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01

Epidemiologia do envelhecimento
César Augusto Guerra

Dentro da epidemiologia do envelhecimento, 2 temas são de suma importância para a compreensão do processo do envelhecimento do Brasil:
as transições demográfica e epidemiológica. A transição demográfica é descrita como taxa de fecundidade baixa, associada a redução da
mortalidade nas idades mais avançadas. Uma população sujeita a esse processo altera-se em termos de estrutura familiar e demanda por
serviços e políticas públicas. No Brasil, o processo tem seguido a passos rápidos, sendo que o grupo de quem está acima de 80 anos é o que
mais tem crescido. Nos últimos 10 anos, o país passou de 9 para 13% de idosos em sua população (de 16 para 26 milhões), assim como houve
aumento da proporção de mulheres na população, em especial entre os idosos. A transição epidemiológica, por sua vez, está ligada às
alterações das causas de morte sofridas pela população ao longo do tempo. Tal transição ocorre devido ao processo de urbanização,
imunizações, acesso à saúde e desenvolvimento de antibióticos, diminuindo a mortalidade de doenças transmissíveis, para aumento na
prevalência de doenças crônicas não transmissíveis como doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, doença renal crônica e doença
pulmonar obstrutiva crônica. No Brasil, tal processo ocorre com a superposição de etapas, com o predomínio de doenças transmissíveis e
crônicas não transmissíveis, em alguns momentos com ressurgimento de doenças como dengue e alta incidência de hanseníase ou
leishmanioses.

1. Introdução
Este capítulo vem tratar de um tema de suma importância na saúde pública, uma realidade que todos estamos vivendo, porém pela qual pouco se
tem feito em termos de atitudes e planejamento. Trataremos dos aspectos demográficos do envelhecimento.

2. Transição demográfica
O século XX foi marcado pelo crescimento populacional, em todos os países do mundo. Já o século XXI será o século do envelhecimento
populacional.
Deve-se lembrar que o processo de envelhecimento individual é diferente do que chamamos envelhecimento populacional. O processo
demográfico baseia-se na média de idade da população, em taxas de fecundidade baixas. Uma população sujeita a esse processo altera-se em
termos de estrutura familiar, demanda por serviços e políticas públicas, bem como por distribuição de recursos, e da própria economia (se
pensarmos em população economicamente ativa e aposentados).
Para haver envelhecimento populacional, é necessário, portanto, taxa de fecundidade baixa, representada pelo número médio de filhos que uma
mulher teria até o fim de seu período reprodutivo (também chamado número médio de filhos por mulher). Além da taxa de fecundidade baixa, é
necessária a redução da mortalidade nas idades mais avançadas.
O processo descrito é chamado transição demográfica.

IMPORTANTE

A transição demográfica envolve baixa taxa de fecundidade e redução de mortalidade nas idades mais avançadas.

O processo de envelhecimento populacional já é uma realidade em países desenvolvidos. Dos 25 países com as populações mais velhas, 24 são
europeus. O Japão vive o 5º ano consecutivo de queda de sua população geral pelas baixíssimas taxas de natalidade e da incrível sobrevida de sua
população – a expectativa de vida de uma mulher ao nascimento no Japão é de 88 anos.

DICA

Convém verificar as pirâmides etárias do Brasil e de vários países do mundo e suas projeções em
http://populationpyramid.net/pt/brasil/2016/.
Figura 1 - Pirâmide etária de Portugal e suas projeções conservadoras para 2035 e 2060
Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Portugal.

Nos países em desenvolvimento, é alarmante a velocidade com a qual a população está envelhecendo. Levando em conta o tempo para dobrar a
população acima de 65 anos de 7% para 14%, enquanto a Suíça levou 85 anos, o Brasil levará apenas 21!
A menor mortalidade em todas as idades tem grande impacto na distribuição etária de toda a população, especialmente na mais idosa. A
expectativa de vida de um indivíduo de idade x é definida como a quantidade de anos em média que se espera que um indivíduo na idade x
sobreviva. A expectativa de vida ao nascimento é o dado mais conhecido e mais divulgado pela mídia, que, no Brasil, é de 74 anos. Aos 60 anos, a
expectativa de vida é de 21 anos – ou seja, espera-se que um indivíduo de 60 anos viva, em média, mais 21 anos (até seus 81). Pode parecer
estranho pensar dessa maneira, mas devemos levar em conta que o indivíduo que chegou aos seus 60 anos sobreviveu à mortalidade infantil e às
doenças da infância e do adulto jovem que poderiam ter abreviado sua vida, restando-lhe, assim, mais anos de vida, em média.

3. No Brasil
A população idosa brasileira está aumentando em ritmo acelerado. Dentro da própria faixa etária, vemos alterações também. O grupo de quem
está acima de 80 anos é o que mais tem crescido. De meros 170.000 em 1940, o país, em 2010, já tinha mais de 2,8 milhões de octogenários, o que
representa um crescimento de 16 vezes. Nesse ritmo, espera-se que o número cresça para 13,7 milhões em 2040 – perfazendo 6,7% da população
total brasileira e quase 25% da população idosa.
Figura 2 - Pirâmide etária brasileira Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 2010).Nos últimos 10 anos, o país passou de 9 para
13% de idosos em sua população (de 16 para 26 milhões). O que temos visto, também, é um aumento da proporção de mulheres na população, em
especial entre os idosos.

As taxas de mortalidade são menores entre o sexo feminino, o que faz que a população feminina cresça a taxas mais elevadas do que a masculina,
de maneira que, quanto mais idoso o segmento estudado, maior a proporção de mulheres nesse segmento da população. Aproximadamente
55,7% dos idosos brasileiros eram mulheres, segundo dados de 2010.
Outro fato evidenciado pelo instituto é o crescimento da proporção de idosos responsáveis pelo domicílio entre 1992 e 2000, o que evidencia
como o envelhecimento está moldando as relações familiares e financeiras.

DICA

A proporção de mulheres para homens tende a aumentar conforme aumenta a faixa etária da população.
Figura 3 - Taxa de fecundidade no Brasil- 1940/2010
Fonte: IBGE.

Veja, na Figura 4, que, na última década, o Brasil cruzou o valor de reposição populacional (2,1). Dado atualizado de 2014 mostra taxa de
fecundidade em 1,74.

Figura 4 - Taxa de fecundidade – Brasil, de 2000 a 2013 Fonte: IBGE.

Ao mesmo tempo em que a taxa de fecundidade caiu, os idosos contaram com ganho na expectativa de vida. A Figura 5 mostra o ganho absoluto
em anos de vida por faixa etária, para os brasileiros, entre os anos de 1991 e 2000.
Figura 5 - Ganhos absolutos nas esperanças de vida às idades exatas no período de 1991 a 2000
Fonte: IBGE.

Porém, só percebemos o impacto quando analisamos o ganho percentual na esperança de vida. Veja que os octogenários têm expectativa de 10%
a mais de vida que a mesma faixa etária 1 década atrás.

Figura 6 - Ganhos relativos nas esperanças de vida às idades exatas no período de 1991 a 2000
Fonte: IBGE.

PERGUNTA
2009 - SES-DF
1. Com relação à transição demográfica no Brasil, pode-se dizer que o envelhecimento da população nos últimos anos:
a) processou-se de forma abrupta, muito mais rápida que nos países europeus
b) é pouco relevante para a saúde no que se refere às demandas atuais por atenção médica
c) se deve ao processo de distribuição mais eficiente das consultas médicas, que reduziram a taxa de mortalidade brasileira
d) se deve ao Programa Nacional de Controle da Natalidade, implantado pelo Ministério da Saúde, desde 1977
e) não deve ainda ser considerado no conjunto das políticas públicas para a saúde

Resposta no final do capítulo

4. Transição epidemiológica
Esse conceito está ligado às alterações das causas de morte sofridas pela população ao longo do último século.
No início do século passado, as doenças infecciosas constituíam a grande causa de morte em todas as faixas etárias. Com o processo de
urbanização, imunizações, acesso a saúde e desenvolvimento de antibióticos, as doenças infecciosas sofreram grande declínio como causa de
morte na evolução histórica.
Houve, concomitantemente, aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis como hipertensão, diabetes, doença renal crônica,
doença pulmonar obstrutiva crônica etc. A doença cardiovascular despontou como principal causa de morte no mundo moderno devido à alta
prevalência de obesidade e de sedentarismo na população. A Figura 7 mostra a evolução histórica das causas de mortalidade:

Figura 7 - Evolução histórica da mortalidade por causas no BrasilFonte: Barbosa da Silva e colaboradores. In: Rouquayrol & Almeida Filho:
Epidemiologia & Saúde, 2003.

Desta maneira, temos a substituição das doenças transmissíveis por não transmissíveis como 1ª causa de morte. O controle de doenças crônicas
leva a morbidade a prevalecer sobre a mortalidade e a maior carga de morbidade, sendo deslocada para as faixas mais idosas da população.

DICA

Na transição epidemiológica, há substituição das doenças transmissíveis por não transmissíveis como 1ª causa de morte, além de deslocamento
da maior carga de morbidade dos jovens aos idosos.

O Brasil não tem passado pelo processo de transição epidemiológica como os países desenvolvidos. Há superposição de etapas, com predomínio
de doenças transmissíveis e crônicas não transmissíveis, em alguns momentos com ressurgimento de doenças como dengue, cólera e alta
incidência de hanseníase ou leishmanioses. As dimensões geográficas do país e as grandes diferenças regionais explicam, em parte, as diferenças
encontradas nesse processo. Também é alarmante a elevada taxa de mortalidade de jovens e adultos por causas externas (violência/trânsito).
O avanço da Medicina não é o principal responsável pela alteração do padrão de mortalidade de uma população. As variáveis econômicas e sociais
desempenham papel importante, porém de difícil mensuração, na transição epidemiológica.

IMPORTANTE

Convém considerar as mudanças ocorridas nos padrões de morte, morbidade e invalidez que caracterizam a população e ocorrem em conjunto
com transformações demográficas, sociais e econômicas.

A transição epidemiológica continua a ocorrer em países desenvolvidos, e projeções são feitas a respeito da sobrevida da população, a partir do
momento em que determinadas doenças são “curadas”. Imagine que, por um desenvolvimento tecnológico, se encontre a cura do câncer, e a
projeção norte-americana para a sobrevida da população é de cerca de 84 anos; acredita-se que a expectativa de vida atinja cerca de 95 anos.

Figura 8 - Expectativas de acordo com “curas teóricas”

5. Envelhecimento e sociedade
O mundo está envelhecendo. Esse processo, no âmbito individual, está ligado à perda gradual das reservas orgânicas, dificuldade crescente de fazer
frente aos estresses do meio ambiente e progressivas limitações físicas. O maior desafio é contribuir para que os idosos possam viver sua vida com
o máximo de qualidade possível, inseridos na sociedade, no contexto familiar e mesmo no econômico. Para se atingir uma sociedade sustentável,
deve-se valorizar o idoso e respeitar as suas limitações, permitindo-lhe viver ativamente até as idades mais avançadas.

PERGUNTA
2016 - MEDCEL
2. Responda (V) para Verdadeiro ou (F) para Falso para as seguintes afirmativas:
( ) O aumento proporcional das doenças crônico-degenerativas é parte do processo de transição epidemiológica.
( ) A maior mortalidade por doenças infectocontagiosas está relacionada ao envelhecimento populacional.
( ) A população economicamente ativa está diminuindo nos países desenvolvidos.
( ) O sistema de saúde se organiza de forma semelhante para lidar com agravos crônicos e agudos.
a) F, V, V, F
b) V, V, F, F
c) V, F, V, F
d) V, V, V, V
Resposta no final do capítulo

RESUMO
QUADRO-RESUMO
- A transição demográfica é caracterizada por taxa de fecundidade baixa e pela redução da mortalidade nas idades mais avançadas;
- O Brasil está passando pela transição demográfica. A população idosa está crescendo em ritmo acelerado. O grupo de quem está acima dos 80
anos é o que mais cresce, e as taxas de mortalidade são menores entre o sexo feminino;
- A transição epidemiológica diz respeito às mudanças ocorridas nos padrões de morte, morbidade e invalidez. Caracteriza-se pelo aumento de
doenças crônicas não transmissíveis e diminuição de doenças infecciosas e transmissíveis;
- O maior desafio da sociedade é contribuir para que os idosos possam viver sua vida com o máximo de qualidade possível, inseridos na
sociedade, sendo valorizados e respeitados nas suas limitações.

Respostas das questões do capítulo


1. A
2. C
02
Aspectos biológicos do envelhecimento
César Augusto Guerra

O envelhecimento é um processo que evidencia a dificuldade de adaptação do organismo ao meio ambiente, levando a maior incidência de
doenças e maior risco de morte. Envelhecer é um processo multifatorial, no âmbito individual, e heterogêneo, no âmbito populacional. No
Brasil, principalmente no âmbito legal, é considerado idoso aquele com mais de 60 anos. Senescência e senectude incluem alterações orgânicas
e funcionais inerentes ao envelhecimento normal; já senilidade se refere às modificações determinadas por afecções bastante frequentes entre
os idosos. O processo biológico de envelhecimento (acúmulo gradual de danos molecular, celular, tecidual e orgânico) não é inteiramente
passivo; nele 5 fatores contribuintes foram percebidos: genes, nutrição, estilo de vida, ambiente e acaso. Diferentes teorias tentam explicar o
processo, dentre elas aquelas estocásticas, como proteínas alteradas, mutações somáticas e dano ao DNA, erro catastrófico, dano
oxidativo/radicais livres e acúmulo de lipofuscina; e sistêmicas, como metabólica, genética, apoptose, fagocitose e autofagia.

1. Introdução
Primeiramente, vamos definir o que é envelhecimento. É preciso compreender que existem diversos tipos de marcadores, sendo os mais comuns
aqueles que caracterizam as seguintes idades: biológica, cronológica, psicológica e social.
Do ponto de vista social, define-se idoso aquele acima de 65 anos, em países desenvolvidos, e acima de 60 anos na maioria dos países em
desenvolvimento. No Brasil, em alguns aspectos (principalmente no âmbito legal), é considerado idoso aquele com mais de 60 anos.
Muito se discute sobre o processo de envelhecimento, e, embora seja tão presente na natureza, seus determinantes biológicos ainda não estão
bem esclarecidos. Alguns afirmam que o envelhecimento começa logo após a concepção, ao passo que outros afirmam que ocorre somente
próximo ao final da vida. Aceita-se que as alterações do envelhecimento tenham início a partir do final da 3ª década de vida.
Quando observamos o processo da vida como um continuum (Figura 1), percebemos a mudança entre faixas etárias com mais clareza durante a
infância e a adolescência, com a presença de eventos biológicos marcantes, como a maturidade do sistema reprodutor. Porém, da idade adulta até
a velhice, os limites se tornam mais tênues e dependentes de fatores genéticos, ambientais e do estilo de vida. A mulher tem, na perda da
fertilidade (menopausa), um marcador biológico temporal de envelhecimento.
O envelhecimento é um processo que evidencia a dificuldade de adaptação do organismo ao meio ambiente, levando a maior incidência de
doenças e a maior risco de morte. Envelhecer é um processo multifatorial, no âmbito individual, e heterogêneo, no âmbito populacional.
Vemos, com certa frequência, na mídia, histórias de idosos extremamente ativos ou realizando feitos inacreditáveis para a idade. No Brasil, tivemos
um grande exemplo de envelhecimento bem-sucedido: Oscar Niemeyer, que produziu até os 104 anos, quando desenvolveu seu último projeto – o
Museu Pelé, em Santos –, embora não tenha visto sua conclusão. Um britânico, chamado Buster Martin, que não teve grande repercussão na mídia
nacional – faleceu também aos 104 anos –, em 2008 completou a Maratona de Londres. Obviamente, o envelhecimento saudável não é regra. Para
cada pessoa de 100 anos ativa, certamente haverá uma grande maioria de acamados e dependentes. Os determinantes dessas diferenças são o
grande objeto de estudo da Geriatria e da Gerontologia atual. O objetivo é mudar o curso de um envelhecimento com debilidade, fragilidade e
dependência para um envelhecimento ativo, funcional e com qualidade de vida.
Essa é a mudança de paradigma da saúde atual e a visão do geriatra, que se baseia na funcionalidade mais do que na mera presença ou na ausência
de doenças.

Figura 1 - O processo de envelhecimento


2. Senilidade versus senescência

TEMA FREQUENTE DE PROVA

Dentro da Geriatria, o conhecimento de senescência e senilidade é importante, sendo visto em várias questões.

Senescência e senectude são sinônimos e incluem as alterações orgânicas e funcionais inerentes ao envelhecimento normal. Já senilidade se refere
às modificações determinadas por afecções bastante frequentes entre os idosos.
Seguindo o raciocínio, osteoartrose é uma doença muito prevalente no idoso, porém não é natural do envelhecimento, logo é classificada como
senilidade. O mesmo serve para demência, catarata, incontinência urinária ou mesmo câncer. Presbiopia, presbiacusia, alterações tróficas cutâneas
ou genitais são naturais com o envelhecimento dos sistemas orgânicos aos quais pertencem, logo podem ser definidas como senescência.

Tabela 1 - Diferenças entre senescência e senilidade


Senescência
- Presbiopia;
- Presbiacusia;
- Xerodermia;
- Alteração trófica genital;
- Diminuição do metabolismo basal;
- Boca seca.

Senilidade
- Catarata;
- Transtorno cognitivo/demência;
- Osteoartrose;
- Incontinência urinária;
- Hipotireoidismo;
- Perda dentária.

O leigo e os profissionais da área de saúde não familiarizados com a Geriatria costumam fazer uso indevido do conceito de senilidade (com um
significado mais amplo e impreciso). Em decorrência dessa confusão, sintomas importantes são comumente atribuídos à idade, perdendo-se,
assim, oportunidades diagnósticas e terapêuticas.

DICA

Senescência é um processo biológico (natural) do envelhecimento, enquanto senilidade é um processo patológico frequente ao
envelhecimento.

PERGUNTA
2013 - UFAM
1. Para a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o envelhecimento é “um processo sequencial, individual,
acumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro”. (BRASIL, 2006) Este é o
processo natural (senescência), mas as condições patológicas (senilidade) podem requerer assistência. É exemplo de
senilidade:
a) algum grau de declínio da acuidade auditiva, mais frequentemente a presbiacusia
b) incapacidade de manter o controle das necessidades fisiológicas, principalmente, incontinência urinária
c) mudança na quantidade e na distribuição do tecido adiposo subcutâneo
d) redução na amplitude de movimentos tanto dos braços quanto das pernas, o que modifica a marcha
e) a diminuição da altura pela compressão dos corpos vertebrais, mudança nos discos intervertebrais e perda de tônus muscular

Resposta no final do capítulo

3. Teorias do envelhecimento
Diversas são as teorias do envelhecimento. Após a premiação Nobel pelo seu trabalho, em 1960, Sir Peter Medawar instigou muitos pesquisadores
a investirem nesse campo de pesquisa. Houve um grande avanço, porém ainda estamos muito longe de uma teoria definitiva ou de um
entendimento completo desse processo.

DICA

Existem 5 fatores contribuintes ao envelhecimento individual: genes, nutrição, estilo de vida, ambiente e acaso.

O processo biológico de envelhecimento – entendido como um acúmulo gradual de dano molecular, celular, tecidual e orgânico – não é
inteiramente passivo. Mecanismos de manutenção e reparo fazem frente a esses danos e são controlados pelos genes. A regulação, a expressão e
o dano a esses genes, por sua vez, são influenciados por fatores extrínsecos. Desta forma, percebemos os 5 fatores contribuintes ao
envelhecimento individual: genes, nutrição, estilo de vida, ambiente e acaso.

A - Estocásticas
a) Uso e desgaste
A teoria do uso e do desgaste postula que o envelhecimento decorre de danos acumulados pelos usos celular, orgânico ou sistêmico. Infecções,
ferimentos e agressões durante o período de vida levam a células envelhecidas. Apesar de parecer intuitivo, essa não é uma teoria muito aceita,
pois não está de acordo com conhecimentos científicos atuais. Danos são reparados incessantemente no nosso organismo, níveis moderados de
estresse tecidual podem aumentar a longevidade, e animais criados em contexto superprotetor não são mais longevos.

b) Proteínas alteradas
Alterações estruturais em proteínas, dependentes do tempo, levariam a alteração da função e comprometeriam a eficiência celular. Possivelmente,
enzimas alteradas são moléculas de longa vida, com baixo turnover, desta forma permanecendo por longo tempo dentro da célula, podendo
causar alteração significativa no ambiente citoplasmático. Exemplo: o aumento de ligações cruzadas nas moléculas de colágeno leva a
enrijecimento arterial conhecido que aumenta a pressão sistólica, alterando, assim, a função de diversos outros sistemas. Tendo em vista que 1/3
do conteúdo proteico de um mamífero é colágeno, é possível imaginar o impacto da alteração desse componente no envelhecimento como um
todo.

c) Mutações somáticas e dano ao DNA


São 2 os tipos de agressões que o DNA pode sofrer: mutação e danos. As mutações são alterações nas sequências de polinucleotídeos, de modo
que os pares de bases sofram deleções, acréscimos, substituições ou rearranjos. Cromossomos humanos idosos parecem ser mais sujeitos a
agressões do que jovens. Os danos ao DNA podem ser causados por fatores intrínsecos ou extrínsecos, e essas alterações produzem erros
estruturais que interrompem, modificam ou quebram a cadeia de DNA. Os efeitos de dano e mutações são similares, mas os processos são
distintos, e ambos podem interferir na expressão gênica.
Há um aumento no número de anormalidades cromossômicas em células somáticas ao longo da vida, principalmente em resposta a radiação ou a
mutagênicos, mas não há suporte experimental para que tais anormalidades estejam relacionadas à redução de longevidade. As evidências de
alteração de material gênico estão mais correlacionadas à presença de câncer do que à alteração de função.
A telomerase é a enzima que encurta o telômero cromossômico a cada divisão celular (Figura 2). A divisão celular cessa a partir do momento em
que não é possível encurtar mais o telômero. Apesar de essa teoria ser promissora e alguns estudos em curso tentarem reduzir a atividade da
telomerase, visando aumentar a longevidade, o assunto permanece controverso.

Figura 2 - O processo de encurtamento de telômeros com a divisão celular

d) Erro catastrófico
Algum processo incorreto de transcrição ou de tradução de ácidos nucleotídicos levaria a um efeito “cascata”, que culminaria com uma ineficiência
celular letal. Se ocorressem em número de células suficiente, levariam a declínio na capacidade funcional, característica do envelhecimento. Testes
eletroforéticos de transcrição proteica de DNA foram realizados e observou-se que o maquinário de síntese proteica tem margem de erro
minúscula, quase imperceptível.

e) Dano oxidativo/radicais livres


A respiração celular aeróbica é responsável pela produção de energia necessária para manter todos os processos orgânicos ativos. O oxigênio é vital
para a respiração que ocorre nas mitocôndrias e, apesar de ser capaz de fornecer grande quantidade de energia, também é responsável por um
processo de oxidação molecular. A oxidação em substâncias inorgânicas leva a formação de ferrugem, por exemplo, e nos organismos pode lesar
proteínas, DNA etc. Diversos distúrbios estão relacionados ao efeito de espécies ativas de oxigênio, como catarata e doença cardiovascular. Essa
teoria postula que os níveis de estresse oxidativo aumentam com a idade. Um contraponto é a variabilidade da longevidade entre espécies animais
e suas diferentes taxas metabólicas. Da mesma maneira, não há redução de enzimas reparadoras de DNA no idoso, e a suplementação de
alimentos ou substâncias antioxidantes não aumentou a longevidade em modelos experimentais. Testes clínicos em humanos também não
mostraram aumento de longevidade com o uso de antioxidantes.

f) Acúmulo de lipofuscina
As lipofuscinas são produzidas como resultado da auto-oxidação de componentes de membrana, primeiramente observados em neurônios e no
músculo cardíaco como pigmentos castanho-amarelados. Seu acúmulo tem sido relacionado com o envelhecimento de vários tecidos, porém não
se conhece nenhuma evidência de que a substância seja danosa. Por outro lado, o processo metabólico poderia associar-se à formação de outras
substâncias ainda não identificadas que se acumulariam dentro da célula, como a lipofuscina, e que teriam implicações prejudiciais nos processos
celulares. Essa acumulação tem sido proposta como medida de função metabólica da célula, ao invés da idade cronológica.
B - Sistêmicas
a) Metabólica
É sabido que animais grandes têm metabolismo mais lento e tendência a maior longevidade, ao passo que animais pequenos têm metabolismo
mais acelerado e propensão a menor longevidade. Sabe-se também que a taxa metabólica basal diminui com a idade. Além disso, já foi mostrado
em estudo que uma taxa metabólica basal alta é fator de risco para mortalidade em humanos. A teoria da taxa de vida – que postula que a
longevidade seria inversamente proporcional à taxa metabólica – foi inspirada em observações errôneas, em que espécies de mamíferos de
longevidade semelhantes gastavam quantidade similar de energia por peso corpóreo. Porém, as experiências mostraram que as diferentes
espécies de mamíferos apresentam um espectro de gasto metabólico grande, de 220 a 780kcal/g por tempo de vida.
A controvérsia é ampla em torno dos experimentos nessa área, e as ferramentas de estudo são limitadas.

b) Genética
Trata-se de uma teoria complexa que sugere que as mudanças em expressão gênica causam as modificações do envelhecimento. Podem
manifestar-se de maneira geral ou específica, intra ou extracelular. Modificações graduais na estrutura dos cromossomos levariam à ativação ou
inativação de diferentes genes contidos neles. Com o avanço da idade, a eucromatina (DNA cromossômico que participa de transcrição) seria
lentamente convertida em heterocromatina (parte do DNA não transcrita em proteína). Essa hipótese é mais determinista do ponto de vista
genético, sendo menor o papel modificador de fatores externos (dieta, temperatura, exercício etc.). Os estudos nesse campo têm gerado notável
quantidade de dados, cujos elos biogenéticos e significados fisiológico e funcional não podem ser estabelecidos com segurança.

c) Apoptose
A morte celular programada é o mecanismo celular fundamental para o desenvolvimento e o funcionamento do organismo, responsável pela
eliminação de células danificadas ou desnecessárias. A perda da regulação apoptótica pode levar a problemas de cicatrização tecidual, o que já foi
aventado como possível explicação para o envelhecimento, porém a apoptose existe durante todo o processo de maturação e desenvolvimento
do organismo, podendo explicar em parte o processo. A demonstração detalhada da apoptose in vivo é um trabalho de difícil execução.

d) Fagocitose e autofagia
A presença de proteínas típicas de membrana em células senescentes as identificaria para um processo de destruição por outras células, como os
macrófagos. A autofagia descreve o envelhecimento como uma insuficiência do mecanismo catabólico. As células, incapazes de reciclar seu
conteúdo intracelular, passam por um processo de autodestruição ou autofagia. Os biogerontólogos, porém, aceitam a fagocitose apenas como
um dos mecanismos que podem contribuir para o envelhecimento. Vale lembrar que nem todos os seres vivos possuem sistema de células
fagocitárias.

e) Neuroendócrina
A alteração das funções integradoras do sistema endócrino levaria a um desequilíbrio homeostático, à senilidade e à morte. O envelhecimento está
associado ao aumento da atividade inflamatória e a níveis elevados de cortisol como forma de defesa a esses processos – podendo levar à
resistência insulínica e ao aumento de risco cardiovascular. Há muitos estudos nesse ramo, tendo em vista as suas implicações no desenvolvimento
de tratamentos para doenças crônico-degenerativas, muito prevalentes no envelhecimento.

f) Imunológica
Trata-se de um déficit do sistema imune que se correlaciona com menor produção de anticorpos e menor resposta a imunização e infecções.
Idosos apresentam sistema imune que reagiu de forma bem-sucedida a muitos estresses e conseguiram produzir memória imune e células de
defesa capazes de lidar com muitos estímulos antigênicos. A imunossenescência é bem mais que uma simples “exaustão” do sistema imune; parece
ser parte de uma desregulação entre a imunidade inata e a adquirida. A disfunção imune pode, inclusive, correlacionar-se com doenças autoimunes
e câncer.

g) Hormese, resistência ao estresse


É característica do envelhecimento dificuldade de resposta a agentes estressores (tanto endógenos como exógenos) – frio, toxinas, bactérias etc.
Contudo, as evidências mostram que a exposição regular a estresse leve a moderado durante a vida se correlaciona com maior longevidade. À 1ª
vista, parece contraditório dizer que exercício físico é benéfico – há aumento do consumo de oxigênio (radicais livres), microlesões musculares e
esqueléticas, bem como produção de ácido láctico e outros produtos tóxicos. Porém, o que as evidências mostram é maior atividade de
proteossomos e reparação de DNA, bem como diminuição de processos inflamatórios e de radicais livres em indivíduos e animais de
experimentação sujeitos a maior nível de atividade física, quando comparados com sedentários.
A hipótese da hormese é a base científica para o estímulo a um estilo de vida saudável. Aparentemente, o organismo responde positivamente a
estresses leves a moderados, mas não quando o estresse supera a capacidade de reparação do organismo.
Desde 1935, estudos apontam que a restrição calórica aumenta a longevidade. Essa evidência foi estudada desde fungos até primatas, e até pouco
tempo acreditava-se que a redução de 20 a 40% da ingestão calórica poderia ter efeitos benéficos para o envelhecimento. Entretanto, evidências
mais recentes têm questionado essa intervenção e sugerem que em humanos ela não seja tão bem-sucedida. Acredita-se que possa haver mais
relação com a composição da dieta do que com a quantidade de calorias ingerida e que intervenções periódicas possam ter o mesmo efeito.

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Envelhecer é um processo multifatorial, no âmbito individual, e heterogêneo, no âmbito populacional.

Senescência Alterações orgânicas e funcionais inerentes ao envelhecimento

Senilidade Alterações patológicas comuns em idosos

Teorias do envelhecimento
Estocásticas
Uso e desgaste Teoria não muito aceita

Proteínas alteradas Alterações proteicas tempo-dependentes que levam a envelhecimento celular

Mutações somáticas e dano ao Mais correlacionadas à presença de câncer do que ao processo de envelhecimento
DNA
Erro catastrófico Declínio da capacidade funcional causado pelo efeito “cascata” a partir da transcrição e da tradução incorretas

Dano oxidativo/radicais Níveis de estresse oxidativo que aumentam com a idade


livres
Acúmulo de lipofuscina Relacionado com o envelhecimento de vários tecidos

Sistêmicas
Metabólica A taxa metabólica basal diminui com o envelhecimento.

Genética Alterações genéticas causam as modificações do envelhecimento.

Apoptose É fundamental para manter a homeostasia do organismo. Perda de controle apoptótico pode levar a
envelhecimento tecidual.

Fagocitose e autofagia A fagocitose de células senescentes e a autofagia pela incapacidade de reciclagem celular são características
do envelhecimento.

Neuroendócrina A alteração desse sistema levaria a desequilíbrio homeostático, senilidade e morte.

Imunológica A desregulação imunológica torna o organismo suscetível a agressões, infecções e falha de resposta
adaptativa.

Hormese e resistência ao A resposta a agentes estressores se fortalece, caso esse estímulo não supere a capacidade de recuperação do
estresse organismo.

Resposta da questão do capítulo


1. B
03
Fisiologia do envelhecimento
César Augusto Guerra

Quando envelhecemos, diversas alterações fisiológicas se iniciam, devido ao processo natural de senescência. Quanto à composição corpórea, o
idoso perde água intracelular, e aumenta a porcentagem de gordura corpórea. A perda de força muscular é contínua e global no idoso e
proeminente em grupos musculares, como antebraço e panturrilha. No sistema respiratório, caixa torácica, pulmões e diafragma sofrem
alterações que comprometem sua complacência. Devido à alta prevalência de doenças cardiovasculares nos idosos, há certa dificuldade em
reconhecer alterações como decorrentes apenas do processo de envelhecimento, porém se nota que o miocárdio sofre com depósito mieloide,
enquanto as valvas sofrem progressiva calcificação. O idoso apresenta menos dentes, menor trofismo gengival, secreção de saliva e maior
dificuldade mastigatória e incoordenação para deglutição, enquanto no cólon há comprometimento da resistência da parede colônica e
pressões intraluminais elevadas. No sistema urinário, os rins perdem mais pronunciadamente a camada cortical em relação à camada medular,
além da perda em número de glomérulos; a membrana basal, por sua vez, sofre espessamento por processos inflamatórios. O sistema nervoso
sofre diminuição no volume e peso cerebral, com aumento compensatório de células gliais, sem alteração da micróglia, além de perda de
axônios e diminuição no número de conexões sinápticas e de redução de mielina (esta representada em exames de imagem como leucoaraiose
periventricular). Já no sistema endócrino há redução de T4, aumento de TSH e redução da conversão de T4 em T3; o paratormônio (PTH) pode
estar mais elevado no idoso, o que facilita a perda óssea.

1. Introdução
Neste capítulo, vamos relacionar as mudanças fisiológicas do envelhecimento, para que, diante de um idoso, o estudante direcione o raciocínio
clínico, sabendo diferenciar entre senescência e senilidade.

2. Composição corpórea
Há diminuição da água intracelular, tornando o idoso potencialmente desidratado com mais facilidade. Também há aumento da porcentagem de
gordura corpórea, em substituição à perda de musculatura. Há perda mais pronunciada de fibras tipo II (rápida) e acúmulo de gordura na cintura
pélvica. Atenção para a prescrição de medicações hidrossolúveis (como digoxina) e lipossolúveis (como psicotrópicos), de efeitos mais
pronunciados entre os idosos, que podem chegar facilmente a níveis tóxicos.
A perda de massa e de qualidade muscular relacionada ao envelhecimento é substrato para um processo chamado sarcopenia e, como
consequência, a síndrome de fragilidade, relacionadas ao aumento das incapacidades e da fragilidade entre idosos – discutido em capítulo à parte
(Fragilidade).

DICA

O idoso perde água intracelular, e aumenta a porcentagem de gordura corpórea.

A - Pele
A pele torna-se seca e com papilas menos profundas, com diminuição de melanócitos e fibras elásticas e colágenas, levando à formação de rugas e
a maior predisposição a lesões e bolhas, bem como maior incidência de câncer de pele. O tecido celular subcutâneo também está diminuído, assim
como a vasculatura (fragilidade vascular), levando a maior frequência de dermatites e hematomas. Os fâneros não fogem à regra, e o
embranquecimento do cabelo ocorre por perda de melanócitos nos bulbos capilares.
Figura 1 - Corte histológico de pele de jovem (A) comparado com a pele de um idoso (B) corada por hematoxilina e eosina

B - Musculatura
A diminuição da força muscular é contínua e global, porém mais proeminente em alguns grupos musculares, como o antebraço e a panturrilha. Tais
mudanças contribuem para alteração na marcha e dificuldade para atividades mais complexas. A diminuição de corpúsculos de Meissner e Pacini
(tato fino e pressão) também ocorre, ocasionando a incoordenação motora.
Resultados de tomografia computadorizada mostraram que, após os 30 anos, há diminuição na área de musculatura no corte seccional da coxa,
bem como diminuição da densidade muscular relacionada a aumento de gordura intramuscular. O número de fibras musculares na secção do
vasto lateral da coxa aferido em autópsia é 23% menor em idosos quando comparado com jovens.
Figura 2 - Comparação da secção transversal da coxa de paciente de 25 anos (A) com a de paciente de 63 anos (B), ambos sedentários

Repare, na Figura 2, na quantidade de tecido muscular e de gordura em cada figura e a infiltração gordurosa no músculo (não apenas no
subcutâneo).

IMPORTANTE

A redução de massa muscular no idoso se acentua a partir dos 80 anos e, embora parte de um processo natural do envelhecimento, é ponto-
chave no desenvolvimento de fragilidade. Outras síndromes geriátricas complexas, como quedas, imobilismo etc., estão relacionadas a redução
de massa e força muscular. O impacto da perda muscular é direto na capacidade física (para realizar as atividades de vida diária) e nos desfechos
de doenças.

Nesse momento, vemos a importância da atividade física para a prevenção da perda funcional e a manutenção da força muscular, bem como a
prevenção de todas as doenças que já conhecemos, relacionadas ao sedentarismo.
Discutiremos sobre marcha, postura e equilíbrio em capítulo dedicado. Também veremos mais sobre fragilidade, imobilismo e quedas em capítulo
específico.

DICA

A perda de força muscular é contínua e global no idoso e proeminente em grupos musculares como antebraço e panturrilha. Um parâmetro
utilizado na prática clínica para avaliar massa muscular é a circunferência de panturrilha.

3. Sistema respiratório
A caixa torácica, os pulmões e o diafragma sofrem alterações que comprometem a complacência do sistema respiratório. A complacência é a
capacidade de resistir a pressões e distender-se sem ocorrer rupturas. A diminuição da altura das vértebras, associada a cifose e calcificação das
articulações condroesternais e condrovertebrais, reduz o tamanho da caixa torácica e a expansibilidade do tórax, com interferência na contração
muscular do diafragma por essas deformidades. Além disso, há perda da retração elástica do pulmão, por mudanças de configuração do colágeno.
Assim, os mecanismos de defesa contra infecções estão alterados, com espessamento do muco e redução do clearance mucociliar. No nível
imunológico, há aumento da relação CD4+/CD8+ e maior resposta macrofágica alveolar na liberação de radicais livres em resposta a estímulos
antigênicos e ambientais.
A VO2 diminui a partir dos 25 anos, a capacidade vital chega a diminuir 75% entre a 2ª e a 7ª décadas de vida, e o volume residual aumenta cerca de
50%. O fluxo expiratório máximo (peak flow) tende a diminuir com a idade. O VEF1 (Volume Expiratório Forçado no 1º segundo) reduz de 20 a
29mL por ano na velhice. A sensibilidade de quimiorreceptores carotídeos diminui e, por conseguinte, há menor adaptação ao exercício. Também,
por tais alterações, há maior predisposição a infecções pulmonares. A pressão parcial de oxigênio sanguíneo decai cerca de 4% por década de vida
após os 30 anos, sendo a fórmula seguinte indicada para a estimativa desse valor, de acordo com a idade:
paO2 esperada = 100 - (idade/3)

DICA

A capacidade vital chega a diminuir 75% entre a 2ª e a 7ª décadas de vida, e o volume residual aumenta cerca de 50%.

4. Sistema cardiovascular
Devido à alta prevalência de doenças cardiovasculares nos idosos, há certa dificuldade em reconhecer alterações como decorrentes apenas do
processo de envelhecimento.
O miocárdio sofre alterações comparáveis com a vasculatura, pois a matriz extracelular sofre diminuição de elastina e aumento de fibronectina,
com proliferação de fibroblastos. O processo de degeneração muscular com substituição por tecido fibroso tende a gerar alterações que podem ser
interpretadas como isquemia crônica. Ocorre acúmulo de gordura nos átrios e no septo interventricular, porém pode ocorrer em todas as paredes
dos ventrículos. Esse fato, na maioria das vezes, não afeta clinicamente o paciente, porém pode favorecer o aparecimento de arritmias atriais.
Há depósito mieloide no miocárdio com o passar da idade e, em pacientes acima de 70 anos, pode chegar a 80% de prevalência. Esse depósito está
relacionado à presença de insuficiência cardíaca, independente de outra causa, e se ocupar a região do nó sinoatrial pode levar a arritmias atriais.
As valvas sofrem progressiva calcificação, principalmente nas câmaras esquerdas e, embora haja espessamento e degeneração valvar, poucos
idosos sofrerão alterações significativas para uma manifestação clínica. Frequentemente, encontra-se sopro mitral ou aórtico ao exame clínico de
um idoso, porém sem necessariamente estar relacionado a disfunção valvar de grau importante. A probabilidade de endocardite infecciosa sem
doença cardíaca aparente geralmente aumenta com a idade.
Ocorrem hipertrofia do ventrículo esquerdo e aumento de fibras colágenas, bem como acúmulo da proteína amiloide (porém, sobre o último ainda
é discutível o fato de ser parte natural do processo de envelhecimento).
Há ainda alteração da estrutura da camada média arterial e diminuição da elastina, com endurecimento arterial, aumentando assim a velocidade de
onda e a impedância arterial. Logo, é muito comum a hipertensão arterial sistólica entre idosos. Em decorrência disso há aumento da pós-carga, o
que leva a contração e relaxamento prolongados, com aumento de ventrículo e átrio esquerdos, bem como do fluxo diastólico final. É normal o
aumento de diâmetro da aorta, especialmente na área do arco aórtico (visualizado em radiografia de tórax), porém sem grande aumento de
diâmetro na sua porção ascendente proximal.

DICA

Convém lembrar que a calcificação valvar no idoso ocorre, principalmente, nas câmaras esquerdas.

As células de marca-passo no nó sinoatrial também se tornam deficientes, o que aumenta a possibilidade de arritmias.

Tabela 1 - Alterações cardiovasculares no idoso


Miocárdio
- Acúmulo de gordura;
- Fibrose;
- Depósito de lipofuscina;
- Calcificação;
- Amiloidose;
- Hipertrofia concêntrica.

Pericárdio
Espessamento fibroso

Aorta
- Dilatação;
- Calcificação;
- Rigidez.

Valvas
- Degeneração;
- Calcificação.

Coronárias
- Calcificação de parede;
- Tortuosidade;
- Dilatação.

Sistema autônomo
- Diminuição da resposta beta-adrenérgica;
- Menor resposta inotrópica.

5. Sistema gastrintestinal
O idoso apresenta menos dentes, menores trofismo gengival, secreção de saliva e maior dificuldade mastigatória e
incoordenação para deglutição. A avaliação da sua saúde bucal envolve o exame da cavidade oral, a adequação de próteses
dentárias e o treinamento fonoaudiológico, quando indicado. Embora seja comum a perda dentária, é possível o idoso manter
a dentição própria durante toda a vida.
O esôfago sofre alterações de motilidade, aperistalse, distúrbios funcionais do esfíncter inferior e contrações não propulsivas.
Há presença de refluxo na mesma proporção que em jovens, porém o conteúdo ácido permanece no esôfago do idoso por
mais tempo.
A broncoaspiração é muito comum, mesmo a microaspiração. Jovens também apresentam microaspiração, mas, como vimos, o
idoso está mais sujeito a infecções por outras razões.
O estômago perde mecanismos de proteção, como diminuição da secreção de bicarbonato e de prostaglandinas, e também da
motilidade e da secreção de ácido clorídrico e pepsina. A diminuição da produção de fator intrínseco reduz a absorção de
vitamina B12, mas não a ponto de causar anemia. Da mesma forma, a absorção de ferro está prejudicada pela acloridria. A
colonização por H. pylori pode chegar a 75% nas faixas etárias mais avançadas.
O pâncreas sofre redução de peso (de 60 para 40g na 9ª década), com fibrose, lipoatrofia e aumento da densidade do
parênquima. A secreção de tripsina, lipase e bicarbonato está reduzida, porém com significado clínico limitado.
O intestino delgado fica mais propenso a malformações vasculares, e o grosso, à presença de divertículos. A absorção de
vitamina D, ácido fólico, vitamina B12, cálcio, cobre e zinco é reduzida no intestino delgado com o envelhecimento. A
constipação é comum, porém normalmente secundária a dieta pobre em fibras, à diminuição da hidratação oral e a baixo nível
de atividade física.
No cólon, as alterações morfológicas e biomecânicas, com o comprometimento da resistência da parede colônica e pressões
intraluminais elevadas, relacionam-se com a presença elevada de divertículos na faixa etária mais alta.
O fígado sofre grande modificação hepatocelular, porém há pouca alteração em sua função. Além disso, diminui em volume e
fluxo sanguíneo, e ocorre acúmulo de lipofuscina. Na altura da 9ª década, o fígado já perdeu cerca de 30% de seu peso. Há
diminuição do retículo endotelial liso de hepatócitos, o que leva à redução da capacidade de metabolizar medicamentos. A
alteração na capacidade de secreção de albumina e glicoproteínas pode interferir na farmacocinética de medicações que têm
ligação com proteínas (fenitoína, antipsicóticos e propranolol). O metabolismo da fase I encontra-se prejudicado, com grande
variabilidade interindividual, o que dificulta a previsibilidade desse fenômeno.
Figura 3 - Alterações no sistema gastrintestinal no idoso

Tabela 2 - Alterações gastrintestinais


- Boca seca;
- Tempo de esvaziamento gástrico aumentado;
- Déficit de absorção de oligoelementos;
- Fígado com alteração de metabolismo fase I;
- Intestino mais propenso a constipação.

PERGUNTA
2013 - HAC
1. O Brasil e outros países em desenvolvimento estão passando por uma acelerada transição demográfica com o aumento da
expectativa de vida. Dentre as alterações fisiológicas próprias do envelhecimento e dos sinais clínicos de desnutrição,
assinale com (F) as assertivas Falsas e com (V) as assertivas Verdadeiras:
( ) Hipocloridria ( ) Atrofia das glândulas salivares ( ) Rápido esvaziamento gástrico
( ) Aumento dos níveis de colecistoquinina ( ) Aumento das sensibilidades gustativa e olfativa Assinale a sequência correta:
a) V, F, F, F, V
b) F, F, F, V, V
c) V, V, F, V, F
d) V, F, V, F, V
e) V, V, V, F, V

Resposta no final do capítulo

6. Sistema urinário
Os rins perdem mais pronunciadamente a camada cortical em relação à medular.
O número de glomérulos, bem como o seu volume total, chega, aos 70 anos, a 1/3 daqueles com que nascemos. A membrana
basal sofre espessamento por processos inflamatórios. O aspecto histológico do rim de um idoso é heterogêneo, e pode haver
unidades esclerosadas, outras hialinizadas, algumas hipertrofiadas e outras normais.
A diminuição da taxa de filtração glomerular já é conhecida do clínico, uma vez que, em seu cálculo pela fórmula de Cockcroft,
está inclusa a idade. Há perda de 0,8mL/min de taxa de filtração glomerular por ano, após os 30 anos. Esse ritmo de perda, se
não alterado por doença ou lesão renal, não levará a plena falência do órgão, mesmo nas idades mais avançadas. O fluxo
sanguíneo renal também se reduz, de cerca de 700mL/min em adultos jovens para cerca de 300mL/min em idosos na 9ª
década. Entretanto, a proteinúria não está relacionada ao envelhecimento, devendo ser sempre investigada.
Deve-se lembrar a alteração da composição corpórea do idoso. Como a creatinina é uma proteína muscular, a função renal
pode estar superestimada pelo cálculo de Cockcroft. Veja, então, a importância de evitar drogas nefrotóxicas e de corrigir
doses de antibióticos e outras drogas para a função renal.
Ocorre também alteração no ritmo urinário, com maior eliminação de água e eletrólitos à noite, por diminuição da capacidade
de reabsorção de sódio. Há também déficit de resposta ao hormônio antidiurético, logo uma solução hipertônica não aumenta
a retenção de água, como esperado.
Há controvérsia sobre o efeito da dieta hiperproteica na evolução de perda de função renal. Trabalhos recentes comparando
evolução do ritmo de filtração glomerular em população urbana e outra de ameríndios, cujo consumo proteico é baixo, não
mostraram efeitos do fenômeno de urbanização e consumo proteico no processo de envelhecimento renal.
A bexiga sofre deposição de colágeno, com perda de complacência e contratilidade. Há esclerose de vasa vasorum que leva a
denervação. O músculo detrusor encontra-se hiperativo na maioria dos pacientes. Na mulher, a deficiência estrogênica leva a
consequências fisiológicas deletérias no ambiente vesical. No homem, a hiperplasia prostática é que deixa a bexiga mais
vulnerável a processos patológicos.
A seguir, a fórmula de Cockroft-Gault:

Clearance de creatinina =
(140 - idade) x peso em kg/72 x creatinina
(x 0,85 para o sexo feminino)
Tabela 3 - Fatores que influenciam as mudanças do sistema urinário com a idade
- Hipertensão;
- Obesidade;
- Aterosclerose;
- Ingestão de sódio;
- Ingestão de álcool;
- Tabagismo.

7. Sistema nervoso
Há diminuição no volume e no peso cerebral e aumento compensatório de células gliais, sem alteração da micróglia, além de
perda de axônios, diminuição no número de conexões sinápticas e de redução de mielina (esta, representada em exames de
imagem como leucoaraiose periventricular). No nível celular, ocorrem redução do corpo celular dos grandes neurônios e
aumento relativo da população dos pequenos neurônios a adelgaçamento da espessura cortical. A menor velocidade de
processamento cognitivo e menor destreza de movimentos fino podem ser consideradas parte do envelhecimento normal da
cognição.
No sistema nervoso periférico, há diminuição das células do corno anterior da medula, reduzindo, assim, como já citado, a
sensibilidade, bem como disfunção autonômica, alterando as regulações térmica e vascular.
A marcha e o equilíbrio estão alterados, e, aqui, encontra-se uma das grandes síndromes geriátricas – o idoso caidor. O idoso
tem a marcha com passos menores, anda mais devagar, curva mais o tronco e alarga a base. Obviamente, patologias podem
alterar ainda mais o padrão de marcha, como o parkinsonismo.
Tabela 4 - Alterações anatômicas do sistema nervoso central com o envelhecimento
Cérebro - Diminuição de peso;
- Diminuição de volume;
- Redução cortical.
Meninges Espessamento

Medula espinal Perda de neurônios motores*

Liquor Aumento quantitativo

Cerebelo - Diminuição de peso;


- Atrofia das 3 camadas.
Vasos cerebrais Ateromatose

* Estudos em camundongos.

O sono também é alterado, quantitativa e qualitativamente. No geral, o idoso dorme menos, com tendência a dormir e a
acordar mais cedo, tem menos sono REM e mais fases 1 e 2, além de maior frequência de apneias noturnas. Diminui a
produção de melatonina ao estímulo noturno.
Figura 4 - Estágios do sono em adultos
Figura 5 - Estágios do sono em idosos

8. Sistema endócrino
Há redução de T4, aumento de hormônio tireoestimulante e redução da conversão de T4 em T3. Parte de um ciclo que, como
já vimos, também tem relação com a composição corpórea. A menor massa muscular diminui a taxa de metabolismo basal,
reduzindo, assim, a necessidade de hormônio tireoidiano. O paratormônio pode estar mais elevado no idoso, facilitando a
perda óssea. Além disso, ocorre diminuição da calcitonina.
Ocorre ainda aumento da glicemia de jejum relacionada à idade (1mg/dL/década), a glicemia pós-prandial é mais elevada, e a
redução, mais demorada. Os mecanismos pelos quais isso acontece ainda não estão bem esclarecidos.
Particularmente no homem idoso, há tendência a diminuição de testosterona, deidroepiandrosterona e sulfato de
deidroepiandrosterona. Conjuntamente, essas alterações hormonais aumentam o risco de diminuição da libido e de disfunção
erétil, a perda de massa óssea e massa muscular, e alterações do sono e do humor. A massa muscular também pode ser
influenciada por menor secreção do hormônio do crescimento em idades mais avançadas.
A hipófise aumenta de volume, porém diminui a secreção de melatonina (que interfere no ciclo sono–vigília e na proteção
contra danos oxidativos).
Na mulher, as consequências em longo prazo da queda do estrogênio após a menopausa são mais evidentes, como aumento
de LDL e queda de HDL, perda de massa óssea, atrofia urogenital e diminuição da libido.
Tabela 5 - Alterações hormonais com o envelhecimento
Secreção de hormônio do crescimento Diminuída

Resposta a GnRH Diminuída

Resposta a hormônio liberador de tireotrofina Diminuída (em homens)

Hormônio adrenocorticotrófico basal Normal

Gonadotrofinas (hormônio luteinizante/hormônio folículo-estimulante) Aumentadas

T4, T3 Normal ou pouco aumentado

Cortisol Normal

Aldosterona Diminuída

Sulfato de deidroepiandrosterona Diminuído

Paratormônio Elevado

Vitamina D Diminuída

Testosterona (homens) Diminuída

Estrona (mulheres) Diminuída

PERGUNTA
2008 - FMUSP-RP
2. Qual das alterações farmacocinéticas descritas a seguir ocorre com o envelhecimento?
a) redução da absorção de salicilatos, pelo aumento da acidez gástrica
b) aumento do volume de distribuição de medicações hidrossolúveis, pela redução do volume circulante
c) aumento da excreção renal de medicações hidrossolúveis, pela redução da capacidade de concentração da urina
d) aumento da fração livre de medicamentos com alta ligação à proteína, pela redução do pool de albumina

Resposta no final do capítulo

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Composição corpórea
Pele ↓ água intracelular, melanócitos, tecido subcutâneo e fibras elásticas e colágenas

Musculatura Perda de massa muscular e comprometimento da capacidade funcional


Sistema respiratório
Redução da Diminuição da altura das vértebras, cifose, calcificação de articulações
complacência
Mecanismos Muco espesso, redução do clearance mucociliar
de defesa
Função Redução da capacidade vital, do VEF1 e do peak flow e aumento do volume residual
pulmonar
A sensibilidade de quimiorreceptores carotídeos diminui, e o paO2 sanguíneo decai. Deve-se calcular a paO2 esperada para
idade.

Sistema cardiovascular
- Degeneração muscular e proliferação de fibroblastos;
- Depósito de gordura/proteína amiloide e calcificação progressiva;
- Alteração da camada média arterial, diminuição de elastina e enrijecimento arterial.

Sistema gastrintestinal
Boca Diminuição de dentes e secreção salivar; dificuldade de mastigação e deglutição

Esôfago Aperistalse, distúrbios funcionais do esfíncter inferior e contrações não propulsivas

Estômago ↓ secreção de bicarbonato, prostaglandinas e da secreção de ácido clorídrico e pepsina

Pâncreas Fibrose, lipoatrofia e aumento da densidade do parênquima

Intestino Propensão a malformações vasculares, e o grosso, à presença de divertículos; redução da absorção de


delgado vitamina D, ácido fólico, vitamina B12, cálcio, cobre e zinco; presença de constipação

Fígado ↓ retículo endotelial liso de hepatócitos, levando a redução da capacidade de metabolizar medicamentos

Sistema urinário
Espessamento da membrana basal, ↓ número de glomérulos e da taxa de filtração glomerular, déficit de resposta ao
hormônio antidiurético, hiperplasia prostática (sempre calcular a função renal pelo clearance de creatinina e corrigir drogas
para a função renal)

Sistema nervoso
Diminuição no volume e no peso cerebral, espessamento das meninges, aumento quantitativo do liquor, perda de
neurônios motores e alteração no padrão de sono

Sistema endócrino
No homem, diminuição de testosterona, deidroepiandrosterona e sulfato de deidroepiandrosterona; na mulher, aumento
de LDL e queda de HDL, perda de massa óssea, atrofia urogenital e perda da libido

Respostas das questões do capítulo


1. C
2. D
04
Avaliação funcional
César Augusto Guerra

A capacidade funcional do idoso é definida como a aptidão do indivíduo para realizar tarefas que permitam o autocuidado e uma vida
independente. Autonomia é capacidade de autogoverno, liberdade de escolha, enquanto independência é capacidade de realizar atividades e
tarefas. Para a avaliação funcional do idoso, diferentes ferramentas podem ser utilizadas. O 1º questionário funcional, chamado ABVDs
(Atividades Básicas de Vida Diária), descrito por Katz, refere-se à capacidade de banhar-se, vestir-se e realizar higiene pessoal, transferência,
continência e alimentação, enquanto o de AIVDs (Atividades Instrumentais de Vida Diária), descrito por Lawton, avalia tarefas mais complexas,
como usar o telefone, arrumar a casa e cuidar das finanças e medicações. Quando se identifica a condição funcional do idoso, associada às
comorbidades (ou ausência delas), pode-se desenvolver um plano de intervenção que visa ao tratamento adequado das doenças, evitar o seu
agravamento e/ou retardar o aparecimento de limitações funcionais. Para isso, criou-se a Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), processo
multidimensional e interdisciplinar, que visa obter diagnóstico global, detectando deficiências, incapacidades, fragilidade e fatores de risco. Os
objetivos da AGA são identificar deficiência, incapacidade e desvantagem.

1. Introdução
A capacidade funcional do idoso é a base de trabalho do geriatra e aspecto pelo qual a Organização Mundial da Saúde (OMS) vem demonstrando
crescente preocupação, tendo em vista o envelhecimento populacional e a incidência de doenças incapacitantes (acidente vascular cerebral, infarto
agudo do miocárdio, doenças reumáticas etc.) nessa faixa etária.
Define-se como capacidade funcional a aptidão do indivíduo para realizar tarefas que permitam o autocuidado e uma vida independente. A
funcionalidade do idoso é definida pela sua independência e avaliada pelo geriatra por meio de testes específicos.
Não se deve confundir autonomia com funcionalidade. Um paciente pode ser autônomo, porém com imobilidade, por exemplo, sendo incapaz de
realizar uma tarefa, mas capaz de optar o tipo de tratamento de sua preferência.
Autonomia é a capacidade de autogoverno, associada a liberdade de escolha, privacidade, autorregulação e independência moral. A funcionalidade
refere-se à independência ou dependência de outros ou de equipamentos para executar as suas atividades, simples ou complexas.
Dessa maneira, um paciente de 80 anos que se apresenta com hipertensão e diabetes, porém capaz de gerir sua vida – decidindo sobre suas
atividades de lazer, convívio social ou trabalho –, é considerado uma pessoa autônoma e independente, ao passo que um paciente de 60 anos com
insuficiência cardíaca pode ser limitado a poucas atividades por sua dispneia e tornar-se dependente para atividades fora do lar (pagar contas,
fazer compras etc.).
O estudo SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), realizado no município de São Paulo, mostrou que a prevalência de agravos referidos pelos
idosos chega a 62% para hipertensão, 53% para dor crônica, 33% para doença osteoarticular e 26% para incontinência urinária. Verifica-se, na
prática, que não há idosos isentos de doença, mas o impacto delas sobre os pacientes tem larga heterogeneidade.
O conceito de saúde proposto pela OMS mostra-se inadequado para os pacientes idosos, uma vez que a ausência de doenças é quase inexistente
nessa faixa etária. Por outro lado, o bem-estar físico, social e emocional pode ser obtido independentemente da presença ou não de doenças.

DICA

Convém memorizar os termos: autonomia é a capacidade de autogoverno, liberdade de escolha, enquanto independência é a capacidade de
realizar atividades e tarefas.

A - Atividades de vida diária


O 1º questionário funcional, chamado de AVDs (Atividades de Vida Diária) ou ABVDs (Atividades Básicas de Vida Diária), descrito por Katz, refere-se
à capacidade de banhar-se, vestir-se e realizar higiene pessoal, transferência, continência e alimentação, conforme a Tabela a seguir:

Tabela 1 - Questionário funcional proposto por Katz


Atividades Descrições Sim/não
Banhar-se Não recebe ajuda ou somente para 1 parte do corpo. ()

Vestir-se Pega as roupas e se veste sem qualquer ajuda, exceto para amarrar os sapatos. ()

Higiene pessoal Vai ao banheiro, usa-o, veste-se e retorna sem qualquer ajuda (pode usar andador ou bengala). ()

Transferência Consegue deitar-se na cama, sentar-se na cadeira e levantar-se sem ajuda (pode usar andador ou bengala). ()

Continência Controla completamente urina e fezes. ()

Alimentação Come sem ajuda (exceto para cortar carne ou passar manteiga no pão). ()

Fonte: Katz, S.; Downs, T.D.; Cash, H.R., et al. Gerontologist, 10:20-30, 1970.

Recebendo um ponto para cada “sim”, o escore de zero a 6 indica o grau de dependência funcional para atividades de vida diária do idoso. Deve-se
observar que ele não avalia especificamente a deambulação, entretanto esse instrumento é largamente usado em Geriatria, tanto em estudos
quanto na prática clínica, inclusive correlacionando-se com prognóstico em várias situações.
A escala de Barthel, utilizada em alguns centros, avalia as capacidades para realizar as atividades de vida diária, bem próximo ao que é questionado
nas ABVDs (Katz) – alimentação, banho, higiene pessoal, vestir-se, controle de esfíncteres, uso do banheiro, transferência, mobilidade e uso de
escadas.
O 2º teste mais usado é uma extensão das AVDs, conhecido como AIVDs (Atividades Instrumentais de Vida Diária), descrito inicialmente por
Lawton e adaptado para a realidade nacional, que avalia tarefas mais complexas, como usar o telefone, arrumar a casa e cuidar das finanças e das
medicações.

Tabela 2 - Questionário funcional de atividades instrumentais de vida diária

Atividades Não consegue = 1 Com ajuda


parcial = 2Sem
2Sem ajuda = 3
Consegue usar o telefone? ()

Consegue ir a locais distantes, usando algum transporte, sem necessidade de planejamentos especiais? ()

Consegue fazer compras? ()

Consegue preparar as próprias refeições? ()

Consegue arrumar a casa? ()

Consegue fazer os trabalhos manuais domésticos, como pequenos reparos? ()

Consegue lavar e passar a roupa? ()

Consegue tomar seus remédios na dose e no horário corretos? ()

Consegue cuidar de suas finanças? ()

Fonte: modificado de LAWTON; BRODY, 1969.

Para cada habilidade, há uma gradação, portanto o resultado pode variar de 9 a 27 – resultados maiores indicam maior independência.
Percebe-se que essas atividades indicam se o idoso tem a capacidade de viver sozinho ou não. Lembre-se de que determinadas perguntas podem
contaminar o resultado do teste. Um idoso que nunca lavou roupa receberá pontuação baixa, porém a interpretação deve ser vista de maneira
global. E, como todo questionário, há falhas. Por exemplo, um paciente que não vai às compras sozinho (por medo), porém o faria sem o menor
auxílio de uma 2ª pessoa, é independente para essa atividade?
Podem-se, também, avaliar as capacidades chamadas “avançadas” de vida diária, como tocar um instrumento, participar de atividades sociais,
como jogos, dirigir um veículo. Alguns testes mais específicos também podem ser aplicados em contextos especiais, porém não são comuns na
prática clínica.

DICA

Quanto à avaliação da vida diária do idoso, há os testes de Katz (atividades básicas: banhar-se, vestir-se e realizar higiene pessoal, transferência,
continência e alimentação) e Lawton (atividades instrumentais: usar telefone e cuidar das finanças e das medicações, ir a locais distantes, fazer
compras, preparar refeições, arrumar a casa, fazer reparos, lavar e passar roupa).

B - Outros testes funcionais


Muitos são os instrumentos utilizados para avaliar marcha e equilíbrio no paciente idoso. No capítulo sobre quedas, estudaremos a importância de
um diagnóstico de “risco de queda” e de uma abordagem direcionada à prevenção de quedas. A Medida de Independência Funcional (MIF) é muito
utilizada por terapeutas ocupacionais e aborda as esferas de autocuidado, controle de esfíncteres, mobilidade, locomoção, comunicação e
conhecimento social. É utilizado para determinar quantitativamente a carga de cuidados demandada por uma pessoa para a realização de uma
série de tarefas motoras e cognitivas da vida diária.Fisioterapeutas utilizam testes de avaliação de força, marcha, equilíbrio e risco de quedas. Um
exemplo deles é o SPPB (Short Physical Performance Battery), que compreende teste de equilíbrio, velocidade de marcha e teste de força de
membros inferiores (levantar e sentar na cadeira repetidas vezes).

- Teste timed up and go


É simples e de rápida execução e muito utilizado em estudos científicos. Pede-se que o paciente levante de uma cadeira com encosto, mas sem
apoios laterais, caminhe 3 metros e volte a sentar nela, na posição inicial – sendo possível avaliar força, equilíbrio e marcha. O teste com
cronômetro pode oferecer dados quantitativos de piora ou de melhora clínica após uma intervenção ou um evento agudo. Espera-se que o idoso
independente realize esse teste em menos de 10 segundos. Aqueles com comprometimento leve ou moderado de mobilidade o farão em até 20
segundos, e tempo superior a 30 segundos demonstra dependência funcional e pode estar correlacionado com fragilidade. Algumas variações
preconizam 4 ou 6 metros de percurso, bem como tempos diferentes ou até tempos de corte por faixa etária.

C - Velocidade de marcha
Em 2011, foi publicado um artigo coordenado pela professora Stephanie Studenski, que avaliou a relação entre velocidade de marcha e
sobrevivência. Utilizando um simples teste de velocidade de caminhada habitual do paciente e dados de mortalidade em 5 e 10 anos, a autora
demonstrou uma relação de proporcionalidade entre esses 2 dados. Velocidades de marcha maiores de 1m/s estão relacionadas a maior sobrevida
que a média esperada para a idade. Foram avaliados mais de 34.000 idosos neste estudo. Observe o gráfico da Figura 1, retirado do estudo.
Figura 1 - Média de sobrevivência em anos, de acordo com o gênero

2. Avaliação geriátrica ampla


Quando se identifica a condição funcional do idoso, associada às comorbidades (ou ausência delas), pode-se desenvolver um plano de intervenção
que visa ao tratamento adequado das doenças, evitar o seu agravamento e/ou retardar o aparecimento de limitações funcionais. Para essa
finalidade se criou a Avaliação Geriátrica Ampla (AGA).
A AGA é um processo diagnóstico multidimensional, geralmente interdisciplinar, que visa obter um diagnóstico global, detectando deficiências,
incapacidades, fragilidade e fatores de risco. A partir dessa avaliação, são propostas medidas preventivas, terapêuticas e de reabilitação. A AGA
aborda os aspectos médico, psicológico, social e ambiental. É praxe o uso de escalas e testes, para uniformizar o diálogo entre a equipe
multiprofissional e facilitar o acompanhamento evolutivo.
Os fisioterapeutas, por exemplo, aplicam os próprios testes, acrescentando detalhes à avaliação. Um dos mais utilizados por esses profissionais é o
SPPB, que avalia de maneira sistemática a funcionalidade dos membros inferiores no idoso. Da mesma maneira, o terapeuta ocupacional aplica o
teste de MIF, já descrito.
Tabela 3 - Itens básicos
- Avaliação clínica:
· Anamnese/exame físico;
· Saúde física – visão, audição, fala, incontinências.
- Equilíbrio e marcha:
· Mobilidade.
- Avaliação funcional:
· AVDs;
· AIVDs.
- Saúde mental:
· Cognição;
· Humor;
· Uso de álcool.
- Avaliação socioambiental:
· Rede social;
· Segurança ambiental;
· Avaliação do cuidador.
- Avaliação nutricional.

Os objetivos da AGA, segundo a OMS, são identificar:


- Deficiência: perda de estrutura ou função de órgão do sistema;
- Incapacidade: restrição ou perda de habilidade;
- Desvantagem: restrição ou perda social/ocupacional.

a) Avaliação clínica
A avaliação clínica deve abordar as queixas do paciente e o interrogatório sobre os diversos aparelhos, antecedentes pessoais e familiares, além dos
hábitos de vida – tabagismo, etilismo, sono, atividade física, sexual e de lazer. Vacinação e exames preventivos devem ser indagados nesse
momento.

b) Avaliação sensorial
Também pode ser considerada parte da avaliação clínica ou do exame físico. É de suma importância, pois é sabido que déficits sensórios levam a
isolamento social, perda de funcionalidade e de qualidade de vida. A visão pode ser avaliada com o teste de Snellen, e a audição, com o do sussurro
(pronunciar palavras a 60cm de cada orelha).

c) Capacidade funcional
Avalia as ABVDs e AIVDs.

d) Dieta e estado nutricional


Avalia a ingestão de proteínas, frutas, verduras, legumes, líquidos e cálcio. A avaliação nutricional é feita pelo teste MAN.

e) Incontinências
Mais frequentes do que se imagina, causam constrangimento e isolamento social. Avaliam-se o tipo, a frequência e a gravidade.

f) Fragilidade
Visa identificar idoso de alto risco para complicações, hospitalização e morte, sendo necessárias intervenções mais elaboradas.

g) Equilíbrio e marcha
Avalia número e histórico de quedas e identifica fatores de risco intrínsecos ou ambientais. Teste de velocidade de marcha, sentar e levantar, ou
timed up and go.

h) Polifarmácia
Uso de medicamentos, dose e frequência, incluindo ervas e fitoterápicos. Introdução e retirada de medicações.

i) Avaliação cognitiva
O exame padrão de screening é o miniexame do estado mental (minimental), que deve ser realizado anualmente no idoso, ou quando houver
queixa objetiva de memória.

j) Humor
Depressão é um problema muito prevalente no idoso e pode simular um quadro demencial. Utiliza-se a escala de depressão geriátrica abreviada de
Yesavage.

k) Avaliação socioambiental
Fundamental para o entendimento do contexto de vida do paciente. Questiona sobre o domicílio, a presença de cuidador e o suporte econômico e
social.

l) Espiritualidade
Avalia a importância da religiosidade e das crenças, o que pode influenciar as decisões no fim da vida.

PERGUNTA
2010 - SES-PE
1. Com relação à AGA (Avaliação Geriátrica Ampla), não se pode afirmar que:
a) utiliza lista de problemas em vez de hipóteses diagnósticas
b) não valoriza muito a avaliação funcional do idoso, já que visa sempre a um diagnóstico mais exato
c) é obrigatoriamente multidimensional e geralmente interdisciplinar
d) utiliza avaliações quantitativas por meio de escalas geriátricas validadas
e) visa buscar, ativamente, depressão, incontinência, desnutrição e déficit cognitivo

Resposta no final do capítulo

3. Conclusão
É importante lembrar que a mudança de paradigma para a funcionalidade em detrimento da visão focada na cura de doenças norteia as ações de
saúde no idoso. O que está em jogo na velhice são a autonomia e a independência. O resultado de tratamentos e de intervenções deve ser medido
por esses parâmetros, e um idoso com 2 ou mais doenças crônicas pode representar um exemplo de envelhecimento bem-sucedido.
A AGA é um instrumento sistematizado de avaliação do idoso e fundamental para direcionar a rotina diagnóstica e terapêutica.

PERGUNTA
2015 - UNESP - CLÍNICA MÉDICA
2. Uma mulher de 82 anos, analfabeta, apresenta a seguinte Avaliação Geriátrica Ampla (AGA):
AGA Resultado
Miniexame do estado mental 22 pontos
Teste da fluência verbal 16 animais

Escala de depressão geriátrica 9 pontos

Timed up and go 24 segundos

Avaliação de Katz 0/6 pontos

Escala de Lawton 19/21 pontos

Miniavaliação nutricional 25 pontos

Essa paciente apresenta risco para:


a) queda e depressão
b) demência e risco funcional
c) queda e risco nutricional
d) demência e queda

Resposta no final do capítulo

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Autonomia Capacidade de autogoverno, associada a liberdade de escolha, privacidade, autorregulação e independência moral

Funcionalidade Independência ou dependência de outros ou de equipamentos para executar as suas atividades, simples ou
complexas

Métodos de avaliação funcional


Questionário funcional Avaliação da capacidade de banhar-se, vestir-se e realizar higiene pessoal, transferência, continência e alimentação
de ABVDs (Katz)
Questionário funcional Avaliação de tarefas mais complexas, como usar o telefone, arrumar a casa, cuidar das finanças e medicações
de AIVDs (Lawton)
Teste timed up and go Avaliação de força, equilíbrio e marcha

Velocidade de marcha Avaliação funcional simples com forte correlação com sobrevida em idosos

AGA Processo diagnóstico multidimensional, geralmente interdisciplinar, visando obter um diagnóstico global por meio
das avaliações clínica, sensorial, funcional, nutricional, de equilíbrio, de marcha, de fragilidade, polifarmácia,
cognitiva, de humor, socioambiental e de espiritualidade (a partir dessa avaliação, são propostas medidas
preventivas, terapêuticas e de reabilitação)

Respostas das questões do capítulo


1. B
2. A
05
Promoção à saúde e vacinação
César Augusto Guerra

As doenças crônicas não transmissíveis trazem debilidade, que acabam por prejudicar a qualidade de vida. A função do médico é evitar as
limitações impostas pelas doenças por meio de medidas de saúde que envolvam as prevenções primária, secundária e terciária. Dentro da
prevenção primária, a alimentação balanceada e a atividade física são as bases da promoção ao envelhecimento bem-sucedido. Exercício físico
regular relaciona-se a menor incidência de incapacidade e a aumento da reserva funcional. Quanto às imunizações, preconizam-se, para
hepatite B, 3 doses (grupos de risco), influenza sazonal (anual), pneumocócica 23-valente, dupla-adulto e herpes-zóster (rede privada). Na
prevenção secundária, screening ou rastreamento de doenças em assintomáticos é prática comum; nele o exame deve permitir o diagnóstico
precoce de uma doença cujo tratamento traga benefício. Dentro de exemplos de screening, estão câncer de mama, cólon, próstata, pele, boca,
colo de útero e pulmão. Já na prevenção terciária entra a reabilitação, que por meio de trabalho contínuo, dinâmico e multiprofissional visa
recuperar um déficit ou sequela deixados por uma doença ou evento agudo.

1. Introdução
Como já vimos, a presença de doença não é um marcador de má qualidade de vida no paciente idoso.
As doenças crônicas não transmissíveis trazem debilidade, que acabam por tolher a qualidade de vida. Porém isso não é uma regra, e a função do
médico é evitar as limitações impostas pelas doenças por meio de medidas de saúde que envolvam as prevenções primária, secundária e terciária.
O desenvolvimento de doenças crônicas, declínio funcional e perda de independência não são condições inerentes ao envelhecimento.
O aumento do número de idosos independentes e ativos e a manutenção de suas capacidades são um desafio aos serviços de saúde de todo o
mundo. Promoção à saúde significa uma série de estratégias visando maximizar a quantidade e, principalmente, a qualidade de vida dos indivíduos.
Neste capítulo, discorreremos um pouco a respeito dessas facetas da Geriatria e falaremos de rastreio de câncer no idoso, bem como dos
benefícios da vacinação.

2. Promoção ao envelhecimento bem-sucedido


Indivíduos que procuram manter hábitos de vida saudáveis têm menor risco de doenças crônicas. Estilo de vida saudável pode ser definido como o
conjunto de práticas que visam evitar comportamentos danosos à saúde, aliados a uma abordagem pró-ativa desta como um todo.
O papel da dieta e da atividade física é bem conhecido na promoção à saúde da criança e do adulto; não é diferente para o idoso.
Uma dieta balanceada e adequada às necessidades nutricionais individuais não é algo que se consegue facilmente. A desnutrição e a perda de peso
estão relacionadas a perda funcional, bem como a obesidade está ligada a aumento do risco cardiovascular.

IMPORTANTE

Alimentação balanceada e atividade física são as bases da promoção ao envelhecimento bem-sucedido.

A prática de exercício físico regular está relacionada a menor incidência de incapacidade e a aumento de reserva funcional. É parte do processo das
prevenções primária e secundária e da reabilitação, logo, quanto mais cedo o início e maior a frequência, melhores os resultados.
A atividade física é uma maneira de romper com o sedentarismo, de modificar os fatores de risco para as doenças causadoras de incapacidade, de
trazer benefícios psicológicos e sociais (participação em grupos de caminhada, por exemplo), de melhorar o equilíbrio, a marcha, a força muscular e
a capacidade aeróbia, dentre outras possibilidades.
Idosos frágeis, sarcopênicos e com menor força muscular têm maior ganho porcentual com o treino e o exercício físico quando comparados
àqueles que não o são.
A prescrição de atividade física no idoso deve levar em conta uma série de fatores: comorbidades, capacidade funcional, preferência do paciente,
frequência, intensidade, duração etc.
Tabela 1 - Recomendações gerais para a prática de atividade física no idoso
- Realizar exercício físico visando ao bem-estar físico e mental;
- Utilizar roupas e sapatos adequados;
- Evitar tabagismo e medicações sedativas antes do exercício;
- Alimentar-se até 2 horas antes da prática;
- Respeitar os limites pessoais;
- Ajustar a temperatura adequada;
- Ter início lento e gradativo, permitindo adaptação;
- Reduzir o ritmo gradativamente quando praticar atividades intensas;
- Ingerir líquido em quantidade adequada.

A cessação do tabagismo também deve ser encorajada em qualquer idade, pois os seus benefícios são sentidos em qualquer momento da vida. Há
redução no risco de doença coronariana, câncer, acidente vascular cerebral, melhora na função pulmonar, circulação arterial e mesmo da audição.
Não se deve deixar de utilizar os recursos farmacológicos disponíveis para o auxílio à interrupção do tabagismo, bem como o suporte
multiprofissional a essa decisão.
Quanto ao alcoolismo, o questionário CAGE, utilizado para o adulto, se aplica também para o idoso e é um bom instrumento para avaliar o
consumo excessivo de álcool. Vale lembrar que, entre os idosos, o consumo moderado de álcool está relacionado a menor risco cardiovascular
quando comparado à abstinência ou ao consumo excessivo.
Consumo excessivo é definido como mais de 2 doses por dia para homens ou 1 dose por dia para mulheres. A dose considerada por tipo de bebida
é: 1 lata de cerveja (350mL), 1 taça de vinho (140mL) ou 1 dose de destilado (40mL).

Tabela 2 - Questionário CAGE (Cut down, Annoyed by criticism, Guilty and Eye-opener)
- Você já pensou em largar a bebida?
- Ficou aborrecido quando outras pessoas criticaram o seu hábito de beber?
- Sentiu-se mal ou culpado pelo fato de beber?
- Bebeu pela manhã para ficar mais calmo ou se livrar de uma ressaca (abrir os olhos)?

Tabela 3 - Recomendações de prevenção primária


Atividade física - Benefício desde o início;
- Programa de exercícios com o objetivo de manter força, marcha e equilíbrio para prevenção de quedas;
- Atividade aeróbica moderada a intensa por ao menos 30 minutos, 5 dias por semana;
- Tipo de exercício e intensidade de acordo com o perfil físico e de saúde do paciente.
Tabaco A cessação reduz o risco coronariano, o aparecimento de neoplasias e doença pulmonar obstrutiva crônica.
Álcool - Evitar o abuso;
- Benefícios cardiovasculares com ingestão leve a moderada (2 doses/dia para homem; 1 dose/dia para mulher).

Imunizações - Hepatite B: 3 doses (para grupos de risco);


- Febre amarela: a cada 10 anos (zonas de risco);
- Influenza sazonal: anual;
- Pneumocócica 23-valente: indicações mais adiante;
- Dupla adulto: a cada 10 anos;
- Herpes-zóster: dose única (rede privada).

Há crescente preocupação com relação ao idoso e à direção veicular. Não há idade-limite para a renovação da CNH (Carteira Nacional de
Habilitação); o médico deve atentar para a aptidão do paciente para a direção segura. A ocorrência de acidentes é marcador de risco. Não há teste
validado que seja preditor de risco de acidentes. Deve-se recomendar que pacientes com diagnóstico de demência não dirijam.

A - Prevenção secundária
Também chamada de screening ou de rastreamento de doenças em indivíduos assintomáticos, é uma prática bastante disseminada, muitas vezes
de maneira indiscriminada, sem o raciocínio clínico. Um exame de screening deve permitir o diagnóstico precoce de uma doença cujo tratamento
traga benefício. Deve-se sempre ter isso em mente ao solicitar um exame, e colocar o paciente como participante nessa decisão também ajuda,
pois, muitas vezes, ele próprio vai ao consultório com tal solicitação.

Tabela 4 - Razões de doença digna de rastreio em termos populacionais


- Prevalência significativa;
- Fase assintomática longa suficiente para diagnóstico pré-clínico;
- Diagnóstico e tratamento precoce com bom impacto sobre a mortalidade.

Os testes diagnósticos devem ter a maior acurácia possível, visto que um falso positivo pode levar a mais exames desnecessários e a estresse
psicológico, e um resultado falso negativo traz falsa sensação de segurança e posterga o diagnóstico da doença. O exame não deve ser caro nem
muito invasivo e largamente disponível.
E no caso de um paciente com 90 anos? Esse indivíduo se beneficiaria de uma investigação de câncer de cólon ou de próstata?
A expectativa de vida do brasileiro ao nascer está próxima de 74 anos, porém a expectativa de vida de uma pessoa de 70 anos é de mais 10 anos.
Como se explica esse dado? O idoso já passou pela fase de maior incidência de doenças infecciosas e infantis e causas externas que fazem parte das
primeiras décadas de vida. Logo, sua expectativa de vida será maior que de uma pessoa ao nascer.
Então, para cada paciente, estimaremos a expectativa de vida antes de solicitar um exame de rastreio. Doenças como insuficiência cardíaca, classes
funcionais III ou IV, insuficiência renal em diálise, doença pulmonar obstrutiva crônica em uso de oxigênio e demência avançada trazem expectativa
de vida muito baixa, logo não haverá benefício do diagnóstico ou do tratamento de um câncer, por exemplo. A regra é: se a expectativa de vida
excede 5 anos, vale a pena rastrear.

Tabela 5 - Rastreio de câncer em idosos


Expectativa de vida O paciente viverá o suficiente para ter benefício?

Danos potenciais Complicações de procedimentos, ansiedade, custo e overdiagnosis

Preferência individual do paciente

Uma exceção deve ser feita, entretanto, para a síndrome metabólica, que deve ser rastreada e tratada independentemente da idade, pois é um
fator de risco independente para doenças cardiovasculares – de incidência crescente com a idade.

Tabela 6 - Rastreio de fatores de risco cardiovasculares


Pressão arterial Medida anual para idosos hígidos

Aneurisma de aorta abdominal Homens entre 65 e 75 anos com história de tabagismo ou história familiar da doença

A prevenção secundária de câncer de mama é recomendada com mamografia bienal para mulheres entre 50 e 69 anos. Não se recomenda o
autoexame das mamas, nem há recomendação quanto ao exame clínico; as evidências são incertas. Para o câncer colorretal, a recomendação atual
norte-americana (USPSTF) é iniciar rastreio em pacientes acima de 50 anos (até uma expectativa de vida de 10 anos). As opções são:- Colonoscopia
a cada 10 anos; - Pesquisa de Sangue Oculto nas Fezes (PSOF) anual; - Sigmoidoscopia a cada 10 anos + PSOF anual; - Sigmoidoscopia a cada 5 anos
(se não desejar usar PSOF).
Para o câncer de colo de útero, recomenda-se citologia oncótica a todas as mulheres com vida sexual ativa e com colo de útero (iniciado 3 anos
após a coitarca). Após os 70 anos, descontinua-se a investigação caso haja 3 testes negativos consecutivos nos últimos 10 anos, exceto em
pacientes com antecedente de neoplasia de colo de útero ou doença sexualmente transmissível (HIV, especialmente).
Em 2015, o INCA, em conjunto com o Ministério da Saúde, divulgou nota sobre rastreio de próstata. Não é recomendado o rastreio de câncer de
próstata em homens por meio de PSA ou toque retal. Essa decisão está de acordo com órgãos de outros países (Canadá, Reino Unido, Estados
Unidos) e foi baseada em extensa literatura a respeito. As evidências apontam que os benefícios não superam os riscos de rastreio.
Desde dezembro de 2013, o USPSTF recomenda, para adultos de 55 a 80 anos, fumantes ou ex-fumantes (que pararam há menos de 15 anos) com
carga tabágica acima de 30 anos/maço, tomografia de tórax como rastreio de câncer de pulmão. A instituição também recomenda não fazer
rastreamento de paciente com comorbidade que impeça cirurgia curativa.
Não há evidência suficiente para recomendar rastreio de câncer de boca para a população. Da mesma maneira, não há evidências para recomendar
rastreamento de câncer de pele por dermatologista ou autoexame. Recomenda-se atenção a alterações de pele, por parte do médico generalista,
durante o exame físico.

Tabela 7 - Rastreio de câncer


Doenças Em quem? Como?
Câncer de mama Mulheres Mamografia entre 50 e 69 anos bienal

Câncer de Todos Colonoscopia a cada 10 anos; sigmoidoscopia a cada 5 anos; sangue oculto nas fezes
cólon/reto anualmente

Câncer de próstata Homens Não recomendável PSA/toque retal

Câncer de pele Todos Exame clínico (anual)

Câncer de boca Todos Exame clínico (anual)

Câncer de colo de Mulheres Colpocitologia oncótica (3 exames consecutivos negativos e ausência de atividade sexual
útero tornam esse rastreio desnecessário)

Câncer de pulmão 55 a 80 anos com Tomografia de tórax (recomendação norte-americana – USPSTF); não recomendável para
carga tabágica >30 quem parou de fumar há mais de 15 anos ou quem tem comorbidades que impeçam cirurgia
anos-maço curativa

Tabela 8 - Rastreio de doença metabólica


Doenças Em quem? Como? (anualmente)
Doença Pacientes com 1 ou mais fatores de risco (além da idade) que iniciam Eletrocardiograma de esforço
cardiovascular atividade física intensa

Obesidade Todos Índice de massa corpórea + circunferência


abdominal

Diabetes Todos Glicemia de jejum, hemoglobina glicosilada

Hipertensão Todos PA

Dislipidemia Todos Colesterol total e frações + triglicérides

Hipo ou Mulheres TSH


hipertireoidismo

Para a prevenção de quedas, recomenda-se exercício físico ou fisioterapia em associação a suplementação de vitamina D (pelo menos 800UI/d)
para pacientes acima de 65 anos com elevado risco de quedas.
Levando em conta a alta prevalência de fraturas (algumas delas por baixo impacto) e que fratura de quadril é uma grande causa de internação,
declínio funcional e desfechos desfavoráveis em idosos, a avaliação do risco de fratura e a presença de osteoporose é justificada do ponto de vista
de saúde pública.
A prevenção de fraturas faz-se com a detecção precoce de fatores de risco para osteoporose, como menopausa precoce, uso prolongado de
corticoides, baixo índice de massa corpórea, tabagismo, fratura prévia etc. Caso haja fatores de risco, avalia-se entre os 50 e 70 anos. Recomenda-
se também avaliar todos os pacientes com fraturas atraumáticas ou por baixo impacto (lembrar que perda de estatura pode significar fraturas
vertebrais não diagnosticadas).

Tabela 9 - Fatores de risco para fraturas


- Idade avançada;
- História familiar de fratura de quadril;
- Etilismo;
- Fratura prévia;
- Baixo peso (índice de massa corpórea <20);
- Artrite reumatoide;
- Uso de corticoides;
- Tabagismo;
- Osteoporose (baixa densidade mineral óssea).

Depressão e demência são doenças que trazem grande prejuízo funcional ao idoso. O rastreio dessas doenças faz parte da avaliação geriátrica
ampla.

Tabela 10 - Rastreio de outras doenças


Doenças Quem? Como?
Osteoporose Mulheres acima de 65 anos e homens acima Densitometria óssea
de 70 anos

Aneurisma da aorta Homens acima de 75 anos, com histórico de Exame clínico e ultrassonografia em indivíduos com pelo menos 1
abdominal tabagismo fator de risco

Demência Pessoas com queixas ou sinais de declínio Miniexame do estado mental


cognitivo

Depressão Pacientes com queixas ou sinais Questionário específico

As avaliações de acuidade visual e auditiva devem ser feitas na 1ª consulta, e o encaminhamento ao especialista deve ser feito conforme a queixa e
o déficit encontrado.

B - Prevenção terciária
Uma vez estabelecida a doença (e suas sequelas), iniciam-se os esforços para a manutenção da funcionalidade ou para a tentativa de recuperação
do patamar de funcionalidade anterior.
Diversas abordagens podem ser realizadas nesse âmbito. Primeiramente, o controle de doenças crônicas. Uma estratégia utilizada em nível
populacional é a de gestão de doenças, que consiste num serviço constituído não somente por médicos, mas também por enfermeiros treinados,
em que contatos telefônicos são feitos com intervalos de tempo determinados para monitorar a evolução do doente, bem como lembrá-lo da
importância da dieta e da atividade física e avaliar o uso correto da medicação.
A reabilitação em Geriatria e Gerontologia é objeto de estudo de médicos e de toda a equipe multiprofissional. Muito se discute sobre os
profissionais necessários para uma avaliação gerontológica mínima, porém não há consenso, o que se deve largamente à diferença de paciente
para paciente quanto a necessidades clínicas, sociais, psicológicas etc.
Cada profissional tem seu papel na reabilitação do idoso com debilidade, e, de acordo com cada caso e seu quadro evolutivo, pode ser necessário
maior enfoque nutricional, por exemplo, em um momento, e em outro, acompanhamento fonoaudiológico mais intenso. Outros casos podem
requerer visitas frequentes com fisioterapeuta ou psicólogo, o que aponta o caráter dinâmico da reabilitação. Outros profissionais muito atuantes
em Gerontologia são o assistente social e o terapeuta ocupacional. O trabalho em equipe é fundamental neste momento, e o diálogo entre os
profissionais deve ser produtivo e focado para tentar atingir os melhores resultados funcionais.

IMPORTANTE

Na reabilitação do idoso, o trabalho é contínuo, dinâmico e multiprofissional, visando recuperar um déficit ou sequela deixados por uma
doença ou evento agudo.

3. Vacinação

TEMA FREQUENTE DE PROVA

Dentro da Promoção à Saúde, a vacinação no idoso é tema sempre presente nas questões.

Quando comparado ao adulto, o idoso está mais vulnerável a infecções pelas próprias alterações imunológicas da idade. A presença de doenças
crônicas não só o deixa vulnerável, como também traz maior mortalidade a um evento infeccioso como uma gripe – normalmente considerado
benigno e autolimitado.
As vacinas recomendadas ao idoso no calendário brasileiro de vacinação são gripe, pneumonia, tétano e difteria.

Tabela 11 - Esquema de vacinação recomendado pelo Ministério da Saúde


Vacinas Doses Para quem?
Influenza Anual Todos os idosos

Pneumocócica 23 Única Idosos que vivem em instituições

Hepatite B 3 doses Grupos vulneráveis

dT (dupla adulto) A cada 10 anos Todos os idosos

Febre amarela A cada 10 anos Residentes ou viajantes para área de risco

A - Gripe
O vírus influenza, que pertence à família Orthomyxoviridae, apresenta-se em 3 tipos (A, B e C). É um vírus de RNA, e em seu envelope, originado da
célula hospedeira, localizam-se as glicoproteínas que o classificam – a hemaglutinina e a neuraminidase (H e N) –, e daí decorrem os subtipos H1N1,
H3N2 etc.
Em todo o mundo, há monitoração epidemiológica e estudo sorológico dos tipos de influenza. Anualmente, são formuladas vacinas com os
subgrupos mais comuns nos anos anteriores. Tal monitoramento é realizado no Brasil por 3 laboratórios: Adolfo Lutz, Fundação Oswaldo Cruz e
Evandro Chagas (Pará).
No país, ocorrem cerca de 22.000 óbitos todo ano devido à influenza nos períodos epidêmicos, sendo a taxa de internação de 12 para cada 1.000
habitantes na faixa etária geriátrica – o dobro da população jovem.

Tabela 12 - Fatores de risco para complicações por influenza pontuados pelo Centers for Disease Control and Prevention
- Idade >60 anos;
- Institucionalização;
- Doenças crônicas;
- Doenças renais ou hemoglobinopatias;
- Imunossupressão.
As vacinas preparadas fracionadas e subunitárias estão substituindo as de vírus íntegros em virtude de menor incidência de efeitos adversos. A
eficácia da vacina da gripe depende de muitos fatores, porém em adultos saudáveis a proteção varia entre 70 e 90%. Diminuem o uso de
antibióticos, o absenteísmo (na população economicamente ativa) e as visitas ao serviço de saúde. As reações adversas incluem mal-estar, febre e
mialgia, que são comuns, mas não indicam infecção. Reações locais de sensibilidade são também comuns, mas fugazes. A reação alérgica,
relacionada a alergia a componentes do ovo, é rara.

DICA

Há risco de complicações por infecção de influenza em pacientes com mais de 60 anos, institucionalizados, doentes crônicos, nefropatas e
imunossuprimidos.

Muitos pacientes se negam a receber vacina, alegando que lhes causou gripe. Deve-se explicar que a vacina não tem eficácia de 100% e que é
possível que a infecção tenha acontecido com outro subtipo de influenza não presente na vacina recebida (ou mesmo não houve proteção, por
mecanismo imune). Essa é uma das grandes causas de não revacinação, especialmente entre os idosos, no ano seguinte. As vacinas atuais com
vírus inativados e fragmentados não oferecem risco de infecção causado pela vacina.
A vacina é administrada por via intramuscular ou subcutânea e oferece 60% de proteção de doença aguda em idosos. Os efeitos colaterais mais
frequentes são dor local, febre baixa e cefaleia (de 24 a 48 horas). Há raros relatos de síndrome de Guillain-Barré. Só há contraindicação a
indivíduos com história de reação anafilática prévia ou alergia grave a ovo de galinha.

B - Pneumocócica
A pneumonia adquirida na comunidade tem, como principal agente causador, o Streptococcus pneumoniae em praticamente todas as faixas
etárias, inclusive grupos especiais como soropositivos, e a realidade atual é o aumento da resistência antimicrobiana (de 9,7 para 17,3% de 1993 a
1998). A vacina é o único instrumento disponível para a prevenção da pneumonia pneumocócica.
Há 90 tipos sorológicos descritos com base em seus antígenos polissacarídicos capsulares. A cápsula é responsável pela virulência da bactéria, está
envolvida no processo de invasão e estimula a produção de anticorpos específicos.
A vacina polissacarídica é utilizada há mais de 20 anos e inclui 23 sorotipos de antígenos purificados. É, portanto, chamada de 23-valente, além de
ser efetiva na prevenção das formas mais graves da doença.
Há indução de anticorpos específicos dentro de 2 a 3 semanas, por mecanismo independente de células T. A vacina é eficaz na prevenção das
formas invasivas da infecção pneumocócica e na prevenção da pneumonia.

Tabela 13 - Recomendações do Centers for Disease Control and Prevention


- Idosos com 1 ou mais doenças crônicas, especialmente moradores de instituições de longa permanência e aqueles com internações ou
infecções recorrentes;
- Adultos esplenectomizados, asplênicos, imunossuprimidos e portadores de doenças crônicas (doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes,
insuficiência cardíaca ou renal, cirrose hepática etc.).

DICA

A vacina antipneumocócica 23-valente é indicada a idosos com doenças crônicas, institucionalizados ou infectados recorrentes, assim como a
adultos esplenectomizados, imunossuprimidos ou doentes crônicos.

Dentre as reações adversas, os efeitos locais são leves e fugazes, como na influenza. Pode ser aplicada conjuntamente com esta, porém em local
diferente. Febre, mialgia e anafilaxia são muito raras. Os efeitos não aumentam com revacinação ou em imunossuprimidos.

C - Difteria e tétano
A vacinação para difteria mudou o perfil epidemiológico da doença, fazendo que praticamente desaparecesse nos países desenvolvidos, e o
mesmo ocorreu no Brasil por uma vacinação em larga escala a partir da década de 1970. Protege 85% dos casos e reduz a morbidade e a
mortalidade da doença.
Quanto ao tétano, apesar de vir apresentando queda no número de ocorrências no Brasil, os casos em maiores de 65 anos permanecem
constantes, fato que preocupa, pois a doença é mais grave nesse grupo etário, atingindo 50% de letalidade.
A vacina para o tétano evita mais de 95% dos casos, os níveis de antitoxina atingem pico em 2 semanas, e sua queda ocorre gradualmente com os
anos. Em idosos institucionalizados, a prevalência de anticorpos foi inferior a 50%, em estudo realizado nos Estados Unidos.
O esquema inicial de vacinação dT é de 2 doses, com intervalo de 1 mês, seguidas de uma terceira após 6 a 12 meses. A partir de então, há o reforço
a cada 10 anos. As reações adversas mais comuns são eritema e enduração no local da aplicação. Reações sistêmicas, anafiláticas ou febre são
raras.

D - Hepatite B
A infecção pelo vírus da hepatite B ainda é bastante prevalente, principalmente em alguns grupos de risco, como os imunossuprimidos e os
pacientes em contato frequente com assistência a saúde. A transmissão sexual vem aumentando entre idosos, em vista da mudança do padrão
sexual das pessoas acima de 60 anos. A vacina é composta por vírus inativado e deve ser administrada em 3 doses (esquema 0-1-6 meses), com
esquema especial para imunossuprimidos (0-1-2-6 meses, doses dobradas). A via de administração é a intramuscular. A proteção em idosos varia
entre 15 a 65%. A eficácia pode ser verificada pela dosagem de anti-HBs no soro.
Dor e calor local são os efeitos colaterais mais comuns. Não se deve vacinar na presença de doença febril moderada ou grave ou na presença de
reação anafilática prévia.

E - Febre amarela
A febre amarela é uma doença infecciosa causada por vírus (Flavivirus). A forma urbana é considerada erradicada no Brasil desde 1942, porém
existe risco potencial de retorno em regiões com existência do mosquito Aedes aegypti.
A vacina é composta por vírus vivo atenuado e está indicada para indivíduos que vivem ou viajarão para regiões classificadas como de risco.
Conforme o Ministério da Saúde, essas regiões são todos os estados do Norte e do Centro-Oeste, bem como parte do Nordeste (Maranhão,
sudoeste do Piauí, oeste e extremo-sul da Bahia), do Sudeste (Minas Gerais, oeste de São Paulo e norte do Espírito Santo) e do Sul (oeste do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).
O esquema recomendado é de 1 dose a cada 10 anos, e a via de administração é a subcutânea. A eficácia é alta (em torno de 97%). Os efeitos
colaterais são poucos, porém 5% podem desenvolver febre, dor de cabeça e dor muscular. Há contraindicação no caso de alergia a ovo de galinha e
de reação anafilática prévia.

F - Herpes-zóster
O herpes-zóster decorre da reativação da infecção primária pelo vírus da varicela-zóster. A incidência de zóster aumenta com a idade, bem como
suas complicações.
Estima-se que a incidência anual gire em torno de 10/1.000 idosos, em estudos americanos ou britânicos. Não há estudo brasileiro de porte acerca
desses dados. Para se ter uma ideia, a incidência geral nos Estados Unidos é de cerca de 2 casos para cada 1.000 pessoas. As complicações em
jovens quase inexistem, mas entre idosos podem chegar a 50%, sendo a neuralgia pós-herpética a mais comum.
O rash cutâneo vesicobolhoso, típico de zóster, acomete o dermátomo devido ao trofismo do vírus pelos nervos, principalmente sensitivos. A
neuralgia pós-herpética é a complicação temida, pois traz prejuízo à qualidade de vida, causando dor, geralmente refratária ao tratamento,
depressão, distúrbio do sono, perda de peso e interferência nas atividades da vida diária. Além disso, gera altos custos ao paciente e ao sistema de
saúde, pela necessidade de visitas a prontos-socorros, consultas frequentes e medicações para o controle de dor. Outras complicações são a
infecção bacteriana secundária, a paralisia motora, a encefalite, o comprometimento visual, a pneumonia etc.
Desde 2006 a vacina está aprovada para uso pelo FDA (Food and Drug Administration) e é recomendada pelo CDC para pessoas acima de 60 anos,
independentemente de episódio prévio ou não de zóster.
De acordo com um estudo duplo-cego randomizado, a vacina reduziu em mais de 50% a incidência de herpes-zóster e mais de 60% a dor e o
desconforto da infecção, bem como cerca de 66% a incidência de neuralgia pós-herpética.
Dentre os efeitos colaterais, apenas eritema, dor ou prurido no local da aplicação foram relatados, além de cefaleia. A vacina não induziu ao herpes-
zóster no estudo.

PERGUNTA
2013 - UNESP
1. Sobre a vacinação em idosos, assinale a alternativa correta:
a) a vacinação anual contra gripe reduziu a mortalidade geral, não apenas relacionada às doenças respiratórias
b) a vacina antipneumocócica reduziu a mortalidade por pneumonia, mas não por doença pneumocócica invasiva
c) idosos portadores de HIV não devem receber vacinação anual contra influenza
d) idosos em tratamento imunossupressor não devem receber vacinação antipneumocócica
e) após os 60 anos, as doses de reforço da vacinação contra o tétano devem ocorrer a cada 5 anos

Resposta no final do capítulo

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Promoção ao envelhecimento bem-sucedido
Prevenção primária
- Dieta balanceada e adequada às necessidades nutricionais individuais;
- Prática de exercício físico regular;
- Consumo leve a moderado de álcool (2 doses/dia no homem, 1 dose/dia na mulher);
- Imunizações.

Prevenção secundária
- Screening para câncer:
· Mama: mamografia bienal para mulheres entre 50 e 69 anos;
· Colo de útero: colpocitologia oncótica;
· Próstata: não se recomenda rastreio;
· Cólon/reto: colonoscopia a cada 10 anos ou sangue oculto anual;
· Pulmão: tomografia de tórax para carga tabágica acima de 30 anos/maço (recomendação americana.
- Prevenção de quedas: exercício físico ou fisioterapia + suplementação de vitamina D para pacientes com alto risco de quedas;
- Prevenção de fraturas: avaliar fatores de risco para osteoporose, como menopausa precoce, uso prolongado de corticoides, baixo índice de
massa corpórea, tabagismo.

Prevenção terciária
São as medidas de controle de doenças e reabilitação.

Vacinação
- Esquema vacinal do idoso:
· Influenza: anual;
· Pneumocócica: dose única (avaliar a necessidade de dose de reforço em 5 anos, individualmente);
· Dupla adulto: a cada 10 anos (em caso de dúvida sobre quando foi a última dose ou se há mais de 10 anos, revacinar com as 3 doses
habituais);
· Difteria e tétano: reforço a cada 10 anos;
· Febre amarela: para residentes ou viajantes para áreas de risco – a cada 10 anos;
· Hepatite B: para populações de risco (contato com serviço de saúde, imunocomprometidos – esquema 0-1-6);
· Herpes-zóster: desde 2006 a vacina está aprovada para uso pelo FDA e é recomendada pelo CDC para pessoas acima de 60 anos,
independentemente de episódio prévio ou não de zóster. Não está disponível na rede pública.

Resposta da questão do capítulo


1. A
06
Demências
César Augusto Guerra

A maioria dos idosos apresenta alterações cognitivas muito leves ou insignificantes do ponto de vista clínico, porém grande parte deles
manifesta queixas de memória, dificultando o diagnóstico nas fases iniciais de demência. Comparando-se jovens e idosos, vemos que
habilidades verbais e cristalizadas (experiência) se mantêm, habilidades criativas e estratégias de resolução de problemas se estreitam, e a
capacidade de dupla tarefa fica comprometida. O transtorno cognitivo leve é dado por déficit de memória (ou outra esfera cognitiva) maior do
que o esperado para idade/escolaridade, sem perdas da cognição global; e nenhum tratamento estudado se mostrou efetivo na diminuição da
taxa de conversão de transtorno cognitivo leve em demência. Demência é a deterioração global da cognição, em que só o déficit de memória é
insuficiente para o diagnóstico, e anormalidades cognitivas atrapalham as atividades de vida diária e representam uma alteração no
desempenho anterior. Há vários instrumentos utilizados para a avaliação da função cognitiva em suas diversas esferas, sendo miniexame do
estado mental (minimental ou MEEM) o mais utilizado. Outros testes também são comuns na prática clínica do geriatra, como o “teste do
relógio”, o teste de fluência verbal e o Clinical Dementia Rating (CDR). A Doença de Alzheimer (DA) é a demência mais comum no mundo, com
60 a 80% dos casos; o diagnóstico provável é oferecido por queixa de memória objetiva, perda cognitiva documentada, déficit em 2 áreas ou
mais da cognição, piora progressiva sem distúrbio da consciência, início entre 40 e 90 anos e ausência de outros distúrbios sistêmicos,
neurológicos ou psiquiátricos, bem como curso clínico lento e progressivo, com sobrevida bastante variável, podendo variar entre 2 e 15 anos. A
demência vascular decorre de doença cerebrovascular, presente no paciente com fatores de risco para doença cardiovascular. Seu diagnóstico
se baseia na história clínica (evolução em degraus) e na presença de alterações em exames neurológico e de neuroimagem (leucoaraiose –
geralmente em região de substância branca periventricular). A demência por corpúsculos de Lewy, por sua vez, é assim chamada pela presença
de inclusões citoplasmáticas eosinofílicas hialinas no córtex e no tronco encefálico. Suas características marcantes são curso flutuante,
alucinações (principalmente visuais), rigidez e bradicinesia; déficits de atenção, executivo e visuoespacial são mais marcantes no início do
quadro. Já a demência frontotemporal (DFT) se diferencia da DA por comprometimento comportamental precoce e de memória mais tardio; o
início da doença também é mais antecipado (10 anos antes), tendo maior fator hereditário associado. Outras causas são drogas como
hipnóticos, sedativos, anticonvulsivantes, anticolinérgicos, antipsicóticos, antidepressivos e os corticosteroides, e as doenças compressivas
intracranianas, principalmente a Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) e o hematoma subdural (HSD).

1. Introdução
No passado, havia a crença de que o idoso apresentava, inexoravelmente, declínio cognitivo. Porém, estudos recentes têm colocado em cheque
esses antigos conceitos, mostrando que muitas alterações comumente encontradas são resultado de doenças ou danos à senescência cerebral e,
se submetidas a intervenção adequada, podem ser estabilizadas ou mesmo revertidas.
A maioria dos idosos apresenta alterações cognitivas muito leves ou insignificantes do ponto de vista clínico, sem diferença em relação aos adultos,
porém grande parte deles manifesta queixas de memória, dificultando o diagnóstico nas fases iniciais de uma demência, como a Doença de
Alzheimer (DA).
A cognição é composta, dentre outros aspectos, pelas seguintes funções:

Tabela 1 - Funções cognitivas


- Memória;
- Julgamento;
- Abstração;
- Atenção;
- Orientação;
- Funções executivas;
- Linguagem;
- Cálculo;
- Concentração;
- Raciocínio;
- Praxias/gnosia;
- Crítica.

Apesar do grande avanço na tecnologia de neuroimagem, a função cognitiva, ou intelectual, ainda é medida na forma de escores de testes verbais e
não verbais (habilidades). A partir da aplicação desses testes na população geral, temos uma média do esperado para desempenho cognitivo.
Desses resultados, comparando-se jovens e idosos, vemos:
- Habilidades verbais se mantêm;
- Habilidades criativas e estratégias de resolução de problemas se estreitam;
- Habilidades cristalizadas (adquiridas com a experiência) se mantêm;
- Capacidade de dupla tarefa fica comprometida.
Coloca-se, em um grande conjunto chamado de síndromes demenciais ou demências, uma miríade de entidades nosológicas, das quais a DA é o
protótipo.
A demência é uma síndrome que se caracteriza pelo declínio de 1 ou mais funções cognitivas, com intensidade suficiente para interferir no
desempenho social ou profissional do indivíduo.

Tabela 2 - Alterações cognitivas modificadas com a idade


Funções executivas Alterações para lidar com situações cotidianas inusitadas
Linguagem - Alteração na capacidade de lembrar palavras;
- Alteração na capacidade de nomear objetos;
- Alteração na conversação;
- Alteração na fluência verbal.
Visuoespacial - Declínio de julgamento visuoperceptivo;
- Dificuldade para estimar distâncias;
- Dificuldade para manipular objetos;
- Hesitação no andar.
Memória - Déficit na memória de evocação;
- Dificuldade com fatos mais recentes;
- Memória operacional.
Figura 1 - Peça anatomopatológica comparativa: (A) cérebro de um idoso de 70 anos e (B) cérebro de um idoso de 70 anos com doença de
Alzheimer

2. Transtorno cognitivo leve


Há um estágio de declínio cognitivo no limite entre a normalidade e a doença, chamado de transtorno cognitivo leve ou comprometimento
cognitivo leve. Trata-se da presença de déficit de memória (ou de outra esfera cognitiva) maior do que o esperado para a idade (e nível de
escolaridade), porém sem perdas da cognição global e sem prejuízo de funcionalidade, logo não preenchendo critério para demência. É um quadro
heterogêneo em termos de apresentação clínica, no qual encontramos vários subtipos e critérios para transtorno cognitivo leve. Os critérios são
imprecisos, e bom senso clínico é requerido na hora de diferenciar a alteração relacionada ao envelhecimento ou a um transtorno cognitivo leve.
Diversos termos são utilizados na literatura para descrever esse quadro, como por exemplo: DA prodrômica, pré-Alzheimer, déficit isolado de
memória, demência incipiente etc.
O mecanismo fisiopatológico ainda é alvo de estudos, e acredita-se que a disfunção colinérgica seja responsável pelos déficits apresentados pelos
portadores dessa doença.
Esse “estágio”, conforme observado em estudos longitudinais, quando presente, eleva o risco de desenvolver demência. Fala-se, na literatura, de
uma taxa de conversão em demência de 10% ao ano para pacientes com esse diagnóstico.
Nenhum tratamento estudado se mostrou efetivo na diminuição da taxa de conversão de transtorno cognitivo leve em demência. Recomenda-se,
entretanto, o rastreio cognitivo anual de pacientes com transtorno cognitivo leve. A avaliação e o tratamento de fatores de risco ou de presença de
doença cardiovascular também são importantes. Estudos atuais em curso estão tentando demonstrar relação de risco cardiovascular com
desenvolvimento de demência. A discussão fisiopatológica envolve o desenvolvimento de proteína beta-amiloide, que ocorre em maior grau em
pacientes com risco cardiovascular elevado.

DICA

O transtorno cognitivo leve é ocasionado por déficit de memória (ou outra esfera cognitiva) maior do que o esperado para idade/escolaridade,
sem perdas da cognição global.

3. Demência
A - Definição
Demência é definida pelo CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 10ª Edição), DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos
Mentais, 5ª Edição, da American Psychiatric Association) e NINCDS-ADRDA (National Institute of Neurological Communicative Disorders and
Stroke e Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association) como “deterioração global da cognição, em que apenas o déficit de memória é
insuficiente para o diagnóstico, e as anormalidades cognitivas atrapalham as atividades de vida diária e representam uma alteração no
desempenho anterior. O rebaixamento do nível de consciência, ou delirium, é critério de exclusão”.

B - Outros critérios
Há deterioração da personalidade e do comportamento. O curso é crônico e progressivo e deve representar declínio comparado a um nível
cognitivo prévio.
O diagnóstico é clínico e comprovado por testes neuro​psicológicos, e os exames complementares são necessários para o diagnóstico etiológico da
demência.
Existem também as demências potencialmente reversíveis, que serão mais bem explicadas.

Figura 2 - Diagnóstico de demência

4. Avaliação cognitiva
Há vários instrumentos utilizados para a avaliação da função cognitiva em suas diversas esferas, cada qual com sua particularidade, sensibilidade,
especificidade, acurácia e nível de detalhamento. O mais largamente utilizado é o miniexame do estado mental (minimental ou MEEM),
desenvolvido na década de 1970 e traduzido e validado em português. É um teste simples, de aplicação rápida (de 5 a 7 minutos), com alta
confiabilidade intra e interexaminadores. Avalia funções cognitivas específicas, como orientação temporoespacial (10 pontos), registro e
recordação de 3 palavras (6 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), linguagem (8 pontos) e habilidades construtivas visuais (1 ponto). Sua pontuação
varia de zero a 30, sendo melhores os maiores valores. É preciso lembrar que a escolaridade e déficits sensoriais e motores prejudicam o resultado
do exame. Para tais casos, sugere-se realizar o exame normalmente, registrando questões não respondidas ou não compreendidas como erro, e,
posteriormente, fazer a interpretação do teste levando em conta os déficits do paciente.
A nota de corte por escolaridade varia de acordo com o autor ou o serviço de atendimento. Os cortes sugeridos pelo nosso Tratado de Geriatria e
Gerontologia são de Herrera (Tabela 3). Alguns serviços utilizam os cortes de Brucki (Tabela 4).

Tabela 3 - Pontuação adaptada para os anos de escolaridade e os pontos de corte segundo Herrera
Escolaridade Notas de corte
Analfabeto 19

1 a 3 anos 23

4 a 7 anos 24

>7 anos 28

Fonte: HERRERA et al., 2002.

Tabela 4 - Pontuação adaptada para os anos de escolaridade e os pontos de corte segundo Brucki
Escolaridade Notas de corte
Analfabeto 20

1 a 4 anos 25

5 a 8 anos 26,5

9 a 11 anos 28

>11 anos 29

Fonte: BRUCKI et al., 2003.

Outros testes também são comuns na prática clínica do geriatra, como o “teste do relógio”. Nele, pede-se ao paciente para desenhar um relógio
com os números, mostrando um horário com ponteiros de hora e de minuto não coincidentes, como 11h10min. Há escalas para avaliar sua
pontuação, que variam de zero a 15. É um instrumento que também pode ser qualitativo, e a sua avaliação evolutiva é mais valiosa que o 1º valor
em si. É mais sensível para pacientes com maior escolaridade.
Há ainda o teste de fluência verbal, CERAD (Consortium to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease), bateria cognitiva breve, dentre outros. Uma
avaliação neuropsicológica completa é realizada por psicólogo habilitado e fornece dados a respeito de todas as esferas cognitivas, com grau de
detalhamento muito bom, entretanto, não é muito utilizada na prática clínica por não ser tão prática e fácil (tampouco barata).
O Clinical Dementia Rating (CDR) é um instrumento também muito utilizado por neurologistas no Brasil e no mundo na tentativa de padronizar
estágios de demência. O CDR avalia cognição, comportamento e perdas cognitivas na capacidade de realizar atividades de vida diária. São 6
categorias: memória, orientação, julgamento ou solução de problemas, relações comunitárias, atividades no lar ou de lazer e cuidados pessoais.
Cada categoria recebe uma nota: zero = nenhuma alteração; 0,5 = questionável; 1 = demência leve; 2 = demência moderada; 3 = demência grave.
Apenas a categoria “cuidados pessoais” não tem o nível 0,5. A memória é a categoria principal, as demais são secundárias. A classificação final é
dada a partir da análise desses dados seguindo um conjunto de regras que seguem na Tabela 9.

5. Tipos de demência
A - Doença de Alzheimer
Trata-se do tipo mais comum de todos, representando de 60 a 80% dos casos nas diversas casuísticas ao redor do mundo. Todavia, dados
recentes, provenientes de estudo com banco de cérebros na cidade de São Paulo, indicam que as demências vasculares podem ser tão ou mais
comuns do que a DA nessa cidade.

DICA

A DA é a demência mais comum no mundo, com 60 a 80% dos casos.

A forma genética (também chamada de início precoce, pois se estabelece normalmente antes dos 60 anos) é responsável apenas por 3 a 4% dos
diagnósticos, enquanto a forma esporádica (também chamada de início tardio) perfaz os outros 96 a 97%. Genes para a proteína precursora
amiloide e presenilina 1 e 2 (presentes nos cromossomos 21, 14 e 1, respectivamente) são responsáveis pela forma genética de Alzheimer.
O diagnóstico definitivo de DA era possível somente com exame histopatológico. No entanto, os guias de recomendação diagnóstica mundiais,
desde 2011, têm sugerido que a correlação entre dados clínicos, a dosagem de marcadores liquóricos (aumento dos teores de proteína tau em sua
forma hiperfosforilada – fosfotau; diminuição dos teores de Ab 42) e a neuroimagem de PET amiloide podem elevar bastante o grau de certeza
quanto à presença da patologia cerebral característica da DA, inclusive nas fases pré-clínicas. Nos exames de neuroimagem, há correlação entre a
volumetria do hipocampo e a presença de DA, porém não é achado sensível e específico o suficiente para que seja considerado critério diagnóstico
de doença. Veja a imagem a seguir mostrando atrofia cortical e principalmente de hipocampo:

Figura 3 - Ressonância magnética de crânio, em corte coronal, demonstrando atrofia cortical e principalmente de hipocampo

Do ponto de vista prático, no Brasil, considera-se o diagnóstico de DA quando há síndrome demencial sem outras anormalidades neurológicas,
sistêmicas ou psiquiátricas que justifiquem o quadro. Portanto, trata-se de um diagnóstico de exclusão, ou seja, em caso de o curso clínico e os
exames subsidiários não indicarem outro possível diagnóstico, chega-se à conclusão preditiva de possível DA.
O diagnóstico provável é estabelecido por história e exame clínico compatíveis, perda cognitiva documentada pelo MEEM ou outra escala; déficit
em 2 ou mais áreas da cognição; piora progressiva sem distúrbio da consciência; início entre 40 e 90 anos e ausência de outros distúrbios
sistêmicos, neurológicos ou psiquiátricos que poderiam causar os déficits observados.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de DA é fornecido apenas por exame histopatológico, porém o diagnóstico provável é dado por queixa de memória objetiva
associada a perda cognitiva documentada, déficit em 2 áreas ou mais da cognição, piora progressiva sem distúrbio da consciência, início entre
40 e 90 anos e ausência de outros distúrbios sistêmicos, neurológicos ou psiquiátricos.

Os sintomas iniciais da DA são pouco perceptíveis, e os primeiros anos da doença passam despercebidos aos olhos dos familiares ou mesmo do
clínico menos atencioso. Apenas quando a doença começa a prejudicar as atividades da vida diária é que os familiares começam a se dar conta de
que algo de errado vem acontecendo com o paciente, às vezes também encoberto por eventos agudos, luto ou outros fatos, postergando ainda
mais o diagnóstico. No início, há comprometimento de memória de evocação, e o processo de aprendizado está prejudicado. Aqui, a memória
semântica pode ser avaliada pelo teste de fluência verbal (citar todos os animais que conhece em 1 minuto). Há empobrecimento do vocabulário e
troca ou esquecimento de palavras. Com a piora progressiva, há perda da orientação temporal e espacial, quando o paciente começa a perder-se
na rua ou no caminho de casa, do supermercado etc. A habilidade visuoespacial é deteriorada, não muito no início, porém com o decorrer há maior
dificuldade na execução de cópia de desenhos ou no desenho do relógio.

DICA

O achado clássico histopatológico na DA são as placas amiloides e os emaranhados neurofibrilares.

Mais adiante, na evolução da doença, aparecem apraxias ideatórias e ideomotoras (execução de sequência de atos motores ou de um gesto sob
comando).
A crítica dos déficits pode estar presente no quadro inicial, mas desaparece com a evolução. A mudança de personalidade e outros sintomas não
cognitivos ou comportamentais – os chamados BPSDs (Behavioral and Psychological Symptoms of Dementia) – podem estar presentes anos antes
do início dos sintomas cognitivos e piorar com a evolução. São os distúrbios do humor, alimentares, delírios, agressividade, perambulação,
desinibição (“frontalização”), alucinações etc.
Nos estágios mais avançados, começam a surgir os problemas como rigidez, ataxia, incontinências urinária e fecal, disartria e disfagia. A essa altura,
o paciente já deixou de ter o autocuidado, e as intercorrências infecciosas são frequentes, bem como úlceras por pressão, broncoaspiração etc. Os
familiares e cuidadores já devem estar preparados e cientes sobre a evolução inexorável do quadro e ser instruídos sobre cuidados paliativos para
evitar iatrogenias e o prolongamento do sofrimento do paciente.
O curso clínico é lento e progressivo, com sobrevida bastante variável, já que o início não é bem definido. Fala-se de duração média de 10 anos,
podendo variar entre 2 e 15 anos.

DICA

Mínimas alterações olfatórias podem ser sinal precoce de doenças neurológicas, como o Alzheimer.

PERGUNTA
2014 - UEL
1. Um homem de 65 anos, sapateiro, sem doenças prévias, apresenta há 4 anos esquecimento lentamente progressivo. O
paciente esquece fatos do dia a dia e nomes de pessoas conhecidas; quando conversa, tem dificuldade para se lembrar das
palavras de que precisa; tem dificuldades com afazeres cotidianos (não sabe mais fazer compras ou lidar com dinheiro,
parece confundir os valores); veste-se erradamente; e perde-se nos arredores de sua casa. Os familiares negam alteração da
marcha ou micção. O exame neurológico é normal para a idade. Os testes cognitivos mostram desorientação no tempo e no
espaço, amnésia, apraxia e afasia semântica. A ressonância magnética mostra moderada atrofia corticossubcortical (com
aumento de volume dos ventrículos laterais), predominante nas regiões associativas parietotêmporo-occipitais de ambos os
hemisférios. A cintilografia da perfusão cerebral mostra hipoperfusão nessas mesmas regiões cerebrais. Os exames
hematológicos, bioquímicos e sorológicos são normais. O diagnóstico para este caso será de:
a) demência vascular
b) demência frontotemporal
c) doença de Alzheimer
d) intoxicação crônica por tolueno da cola de sapateiro
e) hidrocefalia de pressão normal

Resposta no final do capítulo

B - Demência vascular
É a demência decorrente de doença cerebrovascular, presente no paciente com fatores de risco para doença cardiovascular, pois a etiologia é a
mesma. Historicamente, acreditava-se que a maioria dos casos de demência era de etiologia vascular, porém estudos patológicos posteriores
mostraram que as placas amiloides e emaranhados neurofibrilares clássicos de DA eram bem mais frequentes que os achados de isquemias. Não
há critério anatomopatológico claro para o diagnóstico de demência vascular, como há para a DA, porém vários critérios clínicos existem.
Atualmente, acredita-se que a demência vascular seja mais uma síndrome heterogênea do que uma entidade nosológica bem definida, na qual a
etiologia é a doença cerebrovascular e sua manifestação final é a demência.
Dados epidemiológicos norte-americanos e europeus apontam a demência vascular como 2ª causa mais comum de demência, correspondendo a
10 a 20% dos casos. A prevalência varia com a região e os critérios utilizados, girando em torno de 1 a 4% na população acima de 65 anos de idade.
É clássica por sua evolução em degraus, de acordo com os eventos, deixando sequelas e sinais focais (hemiparesia, disartria, hipoestesia, alteração
de marcha, hiper-reflexia etc.). Porém, se a doença for de pequenos vasos, pode não haver déficit focal.
Para o diagnóstico, leva-se em conta história clínica e presença de alterações em exames neurológico e de neuroimagem. A tomografia de crânio
tem menor sensibilidade que a ressonância, porém, quando presentes sinais de doença vascular na primeira, a ressonância não é necessária. As
lesões típicas são chamadas de leucoaraiose (geralmente em região de substância branca periventricular), mas não são específicas, de maneira que
podem ser encontradas em idosos sem demência. O diagnóstico parece fácil, porém sua diferenciação de DA não é tão simples, e pode haver
sobreposição, a que costumamos chamar demência mista.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de demência vascular é feito por história clínica (evolução em degraus) e presença de alterações em exames neurológico e de
neuroimagem (leucoaraiose – geralmente em região de substância branca periventricular).

A escala de Hachinski foi criada para facilitar a diferenciação entre DA, demência vascular e demência mista. Uma pontuação alta nessa escala
aponta para o diagnóstico de demência vascular, pontuação baixa aponta para DA, e escores intermediários podem indicar demência mista
(componente de Alzheimer e de doença vascular).

Tabela 5 - Escala de Hachinski


Características Pontos
Início abrupto 2

Deterioração em degraus 1

Curso flutuante 2

Confusão noturna 1

Preservação relativa da personalidade 1

Depressão 1

Queixas somáticas 1

Instabilidade emocional 1

História ou presença de hipertensão arterial sistêmica 1


História de acidente vascular cerebral 2

Evidência de aterosclerose 1

Sintomas neurológicos focais 2

Sinais neurológicos focais 2

A pontuação de zero a 3 sugere DA; entre 4 e 6, doença mista; e, acima de 7, doença vascular. A seguir, uma comparação entre pacientes e
diferentes tipos de demências.
Figura 4 - (A) Paciente normal (controle); (B) com demência vascular; (C) com doença de Lewy e (D) com doença de Alzheimer

C - Doença de Lewy

TEMA FREQUENTE DE PROVA


A doença de Lewy, diferencial da DA, está sempre presente nas provas.

A demência por corpúsculos de Lewy é assim chamada pela presença de inclusões citoplasmáticas eosinofílicas hialinas no córtex e no tronco
encefálico, porém com quantidade variável de placas senis e de emaranhados neurofibrilares (típicos de DA).
Suas características marcantes são curso flutuante, alucinações (principalmente visuais), rigidez, bradicinesia e sensibilidade a antipsicóticos típicos.
Diferentemente da DA, a perda de memória não é o déficit cognitivo mais proeminente na doença por corpúsculos de Lewy. Os déficits de atenção,
executivo e visuoespacial são mais marcantes no início do quadro.As flutuações de atenção podem ocorrer no início do quadro, e estima-se que 60
a 80% dos pacientes apresentem esse achado. Pode ser confundido com delirium em um 1º momento. As alucinações visuais ocorrem em cerca de
2/3 dos pacientes e podem ser desde simples percepções visuais errôneas de cores, formas e borrões até manifestações complexas, como diálogos
com pessoas falecidas. O parkinsonismo (bradicinesia, rigidez, alteração de marcha) é encontrado em até 90% dos pacientes com Lewy e
normalmente é simétrico, de leve a moderado.

DICA

A demência por corpúsculos de Lewy possui curso flutuante, alucinações (visuais), rigidez e bradicinesia. Inicialmente pode ser confundido com
quadro de delirium.

O estudo de imagem combinando ressonância magnética e SPECT pode atingir um nível significativo de diferenciação entre DA e doença de Lewy.
A Figura 5 mostra essa combinação com avaliação volumétrica cerebral, além de uma diferença estriatal e occipital que ajuda no diagnóstico de
doença de Lewy.

Figura 5 - SPECT e ressonância magnética ajudam na diferenciação entre doença de Alzheimer e doença de Lewy. Hipoperfusão na região occipital
e preservação do giro cingulado posterior são características de doença de Lewy, e volumetria do lobo temporal medial está reduzida na doença de
Alzheimer

D - Demência frontotemporal
A demência frontotemporal (DFT) foi estudada inicialmente por Pick e diferencia-se da DA por comprometimento comportamental precoce e de
memória mais tardio. O início da doença também é mais antecipado, cerca de 10 anos antes das demais demências. Também possui maior fator
hereditário associado (cerca de 10 a 20% dos casos). A progressão da doença é mais rápida que na DA, sendo que a evolução média é de 4 a 8 anos.

DICA

A DFT diferencia-se da DA pelo início precoce (10 anos antes), além de comprometimento comportamental precoce e de memória mais tardio.

A forma de apresentação mais comum da DFT é uma mudança progressiva na personalidade e no comportamento. Os marcos da forma
comportamental são:
- Mudança de personalidade;
- Falta de crítica (o paciente não tem consciência de seus déficits);
- Perda de percepção social (higiene, discurso ofensivo, urinar ou defecar em locais inadequados etc.);
- Comportamentos estereotipados ou rituais;
- Perda de empatia (se torna “frio” e indiferente aos sentimentos dos outros);
- Alteração de hábito alimentar (compulsão ou desejo por um só tipo de alimento);
- Sexualização (comportamento inadequado; normalmente, a libido está diminuída em pacientes com DFT).
Também há uma forma mais incomum de DFT chamada de afasia não fluente progressiva. O paciente se apresenta com anomia como 1º déficit, e a
partir disso o discurso fluente começa a ficar progressivamente mais difícil, passando por uma linguagem telegráfica e terminando em mutismo.
Memória, comportamento e habilidades visuoespaciais estão normalmente preservados no início do quadro.

PERGUNTA
2014 - AMP
2. Um paciente de 83 anos é conduzido para avaliação clínica por queixa de perda de memória, com evolução de 6 meses. Ao
examiná-lo, você constata apatia e significativa redução do grau de discernimento e de percepção. O paciente está disfásico
e apresenta comportamento desinibido. O exame neurológico demonstra paralisia da mirada vertical e rigidez axial. Qual
das doenças a seguir é compatível com esse quadro clínico?
a) doença de Alzheimer
b) demência frontotemporal
c) demência dos corpúsculos de Lewy
d) doença de Creutzfeldt-Jakob
e) demência vascular

Resposta no final do capítulo

E - Outras demências
Dentre as causas mais raras de demência, estão doença priônica (Creutzfeldt-Jakob), de Kuru e de Korsakoff (álcool) e, secundariamente, AIDS ou
sífilis. Não entraremos em mais detalhes a respeito dessas doenças por terem baixa incidência e por não representarem entidades clínicas
significativas na prática geriátrica.

PERGUNTA
2013 - SANTA CASA-SP
3. Sobre a demência, é incorreto afirmar que:
a) a demência causada por príon caracteriza-se por ser rapidamente progressiva, fatal e com acometimento focal do córtex, dos gânglios da
base, do cerebelo, do tronco e da medula
b) a demência por corpúsculos de Lewy caracteriza-se por declínio cognitivo flutuante, sintomas neurológicos extrapiramidais e alucinações
visuais
c) o diagnóstico definitivo da doença de Alzheimer é feito mediante análise anatomopatológica do tecido cerebral
d) a demência de causa vascular é a mais frequente devido à alta prevalência de doença cerebrovascular na população idosa
e) a doença de Huntington caracteriza-se por demência, distúrbios do movimento e sintomas psiquiátricos

Resposta no final do capítulo

6. Demências potencialmente reversíveis


São os distúrbios cognitivos e comportamentais potencialmente reversíveis com o tratamento específico da causa-base. É difícil estimar a
prevalência desse grupo, porém acredita-se que pode chegar a 10% dos casos. Dentre as encefalopatias tóxicas, encontramos os medicamentos
como causa de cerca de 17% dos casos de delirium e cerca de 1% dos casos de declínio cognitivo. Os medicamentos podem levar a demência por
ação direta ou exacerbar quadro clínico preexistente. Os hipnóticos e sedativos, bem como os anticonvulsivantes, anticolinérgicos e antipsicóticos,
estão entre as principais classes relacionadas ao declínio cognitivo. Outros são os antidepressivos e os corticosteroides. O uso crônico de
benzodiazepínicos está associado a alterações cognitivas e motoras e pode alterar a percepção visuoespacial. Lembrar que a prescrição de
anticolinérgicos é muito frequente em idosos, e seu uso crônico está associado a menor resultado no MEEM.

IMPORTANTE

Convém sempre se lembrar de causa medicamentosa para delirium ou queixa de memória. Há uma grande prevalência de uso de
benzodiazepínicos em idosos.

Além das medicações, porém mais incomuns, são as intoxicações por mercúrio, alumínio, chumbo, arsênio etc. Esses quadros estão associados a
neuropatias periféricas, bem como sintomas extrapiramidais.
As doenças compressivas intracranianas, principalmente a Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) e o hematoma subdural (HSD) merecem atenção
especial. A HPN ocorre como consequência da obstrução intermitente do fluxo liquórico e impedimento de sua reabsorção. Acredita-se que
corresponda a 2% dos casos de demência. O quadro clínico clássico é a tríade demência, ataxia e incontinência urinária. No exame de neuroimagem,
verifica-se o alargamento do sistema ventricular desproporcional à atrofia cortical cerebral. A progressão dos sintomas é de semanas a meses, e a
ordem de aparecimento dos sintomas é variável para cada paciente. A punção lombar deve ser indicada na suspeita de HPN, e o liquor deve ser
avaliado para infecções do sistema nervoso central. O teste de punção, ou TAP-test, consiste na retirada de 40 a 50mL de liquor, o que deve ser
seguido de melhora sintomática (marcha e estado mental). Nesses pacientes, o procedimento cirúrgico é benéfico. O shunt (derivação
ventriculoperitoneal ou ventriculoatrial) costuma ser seguido de melhora em cerca de 80% dos casos. A melhora cognitiva após o procedimento
cirúrgico costuma levar meses para acontecer.

DICA

A tríade clássica da HPN é composta por demência, ataxia e incontinência urinária.


Figura 6 - Hidrocefalia de pressão normal

O HSD crônico é a forma de apresentação mais comum do HSD em idosos. Pode ocorrer secundário a quedas ou espontaneamente, lembrando
que não é muito comum o paciente ou um familiar se recordar de queda ou trauma que valorize e relate em consulta. A apresentação clínica é
muito variável; pode ser assintomática ou compreender manifestações comportamentais graves e hipertensão intracraniana. Sinais focais (afasia,
hemiparesia), cefaleia e confusão mental também são comuns. A investigação é realizada com neuroimagem, sendo a tomografia a mais custo-
efetiva. O tratamento é cirúrgico na maioria das vezes (principalmente quando há compressão/efeito de massa).
Figura 7 - Hematoma subdural crônico

Dentre as causas psiquiátricas de pseudodemência, a mais prevalente na população idosa é a depressão, sendo responsável por cerca de 25% dos
casos de demências potencialmente reversíveis e tem sua natureza e relação com a demência ainda não bem estabelecidas. Pode preceder,
ocasionar ou ocorrer simultaneamente a quadro de demência. A avaliação clínica minuciosa, envolvendo cognição e testes específicos para
depressão, como o GDS (Geriatric Depression Scale), auxilia no diagnóstico e no acompanhamento. É importante lembrar que sintomas como
perda ou ganho de peso, alteração do sono e apetite, perda de energia ou fadiga, queixas somáticas e dor crônica são mais frequentes na
população idosa. O tratamento com antidepressivos está indicado, mesmo como prova diagnóstica, no caso de dúvida.

Tabela 6 - Identificação das causas, divididas em 3 grupos


Comprometimento do sistema nervoso central
- HPN;
- Infecção pelo HIV;
- Sífilis terciária;
- Lesões neoplásicas;
- HSD.

Tóxico-metabólicas
- Deficiências nutricionais ou vitamínicas (vitamina B12);
- Hipotireoidismo;
- Uremia;
- Medicamentos.

Psiquiátricas
Depressão

PERGUNTA
2013 - UNITAU
4. Um paciente de 70 anos, com diagnóstico de síndrome demencial, foi encaminhado para diagnóstico etiológico. Podemos
afirmar que:
a) na perda da memória anterógrada progressiva associada a interferência das atividades de vida diária, deve-se avaliar a possibilidade de
demência primária, cujas causas mais frequentes são o hipotireoidismo e a deficiência de vitamina B12 e de ácido fólico
b) a aplicação do minimental e o exame de neuroimagem são importantes no rastreamento diagnóstico etiológico da síndrome demencial
c) a presença de alucinações, parkinsonismo e delirium são os sintomas encontrados na demência frontotemporal
d) a presença de apatia, desinibição na esfera sexual e afasia são os sintomas encontrados na demência dos corpúsculos de Lewy
e) na investigação etiológica, além dos sintomas mencionados pelos familiares, é necessária a avaliação de exames, como neuroimagem e
dosagem de TSH, de vitamina B12 e de ácido fólico

Resposta no final do capítulo

7. Tratamento
Apesar do grande avanço em termos de fisiopatologia e de marcadores das demências ocorridos na última década, o tratamento ainda é pouco
eficaz sobre a melhora dos sinais e sintomas e sobre o curso clínico, principalmente na DA. Não há, ainda, no caso das demências de etiologia
neurodegenerativa, tratamento capaz de evitar a progressão da doença. Tanto os tratamentos não medicamentosos como os medicamentosos
podem apenas diminuir a velocidade das perdas e controlar os BPSDs daqueles que os apresentam, diminuindo o uso de antipsicóticos, que
podem ser nocivos e aumentar a mortalidade em pacientes com demência.
O tratamento inicial é realizado com inibidores da enzima acetilcolinesterase, objetivando aumentar a disponibilidade de acetilcolina na fenda
sináptica. O déficit colinérgico é o principal marcador fisiopatológico da DA e da doença de Lewy, por exemplo. Essa classe de drogas também pode
ter algum efeito eficaz entre pacientes com demência vascular, mas não para outros tipos de demência até o momento. Portanto, os inibidores da
acetilcolinesterase somente são indicados a casos de DA, doença de Lewy e demência vascular.
Utilizam-se a donepezila, a rivastigmina ou a galantamina nas doses apresentadas na Tabela 7.

Tabela 7 - Doses de donepezila, rivastigmina e galantamina


Medicações Doses iniciais Doses de manutenção
Donepezila 5mg/d 10mg/d

Rivastigmina 1,5mg, 2x/d 6mg, 2x/d

Galantamina 8mg/d 24mg/d

Lembrando que a dose inicial deve ser mais baixa, aumentando progressivamente até a dose de manutenção. Se houver intolerância, recomenda-
se utilizar a dose mais alta tolerada ou trocar de medicação para atingir a dose de manutenção.
A memantina, antagonista de receptor glutamatérgico, é utilizada em casos moderados a graves da DA, sozinha ou em combinação com
anticolinesterásicos. A dose inicial é de 5mg/d, aumentando semanalmente até atingir a dose de 10mg, 2x/d.

TRATAMENTO

Em casos de DA, Lewy ou demência vascular, utilizam-se inibidores da acetilcolinesterase – donepezila, rivastigmina ou galantamina.
Introduzido o tratamento, deve ser verificada a sua eficácia com novos testes cognitivos.

A - Estatinas
Um estudo piloto com 63 pacientes com DA leve a moderada mostrou tendência a benefício com atorvastatina, entretanto outro ensaio clínico
com 406 pacientes não mostrou evidência de benefício na progressão de doença.

B - Vitamina E
A suplementação de vitamina E mostrou resultado positivo no sentido de diminuir a progressão da DA, em um grande estudo comparando
vitamina E, selegilina e placebo. Porém, há uma crítica a esse estudo pelo ajuste estatístico necessário para se obter esses resultados. Um novo
estudo de 2014 sugere que o uso de 2.000UI/d de alfa-tocoferol diminui a velocidade de declínio funcional em pacientes com DA leve a moderada.

C - Anti-inflamatórios
Estudos fisiopatológicos mostram que a reação inflamatória microglial leva a liberação de citocinas e formação de placas amiloides. Alguns estudos
epidemiológicos mostraram associação entre uso de anti-inflamatórios não esteroides e uma razão de chances menor de desenvolver DA.
Entretanto, esses achados não foram confirmados por ensaios clínicos. Já foram estudados naproxeno, diclofenaco, rofecoxibe, hidroxicloroquina
e ácido acetilsalicílico. É importante lembrar que o uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroides está relacionado ao maior risco
cardiovascular, particularmente entre os inibidores da COX-2.

D - Ginkgo biloba
Muitas vezes, depara-se com idosos utilizando esta medicação, porém pouco conhecemos a respeito dela. É normalmente usada com indicação de
que melhora a circulação sanguínea e a cognição. O princípio ativo parece ser derivado de glicosídeo flavonoide, que tem potente atividade
antirradical livre, e também age inibindo o fator de ativação plaquetária. Uma revisão sistemática a respeito da droga e demência mostrou
resultados inconsistentes e não convincentes. Também não se mostrou efetiva para prevenir demência.

8. Prevenção
Atualmente, temos dados de literatura frustros com relação à prevenção de demência. O papel de suplementação vitamínica foi alvo de estudos. A
vitamina E, embora tenha mostrado resultado benéfico (questionável), não é recomendada como suplementação e prevenção de demência. Uma
meta-análise de 19 ensaios clínicos mostrou aumento global de mortalidade por todas as causas no grupo de suplementação de vitamina E.
Suplementações de vitamina B6, B12 e ácido fólico também já foram estudadas, e as evidências não sugerem que haja papel na prevenção de
demência.
O betacaroteno foi estudado em longo prazo, mas, apesar do benefício demonstrado, problemas metodológicos minaram a validade desse estudo.
A influência da dieta foi avaliada por inúmeros estudos de coorte. Não há estudo randomizado, atualmente, correlacionando dieta e demência, e,
devido aos fatores de confusão inerentes aos estudos epidemiológicos, não há evidência significativa com relação ao efeito da dieta na prevenção
de demência. Os dados existentes na literatura sugerem que dieta com peixes e ômega-3 pode reduzir o risco de Alzheimer, ao passo que dieta rica
em colesterol ou ácido graxo (originário de carne vermelha) pode aumentar o risco.
As evidências mais atuais têm apontado para o benefício do estilo de vida e atividade social para a melhora da cognição e funcionalidade. Tendo
em vista que estilo de vida saudável, atividades física e cognitiva e interação social têm grande papel na qualidade de vida, encorajar tais medidas
faz parte tanto da prevenção como do tratamento, não somente de demências, mas também de várias outras doenças.

9. Miniexame do estado mental


Tabela 8 - Miniexame do estado mental
1 - Em que dia estamos?
a) ( ) Ano b) ( ) Semestre c) ( ) Mês d) ( ) Dia do mês e) ( ) Dia da semana

2 - Onde estamos?
a) ( ) Local da consulta (consultório/hospital) d) ( ) Cidade
b) ( ) Rua e) ( ) Estado
c) ( ) Bairro

3 - Repita as palavras (as 3 de uma vez, e o paciente as repete):


a) ( ) Caneca b) ( ) Tijolo c) ( ) Tapete

4 - Subtrações: 100 - 7 (5 vezes sucessivas) ou perguntar com dinheiro (se de R$ 100,00 gastar R$ 7,00, quanto fica?)
a) ( ) 93 b) ( ) 86 c) ( ) 79 d) ( ) 72 e) ( ) 65
Observação: caso o paciente não saiba fazer contas ou se recuse, pedir para soletrar a palavra “mundo” de trás para frente (1 ponto para cada
letra).
5 - Repita as palavras que disse há pouco (caneca, tijolo, tapete) – 1 ponto para cada palavra.
6 - Mostre um relógio e pergunte: “O que é isto?”, e repita o mesmo com uma caneta – 1 ponto para cada objeto nomeado
corretamente.
7 - Repita o seguinte: “Nem aqui, nem ali, nem lá”.
8 - Siga uma ordem em 3 estágios:
a) ( ) Pegue este papel com a mão direita
b) ( ) Dobre-o ao meio
c) ( ) Ponha-o no chão

9 - Leia e execute o seguinte (mostre uma folha em que está escrito “Feche os olhos”).
10 - Escreva uma frase e permita que o paciente escreva uma sentença (deve haver sujeito e verbo).
11 - Copie este desenho (dê uma folha com 2 pentágonos se cruzando, formando um quadrilátero em sua intersecção).

Tabela 9 - Classificação das categorias avaliadas pelo Clinical Dementia Rating

Danos Nenhum (0) Questionável Leve (1) Moderado (2) Grave (3)
(0,5)
Memória Não teve perda de Apresenta Apresenta perda de memória Apresenta perda grave de Apresenta perda de
memória ou esquecimento moderada, mais para eventos memória e se recorda memória grave e se
apresenta perda constante e recentes, atrapalhando as apenas de assunto recorda apenas de
leve e inconstante. recordação parcial atividades da vida diária. altamente aprendido. fragmentos.
de eventos.

Orientação Apresenta Está Apresenta dificuldade Apresenta dificuldade Apresenta


completa completamente moderada com relação ao grave com relação ao orientação, apenas,
orientação. orientado, com tempo e orientação em áreas tempo e está com relação a
dificuldade leve familiares. desorientado, quase pessoas.
com relação ao sempre, no espaço.
tempo.
Julgamento Resolve Apresenta Apresenta dificuldade Apresenta dificuldade É incapaz de fazer
e solução de problemas diários, dificuldade leve moderada em lidar com séria em lidar com julgamento ou de
problemas como problemas para solucionar problemas, similaridades e problemas, similaridades e resolver problemas.
financeiros; problemas, diferenças, porém com diferenças e julgamento
julgamento similaridades e julgamento social mantido. social danificado.
preservado. diferenças.

Relações Apresenta função Apresenta leve Não é independente nestas Não há independência Não há
comunitárias independente no dificuldade nestas atividades e parece normal em fora de casa, mas parece independência fora
trabalho, compras, tarefas. uma inspeção casual. bem o bastante para tal. de casa, e parece
grupos sociais. doente o bastante
para tal.

Lar e Vida em casa, Vida em casa, Apresenta prejuízo suave em Apenas tarefas simples Não tem função
passatempos passatempos e passatempos e tarefas em casa e tarefas mais são preservadas, e os significativa em
interesses interesses difíceis; passatempo e interesses são muito casa.
intelectuais são intelectuais estão interesses foram restritos e pouco
bem mantidos. levemente abandonados. mantidos.
prejudicados.

Cuidados É completamente É completamente Necessita de ajuda. Requer assistência ao se Precisa de muita


pessoais capaz de se cuidar. capaz de se cuidar. vestir, para higiene. ajuda para cuidados
pessoais e
apresenta
incontinências
frequentes.

Fonte: BERTOLUCCI et al., 2001.

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Transtorno cognitivo leve
Há déficit de memória ou de outra esfera cognitiva maior do que o esperado para a idade (e nível de escolaridade), porém sem perdas da
cognição global e sem prejuízo de funcionalidade.

Definição de demência
- Deterioração global da cognição, em que apenas o déficit de memória é insuficiente para o diagnóstico, e as anormalidades cognitivas
atrapalham as atividades de vida diária e representam alteração no desempenho anterior. O rebaixamento do nível de consciência, ou delirium,
é critério de exclusão;
- Há deterioração da personalidade e do comportamento. O curso é crônico e progressivo;
- O diagnóstico é clínico e comprovado por testes neuropsicológicos, e os exames complementares são necessários para o diagnóstico
etiológico.

Avaliação cognitiva
- MEEM;
- Teste do relógio;
- Teste de fluência verbal;
- CDR: 6 categorias (memória, orientação, julgamento ou solução de problemas, relações comunitárias, atividades no lar ou de lazer e cuidados
pessoais).

Tipos de demência
DA
O diagnóstico provável é observado por história e exame clínico compatíveis, perda cognitiva documentada pelo MEEM ou outra escala; déficit
em 2 ou mais áreas da cognição; piora progressiva sem distúrbio da consciência; e início entre 40 e 90 anos e ausência de outros distúrbios
sistêmicos, neurológicos ou psiquiátricos que poderiam causar os déficits observados.

Demência vascular
É decorrente de doença cerebrovascular, presente no paciente com fatores de risco para doença cardiovascular. É clássica por sua evolução em
degraus, de acordo com os eventos, deixando sequelas e sinais focais. Porém, se a doença for de pequenos vasos, poderá não haver déficit
focal. O diagnóstico é observado pela história clínica, presença de alterações no exame neurológico e em exame de neuroimagem.

Doença de Lewy
Suas características marcantes são curso flutuante, alucinações (principalmente visuais), rigidez, bradicinesia e sensibilidade a antipsicóticos
típicos.

DFT
Diferencia-se da DA por comprometimento comportamental precoce e de memória mais tardio. Inicia-se mais precocemente do que outras
demências e progride mais rapidamente do que a DA, apresentando maior fator hereditário associado.

Demências potencialmente reversíveis


São os distúrbios cognitivos e comportamentais potencialmente reversíveis com o tratamento específico da causa-base. Têm-se, como
exemplos, HPN, HSD, déficit de vitamina B12 e neurossífilis. As principais classes de drogas relacionadas ao declínio cognitivo são os hipnóticos,
sedativos, anticonvulsivantes, anticolinérgicos e antipsicóticos. Outros são os antidepressivos e corticosteroides.

Tratamento
- Inibidores da acetilcolinesterase somente são indicados a casos de DA e doença de Lewy;
- Memantina em casos moderados a avançados.

Prevenção
- Dieta com peixes e ômega-3 pode reduzir o risco de Alzheimer;
- Dieta rica em colesterol ou ácido graxo (originário de carne vermelha) pode aumentar o risco;
- Estilo de vida saudável, atividade física, atividades cognitivas e interação social têm grande papel na qualidade de vida.

Respostas das questões do capítulo


1. C
2. B
3. D
4. E
07
Delirium
César Augusto Guerra

O delirium, ou estado confusional agudo, caracteriza-se por uma alteração aguda das funções cognitivas (memória, linguagem, pensamento,
localização temporoespacial e atenção) e pode ser classificado como hipoativo (sonolência, letargia) ou hiperativo (agitação psicomotora). Os
principais fatores de risco são síndrome demencial, doenças orgânicas, desidratação, déficit sensorial, desnutrição e estresse, enquanto, dentre
os fatores desencadeantes, destacam-se distúrbios metabólicos (hidroeletrolítico, hipo/hiperglicemia, hipóxia), hipo/hipertireoidismo,
infecções, medicamentos (benzodiazepínicos, anticonvulsivantes, antidepressivos), síndrome coronariana aguda, cirurgias, mudança de
ambiente e dor. O diagnóstico baseia-se na presença de alteração da consciência, pensamento desorganizado e desatenção, com início agudo e
curso flutuante; é importante esse diagnóstico, uma vez que a sua instalação acarreta internação prolongada, declínios cognitivo e funcional,
maior risco de institucionalização e maior mortalidade. O princípio da prevenção e do tratamento consiste em evitar fatores desencadeantes ou
agravantes, identificar e tratar a causa-base, promover suporte e cuidado para prevenir os declínios físico e cognitivo e controlar
comportamentos perturbadores (agressividade, agitação). O controle comportamental é realizado principalmente com haloperidol 0,5 a 1mg
VO/IM/IV, podendo-se repetir a cada 30 minutos, mas não devendo exceder de 3 a 5mg em 24 horas.

1. Introdução
O delirium, também chamado de estado confusional agudo, caracteriza-se pela alteração aguda das funções cognitivas do indivíduo (memória,
linguagem, pensamento, localização temporoespacial e atenção). É uma entidade potencialmente reversível e, como o próprio nome diz, de
instalação aguda (horas, dias ou poucas semanas). Seu principal sinal clínico é o curso flutuante, ou seja, no decorrer do(s) dia(s) as alterações
cognitivas variam de mais a menos comprometidas.
Há 2 formas clássicas de apresentação de delirium – hipoativo ou hiperativo. É fácil compreender que a forma hipoativa cursa com sonolência,
menor nível de atividade e letargia, por isso é menos diagnosticada. A forma hiperativa é mais chamativa, e o paciente geralmente apresenta
agitação psicomotora e é levado ao pronto-socorro por tal motivo. Existe ainda a forma mista, com alternância entre esses 2 estados clássicos.

DICA

Não esquecer que o delirium pode ser hipoativo ou hiperativo.

A incidência de delirium varia muito na literatura, até porque é uma condição cenário-dependente. Como veremos mais adiante, as mudanças
ambientais podem desencadear um quadro, logo a incidência varia com o local estudado – domicílio, hospital, UTI ou instituição de longa
permanência. Estima-se que, em contexto hospitalar, de 15 a 20% dos idosos apresentam delirium à entrada, e cerca de até 50% podem apresentá-
lo durante a internação, independente do motivo. As porcentagens sobem para 80% em UTI, o que não é de espantar, tendo em vista que esta
tem quase todos os elementos necessários para desencadear um quadro. Pacientes frágeis e situações clínicas mais complexas (pós-operatório de
cirurgia cardíaca) também são relacionados com maior chance de desenvolver delirium.

2. Fisiopatologia e fatores predisponentes


A fisiopatologia envolve, primariamente, o neurotransmissor acetilcolina e o Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA), localizado no tronco
cerebral. Outros neurotransmissores também se correlacionam, como dopamina e serotonina, porém todos os mecanismos ainda não estão bem
elucidados.
O déficit de acetilcolina mostrou-se relacionado com quadro confusional em modelos experimentais nos quais anticolinérgicos (que atravessam a
barreira hematoencefálica) geravam padrões eletroencefalográficos e comportamentais compatíveis com delirium. Também se observou que a
administração de inibidores da acetilcolinesterase revertia o quadro.
O papel das estruturas subcorticais (tálamo, núcleos da base) na patogênese do delirium foi demonstrado em estudos de potencial evocado e de
imagem funcional. Acredita-se que tenham papel tão importante quanto o córtex.
Verificou-se, também, o efeito de citocinas pró-inflamatórias (interleucinas, fator de necrose tumoral alfa) no sistema nervoso central em modelos
animais. A ativação do sistema inflamatório parece ter relação especial com as formas hiperativas de delirium encontradas em quadros sépticos
(que, no idoso, pode ser manifestação precedente da febre).
Tabela 1 - Fatores predisponentes ou de risco
- Síndrome demencial de qualquer etiologia (mais importante);
- Doenças orgânicas crônica e grave;
- Desidratação;
- Déficit sensorial – visual, auditivo;
- Desnutrição ou déficit vitamínico (especialmente, tiamina);
- Estresse psicológico, baixo suporte social.

Não se devem confundir fatores predisponentes com fatores desencadeantes, que serão tratados em seguida, assim como as possíveis etiologias
do delirium.

DICA

São fatores de risco para o delirium: síndrome demencial, doenças orgânicas, desidratação, déficit sensorial, desnutrição e estresse.

3. Etiologia

TEMA FREQUENTE DE PROVA

O conhecimento dos diversos fatores desencadeantes do delirium é tema sempre presente nas provas.

A etiologia pode ser única ou múltipla. Na prática, verificamos que, na maioria dos casos, há mais de 1 dos diversos fatores desencadeantes
presentes, os quais serão elencados na Tabela 2 e divididos em setores, para facilitar o aprendizado.

Tabela 2 - Fatores desencadeantes


Distúrbios metabólicos
- Distúrbio hidroeletrolítico;
- Hipo ou hiperglicemia;
- Hipóxia;
- Insuficiência renal;
- Insuficiência hepática;
- Hipo ou hipertireoidismo.

Infecções
- Pneumonia;
- Infecção urinária;
- Sepse;
- Meningite.

Substâncias
- Benzodiazepínicos;
- Anticonvulsivantes;
- Antidepressivos;
- Antiparkinsonianos;
- Hipotensores;
- Bloqueadores H2;
- Digitálicos;
- Corticoides;
- Fenotiazinas;
- Antibióticos;
- Hipoglicemiantes;
- Quimioterápicos;
- Álcool ou drogas ilícitas;
- Uso simultâneo de 3 ou mais medicamentos quaisquer (polifarmácia).

Doenças cardíacas
- Arritmias;
- Síndrome coronariana aguda;
- Insuficiência cardíaca descompensada.

Desordens do sistema nervoso central


- Tumores;
- Metástases;
- Epilepsia;
- Acidente vascular (isquêmico ou hemorrágico);
- Encefalopatia hipertensiva;
- Convulsões ou status não convulsivo.

Traumas
- Anestesia;
- Cirurgia;
- Queimadura;
- Fratura.

Ambientais
- Uso de cateter vesical;
- Mudança de ambiente;
- Estresse em geral.

Outros
- Retenção fecal ou urinária;
- Dor;

- Déficit sensorial – visual ou auditivo (retirada de prótese auditiva ou visual);


- Padrão sono–vigília alterado;
- Estado nutricional – deficiência de B12, niacina ou folato;
- Hipo ou hipertermia;
- Queimaduras ou eletrocussão.

PERGUNTA
2014 - UFPE
1. Qual destes pacientes está sob maior risco de desenvolver delirium no momento?
a) paciente de 70 anos, sequelado de acidente vascular cerebral prévio, internado em UTI por conta de pneumonia grave
b) paciente de 80 anos, internado para colecistectomia laparoscópica eletiva
c) paciente de 68 anos, internado na enfermaria por conta de descompensação de diabetes
d) paciente de 80 anos, internado recentemente em lar geriátrico
e) paciente de 70 anos, internado em pré-operatório de artroplastia de quadril eletiva

Resposta no final do capítulo

4. Diagnóstico
O quadro é fácil de ser identificado num ambiente de pronto-socorro ou UTI, porém pode ser mais difícil em instituição de longa permanência ou
mesmo domicílio. As alterações comportamentais próprias das demências também podem dificultar o diagnóstico de delirium, e determinar sua
causa é a parte mais desafiadora.
Conforme o raciocínio clínico é exercitado sobre essas causas, mais fácil é identificá-las. Tente guiar-se pela história clínica, que obviamente deve
ser detalhada nesses casos, e pela presença de doenças prévias e de fatores de risco para doenças agudas.

Tabela 3 - Critérios diagnósticos


- Distúrbio de atenção e consciência;
- O distúrbio desenvolve-se em período curto de tempo (horas a dias) e representa mudança de estado basal, com tendência a flutuação dos
sintomas durante o dia;
- Um distúrbio cognitivo adicional deve estar presente (memória, desorientação, linguagem, habilidade visuoespacial ou percepção);
- Achados clínicos não são explicados por outra doença neurocognitiva e não estão relacionados a sedação/coma;
- Evidência de fator orgânico específico, ou sua presunção, na etiologia do distúrbio.
Fonte: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association, 5ª Edição (DSM-V).

Outras características não listadas que podem acompanhar o quadro são:


- Distúrbios psicomotores ou comportamentais (hipo ou hiperatividade), com aumento da atividade simpática, associados a alteração na
duração e nas fases do sono;
- Distúrbios emocionais variados – medo, euforia, depressão etc.
Recentemente, recomenda-se cada vez mais a utilização sistemática, em vários períodos do dia, por parte da equipe de Enfermagem, em hospitais
ou instituições de longa permanência, do Confusion Assessment Method, já validado no Brasil para a detecção de delirium em idosos:
- Confusion Assessment Method
Considerar o diagnóstico de delirium se 1 e 2, e quando 3 ou 4 são positivos:

Tabela 4 - Critérios para diagnóstico


1 - Início agudo e Há evidência de uma mudança aguda no estado mental da linha de base do paciente? Será que o comportamento
curso flutuante (anormal) flutua durante o dia (tende a começar e a parar, ou a aumentar e a diminuir em termos de gravidade)?

2 - Inatenção O paciente tem dificuldade em focar a atenção ou em se manter a par do que está sendo dito?

3 - Pensamento O paciente tem pensamento desorganizado incoerente, como uma conversa desconexa ou irrelevante, fluxo incerto ou
desorganizado ilógico de ideias, ou há mudança imprevisível, de assunto a assunto?

4 - Alteração da Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente [alerta (normal), vigilante (hiperalerta), letárgico
consciência (sonolento, facilmente despertado), estupor (difícil despertar) ou coma (un-despertal)]? Considera-se positiva qualquer
resposta diferente de “alerta”.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de delirium é estabelecido pela presença de alteração de consciência, pensamento desorganizado e inatenção, com início agudo e
curso flutuante.

Como inúmeras podem ser as causas de delirium, seu diagnóstico etiológico será desafiador. Na maioria dos casos, com uma história detalhada e
um exame clínico minucioso, direciona-se a investigação complementar, e, com poucos exames, a etiologia é identificada. Deve-se lembrar de
analisar os sinais vitais completos, com oximetria de pulso e glicosimetria capilar, inclusive.
Exames laboratoriais, como hemograma, eletrólitos, funções renal e hepática e análise urinária são os mais básicos. Eletrocardiograma e
radiografias (de tórax, óssea, no caso de suspeita de fratura) também são rápidos e facilmente obtidos. Como secundários, pensaríamos em
dosagem de hormônio tireoestimulante, marcadores de necrose miocárdica, dosagem de vitaminas, liquor e dosagem de drogas específicas. E, por
fim, a tomografia de crânio, para auxiliar no diagnóstico de doenças do sistema nervoso central, se necessário.

5. Diagnóstico diferencial
O grande diagnóstico diferencial para delirium é a demência, e tal diferenciação é normalmente cobrada em concursos. A Tabela 5 diferencia os
quadros:

Tabela 5 - Diagnóstico diferencial entre delirium e demência


Características Delirium Demência
Início Agudo Insidioso

Curso Flutuante Estável

Consciência Reduzida Clara

Atenção Prejudicada Normal (exceto em quadro avançado)

Cognição Prejudicada Prejudicada

Orientação Prejudicada Prejudicada

Linguagem Frequentemente incoerente, lenta ou rápida Dificuldade em encontrar palavras e perseveração

Alucinação Frequentemente presente Frequentemente ausente


PERGUNTA
2013 - MEDCEL
2. Sobre demência e deliri
delirium, qual alternativa contém características apenas de delirium?
a) curso flutuante, início insidioso, déficit de atenção e memória
b) início agudo, curso flutuante, déficit de atenção
c) déficit de memória, tremores, início agudo
d) alteração visuoespacial, disautonomia, início agudo
e) alteração de memória, curso flutuante, afasia

Resposta no final do capítulo

6. Desfechos
Os principais desfechos relacionados ao delirium são:
- Internação prolongada;
- Declínio cognitivo e funcional;
- Maior risco de institucionalização;
- Maior mortalidade.
Uma meta-análise de 8 estudos (com 573 pacientes no total) mostrou que a mortalidade em 6 meses é 2 vezes maior no grupo que desenvolveu
delirium. E estudos posteriores que ajustaram os dados para demência e outros possíveis fatores de confusão mostraram, ainda, maior
mortalidade em 6 e 12 meses nos pacientes que tiveram delirium durante a internação.

7. Tratamento
São princípios de prevenção e tratamento do delirium:
- Evitar fatores desencadeantes ou agravantes;
- Identificar e tratar a causa-base – doença aguda;
- Promover suporte e cuidado para prevenir declínio físico e cognitivo;
- Controlar comportamentos perturbadores (agressividade, agitação).
Na Tabela 6, um guia de recomendações para prevenção e correção:

Tabela 6 - Medidas para evitar e corrigir delirium


- Adequação ambiental, com sinais de passagem do tempo (relógio, calendário, ambiente com luz natural e permitir o escuro no quarto à noite);
- Acompanhamento de familiares e de equipe multiprofissional instruída;
- Correção de déficit sensorial – prótese auditiva e óculos;
- Estímulo à ingestão alimentar, à hidratação e à mobilidade;
- Observação e correção das retenções fecal e urinária;
- Tratamento da dor;
- Uso racional de medicações e de psicotrópicos especialmente;
- Evitar contenção física e restrição ao leito.
TRATAMENTO

O tratamento do delirium baseia-se nas adequações ambiental e do paciente, suporte familiar/equipe de saúde e retirada de fatores
desencadeantes.

A relação entre dor e delirium ainda não é completamente compreendida. Sabe-se que a dor intensa pode desencadear e piorar um quadro, assim
como o tratamento com opioides. Entretanto, recomenda-se avaliação minuciosa de quadro álgico (tipo, intensidade, duração), principalmente em
se tratando de pós-operatório. Deve-se lembrar de levar em conta posição antálgica, fácies e sinais vitais como sinais indiretos de dor. O uso de
escalas e respeitar a escada analgésica recomendada pela Organização Mundial da Saúde ajudam com o adequado controle da dor. Alguns
analgésicos devem ser evitados, como meperidina (que aumenta o risco de delirium).
O manejo de comportamento é algo importante e quase sempre negligenciado pela equipe médica e de enfermagem. Quando na sua forma
hipoativa, pode ser subdiagnosticado pelo médico ou negligenciado pela equipe de enfermagem. Quando hiperativo, embora seja menos comum,
o paciente é submetido à contenção física no leito, o que pode piorar o quadro. A observação constante (mesmo que por um familiar), transmitir
confiança e segurança, toque físico e orientação verbal conseguem, na maioria das vezes, acalmar o paciente e controlar o comportamento.
Como medida de suporte e controle comportamental, usam-se antipsicóticos, sobretudo o haloperidol, por sua ampla disponibilidade. A dose
recomendada é de 0,5 a 1mg (bem inferior à utilizada pelo adulto), tanto pela via oral quanto pelas vias intramuscular ou intravenosa. Pode ser
repetida a cada 30 minutos, tentando não exceder a dosagem máxima de 3 a 5mg/d.
Dentre os efeitos colaterais mais importantes, estão os extrapiramidais e a síndrome neuroléptica maligna (muito rara). Atenção para pacientes
com síndrome do QT longo, pois doses altas de antipsicóticos podem desencadear arritmia maligna.

TRATAMENTO

O tratamento do delirium consiste em correção da causa-base. Para suporte e controle comportamental: haloperidol 0,5 a 1mg VO/IM/IV,
podendo-se repetir a cada 30 minutos, mas sem exceder de 3 a 5mg/d; quetiapina 25mg 1 ou 2x/d; risperidona 0,5 a 1mg 1 ou 2x/d; e
olanzapina 2,5 a 5mg 1x/d.

A preferência é o uso de antipsicóticos atípicos, porém sua disponibilidade e seu preço limitam o uso. Usam-se esses medicamentos
preferencialmente para aqueles com antecedente de doença de Parkinson (menores efeitos extrapiramidais). As doses são:

Tabela 7 - Doses
- Risperidona 0,5 a 1mg, 1 ou 2x/d;
- Olanzapina 2,5 a 5mg, 1x/d;
- Quetiapina 25mg , 1 a 2x/d.

Benzodiazepínicos, apesar de terem início de ação mais rápido que os antipsicóticos, devem ser evitados, pois podem piorar a confusão e a
sedação e acabar prolongando o quadro. São recomendados apenas para casos de abstinência alcoólica ou benzodiazepínica.
Ainda não há evidências clínicas suficientes para a indicação dos antipsicóticos na quimioprofilaxia dos quadros de delirium entre idosos.
Os inibidores da acetilcolinesterase, usados nas síndromes demenciais, já foram objeto de estudos clínicos, porém não há dados definitivos e não
são recomendados, tanto para profilaxia quanto para tratamento de delirium.

PERGUNTA
2013 - SANTA CASA-BH
3. Um paciente de 80 anos, internado para tratamento de pneumonia comunitária, permaneceu 8 dias no hospital e
apresentou delirium hiperativo durante a internação, que persistiu até a alta hospitalar. Recebeu alta com evidentes
melhoras clínica, radiológica e laboratorial, e foi para casa com prescrição de haloperidol. Uma semana após, teve alteração
de comportamento, permanecendo quieto, sem verbalizar, com o olhar fixo. Tinha também sialorreia, sudorese e rigidez
muscular. Foi levado novamente ao pronto-socorro. Ao exame clínico, observaram-se rigidez muscular importante,
sudorese, hipertensão, taquicardia e temperatura axilar de 40°C. A ausculta respiratória era normal. Os exames
laboratoriais iniciais mostraram leucocitose com desvio (global de 14.600 com 2.000 bastões) e elevação da CPK
(6.540UI/L). Analise as alternativas sobre o diagnóstico provável e assinale a alternativa incorreta:
a) a redução da temperatura corpórea deve ser feita com medidas físicas, uma vez que não há mudança no set-point hipotalâmico
b) a complicação é iatrogênica e está relacionada ao uso excessivo do haloperidol no tratamento do delirium
c) a bromocriptina pode ser usada na dose de 2,5mg a cada 8 horas para restaurar o tônus dopaminérgico
d) elevação da CPK e leucocitose com desvio estão presentes em cerca de metade dos casos, mesmo que não haja infecção

Resposta no final do capítulo

PERGUNTA
2015 - UNAERP
4. Você está de plantão em um pronto atendimento. Um homem, de 83 anos, é trazido pela cuidadora referindo que, há 2
dias, ele está confuso, agitado, com períodos de agressividade e oscilação dos sintomas ao longo do dia. No exame físico,
sem achados específicos, apenas agitação psicomotora. O paciente está confuso no tempo e no espaço. Que medicação você
prescreveria de imediato?
a) diazepam
b) alprazolam
c) haloperidol
d) clorpromazina
e) prometazina

Resposta no final do capítulo

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Definição
- Alteração aguda das funções cognitivas do indivíduo. O sinal clínico principal é o curso flutuante, ou seja, no decorrer do dia ou em alguns dias;
- Formas clássicas de apresentação de delirium:
· Hipoativa: cursa com sonolência, menor nível de atividade e letargia;
· Hiperativa: cursa com agitação psicomotora;
· Mista: há alternância entre as 2 formas.

Fisiopatologia e fatores predisponentes


- Envolve, primariamente, depleção de acetilcolina;
- Fatores de risco:
· Síndrome demencial de qualquer etiologia;
· Doenças orgânicas graves e crônicas;
· Desidratação;
· Desnutrição ou déficit vitamínico;
· Estresse psicológico;
· Baixo suporte social.

Etiologia
A causa pode ser única ou múltipla. Diversos são os fatores envolvidos: distúrbios metabólicos, infecções, substâncias, doenças cardíacas,
neurológicas, trauma, ambientais etc.

Diagnóstico
- Método de avaliação confusional:
· Início agudo e curso flutuante (1);
· Inatenção (2);
· Pensamento desorganizado (3);
· Alteração da consciência (4).

Diagnóstico diferencial
Características Delirium Demência
Início Agudo Insidioso
Curso Flutuante Estável
Consciência Reduzida Clara
Atenção Prejudicada Normal (exceto em quadro avançado)
Cognição Prejudicada Prejudicada
Orientação Prejudicada Prejudicada
Linguagem Frequentemente incoerente, lenta ou rápida Dificuldade em encontrar palavras e perseveração
Alucinação Frequentemente presente Frequentemente ausente

Tratamento
- Evitar fatores desencadeantes ou agravantes de delirium;
- Identificar e tratar a causa-base – doença aguda;
- Promover suporte e cuidado para prevenir declínios funcional e cognitivo;
- Controlar comportamentos perturbadores e de risco;
- Como medida de suporte e controle comportamental, usar antipsicóticos, como haloperidol, quetiapina, risperidona ou olanzapina;
- Evitar benzodiazepínicos (apesar de terem início de ação mais rápido que os antipsicóticos), pois podem piorar a confusão e levar à sedação,
prolongando o quadro.

Respostas das questões do capítulo


1. A
2. B
3. B
4. C
08
Fragilidade
César Augusto Guerra

A síndrome de fragilidade baseia-se num tripé composto por desregulação neuroendócrina, sarcopenia e disfunção imunológica. Há uma série
de fatores predisponentes e fatores desencadeantes que devem ser identificados para facilitar o diagnóstico e evitar intercorrências em
pacientes frágeis, como: predisponentes – inapetência, perda de massa ou força muscular, imobilidade e aterosclerose – e desencadeantes –
dor, depressão, polifarmácia, cirurgias e hospitalização. O diagnóstico é estabelecido com a presença de 3 critérios ou mais: redução da força de
preensão palmar, redução da velocidade de marcha, perda de peso não intencional, sensação de exaustão e baixa atividade física. Caso sejam
encontrados 2 critérios, define-se pré-fragilidade. O tratamento não é específico, baseando-se na prática de atividade física, suplementação
alimentar, suplementação hormonal (com pouca evidência) e medicações de diversas naturezas que possam intervir no ciclo de fragilidade.

1. Introdução
Aqui, encontra-se uma das maiores (senão a maior) síndromes geriátricas. Alvo de grande discussão e estudos atualmente, o conceito de
fragilidade tem modificado sua natureza ao longo dos últimos 30 anos.
Na década de 1980, as definições de fragilidade eram basicamente relacionadas à funcionalidade, ou seja, um idoso dependente era um idoso
frágil. Na última década, a base se tornou fisiopatológica, e discutiremos alguns aspectos dessa nova proposta.
A importância da mudança desse eixo fundamental da fragilidade é permitir o investimento em pesquisas mais direcionadas a encontrar
determinantes, fatores predisponentes e, inclusive, direcionar tratamentos. Porém, não constitui tarefa fácil, em vista da complexidade dos
sistemas envolvidos e da dificuldade de realização de estudos com pacientes neste estado clínico. Observa-se que a fragilidade é mais incidente
quanto mais idoso é o paciente. Dados norte-americanos apontam para 10 a 25% de prevalência de fragilidade em pacientes acima de 65 anos,
podendo chegar de 30 a 45% entre aqueles acima de 85 anos.
O conceito de fragilidade é interessante medicamente por diversos motivos. Primeiro, para identificar aqueles sob alto risco de complicações, perda
de funcionalidade, dependência, hospitalização, quedas, doenças agudas e mortalidade. Segundo porque esses idosos são um grupo de
necessidade especial de atenção do sistema de saúde, bem como de cuidados de longo prazo. Fornecer cuidado de saúde adequado para esse
subgrupo da população idosa é especialmente desafiador, e essa situação tende a tornar-se mais comum com a maior prevalência da longevidade.
O modelo médico-assistencial atualmente praticado é voltado para o diagnóstico e o tratamento de doenças. A assistência de um idoso frágil é
mais complexa e multiprofissional e envolve maiores custos, porém tem se mostrado mais eficiente no manejo e no desfecho desse grupo.
A síndrome tem base num tripé composto por desregulação neuroendócrina, sarcopenia e disfunção imunológica. Em algum momento, o idoso
entra em uma espiral descendente centrada na diminuição da taxa metabólica, que leva à redução da velocidade da caminhada e da atividade
física, reduzindo o gasto energético e levando a sarcopenia, que fecha o ciclo.
O idoso pode entrar nesse ciclo vicioso de diversas maneiras: doença aguda, déficit sensorial, desbalanço energético-proteico, imobilização,
demência, polifarmácia (iatrogenia) ou inúmeros outros.
É interessante observar também que, conforme a idade avança, há mais dificuldade em explicar, apenas pela presença de doença, a variação entre
estado de saúde, resposta a tratamento e desfechos clínicos. Medidas de reserva orgânica – funcional, cognitiva ou de desempenho físico –
representam melhor papel preditor de longevidade do que a presença ou a ausência de doenças.
Há um percurso clínico que leva da doença à incapacidade, único para cada indivíduo e modulado por fatores como genética e hábitos de vida.
Entendemos que a fragilidade é um caminho independente para a incapacidade. Responda às seguintes perguntas:
- Fragilidade e incapacidade são a mesma coisa?
- Incapacidade é causa de fragilidade?
- Fragilidade é causa de incapacidade?
Agora, veja a Figura 1, que representa o caminho descrito:
Figura 1 - Percurso para a incapacidade

2. Fisiopatologia
A teoria hoje aceita que descreve a fisiopatologia da fragilidade vem de uma pesquisadora chamada Linda Fried, que postula que a base da
síndrome é a redução de eixos hormonais anabólicos, instalação de sarcopenia e estado inflamatório subliminar. A Figura 2 resume o ciclo de
alteração orgânica relacionado à fragilidade.

Figura 2 - Ciclo de alteração orgânica relacionado à fragilidade

A sarcopenia parece ser uma manifestação central na fragilidade. A perda de massa muscular ocorre com o envelhecimento, e na fragilidade a
sarcopenia atingiu um ponto em que a própria homeostase do organismo está prejudicada.
Outros autores pontuam a importância de fatores como carga genética, estilo de vida, nível educacional e prejuízo cognitivo como etiologias da
síndrome. A fragilidade da carga alostática acumulada ao longo da vida, bem como as lesões oxidativas ao DNA somadas aos erros de reparação
(transcrições, deleções e mutações), é um fator etiopatogênico discutido atualmente.
Podemos ver a fragilidade como um estado de vulnerabilidade aumentada e habilidade para manter a homeostasia reduzida. O processo tem
como fator subjacente as alterações fisiológicas e biológicas relacionadas com a idade e é moldado pela presença de doença(s).
Imagine o conceito de saúde como um equilíbrio da homeostase dos diversos sistemas do nosso organismo, com diversos fatores estressores
forçando a desregulação e nosso organismo contrapondo com mecanismos compensatórios. No jovem e no adulto, o desequilíbrio de 1 desses
sistemas tem como consequência o aparecimento de uma doença. No idoso mais ainda, pois todos esses sistemas trabalham em níveis já próximos
à doença, cujos mecanismos compensatórios não são eficientes. A tentativa de tratar cada doença no idoso é menos provável de surtir efeito.
Tentar trazer esses sistemas para um equilíbrio mais uniforme, ou tornar os mecanismos compensatórios mais eficientes, tem maior probabilidade
de sucesso.
O que temos na fragilidade pode ser entendido como um espectro, do paciente mais robusto e resiliente até o mais frágil, em quadro terminal.
Observe a Figura 3:
Figura 3 - Espectro da fragilidade

Há uma série de fatores predisponentes e fatores desencadeantes que devem ser identificados para facilitar o diagnóstico e evitar intercorrências
em pacientes frágeis. Veja a Tabela a seguir:

Tabela 1 - Fatores associados à fragilidade


Fatores predisponentes
- Inapetência;
- Perda de massa ou força muscular;
- Imobilidade;
- Desequilíbrio;
- Aterosclerose;
- Depressão;
- Déficit cognitivo.

Fatores desencadeantes
- Doença aguda;
- Dor;
- Depressão;
- Múltiplas doenças crônicas;
- Polifarmácia;
- Cirurgias;
- Hospitalização.

3. Diagnóstico
Uma definição-padrão para fragilidade se faz necessária por diversos motivos. Primeiramente porque permite identificar clinicamente pacientes
com alto risco de desfechos desfavoráveis, dependência e morte. Além disso, ajuda a identificar aqueles com alto risco de complicações intra-
hospitalares e de recuperação lenta ou de não melhora do status funcional. Com o desenvolvimento de pesquisas na área, informações sobre
prognóstico ficam mais claras, e a tomada de decisão na prática clínica, mais embasada.
Vejamos agora algumas diferenças entre doenças, facilitando uma imagem mental do paciente com fragilidade.
Um paciente com incapacidade física ou funcional – por exemplo, um idoso que sofreu um acidente vascular cerebral e está sequelado – não
necessariamente constitui um idoso frágil, pois pode manter sua capacidade homeostática e não sofreu um processo multissistêmico de instalação
lenta, como a fragilidade.
Um paciente com múltiplas comorbidades também não é necessariamente frágil, pois pode manter suas reservas e funcionalidade preservadas.
Um paciente caquético pode se aproximar da fragilidade e muitas vezes cursar com perda de força e exaustão que o leve a entrar na espiral da
fragilidade, porém a diferença está justamente na causa. Uma doença levou o paciente à caquexia (câncer, insuficiência cardíaca etc.), enquanto a
fragilidade pode incidir independentemente desse diagnóstico.

Tabela 2 - Critérios diagnósticos para fragilidade propostos por Fried: 3 objetivos e 2 subjetivos
- Redução da força de preensão palmar;
- Redução da velocidade de marcha;
- Perda de peso não intencional;
- Sensação de exaustão;
- Baixa atividade física.
Fonte: FRIED et al., 2001.

Idosos com 3 critérios constituem fragilidade, e com 2, pré-fragilidade. A seguir, descreve-se como avaliar cada um dos critérios.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de fragilidade é estabelecido com a presença de 3 critérios ou mais: redução da força de preensão palmar, redução da velocidade
de marcha, perda de peso não intencional, sensação de exaustão e baixa atividade física.

A preensão palmar é realizada com um dinamômetro de mão, com o paciente realizando força máxima na posição sentada e o braço dominante.
Há tabela de valores esperados para homens e mulheres, de acordo com o índice de massa corpórea e idade. Representa o desempenho muscular,
e sua diminuição condiz com situação de sarcopenia.
A velocidade de marcha é avaliada fazendo um teste de caminhada de 4,6m, corrigido por gênero e estatura. E a perda de peso para entrar no
critério é acima de 4,5kg ou 5% do peso corpóreo, no último ano.
A sensação de exaustão é um dos critérios subjetivos, e diz-se positivo quando o paciente concorda com perguntas como: “O senhor sentiu que
teve de fazer esforço para dar conta das suas tarefas habituais na última semana?” ou “O senhor não conseguiu levar adiante suas coisas na última
semana?”.
O nível de atividade física também é difícil de determinar. O trabalho original de Fried utiliza o Minnesota Leisure Time Activity Questionnaire,
versão curta.
Não há critérios laboratoriais para fragilidade, entretanto muitos exames têm sido utilizados em estudos (marcadores inflamatórios, creatinina,
albumina, anemia, níveis hormonais), e nem isoladamente nem em conjunto esses marcadores fazem diagnóstico de fragilidade. Já foi
demonstrado que hormônios como sulfato de deidroepiandrosterona, testosterona e IGF-1 estão diminuídos, porém são preditores fracos de
fragilidade, síndrome metabólica ou mesmo de mortalidade. Outro estudo demonstrou que níveis elevados de interleucina 6 podem predizer
declínio funcional em idosos. Marcadores de perda muscular como NF-kB podem estar envolvidos no processo subjacente de sarcopenia, porém
não têm papel na prática clínica como preditor ou marcador bioquímico de fragilidade.
Outra ferramenta para diagnóstico de fragilidade advém do SOF (Study of Osteoporotic Fractures) e define fragilidade como a presença de 2 dos
seguintes componentes:
- Perda de 5% do peso corpóreo em 1 ano;
- Incapacidade de levantar e sentar de uma cadeira sem uso dos braços 5 vezes;
- Resposta não para a seguinte pergunta: “Você se sente cheio de energia?”.

PERGUNTA
2014 - UNESP
1. A síndrome da fragilidade em idosos caracteriza-se pela diminuição de reservas orgânicas em decorrência do declínio de
múltiplos sistemas fisiológicos, de forma a produzir um estado de vulnerabilidade aumentada para declínio funcional,
eventos adversos e morte. Um dos instrumentos propostos para a sua identificação corresponde ao índice SOF, derivado do
Study of Osteoporotic Fractures. Assinale a alternativa que descreve corretamente os componentes desse índice:
a) velocidade de marcha <0,6m/s, perda de peso ≥5% em 1 ano e sensação de exaustão
b) baixa atividade física, índice de massa corpórea <22 e velocidade de marcha <0,6m/s
c) diminuição da força de preensão palmar, perda de peso ≥5% em 1 ano e incapacidade de levantar-se de uma cadeira sem usar os braços por 5
vezes consecutivas
d) perda de peso ≥5% nos últimos anos, incapacidade de levantar-se de uma cadeira sem usar os braços por 5 vezes consecutivas e resposta
negativa à pergunta “O(a) Sr(a) se sente cheio de energia?”
e) sarcopenia, velocidade de marcha <0,6m/s e perda de peso ≥5%

Resposta no final do capítulo

4. Tratamento
A abordagem terapêutica é complexa – o que era de esperar, tendo em vista a natureza dos determinantes da fragilidade. A intervenção isolada
com anabolizantes, reposição hormonal e anti-inflamatórios não mostrou resultados animadores.
Atuar no tratamento de doença específica que pode levar ao consumo de reservas orgânicas ou contribuir no processo de sarcopenia faz parte da
prevenção da fragilidade. Um paciente com insuficiência cardíaca pode entrar em um estado catabólico grave se não tratado adequadamente.
Outro exemplo seria um idoso com um quadro depressivo levando a baixa atividade física e desnutrição, que, ultimamente, pode desencadear o
processo de fragilidade.

Tabela 3 - Intervenções propostas


- Atividade física;
- Suplementação alimentar;
- Suplementação hormonal (com pouca evidência);
- Medicações de diversas naturezas que possam intervir no ciclo de fragilidade.

A atuação na promoção da atividade física é a mais estudada, e os desfechos de estudos que visem a ganho de massa muscular, força e
desempenho físico mostram benefício, porém o treino não deve ser de força isoladamente, mas de equilíbrio, capacidade aeróbia e flexibilidade. Da
mesma maneira, a suplementação nutricional isoladamente tem resultados questionáveis, porém, aliada à prática de exercícios, traz desfechos
mais animadores.
Em um estudo, Fiatarone et al. demonstraram que o exercício físico resistido em pacientes frágeis institucionalizados aumenta a força, velocidade
de marcha, capacidade de subir escadas e atividade física espontânea. Esse mesmo estudo mostrou que apenas a suplementação nutricional não
melhorou esses mesmos parâmetros.
A atividade física está relacionada à preservação da massa muscular, aumento de tolerância ao exercício e manutenção da força muscular. Desta
maneira, evita-se que o consumo energético do paciente frágil atinja parcela muito grande de sua VO2 máxima (consumo de O2 máximo). Sabe-se
que pacientes muito frágeis dependem até 90% de sua VO2 máxima na realização de suas atividades de autocuidado e higiene.
Suplementação de deidroepiandrosterona, hormônio do crescimento e progestogênio também não mostram benefício em estudos clínicos. A
única exceção é a suplementação de testosterona a idosos frágeis com deficiência desse hormônio.
Uma boa avaliação geriátrica ajuda a determinar os indivíduos com vulnerabilidade ou fragilidade e identificar os riscos individuais. Por exemplo,
identificar depressão e tratá-la podem trazer um idoso de volta às suas atividades e evitar que ele entre, ou permaneça, na espiral de perda
energética/muscular da fragilidade. Essa identificação de riscos individuais se faz mais importante no âmbito hospitalar, onde o paciente está sob
maior risco de complicações como quedas, trombose, infecções, etc. No âmbito ambulatorial, recomenda-se que a avaliação e a atuação do geriatra
sejam individualizadas, que envolvam família e cuidadores, bem como a equipe multiprofissional. O acompanhamento deve ser mais frequente e
contínuo.

DICA

Somente identificando fragilidade é que se pode traçar um plano de ações preventivas e terapêuticas que permitam melhor gerenciamento das
condições de saúde do idoso.

O que resta no âmbito da fragilidade é a prevenção. Mesmo não conhecendo preditores claros de fragilidade, estudos recentes mostram que a
avaliação funcional pode estar relacionada com fragilidade futura. Logo, intervenções precoces em mudança de estilo de vida – suspensão do
tabagismo, atividade física, uso racional de medicação evitando polifarmácia, tratamento rigoroso de doenças crônicas e correção rápida de
doenças agudas, prevenção de quedas – são a melhor escolha para evitar que o paciente desenvolva a síndrome.
O seguimento ambulatorial de pacientes pré-frágeis ou frágeis deve ser regular, com envolvimento de familiares e/ou cuidadores e compromisso
de uma equipe multiprofissional que deve visar identificar riscos e problemas ativos e atuar com objetivos definidos visando a melhora de saúde e
funcional global do idoso.
Uma vez com fragilidade estabelecida e falha em intervenções, os preceitos dos Cuidados Paliativos devem ser utilizados, uma vez que a reversão
do quadro não se mostra mais possível. Preservar o conforto e dignidade passam a ser prioridade e evitar a iatrogenia uma preocupação
constante.

Tabela 4 - Gerenciamento de pacientes frágeis


Estágio leve ou inicial
- Priorizar medidas preventivas;

- Minimizar e tratar fatores precipitantes;

- Minimizar polifarmácia;

- Tratar dor e depressão;

- Prevenir ou minimizar imobilidade, mantendo atividade física;

- Manter força e massa muscular por meio de exercícios de resistência;

- Suspender tabagismo, álcool e fármacos psicoativos.

Estágio clínico
- Controlar doenças crônicas e minimizar medicamentos;

- Prevenir intercorrências, desnutrição, quedas, infecções, atividade física;

- Corrigir perdas com órteses e próteses.

Estágio tardio - gerenciamento de danos


- Priorizar o conforto e a dignidade da pessoa;

- Cuidados paliativos.

RESUMO
Quadro-resumo
Fragilidade Trata-se da síndrome geriátrica, cuja base do tripé é composta de desregulação neuroendócrina, sarcopenia e disfunção
imunológica.
Fisiopatologia O processo de fragilidade tem como fator subjacente as alterações fisiológicas e biológicas relacionadas com a idade e é
moldado pela presença de doença(s).

Critérios diagnósticos para fragilidade propostos por Fried: 3 objetivos e 2 subjetivos


- Redução da força de preensão palmar;
- Redução da velocidade de marcha;
- Perda de peso não intencional;
- Sensação de exaustão;
- Baixa atividade física.

Tratamento
- Mudança de estilo de vida;
- Suspensão do tabagismo;
- Atividade física;
- Uso racional de medicação, evitando polifarmácia;
- Tratamento rigoroso de doenças crônicas;
- Correção rápida de doenças agudas;
- Prevenção de quedas;
- Suplementação alimentar;
- Suplementação hormonal, quando indicado.

Resposta da questão do capítulo


1. D
09
Polifarmácia
César Augusto Guerra

Polifarmácia é um conceito muito utilizado em Geriatria, apesar de não haver consenso sobre o número de medicações, sendo mais aceito o uso
concomitante de 5 ou mais medicamentos. Dentro do estudo da polifarmácia, é necessário entender as reações adversas, que podem
manifestar-se em praticamente qualquer sistema orgânico (gastrintestinal, cardiocirculatório, neurológico etc.), e possuem, como fatores de
risco, idade >85 anos, reação adversa prévia, múltiplas comorbidades, clearance de creatinina <50, baixo peso ou índice de massa corpórea e
número de medicações >9. Como exemplos de reações, digitálicos podem ser responsáveis por anorexia, depressão e confusão; bloqueadores
H2 podem desencadear confusão mental; e antidepressivos e antipsicóticos têm efeito anticolinérgico (retenção urinária, boca seca, confusão).
Portanto, na escolha do medicamento, diversos aspectos devem ser observados, como a possibilidade de tratamento não farmacológico, as
evidências de risco e benefício do tratamento, as interações medicamentosas e a previsão das reações adversas, a preferência e o conforto do
paciente.

1. Introdução
A terapia medicamentosa aos idosos cresceu consideravelmente ao longo das últimas décadas, primeiramente pelo crescimento em número dessa
população, e também pelo aumento de estudos clínicos a envolvendo, fazendo que mais medicamentos estejam indicados nesta faixa etária.
São necessários o entendimento dos princípios de farmacologia e um treinamento aos responsáveis pelo desenvolvimento, pela regulação, pela
prescrição e pela monitorização do uso de medicações em idosos.
Percebemos uma grande variabilidade individual entre idosos, desde pacientes que são independentes e não tomam nenhuma medicação até
pacientes frágeis e dependentes que utilizam várias substâncias diariamente.
A prescrição de um medicamento é um ato esperado de uma consulta médica, e raros são os casos em que o médico prescreve apenas mudanças
comportamentais ou recomendações. No modelo de assistência de saúde brasileiro atual – de especialização crescente e alto custo –, é frequente
encontrar um paciente acompanhado por 3 ou mais médicos. Não vemos o contato entre esses profissionais como rotina, com isso as prescrições
apenas se acumulam, o que leva o paciente a tomar um número crescente de medicações com risco de efeitos adversos e interações
medicamentosas.
Polifarmácia é um conceito muito utilizado em Geriatria, apesar de não haver consenso sobre o número de medicações. O mais aceito na literatura
é quando há o uso concomitante de 5 ou mais; alguns autores preconizam 4, outros 10 medicações. Também há o conceito de que o uso de 2
medicações pode ser considerada polifarmácia, desde que a sua interação seja deletéria ao paciente.
Um estudo norte-americano mostrou que 57% das mulheres acima de 65 anos fazem uso de ao menos 5 medicações e 12% utilizam 10 ou mais. No
Brasil, alguns estudos da década de 2000 mostram prevalência de 13 a 36% de polifarmácia entre os idosos. A implicação óbvia da alta prevalência
de polifarmácia é a ocorrência de reações adversas às medicações.

DICA

O mais aceito é que a polifarmácia ocorre quando há uso concomitante de 5 medicamentos ou mais.

Em 1992, Hanlon publicou uma escala de avaliação para polifarmácia, conhecida como Medication Appropriateness Index, que consiste em 10
elementos:

Tabela 1 - Escala de avaliação para polifarmácia proposta por Hanlon


- Há indicação para o medicamento?
- O medicamento é efetivo para a doença?
- A dose está correta?
- A orientação ao paciente está correta?
- Há interações com outros medicamentos?
- Há interações com outras doenças?
- Há duplicidade na terapêutica?
- A duração da terapia é adequada?
- Há alguma opção terapêutica de menor custo?
Fonte: HANLON et al., 1992.

Como você pode perceber, as perguntas são claras e objetivas, e com certa observação, bom senso e raciocínio clínico se chega a cobrir todas as
questões, sem maiores dificuldades.

2. Farmacocinética
Como visto no capítulo sobre as alterações fisiológicas do envelhecimento, a farmacocinética das medicações pode estar alterada no idoso. A
absorção pouco se altera, pois a maioria dos medicamentos é absorvida por difusão passiva.
Em idosos, a prevalência de desnutrição é elevada e, juntamente com quadros de fragilidade, acarreta um nível menor de proteínas para a ligação
de fármacos (albumina), levando a maior fração livre das drogas na circulação (fenitoína, diazepam etc.).Ocorre alteração no volume de distribuição.
Drogas como digoxina ou lítio (hidrofílicos) têm concentração plasmática elevada (redução de água livre, maior concentração da droga). Drogas
lipofílicas, como os benzodiazepínicos, têm volume de distribuição mais elevado (aumento de tecido adiposo no idoso – depósito, meia-vida mais
longa).
A redução de massa e de fluxo sanguíneo hepáticos compromete as reações da fase I (conversão em metabólicos ativos ou inativos), porém não
pode ser estimada por provas laboratoriais, pois pouco se alteram nos idosos.
A excreção também está reduzida, e o ajuste de dose de medicações deve ser feito conforme o clearance de creatinina, pela fórmula de Cockcroft-
Gault.

Tabela 2 - Prescrição a pacientes idosos


- Geralmente têm mais de 1 médico prescritor, de serviços ou de especialidades diferentes;
- A adesão ao tratamento é tão menor quanto maior o número de medicações prescritas;
- Comumente, há dificuldade no relato de todas as medicações e doses tomadas;
- Fitoterápicos, ervas ou medicações que “o farmacêutico recomendou” em geral não são lembradas ou são omitidas na consulta;
- O tempo de consulta normalmente não é suficiente para a extração desses dados de anamnese e para a orientação do esquema terapêutico.

De modo geral, são inadequados os fármacos de meia-vida longa e faixa terapêutica próxima à faixa tóxica e aqueles de elevada interação droga–
droga (ou droga–doença).

3. Reações adversas a medicações


Correspondem a resposta não intencional e nociva a uma droga. Reações adversas trazem risco de síndromes geriátricas como quedas, fraturas,
declínio cognitivo, incontinência urinária ou outros. O risco é tão maior quanto o número de medicações em uso.
As reações adversas podem manifestar-se em praticamente qualquer sistema orgânico (gastrintestinal, cardiocirculatório, neurológico etc.). Alguns
fatores de risco para o desenvolvimento de reação adversa são descritos na Tabela 3.

Tabela 3 - Fatores de risco para reações adversas


- Idade >85 anos;
- Reação adversa prévia;
- Múltiplas comorbidades;
- Clearance de creatinina <50;
- Baixo peso ou índice de massa corpórea;
- Número de medicações >9.

Beers e colaboradores começaram a publicar critérios para guiar a terapêutica de pacientes idosos e evitar, assim, a polifarmácia e a iatrogenia.
A última atualização dos “critérios de Beers” envolveu um grande trabalho de coleta de evidências, acrescentando nível de recomendação e de
evidência às recomendações na prescrição de idosos.
Para estabelecer uma relação causal entre o sintoma ou reação e a medicação, deve-se avaliar a sequência cronológica (tempo entre o uso da droga
e o aparecimento do sintoma), deve haver plausibilidade farmacológica (de maneira que a droga possa levar ao evento encontrado), a retirada
desta deve seguir-se de melhora ou de desaparecimento do sintoma (com intervalos de tempo variáveis), a reintrodução da droga deve produzir
efeito semelhante e, por fim, não deve haver causa alternativa para o sintoma apresentado.

Tabela 4 - Possíveis consequências do uso dos medicamentos


Medicamentos Possíveis consequências
Antidepressivos tricíclicos Efeitos anticolinérgicos e hipotensão ortostática

Antiagregantes plaquetários (dipiridamol) Eventos adversos no sistema nervoso central (eficácia de doses altas questionada
em idosos)

Anti-histamínicos Propriedades anticolinérgicas potentes e sedação prolongada

Anti-hipertensivos (metildopa) Exacerbação de quadros depressivos e bradicardia

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina Estimulação do sistema nervoso central, agitação e distúrbios do sono
(fluoxetina)

Antiarrítmicos (amiodarona) Alterações de intervalo QT (torsades de pointes)

Anti-inflamatórios não hormonais (indometacina, Agranulocitose e eventos adversos no sistema nervoso central
fenilbutazona)

Hipoglicemiantes orais (clorpropamida) Hipoglicemia prolongada e síndrome de secreção inapropriada do hormônio


antidiurético

Bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipino) Hipotensão e constipação

Benzodiazepínicos de meia-vida longa (diazepam, Sedação e possibilidade de quedas e fraturas


flurazepam)

Digoxina (>0,125mg/d) Risco de intoxicação

Fonte: American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults.

Sedativos e hipnóticos devem ter especial atenção quando usados para manejo de insônia, sendo indicados apenas quando não houve resposta a
mudanças dietéticas e de higiene do sono, bem como adesão ao plano de exercício físico. Deve-se lembrar que os benzodiazepínicos podem levar a
confusão mental e a sedação acentuada, tanto os de longa quanto os de curta ação, e que, ao prescrever antibióticos, se realiza a correção da dose
para função renal estimada pelo clearance de creatinina.
Os digitálicos e a procainamida têm janela terapêutica estreita e meia-vida aumentada em idosos, sendo muito comuns casos de intoxicação por
essas medicações. A digoxina também pode ser responsável por sintomatologia como anorexia, depressão e confusão, mesmo em níveis séricos
adequados.

DICA

Anorexia, depressão e confusão são sintomas gerados pelo uso de digoxina.


Os bloqueadores H2 – cimetidina e ranitidina – interferem no metabolismo hepático e têm excreção renal. Interagem com propranolol, varfarina,
fenitoína, dentre outros, e podem desencadear confusão mental.
Os antidepressivos e antipsicóticos têm efeito anticolinérgico no idoso, o que pode levar a retenção urinária, boca seca e confusão. O uso dessas
medicações deve ser feito com cautela, sempre se iniciando com baixas doses e, da mesma maneira, interrupção progressiva. Dentre os
antidepressivos, os de menor interação são o citalopram e o escitalopram.Anticoagulantes orais necessitam de especial atenção, pois, associados
ao risco de queda, levam a um risco elevado de sangramento no paciente idoso. Fruto de discussões e de vários estudos, sabe-se que a idade
isoladamente não é contraindicação à anticoagulação e que o controle periódico e a manutenção das doses na faixa terapêutica são seguros.
Mesmo no cenário atual de novos anticoagulantes, como dabigatrana ou rivaroxabana, a varfarina continua a ser medicação segura, pois possui
antídoto e seu nível terapêutico pode ser controlado. A avaliação de risco de tromboembolismo pode ser estimada com cálculos como o CHADS-
VASc, e o risco de sangramento, com cálculos como o HAS-BLED. Não se deve contraindicar a anticoagulação apenas pelo receio de efeito adverso
nem pela impressão clínica.

Tabela 5 - Motivos pelos quais uma medicação pode ser considerada inadequada para o idoso
- Dosagem inapropriada;
- Propriedades farmacocinéticas ou farmacodinâmicas impróprias;
- Perfil inaceitável de efeitos colaterais;
- Alto potencial de interação medicamentosa;
- Prescrição duplicada ou redundante;
- Duração do tratamento inadequado.

Tabela 6 - Medicamentos descritos por Beers como de alto risco de efeitos colaterais, independentemente de diagnóstico ou de condição clínica
Categoria/droga Racional Recomendação
- Anticolinérgicos: Alta ação anticolinérgica; clearance reduzido com idade; Evitar.
desenvolvimento de tolerância quando usado como hipnótico; risco de
· Anti-histamínicos;
confusão mental, boca seca, constipação
· Clorfeniramina;
· Dimenidrinato;
· Hidroxizina;
· Meclizina;
· Prometazina.

- Antiespasmódicos: Alta ação anticolinérgica, efetividade incerta Evitar.


· Atropina;
· Clordiazepóxido;
· Hioscina;
· Propantelina;
· Escopolamina.

- Antitrombóticos: Possível hipotensão ortostática; alternativas mais seguras disponíveis --


· Dipiridamol;
· Ticlopidina.

Nitrofurantoína Potencial toxicidade hepática, pulmonar e neuropatia periférica; Evitar uso prolongado ou em
alternativas mais seguras disponíveis pacientes com ClCr
<30mL/min.

Cardiovascular
Bloqueadores alfa-1 (doxazosina, Alto risco de hipotensão ortostática Evitar como anti-
prazosina) hipertensivos.
- Alfabloqueadores centrais: Alto risco de efeitos colaterais no sistema nervoso central e hipotensão Evitar como 1ª linha de anti-
ortostática hipertensivos.
· Clonidina;
· Metildopa;
· Reserpina.

Dronedarona Desfechos piores em pacientes com Fibrilação Atrial (FA) ou Insuficiência Evitar.
Cardíaca (IC)
Digoxina Sem uso em FA, alternativas mais seguras disponíveis; IC: risco de Evitar.
toxicidade em altas doses, sem benefício adicional
Nifedipino Risco de hipotensão e risco de desencadear isquemia miocárdica Evitar.
Amiodarona Maior toxicidade do que outros antiarrítmicos para FA Evitar como 1ª linha para FA.

Sistema Nervoso Central (SNC)


- Antidepressivos: Alto efeito anticolinérgico, sedação, hipotensão ortostática Evitar.
· Amitriptilina;
· Clomipramina;
· Imipramina;
· Nortriptilina;
· Paroxetina.

- Antipsicóticos: Tentativa de medidas não farmacológicas antes; uso quando estas Evitar (exceto esquizofrenia,
falham ou há risco de auto ou heteroagressão bipolar, ou como
· Típicos ou atípicos.
antiemético).
- Barbitúricos: Alto risco de dependência, tolerância, alto risco de overdose em doses Evitar.
baixas
· Amobarbital, fenobarbital.

- Benzodiazepínicos: Idosos com maior sensibilidade a essa classe; risco de declínio cognitivo, Evitar.
delirium, quedas, fraturas, acidente automobilístico
· Alprazolam;
· Lorazepam;
· Diazepam;
· Clonazepam.

- Hipnóticos não benzodiazepínicos: Efeitos adversos semelhantes aos dos benzodiazepínicos Evitar.
· Zolpidem;
· Zopiclona.

Ergotamínicos Ineficazes Evitar.

Endócrinos
Testosterona, metiltestosterona Problemas cardíacos potenciais, contraindicado no câncer de próstata Evitar.
Estrogênios (com ou sem Potencial carcinogênico (mama e endométrio); falta de evidência Evitar oral e transdérmico.
progestogênios) cardioprotetora ou cognitiva; tratamento tópico (secura vaginal) seguro
Hormônio de crescimento (GH) Impacto na composição corpórea é pequeno, com risco de edema, Evitar.
artralgia, ginecomastia, piora glicêmica e síndrome do túnel do carpo
Insulina Risco de hipoglicemia; evitar uso com base na glicemia pré-prandial Evitar uso baseado na
glicemia pré-prandial.
Megestrol Mínimo efeito no peso; risco de trombose Evitar.

- Sulfonilureias: Meia-vida prolongada que pode causar hipoglicemia Evitar.


· Clorpropamida;
· Glibenclamida.

Gastrintestinal
Metoclopramida Efeitos extrapiramidais (discinesia tardia) Evitar (exceto em
gastroparesia).
Óleo mineral Risco de aspiração Evitar.
Inibidor da bomba de prótons Risco de Clostridium difficile e perda de massa óssea/fraturas Evitar uso prolongado (>8
semanas), exceto em casos
com justificativa.

Analgésicos
Meperidina Ineficaz, risco de toxicidade, delirium, alternativas mais eficazes Evitar.
disponíveis
- Anti-inflamatórios: Risco de sangramento gastrintestinal, uso de inibidor da bomba de Evitar uso prolongado.
prótons diminuído, mas sem eliminar risco; risco de nefrite
· AAS® (>325mg); diclofenaco,
cetoprofeno, ibuprofeno,
naproxeno, piroxicam etc.

Indometacina, cetorolaco Maior risco de efeitos no SNC Evitar.


- Relaxantes musculares: Tolerância baixa pelos idosos, possíveis efeitos anticolinérgicos, risco de Evitar.
quedas, fraturas e efetividade questionável
· Carisoprodol;
· Ciclobenzaprina;
· Orfenadrina.

Fonte: American Geriatrics Society 2015 Updated Beers Criteria for Potentially Inappropriate Medication Use in Older Adults.

Os principais vilões da polifarmácia são a presença de reação adversa à medicação e a interação medicamentosa. Ambos podem levar a um
conceito chamado prescrição “em cascata”.
É corriqueiro, entre pacientes em acompanhamento ambulatorial, a presença de sintomas que podem ser atribuídos a reação adversa; se
negligenciada, a relação causal com a medicação pode levar à prescrição de uma 2ª medicação sintomática para a correção desse efeito colateral,
que, por sua vez, pode iniciar um novo sintoma colateral, e assim por diante.

PERGUNTA
2014 - INCA
1. Dentre as causas de eventos iatrogênicos relacionados ao uso de drogas em idosos, encontramos, exceto:
a) redução do metabolismo das drogas relacionada à redução da função hepática e renal
b) respostas biológicas variáveis para um dado nível sérico da droga
c) modificação do volume de distribuição da droga
d) em função do menor volume de água, existe redução da meia-vida das drogas lipossolúveis

Resposta no final do capítulo

4. Subutilização de medicamentos
No outro espectro da polifarmácia, encontra-se a submedicação. Também faz parte da racionalização da prescrição do paciente idoso rever se ele
recebe as medicações indicadas para seus problemas de saúde e se não está sendo negligenciada nenhuma oportunidade de tratamento, no
sentido de melhora de qualidade de vida.
Pacientes em pós-infarto do miocárdio têm indicação de betabloqueadores, com redução da mortalidade muito bem documentada em estudos.
Entretanto, esse é um cenário em que há subutilização de terapêutica adequada.
O risco de FA é crescente com a idade, e os anticoagulantes orais são subutilizados. Avalia-se criteriosamente cada caso para indicar e contraindicar
essa medicação.
Outro exemplo é o do uso de analgésicos opioides a pacientes com dor oncológica. Podemos também citar a osteoporose, que, além de ser
subtratada, é subdiagnosticada, mesmo em países desenvolvidos.

Tabela 7 - Situações clínicas comumente submedicadas


- Diabetes e prevenção secundária de doença cardiovascular e uso de antiagregante plaquetário;
- Hipertensão arterial, dislipidemia e osteoporose;
- Depressão, por ser muitas vezes subdiagnosticada no idoso;
- Insuficiência cardíaca e uso de betabloqueadores;
- Proteinúria diabética e uso de inibidor da enzima conversora de angiotensina;
- Fibrilação atrial e anticoagulação (risco de quedas etc.);
- Dor crônica – uso de opioides e laxativos;
- Risco de úlcera péptica ou de estresse e profilaxia com inibidores de bomba protônica;
- FA – anticoagulantes orais.

5. Introdução e descontinuação
A regra prática na ação clínica do geriatra é o início lento de medicações e um ajuste lento, para ser possível manejar e monitorizar o aparecimento
de reações adversas. Da mesma maneira, a retirada deve ser gradual, para evitar síndromes de retirada de medicações.

Tabela 8 - Reações possíveis a partir da retirada brusca de medicações


Medicações Sintomas de retirada
Opioides Calafrios, diaforese, agitação, diarreia e insônia

Anticonvulsivantes Ansiedade, depressão e convulsão

Antidepressivos Irritabilidade, ansiedade, calafrios, alterações gastrintestinais, insônia e mialgia

Antiparkinsonianos Tremor, rigidez, psicose e hipotensão

Antipsicóticos Discinesias, náuseas, agitação e insônia

Benzodiazepínicos Ansiedade, agitação, delirium e insônia

Betabloqueadores Hipertensão, taquicardia e ansiedade

Corticoides Náuseas, fraqueza e hipotensão

Digitálicos Descompensação cardíaca e taquicardia

6. Conclusão
Na confecção de prescrição para um paciente idoso, o geriatra deve levar em conta vários aspectos. A equipe multidisciplinar pode auxiliar o
médico nessa tarefa, identificando as dificuldades do paciente. A enfermeira pode auxiliar na conciliação medicamentosa e ajudar com a adesão e
identificação de medicações não informadas ao médico; o farmacêutico pode, participando de discussões clínicas e de revisões de prescrição,
sugerir correções de doses ou alternativas mais seguras.

Tabela 9 - Itens para avaliação


- Possibilidade de tratamento não farmacológico para determinada patologia;
- Evidências de risco e benefício de cada tratamento;
- Possíveis interações medicamentosas;
- Conhecimento ou experiência ou não com a medicação para identificar efeitos colaterais;
- Previsão de reações adversas;
- Condições socioeconômicas para o uso de determinada medicação;
- Ajuste de esquema posológico para facilitar tomadas e adesão ao tratamento;
- Possível efeito “cascata”;
- Retirada de medicação desnecessária ou de benefício questionável;
- Preferência e conforto do paciente com esquema terapêutico.

Então, se seguirmos alguns princípios à prescrição, evitaremos iatrogenia e aumentaremos as chances de sucesso da terapêutica.
Tenha certeza de que o sintoma que está tratando não se deve a efeito colateral de outra medicação. Deve-se iniciá-la com dose baixa e realizar
aumento lento e gradual – considerar a variabilidade individual, já que alguns idosos necessitam de dose máxima da droga. Ao começar um
tratamento, inicia-se 1 droga por vez, possibilitando monitorizar o aparecimento de reações adversas e mesmo de resposta positiva à medicação.
Sempre se deve perguntar se o tratamento trará mais benefícios do que riscos e reforçar medidas não farmacológicas mesmo iniciado o
farmacológico. Além disso, revisar a prescrição periodicamente para a identificação de drogas desnecessárias, ou mesmo de tratamentos
esgotados; facilitar o número de tomada de medicações, lembrando que, quanto mais tomadas ao dia, menor a adesão; e solicitar que o paciente
ou acompanhante traga todas as medicações que usa em casa, facilitando a identificação de polifarmácia e de erros de prescrição.

PERGUNTA
2013 - SES-PE
2. Com relação às iatrogenias medicamentosas e às boas práticas da prescrição médica para idosos, qual é a alternativa
verdadeira?
a) o uso de benzodiazepínicos não é uma boa opção para tratar insônia em idosos, mas, se for necessário usar algum, devemos dar preferência
aos de meia-vida curta, a exemplo do flurazepam
b) dentre os medicamentos inapropriados para idosos pelos critérios de Beers, os anticolinérgicos estão entre as drogas mais arriscadas
c) os betabloqueadores estão entre os anti-hipertensivos de principal escolha para o tratamento de hipertensão arterial sistêmica em idosos
d) no tratamento de IC sintomática em idosos, a dose recomendada de digoxina é de 0,25mg/d
e) para garantir o tratamento, evitando baixa adesão aos fármacos prescritos à população idosa, devemos, sempre, iniciar a terapêutica com
doses plenas

Resposta no final do capítulo

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Farmacocinética
- Há nível menor de proteínas para a ligação de fármacos (albumina), levando a maior fração livre na circulação (fenitoína, diazepam etc.);
- Há alteração no volume de distribuição com elevação da concentração plasmática da droga;
- A excreção está reduzida, e o ajuste de dose de medicações deve ser feito com o clearance de creatinina, pela fórmula de Cockcroft-Gault;
- São inadequados os fármacos de meia-vida longa, faixa terapêutica estreita e aqueles de elevada interação droga–droga (ou droga–doença).

Reações adversas a medicações


Fatores de risco para reação adversa a medicações
- Idade >85 anos;
- Reação adversa prévia;
- Múltiplas comorbidades;
- Clearance de creatinina <50;
- Baixo peso ou índice de massa corpórea;
- Número de medicações >9.

Efeitos adversos dos medicamentos


Anti-inflamatórios não esteroides Risco de sangramento gastrintestinal, insuficiência renal (nefrite intersticial)

Anti-hipertensivos (metildopa) Bradicardia e exacerbação de quadros depressivos

Bloqueadores dos canais de cálcio (nifedipino) Hipotensão e risco coronariano

Digoxina (>0,125mg/d) Intoxicação

Hipoglicemiantes orais Hipoglicemia e síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético


(glibenclamida)
Antiarrítmicos (amiodarona) Toxicidade

Anti-histamínicos Propriedades anticolinérgicas potentes e sedação prolongada

Benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam, lorazepam) Sedação e risco de quedas e fraturas, declínio cognitivo, depressão

Efeitos adversos dos medicamentos


Antidepressivos tricíclicos Efeitos anticolinérgicos e hipotensão ortostática

Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxetina) Estimulação do sistema nervoso central, agitação e distúrbios do sono

Introdução e descontinuação
- Introdução e retirada graduais;
- 1 droga por vez;
- Monitorização dos efeitos adversos;
- Revisão anual da prescrição.

Ao revisar prescrição, considerar


- Possibilidade de tratamento não farmacológico para determinada patologia;

- Evidências de risco e benefício de cada tratamento;


- Possíveis interações medicamentosas;
- Conhecimento ou experiência ou não com a medicação para identificar efeitos colaterais;
- Previsão de reações adversas;
- Condições socioeconômicas para o uso de determinada medicação;
- Ajuste de esquema posológico para facilitar tomadas e adesão ao tratamento;
- Possível efeito “cascata”;
- Retirada de medicação desnecessária ou de benefício questionável;
- Considerar preferência do paciente.

Respostas das questões do capítulo


1. D
2. B
10
Quedas
César Augusto Guerra

A queda é resultado de uma miríade de interações entre ambiente, morbidades e sistema sensorial prejudicado, bem como os sistemas
vestibular, proprioceptivo e motor. Pacientes sujeitos a quedas evoluem com maior perda de funcionalidade e aumentam a probabilidade de
admissão em instituições de longa permanência – a perda de funcionalidade nem sempre é recuperada. Algumas marchas são fatores de risco
para quedas, como cerebelar atáxica (eventos vestibulares), espástica (hemiparesia) e frontalizada (em demências). A alta prevalência de
osteoporose nos idosos é um fator contribuinte para o elevado número de fraturas em decorrência de quedas. A perda de confiança ou o
medo de cair podem resultar em restrição de atividades e representam risco maior de o idoso ser transferido para um ambiente mais restrito e
supervisionado, além de se relacionarem com declínio funcional, depressão, sentimentos de inutilidade e isolamento social. Outros fatores de
risco são idade, sexo feminino, falta de cônjuge, queda prévia, Parkinson, vertigem, artrose, fraqueza muscular, dor, polifarmácia e depressão. A
avaliação do paciente inicia-se com anamnese, seguida de exame clínico minucioso, podendo-se dar seguimento à investigação complementar e
direcionar a abordagem, conforme as causas, que podem ser divididas em internas (intrínsecas ao paciente) e externas (extrínsecas ao
paciente). Os principais testes realizados são o functional reach (controle postural dinâmico) e o timed up and go (teste da caminhada). O
tratamento baseia-se na retirada dos fatores que contribuem para a queda, como uso de óculos, revisão medicamentosa, ambiente adaptado
às necessidades do idoso, reabilitação muscular, tai chi chuan, evitar vertigem etc.

1. Introdução
Queda é um evento frequente no idoso. Uma lesão por queda pode ser custosa para o idoso, em termos de morbidade, funcionalidade e
independência e em termos de custos de saúde (privada ou pública) e institucionalizações. Antigamente, acreditava-se que a queda era um evento
inevitável no idoso, não objeto de estudos. Isso mudou muito nos últimos 20 anos.
A etiologia da queda pode ser identificável. Os componentes ambiental e fisiológico alterados são os mais fáceis de serem identificados. Uma queda
é resultado de uma miríade de interações entre ambiente, morbidades, sistema sensorial prejudicado, bem como sistemas vestibular,
proprioceptivo e motor.
No estudo dos mecanismos e da interação dos sistemas ligados à manutenção da postura e do equilíbrio, conclui-se que 2 fatores devem
acontecer: perturbação do equilíbrio e falha do sistema de controle postural na compensação, itens que podem ser mais detalhados e estudados
em seus pormenores, porém nossa ênfase será na identificação de fatores de risco e na tentativa de prevenção de quedas.

2. Epidemiologia
Dados norte-americanos apontam para 16.000 óbitos secundários a quedas ao ano. Cerca de 1/3 dos idosos acima de 65 anos cai anualmente, e,
acima dos 80 anos, o risco chega a 50%. Acredita-se que o custo anual do tratamento das fraturas de quadril chegue a US$10 bilhões, e cerca de
90% das fraturas de quadril são causadas por quedas.
Um estudo transversal em 7 estados brasileiros mostrou prevalência de queda em torno de 35% para homens idosos e de 40% para mulheres
idosas, e um estudo americano com cerca de 150.000 idosos mostrou 5,3% de internações decorrentes de lesões por quedas, evento mais comum
em mulheres. Mostrou também que os que caíram tinham maior tendência a serem encaminhados a instituições de longa permanência.
Nessas instituições, a prevalência de quedas é maior (cerca de 43%), o ambiente em que mais acontece é o quarto, e fatores como depressão,
número de medicações e etnia caucasiana estão relacionados com maior probabilidade.
Os pacientes sujeitos a quedas evoluem com maior perda de funcionalidade, representada nas atividades básicas e instrumentais da vida diária,
bem como aumentam a probabilidade de admissão em instituições de longa permanência. A perda de funcionalidade nem sempre é recuperada,
no entanto, a porcentagem varia muito entre estudos (de 25 a 75% não a restabelecem). Grosso modo, podemos dizer que 1/3 dos idosos que
sofrem fratura após uma queda se recupera plenamente (Figura 1).
Figura 1 - Restabelecimento da funcionalidade após queda

Mais da metade das quedas ocorre dentro de casa, porém a taxa aumenta em instituições ou hospitais (talvez pelo perfil de morbidade maior
destes pacientes). O risco de lesão também é maior fora do domicílio.É importante lembrar que é muito comum o idoso referir “medo de cair” após
uma queda. Mesmo não ocorrendo trauma grave ou lesão após, os pacientes podem, por medo de cair, restringir suas atividades, o que acontece
com cerca de metade deles.

IMPORTANTE

Octogenários têm risco de quase 50% de quedas. Mais da metade dessas quedas ocorre no próprio domicílio do idoso.

3. Alterações fisiológicas da marcha


Analisaremos, neste capítulo, as alterações da marcha com o envelhecimento. Vários sistemas orgânicos estão envolvidos no funcionamento do
caminhar (neurológico, muscular, esquelético, cardiovascular).

IMPORTANTE

O desequilíbrio no idoso é multifatorial. A própria senescência, associada a condições clínicas agudas e crônicas, pode levar a instabilidade
postural, aumentando o risco de quedas.

A velocidade de marcha correlaciona-se com o grau de condicionamento físico, ou seja, um idoso ativo, que pratica atividade física, mantém sua
velocidade de marcha inalterada ou pouco alterada. O tempo de apoio bipedal (2 pés no chão) aumenta, e a velocidade de marcha é proporcional a
esse tempo, porém a maior parte da marcha é de apoio unipedal (apenas 1 pé apoiado no solo) – cerca de 75% do ciclo da marcha. Esse tempo
diminui no idoso, e, quando aumenta a velocidade da marcha, aumenta a frequência das passadas e não o comprimento, como em jovens. Há
diminuição do balanço dos braços, rotação pélvica e amplitude de movimento do joelho. Na fase final do apoio, a flexão plantar é diminuída no
idoso. A cifose torácica também contribui para a instabilidade postural ao ficar de pé e ao deambular.

4. Alterações patológicas da marcha


A marcha patológica é mais vastamente estudada na Neurologia, e vamos apenas rever as mais frequentes alterações:

A - Marcha cerebelar atáxica


Pequenos, regulares e instáveis passos com tendência a virar para o lado doente. Associa-se a eventos vestibulares, acidente vascular cerebral,
alcoolismo, esclerose múltipla e paralisia supranuclear progressiva.

B - Espástica
É aquela em que o membro afetado fica tônico, rígido e geralmente estendido, com discreta flexão na bacia, normalmente com o braço ipsilateral
afetado e fletido no cotovelo, e a alteração é presente entre pacientes com hemiparesia ou paraparesia.

C - Frontalizada
Também chamada de marcha do lobo frontal, ocorre quando há alargamento de base, postura fletida e pequenos passos hesitantes e festinantes,
e os pés parecem grudados no chão, por isso também é chamada de marcha magnética. Está presente em demências e hidrocefalia de pressão
normal.
A marcha frontalizada lembra o padrão de marcha da doença de Parkinson, que consiste em movimento simétrico e rápido dos pés, com
velocidade crescente a partir do início da marcha (hesitante no início) e inclinação para a frente do tronco, deslocando o centro de massa e
ocasionando instabilidade e flexão dos joelhos.

5. Complicações decorrentes de quedasA - Morte


Causas externas constituem a 5ª causa de óbito em idosos, e 2/3 destes são em decorrência de quedas. A morte como consequência direta da
queda ocorre apenas em 2 a cada 1.000 casos, porém a morte como fim de complicações em decorrência de queda é muito mais comum.

B - Lesões
Acredita-se que cerca de metade procura atendimento médico após uma queda e que 10% cursam com fraturas. Dentre as fraturas nos idosos,
mais de 80% decorrem de quedas. A incidência de fratura do colo do fêmur é de aproximadamente 5 por 1.000 idosos por ano, mas esse número
varia muito entre regiões. Após uma fratura de quadril, metade dos idosos não recupera suas funções prévias e 20% morrem no ano seguinte à
fratura. As lesões são maiores em institucionalizados (talvez pela maior fragilidade destes) e as mais graves ocorrem distantes do domicílio do
paciente (talvez pela maior independência e maior exposição a riscos).
A alta prevalência de osteoporose nos idosos é um fator contribuinte para o elevado número de fraturas em decorrência de quedas.

Figura 2 - (A) Comparação esquemática entre o osso normal e o osso osteoporótico; (B) ilustração comparativa da matriz óssea normal e da matriz
óssea osteoporótica e (C) corpos vertebrais osteoporóticos

C - Medo de quedas
A perda de confiança ou o medo de cair pode resultar em restrição de atividades e representa risco maior do idoso ser transferido para um
ambiente mais restrito e supervisionado (como instituição de longa permanência). Os dados sobre prevalência de medo de cair variam entre 30 e
73%. A perda da confiança na capacidade de caminhar também está relacionada com o declínio funcional, depressão, sentimentos de inutilidade e
isolamento social. Alguns podem apresentar medo tão intenso que não conseguem iniciar marcha ou o fazem com necessidade de auxílio máximo.

D - Redução de atividades, decúbito de longa duração


O idoso pode restringir suas atividades mesmo sem fraturas ou lesões evidentes após uma queda. O processo de diminuição de atividade pode
deflagrar um processo de fragilidade. Além disso, ficando limitados à cadeira ou à cama, estão mais sujeitos a desidratação, pneumonia, úlceras por
pressão, sarcopenia e morte. Um estudo mostrou que 20% dos idosos que tiveram alta de um serviço de emergência após queda tinham dor ou
restrição de atividades 6 meses após o evento. Os pacientes mais frágeis apresentam pior prognóstico, e quedas repetitivas são relacionadas a
maior institucionalização.

DICA

O “medo de cair” e a redução das atividades acabam gerando ciclo vicioso, que aumenta o risco de queda e comorbidades.

PERGUNTA
2014 - UFSC
1. A fratura de colo de fêmur é um importante fator de risco para o declínio funcional na população idosa. Sobre as quedas
nessa população, analise as afirmativas a seguir:
I - O déficit visual é um importante fator de risco para quedas, principalmente durante o levantar noturno.
II - A deficiência cognitiva não aumenta o risco de quedas.
III - A fraqueza muscular pode retardar o tempo de reação motora e é um fator de risco importante para quedas.
IV - A mobilidade limitada diminui a exposição do idoso a situações de risco para quedas, portanto é um fator protetor.
Está(ão) correta(s):
a) I, III
b) I, II, III, IV
c) II, IV
d) I, II
e) apenas III

Resposta no final do capítulo

6. Fatores de risco
Diversos são os fatores de risco para queda, estabelecidos na literatura. Veja a Tabela 1:

Tabela 1 - Fatores de risco intrínsecos


Sociodemográficos
- Idade;
- Sexo feminino;
- Sem cônjuge;
- Antecedente de queda;
- Medo de cair.

Doença
- Parkinson;
- Diabetes;
- Artrose;
- Incontinência urinária;
- Vertigem;
- Hipotensão ortostática;
- Deficiência de vitamina D.

Condições clínica e funcional


- Alteração da marcha;
- Problemas de mobilidade;
- Alteração de equilíbrio;
- Fraqueza muscular;
- Limitação funcional;
- Alteração de propriocepção;
- Dor.

Medicamentos
- Psicotrópicos;
- Polifarmácia.

Sistema nervoso
- Déficit cognitivo;
- Depressão.

Atividade física excessiva ou de risco

DICA

Os principais fatores de risco para queda são idade, fraqueza muscular, história prévia de queda, déficit cognitivo, desequilíbrio, tontura e uso
de psicotrópicos.

Tabela 2 - Fatores de risco extrínsecos


- Pisos escorregadios;
- Tapetes soltos ou dobrados;
- Calçados inadequados;
- Iluminação inadequada;
- Obstáculos;
- Degraus altos ou estreitos;
- Ausência de corrimão.

Esses são apenas alguns exemplos. Observe com atenção cada um desses fatores e imagine um idoso em casa, com cada uma dessas alterações. É
claramente possível descrever mais de 1 situação em cada um desses fatores de risco para que o idoso caia.
Como mais de 130 fatores de risco já foram descritos, não é nosso objetivo discorrer sobre cada um deles, mas vamos elencá-los quanto a maior
probabilidade (estratificação). Não confunda fator causal com fator de risco; fator causal é aquele facilmente identificável na queda, como chão
molhado, irregularidade ou degrau não sinalizado e subida em banquinhos para alcançar algo. O fator de risco aumenta a chance de o idoso cair.
Uma revisão sistemática de 2003 (Moreland et al.) ajudou na estratificação do risco de quedas para os idosos. O autor fez uma classificação com 6
níveis de risco.
No nível 1 (maior risco) estão o comprometimento cognitivo e o uso de medicação psicotrópica. No nível 2 de risco estão polifarmácia, riscos
ambientais, déficit visual, fraqueza muscular, doença neuromuscular, incapacidade para atividades básicas ou instrumentais de vida diária, uso de
dispositivo de auxílio à marcha. No nível 3, incontinência urinária e hipotensão postural. E, nos níveis de 4 a 6, os fatores com menor correlação,
porém ainda importantes: pouca ou nenhuma atividade física, diminuição de força nos membros superiores, suporte social restrito, uso de
analgésicos e anti-inflamatórios, déficit auditivo.

Tabela 3 - Substâncias que aumentam o risco de quedas


- Sedativos ou hipnóticos;
- Antipsicóticos;
- Benzodiazepínicos;
- Antidepressivos (principalmente os tricíclicos);
- Anticonvulsivantes;
- Álcool (uso pesado).

A - Avaliação de quedas
Como toda boa avaliação em Clínica Médica, boa anamnese, seguida de exame clínico minucioso, fornece todas as informações necessárias para
guiar no seguimento de investigação complementar e direcionar a abordagem. O idoso deve ser questionado anualmente para quedas. Se não
houver histórico de quedas (e nenhum problema de equilíbrio, marcha ou mobilidade) nenhuma avaliação posterior é indicada. Entretanto, na
presença de alguma dessas alterações, uma avaliação direcionada e detalhada deve ser realizada.

Tabela 4 - Perguntas a serem feitas ao paciente


- Como ocorreu a queda?
- Houve desequilíbrio ou sintomas prévios?
- Houve perda de consciência?
- Qual é o tipo de calçado utilizado?
- Houve mudança nas medicações ou uso incorreto das medicações prescritas?
- Foi durante o dia ou à noite?
- Havia iluminação adequada?
- Estava utilizando óculos ou prótese auditiva?
- Em que local ocorreu a queda?
- Houve recorrência de quedas?
- Houve lesão ou fratura?
- Foi necessária a visita ao hospital?
- Qual foi o tratamento?
- Ficou com medo de cair após?
- Houve limitação de atividades por medo de cair?

Podem-se dividir as causas de quedas entre internas (intrínsecas ao paciente) e externas (causas extrínsecas ao paciente). A primeira é mais
complexa e indica avaliação mais aprofundada. Também pode ocorrer por combinação dos 2 fatores. Os fatores externos são mais simples de
serem avaliados. As quedas ocorrem, em sua maior parte, no período mais ativo do dia; somente 20% ocorrem à noite. Os riscos ambientais
presentes nas atividades de vida diária devem ser identificados, pois nos indivíduos mais frágeis, as quedas ocorrem quando tentam alcançar
algum objeto, subindo ou descendo escadas ou mesmo indo ao banheiro de madrugada.
No exame clínico, deve-se atentar para a hipotensão postural, que pode ser tardia no idoso. Com o paciente deitado, após 5 a 10 minutos, aferir a
pressão arterial, sentar e aferir a pressão arterial, em posição ereta, e após 5 minutos aferir novamente. A queda em 20mmHg na pressão sistólica
ou de 10mmHg na diastólica representa hipotensão postural, bem como sintomas de tontura ou de vertigem. Avaliar também o pulso, pois deve
haver resposta com aumento da frequência cardíaca com a mudança de posição; realizar exame neurológico para avaliar a marcha e o equilíbrio,
Romberg, força muscular e alterações anatômicas nos membros inferiores como calos, deformidades etc.
Tendo em vista a extensão de causas para direcionar a abordagem, a avaliação do risco de quedas é sistematizada. Diversos são os testes utilizados
pelo geriatra ou mesmo pelo fisioterapeuta para avaliar a qualidade da marcha e o risco de queda do idoso. Um teste muito simples de força e
equilíbrio é solicitar ao paciente que se levante e se sente novamente com os braços cruzados sobre o tórax; a incapacidade ou a realização com
dificuldade indica maior risco de quedas. Além disso, pedir que o paciente caminhe com um pé atrás do outro em linha reta.
Utiliza-se como teste de controle postural dinâmico o alcance funcional (functional reach), pedindo que o idoso, ereto e parado, estique o braço o
mais distante possível do corpo, com o auxílio de régua ou fita métrica, para aferir a diferença entre o estado inicial e o maior alcance. Valor
superior a 15cm é considerado normal, e falha no teste indica maior risco postural para quedas.O teste de caminhada, ou timed up and go em que
se solicita ao paciente que se levante de uma cadeira com braços, caminhe por 3 metros e, depois, volte a se assentar, avalia força, postura,
equilíbrio e marcha, e é muito utilizado na prática clínica do geriatra, inclusive em estudos. O Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
sugere que tempo maior do que 12 segundos confere risco de queda.

DIAGNÓSTICO

Os principais testes realizados para avaliação do idoso são functional reach (controle postural dinâmico) e timed up and go (teste da
caminhada).

PERGUNTA
2015 - UFPR
2. Assinale a alternativa correta sobre quedas envolvendo idosos:
a) os acidentes são a 2ª causa de morte entre idosos, e as quedas constituem 90% dessas mortes acidentais
b) pacientes idosos que realizam o timed up and go test em tempo inferior a 13 segundos são considerados portadores de risco elevado para
quedas
c) na investigação de causas de quedas, em 30 a 50% dos casos de síncope não há etiologia definida após avaliação clínico-laboratorial
d) a maior parte das quedas sofridas por indivíduos acima de 65 anos portadores de osteoporose resulta em fraturas de fêmur e/ou coluna
e) após uma queda, muitos idosos desenvolvem a “síndrome do medo de quedas”, condição geralmente transitória e facilmente reversível

Resposta no final do capítulo

B - Prevenção de quedas
Vimos alguns aspectos das quedas entre os idosos, porém o que podemos fazer para evitá-las? Algumas medidas já foram propostas e estudadas,
de medicamentos a abordagens multifatoriais e multidisciplinares.
Quanto à prevenção primária, o uso de vitamina D (800 a 1.000UI/d) correlaciona-se com redução de risco de quedas em torno de 20%. A prática
de exercícios físicos regulares, como é de esperar, também previne quedas, bem como uma abordagem direcionada à prevenção de quedas a partir
de exercícios específicos de fisioterapia ou de equilíbrio.
Para a prevenção secundária, inúmeras alternativas são válidas. Uma avaliação individualizada multifatorial e multidisciplinar aparentemente
apresenta melhor benefício, com base em evidências.
Inicialmente, e para facilitar o raciocínio, devem-se elencar todos os fatores de risco presentes e dividi-los entre modificáveis e não modificáveis. Os
testes funcionais nos indicam quais elementos da marcha estão mais deficitários, e, a partir daí, raciocina-se sobre qual seria a melhor alternativa
de treinamento para o paciente.
O sucesso de um programa de prevenção de quedas leva em conta as avaliações médica e ambiental, a prescrição correta de medicações
(lembrando-se de evitar medicações que aumentam o risco de quedas, como benzodiazepínicos), exercícios individualizados e treinos de marcha,
equilíbrio e postura, bem como correção de distúrbios específicos, caso estes existam. A reavaliação periódica e a vigilância de novos episódios de
quedas, suas circunstâncias, frequências e consequências também são recomendadas.

DICA

O consumo de vitamina D 800 a 1.000UI/d e a prática de exercícios físicos regulares são medidas preventivas eficazes para as quedas.

C - Intervenção em fatores de risco


a) Déficit sensorial
A correção de problema visual com óculos ou cirurgia de catarata, por exemplo, deve ser realizada, bem como a prescrição e a adequação de
prótese auditiva (aparelho de amplificação sonora).

b) Medicamentos
A revisão periódica de prescrição é extremamente necessária, e atenção especial deve ser dada a psicotrópicos como benzodiazepínicos ou mesmo
antidepressivos tricíclicos, diuréticos e betabloqueadores. Além disso, deve-se prescrever o menor número de medicações necessárias,
suplementar vitamina D e pesquisar medicações prescritas por outro médico.

c) Ambiente
A avaliação de um profissional em terapia ocupacional fornece muitas informações adicionais à compreensão da interação do idoso com seu
domicílio ou vizinhança. Dessa avaliação advêm intervenções positivas no sentido de adequação às necessidades individuais e de acordo com as
capacidades do idoso.
Gostaria de chamar atenção para um fato muito comum, porém pouco investigado, o uso noturno do banheiro pelo idoso. São muito frequentes
noctúria e queixas de urgeincontinência urinária por pacientes mais velhos, entretanto pouca atenção é dada aos diuréticos no fim da tarde, bem
como à ingestão hídrica à noite. Deve-se avaliar ainda a presença de iluminação adequada durante a noite (luz de vigília). Se necessário, orientar uso
de fraldas ou absorventes para as mulheres, para evitar quedas ao caminho do banheiro. Além disso, orientar utilizar somente tapetes
emborrachados e calçados fechados e evitar meias no chão escorregadio.

d) Fraqueza de membros inferiores


O treinamento de força tem bons resultados, inclusive se realizado dentro de casa, e reduziu quedas em estudos realizados, porém com resultados
mais pobres em pacientes mais frágeis.

e) Equilíbrio e marcha
O treinamento de equilíbrio pode ser realizado de diversas maneiras. O tai chi chuan tem mostrado eficácia na redução de quedas em revisão
sistemática, bem como treinamentos fisioterápicos direcionados. O treinamento chamado trailwalking, em reabilitação, consiste na caminhada
associada a uma função executiva secundária, como jogar uma bola ou andar de uma bandeira a outra numerada. Pacientes submetidos a esse
tipo de treinamento reduziram a incidência de quedas em até 80%.
Treinamento de marcha e adequação a dispositivo de marcha também são tarefas muito importantes realizadas pelo fisioterapeuta. Você já deve
ter visto vários tipos de bengalas ou de andadores – com 1 apoio ou 4, com rodas ou sem, com freios etc. Cada um tem uma indicação específica e
uma adequação. Mesmo a bengala mais simples deve ser utilizada no membro correto, com altura e pega adequadas.

f) Hipotensão postural
Orientação para elevar a cabeceira da cama, realizar mudança de decúbito lenta e movimentar membros inferiores antes de se levantar. E, ainda,
rever prescrição para possíveis causas da hipotensão.

g) Tontura/vertigem
Uma das causas e queixas mais difíceis para abordagem. Diante da queixa, o médico deve avaliar possível causa e realizar investigação cabível,
inclusive otoneurológica, se necessário, e treinamento vestibular ou específico, se indicado.

h) Marcha patológica
Tratamento da doença de base (como Parkinson) e treinamento fisioterápico especializado, bem como uso de dispositivo de marcha adequado.

i) Déficit de atenção
Excluir delirium; treinamento cognitivo e treino de dupla tarefa (como andar realizando tarefa cognitiva).

TRATAMENTO

A prevenção de quedas baseia-se na retirada dos fatores que contribuem para elas: uso de calçados adequados, revisão medicamentosa,
ambiente adaptado às necessidades do idoso, reabilitação muscular, tai chi chuan, evitar hipotensão postural e vertigem, evitar óculos
multifocais etc.

Tabela 5 - Fatores de risco modificáveis


- Déficit visual/auditivo;
- Distúrbio de marcha;
- Distúrbio de equilíbrio;
- Fraqueza muscular;
- Medicamentos;
- Ambientais;
- Hipotensão postural;
- Déficit de atenção;
- Parkinsonismo;
- Agitação psicomotora.

PERGUNTA
2013 - UEL
3. Com relação à prevenção de quedas e fratura entre idosos, assinale a alternativa correta:
a) a radiografia de coluna deve ser solicitada rotineiramente para mulheres na pós-menopausa
b) a reposição de cálcio e vitamina D é ineficaz para prevenir fraturas entre idosos com deficiência de vitamina D
c) homens com 70 anos ou mais têm indicação de densitometria óssea apenas na presença de fatores de risco clínicos para osteoporose
d) para diminuir a incidência de fraturas em idosos, bastam prevenir e tratar a osteoporose
e) para uma mesma densidade mineral óssea, quanto maior a idade maior o risco de fratura do quadril

Resposta no final do capítulo


D - Intervenções de acordo com o risco
Se o paciente for ativo, sem fatores de risco ou com risco de quedas pequeno, apenas caminhadas ou exercício físico regular serão recomendados.
Para paciente com risco moderado, são necessários exercícios globais e com enfoque em equilíbrio, força e marcha. Tai chi chuan e ioga são
adequados e apresentam bons resultados em estudos clínicos.
A avaliação individualizada é reservada para quem apresenta alto risco de quedas, e a avaliação multiprofissional traz benefícios ao evitar
fragilidade e lesões, bem como perda de funcionalidade. O treino de equilíbrio e marcha, associado ao fortalecimento muscular, deve
progressivamente levar a prática de velocidade e treinamento funcional, bem como treino de atenção (como no trailwalking).
A investigação de osteoporose e risco para fratura também deve ser realizada, no sentido de evitar lesões e fraturas em decorrência de quedas.
Lembrando que, apesar de todas as tentativas para prevenir quedas, nem todas serão evitadas. Downton, grande pesquisador da área, chama
atenção para o fato de a superproteção acabar por tolher a independência e a qualidade de vida. Logo, mesmo que o idoso corra algum risco, deve
correr para que a sua vida valha a pena ser vivida.Figura 3 - Manejo de quedas

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Epidemiologia
Quase 50% dos octogenários caem todos os anos.

Fatores de risco
História de queda, fraqueza muscular, idade, gênero feminino, déficit cognitivo, alteração de equilíbrio, tontura, uso de psicotrópicos, artrose,
acidente vascular cerebral, hipotensão ortostática

Alterações fisiológicas da marcha


- ↓ tempo de apoio bipedal;
- ↓ balanço dos braços, rotação pélvica e amplitude de movimento do joelho;
- ↓ flexão plantar;
- Instabilidade postural ao ficar de pé e ao deambular.

Alterações patológicas da marcha


Marcha cerebelar atáxica Acidente vascular cerebral, alcoolismo, esclerose múltipla

Espástica Hemiparesia e paraparesia

Frontalizada Demências e hidrocefalia de pressão normal

Complicações decorrentes de quedas


Institucionalização --

Morte --

Lesões Fratura de colo de fêmur

Medo de quedas Perda da confiança na capacidade de caminhar também relacionada com o declínio funcional, depressão,
sentimentos de inutilidade e isolamento social

Redução de atividades, decúbito Restritos a cadeira ou cama e sujeitos a desidratação, pneumonia, úlceras por pressão, sarcopenia e
de longa duração morte
Fatores de risco: estratificação do risco de quedas para os pacientes idosos (maior para o menor risco)
Nível 1 Comprometimento cognitivo e uso de medicação psicotrópica

Nível 2 Polifarmácia, riscos ambientais, déficit visual e fraqueza muscular

Nível 3 Incontinência urinária e hipotensão postural

Níveis 4 a 6 ↓ força nos membros superiores, pouca ou nenhuma atividade física, suporte social restrito, uso de
analgésicos e anti-inflamatórios e déficit auditivo

Avaliação de quedas
- Anamnese da queda (circunstância, detalhar);
- Hipotensão postural: queda em 20mmHg na pressão sistólica ou de 10mmHg na diastólica, tontura ou vertigem;
- Pulso;
- Exame neurológico: para avaliar a marcha e o equilíbrio.

Prevenção de quedas
Primária - Uso de vitamina D;
- Exercícios físicos regulares.
Secundária - Avaliação individualizada multifatorial e multidisciplinar de fatores de risco;
- Identificar os fatores de risco.

Intervenção em fatores de risco


Déficit sensorial Óculos ou cirurgia de catarata, prescrição e adequação de prótese auditiva

Medicamentos Revisão periódica de prescrição e atenção aos psicotrópicos, antidepressivos tricíclicos, diuréticos e
betabloqueadores

Ambiente Iluminação adequada, retirada de tapetes, barras de apoio, degraus demarcados, corrimão

Fraqueza dos membros inferiores Treinamento de força

Equilíbrio e marcha Tai chi chuan, trailwalking e fisioterapia

Hipotensão postural Elevação da cabeceira da cama, mudança lenta de decúbito, movimentação dos membros inferiores
antes de se levantar e revisão da prescrição

Tontura/vertigem Avaliação de possível causa e realização de investigação cabível

Marcha patológica Tratamento da doença de base (como Parkinson) e fisioterapia

Déficit de atenção Treinamento cognitivo e treino de dupla tarefa

Intervenções de acordo com o risco


Baixo risco Caminhadas ou exercício físico regular

Risco moderado Tai chi chuan e ioga

Alto risco de quedas Avaliação multiprofissional


Respostas das questões do capítulo
1. A
2. C
3. E
11
Nutrição
César Augusto Guerra

A composição da dieta e a quantidade de alimento consumido estão intimamente relacionadas com a função fisiológica do organismo. No
idoso, a redução da massa muscular e da água corpórea e o ganho de tecido adiposo são as alterações mais comuns, ao passo que a redução do
olfato e do paladar pode empobrecer o repertório alimentar. A hipocloridria estomacal pode não alterar a absorção de medicações, porém o faz
com a absorção de ferro, folato, vitamina B12, dentre outros oligoelementos. Na avaliação geriátrica, não existe um indicador único ou
definitivo de estado nutricional; devem-se utilizar múltiplos indicadores, como peso, altura, índice de massa corpórea (22 a 27 – eutrofismo no
idoso), pregas cutâneas, circunferências, albumina e transferrina. A desnutrição é um problema muito prevalente no Brasil, inclusive entre os
idosos; estima-se que cerca de 20% daqueles em acompanhamento ambulatorial sejam desnutridos. Dentre os fatores envolvidos, estão
depressão, medicações, dificuldade na deglutição, condição socioeconômica e dentária, alterações metabólicas e neoplasias. A intervenção
nutricional a fim de corrigir a desnutrição do idoso deve levar a maior aporte energético-proteico, aumentando a densidade calórica dos
alimentos e fracionando a dieta. No lado oposto, a obesidade já não é mais um problema exclusivo de país desenvolvido. As repercussões
metabólicas já são bem conhecidas – aumento da atividade inflamatória, hormônio adrenocorticotrófico, cortisol, resistência insulínica, estado
pró-coagulante e da atividade simpática, além do fato de que tanto a obesidade central quanto a periférica têm influência negativa nas
atividades de vida diária. Quanto à saúde bucal, o idoso tem dentes com superfície oclusional aplainada, menor sensibilidade (aumento do limiar
de dor), mucosa oral seca e friável e, pela reabsorção óssea, menor suporte dentário, diminuição do paladar, xerostomia e menor quantidade de
ptialina, o que facilita a formação de placa e crescimento bacteriano.

1. Introdução
Em todas as fases da vida, a nutrição é um aspecto fundamental e um importante determinante de saúde, funções física e mental e qualidade de
vida. A composição da dieta e a quantidade de alimento consumido estão intimamente relacionadas com a função fisiológica do organismo.
Quando uma dieta inadequada é mantida, problemas sérios como desnutrição ou obesidade podem surgir, com graves consequências em termos
de saúde física e qualidade de vida.
Como vimos no capítulo sobre as alterações fisiológicas do envelhecimento, a mudança da composição corpórea afeta não somente a
farmacocinética, mas também o balanço nutricional do idoso.
A redução da massa muscular e da água corpórea e o ganho de tecido adiposo são as alterações mais comuns, ao passo que a redução do olfato e
do paladar pode empobrecer o repertório alimentar do paciente. A hipocloridria estomacal pode não alterar a absorção de medicações, porém o
faz com a absorção de ferro, folato, vitamina B12, dentre outros oligoelementos.

DICA

O idoso possui hipocloridria estomacal, o que diminui a absorção de ferro, folato e vitamina B12.

2. Avaliação nutricional
As necessidades nutricionais dos idosos são modificadas por fatores como capacidade de mastigar, absorver e utilizar nutrientes, modificações no
sistema endócrino, alterações no estado emocional e na saúde mental, bem como por doenças e estado geral de saúde e status funcional.
Não existe um indicador único ou definitivo de estado nutricional. A utilização em conjunto de vários marcadores nutricionais – dados
antropométricos, bioquímicos, dietéticos etc. – pode fornecer um panorama mais preciso do estado nutricional do indivíduo.

Tabela 1 - Medidas mais utilizadas no dia a dia


- Peso;
- Altura;
- IMC (Índice de Massa Corpórea = massa em kg dividida pelo quadrado da altura em m);
- Pregas cutâneas;
- Circunferências (braço, panturrilha, cintura, quadril);
- Porcentagem de gordura;
- Albumina (ou pré-albumina) e transferrina.

O peso do paciente deve ser aferido em toda consulta, e, embora isoladamente não seja muito útil, sua variação pode indicar complicação ou
patologia subjacente.

DICA

Convém lembrar que nenhuma medida isolada é suficiente para a avaliação nutricional do idoso.

Tabela 2 - Perda significativa de peso de acordo com o intervalo de tempo


Tempo Perda significativa Perda grave
1 semana 1 a 2% >2%

1 mês 5% >5%

6 meses 10% >10%

A altura do paciente está sujeita a interferências de técnica e de patologias. Devido à alta prevalência de cifose, escoliose, achatamento vertebral,
fraturas osteoporóticas e diminuição discal, a aferição da estatura fica prejudicada.
O cálculo do IMC também é importante para o geriatra, porém se utilizam pontos de corte diferentes dos preconizados para a população adulta.
Percebe-se que não existe diferenciação entre graus de obesidade.

Tabela 3 - Cálculo do índice de massa corpórea


Estado nutricional IMC (kg/m2)
Desnutrição <22

Eutrofia Entre 22 e 27

Obesidade >27

O ponto de corte de 22 para a desnutrição permite maior margem para intervenção em caso de desnutrição inicial, evitando, assim, formas mais
graves. O ponto de corte mais elevado (27) deve-se a maior porcentagem de gordura corpórea no idoso.
A circunferência da panturrilha é utilizada como marcador de massa muscular e se altera em estados de fragilidade ou de imobilismo. Utiliza-se fita
métrica na parte mais protuberante da panturrilha, e o valor de corte é de 31cm.
A circunferência da cintura segue o padrão utilizado para o adulto, com os mesmos valores de corte. A medida é realizada no ponto médio entre a
crista ilíaca e a última costela. Valores acima de 80cm para mulheres ou acima de 94cm para homens indicam risco cardiovascular elevado. As
dobras cutâneas (tricipital e subescapular) indicam a quantidade de tecido adiposo corpóreo.
Outro teste utilizado atualmente na avaliação nutricional é o de força de preensão palmar, realizado com um dinamômetro na mão dominante;
observa-se a melhor de 3 tentativas de força máxima de preensão manual. O resultado deve ser interpretado levando em conta a idade, o gênero e
o IMC. Como depende de muitas variáveis, não é de esperar, em concurso de Residência Médica, o conhecimento de todos os valores de corte, a
não ser, claro, que seja fornecida a tabela. Obviamente, quanto maior a força, melhor o estado nutricional, e valores baixos se relacionam com
fragilidade.
O instrumento de avaliação nutricional mais utilizado (e recomendado pela International Association of Gerontology and Geriatrics) é a
Miniavaliação Nutricional® (MAN, em sua versão reduzida), dividida em 2 partes, a primeira uma “triagem”, e a segunda, uma continuidade, aplicada
caso o paciente sofra alteração na 1ª etapa.
Tabela 4 - Miniavaliação Nutricional®
Triagem
Avaliação Pontos
Nos últimos 3 meses, houve diminuição da ingestão alimentar devida a perda de Diminuição grave 0
apetite, problemas digestivos ou dificuldade para mastigar ou deglutir?
Diminuição moderada 1

Sem diminuição 2

Avaliação Pontos
Houve perda de peso nos últimos meses? Superior a 3kg 0

Não sabe informar 1

Entre 1 e 3kg 2

Sem perda de peso 3

Mobilidade Restrito ao leito ou à cadeira de rodas 0

Deambulação, mas sem ser capaz de sair de 1


casa

Normal 2

Passou por algum estresse psicológico ou alguma doença aguda nos últimos 3 Sim 0
meses?
Não 2

Problemas neuropsicológicos Demência ou depressão graves 0

Demência leve 1

Sem problemas 0

IMC <19 0

Entre 19 e 21 1

Entre 21 e 23 2

Acima de 23 3

Escore de triagem - Máximo: 14 pontos;


- 12 ou mais: normal, sendo desnecessário continuar a
avaliação;
- 11 pontos ou menos: possibilidade de desnutrição;
continuar a avaliação.

Avaliação global
Avaliação Pontos
O paciente vive na própria casa? (não em casa geriátrica ou no hospital) Não 0

Sim 1

Utiliza mais de 3 medicamentos diferentes por dia? Sim 0

Não 11

Há lesões de pele ou escaras? Sim 0

Não 1

Quantas refeições faz ao dia? 1 refeição 0

2 refeições 11

3 refeições 22

O paciente consome: Nenhuma resposta “sim” 0


- Pelo menos 1 porção diária de leite ou de derivados?
- 2 ou mais porções semanais de legumes ou de ovos? 2 respostas “sim” 0,5
- Carne, peixe ou aves diariamente?
3 respostas “sim” 1

Avaliação Pontos
O paciente consome 2 ou mais porções diárias de frutas ou vegetais? Não 0

Sim 1

Quantos copos de líquido (água, suco, café, chá, leite) o paciente consome por dia? Menos de 3 copos 0

3 a 5 copos 0,5

Mais de 5 copos 1

Qual é o seu modo de se alimentar? Incapaz sozinho 0

Sozinho, porém com dificuldade 1

Sozinho, sem dificuldade 2

O paciente acredita ter algum problema Crença de estar desnutrido 0


nutricional?
Não sabe dizer 1

Crença de não ter problema nutricional 2

Em comparação a outras pessoas da mesma idade, como o paciente considera a Não muito boa 0
própria saúde?
Boa 1

Melhor 2

Circunferência do braço <21cm 0


Entre 21 e 22 0,5

Acima de 22 1

Circunferência da panturrilha <31cm 0

≥31cm 1

Pontuação - Entre 17 e 23,5: risco de desnutrição;


- <17: desnutrição.

Fonte: Guidoz, Y.; Vellas, B.; Garry, P.J., 1999.

Recomenda-se que o idoso seja submetido a avaliação nutricional anual. O rastreio do estado nutricional deve ser objetivo, utilizar critérios simples
e ser simples. Além disso, o tempo e o custo da avaliação devem ser levados em conta. Alguns itens podem ser fornecidos pelo próprio paciente,
enquanto outros dados podem ser coletados pela equipe multiprofissional. Qualquer alteração do rastreio do estado nutricional deve ser avaliada
mais profundamente.

A - Desnutrição
A desnutrição é um problema muito prevalente no Brasil, inclusive entre os idosos. Estima-se que cerca de 20% daqueles em acompanhamento
ambulatorial sejam desnutridos, parcela que pode chegar a 60% entre internados. A desnutrição é mais prevalente em idosos quando comparada
a jovens e tem maior impacto em desfechos desfavoráveis (perda funcional, hospitalização etc.).

Figura 1 - Hipotrofia muscular do antebraço de uma octogenária internada

As principais causas de desnutrição no idoso estão elencadas na Tabela 5.

Tabela 5 - Causas comuns


- Depressão;
- Medicação;
- Dificuldade de deglutição;
- Condição socioeconômica;
- Isolamento;
- Condição dentária;
- Forma de preparo dos alimentos;
- Problemas metabólicos;
- Neoplasias.

DIAGNÓSTICO

Sempre se devem investigar as causas da desnutrição, desde situação socioeconômica até depressão ou neoplasias.

A intervenção nutricional a fim de corrigir a desnutrição do idoso deve levar a maior aporte energético-proteico, aumentando a densidade calórica
dos alimentos e fracionando a dieta.
Na prática clínica, para aumentar a densidade calórica da refeição, utilizam-se azeites ou óleos vegetais acrescidos à alimentação habitual, bem
como carboidratos (mel, açúcar), leite em pó integral etc. É recomendado também alternar as refeições entre doces e salgados a cada 2 horas, com
volume pequeno. Lembre-se que é necessária a adaptação da consistência da dieta para estados de disfagia.
Os suplementos nutricionais também são recomendados a fim de facilitarem a oferta completa de nutrientes e oligoelementos, mas não devem ser
substitutos das refeições. Dá-se preferência a suplementos com maior densidade calórica (1,5 a 2kcal/mL), pois é necessário menor volume para o
mesmo aporte calórico. Lembrar, ainda, que essas formulações têm custo mais elevado.
A correção de distúrbios alimentares relacionados a depressão, dentição e medicação é parte imprescindível da atuação do geriatra.
Deve-se lembrar também que, em alguns momentos, a sonda nasoenteral será necessária – principalmente àqueles que saíram de internação
recente (em UTI, por exemplo). A dupla via de alimentação pode ser utilizada (pela boca e pela sonda) se não há risco de broncoaspiração, e a
estimulação pela via mais fisiológica deve ser sempre encorajada, de forma progressiva, como forma de “desmame” da sonda nasoenteral.

B - Obesidade
A obesidade já não é mais um problema exclusivo de país desenvolvido. Cada vez mais presente nos países em desenvolvimento, deve ser alvo de
atenção do profissional de saúde, a fim de prevenir doença cardiovascular.
As repercussões metabólicas da obesidade já são bem conhecidas – aumento da atividade inflamatória, hormônio adrenocorticotrófico, cortisol,
resistência insulínica, estado pró-coagulante e da atividade simpática.
No espectro da obesidade, encontra-se uma discussão muito atual a respeito da gordura visceral. Já é sabido que a obesidade atua como fator de
risco para doença cardiovascular, a principal causa de óbito na sociedade moderna. Estudos mais recentes mostram atividade metabólica mais
acentuada quanto à produção de fatores inflamatórios na gordura visceral, em contrapartida à gordura depositada no subcutâneo. A medida de
gordura visceral inclui scan tomográfico para quantificá-la, assim podemos ter um tipo de paciente de maior mortalidade em relação a outros
biótipos – o obeso sarcopênico.
Imagina-se um paciente obeso, porém de massa muscular subjacente, depositada uniformemente pelo corpo. Agora, um paciente com pouca
gordura no subcutâneo, pouca massa muscular (braços e pernas magras) e gordura depositada em grande parte no intra-abdominal. Esse é o
protótipo do obeso sarcopênico, de elevado risco cardiovascular, com grande propensão a quedas e fragilidade. Essa situação é específica e requer
acompanhamento nutricional especializado, pois há a necessidade de ganho de massa magra e perda de gordura, o que só se consegue com
recomendações dietéticas bem delimitadas.
Outra faceta da obesidade é a sua relação com a capacidade funcional. Tanto a obesidade central quanto a periférica têm influência negativa nas
atividades de vida diária e geralmente precedem o declínio funcional. Lembre-se do impacto do excesso de peso sobre a doença articular
degenerativa.
É desnecessário dizer que todas as recomendações dietéticas de cada patologia se aplicam aos idosos da mesma maneira que aos adultos. O
cuidado extra que se deve ter com as orientações nutricionais serve para que as restrições impostas não acarretem maior estreitamento do
repertório alimentar de um paciente com uma dieta já empobrecida.
Lembre-se, ainda, que a nutrição é a base da prevenção e da mudança de estilo de vida, necessária para fornecer maior qualidade de vida em todas
as idades.

3. Avaliação bucal
Será abordado um tema importante em Geriatria: a saúde e a higiene bucal. Embora seja crença da maior parte da população, a perda de dentes
não é consequência do envelhecimento. Com os cuidados de saúde bucal, um indivíduo pode mantê-los até o fim da vida. Doenças sistêmicas e
próprias da cavidade oral são os principais contribuintes para a saúde bucal.
Não se sabem exatamente as alterações normais do envelhecimento, tendo em vista a alta prevalência de desdentados (60%) e o alto índice de
doença periodontal. Com o tempo, os dentes têm sua superfície oclusional aplainada, a dentina sofre alteração que culmina com menor
sensibilidade (aumento do limiar de dor), a mucosa oral se torna mais seca e friável, mais sujeita a úlceras e traumas, e a reabsorção óssea afeta o
osso alveolar, diminuindo o suporte dentário.
Além disso, a articulação temporomandibular está mais sujeita a inflamações que podem levar a dor e limitação de movimentos mastigatórios. A
língua aumenta de tamanho (no indivíduo desdentado), o que dificulta a retenção de prótese dentária. A perda das papilas na ponta e nas bordas
laterais inicialmente contribui para a diminuição do paladar. As glândulas salivares diminuem seu fluxo, e a saliva se torna mais espessa e com
menos ptialina, o que facilita a formação de placa e crescimento bacteriano.

A - Xerostomia
A xerostomia é causada por inúmeras medicações. O mecanismo principal é a inibição parassimpática ou ativação simpática. Cerca de 375
medicações são consideradas xerostômicas, levando a problemas bucais como doença periodontal, cárie, dificuldade de mastigação e deglutição.
Outros estados relacionados são desnutrição, desidratação, ansiedade, depressão e neuropatias.

Tabela 6 - Medicações mais comuns


- Hidroclorotiazida;
- Atropina;
- Escopolamina;
- Clonidina;
- Carbamazepina;
- Difenidramina;
- Clorpromazina;
- Amitriptilina.

B - Prevenção e tratamento
A prevenção deve ser realizada em toda a população e em todas as faixas etárias, com início logo na infância. Além disso, está diretamente
relacionada com a capacidade cognitiva e funcional no idoso, pois é fácil de compreender como um idoso demenciado e/ou com dificuldade para
realizar suas atividades de vida diária negligencia ou mesmo realiza sua higiene oral de maneira inadequada. O estímulo à higiene oral diária, hábitos
de vida saudáveis e evitar tabagismo e álcool são a base da prevenção.
A falta de ações preventivas no Brasil faz que cerca de 75% dos nossos idosos sejam desdentados, segundo dados do IBGE. Mesmo um paciente
desdentado e que use prótese total (dentaduras) deve fazer acompanhamento odontológico. Os ossos maxilares e mandibulares sofrem
reabsorção, e as dentaduras podem estar frouxas e provocar lesões (úlceras, candidíase etc.), disfagia, diminuir eficiência mastigatória e, por
conseguinte, causar desnutrição. A prótese inferior é a mais sujeita a lesões e causa maior desconforto ao idoso.
O impacto de uma saúde bucal precária não acontece apenas no aspecto biológico, levando a sintomas desagradáveis. A preocupação do geriatra é
com o prejuízo social causado pela endentação, pela halitose e pela má higiene oral. Além de levar a adaptação alimentar, restringindo cardápio e
consistência de alimentos, uma mastigação ineficiente faz com que o paciente se isole, evite eventos sociais, tendo um declínio evidente na
qualidade de vida.A realização de implantes dentários tem boa evidência em melhora de qualidade de vida e nutrição em idosos, entretanto seu
custo é elevado.

PERGUNTA
2013 - MEDCEL
1. Um paciente de 82 anos procura o consultório para avaliação geriátrica e apresenta, como queixa, apenas fraqueza nas
pernas. Tem antecedentes de doença de Parkinson, hipertensão e divertículos colônicos (teve internação recente por
sangramento intestinal, em que realizou colonoscopia e foi realizado o diagnóstico). Faz uso regular de losartana e
levodopa + benserazida. À avaliação, você detectou tremor e rigidez discretos, hipomimia facial, dermatite seborreica, força
muscular preservada globalmente, sem edema de varizes ou alterações de pulso dos membros inferiores. PA =
128x70mmHg, FC = 70bpm, altura = 1,60m e peso = 55kg. Tinha dentaduras superior e inferior largas e, quando
questionado, referiu dificuldade para mastigar. Sobre o aspecto nutricional, assinale a alternativa incorreta:
a) o paciente é eutrófico
b) a presença de próteses dentárias mal adaptadas traz risco nutricional, uma vez que o paciente faz restrição de cardápio pela dificuldade de
mastigar
c) o paciente pode ter disfagia neurogênica pela doença de Parkinson e merece avaliação fonoaudiológica
d) a realização de colonoscopia em idoso traz prejuízo nutricional pelo tempo de jejum e preparo de cólon
e) circunferência de panturrilha é um bom parâmetro para acompanhamento de massa magra neste paciente

Resposta no final do capítulo

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Medidas mais utilizadas para a avaliação nutricional
- Peso, altura e IMC;
- Pregas cutâneas;
- Circunferências (braço, panturrilha, cintura, quadril):
· Circunferência da panturrilha: valor de corte – 31cm;
· Circunferência da cintura: mulheres >80cm e homens >94cm (risco cardiovascular elevado);
· Dobras cutâneas (tricipital e subescapular) indicam a quantidade de tecido adiposo corpóreo.
- Instrumento de avaliação nutricional mais utilizado: MAN.

Desnutrição
- Correção da desnutrição: ↑ densidade calórica dos alimentos e fracionamento da dieta;
- Correção de distúrbios alimentares relacionados a depressão, dentição e medicação;
- A nutrição enteral deve ser considerada no contexto agudo (hospitalar) como forma de evitar maiores perdas nutricionais.

Obesidade
- Aumento do risco cardiovascular;
- Necessidade de ganho de massa magra e perda de gordura;
- Influência negativa nas atividades de vida diária, geralmente precedendo o declínio funcional.

Avaliação bucal
- Dentes: superfície oclusional aplainada, dentina com menor sensibilidade (aumento do limiar de dor);
- Mucosa oral: mais seca, friável e sujeita a úlceras e traumas;
- Articulação temporomandibular: sujeita a inflamações que podem levar a dor e limitação de movimentos mastigatórios;
- Língua: ↑ tamanho (indivíduo desdentado), dificultando a retenção de prótese dentária;
- Glândulas salivares: ↓ fluxo e saliva mais espessa e com menos ptialina, o que facilita a formação de placa e o crescimento bacteriano.

Xerostomia
- Diversos medicamentos (hidroclorotiazida, atropina, clorpromazina, amitriptilina) que levam a problemas bucais:
· Doença periodontal;
· Cárie;
· Dificuldade de mastigação/deglutição.
- Outros estados relacionados:
· Desnutrição;
· Desidratação;
· Ansiedade;
· Depressão;
· Neuropatias.

Prevenção
- Higiene oral diária;
- Hábitos de vida saudáveis;
- Evitar tabagismo/álcool.

Tratamento
- Visitas regulares ao dentista;
- Próteses;
- Implantodontia.

Resposta da questão do capítulo


1. A
12
Imobilismo
César Augusto Guerra

O imobilismo é definido como restrição ou limitação do movimento para desempenhar atividades de vida diária, culminando em incapacidade
ou fragilidade. Quando um paciente se torna acamado, sofre de imobilismo, e seu organismo começa a padecer de um processo de
degeneração que afeta todos os sistemas. Para que haja diagnóstico, o paciente deve apresentar 1 critério maior (déficit cognitivo moderado a
grave, contraturas ou úlcera por pressão), somado a 2 menores (disfagia, incontinência ou afasia), ou 2 maiores apenas. O repouso prolongado
resulta em catabolismo, levando a sarcopenia; o paciente acamado perde de 10 a 15% de força muscular por semana, com alguns grupos
musculares sofrendo perdas mais rápidas, como quadríceps, flexores da coluna e plantares (músculos antigravitacionais). O tecido conectivo
articular rapidamente desenvolve aumento no número de ligações cruzadas, que afetam progressivamente a movimentação entre as interfaces
articulares, sendo locais mais acometidos flexores do quadril, joelho, cotovelo, punho e dedos, bem como rotadores de quadril e ombros. As
lesões cutâneas mais comuns do imobilismo são as dermatites – de dobras de pele e amoniacal (fraldas) – e as úlceras por pressão, que se
iniciam após 2 horas de pressão superior a 32mmHg sobre uma área da pele. Outras alterações orgânicas são falta de apetite e constipação,
agitação, irritabilidade, desorientação temporoespacial, além de diminuição em até 50% da capacidade respiratória máxima, a capacidade vital e
o volume-minuto.

1. Introdução
Imobilismo, ou imobilidade, é um fim comum a muitos idosos, resultante da interação do envelhecimento do sistema orgânico com as
comorbidades apresentadas. É definida como restrição ou limitação do movimento para desempenhar as atividades de vida diária, culminando em
incapacidade ou fragilidade.
A mobilidade de um paciente (e a sua independência para as atividades de vida diária) depende da interação de diversos fatores. Podemos citar,
como exemplos, a integridade do sistema sensorial – visão, tato, propriocepção, audição etc.; habilidade motora, coordenação, condicionamento
físico, reserva funcional e cognição. Há também fatores externos e ambientais que se tornam mais importantes quanto maiores os déficits
apresentados pelo paciente.

DICA

Imobilidade é restrição ou limitação do movimento para desempenhar atividades de vida diária, culminando em incapacidade ou fragilidade.

Quando um paciente se torna acamado, sofre de imobilismo, e seu organismo começa a padecer de um processo de degeneração que afeta todos
os sistemas, correspondendo a uma situação clínica completamente diferente do processo original que a ocasionou.

Tabela 1 - Principais determinantes


- Disfunção osteoarticular;
- Disfunção cardiovascular;
- Disfunção neuromuscular;
- Tratamentos ortopédicos (gesso, órteses, próteses);
- Repouso prolongado no leito;
- Permanência prolongada na mesma posição (antálgica ou vício de postura);
- Iatrogenia medicamentosa (neurolépticos, ansiolíticos, hipnóticos etc.);
- Déficit sensorial (cegueira, surdez).
2. Definição
Primeiramente, não podemos dizer que todo paciente confinado ao leito tenha síndrome do imobilismo. Apenas os acamados em longa duração
podem ser classificados como tal.
A presença de 1 critério maior e 2 menores (ou 2 maiores) define imobilismo.

Tabela 2 - Critérios para definição


Maiores - Déficit cognitivo moderado a grave;
- Contraturas;
- Úlcera por pressão.
Menores - Disfagia;
- Incontinência (fecal ou urinária);
- Afasia.

DIAGNÓSTICO

Para ser diagnosticado com síndrome do imobilismo, o paciente deve apresentar 1 critério maior (déficit cognitivo moderado a grave,
contraturas ou úlcera por pressão), somado a 2 menores (disfagia, incontinência ou afasia), ou 2 maiores apenas.

3. Consequências
O paciente que sofre de imobilismo está num estado de fragilidade e vulnerabilidade muito elevado. A taxa de mortalidade chega a 50% ao ano,
porém os dados são discrepantes, visto que há heterogeneidade na literatura mundial a respeito do tema. Sabe-se que a causa mortis é quase
sempre devida a falência orgânica múltipla, porém, por vezes, encontram-se causas específicas, como pneumonia, tromboembolismo pulmonar e
sepse, as mais comuns.

A - Musculoesquelético
Sabemos que o repouso prolongado resulta em catabolismo, com balanço de nitrogênio negativo (também de cálcio, fósforo, dentre outros
eletrólitos), levando a hipoproteinemia. A taxa de perda aumenta a partir do 5º e do 6º dia de imobilização e atinge o máximo a partir da 2ª semana.
A perda de massa muscular já é conhecida como alteração decorrente do envelhecimento. A sarcopenia é tão importante que um indivíduo de 90
anos tem aproximadamente metade da massa muscular da sua juventude. Essa diminuição é causa de comprometimento no desempenho físico e
afeta diretamente a independência e a qualidade de vida.
Um paciente acamado perde de 10 a 15% de força muscular por semana. Em 5 semanas já terá perdido metade de sua força muscular. Alguns
grupos musculares sofrem perdas mais rápidas, como quadríceps, flexores da coluna e plantares (músculos antigravitacionais).
Da mesma maneira que há perda muscular, a massa óssea sofre alterações graves, pois o processo de formação óssea depende de forças de tração
e distração (gravitacionais ou musculares), logo há diminuição de atividade osteoblástica, reabsorção óssea e hipercalcemia, levando a perda de
cálcio. Há descrição, em estudos, de perda de 45% de massa óssea no calcâneo (osso de sustentação) após 30 semanas de imobilidade. As
vértebras perdem 1% por semana, o que aumenta a chance de fraturas.
O tecido conectivo articular rapidamente desenvolve aumento no número de ligações cruzadas, que afetam progressivamente a movimentação
entre as interfaces articulares. A formação de contratura é muito comum no imobilismo e tem grande impacto sobre o desempenho funcional. Os
locais mais comuns de contraturas são os flexores do quadril, joelho, cotovelo, punho e dedos, bem como rotadores de quadril e ombros.

DICA

Os principais grupos musculares afetados pelo imobilismo são quadríceps, flexores da coluna e plantares; já as articulações são quadril, joelho,
cotovelo, punho e dedos.
B - Pele
As alterações do líquido extracelular afetam a resistência do tecido subcutâneo e da derme. A pele perde elasticidade e resistência à tração e ao
cisalhamento, com diminuição da vasculatura. As lesões cutâneas mais comuns do imobilismo são as dermatites – de dobras de pele e amoniacal
(fraldas) – e as úlceras por pressão.
Há muito o que falar sobre as úlceras por pressão (também chamadas “escaras”), sua patogenia, classificação e tratamento. Porém, resumiremos
aqui alguns aspectos mais importantes.
Trata-se de uma lesão aberta de pele em resposta à compressão tecidual, de início após 2 horas de pressão superior a 32mmHg sobre uma área da
pele. Sua fase inicial caracteriza-se apenas pela presença de hiperemia fixa, porém, se o fator desencadeante não for corrigido, poderá chegar a
lesão necrótica de planos profundos (com exposição óssea).
Figura 1 - Estágios de úlcera por pressão: (1) eritema persistente e pele intacta, conhecido também como “pré-úlcera”; (2): perda parcial da pele.
Úlcera superficial, que se apresenta como abrasão, bolha ou ferida superficial; (3) perda total da pele, com lesão ou necrose do subcutâneo, e (4)
perda total da pele com extensa destruição, necrose do tecido ou lesão em músculo, ossos ou estruturas de sustentação

Os locais mais comuns são as proeminências ósseas como sacro, calcâneo, occipício, cotovelos e joelhos. O tratamento é complexo e depende de
vários fatores: presença ou não de exsudato, infecção, grau da úlcera, tamanho, local etc. As recomendações universais são a mudança de posição
(decúbito) a cada 2 horas e a hidratação da pele íntegra como medidas profiláticas. O trabalho da equipe multiprofissional nesse momento é de
suma importância, tendo em vista a relevância das orientações de enfermagem quanto aos cuidados com posição, pele e curativos.

DICA

Os locais mais comuns das úlceras de pressão são proeminências ósseas do sacro, calcâneo, occipício, cotovelos e joelhos.

C - Gastrintestinal
A falta de apetite e a constipação são características do imobilismo. A inapetência decorre de inatividade, trânsito intestinal lento e metabolismo
basal diminuído. A impactação fecal é possível, com frequente desidratação.

D - Sistema nervoso
Há agitação, irritabilidade, desorientação temporoespacial, diminuição de concentração, depressão ou ansiedade. Todos são sintomas mais
habituais entre pacientes com imobilismo.

E - Respiratório
A capacidade respiratória máxima, a capacidade vital e o volume-minuto podem sofrer redução de até 50%. A movimentação diafragmática e da
musculatura intercostal está diminuída, com ventilação alveolar prejudicada. O clearance mucociliar e a tosse tornam-se ineficazes. Por todos esses
motivos, a broncopneumonia é uma complicação muito frequente e grande causa de internação e óbito.
O imobilismo impõe à equipe médica e multidisciplinar uma série de ações preventivas e de reabilitação, bem como de adaptação de ambiente.
Avaliar corretamente e manter a funcionalidade preservada do paciente com imobilismo devem ser as metas para a equipe, e a adequação dos
cuidados, tanto hospitalar quanto domiciliar.
Dado o mau prognóstico do quadro de imobilismo, não é raro o paciente falecer sob os cuidados durante esse quadro. O suporte deve sempre
visar à qualidade de vida e à manutenção da independência (ainda que pouca). Não se deve esquecer o papel de suporte emocional e espiritual ao
familiar, pois o sofrimento se estende a quem cuida.

PERGUNTA
2013 - SANTA CASA-SP
1. Assinale a alternativa correta para a síndrome da imobilidade do idoso:
a) considera-se imobilidade a restrição do idoso ao leito por mais de 30 dias
b) a 1ª modificação notada é o comprometimento cutâneo e/ou a úlcera de decúbito
c) em 4 semanas de restrição ao leito, o idoso pode perder até 50% de seu nível inicial de força muscular
d) o diagnóstico inicial é feito pela eletromiografia
e) a principal causa de morte é a embolia pulmonar

Resposta no final do capítulo

4. Conclusão
O imobilismo tem uma intensa carga de sofrimento físico e emocional para pacientes e familiares. Trata-se de uma fase de degradação extrema da
qualidade de vida, com mau prognóstico, que constitui um caminho sem volta, e, para o paciente, a limitação de medidas terapêuticas avançadas
constitui um ato de respeito. Diante desse quadro, não se justifica manter a qualquer custo a vida e o sofrimento; trata-se de um caso para
aplicação de todos os preceitos de cuidados paliativos. O paciente com imobilismo deve ter suas diretivas antecipadas de vontade registradas em
prontuário – veja mais no capítulo sobre Cuidados Paliativos.
Tratamento de sintomas, aquecimento, posicionamento no leito, higiene, carinho e presença constante da família são as medidas essenciais. Não
se deve isolar o paciente em uma UTI (fria, distante e desumana), e, da mesma maneira, intubação, reanimação, hemodiálise ou procedimentos
cirúrgicos são medidas fúteis que só prolongam o sofrimento de todos os envolvidos.

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Principais determinantes
- Disfunção osteoarticular;
- Disfunção cardiovascular;
- Disfunção neuromuscular;
- Tratamentos ortopédicos (gesso, órteses, próteses);
- Repouso prolongado no leito;
- Permanência prolongada na mesma posição (antálgica ou vício de postura).

Critérios diagnósticos
Maiores - Déficit cognitivo moderado a grave;
- Contraturas;
- Úlcera de pressão.
Menores - Disfagia;
- Incontinência fecal ou urinária;
- Afasia.

Consequências
Musculoesquelético - ↓ massa muscular;
- ↓ atividade osteoblástica, reabsorção óssea e hipercalcemia, que causam a perda de cálcio;
- Contraturas frequentes em flexores do quadril, joelho, cotovelo, punho e dedos, bem como rotadores de quadril e
ombros.
Pele - Perda da elasticidade e resistência à tração e ao cisalhamento;
- Lesões cutâneas mais comuns: dermatites e úlceras por pressão.
Trato - Falta de apetite;
gastrintestinal
- Constipação.
Sistema nervoso - Agitação;
- Irritabilidade;
- Desorientação temporoespacial;
- Diminuição da concentração;
- Depressão;
- Ansiedade.
Sistema - ↓ capacidade respiratória máxima, capacidade vital;
respiratório
- ↓ movimentação diafragmática e de musculatura intercostal;
- Clearance mucociliar e tosse ineficazes;
- Complicação frequente: broncopneumonia.
- Fase terminal de doenças, com mau prognóstico, independente de causa;
- Necessidade de aplicação dos preceitos de cuidados paliativos;
- Definição de diretivas antecipadas de vontade;
- Suporte a família e respeito ao paciente devem guiar as decisões nessa fase.

Resposta da questão do capítulo


1. C
13
Violência e maus-tratos contra os idosos
César Augusto Guerra

A violência contra o idoso pode ser de caráter físico, psicológico, financeiro, sexual ou na forma de negligência. A maioria dos casos ocorre no
contexto familiar, praticado por membro da família ou do círculo de cuidados. O idoso muitas vezes se omite ou é incapaz de identificar ou
denunciar a violência, por limitação cognitiva ou física. As características mais comuns da vítima são: sexo feminino, saúde debilitada, idade
avançada, dependência funcional, comportamentos inadequados e contexto de problemas financeiros ou desarmonia familiar. O agressor tem,
como características, geralmente, uso de substâncias, doença mental prévia, sobrecarga de cuidados e falta de experiência. Deve-se suspeitar de
violência ou negligência em casos em que há lesões corpóreas em estágios diferentes de evolução, estado nutricional ou de higiene precário,
faltas em consulta médicas, retraimento ou sangramento anal ou vaginal não explicados. Os casos suspeitos e confirmados devem ser
notificados aos órgãos públicos competentes (Polícia, Ministério Público, Conselho Municipal ou Estadual do Idoso).

1. Conceito e definições
A violência contra o idoso é definida por um único ato ou repetidos atos ou intenção de ato ou a ausência de ação apropriada que cause
sofrimento ou dano a uma pessoa mais velha (acima de 60 anos), dentro de um relacionamento no qual haja relação de confiança. Todo tipo de
violência doméstica tem repercussão no ambiente familiar, mesmo que apenas uma fração desse grupo seja vitimada.
A forma como os maus-tratos e a violência contra os idosos são percebidos varia entre culturas e sociedades. São considerados tipos de abuso:
- Físico: realizado com movimento de força e que cause alguma injúria, dor, limitação funcional ou morte. Exemplos: bater, atirar, arremessar,
apertar, chacoalhar, queimar etc.;
- Psicológico ou emocional: agressões verbais ou não verbais que gerem angústia, ansiedade, medo. Exemplos: humilhar, insultar, ameaçar,
isolar, limitar acesso ou comunicação;
- Financeiro ou material: usar inapropriadamente ou sem consentimento os recursos financeiros do idoso, acarretando benefício unilateral
que não seja o deste. Exemplos: realizar falsificações, usar indevidamente ou roubar dinheiro ou bens; usar de coerção ou engano a entregar
finanças ou propriedade; ou usar indevidamente tutela ou procuração;
- Sexual: para alguns autores, faz parte da agressão física, mas pode ser considerado um tipo de abuso separado e inclui interação sexual
forçada ou indesejada (atos tocantes ou não) de qualquer tipo;
- Negligência: falha, por um cuidador ou outra pessoa responsável, em proteger do dano, ou a incapacidade de atender às necessidades de
cuidados essenciais (médico, nutrição, hidratação, higiene, vestuário, atividades básicas da vida diária ou abrigo). Exemplos: não fornecer
nutrição adequada, higiene, vestuário, abrigo ou acesso a cuidados de saúde necessários; ou ser incapaz de evitar exposição a atividades ou
ambientes inseguros.
Existem variações entre as definições e os conceitos, e outros tipos de violência também são cometidos, como a violação dos direitos individuais ou
constitucionais e abandono (ausência ou deserção por parte dos responsáveis). Existe também a autonegligência, considerada quando a pessoa
idosa ameaça a própria vida, saúde ou segurança, com recusa ou fracasso de prover a si mesma um cuidado adequado; por exemplo, quando o
filho insiste em ajudar, mas o idoso não quer sair de casa e não aceita ajuda.

2. Estimativas
A violência à pessoa idosa ocorre, na sua grande maioria, no contexto familiar, praticada por um membro da família. Muitas vezes, em defesa do
agressor (filho, filha, neto, neta...), o idoso se cala ou se omite. É muito difícil penetrar na intimidade da família. Se, para mulheres em situação de
violência, em muitas situações, é difícil denunciar o marido agressor, para as pessoas idosas a dificuldade acentua-se muito mais em denunciar ou
declarar que seus filhos são os agressores. Muitas pessoas idosas se culpam pela violência sofrida. Além disso, os idosos podem sofrer limitação
funcional e/ou cognitiva que impeça ou dificulte a denúncia, e na maioria dos casos a pequena rede social que o envolve é incapaz de identificar a
violência.

DICA

Muitas vezes o idoso é incapaz de identificar ou denunciar a violência.


Mesmo quando o idoso ou alguém decide denunciar, essa informação pode ser contabilizada por meio de notificação, ocorrência policial, estudos
de demanda em universidades etc., o que gera precária notificação.

Tabela 1 - Características indicativas de risco de violência


Vítima Sexo feminino, casado, saúde debilitada, idade avançada, coabitação, comportamentos inadequados, perda funcional e
isolamento social

Contexto Problemas financeiros, violência familiar, falta de apoio social, desarmonia familiar
social

Agressores Uso abusivo de substâncias, doença mental prévia, falta de experiência, história prévia de abuso, sobrecarga nos cuidados

Alguns artigos citam que os homens delatam mais a agressão psicológica ou financeira e que são os que apresentam maior taxa de mortalidade
por agressão. Em quase 90% dos casos, o agressor é um membro da família, sobretudo esposo(a) ou filho(a). Profissionais de instituições de longa
permanência também são acusados comumente como agressores, sobretudo agressões psicológicas, como gritos. Nos pacientes com demência,
pode ocorrer agressão mútua.

3. Políticas públicas
Existem no Brasil dispositivos legais de amparo à pessoa idosa, dentre os quais os presentes na Constituição Federal. Estes acabaram constituindo
diretrizes para a criação da Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e cria o Conselho Nacional do Idoso,
além do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741), criado em 1º outubro de 2003 (BRASIL, 2002) (BRASIL, 1994) (BRASIL, 2003).
A Constituição Federal, a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso referenciam o núcleo familiar como o principal responsável pelo bem-
estar do idoso. A implementação do último contribuiu para que a questão dos maus-tratos passasse a contar com um instrumento legal, com
previsão de pena caso não seja respeitado.
A efetiva implantação da Política Nacional do Idoso, por meio da criação de serviços e programas que possam dar maior suporte à família brasileira
para cuidar dos idosos em seus lares, como a criação de instituições intermediárias de cuidado, como centros-dia ou programas intergeracionais,
pode ser uma das alternativas para conter a violência dentro da família e diminuir os índices de negligência e abandono.

IMPORTANTE

As políticas públicas visam dar suporte às famílias, para reduzir a ocorrência de violência ou maus-tratos ao idoso.

Embora o idoso seja “protegido” pela Constituição, que reza que “os filhos maiores tenham o dever de ajudar e amparar os seus pais na velhice”, a
família brasileira nem sempre tem condições de arcar com essa responsabilidade. Ressaltem-se o contexto de altas taxas de desemprego e
separações conjugais, a expressiva participação da mulher no mercado de trabalho, o que a torna sem condições econômicas, físicas e emocionais
para cuidar de seus idosos, e escassez de formas de auxílio.

A - Teorias causais
- Teoria situacional: identifica um ambiente propício ao abuso a partir de um cuidador sobrecarregado que não consegue cumprir todas as
necessidades do idoso;
- Teoria de trocas: tem correlação com a interdependência de muitos anos entre o agressor e o idoso;
- Teoria do aprendizado: sugere que a violência social esteja interconectada com a violência doméstica;
- Teoria econômico-política: relata a perda de papel do idoso na sociedade;
- Teoria da psicopatologia do cuidador: examina o estado mental prévio do cuidador.

B - Avaliação
Suspeitar em casos de:
- Múltiplas lesões e estágios diferentes de evolução e quando não puderem explicar com exatidão como ocorreram;
- Estado nutricional precário;
- Más condições de saúde e higiene;
- Faltas constantes nas consultas médicas;
- Retraimento;
- Queixas de sangramento vaginal ou anal inexplicáveis.
É importante tentar estabelecer uma relação de confiança, realizar entrevista em local reservado, entrevistar acompanhante e paciente
separadamente (se possível). Evitar perguntas provocadoras ou acusadoras.

C - Intervenção
A implementação do estatuto requer que os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra os idosos sejam comunicados aos órgãos
competentes, como autoridades policiais, Ministérios Públicos ou Conselhos Estaduais e Municipais do Idoso, em que a equipe de saúde e serviço
social tem um papel importante.

IMPORTANTE

Casos suspeitos e confirmados devem ser comunicados aos órgãos públicos (Polícia, Ministério Público, Conselhos Municipais ou Estaduais do
Idoso).

RESUMO
QUADRO-RESUMO
Maus-tratos e negligência ao idoso
Tipos - Físico;

- Mental;

- Sexual;

- Financeiro;

- Negligência.

Características do agressor - Da família ou do círculo de cuidado;

- Sobrecarga de cuidado;

- Uso de substâncias;

- Doença mental prévia;

- Falta de experiência;

- História prévia de abuso.

Característica do agredido - Mulher;

- Saúde debilitada;

- Dependência funcional;

- Coabitação;

- Alteração comportamental;
- Idade avançada;

- Contexto social de problemas financeiros;

- Desarmonia familiar.

Suspeitar quando - Múltiplas lesões em estágios diferentes de evolução;

- Mau estado nutricional e de higiene;

- Falta em consultas médicas;

- Retraimento;

- Sangramento anal ou vaginal inexplicáveis.

Notificar - Casos suspeitos ou confirmados;

- Polícia;

- Ministério Público;

- Conselhos Municipais ou Estaduais do idoso.


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Cuidados paliativos
César Augusto Guerra

Há um momento, na progressão de uma doença, em que, mesmo dispondo de todos os tratamentos e recursos disponíveis, a cura se torna
impossível, e o processo de morte, inevitável. Neste momento, o cuidado paliativo entra como “abordagem que promove qualidade de vida a
pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio de sofrimento, o que
requer a identificação precoce, a avaliação e o tratamento impecável da dor e de outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual”.
Alguns preceitos do cuidado paliativo são promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis, afirmar a vida e considerar a morte um
processo normal, não acelerar nem adiar a morte, integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado, oferecer um sistema de suporte
que possibilite viver tão ativamente quanto possível até o momento da morte e oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante
a doença e o luto. O cuidado paliativo é um ramo da Medicina em íntimo contato com aspectos éticos e legais, não somente no Brasil, mas no
mundo todo; isso porque trata de um dos limites da vida, a morte. Os princípios da Bioética são autonomia, beneficência, não maleficência e
justiça. Dentro desses princípios, estão os termos eutanásia (ato ou omissão que levam deliberadamente à morte, como forma de aliviar
definitivamente o sofrimento do indivíduo), distanásia (utilização de meios inadequados à condição do paciente com o objetivo de prolongar
artificialmente a vida e o processo de morte) e ortotanásia (processo de morte no tempo certo, sem prolongamento indevido, nem
encurtamento, sendo prática dos cuidados paliativos). Sobre a realização do desejo do paciente, as diretivas antecipadas visam respeitar a
autonomia e a dignidade do paciente em caso de doença incurável, a respeito da realização ou não de procedimentos ou terapêuticas que
prolonguem futilmente a sua vida. No Brasil, não são necessários documentos específicos nem assinatura de paciente ou testemunha para o
registro das diretivas antecipadas. O relato detalhado em prontuário médico é documento suficiente para esse fim. Um aspecto comum aos
portadores de doenças crônicas na fase terminal é o desenvolvimento dos 3 “Fs”: Fragilidade, declínio Funcional e Falência orgânica. Para avaliar
tal declínio funcional, utilizam-se escalas como Karnofsky ou PPS (Palliative Performance Scale). Com a evolução da doença, a fragilidade e a
fase terminal se aproximando, outros problemas começam a surgir, como dificuldades para garantir uma via de administração de medicação,
sendo o acesso subcutâneo a via de escolha na aplicação de medicação, hidratação e mesmo fornecimento de glicose. Os locais mais adequados
são a parede abdominal (bilateral), a face anterior do tórax (bilateral), as faces anterolaterais das coxas e as regiões dos deltoides e escapular
(bilateral). A dor é definida como “experiência sensitiva e emocional desagradável, ligada ao dano real ou potencial dos tecidos, ou descrita em
termos de tais lesões”. Para o tratamento dela, a escada analgésica (Organização Mundial da Saúde) preconiza o uso de drogas adjuvantes em
todos os degraus, e os suportes emocional e familiar e a comunicação formam a base do tratamento. Dispneia, certamente, é um sintoma
muito comum em cuidados paliativos, e sua presença deve ser pesquisada sempre. Seu tratamento baseia-se no uso de opioides, como
codeína, na dose de 30mg, a cada 6 horas, ou morfina em dispneia grave, na dose inicial de 5mg, a cada 4 horas, titulada de acordo com a
necessidade. Tosse também é um sintoma frequente entre pacientes com câncer avançado e pode interferir na respiração e no sono e, por
vezes, dificultar a fala. O tratamento baseia-se na inalação de anestésicos, como xilocaína 5mL a 2% a cada 6 horas ou bupivacaína 5mL a 0,25%,
a cada 8 horas. A hipersecretividade da via aérea é comum na terminalidade, e seu tratamento também é indicado, com hioscina 10mg, a cada 4
ou 6 horas, ou colírio de atropina na cavidade oral (2 gotas a cada 6 ou 12 horas). Outros sintomas presentes nessa fase são náuseas, vômitos,
constipação ou diarreia e fadiga.

“Curar quando possível,


aliviar quando a cura não for possível e
consolar quando não houver mais nada a fazer”.
Hipócrates

1. Introdução
Vivemos uma era de progresso tecnológico intenso. Feitos inimagináveis há 2 séculos hoje são realidade em nossas vidas sem sequer nos darmos
conta disso.
A Medicina claramente sofreu transformações, desde conhecimentos sobre a fisiopatologia das doenças até tratamentos como próteses,
membros artificiais e corações mecânicos. Esse avanço não se deu somente em equipamentos ou medicações, profundas transformações também
ocorreram nos âmbitos social e ético.
A sociedade moderna passa por uma transformação em sua estrutura etária. Como vimos, o envelhecimento da população já é realidade nos
países desenvolvidos, e a tendência, para as próximas décadas, é ocorrer o mesmo processo nos países em desenvolvimento e em ritmo mais
acelerado.
O envelhecimento populacional traz consigo uma característica intrínseca de perfil de doenças. As parcelas mais velhas da população são
acometidas por doenças crônicas não transmissíveis, e dentre elas podemos incluir o câncer. O perfil de mortalidade, que prevalece com doenças
cardiovasculares, tende a sofrer alteração para maior parcela de câncer e outras doenças terminais como causas de óbito.
Seguindo a evolução tecnológica e a maior disponibilidade de tratamentos e meios diagnósticos, o cuidado da saúde no fim da vida tornou-se cada
vez mais caro e complexo, sem levar em conta o desconforto e o sofrimento que tal cuidado pode trazer ao paciente.
Há um momento, na progressão de uma doença, em que, mesmo dispondo de todos os tratamentos e recursos disponíveis, a cura se torna
impossível, e o processo de morte, inevitável. A terapêutica torna-se fútil, e a morte não é mais vista como inimiga, mas sim como um desfecho
natural, como continuidade do curso da vida.
A percepção da terminalidade de uma doença traz o alívio do sofrimento como norte do cuidado ao paciente. O reconhecimento desse axioma é o
cerne da filosofia, da ciência e da prática do cuidado paliativo.

2. Histórico
O vocábulo “paliativo” tem origem etimológica em palio = manto, algo que cobre, protege, enleva, alivia, defende. Historicamente, percebem-se
maneiras diferentes de encarar a morte, de acordo com épocas da humanidade e da sociedade ocidental. Philippe Ariès citou 4 períodos de
mudança do momento da morte.
Inicialmente, nos primórdios da Idade Média, havia um sentimento de familiaridade com a morte (o doente a tinha como certa, e sua família
encontrava-se ao seu redor no momento final). Já no período da Baixa Idade Média, a morte começou a tomar um enlevo mais obscuro, mais
sombrio, passando a ser retratada nas obras de arte como dramática, o momento do Juízo Final. A partir do século XVIII, as cerimônias de
sepultamento e as manifestações de luto exageradas a transformaram em motivo de transtorno. E a partir do século XIX, devido às guerras, a
morte passou a ser encarada como a interrupção da vida, algo vergonhoso. Passou a ocorrer nos hospitais, longe da família, sob um pacto de
silêncio (não se falava ao moribundo sobre a proximidade do fim da vida, e este deixou de presidir sua cerimônia ritualística).
Hospice (hospedaria) é o termo que se confundia com cuidado paliativo, porém, pela dificuldade de tradução para alguns idiomas, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) passou a adotar o termo cuidados paliativos para o conjunto de cuidados que oferecem alívio da dor e do sofrimento
para pacientes terminais.
Em 1990, a 1ª publicação da OMS definiu cuidado paliativo como “cuidado ativo e total para pacientes cuja doença não é responsiva a tratamento
de cura. O controle da dor, de outros sintomas e de problemas psicossociais e espirituais é primordial. O objetivo do cuidado paliativo é
proporcionar a melhor qualidade de vida possível para pacientes e familiares”. Em 2002, essa definição foi modificada e é a aceita atualmente no
mundo:
“Cuidado paliativo é a abordagem que promove qualidade de vida a pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da
vida, por meio da prevenção e do alívio de sofrimento, o que requer a identificação precoce, a avaliação e o tratamento impecável da dor e de
outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.”

3. Princípios
A paliação não se baseia em guidelines ou em fluxogramas de tratamento, mas sim em princípios, na ética e no respeito. Os conhecimentos
utilizados na prática paliativista provêm de todas as especialidades médicas, e as intervenções podem ser diversas, como veremos mais adiante,
sempre se embasando nestes princípios:

A - Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis


Compreende a avaliação sistemática dos sintomas e das causas do sofrimento, o uso de medidas farmacológicas e não farmacológicas e
abordagens psicossocial e espiritual para atenuar o sofrimento.

B - Afirmar a vida e considerar a morte um processo normal


O médico aprende, durante toda a sua formação, a utilizar-se de meios para manter a vida do paciente a qualquer custo, podendo incorrer, dessa
maneira, em prolongamento de sofrimento e da morte que é inevitável. Pouco ou nada se ensina aos médicos sobre como lidar com a
terminalidade, assim o cuidado paliativo permite a percepção da morte como processo natural e ensina a promover qualidade à vida.

C - Não acelerar nem adiar a morte


Como veremos mais adiante, o estudante pode confundir-se com os termos eutanásia, distanásia e ortotanásia. O cuidado paliativo não visa à
eutanásia, como alguns imaginam. Por meio de um diagnóstico bem realizado e embasado, com o conhecimento do prognóstico a partir da história
natural da doença, pode-se interferir menos no processo de morte, não prolongando nem encurtando o sofrimento do paciente.

D - Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado


Outros pontos em que o médico não recebe treinamento adequado são as abordagens psicológica e espiritual do cuidado ao paciente. O processo
de morte traz muitas reflexões e um grau de grande introspecção à maioria. Aliada a isso, a perda de funcionalidade e de autonomia traz
sentimentos de desespero, angústia e depressão. A dicotomia entre corpo e alma começa a se desfazer e traz a percepção de unidade dessas 2
entidades, fazendo com que o ser humano se conecte a essa dimensão transcendente, divina e espiritual. É claro que deve haver respeito à
religiosidade e à individualidade, e não se deve forçar nenhuma concepção religiosa nova neste momento, apenas encorajar aquela já existente. A
atenção a esse aspecto traz melhor qualidade de vida, menos intervenções sem benefício e mais suporte paliativo adequado.

E - Oferecer um sistema de suporte que possibilite viver tão ativamente quanto possível até o momento da morte
Incentivar o paciente a participar ativamente no seu processo de finitude e fornecer recursos e suporte para a resolução dos problemas que ele
trouxer neste momento são atitudes esperadas do serviço paliativo. Manter a funcionalidade, mesmo que mínima, até o último momento, faz
parte da percepção de qualidade de vida e bem-estar.

F - Oferecer sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença e o luto


Não é somente o paciente que padece quando é acometido por uma doença grave e terminal. Todo o núcleo familiar e social se identifica com o
sofrimento. Mais do que o médico, a família é importante para verbalizar os desejos e as necessidades do indivíduo, pois ela o conhece e resgata
toda a sua biografia no fim da vida, por isso deve ser acolhida e paliada da mesma forma.

G - Oferecer abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e de seus familiares, incluindo
acompanhamento no luto
A integração do cuidado paliativo só é possível com a presença de equipe multiprofissional. Os serviços de enfermagem, fisioterapia e psicologia
devem acolher o paciente e sua família, e a percepção de cada profissional acrescenta aspectos que possam escapar ao médico no cuidado
paliativo. Ignorar qualquer dimensão humana seria uma avaliação incompleta e significaria cuidado menos efetivo no controle dos sintomas.

H - Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença


Tendo sucesso no controle impecável de sintomas e atendendo às necessidades do paciente e de sua família, consegue-se levar qualidade de vida
para o paciente e, possivelmente, um sopro a mais de vida.

I - Iniciar o mais precocemente possível o cuidado paliativo, junto com outras medidas para prolongamento da
vida, como quimioterapia e radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e
controlar situações clínicas estressantes
Um grande erro de quem não conhece o cuidado paliativo é acreditar que só deve ser paliado o moribundo, nos seus últimos dias. Esse cuidado se
inicia no diagnóstico de doença grave e incurável e tem pequeno papel nesse momento, porém aumenta sua importância de acordo com a
progressão da doença e o insucesso de outras tentativas de tratamento. O paciente também não deve ser privado de nenhum tratamento que
possa ser benéfico para a sua doença. Apenas uma utilização hierárquica deve ser realizada, levando em conta os benefícios e os malefícios de cada
modalidade.

4. Aspectos éticos
O cuidado paliativo é um ramo da Medicina em íntimo contato com aspectos éticos e legais, não somente no Brasil, mas no mundo todo. Isso
porque trata de um dos limites da vida, a morte.
A Bioética é uma área de estudo recente, introduzida na literatura por Van Rensselaer Potter, em seu livro Bioethics: Bridge to the Future, em 1971.
O autor propõe que a Bioética seja uma nova disciplina, cuja função seria contribuir para o futuro da humanidade: “Se existem 2 culturas que
parecem incapazes de falar uma com a outra, essas são: ciências e humanidades – e, se isto faz parte das razões para que o futuro se mostre tão
incerto, então possivelmente nós teríamos de estender uma ponte para o futuro, construindo a disciplina de Bioética como ponte entre as 2
culturas.”
O avanço tecnológico na Medicina nos últimos 100 anos colocou em xeque muitos conceitos preestabelecidos que se tinha sobre vida e concepção
e introduziu a possibilidade de clonagem, transplante de órgãos, manutenção da vida por aparelhos etc. A discussão humana e social que esse
progresso gerou não está acabada. O terreno de discussão é muito subjetivo, e muitas vezes esbarra em questões religiosas.

IMPORTANTE

A Bioética pode ser definida como “o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa
conduta é examinada à luz de valores e princípios morais”.
A Bioética fornece as bases para a discussão desses temas, calcada em princípios que são considerados axiomas, de acordo com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a filosofia e a ética trazidas historicamente. São 4 os princípios:

DICA

Os princípios da Bioética são autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.

A - Autonomia
Também denominada de respeito às pessoas, determina que o ser humano seja capaz de autogoverno e de liberdade de escolha. No âmbito
médico, afirma que o paciente deve participar do processo de decisão sobre o tratamento que vai receber para a sua doença. Dessa maneira,
requer também que o médico aceite a vontade daquele ou de seu representante legal, assim como seus valores morais e crenças (únicos de cada
indivíduo e cultivados ao longo da vida). Os fundamentos filosóficos desse princípio remontam a Kant, Locke e J. S. Mill.

B - Beneficência
É o princípio que afirma que o médico deve visar sempre ao bem-estar do paciente, no interesse deste, e não na visão de terceiros. Aqui se
encontra a imagem do médico que perdurou durante a História, presente na tradição hipocrática: “Usarei o tratamento para o bem dos enfermos,
segundo minha capacidade e juízo, mas nunca para fazer o mal e a injustiça”, o que nos remete também ao 3º princípio.

C - Não maleficência
Decorrência imediata do princípio da beneficência, postula que não se deve causar dano, dor ou sofrimento desnecessário ao paciente. Hipócrates
também coloca em seu discurso: “No que diz respeito às doenças, criar o hábito de 2 coisas: socorrer ou, ao menos, não causar danos.”

D - Justiça
Compreende a igualdade na distribuição de recursos para equânime proveito da população, visto que não há recursos infinitos. Esse é um princípio
que extrapola a ação médica, estendendo a Bioética a todos os profissionais relacionados com o cuidado do paciente, bem como a terceiros
(governos, organizações não governamentais, sociedades de defesa de grupos etc.).

5. Definições
A - Eutanásia
Do grego euthanasia, neologismo primeiramente usado pelo filósofo Francis Bacon em 1623, significando uma “boa morte”, é o ato ou omissão
que levam deliberadamente à morte, como forma de aliviar definitivamente o sofrimento do indivíduo. Pode ser classificada em ativa ou passiva. A
primeira ocorre quando a morte decorre de conduta positiva, e a segunda, quando a morte é obtida por meio de postura omissiva.
A eutanásia é antiética e ilegal na comunidade médica nacional e internacional em vários países. Holanda, Bélgica e Luxemburgo a permitem. O
suicídio assistido é legal na Suíça, Alemanha, Japão, Albânia, em alguns estados dos Estados Unidos e no Canadá. A diferença entre a eutanásia e o
suicídio assistido é quem procede o ato de levar a morte – no 1º caso o médico, no segundo o paciente.

B - Distanásia
Também do grego disthanasia, morte lenta, com muito sofrimento, é o resultado da utilização de meios inadequados à condição do doente com o
objetivo de prolongar artificialmente a vida e o processo de morte. Muito presente na visão paternalista da Medicina do século passado, em que se
deveria lançar mão de todos os recursos disponíveis para tratamento, mesmo diante de quadro irreversível, significa submeter o doente terminal a
procedimentos dolorosos sem finalidade terapêutica útil.

C - Ortotanásia
É o processo de morte no tempo certo, sem prolongamento indevido (como na distanásia) nem encurtamento (como na eutanásia). Objeto da
prática dos cuidados paliativos, a ortotanásia significa uma morte com dignidade, num contexto de conforto físico, psíquico, espiritual e familiar,
sem interferir no processo de morte de maneira fútil. A única obstinação terapêutica é o tratamento impecável de sintomas.
Não deve ser confundida com eutanásia passiva, na qual o objetivo da omissão terapêutica é a morte. Na ortotanásia, os objetivos são o alívio de
sintomas e o conforto, deixando-se de lado tratamentos fúteis ou ineficazes nesse sentido.
DICA

A ortotanásia é o processo de morte no momento certo, sem prolongar (distanásia) ou encurtar (eutanásia) a vida. Ela é o cerne dos cuidados
paliativos e conta com respaldo legal.

6. Tratamentos
Outros termos utilizados em cuidados paliativos têm relação com a natureza dos tratamentos despendidos:
- Ordinários: são mandatórios e trazem benefício, mesmo com riscos associados;
- Extraordinários: são terapêuticas associadas a gastos excessivos, grande empenho, dor ou incômodo, sem possibilidade razoável de benefício;
- Fúteis: toda intervenção sem resultado útil ou motivo objetivo que leve em conta juízos de valores não relacionados à qualidade de vida.

7. Aspectos legais

TEMA FREQUENTE DE PROVA

Os aspectos e termos legais para cuidados paliativos estão sempre presentes nas provas.

O novo Código de Ética Médica, em vigor desde março de 2010, afirma, no Capítulo V, Artigo 41, que é vedado ao médico abreviar a vida do
paciente, ainda que a seu pedido. Em parágrafo único, afirma que, nos casos de doença incurável e terminal, o médico deve oferecer todos os
cuidados paliativos disponíveis, sem empreender ações diagnósticas inúteis ou obstinadas, considerando sempre a vontade expressa do paciente
ou, na impossibilidade, a de seu representante legal.
Esse parágrafo foi a única alteração no Código de Ética novo em relação ao anterior no tema. Porém, o Código não configura diploma legislativo
para o ato médico, dessa maneira não há diploma legislativo federal que disciplina a prática da ortotanásia. Porém, há Resolução específica do
Conselho Federal de Medicina, da Legislação do Estado de São Paulo, e projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional.
A Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina representou uma grande vitória nos campos ético e jurídico, resguardando o médico
que antes poderia ser criminalmente responsabilizado por aplicar a ortotanásia, bem como por primar pela prática humanista da Medicina.
Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem
a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de assistência integral,
respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.Tabela 1 - Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina

Resolução CFM nº 1.805/2006


- O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de
15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e:
· Considerando que os Conselhos de Medicina são ao mesmo tempo julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e
trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e
dos que a exerçam legalmente;
· Considerando o Artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil;
· Considerando o Artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento
desumano ou degradante”;
· Considerando que cabe ao médico zelar pelo bem-estar dos pacientes;
· Considerando que o Artigo 1º da Resolução CFM nº 1.493, de 20 de maio de 1998, determina ao diretor clínico adotar as providências
cabíveis para que todo paciente hospitalizado tenha o seu médico assistente responsável, desde a internação até a alta;
· Considerando que incumbe ao médico diagnosticar o doente como portador de enfermidade em fase terminal;
· Considerando, finalmente, o decidido em reunião plenária de 9 de novembro de 2006,
Resolve:
Artigo 1º - É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de
enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º - O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada
situação.
§ 2º - A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º - É assegurado ao doente ou ao seu representante legal o direito de solicitar uma 2ª opinião médica.
Artigo 2º - O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a
assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
Artigo 3º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

O Estado de São Paulo foi pioneiro na articulação legal do cuidado paliativo.


A Lei nº 10.241/99 (“Lei Mário Covas”), ao estabelecer os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no estado de São Paulo, põe a
autonomia do paciente em 1º lugar, podendo este recusar tratamentos indesejados ou dolorosos. Artigo 2º: “São direitos dos usuários de saúde no
Estado de São Paulo: XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida; XXIV - optar pelo local de morte.”
Assim, o médico está protegido legalmente por direitos constitucionais, porém a prática é pouco divulgada e conhecida pela população geral.
Mesmo entre médicos, ainda há desconhecimento dos pormenores legais da prática e insegurança na ação clínica.
A origem principal de ações judiciais contra médicos ocorre por falhas na comunicação entre esses e a família ou o paciente. Especialmente em
cuidados paliativos, a má comunicação pode gerar equívoco de interpretação nas atitudes do médico, logo a principal estratégia é estabelecer um
canal de comunicação claro e aberto, baseado no respeito à autonomia do paciente, e voltado ao lado humano para o caso particular do paciente
em questão.
Como de praxe, o registro claro em prontuário, de todas as ações e discussões de conduta com familiares, é o embasamento legal do médico na
eventualidade (improvável) de um processo.

IMPORTANTE

É comum encontrar registros falsos em prontuário como “realizada ressuscitação cardiopulmonar exaustivamente, sem sucesso”, sendo que
não foi realizado nenhum procedimento – não se recomenda essa prática. A documentação incorreta pode configurar crime de falsidade
ideológica. A documentação verídica dos fatos e a participação do paciente e da família na tomada de decisão tornam a causa defensável do
ponto de vista legal.

A manifestação prévia de vontade do paciente, relacionada ao tratamento que ele deseja ou, mais frequentemente, que ele recusa no fim da vida,
no caso de se tornar incapaz de exprimir as suas vontades ou de tomar decisões por si mesmo, é chamada de diretiva antecipada de vontade.

DICA

No Brasil, a diretiva antecipada de vontade é aceita sem necessidade de documentação assinada pelo pacientes, sendo apenas relato detalhado
em prontuário aceito como documento.

As diretivas antecipadas visam respeitar a autonomia e a dignidade do paciente em caso de doença incurável, a respeito da realização ou não de
procedimentos ou terapêuticas que prolonguem futilmente sua vida. No Brasil, não é necessário documento específico nem assinatura de paciente
ou testemunha para o registro das diretivas antecipadas. O relato detalhado em prontuário médico é documento suficiente para esse fim.
Em 2012, o CFM editou resolução que disciplina as diretivas antecipadas:

Tabela 2 - Resolução 1995/2012 CFM de 30 de agosto de 2012


Art. 1º - Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre
cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
Art. 2º - Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira
livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
§ 1º - Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.
§ 2º - O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise,
estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.
§ 3º - As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
§ 4º - O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.
§ 5º - Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou
falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética
Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender essa
medida necessária e conveniente.

8. Indicações
O cuidado paliativo é indicado a qualquer indivíduo com doença grave progressiva e incurável, que ameace a continuidade da vida. Porém,
sabemos que, dessa maneira, a maioria dos pacientes ficaria sem assistência paliativa pela indisponibilidade de profissionais, serviços e mesmo
recursos suficientes para o atendimento da população.
O cuidado paliativo deve ser instituído ao diagnóstico de doença incurável, porém com grau de importância menor que o tratamento modificador
de doença. À medida que a doença avança e os tratamentos se tornam ineficazes, o cuidado paliativo cresce em importância. E além da morte,
estende-se ao suporte após o luto para a família do falecido.
A Figura 1 representa essas fases de cuidados:

Figura 1 - Importância do cuidado paliativo versus evolução da doença

O critério de tempo de vida para indicação de paliação é muito discutível. A base da avaliação prognóstica no idoso é a avaliação funcional. A
capacidade funcional está intimamente correlacionada com prognóstico e com sofrimento, pois a limitação física não permite ao indivíduo exercer
completamente a sua autonomia. Entretanto, não é somente a funcionalidade que deve guiar o raciocínio prognóstico. Por exemplo, um paciente
com câncer de próstata metastático limitado por dor óssea, quando tiver sua dor tratada, terá melhora da funcionalidade e da qualidade de vida,
porém a doença ainda não terá extensão suficiente para ameaçar a vida.
Um aspecto comum aos portadores de doenças crônicas na fase terminal é o desenvolvimento dos 3 “Fs”: Fragilidade, declínio Funcional e Falência
orgânica. O estado de fragilidade leva a dificuldade em realizar as atividades da vida diária, com queda de reservas orgânicas, que culminam com
falência orgânica. A presença dos 3 “Fs” exige abordagem paliativista da equipe de saúde.
Existem várias medidas de declínio funcional, todas correlacionadas com a progressão da doença, o prognóstico e o declínio da qualidade de vida.
A escala de performance mais utilizada em oncologia é a de performance status de Karnofsky. Os valores variam de 10 a 100%, 100% a melhor
performance. Abaixo de 70%, o paciente tem indicação de assistência de cuidados paliativos, e valores abaixo de 50% indicam terminalidade.
Performances de 30% ou menos normalmente não são submetidas a terapias modificadoras de doença (quimioterapia, cirurgia), pois os malefícios
superam os benefícios (Tabela 3).

DICA

Na escala de Karnofsky, em menos de 70% há indicação de assistência de cuidados paliativos, menos de 50% indica terminalidade, e em menos
de 30% não são submetidas a terapias modificadoras de doença (quimioterapia, cirurgia).

Tabela 3 - Escala de performance de Karnofsky


100% Não tem sinais ou queixas nem evidência de doença.

90% Tem mínimos sinais e sintomas, capaz de realizar suas atividades com esforço.

80% Com sinais e sintomas maiores, realiza suas atividades com esforço.

70% Cuida de si mesmo, mas não é capaz de trabalhar.

60% Necessita de assistência ocasional, mas cuida de si mesmo.


50% Necessita de assistência considerável e de cuidados médicos frequentes.

40% Necessita de cuidados médicos especiais.

30% É extremamente incapacitado e necessita de hospitalização, mas sem iminência de morte.

20% É muito doente, necessita de suporte.

10% É moribundo, morte iminente.

Outra escala utilizada é a de performance paliativa (Palliative Performance Scale – PPS). Segue o mesmo raciocínio da escala de Karnofsky, porém
considera outros aspectos. A escala PPS possui 11 níveis – de zero a 100 – com graduações de 10 a 10, sem valores intermediários. É recomendada
a todas as consultas de cuidados paliativos, pois ajuda na tomada de decisão tanto quanto a escala de Karnofsky. Segue:

Tabela 4 - Escala de performance paliativa, a escala mais utilizada em cuidados paliativos; a ECOG é utilizada em Oncologia e não tem detalhamento
como esta e a de Karnofsky
% Deambulação Atividade e evidência de doença Autocuidado Ingestão Nível de consciência
100 Completa Normal, sem evidência de doença Completo Normal Completo

90 Completa Normal, alguma evidência de doença Completo Normal Completo

80 Completa Com esforço, alguma evidência de Completo Normal Completo


doença

70 Reduzida Incapaz para o trabalho, alguma Completo Normal ou reduzida Completo


evidência de doença

60 Reduzida Incapaz de realizar hobbies, doença Assistência Normal ou reduzida Completo ou com períodos
significativa ocasional de confusão

50 Sentado ou Incapaz para qualquer trabalho, Assistência Normal ou reduzida Completo ou com períodos
deitado doença extensa considerável de confusão

40 Acamado Idem Assistência quase Normal ou reduzida Completo ou com períodos


completa de confusão

30 Acamado Idem Dependência Reduzida Completo ou com períodos


completa de confusão

20 Acamado Idem Idem Ingestão limitada a Completo ou com períodos


colheradas de confusão

10 Acamado Idem Idem Cuidados com a boca Confuso ou em coma

0 Morte -- -- -- --

IMPORTANTE

A avaliação do nível de consciência em cuidado paliativo nunca é feita com a escala de coma de Glasgow, visto que essa escala se utiliza de
estímulo doloroso para obter o dado desejado.
PERGUNTA
2015 - HCV
1. Com relação à proposição clínica dos cuidados paliativos, assinale a alternativa correta:
a) deve ser proposta apenas quando os pacientes estão prestes a falecer na UTI
b) não deve ser proposta a pacientes crônicos com doenças progressivas em fase avançada
c) protege pacientes frágeis e sem reserva funcional de intervenções médicas desconfortáveis que não modificam o desfecho e humaniza os
cuidados do fim da vida
d) não há necessidade de equipe multidisciplinar para aplicar os cuidados paliativos, os quais devem ser aplicados exclusivamente pelo médico
e) os cuidados paliativos devem, necessariamente, ser aplicados somente em ambiente hospitalar

Resposta no final do capítulo

9. Avaliação de sintomas
Como vimos, a avaliação e o tratamento de sintomas de maneira sistemática e impecável devem ser alvo dos cuidados paliativos. A avaliação deve
ser feita na admissão do paciente, em evoluções diárias e em todas as visitas a ambulatório ou atendimentos domiciliares.
A escala de avaliação de sintomas conhecida como ESAS (Edmonton Symptom Assessment Scale) é o instrumento mais utilizado para esse fim.
Trata-se de um questionário com 9 sintomas preestabelecidos (mais 1 que fica a critério do paciente determinar, se não incluso na lista), com uma
escala de zero a 10. A ausência de sintoma recebe nota zero, e mais grave será quanto mais se aproximar de 10 (maior intensidade). Ela sistematiza
e torna a avaliação mais objetiva, facilita a comunicação entre profissionais e o acompanhamento.
No caso de o paciente não conseguir estabelecer contato suficiente para o preenchimento, o questionário deve ser feito com o cuidador, que
poderá fornecer ao médico as informações com maior precisão (exceto aquelas subjetivas).

Tabela 5 - Edmonton Symptom Assessment Scale


Avaliação de sintomas:

Paciente:

Preenchido por: ____________________ Data:____/____/____

Por favor, circule o nº que melhor descreve a intensidade dos seguintes sintomas neste momento (também se pode
perguntar a média durante as últimas 24 horas)
Sem dor 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior dor possível

Sem cansaço 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior cansaço possível

Sem náusea 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior náusea possível

Sem depressão 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior depressão possível

Sem ansiedade 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior ansiedade possível

Sem sonolência 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior sonolência possível

Muito bom apetite 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior apetite possível

Sem falta de ar 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior falta de ar possível

Melhor sensação de bem-estar possível 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10 Pior sensação de bem-estar possível


Outro problema 0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 – 10

Fonte: traduzido e adaptado para o português por Neto, 2006.

10. Controle de sintomas


Veremos, aqui, a maneira de abordar os sintomas em cuidados paliativos. Com a evolução da doença, a fragilidade e a fase terminal se
aproximando, outros problemas começam a surgir, como dificuldades para garantir uma via de administração de medicação. Por vezes, a
fragilidade capilar e venosa é tanta que um acesso venoso é difícil de ser obtido, e a possibilidade de acesso central não deve ser cogitada, em vista
da desproporcionalidade da intervenção.
A via oral também fica prejudicada a partir do momento em que a disfagia e o risco de broncoaspiração começam a crescer. Desta maneira, o
acesso subcutâneo é a via de escolha na aplicação de medicação, hidratação e mesmo fornecimento de glicose. A técnica de hipodermóclise é
segura, fácil e rápida, com baixo risco de complicações e praticamente indolor. A vascularização do tecido celular subcutâneo permite a absorção
das medicações administradas por essa via, alcançando concentrações séricas adequadas e com tempo de ação mais prolongado que o
intravenoso. Além de todas essas vantagens, possibilita a mobilização do paciente sem maiores riscos de “perder” o acesso.

Figura 2 - Hipodermóclise (acesso subcutâneo)


Fonte: CREMESP.

Utilizando de solução, equipo, scalp tipo butterfly (25 ou 27), após antissepsia do local de punção, realiza-se prega cutânea e introduz-se o scalp,
fixado posteriormente. A direção da agulha deve ser centrípeta, e a aspiração realizada para verificar se não foi puncionado um vaso sanguíneo.
Deve-se ter atenção para não puncionar local de fibrose.
Pode-se utilizar bomba de infusão contínua, se disponível ou necessário, e cada local de punção pode receber até 60mL/h, porém, na prática,
utilizam-se velocidades menores de infusão, com soluções mais concentradas. Caso haja necessidade, utiliza-se mais de 1 local, e deve ser realizada
a troca dos locais a cada 72 horas, ou se houver sinais de irritação. A anasarca e as equimoses (distúrbios de coagulação) são as principais
contraindicações a tal via. Os locais permitidos e mais adequados são a parede abdominal (bilateral), a face anterior do tórax (bilateral), as faces
anterolaterais das coxas, as regiões dos deltoides e escapular (bilateral).

DICA

São locais permitidos e mais adequados para hipodermóclise: parede abdominal (bilateral), face anterior do tórax (bilateral), faces anterolaterais
das coxas, regiões dos deltoides e escapular (bilateral).
Figura 3 - Locais de hipodermócliseFonte: CREMESP.

Tabela 6 - Medicações mais utilizadas por via subcutânea


Soluções - Glicosada a 5% ou com eletrólitos;
- Soro fisiológico a 0,9%;
- Ringer.
Analgésicos opioides - Tramadol;
- Morfina;
- Metadona.
Antieméticos - Metoclopramida;
- Ondansetrona;
- Dimenidrinato.
Anticolinérgicos Hioscina
Esteroide Dexametasona
Diurético Furosemida
Antitérmico Dipirona
Protetores gástricos - Ranitidina;
- Omeprazol.
Anti-inflamatórios - Diclofenaco;
- Cetorolaco.
Neurolépticos - Haloperidol;
- Clorpromazina.
Sedativos - Midazolam;
- Clonazepam;
- Fenobarbital.

As medicações administradas por via subcutânea têm comportamento farmacocinético semelhante ao daquelas administradas por via
intramuscular, porém atingindo nível sérico menor e com tempo de ação mais prolongado. A Figura 4 mostra a variação de concentração sérica nas
diversas vias de administração:
Figura 4 - Variação de concentração sérica nas diversas vias de administraçãoFonte: adaptado de Lüllmann; Color Atlas of Pharmacology, 2000.

A - Dor

TEMA FREQUENTE DE PROVA

A dor nos cuidados paliativos é tema sempre cobrado nas provas.

A dor está associada ao sofrimento e presente em quase todas as doenças avançadas. A International Association for the Study of Pain a define
como “experiência sensitiva e emocional desagradável, ligada ao dano real ou potencial dos tecidos, ou descrita em termos de tais lesões”. Logo, a
experiência de dor é única e individual, modificada por fatores físicos, psíquicos e mesmo por experiências prévias.

Tabela 7 - Classificação da dor de acordo com os seus mecanismos neurofisiológicos


Nociceptiva Quando há ativação de vias de dor por estimulação de nociceptores em tecidos superficiais (dor somática) ou profundos (dor
visceral)

Neuropática Quando há estímulo direto na própria via nociceptiva, resultante de lesão seletiva do trato neoespinotalâmico (dor central) ou
lesões do sistema nervoso periférico (neuropatia periférica)

Psicogênica Originária de distúrbios psíquicos

Mista Quando há mais de 1 mecanismo de dor envolvido (a dor oncológica geralmente é tratada como mista, porém a tendência é
considerá-la um tipo de dor à parte, por sua complexidade)

Além deste, há o conceito de “dor total”, elaborado por Cicely Saunders, pioneira em cuidados paliativos, cabe a pacientes em fases de
terminalidade, quando a sensação de morte iminente amplifica toda e qualquer dimensão de dor e que, portanto, deve ser manejada em um
contexto multidisciplinar.
O controle da dor deve levar em conta uma avaliação etiológica cuidadosa e seus fatores predisponentes, de piora, melhora, bem como modulação
por aspectos psicossociais.
O tratamento não farmacológico deve ser concomitante ao farmacológico, no mínimo, e, quando possível, antecedê-lo. Dentre as técnicas de
tratamento não farmacológico, temos:
Tabela 8 - Técnicas de tratamento não farmacológico
- Terapia física com frio ou calor local;
- Acupuntura;
- Massoterapia;
- Neuroestimulação elétrica transcutânea;
- Técnicas de relaxamento, distração e coping.

Quando o médico utilizar terapia medicamentosa para dor, deverá lembrar-se dos princípios básicos de tratamento de dor preconizados pela OMS
(em 1986, foi publicado um modelo eficaz de tratamento de dor oncológica, que continua válido e é mundialmente aceito):

Tabela 9 - Princípios básicos de tratamento de dor pela Organização Mundial da Saúde


- Pela boca (via oral sempre que possível);
- Pelo relógio (horário regular; não usar doses “se necessário”);
- Para o indivíduo (de acordo com as necessidades de cada paciente);
- Uso de adjuvantes;
- Atenção aos detalhes;
- Pela “escada analgésica”.

O início do tratamento é realizado com analgésicos simples (não opioides, incluindo aqui os anti-inflamatórios), seguidos de opioides fracos
(tramadol, codeína); o 3º degrau compreende os opioides fortes (morfina, metadona, fentanila, oxicodona), e o último degrau é constituído pelos
opioides fortes em usos intravenoso, intratecal e técnicas analgésicas neurocirúrgicas.

DICA

Convém lembrar sempre a escada analgésica da OMS para o tratamento da dor.

A escada analgésica preconiza o uso de drogas adjuvantes em todos os degraus, e os suportes emocional e familiar e a comunicação formam a
base do tratamento.
Figura 5 - Escada analgésica da Organização Mundial da Saúde

Os opioides devem ser empregados para dor de moderada a forte (>5 na escala analógica de zero a 10), conforme proposto pela OMS. Dentre os
opioides, o mais utilizado é a morfina, que pode ser empregada em comprimidos (disponíveis de 10 e 30mg) a cada 4 a 6 horas ou comprimidos de
liberação lenta (30, 60 e 100mg) a cada 12 horas. O uso de morfina parenteral deve ser feito preferencialmente por via subcutânea ou em bomba
de infusão contínua, e a dose inicial depende de uso prévio de opioides. Não há efeito teto, ou seja, o limite do uso deve ser apenas a tolerância a
efeitos colaterais. A dose inicial pode ser de 2 a 4mg a cada 4 horas, parenteral (SC ou IV), e a titulação pode ser feita com suplementos
subcutâneos (“resgates”, até 6x/d), no caso de escape ou dor episódica durante o dia. A dose resgate deve ser de 1/6 da diária. O ajuste de dose do
dia seguinte deve ser feito de acordo com o número de “resgates” necessários.

Tabela 10 - Conduta terapêutica do uso da morfina de acordo com a via de administração


Morfina Oral Parenteral
Dose inicial 5 a 10mg a cada 4 ou 6 horas 2 a 4mg a cada 4 ou 6 horas

Titulação “Resgates” de 5 a 10mg até 6x/d “Resgates” de 2 a 4mg até 6x/d

Dose máxima Inexistente (até atingir controle sintomático) Inexistente (até atingir controle sintomático)

Recomenda-se utilizar morfina somente após já ter sido tentado opioide fraco. Utilizam-se formas de liberação lenta apenas após uso da morfina
regular, o que diminui o risco de efeitos colaterais e intoxicação. Deve-se evitar a combinação de opioides, pois não gera analgesia adicional, exceto
em casos como o de paciente em uso de fentanila transdérmica utilizando resgate de morfina subcutâneo para o alívio da dor episódica.
A necessidade de rodízio de opioides é incomum, pois cerca de 20% demonstram pouca resposta ao uso rotineiro da substância. O mecanismo
dessa resposta inadequada não é bem explicado na literatura, e tem-se pouca compreensão a respeito do mecanismo subjacente. Da mesma
maneira, deve-se realizar o rodízio de opioide quando há falha no controle dos efeitos colaterais deste.

Tabela 11 - Regras para rodízio de opioides


- Calcular a dose diária total do opioide;
- Converter na dose do novo opioide (Tabela 12);
- Ao trocar, diminuir a dose em 20 a 30%;
- Dividir a dose diária pelo número de administrações diárias;
- Prescrever doses de resgate;
- Acompanhar o quadro álgico no período de troca, até o controle da dor.

Tabela 12 - Fatores de conversão de opioides


De Para Dividir por
Codeína oral Morfina oral 10

Tramadol oral Morfina oral 5

Tramadol parenteral Morfina parenteral 10

Morfina oral Morfina subcutânea 2

Morfina oral Morfina intravenosa 3

Morfina oral Fentanila transdérmica 3

A presença de efeitos colaterais no uso de opioides é o grande limitador do seu uso mais rotineiro.

Tabela 13 - Efeitos colaterais mais comuns no uso de opioide


- Sonolência, sedação, confusão, euforia, miose, borramento visual, coma;
- Xerostomia, constipação, prolongamento do esvaziamento gástrico, hipocloridria, espasmos do trato biliar, náusea e vômitos;
- Rubor facial, diaforese, piloereção;
- Inibição simpática, podendo levar a hipotensão postural e bradicardia por ativação vagal;
- Depressão respiratória, por aumento de tolerância da paCO2;
- Retenção urinária ou urgência miccional, diminuição da libido;
- Dependências física e psíquica (raras em pacientes que utilizam para alívio de dor);
- Tolerância.

O efeito mais comum é a constipação. Além disso, é dose-dependente e não desenvolve tolerância. Ocorre também com opioides fracos. Convém
lembrar-se sempre de prescrever laxativo ao prescrever opioide. Supositório glicerinado, bisacodil e lactulose são as melhores alternativas para o
tratamento da constipação.

PERGUNTA
2015 - UFSC
2. Uma paciente de 67 anos é portadora de adenocarcinoma pulmonar metastático. A última tomografia computadorizada
revelou aumento de volume tumoral com comprometimento das costelas, nova metástase pulmonar à esquerda e aumento
de linfonodos mediastinais. Procura atenção médica pela presença de dor torácica constante, “tipo facada”, sem irradiação,
com mínima exacerbação à palpação da parede torácica, de forte intensidade. A dor tem impedido a paciente de manter suas
atividades diárias e dificultado o seu sono. Há 5 dias, faz uso de codeína com paracetamol, sem melhora. Assinale a
alternativa correta, que apresenta a conduta mais adequada com relação à manutenção da terapia medicamentosa para o
controle da dor:
a) morfina oral até o alívio emergencial da dor, seguida por dose de manutenção de morfina oral a cada 6 horas e doses de resgate de morfina
oral se houver dor nos intervalos das doses
b) morfina intravenosa até o alívio emergencial da dor, seguida por dose de manutenção de morfina oral a cada 4 horas e doses de resgate de
morfina oral se houver dor nos intervalos das doses
c) dipirona intravenosa até o alívio emergencial da dor, seguida por manutenção da codeína e paracetamol oral e doses de resgate de dipirona
se houver dor nos intervalos das doses
d) morfina intravenosa até o alívio emergencial da dor, seguida por manutenção com adesivo transdérmico de fentanila e doses de resgate com
morfina oral se necessário
e) tramadol intravenoso até o alívio emergencial da dor, seguido por manutenção com tramadol oral a cada 6 horas e doses de resgate de
tramadol oral se houver dor nos intervalos das doses

Resposta no final do capítulo

B - Dispneia
Dispneia certamente é um sintoma muito comum em cuidados paliativos, e sua presença deve ser pesquisada sempre, pois é possível que o
paciente a refira mesmo sem patologia cardiopulmonar (fato que ocorre em cerca de 1/4 dos casos). Além de ser de etiologias diversas, o
componente psicossocial também está envolvido, o que pode explicar o fato.
O detalhamento da queixa (quantificar e elucidar fatores de piora ou de melhora, desencadeantes e sintomas associados) ajuda a identificar a
causa e a ser mais preciso no tratamento. O mecanismo da dispneia é complexo e envolve a pressão parcial de gases no sangue e sua detecção por
centros bulbares, ativação de mecanorreceptores da caixa torácica, inibição do centro respiratório e modulação do córtex.
Aqui, serão divididos em 3 causas, para facilitar a compreensão:
- Aumento do esforço respiratório por causa mecânica: doença pulmonar obstrutiva crônica, broncoespasmo, derrame pleural;
- Desequilíbrio muscular: fraqueza neuromuscular ou caquexia;
- Aumento da demanda ventilatória: anemia, acidose, hipóxia, hipercapnia.
Observa-se que a correção de causas é possível, e justifica-se, portanto, drenagem pleural ou pleurodese mesmo em paciente fora da possibilidade
de cura, pois trará alívio de sintomas.
No caso do câncer, o controle dos sintomas é mais importante, pois se trata de uma doença com história natural previsível. No caso de doenças
crônicas com descompensações repetidas, como doença pulmonar obstrutiva crônica ou fibrose pulmonar, nunca se sabe se a descompensação
culminará no óbito ou se o paciente se recuperará. Dessa maneira, o tratamento com corticoides, antibióticos e broncodilatadores se faz
necessário, porém, conforme a doença progride, a dispneia começa a se manifestar no repouso, e, nesse ponto, o tratamento sintomático tem
papel mais importante.
O opioide é a droga mais utilizada no controle sintomático da dispneia. Há receptores opioides em toda árvore respiratória, inclusive no alvéolo,
porém o mecanismo pelo qual o opioide alivia a dispneia ainda não é completamente conhecido.
Para início de tratamento em pacientes virgens de opioide, pode-se utilizar a codeína, que também tem ação antitussígena (queixa muito comum
entre pneumopatas graves), na dose de 30mg de 6/6h. A codeína é metabolizada in vivo em morfina. Lembrar-se sempre de manter o intervalo de
administração da medicação regular para que o paciente não tenha sintomas de escape. Para dispneia grave, a recomendação é o uso de morfina
na dose de 5mg de 4/4h. Lembrar ainda que o uso de doses de resgate é possível, da mesma maneira que é realizado com o tratamento da dor.
Não há evidência do efeito benéfico dessas medicações na forma inalatória.

TRATAMENTO

Na dispneia moderada, utiliza-se codeína 30mg a cada 6 horas; e, na dispneia grave, morfina 5mg a cada 4 horas.

O uso de benzodiazepínicos é recomendado na presença de fator emocional e ansiedade importantes. Utiliza-se o midazolam em doses de 5 a
10mg nas 24 horas. Pode-se utilizar também o lorazepam ou o diazepam, com intervalo de 6 a 8 horas.
O oxigênio é controverso em cuidados paliativos, e os dados na literatura são escassos. O que se observa é que a resposta subjetiva ao oxigênio ou
ao ar comprimido é a mesma, logo o primeiro não é necessário (ao abrir uma janela, a sensação de fluxo de ar na face causa um alívio significativo
dos sintomas). A melhora com oxigênio é mais consistentemente observada nos casos em que há queda de saturação de oxigênio a menos de
90%, porém também com pouca evidência científica.
Outros recursos, como dexametasona no caso de linfangite carcinomatosa, anticoagulação no caso de tromboembolismo pulmonar e radioterapia
no caso de obstrução por massa da via aérea são possíveis em cuidado paliativo.
O tratamento não farmacológico da dispneia envolve fisioterapia, exercícios respiratórios, técnicas de relaxamento, posicionamento no leito
(decúbito elevado), acupuntura, apoio psíquico, social e espiritual. A ventilação não invasiva é questionável e controversa em cuidados paliativos
(seu uso pode trazer alívio na dispneia não hipoxêmica, porém priva o paciente do contato com os familiares).

Tabela 14 - Princípios gerais de assistência a desconforto respiratório


- Propiciar conforto e segurança ao paciente, a família e aos cuidadores;
- Obter o melhor posicionamento no leito;
- Ambiente ventilado, janela aberta;
- Técnicas de relaxamento, lazer, distração;
- Respeitar autonomia do doente;
- Considerar transfusão nos casos de anemia sintomática (avaliar com critério);
- Opioides.

C - Tosse e secreções na via aérea


A tosse também é um sintoma frequente entre pacientes com câncer avançado e pode interferir na respiração e no sono e por vezes dificultar a
fala. No caso de tosse por broncoespasmo ou insuficiência cardíaca descompensada, essas causas podem ser tratadas. Para tratamento
sintomático, utilizam-se os opioides como 1ª linha, principalmente quando associados a dor. O dextrometorfano, na dose de 10 a 20mg, a cada 4
ou 6 horas, é utilizado nos Estados Unidos. No Brasil, podem-se utilizar anestésicos locais de forma inalatória: xilocaína 5mL a 2% de 6/6h ou
bupivacaína 5mL a 0,25% a cada 8 horas. Deve-se lembrar de não alimentar o paciente na hora seguinte, por conta do risco de broncoaspiração. A
codeína oral tem um bom efeito antitussígeno.

TRATAMENTO

Na tosse, utiliza-se xilocaína 5mL a 2%, a cada 6 horas, ou bupivacaína 5mL a 0,25%, a cada 8 horas, ambas pela via inalatória. Codeína (oral)
também é uma boa alternativa.

Para melhorar a efetividade da tosse e facilitar a expectoração, indicam-se umidificação do ar ou do ambiente, inalação com mucolítico (N-
acetilcisteína), fisioterapia ou drenagem postural.
O controle de hemoptise pode ser feito com antitussígenos. Radioterapia tem papel em casos selecionados. No caso de hemoptise maciça, vale uso
de opioides ou sedação paliativa. O uso de toalhas escuras reduz o impacto visual do sangramento.
A hipersecretividade da via aérea é comum na terminalidade, e a aspiração da via aérea deve ser feita de maneira criteriosa e cautelosa, pois traz
desconforto. Respiração ruidosa, chamada “sororoca”, muito presente na terminalidade, acaba sendo angustiante para os familiares, caso para o
qual os anticolinérgicos são recomendados; hioscina 10mg a cada 4 ou 6 horas ou mesmo colírio de atropina na cavidade oral (2 gotas, a cada 6 ou
12 horas). Certo grau de desidratação, cautelosamente avaliado antes dessa fase terminal, ajuda a reduzir secreções em via aérea e possivelmente
aliviar desconforto.

TRATAMENTO

Na hipersecretividade oral, utiliza-se hioscina 10mg, a cada 4 ou 6 horas, ou colírio de atropina na cavidade oral (2 gotas, a cada 6 ou 12 horas).

D - Náusea e vômito
O vômito e a náusea são sintomas desagradáveis e muito presentes em pacientes em cuidados paliativos, devido à sua correlação com câncer e
quimioterapia. As causas de náusea são diversas e o mecanismo subjacente deve ser considerado na hora de escolher a forma terapêutica. As
Tabelas 15 e 16 apresentam os mecanismos, as causas e os tratamentos adequados:

Tabela 15 - Mecanismos relacionados ao vômito


Centro do vômito
O mesencéfalo recebe estímulos aferentes de diversas áreas e controla as ações relacionadas ao vômito. As medicações com ação neste centro
são os anti-histamínicos, a atropina e hidrobromida.

Zonas quimiorreceptoras
Presentes em vários locais, sendo a mais importante no assoalho do 4º ventrículo, detectam substâncias potencialmente perigosas na circulação
sanguínea e no liquor e acionam o centro do vômito. Podem ser desencadeadas por medicamentos, toxinas ou metabólitos. As medicações
utilizadas para controle desse mecanismo são metoclopramida, haloperidol, levomepromazina e clorpromazina.

Sistema vestibular
As alterações cinéticas ou vestibulares podem desencadear vômito. A medicação com ação neste centro é o dimenidrinato.

Córtex cerebral e sistema límbico


Responsáveis pela modulação e afetados por estado afetivo, medo ou ansiedade, são controlados pelo sistema GABA. O medicamento de
escolha para o caso é o benzodiazepínico, porém técnicas de relaxamento ou psicoterapia também apresentam respostas positivas.

Trato gastrintestinal
Por estímulo quimiorreceptor, vagal ou motilidade, deve-se saber a causa intestinal para o tratamento.

Tabela 16 - Tratamento baseado na causa do vômito


Causas Tratamentos
Quimicamente induzido - Metoclopramida;
- Haloperidol;
- Ondansetrona.
Estase gástrica - Sonda nasogástrica de alívio;
- Inibidores de bomba protônica ou H2;
- Pró-cinéticos: metoclopramida, bromoprida, domperidona, eritromicina.
Hipertensão intracraniana ou meningismo - Dexametasona;
- Dimenidrinato em caso de alteração vestibular associada.
Irritação peritoneal - Metoclopramida;
- Haloperidol;
- Ondansetrona;
- Dimenidrinato.
Obstrução intestinal - Haloperidol;
- Ondansetrona e dimenidrinato (2ª escolha);
- Restringir volume, utilizar antissecretores (hioscina, butilbromida ou octreotida);
- Corticoides podem diminuir edema de alça ou massa tumoral;
- Sonda nasogástrica ou jejum, de acordo com a vontade do paciente.
Ansiedade/emocional - Psicoterapia;
- Benzodiazepínicos.

Alimentos frios e azedos são geralmente mais tolerados (como um picolé de limão) e também aliviam o sintoma de “boca seca”. Outra sugestão é
evitar os alimentos de preferência do paciente durante as sessões de quimioterapia de maneira a evitar a correlação subjetiva destes alimentos
com os vômitos.

PERGUNTA
2012 - MEDCEL
3. Um portador de adenocarcinoma da cabeça do pâncreas, diagnosticado há 6 meses, localmente avançado e metastático,
em quimioterapia paliativa vem apresentando náusea e vômitos pós-prandiais, além de diminuição da ingestão alimentar,
preferindo apenas beber líquidos. Já perdeu 12kg e, agora, está com IMC = 18. Além disso, está com dificuldades para
realizar suas atividades do dia a dia, apresentando fraqueza e acamado a maior parte do dia. Qual é a melhor conduta?
a) internar o paciente, passar sonda nasoenteral pós-pilórica para alimentação e introduzir metoclopramida e ondansetrona para náuseas e
vômitos
b) internar em UTI, oferecer nutrição parenteral e realizar avaliação gastrocirúrgica para a realização de jejunostomia para alimentação via
sonda, além de bromoprida em bomba de infusão para melhorar o trânsito intestinal
c) internar e introduzir antibioticoterapia empírica, pois o paciente é provavelmente neutropênico pela quimioterapia, além de metoclopramida
para vômitos
d) oferecer suplementos alimentares líquidos, enquanto se programa a jejunostomia, e ondansetrona para vômitos
e) conversar com o paciente a respeito da prioridade de medidas de conforto e discutir riscos/benefícios dos procedimentos, tendo em vista o
prognóstico da doença; ondansetrona e Haldol® para náusea e vômitos

Resposta no final do capítulo

E - Constipação e diarreia
A constipação pode decorrer de diversos fatores. Seja pelo uso de opioides, seja pelo imobilismo, entre outros, é um problema que deve ser
antecipado pelo médico e tratado corretamente.
De acordo com a função intestinal, a prescrição deve ser de preferência por laxantes orais ou retais. O uso de laxantes deve ser concomitante ao
início do uso de opioides, e recomenda-se associar laxativos se necessário e titular as doses de acordo com o conforto do paciente.
Primeiramente, devem ser consideradas medidas não farmacológicas, como aumento no consumo de fibras e água na dieta e, se possível,
atividade física e mobilização. Além disso, respeitar a vontade e a privacidade do paciente caso ele recuse fraldas, e permitir o banheiro.

Tabela 17 - Classes de laxantes


Aumentam o Formadores de bolo fecal, como fibras, acentuam a atividade colônica em decorrência do aumento do volume fecal. É
volume das importante para o funcionamento dessa prática a ingestão adequada de líquidos, caso contrário pode haver impactação fecal.
fezes Laxantes osmóticos são capazes de diminuir a consistência fecal por drenar água para o lúmen intestinal. Exemplos dessa
classe são a lactulose e o polietilenoglicol. São pouco utilizados em cuidados paliativos, pois a ingestão hídrica pode estar
prejudicada por outras causas.

Facilitam o Não digeríveis, os laxantes lubrificantes facilitam a progressão do bolo fecal pelo cólon. Exemplos: parafina líquida, docusato.
deslizamento
das fezes
Estimulam a Estímulo direto ao plexo mioentérico, induzindo ao peristaltismo. É a droga de escolha quando há uso concomitante com
mucosa opioides. Exemplos: sene, dantrona e bisacodil.
colônica
Laxantes No caso de impactação fecal, em associação a laxantes orais ou para quando a via oral não é a mais adequada. No caso de
retais impactação com fezes amolecidas, utilizar supositório de bisacodil seguido de enema. No caso de impactação com fezes
endurecidas, enema oleoso de retenção noturno seguido de bisacodil e enema salino na manhã seguinte.
O paciente em cuidado paliativo pode apresentar diarreia em decorrência de drogas (inclusive laxativos), má absorção, radioterapia abdominal e
tumores colônicos ou retais, bem como infecções ou diarreia paradoxal (por transbordamento, quando há fezes impactadas).
O tratamento da diarreia baseia-se em identificar a causa e corrigi-la, se possível. No caso de diarreia persistente, utilizam-se agentes não
específicos (Tabela 18).

Tabela 18 - Agentes não específicos no caso de diarreia persistente


Absorventes Metilcelulose ou pectina, que absorvem água, proporcionando consistência gelatinosa às fezes

Adsorventes Caulim (2 a 6g de 4/4h) ou atapulgita (1,2g para cada evacuação até 8,4g/d)

Inibidores de Redução da secreção de água e eletrólitos pela mucosa (subsalicilato de bismuto, mesalazina e ácido acetilsalicílico
prostaglandinas podem ser utilizados no caso de colite por radioterapia)

Opioides Constipação como efeito colateral (podem ser utilizados para controle de diarreia, além de serem as drogas de escolha
no cuidado paliativo)

F - Fadiga
A sensação de fadiga ou de exaustão física ou emocional desproporcional ao nível da atividade física é um sintoma prevalente em pacientes com
câncer, e causa grande impacto na qualidade de vida. Não se conhece o mecanismo fisiopatológico para o desenvolvimento desse sintoma, e o
tratamento da causa pode ser a melhor alternativa. Dentre as causas, podemos enumerar:

Tabela 19 - Causas de fadiga


- Perda de massa muscular, caquexia, imobilidade;
- Polineuropatia;
- Distúrbios hidroeletrolíticos;
- Hipóxia;
- Insuficiência renal, hepática, cardíaca ou pulmonar (pneumopatia intersticial ou doença pulmonar obstrutiva crônica);
- Depressão, insônia;
- Déficit ou carência nutricional;
- Má absorção;
- Anemia;
- Infecção;
- Insuficiência adrenal, hipotireoidismo.

Em termos farmacológicos, o uso de dexametasona ou prednisona pode ser recomendado com base na experiência clínica, porém com pouca
evidência científica. O uso de psicoestimulantes como metilfenidato tem certo respaldo na literatura. E o uso de antidepressivos para queixa de
fadiga não se mostrou efetivo.
A abordagem não farmacológica e multiprofissional é muito importante nesse tipo de queixa, tendo em vista que os programas de fisioterapia,
atividades de lazer e suporte psicológico trazem resultados positivos não somente nesse aspecto.

G - Delirium
Um número considerável de pacientes desenvolve delirium no decorrer da evolução da doença, e como visto é um quadro de etiologia multifatorial
e o tratamento deve ser direcionado. Nos casos de agitação psicomotora, recomenda-se o tratamento com antipsicóticos nas seguintes doses:
- Haloperidol 0,5 a 1mg VO ou SC, repetida a cada 30 minutos se não houver melhora. A dose necessária geralmente está entre 3 e 5mg/d;
- Risperidona 0,5 a 1mg/d VO, em 1 ou 2 tomadas.
Aos casos de delirium refratário, com agitação incontrolável, o que obviamente levará a grande desconforto do paciente e dos familiares, pode ser
indicada a sedação paliativa. O uso de benzodiazepínicos é recomendado para esse fim.

TRATAMENTO

Na agitação psicomotora por delirium, utiliza-se haloperidol 0,5 a 1mg VO ou SC, repetida a cada 30 minutos, chegando a 3 a 5mg/d.

11. Comunicação de más notícias


Quando se trata de indivíduos com doenças graves e terminais, a comunicação e a relação médico–paciente têm valor fundamental não só para o
paciente, mas também para a família. O momento da comunicação de um diagnóstico de câncer é inesquecível na vida de uma pessoa, e a maneira
como lhe é dada essa notícia tem impacto enorme.
Durante o ensino médico, não há treinamento suficiente nesse campo. O afastamento e a frieza podem tomar conta do médico neste momento na
tentativa de não se envolver ou de não sofrer com o paciente, porém a empatia não significa sofrer em conjunto, apenas compadecer do momento
pelo qual o indivíduo passa.
Técnicas de comunicação existem para auxiliar não só o médico, mas principalmente o paciente na recepção de má notícia. Dr. Robert Buckman
descreveu uma estratégia chamada SPIKES de comunicação de más notícias.
As notícias devem ser dadas com calma, serenidade, em ambiente de apoio e no ritmo do paciente, oferecendo abertura a perguntas e dúvidas que
surgem a qualquer momento.
Primeiramente, deve haver tempo suficiente para essa comunicação, sem interrupções. A privacidade também é fundamental, para que haja
confiança na relação. Apenas pessoas desejadas e queridas pelo doente devem estar presentes. O ambiente com iluminação, cadeiras, silêncio e
ausência de barreira física são fundamentais. O olhar direto, sem interferências externas, também é importante.
Observando-se cuidadosamente o paciente, é possível ter a ideia do quanto ele já sabe e o quanto quer saber sobre a doença. Utiliza-se de
vocabulário acessível, evitando o jargão médico.
Durante a comunicação, vários períodos de silêncio surgirão. Devem-se permiti-los, pois são momentos de reflexão, em que o paciente está
internalizando e processando as informações. Reações de negação, raiva e choro são possíveis e comuns, e o profissional deve estar preparado
para lidar com essas situações de maneira calma e controlada.
No fim da entrevista, deve-se realizar um resumo das informações ali conversadas, criar um plano para as próximas consultas, oferecer abertura e
encorajar novas perguntas do paciente.
A comunicação bem-sucedida está associada a resultados positivos tanto em termos psicológicos quanto sociais, como sintomas de dor, pressão
arterial etc.

Tabela 20 - Protocolo SPIKES


Set up Ambiente adequado e postura do profissional

Perception Avaliação do conhecimento do paciente

Invitation Percepção do desejo do paciente pela informação

Knowledge Comunicação clara e respeito ao ritmo do paciente

Emotions Acolhimento do silêncio e das emoções

Strategy and summary Estratégia e síntese

RESUMO
QUADRO-RESUMO
- Cuidado paliativo é a abordagem que promove qualidade de vida a pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade
da vida, por meio da prevenção e do alívio de sofrimento, o que requer a identificação precoce, a avaliação e o tratamento impecável da dor e
outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual;
- Princípios bioéticos:
· Autonomia: afirma que o paciente deve participar do processo de decisão sobre o tratamento que vai receber;
· Beneficência: o médico deve visar sempre ao bem-estar do paciente, no interesse deste, e não na visão de terceiros;
· Não maleficência: não se deve causar dano, dor ou sofrimento desnecessário ao paciente;
· Justiça: igualdade na distribuição de recursos para equânime proveito da população, visto que não há recursos infinitos.
- Definição:
· Eutanásia: é o ato ou omissão que levam deliberadamente à morte, como forma de aliviar definitivamente o sofrimento do indivíduo. É
considerada inaceitável e ilegal no Brasil;
· Distanásia: submeter o paciente terminal a procedimentos dolorosos sem finalidade terapêutica útil;
· Ortotanásia: é o processo de morte no tempo certo, sem prolongamento indevido nem encurtamento.
- Tratamentos:
· Fúteis (em cuidado paliativo repudia-se o uso da terapêutica fútil e, portanto, ineficaz);
· Úteis;
· Extraordinários.
- A Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina representou uma grande vitória nos campos ético e jurídico, resguardando o
médico que antes poderia ser criminalmente responsabilizado por aplicar a ortotanásia, bem como por primar pela prática humanista da
Medicina;
- A Resolução nº 1995/2012 do CFM regulamenta a definição das diretivas antecipadas de vontade do paciente, que devem ser registradas em
prontuário e respeitadas por toda a equipe médica e pela família.

Respostas das questões do capítulo


1. C
2. B
3. E

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