história da humanidade. É necessária portanto, uma educação escolar que
socialize as ciências, as artes e a filosofia” (DUARTE, 2014, p. 43).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Para tanto, encontram-se na educação politécnica por meio da PHC subsídios para
que estes conhecimentos possam ser trabalhados e apropriados pelos estudantes do IFs,
abrindo possibilidades de superação de níveis de alienação.
Considerando que os IFs gozam de autonomia administrativa, patrimonial,
financeira, didático-pedagógica e disciplinar, embasada pela Lei de sua criação (BRASIL,
2008, p. 1), podem desenvolver políticas como meio educativo que possibilite uma
transformação social.
O IFPR como promotor da PHC
No IFPR, observa-se que mesmo não estando explícita a definição da politecnia
por meio da PHC, é possível observar que encontram-se nas Resoluções, instruções
normativas e editais, elementos que podem ser identificados com esta proposta educativa.
Uma das políticas implementadas é a de inclusão social, que conforme o Edital
do Processo Seletivo para ingresso em 2018, No 011/2017, está de acordo com as
propostas do documento Concepções e Diretrizes dos IFs76 (MEC, 2010), e nas palavras
de Silva et al (2009, p. 7) "o foco dos institutos federais é a promoção da justiça social,
da equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social [...]". Para
tanto, segundo o edital citado, 60% das vagas são referentes à cota de inclusão social,
10% para cota de inclusão racial, 5% para cota de indígenas e 5% para cota de estudantes
com deficiência, ou seja, 80% das vagas são para inclusão social (IFPR, 2017).
Outra política no IFPR está apontada na Resolução N° 011/2009 (IFPR, 2009),
que implementou a Política de Assistência ao Estudante no IFPR, na qual os programas
deverão ser aplicados de acordo com os princípios da Educação Integral (formação geral,
profissional e tecnológica), Resolução que está em vigor, sendo assim, compreende-se

76
Documento elaborado pela SETEC em 2010, que define os fundamentos dos IFs.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
que cabe à gestão garantir que esses princípios se tornem prática, além de implementá-
los em suas ações da assistência ao estudante.
Nesta política, destacam-se dois Programas, o primeiro é o Programa de
Assistência Complementar ao Estudante (PACE), que se torna fundamental para garantir
os auxílios de alimentação, moradia, transporte e aquisição de material didático para
aqueles que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica possam assegurar, como a
própria Resolução n° 011/2009 traz em seus artigos, a permanência e melhoria no
desempenho acadêmico e conclusão do curso dos estudantes bolsistas.
O segundo é o Programa de Bolsas de Inclusão Social (PBIS) onde a PHC
encontra sua maior oportunidade no âmbito do IFPR. De acordo com os editais deste
Programa, é possível desenvolver projetos onde os estudantes bolsistas são inseridos para
desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão. Porém cabe destacar que acordo
com os editais do PBIS do IFPR dos últimos três anos, houve uma mudança de
direcionamento de investimento no programa. Segundo o Edital do PBIS Nº 008/2016, o
valor total destinado para atender ao programa foi de R$ 1.659.000,00 (IFPR, 2016); para
o Edital Nº 012/2017 foi destinado somente R$ 210.000,00 (IFPR, 2017) e; para o Edital
Nº 007/2018, foi reservado R$ 240.000,00 (IFPR, 2018). No atual contexto, com a
restrição orçamentaria do PBIS, fica prejudicada a possibilidade de implantação da PHC
no IFPR.

Considerações finais
Esta comunicação apresenta a PHC enquanto possibilidade da superação dos
graus de alienação, uma prática educativa que pode vir a mediar a transformação no
interior da prática social. No conjunto das pedagogias contra hegemônicas procura-se
identificar que a politecnia conta com a PHC e encontra possibilidades de se efetivar
internamente no IFPR por meio das políticas implementadas. Para tanto, a política de

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
cotas de inclusão social de 80% de ingresso, bem como com a Política de Assistência ao
Estudante por meio do PBIS e PACE, pode colaborar na garantia da permanência do
estudante bem como na formação na perspectiva apontada neste texto. Todavia, a garantia
desta condição está submetida às lutas de classe.
Entende-se, que dessa maneira, aos estudantes do IFPR, pode se disponibilizar a
apropriação de conhecimentos, científicos, artísticos e filosóficos e, assim potencializar-
se a superação de graus de alienação, caso contrário as políticas de assistência se
configuram, apenas, como compensatórias de alívio da pobreza, próprias de governos que
se orientam por ideário neoliberal.
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Institutos Federais: Lei 11892, de 29/12/2008: Comentários e Reflexões. Natal-RN:
IFRN Editora, 2009.

Autores:
Izaias Costa Filho
Instituto Federal do Paraná / IFPR
Maria de Fátima Rodrigues Pereira
Universidade Tuiuti do Paraná / UTP
ENSINO MÉDIO A PARTIR DA LDB/1996: A NECESSIDADE DA
FORMAÇÃO INTEGRAL DO HOMEM E DA TRANSFORMAÇÃO
SOCIAL PARA ALÉM DAS REFORMAS EDUCACIONAIS
Debora Cristine Trindade Zank

Introdução
Partindo da necessidade de compreender a atual reformulação do Ensino Médio,
o chamado Novo Ensino Médio, se faz necessário o levante histórico das Reformas
Educacionais, que neste trabalho estão delimitadas a análise documental a partir da
publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) até as
reformulações na atualidade, expondo especialmente os ditames principais da Medida
Provisória (BRASIL, 2016) e da Lei 13.415 (BRASIL, 2017).
Com efeito, para entender a necessidade e os objetivos de uma reforma
educacional com essa amplitude, é preciso primeiramente compreender que a educação
não está desatrelada ao contexto social, político e econômico, ou seja, a análise de

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conjuntura com revistas aos interesses do capital e do mercado de trabalho se faz
necessária paralela a leitura e compreensão dos documentos em questão.
Por fim, este artigo pretende provocar a reflexão, tendo como principais fontes
teóricas Dermeval Saviani e Newton Duarte, sobre a necessidade de uma reforma para
além dos ditames do capital, discutir sobre a necessidade de uma reforma que dê aos
filhos da classe trabalhadora uma formação universal, que supere a espontaneidade e que
não esteja desprendida do compromisso com a transformação e formação do homem e de
uma nova sociedade.

Histórico de Reformas Educacionais no Ensino Médio (1996-2017)


A história do Ensino Médio no Brasil é cerceada de disputas especialmente no
que diz respeito a sua identidade e finalidade. Ora é entendido como um território de
formação para ingresso no Ensino Superior, ora é colocado para atender a demanda
técnica do mercado de trabalho. Kuenzer (2000, p.17) ressalta que, apesar da dualidade
implícita, seguem a lógica das necessidades do meio produtivo, sendo necessário não
perder de vista a análise das condições políticas, sociais e econômicas da época,
A história do ensino médio no Brasil tem sido marcada pelas
dificuldades típicas de um nível que, por intermédio, precisa dar
respostas à ambiguidade gerada pela necessidade de ser, ao mesmo
tempo, terminal e propedêutico. Embora tendo na dualidade estrutural
a sua categoria fundante, as diversas concepções que vão se sucedendo
ao longo do tempo refletem a correlação de forças dominantes em cada
época, a partir da etapa de desenvolvimento das forças produtivas.
(KUENZER, 2000, p. 17).

Os entraves se acirraram nos anos finais do século XX, especialmente com a


ascensão da atual Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996). Na tentativa de normatizar
a organização curricular, foram apresentadas pelo Conselho Nacional de Educação duas

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Diretrizes Curriculares, sendo a primeira em 1998 e a segunda em 2012 (Resolução
CNB/CEB 03/1998 e Resolução CNB/CEB 02/2012).
A reforma do currículo proposta em 1998 estava fundamentada na pretensão de
que a escola se voltasse ao atendimento das demandas oriundas das transformações nos
processos de produção de mercadorias e serviços, segundo Silva e Scheibe (2017, p.23),
A incorporação de tecnologias de base microeletrônica e a gestão do
trabalho, conforme o modelo toyotista, divulgavam, no campo da
formação para o trabalho, uma série de características que deveriam ser
portadas pelos trabalhadores, desde a capacidade de aprender
permanentemente, fazer usos mais complexos e diversificados da
linguagem oral e escrita e assumir atitudes de maior protagonismo,
tendo em vista participar de processos interativos na gestão do processo
de produção. Tais habilidades profissionais compuseram o chamado
“modelo de competências”, que foi associado, no Brasil, não apenas às
políticas de currículo para a formação profissional, mas, também, para
a educação geral básica. (SILVA e SCHEIBE, 2017, p. 23).

Por sua vez, a partir das mudanças no cenário político nacional, já no primeiro
governo do Partido dos Trabalhadores, em 2003, foram retomadas as discussões sobre a
finalidade do Ensino Médio. Inicialmente o debate revisou e observou os limites e
divergências entre as diretrizes curriculares da época e a proposta de educação
profissional e técnica em Nível Médio. A partir desse ponto de vista, a reformulação
apresentada em 2012 pelas diretrizes curriculares nacionais buscava superar o viés
vinculado ao mercado de trabalho que caracterizava as organizações curriculares
anteriores, segundo Silva e Scheibe (2017, p. 24),
O ensino médio passa a ter, conforme a normatização do Conselho
Nacional de Educação, uma organização pedagógico-curricular que
considera o trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia como dimensões
da formação humana e eixo da organização curricular. (SILVA e
SCHEIBE, 2017. p. 24).

A partir de 2012, fora criado uma Comissão Especial na Câmara de Deputados,


com a justificativa de que a organização curricular do Ensino Médio não atendia as

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expectativas dos jovens e muito menos do setor econômico do país. Esta comissão
apresentou o Projeto de Lei 6.840/2013 que propunha uma organização curricular com
base em ênfases/áreas de escolhas por parte dos estudantes e também obrigatoriedade de
sete horas diárias para todos os alunos matriculados nesta etapa de ensino. Segundo Silva
e Scheibe (2017, p. 25),
Quanto à organização curricular, o PL nº 6.840/2013 propunha uma
retomada do modelo dos tempos da ditadura civil-militar, trazendo de
volta a organização por opções formativas com ênfases de escolha dos
estudantes. No último ano do ensino médio o estudante faria opção por
uma das áreas do currículo ou pela formação profissional. (SILVA e
SCHEIBE, 2017, p. 25).

Além do total desconhecimento desta comissão da realidade das escolas públicas


bem como a falta da garantia de professores qualificados, condições materiais e
pedagógicas de trabalho e ensino aprendizagem, o PL não considerava os jovens que
trabalham e estudam e que, portanto, não poderiam ficar na escola em tempo integral e,
de certa forma, organizava uma separação de conhecimentos e grupos de estudantes, já
que, partindo da suposta escolha do jovem, este poderia ou não ter acesso a determinados
conhecimentos. Essas inquietações fizeram com que várias entidades formassem o
Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, que, buscou discutir de forma crítica
a reforma proposta na Câmara de Deputados, conseguindo que este sofresse algumas
modificações.
A previsão de que fosse a plenário foi desconsiderada pelo então recentemente
nomeado presidente da República, Michel Temer e seu ministro da educação, Mendonça
Filho, que publicaram em 2016 a Medida Provisória (BRASIL, 2016) que reorganiza,
dentre outras questões, a carga horária do Ensino Médio, a disposição das disciplinas por
meio de áreas do conhecimento composto pela Base Nacional Curricular Comum, a
formação integral do aluno no que diz respeito a preparação para o trabalho e

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emancipação humana
possibilidade da não formação específica do professor para o exercício da docência. Os
artigos 24 e 61 da MP, estabelecem que:
Art. 24 [...]
Parágrafo único. A carga horária mínima anual de que trata
o inciso I do caput deverá ser progressivamente ampliada, no
ensino médio, para mil e quatrocentas horas, observadas as normas do
respectivo sistema de ensino e de acordo com as diretrizes, os objetivos,
as metas e as estratégias de implementação estabelecidos no Plano
Nacional de Educação.
§ 3º A organização das áreas de que trata o caput e das
respectivas competências, habilidades e expectativas de aprendizagem,
definidas na Base Nacional Comum Curricular (...)
§ 5º Os currículos do ensino médio deverão considerar a
formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho
voltado para a construção de seu projeto de vida (BRASIL, 2016, p.01)
(...)
Art. 61. IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos
respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas
afins à sua formação (...). (BRASIL, 2016, p.04).

Em caráter emergencial, a MP fez com que fosse sancionada a Lei 13.415


(BRASIL, 2017), que modificou a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) sendo que,
dentre as principais alterações estabelece em seu artigo 36 a organização curricular por
meio dos itinerários formativos,
ART. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base
Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão
ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares,
conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos
sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II -
matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas
tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação
técnica e profissional. (BRASIL, 2017).

Determina ainda, no artigo 36, inciso 11, que, caso os estabelecimentos não
consigam se adequar a legislação, poderão utilizar outros meios como,
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino
médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar

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convênios com instituições de educação a distância com notório
reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação: I
- demonstração prática; II - experiência de trabalho supervisionado ou
outra experiência adquirida fora do ambiente escolar; III - atividades de
educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino
credenciadas; IV - cursos oferecidos por centros ou programas
ocupacionais; V - estudos realizados em instituições de ensino
nacionais ou estrangeiras; VI - cursos realizados por meio de educação
a distância ou educação presencial mediada por tecnologias. (BRASIL,
2017).

Esta proposta de reforma, nomeada de Novo Ensino Médio, destaca a


importância da formação para o mercado de trabalho, no entanto, não está claro como se
organizarão, dentro do programa, os itinerários formativos, sendo que, é provável que os
estudantes fiquem apenas com uma opção, sem a possibilidade de escolha como se está
noticiando. Outra questão refere-se ao não atendimento das exigências do plano,
momento onde as escolas poderão procurar convênios com outras instituições, deixando
clara a possibilidade das parcerias com instituições privadas e a escola como principal
responsável pelo processo.

Educação em Nível Médio para além de reformas: a necessidade de pensar da


Formação Integral do Homem e na transformação social
É próprio da discussão referente a uma mudança na proposta educacional refletir
sobre o entendimento do que é educação, qual o principal objetivo da educação
institucionalizada e do que se trata a formação integral do homem. É nesse sentido que
Saviani (2006, p.01), utilizando os pressupostos do materialismo histórico dialético
destaca,
A educação é inerente à sociedade humana, originando-se do mesmo
processo que deu origem ao homem. Desde que o homem é homem ele
vive em sociedade e se desenvolve pela mediação da educação. A
humanidade se constituiu a partir do momento em que determinada
espécie natural de seres vivos se destacou na natureza e, em lugar de

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emancipação humana
sobreviver adaptando-se a ela necessitou, para continuar existindo,
adaptar a natureza a si. (SAVIANI, 2016, p. 01).

No sentido mais amplo, a educação é a forma como a sociedade oportuniza a


todos os indivíduos o acesso a cultura e ao conhecimento historicamente produzidos pela
humanidade. Desta forma, é remetida a ela, seja na forma informal e cotidiana ou mesmo
na institucionalizada, a responsabilidade de preparar os indivíduos para viver em
sociedade. Mais precisamente em relação a educação institucionalizada, a educação tem
por objetivo transmitir e apropriar todos indivíduos dos conhecimentos históricos de
forma sistematizada. No entanto, a organização do sistema educacional varia de acordo
com a sociedade, tempo, lugar e estágio de desenvolvimento, objetivando assim uma
análise e compreensão da conjuntura social na qual está inserida, em outras palavras, para
compreender a educação é preciso compreender a sociedade.
É preciso ter clareza de que a educação, nos moldes da sociedade capitalista e a
divisão de classes antagônicas, faz com que toda a produção material realizada pelas
classes dominadas beneficie apenas as classes dominantes a tal ponto de gerar a alienação
do trabalhador e o produto do seu trabalho, ou seja, “na sociedade capitalista o trabalho
produz riqueza objetiva e subjetiva, mas nem uma nem outra podem ser plenamente
apropriadas por aqueles que trabalham” DUARTE e SAVIANI (2010, p. 426).
A alienação do trabalho vem imbuída de uma organização que leva todos os
setores sociais a organizarem-se nos moldes mais duros da competitividade e exploração
embasados no acúmulo e extração da mais-valia a qualquer custo, em relação a educação
institucionalizada. Destaca Orso (2008, p. 51),
Quanto à educação formal, ela geralmente se parece mais como uma
forma de adestramento, disciplinarização, treinamento e docilização
dos indivíduos, do que como meio de transformação social, de
revolução e libertação social [...]. Além disso, na maioria das vezes, os
conteúdos estão mais voltados para ensinar que “a Eva viu a uva”, ou
seja, conteúdos abstratos, do que de compreender a vida concreta, isto
é, a matemática da fome, o português da violência, a geografia e história

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emancipação humana
da exploração e dos problemas sociais, a ciência da história da vida real
dos homens e voltam-se mais para a adaptação, para a alienação e para
o conformismo do aluno ao meio do que para desmitificar, para
questionar as condições de vida e o status quo (ORSO, 2008, p. 51).

Ao analisar a formação educacional oferecida à classe trabalhadora, ANTUNES


e PINTO (2017, p. 104) destacam o papel social na educação com o objetivo de “quando
muito, proporcionar uma ginástica mental que prepare o cérebro como “músculo”, um
órgão mecânico”. Sendo que quando se referem as reformas educacionais propostas nos
últimos anos a sintetizam dentro da concepção e interesses da sociedade capitalista,
As chamadas reformas educacionais trazem embutidas em sua
concepção: uma escola (e uma educação) flexibilizada para atender às
exigências e aos imperativos empresariais; uma formação volátil,
superficial e adestrada para suprir as necessidades do mercado de
trabalho “polivalente”, “multifuncional” e flexível. (ANTUNES e
PINTO. 2017, p.104)

Faz- se necessário destacar que a educação em nível médio não pode estar
atrelada ao imediatismo tecnicista, produtivista e economicista, é preciso entendê-la como
parte da formação integral do homem, ou seja, é preciso de uma mudança que possa dar
à juventude condições de apropriar-se de todo o conhecimento produzido historicamente
pela humanidade e que, a partir dele, possa então traçar um caminho diferente daquele
determinado pela hegemonia dominante,
O ensino médio concebido como educação básica e articulado ao
mundo do trabalho, da cultura e da ciência, constitui-se em direito social
e subjetivo e, portanto, vinculado a todas as esferas e dimensões da vida.
[...]. Dominar no mais elevado nível de conhecimento estes dois
âmbitos é condição prévia para construir sujeitos emancipados,
criativos e leitores críticos da realidade onde vivem e com condições de
agir sobre ela. (FRIGOTTO, 2012, p. 76)

Considerações Finais
Uma mudança no interior da organização escolar que verdadeiramente possa
transformar de forma qualitativa a educação em nível médio precisa dar ao indivíduo

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acesso a sua formação universal, superando assim a espontaneidade e a sua condição
inicial. Durante a caminhada estudantil, este precisa ter condições de “tomar a si próprio,
à sua atividade, à sua inserção nas relações sociais, a sociedade na qual ele vive, como
objeto de reflexão crítica, como objeto de transformação crítica e de transformação”, ou
seja, formar-se homem. (DUARTE, 2013, p.71).
Essa transformação crítica é trabalho da educação e precisa ser realizado de
forma intencional e consciente. Nesse contexto, é necessário a certeza de que formação
do homem na sua forma mais elevada é o objetivo principal da educação, sendo que
quaisquer propostas de mudança nas políticas educacionais não podem estar desprendidas
do compromisso com a transformação e formação do homem e de uma nova sociedade,
segundo Saviani (2003, p. 105),
Necessidade de se compreender a educação no seu desenvolvimento
histórico-objetivo e, por consequência, a possibilidade de se articular
uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo compromisso,
seja a transformação da sociedade e não sua manutenção, a sua
perpetuação. (SAVIANI, 2003, p.105).

Essa reflexão está diretamente ligada a defesa da especificidade da escola e do


trabalho escolar enquanto participe do desenvolvimento cultural e do homem de forma
integral. Ações estas que precisam estar articuladas com a superação da sociedade
vigente, já que a realidade se dá pela construção do próprio homem, a partir de seu
trabalho e da sua produção material.
A transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível
sem uma concreta e ativa contribuição da educação no seu sentido mais
amplo [...]. E vice-versa: a educação não pode funcionar suspensa no
ar. Ela pode e deve ser articulada adequadamente e redefinida
constantemente no seu inter-relacionamento dialético com as condições
cambiantes e as necessidades da transformação social emancipadora e
progressiva em curso. (MÉSZÁROS, 2005, p.76).

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Faz-se necessário entender, portanto, que a educação não está desatrelada do
contexto social, ela tem um papel importante na formação humana, na formação das novas
gerações e na formação da sociedade como um todo. É aí que se dá tamanha preocupação
do sistema capitalista com as reformas educacionais e seus objetivos, especialmente
quando se trata da educação destinada aos filhos da classe trabalhadora. Pensar na
construção de um sistema educacional que verdadeiramente priorize o ensino das
ciências, das artes e da filosofia, que contribua com a formação integral do homem, é
desatrelar-se das reformas educacionais apresentadas até o momento, com currículos
esvaziados e seguindo as recomendações e necessidades do mercado. É pensar que a
educação precisa posicionar-se de forma objetiva e favorável em direção a uma sociedade
sem classes, ou seja, priorizando a formação do homem em seu sentido integral e
objetivando a transformação social.

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Disponível em: <htp//www.esforce.org.br>.

Autora:

Debora Cristine Trindade Zank


Mestranda em Ensino pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Campus de Foz do Iguaçu

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A OCUPAÇÃO COMO PRÁTICA POLÍTICA E EDUCATIVA:
UMA RELEITURA DOS APARELHOS IDEOLÓGICOS DE
ALTHUSSER
Luciana Vedovato
Martins, Fernando Jose
Introdução
A constituição histórica do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra tem como
pano de fundo as relações de luta de classe que atravessam os saberes sobre terra no
Brasil. Essa afirmação se desdobra em dois argumentos: a) a terra produtiva no Brasil foi,
ainda no período colonial, dividida e passou a objeto dos privilegiados; b) o regime
jurídico decorrente de tal divisão (desde a Lei de Terras de 1850 até a constituição dos
anos 80) privilegia de modo sistemático a manutenção das terras produtivas na mão dos
mais abastados, ou seja, há todo um sistema de regramento que fornece instrumentos
legais e econômicos para que as terras continuem a mão da superestrutura.
Ao questionar tal funcionamento o MST provocou, em nosso entendimento, um
deslocamento sobre a compreensão do que é a História, o modo como a História e contada
e, ainda, criou o que tratamos como as condições para a existência, nos termos da teoria
alhtusseriana, de uma Formação Ideológica (e seus aparelhos ) a partir de determinações
da infraestrutura. É baseada nessa reflexão que desenvolveremos nosso trabalho,
considerando duas questões: o MST como uma Formação Ideológica infraestrutural e a
ocupação como uma prática política revolucionária que reconfigura saberes e espaços em
favor da luta e segunda questão: como a ocupação migra passa a ser uma prática de
pressão dos movimentos sociais, de modo mais amplo, para pressionar o Estado, como o
observado, por exemplo, no Ocupa Paraná de 2016, em que estudantes secundaristas
ocuparam as escolas estaduais do Paraná exigindo melhores condições para estudar. Para
desenvolver nosso gesto analítico, vamos organizar o trabalho no seguinte percurso: tratar

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emancipação humana
a ocupação como uma prática de luta - e por isso política, mostrar como ela cria efeitos
de sentido e por fim, exemplificar o funcionamento.

A ocupação e seus efeitos


Trotsky, antes de 1905, lançou a tese da Revolução Permanente, que foi o que
aconteceu, até certo ponto, um estado de ânimo de agitação dos trabalhadores. A
movimentação dos camponeses, por sua vez,
Desenvolveu quatro tipos principais de luta: ocupação das terras dos
latifundiários e despejo dos mesmos acompanhados da demolição de
suas benfeitorias com o objetivo de ampliar as terras disponíveis para o
uso dos camponeses; requisição de cereais, de gado e de feno e corte de
lenha para satisfação imediata das necessidades das aldeias famintas,
greve e movimento de boicote destinado à redução do valor do
arrendamento da terra ou o aumento dos salários e, finalmente, negativa
de fornecer recrutas ou de pagar impostos e dívidas (TROTSKY, p. 194,
2007).

O termo ocupação, já em Trotsky apresenta o significado que terá para o MST, ou


seja, a tomar para si as terras que, de alguma maneira, encontram-se em situação de serem
ocupadas. Mas, como simbolicamente o termo ocupação constrói seus efeitos de
significação a partir da perspectiva de luta?
Tomemos como exemplo um enunciado do MST: “Ocupar, resistir e produzir.” O
que significa ocupar para o MST? Qual a relação entre ocupar e resistir? O que significa
produzir para o movimento campesino? As respostas para tais questões estão justamente
no conjunto de práticas e saberes do MST, na forma como tais saberes se colocam como
uma oposição aos saberes e práticas desenvolvidos pelo modo de produção defendido
pelos grandes produtores. Nessa perspectiva, Indursky (1999), no texto De ocupação a
invasão: efeitos de sentido no discurso do/sobre o MST, faz a leitura sobre como o modo
de tomada de terras pelo MST é interpretado pelo próprio Movimento, pelos fazendeiros
e pela imprensa, em especial. Assim, a designação ocupar, para o MST, significa entrar

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emancipação humana
em terras consideradas improdutivas que serão (ou estão em processo de) desapropriadas
pelo INCRA para a Reforma Agrária. A ocupação é uma prática política que tem por
objetivo “acelerar o processo” (INDURSKY, op.cit., p. 177). A partir da posição do
latifundiário, o processo de tomada da terra é completamente diferente, pois para os
grandes produtores, quando os trabalhadores Sem Terra tomam as terras, eles a invadem.
Se nos detivermos na relação de manutenção do poder/tomada do poder estabelecida entre
a super e a infraestrutura, a ocupação é uma prática política revolucionária, pois
desestabiliza a organização do espaço agrário, desencadeando um acontecimento que
organizará o processo de discursivização em torno da luta e posse da terra. A prática
política do Estado, neste caso, é fazer funcionar o discurso jurídico da propriedade privada
que merece ser defendida da invasão.
O que está em jogo no confronto dessas duas designações são práticas que
materializam a luta de classes: de um lado, o MST na tentativa de transformar o sistema
agrário e o modo de distribuição de terra no Brasil; de outro lado, os grandes produtores
que respondem aos interesses mundiais de produção. É também um atravessamento da
memória discursiva sobre a colonização e posse de terras no Brasil: de quem eram as
terras antes dos portugueses aqui desembarcarem? Os dois verbos mostram como, na
prática, a questão é respondida de acordo com os lugares ideológicos que ocupam os
sujeitos: Só se ocupa o que é seu, ou deveria ser/não se invade o que não te pertence.
Para Indursky (1999, p. 179) as duas práticas não se confundem, pois
a primeira [ocupação] tem como referente a terra improdutiva. A
segunda [invasão] constrói como referente a terra possuída. A primeira,
por ser improdutiva, trabalha no sentido de uma terra que deve ser
distribuída. A segunda, por possuir um proprietário, põe em relevo o
sentido de propriedade e sua violação. A primeira remete à ideia de ação
pacífica exercida sobre terras abandonadas e faz ressoar um já dito
anterior, proveniente do discurso religioso da pastoral da terra. A
segunda traz consigo o efeito de sentido de violência contra a
propriedade privada, ou seja, discursiviza a violação da lei e faz soar o
discurso jurídico sobre o direito de propriedade.

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emancipação humana
Além do discurso religioso, identificado pela autora, poderíamos mencionar que
a própria memória jurídica da Lei de Terras (1850), que transformou as sesmarias em
propriedades privadas, é retomada quando o MST propõe questionar não apenas a
improdutividade da terra, mas fundamentalmente, a posse dessa terra. Por isso, o verbo
que vem a seguir, Resistir, abarca a luta contra as formas de produção agrícola realizada
pelos fazendeiros; contra o sistema jurídico de proteção aos proprietários, como se eles
coubessem a verdade; e, contra a opressão da narrativa histórica sobre a colonização
brasileira. Resistir então é uma designação para a luta contra as forças hegemônicas.
Assim, observarmos o verbo produzir, por exemplo, ele pode ser tomado como
central para a discussão de quando o signo assume a materialidade ideológica, quando
passa de signo linguístico para signo ideológico, pois faz com que o embate entre
latifúndio e MST seja retomado a partir do modo como os sujeitos se posicionam na luta
de classes: entre o que é produzir para o latifúndio e o que é produzir para os camponeses.
Sendo assim, os termos produção, produtividade são ressignificados a partir da realidade
concreta do MST que inscreve na palavra produzir a condição dialética entre:
produção/não produção. O que produzem as grandes extensões de terra? Para quem
produzem? Esses questionamentos trarão, para o verbo produzir, realidades distintas e
não mais da relação direta entre o signo e a realidade naturalizada pelas forças
dominantes; e também, estabelecem valor para produzir a partir da lucratividade77, da
mais-valia, no que pesa essa produção no sistema econômico. Dessa forma, apagando
produzir do contexto camponês e este se torna um entrave para o desenvolvimento da
economia. É essa tensão que faz com que reconheçamos o antagonismo entre as

77
Nesse contexto, a terra não é um bem social e sim um bem privado. A Lei de Terras de 1850 delimitou
o que era a propriedade privada, mesmo com concessões nos últimos anos. A posse da terra no Brasil
ainda é privada, por isso a Reforma Agrária pleiteada pelo MST não seria uma ‘reforma nas leis’, mas
uma transformação nos campos jurídicos, político e prático.

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concepções de produção agrícola, porém ela não seria perceptível se tomássemos a
palavra, a língua fora do contexto da luta de classes: da produção agrícola latifundiária e
da produção agrícola do MST.
Nesse sentido, a prática da ocupação desencadeia os demais processos
organizativos, pois o acampamento, a escola e, posteriormente, o assentamento, são
resultados da ocupação. Então, a ocupação organiza também a construção da identidade
do trabalhador sem terra; dessa forma, a ocupação é a primeira responsável pelas práticas
que configuram os sentidos sobre a luta pela terra e pela transformação social; com isso,
construindo um conjunto simbólico de formas de existência da ideologia do MST, como,
por exemplo, a fileira para a caminhada até o lugar a ser ocupado, a bandeira do MST
sendo estendida e a imediata construção de barracos de lona preta, formando o
acampamento.78 Essas práticas materializam os saberes da ocupação e precisam passar
por ela todos os que lutam por terra no MST; ou seja, todos os militantes, antes de
tornarem-se assentados, precisam passar pelos acampamentos e, nesse sentido, é que a
ocupação também é formadora da identidade do sujeito Sem Terra, conforme pontuou
Caldart (2012): é preciso que um conjunto de práticas simbolizem esse sujeito e tais
práticas são a participação das ocupações (e, por vezes, das desapropriações), são as
vestimentas, os modos de produzir, etc.79

78
Outros movimentos de luta farão uso do acampamento como forma de resistência, como exemplo,
podemos citar os professores/as do Estado do Paraná, acampados em frente ao Palácio Iguaçu – sede
do governo paranaense, em abril de 2015, contra a votação da apropriação, por parte do governo, do
fundo previdenciário dos funcionários do Estado. Em maio de 2016, foi organizado um acampamento na
Praça da Matriz, em Porto Alegre, para fazer vigília em defesa da, então presidenta, Dilma Rousself. O
acampamento é a primeira linha de frente depois da ocupação. Ele é o corpo da ocupação.
79
É necessário, entretanto, um cuidado com a forma como essa identidade é configurada para também
não ficar no plano do idealismo: o sujeito Sem Terra está inserido no modo de produção capitalista, mas
o atende de forma resistente, criando mecanismos que permitam a cooperação, a associação sem lucro,
a troca, a produção coletiva com divisão igualitária dos valores obtidos, etc.

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Pode-se ainda dizer que o funcionamento discursivo da ocupação é alicerçado
considerando a questão do Direito à terra e não o direito de terra, tal como ocorre no
Direito Civil burguês. O direito à terra é o direito natural, pois explicita a relação do
homem com suas necessidades de existência. Já o Direito Civil está alicerçado na
propriedade, sendo esta a materialidade de como as relações de produção organizam-se
em torno da posse e do capital.
A ocupação é um gesto político na medida em que o MST usa contra o Estado os
dispositivos jurídicos do Direito Civil, considerando que as leis que protegem os
proprietários não consideram as questões sociais, conforme nossa discussão anterior
sobre o Direito burguês em Althusser (1999): o Direito regula as relações de produção
em favor dos proprietários, dos mandatários, daqueles que possuem os modos de
produção. Dessa forma, é em decorrência da ocupação e do acampamento que se institui
a escola do MST. Se no princípio ela, a escola, propiciava um local para abrigar as
crianças que acompanhavam os pais, contudo, ela rapidamente se torna fundamental para
que o Movimento mantenha os princípios ideológicos de luta pela terra também no espaço
escolar, conforme bem tratou Caldart (2012). Assim, dois contextos históricos diferentes
se aproximam: (a) o contexto soviético depois de 1917, em que a educação pós-
revolucionária tem o objetivo fundamental de construir uma nova sociedade e educar a
massa analfabeta para contribuir no processo de transformação; e, (b) o movimento de
luta pela terra que organiza a escola em torno da transformação social, por meio da
reforma agrária e, para tal, também precisa educar tanto os jovens, quantos os adultos
analfabetos a partir de uma escola que respondesse aos interesses da infraestrutura. Com
isso, tendo em perspectiva a educação leninista em que o MST organiza seus princípios
educacionais baseados, fundamentalmente, em uma concepção de educação
assumidamente classista, a escola do MST não esconde que educa trabalhadores e
camponeses para oposição ao modo de produção capitalista, assumindo uma postura

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política e cultural de constatação social (CALDART, 2012, p.341), tendo como base
para isso a educação massiva e a educação integral, considerando o homem em sua
totalidade e uma educação que não se limita à escola e que tem por eixo organizador o
trabalho. É nesse sentido que podemos pensar que a ocupação da escola é,
fundamentalmente, um processo político.

A ocupação como prática política


O conjunto de anotações que estamos aqui chamando de dimensão política da
ocupação da escola abrange um amplo aspecto de situações, que vão de estruturais a
ideológicas, passando por questões legais. O direito à escola é um dos fundamentos da
ocupação política. Na interpretação social mais comum, a questão do direito está ligada
à questão da cidadania. Todavia, o debate referente à cidadania é insuficiente para definir
o processo de ocupação, que ocorre com a conquista de direitos pelas classes
trabalhadoras. Em um artigo em que debate a questão, Ribeiro ressalta:
Se a filosofia e a história mostram que a cidadania, tanto grega como
moderna, não foi desenhada para justificar a participação política de
índios, negros, mulheres, trabalhadores rurais e urbanos, por que não
imaginar que esses sujeitos, em seus movimentos, possam ser capazes
de inventar seus próprios conceitos, suas próprias utopias, suas próprias
escolas? (RIBEIRO, 2002, p.125-6)

No referido trabalho, a autora reconstrói, com exemplos históricos, o quanto o


conceito de cidadania não atinge aos segmentos da sociedade nomeados na citação. A
situação nos dias atuais, por meio de políticas mercantis emanadas da organização
material do sistema capitalista (como os organismos multilaterais) aproxima o título de
cidadão da condição de consumidor. Essa prática, da forma que se faz hegemônica na
sociedade, e, consequentemente, na escola, evidencia o caráter político das relações
sociais vigentes, “invadidas” pela ótica do mercado. Para fazer frente a essa prática e
ocupar, do ponto de vista da classe trabalhadora, um dos instrumentos viáveis para essa

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emancipação humana
tarefa é a mobilização social. A autora situa a potencialidade dessa alternativa,
relacionando-a com a temática abordada e mostrando que não é a escola sozinha que
produz avanços na conquista de direitos:
A força dos movimentos do campo fez com que os agricultores
familiares fossem incluídos na cidadania regulada pela Constituição
“Cidadã” de 1988, que os integrou ao sistema produtivo como
trabalhadores rurais e ao sistema previdenciário como cidadãos
portadores de direitos. Não foi, portanto, a escola rural, que
historicamente tem negado seu estatuto de sujeitos produtores de bens
e de saberes, que lhes conferiu ingresso na cidadania regulada, mas a
sua capacidade de organização e de luta pela terra e por direitos sociais.
(RIBEIRO, 2002, p. 124)

Tais apontamentos acerca das aproximações da dimensão política da ocupação da


escola, com a obtenção do direito à educação pelas camadas populares e, ainda, esse
processo, enquanto exercício de cidadania, são colocados por dois aspectos: primeiro, é
inegável que a ocupação da escola se faça, primariamente, na conquista dos chamados
direitos de cidadania.
Todas as experiências relatadas acerca do processo de ocupação da educação e
escola pelas camadas populares tiveram esse ponto de partida comum. Os trabalhadores
em sua luta por escola, os movimentos sociais, no caso o MST, e, ainda, os movimentos
de caráter mais voltado à construção de políticas públicas. Nesse sentido, a educação do
Movimento é essencialmente uma atividade política porque, nos termos de Rancière
(199680) em O Desentendimento, congrega o conjunto de prática daqueles que até então
eram “sem-parcelas”, devolvendo-lhes a voz quando apenas o silêncio lhes era permitido
e, ainda, fazendo com que a tal organização se faça como discurso capaz de se impor
diante da política do Estado, de forma própria, pautada em saberes antagônicos aos

80
Filósofo Francês e professor da Universidade Paris VIII. Foi aluno de Althusser e tanto o ajudou na
escrita de Ler o Capital, como fez a crítica ao autor em a Lição de Althusser.

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emancipação humana
saberes promovidos pelo Estado. Por isso, a educação, como política no MST, remete ao
modo como Rancière trata a política, dessa forma, ela
Desloca um corpo de lugar que lhe era designado ou muda a
destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz
ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho, faz ouvir
como discurso o que só era ouvido como barulho. (RANCIÈRE,
1996, p. 42)
Esse fazer ver inscreve a prática da ocupação escolar – e consolidação – à
posteriori - da escola dentro do acampamento, vinculada aos saberes do MST em uma
prática simbólica de luta que se faz ser entendida como constitutiva da Formação
Ideológica do Movimento dos Trabalhadores sem Terra.
Ocupar a escola é fazer ressignificar, a partir da militância, não apenas o espaço,
mas a relação com os saberes que a escola faz circular. Para isso é preciso refletir que a
ocupação não acontece apenas uma vez, em nosso entendimento, ela continua como um
processo que faz sempre reestabelecer o conjunto de valores de luta do próprio
Movimento. Talvez, por tal razão, possamos pensar a ocupação da escola, assim como
propôs Trotsky (2007), como permanente. Ao tratar da questão da Revolução
Permanente, Trotsky retoma Marx para afirmar que a revolução permanente é aquela que
carrega em si o germe da próxima etapa do desenvolvimento do projeto para uma
sociedade livre das classes. Mesmo que o bolchevique, em seguida, volte sua reflexão
para as questões da política soviética, há um paralelo que podemos traçar entre o
permanente soviético e o permanente que estamos tentando delinear em nossa reflexão:
se a sociedade precisa da luta revolucionária a reconfiguração do que se entende por
democracia, tal luta não pode ser feita de forma isolada. É preciso que, sistematicamente,
se construam alianças e modos de operacionalização não apenas da chegada dos operários
e camponeses ao poder, mas, essencialmente, do arranjo do que seria a ditadura do
proletariado, conforme pontuou Lenin (2005). Pois bem, a ditadura do proletariado diz
respeito a todo um sistema de funcionamento jurídico, econômico, social, etc., que

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emancipação humana
priorizaria os modos de organização das classes oprimidas, até que estas assim deixassem
de ser. Por isso, durante o regime soviético a educação teve um papel singular para a
formação dos mujiques e dos operários: como seria possível pensar em uma sociedade
comunista com milhões de analfabetos impossibilitados, inclusive, de ler os panfletos e
jornais organizados para a formação política?
É a resposta para essa questão que nos fez pensar na ocupação permanente da
escola. Se o projeto de uma sociedade livre do latifúndio está “na ordem do dia”, é
possível pensar que ocupar a escola seja uma etapa precedente, um devir a ser. Assim,
não é apenas para assegurar a orientação pedagógica que o MST ocupa as escolas, mas,
fundamentalmente, para assegurar e construir quadros, militantes, sujeitos para o futuro
de seu projeto de luta, mas que se torna, em tempos como os que estamos vivenciando,
um projeto de resistência.

Considerações
Pensar a ocupação da escola como uma prática política revolucionária é refletir
sobre o papel da escola: é o de formar? Moldar? Reproduzir saberes? No embate das
classes antagônicas é preciso que tal papel não é neutro como querem fazer parecer os
defensores da escola sem partido. Mészáros (2008) em A educação para além do capital,
já alertava como haviam feito também Althusser (1999) e Bourdieu (2013) para o fato de
que a escola é, em última instância, um instrumento dos donos do meio de produção e,
assim sendo, serve às forças do capital. Mesmo que tal enunciado pareça uma obviedade
do ponto de vista dos estudos marxistas, ele funciona no campo prático como um modo
de exclusão e manipulação, haja vista que, cada vez mais os sentidos que se formam sobre
e na escola transitam no senso comum, nos saberes prontos, na busca de receitas,
fórmulas, respostas de forma automatizada. A metáfora da fábrica se desdobra, assim
podemos observar que a descrição de Gorki (2011) no romance A mãe, de que os

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funcionários saiam feito baratas após o apito, se aplica às saídas, às entradas dos
estudantes que são sempre acuados por práticas simbólicas de manutenção do
funcionamento fabril. Ocupar, na perspectiva que temos tratado neste trabalho, é a
desestabilização a ordem (se assim ela pode ser chamada) que cristaliza os lugares dos
sujeitos de acordo com sua posição social, ocupação tem relação com dar voz, ou melhor,
exigir voz, nos termos de Rancière (1996), fazer ver aquilo que o poder econômico insiste
em retirar da história e, assim, da vida.

Referências Bibliográficas
ALTHUSSER, LOUIS. Sobre a Reprodução, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1999.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, seleção e


organização de Sergio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2013.

BRASIL. Lei no. 601 que dispõe sobre as terras devolutas do império (Lei de Terras).
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm, acesso em
janeiro de 2018.

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª edição. São Paulo:
Expressão Popular, 2012.

GORKI. Máximo. A mãe. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

INDURSKY, Freda. De ocupação a invasão: efeitos de sentido no discurso do/sobre o


MST. In. INDURSKY, F. e FERREIRA, M. L. (org) Os múltiplos territórios da Análise
do Discurso. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 1999.

LENIN, V. I. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel


do proletariado na Revolução. Trad. Aristides Lobo. São Paulo: Centauro, 2005.

RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. Trad. Angela Leite Lopes. São Paulo: Ed. 34,
1996.

MÉSZÁROS, Istávan. A educação para além do capital. 2 ed. Trad. Isa Tavares. São
Paulo: Boitempo, 2008RIBEIRO, Marlene. Educação para a cidadania: questão

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
colocada pelos movimentos sociais. Educação e Pesquisa. São Paulo: v. 28, n. 2, jul/nov.
p.113-128. 2002.

TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente, 1 ed. Trad. Hermínio Sacchetta, São Paulo:
Expressão Popular, 2007

Autores
Luciana Vedovato – Universidade do Oeste do Paraná/UNIOESTE
Fernando Jose Martins – Universidade do Oeste do Paraná/UNIOESTE

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emancipação humana
PROFESSORES E ALUNOS DO ENSINO MÉDIO: CONCEPÇÕES
SOBRE EDUCAÇAO E DESENVOLVIMENTO HUMANO E A
IMPORTÂNCIA DA ESCOLA EM SUAS VIDAS.

Larissa Zangarini Antonio


Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho
Introdução e Fundamentação Teórica:
Sabemos que as concepções de educação e desenvolvimento humano presentes
nas escolas tem sido baseadas em diversas perspectivas teóricas e metodológicas e podem
se tornar nebulosas no pensamento dos professores, o que afeta diretamente as práticas
pedagógicas em sala de aula, sobretudo quando não atingem uma compreensão adequada
do processo educacional e dos fenômenos humanos na sua totalidade, como afirma Facci
(2004), fato que engendra condições favoráveis para a reprodução da ideologia capitalista
e da alienação na escola. Partindo da Teoria Histórico-Cultural, investigamos as
concepções de educação e desenvolvimento humano junto a professores do Ensino
Médio, tendo em vista que tais concepções permeiam as suas práticas pedagógicas e o
processo de formação dos estudantes em sala de aula (VIOTTO FILHO, 2011). Além
disso, investigamos a representação de estudantes do 3o. ano do Ensino Médio acerca da
importância da escola em suas vidas.
Os dados foram coletados em observações sistemáticas das aulas dos professores
e a partir de questionário aplicado junto aos alunos, no sentido de não culpabilizar os
professores pelas suas concepções, e tão pouco os alunos sobre as suas representações da
importância da escola em suas vidas, porém, não podemos deixar de lado a crítica a um
sistema educacional que precariza a escola pública e a esvazia de conhecimentos críticos,
permitindo a reprodução acrítica da idelogia liberal e a perversa alienação social entre os
sujeitos participantes da escola.

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Enfatizamos que a educação escolar é vital no processo de construção da
humanidade nos homens (SAVIANI, 2000) e o quanto as concepções e práticas dos
professores influenciam os estudantes na escola, situação que, quando permeada por
visões liberais capitalistas alienadas e alienantes, compromete sobremaneira o processo
de desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VIGOTSKY, 2001) desses
sujeitos e o processo de humanização na escola.
É através da relação do professor com o aluno e na efetivação de práticas
pedagógicas em sala de aula que será possível a transmissão da cultura elaborada aos
estudantes nas escolas, sendo que esse processo, quando sedimentado na crítica radical e
firma contra a ideologia capitalista e s processos de alienação dai decorrentes,
possibilitará um modo de pensar, agir e sentir histórico-crítico e, portanto, humanizador
na escola.
No ensino médio, objeto de preocupação de nossa pesquisa, as compreensões
sobre educação e desenvolvimento humano, conforme constatado nas observações na
escola, influenciaram as ações teórico-práticas dos professores em sala de aula e os
alunos, por sua vez, acabam por reproduzir tais concepções, sobretudo quando discutimos
com eles o trabalho na sociedade e a importância da escola em suas vidas.
Sabemos que o processo de formação de professores encontra-se em crise e
decorrente disso, muitos sujeitos tornam-se professores carecendo de compreensões
críticas sobre educação; situação decorrente de uma formação inicial lacunar e
mecanicista oferecida nos cursos de licenciaturas de forma geral, sendo que esse fato
acarreta a reprodução acrítica da ideologia e da alienação próprios da sociedade capitalista
na escola. Queremos enfatizar, portanto, que não estamos culpabilizando o indivíduo
professor pela alienação presente na escola, sobretudo porque esse sujeitos, assim como
os alunos, são vitimas desse perverso processo de desumanização presente na sociedade

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e que se estende para a escola de forma geral e para a escola pública de forma mais
acentuada.
Foram professores de Ensino Médio e suas aulas. observadas semanalmente,
durante o semestre, os principais objetos de preocupação de nossa pesquisa e procuramos
investigar se a sua teoria, configurada em suas falas cotidianas em sala de aula, condizia
com a pratica aplicada, confrontando esses dados com as proposições da teoria histórico-
cultural de desenvolvimento humano e com a pedagogia histórico-crítica. Ao final do
processo de observação aplicamos questionário a 15 (quinze) alunos do 3o. ano do Ensino
Médio, com a finalidade de compreender suas representações sobre a escola, a relação
da educação com o trabalho e a importância da escola em suas vidas. A escola observada
e cujos alunos foram entrevistados é Estadual e da região de Presidente Prudente/SP.
Em relação as observações na escola, constatamos que a escola possui uma
estrutura física suficiente para o bom desenvolvimento das aulas e conta com boa infra
estrutura. Os alunos sentam em fileiras, de acordo com o mapa que está fixado na parede
da sala de aula e não podem mudar de lugar. Nas salas de aula há projetores multimídia,
computadores com internet e ainda lousa e giz, além de aparelho de som, ou seja, nos
deparamos com uma Escola de Ensino Médio bem aparelhada em termos de recursos
pedagógicos e tecnológicos. Observamos também que a biblioteca da escola é de acesso
coletivo com acervo a livros infantis, de aventura, científicos, vários jogos educativos,
mesas redondas e cadeiras confortáveis para a leitura. A escola conta ainda com uma
Bibliotecária que orienta os alunos na escolha e procura de livros. A sala de informática
é destinada, exclusivamente, aos alunos do Ensino Médio.
Considerando essa privilegiada estrutura da escola, nossa hipótese sobre a
qualidade da aula foi bastante otimista, no entanto, ao observamos as aulas, essa hipótese
não se confirmou, isso porque, como já salientamos, os professores, dada sua visão
acrítica sobre educação, acabam por reproduzir, acriticamente, a ideologia e a alienação

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emancipação humana
própria da sociedade capitalista em suas aulas e os estudantes, por sua vez, reproduzem
os discursos dos seus professores, mantendo assim um ciclo alienado e alienante no
interior da escola.
Uma situação bastante típica evidencia-se quando a professora, ao chegar na sala
de aula, pede para que os alunos peguem seus cadernos e os informa que iriam descer
para a sala de informática, no entanto, ao chegarem na sala, a professora solicita que
façam pesquisas livres, explorem a internet e sobre conteúdos de particular interesse,
justificando valorizar a iniciativa e os conteúdos pesquisados pelos alunos. Diante dessa
proposição didática recheada de espontaneísmo construtivista (DUARTE, 1993), se é que
o professor tenha consciência disso? essa foi a nossa pergunta! Os alunos, no entanto, à
mercê de si-mesmos, procuram o conhecimento e pesquisam nos computadores, os quais,
na maioria das vezes, se apropriam da forma de pensar e fazer própria do capitalismo,
qual seja, cada indivíduo é responsável pelo seu conhecimento e pelo seu próprio
desenvolvimento, situação que reproduz, como afirma Heller (2000) a máxima do
capitalismo na supervalorização do individualismo.
Identificamos que essa prática é bastante recorrente entre os professores, qual seja,
deixar os alunos por si mesmos, sob a justificativa de incentivar a autonomia na
construção do conhecimento, fato que nos coloca outra questão importante e relacionada
à qualidade do ensino oferecido pois, como sabemos, os adolescentes sentem-se bastante
responsáveis pelas suas ações e desejam essa liberdade de escolha, inclusive dos
conhecimentos a serem por eles apropriados na escola, porém, na maioria dos casos,
sabemos que a sua formação carece de conhecimentos teóricos para a construção de uma
consciência crítica. Quando deixados a mercê de si mesmos, permanecem no plano do
senso comum e pouco avançam na construção de uma forma crítica de reconhecer a
realidade tanto na escola quanto na sociedade. Nesse movimento, reproduzem falas,

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emancipação humana
expressões e comportamentos alienados e alienantes nas suas relações sociais no interior
da escola.
Abaixo apresentamos um gráfico da questão principal do nosso questionário de
pesquisa, qual seja, cite a razão da escola ser importante em sua vida.

Ou seja, todos os alunos gostam da escola e suas justificativas, na sua maioria,


muito difusas e pouco objetivas, demonstram que lá não se encontra o conhecimento
crítico, os conteúdos aprendidos, os mesmo a curiosidade de conhecer a ciências, as artes,
a filosofia e outras objetivações genéricas, fato bastante lastimável e que denota o desvio
da função social principal da escola de possibilitar acesso e apropriação do conhecimento
historicamente acumulado pela humanidade (SAVIANI, 2000).
Fato curioso e que denota a ruptura entre sentido e significado da atividade
docente na escola é que os professores, quando questionados o que pensavam dos alunos,
respondem que os mesmos são desinteressados, não gostam da escola, não sabem o que
querem da vida, dentre outras respostas que denotam a alienação presente na relação
professor-aluno, implicando uma separação, uma ruptura entre esses sujeitos que
deveriam atuar em unidade e como sujeitos em processo de humanização na escola, fato
que, lamentavelmente, não tem acontecido devido a alienação que permeia essa relação
social na escola.
Quanto aos anseios e necessidades ligados ao futuro dos estudantes, muitos
professores caracterizam os alunos a partir de estereótipos típicos e salientam
características típicas dos adolescentes tais como rebeldia, desatenção, desinteresse e

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outras compreensões bastante alienadas do que é ser adolescente na nossa sociedade,
reproduzindo, desta forma, a ideologia da sociedade capitalista e aquilo que se apresenta
no senso comum sobre o jovem do ensino médio.
No entanto, é importante salientar que tanto professores quanto os estudantes estão
vivenciando esse processo de alienação presente na escola, sendo que as condições
objetivas encontradas, na maioria das vezes, não possibilitam a saída dessa situação,
justamente porque a possibilidade da crítica consciente está esvaziada, isso por questões
obvias, ou seja, devido ao esvaziamento dos conhecimentos de natureza crítica na escola.
Vejam a contradição explícita na questão que demonstramos abaixo, em que os
estudantes consideram justamente os professores, assim como o ensino desses
professores, como o que há de mais importante na escola.

Percebe-se, portanto, que esse fosso entre professores e alunos existe e alimenta a
alienação nas relações sociais em sala de aula e na escola. Vale ressaltar que os estudantes
informaram o ensino (dos professores) como um fator importante na escola ou seja,
quando o ensino acontece com qualidade e realizado de forma intencional, certamente os
estudantes terão oportunidades diferenciadas de formação da sua consciência na escola.
Podemos afirmar que os estudantes reconhecem e valorizam os professores e o ensino
oferecido na escola para o seu desenvolvimento, no entanto, eles não conseguem realizar

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a crítica aos conhecimentos a eles possibilitado, cujo qual, como observamos, limita-se à
reprodução da ideologia liberal-capitalista.
Outra questão curiosa relaciona-se a justificativa sobre a importância da escola
em suas vidas, vejam:

Respostas

SIM NÃO

Podemos perceber mais uma vez que os estudantes afirmam que a escola é
importante “SIM” para as suas vidas. As justificativas foram pautadas na aprendizagem
e conhecimento adquiridos, no entanto, relacionam o conhecimento à inserção no
mercado de trabalho e realização de concursos e, como observamos, sem a devida crítica
à esse mercado de trabalho, numa perspectiva de buscarem a mera adaptação à sociedade
sem questioná-la.
Desta forma observamos também que os alunos reproduzem a fala oficial da
escola capitalista, reprodutivista e ideológica, que pouco esclarece o seu papel no
processo de formação humana dos alunos na escola. Assim, podemos afirmar que aquilo
que o professor apregoa dentro da sala de aula, influencia diretamente a sua pratica e a
sua reprodução por parte dos alunos, sendo que muitas vezes os alunos reproduzem a
ideologia presente na escola e na sala de aula.
Enfim, de forma geral e a partir dos dados coletados, os quais foram apresentados
parcialmente neste artigo, foi possível identificar que a função do professor no
desenvolvimento dos alunos volta-se para enquadra-los na sociedade capitalista e de
forma acrítica; situação que é reproduzida na fala dos próprios alunos ao preconizarem a

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importância da escola na sua inserção (acrítica) ao mercado de trabalho sem, no entanto,
valorizar a escola como local de apropriação de conhecimentos e humanização.
Ao finalizarmos nossas discussões, identificamos que as concepções de educação
e desenvolvimento humano dos professores perpassam visões liberais e próprias do
sistema capitalista, pois apresentam visões de senso comum, reprodutivistas da ideologia
do capitalismo e os estudantes, por sua vez, reproduzem as concepções dos seus
professores e salientam a importância da escola para a conquista de um lugar de trabalho
na sociedade, numa relação utilitarista e voltada para se adaptarem na sociedade pela
busca de um emprego, situação que desvincula a escola da sua formação humana como
um todo e desassocia a escola do processo de construção do seu pensamento, sua
consciência e sua personalidade numa direção crítica.
Por fim queremos defender a necessidade da discussão de caráter crítico sobre a
relação entre concepções de educação e de desenvolvimento humano e práticas
pedagógicas na escola pública e enfatizamos a necessidade de construção de concepções
críticas para a efetivação de um trabalho educativo processual na escola pública, desde a
Educação Infantil até chegar ao Ensino Médio, na direção da formação de sujeitos
humanizados, porque devidamente apropriados das objetivações humano-genéricas como
afirma Duarte (1993) e pela via da valorização da educação escolar na construção do
psiquismo humano, como afirma Martins (2013) e como temos defendido, numa direção
crítica e consciente.

Referências Bibliográficas:

DUARTE, N. A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-social


da formação do indivíduo. Campinas / São Paulo: Autores Associados, 1993.

FACCI, M. G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor?


Campinas:Autores Associados, 2004.

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emancipação humana
HELLER, A. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo:


Autores Associados, 2000.

MARTINS, L.M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar. Campinas:


Autores Associados, 2013.

VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins


Fontes, 2001.

VIOTTO FILHO,I.A.T. Concepções e práticas de professores de educação infantil


sobre educação e desenvolvimento humano na escola; pp.239-256. In: Ribeiro, Viotto
Filho e outros "Educação Contemporânea: caminhos, obstáculos e travessias". São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2011.

Autores:
Larissa Zangarini Antonio
Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente
e-mail: larissa_zangarini01@hotmail.com
Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho
Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente
e-mail: tuimviotto@gmail.com
PIBIC-CNPQ

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emancipação humana
O DESENVOLVIMENTO DA ATUAÇÃO DE GRUPOS
EMPRESARIAIS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: CATEGORIAS
DE ANÁLISE DE CONJUNTURA E A PRODUÇÃO CIENTÍFICO-
ACADÊMICA (1997-2015)
Juliano Marcelino Deitos
Gisele Masson
Introdução
A análise da educação e da educação escolar revela a necessidade de apreensão de
uma atividade humana dinâmica, complexa, mas necessária ao desenvolvimento social.
Para tanto, as reflexões que procuramos desenvolver sobre a educação e a educação
escolar no presente texto, visam contribuir com um debate necessário – a superação da
alienante e conservadora educação burguesa e das coisificadas relações sociais de
produção capitalistas.
Diante disso, em nosso cotidiano produzimos e reproduzimos a nossa existência
socialmente em espaços que são determinados historicamente. Esses espaços constituem
a objetividade da vida, com seus aspectos cotidianos e singulares, bem como, históricos
e universais de nossa existência. No entanto, devemos salientar que esses aspectos não se
fazem presentes na realidade objetiva em tempos separados, pois
[...] o primeiro se tece pelo movimento do segundo, no cotidiano se
produz a vida que se torna história, mas esse produzir se funda na
objetividade histórica que nos serve de campo prático inerte sobre o
qual vivemos e constituímos os caminhos que leva ao devir. (IASI,
2017, p.16).

A partir disso, procuramos, no presente texto, analisar por meio das categorias de
análise de conjuntura o desenvolvimento da ação de grupos empresariais na educação
brasileira. Assim buscamos de modo específico: a) apresentar as categorias de análise
conjuntura; b) analisar as produções científico-acadêmicas que tratam a respeito dos

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grupos empresariais na educação; c) apresentar os elementos que constituem o
desenvolvimento da ação empresarial na educação.

Categorias de análise de conjuntura


A análise do desenvolvimento da ação de grupos empresariais na educação
escolar, na especificidade da conjuntura brasileira, requer um caminho para a realização
de sua apreensão na totalidade81. Por isso, na análise realizada pelo materialismo
histórico-dialético, necessariamente essa apreensão é espacial e temporal (IASI, 2017, p.
17). E, nesse sentido, as categorias de análise de conjuntura procuram contribuir como
instrumento na apreensão da totalidade concreta e favorecer uma análise objetiva da
realidade.
A análise de conjuntura se configura como uma leitura da realidade, do
movimento da realidade, um retrato dinâmico da totalidade no seu conjunto de
determinações. (ALVES, 2008). Essas relações constituem, a partir da análise materialista
dialética, num reflexo dinâmico da totalidade. “Nessa perspectiva, a história é tanto
resultado como pressuposto da vida.” (IASI, 2017, p.16).
O estudo do desenvolvimento da ação empresarial na educação brasileira requer
o conhecimento sobre as determinações e as mediações históricas presentes em seu
contexto, sejam elas econômicas, políticas, ideológicas etc., pois se manifestam em
determinado espaço/tempo, formando uma conjuntura. Podemos, nesse sentido,
considerar uma conjuntura como:
[...] a variedade de ações e determinações casuais, de singularidade de
interesses, intenções, de resistências e lutas, de passividade e

81
Segundo Kosik (2011, p.42-43), na filosofia materialista a categoria da totalidade concreta é sobre e em
primeiro lugar a resposta à pergunta: que é a realidade? Dessa maneira, é necessário apontar que, para o
autor, e no sentido empregado no presente texto, a categoria de totalidade significa a realidade como um
todo estruturado (não o todo), dialético, no qual ou do qual pode vir a ser racionalmente compreendido.

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amoldamento, resultam num desenho maior que permite vislumbrar
cenários e tendências que apontam para o devir e que nos ajudam a
compreender o processo que até ali se desenvolveu e as possibilidades
que se abrem. (IASI, 2017, p.17).

Interessa-nos tratar aqui da conjuntura brasileira, sobretudo, dos elementos


historicamente determinantes relacionados à ação de grupos empresariais na educação
brasileira, os quais estão presentes na produção científico-acadêmica já produzida acerca
da temática.
Desse modo, para analisar a produção acadêmica relacionada à temática,
utilizamos das categorias de análise de conjuntura: acontecimentos, cenários, sujeitos,
relação de forças e articulação entre estrutura e superestrutura (SOUZA, 1984), as quais
apresentaremos a seguir.
O(s) acontecimento(s) são ocorrências que, por sua dimensão, afetam uma parcela
considerável da sociedade em seu conjunto. Não são considerados acontecimentos
àquelas ocorrências que se reservam à individualidade, pois não possibilitam uma análise
da sociedade na sua totalidade. Acontecimentos revelam um caráter universal e estrutural,
por exemplo: greves, eleições, golpes, crises econômicas, políticas de governo, etc.
(SOUZA, 1984).
A importância na definição e uso dessa categoria como instrumento de análise
contribui para evidenciar algumas determinações: econômicas, políticas, sociais,
educacionais, ideológicas e, portanto, contribuem para a apreensão de uma determinada
totalidade. Essas determinações se desenvolvem em espaços diferentes e, por isso,
acontecem em lugares específicos, ou seja, cenário(s).
O(s) cenário(s) apresentam especificidades que influenciam no desenvolvimento
de determinados acontecimentos. Cenários podem se modificar, pois podem sofrer
alterações, mudar de lugar. Por exemplo: “numa ditadura militar os cenários do poder e
da luta [...] serão necessariamente diferentes dos cenários de uma sociedade democrática.

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emancipação humana
Numa, talvez o quartel, noutra, o parlamento, as ruas e as praças.” (SOUZA, 1984, p.11-
12).
A categoria de análise sujeito(s) demonstra que há determinados interesses na
realidade social e que estão relacionados aos acontecimentos e aos cenários. O uso dessa
categoria é importante na medida em que procura identificar que sujeitos, na forma
individual, por exemplo: na figura de um político, de um empresário, de um militante;
e/ou coletiva, por exemplo: na figura de uma instituição, de um partido político, de uma
classe social. (SOUZA, 1984). Além disso, oferece elementos para apreender as
necessidades/interesses que esses sujeitos representam, quais sejam: de classe, de
categoria, de partido político, etc.
Também há a categoria de relações de forças que se desenvolvem de maneiras
específicas, elas podem ser: de confronto, de coexistência, de cooperação, de domínio, de
igualdade e outras. (SOUZA, 1984). Identificar essa relação ou correlação de forças é
fundamental para o entendimento da dinâmica da realidade, como os movimentos, as
contradições, os limites e possibilidades de luta e superação do estranhamento humano,
sobretudo, do Capital.
Uma análise de conjuntura é uma análise da dinâmica de uma totalidade no seu
conjunto de determinações, ou seja, uma análise de conjunto, das partes que formam um
todo. A relação entre essas partes está determinada pela estrutura, pela forma de
organização e produção da base material de determinada sociedade, seu modo de
produção. A conjuntura está relacionada a ciclos de curto prazo da economia e da política.
A estrutura está relacionada a ciclos de longo prazo, por isso, uma
mudança/transformação estrutural, de modo geral, determina as mudanças conjunturais.
Já as mudanças conjunturais podem ocorrer sobre a mesma base estrutural sem alterá-la.
(ALVES, 2008, p.2).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Portanto, essa relação está determinada, em última instância, sobretudo, pelo
conjunto de determinações da base econômica da sociedade, pelo conjunto e pelo grau de
desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção presentes na
conjuntura e que estão numa relação de co-determinação com a superestrutura (sistema
político, sistema educacional etc.).
Na seção a seguir, apresentaremos como as categorias de análise de conjuntura se
apresentam nas produções acadêmicas sobre a atuação dos grupos empresariais na
educação, e de que maneira elas contribuem para a compreensão da realidade educacional
brasileira.

Produção científico-acadêmica e análise da ação de grupos empresariais na


educação
Para que possamos nos aproximar do todo sensível e realizar as mediações
necessárias para identificar os elementos determinantes da atuação dos grupos
empresariais na educação brasileira, procuramos, por meio da busca na Plataforma
Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ, as
produções sobre o tema, as quais se constituem como o nosso material de análise.
A partir da busca pelos termos82: empresariado, empresário, grupos educacionais
e grupos empresariais na Plataforma Lattes, foram encontrados83 um total de 146
produções, das quais foram selecionadas84 41 produções, a saber: a) 28 artigos em
periódicos; b) 8 dissertações; e c) 5 teses.

82
Optamos por utilizar esses termos de busca por entendermos que estes nos dariam elementos para partir
das produções existentes sobre a influência de grupos empresariais na educação brasileira e buscar
contribuir no debate.
83
Foram aplicados filtros para a busca das produções. Especificamente, procurou-se em currículos de
mestres e doutores das Ciências Humanas, da área da Educação.
84
No objetivo de selecionar as produções acadêmicas que possibilitavam uma aproximação com o tema da
pesquisa de tese, foram selecionadas as 41 produções com base na leitura do resumo e das considerações
finais de cada texto.

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emancipação humana
Nesse conjunto de produções, procuramos analisar, pelas categorias de análise de
conjuntura, quais elementos são apresentados e que estão relacionados à atuação de
grupos empresariais na educação brasileira. Para a análise das produções, utilizamos
categorias específicas, apontadas por Souza (1984) e que fazem parte de um processo de
análise de conjuntura.
Com base nas produções analisadas, que tratam a respeito da atuação de grupos
empresariais na educação brasileira, destacamos, de maneira geral, a Crise do Capital,
pós II Guerra Mundial, como o acontecimento material propulsor da reorganização do
modo de produção capitalista, na segunda metade do Século XX, e que influenciou a
conjuntura brasileira.
Para atender as demandas do Capital em crise, a necessidade da reorganização da
produção e, consequentemente, a acumulação flexível, determinaram mudanças nos
processos de trabalho e, consequentemente, na formação da força-de-trabalho. De acordo
com Melo (2010) e Cruz (2010), tais mudanças, de modo geral, influenciaram numa
forma específica de educação e novas demandas de qualificação foram exigidas ao
trabalhador, sobretudo, no início da década de 1990.
Também, é necessário ressaltar que a alteração de cenários, pós-período de
Ditadura no Brasil, possibilitou ao Estado, mediado pelo governo presidencial de
Fernando Collor de Melo, do Partido da Reconstrução Nacional – PRN (1990-1992
impeachment), (LUZ, 2008, p.13), a alteração dos sujeitos no controle dos processos de
formação do trabalhador: do Estado para a chamada Sociedade Civil.
O deslocamento do papel do Estado para os empresários na direção de projetos
educacionais se apresenta com a justificativa da base técnica do trabalho, a presença de
um modelo de acumulação flexível, que segundo a visão empresarial, impôs a
necessidade um novo trabalhador, formado de acordo com as necessidades empresariais.

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Isso se apresenta como uma das estratégias de reprodução do Capital, a formação
do trabalhador sob um modelo de acumulação flexível. Esse modelo de formação e
reprodução da força-de-trabalho se configura, conforme Cruz (2010, p.344), como um
“sistema de desenvolvimento de pessoas”.
A necessidade de uma formação específica para o trabalhador e o enfraquecimento
da ação Estado, também impulsionou o acontecimento da Responsabilidade Social.
Segundo Krawczyk (2014, p.36), a Responsabilidade Social é utilizada para nomear o
processo de descentralização de responsabilidades do Estado para o Mercado, “começam,
assim, a surgir regulamentações e figuras jurídicas da sociedade civil na prestação de
serviços públicos, que através de parcerias, complementam o orçamento público com
recursos privados”. Para Souza (2014), Neves e Oliveira (2004) isso se configura como
um projeto para a consolidação dos interesses da burguesia brasileira, materializados na
figura do empresariado: “[...] uma mudança política de setores da burguesia que estariam
caminhando no sentido de estabelecer uma hegemonia [...] procurando criar um consenso
ativo sobre seu projeto societário.” (SOUZA, 2014, p.82-83).
Esse período, aponta Martins et al. (2013, p.182), foi fundamental para que os
sujeitos, na figura dos empresários, sobretudo, do setor industrial no Brasil, se
reestruturassem politicamente para alcançar maior capacidade de ação na agenda pública
brasileira. A Confederação Nacional das Indústrias – CNI, para Rodrigues (1997, p.215),
tem se mostrado, principalmente a partir do período, “o mais importante aparelho de
hegemonia da burguesia brasileira”. Dessa maneira, ainda segundo o autor, “a CNI propõe
aprofundar a redução do papel do Estado a partir do deslocamento deste da posição de
produtor de bens e serviços para a de agente de ‘investimentos sociais e de
infraestrutura’”. (RODRIGUES, 1997, p. 177).
O protagonismo empresarial em questões econômicas e sociais foi marca do
período e, de acordo com Martins et al. (2014), essa questão fica evidente, sobretudo, no

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período correspondente ao primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, do Partido
da Social Democracia Brasileira – PSDB (1995-2003). Assim,
Sob o argumento de que a modernização do Estado exigia maior
participação de todos no provimento das questões sociais, a classe
empresarial, regida organicamente pela ideologia da responsabilidade
social e por meio de suas organizações, passou a intervir diretamente
no ordenamento da educação pública brasileira. (MARTINS et al.,
2014, p. 265).

Na educação, destacam-se o Instituto Ethos de Responsabilidade Social (1998) e


o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE (1995) que passaram a desempenhar
um novo papel político na educação escolar brasileira. (MARTINS et al. 2014). Pela
crescente participação da sociedade civil no interior do Estado, o GIFE se coloca como
uma das principais instituições que favorece a atuação empresarial no período.
De maneira geral, é possível apontar que a década de 1990 foi um período que os
efeitos da reestruturação produtiva e a ação de setores empresariais industriais foram
decisivos na formação do trabalhador. Já a década de 2000 pode ser identificada como
consolidação desse processo e ampliação do télos empresarial da “competitividade” para
a “competitividade com responsabilidade social”. (MARTINS, 2009). Para Martins et al.
(2013, p. 187), isso significa relacionar, sob a perspectiva empresarial, num mesmo
projeto de desenvolvimento, o econômico com o social.
A partir de 2003, com a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido
dos Trabalhadores – PT (2003-2011), “o projeto das forças políticas neoliberais parecia
ter sido derrotado”. (MARTINS et al., 2014, p. 265). No entanto, como salientam os
autores, as expectativas de mudanças foram fracassadas, inclusive em relação à política
educacional.
O governo do “Partido dos Trabalhadores” demonstrou uma relação de aliança à
hegemonia burguesa. Realizou apenas alterações no modus operandi governamental,
passando a valorizar os temas sociais e expandindo a participação das organizações

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empresariais. “O modelo gerencial de Estado não foi revisto, mas, sim, aperfeiçoado com
verniz social.” (MARTINS et al., 2014, p. 265).
Em relação à questão educacional, os empresários assumiram um papel de maior
destaque, na medida em que, além de manter a influência nas políticas educacionais de
estados e municípios, por meio de convênios com órgãos públicos, passaram a intervir
diretamente na formulação das políticas no interior do Ministério da Educação (MEC).
Os empresários também passaram a participar na definição do Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE); na intervenção do delineamento do Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação e na coordenação de programas do MEC. (MALINI, 2009 apud
NEVES; OLIVEIRA 2004, p. 51).
Além do crescimento do ensino privado no contexto nacional, o desenvolvimento
da ação empresarial aconteceu por meio da ação nas políticas educacionais. Um exemplo
disso, como aponta Souza (2015), é a articulação do GIFE, com o Movimento Todos pela
Educação (TPE) e revela a relação de parceria entre Estado e sociedade civil, no sentido
de fortalecer o investimento social privado em educação e fortalecer a responsabilidade
social.
A partir dessa correlação de forças, baseada numa espécie de articulação entre
Estado e Sociedade Civil, a rede GIFE, articulada ao movimento “Todos pela Educação”,
assume uma direção estratégica na definição de um projeto educativo fundamentado na
cultura empresarial. Essa direção estratégica acontece por meio de uma solidariedade
entre frações da classe burguesa e o Estado, cuja força política consolida a prática do
investimento social privado em educação como uma referência hegemônica na totalidade
das relações sociais. (SOUZA, 2015, p.254).

Algumas considerações finais

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emancipação humana
De modo geral, foi possível, por meio da leitura das produções, destacar os
seguintes elementos que correspondem às categorias de análise de conjuntura e que nos
ajudam a entender a realidade educacional brasileira, a partir da atuação de grupos
empresariais: a) o acontecimento e a relação entre estrutura e superestrutura
determinantes, apresentados pelas produções, consiste na reorganização do Capital, na
segunda metade do Século XX. A chamada “crise de acumulação do Capital” foi um
acontecimento que impôs mudanças substanciais na organização estrutural do modo de
produção capitalista, influenciando no desenvolvimento dos processos de produção e
reprodução da vida; b) a partir desse movimento estrutural, expandiram-se e organizaram-
se novas formas de formação da força-de-trabalho; c) ao mesmo tempo, isso expressou o
movimento de cenários e sujeitos na conjuntura brasileira que, em nossa análise, iniciou
na década de 1990, com a crescente participação da sociedade civil, na figura dos
empresários, no interior do Estado; d) ao mesmo tempo, o estreitamento de laços com o
Estado, favoreceu a participação da sociedade civil em políticas e projetos educacionais,
por meio da responsabilidade social; e) nesse processo destacaram-se as figuras coletivas
de organizações empresariais industriais como CNI, Instituto Ethos e GIFE, além da
mediação do Estado.
Dados os limites desse texto, procuramos, a partir das questões destacadas,
apontar a importância das produções acadêmicas para a apreensão dos elementos que
contribuem para a análise de conjuntura acerca da realidade educacional brasileira,
especialmente pela disputa dos empresários acerca de um projeto social e educativo.

Referências bibliográficas
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SOUZA, C. A. Projeto educativo do empresariado: educação e luta de classes no século
XXI. Marx e o Marxismo, v.3, n.5, p.247-262, jul./dez. 2015.

Autores:

Juliano Marcelino Deitos


juliano.deitos@gmail.com
Gisele Masson
gimasson@uol.com.br

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emancipação humana
CONFLITOS EDUCATIVOS NA NOSSA AMÉRICA:
A práxis educativa nas lutas de resistência
Diego Nicolás Ferrari

“O mito move o homem na história.


Sem um mito, a existência do homem não tem nenhum sentido histórico”,
J. C. Mariategui. O homem e o mito, 1925.

Introdução.
As mudanças no mundo do trabalho impactam diretamente nas políticas
educacionais. Durantes os últimos anos na Nossa América85, os sistemas educativos
nacionais têm se desenvolvido em extensão e amplitude. Em aparente contradição, mas
em consonância com as políticas do neoliberalismo, implementadas a partir dos acordos
assinados pelos governos com o Banco Mundial. Observa-se uma mudança no mandado
fundacional da escola pública: abandona-se um paradigma elitista e seletivo, para se
estabelecer numa proposta de “inclusão” que foca a sua função na estratégia de incluir
para segregar.86 Nessa perspectiva do poder, naturaliza-se a estratégia de incorporar na
escola para segregar de forma mais efetiva (TIRAMONTI, 2012). Desde a infância,
consolida-se um mundo fragmentado, onde existem populações que desenvolvem vidas
no paralelo.
O novo mandado internacional sobre a função da escola busca perpetuar a
legitimidade da instituição escolar. Nesse sentido, atualmente a escola pública se destaca,
nas periferias, na função de implementar políticas sociais. As manifestações da questão

85 Nos referimos a Nossa América realizando uma tradução do que Mariategui chamou de “Nuestra America” se
referindo à região do continente americano caracterizado pela colonização espanhola e portuguesa, e numa
diferenciação da América imperial dos Estados Unidos.
86 Em vários países têm se legislado a extensão da obrigatoriedade escolar enquanto direito garantido pelo Estado
(no Brasil a través da Emenda Constitucional 59/2009), porém, essa mudança tem acontecido junto com a
diversificação dos sistemas público e privado de educação, e com a massificação da precariedade na proposta
educativa pública.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
social são atendidas no âmbito escolar, a partir de políticas sociais que reforçam a
obrigatoriedade da escolarização, a inclusão educativa, como condição para o acesso a
determinados benefícios87.
Evidentemente, as políticas de inclusão e extensão dos sistemas educativos na
região, repercutiram diretamente no trabalho docente. Entre as décadas de 1980 e 2000,
a quantidade de professores trabalhando em escolas foi duplicada na maioria dos países
da região, sendo que onde os sistemas educacionais não eram muito desenvolvidos, como
no Paraguai, a quantidade de professores nas escolas triplicou (GINDIN, 2008). Junto
com o crescimento do setor docente, se produz a proletarização e precarização do trabalho
na categoria (DONAIRE, 2009), e o conflito educacional ganha visibilidade. Ao analisar
as tendências gerais da conflitividade na região Latino-americana, Seoane y Taddei
(2001) apontam como protagonista o setor assalariado (público y privado) sindicalizado
e, especificamente, o setor docente (Apud GENTILI et al, 2004). Um dos motivos
determinantes é o impacto no cotidiano da vida social, nesses tempos de refluxo das lutas
de classes, em que as lutas ganham maior expressividade em espaços de reprodução da
vida social do que nos espaços produtivos.
Nos últimos 30 anos, os conflitos educativos foram assumindo diversas
características em relação ao sujeito que protagoniza o conflito e a sua repercussão no
conjunto da sociedade. A greve dos professores em Neuquén (Argentina) durante o ano
1997, em que o conflito educativo se juntou com outras expressões de conflitividade na
localidade e provocou uma revolta popular, é uma das experiências precursoras de um
fenômeno que se repete por toda Nossa América: o conflito educativo excede as paredes
da escola e envolve a sociedade no seu conjunto. Destacamos o conflito dos professores
em Oaxaca (México) durante 2006 e a criação da Assembleia Popular dos Povos de

87 Como exemplo podemos destacar o programa “Bolsa Familia” no Brasil, o “Progresa” no México, e a
“asignación universal por hijo” na Argentina.

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emancipação humana
Oaxaca (APPO); os conflitos educativos no Chile (2006 e 2011) que ocuparam o cenário
público durante vários meses; ou os diversos conflitos dos últimos anos no Brasil, onde
emerge o triunfo dos secundaristas de São Paulo (Brasil) no final de 2015, precedido de
intensos conflitos educativos protagonizados pela categoria dos professores.88
Os resultados desses conflitos são diversos e heterogêneos. Neles podem se
contemplar uma multiplicidade de aspectos: a participação das mulheres e a profundidade
dos debates sobre a questão de gênero, a ausência de direção política dos conflitos e a
inexperiência do sujeito, a fragmentação política e a sua confluência com outros setores
da “comunidade educativa”. Durante o conflito educativo, alguns elementos centrais na
sua resolução surgem do vínculo entre a escola e o território. Em cada conflito é
fundamental a forma como se configura a comunidade educativa e como se relaciona aos
espaços de produção e circulação das mercadorias.
Quanto ao método, observamos as ações diretas de ocupação do território escolar,
nas quais um grupo de ativistas rompe com a cotidianidade “transformando o território
existente e reconstruindo novas territorialidades durante o processo de ocupação. Após a
desocupação não só as vitórias sobre as pautas reivindicadas, mas a formação política de
alguma forma aconteceu seja de forma construída ou decretada” (LACERDA, 2016).
Nesses conflitos se desenvolve uma práxis educativa, entendida como prática consciente
que demanda da teoria para posteriormente se lançar na ação. A partir desta ação surgem
novos conhecimentos para avançar na busca das respostas sobre “como”, “onde”,
“quando” e “por que” da transformação.89

88 Poderíamos também enumerar as escolas e o sindicato dos professores de Honduras que durante o ano de 2009
funcionaram como o centro organizativo da resistência ao golpe; as ocupações de escolas no Paraguai no 2013, a
greve de 2014 de Buenos Aires, Argentina, em que se constituirão assembleias por bairro com participação da
comunidade educativa, a greve de 2015 do sindicato de professores de Uruguai, que protagonizou o maior
conflito que enfrentou o governo do Frente Amplio nesse país, ou a última greve histórica no Peru (2017).
89 Sánchez Vázquez (1980) chama o processo como “práxis reflexiva”, e “práxis criativa”: a dificuldade para
transformar a situação atual sem compreender primeiro a estrutura que a conforma, é a relação criativa entre
apropriação e objetivação que cria novas capacidades.

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emancipação humana
Em função dos debates sobre educação e emancipação humana, e a (in)viabilidade
do trabalho como princípio educativo no contexto de alienação90, a posição que
destacamos procura observar, a partir dos conflitos educativos, o desenvolvimento de
uma critica radical que possa ser traduzida em práxis educativa. Tendo em conta que “o
trabalho não esgota a construção do ser social, mas o mesmo é também fundamento da
práxis” (SOUZA JUNIOR 2010 p. 11) nos perguntamos: Em que medida podemos
conceber a práxis de luta como princípio educativo para a emancipação humana?

Fundamentação teórica.
O ser humano, só pode ser pensado em relação às condições materiais socialmente
estabelecidas no seu tempo. Na sociedade atual, as relações são mediadas pela lógica das
mercadorias, e a educação não está por fora disso: As suas disputas estão atreladas às que
se desenvolvem no mundo do trabalho. O trabalho é a gênesis de toda a vida histórico-
social da humanidade, e no capitalismo assume um duplo caráter: Trabalho concreto e
abstrato, ou seja, trabalho que produz valor de uso, e trabalho que produz valor, ou seja,
como dispêndio de força física, de músculos e nervos. No capitalismo, a força de trabalho
passa ser uma mercadoria especial, de livre circulação e passível de ser vendida, sendo
produtora de um valor muito maior que o valor para se reproduzir. Nesse sentido, o
trabalho encerra a sua dupla condição como degradação física e moral, no contexto da
alienação, e ao mesmo tempo, como possibilidade de superação (MARX, 1998).

90 A questão da educação atrelada ao trabalho, surge desde o debate sobre Politecnia (Marx), passando pelas
práticas e teorizações desenvolvidas na experiência soviética, e as contribuições de Gramsci, Manacorda,
Enguita, entre outros. No Brasil o debate se dinamiza desde uma tradição surgida nos anos 80 que desenvolve a
questão do trabalho como princípio educativo para uma educação emancipadora. Mas alguns autores como
Tumolo, Duayer, Medeiros, convidam pensar que para desenvolver uma práxis revolucionaria radical é preciso o
primeiro passo da negação do trabalho nesse contexto capitalista. Se considera um debate aberto e fértil nas atuai
lutas. Outros autores que ampliam o debate são: Sérgio Lessa, Daniel Rodrigues, João Batista Zanardin, Ademir
Quintilio Lazarini, Gaudencio Frigotto, Maria Ciavata, e Marise Ramos.

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emancipação humana
Pelas reflexões de Antônio Gramsci, concebemos a educação como um âmbito
para os processos de construção de hegemonia, e portanto também das lutas contra-
hegemônicas.
Hegemonia também constitui-se em um processo de universalização
dos interesses particulares (e classistas) que tem sede nas formas de
produção e reprodução social. Isto é, constitui-se na passagem dos
interesses meramente econômicos ao plano “ético-político” de
“elaboração superior da estrutura em superestrutura” (GRAMSCI,
1999, vol.1, p. 314).

Ao longo da história, classe dominante diversificou suas estratégias na sociedade


civil. Por vezes, tendo que renunciar em parte das reivindicações populares, realizando
um movimento permanente e contraditório de renovação e restauração. Segundo Gramsci
(2002), os estados de “tipo oriental”, que seguravam o poder da sua classe
fundamentalmente na base da coerção foram progressivamente superados por estados de
“tipo ocidental”, no qual a violência é articulada com uma atividade pedagógica intensa.
Ao estado capitalista lhe emerge a “tarefa de formar um certo ‘homem coletivo’, ou seja,
conformar técnica e eticamente as massas populares à sociabilidade burguesa” (NEVES,
2005, p.26). Essa tarefa pedagógica do Estado se realiza em função do contínuo avanço
das forças produtivas; surge da necessidade “de adequar a ‘civilização’ e a moralidade
das mais amplas massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do
aparelho econômico de produção e, portanto, de elaborar também fisicamente tipos novos
de humanidade” (GRAMSCI, 2002, p.23). Mas “a escola não é um mero epifenômeno da
economia” (ANTUNES, 2009. p.31), pelo contrário, a escola é um território disputado
pelos aparelhos privados de hegemonia onde se organizam as vontades das classes
antagônicas, e essa disputa se observa na conflitividade expressa no processo da política
educacional.
Na década de 1970, o capital inicia uma crise diferente a todas as anteriores,
porque essa atinge a todos os países e em todas as dimensões (econômica, ambiental,

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emancipação humana
cultural, política) a nível mundial. Na saída da sua crise, a burguesia internacional
impulsiona o neoliberalismo, implementando um conjunto de medidas através dos
organismos internacionais. As mudanças que se produzem no mundo do trabalho exigem
a tarefa (para o capital) de formar um trabalhador que seja “déspota de si mesmo”.
A alienação/estranhamento é aparentemente – atenção! –
aparentemente menos despótico, mas intensamente mais interiorizado.
Porque é assim que o toyotismo pode envolver. E para que haja o
envolvimento, tem que fazer algumas concessões, senão não há base
para o envolvimento. (ANTUNES, 2009 p.30)

O toyotismo aparece como a base material para a saturação de “participação” e de


“empoderamento” no cenário político atual, como processos de envolvimento de massas
de trabalhadores numa ilusão de “participação cidadã” e de um “empoderamento” das
minorias desvinculadas de qualquer projeto de classe.
Frente ao projeto do capital dirigido pelos organismos internacionais, porém, em
cada país de América Latina, surgem conflitos de resistência.
É possível ver o que fazem a burguesia e o Estado para a educação e o
ensino da classe trabalhadora. Por sorte, as condições em que vive esta
lhe asseguram uma formação prática que não substitui todo o trabalho
escolar, mas que também neutraliza o efeito pernicioso das confusas
ideias religiosas em que se move o ensino [...] A miséria não só ensina
o homem a rezar: também ensina o homem a pensar e atuar (MARX;
ENGELS, 1992, p. 80).

Marx demostra como a educação se estrutura dialeticamente trazendo a


contradição no seu próprio processo de construção histórica. Por isso, algumas políticas
pensadas em função de determinados objetivos podem desenvolver a negação desses nas
práticas cotidianas, produzindo ações de resistência.
No cotidiano se expressa a historicidade que atribui sentido a prática social. A
escola é, enquanto espaço físico, um território do cotidiano.

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emancipação humana
O território do cotidiano é, ao mesmo tempo, aquele da tensão e da
distensão, aquele de uma territorialidade imediata, banal, previsível e
imprevisível (…), território dos fatos de crônica (…) A esse território
corresponde uma linguagem cotidiana (...) O cotidiano é vivido
simultânea, territorial e linguisticamente. É o habitar por excelência,
riqueza y pobreza, banalidade e originalidade, potência e impotência,
ao mesmo tempo (RAFFESTIN, 1993 p 6-7).

Os conflitos de ocupação de escolas irrompem no cotidiano e vão construindo, em


ações concretas, uma cotidianidade diferente, breve, mas intensa. Nos ativistas que
participam ativamente da ação se produz uma identificação como sujeito coletivo, e,
durante o tempo em que o conflito se desenvolve, se realiza uma práxis educativa, que
vai além dos aprendizados escolares e traz o aprendizado da vivência cotidiana.

Considerações Finais.
Os conflitos educativos na América Latina são verdadeiras escolas de luta na
resistência, onde, a partir da negação do que aparece como único possível, surge um novo
horizonte com outras possibilidades. A conflitividade não é uma reação mecânica de
resistência por parte de setores da classe dominada. O sucesso ou fracasso das resistências
no conflito educativo dependem diretamente da sua repercussão no conjunto da sociedade
em territórios específicos.
O vínculo entre a escola e a comunidade territorial na qual está inserida (incluindo
setores que participam na produção de valor) apresenta o maior desafio. A possibilidade
do conflito transcender até setores da sociedade que consigam afetar a produção de valor
e os interesses da classe dominante constitui o limite (nem sempre fixo) do conflito
educativo.
Pensar a práxis como princípio educativo compreende à conflitividade como um
processo contínuo. O processo pedagógico requer a transformação da prática e da
consciência, a partir de um processo de luta e de abstração teórica que permita

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emancipação humana
compreender a estrutura da realidade e o desenvolvimento histórico que se pretende
transformar.
A educação que potencialize novas possibilidades civilizatórias será possível só a
partir das necessidades reais das classes dominadas. Hoje, a sobrevivência se constitui
como elemento político central. Portanto, a resistência é uma ideia-ação fundamental na
práxis educativa atual, no caminho de uma educação para a emancipação humana. Nesses
tempos, a resistência faz parte do mito necessário.

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TIRAMONTI, G. Variaciones sobre la forma escolar: límites y posibilidades de la escuela


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Autor:

Diego Nicolás Ferrari


Doutorando em Serviço Social – UFRJ
Bolsista Capes
e-mail: diegoteferrari@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O PENSAMENTO TEÓRICO E A EDUCAÇÃO FÍSICA:
contribuições da didática desenvolvimental
Adnelson Araújo dos Santos

Introdução
Este estudo discute as possibilidades de desenvolvimento do pensamento teórico
e da formação de conceitos científicos a partir da teoria histórico-cultural no âmbito da
educação física escolar. As inquietações que motivaram essa elaboração decorrem dos
anos na docência do ensino superior, que permitiram identificar um grave problema na
formação de professores em educação física, qual seja: os/as alunos/as ingressam na
graduação sem o conhecimento acerca dos conceitos científicos da área. Problemática
que explicita o precário desenvolvimento das aulas de educação física na educação básica
e justifica a necessidade de avançar na discussão sobre o processo de ensino-
aprendizagem desta disciplina na escola.
Ainda é comum ouvirmos dos/as ingressantes no ensino superior que as aulas de
educação física escolar não passavam de momentos de descontração, lazer ou atividades
esportivas aleatórias, assistemáticas, partindo, geralmente, do interesse dos/as próprios/as
estudantes. O resultado desse processo é que eles/as ingressam no ensino superior, para
cursar educação física, com uma visão sincrética da área. Isto significa que os/as
estudantes não apreenderam, durante toda a escolarização básica, os conceitos nucleares
de que deve tratar a educação física.
Somando-se a isto, destaca-se que mesmo no sentido restrito das vivências
corporais há uma flagrante negligência quanto aos conteúdos ensinados/aprendidos. Os/as
estudantes não dominam os elementos essenciais da cultura corporal, no sentido da sua
prática. Em outras palavras, não realizam as técnicas dos esportes, ginásticas, lutas,
danças, entre outros. Isto porque as vivências escolares são limitadas, principalmente,

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emancipação humana
pela falta de espaço e material para realização das atividades e, também, pela falta de
preparação docente para desenvolver todos estes temas da cultura cultural. Os/as
poucos/as alunos/as que possuem experiência com algum conteúdo/modalidade,
geralmente, obtiveram em escolinhas ou em clubes e não proveniente das aulas de
educação física escolar. Além disso, tal experiência se restringe, geralmente, a apenas
uma modalidade. São raros os casos de estudantes que possuem uma vasta experiência
com os conteúdos da educação física, seja do ponto de vista da vivência ou do ponto de
vista teórico.
A insuficiente apropriação dos conceitos científicos da área na educação básica,
aliada à falta de apropriação corporal dos conteúdos da educação física, atinge
frontalmente o processo de formação de professores. Os estudantes da graduação anseiam
que o curso superior preencha todas as lacunas deixadas na escolarização e na vida
pregressa à universidade. Com isto, as disciplinas de conhecimento específico são
tomadas, em larga medida, pelo excesso de atividades práticas (vivências corporais), a
fim de ensinar as técnicas e os fundamentos. Desta maneira, a formação inicial em
educação física, que deveria ser o momento de assimilação dos conhecimentos
específicos da área, conhecimento didático-curricular, pedagógico, crítico-contextual e
atitudinal (SAVIANI, 1997), limita-se aos conhecimentos procedimentais e a uma razão
técnico-instrumental.
A contextualização desta problemática explicita uma relação dialética entre escola
e universidade, educação básica e educação superior. As contradições da escola impactam
na universidade e vice-versa. Para resolver estas contradições, os teóricos aliados à
ideologia burguesa e à ordem do capital apresentam como solução para o ensino superior
a fragmentação da formação em licenciatura e bacharelado. Para eles, o problema é a
ampla quantidade de conteúdos curriculares que os/as professores/as de educação física
precisam apreender para atuar em todas as áreas. E, por isso, a saída é a separação: uma

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
formação específica para atuação escolar e outra para atuação em ambientes não
escolares.
Esta proposta é atual e, infelizmente, vem ganhando força na maioria dos estados
por ingerência do Conselho Federal de Educação Física – CONFEF e dos respectivos
conselhos regionais. Todavia, tem sido grande a mobilização contrária a esta proposição
e a luta no interior das universidades e dos órgãos responsáveis pela elaboração das novas
diretrizes curriculares para a formação em educação física vem ganhando força.
Para a educação básica, a proposta que ganhou destaque em nível nacional foi a
aprovação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, apresentada apenas para a
Educação Infantil e Ensino Fundamental. Tal formulação, na sua 4ª versão, já recebeu
vários questionamentos acerca da sua finalidade que, apesar de se colocar como suporte
para que as escolas elaborem seus currículos, considerando os elementos universais e
particulares da realidade escolar, impõe às unidades escolares a necessidade de seguir
fielmente a cartilha das avaliações institucionais para atender aos interesses dos
organismos internacionais. O próprio documento afirma que a base servirá para o
alinhamento referente à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos
educacionais e aos critérios para oferta de infraestrutura adequada ao pleno
desenvolvimento da educação (BRASIL, 2017).
É inegável a necessidade urgente de infraestrutura nas escolas públicas e não seria
preciso uma base para apontar os critérios. Estes já estão muito bem definidos e
amplamente divulgados. A educação física escolar padece com a limitação que este
problema ocasiona nas possibilidades formativas dos/as estudantes, principalmente nos
anos iniciais, devido à necessidade de continuidade (e descontinuidade) da atividade
principal do brincar. A base nacional reconhece isto, porém, silencia quanto à necessidade
de espaço físico para atender qualitativamente as experiências educacionais/corporais
desta faixa etária.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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emancipação humana
Outro aspecto importante não contemplado na base é a necessidade de
desenvolvimento do conhecimento científico. O documento apresenta somente o
compromisso da educação física com uma formação estética, sensível e ética. Quando faz
referência ao pensamento teórico apela ao diálogo com outras disciplinas para colaborar
com os processos de alfabetização e letramento. As habilidades teóricas, quando citadas,
referem-se apenas ao pensamento empírico, como por exemplo, identificar e descrever as
características dos objetos, diferenciando-os e resolvendo questões do contexto
comunitário e regional.
Diante desse quadro de precarização da escola e das propostas baseadas na
concepção educacional burguesa, abordamos ao longo deste trabalho a necessidade de
desenvolvimento do pensamento teórico desde as séries iniciais do ensino fundamental
para que possibilite, a partir dos primeiros anos da escolarização, a apropriação dos
conhecimentos científicos nesta área. O pressuposto do qual se parte para o
desenvolvimento deste estudo é o de que se deve “formar, nos estudantes, desde os
primeiros anos escolares, os fundamentos do pensamento teórico como capacidade
importante de uma personalidade criativa e desenvolvida multilateralmente”
(DAVIDOV, 2017, p. 222). Para isto, é necessária uma alteração substancial no processo
de ensino-aprendizagem historicamente prevalecente na educação física escolar. Neste
sentido, buscamos sustentação na teoria histórico-cultural com o objetivo de identificar
as contribuições da didática desenvolvimental para o ensino da educação física nas séries
iniciais do Ensino Fundamental que permita o desenvolvimento do pensamento teórico e
dos conceitos científicos.

O pensamento teórico na didática desenvolvimental


O histórico de uma disciplina eminentemente prática (vivências corporais) formou
no senso comum a compreensão de que não há necessidade de pensar na educação física

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escolar, pois o que sempre vigorou foi a ênfase nos aspectos corporais, num sentido
restrito. E, mesmo com a elaboração de várias abordagens pedagógicas91 criticando o eixo
paradigmático da aptidão física, da saúde e da hegemonia do esporte, ainda não se observa
o ensino dos conceitos científicos nas séries iniciais. Para versar sobre estes temas
partimos da ideia de Vigotski (2009), para quem o desenvolvimento dos conceitos
científicos na idade escolar é uma questão fundamental nas tarefas da escola.
Este autor russo exerceu função primordial no desenvolvimento de estudos sobre
os conceitos científicos na escola. Os resultados de seus estudos apontaram que no campo
dos conceitos científicos ocorrem níveis mais elevados de tomada de consciência. E que
o acúmulo de conhecimentos leva invariavelmente ao aumento dos tipos de conhecimento
científico. Estas conclusões basearam a tese fundamental de Vigotski (2009): que a
aprendizagem tem papel preponderante sobre o desenvolvimento.
O que mais importa destacar aqui do pensamento de vigotskiano é o trabalho
escolar como meio fundamental para o desenvolvimento dos conceitos científicos e,
consequentemente, para a tomada de consciência e arbitrariedade. Este papel central do
ensino decorre do fato de que os conceitos científicos são o campo em que a generalização
e a apreensão dos conceitos surgem e, assim, essa nova estrutura de generalização é
transferida como um princípio de atividade para todos os outros campos do pensamento
e dos conceitos. É a partir desta compreensão que Vigotski (2009, p. 290) afirma que “a
tomada de consciência passa pelos portões dos conceitos científicos”.
Na formação dos conceitos científicos Vigostki (2009) destaca a necessidade
fundamental do sistema. O conceito só pode adquirir conscientização e arbitrariedade em
relações determinadas de generalidade, ou seja, o conceito científico pressupõe a
existência de relações entre os conceitos, um sistema de conceitos. Desta maneira, o autor

91
Abordagens pedagógicas sistematizadas da educação física escolar: Crítico-Superadora, Crítico-
Emancipatória, Aulas Abertas, Educação como prática corporal e Educação para a saúde.

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explica a formação de conceitos científicos como uma generalização da generalização.
Em suas palavras, “a criança forma uma nova estrutura de generalização primeiro com
uns poucos conceitos, habitualmente readquiridos, por exemplo, no processo de
aprendizagem; quando já domina essa nova estrutura, por força disto reconstrói e
transforma a estrutura de todos os conceitos anteriores” (VIGOTSKI, 2009, p. 374-375).
São inegáveis as contribuições de Vigotski (2009) no que diz respeito à formação
de conceitos científicos e, principalmente, no papel da aprendizagem escolar no
desenvolvimento. O legado deste autor foi a mola propulsora para estudos posteriores,
que resultaram em diferentes propostas didáticas para o ensino escolar. Dentre elas,
destacamos neste texto a didática desenvolvimental. Esta surge na ex-União Soviética,
fruto de mais de cinquenta anos de pesquisas e se bifurca em duas grandes concepções de
ensino: a didática desenvolvimental da atividade e a didática desenvolvimental da
personalidade (PUENTES, 2017). Nossa análise está centrada nas contribuições de
Davidov para o desenvolvimento dos conceitos científicos, a partir da teoria da atividade,
e para a formação do pensamento teórico.
Para Davidov (1988) o pensamento teórico consiste em um procedimento especial
com que o/a homem/mulher enfoca a compreensão das coisas e dos acontecimentos por
meio da análise das condições de sua origem e desenvolvimento. Mediante o pensamento
teórico o/a homem/mulher deve dominar o processo de origem e desenvolvimento das
coisas, utilizando-se, para isso, da lógica dialética. Este é o caminho que conduz à
formação de conceitos e que permite aos escolares o domínio dos fundamentos da cultura
teórica atual. Desta maneira, o ensino escolar deve ser orientado para que os alunos
possam assimilar o processo de generalização e abstração teóricas, conduzindo aos
conceitos teóricos, ou seja, é preciso ensinar as crianças a pensar teoricamente.
Davidov (1988) parte da teoria da atividade e da lógica dialética. Para ele, a forma
original, de partida e universal é a atividade real, sensorial prática do/a homem/mulher.

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O pensamento verbal, portanto, deriva da atividade prática. Neste contexto, é a dialética
que estuda os problemas do movimento do/a homem/mulher para o conhecimento
verdadeiro. Assim, é ela que estuda e descreve as formas historicamente significativas e
universais da atividade prática e mental, que são a base de desenvolvimento de toda a
cultura material e espiritual da sociedade.
Desta base teórica, Davidov (1988) desenvolve uma análise rigorosa sobre o
pensamento empírico, predominante no ensino escolar, e o pensamento teórico.
Discorrendo sobre o primeiro, o autor situa um grave problema dessa forma de
aprendizado e que ainda é recorrente em nossas salas de aula, isto é, os alunos são levados
a generalizações através da observação e estudo de material “concreto” dado visualmente
e captado sensorialmente, que ele denomina de princípio do caráter visual. Este processo
de pensamento, que tem por base a lógica formal e o pensamento empírico, leva a
comparação sensorial e tem a finalidade de separar os traços gerais e realizar apenas a
classificação dos objetos.
Este problema se insere fortemente no ensino escolar na medida em que os
professores são incentivados a utilizar a experiência empírica cotidiana de familiarização
dos escolares com as coisas e fenômenos como base para assimilação dos conhecimentos
escolares. A forma de ensino amparada nesta concepção, ou seja, no princípio do caráter
visual, desenvolve apenas os conceitos empíricos.
Adverte-se que Davidov (1988) não menospreza a experiência vital da criança e
assegura que ela deve ser utilizada no ensino. Porém, somente por meio de sua
reestruturação qualitativa dentro da forma, especial e nova para o aluno, do conhecimento
teórico. Para ele, o conhecimento teórico é o conhecimento com um mínimo de apoios
em imagens visuais e com um máximo de construções expressas verbalmente, haja vista
que é por meio do pensamento dialético que se descobrem as passagens, o movimento, o
desenvolvimento, permitindo a análise dos objetos de acordo com sua própria natureza.

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Portanto, não é o contato visual ou a experiência empírica que permite aos alunos
o alcance dos conceitos dos objetos, mas sim, as suas condições de origem, as mediações,
as contradições e o seu desenvolvimento, captados pelo mais alto nível de generalização
alcançado pelo desenvolvimento do pensamento teórico. Nas palavras de Davidov (1988),
“ter um conceito sobre um ou outro objeto significa saber reproduzir mentalmente seu
conteúdo, construí-lo. [...] Expressar o objeto em forma de conceito significa
compreender sua essência” (126).
Enquanto o pensamento empírico busca o aparente, o externo, as características
gerais das coisas, o pensamento teórico se propõe a compreender e desvelar as conexões
internas das coisas, a sua transformação, a superação da aparência e as mudanças que
ocorrem na passagem de uma coisa a outra. Essa compreensão, porém, não pode ser
adquirida pela observação direta da realidade. De acordo com Davidov (1988), o interno
se descobre nas mediações, em um sistema, dentro do todo, em sua formação o presente
e observável deve ser correlacionado mentalmente com o passado e com as potencias do
futuro. Neste trânsito está a essência da mediatização, da formação do sistema, do todo a
partir das diferentes coisas interagindo. O pensamento teórico ou o conceito, portanto,
devem reunir as coisas contrárias, diferentes, multifacetadas, não coincidentes e assinalar
seu peso específico nesse todo.
Outro aspecto fundamental das contribuições de Davidov (1988) é que, ao
contrário do pensamento empírico, que se desenvolve do concreto ao abstrato, no
pensamento teórico a reprodução do concreto como unidade do diverso se realiza pelo
procedimento de ascensão do abstrato ao concreto. O concreto, neste caso, não se refere
às características materiais dos objetos, mas à síntese de múltiplas determinações, unidade
do diverso, ao concreto pensado. Este aparece como resultado do processo de abstração
e não como ponto de partida. Chega-se ao pensamento teórico por meio dos processos de
análise e síntese.

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Davidov (1988) destaca a necessidade do pensamento conceitual na medida em
que este é o procedimento e o meio da reprodução mental de qualquer objeto como
sistema integral. Ter o conceito sobre tal objeto significa dominar o procedimento geral
de construção mental deste objeto. Assim sendo, reafirma as limitações do pensamento
empírico, que apenas cataloga e classifica os objetos e fenômenos, enquanto o
pensamento teórico persegue a finalidade de reproduzir a essência do objeto.
Considerações finais
Este texto não pretendia apresentar a organização didática na perspectiva
desenvolvimental para o ensino da educação física. Buscou-se identificar os pressupostos
fundamentais que contribuem para um trabalho pedagógico que supere a atividade
meramente prática, por um ensino que desenvolva nos alunos, além das habilidades
corporais, o pensamento teórico sobre os conceitos nucleares da educação física.
O aspecto central das contribuições da didática desenvolvimental para a educação
física é o fato de que desde as séries iniciais é possível o desenvolvimento das bases para
o pensamento conceitual. Além das vivências corporais, predominantes nas aulas, é
imprescindível que logo nesta faixa etária os professores realizem atividades objetivando
o pensar teórico sobre os temas da cultura corporal, quais sejam: jogo, esporte, dança,
lutas, ginástica e capoeira. Vale ressaltar que pensar teoricamente não significa descrever
as características das corridas, dos saltos, dos esportes, das danças, entre outras, como
sugere a BNCC. É preciso ir para além da aparência imediata, das características externas
e das atividades práticas cotidianas dos alunos. Não basta que os alunos classifiquem as
modalidades esportivas ou os diferentes tipos de ginástica, é preciso buscar a origem, as
relações, as generalizações, as abstrações que permitam as bases para a apreensão do
conceito científico desses conteúdos. É preciso ensinar a pensar teoricamente.
Superar o ensino tradicional na educação física não significa partir da prática
cotidiana dos alunos para ensinar novas maneiras de jogar a fim de transformar as

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emancipação humana
vivências do contexto comunitário onde estão inseridos. Mas sim, que os alunos
compreendam desde cedo os obstáculos enfrentados no acesso à cultura corporal,
modificando essencialmente a forma de internalização historicamente prevalecente na
educação física escolar.
Assim, consideramos que a didática desenvolvimental tem contribuições
significativas para uma mudança no trabalho pedagógico da educação física nas séries
iniciais. Por isso, faz-se necessário avançar na sua compreensão, principalmente, no que
tange à organização do conhecimento, definindo os conceitos nucleares que devem ser
abordados em cada etapa da escolarização, e na organização didática do ensino que
efetivamente promova o desenvolvimento dos alunos numa perspectiva omnilateral.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF,


2017. Disponível em: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base>. Acesso em:
05/01.2018.

DAVIDOV, Vasili. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico. Moscou: Editora


Progreso, 1988.

DAVIDOV, Vasili. Análise dos princípios didáticos da escola tradicional e dos possíveis
princípios do ensino em um futuro próximo. In: LONGAREZI, Andréa Maturano;
PUENTES, Roberto Valdés (Orgs.). Ensino desenvolvimental: Antologia. Uberlândia,
MG: EDUFU, 2017.

PUENTES, Roberto Valdés. Didática desenvolvimental da atividade: o sistema Elkonin-


Davidov (1958-2015). Obutchénie: Revista de Didática e Psicologia Pedagógica.
Uberlândia, MG. v. 1, n. 1, p. 20-58, jan./jun., 2017.

SAVIANI, Demerval. A função docente e a produção do conhecimento. Educação e


filosofia. 11 (21 e 22) 127-140. jan./jun. e jul./dez., 1997.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A construção do pensamento e da linguagem. 2ª ed. São


Paulo: Martins Fontes, 2009.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Autor:

Adnelson Araújo dos Santos


Universidade Federal de Goiás
adnelsonaraujo@yahoo.com.br

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emancipação humana
O TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO, SEGURO E
CONFORTÁVEL NO ENSINO BÁSICO: UMA POLÍTICA
PÚBLICA CIRCUNSCRITA À FORMALIDADE
Clayton Palomares
Áurea de Carvalho Costa

Introdução
O presente trabalho é parte de estudo sobre as políticas de financiamento do
transporte escolar seguro e de qualidade para estudantes de escolas públicas do ensino
básico, no município de Rio Claro, que consiste em objeto de um mestrado em
andamento. Para essa discussão, preliminarmente, é necessário refletir sobre os aspectos
da garantia da gratuidade da educação e da obrigação do Estado no provimento da
educação, no qual destacamos o direito ao transporte seguro, gratuito e de qualidade, em
especial às crianças e adolescentes, signatários do direito público subjetivo à educação,
em especial, os alunos de quatro a 12 anos, dependentes dos adultos para a garantia da
mobilidade até a escola com segurança. Trata-se de garantia de um direito dos alunos que
implica na obrigação estatal de zelo pela integridade física desses alunos no trajeto de
deslocamento entre o lar e a escola, tendo em vista que 1,3 milhões de pessoas morrem
anualmente em acidentes de trânsito e 50 milhões sobrevivem com sequelas (RUIZ,
2017). Os acidentes de trânsito são responsáveis principais pelas mortes na faixa de 10 a
19 anos no mundo. Em 2015, foram registrados 115.302 óbitos de adolescentes nas vias
públicas, sem considerar os acidentados que não prestam queixas (WHO, 2017). No
ranking da Organização Mundial da Saúde, os países recordistas em mortes no trânsito
são a Índia, a China, os EUA, a Rússia e o Brasil, no quinto lugar. Isto denota que políticas
de transporte escolar são primordiais, pois se trata de uma necessidade humana básica,
cuja destituição tem como consequência o risco iminente à vida dos estudantes.

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emancipação humana
Nossa hipótese de trabalho é que a destituição do direito ao transporte seguro,
confortável e de qualidade também pode ser considerada como uma questão ética, na
medida em que ameaça aos direitos fundamentais à vida, à segurança e à educação
(COSTA, 2006). Em especial, os filhos de trabalhadores que dependem da educação
pública para garantirem as condições mínimas para cumprir a obrigação da frequência à
escola (que é do Estado, da família e da sociedade civil), são os mais expostos ao risco
de vida no percurso escolar quando há negligencia deste direito por parte do Estado.
Assim, elegendo como objeto deste texto as políticas de financiamento do
transporte público escolar, propomos duas problematizações indissociáveis: 1) A
literatura produzida sobre o tema tem apontado que a população estudantil brasileira tem
sido contemplada pela garantia ao transporte seguro ou há indícios de formalidade na
concretização das políticas de financiamento do transporte como requisito básico para a
democratização do ensino básico gratuito e obrigatório? 2) A efetivação da gratuidade e
a obrigatoriedade do ensino básico público prescinde da obrigatoriedade do Estado de
garantia de transporte escolar seguro, confortável e gratuito aos estudantes da educação
escolar básica?
Para desenvolver introdutoriamente este tema, elegemos como método o
levantamento bibliográfico da produção sobre esta temática, constituindo-se por teses e
dissertações de mestrado e artigos em que analisam os casos do financiamento do
transporte escolar público em diferentes regiões do país, no período após 1990, cujo
marco foi a criação do Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE), em 1993. O
referencial teórico do materialismo histórico e dialético constituiu-se em fundamento para
um debate sobre as políticas educacionais que o Estado burguês disponibiliza à classe
produtora, que depende dele para a concretização de direitos como a educação e, ao
mesmo tempo, busca na escola a qualificação básica para a inserção no mundo do
trabalho, vindo a se constituir no sustentáculo do modo de produção capitalista. Esta

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classe está sujeita à concretização formal de seus direitos, circunscrita à democracia
representativa burguesa liberal.

Discussão
Devido ao fato de haver uma convivência de políticas públicas de transporte
escolar e um verdadeiro sistema de transporte escolar privado, o governo brasileiro
regulamentou o esta atividade no âmbito público e no privado por meio o Código de
Trânsito Brasileiro (CTB), Lei nº 9.503/1997, no intuito de preservar a vida dos cidadãos,
contribuindo para a elevação nas condições do deslocamento seguro dos escolares. Em
nosso trabalho identificamos, fichamos e analisamos dissertações, teses e artigos, junto
as bases de dados da Capes (com os descritores: Transporte Escolar; Mobilidade Urbana)
e do Scielo (com os descritores: Financiamento do Transporte Escolar Urbano; Direito
Público Subjetivo; Evasão Escolar; garantia de ensino; mobilidade urbana), porém muitos
deles foram dispensados, por não serem da mesma área de interesse da pesquisa que
estamos desenvolvendo. Dos 402 artigos encontrados nas etapas de seleção dos bancos
de dados citados, 24 foram elencados como relevantes ao desenvolvimento da pesquisa.
Dentre nossos achados de pesquisa, destacamos as políticas públicas para o
transporte escolar rural (EGAMI et al., 2006; SILVA, 2009) e o transporte escolar urbano
adaptado (para estudantes com necessidades especiais), as quais contribuem para
importante ponto de partida para a presente pesquisa. As despesas decorrentes com o
transporte escolar nos municípios estão asseguradas pela LDBEN, Artigo 70º, Inciso VIII.
Esta mesma Lei coloca o transporte escolar como dever do estado em seu Título III,
Artigo 4º, Inciso VIII. Mas, constatamos que diversos municípios brasileiros são
desprovidos de frotas próprias para atender a demanda de alunos, principalmente, nos de
maior extensão territorial. Mas, cabe a esses municípios a contratação de transporte

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escolar, que será realizado por terceiros, porém com as mesmas obrigações e
especificações da legislação vigente (MARTINS; MENEZES, 2015, p. 3).
Destacamos o trabalho investigativo de MOURA (2015), o qual apresenta como
resultados que, no caso do município de Teresina, a frota é ínfima, levando ao gasto de
91% das verbas destinadas ao transporte escolar para a contratação de serviços
terceirizados. A LDBEN também ressalta em seu texto, incluído pela Lei nº 10.709/2003,
no artigo 10 a transferência da responsabilidade do transporte escolar, de modo que os
Estados devem assumir o transporte escolar da rede estadual, e os municípios, da rede
municipal (BRASIL, 1996). E, em 2009, esse direito é ratificado na Emenda
Constitucional nº 59, no Artigo 208º, especificando a criação de programas: “VII -
atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde
(BRASIL, 1988)”. A LDBEN, atualizada pela Lei nº 12.796, de 2013, no Artigo 4º, Inciso
VIII, reafirma o dever do Estado em garantir o transporte escolar para as escolas públicas,
em todas as etapas da educação básica (BRASIL, 1996).
As definições advindas da Constituição de 1988 permitem situar o terreno da
gestão educacional e do financiamento como tarefa compartilhada entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sendo organizada sob a forma de regime de
colaboração (art. 211 da CF/1988 e art. 8º da LDB/1996). Dessa forma, os Municípios
devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, já os Estados
e o Distrito Federal, no ensino fundamental e no ensino médio (JESUS; RIBEIRO, 2014,
p. 4).
Porém, isso não significou que não houve esforços, por parte dos governos, para
a instituição de políticas mais equitativas de provimento do transporte escolar, no âmbito
federal. Se até a década de 1990, a política de transporte escolar era descentralizada, sob
responsabilidade exclusiva dos municípios, não havendo nenhum programa de escopo

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emancipação humana
nacional, a partir de 1993, o governo federal interveio com políticas de assistência
financeira nos estados e municípios para garantir as condições de acesso dos estudantes
à escola, mediante três programas do Ministério da Educação: o Programa Nacional de
Transporte Escolar (PNTE), de 1993, o Programa Nacional de Apoio ao Transporte do
Escolar (PNATE) (BRASIL, 2004) e o Programa Caminho da Escola (BRASIL, 2007)
(MOURA, 2015). Para Moura (2015) isso foi um avanço, por se tratar de modalidade
financeira automática e com critérios objetivos para a distribuição mais justa dos recursos
entre os Estados. Moura (2015), ao estudar o caso do financiamento do transporte escolar
no município de Teresina, identificou dentre as três as fontes de financiamento (PNATE,
Programa caminho da escola e verba da manutenção e desenvolvimento do ensino do
FUNDEB) que o PNATE tem a menor representatividade. Monção (2013) ao avaliar o
caso de duas cidades no baixo Amazonas também identificou que as verbas do PNATE e
Caminho da escola financiam, no máximo, 30% a 50% dos gastos com transporte escolar,
o que ratifica a função suplementar da União, de acordo com o regime de colaboração
entre os entes federados, e nos leva a indagar sobre as potencialidades e limites de tal
regime para a garantia do transporte escolar, num país de dimensões continentais em que
estados como Alagoas, Bahia, Ceará, Amazonas, Maranhão, Paraíba, Pará, Pernambuco
e Piauí não conseguem atingir no FUNDEB nem o custo mínimo anual por aluno, que
este ano de 2017 é R$ 2.875,00, enquanto que Estados como Roraima gastam R$ 4.183,00
por aluno/ano (BRASIL, 2016). Ainda que a complementação as verbas do transporte
escolar, pela União, tenham um impacto menor do que as verbas do FUNDEB
(MONÇAO, 2015), esse financiamento é fundamental no combate à evasão escolar no
ensino médio, numa região tão carente. Em suas considerações, a autora problematiza que
os programas são aplicados de forma homogênea, por vezes, subsumindo as necessidades
regionais específicas. Atualmente, para a efetivação do regime de colaboração entre os
entes federados, a União elaborou ações de “[...] apoio ao transporte escolar foram

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emancipação humana
incluídas nos principais instrumentos de planejamento orçamentário brasileiro” (JESUS;
RIBEIRO, 2014, p. 4)
Os autores indicam que esses instrumentos são o Plano Plurianual, a Lei de
Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual. Entretanto, no Projeto de Lei do
Orçamento de 2017, não se menciona gastos com transporte escolar nem no setor da
Educação, nem dos transportes. No que tange as condições de permanência, o texto só
destaca programa de livros didáticos (Cf. BRASIL, 2016).

Considerações Finais
As políticas públicas de transporte escolar devem se concretizar para responder às
legislações federais, as quais consideram este benefício essencial para a consecução do
direito à educação. Porém a enunciação desse condicionante do cumprimento do direito
a educação é geral, demandando regulamentação por meio de leis ordinárias e
complementares. A temática do transporte escolar, embora seja um tema de interesse de
muitos, envolve um campo de investigação complexo e multidisciplinar, demandando
estudos interdisciplinares envolvendo as áreas da administração, gestão, economia,
política, mobilidade e direto, tornando-se um tema desafiador.
Para Moura (2015) a relevância social das pesquisas sobre transporte escolar
consiste em se tornar instrumentos de formação para a participação cidadã mais efetiva
na fiscalização e na reivindicação deste benefício primordial para a consecução do próprio
direito à educação, pois demonstram que os governos têm reconhecido que não basta o
provimento de vagas nas escolas para a democratização do ensino, mas de condições
básica para que os alunos frequentem a escola, bem como a vigilância da sociedade civil
sobre o cumprimento desses condicionantes.
Mesmo diante da necessidade real de transporte escolar, por parte dos estudantes
e da relevância da política do transporte escolar para garantir o acesso e permanência na

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emancipação humana
escola, muitas vezes ele é preterido à população, contudo, “Deixar de fornecer transporte
de qualidade, possivelmente intencional, para que os nossos alunos deixem de frequentar
as aulas, é uma das armadilhas do poder público.” (MARTINS; MENEZES, 2015, p. 5).
Ante o exposto, podemos afirmar que a literatura produzida sobre o tema tem apontado
que há indícios de formalidade na concretização das políticas de financiamento do
transporte como requisito básico para a democratização do ensino básico gratuito e
obrigatório e isso ameaça, de fato, a efetivação da gratuidade e a obrigatoriedade do
ensino básico público, para a classe trabalhadora.

Bibliografia
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional
promulgado em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições
Técnicas, 2008.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional.

BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito


Brasileiro.

BRASIL. Lei nº 10.880, de 9 de junho de 2004. Institui o Programa Nacional de Apoio


ao Transporte do Escolar - PNATE e o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para
Atendimento à Educação de Jovens e Adultos, dispõe sobre o repasse de recursos
financeiros do Programa Brasil Alfabetizado, altera o art. 4o da Lei 9.424, de 24 de
dezembro de 1996, e dá outras providências.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Orçamento cidadão:


projeto de lei orçamentária anual – PLOA 2017. Brasília: 2016, 47 p. mimeografado.

COSTA, A. C. Ética e direito à educação: a destituição da ética como fundamento da


elaboração de políticas públicas educacionais brasileiras na contemporaneidade.
Cadernos de Direito. Ética e Direito. Estudos em homenagem a Ercílio Antônio Denny.
V. 6, n. 10. Piracicaba, 2006, p. 33-42.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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Anais do XX Congresso de Ensino e Pesquisa em Transportes, 2006.

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Transporte Escolar: impactos na educação básica. 2014. Rev. bras. Estud. pedagog.
Brasília, v. 95, n. 241, p. 969-710.

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cidadania. 2015. 14 f. Ministério Político de Contas de MS.

MONÇAO, M. J. S. F. Análise da acessibilidade urbana a educação com ênfase no


transporte escolar em Cidades do baixo Amazonas: os casos de Óbidos e Juriti.
Dissertação (Programa de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano.
Universidade da Amazônia. Belém: UNAMA, 2013. 101p. mimeografado.

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Terezina: 2015, 175 p. mimeografado.

RUIZ, M. Brasil é o quinto país no mundo em mortes no trânsito, segundo OMS. Jornal
Metro. 01 mai. 2017.

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transporte escolar rural, 2009. Tese (Doutorado em Transportes) Faculdade de
Tecnologia, UNB. 177p. mimeografado.

WHO - World Health Organization. Global Accelerated Action for the Health of
Adolescents (AA-HA!): guidance to support country implementation. Summary.
Geneva: World Health Organization, 2017, (WHO/FWC/MCA/17.05). License: CC BY-
NC-SA 3.0 IGO.

Autor/a:

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Clayton Palomares
Áurea de Carvalho Costa
Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho/Campus Rio Claro

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE
MARX E GRAMSCI
Márcia Cossetin
Margerete C. Dolla
Introdução
O presente texto resulta de discussões no exercício da pesquisa e docência no
processo de formação de professores para atuação na educação básica. Nesse percurso é
recorrente a inquietação acerca de qual modelo de educação pretendemos para as crianças
e a necessidade de repensarmos a formação humana no contexto do modo de produção
capitalista.
A discussão pauta-se na perspectiva teórica do materialismo histórico de Marx e
Engels e suas contribuições para a formação humana omnilateral. Em confluência com a
perspectiva gramsciana para a formação do homem político e a construção de uma
educação revolucionária, que não pode limitar-se a formação para o trabalho promovendo
a alienação humana.
O referencial teórico utilizado nos situa de que Marx, ao menos diretamente, não
escreveu sobre uma pedagogia, mas ao propor uma compreensão de mundo, sociedade e
trabalho, sistematizou uma base formativa e educativa. É incontestável a contribuição do
materialismo histórico para a elaboração de uma proposta de educação contra hegemônica
na atualidade. Na perspectiva de efetivação dessa proposta é preciso considerar que Marx
não tinha a ilusão da iminência da revolução, mas a necessidade de se dar um
direcionamento por meio da organização dos trabalhadores. Questionamos então: “Que
tipo de educação pretendemos para as crianças nas escolas públicas?”
O interesse é o de contribuirmos apresentando uma perspectiva de educação
elaborada por teóricos que acreditavam não apenas na possiblidade de termos uma
formação de qualidade, mas, que buscaram uma sociedade de qualidade, no sentido de

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acesso de todos aos bens produzidos pela humanidade, dentre esses os materiais e
espirituais.

Para iniciarmos a discussão


A escola pública, historicamente, tem servido para formar o trabalhador,
imbricada que está na organização social capitalista, tem formado para a manutenção e
reprodução da organização deste modo de produção. A classe trabalhadora tem acesso à
fragmentos de conhecimentos, sobretudo, aqueles exigidos para a inserção no mercado
de trabalho, passa ao longe de uma formação para desenvolver as potencialidades
humanas e que propicie o acesso aos bens culturais humanos, apropriados desigualmente,
por meio, desta educação dual.
Na sociedade capitalista a escola, entendida enquanto espaço oficial de educação
é marcada por uma dualidade essencial, isto apontava Marx, à seu tempo ao escrever
Crítica do Programa de Gotha, no ano de 1875, quando asseverava, ao realizar uma de
suas análises sobre as formulações para a unificação dos dois partidos operários, feitas
pelo Partido Operário Alemão, que exige uma educação universal, igual e gratuita que
deveria ser ofertada pelo estado, Marx questiona:
Educação popular igual? O que se entende por essas palavras? Crê-se
que na sociedade atual (e apenas ela está em questão aqui) a educação
possa ser igual para todas as classes? Ou se exige que as classes altas
também devam ser forçadamente reduzidas à módica educação da
escola pública, a única compatível com as condições econômicas não
só do trabalhador, mas também do camponês? (MARX, 2012, p. 45,
grifos do autor).

Esse excerto demonstra a existência da dualidade entre a educação ofertada para


os filhos dos trabalhadores (que se dava no contexto do trabalho fabril) e para a classe
burguesa que, ainda, observamos contemporaneamente.

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A dualidade mostra-se ao nos depararmos com uma educação diferenciada a ser
oferecida de acordo com a classe social a que pertencem os sujeitos. Os filhos da classe
detentora dos meios de produção recebem a instrução como forma de preparação para
assumirem os postos de comando e altas esferas de controle social, já aos filhos dos
trabalhadores são ofertados rudimentos da cultura, acesso mínimo aos conhecimentos, em
um contexto de adaptação às exigências do capitalismo em constante reestruturação.
No Brasil, a escola pública obteve uma expansão significativa a partir dos anos
1960/1970 até os dias atuais, todavia, manteve-se intacto o contraste entre a educação das
elites e a educação oferecida à classe trabalhadora.
Contrapondo-se a essa forma de educação, há a ideia de uma educação que ofereça
a todos os sujeitos o acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade. Essa
concepção não é nova e é muito anterior à expansão da escola pública no Brasil, mas,
continua atual, ao considerarmos a necessidade de que o conhecimento seja socializado,
assim como os demais bens produzidos.
A educação de que tratamos remete-se à concepção e práticas educativas do século
XIX e início do século XX. Ela remonta à construção da educação socialista
revolucionária que buscava proporcionar ao proletariado o conhecimento e a capacidade
de ação que as classes detentoras dos meios de produção guardavam para si e para seus
filhos.
Respondemos ao questionamento inicial (“Que tipo de educação pretendemos
para as crianças nas escolas públicas?”), pois, acreditamos que na pergunta está, já
implícita a resposta: Uma formação integral, que implica uma educação omnilateral.
Contudo, a partir de que pressupostos pode-se buscar esta formação? Ou o que seria esta
formação? Para fundamentar a resposta é necessário que tenhamos clareza quanto à
resposta dos demais.

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Para tanto, buscamos os fundamentos teóricos provenientes dos escritos de Marx
e Gramsci, que souberam analisar a sociedade compreendendo-a em sua totalidade o que
possibilitou que pensassem em uma nova forma de conviver socialmente que não tivesse
como base de sustentação a organização social capitalista, mas, a sua superação pela
hegemonia do proletariado que só poderia, considerando o tempo histórico dos escritos
de Marx e posteriormente de Gramsci e a contemporaneidade, ocorrer quando a própria
classe trabalhadora conseguisse ter acesso, também, aos bens culturais produzidos.
Consideravam a determinação da educação no processo de transformação do
contexto social e a interferência do último na educação, ou seja, a inter-relação inerente
à este processo. Não seria uma educação que apenas preparasse para o mercado do
trabalho, cujo eixo central está na adaptação às reformas do mundo da produção, à
sociedade sem certezas onde as próprias relações de ensino e aprendizagem estão
aligeiradas, flexibilizadas em função de atender ao mundo produtivo e amenizar as
tensões sociais. Mas, seria uma educação atrelada à própria superação da sociedade
capitalista, que proporcionasse à classe trabalhadora mobilizar-se em função de outra
forma de conviver.
A orientação geral de Marx e Engels para a produção do homem omnilateral parte
da afirmação de que
Se o homem forma todos seus conhecimentos, suas sensações etc. do
mundo sensível e da experiência dentro desse mundo, o que importa,
portanto, é organizar o mundo do espírito de tal modo que o homem
faça aí a experiência, e assimile ao hábito daquilo que é humano de
verdade, que se experimente a si mesmo enquanto homem. [...] Se o
homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as
circunstâncias humanamente (MARX; ENGELS, 2003, p. 149).

Há que se levar em conta a relação dialética entre a consciência e o modo de


produzir a vida, fundamental para a realização dos objetivos revolucionários. De acordo
com Suchodolski isso significa dizer que se propõe uma pedagogia que não aceita o

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estado das coisas na forma existente, mas, enquadra-se em uma tendência que encaminhe
para o futuro, com uma pedagogia articulada: [...] a uma atividade social que transforme
o estado das coisas que tenda a criar ao homem condições tais que a sua existência se
possa tornar fonte e matéria-prima da sua essência (SUCHODOLSKI, 1992, p. 127).
No Manifesto Comunista, 1848, Marx e Engels apresentaram, dentre as medidas
necessárias para caminhar-se rumo à sociedade comunista, uma que se refere
especificamente à educação e asseveraram a necessidade da “Educação pública e gratuita
de todas as crianças; abolição do trabalho das crianças nas fábricas, tal como é praticado
hoje. Combinação da educação e produção material etc” (MARX & ENGELS, 2010, p.
58).
Posteriormente, em Crítica do Programa de Gotha, 1875, Marx, ao criticar o
Partido Operário Alemão que propunha a extinção do trabalho infantil (Marx considerava
impossível que fosse aplicado à todas às crianças naquele contexto de desenvolvimento
industrial), ratifica a educação como importante para a construção de uma nova
sociedade, afirmando a necessidade da educação articulada ao trabalho “[...] a
combinação de trabalho produtivo com instrução, desde tenra idade, é um dos mais
poderosos meios de transformação da sociedade atual” (MARX, 2012, p. 47- 48).
Essa forma de educação tem sua origem na educação socialista que pretendia ser
omnilateral, almejando formar o ser humano em sua integralidade física, mental, cultural,
política, científica e tecnológica. Assim a educação omnilateral ou onilateralidade pode
ser definida como
[...] a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades
produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de
consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo
daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador
tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho
(MANACORDA, 2010, p. 96).

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A educação seria forjada no contexto das próprias contradições da produção
social. Conforme afirma Nosella: “Sua proposta educativa visava superar o estigma da
dicotomia entre os que fazem e os que dirigem, entre operários e cientistas, entre
intelectuais e trabalhadores [...]” (NOSELLA, 2014, p. 266).
Naquele contexto, de construção de um sistema educacional socialista, foram
vários os educadores revolucionários que discutiram e tentaram implantar uma educação
que viesse a atender as perspectivas sociais alicerçadas no socialismo para a construção
do comunismo. Um deles foi Antonio Gramsci pensador e ativista italiano que se
fundamentou nos escritos de Marx e de outros pensadores marxianos e assim,
desenvolveu e ampliou algumas das suas categorias.
Dentre as questões que mais se dedicou está a da educação e do fazer pedagógico,
conforme Manacorda a pedagógica é [...] central, ou, pelo menos, de caráter não
secundário, na experiência vivida e no pensamento de Antonio Gramsci, aí articulando-
se, [...] como luta política pela organização da cultura de massa (MANACORDA, 2013,
p. 21).
A elaboração pedagógica e política de Gramsci indicava o contexto social, político
e educativo em que viveu e produziu, almejando não apenas o acesso de todos os sujeitos
ao conhecimento, mas a transformação da sociedade capitalista (MANACORDA, 2013).
A isso dedicou grande parte de sua vida, vindo a ser preso e morrer na prisão devido à
sua atuação política na Itália, no início do século XX.
Como Marx, Gramsci entende e apresenta a dualidade na formação educacional
existente na sociedade italiana, na sociedade capitalista. Ao ampliar os pressupostos
marxianos de educação, Gramsci posiciona-se contrariamente à Reforma Gentile, na
Itália fascista, opondo-se à separação existente no interior do sistema de educação.
No ano de 1923 era proposta na Itália a chamada Reforma Gentile que apresentava
uma ‘escola humanista’ para a formação da classe dominante, enquanto a ‘escola

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emancipação humana
profissional’ qualificava para o trabalho procurando impulsionar a produção e modernizar
o país. Configurava-se um projeto claramente elitista, dualista e autoritário em função do
regime fascista que se instalava (SEMERARO, 2011). Este projeto indicava a divisão
fundamental da escola em clássica e profissional como um esquema racionalmente
organizado: “[...] a escola profissional destinava-se às classes instrumentais, enquanto a
clássica destinava-se ás classes dominantes e aos intelectuais” (GRAMSCI, 2014, p. 33).
Para a superação da organização dual e diferenciada Gramsci propõe o que
denomina de escola unitária ou escola única. E, para sua chama à responsabilidade do
Estado que deveria assumir o seu papel por uma educação pública e igual, a “[...] escola
unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família, [...] isto
é, que seja completamente transformado o orçamento da educação nacional, ampliando-o
enormemente e tornando-se mais complexo: a inteira função de educação e formação das novas
gerações torna-se pública, pois somente assim pode ela envolver todas as gerações, sem divisões
em grupos ou castas (GRAMSCI, 2014, p. 37).
A escola única teria na base inicial uma “[...] cultura geral, humanista, formativa,
que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente
(tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho
intelectual” (GRAMSCI, 2014, p. 34). A sequência de formação oferecida após a escola
única seria a orientação profissional em escolas especializadas ou o trabalho produtivo
(GRAMSCI, 2014).
Sobre isso Gramsci é enfático ao destacar a ideia da escola unitária, onde todos
teriam as condições para adquirirem todo o conhecimento. Evidencia ainda a importância
de que o ensino ofertado à classe trabalhadora fosse condizente com o ensino para a
formação de dirigentes. Assim,
O advento da escola unitária significa o início de novas relações entre
trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em
toda a vida social. O princípio unitário, por isso, irá se refletir em todos

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
os organismos de cultura, transformando-os e emprestando-lhes um
novo conteúdo (GRAMSCI, 2014, p. 40-41).

A formação humana, para Gramsci, se integra aos processos do trabalho produtivo


e à própria luta do proletariado na busca pela hegemonia política, quando descobre e
desenvolve sua tendência profunda e seu talento, com coerência e disciplina. O trabalho
produtivo princípio educativo geral fundamenta toda a organização escolar, desde os
pequenos, na educação infantil, até os maiores no ensino médio.
As proposições de Gramsci apresentam um sentido político, emancipatório, de
superar, na educação, a divisão social entre trabalho manual e trabalho intelectual, e
formar trabalhadores que possam ser dirigentes. Nesse sentido na escola unitária
[...] O estudo e o aprendizado dos métodos criativos na ciência e na vida
devem começar nesta última fase da escola não devendo mais ser um
monopólio da universidade ou ser deixado ao acaso da vida prática: esta
fase escolar já deve contribuir para desenvolver o elemento da
responsabilidade autônoma dos indivíduos, deve ser uma escola
criadora (GRAMSCI, 2014, p. 39).

Por fim, a pergunta, “Que tipo de educação pretendemos para as crianças nas
escolas públicas?”, engendra uma concepção de educação, que perpassa a questão da
qualidade, não aquela medida pelas avaliações externas contemporâneas, mas, uma
qualidade de educação que possibilite à classe trabalhadora a apropriação do saber, o
fazer-se intelectual e a partir disso reconhecer-se como classe em busca de uma nova
forma de organização social, uma educação realmente omnilateral.
Apresentamos uma educação que, apreendemos, pode contribuir para que haja a
superação da dualidade não apenas presente no contexto escolar, mas, também de classes
sociais. Uma educação construída a partir de fundamentos sólidos, tendo como base a
disciplina que pode forjar um intelectual tanto para usufruir como também para construir
a cultura.

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emancipação humana
Considerações Finais
Para que a perspectiva teórica e prática apresentada por Marx e Gramsci e
discutida nesse texto possa ser retomada e quiçá concretizada, há necessidade da educação
ser compreendida como espaço imbricado e determinado pelo capitalismo, mas,
sobretudo, como espaço de contradição. Há a possiblidade de apropriação intelectual que
pode e deve contribuir para que apreendamos a constituição e estruturação social que
tenha em vista a produção da vida humana em sua integralidade.
Assumir uma educação contra hegemônica significa dar condições de acesso ao
que de melhor se produziu a humanidade. A educação tem essa responsabilidade, desde
que tenha o objetivo de romper com os interesses do excludente de sociedade,
assegurando sua função primordial de acesso ao conhecimento sistematizado.
O estudo e compreensão de uma educação com base no pensamento marxista
visando a práxis transformadora, sem dúvida, requer um esforço para superação das ideias
coercitivas perpetuadas pela classe dominante, ao se considerar que a libertação é um ato
histórico ocasionado por condições históricas.
Não nos restam dúvidas que, assim como, Marx e Gramsci, devemos lutar pela
formação de um ser livre, autônomo e comprometido com a transformação social, uma
formação omnilateral, é que pretendemos e temos de lutar para oferecer às crianças.

Referências:
GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Vol. 2. 7 ed. Os intelectuais. O princípio
educativo. Jornalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Sistema


de Avaliação da Educação no Brasil. 2014. Acesso em: 3 dez. 2017.

MANACORDA, M. A. O Princípio Educativo em Gramsci: Americanismo e


Conformismo. Campinas: Alínea, 2013.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
______. Marx e a Pedagogia Moderna. (Tradução Newton Ramos de Oliveria).
Campinas: Alínea, 2010.

______. Aos educadores brasileiros. Campinas: UNICAMP/HISTEDBR, 2007 (DVD).

MARX, K. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.

______; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.

MÉSZÁROS, I. A Educação para Além do Capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.

NOSELLA, P. Educação: Território e Globalização. Revista Trabalho & Educação. Belo


Horizonte, v. 23, p. 265-274, jan/abr. 2014.

SEMERARO, G. Gramsci educador de “relações e hegemônicas”. Revista Educação,


Cultura e Sociedade, Unemat, Sinop, v.1, n.1, p.143-156, fev./jun. 2011.

SUCHODOLSKI, B. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: pedagogia da


essência e pedagogia da existência. Lisboa: Livros Horizonte, 1992.

Autoras:

Márcia Cossetin
Universidade do Oeste do Paraná / UNIOESTE
Margerete C. Dolla
SEED/PR

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emancipação humana
MEDIAÇÃO ESCOLAR NA PERSPECTIVA DO MATERIALISMO
HISTÓRICO DIALÉTICO: UM PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO
Luciana Faria
Maria Lídia Sica Szymanski

Introdução
Uma das questões cruciais para as práticas pedagógicas é a concepção sobre o
conhecimento dentro da sala de aula, a qual não deve ser entendida como encerrada em
si mesma, sem conexão com sua produção histórica. Quando se nega aos alunos a
compreensão das condições culturais, históricas e sociais de produção do conhecimento,
se reforça a mitificação e a sensação de perplexidade, impotência e incapacidade
cognitiva.
Segundo a definição de trabalho educativo descrita por Duarte (1998), no decorrer
do processo de mediação ocorre a humanização dos indivíduos conforme vão adquirindo
o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade, superando a
essência abstrata, bem como a existência empírica, pois a educação forma o indivíduo
como membro da espécie humana, o que é fundamental para que ele reconheça as
contradições impostas pela divisão social do trabalho. Desta forma, o indivíduo, como
ser histórico-social, não se desenvolve com o intuito de realizar os objetivos surgidos na
sua existência, mas sim de toda a sociedade da qual faz parte, combatendo as relações
sociais alienadas. Para Martins (2010), o produto do trabalho educativo deve ser a
humanização dos indivíduos pela mediação da própria humanidade dos professores.
Nessa perspectiva, a formação de professores deve contemplar referências para
definir o que ensinar na escola às novas gerações. Faz-se necessário que os conteúdos
sejam abordados na sua totalidade, levando em consideração todos os seus
determinantes: sociais, políticos, econômicos, culturais, possibilitando a análise das
contradições existentes na sociedade.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Para isso, Duarte (2010) propõe que se utilizem as objetivações do gênero
humano de forma a compreender a situação social, superando o senso comum. Ao
contrário do que acontece no processo de fragmentação, em que o professor se torna
especialista da disciplina que leciona e não estabelece relações ou mediações com a
realidade social nem com as demais disciplinas, afetando o produto do trabalho educativo
por meio dessa alienação.
Na perspectiva da psicologia histórico-cultural, o professor é compreendido como
aquele que transmite aos alunos os resultados do desenvolvimento histórico e explicita
os traços da atividade humana cristalizada nos objetos da cultura, mediando sua
apropriação, organizando a atividade e promovendo o desenvolvimento das funções
superiores do educando.
Dessa forma, o presente trabalho apresentará um estudo teórico sobre a mediação
docente na perspectiva do Materialismo Histórico Dialético. Entendemos que a base da
formação dos professores deve ter fundamentos teóricos e práticos que lhe proporcionem
a capacidade de mediar o conhecimento científico, promover a emancipação humana das
condições de exploração e o reconhecimento das contradições sociais.
Portanto, buscaremos responder a seguinte questão: como superar a educação
escolar em suas formas burguesas, garantindo a transmissão, pela escola, dos
conhecimentos produzidos pela humanidade?
Teoricamente, apoiar-se-á no Materialismo Histórico Dialético, na Psicologia
Histórico-Cultural e na Pedagogia Histórico-Crítica. O materialismo histórico destaca-se
enquanto um método que permite uma apreensão total da realidade, uma unidade entre
teoria e prática que busca a transformação de novas sínteses no plano do conhecimento e
no plano da realidade histórica (FRIGOTTO, 2004, p. 75). Os fundamentos do método
materialista dialético se expressam nos princípios da psicologia histórico-cultural e da
pedagogia histórico-crítica, sobre a centralidade da educação escolar na formação

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
humana, na necessidade de socialização dos conhecimentos historicamente
sistematizados e nas afirmações sobre a organização do ensino que deve pautar-se na
transmissão dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos (PORTO, 2017, p. 31).

Fundamentação teórica
Para que a educação escolar cumpra o seu papel nas dimensões pedagógica e
social é imprescindível que a formação e a mediação dos professores aconteçam em toda
a sua complexidade, por meio do domínio dos conhecimentos e por um método que
almeje a plena humanização dos indivíduos.
Sala (2010) afirma que a escola não deve somente socializar os conhecimentos
historicamente sistematizados e elaborados pela humanidade de forma abstrata ou em sua
pretensa autonomia e neutralidade, mas “reconhecer o caráter materialmente determinado
do conhecimento, bem como reconhecer a própria materialidade como um
desenvolvimento contraditório, o que significa abordá-los criticamente”. (SALA, 2010,
p.88).
Duarte (1998) destaca a necessidade de uma concepção afirmativa sobre o ato de
ensinar e cita as pedagogias negativas mais difundidas nas duas últimas décadas que
valorizaram a individualidade, a aprendizagem espontânea e a fragmentação das práticas
escolares e, consequentemente, a desvalorização docente: 1) construtivismo – o
desenvolvimento do indivíduo se dá pela interação com o ambiente, em detrimento da
análise das relações sociais de produção que possibilitam ou impedem essa interação
(Piaget); 2) pedagogia de projetos – o método de pesquisa é mais importante para as
necessidades da vida real; 3) pedagogia do professor reflexivo – ideias escolanovistas,
construtivistas e valorização do conhecimento tácito; 4) pedagogia das competências –
aprender fazendo, resolução de problemas e espírito pragmático; 5) pedagogia
multiculturalista – aprender a aprender, as práticas escolares são pensadas com base nas

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
diferenças individuais, fora da realidade sócio- histórica, a partir do polo heterogêneo, do
cotidiano.
No entanto, o ato de ensinar é parte integrante do trabalho educativo e, segundo
Saviani, pode ser definido da seguinte forma:
O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação
diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à
descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo
(SAVIANI, 2009, p.17).

A partir do exposto, verifica-se que outra característica do trabalho educativo, é


constituir-se como produção direta e intencional, pois ele se diferencia de formas
espontâneas de educação, “ocorridas em outras atividades, também dirigidas por fins, mas
que não são os de produzir a humanidade no indivíduo”. (DUARTE, 1998. p. 2).
Nessa perspectiva, nos perguntamos se a escola tem o poder de transformar a
sociedade. Para Marx, a escola não transforma a sociedade, mas sim todo o trabalho social
do ser humano, a força física e mental. Dessa forma, a escola é mais um elemento na
estrutura social.
Segundo Marx e Engels (1998), as formas de representação coletivas devem ser
estudadas com base no cotidiano, ou seja, nas relações estabelecidas na e pela sociedade.
Nesse sentido, utilizam o trabalho como centro das suas análises, mostrando o surgimento
do Estado como um conflito entre o interesse individual e o coletivo, consequência da
divisão do trabalho. Para os autores, o Estado sempre representa o interesse de uma
determinada classe e são as condições materiais que vão determinar a estrutura de classes
e a forma política dessas relações.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Para que o ser humano possa suprir as suas necessidades, é preciso que haja
produção da vida material e, para isso, ele transforma a natureza, exercendo a sua
atividade prática e obtendo os meios materiais necessários à sua existência.
Na tese marxista, propriedade privada é aquela que permite extrair a mais-valia
do trabalho dos outros, significando que o dinheiro não gera dinheiro, o que gera mais
valia é o trabalho. A mais-valia é exatamente o valor que é gerado pelo trabalho, mas que
não é repassado para o trabalhador. Essa relação entre os donos dos meios de produção
e o assalariado, possibilita a existência de uma relação social chamada capital, relação
esta que só existe devido à mais-valia.
Dessa forma, a tese liberal defende que o salário é fruto de todo o trabalho
realizado, mas para a tese marxista, o trabalhador vende a força de trabalho, utilizando as
ferramentas fornecidas pelos donos dos meios de produção, o salário é pago não pelo que
o trabalhador produziu, pois, o trabalho é coletivo, mas a apropriação é individual, ou
seja, o lucro.
Aquele que possui os meios de produção se beneficia do trabalho alheio pelo fato
de que o outro só possui a força de trabalho. Aqueles que detêm o capital, os capitalistas,
formam uma classe dominante e a massa da população constitui a classe operária. Essas
duas classes dependem uma da outra, pois os trabalhadores precisam do salário e os
detentores do capital precisam da força de trabalho. Entretanto, essa dependência não é
equilibrada, pois envolve uma relação de exploração, já que os empregadores se
apropriam do lucro produzido por meio do trabalho dos operários.
Nesse contexto, a escola surge de uma necessidade social: apaziguar as
contradições sociais, preparar o trabalhador para o mercado de trabalho, responsabilizar
o indivíduo pela sua ascensão ou não.
Marx e Engels defendem a revolução dos trabalhadores para derrubar o sistema
capitalista e introduzir uma ordem sem classes, pois a dominação não deve ser vista como

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
algo pronto e acabado na sociedade, pois ela é constituída em um processo social.
Portanto, a escola tem um papel determinante na formação da consciência dos indivíduos,
proporcionando a superação do imediato, alienado e abstrato para atingir, o que Marx
caracteriza como terceiro nível, o concreto pensado, por meio de uma práxis
transformadora e revolucionária.
Para Marx, a educação é um processo produtivo e a escola pública surgiu a partir
das condições materiais burguesas, das necessidades produtivas e sociais. Portanto, ela
serve para conservar, mas, segundo o autor, também serve para transformar. Nesse
sentido, Marx não elimina a contradição, ele pensa a partir da contradição, discute o
método, não a educação.
O principal fundamento da história, para Marx e Engels (1998), é a atividade
humana, pois por meio do trabalho, o ser social produz a si mesmo. Entretanto, o trabalho
envolve uma relação contraditória, pois ao mesmo tempo em que nega a emancipação do
trabalhador, cria possibilidades para sua emancipação social. Contudo, o mundo social é
contradição, as mediações, negociações e relações devem ser entendidas como inerentes
a este mundo em conflito. Para Marx, o conflito não é um mal, ao contrário, é o móvel da
dialética. As hierarquias e estruturas, quando rígidas e permanentes, resultam na
dominação e opressão de uma pessoa, classe, Estado ou regime político sobre as outras.

Considerações finais
Portanto, a ausência das concepções teóricas no processo de ensino e de
aprendizagem leva à necessidade de promover estudos sobre o referencial histórico-
cultural de cada disciplina, pois somente o profissional crítico-reflexivo é capaz de
desenvolver a práxis necessária à educação e sociedade. O esvaziamento teórico promove
a desqualificação do saber historicamente sistematizado, valorizando dimensões técnicas

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da prática de ensino, como o imediatismo, individualismo, espontaneísmo e resolução de
problemas, em detrimento dos seus próprios fundamentos.
O relativismo epistemológico presente nas práticas escolares resulta numa
formação acadêmica distante da realidade sócio histórica, privilegiando o
desenvolvimento de competências para exercer uma função específica, em detrimento dos
conhecimentos historicamente produzidos.
Segundo Marx e Engels (1998), a transformação das forças pessoais em forças
materiais, causada pela divisão do trabalho, não pode ser eliminada pelo fato de extinguir
do pensamento essa representação geral, mas sim se os indivíduos dominarem novamente
essas forças materiais e abolirem a divisão do trabalho. Para os autores, isso não é possível
sem a comunidade, pois é somente no coletivo que cada indivíduo possui os meios de
desenvolver suas faculdades em todos os sentidos, sendo possível exercer a sua liberdade
pessoal. Nas sociedades até então existentes, a liberdade pessoal só existia para os
indivíduos que tinham se desenvolvido nas condições da classe dominante e,
consequentemente, faziam parte dessa classe.
A partir do exposto e, para responder à questão, se a escola transforma a sociedade,
recorremos a Marx e Engels (1998), na perspectiva de que a mudança social se dá na
confrontação e ruptura dos papéis, na subversão do legal, na contestação da ideia de corpo
e na inversão das hierarquias, pois, segundo Marx, a luta de classes e a agitação das
células é o que mantém viva a sociedade, a História.
É fato o avanço da globalização hegemônica e a proliferação de políticas
neoliberais ao redor do mundo e, como consequência, o aumento da distância entre a
classe dominante e a classe trabalhadora, entre ricos e pobres. O acesso a uma educação
de qualidade ainda é definido pela classe social, assim como o acesso à moradia digna,
assistência médica de qualidade e ao mundo do trabalho. A partir desses fatores outros

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emancipação humana
problemas sociais surgem, como a fome e a desnutrição, o abuso contra crianças, a
gravidez indesejada na adolescência, crimes, violência e drogas.
Compreendemos que tais aspectos não são causados pela falta de qualidade da
escola pública, conforme apregoam muitos discursos políticos. A escola não provoca
esses problemas como também não tem o poder de resolvê-los, pois é apenas uma das
estruturas da sociedade. Porém, destacamos a necessidade de os espaços educativos
desempenharem um papel politicamente consciente, contemplando as dimensões sociais
e políticas nas ações docentes, a fim de promover os valores democráticos e humanos.
Dessa forma, cabe à escola formar sujeitos para além do conservadorismo e
reprodução, entendendo que a consciência dos sujeitos se dá pela práxis, não como junção
estanque da teoria e prática, mas como condição unitária de compreensão e transformação
da realidade, em uma perspectiva de totalidade.

Bibliografia
DUARTE, Newton. Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar. Cad.
CEDES, Campinas, v.19, n.44, abr. 1998.

DUARTE, Newton. O debate contemporâneo das teorias pedagógicas. In: MARTINS,


Lígia Marcia; DUARTE, Newton. Formação de professores: limites contemporâneos e
alternativas necessárias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/109149/ISBN9788579831034.pdf?s
equence=2&isAllowed=y. Acesso em: 12 jan 2018.

FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa


educacional. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da Pesquisa Educacional. São
Paulo: Cortez, 2004.

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2003.

MARX, Karl. A Ideologia Alemã / Karl Marx e Friedrich Engels. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MARTINS, Lígia Marcia. Legados do século XX para a formação de professores:
subserviência às demandas hegemônicas do capital. In: MARTINS, Lígia Marcia;
DUARTE, Newton. Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas
necessárias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/109149/ISBN9788579831034.pdf?s
equence=2&isAllowed=y. Acesso em 16 fevereiro de 2018.

PORTO, Kaira Moraes. Formação de sistemas conceituais e educação escolar:


articulações entre os pressupostos da psicologia histórico-cultural e da pedagogia
histórico-crítica. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Ciências e Letras -
UNESP/Araraquara, 2017.

SALA, Mauro. Alienação e emancipação na transmissão do conhecimento escolar:


um esboço preliminar. In: MARTINS, Lígia Marcia; DUARTE, Newton. Formação de
professores: limites contemporâneos e alternativas necessárias. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2010. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/109149/ISBN9788579831034.pdf?s
equence=2&isAllowed=y. Acesso em 26 de fevereiro de 2018.

SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do


problema no contexto brasileiro. In: Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40,
jan./abri., 2009.

Autoras:

Luciana Faria
Graduada em Pedagogia, Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional.
Mestranda em Educação pela UNIOESTE
e-mail: lucianafaria73@hotmail.com
Maria Lídia Sica Szymanski
Doutora em Psicologia (USP) e Professora Associada da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (UNIOESTE).
Docente do Mestrado em Educação. Líder do Grupo de Pesquisa Aprendizagem e Ação
Docente (GPAAD).
e-mail: szymanski_@hotmail.com

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emancipação humana
DESDOBRAMENTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
AVALIAÇÃO NA APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS
CIENTÍFICOS
Cristiane Aparecida Fantinel
Benedita de Almeida
Marijane Zanotto

Introdução
A avaliação ascendeu nas políticas públicas e provocou impactos significativos na
prática pedagógica e no processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos
científicos. No contexto do neoliberalismo, assumiu relevante função de ranqueamento
e classificação, para manter a perspectiva do mercado, na lógica capitalista, e fundamentar
a prática avaliativa com a meritocracia, pela qual a ascensão escolar relaciona-se ao
talento e ao esforço individual, fomentado pela competição.
Sem relegar sua importância como elemento da prática pedagógica, tomar o tema
avaliação como objeto de pesquisa implica relacioná-lo aos elementos do contexto
neoliberal que a constituí. Para isso, tomamos como referência a compreensão de Freitas
(1995, p. 264) sobre a avaliação, prática que deve ser vista como
Instrumento de permanente superação da contradição entre o
desempenho real do aluno e o desempenho esperado pelos objetivos,
por meio de um processo de produção de conhecimento que procure
incluir o aluno e não aliená-lo. A avaliação é um processo que precisa
ser assumido pelo professor e pelo aluno conjuntamente. No entanto,
os objetivos não poderão ser apenas instrucionais, mas também
formativos, implicando uma concepção alternativa de homem. Nesse
sentido, a avaliação é um instrumento para gerar mais
desenvolvimento. A avaliação deve aparecer como instrumento de
superação do estado de compreensão do aluno. [...] As relações entre os
objetivos e a avaliação são claras: os objetivos apontam o estado final
e esse estado final está em contradição com o estado real do aluno, o
que deve criar motivação, gerar movimento. A avaliação é um
instrumento dessa superação.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Neste trabalho, apresentamos resultados de investigação sobre as relações entre as
políticas públicas de avaliação e a prática pedagógica92. Partimos do exame de
documentos legais e normativos referentes à avaliação do ensino e aprendizagem escolar
e analisamos os desdobramentos das políticas públicas paranaenses na apropriação dos
conhecimentos científicos. A análise documental permitiu identificar resultados que
apontam como a legislação educacional voltada à avaliação apresenta significativa
influência neoliberal, com uma proposta educativa produtivista e reducionista da
educação, que limita o currículo e os conteúdos trabalhados na escola.

Desdobramentos das políticas públicas de avaliação na transmissão do


conhecimento científico
A análise das repercussões das políticas de avaliação das últimas décadas destaca
dois vieses que, no contexto neoliberal, modelam o currículo e formatam o objetivo da
educação de acordo com as necessidades do mercado e da lógica do capitalismo: os
encaminhamentos da prática pedagógica influenciados pelos diferentes sistemas de
avaliação em larga escala e os direcionamentos de legislações, orientações, programas e
formações que orientam a prática avaliativa em sala de aula.
No estado do Paraná93, o foco no trabalho com indicadores e índices de avaliações
externas; a instituição de um sistema próprio de avaliação estadual, com provas para
Língua Portuguesa e Matemática; a organização de planos e programas para trabalhar
com tais resultados e desenvolver ações voltadas para os conhecimentos da leitura e

92
Trata-se da pesquisa “Avaliação do ensino e aprendizagem escolar: relações entre as políticas públicas
de avaliação e a prática pedagógica” desenvolvida no Programa de Mestrado em Educação da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Francisco Beltrão – PR.
93
Neste trabalho, deter-nos-emos na análise das políticas públicas do estado do Paraná, pois eram o
foco da pesquisa desenvolvida para a elaboração da dissertação.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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resolução de problemas; e a alteração da matriz curricular, com a valorização das
disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, apresentam-nos um contexto educativo
voltado à formação para o mercado de trabalho, pontual e fragmentada, que percebe o
indivíduo como produto a ser moldado de acordo com as necessidades de um determinado
tempo e espaço.
São encaminhamentos alinhados às ideias dos organismos internacionais, como
podemos observar:
Estudos recentes do BID mostram que o mercado de trabalho demanda
habilidades diferentes das que são formadas pelo sistema educativo. Por
exemplo, enquanto empresas requerem e buscam profissionais com
atitudes de comunicação verbal e escrita, pensamento crítico, atitude
positiva em relação ao trabalho, responsabilidade e compromisso,
capacidade de aprendizagem ao longo da vida, e outras habilidades
similares, o sistema educativo segue privilegiando a transmissão de
conhecimento de maneira tradicional com mais ênfase na memorização
de datas e acontecimentos do que no desenvolvimento de capacidades
(CABROL; SZÉKELY, 2012, p. XI)94.

Na mesma perspectiva, a UNESCO (2016, p. 07) afirmou que “Os sistemas


educacionais precisam ser relevantes e responder prontamente a mercados de trabalho
que mudam com rapidez [...]”. O objetivo da escola, então, converte-se em suprir as
demandas do capital: formação voltada às disciplinas de Língua Portuguesa e
Matemática, passíveis de avaliação, desenvolvimento de habilidades de saber ser, viver,
conviver e aprender, convertidas em compromisso, responsabilidade, atitudes positivas.
Nesse modelo, a educação necessária e o objetivo tácito das avaliações em larga escala
estão em controlar o trabalhador necessário ao capital, já que as demais habilidades ainda
podem ser controladas via consenso (ou coerção): a ideologia do mérito.
Frente à contradição de uma sociedade fundamentada na propriedade privada, em
que os meios de produção, dentre eles o conhecimento, deve pertencer à classe dominante,

94
Tradução nossa.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
mas que “[...] os trabalhadores não podem ser expropriados de forma absoluta dos
conhecimentos, porque, sem conhecimento, eles não podem produzir e, se eles não
trabalham, não acrescentam valor ao capital” (SAVIANI, 2003, p. 137), o capitalismo
resolve o problema expropriando do trabalhador esse conhecimento e devolvendo-o de
forma parcelada, ao modo do taylorismo. Os conhecimentos direcionados à classe
trabalhadora, assim, devem estar relacionados às demandas do mercado.
Uma amostra desse parâmetro de organização educacional, no estado do Paraná,
está na implantação da matriz curricular95 para o Ensino Fundamental, anos finais, que
privilegia as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Até 2011, seguia o princípio
da equidade, de acordo com o previsto na instrução 21/2010, sob o argumento de que não
havia fundamento legal ou científico que justificasse privilégio de uma disciplina sobre
outra. Em 2012, porém, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED
determinou uma matriz com cinco aulas de Matemática e cinco aulas de Língua
Portuguesa, em todas as séries, a ser implantada por todas as instituições estaduais que
ofertam o Ensino Fundamental. Essa mudança reduziu a carga horária das outras
disciplinas.
A valorização das duas referidas disciplinas se dá, também, pelos trabalhos
desenvolvidos nas formações continuadas, o que corrobora o entendimento sobre a adesão
do estado à tendência neoliberal na gestão da educação. Em 2014, na Formação em
Ação96 foi desenvolvida a oficina: “Leitura, problematização e os desafios do processo
ensino-aprendizagem”, cujas atividades planejadas para estudo de indicadores de

95
A Matriz Curricular do Estado do Paraná para os anos finais do Ensino Fundamental é composta pelas
seguintes disciplinas: Arte, Ciências, Educação Física, Ensino Religioso, Geografia, História, Língua
Estrangeira Moderna, Língua Portuguesa e Matemática.
96
Formação continuada que acontece semestralmente, com carga de oito horas, direcionada a todos os
profissionais da educação. A Formação em Ação com o tema avaliação foi disponibilizada para as
escolas no modelo de oficina, em 2016.

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aprendizagem e elaboração de trabalhos centravam-se na elaboração de propostas de
trabalhos baseadas na leitura e problematização, por todas as disciplinas. A orientação era
o envolvimento no trabalho pela melhoria da proficiência mínima dos alunos nesses
conhecimentos.
A proposta ressurge na formação dos professores em 2017, com encaminhamentos
similares. E, assim, dentre outros programas e orientações, o estado do Paraná impõe as
demandas do mercado à educação pública, com um instrumento que, se utilizado sob a
perspectiva crítica, poderia contribuir à transformação desse modelo educativo.
Os conhecimentos em Língua Portuguesa e Matemática, destacados nas
avaliações externas e valorizados na conjuntura explicitada, são importantes para a
formação do sujeito e para a vida em sociedade, mas não suficientes, até porque o
parâmetro utilizado, as avaliações em larga escala, faz um recorte dos dois componentes.
Conforme Saviani (2007, p. 160), “O nível de desenvolvimento atingido pela sociedade
contemporânea coloca a exigência de um acervo mínimo de conhecimentos sistemáticos,
sem o que não se pode ser cidadão, isto é, não se pode participar ativamente da vida da
sociedade”, o que, para o autor, inclui Linguagem, Matemática, Ciências Naturais e
Ciências Sociais, sustentadas no princípio educativo do trabalho, numa relação implícita
e indireta, sem recortes para suprir as exigências de avaliações em larga escala nacionais
ou internacionais.
No que se refere à prática avaliativa dos professores, os direcionamentos das
legislações, orientações, programas e formações que a orientam, são permeados pelas
perspectivas adequadas aos patamares do capitalismo e do pensamento liberal. Subjacente
aos documentos estudados, encontramos a centralização do processo educativo na
aprendizagem e atenção à psicologia da aprendizagem, pressupostos que têm sua maior
expressão na pedagogia das competências e do “aprender a aprender”, cujo objetivo é
“[...] dotar os indivíduos de comportamentos flexíveis que lhes permitam ajustar-se às

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
condições de uma sociedade em que as próprias necessidades de sobrevivência não estão
garantidas” (SAVIANI, 2010, p. 437).
A deliberação 07/99, base legal que orienta a avaliação no estado do Paraná,
explicita:
Art. 1.° A avaliação deve ser entendida como um dos aspectos do ensino
pelo qual o professor estuda e interpreta os dados da aprendizagem e de
seu próprio trabalho, com as finalidades de acompanhar e
aperfeiçoar o processo de aprendizagem dos alunos, bem como
diagnosticar seus resultados e atribuir-lhes valor (PARANÁ, 1999,
p. 1, grifos nossos).

Ou seja, a aprendizagem é o âmago do trabalho e se traduz na organização de


“situações”, como complementa o parágrafo primeiro: “A avaliação deve dar condições
para que seja possível ao professor tomar decisões quanto ao aperfeiçoamento das
situações de aprendizagem” (PARANÁ, 1999, p. 1). Ao professor cabe a função de
promover situações de aprendizagem, o que denota a tendência a valorizar a metodologia,
em detrimento do conteúdo. Além de ser uma perspectiva linear de organização didática,
direciona o foco ao aluno e à ação do aprendiz.
No ano de 2017, a SEED publicou a Instrução 15, com o objetivo de melhor
subsidiar as instituições de ensino sobre a avaliação do ensino e aprendizagem. Seu
fundamento pedagógico assemelha-se ao da Deliberação 007/99 e à sua perspectiva
neoconstrutivista.
Outra evidência de uma política neoliberal expressa nas orientações para a
avaliação do ensino e aprendizagem encontra-se na formação continuada intitulada
Formação em Ação. Sobre o tema avaliação, foram disponibilizadas duas oficinas:
“Avaliação externa e interna: relações e articulações possíveis” e “Reflexões sobre
avaliação”.
A primeira privilegia o debate sobre a avaliação externa, com análise de dados e
resultados. A segunda direciona-se à avaliação do ensino e aprendizagem, na qual

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
percebemos a perspectiva corrente:
A autonomia e clareza do trabalho do professor a respeito da avaliação
são estabelecidas a partir de suas concepções sobre o tema. As reflexões
contidas nesta formação propõem um processo de avaliação voltado
para um trabalho pedagógico que considera o ser humano como um ser
em desenvolvimento. Para isso, sugere o diálogo entre seus pares ao
analisarem outras formas de processo avaliativo e apresenta um breve
estudo sobre Avaliação Formativa, Avaliação Metacognitiva, Mapa
Conceitual e Portfólio (PARANÁ, 2017a, p. 1).

O texto sobre Avaliação Metacognitiva (PARANÁ, 2017b, p. 3), apresenta que,


“[...] o processo de aprendizagem deve estar centrado na compreensão e não apenas na
aquisição de informação e conteúdos, promovendo o aprender a aprender”, e, ainda, que,
“[...]a pessoa deve ser a base para a aprendizagem, consequentemente, o ensino e o
ambiente escolar devem estar voltados para a valorização de cada estudante, sem rótulos
e discriminações”.
No material sobre Mapa Conceitual é ressaltado “que nada se dá deslindado de
um modelo de educação com características bem demarcadas, de forma que se valer do
mapa conceitual é pactuar com o compromisso de efetivar um ensino centrado no aluno
e não no professor” (PARANÁ, 2017c, p. 1). E o texto sobre a Avaliação Formativa tem
embasamento em Jussara Hoffmann. Fica claro, portanto, que para a formação continuada
dos professores na referida temática apresenta tendência neoconstrutivista, foco na
aprendizagem, no aprender a aprender, nos mecanismos psicológicos da aprendizagem e
na metodologia. Além disso, são recortes de pesquisas de diferentes autores, o que
evidência o ecletismo teórico, uma intencional fusão de concepções e ideias, o que Nagel
(2011, p. 19, grifos do autor) aborda como “[...] a demagogia da igualdade, que a tudo
confere um ar de semelhança, nada mais expressa do que a adesão ao pensamento
dominante”, o que destrói a habilidade de “considerar diferenças enquanto arte de bem
pensar para superação de impasses”. Na educação, o desmanche pedagógico.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Sobre as pedagogias do “aprender a aprender”, Duarte, afirma: “As pedagogias
centradas no ‘aprender a aprender’ são, antes de mais nada, pedagogias que retiram da
escola a tarefa de transmissão do conhecimento objetivo. A tarefa de possibilitar aos
educandos o acesso à verdade” (DUARTE, 2012, p. 05). E, ainda, o autor é enfático
quando afirma que aderir a tal lema é aderir ao ideário da lógica da sociedade capitalista
(DUARTE, 2012), ou seja, de uma educação voltada à adaptação dos indivíduos às
demandas do mercado.

Considerações Finais
As políticas públicas de avaliação, tomando como referência o estudo aqui
apresentado, contribuem para que se efetive um projeto de sociedade neoliberal, voltada
às necessidades do mercado e à manutenção da hegemonia do capital. Nesse cenário, a
ordem social desenvolvida pelo capitalismo, em que “o desenvolvimento material põe
novas exigências no que se refere aos processos formativos, em geral, e à qualificação da
força de trabalho, especificamente” (SAVIANI, 2003, p. 149), posicionou a escola no
centro da contradição: o conhecimento é meio de produção, os meios de produção são
propriedade privada da classe dominante, o trabalhador deve ter acesso ao conhecimento
para trabalhar e acrescer valor ao capital. Para controlar o nível de acesso ao
conhecimento da classe trabalhadora, o capitalismo trouxe à escola a demanda da
empresa, tornou-a produtivista e competitiva, entregou-a às necessidades do mercado
(SAVIANI, 2003). O instrumento que ratifica a dinâmica do mercado na escola, com
maestria, é a avaliação, através de ranqueamento, classificação, exclusão e mérito,
auxiliando no processo de despolitização, desinstitucionalização e desvalorização da
escola (LAVAL, 2004).
Vale considerar que a educação e a avaliação que estão postas em nossas escolas
não são definitivas e podem ser transformadas. Nesse sentido, resgatar a função profícua

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da escola pública em garantir o acesso e a apropriação dos conhecimentos científicos à
classe trabalhadora, se não evidenciado nas políticas públicas, deve ser nossa principal
meta e luta permanente.

Referências

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para la transformación? In: CABROL, Marcelo; SZÉKELY, Miguel (editores).
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DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a


sociedade neoliberal. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.

DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações


neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2012.

FREITAS, Luiz Carlos. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática.


5. ed. Campinas, SP: Papirus, 1995.

LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino


público. Londrina/PR: Editora Planta, 2004.

NAGEL, Lizia Helena. Elementos formativos para a construção da escola e da educação


em tempos atuais. In: ANTONIO, Clesio A. e outros. Qual educação? Qual escola?:
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______. Instrução 021/2010 – SEED. 2010. Disponível em


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______. Reflexões sobre avaliação. Formação em ação. Departamento de gestão escolar.

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emancipação humana
Coordenação de gestão escolar. Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Disponível
em
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/formacao_acao/2semestre2016/
fa_cge_roteiro.pdf >. Acesso em 31/07/2017a.

______. Anexo 1: Fragmento do texto avaliação metacognitiva – uma prática possível.


Formação em ação. Departamento de gestão escolar. Coordenação de gestão escolar.
Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Disponível em
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/formacao_acao/2semestre2016/
fa_cge_anexo1.pdf >. Acesso em 31/07/2017b.

______. Anexo 3: Fragmento do texto mapas conceituais e avaliação formativa – tecendo


aproximações. Formação em ação. Departamento de gestão escolar. Coordenação de
gestão escolar. Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Disponível em
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/formacao_acao/2semestre2016/
fa_cge_anexo3.pdf >. Acesso em 31/07/2017c.

SAVIANI, Dermeval. O choque teórico da politecnia. Trabalho, Educação e Saúde,


vol.1, n.1, p.131-152. 2003.

______. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira


de Educação. v. 12, n. 34, p. 152-165, jan./abr. 2007.

______. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3. ed. Campinas, SP: Autores
Associados, 2010.

UNESCO. Declaração de Incheon: rumo a uma educação de qualidade inclusiva e


equitativa e à educação ao longo da vida de todos – Educação 2030. Brasília/DF, 2016.

Autoras:
Cristiane Aparecida Fantinel
e-mail: cristianefantinel@seed.pr.gov.br
Benedita de Almeida
e-mail: beneditaalmeida@yahoo.com.br
Marijane Zanotto
e-mail: marijanezanotto@yahoo.com.br
Universidade Estadual do Oeste do Paraná / UNIOESTE

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emancipação humana
REFORMAS E CONTRARREFORMAS DO ENSINO SUPERIOR
BRASILEIRO: EM TEMPOS DE APROFUNDAMENTO DA CRISE
Claudia Cristina Borba de Barros da Rosa
Suely Aparecida Martins

Introdução
O Brasil é um país com uma desigualdade brutal entre as classes que o compõe,
fruto do capitalismo dependente ao qual pertence desde sua constituição. O Ensino
Superior não passa imune a esta desigualdade. No presente trabalho analisaremos as
reformas e contrarreformas do Ensino Superior ocorridas em nossa história, atendo-nos
pontualmente a Reforma de 1968 e as reformas que foram implementadas nos governos
de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda que em ambos os
governos houve a aliança com os interesses privados, observa-se uma mudança
substancial no Governo Lula no sentido de propiciar o acesso ao Ensino Superior às
classes populares e para a descentralização das Universidades Federais no país. Tais
avanços têm sido ameaçados com os rumos tomados no atual governo de Michael Temer,
colocando mais uma vez o Ensino Superior público em processo de sucateamento e, ao
mesmo tempo, retomando a mercantilização da educação em nosso país.
Sabe-se que a educação pode ter caráter emancipatório e revolucionário em uma
sociedade, com um papel importante na mudança social e que sem ela torna-se mais
difícil, para a classe que vive do trabalho, fazer a revolução necessária, uma mudança
significativa da sociedade em que se vive. Numa perspectiva marxiana, Sousa Junior
(2010, p.173) acrescenta:
A contribuição marxiana para a educação, que vislumbra a emancipação
social, como se tentou demostrar, se constitui de um programa que inclui
dimensões importantes do cotidiano dos trabalhadores, como as
experiências vividas no mundo do trabalho, as experiências de auto-
formação teórico-política da classe, mas também passa pela radicalização
democrática do direito de acesso ao saber socialmente produzido. Essa

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perspectiva representa um paradigma fundamental para balizar as
discussões atuais, nestes tempos em que tudo mudou e nada é novidade.

Para os efeitos desse breve estudo, nos deteremos às contradições que envolvem
o Ensino Superior no Brasil e como esta modalidade de ensino tem sido utilizada ao logo
de nossa história para atender aos interesses do capital, bem como das classes
hegemônicas. Trata-se de um estudo bibliográfico buscando entender os movimentos
históricos que deram origem as reformas e contrarreformas do Ensino Superior, as lutas
entre as classes sociais que as permearam e como o capitalismo dependente, ao qual nosso
país é subjugado, interfere nessas configurações.

O Ensino Superior no Brasil


Sabendo-se que vivemos em um país periférico que possui desde sua formação
uma dependência muito acentuada aos países hegemônicos, tornam-se pertinentes
discussões que nos levem entender as contradições que regem esse sistema, para
posteriormente podermos superá-lo.
O Brasil é um país cuja formação se deu, sempre, sob égide da
dependência e da subordinação a nações mais desenvolvidas. Processo
extremamente complexo, responsável pelo atraso e pelas deformações
que ele tem sofrido em todos os aspectos. Em particular, a produção da
riqueza tem, aqui, uma característica toda peculiar. Ela é o resultado não
apenas da exploração do trabalho, como nos países desenvolvidos, mas
da superexploração. Vale dizer, há aqui uma dupla exploração. O
trabalhador brasileiro trabalha não só para enriquecer a burguesia
brasileira como também a burguesia internacional. É este o fato gerador
mais fundamental da miséria brasileira. (TONET, 2003, p.13)

Quando falamos sobre universidade, falamos também sobre a sociedade na qual


ela está inserida, pois a mesma não encontra-se em mundo à parte, ela não se constitui
isoladamente, segundo interesses puramente acadêmicos. É permeada de conflitos e

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emancipação humana
interesses que atingem muitas das relações sociais, políticas e econômicas, sendo a
educação ou a “não-educação” sempre uma forma de manutenção do status quo.
A universidade é uma instituição social que exprime e reflete de modo
historicamente determinado, a sociedade em que está inserida. Ela
configura e dá forma às relações sociais, mas também é configurada por
elas, pelos embates políticos e pelas disputas acadêmicas que atravessam
e determinam o lugar social em que existe. Portanto, a sociedade
brasileira em geral e a universidade em particular ainda carregam as
marcas do colonialismo escravista, da cultura senhorial do patrimônio e
de suas relações clientelística e de favor. (DUARTE et al, 2005, p.30).

Assim, tem-se que as reformas presentes nos acordos financeiros do Estado


brasileiro com os organismos internacionais atendem aos interesses da classe
hegemônica. Deste modo, as sonhadas e necessárias reformas não passam de
contrarreformas que não atendem aos interesses da comunidade acadêmica nem da classe
trabalhadora, que tem a pretensão de ser usuária desse serviço público. Dessa, forma,
pressupõe-se sempre uma luta de classes, no que tange o Ensino Superior, os interesses
das classes hegemônicas e os interesses dos que vivem do trabalho que lutam pelo direito
de fazer parte dessa universidade.
Tais reformas propõem que as universidades busquem fundos próprios de
financiamento em parcerias com empresas e outras instituições, ou seja, o governo “lava
suas mãos” quanto a um financiamento que é de sua responsabilidade e entrega o que é
público para que a iniciativa privada efetive seus interesses de mercado, característica
muito presente na história das universidades em países dependentes como o Brasil, que
pela condição de submissão são obrigados a deixar de lado os interesses nacionais.
Por esses motivos que o eco do movimento dos estudantes de Córdoba, em 1918,
pela democratização da Universidade ecoa até hoje em toda a América Latina, com mais
força no contexto atual, onde estão declaradamente ameaçados.
O que exigiam os rebeldes de 1918 que causou tanta repercussão
na época, a ponto de representar uma referência até os dias de

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hoje? As bases da reforma eram claras e foram assim resumidas
pelo Manifesto da Federação Universitária do Chile em 1922: “a)
autonomia universitária; b) reforma do sistema docente; c)
revisão dos métodos e do conteúdo de estudos; d) o problema do
isolamento social da universidade (extensão universitária).
(OURIQUES, 2005, p.173).

Se no século XVIII a Universidade era reservada para a elite, ao público


esclarecido que possuía conhecimentos científicos prévios, a partir dos séculos XIX e XX
a democratização do acesso à Universidade, que tem sido desde então motivo de lutas das
classes trabalhadoras, tem novos desafios. Atrelado a excelência que já lhe era cobrada,
agora é exigida também o acesso das grandes massas.
Em 1930 contávamos com 86 instituições de Ensino Superior em nosso país. De
1930 até 1967 esse número aumentou exorbitantemente passando a contar com 671
estabelecimentos. Conforme Teixeira (1968, p. 44): “Entre 1930 e 1967 o número de
estabelecimentos sobe de 86 para 671, ou seja, mais de 7 vêzes em 37 anos. A matrícula
em 1930, era de 14.000, sobe para 180.000 em 1966 e mais de 20.0000 em 1967, ou seja,
mais de 14 vêzes.” Ainda na análise de Teixeira, essa expansão se deve a presença da
iniciativa privada na atividade educação, além do atendimento as necessidades
alavancadas, pela urbanização e industrialização.
As discussões e tensões eram antigas, porém, a partir de 1960 o movimento em
prol de uma reforma universitária ganha força nacional. A União Nacional dos Estudantes
(UNE) organizando seminários pelo país, para discutir a necessidade de uma reforma que
atendesse os interesses dos estudantes, bem como das universidades. Ou seja, todos os
envolvidos nesse processo e não somente os interesses do governo e das nações
hegemônicas, que estavam colocados nos acordos entre nosso país e alguns organismos
internacionais. Estávamos em um momento de efervescência das lutas dos estudantes,
bem como de outros setores da sociedade. O que se discutia nos seminários I, II e III era,
segundo Fávero (2009, p.64):

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emancipação humana
[...] a questão básica passa a ser o caráter arcaico e elitista das
instituições universitárias no país. Para os estudantes, havia
grande defasagem entre as universidades e as aspirações do
movimento popular, em termos de maior democratização dessas
instituições.
Com a instauração do regime militar, em 1964, houve um grande aparelhamento
do Estado para manter e reforçar sua hegemonia. Muitos professores e líderes estudantis
foram afastados de suas atividades e, até pela violência conhecida do regime, calaram-se.
Como a resistência foi enfraquecendo e os planos antes pensados pela classe hegemônica
começaram ser postos em prática, ocorre a aproximação das Universidades Brasileiras
com as Universidades dos Estudos Unidos, tendo como desculpa a adequação ao padrão
internacional e desenvolvimento econômico. Segundo Fávero (2009, p.65-66), algumas
dessas propostas oficiais merecem destaque:
[...] o programa de assistência técnica estrangeira,
consubstanciado por meio dos Acordos MEC-Usaid, em especial
o Acordo para o Planejamento do Ensino Superior no Brasil,
assinado em 23 de junho de 1965, e o Convênio de Assessoria ao
Planejamento do Ensino Superior, de 9 de maio de 1967
(EQUIPE DE ASSESSORIA AO PLANEJAMENTO DO
ENSINO SUPERIOR,1969), assim como o Relatório Atcon
(1966) e Meira Mattos (1968).

Ainda conforme Fávero (2009), pelo Decreto nº 62.937, de 2 de julho de 1968 foi
criado o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), que foi encarregado de
estudar e propor as mudanças necessárias para a modernização, flexibilidade
administrativa e formação de recursos humanos gabaritados para o desenvolvimento do
país. Do relatório apresentado pelo GTRU destacamos alguns pontos:
Entre as medidas propostas pela reforma com o intuito de
aumentar a eficiência e a produtividade da universidade,
sobressaem: o sistema departamental, o vestibular unificado, o
ciclo básico, o sistema de créditos, a matrícula por disciplinas, a
carreira do magistério e a institucionalização da pós-graduação”
(FÁVERO, 2009, p.71).

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Esse relatório deu origem a Lei nº5.540/68, que tratava da reforma universitária,
aprovada sem vetos pelo Congresso Nacional. A universidade reformada através da ótica
“usaidiana” estava mais do que nunca associada ao Estado tecnocrático e a serviço das
classes hegemônicas.
Nas décadas de 1980 e 1990 cresce vigorosamente a influência do Banco Mundial
na criação de políticas públicas para a educação, principalmente nos países de periferia
como é o caso do Brasil. Mudanças nas políticas públicas são colocadas como
condicionante de pacotes econômicos que esses países tomam com o Banco Mundial,
subordinando-os cada vez mais ao que podemos chamar de um imperialismo cultural.
Esta instituição, junto ao FMI, são órgãos que tem um papel essencial na construção do
consenso que justifica a mercadorização e privatização do Ensino Superior.
No Brasil, atendendo a esses interesses, o primeiro mandato de Fernando
Henrique Cardoso (FHC) proporcionou a solidificação do neoliberalismo. Na Educação
Superior, as Universidades Federais foram convertidas em entidades públicas não
estatais, ou seja, a Educação Superior passou a ser considerada um serviço que não é mais
exclusivamente estatal.
O segmento privado que assumiu a autoria do extraordinário
crescimento quantitativo nas décadas de sessenta e setenta,
incentivado e patrocinado pelo Estado Brasileiro, deveria ser
novamente estimulado de modo a propiciar a nova onda
expansiva. O segmento federal transformou-se no vilão,
dispendioso, elitista e ineficiente no diagnóstico governamental.
A restrição ao acesso das camadas mais pobres ocorreu devido à
imposição do modelo universitário arcaico da Reforma
Universitária de 1968 que ficou atado à indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão da Constituição Federal de 1988.
(CARVALHO, 2015, p.76)

Assim, foram criadas três modalidades de cursos como cursos superiores e


também, de formação científica: o sequencial, os tecnológicos e os a distância. Como
Carvalho (2015) sinaliza, caracterizou-se como um processo de formação aligeirado, sem

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emancipação humana
a necessidade de pesquisa e extensão, além de atender pontualmente ao mercado de
trabalho atingindo somente a classe trabalhadora. O Estado se tornou um mediador do
mercado educacional, que se tornara competitivo, com a grande participação do setor
privado. Poderíamos dizer que se deu a mudança de uma caraterística primordial da
Universidade, que passa de uma entidade de pesquisa para uma entidade de ensino,
acatando as recomendações dos organismos internacionais.
Em 2003 se deu o início de um novo governo, do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, para o qual a questão fundamental quanto ao Ensino Superior era a permanência
desse jovem que possuía uma vulnerabilidade social, pois as estatísticas traziam um
número elevado de inadimplência e de evasão. E a estratégia para lograr êxito nesse
desafio era manter o crescimento da rede privada, como ao longo de nossa história.
Porém, a diferença do governo anterior foi que, simultaneamente, pretendia-se fomentar
a rede pública federal.
Contudo, em alguns aspectos não houve como deixar de lado ou interromper as
políticas implementadas por FHC, como no caso as três modalidades de ensino
(sequencial, tecnológico e a distância), pois essa medida tinha se tornado muito rentável
e também havia muita demanda interessada. No entanto, novas Universidades Federais
foram instituídas, novos campis onde já existiam, proporcionou concurso para professores
e funcionários. Nesta mesma direção, o governo federal lança o Programa de Apoio os
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federias (Reuni)97 entre 2008 e
2012:
A política de expansão extensiva federal no governo Lula tinha
por objetivo reduzir distâncias geográficas e as desigualdades
regionais na educação superior. O programa de governo
materializou-se em ação concreta, à medida que as universidades
federais abriram novos campi no interior dos Estados no âmbito
dos projetos de expansão pactuados com o Ministério da

97
O Reuni foi instituído pelo Decreto Federal nº 6.096, de 24 de abril de 2007.

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Educação (MEC) por intermédio do Reuni. Além disso, novas
universidades federais foram criadas em cidades interioranas.
(CARVALHO, 2015, p.86).

Além do Reuni, o governo Lula continuou a democratizar o acesso ao Ensino


Superior através de novas formas, com as políticas de ações afirmativas, uma importante
forma de ingresso das classes populares às Universidades. O ENEM – Exame Nacional
do Ensino Médio - adquiriu certa centralidade. Ademais, foi criado o Programa
Universidade para Todos (Prouni98) dedicado a vagas nas IES – Instituições de Ensino
Superior - privadas e também o Sistema de Informação Simplificado (Sisu99), que se
tornou o principal mecanismo de seleção das instituições federais, instituiu-se a
Universidade Aberta do Brasil (UAB100), a Rede Federal de Educação Profissional101 e a
reestruturação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES)102.
Embora o governo Lula não tenha promovido uma real reforma do Ensino
Superior, continuando a atender os interesses dos organismos internacionais e das classes
hegemônicas, é claro que, pela presença no Governo de interesses vinculados também as
classes trabalhadoras, num óbvio tensionamento, houve avanços consideráveis em
relação ao Ensino Superior, especialmente no que se refere ao acesso das classes
populares a esta modalidade de Ensino.
Já no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, podemos dizer que ocorreu
a continuidade das políticas compensatórias do governo Lula, mesmo que com um
programa neoliberal moderado. Todavia, conforme MANCEBO (2017), a burguesia não
estava satisfeita com o encaminhamento governamental e assim começaram os protestos

98
Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de
2005.
99
Sistema de Seleção Unificada(Sisu), é o sistema informatizado do MEC no qual as instituições de
ensino superior oferecem vagas para candidatos participantes do ENEM.
100
Para ter melhor compreensão buscar Decreto nº 5.800, de 29 de dezembro de 2008.
101
De acordo com a Lei nº11.892, de 29 de dezembro de 2008.
102
A Lei nº11.552, de 19 de novembro de 2007.

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emancipação humana
de vários segmentos da sociedade. Embora Dilma tenha conseguido a reeleição em 2014,
houve um desmonte da base governista no Congresso, além do ajuste fiscal, que
desencadeava o fim do que poderíamos chamar de uma conciliação das classes no Brasil.
Diante da situação, um golpe parlamentar-judicial-midiático começava a tomar
corpo e culminou em 31 de agosto de 2016, com o impeachment da presidenta da
república, colocando em seu lugar Michel Temer, até então vice-presidente, como
presidente ilegítimo de nosso país. Segundo Alves (2016):
[...]o governo Temer como governo ilegítimo aderiu em 2016 o
caráter de governo de transição com uma missão suprema:
reestruturar o capitalismo brasileiro de acordo com a agenda
neoliberal, dando-lhe novo fôlego na América Latina para o
projeto hegemônico dos EUA. ” (s.p.)

A atuação do seu governo reflete no corte de verbas para manutenção da expansão


que as IES haviam tido nos anos anteriores, enxugamentos das funções. Sendo assim, por
falta de verbas acaba-se por priorizar o ensino, deixando de lado as outras atividades que
fazem parte da vida da universidade e intensifica-se a adoção de cursos aligeirados para
atender o mercado, bem como a EaD.
Um verdadeiro ataque aos direitos trabalhistas. Adota-se medidas para reduzir os
custos, precarizando o trabalho universitário, caracterizando uma busca clara pela
terceirização, ou aprofundamento do trabalho inconsistente. A Emenda Constitucional-
PEC nº 241 é um exemplo disso, pois congelou os valores destinados à educação, saúde
e custeio da máquina pública para os próximos vinte anos, ou seja, tanto as instituições
bem como as pessoas que as constituem ficam expostas a precarização de seu trabalho e
da formação dos estudantes.

Considerações finais

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emancipação humana
Não podemos desistir da luta diante tantas dificuldades. Precisamos nos organizar
enquanto classe trabalhadora para reverter essa situação. E para tanto, as universidades,
as escolas, tem um papel importante nessa transformação, nesse “abrir os olhos”, porém
sozinha não pode nada. Será necessária a utilização de todos os espaços pedagógicos
disponíveis: sindicatos, associações, igrejas, entre outros, no sentido de tornar possível
uma revolução que mude o cenário social, político, econômico.
A Universidade tem sido fortemente atacada pela máquina estatal, com busca e
apreensão de documentos, como aconteceu na Universidade Federal de Santa Catarina e
também na Universidade Federal de Minas Gerais, além de professores sendo conduzidos
coercitivamente para depoimentos. Há um movimento de coerção tentando calar vozes
que são destoantes das políticas do governo, no entanto, precisamos resistir por meio de
movimentos sociais antissistênicos que defendam a autonomia das universidades e sua
necessidade de ensino e extensão.

Referências

ALVES, Giovanni. O golpe de 2016 no contexto da crise do capitalismo neoliberal.


2016. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2016/06/08/o-golpe-de-2016-no-
contexto-da-crise-do-capitalismo-neoliberal/>. Acessado em: 15 fev. 2018.

CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. Política de expansão da educação superior


nos governos democráticos brasileiros (1995-2013). In: SOUZA, José Vieira de, Org.
Expansão e Avaliação da Educação Superior Brasileira: formatos, desafios, e novas
configurações. 1ª ed. Belo Horizonte, MG: Fino Traço. 2015, p.73-93.

DUARTE, Adriano Luiz, et al. Universidade, sociedade e política: algumas considerações


sobre a Relação entre público e privado em tempos de barbárie. In: RAMPINELLI,
Walmir de José. ALVIM, Valdir. RODRIGUES, Gilmar (org). Universidade: A
democracia ameaçada. São Paulo: Xamã, 2005, p. 29-66.

FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Quarenta Anos da Reforma Universitária:


Significado, Questões e desafios. IN: Reformas do Ensino Superior: Cenários

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 607
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Passados e Contradições do Presente. MANCEBO, Deise et al (organizadores). São
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MANCEBO, Deise. Crise Político-Econômica no Brasil: Breve Análise da Educação


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http://www.scielo.br/pdf/es/v38n141/1678-4626-es-es0101-73302017176927.pdf.
Acessado em: 21/02/2018.

SOUSA JUNIOR, Justino de. Marx e a Crítica da Educação: da Expansão Liberal-


Democrática à Crise Regressivo-Destrutiva do Capital. Aparecida/SP: Idéias &
Letras, 2010, p. 173-203.

ORIQUES, Nildo. Entre Córdoba e Washington: a disputa pela reforma universitária na


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183.

TEIXEIRA, Anísio. Uma perspectiva da educação superior no Brasil. Revista


Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.50, n.111, jul./set. 1968. p.21-82.
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TONET, Ivo. A Educação numa Encruzilhada. IN: Trabalho, sociabilidade e educação


- uma crítica à ordem do capital. MENEZES, Ana M. D. e FIGUEIREDO, Fábio F.
(orgs). Fortaleza: UFC, 2003, p. 201-219. IN: Educação contra o capital. São Paulo:
Instituto Lukács, 2013.

Autoras:
Claudia Cristina Borba de Barros da Rosa
Mestranda – UNIESTE/FB
Suely Aparecida Martins
Orientadora – UNIESTE/FB

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 608
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
CONFLITO DE CLASSES E A APROPRIAÇÃO DA
EDUCAÇÃO

Rogerio Massarotto de Oliveira


Introdução

Esse texto busca chamar a atenção para os elementos históricos que desvelam e
evidenciam a lógica perversa que o conhecimento sistematizado assume perante os
interesses burgueses. Objetiva-se apontar alguns mecanismos fundamentais para ocorrer
a apropriação da educação (conteúdos e formas de ensino), à fins particulares burgueses,
reduzindo a intelectualidade humana e a sua consequente capacidade de emancipar-se, ao
não reconhecimento de que os seres humanos produzem sua própria história e, portanto,
não são capazes de transformar toda uma sociedade.
Para essa tarefa, inicialmente, abordamos, suscintamente, as determinações
objetivas em que o contexto histórico educacional se movimenta e se desenvolve para,
posteriormente, anunciar as formas de apropriação e condicionantes que buscam
perpetuar os conhecimentos à serem ensinados assim como as formas de ensino à lógica
burguesa.

Discussões
Compreendemos que o movimento empregado pela humanidade para produzir e
organizar o conhecimento necessário para produzir sua existência se deu (e se dá) junto
da produção das formas e processos empregados para sua transformação visando a
satisfação das necessidades humanas. Esse processo, conforme Marx e Engels (2010)
ocorre por meio das mediações primárias e secundárias que o homem realiza com a
natureza, por meio da utilização de sua força de trabalho realizada de maneira articulada
e simultânea.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Desde a história primitiva, considerando as bases materiais / condições objetivas,
os conceitos de educação e de trabalho vem sofrendo transformações que,
simultaneamente expressam a história do surgimento das classes sociais e na substituição
da propriedade comum pela propriedade privada cujas necessidades foram se ampliando.
Por sua vez, novas técnicas de uso da terra, de divisão do trabalho, de partilha da produção
foram sendo criadas. Qualquer estrutura social necessita, portanto, sistematizar os
conhecimentos necessários que condizem à um determinado avanço, uma vez que as
relações sociais não se reproduzem por inércia.
Nesse sentido, qualquer sistema social produzido por interesses antagônicos de
classe, precisa criar aparatos de controle e de organização conforme os interesses da
classe que domina e, desse modo, exército, mídia, religião, lazer e tantos outros, são
produzidos para o avanço dos interesses da parcela menor da humanidade e assegurados
por práticas coercitivas, pseudodemocráticas e em casos mais extremos, por
autoritarismos corporativos.
A análise desse movimento só pode ser realizada por meio das descrições dos fatos
nesse percurso histórico, que permitem fazem o apanhado das condições que o homem
vive (MARX; ENGELS, 2010). Significa dizer que a compreensão dos fatos educacionais
cria consistência quando expostos, conjuntamente, com uma análise socioeconômica das
sociedades. Nesse sentido, conforme Freitas (1987) se faz necessário a reflexão sobre a
existência de projetos históricos103 que enunciam,
[...] o tipo de sociedade ou organização social na qual pretendemos
transformar a atual sociedade e os meios que deveremos colocar em
prática para sua consecução. [...] É concreto, está amarrado às
condições existentes e, a partir delas, postula fins e meios” (FREITAS,
1987, p. 123).

103
Para o autor, compreende-se por “[...] projeto histórico a delimitação do tipo de sociedade que se quer
criar (já que todos defendemos a “transformação social”) e as formas de luta para concretização desta
concepção, a partir das condições presentes” (FREITAS, 1987, p. 122).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Na atual conjuntura mundial, a educação se ampara, agora, na necessidade do ultra
avanço das forças produtivas e na produção de capital sob formas jamais constatadas. Os
ideais pedagógicos, produzidos com base na condição objetiva imposta pela burguesia
explicitam o projeto histórico de uma forma societal fracassada que, para ser superada,
exige a distribuição das riquezas produzidas cuja divisão social do trabalho resulta em
que uma classe trabalha para que a outra usufrua dos produtos do trabalho produzidos.
Desse modo, desde suas origens históricas, os polos antagônicos dessa forma
societal produzem tanto a barbárie para muitos como a riqueza para poucos, evidenciando
processos de crise e de superação da crise, visando sua manutenção enquanto modo de
produção baseado na existência da propriedade privada.
O imperialismo, fase última do capitalismo compreendida por Lenin (1980),
aponta que há um conjunto de crises e encruzilhada entre socialismo e barbárie. Lenin
parte do monopólio que gera a concorrência (o monopólio produz a concentração de
capital, enfraquecendo capitalistas menores causando disputas entre eles) e caracteriza,
então, que o monopólio é a antítese da concorrência que é a partilha do mundo pelos
imperialistas. É uma fase que o capitalismo gera o próprio capitalismo (LENINE, 1980).
Portanto, o movimento do século XXI não é ao acaso, tem um movimento interno
cujas origens e a base das crises ocorrem pelo avanço das forças produtivas que, por sua
vez, desdobram-se em liberação do comércio e das finanças, crescimento do capital
fictício, ampliação sem medidas da força de trabalho humana mundial, desequilíbrios nos
sistemas financeiros etc., cujas evidências apontam que a crise é produzida pelo próprio
capital causando impactos nos vários países, inclusive derrubando algumas análises
iniciais dos neoliberais de que o Brasil passaria por fora da crise.
Temos, atualmente, na atual conjuntura internacional, marcada pela crise orgânica
do capital indicadores consistentes que apontam, na correlação de forças desiguais entre

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
duas classes sociais antagônicas, a consequente perseguição e retirada dos direitos
conquistados historicamente pela classe trabalhadora.
Materializada no campo da educação, a crise se expressa nas implementações de
políticas públicas hegemônicas tais como as reformas educacionais propostas pelo
Ministério da Educação no âmbito do ensino fundamental e médio; no desmonte das
universidades públicas via redução drástica dos recursos e investimentos, além da
desvalorização das ciências humanas e sociais; na precarização do trabalho docente e dos
espaços físicos das Instituições de Ensino Superior - IES; na proliferação do ensino à
distância - EAD em detrimento do ensino presencial e que se desdobra no
enfraquecimento e esvaziamento do ensino dos conhecimentos científicos; na criação de
Projetos de Lei que legalizam a perseguição aos educadores críticos e que se engajam nos
movimentos e lutas sociais e; na criação de projetos hegemônicos, tais como o ‘Escola
sem partido’, participação de grupos empresariais na gestão da educação pública
(Sistemas Privados de ensino) e outros que tentam impor um caráter reacionário ao ensino
sistematizado, conforme aponta Melo (2004).
Desse modo, as condições objetivas esmiuçadas nos diversos exemplos
configuram a condição da luta de classes e sua relação direta com as questões econômicas
e políticas na América Latina, perante a crise do capital mundial (LEHER, 2010).
Ao articular os processos produtivos com as crises do capital (cíclicas e
estruturais), apreende-se os limites dos conhecimentos que devem estar acessíveis aos
filhos dos trabalhadores. A dinâmica da educação responde aos processos de trabalho,
cuja expansão da escolaridade no Brasil (pelo viés da técnica e do descarte) vem pela
necessidade de dominar os processos de trabalho (HARDMANN e LEONARDI, 1982).
A educação formal vinculada ao Estado conforma e internaliza os valores
burgueses e, portanto, precisa ser confrontada. Emerge, pelo socialismo científico, as
ferramentas que a classe trabalhadora necessita. Os homens podem, pela primeira vez,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
reconhecer a realidade e alcançar a verdade e é possível organizar, planificar o modo de
organização da vida humana (ENGELS, 2011).
Há de entender a educação para além do ensino-aprendizagem e, sim como
categoria no modo de produção e, também, sinalizar os nexos de reconhecer a política da
educação para a classe trabalhadora. Ainda, o papel da educação frente às políticas
neoliberais se confronta com a necessidade de uma educação de resistência e politização.
Pensar numa teoria da educação que atenda às necessidades da classe trabalhadora assim
como uma pedagogia para essas condições é um dos caminhos extremamente necessários
(LEHER, 2010).
Para Melo (2004) se o capitalismo construiu a teoria neoliberal 104, que tem como
pano de fundo o princípio da liberdade individual, a teoria socialista aponta a vontade do
indivíduo privado se impõe ao coletivo. Lentamente aparece, pela revolução burguesa, a
individualidade do sujeito (fundamento do liberalismo), se contrapondo ao do socialismo
que se preocupa com a coletividade. Para combater o projeto burguês mundializado, a
classe trabalhadora necessita produzir movimento coletivo.
Entretanto, Prado Júnior (2004), afirma que a ausência de leitura da conjuntura,
pelo mecanismo de interpretação marxiana, não permite aos trabalhadores do Brasil,
militantes nem aos sindicalistas (esquerda brasileira – ampla), produzir uma teoria da
revolução, pois a teoria marxista da revolução105 está assentada na revolução burguesa e
que, no Brasil, não atende ao que se passa na conjuntura nacional.
A crítica é que no século passado, as esquerdas russas estavam querendo trazer as
mesmas estratégias para a realidade brasileira e, assim, não havia uma teoria
revolucionária brasileira. Ela foi adaptada às condições concretas / objetivas do Brasil, na

104
A implantação do projeto neoliberal no âmbito da educação se dá no Brasil com a implementação da
LDB e PDE (GALEANO, 2007).
105
Prado Junior (2004) define revolução como transformações abruptas e que no Brasil há ausência de uma
teoria de revolução, pois não se tem origem da necessidade de mudança, para onde se direciona, etc.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
época e que essa dificuldade de aplicação de uma teoria revolucionária repercutiu na
educação (escola). Nesse sentido, quando se pensava que se estava impulsionando um
processo revolucionário, estava impulsionando um processo autoritário (PRADO
JÚNIOR, 2004).
Desse modo, há de apanhar as forças produtivas, os interesses e os conflitos entre
as classes para aprofundar o conhecimento sobre a conjuntura e, assim, tende-se a concluir
qual posicionamento tomar e que, mesmo assim, os inúmeros caminhos à serem tomados,
enfraquecem todo o movimento da esquerda no Brasil, mergulhado no ostracismo do
poder político que o corporativismo burguês perpetua no Brasil.
As ações políticas no campo de confronto e de luta também repercute diretamente
na definição da educação e das políticas de Estado para disponibilizar para a classe
trabalhadora, conhecimentos necessários para avançar as relações de produção.
Nessa direção, a mundialização do capital quebra fronteiras nacionais e a
mundialização da educação traz o conceito do geral e o do imperialismo e, nesse sentido,
não é possível analisar o processo de desenvolvimento da política do estado burguês sem
antes analisar os cartéis e as políticas internacionais para as políticas nacionais,
proliferadas nas políticas educacionais (MELO, 2004). Também, nem é possível produzir
pesquisa analisando somente o chão da escola, há de ser feito no âmbito de uma política
educacional (HARDMANN e LEONARDI, 1982).
Nas políticas educacionais desenvolvidas no Brasil, de acordo com Saviani
(2009), produzida, principalmente nos anos 30 junto com a industrialização e a
organização dos trabalhadores cujas táticas no Congresso Nacional, expressaram as
chaves para compreender as táticas burguesas para a educação. Nesse processo, há duas
épocas: antes de 1964 (congresso nacional atua como desconfiguração: resistência num
primeiro momento e que se conforma num segundo momento) e depois de 1964
(congresso nacional atua como preservação) e podemos acrescer hoje, no retorno da

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
sombra dura e perversa da face da nova ditadura militar no país com a aprovação federal
da intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro e das ações militares no Rio Grande
do Norte.
As reformas educacionais entre os anos 80 e 90 para a América Latina, como parte
das reformas estruturais impulsionadas pelo Fundo Monetário Nacional – FMI e Banco
Mundial - BM, apresentam os elementos que caracterizam tais reformas como resultado
dos a) movimentos de deslocalização da produção e de restrição da criação tecnológica e
científica para os países dependentes e b) movimento de flexibilização do trabalho e das
relações trabalhistas. Ambas (e outras) atingem diretamente as propostas e demandas por
educação dos trabalhadores (MELO, 2004).
A autora ainda evidencia que a burguesia apresenta um projeto histórico que se
desenvolve conforme as crises, conveniências e necessidades para sua consolidação
(principalmente no âmbito dos projetos educacionais) cujas reformas vão acontecendo
conforme o capital entra em crise e, assim, vai acirrando seu controle e dominação sobre
a classe trabalhadora com medidas oportunistas e opressivas (estratégias econômicas,
políticas e sociais) para a produção de ciência e tecnologia necessárias para sua
hegemonização e extração de mais valor (MELO, 2004).
A existência de uma relação entre a consolidação dos projetos neoliberais na
América Latina e a crescente mobilização social das massas populares desencadeado pela
insatisfação das políticas adotadas permite emergir outro desdobramento. Produz-se o
confronto entre os políticos neoliberais e os de centro esquerda, desvelados,
principalmente no âmbito dos processos eleitorais cuja relação entre direita e esquerda
que, de forma simplista, ocultam e velam não somente a matriz institucional elitista e
autoritária, mas acortina a luta de classes que, a cada fato histórico, amplia as contradições
entre capital e trabalho. Além disso, a defesa pela manutenção do sistema político e pela

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
pseudodemocracia, são incapazes de representar os interesses populares que faz emergir
paradoxos e dilemas dos pragmáticos centro-esquerdistas (PETRAS, 1999).
Consideramos que os confrontos ocorridos no âmbito econômico, políticos ou
sociais que surjam frente aos projetos neoliberais, se deparam com o avanço das forças
armadas, o rigor do aparato jurídico e da administração pública na forma de garantia dos
direitos às corporações e esfacelamento dos direitos da classe trabalhadora. Entretanto,
tal como os demais regimes político-econômicos, o neoliberalismo é fenômeno histórico
que, por sua vez, tem início, consolidação e decadência evidenciada nos ajustes e nas
necessidades de reformas incessantes que o sistema político burguês falido, produz e que,
permite que, na América Latina, por exemplo, vários movimentos de trabalhadores, que,
conscientes ou não de sua condição, lutam pela melhoria das condições objetivas de vida
atestando a oposição ao neoliberalismo decadente.

Considerações finais
Nenhum movimento de massa nasce e se organiza espontaneamente. Parte de
uma necessidade concreta dos trabalhadores para amenizar sua condição de sobrevida e
de exploração no âmbito do trabalho, ou seja, as condições materiais vão tecendo o
movimento das massas, simultaneamente ao movimento das políticas neoliberais de
tentar amenizar e sustentar-se perante a crise do capital. Estas, buscando a adaptação ao
movimento necessário para a produção de mais capital, acirram a luta de classes ao
mesmo tempo em que operam no âmbito das políticas pós-eleições (regime
neoautoritário), rebaixando os interesses populares e ampliando o interesse das elites.
O enfrentamento dessas e outras questões na sua origem, permite vislumbrar os
caminhos para dominar, na prática como critério de verdade, os complexos problemas
sociais, uma vez que o indivíduo culto é aquele capaz de apreender os elementos da
realidade para transformar essas questões.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A apreensão do movimento da prática e sua objetivação na prática social precisa
ser revelada nos espaços educacionais, cuja aquisição dos saberes necessários tem que ser
do ponto de vista de classe e ainda que não seja a escola, ela tem papel fundamental para
a revolução (MESZÁROS, 2005).

Referências:
ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo científico. São Paulo: Edipro, 2011.
FREITAS, L. C. de. Projeto histórico, projeto pedagógico e didática. IN: Revista
Educação & Sociedade. Ano IX, n.27, set. 1987.

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

HARDMANN, F. F.; LEONARDI, V. História da indústria e do trabalho no Brasil. São


Paulo: Global, 1982.

HOBSBAWM, E. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo:


Companhia das Letras, 1995.

LEHER, R. Crise do capital e questão social. Estudos do Trabalho, v. 6, p. 17-35, 2010.

LENINE, V. I. Imperialismo fase Superior do Capitalismo. In: Obras Escolhidas. São


Paulo: Editora Alfa Ômega, 1980.

MARX, K. ENGELS, F. A ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2010.

MELO, A. A. S. de. A mundialização da educação: consolidação do projeto neoliberal


na América Latina – Brasil e Venezuela. Maceió: EDUFAL, 2004.

MESZAROS, I. A atualidade histórica da ofensiva socialista. São Paulo: Boitempo,


2010.

MESZAROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005

PETRAS, J. Alternativas ao neoliberalismo na América Latina. In: PETRAS, J.


Armadilha neoliberal e alternativas para a América Latina. São Paulo: Xamã, 1999.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
PONCE, A. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez, 2007.

PRADO JÚNIOR, C. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2004.

SAVIANI, D. Educação Brasileira: estrutura e sistema. Campinas: Autores Associados,


2009.

Autor:
Rogerio Massarotto de Oliveira
Universidade Estadual de Maringá/UEM
CRIAÇÃO E FECHAMENTO DE ESCOLAS RURAIS NA
MICRORREGIÃO DE PARANAVAÍ-PR, ENTRE 1950 E 2015 – UM
ESTUDO CRÍTICO
Elias Canuto Brandão.
Introdução
O estudo do fechamento das escolas rurais faz-se necessário pelo fato de que,
historicamente, a microrregião de Paranavaí foi marcada, a partir de 1925, por uma
superpopulação camponesa que aos poucos migrou para as cidades, e as terras, na sua
maioria, concentraram-se na criação de gado, cana de açúcar, laranja e mandioca. A partir
deste cenário analisaremos o auge e decadência – abertura e fechamento das escolas
rurais, desde o início do processo de colonização da região, em 1925. São 29
municípios106 pesquisados e, para o feito, 23 acadêmicos de diferentes cursos107 da
Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR-Campus de Paranavaí-PR) se dispuseram
participar da pesquisa, contatando os municípios e levantando dados sobre as escolas

106
Alto Paraná, Amaporã, Cruzeiro do Sul, Diamante do Norte, Guairaçá, Inajá, Itaúna do Sul, Jardim
Olinda, Loanda, Marilena, Mirador, Nova Aliança do Ivaí, Nova Londrina, Paraíso do Norte, Paranacity,
Paranapoema, Paranavaí, Planaltina do Paraná, Porto Rico Querência do Norte, Santa Cruz do Monte
Castelo, Santa Isabel do Ivaí, Santa Mônica Santo Antônio do Caiuá, São Carlos do Ivaí, São João do Caiuá,
São Pedro do Paraná, Tamboara e Terra Rica.
107
Pedagogia, Geografia, Letras, História e Matemática. Todos da Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR-Campus de Paranavaí-PR).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
rurais. Os primeiros contatos foram realizados no início de 2017, no entanto, apenas 03
(três) responderam e devolveram os questionários naquele período.
A partir de agosto de 2017, os pesquisadores visitaram as secretarias,
coordenadorias ou setores de Educação para levantar dados sobre a história das escolas
rurais. Muitas dificuldades foram constatadas, a exemplo da falta de organização de
arquivos, indisposição de agentes do município em acessar arquivos e responder os
questionários, além da ausência de consciência da importância da educação para os povos
do campo. A constatação nos remete ao que Marx já alertava no século XIX de que “O
modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político
[...]” (MARX, 1987, p. 30), acomodando as pessoas na burocracia, o que contribui para
o avanço do capitalismo no campo. A ausência de consciência, em muitos municípios, é
tão evidente que, até o fechamento deste artigo, apenas 52% dos municípios haviam
respondido os questionários encaminhados.

Surgimento e desenvolvimento da microrregião


As primeiras tentativas de colonização da microrregião de Paranavaí ocorreram
no século XVII, a partir de inserções dos padres jesuítas e posteriormente pelos
bandeirantes paulistas. A microrregião volta a ser palco de possível ocupação no final do
Brasil Império (1989), quando se inicia negociações do governo imperial com a
Companhia de Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG), para construção de
uma estrada de ferro pela EFSPRG entre São Paulo e Rio Grande.
[...] nos últimos dias do Império (9 de novembro de 1889) o governo
resolve fazer uma concessão de terras (decreto n.º 10.432) ao
engenheiro João Teixeira Soares para que este construísse uma estrada
de ferro ligando Itararé-SP a Santa Maria-RS (ROMPATTO, 2012, p.
2).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
No início do século XX a Companhia EFSPRG não havia cumprido o contrato
negociado com o governo e, para não devolver as terras ao Estado (FOWERAKER,
1982), transfere, em 1920, o direito de construção à Companhia Brasileira de Aviação e
Comércio S/A (BRAVIACO) e esta, em 1925, inicia o processo de colonização, a partir
da gleba Pirapó, posteriormente intitulada de “fazenda brasileira” e, depois Paranavaí.
Segundo Bogoni, a BRAVIACO abandona o processo de ocupação, em 1931, e a
microrregião volta a ser palco do desbravamento, somente em 1941, quando centenas de
famílias chegam à região, e junto com elas, inicia-se construções de escolas rurais.
Como a região de Paranavaí ficou fora do contrato da Companhia de
Terras Norte do Paraná (que colonizou Maringá, Cianorte, Cruzeiro do
Oeste e Umuarama, entre outras) e depois se transformou em
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, o Governo fez por conta
própria a colonização da região (BOGONI, s/d, s/p).

Somente em 1947, quando a “fazenda brasileira” se tornou distrito de Mandaguari,


é que mudou de nome para Paranavaí108, mas somente em 1952 o município foi
oficialmente criado. Neste processo, a colonização da microrregião passou por vários
momentos de dificuldades, entre elas as geadas, a exemplo da “geada preta” de 1975
(BOGONI, s/d) que dizimou café, pastos, pomares, entre outros cultivos. A ausência de
políticas de incentivo aos agricultores e o modelo de desenvolvimento econômico da
época no Brasil, resultou no início do êxodo rural ocorrido entre 1960 e 2000, iniciando
o fechamento de centenas de escolas no campo na microrregião.
A especulação do mercado capitalista por meio da concentração das terras e o
desaparecimento de milhares de famílias em direção às cidades foram algumas das
consequências posteriores. Atualmente, o que não foi concentrada estão arrendadas para

108
Antes de ter em definitivo o nome de Paranavaí, as denominações foram: “Fazendinha, Gleba Pirapó,
Vila Montoya, Fazenda Brasileira e Colônia” (BOGONI, s/d).

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emancipação humana
plantio de mandioca, cana-de-açúcar, citricultura (laranja) e a pecuária de corte109.
Martins alerta que:
A tendência do capital é dominar tudo, subordinar todos os setores e
ramos da produção e, pouco a pouco, ele o faz. Só não poderá fazê-lo
se diante dele se levantar um obstáculo que o impeça de circular e
dominar livremente, que o impeça de ir adiante. A terra é esse
obstáculo. Sem a licença do proprietário da terra, o capital não poderá
subordinar a agricultura. Como o capital tudo transforma em
mercadoria, também a terra passa por essa transformação, adquire
preço, pode ser comprada e vendida, pode ser alugada. A licença para a
exploração capitalista da terra depende, pois, de um pagamento ao seu
proprietário. (MARTINS, 1981, p. 160-161).

O desaparecimento da pequena propriedade, o êxodo rural e o fechamento de


escolas, muito mais que resultado dos problemas temporais, a exemplo de geadas e, das
políticas de governos municipais, estaduais e federal, pode ser analisado e atribuído ao
individualismo, ausência de conhecimento e de consciência social e política dos
agricultores que não se organizaram para enfrentar os “contratempos”, resultando no
abandono do campo e inchaço das cidades. A ausência de consciência dos camponeses
remete-nos a Marx, em o Manifesto Comunista, ao agirem diferente do proletariado das
indústrias em crescimento.
Com o desenvolvimento da indústria, o proletariado não cresce apenas
em número; mas concentra-se em massas cada vez mais consideráveis,
tomando assim, maior consciência de sua força. As condições de
existência dos proletários e seus interesses vão se tornando os mesmos,
à medida que a máquina tira todas as diferenças de trabalho [...]
(MARX, 1984, p. 26).

Os camponeses não tiveram “consciência de sua força”. Prevaleceu o


individualismo, assemelhando-se ao que Júnior, Hoeffel e Queda (2008, p. 128-129)

109
Mais de 75% da área de terras da microrregião está atualmente composta por pastagens para pecuária de
corte, pecuária estimada em um rebanho 5 vezes maior que a população de humanos, rebanho este que
ultrapassa 1 milhão de cabeças, destacando-se a raça nelore e a criação de búfalos.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
verificaram em relação aos camponeses na área rural da “Bacia do Rio Atibainha, SP”,
quando também lá prevaleceu o individualismo sobre a coletividade, no qual “[...] as
soluções de ordem coletiva não são sequer cogitadas. Quem tenta propor soluções
coletivas acaba sendo visto como potencial aproveitador” (2008, p. 129). O
individualismo e a falta de consciência cegam, e o trabalhador em estado alienado,
enxerga tudo como “normal” e “natural”: a colonização, a exploração, as geadas, o
fechamento de escolas rurais, o êxodo rural, a concentração das terras, o latifúndio, o
agronegócio, a agroindústria e o inchaço das cidades.
Desta forma, o desaparecimento das pequenas propriedades vai além do êxodo
rural em si. Inclui-se tramas e interesses dos setores públicos e privados na direção do
agronegócio e da agroindústria,
[...] elegem a “priori”, um grupo determinado de empresas “hábeis” a
receber determinados favores (áreas públicas a colonizar, infra-
estruturas públicas em novas áreas etc.), tornando-as beneficiárias
exclusivas de uma renda da terra capitalizada. Isto tudo implica, na
prática, em patrocinar ganhos monopólicos àqueles capitais mais ágeis
em se integrar aos requisitos e exigências institucionais. (DELGADO,
1985, pp. 214-215).

Em 2018, poucas famílias residem no campo e muitas das que residem na


microrregião, são assentados da reforma agrária, possibilitando uma produção
diversificada: algodão, café, mandioca, bicho-da-seda, abacaxi, soja, cana-de-açúcar,
pomares e pecuária e, o desenvolvimento regional.
As famílias que não venderam suas terras se mudaram para as cidades e as
arrendaram para usinas de açúcar, destilarias ou indústrias da laranja, tornando-se
assalariados urbanos ou retornando à terra como assalariado rural. Atualmente, a cana e
a pecuária ocupam o lugar da escola rural. De acordo com Ribeiro e Endlich,
[...] a pecuária extensiva foi a principal atividade após 1970. [...] E, nos
últimos anos, o cultivo da cana-de-açúcar tem se mostrado favorável
nessa área. O Setor agroindustrial canavieiro surge e se expande na

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emancipação humana
mesorregião Noroeste na medida em que a modernização da agricultura
vai se intensificando. (RIBEIRO & ENDLICH, 2010, p. 78).

É neste contexto de modernização, onde o número de camponeses, e por


consequência de crianças camponesas diminuíram nas áreas rurais, que os municípios
fecharam escolas. Em estudo recente, publicado em 2010, Ribeiro; Gonçalves Junior e
Paiva, afirmam que a ocupação do solo pela,
[...] cana-de-açúcar, [...] se distribui por toda a microrregião e se
concentra mais nas áreas dos municípios de Paranacity, Paranapoema,
Jardim Olinda, Mirador, Paraíso do Norte, São Carlos do Ivaí,
Tamboara, Paranavaí, Terra Rica e Guairaçá. (RIBEIRO;
GONÇALVES JÚNIOR & PAIVA, 2010, p. 63).

Thompson (1987) contribui para com a compreensão dos motivos aqui discutidos
ao analisar a situação dos trabalhadores ingleses. Segundo ele, é a falta de consciência
política das minorias que leva a tais conjecturas, sobretudo porque as “[...] minorias
surgem de uma maioria menos articulada, cuja consciência pode ser [...] considerada
‘subpolítica’ – composta por superstição ou irreligião passiva, preconceitos e
patriotismo” (THOMPSON, 1987, p. 56), tornando-se passivos diante do que acontece.
Em análise os questionários e o fechamento de escolas
Constatamos na pesquisa, tanto em relação aos camponeses quanto aos gestores
públicos: falta de consciência e inércia. Diante disto, as respostas dos entrevistados
direcionam-se a motivos simplistas de que as escolas foram fechadas devido a pura
diminuição das crianças no campo, o que inviabilizaria mantê-las abertas110, sem
pensarem alternativas da continuidade das famílias no campo, mantendo-as em
funcionamento.

110
Considerando a quantidade máxima de páginas para este artigo, não teremos condições de analisar o que
pensam os que responderam os questionários.

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emancipação humana
Analisaremos a situação em que se encontram os 15 municípios da microrregião
que responderam os questionários. Destes, 12 municípios fecharam todas as escolas
rurais. Chama-nos atenção a quantidade de escolas que existiram e foram fechadas: 255,
e apenas 06 continuam funcionando. Em 11 municípios, o número de crianças e
adolescentes transportadas por ônibus e van chegam a 2.875 pessoas.
Quadro dos municípios e escolas fechadas
Município Fundação Escolas Escolas que Alunos que Duração do
fechadas continuam utilizam tempo no
no abertas no transporte transporte em
campo campo escolar horas (ida)
1. Amaporã 1961 16 0 - -
2. Cruzeiro do Sul 1952 16 0 254 Não informado
3. Loanda 1954 31 0 184 2:00
4. Marilena 1967 9 0 - -
5. Mirador 1961 4 1 87 30m
6. Nova Aliança do Ivaí 1958 8 0 78 Não informado
7. Paraíso do Norte 1950 3 0 120 Não informado
8. Paranacity 1954 17 0 135 Não informado
9. Porto Rico 1964 16 0 152 1:25
10. Querência do 1954 13 3 1000 2:00
Norte
11. Santa Cruz do 1954 33 2 Não informado Não informado
Monte Castelo
12. Santo Antônio do 1961 13 0 38 Não informado
Caiuá
13. São Pedro do 1963 9 0 197 2:00
Paraná
14. Tamboara 1955 21 0 - -
15. Terra Rica 1954 46 0 630 1:30
Total 255 6 2.875

O fechamento não foi por acaso. Olhemos na história recente do Brasil o modelo
de desenvolvimento agro e industrial, voltado à globalização, com uma visão de que a
agricultura familiar é típica do período medieval e atrasada, devendo desaparecer.
Concepção de dominador.
A agricultura familiar na microrregião, até o momento em que fechamos este
estudo, durou menos de um século: 93 anos de ocupação entre a colonização,

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desenvolvimento, geadas, ausência de políticas, expulsão do camponês e fechamento de
escolas (1925-2018).
As respostas aos questionários contribuem para trazer à tona algumas informações
que não havíamos catalogadas. Por exemplo: a primeira escola criada na microrregião foi
em 1956, no município de Paranacity, a Escola Rural Municipal “David Carneiro” –
Educação infantil e ensino fundamental. Esta escola foi fechada em 2014, tendo
funcionado por 58 anos. Outro dado, a última escola fechada foi em 2015, a Escola Rural
Euclides da Cunha, do município de Terra Rica, criada em 1982, que funcionou 33 anos.
Chamou-nos atenção o município de Querência do Norte, criado em 1954,
desmembrado de Paranavaí. As escolas rurais eram criadas em fazendas, umas distantes
das outras para atender os filhos dos funcionários. Quem eram os professores que
lecionavam? Os filhos dos patrões que tinham maior escolaridade, evitando que as
crianças ficassem sem noções de conhecimento/educação. Das escolas rurais do
município de Querência do Norte, 13 foram fechadas. De acordo com a entrevistada da
Secretária de Educação, o fechamento se deu devido o “descontrole de matrículas e
defasagem deste ensino”, havendo “a necessidade de se unificar” as escolas rurais.
Querência do Norte é o município que mais tem escolas rurais abertas na
microrregião. São 03 escolas abertas. Uma das escolas funciona no maior assentamento
do município e da microrregião: Escola Camponesa Municipal Chico Mendes, no
Assentamento Pontal do Tigre. No mesmo assentamento funciona também o Colégio
Estadual do Campo Centrão. Na realidade, são 04 escolas no campo, sendo 03 municipais
e 01 estadual. Segundo a entrevistada, “Em média cerca de mil alunos se deslocam do
campo para irem estudar nas escolas da cidade, mesmo que existam escolas perto de suas
casas” e a demora média no transporte escolar é de “2 horas desde que sai de sua casa,
até chegar na escola”.

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emancipação humana
A maioria das respostas dos questionários apontam que o fechamento das 255
escolas identificadas até janeiro de 2018, foram fechadas resultados da “ausência de
demandas”, visto o modelo econômico brasileiro de falta de apoio aos pequenos
agricultores. Causa identificada pelos gestores públicos: “êxodo rural”, consumada pelas
geadas, devendo ser melhor investigado, para analisar se de fato estas foram as causas.
De acordo com os entrevistados, nenhuma das escolas fechadas reabrirão, pois
não existe demanda, com um agravante: algumas escolas em funcionamento ainda podem
ser fechadas, à exceção das escolas distritais.

Conclusões
A pesquisa contribuiu para um olhar real à microrregião de Paranavaí nos últimos
93 anos, mesmo que muitas questões não tenham sido respondidas. Uma dificuldade
encontrada junto a algumas secretarias de Educação pelos entrevistadores, foi a falta de
registros sobre a data de criação ou fechamento de escolas rurais. Os dados nos indicam
que as famílias camponesas com seus filhos, garantiram entre as décadas de 1950 e 2000,
a vida no campo e um campo vivo na microrregião, no entanto, quase que a totalidade
das terras se encontram concentradas neste início do século XXI.
A pergunta é: o que será do futuro? Não é possível conjecturar. O certo é que
alguns municípios não mais são autossuficientes financeiramente e se mantem com a
ajuda dos governos do Estado e da União, e centenas de famílias, desempregadas e sem
perspectivas, mudam-se para cidades maiores: Loanda, Paranavaí, Maringá, Umuarama
ou Cianorte.
Por fim, é gritante a ausência de consciência dos gestores sobre a importância da
escola no campo. Caso tivessem consciência, talvez fosse evitado a continuidade do
êxodo. A ausência da consciência é tão evidente em alguns municípios, que até o

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emancipação humana
fechamento deste estudo, apenas 52% deles haviam respondido os questionários
encaminhados.

Referências

ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Ribeiro de; HOEFFEL, João Luís de Moraes; QUEDA,
Oriowaldo. A propriedade rural como símbolo: representações sociais e o impacto
sobre o ambiente na bacia do rio Atibainha, SP. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008.

BOGONI, Saul. Lampejos sobre a história de Paranavaí. S/d. Disponível em:


<http://www.paranavai.pr.gov.br/municipio/1611>. Acesso em: 07 fev. 2018.

DELGADO, Guilherme da Costa. Capital financeiro e agricultura no Brasil: 1965–


1985. São Paulo: Icone; Campinas: Unicamp, 1985.

FOWERAKER, Joe. A luta pela terra: a economia política da fronteira pioneira no


Brasil de 1930 aos dias atuais. Maria Júlia Goldwasser (Tradutora). Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1982.

MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil – As lutas sociais no


campo e seu lugar no processo político. Petrópolis: Vozes, 1981.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos e outros textos escolhidos. José


Carlos Bruni et al (Organizadores). 4 ed., São Paulo: Nova Cultural, 1987 – Os
pensadores.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 4 ed., São Paulo:
Global Editora, 1984.

RIBEIRO, Vitor Hugo e ENDLICH, Ângela Maria. O avanço da agroindústria canavieira


na mesorregião noroeste paranaense. In: Revista Percurso – NEMO. Maringá-PR,
UEM. 2010. V. 2, N. 1. Disponível em:
<http://www.nemo.uem.br/artigos/o_avanco_da_agroindustria_canavieira_endlich_ribei
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RIBEIRO, Vitor Hugo; GOLÇALVES JUNIOR, Francisco de Assis e PAIVA, Raniere


Garcia. Transformações da paisagem rural da microrregião de Paranavaí-PR e a expansão

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
da cana-de-açúcar nos municípios de Tamboara e Itaúna do Sul de 1970- 2012. In:
Revista Percurso – NEMO. Maringá-PR, UEM. 2010. V. 5, N. 1. Disponível em:
http://ojs.uem.br/ojs/index.php/Percurso/article/viewFile/21038/11311

ROMPATTO, Maurílio. Construções históricas acerca da (re)ocupação do Noroeste do


Paraná – o caso de Paranavaí e região. Revista Urutaguá. Acadêmica multidisciplinar –
DCS/UEM. 2012. Disponível em:
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THOMPSON, Edward P. A formação da classe operária inglesa – I – A árvore da


liberdade. Denise Bottmann (tradutora). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Autor:

Elias Canuto Brandão.


Doutor em Sociologia. Docente no Colegiado de Pedagogia e no Programa de Mestrado
em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar da Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR-Campus de Paranavaí-PR)
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da Diversidade do Campo
(GEPEDIC-CNPq)
Vice-coordenador do Centro de Educação em Direitos Humanos da UNESPAR (CEDH)
Membro da Articulação Paranaense por uma Educação do Campo.
e-mail: eliasbrandao.unespar@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO
BÁSICA E A MERITOCRACIA
Vanessa Scherer Ferreira
Marijane Zanotto
Introdução
O contexto escolar é constituído por um conjunto de fatores que interferem na
qualidade do processo ensino e aprendizagem. Entre estes fatores estão as condições de
infraestrutura das escolas, os processos de formação inicial e continuada dos professores,
a condição socioeconômica das crianças, ou seja, o aparato que ela recebe da família e do
Estado para seu desenvolvimento, bem como do contexto social e econômico a qual está
inserida.
No que se refere a mensurar a qualidade da educação, o estado brasileiro,
especialmente a partir da década de 1990, com medidas de cunho neoliberal, através das
políticas públicas de avaliação, entre essas, o Sistema de avaliação da educação Básica –
SAEB, afirma “avaliar” a qualidade educacional por meio de provas aplicadas em massa.
No entanto, observa-se que essas provas servem para “medir” e não “avaliar” a qualidade
educacional, visto que são restritas ao aluno, não levam em consideração as
particularidades e o contexto de cada região e escola do país, tem um caráter
meritocrático, que não considera a realidade diversificada das escolas e da maioria da
população brasileira e como isso se expressa na educação pública e ainda, que não são
utilizadas para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, não se trata de negar a importância da avaliação do ensino e da
aprendizagem e das políticas públicas de avaliação, porém, entende-se que, uma avaliação
em larga escala, coerente e que se pauta na qualidade da educação, deveria assumir como
premissa o que Freitas (2012) afirmar ser a avaliação:
[..] um instrumento de acompanhamento global de redes de ensino com
o objetivo de traçar séries históricas do desempenho dos sistemas, que

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emancipação humana
permitam verificar as tendências ao longo do tempo, com a finalidade
de reorientar as políticas públicas. Quando conduzidas com
metodologia adequada podem trazer importantes informações sobre o
desempenho dos alunos, dados sobre os professores, condições de
trabalho e funcionamento das escolas de uma rede (FREITAS, 2012, p.
47).

Se entendida esta concepção de avaliação, tomando-a como base para os


princípios das políticas públicas de avaliação, esta poderia ter como objetivo identificar
falhas, avanços e os níveis de desenvolvimento escolar como uma forma de rever e
retomar investimentos educacionais, assim como uma base para análise e melhorias dos
processos de ensino e aprendizagem.
No atual contexto educacional brasileiro, o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica – IDEB111, como parte do SAEB, é um dos elementos da política pública
de avaliação que indica
[...] agregar ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em
larga escala do INEP a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente
assimiláveis, e que permitem traçar metas de qualidade educacional
para os sistemas (INEP, 2015).

Ao observar os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística – IBGE, do ano de 2015 sobre o rendimento mensal familiar112,
comparativamente, ao índice de alunos com aprendizado “adequado” divulgados pelo

111
O IDEB, instituído em 2017, é calculado com base nos dados do censo escolar e do desempenho dos
alunos nas avaliações, realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira – INEP. Estas avaliações incluem: Avaliação Nacional da Educação Básica – ANEB; Avaliação
Nacional do Rendimento Escolar – ANRESC, conhecida como Prova Brasil e Avaliação Nacional da
Alfabetização – ANA.
112
Estados com maiores índices de rendimento familiar: São Paulo (1.482) e Santa Catarina (1.368) –
Região Sudeste e Sul; Estados com menores índices de rendimento familiar: Maranhão (509) e Alagoas
(598) – Região Nordeste. Fonte: IBGE, 2015. Disponível em:
<ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_contin
ua/Renda_domiciliar_per_capita/Renda_domiciliar_per_capita_2015_20160420.pdf>.

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emancipação humana
IDEB (2015)113, percebe-se que os estados brasileiros com menor rendimento nominal
mensal domiciliar per capita da população residente, ou seja, com as piores condições
socioeconômicas, possuem os menores índices de desenvolvimento escolar, enquanto, os
estados brasileiros com maior rendimento nominal mensal domiciliar per capita da
população residente, diga-se, com melhores condições socioeconômicas, apresentam os
maiores índices no IDEB.
Diante de tal problemática e em contexto de um Estado Avaliador114, a pesquisa
objetivou compreender as políticas públicas de avaliação da educação básica no Brasil e
sua relação com a meritocracia. Para atingir este objetivo, os encaminhamentos de
pesquisa tomaram como foco: analisar a relação da meritocracia com as políticas públicas
de avaliação da educação básica no Brasil; observar o que revelam os dados ao investigar
comparativamente o maior e menor resultado do IDEB de escolas do município de
Cascavel – PR, observando a relação e interferência destes dados com a realidade
socioeconômica destas escolas.
Como metodologia de pesquisa trabalhou-se com o estudo de autores com pesquisas
que se relacionam ao neoliberalismo, globalização, políticas públicas de avaliação no
Brasil e meritocracia e suas interferências no âmbito escolar e realizou-se estudo
comparativo com os índices obtidos no IDEB, e alguns dados dos Projetos Políticos –
Pedagógicos – PPPs, relativos às características socioeconômicas de quatro escolas do
município de Cascavel – PR , sendo duas com os maiores e duas com os menores índices
divulgados pelo IDEB de 2015. Desses encaminhamentos, constituíram-se análises que

113
Estados com maiores índices no IDEB: São Paulo (6,2) e Santa Catarina (6,1) – Região Sudeste e Sul;
Estados com menores índices no IDEB: Sergipe (4,1) e Alagoas (4,3) – Região Nordeste. Fonte: INEP, 2015.
Disponível em: <http://www.qedu.org.br/brasil/ideb/ideb-por-estados>.
114
Segundo Afonso (1999, p. 74), “A partir da década de oitenta, o interesse demonstrado pela avaliação,
sobretudo por governos neoconservadores e neoliberais de países centrais, começou a ser traduzido pela
expressão Estado Avaliador”.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
seguem expressas nos itens: o IDEB e a meritocracia e, IDEB e escolas: o que revelam
os dados.

O IDEB e a meritocracia
A desigualdade social, que favorece o fortalecimento do capitalismo, impossibilita
uma justa apropriação de conhecimento, contrariando o direito básico de acesso à
educação de qualidade, que é primordial para o desenvolvimento humano. Ao contrário
do igual acesso de tudo a todos, assume-se a meritocracia, que tem como base:
[...] o mérito, introjetado pelos resultados e pelas competências
demonstradas. A definição de meritocracia inclui a possibilidade de
divisão dos ganhos, das oportunidades e dos reconhecimentos conforme
o desempenho individual (MORAES, 2013, p. 42)

E assim justificam-se as desigualdades sociais. O termo meritocracia tem recebido


destaque na sociedade capitalista, sendo reforçado inclusive no meio educacional, pois,
parece naturalizar-se o conceito de que “cada um é responsável pelo próprio sucesso ou
fracasso”. A meritocracia no sistema educacional é viabilizada pelas avaliações em larga
escala realizadas pelo Estado, pois, segundo Zanardini (2008).
O que caracteriza a função social dos processos avaliativos em larga
escala é a mera verificação com ênfase na cobrança e culpabilização
dos envolvidos com unidades escolares, sejam eles gestores,
professores, funcionários, pais, alunos ou comunidade, em relação à
qualidade e eficiência da educação escolar. Nessa perspectiva de
avaliação, o controle dos processos baseado na supervisão direta é
substituído por estratégias que não ultrapassam a aferição e a
comparação de resultados, o qual não contempla outros elementos
determinantes que incidem nos resultados escolares (ZANARDINI,
2008, p. 42).

Nesse sentido, a meritocracia, legitimada no IDEB e amplamente divulgada pelos


neoliberais como a chave da conquista de sucesso, é excludente, “mede” e não “avalia”.
Apesar disso, esta ideia ainda é propagada na mídia e no meio escolar, transferindo a

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emancipação humana
responsabilidade do Estado para o indivíduo, o que remete a uma educação excludente,
competitiva e desumanizadora. Assim, a avaliação limita-se aos aspectos quantitativos,
não levando em consideração o processo de aprendizagem do aluno, tampouco sua
evolução na apropriação dos conteúdos escolares. Dessa forma, o fracasso escolar é
atribuído ao aluno, por “não ter conseguido uma nota boa” e, ao professor por “não ter
ensinado bem”.
Assim, percebe-se a importância da avaliação, pois ela pode servir tanto como um
instrumento de exclusão, quanto um instrumento diagnóstico e formativo, para o
professor e aluno, possibilitando análises e a busca de um ensino, que tenha como objetivo
principal a aprendizagem e apropriação do conhecimento.

IDEB e escolas: o que revelam os dados


No município de Cascavel – PR, os resultados do IDEB desde 2007 até 2015115
demonstram que as notas ultrapassaram as metas projetadas. Tomando como referência
o ano de 2015, percebe-se que no município de Cascavel – PR, o IDEB foi de 6,3, ou seja,
superou a meta que era de 6,0, no entanto, o questionamento é: todas as escolas atingiram
a meta? Quais são os elementos que influenciaram no resultado?
Para responder estas questões, definiu-se por analisar a realidade socioeconômica
de quatro escolas municipais, sendo duas com os maiores (notas superiores a meta 6,0) e
duas com os menores índices (notas inferiores a meta 6,0) no IDEB\2015. Esta análise foi
desenvolvida considerando-se as informações constantes no PPP116 de cada escola,
variando de acordo com as formas em que estão apresentados no PPP, de uma escola para
outra. Visando resguardar a identificação das escolas e de suas notas, as escolas serão

115
Levantamento realizado conforme os dados do Portal QEdu.org.br. Dados do Ideb/Inep (2015).
116
Para facultar a identificação, ao citar os PPPs, para o PPP da Escola Municipal A, será nominado PPPA;
para a Escola Municipal B: PPPB; para a Escola Municipal C: PPPC e, para a Escola Municipal D: PPPD.

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assim nominadas: Escola Municipal A: 7,4; Escola Municipal B: 7,4; Escola Municipal
C: 5,5; Escola Municipal D: 5,6.
No ano de 2015, as escolas municipais A e B ultrapassaram a meta de 6,0 e estão
entre as escolas com os maiores índices do município, enquanto as escolas municipais C
e D estão entre as que não atingiram a meta de 6,0 projetada pelo IDEB, sendo as escolas
com os menores índices. Diante destes dados, pretende-se compreender quais as
diferenças que justificam esta disparidade de resultados entre escolas de um mesmo
município. Para isso, buscou-se obter elementos para análise na comparação do PPP no
que se refere aos dados socioeconômicos da comunidade escolar, entre os que foram
levantados, selecionou-se a renda mensal da família das escolas envolvidas na análise.
A Escola Municipal A, localizada na região central do município de Cascavel –
PR, consta nos índices do IDEB com uma nota de 7,4, sendo qualificada como uma das
melhores das escolas da cidade de Cascavel – PR. No quesito renda familiar, o PPPA
aponta que a maioria dos pais (58%) possuem uma renda de três a cinco salários mínimos,
o que denota condições mais favoráveis de vida (PPPA, 2016).
Apontada também como uma das escolas com o maior índice no IDEB, a Escola
Municipal B, localizada na Região do Lago I, retrata, por meio do PPPB, qual é a
realidade da comunidade escolar: “o bairro onde a comunidade escolar está localizada é
considerado residencial, sendo a maioria de seus moradores de classe média. Existem
alguns escritórios de advocacia, seguros, boutiques e algumas mercearias” (PPPB, 2016,
p. 21). Sobre o perfil profissional dos pais/responsáveis, 71% possuem carteira assinada,
18% são autônomos, 10% são “do lar” e os aposentados e desempregados somam 1%. O
PPPB não possui dados sobre renda familiar, no entanto, os dados sobre a localização do
bairro e o perfil profissional dos pais\responsáveis revelam que a condição
socioeconômica da comunidade é boa.

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Em contrapartida, a Escola Municipal C, que possui nota de 5,5 no índice do IDEB
se localiza no Bairro Cascavel Velho, região sul do município de Cascavel – PR. Em
relação às condições socioeconômicas da comunidade escolar, consta no PPPC:
Em nosso bairro, o nível socioeconômico dos alunos que estão
matriculados em nosso estabelecimento de ensino, são de baixo e médio
nível, sendo composto de comércios como mercado, farmácia, lojas de
moveis e roupas, materiais de construção, indústria de compensados,
instituições de Ensino Estadual, Municipal e Centro Educação Infantil,
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e Centro de Socioeducação
(PPPC, 2016, p. 43).

O PPPC não aponta os dados sobre a renda familiar, mas mostra que as atividades
profissionais dos pais/responsáveis são variadas,
[...] sendo elas: motorista, pedreiro, mecânico, operador de máquinas,
vendedor, autônomo, segurança, auxiliar de produção, serviços gerais,
frentista, pintor, borracheiro, aposentado, servente, eletricista, vigia,
funcionário público, carpinteiro, dentre outras profissões. Já as
atividades profissionais das mães são: do lar, auxiliar de produção,
zeladora, diarista, doméstica, vendedora, cozinheira, caixa, manicure,
costureira, agente educacional, auxiliar de serviços gerais, aposentada,
auxiliar de limpeza, recepcionista, professora, dentre outras profissões.
Os responsáveis são, em sua maioria, do lar (PPPC, 2016, p. 42).

Já a Escola Municipal D, instituição de ensino localizada no Bairro Floresta,


região norte do município de Cascavel – PR, que está entre as escolas com o menor índice
do IDEB, aponta no PPPD que a comunidade escolar
[...] é composta de classe média e pobre, sendo esta instituição
localizada em um bairro com uma ótima estrutura no que se refere á
comercio, asfalto ou calçamento, unidade de saúde, rede bancária e
CMEIS, porém atende alunos de bairros próximos que são muito
pobres, tendo eles muitas necessidades no que se refere a estrutura
básica de saneamento e asfalto, bem como de moradia (PPPD, 2016, p.
30).

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Sobre a renda familiar, constatou-se, por meio dos dados apresentados no PPPD,
que a maioria das famílias possuem uma renda de até mil reais, o que demonstra que as
condições econômicas são menores nessa comunidade escolar.
Dessa forma, conforme demonstrado, os resultados do IDEB possuem estreita
relação com as condições socioeconômicas da comunidade escolar, ou seja, entre outros
aspectos, expressa que a condição econômica dos pais/responsáveis e a realidade social
da região em que a instituição se localiza refletem na aprendizagem do aluno e por
consequência nos resultados do IDEB. Ou seja, o IDEB, mais que uma ferramenta das
políticas públicas de avaliação, é um exemplo de como a divisão de classes privilegia
uma pequena parcela da sociedade, enquanto a outra fica desassistida de direitos
fundamentais, como a educação. Este dado revela que os mecanismos utilizados pelo
Estado para medir a qualidade do sistema educacional do Brasil viabilizam a meritocracia
e transferem a responsabilidade do desempenho escolar para o indivíduo, abstendo-se o
Estado da sua responsabilidade de prover educação pública, gratuita e de qualidade.
Conforme caracterização da comunidade escolar das escolas analisadas, percebe-
se que alunos em contexto familiar que tem pais com maior rendimento familiar possuem
um melhor desempenho na Prova Brasil, enquanto aqueles com menor rendimento
familiar, apresentam os menores índices. Ou seja, o contexto socioeconômico interfere
diretamente nos resultados das avaliações em larga escala, o que contraria a máxima da
meritocracia de que o indivíduo é responsável pelo seu próprio sucesso/fracasso,
independentemente de seu contexto socioeconômico. Mais uma vez a política neoliberal
e meritocrática demonstra ser fiel aos princípios excludentes e individualistas próprios do
capitalismo, os quais, são viabilizados e legitimados através da avaliação em larga escala.

Considerações finais

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As políticas públicas de avaliação no Brasil são mecanismos responsáveis por
medir a qualidade da educação básica no território nacional. No entanto, deve-se
considerar que os dados obtidos no IDEB, apontam um baixo rendimento escolar nas
regiões com uma realidade socioeconômica desfavorável, ou seja, a realidade
socioeconômica influencia diretamente no desenvolvimento e no desempenho escolar da
criança. Nesse contexto, percebe-se que a avaliação se desdobra em uma política que
altera práticas pedagógicas, em prol de ampliar índices (quantidade), em detrimento de
melhorar o ensino e a aprendizagem (qualidade).
Vale ressaltar que, enquanto o Estado estiver cumprindo seu papel de regulador e
não de provedor, sobra pouca margem para questionar a desigualdade na sociedade
capitalista, tampouco desenvolver elementos para superá-la, o que pode inibir, mas não
impedir movimentos e mecanismos para sua transformação. Nesse sentido, reconhecendo
o papel primordial que a educação tem na formação humana e nesse processo de
transformação, a avaliação precisa ser utilizada pelas políticas públicas de forma ampla,
com mecanismos adequados e que possibilitem de fato a melhoria da qualidade
educacional para que todos tenham acesso e permanência de forma igualitária a uma
educação pública de qualidade.

Referências

AFONSO, Almerindo Janela. Políticas Educativas e Avaliação Educacional: Para uma


análise Sociológica da Reforma Educativa em Portugal (1985-1995) Edição do Centro de
Estudos em Educação e Psicologia, Instituto de Educação e Psicologia, Braga, 1999.

BRASIL. Prova Brasil - Apresentação. 2017. Disponível em:


<http://portal.mec.gov.br/prova-brasil>. Acesso em: 08 set. 2017.

________. IDEB 2015. INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/ideb>. Acesso em: 06 out. 2017.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
CASCAVEL. Projeto Político – Pedagógico da Escola Municipal A – PPPA. Cascavel -
PR, 2016.

_________. Projeto Político – Pedagógico da Escola Municipal B – PPPB. Cascavel -


PR, 2016.

_________. Projeto Político – Pedagógico da Escola Municipal C – PPPC. Cascavel -


PR, 2016.

_________. Projeto Político – Pedagógico da Escola Municipal D – PPPD. Cascavel -


PR, 2016.

FREITAS, Luiz Carlos. et al. Avaliação Educacional: Caminhando pela contramão.


4 ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.MORAES, Glauco Costa de. Meritocracia: Análise
Teórico-Conceitual. Revista FUNCEB. Brasília, v. 22. Ago. 2012.

ZANARDINI, João Batista. Ontologia e avaliação da Educação Básica no Brasil


(1990-2007). Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2008.

Autoras:

Vanessa Scherer Ferreira


e-mail: vanessa.scherer@live.com
Marijane Zanotto
E-mail: marijanezanotto@gmail.com
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE

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OS GRUPOS DE ESTUDOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-
CRÍTICA E A “EDUCAÇÃO DO EDUCADOR”
Ana Paula Santi
Leonete Dalla Vecchia Mazaro
Paulino José Orso

Introdução
O Grupo de Pesquisa HISTEDOPR (Grupo de pesquisa em "História, Sociedade
e Educação no Brasil" - GT da Região Oeste do Paraná), que é articulado ao HISTEDBR
(nacional), desde o ano de sua organização e criação (2002) tem se destacado na
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), ao envolver professores e alunos
da própria universidade, professores e servidores das redes pública municipal e estadual
de ensino, profissionais vinculados a sindicatos e movimentos sociais, em atividades de
pesquisa, ensino e extensão.
No primeiro semestre do ano de 2016, mestrandas do curso de pós-graduação
stricto senso em educação, do campus de Cascavel, motivadas inicialmente pela
necessidade de apreender a constituição histórica da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC)
e compreender seus fundamentos, como unidade indispensável para o desenvolvimento
das suas pesquisas e compreensão da realidade do seu contexto profissional, dialogaram
com a coordenação do HISTEDOPR sobre a necessidade e possibilidade da formação de
um grupo de estudos. Sob orientação, a proposta foi direcionada a proporções mais
abrangentes, no sentido do estudo e discussão da Pedagogia Histórico-Crítica, enquanto
uma Teoria Pedagógica articulada e comprometida com os interesses dos trabalhadores,
preocupada com uma educação emancipadora e na luta pela superação das teorias não
críticas, assim como das crítico-reprodutivistas. Afinal, o contexto histórico de
aprofundamento da crise do modo de produção capitalista assim o exigia, haja vista as

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reformas políticas, econômicas e sociais direcionadas na contramão da educação
qualitativa para a classe trabalhadora.
Isso significa que a organização dos grupos de estudos sobre a Pedagogia
Histórico-Crítica deveria considerar objetivos, para além da preocupação em atender as
necessidades individuais e imediatas dos seus participantes.

Desenvolvimento
Com as motivações anunciadas, o HISTEDOPR elaborou um projeto de extensão,
na forma de um grupo de estudos, envolvendo inicialmente professores e estudantes de
graduação e pós-graduação da região Oeste do Paraná, e professores do PDE117 e das
redes municipal e estadual, em que foi estudada a obra de Dermeval Saviani, “Pedagogia
histórico-crítica: primeiras aproximações”. Entretanto, apesar da proposta ter sido
esboçada ainda em 2016, o grupo iniciou suas atividades somente em 2017, devido as
mobilizações dos servidores das universidades.
Apesar da obra estudada encontrar-se em sua 11ª edição, o acesso a edições
anteriores não foi um dificultador das discussões. Além do material ser disponibilizado
para empréstimo em bibliotecas, também, pode ser acessado por meio eletrônico. Essa é
uma das preocupações dos organizadores, pois, as condições materiais existentes nem
sempre permitem a aquisição de material para estudo.
Para compreender a constituição e os fundamentos da PHC, a sequência dos
capítulos estudados foi reordenada, logo, naquele momento, entendemos que algumas
alterações trariam mais possibilidades de compreensão dessa teoria pedagógica. Os
capítulos foram assim distribuídos: Contextualização histórico e teórica da PHC;

117
PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional. O PDE é uma política pública do Estado do Paraná,
regulamentada pela lei complementar n° 130/2010 e estabelece o diálogo entre professores do ensino
superior e da educação básica, por meio de atividades teórico práticas orientadas.

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emancipação humana
Pedagogia histórico-crítica no quadro das tendências críticas da educação brasileira; A
PHC e a educação escolar; Competência política e compromisso técnico; A materialidade
da ação pedagógica e os desafios da PHC e; Sobre a natureza e a especificidade da
educação.
Os encontros ocorreram uma vez por mês na sala do grupo de pesquisa
(HISTEDOPR), na Unioeste, campus de Cascavel (PR) e, como uma parte considerável
dos participantes não residia em Cascavel (PR), organizamos e criamos um grupo de
comunicação em aplicativo de celular, que permitiu a comunicação mais imediata e
prática com os participantes e um site118 com informações sobre o grupo. Além disso, em
cada encontro um grupo voluntário ficava responsável pela apresentação dos capítulos da
obra estudada. Dessa forma, os integrantes se tornaram corresponsáveis e partícipes
efetivos dos encontros, apresentando as questões centrais de cada capítulo. Também foi
realizado um relato das principais questões discutidas em cada encontro, que era lido no
encontro posterior, antes de iniciar as discussões do capítulo seguinte.
Uma das questões que inicialmente chamou a atenção dos coordenadores foi que
as 25 vagas disponibilizadas para a participação no grupo de estudos, em menos de uma
semana foram preenchidas e algumas pessoas ficaram em uma lista de espera, o que
indicou uma carência de projetos de formação sobre o tema e uma busca significativa por
parte dos estudantes e profissionais da educação, ou seja, este projeto precisava
comprometer-se com a continuidade de estudos e possibilitar maior número de
participantes. A partir dessa constatação, a questão que se coloca, é de que o professor
apesar das políticas públicas atuais, de esvaziamento e descaracterização da função da
escola pública, almeja uma educação diferente e para isso buscam instrumentalizar-se
teoricamente com base em teorias educacionais contra hegemônicas.

118
https://sites.google.com/site/phchistedopr2016/

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Os estudos foram realizados entre os meses de março e julho de 2017 e,
concomitante as discussões dos textos, emergiu a necessidade da incorporação de outros
textos indicados nos próprios capítulos do livro, de obras que embasavam ou
contextualizavam as discussões sistematizadas por Saviani, além da apresentação de
documentários, entrevistas, reportagens e similares para análise e aprofundamentos dos
temas.
Tanto no início das atividades com o grupo de estudos, como ao final da primeira
fase foi aplicado um instrumento para coleta de dados junto grupo, que indicou a
necessidade de continuidade, no sentido de aprofundamento teórico sobre a educação na
perspectiva da PHC, assim como a necessidade de reedição dessa primeira unidade para
que outras pessoas pudessem ter acesso às discussões e ampliar a participação, integrando
outros trabalhadores interessados no estudo.
A respeito da coleta de dados no primeiro encontro, o mesmo tinha como objetivo
realizar um diagnóstico dos participantes em relação à formação inicial; graduação; anos
de atuação no magistério; o que compreendiam como relevante no trabalho educativo: se
a experiência prática, o domínio teórico ou ambos; se conheciam ou não a Pedagogia
Histórico-Crítica; os autores que estudam a PHC; quando e como foi o primeiro contato
com a PHC; se consideravam possível trabalhar efetivamente com a PHC na sala de aula;
se na ação pedagógica, utilizavam essa Teoria Pedagógica; em que momentos percebiam
dificuldades e fragilidades no trabalho a partir da PHC e quais as expectativas em relação
ao grupo de estudo.
A análise dos resultados indicou o nível de apropriação da PHC e seus
fundamentos, sejam de ordem filosófica ou psicológica, assim como, os participantes
conseguiam ou não distinguir essa teoria das demais. Tudo isso apontou a necessidade de
realizar um trabalho sistemático, pois evidenciava lacunas significativas no processo de
compreensão dessa pedagogia.

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Os encontros ficaram centrados nas discussões sobre os capítulos do livro e no
último encontro realizamos avaliação dos encontros e a retomada do diagnóstico
realizado no primeiro. Nesse momento, o grupo demonstrando já, acúmulo sobre os
fundamentos da PHC, manifestou o desejo da continuidade das atividades desse grupo de
estudos, bem como, a necessidade de organizar outros grupos oportunizando a um maior
número de pessoas a possibilidade de avançar na compreensão da Pedagogia Histórico-
Crítica.
A partir dos apontamentos realizados pelo primeiro grupo, foram redefinidos
alguns encaminhamentos para o segundo semestre de 2017, mantendo a mesma estrutura
de funcionamento e de gestão desses novos grupos, objetivando reunir educadores,
debater e discutir sobre a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) enquanto Teoria
Pedagógica, compreender os fundamentos teóricos e práticos da PHC, conceituar
educação, luta de classes e trabalho pedagógico na perspectiva da PHC.
Enquanto o primeiro grupo progredia estudando a segunda obra “Escola e
Democracia”, de autoria de Dermeval Saviani, os novos grupos, organizados na
modalidade de autogestão, estudaram a “Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras
aproximações”, num total de seis encontros. Todos os grupos seguiram a mesma dinâmica
e sequência de estudos, resguardada a liberdade de reunir um determinado número de
participantes, definir o dia, local e horário de estudos. Entretanto, todos os grupos
deveriam ter um coordenador e um relator, cabendo ao coordenador dinamizar os
encontros e, ao relator, fazer o registro das principais atividades e discussões realizadas,
bem como, das dúvidas ou questões que não ficavam suficientemente claras e sistematizar
para leitura no encontro seguinte.
De posse dessas orientações foram organizados na região 49 grupos de estudos,
espalhados principalmente pelo Oeste e Sudoeste do Estado do Paraná. Todavia, também
foi formado um grupo em Santarém-PA. E, no dia 09 de dezembro de 2017, o último dos

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encontros, foi realizado na Unioeste, contando com a participação de aproximadamente
300 pessoas, representando praticamente todos os grupos, onde foram apresentados os
relatos de cada grupo, feita uma discussão teórica para aprofundamento e definidas as
novas diretrizes para a continuidade dos estudos em 2018.
Participaram desse evento de encerramento representantes de Cascavel, Toledo,
Itaipulândia, Santa Tereza, Santa Lúcia, Guaraniaçu, Ibema, Diamante do Sul, Guaíra,
Laranjeiras, Santa Helena, Capitão Leônidas Marques, Assis Chateubriant, São Jorge
D’Oeste, Corbélia, Campo Bonito e Marechal Cândido Rondon.
O coordenador do HISTEDOPR apresentou na ocasião o histórico do projeto de
extensão, que oferta mais do que cursos de formação continuada para certificação dos
profissionais da educação, coisa que é importante, mas deve ser entendida como
consequência do estudo e da apropriação teórica.
Os grupos apontaram a necessidade de aprofundar estudos para a compreensão
efetiva de questões como a relação entre teoria e prática na perspectiva da Pedagogia
Histórico-Crítica; a questão curricular na perspectiva da PHC e o papel da escola e do
professor no contexto de transformação social; a descontinuidade de políticas, ações,
planos de governo, etc; a materialidade da Pedagogia Histórico-Crítica na ação
pedagógica; aluno empírico e aluno concreto; produção e construção do conhecimento.
Além disso, os participantes levantaram questionamentos como: Por que
precisamos estudar e compreender as teorias da educação? O que é fundamental na
perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica? Por que é importante conhecer e
compreender o funcionamento da realidade? Qual o compromisso da PHC em relação ao
aluno? Qual a função de cada um na educação: governo, secretaria, professor, pai, aluno?
A serviço de quem está e de quem deveria estar a escola pública? Qual o maior desafio
teórico existente hoje? É possível pensar em uma prática com a ausência de teoria? Por

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emancipação humana
que não temos uma teoria hegemônica? É possível a PHC ser aplicada em um governo de
extrema direita?
Tais questões, de fato, direcionaram o grupo de coordenadores a uma outra etapa
de organização e de dimensão dos grupos de estudos sobre a PHC, pois os 49 grupos
avaliaram a importância e a necessidade da continuidade da atividade para o ano de 2018
por considerarem extremamente relevante que o professor seja instrumentalizado
teoricamente, principalmente em um momento em que a educação pública passava e ainda
passa por um processo progressivo de sucateamento e mercantilização.
A organização e funcionamento dos grupos de estudos, em consonância com Marx
(1981, s/d, p. 104), decorrem da necessidade de “educar o educador”, como afirma em
sua Tese 03 sobre Feuerbach, “A doutrina materialista da transformação das
circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias têm de ser transformadas
pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado”. Daí a necessidade de uma
práxis revolucionária, no sentido de se oportunizar uma educação na perspectiva dos
interesses da classe trabalhadora.
Com esta finalidade, objetivando ampliar o alcance desta atividade e torná-la mais
dinâmica, a partir de 2018, organizamos um site por meio do sistema de eventos da
Unioeste, tanto para inscrição dos coordenadores, dos participantes, comunicações e
certificação, possibilitando ampliar os grupos de estudos para todo o território nacional,
de acordo com o princípio da autogestão, com a previsão de realizar uma sequência de
estudos, ao longo de vários anos, procurando fazer uma caminhada conjunta e possibilitar
uma apropriação coletiva da teoria e dos fundamentos teóricos e metodológicos da PHC.

Resultados
O desenvolvimento do projeto de formação continuada em destaque indicou
algumas constatações, que seguem: em se tratando de um projeto de educação que visa a

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emancipação humana
transformação da sociedade, é necessário realizar um trabalho coletivo, sistemático,
intencional e planejado, numa mesma direção, sob um mesmo objetivo, utilizando
estratégias e instrumentos diferentes e coerentes, articulados entre si.
Entendemos que frente ao atual contexto econômico, político e social brasileiro é
necessário e indispensável a organização dos trabalhadores, especialmente os da
educação, no estudo de uma pedagogia que dê conta de compreender e transformar a
realidade objetiva e contribua para a emancipação humana.
Cumpre destacar que os grupos de estudo da PHC precisam compreender a
educação voltada aos interesses da classe trabalhadora. Daí o imperativo de oportunizar
aos alunos o acesso aos conhecimentos científicos e sistematizados que existem que
foram desenvolvidos e produzidos pela humanidade ao longo de sua história,
instrumentalizando-os para as lutas e sua emancipação. Neste sentido, cabe à escola
identificar os “elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da
espécie humana para que se tornem humanos” e descobrir, organizar e planejar as “formas
mais adequadas para atingir esse objetivo” (SAVIANI, 2005, p. 13).
No entanto, há de se considerar que a forma como o Estado tem oferecido, por
meio das políticas públicas, a formação continuada para os profissionais da educação,
tem-se limitado ao desenvolvimento de atividades laborais pragmáticas e reprodutoras.
Na mesma direção é fundamental compreender esse processo como pertencente a uma
forma de organização do trabalho alienado e da forma de distribuição dos seus bens, o
que impõe aos trabalhadores da educação a necessidade de estudos de uma pedagogia
revolucionária.
Apesar dessa atividade ter surgido em um momento pontual da história, da
educação e da sociedade, ela não se constitui como resultado de uma intuição. Ao
contrário, é resultado de toda uma trajetória e de um acúmulo de experiências, ações e
lutas individuais e coletivas, com a finalidade de construir uma nova sociedade, em que

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emancipação humana
predomine o princípio de cada um, segundo suas possibilidades, segundo suas
necessidades. É com este intuito que se propõe a formação desses grupos de estudos sobre
a Pedagogia Histórico-Crítica.

Considerações finais
Ante uma necessidade individual, surgiu a possibilidade de um movimento
organizado, no formato de grupo de estudos, que busca contribuir com a formação dos
profissionais que atuam na educação dos filhos da classe trabalhadora, ou seja, dos
professores que atuam na escola pública. Esse grupo de estudos se propõe a construir
juntos uma nova educação e uma nova sociedade, todavia, isso só será possível a partir
da compreensão de que para revolucionar a realidade objetiva é imprescindível uma teoria
revolucionária de educação.
Nesse sentido a teoria pedagógica que cumpre com tal propósito, que possui
caráter revolucionário e se posiciona a favor dos interesses dos trabalhadores é a
Pedagogia Histórico-Crítica. Essa teoria conhece, reconhece e age sobre a realidade
objetiva, que transforma os sujeitos do processo educativo de um nível de conhecimento
preso as sensações e percepções do cotidiano, fragmentada e desconexa da forma da
organização do trabalho produtivo para uma consciência filosófica e libertadora do
trabalho humano (SAVIANI, 2013).
Obviamente que há limites e obstáculos a serem enfrentados, porém é preciso
estrategicamente visualizar as possibilidades e conduzir o trabalho com vistas a
emancipação humana. Há a ciência, por parte da coordenação do curso de que a educação,
por si só, não transformará a sociedade, mas, se for organizada, sistematizada e planejada
intencionalmente possibilitará que a transformação social ocorra.

Referências bibliografias

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 647
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MARX, K. Teses sobre Feuerbach. In: Ideologia Alemã. Lisboa: Avante, 1981.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. 9ª


Edição. São Paulo: Autores Associados, 2005.

______. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 19ª edição. Campinas:


Autores Associados, 2013.

Autores:

Ana Paula Santi


Leonete Dalla Vecchia Mazaro
Paulino José Orso
Universidade Estadual do Oeste do Paraná / UNIOESTE

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 648
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A EDUCAÇÃO PARA OS POVOS DO CAMPO EM NOVA
ESPERANÇA-PR E O FECHAMENTO DAS ESCOLAS RURAIS – A
SUBORDINAÇÃO URBANO-RURAL
Valdemir Aparecido Izidio
Elias Canuto Brandão

Introdução

A disseminação da modernização agrícola no noroeste do Paraná e sua relação


com a política planejada a partir da grande crise do petróleo, provocaram uma saída em
massa da população campesina da região noroeste do Paraná, mais especificamente do
município de Nova Esperança-PR, resultando no fechamento de escolas do campo,
transformando os trabalhadores do campo em mercadoria, condicionando-os aos
interesses do capital (MARX, 1987).
Marx (2008, p. 47), afirma que “o modo de produção da vida material condiciona
o processo de vida social política e intelectual” dos homens. Esse processo, no estágio
presente do desenvolvimento da agricultura capitalista tem como característica o
desenvolvimento técnico e científico de modelo agrícola para exportação, em detrimento
da pequena agricultura que produz para o abastecimento interno (SERRA, 1991).
Nesse contexto histórico de exclusão e concentração, o agronegócio produz
grandes impactos ambientais e humanos. “As relações sociais de desconforto e
desconfiança sempre existiram no sistema capitalista, mas o nosso tempo é
particularmente ofensivo nesse aspecto, marcado pelo fascínio com ganância”
(McLAREN, 2000, p.54), sem se importar com a situação do homem transformado em
objeto e matéria a ser negociada.
Entende Serra (1991), que esta ofensiva do agronegócio faz parte da revolução
verde, ou seja, de projetos advindos de países exportadores de gêneros agrícolas tropicais.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A transformação do espaço agrário está relacionada ao desenvolvimento do sistema
capitalista, com relações alienantes e degradantes, e em virtude disso, a promoção do
êxodo rural.
Nesse sentido partimos da seguinte observação: em que medida as políticas
adotadas na modernização do campo contribuíram para o desenvolvimento da região
estudada? Qualimpacto socioambiental e econômico o agronegócio proporcionou e
continua proporcionando aos trabalhadores do campo e à educação escolar dos mesmos?
É diante desses questionamentos, que desenvolveremos as discussões neste texto,
buscando analisar conjunturalmente as relações políticas, econômicas e sociais que
nortearam as atuais formas de trabalho na região de Nova Esperança-PR.

Campo-cidade problemas ambientais e a insustentabilidade


A real situação da região proposta não é diferente de outras regiões do Brasil e da
América Latina. No caso brasileiro, iniciado com a colonização, em 1500, momento em
que os portugueses dizimaram os nativos e posteriormente escravizaram negros. Mclaren
(2000, p. 55), analisando a prática dos capitalistas diz que: “todo o aspecto da vida
cultural, tem se tornado racionalizado e estetizado como recursos necessários para
alimentar a vasta maquinaria tecnológica conhecida como civilização ocidental”.
Vale destacar neste início de discussão que o Noroeste do Paraná teve como base
a população advinda do campo, que foi sendo concentrada, sobretudo nas periferias das
cidades, vivendo sem infraestrutura, agravando os problemas sociais, econômicos,
educacionais e de saúde. Nesse contexto, as cidades do Noroeste do Paraná, a exemplo
de Nova Esperança, com o êxodo rural cresceram de maneira desordenada e com
infraestrutura precária (SERRA, 1991).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Arroyo e Fernandes (1999) discutem as questões relacionadas ao êxodo rural no
Brasil e antecipa que o ocorrido entre as décadas de 1960 e 1980, já havia ocorrido na
Europa e nos Estados Unidos pelo menos dois séculos antes:
O campo brasileiro passou por profunda modernização, em alguns
setores da agricultura, onde o capitalismo fincou sua mais espetacular
expansão nas últimas décadas. Esse processo gerou uma extraordinária
migração rural, por meio da expulsão de 30 milhões de pessoas, entre
1960 -1980, sendo que 16 milhões migraram somente na década de 70.
Esse processo de transformação da sociedade moderna durou pelo
menos 300 anos na Inglaterra e 200 anos nos EUA. O impacto social
foi a extrema concentração urbana, o desemprego e a violência. O
impacto econômico foi a implantação do parque industrial brasileiro
(ARROYO; FERNANDES, 1999, p. 28).

Segundo Novaes (2001), os camponeses que foram para as cidades agravaram os


problemas sociais dos espaços urbanos, aumentando as desigualdades, gerando
contradições paisagísticas e econômicas.
A conjuntura econômica atual, nos mostra o lado perverso em que o capitalismo
chegou e avança ainda mais. A discussão nos reporta a Marx que afirma: “na produção
social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias,
independentes de sua vontade” (MARX, 2008, p. 47). Submetidos aos interesses de quem
controla e manipula o “desenvolvimento” econômico e político. E quando a situação atual
se inicia?
De acordo com diferentes autores, alguns dos quais referenciados neste texto, a
situação inicia-se na década de 1960, mas é a partir da década de 1970 que se intensifica
uma relação profunda de alteração entre a agricultura e as grandes empresas em favor da
produção do agronegócio (SERRA, 1991), resultando na expulsão dos camponeses, na
concentração da terra e na instalação de empresas multinacionais para a produção e
comercialização dos produtos agrícolas, inclusive com financiamentos públicos, com
ênfase à exportação (GARGANIN, 2001).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Nessa perspectiva, o espaço geográfico produzido pelo ser humano é
condicionado por forças advindas de interesses capitalistas que alienam a sociedade e
norteiam as formas de trabalho e dinamismo social, vindo ao encontro do que antecipava
Marx no século XIX, de que “não é a consciência dos homens que determina o seu ser;
ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência” (MARX, 2008, p. 47).

Da escola rural à “escola do campo”: conquista e contradições


O Brasil é mais rural do que se imagina, as sedes municipais são apenas cidades
imaginárias, pois a maioria das cidades são pequenas e vivem na dependência dos povos
que tem uma ligação direta com o campo, mesmo residindo nas “cidades”. Para Silva,
A escola é um dos instrumentos de reprodução e fortalecimento desse
imaginário: o campo como lugar onde predomina a escassez. Para
alguns não é lugar de viver, apenas de sobreviver, ou de sair dele o mais
rápido que puder. Por isso que um dos fundamentos da Educação do
Campo, é resgatar o campo enquanto um lugar de vida, de morar, de
trabalhar, de ser feliz, lugar de construções de identidade (que tem
particularidades e referências identitárias (SILVA, 2010, p. 80).

É o que ocorreu no município de Nova Esperança. Acabaram-se as escolas rurais


e na prática, os filhos das famílias que resistiram no campo são transportados para as
escolas da cidade ou dos distritos e, muitas famílias que residem na cidade ou distritos,
retornam diariamente para trabalhar no campo. Como diz Silva (2010), é um meio urbano
condicionado pela economia rural.
E o que ensinam as escolas? Ensinam os conteúdos urbanizados. Mesmo as
escolas dos distritos que incorporaram a denominação “escola do campo” tem dificuldade
em aproximar a realidade do campo na grade curricular e no conteúdo teórico e, as
crianças têm sido formadas direcionadas para o mercado de trabalho urbano, sem
consciência do que são, do que pensam e do que politicamente podem ser.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Neste sentido Arroyo e Fernandes (1999) têm demonstrado preocupação, pois,
segundo eles, as escolas não têm exercido seu papel de ensinar autonomia aos educandos,
permanecendo em um ensino “muito pobre em saberes e conhecimentos. Só ler, escrever,
contar, pronto? A escola tem que ser mais rica, tem que incorporar o saber”. E chama a
atenção:
Alerto a vocês para uma coisa: nem todos os saberes sociais estão no
saber escolar, nem tudo que está no currículo urbano, é saber social,
logo não tem que chegar à escola do campo. Cuidado, há muitos saberes
escolares nos programas que são inúteis! Totalmente inúteis, alienantes,
que não acrescentam nada em termos de democratizar os saberes
socialmente construídos. A grande pergunta que vocês vão ter que se
colocar é esta: Que saberes sociais são de direito de todo cidadão no
campo ou na cidade? (ARROYO; FERNANDES, 1999, p.17)”.

Tratando-se do município em estudo, na prática não são explorados os conceitos


sobre o campo, território e espaço e, de acordo com Silva, a educação vai além do que
consta nos livros didáticos que objetiva formar os estudantes desde criança para o
trabalho. Afirma que o “desenvolvimento humano é o fortalecimento do capital social,
por meio dos vínculos sociais, culturais e de relações de pertencimento a um determinado
lugar” (SILVA, 2010, p. 81).
É aqui que entra a escola com outro olhar e consciência: a escola que trabalhe
Educação do Campo. No olhar da escola com uma pedagogia de Educação do Campo, é
imprescindível que a educação não se justifique a partir da visão da cidade, muito menos
com o que tem de sobra depois da cidade, de visão esvaziada do campo que só tem sentido
se concentrado com produção para exportação. Neste sentido, a Educação do Campo
nasce com outra metodologia e prática, de resistência construída a partir da luta. Como
afirmou Fernandes, “A visão homogeneizadora só interessa aos que querem o domínio
do latifúndio e defendem seus interesses e privilégios. Todavia, a realidade é bem maior
que qualquer visão idealizadora” (FERNANDES, 2011, p. 139).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Na contramão do que fez as escolas rurais no passado remoto e que resultou no
êxodo rural e no assalariamento dos camponeses nas cidades, orienta as Diretrizes
Curriculares para a Educação do Campo (PARANÁ, 2006, p. 32) “a escola deve realizar
uma interpretação da realidade que considere as relações mediadas pelo trabalho no
campo, como produção material e cultural da existência humana”.
A Educação do Campo avança para além da educação rural, evitando a reprodução
e controle do imaginário e da consciência, como historicamente fez e faz a educação rural
e a educação nas escolas urbanas. O autor ainda afirma que:
Algo que é preciso ter em conta é que uma política que queira recuperar
essas culturas negadas não pode ficar reduzida a uma série de lições ou
unidades didáticas isoladas destinadas a seu estudo. Não podemos cair
no equívoco de dedicar um dia do ano à luta contra os preconceitos
racistas ou a refletir sobre as formas adotadas pela opressão das
mulheres e da infância. Um currículo antimarginalizaçãoé aquele em
que todos os dias do ano letivo, em todas as tarefas acadêmicas e em
todos os recursos didáticos estão presentes as culturas silenciadas sobre
as quais vivemos falando. (SANTOMÉ,1995. p.167)

Na prática, como afirma Caldart (2011, p. 156), “a Educação do Campo não cabe
em uma escola”, pois esta é muito mais rica e o sistema não está organizado para permitir
que a escola tenha liberdade e possibilite consciência social, política e filosófica. E escola
com Educação do Campo vai além dos livros didáticos, da sala de aula, do município e
região onde a escola está situada. Como alerta Fernandes (1999), o sistema capitalista
impõe uma cultura dominante, negando a cultura camponesa, fazendo com que uma nova
cultura se forme atrelada à precarização das comunidades camponesas e do trabalho que
elas desenvolvem. Em suma era a crítica de Marx (1987) à burguesia de que, trabalhador
não deveria ter posse e não deveria pensar e ter consciência, somente força de trabalho.

Considerações finais

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Diante das questões aqui explicitadas, podemos constatar que o desenvolvimento
da modernização agrícola, proporcionou mudanças significativas no processo de
territorialização e desterritorialização na região noroeste do Paraná, revelando a
dominação urbana rural para os povos do campo com consequências reais em termos de
fechamento de escolas rurais e do êxodo rural.
Nesse contexto, a transformação das formas de trabalho na região Noroeste do
Paraná, foi inegável, resultado da imposição neoliberal do urbano sobre o rural, onde o
campo e a cultura camponesa sede lugar para a cultura urbana.
O que se constata no momento? Que boa parte dos trabalhadores do campo que
foram expulsos para a cidade, retorna para trabalhar no campo, mas agora para o
agronegócio. As escolas foram fechadas, sem que houvesse uma discussão do que
acontecia contra os povos do campo que eram expulsos. Expulsos juntos com as escolas
fechadas também foram os professores das escolas rurais.
A escola rural que deveria se constituir em um lócus privilegiado de
aprendizagem, e por excelência garantir a viabilização de espaço de aprendizagem, ou
seja, de buscar meios de efetiva participação e envolvimento de toda comunidade e da
sociedade no processo educativo, foi derrubada, madeira vendida, restos destruídos ou
queimados. No município de Nova Esperança isto foi realidade. Restam duas escolas em
distritos que apesar do nome Escola do Campo, não condizem com os métodos e práticas
de ensino para fazer com que a realidade sócio-geográfica e socioambiental faça parte do
processo de aprendizagem. Assim, a pedagogia para os povos do campo encontra limites
e condicionantes políticos que interferem diretamente na consolidação de um projeto
social de educação que leve em consideração os interesses, necessidades e demandas dos
povos do campo, promovendo prerrogativas pragmáticas na detenção do conhecimento.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
É nessa perspectiva que se encontra as políticas para os povos do campo nessa
região. Na teoria há uma proposta de democratizar o trabalho e o saber para todos, na
prática há uma negação da cultura camponesa.
O que se percebe? A intencionalidade dos programas norteados pelas políticas
neoliberais em promover uma educação básica e o suficiente necessário para que a
maioria da população seja força reprodutiva da mão de obra excludente do sistema
capitalista, no campo e na cidade.

Referências

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movimento social do campo – Brasília, DF: Articulação Nacional por uma Educação
Básica do Campo, 1999. Coleção Por uma Educação Básica do Campo, n° 2.

CALDART, Salete Caldart. Por uma educação do campo: traços de uma identidade
em construção. In: ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA,
Mônica Castagna (Orgs.). Por uma Educação do Campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
p. 146-158.

FERNANDES, B. M. Diretrizes de uma caminhada. ARROYO, M. G. CALDART, R.


S. MOLINA, M. C. In: Por uma Educação do Campo. 5° ed. – Petrópolis, RJ: Vozes,
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MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Florestan Fernandes


(Tradução e introdução). 2.ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 288p.

______. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. José Carlos


Bruni et al (Tradutor). 4 ed., São Paulo: Nova Cultural, 1987.

McLAREN, Peter. Multiculturalismo crítico. 3. ed. – São Paulo: Cortez; Instituto Paulo
Freire, 2000 – (Coleção Prospectiva. v. 3).

NOVAES, R.C. Desenvolvimento sustentável na escala local: a Agenda 21 Local


como estratégia para a construção da sustentabilidade. 2001. 180p. Dissertação

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 656
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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(Mestrado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
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PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Educação do


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SANTOMÉ. A.T. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, T.T.


(Org.). Alienígenas em sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação.
Petrópolis: Vozes, 1995.

SERRA, Elpídio. Processos de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. Rio
Claro: UNESP, 1991, 361p. Tese (Doutorado em Geografia). Instituto de Geociências e
Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP -
Campus Rio Claro.

SILVA, M. S. Tentativa de construir uma teoria pedagógica sistêmica para


impregnar o mundo de sentido: Saber, Querer, Sentir e poder. LUNAS, A. C.
ROCHA, E. N. In: Práticas Pedagógicas e Formação de Educadores(as) do Campo. 2. ed.,
Brasília: Dupligráfica, 2010.

Autores:

Valdemir Aparecido Izidio


Mestrando em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar da Universidade Estadual do
Paraná (UNESPAR), Campus de Paranavaí. Professor de Geografia na Educação Básica.
e-mail: profvaldemir26@gmail.com
Elias Canuto Brandão
Doutor em Sociologia. Docente no Colegiado de Pedagogia e no Programa de Mestrado
em Ensino: Formação Docente Interdisciplinar da Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR-Campus de Paranavaí-PR)
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da Diversidade do Campo
(GEPEDIC-CNPq)
Vice-coordenador do Centro de Educação em Direitos Humanos da UNESPAR (CEDH)
Membro da Articulação Paranaense por uma Educação do Campo.
e-mail: eliasbrandao.unespar@gmail.com.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
TRABALHO DOCENTE E ALIENAÇÃO:
DA FINALIDADE DO TRABALHO EDUCATIVO
Silvana Galvani Claudino-Kamazaki
Francisco José Carvalho Mazzeu

Introdução
Este trabalho é parte de uma pesquisa de doutorado vinculada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação Escolar da UNESP/Araraquara(SP) que vem sendo
desenvolvida desde 2016, a partir da constatação da necessidade de que a Pedagogia
Histórico-Crítica incida mais diretamente na prática pedagógica das professoras da
Educação Infantil. Para tanto, a pesquisa toma as dificuldades e lacunas na articulação
entre teoria e prática no âmbito dessa pedagogia como seu objeto, tendo como referência
a categoria dialética do Trabalho. Assim, a investigação parte de uma análise teórica dos
fundamentos filosóficos da Pedagogia Histórico-Crítica destacando as categorias de
práxis e trabalho humano e toma como um estudo de caso a elaboração de uma proposta
pedagógica para a educação infantil e sua implementação num sistema municipal de
ensino.
Neste percurso ainda inconcluso temos identificado a organização do trabalho
docente em seus aspectos objetivos e subjetivos como elemento que deve,
necessariamente, ser considerado nos processos de implementação desta Pedagogia neste
e em outros sistemas de ensino sob o risco de que a articulação teórico-prática não
aconteça. Neste sentido, indicamos provisoriamente que a alienação do trabalho docente,
materializada nas condições objetivas e subjetivas do trabalho das professoras na
sociedade capitalista, se constitui como uma das principais dificuldades a serem
superadas no processo de articulação entre teoria e prática da Pedagogia Histórico-Crítica
na Educação Infantil.

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emancipação humana
Fundamentação teórica e discussões
De acordo com a concepção do materialismo dialético e histórico, a prática é o
ponto de partida, o ponto de chegada e o critério de validade das ideias humanas.
Concebemos, assim, o homem como ser prático que com sua atividade no mundo,
transforma-o ao mesmo tempo em que transforma a si mesmo num movimento histórico
dialético que carrega já na atividade vital humana – o trabalho – as determinações de
todas as demais. Na superação tanto da prática utilitarista própria do senso comum quanto
da práxis contemplativa das filosofias idealistas, a práxis humana em Marx - para quem
teoria e prática são indissociáveis - se constitui como prática teoricamente fundamentada
com vistas à transformação do real, seja a transformação da natureza por meio do
trabalho, seja a transformação da sociedade por meio da práxis revolucionária.
Na perspectiva marxiana, para compreendermos o ser humano é necessário
conhecermos como produz e reproduz sua existência e como esse processo se constitui
no decurso da sua história. Nesta perspectiva ontológica, o que funda o ser do homem é
o trabalho, atividade vital consciente, objetiva e exclusivamente humana, mediante a qual
os homens produzem a si mesmos (isto é, se auto produzem como resultado da sua própria
atividade), tornando-se para além de seres naturais, seres sociais.
Caracterizado como atividade mediada, teleológica e coletiva, o trabalho é a
objetivação elementar a partir da qual todas as demais se desenvolvem, implica num
processo dinâmico de apropriações e objetivações que decorre em realização e satisfação
de um ser objetivo dotado de ilimitado potencial transformador e gerador de
conhecimento.
Todavia, tal positividade do trabalho encontra-se comprometida nas sociedades
divididas em classes, como é o caso do modo de produção capitalista, em decorrência do

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
processo de alienação do trabalho, caracterizado por Marx como a degradação do espírito
do homem
O trabalhador encerra sua vida no objeto; mas agora ela não pertence
mais a ele, mas sim ao objeto. Por conseguinte, quão maior esta
atividade, tanto mais sem-objeto é o trabalhador. Ele não é o que é o
produto do seu trabalho. Portanto, quanto maior este produto, tanto
menor ele mesmo é. A exteriorização do trabalhador em seu produto
tem o significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto,
uma existência externa, mas, bem além disso, [que se torna uma
existência] que existe fora dele, independente dele e estranha a ele,
tornando-se uma potência autônoma diante dele, que a vida que ele
concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha (MARX, 2010, p
81) (grifos do autor).

O trabalho, que originalmente é fonte de realização e humanização, se converte


para o trabalhador em sofrimento e dispêndio de vida, na medida em que se torna uma
simples mercadoria (e das mais reles, como observa Marx). O homem, sujeito do trabalho,
não atua movido pelas necessidades sociais e humanas, mas pela sua necessidade
individual de sustento e o trabalho deixa de ser um fim voltado à produção da vida
genérica, e se torna um meio para a satisfação das necessidades mais imediatas; o
trabalhador produz, mas não pode dispor do produto do seu trabalho, que pertence a outro,
que comprou sua força de trabalho. Esse processo de alienação gera perda de sentido de
realização pelo trabalho: o trabalhador se distancia tanto do produto quanto do processo
de trabalho, distancia-se de si mesmo, da sua própria natureza e, consequentemente, do
gênero humano.
Numa perspectiva crítica, a análise do trabalho docente também deve partir do
trabalho em geral que, nas sociedades divididas em classes antagônicas assume a forma
de trabalho alienado. Sendo assim, a compreensão do trabalho docente na atual
configuração social capitalista implica em desvelar as relações contraditórias que este
guarda com os diferentes processos de trabalho que garantem a manutenção da vida
humana, pois o processo educativo que envolve o trabalho docente é condição

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
ineliminável dos inúmeros outros processos de trabalho e se configura como uma
modalidade de trabalho social, uma vez que “trata de formar os membros da comunidade
para o desempenho de uma função de trabalho no âmbito da atividade total” (VIEIRA
PINTO, 2000, p 33)
Em relação à Pedagogia Histórico-Crítica, temos que desde as suas primeiras
elaborações Saviani (2005) enfatiza seu vínculo à concepção marxista de homem e de
sociedade
Sabe-se que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos.
Assim sendo, a compreensão da natureza da educação passa pela
compreensão da natureza humana. Ora, o que diferencia os homens dos
demais fenômenos, o que o diferencia dos demais seres vivos, o que o
diferencia dos outros animais? A resposta a essas questões também já é
conhecida. Com efeito, sabe-se que, diferentemente dos outros animais,
que se adaptam à realidade natural tendo a sua existência garantida
naturalmente, o homem necessita produzir continuamente sua própria
existência. Para tanto, em lugar de se adaptar à natureza, ele tem que
adaptar a natureza a si, isto é, transformá-la. E isto é feito pelo trabalho.
Portanto, o que diferencia o homem dos outros animais é o trabalho. E
o trabalho instaura-se a partir do momento em que seu agente antecipa
mentalmente a finalidade da ação. Consequentemente, o trabalho não
é qualquer tipo de atividade, mas uma ação adequada a finalidades. É,
pois, uma ação intencional (SAVIANI, 2005, p. 11) (grifos nossos).

Desta assertiva decorre a necessidade de compreender a finalidade do trabalho


docente, qual é a “natureza” que o trabalhador docente transforma com seu trabalho, ou
seja, como se encontra configurada, na Pedagogia Histórico-Crítica, a dimensão
teleológica desse trabalho. Para buscar elementos para esclarecer essa questão, partimos
da concepção crítica de educação que encontramos em Vieira Pinto (2000), para quem
A finalidade da educação não se limita à comunicação do saber formal,
científico, técnico, artístico, etc. Esta comunicação é indispensável, está
claro, porém o que se intenta por meio dela é a mudança da condição
humana do indivíduo que adquire o saber. Por isso, a educação é
substantiva, altera o ser do homem. A não ser assim, seria apenas
adjetiva, mero ornamento da inteligência. O homem que adquire o
saber, passa a ver o mundo e a si mesmo deste outro ponto de vista. Por

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isso se torna um elemento transformador de seu mundo. Esta é a
finalidade essencial da educação. Tal é a razão de que todo movimento
educacional tenha consequências sociais e políticas (VIEIRA PINTO,
2000, p 49) (grifos do autor).
Nesta perspectiva, destacamos que a apropriação e socialização dos
conhecimentos historicamente acumulados - patrimônio que deveria ser acessível a todos
sem distinção - constitui um ponto sobre a qual não encontramos divergências entre os
autores desta pedagogia119. No entanto, a transmissão de conteúdos não tem função em si
mesma, mas consiste em um meio para provocar a mudança da condição dos alunos,
superando os limites do cotidiano e possibilitando a compreensão da totalidade das
relações estabelecidas entre os diferentes fenômenos e a realidade humanamente
construída. Segundo Oliveira (1996, p 59) “a transformação que a educação opera é
aquela que se dá através do processo de transformação das consciências” que se faz
imprescindível para o processo de transformação social, afirmação que se coaduna com
a perspectiva de educação em Saviani enquanto mediação no interior da prática social
global.
Para além do acesso à este conhecimento, compreendemos fundamental ao
trabalho educativo vislumbrar para que fins, no interesse de quê e de quem esse acesso
deve ser garantido, pois compreendemos que a finalidade do trabalho docente e o grau de
intencionalidade com que a professora busca atingir essa finalidade, determina, em
correlação com os meios e a relações de trabalho, em que medida este se configura como
realização ou alienação e, consequentemente, em que medida a práxis pedagógica se
efetiva e realiza plenamente seu potencial transformador. Desta feita, falamos aqui de
uma concepção de trabalho docente que o toma como determinado pelas suas condições

119
Diversos autores da Pedagogia Histórico-Crítica (DUARTE, 2001; MARTINS, 2013, dentre outros) a começar pelo
próprio Saviani denunciam a urgência em se possibilitar a todos, principalmente às classes populares a quem tem sido
historicamente negado, o acesso ao conhecimento científico, filosófico e artístico humanamente construído em prol do
desenvolvimento pleno de toda a humanidade, premissa fundamental desta corrente pedagógica.

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objetivas e subjetivas, mas também como determinante das mudanças que vislumbra e
busca efetivar e que, para tanto, buscará os meios mais adequados para atingir aquela
finalidade.
Ao definir o trabalho educativo como o “ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2005, p 13), o autor deixa claro
qual é o produto do trabalho docente: a humanidade em cada aluno.
Sendo assim, podemos inferir que a natureza que o professor transforma com seu
trabalho é a natureza do aluno - e, dialeticamente, a sua própria - torna-a cada vez mais
humana na medida em que possibilita que vá se apropriando cada vez mais das
objetivações do gênero humano, tornando-as “órgãos de sua individualidade”. Todavia,
afirmamos com Oliveira e Vieira Pinto que este processo é meio para se atingir um fim
específico, também já anunciado por Saviani, qual seja, “a transformação da sociedade e
não a sua manutenção, a sua perpetuação (SAVIANI, 2005 p 93)”. Reside aí o caráter
revolucionário desta pedagogia que, uma vez desconsiderado, implica na negação da sua
práxis.
É próprio, pois, do trabalho docente, produzir a transformação das consciências,
processo que não ocorre, entretanto, se não for precedido da transformação da consciência
do trabalhador docente, algo que não está garantido e que encontra barreiras objetivas e
subjetivas no modo de produção e reprodução alienado da existência típico do
capitalismo, embora reconheçamos que mesmo o trabalho mais alienado carregue,
contraditoriamente, algum grau de emancipação.
O processo de alienação do trabalho docente não tem sido objeto de muitos
estudos, uma vez que suas características são percebidas inerentes ao ato pedagógico ou
como disfunções a serem corrigidas por meio de determinadas ações, especialmente a
formação dos professores. No entanto, Derisso (2013) afirma que

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Para abordar a alienação do professor faz-se necessário identificar que
a especificidade de seu trabalho consiste no tratamento que este confere
ao conhecimento humano. Nas mãos do professor, o conhecimento
humano acumulado e sistematizado deve ser transformado em
conhecimento escolar pela mediação da didática (elaboração de
currículo – adequado ao ponto de partida e às possibilidades
momentâneas de compreensão dos alunos em cada fase da vida escolar
– e organização dos meios de execução da atividade de ensino). A
atividade docente somente se realiza em sentido pleno na medida em
que os alunos são elevados do nível do senso comum, que caracteriza o
cotidiano alienado, para o nível do conhecimento elaborado, justamente
aquele conhecimento cujo acesso é vedado ao indivíduo desde o
processo de trabalho. Por isso é correto dizer que a atividade educativa
produz humanização, ou seja, reata o vínculo rompido pela alienação
entre o indivíduo e o gênero humano. Ao passo que a alienação do
trabalho docente consiste justamente na impossibilidade de realizar esta
humanização (DERISSO, 2013, p 54)

Neste sentido e de acordo com o que vimos discutindo até aqui, podemos afirmar
que a alienação docente se manifesta, por exemplo, quando o planejamento deste trabalho
não pertence mais à esta trabalhadora e sim a outrem120, quando não vê mais sentido em
seu trabalho e apenas o executa por força das circunstâncias, mecanicamente, quando não
se realiza em seu trabalho.
Ao deixar de planejar e vislumbrar intencionalmente a produção da humanidade
em cada aluno com o qual se depara, ao sentir-se mais humana quando está fora do seu
trabalho, a trabalhadora docente se encontra alienada do produto e do processo do seu
trabalho, ao mesmo tempo em que se aliena de si mesma e de todo o gênero humano.
Nesta forma alienada de trabalho surgem enormes obstáculos ao processo de
humanização que é (ou deveria ser) o seu objetivo e a professora “precisamente porque

120
Sistemas apostilados nada incomuns inclusive nas redes municipais de ensino, projetos políticos pedagógicos ou
programas curriculares não discutidos com os professores, impostos de cima para baixo pela Secretaria de Educação e
equipes gestoras autocráticas e centralizadoras que determinam unilateralmente sobre as práticas pedagógicas são
alguns dos exemplos que podemos citar.

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emancipação humana
é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para a
sua existência” (MARX, 2010, p 85)
Nos Manuscritos de 1844, Marx discorre detalhadamente sobre a forma como o
trabalho alienado perpassa todas as relações sociais de modo prático, ou seja, na
autoatividade humana. Segundo o autor, “no mundo prático-efetivo, o auto-
estranhamento só pode aparecer através da relação prático-efetiva com outros homens. O
meio pelo qual o estranhamento procede é [ele] mesmo um [meio] prático” (MARX,
2010, p 87). Neste sentido, no que tange ao trabalho docente alienado, temos que a
efetivação da sua prática é o próprio distanciamento de si mesmo e do gênero humano,
na medida em que executa seu trabalho de modo mecânico, mortifica-se em seu trabalho
ao perder de vista sua finalidade.
Tal alienação, que perpassa tanto as condições objetivas quanto subjetivas de seu
trabalho pode, porém, ser enfrentada, o que implica a necessidade de tomada de
consciência desse fenômeno. A trabalhadora docente, inserida em sua prática social
permeada pelas relações alienadas de produção e, portanto, relações alienadas com seu
próprio trabalho e com seus pares e alunos necessita romper com esta lógica pela via da
criação de novas relações de trabalho, recuperando o controle sobre a finalidade de seu
trabalho e os meios de produzi-lo. A busca por essas mudanças vai revelar os limites que
a sociedade atual estabelece ao trabalhador, contribuindo para a tomada de consciência
do trabalho alienado e suas raízes histórico-sociais.
A compreensão do processo de alienação do trabalho docente envolve diretamente
a relação teoria-prática. Em outras palavras, a mudança de concepção teórica não leva,
necessariamente, à mudança na prática. Ao contrário, podemos afirmar que a efetiva
mudança teórica implica necessariamente mudança na prática material, prática esta
entendida como síntese de condições objetivas e subjetivas do trabalho docente.

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emancipação humana
No que tange às condições subjetivas, devemos considerar o flagrante
esvaziamento teórico ao qual os professores têm sido submetidos desde a última década
do século XX - dentre eles as pedagogas formadas para atuarem na Educação Infantil -
via políticas públicas de formação docente baseadas na epistemologia da prática ou
prática reflexiva que secundarizam a teoria em função da suposta valorização da prática
docente121 e corroboram a despolitização do debate sobre o trabalho docente.
Esse esvaziamento teórico se assenta em condições objetivas, para além da
desvalorização salarial e, em alguns casos, da falta de materiais didáticos e pedagógicos
adequados ao atendimento do público infantil, etc. Uma dessas condições é a
disponibilidade de tempo para estudar e assimilar novas teorias de modo consistente. Com
isso, mudanças de proposta pedagógica podem não representar mudanças no conteúdo do
ensino - entendendo-se aqui o conteúdo numa perspectiva crítica (VIEIRA PINTO,
2000), qual seja, aquele que envolve todas as circunstâncias em que o trabalho docente
acontece, o mobiliário, as instalações escolares, a composição das turmas, a quantidade
de alunos e a organização das salas de aula, dentre outros aspectos - e, consequentemente
na forma como se executa este trabalho.
Incidir de modo mais intenso nos aspectos relativos à organização do trabalho
docente se constitui, portanto, como um dos principais desafios para a implantação de
propostas fundamentadas na Pedagogia Histórico-Crítica na Educação Infantil e demais
níveis de ensino. Sendo assim, não basta oferecer às professoras novos elementos teóricos

121
Nossa pesquisa finalizada em 2013 concluiu que há, na formação inicial docente, uma contraditória tendência, “o
aparente predomínio da prática reflexiva, comprometido pela ausência da devida apropriação de suas proposições e
evidenciado pela ressignificação de conceitos e pela incoerência epistemológica presente na maioria das oito teses
analisadas”(CLAUDINO-KAMAZAKI, 2013, p. 133-4). Tal resultado apontou a ausência de domínio teórico-
metodológico na maioria das teses estudadas, caracterizando o que Moraes (2003) já denominava como “recuo da
teoria” nas pesquisas em Educação, o “fim da teoria” que se traduz como um “indigesto pragmatismo” onde “a teoria
é considerada perda de tempo ou especulação metafísica” (MORAES, 2003, p. 153-154).

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ou mesmo sugestões práticas, se não se coloca em questão a própria natureza do seu
trabalho e a forma como ele se organiza na escola.

Considerações finais
Consideramos que trabalhar com a categoria dialética da práxis possui grande
importância para avançar na construção da Pedagogia Histórico-Crítica não apenas como
uma concepção que explica os fenômenos educacionais, mas como uma orientação
pedagógica revolucionária que instrumentaliza as professoras para transformarem a
realidade das suas salas de aula e de suas escolas, na perspectiva de contribuir para
decisivamente para uma transformação geral da sociedade.
Essa transformação não pode se circunscrever à oferta de cursos, formações,
recursos didáticos (embora todos esses componentes sejam importantes). Faz-se
necessário repensar a forma como o trabalho docente ocorre na escola, suas finalidades,
seus meios e as relações que se estabelecem entre os trabalhadores, gestores e dirigentes.
Neste sentido, dado o atual processo de precarização e desmonte do ensino público
que se encontra em curso neste país, tornam-se mais agudos os processos de
desumanização do trabalho docente. Nesse contexto, colocar o debate sobre a alienação
docente em bases objetivas, mostrando a necessidade de oferecer condições adequadas
para que as professoras realizem uma prática que se aproxime mais dos pressupostos
teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica é, do nosso ponto de vista, uma tarefa
fundamental para avançar na construção de uma verdadeira práxis pedagógica
revolucionária.

Bibliografia

CLAUDINO-KAMAZAKI, S.G. Práxis na formação docente: principais tendências na


produção acadêmica atual (2005-2010). Dissertação de Mestrado, UFPR, 2013.

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emancipação humana
DERISSO, J.L.Luta de Classes, Trabalho Docente e Pedagogia Histórico-Crítica na
Educação Escolar in Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 5, n. 2,
p. 47-58, dez. 2013.

DUARTE, N. Vigotski e o aprender a aprender. Crítica às apropriações neoliberais e


pós-modernas da teoria Vigotskiana. 2ª. edição. Campinas, SP: Autores Associados,
2001.

MARTINS, L.M. O desenvolvimento do psiquismo e a Educação Escolar:


contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica.
Campinas(SP). Autores Associados, 2013.

MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. Trad: Jesus Ranieri (4a. reimpressão)


Boitempo Editorial, São Paulo, 2010.

OLIVEIRA, B. O trabalho educativo: reflexões sobre paradigmas e problemas do


pensamento pedagógico brasileiro. Campinas, SP: Autores Associados, 1996.

SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras aproximações. 9a. edição -


Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

VIEIRA PINTO, A. Sete lições sobre Educação de Adultos. 11a. edição. Cortez. São
Paulo/SP, 2000

Autor/a:

Silvana Galvani Claudino-Kamazaki


silkamazaki@gmail.com
Financ CAPES
Francisco José Carvalho Mazzeu
fmazzeu@gmail.com

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emancipação humana
A AÇÃO CONSERVADORA NO DEBATE EDUCACIONAL
BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
Gabriel de Abreu Gonçalves de Paiva

Introdução
As realizações educacionais no Brasil, historicamente, acompanharam o processo
de consolidação da ordem capitalista nacional, refletindo suas mudanças e contradições.
Mesmo diante das mais distintas transformações, características permanecem
presentes na educação nacional: a desigualdade escolar e a disputa ideológica por suas
orientações.
Nas últimas décadas, o debate acerca da necessidade de mudanças na estrutura
escolar tem contribuído para a elaboração de projetos que visam reduzir essa
desigualdade. Ao mesmo tempo, este argumento tem sido utilizado por grupos
conservadores com o objetivo de projetar reformas que não visam atender a construção
de uma escola para todos, como por exemplo, a Lei da Reforma do Ensino Médio122. Tais
grupos visam apresentar projetos de lei, como o projeto “Escola sem Partido”, como
necessários e fundamentais para a organização da atual educação brasileira, em combate
a “doutrinação ideológica”. Dentre os agrupamentos que realizam tal defesa encontram-
se Movimento Escola Sem Partido, Movimento Brasil Livre (MBL), Institutos Liberal e
Millenium, e partidos políticos como Patriotas, Partido Social Liberal (PSL) dentre
outros.

122
A lei tem origem na Medida Provisória do Novo Ensino Médio. Como foi alterada na comissão mista e
na Câmara dos Deputados, a MPV 746/2016 foi aprovada no Senado, no dia 8 de fevereiro de 2017, sob
a forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 34/2016. Ver mais em
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/16/sancionada-lei-da-reforma-no-ensino-
medio. Acesso em 20/05/2017.

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emancipação humana
Nesse sentido estamos sugerindo ler esses agrupamentos como aparelhos privados
de hegemonia, os quais se propõem a organizar uma vontade coletiva, divulgando suas
concepções ideológicas como interesses comuns de todos os brasileiros. Propomos,
conjuntamente, examinar a especificidade dos projetos de lei, a maneira como são
apresentados, como propagam suas visões culturais e políticas e as suas referências
teóricas.

As ações conservadoras e os projetos educacionais em tramitação no Brasil


O presente trabalho visa analisar brevemente as ações conservadoras, vividas no
Brasil no último período, e suas relações com as atuais orientações e projetos elaborados
para a educação brasileira. Para isso, propomos analisar um conjunto de projetos de lei
elaborados por organizações políticas e grupos que se intitulam conservadores, ou
também, denominados como “nova direita”.
No Brasil, esses grupos consideram o Partido dos Trabalhadores (PT) o principal
responsável pela crise econômica e social brasileira. Tais grupos alegam que a aplicação
de políticas sociais compensatórias e afirmativas, práticas realizadas também pelo PT,
ameaçam o desenvolvimento da economia brasileira, da propriedade privada e da livre
iniciativa.
Diante disso, observou-se a intensificação do embate político e ideológico e, no
campo educacional, projetos de lei passaram a tramitar a fim de limitar conteúdos
presentes nos currículos das disciplinas, criminalizar o trabalho docente e reduzir a carga
horária de disciplinas como História, Geografia, Literatura. Abordaremos sobre os
seguintes projetos: Projeto de Lei (PL) 867/2015, PL 1411/2015, PL 2731/2015, MP
746/2016. A PL 867/2015 dispõe sobre a inclusão entre as diretrizes e bases da educação
nacional do "Programa Escola sem Partido”. Em seu artigo 2º afirma que:
A educação nacional atenderá aos seguintes princípios:
I - neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;

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II - pluralismo de ideias no ambiente acadêmico;
III - liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da
educação, da liberdade de consciência;
IV - liberdade de crença;
V - reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca
na relação de aprendizado;
VI - educação e informação do estudante quanto aos direitos
compreendidos em sua liberdade de consciência e de crença;
VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja
de acordo com suas próprias convicções (BRASIL, 2015a).

A PL 1411/2015 trata do crime de Assédio Ideológico, ou seja, da criminalização


do trabalho docente. Em seu artigo 1º consta que:
Esta Lei tipifica o crime de Assédio Ideológico e modifica a Lei n° 8.069,
de 13 de julho de 1990. “Art. 146 – A. Expor aluno a assédio ideológico,
condicionando o aluno a adotar determinado posicionamento político,
partidário, ideológico ou constranger o aluno por adotar posicionamento
diverso do seu, independente de quem seja o agente: Pena – detenção, de
3 (três) meses a 1 (um) ano e multa (BRASIL, 2015b).

A PL 2731/2015 altera a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que estabelece o


Plano Nacional de Educação – PNE, para dispor sobre a proibição do uso da ideologia de
gênero na educação nacional. Por fim a Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de
2016, que visa reformular o formato e o conteúdo pedagógico da etapa escolar do ensino
médio.
A proposta de redução da carga horária em Ciências Humanas também não é
novidade para a educação brasileira. No decorrer da ditadura civil-militar, leis foram
implementadas com o objetivo de controlar toda a produção do conhecimento, o que
colocou a prática docente sob suspeita (SALLES, 2016). Por exemplo, a Lei 5692/71
modificou a estrutura curricular extraindo da grade disciplinas como História e Geografia
e criando, para o lugar de ambas, a disciplina de Ciências Sociais. Ou seja, além da
modelagem para o mercado de trabalho, as disciplinas de cunho crítico foram eliminadas.

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Durante a ditadura civil-militar buscou-se acelerar a ampliação do acesso ao
ensino básico e segundo Cunha (1991, p.252), parece ter ocorrido neste período “uma
política de contenção para os níveis mais elevados de escolarização (e renda) e uma
política de liberação para os mais baixos”. Isso ocorreu, através de intervenção estatal
com o objetivo de elevar os requisitos educacionais para o preenchimento de certos
cargos, ao mesmo tempo em que elevou o grau de escolaridade para as funções mais
básicas de trabalho.
Segundo Cunha (1991, p.239), a resposta para a política de contenção ao ensino
superior e liberação do ensino básico pode ser encontrada pela análise das próprias
funções do Estado, esse, “como agência de concentração de capital na nova fase de
desenvolvimento da economia brasileira, garantindo, facilitando e subsidiando a
manutenção e elevação da taxa de lucro”.
Percebemos até o momento uma relação muito intrínseca entre os projetos
educacionais contemporâneos e parte dos projetos educacionais aplicados no decorrer da
ditadura civil-militar. Para Salles (2016, p. 168), tais reflexões são importantes, pois
“refletir sobre o controle do trabalho docente no período ditatorial é um exercício
indispensável para melhor compreendermos o momento atual, em que a prática docente
na perspectiva crítica tem sido alvo de inúmeros ataques.” Nesse contexto, o Movimento
Escola Sem Partido defende a aprovação de leis que criminalizam a prática pedagógica
em nome da neutralidade do ato de ensinar. Segundo os organizadores do movimento:
A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um
exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se
da liberdade de cátedra e da cortina de segredos das salas de aula para
impingir-lhes a sua própria visão de mundo (NAGIB, M., 2016).123

123
Ver mais em http://www.escolasempartido.org/quem-somos. Acesso em 20/05/2017.

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Para Ramos (2016), os defensores do Movimento apontam a ideia do projeto
como uma iniciativa conjunta de pais e estudantes preocupados com a denominada
contaminação político-ideológica, com ideais de esquerda, nas escolas brasileiras.
Chegam inclusive a criticar a proposta da Base Nacional Comum Curricular porque nela
se inclui a questão de gênero (PL 2731/2015).
Para Ramos (2016, p.02), “a educação, necessariamente e sempre, será guiada por
alguma filosofia, por uma concepção de mundo, mesmo que não sejam explicitados nos
respectivos projetos político-pedagógicos [...]”, ou seja, não há neutralidade na educação.
Para Frigotto (2016, p.12), o Movimento Escola Sem Partido:
[...] trata-se da defesa, por seus arautos, da escola do partido absoluto e
único: partido da intolerância com as diferentes ou antagônicas visões de
mundo, de conhecimento, de educação, de justiça, de liberdade; partido,
portanto da xenofobia nas suas diferentes facetas: de gênero, de etnia, da
pobreza e dos pobres, etc. Um partido, portanto que ameaça os
fundamentos da liberdade e da democracia liberal, mesmo que nos seus
marcos limitados e mais formais que reais. Um partido que dissemina o
ódio, a intolerância e, no limite, conduzirá eliminação do diferente.

A falta de neutralidade parece explícita quando, através do Movimento Escola


Sem Partido defende-se apenas a difusão de ideais considerados coerentes para o grupo,
desta maneira impondo limitações ao currículo trabalhado no espaço escolar.
Vejamos alguns fatores históricos e argumentos que fundamentam a elaboração
da MP 746/2016. No Brasil, a partir dos anos de 1990, foram aplicadas políticas
educacionais fundamentadas em orientações de organismos internacionais, como, por
exemplo, do Banco Mundial. Educacionalmente, a orientação foi impulsionar as políticas
educacionais, a fim de reduzir a taxa de analfabetismo. Nesse sentido, para Frigotto e
Ciavata (2003, p.100), “a educação básica deveria reduzir a pobreza aumentando a
produtividade do trabalho dos pobres, reduzindo a fertilidade, melhorando a saúde e
gerando atitudes de participação na economia e na sociedade”.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Segundo o documento “Balanço Qualitativo da Situação da Educação no Brasil:
A descentralização em um contexto de desigualdade” (2004, p.61), no início dos anos de
1990, o Brasil contava com mais de 20% de analfabetos, constituindo num forte
empecilho ao desenvolvimento econômico nacional. Além deste, havia um alto nível de
evasão e o ensino era marcado pela sua baixa qualidade. A evasão era resultado da falta
de políticas públicas que assegurassem ao estudante o direito de permanecer na escola.
No Brasil, as reformas educacionais dos anos de 1990 tiveram diversos impactos
no cotidiano escolar, e na sociedade em geral. Sua forma fragmentada e descentralizada,
do ponto de vista das despesas, compuseram alguns dos principais pontos negativos
(Idem, Ibidem, p.64). Porém algumas práticas, como o censo escolar, para todos os níveis
da educação; a arrecadação das receitas vinculadas para o ensino fundamental criaram
bases para um novo projeto social (Idem, Ibidem, p.64). Sobre os impactos das reformas,
destacamos alguns limites (Idem, Ibidem, p.64):
1. Universalização do ensino: a priorização de apenas um nível
educacional (Ensino Fundamental - correspondente à 1ª e 8ª séries)
gerou repressão na demanda, principalmente de educação infantil e de
jovens e adultos (supletivo); 2. Financiamento da educação: com a EC
nº 14, o governo federal se eximiu de aplicar 50% de seus recursos na
erradicação do analfabetismo e na melhoria do ensino fundamental. A
partir daí toda a incumbência do financiamento da educação básica
passou a ser dos estados e municípios que, em contrapartida, com os
ajustes fiscal e tributário têm ficado com menos recursos da arrecadação
federalizada; 3. Municipalização do ensino: a Emenda Constitucional
nº 14, que permitiu a instituição do Fundef, também provocou uma
verdadeira guerra por aumento de matrículas no ensino fundamental,
sendo grande indutora desta fase da municipalização já que, nos anos
80, o fenômeno também ocorreu, embora em menor proporção; 4.
Terceirização: o fenômeno mais agressivo à condição profissional –
consequência do processo de municipalização por meio do Fundef –
tem sido a terceirização de funções.

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VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Mesmo com relativos avanços, a educação entre as décadas de 1980 e 1990,
orientados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo Banco Mundial passou
a ser entendida como serviço. Reduziram-se ao máximo os investimentos públicos e os
espaços públicos passaram a ser organizados sob a orientação administrativa de métodos
empresariais.
O resultado destes encaminhamentos contribuiu para a redução dos investimentos,
de profissionais da educação e na incapacidade do sistema educacional brasileiro
conseguir ensinar e instruir de maneira sólida e competente aos alunos que por ela
passaram.
Todas as dificuldades vivenciadas pela educação pública, resultado do abandono
das responsabilidades estatais e da falta de aplicação de políticas públicas para o setor,
garantiram, ao próprio Estado, argumentos para reduzir ainda mais seus investimentos.
Alegando insuficiência e ineficácia, os governos buscaram modificar ainda mais a
educação brasileira sem um verdadeiro debate democrático. Assim, alega-se que a
Medida Provisória (MP) 746 de 2016, que visa alterar a grade curricular do Ensino Médio,
extraindo da mesma, disciplinas como Filosofia, Sociologia, Arte e Educação Física, de
suas séries finais, resolveriam as mazelas de anos de abandono.
A nova proposta governamental, aplicada via Medida Provisória, MP 746, traz de
volta a dicotomia entre formação geral humanística e a profissional. De acordo com o seu
artigo 36 (BRASIL, 2016, p.1) propõe também a separação entre a base comum nacional
e as áreas de ênfases do conhecimento.
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base
Nacional Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem
definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de
conhecimento ou de atuação profissional: I - linguagens; II -
matemática; III - ciências da natureza; IV - ciências humanas; e V -
formação técnica e profissional.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Ainda em seu artigo 36, nono parágrafo, outra intenção da reforma é reduzir o
conhecimento obrigatório dos estudantes do Ensino Médio público à Língua Portuguesa
e à Matemática. Seriam as únicas disciplinas a serem ministradas obrigatoriamente nos
três anos do ensino médio. Assim fica explícito na MP (BRASIL, 2016, p.1): “§ 9º O
ensino de língua portuguesa e matemática serão obrigatórios nos três anos do ensino
médio”.
Algumas das críticas realizadas sobre tais possíveis mudanças seriam que estariam
a serviço de melhorar as notas nos testes estandardizados (nacionais e internacionais) e
fomentar a formação de mão de obra barata e despolitização dos sujeitos (CNTE, 2016).
Outra mudança expressiva seria a ampliação da carga horária. De acordo com a MP
(BRASIL, 2016, p.1), em parágrafo único:
A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser
progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas
horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino e de acordo
com as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação
estabelecidos no Plano Nacional de Educação (NR).

Sendo assim, as mudanças que estão prestes a serem apreciadas visam garantir a
manutenção da dualidade e da segregação educacional. Por fim falaremos brevemente
sobre os projetos de lei 867/2015 e 1411/2015.
Os projetos de lei 867/2015 e 1411/2015 pretendem impedir o denominado
“assédio ideológico”, Melo (2015, p.01) afirmou que:
Na visão destes setores, seria possível existir um processo educacional em
disciplinas como História, Geografia, Literatura, por exemplo, onde
professores não explicitassem seus posicionamentos políticos, em favor de
uma suposta “neutralidade”. Pensadores contemporâneos como Karl Marx,
Antonio Gramsci e Paulo Freire, de acordo com os proponentes da
campanha “Escola Sem Partido” deveriam ser colocados numa espécie de
index, pois a simples menção de seus nomes em sala de aula é encarada
como uma espécie de “prova” da tal “doutrinação”. Mencionar os fatos
políticos do momento, um recurso didático recomendável para o

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emancipação humana
desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos sobre o mundo, de
acordo com os proponentes dessa PL seria simplesmente transformado em
crime.

Existe no Brasil um avanço de ideais conservadores e no campo educacional,


através de projetos de lei, como os citados, os profissionais da educação terão a flagrante
violação de direitos fundamentais, especialmente ao que se refere ao direito à liberdade,
censurando e criminalizando o seu trabalho. Para Melo (2015, p.02):
O ponto que nos parece importante explorar liga-se ao fato desta ser mais
uma entre tantas outras campanhas ideológicas da nova direita, e que
destinasse a produzir resultados muito mais profundos do que uma mera
aprovação de uma legislação que teria muitas dificuldades para ser
implementada, salvo se fosse acompanhada por uma espécie de histeria
coletiva onde estudantes denunciariam os professores doutrinadores”, que
nos termos desta legislação podem cumprir pena de até dois anos no
cárcere.124

Como afirmou Melo (2015, p.02), o mais assustador é a adesão aos projetos
citados e a sua aceitação, pois, o conjunto de leis, sucintamente apresentados, parece
representar um retrocesso para a educação brasileira.

Considerações finais
Em suma, podemos afirmar que os projetos de lei citados não representam nenhuma
novidade para a educação brasileira e para Salles (2016), passado e presente se encontram,
permeados por novas estratégias de controle de acordo com os interesses do sistema capitalista.
O projeto “Escola sem Partido” é absolutamente ilegítimo, porque ele é um projeto de lei que
versa sobre a ética profissional do professor e não inclui esse professor em nenhum momento,

124
Para Melo (2015, p.03), o propósito de campanhas como estas é de interditar a possibilidade da crítica,
da construção do conhecimento crítico, fundamental para o desenvolvimento científico e do processo
pedagógico. Isso é bastante evidente em outra campanha protagonizada por esta nova direita , a “Mais
Mises, Menos Marx”, campanha que possui natureza profundamente anticientífica e antidemocrática.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
seja ao longo da tramitação ou nas audiências públicas. Deverá partir dos professores o esforço
para a discussão pública, e será necessário levar isso para a sociedade: quais são os limites éticos
da nossa profissão. Uma discussão que envolva os professores e a sociedade civil: alunos, pais e
todos os interessados.

Referenciais Bibliográficos

CNTE - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM


EDUCAÇÃO. Análise da Medida Provisória nº 746, que trata da reforma do Ensino
Médio. 2016. Disponível em
http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/17155-analise-da-medida-
provisoria-n-746-que-trata-da-reforma-do-ensino-medio.html. Acesso em 02/11/2016.

CUNHA, Luiz Antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro:


F.Alves, 1991.

FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Educação Básica no Brasil na década de 1990:


Subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. In. Educação & Sociedade:
Revista de Ciência da Educação. Campinas: CEDES, 2003, vol,24, n.82.

FRIGOTTO, G. “Escola sem partido”: imposição da mordaça aos educadores.


Disponível em https://espacoacademico.wordpress.com/2016/06/29/escola-sem-partido-
imposicao-da-mordaca-aos-educadores/. Acesso em 18/05/2017.

INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO NA AMÉRICA LATINA. Balanço Qualitativo


da Situação da Educação no Brasil: A descentralizaçao en um contexto de
desigualdade. Costa Rica, 2004. Documento em formato digital: www.ei-ie-al.org

MELO, Demian. “Escola sem partido” ou escola com “partido único”? 2015.
Disponível em http://blogjunho.com.br/escola-sem-partido-ou-escola-com-partido-
unico/. Acesso em 18/05/2017.

MELO, Demian. A batalha pelo futuro: contra o projeto Escola Sem Partido. 2017. Disponível
em http://blogjunho.com.br/a-batalha-pelo-futuro-contra-o-projeto-escola-sem-partido/. Acesso
em 18/05/2017.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
RAMOS, Marise Nogueira. “Escola sem partido”: a criminalização do trabalho
pedagógico. Disponível em http://www.anped.org.br/news/escola-sem-partido-
criminalizacao-do-trabalho-pedagogico. 2016. Acesso em 18/05/2017.

SALLES, Moacyr; STAMPA, Inêz. Ditadura Militar e Trabalho Docente. 2016.


Disponível em
http://www.uff.br/trabalhonecessario/images/TN_23/07_MEMRIAS_E_DOCUMENT
OS_I.pdf. Acesso em 18/05/2017.

Fontes primárias:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 25 de
março de 2016.

BRASIL. Projeto de Lei n° 867, de 2015. Câmara dos Deputados. 2015a. Disponível em
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1317168.pdf. Acesso em 25/05/2017.

BRASIL. Projeto de Lei n° 1411, de 2015. Câmara dos Deputados. 2015b. Disponível
em http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1335560.pdf. Acesso em 25/05/2017.

BRASIL. Projeto de Lei n° 2731, de 2015. Câmara dos Deputados. 2015c. Disponível
em http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1380897.pdf. Acesso em 25/05/2017.

BRASIL. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016. Presidência da


República. 2016. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Mpv/mpv746.htm. Acesso em 02/11/2016.

ESCOLA SEM PARTIDO. Disponível em http://www.escolasempartido.org/.Acesso em


18/05/2017.

PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO. Por uma lei contra o abuso da liberdade de
ensinar. Disponível em http://www.programaescolasempartido.org/. Acesso em
18/05/2017.

Autor:

Gabriel de Abreu Gonçalves de Paiva

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Doutorando do Programa de Pós-Graduação strictu sensu em História, área de
concentração em História, Poder e Práticas Sociais, nível de doutorado do campus
Marechal Cândido Rondon da UNIOESTE.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DA EMANCIPAÇÃO HUMANA
Tânia Parolin da Cruz
Simone de Fátima Flach

Introdução
A humanidade, atualmente, está vivenciando profundas transformações,
determinadas pela crise estrutural do sistema capitalista, que atinge todas as dimensões
da vida social e contrapõe-se à busca pela emancipação humana. A educação está entre
essas dimensões contribuindo para a manutenção e reprodução do sistema capitalista.
Nesse contexto, a emancipação humana é apenas uma possiblidade histórica, visto que
depende da ação humana para criar as condições para que sua efetivação seja possível.
Nestes termos, este estudo aborda algumas questões decisivas para orientar o
sentido e a direção da educação enquanto mediação para emancipação humana. Assim,
cabe ressaltar que, sob a luz do materialismo histórico e dialético, emancipar-se implica
em um radical processo de transformação social.
O enfoque marxista possibilita desvelar o real e construir as bases para sua
transformação. A perspectiva revolucionária é central nesta concepção, a qual implica em
um posicionamento de luta por um novo projeto de sociedade. Assim, pensamento e ação,
teoria e prática, se articulam de forma intrínseca e orientam a luta da classe trabalhadora
para a transformação social. Nesse sentido, o processo dialético de construção de uma
nova sociedade evidencia como necessária a educação para a liberdade, ou seja, uma
educação para a emancipação humana.

Educação e emancipação humana: limites e possibilidades

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A compreensão da educação na perspectiva da emancipação humana está
condicionada à análise do processo histórico-social e à forma de organização do trabalho
na atual forma de sociabilidade. Para tanto, torna-se imprescindível a categoria central, o
trabalho, enquanto elemento fundante do ser social, que é o fio condutor para uma teoria
da emancipação humana.
Esse fio condutor só pode ser compreendido a partir da realidade social e seu
conjunto. É necessário, “segundo Marx, partir da terra pra o céu, dos indivíduos
concretos, suas ações e condições materiais de vida [...] para o exame do processo
histórico-social na sua concretude” (TONET, 2009, p.21). Sob a análise do autor, o
trabalho é o primeiro ato do homem que deve ser analisado, pois este é fundamental para
a autoconstrução humana, ou seja, é o intercâmbio do homem com a natureza. É pelo
trabalho que o homem se constitui enquanto ser social, ao transformar a natureza
transforma a si mesmo.
Marx (2013, p. 255) afirma que “o trabalho é, antes de tudo, um processo entre o
homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, media, regula
e controla seu metabolismo com a natureza”. O trabalho faz a mediação entre o homem e
a natureza, transformando a realidade natural em bens necessários à existência humana.
Cabe-nos considerar que, na atual forma de sociabilidade, o trabalho assume uma
posição contraditória, pois deixa de ser uma atividade essencialmente humana e passa a
ser uma forma de acumulação de capital. As condições atuais e históricas do capitalismo,
constituído pelas determinações de exploração do homem sobre o homem, estão
conduzindo a degradação da humanidade. Isto porque, estamos diante de uma crise de
produção material que atinge todas as dimensões da sociedade, dentre elas a educação
(TONET, 2005).
Com o crescente aumento da produção material, tudo passa a ser mercadoria. “A
riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
‘enorme coleção de mercadorias’, e a mercadoria individual como sua forma elementar”.
(MARX, 2013, p.113). A produção deixa de atender, exclusivamente, as necessidades
humanas e passa a ser central na ampliação das possiblidades de lucro dos capitalistas.
Orientado pelo seu impulso à expansão e acumulação “[...] o capital precisa
apoderar-se de novas áreas para investir. A educação é uma delas. Daí a intensificação do
processo de privatização e de transformação desta atividade em uma simples mercadoria”
(TONET, 2013, p.5). Neste contexto, a educação desmpenha papel de manutenção e
reprodução do sistema “sociometabólico” do capital. Nesse sentido, Tonet (2016, p. 8),
esclarece que:
Um dos grandes instrumentos de que se serve o Estado para garantir a
reprodução do capital é, exatamente, a educação escolar. É,
especialmente, através dela que se prepara, por um lado, a força de
trabalho que servirá de insumo para o processo de produção e, por
outro, o indivíduo, através da assimilação de ideias, valores e
comportamentos, para integrar à sociedade burguesa. Este instrumento,
sem dúvida, não é o único, mas é um dos mais importantes. Por isso, a
organização e o controle da educação escolar são tarefas das quais o
Estado não pode se desfazer. É uma ilusão pretender organizar um
processo educativo que não atenda, mesmo que em formas diversas, os
interesses do capital.

À luz dos escritos de Tonet, a educação formal é controlada pelo Estado de modo
garantir a reprodução do capital e impedir que a educação assuma um sentido
revolucionário. Daí a perda da perspectiva revolucionária e a emergência da perspectiva
reformista e conservadora. Essa perda se evidencia em diversas ações político-
educacionais que privilegiam o avanço reformista e conservador, por meio de reformas
legais, curriculares e pedagógicas, sob o apoio de frações de classe, inclusive da classe
trabalhadora.
Esse avanço conservador e reformista pode ser observado nas sucessivas derrotas,
no campo educacional, em decorrência de diversas ações, dentre as quais destacamos: as
Parcerias Público-privadas; a Reforma do Ensino Médio; a proposta de Base Nacional

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Comum Curricular e as inúmeras iniciativas de Projetos de Lei do Projeto Escola sem
Partido. Sob o pretexto de garantir educação de qualidade, tais iniciativas escondem os
reais interesses as norteiam, ou seja, tornar os jovens dóceis aos interesses do capital, seja
por meio de uma educação interessada ou pelo silêncio fundamentado na moral e bons
costumes. Nesse sentido, a educação exerce função de reprodução do capitalismo, em
detrimento de uma formação para a emancipação.
A intensificação do discurso reformista educacional, formulado sob a ótica do
capital, ganha espaço e permanece “estritamente dentro dos limites da perpetuação do
domínio do capital como um modo de reprodução social metabólica” (MESZÁROS,
2005, p. 26). Para o autor, essas mudanças ou reformas têm por objetivo corrigir os
defeitos da reprodução da ordem capitalista e não eliminar os seus fundamentos causais
sendo incapaz de transformar a realidade social.
As determinações do sistema capitalista são irreformáveis, por esta razão
Mészáros (2005, p.27, grifos do autor) afirma que: “é por isso que é necessário romper
com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional
significativamente diferente”.
Por conseguinte, emerge a necessidade de uma reformulação significativa da
educação, com o intuito de mudar esta realidade social. Trata-se, de fato, da formulação
de uma abordagem educacional que abarque a “totalidade das práticas político-
educacional-culturais, na mais ampla concepção do que seja uma transformação
emancipadora” (MESZÁROS, 2005, p.57). Conforme Mészáros, os remédios têm que
essenciais e não formais. O papel da educação, nestes termos, é um processo de
transformação qualitativa.
O que precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente é todo o
sistema de internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e
ocultas. Romper com a lógica do capital na área da educação equivale
a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
internalização mistificadora por uma alternativa concreta abrangente
(MESZÁROS, 2005, p.47, grifos do autor).

No período histórico que estamos vivenciando, “todo o discurso que enuncie a


emancipação, mas não questione radicalmente o instituído, nem explicite seus limites, se
apresenta como discurso vazio , fundado em conceitos abstratos” (SCHLESENER, 2016,
p. 57). Isto porque, emancipar-se implica em um radical processo de transformação
social. Tonet explica o conceito de emancipação no sentido que lhe foi atribuído por
Marx:
Entendo, então, por emancipação humana uma forma de sociabilidade,
situada para além do capital, na qual os homens serão plenamente livres,
isto é, na qual eles controlarão, de maneira livre, consciente, coletiva e
universal o processo de produção da riqueza material (o processo de
trabalho sob a forma de trabalho associado) e, a partir disto, o conjunto
da vida social. (TONET, 2014, p. 02)

Esta forma de sociabilidade, a que Tonet se refere, é fundamentada no trabalho


associado, que permite a autoconstrução do indivíduo enquanto membro do gênero
humano, livre da exploração do homem pelo homem. “Temos de emancipar a nós mesmos
antes de poder emancipar outros”. (MARX, 2010, p.34)
Com efeito, esta ordem social pressupõe a liberdade humana que só pode ocorrer
por meio da superação do modo de produção capitalista. “Como diz Marx seria a
articulação entre o “reino da necessidade” (que, para ele, ainda é o trabalho associado) e
o “reino da liberdade” (o tempo livre)” (TONET, 2014, p. 02). Nestes termos, o trabalho
dos produtores associados seria efetivamente para atender as necessidades humanas e não
para reprodução do capital.
A emancipação humana poderá tão somente efetivar-se plenamente em uma
sociedade comunista. “[...] em uma sociedade livre de toda forma de alienação,
exploração e dominação do homem pelo homem” (TONET, 2014, p. 02).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Neste processo de transformação social, a educação é a atividade mediadora que
permitirá construir uma sociedade plenamente livre que busque a construção de uma
ordem social para além do capital.
[...] A natureza essencial da atividade educativa: consiste em propiciar
ao indivíduo a apropriação de conhecimentos, habilidades, valores,
comportamentos, etc., que se constituem em patrimônio acumulado e
decantado ao longo da história da humanidade. Desse mondo contribui
para que o indivíduo se construa como membro do gênero humano e se
torne apto a reagir face ao novo de um modo se seja favorável a
reprodução do ser social na forma em que ele se apresenta num
determinado momento histórico (TONET, 2005, p.142).

Para Tonet (2012, p.79,80) a educação nos termos descritos acima “é uma
impossibilidade absoluta nesta forma de sociabilidade regida pelo capital”. Então, qual o
papel da educação no contexto atual? Dado o momento atual é inviável atribuir à
educação (escolar) um caráter emancipador. Schlesener (2016, p. 57) apresenta três
pontos fundamentais para o entendimento dos limites que inviabilizam a concretização
de uma prática emancipatória.
a) A educação realiza-se na vida e a escola é apenas uma de suas
instâncias; b) a escola existe para cumprir os objetivos colocados pela
estrutura social (formar para o trabalho); c) a escola, no Brasil, a partir
de nossas circunstâncias históricas, é permeada pelas contradições que
perpassam o social e vive internamente outras contradições: por
exemplo, propõe um trabalho crítico, dentro dos limites do seu
funcionamento, mas na prática pedagógica assume pressupostos que
inviabilizam a crítica, como as teorias pós-modernas (SCHLESENER,
2016, p. 57).

A partir desse contexto, segundo Tonet (2012), “é perda de tempo” pensar em uma
educação emancipadora, pois a educação só poderá ter um caráter emancipador em uma
sociedade plenamente emancipada com base no trabalho associado. Daí, o que é possível
hoje, é desenvolver “atividades educativas emancipadoras” que possam contribuir para a

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emancipação humana
compressão da realidade social, conduzindo os educandos ao engajamento a uma
transformação revolucionária.
Estas atividades educativas são “todas aquelas que contribuem para que as pessoas
tenham acesso ao que há de mais elevado no patrimônio cognitivo, artístico e tecnológico
de que a humanidade dispõe” (TONET, 2014, p. 9). O mesmo autor elenca alguns
requisitos necessários para que estas atividades tenham um caráter emancipador. São eles:
1) Conhecimento acerca do fim a ser atingido (a emancipação humana);
2) Apropriação do conhecimento acerca do processo histórico e,
especificamente, da sociedade capitalista; 3) Conhecimento da natureza
específica da educação; 4) Domínio dos conteúdos específicos a serem
ensinados; 5) Articulação das atividades educativas com as lutas, tanto
específicas como gerais, de todos os trabalhadores (TONET, 2014, p.
1).

Nessa perspectiva, a articulação destas atividades com a luta pela superação do


capitalismo é fundamental para construção de uma sociedade plenamente emancipada.
Assim, a atividade educativa voltada para emancipação humana pode contribuir com a
transformação social. Além do mais, possibilitará ao indivíduo reconhecer-se como
sujeito histórico, capaz de participar das lutas sociais e construir uma sociedade
comprometida com a formação humana.
Educação e emancipação são conceitos que, no contexto do
materialismo histórico, deveriam ser análogos ou vinculados em
relação de semelhança e completude: a educação deveria ser sempre
emancipadora. Mas tal só é possível em uma sociedade com
fundamentos diversos da sociedade capitalista (SCHLESENER, 2016,
p. 59).

Diante dos limites estruturais da escola, dado o momento atual, é inviável a


edificação de uma educação emancipadora. É somente por meio de uma educação para
além do capital que os seres humanos podem chegar a emancipação humana, superando

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emancipação humana
a sua condição de opressão e exploração determinada pela sociedade capitalista
(MÉSZÁROS, 2005).
A função da educação é colaborar na transformação social rompendo “com a
lógica do capital na área da educação” e substituindo “as formas omnipresentes e
profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa concreta
abrangente” (MÉSZÁROS, 2005, p.47).
Neste sentido é preciso resgatar a perspectiva revolucionária na educação e
“recuperar o sentido ontológico do trabalho na formação social” (LEHER, 2011, p.167).
Referenciando-se em Mészáros, Leher (2011, p.167), relata que a educação deve
promover a “autotransformação consciente dos indivíduos, mas para isso é preciso a
universalização da educação omnilateral”, buscando a formação do indivíduo em suas
multipotencialidades, mediante a apropriação dos conhecimentos historicamente
construídos, onde o indivíduo tome consciência do seu papel na sociedade.

Conclusão
Este estudo partiu da constatação de que, na realidade atual, a educação é uma
mediação para reprodução social, e sendo esta uma sociedade de classes, reproduz os
interesses da classe dominante. Desta disposição surge a necessidade da articulação entre
o campo teórico e o prático para a compreensão do papel da educação enquanto mediação
para emancipação humana. Esta entendida como autoconstrução consciente do indivíduo,
só poderá efetivar-se plenamente em uma forma de sociabilidade totalmente livre.
Nestes termos, é preciso recuperar o sentido ontológico do trabalho na formação
ser social, pois esta é a base para a construção de uma sociedade essencialmente humana.
Tal disposição implica na superação desta ordem social, regida pela capital, que subordina
as necessidades humanas aos interesses do capital.

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emancipação humana
Admite-se então, que neste momento histórico, a emancipação humana é apenas
uma possibilidade e que o desenvolvimento de atividades educativas emancipadoras pode
contribuir para a formação humana integral, por meio de uma educação para além do
capital, que possibilite a transformação social.

Referências

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(Orgs.). Mészáros e os desafios do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2011. p.159-
169.

MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013.

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SCHLESENER, A. Marxismo e educação: limites e possiblidades do conceito de


emancipação humana. In: SCHLESENER, A; MASSON, G; SUBTIL; M. J. D.
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_________. Educação contra o capital. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.

_________. Educação e emancipação humana. In: TONET, I. Educação, cidadania e


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Paulo: Alfa-Omega, 2009.

_________. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács,
2013.

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emancipação humana
________. O Grande Ausente e os Problemas da Educação. Esquerda Diário, maio.
2016. Disponível em: http://ivotonet.xp3.biz/. Acesso em 01 de agosto de 2016.

Autoras:

Tânia Parolin da Cruz


Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG
e-mail: taniaparolin@yahoo.com.br
Simone de Fátima Flach
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG
e-mail: eflach@uol.com.br

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emancipação humana
OBJETIVAÇÃO, ALIENAÇÃO E O SER HISTÓRICO-SOCIAL:
UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA OBRA “DE QUANTA TERRA
PRECISA UM HOMEM” DE TOLSTÓI
Bruno G. Hatschebach
Aparecida Favoreto

Introdução
Neste artigo, por intermédio do conto De quanta terra precisa um homem de Liev
Tolstói (1828–1910)125, buscamos refletir sobre as categorias objetivação/alienação e a
natureza histórica do ser social. Por meio do protagonista, o autor expõe as tendências
materiais de centralização e expansão do capital, bem como suas consequências na
existência prática e cotidiana. Conto este que nos propomos analisar em termos de
relações e valores, cotejando em imanência com a produção de Marx e tomando o
protagonista como símile da alienação burguesa. Conto agrário, entre o movimento do
tempo e das estações situa-se a obra. Espaço-localidade de transição da decomposição
das relações servis pelo valor do capital. Antes, aliás, Tolstói repõe o movimento natural
por sobre a causalidade natural, movimento por sobre o tempo a decorrer; o que
demonstra a historicidade das relações de produção notada pelo autor: o estranhamento

125 Liev Nikoláievich Tolstói (1828 – 1910) nasceu no latifúndio familiar Lásnaia Poliana, na província
de Tula, no então Império Russo. Perde os pais ainda na infância e é criado por outros parentes, que lhe
impõem uma carreira militar. Frequentou a Universidade de Kazan, onde cursou línguas orientais e
direito. Larga o exército após quatro anos de serviço e volta-se ao ocidente, viaja pela Europa, se apropria
de estudos pedagógicos e alfabetiza seus empregados mujiques na propriedade rural. Nas suas relações
sociais, pretere o prestígio e a suntuosidade das elites aristocráticas russas em favor de uma vida em
contato com a natureza e com os camponeses. Após o casamento com Sofya em 1862, vê-se em bancarrota
econômica, o que lhe faz dedicar à carreira literária integralmente. Escreve Guerra e Paz entre 1865 e
1869, obra que o consolida como escritor popular e que o permite a reabertura da escola no ano do término
da publicação. Escreve Anna Kariênina nos anos de 1875 a 1877, romance cujo mote é a transgressão do
feminino e o acesso da interface pública pelas mulheres, escrito a partir de um incidente de trem em
Lássienski, próximo ao local de nascimento do autor.

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emancipação humana
do ser social diante de suas condições materiais de existência, deslocamento de
contradições características da alienação burguesa.
Para analisar, nos apoiamos na Introdução dos Grundrisse (MARX, 2011) e nos
Manuscritos econômico-filosóficos (MARX, 2009), buscando assim, circunscrevermos o
ser social e as categorias objetivação e alienação, estas mediadas historicamente pelo grau
de desenvolvimento histórico das forças produtivas e relações sociais de produção. Em
Marx, verificamos a unidade histórica contraditória do par objetivação [entaüsserung] e
alienação [entfremdung], que se realizam no interior e por sobre a atividade produtiva.
Resgatando as bases ontológicas da existência humana, Marx assume a ontologia do ser
social em suas causas materiais, apontando o ser social como sujeito ativo, que produz
suas condições materiais de existência. Contudo, ressalta que no interior de determinados
estágios de desenvolvimento, lutas de classe são travadas, nas quais, certas
especificidades tornam-se determinantes, perdendo a visão total da história social126. As
categorias objetivação, alienação e ser social, estão presentes nas obras de Marx e se
colocam como protoforma127 da práxis128. Neste aspecto em particular, ao analisarmos o
modo de produção capitalista, verificamos um antagonismo entre capital e trabalho.

126 O desenvolvimento do conhecimento e da capacidade de o homem transformar a natureza não


necessariamente – e certamente não de forma linear – implica a construção de Ontologias cada vez menos
‘fictícias’. O desenvolvimento de relações sociais cada vez mais intensas é a base necessária da produção
de Ontologias mais próximas ao real. Se essas relações sociais, contudo, se desenvolvem no sentido de
submeter os homens a uma vida cotidiana cada vez mais desumana, na qual a exploração do homem pelo
homem, por exemplo, surge como um ‘castigo’ inevitável na existência de cada um – nessas circunstâncias
poderemos ter a gênese e o desenvolvimento de ‘Ontologias fictícias’ mesmo ali onde o desenvolvimento
das forças produtivas e das ciências é um fato inquestionável. (LESSA, 2012, p. 59)
127 Segundo Lukács, a categoria do trabalho é a protoforma (a forma originária, primária) do agir humano.
Isso não significa que “todos os atos humanos sejam redutíveis ao trabalho. Lukács argumentou, em
diversas oportunidades, que inúmeros atos humanos não podem ser reduzidos a atos de trabalho, em que
pese o fato de o trabalho ser a forma originária e o fundamento ontológico dos diferentes tipos da práxis
social.” (LESSA, 2012, p. 36)
128 Nos Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx desenvolveu sua concepção de homem [ser social]
como um criativo e livre ser da práxis de forma tanto “positiva” como “negativa”, essa última por meio da
crítica da auto-alienação humana. No que diz respeito à primeira, isto é, à forma positiva, Marx afirma que
“a atividade consciente, livre, é o caráter da espécie do ser humano” e que “a construção prática mundo

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emancipação humana
Tolstói, ainda que não saibamos se conscientemente129, fornece elementos para
uma crítica da individualidade moderna e de suas bases constitutivas130. Para tanto,
procuramos no conto a estética131 tolstoiana132 a tessitura em termos de sentimentos e
valores133.

objetivo, o trabalho, que exerce sobre a natureza inorgânica, é a confirmação do homem como um ser de
espécie consciente” (BOTTOMORE, 2011, p. 293. Colchete é nosso).
129 “Aquilo a que chamamos aqui uma concepção do mundo se apresenta-se de duas maneiras para um
escritor: significa, por um lado, a formulação consciente que êle pode fazer, para si e para os outros, quando
encara, diretamente, os problemas da sua vida, e, indiretamente os problemas do seu tempo; – por outro
lado, a escolha que êle faz dêsses fenômenos, com um seguro instinto de artista, e a maneira como êle os
apresenta na sua obra.” (LUKÁCS, 1991, p. 113).
130 Conforme Lukács (1991, p. 92): “[…] o escritor realista é sempre capaz, analisando a evolução social
e histórica, de nela apreender e representar, de acôrdo com a realidade efetiva, tendências e direções
efetivamente reais; se êle atinge a verdade, nunca é no domínio dos acontecimentos sociais e políticos, mas
sim onde o essencial é a fixação e a alteração dos modos humanos de comportamento, a sua apreciação, a
mutação dos tipos já existentes, a aparição de tipos novos, etc. Certos fatos de atualidade produzem certa
transformação entre os homens, não só no caráter dos indivíduos, mas também na medida em que certos
problemas se tornam centrais e outros periféricos, em que certas qualidades e o seu desenvolvimento fatal
tomam um brilho trágico, enquanto outras – que foram talvez trágicas outrora ou ainda há pouco tempo –
passam a não ter mais do que um valor cômico, etc.”

131 “Deste modo, todo fenômeno estético é reflexo da vida social. Não existe o meramente estético. O
mundo sensível da obra de arte, das emoções, dos sentimentos subjetivos não pode estar desvinculado da
base, da vida econômica, da materialidade objetiva – o mundo da realidade.” (COSTA, 2016, p. 22).

132 Nos termos do próprio autor, “A arte é uma atividade humana, que se baseia conscientemente em
sentimentos pelos quais um homem passou, e na qual outras pessoas são infectadas por estes sentimentos e
também os experiencia.” (MAUDE apud COSTA, 2016, p. 23).

133 Conforme Lénine (1986, p. 20): “[…] O seu protesto caloroso, apaixonado, com frequência
impiedosamente acerbo, contra o Estado e contra a igreja oficial-policial, transmite os sentimentos da
democracia camponesa primitiva, na qual os séculos de servidão, de arbitrariedade e de pilhagem
administrativas, de jesuitismo clerical, de mentiras e fraudes acumularam montanhas de cólera e de ódio.
A sua negação intransigente da propriedade privada da terra transmite a psicologia das massas camponesas
num momento histórico em que o velho regime medieval de propriedade tanto dos latifundiários como em
lotes, se tornara definitivamente um obstáculo intolerável ao desenvolvimento do país e em que devia ser
inevitavelmente destruído da maneira mais impiedosa. A sua incansável denúncia do capitalismo,
impregnada do mais profundo sentimento e da mais veemente indignação, transmite todo o horror
do camponês patriarcal, contra o qual começara a avançar um novo inimigo, invisível,
incompreensível, vindo algures da cidade ou do estrangeiro, que destruía todos os «pilares» da vida
rural, trazendo consigo uma ruína sem precedentes, a miséria, a morte pela fome, o asselvajamento,

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Pakhom, crítica da individualidade e o realismo em Tolstói
A primeira cena do conto, no diálogo entre as duas irmãs – contrastando pares de
oposição: cidade e campo, a camponesa e a cosmopolita, a mais nova e a mais velha, a
dualidade do gênero134 e etc., Tolstói criva, não apenas a cobiça do protagonista (Pakhom
- camponês e esposo da irmã mais nova), mas também as contradições que entrecruzam
o realismo135 tostoiano136. Em meio aos polos opostos, Tolstói pontua as lutas individuais
pela subsistência inseridas em determinadas formas de organicidade social. E, desse
modo, expõe sua luta desenfreada pela propriedade. O trabalhador rural Pakhom, ouvindo
o desprezo da cunhada pelo ascetismo rural, pensa que com tanto trabalho, não tinha
tempo para “essas doidices”, sem saber que estava sendo vigiado pelo Diabo na estufa,
assegura que “Se tivesse terra à vontade, eu não teria medo de ninguém, nem do Diabo!”
(TOLSTÓI, 2015, p. 491). O Diabo, em segredo, resolve por a prova, proporcionando os
meios para que determinações de segunda ordem se colocassem no plano da consciência
do protagonista, para que a cobiça e o egoísmo nele se desenvolvessem, outorga “[...] lhe

a prostituição, a sífilis — todos os flagelos da época da acumulação primitiva, cem vezes agudizados
pela transferência para o solo russo dos mais modernos processos de pilhagem, elaborados pelo
senhor Cupão” (Grifo em negrito é nosso).
134
A cena expressa os limites da família mononuclear, ao passo que expõe duas mulheres que, mesmo
vivendo em regiões diferentes, são mediadas pela presença masculina: seja este na relação de cônjuge ou
de cunhado.
135 O Realismo na obra de Liev Tolstói refrata a unidade e totalidade enquanto apreende as conexões entre
o singular e o universal, entre o destino dos personagens e suas ações, e as consequências globais desta no
enredo, revelando-nos a anatomia de sua obra. Conforme Lukács (1991, p. 83-84), “O realista, [...] sendo
capaz de criticar e ultrapassar os dados imediatos, tende a situar o fenômeno necessário do nosso tempo no
seu verdadeiro lugar, num conjunto total e coerente, no lugar que lhe pertence em razão da sua essência
objetiva.”
136 “Lukács (1964) considera que os camponeses constituem tema central da obra de Tolstói, ora visíveis,
ora invisíveis. Tolstói capta muito bem a alma do camponês, e, portanto, é capaz de elaborar uma crítica
profunda à sociedade. Tolstói é ainda alguém que encarna nele mesmo essas contradições. Apesar de não
refletir todos os aspectos da realidade, Tolstói é capaz de apreender uma totalidade” (COSTA, 2016, p. 36).

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dar muita terra.” Pela propriedade, entrevero, “ […] vou levar você comigo.” (TOLSTÓI,
2015, p. 491).
Desprezado e injuriado pelos mujiques que o circundavam, ainda no verão da
conversa entre as irmãs, “Pakhom brigou com os juízes e com os vizinhos. Começaram a
se ouvir ameaças de que iam incendiar sua casa. Pakhom passou a viver com mais
largueza na terra, mas com mais opressão na comunidade.” (TOLSTÓI, 2015, p. 494).
Exaurindo interesse pela propriedade, e, atentando para o ganho de dez dessiatinas de
terra por indivíduo, Pakhom então decide pela ampliação de suas posses por meio da
venda da atual para constituir morada do outro lado do Volga. No outono "Vendeu a terra
com lucro, vendeu sua casa, vendeu todo o gado, retirou-se da comuna, esperou a
primavera e partiu com a família para as terras novas." (TOLSTÓI, 2015, p. 495). Em
proporção, só em terras comunais amplia sua possessão em três vezes mais do que antes,
o que torna seus rendimentos superiores. Passado três anos nessa localidade, a
necessidade de arrendamento das terras para o plantio dos grãos torna dispendiosa a
labuta. Pakhom novamente vê-se limitado pelas contingências, dessa vez pelo
arrendamento, então pensou: “‘Se a terra fosse minha', [...] 'eu não tinha de me curvar
para ninguém e não havia aborrecimento'” (TOLSTÓI, 2015, p. 497). Em busca de novas
terras, encontra fortuitamente com um negociante em viagem, que o informa acerca das
propriedades dos baskires, pastores de ovelhas muitos amigáveis, os quais não viam
importância e significação na propriedade privada do solo. Segundo o negociante, esse
povo havia lhe vendido cinco mil dessiatinas por mil rublos. Muitas terras virgens e
férteis137, compradas por "quase nada" (TOLSTÓI, 2015, p. 498). Pakhom decide visitar
o povo baskir. Em sua chegada é muito bem recebido e acomodado no interior de uma

137 “[...] tudo era terra virgem, plana como a palma da mão, preta como semente de papoula, e nos vales
mais fundos o capim chegava à altura do peito.” (TOLSTÓI, 2015, p. 504).

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das barracas. Em gratidão aos presentes que Pakhom trouxe, o intérprete expõe que o
costume local era generoso e cordial e, assim sendo, Pakhom teria direito a escolha de
seu presente. Pakhom responde que em sua localidade de origem “a terra é pouca e
cansada” (TOLSTÓI, 2015, 499) e, dessa maneira, seu desejo era terra. Os baskires
debatem sobre, expressando contentamento diante de sua demanda, decidem atender seu
pedido. Contudo, sentença que somente o chefe poderia conceder. Tomando o melhor
lugar entre eles e, recebendo das mãos de Pakhom chá e a melhor manta por presente,
delibera sobre, em favor. Adornado por um chapéu de pelo de raposa, revela a Pakhom
que este teria o direito a quanta terra lhe aprouvesse: “- Escolha onde quiser. Tem muita
terra” (TOLSTÓI, 2015, p. 500). Para tal, estabeleceu o preço de mil rublos por dia. O
dia seria o tempo que o protagonista teria para circunscrever a pé, demarcar o lugar
retornando ao ponto de saída antes do alvorecer.
Na colina da estepe dos baskires, depois da noite que passa insone na comunidade
estrangeira, Pakhom pode então tomar contato com a terra designada. Determinado a ser
rico, não calculou o tempo gasto, o espaço percorrido e suas forças para voltar. O sol,
cerzindo a tarde no horizonte; trôpego e exaurido, pés em cortes, angustiado pela
proximidade da noite, exaurido e já sem forças, recebe estímulo dos baskires que o
aguardavam na colina, sob o auspício das últimas frações da iluminação diurna.
Suspirando na chegada, ao encontrar com o chefe baskir, o protagonista rememora138 o

138 Indagando sua consciência admoestada pelos desejos exteriores durante a noite anterior, vislumbra em
sonhos a transformação da imagem do chefe baskir em negociante, e, logo, em mujique, vindo breve a
revelar sua forma como diabo “[...] com chifres e cascos, que estava sentado ali e ria, e que diante dele
estava deitado um homem descalço, só de camisa e calça. E Pakhom quis olhar com mais atenção para ver
quem era aquele homem. E viu que era um homem morto e que era ele mesmo.” (TOLSTÓI, 2015, p. 503).
De irônica antevisão profética, a imagem onírica é afeita visão de Cassandra: impotente diante do trágico,
apreende as linhas de força que sustentam a narrativa. Pakhom desdenha tal fado, e ao não preconizar o
ressoar do aviso em sua prática cotidiana, sequer descansa à noite, refratando em sua ansiedade o desejo de
definição da maior extensão de terras possível. De irônica antevisão, o conteúdo profético é afeito a visão

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emancipação humana
sonho da noite anterior, ao que suspense sem vida seu corpo ao chão, as mãos a tentar
tomar de volta o chapéu. “‘Ah, muito bem! - exclamou o chefe. – Pegou muita terra’. O
empregado de Pakhom veio correndo, quis levantá-lo, mas estava saindo sangue de sua
boca e ele jazia morto. […] o empregado pegou a pá, cavou uma cova para Pakhom,
exatamente o espaço que ocupava dos pés à cabeça – três archin – e o enterrou.
(TOLSTÓI, 2015, p. 508. Grifo em negrito é nosso). Três archin, toda terra que necessita
o ser social.
Crítica contumaz do estado de coisa, Tolstói experiencia a transição do trabalho
servil às relações de trabalho assalariadas na Rússia. Cerceamento das terras comuns e
das florestas, bem como a subsunção dos indivíduos às contingências particulares da
comuna, como membros de uma responsabilidade coletiva (SILVA, 2012, p. 113),
mesmo residindo em outro lugar não havia como evadir-se do pagamento. Baixa
produtividade e alta concentração de terras nas mãos de poucos, as transformações levam
a desintegração do mesmo e gerando conflitos em seu interior. A diferenciação agrária
agrava-se, dessa maneira, pela gênese das distintas classes capitalistas no campo139.
No conto, o mote é a cobiça conjurada e expressa na figura de Pakhom,
entrementes a escuta do diabo ao preterimento da vida urbana em detrimento a campesina
em consideração pela segurança espiritual que o campo ofereceria, ascetismo este em

de Cassandra: impotente diante do futuro trágico, apreende as linhas de força da narrativa, embora tal não
ressoe em sua prática cotidiana, não desviando nosso protagonista, afinal, de seus objetivos naquela estada.

139 Segundo Silva (2012, p. 114), o campesinato russo era subjugado por várias “contradições próprias das
economias de mercado e do capitalismo: a concorrência, a luta pela independência econômica, a
monopolização da terra (comprada ou arrendada), a tendência à concentração da produção nas mãos de uma
minoria, a proletarização da maioria e sua exploração pela minoria que dispunha do capital comercial e que
empregava operários agrícolas”. Com base em Lenin, ainda destaca que “dois conjuntos de mudanças
sintetizavam a questão do desenvolvimento do capitalismo no campo russo. Por um lado, a questão da
decomposição do campesinato e o surgimento no seu lugar de novos tipos sociais e, de outro, a subordinação
do capital comercial e usurário ao capital industrial”.

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antagonismo ao cosmopolitismo, expondo as contradições da divisão social e sexual do
trabalho, o antagonismo entre campo e cidade, trabalho manual e intelectual, pares
antitéticos que expressam a decomposição dos krepostnoi (SILVA, 2012, p. 112).

Trabalho, natureza e ser social em Marx


Longevo o conto, o ser social, a partir da objetivação de cadeias causais cada vez
mais complexas, produz a elevação qualitativa das necessidades140, construindo estágios
históricos distintos141. Por meio da interação com a natureza (trocas orgânicas e
inorgânicas) e com atividade produtiva (indústria), produz suas condições materiais de
existência no interior da protoforma das categorias objetivação e alienação, criando
habilidades, técnicas, novas necessidades e novas possibilidades. Neste processo, a forma
de produzir, de agir, de pensar e de sentir, condiz com a forma de produção e organização
social de cada época. As funções naturais são também mediadas historicamente142.

140 “[…] o reino da liberdade só começa ali onde termina o papel imposto pela necessidade e pela coação
dos fins externos; permanece, portanto, mais além da órbita da produção material propriamente dita. […]
Na medida em que se desenvolve, este reino da necessidade natural se amplia porque se multiplicam as
necessidades – mas, ao mesmo tempo, se multiplicam também as forças produtivas que podem satisfazê-
las” (MARX, 2010, p. 168).
141 “Por meio do próprio processo de produção, são transformados de momentos naturais e espontâneos
em históricos, e se para um período aparecem como pressuposto natural da produção, para outro são o seu
resultado histórico.” (MARX, 2011, p. 72).

142 Para Saffioti (1992, p. 186), “A formação da identidade de gênero é um exemplo de produção no reino
do sistema sexual. E um sistema de sexo/gênero envolve mais do que ‘as relações de procriação, reprodução
no sentido biológico’”, ou noutros termos, a identidade de gênero e a sexualidade são construções sociais,
nas quais a premissa são as condições materiais determinadas, “O vetor direciona-se, ao contrário, do social
para os indivíduos que nascem. Tais indivíduos são transformados, através das relações de gênero, em
homens ou mulheres” (SAFFIOTI, 1992, p. 187). A autora categoriza gênero enquanto este “constrói-
expressa através das relações sociais” (SAFFIOTI, 1992, p. 190). Noutro texto, afirma: “A identidade social
é, portanto, socialmente construída. Se, diferentemente das mulheres de certas tribos indígenas brasileiras,
a mulher moderna tem seus filhos geralmente em hospitais, e observa determinadas proibições, é porque a
sociedade brasileira de hoje construiu desta forma a maternidade. Assim, esta função natural sofreu uma
elaboração social, como aliás, ocorre com todos os fenômenos naturais. Até mesmo o metabolismo das
pessoas é socialmente condicionado.” (SAFFIOTI, 1987, p. 10). Para a autora (SAFFIOTI, 1992, p. 192;
194), o sistema de dominação-exploração caracteriza-se como conjunto das estruturas de exploração e de

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emancipação humana
Assevera Marx (2011, p. 65 – 66): “Fome é fome, mas a fome que se sacia com carne
cozida, comida com garfo e faca, é uma fome diversa da fome que devora carne crua com
mão, unha e dente. Por essa razão, não é somente o objeto do consumo que é produzido
pela produção, mas também o modo do consumo, não apenas objetiva, mas também
subjetivamente. A produção cria, portanto, os consumidores”. As funções orgânicas,
portanto, são também elas mediadas historicamente.
No caso, ao tomar a causalidade natural, o ser social objetiva necessidades e
possibilidades historicamente criadas, repõe sua subjetividade por sobre as possibilidades
materiais no objeto de sua produção. Em Marx, as categorias objetivação e alienação
operam em unidade contraditória por sobre a natureza. O autor concebe, nestes termos, a
categoria natureza como matéria ou meio em interioridade orgânica – enquanto o ser é
envolvido por mediações de primeira e de segunda ordem. Sob o prisma da crítica da
alienação, destaca a divisão do trabalho, da propriedade e o lucro como mediações
alienantes. Na relação do homem com a matéria “[…] o seu trabalho se efetiva, na qual
[o trabalho] é ativo, [e] a partir da qual e por meio da qual [o trabalho] produz” (MARX,
2009, p. 81). Pensando a natureza humana por sobre esta contradição imanente, conota a
categoria como meio, natureza insuprimível no gênero, uma vez que somos parte do todo
natural, a natureza “está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da
natureza.” (MARX, 2009, p. 84).

opressão. Controle estrutural dos meios e modos de vida da classe trabalhadora como deslocamento de
contradições e reconfiguração do mesmo por sobre a alienação, na concepção marxiana, desprezando a
apreensão de que se “[…] trata apenas de dar aos proletários um pouco de pão e educação, como se somente
os trabalhadores definhassem sob as atuais condições sociais, ao passo que, para o restante da sociedade, o
mundo tal como existe fosse o melhor dos mundos.” (MARX, 2006, p. 22), haja visto que “A Revolução
não derrubou todas as tiranias; os males que se reprovavam nos poderes despóticos subsistem nas famílias;
nelas eles provocam crises análogas àquelas das revoluções.” (MARX, 2006, p. 28 – 29). Dessa maneira,
o conceito de controle estrutural dos meios e modos de vida da classe trabalhadora verifica os limites
estruturais da família mononuclear burguesa, conformada enquanto "família natural".

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emancipação humana
O ser social efetiva-se por sobre a base biológica de seu ser natural, entretanto,
sendo a existência humana uma produção social, no homem e nas suas relações estão
contidas todas as contradições e mudanças históricas, ao passo que se distinguem na
forma de ser. Deste jeito, a alienação singular que se funda e realiza na forma assalariada
da expropriação do tempo de trabalho, Marx assinala a pertença recíproca do par genético
propriedade privada e divisão social do trabalho capitalista: “1) A relação do trabalhador
com o produto do trabalho como objeto estranho e poderoso sobre ele. Esta relação é ao
mesmo tempo a relação com o mundo exterior sensível, com os objetos da natureza como
um mundo alheio que se defronta hostilmente. 2) A relação do trabalho com ato da
produção no interior do trabalho.” (MARX, 2009, 83), revelando a categoria natureza
como objeto alienado pela inversão histórica alienante da primazia estrutural objetiva do
entrave da forma mercadoria ao trabalho social como identidade formal das forças
produtivas.
Por meio do desvelamento dos antagonismos entre capital e trabalho, realiza a
crítica do caráter alienado das determinações de segunda ordem 143. Deste modo, Marx
demonstra já nos Manuscritos, a crítica dos limites históricos das categorias enquanto
submerge na essência mesma da propriedade privada: a alienação do produto do trabalho
humano diante da base material da produção social da existência. Enquanto enuncia a
singularidade da forma mercadoria em antagonismo, assinala: O trabalhador se torna
tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em
poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais
mercadorias cria. […] O trabalho [capitalista] não produz somente mercadorias; ele

143 “TRABALHO ASSALARIADO, PROPRIEDADE PRIVADA e INTERCÂMBIO, impondo-se por


meio do poder controlador do capital (que surge de seu monopólio sobre os meios de produção) e a
correspondente divisão social hierárquica do trabalho.” (MÉSZÀROS, 2011b, p. 100).

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produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto, na medida em que
produz de fato, mercadorias em geral. (MARX, 2009, p. 80).
Retomando a crítica às determinações exteriores do mundo das mercadorias,
contrasta a generidade no ser social ante aos limites tacanhos da alienação capitalista,
vinculando a alienação do objeto de trabalho à alienação da natureza, da generidade e
mesmo de si (MARX, 2009, p. 85). Assim, afirma Marx (2009, 2009, p. 84): “o trabalho
estranhado 1) estranha do homem a natureza, 2) [e o homem] de si mesmo, de sua própria
função ativa, de sua atividade vital; ela estranha do homem o gênero [humano]”.
Determinação que põe as cadeiras no teto, o trabalho assalariado inverte a atividade vital
de sua essência, tornando o trabalho, “meio para sua existência” (MARX, 2009, p. 85).
Como produto da atividade humana em contradição à propriedade privada dos meios de
produção e subsistência, a forma particular funda-se por sobre a apropriação individuada
nas bases da alienação (MARX, 2009, p. 89). Como determinação reflexiva, a
individualidade moderna duplica a exterioridade da produção de mercadorias capitalista:
trabalho como meio de existência, subsumido pela exterioridade da contradição e da cisão
propriedade privada e trabalho, convergindo na determinação sistemático estrutural da
individualidade moderna.

Conclusão
No conto tolstoiano, as determinações exteriores do mundo reificado da produção
capitalista revelam sua historicidade na extrema ratio do protagonista. Ao nos
aproximarmos da estética realista em Tolstói, verifica-se varias passagens que
demonstram a transição do trabalho servil à exploração capitalista, bem como a
acumulação primitiva de capital, a qual não nos detivemos. Muito embora de origem
aristocrática, o autor rompe com os preconceitos oriundos de sua classe e expõe as tensões

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da latência das potencialidades históricas diante da aparência fetichizada da vida
cotidiana.
Os limites do enredo são desvelados pela ação do personagem – a cobiça de
Pakhom pela terra consome, sobremaneira, as forças naturais do solo e do protagonista.
O que, por um lado valoriza a terra, a propriedade privada dos meios de produção e
subsistência e suas determinações, de outro, leva Pakhom a seu fenecimento. Enquanto
símile literário da moderna alienação burguesa, ironicamente prescinde de final trágico
no enredo, esgotando sua própria existência, forças e capacidades em detrimento a um
fim exterior. A propriedade privada torna-se um fetiche que consome a existência. Passo
torto, trôpego regresso sem alento, que, dos limites sistemático-estruturais, situa um ser
alienado, que não valoriza a terra na objetivação da vida, mas na valorização do capital.
Envolvido pela ganancia, a atividade prática de Pakhom, limita-se a cosmovisão de seus
problemas individuais imediatos.

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_______. Anna Kariênina – São Paulo, SP: Cosac & Naify, 2015.

Autor/a:

Bruno G. Hatschebach
Discente pesquisador da licenciatura em Pedagogia na Universidade Estadual do Oeste
do Paraná – UNIOESTE/Campus Cascavel.
Membro do Grupo de Pesquisa História e Historiografia na Educação, atualmente
desenvolve a pesquisa: Da subserviência às transgressões: uma análise histórica da obra
de Jorge Amado.
Aparecida Favoreto
Professora e pesquisadora do Mestrado em Educação e da licenciatura em Pedagogia na
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/Campus Cascavel.
Graduada em História (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em Educação
(UFPR).
Membro do Grupo de Pesquisa História e Historiografia na Educação.

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emancipação humana
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL
E DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA144
Juliana Aparecida Poroloniczak
Francisco José Carvalho Mazzeu

Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados parciais de uma pesquisa
que tem como objeto o método cubano de alfabetização de adultos “Yo, si puedo”145.
Trazemos aqui o foco nos pressupostos teóricos do processo de alfabetização que estamos
utilizando para analisar esse método, estabelecendo sua relação com a Psicologia
Histórico-Cultural e com a Pedagogia Histórico-Crítica. O pressuposto geral que sustenta
a pesquisa é concepção marxista de ser humano e a abordagem dialética do
desenvolvimento do indivíduo, enquanto ser histórico e social. Nesse enfoque os
processos educativos são analisados em sua relação com a produção da existência através
do trabalho, considerando as características que essa produção assume na sociedade
capitalista. A alfabetização, como primeira etapa e condição de acesso ao conhecimento
humano acumulado e registrado por meio da escrita somente pode ser compreendida
como parte dessa totalidade concreta.
Temos clareza da dificuldade de abordar um assunto específico como a
alfabetização à luz de categorias de máxima generalidade do materialismo dialético e
histórico. Portanto, o que nos propomos no limite deste trabalho é apontar elementos que

144
Pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
145
O método cubano de alfabetização, YO SI PUEDO (Sim, eu posso), foi desenvolvido pelo Instituto
Pedagógico Latino-americano e Caribenho – IPLAC, no ano de 1999, mais de cinco milhões de pessoas
em cerca de 28 países já foram alfabetizadas usando esse método, que está disponível em português, inglês,
francês e foi adaptado às características sociais, linguísticas e culturais de cada país onde foi utilizado.

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emancipação humana
consideramos essenciais para avançar nessa reflexão, buscando evitar as armadilhas das
concepções idealistas e a-históricas que hegemonizam o debate nesse campo. Por isso
recorremos aos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural:
A psicologia materialista oferece uma verdadeira explicação científica
dos fenômenos espirituais que sempre haviam sido um reduto da
religião e da mística. A explicação materialista desses fenômenos é um
grande aporte ao desenvolvimento de uma concepção verdadeiramente
científica do mundo. Lenin considerava a psicologia uma das ciências
que devem servir de base à dialética e a teoria do conhecimento.
(SMIRNOV, LEONTIEV et al, 1961, p. 26, tradução nossa)

Neste sentido, tomamos como ponto de partida da análise do processo de


alfabetização a ideia geral de que as características humanas não são herdadas pela
genética, mas produzidas historicamente e apropriadas através de processos educativos.
Ou seja, cada sujeito se torna humano, conforme afirma Leontiev: “O que a natureza lhe
dá quando nasce não basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que
foi alcançado no decurso do desenvolvimento da sociedade humana” (2004, p.285).
Prossegue o autor indagando: “Será, todavia o desenvolvimento da criança um processo
de adaptação? “Eu afirmo que a despeito de uma idéia muito generalizada, a noção de
adaptação não traduz o que há de essencial no desenvolvimento psíquico da criança.”
(LEONTIEV, 2004 p.340)
Esse pressuposto apresenta a concepção necessária para compreender o
desenvolvimento dos seres humanos e a educação em seus determinantes históricos e
sociais. Ao nascerem os indivíduos já encontram, na sociedade em que vivem, as
condições postas pelas gerações que os precederam, por isso podemos afirmar que a
criança ao nascer já é um ser social, pois está condicionada pelo meio social, econômico
e cultural, seu desenvolvimento se dará em maior ou menor medida em função das
possibilidades oferecidas por esse meio e das relações educativas que estabelecerá ao
longo da vida. O problema central é saber em que medida essas condições objetivas irão

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favorecer a apropriação dos conhecimentos acumulados pela humanidade, condição
imprescindível tanto para a formação plena do indivíduo, quanto para possibilitar sua
contribuição para o avanço do desenvolvimento da humanidade. Sendo assim:
Leontiev afirma o seguinte: “O indivíduo, a criança, não é pura e simplesmente
lançada no mundo dos homens, é aí introduzida pelos homens que a rodeiam e guiam este
mundo” (2004, p.254). “[…] o movimento da história só é, portanto, possível com a
transmissão, às novas gerações das aquisições da cultura humana, isto é com educação”
(2004, p.291). Davidov acrescenta que:
As gerações anteriores transmitem as sucessivas não somente as
condições materiais da produção, mas também as capacidades para
produzir as coisas nessas condições. Essas capacidades são a memória
ativa que a sociedade tem de suas forças produtivas universais. (1988,
p.4, tradução nossa)

Dois aspectos precisam ser destacados nessa reflexão: o primeiro é que a


apropriação do saber acumulado sempre se dá pela mediação dos adultos, seja direta ou
indireta, ao contrário das crenças espontaneístas de que a criança descobre ou aprende
sozinha. O segundo é de que essa apropriação é uma necessidade da própria sociedade,
pois é a única via para formar nos indivíduos a capacidade de manejar os instrumentos de
trabalho já existentes e produzir novos. Portanto, o trabalho enquanto atividade
especificamente humana, mediada ao mesmo tempo por instrumentos, signos e pelas
outras pessoas, é uma categoria fundamental para compreender a educação e a
alfabetização na perspectiva do marxismo.

A centralidade da categoria Trabalho


Como categoria central, o papel do trabalho é determinante na compreensão do
desenvolvimento das qualidades humanas ao longo da história, um processo que liga o
homem à natureza por meio de uma relação recíproca e dialética, em que a ação do
homem sobre a natureza produz uma natureza humanizada e humaniza o próprio homem,

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superando seus limites biológicos. O trabalho é o elemento fundante através do qual o
homem se transforma e constitui-se enquanto ser humano. Marx afirma que o trabalho é:
“[…] um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua
própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza”. (MARX, 1982,
p. 149).
Conforme define Leontiev, “o aparecimento e o desenvolvimento do trabalho,
condição primeira e fundamental da existência do homem acarretam a transformação e a
hominização do cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos órgãos dos sentidos”
(2004, p. 76), as alterações essenciais na organização física do homem que ocorrem
durante o período denominado hominização, culminam com o surgimento da história
social da humanidade e as leis biológicas que governavam a vida com exclusividade são
transformadas, gerando uma intrincada conexão com as novas leis histórico-sociais.
Com a invenção e uso de instrumentos o homem modificou a natureza, corpo
orgânico do ser humano e pelo trabalho se tornou capaz de se diferenciar dos animais
uma vez que, “por mais complexa que seja a atividade “instrumental” dos animais jamais
terá o caráter de um processo social, não é realizada coletivamente e não determina as
relações de comunicação entre os seres que a efetuam” (LEONTIEV, 2004, p. 81). Para
que o trabalho humano possa existir é necessária tanto a produção de instrumentos ou
meios de trabalho, quanto a criação, em cada indivíduo, da capacidade para usar esses
instrumentos e para agir coletivamente em função de objetivos previamente
determinados. Por isso a educação em geral e a alfabetização em particular são condições
necessárias para que o trabalho possa ser realizado, sempre que a sociedade tenha
desenvolvido instrumentos que exijam o uso da linguagem escrita e que as relações de
trabalho possibilitem que os trabalhadores tenham acesso a esses instrumentos. Como
explica Álvaro Vieira Pinto:

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emancipação humana
A leitura e a escrita são primordialmente dois dos recursos a que o
indivíduo recorre para a execução de um trabalho que não pode ser feito
sem esse conhecimento. Por conseguinte, o conhecimento da leitura e
da escrita é uma característica do trabalho. Sua valoração só pode ser
feita tomando em consideração o nível de trabalho que cada indivíduo
executa na sociedade. Pode-se dizer que é o trabalho que alfabetiza ou
analfabetiza o homem, segundo exija dele o conhecimento das letras,
ou seja de tal espécie que o dispense de conhecê-las. (2007, p.63)

Essa relação entre o trabalho e a alfabetização, porém, não pode ser vista de
modo unilateral e mecanicista, já que a aquisição da linguagem escrita pelo indivíduo
humano, ainda que não venha a ser utilizada diretamente no processo de trabalho,
constitui uma necessidade fundamental para o desenvolvimento da sua consciência e para
que possa inclusive atuar melhor sobre as condições objetivas e materiais que dificultam
ou impedem o seu pleno desenvolvimento humano. O mesmo autor (PINTO, 2007)
mostra esse outro aspecto:
[...] a educação é substantiva, altera o ser do homem. A não ser assim,
seria apenas adjetiva, mero ornamento da inteligência. O homem que
adquire o saber, passa a ver o mundo e a si mesmo deste outro ponto de
vista. Por isso se torna um elemento transformador de seu mundo. Esta
é a finalidade essencial da educação. Tal é a razão de que todo
movimento educacional tenha conseqüências sociais e políticas. (p.23,
grifos no original)

Portanto, a aquisição da linguagem e seu aprimoramento por meio da escrita


estão vinculados à forma como a sociedade produz sua existência por uma relação
dialética, de ação recíproca. Leontiev (2004, p. 93) afirma que “a produção da linguagem
como da consciência e do pensamento está diretamente misturada na origem, à atividade
produtiva, a comunicação material dos homens”. Essa abordagem remete a Marx (2007,
p. 35) para quem,
A linguagem é tão antiga quanto a consciência – a linguagem é a
consciência real, prática, que existe para os outros homens e que,
portanto, também existe para mim mesmo; e a linguagem nasce, tal
como a consciência, do carecimento, da necessidade de intercâmbio

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com outros homens. Desde o início, portanto, a consciência já é um
produto social e continuará sendo enquanto existirem homens.

A palavra é um dos componentes fundamentais da linguagem, pois se constitui


em um signo por excelência ao remeter ao objeto e ao mesmo tempo codificar a
experiência humana em relação a esse objeto “a palavra distingue-o e generaliza-o para a
consciência individual, precisamente na sua relação objetiva e social, isto é, como objeto
social” (LEONTIEV, 2004, p. 93).
O pensamento humano atinge o concreto por meio das abstrações e
generalizações dos fenômenos que estão na realidade. A palavra possibilita que o homem
avance para além das sensações e percepções imediatas da prática empírica. Por meio das
palavras os sujeitos tem a possibilidade de refletir sobre o seu pensamento e suas ações,
desenvolvendo a autoconsciência.

A linguagem escrita
O uso da palavra, a partir da qual passa a ser possível codificar a experiência e
operar mentalmente com objetos ausentes, nos permite compreender que a linguagem e a
consciência não são faculdades inatas ou naturais, mas historicamente determinadas por
um conjunto de situações, ou melhor, de necessidades humanas surgidas ao longo do
desenvolvimento do gênero humano. Assim, a linguagem avançou de um estágio inicial,
voltado para a atividade prática guiada por gestos, até a construção de um sistema de
códigos escritos, constituindo uma representação dos sons que, por sua vez, representam
ideias e significados. Por essa razão Vigotsky (2001) denominou a escrita como a
“álgebra da linguagem” ou uma linguagem de segundo grau.
No decorrer da historia da transformação do homem em ser social e no
desenvolvimento das funções psíquicas superiores encontram-se como fundamental a
apropriação da cultura material e espiritual, a necessidade de comunicação via linguagem

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oral. Posteriormente a linguagem escrita produz um salto nesse processo de registro e
transmissão do conhecimento historicamente acumulado, pois dispensa a presença direta
do falante. A partir do momento que aprende a ler, o indivíduo pode buscar por si mesmo
o conhecimento através da leitura, abrindo as portas para um universo cultural muito mais
amplo.
Nesse sentido, o papel que a linguagem escrita desempenha como instrumento
cultural e de mediação com mundo é fundamental, compreendendo que: “É impossível
apresentar-se história mais notável ou característica da psicologia do homem do que a
história do desenvolvimento da escrita, história que demonstra como o homem procura
controlar a memória”. (VYGOTSKY, LURIA, 1996, p. 119).
Pode-se dizer que a escrita é essencialmente uma técnica peculiar de produzir
marcas que podem ser interpretadas como portadoras de determinado significado. Ao
contrário da fala, que é produzida somente com o uso do corpo humano, a escrita requer
sempre algum tipo de instrumento culturalmente elaborado, desde suas etapas iniciais
com as inscrições em pedras e tábuas de argila, passando pelos diversos tipos de objetos
que produzem marcas em madeira, papel e qualquer outra superfície, até chegar ao uso
de telas acopladas a circuitos eletrônicos, que respondem a impulsos gerados por um
teclado alfanumérico ou pelo contato do dedo humano ou outro condutor elétrico
qualquer, a escrita sempre incorpora elementos da natureza, cujas propriedades vão sendo
descobertas pela humanidade e passam a fazer parte do corpo inorgânico dos indivíduos.
Sua essência histórico-cultural, porém, não reside no aparato com o qual se produzem os
sinais gráficos, mas na capacidade humana de representar objetos e ideias por meio de
signos, capacidade que não é inata e precisa ser ensinada às novas gerações para que a
escrita não se perca e leve com ela todo o legado do saber acumulado.
Portanto a aquisição da escrita para se efetivar, precisa conduzir à produção, em
cada indivíduo, de uma segunda natureza, para além da natureza biológica do corpo

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humano. Por isso a alfabetização é um processo que não ocorre de modo natural e
espontâneo, mas requer meios intencionais e sistemáticos para sua realização. Somente
com um trabalho sistemático por parte do educador é possível assegurar que todas as
crianças aprendam a ler e escrever no menor tempo, a fim de que possam atuar como
agentes do seu próprio processo formativo, acelerando a apropriação da cultura
acumulada e se preparando para atuarem como trabalhadores e dirigentes na sociedade
do futuro. Ocorre que nas sociedades de classes como a nossa, a classe dominante cria
uma infinidade de artifícios e subterfúgios para evitar que as classes populares tenham
acesso a uma alfabetização de qualidade, por exemplo, atacando os métodos e outros
recursos de ensino sistemático a pretexto de deixar o professor “livre” para criar seus
próprios meios de ensino, assim como defendendo a “liberdade” para o aluno aprender
como quiser.

A alfabetização como processo histórico-cultural


A aquisição da escrita por meio da alfabetização não apenas cria a possibilidade
de acesso ao saber acumulado, mas altera significativamente a estrutura do psiquismo de
cada indivíduo. Funções psicológicas que de desenvolviam de forma direta, passam a
utilizar os signos gráficos como mediadores para ampliar a capacidade do cérebro de
operar sobre a realidade. Exemplo disso acontece com a memória. A memória direta
constitui-se como um tipo de memória natural, tendo como propriedade a captação
imediata de situações vividas mediante as experiências. A memória indireta seria aquela
mediada pela intervenção de elementos do mundo externo tal como processos simbólicos
instituídos histórica e culturalmente como operações relacionadas com o uso de signos.
Esse contato com a escrita como sistema de signos, capaz não só de comunicar
ideias, mas de servir como instrumento do pensamento, tem início muito antes do dia em
que a criança começa seu aprendizado escolar, como ficou caracterizado nos estudos de

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Vigotsky (2001) e Luria (2001) sobre a “pré-história” da linguagem escrita na criança.
Algumas das conclusões mais importantes desses estudos que podem ser destacadas para
fundamentar o trabalho do alfabetizador são:
1. As primeiras tentativas de escrita da criança, na forma de rabiscos (garatujas)
consistem em uma imitação da atividade de escrever dos adultos, um tipo de jogo
protagonizado onde a criança faz de conta que está escrevendo. A criança não inventa
uma nova escrita, mas se apropria do sistema existente na sociedade em que vive e das
técnicas necessárias para operar com esse sistema. 2. As primeiras diferenciações nos
rabiscos se manifestam quando a criança procura registrar quantidades, o que indica o
papel fundamental que os números exercem na formação da linguagem escrita, o que
ainda é pouco explorado no processo de alfabetização. 3. O uso de mediadores adequados,
na forma de auxílios oferecidos pelo adulto (no caso, os pesquisadores) é essencial para
que a criança passe de modo mais rápido e seguro para as etapas mais elaboradas do uso
da escrita, saindo dos rabiscos para chegar a uma escrita simbólica, de caráter
instrumental, na qual o uso de signos permite registrar e recuperar as ideias sem depender
da memorização direta. 4. Não existe uma sequencia predeterminada de etapas ou fases
do desenvolvimento da escrita que a criança deva necessariamente passar. Embora
possam ser traçadas linhas gerais nesse desenvolvimento, cada criança percorre um
caminho singular. Por exemplo, algumas crianças desenvolvem uma escrita de natureza
pictográfica, usando os desenhos para representar ideias de modo instrumental, ao passo
que outras avançam diretamente para o uso das letras como registro dos sons da fala. Há
ainda aquelas que, ao buscarem registrar os sons, se concentram apenas em selecionar as
letras correspondentes a esses sons e perdem de vista o significado e a função instrumental
da escrita. Daí o papel decisivo do educador que conduz esse processo e a importância
dos métodos, materiais didáticos e outros instrumentos de trabalho pedagógico.

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emancipação humana
Na alfabetização de jovens e adultos, embora o ensino sistemático e o uso de
métodos não tenham sido tão estigmatizados como na alfabetização de crianças, também
ocorreu um processo de gradativo esvaziamento de conteúdos específicos da linguagem
escrita em nome de uma valorização do saber próprio dos alunos. No método de
alfabetização de jovens e adultos “Yo, si puedo” (Sim, eu posso) desenvolvido em Cuba
e utilizado em mais de 30 países é resgatado esse ensino sistemático das relações entre
fonemas e letras, associados a números e palavras significativas, os números são o suporte
para o aprendizado da leitura e da escrita, uma vez que, os adultos analfabetos em geral
no cotidiano estabelecem relações fazendo uso dos números146.

Considerações finais
O processo de alfabetização é permeado por controvérsias, seja do ponto de vista
das concepções, seja das práticas. A abordagem desse tema na perspectiva do
materialismo dialético e histórico ainda é incipiente, apesar dos avanços da Psicologia
Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica. Um dos pontos a aprofundar é
exatamente a relação entre os conceitos e proposições psicológicos e pedagógicos e as
categorias fundamentais da filosofia da práxis, com destaque especial para a categoria
Trabalho.
A partir da compreensão do trabalho na perspectiva marxiana, é possível
compreender a alfabetização ao mesmo tempo como a formação de um trabalhador
inserido em uma sociedade de classes e como um trabalho que consiste em produzir em
cada aluno a capacidade de ler e escrever. Esses fundamentos são essenciais para avançar

146
Estamos desenvolvendo uma análise desse método com base nos pressupostos aqui explicitados e alguns
pontos dessa análise já foram publicizados na revista Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação no
artigo intitulado “Contribuição para a análise do método cubano de alfabetização ‘yo, sí puedo’ (sim, eu
posso) à luz da abordagem histórico-cultural”.

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com mais solidez na busca de superação das teorias e práticas hegemônicas no campo da
alfabetização.

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VIGOTSKII, L.S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone,
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Luria. Trad. Diana Myriam Lichtenstein e Mario Corso. Porto Alegre: Artes Médicas,
1986.

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processo de produção do capital – Segunda edição. São Paulo: Nova Cultural, 1982.

_______ A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã em seus


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profetas (1845-1846) / Karl Marx, Friedrich Engels; São Paulo: Boitempo, 2007.

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Tradución directa del ruso. Por Florencio Villa Landa. Imprensa Nacional de Cuba, 1961.

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história do comportamento: O macaco, o primitivo e a criança. Trad. Lolio Lourenço
de Oliveira. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

VIGOTSKY, Lev Semionovitch. Obras Escolhidas. Tomo II. Madri, Espanha: A.


Machado Libros, 2001.

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emancipação humana
Autores:

Juliana Aparecida Poroloniczak


FCL/UNESP
e-mail: julianap@nrecascavel.com
Francisco José Carvalho Mazzeu
FCL/UNESP
e-mail: fmazzeu@gmail.com

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emancipação humana
IDEALISMO E MATERIALISMO: MATRIZES FILOSÓFICAS DO
PENSAMENTO EDUCACIONAL
Zinara Marcet de Andrade
Armenes de Jesus Ramos Junior

Introdução
Não há questionamentos quanto à importância e à necessidade da educação
escolar. Entretanto, em razão das inúmeras visões de educação existentes, muitas práticas
pedagógicas bem intencionadas não têm o resultado esperado. Este fato, sem dúvida,
ocorre em grande parte pela inconsistência teórica na formação acadêmica docente, não
específica desta categoria profissional mas em todas as áreas de conhecimento e
caracteriza o presente contexto histórico. Todavia, se quisermos realmente compreender
qual a concepção pedagógica que melhor pode contribuir com a melhora da escola pública
e com o desenvolvimento integral da classe trabalhadora, precisamos ter clareza de qual
concepção de mundo e educação devemos seguir. Apesar de algumas discordâncias
acerca da necessidade do conhecimento teórico-filosófico, é inegável que diferentes
teorias levam a diferentes compreensões, a diferentes práticas pedagógicas e,
principalmente, a diferentes construções de indivíduos quer do ponto de vista pessoal,
quer do ponto de vista profissional.
Assim, na primeira parte do texto resgatamos as origens do idealismo e do
materialismo. Na sequência, apresentamos uma breve análise dos reflexos destas nas
concepções educacionais.
Esperamos, desta forma, contribuir com a categoria docente e com a educação da
classe trabalhadora.

As origens do idealismo e materialismo presentes na educação escolar

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emancipação humana
Podemos afirmar que a educação como prática social está presente entre os seres
humanos desde as épocas mais remotas, pois transmitir a cultura e os conhecimentos
acumulados sempre consistiu em estratégia para garantir a sobrevivência perante as
adversidades. Além disso, o ser humano sempre procurou conhecer os fenômenos da
natureza e sobre sua existência e, paulatinamente, cumulou conhecimentos diversos.
Nesse longo percurso, na aurora da humanidade, cabia aos adultos transmitir o
que sabiam e podiam aos mais jovens e às crianças durante os afazeres da vida cotidiana,
ou seja, pelas atividades que hoje denominamos "trabalho". Essas atividades, práticas
necessárias para a sobrevivência, eram divididas de acordo com as possibilidades de cada
um dos membros de um grupo. Todos precisavam contribuir com a coletividade, todos
trabalhavam e repassavam os conhecimentos aos outros membros da coletividade,
principalmente aos mais novos.
Somente muitos milênios mais tarde, à medida em que ocorreu a evolução das
sociedades para uma condição de maior complexidade econômica, as atividades
necessárias para a sobrevivência foram estabelecidas a partir de outro critério, isto é, o da
propriedade privada. A partir de então, foram criados grupos distintos de indivíduos: os
que exerciam atividades de controle e os que exerciam atividades "braçais". Logo, a
transmissão de conhecimento passou a ser diferenciada para as pessoas de um mesmo
coletivo. Ou seja, enquanto a maioria desprovida de propriedade continuava a ser
ensinada e aprender pelo trabalho, a minoria, que detinha posses, tinha mestres para o
ensino e aprendia em lugares que garantissem um conhecimento aprofundado. Assim,
somente os que não precisavam se dedicar às atividades braçais que garantiam a
sobrevivência e o sustento da coletividade podiam frequentar a "escola", lugar de ócio.
O processo educacional era bastante diferente do que conhecemos e, de acordo
com registros históricos, a educação ocidental tem suas raízes na cultura grega, uma das
civilizações mais antigas, datada de cinco a seis séculos antes de nossa era (GAUTHIER,

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TARDIF, 2014). A literatura acerca dessa herança cultural grega nos conta que ela foi
constituída em duas principais cidades, Esparta e Atenas, cada uma com suas
características. A primeira destacou-se por sua preocupação militar, ao passo que a
segunda consagrou-se pelas questões políticas e pelo empenho na educação clássica e
humanista, razão pela qual Atenas transformou-se no centro irradiador da cultura grega.
(ARANHA, 1993, p.39)
Desse legado grego, com grandes contribuições atenienses, que influencia até
hoje a nossa compreensão de educação e escola, destacam-se os filósofos Sócrates, Platão
e Aristóteles com diferentes visões de mundo e de construção de conhecimento,
precursores de correntes filosóficas chamadas idealistas e materialistas.
Em ordem cronológica, o primeiro desses filósofos, que até hoje influenciam a
nossa concepção de educação foi Sócrates (470-399 a.C), para o qual a primeira obrigação
de todos os seres humanos era de conhecer a si mesmo. Para ele, esse conhecimento
deveria ser buscado junto à consciência porque nesta seria possível encontrar os
elementos determinantes da finalidade da vida e da educação. (PILETTI, PILETTI, 1988,
p.64) Contudo, isso não seria possível por meio de meras opiniões dos indivíduos, mas
pela apropriação das ideias de valor universal. Para tanto, cada indivíduo deveria ser
educado e o ato educativo deveria ocorrer de forma dialogada entre o mestre o aprendiz.
Logo, o conhecimento para Sócrates era alcançado por meio da racionalidade, aspecto
que para ele consistia na grande diferenciação entre os seres humanos e os animais
(BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2011).
Sócrates foi condenado à morte por considerarem suas ideias subversivas aos
jovens uma vez que questionava as verdades e os saberes tradicionais. (CHAUÍ, 1994)
Seu discípulo mais ilustre foi Platão que o imortalizou em vários de seus escritos.
Platão (428-348 a.C) foi bem além de Sócrates, mas tal como seu mestre,
acreditava que o verdadeiro conhecimento, a episteme (ciência), é alcançado quando a

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razão ultrapassa o mundo sensível e atinge o mundo das ideias. Para ele, os seres humanos
possuíam um corpo mortal e um imortal, a psique, a alma, de onde provém todos os
verdadeiros conhecimentos dos fenômenos. Acreditava que a psique se assemelhava ao
que é divino, portanto imortal, a qual nos habilitava para obter a capacidade de pensar e
alcançar as verdades.
Embora Sócrates também acreditasse que o verdadeiro saber estava na ideia,
Platão foi o primeiro filósofo a sistematizar uma concepção idealista, pois [...] supunha a
existência de dois mundos: o mundo das ideias, entendidas como invisíveis, eternas,
incorpóreas, mas reais, e o mundo das coisas sensíveis, o mundo dos objetos e dos corpos
carnais. (ANDERY et al, 1988, p.73) Além disso, para Platão o verdadeiro conhecimento
era eterno, ou seja, após a morte do indivíduo o conhecimento permanecia no mundo dos
homens e poderia ser alcançado por outros membros da comunidade.
Platão preocupou-se também com o processo de educação, pois o educador
deveria promover no educando o processo de interiorização, necessário para se chegar
aos conhecimentos. Porém, conforme esclarecido por Aranha (1989), para Platão as
pessoas possuíam psiques diferenciadas, critério que definia o devido lugar de cada
cidadão na sociedade grega. Para ele, os que homens livres deveriam receber a mesma
educação até os vinte anos e receber educação diferenciada de acordo com sua psique.
Para os indivíduos com psique de bronze, de sensibilidade tosca, a educação não deveria
ir para além dos vinte anos, pois estes teriam condições apenas de exercer atividades
braçais e seriam os responsáveis pelo comércio, agricultura, artesanato e outros trabalhos
que garantissem a subsistência da cidade. Já os indivíduos com psique de prata deveriam
estudar por mais 10 anos e seriam os guerreiros do Estado, responsáveis pela defesa da
cidade. Os de psique de ouro, mais capazes que os demais, deveriam ser instruídos na arte
de dialogar, recebendo ensinamentos de filosofia para alcançarem o verdadeiro
conhecimento e os que mais se destacavam tinham o privilégio do exercício do poder.

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(ARANHA, 1989) Dessa forma de Platão entender o mundo, bem como a própria
compreensão de conhecimento, vem a expressão "platônico", para se referir a algo que
existe apenas na psique, na alma, enfim, no mundo das ideias.
Dessa compreensão de conhecimento nasceu o idealismo para o qual as ideias
contém a essência da realidade. Dela derivam várias correntes filosóficas, inclusive
educacionais, como veremos adiante. Contudo, inquestionavelmente, o grande mérito de
Platão foi buscar compreender os fenômenos naturais e sociais para além das explicações
mitológicas usuais de sua época.
Continuando nossa exposição sobre os principais filósofos gregos que
influenciaram as concepções de educação, temos Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de
Platão. Ao contrário de seu mestre, Aristóteles entendia que o conhecimento provinha do
mundo real e que a educação não era um ato de buscar o conhecimento existente na
psique. Assim, desenvolveu uma teoria realista, a para a qual as devidas explicações dos
fenômenos devem ser buscadas em si e não por meio de contemplação.
Aristóteles desenvolveu sua visão de educação tendo por base a observação da
vida dos animais, cujos filhotes imitavam seus progenitores. Porém, percebia que nos
seres humanos não se tratava apenas de mera imitação, mas sim de um processo no qual
o homem se educava na medida em que copiava a forma de vida dos adultos. A educação
deveria ser um processo no qual: "O mestre deve, em primeiro lugar, expor a matéria do
conhecimento. Em seguida tem de cuidar que se imprima ou retenha o exposto na mente
do aluno. Por fim, tem de buscar que o educando relacione as diversas representações
mediante o exercício". (PILETTI, PILETTI, 1988, p.66).
Portanto, apesar das limitações de seu tempo, Aristóteles compreendia que o
conhecimento deveria ser buscado a partir do mundo real e não do mundo das ideias,
motivo pelo qual buscava observar e classificar os elementos que estudava, sendo um dos
precursores da ciência que conhecemos hoje. Para evitar o erro de pensamento, elaborou

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emancipação humana
regras universais a serem seguidas, cujo conjunto recebeu o nome de lógica, com seus
elementos mais significativos: conceito, categoria, sentença, conclusão, prova, indução.
(STÖRIG, p.148). Além disso, escreveu sobre ciência e a natureza, metafísica, ética,
política, literatura e retórica.
Dentre os aspectos importantes nos ensinamentos de Aristóteles está a
compreensão de movimento como algo que supera a mudança de localização de um
objeto, entendo-o como a capacidade de modificação qualitativa. Por exemplo, a
aquisição da leitura modifica o ser humano. Os inúmeros e complexos ensinamentos de
Aristóteles foram e são até hoje importantes, mas por muito tempo foram desprezados e
até mesmo ocultados, principalmente durante a Idade Média. Este período histórico da
humanidade tem como uma de suas características principais a dominação dos dogmas
religiosos para os quais todas as verdades estavam nas escrituras sagradas.
A percepção de conhecimento como construção com base na realidade existente
iniciada por Aristóteles foi apenas o início. O seu aperfeiçoamento nos possibilitou uma
teoria de construção de conhecimento: o materialismo dialético.
Feita esta primeira breve abordagem acerca do surgimento do "idealismo e
materialismo", na próxima seção buscamos destacar as influências destas concepções na
educação.

O idealismo e o materialismo nas concepções educacionais


A educação como prática social inerente aos seres humanos não é neutra e nem
independente de outros aspectos que fazem parte da existência humana. Cada abordagem
educacional, cada teoria pedagógica, carrega um longo acúmulo histórico. A
incompreensão desses aspectos pode gerar reflexos negativos no processo de ensino-
aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. Nesse sentido, é essencial
ter clareza da existência das duas principais raízes filosóficas que norteiam a compreensão

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emancipação humana
de mundo e de educação, o "idealismo" e o "materialismo", para compreender seus
reflexos.
Nessa perspectiva, o primeiro aspecto a considerar é a mais antiga forma de
compreensão de mundo, o idealismo, cujo pressuposto reside no reconhecimento do
papel ativo, decisivo, das ideias e da consciência humana na história (LESSA, TONET,
2011, p.37). Nessa vertente, o pensamento e as ideias são os responsáveis pela existência
de todos os artefatos elaborados pela humanidade, sejam objetos ou serviços, palpáveis
ou não147. Essa visão de mundo está presente em nossos dias e prepondera. Isso ocorre
por três motivos. Primeiro porque nem sempre a aparência do fenômeno condiz com a
sua essência : "A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado,
parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que não é ele
mesmo e vive apenas graças ao seu contrário". (Karel Kosik, 1976, p. 11). Segundo, por
interesses da classe dominante, pois: A classe que dispões dos meios de produção material
dispõe também dos meios de produção intelectual, de tal modo que o pensamento
daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também
à classe dominante. (MARX, 1998, p. 48). Terceiro, porque apreender a realidade requer
dispêndios de recursos, o que não interessa à atual organização social, preocupada apenas
em preparar os indivíduos como força de trabalho: "Os custos de aprendizagem, ínfimos
para a força de trabalho comum, entram portanto no total dos valores despendidos para a
sua produção. (MARX, 1975, p.192).
Logo, na especifidade da educação, podemos afirmar que as concepções
pedagógicas de base idealista criam modelos sem a imprescindível análise do contexto

147
Do vocábulo ideia, surgiram vários outros, dentre eles o "ideologia", o qual teve sua socialização a partir
de uma escola filosófica francesa do final do século XVIII para a qual existe uma ciência das ideias (SILVA,
2005). Porém, foi Karl Marx quem transformou o significado do termo ao considerar que a expressão
ideologia não designa apenas uma teoria explicativa, mas uma teoria que traduz uma outra dimensão, isto
é, faz com que o interesse particular ganhe ares de interesse geral, sendo aceito por todos, inclusive por
aqueles que são prejudicados com tais ideias.

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emancipação humana
sócio-histórico. Dentre essas concepções educacionais idealistas vigentes, de acordo com
o professor Duarte (2001), predominam as "pedagogias do aprender a aprender”, por
entenderem o processo educacional como um processo individual, contínuo e de
responsabilidade pessoal. Para esta corrente, o professor não deve ensinar, mas conduzir
o processo de aprendizagem no qual o aprendente desenvolverá por interesse e
curiosidade. Além disso, estas concepções idealistas, por estarem descoladas da realidade,
enxergam o processo educacional como prática transformadora, capaz de alterar o atual
mundo excludente, violento, sangrento, corrupto, competitivo, numa sociedade mais
digna, fraterna, com igualdade de condições para todos, pois não percebem a educação
como reflexo das condições de vida (sociais, políticos, econômicos) em determinado
contexto social e histórico. Porém, o aspecto mais grave do "aprender a aprender" reside
no fato de retirar "[...] da escola a tarefa de transmissão do conhecimento objetivo, a tarefa
de possibilitar aos educandos o acesso à verdade" (DUARTE, 2004, p. 5)
Com relação ao ramo "materialista", ao contrário do idealismo, todo o
conhecimento produzido e acumulado pela humanidade ocorre a partir das atividades
práticas em razão das necessidades de organização da própria existência. Esta atividade
prática é o trabalho, aspecto que permitiu à humanidade acumular conhecimentos,
desenvolver ciência, tecnologia e, dessa forma, humanizar-se.
Assim, é preciso analisar todos os fenômenos naturais e sociais com base numa
concepção e num método que nos permita compreendê-los para além das suas aparências
imediatas que nos confundem e não nos ajudam a vencer as adversidades. Esse método é
o da ciência, o qual nos leva a compreender e elaborar conceitos e teorias, uma vez que
"O conceito da coisa é compreensão da coisa, e compreender a coisa significa conhecer-
lhe a estrutura". (KOSIK, 1976, p.14)
Logo, as teorias elaboradas a partir do materialismo contribuem com o avanço
social da humanidade, pois percebem que a realidade é uma síntese de múltiplas

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determinações, reconhecendo quais são as necessárias modificações. Nessa perspectiva,
a educação é entendida em movimento constante e plena de contradições. Tal como
afirmado por Mészáros, "Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os
processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados".
(MÉSZÁROS, 2005, p.25).
Da concepção materialista, também surgiram teorias pedagógicas que tentam
explicar a educação escolar para além dos muros das escolas, são chamadas teorias
críticas da educação148. Algumas destas teorias entendem que a escola conduz
necessariamente às condições sociais existentes, ou seja, a educação é sempre reprodutora
dos interesses dos dominadores e, por isso, a escola, mesmo que involuntariamente,
sempre contribui para a continuidade da sociedade excludente, plena de injustiças e
exploração. Para essas teorias a educação escolar nada pode fazer para que os indivíduos
percebam suas condições de explorados e mudem o rumo da história.
Porém, foi a partir dessas teorias de cunho crítico-reprodutivistas, ao final dos
anos 70, início dos anos 80 do século XX, que surgiu a pedagogia histórico-crítica, que
reconhece que a escola em si não é capaz de transformar o mundo, mas tem como papel
preponderante levar o saber sistematizado acumulado aos indivíduos para que estes, ao
se apropriarem dos fundamentos das diversas áreas do conhecimento, percebam e atuem
decisivamente em prol de uma outra forma de organização social, de outra escola e de
outra possibilidade de existência.
A partir dessa pedagogia histórico-crítica, que concorda com a existência
predominante de interesses de classe na educação, mas não com a sua impossibilidade de
contribuir na construção de uma escola de interesse da classe trabalhadora, foram
realizadas pesquisas e estudos a fim de verificar em que medida a educação pode trazer

148
Correspondem às teorias pedagógicas progressistas na classificação do professor José Libâneo.

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luzes para que a classe oprimida se reconheça como tal e utilize o próprio conhecimento
como arma para a sua elevação cultural. Além da pedagogia histórico crítica, há também
a psicologia sócio histórica, para a qual o desenvolvimento intelectual também
diretamente ligado às condições materiais de existência.

Considerações Finais
Como vimos, é possível afirmar que o processo educacional é reflexo de uma
concepção de mundo de origem numa vertente idealista ou materialista. Vimos também
que apesar do idealismo ter sido a primeira concepção filosófica, após tantos milênios,
ela ainda predomina nos correntes pedagógicas brasileiras por interesses de classe.
Nessa vertente idealista, a educação é tida como transformadora do mundo, pois
desconsidera que é o desenvolvimento social, promovido pelo trabalho, que torna
possível a melhoria da educação, assim como da saúde e todos demais aspectos da
existência humana.
Do materialismo de Aristóteles chegamos ao materialismo dialético para o qual a
transformação da realidade requer conhecê-la cientificamente, ou seja, nos seus detalhes
que nem sempre são captáveis a partir dos sentidos, exigindo esforço intelectual para
abstrairmos e, desta forma, construirmos conhecimentos que ajudem a melhorar o nosso
processo de humanização. Os fundamentos desse materialismo estão tanto na pedagogia
histórico crítica, como na psicologia histórico cultural.
Entretanto, a concepção filosófica materialista dialética há muito é alvo de críticas
destrutivas, pois ao possibilitar o entendimento do funcionamento da organização social
em que estamos inseridos, coloca em risco a existência de interesses de grupos
particulares, cujo discurso dominante deixa a impressão de representarem os interesses
de todos. Do mesmo mal padecem a pedagogia histórico crítica e a psicologia histórico
cultural.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Compreendidas a diferença entre o idealismo e o materialismo, estará dado o
primeiro passo para entendermos os motivos pelos quais os problemas educacionais
relevantes não podem ser resolvidos no interior das escolas, pela boa vontade dos
professores e gestores da educação, pois são frutos das contradições que regem a lógica
de reprodução material existente. Isso não quer dizer que estamos de braços atados, muito
pelo contrário, pois quando conhecemos uma dada realidade, temos como não nos deixar
enganar e saber quais as atitudes mais acertadas para que a nossa prática pedagógica
realmente faça diferença para aqueles que têm a escola como o único local para se
apropriar do saber elaborado a fim de conquistar as condições para uma existência digna
e respeitosa.

Referências

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ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 727
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
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Autores:

Zinara Marcet de Andrade


Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
e-mail: zinara1@gmail.com
Armenes de Jesus Ramos Junior
Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
e-mail: armenes3@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
APROXIMAÇÕES COM O TRABALHO SOCIALMENTE
NECESSÁRIO ENQUANTO CATEGORIA PEDAGÓGICA NAS
ESCOLAS ITINERANTE149 DO MST PARANÁ
Valter de Jesus Leite

O presente texto integra os resultados da pesquisa de Mestrado em Educação,


intitulada “Educação do Campo e Ensaios da Escola do Trabalho: a materialização do
trabalho como princípio educativo na Escola Itinerante do MST Paraná” que, objetivou
compreender como a Escola Itinerante do Paraná, atrelada à luta pela terra, materializa a
relação trabalho e educação com vistas à formação humana integral dos estudantes.
Por meio da qual, evidencia a existência de três dimensões complementares de
materialização do trabalho como princípio educativo no Plano de Estudos por Complexos
de Estudo na Escola Itinerante, os quais categorizei como: 1) A relação entre
conhecimento e o trabalho; 2) A auto-organização dos estudantes pelo trabalho e a luta;
e 3) O Trabalho Socialmente Necessário.
Trata-se a primeira dimensão do estudo do trabalho enquanto prática social em
busca de constituir uma unidade teórico-prática que permita introduzir, na base do
trabalho escolar, a cultura humana universal enquanto objeto de estudo das diferentes
disciplinas (conteúdo escolar). Na segunda dimensão, compreende-se a relação do
trabalho com o processo educativo que, diz respeito ao desenvolvimento do trabalho que,
necessariamente, ocorre articulado à auto-organização dos estudantes, é pela
intencionalidade pedagógica desta dimensão que direciona-se o vínculo da escola de

149
Escola Itinerante assume uma postura política-pedagógica revelada em seu próprio nome, a
peculiaridade de caminhar junto, realizando itinerância, acompanhando o movimento territorial do
acampamento na luta pela terra, seja nos casos de despejos, nas mobilizações, nas marchas e nas ocupações,
visando assegurar a escolarização, o acesso e educação escolar atrelado à formação política das crianças,
jovens e adultos que vivem nos acampamentos (LEITE, 2017).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
modo efetivo com a prática social na luta pela terra e na produção da vida, por meio dos
processos organizativos, políticos, econômicos e culturais. Articulado as duas dimensões
anteriores, a terceira dimensão diz respeito ao Trabalho Socialmente Necessário enquanto
categoria pedagógica.
A distinção dessas dimensões de incorporação do trabalho é simplesmente
didática, por entender que no trabalho educativo, as diferentes dimensões do trabalho
interagem e se relacionam, de acordo a intencionalidade e os objetivos de ensino e
formativos150 em cada tempo e espaço do trabalho educativo.
Socializo na presente abordagem parte do estudo bibliográfico e documental
tratando introdutoriamente do trabalho como princípio educativo nos complexos de
estudo, seguido da compreensão do trabalho socialmente necessário enquanto categoria
pedagógica e das provisórias conclusões.

O trabalho como princípio educativo nos Complexos de Estudo


O Plano de Estudos da EI é alicerçado por uma concepção de educação
compreendida enquanto processo de intencionalização da formação humana, mesmo
entendendo que essa formação ocorra além da escola, por meio de outros ambientes
educativos. Em seus fundamentos orienta que a escola se constitui enquanto ambiente
educativo privilegiado na sociedade com “a tarefa educativa, relacionada ao trabalho com
o conhecimento” para propiciar o “[...] acesso das novas gerações às bases das ciências e
das artes, por meio de uma adequada e rigorosa abordagem dos conteúdos de ensino”
(MST, 2013, p. 13. Grifos do original), atrelado com outras dimensões da formação
humana.

150
A separação entre objetivos de ensino e formativos é uma questão didática e analítica. Os objetivos
formativos contemplam diferentes dimensões humana, além da cognitiva, as dimensões ética, política e
organizativa, perpassam a personalidade, postura, valores, atitudes, jeito de ser; também se referem a
aprendizados mais gerais que são necessários no plano intelectual e domínios teóricos e práticos (MST,
2015).

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emancipação humana
Na visão de mundo e da teoria do conhecimento materialista histórico-dialética
assumida como referência do Plano de Estudos, incorpora o princípio educativo do
trabalho, uma vez que,
As pessoas se formam pela inserção em um determinado meio, sua
materialidade, atualidade, cultura, natureza e sociedade,
fundamentalmente através do trabalho que lhe permite a reprodução da
vida e é a característica distintiva do gênero humano, é a própria vida
humana na sua relação com a natureza, na construção do mundo.
Trabalho que produz cultura e produz também a classe trabalhadora
capaz de se organizar e lutar pelo seu direito ao trabalho e pela
superação das condições de alienação que historicamente o
caracterizam, participando assim do movimento da história (MST,
2013, p. 12).

Reafirma-se, no Plano de Estudos, a centralidade que o trabalho ocupa na


produção social, por conceber que “[...] toda assim denominada história mundial nada
mais é do que o engendramento do homem mediante o trabalho humano” (MARX, 2010,
p. 114. Grifos do original). Incorpora o trabalho, “[...] em seu sentido alargado de
atividade humana criadora, construtora do mundo e do próprio ser humano, o trabalho
significa a própria vida como princípio educativo [...] que é a vida, senão atividade?
(Marx)” (MST, 2013, p. 14. Grifos do original).
O sentido do trabalho aqui incorporado não deve ser confundido com o trabalho
submetido ao modo de produção capitalista (trabalho explorado e assalariado), mesmo
que este predomine na sociedade e deva ser objeto de estudo e crítica na escola para
desnaturalizar as contradições existentes na submissão do trabalho às formas de
exploração. Mesmo no capitalismo, a atividade humana criadora e criativa não se reduz
a sua esfera da exploração.
Destarte, é do trabalho como um pressuposto ontológico e ético-político da
sociabilidade humana, que identifica como seres humanos e enquanto classe trabalhadora
de que estamos tratando, “[...] do trabalho em sentido geral e da luta para converter todos

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emancipação humana
os seres humanos em trabalhadores, superando as formas alienadas de trabalho [...]”
(MST, 2013, p. 15-16).
Ao se sustentar na concepção marxista de ser humano e de conhecimento, os
Complexos de Estudo, é integrado por uma complexidade (realidade na perspectiva da
totalidade) que aciona a necessidade do uso e a apropriação dos conceitos, categorias e
procedimentos das várias ciências e artes para desnudar as contradições existentes na
prática social (MST, 2013). “É o palco de uma exercitação teórico-prática que exige do
estudante as bases conceituais para seu entendimento, permite criar situações para
exercitação prática destas bases plenas de significação e desafios [...]” (MST, 2013, p.
31).
Necessariamente os Complexo de Estudo, articula [...] sempre, em uma mesma
propositura, o trabalho material como método geral (ora como ligação com o trabalho
produtivo, ora como prática social mais ampla – mas sempre como trabalho socialmente
útil) [...]” (MST, 2013, p. 32).
O Complexo de Estudo enquanto unidade curricular é integrado pela articulação
intencional das bases das ciências e artes com seus métodos específicos para o estudo, o
desenvolvimento do trabalho social e a auto-organização dos estudantes, ambos se
movimentam a partir de uma determinada porção da realidade151. Esta unidade curricular
incorpora e define por faixa etária os objetivos de ensino e os conteúdos das disciplinas,
“[...] portanto, a proposta preserva a especificidade do campo de estudo das mesmas,

151
Por porção da realidade (também denominada de categoria da prática), compreendem-se aspectos da
prática social (expressão do trabalho em sociedade e da natureza) que, em alguma medida, determinam a
vida social, se tornando plena de sentido para exercitar os conhecimentos na relação com o trabalho humano
e elevar a compreensão de mundo dos estudantes a partir das diferentes dimensões do trabalho educativo.
São dimensões da prática social que expressam múltiplas determinações/unidade do diverso que exigem
abordagens integradoras das diversas disciplinas para propiciar aos estudantes a compreensão da totalidade
das relações que a determinam, com seus devidos nexos, com a cultura universal.

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emancipação humana
porém propõe uma metodologia para romper com a fragmentação do conhecimento, a
partir da compreensão da realidade” (SAPELLI, 2013, p. 246).
Com isto, nos complexos de estudo, o trabalho é compreendido como categoria
chave que possibilita a apreensão unitária da lógica que sustenta uma minoria com a
propriedade privada da ciência, da terra, dos meios de comunicação, da tecnologia e da
cultura, em detrimento da maioria da população escrava de seu próprio trabalho. Ainda,
é acionado o trabalho como meio de educação para a inserção em processos coletivos de
autosserviço, trabalho socialmente necessário, de luta, de expressão cultural e de estudo,
de modo que desenvolva, nas novas gerações, traços de uma personalidade sólida e
multilateralmente desenvolvida (MST, 2013; PISTRAK, 2000; SHULGIN, 2013).
Os Complexos de Estudo objetivam oportunizar aos estudantes progressivamente
a apropriação de bases que permita investigar o trabalho humano em suas relações
enquanto totalidade social. Esta apreensão é ancorada pela Pedagogia do Movimento, por
meio da qual incorpora as matrizes pedagógicas do trabalho, da luta social, da
organização coletiva, da cultura e da história como base da organização do ambiente
educativo da escola, como meio de materializar a concepção do trabalho como princípio
educativo, sendo as matrizes pedagógicas, a chave e o meio de acionar o vínculo com
processos formativos na direção do projeto histórico assumido pelo MST (MST, 2013).
Com esta referência do trabalho pedagógico, “[...] a escola precisa ser
transformada: na sua matriz formativa e nas relações sociais constituintes de sua
organização do trabalho” (MST, 2013, p. 20). Portanto, a escola necessita estar
organizada em sua totalidade pedagógica, compreendendo o ambiente educativo além da
sala de aula, tratando a sala de aula em perspectiva (CALDART, 2017), com espaços,
tempos e relações na integralidade da escola, em interação com a realidade, com seus
desafios e as contradições do seu tempo histórico (MST, 2013).

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emancipação humana
A apropriação de um nível cultural elevado e do acesso ao conhecimento
elaborado é objeto do trabalho educativo para atingir um patamar elevado de
compreensão do real e encontra-se marcado nos objetivos de ensino e formativo de acordo
com os êxitos esperados de cada faixa etária (MST, 2013).
O Plano de Estudos explicita a intencionalidade na relação entre ensino e trabalho
nos diferentes níveis de escolarização, assim como em diferentes dimensões do trabalho
educativo, tendo como base a compreensão que a escola tem que se transformar como um
centro cultural e de pesquisa do seu meio, “mas conhecer não basta, tem que haver
cumplicidade. [...]Pesquisar para compreender e compreender para transformar a si e ao
meio” (MST, 2013, p.22) ou seja, conforme anuncia a máxima da teoria marxista, não
basta interpretar o mundo, é necessário transformá-lo.

Trabalho Socialmente Necessário


Nesta dimensão de incorporação do trabalho como elemento pedagógico,
compreende-se a relação com o conhecimento e auto-organização que ocorre em interface
com o Trabalho Socialmente Necessário desenvolvido pelos estudantes a partir da escola,
com seu planejamento, tempo e espaço específico.
Sendo, que as Escolas Itinerantes se encontram num contexto de luta pela terra,
pela sua natureza vivenciam diretamente as contradições da luta de classes tendo seu
projeto educativo guiado pelo projeto político e societário do MST. Ainda, por se
encontrarem no ambiente do acampamento, território em litígio, conflito, logo vivem
cotidianamente a possibilidade de sofrer uma ordem de despejo a qualquer momento.
Desta maneira, a provisoriedade e a precariedade se colocam ainda presentes. O que torna
a auto-organização para o estudo, o autosserviço e o trabalho socialmente necessário,
meios de resistência no acampamento, pois tudo se encontra por construir, conquistar,
criar e recriar coletivamente.

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emancipação humana
Estas circunstâncias ampliaram a significação e a aproximação dos Coletivos
Escolares das Escolas Itinerante com a categoria pedagógica do trabalho socialmente
necessário-TSN, a qual ocorreu efetivamente em outubro de 2013, durante processo de
formação dos coletivos pedagógicos, por meio do acesso a tradução do livro Rumo ao
politecnismo de Viktor N. Shulgin152 que, nesta ocasião, encontrava-se ainda no prelo da
Editora Expressão Popular. Entretanto, o capítulo quatro, que trata, especificamente, do
trabalho socialmente necessário foi disponibilizado pela editora em função do
experimento em curso153 (MST, 2015).
A apropriação da categoria pedagógica do TSN154, distinguindo-o das demais
formas de trabalho (trabalho simples) que ocorrem a partir da escola e concebendo de
forma mais articulada com o conhecimento e os processos formativos além da escola,
figurou desafios de compreender mediações a partir da escola e encontrar possibilidades
de realizá-lo nas circunstâncias de cada acampamento/assentamento para inserir as
crianças e os jovens no trabalho, de modo que repercuta em benefícios sociais para a vida
da coletividade e o desenvolvimento humano dos estudantes.
Embora os pressupostos do trabalho socialmente necessário já se encontravam nos
princípios da educação do MST ao tratar da relação trabalho e educação, mas
apresentavam desafios nas práticas pedagógicas na escola ou para além dela. Entre eles:

152
Viktor Nikholaevich Shulgin integrou o Narkompros em Moscou. Educador e historiador[...] foi membro
do Conselho de Deputados Operários da cidade de Ryazan e do comitê Executivo, foi Comissário Provincial
das Finanças e Comissário Provincial da Educação de Ryazan em 1918. Entre 1918-1922, trabalho no
Comissariado do Povo para Educação. Entre 1922-1931 foi diretor do Instituto de Métodos de Trabalho
Escolas (em 1931 do instituto de Pedagogia Marxista-Lenista). Trabalhou na seção Científico-pedagógica
do conselho estatal (GUS) entre 1921-1931 (FREITAS: In; SHULGIN, 2013, p. 08).
153
Acerca da contextualização do experimento ver: SAPELLI, M.; FREITAS, L.C.; CALDART, R.S.
(orgs). Caminhos para a transformação da escola 3 – organização do trabalho pedagógico nas escolas do
campo: Ensaios sobre Complexos de Estudo. São Paulo: Expressão Popular, 2015.
154
No contexto da Revolução Russa o TSN objetivava contribuir na concretização de melhorias nas
condições de vida das aldeias e comunidades, atrelado aos objetivos da edificação e reconstrução da Rússia,
em superação da miserabilidade social, cultural e econômica em consonância com a formação de seres
humanos lutadores e construtores.

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emancipação humana
os estudantes devem se familiarizar com as diversas formas de produção, até as mais
elevadas; realizar o TSN torna mais clara a necessidade de intervenção na vida; o
programa escolar deve se integrar e não inventar o TSN, ou seja, é necessário introduzir
a escola no trabalho comum, fazendo um trabalho planejado; na construção da
metodologia do trabalho social, faz-se necessária a conexão entre trabalho manual e
intelectual; o TSN é real, concreto, tem valor pedagógico e deve estar em conformidade
com as forças e peculiaridades da criança e da juventude; O TSN não é casual; a escola
não é o centro para a realização do TSN, é ajudante, por isso deve examinar qual parte
desse trabalho pode realizar (SAPELLI e LEITE, 2018). Segundo Shulgin (2013), o TSN
e os materiais do Programa escolar devem ser tratados como unidade orgânica e que não
é possível organizar todo programa escolar baseado no TSN.
Nessa direção, fundamentalmente, o TSN precisa atingir um impacto social, de
intervenção na melhoria da qualidade de vida nas suas diferentes esferas (ocorre para fora
da escola, mas intencionalizado a partir dela), e indubitavelmente deve conter seu valor
pedagógico para elevação no domínio das bases da ciência e da arte e na constituição de
novas relações, logo, em consonância com as forças físicas dos estudantes. Ainda Shulgin
(2013) evidência que, para o desenvolvimento do TSN, o coletivo escolar deve se
relacionar com outras organizações de trabalhadores, seja o sindicato, a agroindústria, a
cooperativa, a assistência técnica, o coletivo de mulheres e de juventude, entre outros.
Destaca que “Uma escola sem trabalho político social para suas crianças não é uma escola
do trabalho socialista” (SHULGIN, 2013, p. 64).
Deste modo, não se restringe aos trabalhos escolares, nem se trata somente da
defesa da unificação entre trabalho e educação, mas sim de como, em luta, favorecerá a
juventude em seu meio, para intervir, de forma criativa e criadora, perante as situações
vivenciadas, não basta estar presente fisicamente na luta, é fundamental compreender as

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emancipação humana
determinações que envolvem a luta na atualidade e saber agir nas contradições
(PISTRAK, 2009; SHULGIN, 2013; MST, 2013).
Constata-se um conjunto de iniciativas nas Escolas Itinerantes, entre elas, destaca-
se: construção de hortas mandalas; preservação de minas e nascentes de água; processo
de reutilização da água; manejo de mandala ornamental de plantas medicinais, temperos
e flores, aromáticas e condimentares; construção de pomar-bosque; agroflorestas;
recuperação de solo; Manejo de ecossistemas; Pomar; Produção de mudas; Jornal
informativo; e participação em processos de luta da classe.
Tais iniciativas, ainda que episódicas, com limites e oscilações no âmbito do
conjunto das dimensões que envolvem o trabalho educativo, propiciam eficazes vínculos
entre conhecimento e o trabalho e têm desafiado os coletivos escolares a exercitarem e
fazerem do acampamento um palco de iniciativas que colocam no horizonte a relação
com formas mais complexas de trabalho e de conhecimento. Destaca-se nestes processos
de trabalho a organização e gestão coletiva, por meio de procedimentos de auto-
organização dos estudantes, na medida em que estão adquirindo uma forma mais
articulada entre os diferentes ambientes educativos, desde a lógica dos complexos de
estudo.
Entre os desafios elenca-se a necessidade de ampliar as formas de trabalho, por
ainda persistir a maior relação entre escola e trabalho no âmbito do autosserviço
(trabalhos domésticos, trabalho na horta escolar, atividades voltadas à limpeza, ao
embelezamento da escola e ao acampamento) (SILVA, 2013; SAPELLI, 2013;
BAHNIUK, 2008; LEITE, 2017). Ousando em mais trabalho socialmente necessário com
maior rigorosidade formativa e valor social, de modo que o acampamento seja um
ambiente rico para a ‘catarse’ (no sentido gramsciano) dos conhecimentos articulados aos
trabalhos indispensáveis de atenção para qualificar a resistência e a vida no acampamento,

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e se estendendo este ambiente catártico para além do acampamento nas lutas sociais da
classe trabalhadora.
Por meio dos TSN observados, constata-se que ao oferecer durante a vida escolar
dos estudantes, a participação e contato com diferentes formas de trabalho socialmente
necessário, desde a menor idade, logo, oportuniza a apropriação de um arcabouço de
conhecimentos técnicos e científicos; uma postura de ver os problemas como elemento
organizador; a ampliação de eficazes formas de organização coletiva; combinados à
produção de bens socialmente necessários para a vida da coletividade.
Para fins de provisórias conclusões, é fundamental elencar que as iniciativas de
auto-organização e de estudo pelo trabalho socialmente necessário, demonstram um
tensionamento da forma escolar e da política educacional que impossibilita condições
estruturais155 para o desenvolvimento da concepção de escola em discussão,
principalmente pela limitação do tempo escolar, contrato e formação dos educadores/as e
outras questões estruturais que implicam na reorganização da forma escolar para trabalhar
na perspectiva dos complexos de estudo e alcançar níveis mais elevados de participação
do coletivo escolar no desenvolvimento do TSN. Demonstra, a necessária alteração da
forma escolar de modo que não condicione o conhecimento ao submetimento da
organização escolar clássica subordinada a lógica capitalista.
São ensaios que permitem fundamentar a luta por políticas educacionais que
viabilizem as condições estruturais e humanas possíveis de serem conquistadas no interior
da sociedade capitalista, de modo que projete o trabalho educativo na perspectiva da
sociedade que objetivamos construir – o socialismo.

155
Para maior detalhamento sobre as implicações das condições estruturais no desenvolvimento dos
complexos de estudo, ver: SAPELLI, M. L. S. CICLOS DE FORMAÇÃO HUMANA COM
COMPLEXOS DE ESTUDO NAS ESCOLAS ITINERANTES DO PARANÁ. Educ. Soc., Campinas, v.
38, nº. 140, p.611-629, jul.-set., 2017. Ou, CAMINI, I.; DALMAGRO, S.; BAHNIUK, C. ESCOLA
ITINERANTE DO MST: 20 ANOS DE APRENDIZADOS NA LUTA. Germinal: Marxismo e Educação
em Debate, Salvador, v. 9, n. 2, p. 168-184 , ago. 2017.

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emancipação humana
Logo, a relação que interessa neste contexto é com objetivações humanas, formas
de trabalhos socialmente necessárias que permitam ampliar o acesso à riqueza cultural
humana historicamente produzida, de modo articulado as estratégias políticas do MST na
construção da Reforma Agrária Popular (aproximação com a agroecologia, das lutas
sociais, relação com outras organizações de trabalhadores), por entender que o acesso das
novas gerações à ciência e a arte é condição imprescindível para que possam aprimorar
os processos de trabalhar, de viver, de lutar e de construir coletivamente uma nova
sociedade sem que haja exploradores e explorados.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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_______. A Escola Comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009

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pedagógico com práticas introdutórias à agroecologia no caminho para a
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Autor:

Valter de Jesus Leite


Membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
e-mail: valterleitemstpr@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MOVIMENTO DAS OCUPAÇÕES ESCOLARES NO PARANÁ: A
ESCOLA COMO TERRENO DE LUTA
Franciele Maria David
Suely Aparecida Martins

Introdução
Em outubro de 2016, o atual governo federal Michel Temer anuncia em caráter de
urgência, através de uma medida provisória156 a reformulação do ensino médio brasileiro.
A reforma proposta atinge todas as escolas que ofertam a fase final do ensino básico,
gerando nos estudantes secundaristas e universitários, professores e comunidade escolar,
desconforto e revolta. Este descompasso governamental com as mudanças que estavam
ocorrendo no sistema educacional, através das DCNEM157/2012 e do Pacto do Ensino
Médio158, resulta no movimento das ocupações escolares, mais conhecido como “Ocupa
Paraná”.
Esse movimento insere-se no contexto do governo Michel Temer, quando este
assume a presidência da república através do processo de impeachment da presidente
Dilma Rousseff, apoiado pelo legislativo, assegurado pelo judiciário e legitimado pela
grande mídia. Com a destituição da presidente Dilma, eleita democraticamente, instaura-
se no país um estado de exceção, onde os direitos democráticos são relegados ao
esquecimento. Neste contexto político e social, observa-se o desmonte de direitos
presentes na constituição brasileira, pela reforma trabalhista e aprovação da PEC 55159,

156
A Medida Provisória (MP) é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República,
em casos de relevância e urgência. www2.camara.leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/medida-
provisoria.
157
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio-2012 possui na sua estrutura o trabalho como
princípio educativo, a pesquisa, ciência e tecnologia. (Resolução 2/2012 – CNE/CEB).
158
O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela Portaria nº 1.140, de 22 de
novembro de 2013. http://pactoensinomedio.mec.gov.br/
159
Institui o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que
vigorará por 20 exercícios financeiros. https://www25.senado.leg.br/web.

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VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 741
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
que congela os gastos por 20 anos com saúde, educação, emprego, seguridade social,
dentre outros. Na esfera da educação, uma das primeiras medidas anunciadas pelo
governo Temer foi a Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016, que depois foi
sancionada pela Lei, nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017.
Como resposta a estas reforma os estudantes secundaristas do Paraná iniciaram o
movimento das ocupações escolares. O Ocupa Paraná iniciou em três de outubro de
2016, sendo que o Colégio Estadual Padre Arnaldo Jansen, localizado na periferia de São
José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, foi o primeiro a ser ocupado. Aos
poucos se estendeu por todo o Paraná, atingindo cerca de 850 escolas e 14 universidades.
Também chegou a outros estados, culminando com um total de 1022 escolas e 84
universidades.
Este artigo busca fazer algumas reflexões sobre este movimento, de modo a
destacar sua relevância política e especialmente, reforçar o caráter de classes que permeia
a escola, ou seja, a escola é entendida aqui como terreno de lutas, na qual interesses
antagônicos se defrontam, às vezes de maneira sutil, mas, quando as lutas de classes se
intensificam na sociedade, a escola tende a refletir este movimento. No nosso
entendimento o Movimento das ocupações pelos estudantes paranaenses reflete este
momento político de acirramento das lutas de classes em nosso país.
Considerando este pressuposto teórico, utilizamos como fonte de análise a
produção que já se acumulou sobre as ocupações, bem como de materiais impressos e
mídias. Sabe-se também das limitações desta análise, pois o fenômeno das ocupações
escolares é muito recente, o que nos coloca limites para apreendê-lo na sua amplitude
histórica, social e política. Organizamos o texto em duas partes: primeiro, em
discordância das teorias que tratam a escola como terreno do consenso ou da reprodução
do consenso social, enfatizamos a escola como terreno de lutas; em seguida, buscamos
mostrar o caráter de classes presente no movimento dos estudantes que, demonstra uma

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 742
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
reação dos jovens ao avanço das políticas neoliberais e conservadoras que atacam nosso
país no contexto atual, ao mesmo tempo, que ensaia novas formas de participação política.
A escola como terreno de luta de classes
As duas principais correntes da teoria da Escola Dualista são: a funcionalista e a
conflitualista. Assim descreve Petitat “[...] os funcionalistas relacionam a escola com a
diferenciação de atividades complementares e com a reprodução do consenso, enquanto
as conflitualistas referem-se às oposições de classes e à necessidade de instâncias
ideológicas de dominação” (1994, p.194).
Para os funcionalistas, a sociedade é um sistema de adaptação de elementos
diversos que se complementam, buscando um consenso entre os mesmos, desta forma a
sociedade vive harmoniosamente. A instituição escolar é instrumento de perpetuação do
status quo para adequação dos indivíduos a sociedade. Contudo, a corrente conflitualista
busca mostrar o caráter de classe da escola, dentro de uma perspectiva crítica da educação.
Os conflitualistas asseguram que a escola é mera reprodutora do sistema
capitalista, desta forma, os antagonismos sociais seriam reafirmados nos bancos
escolares, inculcando nos indivíduos, durante o período escolar, os interesses e saberes
necessários para manutenção desta polarização.
A duas correntes não percebem a escola como inserida nas lutas hegemônicas da
sociedade de classes, mas apenas como consensualista ou reprodutora do sistema vigente.
André Petitat nos chama a atenção para a escola não somente dentro destas duas
perspectivas, mas como as instituições escolares tornam-se participes dos movimentos da
sociedade, assim a “[...] escola contribui para a reprodução da ordem social; mas ela
também participa de suas transformações, às vezes intencionalmente, às vezes contra
vontade; e às vezes, as mudanças se dão apesar da escola” (1994, p. 11). Apesar de muitos
acreditarem na escola apenas como reprodutora do modus operandi da sociedade

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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burguesa, a instituição escolar em muitos momentos opera na contra mão da lógica
burguesa. Synders assevera que
[...] a escola não é um objeto da burguesia, o domínio em que a
burguesia reinaria gloriosamente; não basta afirmar que ela
esbarra com o proletariado, com a resistência proletária; está
minada tanto pela ausência de si própria como das aspirações
contemporâneas de seu conjunto. (2005, p.87).

Compreende-se assim, a instituição escolar como um campo de luta entre


proletários e burguesia. A escola pública, em dados momentos históricos da sociedade
capitalista, age contra hegemonicamente, envolvida em perspectivas progressistas,
contrariando as expectativas da ordem burguesa. Assim afirma Snyders:
A escola nem é um local de vitória, de libertação já assegurada,
nem o órgão voltado à repressão, o instrumento essencial da
reprodução; segundo as relações de força, acompanhando o
momento histórico, ela é uma instabilidade mais ou menos aberta
à nossa ação. (2005, p.103)

Amplia-se, deste modo, a compreensão ao funcionamento da escola, percebendo-


a como um instrumento de luta da classe trabalhadora contra a lógica burguesa, “[...] o
seu aspecto reprodutivo não a reduz a zero: pelo contrário, marca o tipo de combate a ser
travado [...] é esta dualidade, característica da luta de classes, que institui a possibilidade
objetiva de luta” (SNYDERS, 2005, p.103). Dentro da sua materialidade concreta a escola
também pode ser uma arma para contestar o seu modus operandi e disputar espaços,
cumprindo a função principal de socializar os conhecimentos historicamente produzidos
pela humanidade e também de potencializar os sujeitos para a ação política.
Nesta perspectiva de análise é que entendemos o Movimento das ocupações das
escolas ocorrido em 2016, especialmente no Paraná, e que teve nos estudantes
secundaristas o principal sujeito de contestação.

A reforma do ensino médio e o movimento das ocupações

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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Em outubro de 2016 o Brasil presencia um dos maiores movimento de ocupação
escolar do país. Os alunos secundaristas da rede estadual de ensino mobilizam-se contra
a reforma do ensino médio, proposta pelo atual governo Michel Temer, em 22 de
setembro de 2016 e aprovado, em 09 de fevereiro de 2017.
A reforma do ensino médio traz no seu bojo a lógica da escola dualista. Segundo
Kuenzer, “[...] esta proposta, fragmenta a formação e desconstitui a educação básica, que
deixa de ser obrigatória e comum, como determina a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB/1996) e as DCNEM/2012” (2017, p, 331). A proposta da reforma do
ensino médio traz o debate sobre a dualidade historicamente presente no sistema escolar
brasileiro. Os currículos, especialmente no nível do ensino médio, assumem o caráter
dualista, sustentando assim na sua base os antagonismos sociais, como elucida Ciavatta e
Ramos “[...] a questão estrutural das classes sociais que lhe dão sustentação e sua
ideologização como a educação desejável”, (2011, p.29). Ou seja, as classes sociais são
mantidas em polos distintos, e a educação é colocada a serviço da classe hegemônica,
facilitando assim a manutenção das desigualdades sociais. Neste contexto, é pertinente a
afirmação de Saviani sobre a escola:
[...] a escola é determinada socialmente; a sociedade em que
vivemos, fundada no modo de produção capitalista, é dividida em
classes com interesses opostos; portanto, a escola sofre a
determinação do conflito de interesses que caracteriza a
sociedade. Considerando-se que a classe dominante não tem
interesse na transformação histórica da escola (ela está
empenhada na preservação de seu domínio, portanto, acionará
mecanismos da adaptação que evitem a transformação) [...]
(2008, p, 25).

Num momento histórico de acirramento da luta de classes, manifestado pelo golpe


contra a Presidenta Dilma Rousseff, no avanço de políticas neoliberais que tiram direitos
historicamente conquistados pela classe trabalhadora, a reforma do Ensino Médio se
coloca como a necessidade daqueles que defendem a educação em migalhas para os

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
pobres, uma educação que unicamente atenda os interesses dominantes de formar para o
mercado de trabalho flexibilizado, destituído de direitos. Não é à toa que analistas têm
destacado o caráter de classe da Reforma do Ensino Médio. Para Frigotto (2016) ela
representa um retrocesso para a educação dos trabalhadores ao reforçar a dualidade
estrutural já existente e empobrecer ainda mais o conteúdo desta etapa do ensino.
Conforme o autor:
Uma reforma que retrocede ao obscurantismo de autores como
Desttut de Tracy que defendia, ao final do século XIX, ser da
própria natureza e, portanto, independente da vontade dos
homens, a existência de uma escola rica em conhecimento,
cultura, etc., para os que tinham tempo de estudar e se destinavam
a dirigir no futuro e outra escola rápida, pragmática, para os que
não tinham muito tempo para ficar na escola e se destinavam (por
natureza) ao duro ofício do trabalho. (2016, p.330).

Mas a escola, ao refletir a sociedade em que vivemos, também reflete suas


contradições, seus antagonismos. Sob este ponto de vista, a instituição escolar torna-se
campo de disputa entre as classes opostas deste sistema. Deste modo frente à reforma do
ensino médio, os jovens organizam-se e ocupam espaços públicos na tentativa de barrar
a medida provisória, que desconsidera as Diretrizes Nacionais Curriculares do Ensino
Médio/2012.
Apesar de muitos acreditarem que os jovens encontram-se em apatia e desconexos
dos acontecimentos sociais, como explica a pesquisadora da juventude Janice Tirelli
Souza, “[...] a influência da grande mídia alimentando o senso comum de que não existia
mais política na vida dos jovens”, (1999, p.16), fica incoerente com a experiência da
primavera juvenil e com outras experiências de participação que vem ocorrendo em todo
o mundo.
Assim como no Brasil, em outros países a juventude tem se tornado agentes
propulsores na luta contra a retirada de direitos constitucionais e reformas autoritárias que

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
atingem, basicamente, a classe operária e seus filhos. Souza fala desta correlação da
juventude com o seu tempo, com seu meio, levando-a refletir sobre sua dimensão social,
“[...] a relação do jovem com sua sociedade, vivendo a pressão, como os demais
segmentos da população, da estrutura social, que tem por base a desigualdade, a
discriminação e a exclusão de direitos” (1999, p.56).
Os estudantes envolvidos nos Ocupa, são sujeitos que vivem diariamente as
sanções, as restrições impostas pelo capitalismo. Onde as mazelas históricas,
provenientes de um capitalismo dependente, deixam a mostra seus antagonismos sociais,
como afirma Antunes, “[...] o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado,
e desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal”
(2009, p.33). Esta nova reorganização do capital atinge diretamente o proletariado,
retirando condições básicas para subsistência.
A instituição escolar é atingida diretamente com a reestruturação do capital, assim
consequentemente os sujeitos pertencentes a ela. Para tanto é preciso destacar o papel
reflexivo e de luta da instituição escolar dentro do sistema capitalista como afirma Petitat.
Evidenciar a participação direta ou indireta, consciente ou
inconsciente da escola nos movimentos sociais através da história
é colocar luz nova sobre as contradições do presente, é não deixar
amarrar o imobilismo e pelo fatalismo da mera reprodução. É
tentar unir produção da escola e produção da sociedade de
amanhã. (1994, p.7).

Ainda convém reforçar que os espaços de reivindicação dos jovens foram às


instituições públicas de ensino, sendo estas universitárias ou da etapa final do ensino
básico. A escola compreendida como campo de luta para os jovens trabalhadores, como
afirma Snyders “[...] não é um feudo da classe dominante; ela é terreno de luta entre a
classe dominante e a classe explorada; ela é um terreno em que se conservam as forças
do progresso e as forças conservadoras” (2005, p. 102).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Assim, podemos pensar a escola não apenas como reprodutora do sistema
capitalista, ou mesmo como conciliadora e adestradora das forças do capital, mas também
como um território em que forças contrárias, contra hegemônicas, constroem
conhecimentos, saberes, inversos ao sistema impositivo. Nas palavras de Mészáros sobre
a educação, “[...] ela pode e deve ser articulada adequadamente e redefinida
constantemente no seu interrelacionamento dialético com as mudanças e as necessidades
da transformação social emancipadora e progressiva” (2008, p.33).
Porém, no sentido inverso da política institucional e da democracia burguesa que
os estudantes buscaram organizar os “Ocupas” a partir de formas democráticas diretas,
onde as decisões eram discutidas exaustivamente em um processo horizontal e de
sociabilidade compartilhada, preservando a autonomia do movimento. Assim é
confirmado nos relatos dos alunos:
[...] dentro da ocupação, foram estabelecidas regras baseadas na
autogestão e se houveram alguns conflitos foram resolvidos de
forma amena. Criamos normas de trabalho onde a limpeza,
conservação, ordem e respeito imperam. Todos trabalhamos de
forma conjunta e harmônica tendo um único objetivo comum.
Ocupar e Resistir á Reforma do Ensino Médio. (PRATES et al,
2017, p. 91)

O movimento das ocupações dos estudantes vai ao encontro das novas formas
organizativas no contexto atual, no qual movimentos da juventude por todo o mundo,
mostram-se antenados aos acontecimentos sociais, revelando que os jovens refletem
sobre os problemas da sociedade. Desde a Primavera Árabe, os Occupy Wall Street,
Occupy Frankfurt, o movimento estudantil na Argentina, a Revolta dos Pinguins no
Chile, passando também por movimentos no Brasil como o Passe Livre, das ocupações
estudantis em São Paulo, diante do processo da Reorganização Escolar, imposta pelo
governador Geraldo Alckmin, observa-se a reação dos jovens contra o neoliberalismo e,
também, contra as formas tradicionais de fazer política.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Neste novo formato na organização das lutas, os jovens se articulam com rapidez
por meio das mídias, especialmente das redes sociais. Buscam o distanciamento das
tradicionais formas de reivindicação lideradas por partidos políticos, sindicatos ou
movimentos religiosos, caracterizando uma independência e autonomia da juventude que
afasta-se da estrutura dos outros movimentos estudantis da nossa história. No Livro
“Ocupar e Resistir” as pesquisadoras reiteram:
Assim, colocava-se à sociedade a necessidade de compreender os
impactos dessa nova configuração (constituída de jovens auto-
organizados, tomando decisões compartilhadas e sem tutela de
“responsáveis”... enfim independentes! (PRATES et al, 2017,
p.9).

Outro fator existente no movimento das ocupações escolares foi o formato


democrático e horizontal das tomadas de decisões, as pautas eram amplamente discutidas
em assembleias quase diárias e comissões eram criadas para cumprir tarefas. Havia
sociabilidade da divisão de funções, descontruindo estereótipos e discursos de capacidade
de gênero “[...] o que interessava mesmo era a constituição de um espaço político, muitas
vezes público, dos dois gêneros-ou nenhum, tamanha era a diversidade” (PRATES et al,
2017, p.47).
É legítimo reconhecer a autonomia dos estudantes durante o movimento,
contestando o discurso da mídia de massa, que divulgou que os estudantes eram
“marionetes” de partidos políticos de esquerda ou mesmo sindicatos.
Em vista dos argumentos apresentados é possível refletir sobre a perspectiva da
escola não apenas como conflitualista ou consensualista do sistema, mas como um campo
em disputa entre proletariado e burguesia. Mészáros afirma que
[...] O papel da educação é supremo tanto para elaboração de
estratégias apropriadas, adequadas a mudar as condições
objetivas de reprodução, como para a automudança consciente
dos indivíduos chamados a concretizar a criação de ordem social
metabólica diferente [...] (2008, p.65).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Portanto, o movimento estudantil ocorrido 2016, principalmente no Estado do
Paraná, revela a escola pública como terreno em disputa entre as forças antagônicas que
englobam o sistema capitalista. A primavera estudantil apresentou força, poder
organizativo, novo formato de ação política, clareza de suas pautas, marcando a história
dos movimentos estudantis com o mote “Ocupar e Resistir”.

Referências

ANTUNES, Ricardo L.C. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a


negação do trabalho. 2ª ed., São Paulo, Boitempo, 2009.

CIAVATTA, Maria, RAMOS. Marise. Ensino Médio e Educação Profissional no Brasil-


Dualidade e Fragmentação. Revista Retratos da Escola, v.5, n.8, p.27-41, jan./jun. 2011.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Reforma de ensino médio do (des) governo de turno:


decreta-se uma escola para os ricos e outra para os pobres. Boletim da Anped, 22 de
set. 2016. Disponível em: http://www.anped.org.br/news/reforma-de-ensino-medio-do-
des-governo-de-turno-decreta-se-uma-escola-para-os-ricos-e-outra.Acesso em: 04 out.
2017.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Trad. Isa Tavares. 2ª ed. São
Paulo: Boitempo, 2008.

PRATES, Georgia. RUGGI, Lennita Oliveira. SILVA, Mônica Ribeiro da. MACHADO,
Valeria Floriano. Ocupar e resistir: memórias de ocupação Paraná 2016. Curitiba:
UFPR, Setor de Educação, 2017.

PETITAT, André. Produção da escola/produção da sociedade: análise sócio-histórica


de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Trad. Eunice Gruman.
Porto Alegre: Artes médicas, 1994.

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 750
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
KUENZER. Zeneida Acacia. Trabalho e Escola: A Flexibilização do Ensino Médio no
Contexto do Regime de Acumulação Flexível. Revista Educação & Sociedade,
Campinas, v.38, n.139, p.331-354, abr.-jun., 2017.

SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.


(Coleção Educação Contemporânea).

SYNDERS, Georges. Escola e Luta de Classes. Trad. Leila Prado. São Paulo: Centauro
2005.

SOUZA, Janice Tirelli P. Os Jovens, as políticas sociais e a formação educativa. Revista


de Ciências Humanas, Florianópolis, Ed. UFSC, n.26, p. 51-79, out de 1999.

Autoras:

Franciele Maria David


Pedagoga da rede Estadual de Ensino
Mestranda em Educação no programa de pós-graduação scrito sensu
Unioeste Campus de Francisco Beltrão.
Suely Aparecida Martins
Professora do curso de Pedagogia e do Programa de pós-graduação em Educação da
Unioeste / Campus de Francisco Beltrão.

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emancipação humana
A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA NAS AULAS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA
Gabriel Ferezin Camargo
Carlos Henrique Ferreira Magalhães

Introdução
A educação como política pública nunca foi ponto pacífico, impondo constante
reafirmação de sua necessidade por aqueles que defendem os interesses da classe
trabalhadora. O presente trabalho parte da prática educativa em escolas públicas e realiza
um percurso teórico para trazer novos elementos à essa prática. Uma visão mais complexa
da educação nos permite entender o porquê dela ser alvo e espaço de disputa. A educação
física, no panorama da educação, também vive um conflito de interesses antagônicos.
Partirmos de uma concepção de educação física que considera como seu objeto a cultura
corporal. Nessa perspectiva, Soares e demais autores (2012) apontam que:
[...]a expressão corporal é uma linguagem, um conhecimento universal,
patrimônio da humanidade que igualmente precisa ser transmitido e
assimilado pelos alunos na escola. A sua ausência impede que o homem
e a realidade sejam entendidos dentro de uma visão de totalidade.
(SOARES et al, 2012, p. 43).

No intento da transmissão e assimilação desse conhecimento faz-se necessário


uma teoria da educação que explique a prática social e a ação dos seres humanos na
sociedade. Adotamos a Pedagogia Histórico-Crítica por ser uma proposta que visa
orientar a prática educativa numa direção transformadora, sendo também tributária da
concepção materialista e dialética da história com forte afinidade, em sua base
psicológica, pela psicologia histórico-cultural da Escola de Vigotski (SAVIANI, 2011).
A prática educativa escolar se materializa na aula e suscita questões como “Qual
o papel da escola? Qual a importância do professor? Para que serve o conhecimento? O
que o professor deve ensinar?”. Articulando essas questões com a base teórica da

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Pedagogia Histórico-Crítica analisamos os planos e relatos de aula disponibilizados por
acadêmicos/professores que atuaram em duplas na rede pública de educação no interior
do Paraná.

Fundamentação teórica
A aula é o espaço e tempo, na educação escolar, destinado à transmissão-
assimilação do conhecimento sistematizado. Podemos dizer então que a aula é um
momento de ensino e aprendizagem. Para que o ensino de fato ocorra necessitamos o
conhecimento clássico, o saber escolar, a apropriação, a objetivação e o salto qualitativo
que vai da consciência em si a para si. Esses elementos/categorias se relacionam entre si
e com a aula, devendo ser entendidos a partir do trabalho, de sua teleologia e causalidade,
como fundante do ser social.
O conhecimento clássico é o conhecimento científico, saber elaborado,
sistematizado, relevante para a formação humana. Segundo Saviani (2012) clássico não
se confunde com o tradicional, nem com o antigo, porque o moderno também pode ser
clássico, como Dostoievski para a literatura universal. O clássico é portanto:
[...] aquilo que resistiu ao tempo, tendo uma validade que extrapola o
momento em que foi formulado. Define-se, pois, pelas noções de
permanência e referência. Uma vez que, mesmo nascendo em
determinadas conjunturas históricas, capta questões nucleares que
dizem respeito à própria identidade do homem como um ser que se
desenvolve historicamente, o clássico permanece como referência para
as gerações seguintes que se empenham em se apropriar das
objetivações humanas produzidas ao longo do tempo. (SAVIANI;
DUARTE, 2012, p. 31).

O saber sistematizado é fundamental para a organização de uma aula pois ele


possibilita a aquisição de funções e capacidades que não são transmitidas biologicamente.
Esse processo de aquisição não ocorre com a mera disponibilização desse saber no
ambiente escolar. O saber científico precisa ser transformado em “saber escolar”, isso

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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implica “[...]dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe gradativamente do seu
não domínio ao seu domínio.” (SAVIANI, 2012, p. 17).
O saber escolar, em uma aula, representa a mediação entre a prática social do
aluno e o conhecimento científico que se visa apropriar. O professor deve considerar a
cultura popular como conhecimento válido e ponto de partida, mas o objetivo da educação
escolar é a apropriação do saber sistematizado.
A apropriação é o processo pelo qual ser humano se forma, aprende, domina a
natureza para que possa superá-la. Ao longo da história os homens, na relação com a
natureza, construíram uma série de características que identificam o gênero humano,
como por exemplo o uso de instrumentos, a linguagem e as relações humanas. “[...]
determinados tipos de atitudes entre os homens que vão se fixando, se objetivando, e
sendo apropriadas por cada pessoa durante sua vida.” (DUARTE, 1999, p. 38). A
sobrevivência e reprodução dos seres humanos garante a continuidade da espécie, mas
para assegurar a reprodução do gênero humano, o ser humano precisa apropriar-se e
objetivar-se.
A relação de apropriação implica em conhecer o objeto, sua história,
transformações e aperfeiçoamentos que ocorreram ao longo da atividade social. Segundo
Leontiev (1978b apud DUARTE, 1999) para se apropriar dos objetos ou fenômenos que
são o produto do desenvolvimento histórico “[...] é necessário desenvolver em relação a
eles uma atividade que reproduza, pela sua forma, os traços essenciais da atividade
encarnada, acumulada no objeto.” (1978b, p. 268, apud DUARTE, 1999, p. 43). Com isso
almeja-se entender a lógica do objeto, o significado de um produto da história.
O papel do professor é, portanto, indispensável nesse processo. Cabe a ele a
apropriação do conhecimento científico, sua transformação em saber escolar
considerando a realidade social do aluno e a transmissão desse saber na aula.

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emancipação humana
O processo de apropriação na aula, a assimilação dos conteúdos clássicos,
possibilita “[...]fixar certos automatismos, incorporá-los, isto é, torna-los parte de nosso
corpo, de nosso organismo, integrá-los em nosso próprio ser.” (SAVIANI, 2012, p. 18).
Os automatismos permitem a libertação dos aspectos mecânicos da aprendizagem, pois
eles já foram superados, ou seja, dominados e internalizados passando a operar como
parte de nossa estrutura orgânica.
Na prática educativa da Educação Física, associando os ensinamentos de Saviani
ao Coletivo de Autores, podemos considerar como conteúdos clássicos os conteúdos da
cultura corporal (SOARES et al, 2012) e sua apropriação/internalização permite um
domínio verdadeiro sobre suas próprias ações. Com isso pretende-se que o saber
sistematizado assimilado na escola seja acrescido ao saber espontâneo do aluno e ele
continue atuando na “natureza” com referências cada vez mais amplas e complexas sobre
ela. Essa atuação, tanto na escola como fora dela, está associada ao processo de
objetivação.
Vimos anteriormente que a apropriação está relacionada com a aprendizagem,
com o conhecimento dos objetos, suas histórias e transformações. A partir do momento
em que o ser humano aprende algo que outros humanos já aprenderam sua atuação
incorpora essa síntese da atividade humana.
Cada indivíduo, para se objetivar enquanto ser humano, enquanto ser
genérico, precisa se inserir na história. [...] para se constituir enquanto
um ser singular, precisa se apropriar dos resultados da história e fazer
desses resultados “órgãos de sua individualidade”. (DUARTE, 1999, p.
40).

As objetivações são os resultados da atividade humana, tanto na produção de um


objeto, de um instrumento, da linguagem ou em novas formas de utilização desses
produtos. A atividade humana é a forma como o homem se relaciona com a natureza,
enquanto os animais satisfazem sua necessidade consumindo os objetos que a natureza

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
produz o homem precisa transformá-la, nesse processo transforma também a si próprio,
e cria uma realidade humana. O ser humano se apropria da natureza com uma finalidade
específica, a transforma segundo suas necessidades, objetivando-se nessa transformação.
A atividade humana objetivada passa a ser objeto de apropriação pelo homem e essa
apropriação gera nele necessidades de novo tipo, que exigem uma nova atividade, num
processo sem fim.
O trabalho é a transformação intencional da natureza pelo homem visando
satisfazer suas necessidades (SAVIANI, 2012). É uma ação intencional, possui uma
finalidade, e ao realizá-la o homem se aproxima enquanto indivíduo, espécie, do gênero
humano. Por meio do trabalho cria um mundo humano, da cultura, com uma série de
características e objetivações ao longo da história. Ao apropriar-se dessas objetivações o
homem se humaniza, desenvolve suas potencialidades. Assim entendemos que a aula, na
escola, deveria também ter esses pressupostos. Como vimos o homem não nasce com as
características do gênero humano, pois elas não são transmitidas hereditariamente, essa
humanização acontece sobre a natureza biofísica por meio do processo de apropriação e
objetivação. Entendemos que o professor na aula é um sujeito de relevada importância,
haja vista, que o mesmo pode ser um sujeito que ao ensinar corrobora para a humanização
dos alunos. Esse processo não ocorre individualmente, pelo contato do indivíduo com os
objetos, carece da mediação de outros seres humanos, é, portanto, um processo educativo.
A educação, assim como o trabalho, é uma atividade com teleologia e causalidade, ou
seja, tem uma finalidade que para ser atingida implica no conhecimento do objeto. A
escola, deve visar que os estudantes se apropriem dos traços essenciais dos objetos, de
sua lógica e esses elementos estão contidos nos conteúdos clássicos, no saber
sistematizado. Esse saber deve ser adequado à essa instituição, ou seja, transformado em
saber escolar para que o aluno passe do seu não domínio ao seu domínio. A apropriação
desse saber permite que o educando atue com referências mais ampliadas e complexas na

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
realidade social. Para que a apropriação ocorra é imprescindível a atuação do professor e
a realização do trabalho educativo que consiste em “[...] produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens.” (SAVIANI, 2012, p. 13).
A aula, nesse sentido, deveria ser o espaço e tempo, na educação escolar, no qual
realizar-se-ia o trabalho educativo possibilitando que os educandos desenvolvessem suas
faculdades especificamente humanas ao apropriarem-se do conhecimento clássico e
objetivarem-se em sua prática social. A Pedagogia Histórico-Crítica propõe que o ensino
seja pensado e estruturado a partir do saber sistematizado, com um caminho para se
percorrer, o currículo. O planejamento docente, para atingir essa finalidade, necessita
considerar fundamentalmente cinco momentos: a prática social inicial, problematização,
instrumentalização, catarse e prática social final.
Os passos apresentados por Saviani não seguem uma ordem necessária, e podem
não acontecer durante uma aula. Optamos, entretanto, por adotar a mesma terminologia
utilizada na proposição da metodologia. Gasparin (2012), elaborando uma didática para
a Pedagogia Histórico-Crítica, define a Prática Social Inicial como:
[...]uma contextualização do conteúdo. É um momento de
conscientização do que ocorre na sociedade em relação àquele tópico a
ser trabalhado, evidenciando que qualquer assunto a ser desenvolvido
em sala já está presente na prática social, como parte constitutiva dela.
(GASPARIN, 2012, p. 21).

A problematização é “a identificação dos principais problemas postos pela prática


social.” (SAVIANI, 1999, p. 80). O terceiro passo, a instrumentalização, trata de “se
apropriar dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos
problemas detectados na prática social.” (SAVIANI, 1999, p. 81). A catarse é a
“incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de

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emancipação humana
transformação social.” (SAVIANI, 1999, p. 81). O quinto passo é prática social, ou
Prática Social Final conforme Gasparin (2012):
A Prática Social Final é a nova maneira de compreender a realidade e
de posicionar-se nela, não apenas em relação ao fenômeno, mas a
essência do real, do concreto. É a manifestação da nova postura prática,
da nova atitude, da nova visão do conteúdo no cotidiano. É, ao mesmo
tempo, o momento da ação consciente, na perspectiva da transformação
social, retornando à Prática Social Inicial, agora modificada pela
aprendizagem. (GASPARIN, 2012, p. 143).
Análise dos relatos
Na presente análise tivemos acesso aos planos e relatos de aula de
acadêmicos/professores de Educação Física, participantes do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência. Os documentos referem-se à aulas realizadas durante o
ano de 2014 na rede pública de educação, em um município do interior do Paraná. Após
a leitura dos planos e relatos das dez duplas participantes do programa em 2014
selecionamos aquela com maior detalhamento. Analisamos o planejamento como um
todo, na organização do conteúdo e distribuição das aulas, e também momentos
específicos que apareceram nas aulas.

Conclusões
Concluímos que a Pedagogia Histórico-Crítica continua enfrentando diversos
obstáculos para sua materialização nas escolas públicas, dentre eles o déficit formativo
dos professores. Uma organização da universidade que forme os alunos em uma lógica
binária, fragmentando o conhecimento, transmitindo-o sem situá-lo historicamente,
coloca para o estudante maiores dificuldades em uma formação comprometida com a
classe trabalhadora. Os reflexos dessa formação levam os professores à pratica educativa
sem os instrumentos necessários para sua objetivação, sem que tenham se apropriado dos
conceitos que tentam ensinar. Entretanto, as aproximações à Pedagogia Histórico-Crítica
nos relatos evidenciaram a importância de reproduzir a lógica do objeto ou fenômeno

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emancipação humana
ensinado, seu movimento histórico e o papel do ser humano nessas transformações. Esses
elementos possibilitam que os alunos entendam que as coisas nem sempre foram como
são, estão em constante mudança, e, portanto, necessitam apropriar-se do conhecimento
historicamente produzido para interferir qualitativamente nesse processo de mudança.
A materialização da Pedagogia Histórico-Crítica necessita uma postura
questionadora e de enfrentamento, ou seja, reconhecer que vivemos em uma sociedade
desigual, ter em nosso caráter o empenho pela transformação e se apropriar do
conhecimento historicamente produzido, necessário à classe trabalhadora para a
superação do capital.

Referências

DUARTE, Newton. A individualidade para-si: contribuição a uma teoria histórico-


social da formação do indivíduo. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 1999.

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 5. ed.


Campinas: Autores Associados, 2012.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze


teses sobre educação e política. 32. ed. Campinas: Autores Associados, 1999.

________. História das ideias pedagógicas no Brasil. 3. ed. Campinas: Autores


Associados, 2011.

________. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. Campinas:


Autores Associados, 2012.

SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton (Orgs.). Pedagogia histórico-crítica e luta de


classes na educação escolar. Campinas: Autores Associados, 2012.

SOARES, Carmen Lúcia et al. Metodologia do Ensino de Educação Física. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2012.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Autores:

Gabriel Ferezin Camargo


UEM/PR
e-mail: gafcamargo@gmail.com
Carlos Henrique Ferreira Magalhães
UEM/PR

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
POR UMA PEDAGOGIA DIALÉTICA: ELEMENTOS PARA
DISCUSSÃO
Luis Felipe Silveira Ayala
Introdução
A educação, desde sua forma mais primitiva até os dias atuais, se modifica de
acordo com a forma de sociedade existente, tendo sua essência desviada para outros fins
que não correspondem aos interesses universais da humanidade, não mais
disponibilizando elementos para uma plena realização do ser. Passa a cumprir um papel
de conservação da sua forma de sociedade, ocultando as causas objetivas das deformações
da forma de sociedade de sua época.
Porém, a educação (institucional) ainda é um meio que não pode ser descartado
para a transmissão da cultura humana acumulada historicamente para as gerações futuras.
Neste sentido, embora possua uma função conservadora, ainda assim, existe um potencial
de contribuição para a formação da consciência de classe, quando disputamos para que,
através da educação institucional, a classe trabalhadora possa ter acesso aos acúmulos
culturais sistematizados que lhe sirvam de instrumento para uma perspectiva mais nítida
da totalidade social e seus fenômenos internos. A luta de classes, portanto, permeia a
educação neste sentido.
Este trabalho fará uma breve retomada do papel essencial da educação enquanto
exclusividade do ser social e os desvios que esta sofre enquanto ferramenta ideológica
para a conservação, manutenção e reprodução da sociedade capitalista. Por fim, será
exposto a necessidade de encontrar dentro da escola burguesa um meio de se
disponibilizar para os educandos o máximo de acúmulos culturais possíveis, superando
as pedagogias liberais que ocultam o caráter objetivo das manifestações desumanas da
sociedade burguesa, em defesa de uma pedagogia que contribua para compreender que a
superação do capital não só é possível como é necessária.

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emancipação humana
Discussão inicial sobre a educação
Uma das características da educação que deve ser levada em conta é seu caráter
puramente social. A educação é exclusividade humana, oriunda do desenvolvimento do
ser social, particularidade essencial que nos distingue dos demais seres orgânicos. Na
esfera social, o próprio “mundo” humano é criado; o homem tem uma interação dialética
com a natureza, transformando esta e criando sua própria natureza através do trabalho.
Este trabalho é exclusividade humana, teleológico, onde o homem exterioriza sua
ideia prévia transformando a matéria e criando um novo objeto que, em maior ou menor
grau, modificará sua esfera social enquanto modifica o próprio produtor, desenvolvendo
novas habilidades, aptidões, potencialidades, virtualidades, necessidades, etc. Neste
processo (objetivação e subjetivação), o homem objetiva e se apropria das demais
objetivações sociais, tornando-se cada vez mais genérico e com relações cada vez mais
complexas. Por se tratar de um trabalho teleológico, somam-se a ele outras necessidades,
como a de um melhor conhecimento da natureza que se pretende transformar (ciência),
assim como os aspectos de valorização (ética) e simbolização (arte). Nesta dimensão não
material, que não deixa de ter importância fundamental para o trabalho material, está
incluso a educação:
Podemos, pois, dizer que a natureza humana não é dada ao homem, mas
é por ele produzida sobre a base da natureza biofísica.
Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim,
o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da
espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e
concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para
atingir esse objetivo. (SAVIANI, 2011, p.13.)

Neste desenvolvimento do ser social como um todo, com formas cada vez mais
desenvolvidas de trabalho, com a criação de novas técnicas, tecnologias, etc., estes

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emancipação humana
conhecimentos precisam ser transmitidos para as novas gerações. Desta forma, para
manter o desenvolvimento progressivo da sociedade, é incumbência da educação fazer a
transmissão desta cultura acumulada pela humanidade, possibilitando que não precisemos
retornar sempre à estaca zero em cada nova geração.
Mesmo nas relações sociais mais primitivas, ainda que mais visivelmente em
formas de sociedade mais complexas, o campo das ideações, fundamentadas no trabalho
material, possui o germe de uma categoria que acompanhará a problemática da educação,
e com certeza não só dela, durante todo o seu devir até hoje: o fenômeno da ideologia.
[...] com o desenvolvimento do trabalho e da divisão do trabalho, ganha
em importância um novo tipo de posição teleológica. Essa nova forma
de posição teleológica, ao invés de buscar a transformação do real, tem
por objetivo influenciar na escolha das alternativas a serem adotadas
pelos outros indivíduos; visa convencer os indivíduos a agir em um
dado sentido, e não em outro.” (LESSA, 2015, p. 42.)

Enquanto em um primeiro momento as escolhas são voltadas para a transformação


direta da natureza, para a produção material, podendo ser chamadas de posição
teleológica primária, num segundo momento, como citado acima, percebemos o
surgimento de algo que podemos chamar de posição teleológica secundária. E é nesta
posição teleológica secundária que localizamos o complexo da ideologia com o fim de
“regular” a práxis humana, como algo que se origina a partir da posição teleológica
primária e esta última se realiza no próprio processo de produção material. Sem
aprofundar em detalhes que concernem a toda a amplitude da ideologia como tema para
análise, será, doravante, brevemente analisado sua configuração com algumas das
concepções pedagógicas mais influentes na atualidade (ao menos no Brasil) e suas
semelhanças com pedagogias passadas, visando discutir as contradições nestas
concepções, apontando insuficiências e pontos progressistas que devem ser levados em
conta de forma dialética.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Contribuições da Escola Nova (1932)
Uma proposta histórica para a educação que poderia ser levada em conta para
compreender as influências sobre as pedagogias atuais é a que surgiu a partir do
movimento Escola Nova, consolidado a partir de 1932. Esta teoria surgiu em um período
de importantes transformações econômicas e políticas, destacando-se por sua justa crítica
ao antigo modelo de educação tradicional que, em curtas palavras, reproduzia dogmas
tradicionais, transmitia conteúdos vazios e desconexos da vida concreta dos estudantes,
com uma noção de professor como o centro absoluto da aula, detentor do conhecimento
a ser transmitido e inquestionável. Neste sentido, a contribuição escolanovista foi
indispensável para que se abrisse um horizonte mais humanista para a educação, ainda
que suas propostas de anúncio levantadas como bandeira não tenham se realizado de
forma suficiente. A Escola Nova tinha como proposta a extensão da educação para uma
maior parte da população, de acordo com as necessidades da época em que surgiu
(industrialização, surgimento de novas tecnologias para a produção, etc.). No caso
específico do Brasil, o escolanovismo surge em um período de crescente deslocamento
dos trabalhadores do campo para a cidade, a partir de 1930, com a aceleração do processo
de urbanização e da indústria (produção cafeeira de forma significativa), o que exigiria
uma educação básica para esta população que sempre viveu longe da área urbana.
Há nesta proposta uma forte base liberal, tendo uma concepção de educação como
algo autônomo em relação à infraestrutura e outras esferas da superestrutura. Considerava
que a emancipação poderia se dar pela educação por si, crendo que esta teria o poder de
formar os indivíduos que, ao concluírem seu tempo na escola, poderiam realizar
plenamente a sociedade com os ideais de liberdade e igualdade burgueses. Além de ver a
educação com este isolamento, vê-se que esta não desvincula-se, na prática, dos interesses
reprodutivistas da classe dominante. Na verdade, é condição indispensável para ela no
contexto onde o escolanovismo se manifesta. Saviani expõe com muita precisão os pontos

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
mais críticos das insuficiências desta tendência, apontando sua visão fragmentada da
totalidade e a forma como tenta conciliar o conteúdo com os interesses individuais dos
alunos. Sobre esta última questão, Saviani comenta:
Uma questão fundamental na pedagogia, e que o movimento da Escola
Nova expôs com veemência, é a questão dos interesses do aluno. O
objetivo do processo pedagógico é o crescimento do aluno, logo, seus
interesses devem necessariamente ser levados em conta. O problema é
o seguinte: quais são os interesses do aluno? De que aluno estamos
falando, do aluno empírico ou do aluno concreto? O aluno empírico, o
indivíduo imediatamente observável, tem determinadas sensações,
desejos e aspirações que correspondem à sua condição empírica
imediata. Estes desejos e aspirações não correspondem necessariamente
aos seus interesses reais, definidos pelas condições sociais que o situam
enquanto indivíduo concreto. (SAVIANI, 2011, p. 71.)

Abandono da totalidade: herança liberal nas pedagogias atuais


A escola burguesa, tendo o movimento escolanovista como portador de seus
interesses a partir de determinado momento, teve de fato um grande interesse em educar
a classe trabalhadora, mas esta educação proposta se limitava aos conhecimentos
necessários para acompanhar a evolução das forças produtivas e suas novas tecnologias
como um todo, tendo como fim último a reprodução do modelo de sociedade fundado na
exploração da força de trabalho humano e na acumulação de capital. Isto não é novidade
alguma quando se trata de alguma concepção liberal de educação. Como relembra
Saviani,
Em Adam Smith, já aparecia claramente a indicação de que os
trabalhadores deviam ser educados, porém em doses homeopáticas.
Deviam receber apenas o mínimo necessário de instrução para serem
produtivos, para fazerem crescer o capital. Nada além disso. (Saviani,
2011, p. 67.)

Isto é perceptível também no taylorismo, onde, a partir da observação da forma


como os trabalhadores produzem, elabora-se de forma sistematizada o conhecimento
derivado deste processo, reduzindo a este o saber a ser transmitido para a classe

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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trabalhadora e desapropriando desta o conhecimento do conjunto, da totalidade. O ponto
é que os trabalhadores precisam, inevitavelmente, receber uma educação mínima para
acompanhar a complexificação das formas de produzir e das relações de trabalho, mas de
forma passiva. Nada além disso seria necessário. Ao contrário, poderia ser prejudicial
para a preservação da hegemonia do capital.
Apesar de ser algo já criticado há tempos na concepção liberal de educação em
geral, há pedagogias contemporâneas que se dizem críticas, mas, intencionalmente ou
não, reproduzem tendências liberais que muitas vezes dizem criticar.
Algumas das teorias pedagógicas dominantes na atualidade, chamadas por
Newton Duarte de “Pedagogias do Aprender a Aprender”, são conhecidas como a teoria
construtivista, a pedagogia do professor reflexivo, a pedagogia das competências, a
pedagogia dos projetos e a pedagogia multiculturalista (DUARTE, 2010). Um primeiro
traço em comum que pode-se perceber em ambas é a negação do tradicionalismo escolar.
Como já visto antes, a crítica ao tradicionalismo, desde o movimento Escola Nova, possui
contribuições importantíssimas para se alcançar um ideal de educação “progressista”.
Outro aspecto comum destas pedagogias é a ausência de expectativa de superação do
capitalismo (algo que é hegemônico nos pensadores burgueses até sua expressão máxima,
como em Hegel). De acordo com estas teorias, as insuficiências perceptíveis dentro da
sociedade capitalistas possuem sua solução dentro da própria lógica capitalista, mas, para
tentar defender esta tese, o preço que se paga é o abandono da totalidade como perspectiva
de análise conjuntural, e nisto está o ponto que eu diria ser o principal da função
ideológica destas teorias para a reprodução e manutenção do capital, ocultando os
fundamentos causais das contradições que são substanciais para essa forma de sociedade,
como a própria acumulação de capital que é o que move e mantém (em movimento) o
mundo do capital.

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Trata-se da negação da perspectiva de totalidade, ou seja, da afirmação
do princípio de que a realidade humana seria constituída de fragmentos
que se unem não por relações determinadas pela essência da totalidade
social, mas sim por acontecimentos casuais, fortuitos e inacessíveis ao
conhecimento racional. Segundo essa perspectiva, seriam os acasos da
vida de cada sujeito que determinariam o que é ou não relevante para
sua formação. (DUARTE, 2010, p.35.)

Nestas teorias, o cotidiano dos alunos não é visto como contribuinte para o
desenvolvimento dos conteúdos sistematizados das aulas para converter, como diria
Paulo Freire, a curiosidade ingênua em curiosidade epistemológica, o saber do senso
comum em saber sistematizado, crítico. Ao contrário, o cotidiano, os conhecimentos
assistemáticos, são vistos como centrais. De forma geral, o conhecimento só teria valor
se tivesse uso pragmático, e com isso voltamos ao que disse Saviani sobre os interesses
individuais dos alunos. Não é levado em conta o fato de que os alunos chegam das mais
diversas condições resultantes das relações do mundo do capital. A juventude, na maioria
das vezes, é oriunda de uma realidade onde o conhecimento utilitarista é mais valorizado,
pois é aquele exigido pelo mercado de trabalho, pela necessidade inesgotável de
acumulação de capital, pela ânsia de aumento das taxas de lucro. Com os conteúdos
sistemáticos, clássicos, patrimônio intelectual humano mais desenvolvido acumulado
durante toda a nossa história, secundarizados em prol do utilitarismo, a possibilidade
mínima de realização do ser em relação à toda a riqueza cultural acumulada é amputada.
As condições de acesso já o são. Com estas pedagogias como instrumento de dominação
burguesa, até mesmo a existência de toda a riqueza espiritual humana é ocultada, a
construção da consciência de classe é neutralizada e o horizonte de transformação radical
da sociedade passa a ser “utopia”.

Em defesa da objetividade

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emancipação humana
Atualmente, pode-se dizer que tendências com fundamentos liberais utilizam de
certos relativismos, apelo ao subjetivo, ao particular, acima do que é predominante, da
regra geral, do objetivo, como forma de analisar o real. Há um interesse burguês em
abandonar e até mesmo resistir contra a pretensão à objetividade epistêmica. Uma das
formas de negar a objetividade seria com a armadilha positivista de que só existe
objetividade relativamente a neutralidade. Esta conclusão, de que o saber só é objetivo se
for neutro, é resultado de um argumento lógico-formal, onde o erro se encontra em uma
das premissas que vincula necessariamente a objetividade à neutralidade.
Com efeito, se existem interesses que se opõem à objetividade do
conhecimento, há interesses que não só não se opõem como exigem
essa objetividade. É nesse sentido que podemos afirmar que, na atual
etapa histórica, os interesses da burguesia tendem cada vez mais a se
opor à objetividade do conhecimento, encontrando cada vez mais
dificuldades de se justificar racionalmente, ao passo que os interesses
proletários exigem a objetividade e tendem cada vez mais a se expressar
objetiva e racionalmente. É fácil compreender isso uma vez que a
burguesia, beneficiária das condições de exploração, não tem interesse
algum em desvendá-las, ao passo que o proletariado que sofre a
exploração tem todo interesse em desvendar os mecanismos dessa
situação, que é objetiva.” (SAVIANI, 2011, p. 50.)

Transmitir o conhecimento universal, objetivo, é possibilitar que os receptores das


mais variadas situações concretas tenham ferramentas para perceberem as leis universais
que regem a sociedade burguesa; que compreendam fenômenos universais que lhes
pareciam particulares e que tenham um acúmulo espiritual que lhes permitam descortinar
as causas (que são objetivas) e as próprias contradições desta forma de sociedade que
talvez não fossem perceptíveis sem tal perspectiva. A objetividade não necessariamente
é sinônimo da verdade, mas é a representação da busca pela revelação desta durante a
história; seu progresso não é linear, sem retardamentos. Quando a burguesia fora classe
revolucionária, a objetividade foi reivindicada com fervor. Porém, após todo o tempo que
a sociedade burguesa teve para chegar à sua estruturação atual, as suas limitações para a

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emancipação humana
realização plena da humanidade são nítidas como nunca; por isso, atualmente, o
conhecimento objetivo não mais interessa para a classe dominante. Ao menos não quando
se trata de a classe dominada como o recipiente. Seu caráter conservador se manifesta
expressando-se como ideologia nos complexos sociais, como na educação
institucionalizada, negando a objetividade necessária para compreender suas leis e a
necessidade de sua superação: a construção do socialismo.

Considerações finais
Admitimos com isto que a escola possui um papel de reprodução e conservação
na sociedade burguesa? Sim, e os crítico-reprodutivistas já expuseram isso
satisfatoriamente quando criticavam o tecnicismo pedagógico dos anos 70. Porém, uma
apreensão dialética da educação escolar deve ser sensível à luta de classes que a permeia.
Para além da crítica ao papel de dominação de classe, há de se entender que a escola
institucional ainda é um dos melhores (ou o melhor) meio para a transmissão de
conhecimento sistematizado, e isto tem uma fundamental importância para a classe
trabalhadora, que precisará frequentar a escola por exigência do mercado de trabalho.
Devemos abandonar a disputa dentro da escola burguesa por estarmos cientes de sua
essência desumanizada? Concordo com Saviani ao constatar que esta visão é mecanicista
em demasia. Há de se pensar na prática docente dos professores dispostos a contribuir,
dentro da escola burguesa, transmitindo da melhor forma possível (e nisto está incluso a
capacidade técnica que não deve ser confundida com o tecnicismo acrítico) o acúmulo da
cultura humana para todos e todas as pessoas da classe expropriada com quem se deparar
disposto a aprender. Nenhuma riqueza espiritual lhes é alheia; ao contrário, lhes pertence.
Concordando com Saviani, encerro com mais uma citação sua onde compara o
saber sistemático com os meios de produção. Se pretende-se a construção do socialismo,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
a socialização dos meios de produção, creio que seja esta a perspectiva de educação que
devemos ter:
Ora, é sobre a base da questão da socialização dos meios de produção
que consideramos fundamental a socialização do saber elaborado. Isso
porque o saber produzido socialmente é uma força produtiva, é um meio
de produção. (SAVIANI, 2011, p. 66.)

Referências bibliográficas:
DUARTE, Newton. O debate contemporâneo das teorias pedagógicas. São Paulo:
Editora UNESP, 2010.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 7ª ed. 1976.

LESSA, Sérgio. Para compreender a ontologia de Lukács. São Paulo: Instituto Lukács,
4ª ed. 2015.

LUSTOSA JR., José. Ao povo e ao governo: o ideário educacional do manifesto dos


Pioneiros da escola nova no brasil. Editora Realize – Revistas. Disponível em:
http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/trabalhos/Trabalho_Comunicacao_oral_
idinscrito_8_f6dc1b892a8cacc6eb8fcaf8a94bdd72.pdf. Acessado em: 01/02/2018.

MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

______. O Capital. São Paulo: Abril S.A. Cultural, 1983.

REIS, Ronaldo. O abandono da totalidade e a distopia da diversidade. Niterói, RJ:


Revista Conhecimento & Diversidade, 3ª ed. 2010.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: Autores Associados,


2011.

Autor:

Luis Felipe Silveira Ayala


Graduando em Filosofia (Licenciatura) e bolsista PIBID – UFSM

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A RELAÇÃO TRABALHO EDUCAÇÃO E A
INTENCIONALIDADE FORMATIVA NAS ESCOLAS
ITINERANTES DO MST
Janaine Zdebski da Silva
Fernando José Martins
Alex Verdério
Introdução
As Escolas Itinerantes são escolas localizadas nos acampamentos de luta pela
terra, organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST - e
construídas pelos Sem Terra acampados. Elas carregam este nome devido à necessidade
de itinerância do acampamento, por este ser um espaço provisório, expressão da luta, com
riscos contínuos de despejos, onde as famílias, em função do processo de luta pela terra,
normalmente se deslocam para participarem de marchas, mobilizações e para a garantia
da sobrevivência através das frentes de trabalho.
Temos como objetivo orientador deste trabalho apresentar reflexões analíticas
sobre a relação entre trabalho, educação e formação de valores nas Escolas Itinerantes do
MST no Paraná, para tanto, iniciamos trazendo pressupostos acerca da relação entre
trabalho e educação, a questão da educação escolar e posteriormente tomamos as
experiências das Escolas Itinerantes do MST no Paraná no que se refere a este recorte.
Esta pesquisa é de cunho qualitativo, onde nos utilizamos de revisão bibliográfica
de textos acadêmicos, bem como de documentos do Setor de Educação do MST e ainda
de trechos de entrevistas realizadas com coordenadores pedagógicos das Escolas
Itinerantes do MST/PR.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A relação trabalho e educação e a função social da escola
Partilhamos do entendimento de Friedrich Engels em “Sobre o papel do trabalho
na transformação do macaco em homem” em que este autor afirma que o trabalho é a
“[...] condição básica e fundamental de toda a vida humana. Em tal grau que, até certo
ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem” (ENGELS, 2012, p. 1).
É neste sentido que Engels (2012) aponta que o homem modifica a natureza e a
obriga a servir-lhe, ou seja, domina-a. Ao mesmo tempo em que o trabalho é produto do
homem, o homem se produz a partir dele, produz sua cultura, seu mundo humano, social.
Pressupomos, portanto, “o trabalho como forma exclusivamente humana” (MARX, 1984,
p. 211).
Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter
intermediário: ele é, essencialmente, uma interrelação entre homem
(sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria prima,
objeto do trabalho, etc.) como orgânica, interrelação que pode até estar
situada em pontos determinados da série a que nos referimos, mas antes
de mais nada assinala a passagem, no homem que trabalha, do ser
meramente biológico ao ser social (LUKÁCS, 1981, p. 14).

Entendemos que a educação é inerente à sociedade humana, ou seja, o homem se


torna homem pela mediação da educação. Neste sentido, compreendemos a escola como
espaço de tensão e de contradição, um lugar de mediações, mas não de determinações
(BORGES, 2009, p. 11).
Entender que a escola é de classe é entender também que a materialização da
escola dentro de uma mesma sociedade ocorre de diferentes formas. Em “Crítica ao
programa de Gotha”, no qual o Partido Operário Alemão exigia “Educação popular geral
e igual a cargo do Estado”, Marx (s/d, p.?) contesta, argumentando: “Educação popular
igual? O que se entende por isto? Acredita-se que na sociedade atual [...] a educação pode
ser igual para todas as classes?”.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Entendemos que a escola deve fazer com que os alunos tenham contato com o que
a humanidade já produziu em termos de cultura humana, que a escola seja espaço da
transmissão do “[...] saber construído, histórico e socialmente, como fonte de riqueza para
a humanidade” (NAGEL, 2012, p. 5). Ainda, segundo Lizia Helena Nagel, a escola tem
uma “[...] função específica, precisamente, a de ensinar às gerações novas o saber
acumulado pelas gerações que lhes antecederam” (NAGEL, 2012, p. 5).
Neste contexto, sublinhamos as contradições presentes na escola capitalista em
seu modelo hegemônico, modelo este que buscamos negar, pois reproduz valores
voltados a manutenção da ordem social vigente, mas que, contraditoriamente, carrega –
vinculada a novas relações de produção da vida – possibilidades de mediações na
perspectiva de questionar estes valores e se colocar na perspectiva antagônica, como a
Escola Itinerante vem buscando construir por meio de suas práticas.

A Escola Itinerante do MST


Dentre as bandeiras norteadoras das suas ações do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra - MST estão à luta pela terra e pela Reforma Agrária como objetivos
imediatos, aliados à luta pelo socialismo como objetivo estratégico, três bandeiras
centrais que expressam a sua orientação política160.
A luta pela Reforma Agrária no MST, tem sido acompanhada pela luta por outros
direitos humanos fundamentais, dentre eles a educação onde destacamos a experiência da
Escola Itinerante.
As escolas itinerantes se caracterizam pelo seu forte vínculo com a
Reforma Agrária. A escola nos acampamentos é uma ferramenta de
luta, fator mobilizador de famílias para participar da ocupação, para
permanecer nos acampamentos e no campo pedagógico, ela é
sementeira da escola que estamos construindo. De certa forma, a escola

160
De acordo com os Objetivos do MST disponíveis na página eletrônica do Movimento: http://www.mst.org.br/

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
itinerante é uma antecipação da escola do assentamento, nos seus
aspectos organizativos, políticos e pedagógicos (MST, 2006, p. 140).

Por estar no espaço do acampamento e vinculada ao MST ela pode assumir


características específicas. Este espaço ao qual a Itinerante se vincula pode favorecer a
construção de relações sociais que visam se contrapor às relações sociais hegemônicas,
pautadas no individualismo e competitividade, dentre outros, o que pode possibilitar a
construção de uma escola sob outras bases, pautadas na cooperação e coletividade. Isso
“[...] não quer dizer, em hipótese alguma, que ‘naturalmente’ por estar no acampamento
a escola será melhor, que esta nova forma vai surgindo. Se não houver um longo trabalho,
muito estudo e ação (coletivos), ficamos na mesma” (DALMAGRO, 2010b, p. 120).
Pois a Itinerante, como escola do MST se norteia pelos
“Princípios da Educação no MST” (MST, 1996). O Caderno de Educação n. 8 apresenta
os princípios da educação no MST, são eles:
[...] Princípios filosóficos: Educação para a transformação social; [...]
Educação para o trabalho e a cooperação; [...] Educação para as várias
dimensões da pessoa humana; [...] Educação com/para os valores
humanistas e socialistas; [...] Educação como um processo permanente
de formação e transformação humana; [...] Princípios pedagógicos:
Relação teoria e prática; [...] A realidade como base da produção do
conhecimento; [...] Educação para o trabalho e pelo trabalho; [...]
Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos e
econômicos; [...] Vínculo orgânico entre educação e cultura; [...] Gestão
democrática; [...] Auto-organização dos/das estudantes; [...] Criação de
coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/as; [...]
Atitudes e habilidades de pesquisa; [...] Combinação entre processos
pedagógicos coletivos e individuais (MST, 1996, p. 161-176).

A Escola Itinerante ao se vincular a cada um destes princípios “[...] não existe em


nenhum lugar na sua totalidade, mas os seus principais aspectos estão presentes e em
funcionamento em muitos lugares”. (MST, 1999, p. 199), pois, a materialidade desta
proposta escolar se apresenta de diferentes formas. Atualmente temos no Paraná doze
Escolas Itinerantes em funcionamento nas diferentes regiões do estado.

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emancipação humana
Trabalho e auto-organização dos educandos: um vínculo com a formação de valores
No Caderno das Escolas Itinerantes I, no texto que relata a história da Escola
Itinerante Chico Mendes, fica evidente como o trabalho na Escola Itinerante está quase
sempre muito imbricado com a auto-organização dos estudantes.
[...] foi fundamental a organização dos educandos em núcleos de base
consolidando o coletivo dos educandos na escola. Estes núcleos tinham
como tarefas: garantir e organizar a limpeza das salas de aula; estudar
textos relacionados à aula, organizar e celebrar os momentos.de mística;
e garantir que fossem executadas as tarefas planejadas e encaminhadas
pelo coletivo. Quanto ao trabalho da horta, eram organizados grupos
maiores de educandos, principalmente de 5ª a 8ª série, conforme
houvesse a necessidade de preparação do solo, semear a semente e
aguar as verduras. (MST;SEED 2008a, p. 47).

No que se refere à relação entre trabalho e auto-organização dos educandos,


identificamos que ao se auto-organizarem os educandos passam a ter “voz e vez” desde
seus espaços organizativos,
A auto-organização, a gestão democrática, a participação dos
educandos na condução da escola, deve ser assumida como tarefa
essencial para efetivarmos nossa concepção de escola e de formação. É
criar espaços onde educandos de todas as idades possam experimentar
a organização e a vivência real de sua autonomia, de sua capacidade de
coordenar e ser coordenado, de crítica, auto-crítica e proposição, entre
outras. Isso é permitido quando a escola se organiza em núcleos de base,
brigadas, equipes de estudo e trabalho, oficinas, assembleias, conselhos
de classe participativos, entre outros. (GREIN, GEHRKE, 2008, p. 92).

Esta postura dos educandos por meio da auto-organização redimensiona a atuação


dos sujeitos que compõe a escola. A vinculação da realização de um trabalho por meio da
auto-organização dos estudantes tem sido apontada também como positiva ao
proporcionar a escola potencializar a formação de valores:
A necessidade de se organizarem coletivamente, pensar um
cronograma para o trabalho, mesmo que seja o auto-serviço (limpeza
da sala, do pátio, embelezamento da escola, entre outros) e de divisão

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
de tarefas para operacionalizar o trabalho, possibilita circunstâncias que
agem na subjetividade do estudante formativamente, ao conflitar os
interesses individuais com os interesses da coletividade. (LEITE, 2012,
p.42).

Nas palavras de um dos coordenadores pedagógicos das Escolas itinerantes:


As práticas de trabalho realizadas pelos educandos/as rotineiramente
são as de limpeza e cuidado da escola que contribuem para a formação
de valores de responsabilidade, cuidado com o ambiente em que
vivemos e compromisso com o coletivo, pois cada turma é responsável
pela limpeza de sua sala, bem como do ambiente escolar e
embelezamento dos jardins. (LEITE, 2012, p. 54).

Esta vinculação do trabalho realizado pelos educandos com a auto-organização e


a formação de valores pode ser visualizada nos relatos das experiências escolares das
Itinerantes nos Cadernos II e IV e nos relatórios de 2008 e 2009, bem como são apontadas
por Leite (2012).
O que aparece com mais destaque é a possibilidade de formar valores como
responsabilidade, solidariedade, espírito de coletividade, respeito, honestidade e
companheirismo a partir do trabalho coletivo dos educandos.
Cabe apontarmos aqui, que esta ênfase na formação de valores via relação
trabalho-educação por meio do Tempo Trabalho161 se vincula com um dos pilares da
escola no Movimento, qual seja a formação política, que se atrela à necessidade da escola
em exercitar novas relações e valores, “construindo pessoas novas para outra forma de
sociedade” (DALMAGRO, 2010a, p. 175).
Percebe-se o foco de que a escola deve contribuir na formação de militantes, uma
tarefa que não é delegada só à Escola itinerante, mas ao conjunto das práticas educativas

161
Para ampliar a compreensão indicamos: MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; IEJC
– Instituto de Educação Josué de Castro. Método Pedagógico. Cadernos do ITERRA. Ano IV – n. 9.
Veranópolis, 2004.

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emancipação humana
do Movimento e nas lutas travadas. A organização para o trabalho na Itinerante reflete a
dinâmica organizativa do Movimento, geralmente os trabalhos são desenvolvidos por
meio dos Núcleos de Base - NBs162 reproduzindo, então, os processos organizativos
presentes no acampamento.
Machado nos mostra que
O senso de responsabilidade e solidariedade se expressa, por exemplo,
na distribuição das tarefas em um acampamento, onde as ações
desencadeadas pelos sujeitos visam o coletivo e não a interesses
particulares, e constam dos princípios de uma organização sócio-
econômica democrática e igualitária. Sem dúvida os trabalhadores
aprendem muito nessa convivência. (MACHADO, 2003, p. 30-31).

A intencionalidade na formação destes valores humanos, portanto, só se apresenta


na Escola Itinerante por estar presente no Movimento Social que a constitui e nos
acampamentos que as comportam.
Como nos mostra Caldart, a escola passou a ser vista “como parte da estratégia de
luta pela Reforma Agrária, vinculada às preocupações gerais do Movimento com a
formação de seus sujeitos” (CALDART 2000, p.146). Nesse sentido, o Movimento e o
acampamento se tornaram referência para a organização escolar. Leite, ao referir-se às
Itinerantes afirma que
Ao desenvolver o trabalho na escola, proporciona-se colocar em
questão os valores capitalistas como o individualismo e a
competitividade impregnados nos estudantes por meio das múltiplas
influências do meio social. (LEITE, 2012, p. 42).

162
Os Núcleos de Base fazem parte da estrutura organizativa do MST, são agrupamentos de pessoas
/famílias e não devem ser entendidos apenas como uma estrutura formal, mas um coletivo de famílias
que existe para possibilitar e ampliar a gestão democrática. É um espaço de construção da participação e
do poder popular, em que se “[...] analisa as demandas, elabora e aprofunda as propostas, participa de
elaboração e implementação” de estratégias (MST, 2008, p. 63). A organização de base, na Escola, são os
núcleos de base. São os educandos de cada sala de aula [...] que devem ser desafiados a se auto organizar.
(Documento Interno, apud, CAMINI, 2009, p. 229).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Entendemos que esta ênfase na formação de valores, na formação do novo homem
e da nova mulher, se vincula também ao que o Movimento anuncia em sua proposta de
que a escola seja um “espaço que pode ajudar a responder ao desafio da organização
coletiva e produção dos assentamentos”. (DALMAGRO, 2010a, p.177).
De acordo com o MST a escola além de desenvolver sua função primordial, pode
contribuir com a formação dos militantes construtores da nova sociedade. A
experimentação dos complexos de estudo163 que está sendo implementada nas Itinerantes
paranaenses se embasa, dentre outros elementos, no entendimento de que a escola é lugar
de intencionalizar conteúdos instrucionais e conteúdos formativos. Os primeiros são os
conteúdos de cada disciplina e os segundos tratam da intencionalidade na formação de
valores e atitudes. Vê-se que a formação de valores é uma questão que tomará cada vez
mais fôlego nas Itinerantes.
Sobre a formação de militantes na escola, de acordo com Dalmagro:
[...] A luta empreendida pelo MST está para além da escola e sem
dúvida esse Movimento continua apontando para mudanças
substanciais das estruturas sociais. Portanto, [o MST] não identifica que
as transformações estruturantes na sociedade possam ocorrer tendo por
base unicamente o processo educacional, a conscientização. Sem
dúvida identifica que a educação e a conscientização são aspectos
importantes no contexto de mudança social, mas entende que se
consolidam como diferentes à medida da consolidação de novas
estruturas. (DALMAGRO, 2010a, p. 251).

Na base material do modo de produção capitalista, no qual predominam valores


que são contrários à solidariedade, ao companheirismo, à coletividade, sabemos que
valores como competição, individualidade e egoísmo estão muito presentes em nosso
meio e, inclusive, em nós mesmos. Portanto, a formação de valores pautada no

163
De acordo com Luiz Carlos de Freitas “[...] o complexo é uma concepção curricular, e não simplesmente
um método de ensino” (FREITAS, 2011, p. 114). As Escolas Itinerantes do Paraná vêm nos últimos anos
estudando e buscando “experimentar” elementos dos complexos de estudo da experiência da pedagogia
socialista soviética a partir do contexto atual.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Movimento e por decorrência na Escola Itinerante, se materializa sempre na contradição,
afinal, como nos mostra, Garcia:
Ao levar em consideração as determinações dominantes do capitalismo
sobre a classe trabalhadora, é visível a influência direta e/ou indireta da
totalidade social na formação humana dos indivíduos, uma vez que o
ser social sem-terra é, ao mesmo tempo, singular e universal, é a síntese
e unidade da mediação dessas categorias. (GARCIA, 2009, p. 51).

A escola reproduz as contradições da totalidade social, neste sentido, cabe a nós


educadores compreendermos essas contradições e trabalharmos na direção que não é de
manutenção, mas de contradição a ser superada. Essa construção na escola se dá por meio
de mediações, sempre buscando superar as contradições reproduzidas na mesma, onde
esse tensionamento se dá por meio da contradição, com o podemos identificar desde a
experiência das Escolas Itinerantes do MST/PR. Esta experiência escolar vem
expressando seu posicionamento contrário ao modelo escolar dominante, construindo
desde já, alternativas para sua superação.

Considerações Finais
Considerando a tarefa específica que a escola deve ter e que já demarcamos
algumas vezes, reiteramos aqui que incentivar práticas coletivistas na escola, coladas as
práticas coletivistas do Movimento, se coloca como algo importante, uma vez que podem
ser reproduzidas outras relações que não “a passividade, a acriticidade e a ausência de
participação nos rumos da escola” (DALMAGRO, 2010a, p 89).
Nesse sentido, assinalamos que o trabalho de formação de valores desenvolvido
pelo Movimento e que se reflete também na Escola Itinerante, não é uma tarefa fácil e se
efetiva sempre na contradição, pois o cultivo de práticas coletivistas e valores como o
companheirismo se coloca na contramão do que a base material apregoa, mas só é
possível porque se pauta em relações sociais também contrárias às hegemônicas.

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emancipação humana
Referências
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educacionais no Brasil (1995-2002). Cascavel: EDUNIOESTE, 2009.

CALDART, R. Escola é mais do que escola na pedagogia do movimento sem terra.


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DALMAGRO, S. L. A escola no contexto das lutas do MST. Tese de doutorado.


Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Florianópolis, 2010ª.

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DUARTE, N. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas,


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ENGELS, F. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 2012.


Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br. Acesso em: 13 de março de 2012.

GARCIA, F. M. A contradição entre teoria e prática na escola do MST. Tese


(Doutorado em Educação). Curitiba, PR: UFPR, 2009.

GREIN, M. I; GEHRKE, M. Escola Itinerante no desafio da luta pela reforma agrária. In:
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LEITE, V. de J. O trabalho como princípio educativo nas Escolas Itinerantes


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MACHADO, I. F. A organização do trabalho pedagógico em uma escola do MST e a


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1999. In: ITERRA, Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária.
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MST. Balanço e perspectivas dos 10 anos da Escola itinerante dos Acampamentos do


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NAGEL, L. H. A educação dos alunos (ou filhos) da pós-modernidade. 2012.

Autores/a:

Janaine Zdebski da Silva


Doutoranda em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná - UNIOESTE
Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB
Contribuiu no Setor de Educação do MST/PR.
Fernando José Martins
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Professor Associado da UNIOESTE – Campus de Foz do Iguaçu.
Alex Verdério
Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Paraná.
Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS
Integra o Coletivo do Setor de Educação do MST/PR.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
CRÍTICA DE CENTRALIDADE DO LÚDICO NA FORMAÇÃO
HUMANA – UMA ANÁLISE DA OBRA HOMO LUDENS, DE
JOHAN HUIZINGA)
Marcelo Pereira de Almeida Ferreira
Elza Margarina de Mendonça Peixoto

Introdução:
Como historiador de formação e pesquisador, a reflexão de Johan Huizinga atenta-
se ao exame e delimitação dos problemas próprios da história da cultura, e, no particular
desta, as ideias estéticas (Haro, op. cit.)164. A obra Homo Ludens (1938) e se divide em
Prefácio e mais 12 capítulos que, em síntese, reúne uma série de estudos pontuais e seu
movimento de centrar a origem das relações humanas no jogo.
Vários autores inclinados ao estudo acerca da obra de Johan Huizinga (FALBEL,
2011; DE PAULA, 2005; RIBEIRO, 2007 e 2010) destacam seu papel no campo da
história como ciência e sua posição em defesa de uma história que precisava ser
compreendida como característica mais da arte do que da ciência, uma apreensão mais
ética e estética de uma história situada no passado. Por sua formação no campo da
linguística e dos estudos de culturas orientais, Huizinga estabeleceu uma defesa
historiográfica em contraponto ao “cientificismo positivista dominante entre os
historiadores alemães” (FALBEL, 2011; p. 261) do final do século XIX e, em lugar deste,
atenção maior ao papel da intuição e da imaginação para o entendimento do passado.
Do ponto de vista metodológico, a pergunta que nos orienta é como se dá o
desenvolvimento ontológico que sustenta sua defesa da centralidade do lúdico na
formação humana em Johan Huizinga? Para tanto, temos que o objetivo geral deste

164
Pedro Aullón de Haro é professor da Universidade de Alicante – Espanha, Doutor e Filosofia e Letras e
vinculado ao Departamento de Filologia Espanhola, Linguística Geral e Teoria da Literatura. A citação
trata-se da apresentação do Livro “De lo lúdico y lo serio”, de Johan Huizinga

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emancipação humana
projeto de tese é reconhecer quais os pressupostos ontológicos presentes na obra de
Johan Huizinga acerca de sua defesa da centralidade do lúdico na formação humana
e como se desenvolve estes supostos. Dialogando com Barata-Moura (2010), ao referir-
me a obra de Johan Huizinga, entendo que “trata-se [...] não apenas de compreender
criticamente, mas de procurar criticar fundamentalmente” (p. 243), os supostos em que a
mesma (e seu autor) se funda. É preciso compreender onde suas ideias estão radicadas.
Trata-se, portanto e também, de dar a devida importância, por um lado, ao
“esclarecimento teórico relativamente àquilo que é preciso fazer, [e] de um cuidado em
permanência requerido no que diz respeito àquilo que se faz” (BARATA-MOURA, 2009;
p. 9)

Discussão – a obra Homo Ludens e a fundação da centralidade do lúdico na


formação humana.
Identificamos um primeiro movimento fundante em Huizinga nos três primeiros
capítulos acerca do jogo: como fenômeno cultural (em que busca sua natureza e
significado), com particular expressão na linguagem e com suas caracterizações
funcionais no âmbito da cultura. Este primeiro movimento, além de tratar o jogo como
expressão central, traz todo um arcabouço antropológico e, neste, elementos que apontam
a totalidade da vida no jogo, ao qual tudo se origina: a natureza, a linguagem e a cultura.
Daí, o primeiro salto construído por Huizinga ao tratar o jogo nas relações com o
direito, a guerra, o conhecimento e a poesia (o segundo movimento). Estes são
construídos com fortes vestes de caracterização e prova do agonístico no jogo e suas
expressões de competição. É como um primeiro exercício na obra em justificar e buscar
terreno daquele movimento fundante inicial em áreas tão distintas e determinantes da
civilização, à qual ele remete a atenção para com a importância vital do jogo e do lúdico.

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Ao final deste movimento trata a relação jogo e poesia para, num segundo salto (o
terceiro movimento), ajustar a ponte com as formas poéticas do jogo e, na sequência,
metamorfosear seu objeto jogo em lúdico (formas lúdicas da filosofia e da arte).
Do que parece ser os elementos fundantes de sua teoria para, a seguir, relações
pontuais e agonísticas com relações sociais da civilização à metamorfose do jogo em
lúdico, o último salto que Huizinga estabelece (o quarto movimento) é dos elementos
conclusivos em torno das culturas e períodos em sua forma lúdica e sua
contemporaneidade.
Este é o caminho e a lógica da obra: a fundação teórico-antropológica, o terreno
das relações humanas, o salto do jogo ao lúdico e a sua contemporaneidade.

Primeiras análises da ontologia de Huizinga.


Homo Ludens reúne uma série de estudos pontuais de Johan Huizinga e seu
movimento de centrar a origem das relações humanas no jogo. É neste contexto que temas
como o Direito, a Guerra, o Conhecimento e a Poesia se apresentam com capítulos
específicos na relação com o Jogo. Por exemplo, ao desenvolver a relação Jogo e
Conhecimento, trata este segundo numa relação direta com a Sabedoria e a Tradição e,
estas, enquanto expressão em “todas as culturas” a manifestação do “domínio do próprio
espírito humano” (p. 119) e, à luz de resgatar as culturas várias em diferentes épocas e
suas relações com os sacerdotes (os que possuem o conhecimento), aponta que “o que
nos interessa não é a profundidade filosófica dos enigmas sagrados [a expressão de
conhecimento], e sim o seu caráter lúdico e sua importância para a civilização
enquanto tal” (p. 122 – colchetes e negrito meus).

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emancipação humana
Destaca a relação entre Jogo e Direito, se utilizando de expressões como
“competição judicial”165 e, portanto, o juiz passa a assumir um papel de neutralidade com
fins a cumprir as regras entre os lados disputantes desta competição. Ao final deste
capítulo, destaca o autor que
Só quando o estoicismo [aceitação resignada do destino] entrou em
moda, envidaram-se esforços para libertar a eloquência jurídica do
caráter lúdico, purificando-a de acordo com os severos padrões de
verdade e dignidade professados pelos estóicos (p. 100 – meu
comentário).

É nestes registros (no Conhecimento e no Direito) que o que julgo, neste


momento, indicar elementos de supostos idealistas na ontologia de Huizinga se
evidenciam. Ambos, ao autor, são apresentados como se preservassem o elemento ou
espírito lúdico166 que lhes seria inato. E, neste sentido, a expressão de que está no lúdico
a condição daquilo que a humanidade sistematizou e estabeleceu enquanto tal. Aquilo que
Barata-Moura sintetiza sobre Hegel: “não é o homem, que diz exatamente seu ser, É o
seu ser, no homem, que diz e se expressa”, como saber da experiência da consciência
(2010, p. 27) e, neste caso, a consciência para Huizinga é o espírito lúdico.
Marx (2013), ainda em “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, já asseverava
que Hegel “não desenvolve seu pensamento a partir do objeto, mas desenvolve o objeto
segundo um pensamento previamente concebido na esfera abstrata da lógica” (p. 42). É
esta semelhante crítica que entabulamos a Huizinga, por entender que ele desenvolve o

165
E o faz como expressão de sua crítica, quase condenação ao distanciamento que o Direito tomou de
sua natureza primitiva da competição, da sorte, do destino e do jogo de palavras.
166
Ao longo dos 12 capítulos de Homo Ludens, foi possível registrar mais de 20 termos de adjetivação que
o autor remeteu ao termo lúdico: elemento, espírito, conteúdo, processo, caráter, fator, esfera, região (lúdica
do espírito), forma, variação, motivo, qualidade, tom, atitude, estrutura, hábito (lúdico do espírito), ritual,
círculo, grupos, domínio, função, criatividade. Ao mesmo tempo, considerando que o exercício conceitual
que Huizinga remeteu em sua obra esteve circunscrito ao termo jogo, pouco esclarecimento foi dado ao
conjunto (o que dizer das particularidades) desta adjetivação.

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emancipação humana
homem, as relações sociais, o produto histórico destas relações a partir de sua ideia de
“espírito lúdico”.
Também sobre o mistério da construção especulativa (em “A Sagrada Família”),
Marx (2011) – ao discorrer sobre as relações entre “fruta” e “a maça, a pera, a amêndoa
etc.” – denuncia o furtivo da filosofia especulativa (ou da filosofia idealista) encaixar de
nomes ao que seu intelecto abstrato assim determinar. É este processo que me parece se
fazer presente em Huizinga, também, de conceber na substância (o “espírito lúdico”) a
condição de sujeito e, portanto, sem ela, o homem deixaria de ser homem e as relações
sociais caminhariam para seu primitivismo.
Outro importante exemplo está no capítulo “O Jogo e a Competição como
Funções Culturais”, a qual a centralidade do lúdico na formação humana é retomada por
Huizinga ao destacar que a cultura, “em suas fases mais primitivas [...] possui um caráter
lúdico [e] que ela processa seguindo as formas e no ambiente do jogo” (p. 53). As palavras
do autor, à guisa de conclusão neste capítulo – ao enunciar acerca dos elementos
historicamente presentes no homem que compete –, são claras neste sentido, ao afirmar
que “[...]o jogo é mais antigo e muito mais original que a civilização [...] Dizemos, nesse
momento, que a civilização se tornou mais séria, devido ao fato de atribuir ao jogo apenas um
lugar secundário”. (p. 85 – meus destaques)
É a ideia e a consciência antes da prática ou que a conduz, o ser espiritual antes
do ser material que se manifesta, na defesa huizinguiana. O jogo como mais antigo que a
civilização, ou até mesmo inato no homem. Se em Hegel, aquilo que é (o questionamento
da ontologia) é a razão, para Huizinga, é o jogo, o lúdico. Não o jogo em si, mas a Ideia
do jogo, do lúdico, o espírito lúdico. O Jogo como um fenômeno (ou objeto) constituído
por ele próprio e, portanto, o mediador do homem consigo mesmo e com a natureza.
O verbete Lúdico (ao invés de jogo) aparece como tal nos últimos capítulos de
Homo Ludens: Formas Lúdicas da Filosofia, Formas Lúdicas da Arte, Culturas e

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Períodos ‘sub specie lude’ (expressão do Latin que significaria sob o disfarce ou a
aparência do jogo/Lúdico) e O Elemento Lúdico da Cultura Contemporânea.
Nestes, uma retomada aos elementos e fundamentos teóricos que constituíram a
consolidação do nome de Johan Huizinga dentro do debate em torno da historiografia,
principalmente quando dialoga com os espaços de construção ou formação do
pensamento filosófico. Destaco em Culturas e Períodos ‘sub specie ludi’):
Não foi difícil mostrar a presença extremamente ativa de um certo fator
lúdico em todos os processos culturais, como criador de muitas das
formas fundamentais da vida social. O espírito de competição lúdica,
enquanto impulso social, é mais antigo que a cultura, e a própria vida
está toda penetrada por ele, como por um verdadeiro fermento. O
ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se
nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia
encontraram expressão em palavras e formas derivadas das
competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida
aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui
necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo. Não
quer isto dizer que ela nasça do jogo, como um recém-nascido se separa
do corpo da mãe. Ela surge no jogo e enquanto jogo, para nunca mais
perder este caráter. (p. 193; itálicos do original, negritos meus).

Este capítulo – o autor denomina de “rápido exame de certos períodos da


civilização ocidental desde o Império Romano (p. 194) – mais uma vez expõe a visão de
centralidade do lúdico na formação humana, mais uma vez antepõe o lúdico à cultura.
Ainda que expresse que a cultura não “nasça” do jogo, Huiiznga a condiciona a ele.
É possível apontarmos que Huizinga (por se assentar numa dada ontologia
idealista de defesa dos “mistérios”) entabula a defesa do ilusório acervo de adjetivos ao
lúdico como elemento vital do ser humano. Barata-Moura (1997) pode-me socorrer neste
ponto ao indicar a reivindicação do humanismo para Marx como o movimento de
“devolver aos humanos o terreno do ser, liberto das hipotecas de uma transcendência
ilusória” (p. 155 – itálico do original).

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emancipação humana
Mais adiante, na mesma obra, Barata-Moura – em diálogo com os Manuscritos
Econômico-filosóficos de 1844 – reforça que, para Marx, o homem é a Natureza humana
(p. 173) e, ontologicamente, isso significa que
o homem é a figura humana (e, portanto, específica também) da
Natureza; significa que, no horizonte uno da materialidade do ser, o
homem e as sociedades humanas ocupam – em termos teóricos e
práticos – um lugar próprio, que é constitutivamente o de uma tarefa
incontornável de mediação, de determinação, de configuração e
reconfiguração (transformadora) da própria realidade no seu devir
(idem, ibdem – itálicos e parênteses do original, meus negritos).

Os mistérios lúdicos de Huizinga também podem ser respondidos pela tese 8167 de
Marx sobre Feuerbach: “Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios
que conduzem a teoria ao misticismo [os mistérios huizingianos] encontram sua solução
racional na prática humana e na compreensão dessa prática” (p. 534 – itálico do original,
colchetes meus). Assim, a culpa, o pecado, a insensatez e a miopia atribuídas como
consequência infeliz e desumana de uma destruição dos mistérios são, à bem da verdade,
apenas as formas próprias e particulares destes mesmos mistérios. Como diria Marx
acerca de Proudhon: “Nada mais fácil do que inventar causas místicas, isto é, frases,
quando se carece de senso comum” ((MARX, 2009; p. 244)168.
Barata-Moura (1997), ao recuperar a publicação de Marx nos Anais Franco-
Alemães de 1844 (e que conhecemos como “Crítica da filosofia do direito de Hegel –
Introdução”) em que este destaca que “Ser radical é agarrar a coisa pela raiz. Mas a raiz
para o homem é o próprio homem” (Marx, 2013; p. 157), nos alerta que “o homem é a
raiz do próprio homem – ou seja, que o horizonte do homem é intrinsecamente humano”
(Barata-Moura, op. cit.; p. 156), e vigilante, destaca:

167
As teses sobre Feuerbach datam de 1845 (enquanto escrito original de Marx). Publicado por Engels, em
1888, este fez algumas alterações. Nesta tese 8, onde Marx escreveu “Todos os mistérios que conduzem a
teoria [...]”, Engels alterou para “Todos os mistérios que induzem a teoria [...]” (p. 539)
168
Trata-se de trecho da carta de Marx a Pavel. V. Annenkov, datada de 28 de dezembro de 1846.

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emancipação humana
É por isso que “tarefa da história” [...], a tarefa que em história se
consuma, não é esperar pelas recompensas ou pelos castigos do Além
[...], mas “estabelecer a verdade do Aquém”.
E “estabelecer”, no Aquém, a sua “verdade” não é positivamente
constatar e descrever empiricidades, não é proceder ao registro
consagrador das existências: é tomar o mundo (esse mundo)
“verdadeiro”, é realizar, no mundo, a racionalidade deveniente do ser.
(p. 157 – aspas e itálicos do original)

Dito desta maneira, parece-me claro que não há raiz nos mistérios lúdicos de
Huizinga, não há horizonte nestes mistérios e sequer verdade neles. Nem crítica (o Além),
nem transformação (o Aquém)169. Porque não há condições de neles (os mistérios) se
estabelecerem concreta e verdadeiramente qualquer adjetivação ou verbalização clara, o
que dizer um movimento de vir a ser, como tarefa do homem.
É com um aparente sentido de acabamento da obra que o capítulo O Elemento
Lúdico da Cultura Contemporânea pergunta:
Em que medida a cultura atual continua se manifestando através
das formas lúdicas? Até que ponto a vida dos homens que
participam dessa cultura é dominada pelo espírito lúdico?
Conforme vimos, o século XIX perdeu grande número de
elementos lúdicos que caracterizavam épocas anteriores. Terá
esta deficiência sido eliminada, ou terá ela aumentado? (p. 217 –
meu destaque).

Interessante – e importante – resgatar Marx (2010) e Barata-Moura (2000) para


um primeiro entendimento das perguntas levantadas por Huizinga, no momento em que
se conduz à parte final de sua obra. Se Marx (em “Sobre a Questão Judaica”) afirma que
“a formulação de uma pergunta é a sua solução” (p. 34) e Barata-Moura, ao destacar que
a ontologia trata “[...] (d)aquelas doutrinas ou concepções, que acertam a pertinência de
questionar acerca de aquilo que é [...] e ensaiam [...] respondimentos” (p. 14 – itálico do

169
Barata-Moura (op. cit.) destaca: “A crítica teórica do Além enraíza, e prolonga-se, na verdade, num
trabalhar prático do Aquém, que igualmente reclama exame e compreensão” (p. 157)

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emancipação humana
original e negrito meu), seria ousado, mas pertinente, afirmar que as perguntas, sob a
perspectiva da ontologia, já possuem a resposta e ela é negativa. O “Espírito Lúdico” não
domina nem o homem, nem a cultura por ele produzida.
Mas em Huizinga, aparentemente, a pergunta é formulada após se saber/ter a
resposta e esta se dá tanto na negação do lúdico na vida humana (não como sua negação,
mas como um lúdico que foi-se perdendo), quanto na sua consolidação. Ao problematizar
acerca do conteúdo lúdico na ciência moderna, indica a legitimidade de se perguntar se
há ou não um elemento lúdico na ciência “dentro do terreno circunscrito pelo seu método,
como por exemplo na tendência para sistematizar que todo cientista possui, tendência
essa de caráter parcialmente lúdico” (op. cit., p. 226), ao que à luz de uma conclusão
provisória, afirma: “poderíamos dizer que a ciência moderna se arrisca menos a cair no
domínio do jogo, tal como definimos, quanto se mantém fiel à mais radical exigência de
rigor e de veracidade” (p. 227). E isso não é um elogio em Huizinga.
Barata-Moura (1994) nos ampara perfeitamente para o debate (e a crítica)
huizinguiano acerca do conteúdo lúdico da ciência.
Só que, por detrás destes desejos de abstracta aquietação normativa
induzida, espreita, objectivamente, a ilusão agigantada de substituir
desenvolvimentos reais por uma história ficcionada e, subjectivamente,
a tentação menorizante de transferir para uma instância alienada o peso
de um viver que é nosso, e que, por isso, desafia e impõe toda uma
mobilidade dos nossos recursos, individuais e colectivos (p. 128)

O debate interposto pelo filósofo português, dentre outros, convoca à ciência (e


seus fazedores) o papel de cumprir com as “tarefas societais de transformação” e de “um
poderoso fator de emancipação, de crescimento dos humanos em humanidade” (idem, p.
127), o que, de meu ponto de vista, não se dará com uma tentativa filosófica de recuperar,
à ciência, um dado conteúdo ou espírito lúdico, como assevera Huizinga.

Considerações finais

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Os primeiros apontamentos (síntese de estudos já mais avançados) da obra de
Huizinga indicavam o caráter lúdico da cultura e sua condição de motor da produção
cultural e, também, da construção das relações sociais – entre os homens e entre outros
seres. Esta condição se expressava, por exemplo, no fato histórico por ele defendido de
que, em relação ao jogo, animais não esperaram dos homens sua iniciação na atividade
lúdica. Temos, por hora, a clara indicação huizinguiana de que o lúdico assume o papel
de sujeito da formação humana.
Se Huizinga defende que o lúdico é central na formação humana, esta tese estaria
em risco por sua própria construção e fundamentos, quando defende-se a necessidade de
estabelecer-se este debate sob os supostos da ontologia. De pronto, portanto, a
possibilidade de que Huizinga aproximar-se-ia, no máximo, do conjunto de filósofos
especulativos que, como atestou Marx e Engels (2011) no prólogo d”A Sagrada Família”,
estão ”abaixo das estruturas alcançadas pelo desenvolvimento teórico alemão” (p. 15).
De outra forma, que a ontologia idealista está (pela dialética de Hegel, pelos seus supostos
fundados – idealmente – na totalidade, por sua busca por um método dialético e, nele,
uma mediação – a reflexão filosófica) construída em bases mais sólidas do que o legado
de Huizinga sobre a centralidade da formação humana no lúdico.
Esta reflexão momentânea assenta-se em algumas pontualidades: (i) a ausência de
um desenvolvimento ontológico idealista de fato na obra de Huizinga (dentre outros, pela
não identificação da dialética hegeliana); (ii) recorrendo a Marx (2010) – que destaca que
para Hegel “o espírito é a verdadeira essência do homem, e a verdadeira forma do espírito
é o espírito pensante, o espírito lógico, especulativo” (p. 122; itálicos do original) e que,
portanto, está expresso na religião, na riqueza, no poder do Estado etc. – o Espírito estaria
para Hegel como o lúdico/jogo está (estaria?) para Huizinga, o que significa que o
Espírito é a verdadeira essência do homem para Hegel, assim como o jogo/lúdico a
verdadeira essência da civilização para Huizinga e (iii) com a atenção de não estabelecer

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uma relação “sobreposta” e anacrônica entre Huizinga e Hegel (sem abrir mão, também,
da relação teórica ensejada nesta tese em construção), seria possível estabelecer a
representação da civilização do primeiro à justeza da sociedade do segundo – que, por
determinação do Espírito, estabelece mediação com o Estado e a família (à qual Marx170,
traduz Hegel “O que serve de mediação para a relação entre o Estado, a família e a
sociedade civil são as circunstâncias, o arbítrio e a escolha própria da determinação”) –
e, portanto, uma primeira relação direta entre civilização e sociedade.
Desta feita, ao afirmarmos (fundado nos marcos teóricos que até aqui me
conduziram) que a essência humana (produto histórico, assim como a razão) tem como
tarefa constitutiva do ser o labor prático do mundo, a mediação histórica das realidades e
o processo partilhado e cooperativo do viver, o regresso do homem a si (ação/atividade
desta tarefa do ser) não se dará, enquanto marco ontológico, pelo jogo ou pelo “espírito
lúdico”. Este horizonte, por hora, parece-me evidente.

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170
2013, p. 35; destaque do original.

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BARATA-MOURA, José. Hegel: idealismo, materialismo e dialética, Lisboa, 1976 in
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São Paulo/SP: Expressão Popular, 2009.

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MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2013

RIBEIRO, Naiara dos Santos Damas. Johan Huizinga e a História da Cultura: a


dimensão ética e estética da História. III Jornada de Estudos Históricos do PPGHIS, 2007,
Rio de Janeiro. III Jornada de Estudos Historiográficos do PPGHIS, 2007.

Autor/a:

Marcelo Pereira de Almeida Ferreira


Prof. Assistente II – UFPA/Castanhal

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Doutorando em Educação – PPGE/FACED/UFBA
Membro do LEPEL/UFPA
Membro do MTE/FACED/UFBA
e-mail: russo.marcelo@uol.com.br
Elza Margarina de Mendonça Peixoto
Prof. Adjunta – FACED/UFBA e PPGE/FACED/UFBA
Coordenadora do MTE/FACED/UFBA

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emancipação humana
A CRÍTICA À EDUCAÇÃO DO CAPITAL NAS OCUPAÇÕES
ESTUDANTIS
João Mendes da Rocha Junior
Adair Angelo Dalarosa

Desde meados do ano de 2015 diferentes estados da federação brasileira foram


sucumbidos por uma mobilização estudantil na forma de ocupação de escolas. O objetivo
desse texto, ainda de maneira inicial é identificar como a crítica à uma educação sobre a
ordem do capital encontra-se presente nas reivindicações dos estudantes que participaram
das ocupações de escolas. Para tanto, abordamos sobre a funcionalidade da educação
escolar sobre o capital e como as reinvindicações dos estudantes se relacionam com uma
outra proposta de escola.
A sociologia da educação inaugurada por Durkheim (2011) entende a educação
como a ação que uma geração exerce sobre a outra, sobretudo com a intenção de
reproduzir os valores de uma sociedade sobre a geração futura, constituindo-se num ato
contínuo de socialização. O sociólogo francês atribui à educação o papel da reprodução,
podendo ser, inclusive, de forma múltipla, pois, na divisão social do trabalho, os
indivíduos não exerceriam os mesmos papéis sociais. Ou seja, para o autor, a educação é
um meio para manter a coesão social mediante um processo de reprodução de valores e
normas sociais.
Não nos parece condizente com a intenção deste trabalho um entendimento da
educação escolar somente como reprodução ou conservação dos valores de uma
sociedade, pois a negação da correlação de forças, das contradições seria dissonante com
a proposta do materialismo histórico dialético. Frigotto (1993) argumenta que a prática
educativa é mediada e contraditória, uma vez que, sobre uma sociedade assentada num
antagonismo de classe, ela tende a reproduzir as relações de conflito, tornando-se um

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emancipação humana
espaço de disputa que compreende desde o saber que se vincula à escola ao
direcionamento das políticas educacionais.
Pensar na prática educativa é buscar compreendê-la na sua relação com o modo
de produção171 vigente, identificando as mediações que fazem parte do processo de
composição dessa totalidade. A esse respeito, Cury (2000) salienta:
A educação se opera, na sua unidade dialética com a totalidade, como
um processo que conjuga as aspirações e necessidades do homem no
contexto objetivo de sua situação histórico-social. A educação é, então,
uma atividade humana partícipe da totalidade da organização social.
Essa relação exige que se considere como historicamente determinada
por um modo de produção dominante, em nosso caso, o capitalista. E,
no modo de produção capitalista, ela tem uma especificidade que só é
inteligível no contexto das relações sociais resultantes dos conflitos das
duas classes fundamentais. Assim, considerar a educação na sua
unidade dialética com a sociedade capitalista é considerá-la no processo
das relações de classe, enquanto essas são determinadas, em última
instância, pelas relações de reprodução. Do antagonismo entre as
classes, uma delas emerge como dominante e tenta a direção sobre o
conjunto da sociedade, através do consenso. Assim, a classe dominante,
para se manter como tal, necessita permanentemente reproduzir as
condições que possibilitam as suas formas de dominação, sem o que as
contradições do próprio sistema viriam à luz do dia (CURY, 2000,
p.13).
Diante disso, inserimos a análise da educação escolar num processo mais amplo,
que não é resultante exclusivo de determinações individuais dos agentes que compõem a
escola. De acordo com Marx, a formação da consciência e a ação do indivíduo são
resultantes das relações de produção material na sociedade. Assim, a escola não é um
locus autônomo, por isso a identificação das relações que se desenvolvem no ambiente
escolar não pode deixar de levar em consideração o papel da escola no modo de produção

171
O conceito de modo de produção foi desenvolvido por Marx e Engels para designar a maneira pela
qual determinada sociedade se organiza visando a garantir a produção das suas necessidades materiais, de
acordo com o nível de desenvolvimento de suas forças produtivas (BOTTOMORE, 2012).

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emancipação humana
capitalista172. Se a análise política não se desvincula do Estado, a educação pública segue
o mesmo processo. Sobre isso, Gramsci aponta o caráter “educador” do Estado:
Para Gramsci, o Estado é o “educador”, isto é, o veículo por meio do
qual se implanta um projeto econômico e político e se realiza também
a formação e a adaptação dos homens ao processo de consolidação de
tais objetivos. O “educador” é também o ambiente, de modo que ao
retomar a terceira tese de Marx contra Feuerbach, que afirma
basicamente: a “doutrina materialista sobre a mudança das
contingências e da educação se esquece de que tais contingências são
mudadas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado”,
Gramsci refere-se ao ambiente e não diretamente ao professor em sala
de aula (SCHLESENER, 2009, p.178).
Dessa maneira, fica evidente que a educação absorve a organização cultural e
social de um determinando período histórico, e a sua finalidade também é moldada
segundo esses princípios que fazem parte da política hegemônica que dita a direção das
políticas educacionais, a teoria pedagógica dominante, os acordos com organismos
internacionais, entre outros, dessa forma a hegemonia que se apresenta como dominação
e direção ocorre no campo da sociedade civil, que é o terreno privilegiado da luta de
classes, sendo marcado por contradições, resistências, correlações de forças, obtenção de
consensos, o que não permite uma análise determinista sobre educação e sociedade
(SCLESENER, 2009; LIGUORI; VOZA, 2017)
Uma das finalidades da educação no capital é a preparação para o trabalho.
Schlesener (2009, p.167) destaca que ao ter como característica a formação do indivíduo,

172
A forma econômica específica pela qual o trabalho excedente não pago se extorque dos produtores
diretos determina a relação dominadores-dominados, tal como esta nasce diretamente da própria produção
e, por sua vez, age sobre ela como elemento determinante. Aí se fundamenta toda a formação da
comunidade econômica, que surge das próprias relações de produção, e, por conseguinte, a estrutura
política que lhe é própria. É sempre na relação direta entre os proprietários dos meios de produção e os
produtores diretos – uma relação que corresponde sempre, naturalmente, a um dado nível de
desenvolvimento dos métodos de trabalho e, portanto, da sua produtividade social – que encontramos o
recôndito segredo, a base oculta de toda a estrutura social (MARX, O Capital, III, cap. XLVII, seção 2,
apud BOTTOMORE, 2012, p. 424-425).

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emancipação humana
pode propiciar a possibilidade de “acesso aos bens e direitos que a sociedade oferece,
dentro dos limites do modo de produção capitalista e da política neoliberal”. Para isso,
podemos utilizar a distinção já citada de Marx entre a emancipação política, que é de
caráter limitado, e a emancipação humana, que representa outro processo civilizatório,
que não pode ocorrer sob a ordem do capital. Outra contribuição sobre a finalidade da
educação é dada por Mészáros (2008), para quem
A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos,
serviu – no seu todo- ao propósito de não só fornecer os conhecimentos
e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do
capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que
legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma
alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é,
pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma
dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e
implacavelmente imposta (MÉSZÁROS, 2008, p. 35).
Em Melo et al. (2015), a formação escolar sob o capital assume como finalidade
principal a formação para o trabalho simples, conceito derivado de Marx que realiza a
distinção de trabalho complexo, cuja característica seria uma ação mais elaborada sobre
a natureza, e trabalho simples, advindo de processos de ação prática que podem ser vistos
na formação escolar precarizada que se volta para fornecer o necessário à manutenção do
capital. Sobre esse processo na educação Neoliberal,
[...] identificam-se facilmente os pilares centrais para a formação para
o trabalho simples na primeira conjuntura do neoliberalismo da Terceira
Via: a adequação dos patamares mínimos de preparação cognitiva
escolar da força de trabalho para o desempenho das tarefas simples no
mercado de trabalho do início do século XXI; a prevalência da atenção
voltada para as condições da aprendizagem em detrimento do conteúdo
da aprendizagem propriamente dita; o estímulo à diluição da relação
entre o público e o privado na execução das políticas governamentais;
a descentralização técnica e financeira da organização educacional com
a participação de múltiplos organismos da sociedade civil; e a forte
dependência técnica e financeira dos organismo internacionais
(FALLEIROS; NEVES, 2015, p.106).

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emancipação humana
As críticas a educação escolar sobre o capital vêm sendo difundida na produção
acadêmica, nas manifestações sociais por uma educação emancipadora e nos últimos anos
se notabilizaram por parte dos estudantes secundaristas uma série de ocupações de escolas
das quais buscamos extrair elementos que nos mostrem como a luta de classes relaciona-
se com essas ocupações. Em setembro de 2015 o governo paulista anuncia uma proposta
de “reorganização” do sistema de ensino estadual, cuja a principal mudança era a
implantação de fases de ensino nas unidades escolares, o que por consequência acarretaria
numa maior concentração de alunos por sala, fechamento de salas e escolas que ficariam
com espaços ociosos. Diante desse quadro de mudanças os estudantes fizeram protesto
de rua e posteriormente tomaram a atitude de ocupação das escolas, sendo um dos lemas
principais da ocupação paulista a frase “por uma educação que nos ensine a pensar e não
a obedecer” sobre isso:
A experiência abriu os horizontes dos estudantes, e a palavra de ordem
“por uma educação que nos ensine a pensar e não a obedecer”
rapidamente entrou para o repertório do movimento como um todo,
aparecendo nas redes sociais e em cartazes em manifestações e nas
fachadas das escolas ocupadas. Porém, é importante destacar que isso
não significa uma rejeição completa do modelo tradicional –
simplesmente significa o desejo de uma escola que trate os alunos
como seres humanos, estimule a realização plena de suas capacidades
intelectuais e inclua no seu papel social a formação de cidadãos (e não
apenas trabalhadores). Para os secundaristas, o pensamento crítico é
parte fundamental de uma “educação de qualidade”, junto com o melhor
desempenho nas disciplinas do currículo tradicional, indispensável para
garantir a entrada em uma boa universidade e oportunidades no
mercado de trabalho, o que eles também desejam. Diferentemente do
que afirmaram alguns analistas, não se tratou de uma revolta contra a
instituição da escola, pelo contrário, é uma valorização dela como
espaço de formação”. (CAMPOS: MEDEIROS; RIBEIRO, 2016.
p.152-153)
Em Goiás no final 2015 as ocupações se deram contra a medida que buscava
transferir a gestão das escolas públicas a organizações sociais, essas ocupações se
estenderam até o início de 2016 quando é cancelado o edital de contratação dessas

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emancipação humana
organizações. No ano de 2016 entre maio e junho ocorreram ocupações de escolas no
estado do Rio Grande do Sul onde também tramitava no âmbito estadual os projetos de
leis da Escola sem partido e do credenciamento de Organizações sociais na gestão escolar,
segundo Severo; Segundo (2018, p.81) identificam-se nas ocupações gaúchas quatro
dimensões:
a) O simbólico, relacionado às ocupações de São Paulo como mito
fundador de uma forma de realizar política para estes jovens; b) a
solidariedade com a categoria dos professores que passam por um
processo de precarização em razão do parcelamento de seus salários; c)
o material, ao verificar as condições de suas escolas e dos valores
repassados para manutenção e, em especial, para alimentação e; d) o
político, conjunturalmente pelo encaminhamento dos PLs 190/2016 e
o 44/2015, por parte do executivo, juntamente à responsabilização do
governo estadual pelas questões salariais dos professores e da situação
das escolas.
Ainda no segundo semestre de 2016 após o impeachment da ex-presidenta Dilma
Rousseff, o governo federal anuncia a Medida Provisória173 (MP) 746/2016 que visa
aprovar a “reforma do ensino médio”, com o uso de um mecanismo jurídico de certa
forma “impositivo”, pois excluía a participação da sociedade na construção de uma
proposta educacional que representasse os seus desejos. A MP foi apresentada pelo
governo em 22 de agosto de 2016, e a reação de setores da sociedade civil foi imediata,
principalmente alunos e professores posicionando-se contrariamente a essa reforma, tanto
pela sua forma, com o uso de um mecanismo autoritário, como pelo seu conteúdo, que
apresentava alterações como flexibilização curricular, educação integral, notório saber,
não obrigatoriedade de algumas disciplinas, como Filosofia e Sociologia. A reação de

173
A Medida Provisória (MP) é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República,
em casos de relevância e urgência. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso
Nacional para transformação definitiva em lei. Seu prazo de vigência é de sessenta dias, prorrogáveis uma
vez por igual período. Se não for aprovada no prazo de 45 dias, contados da sua publicação, a MP tranca a
pauta de votações da Casa em que se encontrar (Câmara ou Senado) até que seja votada. Neste caso, a
Câmara só pode votar alguns tipos de proposição em sessão extraordinária.

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emancipação humana
maior visibilidade foi proporcionada pelos estudantes que começaram a ocupar as escolas,
sendo a primeira no estado do Paraná, ocupada em 03 de outubro de 2016.
No debate realizado pelo jornal Gazeta do Povo174, o Presidentes da União
Paranaense de Estudantes Secundaristas (UPES)175, Matheus dos Santos, é questionado
sobre os motivos que levaram os estudantes à ocupação das escolas. Como resposta a esse
questionamento, menciona cinco pontos:
As ocupações são contra a medida provisória 746 do governo federal,
nos propomos e queremos a retirada da medida provisória e que ela não
seja votada, que ela seja retirada. Por que é que somos contra a medida
provisória do governo federal? Primeiro porque ela flexibiliza a grade
curricular, ela desvaloriza o pensamento crítico deixa de ser obrigatório
as matérias disciplinares de senso crítico, filosofia, história e que isso
já é muito ruim, deixando como optativa essas matérias. O segundo
ponto a questão da quantidade, quantidade não significa qualidade. As
entidades estudantis, os estudantes são a favor do ensino integral, mas
um ensino integral que emancipe, um ensino integral que estuda o
dinamismo da vida do brasileiro, um ensino integral onde a gente saiba
quem foi Zumbi dos Palmares, o que realmente aconteceu na ditadura
militar, que seja um ensino integral tecnológico, mas nossas escolas
infelizmente não estão preparadas para receber esse ensino integral.
Esse ensino integral da Medida Provisória do Temer é um ensino
integral para estudar mesma coisa, é um tal do decoreba, e nós não
queremos apenas decorar, nós queremos realmente seres críticos da
sociedade e ser cidadãos. O terceiro ponto a questão da ausência do
diálogo. É inadmissível o governo federal propor uma Medida
Provisória dessa magnitude que impacta diretamente na vida dos
estudantes, da comunidade escolar e não dialoga com os mesmos, é
inadmissível, então tem que dialogar, e o governo federal não fez isso.

174
Debate transmitido pelo site do Jornal em 23/10/2016. O outro convidado do debate era o líder do
governo da Assembleia Legislativa do Paraná, o Deputado Luiz Claudio Romanelli (PSB). Disponível em
< <https://www.youtube.com/watch?v=O-pzbKNmY2o> acesso em 20 de set.2017
175
Fundada em 17 de junho de 1945, a UPES, União Paranaense dos Estudantes Secundaristas, é a
entidade máxima de representação de todos(as) os(as) estudantes de ensino fundamental, médio, técnico,
pré-vestibular e ensino para jovens e adultos das redes pública e particular municipal, estadual e federal.
Um universo de mais de 3 milhões de estudantes em toda sua base, tornando-se, dessa maneira, a maior
entidade de representação do movimento social do estado do Paraná. Disponível em
<https://www.facebook.com/pg/UPESpr/about/?ref=page_internal>. Acesso em: 18 set. 2017.

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emancipação humana
Quarto ponto é que muitas vezes as ênfases dessa medida vão contra o
próprio Plano Nacional de Educação, que foi sim amplamente discutido
e aprovado pelo congresso nacional. O quinto ponto mostra o
despreparo do governo federal, principalmente do presidente Michel
Temer, que sublimou a capacidade de mobilização dos Estudantes e
simplesmente impõe uma Medida Provisória dessa magnitude.
Conversou apenas com Mendonça Filho e com Alexandre Frota, além
dessa medida provisória destruir duas grandes leis educacionais do
nosso país, que é a LDB e também a lei do FUNDEB, que diz que
recursos públicos têm que ir para educação pública e não para a
iniciativa privada. Inclusive disse que recursos públicos irão para
inciativa privada para a formação de técnicos, ou seja, essa medida é
para formar apenas mão de obra barata do mercado brasileiro
(GAZETA DO POVO, 2016, grifo nosso)
As ocupações iniciadas em São Paulo, que depois se alastram para Goiás, Rio
Grande do Sul, e em 2016 ocorre uma ocupação de cunho nacional, mas que teve impacto
maior no estado do Paraná, nos mostram que a tão propagada apatia estudantil não
representa os anseios aos quais os estudantes secundaristas aspiram da educação. Ao se
mobilizar contrário à uma proposta de “reorganização”, logo identificada pelos alunos
como um disfarce para o fechamento de unidades escolares, contrários a gestão privada
das escolas e a “reforma do ensino médio” vemos que os estudantes compreendem que o
modelo educacional atual e as mudanças que estão sendo propostas pelo Estado não levam
ao desenvolvimento de uma educação representativa aos estudantes.
A importância da análise educacional atrelada às condições materiais que
determinam a organização de uma escola tem sua contribuição na medida em que
podemos observar a funcionalidade da educação sobre o capital, compreendendo seus
limites e finalidades. Nos estudantes observamos as vozes daqueles que veem a
necessidade imediata de uma mudança educacional e podemos identificar em suas ações
como a ocupação das escolas à crítica ao modelo escolar hegemônico, talvez nesse
processo de dar maior visibilidade aos estudantes possamos de fato construir uma
educação verdadeiramente pública.

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emancipação humana
REFERÊNCIAS

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CAMPOS, A.J.M; MEDEIROS, J; RIBEIRO, M.M. Escolas de luta. São Paulo:


Veneta, 2016.
CURY, C. R. J. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria
crítica do fenômeno educativo. 7ª ed. Cortez, São Paulo, 2000

DURKHEIM. E. Educação e sociologia. Petrópolis-RJ. Vozes, 2011.

FALLEIROS. I; NEVES, L. M.W. Mudanças na natureza da educação básica. In:


MARTINS, A.S; NEVES, L.M.W. (Org.). Educação básica: tragédia anunciada. São
Paulo: Xamã, 2015. p.103-158.

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Globo,


2006.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das


relações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. 4 ed. Cortez, São
Paulo, 1993

LIGUORI, G.; VOZA, P. (Orgs.). Dicionário gramsciano (1926-1937). - 1. ed. – São


Paulo: Boitempo, 2017.

MELO, A.A A. et al. Mudanças na educação básica no capitalismo neoliberal de


Terceira Via no Brasil. In: MARTINS, A.S; NEVES, L.M.W. (Org.). Educação básica:
tragédia anunciada. São Paulo: Xamã, 2015.p.23-44

MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2 ed. Boitempo, São Paulo, 2008.

SEVERO, R. G.; SEGUNDO, M.A. C. de San. Ocupatudors: socialização política entre


jovens estudantes nas ocupações de escolas no Rio Grande do Sul. ETD- Educação
Temática Digital Campinas, SP v.19 n.1 p. 73-98 jan./mar. 2017. Disponível em
<https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8647792> Acesso em
20 de jan.2018.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SCHLESENER, A.H. A escola de Leonardo: política e educação nos escritos de
Gramsci. Brasília. Liber livro, 2009.

Autores:

João Mendes da Rocha Junior


Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)
Adair Angelo Dalarosa
Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO)

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emancipação humana
A ANÁLISE DE CONJUNTURA COMO DISPOSITIVO DE
PLANEJAMENTO DE ATIVIDADES EDUCATIVAS NA
PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA176
Cláudio Eduardo Félix dos Santos

Introdução
O objetivo deste texto é expor e analisar uma experiência de formação continuada
de professores da educação básica no município de Vitória da Conquista-Bahia, com base
na pedagogia histórico-crítica. A pesquisa foi desenvolvida junto ao museu pedagógico
Padre Palmeira (órgão da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB), com
financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado da Bahia (FAPESB). Nesta
comunicação apresento uma reflexão sobre o método de ensino da pedagogia histórico-
crítica com destaque a análise da prática social (enquanto momento do método da
Pedagogia Histórico-Crítica) e da possibilidade da utilização da análise de conjuntura
como recurso para desenvolvimento e compreensão deste momento específico do método
pelos professores, bem como para o planejamento pedagógico.

Fundamentação teórica e discussões


O método de ensino da pedagogia histórico-crítica parte do princípio de que a
concepção de prática social se dá a partir da teoria social elaborada por Marx e Engels. A
prática social é concebida enquanto prática humana universal, ou seja, enquanto prática
humano-genérica historicamente produzida e socialmente acumulada.
O núcleo fundador desta pedagogia se encontra nas lutas do movimento sindical,
popular e político de esquerda pelo acesso a educação escolar pública, associado ao mais

176
A pesquisa foi financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e pelo
edital de pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

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profundo esforço teórico coletivo no sentido de encontrar nos fins a atingir os meios mais
eficazes para o desenvolvimento do ato educativo que promova, em cada indivíduo, as
suas máximas potencialidades enquanto membro do gênero humano. Desse modo, a
pedagogia histórico-crítica concebe a educação como “o ato de produzir direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens”. (Saviani, 2005: 13)
No processo de apropriação do patrimônio cultural pelo indivíduo se faz
necessário a identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados, assim
como os meios para atingir tais objetivos. Neste sentido, o método da Pedagogia
Histórico-Crítica não se resume, assim como o método em Marx, a um conjunto de
procedimentos desconectados de princípios, finalidades a atingir e mediação teórica na
relação com a realidade (no caso da educação a prática educativa).
Outro aspecto fundamental é a descoberta das formas adequadas de
desenvolvimento do trabalho pedagógico, trata-se da organização dos meios para que os
indivíduos se apropriem de forma singular da humanidade produzida historicamente.
Dermeval Saviani, com vistas à sistematização do método de ensino da Pedagogia
Histórico-Crítica propôs, ainda na década de 1970, cinco momentos articulados que dão
base ao trabalho pedagógico. Esses momentos são: a prática social como ponto de partida,
a problematização, a instrumentalização, a catarse e a prática social no ponto de chegada.
Martins (2013), ao analisar o método desta pedagogia, considera que esses momentos
ultrapassam o âmbito da didática, não havendo correspondência linear entre eles.
A prática social como ponto de partida da atividade educativa diz respeito à
compreensão do professor e do aluno acerca da realidade social e do conteúdo de ensino.
Retomando o conceito de prática social, pode-se dizer que esse momento se
apresenta em duas perspectivas que se articulam, a saber: a) a prática social em termos de

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entendimento sócio-político da realidade por parte do professor e do estudante; b) a
prática social dos próprios conteúdos de ensino.
O conceito de prática social diz respeito ao homem em relação prática com o
mundo, o que não implica que ao realizar uma atividade teórica ele esteja fora da prática
social. Portanto, no âmbito da pedagogia histórico-crítica e do método de Marx, a prática
social não se circunscreve apenas a ações empíricas de indivíduos isolados ou limitados
à sua localidade, a seu local de vivência, de trabalho, de moradia, etc. Essas seriam
práticas sociais imediatas que expressam os conteúdos dos modos de produção da vida
humana que se apresentam de forma específica e singular nas sociedades e nos indivíduos.
Prática social, portanto, é muito mais complexa porque diz respeito à própria produção
das objetivações humanas.
Martins (2013), Saviani (2005) e Lavoura (2015), ao analisarem o momento da
prática social e a relação pedagógica entre educador e educando, ponderam existir dois
níveis de compreensão dessa prática: uma por parte do professor e outra por parte do
aluno. O professor possui uma prática social sintética e precária. “Sintética na medida dos
domínios de que dispõe acerca dessa prática, mas é precária na medida em que, do ponto
de partida, desconhece a parcela da realidade que disporá, como seus alunos.”
(MARTINS, 2013, p. 289). Por sua vez o aluno tem uma visão sincrética (caótica), na
medida em que, do ponto de partida, o aluno não dispõe de elementos que lhe possibilitem
a identificação das articulações entre a escolarização e a decodificação concreta do real,
mesmo que ele disponha de equipamentos de informação (computadores com acesso a
internet, por exemplo).
Portanto, a necessidade de o professor compreender, em termos sócio-políticos, a
prática social corresponde a uma atitude filosófico-política e não um ato procedimental-
didático do conteúdo específico a ser ministrado. O que está em questão nesta etapa é “o
trabalho pedagógico como uma das formas de expressão da prática social, na base da qual

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emancipação humana
residem as relações sociais de produção que geram, para além das coisas, a própria
subjetividade humana como intersubjetividade. (Idem, p. 290). Sobre isso esclarece
Saviani177:
Quando falo da questão da prática educacional como uma modalidade
no interior da prática social, estou afirmando que aquela é uma prática
social que se diferencia porque tem uma particularidade: trabalha com
o problema do conhecimento. Aquele movimento de partir da prática
social e ir até a prática social não significa que você sai dela e depois
volta para ela, como às vezes se interpreta. Você não sai dela, você
continua dentro dela. Por prática social está se entendendo a prática
social própria da sociedade atual, em seu ponto mais avançado.
Portanto, aquilo que foi incorporado às objetivações humanas
construídas historicamente deverá ser apropriado pelas novas gerações,
sob pena de não se tornarem contemporâneas à sua época.

Essa afirmação de Saviani indica, a meu ver, a necessidade de avançar nos estudos
acerca da compreensão do conhecimento ensinado na escola como expressão da prática
social. Isso porque, nas formas hegemônicas de analisar a realidade, desconsidera-se ou
mesmo desconhece-se o método que toma a totalidade e as contradições como essenciais
para superar as formas fragmentadas e dicotomizadas de compreender o movimento da
realidade. O esforço de partir da prática social e a ela retornar implica o trabalho com
categorias abstratas o mais complexas, como a categoria da contradição e da mediação.
Sem o entendimento dessas torna-se difícil ao professor desenvolver um trabalho que se
quer crítico, isto é, capaz de apreender a concreticidade do problema/conteúdo, bem como
a concreticidade dos sujeitos (estudantes) em sua essencialidade e não apenas em seu
aspecto fenomênico.
Todavia, a pergunta reiteradamente formulada pelos professores diz respeito a
como proceder neste sentido? Como realizar, na atividade de trabalho nas escolas, o
método, em especial a prática social como ponto de partida e de chegada?

177
Entrevista não publicada e concedida ao autor do texto em 05 de dezembro de 2010.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Para os pesquisadores que desenvolvem estudos sobre os fundamentos didático-
pedagógicos, esse também é um desafio. Diante disso, uma equipe de pesquisadores
ligados ao Museu Pedagógico Padre Palmeira, órgão da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, iniciou uma pesquisa que tem por objetivo desenvolver práticas
educativas pautadas na pedagogia histórico-crítica com o intuito de analisar e avaliar os
desafios, os limites e possibilidades destas práticas no dia a dia das escolas públicas por
meio do trabalho do professor. A seguir faço a exposição de uma experiência de pesquisa
que focou sua atenção no momento da prática social como ponto de partida e chegada do
trabalho educativo. Trata-se do projeto “o museu pedagógico na escola”.
O projeto Museu Pedagógico na Escola teve por objetivo integrar pesquisadores
do Museu Pedagógico da UESB e professores de três escolas públicas de Vitória da
Conquista, Bahia, visando ao estudo de questões relativas ao ensino e aprendizagem na
escola básica, focando o desenvolvimento de práticas educativas na perspectiva
histórico-crítica.
Como afirmamos anteriormente, se a prática social como ponto de partida e de
chegada do método da pedagogia histórico-crítica busca evidenciar a natureza histórico-
social da educação escolar, o seu cunho é de caráter filosófico e não procedimental
(MARTINS, 2013, 290). É este um momento teórico-político da maior importância para
o educador e o educando, pois se busca com isso ampliar as possibilidades de
entendimento crítico da realidade e não apenas ater-se ao plano
epistemológico/pedagógico em si. Dominando o conceito de prática social e buscando
procedimentos analíticos da mesma, acreditamos que o planejamento das aulas, bem
como das atividades coletivas escolares não estarão alheias às problemáticas que afligem
educadores, educandos, comunidade e famílias.
Essas reflexões nos levaram a lançar mão do método da análise da conjuntura.
Dialogando sobre os currículos e as práticas de formação docente, concluímos que

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emancipação humana
aprendemos várias formas de análise: análise do discurso, análise de conteúdo, análise
qualitativa, análise combinatória, mas dificilmente aprendemos a fazer análise da
conjuntura, isto é, a estudar a situação atual para compreender o que se vivencia, suas
determinações histórico-estruturais e as tendências futuras.
Pensando nessas questões elaboramos uma programação de estudos que
denominamos “a prática social como ponto de partida e de chegada do método da
pedagogia histórico-crítica: o planejamento pedagógico por análise da conjuntura.”
Analisar os acontecimentos atuais, a fim de interpretar a realidade e buscar
aproximar-se de suas tendências, cenários, sujeitos, forças em disputa e indicar tendências
é um importante instrumento de amadurecimento coletivo e individual. Porém, fazer esse
exercício com professores requer uma adaptação, haja vista que as práticas educativas
escolares e não-escolares guardam diferenças e objetivos diferentes.
Partiu-se do entendimento de que uma análise de conjuntura, apesar de partir dos
acontecimentos do presente e das informações noticiadas, precisa ir além delas. “Cada
acontecimento é o efeito de uma série de causas que vieram se desenvolvendo ao longo
da história e que, por sua vez, se tornam causa que produzirá efeitos.” (GENNARI, p. 4,
s/d).
Ainda, segundo Gennari (s/d), para uma análise de conjuntura é preciso levar em
conta quatro aspectos da realidade: os acontecimentos, os atores, os cenários e a
correlação de forças.
Quando se pensa nos acontecimentos está-se falando nas práticas sociais como
ponto de partida, nas manifestações explícitas que precisam ser problematizadas para que
se possa chegar ao âmago dos problemas. No caso de se trabalhar com os professores com
o objetivo de elaborar planejamentos coletivos das atividades da escola, é preciso levar
em conta os acontecimentos da política educacional (nacional, estadual e municipal), as
principais questões que se relacionam com a escola, com os professores. Pensar os

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acontecimentos que afetam as crianças, os jovens e os adultos. Ou seja, é o momento de
provocar nos docentes a necessidade de pensar os fenômenos e suas contradições.
Geralmente nesse primeiro momento, como aconteceu na experiência que
realizamos na semana pedagógica, são feitos desabafos sobre a situação da escola, da
dificuldade de aprendizagem dos alunos, da ausência dos pais das escolas, da negligência
do poder público, etc. Muito dificilmente as pessoas levantam acontecimentos e questões-
chave, digamos assim, que impulsionam uma discussão que caminhe a um entendimento
mais profundo dos fatos e dos obstáculos levantados. Cabe, aos coordenadores dessas
atividades, provocar o debate, utilizando materiais jornalísticos ou outras fontes que
mostrem posições diferentes sobre os acontecimentos. Em nosso caso levamos duas
matérias de jornais, uma da grande mídia e outra da imprensa operária, tratando do tema
educação do campo.
Após o levantamento dos acontecimentos é necessário discutir os sujeitos que
estão agindo na conjuntura. “Os atores podem ser indivíduos, grupos, categorias, classes
e instituições.” (GENNARI, s/d, p. 6). Não se trata de listar meramente os sujeitos
envolvidos, mas buscar definir que tipo de ator está predominando na situação vigente.
Assim, estar atento aos discursos e ao movimento desses sujeitos é fundamental para
compreender a situação do momento para pensar acerca do que fazer nas situações.
O cenário em que ocorre o fato é outro aspecto a ser analisado. “Ao analisar os
acontecimentos devemos identificar quais são os espaços dominantes em que se desenrola
cada movimento da conjuntura.” ´(idem)
Um quarto aspecto para a realização de uma análise de conjuntura diz respeito à
relação de forças sociais. Portanto cabe se perguntar que relações de forças sociais se
expressam na luta de classes? Há uma homogeneidade nas relações intra-classes, quer
dizer, há homogeneidade nas posições políticas das classes dominantes e dominadas?

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Em relação à segunda questão, a resposta é negativa. A classe dominante, por
exemplo, não constitui um bloco compacto e homogêneo. Do mesmo modo, nos setores
intermediários (classe média) e no proletariado há divergências, heterogeneidades e
especificidades. Some-se a isso a articulação entre classe e o problema étnico, de geração,
de gênero, de afetividade sexual. Portanto, compreender a relação entre singularidade,
particularidade e universalidade é de fundamental importância para pensar sobre como se
configuram as relações de força no interior da luta de classes e como essa se manifesta na
escola.
Ter elementos mais concretos para avançar na análise da relação entre as forças
sociais diz respeito a abordar o tema da luta de classes na escola. Este deve interessar aos
educadores e educandos que reivindicam uma formação humana para além das formas
alienadas de trabalho educativo e reconhecem na pedagogia histórico-crítica uma teoria a
altura dessas finalidades. Pensar como se expressam essas lutas na escola, em termos
histórico-críticos, não diz respeito apenas às lutas entre professores e patronato (Estado
ou setor privado), muito menos as contendas entre professor e aluno. Em outros termos,
a luta de classes não se dá apenas nos sindicatos e partidos políticos, tampouco se dá
apenas nos conflitos diretos das ruas. Ela se manifesta no plano da disputa/lutas de ideias
e do conhecimento. Ao perguntarmos aos professores que participaram da semana
pedagógica sobre o que ensinar ou o que estão ensinando em suas aulas e quais as
atividades e temas estão sendo desenvolvidos nos projetos escolares, obtivemos como
resposta que as atividades educativas estavam ligadas às temáticas próximas do cotidiano
e do “contexto” dos estudantes (água, meio ambiente, copa do mundo, matemática
básica). Na perspectiva da pedagogia-crítica ter como centralidade o saber cotidiano e a
diminuição de conteúdos sob a alegação de que estes não se aplicam a vida imediata dos
educandos é uma maneira equivocada de pensar o problema da educação e expressa a luta
de classes no interior da escola. Ora, a pedagogia histórico-crítica parte do princípio que

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a escola é o lugar privilegiado da luta pela socialização do conhecimento. “A luta pela
socialização do conhecimento é, portanto, um componente imprescindível da luta contra
o capital”, afirma Duarte (2012, p. 154).
Isso não quer dizer que a escola e o conhecimento ali trabalhado estejam isentos
de ideologia. O que chamo a atenção é ao princípio marxista de caminhar para uma
formação de individualidades livres e universais. Para tanto, a transmissão do
conhecimento científico, artístico e filosófico pela escola é de suma importância para a
realização desse objetivo.
A tensão que busca o esvaziamento dos conteúdos em todos os níveis e
modalidades da educação escolar voltada para a classe trabalhadora são a expressão da
luta de classes. Para entender o grau e desenvolvimento dessas lutas como práticas sociais
efetivas, o método é necessário. Analisar os acontecimentos, os sujeitos, os cenários e as
relações de forças, isto é, realizar análises de conjuntura como instrumento dos
professores e, quiçá, estudantes, para compreender a prática social é uma possibilidade a
ser melhor investigada e desenvolvida acerca do que fazer para a realização deste
momento do método e que auxilie na seleção do planejamento das atividades coletivas da
escola.
Contudo, ressalto que no trabalho didático, ou seja, no processo de ensino dos
conteúdos escolares, a análise de conjuntura não é o melhor método para trabalhar a
prática social como ponto de partida e de chegada porque, nesse caso, a prática social diz
respeito ao próprio conteúdo e a compreensão sintética (do professor) e sincrética (do
aluno) no processo de transmissão e assimilação dos respectivos conteúdos. Todavia, em
disciplinas como história, sociologia, geografia, as quais lidam com as relações sociais
no tempo e no espaço, esse método pode auxiliar em muito os estudantes a fazerem uma

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leitura em totalidade dos fenômenos em estudo podendo retornar a prática social global
de modo mais crítico.178

Conclusão
Os resultados alcançados nesta experiência de pesquisa indicaram que houve
interesse por parte dos professores em refletir sobre a prática social de modo mais
aprofundado e sistematizado. Para alguns a atividade foi uma novidade, pois dificilmente
se reflete sobre a estrutura da sociedade e a conjuntura para além das aparências. “Este
foi um exercício relevante”, afirmou uma professora, “visto que muitas vezes, devido a
diversos obstáculos, não se dispõe de tempo para pensar além da rotina do trabalho”.
Há de se destacar outras questões que observamos com a atividade sobre prática
social e análise da conjuntura, a saber: a) necessário aperfeiçoar as fichas e a exposição
sobre o método da Pedagogia histórico-crítica e a análise de conjuntura buscando
explicitar e precisar melhor essa categoria. B) Identificamos dificuldades dos professores
em compreender os conteúdos escolares como expressões da prática social. C) Há ainda
uma noção de prática social localizada e focalizada no cotidiano, na empiria imediata.
Como orientação final foi sugerido que o exercício da análise da conjuntura fosse
realizado sempre que possível em atividades escolares como reunião de pais e
professores; reuniões de professores; reunião do grêmio escolar a fim de que esse método
se incorpore as práticas educativas das escolas.
A pesquisa “o museu pedagógico na escola” nos permitiu perceber aspectos
importantes para o desenvolvimento de uma pedagogia que se reivindica histórico-crítica:
a) estudo e discussão do método de Marx; b) discussão acerca das pedagogias
hegemônicas e contra-hegemônicas no campo das ciências da educação; c) ampliação da

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Nas disciplinas das ciências da natureza, da matemática torna-se difícil, e até mesmo pouco producente,
em termos dos objetivos destes componentes curriculares, a utilização da análise de conjuntura.

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emancipação humana
capacidade de pensamento crítico diante dos problemas imediatos da escola; d) apreensão
de categorias importantes para o desenvolvimento de práticas educativas de caráter
emancipatório, tais como: trabalho, práxis, alienação, trabalho educativo,
problematização, mediação, prática social, instrumentalização, catarse.

Referências
DUARTE, N. Luta de classes, educação e revolução. In: Germinal: Marxismo e
Educação em Debate, Londrina, v. 3, n. 1, p. 128-138, 2011.

GENNARI, E. Dicas para uma análise de conjuntura. São Paulo: Coletivo 13 de maio,
s/d.
LAVOURA, T. N. A universalidade do conhecimento e o trabalho educativo como
atividade mediadora no âmbito da prática social. Texto não publicado (2015).

MARSIGLIA, A. C. G.. A prática pedagógica histórico-crítica na educação infantil e


ensino fundamental. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.

MARTINS, L. M.. O desenvolvimento do Psiquismo e a educação escolar:


contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica.
Campinas, SP: Autores Associados, 2013

MARX, K. O Capital. Livro I. Volume I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2005.

SAVIANI, D. Escola e Demcoracia. Campinas: Autores Associados, 2006.

SAVIANI, D. A pedagogia histórico-crítica. In: Revista Binacional Brasil-Argentina


diálogo entre as ciências. N.

SANTOS, C. E. F. Pedagogia histórico-crítica e movimentos sociais populares: para além


das dicotomias entre práticas educativas escolares e não escolares. In: MARSIGLIA, A.
C. G; BATISTA, E. L (orgs). Pedagogia histórico-crítica: desafios e perspectivas para
uma educação transformadora. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

Autor:

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emancipação humana
Cláudio Eduardo Félix dos Santos
Dr. em educação (UFBA).
Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
Pesquisador do Museu Pedagógico: grupo de pesquisa estudos histórico-críticos em
educação (UESB) e do grupo de estudos marxistas em educação (UNESP).
email: cefelix2@gmail.com.

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emancipação humana
CRISE DO CAPITAL, REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E
DIVISÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO
FÍSICA: NEXOS E DETERMINAÇÕES
Bárbara Cristina Pupio
Introdução
O objetivo deste texto é discutir os nexos entre crise do capital e reestruturação
produtiva e suas determinações na formação de professores de Educação Física no Brasil,
em específico, o processo de divisão da formação em Licenciatura e Bacharelado -
ocorrido via políticas educacionais.
Partimos da explicação clássica de Marx (2013) sobre a teoria do valor e o
processo de valorização de capital em escala ampliada. Segundo o autor, o modo de
produção capitalista promoveu o desenvolvimento das forças produtivas e relações de
produção, que aliado a divisão internacional do trabalho, resultou em maior
produtividade, ampliando a acumulação de capital. A grande indústria, “[...] adquire uma
elasticidade, uma súbita capacidade de se expandir por saltos que só encontra limites na
insuficiência de matéria-prima e de mercado por onde escoar seus próprios produtos"
(MARX, 2013, p.522).
A lei imanente de reprodução ampliada de capital desencadeia processos de forte
expansão, seguidos de crise, queda nas taxas de mais-valor e retração dos mercados
devido ao acúmulo de capital e/ou a superprodução de mercadorias em determinados
ramos econômicos. Torna-se necessário escoar o capital a novos ramos produtivos, ou
ainda, deslocá-lo para novos territórios onde seja possível uma exploração maior da força
de trabalho e a retomada das taxas de lucro (MARX, 2013).
No campo da Educação Física verificou-se em meados de 1980 um significativo
crescimento do campo não escolar, expresso no processo de privatização dos elementos
da cultura corporal em larga escala. Desde então, o mercado de academias de ginástica

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emancipação humana
despontou-se como um dos filões de comercialização da cultura corporal.
Compartilhamos à tese de que as mudanças no trabalho e na formação do professor de
educação física foram determinadas pelas transformações mais amplas no modo de
produção, a partir da reestruturação produtiva. Contudo, quais os nexos desta relação? A
divisão da formação em Licenciatura e Bacharelado atende a quais interesses?

Crise do capital, reestruturação produtiva e educação física no século XXI


A partir das últimas décadas do século XX, percebe-se com mais clareza
indicativos de que o modo de produção capitalista passava por um período de estagnação,
configurado: (a) pelas crises dos anos de 1970, e a mais recente, a crise financeira no final
de 2007/2008; (b) pelos processos de reordenamento do capital via reestruturação
produtiva e o neoliberalismo (livre concorrência, privatizações, centralidade do mercado
e secundarização do poder do Estado, liberdade e propriedade privada do indivíduo; (c)
pelo processo de intensificação e exploração da força de trabalho, flexibilização,
terceirização, desemprego estrutural e o trabalho “atípico” (VASAPOLLO, 2006) que
tem sido tendência da fase de acumulação flexível do capital (ANTUNES, 2006); (d) pelo
acirramento da luta de classes, considerando o abismo entre uma classe capitalista
dominante cada vez menor e mais rica e outra grande parcela da humanidade, a classe
trabalhadora, em condições cada vez mais precárias de sobrevivência; (e) pela
concorrência capitalista entre as economias dominantes e as dominadas no mercado
mundial; (f) pelas disputas entre as perspectivas de organização da produção da
existência, configuradas no projeto histórico liberal (conservador) e no projeto histórico
comunista (revolucionário).
A gerência dessa crise exigiu medidas estratégicas e de ajustes em diversos
âmbitos (produtivo, financeiro, social, político, educacional, etc.), inicia-se, portanto, o
processo de reestruturação produtiva do capital a nível mundial. Esse movimento surgiu

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nos países desenvolvidos e foi alastrando-se, em maior ou menor grau, aos demais países
via mundialização do capital e descentralização da produção por meio das multinacionais.
Os métodos de organização da gerência científica ou taylorismo, pautados na
máxima divisão do trabalho, em simples e repetitivas operações, e, na separação entre
aqueles que concebem (gerência) o processo de trabalho e aqueles que executam (força
de trabalho) apresentou sinais de esgotamento (BRAVERMAN, 1977). Eram necessários
modelos de produção mais flexíveis e dinâmicos condizentes com as condições de um
mercado cada vez mais globalizado, competitivo e tecnológico, com novas demandas a
força de trabalho, que passaram a exigir o envolvimento psicofísico dos trabalhadores
com a produção (ALVES, 2014).
Os impulsos iniciais da reestruturação produtiva no Brasil nos anos de 1980,
corresponderam a mudanças nos padrões organizacionais e tecnológicos no interior dos
processos produtivos e, também, nas formas de organização social do trabalho. Iniciou-
se o uso da informatização nos processos produtivos com base na microeletrônica e a
implantação do modelo toyotista de organização da produção - sistemas just-in-time e
kanban, programas de controle de qualidade, métodos participativos alicerçados na
produção team work (ANTUNES, 2006).
Os primeiros anos da reestruturação produtiva foram representados pela: (a)
retração de custos, diante do corte de uma parcela significativa da força de trabalho nos
mais diversos setores, entre eles: automobilístico e autopeças, têxtil, bancário etc.; (b)
elevação da produtividade por meio da reorganização da produção e inovações
tecnológicas; (c) intensificação da jornada de trabalho; (d) descentralização da produção
em diversas unidades produtivas (com quebra da organização sindical que continha o
avanço do capital na região do ABC paulista), entre outros elementos. Conforme iam
sendo implantados os receituários oriundos da acumulação flexível e do modelo japonês

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de organização da produção, iam também, surgindo novas formas de subcontratação e de
terceirização do trabalho (ANTUNES, 2006).
Na virada do século XX para o XXI, o processo de reestruturação produtiva
intensifica-se no Brasil. O conjunto de políticas assumidas no Governo de Fernando
Henrique Cardoso foi essencial para impulsionar esse processo e ajustar as políticas
nacionais às orientações definidas no Consenso de Washington. Nesse sentido, o Plano
Real e a Reforma do Estado brasileiro a partir de 1995, promoveram significativas
alterações na relação do Estado com o mercado e a sociedade. “Se o processo de
reestruturação produtiva no Brasil, durante os anos 80, teve uma tendência limitada e
seletiva, foi especialmente a partir da década de 1990, [...] que ele se ampliou
sobremaneira” (ANTUNES, 2006, p.20). O Brasil adentrava cada vez mais à lógica de
mundialização do capital, orientada pelas políticas internacionais e pela reestruturação
nos processos produtivos, na agricultura e nos setores de bens de serviços. Esse
movimento promoveu determinações nas políticas educacionais brasileiras.
Nesse mesmo período, o Congresso Nacional encaminhou uma sequência de
legislações que definem as leis gerais da educação nacional, entre elas, Leis de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN/1997), Plano Nacional da Educação (PNE, aprovado na Lei n. 10.172/2001),
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica
(DCN/2002) e as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação
em Educação Física (DCNEF/2004) que mantiveram a divisão na formação reafirmando
a separação e distinção entre os cursos de licenciatura e bacharelado.
A literatura especializada da área Educação Física estabelece relações entre a
divisão da formação em Educação Física e a reestruturação produtiva. Uma síntese do
balanço da produção do conhecimento científico, a partir de estudos marxistas (BOTH,
2009; COIMBRA, 2009; CRUZ, 2009; DIAS, 2011; MORSCHBACHER, 2012;

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PENNA, 2006; PUPIO, 2013; NOZAKI, 2004; QUELHAS, 2012; TAFFAREL, 2012)
que versam sobre a formação de professores de Educação Física, de maneira geral,
possibilitou-nos reconhecer uma explicação da divisão da formação como resultado do
movimento mais amplo de concentração e centralização do capital em sua fase
imperialista (LENIN, 2012). Na tentativa de superar a crise econômica que apontava os
países desenvolvidos – durante os últimos anos de 1960 com mais intensidade na década
de 1970 – inicia-se um complexo processo de reordenamento, via reestruturação
produtiva e neoliberalismo, enquanto estratégias de gerência da crise de superprodução,
que de fato, era de caráter estrutural do capital (NOZAKI, 2004).
Nesse contexto, alteraram-se na base produtiva – os processos, os conteúdos e os
métodos de trabalho – o modelo de organização taylorista/fordista foi gradativamente
sendo substituído pelo toyotista de base microeletrônica, acarretando, adequações na
qualificação da classe trabalhadora a estar atuando nesses novos modelos de produção.
“O reordenamento do trabalho, causado pela introdução de novas tecnologias
operacionais, altera a base técnica da produção, modifica a organização do trabalho e traz
a demanda da formação de um trabalhador de novo tipo" (NOZAKI, 2004, p.19).
Imbricado a esse processo, a desobrigação do Estado no que concerne a garantia de
direitos sociais (educação, saúde etc.), na perspectiva liberal, atribuiu ao indivíduo a
responsabilidade pelo acesso a esses serviços, ao mesmo tempo que, repercutiu na
transferência de capitais para estes setores, expresso na expansão dos serviços privados,
com destaque para as academias de ginástica a partir de 1980 e a consolidação da
burguesia do setor de serviços no âmbito do fitness (COIMBRA, 2009). Justifica-se
assim, que as políticas educacionais (e, portanto, as mudanças nos processos de formação)
foram mecanismos de ajuste (adequação da força de trabalho – formação do trabalhador
de novo tipo) necessários ao desenvolvimento do mercado capitalista. Na contramão da
retomada de lucratividade do capital, encontra-se a precarização e exploração do

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trabalho/trabalhador, com impacto desta direção do capitalismo sobre a direção da
formação da classe trabalhadora.
Em suma, as teses que defendem esta posição articulam as transformações no
trabalho e na formação em Educação Física como componentes do processo de
rebaixamento do valor da força de trabalho, próprio da reestruturação produtiva, com
vistas a ampliar as margens de extração da mais valia, enquanto resposta à crise do capital
(NOZAKI, 2004; PENNA, 2006; BOTH, 2009; CRUZ, 2009; ALVES, 2010; DIAS,
2011; QUELHAS, 2012; MORSCHBACHER, 2012 e TAFFAREL, 2012). A contradição
Capital X Trabalho determina que o capital só se valoriza às custas da exploração da força
de trabalho (trabalho realizado e não pago pelo capitalista, "mais valor") (MARX, 2013).
Nesse sentido, uma das faces da reestruturação produtiva foi a precarização das condições
de trabalho enquanto mecanismo de recomposição do modo de produção capitalista, à
queda na taxa tendencial de lucro que se instalara nos anos de 1970.
Essas mudanças chegam efetivamente ao Brasil nos anos de 1990, na área da
Educação Física implicaram em alterações: (a) no mundo do trabalho e nos campos de
atuação – expansão do campo não escolar com a mercantilização das práticas corporais,
introdução da microeletrônica e dos princípios toyotistas nos processos de trabalho,
precarização das condições de trabalho (VIVAN, 2010); (b) nos debates acadêmicos e
proposições pedagógicas - a crise de identidade da Educação Física que culmina no debate
epistemológico e o avanço da perspectiva crítica na área (NOZAKI, 2004); (c) nos
processos formativos - as reformulações curriculares (Res. nº 03/87 e Res. nº 07/04),
crescimento do ensino superior privado (DIAS, 2011); (d) na correlação de forças no
interior da área – o enfraquecimento da Federação Brasileira de Associações de
Professores de Educação Física (FBAPEF), a criação do sistema CONFEF/CREFs e
Associação Brasileira de Academias (ACAD) enquanto representantes da classe patronal,
surgimento do Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Educação Física (MNCR), e o fortalecimento do Movimento de Estudantes de Educação
Física (MEEF).
A expansão do campo não escolar da Educação Física, teve como um filão
econômico o ramo de academias de ginástica. O mercado brasileiro de academias
diversifica-se e amplia-se anualmente desde os anos de 1980. Dados estatísticos revelam
um crescimento significativo no número de academias na primeira década do século XXI.
Em 2000 eram em torno de 797 academias, alcançando o patamar de 16 mil
estabelecimentos, em 2010 (SENAC, 2015). De acordo com o levantamento realizado
pelo International Health, Racquet & Sportsclub Association (IHRSA) entre os anos de
2007 e 2012, o faturamento desse segmento dobrou, passando de 1,2 bilhão para 2,4
bilhões de dólares, o número de academias chegara a 23,4 mil em todo país. Esses dados
colocam o Brasil em segundo lugar, como o país com o maior número de academias do
mundo, perdendo apenas, para os Estados Unidos (VALOR ECONÔMICO, 2013).
Em suma, é notável que mesmo na conjuntura de crise estrutural do modo de
produção capitalista, o mercado de academias de ginástica apresente: (a) expressivo
crescimento do número de academias de ginástica (de 797 a mais de 30 mil nos últimos
quinze anos); (b) ampliação e diversificação de mercadorias nesse segmento; (c) aumento
no número de consumidores e praticantes. Em outras palavras, a partir dos anos de 1980,
vem se desenvolvendo uma indústria em torno da cultura corporal que se mostra muito
lucrativa para o capital. Essa indústria movimenta toda uma cadeia produtiva, que ainda,
foi pouco pesquisada e discutida pela literatura.
As mudanças no campo de atuação e no mercado de trabalho justificaram a divisão
da formação em educação física. Como vimos, diversos autores dedicaram-se a analisar
as mudanças nas condições de trabalho do professor de educação física e suas relações
com o processo de formação. Buscamos contribuir com o debate acadêmico, no campo

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emancipação humana
marxista, ao analisar a indústria da cultura corporal e levantar dados sobre aquilo que
chamamos de "economia política da cultura corporal" (PUPIO, 2017).

Conclusão
De modo a concluir, salientamos que alguns estudos vêm sinalizando a
indiferenciação entre a Licenciatura e Bacharelado do ponto de vista do currículo
(MORSCHBACHER, 2012; DIAS, 2011 e ALVES, 2010; CRUZ, 2009). Contudo, se os
cursos de formação em Educação Física não estão preparando a força de trabalho para o
mercado de trabalho, o que determinou a divisão da formação? A formação dividida
atende a quais interesses?
Até aqui, a partir do que conhecemos, é possível afirmar que, ao dividir a formação
dos professores de Educação Física em Licenciatura e Bacharelado ganham: a) os
empresários de faculdades privadas, que ao invés de um passam a vender dois cursos,
aumentando seus lucros com a Graduação em Educação Física (MORENO, 2017); b) os
empresários de academias, que tem a seu dispor um exército de reserva de força de
trabalho, pressionado pelo desemprego estrutural e que, em sua maioria, encontra-se
desvinculado de organização coletiva da classe trabalhadora. Essas condições facilitam a
exploração do trabalho do professor de Educação Física no segmento. Nesse sentido, a
divisão da formação, acarretou na fragmentação da categoria de professores e no
enfraquecimento da organização sindical desses trabalhadores.
O estudo do desenvolvimento econômico da indústria da cultura corporal em
academias de ginástica (PUPIO, 2017), nos possibilitou reconhecer em números, o
crescimento do setor de serviços na economia brasileira, sendo possível verificar um
conjunto de ramos industriais e de outros bens de serviços que se integraram, formando
uma ampla cadeia produtiva que atende as demandas desse mercado. A expansão das

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emancipação humana
academias no país segue contínua, o que exige força de trabalho para atuar nesse
comércio.
No sentido mais amplo, antes de tudo, a reestruturação produtiva determinou no
campo da Educação Física, a transferência de capitais para o ensino superior e para as
academias de ginástica, do que propriamente demandou novas exigências de formação
para o trabalho do professor de educação física.

Bibliografia

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globalização. In: ANTUNES, R. (org). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III.
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precarização do trabalho do professor de educação física: mediações da
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Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
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Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/noticia/maioria-dos-
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Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
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(Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010.

Autora:
Bárbara Cristina Pupio
Universidade Federal da Bahia

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emancipação humana
OS SARAUS E A LUTA PELA EMANCIPAÇÃO HUMANA
Lenha Aparecida Silva Diógenes
Cristiane Porfírio de Oliveira do Rio
Introdução
O texto pretende refletir a marcha dos acontecimentos históricos da classe
trabalhadora, a partir da sensibilidade estética. As expressões artísticas diferentes entre si
e que, juntas, conseguem formar uma bela narrativa da luta revolucionária dos
trabalhadores contra toda e qualquer injustiça produzida pelo modo de produção
capitalista são nosso objeto de estudo.
Inicialmente, gostaríamos de evocar as figuras de Marx e Engels por meio dos
escritos de Lukács, pois, conforme sabemos, no pensamento desses autores, o estético
constitui um valioso legado cultural que deve ser socializado, posicionando-se contra
todas as formas de empobrecimento da existência humana. Como observou Lukács (2010,
p. 11): “[...] Marx e Engels nunca escreveram um livro ou um estudo orgânico sobre
problemas literários no sentido estrito da palavra”. Apesar desse fato, a estética se fez
presente em quase toda a obra marxiana.
Nesse sentido, buscaremos ampliar o debate de forma crítica e contextualizada, a
partir da análise das categorias onto-históricas entre trabalho, educação e estética marxista
no processo de reprodução do capital. Para tanto, importa lembrar que a sociedade
brasileira vive, no atual momento histórico, reformas liberais ortodoxas, impostas como
regras aos países sul-americanos, como controle de gasto público, corte na política
previdenciária, ajuste fiscal e política de privatização. É nesse contexto de transformações
sociais que a crise do capital, acompanhada da crise fiscal, impulsiona a redefinição do
Estado, incorporando um conjunto de orientações, cujo objetivo precípuo é o desmonte
do serviço público e dos direitos sociais, conquistados pela classe trabalhadora, através
de penosas lutas.

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emancipação humana
No campo educacional, também são amplas as reformas, além de um
obscurantismo que alcança os grupos socialmente segregados, ao longo da história, tais
como mulheres, negros, comunidades indígenas e população LGBTI, entre outros. Nesse
contexto, ações em consonância com os poderes Executivo e Legislativo são articuladas,
objetivando o avanço do conservadorismo e o esvaziamento da formação crítica e
participativa que, a despeito de todos os desafios, vem sendo construída dentro das escolas
públicas. Os projetos de leis apresentados no Congresso Nacional, Assembleias
Legislativas e Câmaras Municipais demonstram a ascensão do conservadorismo, da
segregação social, da intolerância religiosa, do culto à tradição em detrimento do
conhecimento acumulado pela humanidade e dos direitos adquiridos pelos grupos
explorados e oprimidos.

Fundamentação teórica
O fundamento da nossa atividade investigativa tem assento na compreensão
ontológica marxiana-lukacsiana sobre a constituição do homem enquanto ser social,
histórico. Os homens, à medida que produzem a base material da existência, constroem a
história, conforme Marx (2011), a partir das condições herdadas. É essa concepção
materialista, inscrita na ontologia marxiana, que conduz nossas reflexões.
Através do trabalho, os homens diferenciam-se de outros animais, modificando a
si mesmos, a natureza e a sociedade. O trabalho, nessa esteira de pensamento, assume
importância, pois é através do mesmo que se encontra a determinação onto-histórica de
que a transformação da natureza pelo trabalho cria algo novo. Assim, a essência
ontológica do trabalho confere ao mesmo caráter intermediário: ele é, essencialmente,
uma inter-relação do homem com a natureza orgânica e inorgânica. Essa inter-relação
marca a passagem, no homem que trabalha, do ser biológico ao ser social (LUKÁCS,
1980).

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emancipação humana
Nessa linha, entende-se que a arte e a literatura, na medida em que integram o
complexo mais amplo, devem ser compreendidas à luz do trabalho. Em linhas gerais,
conforme Frederico (2016, p. 9), “[...] ela é pensada em sua relação com a necessidade,
com a base material da sociedade”. Os estudos dos processos históricos de formação
econômica; bem como das relações de produção consumiram tanto tempo de Marx e
Engels que, uma leitura imprudente poderia negligenciar o estilo literário de ambos.
Porém, conforme Eagleton (2011, p.11-12), o jovem Marx era: “[...] autor de poemas
líricos, de um fragmento de verso dramático e de um romance cômico inacabado [...]”;
dele também há um manuscrito não publicado, de volume considerável, sobre arte e
religião, além de ter planejado um estudo completo sobre Balzac e um tratado de estética.
Ainda de acordo com o mesmo autor, Marx produziu textos carregados de alusões
literárias, nos quais se pode perceber que “[...] a arte e a literatura faziam parte do próprio
ar que respirava como um intelectual alemão formidavelmente culto dentro de uma
grande tradição clássica da sua sociedade”. Enquanto frequentador inveterado de teatros,
leitor voraz de grandes escritores, além de apreciador de todas as manifestações artísticas,
Marx, ao fundar o círculo de trabalhadores alemães em Bruxelas, priorizou uma noite, a
cada semana, para a discussão das artes. Konder (2013, p. 40) nos lembra de que a arte,
para Marx e Engels, assume um papel revolucionário, comprometendo-se com a realidade
histórica.
Nesse sentido, tentaremos reviver o clima festivo dos antigos saraus. Do latim
seranus/serum, sarau, em referência ao pôr do sol – período no qual, geralmente, os
encontros aconteciam – é um evento cultural realizado em espaços abertos ou fechados,
articulando diferentes expressões artísticas. De acordo com Pinho (2004), os saraus
faziam parte do cotidiano das famílias. Crianças e adultos compartilhavam esses eventos
sociais, recitando poesias, lendo capítulos de obras e debatendo questões filosóficas.

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Registros desses acontecimentos podem ser encontrados, por exemplo, em
romances, cartas, crônicas e memórias do século XIX. Nas crônicas de Machado de Assis,
há referências de saraus na casa do senador Joaquim Nabuco ou no clube Beethoven, que,
conforme Pinho (2004, p. 238) “[...] reunia entre seus sócios o que de melhor na sociedade
fluminense havia”. Percebemos, nesse sentido, que o nascedouro desses eventos está
intimamente ligado aos interesses de uma determinada classe, cujo interesse artístico
caminhava em paralelo à intenção de legitimar a posição de classe junto à sociedade
aristocrática e à intelectualidade da época. Tal fato, porém, não diminui a importância
desses eventos, pois conforme Trotski (2007, p.35) “[...] é ridículo, absurdo e mesmo
estúpido, no mais alto grau, pretender que a arte permaneça indiferente às convulsões da
época atual. [...] A arte, direta ou indiretamente, reflete a vida dos homens que fazem ou
vivem os acontecimentos”.
Assim, das salas das elegantes casas das elites paulistas, os saraus encontraram
pouso nas periferias, nos bairros suburbanos, onde se concentram a grande massa de
trabalhadores que, muitas vezes excluídos do universo letrado, sentem-se incapazes de
usar, nos dizeres de Andrade (1999), “as mil faces” da arte. Vale, porém, destacar que no
interior das contradições da sociedade capitalista, os trabalhadores continuam militando
por atividades para além do que a sociedade movida pelo capital oferece. Dentre as muitas
atividades emancipatórias, destacamos, nesse momento, o trabalho desenvolvido por
Sérgio Vaz, organizador do primeiro espaço batizado como Sarau da Cooperifa. Nesses
espaços, os textos são declamados pelos moradores, pondo em relevo a vivência da classe
trabalhadora.
Importa lembrar que a verdadeira obra de arte direciona a vivência de seu receptor,
orientando-o contra a imobilidade que se apresenta na sociedade capitalista. Dessa forma,
vale destacar que a fruição estética advinda desse momento artístico-literário pode refletir
a realidade humana, ampliando as vivências do cotidiano e constituindo uma totalidade

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que, segundo Santos (2017, p. 40) “[...] soergue o ser social, elevando-o da imersão do
cotidiano, alçado pelas mãos de um processo catártico, a um nível destacado de
humanização”, possibilitando ao homem uma visão mais consciente sobre si, sobre a
realidade a sua volta e sobre seu tempo histórico. Por fim, vale lembrar a assertiva do
Coletivo Cultural Poesia na Brasa:
A elite encontra-se nos grandes centros comerciais, rodeada pelas
periferias que ela própria inventou/a periferia se arma e apavora a elite
central/Nas guerras das armas, os ricos reprimem os favelados com a
força do Estado através da polícia/Mas agora é diferente, a periferia se
arma de outra forma/Agora o armamento é o conhecimento, a munição
é o livro e os disparos vêm das letras [...] (“Nosso manifesto”, Coletivo
Cultural Poesia na Brasa, 2009, p. 31-32).

Considerações finais
Constatamos, desse modo, que as transformações sociais do momento histórico
são registradas de diversas formas, inclusive na arte. O desafio, nessa conjuntura
profundamente contrarrevolucionária, é avançarmos na luta contra a perversa agenda que
hostiliza o livre exercício da docência, o princípio da pluralidade de concepções
pedagógicas, bem como o acesso à educação pública, gratuita e laica. As diferentes
experiências de resistência e lutas dão o tom do debate, de forma crítica e contextualizada,
tendo como horizonte a emancipação humana.
Com Cândido (2011), advogamos que a fruição da arte e da literatura é
indispensável à classe trabalhadora para que a mesma possa assumir seu caráter
revolucionário. Para isso, impõe-se a necessidade de desmistificar o real, compreendendo
o processo histórico e social que deu origem aos fatos que compõem a realidade,
contribuindo para a emancipação da classe trabalhadora.

Referências

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SILVA, Simone. As rodas literárias nas décadas de 1920-30: troca e reciprocidade no
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TROTSKI, Leon. Literatura e Revolução; tradução de Luiz Alberto Moniz Bandeira;


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TONET, Ivo. Educação numa encruzilhada. Educação contra o capital – São Paulo:
Instituto Lukács, 2012 – 2. Ed. Ver. 93p.

Autoras:

Lenha Aparecida Silva Diógenes


Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará - UECE.
Mestra e Doutoranda em Educação pela UFC, na linha de pesquisa: Marxismo, Educação
e Luta de Classes.
Professora da Rede Estadual de Ensino do Ceará - SEDUC/CE e da Faculdade Cearense
- FaC.
Desenvolve a pesquisa ESTÉTICA MARXISTA, HISTÓRIA E LITERATURA:
existência e resistência do ser do trabalho.
e-mail: lenhadiogenes@hotmail.com
Cristiane Porfírio de Oliveira do Rio
Doutora em Educação pela UFC.
Pesquisadora /colaboradora do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário
– IMO/UECE
Professora adjunta do curso de Serviço Social da UECE.
Membro do Conselho Editorial da Revista Arma da Crítica e dos Laboratórios de Análises
sobre Políticas Sociais do Sertão Central – LAPPS e de Pesquisas e Estudos em Serviço
Social – LAPESS.

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emancipação humana
Desenvolve a pesquisa ESTÉTICA MARXISTA, HISTÓRIA E LITERATURA:
existência e resistência do ser do trabalho.
e-mail: cristiane.porfirio@uece.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
AS POLÍTICAS PÚBLICAS FEDERAIS DE COMBATE AO
MACHISMO NAS ESCOLAS PÚBLICAS
Jaqueline Moreira Ferraz de Lima
Áurea de Carvalho Costa

Introdução
Este texto é parte de uma pesquisa de mestrado em andamento relacionada às
representações do trabalho feminino nas esferas da vida pública e privada nos livros de
literatura infantil fornecidos pelo Programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa, enquanto mediadores para o debate sobre esta temática do trabalho feminino desde
o início do processo de alfabetização, nas escolas públicas estatais.
Nossa dissertação tem o objetivo de investigar nas obras literárias fornecidas pelo
PNAIC em 2016 para crianças de seis a oito anos, como são feitas as referências às
questões relacionadas ao trabalho feminino nas esferas da vida pública e privada, no modo
de produção capitalista, buscando compreender as condições em que tal debate se veicula
na escola, bem como as formas que assume na sociedade moderna.
Para atender nosso objetivo, se fez necessário um levantamento bibliográfico
inicial, para nos orientar, quanto ao panorama geral da temática. Desta maneira buscamos
artigos e documentos do governo, que poderiam colaborar para a discussão da mulher no
mercado de trabalho, seja na esfera pública ou privada, e, políticas de inserção.
O neoliberalismo vigora no Brasil como modelo oficial de gestão do estado desde
1990, inaugurando uma política de aplicação de políticas focais, parcerias público-
privadas, terceirizações de serviços com racionalização de gastos, especialmente as
referentes à consecução de direitos sociais, de modo que foi proposta uma miríade de
políticas inclusivas, especialmente na década de 2000, porém de caráter paliativo, ao
invés de efetivo equacionamento e resolução de problemas sociais, dirigidas às minorias

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emancipação humana
nas piores condições do pauperismo. Tais políticas servem, antes, ao merchandising
político, do que ao real combate da pobreza e do preconceito social (COSTA, 2013).
Desde então, temos visto a proposição de políticas inclusivas no Brasil, para dar
combate ao racismo, à homofobia, de reconhecimento das crianças pequenas, dos adultos
e dos portadores de necessidades especiais como sujeitos do direito à educação e, ainda,
políticas de combate ao machismo inserido no campo dos direitos humanos que se
aplicam à educação escolar pública timidamente, apesar do agravamento da violência
machista.
Dentre essas políticas, destacamos na Constituição Federal de 1988 a exortação à
redução da desigualdade de gêneros como essencial para a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária; reaparecendo nos planos nacionais de políticas para mulheres, no período
de 2006 a 2013, numa perspectiva mais ampla, para além do setor educacional, inspiradas em
debates internacionais, como a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, a Convenção para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, publicado pela UNICEF
em 1979 e o Compromisso de Dakar que elegeu como meta até 2005 atingir a igualdade entre
gêneros na educação, como parte do combate ao machismo e, mais recentemente, em 2013, no
Estatuto da Juventude, o direito à igualdade de gêneros como parte dos direitos humanos,
(REIS; EGGERT, 2017; ROSEMBERG, 2001).
Entretanto, as políticas de educação dos homens e mulheres para a superação da
discriminação sexista no trabalho ainda carece de objetivações, para o desenvolvimento
de comportamentos referentes às relações intersubjetivas menos violentos, mas também,
para a desnaturalização da diferenciação salarial, para que se institua uma cultura de
isonomia salarial entre homens e mulheres no mundo do trabalho, ampliando as
possibilidades de escolhas profissionais para as mulheres com planos de carreira, salários
e reconhecimento social, para além da divisão de tarefas no lar igualitária.

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A educação para o trabalho é constitutiva de uma formação cultural omnilateral,
moderna e tecnológica da nossa juventude, mas ainda pouco se discute a opressão
feminina associada à exploração diferenciada do trabalho no mundo do trabalho como
conteúdo de debate nas instituições escolares, apesar de o trabalho ser a categoria central,
formadora dos seres humanos como tais.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), desde o seu primeiro artigo, já vincula a educação
com o trabalho, dizendo “ [...]a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho [...]” (BRASIL, 1996, p. 1), ou seja, a
educação tem um intento, que “ [...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996, p.
1).
Diante da relevância do trabalho em documentos que regulamentam o sistema
educacional, indagamo-nos, no âmbito da formação para o trabalho na escola, como o
trabalho feminino tem sido discutido? Há uma preocupação com a formação que
questione a naturalização da exploração e opressão feminina no universo laboral, no
capitalismo? Para responder a tais perguntas, realizamos um levantamento de autores que
pesquisam políticas de inserção deste debate na escola.

O problema da divisão sexual do trabalho


Desde o contexto do modo de produção da vida comunal primitivo tem se
produzido e reproduzido socialmente a divisão sexual do trabalho. Segundo Reed (2008),
foi naquele contexto que as mulheres, inventaram utensílios domésticos, criaram
tecnologias de conservação de alimentos, de trabalho na lavoura, de armazenamento de
gêneros, de mobiliário e implementos agrícolas diversos, pois em diversas tribos, gens e
clãs, nas diferentes regiões do mundo elas permaneciam nas aldeias cuidando das tarefas
referentes à manutenção física do espaço, das coisas e das pessoas, enquanto os homens

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saiam à caça e às guerras, o que colocou para as mulheres a necessidade de
desenvolvimento de tecnologias e técnicas, realizando as primeiras empreitadas para o
desenvolvimento do que a sociedade chamaria de Ciência e tecnologia, a partir de
diferentes matérias primas “[...]foram as mulheres que desenvolveram rudimentos da
botânica, da química, da medicina e outros conhecimentos científicos[...]” (REED, 2008,
p. 38).
Assim, nas sociedades comunais, as mulheres tiveram um papel fundamental na
satisfação das necessidades primárias de cada povo originário, bem como na produção de
novas necessidades, para além da Ciência, a Arte, o direito, a transmissão cultural por
meio de processos educacionais, estando lado a lado com os homens nesta fase do
desenvolvimento da sociedade no comunismo primitivo, que durou um milhão de anos
(ENGELS, 1977).
O processo de inferiorizarão das mulheres, e a nova divisão sexual do trabalho
que subalterniza a mulher, emergiram mais recentemente na história da humanidade, com
o desenvolvimento da agricultura desde o desenvolvimento do modo de produção
asiático, que instituiu novos modelos de organização social, econômica, e o patriarcado
foi ocupando espaço, como resultado de um novo sistema de produção.
Com a agricultura, surgiu o excedente e isto gerou novas necessidades,
como a da propriedade privada, a das trocas, bem como a da herança.
A serviço dessas novas necessidades fundou-se um novo sistema social
– a sociedade de classes –, baseada na exploração do homem por outro
homem, dando-se, também, o início da história da subordinação das
mulheres (OLIVEIRA, 2017, p.22-23).

A subordinação da mulher consolida com o advento da propriedade privada, da


herança, a superação do comunismo primitivo e, consequentemente, o estatuto do
casamento, em que se impôs a monogamia feminina (TOLEDO, 2014), garantindo, assim,
a procedência da prole do patriarca, beneficiária das heranças. No âmbito dos clãs, gens
e tribos, o casamento era do tipo coletivo, isto é, não havia união de duas pessoas por

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vontade própria individual, mas segundo a conveniência de cada coletivo, de modo que a
configuração do novo modelo de família nuclear, tendo como base o casamento por livre
escolha dos cônjuges se estabelece no modo de produção capitalista, não sem trazer
resquícios do patriarcado (ENGELS, 1977).
Resultados e discussao: trabalho feminino como um debate necessário, mas
secundarizado nas políticas educacionais
Em nosso levantamento preliminar, identificamos que autores como Cisne (2015)
apontam a divisão sexual do trabalho como uma das formas centrais de exploração do
capital sobre o trabalho, no contexto do capitalismo, determinando as diferenciações
salariais, as profissões consideradas como femininas e desprestigiadas por isso, a
subalternização feminina na sociedade, de modo a tornar a exploração do trabalho
feminino, uma particularidade do fenômeno da exploração do trabalho em geral neste
modo de produção. E, como efeito da divisão sexual do trabalho, a alienação das mulheres
sobre sua própria condição, por vezes, não se reconhecendo como parte da classe
trabalhadora e, assim, se eximindo de participar ativamente nas lutas, na atuação política
em unidade com os trabalhadores para o combate à opressão e exploração. A
multiplicidade das tarefas da mulher, associada à participação no provimento da família
dentro e fora dos lares, consiste em aspectos anteriores ao capitalismo, penalizando
especialmente as trabalhadoras (SAFFIOTI, 2013, p. 62).
O trabalho investigativo de Toledo (2001) aponta que o advento da revolução
Industrial, entre 1770 e 1830, na Inglaterra, as mulheres e seus filhos passaram a atender
a fábrica, pois com a introdução das máquinas, os turnos de trabalho aumentaram, e se
consolida um modelo de sociabilidade em que a mulher é duplamente explorada, no lar e
na fábrica, o que demonstra que o trabalho na vida pública não a liberou do trabalho
doméstico, pois não havia divisão de tarefas no lar, destacando a relação dialética entre a
emancipação feminina, ao conquistar o trabalho na vida pública, ao mesmo tempo em que

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as mulheres sofrem a subjugação ao trabalho alienado no capitalismo, como parte da
classe expropriada:
O trabalho fora de casa, se por um lado significou o início de sua
libertação, já que unificou a mulher à classe operária e lhe deu assim,
as ferramentas para lutar contra o capital e por sua emancipação, por
outro lado impôs a ela duplicação da jornada de trabalho e, com isso, a
duplicação de sua alienação enquanto trabalhadora, já que a mulher não
é uma na fábrica, e outra em casa; ela é um ser único, que exerce essas
duas funções sociais (TOLEDO, 2001, p. 41).

Enfim, a partir do método do materialismo histórico e dialético, a autora conclui


que as tarefas domésticas fazem parte da manutenção do capitalismo, contribuindo com
trabalho gratuito para a reprodução da massa de trabalhadores, pois nos lares, as mulheres
cumprem a importante função de alimentar e cuidar da limpeza da casa e das roupas de
cada um dos integrantes da família, o que colabora para a desvalorização da mão de obra
feminina, segundo o argumento de que tais tarefas exaurem as energias das trabalhadoras,
tornando-as menos aptas para o trabalho remunerado, justificando menores salários em
relação ao do homem, que estariam totalmente disponíveis para dispender suas energias
no mundo da produção, vindo a corroborar as pesquisas de SAFIOTI (2013). Mediante
tal círculo vicioso, “[...] o Estado ou capital continuam a exercer sobre ela uma autoridade
patriarcal, impedindo-a de abandonar as tarefas domésticas [...]” (TOLEDO, 2001, p. 45).
Paradoxalmente, em função de salários menores que os dos homens para tarefas
iguais, são as mulheres as vítimas das mais intensas expropriações de mais valia, pois:
As desvantagens sociais de que gozavam os elementos do sexo
feminino permitiam [...] à sociedade capitalista em formação arrancar
das mulheres o máximo de mais-valia absoluta através,
simultaneamente, da intensificação do trabalho, da extensão da jornada
de trabalho e de salários mais baixos que os masculinos, uma vez que,
para o processo de acumulação rápida de capital, era insuficiente a
mais-valia relativa obtida através do emprego da tecnologia de então
[...] (SAFFIOTI, 2013, p. 67).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Portanto, o capitalismo, ao mesmo tempo em que trouxe o desenvolvimento
tecnológico necessário para o avanço da emancipação feminina – como o controle sobre
a natalidade, o divórcio, o direito aos estudos, o reconhecimento de sua condição de
cidadã livre e com plenos direitos, veio potencializar a opressão e a exploração
interclasses e intraclasse179, pois “o machismo atende de maneira particular a nossa classe,
degradando, subordinando e mantendo metade dos trabalhadores (as mulheres) em
situação de superexploração e de inferioridade. FONTANA, PAGU, TROGO (2015, p.
119-120) acrescentam um elemento importante à discussão ao afirmarem que a opressão
no interior da própria classe a divide e enfraquece a luta contra o capitalismo”, pois, a
exploração e a opressão feminina são mediadas pela ideologia do machismo, que estão
fortemente arraigadas, sendo impostas socialmente como algo natural e não “[...] cultural
ou adquirida, como realmente é [...], (FONTANA, PAGU, TROGO, 2015, p. 118)”. Isso
acaba por justificar as diferenciações salariais, além de oferecerem trabalho gratuito nos
lares, de manutenção da força de trabalho que deverá ser explorada nas fábricas.
Bruschini e Lombardi (2001), ao analisarem dados do IBGE sobre trabalho
feminino na década de 1990, identificaram que as mulheres estudam mais, porém ganham
menos que os homens, fato que não é restrito ao Brasil. Essas autoras identificaram, ainda,
que havia uma consolidação do acesso das mulheres ao mercado de trabalho, na década
de 1990, mas que os empregos femininos cresceram em trabalhos informais numa
conjuntura de tendência a restrição geral no número de empregos formais, com registro
em carteira, salários dignos e benefícios legais para homens e mulheres (COSTA, 2005).
Então, elas apontam uma redução de desigualdades salariais naquela década, em função
de um rebaixamento geral no preço do trabalho, devido à flexibilização do trabalho

179
Isso também se verifica entre as mulheres da classe burguesa mas, por questões de recorte em nosso
objeto, estamos privilegiando a discussão sobre o trabalho das mulheres que não possuem os meios de
produção.

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industrial associado ao ingresso das mulheres em ocupações qualificadas. Persistia a
tendência de emprego de mulheres no setor terciário, do comercio e um perfil de
trabalhadora mais velha, casada e com filhos, ou seja, que participa ativamente nos
proventos da família, além de cumprir tarefas domésticas. Nesse sentido, pode-se dizer
que as mulheres tendem a superar a divisão sexual do trabalho, mas não se pode,
necessariamente, dizer o mesmo sobre os homens. Essa nossa inferência é corroborada
pelo trabalho de Marcondes et al (2003), que apontam que, mesmo nos países onde há a
divisão de tarefas mais igualitária, é a mulher que assume mais responsabilidades.
E, quanto à questão do “serviço de mulher”, tão presente no senso comum, as
autoras destacam a “guetificação” das profissões femininas é um fato, e exemplificam o
trabalho na área da saúde, que envolve o cuidado – tarefa historicamente feminina. Outra
manifestação desta “guetificação” é a concentração de 36% das mulheres em trabalhos
mais carentes de contratos que garantam as proteções legais e sociais, como domésticas,
bem como as atividades não remuneradas, no lar. Oliveira (2017) aponta que o magistério
também é uma profissão predominantemente feminina, cuja multiplicidade de tarefas tem
um efeito devastador, pelo fato de as professoras, costumeiramente, levarem trabalho para
a casa. Enfim, a divisão sexual injusta das tarefas, a guetificação das profissões, as
diferenciações salariais são fatores que concorrem direta ou indiretamente para o
adoecimento feminino (MARCONDES et al. 2003).

A importancia do estudo do trabalho feminino nas escolas


Mediante tal conjuntura de opressão da mulher e de exploração do trabalho
feminino na sociedade capitalista, elaboramos a hipótese de que a escola, enquanto
instituição contraditória, que reproduz em si a contradição da sociedade capitalista,
constitui-se num espaço de disputa também no campo da reprodução e do combate a

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opressão e exploração machista e isso pode se manifestar nos processos de educação para
o trabalho em todo o ensino básico.
A educação escolar é um espaço de disputa pela formação omnilateral, integral dos seres
humanos desde a infância, que não proporcione apenas conteúdos mnemônicos, mas associe a
formação geral e formação para o trabalho de forma integrada (GRAMSCI, 1990).
No modo de produção capitalista, o trabalho é um conceito contraditório, pois ao mesmo
tempo em que se constitui em fundante da humanização do homem, também pode se manifestar
como alienante.
Quanto ao caráter positivo do trabalho, este reside no fato de que é pelo trabalho que os
homens transformam a natureza, criam cultura e se civilizam; entretanto, no modo de produção
capitalista, o trabalho alienado se reduz à dimensão da força de trabalho, parcelar, destituído de
saberes, causador de um estranhamento entre os homens e o produto de seu esforço físico e
intelectual, bem como do estranhamento dos seres humanos entre, si, sendo o fundador do
preconceito e da discriminação entre de raça, etnia, gênero, idade e tantas outras (COSTA, 2009).
No que tange ao currículo dos primeiros anos do ensino fundamental, destacamos,
para fins de justificativa de nossos recortes que, enquanto há parâmetros curriculares
transversais para Orientação sexual, não há parâmetros curriculares transversais para a
discussão do trabalho.
No ciclo dois, a partir do sexto ano, já existem tanto parâmetros para a discussão
de gênero, quanto para a discussão sobre trabalho e consumo, com uma breve menção ao
trabalho feminino, sugerindo alguns tópicos que podem ser explorados na sala de aula
(EDUCACIONAL s/d; BRASIL, 1997). Inferimos que tal inclusão pode ser uma resposta
parcial aos compromissos firmados por parte do governo de Fernando Henrique Cardoso,
junto ao Programa Nacional dos Direitos Humanos, para acomodar as demandas dos
movimentos feministas de educação sexual e combate ao sexismo no currículo, além da
ampliação das creches, bem como as demandas do protocolo de igualdade de direitos do
Conselho Nacional de Direitos da Mulher (ROSEMBERG, 2001).

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Considerações finais
Ressaltamos que a pesquisa ainda está em andamento, desta maneiras não temos
grandes conclusões, e, ainda que de uma forma preliminar, pudemos identificar que há
poucas políticas específicas para tratar a opressão machista nas escolas e, mesmo nos
parâmetros em que se trata o problema do trabalho, a menção ao trabalho feminino é
pontual subsumindo a importância e a especificidade do trabalho feminino, bem como a
relevância social dele na sociedade contemporânea.

Referências

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OLIVEIRA, Bruna Padilha. O essencial é invisível aos olhos: a emulação à escola


produtivista e a subsunção das múltiplas jornadas das professoras no Programa de Ensino
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SAFFIOTI, Heleieth I. B. A mulher na Sociedade de classes. 3 ed. São Paulo: Expressão


Popular, 2013.

TOLEDO, Cecilia. Mulheres: o gênero nos une, a classe nos divide. São Paulo:
Xamã,2001.

Autoras:

Jaqueline Moreira Ferraz de Lima


Unesp Rio Claro

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Áurea de Carvalho Costa
Unesp Rio Claro

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UBERIZAÇÃO E EDUCAÇÃO NO NOVO ESTÁGIO DA
EXPLORAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
Renata Franqui
William Robson Cazavechia

O texto discute a uberização180 do professor enquanto um novo estágio de


exploração do trabalhador da educação, a partir do contexto histórico, social e político
brasileiro, no final do século XX. Para tanto, apresenta a conjuntura política e econômica.
Faz isso mediante a crise política enfrentada pelo sistema capitalista no século passado,
de modo a demonstrar como o processo de reestruturação produtiva vai culminar na
flexibilização das relações de trabalho, tendo como consequência sua precarização e
desregulamentação. Em seguida, faz a discussão sobre o objeto de análise, qual seja, o
processo de uberização do professor, o qual constitui como um novo estágio de
exploração do trabalho docente.
Nos anos de 1970 e 1980, o capital viu-se diante da crise de seu padrão de
acumulação, pautado nos modelos taylorista/fordista e do Estado do bem-estar social.
Tratava-se, de um processo de restauração do capital, marcado por ações que envolveram
a reestruturação produtiva, a financeirização e a implantação da ideologia neoliberal.
O processo de reestruturação produtiva do capitalismo desencadeou intensas
transformações nas relações sociais, em decorrência da ‘acumulação flexível’ do capital
que, de acordo com David Harvey (1989),

180
“A uberização do trabalho se refere a uma série de transformações do trabalho, que em realidade estão
em curso há décadas. A empresa Uber deu visibilidade a uma nova forma de organização, controle e
gerenciamento do trabalho, que está assentada nestes processos. É preciso compreender a economia
digital como um campo poderoso de reorganização do trabalho, mas não perder de vista que ela realiza
uma atualização de elementos que estão em curso no mundo do trabalho, e que, sim, estão fortemente
ligados com o desenvolvimento tecnológico, mas não só isso. Trata-se da relação das reconfigurações do
papel do Estado” (ABÍLIO, 2017).

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Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional [...] (HARVEY, 1989, p. 140).

A crise, que naquele momento se manifestava, tinha como principal causa a


significativa queda da taxa de lucro e do acúmulo excessivo de produtos para consumo.
Com vistas na superação desse quadro, o capitalismo passou a buscar alternativas para
recompor-se, garantindo, assim, condições favoráveis para sua manutenção. Netto e Braz
(2006, p. 2018) salientam que “Todas as transformações implementadas pelo capital têm
como objetivo reverter a queda da taxa de lucro e criar condições renovadas para a
exploração da força de trabalho”.
Nesse sentido, na fase imperialista do capital, também denominada de acumulação
flexível, tem-se a flexibilização dos processos de trabalho, de produtos e dos padrões de
consumo. Assim como a desterritorialização da produção, que passa a realizar-se em
regiões periféricas, onde é possível a exploração do trabalho de modo mais livre. Além
disso, é também característica dessa fase do capital, a incorporação da tecnologia em
substituição da mão de obra humana, reduzindo significativamente a oferta de trabalho.
A dinâmica conferida pela reestruturação produtiva trouxe importantes
implicações nas relações sociais e de trabalho. Passou a exigir-se do trabalhador maior
qualificação e domínio de competências como a participação, polivalência, envolvimento,
entre outras. Em contrapartida, em sua decorrência, tem-se a redução salarial,
precarização do emprego, flexibilização e desregulamentação dos processos de trabalho.
Em âmbito brasileiro, destaca-se a reforma do Estado na década de 1990, gestada
em cenário sociopolítico e econômico de reestruturação do capital, globalização e
internacionalização da economia, bem como da implantação do ideário neoliberal de
Terceira Via nas políticas nacionais. O objetivo da implantação da reforma era adequar o
país à nova fase do capitalismo mundial (MELO; FALLEIROS, 2005, p. 177).

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Esse panorama seria, do ponto de vista dos liberais, uma alternativa para a saída
da crise. O redesenho da atuação do Estado – considerado altamente burocrático e
excessivamente regulador – permitiria alterar suas funções típicas de regulação,
fiscalização e gerência. De acordo com Melo e Falleiros (2005),
[...] tal cruzada contra o Estado esteve acompanhada pela apologia do
mercado como instância central para organizar a vida coletiva,
empreendendo-se uma árdua defesa pela privatização em empresas
públicas e a implantação de políticas sociais sob a justificativa de que o
mercado, como mecanismo de regulação, seria muito mais eficaz do
que o Estado, obtendo melhores resultados com menores custos
(MELO; FALLEIROS, 2005, p. 175).

Estando à serviço do capital, as intervenções do Estado passariam a ser mínimas


na atuação do mercado e na regulação da propriedade privada. Assim, a ele caberia a
função de criar e preservar uma estrutura apropriada para o desenvolvimento do livre
mercado. Nesse cenário tornou-se favorável ao desenvolvimento de atividades produtivas
alternativas, como a implantação de plataformas digitais de compartilhamento de
serviços, à exemplo do Uber, a valiosa startup americana fundada por Travis Kalanick na
Califórnia, EUA, em 2009 (SLEE, 2017).
A proposta da empresa alinhava-se e ajudou a fomentar o ideário da economia do
compartilhamento, atuando como mediadora entre a oferta e a demanda de serviços de
transportes. Estabelecendo, assim, o elo, via aplicativo de celular, entre passageiros e
motoristas amadores, previamente cadastrados na plataforma digital. Sob uma
demarcação publicitária, cuja ideia se pautava pela ajuda mútua, a empresa
desenvolvedora do aplicativo deflagrou uma campanha a favor do transporte privado
ofertado pelos próprios cidadãos.
Naquele momento, em meio a crise enfrentada pelos EUA em 2008, a Uber
configurou-se como uma alternativa viável àqueles que buscavam por sua recolocação no
mercado de trabalho ou mesmo por uma renda extra. Contudo, a relação laboral que se

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emancipação humana
estabelece entre a empresa-aplicativo e o profissional prevê uma falsa ideia de parceria,
uma vez que a primeira se exime do cumprimento de quaisquer direitos trabalhistas,
ficando a cargo do trabalhador todo o ônus de sua atividade produtiva.
Em suma, o fenômeno da uberização remete ao elo existente entre o uso das novas
tecnologias digitais e a precarização do trabalho. Desse modo, trabalhadores então
uberizados submetem-se à dinâmica neoliberal que lhes expropria aquilo que constitui o
elemento fundante de sua humanização, isto é, o trabalho. A essência humana não é dada
substancialmente, mas é construída pela própria humanidade mediante o processo da
atividade produtiva. Nesse sentido, transformada em mercadoria, a força de trabalho
sujeita-se às flutuações do mercado e à lógica perversa do capitalismo.
Marx, n’A Ideologia Alemã (1986, p. 37), afirma que “A consciência jamais pode
ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real
[...] Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”.
Portanto, se é por intermédio do trabalho que o sujeito transcende a si próprio e produz
sua existência humana, mediante o intercâmbio orgânico entre si e a natureza, a divisão
social do trabalho e a apropriação dos meios de produção resultam numa espécie de
estranhamento entre trabalhador e o produto de seu trabalho, uma vez que este último, ao
final do processo, não lhe pertence.
Essa dinâmica do capital culmina na desumanização do trabalhador, que não se
reconhece ao longo de seu ato produtivo, não se vê naquilo que cria, tornando-se,
portanto, um sujeito alienado. De acordo com Leandro Konder (2008, p. 30), “[...] em
lugar de realizar-se no seu trabalho, o ser humano se aliena nele; em lugar de reconhecer-
se em suas próprias criações, o ser humano se sente ameaçado por elas; em lugar de
libertar-se, acaba enrolado em novas opressões”.
O estranhamento ocorre com maior intensidade nos estratos mais precários da
força humana de trabalho, aqueles que são desprovidos de direitos e de condições de

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estabilidade cotidiana, sendo submetidos, muitas vezes, a empregos terceirizados ou
temporários. Alves e Antunes salientam que este estranhamento causa a “[...] perda
(quase) completa da dimensão de humanidade” (ALVES; ANTUNES, 2004, p. 348).
Como se vê, na fase da mundialização do capital, que se evidencia mediante a
existência de uma materialidade adversa aos trabalhadores, as múltiplas formas de
fetichismo permeiam o mundo do trabalho, causando repercussões na vida fora da esfera
produtiva. Neste contexto, a subjetividade da classe trabalhadora transforma-se em um
objeto, tendo em vista que funciona para a “[...] autoafirmação e a reprodução de uma
força estranhada” (ALVES; ANTUNES, 2004, p. 349), pois o indivíduo vende sua força
de trabalho pelo preço que lhe é imposto, em consonância com a lei do mercado.
O trabalhador da educação não escapa à regra. Em meio ao contexto social
brasileiro atual, marcado por uma intensa crise política e econômica, a educação tem sido
vítima de severos ataques. Sobretudo nos últimos anos em que o país passou a ser
governado ilegitimamente pelo peemedebista Michel Temer que assumiu o tomou o cargo
maior do poder executivo após o golpe que destituiu a então presidenta Dilma Rousseff,
do Partido dos Trabalhadores (PT), em setembro de 2016.
Desde então, diversas foram as medidas tomados por Temer no sentido de
desmantelar o setor público. A Proposta de Emenda da Constituição (PEC) nº 55, de 2016,
institui um novo regime fiscal, estabelecendo um teto para os gastos públicos no período
de duas décadas. Pauta prioritária do governo Temer, a PEC, aprovada em plenário,
congela investimentos na área da saúde e educação, contribuindo para o desmonte do
setor público.
No mesmo ano, a Medida Provisória (MP) 746 apresentava a proposta de
reformulação da configuração curricular do ensino médio, ampliando sua carga-horária.
A lei também determina a formação técnica e profissional a partir da flexibilização de seu

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currículo e a redução das áreas de conhecimento. A medida fora sancionada em 16 de
fevereiro de 2017 sob a Lei nº 13.415.
Em consonância, o Projeto de Lei nº 839 de novembro de 2016 dispõe sobre o
reconhecimento e titulação de “notório saber” para os cargos de professores que atuam
em nível estadual. Trata-se do reconhecimento público da erudição de profissionais que,
embora não apresentam formação acadêmica certificada, são autorizados a assumirem a
agenda do ensino, mesmo aqueles que não possuem os elementos teóricos e didáticos para
o exercício do trabalho docente.
O argumento defendido pelos propositores da lei é que essa medida resultaria na
diminuição do déficit de professores. No entanto, entende-se que essa é uma medida
paliativa, sem qualquer compromisso com a qualidade do ensino a ser ofertado,
demonstrando o profundo descaso com a educação no país. O que se vê é o resultado da
diminuição do Estado, que se desobriga de seu dever na formação de professores.
Em meio a esse cenário neoliberal de desmonte da educação, professores, assim
como os demais trabalhadores, foram uberizados. ‘Professores-ubers’ são chamados a
assumirem cargos temporários, sem qualquer vínculo empregatício que lhes garanta os
devidos direitos trabalhistas. Submetidos às extensas jornadas de trabalho sob o
cumprimento de uma carga-horária dividida em diferentes escolas – o que demanda
deslocamento para diversos endereços em um mesmo dia de trabalho –, esses
profissionais representam o total descaso com o cenário educacional brasileiro. A oferta
de contratos como o do último Processo Seletivo Simplificado de 2017 (PSS), do governo
Beto Richa, no Paraná, e a oferta de um leilão de aulas promovidas em Santa Catarina,
refletem esse desmonte. O conceito de uberização encaixa-se perfeitamente nesse cenário
de precarização da atividade docente no país. Afinal, nos dois casos aos professores são
ofertadas aulas conforme a lei da oferta e da demanda, como se a educação pública fosse
o próprio mercado. A única diferença em relação a oferta de viagens pelo aplicativo de

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transporte Uber, é que, nesse caso, tem-se um contrato precário no lugar de um aplicativo.
Outros aspectos desse processo são ainda mais visíveis nas ofertas de aulas, cursos,
disciplinas e afins, ofertadas pelas instituições privadas de EAD, onde, o profissional da
educação vende seu trabalho que fica depositado em um banco de dados para utilização
e consultas on-line pela instituição e pelos alunos que pagam por esses pacotes de cursos
de graduações. Estes inclusive, serão os novos professores uberizados, pois muitos destes
cursos são licenciaturas.
O panorama social e político encontra-se no sentido radicalmente oposto à luta
por uma educação pública universal e de qualidade. Assim, recorda-se que, em sua análise
da dinâmica da sociedade capitalista, Marx concluiu que a história de todas as sociedades
que existiram até então tinha sido a história das lutas de classes (MARX, 2011). Dessa
forma, aos trabalhadores uberizados da educação, resta a tomada de consciência de sua
situação e, sobretudo, de seu poder enquanto classe, de modo a reunirem sua força
coletiva e organizarem-se para reclamar por uma revolução social que culmine em uma
sociedade justa, igualitária e que garanta as condições efetivas para a superação desse
panorama. Isto, pois, embora o trabalhador seja subordinado às leis pertinentes ao capital,
ele é um elemento vivo, que mede forças e gera conflitos opositores ao capitalismo.
Em síntese, trata-se de um projeto político delineado sob os preceitos da
perversidade inerente à lógica do capitalismo, garantindo com eficiência sua manutenção.
A breve reflexão aqui apresentada buscou fomentar o diálogo, a partir do qual buscam-se
alternativas que se contrapõem às políticas públicas e educacionais consoantes à lógica
mercantil própria do capital.
Conforme postulado por Marx (1986, p. 28), “[...] o que os indivíduos são,
portanto, depende das condições materiais de sua produção”. Desta maneira, em
consonância com Mészáros, a tarefa histórica que se constitui hoje é ir além da simples
negação do sistema capitalista, mas buscar estabelecer estratégias apropriadas que

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rompam com as condições objetivas de sua reprodução. Em síntese, almeja-se cumprir a
função de provocar o debate, na certeza de que “[...] Apenas a mais ampla das concepções
de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente
radical, proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica mistificadora do
capital (MÉSZÁROS, 2008, p. 48).

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emancipação humana
Bibliografia

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PCdoB 27/11/2017. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/17451/uberizacao-do-
mercado-de-trabalho. Acesso em: 15 jan. 2018.

ALVES, Giovanni; ANTUNES, Ricardo. As mutações no mundo do trabalho na era da


mundialização do capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, mai/ago.
2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v25n87/21460.pdf> Acesso em:
11.set.2012.

BRASIL. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016. Institui a Política de


Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação,
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 set. 2016.

BRASIL. Projeto de Lei nº 839, de 22 de novembro de 2016. Dispõe sobre


reconhecimento e titulação de "Notório Saber" para os cargos de professores no Estado.
Diário Oficial da república Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000009069. Acesso em: 27 fev. 2018.

BRASIL. Proposta de Emenda Constitucional nº 55, de 16 de dezembro de 2016.


Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime
Fiscal, e dá outras providências. In: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre as diretrizes para a


elaboração da lei orçamentaria de 2001 e dá outras providências. Diário Oficial da
república Federativa do Brasil. Brasília, DF, 17 fev. 2017. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13415-16-fevereiro-2017-784336-
publicacaooriginal-152003-pl.html. Acesso em: 27 fev. 2018.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1989. 349 p.

KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008. 85 p.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (I – Feuerbach). São Paulo:
Hucitec, 1986. 138 p.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Bauru: Edipro, 2.


ed. 2011. 112 p.

MELO, Marcelo Paula de; FALLEIROS, Ialê. Reforma da aparelhagem estatal: novas
estratégias de legitimação social. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A nova
pedagogia da hegemonia. São Paulo: Xamã, 2005. p. 175-192.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo,
2008. 126 p.

NETTO, João Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. São
Paulo: Cortez, 2006. 258 p.

SLEE, Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Editora
Elefante, 2017. 320 p.

Autor/a:

Renata Franqui
Pedagoga (UEM-2013).
Mestra (2016) e doutoranda em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Estadual de Maringá, na linha de pesquisa de História e Historiografia
da Educação.
renata.franqui@hotmail.com
William Robson Cazavechia
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
de Maringá.
cazavechia.william@hotmail.com

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A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE TRABALHO E
EDUCAÇÃO DE JOVENS DO CAMPO: LUTAS SEM CLASSES

Walmor Chagas Fermino de Oliveira


Patrícia Correia de Paula Marcoccia

Introdução
O objetivo do texto é apresentar a produção do conhecimento sobre trabalho e
educação de jovens do campo brasileiro e mapear o que na prática demandava reflexão
dos pesquisadores dessa área de conhecimento. Levantar as teses e dissertações sobre essa
temática possibilita apropriar o conhecimento produzido, os temas predominantes e
abordagens que encontram suas razões no tempo histórico em que foram produzidas.
A busca das produções foi realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD). O procedimento utilizado neste estudo foi o da pesquisa
bibliográfica, do tipo revisão de literatura que visa a fazer um balanço da produção.
Interessa estabelecer a relação da prevalência dos temas com a realidade social.
O método eleito permitiu análise da produção do conhecimento sobre trabalho e
educação de jovens do campo brasileiro entre 2006 a 2016, e possibilitou apontar que há
poucas produções que tratam dessa temática, ou seja, de 766 trabalhos, foram encontrados
25 com aproximação do tema e selecionados apenas 11 teses e dissertações vinculadas à
maioria à área da educação e que efetivamente tratam dessa temática. Apesar disso, as
produções, geralmente se ausentam do desvelamento das contradições da produção da
vida do jovem do campo na perspectiva da luta de classes. Por conta disso, eliminam-se
as lutas sociais e o conhecimento é reduzido às expressões fenomênicas, o que contribui
para um esvaziamento das relações de produção da vida e do conhecimento sobre a
situação do trabalho e educação dos jovens do campo.

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emancipação humana
O materialismo histórico e dialético encontra sua contradição na luta de classes e
apesar de ser mencionado em algumas produções, ou elas apontam as classes, mas não
tratam das lutas sociais dos jovens trabalhadores do campo ou mencionam as lutas sem
debater as classes sociais.

Discussão Teórica
O levantamento das produções deu-se a partir dos seguintes termos: Trabalho e
educação de juventude no campo e Trabalho e educação de jovens no campo. Após a
busca, foi realizada a leitura dos resumos, e posteriormente foram selecionadas 11 teses
e dissertações que apresentaram maior contribuição para o tema, ou seja, que tratavam
especificamente sobre a situação do trabalho e a educação do jovem que vive no campo.
Há de se considerar como relevante a dificuldade em se realizar buscas focadas no banco de dados
da BDTD, em que os resultados permitem refinamentos limitados que faz com que as buscas nem
sempre apresentem trabalhos de relevância e aderências às buscas desejadas.
Quando se procura pelos temas prevalentes entre 2006 a 2009 tem-se que a maior
parte das produções, neste período, dedicou-se a explicar sobre o êxodo de jovens do
campo, as representações sociais do jovem do campo acerca de suas escolas, as situações
adversas enfrentadas pela juventude acerca da escassez de políticas públicas para a
juventude no campo, a construção de identidade de jovens em relação com o urbano e
com a profissionalização.
As produções estudadas apontam que a falta de trabalho com garantias sociais, na
forma de trabalho formal para a juventude faz com que muitos jovens se sintam obrigados
a vender sua força de trabalho na cidade por não enxergar perspectiva na sua localidade
(SANTOS, 2006; SANTOS, 2009). As produções revelam, também, que a ausência do
acesso à educação no campo, ao emprego, às políticas públicas para a agricultura familiar,
a questão de gênero, a forma como os jovens interagem com os processos sociais e as
perspectivas na conquista de sua autonomia, assim como as maneiras que enxergam o

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campo e a sua relação nesse meio, fazem com que muitos jovens vislumbrem a cidade
como lócus de trabalho e conquista da sua autonomia (PEREIRA, 2007). Além disso, as
produções apontam que não há, efetivamente, a implementação de políticas educacionais
que contemplem a juventude do campo (LOPES, 2008), bem como, que há precarização
do acesso aos recursos e serviços de infra-estrutura e a exclusão do sistema produtivo por
parte dos jovens do campo (SANTOS, 2009).
Das produções selecionadas referentes ao ano de 2010, todas apresentam
investigações acerca da aproximação da juventude do campo com o meio urbano.
Segundo Paulo (2010) o jovem do campo sempre interpela o urbano, acionando
elementos de sua forma de vida, ora de maneira positiva ora negativa. Contudo, ele passa
por um dilema ao assumir o modo de vida do campo, compreendido pelo jovem urbano
como significado de atraso e de não-jovem. Para Pina (2010) os jovens se sentem
inferiores no trabalho no campo, bem como, certa recusa de seguir os mesmos passos que
os pais e um desejo de aproximação com o urbano como forma de ascensão.
As produções defendidas em 2011 apontam para a situação de abandono do jovem
do campo e que alguns permanecem no rural apenas para moradia. De acordo com Costa
(2011), os jovens vislumbram ampliação de oportunidades profissionais e de estudo
quando há proximidade entre o rural e o urbano. Para a autora, esse jovem relaciona a
necessidade de conclusão do Ensino Médio e a obtenção de algum curso técnico como
forma de qualificá-lo para a vida urbana. Em síntese, aponta que os jovens optam pela
moradia no campo, mas elegem a cidade como espaço de trabalho. Todavia, mesmo
concebendo as dificuldades e as complexidades da vida no campo, esse jovem que sonha
com o trabalho urbano não despreza ou rejeita o rural. Pelo contrário, os relatos sempre
apontam para uma visão positiva de afetividade com o espaço rural.
Nessa direção, Carneiro (2011) constatou que os jovens do campo interagem com
o rural e com o urbano, representando uma relação contínua campo-cidade que não

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pressupõe necessariamente a eliminação de um dos dois territórios, mas a constituição de
áreas de trânsito e contato entre esses espaços, caracterizando compartilhamento.
Para Queiroz (2011), na sociedade capitalista os conhecimentos são representados
como divisores de classes, nesse sentido, evidencia que a inserção precoce no trabalho do
jovem do campo está associada à classe social.
Por sua vez, Conceição Aparecida Luciano (2013) defendeu a dissertação
intitulada Entre o “cá e o lá”: Educação e trabalho na vida dos jovens migrantes do Alto
Jequitinhonha, MG, na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Em sua pesquisa
a autora analisa a relação entre trabalho e educação na vida de jovens rurais no Vale do
Jequitinhonha, jovens esses que convivem com uma realidade de migração sazonal que
periodicamente os fazem viajar ao interior de São Paulo para trabalharem
temporariamente em usinas de produção açucareira e de álcool e após algum tempo
retornam ao Jequitinhonha. Segundo a autora, esses jovens fazem parte de um contingente
de reserva de mão de obra, além disso, revela que os jovens rurais migrantes não incluem
a escola em seus projetos profissionais para o futuro, tampouco, percebem a terra como uma
possibilidade de ascensão ou simplesmente de sobrevivência. Vale ressaltar que, o estudo
aponta que mesmo os jovens migrantes relatando o sofrimento que a usina canavieira
representa, esses carregam a ideia de que as possibilidades de renda e de futuro são
maiores do que a própria dedicação às atividades na roça.
No período de 2015 a 2016 tem-se apenas uma dissertação que versa sobre o tema,
a qual trata dos percursos e projetos de vidas das juventudes egressas da escola do campo.
Em sua análise, Sousa (2016) menciona que a formação escolar no campo foi apropriada
por cada aluno de maneira bastante distinta, articulando essa experiência com outras
experiências vividas no campo ou fora dele. Não se pode desprezar, nesse caso, os limites
encontrados por esses jovens na efetivação dos seus projetos, que muitas vezes os levam
a abandonar temporariamente os ofícios agrícolas para buscarem alternativas na cidade,

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apesar da identidade e do vínculo afetivo que continuam nutrindo pelo campo. Muitas das
vezes, essas escolhas que precisam ser imediatas, acabam por confrontar as suas
necessidades com suas convicções e suas reflexões críticas. Para Sousa (2016) a maioria
dos jovens do campo que vão à cidade para buscar trabalho ou lazer, utiliza isso como
uma tática para confrontar a exclusão que frequentemente são vítimas. Muitas vezes,
envoltos no dilema da autonomia financeira, esses jovens buscam em meios urbanos
trabalhos temporários que satisfaçam esses anseios.
Em síntese, os fundamentos destacados possibilitam apontar que, a partir dos
descritores utilizados, as produções acerca do trabalho e educação de jovens do campo
são incipientes no Brasil. Tal fato corrobora com os estudos de Spósito e Tarábola (2017,
p. 6), os quais mencionam que o “balanço dos estudos acadêmicos sobre juventude
realizados entre os anos de 1999 e 2006, em áreas como Educação, Serviço Social,
Sociologia, Ciência Política e Antropologia, indicava-se a incipiência (ou quase ausência)
de estudos fora do eixo urbano”.
Das produções levantadas e mapeadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD), observaram-se que elas revelam um agudo movimento de
migração dos jovens para a cidade, de sua relação com o contexto urbano, e como essa
relação interfere nas suas construções culturais e identitárias, concepções sobre trabalho,
renda, educação escolar, dignidade e principalmente sobre seus projetos para o futuro.
Percebeu-se, também, que a maioria das produções apela para a razão subjetiva e cultiva
as teses da diversidade.
Algumas produções revelam à ausência de políticas públicas efetivas para o jovem
do campo, apontando essa alternativa como possibilidade para o desinteresse do jovem
pela vida e o trabalho no campo, buscando alternativas no urbano. Muito embora algumas
das produções também estabeleçam relação entre as escolhas dos jovens e o modo de

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produção capitalista, quase não se observou efetivamente as questões da luta de classes
no escopo das análises.

Considerações Finais
De modo geral, constatou-se que há um esvaziamento nas produções do debate da
luta de classes na perspectiva do materialismo histórico dialético. Esse esvaziamento
deriva das matrizes teóricas utilizadas, as quais ocultam a essência do debate e contribuem
para a fragmentação do aprofundamento da situação do jovem do campo, e
consequentemente, o impedimento da superação da realidade do trabalho e da educação
do jovem do campo. Não obstante, a situação do trabalho e da educação do jovem do
campo se explica na esfera da reestruturação produtiva, que se faz presente no país desde
a década de 1990, assenta-se na base tecnológica da robótica e da informática, ressoa em
todos os setores da produção, no nível da superestrutura nas teses do fim da centralidade
do trabalho, da formação flexível, da terceirização, das epistemologias relativistas etc.
Nesse sentido, as produções geralmente se ausentam do desvelamento das
contradições, da produção da vida do jovem do campo e do debate da luta de classes, o
que pode ser compreendido como um afastamento do processo de aprofundamento crítico
provocando a fragmentação do conhecimento, ficando na aparência dos fenômenos.

Referências

COSTA, Maria Regina Caetano. O futuro entre o rural e o urbano. Um estudo de caso
sobre a juventude rural do município de Morro Redondo-RS. Tese (Doutorado em
Sistemas de Produção Agrícola Familiar) – Universidade Federal de Pelotas. Pelotas,
2011.

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emancipação humana
CARNEIRO, Aline Cunha de Paula. Representações em movimento: Jovens
estudantes do Batatal, entre o urbano e o rural. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2011.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SPÓSITO, Marília Pontes; TARÁBOLA, Felipe de Souza. Entre luzes e sombras: o
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Universidade Federal do Sergipe. São Cristóvão, 2011.

Autor/a:

Walmor Chagas Fermino de Oliveira


Universidade Estadual de Ponta Grossa / UEPG
e-mail: walmania7@msn.com
Patrícia Correia de Paula Marcoccia
Universidade Estadual de Ponta Grossa / UEPG
e-mail: pa.tyleo12@gmailcom

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
FORMAÇÃO CONTINUADA À LUZ DA PRECARIZAÇÃO DO
TRABALHO: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES

Karina Lane Vianei Ramalho de Sá Furlanete


Silvia Alves dos Santos

Introdução
Apresentamos neste trabalho discussões iniciais a respeito da formação
continuada como possível instrumento de precarização do trabalho docente, as
características dessa modalidade de formação que poderiam levar à precarização e os
problemas decorrentes desse modelo, tanto na atividade docente – como trabalho – quanto
no papel social da escola. O levantamento de dados abordado aqui foi realizado por meio
de entrevistas individuais, semi-estruturadas com professores do quadro próprio do
magistério da rede básica de educação do estado do Paraná que voluntariamente
participaram da pesquisa. Os critérios para seleção desses professores levaram em
consideração o tempo de docência, bem como o regime de trabalho (40 horas semanais e
readaptados). Para o início das atividades de pesquisa foram selecionados oito professores
de diferentes áreas do conhecimento. Esse número ainda inicial, dadas as condições de
coleta de dados no período dos trabalhos do grupo de pesquisa, foram suficientes para
uma análise prévia das condições de trabalho na educação básica. Os depoimentos
contaram com o termo de consentimento livre e esclarecido por parte dos professores
participantes, de modo a não acarretar nenhum prejuízo ou desconforto quanto à
identidade dos sujeitos. Os dados coletados foram analisados à luz do materialismo
histórico dialético.
A proposta apresentada aqui faz parte de um projeto de pesquisa maior
desenvolvido na Universidade Estadual de Londrina, cujo título se apresenta como
“Trabalho Docente na Universidade Pública: Uma Análise Sobre a Precarização Do

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emancipação humana
Trabalho”. Essa pesquisa tem como objetivo analisar a categoria precarização do trabalho
docente no cotidiano das universidades públicas do Paraná. No entanto, como nesse
projeto participam professores da Educação Básica da rede pública do Paraná, sentimos
necessidade de conhecer e analisar o elemento da precarização e como este se concretiza
para professores desse nível de ensino. Nesse projeto é abordada a precarização nas
condições de trabalho decorrentes do modo de organização capitalista nas relações entre
o mundo do trabalho e as contradições na formação dos sujeitos.

Mudanças no mundo do trabalho e os impactos na ação docente


Adotamos aqui o conceito de precarização do trabalho definido por Alves (2011).
O autor entende a precarização do trabalho nos dias atuais como uma ideia mais complexa
que a desconstrução das relações salariais ocorrida no capitalismo do pós-guerra.
Segundo o autor, a precarização nos dias atuais atinge não apenas a força de trabalho
como mercadoria mas, de forma mais complexa, implica na desefetivação do homem
como ser genérico (ALVES, 2011 p. 1-2). Nesse sentido há uma alteração na dinâmica
de troca metabólica entre os espaço-tempo de vida e o espaço-tempo de trabalho
resultante de um aumento extraordinário da jornada de trabalho. De acordo com o autor,
a consequência deste desequilíbrio é a impossibilidade da formação de sujeitos humano-
genéricos e o aprofundamento da auto-alienação do homem que trabalha (ALVES, 2011
p. 1-2).
Alguns dos mecanismos de desefetivação do homem como ser genérico,
decorrente da precarização do trabalho, são a flexibilidade, a vida reduzida e a dinâmica
da troca metabólica entre os espaço-tempo de vida e espaço-tempo de trabalho (ALVES,
2011 p. 3). Quanto mais trabalha, quanto mais precisa lutar por sua existência e pela
fruição consumista desenfreada, menos o sujeito tem possibilidade de se desenvolver
como ser humano em sua generalidade. De maneira que a “vida reduzida” é antípoda à

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emancipação humana
“vida plena de sentido” que o homem que trabalha é incapaz de ter no sistema social do
capital (ALVES, 2011 p. 7). A flexibilidade e a inversão dinâmica da troca metabólica
entre os espaço-tempo de vida e espaço-tempo de trabalho alteram a relação do sujeito
com o trabalho, e leva à redução da vida pessoal à mero trabalho assalariado (ALVES
2011, p. 2; 21). A ideia de trabalho é reduzida a ideia de emprego – trabalho alienado –
também limitando o desenvolvimento pleno dos indivíduos (MARTINS 2010, p. 14-15).
Segundo Marx (2010, p. 80-81), no modo de produção capitalista, “a efetivação
do trabalho tanto aparece como desefetivação que o trabalhador é desefetivado até morrer
de fome”. Quando mais luta por sua existência, menos acesso o trabalhador tem ao
próprio produto de seu trabalho. No caso da docência, à possibilidade de sua
humanização.
Saviani (2013, p. 13), define o trabalho educativo como o ato de “produzir, direta
e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica
e coletivamente pelo conjunto dos homens”. Ou seja, é função social da escola a formação
omnilateral (SAVIANI 2011, p. 10), a formação do sujeito em sua generalidade. Segundo
Marx (2010, p. 84) o homem faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade e de sua
consciência, tem atividade vital consciente. Como homem genérico ele produz
universalmente e só produz na sua liberdade, livre de suas carências físicas imediatas.
Diante das considerações feitas a respeito do novo metabolismo do trabalho, dos
mecanismos de precarização, da desefetivação do homem que trabalha e da
impossibilidade do homem atingir sua generalidade – dado o contexto do trabalho no
modo de produção capitalista atual, cabe investigar como a escola cumpre sua função
social de humanização dos indivíduos. Como se constrói uma escola unitária (SAVIANI,
2011 p. 9), considerando que o docente – como trabalhador – sofre e está inserido no
contexto atual de precarização, auto-alienação e desefetivação em sua generalidade.

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emancipação humana
Formação continuada dos professores da rede básica de educação e a precarização
do trabalho: percepção dos professores
Assunção & Oliveira (2009) discutem as características e consequências da
intensificação do trabalho a partir das reformas educacionais da década de 1990. Segundo
as autoras, a categoria trabalho docente deve ser entendida de forma ampla, abarcando
tanto os sujeitos nas suas complexas dimensões, experiências e identidades quanto as
condições em que as atividades são realizadas no ambiente escolar (ASSUNÇÃO &
OLIVEIRA, 2009 p. 353). Entendemos que a análise da percepção dos professores a
respeito da formação continuada precisa estar vinculada à essa ideia ampla de trabalho
docente, pois é um dos complexos elementos que compõem o cotidiano docente.
Sem perder de perspectiva o trabalho docente como categoria complexa,
discutimos aqui os possíveis aspectos da formação continuada que poderiam contribuir
para a precarização do trabalho docente em dois pontos principais: a percepção dos
professores acerca dos conteúdos das formações e do tempo das formações. O tempo
relacionado tanto à questão da carga horária semanal – o quanto a formação excede a
carga horária semanal de trabalho, e também em relação ao tempo necessário ao longo do
ano (ou ao longo dos anos) para a realização de uma formação considerada adequada.
Considerando os conteúdos das formações continuadas, evidenciou-se uma
postura bastante crítica por parte dos professores, embora sem muita clareza a respeito de
uma definição específica sobre como essa formação deva ser. Essa falta de clareza a
respeito do papel da formação continuada é relatada também na literatura. Segundo Gatti
(2008, p. 57), não há consenso na literatura a respeito da definição de formação
continuada, tendo o termo diversos significados. A autora cita algumas ideias associadas
(formal ou informalmente) à formação continuada: a ideia de aprofundamento e
ampliação de conhecimento; a de programa compensatório para suprir deficiências da
formação inicial; a de fornecer titulação adequada a professores que já exercem a

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emancipação humana
profissão; dentre outras (GATTI, 2008, p. 58-59). Observamos ainda que, se por um lado
não foi possível evidenciar uma ideia clara do que deveria ser a formação, por outro há
bastante clareza de que a formação que existe não supre as necessidades – por mais
divergentes que sejam – dos professores:
Normalmente essa formação é fornecida pela SEED ela vem
descontextualizada e sem aplicação na sua aula, não tem utilidade,
a gente vem porque [é] obrigado, […], eles poderiam muito mais
disponibilizar esse tempo para o professor correr atrás de um outro
curso, do que ficar forçando o professor a fazer a vir fazer um curso que
é totalmente inútil […]. (PROFESSOR 8).
“Porque essas formações, esses cursos de formação aligeirados ai,
que tem ai, eles dão muito pouca base para o professor. Não serve
para dizer que é um curso de formação. Eu acho que não serve e na
maioria das vezes eles vem da SEED toda aquela, aquele calhamaço de
textos e orientações para você seguir que não é a realidade da tua
escola.” (PROFESSORA 4).
[…] Os materiais são feitos para operário… Eles são péssimos.
(PROFESSORA 2).

Vale trazer aqui Martins (2010, p. 19) que resume de forma bastante clara o que é
lido recorrentemente na literatura a respeito da formação de professores quando diz que
“[…] Como nunca, a importância da formação inicial e contínua desse profissional é
conclamada e, como nunca, também, tão esvaziada de sua função […].” Conclamada
como mercadoria e esvaziada em relação ao “descarte da teoria, da objetividade e da
racionalidade expressos na desqualificação dos conhecimentos clássicos, universais, e
em concepções negativas sobre o ato de ensinar.” [grifos no original]. Observamos nas
falas dos professores o conflito entre a necessidade de formações mais sólidas e a
necessidade de preencher os espaços das formações com discussões de logística e
cotidiano da escola, esvaziando esses momentos.
De acordo com Dourado (2007, p. 925), há uma marca histórica de
descontinuidade e de organização de política de Estado nos processos de gestão e políticas
educacionais no Brasil. De acordo com o autor, existe uma carência de planejamento de

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emancipação humana
longo prazo e o que se observa são políticas conjunturais de governo que favorecem ações
desarticuladas nos campos da gestão e organização, formação inicial e continuada,
estrutura curricular e processos de participação. Na fala dos professores essa marca
histórica da descontinuidade é observada com bastante clareza e lucidez:
Não, tem épocas que melhora, tem épocas que piora, depende do
governo que entra. Porque toda vez que entra um governo ele joga
tudo que era do outro – seja bom ou ruim – ele joga fora e recomeça.
E é isso ai que eu falo que deveria ter um plano a longo prazo que se
cumprisse esse plano independente da política do momento ali, né [...].
(PROFESSORA 4).
[…] eu não vejo a formação do estado como uma formação, […] cada
governo chega e desmonta tudo que tá sendo pensando, não tem
continuidade [...]. Essa não continuidade ela é proposital, […]. O
governo fala em fevereiro sobre direitos humanos e em julho ele
chega e fala sobre a escola técnica, sobre equipamentos eletrônicos,
sobre outra realidade, é tudo muito pontual, vamos falar sobre isso
agora. [...] sempre recomeçando, recomeçando, sem se aprofunda,
a gente sempre fica na superfície. (PROFESSOR 1).

Em Furlanete & Santos (2017), levantamos a possibilidade de encontrar na


formação continuada a alteração na dinâmica de troca metabólica entre os espaço-tempo
de vida e o espaço-tempo de trabalho descrita por Alves (2011, p. 2). Tal questionamento
nasce da percepção de que, dada como está hoje, a formação continuada, que deveria ser
parte do espaço-tempo de trabalho, avança no espaço-tempo de vida, já que não é
oferecida em quantidade e qualidade pelo Estado durante a jornada de trabalho e ainda
com o agravante de a carga horária docente por vezes chegar a 60 horas de trabalho
semanais (FURLANETE & SANTOS, 2017).
Embora os relatos evidenciem esse avanço da formação continuada no espaço-
tempo de vida, não há na percepção dos professores o reconhecimento de que a formação
continuada some com o conjunto dos mecanismos que precarizam seu trabalho. É
possível que a intensificação do trabalho seja tão ampla que a percepção dos professores
esteja voltada para os mecanismos de precarização mais evidentes – tais como a baixa

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emancipação humana
remuneração, jornada de trabalho, falta de estrutura – e desconsidere os mais sutis como
a carga horária da formação continuada.
[…] mandam no e-mail curso lá [da universidade local], eu me interesso
pelo assunto, mas tá dentro da minha hora. Esses aí tá dentro da minha
hora de aula. Se pelo menos eu pudesse ser dispensada, falar nossa será
que alguém podia ficar para eu poder ir nesse curso que me interessou
na universidade estadual. São temas que me interessam para eu crescer
profissionalmente. Aí tá dentro das quarenta horas que eu trabalho, às
vezes eu tenho vontade e não posso ir, como é também que eu vou
deixar meu trabalho pra ir lá no curso, não é a noite. Então é difícil
vencer esses cursos. Já fiz grupo de estudos no sábado, do EJA,
afrodescendentes, fiz esses cursos de sábado, grupo de estudos,
cresci. O material, até gostei do material. (PROFESSORA 5).

Concordamos com Masson (2017, p. 859), quando a autora descreve a importância


da formação continuada como um dos requisitos para o fortalecimento e permanência na
carreira docente. Mas observamos tanto na literatura quanto na percepção dos professores
que, com raras exceções, a formação continuada na educação básica do estado do Paraná
está consideravelmente afastada desse propósito.
A discussão a respeito das relações da formação continuada com a precarização
do trabalho aliada à percepção que os professores tem sobre essa formação mostrou-se
bastante complexa e precisa ser ampliada e aprofundada. Tal discussão relaciona-se com
inúmeros outros aspectos da percepção dos professores a respeito da formação continuada
e da própria carreira.
Um bom exemplo da necessidade de ampliar essa investigação é a percepção
observada na fala dos professores a respeito de sua intervenção nas formações
continuadas. Mesmo não havendo consenso ou clareza do papel da formação continuada
na carreira docente – todos os professores entrevistados sentem a necessidade de intervir
(de participar na elaboração) nas formações continuadas em todos os seus aspectos. Todos
opinaram a respeito de possíveis formas e de que os professores dos estabelecimentos de
ensino, havendo carga horária adequada para isso, tem plena condição de elaborar

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emancipação humana
formações que possam atender de forma mais adequada as suas demandas. Destacamos a
fala abaixo que sintetiza o pensamento dos professores entrevistados:
[…] nós temos que fazer formação nesse sentido, usar o espaço que o
estado dá e fazer formação que nos interessa via as instituições de
ensino superior que temos na região e ver os nossos professores
qualificados que nós temos professores com alta qualificação na
escola, não vejo a formação do estado como uma formação que dá e
que possa emancipar de alguma forma o professor, [...] (PROFESSOR
1).

Considerações Finais
Embora já exista na literatura uma série de trabalhos que abordem as políticas de
formação continuada no estado do Paraná e também trabalhos que discutem
aprofundadamente a precarização do trabalho docente na educação básica (OLIVEIRA,
2004 & 2005) a abordagem conjunta dos temas merece aprofundamento. Nos trabalhos
sobre as políticas de formação continuada há indícios de que diferentes modelos podem
ser entendidos como mecanismos de precarização do trabalho, mas esse aspecto não é
abordado de forma direta e desenvolvido com profundidade.
Ainda que numa análise breve, foi possível observar aspectos descritos pelos
professores como mecanismos que contribuem para um quadro – já bastante amplo e
agravado – de precarização do trabalho. O relato dos professores dão subsídios para as
ideias apresentadas em Furlanete & Santos (2017) e apontam para a necessidade de
continuar as investigações nessa direção. Observamos também que, se por um lado os
relatos corroboram a ideia de conexão – na atual conjuntura desde as reformas de 1990 –
entre formação continuada e precarização do trabalho docente, por outro lado não há
evidências nas falas de que os professores tenham clareza dessa conexão. Abrimos aqui
também margem para aprofundar nossas investigações.
Por fim, embora não haja consenso sobre a forma que deve assumir um projeto de
formação continuada, constatamos que os professores sentem – em maior ou menor grau

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
– que são capazes de tomar a frente de sua formação durante a carreira. Há clareza de que
a rede de ensino possui professores capazes de, com adequadas condições de trabalho,
gerenciar e ofertar formações continuadas de qualidade superior às da Secretaria de
Educação do Paraná. Essa postura dos professores nos lembra que no sistema de produção
capitalista, se por um lado há uma série de mecanismos de manutenção para sua
perpetuação, por outro há também uma série de contradições no seu funcionamento. Essas
contradições são importantes para seu combate e como possibilidade de transformação.
Nas contradições estão as brechas para as transformações. Compreender a essência do
funcionamento de determinada estrutura – no caso, a formação continuada, possibilita o
acesso às suas contradições e pode abrir caminhos para transformações.

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Autoras:
Karina Lane Vianei Ramalho de Sá Furlanete
Professora da rede básica da Secretaria de Estado da Educação do Paraná
e-mail: klfurlanete@gmail.com
Silvia Alves dos Santos
Professora de Políticas e Gestão da Educação no Departamento de Educação da
Universidade Estadual de Londrina
e-mail: sillalves@uel.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
EDUCAÇÃO PARA AS CLASSES POPULARES: POSSIBILIDADES
E AVANÇOS NA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NO
PERÍODO DE 2007 A 2016 –ANÁLISE PRELIMINAR

Edna G. M. Mocellin
André Paulo Castanha

Introdução
Esta pesquisa tem como objeto de investigação as contribuições do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE) para a qualificação da aprendizagem e da formação
humana em escolas para as classes populares, no Estado do Paraná. O objetivo é analisar
a forma como o PDE, programa que se constituiu como política pública de formação
continuada no Estado, instituído na rede oficial de ensino, tem contribuído, a partir da
prática pedagógica dos envolvidos, na qualificação das escolas para as classes populares.
Entender como se configurou, enquanto política pública e sua significação, os resultados
obtidos após sua implementação, no sentido da qualificação das escolas para as classes
populares, também se faz necessário.
No contexto atual, de desgovernos e políticas educacionais equivocadas e
excludentes, tem-se como objeto de reflexão uma escola pública situada em área
periférica da cidade de Francisco Beltrão, no bairro Padre Ulrico, o Colégio Estadual Léo
Flach. Colégio que acolhe os filhos da classe operária, em que os alunos refletem a
estrutura da sociedade, sob o grau de abandono e marginalidade a que são submetidas as
famílias dessa comunidade de aproximadamente 10 mil habitantes.
Por conseguinte, esses alunos são os mais desiguais dos desiguais que chegam às
escolas populares. Quanto mais as desigualdades ficam expostas até no sistema escolar,
maiores as tentativas das políticas sócio-educativas de ocultá-las. Nesse quadro, o que
preocupa como questão social no Estado e suas políticas educativas são as reações das

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
vítimas, inclusive crianças, adolescentes e jovens, a essa massificação da pobreza e das
desigualdades, tanto nos campos como nas periferias urbanas (ARROYO, 2010).
No Estado do Paraná, a partir de 2003, sob nova gestão, iniciou-se um processo
de reestruturação da escola pública desencadeando um conjunto de ações voltadas aos
docentes da rede pública. O PDE configurou-se como uma política para educação
diferenciada, culminando numa política pública de formação continuada.
O PDE tem por finalidade “[...] proporcionar aos professores da rede pública
subsídios teóricos e metodológicos para o desenvolvimento de ações educacionais
sistematizadas e que resultem no redimensionamento de sua prática” (PARANÁ. PDE).
Para alcançar esses objetivos, a Secretaria Estadual de Educação (SEED) passou
a organizar diversos cursos de capacitação de professores e a produzir materiais didáticos
direcionados a partir dos pressupostos teórico-metodológicos embasado na Pedagogia
Histórico-Crítica, com o objetivo de reestruturar o ensino fundamental e médio e superar
a concepção tecnicista de educação.
Gramsci confere papel central ao corpo docente na escola, pois entende que
“na escola, o nexo instrução–educação só pode ser representado pelo trabalho vivo do
professor, pois o professor tem consciência dos contrastes entre o tipo de sociedade e de
cultura que ele representa e o tipo de sociedade representado pelos alunos” (2004, p. 44).
Destaca ainda, que com um corpo docente deficiente afrouxa-se a ligação entre instrução
e educação e o ensino degenera em mera retórica que exalta a educabilidade do ser
humano em contraste com um trabalho escolar esvaziado de qualquer seriedade
pedagógica (2004, p. 44).
Algumas questões são suscitadas diante do tema desta pesquisa: A formação pelo
programa, muda a prática docente no contexto da escola? O PDE se caracteriza como um
programa em potencial na formação continuada de professores? Qual racionalidade de
formação respalda o PDE? Os professores que participaram do programa

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redimensionaram de fato sua prática no sentido de melhoria no acesso ao conhecimento
científico aos alunos das classes populares? Como esses professores atuam nas escolas
pós-participação no PDE tendo em vista esses alunos? Como esses saberes estão sendo
efetivados na escola? Esperamos, ao final do estudo respondê-las.
O presente estudo, ainda se apresenta de forma preliminar, por isso está respaldado
em pesquisa bibliográfica, procurando compreender os fundamentos teóricos e
metodológicos que embasam a educação pública de base popular, necessário para a
emancipação das classes populares.

Materialismo e Dialética
Pesquisar cientificamente sobre o programa de formação de professores do Estado
do Paraná, o PDE, pressupõe, antes de tudo assumir um compromisso de investigação dos
processos educacionais ocorridos no Estado nesse período, bem como a implementação
e a continuidade dessas práticas nas escolas públicas, no caso dessa pesquisa, nas escolas
públicas para as classes populares.
Pesquisar é buscar sentido, construir conhecimento, mas, sobretudo, é
comprometer-se com a transformação. Nesse sentido, o estudo seguirá a linha do
materialismo histórico-dialético, pois, o método dialético de construção do conhecimento
representa a postura de compreender os conteúdos escolares em uma totalidade dinâmica,
tendo como ponto de partida a realidade social ampla (GASPARIN, 2003). Portanto, a
dialética materialista, além de ser uma concepção ontológica de mundo, pode ser
considerada também um método, sendo sua principal característica a apreensão radical
da realidade.
A realidade sobre a qual a concepção materialista se debruça traz consigo todas
suas contradições, conflitos e transformações evidenciando que as ideias são, de fato,

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reflexos do mundo exterior e objetivo vivenciado pelos sujeitos e, por isso, as ideias
independem do pensamento, são representações do real.
Dessa forma, uma primeira consideração a ser feita ao pesquisar a formação de
professores numa perspectiva materialista histórica, diz respeito à análise da realidade
concreta e a necessidade de sua transformação. A compreensão do real se efetiva ao
atingir, pelo pensamento, um conjunto amplo de relações, particularidades, detalhes que
são captados numa totalidade. Marx aponta que é necessário partir do real, do concreto,
da visão caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma
análise, chegar a conceitos cada vez mais simples. “O concreto é concreto por ser a síntese
de múltiplas determinações, logo unidade da diversidade” (MARX, 1982, p.218).
Na pesquisa, o método não pode servir para fazer com que a realidade se encaixe
nele como uma camisa de força que permite apenas alguns movimentos controlados, pelo
contrário, tem o papel de dar sentido e validade explicativa ao objeto da pesquisa. A opção
por uma concepção metodológica demonstra a posição do pesquisador diante da
realidade, e sua pesquisa revelará uma determinada visão de mundo e os elementos que
contribuirão para a legitimação ou transformação do real.
A educação é vista como uma prática nas formações sociais e resulta de suas
determinações econômicas, sociais e políticas, também é espaço da reprodução das
contradições que dinamizam as mudanças e possibilitam a gestação de novas formações
sociais. Nesse sentido, a lógica dialética trabalha com o contraditório onde, a contradição
consiste sempre em uma relação de antagônicos que produz algo novo.
Portanto, trabalhar diretamente com a manifestação do fenômeno, é justamente
operar com a inversão da realidade, ou em sua base ideológica. Ideologia na perspectiva
marxiana refere-se essencialmente ao conjunto de ideias da classe dominante formuladas
para manter sua hegemonia

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As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias
dominantes; ou seja, a classe que é a força material dominante da
sociedade é, ao mesmo tempo sua força espiritual dominante. A classe
que dispõe dos meios de produção material dispõe também dos meios
de produção espiritual, o que faz com que sejam a elas submetidas, ao
mesmo tempo, as ideias daqueles que não possuem os meios de
produção espiritual. As ideias dominantes, são, pois, nada mais que a
expressão ideal das relações materiais dominantes, são essas as relações
materiais dominantes compreendidas sob a forma de ideias; são,
portanto, a manifestação das relações que transformam uma classe em
classe dominante; são, dessa forma, as ideias de sua dominação
(MARX, ENGELS, 2010, p.78).

Assim, se torna necessária a compreensão de que os pensamentos, desejos e


interesses manifestado pela nossa sociedade podem provir, em determinado momento, do
interesse da classe dominante, propagado em forma de ideologia.
Diante do exposto até aqui, o materialismo histórico será mantido como
metodologia para esta pesquisa, ressaltando a importância de que as discussões,
abordagens, questionamentos, e formas investigativas sejam feitas de forma subordinada
a sua temática central, ou seja, na perspectiva da luta de classes como motor da história e
na busca da emancipação humana.

A Educação na Sociedade de Classes


A história de todas as sociedades até nossos dias é a história da luta de classes
(MARX, ENGELS, 2009, p.23).
A educação é uma atividade especificamente humana e faz parte do processo
histórico, determinado pelas relações estabelecidas na sociedade.
Nesse sentido entende-se que, ao longo do processo histórico, tanto a história
como a educação passaram por significativas transformações. E para tanto, as mudanças
ocorridas na sociedade não se constituíram em um fenômeno natural da humanidade, foi
mudando ao longo do tempo e deu origem às classes sociais devido à apropriação privada

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da terra e começou a se formar a classe dos proprietários que não só garantia sua
sobrevivência como acumulava riquezas por meio da exploração da força de trabalho da
classe dos não-proprietários. A educação escolar enquanto instituição nasce com as
classes sociais, e segue na sociedade em transformação, acentuando os efeitos
excludentes da divisão do trabalho.
A sociedade burguesa moderna, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu
os antagonismos de classes. Nada mais fez que substituir as antigas por novas classes, por
novas condições de opressão, por novas formas de luta (MARX, ENGELS, 2007, p.48)
assim, a sociedade se divide em duas grandes classes em confronto: a burguesia e o
proletariado.
Consequentemente, a escola como instituição necessária para o desenvolvimento
do modo de produção capitalista, apontou para a divisão entre os tipos de aprendizagens
e reforçou as diferenças entre os indivíduos. Com o advento e o desenvolvimento da
máquina, as forças produtivas materiais introduziram a necessidade de cooptação da força
de trabalho levando a escola a se adaptar ao modo de produção, consolidando
definitivamente o sistema escolar institucionalizado. A educação escolar, ao ser entendida
como instituição reprodutora, constituiu-se necessária à legitimação das diferenças de
classes, transformou-se e adaptou-se de acordo com a organização da sociedade
(MIRANDOLA, 2014, p.17-18).
Vivemos no modo de produção capitalista, e em consequência disso, a educação,
submetendo‐ se às determinações da base material, no geral, corresponde às relações
dominantes de cada momento e acaba contribuindo para a reprodução da sociedade
vigente, pois, como destaca Karl Marx (2008), na produção social de sua vida, os homens
contraem determinadas relações de produção necessárias e independentes da sua vontade,
relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das
forças produtivas materiais. Neste sentido, a educação tende a refletir a sociedade que a

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emancipação humana
produz, pois, expressa o nível de compreensão dos que a fazem, permitida pela sociedade
de cada época, de acordo com a etapa de desenvolvimento e das relações sociais.
Essa pesquisa propõe o reconhecimento dos sujeitos envolvidos no processo como
seres históricos, dotados de características culturais diversas, que devem ser respeitadas
e valorizadas. Portanto, a partir desse entendimento, a proposta deste estudo é buscar
entender como se processou esse movimento de formação continuada dentro de uma
escola pública, periférica, para as classes populares.
Ao falar de classes populares precisamos conceituar educação popular, pensando
nela como instrumento de transformação do indivíduo, do grupo e do contexto em que se
insere, trazendo a educação como uma alternativa de educação para a consciência, na qual
os educandos se revestem de seu contexto e transformam a aprendizagem e o
conhecimento em elementos políticos imprescindíveis para a transformação de si mesmos
e do mundo.
Numa breve contextualização histórica, demonstraremos aqui alguns pontos sobre
o surgimento da educação popular. A educação popular nasceu na América Latina, a partir
da luta das classes populares, tendo como principal referência Paulo Freire, com uma
concepção libertadora de educação. Segundo Gadotti (1998, p. 1), a educação popular
passou por vários momentos epistemológicos e organizativos, sendo três em especial: o
primeiro entre a década de 1950 e 1960, marcado pela busca da conscientização; o
segundo nas décadas de 1970 e 1980, defesa pela escola pública popular e comunitária –
mais focada na educação dos adultos; e o terceiro foi a proposta da escola cidadã, baseada
na autonomia do sujeito, na sua cidadania construída por meio da práxis.
Na década de 1950, a educação popular era entendida principalmente como
educação de base, como desenvolvimento comunitário, foi quando emergiu o pensamento
de Paulo Freire.

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Em 1961 surgiu um movimento viabilizado pelo próprio estado, que se chamava
Movimento de Educação de Base (MEB), que consistia num programa governamental de
educação, criado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, onde, na sequência,
Paulo Freire transformou o caráter apenas alfabetizador da educação popular,
incorporando às práticas pedagógica vigentes a conscientização como forma de receber
uma educação libertadora.
Com o golpe militar de 1964, os programas de alfabetização e educação popular
passaram a ser vistos como ameaças. Em 1967 foi lançado o Movimento Brasileiro de
Alfabetização - MOBRAL, programa de alfabetização de adultos assumido pelo governo
militar.
Na década de 1980, o país passou por um processo de redemocratização política,
e as expressões de educação popular passaram a ser discutidas com outras denominações,
tais como: Escola Pública Popular, Escola Pública Popular Autônoma e Escola Cidadã.
Na década de 1990, uma nova conjuntura político-social se anunciava e a educação
popular desviou o seu foco das questões estritamente políticas e buscava destacar o direito
e a necessidade dos sujeitos a ter acesso ao conhecimento a fim de se instrumentalizarem
para enfrentar as demandas dessa nova ordem global.
O autor Melo Neto Conceitua Educação Popular da seguinte forma:
É um sistema educativo aberto, caracterizado por um conjunto de
elementos teóricos que fundamentam ações educativas, relacionados
entre si, ordenados segundo princípios e experiências [...] um sistema
que na sua visão forma um todo, uma unidade, alicerçada por uma
filosofia com uma teoria de conhecimento, metodologias da produção
desse conhecimento, com conteúdos e técnicas de avaliação, sustentado
por uma base política (MELO NETO, 1999, p.68-69).

No conjunto de suas reflexões, Paulo Freire postulou alguns princípios da


educação popular na transformação da realidade opressora, no reconhecimento,
valorização e emancipação dos diversos sujeitos individuais e coletivos. A

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conscientização aparece como um princípio fundamental, a prática e a reflexão sobre a
pratica (ação-reflexão-ação) formam a categoria de organização da educação popular e
são elementos básicos para a transformação.
Estudos apontam que o lugar estratégico que funda a Educação Popular é o dos
movimentos e centros de cultura popular
O que tornou historicamente possível a emergência da Educação
Popular foi a conjunção entre períodos de governos populistas, a
produção acelerada de uma intelectualidade estudantil, universitária,
religiosa e partidariamente militante, e a conquista de espaços de novas
formas de organização das classes populares (BRANDÃO, 2010, p.46).

No âmbito escolar a Educação Popular toma um caráter menos definido, permeado


pelo caráter estatal ou privado, mas que se reveste da mesma militância que se agrega aos
movimentos populares e seu caráter ideológico. Nesse sentido então, está mais ligada à
gestão democrática da escola e as práticas pedagógicas do que ao campo dos movimentos.
A cultura popular é sempre o ponto de partida de qualquer prática de educação
popular e a participação do educador neste processo vem num sentido emancipatório,
buscando transformar o sujeito de mero agente econômico em agente político. Os
movimentos sociais e populares trouxeram, no bojo de suas construções, uma concepção
nova de educação pública: a escola pública popular. Educação pública é hoje concebida
como direito humano, construída com a participação política, ativa e consciente, portanto,
realizada por meio da práxis (GADOTTI, 1994).
Gadotti (1994), enfatizou que Gramsci foi quem melhor desenhou o projeto de
uma escola unitária e democrática que hoje se insurge nas concepções de escola popular
ou escola cidadã que supere a dicotomia entre teoria e pratica, entre saber e consciência,
entre o ato de aprender e o ato de ensinar, entre conhecimento conhecido e conhecimento
novo, entre o saber popular e o saber erudito, entre a formação escolar e a não-escolar,
que são as dicotomias da escola burguesa.

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Nessa concepção dialética e popular, o saber adquirido na escola é significante,
não se encerra em si mesmo, mas torna-se ferramenta para o enfrentamento das questões
imprescindíveis das classes populares. É um instrumento de luta.

Professores e a Educação Popular


A formação continuada é concebida para Paulo Freire, como um processo
contínuo e permanente de desenvolvimento profissional do professor.
No dizer de Freire, o saber que funda a prática docente crítica, é aquela que
envolve “o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (1996,
p.42-43). É nesse sentido que ele afirma a importância da curiosidade ingênua, que é
através dela que a reflexão vai se tornando crítica, e se torna “curiosidade epistemológica”
(1996, p.44).
Nesta direção, é preciso defender um processo de formação de professores em que
as escolas sejam concebidas como uma instituição essencial para o desenvolvimento de
uma democracia crítica e também para a defesa dos professores como intelectuais que
combinam a reflexão e a prática, a serviço da educação dos estudantes para que sejam
cidadãos reflexivos e ativos (GIROUX, 1997).
Para tanto, é possível observar a importância dos professores para a oferta de uma
educação de qualidade, entendendo que “a formação inicial e continuada, os planos de
carreira, as condições de trabalho e a valorização desses profissionais, entre outros
aspectos, ainda são desafios para as políticas educacionais no Brasil” (GATTI,
BARRETO e ANDRÉ, p.11). Diante das mudanças ocasionadas no sistema escolar, com
a abertura da escola às massas, os resultados do processo educativo são centralizados
apenas nos professores, e isso ocorre a partir da década de 1990, haja vista ser esse
profissional o condutor do processo educacional, e cabendo a ele a responsabilização pela
melhoria do ensino e, consequentemente dos seus índices (POSSI, 2012, p.22).

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Saviani em suas análises sobre a função da educação na sociedade, destaca que, a
escola possuía nas suas origens uma função de equalizadora, mas que atualmente se torna
cada vez mais discriminadora e repressiva, pontuando que todas as reformas escolares
fracassaram, tornando cada vez mais evidente o papel que a escola desempenha que é “o
de reproduzir a sociedade de classes e reforçar o modo de produção capitalista”
(SAVIANI, 2012, p.16).

Considerações Finais
A educação popular e os movimentos sociais apresentam um elemento comum
que torna seus objetivos próximos: o fato de trabalharem com populações tidas como
carentes e marginalizadas da sociedade. Segundo Gonh, (2001), os movimentos sociais
populares são formas renovadas de educação popular e muitos dos princípios e
fundamentos de um estão baseados na prática do outro, como a perspectiva da construção
de uma consciência de classe.
Diante disso, faz-se necessário que a escola assuma a tarefa transformadora que
lhe é cabida, atuando no sentido de reconverter o seu próprio conteúdo cultural, não mais
servindo às classes hegemônicas, mas trazendo para si o papel libertador e emancipatório
que se insurge diante de um mundo onde a desigualdade é a razão da desordem e a
cidadania é conquistada apenas pelos poucos que alcançam os privilégios. A
transformação da escola, requer uma transformação das práticas escolares, das quais
somos agentes.
Dessa forma, construir uma escola pública popular é ampliar as aspirações
educacionais populares aliadas a reorientação política do nosso país, é adotar para a
educação escolar um currículo pensado na população. É fazer uma escola que “estimula
o aluno a perguntar, a criticar, a criar, onde se propõe a construção do conhecimento

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coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediado pelas
experiências no mundo” (FREIRE,1991, p. 43).
Nesse sentido, o estudo em desenvolvimento sobre a implementação do PDE em
comunidade periférica que atende às classes populares, vem no intuito de situar os
profissionais que fazem parte desse processo no sentido de que os mesmos deem a esses
alunos condições de conhecer e reconhecer sua história e a realidade em que vivem.
É dentro deste quadro que estamos desenvolvendo a pesquisa, procurando captar
as transformações ocorridas no Estado do Paraná, mais especificamente a partir da
implementação de novas políticas públicas de educação e de formação continuada de
professores, no caso o programa PDE, para verificar a perspectiva da escola pública para
as classes populares.

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GATTI, Bernardete Angelina, BARRETTO, Elba Siqueira de Sá, ANDRÉ, Marli.
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GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da


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1960 e 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual do Oeste do
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Educação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, 2012.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 42 ed. – Campinas. São Paulo: Autores


Associados, 2012.

Autor/a:

Edna G. M. Mocellin
Mestranda em Educação pela Unioeste – Campus de Francisco Beltrão – PR.
e-mail: ednamocellin@gmail.com
André Paulo Castanha
Doutor em Educação pela UFSCar e Pós-doutor na área de Filosofia e História da
Educação pela UNICAMP.
Professor do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Educação da UNIOESTE –
Campus de Francisco Beltrão – PR.
Membro do Grupo de Pesquisa: História, Sociedade e Educação no Brasil – HISTEDBR
– GT local do HISTEDBR.
e-mail: andrecastanha66@gmail.com

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LUTAS DE CLASSES NA EDUCAÇÃO: um estudo da atuação do
capital na educação do campo

Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo


Introdução
O momento histórico em que se configura a educação do campo no Brasil é de
profundas contradições e disputas de modelos de desenvolvimento do campo brasileiro,
e conseqüentemente do projeto de educação a ser desenvolvido no campo, bem como a
formação do ser social, configurando assim a luta das classes organizadas no campo. De
um lado os trabalhadores organizados em movimentos sociais continuam a luta por uma
educação do campo que atendam aos interesses da classe trabalhadora do campo. Os
trabalhadores defendem uma educação que seja capaz de proporcionar a todos a
humanização plena, a formação da consciência revolucionária. Conforme a legislação em
vigor a educação escolar constitui um direito social e cabe ao Estado através da educação
pública garantir as condições e os recursos para a sua efetivação. Assim sendo, de acordo
com Caldart (2012) a característica central da educação do Campo defendida pelos
movimentos sociais é o fato de ter nascida colada nas lutas sociais pela terra, pelos direitos
sociais dos trabalhadores, entre eles o direito a educação, rompendo com o terreno das
barganhas e dos favorecimentos políticos. Dessa forma, só tem sentido a educação do
campo se esta estiver sendo implementada junto com um projeto popular de
desenvolvimento do campo e do projeto histórico de sociedade que se quer construir.
Do outro lado, constata se que a escola do campo também vem sendo apropriada pelo
movimento do capital que motivados pelo Movimento Todos pela Educação181 desenvolvem
também ações educativas dirigidas as populações no campo e na cidade. Nesta direção alguns
autores estudados nesta pesquisa MARTINS e NEVES (2012); MARTINS (2007, 2009);

181
Para maiores informações do Movimento, consultar http://www.todospelaeducacao.org.br/

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JIMENEZ, (2007) DEPIERI (2013); BEZERRA e JUNQUEIRA (2013); DAGOSTINI &
VENDRAMINI(2014) mostram que existem um movimento dos empresários com uma intenção
clara de buscar dominar o consciente intelectual dos jovens e crianças filhos de trabalhadores
que faz parte dos seus projetos educativos, alienando e fazendo os acreditarem no pacote de
bondades do capital.
A partir do exposto nesta introdução, buscou se nesta pesquisa mapear as ações de
educação da empresa de celulose Suzano papel e celulose na região extremo sul da Bahia no
intuito de compreender como se expressa a luta de classes na educação do campo. Sabe se que a
preocupação central de empresas como o a Suzano é o crescimento econômico de seu patrimônio,
a concentração ea centralização da riqueza, por outro lado constatamos em seus relatórios o
investimento em ações educacionais aparentemente investindo na melhoria da qualidade de vida
dos moradores das comunidades rurais empobrecidas, preocupada com o “desenvolvimento
humano e sustentável”.

A ação do capital na “formação” dos /das filhos/as da classe trabalhadora


Neves e Martins (2012) ao discutir a ação do capital na educação pública
enfatizam que este atua com uma estratégia da pedagogia do capital: Para os autores a
pedagogia do capital é uma estratégia do capitalismo para controlar a população para seu
projeto político de dominação que é denominada de pedagogia da hegemonia e tem como
meta a conformação moral e intelectual da população, sendo que conformação é uma
ferramenta para manutenção do poder do capital.
Lamosa (2011) na obra a Hegemonia do Agronegócio: o capital vai à escola e
forma seus novos intelectuais, realiza uma análise sobre o programa Agronegócio na
Escola, segundo o autor, tal programa tem como objetivo principal valorizar a imagem
do setor como consta nos documentos oficiais da entidade. O autor analisa as ações da
Associação brasileira do agronegócio-ABAG que é uma organização que movimenta,
educa e dá à direção ético-política do capital que são associados ao agronegócio.

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Acrescenta que a ABAG tem um papel histórico desde 1993, bancado pela classe
dominante, organiza frações dominantes agrária, bancária, industrial e comercial
formando o que é chamado de agronegócio, cujo o foco central é a construção da
hegemonia do setor.
Na mesma perspectiva Transpadini (2011) no artigo intitulado Crianças em
disputa: o ataque do capital, evidencia as estratégias das grandes empresas para formar as
crianças e jovens da classe trabalhadora. De acordo com a autora, tais empresas vêm
assumindo à educação formal na região centro-sul, região esta que emprega 90% da
produção canavieira no Brasil. Enfatiza que as empresas são responsáveis em oferecer
educação formal para educandos de 7ª e 8ª. Crianças com idade entre 12 e 15 anos. Com
um projeto denominado de Projeto Agora, tem como parcerias algumas instituições, como
sindicato o grande capital, e empresas como: Itaú, Monsanto, Basf, Dedine, Amyris,
Monsanto, Basf, Dedine CEISI, Amyris, BP, FMC e SEW Eurodrive, para a autora essas
são as empresas mais influenciadas, ou seja, são empresas que tem grande participação
nos projetos.
Com base nos pressupostos teóricos metodológicos do materialismo histórico
dialético realizamos os seguintes procedimentos para a coleta de dados: pesquisa
bibliográfica e um levantamento de dados em sites oficiais das empresas, fundações de
apoio as ações educativas das referidas empresas pesquisadas. A coleta de dados foi
norteada por um roteiro em que buscou se atender aos objetivos da pesquisa.
Quanto aos estudos bibliográficos, inicialmente foi dado destaque aos estudos
teóricos buscando compreender a questão agrária no Brasil a partir das referências
existentes extraindo os elementos e conceitos necessários para compreensão dos modelos
de desenvolvimento implantados no Brasil. Neste contexto desenvolveu estudos acerca
do contexto sócio econômico da região extremo sul, focalizou se especialmente os anos
finais da década de 1970 e nas décadas seguintes buscando entender o processo de

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emancipação humana
ocupação e os projetos de desenvolvimento sócio econômicos implantados buscando
identificar as contradições geradas com tais projetos e na continuidade catalogou –se e
analisou os projetos educacionais da citada empresa. Para entendermos as ações
educativas da empresa Suzano papel e celulose buscamos levantar seu histórico, atuação
econômica e em seguida as ações educacionais.

Ações educacionais desenvolvidas pela empresa


Como resultados da pesquisa, constatou se que a Suzano papel e celulose desde a
sua fundação em 1999 vem incentivando e desenvolvendo ações educacionais. Conforme
informações disponibilizadas no seu site, a mesma atua com projetos de fortalecimento
das práticas de leitura e escrita como atividade individual e social; com as escolas
formare, um projeto de capacitação de jovens para o mercado de trabalho, desenvolvida
em parceria com uma fundação Iochpe182 que consistem em salas de aula, instaladas nas
unidades industriais de Suzano e Limeira (SP) e Mucuri (BA), nas quais seus
colaboradores são profissionais voluntários (SITE SUZANO, 2016) . No quadro a seguir
sistematizamos as ações desenvolvidas pela empresa com os seus objetivos, parcerias,
público atendido...

(quadro-01) AÇÕES EDUCACIONAIS DESENVOLVIDAS PELA EMPRESA SUZANO PAPEL E CELULOSE


Ações Público Objetivos Parcerias Quantidade Atuação região
educacionais alvo Da ação: de pessoas
atendidas
Escolas formare Jovens Capacitar os jovens para o mercado Fundação 385 jovens Limeira (SP), Mucuri (Ba)
Suzano na de trabalho Lochpe
escola

182
A fundação Iochpe foi instituída em 1989 pelo grupo empresarial Iochpe-Maxion que opera nos
segmentos de autopeças e equipamentos ferroviários. A fundação atua principalmente com programas de
educação profissional e arte-educação em parcerias com entidades publicas e privadas. Atende
prioritariamente jovens e crianças. Fonte: http://fiochpe.org.br/

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emancipação humana
Suzano na Estudantes Levar para os estudantes temas Junior Em são Paulo São Paulo, Maranhão
escola de escolas atuais que mostram o mundo dos Achieveme 100 alunos Espirito Santo, Bahia
públicas negócios e diversas possibilidades nt Não expõe os
de carreiras, desenvolvendo o dados do
espírito empreendedor estado do ES e
BA
Educar e formar Crianças de Até 2020, a Suzano pretende atingir Instituto 15 mil alunos (Ba)
1ª a 4ª série 335 escolas entre o Espírito Santo e Ayrton de escolas Mucuri, Nova Viçosa,
e jovens a Bahia e mais de 77 mil alunos. “ Senna municipais Teixeira de Freitas,
Alcobaça e Ibirapuã em
(SP) Suzano e Americana
Programa Jovens Os alunos participam da experiência Junior 35 estudantes Mucuri (BA)
miniempresa estudantes de se tornarem miniempresários Achieveme
nt
Educação pelo Crianças e Promover a “cultura do movimento e o Instituto Nova Viçosa, Caravelas e
Esporte jovens do esporte” Esporte e Mucuri, juerana, Itabatã na
Educação Bahia, e em Conceição da
Barra, Braço do Rio no
Espírito Santo.
Fonte: quadro construído pela pesquisadora com base nos dados disponíveis no site da empresa.

Como enfatizado na introdução deste artigo as empresas tanto no campo quanto


na cidade tem desenvolvido ações educacionais como parte de suas responsabilidades
sociais. Tais ações têm sido realizadas por fundações e parcerias realizadas pelas
empresas. Constatou se que a mesma atua mediante o desenvolvimento de dois
programas: Programa Educar e Formar e o Programa Formare. O Programa Educar e
Formar desenvolve ações de intervenção na educação pública com um conjunto de ações
para melhorar a qualidade da educação pública do ensino fundamental nas regiões onde
ela atua. O programa Formare atua realizando formação profissional de jovens (15 a 17
anos) de famílias de baixa renda.
Segundo a empresa o Programa Educar e Formar acontece em três frentes:
pedagógica, infraestrutura escolar e promoção de leitura. A frente pedagógica é realizada
em parceria com o Instituto Ayrton Senna, com a implantação de quatro projetos (Gestão
Nota 10, Circuito Campeão, Acelera Brasil, Se Liga) em toda a rede municipal de ensino
das cidades atendidas. Em 2011 o programa passou a abranger 20 municípios na região.

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emancipação humana
Como resultados, o referido programa informa que até dezembro de 2010, o
Educar e Formar havia mobilizado 10.340 educadores, 277 escolas e 93.219 alunos.
Também já foi possível notar a elevação do IDEB (Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica) acima da média da região. Cita por exemplo o município de Ibirapuã,
Bahia, que tinha um IDEB de 2,8 e saltou para 5,0, acima da média nacional, que é de
4,2. Informações do programa afirma que mais de 10 mil educadores já passaram pelos
seus cursos de formação. A frente de promoção de leitura consiste na implantação de
bibliotecas comunitárias, campanhas e outras ações, em parceria com o Instituto
Ecofuturo. Dados disponíveis nos sites da empresa informam ainda que os projetos
também oferecem aos professores mais conhecimentos e condições para que planejem,
executem e avaliem suas práticas pedagógicas, desempenhando um papel de agente
transformador da comunidade local.
Segundo relata a empresa, a mesma atua com o projeto Formare Jovem aprendiz,
realizado em parceria com a Fundação Iochpe.183 Este projeto consiste em oferecer
Cursos de Educação Profissional para jovens de famílias de baixa renda com idade entre
15 e 17 anos. Os cursos consistem em propiciar a formação inicial para o mercado de
trabalho, com duração de aproximadamente um ano, as aulas são ministradas por
funcionários da empresa Suzano.
O projeto educação pelo Esporte tem como intuito promover “cultura do
movimento do esporte” com crianças e jovens e incentivar a prática esportiva para
fortalecer o uso dos espaços públicos, esse projeto atua nas comunidades baianas de Nova
Viçosa, Caravelas e Mucuri, na Bahia.

183
A fundação Iochpe foi instituída em 1989 pelo grupo empresarial Iochpe-Maxion que opera nos
segmentos de autopeças e equipamentos ferroviários. A fundação atua principalmente com programas de
educação profissional e arte-educação em parcerias com entidades publicas e privadas. Atende
prioritariamente jovens e crianças. Fonte: http://fiochpe.org.br/

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emancipação humana
No Programa Miniempresa, os alunos participaram da experiência de se tornarem
mini empresários. Durante 15 semanas aprenderam na prática conceitos como economia
e negócios, organização e operação de uma empresa e criaram a miniempresa Art’s
Luminar, produzindo luminárias de fios de sisal.
Conforme dados extraídos do site da empresa, a Suzano atua em parceria com
instituições, empresas, governo, pesquisadores, comunidade, universidades e outras
instituições, visando contribuir com a articulação de políticas públicas e do investimento
social privado nas áreas em que atua. Cita como parceiros o Instituto Esporte e Educação,
o Instituto Ayrton Senna, Junior Achievement, Fundação Iochpe, Instituto Ecofuturo,
Clube da Leiturinha dentre outros.
Observando as ações da empresa no campo educacional poderemos enaltecer tais
iniciativas, mas é preciso cautela, pois as empresas de celulose na região extremo sul da
Bahia tem causado muitos transtornos as populações locais. Autores como Souza &
Overbeek, (2008), ao pesquisar a atuação das empresas de celulose na região questiona
sobre a falta de respeito com o ser humano em especial aos povos do campo. Para os
referidos autores as empresas de celulose costumam fazer fortes propagandas de que
promovem o desenvolvimento e a melhoria de vida para a população, no entanto para
essas comunidades a realidade vivenciada pelas comunidades está muito longe das
propagandas veiculadas pelas empresas.
Basicamente de acordo com os citados autores o que as empresas fazem é tentar a
qualquer custo promover a expansão e produção, as empresas e seus sócios precisam de
qualquer maneira e custo fazer com que sua imagem seja vendida como uma empresa
sustentável, exemplo de uma de suas iniciativas é a certificação das suas plantações

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emancipação humana
através de um selo verde internacional de manejo ‘manejo florestal sustentável’, que é
chamado FSC184.
Alertam ainda os supra citados autores que a criação de empregos propagados
pelas empresas não passam de uma fábula. Asseguram que o próprio governo do estado
da Bahia admite que é pouco a geração de empregos por parte das empresas: o que
segundo os autores isso se deve “pelas suas características estruturais intrínsecas, as
grandes unidades produtoras de celulose oferece pouca mão-de-obra e colocam condições
reduzidos de articulação com a economia local”.
Segundo as autoras nas empresas de papel e celulose poucos são os direitos dos
seus trabalhadores e quando se falando dos trabalhadores terceirizados ainda se torna
mais difícil ter acesso a esses direitos, ou seja as condições do trabalhadores terceirizados
é bem pior do que os que trabalham diretamente para a empresa e o salário dos
terceirizados é também inferior (SOUZA & OVERBEEK, 2008).

Considerações finais
Constatamos que as ações educacionais da empresa Suzano preenche uma
carência das comunidades rurais empobrecidas, carentes de acesso aos bens públicos.
Neste sentido não pode se negar que a empresa atua num terreno fértil a realização de
suas ações, pois a região carece de ações básicas de saúde, educação, lazer e outros
direitos humanos. O fato de o poder público ter negado historicamente os direitos sociais
básicos deixou um vazio propício a atuação da iniciativa privada nas instituições públicas
com a conivência dos próprios poderes públicos como constatado por Junqueira e Bezerra
(2013) no estado de São Paulo.

184
Sigla inglesa (Forest Stewardship Council) - em Português: Conselho de Manejo Florestal. Iniciativa
internacional para certificação de florestas e plantações de árvores.

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emancipação humana
Os estudos realizados deixam claro que a empresa pesquisada é uma empresa
capitalista, preocupada com lucros cada vez mais alto e acúmulo de capital. Para atuar
com tranquilidade na região, realiza projetos educacionais a fim de onvencer a classe
trabalhadora, de que ela é uma empresa sustentável preocupada com o desenvolvimento
social e econômico das regiões onde atua.
A pesquisa evidenciou que a atuação da empresa de celulose da região no campo
educacional dirige se principalmente aos filhos e filhas da classe trabalhadora,
especialmente na formação da juventude e das crianças com ações tanto nas escolas
públicas quanto em ações de educação informal visando educar para integração ao
modelo que se encontra estruturado, sem questionamentos, portanto para educa para
consenso.
Percebeu se que a empresa Suzano papel e celulose educa as classes dominadas
para atuar em conformidade com os interesses do capital, valorizando a imagem do
agronegócio nas escolas tendo como meta a conformação moral e intelectual das pessoas,
contrariando assim os princípios da educação do campo defendidos pelos Movimentos
sociais como modelo educativo alternativo ao agronegócio.

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BEZERRA, M.; JUNQUEIRA, V. Projetos Educacionais do Agronegócio: Campo e


Cidade em Questão. 2013 Disponível em <http://www.gepec.ufscar.br/textos-
1/seminarios/seminario-2013/1.-educacao-do-campo-movimentos-sociais-e-politicas-
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Autora:

Maria Nalva Rodrigues de Araújo Bogo


Universidade do Estado da Bahia-UNEB
e-mail: mnaraujo@uneb.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A ESCOLA DO TRABALHO SOB A ÓTICA DOS EDUCADORES
SOCIALISTAS À LUZ DO PENSAMENTO MARXIANO
Azevedo, Ana Paula Lima
Lopes, Samuel Nobre
Lopes, Fátima Maria Nobre

Introdução
Neste artigo temos como objetivo fomentar uma discussão teórica sobre o papel
da Escola do Trabalho no período da Revolução Russa de 1917, que tem como
protagonista os educadores socialistas que pensaram a Escola do Trabalho tomando como
diretriz o pensamento marxiano. A partir desse estudo pretendemos compreender a base
e o fundamento do pensamento marxiano nas posições de Pistrak e Makarenko no
processo de construção da escola socialista no contexto histórico da Revolução Russa de
1917, que tinha como finalidade a formação do homem novo na União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS). Para esse fim, levaremos em conta, principalmente, o
pensamento de Makarenko (1985), a partir da sua obra Poemas pedagógicos; e o
pensamento de Pistrak, a partir das suas obras Fundamentos da escola do trabalho,
Ensaios da escola politécnica e A escola comuna.
É importante ressaltar que não temos a pretensão de apresentar uma fórmula eficaz
e eficiente para mudar a ordem existente da sociedade capitalista, mas almejamos
promover uma análise da Educação pensada para a superação do capitalismo, por meio
da Escola do Trabalho no contexto da Revolução Russa de 1917, para formar o “homem
novo” conceito esse teorizado por Marx.
Entretanto, assumiremos aspirações de não somente identificar, os problemas da
educação oriundos do sistema capitalista, mas buscaremos também refletir de maneira
crítica, caminhos alternativos para pensar uma Educação para elevação do homem em
todas as dimensões defendidas por Marx, Pistrak, Makarenko, entre outros, que

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
consideram o trabalho, como princípio educativo destacando o seu sentido positivo,
compreendido como realização humana e como uma relação intrínseca entre indivíduo e
coletividade capaz de nortear um projeto de educação para a classe trabalhadora. As
discussões apresentam-se sequenciadas da seguinte maneira: Fundamento da Educação
Socialista; A escola do trabalho e seus princípios pedagógicos; O método adotado pelos
Educadores Socialistas na Escola do Trabalho; As categorias centrais da Escola Única
do Trabalho; Complexo de Estudo: articulação entre teoria e prática, pela via do
trabalho socialmente útil na escola.
Em nossas considerações finais, apresentamos reflexões e questionamentos acerca
da construção de uma educação emancipatória que prioriza uma formação omnilateral
preconizada no período da Revolução Soviética. E por último, nos propormos a fazer uma
análise comparativa relacionando a Educação Socialista, por meio da Escola do Trabalho,
com a nossa educação atual, que visa formar o trabalhador unicamente para o mercado de
trabalho.
Esta pesquisa trata-se de um estudo bibliográfico fundamentado nas obras os
Manuscritos econômico-filosóficos de Marx, Poemas pedagógicos de Makarenko,
Fundamentos da escola do trabalho, Ensaios da escola politécnica e A escola comuna de
Pistrak, tentando elucidar os conceitos fundamentais relativos ao tema em pauta desta
pesquisa.

A educação socialista

O fundamento da educação socialista, tomando a teoria marxiana, compreende o


trabalho como alicerce educativo e formativo da escola, como um todo único e
inseparável. Portanto, ele está diretamente ligado às discussões pedagógicas situadas sob
uma perspectiva marxiana e atrelado a um projeto revolucionário de educação. Todavia,
os debates pedagógicos no contexto da Revolução Russa de 1917, embora tivessem por

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
orientação teórica os textos clássicos de Marx e Engels, tornaram-se referência para o
aprofundamento do conteúdo, método e da forma escolar da Educação Socialista sob a
influência de Pistrak e Shulgin.
Foi o contexto da Revolução Russa de 1917 que possibilitou um maior debate
sobre a teoria de Marx principalmente em relação ao conceito de formação omnilateral185
do homem a partir da integração do ensino com o trabalho produtivo. Tal debate inseriu-
se no contexto da crítica à escola tradicional preconizada pela burguesia voltada para
atender os interesses capitalistas. A classe trabalhadora apoiou-se no ideário de Marx e
Engels, colocando em discussão uma educação para os trabalhadores numa perspectiva
politécnica e omnilateral. Os conceitos de politecnia186 dos quais deriva a concepção de
educação politécnica e formação omnilateral são os pilares do fundamento da educação
socialista e são inseridos nos programas da Escola do Trabalho.
Marx fala de uma educação para a formação do homem omnilateral, em negação
ao homem unilateral. É através dessa concepção que se constituiu o fundamento da
Educação Socialista derivando dela um novo modelo de Escola para contrapor a antiga

185
A expressão formação omnilateral inclui um conceito de totalidade. A educação do homem completo
em todas as suas dimensões. Marx defendeu a formação omnilateral para propiciar ao homem o
conhecimento crítico-político, econômico, social e cultural, que o colocasse na condição de ser emancipado
para compreensão do sistema produtivo e alienante.

186
Ramos (2008) afirma que, para Marx (1989), a formação para o trabalho pautada na politecnia tem
que considerar a concepção de formação humana com base na integração de todas as dimensões da
vida no processo formativo: o trabalho, a ciência e a cultura. A integração, nesse sentido, possibilita a
formação omnilateral dos sujeitos, pois implica a integração das dimensões fundamentais da vida que
estruturam a prática social.

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emancipação humana
escola tradicional alicerçada nos ditames do capitalismo. Agora temos a denominada
Escola Única do Trabalho que estaria disponível para todos os cidadãos da União
Soviética tendo como objetivo precípuo proporcionar uma formação omnilateral e
politécnica. Daí o termo “única” significa “para todos”, com a missão também de
erradicar o analfabetismo e contribuir para o desenvolvimento do país em todos os ramos
da produção. É importante frisar que nesse contexto histórico da União Soviética, a
maioria das pessoas era analfabeta e o país era acometido de enorme atraso tecnológico.
A Educação Socialista foi considerada pelos educadores a bandeira mestra para o
desenvolvimento da nação posto que a Escola Única do trabalho assumiu o papel principal
para cumprir as metas previstas desses educadores socialistas. A seguir, trataremos da
estrutura pedagógica da Escola do Trabalho, pensada para atender as demandas
emergentes para a construção de uma nova nação soviética.

A escola do trabalho e seus princípios pedagógicos


A Escola do Trabalho Socialista foi fundamentada no materialismo histórico,
ancorado no trabalho coletivo para a produção da vida material, e no trabalho como
princípio educativo, no seu aspecto positivo. Desse modo, ela parte do pressuposto de que
a existência do homem se dá pelo trabalho enquanto gerador da vida social, ou seja, como
criador do homem social, pois, ao transformar a natureza exterior também o homem
transforma-se a si mesmo como ser social e como produtor da existência material.
Para os educadores socialistas Makarenko e Pistrak, no período inicial da
Revolução Russa socialista, a coletividade tinha grande representatividade, objetivando
minimizar os comportamentos estimulados pelo sistema capitalista, vislumbrando
enfrentar as dificuldades e sustentar a solidariedade entre aqueles que vivenciavam uma
fase de transição, com o propósito de ajudar a transformar os ambientes político-sociais.
Estes educadores viveram em épocas agitadas, com ativa participação no período

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emancipação humana
revolucionário, depois da Revolução de Outubro, na Rússia de 1917, com a missão de
pensar e de colocar em prática uma educação dinâmica que tivesse por fundamento central
o trabalho no seu aspecto positivo e necessário.
Portanto, a Escola do Trabalho foi pensada tomando o trabalho como ponto de
partida e buscando concretizar a educação politécnica no seu aspecto positivo e formativo.
A Revolução Russa de 1917 colocava um desafio para os educadores socialistas: como
pensar uma escola que não estava mais a serviço do capitalismo? Uma parte dos
educadores soviéticos queria se nortear pelo velho modelo de escola, tentando adequá-la
aos interesses da revolução; porém, existia outra parte de educadores, na qual estava
inserido Pistrak, que defendia ser necessário romper com o modelo de educação vigente
e conjecturar uma proposta de educação que formasse o ser humano para a projeção de
uma sociedade que levassem em consideração o trabalho de todos, sem distinção de
trabalho manual e/ou intelectual.
Desse modo, os métodos propostos por Pistrak, e também por Makarenko, eram
ativos e vinculados ao trabalho manual: trabalhos domésticos, trabalhos em oficinas com
metais e madeiras, trabalhos agrícolas, desenvolvendo a aliança cidade-campo, articulada
ao trabalho agrícola ou ao trabalho industrial, nos quais os alunos deveriam estar
inseridos, de forma que participassem de todas as modalidades segundo as suas
capacidades. A intenção dos pensadores era propiciar aos alunos a compreensão da
totalidade do mundo do trabalho, pois, a partir dele, o homem se faz mediado pela
educação. A educação e a escola são, portanto, meios de apreensão e realização do
trabalho e, por conseguinte, da constituição do homem como ser social e humano.
Compreendendo a importância do significado do trabalho na vida do homem, Pistrak e
Makarenko o elegeram como base principal de suas pedagogias, visando preparar homens
e mulheres para o exercício da condição humana.

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As categorias centrais da escola única do trabalho
Trabalho, atualidade e auto-organização foram as categorias centrais da Escola
Única do Trabalho para a sua concretização, ou seja, foi através dessas categorias centrais
que se delineou a sua organização curricular. Por meio delas, estabeleceram-se as
metodologias aplicadas para se alcançar os objetivos esperados com vistas a uma
formação que promovesse as condições de se pensar a construção de uma nova sociedade,
pautada no ideário socialista.
Portanto, essas categorias centrais estiveram presentes na organização curricular
da Escola do Trabalho e sua finalidade central no currículo escolar voltava-se para uma
formação omnilateral. Isso só seria possível com o ensino unificado, como afirma Pistrak
(2013, p. 115-116, grifo do autor):
O objetivo da escola não é apenas conhecer a atualidade, mas dominá-
la. E aqui os métodos antigos de ensino são inúteis. É preciso tomar os
fenômenos em suas mútuas ligações e interações; é preciso mostrar que
os fenômenos em sua atualidade são parte de um processo histórico
único e geral de desenvolvimento; é preciso esclarecer a essência
dialética do que nos cerca. Mas isso é possível somente pelo caminho
da unificação do ensino ao redor de grupos de fenômenos como
objetivos de estudo. As questões do ensino unificado, concentração de
ensino ao redor dos eixos básicos, recebem aqui a devida importância.
As questões metodológicas que aparecem partem não apenas da melhor
compreensão e da assimilação mais completa, mas da essência da tarefa
– o estudo e o conhecimento dos fenômenos da atualidade nas suas
ligações mútuas.

Desse modo, a partir das categorias centrais se delineia a organização curricular


da Escola do Trabalho, por meio das Escolas Experimentais (Comunas) para colocar em
prática a integração dessas três categorias defendidas por Pistrak (trabalho, atualidade,
auto-organização) que ficaram conhecidas como complexo de estudo. Elas tinham, no
currículo, a função de favorecer a compreensão da complexidade concreta dos

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emancipação humana
fenômenos, integrada à realidade e relacionada a um determinado tema ou ideia central
que remetesse à vida e que estivesse diretamente ligada ao trabalho.
Buscar-se-ia unir as crianças na Escola Única do Trabalho, com fundamento
nessas categorias, desenvolvendo-lhes a vontade de fazer parte de uma comunidade e de
se organizar na perspectiva do coletivismo187. Desse modo podia-se formar as crianças e
jovens numa perspectiva integral, omnilateral, do ser humano, para que, assim, se
tornassem cidadãos conscientes do seu lugar na construção de uma nova sociedade que
estava em curso na URSS.
É importante ressaltar que todo o processo de aplicação da organização curricular
da Escola Única do Trabalho ocorreu inicialmente nas Escolas Experimentais (Comunas),
que, anualmente, eram revisadas pelo corpo docente de professores que estava à frente
dessas escolas. Eles avaliavam o que estava dando certo e os pontos que necessitavam de
modificação, sempre com o propósito de alcançar os objetivos esperados para uma nova
educação fomentada nos ideais da revolução. A experiência com as comunas apresentou
resultados surpreendentes, aos educandos, no tocante à formação do caráter e à postura
ética dos alunos, uma vez que se tratava de crianças e jovens com uma trajetória de vida
marginalizada na criminalidade. Em pouco tempo podia se perceber que, com a aplicação
das categorias de trabalho, atualidade e auto-organização (autosserviços e autogestão),
os educandos passaram a assimilar, nos seus comportamentos, o sentimento de
coletividade e de autonomia para resolver as questões e os problemas enfrentados nas
comunas.

187
O coletivismo ensinado na Pedagogia Social de Pistrak era entendido da seguinte forma: os ramos de
produção estariam a serviço do bem da coletividade para o desenvolvimento da União Soviética.
Dessa forma, todos poderiam desfrutar de uma boa qualidade de vida incluindo todas as esferas:
econômica, educacional, social, cultural e tecnológica, dentre outras. Transcender-se-ia a divisão social
do trabalho, pois todos compreenderiam os ramos de produção e sua importância e trabalhariam para
o bem da coletividade.

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Na avaliação de Pistrak (2013), a partir das categorias centrais supracitadas
derivou o complexo de estudo, e ambos nortearam a organização curricular da Escola do
Trabalho e direcionaram a prática para articulação entre trabalho e educação.

Complexo de estudo: articulação entre teoria e prática, pela via do trabalho


socialmente útil na escola.
Na organização da Escola do Trabalho, a proposta pedagógica contida no
complexo de estudo consiste na conexão entre a natureza e a sociedade mediada pelo
trabalho. Cada ideia central articuladora de um complexo reunia as dimensões que
refletiam a complexidade daquela parte da realidade escolhida para o estudo, a sua
dialética e a sua atualidade, ou seja, as contradições, as lutas e o seu desenvolvimento
enquanto natureza e enquanto sociedade. Em síntese, o complexo de estudo dizia respeito
a uma construção teórica da didática socialista como um espaço por meio do qual se
praticava a articulação, que tanto desejamos, entre teoria e prática, pela via do trabalho
socialmente útil.
Podemos dizer que a construção pedagógica do complexo de estudo partiu do
olhar do materialismo histórico-dialético, com vistas a transcender o conteúdo
transmitido na escola clássica, rompendo o abismo entre teoria e prática, o que se dará a
partir da centralidade do trabalho na vida social dos homens levando em conta os
indivíduos no nesse complexo. Vendo por esse ângulo, o trabalho é considerado o pilar
da vida social, por ele ser a atividade que rege todas as dimensões da vida das pessoas.
Portanto, o trabalho socialmente útil, cuja realização ocorre no contato do homem
com a natureza e com a sociedade, articula-se na Escola do Trabalho, com as categorias
trabalho, atualidade e auto-organização e é por meio delas que se constroem os sujeitos
históricos e agentes transformadores da realidade. Essa articulação representa a luta pelo
conhecimento e transformação da sociedade e da natureza, ou seja, a práxis social. Como

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emancipação humana
podemos perceber, não há separação entre trabalho, atualidade e auto-organização
no complexo de estudo. Conforme Pistrak, o trabalho socialmente útil será um solo básico
no qual organicamente crescerá todo o trabalho formativo-educativo da Escola do
Trabalho, como um todo único e inseparável que leva a uma formação omnilateral.
Na apropriação, por parte do estudante, das ferramentas intelectuais para dominar
e lidar com a articulação dessas três categorias, o complexo de estudo parte da função de
ligar a ciência com a vida, de estudar os fenômenos vitais em complexidade relacionados
à realidade. Quando o objetivo da Escola se torna não o estudo da disciplina, mas sim o
estudo da realidade viva, é natural que as fronteiras entre as disciplinas se tornem mais
móveis e que a ligação entre elas seja mais forte, exigindo trabalho coletivo dos
professores e alunos. Segundo Pistrak (2000), não se trata de contrapor o estudo das
disciplinas escolares, e sim de superar a separação que existe entre elas e a relação com o
estudo da realidade viva.
Por fim, a essência do complexo está na compreensão dos alunos de que os
fenômenos analisados não existem independentemente uns dos outros, mas que estão
interligados e interagem uns com os outros, transformando-se numa interação dialética.
O resultado desse esforço visava ao rompimento radical com a estrutura da educação
formal burguesa e com as relações que justificavam a propriedade privada dos meios
de produção para que o homem novo pudesse ser construído.
A partir da aplicação dos fundamentos da Escola Única do Trabalho, conseguiu-
se extinguir o analfabetismo na União Soviética. No entanto, houve muitos obstáculos a
ser superados pelos educadores socialistas revolucionários, principalmente para
convencer os professores (que já estavam acostumados com as práticas da Escola Antiga)
da necessidade de buscar uma nova Escola voltada para os ideais da revolução e para a
construção de uma sociedade em que se pudesse valorizar o trabalho necessariamente útil
na perspectiva marxiana.

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Consideraçōes finais
Pelas breves considerações deste texto podemos observar o quão é importante
conhecermos e promovermos um debate acerca da Escola do Trabalho. A partir do nosso
estudo percebemos que a Escola do Trabalho procurava apontar possibilidades, limites e
dificuldades concretas para a superação do que podemos chamar de Escola do Capital,
cujas bases ontológicas estavam e estão arraigadas no trabalho alienado, na permanência
da sociedade de classes, numa tradição idealista, distante da proposta de uma pedagogia
social.
Os desafios e os obstáculos encontrados pelos educadores socialistas são muito
semelhantes aos que enfrentamos atualmente na educação brasileira voltada para atender
os interesses do capital. A forma encontrada há quase um século estava relacionada às
necessidades da época. Podemos, porém, refletir sobre elas para buscar soluções atuais e
entender a educação nos dias de hoje.
Importante mencionar que, assim como há o duplo aspecto do trabalho no
capitalismo, também podemos falar do duplo aspecto da educação. Essa educação tende
a perpetuar a divisão de classes quando ocorre para atender aos interesses do capital.
Porém, como defendia Marx, há o lado positivo da educação, quando ela não visa preparar
o aluno para o mercado do trabalho nos parâmetros do capitalismo, e sim quando usa o
trabalho como princípio educativo no seu sentido positivo e formativo, como instrumento
de formação para a vida, como fonte de conhecimento e de crítica social das próprias
relações de trabalho.
Diante dessas colocações, podemos afirmar que a educação é um dos meios de
luta, mas não único. No entanto, não podemos deixar de considerar que a educação
delineada nos moldes do capitalismo provoca as desigualdades e desfavorece a prática da
coletividade. Então podemos indagar: como pensar, nos dias de hoje, a relação

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entre trabalho e educação? É um desafio que precisa ser vencido. Para tanto, faz-se
necessária uma transformação no sistema educacional, no processo de formação dos
professores, a qual contemple uma base sólida da teoria marxiana para que se possa fazer
uma leitura crítica da política, da economia, da tecnologia, da cultura etc., relacionando
essas categorias com os fenômenos sociais e suas contradições, ou seja, buscando uma
formação omnilateral dos educadores, a fim de desvelar a falsa consciência imposta pelo
sistema capitalista, para que estes assumam a função de sujeitos revolucionários para a
transformação da realidade, ação que exige a participação de todos nessa direção, em que
a educação seria um dos meios de luta para se chegar a essa práxis.

Referências

MAKARENKO, A.S. Poema Pedagógico. São Paulo: Brasiliense, 1985. v. 1.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1989.

PISTRAK, M. M. A escola-comuna. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

PISTRAK, M. M. Ensaios sobre a escola politécnica. São Paulo: Expressão


Popular, 2015.

PISTRAK, M. M. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo: Expressão Popular,


2000.

RAMOS, Marize. Concepção do ensino médio integrado. Texto apresentado em


Seminário promovido pela Secretaria de Educação do Estado do Pará. 8 e 9 de maio.
Recuperado de: http://forumeja.org.br/go/sites/forumeja.org.br.go/files/concepcao_do_
ensino_ medio_ integrado5.pdf.

Autor/as:

Ana Paula Lima Azevedo


Doutoranda em Educação pelo PPGE da Universidade Federal do Ceará/UFC

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Bolsista FUNCAP.
Membro Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa Ontologia do Ser Social Ética e
Formação Humana – GEPOS, certificado pelo CNPq.
e-mail: pauliniaspcunha@gmail.com
Samuel Nobre Lpoes
Graduado em Psicologia pela Universidade de Fortaleza/UNIFOR.
Membro Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa Ontologia do Ser Social Ética e
Formação Humana – GEPOS e do Grupo de Pesquisa Teoria Crítica, Filosofia e
Educação, ambos certificados pelo CNPq.
e-mail: samuelsnl32@gmail.com
Fátima Maria Nobre Lopes
Doutora em Educação, Mestre e Graduada em Filosofia e em Serviço Social. Professora
de Filosofia da FACED/UFC.
Membro efetivo do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC e do Mestrado
Profissional em Filosofia/Pro-Filo/UFC.
Editora-Chefe da Revista Educação em Debate do PPGE/UFC
Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Ontologia do Ser Social, Ética e Formação
Humana – GEPOS e do Grupo de Estudo e Pesquisa em Ensino de Filosofia – GEPEF,
ambos certificados pelo CNPq.
e-mail: fatimanobreufc@gmail.com

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emancipação humana
EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO: CONTRIBUIÇÕES DAS
PERSPECTIVAS CRÍTICAS
Dayse Alisson Camara Cauper
Naiá Márjore Marrone Alves

Introdução
O sistema educacional no Brasil é organizado em dois níveis, a educação básica e
o ensino superior (BRASIL, 1996). Segundo Saviani (2012, p. 14) o objetivo do primeiro
nível “é propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber
elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber”. A educação
básica brasileira, atualmente, se divide em três etapas e compreende um período, mínimo,
de escolarização de 13 anos. Considerando a necessária articulação entre as etapas para o
sucesso na culminância do processo de formação humana, apresentamos neste texto uma
discussão situada no ensino médio – a bola da vez.
Temos observado um esforço intenso das políticas em acentuar a “preparação
básica para o trabalho” em detrimento de todas as outras finalidades apresentadas para o
ensino médio, na LDB 9394/1996. Cabe ressaltar que essa etapa é historicamente marcada
por uma dicotomia expressa no recorte de classe, que se materializa na oferta de uma
proposta propedêutica para a classe mais abastada, enquanto para a classe trabalhadora o
ensino oferecido prepara apenas a mão de obra necessária à manutenção da engrenagem
do sistema societário atual.
Compreender que o projeto de escola pública vigente no país compõe uma pauta
nefasta e prioritária não apenas da classe dirigente nacional, mas, sobretudo dos
organismos internacionais, é conditio sine qua non para que nós, classe trabalhadora,
possamos articular a resistência. A investida conservadora travestida de “inovação”,
representada principalmente pela lei 13.415/2007, deixa claro que o interesse é esvaziar,

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empobrecer o currículo do ensino médio e consequentemente a formação dos
adolescentes a fim de impedir a emancipação.
Em face do exposto, apresentamos nossa adesão às teorias pautadas no
materialismo histórico dialético, assentadas em uma concepção de ser humano como um
sujeito histórico-social constituído em relações estabelecidas com o meio e com seus
pares, mediadas pela cultura. É nesse lugar que situamos a educação escolar, como um
processo que, orquestrado pelo trabalho educativo, organizado intencionalmente pelo
professor, deve oportunizar mediações qualificadas que impulsionem o desenvolvimento
humano.
Logo, este trabalho objetiva apresentar algumas contribuições da pedagogia
histórico-crítica, da psicologia histórico-cultural e da metodologia crítico-superadora que
possam iluminar a prática docente no ensino médio, sobretudo, dos professores de
Educação Física. Por meio de uma revisão de literatura realizada nas principais obras
dessas teorias, reunimos apontamentos que auxiliam a compreensão acerca de um
trabalho educativo comprometido com a classe popular.

Contribuições da pedagogia histórico-crítica para a formação humana


A teoria pedagógica histórico-crítica compreende a escola como um espaço de
transmissão do conhecimento sistematizado, onde, por meio do trabalho educativo,
organizado intencionalmente pelo professor, estudantes de todas as idades se apropriam
das produções do gênero humano e desenvolvem suas funções psicológicas superiores,
constituindo assim sua segunda natureza.
Nessa perspectiva teórica, o docente assume um papel central, por representar
aquele que domina os conhecimentos específicos de sua área de formação que precisam
ser transmitidos aos estudantes no processo de escolarização. Segundo Saviani (2012),
cabe ao mesmo selecionar e dosar os conteúdos que serão ensinados e escolher as formas,

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procedimentos e materiais mais adequados para essa transmissão, de modo que favoreça
a assimilação dos estudantes – destinatários da ação pedagógica.
Considerando que a realidade existe a despeito da consciência que se tem dela e
que a educação é mediação no seio da prática social, podemos inferir que o método
pedagógico histórico-crítico se organiza em três momentos: problematização-
instrumentalização-catarse. Em relação ao primeiro, à todo momento, cabe ao professor
se questionar acerca de qual manifestação da cultura corporal deverá ser ensinada, qual
recorte deverá ser feito, o que e como os estudantes deverão aprender e por que eles
deverão aprender tais conhecimentos. Mantendo o rigor nesse momento, serão
selecionados os instrumentos e os procedimentos mais adequados para impulsionar o
movimento no pensamento dos estudantes que, partindo de uma compreensão sincrética
e caótica do objeto na realidade (conhecimentos prévios dos estudantes), será elevado a
uma síntese articulada. Cabe ressaltar que a apropriação dos conhecimentos transmitidos
em sala de aula eleva a compreensão do aluno acerca da realidade e, poderá possibilitar
uma nova forma de agir.
Nesse sentido, compreendemos que a contribuição da Educação Física no
contexto da escola é propiciar aos alunos o acesso irrestrito aos elementos da cultura
corporal, que se constituem como conhecimentos imprescindíveis para a elaboração de
sínteses que conduzam ao desenvolvimento pleno das possibilidades humanas. Segundo
Soares et al. (2012, p. 30), “uma disciplina é legítima ou relevante [...] quando a presença
do seu objeto de estudo é fundamental para a reflexão pedagógica do aluno e a sua
ausência compromete a perspectiva de totalidade dessa reflexão”. Nesse sentido, a
Educação Física tem o papel de:
[...] desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de
representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da
história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas,
exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e
outros, que podem ser identificados como formas de representação

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simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e
culturalmente desenvolvidas. (SOARES et al., 2012, p. 39).

Tomemos como exemplo a forma mais desenvolvida do conhecimento na


Educação Física, representada pelo esporte institucionalizado. Em princípio, o
conhecimento que o aluno tem acerca desse fenômeno social é restrito à aparência e ao
senso comum, pois sua representação subjetiva da realidade objetiva é caótica, sincrética
e restrita às percepções imediatas. O estudante não se apropriou de instrumentos que lhe
permitam compreender as múltiplas determinações desse objeto, por exemplo, como o
esporte reproduz e recrudesce as injustiças sociais ou a forma como a sua lógica
mercadológica explora e oblitera a força de trabalho dos atletas.
Diante desse ponto de partida, o professor desenvolve seu trabalho e, ao apropriar-
se de novos conhecimentos por um processo de incorporação, este aluno é conduzido a
arrancar da realidade as determinações mais determinantes do esporte, instituindo novos
processos de objetivação. A partir deste momento, estabelece-se uma nova síntese acerca
do objeto. Trata-se de um processo contínuo e progressivo, que se constitui de forma
dinâmica e espiralada e, ao fim e ao cabo, poderá refletir na prática social. A compreensão
do esporte conduzida pelo método de ensino histórico-crítico possibilita desvelar as
aparências que ocultam profundas contradições e revelar a verdadeira essência do objeto
que não se mostra espontaneamente, aproximando os estudantes das produções humano-
genéricas.

Contribuições da psicologia histórico-cultural para a educação escolar de


adolescentes
Ao analisar a adolescência à luz do materialismo histórico-dialético, inferimos que
se trata de “[...]um fenômeno produzido pela história das sociedades divididas em classes
sociais[...]” (ANJOS, DUARTE, 2016, p. 196). Surge daí a necessidade aventada por Leal
e Mascágna (2016, p. 236) de compreender que

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emancipação humana
[...] o desenvolvimento na adolescência não é homogêneo e linear, mas
depende de condições históricas e sociais determinadas, não se dando
da mesma maneira para adolescentes pertencentes às camadas
populares e adolescentes pertencentes às camadas privilegiadas da
sociedade. Trata-se de possibilidades bastante diferenciadas como
exposto anteriormente, o que coloca de modo mais premente a
necessidade de não se tratar a adolescência de maneira naturalizada e
universalizada, mas de considerá-la um processo permeado pelas
relações sociais próprias da nossa sociedade, pela cultura e pelas
condições históricas.

Compreendemos a adolescência como o corolário de um processo iniciado na


educação infantil e articulado às etapas que a precederam. Por esse motivo, fazemos uma
defesa explícita por investimentos e propostas de qualidade em toda educação básica.
Acreditamos na educação escolar como um processo histórico-social que potencializa o
desenvolvimento da consciência e extrapola “a unilateralidade das esferas referentes à
preparação ocupacional futura das crianças e jovens e/ou qualificação ocupacional de
adultos” (MARTINS, 2016, p. 26). O papel social da educação escolar é com a formação
omnilateral dos sujeitos, de modo que seja possível romper com o paradigma dicotômico
de ser humano expresso em corpo/mente, físico/intelecto.
O momento de viragem, ou transição, da infância para a idade adulta –
denominada de adolescência – é marcado principalmente pela possibilidade de
desenvolvimento da forma superior de operar o pensamento – pensamento por conceito,
capaz de provocar mudanças significativas na forma e no conteúdo e elevar o nível
intelectual dos sujeitos. Contudo, esse desenvolvimento não está dado naturalmente, é
fruto de um processo iniciado na mais tenra idade e impulsionado pelo processo de
escolarização. Em outras palavras, é possível dizer que está condicionado pela qualidade
das mediações antecedentes, refletindo-as em larga medida.
Do ponto de vista do trabalho educativo, Martins (2016) propõe que os professores
orientem-se pela tríade conteúdo-forma-destinatário. No caso específico da Educação

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emancipação humana
Física, os conteúdos são representados pelas manifestações da cultura corporal: jogos,
esportes, danças, e outras historicamente construídas pela humanidade. À luz da
pedagogia histórico-crítica, a forma diz respeito ao método pedagógico, desde a escolha
do conteúdo e seu recorte, passando pelos procedimentos e materiais didáticos mais
adequados para favorecer a apropriação desse conhecimento pelos estudantes –
destinatários da ação pedagógica. Importante ressaltar que os conteúdos precisam estar
articulados à prática social, tendo a realidade imediata como ponto de partida para a
elevação da compreensão dos alunos. E quanto ao destinatário? Como deve ser
compreendido à luz desse referencial?
Urge explicitar, então, que o planejamento pedagógico fundamentado
nessa teoria pedagógica assenta-se na tríade forma-conteúdo-
destinatário, de sorte que nenhum desses elementos, esvaziados das
conexões que os vinculam, podem de fato orientar o ato de ensinar.
Note-se porém que a ênfase aqui conferida ao “destinatário” não se
identifica com o reconhecimento do aluno empírico, apreendido por
quaisquer especificidades ou características aparentes, mas com a
afirmação da natureza social dessas características. Isso significa dizer
que o aluno é entendido, nessa perspectiva, como alguém que sintetiza,
a cada período da vida, a história das apropriações que lhes foram
legadas. (MARTINS, 2016, p. 22)

O destinatário da ação pedagógica, segundo Saviani (2012), necessita ser


compreendido pelo professor como um sujeito histórico-social prenhe de possibilidades,
síntese de múltiplas determinações - o aluno concreto. Embora nossos estudantes
matriculados no ensino médio tenham sensações, desejos e interesses marcados pelo
imediatismo, não devemos sucumbir e restringir a ação pedagógica ao cotidiano,
reiterando-o. Nosso ponto de partida para o trabalho educativo é esse, mas o objetivo de
avançar em direção ao pensamento por conceitos deve guiar a ação pedagógica para que
os conceitos espontâneos sejam superados, por incorporação, pelos conceitos científicos.
Outra contribuição importante da psicologia histórico-cultural diz respeito às
atividades-guia. Segundo Anjos (2013, p. 99), trata-se de “determinados tipos de

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emancipação humana
atividade que se apresentam como mais importantes para o desenvolvimento em
determinados estágios.” A atividade guia/dominante representa a principal forma de
relacionamento entre o ser humano e a realidade em determinado período da vida, ou seja,
aquela que mais vai oportunizar saltos qualitativos, impulsionando seu desenvolvimento.
Nesse período da vida, as atividades-guia são: comunicação íntima pessoal e atividade
profissional/de estudo. A primeira diz respeito à relação dos sujeitos com o/no grupo de
adolescentes. Segundo Facci (2004, p. 70), nessa fase,
Ocorre uma mudança na posição que o jovem ocupa com relação ao
adulto e as suas forças físicas, juntamente com seus conhecimentos e
capacidade, colocam-no, em certos casos, em pé de igualdade com os
adultos, e, muitas vezes, até superior em alguns aspectos particulares.
Ele torna-se crítico em face das exigências que lhe são impostas, das
maneiras de agir, das qualidades pessoais dos adultos e também dos
conhecimentos teóricos. Ele busca, na relação com o grupo, uma forma
de posicionamento pessoal diante das questões que a realidade impõe à
sua vida pessoal e social.

É consenso entre os autores que o trabalho pedagógico nessa etapa da educação


básica deve se concentrar no grupo e não no indivíduo. Além de incentivar a
independência do adolescente, ao mesmo tempo em que se aumentam as exigências e
suas responsabilidades. O ensino deve superar as esferas do cotidiano, criando
necessidades superiores nos estudantes e oferecendo como referência modelos mais
desenvolvidos de seres humanos.
Ao longo da adolescência (como época), a atividade-guia transita de
comunicação íntima pessoal para profissional/de estudo, mantendo a
necessidade da educação escolar diretiva, intencional, planejada, que
exija dos adolescentes responsabilidade, projeto de futuro e modelo de
adulto. (MARSIGLIA e SACCOMANI, 2016, p. 361).

As autoras afirmam que, sobre a atividade profissional/de estudo, no que diz


respeito às questões de ordem pedagógica, se “deveria explorar recursos como feiras de
ciências, excursões, grupos de estudos, exposições, participação em eventos científicos,

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emancipação humana
etc.” (MARSIGLIA e SACCOMANI, 2016, p. 362). Corroborando com essa ideia, Facci
(2004, p. 72) ressalta que “é a sociedade que determina o conteúdo e a motivação na vida
da criança, pois todas as atividades dominantes aparecem como elementos da cultura
humana.”
A afirmação de Facci (2004) provoca uma reflexão acerca das condições que têm
sido oferecidas, em geral, à juventude brasileira, sobretudo à da classe trabalhadora, para
que possa desenvolver suas potencialidades. Privando-a das condições necessárias à sua
humanização, como o acesso à educação de qualidade, prática esportiva, cinema, teatro,
museu, enfim, ao que a humanidade produziu de mais avançado, que modelo de adulto se
pretende formar?

Contribuições da metodologia crítico-superadora para a formação omnilateral


A compreensão que temos acerca do papel social da escola e, no que diz respeito
mais especificamente à postura que os docentes devem assumir nesse contexto, nos
permite afirmar que, enquanto componente curricular, os objetivos da Educação Física
não podem estar alinhados a uma concepção dual de ser humano. É preciso esclarecer que
as aulas não podem ser circunscritas às experiências corporais, mas essas são
imprescindíveis para avançarmos com os estudantes a uma compreensão mais ampla
sobre a cultura corporal. É importante deixar claro que nosso papel não é de reiterar o
cotidiano, reproduzindo dentro da escola as práticas corporais tal como acontecem do
lado de fora, desprovidas de reflexão acerca dos condicionantes sociais que as
determinam.
Nesse sentido, a metodologia crítico-superadora elenca princípios curriculares no
trato com o conhecimento. De acordo com os autores, “ o trato com o conhecimento
reflete a sua direção epistemológica e informa os requisitos para selecionar, organizar e
sistematizar os conteúdos de ensino[...]” (Soares et al, 2012, p. 32). Logo, para a seleção

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
dos conteúdos orientam que sejam observados os seguintes princípios: relevância social,
contemporaneidade e adequação às possibilidades sócio cognoscitivas dos alunos.
Após tratar dos critérios para seleção do conteúdo a contribuição dos autores se
estende também ao trato metodológico, elencando os seguintes princípios: simultaneidade
enquanto dados da realidade, espiralidade da incorporação das referências do pensamento
e provisoriedade do conhecimento. De forma sintética podemos afirmar que se trata de
uma prática educativa pautada nas categorias do materialismo histórico-dialético:
movimento, historicidade, contradição e totalidade.
Quando os currículos da educação infantil e do ensino fundamental são pautados
por esse referencial teórico há uma relação orgânica entre as etapas que compõe a
educação básica e ao chegar ao ensino médio
[...]o aluno adquire uma relação especial com o objeto, que lhe permite
refletir sobre ele. A apreensão das características especiais dos objetos
é inacessível a partir de pseudoconceitos próprios do senso comum. O
aluno começa a perceber, compreender e explicar que há propriedades
comuns e regulares nos objetos. Ele dá um salto qualitativo quando
estabelece as regularidades dos objetos. É nesse ciclo que o aluno lida
com a regularidade científica, podendo a partir dele adquirir algumas
condições objetivas para ser produtor de conhecimento científico
quando submetido à atividade de pesquisa. (SOARES et al., 2012, p.
36-37).

Presumimos que o ensino médio expresse as exigências do modelo de ser humano


que se pretende formar ao final da educação básica, sobretudo com a evolução para uma
forma mais elaborada de pensar. Como o modelo mais desenvolvido explica o menos
desenvolvido, nessa perspectiva de currículo espiralado, as referências ensinadas na
educação infantil devem ser ampliadas no decorrer do processo de escolarização para que,
ao final, seja possível realizar um trabalho de coroamento em que os estudantes alcancem
a forma mais avançada de operar o psiquismo: o pensamento por conceito.

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No entanto, o grande entrave posto para os professores de Educação Física nessa
etapa da educação básica diz respeito às lacunas na formação dos alunos. A diversidade
de concepções de Educação Física escolar acarreta, do ponto de vista do acúmulo de
conhecimentos acerca da cultura corporal, um descompasso: estudantes com bagagens e
experiências corporais diversas e outros com repertório empobrecido. Romper com essas
concepções enraizadas no processo de escolarização e conseguir atingir os objetivos
colocados pela metodologia crítico-superadora para a ultima etapa é um desafio, que
precisa ser enfrentado pela área.
À guisa de conclusão
Pensar em um projeto de Educação Física para o ensino médio, a partir de uma
perspectiva revolucionária, como a pedagogia histórico-crítica, é uma tarefa que precisa
ser encarada como um grande compromisso político. Reconhecemos neste trabalho que
as teorias histórico-crítica, histórico-cultural e crítico-superadora, pautadas no
materialismo histórico-dialético, reúnem os melhores elementos para iluminar a
elaboração de um currículo e uma prática pedagógica coerente com os interesses da classe
trabalhadora. Cabe enfatizar que tais teorias indicam a centralidade do papel do professor
no processo de emancipação dos sujeitos. Não por acaso, temos visto ações de ataque à
carreira docente, expressas no aligeiramento e empobrecimento da formação de
professores, na intensificação da precarização das condições de trabalho e na
responsabilização dos trabalhadores da educação frente ao fracasso escolar, que visam
obstaculizar o processo de humanização das classes populares.
Em face do exposto, afirmamos que a adesão maciça ao supramencionado
referencial é também uma defesa política do direito a uma educação pública, de gestão
pública, laica, gratuita e de qualidade socialmente referenciada para todos,
potencialmente capaz de formar sujeitos para a transformação social.

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Referências
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formação da individualidade para-si: aportes teóricos para a educação escolar de
adolescentes. 2013. 167 f. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar). Faculdade de
Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara.

ANJOS, Ricardo Eleutério dos, DUARTE, Newton. A adolescência inicial: comunicação


íntima pessoal, atividade de estudo e formação de conceitos. In: MARTINS, Lígia Márcia
Martins; ABRANTES, Angelo Antônio; FACCI, Marilda Gonçalves Dias (org).
Periodização histórico-cultural do desenvolvimento psíquico: do nascimento à velhice.
Campinas, SP: Autores Associados, 2016.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro


de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.html [acesso em
19/10/2017]

FACCI, Marilda Gonçalves Dias. A periodização do desenvolvimento psicológico


individual na perspectiva de Leontiev, Elkonin e Vigotski. Cad. CEDES vol.24 nº 62
Campinas Apr. 2004. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
32622004000100005&lng=en&nrm=iso&tlng=pt [acesso em 19/10/2017]

LEAL, Záira F. de Rezende Gonzales; MASCAGNA, Gisele Cristina. Adolescência:


trabalho, educação e a formação omnilateral. In: MARTINS, Lígia Márcia Martins;
ABRANTES, Angelo Antônio; FACCI, Marilda Gonçalves Dias (org). Periodização
histórico-cultural do desenvolvimento psíquico: do nascimento à velhice. Campinas, SP:
Autores Associados, 2016.

MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão; SACCOMANI, Maria Cláudia da Silva.


Contribuições da periodização histórico-cultural do desenvolvimento para o trabalho
pedagógico histórico-crítico. In: MARTINS, Lígia Márcia Martins; ABRANTES, Angelo
Antônio; FACCI, Marilda Gonçalves Dias (org). Periodização histórico-cultural do
desenvolvimento psíquico: do nascimento à velhice. Campinas, SP: Autores Associados,
2016.

MARTINS, Lígia Márcia. Psicologia histórico-cultural, pedagogia histórico-crítica e


desenvolvimento humano. In: MARTINS, Lígia Márcia Martins; ABRANTES, Angelo
Antônio; FACCI, Marilda Gonçalves Dias (org). Periodização histórico-cultural do

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emancipação humana
desenvolvimento psíquico: do nascimento à velhice. Campinas, SP: Autores Associados,
2016.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11ª ed. São


Paulo: Cortez, 2012.

SOARES, Carmem Lúcia et al. Metodologia do ensino de educação física. 2ª ed. São
Paulo: Cortez, 2012.

Autoras:
Dayse Alisson Camara Cauper
UFG – PPGEEB - e-mail: (daysecamaracauper@gmail.com
Naiá Márjore Marrone Alves
UFG – PPGEEB - e-mail: naiamarjore@gmail.com

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emancipação humana
EMPREENDEDORISMO E FORMAÇÃO DA SOCIABILIDADE NO
CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: “NO NOVO TEMPO, POR
FALTA DE OPÇÃO OU POR ESCOLHA, O QUE SE BUSCA É
CLIENTE, NÃO PATRÃO”188
Graziany Penna Dias

Introdução
O presente artigo tem por intenção trazer à tona o discurso da pedagogia
empreendedora, tão em voga no campo educacional que advém na sua aparência imediata,
como uma perspectiva inovadora e solucionadora dos problemas de educação e trabalho,
mas que na verdade oculta a precariedade das relações econômicas que vem se
desenhando no Brasil, especialmente a partir do último quartel do século passado.
Na perspectiva da redução dos postos de emprego, em todos os quadrantes
possíveis, observa-se toda sorte de discursos que procuram apresentar o
empreendedorismo como a nova perspectiva de formação que a escola deve se basear. A
perspectiva posta é que as pessoas parem de buscar direitos e passem a procurar
oportunidades.

O empreendedorismo como discurso voltado a auto-responsabilização pelo percurso


de vida
Ante ao quadro, do desemprego estrutural, ocasionado pela restruturação
produtiva e o neoliberalismo, a saída anunciada tem sido a busca pelo empreendedorismo.
O argumento é que a falta de emprego ou a perda dele, em face aos processos de
reestruturação, fechamento, privatizações, etc.; as pessoas devem criar seu próprio

188
Pesquisa orientada pelo professor Rubens Luiz Rodrigues. Membro do Grupo de Estudos Trabalho,
Educação Física e Materialismo Histórico (GETEMHI). Professor do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas/Campus Juiz de Fora.

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emprego como alternativa de sobrevivência. Isto representa o ponto mais central da
dinâmica do discurso empreendedor, tendo como pano de fundo a auto-responsabilização,
segunda à qual as mudanças na dinâmica do trabalho tem de ser enfrentadas agora, de
forma individual. De acordo com a matéria intitulada “É trabalho, não emprego”, do
Jornal O Globo, publicado em 01/11/2015, a colunista Flávia Oliveira destaca o seguinte:
O extermínio galopante de postos de trabalho neste 2015 de crise
está transformando o modelo brasileiro de inserção profissional. O
emprego como nós conhecemos, aquele com ou sem carteira
assinada, crescentemente dá lugar à ocupação empreendedora. Na
indústria, no comércio e até nos serviços, avançam os contingentes
de conta própria e empregadores, atesta o IBGE na Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Contínua. No novo
tempo, por falta de opção ou por escolha, o que se busca é cliente,
não patrão. (OLIVEIRA, 2015, s/p).

Esta formulação, juntamente com tantos outros discursos, via meios de


comunicação, intelectuais, aparelho escolar, agências públicas e privadas etc., tem
procurado pedagogicamente (GRASMCI, 1995) disseminar a visão de que, a saída e o
enfrentamento aos problemas postos pelas mudanças no capitalismo, referem-se às ações
individuais que cada indivíduo, agora atomizado deve fazer para poder inserir-se no
mercado de trabalho.
No Brasil, especialmente a partir da década de 1990, novas propostas para a
formação humana têm ganhado terreno, especialmente, com relação ao seu alinhamento
pedagógico (GRASMCI, ibid.) com os anseios da classe dominante, na fase atual do
modo de produção capitalista.
Na luta incessante de estabelecer essa hegemonia, com vistas a atingir consenso
social um conjunto de noções ideológicas tem sido divulgado/imposto por diversas
agências que expressam os interesses dominantes como sendo as grandes balizadoras da
formação humana, restrita aos interesses do capital. Seriam estas noções: a competência,
a empregabilidade e o empreendedorismo. Essas são produzidas, pelo discurso

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dominante, como forma de convencer a classe trabalhadora a se adequar às mudanças que
vêm ocorrendo no contexto da sociabilidade capitalista.
Observamos também um conjunto de formuladores (que também se consideram
empreendedores) e obras que procuram sinalizar os aspectos da responsabilização
individual sobre a sua situação social, sobretudo, financeira. Considerado o homem mais
rico da China e empreendedor renomado, Jack Ma apresenta o aspecto principal dessa
“maneira de ser” observado pelo viés do individualismo levado ao extremo. A colocação
feita pelo autor, em várias de suas palestras, não deixa dúvida com relação a se depositar
no indivíduo a responsabilidade por sua situação de vida. De acordo com ele: “Se você
ainda é pobre aos 35, a culpa é sua.” (JACK MA, 2014).
Na obra intitulada “Só é Pobre quem Quer” (LECHTER e REID, 2014), fica bem
evidente, desde o título, a perspectiva de responsabilização que é depositada no
empreendedor. Bastando ter os comportamentos corretos o sujeito poderia atingir o
sucesso. E, quem não chega lá, é por conta da insuficiência das suas ações individuais.
Outra obra reveladora sobre os propósitos da visão empreendedora de
responsabilização pessoal pela condição desfavorável é o livro intitulado “Como os
pobres podem Salvar o Capitalismo: reconstruindo o caminho para a classe média.”
(BRYANT, 2016). Nesta obra, em especial, são feitos apontamentos, que entendemos
designarem a função principal do discurso do empreendedorismo. Em seu “Prefácio”,
Carlos Bremer procura enfatizar que, embora o capitalismo tenha deficiências, também
possui suas virtudes: “liberdade, sistema de trocas voluntárias, institucionalização da
economia de mercado, mas, principalmente, o empreendedorismo como o grande fator de
transformação e evolução da sociedade.” (BREMER, 2016, p. 15, grifos nossos).
Bryant (2016) procura apresentar uma proposta para salvar a América (em outras
palavras: o capitalismo) da pobreza. Nesse sentido, apresenta um conjunto de propostas
(empreendedorismo, educação financeira etc.) que procuram radicalizar o seu combate,

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num caráter transformador. Porém adverte: “esse livro não é sobre socialismo e,
definitivamente, não é sobre comunismo.” (BRYANT, 2016, p. 24). O comunismo teria
falhado e o socialismo não funcionaria nos EUA. Sua conclusão (ao estilo tese do “fim
da história”) é de que o capitalismo é horrível, mas melhor do que os outros sistemas.
Nesse sentido, suas formulações, sobre o empreendedorismo, referem-se não aos
99% nem ao 1%, mas aos 100%. E por uma razão muito simples e clara, pois na visão do
autor.
Os pobres e carentes devem receber uma participação nesta coisa que
chamamos de América, ou garanto que eles vão dilacerá-la – antes de
derrubá-la. Isso não é uma declaração alarmista. A pessoa mais perigosa
do mundo é uma pessoa sem esperança. (BRYANT, 2016, p. 29).

Sua linha de ação vislumbra atender e beneficiar “igualmente os poderosos e os


destituídos.” (ibid., p. 29). Caso contrário, não se estará garantindo um mundo seguro
para nossos filhos. A preocupação com a segurança comparece de forma muito explícita
em suas formulações. Daí a necessidade, em nosso entender, de uma ideologia que
continue a convencer os 99% a garantir a posição dos 01%. Essa ideologia sem dúvida é
o empreendedorismo que vai imputar a todos o aspecto da responsabilização. Agora, e,
ironicamente, são os pobres, as maiores vítimas do metabolismo destrutivo do capital,
que terão de salvá-lo.
Isso fica muito claro quando Bryant (2016) comenta sobre a nova definição de
liberdade, no capitalismo do século XXI: a autodeterminação. O indivíduo terá agora que
buscar as oportunidades com as próprias mãos, por meio de ideias arrojadas, ligadas “à
ação, risco pessoal, ao investimento pessoal e trabalho.” (ibid., p. 29). Para isso, é
necessário formação, pois, como exemplo, o autor diz que se se der um recurso da ordem
de 01 milhão de dólares para um sem-teto, muito provavelmente este estaria falido num
espaço de até 06 meses.

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emancipação humana
No contexto brasileiro, também identificam-se autores que fazem uma alusão
muito forte à educação para o empreendedorismo. Chamamos a atenção para a obra
“Capitalismo: Modo de usar: Porque o Brasil precisa aprender a lidar com a melhor forma
de organização econômica que o ser humano já inventou” (GIAMBIAGI, 2015). Nessa
obra, o autor faz uma defesa contundente do modo de produção capitalista, em face da
derrocada e ineficiência do comunismo.
Giambiagi (2015) é um crítico contundente a qualquer visão de esquerda, seja
partidária, seja educacional; enfatizando que o problema do Brasil se deve ao
desconhecimento que as pessoas têm a respeito do funcionamento do capitalismo. De
acordo com Giambiagi: “[...] o Brasil continua sendo um país no qual uma parte
considerável das pessoas continua sem estar preparada e sem entender como funciona
adequadamente o regime capitalista.” (GIAMBIAGI, 2015, p. xii).
Novamente aqui se observa a questão da responsabilização individual, pois as
questões da pobreza e baixo desenvolvimento seriam pela falta de educação, somado a
cultura de esquerda que tende demonizar o capitalismo, o lucro, da exacerbação da
“cultura do coitado” e da visão do sucesso como uma ofensa pessoal. (GIAMBIAGI,
2015). O autor chama a atenção para três regras que explicariam a dinâmica capitalista.
A primeira regra é “a sobrevivência dos melhores”. O sistema capitalista se assemelharia
ao funcionamento da Natureza. Essa afirmação fica evidenciada na seguinte formulação:
Da mesma forma que nesta o filhote quando cresce precisa aprender a
viver por sua conta e que cada animal precisa sobreviver e
eventualmente competir por espaço, algo análogo se processa nas
relações entre os homens, entre as empresas e entre os países. A vida
não é fácil. E, nesse contexto, os melhores tendem a se destacar. Por
isso, se uma empresa não é competitiva, a tendência é que ela perca
espaço diante da concorrência e, no limite, que desapareça.
(GIAMBIAGI, 2015, p. 32).

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Nota-se a forma contundente com a qual o autor mostra a ferocidade do
capitalismo, além da naturalização das relações econômicas como regras em consonância
com a Natureza. Suas argumentações se pautam em fazer um paralelo com a economia
capitalista e a natureza selvagem, para justificar os males que se apresentam.
A segunda regra pode ser resumida na seguinte afirmação: “fracasso é a essência
do êxito”, pois no capitalismo a necessidade de se assumir riscos torna-se uma máxima a
ser seguida, considerando todo o processo da disputa feroz entre as empresas. Assim, o
fracasso tem de se entendido como uma forma de frustração para se atingir o
desenvolvimento. E isso só aconteceria se se retirar a proteção excessiva sobre os
indivíduos e as empresas. De acordo com o autor: “[...] no capitalismo, é essencial que
aquele que está no topo possa ser desafiado e quem está embaixo tenha chance de subir e
eventualmente substituir quem está acima. Em outras palavras, é necessário que a fila
ande!” (GIAMBIAGI, 2015, p. 35).
A terceira regra: “criatividade é essencial”. O autor destaca a importância das
ideias que criam a inovação a partir da atuação empreendedora. “Boas ideias, em
definitivo, são o que move o capitalismo” (ibid., p 35). Assim, empreendedores seriam os
agentes principais do capitalismo.
O autor defende que a cultura escolar, impregnada da ideologia marxista,
conferiria um atraso ao desenvolvimento de uma formação empreendedora, o que
contribuiria para uma educação para o subdesenvolvimento. Isso pode ser evidenciado na
seguinte afirmação:
Há, no Brasil, todo um conjunto de ideias disseminadas que constituem
uma verdadeira “educação para o subdesenvolvimento”, por pregar
concepções equivocadas acerca de como funciona o sistema capitalista
e desestimular o empreendedorismo, que é uma das marcas de algumas
sociedades mais dinâmicas. (GIAMBIAGI, 2015, p. 89).

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Não obstante, no Brasil, o empreendedor individual enfrenta barreiras que vão
desde a burocracia estatal e carga tributária excessiva até a natureza idiossincrática da
mentalidade do brasileiro que ainda vislumbra a posição cômoda de receber uma
benfeitoria do Estado (como empregador, contratante ou financiador) ou a garantia de
direitos vitalícios no emprego. (ibid.) Para o autor, o capitalismo seria o oposto disso. E
as razões que levanta são expostas da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, ele [o capitalismo] significa que o que deve ser
premiado é o que passa pelo teste do mercado e não o que depende da
concessão graciosa de um benfeitor. Em segundo, nele o êxito
representa o resultado do esforço e/ou do engenho [...]. E, em terceiro,
está associado à ideia de “matar um leão por dia”: no mercado, as
conquistas precisam ser validadas permanentemente, de modo que
aquele que “dormir no ponto” – seja um indivíduo ou uma empresa –
será afetado pelo fato de que a “fila anda”: o que era bem acolhido pelo
mercado um dia, poderá deixar de sê-lo no dia seguinte. (GIAMBIAGI,
2015, p. 174).

Não obstante, o autor destaca que “temos um cultura que abomina a


competitividade, desconfia dos vitoriosos e simpatiza com os fracassados”
(GIAMBIAGI, 2015, p. 175). Nesse contexto, seria muito difícil que uma cultura
empreendedora possa se instalar efetivamente na escola. Nessa linha, afirma que:
O capitalismo, aqui elogiado neste livro, não nos enganemos, é
sinônimo de desigualdade. E ele está intrinsicamente associado à noção
de empreendedorismo e, por conseguinte, de que uma ideia pode dar
certo e gerar uma história de sucesso. [...] Nesse sistema, há histórias
boas e outras que não o são. Há vitorias e derrotas, winners e losers. O
sol não sorri para todos, digamos. Nesse contexto, o êxito pode expor a
falta de êxito dos outros. (GIAMBIAGI, 2015, p. 160).

Para o autor, o esforço individual do empreendedor está intimamente ligado ao


capitalismo que valoriza os melhores em detrimento dos menos capazes, daí o seu caráter
desigual. Não pela lógica intrínseca do sistema, mas por conta de que se um indivíduo

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emancipação humana
conquistou algo que outro não conseguiu, foi por mérito individual o que explica a
pobreza por via do aspecto individual.
E, para tornar-se empreendedor, o discurso dominante propagado, apresenta o
empreendedorismo como um conjunto de habilidades, capacidades e competências que
tem de ser requeridas pelas pessoas que pretendem se lançar no mercado em busca de
desenvolver um negócio próprio ou dentro de um setor, ainda formal, seja público ou
privado, o que promoveria melhorias sejam estas econômicas ou sociais. Neste sentido,
não seria necessárias transformações sociais muito profundas, já que os problemas que os
efeitos negativos, ocasionados pelas mudanças que o capitalismo vêm passando, seriam
solúveis via o empreendedorismo.
Atualmente, as contrarreformas (BHERING, 2008) que o governo Temer tem
realizado relativas aos direitos trabalhistas têm sido comemoradas pelos setores mais
conservadores, como sendo o ambiente de oportunidades que a nação estava necessitando
para alavancar o espírito empreendedor.
Segundo o Portal da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, cujas agências
mantenedoras são a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o SEBRAE, a lei Nº
13.429 , de 31 de março de 2017, a chamada lei das terceirizações, é saudada como grande
oportunidade de negócios para as micro e pequenas empresas existentes e para o
aparecimento de novas. Nas palavras do presidente do SEBRAE, Guilherme Afif
Domingues: “A terceirização é um fator de geração de emprego. É uma oportunidade para
o surgimento de muitas atividades para novos empreendedores que hoje são
trabalhadores. O operário vira empresário”. (PORTAL LEI GERAL, 2017, s/p). De
acordo o presidente do SEBRAE, isso não recairia em precarização, pois segundo
levantamento feito, duas em cada três micro empresas não teriam interesse em terceirizar
parte de suas atividades-fim.

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emancipação humana
Segundo Guilherme Afif Domingues: “Esse resultado reforça mais ainda a minha
tese: a regulamentação da terceirização não deve ser confundida com a precarização da
força de trabalho. Precarização é a falta de trabalho” (PORTAL LEI GERAL, 2017, s/p).
Considerando esta formulação, a perspectiva de precarização, tão discutida pelos meios
acadêmicos como a sociologia do trabalho, é sumariamente descaracterizada, já que não
se considera a desproteção social sobre os trabalhadores como precarização, apenas a falta
de trabalho. Considerando o quadro que virá, depreende-se que o discurso do
empreendedorismo tomará novo vigor, o que impõe a necessidade de análises críticas e
qualificadas para fazer frente à perspectiva empreendedora na sua forma ideológica.
Pois o discurso propalado por governantes e boa parte da mídia que tentam
incessantemente convencer a população brasileira de que se estaria vivendo um momento
de superação da crise e ingressando num momento de paz e prosperidade, tendo o
empreendedorismo como o grande norteador, promovendo o “apaziguamento da classe
trabalhadora e celebração do espírito empreendedor como uma espécie de religião laica
levada aos quatro cantos do país como a redenção para todos os males.” (SAVIANI;
DUARTE, 2012, p. 01).

Considerações Finais
Pelas formulações dos autores e instituições que procuram versar sobre a relação
entre empreendedorismo e educação, em geral, são enfáticos ao dizerem que a formação
empreendedora seria responsável pela melhoria das condições individuais e coletivas das
pessoas e das nações.
Porém, o fazem tendo de formular em favor de uma perspectiva de sociabilidade
extremamente individual, depositando no indivíduo a responsabilidade por sua situação
de vida, e afirmando a assunção dos riscos, como necessária aos moldes contemporâneos

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de uma nova forma de ser pautada nas mudanças recentes do capitalismo em que pese o
ideário neoliberal.

Referências

BRASIL. Lei Nº 13.429, de 31 de Março de 2017. Altera dispositivos da Lei no 6.019,


de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e
dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de
serviços a terceiros. Brasília, 2017a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm. Acessado
dia 18/05/2-17.

BREMER, Carlos. Prefácio in: BRYANT, John Hope. Como os Pobres podem Salvar
o capitalismo: reconstruindo o caminho para a classe média. Porto Alegre: CDG, 2016.

BRYANT, John Hope. Como os Pobres podem Salvar o capitalismo: reconstruindo o


caminho para a classe média. Porto Alegre: CDG, 2016.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e Crise do Capitalismo Real. – 4ª ed. – São Paulo:


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GIAMBIAGI, Fabio. Capitalismo: modo de usar – Porque o Brasil precisa aprender a
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Disponível em: https://goo.gl/rYsaFs. Acesso em: 25/02/2018.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 935
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
PORTAL LEI GERAL. Terceirização abre espaços para pequenos negócios. Março
2017. Disponível em: http://www.leigeral.com.br/novidades/detalhes/7240-
Terceirizacao-abre-espacos-para-pequenos-negocios. Acessado dia 20/05/2017.

SAVIANI, Dermeval & DUARTE, Newton. (orgs.). Pedagogia histórico-crítica e luta


de classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

Autor:

Graziany Penna Dias


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista pela Capes.
e-mail: graziany.dias@ifsudestemg.edu.br.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 936
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO SUPERIOR: INFLUÊNCIA DA
TRADIÇÃO MARXISTA E DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS
Andressa Elisa Martos Antunes
sther Luiza de Souza Lemos
Mabile Caetano Cazela

Introdução
O legado de Karl Marx pode ser identificado nos mais diferentes campos. A partir
disso, o presente trabalho objetiva identificar a influência da obra marxiana e da tradição
marxista no Serviço Social brasileiro – especificamente, na atual conjuntura de
contrarreformas. E ainda, analisar a incidência da contrarreforma da educação superior
para a classe trabalhadora e, particularmente, para o Projeto Ético-Político Profissional
do Serviço Social.
Partimos da análise de que a crítica e a autocrítica às bases conservadoras e
endógenas do Serviço Social só foi possível a partir da apreensão, pelos assistentes sociais
brasileiros/as, da Teoria Social de Marx. Netto (1989) ressalta que esta primeira
aproximação deu-se de forma enviesada, porém, atingiu sua maturidade na medida em
que, inseridos no movimento histórico de formação e organização da classe trabalhadora
e colocando a profissão como objeto de estudo, estes profissionais foram capazes de
romper com as bases teórico-metodológicas que orientavam a formação e o exercício
profissionais.
A conjuntura social, econômica, política e cultural, marcada por retrocessos
históricos no campo dos direitos dos trabalhadores, evidencia os desafios para
manutenção dos avanços conquistados no Serviço Social brasileiro, impondo-se mais
uma vez a necessidade do aprofundamento da “arma da crítica”, da ação política e coletiva
para a construção de uma nova ordem societária sem dominação.

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 937
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Neste sentido, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social –
Mestrado/PPGSS da UNIOESTE foram defendidas duas dissertações com o tema
“Princípios éticos fundamentais do Serviço Social brasileiro: um estudo sobre a influência
de Carlos Nelson Coutinho” (CAZELA, 2016) e “O movimento de expansão dos cursos
de graduação em serviço social no Estado do Paraná: a particularidade da educação a
distância” (ANTUNES, 2017), sob orientação da profa. Esther Lemos. Assim, o debate
oportunizado pelo VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas – EBEM motivou
a construção do presente texto com o objetivo de socializar ambas as dissertações, para
além das fronteiras do Serviço Social como profissão, bem como a direção social
assumida pela categoria tanto no trabalho quanto na formação profissional, com a
aproximação à obra marxiana e à tradição marxista. Ao mesmo tempo situar os desafios
presentes, como parte de classe trabalhadora, no contexto de contrarreforma e restrição
de direitos vividos no Brasil.
O caminho metodológico utilizado na elaboração desta exposição teve como base
a pesquisa bibliográfica com autores da tradição marxista e da área de Serviço Social no
Brasil. Os dados específicos sobre o ensino superior foram obtidos através da pesquisa
documental nos órgãos oficiais.
A gênese conservadora do Serviço Social tem suas bases erodidas à partir da
possibilidade histórica de apreensão crítica de sua origem e funcionalidade, crítica esta
advinda da contribuição da obra marxiana e da tradição marxista. O presente texto
apresenta esta aproximação e os desafios que se colocam particularmente no campo da
educação superior com a emergência da Educação à Distância (EAD).

O movimento contestatório do serviço social e seus desdobramentos


A conjuntura sociohistórica latino-americana à partir da Revolução Cubana e
todas as ações interpostas pelo capital internacional no sentido de cercear as liberdades

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
democráticas e patrocinar ditaduras civil-militares, fez emergir no meio profissional uma
reação, entre 1965 e 1975, conhecida como Movimento de Reconceituação do Serviço
Social na América Latina.
O movimento da luta de classes no continente e a participação neste Movimento
permitiu à categoria um novo patamar de consciência. A superação da leitura de manuais,
o estudo da obra marxiana e a apropriação da tradição marxista através de Gramsci,
Lukács, Mandel, Heller, entre outros (IAMAMOTO, 2007), trouxe nova densidade
teórica e política ampliando-se os quadros profissionais nos espaços socioocupacionais
particularmente nas universidades. Ao mesmo tempo, passaram a ocupar os espaços
organizativos da categoria e a disputar o projeto profissional. E ainda, aprofundava-se a
compreensão em torno da ontologia do ser social em Marx e a centralidade do trabalho
tendo como protagonistas e interlocutores entre eles Coutinho, Tonet, Netto, Konder,
Antunes, Lessa (BARROCO, 2010).
O adensamento da direção social proposta e da concepção de profissão que passou
a nortear as ações profissionais ao longo da década de 1980 permitiu emergir o que Netto
(1989) denominou de vertente de intenção de ruptura. O amadurecimento teórico-
metodológico no campo da tradição marxista e o espraiamento da direção política no
âmbito das entidades da categoria no enfrentamento do neoliberalismo na década de 1990,
criou as condições de unidade política em torno de um projeto profissional identificado
pela categoria de Projeto Ético-Político do Serviço Social.
Concebendo a unidade e indissociabilidade entre formação e exercício
profissional, tal projeto profissional se expressa desde então na Lei n. 8.662, de 07 de
junho de 1993 (CFESS, 2012), que regulamenta e legitima social e legalmente a profissão;
no Código de Ética Profissional aprovado em 1993 (CFESS, 2012), que diz respeito, em
linhas gerais, ao exercício profissional, seus valores, princípios e normas; nas novas

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Serviço Social propostas pela
categoria (ABESS, 1996) e que instituem as bases para a formação profissional.
É indispensável ressaltar que a concretude e a importância do projeto profissional
não se traduz meramente em sua materialização jurídico-formal, isto porque o ensino da
profissão em nível superior foi regulamentado em 1953, a profissão tem regulamentação
legal desde 1957 e a categoria já organizava seu primeiro Código de Ética Profissional
em 1947, antes mesmo dessas leis terem sido criadas e sancionadas.
O que difere e demarca a concretude e relevância deste Projeto encontra-se nos
marcos de um amadurecimento teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-político
que ficam expressos não somente na letra da lei dos documentos que o legitimam, como
– e este é o ponto fulcral – essencialmente na direção social que se consolida no âmbito
deste projeto profissional e que somente foram possíveis mediante à adesão e
aprofundamento aos fundamentos da obra marxiana e da tradição marxista.
Contudo, este projeto que se consolida na década de 1990 em condições adversas
dadas pela ofensiva neoliberal, encontra-se na conjuntura social, política, econômica e
cultural atualmente ameaçado e/ou como profere Netto (2017), em processo de
inviabilização em dois abrangentes níveis: 1) ao que se refere aos objetivos e funções da
profissão, com o risco de reduzi-los a funções no plano assistencial; 2) sobre os requisitos
teóricos, práticos e institucionais para o exercício da profissão, instaura-se uma crescente
desregulação e flexibilização do ensino superior. Este aspecto destacamos a seguir
problematizando sua influência para o conjunto da classe trabalhadora.

A contrarreforma e a mercantilização da educação

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A ofensiva neoliberal proporcionou o aprofundamento da mercantilização da
educação em todos os níveis. A expansão do ensino privado189 se evidencia, ao mesmo
passo em que ocorre a privatização interna das instituições públicas, pois ambos os
processos correspondem às mais variadas expressões que agregam o projeto dos
intelectuais da burguesia de construir uma nova sociabilidade (LIMA, 2007). Decorre daí
o reordenamento do papel do Estado – que na sociedade brasileira ganhou maior
densidade em meados da década de 1990 –, bem como a reestruturação produtiva do
capital e o exaurimento do socialismo real – com expressão máxima na queda do muro
de Berlim em 1989 (GUERRA, 2007).
Evidentemente que a tentativa dos intelectuais da burguesia em construir uma
nova sociabilidade cujos princípios priorizassem a manutenção da propriedade privada e
produção de excedentes – em síntese, a lei geral da acumulação capitalista –, não se
reduziu ao reordenamento do papel do Estado – que culminou na falência do Estado de
bem estar social –, tampouco na crise do socialismo real (NETTO, 2017). Porém, é certo
que decorrente destas duas crises – que em suma se configuram enquanto a crise estrutural
do capital, adensada na década de 1970 –, o neoliberalismo foi implementado como
estratégia de defesa e continuidade do domínio do capital.
No âmbito do ensino superior, integrando a expansão do setor privado na venda
de serviços e mercadorias educacionais, outro retrocesso que se impõe é a expansão
vertiginosa da EAD nas mais variadas áreas do conhecimento, incluindo a venda de
cursos de graduação em Serviço Social. A EAD corresponde a uma das expressões do
processo de contrarreforma da educação superior em curso, além de se caracterizar como
um nicho mercadológico do capital190. Ademais, a EAD se configura como a expressão

189
De acordo com o Censo da Educação Superior de 2016, as matrículas no setor privado corresponderam
ao total de 75,3%, enquanto que no âmbito público, apenas 24,7% do total de matrículas.
190
As negociações que envolvem as maiores empresas no ramo educacional, especialmente as que ofertam
a EAD, ficam na casa dos bilhões. Em 2016 a maior empresa do ramo educacional, o Grupo Kroton

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
máxima da precarização do ensino superior, na medida em que permite o aprofundamento
da desigualdade em todos os sentidos da vida social.
Não se trata de uma recusa à utilização de tecnologias nos processos de ensino e
aprendizagem, mas sim da certeza que estas tecnologias – especialmente as Tecnologias
da Informação e Comunicação (TICs) – estão sendo utilizadas a favor do grande capital,
para aumentar ainda mais a distância entre os donos apenas da força de trabalho e os
donos dos meios de produção. Há uma evidente diferença na forma de acesso – em
especial do ensino superior – à educação institucionalizada da classe trabalhadora, para o
acesso à educação da classe burguesa. Essa realidade reafirma a dualidade histórica
presente na educação brasileira (CUNHA, 1977): a) a formatação de uma educação
superior de qualidade para os filhos da classe dominante; b) e a formação operacional
para os filhos da classe trabalhadora – que no atual momento pode se caracterizar através
da EAD para aqueles que não têm condições de adentrar e de se manter na universidade,
devendo assim, recorrer a cursos pagos, aligeirados e de baixa qualidade, donde o objetivo
final é a reprodução da dominação.
As diferentes formas de acesso ao ensino superior também são naturalizadas nas
orientações dos organismos internacionais191, pois estes justificam o incentivo à expansão
do ensino superior de natureza privada, em especial da EAD, a partir da compreensão
acerca do perfil do alunado. Deste modo, a EAD corresponde a um tipo ou modalidade
de ensino capaz de ser custeado pelos “[...] trabalhadores e filhos de trabalhadores da
periferia do capitalismo. Assim, as instituições não universitárias ajudam a satisfazer a

Educacional, estava em processo de aquisição da UNESA (pertencente ao Grupo Estácio) – segundo maior
grupo no âmbito educacional –, sendo que as negociações alcançavam a marca de R$ 5,5 bilhões. A
incorporação da UNESA (Grupo Estácio) pelo Grupo Kroton foi reprovada pelo Tribunal do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), visto que este negócio resultaria em efeitos anticompetitivos
(ANTUNES, 2017).
191
Banco Mundial (BM), Organização Mundial do Comércio (OMC) e Organização das Nações Unidas
para Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
demanda por ensino pós-secundário dos grupos minoritários e dos estudantes
economicamente em desvantagem.” (BANCO MUNDIAL, 1994, apud LIMA, 2008, p.
21). De outro lado, a oferta da EAD, particularmente no âmbito do Serviço Social, ocorre
exclusivamente por meio da esfera privada, possibilitando altos lucros não apenas aos
Grupos Educacionais que vendem esta mercadoria, mas também para o capital
internacional dos países centrais que vendem a tecnologia para os países periféricos como
o Brasil, visando a implementação de um ensino superior mediado pela ideia de
autoaprendizagem. Em suma, a desigualdade social e econômica, além de ser
reconhecida é ampliada.
Com os pontos levantados até aqui, buscamos demonstrar como a política
educacional – particularmente no âmbito do ensino superior –, compõe o processo de
contrarreforma do Estado brasileiro. A política de educação superior, no contexto de
contrarreforma universitária que se iniciou no Brasil a partir dos anos 1990, em particular
em meados desta década, configura-se como um nicho mercadológico. Os ajustes fiscais
e “reformas” – entendidas como contrarreformas – propagandeadas como necessárias
frente a “crise do Estado” ou “crise de gestão da administração pública”, segundo o
governo FHC – na verdade, correspondem a um projeto da sociabilidade burguesa frente
as crises do capital –, foram funcionais a abertura de mais um mercado lucrativo para o
capital: a educação formal, em especial, o ensino superior, com maior densidade na EAD.
A partir disso, os ataques às universidades públicas, seja no sentido de privatizá-las
internamente, seja na tentativa de suprimir sua autonomia, em conjunto com o incentivo
fiscal e tributário às instituições de ensino superior privadas, forjaram uma
“democratização” do acesso ao ensino superior, para cidadãos consumidores, ou seja,
para aqueles que podem pagar e consumir o curso de graduação.

Considerações finais

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O incentivo à esfera privada para oferta de educação de nível superior não se
explica sob o viés da falácia de democratização do acesso ao ensino superior, mas sim
quando analisado e referenciado aos grandes lucros das empresas educacionais, bem
como a necessidade de manutenção de um consenso e conformidade acerca das
desigualdades originadas e existentes em decorrência do modo de produção capitalista.
Se a educação é o processo de internalização da cultura, sendo a educação formal, um
momento desta internalização (MÉSZÁROS, 2008), a educação institucionalizada no
capitalismo contemporâneo acaba tendo como funcionalidade a produção e reprodução
da conformidade, consenso e desenvolvimento de uma consciência social passiva de que
se tem o acesso ao ensino superior e consequentemente mobilidade social. Em outros
termos, o que Lima (2007) denomina de “alívio da pobreza”.
A Instituição escolar – em particular, a universidade – mesmo não podendo ser
considerada a arma para a transformação radical necessária, apresenta-se como locus de
radicalismo intelectual (FERNANDES, 1975), pois expressa uma posição importante na
luta de classes, assim como se apresenta como fundamental no processo de construção de
uma nova sociabilidade que não se baseie na exploração humana.
Tais contrarreformas incidem no projeto profissional do Serviço Social brasileiro,
tanto no que se refere às condições objetivas nas quais o processo de formação
profissional se materializa, quanto no trabalho profissional e nos limites que se impõem
ao pensamento crítico, à liberdade de expressão, ao investimento na pesquisa científica e
à autonomia profissional.
Uma das bandeiras de luta do Serviço Social é a ampliação e consolidação de uma
educação formal pública, gratuita, laica, referenciada e de qualidade, visando não
somente o ingresso da classe trabalhadora nas universidades – locus de desenvolvimento
da pesquisa e extensão –, mas também suas condições de permanência. Dessa forma,
concordamos com Mészáros (2008), em seu posicionamento radicalmente contrário em

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 944
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
relação as “reformas” e aos ajustes fiscais na órbita do capital, pois, partindo do
pressuposto que o capitalismo é irreformável e incorrigível, faz-se inócuo a constatação
de que uma reforma sistêmica na própria estrutura do sistema do capital é uma
contradição em termos. Ou seja, nada que seja realizado com o discurso dos intelectuais
da burguesia – por vezes meritocrático – de democratização do acesso ao ensino superior
através de cursos pagos – como, por exemplo, a EAD – poderia fornecer as bases de um
pensamento voltado à reflexão crítica e possibilidade de saltos ontológicos. Tal
posicionamento está embasado na tradição marxista que orienta o Projeto Ético Político
Profissional do Serviço Social no Brasil.
A apropriação da arma da crítica pela classe trabalhadora historicamente tem sido
cerceada pelas elites. A arma poderosa do legado de Marx tem sido o desvelamento das
contradições da ordem do capital e sua legalidade. Seu legado é fecundo e pulsa no
cotidiano da luta de classes. Cabe aos revolucionários da atual geração construírem, no
tempo presente, as mediações para superação das correntes que nos prendem!

Referências

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 945
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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Autoras:

Andressa Elisa Martos Antunes


Prefeitura de Umuarama
Esther Luiza de Souza Lemos
UNIOESTE
Mabile Caetano Cazela
UNILA/Prefeitura de Foz do Iguaçu

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emancipação humana
A ESCOLA COMO INSTRUMENTO DE REPRODUÇÃO DAS
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO
Aline Szymanski
Aparecida Favoreto
Maria Lidia Sica Szymanski

Introdução
A reprodução dos meios de produção e das forças de trabalho
Uma formação social que não reproduz as
condições de produção ao mesmo tempo que
produz, não sobreviverá. (ALTHUSSER,
1985, p. 53).

Este artigo, por intermédio das reflexões de Althusser sobre os Aparelhos


Ideológicos e Repressivos do Estado, tem como objetivo pensar o papel da escola no
processo de transformação e/ou de conservação da sociedade. Neste sentido, aponta as
principais teses de Althusser sobre ser a escola um Aparelho Ideológico do Estado, ao
passo em que assinala a escola como um elemento de luta social, podendo ser um espaço
de formação crítica na perspectiva de transformação social.
Marx ressaltava a necessidade da reprodução das condições materiais de
produção, “(...) que consiste em anualmente prover e ser capaz de repor o que se esgota:
matéria-prima, instalações, máquinas que se desgastam etc...” (ALTHUSSER, 1985,
p.54). Uma leitura aligeirada poderia sugerir que esta tarefa caberia ao proprietário da
empresa, e ocorreria dentro da própria empresa. Mas, não é dentro da empresa que essa
reprodução ocorre. Dentro da empresa aparece apenas o efeito dessa reprodução, fora dela
é que se encontram as condições e os mecanismos que possibilitam a sua reposição, por
meio da compra dos bens produzidos por outros capitalistas.
Essa mesma lógica aplica-se à reprodução das forças de trabalho, a qual ocorre
essencialmente fora da empresa, e é assegurada materialmente pelo salário. O salário

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
mantém o trabalhador submisso às regras e normas que asseguram a reprodução das
relações de trabalho.
Este salário que é responsável também pela educação que o trabalhador dará a
seus filhos, assegurando a futura mão de obra para o dono do capital, é determinado não
somente por necessidades biológicas (comer, morar, vestir-se), mas também é
historicamente variável, ou seja, oscila de acordo com as necessidades e, até certo ponto,
desejos de cada grupo de trabalhadores.
Até a Idade Média, o trabalhador aprendia seu ofício, trabalhando como auxiliar
de quem o exercia e não havia uma instituição responsável por preparar essa mão de obra.
Entretanto, conforme o capitalismo foi se gestando, gradativamente o sistema burguês foi
aperfeiçoando seus aparelhos ideológicos para produzir as condições necessárias para
reprodução das relações de produção.
Das forças produtivas, isto é, da mão de obra que executa o trabalho, necessitam-
se competências diversas, as quais se enquadrarão em cada fração social que corresponde
aos diferentes cargos de uma empresa. Essas diferentes especializações tornaram-se tão
complexas que, apenas a aprendizagem tácita, no próprio local de trabalho não
possibilitava, e não possibilita o preparo do trabalhador de acordo com as necessidades
do dono do capital. Daí o papel social da escola, enquanto instituição que preparava a
mão-de-obra necessária aos donos do capital.
Assim, Althusser desvela o papel da escola moderna, que surge para atender aos
anseios de liberdade, igualdade e fraternidade, mas contraditoriamente colabora para a
produção desse trabalhador submisso que o capitalista necessita em sua empresa, ou seja,
para a submissão, e a desigualdade social que o capitalismo, principalmente o capitalismo
selvagem dos países subdesenvolvidos, gera.

Fundamentação teórica

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emancipação humana
No sistema capitalista, o Estado apresenta-se como um aparelho repressor, que
permite às classes dominantes (classe burguesa) a manutenção da sua dominação sobre a
classe operária, para que assim possa continuar a explorá-la. Essa seria a função
fundamental do Estado, manifestando-se sob a forma da política, dos tribunais, prisões,
exército e etc.(ALTHUSSER, 1985).

DA TEORIA DESCRITIVA A TEORIA PROPRIAMENTE DITA


A etapa descritiva é fundamental a toda teoria, que, no caso, consiste em descrever
o fenômeno que se está estudando. Althusser (1985) ressalta a teoria descritiva como
transitória, porém essencial para chegar-se à teoria propriamente dita. Assim, ele
considera que a metáfora do edifício, proposta por Marx, por exemplo, para demonstrar
as articulações entre a infra e a superestrutura, sugere contradições as quais devem ser
desveladas para superar a etapa descritiva e chegar à teoria propriamente dita.
No caso da compreensão do processo de reprodução das relações de produção,
superar a etapa de descrição consiste em compreender de que forma essas relações se
mantém, ou seja, quais são os mecanismos responsáveis por essa manutenção.
Althusser (1985, p.64) destaca a definição de Estado como “estado de classe,
existente no aparelho repressivo do Estado”. Essa definição destaca a relação entre o
estado e a classe hegemônica, a qual se utiliza de massacres, violência, censuras, para
manter essa hegemonia. Porém, a descrição dessas relações para a apropriação do
conceito de Estado, exige que se considere a etapa descritiva como necessária, porém
insuficiente, enquanto uma etapa da constituição de uma teoria que embora se aproprie
da descrição conceitual e processual, não se restrinja a ela.
Para Althusser, o Estado só tem sentido em função de seu poder de Estado. A luta
de classes gira em torno da posse e manutenção do poder de Estado por uma classe ou
fração de classes, e distingue-se do Aparelho do Estado. Os Aparelhos de Estado

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emancipação humana
correspondem aos mecanismos utilizados pela classe dominante, para manter essa
hegemonia:
1) o Estado é o aparelho repressivo do Estado; 2) deve-se distinguir o
poder do Estado do aparelho do Estado; 3) o objetivo da luta de classes
diz respeito ao poder de Estado e consequentemente a utilização do
aparelho de Estado pelas classes (ou alianças de classes ou frações de
classes) que detém o poder de Estado em função de seus objetivos de
classe e 4) o proletariado deve tomar o poder do Estado para destruir o
aparelho burguês existente (...). (ALTHUSSER, 1985, p.66)

Portanto, o aprofundamento teórico quanto à teoria de Estado superando a


descrição, exige que se reflita e se analise as contradições inerentes ao sistema capitalista
e ao seu movimento histórico, o que significa compreender como se constituem e atuam
os aparelhos utilizados pelo Estado: Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) e os
Aparelhos Repressivos do Estado (ARE), os quais, embora tenham o mesmo fim, que
corresponde à reprodução do sistema de produção, atuam de forma diferente, portanto,
não se confundem.
Para Althusser (1985, p. 67), o Aparelho do Estado compreende “o governo, a
administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc.”, e possui como
característica a utilização da violência, tanto física (quando se fizer necessário) quanto
outras formas de repressão, como censuras, prisões arbitrárias, etc. Neste conjunto, os
ARE atuam de diferentes formas, usando ou não de violência física, porém sempre
mantendo uma unidade, sendo em sua maioria públicos.
Althusser destaca que, embora o poder de Estado possa mudar, ou seja, em algum
momento histórico a classe trabalhadora possa tomar o poder, observa-se na história que
se mantiveram os aparelhos de Estado, assim as mudanças sociais, de fato, não ocorrem,
ou constituem-se em ações provisórias, que logo são substituídas por outras, que
representam retrocessos, ou seja, a volta do poder de Estado à classe dominante.

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O amplo espectro que envolve os Aparelhos Ideológicos do Estado, perpassam
pela religião, escola, família, além dos sistemas jurídico, politico, sindical, de informação
ou cultural. Estas instituições são carregadas de intenções e funcionam de maneira a
manter a estrutura burguesa no poder e assegurar que o povo, em geral, não perceba sua
importância fundamental na sustentação do sistema, permitindo-se ser explorado,
expropriado e excluído das possibilidades de acesso aos bens produzidos historicamente
pela humanidade. Neste último aspecto, cita-se como exemplo o golpe midiático
vivenciado pela população brasileira durante os anos de 2016/2017. As prisões efetuadas
como espetáculos, as pressões políticas e a repetição na mídia que a corrupção originava-
se em um partido, enfim diferentes formas de repressão política, no sentido de manter a
classe dominante no poder.
Tanto o Aparelho Ideológico do Estado quanto o Aparelho Repressivo do Estado
não funcionam sozinhos. Para manter-se, o Aparelho Repressivo do Estado, também
recorre ao Aparelho Ideológico do Estado, e vice-versa, em um movimento sutil, não
desvelado pela maioria da classe trabalhadora. Por exemplo, o discurso mediático cria a
necessidade da repressão. Este movimento se mantém constante, dependendo da
necessidade de se utilizar em primeira instância um ou outro, com a finalidade de manter
a hegemonia da classe dominante e garantir a reprodução das relações de produção.
A luta entre as classes, mesmo que não explicitada, está sempre presente nos
Aparelhos Ideológicos do Estado, porém:
A classe (ou aliança de classes) no poder não dita tão facilmente a lei
nos AIE, como no aparelho (repressivo) do Estado, não somente porque
as antigas classes dominantes podem conservar durante muito tempo
fortes posições naqueles, mas porque a resistência das classes
exploradas pode encontrar o meio e a ocasião de expressar-se neles,
utilizando as contradições existentes ou conquistando pela luta posições
de combate. (ALTHUSSER, 1985, p.71,72, grifo nosso).

O Aparelho Ideológico Escolar

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A escola exerce papel fundamental na reprodução do Sistema Capitalista, através
do seu sistema avaliativo, conteúdo sistematizado, ao passo que contribui para justificar
as diferenças salariais e sociais. As intenções subentendidas são disfarçadas sutilmente,
porém todos os AIE convergem para a mesma finalidade: a reprodução das relações
(exploratórias) de produção.
Esta relação é carregada de contradições, e reproduz desde o principio da inserção
da criança neste ambiente escolar, as características, “habilidades e competências”,
necessárias à reprodução e manutenção das relações de produção.
A escola enquanto aparelho ideológico funciona em conjunto com o aparelho
ideológico familiar. Assim, a família também reproduz e mantém a transmissão
“hereditária” dos princípios capitalistas, os quais são disseminados por todo lugar e por
todos os demais aparelhos ideológicos de Estado, mesmo que na maioria das vezes grande
parte dos trabalhadores esteja tão expropriada de seu ofício, ou seja, eles desempenham
tão automaticamente suas tarefas profissionais, estão tão acostumados a serem
explorados, que nem se percebem como reprodutores do próprio sistema que os explora
e expropria.
Desta maneira, os saberes considerados válidos pela burguesia, ou seja, aqueles
contidos na ideologia dominante, tanto em seu estado puro quanto aplicado, serão
transmitidos no decorrer de toda longa vida escolar destas crianças, as quais, ao saírem
da escola estão condicionados a continuar a se colocarem como força de trabalho a serviço
da classe dominante, reproduzindo as relações de produção existente, com a menor
resistência possível.
Apregoando como virtudes determinados comportamentos, tais como modéstia,
resignação, submissão, esforço e etc., a classe trabalhadora vai sendo educada para
exercer sua função na sociedade. Desta forma, não só a escola, mas também a família, a

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religião, os livros, filmes, vão conscientemente colocando cada um na posição a ser
ocupada dentro do Sistema Capitalista, assegurando a reprodução do mesmo.
Althusser ressalta que a escola, diante da divisão social, vai preparando cada um
a desempenhar seu papel. Para ele, a escola prepara a criança para a vida adulta, não só
na apropriação dos conhecimentos formalizados necessários, mas para que possa ocupar
seus papeis de acordo com sua posição social. Desta forma, prepara para desempenhar o
papel de explorado, de explorador, de político ou de profissional da ideologia:
‘papel de explorado (a consciência “profissional’, ‘moral’, ‘cívica’, ‘nacional’, e
apolítica altamente ‘desenvolvida’”.); papel de agente da exploração (saber
comandar e dirigir-se aos operários: as ‘relações humanas’); de agentes da
repressão (saber comandar, fazer-se obedecer ‘sem discussão’, ou saber
manipular a demagogia da retórica dos dirigentes políticos), ou de profissionais
da ideologia (saber tratar as consciências com o respeito, ou seja, o desprezo, a
chantagem, a demagogia que convém, com as ênfases na Moral, na Virtude, na
‘Transcendência’, na nação [...]). (ALTHUSSER, 1985, p.79-80).

Deve-se à imensa carga horária escolar durante muitos anos, a qual inclusive é
obrigatória, o papel principal e o sucesso atribuído à Escola, enquanto mantenedora e
reprodutora das relações de produção existentes. Assim, em conjunto com outros
aparelhos ideológicos e se necessário repressivos, a hegemonia do Sistema Burguês
consegue manter-se no poder do Estado.
Althusser analisa as intenções subentendidas de uma “escola universal”, que
reproduz o Imperialismo burguês e sua formação social, inclusive mantendo as relações
entre explorador e explorado, disfarçando-se de neutra, sem ideologia, enquanto os
professores orientadores desenvolvem a “liberdade”, a moralidade, a responsabilidade
adulta, e os conhecimentos necessários para que seus alunos sejam aprisionados, pela
mesma moralidade, responsabilidade adulta e pelos mesmos conhecimentos que
aprisionam os próprios docentes.

A ideologia interpreta os indivíduos enquanto sujeitos

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A ideologia constitui o sujeito, e não o contrário. O próprio ato de reconhecer-se
e aos outros como sujeitos, é um reconhecimento ideológico, que assegura aos homens,
enquanto “sujeitos concretos, individuais, inconfundíveis e insubstituíveis”
(ALTHUSSER, 1985, p.95). Desta maneira, vamos nos reconhecendo pelo processo de
aceitar evidências, as quais adquirindo significado, assumem caráter de verdade, inclusive
cientificamente.
Os Aparelhos Ideológicos do Estado contribuem para a manutenção dos elementos
deste processo, em rituais e práticas, mantendo a opressão da classe trabalhadora e a
continua exploração das relações de produção, na medida em que mantém dominante a
ideologia burguesa através dos aparelhos de Estado.
Como Althusser aponta, a cada momento histórico as condições de reprodução de
um modo de produção se alteram. Atualmente, pode-se observar o que está ocorrendo no
Brasil. O salário, que seria uma forma que poderia amenizar minimamente a desigualdade
na distribuição de renda, recebe uma pressão para ser mantido abaixo da inflação nos
próximos 20 anos. Neste aspecto, as notícias divulgam que a inflação abaixou nos últimos
meses de 2017. Além disso, ocorre uma desestatização das instituições nas áreas básicas
da saúde, educação, segurança, enfim setores básicos e imprescindíveis à manutenção da
vida. reduzindo os empregos públicos, que se constituem em uma forma de distribuir um
pouco do muito acarretado pelo Estado por meio de taxas e impostos. A maioria dos
partidos políticos defende a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o retrocesso
de alguns direitos trabalhistas como uma forma de incentivar o crescimento da economia,
enquanto que em 2017, cinco bilionários brasileiros concentram a mesma riqueza do que
50% da população brasileira mais pobre192.

192
Sobre consultar: Gomes, 2018.

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emancipação humana
Supõe-se que o salário deveria possibilitar ao trabalhador sobreviver e preparar
seus filhos para a reprodução das forças de trabalho. No entanto, a política do Estado
mínimo, vai ampliando cada vez mais a força do capital privado, e reduzindo as
possibilidades de que o sujeito possa ter um trabalho dentro do sistema estatal, o que lhe
possibilitaria maior estabilidade e melhores salários. Sem levar em conta, a importância
de que os direitos da classe trabalhadora quanto ao acesso a esses serviços, mantenham-
se e sejam respeitados, o que vai na contramão do que hoje se constata.
Além disso, as necessidades de reprodução das forças de trabalho hoje, com o
avanço da robotização da indústria, reduz cada vez mais o número de trabalhadores
necessários para que a empresa possa fabricar seu produto, ao mesmo tempo em que exige
poucos trabalhadores altamente qualificados para manter esse sistema. Trata-se, portanto,
de tornar a classe trabalhadora menos necessária à produção da mercadoria, apenas um
homem manipula uma máquina que faz o trabalho de mil homens, ampliando a
desigualdade entre as necessidades de mão-de-obra da classe dominante e a oferta de
mão-de-obra pela classe trabalhadora. Fator preocupante, visto que a mais valia absoluta
está no trabalho vivo. O homem que manipula a máquina precisa apropriar dos
conhecimentos tecnológicos, não aprofundados. Apenas uma minoria necessita
conhecimentos mais elaborados e mais gerais. Neste sentido, a escola pública prepara um
profissional para a atividade prática, o qual não conhece as relações de produção e nem
ao menos as relações políticas que o mantém expropriado.
Por que essa modalidade de ensino reproduz essa (des) informação? Porque essa
é a reprodução de mão-de-obra necessária ao capital. Essa situação não se altera muito
quando se pensa na escola pública brasileira. Ou seja, se temos, no Brasil, um número
enorme de analfabetos funcionais, é porque a escola enquanto aparelho ideológico do
Estado está formando a população necessária à manutenção das relações de produção.
Até porque os filhos dos capitalistas estão inseridos em um processo de aprendizagem

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mais amplo que a escola. Se não aprendem, seus pais lhe oferecem professores
particulares, psicólogos, psicopedagogos, viagens, enfim todo o suporte necessário para
que aprendam.

Considerações finais
Essa perspectiva crítica da escola enquanto um dos Aparelhos Ideológicos do
Estado e um dos principais mecanismos de reprodução das relações de produção, se
assumida como se não houvesse brechas para a atuação da escola, é desanimadora e
pessimista. E pode levar ou a uma “negação” do problema, ou seja, para não sofrer finge-
se que não se vê esse desmonte da escola pública, por exemplo, com a retirada de
professores da rede e aumento da pressão sobre os que ficam, na medida em que o Estado
amplia a carga horária de trabalho, reduzindo as horas-atividade, e forçando o professor
a fazer em casa o trabalho que não consegue fazer na escola. Ou a um “lavar as mãos”,
ou seja, à desistência de contribuir para a redução das injustiças sociais. Qualquer dessas
opções leva à imobilidade.
Saviani (2013) propõe a crítica da crítica, afirmando:
É interessante notar que nessas críticas se unem conservadores da
direita e ultras da esquerda. Estes últimos consideram que ser crítico é
ser intransigente, é negar inteiramente tudo o que a burguesia produziu,
e assim, acabam fazendo uma espécie de coro comum com a direita [...].

E aqui, retoma-se a já citada colocação de Althusser, ao considerar que:


[...] a resistência das classes exploradas pode encontrar o meio e a
ocasião de expressar-se [...] [utilizando convenientemente os AIE],
utilizando as contradições existentes ou conquistando pela luta posições
de combate. (ALTHUSSER, 1985, p.71,72).

Esses excertos sugerem à classe trabalhadora e aos que trabalham com


instrumentos ideológicos, como forma de luta e resistência política, que os coloquem a
serviço da classe trabalhadora, em uma perspectiva histórico-crítica, ou seja, que o

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
professor, ao mesmo tempo em que reconhece os mecanismos de manutenção do modo
de produção capitalista, e até por reconhecê-los, contribua para que a classe trabalhadora
possa de fato apropriar-se do conhecimento científico e compreender como se processam
as relações de produção no Brasil. Por que se entende que, por meio dessa apropriação,
os alunos estarão desenvolvendo suas funções psicológicas superiores, estarão se
humanizando, aprendendo a pensar com autonomia e a reconhecer as formas de
manipulação do capital. E assim, poderão encontrar formas de resistir e avançar na busca
de condições menos desiguais para a classe trabalhadora.

Bibliografia

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: Nota sobre os aparelhos


ideológicos de estado. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

GOMES, Helton Simões. Super-ricos ficam com 82% da riqueza gerada no mundo
em 2017, diz estudo. GLOBO, 22 de Janeiro de 2018. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/noticia/super-ricos-ficam-com-82-da-riqueza-
gerada-no-mundo-em-2017-diz-estudo.ghtml. Consultado em: 22 de Jan. de 2018.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica. 11 e. Campinas,SP: Editores Associados,


2013

Autoras:
Aline Szymanski
Graduada em Biologia, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Mestranda em
Educação pela UNIOESTE
e-mail: alineszymanski1982@gmail.com
Aparecida Favoreto
Graduada em História, mestre em Educação (UEM), doutorado em Educação (UFPR).
Professora e pesquisadora do Mestrado em Educação e do Colegiado de Pedagogia da
UNIOESTE, campus Cascavel, PR.
e-mail: cidafavoreto@globo.com
Maria Lidia Sica Szymanski

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emancipação humana
Graduada e Doutora em Psicologia (USP).
Professora e pesquisadora do Mestrado em Educação da UNIOESTE.
e-mail: szymanski_@hotmail.com

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emancipação humana
EDUCAÇÃO TRABALHO E JUVENTUDE: DESDOBRAMENTOS
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988
Teone Maria Rios de Souza Rodrigues Assunção

Introdução:
As mudanças ocorridas na sociedade capitalista, inclusive no Brasil, continuam a
ter seus efeitos sobre o conjunto da classe trabalhadora e, no interior desta,
consequentemente atinge a juventude.
Inclusive, o discurso ideológico sobre educação e trabalho para a juventude,
ganhou densidade, evoluindo e demonstrando como este segmento da classe trabalhadora
deveria servir a produção. Nesta perspectiva, as legislações brasileiras foram
incorporando mecanismos de modo que os jovens fossem encaminhados ao trabalho
como meio de “prevenção”.
Tanto é que, a educação para o trabalho está organizada no Brasil a partir da
formação inicial e continuada, mas com seus contornos essencialmente definidos a partir
de formações técnicas, de nível médio e, tecnológica, em nível de graduação e pós-
graduação.
Propõe-se, aqui, uma reflexão sobre os desdobramentos constitucionais
ocorridos nos aspectos relacionados à educação e ao trabalho para a juventude. A
concepção de jovem adotada para esta reflexão, parte da compreensão do ser histórico
constituído no movimento das relações sociais capitalistas, portanto, um segmento etário
da classe trabalhadora fundamental ao desenvolvimento capitalista. Para isto,
compreende-se a necessidade de aproximação a essa discussão no cenário mundial e
nacional na incorporação dessa parcela da força de trabalho pelo mercado sob a lógica
capitalista.
Neste sentido, buscar-se-á a reflexão a partir da análise dos impactos

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neoliberalizantes bem como seus efeitos na Carta Constitucional brasileira vigente no que
diz respeito a educação profissional para a juventude.

1. Desdobramentos Constitucionais na Educação: o binômio Juventude e Trabalho


Da promulgação da Constituição Federal de 1988 até a Lei de Diretrizes e Base
da Educação em 1996, configurou-se, mais nitidamente, a Política de Educação,
especificamente na organização da educação profissional envolvendo o binômio
juventude e trabalho.
A expectativa no Brasil era de que o texto constitucional fosse claro e objetivo,
de forma que não haveria possibilidade de interpretações equivocadas a seu respeito.
Além disso, esperava-se que as garantias previstas na Carta Magna fossem legitimadas
logo após a sua promulgação.
O debate sobre a educação profissional foi retomado, mas em uma perspectiva
essencialmente instrumental, enquanto que preocupações humanísticas ficaram relegadas
a segundo plano. A educação profissionalizante, na perspectiva humanística implicaria
respeitar sua natureza de direito social constitucional integrado à concepção ampla de
educação. Deste modo, deveria ocorrer a partir do pleno desenvolvimento das
capacidades humanas nas múltiplas dimensões da vida social. Entretanto, a perspectiva
que prevaleceu foi direcionada às necessidades postas pelo avanço das forças produtivas,
exigindo dos indivíduos esforços mais de atualização do que de qualificação via acesso à
educação formal.
Estas questões figuraram na Constituição de forma genérica, abrindo
possibilidade para elaboração da LDB de 1996, além do caso do Decreto nº 2.208
aprovado em 1997. Este Decreto incorporou não só a juventude, mas trabalhadores de
modo geral e tornou-se o principal instrumento jurídico da Educação profissional até
2004. Nos seus objetivos sugeria que a educação era um ponto de articulação entre a

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escola e o mundo do trabalho, e que, para além de qualificar e requalificar deveria
habilitar para o exercício profissional nos níveis médio e superior. Dentro deste espírito
definiu os níveis da educação profissional em básico, destinado à juventude e adultos
trabalhadores, independente da sua escolaridade; nível técnico, para alunos jovens e
adultos que estivessem cursando ou que tivessem concluído o ensino médio e nível
tecnológico, voltado à formação superior, tanto de graduação como pós-graduação, para
jovens e adultos.
Outro aspecto que merece ser destacado no Decreto é que ele buscava constituir-
se em princípio de política pública para a área de educação. Neste sentido, em seus
diversos dispositivos é possível verificar que ele trazia como preocupação o papel a ser
desenvolvido pela instância pública. Como se pode observar:
As instituições federais e as instituições públicas e privadas sem fins
lucrativos, apoiadas financeiramente pelo Poder Público, que ministram
educação profissional deverão, obrigatoriamente, oferecer cursos
profissionais de nível básico em sua programação, abertos a alunos das
redes públicas e privadas de educação básica, assim como a
trabalhadores com qualquer nível de escolaridade (BRASIL, 1997).

O nível técnico teria organização curricular própria, o que indica que a


modalidade de educação profissional deveria ocorrer concomitante ou posterior à
conclusão do ensino médio, mantendo o vínculo de complementariedade. Estabeleceu as
responsabilidades públicas quanto à estrutura curricular, ou seja, a competência e a
responsabilidade para organizar a estrutura curricular para a Educação Profissional.
A necessidade de integração da educação com a concretude do mundo do
trabalho fez com que o leque de legislações neste sentido fosse se ampliando e estreitando
as ligações da LDB com a Constituição de 1988.
Os termos genéricos e universais nos quais a educação profissional e tecnológica
é tratada na C.F/88 são possíveis de serem verificados, também, em outros momentos. De
tal modo que ao definir o direito a educação profissional e tecnológica, o art. 1º da

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emancipação humana
Constituição de 1988 colocou em evidência a dignidade do ser humano, assim como os
valores sociais do trabalho, como partes que integram os fundamentos do Estado
Democrático de Direito, cujos objetivos, de acordo com o Art. 3º, é “construir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza
e a marginalidade; reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de
todos”. É neste sentido que a educação torna-se um serviço público, e passa a ser dever
do Estado promovê-la segundo os princípios destacados acima.
Objetivamente, é possível verificar que a Carta Constitucional de 1988
demonstrou notável progresso em relação aos direitos sociais. A educação como política
pública representa a materialização da intervenção estatal, e neste aspecto, configura a
maneira como se articulam o Estado e a sociedade na busca pela efetivação dos direitos
sociais. Contrapondo-se a isto estava a abordagem neoliberal, agregando o mercado,
compreendido como o responsável para promover o bem-estar social.
Neste sentido, estabelece-se uma relação de mercantilização da educação, dada
a tendência de transformação dos direitos sociais em serviços que podem ser vendidos
sob a expectativa inclusive, de transformação da política social de educação em nicho de
mercado. Caminhou-se, pois, no sentido oposto de universalizar as políticas sociais, na
medida em que se vislumbrava a educação fundamentalmente a partir da perspectiva do
trabalho assalariado.
Frente as demais constituições, a de 1988 inovou quando inseriu a
“responsabilidade do Estado”, mas, também quando definiu a concepção do direito como
público estatal. Porém deixou intacta a histórica dualidade que estruturou a educação
brasileira em básica e superior, a educação profissional se constituiu como ponto a parte,
formalizando um sistema paralelo à educação secundária, o que demonstra a herança
deixada pelo colonialismo e império no que diz respeito às necessidades da divisão entre
trabalho manual e trabalho intelectual. Na verdade, permaneceu a ideia de que deve haver

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uma educação para a classe dominante e outra para a classe trabalhadora, em que o
trabalho intelectual se reserva a primeira e o manual cabe à classe trabalhadora.
Apesar da atenção recebida, a educação profissionalizante não integrou a
estrutura da educação regular brasileira. A LDB referendou, em momento posterior, que
o ensino médio atenderia a formação geral da juventude, no sentido de prepará-la para o
exercício de profissões técnicas, e estabeleceria que a educação profissional se
desenvolveria em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de
educação continuada, em instituições que fossem especializadas ou ainda no próprio
ambiente de trabalho.
A versão final da LDB apresentou diferenças marcantes em relação às primeiras
propostas. Nela, o 2º grau teria como objetivo orientar e recuperar a relação entre
conhecimento e prática do trabalho, o que denotaria explicitar como que o conhecimento
se converte em potência material no processo produtivo. Neste sentido, o Art. 1º da LDB
traz que:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade
civil e nas manifestações culturais.
Parágrafo 1º – esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
Parágrafo 2º – a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do
trabalho e à prática social (BRASIL, 1996).

Idealizava-se que, para além da educação geral, a educação profissionalizante


deveria ocorrer de maneira plena, de modo que durante o processo formativo o educando
pudesse se desenvolver nas relações familiares e humanas, mas, principalmente, deveria
ser por meio das relações de trabalho que o aprendizado deveria ser aprofundado. A
educação escolar deveria ser a viabilizadora do deslanchar do aprendizado do sujeito
social.

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emancipação humana
Portanto, a intenção que se vislumbrou quando da elaboração da Carta
Constitucional de 1988, e, posteriormente conservada na LDB de 1996, entende a
educação profissional do jovem como porta de entrada para o mundo do trabalho. Nesta
perspectiva é possível dizer que a LDB aproximou-se das questões verdadeiramente
centrais no que se refere à educação se considerarmos que é pelo trabalho que ele vai
deslanchar o seu aprendizado. É através do trabalho que terá as devidas condições para
estabelecer a conexão plena com a sua condição de sujeito e o saber, para transformar a
si próprio e a sociedade na medida em que toma consciência da sua condição de classe.
Entretanto, esta perspectiva se vê obstaculizada, uma vez que o espírito da LDB está
distante de qualquer perspectiva verdadeiramente transformadora da sociedade e a única
criação pelo trabalho está circunscrita à condição do assalariamento e portanto, da
exploração.
Avançar para além destes pontos implicaria reconhecer que educação e trabalho
deve ser compreendida como necessidade de se fazer trabalho socialmente produtivo. A
educação deve ser concebida como um processo em que ciência e trabalho se articulam
entre si, de modo que o objetivo da educação científica atenda as necessidades humanas
plenamente.
Assim, nesta perspectiva, seria necessário que a escola se fizesse presente
integralmente no âmbito do trabalho e que o mundo do trabalho abrisse as portas para os
sistemas educacionais, não apenas para introduzir nos currículos as suas necessidades,
mas que oferecessem de fato o alicerce para a formação do jovem trabalhador articulado
plenamente com a educação para autonomia.
Esta perspectiva implicaria passar do princípio da polivalência ao da politecnia,
no qual se almeja alcançar a formação técnica e política, isto é, a formação plena do
homem com condições de se auto realizar e superar as determinações históricas do modo
de produção capitalista. Entretanto, observa-se que ao considerar o conjunto de iniciativas

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emancipação humana
que percorrem a LDB na vinculação da educação com o trabalho, o que comumente
ocorre é a preocupação em oferecer ao jovem, meios para que exerçam o domínio das
diversas técnicas necessárias ao processo produtivo. Trata-se essencialmente de um
adestramento para a produção.
Redimensionar a discussão implicaria sair do debate da polivalência e politecnia
para o da construção da omnilateralidade humana. A politecnia pressupõe a formação
integral pela aquisição de hábitos, assim como habilidades físicas e mentais que são
necessárias ao conhecimento e desenvolvimento científico das diversas técnicas que
caracterizam o trabalho moderno. A educação politécnica pressupunha a reestruturação
dos cursos profissionalizantes, deveria proporcionar aos estudantes a possibilidade de
reconstrução dos princípios científicos que embasam os sistemas de produção em cada
momento histórico.
À politecnia contrapõe a omnilateralidade. Para Marx (2013), a politecnia estava
essencialmente ligada às necessidades imediatas do capital, na medida em que integraria
a formação da juventude trabalhadora às necessidades da acumulação, como observa:
[…] a substituição do indivíduo parcial, mero portador de uma função
social de detalhe, pelo indivíduo plenamente desenvolvido, para o qual
as diversas funções sociais são modos alternantes de atividade. Uma
fase desse processo de revolucionamento, constituída espontaneamente
com base na grande indústria, é formada pelas escolas politécnicas e
agronômicas, e outra pelas écoles d`enseignement professionnel
[escolas profissionalizantes], em que filhos de trabalhadores recebem
alguma instrução sobre tecnologia e manuseio prático de diversos
instrumentos de produção (MARX, 2013, p. 558).

A politecnia tem sua importância para o processo formativo do ser social.


Contudo, embora ela seja importante no processo de constituição do novo ser social que
deveria expressar a sociedade comunista, ela não se confunde, contudo, com a
omnilateralidade, patamar visualizado por Marx como campo possível de ser atingido no
modo de produção comunista. Omnilateralidade remete ao desenvolvimento das

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potencialidades humanas, capazes de produzir uma existência de fluição social. Não se
trata, de recriar especialistas e sim ir para além deles.
Na perspectiva da omnilateralidade Marx vislumbra a instrução profissional
através de um ensino formativo cultural, compreendido como a união entre a ciência, a
técnica e a saúde, que atendesse as necessidades humanas, o que pressupunha a abolição
das classes sociais.
Confinada a seus limites burgueses, a educação no Brasil continuaria a
distanciar-se destes objetivos, e, as diretrizes recomendadas foram seguidas a risca para
possibilitar o uso das tecnologias desenvolvidas nos países centrais.

Considerações Finais:
Ao refletir sobre a questão proposta para este estudo, vimos que para
compreender a relação juventude e trabalho implica enveredar por um caminho repleto
de contradições que não pode ser compreendido a partir de si mesmo.
Desse modo, percebeu-se que a organização das legislações brasileiras que
deram a diretriz para a política de educação profissional se restringiram ao seu caráter
instrumental. A estratégia se manteve presa aos objetivos voltados à “cidadania” para o
trabalho e a competitividade. Predomina na legislação o estabelecimento de critérios que
na prática visam menos a “equidade” e essencialmente a “eficiência”.
Neste sentido, órgãos governamentais tiveram participação expressiva na
construção de novos paradigmas educacionais ao adotarem orientações influenciadas
pelas diretrizes dos organismos internacionais em que priorizavam o aumento da
eficiência e da competitividade do país. As orientações serviriam para proporcionar a
integração dos países pobres ao sistema capitalista internacional, inclusive aproximando
os estabelecimentos educativos, não para produzir tecnologia, mas, para comprar
tecnologia, de maneira que proporcionasse ainda mais a submissão e dependência nas

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relações comerciais.
Na verdade, tratava-se naquele momento de implantar as reformas estruturais
recomendadas pelos organismos internacionais, a exemplo do Banco Mundial que (re)
definiu as diretrizes para as políticas públicas no Brasil, inclusive as políticas de formação
profissional da força de trabalho jovem.
Dessa maneira, a ideologia que se propagou por meio da mídia e imprensa de
modo geral, com o aval do empresariado brasileiro, seguiu a risca o pensamento
neoliberal. Partia do pressuposto de que as dificuldades para abrir novos postos de
trabalho e alocar um número cada vez maior de trabalhadores estava vinculada ao fato de
estarem despreparados para assumir os desafios do mundo moderno, que necessitava de
uma força de trabalho jovem, com novas habilidades cognitivas inclusive.
Portanto, as diretrizes dos organismos internacionais caminhavam nesta linha e
foram impostas e acatadas pelo Ministério do Trabalho que as definiram como política
pública de emprego e renda. Nesta mesma linha, a estratégia foi desenvolver novas
habilidades, de maneira que a força de trabalho pudesse ter a oportunidade de responder
aos requisitos e demandas do “mercado”.
Neste sentido, a recomendação da LDB era para separar a educação profissional
do ensino médio. Esta recomendação permaneceu até o ano de 2004, quando novas
mudanças orientadas novamente para a integração com o ensino médio foram
promovidas. Dessa maneira, ficaram evidenciadas duas concepções de educação
profissional. A primeira, na sua essência, já separava a educação profissional da educação
básica e estava ancorada no Decreto nº 2.208/97. A segunda trazia para o debate os
princípios da educação tecnológica voltada para a politecnia. A perspectiva de integração
das políticas para o ensino médio e educação profissional tinham o objetivo de aumento
da escolarização, bem como a melhoria da qualidade da formação do jovem e trabalhador
adulto. Em nenhum momento, foi demonstrada preocupação com a formação integral do

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emancipação humana
jovem no sentido da omnilateralidade. Pelo contrário, a formação que se consolida está
voltada para responder aos problemas colocados pela “unilateralidade”, com o
incremento da “polivalência”.

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF,1988.

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Diário Oficial. Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: < > Acesso
em: 12 fevereiro 2018.

______. Decreto Lei nº 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2 º do art. 36 e os


arts. 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. Diário Oficial. Brasília, DF, 18 abr. 1997. Disponível
em:< > Acesso em: 10 jan. 2018.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. In: ______. Livro I: O processo
de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

Autora:

Teone Maria Rios de Souza Rodrigues Assunção


Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí
e-mail: teone.assuncao@gmail.com

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O PENSAMENTO POLÍTICO E EDUCACIONAL DA
INTELECTUALIDADE CATÓLICA NO PROCESSO DE
ELABORAÇÃO DA LDB DE 1961.
Aline Christine de Souza
José Luis Derisso

Introdução
Desde a Constituição de 1946, a União assumiu o compromisso de legislar sobre
a educação nacional. No período entre 1948 a 1961, ocorre a discussão da primeira Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A partir de então iniciam-se as disputas
ideológicas e a configuração de dois grupos, um que representa as demandas do nacional
desenvolvimentismo, ou seja, o setor mais dinâmico da burguesia nacional, e outro a
Igreja Católica articulada aos representantes do ensino privado.
Em 1948 o ministro da Educação Clemente Mariani, encaminha à Câmara Federal
um anteprojeto de lei que representa as aspirações do primeiro grupo e com foco na escola
pública, estatal, gratuita e laica; em 1959, o Substitutivo Lacerda propõe que a educação
seja financiada pelo Estado, mas ofertada por instituições privadas. A justificativa era
colocar a educação na responsabilidade da sociedade civil para evitar a intervenção
potencialmente nociva do Estado. Este projeto estava de acordo com os interesses da
Igreja Católica e do grupo ligado às escolas privadas que argumentavam em favor da
chamada “liberdade de ensino” e da defesa do “direito da família” em escolher a educação
dos filhos. O texto final da primeira LDB, apresentado no Congresso em dezembro de
1961, manteve praticamente na íntegra a proposta de Lacerda. Os debates evidenciaram
as contradições entre os interesses públicos e privados, mas também demonstraram
o distanciamento das concepções originariamente propostas para a educação pública
brasileira desde a Proclamação da República.

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emancipação humana
O tema e as questões aqui abordados se referem a uma pesquisa em curso em nível
de iniciação científica que visa estudar o pensamento católico no contexto dos embates
ocorridos no processo de elaboração da LDB de 1961.
A metodologia adotada para o trabalho em questão é a pesquisa bibliográfica
correspondente ao período e ao tema em questão, com destaque para a Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos (RBEP), que defendia a laicidade da educação, e a Revista Vozes
de Petrópolis, que repercutia as posições da Igreja Católica.
A abordagem do embate político levando em conta os interesses de classes, ou de
grupos no interior das classes dominantes, uma vez que o proletariado não se manifesta
de forma organizada sobre a questão em pauta, assim como as respostas que estas
mesmas classes ou grupos dão a uma situação historicamente determinada, expressa a
perspectiva do materialismo histórico e dialético e o posicionamento previamente
estabelecido é o da defesa laicidade na perspectiva da escola republicana fundada na
Revolução Francesa, ou seja, na fase progressista do pensamento do burguês.

Abordagem do pensamento católico no contexto dos embates que precedem a LDB


de 1961
Em decorrência do Estado Novo, inicia-se uma nova orientação para a educação,
envolvendo os interesses político-partidários quanto à centralização e descentralização
do ensino. A Assembleia Constituinte de 1946 deixou as questões educacionais na
dependência da elaboração de uma lei de diretrizes e bases cujo processo de discussão e
debates arrastou-se até 1961. Neste contexto, a Igreja Católica estava comprometida com
as forças conservadoras, sobretudo ligadas às oligarquias rurais receosas com
desenvolvimento do processo de democratização do país, e no campo educacional
somava forças com os representantes das escolas privadas por meio de um lobby
parlamentar.

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emancipação humana
Em outubro de1948, foi enviado à Câmara Federal um anteprojeto de lei pelo
então ministro da Educação, Clemente Mariani, que tramitou por treze anos. O objetivo
deste projeto de lei consistia em fixar diretrizes mínimas para a orientação da educação
nacional. Se aprovada esta medida permitiria maior autonomia para os estados na
organização de seus sistemas de ensino. As linhas gerais desse projeto estão sintetizadas
nesta passagem:
A flexibilidade e a equivalência dos cursos, o estabelecimento de um
currículo mínimo obrigatório, a articulação dos cursos de grau médio,
o exame de Estado, a exigência de qualificação universitária para o
provimento dos cargos docentes, reestruturação dos serviços de
administração escolar, a conceituação, em termos mais objetivos, do
problema da autonomia universitária, a criação da carreira do
magistério superior e outras diretrizes constituíram as linhas básicas do
projeto de 1948. (BARROS, 1960, p.15).

Contudo este plano provocou acirrados debates tanto no parlamento quanto na


imprensa, e por isso foi deixado de lado até ser novamente analisado pelos deputados da
oposição.
O projeto inicial da LDB buscava desenvolver uma educação difundida para toda
a população, bem como garantir uma formação mais adequada para o ensino médio e
superior.
O conflito entre escola particular e pública acirra-se por volta de 1956, momento
a partir do qual foi possível acompanhar o debate por meio da revista RBEP e o jornal O
Estado de São Paulo, que se posicionavam favoravelmente à Campanha em defesa da
Escola Pública, e as revistas Anhembi e Vozes de Petrópolis que, por sua vez,
apresentavam os argumentos da coalizão entre a Igreja Católica e as escolas privadas.
Uma nova grande questão se impõe devido ao “Substitutivo Lacerda” apresentado em
1959 que contemplava as demandas da Igreja Católica e das escolas privadas ao propor o
repasse de verbas do Estado para instituições privadas de ensino.

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emancipação humana
Em 1957, o projeto de Clemente Mariani foi reeditado sob o número 2222, mas
sofreu tantas alterações na comissão parlamentar que examinou o texto, que acabou
levando à elaboração de um novo projeto que resultou no chamado Substitutivo Lacerda,
apresentado à Câmara Federal em 1959. Para os parlamentares que se alinharam com a
orientação educacional da Igreja, este novo projeto, segundo seus propositores, seria mais
adequado às necessidades da educação naquele período, pois havia passado cerca de dez
anos desde que o projeto original havia sido escrito e as demandas da área poderiam ter
se alterado com o tempo.
Muito do que constava no projeto original de 1948 provavelmente se perdeu. Por
exemplo, o substitutivo ao projeto defende a “liberdade de ensino”, definida nos seus
artigos 6.º e 7.º do Título III do Substitutivo. O primeiro dispõe sobre a proibição do
monopólio estadual na educação e o segundo sobre a proporcionalidade na representação
das instituições particulares em órgãos de direção do ensino, a distribuição equivalente
dos recursos entre instituições públicas e particulares, além de garantir o reconhecimento
dos estudos cursados em instituições particulares. Dessa forma, o Estado não poderia
administrar ou fiscalizar as escolas particulares, mesmo que financiando seu
funcionamento.
A movimentação em defesa do dever e direito dos pais de educar seus filhos da
maneira que considerar apropriada, levantou desconfianças nos representantes do ensino
público que entendiam que estas não eram as necessidades da sociedade da época, mas
claramente, os princípios defendidos pela Igreja católica.
O lema utilizado que propagandeava o Substitutivo Lacerda era o da “liberdade
de ensino”, no entanto, esta não passava de uma forma de exigir do Estado parte do
orçamento da educação para as escolas católicas, sob a forma de subsídios ou de bolsas
de estudo, uma transferência de recursos públicos para a iniciativa privada.
Para a Igreja Católica, a grande conquista da aprovação do Substitutivo consistia

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emancipação humana
nos filhos das famílias católicas não serem obrigados a estudar na escola pública laica,
uma vez que a orientação eclesiástica vigente proibia
aos jovens católicos a frequência de escolas acatólicas, neutras ou
mistas, isto é, daquelas que são abertas indiferentemente para católicos
e não católicos, sem distinção, e só pode tolerar-se tal frequência
unicamente em determinadas circunstâncias de lugar e de tempo, e sob
especiais cautelas de que é juiz o Ordinário (Pio XI, 1929, 79).

A questão da liberdade de ensino não era nova, os liberais do passado a


associavam a outras demandas, como liberdade de consciência, imprensa e reunião, e
destacavam a obrigação do Estado em prover a educação. Porém, esta não era a conotação
dada a esta bandeira no contexto da elaboração da LDB de 1961.
Diante das propostas apresentadas no anteprojeto, a reação foi imediata, partindo
de intelectuais, educadores e militantes reformadores que elaboraram o Manifesto dos
Educadores.
Em 1959, Fernando Azevedo, juntamente com um conjunto de educadores, redige
Mais uma vez convocados: Manifesto ao povo e ao Governo, de certa forma em resposta
ao substitutivo Lacerda, em que denuncia os interesses ideológicos e econômicos dos
grupos empenhados em combater a escola pública, ao mesmo tempo em que afirma as
concepções de educação pública fundamentada nos princípios democráticos.
O documento expressa a preocupação com o caminho seguido pelos debates, pois
identificam como ameaças as confusões intencionais ou inconscientes que poderiam
desviar a atenção das reais tendências e necessidades da educação contemporânea. Pois
mesmo com várias iniciativas no campo da educação, elas eram restritas a setores isolados
e influências regionais e consistiam basicamente em largos projetos parcialmente
executados ou medidas isoladas e fragmentadas, sem a devida articulação com as esferas
do aparelhamento escolar, cuja estrutura pouco mudou, mantendo-se desarticulada dos
princípios fundamentais para a educação contemporânea. Neste sentido, chamam o leitor

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emancipação humana
para a tomada de consciência da realidade atual e a defesa da educação democrática e
progressista que tem como pressupostos a liberdade de pensamento e igualdade de
oportunidades.
Estes alegavam ainda manter os mesmos ideais de quando publicaram a primeira
versão do manifesto em 1932, porém com mais realismo em suas propostas e mais
preocupação em tirar estas mesmas propostas do papel. Mas reconhecem que os
problemas da educação não podem ser corrigidos apenas com princípios, tornando-se
necessária a melhoria das condições da vida humana integrada. Por isso, o Estado deveria
manter um sistema de instrução pública de acordo com o Plano Nacional de Educação
(PNE). A instrução pública também era justificada em nome do progresso econômico,
bem-estar e segurança nacional. Setores que para obterem melhorias técnicas precisavam
de melhorias na educação dos trabalhadores.
No momento, o ensino religioso não era motivo de maiores preocupações para a
Igreja Católica, visto que já estava garantido no texto da Constituição de 1946. Por isso,
o confronto se estabelece com setores da sociedade favoráveis a intervenção estatal na
oferta da educação nacional. Seu foco estava concentrado em seguir a orientação da
encíclica Divini Illius Magistri e atentar para sua crítica endereçada à escola laica. Nesta
encíclica, o Papa Pio XI esclarece quem é o responsável e tem prioridade no papel de
educar, a saber: família e Igreja; sendo que a primeira tem prioridades de direitos em
relação à sociedade civil, mas precisa da sociedade civil para uma existência harmônica.
Ademais, a Igreja considera que a escola laica promove princípios inadequados e,
por essa razão, proíbe os jovens católicos de estudarem em escolas que não sejam
católicas. A crítica à escola laica se baseia na concepção de que o Estado deve apenas
complementar a educação ministrada pela família e pela Igreja, dessa forma, a escola não
pode ter princípios diferentes dos incentivados pelas outras instituições. Esta concepção

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de educação é explicitada nos artigos escritos por intelectuais católicos para a revista
Vozes de Petrópolis, nos anos que precederam a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases.
A mesma lógica era aplicada ao qualificar a escola pública como prática de
monopólio pelo fato desta não aplicar a orientação católica de educação contida,
sobretudo, na encíclica Divini Illius Magistri. Por isso os católicos contrapunham a escola
pública à escola católica, por considerarem a ação do Estado diante do campo educacional
uma forma de monopólio. Entre os argumentos para o suposto monopólio do Estado para
com o serviço educacional estão a regulação do ensino particular, assim como a
fiscalização e registro dos diplomas. Deve-se observar que a administração pública não
se opôs a criação das escolas “livres”.
Os debates em torno das diretrizes duraram muitos anos. A motivação original do
embate foi a contraposição do ensino religioso ao ensino laico. Por meio da argumentação
da liberdade de ensino, a Igreja foi capaz de atrair as escolas privadas, desejosas dos
recursos destinados à educação, e nesse sentido o embate também se desenvolve entre
escola pública e escola privada.
Os debates e movimentos não se limitavam aos meios acadêmicos, mobilizaram
diversos setores, por meio de debates públicos que permitiam que uma parcela mais
esclarecida da população acompanhasse as discussões.
Em dezembro de 1961 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
Lei nº. 4024/61, cujos principais pontos são a possibilidade da criação dos sistemas de
ensino nas diferentes unidades da Federação, mas também a abertura de uma via para a
privatização do ensino pelo menos ao nível do ensino superior, com as concessões de
subsídios e de bolsas de estudo.

Considerações finais

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Percebe-se que o foco das discussões para a elaboração da LDB de 1961 é a
questão da liberdade de ensino. Mesmo que a liberdade de ensino não fosse uma questão
nova, mas que se apresentava com outra conotação, de certo modo até contrária ao sentido
original.
Nos embates no contexto da elaboração da primeira LDB brasileira, encontra-se
de um lado a Igreja e os representantes das instituições particulares, a se manifestarem
sobre a prioridade e o direito dos pais sobre a educação dos filhos e contra uma suposta
ação monopolista do Estado, e do outro os defensores do ensino público, entre eles os
Pioneiros da Educação que tinha por convicção que o Estado deveria se encarregar do
sistema de instrução pública. Porém, é importante destacar que os argumentos em favor
da instrução pública também passam pelas questões de progresso econômico, bem-estar
e segurança nacional. Ou seja, expressam a preocupação com o desenvolvimento
industrial do país, na perspectiva dos setores mais dinâmicos do capitalismo brasileiro.
A promulgação da LDB de 1961 acarretou, por um lado, a criação de sistemas de
ensino nas diferentes unidades da Federação, mas também o avanço da participação da
iniciativa privada na educação, sobretudo em nível de ensino superior, com o repasse de
verbas públicas para escolas privadas. Convém, porém, chamar a atenção para o fato de
que embora a bandeira da escola pública e gratuita, assim como a da laicidade do Estado,
estejam historicamente ligadas à burguesia na fase revolucionária de sua atuação política,
na atual fase do desenvolvimento histórico, na fase imperialista do capitalismo, a
burguesia abre mão das bandeiras de alcance social levando a que a estas sejam
empunhadas pelo proletariado e pelos setores populares dependentes dos serviços
públicos. A partir de tal compreensão torna-se correto afirmar que bandeiras democráticas
do passado podem assumir conotação revolucionária a serem sustentadas pelos
trabalhadores contra a própria burguesia que as criou.

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Referências

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BARROS, R. S. M. de (Org.). Diretrizes e Bases da Educação Nacional. São Paulo:


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BARROS, R. S. M. de. Religião e Educação. Revista Brasileira de Estudos


Pedagógicos, Brasília, v. 34, n. 79, p. 263-267, jul./ago. 1960.

BUFFA, E. Os Conflitos Ideológicos Ocorridos durante a Tramitação da Lei de Diretrizes


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DERISSO, J. L. O ensino religioso na escola pública e a epistemologia dos materiais


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PIO XI. Carta Encíclica Divini Illius Magistri. 1929. Disponível em: <
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-
xi_enc_31121929_divini-illius-magistri_po.html>. Acesso em 12 de dezembro de 2017.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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emancipação humana
SILVA, P. A. da. Escolas Religiosas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Brasília, v. 34, n. 80, p. 235-243, out./dez. 1960.

Autor/a:

Aline Christine de Souza.


Graduanda no curso de Pedagogia da Unioeste/Cascavel
(PIBIC/Fundação Araucária/Unioeste)
e-mail: apedm1@gmail.com
José Luis Derisso
Professor Adjunto no Colegiado de Pedagogia e no
Programa de Pós-Graduação da Unioeste/Cascavel
e-mail: joseluisderisso@yahoo.com.br

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emancipação humana
A BRINCADEIRA NA ESCOLA DE VIGOTSKI: CONCEPÇÃO DE
DESENVOLVIMENTO INFANTIL E CONTRIBUIÇÕES NO
PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Sidiane Peres dos Santos
Rosane Toebe Zen

Introdução
O presente trabalho tem por objetivo compreender a importância da brincadeira
no desenvolvimento social da criança e no processo de aprendizagem de crianças em
idade escolar a partir da concepção teórica da Escola de Vigotski193.
A inquietação que moveu esta investigação está ligada às características que
marcam o atendimento em Educação Infantil no Município de Cascavel-PR, o qual ocorre
tanto em escolas de Ensino Fundamental como nos Centros Municipais de Educação
Infantil (CMEIs). A Rede Municipal de Ensino de Cascavel – PR conta com Currículo
próprio, fundamentado na tríade materialismo histórico, Pedagogia Histórico-Crítica e
Psicologia Histórico-Cultural (CASCAVEL, 2008). Educadores dedicados aos estudos
das concepções educacionais que bebem da fonte do marxismo compreendem o quão
complexa é esta teoria e quais os pressupostos nela envolvidos. Entretanto, a realidade
escolar vem mostrando que os profissionais têm sido abandonados à própria sorte no que
refere a oferecer às crianças atendimento educacional fundamentado na concepção teórica
que orienta o Currículo. Entre muitos educadores ainda persiste o entendimento de que a
teoria pouco ou em nada contribui com a prática, ainda mais em se tratando do trabalho
desenvolvido com crianças tão pequenas.

193
O termo “Escola de Vigotski” utilizado neste artigo está referenciado em Duarte (1996) para quem as
obras de Vigotski não podem ficar circunscritas a este único autor, mas ao conjunto de pesquisadores que
trabalharam em conjunto na elaboração de conceitos que revolucionaram as teorias sobre desenvolvimento
psíquico.

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emancipação humana
Quando o tema envolve a brincadeira, esta dificuldade torna-se ainda mais severa,
pois as questões que envolvem a organização do trabalho pedagógico de forma lúdica
quase sempre caem em um dos dois extremos: ou entendido como atividade livre, sem
objetivos pedagógicos definidos, ou entendido como atividade orientada pelo professor,
o qual em muitas situações acaba coibindo ou limitando o uso da criatividade nas
atividades das crianças.
Partindo desta preocupação, o ensejo deste texto consiste em contribuir no sentido
de elucidar questões que envolvem teoria e prática no trabalho pedagógico realizado com
crianças em instituições de ensino, considerando a Escola de Vigotski como orientação
teórica.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica fundamentada em autores que
escreveram sobre o assunto, mais especificamente, nas obras de Vigotski, partindo do
pressuposto de que a brincadeira é a atividade principal da criança.

A importância da brincadeira no desenvolvimento infantil e no ensino escolar


O ato de brincar está presente na vida do indivíduo desde seu nascimento. A
criança pequena ingressa desde cedo em um mundo de brincadeiras de faz de conta e é
através do brincar que seu mundo é recriado e reproduzido. As crianças combinam
situações reais com elementos de suas fantasias, as quais surgem da necessidade da
criança em reproduzir o cotidiano dos adultos.
Através da brincadeira, a criança explora seus sentimentos e se apropria do mundo
externo, fazendo dele repertório do seu mundo interior. Este processo é cientificamente
explicado por Vigotski:
No princípio da idade pré-escolar, quando surgem os desejos que não
podem ser imediatamente satisfeitos ou esquecidos, e permanece ainda
a característica do estado precedente de uma tendência para a satisfação
imediata desses desejos, o comportamento da criança muda. Para
resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se em um

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mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser
realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo194
(VYGOTSKY, 1998, p.122).

Crianças quando brincam, na maioria das vezes, imitam o que outras crianças ou
adultos fazem, o não quer dizer que ela concorde totalmente com o pensamento e atitudes
dos amigos, mas o faz como recorte das ações, se ajustando a elas, e muitas vezes
acrescentando algo ou até mesmo substituindo parte delas. A imitação indica que a
criança já imagina o que vai acontecer na brincadeira e age nessa direção195, mas muitas
vezes é confrontada com a ação do outro. Nesse momento, surge uma nova etapa em seu
desenvolvimento, quando a imitação não dá conta da solução de conflitos e é necessário
criar outras possibilidades para encaminhar a situação (COELHO; PEDROSA, 1995).
Nesse sentido, Vigotski acrescenta que:
A criação de uma situação imaginaria não é algo fortuito na vida da
criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da emancipação da
criança em relação às restrições situacionais. O primeiro paradoxo
contido no brinquedo é que a criança opera com um significado alienada
em uma situação real. O segundo é que, no brinquedo, a criança segue
o caminho do menor esforço – ela faz o que mais gosta de fazer, porque
o brinquedo está unido ao prazer – e ao mesmo tempo, aprende a seguir
os caminhos mais difíceis, subordinando-se a regras e, por conseguinte
renunciando ao que ela quer, uma vez que a sujeição a regras e a
renúncia à ação impulsiva constitui o caminho para o prazer no
brinquedo (VIGOTSKY, 1998, p. 130).

As regras da brincadeira fazem com que a criança se comporte de forma mais

194
Prestes (2012) questiona a tradução que foi feita para o português da palavra brinquedo. Segundo a
pesquisadora, esta tradução retira o sentido de atividade da teoria histórico-cultural de Vigotski. A autora
prefere o uso da palavra brincadeira. Esta é a razão pela qual se optou, no bojo deste estudo, o uso desta
palavra e não da outra, mas manteve-se o texto no original quando a palavra brinquedo é usada nas citações.
195
Nesse sentido, a criança apresenta e desenvolve a capacidade teleológica, que segundo Vázquez (2007),
consiste em antecipar idealmente o resultado efetivo, prefigurando idealmente um resultado real,
característica específica do ser humano. O autor ainda argumenta que a atividade própria do homem não
pode reduzir-se à sua mera expressão exterior, fazendo parta dela também a atividade da consciência.

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avançada do que aquela habitual para sua idade. Ao brincar de ônibus, por exemplo,
exerce o papel de motorista. Para isso, torna-se necessário como modelo os motoristas
reais que conhece e extrair deles um significado mais geral e abstrato para a categoria
“motorista”. Para brincar conforme as regras, é preciso se esforçar para exibir um
comportamento semelhante ao do motorista, o que o impulsiona para além de seu
comportamento como criança (OLIVEIRA, 1997, p. 67). Este esforço é o limiar que, de
forma muito tênue, indica, de um lado, as atividades que a criança tem condições de
realizar sozinha; de outro, as que consegue realizar com a ajuda de um adulto ou de uma
criança mais experiente:
[...]. Assim, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal
da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do
comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento
diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que na realidade.
Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as
tendências do desenvolvimento sob forma [sic] condensada, sendo, ele
mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998, p.
134-135).

Como a criança é um ser em pleno desenvolvimento, suas brincadeiras vão se


estruturando com base no que tem capacidade de fazer naquele momento; ao longo de seu
desenvolvimento a criança vai adquirindo conhecimentos novos.
O professor que utiliza brincadeiras e jogos em suas aulas percebe o quanto as
crianças aprendem mais facilmente os conteúdos científicos e observa como se amplia o
interesse em aprender os conteúdos. Atividades lúdicas estimulam o desenvolvimento de
habilidades como prestar atenção, concentração e coordenação motora.
Por meio do brincar, a criança explora sua capacidade criadora, dando vida a
objetos em seu pensamento e interagindo com o mundo. Vygotsky, ao discutir o papel do
brinquedo, refere-se especificamente à brincadeira de faz-de-conta, como brincar de
escolinha, de casinha, de mamãe e filhinha, brincar com um pedaço de madeira como se

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fosse um carrinho. Esse tipo de brincadeira é privilegiado em sua discussão sobre o papel
do brinquedo no desenvolvimento infantil.
No brinquedo, a criança opera com significados desligados dos objetos
e ações aos quais estão habitualmente vinculados; entretanto, uma
contradição muito interessante surge, uma vez que, no brinquedo, ela
inclui, também, ações reais e objetos reais. Isto caracteriza a natureza
de transição da atividade do brinquedo: é um estágio entre as restrições
puramente situacionais da primeira infância e o pensamento adulto, que
pode ser totalmente desvinculado de situações reais (VIGOTSKY,
1998, p. 129-130).

O ato de brincar auxilia a criança na mais tenra idade a manifestar gostos, dúvidas,
desejos, mal-estar, críticas, estimulando sua autoestima, aprendendo a agir em certas
situações e, principalmente, conhecendo sua autonomia e limites. E, neste momento, a
ludicidade permite e contempla o ato de brincar, que favorece o desenvolvimento dessas
capacidades.
Quando um professor entrega uma bola a um grupo de crianças, em primeiro lugar
elas terão que decidir que brincadeiras irão realizar, se vão jogar futebol, vôlei, basquete,
entre outras. Em seguida, terão que pré-determinar as regras do jogo, em seguida escolher
as equipes, só então iniciarão a brincadeira.
Nesse sentido, não se estipula necessariamente regras especificas que digam o que
a criança deverá fazer com aquele brinquedo. “Durante o brinquedo, as crianças
dependem e, ao mesmo tempo, transformam imaginativamente os objetos socialmente
produzidos e as formas de comportamento disponíveis no seu ambiente particular”
(VIGOTSKY, 1998, pg. 168).
Ao trabalhar com regras as crianças aprendem um conceito moral, apropriando-se
das normas sociais. A criança passa da individualidade para a socialização. No jogo, a
criança aprende a aceitar regras, lidar com frustrações, esperar sua vez para jogar, aceitar
o resultado e eleva o nível de motivação e desenvolvimento. Por meio da observação do

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brincar, os educadores são capazes de compreender as necessidades de cada criança, seus
níveis de desenvolvimento, sua organização e, a partir de aí, planejar suas ações
pedagógicas.

Considerações finais
Em todas as fases da vida, a brincadeira exerce importante papel no
desenvolvimento, razão pela qual oferecer condições para que as crianças possam brincar
deve constar entre as prioridades de pais e educadores.
O professor cumpre um importante papel no sentido de estimular, instruir e
orientar as atividades que propiciem brincadeiras e, através delas, a interação da criança
com o meio social. O desenvolvimento das funções mentais requer a criação de situações
que possibilitem à criança atingir os níveis mais complexos do pensamento, os quais
podem ser proporcionados por meio da ludicidade.
O lúdico favorece a autonomia da criança, proporcionando situações de
aprendizagem e desenvolvimento de suas capacidades cognitivas, contribuindo no
domínio de conceitos e no desenvolvimento de algumas capacidades psicológicas, tais
como, memória, avaliação e resolução de problemas.
Se usado de forma planejada, critica e pedagógica, a brincadeira pode contribuir
nos processos de ensino e de aprendizagem numa perspectiva emancipadora, uma vez que
permite à criança explorar seu mundo interior, exercitar a socialização e adquirir
qualidades fundamentais para seu desenvolvimento físico, cognitivo e criativo.
Segundo os pressupostos teóricos que orientam o Currículo do Município de
Cascavel-PR, o qual tem como pressuposto psicológico a perspectiva da Psicologia
Histórico-Cultural, os seres humanos, a escola e a sociedade como um todo estão ligados
ao mundo do trabalho e ao modo de produção, por meio do qual se mantém
economicamente determinado tipo de sociedade. Por esta razão compreende-se que as

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dificuldades enfrentadas pelos professores na citada Rede no que concerne à realização
do ensino fundamentado nos pressupostos do Currículo podem ser explicadas pelas
condições de vida e de trabalho destes profissionais, cada vez mais marcados pela
precarização que reduz a remuneração e aumenta a jornada de trabalho.
Desenvolver atividades pedagógicas com crianças em idade escolar a partir da
perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural prevê tempo dedicado à compreensão desta
teoria e tempo para o planejamento adequado das aulas, além de condições de trabalho –
materiais, físicas e de recursos humanos – que possibilitem o encaminhamento
pedagógico adequado.
Parece ser este um dos grandes dilemas enfrentados pelos educadores da Rede
Municipal de Ensino de Cascavel-PR, sobretudo os que atuam na educação infantil: tem-
se, de um lado, uma proposta curricular extremamente emancipadora, mas, de outro,
faltam condições materiais e objetivas para a realização deste trabalho com qualidade.
Como não se espera que as condições objetivas se resolvam por si, entende-se que
um dos instrumentos necessários à superação das relações sociais colocadas no
capitalismo consiste em conhecer a realidade, para que se possa elaborar e defender um
outro projeto de sociedade (e consequentemente, de escola) que coloque a emanciapação
humana como centro das preocupações sociais. Por esta razão, o estudo e a apropriação
de uma concepção teórica que efetivamente contribua com a construção de uma nova
sociedade – fundada em outras bases consiste – é tarefa fundamental de todo educador. E
é no cumprimento desta tarefa que este trabalho enseja contribuir.

Referências:

CASCAVEL (PR), Secretaria Municipal de Educação. Currículo para Rede Pública


Municipal de Ensino de Cascavel. Cascavel, PR: Ed. Progressiva, 2008.

COELHO, Maria Teresa Falcão; PEDROSA, Maria Isabel. Faz-de-conta: construção e

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
compartilhamento de significados. In.: OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. A
criança e seu desenvolvimento, perspectiva para se discutir a educação infantil. São
Paulo: Cortez, 1995.

DUARTE, Newton. A Escola de Vigotski e a Educação Escolar: Algumas Hipóteses para


uma Leitura Pedagógica da Psicologia Histórico-Cultural. Psicologia USP, São Paulo,
v.7, n.1/2, p.17-50, 1996.

PRESTES, Zóia. Quando não é quase a mesma coisa: Traduções de Lev Vigotski no Brasil.
1a ed. São Paulo: Autores Associados, 2012.
VAZQUEZ, Adolfo Sánches. Filosofia da práxis. 1a ed. Buenos Aires: Consejo
Latinoamerlcano de Ciencias Sociaies - CLACSO; São Paulo: Expressão Popular, Brasil,
2007.

VYGOTSKY, Lev Semyonovitch. A formação social da mente. 6° edição. São Paulo:


Martins Fontes, 1998.

Autoras:

Sidiane Peres dos Santos


Pedagoga – UNIOESTE – Campus de Cascavel.
e-mail: sidiane.santos2014@hotmail.com
Rosane Toebe Zen
Doutoranda em Educação – UFSCar – São Carlos.
Mestre em Educação.
Professora do Curso de Pedagogia da UNIOESTE – Campus de Cascavel.
e-mail: rtoebe@gmail.com

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emancipação humana
OCUPAÇÕES DE ESCOLA E CRÍTICA A FORMA ESCOLAR NO
CAPITALISMO
Ana Carolina de Assis Fulfaro

Introdução
Desde junho de 2013 protestos massivos de rua e táticas de ação direta voltaram
a ser parte das ações de contestação das políticas governamentais. Ainda que com muitas
contradições e mesmo limites frente à dinâmica das relações de poder, importantes
experiências de luta foram protagonizadas, e a reflexão sobre elas se faz fundamental no
sentido de acumular munição para os desafios colocados na atualidade.
As ocupações de escola que ocorreram em São Paulo no ano de 2015 fazem parte
desse processo. Estudos foram sendo realizados com o intuito de buscar apreender as
inovações e lições que esses processos de luta representaram. Também é com esse esforço
que o presente trabalho se debruça, buscando analisar quais foram essas inovações no
sentido de inversão à lógica tão comumente naturalizada nos espaços escolares, bem
como buscar entender quais são os avanços e limites da luta no alcance das demandas que
levantaram para além da revogação da Reorganização Escolar.
Para tanto, buscaremos mobilizar discussões acerca do materialismo histórico
dialético, crítica marxista do direito e escola enquanto forma social. É importante destacar
que cada ocupação representou um “microuniverso particular”, com dinâmicas próprias
e circunstâncias distintas, mas foi possível apreender aspectos em comum, a partir dos
quais é possível ter uma dimensão geral do que foi a luta secundarista e em que consistiu
essa experiência (CAMPOS; MEDEIROS; RIBEIRO, 2016).

Reorganização escolar e a precarização da educação

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O referido projeto consistia no fechamento de escolas e transformação de unidades
escolares em escolas de ciclo único. Mesmo sendo uma reforma que afetaria mais de 300
mil estudantes, muitos só tomaram conhecimento da mesma quando foram realizar a
matrícula para o ano seguinte, o que evidenciou a forma verticalizada de implementação
de um projeto de enorme impacto.
Muitas ações foram feitas pelos estudantes buscando estabelecer diálogo e
questionar a medida. No entanto, as Diretorias de Ensino e Secretaria Estadual de
Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP) se mostraram intransigentes frente às
reivindicações e em novembro se inicia o processo de ocupações de escola, sendo que até
o mês seguinte mais de 200 escolas também foram ocupadas em todo o estado.
São muitos os episódios marcantes e determinantes durante as ocupações, desde
cercamento pela polícia, pedido de reintegração de posse, intimidação e assédio,
tentativas de sabotagem, e uma série de ações por parte do governo que exigiu resistência
e determinação por parte dos estudantes, o que só foi possível devido as medidas de ação
direta, organização em assembleias e comissões, reuniões entre escolas, cuidado com as
escolas e atividades.
A Reorganização Escolar representou um projeto de continuidade das reformas
neoliberais que já vem sendo implementados há anos. De modo geral, esse paradigma foi
identificado e muito questionado pelos estudantes ocupantes, que viam a contradição das
argumentações supostamente pedagógicas para a reorganização com a própria
experiência prática de precarização cotidiana: salas super lotadas (em contraposição à
falta de demanda alegada pela SEE-SP), falta de materiais básicos, bibliotecas sucateadas
(quando existem), etc.
Com isso tudo, somado à intransigência do governo do Estado, da SEE-SP e da
maioria das direções, houve a constatação de que a gestão não era apenas ruim – ela era
pautada por princípio na ideia de que a escola não é um espaço dos estudantes (CAMPOS;

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MEDEIROS; RIBEIRO, 2016). Ou seja, não é simplesmente um problema de gestão, mas
é conscientemente uma lógica a ser seguida. Daí também muitos estudantes declararem
que a luta era um enfrentamento com o Estado.
Sendo assim, o movimento representou a resistência ao caráter conservador e
empresarial dessas políticas educacionais em curso (CATINI; MELLO, 2016), tanto pelo
intuito de freio e contestação de políticas específicas, mas também através de ações
críticas que se contrapuseram diretamente a isso, como foi o boicote ao SARESP, que
significou o símbolo do modelo de educação rejeitado pelo movimento.
Porém, cabe refletir mais profundamente se a contradição da precarização do
ensino está nessas políticas, sendo “desvios” no curso que faria com que a escola e o
próprio Estado cumprissem seu papel de “representantes do povo”, ou se não são
contradições mais estruturais que merecem a continuidade do esforço da crítica para,
inclusive, ser possível conceber as possibilidades de transformações mais profundas.

A escola na sociedade de classes


Vem sendo esforço de muitas pesquisas e estudos a análise acerca da constituição
da escolarização enquanto mecanismo privilegiado de educar e a sociedade capitalista.
Para compreender as funções e objetivos da escola nesse âmbito é importante considerar
a relação entre a generalização do trabalho assalariado e a escola para ser possível uma
compreensão de forma crítica (ENGUITA, 1989).
A transformação da força de trabalho em mercadoria somado a outros fatores é
uma das mudanças fundamentais do modo de produção capitalista, que influencia
profundamente na organização e produção da vida social e em suas relações. Em O
Capital, Marx (2008) elucida que o trabalho necessário para a produção de cada produto,
o trabalho concreto, é abstraído e assume a característica de trabalho humano abstrato,
que é uma abstração do tempo médio de trabalho gasto na produção, já que é a partir dessa

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substância social, o trabalho humano, que é atribuído o valor das mercadorias,
concretizado na relação social de troca.
O dinheiro é o equivalente geral que irá igualar as mercadorias na troca. Porém,
nesse processo de equivalência entre as mercadorias, o trabalho concreto é apagado, já
que só é possível existir a igualdade dos diferentes trabalhos a partir de uma abstração
que coloca de lado a desigualdade e reduz a força humana de trabalho utilizada em
trabalho abstrato (MARX, 1999).
Nesse processo, a relação entre os produtores assume a forma da relação entre os
produtos do trabalho e as características sociais do trabalho são ocultadas. Para Marx,
essa lógica em que a forma domina a substância, é própria do capital. Consiste em uma
relação contraditória, em que a forma de manifestação e a essência são opostas, mas a
partir de uma relação dialética. A igualdade se manifesta na aparência, e a desigualdade
na essência, mas esta oposição se dá de forma em que um se afirma pela sua negação,
então ao mesmo tempo que inclui, também exclui, sendo a essência que determina a
aparência (GRESPAN, 2003).
Nesse sentido, no processo de valorização do capital, ao mesmo tempo em que a
força de trabalho é incluída, como meio de valorização, é necessário excluí-la enquanto
totalidade, pois se isso ocorresse, ele próprio deixaria de ser capital. Não é possível,
portanto, eliminar o seu oposto, pois eliminaria a sua própria fonte vital.
Na esfera da circulação a troca entre mercadorias equivalentes é realizada pelos
seus “guardiões”, os proprietários das mercadorias, seja o dono do meio de produção, seja
o trabalhador que possui apenas a sua força de trabalho. Ambos se relacionando como
iguais proprietários livres. Nessa esfera, a igualdade entre proprietários abstratos
prevalece sobre a desigualdade entre as classes, que ocorre na esfera da produção.
O Estado, através do direito, é responsável por essa igualação formal, já que
enquanto sujeitos do direito, as pessoas são igualmente livres e igualmente proprietárias.

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Só que essa relação de igualdade é formal e abstrata, pois ignora, ao mesmo tempo em
que permite as desigualdades.
A educação escolar se desenvolve de forma atrelada ao processo de reprodução
da força de trabalho e toma o caráter de direito. Dessa forma, as relações educativas se
efetivam sobre a igualdade formal acima referida, ao mesmo tempo em que cumpre papel
de mediação para a exploração do trabalho. É necessário, portanto, refletir sobre a forma
escolar a partir dessas discussões acerca da forma mercadoria e a forma do direito no
capitalismo.
Todo esse modo de produção impôs um tipo específico de disciplina, de controle
e intensificação do trabalho, para, assim, transformar os hábitos: garantir o cumprimento
dos horários, uso correto dos meios de produção, etc. Um grande corpo de instituições,
leis e processos para indução de mudança de hábitos para adaptação à nova ordem
passaram a ocorrer, dentre estes a educação escolar. (CATINI, 2013, p. 37).
Mesmo que a educação escolar não apareça como processo capturado pelo capital,
mas mais como equalizador social, enquanto potencial diminutivo das desigualdades
(CATINI, 2013, p. 169), se analisarmos a história da escola e a função que a mesma
cumpre a partir das várias mediações necessárias para buscar construir uma análise
concreta, veremos que é justamente nos argumentos que se baseiam para propagandear a
possibilidade de combate à desigualdade que se encontram as contradições mais
profundas, como é o caso do discurso de universalização do direito ao acesso à educação,
o que garantiria a ascensão social através da inserção no mercado de trabalho. A crítica
deve partir de reconhecer o caráter mistificador dessa representação da escola e de sua
necessidade histórica. (CUNHA, 1980, p. 34 apud CATINI, 2013, p. 34).
Mas em linhas gerais, a universalização do acesso a educação generaliza uma
forma de sociabilidade. Uma das características desse processo é a abstração das
características dos estudantes, que se assemelha à própria abstração real presente no

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processo de troca das mercadorias, que tem como fundamento a abstração das
determinações qualitativas dos trabalhos concretos que as produzem. (CATINI, 2013)
Os alunos se definem por estarem em espaços em que há uma previsão acerca de
como devem agir, e dos percursos que deverão seguir. Nesse processo, estabelece-se a
ideia de um aluno médio, cujas individualidades são apagadas.
Nesse sentido, o Estado é cada vez mais responsável por fazer prevalecer a forma
sobre a formação. Mais do que os conteúdos ou aprendizados específicos, a imposição da
convivência enquanto processo de amoldar o trabalhador tem sido privilegiado.
Em síntese, se os principais objetivos declarados da escola consistem em formar
para o mundo do trabalho e para a cidadania, âmbitos sociais que possuem em sua
constituição a forma mercadoria e a forma do direito, as funções da escola passam por
reproduzir as relações desiguais, mesmo que com a aparência de meio de ascensão e até
de emancipação social. Não obstante, assim como todo o processo de generalização da
força de trabalho enquanto mercadoria e de generalização da escola enquanto forma de
educar não ocorreram sem resistência, atualmente os processos de resistência e confronto
à norma tampouco deixaram de existir.

As ocupações e a crítica a forma escolar


Contrapondo-se ao idealismo, Marx (2010) coloca que a consciência se forja a
partir das relações materiais de existência, e não o contrário. Nesse sentido, não basta
estar no discurso escolar de que a escola é para os alunos, por exemplo, se a base para as
relações é outra. Contudo, como já apontamos anteriormente, se essa parece ser uma
relação contraditória, em que o discurso (ou a aparência) é um, e a prática (ou essência)
é seu inverso, é a própria manifestação da desigualdade.
O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral
de vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que

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emancipação humana
determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina
sua consciência [...]. (2010, p. 52).

Marx evidencia que é a partir das relações de produção que se formam as


superestruturas da sociedade. As formas de pensar, agir, sentimentos são criados pelas
classes com base nas condições materiais de suas relações correspondentes. No caso da
escola a formação se dá não apenas no sentido das técnicas e conhecimentos necessários,
são acionados mecanismos para moldar as relações sociais dos estudantes através de uma
organização sistemática da experiência e da vida prática de crianças e adolescentes por
anos e mais anos (ENGUITA, 1989).
Nesse sentido, é comum o relato de estudantes dizerem que durante as ocupações
os mesmos aprenderam muito mais do que nos anos de escola, fazendo a crítica às
características naturalizadas da forma escolar, que se restringem às relações hierárquicas,
e à sala de aula como espaço privilegiado do aprender. A partir da experiência da
autonomia e auto-organização, houve um profundo processo de formação política
(CATINI; MELLO, 2016). Ou seja, por via da própria prática, se deu a construção da
consciência acerca dos problemas da forma escolar, mas também de possibilidades de
transformação dessas relações.
Mesmo em muitos momentos utilizando dos mesmos meios, como aulas públicas,
palestras, etc. estes foram ressignificados, debates que não são bem aceitos nas escolas
puderam ser realizados durante as ocupações. Experiência contrária a relação estranhada
com o conhecimento que existe no cotidiano escolar, de fora pra dentro, heterônoma. De
certa forma, foi mobilizada a crítica da prevalência da forma sobre a formação e da relação
de apagamento das diferenças e singularidades que cria a ideia de aluno mediano
(CATINI; MELLO, 2016).
Outra característica fundamental da experiência das ocupações foi a
horizontalidade nas decisões e organização do movimento. Se a experiência em sala de

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aula e na escola são de relações hierárquicas e autoritárias, a prática se baseou em
assembleias, comissões, e relações mais fraternais, também em contraposição ao
individualismo que a lógica concorrencial que os sistemas de mérito e avaliação
estimulam (CAMPOS; MEDEIROS; RIBEIRO, 2016).
Esse contexto foi chave para a construção de relações baseadas no respeito às
diferenças, ou pelo menos com mais espaço para que os que geralmente são excluídos ou
silenciados dos espaços pudessem se colocar. Uma característica muito evidenciada foi a
do protagonismo feminino expresso pela consigna “Lute como uma garota”
representando o fato das meninas estarem na linha de frente das ocupações, subvertendo
a lógica dos papeis de gênero historicamente consagrados em que menino ocupa os
espaços públicos e políticos e às meninas fica relegado o âmbito privado.
Analisando a realidade a partir do materialismo histórico dialético, compreende-
se que quando o mundo objetivo se transforma, o ser humano também se transforma.
Nesse sentido, os estudantes colocaram em prática uma relação entre eles próprios e com
a escola que trouxe algumas transformações na visão e na relação com o mundo. Não é
possível aqui afirmar a profundidade e durabilidade dessas transformações, mas se o
modo social põe limites ao desenvolvimento das potencialidades humanas, a partir da
ação consciente é possível transformar esse modo social.
Desse modo, para Marx (2010, p. 114), “a ação política revolucionária pode fazer
muita coisa; ela pode realizar amanhã aquilo que não existe hoje, mas ela não pode tornar
existente aquilo que de fato não existiu no passado”. Esse trecho torna claro que a teoria
em si, descolada da materialidade, não transforma a realidade concreta, mas a
transformação das relações concretas é a base para a transformação objetiva e subjetiva
da realidade. As ocupações mostraram potenciais para essa transformação, cabe agora
refletir também quais são os limites colocados pela realidade.

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Considerações finais
Muitos estudantes defenderam que a suspensão da reorganização poderia ser mais
uma manobra do governo para fazer com que as ocupações acabassem. E muitos
defendiam que havia outras demandas importantes a serem conquistadas, como a não
punição aos estudantes e professores envolvidos, democratização da gestão, melhorias na
infraestrutura das escolas, menor quantidade de estudantes por sala, além de pautas locais
de algumas escolas. Mesmo assim, as ocupações foram acabando após a suspensão do
projeto. No entanto, no ano seguinte começou a ocorrer a reorganização “silenciosa” com
centenas de salas de aulas fechadas.
A partir de Marx e a teorização sobre forma mercadoria e sujeito de direito,
Pachukanis (2017) escreve que não é possível que a luta dos trabalhadores pela
transformação radical da sociedade se dê a partir da luta pelos direitos enquanto estratégia
última, já que significa estar circunscrito na forma sujeito de direito, que existe para que
haja a circulação de mercadorias sob domínio do capital e para que seja possível a
circulação de uma mercadoria específica, a força de trabalho.
As políticas de cunho empresarial, de precarização do trabalho, do estudo e da
vida, as ações autoritárias e repressoras tomadas pelo Estado, não são, dessa forma, meros
desvios do papel que o mesmo deve cumprir. Pois o problema não é somente quando o
direito é utilizado pela classe dominante a seu bel prazer, como se fosse um desvio, mas
o direito em si existe para garantir relações pautadas nos direitos egoístas individuais.
Ao mesmo tempo em que após as ocupações de 2015 outras lutas e ocupações se
desenvolveram em São Paulo e em outros estados, a demanda secundarista por gestão
democrática foi incorporada de forma totalmente antidemocrática e transfigurada pelo
governo do estado, buscando “ouvir” (através de questionários com questões de múltipla
escolha e depois com “debates” pré-determinados pela SEE) os membros da comunidade
escolar e “estimular” (ou controlar) os grêmios estudantis. Ou seja, tentativas de controlar

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e institucionalizar as demandas, o que pode significar um freio em possíveis
movimentações posteriores.
Assim como as demais formas de vida humana, há uma ideia de que a forma
escolar atual é imutável, o que acaba sendo recurso importante para petrificação das
formas capitalistas (MARX, 2008). A luta secundarista conseguiu transcender as relações
naturalizadas na escola, que corroboram com a manutenção das relações capitalistas.
Tendo em vista todas as contradições e limites estruturais do sistema social em que
vivemos, será possível conquistar gestão democrática, educação pública, gratuita e de
qualidade para todos tendo a luta por direitos como estratégia última? Talvez essa questão
devesse ainda ser preenchida de outros conteúdos, como: o que é uma educação de
qualidade? Para quem? Como?
Em nossa análise acerca do processo de ocupações de escola, buscamos evidenciar
as inovações e lições que o movimento secundarista trouxe, que em muito foram
contrapostas às relações sociais que constituem o que é a escola no capitalismo, mas
também, abrir diálogo sobre as contradições que as lutas sociais podem adquirir quando
estas lutam por direitos e refletir as necessidades para um movimento que se enfrente
desde a raiz com os problemas que foram desnudados.
Nas palavras de Marx (1999, p. 52): “De formas de desenvolvimento das forças
produtivas essas relações se transformam em seus grilhões”. Nas relações de produção
está a base de onde saem os grilhões que estão colocados para os trabalhadores, seus
filhos e todo o conjunto da população pobre e oprimida. A escola está atrelada nessas
relações. Será então que para atingir a raiz do problema, a luta pela melhoria das
condições imediatas, bem como contra os avanços de sucateamento não devem ser
acompanhadas de forma indissociável com a luta para atingir a contradição fundamental
que está colocada nas relações de produção? Nos parece que sim.

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Referências bibliográficas

CAMPOS, Antonia; MEDEIROS Jonas; RIBEIRO, Márcio. Escolas de Luta. São Paulo:
Veneta, 2016.

CATINI, Carolina. A escola como forma social: um estudo do modo de educar capitalista.
2013. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de São Paulo.

CATINI, Carolina; MELLO, Gustavo. Escolas de luta, educação política. Educação &
Sociedade, Campinas, v. 37, nº 137, pp. 1177-1202, out/dez, 2016.
ENGUITA, Mariano Fernández. A face oculta da escola: Educação e trabalho no
capitalismo. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989.

GRESPAN, Jorge. Dialética do Avesso. Marxismo e Ciências Humanas. São Paulo,


Xamã/CEMARX/IFCH, 2003.

MARX, Karl. Introdução. In: Para a crítica da economia política. Coleção Os


pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 25-48.

___________. A Mercadoria (Capítulo I) In: O capital: crítica da economia política:


livro I. (volume 1). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 55-105.

___________. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.

PACHUKANIS, Evgeni. A teoria geral do direito e o marxismo e ensaios escolhidos


(1921 – 1929). São Paulo: Sundermann, 2017.

Autora:

Ana Carolina de Assis Fulfaro


Mestranda em Educação - Faculdade de Educação – UNICAMP
e-mail: ani.fulfaro@gmail.com

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PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA E O
PERTENCIMENTO DE CLASSE EM DISCUSSÃO
Francieli Araujo
Ariovaldo Santos
Introdução
O presente artigo busca discutir as categorias analíticas que cercam os
profissionais da educação pública do Estado do Paraná, uma vez que, parte-se do
pressuposto de que, embora assalariados, professores e funcionário de escolas públicas,
guardam, em relação aos demais trabalhadores, particularidades que permitem classificá-
los como improdutivos, já que não produtores de mais-valia para o capital. Ademais,
assume-se desde já, como ponto de partida, que os vínculos que os ligam com a totalidade
da vida social fazem predominar a proximidade desses profissionais com os estratos
médios de trabalhadores, o que nos levou a resgatar parte do debate conceitual sobre essa
camada intermediária.

O estatuto conceitual dos estratos médios e os profissionais da educação pública:


pertencimento de classe em discussão
Estimulados pelo aumento significativo dos estratos médios, verificado
principalmente com o desenvolvimento do capital monopolista e com a reestruturação
econômica que conduz à emergência de novos agrupamentos de trabalhadores (com
novas funções ocupacionais), é comum a diversos autores os esforços para delinear o
campo conceitual que traduza o significado, dentro da estrutura social mais geral, desse
contingente da força de trabalho, assim como sua inserção na totalidade de produção
social, enquanto assalariados.
Desse modo, no sentido de melhor conhecer esses grupos sociais intermediários,
em suas manifestações objetivas (seu pertencimento à estrutura social total) e subjetivas
(práticas e valores defendidos por este contingente de assalariados), a fundamentação

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teórica verificada aponta, basicamente, para duas possibilidades de inserção de classe
desse agrupamento social (estratos médios): aquela que trata de fundi-los, ora aos
proletários, ora aos burgueses, ou a que trata de compreendê-los como uma inserção de
classe específica.
Considera-se, neste trabalho, o tipo de vínculo estabelecido entre os homens de
uma classe e os meios de produção, tendo em vista a geração e a apropriação dos
excedentes sociais. As classes sociais seriam definidas pelas condições materiais nas
quais se inserem, conforme as relações econômicas de base capitalista.
Assim, regidas pela estrutura econômica social particular, as duas grandes
classes fundamentais no capitalismo compreenderiam: a) a burguesia, que controla o
conjunto das relações sociais de produção, inclusive o Estado, e se apropria do
excedente196 na forma de mais-valia, e b) a classe dos proletariados, que não possui os
meios de produção e independência econômica, restando-lhes apenas vender
constantemente sua força de trabalho, a fim de subsistir.
Neste ponto, voltamos à clássica questão do processo hegemônico do capital: a
classe detentora dos meios de produção (burguesia) torna-se economicamente dominante,
garantindo, também, o predomínio político e ideológico sobre toda classe proletária,
oposta em interesses (MARX; ENGELS, 1998). Dentro da relação contraditória que as
identifica, observe-se, ainda, que entre elas se estabelece uma permanente correlação de
forças, uma vez que a história das classes sociais, na sociedade capitalista, envolve a
condição de “possuidores” e “despossuídos”.

196Silva Junior contribui com a definição do termo “excedente”, afirmando que “[...] é o trabalho que não
é pago pelo capitalista; é o trabalho que, por ir além do trabalho necessário à reposição dos meios de
subsistência, permite ao capitalista a apropriação da mais-valia resultante. É o trabalho explorado que,
por isso mesmo, na lógica do capital, se constitui em trabalho produtivo. É produtivo porque ao produzir
mais-valia produz também à ampliação do capital” (1990, p. 29).

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O relacionamento entre essas duas grandes classes sociais conduz ao acirramento
de forças políticas também opostas. Nessa conjuntura, as classes estão impossibilitadas
de serem iguais ou de produzirem a igualdade social.
Dessa forma, o dimensionamento teórico proposto neste estudo ocorre, também,
no sentido de compreender as posições políticas assumidas pelos estratos médios de
acordo com a fase contemporânea do modo de produção capitalista. Logo, dentre as
classes sociais fundamentais (burguesia e proletariado), emergem conjuntos socais
intermediários, os quais a literatura convencionou chamar por estratos médios, classes
médias, assalariados médios, camadas médias urbanas, pequena-burguesia, nova
pequena-burguesia, colarinhos brancos (White colar), dentre outras denominações
verificadas nas bibliografias consultadas197.
A heterogeneidade de termos atribuídos a essa camada social é inclusive motivo
de polêmica entre os autores que se debruçam em analisá-la. Todavia, a questão
terminológica é apenas um indício da polêmica principal, a qual trata de delinear o
posicionamento econômico, político e ideológico desse agrupamento social composto por
assalariados não-manuais, improdutivos e não proprietários dos meios sociais de
produção.
Alguns autores de tradição marxista buscaram a definição do conceito de
“classes médias”, discutindo-o sob pontos de vista pouco consensuais. Este é o caso dos
trabalhos de Décio Saes (1984, 2005) e Harry Braverman (1981).
Para Saes (1984, p. 10), por exemplo, a dita “classe média198”, por viver da mais-
valia produzida pela classe operária, compreenderia um segmento social secundário, pois

197
A intenção não foi levantar todos os termos que definiram e definem os assalariados não-manuais,
mas notadamente indicar a sua diversidade terminológica.
198
De acordo com o autor, a expressão “classe média” implica uma incoerência lógica do conceito, que
ocorre com a junção de “classe”, definida segundo as relações sociais de produção, e “média”, que sugere
a posição num sistema de estratificação social (SAES, 1984, p. 03).

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não estaria em oposição direta aos donos do capital. Os grupos médios não estão “[...]
diretamente engajados no antagonismo entre as classes fundamentais e não constituem,
pois um dos agentes principais do conflito político capaz de destruir a sociedade
capitalista” (SAES, 1984, p. 18). Contudo, de acordo com o autor, a situação social
secundária dos grupos médios alinhada ao caráter limitado de sua prática política não
configuraria ausência política por parte dessa camada, pois “[...] os grupos médios podem
constituir uma base social de apoio à política das classes sociais, seja a classe superior,
seja a classe popular”. Assim, o apoio e o consentimento dos grupos médios seriam, nas
palavras do autor, fatores importantes de concretização de uma certa política de classes
(SAES, 1984, p.19).
Outro elemento importante que configuraria esse agrupamento de trabalhadores
seria a sua heterogeneidade, ou seja, suas múltiplas camadas internas que, segundo Saes
reúnem um grande “[...] conjunto de trabalhadores assalariados dos serviços urbanos
(bancos, comércio) e da administração de empresas industriais, os funcionários do Estado,
civis e militares, e os profissionais liberais” (1984, p. 09).
De acordo com Saes (1984) a diversidade dos serviços urbanos no Brasil, isto é,
as múltiplas funções desempenhadas no conjunto dos trabalhadores médios incluem “[...]
grupos profissionais tão diversos quanto os vendedores ambulantes e os técnicos da
administração pública”. Dessa maneira, compreende que a classe média deve ser
analisada como uma “noção prática”, quer dizer, não pode ser determinada num plano
puramente teórico, porque “[...] recobre um leque de grupos profissionais bastante
diversos cuja unidade ideológica e política seria no mínimo problemática” (SAES, 1984,
p. 09). Ademais, afirma que a difícil tarefa de localizar a posição política e ideológica dos
grupos médios na sociedade de classes se deve, sobretudo, à divisão social do trabalho
nos moldes do capitalismo moderno, ou seja, na cisão rígida entre o “trabalho manual” e
o “trabalho não-manual” (SAES, 1984, p. 11).

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Por fim, o autor avalia que os grupos médios são constituídos por frações de
trabalhadores que a “hierarquia do trabalho classifica como ‘não-manuais’”. No entanto,
sua condição média e sua consciência não operária “[...] não afastam o estabelecimento
de alianças com a classe proletária; mas, a ‘aliança’ não equivale, em nenhum caso, a
‘fusão’ ou ‘integração’” (SAES, 1984, p. 14-15).
A indefinição política dos grupos médios já era sinalizada pelos clássicos, no
século XIX. Nesse período, os grupos intermediários eram compostos por artesãos,
pequenos proprietários rurais e urbanos, comerciantes, profissionais liberais (médicos,
advogados, artistas etc.), os quais constituíam, de acordo com Marx e Engels, as “camadas
médias”, cuja “indefinição” política foi destacada pelos autores, no Manifesto do Partido
Comunista, obra de 1848:
De todas as camadas que hoje em dia se opõem à burguesia, só o
proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras
classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande
indústria; o proletariado, pelo contrário, é seu produto mais autêntico.
As camadas médias – pequenos comerciantes, pequenos fabricantes,
artesãos, camponeses – combatem a burguesia porque esta compromete
sua existência como camadas médias. Não são, pois, revolucionárias,
mas conservadora; mais ainda, são reacionárias, pois pretendem fazer
girar para trás a roda da História. Quando se tornam revolucionárias,
isto se dá em consequência de sua iminente passagem para o
proletariado; não defendem então seus interesses atuais, mas seus
interesses futuros; abandonam seu próprio ponto de vista para se
colocar no proletariado. (MARX; ENGELS, 2001, p. 49).

Para Marx e Engels, a pequena burguesia não foi capaz de fazer frente à
tendência de concentração e centralização do capital, o que a levou às fileiras do
proletariado. Somam-se a isso dois outros fatores: o crescente assalariamento decorrente
do processo produtivo e o desenvolvimento tecnológico das grandes empresas, os quais
comprimiram a pequena burguesia, de tal forma que somente uma reduzida parcela dessa
camada social manteve a propriedade privada. Assim, vê-se que a indefinição da pequena

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burguesia com relação ao seu posicionamento político e ideológico decorre da própria
contradição que comporta sua situação de classe (MARX; ENGELS, 2001).
A tese da “proletarização” das camadas médias é sustentada por Harry
Braverman, no livro Trabalho e Capitalismo Monopolista (1981). Nessa obra, o autor faz
a análise das classes sociais sob o capital monopolista, sinalizando para a tendência de
“proletarização” dos “trabalhadores assalariados de escritório”.
Com base nas alterações da estrutura produtiva acontecidas rapidamente, ao
longo dos séculos XIX e XX, Braverman (1981) assinala que a monopolização da
propriedade privada e a produção em larga escala de mercadorias levaram ao rápido
crescimento da força de trabalho assalariada não-manual subordinada ao capital. Por
conseguinte, esboça brevemente a estrutura de classe do capitalismo pré-monopolista,
contrapondo-a ao do capitalismo monopolista.
As complexidades da estrutura de classe do capitalismo pré-
monopolista surgiram do fato de que tão grande segmento da população
trabalhadora, nem sendo empregada pelo capital nem empregando ela
mesma trabalho em grau significativo, sentiu-se fora da polaridade
capital-trabalho. A complexidade da estrutura de classe do moderno
capitalismo monopolista surge da própria consideração oposta: isto é,
que quase toda população transformou-se em empregada do capital,
ou com seus ramos imitativos nas organizações não governamentais ou
ditas não lucrativas assumiram a forma de compra e venda da força de
trabalho. (BRAVERMAN, 1981, p. 342).

O autor retoma a noção ampliada de classe operária, argumentando a ocorrência


de uma fusão na situação de classe dos “trabalhadores assalariados de escritório” com os
trabalhadores manuais. Isso se daria em função do aparecimento de novas tecnologias
empregadas na produção e pelos atuais métodos de controle do trabalho baseados nos
modelos de gerência científica utilizados pelos capitalistas para manter a taxa de
acumulação, o que implicaria a deteriorização das condições de venda da força de
trabalho, ocorrendo a proletarização das camadas médias (BRAVERMAN, 1981, p. 342).

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Para Braverman, os “trabalhadores de escritório” – contadores, secretários,
caixas, telefonistas, arquivistas, recepcionistas, serviços de pessoal, entre outras funções
administrativas, de planejamento e controle –, como os nomina, estavam submetidos a
condições de trabalho semelhante a dos proletários das fábricas. As principais
características apresentadas foram: exercício repetitivo das funções, trabalho controlado
por terceiros, fragmentação do trabalho (planejamento separado de execução), ameaças
de desemprego etc. (BRAVERMAN, 1981, p. 342).
Todas as camadas assalariadas estariam suscetíveis ao processo de
proletarização, o qual ocorreria não pela condição de assalariamento, mas pela perda de
controle sobre o processo de trabalho, bem como pelo aumento do exército de reserva.
De acordo com Braverman (1981), a atual classe média estaria se diferenciando cada vez
mais da pequena burguesia do capitalismo pré-monopolista, correspondendo à definição
de classe trabalhadora manual. A velha classe média ou antiga pequena-burguesia “[...]
possuía atributos de ser nem capitalista nem trabalhadora; ela não desempenhava papel
direto no processo de acumulação de capital, seja de um lado ou de outro”. Já a “[...]
‘nova classe média’, em contraste, ocupa sua posição intermediária não porque esteja fora
do processo de aumento do capital, mas porque, como parte desse processo, ela assume
as características de ambos os lados” (BRAVERMAN, 1981, p. 344, grifos do autor).

Os profissionais da educação pública como categoria profissional dos estratos


médios
A discussão proposta até o momento buscou demonstrar a noção de estratos
médios, a fim de compreender o posicionamento político e ideológico dessa camada
social, a qual engloba os professores e funcionários da rede pública de ensino. Demostrou-
se ainda que uma das características preponderantes das camadas médias é o trabalho
improdutivo, ou seja, aquele que não se converte em mais-valia ao capital.

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Convém, agora, colocar em debate o pertencimento de classe dos profissionais
em educação pública, a fim de delimitar as especificidades dessa categoria no que tange
a sua formação política e também profissional.
Poderíamos inicialmente afirmar a existência de uma rotina institucional
realizada tanto por professores da rede privada quanto pública de ensino, que sugere ser
de uma mesma natureza (como a preparação de aula, sua presença física organizando as
atividades de uma determinada turma de alunos, etc.). Entretanto, o capital se apropria de
forma diferenciada desse trabalho, o qual pode ser caracterizado por uma natureza
produtiva ou uma natureza improdutiva. Na rede privada de ensino, o professor “vende”
a sua força de trabalho ao proprietário da escola, que, por sua vez, repassa a quem deseja
comprá-la, por um valor maior do que aquele pago ao professor sob a forma de salário.
Esse valor a mais, apropriado pelo capitalista (no caso, o proprietário da escola), é o que
Marx (1987) conceituou de mais-valia. Por essa perspectiva, o trabalho do professor da
rede privada pode ser definido como produtivo, porém, não proletário. Nesse mesmo
âmbito, Marx salienta:
Nos estabelecimentos de ensino, por exemplo, os professores, para o
empresário do estabelecimento podem ser meros assalariados; há
grande número de tais fábricas de ensino na Inglaterra. Embora eles não
sejam trabalhadores produtivos em relação aos alunos, assumem essa
qualidade perante o empresário. Este permuta seu capital pela força de
trabalho deles e se enriquece por meio desse processo. (MARX, 1987,
p. 404).

Já no caso dos professores da rede pública de ensino, a situação se diferencia,


uma vez que, por serem empregados do Estado, seu trabalho não é apropriado pelo capital
na forma de mais-valia. Esses profissionais são identificados como trabalhadores
assalariados improdutivos. O trabalho do professor do setor público foi o que
caracterizamos anteriormente, quando nos reportamos à condição de prestação de
serviços, elemento necessário à manutenção do capital, porém, este não se converte

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objetivamente em mais-valia. Efetivamente, “[...] a diferença entre o trabalho produtivo
e o improdutivo consiste tão somente no fato de o trabalho trocar-se por dinheiro como
dinheiro ou por dinheiro como capital” (MARX, 2004, p. 137).
Entre os autores brasileiros que discutem o tema, encontra-se Silva Júnior (1990,
p. 53), o qual aposta na improdutividade do trabalho do professor do ensino público, visto
que, sob a lógica do capital, onde se assenta a administração pública, “[...] o professor e
o ‘especialista’ em educação são efetivamente ‘trabalhadores improdutivos’, de vez que,
[...] sua atividade e seu trabalho não concorrem para a acumulação do capital”.
Abramo (1987), por usa vez, classifica o professor do ensino público como
funcionário do Estado, inserido nas camadas médias. Para ele, o pertencimento de classe
dos professores, hoje, seria proveniente de duas vertentes da estrutura de classes sociais:
a primeira, baseada no processo de mobilidade social vertical descendente, por ser
proletarizado nas suas condições de trabalho e culturalmente. A segunda vertente estaria
ligada ao processo de massificação do magistério, cuja origem estaria no processo da
própria massificação escolar. Assim, tomando por base esses pressupostos, o autor
considera que as condições objetivas do trabalho docente afastariam a categoria da
disposição de lutas políticas, o que explicaria o fato de o professor ser, na atualidade, mais
um “[...] corporativista do que reformulador” (p. 80).
Relevantes, também, são as considerações de Hypólito (1991), ao caracterizar as
especificidades do trabalhador docente na atualidade. Para esse autor, é certo que o
trabalho do professor na escola particular é produtivo, pois os donos das escolas lucram
com o excedente extraído do seu trabalho. No entanto, com relação ao trabalho dos
professores no ensino público, seu posicionamento parte do princípio de que este não é
produtivo, se considerarmos a acumulação do capital a partir da produção imediata de
mais-valia.

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emancipação humana
Outros elementos indicados por Hypólito (1991), com relação ao trabalho
docente, referem-se à questão da perda de autonomia pedagógica e da fragmentação do
trabalho docente. Estes seriam fatores provenientes da tese da proletarização das camadas
médias em razão do grau elevado de subordinação do trabalho assalariado frente ao
capital. Todavia, para esse autor, tais fatores não são suficientes, quando se trata de
comparar o trabalho docente ao processo de trabalho fabril, pois este último apresenta um
grau muito maior de dominação. Desse modo, a análise do processo de trabalho escolar
não pode ser feita com o emprego absoluto das mesmas categorias.
Neste trabalho, parte-se do pressuposto de que, embora os profissionais em
educação pública tenham padrões salariais próximos aos trabalhadores manuais fabris
(para mais ou para menos, conforme a região do país), ou ainda condições de trabalho
aviltantes, sua relação com o modo de produção capitalista os situa fora da classe dos
trabalhadores produtivos. Assim, critérios como renda ou status social não são
determinantes, quando se trata de delimitar o posicionamento de classe de uma categoria
profissional.

Considerações Finais
Em suma, o conjunto de considerações apresentadas acerca da noção de estratos
médios indica que esses grupos sociais incorporam atualmente uma nova variedade de
trabalho e distintas configurações políticas e sociais. As atividades assalariadas não-
manuais, criadas pela expansão capitalista, nos mais variados setores improdutivos e de
circulação de mercadorias, geram controvérsias no que concerne à filiação de classe dos
estratos médios.
Dessa forma, considera-se que os profissionais ligados à educação pública são
tipicamente membros da “classe média”, não só pelo aspecto econômico ou pelo status
social desse grupo que trabalha fundamentalmente com o intelectual, mas, sobretudo, pela

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natureza improdutiva do seu trabalho. Não são proprietários dos meios sociais de
produção, possuindo parcial controle do processo de trabalho. Trata-se, portanto, de
pontuar que o trabalho dos profissionais da educação pública, hoje, pode ser definido
como não-manual, assalariado e improdutivo.
Diante disso, é importante sinalizar que pensar a formação política dos
profissionais ligados à educação pública, requer antes analisar o seu pertencimento de
classe. No que tange ao exposto, Pessanha (1997) avalia o comprometimento de classe
desses trabalhadores situados nos estratos médios:
Não se pode esperar das classes médias, nelas incluídos os professores,
uma mobilização política reveladora de um projeto histórico. A
ambiguidade de suas origens e aspirações, a heterogeneidade de sua
composição, [...] vão fazer com que a sua “aparição” política só ocorra
nos momento em que se sente ameaçada, já que a estabilidade
econômica é a sua meta. E não é apostando na proletarização
progressiva dos professores que se chega lá. É preciso levar estas
reflexões sobre as determinações de classe e sobre a luta de classes [...]
(PESSANHA, 1997, p. 104 -105, grifos nosso).

A condição de “classe média” coloca dificuldades ao processo de formação


política dos trabalhadores inseridos nesse agrupamento social, o qual precisa mergulhar
efetivamente nas contradições reais da sociedade e mostrar que, independentemente da
situação material, os trabalhadores em educação pública pertencem ao grande universo
do assalariamento. De qualquer modo, cabe salientar que o salto da consciência em si à
consciência para si é possível em todas as categorias dos trabalhadores, ainda que eles
tenham inserções diferenciadas, no modo de produção capitalista.

REFERÊNCIAS

ABRAMO, P. O professor, a organização corporativa e a ação política. In: CATANI, D.


(Org.). Universidade, escola e formação de professores. 2. ed. São Paulo: Brasiliense,
1987.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

HYPÓLITO, Á. M. Processo de Trabalho na Escola: algumas categorias para análise.


Teoria e Educação, Porto Alegre, v. 4, p. 3-21, 1991.

MARX, K. Trabalho produtivo e trabalho improdutivo. In: ANTUNES, Ricardo (org.).


A dialética do trabalho. São Paul: Expressão Popular, 2004.

MARX, K. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, vol. 1, t.1, 1980.

MARX, K.; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. Porto Alegre: L&PM,


2001.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

PESSANHA, E. C. Ascensão e queda do professor. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997.

SAES, D. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984.

SILVA JÚNIOR, C. A. A escola pública como local de trabalho. São Paulo: Cortez,
1990.

Autor/a:

Francieli Araujo
Unopar / PR
franaraujouel@gmail.com
Ariovaldo Santos
UEL- PR
ariovaldosantos1960@gmail.com

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emancipação humana
FORMAÇÃO DO PEDAGOGO DOCENTE PARA OS
ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dalva Helena de Medeiros
Guilherme Antunes Leite

Introdução
O resumo pretende apresentar discussões e resultados do projeto Formação
Docente do Pedagogo para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, proposta de
Formação Continuada, organizada para 38 docentes dos Terceiros Anos do Ensino
Fundamental (AIEF) de 9 anos, da Educação Básica Municipal de um município do
Paraná, envolvendo as disciplinas, Alfabetização Matemática, Alfabetização em Língua
Portuguesa e Artes.
O projeto contemplou cinco encontros de quatro horas cada um, distribuídos ao
longo do ano letivo e a elaboração e execução de um projeto, pelos docentes cursistas, na
escola na qual atuam. Visto que, as crianças se encontram em fase de alfabetização, a
Língua Portuguesa foi considerada elemento imprescindível para leitura e interpretação
de enunciados matemáticos.
A proposta de trabalho do curso de Pedagogia da Unespar Campus de Campo
Mourão, foi desenvolvida como projeto de extensão, vinculado à Tempo Integral de
Dedicação Exclusiva - TIDE, envolveu a formação inicial, com os licenciandos de
terceiros e quartos anos por meio dos estágio de gestão e a formação continuada com os
professores da educação pública municipal.
Para organização do projeto partimos de problemática apresentada pela Secretaria
de Educação Municipal a qual considerou aspectos mais gerais e aspectos locais. Sopesou
os resultados da Avaliação Nacional de Alfabetização ANA – Relatório 2013 – 2014 e a
avaliação realizada pela própria secretaria, junto aos seus diretores e pedagogos,
observando que, embora possuíssem proficiência matemática no nível 2, considerada

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como um nível aceitável de acordo com os parâmetros da Avaliação Nacional da
Alfabetização: Relatório 2013-2014 (BRASIL 2015, p. 101-102), os estudantes do 3º ano
do ensino fundamental de 9 anos, apresentavam defasagem na aprendizagem dos
conceitos matemáticos previstos para o período de alfabetização, evidenciando grandes
dificuldades de acompanhamento nos anos subsequentes ou mesmo necessitando a
retenção na série.
Compreendendo o compromisso social da universidade, com a formação inicial
na graduação e com a formação continuada dos professores atuantes nas rede pública, a
qual atende a maioria da população e os filhos da classe trabalhadora, nossa problemática
consistiu em investigar fundamentos e materiais didáticos nas áreas de Alfabetização
Matemática, Língua Portuguesa e Artes, utilizando os pressupostos da Pedagogia
Histórico-Crítica e da Teoria Histórico-cultural, que contribuíssem para melhoria da
aprendizagem dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental, momento no qual,
termina o ciclo contínuo de alfabetização e ocorre a retenção de alunos, pela não
apropriação dos conteúdos mínimos previstos para o período. As áreas e conteúdos foram
definidas pelo grupo de docentes que são os regentes das disciplinas de Matemática,
Língua Portuguesa e Artes.

Apropriação de conceitos e desenvolvimento do psiquismo humano


Vigotski (2005, p.41) fundamentado em pesquisas experimentais, afirma que, a
aprendizagem da aritmética, da escrita, das ciências naturais e outras matérias produzem
novas formações no sistema nervoso central na idade escolar, alega ele que “A
aprendizagem escolar orienta e estimula processos internos de desenvolvimento”. Na
compreensão desse autor, “[...] a aprendizagem não é desenvolvimento, mas corretamente
organizada, conduz o desenvolvimento mental da criança, suscita para a vida uma série
de processos, que, fora da aprendizagem, se tornariam inteiramente inviáveis”

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(VIGOTSKI, 2004, p. 484).
Compreendemos a partir desses pressupostos que funções psíquicas superiores
não se desenvolvem espontaneamente, se formam a partir da apropriação de
conhecimentos historicamente produzidos e expressos por meio das disciplinas escolares,
sendo assim, consideramos que a organização do ensino pode contribuir para a formação
do pensamento teórico dos estudantes.
O ensino corretamente organizado que possibilite a aprendizagem e
desenvolvimento de escolares é um desafio a ser enfrentado, tanto pelos professores que
atuam diretamente com as crianças e adolescentes na escola básica, bem como, pelos
professores do ensino superior que atuam nos cursos de formação de professores.
A formação inicial e continuada de docentes pode produzir e disseminar materiais
relevantes para se compreender a relação entre organização didático-pedagógica e o
desenvolvimento das capacidades de abstração e generalização teóricas. Essas
capacidades possibilitam ao ser humano, atuar na ausência do objeto, ou seja, libertar-se
do imediatamente perceptível, da aparência e compreender a essência do que lhe é
ensinado, contribuindo assim para a formação da consciência.
Leontiev (1978) nos alerta que a apropriação da escrita e dos demais signos
convencionais, como a numeração, geometria e representações gráficas não se dá de
forma direta, entre o ser humano e o objeto do conhecimento, há necessidade de uma
relação mediada por outros seres humanos.
Medeiros e Sforni (2016) afirmam que a escola por meio dos seus conteúdos
científicos, filosóficos e artísticos atuam como um mediador, não natural, entre os objetos
e fenômenos e o sujeito que aprende. Assim, o ingresso na escola pode significar para a
criança um caminho novo para o seu desenvolvimento.
Leontiev (1978); Davídov (1988); Moura et al (2010) indicam que é preciso
estabelecer uma relação entre a atividade externa que desenvolvemos e a atividade interna

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emancipação humana
- psíquica, saber o porquê a realizamos, assim o professor ao estudar, pesquisar, planejar,
elaborar materiais que são atividades próprias do seu trabalho docente, possibilita não
somente organizar melhor o ensino de modo que a criança aprenda e se desenvolva, por
meio do seu trabalho ele desenvolve também as suas funções psíquicas. Desde o primeiro
encontro visamos valorizar o trabalho do professor como intelectual capaz de pensar e
elaborar suas aulas e os seus materiais didáticos, superando uma posição passiva de
utilização de livros ou manuais didáticos, os quais já trazem prontos os conteúdos e
propostas didáticas, advertimos que o uso continuado e mecânico do livro didático pelo
professor, rouba dele as capacidades de pensar, de planejar, de decidir.
Enfatizou-se junto aos docentes cursistas, que não basta a definição no Plano de
Ensino Anual Municipal ou no Projeto Político Pedagógico da Escola da concepção
teórica a ser adotada pela escola e na prática cotidiana, ocorrer a utilização de materiais
já pensados e preparados a partir de outra concepção teórica.
Indicou-se a necessidade de estabelecer a relação teórico-prática na definição de
conteúdos e de procedimentos de ensino, que o ensino bem organizado pode gerar
desenvolvimento, porém se materiais didáticos e procedimentos são escolhidos
aleatoriamente e enfatizam somente o que é empiricamente observável, a apropriação de
conceitos não ocorrerá, consolidando-se uma aprendizagem mecânica, sem compreensão
do significado.
A formação inicial e continuada, além dos conteúdos específicos das disciplinas
de Matemática, Língua Portuguesa e Artes, definidos a partir das necessidades, apontadas
pelos professores, por meio de um questionário aplicado no primeiro encontro, tratou dos
aspectos do desenvolvimento humano e da organização do ensino capaz de promover
aprendizagem e desenvolvimento.
A formação teve 5 encontros, o primeiro tratou do desenvolvimento humano, do
papel do conhecimento e do professor nesse desenvolvimento e para preenchimento do

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questionário sobre as maiores dificuldades e necessidades dos professores regentes; o
segundo tratou do Tema Geometria; o terceiro de Cálculos, com ênfase na multiplicação
e divisão; o quarto de Jogos e Brincadeiras no ensino da Matemática e o quinto e último
abordou a relação entre o ensino de Artes e de Matemática.
Em todos os encontros retomou-se os fundamentos de psicologia e de didática,
também, a pedido da Secretaria Municipal de Educação, em todos os encontros realizou-
se a interdisciplinaridade com a alfabetização em Língua Portuguesa, planejando-se
atividades que envolvessem oralidade, escrita, interpretação. No último dia reservou-se
um tempo para apresentações e relatos dos professores.
Exporemos, devido a necessidade de recorte pelo número máximo de páginas do
resumo, somente o segundo encontro que versou sobre as contribuições da Psicologia
Histórico Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica para compreensão da natureza social
do desenvolvimento psíquico e o papel da apropriação de signos nesse desenvolvimento.
Teve como tema: Geometria: Classificação dos sólidos geométricos e figuras planas e
Planificação dos sólidos através do contorno das faces.
Nesse momento da formação, enfatizou-se a necessidade de superação da mera
verbalização e memorização dos nomes das figuras geométricas ou sua confecção
mecânica. Orientou-se a necessidade de se organizar uma tarefa didática que
oportunizasse a apropriação do conceito presente na atividade executada pelo sujeito e
que contivesse um princípio ou modo comum para a solução de novas diferentes tarefas
(SEMENOVA,1996 apud SFORNI, 2004).
Buscou-se esclarecer junto aos docentes que de acordo com Sforni (2004, p.128)
“o conceito não é o objeto ou a palavra, mas seu movimento constitutivo como produto
e, ao mesmo tempo, como elemento orientador das ações humanas”.
Retomou-se com os docentes conteúdos matemáticos específicos da Geometria
tais como: altura, largura, comprimento, face, aresta, vértice, bidimensionalidade,

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emancipação humana
tridimensionalidade, entre outros e apresentou-se materiais didáticos e caixas por meio
dos quais se poderiam ser tratados os conceitos com as crianças.
Elaborou-se uma proposta de confecção de caixa de presente, a qual pudesse
envolver as crianças em uma atividade mobilizadora de conhecimentos científicos para
resolvê-la. Precisariam em grupos: planejar, desenhar com utilização de régua para
medidas exatas dos tamanhos das faces e pensar como iriam montar as caixas, escrever
as instruções, corrigir a proposta de outro grupo, entre outras atividades. A ideia seria
mobilizar o emprego de conhecimentos dos signos formais da língua escrita e de
numeração e medidas, de forma que a criança experiencie a necessidade de uso destes,
por meio de uma problematização que criasse um motivo pessoal de aprendizagem dos
conteúdos historicamente produzidos pela humanidade
Num primeiro momento não houve uma aceitação imediata ou da totalidade dos
professores para realizar a proposta de atividade com essas características para suas
crianças de terceiros anos, consideraram muito difícil e incompreensível para a fase de
alfabetização.
Alguns professores aceitaram o desafio, e criaram ou adaptaram a partir dele, pois
o plano não era de mera reprodução e sim de sugestão de uma atividade que tivesse uma
problematização, levasse a reflexão e análise, envolvessem as crianças numa situação que
precisassem usar significativamente conceitos.
A partir do terceiro encontro, nos momentos de socialização, já havia professores
ou escolas relatando experiências exitosas com os estudantes do 3º ano do Ensino
Fundamental na confecção de sólidos geométricos e que as crianças não tinham
apresentado dificuldade de compreensão ou de efetivação da tarefa, como imaginavam
que aconteceria.

Resultados e considerações

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emancipação humana
O relato de professores cursistas e as observações realizadas pela docente
coordenadora do projeto e discentes da graduação permitem avaliar que a organização e
desenvolvimento de práticas pedagógicas, com os fundamentos da Pedagogia Histórico-
Crítica e da Teoria Histórico-Cultural, como resultado da formação continuada, no ano
de 2017, apresentaram resultados exitosos junto aos docentes e discentes dos terceiros
anos do Ensino Fundamental.
As professoras cursistas apresentaram os materiais e resultados obtidos no último
dia de encontro, relataram que a possibilidade de organizarem as práticas pedagógicas,
resultou na melhor aprendizagem e maior envolvimento dos estudantes do terceiro ano
do Ensino Fundamental.
Observou-se boa interação dos professores pedagogos da rede municipal com os
graduandos e docentes do ensino superior na discussão e definição de propostas de ensino
que permitam uma aprendizagem significativa, interdisciplinar e contextualizada socio-
historicamente.
Os graduandos participantes do projeto, desenvolveram uma melhor identidade
com atividade docente e de gestão da escola, percebendo-se como sujeitos capazes de
pesquisar, planejar, propor e executar atividades que envolvam os fundamentos teórico-
metodológicos das disciplinas trabalhadas no curso.
A proposta de trabalho partiu de uma problemática na qual as escolas pertencentes
à rede municipal pública perceberam que existia um esvaziamento dos conteúdos
científicos, mesmo que a ANA indicasse que as crianças estariam dentro de escores
aceitáveis de aprendizagem. Houve o nítido interesse em retomar o papel da escola como
espaço de apropriação do conhecimento científico, da apropriação de conceitos e a busca
da universidade, onde vários docentes tiveram a formação inicial, como um meio de
formação contínua que propiciasse o desenvolvimento das crianças, não somente o
avanço automático das séries escolares e sim que esse avanço fosse realmente de

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apropriação de conhecimentos.
Consideramos a necessidade da universidade pública aliar-se à escola básica
pública dos anos iniciais e primarem, em conjunto, por uma formação dos filhos da classe
trabalhadora, que os permita entender e interpretar o mundo.
Referências

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.


Avaliação Nacional da Alfabetização. Relatório 2013-2014: volume 2: análise dos
resultados. Brasília: Distrito Federal, INEP, 2015.

DAVÍDOV, V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico: investigación


psicológica teórica e experimental. Editorial Progreso: Moscu, 1988.

FRANCO, A.M. do R. S. Pedagogia e Prática Docente. 1.ed. São Paulo: Cortez, 2012.
(Coleção Docência em Formação: saberes pedagógicos. Coord. Selma Garrido Pimenta.

LEONTIEV, A. O Desenvolvimento do Psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

MEDEIROS, D.H de; SFORNI, M. S. de F. (Im)possibilidades da organização do


ensino: desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes. 1.ed. Curitiba: Appris,
2016.

MOURA, M. O. et al. Atividade Orientadora de Ensino: unidade entre ensino e


aprendizagem. Revista Diálogo Educacional. Curitiba, v. 10, n. 29, p. 205-229, jan./abr.
PUC/PR, 2010. ISSN 1518-3483 Disponível em:
http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/dialogo?dd1=3432&dd99=view&dd98=pb
Acesso em 10 de fevereiro de 2018.

POLÍTICA NACIONAL DE EXTENSÃO. Fórum Nacional dos Pró-reitores das


Universidades Públicas Brasileiras. Disponível em:
https://www.ufmg.br/proex/renex/documentos/2012-07-13-Politica-Nacional-de-
Extensao.pdf Acesso em 18 de janeiro de 2017, 18:30.

SFORNI, M.S.de F. Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições


da teoria da atividade. 1ed. Araraquara: JM Editora, 2004.

VIGOTSKI, L. S. Psicologia Pedagógica. Tradução do russo e introdução: Paulo

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emancipação humana
Bezerra. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

VIGOTSKI, L. S. Aprendizagem e Desenvolvimento intelectual na idade escolar. In:


LEONTIEV, Alexis e outros. Trad. Rubens Eduardo Frias. Psicologia e Pedagogia: bases
psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. São Paulo: Centauro, 2005.

Autor/a:
Dalva Helena de Medeiros
UNESPAR/Campo Mourão / e-mail: dalva-helena@uol.com.br
Guilherme Antunes Leite
UNESPAR/Campo Mourão
A RUPTURA COM A CATEGORIA DE TOTALIDADE E SUAS
PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES PARA A PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Magda Gisela Cruz dos Santos

Considerações iniciais:
Ao afirmar a insuficiência das perspectivas marxista e estruturalista, e a
necessidade de superação das mesmas no campo epistemológico, a denominada ‘agenda
pós-moderna’199 tem influenciado as pesquisas em educação a aderirem a um ceticismo
ou relativismo teórico-metodológico, o que consideramos preocupante para o campo das
ciências. Um aspecto comum entre as diversas abordagens da agenda pós-moderna é a
ruptura com a categoria de totalidade. Ao adotarem uma relativização exacerbada dos
objetos e resultados das pesquisas e ao negarem a possibilidade de um conhecimento que

199
Utilizamos ao longo do artigo a categoria de agenda pós-moderna no sentido atribuído por Wood (1996)
e por Moraes (2013). Segundo as autoras, inclui-se na agenda pós-moderna correntes de pensamento como
o pós-estruturalismo, o neopragmatismo, o multiculturalismo, o construcionismo social e o pós-
colonialismo, dentre outras. Embora suas teorias e epistemologias não expressem um corpo conceitual
unificado e por vezes apresentem até divergências entre si, aproximam-se pelas críticas que apresentam em
relação à ciência moderna constituindo uma agenda comum, conforme explicitaremos no texto.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
contribua para uma compreensão do conjunto da realidade educacional, essas pesquisas
colocam em dúvida o próprio papel social da ciência.
Consideramos importante destacar o fato de que as abordagens da agenda pós-
moderna contribuíram muito para a visibilidade de questões específicas de gênero, raça,
etnia, entre outras que nem sempre estiveram contempladas em pesquisas que adotam a
totalidade como uma categoria central. Entretanto, observamos que ao negligenciar os
determinantes mais gerais das problemáticas que abordam, essas pesquisas, de modo
geral, acabam se reduzindo a um localismo que pretende explicar a especificidade a partir
da própria especificidade, o que ao nosso ver não possibilita um real conhecimento sobre
o objeto.
Além dos limites impostos à produção do conhecimento científico, observamos
que as opções epistemológicas da agenda pós-moderna apresentam implicações também
no campo da luta social. Ao tornam fragmentadas, remotas ou até mesmo supérfluas as
possibilidades de um conhecimento que contribua para a superação do sistema social, as
pesquisas que partem da perspectiva da agenda pós-moderna, pouco ou nada contribuem
para a superação dos aspectos apontados ou criticados pela mesma.
Diante dessas constatações, da pesquisa bibliográfica sobre o tema e dos estudos
realizados pelo nosso grupo de pesquisa nos últimos oito anos, o resumo enfatiza a
importância do materialismo histórico dialético como referencial teórico, método e práxis
na pesquisa em educação. Para tanto, partimos de algumas das principais críticas que a
agenda pós-moderna apresenta, especialmente em relação a categoria de totalidade e,
posteriormente, retomamos o sentido dessa categoria na obra de Marx. A partir da crítica
à ruptura epistemológica com a categoria de totalidade promovida pela agenda pós-
moderna, procuramos enfatizar as principais implicações da mesma no campo das lutas
sociais, que ao nosso ver, estão diretamente relacionadas com a produção do
conhecimento.

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emancipação humana
As críticas da agenda pós-moderna e a ruptura com a categoria de totalidade nas
pesquisas em educação
Como uma resposta aos totalitarismos nazista, fascista e stalinista, as abordagens
vinculadas à agenda pós-moderna buscam no campo teórico e epistemológico espaços de
ruptura com a perspectiva marxista e estruturalista de produção do conhecimento. Entre
as inúmeras críticas apresentadas às perspectivas marxista e estruturalista, a ruptura com
a categoria de totalidade é um aspecto comum nas diferentes abordagens que compõem a
agenda pós-moderna.
De modo geral, as críticas partem da constatação de que a razão difundida pela
perspectiva moderna de ciência, na qual se situariam o marxismo e o estruturalismo,
fracassou no seu papel de ampliar a autonomia humana e, ao contrário disso, tem
contribuído para uma progressiva opressão dos sujeitos através da imposição de uma
lógica instrumental que normatiza, legitima, administra e controla as liberdades de forma
racional.
No lugar dos grandes temas abordados pela ciência moderna, como o progresso,
a revolução e a verdade, os pós-modernos passam a valorizar o particular, as pequenas
narrativas, o efêmero. Chauí (1993, p. 22-23) apresenta uma síntese da perspectiva pós-
moderna
Categorias gerais como universalidade, necessidade, objetividade,
finalidade, contradição, ideologia, verdade são consideradas mitos de
uma razão etnocêntrica, repressiva e totalitária. Em seu lugar, colocam-
se o espaço-tempo fragmentados, reunificados tecnicamente pelas
telecomunicações e informações; a diferença, a alteridade; os
micropoderes disciplinadores, a subjetividade narcísica, a contingência,
o acaso, a descontinuidade e o privilégio do universo privado e íntimo
sobre o universo público. O mercado da moda, do efêmero e do
descartável. [...] O espaço é a sucessão de imagens fragmentadas; o
tempo, pura velocidade dispersa.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A partir da afirmativa de que a dispersão e fragmentação são as características
centrais da época atual, as perspectivas pós-modernas optam pela análise de problemas
localizados em uma fuga “[...] à análise teoricamente fundamentada e politicamente
consistente dos princípios presentes em suas ações” (DUARTE, 2006, p. 80). Com isso,
rejeitam a possibilidade de grandes sínteses, pois afirmam que qualquer busca de leis
gerais presume um esquematismo pré-definido com o qual se deve romper.
Apenas para dar um exemplo da crítica pós-moderna à perspectiva de totalidade
na análise da realidade concreta, além de outros temas de grande valor para a
modernidade, na abertura da 12ª edição da obra A condição pós-moderna, de Lyotard,
Barbosa (2009, p. VIII), em texto de 1988, faz referência a crise de determinados
conceitos caros à modernidade, aduzindo o que segue:
Desde o momento em que se invalidou o enquadramento metafísico da
ciência moderna, vem ocorrendo não apenas a crise de conceitos caros
ao pensamento moderno, tais como “razão”, “sujeito”, “totalidade”,
“verdade”, “progresso”. Constatamos que ao lado dessa crise opera-se
sobretudo a busca de novos enquadramentos teóricos (“aumento da
potência”, “eficácia”, “optimização das performances do sistema”)
legitimadores da produção científico-tecnológica numa era que se quer
pós-industrial. O pós-moderno, enquanto condição de cultura nesta era,
caracteriza-se exatamente pela incredulidade perante o metadiscurso
filosófico-metafísico, com suas pretensões atemporais e
universalizantes. (BARBOSA, 2009, p. VIII).

Com efeito, a crítica pós-moderna aos conceitos de “razão”, “sujeito”,


“totalidade”, “verdade” e “progresso”, dentre outros aspectos relevantes à modernidade,
tachando-os, dentre outras adjetivações, de “metadiscurso filosófico-metafísicos” e
dando ênfase a conceitos como “aumento de potência”, “eficácia”, “optimização das
reformas do sistema”, é reducionista e, como tal, “reduz a potência” (com a devida escusa
pela ironia) de qualquer análise séria e profunda da realidade objetiva. Realidade objetiva,
diga-se de passagem, e não “realidades objetivas”, como andam afirmando nesses tempos
de fragmentação, de subjetivismo solipsista, de relativismo ontológico e de pragmatismo

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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epistemológico. A análise particularizada, fragmentada e localizada de “realidades
objetivas”, apenas mais e mais fragmenta o conhecimento, não contribuindo em nada para
a construção de uma práxis emancipatória em uma dimensão macro. Ademais, esse
reducionismo no campo de análise em nada (ou pouco) contribui para a construção de
táticas e estratégias visando à transformação da realidade, até porque, para os “pós”, em
geral, a utopia, em uma dimensão universal é inviável. É claro que tal perspectiva se
justifica no âmbito da “agenda pós-moderna”, considerando-se a desimportância de
qualquer tentativa contra-hegemônica, em dimensão macro.
A crítica pós-moderna contenta-se com soluções efêmeras para embates
específicos e localizados, como se não existissem determinações gerais para as questões
particulares que combatem. Destarte, no campo da pesquisa em educação vive-se uma
espécie de “crônica de um mundo em pedaços”. Lançando mão a uma metáfora, pode-se
dizer que a análise dos “pós” abandona a figura do tradicional “quebra-cabeça” concluído
em sua totalidade, focalizando apenas em cada peça isolada do jogo.
Como um exemplo da influência que as opções epistemológicas da agenda pós-
moderna apresentam para o campo das lutas sociais, podemos observar que, de modo
geral, grande parte das críticas que intelectuais e educadores apresentam sobre a atual
crise política e econômica que atinge a educação no Brasil, são pontuais, resumem-se ao
seu espaço de atuação e não remontam a relação que o mesmo apresenta com o conjunto
das demais esferas sociais também atingidas pela crise. Desse modo, não contribuem para
identificar os determinantes do processo de crise, aqueles que estão na sua essência.
Assim, entendemos que ao romper com a categoria de totalidade no campo teórico
e epistemológico, as perspectivas pós-modernas, além de inviabilizarem uma análise
fidedigna tanto do todo quanto das particularidades, conforme apresentaremos no item a
seguir, rompem também com a perspectiva de superação da sociedade capitalista.

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A categoria de totalidade e a investigação no materialismo histórico dialético
A categoria de totalidade é fundamental para as pesquisas que adotam por
perspectiva teórico-metodológica o Materialismo Histórico Dialético e nessa abordagem
diferencia-se radicalmente do sentido que lhe é atribuído no estruturalismo e nas
principais críticas apresentadas pela agenda pós-moderna.
No presente texto procuramos identificar o sentido que a categoria totalidade
apresenta na obra de Marx, e a centralidade que a mesma assume em seu método de
investigação. Marx dedicou poucos escritos à explicitação de seu método, mas ao longo
de sua obra apresentou os princípios e concepções de realidade, sujeito e conhecimento
que nortearam seus estudos e paralelamente à sua investigação foi aprimorando seu
método de apreensão da realidade. A compreensão sobre o sentido da categoria totalidade
em sua obra, somente pode ser apreendido a partir de sua perspectiva teórico-
metodológica, que se convencionou denominar por Materialismo Histórico Dialético200.
Para Marx (1983) a investigação científica deve ter como objetivo conhecer as leis
que orientam o movimento, desenvolvimento e transformação do objeto de estudo, em
seu caso o sistema capitalista. No posfácio à segunda edição alemã (1872) do primeiro
volume de ‘O Capital’, Marx (1983, p. 100 e 101) utiliza a citação de um crítico de sua
obra para expor uma síntese de seu método,
Para Marx uma só coisa é importante: encontrar a lei dos fenômenos,
de cuja investigação ele se ocupa. E, para ele, é importante não apenas
a lei que os rege na medida em que eles têm uma forma acabada e
permanecem numa conexão, tal como é observada num dado período
de tempo. Para ele, é ainda acima de tudo importante a lei da sua
mudança, do seu desenvolvimento, isto é, da passagem de uma forma à
outra, de uma ordem de conexão à outra. Uma vez descoberta esta lei,
investiga em pormenor as consequências por que se dá a conhecer na
vida social... Por consequência, Marx esforça-se por uma só coisa: por
demonstrar, através de uma investigação científica rigorosa, a

200
Essa denominação não foi dada por Marx e Engels, mas passou a ser utilizada por alguns dos militantes
e estudiosos do marxismo que sintetizaram sua perspectiva teórico-metodológica.

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necessidade de determinadas ordens das relações sociais e por
constatar, tão irrepreensivelmente quanto possível, os factos que lhe
servem de ponto de partida e de apoio. Para isso é perfeitamente
suficiente que ele, com a necessidade da ordem presente, demonstre ao
mesmo tempo, a necessidade de uma outra ordem, a que a primeira
inevitavelmente tem de passar, sendo totalmente indiferente que os
homens acreditem, estejam conscientes dela ou não estejam
conscientes.

Segundo Marx (1983), a exposição citada resume seu método e a aplicação do


mesmo em sua obra. Afirma, ainda, que seu método não é apenas diverso do método de
Hegel, mas o seu direto oposto. Neste sentido, diz textualmente:
Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método
hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do
pensamento – que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de
ideia – é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa.
Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto
para a cabeça do ser humano e por ela interpretado (MARX, 2010, p.
28).

Em ‘Contribuição à Crítica da Economia Política (1859)’, obra na qual Marx


(2008) distingue o método de investigação do método de exposição, destaca que no
processo de investigação se parte de uma representação caótica do todo, entretanto,
analiticamente se avança para abstrações cada vez mais tênues até chegar às
determinações mais simples do objeto. O momento seguinte seria o retorno ao ponto de
partida, agora não mais como uma representação caótica do todo, mas como uma rica
totalidade de determinações e relações diversas.
Marx (2008, p. 256 e 257) considerava esse como o método cientificamente
correto, uma vez que “O concreto é concreto, porque é a síntese de muitas determinações,
isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo
de síntese, como resultado, não como ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto
de partida e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.” Desse
modo, segundo Marx (2008), as determinações abstratas, as primeiras determinações do

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objeto que se manifestam ao sujeito, conduzem à reprodução do concreto por meio do
pensamento.
Kosik (2011) afirma que para o materialismo histórico o processo de conhecer
ocorre a partir da eliminação da pseudoconcreticidade com que os fenômenos se
apresentam em um primeiro momento, ou seja, sua pretensa independência que não revela
seu carácter derivado e mediado. Quando se descobre a natureza da realidade social, sua
essência, a partir das múltiplas relações entre suas partes e destas com o todo, é que se
avança no sentido da compreensão de sua totalidade, de sua concreticidade. O objetivo
da investigação deve ser atingir a concreticidade do fenômeno.
Trata-se de um processo que visa ascender do abstrato ao concreto, em um
movimento que vai “[...] da parte para o todo e do todo para a parte; do fenômeno para
essência e da essência para o fenômeno; da totalidade para a contradição e da contradição
para a totalidade; do objeto para o sujeito e do sujeito para o objeto.” (KOSIK, 2011, p.
36 e 37).
Neste sentido, no que concerne à totalidade, diz, ainda:
A posição da totalidade, que compreende a realidade nas suas íntimas
leis e revela, sob a superfície da causalidade dos fenômenos, as
conexões internas, necessárias, coloca-se em antítese à posição do
empirismo, que considera as manifestações fenomênicas e causais, não
chegando a atingir a compreensão dos processos evolutivos da
realidade. Do ponto de vista da totalidade, compreende-se a dialética da
lei e causalidade dos fenômenos, da essência interna e dos aspectos
fenomênicos da realidade, das partes e do todo, do produto e da
produção e assim por diante. (KOSIK, 2011, p. 37).

Ao analisar o modo de produção no sistema capitalista, Marx (2008, p. 235 e 236)


enfatiza que a determinação mais geral, embora necessária, é uma abstração
Quando se trata, pois, de produção, trata-se da produção em um grau
determinado do desenvolvimento social, da produção de indivíduos
sociais. [...] Todavia, todas as épocas da produção possuem certos
traços característicos em comum, determinações comuns. A produção

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em geral é uma abstração, mas uma abstração razoável, pelo fato de que
põe realmente em relevo e fixa o caráter comum, poupando-nos,
portanto, as repetições. Esse caráter geral, entretanto, ou esse elemento
comum, discriminado pela comparação, está organizado de uma
maneira complexa e diverge em diversas determinações. Alguns desses
elementos pertencem a todas as épocas; outros são comuns a algumas
delas.

Conforme é possível observar, segundo Marx (2008) para se conceber o objeto de


estudos de maneira geral, no seu caso como ‘a produção em geral’, é preciso recorrer aos
seus traços comuns, entretanto para compreender as leis de seu desenvolvimento é preciso
adentrar os elementos que diferenciam o objeto, suas determinações específicas.
Além disso, Marx (2008) enfatiza que é preciso considerar que a produção, assim
como qualquer outro objeto de estudo, não é apenas produção geral ou tão somente
produção particular, mas um corpo social, um sujeito social, que exerce sua atividade em
uma totalidade maior ou menor de ramos da produção. “Em resumo: todos os graus de
produção possuem em comum certas determinações que o pensamento generaliza; mas
as chamadas condições gerais de toda a produção não são outra coisa senão esses
momentos abstratos, os quais não explicam nenhum grau histórico real da produção.”
(MARX, 2008, p. 242).
A separação das determinações gerais do objeto e suas determinações específicas
é etapa necessária no processo de conhecer, a qual requer o reconhecimento do caráter
histórico das determinações específicas. Assim, como uma das etapas de apreensão do
objeto, é preciso que este seja separado em suas partes constituintes, pois como destaca
Kosik (2011, p. 57) “O homem não pode conhecer o contexto do real a não ser arrancando
os fatos do contexto, isolando-os e tornando-os relativamente independentes. Eis aqui o
fundamento de todo o conhecimento: a cisão do todo.”
Entretanto, isso não significa negar a relação entre as partes do objeto, e das partes
com o todo, pois essa é apenas uma etapa necessária no processo de conhecer.

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Diferentemente da perspectiva reducionista que caracteriza outras abordagens incluídas
na agenda pós-moderna, o Materialismo Histórico Dialético não considera esse o
momento final ou principal do conhecimento. Para se atingir a compreensão do fenômeno
em si, ou seja, sua essência, é preciso considerá-lo como parte de um todo, ou seja, seu
caráter mediado e mediador, como destaca Kosik (2011, p. 49)
Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é examinado
como momento de um determinado todo; desempenha, portanto, uma
função dupla, a única capaz de dele efetivamente fazer um fato
histórico: de um lado, definir a si mesmo, e de outro, definir o todo; ser
ao mesmo tempo produtor e produto; ser revelador e ao mesmo tempo
decifrar a si mesmo; conquistar o próprio significado autêntico e ao
mesmo tempo conferir um sentido a algo mais. Esta recíproca conexão
e mediação da parte e do todo significam a um só tempo: os fatos
isolados são abstrações, são momentos artificiosamente separados do
todo, os quais só quando inseridos no todo correspondente adquirem
verdade e concreticidade. Do mesmo modo, o todo de que não foram
diferenciados e determinados os momentos é um todo abstrato e vazio.

A conexão e a mediação entre a parte e o todo, são apontadas por Marx (2008, p.
255) ao analisar a relação de identidade e exclusão entre os processos de produção,
distribuição, troca e consumo, segundo ele, “O resultado a que chegamos não é que a
produção, a distribuição, a troca e o consumo, são idênticos, mas que todos eles são
membros de uma totalidade, diferenças em uma unidade.” Para Marx (2008) ocorre uma
reciprocidade de ação entre os diferentes momentos, o que serve dizer para qualquer todo
orgânico.
Desse modo, o avanço para a concreticidade ocorre ao reestabelecer a conexão, a
mediação entra as partes e o todo, voltando-se assim para a totalidade como um todo
estruturado e dialético, possível de ser compreendido racionalmente.
Conforme é possível observar, na perspectiva do Materialismo Histórico
Dialético, a totalidade concreta, somente pode ser alcançada a partir da relação do objeto
de estudo com sua história e sua realidade concreta. Isso não significa ter como objetivo

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a apreensão de toda a realidade, o que é impossível ao pensamento humano, mas sim,
apreender o conjunto de aspectos e fatos que constituem o objeto como algo significativo,
as relações essenciais que o formam e que, portanto, o explicam. Nesse processo torna-
se central o movimento de contradição dialética que constitui a realidade.
Em síntese, podemos afirmar que a totalidade se constitui a partir da rede de
relações essenciais e secundárias que atribuem sentido ao objeto e ao mesmo tempo,
constitui uma unidade concreta com conteúdo contraditório e em movimento e, portanto,
é histórica e transitória.
Ao considerar esse movimento contraditório de forma dialética, a categoria de
totalidade na perspectiva do Materialismo Histórico Dialético não configura como uma
representação formal do real no pensamento, mas sim a reprodução mental do objeto
realmente existente com suas relações contraditórias e dinâmicas. Ao negar o aspecto
dialético da categoria de totalidade, diferentes correntes de pensamento presentes na
agenda pós-moderna apresentam uma concepção distorcida da mesma e por vezes a
reduzem à perspectiva totalizante do estruturalismo.
Para o Materialismo Histórico Dialético é impossível conhecer as partes sem
conhecer o todo, do mesmo modo que não é possível conhecer o todo sem recorrer ao
conhecimento das partes, isso porque são as relações fundamentais entre parte e todo que
lhe conferem significado, portanto, o conhecimento somente é possível na apreensão
dessas relações que, vale lembrar são dinâmicas, dialéticas e contraditórias. Assim é
possível afirmar que conhecer o objeto significa apreender suas estruturas dialéticas
essenciais, suas contradições, o que equivale dizer, sua totalidade.

Conclusão
Com a breve exposição sobre a categoria de totalidade segundo a perspectiva do
Materialismo Histórico Dialético, procuramos evidenciar que são inapropriadas muitas

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das justificativas que as perspectivas pós-modernas apresentam ao romper com essa
categoria no campo epistemológico.
A centralidade dessa categoria no método marxiano está relacionada aos
pressupostos da filosofia social de Marx, que se baseia na sua concepção de
conhecimento, de sujeito e de materialidade.
Concordamos com as críticas de que as epistemologias que se orientam por uma
perspectiva moderna de ciência até então têm produzido, principalmente, um
conhecimento instrumental, utilitarista que tem esgotado os recursos naturais e levado a
uma progressiva submissão dos sujeitos à ordem social capitalista. No entanto,
entendemos que esse uso atribuído ao conhecimento e à demanda de sua produção, tem
origem na forma como o modo de produção capitalista se constitui, incluindo tudo na
lógica da produção de mercadorias. Não concordamos que esse seja um limite imposto
pela racionalidade do conhecimento científico, mas sim pelo modo como a produção do
conhecimento é demandada e absorvida pelo sistema social capitalista. Assim,
entendemos que o Materialismo Histórico Dialético é o método que insere a produção do
conhecimento em uma perspectiva de superação da forma como a ciência vêm sendo
utilizada no modo de produção capitalista. O conhecimento racional da totalidade
concreta é fundamental para isso, conforme procuramos demonstrar ao longo do texto.
Observamos que as perspectivas pós-modernas não estão contribuindo para a
superação dos limites que observam em relação à ciência moderna. Ao contrário disso,
essas perspectivas têm se limitado a desenvolver pesquisas, não rara vezes descritivas,
que se limitam a constatar o que está dado e o que é perceptível de forma mais imediata,
sem ambicionar uma compreensão mais aprofundada do real e por isso permitem-se
romper com a categoria de totalidade em suas abordagens teórico-epistemológicas.
Com isso, de modo geral, estão limitadas a produzir um conhecimento
fragmentado, confuso no que se refere à perspectiva política e ideológica na qual se insere

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e que pouco contribui para as diferentes formas de resistência no campo das lutas sociais,
pois contribui para a fragmentação dos grupos organizados e para a falta de unidade e de
horizonte político.
Acreditamos que o conhecimento científico pode ser um elemento importante para
a emancipação humana, mas que ao romper com o seu objetivo de atingir a totalidade
concreta, essa possibilidade torna-se inatingível.

Referências:

CHAUÍ, Marilena. Vocação Política e Vocação Científica da Universidade. Brasília:


MEC/CRUB, 15(31), 2° semestre, 1993.

DUARTE, Newton. Vigotski e o Aprender a Aprender: crítica às apropriações


neoliberais e pós-modernas da teoria Vigotskiana. Campinas: Autores Associado,
2006.

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna / Jean-François Lyotard;


tradução: Ricardo Corrêa Barbosa. 12a ed.- Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.

MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. livro I, v. 1, 27ª ed. – Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

______, Karl. ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Lisboa: Avante!, 1983.

______, Karl. Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução.


São Paulo: Expressão Popular, 2010.

______, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Expressão


Popular, 2008.

MORAES, M. C. M. O renovado conservadorismo da agenda Pós-moderna. Cadernos


de Pesquisa, v. 34, n. 122, p. 337-357, maio/ago. 2004.

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emancipação humana
WOOD, Ellen Meiksins. Em defesa da História: o marxismo e a agenda pós-moderna.
Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.118-127.

Autora:
Magda Gisela Cruz dos Santos
Doutoranda do PPGE/ FAE/UFPel
e-mail: magdacs81@yahoo.com.br

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emancipação humana
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO NA PRÁXIS DO PROFESSOR:
CONTRIBUIÇÕES DO MATERIALISMO HISTÓRICO-
DIALÉTICO
Marta Silene Ferreira Barros
Dayanne Vicentini- UEL
Jacqueline Daniele França de Almeida - UEL

Introdução
O presente trabalho tem como objetivo trazer elementos teóricos para discutir o
conhecimento científico como condição essencial para uma práxis emancipadora do
professor da infância. O caminho escolhido para compor essa investigação, a fim de
atender ao objetivo proposto, está delineado nos fundamentos da teoria social de Marx,
ou seja, na abordagem crítico-dialética de pesquisa. Cumpre notar que esta, ocupa-se por
técnicas bibliográficas e históricas com documentos, estudos de textos, registros, etc.
(GAMBOA, 1987).
A dialética materialista, longe de esgotar-se com os princípios que traduzem as
ligações gerais e principais da realidade em desenvolvimento, estuda também as ligações
e os aspectos essenciais do progresso do mundo material e do conhecimento
(KRAPIVINE, 1986). Neste sentido, por intermédio de uma reflexão fundamentada na
visão histórica e dialética é possível compreender os processos que envolvem o objeto
em investigação.
Portanto, a dialética tem como intuito, revelar as leis dos objetos em movimento,
bem como os processos da natureza, do pensamento e a lógica do “avanço da relação
mundo objetivo-pensamento, segundo as leis objetivas, assegurando assim que o
pensamento coincida em conteúdo com a realidade objetiva que está fora dele”
(GAMBOA,1987, p.13). A dialética materialista consolida-se como método e lógica do
movimento do pensamento no sentido da verdade objetiva.

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emancipação humana
Partindo dessas premissas gerais, para a realização da pesquisa bibliográfica,
buscamos autores que direcionam seus estudos dentro da esfera do materialismo
histórico-dialético, de modo a priorizar uma concisão teórica acerca do tema explorado.
Dentre os principais autores elegidos como fonte de estudos temos: Marx (2011), Gamboa
(1987), Oliveira (1987), Saviani (2013), Martins (2012), Mello (2007), Kosik (1976),
dentre outros.
Diante do exposto, ao estudarmos o desenvolvimento humano sob as bases da
Teoria Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica, inferimos que a educação é
um processo dialético de reprodução do ser humano em cada sujeito (DUARTE, 2016).
Assim, a escola é o lócus privilegiado de socialização do conhecimento elaborado e o
professor, o mediador no processo de ensino e aprendizagem da criança.
Desse modo, a pesquisa se justifica devido ao esvaziamento científico do
professor, o que reflete em práticas espontâneas, isto é, no conhecimento do senso
comum, ocasionando fragilidade em sua prática pedagógica, interferindo assim na
qualidade da aprendizagem e desenvolvimento infantil.
O método dialético considera a apreensão do movimento do conhecimento do real
concreto, em busca do concreto pensado, tendo em vista a apropriação, por parte dos
educandos, do conhecimento desenvolvido pela humanidade ao longo da história.
Sendo assim, se a escola tem como função principal, a disseminação da ciência, o
professor é o intelectual que pode estar constantemente em atividades de estudos, para
que o seu trabalho seja fundamentado por uma teoria que o capacite para uma práxis
emancipadora. Ora, a práxis, entendida aqui como a unidade entre teoria e prática, é
condição essencial para que haja a apropriação dos conhecimentos científicos por parte
das crianças, possibilitando sua humanização.

Fundamentação Teórica

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A escola é, por excelência o lugar do saber, do conhecimento. Este, não se refere
à qualquer tipo de saber, mas sim ao saber elaborado. Com efeito, “a escola diz respeito
ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e
não fragmentado” (SAVIANI, 2013, p.14). Com isso, a Pedagogia Histórico-Crítica, ao
conferir à escola a tarefa da socialização das formas mais desenvolvidas do conhecimento,
visa “a formação das bases para a difusão do materialismo histórico-dialético como
concepção de mundo” (DUARTE, 2016, p.96).
Deve-se considerar, que a escola possui uma ligação direta com a ciência. Desse
modo a ciência, caracteriza-se pelo saber metódico, sistematizado. Assim, o
conhecimento que produz palpites não define a existência da instituição escolar. A
sabedoria que se baseia na experiência de vida cotidiana das pessoas, dispensa a
experiência escolar e chega à uma concretude que pode ser percebida em ditos populares,
como por exemplo: “mais vale a prática do que a gramática” e “as crianças aprendem
apesar da escola” (SAVIANI, 2013, p.14). Devido à apropriação do conhecimento
metódico pelas novas gerações é que se torna imprescindível a existência da escola. Seu
desafio é possibilitar a superação do conhecimento imediato, pois, “Essa práxis utilitária
imediata e o senso comum a ela correspondente colocam o homem em condições de
orientar-se no mundo, [...] , mas não proporcionam a compreensão das coisas e da
realidade”. (KOSIK, 1976, p.14)
De acordo com Mello e Farias (2010) a escola pode promover o máximo
desenvolvimento humano nas crianças, uma vez que não podemos balizar o seu acesso às
formas mais elaboradas da cultura, mas ampliar o seu repertório cultural, para que a escola
seja um lugar de humanização. É o saber científico que possibilita a transformação das
funções psíquicas elementares em funções psíquicas superiores, as quais são
culturalmente adquiridas pelo gênero humano.

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Para Oliveira (1987, p.92) a escola enquanto uma instância social, é o lugar cuja
excelência se define pelo fato de desenvolver o processo de transmissão-assimilação do
conhecimento sistematizado, isto é, a instituição formal de educação, “é o local onde o
indivíduo estaria se instrumentalizando para atuar no meio social ao qual pertence”.
Assim, ao defendermos que a escola é o lócus do saber elaborado, a creche e a escola da
infância, também podem e devem ser o melhor lugar para a educação das crianças
pequenas (0 até os 5 anos).
Mello (2007) salienta que a principal atividade do professor da infância é o ensino,
pois é nesta faixa etária que se pode organizar intencionalmente as condições adequadas
de vida e educação, a fim de maximizar a apropriação das qualidades humanas que são
externas ao nascimento e necessitam ser apropriadas pelas novas gerações, por meio de
sua atividade nas situações experienciadas coletivamente.
Apropriar-se das qualidades humanas transforma o ser natural em ser social, essa
mudança ocorre por meio do trabalho, nesse caso, o trabalho educativo, que é o ato de
produzir a humanidade em cada indivíduo, sendo esta produzida histórica e coletivamente
pelos homens (SAVIANI, 2013). Ou seja, para que isso se efetive na prática, há a
necessidade de tomar como referência o saber objetivo produzido historicamente, o saber
que diz respeito à educação, que emerge como resultado do processo de aprendizagem,
sendo que, o saber sistematizado exige planejamento e precisa ter intencionalidade.
A criança vivencia esse processo no ambiente escolar. Para possibilitar que ela se
oriente no mundo e se aproprie da realidade necessita-se de “[...] habilidades e
conhecimentos que se adquirem inicialmente por repetição e experimentação e que se
transmitem mediante aprendizado; [...]”. (NETTO, 2006, p.31).
De acordo com a teoria histórico-cultural, o ensino se inicia logo após o
nascimento. É preciso esclarecer, que não estamos tratando aqui do mesmo conteúdo

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emancipação humana
elaborado que se trabalha no ensino fundamental, mas sim dos conteúdos específicos a
serem ensinados para as crianças pequenas respeitando sua fase e necessidade.
Cumpre ressaltar que concebemos como conteúdos de ensino, o acervo científico,
tecnológico, ético, estético, etc., convertidos em saberes escolares, ou seja, os
conhecimentos elaborados e os que mais contribuem para o desenvolvimento das
máximas conquistas humanas. Sob essa direção, o critério de seleção dos conteúdos
escolares para a Pedagogia Histórico-Crítica é o do desenvolvimento de cada pessoa
como um indivíduo que possa concretizar em sua existência, a humanização alcançada
até o presente pelo ser humano (DUARTE, 2016).
Assim, entendemos que a função educativa dos conhecimentos científicos
(convertidos em conteúdos escolares), artísticos e filosóficos se concretiza “quanto mais
esse ensino esteja fundamentado na concepção de mundo materialista, histórica e
dialética” (DUARTE, 2016, p. 95).
Por isso, independentemente da faixa etária atendida, a escola precisa assumir a
sua função como socializadora de conhecimentos, ou seja “de ensinar como lócus
privilegiado de socialização para além das esferas cotidianas e dos limites inerentes à
cultura de senso comum” (MARTINS, 2012, p.94).
A realidade que se insere no trabalho pedagógico das escolas da infância,
infelizmente ainda é bem diferente. As práticas espontâneas estão fortemente presentes
no dia a dia das instituições. Pautados na maioria das vezes, nos postulados
construtivistas, os professores veem a criança como detentora do saber e sua vontade de
aprender é o ponto de partida do ensino a ela destinado pelos educadores. De acordo com
Silva (2012) este cenário apresenta um foco empírico na vida cotidiana, um trabalho não
diretivo do professor e a defesa do protagonismo da criança.
Dessa forma, podemos perceber que nesta concepção, não há a defesa de uma
atividade sistematizada e a brincadeira espontânea é a principal atividade, pois a teoria

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emancipação humana
compreende que a aprendizagem da criança se dá por ela mesma. O professor neste caso,
configura-se como um facilitador da aprendizagem, intervindo pouco nas atividades
realizadas com a criança.
Assim, a teoria histórico-cultural, compreendendo que o ser nasce em um mundo
humano, acredita que este se torna humano a partir da apropriação da cultura
historicamente elaborada pelo homem. Por isso, sobre a defesa do ato de ensinar, Silva
(2012, p.48) argumenta que, “[...] o educador deve ser pensado como alguém que
transmite à criança os resultados do desenvolvimento histórico, que explicita os traços da
atividade humana objetivada e cristalizada nos objetos da cultura”.
Neste sentido, a ideia acima nos revela a necessidade de o professor da infância
estar munido de conhecimento científico (elaborado) a fim de manter uma práxis
pedagógica que contemple a aprendizagem e o desenvolvimento da criança como um ser
social que precisa se apropriar das máximas qualidades humanas expressas na cultura.
É imprescindível que a formação do professor – tanto inicial quanto continuada,
contemple o ensino como o eixo do trabalho docente, enfatizando a importância do
conhecimento científico para o trabalho com as crianças pequenas. Sob esta direção,
Raupp e Arce (2012) asseveram que os professores precisam ser ensinados, a fim de que
compreendam com maior responsabilidade, o grau de complexidade do trabalho
pedagógico que desempenham junto à criança pequena, possibilitando a superação de
práticas espontâneas, ainda tão fortemente presentes nos estabelecimentos escolares.

Conclusões
A partir de uma visão pautada nos fundamentos do materialismo histórico-
dialético, a instituição social “escola” tem como função máxima de socializar o
conhecimento elaborado aos indivíduos. Acreditamos que a apropriação do conhecimento

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culturalmente elaborado, contribui para o desenvolvimento humano, tornando o homem
um ser social.
Tendo como base a Teoria Histórico-Cultural, o ensino é o eixo do trabalho com
as crianças em todos os níveis de educação. Com isso, é importante sobrepujar o
esvaziamento científico, isto é, superar o pragmatismo e o espontaneísmo que prepondera
na educação escolar (MARTINS; MARSIGLIA, 2015).
O ensino que se baseia em práticas espontaneístas, secundariza o professor como
um indivíduo coadjuvante no processo de ensino e aprendizagem, compreendendo que a
criança aprende a partir de seus interesses próprios, os quais formam sua inteligência. A
partir dessa premissa, podemos pensar: qual o papel do professor? Sua função estaria
vinculada primeiramente, ao que a criança já sabe, constituindo-se como um
acompanhante do seu desenvolvimento. O espontaneísmo, neste sentido, limita as
possibilidades de humanização da criança por meio do ensino pois não há superação
daquilo que a criança já sabe, permanecendo esta no mesmo nível do início do processo.
A Teoria Histórico-Cultural, por sua vez, defende a humanização da criança por
intermédio do ensino e compreende que o professor é o adulto que socializa os resultados
do desenvolvimento histórico da humanidade. Além disso, o professor como mediador
do conhecimento, é aquele que apresenta as marcas da atividade humana objetivadas nos
objetos da cultura (SILVA, 2012).
Sendo a escola como um espaço que trabalha com a cultura erudita, o professor,
ao se capacitar constantemente em atividades de estudos, buscando formas mais
elaboradas de conhecimento, potencializa um ensino provocador do desenvolvimento nas
crianças. O ponto de partida do professor numa perspectiva onto-metodológica, pressupõe
um agir humano que coloque finalidades guiadas por um objetivo que se procura alcançar
(RAUPP; ARCE, 2012).

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emancipação humana
Partindo dessas premissas, é possível observar uma realidade em que isso não está
ocorrendo. Os professores da infância estão direcionando seu trabalho pedagógico pelas
vias do conhecimento espontâneo, o que fragiliza o processo de ensino, aprendizagem e
desenvolvimento da criança. Para que esta situação seja superada, é preciso pensar em
uma formação de professores que considere o conhecimento científico como base
fundamental para uma práxis de qualidade, a qual contribua para o desenvolvimento da
criança. Esse pode ser um meio eficaz de combater o esvaziamento científico nas escolas.

Bibliografia

DUARTE, N. Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos: contribuição à


teoria histórico-crítica do currículo. Campinas: Autores Associados, 2016.

GAMBOA, S.S. Epistemologia da pesquisa em educação. Campinas: Práxis, 1987.

KRAPIVINE, V. Categorias da dialética materialista. In: KRAPIVINE, V. Que é o


materialismo dialético? Moscovo: Edições Progresso, 1986. p.185- 214.

KOSIK, K. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio, 2 ed.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

MARX, K. Grundisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. Tradução de Mauro


Duayer. São Paulo: Boitempo. UFRJ, 2011.1285 p.

MARTINS, L. O ensino e o desenvolvimento da criança de zero a três anos. In: ARCE,


A; MARTINS, L.(Orgs). Ensinando aos pequenos de zero a três anos. 2ed. Campinas:
Alínea, 2012.

MARTINS, L.M; MARSIGLIA, A.C.G. As perspectivas construtivistas e histórico-


crítica sobre o desenvolvimento da escrita. Campinas: Autores Associados,2015.

MELLO, S. A. Infância e humanização: algumas considerações na perspectiva Histórico-


Cultural. Perspectiva, Florianópolis, v.25, n.1, p.83-104, jan/jun. 2007.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MELLO, S.A.; FARIAS, M. A. A escola como lugar da cultura mais elaborada.
Educação (UFSM), v. 1, n. 1, p. 53-68, 2010.

NETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez,
2006. Biblioteca básica de serviços social; v.1.

OLIVEIRA, B. A prática social global como ponto de partida e de chegada da prática


educativa. In: OLIVEIRA, B; DUARTE, N. Socialização do saber escolar. 3 ed.São
Paulo: Cortez: Autores Associados, 1987.

RAUPP, M.D; ARCE, A. A formação de professores da Educação Infantil: algumas


questões para se pensar a profissional que atuará com crianças de 0 a 3 anos.In: ARCE,
A; MARTINS, L.M. Ensinando aos pequenos de 0 a 3 anos. 2ed. Campinas: Alínea,
2012.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.11ed. Campinas:


Autores Associados, 2013.

SILVA, J.C. O que o cotidiano das instituições de educação infantil nos revela? O
espontaneísmo X o ensino. In: ARCE, A; MARTINS, L.(Orgs). Ensinando aos
pequenos de zero a três anos. 2ed. Campinas: Alínea, 2012.

Autoras:

Marta Silene Ferreira Barros


Universidade Estadual de Londrina
mbarros_22@hotmail.com
Dayanne Vicentini- UEL
Universidade Estadual de Londrina
dayannevicentini@hotmail.com
Jacqueline Daniele França de Almeida - UEL
Universidade Estadual de Londrina
jacque.daniele@yahoo.com.br

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emancipação humana
FORMAÇÃO ACADÊMICA: REFLEXÕES SOBRE A PRÁXIS EDUCATIVA
Laurênia de Moraes Castro
Carolina Borghi Mendes
Jorge Sobral da Silva Maia

Introdução
Diante das reflexões sobre a interpretação do significado da Práxis, que embora
se trate essencialmente de uma correlação entre teoria e prática, observamos que o
significado mais complexo do próprio conceito muitas vezes se perde, uma vez que apesar
de muitos estudantes da área de educação conhecerem a sua definição, no momento de
exercer a docência, se deparam com inúmeros obstáculos teóricos metodológicos
oriundos de uma fragmentação do conhecimento científico e filosófico durante a
formação acadêmica.
Nesse sentido, baseado num projeto anterior de Iniciação Científica realizado
entre os anos de 2016 e 2017 na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), cujo
título foi A Pedagogia Histórico Crítica enquanto diretriz do Pensamento Científico na
Educação Ambiental e se propôs a analisar as diretrizes pedagógicas e epistemológicas
da formação docente nos Cursos de Ciências Biológicas da mesma instituição, o presente
estudo objetiva apresentar, brevemente, reflexões sobre a necessidade de uma Educação
que vise a formação de educadores críticos e capazes de realizar interpretações mais
elaboradas da realidade social e desenvolver um trabalho docente sob a perspectiva da
Práxis Educativa, portanto, apresentamos nesse estudo, abordagens que apontam a
necessidade de maior embasamento científico e filosófico para a compreensão da Práxis,
não a definindo superficialmente como a simples união entre prática e teoria, pois essa
explicação por si só, já desvincula o significado da Práxis.
Sendo essencial a superação da fragmentação do conhecimento científico e
filosófico na formação inicial de professores, compreendemos então, que licenciandos e

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emancipação humana
professores, mesmo quando entendem a definição de práxis, encontram dificuldades em
realizar o trabalho docente tendo-a como pressuposto, devendo ser esta uma preocupação
da formação inicial em licenciaturas. A partir disso, analisamos além dos dados
qualitativos da pesquisa desenvolvida anteriormente no projeto de Iniciação Científica
supracitado, estudos de autores como Saviani,2012; Maia, 2012; Mendes, 2015; Tozoni-
Reis, 2001; Lukács, 2013, que apontam a Práxis Educativa como elemento crucial para
as ações e reflexões da função docente.
Assim, numa educação característica do modo de produção capitalista onde são
perpetuadas ideologias de consumo para que as “relações assimétricas de poder”
(LOUREIRO, 2012, p.85) sejam mantidas, a resolução das problemáticas sociais atuais,
originárias de uma realidade desumanizadora devido a organização da sociedade que se
mantém respaldada no livre mercado, exige um repensar sobre a forma como nos
organizamos em sociedade e também sobre o desenvolvimento das investigações e dos
conhecimentos científicos e filosóficos que respaldam a formação acadêmica de
professores.
Isto posto, ressaltamos que as diversas vertentes pedagógicas fundamentam-se,
sobretudo, em práticas dentro do contexto histórico cultural no âmbito escolar e suas
abordagens podem ser de natureza acrítica ou Crítica. As teorias pedagógicas acríticas se
baseiam em uma interpretação de mundo mecanicista e reprodutora, enquanto as teorias
pedagógicas críticas, como a Pedagogia Histórico Crítica (SAVIANI, 2012), baseia-se no
Materialismo Histórico Dialético para interpretação e transformação das relações
socioambientais exploratórias, sendo a concepção que fundamenta esse estudo.

A Práxis Educativa para a Formação de Professores


A PHC (Pedagogia Histórico Crítica), junto a outras vertentes educacionais, trás
entre seus significados, o conceito da Práxis Educativa, que embora seja, muitas vezes,

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emancipação humana
superficialmente definida como a correlação entre teoria e prática, durante a formação
docente são encontrados inúmeros obstáculos na compreensão teórico metodológica que
inibem essa dinamicidade entre a apropriação e a elaboração de conhecimentos se
distanciando das reflexões e discussões epistemológicas sobre os conteúdos e produção
acadêmica, sobre a interdisciplinaridade e sobre o próprio trabalho docente.
Dessa forma, a produção acadêmica, sobretudo em cursos de licenciaturas, deve
estar diretamente comprometida com a formação de professores, possibilitando a
instrumentalização científica e filosófica dos indivíduos para atuarem criticamente em
sociedade, buscando superar a educação com fins instrumentais e pragmáticos que podem
estar dissociados de fins emancipatórios e reflexivos (LOUREIRO, 2012). Assim, a partir
de estudos anteriores sobre a fragmentação do conhecimento na formação docente,
direcionamos algumas leituras à questão da práxis educativa, cujos processos teóricos
metodológicos acometem dificuldades encontradas diante da falta de discussões e estudos
epistemológicos na graduação.
Nesse sentido, as reflexões epistemológicas voltadas à formação de professores
possibilita direcionar filosofia e ciência também para o ambiente escolar para a superação
dos elementos de senso comum, independente do nível de escolaridade com o qual o
docente trabalha, entretanto, considerando ainda os aspectos cognitivos do indivíduo,
adentrando um pensar crítico e o aprimorando através do próprio senso crítico,
desenvolvendo uma interpretação mais elaborada e complexa da realidade.
Portanto, se a Práxis Educativa é a reflexão filosófica direcionada à ação docente,
a formação acadêmica com foco epistemológico nos cursos de licenciaturas, mostra-se
necessária para a instrumentalização do futuro professor/educador e, consequentemente,
para o trabalho docente que se comprometa com a formação da consciência dos
educandos e forme sujeitos atuantes na realidade concreta e na transformação social.

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emancipação humana
Assim, cabe destacar aqui que entre as inúmeras diretrizes pedagógicas, Tozoni-
Reis (2010) define as duas linhas educacionais mais discutidas atualmente, sendo a
primeira: “A educação como instrumento de reprodução da sociedade que diz respeito à
educação não crítica, aquela que tem como finalidade principal a adaptação do sujeito à
sociedade tal qual ela se apresenta” (p.1), ou seja, a educação como ferramenta para
enquadrar o indivíduo aos padrões sociais, formando um sujeito que não questiona, não
indaga, não é encorajado/incentivado a promover a transformação dessa realidade
desumanizadora na qual está inserido e das ações de exploração do ambiente. Portanto, a
educação, de prática social construída e construtora da humanidade e das relações
homem-natureza e homem-homem, nessa perspectiva, fica reduzida ao papel de
adaptadora dos sujeitos ao mundo pré-determinado pelos processos naturais (TOZONI-
REIS, 2001).
A outra linha teórica definida pela mesma autora entende a “educação como
instrumento de transformação da sociedade que se refere à educação crítica, àquela que
tem como finalidade principal a instrumentalização dos sujeitos para que esses tenham
uma prática social crítica e transformadora (TOZONI-REIS, 2010 p.1), em outras
palavras, a partir de uma Educação Crítica é possível a produção e apropriação de novos
conhecimentos, os quais servem como instrumentos teóricos e práticos que possibilitam
a transformação da realidade social e a práxis educativa, como preconizado pela
Pedagogia Histórico-Crítica (PHC). O trabalho pedagógico em si, possui a práxis como
especificidade, porém, essa mesma especificidade (práxis) necessita considerar as
diversas áreas do conhecimento e, contudo, relacioná-las dialeticamente com a prática
social global, como defendido pela PHC:
[...] quanto mais o professor for capaz de compreender os vínculos da
sua prática com a prática social global [...] a instrumentalização
desenvolver-se-á como decorrência da problematização da prática
social, atingindo o momento catártico que concorrerá na especificidade

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da matemática, da literatura etc., para alterar qualitativamente a prática
de seus alunos como agentes sociais (SAVIANI, 2009, p.72)

Desse modo, as subáreas educacionais, com o enfoque educacional reduzido aos


seus aspectos secundários, tornam o aspecto educacional esvaziado, resultando numa
compreensão insatisfatória sobre o fenômeno educativo diante do afastamento da
consciência pedagógica em relação ao seu objeto. Devido a isso, cabe restabelecer a
educação no centro de nossas reflexões, isto é, como ponto de partida e ponto de chegada
das teorizações e práticas pedagógicas (SAVIANI, 1990).
A Práxis Educativa compreendida através do método Materialista Histórico
Dialético, pode definir a Educação como um mecanismo de reflexão filosófica e ação
pedagógica que se desenvolve de maneira contínua:
De base marxista, a abordagem histórico-crítica entende que a práxis
vai além de simplesmente ser a relação entre teoria e prática, mas se
constitui sobretudo como atividade humana transformadora da natureza
e da sociedade [...] É nesse sentido que a consciência da práxis
apresenta-se como atividade fundamental para o desenvolvimento do
trabalho do professor e especialmente como instrumento de resistência
e de luta (RODRIGUES; PADILHA, 2017, p.1)

A ação fundamentada teoricamente, direciona o educador às novas


problematizações cujos instrumentos encaminham às ações concretas e mais complexas
que exigem um aprimoramento teórico que redirecionam o indivíduo às novas ações e
assim sucessivamente, sem um fim propriamente dito, mas como um trabalho pedagógico
contínuo e dialético. A educação é uma forma específica de práxis, uma atividade
teleológica (LUKÁCS, 2013, p.38) e cognoscitiva (RODRIGUES; PADILHA 2017, p.4).
Apenas a teoria como mediadora da ação no mundo real, não cria e nem modifica a
realidade (RODRIGUES; PADILHA, 2017), mas é necessária enquanto instrumento do
trabalho intelectual que complementa as ações do trabalho docente. Somente a ação dos
homens é capaz de criar e transformar a realidade, já que a teoria que por si só não

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transforma o mundo real torna-se prática quando penetra na consciência dos homens
(SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p.116 apud RODRIGUES; PADILHA, 2017, p.5).
Para dar-se conta do significado e da importância do trabalho
intelectual, sem, no entanto, reforçar a conotação de privilégio das
atividades dessa natureza em detrimento do trabalho material
propriamente dito (o que acaba ocorrendo nas sociedades divididas em
classe), é preciso captar o significado do trabalho humano, isto é, da
ação transformadora do ser humano, enquanto ser social e consciente,
sobre a realidade concreta, da qual resulta tanto a humanização dessa
realidade como a do próprio agente [...] É necessário, portanto, estar
convicto de que não há ação humana puramente manual ou vice-versa
(RODRIGUES; PADILHA, 2017, p.3)

O professor é um profissional formado para instrumentalizar outros indivíduos,


daí decorre que os conhecimentos que ele irá transmitir, não de forma mecânica, mas
ativa aos alunos, devem antes ser apropriados por ele, primeiramente (SAVIANI, 1997),
provendo sua consciência da práxis. Isso significa que a formação da consciência da
práxis passa necessariamente pela formação acadêmica, esta, por sua vez, de acordo com
Saviani (1997), é a produção de conhecimentos no futuro educador (RODRIGUES;
PADILHA, 2017). Tais discussões epistemológicas são necessárias para questionar
diretrizes que se embasam numa visão esvaziada de ciência e filosofia e que norteiam a
formação inicial de professores, possibilitando refletir sobre quais os caminhos para o
enfrentamento desses modelos sociais e formativos pré estabelecidos.
Assim, Educação como um fenômeno social complexo, tem em sua abordagem
científica, um conhecimento metódico e sistematizado da realidade educacional obtido
através da investigação e confirmado pela observação, raciocínio e experimentação que
evidenciam o consenso de que teoria e prática são, diversas vezes, consideradas pólos
opostos mutuamente excludentes, porém, pode-se afirmar que essa perspectiva decorre
da fragmentação dos conteúdos interpretados de maneiras equivocadas e ambíguas
(SAVIANI, 1990):

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emancipação humana
Com efeito, frequentemente denomina-se teoria a um fenômeno cujo
conteúdo corresponde a “verbalismo”, entendido aqui como o “gosto da
palavra oca”. E é comum também aplicar-se a palavra “prática” a algo
cujo conteúdo deveria, antes, ser denominado de “ativismo”. Ora, o que
exclui a prática é o verbalismo e não a teoria; e o que exclui a teoria é o
ativismo e não a prática (SAVIANI, 1990, p.5).

Como explicita o autor, a educação deve considerar a prática, na medida em que


a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade
revolucionária; e a teoria, na medida em que esta relação é consciente (SÁNCHEZ-
VÁZQUEZ, 2007, p.109 apud RODRIGUES; PADILHA, 2017, p.2). Assim, oposto aos
interesses imediatos dos estudantes, cabe ao professor instrumentalizá-los científica e
filosoficamente, buscando superar o pensamento sincrético, essenciais para a
transformação qualitativa de sua prática social (RODRIGUES; PADILHA, 2017).
Nesse sentido, a Práxis Educativa, consiste em assimilações que partem do
individual para a interpretação da essência do coletivo, da organização societária que
inclui o indivíduo, necessário para se repensar o modelo social em que nos encontramos.

Considerações Finais
Nesse trabalho apontamos reflexões sobre a formação de educadores enfatizando
a importância da Práxis Educativa, dado que, uma formação e um trabalho docente
respaldados em tal objetivo, visa superar o ensino fragmentado. Diante do exposto
anterior, a apropriação de conceitos da PHC, inclusive a Práxis Educativa aqui discutida,
é elemento fundamental para que haja a superação da fragmentação do conhecimento na
formação inicial de professores que atuem de maneira crítica em sociedade e que sejam
capazes de cumprir ações pedagógicas igualmente críticas para a formação escolar.
Contudo, apresentamos uma discussão sobre o conceito da Práxis a partir do método
Materialista Histórico Dialético, que ao fundamentar a Pedagogia Histórico Crítica,
conduz ao movimento de repensar a formação docente em relação a forma em que ocorre

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 1048
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
a organização social e também o modo com que se desenvolvem as investigações e os
conhecimentos científicos e filosóficos que respaldam tal formação e o trabalho docente.

Referências

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Coleção questões da nossa época, v.39, São Paulo: Cortez, 2012.

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ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 1049
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
RODRIGUES, C. C.; PADILHA, A. M. L. A Práxis Pedagógica na perspectiva da
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SAVIANI, D. Contribuições das Ciências Humanas para a Educação: A Filosofia.


Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, Brasília, ano 9, n.45, jan.-mar.
1990.

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SAVIANI, D. Escola e democracia. 41ª ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. 11º ed. Campinas,


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TOZONI-REIS, M. F. C. A pesquisa e a produção de conhecimentos. Caderno de


Formação, Formação de professores: Educação, Cultura e Desenvolvimento. Cultura
Acadêmica, v.3, UNIVESP, São Paulo, 2010.

Autor/as:

Laurênia de Moraes Castro


Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP)
e-mail: laureniacastro@hotmail.com
Carolina Borghi Mendes
Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP)
/Campus Jacarezinho
Jorge Sobral da Silva Maia
Diretor de Pós-graduação da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP)/
Campus Jacarezinho

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MARX, O ESTADO E A EDUCAÇÃO PÚBLICA, GRATUITA E
OBRIGATÓRIA
Francisco Gilson Rodrigues Oliveira

Introdução
O objetivo do estudo foi evidenciar que é na Crítica do Programa de Gotha (e
não n'O Capital, por exemplo) que Marx registrou as suas observações mais complexas
sobre a educação; não somente por expor os princípios fundamentais da educação
socialista (já presente em outras obras), também, e principalmente, por seu embate
concreto com a forma e o conteúdo burguês que a educação escolar começava ganhar -
em particular, a instrumentalização do Estado para este fim.
Partindo do materialismo histórico, a pesquisa bibliográfica analisou, ainda que
sumariamente, o itinerário traçado pelo pensamento educacional de Marx ao tentar
responder, mais do que às abstratas teses burguesas sobre a educação, às recentes práticas
político-educacionais burguesas incorporadas, disfarçadas de socialistas, no programa do
novo partido em gestação. Reafirmando os fundamentos de uma educação para
transformação social – o conhecimento e a aprendizagem como construções coletivas, a
distribuição democrática do conhecimento, a unidade entre trabalho manual e trabalho
intelectual -, Marx, ainda que embrionariamente, apontou a necessidade de se disputar,
nas trincheiras da sociedade civil, o projeto político educacional em gestação, parte de
outra hegemonia no interior do Estado, elevando a escola a parte orgânica da luta
revolucionária. Neste sentido, Marx indicou, neste texto, os rumos das novas batalhas do
proletariado diante das primeiras experiências de reformulação do Estado conduzidas pela
burguesia, que incorporavam, mas com roupagem liberal, antigas reivindicações do
movimento operário.

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 1051
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Motivações não faltaram à burguesia para ensejar as reformulações no Estado
burguês recém estabelecido, tanto de natureza social, quanto econômica, política e
ideológica: Comuna de Paris, inovações tecnológicas na produção, necessidade de
ampliar o consumo etc.
Ainda que a repressão tenha sido intensa e impiedosa, foi insuficiente para abafar
os ruídos e os ecos da Comuna de Paris. Uma parcela dos operários e dos trabalhadores
em geral sentia-se reconhecido nas reivindicações e ações dela, como a luta até a morte
em sua defesa demonstrara. Parecia que a organização dos trabalhadores e as alternativas
à sociedade burguesa ganhavam a mente de um número considerável de operários.
Tornava-se imperioso disputar o cérebro da massa.
Em outras palavras, ficou claro que somente a repressão não produzia mais os
efeitos de controle desejados pela burguesia, além das profundas transformações que
começavam a se desenhar no processo de produção de mercadorias e nas novas relações
de mercado, que exigiam parcelas crescentes de consumidores, cuja futura solução foi
elevar à condição de consumidor as frações mas organizadas da classe trabalhadora201.
Nesse sentido, tornaram-se urgentes as reformas de antigas instituições sociais, e a
constituição de outras, cujas funções eram, em síntese, a conformação dos indivíduos à
ordem.
O Estado, a cidade, as relações de trabalho, as classes, a educação (etc.) eram
partes desta conformação; portanto, seriam reformadas pela burguesia ainda neste último
quartel de século XIX, no intuito de integrar, paulatinamente, parcelas cada vez maiores
de trabalhadores à ordem social burguesa. A escola foi reformada com o intuito, ao
mesmo tempo, de atender à ampliação da clientela, de socializar as crianças sob um novo
modelo disciplinar e difundir rudimentos da ciência. O campo de batalha educacional foi,

201
Para maiores detalhes, ver Hobsbawn (2002).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
portanto, profundamente deslocado no último quartel do século XIX: a burguesia
disputou, organizada e sistematicamente, a consciência da classe operária através, entre
outros meios, da educação escolar dos seus filhos.
Defendemos aqui que Marx expôs na Crítica do Programa de Gotha - uma das
suas poucas obras em que ele aborda a educação - alguns dos elementos desta nova
batalha, e propôs alguns princípios que deveriam ser encampados pela vanguarda operária
na disputa pela consciência dos filhos do operariado.

O Estado burguês e a Programa de Gotha.


Indubitavelmente, Marx via a educação submetida ao conteúdo de classe. Aqueles
filhos de operários que conseguiam algum tipo de educação recebiam uma generosa carga
ideológica dos valores burgueses e/ou clericais, que caminhavam cada vez mais juntos.
Considerava esta forma de educação um importante instrumento perpetuador da
exploração praticada pela burguesia sobre os trabalhadores assalariados. Inculcadora,
portanto, da ideologia dominante na consciência do trabalhador, que consistia na
exaltação do modo burguês de ver, julgar, interpretar e, principalmente, viver o mundo.
Na sociedade capitalista do final da década de 1860 e na primeira metade da
década de 1870, o acesso à educação escolar das massas ainda era uma reivindicação do
movimento operário. No entanto, as necessidades urbano-industriais e de controle
ideológico sobre a classe trabalhadora (intensificadas depois da Comuna de Paris)
exigiram da burguesia a ampliação controlada do acesso à educação escolar aos filhos dos
operários. O caso da Prússia era lapidar neste sentido, pois caminhava rapidamente para
a garantia da educação primária universal, pública e obrigatória; tanto que já fora motivo
de debate nas reuniões do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores,
preparatórias do Congresso da Basileia, em 1869.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Portanto, as observações de Marx sobre o Programa de Gotha202 são no sentido de
evitar a capitulação do movimento operário alemão à farsa da neutralidade do Estado, à
tese de que o Estado está acima das classes, responsabilizando-se pela construção do bem
comum. Erro que estrutura o programa do novo partido em gestação. Nas palavras de
Marx.
O Partido Operário Alemão prova – pelo menos se faz seu este
programa – que as ideias socialistas não fizeram mais do que roçar sua
pele; ao invés de considerar a sociedade existente (isto vale para toda
sociedade futura) como fundamento do estado existente (ou do estado
futuro para a sociedade futura), considera o Estado mais como uma
entidade independente, que possui seus próprios princípios espirituais,
morais e liberais (MARX, 1984, p. 19, grifos do autor).

Evidencia, também, suas reservas à ampliação da intervenção do Estado nos


setores estratégicos de controle dos desejos das massas e ao seu caráter indutor e condutor
– protagonista, portanto – das “transformações” demandadas pelos trabalhadores, tratadas
como questão social. Por exemplo, sobre a defesa da ajuda do Estado no estabelecimento
de cooperativas de produção sob o controle democrático do povo trabalhador, presente
no projeto do programa do futuro partido operário unificado alemão, diz Marx (além da
crítica que faz à imprecisão da expressão povo trabalhador):
[...] a luta de classes existente é substituída por uma frase própria de
jornalistas: ‘a questão social’, para cuja ‘solução’ se ‘prepara o
caminho’. Ao invés de surgir do processo de transformação
revolucionária da sociedade, a ‘organização socialista de todo o
trabalho’, ‘resulta’ da ‘ajuda do Estado’, ajuda que o Estado presta às
sociedades cooperativas de produção que ele mesmo criou (e não o
trabalhador). Crer que se pode construir uma sociedade nova com
subsídios do Estado, tão facilmente como se constrói uma ferrovia, é
digno da presunção de Lassalle. (MARX, p. 18, grifos do autor).

202
Programa, escrito em 1875, buscava a unidade entre os dois partidos operários alemães: fundados em
meados do século XIX, o Partido Operário Socialdemocrata da Alemanha, dirigido por Liebknecht e Bebel,
e a Associação Geral dos Operários Alemães, fundada por Lassale. Aqui nos referimos às críticas
elaboradas por Marx a este programa, publicados posteriormente sob o título de Crítica do Programa de
Gotha.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
O programa do novo partido, portanto, não possui concretude programática
suficiente para a superação da ordem burguesa; limita-se à defesa de concessões, aos
setores mais organizados da classe operária, sob a tutela do Estado burguês.
Inclusive, apontou Marx que parte substancial das reivindicações políticas do
Programa poderia ser potencialmente resolvida pelo Estado Prussiano, visto que outras
nações já as tinham resolvido:
Suas reivindicações políticas nada contêm além da velha ladainha
democrática conhecida por todo o mundo: sufrágio universal, legislação
direta, justiça popular, milícias populares, etc. São simplesmente o eco
do Partido Popular burguês e da Liga da Paz e da Liberdade. Não são
mais do que reivindicações vulgares, já realizadas, quando sua
apresentação não é exagerada fantasticamente. Apenas o Estado que as
realizou não se encontra dentro do Estado alemão, mas na Suíça, nos
Estados Unidos, etc. Semelhante espécie de “Estado futuro” é Estado
atual, ainda que exista fora do “quadro” do Império Alemão. (MARX,
1984, p. 20).

Educação Escolar

A desconfiança de Marx sobre as propostas do novo partido em gestação estendeu-


se à instrução pública sob o controle do Estado. Diz Marx (idem, p. 21): “É absolutamente
condenável ‘a educação popular pelo Estado’”; pelo contrário, tem o Estado “a
necessidade de ser educado pelo povo, com energia” (idem, p. 22). Assim, advertiu sobre
os limites burgueses da proposta educacional do projeto de programa do futuro Partido
Operário Alemão, quando este propõe: “Ensino público comum e igual pelo Estado.
Obrigatoriedade geral de ensino e instrução gratuita”. O programa submete a educação
pública ao controle intelectual e moral do Estado, sujeitando a educação escolar dos filhos
dos trabalhadores à influência perversa dos interesses burgueses.
Primeiro, Marx chamou atenção para o envelhecimento dessa reivindicação, posto
que, o Estado burguês, também, poderia (e já estava fazendo isto) garanti-las:

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VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
“‘Obrigatoriedade geral de ensino’, ‘Instrução gratuita’. A primeira existe inclusive na
Alemanha; a segunda na Suíça e nos Estados Unidos para as escolas públicas” (idem, p.
21). Portanto, Marx denunciou o caráter reformista das propostas educacionais do projeto
de programa do futuro Partido Operário Alemão, por este não avançar na construção de
uma proposta educacional fundada em princípios inalcançáveis para a burguesia.
Desse modo, mesmo fundamental, não era mais suficiente (talvez, nunca tenha
sido) às vanguardas operárias defenderem apenas a escola pública, gratuita e obrigatória,
antessala da futura escola única e meritocrática do século XX.
Segundo, tornava-se inevitável e urgente a um legítimo partido operário lutar para
acrescentar a esta fórmula a obrigação do Estado em financiar a educação popular, sem,
no entanto, influenciar os rumos da escola pública - tema completamente ausente na
proposta de programa do futuro partido. Diz Marx (1984, p. 21):
Determinar por uma lei geral os recursos das escolas populares, as
aptidões exigidas do pessoal de ensino, os ramos de instrução, etc. e
vigiar com a ajuda de inspetores do Estado, como sucede nos Estados
Unidos, o cumprimento destas prescrições legais, é coisa inteiramente
diferente de converter o Estado em educador do povo.

Em outras palavras, a escola popular, mesmo financiada e inspecionada pelo


Estado, deveria estar sob o controle e orientação dos trabalhadores203; seus interesses, a
"régua" intelectual e moral da educação escolar. Com nos diz Nogueira (1990, p. 193),
Marx mostrou “[...] ceticismo quanto às possibilidades objetivas da máquina
governamental – tal como ela se estrutura na sociedade do capital – de organizar e de
gerir o sistema escolar em benefício da classe operária.”

203
Diz Manacorda (2007, p. 104): “[...] o Estado deveria limitar-se a determinar por lei os recursos para as
escolas, o nível de ensino dos professores, as matérias de ensino e a supervisar, com seus inspetores, o
cumprimento dessas disposições. E repetia que isso não quer dizer, de fato, nomear o Estado educador
do povo, porque, pelo contrário deve-se excluir governo e Igreja de toda influência sobre a escola” (grifos
do autor). Ver, também, Manacorda (1992).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Inalcançável pelo Estado burguês, o financiamento público da educação escolar
sobre o controle e a orientação intelectual e moral dos trabalhadores são importantes
condições, material e ideopolítica, para o Estado "ser educado pelo povo, com energia”.
Nada mais distante da proposta de programa do futuro partido que deseja ser o herdeiro
da tradição socialista.
Terceiro (impossível à concepção e prática burguesa de escola), a luta em defesa
da unidade entre formação para o trabalho intelectual e formação para o trabalho manual
é inseparável da concepção educacional escolar defendida por alguns socialistas
utópicos204, pelos anarquistas205, pelas organizações revolucionárias dos trabalhadores e
por um legítimo partido operário. Em 1866, nas Instruções para os delegados do
Conselho Geral Provisório da Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira
Internacional), Marx (1978, p. 223) descreve nos seguintes termos os princípios que
devem guiar a educação escolar para os filhos dos trabalhadores:
Por educação, entendemos três coisas:
1. Educação intelectual;
2. Educação corporal, tal como é produzida pelos exercícios de
ginástica e militares;
3. Educação tecnológica, abrangendo os princípios gerais e científicos
de todos os processos de produção, e ao mesmo tempo iniciando as
crianças e os adolescentes na manipulação dos instrumentos
elementares de todos os ramos de indústria.

204
É, por exemplo, o caso de Owen (ver Magnani, 1987), inspirador de Marx e de Engels no que se refere
à educação politécnica: “Do sistema fabril, como se pode ver detalhadamente em Robert Owen, brotou
o germe da educação do futuro, que há de conjugar, para todas as crianças acima de certa idade, trabalho
produtivo com ensino de ginástica, não só como um método de elevar a produção social, mas como único
método de produzir seres humanos desenvolvidos em todas as dimensões” (MARX; 1988, p. 85).
205
Embora os anarquistas dêem ênfase ao passado (à formação do artesão) ao discutir tal questão, ela
está presente no debate educacional dos principais anarquistas que escreveram sobre a educação. Entre
eles: Miguel Bakunin, Paul Robin e Sébastien Faure. Para mais detalhes ver Moriyón (1989) e para uma
comparação com os marxistas, ver Oliveira (2013).

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VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
À divisão das crianças e dos adolescentes em três categorias, de 9 a 18
anos206, deve corresponder um curso graduado e progressivo para a sua
educação intelectual, corporal e politécnica. (grifos do autor).

Em sua crítica ao projeto do programa do futuro Partido Operário Alemão, Marx


alertou para o fato deste princípio não ter sido nem mesmo lembrado. Diz ele, “O
parágrafo sobre as escolas deveria exigir, pelo menos, escolas técnicas (teóricas e
práticas) agregadas à escola pública” (idem, p. 21).
Portanto, estranhamente, a construção da escola politécnica, um princípio presente
nas principais correntes socialistas, estava fora da proposta educacional do projeto do
programa de um partido que, explicitamente, reivindicava a filiação a esta tradição
revolucionária. Desse modo, a perspectiva educacional do futuro partido, também, não
rompia, em nenhum aspecto, os limites permitidos pelo projeto burguês de educação para
os filhos da classe trabalhadora.

Considerações finais
A Crítica do Programa de Gotha encerrou os princípios que constituem uma
educação que contribui para a transformação social na perspectiva de marxiana, em
construção desde os rascunhos do Manifesto do Partido Comunista, elaborados por
Engels. Se por um lado, Marx e Engels formularam uma crítica à educação alienante,
desenvolvida pela pedagogia burguesa e clerical, por outro, pensaram a educação e a
escola como parte de uma práxis revolucionária, arma na luta pela superação da sociedade

206
Marx defende que toda criança, a partir dos nove anos, deve ser um trabalhador produtivo; mas que
este trabalho deve unir mão e cérebro e ser dividido em três faixa-etárias: “A primeira compreende as
crianças de 9 a 12 anos; a segunda, as de 13 a 15 anos; a terceira, as de 16 e 17 anos. Propomos que o
emprego da primeira categoria, em qualquer trabalho, na fábrica ou ao domicílio, seja legalmente
restringido a duas horas; a segunda, a quatro horas, e o da terceira a seis horas. Para a terceira categoria,
deve haver uma interrupção de uma hora, pelo menos, para a refeição e o recreio” (MARX, 1978, p. 222
grifos do autor).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
burguesa. Nesse sentido, a emancipação do ser humano da exploração e opressão do
capital não se faz sem a escola. Mesmo que sozinha ela seja incapaz de transformar a
sociedade, a escola pública popular, em Marx e Engels, é uma das fontes pelas quais o
povo pode educar o Estado.
Desse modo, Marx indicou neste texto os rumos das novas batalhas com a
burguesia, diante das primeiras experiências de reformulação do Estado iniciadas por ela;
embrionariamente, apontou a necessidade de se disputar nas trincheiras da sociedade
civil, por outra hegemonia no interior do Estado, sendo a educação escolar parte orgânica
desta disputa. Defende uma escola capaz de emancipar os filhos dos trabalhadores da
alienação burguesa; além de pública, gratuita e obrigatória, diz Marx que os trabalhadores
devem exigir sua independência frente à influência do próprio Estado e na unidade
formativa entre trabalho intelectual, trabalho manual e educação física. Em sua visão,
portanto, seria preciso substituir a formação do indivíduo parcial, pela formação do
indivíduo integralmente desenvolvido; educação chamada por ele de politécnica.
Em síntese, os conteúdos desta escola deveriam considerar três dimensões,
presentes nas Instruções aos Delegados para o Congresso de Genebra da Associação
Internacional dos Trabalhadores: ensino intelectual, uma educação humanista, racional e
científica, básica para fins de trabalho intelectual; a educação física, oferecida nos
ginásios esportivos e no treinamento militar, preocupada coma saúde do corpo; e a
educação tecnológica, que deveria transmitir as bases científicas do processo produtivo
e, ao mesmo tempo, iniciar as crianças e jovens no uso dos instrumentos e das máquinas
dos diferentes ramos da indústria. Desta educação surgiriam homens superiores, de
formação completa, que romperiam com a separação entre trabalho intelectual e trabalho
manual: uma nova geração de homens emancipados.

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emancipação humana
Partindo deste arranjo, militantes socialistas, educadores e pedagogos marxistas
construíram o que podemos chamar de uma concepção de educação escolar marxista, da
qual Gramsci é a referência clássica e mais elevada.

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ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


VIII Encontro Brasileiro de Educadores Marxistas, 3 a 5 de maior de 2018
UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 1060
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Autor:

Francisco Gilson Rodrigues Oliveira


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Rede Pública – PM de Duque de Caxias/RJ

ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A INTENCIONALIDADE IMPLÍCITA NA RETENÇÃO DOS
CONTEÚDOS CIENTÍFICOS E HISTORICAMENTE
ACUMULADOS PELA HUMANIDADE NA ORGANIZAÇÃO DO
CURRÍCULO
Jessica Lorraina S. Gambaro
Adriana Regina de Jesus Santos

Introdução
O aporte teórico utilizado para fundamentar as questões que tratam do currículo e
as suas relações sociais estabelecidas foram: Duarte (2012,2013), Frigotto (2001),
Malanchen (2014), Martins (2013), Moreira (1997), Sacristán (1998, 2000), Santos
(2009), Silva (2001), Saviani (2003) e Romão (2010). Quanto ao método, para melhor
explanar e ampliar os pressupostos teóricos, e a escolha metodológica para a presente
pesquisa se deu tendo como parâmetro a pesquisa bibliográfica. Lakatos e Marconi (1987,
p. 66) corroboram ao afirmar que:
[...] a pesquisa bibliográfica trata do levantamento, seleção e
documentação de toda bibliografia já publicada sobre o assunto que está
sendo pesquisado, em livros, revistas, jornais, boletins, monografias,
teses, dissertações, material cartográfico, entre outros, com o objetivo
de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito
sobre o mesmo.

Destarte, faz cogente ressalvar que de acordo com Gil (2010, p.45), a pesquisa
bibliográfica sucede em “permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos
muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”.
Implicações para a permanência da situação imposta são constantes em diferentes
esferas da organização social da humanidade. A estrutura das organizações sociais
contemporânea notoriamente institui uma sociedade de classes, em que o sujeito perpassa
por interesse dominante sem ter a consciência dos fenômenos subjacentes incorporados a

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questões como: moral, cultura, religião, política, dentre outros que influenciam na relação
educação e sociedade. As esferas de ensino e formação pertencem a este meio, em que as
relações sociais estão conferidas a um universo tácito, propicio à alienação da realidade
e a historicidade desenvolvida pela humanidade. O processo de objetivação e apropriação
da cultura humana por meio da educação não é um fator dispensável, e sim imprescindível
para o desenvolvimento do ser humano e das suas funções psicológicas superiores, pois
esta relação é constituída pela relação que o sujeito estabelece com o outro, sendo no
contexto político, econômico e histórico em que estão inseridos. Isto posto, percebemos
que estes aspectos estão presentes no espaço formativo, especificamente no currículo,
pois o mesmo é tido como o cerne da organização do percurso, dos seguimentos e dos
conteúdos a serem desenvolvidos com os sujeitos em suas diferentes instâncias de
atuação. Segundo Sacristán (1998, p.125) a palavra currículo deriva do latim currere, “se
refere à carreira, a um percurso que deve ser realizado e, por derivação, a sua
representação ou apresentação”.

Fundamentação Teórica
A perspectiva historicista designa que o acúmulo cultural precisa ser considerado
herança de toda humanidade sendo indispensável à apropriação devidamente
sistematizada do processo histórico, que deve ser acessível e transmitido a todos de forma
que venha contribuir para o processo de emancipação e humanização do sujeito,
possibilitando a compreensão da condição das relações sociais determinadas e
estabelecidas, e não mais um sujeito alienado. Desenvolvendo-se para um nível mais
elevado de sujeito autônomo e cônscio, que se situa na busca da superação de tal condição,
permitindo o desenvolvimento da objetivação do ser humano de forma cada vez mais
livre, universal e em sua forma plena. Duarte & Martins (2013) explicam que:

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Por um olhar mais superficial, pode-se deduzir, portanto, que todo ato
humano é, potencialmente, produtor de cultura e ela, generosamente
disponibilizada a todos os indivíduos pela simples pertença social.
Todavia, em seu fundamento marxista, o conceito de cultura adotado
por Leontiev, aliando-se ao princípio da universalidade, aponta na
direção da cultura como patrimônio humano genérico, como universo
de objetivações disponibilizadas ao enriquecimento da atividade
humana e, consequentemente, ao desenvolvimento das potencialidades
e capacidades dos indivíduos (DUARTE & MARTINS, 2013, p. 51).

Duarte e Martins (2013) elucidam sobre o critério usado para definir os


conhecimentos essenciais para o desenvolvimento da plena humanização quando os
autores explicitam que:
É importante esclarecer que esse critério não é dado por alguma
referência metafísica anistórica ou por alguma concepção teleológica
da história como algumas pessoas equivocamente pensam ser o caso do
marxismo. O critério para definir-se o que é mais desenvolvido deve ser
procurado nas possibilidades objetivamente criadas pela prática social
em sua totalidade. Dizendo de forma mais precisa, trata-se da
identificação de quais sejam as máximas possibilidades de atividade
livre e universal existentes objetivamente e da definição de planos de
ação que façam com que essas possibilidades se concretizem
(DUARTE & MARTINS, 2013, p. 68).

Sendo assim, desenvolver integralmente os conhecimentos essenciais para atingir


plena humanização do sujeito, contempla a idéia de que as potencialidades do ser humano
requerem incluir a apropriação do conceito de omnilateralidade formulado por Marx, “de
que o ser humano deve ser integralmente desenvolvido em suas potencialidades, através
de um processo educacional que leve em consideração a formação científica, a política e
a estética, com vistas à libertação das pessoas, seja da ignomínia da pobreza, seja da
estupidez da dominação” (ROMÃO, 2010, p. 1, grifo do autor). Para Silva (2001, p.15)
“o currículo é sempre resultado de uma seleção de um universo mais amplo de
conhecimentos e saberes”. Tal seleção remete as ações do trabalho educativo, aspectos
estes que necessitam de uma discussão profunda no campo curricular.

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Para tanto, o currículo é considerado fator determinante neste processo
educacional ao conduzir e fomentar o trabalho educativo, definido por Saviani (2003, p.
13) como o “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.
Neste mesmo sentido da dimensão ontológica apontada por Marx, a atividade
humana é tida como trabalho, que também remete ao trabalho educativo quão proporciona
a emancipação da “esfera da necessidade”, para realizar-se na “esfera da liberdade”, como
explana Frigotto (2001). Deste modo, o currículo possibilita a análise da estrutura social
e do contexto histórico. Sacristán (2000, p. 15) evidencia que:
Não podemos esquecer que o currículo supõe a concretização dos fins
sociais e culturais, de socialização, que se atribui à educação
escolarizada, ou de ajuda ao desenvolvimento de estímulos e cenário do
mesmo, reflexo de um o currículo supõe a concretização dos fins sociais
e culturais, de modelo educativo determinado, pelo que
necessariamente tem de ser um tema controvertido e ideológico, de
difícil concretização num modelo ou proposições simples.

O currículo ao ser designado como concretização dos fins sociais, também é


entendido por Santos (2009, p.116) como “um dos modos pelos quais a linguagem produz
o mundo social” (SANTOS, 2009, p. 116). Neste sentindo percebemos ideologias e
interesses subentendidos por parte daqueles que o formulam. O currículo determina a
formação do sujeito pela ótica da sua perspectiva abordada, de uma maneira explicita ou
implícita. Forma que o enredo social está estabelecido nos interesses, ideologias de
grupos dominantes, representados na organização curricular. Segundo Moreira e Silva
(1997, p. 23), “é a veiculação de idéias que transmitem uma visão do mundo social
vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização
social¨. As relações de poder impostas tacitamente no currículo influenciam na formação
do sujeito, este que se constitui no universo dos acontecimentos históricos desenvolvidos
pela humanidade, das incongruências das relações de forma e domínio presente nos fatos,

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representações de força e poder refletida nas relações sociais. Tais relações se
perpetuaram ao decorrer da historia quando o homem produziam os bens necessários a
sua sobrevivência.
Desta forma entende-se que o sujeito é constituído por aquilo que ele faz, é o
comportamento material que determina suas representações e consciência, em relação à
maneira pelas quais os homens produzem os bens necessários à vida. É possível
compreender as formas de seu pensamento como a moral, religião e filosofia por meio do
comportamento material do ser humano, que esta determinada em suas produções
necessária para a sua sobrevivência onde ocorre a formação da estrutura psíquica no
sentido do desenvolvimento o pensamento e assim formando sua consciência. MARX e
ENGELS alegam que:
A produção das idéias, das representações e da consciência está a
princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao
comércio material dos homens; ela é a linguagem da vida real. As
representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens
aparecem aqui ainda como a emanação direta de seu comportamento
material. (MARX; ENGELS, 1989, p. 20).

O desenvolvimento do pensamento é um reflexo da realidade material objetivada,


e não apenas uma manifestação das idéias ou do espírito humano como aponta as
perspectivas de cunho teórico idealista. A linguagem da vida real, a consciência é
determinada pela atividade material, que diferencia o homem dos animais. Raymond
Aron (1905-83), trás uma analise do materialismo histórico marxista, no texto de A
Ideologia Alemã como a “mais imediatamente inteligível da concepção antropológica de
Marx”:
A primeira condição para toda história humana é naturalmente a
existência de seres vivos. O primeiro de fatos a constatar é então a
compleição corporal desses indivíduos e as relações que ela lhes
estabelece com o restante da natureza. Não podemos, naturalmente,
fazer aqui um estudo aprofundado da própria constituição física do
homem nem das condições naturais que os homens encontram já

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emancipação humana
prontas, condições geológicas, orográficas, hidrográficas, climáticas e
outras. Toda a história deve partir dessas bases naturais e de sua
modificação pela ação dos homens no curso da história. Podem–se
distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por
tudo que quiser. Eles próprios só começam a se distinguir dos animais
quando começam a produzir seus meios de existência, não antes, pois
até então tudo é conseqüência de sua organização corporal. Produzindo
seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua vida
material propriamente dita. (ARON, 2001; p. 211). É uma das
observações de Aron, em sua obra Marxismos de Marx, a respeito da
mudança de estilo e escrita a partir de 1845. “No Marx de 1845-1847,
tem-se um estilo de escrita que não é ainda o do Marx da maturidade,
mas o de Engels” (ARON, 2001; p. 199).

Ao produzir seus meios de existência o homem desenvolve a atividade de


transformação material do mundo e da realidade. Atividade esta especifica do ser
humano, por ser uma prática consciente de transformação da natureza, que juntamente
com a produção simbólica instituída efetiva um conjunto da prática social. Apontada por
KOSIK (1976) como sendo a práxis, onde [...] A práxis como criação humana é ao mesmo
tempo o processo no qual se revelaram, em sua essência, o universo e a realidade. A
práxis não é o encerramento do homem no ídolo da socialidade e da subjetividade social:
é a abertura do homem diante da realidade e do ser. (KOSIK, 1976, p.205).

Considerações Finais
O currículo e a constituição da formação humana: uma relação possível?
A verossimilhança de uma possível relação entre o currículo e a constituição da
formação humana se da quando o currículo objetiva a práxis,possibilitando a ¨abertura do
homem diante da realidade e do ser ¨ Kosik (1976), sendo um sujeito digno de uma
formação humana.
A formação humana do sujeito na perspectiva materialista dialética,
fundamentada no aporte teórico da psicologia histórico-cultural e pela pedagogia-
histórica critica, consiste em uma formação que produza em cada indivíduo singular a

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humanidade constituída nos processos de objetivação e apropriação da cultura humana
em seus aspectos mais desenvolvidos, referente aos aspectos históricos, social, político,
cultural em que está inserido, promovendo a apropriação do saber elaborado e
aprimorando as funções psicológicas superiores em sua magnitude de plena amplitude.
Malanchen (2014), afirma que a escola deve garantir a socialização dos conhecimentos
“científicos, filosóficos e artísticos”, superando potencialmente a aprendizagem do
conhecimento espontâneístas pelo conhecimento científico, extremamente indispensável
a este processo de humanização. Martins (2013) refere ao autor soviético, Vigotski como
defensor dos conceitos científicos que requalificam o sistema psíquico promovendo a
formação do pensamento teórico pelo sujeito, desse modo, Martins alega que para
Vigotski: “[...] ao requalificar as funções psíquicas, a aprendizagem escolar cumpre uma
de suas principais funções – incidir na personalidade dos indivíduos, posto que nela
sintetizam-se todas as propriedades culturalmente formadas” (MARTINS, 2013, p. 279).
Faz-se necessário ressaltar que ao pensar no desenvolvimento da formação
“ontológica” do ser, é preciso conhecer as propriedades culturais constituídas pelo sujeito
ao longo da história social, do pensamento teórico do sujeito da constituição do ser social
do ser social, ou seja é imprescindível considerar o desenvolvimento da apropriação do
conhecimento sistematizado do sujeito, proporcionando assim, a humanização do ser
social. Contribuindo com esta reflexão Duarte assinala que:
[...] como o ser da sociedade é histórico, a essência ontológica da
educação só pode ser apreendida numa perspectiva historicista. Numa
primeira aproximação, portanto, é cabível afirmar-se que uma ontologia
da educação busca compreender a essência historicamente constituída
do processo de formação dos indivíduos humanos como seres sociais.
Não se trata de uma essência independente do processo histórico, das
formas concretas de educação em cada sociedade. Trata-se da análise
dos processos historicamente concretos de formação dos indivíduos e
de como, por meio desses processos vai se definindo, no interior da vida
social, um campo específico de atividade humana, o campo da atividade
educativa (DUARTE, 2012 , p. 38).

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Isto posto, a formação da ontologia do ser depende da intensidade e da qualidade
da apropriação do acúmulo cultural e dos processos histórico constituídos pela
humanidade ocorreram. Processos estes que formam um campo específico da atividade
humana, o campo da atividade educativa que oportuniza a possibilidade de uma relação
entre o currículo e a formação humana ao estar presente no currículo a apresentação do
que é mais desenvolvido e elaborado historicamente pela humanidade durante o processo
de formação do ser humana durante o percurso atividade educativa. Percurso estes que
levem a superação dos conhecimentos espontâneos pelo conhecimento cientifico e que
requalificam o sistema psíquico do sujeito, levando a evolução da consciência plena,
constituindo a formação da humanização do ser social.

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Autoras:

Jessica Lorraina S. Gambaro


Universidade Estadual de Londrina / UEL
e-mail: jessica_lorraina@icloud.com
Adriana Regina de Jesus Santos
Universidade Estadual de Londrina / UEL
e-mail: adrianatecnologia@yahoo.com

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ESCOLA, POLÍTICA E SOCIEDADE: A EDUCAÇÃO DO E NO
ESTADO CAPITALISTA
André de Souza Santos
Maria Cristina Gomes Machado

Introdução
Não é novidade para qualquer integrante da educação, sejam professores,
pesquisadores, colaboradores, que este elemento é, historicamente, um dos mais
desprivilegiados pelo país. Referimo-nos exclusivamente à educação pública, que lida
com a falta de investimento, cortes de verbas, sucateamento, violência – moral, verbal e
física – contra alunos, professores, coordenadores, diretores, dentre outros. Falar ou
legislar a respeito – “educação é prioridade” –, não implica, na prática, em qualificar, pois
se sabe que, uma mudança qualitativa, é possível somente por intermédio da
transformação material destas instituições e, mais que isso, sua desmistificação como
“redentora”. Definitivamente, a escola não salva um país que não salva a escola.
O discurso desalinhado com o chão de prédios precarizados e carcaças antigas e
comprometidas – se comparadas as hodiernas estruturas dos Congressos e Assembleias,
por exemplo –, nos remete a mais primária face da atuação do poder público para/com o
âmbito escolar: a omissão. Se exige o que quer, sem dar o que se precisa. É por isso que
recusamos o cômodo e dissimulado direcionamento do suposto “fracasso” educacional
tanto aos profissionais mal pagos – contrapondo-se as gordas cifras de parlamentares –,
quanto a escola como um todo, que vez ou outra, precisa “estrangular” suas finanças –
quer dizer, da “vaquinha” de educadores –, para colocar merenda – que tem suas verbas
desviadas – na mesa de discentes, que apanham dos “legalistas”, junto aos mestres.
Com base na observação da atual administração pública e suas características
elementares, questionamos: como a escola pode auxiliar na conscientização de classe, se

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emancipação humana
cada vez mais é concebida unicamente como destinada a formar para o mercado de
trabalho? De antemão, alertamos que tanto as respostas para essa pergunta, quanto a
práxis, devem ser cuidadosamente engendradas, já que no Brasil, cultuar o simbolismo
nacional, o religiosismo cristão, a heteronormatividade e a eugenia, não significa
doutrinar, mas lecionar tendo como base o materialismo histórico, sim.
Objetivamos compreender o posicionamento de uma escola comprometida com
as classes dominadas perante o Estado capitalista. Sendo a escola deste, essencialmente
frequentada por filhos de assalariados, nossa meta pode ser entendida como uma tentativa
de compreensão da relação entre a política estadual e a educação oferecida a esta classe;
especificamente, distinguiremos as características de uma escola do Estado capitalista –
aparelhada com este – e outra no Estado capitalista, aqui, pensada para e unida aos
desprivilegiados historicamente.
Expomos o escrito original em três seções – este resumo se concentrou na segunda
e essencialmente terceira –, nesta sequência: a primeira, justificando a utilização das
preposições do e no, e caracterizando introdutoriamente o Estado capitalista; a segunda,
abordando as concepções de uma escola “capitalista”, propriamente dita, com seus
encargos, incumbências, relacionados a manutenção da sociedade de classes e a
continuidade da existência de uma elite destacada; a terceira, diz respeito a uma
instituição comprometida com os anseios da classe dominada, entendendo que, uma
revolução educacional, pode anteceder as socioeconômica e política.

Fundamentação teórica e discussões


Com a intenção de entender a posição/atuação de uma escola comprometida com
as camadas populares e se embasando em, além de Marx, Engels e Althusser, nos autores
de nossa pedagogia, Saviani e Freire, investigamos primeiramente a legislação da
Educação Nacional, com destaque as Constituições e Lei de Diretrizes e Bases, que

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procuraram organizar oficialmente o ensino brasileiro. Estes documentos nos
evidenciaram propostas demasiadamente voltadas ao cunho trabalhista na formação do
estudante – alinhadas as exigências de mercado –, secundarizando – e suplantando –
conteúdos relacionados a criticidade e apreensão histórica pelo educando.
Este caminho nos conduziu inevitavelmente a última Reforma do Ensino Médio –
Lei Nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 – e antes disso, a Medida Provisória – Nº 746,
de 22 de setembro de 2016 –, que em nosso modo de ver, reafirmou e ampliou o caráter
fabril-industrial da escola do capitalismo, legitimando a expulsão das matérias não
destinadas a ofícios, o que entra em discordância a própria LDB 9.394/96, que apresenta
em seu inciso I, do Art. 35, da seção IV, para o Ensino Médio: “[...] aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de
estudos;” e no terceiro: “[...] o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;” (BRASIL, 1996).
Discutimos ligeiramente a não obrigatoriedade das disciplinas de Artes,
Educação Física, Filosofia e Sociologia da MP e a suposta “liberdade” na escolha de
itinerários formativos. Pensemos: em um país de elevado desemprego, péssima
distribuição de renda, altos impostos e inflação instável, a que decisão seriam
impulsionados os discentes das camadas populares? Sem dúvida, a formação técnica e
profissional – quando disponível –, se alinhado assimetricamente ao II Inciso, do Art.
35, da Seção IV da LDB 9.496/96, para o Ensino Médio: “[...] a preparação básica para
o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz
de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores;” (BRASIL, 1996).
Nesse sentido, alguns dados recentes merecem destaque. Em 2014, revelou o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que: “[...] 31,0% dos jovens de 18 a 24

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anos de idade não haviam concluído o ensino médio e não estavam estudando,
representando uma queda de 7,6 pontos percentuais nos últimos nove anos” (BRASIL,
2014). Verifica-se que quase 1/3 dos jovens abandonaram o Médio por diversos motivos,
dentre os quais, trabalhar. Isso posto, indica-se que o “aprofundamento e
prosseguimento” – do inciso I – priorizados, não são efetivados. Dos que prosseguem,
saindo da escola pública, na faixa de renda dos 20% mais pobres, 7,2% ingressaram em
universidades administradas pelo Estado e 3,7% nas particulares. Se levarmos em conta
que os números anteriores (2004) eram de 1,7% e 1,3%, respectivamente, houve uma
interessante crecente – pautada nas políticas de inserção –, contudo, longe de uma
democratização educacional, justificada, sobretudo, pela discrepância socioeconômica
que culmina na abreviação dos estudos no Ensino Médio (BRASIL, 2014).
No tocante ao inciso III, “desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico”, é evidente que, o avanço obtido nos últimos anos, isto é, da soma
de diretrizes claramente histórico-críticas, aliadas a práticas pedagógicas mais objetivas
e comprometidas com a classe dominada, está sendo paulatinamente suprimido, seja na
retaliação de educadores, alunos, membros escolares e da própria escola, reféns do
Estado capitalista. Nesse ínterim, um “projeto” neoliberal – que nunca deixou de existir
–, prosélito ao conservadorismo, ganhou mais força, franqueando a constante “presença”
capitalista em âmbito escolar.
Por outro lado, teoricamente, se a escola do Estado capitalista compartilha da
mesma natureza deste, na prática, não pode ser compreendida singularmente como um
aparelho ideológico, mas um instrumento material, conduzido por “indivíduos humanos
vivos”, modificado de acordo com as necessidades destes homens. Afirma Marx e Engels
(2002, p. 17): “[...] As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas
condições materiais de vida, tanto as que encontraram como as que produziram pela sua
própria ação”. Se a escola do Estado é mantida por este, por outro lado, não é “realizada”,

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emancipação humana
dado que, os que realmente a produzem – professores e alunos – mantém autonomia em
alguma medida, o que deve ser usado em prol da classe trabalhadora.
Em nosso modo de ver, outra “teoria da escola dualista” (título usado por Saviani
(2012), tratando da teoria de Baudelot e Establet) surgiria em todo sistema escolar
público, independente do segmento, implicando, primeiramente, em uma escola do
Estado, que serve ao capitalismo enquanto um organismo que compartilha
genealogicamente de sua matriz; e outra escola no Estado, feita, inevitavelmente, por
indivíduos em desvínculo e desacordo aos anseios do capital, abarcando toda a classe
explorada – seus filhos, suas gerações –, somados aos professores, equipes pedagógicas
e colaboradores. Nesta configuração, a escola recebe uma dupla apropriação: escola do
Estado (capitalista, por isso, de empresários e políticos, ambos dominantes) e outra do
proletariado (no Estado) (das personagens anterioremente elencadas).
Seguindo este raciocínio, cabe relembrar o questionamento de Dermeval Saviani
(2012, p. 30) em Escola e Democracia: “[...] é possível encarar a escola como uma
realidade histórica, isto é, suscetível de ser transformada intencionalmente pela ação
humana?”. Ao considerarmos seu “local” de origem e os objetivos que motivaram sua
criação, dentro de um sistema mercantil, diríamos que, se foi criada pela
“intencionalidade burguesa”, de outro modo, não o foi pela “intencionalidade proletária”
e essa é justamente a primordialidade deste âmbito. Se o Estado capitalista não poderá
financiar uma escola contrária a sua organização, é preciso romper o vínculo com a
mitologia que apontou este Estado como inquestionável administrador público pela
“confiança” recebido do povo.
A consciência de classe na escola perpassa fatalmente por uma pedagogia
socialista e pela ênfase, sobretudo, nas disciplinas curriculares abordadas materialmente.
Em que implica isso? Obrigatoriamente no entendimento de que toda a história e seus
componentes geográficos, linguísticos, lógicos, políticos e igualmente de outras

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naturezas, quando monopolizados, são os mecanismos de dominação material. Se
apropriados pelos dominados, são igualmente instrumentos de sua libertação. Faz-se
impreterível salientar a essa altura, que o exercício educacional não pode se pautar em
uma sociedade inexistente, desfocalizando as especificidades desta, que são inerentes a
posição atual do indivíduo, em termos de “origem e resultado”. Tratamos de uma escola
real, feita por pessoas reais, existentes em um mundo real (materialmente desigual).
Alertamos que “propagandear” ou “falar” de conscientização e criticidade na
escola é “chover no molhado”. Consciência nunca se fez por palavra. Disse Freire (2011,
p. 93): “[...] A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa
que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que
implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”.
Sentenciou Nietzsche (2006, p. 41): “[...] Uma coisa, porém, é o pensamento,
outra o ato, outra ainda a imagem do ato. A engrenagem da causalidade não gira entre
elas”. Não há e não pode haver distância entre o discurso e ação pedagógica, porque não
há separação entre o cidadão de “dentro e fora” da escola – o fracionamento é uma antiga
artimanha burguesa. Condicionantes sociais acompanham cada atitude do sujeito que
dispõe de sua plenitude em todos os âmbitos frequentados, dentre estes, a escola. Isso
significa que tanto profissionais, quanto educandos, estão inseridos em uma totalidade,
interligada por inúmeras especificidades, que em nenhum momento se desvinculam da
educação, eis aí, a “abertura” a uma prática social.
Saviani (2012) reforça que a escola por si, não apresenta condições diretas de
modificação da realidade, mas deve agir em função dos agentes transformadores, os
“indivíduos reais” – de Marx e Engels. Endossa Freire (2011, p. 103): “[...] O ponto de
partida deste movimento está nos homens mesmos. Mas, como não há homens sem
mundo, sem realidade, o movimento parte das relações homens-mundo”. Mantendo a
sequência evidenciada na pedagogia de Saviani – de “pontos de partida” e “chegada”,

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iguais e distintos, simultaneamente – e colocando-a em analogia as relações “homem-
mundo” de Freire, poderíamos – hipoteticamente – estendê-la para além da lógica escolar
– que é o objetivo histórico-crítico.
Nesse sentido, teríamos inicialmente o confronto entre as associações homens-
mundo (prática social inicial), tanto de educadores quanto de educandos, que se situam
integralmente – ser empírico e concreto, individual e social – em sala de aula;
posteriormente, passaríamos ao estágio homens-mundo-escola (problematização), com o
reconhecimento destes indivíduos enquanto colaboradores e não opositores – mesmo que
em posição desigual no ponto de partida –, compartilhando elementos culturais que,
(futuramente) sintetizados, comporão saberes sistematizados e solidificados para o uso
popular; na terceira etapa encontra-se escola-homens-mundo (instrumentalização), que
diz respeito exatamente a tomada de consciência da própria escola como orgânica e canal
(in)direto na ligação entre a luta de classes e a sociedade capitalista.
Os dois últimos passos só existirão com a plena – e não parcial – realização dos
anteriores. Deste modo, em quarto, segue-se a fase homens-escola-mundo (catarse),
momento crucial em que o aluno apreenderá a escola não somente como um âmbito
meramente formal, mas comprometida politicamente com a sua causa e classe, unindo-se
a esta, como forma de promoção e aumento de seu alcance coletivo; por último,
retornamos as associações homens-mundo (prática social final), quando educadores e
educandos qualificam seus conhecimentos e relações, guiando-se deliberadamente em
prol de objetivos sociais específicos, que se concentram no combate as classes
privilegiadas.
Esse procedimento essencialmente dialético, não deve ser organizado como uma
meta distante do cotidiano educacional. Por mais que se saiba que planejamentos longos
são as bases do caminho a se percorrer, antes precisa-se elaborar esta passagem que só se
faz aos poucos. O que queremos dizer é que a escola deve não apenas se planejar

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dialeticamente, mas executar diariamente sua tarefa, seguindo esta premissa. Isso fará
com que o papel escolar não se volte a um “possível futuro” que “pode” ser elaborado no
presente, mas, um “presente ativo” que obrigatoriamente proporcionará outro futuro,
tomando como exemplo o fracasso “pós-moderno” (antigo futuro), demasiadamente
“projetado” e debilmente materializado.

Considerações finais
Ao redigirmos este escrito direcionado exclusivamente às escolas e sujeitos das
camadas populares, nos parecem claras algumas observações a respeito dos motivos pelo
qual o Estado não despende o satisfatório para sua manutenção. Inicialmente, deparamo-
nos com o fortalecimento da iniciativa privada no campo educacional, o que nos leva
subitamente a concluir que, se o Estado enfraquece sua escola, automaticamente fortalece
setores privados que prestam esse serviço – o que é evidente no ensino superior. Esta
configuração se encaixa perfeitamente com acepções neoliberais das últimas décadas, em
que o cidadão-cliente207, não mais é um integrante nacional, mas um consumidor
estadual, contratante das prestanças públicas.
A educação básica pública não segue a lógica privatizadora do superior, todavia,
acompanha a do mercado, direcionada desde o imaginário popular – por necessidade – às
políticas educacionais do Estado – por conveniência –, para abastecimento da economia
por meio de uma composição trabalhista, esvaziada política e historicamente. Como
dissemos – e outros antes de nós –, a escola do Estado capitalista tem como premissa
servir o capital, não podendo ser diferente, sem embargo, em sua base, o piso da sala de
aula, as equipes escolares, as interpretações instigadas, a educação comprometida, não
podem ser controladas externamente.

207
BRASIL. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado (1995).

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Efetivar a escola como recurso do capital, no entanto, é uma faca de dois gumes.
Relembremos nossa pergunta para este estudo: como a escola pode auxiliar na
conscientização de classe, se cada vez mais é concebida unicamente como destinada a
formar para o mercado de trabalho? Se alunos são imaginados como futuros trabalhadores
(alienados) e sua escolarização volta-se para cumprir singularmente esta tarefa, é
justamente no seio deste quadro que a consciência se fará presente. Não é preciso para
isso, negar os conteúdos “profissionais” sugeridos, afinal, são saberes sistematizados –
“gatilhos” para a ciência da exploração proletária – e certamente devem ser aproveitados.
O processo de conscientização não deve estabelecer uma “cruzada” à formação
trabalhadora, mas à supressão de outros conteúdos que são igualmente – ou mais –
cruciais a integralidade formativa deste estudante.
A interpretação e solidificação da atividade escolar como prática social,
respeitando as fases outrora apresentadas por Saviani (2012), somadas a constatação de
que as relações homens-mundo, são o princípio e fim do que fazer educacional, nos
possibilita articular uma pedagogia “problematizadora” e “instrumentalizadora” –
focalizando a realidade social –, o que permitirá ao aluno qualificar sua capacidade de
abstração do mundo material e, consequentemente, materializar suas abstrações por meio
de ações reais e premeditadas, reunindo forças à sua camada.
Não se trata de dirigir um peso maior do que a escola pode suportar, mas,
corroborando a Freire (2016, p. 77): “[...] Se a educação sozinha não transforma a
sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Por isso, a escola deve superar a função
de aparelho ideológico – independente da ideologia – e de reprodução dos “valores
capitalistas”, para se tornar um espaço primeiramente estratégico e secundariamente de
luta, com a finalidade de apetrechar a classe trabalhadora, não para “competências e
habilidades”, mas para coerências e criticidades, elementos responsáveis por fomentar e

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municiar um novo impulso histórico, condicionando os sujeitos da educação a
questionarem a sociedade em que vivem e a que querem viver.

Referências

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudos & Pesquisas: Informação


demográfica e socioeconômica, número 34. Síntese de Indicadores Sociais: uma análise
das condições de vida da população brasileira 2014. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91983.pdf>. Acesso em: 15 fev.
2018.

______. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 26 de fevereiro de
2017.

FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 3ª. ed. São
Paulo, SP: Paz e Terra, 2016.

______. Pedagogia do oprimido. 50ª. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra,
2011.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã, 1º capítulo: seguido das Teses sobre
Feuerbach. São Paulo, SP: Centauro, 2002.

NIETZSCHE, F. Assim falava Zaratustra. Tradução: Ciro Mioranza. São Paulo, SP:
Editora Escala, 2006.

SAVIANI, D. Escola e democracia. 42ª. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

Autor/a:

André de Souza Santos


Mestrando em Educaçao pela Universidade Estadual de Maringá
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES-MEC)
e-mail: andre.prof.ef@gmail.com
Maria Cristina Gomes Machado

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Professora da Graduação e Pós-graduação
Universidade Estadual de Maringá
e-mail: mcgm.uem@gmail.com

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PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA PARA AS ESCOLAS DO
CAMPO COMO AÇÃO SUPERADORA, NO CONTEXTO DAS
PEDAGOGIAS DO “APRENDER A APRENDER”
Gracieda dos Santos Araújo

Introdução
O presente estudo estabelece discussões sobre as bases teóricas da educação
(teorias não críticas, teorias crítico-reprodutivistas e teorias críticas), buscando sinalizar
os desafios e as possibilidades da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), para a educação
pública no campo. Assim sendo, baseia-se na perspectiva da PHC enquanto alternativa às
pedagogias do “aprender a aprender” (DUARTE, 2001), importantes responsáveis pelo
crescimento da defasagem na aprendizagem dos estudantes do Ensino Fundamental, no
âmbito das escolas públicas brasileiras.
O interesse por esta abordagem surgiu da participação no III Curso de
Aperfeiçoamento (200 horas) e Especialização (360 horas) em Pedagogia Histórico-
Crítica para as Escolas do Campo – PRONACAMPO – Ação Escola da Terra, oferecidos
pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, por meio da Linha de Estudo e Pesquisa em
Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação do Campo (GEPEC).
O Programa Escola da Terra tem o objetivo de promover formação continuada de
professores que trabalham em escolas públicas do campo, buscando responder a questão
do baixo nível de escolaridade, ainda muito comum entre esses profissionais. O referido
programa é uma ação que substitui o Programa Escola Ativa, implantado pelo Governo
Fernando Henrique Cardoso, o qual tem continuidade no Governo Lula, destinando-se às
salas multisseriadas, em local de difícil acesso (TAFAREL e SANTOS JÚNIOR, 2016).

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Como aportes teóricos para este trabalho foram escolhidos os autores Saviani
(2009 e 1995), Martins (2013), Martins e Marsiglia (2015), Duarte (2001 e 2010). A
metodologia adotada é uma revisão bibliográfica, seguida de análise crítica de dados
acerca do desempenho dos estudantes do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas
públicas brasileiras. Para esse exercício foram utilizados resultados da Avaliação
Nacional da Alfabetização-ANA (ano 2016), fazendo-se um recorte da realidade
educacional do Estado da Bahia.

Teorias pedagógicas e seus desdobramentos


Na obra “Escola e Democracia” Saviani (2009) auxilia-nos na análise e
compreensão das diferentes concepções da educação, desde as denominadas teorias não
críticas (tradicionais, escolanovistas e tecnicistas), às teorias crítico-reprodutivistas,
chegando, assim, às discussões voltadas para uma teoria crítica da educação (na qual se
situa a PHC). A partir da perspectiva da teoria crítica da educação é feita a crítica da
educação enquanto uma política compensatória, tendência abordada como de forte
crescimento no contexto Latino Americano. Deste modo, o autor destaca a questão da
marginalidade da escola frequentada pelas crianças e jovens da classe popular no
continente Latino Americano, o analfabetismo, como um problema ainda sem resolução
por parte das teorias liberais e dos seus críticos.
Para Saviani, enquanto as teorias não-críticas pretendem, ingenuamente,
resolver o problema da marginalidade por meio da escola, sem jamais conseguir êxito, as
teorias crítico-reprodutivistas explicam a razão do suposto fracasso. Nesta concepção, o
aparente fracasso é, na verdade, o êxito da escola. Aquilo que se julga ser uma disfunção
é, antes, a função própria da escola. Com efeito, sendo um instrumento de reprodução
social, a escola na sociedade capitalista necessariamente reproduz a dominação e
exploração. Em contrapartida, a proposta da educação crítica, desenvolvida no âmbito da

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PHC “diferencia-se da visão crítico-reprodutivista, uma vez que procura articular um tipo
de orientação pedagógica que seja crítica sem ser reprodutivista” (SAVIANI, 2009. p.
27).
A PHC tem o materialismo histórico dialético de Karl Marx como concepção
filosófica, perspectiva através da qual está apoiada sua base metodológica. A lógica
dialética se sustenta no princípio da evolução e da mudança, na qual a realidade é vista
como um movimento constante, permeado pelo conflito, ou seja, pelas contradições do
processo histórico (MARTINS, 2013).
Tomando por base a perspectiva da PHC, a educação passa a ser concebida não
como simples instrumento a serviço da reprodução das sociedades injustas, mas como
uma arma de luta nas mãos dos educadores, capaz de permitir-lhes o exercício de um
poder real de elaboração de proposições, de agir no sentido da construção de processos
de transformação social, por meio da sua prática político-pedagógica. Na perspectiva de
Saviani (2009), a educação é determinada pela sociedade, porém essa determinação é
relativa, uma vez que também interfere na sociedade, podendo contribuir em processos
que levam à transformação. Logo, do ponto de vista da ação prática, tem-se nessa reflexão
o direcionamento da elaboração teórica de uma educação engajada, articulada com os
interesses dos dominados, não o contrário.

A função social da escola na perspectiva histórico-crítica


Conforme Saviani (1995), a educação no âmbito do “trabalho não-material” tem
o intuito de favorecer aos seres humanos o acesso aos elementos culturais, necessários à
constituição de sua humanidade. É compreendida como um fenômeno dos próprios seres
humanos, uma vez “ela é, ao mesmo tempo, uma exigência do e para o processo de
trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho” (SAVIANI, 1995, p.15).

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Nessa perspectiva, a natureza humana não é dada ao homem como uma condição
biológica natural, mas construída por meio do processo histórico social.
A educação está presente nos vários espaços da sociedade e ocorre de diferentes
formas ao longo da vida de todos os indivíduos. Não obstante, a função educativa,
pedagógica, ligada à questão do conhecimento científico, é tarefa exclusiva da escola.
Para isso, faz-se necessário resgatar a importância da escola e reorganizar o trabalho
educativo, tendo em vista a questão do problema no acesso ao saber sistematizado
(conhecimentos clássicos), a partir do qual se define a especificidade da educação escolar.
“A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o
acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse
saber” (SAVIANI, 1995, p.19). Portanto, na organização escolar básica o currículo deve
estar de acordo com os elementos necessários ao domínio do conhecimento sistematizado,
colocando-se para além do ensino da leitura e da escrita. Nesse contexto, o professor é
peça chave do processo de aquisição do conhecimento por meio da escola. O adulto,
neste caso, representado na pessoa do professor, é a pessoa capaz de planejar as etapas do
aprendizado das crianças, sendo, portanto, figura essencial da conexão entre o aluno e o
conhecimento sistematizado.
Com base nesses pressupostos, a escola deve socializar o conhecimento nas suas
formas mais desenvolvidas. Daí, buscar combater as políticas educacionais e as
concepções pedagógicas, centradas no aprender a aprender, que tem defendido uma
escola na qual o principal não é a aquisição do saber nas suas formas mais desenvolvidas,
mas preparar os indivíduos para as demandas do cotidiano da sociedade capitalista,
estando atrelada aos interesses do mercado. Por outro lado, não propiciando deste modo,
os conhecimentos necessários à compreensão das contradições da sociedade capitalista,
compreensão essa que não pode ser alcançada com base nas conclusões imediatistas,
baseadas no senso comum.

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Neste sentido, Duarte (2001), afirma que a essência das pedagogias do “aprender
a aprender”
reside na desvalorização da transmissão do saber objetivo, na diluição
do papel da escola em transmitir esse saber, na descaracterização do
papel do professor como alguém que detém um saber a ser transmitido
aos seus alunos, na própria negação do ato de ensinai (DUARTE, 2001,
p. 28).

Dentro do conjunto das pedagogias do aprender a aprender, presentes na educação


pública brasileira, estão “a pedagogia do professor reflexivo, a pedagogia das
competências, a pedagogia dos projetos e a pedagogia multiculturalista” (DUARTE,
2010, p.35). Essas tendências “do construtivismo eclético”, estão contidas nos documento
do Ministério da Educação, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais –PCNs
(DUARTE, 2001), cuja perspectiva orienta a proposta do Ensino Fundamental.

Alfabetização na pedagogia histórico-crítica: desafios e possibilidades


Para introduzirmos a discussão do tema da alfabetização na PHC, abordaremos,
de forma introdutória, a concepção de aprendizagem no método construtivista (pedagogia
do aprender a aprender), de modo a esclarecer as divergências dessa concepção em
relação à concepção da pedagógica crítica.
No âmbito dos processos de alfabetização, respaldados pela teoria construtivista,
os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, fundamentados na teoria piagetiana de
aprendizagem, tem em conta a epistemologia genética para explicar como acontece o
processo de ensino-aprendizagem, na alfabetização das crianças. Nessa concepção, o
conhecimento se dá por meio dos processos de assimilação, adquiridos através de
experiências vividas e, por conseguinte, da acomodação.
No construtivismo o professor assume papel de guia, de orientador, uma vez que
é o aluno que direciona sobre quais conhecimentos deseja adquirir, de acordo com o que
mais lhe causa interesse. Dentro dessa concepção, segundo Martins e Marsíglia (2015,

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p. 29): “Cada um aprenderá a seu tempo e dentro de suas possibilidades”. Em
contrapartida, na Psicologia Histórico-Cultural, que dá respaldo à PHC, seus
idealizadores defendem a natureza social do desenvolvimento, dando fundamental
importância ao papel da educação escolar no processo de construção do conhecimento.
Nessa perspectiva, o desenvolvimento para a Psicologia Histórico-Cultural assenta-se
justamente na contradição entre o biológico e o cultural208.
De acordo com Martins (2013), Vigotski, Luria e Leontiev consideram que o
desenvolvimento do psiquismo humano e suas propriedades não são resultado de uma
complexificação biológica/natural, evolutiva, mas, da própria formação cultural dos
indivíduos. Além da diferença de concepção acerca do papel do professor, existente entre
as teorias construtivistas e a PHC, outro aspecto significativo diz respeito ao domínio da
produção ortográfica. Na perspectiva da PHC o aluno é orientado a escrever corretamente
as palavras, o que não ocorre no construtivismo.
Conforme Martins e Marsíglia (2015), a escrita convencional no construtivismo
se dá no decorrer do processo de alfabetização, devendo acontecer de forma espontânea,
de acordo com “o tempo do aluno”, sem se levar em conta as etapas do desenvolvimento
da escrita, enquanto um instrumento cultural complexo. Não obstante, alfabetização no
construtivismo fica resumida, por tanto, a um processo mecânico “inundada de erros
ortográficos e repertório linguístico restrito” (MARTINS e MARSÍGLIA, 2015, p. 73).
Como resultado são observados os baixos índices no desempenho dos alunos, estes que,
em sua maioria, chegam aos anos finais do Ensino Fundamental com baixo rendimento
nas principais áreas do conhecimento.

208
O reconhecimento da natureza social do psiquismo humano é, pois, o que origina a Psicologia Histórico -
Cultural. São autores dessa proposta: Lev Semenovich Vigotski, Alexander Romanovich Luria e Alexis Nikolaevich
Leontiev, cujo marco é a década de vinte do século XX.

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emancipação humana
Conforme dados da Avaliação Nacional da Alfabetização – ANA (2016)209, mais
de 50% dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental, no Brasil, têm nível insuficiente
em leitura e matemática210. Dos alunos avaliados 54,73% tinham nível de leitura
insuficiente e 45,27% tinham nível suficiente. As regiões Norte e Nordeste foram as que
obtiveram os piores resultados na área de leitura, com 70,21% e 69,15% dos estudantes
apresentando nível de insuficiência, respectivamente, o que significa dificuldade de
leitura de pequenas palavras e textos. Esses percentuais caem para 51,22% no Centro-
Oeste; 44,92% no Sul; e 43,69% no Sudeste.
No Estado da Bahia 72, 70 % dos alunos do 3º ano do ensino fundamental têm
nível insuficiente em provas de leitura; 50,46% em escrita; e 72, 84% em matemática. No
esforço para diminuir os índices do analfabetismo no Estado, o governo da Bahia,
inspirado na experiência do Ceará, lançou, em 2011, o Pacto com os Municípios pela
Alfabetização na idade certa211. O Pacto consiste no fortalecimento de uma rede de
formação e apoio aos professores e estudantes, disseminando conhecimentos e práticas
de alfabetização e letramento, que se respaldam nos métodos construtivistas. Na instância
federal tem-se o Pacto Nacional pela Alfabetização na idade certa - PNAIC, instituído em
2012, pelo governo da presidente Dilma Rousseff. Embora considerado como uma
iniciativa muito promissora observa-se que o Pacto pela alfabetização na Bahia acumula
resultados ainda pouco significativos em relação aos objetivos e metas estabelecidos.
Nota-se que o espontaneísmo, característica dos métodos construtivistas, relega as
crianças da classe trabalhadora a um conhecimento limitado, a uma defasagem intelectual
grande, o que as deixa em desvantagem frente às crianças das classes mais abastadas,

209
Disponível: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=75181-resultados-
ana-2016-pdf&category_slug=outubro-2017-pdf&Itemid=30192. Acesso: 26/02//2017.
210 O exame realizado pela ANA, está direcionado aos alunos cursistas com idade de 8 anos ou mais.
211
Decreto 12.792 de 28 de abril de 2011.

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emancipação humana
possuidoras de maior acesso aos meios de aquisição do conhecimento cientificamente
elaborado.
Diante disso, entendemos que a Ação Escola da Terra – PRONACAMPO,
desenvolvida pela UFBA, representa um importante marco para a formação teórico-
prática dos educadores da educação pública do/no campo, no Estado da Bahia, tendo em
vista o desafio de viabilizar a construção de um projeto educativo condizente com os
interesses da classe trabalhadora, superando as formações baseadas nas pedagogias do
aprender a aprender (DUARTE, 2001), um dos fatores importantes da defasagem
educacional dos estudantes no Ensino Fundamental.
Dos 417 municípios da Bahia, 325 aderiram, em 2013, ao programa
PRONACAMPO, Ação Escola da Terra, sendo que, até 2017, quase 2 mil professores já
tinham sido atendidos, de uma demanda inicial de aproximadamente 13 mil interessados
(HACK, QUEIROZ E TAFFAREL, 2017). Esse feito se dá no contexto de ataque à educação
pública, numa correlação de força entre o projeto de educação e de sociedade da classe
trabalhadora e o projeto de sociedade representado pelo capital. Deste modo, convém
sublinhar que a continuação desse processo no atual cenário brasileiro (pós-golpe
parlamentar de 2016), assim como outras ações que visam a melhoria da educação da
classe trabalhadora, implicará na retomada da participação e das lutas dos movimentos
sociais populares, do fortalecimento dos Fóruns em Defesa da Educação Pública, para que
as conquistas obtidas pela luta das classes populares não desapareçam.

Considerações
O analfabetismo no Brasil apresenta-se como um problema histórico-social e
compreendê-lo implica, também, trazer para o debate as concepções dos métodos de
alfabetização adotados pelos governos, na implementação de políticas educacionais. Não

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
basta apenas garantir o direito de ingresso à escola, por parte dos alunos das classes
populares.
Para que haja melhoria na qualidade da educação pública é preciso analisar um
conjunto de fatores que influenciam diretamente no resultado final do processo ensino-
aprendizagem, a começar pela vertente pedagógica a ser adotada.
Na Bahia, a ação Escola da Terra, desenvolvida pela UFBA, por sua consistente
base teórica, vem contribuindo significativamente para a elevação teórica na formação
continuada dos professores, fato que, sem dúvida, representa um importante referencial
para o debate e definição das políticas públicas de formação de professores, tanto para as
escolas públicas do campo como da cidade. Deste modo, consideramos possível, ainda
que dentro dos limites da sociedade capitalista, a construção do projeto histórico de
educação e de sociedade, para além dos interesses do capital.

Referências

DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais


e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas: autores associados, 2001.

__________. O debate contemporâneo das Teorias pedagógicas. in MARTINS, LM.,


and DUARTE, N., orgs. Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas
necessárias [online]. São Paul o: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

HACK, C; QUEIROZ, S. G. e TAFFAREL, C.N.Z. Política Pública “Escola da Terra”:


Pedagogia Histórico-crítica para os professores das escolas do campo na Bahia, Salvador,
2017. Disponível:
https://2sbga2017.ufba.br/sites/2sbga2017.ufba.br/files/eixo1_cassia_sicleide_celi.pdf

MARTINS, L. M.; MARSIGLIA, A. C. G. As perspectivas construtivista e histórico-


crítica sobre o desenvolvimento da escrita. Campinas: Autores Associados, 2015.

MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a Educação Escolar: contribuições à luz


da psicologia cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2013.

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UNIOESTE – Cascavel/PR: ABEM, 2018 1091
Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SAVIANI, D. Escola e Democracia. Edição Comemorativa. Campinas: Autores
Associados, 2009.

__________. Pedagogia Histórico-Critica: Primeiras Aproximações. Campinas: Cortez e


Autores Associados, 1995.

TAFAREL, C. N. Z.; SANTOS JÚNIOR, C. de L. Pedagogia Histórico- Crítica e


Formaçao de Docentes para a Escola do Campo. Educação & Realidade. Porto Alegre.
V. 41, n.2, p. 429-452, abr./jun. 2016.

Autora:
Gracieda dos Santos Araújo
Doutorando do Programa de Pós-graudação/
/Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
e-mail: graciedaunesp@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MATERIALISMO HISTÓRICO, EDUCAÇÃO E CATEGORIAS DE
ANÁLISE
Camila Maria Bortot
Kethlen Leite de Moura

Introdução
O cenário da produção acadêmica sobre educação ampliou-se nas pesquisas a
partir da década de 1990, quando passa a ser analisada a partir da dinâmica produzida por
movimentos sociais que se tornam expressão no cenário econômico, político e social.
Para a análise aqui apreendida foi necessário optar por referenciais teóricos de
cunho histórico-dialético, a fim de entender a dialética entre o universal e o singular. A
formulação teórico-metodológica promove o método de investigação científica,
manifestando os pressupostos reais a respeito da produção material dos sujeitos. De
acordo com Paulo Netto (2011) as relações sociais existentes são modificadas de acordo
com o movimento da história, para tanto, fizemos a opção pelas categorias analíticas e os
conceitos do materialismo histórico, devido a configuração do desenvolvimento do
capital e os ataques aos movimentos populares, como o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra.
Para tanto, o objetivo deste trabalho entender a relação entre Materialismo
Histórico, Educação e as Categorias de Análise do método em que a história é movimento,
a história das relações produtivas que fomentam a luta de classes. A noção de crítica de
Marx, ancorada na unidade dialética estabelecida entre teoria e práxis e na
desconstrução/construção do Estado e das relações sociais sobre os quais este se apoia,
conduz Marx a identificar a luta de classes como o motor da História e o proletariado
como o ator fundamental da crítica e da subversão da estrutura da sociedade moderna
(nela incluída o próprio Estado). Nesse sentido, as categorias de compreensão do real são
fundamentais para alcançar a práxis revolucionária, sobretudo, na educação.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Discussão sobre as categorias de análise do real
Considerando que a temática sobre educação tem sido extremamente importante
para o desenvolvimento de estratégias revolucionárias no âmbito da emancipação
humana. Com vista, a apreender sobre a importância de uma educação voltada para o
homem e os aspectos da totalidade do modo de produção capitalista, bem como os
pressupostos e aspectos teóricos que fundamentam as propostas para o movimento da
educação.
Empreendemos nesse texto tratar a respeito das contradições, dificuldades e
possibilidades que tornam a educação um indicativo de emancipação humana por meio
das categorias de análise do real. As questões metodológicas objetivaram compreender o
modo como as contribuições marxianas possibilitam o entendimento das categorias
analíticas e do homem enquanto ser social inserido numa sociedade capitalista. De acordo
com Paulo Netto (2011, p.46) “[...] o objetivo da pesquisa marxiana é, expressamente,
conhecer as categorias que constituem a articulação interna da sociedade burguesa”. As
categorias propostas exprimem as formas de compreensão dos fundamentos do
materialismo histórico e a maneira determinada de perceber a realidade. Salienta-se que
as categorias estão coladas no movimento histórico social e que esse método é o elemento
constitutivo das concepções teóricas do materialismo histórico.
As questões metodológicas compreendidas pelas obras de Marx apresentadas
anteriormente, objetivam o modo como as contribuições marxianas possibilitam o
entendimento das categorias analíticas e do homem enquanto ser social inserido numa
sociedade capitalista. De acordo com Netto (2011) “[...] o objetivo da pesquisa marxiana
é, expressamente, conhecer as categorias que constituem a articulação interna da
sociedade burguesa” (PAULO NETTO, 2011, p. 46).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
As categorias são instrumentos que nos ajudam a analisar a realidade.
Considerando que as relações que se manifestam na prática social, podendo ser chamadas
de múltiplas determinações, podem ser melhor elucidadas na perspectiva marxista,
basicamente por meio da ideia de totalidade, contradição, hegemonia, reprodução e
mediação (CURY, 1985). Elas são elementos fundamentais que refletem o movimento
histórico dialético. Essa discussão se faz necessária à medida que possibilita o
entendimento da realidade educacional dentro do contexto econômico, político e social.
É importante ressaltar que as categorias são formulações didático-instrumentais,
mas de maneira alguma dever ser interpretadas como permanentes ou definitivas, uma
vez que a realidade é passível de mudanças no tempo e no espaço. É justificável o uso
das categorias na atualidade, já que o modo de produção capitalista não foi superado e
permanece em vigência na sociedade atual e “as categorias, assim, só adquirem real
consistência quando elaboradas a partir de um contexto econômico-social e político,
historicamente determinado, pois a realidade não é uma petrificação de modelos ou um
congelamento de movimentos” (CURY, 1985, p.21). Ao contrário a sociedade está em
constante transformação, por isso é síntese de múltiplas determinações.
Com Cury (1985) entendemos que as categorias têm por objetivo compreender os
aspectos da totalidade concreta real, delimitando que esses conceitos são considerados
abstratos, quando estudamos isoladamente e ganham real concretude à medida que são
contextualizados com o período sócio histórico.
As categorias analíticas expressam o movimento dialético e possibilita ao homem
utilizá-las para que atuem de forma mais objetiva. O autor apresenta que as cinco
categorias auxiliam no processo de compreensão da realidade se utilizá-las “[...] como
instrumentos de análise em vista de uma ação social transformadora, já que a análise
também faz parte dessa ação” (CURY, 1985, p. 26).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A categoria Contradição é a base do pensamento dialético, não deve ser entendida
apenas como um elemento que fornece subsídio para o entendimento do movimento real,
mas como o próprio motor do desenvolvimento da sociedade, pois “[...] cada coisa exige
a existência do seu contrário, como determinação e negação do outro” (CURY, 1985, p.
30), ligada ao movimento da história tem uma dinâmica contraditória, pois as múltiplas
determinações sociais são antagônicas.
A Contradição é devastadora, mas, ao mesmo tempo, é edificadora, compreende
o mundo do trabalho humano e seus efeitos, estendendo-se a toda atividade humana. Os
fatos decorrentes do trabalho do homem atreladas ao seu modo de vida e suas relações
sociais, além de se desenvolverem, fazem parte de uma dialética, em que os fatos
ocorridos na humanidade não se dão isoladamente, mas conectados a outros
acontecimentos, “[...] essa ação recíproca permite sair do positivismo e do idealismo, pois
ambos suprimem, no fenômeno, a distância entre o real e o porvir” (CURY, 1985, p. 31).
No âmago dessas discussões dialéticas, a compreensão e interpretação da
realidade se dão no momento em que se apreende a contradição do real, ou seja, é quando
se obtém a consciência da contradição possibilitando transformações no real. Cury (1985)
afirma que as modificações e transformações contraditórias ocorrem no seio da sociedade
capitalista e que “tais contradições se revelam no papel motor da luta de classes na
transformação social. É através deste jogo pugnativo que a sociedade avança” (CURY,
1985, p. 33).
A categoria Contradição fornece indicações, em relação à Totalidade. A categoria
Totalidade na teoria marxista é um complexo geral estruturado e historicamente
determinado, estando relacionada a uma série de determinações que se modificam
constantemente. Para Marx o materialismo histórico teorizou o desenvolvimento social,
por meio de um ponto de vista totalizante de uma ‘história mundial’ que desponta de
processos materiais e interpessoais (BOTTOMORE, 2001).

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emancipação humana
A totalidade sem a presença das contradições é inerte, e, portanto, são categorias
é extremamente importante para o método dialético, pois não abrange apenas a
singularidade, sem ter a percepção do todo, existindo concretamente no caminhar da
estrutura da totalidade concreta real. É possível perceber que a totalidade não é todos os
fatos e nem a soma de suas partes que o constituem. A totalidade é extremamente
importante para o método dialético, pois não se esgota apenas na singularidade sem ter a
percepção do todo, desse modo “a totalidade, então, só é apreensível através das partes e
das relações entre elas” (CURY, 1985, p.36).
Não se pode perder de vista que o homem é o sujeito histórico-social que por meio
da práxis produz a vida material e, consequentemente, prática educativas que fazem parte
da totalidade de contradições, pois numa “[...] visão de totalidade a respeito da educação
implica a contínua dialetização entre as relações sociais de produção e de (re) produção
de (velhas) relações sociais” (CURY, 1985, p. 70).
Destarte, no interior da totalidade contraditória encontra-se a categoria
Reprodução que está intimamente ligada aos meios de produção e as forças produtivas
que sustentam o sistema capitalista. Como o modo de produção “[...] deve ser capaz de
existência continuada para que possa caracterizar uma época da história, as condições que
permitem a produção também devem permitir a reprodução” (BOTTOMORE, 2001, p.
319). A reprodução está inserida no processo produtivo, sendo uma combinação de peças
dispostas de forma a obter a acumulação de capital para ampliar a base exploratória do
capitalismo.
Cury (1985) escreve que a totalidade concreta real é determinada pela reprodução
das relações sociais que estabelecem o capitalismo. O autor ainda afirma:
o sistema capitalista tenta tornar a sociedade como um todo, o lugar de
reprodução das relações sociais de produção com a atenuação dos
conflitos. Mas isto não quer dizer impositividade absoluta, porque o
crescimento das forças produtivas gera continuamente novas
contradições e a negatividade perpassa todo o espaço social. As

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contradições se dão ao mesmo tempo em que a prática social do
capitalismo busca sua coesão e coerência (CURY, 1985, p. 41).

É necessário compreender que esse movimento de contradições do capitalismo


insere-se na categoria reprodução, onde se consuma os conflitos entre as classes sociais,
permitindo a superação e a transformação social. Nessa perspectiva analítica de
reprodução, a educação “[...] contribui para a reprodução das relações de produção
enquanto ela, mas não só ela, forma a força de trabalho e pretende disseminar um modo
de pensar consentâneo com as aspirações dominantes” (CURY, 1985, p.59).
A atuação do homem enquanto sujeito histórico-social na totalidade da sociedade
que é contraditória e reprodutiva relaciona-se a categoria Mediação que estabelece uma
analogia entre a dialética e a contradição. Pois é na categoria mediação que as relações
concretas são expressas não em blocos irredutíveis, mas em uma rede de “[...] relações
contraditórias, que se imbricam mutuamente” (CURY, 1985, p.43). A mediação não
ocorre de fatos isolados, mas da interação entre o homem e a natureza. Os processos
podem mediar às relações sociais que estruturam a base exploratória do capital. À medida
que os mecanismos exploratórios tentam impor suas ideologias hegemônicas inibem a
consciência de conflito a classe proletária.
A categoria Hegemonia nos remete a questão da superioridade da classe
dominante, que Marx e Engels ressaltaram em A Ideologia Alemã (1986). Cury (1985, p.
45) salienta que “[...] a questão da hegemonia é por simultaneamente a questão da
ideologia, das agências da sociedade civil que a veiculam, e das relações sociais que a
regem”. Entendemos que a hegemonia é utilizada pela classe dominante por meio da
cultura para causar danos à classe dominada, visto que “[...] a formação da ideologia não
é dada, ela é constituída pelas classes sociais, afirmada como atividade política no próprio
movimento de classes” (CURY, 1985, p. 46).

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emancipação humana
Dentro das relações sociais, a educação está intrinsecamente relacionada à
Hegemonia, pois na sociedade capitalista a educação vem com o papel de legitimar as
desigualdades sociais, consequentemente, a classe que comanda as forças produtivas é
aquela que detém o maior poder de capital:
[...] os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre
outras coisas, também a consciência e, por isso, pensam; na medida em
que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época
histórica, é evidente que o façam em toda sua extensão e,
consequentemente, entre outras coisas, dominem também como
pensadores, como produtores de ideias (MARX; ENGELS, 1986, p.
72).

Amparadas em Marx e Engels, a ideologia da classe dominante prevalece no


poder, no entanto, o proletariado pode negar a hegemonia que é imposta e difundida pela
classe dominante. Como a produção capitalista demonstra contradições a classe proletária
pode enxergar para além da aparência constituindo práticas de luta por transformações
sociais. O objetivo das leis sociais que regulam a produção e a distribuição de bens que
satisfaçam as necessidades dos homens historicamente determinados.
É na base da atividade econômica que se depara com a categoria Trabalho, é por
meio dessa categoria que se mostra o ser social evidenciando a necessidade do homem de
produzir seus meios de subsistência material e imaterial, pois de fato “[...] trata-se de uma
categoria que, além de indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz
referência ao próprio modo de ser dos homens da sociedade” (NETTO; BRAZ, 2011, p.
39).
O trabalho manifesta uma mediação entre o sujeito e objeto, significando uma
ação transformadora, pois o trabalho é um processo participativo entre o homem e a
natureza, Marx (2008, p. 262) aponta:
[...] o trabalho é uma categoria inteiramente simples. E também a
concepção de trabalho nesse sentido geral – como trabalho em geral –
é muito antiga. Entretanto, concebido economicamente sob essa

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
simplicidade, o trabalho é uma categoria tão moderna como são as
condições que engendram essa abstração (MARX, 2008, p. 262)

O trabalho é uma das categorias centrais para compreender as determinações


humano-social, pois o homem é resultado de processos históricos ocorridos na sociedade
e, por meio do trabalho, é possível abranger o modo de produção de vida dos homens,
bem como ocorrem as ações que engendram a sociedade.
O trabalho é a transformação da natureza para a satisfação material do homem e a
constituição do ser social, assim a sociedade através daqueles que a constituem “[...]
transforma matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa
transformação é realizada através da atividade que denominamos trabalho” (NETTO;
BRAZ, 2011, p. 40, itálico original). Na visão de Ramos (2010):
O surgimento do homem nos remete ao momento em que este ser
social se destacou da natureza e foi obrigado, para existir a produzir
sua própria vida. O ato de agir sobre a natureza transformando-a em
função das necessidades humanas é o que se conhece como trabalho.
Então se a essência do homem é dada a ele como dádiva divina ou
natural, nem é algo que preceda a sua existência, ela é produzida pelos
próprios homens na busca da satisfação de suas necessidades
(RAMOS, 2010, p. 95).

Por meio do trabalho o homem não deixa de pertencer à natureza, mas não
pertence inteiramente a ela e consequentemente se distingue do animal. Os animais agem
apenas em função das suas necessidades imediatas. O homem é capaz de determinar
previamente o resultado de suas ações, sendo a atividade pela qual ele cria os instrumentos
pertinentes a moldar e criar o objeto necessário para a sua subsistência, “[...] há sempre
um meio de trabalho, um instrumento que torna mediada a relação entre ambos. E a
natureza não cria instrumentos: estes são produtos, mais ou menos elaborados, do próprio
sujeito que trabalha” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 43, itálicos originais).
A partir do trabalho que o homem foi desenvolvendo suas relações sociais
produtivas, os autores trazem que “o trabalho é, sempre, atividade coletiva: seu sujeito

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
nunca é sujeito isolado, mas sempre se insere [...] num conjunto de outros sujeitos”
(NETTO; BRAZ, 2011, p. 44, grifo do autor). Para Netto e Braz (2011, p. 52) o trabalho
é uma atividade exercida pelo homem socialmente determinado, além do processo
histórico no qual o homem foi se constituindo, em poucas palavras “[...] estamos
afirmando que foi através do trabalho que a humanidade se constituiu como tal”.
Por meio do trabalho é que o homem se educou e também educou as gerações
anteriores e posteriores, esse processo aconteceu pela fabricação de instrumentos e pelo
desenvolvimento de conhecimento que lhes remetiam a aprendizagem. A necessidade do
homem em aprender a produzir sua própria existência “[...] nos leva a concluir que a
produção do homem é, ao mesmo a formação do homem; isto é, um processo educativo”
(RAMOS, 2011, p. 98).
No entanto, vale ressaltar que o processo educativo de aprendizagem se modifica
juntamente com as mudanças que as formas de trabalho e de produção sofrem ao longo
da história. Salientamos, ainda, que o trabalho não produz apenas bens materiais que
satisfaçam a necessidade do homem, o trabalho também é um agente produtor de
conhecimento no qual o homem passa a compreender os fatores que demarcam as
transformações sociais. É no trabalho que a Práxis assume naturalmente a sua origem: o
trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se reduz ou se esgota no trabalho
(CURY, 1985).
O ser social se constitui pelo trabalho e suas objetivações são cada vez mais
fundantes, e “a práxis envolve o trabalho, que, na verdade, é o seu modelo – mas inclui
muito mais que ele: inclui todas as objetivações humanas” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 53).
A categoria analítica práxis é articuladora da teoria e da prática que são desenvolvidas
por meio das abstrações do pensamento, no intuito de compreender como a atividade
prática está ligada a teoria. Mediante a sistematização do método analítico desenvolvido
por Marx e Engels, é possível compreender como ocorrem as transformações sociais no

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movimento da história e como as categorias se tornam fundamentais para apreender a
produção material e as relações sociais decorrentes da relação homem-natureza.

Considerações finais
O propósito deste trabalho foi o objetivo deste trabalho entender a relação entre
Materialismo Histórico, Educação e as Categorias de Análise do método em que a história
é movimento, a história das relações produtivas que fomentam a luta de classes. Para
tanto, o presente estudo se edificou mediante o exame do método proposto por obras
elucidadas ao longo do texto. Apresentou-se o que é essencial à prática metodológica de
Marx, seus principais fundamentos e categorias analíticas do método da economia política
e do materialismo histórico. Tal método de pesquisa, ligado à análise da sociedade
burguesa, verifica como a produção material é indispensável para atender aos interesses
do capital e das classes dominantes.
A determinação de Marx foi realizar uma leitura da realidade social de sua época,
produzindo conhecimentos que se encontram presentes nos dias atuais. A necessidade do
autor de evidenciar a realidade era a forma de deixar claro que as produções sociais
deveriam ser interpretadas de acordo com o momento histórico vivenciado pela
sociedade.
É possível identificar que a centralidade do materialismo histórico é a produção
material e as relações sociais ligadas diretamente ao movimento histórico, ou seja, as
relações que os homens travam entre si, ao produzirem os meios que permitem a
satisfação de suas necessidades, por meio do trabalho e da práxis. E, no movimento de
desmitificar a realidade desvirtuada por ideologias e reformismos da classe dominante
que surgiu a necessidade de discutir e analisar as relações sociais em um cenário
econômico, político e educacional sob o olhar de autores que discutem a teoria e as
categorias de análise marxistas. Por meio desses elementos, as reflexões sobre a prática

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
educacional podem se tornar fundamental para realizar transformações sociais, ou, pelo
menos, formar sujeitos críticos a respeito da realidade que os cerca.

Referências
BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.

CURY, C. R. J. Educação e Contradição: elementos metodológicos para uma teoria


crítica do fenômeno educativo. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1985.

MARX, K. Contribuição à Crítica da Economia Política. 2. ed. São Paulo: Expressão


Popular, 2008.

MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã (I-Feuerbach). 5. ed. Tradução de José


Carlos Bruni e Marx Aurélio Nogueira. São Paulo: Hucitech, 1986.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 1. ed. São Paulo:


Expressão Popular, 2008.

PAULO NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo:


Expressão Popular, 2011.

PAULO NETTO, J. Introdução. In: PAULO NETTO, J. Economia Política: uma


introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2011.

NETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2011.

Autoras:

Camila Maria Bortot


Doutoranda em Educação / UFPR
Kethlen Leite de Moura
Doutoranda em Educação / UEM

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO HUMANA: UM OLHAR SOBRE A
CONSTITUIÇÃO DO SER SOCIAL
Jacqueline Daniele França de Almeida
Ramon Maciel Romano - UEL
Marta Silene Ferreira Barros- UEL

Introdução
O presente trabalho é resultado das discussões do Grupo de Estudos e Pesquisas
FOCO: Formação Continuada: implicações do materialismo histórico e dialético e da
teoria Histórico-Cultural na prática docente e no desenvolvimento humano vinculado
CNPq, ao Departamento de Educação e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina-PR. O grupo é composto por pesquisadores de várias
áreas do conhecimento, professores do ensino básico e superior e alunos da graduação e
pós-graduação. A proposta teórica do grupo está fundamentada em um conjunto de
pressupostos teóricos, cujos principais autores são: Karl Marx, Friedrich Engels, Lênin,
Vigotski, Leontiev, Lefebvre dentre outros.
Pretende-se neste texto compreender a partir do pensamento de Marx, a questão
metodológica traçada por ele, bem como esta subsidia o entendimento do homem
enquanto ser social nas relações que estabelece na sociedade capitalista. Como subsídio
primeiro, tomar-se-á como base de análise dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de
Marx, escritos em 1844. Trata-se, dessa forma, de um breve estudo de cunho teórico e
bibliográfico. Além de Marx, autores como Lukács (2004), Márkus (1974) e outros
auxiliarão na análise.
Portanto, é possível averiguar que traços fundamentais sobre o desenvolvimento
humano e a formação social do homem estão presentes na análise realizada por Marx nos
Manuscritos Econômicos e Filosóficos a qual demonstra uma análise objetiva das
contradições sociais reveladas por meio de fatos e fenômenos sociais. São justamente

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emancipação humana
alguns desses traços indicativos do desenvolvimento e da formação social do homem que
o estudo decorrerá nesse ensaio.

Fundamentação teórica
Com base nos estudos de Marx, observa-se que sua preocupação principal
pautava-se em compreender os mecanismos de desenvolvimento da sociedade capitalista,
bem como a ontologia do ser nesse contexto social. Para o filósofo, a sociedade é
determinada pelas relações sociais vividas pelos sujeitos. Marx deixou claro em sua obra
“A ideologia Alemã” (1996) que os pressupostos que fundamentam seu pensamento não
são dogmas, mas parte de indivíduos reais, de suas ações, bem como das suas condições
materiais.
Dessa forma, identificando o homem como ser vivo, diferente do animal, com
potencialidades, Marx, mostra que a partir da produção humana dos meios de vida, os
homens produzem sua vida material. Nesse sentido,
[...] o modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende,
antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm
de reproduzir. Não se deve considerar tal modo de produção de um
único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos
indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de
atividade dos indivíduos, determinada forma de manifestar sua vida,
determinando modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos
manifestam sua vida, assim são eles (MARX, 1996, p. 27).

Diante do exposto, a práxis humana, é um dos elementos principais para se


compreender a história da sociedade, uma vez que, conforme a concepção de Marx
(1996), o homem é um ser prático e social, mas determinado pelas relações de trabalho.
Dessa forma, a vida material e a ação do homem sobre ela, não pode acontecer sem o
fator que move o desenvolvimento do homem e da sociedade – o trabalho. A categoria
trabalho nesse sentido constitui-se a essência dessa relação de construção do sujeito

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enquanto ser social. Nessa perspectiva, Netto e Braz (2006, p.34, grifo do autor)
explicitam que:
O trabalho, através do qual o sujeito transforma a natureza (e, na medida
em que é uma transformação que se realiza materialmente, trata-se de
uma transformação prática), transforma também o seu sujeito: foi
através do trabalho que, de grupos primatas, surgiram os primeiros
grupos humanos – numa espécie de salto que fez emergir um novo tipo
de ser, distinto do ser natural (orgânico e inorgânico): o ser social.

De acordo com esses autores, é possível inferir que o trabalho é parte fundamental
no processo de humanização, desde que supere os limites da lógica capitalista. Esta
categoria foi meticulosamente estudada por Marx para elaboração de sua teoria social.
Saviani (2013), afirma que a educação é uma modalidade de trabalho, e assinala
a existência de duas dessa modalidade: o trabalho material e o trabalho não material. No
trabalho material, o homem produz algo externo a ele e que se transformará em
mercadoria a ser consumida, ou seja, os bens materiais, no que se faz referência ao
trabalho não material, Saviani (2013, p.12), menciona que: “Trata-se aqui da produção de
ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades”. Pode- se concluir de
acordo com tais pressupostos teóricos, que a educação se encontra na categoria não
material.
O autor faz menção ao trabalho educativo, como “[...] o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto de homens” (SAVIANI, 2013, p. 13).
Para tanto, sendo a educação uma modalidade de trabalho, é imprescindível que a
mesma esteja atrelada a processos educativos de ensino e de aprendizagem que
promovam a transformação e emancipação humana dos indivíduos, enfocando desse
modo, a constituição do ser social, em meio à luta árdua e contínua de superação do
capitalismo.

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emancipação humana
De acordo com os estudiosos do Marxismo, os Manuscritos são considerados uma
obra da fase inicial de Marx e, portanto, ainda sujeita ao aperfeiçoamento de suas
premissas teórico-filosóficas. Apoiados nas afirmações de Márkus (1974) se evidenciam
que a obra traz em seu bojo uma tese marxiana considerada substancialmente nova
mostrando que a sociedade nada mais é do que a soma das relações dos indivíduos
singulares e por outro lado essas relações são colocadas em existência e condicionadas
pela produção material da vida. Marx, portanto, havia descoberto o papel do trabalho na
formação do homem.
Seu materialismo filosófico realiza-se como totalidade lógica apenas
quando ele descobre o papel do trabalho na formação do homem e da
história: os Manuscritos parisienses do verão de 1844 assinalam
precisamente essa reviravolta. [...] gostaríamos de indicar que ela não
poderia se ter realizado caso Marx, partindo da colocação de classe do
proletariado, não tivesse encarado o trabalho, nesse meio tempo, a partir
de uma perspectiva histórica [...] (MÁRKUS, 1974, p. 31).

No decorrer do Primeiro Manuscrito intitulado “Manuscritos Econômicos-


Filosóficos”, ao escrever sobre o salário, Marx (2004) faz a analogia do homem à
mercadoria, a qual nos revela a visão de um ser humano transformado pela sociedade,
que se submete a determinadas relações sociais impostas pelo modo de produção da vida,
que o reduzem à condição de mercadoria. Dessa forma, assim como um produto, torna-
se coisificado, pois, tem sua força de trabalho comprada e vendida. Nesse sentido, pode-
se considerar que o homem é constituído historicamente por essa sociedade como uma
mercadoria, sujeitando-se à lei da oferta e da procura.
Com efeito, em tempos de crise, o trabalhador sofre danos diretamente na sua
existência e sobrevivência, pois é o primeiro a ser “descartado”. Todavia, com o pleno
desenvolvimento da economia, no processo, ocorre na maioria das vezes o aumento da
oferta de trabalho e em contrapartida, a escassez de trabalhadores, dessa forma elevam-

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se os salários. Entretanto, como existe aumento no consumo há necessidade de
incrementar a produtividade para atender a essa demanda, o que requer mais horas de
trabalho para aumentar a produção. Dessa maneira, o trabalhador acaba sacrificando a si
mesmo e a sua humanidade, pois, “quanto mais desejam ganhar, mais têm de abrir mão
do tempo e realizar um trabalho de escravo” (MARX, 2004 p. 67).
Atualmente enfrentamos uma grave crise financeira e econômica inerente à
sociedade capitalista, contudo será que temos a exata concepção do modelo de homem
que essa sociedade está formando? Como esses homens estão sendo formados nesta
sociedade? Na realidade o que se vê é um homem angustiado e muitas vezes doente, do
ponto de vista físico e psicológico e que mal consegue o sustento de sua família ou que
se encontra na iminência do desemprego, ou que há muito tempo está sem trabalho sendo
levando à miséria.
Vislumbram-se, ainda, aqueles indivíduos que se encontram empregados e que
devem atentar às exigências do capital para manter sua empregabilidade, competências,
produtividade, comprometimento, concorrência, necessidades, etc. Essas exigências os
privam de liberdade, de tempo, de humanidade, estando aprisionados em um sistema que
exige sacrifício do corpo, do espírito e das relações humanas. Assim, o trabalhador
[...] torna-se tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais
a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se
uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens
produz. Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em
proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho
não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao
trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção
que produz bens (MARX, 2004, p.111).

Tudo isso tem consequências sobre a formação humana. Desde o início da Idade
Moderna o homem tem sido formado para o mundo do trabalho, para ter, um emprego,
uma renda, dinheiro, para “ter”. O que é feito, então, àqueles que não se enquadram nesse

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emancipação humana
padrão? Àqueles que não se encaixam nessa sociedade? Estes ficam à margem. O próprio
Marx nos responde essa questão quando afirma, “a economia política não se ocupa dele
no seu tempo livre como homem, mas deixa este aspecto para o direito penal, os médicos,
a religião, as tabelas estatísticas, a política e o funcionário de manicômio” (MARX, 2004,
p. 72).
Marx (2004) ainda expressa a ideia de que o homem ao mesmo em que faz o seu
trabalho, também é feito por ele. Em outras palavras, “[...] pelo trabalho, os homens
transformam a natureza e se transformam a si mesmos”, o homem, portanto, é “[...]
natureza historicamente transformada” (NETO E BRAZ, 2006, p.39 grifo do autor).
Assim o trabalhador ao produzir vê o produto do seu trabalho ser transformado em um
objeto, em coisa física, todavia, não consegue visualizar o seu trabalho presente nesse
objeto. Em outras palavras, trabalho e objeto são vistos separadamente e quanto maior a
diversidade de coisas produzidas mais coisas o indivíduo quer possuir. O homem vive
para se apoderar do mundo exterior; para comprar, para possuir o que exige dele mais
dinheiro e, portanto, mais trabalho para ganhá-lo. Disso resulta que, “[...] quanto mais o
trabalhador se esgota a si mesmo, mais poderoso se torna o mundo dos objetos, que ele
cria diante de si, mais pobre ele fica na vida interior, menos pertence a si próprio”
(MARX, 2004, p.112).
Lukács (2004), leitor e discípulo de Marx, ao compreender a profundidade de suas
obras, buscou definir alguns princípios ontológicos fundamentais, os quais haviam
empregado na sua crítica à sociedade existente.
Para esses dois autores o trabalho é o momento em que o ideal se converte em
elemento fundamental da realidade social e material, influenciando as múltiplas
determinações do ser. Lukács (2004), também defendia o trabalho como modelo do ser
social. Esse autor aponta que o trabalho, é concebido como categoria fundante do ser
social, que se decompõe em dois aspectos a ele inerentes: objetivação e alienação.

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Categoria esta, que é determinante na vida do homem e da sociedade. Na perspectiva de
Netto e Braz (2006, p.29) o trabalho “[...] trata-se de uma categoria que, além de
indispensável para a compreensão da atividade econômica, faz referência ao próprio
modo de ser dos homens e da sociedade”. Em outras palavras, o trabalho pode ser
considerado como o fator de síntese entre todos os outros relacionados à vida em sua
totalidade. Isto é, o complexo do ser social não pode ser visto de forma isolada, mas
concebido na totalidade real e concreta.
Nesse sentido, o homem se encontra alienado tanto no produto do seu trabalho
quanto no processo de produção. Marx explicita que o homem se encontra dominado
pelos objetos, portanto, sua vida é dominada pelo consumismo e ele não percebe, se
aliena, por conseguinte, tanto no produto do seu trabalho, quanto no próprio ato de
produção, pois o trabalho é visto como um meio para satisfazer suas necessidades, “assim,
o seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado", pois no trabalho o
homem não pertence a si mesmo, mas a outrem (MARX, 2004, p. 114).
Mais uma questão pertinente a ser observada na obra de Lukács (2004) – a
ontologia do ser social- diz respeito ao processo de humanização que se dá por meio da
passagem do orgânico ao social.
Contudo, a questão parece não ser questionar quem é o homem, mas sim como
este se forma e em que condições materiais. Pois é partindo desse entendimento, que se
pode compreender o humano, não como algo individual, mas como fruto de um processo
histórico e social. Esse processo deriva de três aspectos importantes: da natureza, do
homem e da sua relação social. No entanto, este último aspecto é o que determina a vida
dos homens tal como Marx (1996, p. 37), defende em a ideologia alemã que “não é a
consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. Observa-se
que a primeira parte envolve o homem, a segunda a vida real, a base de toda a formação

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humana, assim como bem afirma Marx (1996, p. 54) que “a verdadeira riqueza espiritual
do indivíduo depende da riqueza de suas relações reais”.

Conclusões
Se essas relações estão fundamentadas em princípios capitalistas, logo, o homem
tende a reproduzir-se a partir destas, porém, se a base material das relações for substituída
por outra em que as relações sociais são concebidas dentro de uma totalidade, e o homem
valorizado enquanto ser que produz, mas que pode usufruir o que faz, pode-se pensar em
uma construção humana superior a posta. Assim, ao avaliar a sociedade capitalista e seus
meandros, vê-se que mais do que nunca, o capitalismo destrói, como já o notava Karl
Marx há mais de um século e meio, as duas fontes de sua riqueza: a natureza e os seres
humanos.
Diante do exposto, considera-se que apesar da sociedade atual não ter como
objetivo o desenvolvimento do homem como um ser genérico e social, é necessário que
os ambientes de educação formal repensem seu papel de formação do sujeito, não no
sentido unilateral, mas na sua forma humano-genérica. E, uma das alternativas possíveis
é aumentar a capacidade intelectual do indivíduo em que este possa ter condições de
estabelecer relações que superem as contradições vividas no plano social e de produção
do capitalismo.

Bibliografia:

LUKÁCS, G. Ontologia Del Ser Social: El Trabajo. 1. ed. Buenos Aires: Herramienta,
2004.

MÁRKUS, G. A teoria do conhecimento no jovem Marx. trad. Carlos Nelson


Coutinho, Reginaldo Di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
MARX, K. Manuscritos Econômicos- Filosóficos. trad. Alex Marins. São Paulo:
Editora Martin Claret, 2004

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. (I - Feuerbach). 10 ed. São Paulo:


Editora Hucitec, 1996.

NETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2006. Biblioteca básica de serviços social; v.1.

SAVIANI. D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11.ed. Campinas,


SP. Autores associados, 2013.

Autor/as:
Jacqueline Daniele França de Almeida
Universidade Estadual de Leondrina / UEL
e-mail:jacque.daniele@yahoo.com.br
Ramon Maciel Romano - UEL
Universidade Estadual de Leondrina / UEL
e-mail:ramon7cordas@gmail.com
Marta Silene Ferreira Barros- UEL
Universidade Estadual de Leondrina / UEL
e-mail: mbarros_22@hotmail.com

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ADOLESCENTES NA EJA: CONTRADIÇÕES NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO PÚBLICA, GRATUITA E DE QUALIDADE212
Angela Saikoski Delavechia
Laura Souza Fonseca

O foco de análise do presente trabalho foi a educação oferecida à adolescência da


classe trabalhadora. Direito conquistado, porém negado historicamente, a educação – é
aqui defendida como serviço público, gratuito, laico e de qualidade. Objetivamos
pesquisar os adolescentes da escola pública e, essencialmente, sua presença cada vez mais
significativa nas turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Compreendemos que a EJA no Brasil pertence ao campo de conquistas em relação
ao direito à educação. É uma conquista de e para trabalhadores que foram excluídos da
escola por conta de sua realidade objetiva, condicionados a empregar sua força de
trabalho para sua subsistência em detrimento de sua própria escolarização.
Esta modalidade de ensino tem objetivos, funções e finalidades especificas, e por
isso deve ser disponibilizada conforme as especificidades desta demanda, observando os
sujeitos envolvidos, as condições de sua inserção e o currículo que lhes é oferecido,
contemplando sua realidade social de maneira a contribuir para sua formação.
Durante algum tempo, quando se pensava a Educação de Adultos, pensávamos
em adultos trabalhadores, analfabetos e/ou em processo de alfabetização. Ao longo do
tempo, percebemos que, além destes adultos, adolescentes a partir dos 15 anos estão
sendo inseridos nesta modalidade de ensino.
Este novo público da EJA tem dividido opiniões nos fóruns e nos espaços de
formação de professores, na escola e na sociedade.

212 Artigo elaborado a partir do TCC de Pedagogia “Contribuições aos estudos sobre adolescentes na EJA: na
perspectiva da Classe Trabalhadora”, apresentado em 2015 para obtenção do diploma do Curso de Licenciatura em
Pedagogia – FACED/UFRGS.

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emancipação humana
A presença significativa de adolescentes nas turmas de EJA, permite levantarmos
a seguinte problemática de estudo: que sujeitos sociais e quais práticas pedagógicas
contribuem com seu retorno e/ou permanência na escola? Que sujeitos sociais e quais
práticas pedagógicas contribuem com o seu processo de ensino-aprendizagem?
Compreendemos que a análise do sistema capitalista e seus modelos de produção
faz-se necessária para este trabalho, visto que as políticas educacionais expressam as
relações sociais de produção na escola pública. Torna-se, portanto, impossível, no campo
do materialismo histórico, construir este objeto de estudo distante da análise do modo de
produção vigente.
A escolarização no modo de produção capitalista
Não faltam regulações direcionando as “competências” e as “habilidades” que os
estudantes devem atingir para o “sucesso” no mercado de trabalho e, com isso,
supostamente, melhorar de vida. No entanto, a lógica presente nos projetos político-
pedagógicos (PPP’s), regimentos e currículos escolares não questiona o caráter desigual
de nossa sociedade. Não raro, nega a existência das classes sociais e segue formando
novos trabalhadores conforme as exigências do modo capitalista de produção, cuja
premissa está na recuperação da taxa de lucro mediante a ampliação da exploração da
classe trabalhadora. Neste movimento, a educação escolar tem prestado um papel
associado às necessidades do capital; os padrões de produção fordista/taylorista e
toyotista, repercutem no sujeito trabalhador a ser formado.
Na história recente (tendo claro que o desenvolvimento do capitalismo dá-se de
modo desigual e combinado), com a superação do taylorismo213-fordismo214, o atual
modelo flexível (ou toyotismo215) trouxe consigo discursos que tentam incorporar e

213
Teoria elaborada pelo engenheiro norte-americano Friedrich Winslow Taylor (1856-1915).
214
Teoria elaborada pelo norte-americano Henry Ford (1863-1947).
215
O toyotismo (ou modelo japonês/ou método flexivel) surge no Japão após a Segunda Guerra Mundial.

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assemelhar-se com as pautas em defesa da maioria da população. Na prática, este modelo
torna-se mais perverso para os trabalhadores, exigindo que cumpram diferentes funções
e intensificando sua carga de trabalho.
Assim, ao alterar as relações de trabalho, o modelo de acumulação flexível implica
mudanças desde a fábrica até a escola.
A demanda por novos modelos de trabalhadores expressa-se na estrutura,
organização, gestão e legislação da educação.
Embora o modelo flexível seja ambíguo no discurso, longe de ser um esforço na
direção da formação humana e da superação capital e trabalho, oferece uma formação
fragmentada, ao passo que exige mais do trabalhador. O “novo” trabalhador precisa saber
exercer mais de uma tarefa, ser criativo, resistir quando pressionado, ser “proativo”, saber
fazer, criar, avaliar, ou seja, tem que trabalhar mais e em diferentes frentes, mesmo que
sua formação não se amplie nessa mesma proporção. E o pior: se houver “fracasso”, o
problema estará no indivíduo, no “colaborador”.
Desta perspectiva, não há possibilidade de melhorar a vida da classe trabalhadora
sem que coloquemos no centro de nossa proposta pedagógica a compreensão da luta de
classes tendo em vista a possibilidade de superação do modo de produção capitalista.
“Não há crise econômica sem saída para o capital” (TROTSKY, 1994 apud
ARCARY, 2009, p.149). A reestruturação produtiva, a globalização e o neoliberalismo
são estratégias do capitalismo para a superação da crise econômica internacional. O
avanço dessas estratégias do capital materializam-se na dureza da vida cotidiana dos
trabalhadores, através da reorganização e da flexibilização das relações de trabalho. A
flexibilização apresenta-se como novo paradigma tecnológico/organizacional do “novo
mundo de progresso”, pregado pela ideologia da globalização. O neoliberalismo expande-
se com enorme rigor enquanto projeto econômico, político e social, com o intuito de
retirar do capital a responsabilidade pela crise econômica e repassá-la ao Estado. Com

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isso, tenta justificar a retirada do fundo público e sua entrega aos “gestores”, da iniciativa
privada, por exemplo, por meio da relação público-privado em diferentes áreas.
As políticas de governo advindas desses movimentos, em detrimento das políticas
de Estado (FONSECA, 2008), constituem ataques à classe trabalhadora. Há diminuição
no poder de compra do salário, flexibilização dos direitos trabalhistas (terceirização),
ataques aos movimentos sociais e organizações da classe. Além disso, o discurso
(re)produzido pela mídia burguesa tenta justificar, em nome da crise econômica e política,
os “cortes de gastos públicos”. No entanto, o que vemos é que esses cortes valem só para
os trabalhadores, retirando direitos nas áreas sociais.
A análise do tempo em que vivemos, na perspectiva da superação de seus limites,
só é possível quando mediada pela categoria contradição. Esta categoria permite enxergar
no fenômeno mesmo a semente de seu desenvolvimento e de sua destruição. Superar a
fragmentação capital e trabalho é impossível neste sistema, mas o germe para a superação
desse sistema não pode ser buscado ou produzido fora dele. Por isso, torna-se tão
necessário sua apreensão a partir da luta do conjunto dos trabalhadores (KUENZER,
2002).
Concretizado na realidade como exploração e destruição da vida, o trabalho é
também, historicamente, produtor do ser humano em sua íntima e necessária relação com
a natureza. De acordo com Marx (2006), o trabalho é a atividade fundante do ser humano,
diferença essencial entre homem e animal, processo em que o ser humano com sua ação
consciente retira da natureza sua sobrevivência, regulando-a e controlando-a.
Nesta pesquisa, o estudo no campo Trabalho-Educação torna-se fundamental
porque demarca uma posição política de análise e compreensão da sociedade.
Entendemos que o homem forma-se por meio de sua relação com a natureza, garantindo
sua sobrevivência, e que ele o faz mediado por um processo educativo. Portanto, educação
e trabalho, complementam-se para a humanização do homem. (SAVIANI, 2006).

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Por último, cumpre assinalar que se “as ideias da classe dominante são, em todas
as épocas, as ideias dominantes” (MARX & ENGELS, 2007), a escolha do campo
teórico-metodológico, não é neutro, mas se dá no contexto da disputa pela produção do
conhecimento, sobretudo, na universidade pública.
Revisão da produção acadêmica discente
Utilizamos como metodologia a Revisão da Produção Acadêmica Discente216 do
Repositório Digital LUME-UFRGS, disponível até o mês de junho de 2015. “O desenho
metodológico se dá através da disposição das etapas de investigação, que após serem
descritas devem vir acompanhadas da delimitação do objeto de estudo e das apresentações
das técnicas a serem utilizadas”. (LIMA e MIOTO, 2007 grifo meu). Já os procedimentos
foram: a) definição de cursos; b) descritores (em separado e/ou articulados); c)
mapeamento de produções com objetos e/ou hipóteses próximos (leitura dos resumos); d)
análise do mapeamento inicial; e) filtro das produções para análise; f) leitura na íntegra
das produções selecionadas; g) retirada de informações e trechos dos trabalhos lidos para
análise e h) articulações e diálogos com as principais concepções emergentes do campo
pesquisado.
Definimos quatro descritores: Educação de Jovens e Adultos; Adolescentes (cia);
Juventude; Trabalho. Em seguida, pesquisamos nos trabalhos de conclusão de curso da
graduação em Pedagogia (UFRGS), filtrando 60 obras. Na pesquisa feita a partir do curso
de Especialização “EJA e Privados de Liberdade” (FACED/UFRGS), localizamos 23
obras, que se aproximavam do nosso objeto de pesquisa. Assim, após análise ampla dos
trabalhos encontrados, elegemos aqueles do curso de especialização217.

216 Com base em trabalhos acadêmicos anteriores, localizados através de uma Revisão Acadêmica dos Trabalhos
Discentes do Grupo Trabalho Formação Humana (GTFH/FACED/UFRGS).
217 Todo material detalhado está disponível em

http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/139309/000990047.pdf?sequence=1. Acesso em janeiro de 2018.

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emancipação humana
Estas 23 obras foram escolhidas através da leitura de seus títulos, assuntos,
palavras-chave e resumos. A partir disso, selecionamos e listamos as produções para a
leitura integral e análise minuciosa. Ao total foram 6 (seis) TCC’s.
Trata-se de uma leitura investigativa que, reconhecendo seu limite e sua
possibilidade, tenta dialogar com as expressões, ideias e conceitos que se aproximam do
objeto de estudo – adolescência na EJA.
Relato breve sobre a estrutura/organização dos TCC’s
O trabalho Adolescência na EJA: desafios e possibilidades (2011), de Jaqueline
da Silva Alves, buscou compreender qual currículo daria conta desta nova configuração
da EJA, analisando o currículo como uma totalidade que permeia desde as configurações
de tempos e espaços, a formação dos profissionais, a relação entre professores-estudantes
e o diálogo em sala de aula.
Em O que eles querem? Representações de adolescentes sobre a EJA (2011),
Valesca dos Santos Gomes procurou detectar as representações dos adolescentes da EJA
entre 15 e 18 anos acerca desta modalidade de ensino, das características a eles atribuídas,
dos motivos/razões para que frequentem as aulas e se mantenham escolarizados.
No TCC, Adolescentes na EJA (2011), Rosângela Piva da Silva procurou saber o
porquê dos jovens matricularem-se na EJA, quais os motivos que os levaram a frequentar
esta modalidade de ensino.
A monografia Currículo e Identidades na EJAdolescente (2011), de Liege
Teixeira, objetivou compreender e acompanhar a dificuldade de muitos jovens em
concluir o seu Ensino Fundamental, a própria permanência, num contexto de exclusão
recente.
O estudo, A busca de novas relações na educação de jovens e adultos (2012), de
Luciane Camboim Silva, teve como objetivo compreender as relações com o saber que

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emancipação humana
se forma entre os alunos, professores e escola, em diferentes ambientes, a partir do
ingresso cada vez maior de adolescentes na EJA.
Neste conjunto de trabalhos analisados percebemos que a metodologia mais
utilizada foi a pesquisa participante; os instrumentos mais utilizados foram os
questionários e as entrevistas semiestruturadas; os principais teóricos citados são Freire,
Carrano, Dayrell, Brunel, Sposito e Charlot.
Ainda, em comum aos trabalhos, algumas das expressões mais recorrentes e
relevantes sobre a EJA dizem respeito à: escolarização; práticas especificas; diferença
noturno-diurno; juvenilização; afeto; acolhimento. A adolescência e juventude foram
relacionadas às sucessivas repetências, fracasso escolar, indisciplina, descaso e estrutura
familiar. No que tange ao trabalho, este foi ligado às questões econômicas/financeiras
(mercado/mundo do trabalho), como via para melhores condições de vida.
Percepções sobre des/valorização da EJA, Adolescência e Trabalho

Des/valorização da EJA Adolescência / Juventude Trabalho

ALVES “realização anual de pesquisa


“jovens-adolescentes, com muitas
(2011) participante com os alunos da
dificuldades de concentração, ansiedade, "50% dos alunos da EJA dizem
EJA para que possamos discutir,
falta de limites e, aparentemente, um desenvolver algum tipo de atividade que
pensar e colocar em prática aulas
descompromisso total com a sua própria gera renda e 37% dizem que não."
que tenham sentido para estes
aprendizagem."
alunos”.

GOMES "Manter-se escolarizado poderia "Esta carga negativa social, que os jovens
"necessidade da escola para a formação
(2011) até se configurar como uma têm, corrobora para uma série de
profissional"
forma de resistência" preconceitos destinados a este grupo."

SILVA "O aluno deixa de estar no tempo certo


(2011) "Não se pode oferecer a mesma "Estes jovens chegam à EJA com esta estudando para realizar trabalho
didática apresentada ao aluno do carga de fracassos, erros, desistências, informal", "o jovem quer resultado
ensino diurno" negações, com a baixa autoestima" rápidos troca os bancos escolares da
escola diurna pelo trabalho"

TEIXEIRA "as questões que perpassam o "Todos desejam ter um futuro melhor e
(2011) espaço escolar, e o currículo, "sem perspectiva, sem projeto de vida ou depositam na escola a esperança de que,
estão relacionadas às lutas sem saber o que querem e para onde irão" através da escolarização formal,
sociais" conquistarão um bom emprego"

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emancipação humana
SILVA "o perfil dos mais novos é o de
"estão indo obrigados à escola para
(2012) repetência, de abandono da
conseguirem melhores situações de
escola por vários motivos, de "Quanto mais jovens eles chegam à EJA,
trabalho, mesmo que este discurso não se
descaso com a aquisição dos mais arredios e distantes mostram-se"
efetive na prática de um mercado de
conhecimentos e até mesmo da
trabalho cada vez mais restrito"
instituição que frequentam"

Análise em perspectiva
As análises expostas permitem ver emergir do campo de pesquisa um sujeito-
adolescente-trabalhador que, excluído do ensino fundamental ou médio, por diferentes
situações de vida, reingressa na EJA, e se depara com um novo processo de exclusão. Um
sujeito que acredita na relação escola-emprego, como forma de transformar sua realidade
objetiva, porém se depara com um mercado de trabalho em crise, muitas vezes, sendo
jogado ao desemprego estrutural, parte fundamental do modo de produção capitalista.
Contribuindo com este debate sobre exclusão e inclusão, Kuenzer (2005) definirá
“exclusão includente” o processo pelo qual se constroem distintas estratégias de exclusão
do mercado formal (com direitos trabalhistas garantidos), acompanhadas por outras
estratégias de inclusão no mundo do trabalho precarizado.
A esta lógica, Kuenzer atribuirá outra, que corresponde de forma equivalente e em
direção contrária, e que diz respeito, dialeticamente, à educação:
[...] a inclusão excludente, ou seja, as estratégias de inclusão nos
diversos níveis e modalidades da educação escolar aos quais não
correspondam os necessários padrões de qualidade que permitam a
formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes
de responder e superar as demandas do capitalismo[...] (2005, p 14-15).

A análise da produção de trabalhadores flexíveis é complexa. No entanto,


necessária para que possamos perceber e intervir de forma mais efetiva, compreendendo
as contradições do contexto da escola pública.

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emancipação humana
Na quadra histórica em que vivemos, mirando a EJA no estado do Rio Grande do
Sul (particularmente, em Porto Alegre e cidades da região metropolitana), temos
discursos e práticas de gestores que ratificam a desvalorização desta modalidade de
ensino. Essa desvalorização pode ser verificada pela inexistência de concurso específico
e formação continuada, pela ausência de merenda escolar e de espaços de convivência na
escola nem sempre disponíveis à noite (biblioteca e pátio, por exemplo). Além disso, as
turmas de EJA são o alvo privilegiado do fechamento quando, supostamente, não há
demanda.
Embora o conjunto da análise desse artigo tenha apontado a dura realidade na qual
se encontra a classe trabalhadora, desde a retirada de direitos até diferentes formas de
humilhação social é, também, verdade que somente essa classe poderá alterar essa
realidade.
Diante da leitura deste tempo em que vivemos e, consequentemente, dos limites e
possibilidades de intervenção na escola pública, longe de ser um fator de estagnação,
devemos reconhecer nessas contradições o combustível que nos dá energia (KUENZER,
2005). É fundamental compreender o caráter contraditório da escola e sua condição
intimamente dialética com a luta de classes. Há muitos movimentos que demostram que
há outras formas de intervir e construir a educação pública, gratuita e de qualidade. Há
experiências na história da humanidade que mostram que outros projetos de educação são
possíveis. Mesmo neste sistema, é possível articular colegas, famílias e estudantes para
defender uma forma de educação que extravase os muros da escola e forme o ser humano
para além das máquinas.

Referências

ARCARY, V. Notas sobre crises econômicas e revolução em perspectiva histórica. In:


ARRUDA SAMPAIO JR., P (Org.). Capitalismo em crise: a natureza e dinâmica da

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
crise econômica mundial. São Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann,
2009. p. 141-158.

FONSECA, L. S. Em tempos de despossessão, precariedades na educação como política


de estado e no PETI como política de governos. Trabalho Necessário, 2008
http://www.uff.br/trabalhonecessario/images/TN07FONSECA,L.pdf

FRIGOTTO, G. Educação e Crise do Trabalho Assalariado e do Desenvolvimento:


teorias em conflitos. In: FRIGOTTO, G. (Org). Educação e Crise do Trabalho:
perspectivas de final de século. Petrópolis/RJ: Vozes, 2011.

____________________. A dupla face do trabalho: criação e destruição da vida.


FRIGOTTO, G. e CIAVATTA, M. (Org.) A experiência do trabalho e a educação básica.
Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.11-27.

GOMES, M. P. Educação e Trabalho Infanto-juvenil – um recorte no Estado da Arte.


Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação de Pedagogia – FACED/UFRGS (2010)

KUENZER, A. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade


estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: SAVIANI, D.;
SANFELICE, J.L.; LOMBARDI, J.C. (Org.).Capitalismo, trabalho e educação. 3. ed.
Campinas: Autores Associados, 2005.

LIMA, T. C. S. De.; MIOTO, T. Procedimentos metodológicos na construção do


conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. esp.
p. 37-45 2007. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rk/v10nspe/a0410spe, acessado em
Junho/2015

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia Alemã. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor. São
Paulo: Martin Claret, 2007.

MARX, K.; O Capital – Crítica da Economia Política; ed. Civilização Brasileira;

. Livro 1; vol.1: 24ª edição. Rio de Janeiro-RJ; 2006.

SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Trabalho


apresentado na 29ª Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2006.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Autoras:
Angela Saikoski Delavechia
Mestranda do PPG-Edu/FACED/UFRGS e Professora da rede municipal de Canoas/RS.
Laura Souza Fonseca
Pós-Doutorado PDJ/CNPq/PPFH/UERJ; EPD/CAPES/UNAM.
Doutorado em Educação PPGE/UFF.
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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emancipação humana
ESTADO DA ARTE: PRODUÇÕES SOBRE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
Mírian Rosa Pereira
Maria Edilene da Silva Ribeiro
Introdução
Este trabalho apresenta o estado da arte das produções acadêmicas a partir das
concretizações de pesquisas na área de educação especial, numa perspectiva da inclusão
escolar, e das divulgações acadêmico-científica através de diretórios digitais, no período
dos anos de 2012 até 2016. Tem com intuito mapear as políticas públicas de educação
especial e as interfaces que envolvem os recursos financeiros através de programas e
ações destinadas para o acesso e permanência dos alunos com deficiência no âmbito
escolar.
É uma pesquisa bibliográfica, foi utilizado o levantamento de dados,
exclusivamente, consulta online em quatro repositórios digitais de produções científicas,
o escopo composto por dezoito trabalhos, artigos científicos, dissertações e teses.
Também, torna-se possível dizer que, até o presente momento, não há publicação na
região norte que aborde políticas públicas dos recursos financeiros para enfrentamento da
desigualdade social e a permanência dos alunos com deficiência na escola.

Produções científicas: arte redigida


Como panorama inicial da política educacional voltada à educação especial, a
pesquisadora Rafante (2015) menciona que foi iniciada através da promoção de
campanhas e amparada pela necessidade de formação de mão-de-obra (teoria do capital
humano) e da organização racional do sistema de ensino (pedagogia tecnicista), instituída
no final da década de 1950 e início de 1960. Destaca que as iniciativas oficiais não
provocaram mudanças diante do modelo de iniciativa privada, apenas, trouxe a temática

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para pauta das autoridades municipais, estaduais e federal. Porém, admitiu e consentiu
com a continuidade das ações existentes, como: atendimento limitado, sendo em capitais
e pouquíssimas cidades da federação. E no contexto da Lei Nº 5.692/71, que estabelece a
meta de universalização do ensino para a faixa etária de 07 a 14 anos, a educação especial
foi considerada prioridade em virtude da influência dos acordos MEC-USAID e das
determinações das Organizações da Nação Unida.
Na pesquisa realizada pela Soto (2012) cita que a partir de 1990 acentua-se o
debate sobre inclusão escolar devido os eventos internacionais. No ano de 2003, era do
Governo Lula, incorpora os discursos inclusivos internacionais e a universalização da
educação básica como condição de inclusão social. Assim, surgem duas linhas de atuação,
envolvendo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e a
Secretaria de Educação Especial. A primeira, voltada para perspectiva de inclusão
educacional, centrada na diversidade cultural, e, a segunda, com ênfase nos serviços
educacionais especializados. Ambas, começam a elaboração e desdobramento de
políticas públicas na área da educação especial voltado para expectativa da inclusão
escolar.
Neste ínterim temporal, o Ministério da Educação lança o Programa Educação
inclusiva: direito à diversidade, com intuito de modificar os espaços escolares,
disseminação da ideia de escola inclusiva e estratégia de multiplicação, como alternativas
à implementação dos programas e projetos, que foram influenciados pelos organismos
internacionais. O Programa desenvolveu-se através de municípios pólo e designou outros
para fazerem parte das áreas de abrangência. Destaca como limite, que os municípios
executores do Programa, tornaram-se os responsáveis pela implementação da política.
Contudo, não participa dos processos decisórios que envolvem a elaboração da proposta,
como: a escolha dos municípios de abrangência; as temáticas dos seminários; a definição
dos gastos dos recursos financeiros e outros.

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emancipação humana
Ainda no âmbito do Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade, o
estudo realizado por Soares (2012) discute a estratégia de multiplicação, concebida como
processo de não participação, apenas de reprodução, em que as tomadas de decisões são
em nível federal, sem consulta e que ignora as diversidades regionais, bem como, as
desigualdades sociais, econômicas e culturais. Também, dialoga com outros autores que
corroboram que este formato de programa advém como pacote homogêneo, com
características motivadas pelas diretrizes internacionais que influenciam a política
pública brasileira e desconexões nas discussões entre as regiões nacionais, para algumas
regiões eram consideradas relevantes, como o Norte e Nordeste, e outras tidas como
redundantes, para o Sul e Sudeste.
Para Santos (2015) a política de educação inclusiva é o resultado dos movimentos
mundiais e nacionais subsidiado na base legal dos direitos humanos. Os municípios
tiveram acesso aos princípios dessa política através do Programa Educação Inclusiva:
direito à Diversidade, como mecanismo de orientação do Ministério da Educação. No
caso, do município de Tucano na Bahia, o estudo despontou que a política de educação
inclusiva foi desencadeada pela adesão ao Programa, em 2005, e mesmo sem
regulamentação segue as orientações a nível federal. Em relação às propostas nacionais
vigente no município foi constatado que houve avanços, mesmo de modo tímido, na
formação de gestores e professores, na efetivação e continuidade da escolarização e do
atendimento educacional especializado, nas ações intersetorias, na acessibilidade e da
participação da família.
A pesquisa de Fagliari (2013) é voltada às diretrizes preconizadas pela Política
Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva e os demais
documentos orientadores e os ajustes ocorridos no município de São Bernardo do Campo,
em São Paulo. Primeiramente contextualiza a educação especial, que teve início em 1957,
e ao longo do percurso histórico foram criadas três escolas especiais (classes integradas),

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emancipação humana
três centros de apoio e oferecem os serviços de diagnóstico, de Escola de Arte-Educação,
Projeto Espaço Integrado e dispõe de equipe de orientação técnica. Mas, ainda continua
instituída a parceria público privada com escolas especiais para ofertar a escolarização e
os projetos destinados à profissionalização de jovens e adultos com deficiência.
Corrêa (2013) apresenta um estudo dos indicadores do Programa de Implantação
de Salas de Recursos Multifuncionais, no âmbito do Plano de Desenvolvimento da
Educação (2007-2010), do governo federal, como uma política prioritária de distribuição
de salas de recursos multifuncionais no país para a oferta do atendimento educacional
especializado. Apontou que a maior concessão de salas foi para as regiões Norte e
Nordeste, que evidenciam mais desigualdades sociais e de acesso à educação. Também,
revelou a contradição da política, devido à permanência do apoio da União às instituições
privada na oferta do atendimento às pessoas com deficiência e na distribuição de sala de
recursos multifuncionais.
A tese de Moreira (2016) pregoa que no governo Lula a política de educação
inclusiva foi constituído por programas e ações federais, destaca adesão dos programas,
Educação Inclusiva: Direito a Diversidade; Salas de Recursos Multifuncionais; Escola
Acessível, pela Secretaria Municipal de Educação, do município de São Luís, no período
de 2009 a 2012. Como resultado da articulação houve ações estratégicas, como a
capacitação de 220 Gestores e professores multiplicadores, a instalação de 40 salas de
recursos multifuncionais e adaptação para a acessibilidade. Também, ocorreram o
aumentou do número de matrículas na educação especial e de atendimento dos alunos
com deficiência. E defende que a política nacional de educação especial na perspectiva
da educação inclusiva promovida pelo governo federal foi determinante na organização
política, administrativa e pedagógica da rede municipal de ensino do município de São
Luís.

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emancipação humana
A educação especial está no bojo da competição por recursos, uma vez que
perpassa por diferentes etapas e modalidade, sobretudo, ainda permanece na disputa entre
o poder público e as entidades privadas, que pleiteiam e alcançam participação no fundo
público. Ressalta que durante o estudo houve impossibilidade de visualização dos valores
aplicados na educação especial pelo poder público municipal, em virtude da gestão
político financeira das verbas que são destinadas à educação, consecutivamente, não
favorece o acompanhamento, o controle social dos recursos públicos e ocasiona
dificuldade para realização de estudos sobre o financiamento da educação especial no
âmbito das esferas públicas no Brasil.
Borowsky (2013) diz que é histórico o descompromisso do Estado pela Educação
Especial e que o setor privado permanece de maneira mais atuante. Com advento da
inclusão escolar que defende a inserção dos alunos com deficiência no ensino comum e
atendimento especializado no contra turno, nas salas multifuncionais e centros, tornou
evidente atuação do Estado. A crítica lançada, que a inclusão escolar é tida como política
inovadora, mas, não rompe com raízes históricas, ou seja, a preocupação é a
regulamentação dos documentos e da definição de escola regular ou especial. Assim,
distancia do compromisso de pública.
O estudo também apresenta dados que demonstram a frequência de alunos com
deficiência em escolas públicas é mais barato ao cofre público do que na escola
conveniada, ainda nesta linha do valor reduzido, mais barato que na escola especial
pública. Estes cálculos financeiros servem como defesa pelo Estado na em prol da
inclusão escolar pública, mas, na correlação de forças permanece no jogo político, que
garante espaço ao privado, devido à concepção de educação especial, como prestadora de
serviços. Em suma, concluiu que no momento que o Estado deixa de investir na escola
pública e direciona o fundo público às instituições privadas e convênios, torna a escola
pública desacreditada.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
França (2013) investigou a ação do poder público no provimento de recursos à
educação especial no município de Vitória, no Estado do Espírito Santo, mediante
análises dos marcos legais que regulamentam a educação brasileira. Compreendeu que a
educação especial está articulada de maneira ampla com o financiamento da educação
brasileira, que envolve a presença da União, a descentralização do ensino, a
responsabilização dos entes federados e a correlação de forças no interior do Estado, que
resulta em contradições e marcas históricas que envolvem a educação como todo e as
políticas públicas e, consequentemente, na alocação dos recursos públicos às instituições
de ensino. Destaca que persistiram as dificuldades de interpretação da alocação dos
recursos da educação especial, em virtude dos termos específicos, da organização dos
dados e a necessidade de conhecimento na área de finanças públicas.
Sobrinho e Pantaleão (2013) mencionam que a política educacional de
atendimento praticada na jurisdição da Superintendência Regional de Educação de Barra
de São Francisco/ES, demonstra ausência do Estado e acabam por legitimar a atuação das
instituições especializadas privadas. Entretanto, os resultados evidenciaram o caráter
essencialmente clínico e assistencialista das instituições especializadas, oferecidos ainda
de maneira precária e ineficiente, restritos à atuação de fonoaudiólogos, fisioterapeutas e
psicólogos.
Nunes (2016) na sua tese analisa o processo de implementação da política de
educação especial para alunos com diagnóstico de deficiência múltipla, na região norte
do Estado do Espírito Santo. A partir dos dados mostra que os alunos com deficiência
múltipla em espaços escolares ainda são poucos e as barreiras sociais são marcantes
devido à limitação sensorial e frágil do corpo, e, o sistema capitalista acaba introjetando
nos alunos e na família a culpa e a responsabilidade pelos obstáculos.
Trindade (2015) inicialmente lança a relevância da iniciativa do governo federal
em garantir recursos para acessibilidade nas escolas públicas brasileiras, como exemplo,

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no Programa Escola Acessível. Contudo, observou contradições e limites, manifestada
nas implementações do programa, desde a fase inicial, no Ministério da Educação, o
aspecto intermediário, que são os gestores, por fim, a execução na escola. Ainda, houve
manifestação de ingerência dos recursos públicos, em virtude da disponibilização de
verba financeira, sem atentar plenamente à norma estabelecida, e posterior, a não
aceitação da utilização do recurso pela escola, devido ausência de elaboração de plano de
ação. Também, trouxe a tona à afirmação pelos gestores que os recursos são insuficientes.
Entretanto, ficou registrada a ausência de prioridade pela gestão da escola para elaboração
da proposta conforme as determinações do recebimento e uso da verba pública, bem
como, interesse em relação às questões relacionadas ao atendimento dos alunos com
deficiência.
A pesquisa de Marques (2015) sobre a política de educação especial e a
reestruturação de instituições especiais no Paraná a partir de 2013, teve como foco de
investigação os impactos que foram causados no financiamento e na estrutura
institucional. Os resultados mostraram que, cerca de oitenta por cento dos subsídios é de
caráter público, embora, ainda esteja presente o filantrópico assistencial. De tal modo,
permanece a relação entre o público e privado que envolve as instituições especiais no
estado do Paraná.
Já, a pesquisa de Salles (2013) analisa a política de implantação da escola de
educação básica na modalidade de educação especial no estado do Paraná, tendo como
foco quatro escolas jurisdicionadas aos Núcleos Regionais de Educação do município de
Curitiba e região metropolitana norte e sul. A política de educação especial trouxe
mudanças quanto aos aspectos administrativos, mas, em relação aos aspectos pedagógicos
ainda necessitam ser efetivados, como, a avaliação, o currículo e projeto político
pedagógico.

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E Fahd (2015) menciona que a partir das contribuições de Vygotski a vertente
médico pedagógica na educação especial ainda exerce forte influência na concretização
das atividades ofertadas. Na atualidade há uma coexistência da concepção de integração
com a de inclusão na efetivação do atendimento educacional especializado. Com estudo
confirmou que o pressuposto das reflexões de Vygotski, na obra Fundamentos da
Defectologia, oferece contribuições para análise da política e a proposta de atendimento
educacional especializado não está ocorrendo conforme o paradigma da inclusão
educacional.
A pesquisa de tese Borowsky (2016) analisou a trajetória das políticas de educação
especial, no Brasil, no período 2003-2014, percebeu contradições, limites e avanços nas
concepções de inclusão escolar. Destacam-se três principais contradições, como: a
ampliação do direito de forma precária, pois as pessoas com deficiência passaram a ter
acesso à escola pública sem a modificação estrutural e pedagógica e com redução do
tempo de atendimento especialização; o aumento das vagas às pessoas com deficiência
nas escolas públicas, entretanto, o financiamento público ainda destinado às instituições
privadas, através de convênios de prestação de serviço de atendimento educacional
especializado ou compra de vagas em escolas especiais exclusivas. A política garante a
acessibilidade física e tecnológica através das salas de recursos multifuncionais, mas, não
promove a garantia de currículo adaptado, capacitação de profissionais, nem a redução
de alunos por turma do ensino comum. Fica evidenciado a inclusão escolar manifestada
nas políticas públicas de educação especial não considera a origem da exclusão, volta-se
apenas à matrícula no ensino comum.
Oliveira (2016) no seu estudo teve como objetivo compreender a direção tomada
pela Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva no estado do Espírito Santo,
a partir da mudança orçamentária da forma de financiamento das instituições
especializadas, no período de 2012 a 2015. Como resultados mostrou que a aquisição

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
através da terceirização dos serviços de atendimento educacional especializado pelo
estado do Espírito Santo proporcionou aumento nos repasses de recursos públicos às
Instituições Especializadas, em decorrência, os recursos investidos na escola pública
estadual foram menores.

Considerações iniciais
A partir dos resultados das pesquisas ficaram notórias as contradições, as quais
estão permeadas desde a ampliação das matrículas às pessoas com deficiência nas escolas
públicas, a ilusória concepção de educação inclusiva e, sobretudo, pelo financiamento
público da educação especial destinado às instituições privadas. A correlação de forças
entre público e privado que constituem as políticas públicas de educação especial. Se há
oferta do atendimento educacional especializado e escolarizações públicas ocorrem
devido à conquista de direito alcançada pelo o movimento de luta dos grupos sociais.
Contudo, ainda permanece omissão do Estado, a transferência de recursos financeiros
para instituições privadas e a insuficiência de verbas públicas para demanda da educação
especial.
A discussão que envolve a educação especial e a perspectiva inclusiva é um campo
de conflito e que necessita de debate sobre a política de Estado para a educação. E os
estudos apontaram a necessidade da continuidade da problematização que envolvem os
recursos financeiros da educação especial, uma vez que as vozes emergidas continuarão
exigindo prioridade dos investimentos do fundo nas escolas públicas.

Referências

BOROWSKY, Fabíola. Contradições das Políticas de Educação Especial no Brasil


(2003-2014) na perspectiva da inclusão. Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFRGS, como exigência parcial
para a conclusão do Curso de Doutorado em Educação. Porto Alegre, 2016.

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Autoras:

Mírian Rosa Pereira


PPGED/UFPA
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação/UFPA
e-mail: mirian-pereira@hotmail.com
Maria Edilene da Silva Ribeiro
Professora Doutora do Programa de Pós Graduação em Educação/UFPA
e-mail: mariaedileneribeiro@yahoo.com.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
EDUCAÇÃO, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A
FORMAÇÃO HUMANA: REFLEXÕES A PARTIR DA
PEDAGOGIA HISTÓRICO- CRÍTICA E DA PSICOLOGIA
HISTÓRICO-CULTURAL
Gabriela de Conto Bett

Introdução
As reflexões aqui apresentadas são fruto do cotidiano de trabalho como Psicóloga
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – TJ/PR, bem como de pesquisa de mestrado
realizada no ano de 2017, e se propõe a problematizar o aparato legal do Estado frente à
produção do fracasso escolar e a formação humana no sistema capitalista. Tais reflexões
têm como base os pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia Histórico-
Cultural, as quais se amparam no Materialismo Histórico e Dialético.
A legislação brasileira voltada a crianças e adolescentes - Estatuto da Criança e
do Adolescente/ECA (Lei Federal nº 8.069/90), lança mão de estratégias diretamente
relacionadas à educação, com vistas, ao menos na letra da lei, à superação da violação de
direitos de crianças e de adolescentes, como é o caso da evasão escolar. Essa, por sua vez,
faz parte do rol de situações complexas que determinam a produção do fracasso escolar
em nossa realidade. Produção essa que não tem sido compreendida como um processo,
mas como um fim em si mesmo, desvinculado do todo social, motivo pelo qual muitos
entraves têm sido vivenciados pelos profissionais do Sistema de Garantia de Direitos da
Criança e do Adolescente – SGD, dentre os quais encontram-se Conselho Tutelar,
Ministério Púbico, Poder Judiciário e Políticas Sociais como a de Educação, Saúde,
Assistência Social, entre outras menos aparentes quando se trata de crianças e de
adolescentes. Dentre os entraves mencionados, podemos citar, como mais expressivos, a
evasão escolar, a repetência e a baixa frequência, além de outros comumente observados

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
no cotidiano e que tem recebido o nome de queixas escolares, as quais se apresentam aos
órgãos do SGD, no intuito de que se aplique a lei que visa a garantia do direito à educação.
Ainda assim, a letra da lei parece não estar garantindo o acesso e a permanência de
crianças e adolescentes nas escolas, mesmo contando com mecanismos como a
responsabilização de pais ou responsáveis. Isso é algo que deve nos levar à reflexão na
busca de respostas a questionamentos como: qual a função social da educação? A
educação que temos tem possibilitado o desenvolvimento e a formação humana? Por que
a legislação não está conseguindo garantir a educação?.
Nosso interesse é desenvolver reflexões na direção de algumas respostas a essas
perguntas, de modo a nos possibilitar pensar sobre uma educação que, de fato, propicie a
formação humana, nos termos da apropriação cultural daquilo que de mais elevado a
humanidade produziu no decorrer da história e que permite ao homem humanizar-se por
meio do desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores.

Fundamentação teórica
A história da educação como um direito social no Brasil é a história de como o
desenvolvimento produtivo e a luta de classes se expressaram em nosso país. Como bem
discutido por Ponce (1990), desde o período antigo a educação era inicialmente negada a
quase todas as classes menos favorecidas. Porém, transformações econômicas fizeram
com que cada vez mais as massas tivessem acesso à educação conveniente para cada
período histórico, de acordo com as necessidades de produção material.
Da mesma forma ocorreu no Brasil, de modo que o estudo da história da educação,
e dessa como um direito, se torna inseparável da luta de classes. A Escola pública
universal e gratuita é produto das exigências da sociedade industrial que cria a
necessidade de fornecer conhecimentos, seja pelos propósitos de produção ou de consumo

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emancipação humana
que essa produção acarreta na medida em que exige a eliminação do analfabetismo e um
mínimo de qualificação para o trabalho. (ROMANELLI, 1986).
Neste sentido, faz-se mister considerarmos o Estado moderno no que tange à
garantia de direitos de uma sociedade. De acordo com a tradição marxista, o Estado
expressa uma sociedade civil constituída por classes com conflitos e antagonismos. A
sociedade civil é o espaço em que se manifesta a organização e a representação dos
interesses dos diferentes grupos sociais; é um espaço de confronto de projetos societários.
No Brasil, desde o período colonial podem ser vistas determinadas formas de
educação para determinadas classes e o posicionamento do Estado quanto à garantia da
educação. (ROMANELLI, 1986). A educação assume, a partir da década de 1920, uma
função social muito clara de formação de mão-de-obra dos trabalhadores (ROMANELLI,
1986; NAGLE, 1974), sendo que desde a década de 1930, em decorrência do
desenvolvimento do modo de produção capitalista no país, já era defendida por alguns
juristas como direito público subjetivo.
Contudo, é apenas com a Constituição Federal de 1988 que a educação passa a ser
um direito social garantido pelo Estado universalmente. Este reconhecimento positivado,
dentro de um Estado Democrático de Direito, tem atrás de si um longo caminho
percorrido. Da instrução própria das primeiras letras no Império, reservada apenas aos
cidadãos, chegamos ao direito público subjetivo (CURY, 2000), e às atuais legislações
que intentam garantir a efetivação de tal direito, como é o caso do ECA e da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – LDB. (BRASIL, 1990; BRASIL, 1996).
Associando-se LDB e ECA, o ensino fundamental se torna obrigatório e gratuito,
inclusive para os que a ele não tiveram acesso em idade própria; estende-se a
obrigatoriedade ao ensino médio; garante-se atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência; assegura-se o atendimento em creches e escolas a crianças de

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0 a 6 anos; assegura-se o acesso aos níveis mais elevados do ensino. Tudo isso como um
dever do Estado - art. 54 do ECA. (BRASIL, 1990; BRASIL, 1996).
Todavia, estudos sobre o fracasso escolar têm apontado para a não efetivação do
direito à educação, devido aos índices expressivos de evasão escolar e de repetência.
(FACCI, MEIRA & TULESKI, 2012; FORGIARINI & SILVA, 2007; LEONARDO,
LEAL & ROSSATO, 2012). A divisão da sociedade em classes parece evidente, seja na
educação ou na seara do direito da criança e do adolescente, haja vista que a parcela da
população atendida pelos conselhos tutelares e Poder Judiciário nas Varas de Infância e
Juventude é, quase que invariavelmente, aquela proveniente da classe pobre, denunciando
o quanto a população pobre tem sido aviltada do acesso à educação, bem como tem sido
responsabilizada pelo insucesso escolar.
Isso fica ainda mais evidente na história das políticas sociais, da legislação e da
assistência à infância no Brasil, que é marcada por ações excludentes voltadas, em
especial, à infância pobre marginalizada no país. Tal história, como demonstrado por
Rizzini & Pilotti (2009), guarda íntima relação com a política econômica, que
determinava (e ainda determina), o lugar social daqueles que não se enquadram às
relações de trabalho do mundo capitalista.
Esse movimento é expressão do ideário liberal, que se constitui como alicerce da
ciência moderna, mormente pautada em métodos a-históricos, lineares e idealistas. Como
discutido por Libâneo (1992), a educação brasileira tem sido marcada pelas tendências
liberais, as quais se manifestam nas práticas sociais e no ideário pedagógico, a partir da
idéia de que a função da escola é preparar os indivíduos para o desempenho de papéis
sociais de acordo com aptidões individuais.
Um resgate histórico permite a compreensão de que as teorias tradicionalmente
utilizadas no campo da Educação e da Psicologia convergiam com as perspectivas liberal
e inatistas, a partir das quais a educação brasileira foi pensada e planejada. (LIBÂNEO,

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emancipação humana
1992; PATTO, 1993; ANGELUCCI et.al., 2004). Tais perspectivas, contudo, acabam por
esconder a realidade das diferenças de classes na medida em que difundem a ideia de
igualdade de oportunidades sem levar em conta a desigualdade de condições. (LIBÂNEO,
1992)
Neste cenário, a legislação voltada para a infância e juventude, até a promulgação
do ECA, mesclava ações higienistas e repressoras, o que ocorre mesmo após o ECA. A
leitura sobre a família como violadora de direitos e única responsável pelo fracasso
escolar ainda prevalece e justifica o encaminhamento de crianças/adolescentes ao
Conselho Tutelar, Ministério Público e ao juízo da infância e juventude para que se
tomem as “providências necessárias”.
Todavia, em uma leitura crítica, Leonardo, Leal e Rossato (2012), afirmam que os
índices de evasão e repetência configuram uma situação de exclusão e seletividade, apesar
da tendência à democratização do acesso à escola com o aumento no número de vagas.
Diante disso, refletimos sobre o limite da responsabilização do aluno e de seus familiares.
Entendemos que há situações que merecem intervenção da justiça devido às más
condições a que são expostas crianças e adolescentes por seus responsáveis. Porém,
também sabemos que as más condições são expressões particulares de uma totalidade que
tem como pano de fundo a desigualdade. Desta forma, até que ponto os mecanismos
legais respondem às demandas reais dos sujeitos?
Para respondermos a esse questionamento, é necessário considerar a função social
da educação e suas contradições, seja como mediadora do processo de humanização do
homem, ao possibilitar a apropriação dos níveis mais elevados de conhecimento
construídos na história da humanidade, ou como instrumento de manutenção das relações
sociais de dominação, na medida em que cumpre com ordenamentos de classes – um tipo
de educação para a classe dominante e outra para a classe trabalhadora.

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emancipação humana
Acerca do processo de humanização, nos pautamos em Vygotsky (1930), que
aponta que a historicidade demonstra uma importante superação das leis biológicas que
determinavam o desenvolvimento humano, sendo que o desenvolvimento material é base
para o desenvolvimento mental e da personalidade do homem. A constituição psíquica
dos indivíduos é, pois, dependente do grau de desenvolvimento das forças produtivas e
da estrutura do grupo social ao qual o indivíduo pertence.
A história social da humanidade abre espaço às determinações culturais, fruto da
transmissão às gerações seguintes das aquisições da evolução até então realizadas pela
atividade criadora e produtiva. “[...] É antes de mais nada o caso da atividade humana
fundamental: o trabalho.". (LEONTIEV, 1978, p.264). O homem se apropria da cultura,
por isso, podemos dizer que “[...] cada indivíduo aprende a ser um homem”. (LEONTIEV,
1978, p.267). Nesta perspectiva, o processo de apropriação não pode ser realizado sem a
comunicação entre os homens e é a partir da educação que se permite o desenvolvimento
do homem na sociedade.
Porém, a divisão social direciona o desenvolvimento de certas capacidades nas
diferentes classes. Com a divisão do trabalho o desenvolvimento intelectual foi permitido
à classe à qual se atribuía a exclusiva necessidade desse tipo de desenvolvimento, tendo
como consequência a degeneração do desenvolvimento psíquico humano. (VYGOTSKY,
1930). Neste sentido, a formação e a transformação do homem só poderiam ocorrer com
a destruição das formas capitalistas de organização e reprodução das formas de vida social
e espiritual; da mudança na valorização entre trabalho intelectual e trabalho braçal/físico;
e da mudança nas próprias relações sociais entre as pessoas. (VYGOTSKY, 1930).
A escola assume papel central na transformação do homem, na medida em que a
educação teria a capacidade de instruir o desenvolvimento da habilidade de unificação do
trabalho manual e intelectual, da teoria e da prática, além de possibilitar a compreensão
da interdependência dos fenômenos. A escola tem como especificidade a socialização do

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
conhecimento pelas vias da comunicação entre pessoas “livres em graus diferentes de
maturação humana”. (SAVIANI & DUARTE, 2012, p.14), expressando-se como
promoção do homem.
Todavia, como afirma Duarte (2012), a educação também deve ser pensada numa
perspectiva ontológica, a qual revela que se trata de uma estrutura também marcada pelas
contradições do capitalismo. Neste sentido, a educação pode, no interior de sua
complexidade, concretizar, tanto a possibilidade de alterar a ordem social, “como pode
objetivar apenas uma prática otimizadora da economia, tomada, à moda burguesa, de
modo independente das relações sociais”. (NAGEL, 2011, p.100). O fato de a escola
nascer das necessidades de reprodução da sociedade de classes faz com que sua
contradição fundamental esteja tanto no limite como na possibilidade de propiciar o
desenvolvimento da consciência.
Ainda assim, em defesa de uma educação para a emancipação, Saviani (1984),
aponta a educação como instrumento de luta a partir dos interesses populares. Trata-se do
estabelecimento de uma nova relação que permita constituir um novo bloco histórico sob
a direção do proletariado que necessita para tal, de elevação cultural, o que se dá por meio
da educação. (SAVIANI, 1984). Com isso, poderia a educação se tornar revolucionária,
pois “sem a consciência de classe não existe organização e sem organização não é
possível a transformação revolucionária da sociedade”. (SAVIANI, 1984, p.13).
Neste sentido, em concordância com Shima Barroco e Souza (2012), defendemos
que
[...] as queixas escolares devam ser vistas para além de suas aparências
e que o essencial na escola é o ensino de conteúdos não cotidianos
(advindos das ciências, das artes, da filosofia), pois eles contribuem
para a formação do homem cultural no aluno, com o desenvolvimento
(artificial) de processos psicológicos superiores que lhe são próprios.
Tais conteúdos permitem-lhe estar no mundo, desvendando-o pelo
conhecimento de suas leis. (SHIMA BARROCO & SOUZA, 2012, p.
122).

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emancipação humana
Como expressão das contradições da própria educação, vemos o processo de
exclusão que não possibilita a formação humana pelas vias da culpabilização única e
exclusiva dos alunos e seus familiares pelo referido fracasso.

Considerações finais
Ao longo deste trabalho questionamos o papel da educação e sua finalidade, assim
como o direito à educação e a produção do fracasso escolar que chega ao SGD sob a
forma de queixa escolar. Da mesma forma, questionamos o papel da legislação neste
processo, a partir da história da educação brasileira e do Direito da Criança e do
Adolescente, que demonstra concepções excludentes como norteadoras das práticas
educacionais e de assistência à infância.
As teorias que se entrelaçaram no decorrer da histórica da Psicologia e da
Educação no país, pautadas nas diferenças individuais, sustentaram, e ainda sustentam,
uma concepção de escola como um lugar hegemônico em que cada um encontraria as
condições ideais para se desenvolver. Todavia, entendemos que encontrar, na lei e
naqueles que operam o Direito, a resolução das queixas escolares é uma abstração
reducionista do todo social que delineia os processos de ensino-aprendizagem.
Quando questionamos o papel da justiça diante da queixa escolar, entendemos sua
própria contradição. É criada para resolver os conflitos da luta de classes, mas
privilegiando a classe dominante. E não pode resolver o conflito mesmo que a criou, haja
vista que não pode resolver a desigualdade inerente ao modo de produção capitalista.
Quando crianças e suas famílias são culpabilizadas pelo fracasso escolar ocorre a
individualização do fracasso com buscas a encaminhamentos que não questionam o
sistema educacional, tampouco as condições de vida da população, mantendo assim,
práticas excludentes as quais, ao invés de possibilitarem o processo de formação humana

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pelas vias da educação, acabam por estancá-lo por meio de técnicas de contenção e de
responsabilização do próprio aluno e de suas famílias pelo fracasso escolar.
A letra da lei, desvinculada do todo social, exige reflexões sobre soluções mais
eficazes para a garantia do direito à educação, as quais, por sua vez, exigem a
compreensão da escola como expressão de uma sociedade desigual. Em síntese,
entendemos que à população pobre continua sendo negado o acesso aos bens intelectuais
produzidos na história da humanidade, e não se permite que todos desenvolvam suas
capacidades intelectuais, as funções psicológicas superiores e acessem o mais alto nível
do desenvolvimento do processo de humanização do homem.

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SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica.São Paulo: Cortez


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ISBN: 978-85-7392-161-5 – Volume 6


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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SAVIANI, D; DUARTE, N.(orgs.). Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na
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Varnisto, 1930. Tradução Marxists Internet Archive, english version, NilsonDória, julho
2004. Disponível em: http//:www.marxistts.org/. Accesso em fevereiro de 2017.

Autora:

Gabriela de Conto Bett


Universidade Estadual de Maringá - UEM
gabicbett@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
RESISTÊNCIA DOS ESTUDANTES ÀS POLÍTICAS
NEOLIBERAIS E DE EDUCAÇÃO DO GOVERNO DE GOIÁS
Erlando da Silva Rêses
Weslei Garcia de Paulo

Introdução
O presente trabalho apresenta uma análise de como o Governo de Marconi Perillo
do PSDB vem tomando uma série de medidas neoliberais que prejudicam toda a classe
trabalhadora, e, especialmente, no tocante à educação pública estadual. A partir de fatos
ocorridos em Goiânia e regiões metropolitanas, como as ocupações de secundaristas em
escolas públicas e na resistência dos trabalhadores organizados pelo Sindicato dos
Trabalhadores Urbanitários de Goiás (STIUEG) contra as privatizações que vem
atingindo a Companhia de Energia Elétrica de Goiás (CELG) e Saneamento de Goiás
(SANEAGO); buscamos elucidar como se caracteriza tão latente a luta de classes no
Estado. Na educação, o governo tucano tentou implementar as parcerias públicos-
privadas nas Organizações Sociais nos mesmos moldes como já ocorrem na saúde
pública. A tentativa da medida gerou nova resistência estudantil e só parou a partir de um
embargo jurídico promovido pelo Promotoria de Justiça do Estado. Não obstante a isso,
o mandatário do Palácio das Esmeraldas programou, sob a égide da manutenção da ordem
e repressão disciplinarizadora, a chamada militarização do ensino. Tal fato é,
efetivamente, a entrega da administração das escolas ao comando da Polícia Militar de
Goiás. A gestão democrática não é respeitada, uma vez que a direção da escola antes
eleita pela comunidade é substituída por um Coronel da Polícia Militar. Não existem
mudanças no sentido de melhorias pedagógicas, ao contrário, disciplinas como Civismo
e Educação Física Militar são introduzidos na grade curricular. Os estudantes passam a
usar fardas, alamares e precisam bater continência aos “superiores” e respeito a bandeira.
Para refletir sobre essa situação, realizamos pesquisa bibliográfica e documental para

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
destacar a resistência operada pelos estudantes, com o uso do arcabouço teórico-
metodológico de Paulo Freire, acompanhado das categorias do Materialismo Histórico
Dialético. A luta de classe está presente também no ensino e educação.

Avanço das medidas de privatização e precarização da educação pública


O movimento estudantil em Goiás tomou força a partir da luta nacional
encampada pelos estudantes pelo reajuste das tarifas de ônibus e a implementação do
Passe Livre Estudantil. Em meados de 2013, centenas de estudantes secundaristas e
universitários ocuparam o coreto e os espaços da Praça Cívica, em Goiânia, pelo
Movimento Nacional pelo Reajuste das tarifas.
O período marcava a discussão das PECs 33 e 37, que apresentava controle do
Congresso Nacional sobre o STF e retirava poderes do Ministério Público. Outra forte
motivação para as manifestações foi desvios na condução do evento esportivo Copa do
Mundo, que ocorreria no ano subsequente. Um ato no Centro de Goiânia tomou a BR –
153 e levaram estudantes, professores, pais e populares a protestarem contra as medidas
e lutarem contra a corrupção, a partir do evento esportivo.
Em 2016, Goiânia voltou a se tornar palco de inúmeras manifestações em protesto
à famigerada Copa da FIFA. O governo de Marconi Perillo (PSDB-GO) combateu com
repressão as ações estudantis e utilizou com uso de violência policial o que chamou de
“restabelecimento” da ordem.
Como concepção de governo, Marconi também tentou terceirizar o ensino
estadual com as Organizações Sociais (OSs). A medida já havia sido tomada na saúde
pública anos antes, com vários hospitais da rede estadual administradas pelas
Organizações Sociais. Um modelo foi no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO). Na
educação, o governo, por meio da SEDUCE (Secretaria de Educação do Estado de Goiás)

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
encaminhou chamamento de abertura de edital para concorrência de OSs para
administrarem a educação estadual.
A medida gerou protestos e culminaram em centenas de atos promovidos por
secundaristas, professores e pais, contrários a decisão e exigindo a imediata suspensão do
chamamento e do edital. O movimento tomou força e o Ministério Público do Estado de
Goiás, por meio de seu representante promotor Fernando Krebs, pediu a suspensão da
medida.
A implementação das OSs representa a precarização do ensino e atende a ótica
capitalista do lucro e da exploração dualista do ensino, atendendo ao mercado e as
políticas neoliberais.
Os manifestantes em Goiânia iniciaram uma série de ocupações em dezenas de
escolas por todo o Estado. Dentre elas, destaca-se o Colégio Estadual Robinho Martins
de Azevedo no Setor Jardim Nova Esperança. Os jovens ocuparam as ruas e promoveram
protestos. Sendo novamente reprimido com uso de abuso de força policial e extrema
violência. As ocupações às escolas estaduais se intensificaram para outras cidades
goianas. Foram 11 na capital, nove na cidade de Anápolis, além de Cidade de Goiás,
Aparecida e São Luis de Montes Claros.
Outro processo de privatização e atendimento às políticas neoliberais em Goiás
acontece com as estatais CELG (energia elétrica) e SANEAGO (água). Trabalhadores
Urbanitários de Goiânia e do Estado concentrados no sindicato da categoria, Sindicato
dos Trabalhadores Urbanitários de Goiás, STIUEG, uma sucessão de atos, manifestações
e greves contra as medidas do governo neoliberal goiano de terceirizar as empresas
estatais.
A Companhia de Saneamento de Goiás, SANEAGO, sofreu um processo de
terceirização conhecido como subdelegações. Com isso, por edital, foi criado um
consórcio Centro-Oeste onde empresas como Odebrecht e CCB passam a administrar os

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emancipação humana
serviços da estatal. A medida foi implantada em quatro municípios goianos. Além de
Aparecida de Goiânia, cidades como Trindade, Jataí e Rio Verde foram vítimas das
subdelegações. Já a Companhia Energética de Goiás, CELG, sofreu um duro golpe.
A estatal foi vendida para a italiana ENEL, no início de 2017, por mais de dois
bilhões. A ação, iniciada ainda em meados de 2016, foi alvo de protestos e várias
mobilizações dos trabalhadores organizados pelo sindicato e populares contrários ao
processo de privatizações e terceirizações do Governo de Goiás.
Em 2015 o governo estadual implantou o processo de militarização do ensino,
passando o controle das escolas públicas estaduais para a Polícia Militar. A ação foi
iniciada em poucas unidades na capital e em Valparaíso de Goiás e já soma 35 unidades
em todo o Estado. A secretária de Educação, professora Raquel Teixeira, justificou a
militarização pelo alto índice de violência presente nas escolas nos últimos anos,
especialmente, no Colégio Estadual Fernando Pessoa em Valparaíso, onde até mesmo
uma professora teria sofrido um sequestro relâmpago. A intervenção militar na rede
estadual de ensino não visa melhorias no campo pedagógico e educacional. O processo
centra-se exclusivamente na disciplina e no controle social. O currículo foi mantido, mas
foram adicionadas disciplinas como civismo e cidadania. Os estudantes passaram a usar
fardas e a obrigatoriedade de prestar continência e praticar ações do respeito às bandeiras
como os hinos nacionais e da bandeira. A Educação Física foi reestruturada e passou a
ser moldada a partir da Educação Física militar com exercícios rígidos. As turmas são
monitoradas diariamente por inspetores e chefes de salas que punem quaisquer “deslizes”
nas concepções militares. São proibidos gírias e adereços estéticos, como brincos. O corte
de cabelo masculino é o militar e as mulheres obrigadas a prenderem seus cabelos.

Militarização da educação e repressão do governo

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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O processo de militarização no ensino da rede pública estadual enfrentou muita
resistência por parte dos estudantes que ocuparam inúmeras escolas, tentando impedir a
ação. O governo reagiu com truculência, chegando ao ponto de mandar cortar água e
energia das escolas ocupadas.
O processo de militarização das escolas goianas envolve uma educação
disciplinadora e controladora a serviço da docilidade do comportamento humano. As
escolas “pólos” estão localizadas em municípios e bairros (caso de Goiânia e grandes
cidades) periféricos formados por uma população de pessoas marginalizadas, onde o
índice de violência é alto.
O conceito de controle social nasce junto com a Sociologia como ciência. Trata-
se de mecanismos de intervenção de uma sociedade ou grupo social, utilizados para que
os indivíduos se comportem de maneira desejável, de acordo com as regras sociais. Por
meio de recursos materiais e simbólicos aqueles que governam sobre o grupo controlado
influenciam o modo de pensar e de ser, como valores e crenças dos indivíduos, com o
objetivo de manter determinado ordenamento social.
Nesse viés, afirmamos que existem dois tipos de controle, a saber: o formal e o
informal. O primeiro diz respeito às leis e regras institucionalizadas, já o controle informal
corresponde às normas de conduta social que são reconhecidas e compartilhadas em uma
sociedade, como por exemplo, crenças, costumes, valores etc.
Aqui surge a presença da polícia. O não cumprimento de regras e leis pode resultar
no aprisionamento do sujeito e demais atos punitivos. A polícia ganha, sob tutela do
Estado, o poder para garantir que as ações dos indivíduos não extrapolem as normas.
A repressão é essencial para que se exista o controle do Estado. O Estado, de modo
simbólico, por meio da televisão, escola e etc, transmitiriam os pensamentos e desejos de
uma classe dominante, com o objetivo de manter o status quo estabelecido, como nos
elucida Althusser, em “Aparelhos Ideológicos do Estado”. O Aparelho Repressivo de

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emancipação humana
Estado funciona por meio da violência e compreende “o Governo”, a Administração, o
Exército, a Polícia, os Tribunais, as Prisões, etc, para garantir a reprodução das relações
de exploração no Estado capitalista e, também, para garantir as condições políticas do
funcionamento dos Aparelhos Ideológicos de Estado.
Assim fica evidenciado o caráter governamental da medida tomada na
militarização das escolas públicas. A polícia militar passou a gerir todo o funcionamento
administrativo e pedagógico das escolas no intuito unicamente de disciplinar e adotar
rigidez com os sujeitos para serem “dóceis” e subordinados a uma ideologia de dominação
social.
O governo de Goiás implantou sua forma de controle social, sendo, portanto, um
processo de construção de uma consciência guiada pelas regras e normas de uma
sociedade. Essas formas de controle exercem força sobre a nossa individualidade, de
forma que quase sempre delimitamos nossas ações de acordo com o que aprendemos
enquanto certo ou errado.
Os estudantes de escolas públicas do Estado de Goiás e do Entorno do Distrito
Federal, como Valparaíso de Goiás e Novo Gama, como público alvo do processo de
militarização do ensino, são formados por famílias de baixa renda, baixa escolaridade e
alto índice de desemprego, sendo marginalizados pela escassez de oportunidades e
convivendo em salas de aulas lotadas em estruturas físicas precárias com recursos
irrisórios.
Os últimos dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas,
IBGE de 2010, mostram que em Valparaíso de Goiás, com uma população de 132.982
pessoas, a média salarial dos trabalhadores formais não passa de dois salários mínimos.
O Índice de Desenvolvimento Humano, IDH, é de 0,746. Enquanto que no município de
Novo Gama com uma população de 95.018 pessoas, a média salarial dos trabalhadores
formais também não passa de dois salários mínimos com um IDH de 0,684 (Brasil, 2010).

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Em ambos os municípios, os mesmos dados do IBGE demonstraram que, apesar
da alta escolarização de alunos entre seis e 14 anos (96,8% em Valparaíso de Goiás e
95,7% em Novo Gama), o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) é de
4,6 para os anos iniciais e 3,8 para os anos finais em Novo Gama. Já em Valparaíso o
IDEB é de 4,9 para os anos iniciais e 4,1 para os anos finais (Brasil, 2010).
Esses estudantes convivem com alto índice de violência, resultado direto de
omissão por parte dos governos estadual e municipal na adoção de em políticas públicas
para o esporte, a cultura e o entretenimento.
Uma triste realidade que, fatalmente, resulta em terríveis lacunas de aprendizagem
desde a alfabetização. Para, além disso, sofrem com a distorção idade – série e a ausência
de políticas públicas educacionais que visam não apenas resultados avaliativos finais,
mas, sobretudo, êxito no processo ensino-aprendizagem.
A militarização de escolas estaduais visa promover uma “cura” social para banir
a criminalidade. Existe aqui uma total inversão de valores, em que a vítima sendo o
estudante excluído e marginalizado passa a ser tratado como potencial criador do caos e
desordem, precisando de intervenção repressora para tornar-se “socialmente aceitável”.
Segundo Veiga-Neto (2004), as seleções de conteúdos e propostas curriculares
constroem identidades e subjetividades, por meio de conceitos e discursos legitimados na
esfera do poder. Logo, é também por meio dos conteúdos e propostas contidas no
processo de militarização como “bater continência”, horários rígidos, usa de fardas e
exercícios exaustivos, que estarão legitimando o controle social sobre os estudantes, e
logo sobre toda comunidade, onde está inserida a escola militarizada.

Análise a partir da perspectiva marxista da educação


A educação precisa ser um espaço dialético de debate e que permita a relação
histórico-social do sujeito com o meio externo. Para tanto, crianças e jovens precisam ter

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emancipação humana
acesso à expressão educacional dessa possibilidade, sem preconceitos e livres de
dogmatismos impostos por esse instrumento ao longo dos anos.
Para Freire (1996 e 1992) e Romão (2002), a descentralização da produção do
conhecimento da figura do professor, do estímulo à tomada de autonomia e da
conscientização mútua devem ser pautadas no diálogo e não na disciplina e imposição de
conhecimento selecionado e elitizado no intuito apenas de fortalecer a dominação social.
Segundo Freire (2002), a dialogicidade é a essência da educação como espaço
para liberdade. Quando tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano,
se nos revela algo que já poderemos dizer se ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos
a palavra, na análise do diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos
impõe buscar, também seus elementos constitutivos.
Esta busca nos leva a duas dimensões: ação e reflexão, de tal formas solidárias,
em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em partes, uma delas, se ressente,
imediatamente a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí dizer que essa
práxis, palavra verdadeira, seja transformar o mundo.
Para esta concepção como prática da liberdade, Freire (2002) enaltece que sua
dialogicidade comece não quando educador-educando se encontra em uma visão
pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com
estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do
conteúdo programático da educação.
Para o educador-educando, diálogo, problematizador, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição _ um conjunto de informes a ser
depositados nos educandos _, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada
ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A utilização da força e coerção como forma de se conseguir disciplina por meio
de militarização não condiz com aspectos educacionais que visam a verdadeira
transformação social.
Marx e Engels (2011) não escreveram direcionado ao ensino e educação
propriamente dito. Não houve um campo específico destinado a pedagogia, todavia,
podemos encontrar no bojo de toda sua obra muito que contribui para entendermos o que
ambos pensaram para educação. Para eles, a educação é a instituição que busca a
libertação do homem, sua emancipação, a partir da conquista da consciência.
Para Marx e Engels, o Estado de classe estava intimamente ligado ao ensino da
classe. Educação enquanto instrumento ideológico hegemônico de dominação da classe.
Os autores criticam a divisão do trabalho na sociedade de classes e, por conseguinte, a
incidência dela na educação.
Na sociedade capitalista, a ciência e o conhecimento passam a ser propriedade do
capital. O ensino torna-se mecanizado e fragmentado, como numa a força de trabalho
numa fábrica. A militarização segue a mesma perspectiva.

Considerações finais
Os movimentos de resistências ao modelo capitalista de gestão governamental em
Goiás seguem um princípio de confrontação e de inquietação popular as repressões e
perseguições que toda classe trabalhadora tem sofrido ao longo dos anos. Esses
movimentos estão amparados ao que preconiza e resguarda a Constituição Federal de
1988, e serve como sustentação para a realização das transformações sociais.
A tentativa de criminalização aos movimentos de resistência em Goiás por meio
de corte de água e energia e uso arbitrário de violência por parte da polícia elucida
claramente uma ação na contramão do respeito à democracia por parte do governo
estadual. Os jovens que ocuparam as escolas foram estigmatizados e rotulados como

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“invasores” e baderneiros, numa espúria tentativa reverter, junto à população, a
manutenção da “ordem’”. O que ocorre no estado de Goiás não são fatos isolados, mas
reproduções do momento político atual que vive a nação. A partir de um golpe
institucionalizado, as, esferas do poder tripartido estão assoladas em corrupção e na
colocação de um estado de iminente caos social. A direita neoliberal e conservadora tem
promovido ações que reprimem e retiram direitos, justificando terceirizações e
privatizações.
Medidas como a Reforma do Ensino Médio, que fragilizou disciplinas importantes
como Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física; a Reforma Trabalhista que fragiliza
os sindicatos e autoriza precarização nas relações de trabalho; a Reforma da Previdência,
que obriga trabalhadores a contribuírem quase meio século para garantir aposentadorias
e a Emenda Constitucional 95, que limita gastos públicos por 20 anos e que permite a
terceirização, são exemplos de medidas governamentais que fazem eclodir em todo o país
movimentos de resistências e lutas de setores organizados da sociedade como estudantes,
sindicatos, movimentos sociais e outros.
Assim insere-se a investida da militarização das escolas estaduais em Goiás. Algo
nocivo às práticas pedagógicas e que fere diretamente o papel constitucional e social de
ambas as instituições: escola e polícia. Além disso, alimenta a referência do que foi a
Ditadura Militar no Brasil.

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Autores:

Erlando da Silva Rêses


Universidade de Brasília – UnB
Faculdade de Educação – Campus Darcy Ribeiro
e-mail: erlando@unb.br
Weslei Garcia de Paulo
Universidade de Brasília – UnB
Faculdade de Educação – Campus Darcy Ribeiro
e-mail: professorweslei50@gmail.com

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
FORMAÇÃO PROFISSIONAL E ESCOLA UNITÁRIA EM
GRAMSCI
Jarbas Mauricio Gomes
Introdução
O presente texto explora as notas dos Cadernos do Cárcere com o objetivo de
mapear e analisar as proposições de Gramsci sobre a relação entre a educação escolar de
nível médio e a formação profissional. Relação que neste início de século é um tema caro
ao Brasil e que leva grupos políticos com posições antagônicas a uma intensa disputa e
defesa de posições sobre o tipo de educação a ser ofertado nas escolas públicas do país.
Na prática, trata da formação escolar dos grupos sociais subalternos, das novas gerações
oriundas da classe trabalhadora e que cumprem sua jornada escolar nos bancos das escolas
públicas.
Dentre os diferentes posicionamentos sobre o tipo de educação a ser ofertado nas
escolas públicas, a conjuntura nacional tem fornecido o lastro necessário para que
movimentos e organizações da sociedade civil coloquem na pauta dos debates sobre a
educação escolar a bandeira de uma escola neutra, limitada a transmissão de
conhecimentos de natureza científica. Em oposição a essa tendência, grupos de
educadores problematizam a possibilidade real de uma educação escolar neutra e os
impactos da formação profissional no âmbito da educação básica.
A defesa do princípio de uma escola neutra se materializa em Projetos de Lei
submetidos pelo movimento político denominado “Escola sem partido” nas mais
diferentes esferas legislativas. Estes projetos, submetidos nas Câmaras de Vereadores e
Assembleias Legislativas Estaduais e Federal, demarcam uma posição construída sob o
argumento de que a escola tem sido utilizada como um aparelho ideológico pela

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
esquerda218. Estes grupos justificam o “fracasso da escola pública” atribuindo a culpa aos
professores, acusando-os de usar o espaço da sala de aula para doutrinar politicamente os
estudantes. Essa visão sustenta os argumentos de que a escola pública é de baixa
qualidade e que não forma os estudantes para os desafios impostos pela organização
social, política e econômica. Defendem que a escola deve se modernizar, deixar de ser
uma instituição antiquada pautada em saberes enciclopédicos adequando-se aos tempos
contemporâneos e formar, já no âmbito da educação básica, o cidadão qualificado, o
profissional necessário ao desenvolvimento econômico do país.
Esse modelo de educação escolar, aplicado aos anos finais da Educação Básica,
pautou a reforma do Ensino Médio promulgada em forma de Medida Provisória pela Lei
13.415 de fevereiro de 2017 e que deu origem ao “novo ensino médio”. Essa nova
organização curricular propõe corrigir situações emblemáticas na organização da
educação de nível médio, como o elevado número de componentes curriculares, ao
estabelecer como disciplinas obrigatórias apenas a tríade português-inglês-matemática.
Medindo a qualidade da educação pública de nível médio pela falta de habilidades de
leitura, cálculo e escrita, defendem que um currículo de nível médio centrado nestes
elementos deve corrigir as distorções produzidas ao longo do ensino fundamental. Como
complemento e preparação para a inserção dos adolescentes no mercado de trabalho, a
organização curricular do “novo ensino médio”, reforçada por uma proposta simplificada
de base comum curricular, prevê a oferta destes três componentes junto a um itinerário
formativo pré-definido a partir das grandes áreas (ciências humanas, ciências naturais,
ciências exatas, linguagens e códigos, etc.) de acordo com as aptidões ou interesses dos
adolescentes ingressantes no ensino médio.

218
Em 2017 o Estado de Alagoas aprovou o primeiro projeto de lei desta natureza, instituindo no Sistema
Estadual de Ensino o Programa “Escola Livre” pela Lei Ordinária n. 7800 de 05 de maio de 2016.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A construção do “novo ensino médio” tem como argumento central a ideia de que
a educação escolar contemporânea não deve ser enciclopédica, precisa ser dinâmica e
pragmática, profissionalizante. Não deve perder tempo com um currículo longo voltado
ao ensino de conhecimentos gerais e sem aplicação rápida e prática. Na construção desses
argumentos, criticam a influência as ideias de Gramsci no campo das pesquisas em
educação e delas na política educacional de organização da escola média. Como enfatizou
Simon Schwartzman na defesa do “novo ensino médio”:
[...] O filósofo [Gramsci] defendia, assim, uma escola em que os
trabalhadores tivessem também acesso à cultura clássica e científica,
entendendo que, dessa maneira, teriam condições de disputar a hegemonia
intelectual e cultural. Gramsci é uma referência muito utilizada no Brasil e
internacionalmente pelas correntes da “pedagogia crítica”, embora a escola
que ele idealizava fosse a tradicional e conservadora, centrada na
transmissão dos conhecimentos estabelecidos e oposta às concepções
culturalistas e construtivistas do conhecimento [...] (SCHWARTZMAN,
2016, p. 164).

O autor defende que a Lei 13.415/2017, ao se contrapor a Gramsci, propõe


inovações na organização curricular, principalmente no que diz respeito à oferta de
formação profissional. Pois a perspectiva gramsciana, “[...] baseada no estudo da
filosofia, da língua e da literatura clássicas [...] se opunha à educação profissional e
técnica oferecida aos trabalhadores, pois a entendia como uma forma de mantê-los sob o
domínio hegemônico da burguesia” (SCHWARTZMAN, 2016, p. 190). Expondo a
tensão ou disputas entre formação intelectual e manual e entre formação geral e
profissional na organização do currículo do ensino médio, o autor afirma que no Brasil,
historicamente, as ideias gramscianas foram utilizada de modo corporativo pelos
professores das instituições federais de ensino profissionalizante como meio de barganha
e luta pela equiparação da carreira com os professores universitários.
Para corrigir as “distorções construídas sob a influência de Gramsci”, teóricos
como Simon Schwartzman endossam a perspectiva de que no âmbito da educação escolar

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emancipação humana
não há espaço para a formação política, pois o objetivo da escola está na transmissão dos
saberes científicos e nas possibilidades de aplicação técnica dos mesmos por meio do
direcionamento profissional. Diante do questionamento sobre a validade do pensamento
gramsciano como fundamento da organização curricular do ensino médio no Brasil, o
presente texto busca apresentar elementos do pensamento educacional gramsciano que
permitem compreender a posição do autor italiano sobre a relação entre educação escolar
e formação profissional e, de certo modo, servem de ponto de partida para a defesa da
atualidade do pensamento de Gramsci tanto como proposta de organização curricular para
o ensino médio como de análise da conjuntura político-educacional nacional.

A precedência da formação intelectual e manual diante da profissionalização


Gramsci estabeleceu no início do § 12 do Caderno 11 um ponto fixo a partir do
qual pensou o processo revolucionário e a educação dos trabalhadores219. Ele enfatizou
que “[...] todos os homens são ‘filósofos’, definidos os limites e as características dessa
‘filosofia espontânea’ [...]” (QC 11, § 12. p. 1375). Ele não era ingênuo e estabeleceu
limites para a compreensão dessa filosofia, um adjetivo atribuído ao homem, a todos os
homens. Do mesmo modo, no início do Caderno 12 aplicou a mesma estrutura de análise
e afirmou no § 1: “Todos os homens são intelectuais, [...] mas nem todos [...]
desempenham na sociedade a função de intelectual [...]” (QC 12, § 1. p. 1516). De
maneira sintética, pode-se afirmar que Gramsci atualizou o conceito de intelectual a
realidade do século XX e eliminou a diferença existente entre o intelectual e o trabalhador
braçal, recusando-se a nivelar os homens por baixo ou a partir da noção de que todos
podem executar o trabalho braçal. Procurou equiparar os homens ressaltando a sua

219
Os Cadernos do Cárcere serão citados a partir da Edição Critica do Instituto Gramsci e com tradução
livre para o português usando a abreviatura QC seguida do parágrafo e da página (Ex: QC 1, §. 1, p. 1).

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emancipação humana
capacidade intelectual, ainda que estes não ocupem ou exerçam a função de intelectuais
em seu cotidiano.
Pensar o ensino médio brasileiro a partir das ideias de Gramsci, requer que se
aplique o mesmo princípio, nivelando os homens, neste caso os estudantes, pela sua
intelectualidade. Ao entender que todo estudante é um filósofo, um intelectual,
respeitando os limites de sua filosofia espontânea e a sua futura inserção no mundo da
produção, mesmo que não ocupem a função de intelectual, ganha força o argumento de
que a escola deve ser um espaço para desenvolvimento da intelectualidade. Foi na defesa
deste princípio que Gramsci desenvolveu a concepção de escola unitária.
Inicialmente Gramsci empregava o termo “scuola unica", definido pela primeira
vez no § 123 do Caderno 1, ao final da nota em que propôs uma investigação a respeito
da origem histórica de alguns princípios da pedagogia moderna. Para ele, “[...] A escola
única, intelectual e manual, tem ainda esta vantagem: a de colocar o menino em contato,
ao mesmo tempo, com a história humana e com a história das "coisas", sob o controle do
professor” (QC 1, § 123. p. 114).
A escola é única porque promove pelo mesmo trabalho educativo a formação
física e intelectual e o contato com a história das ideias e dos meios de produção. Isto é,
sob o controle do professor, desenvolve a formação física e intelectual do estudante por
meio da apropriação da história dos homens e das coisas220. A noção de escola única
enquanto espaço de desenvolvimento das capacidades de operar manualmente e
intelectualmente será sustentada no § 49 do Caderno 4, uma nota retomada na redação do
Caderno 12. Foi nesta sequência que Gramsci apresentou pela primeira vez a ideia de que

220
O termo scuola unica foi empregado pela segunda vez no § 45 do Caderno 4 que, retomado no Caderno
11, tratava sobre o Estado, sua estrutura e superestrutura e discutia a questão da filosofia, do filosofar e do
materialismo histórico como expressão das contradições em contraposição às utopias. Gramsci destacou
que Lênin, no programa de abril de 1917, no parágrafo destinado à escola única, tomou a filosofia como
um instrumento, um elemento de demonstração teórica de princípios políticos. Quando Gramsci reescreveu
o tema na nota no Caderno 11 § 62 mudou o termo passando a empregar a expressão scuola unitaria.

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emancipação humana
a formação para a atuação profissional é uma fase de formação distinta daquela da escola
única, isto é, a profissionalização deveria ocorrer em espaço e momento distinto daquele
da formação escolar de nível médio.
Para Gramsci, o desenvolvimento das potencialidades físicas e intelectuais
precede a formação profissional. Aqui, estabelece-se o primeiro ponto de inflexão. Ele
concebe que a formação profissional não é de responsabilidade da escola única. Se o
Ensino Médio brasileiro for pensado pela concepção gramsciana de escola única ele não
é o espaço adequado para a formação profissional. Na nota § 41 do Caderno 5, intitulada
de A orientação profissional, ressaltou que a indústria americana se aproveitava da
necessidade dos jovens em ingressar no mercado de trabalho para racionalizar o valor dos
salários pagos aos profissionais especializados, pois o regime salarial era determinado
pela reintegração das forças musculares. Perspectiva que, em tese, estimularia a formação
profissional precoce na escola de nível médio.
No caderno 12, Gramsci menciona termo escola única pela última vez. Ela é
apresentada como solução para a crise educacional italiana decorrente da reforma de 1921
que transformou a escola média em escola de formação profissional.
A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha:
escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre
equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar
manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das
capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de
repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das
escolas especializadas ou ao trabalho produtivo [...]. (QC 12, § 1. p. 1531).

A partir de então o termo scuola unica não foi mais utilizado, cedeu lugar para a
formulação da concepção de escola unitária. Qual é o significado disso? Seria apenas uma
mudança de conceitual? Efetivamente, não. O termo “escola única” é um conceito que
estabelece um princípio teórico fundamental, uma contraposição ao fundamento da
reforma educacional de 1921 quando a formação profissional passou a ser uma constante

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na escola média italiana. A mudança de terminologia ocorrida no Caderno 11 § 62,
quando retomou a nota § 45 do Caderno 4 e substitui o termo única por unitário, indica
que a questão da escola passava a ser pensada de forma diferente. Uma vez estabelecido
como estratégia política a reivindicação e a defesa de uma escola única capaz de
desenvolver as potencialidades físicas e intelectuais dos estudantes, pois a organização
curricular parte da noção de que todos são intelectuais, que todos são filósofos – sejam
filhos de proletários, de camponeses, de pequeno-burgueses ou das elites –, era necessário
sistematizar o princípio educativo dessa escola.
Nesse sentido, pode-se postular que o termo “escola unitária” adquire um sentido
prático de organização curricular da escola única, uma escola de formação humanística
como se pode ler na primeira menção do termo “escola unitária” no § 1 do Caderno 12:
Um ponto importante, no estudo da organização prática da escola unitária,
é o que diz respeito à carreira escolar em seus vários níveis, de acordo com
a idade e com o desenvolvimento intelectual-moral dos 'alunos e com os
fins que a própria escola pretende alcançar. A escola unitária ou de
formação humanista (entendido este termo, "humanismo", em sentido
amplo e não apenas em sentido tradicional) ou de cultura geral deveria se
propor a tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de te-los
levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à criação intelectual e
prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa [...] (QC 12,
§ 1. p. 1534).

A partir de então, no restante do Caderno 12, Gramsci trabalhou a questão da


escola referindo-se sempre à noção de escola unitária, isto é, a um projeto-político de
educação escolar fortemente fundamento em uma perspectiva formativa de cunho
humanístico que tem como objetivo o desenvolvimento das capacidades físicas e
intelectuais dos estudantes. A concepção educativa de Gramsci para a educação de nível
médio, desenhada na concepção de escola unitária, está comprometida com emancipação
humana, com a promoção e a conquista da autonomia intelectual e com um amplo e sólido

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trabalho de orientação social para que o estudante avance para a formação profissional,
seja ela de cunho intelectual, burocrática ou fabril.
Por isso, na concepção educacional de Gramsci, não há espaço para um ensino
médio profissionalizante. Pelo contrário, no início do século XX ele defendeu uma
formação escolar pautada no conhecimento da cultura geral e, sem fazer concessões aos
grupos hegemônicos, apresentou a educação humanista desinteressada na imediaticidade
da inserção dos jovens no mercado de trabalho. A concepção de escola unitária emerge
como uma antítese vigorosa frente ao modelo educativo e de organização escolar
profissionalizante promovida pelo governo fascista e que, em nome da burguesia
industrial, oferecia aos trabalhadores italianos uma escola dividia em profissional e
clássica.
[...] A divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um
esquema racional: a escola profissional destinava-se às classes
instrumentais, ao passo que a clássica destinava-se às classes dominantes
e aos intelectuais. O desenvolvimento da base industrial, tanto na cidade
como no campo, provocava uma crescente necessidade do novo tipo de
intelectual urbano: desenvolveu-se, ao lado da escola clássica, a escola
técnica (profissional mas não manual) [...] (QC 12, § 1. p. 1531).

A concepção de escola unitária é uma bandeira política de luta por uma educação
emancipatória para as novas gerações dos grupos subalternos. Gramsci não era contrário
à formação profissional. Mas, como apresentado no § 3 do Caderno 12, sua proposta é
pautada pela perspectiva de formação do intelectual de novo tipo. Alguém que tem uma
sólida formação cultural e, além de especialista, isto é técnico, também é capaz de atuar
como dirigente político.

Conclusão
Gramsci entendia que toda ação educativa é pautada por uma concepção política,
por isso não existe escola ou educação escolar neutra. A concepção de Escola Unitária é

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emancipação humana
chave interpretativa de um pensamento voltado para a emancipação humana em um
momento histórico de luta pela hegemonia. Gramsci se posicionou contra a organização
de uma educação de nível médio direcionada para a formação profissional. A escola
unitária é uma concepção de educação escolar cuja estrutura está fundamentada em um
ensino de base humanística voltado ao desenvolvimento intelectual e manual lança os
alicerces para a profissionalização. De fato Gramsci posiciona-se contra a
profissionalização concomitante a formação escolar de nível médio, pois considera que a
educação escolar deve propiciar o desenvolvimento e a emancipação humana por meio
do desenvolvimento das habilidades intelectuais e manuais. Para ele, a escolarização de
nível médio deve colocar os estudantes em contato com a história dos homens e das
coisas, não de modo estanque, enciclopédico, mas ativo. Para ele, ao final da formação
escolar de nível médio, o estudante deveria ser capaz de sistematizar sua concepção de
mundo, formular a filosofia da práxis, racionalizar sobre as técnicas e tecnologias,
dominar a disciplina de estudos e, pelo conhecimento de si e de suas habilidades, escolher
a área na qual pretende se profissionalizar.

Referências

GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere: Edizione crittica dell’Istituto Gramsci a


cura di Valentino Gerratana. Torino: Einaudi, 2007. 4 vol.

SCHWARTZMAN, Simon. Educação média profissional no Brasil: situação e


caminhos. São Paulo: Fundação Santillana, 2016.

Autor:

Jarbas Mauricio Gomes


Doutor em Educação
Professor EBTT de Filosofia no Instituto Federal de Alagoas
IFAL – Campus Penedo
e-mail: jarbas.gomes@ifal.edu.br

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emancipação humana
EDUCAÇÃO E LIBERDADE DE IMPRENSA: CONSIDERAÇÕES
TEÓRICO-METODOLÓGICAS SOBRE OS ESCRITOS
JORNALÍSTICOS DE MARX E SUAS POSSIBILIDADES PARA AS
PESQUISAS NA ÁREA DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Alessandro Santos da Rocha

Introdução
O trabalho analisa as contribuições de Karl Marx ao discutir sobre a liberdade de
imprensa no período em que atuou como jornalista da Gazeta Renana
(Rheinische Zeitung), entre os anos de 1842 e 1843. A pesquisa parte de excertos
marxistas que evidenciam as concepções sobre o conceito de liberdade, e que podem ser
utilizados como preceitos teórico-metodológicas para fundamentar as abordagens nas
pesquisas que tomam a imprensa como objeto de estudo. Cabe ressaltar que, em diversas
áreas das Ciências Humanas, a imprensa tem sido abordada como espaço singular para
compreender a realidade vivida pelos homens. Observa-se que a pluralidade analítica
confere inúmeras possibilidades aos estudos da imprensa, caracterizando-a como um
objeto de pesquisa com contornos polissêmicos.
No caso específico deste trabalho, optou-se pelo estudo do texto Debates sobre a
liberdade de imprensa e comunicação, publicado em 1842, e que pode auxiliar as
pesquisas na área da História da Educação, uma vez que estabelece a análise crítica feita
por Marx sobre a atuação do jornalista em meio ao conservadorismo, a exemplo do
difundido pelo governo prussiano dos anos de 1840. A preocupação com a temática é
proveniente das diversas análises que apresentam o marxismo como referencial teórico,
mas nem sempre se voltam para as categorias apresentadas nos debates feitos por Marx
enquanto um jornalista.

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emancipação humana
Educação e Imprensa
Os estudos sobre a imprensa têm suscitado o interesse de pesquisadores das
Ciências Humanas. Na área da Educação, em especial na linha de História da Educação,
as pesquisas com este tipo de objeto ganharam propulsão a partir da década de 1970,
quando jornais, revistas, folhetins, dentre outros impressos, passaram a se apresentar
como fonte primária em pesquisas acadêmicas que abordavam dadas realidades da
formação humana. Não seria errôneo afirma que o arcabouço de possibilidades, assim
como a riqueza de informações que constituem a imprensa, faz dela um objeto impar para
explicar a história em diversos tempos e lugares. (GONÇALVES NETO, 2002; BASTOS,
2002).
Para a História da Educação a imprensa se manifesta como espaço significativo
de disseminação de ideais, os quais são propaladas pela palavra escrita e tendem a formar
a opinião pública. Morel (2003, p. 28), assevera que “A expressão opinião pública é
polissêmica – e também polêmica [afinal] a opinião pública era [e ainda é] um recurso
para legitimar posições políticas e um instrumento simbólico que visava transformar
algumas demandas setoriais numa vontade geral”.
As pesquisas na área de História da Educação ativeram-se a buscar,
primeiramente, os modelos formativos da imprensa pedagógica e, posteriormente, a
formação da opinião pública por meio de um tipo de formação informal. Logo, o
entendimento que diferentes pesquisas possuem é de que “[...] a imprensa passa a ser
constantemente referida como o meio mais eficiente e poderoso para influenciar os
costumes e a moral pública, discutindo questões sociais e políticas” (PALLARES-
BURKE, 1998, p. 147). Este entendimento fez da imprensa, enquanto fonte para a
História, um campo fecundo para outras abordagens, as quais vão além do uso da
imprensa pedagógica, mas, também, analisam outras questões, e não apenas o conteúdo
informativo das páginas de jornais, revistas e panfletos. A própria imprensa passou a ser

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emancipação humana
objeto de análise, exemplarmente, as pesquisas investigam a linha editorial; os vínculos
entre os colaboradores do jornal e os baluartes ideológicos presente nas redações de
periódicos.
Adverte-se que a compreensão da história da imprensa revela que a mesma seguiu
o desenvolvimento da sociedade capitalista. Assim, cenários econômicos, sociais,
culturais e políticos foram registrados em suas páginas, evidenciando as lutas daqueles
que tentaram fazer dela um instrumento que espelhasse a realidade. Sobre o
desenvolvimento da história da imprensa, Sodré afirma que:
Por muitas razões, fáceis de referir e de demonstrar, a história da
imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade
capitalista. O controle dos meios de difusão de ideias e de informações
– que se verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como
reflexo do desenvolvimento capitalista em que está inserido – é uma
luta em que aparecem organizações e pessoas das mais diversas
situações social, cultural e política, correspondendo a diferença de
interesses e aspirações. Ao lado dessas diferenças, e correspondendo
ainda à luta pelo referido controle, evolui a legislação reguladora da
atividade da imprensa (SODRÉ, 2011, p. 14).

A citação de Sodré (2011) foi retirada do seu livro clássico, intitulado A História
da Imprensa no Brasil. O livro, publicado pela primeira vez em 1966, expõe diversos
conceitos caros ao repertório marxista. Entretanto, em termos cronológicos, foi somente
anos de 1980 que as pesquisas passaram a adotar - de maneira mais enfática - o
Materialismo Histórico e Dialético na condição de um método capaz de extrair dados da
realidade registrados nas páginas da imprensa periódica. Sem dúvida, as categorias
analíticas presentes no método, como por exemplo, os conceitos de ideologia e
consciência de classe, produziram análises bastante precisas sobre a inculcação
ideológica por meio impresso.
Certo é que o Materialismo Histórico e Dialético tem sido habilmente utilizado
para explicar cenários históricos, bem como, vertentes ideológicas que se opõem no

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
contexto das lutas de classes estabelecidas em vários países e em economias díspares,
mas que tem por base o capitalismo. Desse modo, não se ignora a validade dos usos que
têm sido realizados com o método marxista para compor os estudos que captam a
realidade, inclusive nas atividades que adotam a imprensa como fonte primária. Porém,
os argumentos que ora são apresentados asseveram a possibilidade de ampliar o
arcabouço de categorias abalizadas no uso do marxismo, principalmente ao considerar o
início da trajetória intelectual do jovem Marx quando iniciou seu trabalho como jornalista
da Gazeta Renana.

Marx e o debate sobre a liberdade de imprensa na Gazeta Renana: possibilidades


teórico-metodológicas.
Durante os anos de 1842 a 1843, Marx atuou na Gazeta Renana, exercendo a
função de jornalista e editor chefe. Nas publicações do periódico, era notório como o
Marx atuou no combate ao conservadorismo prussiano que vinha sendo enaltecido pela
figura do monarca, detentor de força ideológica suficiente para conduzir as decisões
políticas da época. Para valer a manutenção do seu status quo, o governo prussiano levou
a cabo, autoritariamente, o Código de Censura, datado de 24 de dezembro de 1841.
Segundo Marx, a censura estabeleceu dois tipos de imprensa: a censurada e a livre.
De tal forma, é possível entrever que uma era vista como má, e a outra como boa. No
entanto, a caracterização de ambas não seria tarefa fácil, haja vista que compartilhavam
de características. Marx detalha a questão da seguinte forma:
[...] a imprensa censurada comparte várias coisas com a imprensa livre:
opiniões baixas, trapaças pessoais e infâmia. O fato de gerar produtos
individuais de um ou outro tipo não constitui, portanto, sua
diferenciação como espécies; as flores nascem inclusive num pântano.
A questão aqui é a essência, o caráter mais profundo que separa a
imprensa censurada da imprensa livre (MARX, 2006, p. 54).

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A imprensa livre favorecia a exposição das ideias e dava abertura para o público
leitor praticar a sua liberdade sem coações. Nesse tipo de imprensa, mantinha-se a “[...]
essência característica, razoável e ética da liberdade. O caráter de uma imprensa
censurada era a falta de caráter da não liberdade; é o monstro civilizado, um aborto
perfumado” (MARX, 2006, p. 53-54). Nos termos apresentados é possível distinguir que
uma sociedade que censura a imprensa, tende também a censurar a liberdade dos
indivíduos em outras frentes.
A diferenciação foi observada numa série de seis números publicados pela Gazeta
Renana. Na série, Marx se mostrou vorazmente contra as atitudes da monarquia, em
especial no que tange a censura impetrada.
Partindo das exposições feitas por Marx, e ao considerar que as questões que
envolviam - e continuam envolvendo - a imprensa, tanto no que diz respeito ao seu
conteúdo, quanto na perspectiva sobre a quem ela serve, entendemos que três questões
são singulares para a compreensão das funções da imprensa. Acreditamos ainda que estas
questões devem ser observadas nas análises sobre a imprensa, visando organizar um
escopo teórico-metodológico do pesquisador que tem a imprensa como objeto. Em
destaque, as questões: a) observância a condição de liberdade do jornalista em expressar
os fatos que observou/vivenciou; b) observância da interferência do Estado na imprensa,
por meio daquele que o governa; c) observância da imprensa enquanto locus de
informação/formação, sem ater-se ao negócio ou ofício.
a) Quanto a observância a condição de liberdade do jornalista em expressar os
fatos que observou/vivenciou, Marx asseverou a necessidade de uma autoconsciência do
jornalista ao escrever sobre os fatos que publiciza. Essa premissa seria condição para a
liberdade de expressão. Em síntese, “[...] a primeira condição que precisa ter a liberdade
é autoconsciência, e a autoconsciência é impossível sem um auto-exame prévio” (MARX,
2006, p. 12). Caberia ao jornalista ser “fiel” aos fatos que escreve.

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emancipação humana
Por sua vez, aquele que analisa a imprensa, seja ele um pesquisador do presente,
ou até mesmo o leitor do passado, deve buscar os vínculos do redator/jornalista com a
quem serve. Para o pesquisador da imprensa essa atividade é fulcral, pois, certamente, os
vínculos estabelecidos pelo jornalista com a causa defendida, ou com o detentor do jornal,
pode interferir naquilo que redigi. A autoconsciência, mediante a um exame prévio, tende
a combater a falsificação da informação. Do contrário, se não há um auto-exame prévio,
a liberdade de expressão pode ficar condicionada aos ditames dos mantenedores do jornal.
b) Quanto a observância da interferência do Estado na imprensa, por meio
daquele que o governa, Marx é bastante enfático ao afirmar que, “Na terra da censura,
certamente, o Estado não tem liberdade de imprensa, mas o membro do Estado, o
governo, tem” (MARX, 2006, p. 45).
Neste item é possível entender que as diretrizes a serem seguidas pelo jornalista -
e que irão configurar na imprensa - podem ser determinadas pelo Estado em que ela está
inserida. Mesmo que em determinado Estado vigore a censura, de maneira geral, não seria
raro os casos em que o governo, chefe maior do estado, burla a própria censura para
publicar sua opinião, anseios e desejos políticos. Seguindo esta forma de pensar, Marx
tece considerações em que vincula o jornalista como um escritor que serve ao Estado.
“Os escritores são ao mesmo tempo seus secretários. Quando o secretário não exprime a
opinião da autoridade, a última impõe o que deve ser escrito. Portanto, o censor escreve
os jornais.” (MARX, 2006, p. 46).
c) Quanto a observância da imprensa enquanto locus de informação/formação,
sem ater-se ao negócio ou ofício, julgamos que é importante que o estudioso da imprensa
verifique os interesses assumidos pelo periódico, a exemplo de sua finalidade
mercadológica. Se a finalidade for mercadológica, não há que se esperar outra coisa, a
não ser que o jornal atenda ao lucro mediante ao número de tiragens. Evidentemente, o

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emancipação humana
fato jornalístico será consoante com aquilo venderá mais. Destarte, pode gerar prejuízos
a liberdade expressão do jornalista. Vejamos:
A primeira liberdade da imprensa consiste em que ela não seja um
ofício.
O escritor que a reduz a um meio material merece como pena pela sua
íntima falta de liberdade a mais profunda das censuras; ou talvez sua
própria existência já seja uma pena”. (MARX, 2006, p. 77-78).

Como se observa, a imprensa pode ser considerada um negócio, um ofício! Essa


afirmação, desvela a imprensa a partir dos interesses de jornalistas e redatores. É preciso
observar que os órgãos de imprensa assumem as convicções de jornalistas e editores.
Jornais e revistas adotam linhas editoriais consoantes com o período histórico e as lutas
travadas pela história. Inclusive, em determinados momentos, as convicções sobressaem
as questões comerciais do empreendimento jornalístico. O exemplo de Luca (2005) é
esclarecedor ao analisar a imprensa brasileira do século XIX:
O caráter doutrinário, a defesa apaixonada de ideias e a intervenção no
espaço público caracterizam a imprensa brasileira [...]. Os aspectos
comerciais da atividade eram secundários diante da tarefa de interpor-
se nos debates e dar publicidade às propostas, ou seja, divulgá-las e
torná-las conhecidas. A imprensa teve papel relevante em momentos
políticos decisivos, como a Independência, a Abdicação de D. Pedro I,
a Abolição e a República. (LUCA, 2005, p. 133-134).

O caráter doutrinário parece ser intrínseco a imprensa, todavia, a partir dele


emergem julgamentos que afiançam à imprensa o perfil de abalar a ordem posta. A
solução, por vezes, é solucionada pela censura. Posto isso, a própria censura merece ser
analisada, porquanto, aponta aquilo que o censurador quer esconder. Esse ensinamento é
apreensível no jornalista Karl Marx.

Considerações Finais

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
As pesquisas sobre a imprensa brasileira, em sua maioria, consideram que desde
seu nascimento ela teve particularidades, ora estabelecendo vínculos políticos, ora
valendo-se de aproximações religiosas, ou então, aderindo a ideologias classicistas.
Conforme explica Morel, a imprensa brasileira “[...] surgiu e se consolidou sob
determinadas condições e características, que não eram, evidentemente, as de uma
democracia moderna, de sociedades industriais ou de uma cultura de massas. (MOREL,
2003, p. 28).
Na área da História da Educação, a imprensa tem sido analisada para evidenciar a
formação impetrada pelas páginas de jornais. Entretanto, nem sempre estes estudos
consideram aquilo que a imprensa não registra, pois, as determinantes que envolvem o
mercado tipográfico inserem determinantes que são frutos de uma longa história de
censura.
Na obra Debates sobre a Liberdade de Imprensa e Comunicação, Marx criticou
veementemente a censura e apontou o quão significativa a mesma pode ser para entender
um dado contexto político (no caso, a censura e o autoritarismo prussiano enquanto
determinante da imprensa). A censura era apregoada como a mantenedora do status quo
do monarca. Ressalta-se que a publicação de determinados pronunciamentos políticos
poderia depor contra os maiores interessados – a monarquia. Sendo assim, cabia a ela
direcionar o que poderia, ou não, ser publicado. Em outras palavras, o Estado atuava na
formação da opinião pública e, consequentemente, na formação humana.
A atuação do censor, geralmente, incide sobre a linha editorial, fazendo com que
os jornalistas se autocensurem quando a informação não é concordante com os princípios
apregoados pelo periódico para qual escrevem. Contrariamente, a liberdade defendida por
Marx mostrava-se como sendo essencial para a atividade intelectual.
Considerando que o jornalista está comprometido com a intelectualidade, não
seria adequado a ele sucumbir aos preceitos daqueles que detém o domínio da imprensa,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
haja vista que, em razão disto, muitos jornalistas praticam a autocensura com o intuito de
permanecerem nas linhas editorias para as quais escrevem.
Enfim, as características da imprensa apontadas por Marx, seja ela censurada ou
não, devem ser levadas em consideração nas pesquisas sobre a imprensa. Sugerimos
assim que outras possibilidades teóricas, sobretudo as levantas pelo jornalista Karl Marx,
sejam acrescentadas à perspectiva metodológica, usualmente utilizadas na aplicação do
método marxista nas abordagens da imprensa.

Referências bibliográficas

BASTOS, Maria Helena Camara. Espelho de papel: a imprensa e a história da educação.


In: ARAÚJO, José Carlos e GATTI JR, Décio (Orgs.). Novos temas em história da
educação. Instituições escolares e educação na imprensa. Uberlândia: EDUFU;
Campinas: Autores Associados, 2002.

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no início do século XX. In: ARAÙJO, José Carlos de Souza e GATTI Jr., Décio
(Orgs.). Novos temas em história da educação no Brasil. Instituições escolares e
educação na imprensa. Uberlândia: EDUFU; Campinas: Autores Associados, 2002

LUCA, Tânia Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.

Marx, Karl (1818-1883). Liberdade de imprensa. Porto Alegre: L&PM, 2006.

MOREL, Marco.; BARROS, Mariana Monteiro. Palavra, imagem e poder: o


surgimento da imprensa no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003

PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. A imprensa periódica como uma empresa educativa


no século XIX. Caderno de Pesquisa, nº 104, Faculdade de Educação/USP, jul. 1998,
pp.144-161.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Intercom; Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2011.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
Autor:

Alessandro Santos da Rocha


Universidade Estadual de Maringá
e-mail: asrocha2@uem.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
A PRODUÇÃO DIALÉTICA DO CURRÍCULO: APONTAMENTOS
SOBRE UM CURRÍCULO MARXISTA

Ribamar Nogueira da Silva


Dayane Santos Silva Dalmaz
Fernanda de Aragão Mikolaiczyk

Sobre a dicotomização na produção curricular


Em certo sentido, desde sua origem histórica no século XVI, o currículo é
produzido em um processo que aparentemente se caracteriza por dois momentos distintos
e indissociáveis: elaboração e execução. Distintos, pois, aparentam ocorrer
sucessivamente: elabora-se antes, executa-se depois. Indissociáveis, pois, na medida em
que toda execução se fundamenta em algum grau de elaboração prévia, também, toda
elaboração somente se realiza/efetiva na e pela execução.
Característica originária do currículo, essa dicotomia se aprofundou a partir do
século XX, principalmente sob influência da racionalidade científica, base da
“administração científica”. Inspirada nos resultados eficientes da lógica produtiva
industrial, e baseada na necessidade de controle e avaliação dos processos educativos,
produziu-se a chamada Teoria do Currículo Tradicional221. Nessa teorização a dicotomia
se amplia, atribuindo funções especificas aos sujeitos do processo. Nitidamente há
aqueles que elaboram/planejam o currículo e outros que executam/aplicam as prescrições
definidas.
Embora o desenvolvimento da teorização curricular ao longo do século XX seja
marcado pelas críticas aos limites e problemas do Currículo Tradicional, presentes nas
teorias do Currículo Crítico, inicialmente, e do Currículo Pós-Crítico, posterior e

221
Sobre o desenvolvimento histórico e as características do Currículo Tradicional, do Currículo Crítico e
do Currículo Pós-Crítico, ver Silva (2016).

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concomitantemente, a relação dicotomizada entre elaboração e execução aparentemente
persistiu. Seja relevada ao segundo plano nas teorias, seja destacada em algum dos
extremos – primazia da teoria ou primazia da prática –, a dicotomia não parece ter sido
superada.
Consequentemente, Ivor Goodson (2012) entende que o currículo se
desenvolveria na relação entre “definições prévias” e “potencial atual”. De modo
semelhante, enquanto Jackson (1990) caracteriza esses dois momentos/elementos como
“definição pré-ativa” e “realização interativa”, Greene (1975), por sua vez, desenvolve
um conceito dual, que aprofunda o entendimento da distinção, pois, ao descrever a pré-
atividade da noção de currículo dominante como uma estrutura de conhecimento
socialmente apresentado, externo ao conhecedor e que necessita ser por ele dominado,
justapõe a interatividade logo em seguida ao complementar que o currículo seria uma
possibilidade que o discente possui como indivíduo existente, interessado em dar sentido
ao mundo em que de fato viveria (GREENE, 1975).
Partindo dessa distinção, Young e Whitty (1977) desenvolvem duas ideias de
currículo: o “currículo como fato” e “currículo como prática”. Com efeito, a pré-atividade
manifesta no currículo como fato – resultado das relações de produção particulares entre
pessoas de uma dada realidade social histórica – indica um objeto rico em determinações,
e que deve ser privilegiado na análise do currículo. O currículo como prática, por sua
vez, daria procedência à ação contemporânea, fazendo concessões à ação contraditória,
anômala ou transcendente em relação à definição pré-ativa.
Ocorre que tal distinção, muitas vezes, tem levado os teóricos do currículo (em
especial nas vertentes pós-críticas) a não apenas menosprezar (quando não a ignorar) as
definições pré-ativas, mas valorizar a sobremaneira a relação interativa, partindo do
entendimento que o currículo como fato – valorizado nas teorizações Tradicional e Crítica
– não atenderia as exigências dos processos educativos na chamada “pós-modernidade”.

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Pós-modernidade e currículo: Estudos Culturais e Multiculturalismo(s) e a ênfase
no currículo como prática
Considerando que as perspectivas sob influência do pós-modernismo rompem
com noções produzidas na modernidade como, por exemplo, “teoria”, “método” e
“sistematização”, no campo do currículo, por consequência, parte-se do entendimento que
não seria possível a produção curricular – no sentido das teorias Tradicional e Crítica.
Essa impossibilidade se justificaria não somente pela incapacidade de a racionalidade
moderna elaborar uma teoria “verdadeira” que fosse algo além de discurso, mas, também,
porque o conhecimento universal não se mostra como uma possibilidade diante da
existência real de múltiplas culturas “locais” e singulares. A consequência direta desse
entendimento é que um currículo pós-crítico jamais poderia ser predefinido. A ênfase do
currículo, portanto, recai na interatividade do currículo como prática, apoiada nos textos
culturais e nas experiências dos grupos subjugados em luta pela justiça social. Vejamos.
O campo dos Estudos Culturais – que se desenvolveu a partir da tradição marxista
inglesa nas obras germinais222, não como uma disciplina apartada, mas como uma
abordagem ampla dentro das disciplinas constituídas, caracterizada pela adoção do
conceito de cultura apropriado da antropologia e que pretendia superar as limitações do
reducionismo econômico de algumas análises (ESCOSTEGUY, 2001) –, à medida que
se diluía nos movimentos sociais dos anos de 1970 em diante, deslocava-se da perspectiva
classista na direção da perspectiva identitária. No pós-modernismo, questões sobre etnia,
raça, gênero, ecologia, religião, entre outros, fragmentaram-se em “culturas populares”
locais, parciais e relativas ao contexto. Com efeito, sob essa perspectiva, a cultura geral
do ocidente seria etnocêntrica e colonizadora.

222
Em especial nas obras: WILLIAMS, Raymond. Marxism and literature. Oxford Paperbacks, 1977; e
THOMPSON, Edward Palmer. The making of the English working class. Open Road Media, 2016.

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emancipação humana
No entanto, se o reconhecimento identitário traz consigo a visibilidade às
minorias, também produz o estranhamento cultural. Os espaços na sociedade
contemporânea são cada vez mais compartilhados por pessoas com modos de vida,
hábitos e valores distintos, quando não conflitantes. Nesse contexto, a partir dos anos de
1990, os estudos multiculturais transferem para o plano político a discussão sobre a
diversidade cultural, até então atrelada ao campo dos estudos antropológicos
(MALANCHEN, 2014). A perspectiva multiculturalista confrontaria as discriminações
por meio de currículos que proporcionam a apreciação da pluralidade e a desconstrução
de discursos opressores que estereotipam as outras culturas (CANEN, 2010). Contudo, o
viés político do Multiculturalismo não adota um tom conciliador, pois se caracteriza pela
rejeição à crença na possibilidade do consenso no campo cultural dos grupos minoritários
a uma base cultural hegemônica. Rejeita-se, ainda, a expectativa de construção de um
campo cultural harmônico e a hipótese de entender a diferença como resultado de fácil
negociação entre grupos culturalmente diversos (MOREIRA, 1999).
Tais rejeições não possuem relação com o alcance do estágio de desenvolvimento
da cultura humana na expressão da verdadeira universalidade. Muito menos relação com
o fato de que a classe dominante tenha até hoje submetido a cultura humana aos seus
interesses particulares e, com isso, sufocado e destruído muito da riqueza contida nas
culturas locais. Ancorado na perspectiva do pós-modernismo, o problema não está na
visão hegemônica (burguesa) de cultura humana, mas na própria ideia da possibilidade
racional da existência de uma cultura universal (DUARTE, 2010).
Com efeito, no campo curricular, a ênfase das teorizações pós-críticas que recai
no currículo como prática buscaria contemplar a diversidade cultural das minorias e dos
contextos locais/regionais. Assume-se a crença de que o conhecimento pretensiosamente
universal não seria compatível (ou suficiente) com a singularidade cultural de
determinado grupo. Nesse sentido, a pré-atividade de elaboração curricular tenderia

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emancipação humana
sempre à homogeneização do currículo, desconsiderando toda riqueza das culturas locais
e não hegemônicas. Tanto as prescrições quanto o conteúdo do currículo como fato
seriam estratégias de silenciamento e dominação das culturas subalternas pela cultura
hegemônica.
É importante ressaltar que, na medida em que a dicotomia persiste, a perspectiva
curricular pós-crítica não pode se furtar de certo grau de pré-atividade, pois, no contrário,
estaríamos diante do espontaneísmo curricular. Quando manifesto em documento escrito,
nas chamadas propostas curriculares, o que ocorre é a produção de um currículo como
fato esvaziado de conteúdos universais do gênero humano, e composto por prescrições
genéricas e/ou relatos de experiência. Com isso, espera-se que durante a relação
interativa, os conteúdos e conhecimentos locais ou deem conta da
compreensão/explicação/ação da realidade, ou sirvam de estímulo necessário para a busca
do conhecimento historicamente produzido pela humanidade.
Isso posto, a primeira questão que se coloca está relacionada com os limites do
relativismo cultural do currículo produzido sob orientação pós-crítica. Como e em que
medida o conhecimento local desarticulado do conhecimento global acumulado na
história é capaz de educar, isto é, de (re)produzir no indivíduo singular a humanidade
produzida histórica e coletivamente por todos os seres humanos (SAVIANI, 2003)?
Entendemos que os currículos pós-críticos – produzidos com aporte nos Estudos Culturais
e no Multiculturalismo –, embora ampliem a luta política por reconhecimento da
diversidade, são insuficientes na tarefa educativa, pois, parciais e fragmentários, confiam
no conhecimento local como o bastante para os indivíduos adquirirem consciência do
mundo que os cercam e se apropriarem do instrumental necessário para agirem sobre esse
mundo, transformando a realidade e libertando a si e a todos os outros das mais diversas
formas de opressões e, principalmente, revolucionando a sociedade. Confiança vã, pois

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
não bastasse a apropriação de um instrumental com validade problemática223, a
supervalorização do conhecimento local sem articulação com a totalidade do
conhecimento historicamente produzido, favorece a diluição das pautas classistas em
pautas identitárias, afastando os grupos culturais e enfraquecendo a luta das frações das
classes subalternas, para o deleite das frações de classe dominantes.
A segunda questão, por sua vez, situa-se na possibilidade de superação da
dicotomia do processo de produção curricular. Pensamos que a compreensão de um
processo dialético de produção curricular implica em considerarmos currículo como fato
e currículo como prática não como “momentos” – em termos temporalmente lineares sob
a lógica formal –, mas como aspectos na mesma dinâmica de produção do currículo.
Nesse sentido, ao assumirmos o currículo como elemento condutor/mediador do processo
educativo escolar e o “currículo escrito” (livros, manuais e demais mídias que compõem
a literatura educacional) como manifestação pré-ativa, capaz de sistematizar
(converter/traduzir) o conhecimento produzido historicamente pela humanidade, para fins
de utilização no trabalho pedagógico, supomos que uma teorização curricular
fundamentada na Teoria do Currículo Crítico e na Pedagogia Histórico-Crítica, em
especial224, teria condições de superar a referida dicotomia.

Por um currículo marxista: a dialética na (re)produção curricular


Considerando que o conhecimento assume na teorização curricular a forma de
saberes escolares, isto é, que o produto da compreensão/explicação da realidade demanda

223
Entendemos que o conhecimento local desarticulado da totalidade histórica possui validade
problemática, pois, em relação ao posicionamento epistemológico, embora se assumindo crítico, na
realidade se mostra flutuando entre o subjetivismo/relativismo e o pragmatismo.
224
Embora façamos menção à Pedagogia Histórico-Crítica como aporte privilegiado à produção de um
currículo marxista, não pretendemos no presente artigo tratar com profundidade questões da teorização
curricular envolvendo essa proposta pedagógica. No entanto, indicamos os trabalhos de Julia Malanchen
(2014) e Newton Duarte (2016), por se tratarem de estudos precursores nesse campo.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
um tratamento pedagógico para se transformar em conteúdo; os critérios de seleção dos
elementos da cultura necessários ao processo educativo são partes constitutivas do
currículo. Em se tratando de uma proposta fundamentada na Pedagogia Histórico-Crítica,
parte-se da “identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa o saber
objetivo produzido historicamente, reconhecendo as condições de sua produção e
compreendendo as suas principais manifestações [e] as tendências atuais de
transformação” (SAVIANI, 2003a, p. 9), o que conduz a tomar como critério a prática
social em sua totalidade, ou seja, as máximas possibilidades existentes de liberdade e
universalidade da prática social. Com efeito, o conhecimento mais desenvolvido é o que
permite a objetivação do ser humano de forma cada vez mais livre e universal. Buscando
a plena emancipação humana, há de se identificar, em termos educativos, quais
conhecimentos podem produzir, durante o desenvolvimento pessoal, a humanização do
indivíduo (DUARTE, 2016).
Todavia, diferente do entendimento pós-moderno marcado pelo relativismo
epistemológico e cultural, a valorização do conhecimento universal referenciado pela
totalidade da prática social não significa desprezar o conhecimento local e singular, pois,
como observa Duarte (2016, p. 95), “[...] é preciso levar-se em conta o caráter
contraditório e heterogêneo do desenvolvimento da cultura, que está necessariamente
marcada pela luta ideológica que sempre acompanha a luta de classes.”. Nesse sentido,
por exemplo, questões de gênero, raça e etnia, quando tratadas por um currículo
fundamentado nos pressupostos do materialismo histórico e dialético, leva em conta os
determinantes que produziram o conhecimento local de dado grupo social, porém sem
perder a perspectiva de classe. Portanto, a importância dada ao conhecimento mais
avançado se justifica na medida em que “o valor universal dos conhecimentos não está
em conflito com o fato de que eles são sempre produzidos em condições sociais
específicas e por indivíduos temporal e espacialmente situados” (MALANCHEN, 2014,

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
p. 169), de modo que a função da escola – direcionada pelo currículo – é fazer com os
grupos culturais oprimidos apropriem-se daquilo que os grupos culturais hegemônicos se
utilizam para subjugá-los. Ou, nas palavras de Dermeval Saviani (2003b, p. 55), que
“Dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação”.
Por fim, como observamos anteriormente, as principais teorizações curriculares –
Tradicional, Crítica e Pós-Crítica – ainda enfrentam os efeitos da dicotomia na produção
curricular. Com efeito, uma proposta de currículo marxista fundamentada na Pedagogia
Histórico-Crítica, também precisa lidar com essa questão. Principalmente, observamos,
quando a pecha de “conteudista” supostamente privilegiaria apenas o currículo como fato.
Porém, a nosso ver, uma teorização curricular de inspiração marxista seria capaz
de superar a dicotomização do currículo ao relacionar as fases de pré-atividade e de
interatividade – características, respectivamente, do currículo como fato e do currículo
como prática –, como aspectos dialéticos do mesmo processo. A partir desse
entendimento, tomando emprestada a alegoria desenvolvida por Duarte (2016), os saberes
escolares elaborados no currículo como fato são os mortos que ressuscitam no currículo
como prática e se apoderam dos vivos na dialética da (re)produção curricular.

Referências

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milênio. In.: LOPES, Alice Casimiro & MACEDO, Elizabeth (Orgs). Currículo:
debates contemporâneos. 3ª ed. SP: Cortez, 2010.

DUARTE, Newton. Por uma educação que supere a falsa escolha entre etnocentrismo e
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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Os estudos culturais. Teorias da Comunicação:
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GOODSON, Ivor. Currículo - teoria e história. 13 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012

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MALANCHEN, Julia. A pedagogia histórico-crítica e o currículo: para além do


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Araraquara, 2014.

MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa (org.) Currículo: Políticas e Práticas. 4ª ed.


Campinas/ SP: Papirus, 1999.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: Primeiras Aproximações. 8ª ed.


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SILVA, Ribamar Nogueira da. Currículo escrito e a história da Educação Física no


Brasil (1896-1945). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São
Carlos, Sorocaba, 2016.

YOUNG, Michael; WHITTY, Geoff. Society, state and schooling. Ringmer: Falmer,
1977.

Autor/as:

Ribamar Nogueira da Silva


Doutorando em educação na linha de pesquisa Filosofia e História da Educação, da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Dayane Santos Silva Dalmaz
Doutoranda em educação na linha de pesquisa xxx, da Universidade Estadual de Maringá
(UEM).
Fernanda de Aragão Mikolaiczyk

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Doutoranda em educação na linha de pesquisa Trabalho e Educação, da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).

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emancipação humana
A LEITURA DOS CLÁSSICOS NA ESCOLA PÚBLICA E A
EMANCIPAÇÃO HUMANA NOS PROCESSOS FORMATIVOS.

Luiz Aparecido Alves de Souza

Introdução
Marx (2010) na obra Sobre a questão judaica desenvolve reflexões a respeito do
conceito da emancipação humana frente ao contexto de sua época, a saber: no âmbito
intelectual as divergência com Bruno Bauer tem tomados sentidos opostos; uma vez que
Marx substitui a crítica filosófica por uma crítica de caráter mais político e social, ao
passo que Bauer se mantém preso à concepção da filosofia crítica cuja ação acreditava-
se ser capaz de engendrar profundas modificações na realidade humana.
Nos Manuscritos econômico-filosóficos a unidade da crítica à economia política
dependia fundamentalmente da concepção de trabalho como alicerce de toda a atividade
humana e, ao mesmo tempo, esse princípio não poderia ganhar corpo e fôlego sem uma
concepção histórico-filosófica que lhe desse inteligibilidade interna, ou seja, a apreensão
do movimento de um todo articulado que tem como base a realização material da
humanidade.
O movimento da escola é o movimento da vida. Nela se objetivam a materialidade
das relações humanas na busca cotidiana pela produção da existência. E a produção da
existência posto no modo de produção capitalista e das relações trabalho, educação e
capital, enseja em recorrer a uma pedagogia que dê conta de estabelecer a dialética desta
relação e alçar condições objetivas para uma possível revolução. Não se trata de uma
pedagogia qualquer, aqui se defende uma pedagogia histórico-crítica, em Saviani (2017)
afirma que já tem “em sua origem a articulação entre educação e revolução”. (p.53).
Neste sentido, a escola pública, nas últimas décadas, tem assistido o acesso e a
permanência das classes populares adentrar em seu interior, assim, as políticas

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
educacionais tem assumido, para a educação pública no Estado do Paraná, uma educação
alicerçada no campo das teorias críticas, como consta no documento intitulado Diretrizes
Curriculares da Educação Básica (DCEs) nos idos de 2008, cabe lembrar, com outra
agenda política e com disputas pela educação, alçadas num governo de coalizão e de
espelhamento dos consensos sociais entre a burguesia e os trabalhadores.
As Diretrizes Curriculares Estaduais da Educação Básica (DCEs) apresentam no
seu escopo introdutório, a perspectiva teórica-metodológica da pedagogia histórico-
crítica nos campos de conhecimento disciplinares, no ensino médio da rede pública
estadual do Paraná. Em tempo de reformas que atacam os avanços adquiridos pelas lutas
de classes, que presenciamos nas últimas décadas, sobretudo ao direito à uma educação
para todos e de qualidade social, a Lei 13.415/2017 que flexibiliza o percurso formativo
do ensino médio no país, numa clara retomada de marcos regulatórios anteriores, para
atendimento da acumulação flexível; não podemos deixar de pensar numa educação que
não seja pragmática de atendimento aos interesses do capital, para uma educação de
interesse aos trabalhadores, de uma formação integral.
Nesse sentido, essas diretrizes imputam em sua metodologia de ensino a leitura
dos clássicos nos processos formativos do currículo do ensino médio. O que nos põe a
algumas questões, a saber: a) no recorte de 2008 a 2017 como a escola pública tem
objetivado a formação crítica dos estudantes do ensino médio no atendimento as diretrizes
curriculares estaduais?, b) a conjuntura atual desconcerta práticas pedagógicas críticas
por conta das investidas do atual governo federal à classe trabalhadora, neste sentido,
como defender a escola pública nesta conjuntura? e c) assim, quais tem sido os desafios
curriculares e metodológicos de recorrer ao estudo dos clássicos?
Com essas indagações delimitamos nosso estudo ao lócus de uma escola pública
que oferta ensino médio regular e formação de docentes, em dois turnos, manhã e noite
e, por meio, da pesquisa documental, tivemos acesso aos projetos institucionais de ensino,

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e entre esses projetos, localizamos 09 projetos que tem-se ocupado aos processos
formativos no debate aos clássicos na educação básica.
Com isso, esse estudo expressa como objetivo, apresentar o debate de como a
escola pública tem respondido ao desafio na leitura dos clássicos nos processos
formativos da educação básica que venha a concorrer a uma educação emancipatória para
a classe subalterna. Nesse sentido, o estudo encontra-se organizado em dois momentos:
num primeiro momento apresentamos o conceito de clássico que entendemos e sua
relação com a educação emancipatória e, posteriormente, analisamos como o estudo dos
clássicos tem –se ocorrido no interior da escola pública como prática de ensino no campo
da pedagogia crítica.
Iniciaremos com uma breve exposição do conceito de clássicos que defendemos,
sua relação com as diretrizes curriculares estaduais para a educação básica e as
contribuições para uma educação emancipatória das classes subalternas.

2. Os clássicos no currículo do ensino médio na escola pública


A escola pública tem sofrido constantes ataques quanto à sua função social,
sobretudo nos idos da década de 1990 e, sobretudo nos últimos dois anos desta década,
no contexto da reestruturação produtiva e da acumulação flexível que tem reposicionado
a centralidade do trabalho precarizado em suas relações produtivas, conforme expressa
Kuenzer (2017).
Saviani (1984) em seu belíssimo texto “Sobre a natureza e especificidade da
educação” aponta que o processo de produção da existência humana implica, num
primeiro estágio de garantir a subsistência material com a consequente produção de bens
materiais. Entretanto, afirma o autor, o “homem necessita antecipar em ideias os objetivos
da ação, o que significa que ele representa mentalmente os objetivos reais” - tais objetivos
implicam aspectos da “ciência, ética e da arte”. É nessa esfera que se afirma a educação

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e a escola e que tem implicações aos conhecimentos científicos, ideias, conceitos, valores
símbolos, hábitos, atitudes, habilidades, etc.
Nas palavras do autor,
A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que
possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio
acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica
devem se organizar a partir dessa questão. Se chamarmos isso de
currículo poderemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado
que estrutura o currículo da escola elementar. Ora, o saber
sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a
primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber é aprender a ler e
escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos
números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade (...)
(SAVIANI, 1984, p.3).

Para os filhos da classe trabalhadora se reclama uma escola que deve incentivar a
prática pedagógica fundamentada em diferentes metodologias, valorizando concepções
de ensino, de aprendizagem (internalização) e de avaliação que permitam aos professores
e estudantes conscientizarem-se da necessidade de “uma transformação emancipadora. É
desse modo que uma contraconsciência, estrategicamente concebida como alternativa
necessária à internalização dominada colonialmente, poderia realizar sua grandiosa
missão educativa” (MÉSZÁROS, 2007, p. 212).
Sendo assim, os percursos formativos que concorrem para que o ser humano possa
ter as “armas da crítica” e desenvolver todas as suas potencialidades exige uma pedagogia
crítica e emancipatória que impulsione os estudantes a apropriarem do saber
sistematizado, da cultura erudita, produzida no percurso da humanidade.
Nesse sentido, a leitura dos clássicos se torna uma mediação fundante no campo
das práticas pedagógicas para o desenvolvimento da crítica nos jovens estudantes da
escola pública. Os desafios de ler os clássicos encontra-se sobretudo porque na juventude
“as leituras podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das
instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo)

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formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos,
recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores,
paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos
pouco ou nada do livro lido na juventude. (CALVINO, 1993, p.10)
Assim, para o ensino da ciência, da filosofia e das artes na escola, a pedagogia que
se constitui pela leitura dos clássicos, porque assume o conhecimento sistematizado como
mediação dos processos formativos do gênero humano para a emancipação humana, é a
pedagogia histórico-crítica em que “o movimento que vai das observações empíricas ( ‘o
todo figurado na intuição’) ao concreto (‘uma rica totalidade de determinações e de
relações numerosas’) pela mediação do abstrato (‘a análise, os conceitos e as
determinações mais simples’)” constitui uma orientação segura para o processo formativo
nas descobertas de novos conhecimentos. (SAVIANI e DUARTE, 2012, p. 78).
As implicações de recorrer a leitura dos clássicos nos processos formativos do
gênero humano, tem implicações pedagógicas porque, segundo Calvino (1993) toda
releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira, assim, toda primeira
leitura de um clássico é na realidade uma releitura. Um clássico, para o autor, é um livro
que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer, e aponta que os clássicos são
aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam
a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram.
(p.11).
Assim sendo, para os processos formativos dos jovens estudantes do ensino médio
para os professores, a leitura dos clássicos impõem como importante instrumental no
processo de formação humana, sobretudo das camadas subalternas. A pedagogia
histórico-crítica, como assumida nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica no estado do Paraná, constitui-se numa concepção pedagógica que assumi a
transformação e não a um mero reformismo do campo pedagógico. Ao embasar-se no

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materialismo histórico-dialético, torna-se por sua práxis revolucionária, um importante
instrumental na superação da unilateralidade humana, por manter a centralidade da
categoria trabalho.
Na sequência abordaremos o projeto pedagógico analisado numa escola pública
de oferta de ensino médio regular e formação de docentes, na região metropolitana de
Curitiba, PR, intitulado Café Filosociológico, com atenção focalizada nos estudos dos
clássicos para este nível de escolaridade e no escopo da pedagogia histórica-crítica.

3. A proposta de estudos dos clássicos na função social da escola pública


De acordo com Baczinski (2012) a concepção de educação cimentada no quadro
conceitual do materialismo histórico-dialético tem ocorrido desde a década de 1990 no
estado do Paraná. A defesa da escola pública como o espaço no qual a classe subalterna
possa apropriar de conhecimentos sistematizados historicamente e acumulados pela
humanidade e, dessa forma, promover a superação de sua condição de subalternidade.
Entre tensionamentos e descompassos a pedagogia histórico-crítica vem
assumindo um escopo mais arrojado no período de 2003 a 2010 no âmbito das Diretrizes
Curriculares Estaduais da Educação Básica no Paraná.
Tendo as Diretrizes assumido essa concepção transformadora nos currículos
disciplinares da educação básica, e com a Lei 11.684/2008 que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas
obrigatórias nos currículos do ensino médio, as escolas incluem em seus projetos políticos
pedagógicos formas de incentivar ao debate à leitura e reflexão crítica de temas atuais
pela perspectiva crítica e, nesse sentido, o Projeto Café Filosociológico, é pensado por
professores do ensino médio regular e da formação de docentes.
De acordo com a proposta do Projeto Café Filosociológico (2014) compreende no
que tange à justificativas e objetivos que

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emancipação humana
O projeto assenta-se como um espaço que busca o diálogo com outras
áreas do conhecimento, a saber: com a História, Arte e, nesta edição,
com a Língua Portuguesa. Entende a interdisciplinaridade como
princípio metodológico, segundo as Diretrizes Curriculares Estaduais
(2008), e que contribui para o enriquecimento curricular, ampliando o
diálogo, potencializando a integração, a aglutinação e a interlocução
dos componentes curriculares, das expectativas dos estudantes e de seus
professores (p.2).

Neste sentido, a educação escolar é a forma cultural de transmitir às novas


gerações os conceitos elaborados ao longo da história na relação dos homens entre si e
com a natureza, na produção da sua existência. Marx e Engels (2007) corrobora para essa
questão ao afirmar que “cada geração continua por um lado, o modo de atividade que lhe
foi transmitido, mas em circunstâncias radicalmente transformada; e, por outro, modifica
as antigas circunstâncias, dedicando-se a uma atividade radicalmente diferente” (p.58)
O quadro sistematizado abaixo apresenta, de acordo com o levantamento dos 09
(nove) projetos desenvolvidos entre os anos de 2009 à 2017, a temática e os estudos dos
clássicos apontados pela referida proposta pedagógica.

ANO/EDIÇÃO TEMÁTICA OBRAS/CLÁSSICOS

2009/ I Contextualizações e Platão, A República, Livro X


provocações atuais no N. Maquiavel, O príncipe.
repertório das obras R. Descartes, O discurso do método.
filosóficas para o vestibular M. Merlau-Ponty, Conversas 1948, Cap.
2010 da UFPR. III, IV e V.
2010/ II Política, método, sociedade e Platão, A República, Livro X.
razão nas obras de Platão. R. Descartes, O discurso do método.
Descartes, Rousseau e J.J. Rousseau, Discursos sobre a origem e
Merleau-Ponty: implicações os fundamentos da desigualdades entre os
atuais. homens.
M. Merlau-Ponty, Conversas 1948, Cap.
III, IV e V.

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2011/ III Ética, Política, Cultura, Aristóteles, Ética a Nicômaco.
Sociedade e Método: um R. Descartes, O discurso do método.
encontro entre a Filosofia e a J.J. Rousseau, Discursos sobre a origem e
Sociologia. os fundamentos da desigualdades entre os
homens.
F. Nietzsche, Sobre verdade e mentira no
sentido extra-moral.
Weffort, Os clássicos da política.
2012/ IV Mas eu, quem sou? Aristóteles, Ética a Nicômaco.
Indivíduo, sujeito, F. Nietzsche, Sobre verdade e mentira no
consciência de si? sentido extra-moral.
R, Descartes, Meditações metafísicas.
M. Weber, Ensaios de Sociologia e outros
escritos.
P. Bourdieu, A dominação masculina.
M. Foucault, A história da sexualidade.
2013/ V A condição de sujeito no Aristóteles, Política, Excertos.
Brasil: você é alienado, A. Gramsci. A indiferença, A História,
alienante ou alienista? Qual a Cadáveres e idiotas.
sua posição no mundo social? I. Kant, O que é esclarecimento.
K. Marx e F. Engels, A ideologia alemã.
F. Fernandes, Entrevista.
2014/ VI Territorialização do poder: T. Hobbes, O Leviatã, Cap. XIII, XIV e
imperialismo e globalização. XV.
J.J. Rousseau, Do discurso e do contrato
social.
E. Hobsbawm, Era dos extremos.
P. Bourdieu, O poder simbólico.
A. Bosi, O ser e o tempo da poesia.
2015/ VII As múltiplas faces da H. Arendt, Sobre a violência.
violência Z. Bauman, Medo líquido.
S. Freud, O mal-estar na civilização.
A. Giddens, Sociologia.
D. Harvey, Condição pós-moderna.
E. Hobsbawm, A Era do Capital.
E. Hobsbawm, Globalização, democracia
e terrorismo.
2016/ VIII Direitos Humanos: impasses J. M. Carvalho, Os bestializados.

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e alternativas E. Hobsbawm, Era dos extremos.
2017/ IX Estado, Imperialismo e H. Arendt, Filosofia e política.
Revolução na Sociedade do R. Antunes, A sociedade dos
Trabalho. adoecimentos no trabalho.
A. Grasmci, A indiferença, A História,
Cadáveres e idiotas.
V. I. Lenin, O estado e a revolução
R. Luxemburgo. A revolução russa.
Fonte: Consulta ao acervo dos projetos intitulado Café Filosociológico. (Organização do autor), 2018.
O quadro aponta para duas dimensões da prática pedagógica na educação básica
quanto aos estudos dos clássicos, a saber: a) o acesso ao conhecimento sistematizado e
historicamente acumulado pela humanidade toma-se com um dos princípios da pedagogia
histórico-crítica e adensa nas leituras dos clássicos, pelo que aponta Calvino- “os
clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras
que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas
que atravessaram.” e b) o conhecimento sistematizado é o que de melhor pode
proporcionar a escola pública para a classe subalterna, porque possibilita a apropriação
da ciência, da filosofia e das artes como instrumentos para a emancipação humana.
Em tempos de ataques constantes à escola pública, seja pela mídia cooptada pelo
grande capital e financiada pela burguesia que se dobra aos organismos internacionais, a
diminuírem o papel da esfera pública no que tange a educação, seja, pelas políticas
públicas que conluio com as grandes fortunas, que se valendo da esfera do Estado,
imputam reformas anti-sociais, impopulares e regressivas, com o intuito de garantir os
lucros do capital à custa do trabalho explorado e precarizado.
A escola pública se afirma, se posiciona quando apropriados os conhecimentos
sistematizados e conseguem dialetizar-se com o movimento do real, a exemplo do
ocorrido aos professores e estudantes no “massacre do Centro Cívico em Curitiba de
2015” e o movimento dos estudantes e professores secundaristas em 2016, frente ao
quadro político e econômico, introduzido pelas forças do capital, que não mede esforços

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para alienar a classe trabalhadora, apontando que a crise, forjada pela burguesia, através
da destruição das forças produtivas e da conquista de novos mercados. (MARX e
ENGELS, 2007, p. 82)
Assim, quando professores e estudantes se alojam no campo da disputa entre
trabalho e capital e tomam posicionamentos, não há como considerar que a escola pública
tem buscado desenvolver, nos seus limites, uma educação de qualidade científica e social.

Referências Bibliográficas

BACZINSKI, Alexandra Vanessa. A pedagogia histórico-crítica no estado do Paraná. In:


MARSIGLIA, Ana Carolina Galvão; BATISTA, Eraldo Leme (Orgs.). Pedagogia
histórico-crítica: desafios e perspectivas para uma educação transformadora. Campinas,
SP: Autores Associados, 2012.
CALVINO, Italo. Porque ler os clássicos. Campinas, SP: Companhia das Letras, 1993.

KUENZER, Acácia Zeneida. Trabalho e escola: a flexibilização do ensino médio no


contexto do regime de acumulação flexível. Educação e Sociedade, Campinas, SP, v. 38,
nº 139, p. 331-354, abr., jun., 2017.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

__________. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.

MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2007.

SAVIANI, Dermeval. Sobre a natureza e especificidade da educação. Em aberto,


Brasília, ano 3, n. 22, jul., ago., 1984.

_________________. Pedagogia histórico-crítica, educação e revolução. In:ORSO,


Paulino José; MALANCHEN, Julia; CASTANHA, André Paulo (Orgs.). Pedagogia
Histórico-crítica, educação e revolução: 100 anos da Revolução Russa. Campinas, SP:
Armazém do Ipê, 2017.

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
emancipação humana
SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton (Orgs.). Pedagogia histórico-crítica e lutas de
classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.

Autor:

Luiz Aparecido Alves de Souza


Magistério da Rede publica – SEED/PR,
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná IFPR
e-mail: luiz.souza@ifpr.edu.br

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Eixo temático: Marxismo, educação, pedagogia socialista, lutas de classes e
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