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Universidade Federal do Rio de Janeiro

MUSEU NACIONAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

JAYME MORAES ARANHA FILHO

Inteligência Extraterrestre
e
Evolução
As especulações sobre a possibilidade de vida
em outros planetas no meio científico moderno

Rio de Janeiro

1990
JAYME MORAES ARANHA FILHO

Inteligência Extraterrestre
e
Evolução
As especulações sobre a possibilidade de vida
em outros planetas no meio científico moderno

Dissertação de Mestrado apresentada


ao Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social do Museu
Nacional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro

1990
agradecimentos

Às instituições que me auxiliaram com recursos em diversas fases da


pesquisa e da confecção da dissertação: CNPq, CAPES,
PPGAS-MN.
Às bibliotecas que consultei, especialmente à do Observatório
Nacional do Rio de Janeiro, à do Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas (CBPF), à do Planetário da Cidade do Rio
de Janeiro, à do Museu de Astronomia, e à da Maison de
France.
Ao PPGAS, seu pessoal, seus rituais.

Prof. Luiz Fernando Duarte, meu orientador, por sentir-se prisma


que, quando atravessado pelo raio branco e confuso dos
orientandos, desdobra-os em hierarquias de tons puros.
Prof. Gilberto Velho, que ajudou a decidir-me pela antropologia.
Profs. Otávio Velho e Afrânio Garcia, que ficaram intrigados e
curiosos em fases várias da investigação.

Janete e Flor, que resolveram voltar definitivamente para o Velho


Mundo, o que para mim equivaleu a uma distância inter-
planetária. Amnon, que de lá chega como um disco voador,
e com a mesma rapidez se vai.
Carlos, que ouviu todos os meus delírios com o ar de Mick Jagger
assistindo David Bowie.
Bráulio, que me forneceu a imagem exata da minha condição,
subjugado ao impulso inclemente da escrita: um mero stunt-
mind.
Felipe, que não acredita nas estatísticas de etis.
Roberto, que percebeu melancolia e medo na procura por eles.
Hermano, que percebeu o lévi-strauss anti-racista nos devaneios
razoáveis de carl sagan.
Marco, cujo povo fala por melodia.
Sérgio, que persegue, como eu, genealogias de loucos e vírus.
Zé Neto, que lamenta não ter visto disco voador, e ouvia a trilha
sonora de Blade Runner quando o visitei.
Ana, que quando eu ia deixar largar-me no vácuo, Major Tom,
soube lançar-me o apelo, o canto terrestre, que me resgatou,
meu último laço com a natureza.
Aos meus outros, por ainda estarem aí.
resumo

Trata-se de uma etnografia e uma interpretação das


mensagens elaboradas por cientistas norte-americanos na década de
70, endereçadas a hipotéticos seres inteligentes extraterrestres. Em
um nível mais amplo, é uma reflexão sobre o sentido da noção de
inteligência extraterrestre (eti) na segunda metade do nosso século,
especialmente em suas "versões científicas". Mais que um ser apenas
fabuloso, o extraterrestre tem o estatuto do plenamente possível, e
é objeto de pesquisas cientificamente legitimadas. Acionando
questões sobre os atributos que definem a identidade do homem
ocidental - inteligência e linguagem (face aos animais), história e
tecnologia (face aos povos "primitivos") - a eti é uma figura central
do imagInarIa contemporâneo, onde os esquemas e valores
cosmológicos fundamentais da cultura ocidental são trabalhados.
.
sumario
,

introdução 1
fontes
, .
8
sumano 14

capítulo 1. panorama da questão ETI 17


tradição 17
ufos 21
seti 23
evolução & analogia 26
enviar ou receber 34

capítulo 2. arecibo 1974 38


a reinauguração 38
imagem 40
como escrever números 42
química do ADN 43
grau de desenvolvimento 44
eco do Ozma 46

capítulo 3. pioneer 1972/3 48


placa 49
oscilação do hidrogênio 51
«radial pattern» 54
nus 56
mais 58

capítulo 4. voyager 1977 60


o veículo 60
murmúrios 63
a capa 64

capítulo 5. retratos da terra 67


assunto 69
listagem 72
natureza 75
civilização 81
estética 90
auto-retrato 91

capítulo 6. saudações da voyager 95


autoridades 95
línguas 99
saudações & saudações 101
capítulo 7. canto da baleia 104
seres vivos inteligentes 106
baleia corcunda 110
bestiário eti 120
outros terrestres inteligentes 125
«star trek» 128

capítulo 8. sons da terra 136


seleção 137
natureza 139
civilização 140
sinais de vida 143

capítulo 9. músicas da voyager 149


pitagorismo 149
emoções 152
três cérebros, uma música 154
a música selvagem 155
seleção 162
não-evolutivo 165

capítulo 1O. evolução e diversidade 169


antinomia 171
natureza 174
cultura 177

capítulo 11 . adolescência 185


destruição 185
dom & embaixada 188
suicídio 192
solidão 198

capítulo 12. o duplo do tempo 206

anexos:
anexo 1. 116 fotografias da Voyager 220
anexo 2. mensagem do presidente dos EUA na Voyager 224
anexo 3. petição internacional SETI (1982) 225
anexo 4. propaganda de filiação à Planetary Society 226

referências bibliográficas 227


lista de ilustrações

capítulo 1 representações gráficas da equação de Green Bank 31A

capítulo 2 deciframento da mensagem de Arecibo 41A


correspondência entre a mensagem de Arecibo
e a equação de Green Bank 46A

capítulo 3 placa das Pioneers 10 e 11 50


«radial pattern» 54
acenos da Pioneer e da Voyager 58A

capítulo 5 fotos 3 e 4: dicionário 76


foto 52: evolução dos vertebrados 77
foto 60: cientistas observando chimpanzés 78
foto 62: caçadores bosquímanos 79
foto 61: silhueta da 62 79
foto 96: artesão e perfuratriz 83
foto 97: interior de fábrica 83
foto 32: silhueta macho e fêmea 85
foto 72: corredores olímpicos 85
foto 36: grupo de crianças 86
foto 74: crianças em torno ao globo 87
foto 38: retrato de família 87
foto 112: astronauta no espaço 89
foto 12: Terra 89

capítulo 7 foto 54: golfinhos 108


salto da baleia corcunda 110
possíveis morfologias etis 124

capítulo 9 foto 115: quarteto de cordas 151


foto 116: partitura e violino 152

anexo 1 116 fotografias da Voyager 220


convençoes
,."

Negritos A categoria inteligência extraterrestre, e seu acrônimo eti.


A categoria inteligência, derivadas (inteligente), e algumas
expressões formadas com ela: ser inteligente,
civilização inteligente, etc.
A categoria extraterrestre, substantivo ou adjetivo, seu acrônimo
et, e algumas expressões formadas com ela: ser
extraterrestre, civilização extraterrestre, etc.
Eventualmente, grifei terrestre, quando se opunha
explicitamente a extraterrestre.
A categoria SETI, acrônimo de «Search for Extraterrestrial
Intelligence»

Aspas Utilizei as aspas francesas (<< .•• ») para citações, seja as


bibliográficas extensas ou apenas expressões usadas pelo
discurso "nativo".
Utilizei as aspas de máquina de escrever CI... II) para indicar o uso
de expressões em um sentido mais amplo, ou menos
rígido, que o literal.

Abreviaturas et extraterrestre
eti extraterrestrial intelligence
NASA National Aeronautics and Space Administration
ONU Organização das Nações Unidas
OVNI objeto voador não-identificado
SETI Search for Extraterrestrial Intelligence
UFO unidentified flying object
(gm) «Grifos meus» (após transcrição de citação, para indicar
itálicos não presentes no original)
introdução

Em 1977, a NASA lançou em direção a Júpiter duas sondas automáticas

de pesquisa, chamadas Voyagers. Após fotografarem os planetas exteriores,

seguiriam à deriva, perdendo-se no espaço interestelar. Fixado a cada uma delas

havia um disco de cobre elaborado por cientistas, contendo fotos, falas, sons e

músicas «da Terra», codificados numa pretendida «língua universal», dirigidos a

um possível ser inteligente extraterrestre (eti), expressando um desejo fraterno de

estabelecer cantata.

Iniciativas como esta, extremamente trabalhosas, complexas e caras,

empreendidas por cientistas respeitados, sustentadas por instituições de prestígio,

e amplamente divulgadas, não podem ser encaradas como meras ingenuidades,

sensacionalismo de folhetins vulgares, ou fantasias inconseqüentes de gênios

lunáticos, encerrados em seus imprevisíveis laboratórios de maravilhasl. Espero que

ao fim da leitura desta dissertação, o leitor concorde que o ser inteligente que se

deseja alcançar é um pouco mais que um personagem exagerado de um conto de

ficção científica naif.

Apesar do ar dos tempos vir tornando fora de moda inventários e

interpretações, este pretende-se um trabalho em estilo relativamente clássico: ele

1. BOON (1982:42-3) ridiculariza a expectativa de Sagan de que a mensagem enviada na sonda


Pionner possa ser compreendida por uma civilização extraterrestre. Mas sua censura,
descartando em bloco toda a problemática levantada por Sagan como «Enlightenment-like
simplicity», é no mínimo tão preconceituosa quanto as ilusões de Sagan.
Introdução - 2

é fundamentalmente uma etnografia e uma interpretação da mensagem enviada

com as Voyagers. A motivação primeira deste trabalho foi o desconcerto a que me

vi submetido diante da iniciativa do programa espacial americano - o incômodo

intelectual com a dificuldade de pensar isso. Inúmeras dúvidas povoaram-me, mas

não possuía pistas para contorná-las, nenhuma ilusão confortadora de síntese

explicativa. Apenas o desassossego.

Cedo aprendi que a postura característica do etnólogo, ao abordar uma

cultura diferente e a seus olhos exótica, é procurar torná-la familiar e

compreensível. Ao descrever uma crença indígena, por exemplo, que a fumaça

gera chuva, sabe que ela causará de saída espanto ao ocidental, que a julgará

absurda, incompreensível, ou, no máximo, pré-lógica. É uma crença excessivamente

estranha, e a dificuldade em abordá-la é função da distância cultural. O trabalho

do etnólogo é justamente torná-la plausível: descobrir todo um quadro de

representações onde essa crença se sustenta, encontrar seqüências insuspeitadas de

mediações dentro de uma lógica específica, enfim, reconstituir a malha de

referências simbólicas própria à cultura estranha.

Alguns argumentaram que este movimento do estranho ao familiar

constituía a essência do trabalho antropológico, mas que quando o antropólogo se

volta para aspectos de sua própria cultura, o sentido do movimento sofre como

que uma inversão (DAMAlTA:1978). Os fatos de cultura são então já relativamente

compartilhados pelo pesquisador e seus pares, que em princípio os aceita como

naturais, óbvios, garantidos em pressuposições e não-pensados. O etnólogo é

cegado pela excessiva familiaridade. O exercício antropológico é então o de

estranhar o cotidiano, buscar despojar-se do senso comum para poder nele flagrar
Introdução - 3

os arbitrários culturais, encontrar os valores que operam como matrizes de tal

crença ou tal prática. Como o excessivo estranhamento impedia a compreensão das

outras culturas, a excessiva familiaridade ofusca o pesquisador e obstrui a sua

ambição de decifrar o sistema simbólico em que está imerso. Duas situações

extremas de bloqueio devido à distância entre sujeito e objeto: o excesso de

diferença ou o excesso de identidade.

Para VELHO (1981), o trabalho antropológico na própria cultura (em

qualquer cultura) só é possível por que esta não é inteiramente homogênea. É

certo que nenhuma cultura pode de fato ser um bloco monolítico, absolutamente

coerente e regida pelos mesmos esquemas simbólicos em todas as suas

reentrâncias. Ao contrário, se há cultura, ela se encontra principalmente nos

dinamismos dos conflitos, atualizações precárias, concorrência de forças, de valores,

de sentidos. Mas a cultura ocidental, articulada a partir de valores como a

complexidade e a diversidade, leva esta dinâmica pluralista das fronteiras de

significação ao paroxismo. Ao fim das contas, o antropólogo não é assim tão

nativo, tão identificado ao seu informante. Navegando pela diversidade dos níveis,

dos campos da própria cultura, muito há a estranhar logo após dobrar a esquina,

encontrar outro panorama, outro drama. A heterogeneidade intrínseca da cultura


ocidental garante ao pesquisador itinerante diversos graus de distanciamento

relativo face aos recortes que estuda, fazendo da sua reflexão o resultado de

muitas idas e vindas no pêndulo do estranho/familiar.

No caso do universo que recortei, cientistas especulando sobre seres

extraterrestres, esse problema causou-me algum embaraço. A questão é a seguinte:

a constatação de que cientistas consagrados conjecturam seriamente sobre a


Introdução - 4

existência e a possibilidade de comunicação com civilizações extraterrestres

provoca espanto de saída. Pois fiquei perplexo ao descobrir o volume e a

sobriedade de artigos sobre o tema publicados por revistas científicas as mais

respeitadas. Meu desconcerto só aumentou diante dos nomes dos seus autores.

Vários prêmio Nobel de física e química, biólogos, astrônomos, matemáticos, todos

pesquisadores, professores universitários, em sua maioria americanos. Inicialmente

todos os meus valores e admiração em relação ao mundo científico, não de todo

livres de um certo ranço positivista confuso, sentiram-se ameaçados.

Se tivesse escolhido perseguir o fio extraterrestre num meio ufológico, ou

na literatura de ficção científica, o estranhamento seria inteiramente outro. Podia

não compreender de saída como os ufólogos pensavam, ou qual a matriz mítica

que operava em determinado conto de f.c., mas não havia nada de espantoso em

ouvir de grupos de aficcionados que acreditam e procuram discos voadores, ou em

ler um conto sobre uma civilização alienígena no século XXV. Era a coisa mais

natural, com que me acostumara muito antes de ouvir da antropologia, nos tempos

em que assistia incas venusianos e família robson na tevê.

Mas a Ciência acadêmica era outra história. A NASA dos anos 70/80 nada

tinha a ver com ufologia ou a transição mágica do milênio. Tratava-se de um

templo da pesquisa científica e tecnologia espaciais, sagrada pelo êxito da corrida

à Lua dos anos 60. Como podia ela envolver-se em semelhante especulação
maravilhosa, apostar na existência palpável das civilizações alienígenas inventadas,

sem a menor evidência empírica, pela imaginação moderna, a ponto de enviar-

lhes uma mensagem?! Surpreendeu-me vê-la envolvida em fabulações tão incertas,

e freqüentemente expostas ao ridículo. Assim, o estranhamento inicial, que deveria


Introdução - 5

ter sido o resultado de um longo e necessário exercício de relativização cultural,

foi-me imposto súbito à revelia. Um verdadeiro susto, como o umheimlich

freudiano. Não exatamente pela imagem do extraterrestre, nem pelo meio

científico em si, mas pelo cruzamento de ambos, Era o fato dos porta-vozes da

Ciência resolverem apostar nos seres inteligentes extraterrestres que me intrigou,

que me pareceu inconcebível. Era a mistura destes dois terrenos, inicialmente tão

nitidamente separados no meu universo de representações, que escandalizou-me

como uma profanação. Mais que uma ousadia do pensamento, parecia que os

sacerdotes do meu «templo laico» (DUARTE:1983) haviam aderido de um só golpe

à fantasia mais incontida. Temi que o meu mundo de referências começasse a

desrealizar-se, como nos contos do Phillip K. Dick. Tornei e posterguei inúmeras

vezes o trabalho, por não tolerar muita exposição.

A escrita é como uma incômoda cura, a ressaca que te devolve o corpo

após os excessos da embriaguez. Grande parte do meu esforço etnográfico voltou-

se, não para a desnaturalização da descrição nativa, mas para demonstrar sua

plausibilidade. Como se as fontes originais houvessem já desaparecido, desatei a

tentar registrar o mais que pude, os detalhes aborrecidamente técnicos, dados

que nem sabia se tinham utilidade, mas que seria um desperdício não anotar. A

gula da "etnografia completa", para terceiros lançarem mão. Como se o livro do

Sagan não estivesse em cada esquina. Por necessidade intelectual fui obrigado a

percorrer os intrincados raciocínios, refazer os cálculos, reconstituir o itinerário

intelectual que permitia suspeitar da existência e da razão dos tais seres - em

nome da ciência. Apenas quando me parecia convencido das razões de um

argumento, quando lhe restituía a verossimilhança e podia aceitar sua

possibilidade, não necessariamente concordar mas sintonizar, pude libertar-me da


Introdução - 6

rigidez viciada do espanto e pensá-lo criticamente. Devolvido à razão, escrevo

sobre o que vi.

Foi em RENARD (1984) que encontrei as primeiras indicações do caminho:

o extraterrestre é representação da alteridade 2• Ele acumula o estatuto de

estrangeiro em vários níveis: outra cultura e história, outra biologia, outro planeta.

Não ocidental, não humano, não terrestre, em todos os sentidos ele é o que vem

"de fora", e sempre guarda a possibilidade do absoluto insólito, do

incompreensível, e do abominável - aquilo que seria preferível nunca encontrar.

No entanto, há uma expectativa de que se pareça, em um nível mais fundamental,

com o homem moderno: uma inteligência análoga, igualmente dotado de

tecnologia (mais avançada, porém em continuidade com a nossa), o uso de uma

linguagem articulada que talvez se pudesse fazer traduzir, enfim, um ser com o

qual pudéssemos travar comunicação. A imagem do extraterrestre trabalha nesta

zona ambígua em que uma identidade profunda convive com o estranho absoluto,

nessa franja limítrofe, mas crucial para toda cultura, onde se busca definir as

fronteiras significativas entre eu/outro e cultura/natureza.

A eti visada pela mensagem da Voyager está comprometida com uma


representação cosmológica do universo em evolução. É um lugar comum afirmar

que a cultura ocidental depende da noção de história para costurar alguma

identidade. Para o ocidente, a categoria da alteridade igualmente só encontra

2. «Depuis la fin du XIXe siecle, le monde foisonnant des créatures fabuleuses en Occident a subi
une structuration sous-jacente autour de deux pôles, de deux figures mythiques, qui vont
prendre sens l'une par rapport à l'autre dans des relations analogiques et antithétiques:
l'Homme sauvage et l'Extraterrestre. Ces figures de l'étrangeté sont significatives parce qu'elles
se situent au plus pres de l'image humaine, dont elles représentent la premiere altération, au
sens étymologique de "faire autre". Elles marquent chacune les limites exactes entre l'humain
et le non-humain» (RENARD:1984:71).
Introdução - 7

significação no universo da temporalidade - uma temporalidade linear, regida

pelo sentido do crescimento e do progresso. O evolucionismo social é a forma

mais acabada de fazer toda diferença cultural encontrar seu lugar na linha do

tempo: ou recuo no passado, ou antecipação do futuro. O outro ocidental tende

a ser uma forma do mesmo, apenas deslocado na linha da história. Pois a eti

virá ocupar incomodamente o lugar de duplo do homem ocidental, confrontando-

o com os seus valores da história e da ciência, aguçando a sua crença no

progresso assim como o seu temor pela decadência.

A outra grande pista desenhou-se lentamente. Custei a perceber, tão

debaixo dos olhos. À medida que me dedicava à desconstrução das mensagens, à

análise das suas estruturas significativas, sobressaía a ubiqüidade da distinção

natureza/cultura. Não era apenas o olho viciado do antropólogo que inventa a sua

tribo: era uma formulação explícita no discurso nativo. Havia toda a temática da

passagem do estado de natureza para a civilização, na genealogia evolucionista.

Mas a formulação mais impressionante era a da exigência de uma linguagem

universal, único suporte capaz de garantir que a comunicação com a eti pudessem

se realizar. Lévi-Strauss foi-se tornando uma referência cada vez mais presente na

reflexão. Por outro lado, a visão mais global de Sagan sobre o momento atual da

civilização e o sentido mais geral da mensagem da Voyager foi mostrando muitos

pontos de contato com as colocações de um dos primeiros textos de antropologia

que li, o «Raça e História» (1976e).

Pretendo mostrar que a noção de eti é construída a partir de uma reflexão

recorrente sobre a distinção entre natureza e cultura, um incansável retomar da


Introdução - 8

genealogia do ser inteligente a partir de um cosmos "bruto" que lhe é anterior,

mas que, em outro sentido, lhe é afim.

fontes o material reunido constitui-se basicamente de livros e artigos de

periódicos científicos, que variam num espectro que vai da

publicação voltada explicitamente para um público leigo, a chamada "literatura de

divulgação científica", até o artigo especializado, "hard", em geral repleto de

cálculos e considerações técnicas, voltado para o público restrito da "comunidade

científica".

o meu principal "informante" não poderia deixar de ser Carl Sagan

(1934- ). Uma recapitulação de sua carreira profissional é útil para avaliar o grau

de consagração acadêmica e pública do principal protagonista moderno das

especulações sobre inteligência extraterrestre3. Graduado em astronomia e biologia,

doutorou-se em astronomia planetária pela Une de Chicago em 1960, com uma

tese sobre as condições climáticas do planeta Vênus: a partir de um modelo-

estufa da atmosfera, elaborou um processo para transformá-la, aproximando-a da

terrestre, baseado num bombardeio de algas-azuis por sondas automáticas - o que

chamou (seguindo um termo da ficção científica) «terraformar» a atmosfera do

planeta (Cf SAGAN:1973, caps. 13 e 22). Fez cálculos para uma semeadura análoga

em Marte. As suas interpretações das manchas sazonais de Marte como

tempestades de areia, confirmaram-se posteriormente pelas fotos da Mariner 9.

Lecionou na Une de Harvard, Une da Califórnia em Berkeley, Faculdade de

3. Os dados biográficos de Sagan foram coletados em MouRÃo (1987), verbete «Sagan»; SAGAN
et ai (1984), ficha dos autores; SAGAN & SHKLOVSKY (s/d), nota introdutória; SAGAN (1983a),
contracapa.
Introdução - 9

Medicina da Une de Stanford. Em 1968 assumiu a cadeira David Duncan de

Astronomia e Ciências Espaciais e a diretoria do Laboratório de Estudos

Planetários da Une Cornell (NY). Em 1969 tornou-se editor da revista /carus, junto

com Frank Drake (outro pioneiro da procura por eti). Passa então a conselheiro

da Academia Nacional de Ciências e da NASA. Em 1972 convenceu a NASA a

incluir uma mensagem para etis nas sondas Pioneers, elaborando uma placa

gravada, junto com sua esposa Linda e Frank Drake. Em 1973 empreendeu, junto

com F. Drake, uma pesquisa SETI (Search for Extraterrestrial /ntelligence) no

radiotelescópio de Arecibo (Porto Rico) em busca de «civilizações tipo II». Em

1976, trabalhou na missão Viking da NASA à Marte, na equipe de geração de

imagem. Em 1977, participou duplamente da missão Voyager: como membro da

equipe de geração de imagem, e como responsável pela produção da mensagem.

Sagan é ganhador de um prêmio Pulitzer de literatura (por Dragons of Eden,

1983a [1977]); medalha da NASA por Realização Científica Excepcional; John

Campbell Award pelo melhor livro científico do ano; Joseph Priestley Prize por

«eminentes contribuições para a prosperidade do gênero humano». É também

presidente e co-fundador da Sociedade Planetária, entidade civil voltada para

divulgação e promoção de eventos relacionados à exploração espacial e SETI4 •

Sua obra escrita dedica-se quase inteiramente à questão da inteligência

extraterrestre e à astronomia planetária. Além de algumas coletâneas de artigos

(1973, 1985a), três livros se destacam: Dragons of Eden (1983b), uma sofisticada

síntese de divulgação sobre as teorias científicas recentes da evolução e estrutura

4. Amigos enviaram-me de Israel a propaganda que receberam da Sociedade, convidando à


filiação: 35 dólares por um ano como sócio, recebendo uma revista bimestral e participando
de eventos. A Sociedade possui mais de 125.000 membros em mais de uma centena de países.
Entre os seus empreendimentos, ela produz o maior projeto SETI até o momento, o META-
Sentinel na Uno de Harvard (ver Anexo 4).
Introdução - 10

do cérebro humano; Cosmos (1983b), inicialmente uma série de dez capítulos para

TV, é um "livro total", abarcando todas as áreas do conhecimento numa grande

síntese de divulgação científica; e Contato (1986), um romance de ficção científica

em que antecipa um encontro com uma civilização eti a partir do êxito de um

programa radioastronômico SETI. Dois dos livros que organizou marcam dois

limites do campo do extraterrestre: as contribuições de um simpósio sobre

comunicação com eti realizado na URSS (1973), uma coletânea reunindo diversas

opiniões de cientistas sobre o caráter dos UFOs (com PAGE:1974). Participou ainda

de um livro crucial, fruto de um evento que mobilizou toda a comunidade

acadêmica americana em 1982, e no qual Sagan teve uma atuação chave: a

«Conferência sobre as Conseqüências Biológicas Globais a Longo Prazo de uma

Guerra Nuclear» (EHRLICH et al:1985).

A minha principal fonte de informações foi o livro Murmúrios da Terra -

O disco il1terestelar da Voyager (SAGAN et al:1984), lançado nos EUA em 1978 e

traduzido no Brasil em 1984. Ele foi inteiramente escrito pelas pessoas que

formularam o disco da Voyager. SAGAN escreve o capítulo de abertura, com uma

perspectiva geral sobre as intenções e expectativas do projeto, relatando os

bastidores de cada passo da confecção do projeto do disco. O radioastrônomo

FRANK DRAKE escreve o capítulo seguinte, uma espécie de recapitulação detetivesca

das tentativas de mandar mensagens para eti, suas técnicas, seus princípios,

culminando na idéia do disco. Seguem-se quatro capítulos, cada um descrevendo

uma das quatro partes do disco - Fotografias, Saudações, Sons e Música - e

assinados pelos respectivos responsáveis - JOHN LOMBERG (artista plástico e

escritor), LINDA SAGAN (artista e produtora, esposa de Carl), ANN DRUYAN

(escritora) e TIMOTHY FERRIS (escritor). SAGAN fecha o livro com dois breves
Introdução - 11

capítulos. Num deles descreve a missão propriamente científica das sondas

Voyager, suas trajetórias e encontros com os planetas do sistema solar exterior.

Encerra com um epílogo otimista quanto ao contato com etis e ao futuro da nossa

civilização.

Há um gênero de livros dedicados especificamente ao tema da existência

de vida, e vida inteligente, em outros planetas. Seus autores estão em geral ligados

à área de astronomia. C. SAGAN (passim), PONAMPERUMA & CAMERON (1974),

McGowAN & ORDWAY (1966) são exemplos. Ou então são escritores especializados

em "divulgação científica", como W. SULLIVAN (1964), editor de ciência do New

York Times. Livros de divulgação científica, apresentando grandes sínteses dos

conhecimentos astronômicos e cosmológicos, costumam abordar, em algum capítulo

de encerramento, a possibilidade de haver outras civilizações inteligentes no

universo, com a qual eventualmente entraremos em contato - ex.: FERRIS (1990).

Algumas coletâneas reúnem artigos já publicados em revistas (p.ex. GOLDSMITH,

1980); obras coletivas outras editam as contribuições em conferências e colóquios

científicos dedicados à SETI ou temas relacionados (SAGAN:1973; ELSÃSSER et

ai: 1970; MARUYAMA & HARKINS:1975; etc).

Um gênero vizinho é o de sínteses biológicas de divulgação, abordando o

"fenômeno da vida" desde as hipóteses aceitas sobre a sua origem até os

mecanismos de evolução e a origem da espécie humana. Freqüentemente tais

livros abordam a possibilidade de surgir vida noutros astros ou mesmo a tendência

à evolução de espécies inteligentes. Escritos por autores ligados às ciências

biológicas ou à química, são exemplos os de FRANCIS CRICK (1981), LESLIE ORGEL


(1973), OPARIN (1953).
Introdução - 12

Alguns dos principais livros destas duas categorias possuem tradução editada

no Brasil. Entre nós, o astrônomo R. R. F. Mourão publicou vários artigos a

respeito do assunto no Jornal do Brasil, retomados em coletâneas (MoURÃo:1978;

1980; 1982), além de um curto livro de divulgação (1988).

Muito se escreveu sobre a correção da conjectura SETI nos meios

acadêmicos. Boa parte do debate travado entre cientistas e professores

universitários de diferentes especialidades ocorreu através de artigos ou cartas para

periódicos dedicados à comunidade científica. São de duas classes estas

publicações: em primeiro lugar, revistas científicas gerais, que publicam matérias

de todas as áreas acadêmicas reconhecidas. Exemplos consultados: Science, Nature,

Scientific American, American Scientist, La Recherche. Em segundo lugar, revistas

especializadas de astronomia, física ou afins. Alguns exemplos consultados: [carus

(editada por Sagan e Drake), QJRAS, The Observatory, Physics Today.

(Eventualmente um artigo pertinente, de algum biólogo, foi publicado em revista

especializada na área biomédica, como o de DouBZHANSKY (1972) na Perspectives

in Biology and Medicine).

Dois outros gêneros, tomados por mim secundariamente, também abordam

a coisa extraterrestre: a literatura ufológica, e a de ficção científica. Funcionam

mais como campos limítrofes, na franja sutil que delimita o universo de

publicações científicas que privilegiei. Aciono-os como contrapontos às

representações do mundo SETI, servindo de balizamentos comparativos para as

minhas hipóteses interpretativas.


Introdução - 13

Em 1986, quando um primeiro esboço do meu projeto de dissertação

versava especificamente sobre ufologia, cheguei a reunir farto material sobre a

crença em «discos voadores»: livros, revistas, ida a congressos, vigílias, gravação

de entrevistas, pesquisa de campo no Rio. Escrevi um projeto de pesquisa sobre

ufologia (ARANHA F.:1986b) e um paper (ARANHA F.:1986a) onde analiso um caso

de disputa entre tendências diferentes da ufologia carioca. Financiado com uma

bolsa de pesquisa do PPGAS, cheguei a fazer um campo em Brasília. A tese de

antropologia social de FERREIRA NETO (1984) estuda o movimento ufológico

brasiliense, etnografando o «2° Congresso Internacional de Ufologia» (1983) e as

atividades de um grupo de ufologia avançada. Utilizei como obras de referência

sobre a história da ufologia BRIAZACK & MENNICK (1979) e DURRANT (s/d; 1980).

A ficção cientifica - literária ou cinematográfica e televisiva -, foi

provavelmente quem mais explorou o tema em todo o seu rendimento imaginário.

Com a flexibilidade característica da literatura, ela percorre todas as formas de

elaboração moderna da noção de extraterrestre: exploração espacial, ufologia,

SETI, e mil sincretismos com o fantástico, o terror, etc. As obras de referência

utilizadas foram GUNN (1988), SCHOEREDER (1986) e TAVARES (1986).

Alguns estudos históricos ou sociológicos sobre o debate e a crença em eti

já foram realizados. Tive acesso a dois estudos históricos de fôlego a respeito da

questão da pluralidade de mundos e habitantes de outros planetas. O primeiro é

de DICK (1982) e recolhe fontes desde os gregos até a cosmologia kantiana. O

segundo é de CROWE (1986) e historia a questão desde Kant até o fim da

polêmica sobre os canais marcianos. JAKI (1978) realizou uma minuciosa história

das teorias sobre a origem dos sistemas planetários, e ajuda a compreender os


Introdução - 14

diversos deslocamentos sofridos pela crença na «pluralidade de mundos». F ARLEY

(1979) historia as teorias sobre a origem da vida, e ajuda a compreender o

estatuto das hipóteses ainda hoje em construção. Além destes, LoVETOY (1964),

KOYRÉ (1986), um artigo de TIPLER (1981) e um de BECK (em REGIS JR, ed, 1985)

fornecem subsídios a uma reconstituição histórica dos debates sobre a questão eti.

Ainda dois artigos de RENARD (1984; 1986), abordando a figura do extraterrestre

como expressão do imaginário evolucionista contemporâneo, sem preocupar-se

muito com as distinções significativas entre SETI, UFO ou ficção científica,

forneceram-me sugestões analíticas e informações históricas.

,
sumario
. A estrutura da tese acompanha de perto a exposição etnográfica.

Eis a lista dos seus capítulos:

Capítulos
Introdução - 15

No primeiro capítulo traço um panorama sumário do contexto em que a

mensagem da Voyager aparece: os vários registras em que a noção de ser

extraterrestre é acionada na modernidade. Após um curto histórico da ufologia e

do movimento SETI, apresento a idéia do cálculo da probabilidade de etis a partir

de um modelo cosmológico evolucionista, formalizado na fórmula de Green-Bank.

Por fim, apresento a idéia de travar comunicação com etis, e o contexto geral em

que se forjaram as iniciativas de enviar mensagens para etis, que serão o objeto

privilegiado em todo o resto da dissertação.

Os capítulos 2 e 3 são curtas etnografias das duas mensagens dirigidas a

etis que precederam à da Voyager, realizadas por alguns dos mesmos cientistas que

depois a criaram. Aparecem como esboços do que será o disco, em que algumas

das questões chaves já começam a ser delineadas.

Nos capítulos de 4 a 9 apresento o principal da etnografia da mensagem

da Voyager. Após uma introdução geral sobre o veículo e a concepção da

mensagem (cap. 4), descrevo uma a uma as quatro partes em que a mensagem

se divide - fotos, saudações, sons, músicas. A gravação do canto de uma baleia

situa-se entre a faixa das saudações e a dos sons. Mereceu um capítulo separado

pela situação peculiar que ocupa na estrutura geral da mensagem.

Analiso o conjunto da estrutura da mensagem no cap. 10, propondo que ela

constitui-se de duas unidades lógicas contraditórias, às quais correspondem os

blocos de fotos-sons e saudações-músicas, e formulo uma hipótese de sua

articulação. Levanto duas questões a serem resolvidas a seguir: qual o sentido da

«solidão cósmica» da humanidade, apresentada como a motivação última da


Introdução -16

mensagem pelos seus autores? Por que a representação de cenas retratando

violência ou desigualdade social foram censuradas pela própria equipe?

No cap. 11 apresento a representação "nativa" do estado atual da civilização,

mobilizada entre dois riscos: a auto-destruição por "imaturidade bio-social"

(política, ética, sociológica); a decadência pelo excesso de homogeneidade e

esgotamento dos recursos naturais em escala planetária.

Finalmente, o último capítulo, que também é uma conclusão, resume as

principais teses a respeito do sentido da noção de ser extraterrestre na

modernidade recente, a partir do que pôde ser compreendido com as análises

precedentes.
CAPíTULO 1

panorama da questão eti

tradição A especulação a respeito de vida em outros planetas não é um


tema recente. LOVETOY (1964), em seu clássico estudo histórico
sobre o que considerou uma das idéias mais antigas e enraizadas do pensamento
ocidental, a «grande cadeia contínua dos seres», examina a concepção de alguns
autores para os quais, em nome de um «princípio de plenitude» e da analogia que
organiza o universo, é necessário que outros planetas sejam, tal como a Terra,
habitados. KOYRÉ (1986) acompanha a desconstrução do modelo cosmológico
«fechado» medieval em prol de outro, infinito e matemático, através da análise
da obra dos principais formuladores da revolução cosmológica moderna, e encontra
a questão da vida em outros planetas relacionada à crença na «pluralidade de
mundos» e às concepções dos limites do universo. A revolução copernicana e a
nova cosmologia, que atribuíram aos outros astros um lugar equivalente ao da
Terra na estrutura do universo, fará com que pensadores como Kant (que
formulou o primeiro grande modelo cosmológico baseado na mecânica newtoniana)
postulem a presença de «outras humanidades» distribuídas pelos diversos mundos

1. Em junho de 1989 cheguei a apresentar um comunicado na la Semana de Filosofia da PUC-


RJ, intitulado «O lugar do extraterrestre no céu kantiano», em que sugeria algumas questões
sobre a categoria moderna do extraterrestre a partir de anotações de leitura do Teoria do Céu
de Kant.
1. Panorama eti - 18

Dois livros historiográficos dedicam-se especificamente à questão: DICK


(1982) retraça um fio de continuidade histórica na temática, compilando diversas
formulações relacionadas ao assunto desde a Grécia Antiga até o século XVIII;
o minucioso CROWE (1988) historiografa o período subseqüente, a partir da
cosmologia dos pioneiros da astronomia sideral (Kant, Herschel), através do
iluminismo, a mudança de opinião e o questionamento de Whewell, os impasses
teológicos, a opinião de A. R. Wallace, até o desfecho do debate sobre a
observação de canais artificiais em Marte, na altura da primeira guerra mundial.
Crowe mostra que a crença na existência de vida em outros planetas não apenas
tem uma longa história, mas que, ao contrário do que se tende a supor, ela foi
protagonizada preferencialmente por grandes intelectuais e cientistas reconhecidos 2•
TIPLER (1981) revê algumas formulações da questão extraterrestre na tradição
ocidental, interpretando-as à luz dos princípios da plenitude e ':lnalogia propostos
por Lovejoy3. BECK (1985), filósofo da Une de Rochester (NY, USA) também faz
uma breve revisão dos "precursores" da idéia de vida extraterrestre, e encontra em
Plutarco e em Lucrécio as duas formulações «arquetípicas» (sic) que moldarão
toda a história da questão 4•

2. «We have seen that the debate in fact arose in antiquity, continued in almost every subsequent
century, and had by 1916 produced over one hundred forty books on this topic. The great
majority of these, moreover, as well as most of the thousands of pre-1917 essays, papers, and
reviews in the debate, advocated extraterrestrial life. Although some authors of these
publications possessed only modest learning, a large number were persons of indisputable
prominence. About three-fourths of the most prolific astronomers and nearly half of the most
prominent intellectuals of the eighteenth and nineteenth centuries contributed to the debate.»
(CROWE:1988:547).
3. Interessado em refutar a possibilidade de haver etis, Tipler detém-se particularmente nos
curiosos argumentos de Alfred R. Wallace, codescobridor com Darwin da teoria da evolução
das espécies, contra a crença na existência de seres extraterrestres. A respeito das concepções
«hiperseleccionistas» de Wallace ver CANGUILHEM (1989) e GOULD (s/d), sobre seus argumentos,
quase teológicos, a respeito da posição única do ser humano no universo, ver GOULD (1985).
4. «The Plutarchean argurnent becarne a part of the natural theology of Christianity after the
Copernican revolution; the Lucretian argurnent carne into its own after the Darwinian»
(BECK:1987:5).
1. Panorama eti - 19

Não é meu interesse no momento analisar as variadas concepções sobre


vida em outros planetas na longa história da tradição ocidental. Pretendo apenas
registrar a antigüidade da questão, que chegou a instigar pensadores proeminentes,
particularmente após a "revolução pós-copernicana" da astronomia sideral, o que
nos leva a acreditar que a questão da vida em outros planetas, da «pluralidade
de mundos habitados» como costumavam chamar, é uma questão central e
recorrente na formulação de uma cosmologia moderna, nos esforços intelectuais
para situar o «man's place in the universe».

Não obstante o fio de continuidade reconstituído por esses historiadores,


acredito ter encontrado indícios suficientes de que o nosso século promoveu
mudanças significativas na forma de abordar a questão. Esses deslocamentos
eclodem de forma mais radical em meados do século, no pós-guerra imediato, e
sofrem acomodações até meados da década de 60, quando adquirem uma
configuração que se mantém aproximadamente a mesma até nossos dias.

Antes de tudo, a introdução de um novo termo para designar o hipotético


ser de outro planeta: o extraterrestre. RENARD (1986) examina a evolução
semântica do termo extraterrestre na língua francesa. Presente desde meados do
século XIX como adjetivo mágico-religioso, torna-se materialista na virada do
século, como termo técnico-científico para qualificar os objetos astronômicos. Meio
século depois, começa a ser utilizado também como substantivo:

«Le substantive "Extraterrestre" est né vers 1960 de la convergence entre l'adjectif


"extraterrestre" et l'idée qu'il existe ou qu'il puisse exister des habitants sur
d'autres planetes. Certes, cette idée anime depuis fort longtemps le débat sur la
"pluralité des mondes", [...] mais les termes génériques utilisés étaient les
expressions "habitants des autres mondes", "hommes des planetes", habitants des
Terres du ciel", etc., et non le mot "Extraterrestre"» (RENARD:1986:224-5)
1. Panorama eti - 20

Nos meios científicos interessados pela pesquisa por formas de vida


extraterrestres, ligados à idéia do experimento SETI (ver adiante), o termo seguiu
sua evolução: extraterrestre voltou a adjetivar um substantivo chave, eleito como
a característica mais apropriada para designar o gênero de ser extraterrestre
visado: a inteligência. Extraterrestrial intelligent being, extraterrestrial intelligence,
ou simplesmente etis. O uso deste termo é bastante distintivo da discussão
científica sobre vida extraterrestre. Seria interessante pesquisar o processo pelo
qual essa designação se impôs, após vários outros termos terem sido
experimentados - como «humanóides extraterrestres», «seres et conscientes», «seres
et racionais», etc. Alternativamente, os mesmos autores que utilizam o termo eti,
utilizam eventualmente extraterrestrial civilizations quando pretendem acentuar
o estágio evolutivo tecnológico de tais seres.

Além dos deslizamentos lexicais, a questão extraterrestre sofre novos tipos


de apropriações sociais: 1) o boom de ficção científica, acentuado a partir dos
anos 30 nos EUA, banaliza a idéia dos seres alienígenas, a começar com o
estereótipo dos «little green men» marcianos; 2) a onda de testemunhos de
«objetos voadores não-identificados» (OVNI ou UFO), a partir do pós-guerra
imediato, traz os extraterrestres para o cotidiano popular, e qualquer um passa a
estar sujeito a encontrar um alienígena na porta de casa, e eventualmente ser
raptado e dar um passeio num disco voador; e 3) novas tecnologias em
radioastronomia e astronáutica, que ganharam grande impulso com a guerra (os
grandes radiotelescópios construídos a partir dos anos 50, são os herdeiros
pacíficos dos radares militares desenvolvidos na segunda guerra mundial; do
mesmo modo, a tecnologia astronáutica é um subproduto direto dos investimentos

s. «It is during this time [1959, publicação na Nature do artigo de CoCCONI & MORRISON,
considerado reiniciador do debate nos moldes contemporâneos] that the question of other
intelligent beings in the cosmos ceases to be called "the plurality of worlds question tt , as it was
referred to for hundreds of years, and becomes the ttETI question tt » (TIPLER:1981:142).
1. Panorama eti - 21

na produção de foguetes-bomba e mísseis), trazem para dentro do campo do


possível o acesso ao espaço extraterrestre.

É dentro deste último campo que se forjará a idéia de um experimento


para verificar a existência, ou não, de eti: a chamada SETI (Search for
Extraterrestrial Intelligence). Também é neste mesmo meio que se promoverão,
paralelamente às atividades astronáuticas de pesquisa científica, a produção de
mensagens a serem acopladas às sondas espaciais dirigidas a possíveis etis.

ufos o pós-guerra imediato conheceu os primeiros testemunhos de «discos


voadores», e a sua interpretação vacilou inicialmente entre artefato
russo e nave interplanetária extraterrestre6 • O episódio considerado inaugural da
«era moderna dos UFOs» ocorreu em 1947, quando um piloto civil americano
avistou uma formação de objetos luminosos insólitos, de forma discóide. A
imprensa noticiou o caso, com todo o sensacionalismo que merecia, lançando a
expressão «flying saucers». Em 48, um piloto da força aérea americana perseguiu
um desses objetos, e acabou morrendo num acidente inexplicado. Estes
precedentes fizeram com que pipocassem centenas de testemunhos e avistamentos
por todo o mundo, numa epidemia pública de «contactados». Os casos que eram
desmentidos ou esclarecidos não chegavam a desfazer a impressão geral de que
alguma coisa estranha estava acontecendo, e que a qualquer momento os tais seres
poderiam apresentar-se abertamente. Criou-se uma expectativa de que, se não
estávamos prestes a ser invadidos por outra civilização, no mínimo estávamos
sendo observados. «Não estávamos mais sós». O homem comum passou a olhar
para o céu com outros olhos, pois a qualquer momento poderia ser ele mais uma

6. Para esta breve cronologia ufológica, consultei principalmente BRIAZACK & MENNICK (1979) e
DURRANT (s/d).
1. Panorama eti - 22

testemunha da chegada dos seres «from outer space». Como cantava Caetano na
solidão do exílio londrino, «while my eyes ...»

A história da ufologia é a história da recorrência de testemunhos e da


pressão dos que acreditam tratar-se de fugidias aparições extraterrestres para que
as autoridades científicas e governamentais investiguem e reconheçam o fenômeno,
e a recorrência dos desmentidos oficiais, denegando o caráter extraterrestre do
fenômeno UFO, garantindo que ele pode ser explicado ou como má fé das
testemunhas ou como má interpretação de fenômenos banais.

Em 1947 a Força Aérea americana abre o primeiro inquérito investigativo


sobre tais avistamentos não esclarecidos (Projeto Signo), que considerava que o
fenômeno era real, possivelmente de origem extraterrestre. Em 1949, o inquérito
assumiu outro curso (passando a chamar-se Projeto Rancor), encerrando-se em
dezembro com a conclusão de que não havia base para acreditar que qualquer
fenômeno desconhecido estava por trás dos avistamentos. A mais extensa
investigação foi o Projeto Livro Azul, iniciado em 1951 e que só será encerrado
em 1969 com o relatório Condon. Seu diretor até 53, Edward Ruppelt, cunhou
o termo «unidentified flying object» (UFO), que tornou-se a designação oficial do
fenômeno e rapidamente popularizou-se. Duas décadas depois da primeira onda
de aparições de discos voadores, os pretendidos extraterrestres não haviam se
declarado, e, embora os comunicados de avistamentos não cessassem, nenhuma das
observações pesquisadas foi conclusiva. Para acabar de uma vez por todas com a
questão, mas evitando as denúncias de que o governo escondia as reais conclusões
de seus inquéritos, em 1966 a aeronáutica americana encomendou uma
investigação não-governamental à equipe de Edward Condon, da Universidade do
Colorado. Em 1969 o relatório foi divulgado: os UFOs são ou ilusões ou fraudes,
1. Panorama eti - 23

não há qualquer evidência de tratar-se de espaçonaves interplanetárias, não


ameaçam a segurança nacional e não são material «top secret».

o «Condon Report» foi a pá de cal oficial no estudo dos UFOs. Inúmeros


programas governamentais de investigação, em todo o mundo, foram encerrados
após o seu veredicto. Influenciou igualmente a até então reticente comunidade
científica, que tendeu a assumir publicamente opiniões próximas à oficial. Desde
então a mitologia dos UFOs restringiu-se praticamente aos grupos ufológicos, que
reúnem interessados, em geral ex-contactados, ou aspirantes a tal'.

seti A virada da década de 50 para a de 60 marca o auge das

especulações sobre extraterrestres. Mas enquanto a ufologia preparava-


se para seguir o caminho do ostracismo oficial e da marginalização em associações
espontâneas de "leigos" interessados, no meio científico uma nova abordagem do
problema eti se consolidava: a SETI - «Search for Extraterrestrial Intelligence».

A idéia foi primeiro apresentada em um artigo de 1959, espécie de


"manifesto SETI", publicado na revista inglesa Nature, de autoria de dois
astrônomos então na Une Cornell (COCCONI & MORRISON:1959). Baseados em
considerações técnicas e econâmicas, concluíram ser a radioastronomia o meio
ideal para estabelecer comunicações interestelares. Se houvesse civilizações em
outras estrelas, elas deveriam estar utilizando ondas de rádio para comunicar-se,
deveriam ser "luminosas" na faixa de ondas curtas e facilmente observáveis aos
radiotelescópios. Apesar das distâncias quase insuperáveis entre as estrelas, as
civilizações cuja tecnologia apenas houvesse chegado aos radiotelescópios tinham

7. FERREIRA NETO (1984) realizou um estudo etnográfico da crença ufológica entre nós, explorando
a ambigüidade do caráter religioso/científico de grupos de «ufologia avançada» de Brasília. Eu
mesmo investiguei alguns grupos de «ufologia científica» no Rio, durante um ano, em 1986/7.
1. Panorama eti - 24

um meio simples e barato de fazer-se notar. Baseados nessas conjecturas,


propuseram um rastreamento exaustivo de fontes radioemissoras extrassolares por
todo o céu, em busca de um sinal com características artificiais. Na mesma época,
no radio-observatório de Arecibo em Porto Rico (controlado pela mesma Une de
Cornell), o radioastrônomo Frank Drake já executava a idéia no que batizou de
«Projeto Ozma»: observou duas estrelas próximas durante 400 horas, procurando
discriminar padrões de sinal não naturais, sem obter sucesso.

Inúmeros programas de observação seguiram-se em todo o mundos. Até


hoje, nunca se detectou sinal concludente, apesar dos inúmeros «alarmes falsos»
e de equipamentos cada vez mais sofisticados. Em 1971, uma conferência
internacional sobre SETI teve lugar no observatório de Byurakan, na URSS.
SAGAN (1973) publica as contribuições do encontro. Em 1982, uma lista de 69
eminentes cientistas (7 deles prêmio Nobel), encabeçada por Sagan, assinou uma
carta enviada à revista Science (SAGAN et al:1982) fazendo uma «petição
internacional» pela organização «of a coordinated, worldwide, and systematic
search for» eti (incluída em Anexo 3).

Dois programas SETI atuais merecem menção especial. A Sociedade


Planetária, uma entidade civil presidida por Sagan, iniciou em 1985 um programa
SETI de varredura contínua com a antena da Une de Harvard. Steven Spielberg,
diretor de cinema e dono das duas maiores bilheterias de ficção científica de
todos os tempos (E.T., 1982; Cantatos Imediatos, 1977), doou fundos para o
programa, que ganhou o nome de METNSentinel. Hoje é o maior e mais

8. TARTER (1987), astrónoma da NASA e da Une da Califórnia, fornece uma listagem dos
principais programas de escuta radioastronómica SETI entre 1959 e 1984. O artigo é uma
ótima "etnografia nativa" do empreendimento SETI, feita por uma das suas maiores entusiastas.
1. Panorama eti - 25

exaustivo programa existente 9 • Por outro lado, desde 1981 a NASA prepara um
amplo programa SETI, que deverá iniciar a fase de escuta em 1992. A sua
inauguração deverá fazer parte das comemorações dos quinhentos anos de
descoberta do Novo Mundo por Colombo lO.

Não nos propomos aqui a analisar o empreendimento SETI, mas nos


restringiremos a apontar os aspectos mais relevantes para o nosso trabalho. Em
primeiro lugar, o seu caráter experimental: considera-se que um programa
exaustivo, que observe todo o céu, poderá decidir a questão, até então restrita ao
terreno da especulação, da existência de civilizações extraterrestres ll • Em segundo
lugar, todo o argumento baseia-se no suposto de que as outras civilizações
porventura existentes produzirão tecnologia num sentido muito próximo ao da
nossa atual. Por detrás dessa convicção, encontra-se a crença numa analogia
universal das evoluções civilizatórias. Em terceiro lugar, a questão da capacidade
de reconhecer os sinais emitidos por uma civilização estranha, discriminando-os das
inúmeras emissões de fontes naturais de rádio. Boa parte do esforço teórico e
técnico dos proponentes da SETI diz respeito à construção de equipamento
eletrônico e elaboração de programas de computador capazes de distinguir padrões
"não-naturais", flagrar sinais atípicos, candidatos à categoria de emissão artificial.
No fim das contas, é a discussão da universalidade dos traços distintivos da cultura
destacando-se da natureza que aqui atualiza-se em uma versão radioastronômica.

9. Um convenlO com a Une de Buenos Aires, na Argentina, permitiu à Sociedade Planetária


estender suas pesquisas aos céus do hemisfério sul (Cf Jornal do Brasil, ?/12/88; também
anunciado na carta de filiação da Planetary Society, incluída em anexo 4).
10. As verbas para a continuidade do programa, orçado em doze milhões de dólares, que haviam
sido cortadas pelo congresso americano após o fracasso parcial do telescópio orbital Hubble,
foram recentemente reaprovadas pelo senado (ver Jornal do Brasil, 27/10/90). Para uma
descrição sumária do projeto SETI da NASA, ver o artigo de CALIFE no Jornal do Brasil,
28/01/90.
11. «Is mankind alone in the universe? [...] Such questions, bearing on the deepest problems of
the nature and destiny of mankind, were long the exclusive province of theology and speculative
fiction. Today for the first time in human history they have entered into the realm of
experimental science» (SAGAN & DRAKE: 1975:94).
1. Panorama eti - 26

Por fim, especula-se sobre as possíveis mensagens eti que se possa receber: se
seria ela decifrável, a exigência do uso de uma linguagem universal, e o que
provavelmente conteria tal mensagem.

evolução Os cientistas que defendem a oportunidade de um experimento


&
SETI, ao contrário dos ufólogos, afirmam que ainda não se
analogia
possui qualquer evidência da existência de etis. No entanto,
acreditam que seja muito provável, que há boas chances de que o universo esteja
povoado por inúmeras civilizações. Para eles, a "hipótese eti" adequa-se
perfeitamente ao que os conhecimentos científicos prescrevem como o "campo do
possível". Nas palavras de Sagan, ao introduzir a seção de um livro sobre o
contato com extraterrestres:

«Part Three is devoted to the possibility of communicating with extraterrestrial


intelligence on planets of other stars. Since no such contact has yet been made
- our efforts to date been feeble - this section is necessarily speculative. I have
not hesitated to speculate within what I perceive to be the bounds of scientific
plausibility» (SAGAN:1973:viii, gm)

Esta plausibilidade origina-se de um modelo cosmológico baseado na


analogia e na evolução. A evolução: reconstitui-se a seqüência de condições que
permitiu o surgimento da civilização humana, arrolando os diversos estágios da
"nossa gênese", desde a formação do sistema solar até o boom tecnológico da
revolução industrial, que findará produzindo radiotelescópios. A analogia:
extrapolam o nosso modelo para o resto da galáxia. Acredita-se que a história
específica do sistema solar e do planeta Terra seja uma história comum,
relativamente típica de inúmeros outros astros. Sagan nomeou esta segunda
suposição de «presunção da mediocridade» - «o pensamento de que as nossas
redondezas são mais ou menos típicas de qualquer outra região do universo»
1. Panorama eti - 27

(SAGAN & SHKLOVSKY:1966:428). Num universo repleto de sistemas análogos ao

nosso, e submetido a leis evolutivas provavelmente universais, espera-se obter


resultados igualmente análogos em um bom número de casos.

Nesta cosmologia, tudo evolui: galáxias, estrelas, planetas, elementos


químicos, formas vivas, inteligência, civilizações. É uma espécie de evolucionismo
total, em que todos os aspectos do cosmos encadeiam-se num único sentido,
guiados pela inexorabilidade do tempo e por leis universais da natureza. Várias
das peças dessa cosmogonia científica encaixaram-se apenas neste século: as
teorias de formação planetária somente a partir dos anos 30 retomaram o modelo
da nebulosa em rotação, substituindo o catastrofismo da virada do século 12; só na
década de 40, experimentos inspirados na hipótese da biogênese química, já
levantada por Oparin nos anos 20, indicam que os elementos primordiais para o
surgimento de vida são um subproduto espontâneo de reações químicas à
superfície da Terra primitiva 13. Essas novas hipóteses sobre a origem dos planetas

12. Nenhum planeta jamais pôde ser observado em outras estrelas, pois o poder de resolução dos
telescópios situados em solo não é suficiente para detetá-los mesmo que lá estejam. (O
telescópio espacial Hubble, colocado em órbita em abril de 1990, poderia trazer novos dados
a respeito deste enigma; devido ao defeito em suas lentes, no entanto, a astronomia terá de
esperar por outra oportunidade). Kant e posteriormente Laplace propuseram um modelo de
formação do sistema planetário solar que ficou conhecido como «teoria da nebulosa»: uma
nuvem original de gás em rotação iria progressivamente se esfriando e contraindo, submetida
à mecânica das forças gravitacionais e do movimento de rotação, formando um núcleo central
de condensação (a estrela) e outros secundários mais periféricos (os planetas). Na virada do
século, medidas da quantidade de movimento angular do sol mostraram-se incompatíveis com
as previstas pelos cálculos da nebulosa em rotação e contração. Em seu lugar, passou-se a
preferir teorias catastróficas: a matéria que formou os planetas teria sido "arrancada" do sol
por alguma estrela que passou raspando há bilhões de anos. Novos dados espectográficos
mostraram que a "anomalia" do sol - momento angular mínimo para a sua massa - é
compartilhada por toda uma classe de estrelas a ele aparentadas. Uma nova teoria da
nebulosa, que incorporou a idéia da transferência de momento angular da estrela para os
planetas através de forças magnéticas, voltou a conquistar a hegemonia no meio científico. O
que para nós importa nisso tudo é notar que as explicações catastróficas da origem do sistema
solar sugeriam que planetas só surgiriam em circunstâncias excepcionais, fruto do acidente de
corpos astronômicos em rota de colisão, ao passo que a teoria da nebulosa sugere que a
formação de sistemas planetários é um fenômeno normal e esperado para toda uma classe de
estrelas. (Sobre a evolução dessas teorias ver: JAKI:1978; SAGAN & SHKLOVSKI:1966).
13. A idéia de que a Terra primitiva deveria ter uma atmosfera redutora que, exposta às fontes
de energia naturais (luz solar, relâmpagos, calor vulcânico), produziria espontaneamente
moléculas orgânicas como as proteínas, primeiro passo para uma biogênese estritamente
química, já fora sugerida pelo biólogo marxista Oparin na década de 20. Mas serão os
1. Panorama eti - 28

e da vida sugerem que estes sejam fenômenos relativamente comuns e freqüentes


no universo 14.

Essa cosmologia evolucionista encontrará sua formalização mais acabada


numa fórmula, concebida para calcular o número provável de civilizações da
galáxia. Toda a conjectura da SETI repousa na suposição de que deve haver
civilizações emissoras de sinais de rádio dentro do raio de alcance dos atuais
radiotelescópios terrestres. Se somente à distância de alguns milhares de anos-
luz houver uma civilização extraterrestre, o programa SETI estaria fadado ao
fracasso desde o princípio falhando inclusive no seu propalado caráter
experimental, de verificação da existência de etis, pois produziria um resultado
falso-negativo. Uma estimativa da distância média provável entre as civilizações
planetárias torna-se assim crucial para legitimar toda a empresa SETI.

Em novembro de 1961, após o artigo de COCCONI & MORRISON (59) e o


projeto Ozma de Drake (60), a Academia Nacional de Ciências dos EUA
promoveu uma conferência no observatório de Green-Bank (West Virginia, USA)
sobre SETI. Deste encontro de onze cientistas 15 surgiu uma proposta de como

experimentos pioneiros de Miller (MILLER:1955; MILLER & UREY:1959) que tirarão a discussão
do terreno da especulação e lhe atribuirão o estatuto de simulação experimental. Para a
história da discussão a respeito da origem da vida, ver FARLEY (1979), Caries (1984). ORGEL
(1973) apresenta a sua visão de conjunto. O número de setembro de 1977 da Scientific
American, inteiramente dedicado ao tema «Evolution», faz uma excelente revisão das várias
etapas da origem da vida, que mantém-se ainda relativamente atualizada (embora 15 anos
neste terreno faça as hipóteses minarem em lacunas ou simplificações apressadas).
14. Por outro lado, um ponto crucial na cadeia de "geração" de civilizações é saber se a evolução
biológica de espécies inteligentes é um fenômeno recorrente, típico da evolução de toda
"biosfera". Alguns dos maiores biólogos darwinistas pronunciaram-se sobre a conjectura eti.
George SIMPSON (1964), T. DOBZHANSKY (1972; 1978), Ernst MAYR (1978; 1987) recusam a
possibilidade de haver outras espécies antropomorficamente inteligentes. Outros preferem
considerar a questão não concludente e apoiam a iniciativa SETI (GouLD:1985). Para uma
análise detalhada das opiniões de Simpson, Dobzhansky, Mayr e Sagan a respeito da
possibilidade de evolução de outras espécies inteligentes, ver ARANHA F. (1990).
15. D.W. Atchley, Melvin Calvin (premiado com o Nobel de Química durante a conferência), G.
Cocconi, Frank Drake, Su-Shu Huang, John C. Li1ly, Philip M. Morrison, Bernard M. Oliver,
J.P.T. Pearman, Carl Sagan e Otto Struve (SAGAN & SHKLOVSKI:1966:485; DRAKE: 1984:47).
1. Panorama eti - 29

calcular o número de civilizações na galáxia, a chamada equação de Green-Bank


(inicialmente formulada por Drake) que obteve ampla aceitação. Trata-se de uma
série de sete fatores que, multiplicados, fornecem o número de civilizações
comunicantes da galáxia 16:

Equação de Green Bank

A equação é basicamente uma série de probabilidades: formar-se planetas


tais como a Terra; aparecer vida neles; espécies inteligentes evoluírem; produzirem
tecnologia (radioastronômica). O produto desta série equivale à probabilidade de
ocorrência de uma civilização tecnológica e «comunicativa» em qualquer estrela.

16. Apresento uma versão da equação levemente alterada por Sagan (1983b:298ss), e semelhante
à apresentada por CAMERON (1980). Para a versão original, de F. Drake, ver SAGAN &
SHKLOVSKY (1966: cap. 29).
1. Panorama eti - 30

Multiplicada pelo número de estrelas da galáxia (N*) e pelo tempo relativo de


vida de uma tal civilização (fL ), fornece o número total de etis efetivamente
disponíveis para comunicação. A série que a equação matematiza funciona como
uma seqüência de "filtros"l7 a progressivamente selecionar, da massa de estrelas
candidatas iniciais, um gênero cada vez mais específico de fenômeno, o fenômeno
que se quer quantificar. A série representa a seqüência evolutiva da geração de
uma eti, sua "filogenia cósmica". Estrela-planeta-vida-inteligência-tecnologia.

Não cabe aqui examinar detalhadamente esta equação, apresentar as suas


variações e fórmulas alternativas, discutir os índices que se costuma estimar para
cada ítem, perseguir a polêmica nativa em todas as suas implicações. Apontaremos
apenas alguns aspectos fundamentais, que terão importância mais adiante, na
compreensão das mensagens enviadas a etis l8.

A fórmula sintetiza o desenrolar da história do cosmo, suas linhas


genealógicas e grandes rupturas, sob o ponto de vista interessado da civilização
inteligente. O sentido de leitura vai do mais antigo ao mais recente. Cada termo
precede o seguinte no tempo por ser condição necessária para o surgimento do
seguinte, por haver um nexo de causalidade genética a ligar os dois. O segundo
é gerado no interior do primeiro, e só no seu interior poderia ter origem. A
equação é uma série genética, atribuição de identidade pelo mito de origem.

Esta série possui uma orientação, não só temporal (cadeia evolutiva) e


lógica (cada etapa é condição de possibilidade para a seguinte), mas também
valorativa: a série representa uma hierarquia. À medida que se progride na série,

17. «N pode ser tomado como o produto ou multiplicação de um número de fatores, cada qual
um tipo de filtro [... ]» (SAGAN:1983b:298).
18. Para uma análise estritamente formal da estrutura da equação, ver ARANHA F.:1989.
1. Panorama eti - 31

passa-se do mais geral, simples, freqüente, vulgar e previsível para o específico,


complexo, raro, valorizado e incerto. Hierarquia que organiza todo o cosmo, a
série pode ser interpretada como um sistema de classificação. Por um lado,
classificação dos fenômenos; por outro, classificação dos saberes - científicos -,
a complexidade de seus respectivos campos e objetos, o grau de certeza de suas
verdades 19• Um sistema classificatório embebido numa concepção de temporalidade
e numa hierarquização das suas classes. Da matéria amorfa proto-estelar à
civilização, o vetor que orienta a evolução do cosmo como que distribui uma
gradação de etapas intermediárias entre a natureza e a cultura, não propriamente
num contínuo, mas numa escada de pequenos saltos discretos, cada um deles
definido por relação ao bipolo natureza/cultura segundo se o compara com o ítem
que o precede ou o que o sucede.

o formato matemático da fórmula produz uma ilusão de linearidade que


prejudica a percepção da lógica hierárquica que a torna inteligível. Para visualizar
tais estruturas hierárquicas, temos que "desmontar" a representação nativa da
fórmula, isolando os seus princípios lógicos, e ensaiar reconstruí-la sob outras
figuras, que evidenciem esses princípios (ver figuras na página seguinte). A
primeira figura é uma representação estilizada da equação, apresentada por SAGAN

no seu principal livro de divulgação científica (1983b:300-1). Cada um dos fatores


da fórmula foi duplicado num ícone 20, que representa uma classe de fenômeno,
uma etapa evolutiva. A galáxia espiral, o sistema planetário e o planeta geomorfo
preenchem a evolução astrofísica. Uma dupla hélice de DNA representa o

19. «Uma das grandes virtudes dessa equação [...] é que envolve aspectos que vão da astronomia
planetária e estelar à química orgânica, biologia evolucionária, história, política e psicologia.
Muito do Cosmos está contido na equação de Drake» (SAGAN:1983b:299).
20. Esses mesmos ícones são utilizados por Sagan na publicação das contribuições do Congresso
sobre Comunicação com etis, de 1971 (SAGAN, ed.:1973). Encontrei a fórmula de Green Bank
ilustrada por uma cópia "pirata" dos mesmos ícones numa revista brasileira sobre ufologia (REIS
& MANFREDI: s/d).
1. Panorama eti - 31A

fj~~
.~1'"
~.~_~40..

x Doe X x x X fL = N
(SAGAN: 1983b:300-1)

fc
fi
fI
fp.ne
N*

fp.ne

N*

tecno
inteli logia
gência
planeta
geomorfo

auto-
destruição

Representações gráficas da equação de Green Bank


1. Panorama eti - 32

surgimento da vida; um cérebro humano o da inteligência; um radiotelescópio o


da tecnologia comunicativa. Finalizando, um cogumelo atômico, selado por uma
interrogação, representa o limite de vida de uma civilização. Como se uma
civilização tecnologicamente avançada fosse potencialmente imortal, exceto pela
eventualidade dela se auto-destruir, encontrar a morte pelo veneno da própria
tecnologia. Sublinho estes ícones pois eles retornarão como as figuras preferenciais
da apresentação da nossa genealogia nas mensagens enviadas a etis.

Os esquemas que proponho para a "decifração" da lógica da fórmula são


de três tipos: o de uma seqüência de conjuntos sucessivamente contidos um no
outro; o da pirâmide; e o da árvore ramificante. O dos conjuntos ressalta o efeito
da fórmula de selecionar, a partir de um universo inicial, um conjunto cada vez
mais restrito de fenômenos. O esquema das pirâmides ressalta o efeito de "escada"
evolutiva, em que cada novo fator sobrepõe-se ao anterior, sobre ele se apóia,
para alcançar um nível mais alto. Finalmente os dois últimos, que se equivalem,
retém os dois princípios mais fundamentais: a classificação e a evolução. Ele é um
sistema de classificação e, naturalmente, de hierarquização, através do qual o
cosmo pode ser encaixado numa categoria valorizada (ítem de cima de cada
chave), ou na categoria residual (em aberto abaixo). Cada ítem desdobra-se por
sua vez em outras chaves. Mas ele é também árvore genealógica, que marca as
etapas sucessivas e ascendentes de geração da civilização inteligente. Tal como a
árvore genealógica de um clã permite aparentar todos os componentes do clã, esta
árvore permite ver nitidamente a linhagem principal, que origina etis (ego), mas
também gera uma posição estrutural para todo o resto do cosmo, em vários graus
de "parentesco" com a eti, segundo o momento da bifurcação, de desvio da sua
linhagem. Poderíamos ensaiar o preenchimento das posições deixadas em branco
com alguns exemplos (todos personagens presentes na mensagem da Voyager): ao
planeta geomorfo onde surge vida (fi = Terra), contrapõe-se outros semelhantes
1. Panorama eti - 33

em que ela não surge (Marte?); à linhagem que gera uma espécie inteligente
(f; = homem), contrapõe-se um primo não inteligente (chimpanzé?); à espécie
inteligente que desenvolve tecnologia (fc = homem moderno), contrapõe-se outra
igualmente inteligente porém não tecnológica (baleia?).

Para finalizar, uma observação sobre o último fator da fórmula: o tempo


relativo de vida de uma civilização (fL ). Ao contrário dos seus precedentes, esse
representa uma cifra para o futuro. Se fôssemos nos situar na equação, nas suas
etapas, teríamos cumprido já todo o percurso, seríamos os herdeiros de uma longa
cadeia de eventos improváveis e cumulativos. Nossa identidade seria dada pelo
último filtro, fe: civilização radiocomunicante. Todos os fatores envolvidos na nossa
gênese são agora pretérito, já "vencemos" todas as provas, exceto a última. A seta
do tempo já esgotou todas as etapas e o presente é uma civilização tecnológica
tentando estabelecer contato interestelar por rádio. Mas ainda não atravessamos
o último filtro, do qual nada escapa. Ele representa o futuro e nossa última
prova.

As estimativas dos outros ítens da fórmula foram feitas com base quer em
dados de observação empírica (nO de estrelas), quer na «suposição de
mediocridade», i.e., na analogia antropocêntrica. Mas o último Ítem é uma
incógnita absoluta. «Para o cálculo de fL não há sequer - felizmente para nós,
mas infelizmente para a discussão - um exemplo terrestre conhecido» (SAGAN &
SHKLOVSKI:1966:489). A auto-destruição de uma civilização constitui uma classe de
fenômeno ainda não observada, mas considerada possível e decisiva. «Dificilmente
exclui-se a possibilidade de nos destruirmos amanhã» (SAGAN:1983b:301). Referida
ao (nosso) futuro, ela condensa as expectativas com a continuidade da evolução,
e traz os signos incômodos do tempo de vida, prazo de morte.
1. Panorama eti - 34

enviar ou Uma vez presumidas civilizações inteligentes a trocar


receber
mensagens, poder-se-ia não apenas detetá-Ias, e assim
comprovar sua existência, mas contactá-las, decifrar sua mensagem, e talvez
estabelecer algum intercâmbio de informações. Discutiu-se a oportunidade de, além
de procurar mensagens "deles", enviar mensagens "nossas" para etis que estivessem
na escuta. Após alguns cálculos, concluiu-se que qualquer mensagem enviada teria
chances desprezíveis de alcançar um destinatário. Não por que não há bastante
etis, mas por que a nossa tecnologia de acesso ao extraterrestre ainda é incipiente:
«Nosso objetivo imediato não é enviar tais mensagens, pois somos muito jovens
e atrasados; queremos é recebê-las» (SAGAN:1985a:288)

Por outro lado, é «difícil resistir à tentação de enviar mensagens»


(SAGAN:1984:7). Argumentou-se que a formulação de mensagens "da Terra" para
etis desempenharia um papel sobretudo simbólico, dirigido indiretamente aos
próprios "terrestres": «The sending of such a message forces us to consider how
we wish to be represented in cosmic discourse. [...] The transmittal of the Pioneer
10 message encourages us to consider ourselves in cosmic perspective. The greater
significance of the Pioneer 10 plaque is not as a message to out there; it is as a
message to back here» (SAGAN:1973:33). As mensagens servem excelentemente à
divulgação científica e à propaganda e apoio públicos aos projetas do programa
espacial. Assim, em algumas raras - mas badaladas - ocasiões, enviou-se
mensagens ao espaço. Todas elas foram empreendidas ou coordenadas por um
grupo restrito de cientistas americanos da "comunidade SETI", liderados por C.
Sagan e F. Drake, e revistas e aprovadas pelas burocracias governamentais
responsáveis pelos eventos (NASA antes de todas). As principais foram as
acopladas às Pioneers (10 e 11) e às Voyagers (1 e 2), as 4 sondas de pesquisa
científica americanas destinadas a colher informações sobre os planetas exteriores,
que escaparam para o espaço interestelar. Foram os primeiros artefatos humanos
1. Panorama eti - 35

a perder-se além das fronteiras gravitacionais do sol. Numa única ocasião também
emitiu-se uma mensagem de rádio: na reinauguração do maior radiotelescópio do
mundo, o de Arecibo (Porto Rico), dirigido pela Une Cornell, em 1974.

Elas não participam do intuito "experimental" nem da justificativa


pragmática das inciativas SETI. Constituem, no entanto, uma ocasião privilegiada
de expressão das expectativas, projeção das representações, supostos e crenças de
alguns dos principais atores do cenário SETI. A comunicação entre civilizações
planetárias é imaginada como a troca de mensagens. «Estabelecer contato» significa
inaugurar um circuito que demanda reciprocidade, circulação de mensagens. Afinal,
a emissão de mensagens é como que a recíproca dos programas SETI de escuta,
representam o análogo da mensagem que se espera captar: envia-se às etis o
mesmo gênero de oferta que se imagina elas nos ofereçam. Em lugar do
experimento SETI, a comunicação por mensagens; em vez da questão da
detectabilidade e do reconhecimento (do sinal eti), a decifrabilidade da mensagem
originada de um ser inteligente inteiramente estranho. O que garante a
inteligibilidade entre as civilizações inteligentes é uma crença na existência de uma
linguagem universal: a «linguagem da ciência». Para toda a cifra, todo elemento
incluído nas mensagens, os autores encontram justificativas universalizantes,
fundamentam em códigos "transparentes", "imediatos", naturais.

As mensagens enviadas possuem sempre duas conotações: por um lado


procuram ser um auto-retrato do ser inteligente terrestre e sua civilização, uma
apresentação de identidade; por outro, são um convite ao intercâmbio
comunicativo, uma demanda de recíproca. Este duplo aspecto reúne-se na figura
do aceno: as mensagens são saudações dirigidas ao desconhecido. Se a questão da
existência de etis acabava avizinhando-se do terreno cosmológico (representações
1. Panorama eti - 36

sobre a ordem do mundo), a da comunicação com etis penetra francamente no


antropológico (representações sobre a identidade do homem).

Podemos agora reunir os vários registros em que se acredita poder travar


contato com etis num único quadro. Ou recebemos as emissões de rádio
extraterrestres (SETI), ou emitimos para elas (Arecibo, 1974). Ou recebemos as
naves extraterrestres vindas em nossa busca (UFOs), ou enviamos sondas em sua
direção (Pioneers 1972, Voyagers 1977).

I radioastronomia astronáutica I +- tecnologia

receber SETI UFO


enviar Arecibo,1974 Pioneer/Voyager

1 reciprocidade

As colunas distinguem a tecnologia que suporta o contato, que dá acesso


ao extraterrestre: radioastronomia ou astronáutica. As linhas consideram a autoria
da mensagem, a iniciativa da comunicação, a posição dos atores no circuito de
troca: doadores ou tomadores de informação. A primeira linha do quadro indica
as formas de contato que dependem da iniciativa eti, que a supõe. A segunda
relaciona as iniciativas humanas, o envio de mensagens terrestres ao espaço.

Os mesmos atares são responsáveis por três das posições do quadro.


Embora reconheçam caráter científico (experimental) apenas para a SETI, e apesar
de considerarem que as mensagens enviadas para etis nunca as alcançarão, não
recusam-nas como tolices, embustes ou mistificações. No entanto, é exatamente os
qualificativos que aplicam à crença de que os ufos são naves extraterrestres
(SAGAN:1983a:179; 1985a:69ss; 1973:cap. 28). Recusam enfaticamente a hipótese
1. Panorama eti - 37

da presença atual de extraterrestres na Terra. Há uma espécie de "tabu ufo" no


meio SETI. Mais que simplesmente a afirmação de uma opinião, ainda que
cientificamente abalizada, contra a interpretação extraterrestre para os ufos, a
reação dos cientistas tem o ar de uma condenação moral. MinaI, alimentam os
projetos das mensagens pois acreditam-nas moralmente úteis para a própria
civilização. A recusa da fantasia dos ufos tem o tom de quem a julga nociva.
Levantemos a questão: o que há na crença de que «eles já estão entre nós» que
tanto incomoda os cientistas da SETI? Quem sabe até o fim da dissertação não
teremos encontrado algumas pistas?

Agora, entremos no principal da dissertação: as mensagens endereçadas a


etis. A atenção estará voltada tanto para o que se procurou incluir na mensagem,
como para o que se evitou, o que chegou a ser cogitado mas se preferiu excluir.
Os imperativos negativos costumam muitas vezes condensar mais sentido, nos seus
interditos bruscos e surpreendentes, do que muitas afirmativas banais e óbvias.
CAPíTULO 2

arecibo 1974

a reinauguração Numa única ocasião utilizou-se um radiotelescópio

para a emissão de uma mensagem dirigida a etis

(SAGAN:1984:6). Foi em 1974, durante as cerimônias de reinauguração da gigantesca

antena de rádio-radar de Arecibo, Porto Rico.

o observatório de Arecibo foi originalmente construído em 1963,

aproveitando uma depressão natural aproximadamente esférica. O prato refletor

possui 305 metros de diâmetro - ainda o maior (single-dish) existente. Dirigido

pela Universidade Cornell (NY-USA), foi inteiramente reequipado em 1974


(LALONDE:1974). Um dos objetivos prioritários era utilizá-lo como um gigantesco

radar, estreitamente direcional, afim de mapear a superfície dos astros vizinhos

(Marte, Vênus) a partir dos ecos das ondas de rádio emitidas.

É neste quadro, cerimonial de inauguração do radiotelescópio mais potente

do mundo, que a mensagem de Arecibo deve ser entendida. Frank Drake, diretor

do NAIC (Centro Nacional de Astronomia e Ionosfera) ao qual faz parte o

observatório de Arecibo, e os demais autores da mensagem não tinham pretensões

de realizar uma tentativa efetiva de estabelecer contato. A mensagem não


2. Arecibo - 39.

esperava ser recebida, não supunha uma eti de prontidão que a flagrasse. A

freqüência eleita, a curta duração da única emissão (169 segundos), a distância das

estrelas alvo (24 mil anos-luz), denotam que o sentido da mensagem não era

efetivamente iniciar diálogo radioastronômico com uma eti vizinha. «Rather it was

intended as a concrete demonstration that terrestrial radio astronomy has now

reached a leveI of advance entirely adequate for interstellar radio communication

over immense distances» (<<STAFP»:1975:465, gm). O simples fato de ter marcado

a reinauguração do radiotelescópio de Arecibo, de ter mesmo sido o ponto alto

da cerimônia, indica o seu caráter ritual, a sua intenção antes de tudo simbólica.

«[The message was transmitted] only as a kind of symbol of the capabilities of our

existing radio technology» (SAGAN & DRAKE: 1975:103, gm)l.

Uma demonstração, um símbolo. De que? De tecnologia, do patamar

tecnológico alcançado. Justo o patamar mínimo para atingir, através do rádio,

distâncias interestelares:

«[Era] o sinal mais forte oriundo da Terra. O sinal seria tão forte que talvez
fosse um milhão de vezes mais brilhante que o sol em um comprimento de onda
comparável, sinal este facilmente detectável por radiotelescópios não mais sensíveis
do que os nossos em distâncias interestelares de vários milhares de anos-luz»
(DRAKE: 1984:59).

É a mesma problemática da proposta SETI, a respeito do limiar do


tecnológico para comunicações interestelares, que está presente na reinauguração

de Arecibo. Apenas que aqui, ao invés de formular um experimento capaz de

detectar se há mensagens radioastronômicas de outras civilizações similares,

1. Ver tb: SAGAN:1985:288; SAGAN:1984:6. E ainda DRAKE (1984:59): «[...] pareceu-nos que a melhor
dedicatória para o "novo" telescópio seria transmitir uma mensagem interestelar utilizando-o».
2. Arecibo - 40.

procura-se formular uma mensagem da nossa civilização para oferecer a possíveis

alienígenas. Mas guarde-se sua dimensão: não se trata de um experimento para

testar uma hipótese, como o SETI, não espera sequer alcançar qualquer eti

porventura existente. É um exercício, e tem a gratuidade de um ritual de

ostentação de potência tecnológica, uma comemoração do «limiar de comunicação

interestelar» alcançado.

imagem o desafio é dividido inicialmente em dois níveis: a escolha da

linguagem ideal e a seleção das informações a enviar. Não se

poderia utilizar um dos sistemas de codificação corriqueiros do rádio terrestre. A

linguagem utilizada não poderia basear-se em convenções contingentes e

historicamente determinadas. Deveria partir de princípios os mais simples e lógicos

possível, de valor universal. Os arbitrários lingüísticos deveriam ser reduzidos a

"arbitrários naturais" e auto-evidentes.

É buscando essa imediatidade do código que Drake preconiza o envio de

uma imagem. Não um discurso verbal, não um sistema abstrato de significantes

saussurianos. Drake acredita que um diagrama alcançaria a transparência exigida,

capturando o próprio referente em seus símbolos, nas figuras dos objetos

representados. Por prescindir de uma comunidade lingüística inicial entre os

interlocutores, a mensagem figurativa permite ensinar à eti a nossa língua, como

um método de alfabetização, como uma cartilha ou dicionário ilustrado:

«Cerca de seis meses após o encontro de Green Bank, ocorreu-me que uma
poderosa maneira de enviar mensagens interestelares não ambíguas seria
transmitindo quadros semelhantes aos de uma televisão comum, procedimento
utilizado com as crianças para que aprendam a falar. Mostramos objetos às
2. Arecibo - 41.

crianças e dizemos os nomes. Não faria sentido em um contexto interestelar


enviar imagens ligando-as a alguma representação lingüística que poderia ser
utilizada para montar textos sofisticados?» (DRAKE:1984:48)

A solução então torna-se simples, ou melhor, técnica: pulsos binários, uma

série de zeros e uns - na verdade, de dois comprimentos de onda -, permitiriam

o rastreamento de uma imagem em branco e preto. Grosso modo é o mesmo

princípio da formação de imagem na televisão ou na fax. Além da série de bits,

a única informação ainda necessária para reconstruir a imagem é o tamanho do

quadro, onde cortar a linha e reiniciar logo abaixo. A solução também exemplifica

a busca por "arbitrários naturais" que contornem a ambigüidade do código.

Decidiram que o número de linhas e o de colunas da imagem fossem ambos

números primos (73 e 23 respectivamente )2. O sinal da mensagem conteria 1.679

bits, divisível apenas por dois primos, de modo que apenas dois tipos de
retângulos poderiam ser compostos (um de 23x73, outro de 73x23). Entre as duas

únicas decodificações possíveis da imagem, a correta ressairia.

Trata-se então de representar objetos por suas silhuetas, traçadas numa

malha retangular de uns tantos bits de rádio. Em um bricolage de ícones e

números, várias figuras de informação condensam-se com um único sentido:

falarem a uma civilização inteiramente estranha sobre a civilização que a forjou.

Foram cinco os temas representados. (Ver figura na página 41A)

2. Retorna aqui a fascinação com a série dos primos, já presente nas especulações SETI a
respeito das mensagens de etis. Os números primos não podem ser deduzidos em sua
totalidade por qualquer lei geral, e neste sentido são arbitrários, mas são determinados por
imperativos inteiramente lógicos, e neste sentido são universais e necessários.
o o o o o o
o o o o o NUMBERS 1 TO 10
.. o .... o o o
0000000 NUMBER LABELS

~~~~~RS.
........ 0 0 0
.. 0 0 FOR
.. 0 0 HYOROGEN,
CARBON,
.... 0 0 .... ] NITROGEN.
I I I I I I OXYGENANO
c PHOSPHORUS
000.......... 0 0 0 ........ 0 0 ........
0000.... 0 ........ 0 0 00000
000........ 0 0 ......... 0
I 1I I I I I I I I I I

FORMULAS FOR
SUGARS ANO
BAses lN
00.......... 0 0 0 ........ NUCLEOTIDES
00000 00 00 OF DNA .
0 ............ 0 0 00
I I I I I I I I I I I
II

.... 0

.... 0 NUMBEROF
- - - - - - - - - NUCLEOTIDES
.. o INONA

o ....

OOUBLE HELlX
.... 0
IOFDNA
O
HUMAN BEING

1
-I 1101100
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1 1
110

I
J,
HEIGHTOF
HUMAN B.EING

HUMAN
POPULATION

1111-··· • 00000 O 00 O OF EARTH


SOLAR SYSTEM
(EARTH
OISPLACEO
TOWARO HUMAN
BEING)

ARECIBO
TElESCOPE
~ TRANSMITTING
MESSAGE

< I _ ,a, _..


I.. _ ..
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7_ _ TELESCOPE

ARECIBO MESSAGE lN PICTURES aDd accompauyiDl traD81a. for alI the number8 shown to be read.) The ehemical formulae are
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. ber thal is u8ed is marked with a label that indie.tes its slart. When Iroup, the deoxyriboee sUlar and the orlaDie basel thymlne, Ad·
.U lhe dilits of a number eannot be fitted mto one Une, lhe dipte enme, paniDe and cytoline. Both the hei,ht 01 the h1lDWl beinl
for which there i. no room are written 1lDder· the leut lipifi. and lhe cUameter o, lhe tele.eope are pven ln unitl o, lhe
eaut dipL (The mee"le muet he oriented ln three dilerent waJI wavelenlth lhat ie ueed to transmit lhe mellale: 12.6 eeDtimeten.

Deciframento da Mensagem de Arecibo.


publicado na Sclentlflc Amerlcan (SAGAN & DRAKE: 1975:101 ).
2. Arecibo - 42.

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Mensagem de Arecibo

como o cabeçalho da mensagem, a «lição numérica», estabelece


escrever
números uma convenção de escrita para algarismos em uma base

binária. Da direita para a esquerda escreve 1, 2, 3, ... 10.

«The message begins with a «lesson» describing the number system to be used.

This system is the binary system, believed to be one of the simplest number

systems» (<<STAFP»:1975:463). De fato o uso de números é essencial na codificação

da mensagem, compondo um segundo nível de articulação da sua linguagem. Eles

permitirão atribuir dimensões (ao genoma humano, à estatura humana, à

população humana, à magnitude do radiotelescópio), e talvez mais importante,

serão eles que possibilitarão identificar os componentes da fórmula do DNA.

Além de imagens brutas representando objetos, utiliza-se números como rótulos

para atribuir sentido às imagens 3.

Uma vez construída a imagem e convencionada a notação de números, a

mensagem propriamente começa. Há duas informações chaves na mensagem:

3. Drake inspira-se aqui parcialmente na idéia de uma mensagem que, partindo de uma notação
mínima auto-evidente, apresente progressivamente a própria linguagem em que está cifrada,
numa pirâmide de crescente complexidade e abstração, tal como proposta pelo matemático
holandês Hans Freudenthal em um livro de 1960, intitulado LINCOS: design of a language for
cosmic intercourse (FREUDENTHAL:1987, para um extrato do livro). Lincos é a contração de língua
cósmica em latim.
2. Arecibo - 43.

química Em primeiro lugar, o ADN. Dois aspectos do ADN são


doADN
retratados: a fórmula química básica, e a forma geral da

macromolécula, em dupla hélice. A fórmula química é apresentada de maneira tão

tortuosa quanto engenhosa: cada grupo componente (desoxirribose, fosfato, as 4

bases aminadas) aparece como um retângulo de 5 números; eles quantificam o

número de átomos de cada um dos 5 elementos químicos que entram na

composição da molécula (hidrogênio, carbono, nitrogênio, oxigênio e fósforo). Um

retângulo introdutório, que não faz parte ainda da fórmula do ADN mas

estabelece o método da sua construção, identifica os cinco elementos pelo seu

número atômico. Apesar da economia de informações e de tantas convenções de

escrita, os autores julgam-na decifrável por qualquer civilização inteligente:

«knowledgeable organic chemists anywhere should be able through simple logic to

arrive at a unique solution for the molecular structures described here»

(«STAFP»:1975:464).

Mais de metade do espaço da mensagem é ocupada com informações sobre

a química da molécula chave da memória genética de toda a vida terrestre. É a

informação considerada mais importante, de maior interesse para etis. «The

message describes some characteristics af life on Earth wich [...] would be of most

interest and relevance to other civilizations in space» (<<STAFP»:1975:462). Ao

contrário da matemática ou da física, nada obriga a que a bioquímica encontrada

nas formas vivas terrestres seja a única possível. Um ser vivo extraterrestre, fruto

de uma evolução planetária e biológica inteiramente distinta, talvez seja baseado

em química inteiramente diversa. Esta primeira e circunstancial divergência

(bioquímica) entre os interlocutores torna-se assim objeto prioritário de interesse


2. Arecibo - 44.

científico. São questões quanto à universalidade da química da vida que faz da

descrição do ADN um tema tão privilegiado pelos autores da mensagem, e

supostamente tão relevante para uma eti.

grau de A outra informação chave que se quer evidenciada


desenvolvimento
na mensagem é uma estimativa do grau de

desenvolvimento da nossa civilização. São fornecidos parâmetros que permitem

avaliar o patamar evolutivo alcançado pelos emissores, sob dois pontos de vista:

um biológico-intelectual, outro tecnológico.

No primeiro caso, a determinação é de ordem biológica: o n° de bits do

genoma humano é suposto expressar o nlvel de sofisticação biológica, de elaboração

genética, de complexidade hereditária do animal homem. «The complexity and

degree of development of intelligent life on earth can perhaps be described by the

number of base pairs in the genetic c~de» (<<STAFP»:1975:465). Considerado um

fator relacionado, senão determinado pelo biológico, o grau de intelig2ncia

alcançado pela espécie talvez possa ser inferido de sua complexidade genética.

«[...] O número de nucleotídeos, ou bits de código, na molécula humana típica de

ADN [...] expressa algo que não poderia ser de outra maneira descrito em um

trabalho de arte tão simples - o nível da nossa evolução e uma medida do nível

da nossa inteligência» (DRAKE: 1984:62).

No segundo caso, o grau de nosso desenvolvimento tecnológico pode ser

estimado a partir de duas pistas: primeiro, a ·potência do sinal de rádio captado;

segundo, as dimensões da antena emissora. Uma vez a mensagem recebida por


2. Arecibo - 45.

algum análogo de radiotelescópio alienígena, este poderia determinar de que

estrela ela se originou, sua distância, e calcular a potência do sinal original

emitido. Além disso, o final da mensagem traz o esquema de uma antena

parabolóide, forma "natural" de um telescópio, com a sua medida: 305 m, o

diâmetro do prato refletor de Arecibo. «This information tells indirectly, when

taken with the strength of our signal, a great deal about the leveI of our

technology» (<<STAFF»:1975:465).

o motivo pelo qual os autores supõe que o telescópio seria reconhecido por

etis leva-nos de novo às questões da linguagem universal da ciência. A forma do

telescópio, por ser determinada por exigências da matemática e da física das ondas

eletromagnéticas, é considerada pelos autores como necessária, única solução

técnica viável para a tarefa astronômica. «The concept "telescope" is described by

showing a device which directs rays to a point. The mathematical curve which

leads to such a diversion of paths is crudely indicated; accurately, of course, it is

a parabola» (<<STAFP»:1975:465). Este sentido necessário do disco parabolóide faz

do telescópio uma forma imediatamente reconhecida por etis que igualmente

possuam radioastronomia 4 • O radiotelescópio é um símbolo dos constrangimentos

universais que determinam soluções tecnológicas necessariamente semelhantes,

válidas para qualquer civilização.

4. A mensagem posterior da Voyager também incluiu fotos de radiotelescópios (um interferómetro


na foto 109, e Arecibo na 110). O comentário de LoMBERG (1984:118) defende o mesmo ponto
de vista a respeito do caráter necessário, donde universal, da tecnologia radioastronómica:
«Como uma ponte suspensa, o formato de uma antena de disco é determinado somente pelo
trabalho que será executado, devendo ser reconhecido pelos radioastrónomos de outras
espécies». A ponte suspensa a que se refere é objeto da foto 104: «[II'] sua forma é
diretamente determinada pela sua função, e o formato pelas leis da física. Estas fotos farão
com que a estrutura seja reconhecida e compreendida pelos extraterrestres» (LoMBERG:1984:117).
2. Arecibo - 46.

eco do Alguns elementos a mais completam o quadro. A dupla hélice,


Ozma
com a quantidade de bits escrita como seu eixo, converge para

a cabeça de uma figura humana, «stablishing the connection between the DNA,

the complexity of the helix, and the intelligent creature» (<<STAFF»:1975:465). À sua

direita um número indica a altura do ser humano (a unidade de medida é o

comprimento de onda de rádio da mensagem). À esquerda, outro número

quantifica a população mundial (~ 4 bilhões). Abaixo há um esquema da série

planetária solar, com o terceiro planeta deslocado em direção ao ser humano.

Resumindo o conteúdo da mensagem: os princípios bioquímicos da vida

terrestre, a quantificação da nossa inteligência e tecnologia, o nosso sistema

planetário com um planeta habitado. Estes temas são os mesmos levantados nas

discussões teóricas sobre a origem de seres inteligentes, sobre a probabilidade de

existirem civilizações extraterrestres análogas à terrestre. Retomam os elementos

da série evolutiva, que origina e acompanha toda civilização inteligente. Um modo

de verificar essa hipótese é traçar um paralelo entre a mensagem de Arecibo e

a equação de Green Bank - que aliás foi originalmente formulada pelo mesmo

Drake do staff de Arecibo. Encontra-se assim uma correspondência quase exata

entre os temas da mensagem e os fatores da fórmula (ver figura na página

seguinte).

Mirmamos que a mensagem deve ser entendida estritamente dentro do

quadro de uma cerimônia de ostentação de tecnologia. Mas ela é mais do que

isto. Ela representa um esforço de imaginar o contato com uma civilização

extraterrestre. Antecipando a possibilidade de um tal encontro, a mensagem de

Arecibo leva o vago e cauteloso' imaginário SETI a encarnar-se em figuras mais


2. Arecibo - 46A

.
[ij.
":~~'
~. " ';-
':'.' . ..;.·2··
t:i .,o-
. "..... '- o··;'"

fp x De x x x x
Equação de Green Bank (Sagan:1983:300-1)

fz - vida

fi - inteligência

fp • De
planeta

fc - tecnologia

Mensagem de Arecibo

Correspondência entre a mensagem de Arecibo e a equação de Green Bank


2. Arecibo - 47.

precisas, explicitando muitas das expectativas presentes nas discussões sobre a

possibilidade de existência de outros seres inteligentes.

Que informações seriam de interesse (científico) para ambos os lados,

capazes de despertar a curiosidade mútua, de fazer o esforço de uma troca

interestelar valer a pena? O que selecionar para mandar-lhes? E como, por que

meios, cifrado de que forma, de modo a poder ser decifrado por quem quer de

tecnológico que a receba? O que de comum entre a nossa inteligência e as deles

permite entabularmos de imediato conversação? Em que língua falar? A

mensagem de Arecibo oferece uma sugestão de como e o que trocar com

civilizações estranhas. E para ela, o que uma eti deseja receber de nós é o nosso

retrato.

Em um certo sentido, a mensagem de Arecibo corresponde a uma recíproca

lógica do SEnso Ela é como uma antecipação da mensagem' de uma eti que um

dia seria captada por uma antena SETI. Permutados os lugares, a mensagem

enviada pelos terrestres encarna o modelo de mensagem que se espera receber

dos extraterrestres. A mensagem de Arecibo é o eco não recebido por Drake no

seu projeto Ozma.

s. O próprio observatório será utilizado para um programa SETI, em 1975-6, por Drake e Sagan
(Cf TARTER:1985:193).
CAPíTULO 3

pioneer 1972/3

A astronáutica, uma vez que permite o envio de artefatos e do próprio

homem ao espaço extraterrestre, abre todo um campo de possibilidades materiais

para o envio de mensagens a seres extraterrestres. Há mesmo um sentido ritual

em marcar as investidas espaciais com mensagens e dizeres. Cultiva-se todo um

clima heróico, de desbravamento de novos mundos, da aventura e da «conquista

espacial». Quando os astronautas da Apollo 11 deixaram a Lua, além da

bandeirola americana depositaram junto à sucata que abandonariam uma pequena

placa comemorativa em nome de «toda a humanidade»l. Da mesma forma, em um

satélite geológico (LAGEOS), posto em órbita em 1974 e que não cairá antes de

oito milhões de anos: Sagan lá também colocou uma mensagem, com mapas-

múndi, destinada aos «habitantes da Terra daqui a 8 milhões de anos»

(SAGAN:1984:8ss descreve a mensagem).

1. Deixaram mais: «To commemorate the first moon landing, a small plaque had been attached
to it. The plaque read: "Here men from the planet Earth first set foot upon the moon July
1969, AD. We carne in peace for alI mankind". Also left on the moon were a shoulder patch
from the Apollo 1 mission to commemorate "Gus" Grissom, Edward White and Roger Chaffee,
two medals to honor the Soviet cosmonauts, Yuri Gagarin and Vladimir Komarov, who had
given their lives in their nation's space effort, a silicon disk wich had been etched with the
gaodwill messages from leaders af 73 cauntries and a galden olive branch which symbolized
peace.» (DEwAARD:1987:67). Note-se o disco com os votos de representantes nacionais - um
prenúncio da solução adotada para a mensagem da Voyager, 8 anos depois.
3. Pioneer - 49

As duas mensagens mais elaboradas foram enviadas nas únicas naves já

lançadas que se dirigiram para o exterior do nosso sistema planetário. Foram «de

carona» em dois projetos da NASA: as sondas Pioneer 10 e 11, lançadas em 1972-

3, e as Voyager 1 e 2, de 1977. Ambas as naves destinaram-se a colher

informações sobre o sistema solar exterior (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno) e

depois, por um «acidente de mecânica celestial» (SAGAN:1984:223), seguiram à

deriva arremessadas no espaço interestelar, escapando à gravidade solar.

Foi Sagan quem propôs à NASA a inclusão de uma mensagem no projeto

das Pioneer. Sagan, sua esposa e Frank Drake "escreveram" a mensagem. O evento

precedeu a mensagem de Arecibo, descrita acima, e teve uma repercussão pública

muito maior (amplamente noticiado na imprensa leiga, a placa da Pioneer

frequentou primeiras páginas com a mesma facilidade com que reapareceu em

charges humorísticas e até mesmo pichações de rua2).

placa A concepção fundamental é a mesma que orientou a formulação da

mensagem de Arecibo: uma imagem. Mas ao invés do sinal binário

do rádio, preferiram a gravação em uma superfície sólida. Numa placa metálica

de 6x9 polegadas sulcaram os traços de uma imagem densa, portadora de uma

mensagem não evidente, mas supostamente decifrável por uma eti. Os autores

sublinham a vantagem sensorial do método: além da visão, a gravura também se

oferecia ao tato.

2. No início de 1972, reproduções da placa da Pioneer 10 apareceram nos principais veículos da


imprensa brasileira. SAGAN:1973 reproduz uma charge na imprensa de Los Angeles (p40), e a
foto de um grafitti na Caltech (p. 22).
3. Pioneer - 50

A gravura das Pioneer compõem.. se de 4 figuras superpostas:

0.0 ._ ••••••••••••• ' •.•••••••••••••••• , •• .;<-;_»»:_»»>:.>:-.....'.' ..


... ,.. '.' ',',' ' .:.:.:.:...:<.','.:.. .:.>:.;.'::::::::::;:::::::::::;:::::;::::::::::::::::::::::::::;:::::::::::;:::>::::::::::-:-:-:-','. ::::<:::>:::::;:;:::::::;::::<:::;:::;:::>:;::::::::::;::::::::::::::::::::::::::::::::::~:::::::::::-:,.,-:-:-,_ .., ' .

Placa da Pioneer

\.;
'~\'I; ~

o I-l-
o o
I-D:
.:~"fr õ'" o
ll-D:-
mam-
o

Placa das Pioneers 10 e 11

Na reunião dessas quatro figuras pretende-se condensar duas mensagens:

amarrar a localização no tempo e espaço; retratar a natureza dos autores. Drake

o diz: «[...] desejávamos enviar informações sobre a natureza da vida na Terra e,

em particular, definir o tempo e o local do lançamento da Pioneer»

(DRAKE:1984:53). A manchete do New York Daily News também o resume em


3. Pioneer - 51

estilo jornalístico: «Nudes and Map teII about Earth to Other Worlds»

(SAGAN:1973).

Os três primeiros ítens (hidrogênio, mapa de pulsares, sistema solar)

contribuem mutuamente para registrar o momento e o local do lançamento da

Pioneer. Já a imagem da sonda e do casal humano, assim como a própria

astronave (enquanto artefato denso da "cultura objetiva" da civilização que o

forjou), fornece informações sobre «a natureza dos construtores».

oscilação Comecemos pelo hidrogênio. Dois círculos, ligados por uma


do
hidrogênio linha sob a qual inscreve-se o algarismo 1. A única

diferença entre os dois círculos é a inversão de um sinal na

sua periferia. Representam dois momentos de um átomo de hidrogênio: um próton

ao centro, cortejado pela órbita de um elétron; em um segundo momento, o

mesmo próton ao centro, o sinal que representa o elétron no entanto sofre uma

alteração - mudou seu spin. Esta é uma propriedade fundamental da física dos

átomos: quando excitados, seus elétrons saltam de nível energético, acumulando

energia ou liberando-a sob forma de fótons. Noutros termos: quando estimulados

por uma fonte de energia os átomos tendem a emitir radiação eletromagnética.

E mais: o comprimento de onda desta irradiação é muito específico de cada

elemento e para cada nível de salto eletrônico (a transição fundamental do


3. Pioneer - 52

hidrogênio emite numa freqüência característica, diferente de todos os outros

elementos )3.

o que os autores pretendem com esta figura tão singular quanto

especializada? Querem nada menos do que estabelecer um vocabulário comum,

um pacto com a inteligência que decifra a mensagem. Trata-se de uma espécie

de preâmbulo, onde se estabelecem convenções de medida física. É que a

decodificação do resto da mensagem, em particular o mapa de pulsares, depende

do uso de uma unidade de medida do tempo. A oscilação do hidrogênio dá-se

num intervalo de tempo fixo, e emite uma onda eletromagnética de comprimento

igualmente determinado. De um só golpe, obtém-se uma medida de duração

(utilizada para identificar os períodos dos pulsares) e outra de extensão (utilizada

para indicar a estatura dos seres humanos). A representação do hidrogênio em

seus dois estados energéticos mais baixos está, para a mensagem, como o metro-

padrão de platina, conservado em Sêvres desde a convenção internacional de 1875,

está para o sistema métrico ocidental. Só que enquanto o metro é um

comprimento arbitrariamente eleito entre uma infinidade de outros possíveis, fruto

de injunçães históricas mais que prescrições técnicas, a oscilação do hidrogênio

representa como que a medida de unidade prescrita pela própria natureza4•

Para os autores, nenhuma figura serviria melhor para estabelecer parâmetros

físicos do que o átomo de hidrogênio. Isto basicamente por duas razões: é de

longe o átomo mais abundante no universo (~70%), suas propriedades de emissão

3. É esta propriedade que fundamenta toda a tecnologia da espectrografia astronõmica, pela qual
se pode, entre outras coisas, determinar quais os elementos componentes de uma estrela. As
freqüências características dos elementos formam raias de absorção ou emissão que mancham
o contínuo do espectro da luz estelar, segundo configurações características.
4. Para um comentário sobre o sentido da convenção das medidas-padrão, consolidadas na
convenção de 1875, ver MERLEAU-PONTY & MORANDO (1971:92).
3. Pioneer - 53

e absorção tornando-se evidentes para a astronomia desde o advento da

espectrografia; por outro lado, é o átomo mais simples da natureza, um próton,

um elétron, o modelo mínimo do átomo. Na hora de procurar um metro-padrão

com que medir as quantidades físicas, volta-se para o elemento universalmente

preponderante, que é também o mais simples e primevo. «This fundamental

transition of the most abundant atom in the Galaxy should be readily recognizable

to the physicists of other civilizations» (SAGAN, SAGAN & DRAKE: 1972:881).

É na crença de que a ciência seja comum, às etis como aos terrestres, que

os autores depositam toda a possibilidade de comunicação inter-civilizatória. «The

message itself intends to communicate the locale, epoch, and something of the

nature of the builders of the spacecraft. It is written in the only language we

share with the recipients: Science» (SAGAN:1973:18). A primeira linguagem, a única

de imediato compartilhada por ambos e suporte mínimo para início de conversa,

é «a linguagem científica».

«There is, of course, the possibility that the message on Pioneer 10 - invented
by human beings but directed at creatures of a very different kind - may prove
ultimately mysterious to them. We think note We think we have written the
message - except for the man and woman - in a universal language. The
extraterrestrials cannot possibly understand English or Russian or Chinese or
Esperanto, but they must share with us common mathematics and physics and
astronomy. I believe that they will understand, with no very great effort, this
message written in the galactic language: ttScientifictt » (SAGAN:1973:30). 5

o preâmbulo da mensagem condensa de forma paradigmática o esforço de

passar da evidência imediata - o artefato, a imagem - para a mediação simbólica

5. Ver também SAGAN (1984:7-8): «[na placa] está gravado um desenho de alguma coisa da época
e do local de nossa civilizacão, representada em uma linguagem científica que esperamos ser
compreensível a uma sociedade cientificamente instruída sem qualquer conhecimento prévio de
nosso planeta ou de seus habitantes» (gm).
3. Pioneer - 54

- estabelecer convenções e sinais de escrita - sem romper a cadeia de

continuidade lógica que permitiria a uma inteligência desavisada reconstituir o

processo e decifrar a mensagem. E esta continuidade, entre a natureza bruta e o

simbólico, espera-se que seja garantida pela ciência. O hidrogênio da placa da

Pioneer exerce o mesmo papel da contagem numérica da mensagem de Arecibo.

«radial O mapa é o «scientific heart» da mensagem (SAGAN:1973:22).


pattern»
A intenção deste mapa, confeccionado por F.Drake, é a de fixar

o local e o momento de origem da mensagem. Ele representa a posição de 14

pulsares e do centro da galáxia em referência à Terra.

O pulsar é fonte
,/
,..':.t
estelar intermitente de I
...1

ondas de rádio, com uma

freqüência de pulsação _R~ro •• UI. Uc~


C.ecllnaçlo polar =1)

)
extremamente regular e

precisa. Esta freqüência é

singular para cada pulsar.

Isto significa que uma

forma precisa de

identificar qualquer pulsar, distinguí-Io de todos os demais, é conhecer a sua

freqüência. É a única estrela (concedendo que seja estrela) a possuir uma espécie

de "impressão digital" identificadora, uma assinatura inconfundível. É esta


3. Pioneer - 55

peculiaridade, esta conveniência de natureza, que faz deles os marcos de eleição

para traçar um mapa estelar: faróis de sinalização galáctica. 6

Mas isso é apenas metade da história. A freqüência característica de um

pulsar não permanece constante para sempre. Decai lentamente à medida em que

envelhece. A desaceleração do ritmo obedece a uma taxa regular, de modo que

a freqüência das irradiações de um pulsar é uma função da sua freqüência inicial

e do tempo de sua existência. Isto faz do pulsar um relógio natural, um contador

exemplar da passagem do tempo: «they can be used as galactic clocks» (SAGAN,

SAGAN & DRAKE:1972). Anotar o ritmo atual de um determinado pulsar serve

como um marco temporal, registra indiretamente a data da anotação. Conhecido

o pulsar, uma simples equação calcula a sua freqüência característica em qualquer

época desejada, e vice-versa.

Além dos 14 pulsares, há um ponto de referência absoluta: o centro da

galáxia. Seu eixo é o único que não possui nenhum número inscrito, nem qualquer

declinação tridimensional. Consideram uma referência óbvia para qualquer

habitante da galáxia.

Recorreu-se à redundância (14 pulsares) para contornar a variação nas

freqüências dos pulsares, para amarrar uma configuração única, possível de ser

identificada através de um colossal (mas não impossível) exercício de computação

de dados. Reconstituindo todos os cenários possíveis, poderia-se localizar o ponto

6. Novamente o limiar tecnológico: a radioastronomia nascente logo esbarra nos pulsares,


insuspeitados pela astronomia convencional. Foram primeiro descobertos em 1967/8 pelos
astrónomos ingleses A. Hewish e J. B. Burnell. Devido às características insólitas das emissões,
chegou-se no início a conjecturar se não eram esses os sinais tanto procurados pelos programas
SETI: talvez os pulsares fossem estações de rádio eti.
3. Pioneer - 56

de vista retratado na Pioneer, a região na galáxia de onde, numa determinada

época, se possuiria aquele exato panorama de pulsares no céu.

o mapa de Drake é tanto uma bússola quanto um relógio, ou melhor, um

endereço e uma data. Pretende indicar simultaneamente um local e um momento,

fixar inequivocamente um ponto no tempo e no espaço. «O mapa é apresentado

[...] para registrar o local de nascimento e o aniversário cósmico da Voyager»

(DRAKE:1984:56). Certidão de nascimento e documento de identidade, o mapa de

Drake utiliza-se da singularidade física de pulsares para fixar a nossa impressão

digital, para imprimir na sonda o nosso selo inconfundível.

Ao mapa de pulsares foi acrescid,a uma outra figura, representando a série

planetária do sistema solar, os raios médios das órbitas escritos em notação

binária (unidade arbitrária: um décimo do raio de Mercúrio). Foi incluída para

complementar o trabalho do mapa-pulsar. O mapa permitiria localizar

aproximadamente a região da galáxia de onde se via aquela configuração

característica de pulsares. O conhecimento do perfil planetário solar permitiria um

ajuste fino na localização: nenhuma estrela vizinha deve possuir uma série tão

específica de planetas. E mais que solar, a figura assinala também a origem

terrestre da mensagem: há uma representação da sonda e sua trajetória, partindo

do 3° planeta, cruzando Júpiter e Saturno e escapando à série.

nus A primeira parte espera-se seja de compreensão segura. Para os


autores, está escrita na linguagem universal: a ciência. A segunda,

não é nem científica nem universal. Suspeita-se que é de difícil compreensão, a


3. Pioneer - 57

parte mais obscura e misteriosa da mensagem (SAGAN:1973:20). A repercussão

pública da mensagem mostrou que mesmo para os terrestres esta era a parte mais

delicada: as críticas e comentários que a divulgação da mensagem despertou

diziam todas respeito exclusivamente à apresentação das figuras humanas.

Duas preocupações marcam o desenho do casal. A primeira é com a

disposição das mãos. Antes de tudo, mostrá-las nitidamente. Pretende-se que a

oponência do polegar - bem marcada na mão espalmada - seja notada. Seguindo

uma versão da hominização bastante vulgarizada pelas pesquisas da antropologia

física, o polegar oponente indica aqui a capacidade de preensão e manipulação

de utensílios: anatomia adequada a um ser comprometido com tecnologia. Talvez

se chegasse até a notar a nossa tendência à adotar uma aritmética decimal -

justificada pelos dez dedos superiores (SAGAN:1973:28). Mas a mão não aparece

apenas como o índice da tecnologia inscrito no nosso corpo, ela surge também

como aparelho expressivo: o homem ergue a mão direita para o receptor.

Encontram no gesto o símbolo do aceno, uma espécie de cumprimento universal

(idem, p. 22). Mesmo porque é demonstração de desarme, mão oferecida que

nada esconde (idem, p. 29). Finalmente, é também a mão do artesão que se

identifica: a mão aberta coloca-se sobre a imagem da nave reproduzida em

segundo plano. Homo faber, o artista, posa diante de sua obra.

A segunda preocupação é com a representatividade das figuras: «the man

and woman on the plaque are, to a significant degree, representative of the sexes

and races of mankind» (SAGAN:1973:27). Procurou-se forjar traços que

combinassem características das várias raças humanas, de modo a apresentar

figuras panraciais: «we made a conscious attempt to have the man and woman
3. Pioneer - 58

panracial» (idem, p. 26). No entanto a distribuição dos papéis entre os dois sexos

causou polêmica. Após a divulgação da mensagem, a assimetria do par, das

posições do homem e da mulher, foi mo!tivo das mais insistentes críticas nos mídia

americanos. Para compensar o malentendido involuntário, os mesmos autores

incluirão, entre as fotografias da Voyager, uma reprodução deste mesmo casal,

apenas que quem levanta a mão em aceno é a mulher. (Ver figura na página

seguinte, comparando os casais nas duas mensagens).

mais Os autores mencionam uma série de soluções alternativas que foram

consideradas e rejeitadas. Relógio atômico, mapa estelar,

informações sobre anatomia do corpo humano. Foram preteridas por motivos de

ordem técnica, que contrastam com censuras morais feitas à mensagem - a nudez

das figuras humanas, a representação das etnias, o papel desigual atribuído aos

sexos. Mas justo por suas críticas e restrições, tanto as censuras morais quanto as

limitações técnicas findam por sublinhar as linhas de força fundamentais que

estruturam a mensagem. Várias delas influenciarão as soluções incluídas no disco

da Voyager.

Consideradas, não pelo motivo da sua recusa, mas por constituírem soluções

alternativas de ciframento da mensagem, as alternativas mencionadas pelos autores

visavam os mesmos três quesitos da mensagem almejada: informar época, local e

natureza dos construtores da nave. Uma amostra de material radioativo puro

talvez permitisse uma determinação mais simples e precisa da época do

lançamento do que a reconstituição de uma configuração histórica específica de

pulsares. Foi recusado pois um tal dispositivo causaria interferências indesejáveis


3. Pioneer - 58A

Da placa da Pioneer

Da foto 52 da Voyager

Acenos da Pioneer e da Voyager


3. Pioneer - 59

nos sensores da sonda. (Este recurso foi utilizado pelas Voyager, às quais não

prejudicava). Já um mapa que utilizasse as posições das estrelas vizinhas como

referências seria bem mais ambíguo e indeterminado a nível galáctico que o de

pulsares. Ao contrário destes, as estrelas convencionais não poderiam facilmente

ser descritas em sua individualidade, mas apenas em termos de classes espectrais

e magnitude.

Quanto à "natureza dos construtores" as alternativas consideradas são na

verdade enriquecimentos à mensagem enviada. Ao casal nu, pretendiam acrescentar

planos de dissecção sistemática, representações anatômicas de sistemas vitais do

corpo humano: «schematic representations of the vascular, neurological, ar

muscular apparatus of human beings ar some indication of the number of cortical

neural connections» (SAGAN, SAGAN & DRAKE: 883, gm). Uma medida da

complexidade do sistema nervoso central humano, sem dúvida na intenção de

assim fornecer elementos para estimar o nível de inteligência da espécie, tal como

Drake depois tentará na mensagem de Arecibo, com o nO de bases do ADN

humano. Só desistiram de incluir este número por não conseguirem imaginar

maneira de torná-lo compreensível: «[it was] rejected because of the ambiguity of

the envisioned representations» (idem). Pranchas de dissecção anatômica do corpo

humano serão incluídas na mensagem que seguirá no disco da Voyager.


CAPíTULO 4

voyager1977

o veículo Em 20 de agosto e em IOde setembro de 1977 foram lançadas as

duas naves espaciais Voyager. Dentro das investidas da NASA de

exploração dos planetas do sistema solar através do envio de sondas espaciais

automáticas, estas duas naves idênticas destinavam-se a colher informações sobre

o sistema solar exterior, transmitindo-as por rádio para os centros de controle na

Terra. Seguiam uma longa linhagem de robôs de observação espacial, e seus

nomes iniciais eram Mariner 11 e 12. As trajetórias traçadas para cada uma foram

distintas, mas ambas encontrariam basicamente os mesmos alvos de observação

pelo caminho: Júpiter (março e julho de 1979); Saturno (novembro de 80 e agosto

de 81); Urano Ganeiro de 86 e talvez agosto de 87)1. Nas aproximações aos

planetas em órbitas hiperbólicas elas teriam a oportunidade de, entre outros

registros, observar em close diversos dos seus grandes satélites e realizar um

mapeamento fotográfico de alta resolução. A aproximação a Júpiter (o planeta de

maior massa do sistema) as aceleraria ao ponto de lhe escaparem e alcançarem

Saturno, o qual igualmente promoveria um efeito de aceleração e escape. Como

resultante final, ambas as naves seriam arremessadas para fora do sistema solar,

1. No final de sua passagem por Urano, conseguiram conduzir a Voyager 2 ao encontro de


Netuno também. As primeiras observações de Netuno e suas luas chegaram em agosto de
1989.
4. Voyager - 61

fugindo à sua gravidade. Uma vez a caminho do espaço interestelar, as sondas,

missão fundamental cumprida, continuariam a mandar informações sobre a

heliopausa por anos, até os seus geradores atômicos falharem.

Como sucatas interestelares, as sondas seguiriam a esmo, inofensivas,

reduzidas à insignificância face à escala e à escuridão das distâncias interestelares.

O fato de ser um

artefato humano

enviado ao espaço

interestelar, tal

como as Pioneer
de 1972, confere-

lhe uma

peculiaridade que
Sonda Voyager
não passou

desapercebida por entusiastas do SETI. Em 1976, Carl Sagan trabalhava para a

NASA na equipe de imagem da missão Viking, na época com o [ander já pousado

em solo marciano. Ele conta que foi procurado pelo diretor do projeto Voyager

para que elaborasse uma mensagem, no estilo da placa das Pioneer, para ir a

bordo das naves Voyager (SAGAN:1984:9).

Há nisso um aspecto característico das tentativas de mandar mensagens para

as eti. As mensagens são um subproduto da indústria astronáutica, um arremate,

um capricho. Não é para transportá-las que se lança uma sonda em direção ao

exterior do sistema solar, mas aproveitando um veículo que será lançado com este

destino, acrescentam-lhe uma compacta mensagem que não o atrapalhe. Elas vão

«de carona». «Está de carona, assim como todas as outras mensagens colocadas
4. Voyager - 62

em naves espaciais: a nave é projetada com um objetivo, e a placa afixada (quase

sempre no último minuto) com outro objetivo» (SAGAN:1984:9). A missão não foi

empreendida para enviar uma mensagem, para estabelecer comunicação com

possíveis eti. Seus motivos são estritamente científicos, de pesquisa e registro de

astros distantes, de obtenção de dados astronômicos não acessíveis aos métodos

de observação convencionais. «Claramente, o principal objetivo da missão da

Voyager será esta muitíssimo rica colheita de informação científica»

(SAGAN:1984:229). Apenas após o cumprimento da «fase estritamente científica da

missão» (SAGAN:1984:234), quando a carcaça da sonda seguir esgotada o seu curso

sem destino, ela ainda servirá a uma "missão" secundária e incerta, a um pequeno

luxo, um capricho de cientistas imaginativos: ela é portadora de uma mensagem.

«Existe algo mais a bordo das duas naves espaciais Voyager. Muito depois de seus

transmissores haverem morrido, bem além da heliopausa, no futuro remoto, dois

discos fonográficos contendo as saudações do planeta Terra continuarão viajando,

rápida e inexoravelmente» (SAGAN:1984:229).

Com a incumbência de formular uma mensagem, Sagan contactou alguns

conhecidos interessados em SETI para colaborarem como «consultores científicos».

Cita Philip Morrison (físico do MIT, um dos que lançou a idéia da SETI), Frank

Drake (astrónomo diretor do NAIC na Cornell), A.G.W.Cameron (astrónomo da

Harvard), Leslie Orgel (biólogo do Salk Institute for Biological Research), Bernard

Oliver (então na diretoria da Hewlett-Packard, hoje diretor do projeto SETI da

NASA), Steven Toulmin (professora de filosofia e sociologia da Une Chicago).

Procurou ainda Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert Heinlein, três monstros

sagrados da sci{i americana clássica.


4. Voyager - 63

murmúrios A idéia de mandar um disco foi de Drake. As principais

vantagens apontadas foram a maior capacidade de

armazenamento de informações (comparada à da placa Pioneer), suportando uma

mensagem mais elaborada e completa, a sua durabilidade, e a possibilidade de

enviar música como parte da mensagem. Além disso era exeqüível a curto prazo

e baixo custo, já que a tecnologia para gravações em disco era disponível na

indústria fonográfica 2•

o resultado final foi um disco com umas duas horas de gravações,

organizado basicamente em quatro "faixas" de informação. A primeira é uma

seqüência de 116 fotografias e diagramas, codificada num sistema análogo ao de

um vídeo-tape digital. A segunda compõe-se de vários grupos de saudações dos

«habitantes da Terra» às etis, incluindo a do então presidente americano (J.

Carter), uma lista de parlamentares americanos 3, a do secretário geral das Nações

Unidas (K. Waldheim), de delegados da ONU, e uma série de saudações em 54

línguas diferentes. A terceira registra uma coleção de «sons da Terra». A quarta

e mais longa (hora e meia; 3/4 do tempo de gravação), reúne uma seleção de

músicas de todos os gêneros.

Imagens, saudações, sons e músicas. As principais partes da mensagem, os

blocos mais ricos em informação são o primeiro e o último. As fotografias visam

transmitir a maior parte das informações de interesse cientifico sobre as condições

de nosso planeta, nossa biologia, nossa sociedade. Elas representam a extensão da

2. Foi a CBS que "garantiu todas as liberações [de direitos autorais], fez a mixagem das músicas,
saudações e sons, e cortou os moldes de cera a partir dos quais as matrizes metálicas são
feitas" (SAGAN,22).
3. Na verdade, a mensagem escrita de Carter e a lista dos congressistas foram enviadas como
fotos. A rigor, foram 118 imagens, mas apenas as 116 primeiras compõem a primeira parte
da mensagem.
4. Voyager - 64

mesma "solução" das mensagens anteriores enviar informações cifradas em

imagens. Já a música é a grande inovação. Pretende-se com ela transmitir aspectos

irracionais da humanidade, como sentimentos, emoções, esperanças, e dar o tom

da relação que se deseja estabelecer com as etis. Sagan reproduz versos de um

locutor de TV: «[...] por favor NASA, por favor,IInclua em seu LP intergalático/O

som da nossa música. [...]/Não incluir música [...]1 Seria dar-lhes as nossas mentes;

é possível excluir a nossa alma?» (SAGAN:1984:34-5).

a capa Além das quatro faixas do disco, a mensagem da Voyager ainda

inclui um quinto registro, na verdade o primeiro, pois é a porta

de entrada a todo o resto. O disco foi protegido por uma capa metálica com

gravuras inscritas (SAGAN:36-7, para uma descrição detalhada). Além de preservar

o disco das hostilidades da viagem, ela cumpre uma função chave na veiculação

da mensagem: ensina como "tocar" o disco. Codificadas em «linguagem científica»

e gravadas no metal (tal como a placa das Pioneers), algumas figuras deveriam

orientar o destinatário no uso do aparelho, ajudar a libertar a mensagem do seu

invólucro. Instruções sobre o uso da agulha de leitura do disco, velocidade de

rotação, tratamento do sinal obtido, construção por varredura das imagens

codificadas serialmente. Uma imagem idêntica à primeira fotografia - o «círculo

de calibragem» - serviria para confirmar a correta decodificação das imagens, e

permitir ajustar a proporção entre altura e largura de cada quadro, evitando

deformações anamorfóticas 4 •

4. Além de confirmador de decodificação e calibrador de proporções, o círculo é recorrente na


mensagem, suportando inúmeros sentidos: é a figura do próprio disco, a mesma utilizada para
representar o átomo de hidrogênio, os astros (sol, Terra), as células (óvulo), as antenas de
radiotelescópio, por fim, e noutro sentido, é também a forma privilegiada das fotografias de
agrupamentos humanos.
4. Voyager - 65

As principais informações gravadas na capa são portanto instruções técnicas

sobre o modo de decifrar o disco. Há ainda mais alguns elementos na capa.

Embaixo das instruções,

há uma reprodução do

«mapa de pulsares» que

Drake elaborou para a

placa das Pioneers, com a

localização do sistema

solar por referência a 14

pulsares da Via Lácteas.

E numa área de 2 cm de
•.• ".#'

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diâmetro foi fixada uma M ... :~~~·:·::·:::.:-~.:._ ~. '~"~ • • •

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amostra ultrapura de

urânio 238, cuja meia

vida é de 4,51 bilhões de


Capa do Disco da Voyager
anos. «A contínua

decomposição da fonte de urânio em seus isótopos faz dela uma espécie de

relógio radiativo» (SAGAN,37). O exame da amostra e o mapa de pulsares

permitem calcular a época do lançamento da nave, localizar a civilização que a

lançou na linha do tempo e no volume do espaço.

Uma vez realizado e enviado o disco, a equipe que o elaborou preocupou-

se em divulgá-lo para o público em geral, publicando um livro que descreve

minuciosamente a mensagem contida no disco, o seu processo de criação, suas

s. O mapa ressurge parcialmente na foto nO 2 da mensagem.


4. Voyager - 66

técnicas, supostos e intenções, a sua importância. O livro daria ao público terrestre

o que o disco oferecia aos extraterrestres (SAGAN:1984:11).

o sumário do disco é o seguinte:

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Disco da Voyager

Imagens, saudações, sons e músicas. Retiremos da capa e decodifiquemos

cada um dos blocos da mensagem.


CAPíTULO 5

retratos da Terra

Antes de optar-se por um disco, a intenção inicial de Sagan era produzir

uma ampliação da mensagem das Pioneers: enviar imagens gravadas numa

superfície metálica. «Minha primeira idéia foi fazer uma modesta extensão da

placa das Pioneers 10 e 11, talvez acrescentando um pouco de informação sobre

a biologia molecular - por exemplo, a estrutura de nossas proteínas e dos ácidos

nucleicos» (SAGAN:1984:9-11). À tentativa anterior, desejava apenas acrescentar

mais informações sobre «a natureza dos autores» da mensagem, as particularidades

de sua biologia, a base bioquímica de seus corpos. Uma espécie de Pioneer que

incorporasse também o conteúdo da mensagem de Arecibo.

No início, restrições de ordem técnica limitariam a «mensagem pictórica

para extraterrestres» a umas poucas imagens: «A idéia original era de seis fotos.

Pensamos que deveriam ser a Terra, a molécula do ADN e fotos de seres

humanos e animais» (LOMBERG:1984:72). Conseguiu-se depois reduzir o tempo de

gravação de cada imagem, adensar a mensagem, multiplicando várias vezes o seu

tamanho relativo no disco. A coleção de fotos a selecionar passou de meia dúzia

para mais de cem.


5. Fotos - 68

Dois princípios técnicos - quanto ao rendimento informativo - orientaram

a seleção das fotos: 1) maximização da quantidade de informação contida em cada

imagem; 2) e facilidade de decodificação. «Na escolha das gravuras deparamo-

nos com duas exigências contraditórias: elas deveriam conter tanta informação

quanto possível e ser de fácil compreensão» (LOMBERG:1984:77). John Lomberg,

responsável pelo bloco de imagens do disco, apresenta uma a uma todas as

fotografias incluídas, com um pequeno texto que as descreve, justificando os

motivos de sua eleição. Para cada foto, há uma intenção informativa, há um

átomo de mensagem a ser decifrado.

A teoria da informação estabelece as duas exigências requeridas por

Lomberg como antagônicas: ou se maximiza a informação que uma mensagem

pode transportar, tornando-a mais complexa e sujeita a erros de decodificação; ou

se maximiza a facilidade e acerto da sua interpretação, ao custo de reduzir a

quantidade de informação nova, e aumentar a reiteração, a confirmação, o

cruzamento da mesma informação apresentada de diversos modos. Lomberg aponta

algumas técnicas de confirmação, que aumentam o nível de redundância de

fotografias excessivamente complexas: 1) as duas primeiras fotos da seqüência são

reproduções de figuras que já se encontram gravadas na capa que protege o disco.

Não trazem assim nenhuma informação nova, não ajudam na interpretação das

imagens. Apenas confirmam o acerto na construção da imagem a partir do registro

serial do disco, a correta decodificação técnica da informação cifrada: que se trata

de imagens e o jeito correto de remontá-las. 2) No caso de algumas imagens

complexas, onde o que se queria fosse notado tendia a desaparecer misturado ao

"ruído do fundo", recorreu-se à duplicação da imagem numa silhueta. Fez-se

preceder certas fotografias por uma sua reprodução simplificada, onde os objetos
5. Fotos - 69

pretendidos encontravam-se destacados em negro sobre um fundo uniformemente

branco. Serviriam como máscaras a serem comparadas às suas matrizes para

interpretar corretamente as gestalts misturadas na cena. «A silhueta amplia o

contraste figura/fundo, mostrando como separamos os vários objetos em uma foto.

É uma maneira de dizer: 'Isto é o que queremos que você veja na foto'»
(LOMBERG:1984:77). 3) Por fim, a simples repetição de temas, objetos e imagens

em mais de uma foto. Os seres humanos (presentes em mais de metade das

fotos), o elefante (montado por um humano e em pequenas estátuas de um

artesão), cachorros, os círculos de pessoas. Formam elos de redundância a

confirmar imagens.

assunto Soluções técnicas de codificação, princípios de economia e

redundância, tudo pronto. Mas que se pretendia transmitir, que

critérios nortearam a seleção da informação a ser enviada às eti? «A pergunta era:

Quais as fotografias da Terra e da humanidade que deveriam ser enviadas?»

(LoMBERG:1984:73). A mensagem pretende ser uma descrição, uma apresentação,

um retrato da civilização terrestre. Quer-se transmitir informações representativas,

as mais significativas, as mais características, capazes de delimitar-nos, distinguir-

nos do resto do universo, enfim, um retrato que abrangesse a civilização humana

como um todo, conferindo-lhe uma identidade global. Tal como nas figuras

humanas representadas na placa da Pioneer, cujas fisionomias eram compostas por

um bricolage dos traços das várias raças humanas, a civilização terrestre deve

aparecer consolidada num corpo social único e abrangente, ainda que composto

a partir de uma miríade de facetas particulares, cujas diferenças nunca chegam a

comprometer a unidade maior.


5. Fotos -70

A primeira diretriz é a informação descritiva: «[...] o critério da mensagem

[fotográfica foi] o valor informativo e não o estético» (LoMBERG:1984:76). Mas

nem toda informação tem o mesmo peso. Sagan tencionava mandar o máximo de

informações "novas para eles", isto é, informações a respeito de aspectos

específicos do "nosso caso". A seleção de imagens obedecia «a uma série de

princípios dos quais o mais importante era o seguinte: enviar a qualquer possível

ouvinte extraterrestre informação sobre a Terra e seus habitantes à qual eles

provavelmente não teriam acesso por outros meios» (SAGAN:1984:32, gm). Com esta

regra Sagan pretendia excluir da pauta demonstrações «no campo da matemática,

física ou astronomia» (idem), que supostamente seriam também conhecidos pelas

eti. Não era necessário perder tempo (e disco) para repassar o óbvio, para repetir

para seres tecnológicos o beabá de ciências universais. Para informar-lhes do

quanto sabíamos nestes campos, bastava a sonda em si - no seu projeto, na sua

arquitetura, estavam inscritos o grau de desenvolvimento da nossa tecnologia,

objetivados conhecimentos de física, astronomia, química, informática, e tantos

mais. A sonda muda já dizia de nossa tecnologia; ao disco, cabia dizer algo mais.

A intenção era «fornecer [às eti] imagens de toda a Terra e dos seus
habitantes» (LoMBERG:1984:76). Permitir-lhes visualizar as nossas especificidades,

os aspectos particulares que a evolução do nosso planeta, e da vida que nele

proliferou, tomaram. Para Sagan, «o principal aspecto do segmento pictórico dizia

respeito aos dados peculiares à Terra: geoquímica, geofísica, biologia molecular,

anatomia e fisiologia humanas e a nossa civilização» (SAGAN:1984:32, gm). Estes

dados, mais contingentes e que em princípio só interessariam a nós, constituem

na realidade as informações mais cobiçadas e significativas para uma eti. Eles


5. Fotos - 71

dizem respeito a classes de fenômenos mais raros, mais inacessíveis ao estudo, cuja

abordagem deve ser necessariamente comparativa. Do exame deles, reunidos às

informações que a eti possui sobre si própria, talvez se pudesse, através da

comparação, formular hipóteses generalizantes sobre evolução cósmica, leis

biológicas e culturais. «Quanto mais especifica a informação para a Terra, quanto

mais anedótica ou idiossincrásica, tanto mais difícil para os extraterrestres

entenderem mas também tanto mais valiosa a informação, uma vez compreendida»

(SAGAN:1984:32, gm).

Resumindo: 1) o conjunto das fotografias compõem uma fotografia da

civilização humana e terrestre, um auto-retrato civilizat6rio; 2) sobre um fundo de

informações comuns (conhecimentos científicos básicos partilhados por ambas as

civilizações) o principal é conseguir transmitir as particularidades da civilização

humana, aquilo que se supõe deva ser distinto da eti, sem deixar de ser

comparável. E (2) é o importante porque é o que melhor define (1), o conjunto

das suas peculiaridades é o que melhor desenha o rosto da humanidade. Mas é

igualmente importante por despertar o interesse (científico) eti na mensagem. A

elas não interessaria obter informações óbvias sobre o universo, que já possuem

justamente por se referirem a aspectos universais. Elas só podem querer a

novidade científica, dados insuspeitados e de outro modo inacessíveis. A novidade,

a informação rica e interessante para uma eti está nas peculiaridades da vida e

da inteligência terrestres. «Queremos dizer a esses outros seres alguma coisa que

parece única a nosso respeito» (SAGAN:1983b:287). Somente a diferença especifica,

que distingue as civilizações inteligentes entre si, pode fundar o interesse no

contato, na troca de mensagens.


5. Fotos -72

listagem o resultado final compreende 116 fotografias, diagramas ou

máscaras, apresentadas em seqüência. Elas são reproduzidas e

comentadas uma a uma por LOMBERG (cap.3), responsável pela sua seleção. Listo-

as a seguir, de forma sintética. Os títulos e números das fotos são os dados por

Lomberg; entre colchetes, meus acréscimos. Também procurei reunÍ-Ias em grupos

temáticos e dividi o bloco inteiro em três segmentos. Um asterisco marca as fotos

que são reproduzidas junto ao texto deste trabalho. (O Anexo 1 traz a totalidade

da fotos).
5. Fotos -73

Preâmbulo 1. círculo de calibragem


2. mapa de localização solar [e foto da galáxia de Andrõmeda]
*3. dicionário: definições matemáticas
*4. dicionário: definições de unidades físicas

Sistema Solar 5-6. o sistema solar [diagrama e medidas]


7. o Sol
8. espectro solar
9-11. Mercúrio, Marte e Júpiter
*12. Terra
13. Egito, Mar Vermelho, a Península do Sinai e o Nilo, com
a composição da atmosfera da Terra [foto de satélite]

Vida 14-16. estrutura e replicação do ADN [diagramas]


17. divisão celular [foto cromatina]

Anatomia humana 18-25. anatomia humana [ilustrações retiradas de enciclopédia]

Reprodução humana 26. diagrama dos órgãos sexuais humanos


27-8. concepção e silhueta
29. ovo fertilizado [mitose]
30-1. feto e silhueta
*32. silhueta do masculino e feminino [casal grávido]
33. nascimento
34. mãe amamentando
35. pai e filho
*36. grupo de crianças [em círculo]
*37·8 retrato de uma família e silhueta [com idades]

Geologia 39. diagrama da formação continental [planisfério =: LAGEOS]


40. estrutura da Terra [diagrama]
41. ilha Heron
42. litoral
43. rio Snake e Grand Tetons
44. dunas de areia [cavaleiro e cão]
45. Monument Valley [rebanho]

Reino vivo Flora: 46.


floresta com cogumelos
47.
folha
48.
folhas caídas [e árvore]
49.
sequóia e floco de neve
50.
árvore e narcisos
Fauna: 51.
inseto voador
*52.
diagrama da evolução dos vertebrados
53.
concha marinha
*54.
golfinhos
55.
cardume de peixes [e mergulhador]
56.
sapo arborícola (numa mão humana)
57.
crocodilo [sendo examinado e medido por um humano]
58.
águia
bebedouro [water hole com antílopes]
59.
*60. cientistas e chimpanzés
*61·2 caçadores bosquímanos e silhueta
5. Fotos -74

II

Figuras humanas 63. homem da Guatemala


64. dançarina de Bali
65. meninas dos Andes
66-7. artesão do Tai e elefante
68. velho na Turquia
69. velho no campo
70. alpinista
71. ginasta Cathy Rigby
*72. corredores olímpicos
*73. sala de aula japonesa
*74. crianças em redor de um globo [terrestre]

Comida 75. colheita de algodão


76. homem come uvas
77. supermercado
78. mergulhador e peixe [não publicada]
79. barcos de pesca
80. cozinhando peixes
81. festa de jantar chinês
82. demonstrando como comer, lamber e beber

ArquiteturalEngenharia 83. a grande muralha da China


84. cena de construção (África)
85. cena de construção
86. casa (cabana)
87. casa (construção da Nova Inglaterra)
88. casa (moderna)
89. interior de uma casa
90. Taj Mahal
91. cidade inglesa (Oxford)
92. Boston vista do Rio Charles
93-4. prédio da ONU de dia e de noite
95. Sydney Opera House

Vários *96. artesão com perfuratriz


*97. interior de uma fábrica
98. museu
99. radiografia de uma mão
100. mulher ao microscópio

Transportes 101. cena de rua (Paquistão)


102 cena de rua
103. rodovia
104. ponte Golden Gate vista da Praia Baker
105. trem [turbo Boston-Washington]
106. avião em pleno vôo
107. aeroporto
108. sno-cat antártico [acidentado]

Exploração espacial 109. radiotelescópio (interferômetro de Westerbork) [e ciclistas]


110. observatório de Arecibo
111. página de um livro [de Newton]
*112 astronauta no espaço [J. McDivitt da Gemini]
113. lançamento do Titan Centaur [Viking em 1975]
5. Fotos -75

III

Encerramento 114. pôr-da-sol


*115. quarteto de cordas
*116. partitura de quarteto e violino (Beethoven)

A divisão em três segmentos (dois principais e um complementar) é minha.

Não obstante, a ruptura entre o 10 e o 20 é marcada na própria exposição de

Lomberg, que comenta, antes de apresentar a foto 63: «Todas as outras fotos são

sobre os seres humanos, nossas culturas e artefatos» (LoMBERG:1984:104). A

primeira parte traz informação de cunho privilegiadamente científico (das ciências

hard), a segunda, retrata os fatos da civilização propriamente, as sociedades

humanas, a cultura. «Até agora a seqüência de fotos consistiu principalmente de

informação científica [...] para nos apresentar. Deste ponto em diante [...], embora

o critério principal da seleção ainda seja a informação contida, esta muitas vezes

será cultural [...]» (LoMBERG:1984:94). Compondo o retrato terrestre, o primeiro

segmento traça a série natural, enquanto o segundo delineia a série cultural ou o

retrato da civilização terrestre.

natureza o primeiro bloco inicia com a «calibragem» e um «dicionário»,

onde se pretende estabelecer convenções sobre sinais matemáticos

e medidas de tempo, massa e extensão (estas convenções são eventualmente

utilizadas em outras ilustrações). Representam modos de confirmação da correta

decodificação da mensagem, e um mínimo de convenções em uma linguagem

arbitrária, estabelecidas a partir da «linguagem universal» da ciência. Este

cabeçalho da mensagem funciona como uma ponte entre o disco e a mensagem

do disco, entre a imagem gravada na sua capa e as informações codificadas em


5. Fotos -76

seus sulcos. As gravações da capa . •1 11-- -12


«poderiam ser percebidas por
.. • 1-
• t
a2 11--- =24
••• =II z3 11--1·-- =100 =10 2
sentidos que não a visão. •••• =1-- = 4 11111-1---- 1000 a 103
••••• = I-I II: 5·
2+3-5
Esperamos que dessa forma os •••••• a: 11_ =6
III -7
8+17-25 5+i ó:5~
1.+.1. ~ 2x3-6
receptores tenham como cOlnparar 2 3 6
1--- -8
13 x26-364
1--1 -9 J.+l-
3 5-

15
uma foto com um objeto que 1-1- -tO

rv
podem tocar» (LoMBERG:1984:77).

A coincidência entre o círculo


I tb I
enquadrado da gravura da capa e
~ x t09 !=1§ J.. tem
a imagem de círculo codificada em

bits evoca a passagem do objeto


t
86400~
365g =11
19 II
21-
L a
-
t .b. = 21 x 10
l02 cm ai m
8
ª
23
6x10 M c1g t 000 fi - t !Y!l
bruto, imediatamente sensível 10009 -1!g
6x t027 9. -1!
(acessível ao tato), para a Fotos 3 e 4: Dicionário

representação do objeto, sua

abstração intelectual (acessível apenas através de uma reconstrução inteligente). A

partir de parâmetros dados ou que se supõe universalmente reconhecíveis,

estabelece uma primeira linguagem convencional entre emissor e receptor da

mensagem.

Do macro para o micro, segue desfilando fotos dos planetas do sistema

solar, centra no ambiente terrestre e dá um close na molécula chave de toda vida

do planeta. Estrela, planetas, planeta ideal, química da vida. Disseca um corpo da

espécie humana, segundo o açougue clean e didático dos atlas de anatomia, e a

sua cadeia de reprodução sexuada. Embora compareça bem no início da série das

fotografias, as figuras humanas formam aqui uma "ilha" cercada de astrofísica,

bioquímica e anatomia de um lado, e geologia e biologia sistemática do outro.


5. Fotos -77

Elas são tomadas antes de tudo como representantes da espécie biológica, como

objetos naturais: o corpo morto da anatomia descritiva é dissecado em camadas

e sistemas funcionais; o ciclo fecundação-mitose-feto-casal&gravidez-parto-

amamentação-paternidade-infância-família-gerações foi aqui inserido para descrever

o modelo da reprodução sexuada e o ciclo vital como uma condição biológica

da espécie humana. Não obstante, fotos como a 35 (pai com filho), 36 (crianças

em roda), e 37-8 (família com 5 gerações) participam mais do espírito da segunda

metade da mensagem. Essas fotos «introduzem os seres humanos. [Porém,] antes

de apresentar mais informações sobre a nossa cultura, apresentamos uma visão

mais detalhada do nosso planeta - suas paisagens, oceanos e biologia»

(LOMBERG: 1984:95).

Então, algumas informações de

geologia e paisagens terrestres. Depois, a

diversidade do reino vivo: dos vegetais,

passando por um invertebrado, apresenta-

se um esquema da evolução dos animais

vertebrados (f.52), seguido de exemplos

de cada grupo - molusco, peixes, anfíbio,

réptil, ave, mamíferos, macacos (<<nossos

parentes próximos», 103). O encerramento

da "série natural" do retrato terrestre,

introduzindo já a seção seguinte,

"cultural", é marcada por três imagens que


Foto 52: Evolução dos vertebrados
retratam duas cenas de um valor especial:
5. Fotos -78

1) Cientistas observando chimpanzés (foto 60). «Do ponto de vista de um

extraterrestre, chimpanzés e seres humanos podem ser bem semelhantes [...]

Pensariam, provavelmente, em mais seres humanos» (LOMBERG:1984:103).

Morfologicamente - por não haver dito que também filogeneticamente - muito

próximos, esse outro representante dos primatas poderia ser confundido com a

espécie inteligente terrestre, seus traços distintivos não notados, sua diferença

essencial negligenciada. Um duplo expediente - a postura dos humanos como

observadores à distância e a máquina de filmar que manipulam - permite

distingüí-Ios como uma outra classe de animais, uma classe qualitativamente

diferente. «O fato desta fotografia revelar seres humanos observando chimpanzés

fornece uma pista de que estes últimos não fazem parte da raça que enviou a

Voyager» (idem, p. 103).

A foto foi tirada de uma posição

diametralmente oposta à dos cientistas, em

relação ao grupo de macacos, de modo que

aqueles aparecem ao fundo da fotografia

voltados de frente para a cena, para a "nossa"

câmera. O fotógrafo parece mais próximo dos

símios que dos cientistas, o ângulo de visão

tendendo a confundir-se com o dos próprios

chimpanzés. Ou então, está em situação similar

à dos cientistas do fundo, igualmente

observando os macacos à distância, igualmente Foto 60: Cientistas observando chimpanzés

com uma câmera, porém de outro ângulo. A

presença dos cientistas fotografando do outro lado do grupo de macacos serve


5. Fotos -79

como uma imagem especular do próprio fotógrafo da cena. Essa disposição dos
atores em cena e do ângulo de visão da fotografia, contrasta curiosamente com

a da foto seguinte, e ressoa com a mudança de posições da passagem de um

retrato "da natureza terrestre" para um retrato da civilização terrestre.

2) Caçadores bosquímanos e silhueta (fotos 61-2). Aqui, o animal (um

cervo) aparece ao fundo, sob a mira de um aborígine sul-africano prestes a


arremessar o seu dardo. Um

segundo humano (filho) observa a

caça ao lado do caçador, um

passo atrás. A fotografia é tirada


de uma câmera situada apenas

um pouco mais recuada, m.as

ainda acompanhando os humanos,

que são retratados pelas costas,

voltados para a presa, no


Foto 62: Caçadores Bosquímanos
flagrante do ataque. O ângulo

capturado pela objetiva é o mesmo que o dos caçadores: mira


I 120 c'" I

o animal, mas engloba os humanos que o tocaiam. O humano


porta um artefato, não de observação científica (câmera), mas

de ataque, uma arma. Ao contrário da ambigüidade latente na


Foto 61: silhueta
foto dos chimpanzés, LOMBERG observa que aqui a confusão

possível não se dá entre os humanos e o animal, mas entre a figura do animal

e o fundo, uma mistura entre o alvo da mira humana e a estepe. Foi para evitar

essa indefinição e ensinar «a ver a foto como nós a vemos» (1984:103) que se

acrescentou uma repetição esquemática da mesma imagem, uma máscara gestáltica


5. Fotos - ao

e didática, demarcando apenas as silhuetas dos personagens principais: «A silhueta

enfatiza a forma humana e separa o cervo do cenário de fundo» (idem).

Na primeira, apresentam o último animal que ainda pertence à série

natural, antes do homem. Os chimpanzés aparecem em primeiro plano, observados


por cientistas escondidos num fundo de mata virgem. A preocupação é justo com

a distinção sutil entre essas duas espécies de «parentes próximos» (p. 103).
Lomberg chega a aventar a possibilidade de a foto ser interpretada erroneamente

como significando a supremacia dos chimpanzés sobre os «carregadores de

equipamento» humanos. O importante é reter a preocupação com a distinção entre

duas espécies consideradas muito semelhantes. Distinção julgada "difícil", sutil,

porém essencial.

Na outra apresentam o primeiro tipo humano, o primeiro da série cultural:

um indígena quase-nu, caçando com uma lança artesanal. O mais próximo da série
natural, mas dela já inequivocamente distinto. O bosquímano funciona aqui como

o equivalente de um "homem primitivo", um "selvagem" no sentido de a espécie

humana o mais próximo da "selva" possível, mas já dela destacado. Lomberg não

vê aqui lugar para qualquer dúvida sobre qual a espécie inteligente. Nenhuma
confusão possível, nenhum barramento da fronteira humano/não-humano. Os

humanos aparecem em primeiro plano, o resto, achatado na perspectiva do fundo.


Se há lugar para alguma dúvida, é quanto ao objeto da mira do caçador; se há

o risco de alguma indiferenciação, ela se dá entre o animal e o ambiente, entre

cervo e estepe, entre dois "objetos" naturais, para os quais os humanos se dirigem.

A distinção e a hierarquia entre homem e bicho é bem marcada pela situação em

si: a foto retrata «uma relação tipicamente humano/animal: o ser humano prestes
5. Fotos - 81

a matar o animal» (p. 103). A supremacia do humano diante do cervo

(caçador/caça), a utilização de um artefato como arma, a postura de aprendizado

do menino (<<esta gravura também ilustra o ensinamento: o menino observa o

pai»), todos signos do salto evolutivo humano, face ao resto do reino vivo.

o último e o primeiro, estes dois personagens - o círculo de macacos e o

ataque do homem primitivo - compõe os dois pólos de uma distinção sutil mas

essencial, de uma passagem marcada por diferenças mínimas mas decisivas. A

fronteira entre natureza e cultura, entre a série das fotos "científicas" e as

"culturais", entre «uma visão do nosso planeta» e uma da nossa civilização. Entre

o ser inteligente e os demais.

civilização A organização do segundo bloco segue outros moldes. Não


retrata cenas de ordens tão heterogêneas quanto o primeiro -

em que se vai de um «dicionário» de convenções matemáticas ao espermatozóide

fecundando um óvulo, da química do DNA ao esquema das camadas da Terra,

da foto de Júpiter à evolução dos vertebrados. Não é guiado tampouco por esse

sentido evolutivo que organiza a apresentação do reino vivo. Embora informe

sobre nossa tecnologia, as preocupações centrais aqui não serão as de (astro)física,

química ou biologia.

Alguns temas são alvo de uma atenção recorrente dos autores, que os

desejam ver retratados. Preocupam-se em apresentar o modo como se produz e

consome alimentos, agricultura mecanizada, colheita e pesca, função da boca,

consumo de água. Na foto 79, grelhando peixes, pretende-se sublinhar a passagem

do alimento de cru para cozido: «De um lado os peixes estão crus e frios
5. Fotos - 82

(parecendo-se com os da foto anterior [rede de pesca]). Tornam-se

progressivamente cozidos (e carbonizados) no grill. A mensagem é que pegamos

os animais e os cozinhamos» (LoMBERG:1984:109).

Sublinham a importância da transmissão da memória extra-genética na

civilização. O aprendizado é motivo de várias fotos: 62, o filho do caçador

bosquímano aprende observando o pai; 73, numa sala de aula, «a importante

atividade humana de aprender a escrever»; 74, as crianças da Escola Internacional

da ONU «observando um globo que é o seu planeta natal»; 111, uma página do

System of the World, de Isaac Newton, como representante da escrita e dos livros,

que «têm sido o meio através do qual os seres humanos guardam e pesquisam

informações não-codificadas em seus genes e cérebros. Sem livros e escrita a nossa

civilização não poderia ter-se desenvolvido» (pl19).

Há uma preocupação explícita com a representação do caráter social do

homem. Uma das consultoras procuradas por Sagan, Steven Toulmin, professora

de filosofia e sociologia da Une de Chicago, «alertou contra a tendência de todas

as mensagens contidas em cápsulas de tempo de representar seres humanos como

indivíduos sem ressaltar a importância da comunidade para a espécie humana.

[Toulmin] insistiu que incluíssemos uma representação dos seres humanos em

comunidades, atuando em cooperação» (SAGAN:1984:11). Muito do que os autores

entendem pela noção de social pode ser apreendido da solução adotada: algumas

das atividades retratadas como individuais, foram logo reapresentadas na foto

seguinte, porém executadas coletivamente. Na foto 84 um pedreiro ergue uma

parede, auxiliado por outro que lhe traz tijolos; na foto seguinte, um grupo de

operários trabalha simultaneamente na construção de um celeiro, apresentando «a


5. Fotos - 83

construção como uma atividade

cooperativa» (LoMBERG:1984:111). A foto

96 mostra um artesão operando uma

perfuratriz, e a seguinte enquadra uma

fábrica onde cada operário trabalha

separadamente numa máquina semelhante:

«Assim como as fotos 84 e 85 mostraram

primeiro a construção individual e depois

em grupo, esta segue-se naturalmente à de

número 96» (p. 114). Ainda a foto 73, que

apresenta uma sala de aula japonesa. Os

alunos distribuem-se cada um na sua

carteira, e o primeiro plano apresenta o Foto 96: Artesão e perfuratriz

professor auxiliando

um deles a escrever:

«[...] revela que

ainda educamos

nossas crianças em

massa e não por

tutores particulares

ou através de
máquinas de ensinar Foto 97: Interior de fábrica

- pelo menos até agora» (p. 107). Em todas estas cenas, a atividade retratada

aparece primeiro e de forma completa como uma tarefa individual. O social

aparece apenas como o coletivo: a reunião dos indivíduos, em si suficientes,


5. Fotos - 84

justapostos lado a lado executando tarefas paralelas. A preeminência ainda é

absoluta do indivíduo isolado, o social é segundo, mera solidariedade mecânica.

Talvez a preocupação mais característica e presente nas «imagens da nossa

civilização» seja a da representação da diversidade. Não apenas a diversidade de

formas de habitação e meios de transporte utilizados (fotos 83-95;

LOMBERG:1984:101-8). Mais que as soluções da nossa tecnologia, o principal é

mostrar a diversidade morfológica e sociológica da própria espécie: sexos, idades,

etnias; vestimentas, atividades, nacionalidades. Duas das preocupações centrais no

retrato dessa diversidade: 1) a representatividade das amostras selecionadas; e 2)

que as diferenças apresentadas entre indivíduos humanos não sejam entendidas

como diferenças de natureza, ou de valor, ao contrário, que reafirmem a unidade

maior e igualmente compartilhada de todo o gênero humano.

Já no primeiro bloco da mensagem inicia esta preocupação com a

apresentação das diversidades de cunho biológico. Após a apresentação de esquemas

anatômicos dos órgãos de reprodução humanos, distingüidos pelos símbolos d e

9 (foto 26), as fotos da "ilha antropológica" (fotos 32-8), apresentam a silhueta de

um casal (louro + morena) de mãos dadas, igualmente marcados pelos símbolos

do masculino e feminino, a posição do feto no interior da mãe l . A 34 mostra

uma mãe filipina amamentando um nenê, a 35 um pai negro de peito nu

erguendo o filho ao ombro. O diagrama dos vertebrados (foto 52) inclui um casal

humano no topo da figura. Ele reproduz o mesmo desenho do casal da placa

das Pioneers, com uma diferença: para calar os protestos das feministas, que

1. A foto original, apresentando um casal em nu frontal, um louro e uma morena grávida, foi
censurada pela NASA, para evitar críticas moralistas. Enviaram apenas a silhueta. A foto é
reproduzida em LoMBERG (1984:74).
5. Fotos - 85

consideraram o princípio da igualdade

dos sexos ferido pelas Pioneers, fizeram

aqui a mulher erguer o braço «em uma


9
saudação cósmica» (LOMBERG:1984:100)

- (veja comparação entre as ilustrações ...


(Jt
(Jt
na página 58A). O retrato da família
13
(fotos 37-8) tem a intenção explícita de
apresentar as «cinco gerações, com a

sexta aparecendo nos retratos

pendurados na parede» (p. 95); uma

silhueta indica a idade e o peso de

quatro dos membros (ver foto mais

adiante). Foto 32: Silhueta macho e fêmea

A variedade étnica é igualmente uma preocupação explícita. As várias fotos

em que aparecem

figuras humanas
procuram, de cada
vez, registrar uma
raça, um povo, uma

nacionalidade

diferente. Há fotos

cujo motivo principal


é apresentar
Foto 72: Corredores olímpicos
indivíduos de mais de

uma raça lado a lado numa mesma atividade. Os corredores nas Olimpíadas (foto
5. Fotos - 86

72) foram incluídos para «mostrar representantes de várias raças de seres humanos

[...] um homem branco, dois homens negros e um oriental correm em direção à

linha de chegada» (p. 107). As crianças da escola da UNICEF (fotos 36 e 74)

mostram «um grupo de seres humanos de várias raças e culturas fazendo alguma

coisa juntos» (p. 95).

Até mesmo a noção de nacionalidade tentou-se registrar. Supondo que o

receptor associe o globo terrestre manipulado pelas crianças (f74) e a foto da

Terra vista do espaço (flZ) (em ambas, a mesma face (África, Oriente Médio,
Índia) é apresentada), mais uma informação poderia ser apreendida: a divisão em

nações. Ao examinar o globo «notarão que a Terra está dividida por um padrão

complexo de linhas. Talvez deduzam que estas representam algum tipo de

fronteiras territoriais ou políticas, fronteiras que são conceitos e não marcas reais
no planeta» (pl07). A comparação dos dois globos faz a ponte entre um objeto

natural e um cultural, inscrito sobre o natural.

A preocupação em apresentar os seres humanos reunidos em atividades de


grupo, e com a sua

diversidade
morfológica

representada culmina

nas fotos de cfrculos

humanos. «Além de
incluir vários tipos

raCIaIS e
nacionalidades, a foto
Foto 36: Grupo de crianças
5. Fotos - 87

mostra seres humanos sentados em círculo, um arranjoarquetípico para um grupo

de pessoas»

(LOMBERG: 1984: 95,

f36); «Novamente as

crianças aparecem em
círculo, seus olhos

voltados para as mãos

sobre o globo» (p. 107,


f74); «O fato desta
festa ser em torno de Foto 74: Crianças em torno ao globo

uma mesa lembra os círculos das fotos 36 e 74» (p. 109, f81). «Arranjo

arquetípico», a formação circular distribui os indivíduos sem marcar nenhum

privilégio, sem
diferenciar suas

posições. Equidistantes

de um centro para o

qual todos ficam

voltados, o círculo cria

um espaço "interior" e
igualmente

compartilhado que é a

própria fonte do laço

que liga
Foto 38: Retrato de família

perifericamente os seus

membros. É assim que a disposição em roda permite apresentar a diversidade

morfológica dos indivíduos humanos (etnias, sexos), sem que essas diferenças
5. Fotos - 88

marquem diferenças de valor entre os indivíduos. Esta formação igualitária dos

círculos contrasta curiosamente com a foto "hierarquicamente organizada" da

família (f38), em que as diferenças de idade são realçadas pelas posições


diferenciadas ocupadas pelos seus diversos membros - diferenças reforçadas pela

silhueta (f37) que assinala pesos e idades típicos para quatro dos componentes.

Após retratar vários aspectos dos recursos tecnológicos da civilização


engenharia de construções, mecanização industrial, meios de transporte - a

mensagem concentra-se em um gênero de tecnologia peculiar, voltada para a


exploração do espaço extraterrestre. A expansão civilizatória para além da fronteira

planetária chega a representar um novo momento da civilização, um novo estágio


da cadeia evolutiva: «As fotos 109 a 113 mostram alguns aspectos do nosso

aparecimento como civilização exploradora do espaço» (LOMBERG:1984:118). Dois

radiotelescópios (f109, fIlO) - cujo formato parabólico supõe-se inconfundível para

astrônomos de qualquer civilização (p. 118) - fazem referência aos projetos SETI,
às expectativas de contactar etis por rádio. «Esta foto [do radiotelescópio de

Arecibo] revela que a Terra está pronta para entrar na conversa» (p. 119).

É em Newton que os autores reconhecem o primeiro passo deste salto

qualitativo, reproduzindo uma página do seu System of the World (f111), «onde,

pela primeira vez na história do homem, foi corretamente explicado e diagramado

o procedimento para o lançamento de um objeto em órbita. De certa forma era

o primeiro passo no caminho que conduziu à Voyager» (p. 119). Um astronauta


em vôo orbital e o lançamento da Viking (f112-3) pretendem mostrar «os
princípios de Newton em prática».
5. Fotos - 89

Este final, retratando as tecnologias espaciais, reintroduz o motivo do vetar

evolutivo. O astronauta

que pontua a série


contrasta duplamente com

duas outras fotos

precedentes. Antes de tudo

com a do caçador

bosquímano, foto que abre

a série da civilização, que

inaugura o homem como


Foto 112: Astronauta no espaço
ser cultural. Nos pontos

extremos da série, dois heróis - o

caçador, o astronauta - desbravam

novos horizontes para a espécie

humana. Mas enquanto um, nu e

toscamente armado, volta-se "contra"

uma natureza ainda excessivamente

grande, dentro da qual concorre


com outros seres; o outro,
hermeticamente "revestido" em

materiais sintéticos, paira soberano

diante do horizonte curvo de um

Terra toda sua, e o fundo negro do

vazio extraterrestre. Entre os dois

reside o desfile da variedade


Foto 12: Terra
CAPíTULO 6

saudações da Voyager

Há dois gêneros de saudações no disco da Voyager, reunidas por motivos

heterogêneos. Um é caracterizado pela posição social dos sujeitos que as enunciam

- autoridades políticas; o outro é caracterizado pela diversidade das lEnguas em

que são pronunciadas. O primeiro gênero inclui o texto enviado pelo então

Presidente americano, Jimmy Carter; uma lista de congressistas americanos

componentes de comissões relacionadas às atividades da NASA; uma breve

mensagem gravada do secretário geral da ONU; e saudações de delegados da

ONU. O outro gênero de saudações compreende uma série de curtas mensagens

lidas em 54 diferentes línguas, inclusive algumas mortas. Os dois grupos de

saudações são descritos em capítulos separados do livro.

Há ainda uma última "saudação" de caráter especial, que não se enquadra

em nenhum dos dois gêneros acima considerados: uma gravação subaquática dos

sons emitidos por uma baleia corcunda. Por ocupar uma posição peculiar em

relação ao conjunto da mensagem, será tratada no capítulo seguinte.

autoridades O primeiro gênero, as manifestações de políticos, é abordado

por Carl Sagan no 10 capítulo do livro sobre a mensagem da

Voyager (SAGAN:1984). Aí ele conta como surgiu a idéia de incluir saudações


6. Saudações - 96

verbais no disco, mesmo sabel1do que não poderiam ser compreendidas, e como aos

poucos a intenção original foi implicando no envolvimento casuística de políticos.

Uma primeira consideração foi enviar a saudação unicamente em uma

língua. Conjecturou-se que talvez pudessem ser compreendidas (no seu sentido

verbal) caso se fizessem acompanhar de «chaves para serem decifradas»

(L. SAGAN:1984:132). Porém a mensagem em si, mesmo não decifrada, já era uma

espécie de saudação. As mensagens enviadas a etis operam como acenos,

sinalização, índices da presença humana, «eram basicamente cartões de saudações

visuais» (SAGAN:1984:22). Ao invés de tentar fornecer os incertos meios da sua

tradução literal, preferiu-se uma solução mais "simbólica": representar na

mensagem a diversidade das populações humanas.

Mesmo considerando que mensagens verbais não seriam compreendidas no

seu texto, a «linguagem falada pode, todavia, ser de algum interesse; se o disco

tencionava ser uma saudação, tinha obrigatoriamente que incluir um "Alô"»

(SAGAN:1984:22). Mas este "alô" deveria ser evocado não por um indivíduo, um

povo ou uma língua específicos. «O sentido da mensagem era abranger toda a

humanidade» (idem:23). Prefere-se assim multifacetar a saudação, proliferando-a

em um grande número de línguas, de modo a ver a diversidade lingüística (e

indiretamente étnica) da humanidade representada na mensagem. «Achamos que

seria melhor a Voyager saudar o universo como representante de uma

comunidade, ainda que esta fosse complexa e consistisse de muitas partes» (L.

SAGAN:1984:132). Aqui também o destino ambivalente da mensagem pesa a favor

dos terrestres: «Estávamos principalmente interessados nas exigências do povo da

Terra nesta parte do disco» (idem:132).


6. Saudações - 97

Sua primeira idéia (<<Talvez por ingenuidade minha [...]», SAGAN:1984:23) foi

sugerir que delegados da ONU gravassem mensagens. Viu-se às voltas com os

mais diversos entraves burocráticos. Por fim, um tanto fora de seu controle, a

gravação foi realizada com «uma fração do conjunto de membros da Comissão do

Espaço Exterior da ONU reunido que nem se aproximava de uma representação

das línguas mais faladas na Terra» (idem:24). Elas eram excessivamente longas e

verborrágicas, e pior, não eram representativas da diversidade lingüística. A

solução adotada foi editá-las, compilando frases soltas na fala de cada orador e
compondo uma mensagem de fragmentos poliglotas (os fragmentos selecionados

são dados no Apêndice B do livro). Afinal, justifica Sagan, queriam apenas que

a voz aparecesse, o texto propriamente pouco importava, seria decididamente

incompreensível às etis.

Ao tomar conhecimento das gravações, Kurt Waldheim, então secretário

geral da ONU, tomou a iniciativa de preparar uma gravação com a sua saudação

«em nome do povo do meu planeta» às etis (reproduzida na pág. 26 do livro).

Uma vez com a mensagem do secretário geral da ONU, Sagan achou conveniente

oferecer ao presidente americano uma «oportunidade de saudar o cosmos»

(SAGAN:1984:27). Convidado, Jimmy Carter remeteu-lhe uma mensagem escrita,


gravada como uma das 118 imagens (incluída no nosso Anexo 2).

Mas a diplomacia política e a burocracia às vezes assemelham-se a idosos

hipocondríacos. Ao mexer em um elemento, cria-se um desequilíbrio que exigirá

intermináveis intervenções corretivas, compensações locais, que nunca devolvem o

monstro à estabilidade e indiferença iniciais. Com argumentos sobre «a separação

dos poderes na Constituição», a NASA passou a exigir a inclusão de uma lista

com os nomes dos congressistas envolvidos na aprovação das verbas e atividades


6. Saudações - 98

da NASA. «De forma que, se o leitor quiser saber por que motivos o nome do

Senador John Stennis do Mississippi consta a bordo da Voyager, direi que isto

remonta a Kurt Waldheim e à natureza da burocracia» (SAGAN:1984:27). Aqui o

destino sempre ambivalente da mensagem (para terrestres/para extraterrestres)

parece decidir-se da pior forma e perder seu encanto e motivação primeira: «Esta

parte da mensagem da Voyager é, sem dúvida alguma, um sinal aqui para baixo

e não lá para cima» (idem:27).

Resultado de um jogo de pressões de natureza excessivamente circunstancial,

de interesses por demais parciais e localizados, mas irrecusável depois de

realizada, esta parte da mensagem não corresponde ao plano inicial para o disco.

Fora justamente para evitar este gênero de "interferência" que se procurara não

divulgar o projeto antes de sua conclusão. «Tínhamos a intenção de manter sigilo

para a imprensa a respeito do disco da Voyager até que fosse concluído - em

parte para impedir qualquer tentação de falsificar o repertório [...]»

(SAGAN:1984:34). As saudações de políticos podem nos orientar quanto ao que não

se desejava mandar, como não deveria ser a mensagem l .

Sagan é cauteloso o suficiente para não fazer uma queixa direta quanto ao

resultado desta rodada de saudações políticas. Ele não chega a desprezar, ou

excluir esse "corpo estranho" incrustado no miolo do disco. Mas é evidente a sua

insatisfação com os resultados. Não era o tipo de "Alôs" que ele pretendia incluir

no disco. Acima de tudo, não eram representativos das línguas humanas. Não havia

1. EBERHART (1980), num artigo de 1977 em que sumaria a mensagem da Voyager, citado
elogiosamente por SAGAN como «um pormenorizado e preciso relato do conteúdo do disco»
(1984:38), simplesmente omite todo este bloco das "autoridades políticas". Das saudações apenas
lista as 54 línguas; e inclui a gravação das baleias no bloco seguinte da mensagem, como o
primeiro dos «Sons».
6. Saudações - 99

a intenção inicial de convidar autoridades políticas para falar «em nome da

Terra». Desejava-se incluir a voz e a entonação da fala humanas. O objetivo era

reunir uma amostra da variedade lingüística da humanidade. «As saudações [...]

mostraram uma pobreza tão grande na representação dos idiomas falados no

planeta Terra que tivemos que tomar medidas de emergência» (29). As "medidas"

consistiram em apelar para o departamento de línguas da Universidade de Cornell.

O resultado deste recurso acadêmico constitui o segundo gênero de saudações

incluídas no disco (descritas em um capítulo a parte, de autoria de Linda Sagan,

esposa de Carl).

línguas A orientação era portanto selecionar uma amostragem

representativa das línguas faladas por diferentes povos. Em Cornell

conseguiram uma listagem das mais faladas, relacionando as línguas por ordem

da magnitude da população que as utiliza. «Carl [Sagan] sugeriu que gravássemos

as vinte e cinco línguas mais faladas». Pôde-se depois incluir mais que o dobro.

Entre as "excedentes", várias línguas mortas, como o sumeriano, o acadiano, o

hitita, o latim, selecionadas por «terem estas línguas uma importância histórica» (L.

SAGAN:1984:125, gm).

o resultado final reunia 54 saudações distintas em outras tantas línguas.

Linda Sagan, que não pronunciou nenhuma das saudações, aproveita para sugerir

as suas no livro: «Querendo estabelecer um contato, gritamos na vastidão do

espaço; colocando as mãos em concha ao redor da boca clamamos: "Ei, há alguém

em casa?"» (idem:124). Ou: «Ei, vocês aí, nós não mordemos, como é que são as

coisas do seu lado? Sinceramente, Terra» (idem:125). Algumas das saudações que

Linda destaca das 54 enviadas: em latim, «Saudações a vocês, não importa quem

sejam: falamos de boa vontade e trazemos a paz ao espaço»; em mandarim,


6. Saudações - 100

«Espero que todos estejam bem. Estamos pensando em vocês. Por favor venham

nos visitar assim que tiverem um tempo»; em gujarati (Índia), «Saudações de um

ser humano da Terra. Por favor, entrem em cantata» (idem:125).

Carl Sagan assim viu o resultado: «[...] montamos um conjunto representativo

de curtas saudações da comunidade humana, começando pelo sumeriano, um dos

idiomas mais antigos que se conhece, e terminando com os cumprimentos de uma

americano de cinco anos» (1984:29,gm) - naturalmente o filho dos Sagan. Apesar

deste sentido cronológico sugerido por Carl (da língua mais antiga ao inglês de

uma criança americana), as línguas não foram assim organizadas. À exceção da

primeira e da última, nem a antiguidade, nem a importância lingüística, nem o

tamanho da população que a utiliza determinam a ordem em que foram

apresentadas. A sua seqüência, à exceção deste primeiro e último

pronunciamentos, é aleatória. Nenhuma hierarquia, nenhuma ordenação evolutiva

ou cronológica, nenhum princípio de desigualdade.

o capítulo de Linda Sagan traz a listagem de todas as línguas faladas por

mais de um milhão de pessoas em que se basearam. Traz também a relação das

saudações: o nome da língua, escrita (quando há) no original, traduzida, o nome

do locutor, o(s) país(es) onde é falada, o número de pessoas que a usa, o

percentual da população mundial. Por fim, inclui um balanço das línguas e países

representados e não representados na mensagem, com um mapa-múndi onde as

regiões que "falam" estão assinaladas. Em todas essas listagens e estatísticas, as


6. Saudações - 101

línguas aparecem ordenadas apenas alfabeticamente - uma ordenação não-

hierarquizante exemplar2•

saudações Confrontando os dois blocos de saudações do disco da Voyager,


&
saudações vê-se porque o primeiro foi considerado insatisfatório, o

segundo, uma remissão.

Os políticos compareceram pelas suas posições nos órgãos governamentais

ou diplomáticos; confundia-se o papel de tfrepresentantes políticos tf dos seus povos

com a "representatividadetf apolítica e universalista dos "povos da Terra" que se

desejava. A manifestação (não solicitada, mas irrecusável) de Waldheim obrigou

Sagan a convidar Carter, num dominó de articulações e subordinações burocráticas,

onde as posições relativas das instituições, dos cargos e das nações eram os

determinantes. Ao contrário do presidente americano, a posição de Waldheim não

representa a de governante político de um povo, muito menos de todos os povos.

A sua esfera é a da burocracia diplomática internacional, uma instância que não

engloba as diversas nações numa instituição maior, mas apenas administra parte

das relações diplomáticas, determinadas em última instância pelas iniciativas

nacionais. O secretário da ONU não é o representante político da humanidade,

antes expressa uma determinada correlação de forças da política internacional,

uma agência diplomática. Por outro lado, o projeto Voyager, embora com

implicações de alcance internacional ou trans-nacional (por suas contribuições

científicas, por seu aspecto ideológico - levar uma mensagem em nome dos "povos

da Terra"), é uma empreitada marcadamente nacional - pela iniciativa, pela

2. Igualmente na resenha da mensagem do disco feita por EBERHART (1980), citada na nota
anterior, a lista das línguas em que se enviou saudações não obedece sequer à ordenação
aleatória original da mensagem, mas à não-hierarquizante e neutra ordem alfabética.
6. Saudações - 102

equipe, pelo financiamento. A nave «afinal de contas é americana»

(SAGAN: 1984:27).

Se as nacionalidades, a sua variedade, poderiam, e até deveriam comparecer

na mensagem, elas no entanto não poderiam de modo algum funcionar como

forma de hierarquizar os grupos humanos. Elas deveriam aparecer, ao contrário,

como demonstração da igualdade unificadora de todo o gênero humano, subjacente

às divisões circunstanciais de suas raças, línguas, ou territórios. A diversidade, mais

individualmente que proporcionalmente representada, deveria servir para delimitar

a verdadeira e mais profunda semelhança, o núcleo invariante igualmente

participado por todos os indivíduos humanos. Por isso, quanto mais variações se

apresenta, menos elas são capazes de diferenciar, mais elas redundam e delineam

o mesmo fundo comum. Do desfile da diversidade que não diferencia, deveria

decantar o princípio unificador a definir a identidade fundamental de qualquer

indivíduo humano: membro da mesma espécie inteligente, participante da mesma

civilização.

Talvez mais sério que o papel das nacionalidades seja o dos indivíduos. O

"representante da humanidade" que se queria não poderia ser individualizado, não

poderia apresentar rosto - a não ser um rosto comum e anônimo, um rosto do

qual se apreendesse apenas os traços gerais da sua etnia - de modo algum a sua

biografia. Jamais o estilo de representação personalista inerente aos cargos

públicos, que prontamente elevam a figura do indivíduo que ocupa o cargo - por

sua capacidade, por sua responsabilidade, pelo poder investido - acima dos

demais. O indivíduo que se quer mostrar deve servir apenas como uma atualização

do "indivíduo em geral", apresentar a própria condição geral da individuação, da

espécie encarnada em populações de indivíduos singulares. O ideal da autoria


6. Saudações - 103

internacional, da «perspectiva planetária», não é satisfeito pelas burocracias

políticas ou diplomáticas. Findam encontrando melhor expressão nas burocracias

acadêmicas e universitárias.

Com as saudações "universitárias", o resultado é inteiramente outro. Além

de ter aproveitado os recursos linguísticos do circuito acadêmico, da sua própria

universidade (tanto Sagan quanto Drake são professores em Cornell), ao invés

do intrincado jogo de intenções e posições das instituições políticas, este bloco de

saudações do disco da Voyager distingue-se do anterior pela estrutura de

enunciação. O sujeito das saudações não é nenhum indivíduo particular. Os

locutores (embora seus nomes constem por cortesia na relação de saudações que

o livro apresenta) são anônimos. «Os locutores foram escolhidos pela sua fluência

na língua e não por qualquer conhecimento científico específico. Não receberam

outras instruções senão de estarem mandando saudações a possíveis extraterrestres,

e que deveriam ser breves» (L. SAGAN:1984:125). Os indivíduos reduzidos apenas

a porta-vozes, o verdadeiro autor das saudações é a própria língua enquanto

manifestação da especificidade humana, e a diversidade das suas formas é o

objeto último da mensagem.


CAPíTULO 7

o canto da baleia

«A vida abandonara o mar. Já não se via, à frente do


barco, a ressaca negra dos bandos de delfins, precedendo
graciosamente a fuga branca das ondas, sólida e melhor ritmada
do que o assalto da espuma à roda da proa. O horizonte já não
era cortado pelo esguicho dum cetáceo; um mar intensamente azul
já não era, em nenhum momento, povoado pela pequena frota de
delicadas velas membranosas, malvas e rosados dos náutilos.
Estariam eles do outro lado do abismo para nos acolher,
todos esses prodígios apercebidos pelos navegadores dos séculos
passados ?»
LÉVI-STRAUSS (s/d:88)

Encerrando o bloco das saudações, após os delegados da ONU, e antes do

bloco dos «Sons da Terra», há uma gravação subaquática dos sons emitidos por

uma baleia corcunda. A baleia ocupa um lugar especial entre os personagens da

Voyager. Ela não foi apenas fotografada e passivamente incluída como um objeto
da paisagem terrestre. O seu canto é investido do estatuto de uma mensagem

dirigida a etis: «[...] uma mensagem dos companheiros habitantes da Terra, que

fora incompreensível para nós. Um gesto de respeito há muito devido a esses

inteligentes co-habitantes da Terra» (DRUYAN:1984:151). Único não-humano a ter

um papel ativo na mensagem, a baleia carrega consigo a questão da definição do


7. Baleia -105

ser inteligente, e em seu gigantismo majestático encarna todos os outros possíveis

candidatos à inteligência.

o lugar ambíguo que a gravação das baleias ocupa na organização do

disco já indica sua importância. Reflete a oscilação da classificação do seu canto:

entre a manifestação de inteligência e a mera peculiaridade biológica (de valor

exclusivamente estético, tal como a beleza do canto de um pássaro, ou do pôr do

sol). Em princípio ela é apresentada como mais uma saudação às etis, reunida

aos "alôs" humanos. Localiza-se ao final do bloco das «Saudações», logo após os

pronunciamentos de políticos da ONU, e antes do bloco dos «Sons da Terra».

Representa «outra espécie inteligente do planeta Terra a enviar saudações às

estrelas» (SAGAN:1984:25). Mas a sua "fala", saudação em "linguagem tonal", é

também um canto. Transmite o mesmo apelo solitário das músicas da Voyager: o

canto das baleias corcunda, lançado no fundo dos oceanos para ser ouvido a

imensas distâncias, é um apelo romântico, um lamento. Cantam o seu isolamento,

mas também a tragédia da espécie em extinção.

No outro extremo, o canto das baleias é agrupado como um dos «Sons da

Terra». No livro sobre a Voyager, não são descritas no capítulo sobre as

«Saudações», mas por SAGAN (1984:25), que ironicamente as agrega ao bloco de

discursos dos diplomatas da ONU, como uma forma de «desprovincianizar» os

pronunciamentos políticos. A obtenção das gravações do biólogo Roger Paine foi

executada por DRUYAN (1984:151), a responsável pela confecção do bloco dos

«Sons». Era apenas mais um som a ser coletado da sua lista, encontrado em um

circuito outro que não o da seleção das músicas ou das saudações, entre um

guincho de chimpanzé e um uivo de cão selvagem. EBERHART (1980), no resumo

da mensagem do disco que publica na Science News, considera o canto das


7. Baleia -106

baleias como o primeiro ítern da série dos «Sons», logo antes da «música das

esferas».

Entre a música, a fala e o mero som, a saudação da baleia não tem uma

posição definitiva na fronteira entre natureza e cultura. Justo porque ela tematiza

tal fronteira: o lugar que cabe à baleia na classificação dos seres naturais coloca

a identidade do ser inteligente em questão.

seres A especulação científica sobre seres inteligentes


vivos
inteligentes extraterrestres é uma forma moderna de formular a

distinção entre natureza e cultura, de determinar/imaginar

a fronteira entre o humano e o não humano. O ser eti imaginado desafia a

identidade humana com um paradoxo: é ao mesmo tempo não humano (no

sentido biológico), não artificial (como uma "máquina inteligente", robô ou

computador de ficção científica 1), um ser natural e que no entanto também

participa da esfera cultural como sujeito. É desta pergunta sobre a identidade

humana que se trata quando se imagina outro ser vivo inteligente.

Embora de origem e biologia inteiramente distintos, a eti participa de todos

os atributos que definem a especificidade humana, que marcam a diferença

significativa entre o homem e os demais animais. Dotado de linguagem (loquax,

falante), de tecnologia (faber, habilis), de sociedade (socialis, político), consciência,

razão, de inteligência (sapiens). Biologicamente um dessemelhante, intelectual e

eticamente um equivalente. Na imagem de um tal ser, ao mesmo tempo estranho

1. Embora, sob muitos aspectos, especialmente na ficção científica, a figura do extraterrestre


aproxima-se do autómato inteligente. Ver, sobre isso, RENARD (1984). O filme Star Trek I
(1979) faz uma fictícia Voyager 6 retornar à Terra, transformada em "máquina inteligente" por
uma civilização alienígena.
7. Baleia - 107

à espécie humana, mas participando do comum valor humanidade, projeta-se a

problemática da fronteira da noção de humano, do limite entre cultura e natureza.

Este exercício de questionamento de identidade aparece de forma mais

contundente quando se discute o estatuto de outras espécies animais terrestres.

Delimitam-se as qualidades características do humano a fim de contrastá-las ao

comportamento animal. Trata-se de saber se é possível chamar inteligente a um

outro ser vivo conhecido que não o humano. Pelo menos a respeito de três

espécies animais os autores da mensagem reivindicam inteligência. «Baleias e

golfinhos são, juntamente com os grandes macacos e os seres humanos, os animais

mais inteligentes do planeta» (LOMBERG, 1984:101).

Antes de tudo os chimpanzés, cuja presença na mensagem da Voyager (foto

60, som 7) evoca toda a memória da chaga darwiniana do parentesco com o

macaco, da ascendência primata da espécie humana. O macaco é a imagem do

outro por regressão.

Na sua retrospectiva da «evolução da inteligência humana», SAGAN (1983a)2

descreve as pesquisas de comportamento de chimpanzés, particularmente quanto

à capacidade de aprenderem, estimulados por um treinamento dedicado, a utilizar-

se de uma linguagem rudimentar. Cita os trabalhos dos GARDNER (1969) que,

atribuindo as dificuldades em fazer chimpanzés "falarem" à mera deficiência do seu

órgão fonador, trabalharam com linguagens gestuais. Linguagens de sinais, de

surdos e mudos, aproveitariam as «forças ao invés das fraquezas da anatomia dos

chimpanzés» (SAGAN:1983a:81). Obtiveram animais que utilizavam vocabulários de

2. Cap.5: «As abstraçóes das feras».


7. Baleia -108

mais de 100 palavras para comunicar-se com seus treinadores, chegando a adquirir

alguns conceitos abstratos.

Apesar das limitações quantitativas, Sagan não encontra grandes diferenças

qualitativas entre a linguagem artificialmente induzida nestes símios e a linguagem

humana. Esta comunidade de natureza entre chimpanzé e homem, ambos capazes

de linguagem, primos falantes, aproxima os primeiros da definição de identidade

humana e os engloba no universo dos valores reservados aos humanos:

«Se os chimpanzés têm consciência, se têm capacidade de abstração, não devem


eles ter acesso àquilo que se convencionou chamar até agora de "direitos
humanos"? [...] Na minha opinião, as capacidades cognitivas dos chimpanzés nos
forçam a levantar indagações quanto aos limites da comunidade dos seres aos
quais cabem as considerações éticas especiais, e podem, espero, ajudar a ampliar
nossas perspectivas éticas para outras espécies da Terra e para organismos
extraterrestres, se é que existem» (SAGAN:1983a:89-90).

Já os golfinhos, mereceram uma foto

(54) no disco da Voyager exatamente por

serem considerados inteligentes. Nos anos 60,

a questão da inteligência dos golfinhos tornou-


se moda nos Estados Unidos, mobilizando

tanto os meios acadêmicos quanto o grande


público. Época do boom de shows aquáticos

em que golfinhos e orcas substituíam as

tradicionais focas circenses; quando os jornais

criticavam propaladas experiências da marinha

com o uso de golfinhos treinados para ações

de guerra. Época do seriado de TV «Flipper», Foto 54: Golfinhos


7. Baleia - 109

que fez do golfinho o que «Lassie» havia feito do cão doméstico. Um dos

principais responsáveis pelo furor em torno ao assunto era o biólogo John Lilly,

cujos trabalhos sobre o comportamento dos golfinhos e tentativas de estabelecer

com eles comunicação (LILLY:1961,1969) alcançaram grande divulgação 3.

É justo nesta época (1961) que se realiza, em Green Bank, a primeira


conferência sobre SETI, e Lilly é um dos onze participantes. Seus progressos no

estudo dos golfinhos entusiasmou os demais, pois viam aí um caso análogo ao da

comunicação com etis:

«There was a feeling that this effort to communicate with dolphins - the dolphin
is probably another intelligent species on our own planet - was in some sense
comparable to the task that will face us in communicating with an intelligent
species on another planet, should interstellar radio communication be established»
(SAGAN:1973:167).

As experiências sobre comunicação com outra espécie terrestre equivalem

a uma antecipação simulada do cantata com um extraterrestre. O apelo da

analogia levou os participantes da conferência a intitularem-se membros da

«Ordem dos Golfinhos» (Drake: 1984:47; Sagan:1973:168).

Uma década depois, SAGAN (1973) queixa-se dos resultados a que chegaram

os estudos iniciados por Lilly4. Apesar de terem produzido «an important atlas on

the dolphin brain» (p.169), nunca chegaram a comprovar científica e

definitivamente o uso de linguagem articulada entre os golfinhos. Sagan, queixoso,

3. Fundou o Communication Research Institute, em Coral Gables na Flórida. O antropólogo


Gregory Bateson, após estudar o comportamento de polvos, chegou a trabalhar com Lilly em
1962, na estação de pesquisa das Ilhas Virgens, ligada ao instituto, pesquisando justamente
interação entre golfinhos (Cf WINKIN:1981:44; BATESoN:1972).
4. Sagan conta como costumava ir nas férias às instalações de Lilly, e ficar nadando nos tanques,
"conversando" com golfinhos, «some of my best friends» (SAGAN:1973: cap.24).
7. Baleia - 110

sugere um modelo de experimento simples, que Lilly nunca chegou a realizar,

capaz de determinar a que nível os golfinhos individuais comunicam-se entre si

(p.175).

baleia o que os golfinhos foram para a década de 60, as baleias


corcunda
foram para a de 70 (e 80). Além da promessa de inteligência

e comunicação dos seus parentes menores, as baleias vieram à tona da cena

pública com a ascensão dos movimentos ecológicos nos Estados Unidos e Europa.

É o momento em que todo jovem ou artista tem uma t-shirt com o slogan «Save
the Whales!», ou um botton «Let them live!».

Um personagem central nesta cena é o zoólogo Roger Payne, da

Universidade Rockefeller. Ele dedicou-se a estudar os sons emitidos pelas baleias

corcunda,

desenvolvendo técnicas

para coletá-Ios com

microfones submersos e

colecionando um

imenso arquivo com as

gravações anuais de

bandos do cetáceo. Foi

a Payne que a equipe


Salto da baleia corcunda (reproduzido de SAGAN:1983b:268)
do disco da Voyager

recorreu para obter a gravação de uma baleia. «Payne acredita que estas canções

representam uma comunicação verdadeira entre as baleias quando elas se

encontram a distâncias tão grandes que uma não pode ver ou sentir o cheiro da
7. Baleia - 111

outra, e que um determinado tipo de canção serve como cumprimento entre as

jubartes» (SAGAN:1984:25). Tal como com os golfinhos, é a analogia entre a

situação das baleias e a do contato com uma eti que faz delas um personagem

especial na mensagem da Voyager.

o sentido mais desenvolvido entre os cetáceos é o da audição. Mais do que

pela visão ou o olfato, é pelas vibrações da água que mapeiam o ambiente.

Muitos dos sons emitidos desempenham claramente funções de percepção,

compondo um refinado sistema de sonar. Mas existem outros padrões sonoros

mais complexos, que não podem ser assim explicados: parecem desempenhar

funções sociais no grupo. «Alguns sons das baleias são chamados canções, mas

ignoramos ainda a sua verdadeira natureza e significado» (SAGAN:1983b:271). O

característico das «canções» é a sua repetição: compõem-se de uma longa e

complexa seqüência de tons, que dura uns quinze minutos (até uma hora), ao fim

da qual recomeça do princípio, «cada freqüência é repetida, identicamente,

compasso por compasso, cadência por cadência, nota por nota» (idem). Além de

poder ser repetida pelo indivíduo, ela costuma ser entoada em conjunto pelo

grupo. «Geralmente os membros do grupo cantam as mesmas canções juntos»

(idem).

O persistente trabalho de coleta de Payne, que acompan~ou bandos

gregários fazendo gravações periódicas dos seus sons, evidenciou que as canções

de uso coletivo mantêm-se relativamente estáveis, mas aos poucos, mês a mês, elas

vão se alterando, alguns movimentos acrescentados, outros suprimidos (PAYNE &

MAcVAY:1971). Ao longo dos anos, nunca se volta a cantar exatamente as mesmas

melodias. Payne atesta: «As músicas gravadas em 1964 e 1969 são tão diferentes

quanto Beethoven [é] dos Beatles» (cit. em SAGAN:1983b:271).


7. Baleia -112

Devido à grande variação tonal nas canções, Sagan se pergunta se elas não

seriam portadoras de informação, «or, put another way, that whale language is

tonal» (SAGAN:1973:178). Chega a calcular o número de bits de uma canção típica,

e obtém o equivalente ao conteúdo de uma Ilíada ou Odisséia: «Are whales and

dolphins like human Homers before the invention of writing, telling of great deeds

done in years gone by in the depth and far reaches of the sea?» (idem).

Destituídas de escrita e tecnologia, mas dotadas de linguagem - e de música.

Mas o principal da analogia entre as baleias e as etis só começa quando

se especula sobre o alcance dos sons emitidos por baleias: apesar de desprovidas

de satélite ou qualquer outra tecnologia, elas teriam chegado a estabelecer um

verdadeiro sistema de comunicações em escala global, que permitiria qualquer

membro contactar outro, sintonizando todos os espécimes do planeta num único

canal:

«o biólogo americano Roger Payne calculou que duas baleias conseguem se


comunicar utilizando o túnel de som do oceano profundo, a vinte hertz,
essencialmente em qualquer parte do mundo. Uma pode estar na Grande Barreira
de Ross, na América, e se comunicar com outra nas Aleutas. Na maior parte da
sua história, as baleias devem ter estabelecido uma rede de comunicações globais.
Talvez quando separadas por 15.000 quilómetros, suas vocalizações sejam canções
de amor lançadas com esperança na vastidão profunda». (SAGAN:1983b:272)

Num oceano ainda não explorado por humanos, a "cultura cetácea" vive o

seu esplendor, sua época de ouro. Mas a aldeia global não-tecnológica das baleias,

utopia naturalista, depende antes de tudo do silêncio marinho. É este silêncio de

fundo que será primeiro abolido pelos vapores da revolução industrial e da

expansão do capitalismo ocidental por redes comerciais trans-oceânicas.


7. Baleia -113

«Por dezenas de milhões de anos, estas criaturas enormes, comunicativas e


inteligentes evoluíram essencialmente sem InImIgos naturais. Então, o
desenvolvimento do navio a vapor, no século XIX, introduziu uma fonte ominosa
de poluição sonora. [...] Bloqueamos as baleias. Criaturas que por dezenas de
milhões de anos se comunicaram entre si foram agora efetivamente silenciadas»
(SAGAN:1983b:272).

Como se cada baleia isoladamente representasse uma civilização eti,

tentando estabelecer contato por rádio com outros possíveis seres semelhantes,

Sagan traça paralelos entre a situação de isolamento comunicativo das baleias

imposto pelo ruído da civilização, e as dificuldades crescentes de programas SETI

devido ao congestionamento de emissões de rádio locais, que ocupam e interferem

na faixa eleita (a da «freqüência mágica» do hidrogênio neutro):

«Estamos congestionando o canal interestelar. O crescimento descontrolado da


tecnologia terrestre de rádio pode evitar uma pronta comunicação com seres
inteligentes em mundos distantes. Suas canções podem permanecer sem resposta
porque não conseguimos controlar nossa poluição na freqüência de rádio e nem
ouví-Ias» (SAGAN:1983b:272).

o retrato da situação da baleia se completa com a ameaça sombria da

extinção das espécies. Pior que sofrer a poluição ambiental por resíduo ou efeito

secundário da industrialização humana, a baleia é alvo direto e matéria prima da

indústria humana, objeto de franca exploração econômica.

Embora a sua pesca seja recente, há registros remotos de baleias mortas

encalhadas em praias sendo carneadas por pescadores. As técnicas de caça à

baleia desenvolveram-se após o estabelecimento das rotas comerciais marítimas,


7. Baleia -114

quando se descobriu os locais onde podiam ser encontradas sazonalmentes. O

primeiro grande ciclo de pesca à baleia dá-se na Nova Inglaterra em meados do

século XIX, quando o óleo (usado para iluminação e lubrificação) e o

espermacete (para perfumes e sabonetes) tinham grande valor industrial, e cujo

esplendor encontrou no romance de MELVILLE (1982) expressão épica. Ainda hoje

é pescada pela sua carne, seus ossos, e seu óleo ainda fabrica cosméticos e

sabonetes. O ritmo de crescimento da indústria baleeira na década de 60 levou

várias espécies (azul, cinza, cachalote, da Groenlândia) à iminência da extinçã0 6 •

Ao contrário dos chimpanzés e golfinhos, as baleias são consideradas

comestíveis, fazendo parte da dieta de povos da tradição ocidental. Pelo menos

até algum tempo atrás, não eram classificadas como animal tabu, cuja matança ou

ingestão ferisse algum preceito. Sua carne não causava repulsa, seu sacrifício

nunca representou crime.

Como LEACH (1983) observou em sua investigação sobre o uso lingüístico

de nomes de animais como insulto, certas categorias animais são investidas de

valor ritual. «Para um antropólogo, o insulto animal é parte do amplo campo de

estudo que inclui o sacrifício de animais e o totemismo. [...] Numa situação

5. Uma das epígrafes de MELVILLE (1982:34) é do «Dicionário Comercial» de um certo


McCulloch: «A viagem dos holandeses e dos ingleses ao Oceano Ártico, na intenção de, se
possível, descobrirem uma passagem para a Índia, lhes revelou (embora eles não atingissem
o objetivo visado) as paragens onde habita a baleia».
6. Só em 1964, mais de trinta mil baleias foram mortas. Estima-se que a população mundial de
baleias já foi de 100.000 espécimes, mas no fim dos anos 70 já era menor que 5.000. A nível
internacional, a pesca da baleia é regulamentada por uma entidade formada por 37 países que
se reúne anualmente, a Comissão Baleeira Internacional. Ao longo da década de 70, várias
tentativas foram feitas de restringir a pesca da baleia, mas somente para 1986 a Comissão
conseguiu aprovar um acordo de sua proibição total, com duração de 5 anos, a título de
garantir às espécies a reposição das populações. Países como Japão, Noruega, Islândia, com
poderosas indústrias baleeiras, nunca chegaram a cumprir totalmente o acordo. Recentemente
(Cf Jornal do Brasil, 03.07.90), os principais interessados na pesca voltaram a pressionar a
Comissão pela liberação antecipada, alegando que as espécies já refizeram suas populações e
não correm mais risco de extinção.
7. Baleia - 115

cultural particular, alguns animais são foco de atitudes rituais, ao passo que outros

não. [...] Não é totalmente claro por que deva ser assim, mas um fato que é

comumente relevante e sempre precisa ser levado em consideração é a

comestibilidade da espécie em questão» (p.1?4). As diferenças de valor atribuídas


a animais são efeitos da aplicação de uma grade classificatória sobre o mundo

sensível, que permite a uma cultura separar categorias discretas a partir de um

todo inicial indistinto. Para Leach - inspirado em Radcliffe-Brown, Mary Douglas

e Lévi-Strauss - as categorias mais sujeitas a tabus são as que ocupam posições

ambíguas quanto a distinções culturais fundamentais entre sagrado/profano,

eu/isto, nós/eles, perto/longe.

o surpreendente com as baleias é que assistimos atualmente à mudança do

seu status classificatório na cultura ocidental: há uma tensão entre dois códigos

morais, o da economia do pescador, que diz que toda baleia é boa para consumo

como qualquer outro "peixe", e o recente imperativo preservacionista, que inclui

as baleias entre os seres que merecem direitos análogos aos humanos. Mesmo no

interior das iniciativas pela restrição da pesca à baleia misturam-se duas

perspectivas de fundamento inteiramente diferentes. Por um lado a perspectiva

ecológica stnctu sensu, que reivindica a racionalização do uso de recursos naturais,

disciplinando sua exploração afim de não esgotá-los. O acordo obtido pela

Comissão Baleeira Internacional é expressão desta perspectiva. Apesar de

argumentar pela suspensão temporária da pesca, não condena a pesca em si, não

rompe com a ética do baleeiro - apenas procura restringir seus excessos

economicamente irracionais. Por outro lado, há os que reivindicam a proibição

absoluta e definitiva da pesca da baleia, não simplesmente para preservá-la de

extinção, mas por motivos morais. A sua matança teria conotação semelhante à

indignação e horror despertada nos colonizadores ocidentais pela antropofagia


7. Baleia - 116

entre tribos indígenas americanas ou africanas, aquela "aberração" inaceitável de

"selvagens" sub-humanos.

É neste último grupo de opinião, o de movimentos como a «Associação dos


Amigos da Baleia» ou o «Humpback Whale Fund», que se encontram Payne e

Sagan. «There is a monstmous and barbaric traffic in the carcasses and vital fluids

of whales. [...] But why, until recently, has there been so little outcry against this

slaughter, so little compassion for the whale?» (SAGAN:1973:178, gm). Sagan chega

a comparar o tratamento dado às baleias pela indústria aos procedimento de

guerra e aos horrores nazistas (idem).

o deslocamento do estatuto cultural da baleia, de caça comestível para

"espécie amiga" e tabu, vêm numa progressão desde pelo menos os anos 60. Países

como os EUA recentemente extinguiram sua indústria baleeira, aprovando leis que

proíbem definitivamente a pesca em seu território. De atividade econâmica

legítima, tornou-se crime. «Muitas nações compreendem que a matança sistemática

destas criaturas inteligentes é monstruosa, mas o tráfico continua, estimulado

principalmente pelo Japão, Noruega e União Soviética» (SAGAN:1983b:272-3).

Observe-se que são justo algumas das potências "menos ocidentais" as que mais

resistem à mudança do estatuto classificatório das baleias'. A guerra fria

sublimada reencontra outros cenários e máscaras para atuar.

7. Aparentemente para alguns japoneses, sequer os golfinhos estão excluídos da dieta. Uma notícia
no jornal Estado de São Paulo (07/11/90), por exemplo, informa da matança de uns seiscentos
golfinhos por pescadores japoneses «para serem usados como alimento». Os pescadores ainda
justificam a sua caça por o golfinho concorrer com sua atividade econõmica, comendo muitos
dos já escassos peixes.
7. Baleia - 117

Um documentário da National Geographic de 1977 (The Great Whales) 8,

apresenta um confronto dramático, em pleno oceano Pacífico, entre membros do

movimento ecológico canadense GreenPeace e frotas baleeiras soviéticas, nos

invernos de 75 e 76: os preservacionistas corriam a colocar suas lanchas entre o

navio e o grupo de baleias avistado, no intuito de impedir o disparo do arpão.

Num contraponto às hordas de botes baleeiros do século passado, ao invés de

irem ao encalço da baleia para lançar manualmente o arpão, capturá-la e trazê-

la ao navio, aproximavam-se dela para oferecer-lhe a proteção moral de suas vidas

humanas, para interpor-se entre ela e o navio, bloqueando-lhe o alvo, para

emprestar a imunidade de suas auras humanas como um escudo simbólico a

impedir o massacre.

o documentário contrasta exemplarmente com o romance de Melville, e

deve ser assistido junto com a versão hollywoodiana de John Huston da baleia

branca, de vinte anos antes (1956). Em nenhuma passagem de Moby Dick

encontra-se o tema da compaixão pela baleia, da sua vulnerabilidade ou da

desigualdade do seu embate com os humanos. Ao contrário, é a baleia que é a

mais poderosa, monstruosa, indomável 9• Diante do «leviatã», como Melville gosta

de denominá-la, é o homem que é frágil e desprotegido, constituindo enorme

proeza desafiá-la em seu próprio reino - o deserto marítmo. A pesca da baleia


é uma atividade heróica l0, inúmeros códigos de honra regulam a vida dos

8. Boa parte do documentário é dedicado às baleias corcundas e seu canto, a respeito das quais
entrevistam Roger Payne.
9. «Dada a sua situação, pois, consideraria eu essa enorme giba como o órgão representativo da
firmeza e indomabilidade do cachalote; e em breve tereis ocasião de verificar que o grande
monstro é na verdade indomável» (MELVILLE:1982:372).
10. «[...] e em todas as estações do ano e em todos os oceanos declararam uma guerra sem
tréguas à massa animada mais poderosa que sobreviveu ao Dilúvio, a mais monstruosa, a mais
montanhosa, esse mastodonte do mar, grande como o Himalaia, dotado de tão prodigiosa força
inconsciente que mesmo os seus pânicos devem ser mais temíveis do que os seus ataques mais
ousados e maliciosos» (MELVILLE:1982:98).
7. Baleia - 118

marinheiros que passam mais de ano numa única excursão de pesca, retornando

ao porto somente com os porões repletos de espermacete. Nenhuma injustiça na

matança, apenas bravura e fartura. Moby Dick, o titânico cachalote branco,

encarna como nenhuma outra esta potência inesgotável da natureza ll• Se há algum

abuso de violência a humilhar os seres mortais, ele provém da baleia branca.

Mesmo a hybris de Ahab, não representa a potência de um desafiante capaz de

ameaçar a majestade oceânica. Obcecado pela baleia indestrutível que o aleijou,

ferido mortalmente em sua honra, o capitão do Pequod não admite curvar-se à

força "elemental" da baleia, recolher-se ao seu lugar de mero humano l2. Desonra-

se duplamente em sua vertigem, desafiando cegamente forças sobrenaturais l3 e

conjurando seus homens a seguí-lo em sua danação demoníaca. O único

sobrevivente, salva-se agarrado ao ataúde de um canibal pagão.

Outro é o cenário do documentário da National Geographic, e apenas

supercialmente seus personagens parecem os mesmos. Pois na verdade, homens e

baleias são constituídos de forma inteiramente diferente num e noutro relato. Ao

11. «Uma da mais estranhas sugestões que acabou por associar-se definitivamente com a baleia
branca, nos espíritos inclinados à superstição, era a idéia sobrenatural de que Moby Dick tinha
o dom da ubiqüidade, e que fora realmente encontrado em latitudes opostas, simultaneamente.
[...] que alguns baleeiros se extremassem nas suas superstições e declarassem que Moby Dick
era não somente ubíquo como também imortal (porque a imortalidade não é mais do que a
ubiqüidade no tempo) [...]» (MELVILLE:1982:211-2).
12. «lY de qué es culpable el capitán Achab, de Melville? De haber elegido a Moby-Dick, de
haber elegido la ballena blanca en lugar de obedecer a la ley de grupo de los pescadores que
dice que cualquier ballena es buena para ser cazada. Ese es el elemento dem6nico de Achab,
su traici6n, su relación con Laviatán, esa elección de objeto que 10 compromete en un devenir-
ballena» (DELEUZE & PARNET:1980:51).
13. «- Vingar-se de um pobre bruto! - gritou Starbuck - Deixar-se dominar pelo mais cego
instinto! Lol!cura! Enfurecer-se com um animal, Capitão Ahab, parece-me blasfêmia.
«- [...] As vezes penso que apenas ele existe. Porém é bastante: atarefa-me, avassala-me.
Vejo a sua força atroz unida com a imperscrutável malícia que o reforça. Essa coisa
imperscrutável é o que odeio principalmente e quer seja o cachalote branco o agente, quer
atue por sua própria conta, o certo é que descarrego sobre ele o meu ódio. Não me fale de
blasfêmia, homem. Eu desafiaria até o sol, se ele me insultasse. Porque se o sol pudesse fazer
isso, eu podia cumprir o que disse, desde que há em tudo isso uma espécie de justiça, a
inveja presidindo a toda criação.» (MELVILLE:1982:193).
7. Baleia -119

invés de força indomável da natureza, violenta e inesgotável, as baleias agora

aparecem mansas, frágeis e ameaçadas. Ao invés da fúria bestial do «leviatã», elas

são dotadas de razão e sensatez, mais até que alguns homens, seus carrascos -

o líder do Green Peace conta como, quando uma baleia foi atingida, o macho do

bando passou por ele, olhou, e compreendeu que não era ele o seu inimigo;

dirigiu-se ao baleeiro, e findou também arpoado. Por outro lado, a hybris dos

pescadores não tem origem em ofensa, obsessão e vingança, não é o desafio

desesperado de um ser tão pequeno e impotente quanto orgulhoso. A desmedida

dos baleeiros sequer atinge os operários do navio-usina (eles acenam para o Green

Peace durante a "trégua"): a culpa é dos "tubarões" da indústria baleeira, da

irracionalidade econômica. E se Ahab extingue-se, e leva consigo os seus, deixando

a baleia branca impune, apenas com mais alguns arpões indiferentes encravados,

o perigo atual é da extinção primeiro das baleias. Já os defensores das baleias são
I

uma espécie de anti-Ahab: em lugar do «devir baleia» (DELEUZE) do transtornado

capitão do Pequod, que termina fundindo-se ao animal e ainda assim continua

convocando tripulação e navio ao naufrágio, trata-se de investir as baleias de um

devir humano.

A pesca da baleia e a luta pelo seu fim derivam da ambigüidade da

posição atribuída às baleias na classificação das categorias animais, e ao seu

progressivo deslocamento nesta hierarquia. Com uma mescla de argumentos

científicos e humanitários, mais que religiosos ou calcados na tradição, os

adversários da pesca à baleia colocam explicitamente em discussão as regras de

classificação das categorias de seres vivos, e, em especial, os critérios de distinção

entre o animal e o humano.


7. Baleia - 120

bestiário A ficção científica acostumou-nos ao exercício de imaginar formas


eti
para seres alienígenas. Em descrições verbais detalhadas de

exóticas anatomias ets, nos desenhos de quadrinhos ou capas de livros, e depois

no cinema e séries de TV, ela ensaiou várias soluções possíveis para a questão

da aparência de uma espécie viva extraterrestre. Embora virtualmente não haja

limite para os tipos de seres imaginados, os padrões e clichês consolidados pela

ficção científica formam um bestiário extraterrestre em que a recorrência dos

traços indica os constrangimentos determinantes da própria noção de eti.

Num espírito muito próximo ao dos cenários da ficção científica, mas com

o rigor de um modelo de simulação científica, SAGAN e SALPETER (1976), ambos

da Universidade Cornell, calcularam um ecossistema para um planeta gasoso e

denso como Júpiter. Baseados em uma analogia com a vida marinha terrestre

(p.747), imaginaram três espécies básicas: ~<Ecological niches for sinkers, floaters,

and hunters appear to exist in the Jovian atmosphere» (p.737)14. A sua intenção

era demonstrar que não se podia descartar de saída a presença de formas de vida

desconhecidas em ambientes planetários exóticos.

Não obstante agrade ao seu público e corresponda às suas expectativas, as

soluções da ficção científica costumam não satisfazer às exigências de cientistas

que se detêm na questão da existência de eti. Queixam-se principalmente da

excessiva semelhança do alienígena com o terrestre, da incapacidade de imaginar

algo inteiramente estranho, da pobreza de imaginação. Para o Nobel de medicina

François Jacob, por exemplo, o bestiário eti é construído basicamente pelo

14. SAGAN (1983b:42-3) fornece ilustrações dessas espécies fantásticas nas paisagens jupterianas.
7. Baleia - 121

bricolage das imagens disponíveis no bestiário nativo da biologia terrestre, e tende

quer ao monstro híbrido, quer ao antropomorfismo.

«When looking at present-day science fiction books, one is struck by the sarne
phenomenon: the abominable animaIs that hunt the poor astronaut lost on a
distant planet are products of recombinations between the organisms living on the
earth. The creatures coming from outer space to explore the earth are depicted
in the likeness of mano You can watch them emerging from their unidentified
flying objects (UFO's); they are vertebrates, mammals without any doubt, walking
erect. The only variations concern body size and the number of eyes. Generally
these creatures have larger skulls than humans, to suggest bigger brains, and
sometimes one or two radioantennae on the head, to suggest very sophisticated
sense organs. The surprising point here again is what is considered possible. It
is the idea, more than a hundred years after Darwin, that, if life occurs anywhere,
it is bound to produce animaIs not too different from the terrestrial ones; and
above all to evolve something like man». (JAcOB:1977:1161)

o problema é que, para o imaginário cientificista moderno, a vida

extraterrestre ocupa, em relação à espécie humana, uma posição inversa à das

demais espécies vivas terrestres.

o que irmana a espécie humana a todas as outras do planeta é a

bioquímica e a história. Bioquímica pela constatação de que a maquinaria celular

operante nas mais diversas espécies é no fundamental a mesma. Tal coincidência,

junto com os registros fósseis, é a principal evidência empírica a reforçar a

hipótese monofilética - de que todas as formas vivas terrestres são descendentes

de uma mesma célula primordial 15. Se a história evolutiva é a da separação dos

seres, da bifurcação e diferenciação das espécies, ela paradoxalmente os une num

análogo de rede de parentesco, ao reconstituir a origem comum, ao postular a

filiação distante mas certa entre todos os viventes.

15. «A explicação comum desta unidade molecular é que somos todos - árvores e pessoas, o
peixe diabo-marinho, o limo vegetal e os paramécios - descendentes de um único e comum
instante da origem da vida no início da história em nosso planeta» (SAGAN:1983b:38).
7. Baleia - 122

o que separa a espécie humana das demais é a eclosão recente de uma

novidade evolutiva radical numa única linhagem de primatas: o poder adaptativo

da inteligência, fruto de um salto qualitativo na evolução de um órgão chave, o

cérebro 16• Por não ter sido herdada, por ser como que uma "mutação" sui-generis,

a inteligência é em princípio exclusiva dos humanos. Ela é mesmo a sua distinção

chave face aos outros animais. Qualquer pesquisa de comportamento animal,

especialmente sobre formas de comunicação entre membros de espécies gregárias

ou "sociais", confronta-se com os limites da definição da noção de inteligência, e

é, em última instância, um exercício de melhor demarcação da identidade humana.

Em resumo, a espécie humana e as demais viventes terrestres são ao

mesmo tempo muito próximas, e radicalmente distintas. Por um lado, o parentesco

biológico obriga-as a compartilhar inúmeras características comuns; por outro, uma

diferença, digamos, de estatuto intelectual (ser ou não inteligente) torna-as duas

classes de seres absolutamente estranhas entre si.

Já o ser inteligente extraterrestre é imaginado em relação aos humanos

como a imagem inversa dos animais terrestres. É a comunidade da inteligência

que nos confraternizaria, o comum uso das invenções da tecnologia e da

linguagem. Seríamos no entanto inteiramente estranhos ao nível biológico.

«Afirmamos que os primeiros processos químicos que conduzem à origem da vida


podem ser similares em muitos mundos diversos, embora isto se encontre muito
longe de estar provado. Mas é claro que a subseqüente evolução por seleção
natural levaria a uma imensa variedade de organismos; comparados com eles,

16. Ver a esse respeito o interessante estudo de


SAGAN (1983a) sobre «a natureza e a evolução
da inteligência humana», que é também um ensaio sobre evolução e fisiologia cerebral.
7. Baleia -123

todos os organismos da Terra, desde os bolores aos homens, são parentes muito
próximos.» (SAGAN & SHKLDvsKI:1966:420)

Ao contrário das "ingenuidades" digestivas da ficção científica, a única

certeza que se pode ter a respeito da biologia et é que ela é diferente - uma

certeza negativa, de que não pode ser como nada de já conhecido l '.

«Não posso lhes dizer como se parece um ser extraterreno. Sou terrivelmente
limitado pelo fato de conhecer somente um tipo de vida, a da Terra. Algumas
pessoas, artistas, escritores de ficção científica, por exemplo, têm especulado como
serão estes seres. Sou cético quanto à maioria destas visões extraterrestres.
Parecem-me apoiar-se bastante em formas de vida já conhecidas. [...] Não acredito
que a vida em qualquer outro local se pareça com um réptil, inseto ou ser
humano, e muito menos com adaptações cosméticas como pele verde, olhos
pontudos e antenas.» (SAGAN:1983b:40)

As considerações sobre o caráter histórico da evolução biológica findam

roubando ao imaginário extraterrestre as figuras com que vestir nossos estranhos

equivalentes. O corpo eti permanece sem figura, ou melhor, capaz de qualquer

figura. No entanto, se nada pode ser previsto ao certo, ao menos duas

considerações são pertinentes quanto às formas vivas inteligentes. Em primeiro

lugar, seja qual for a morfologia corpórea eti, ela deverá possuir um dispositivo

análogo ao órgão cerebral:

«Eu certamente não espero que seus cérebros sejam anatomicamente ou talvez
mesmo quimicamente semelhantes aos nossos. Seus cérebros terão tido diferentes
histórias evolutivas em ambientes diferentes. Só temos de olhar para os animais
terrestres com sistemas orgânicos substancialmente diferentes para ver quanta
variação na fisiologia cerebral é possível.» (SAGAN:1983a:176).

17. Alguns autores não concordam com estas conclusões, e crêem que uma espécie inteligente
extraterre~treseria necessariamente, ao menos em sua anatomia geral, parecida com um
humano. E a posição defendida por BIERI (1964), em artigo dirigido contra os argumentos de
SIMPSON (1964). O astrónomo brasileiro MOURÃO (1980:100ss), ele próprio um adepto da
necessidade do antropomorfismo eti, cita o professor de antropologia de Harvard, Willian
Howells, que se dedicou à questão e concluiu que «a forma humana é inevitável» (sic).
7. Baleia -124

Apesar de aceitar a provável divergência anatômica e bioquímica, Sagan

não coloca em dúvida a necessidade de um cérebro eti. Inteligência e sistema

nervoso central desenvolvido são aqui duas faces inseparáveis do mesmo

fenômeno. Uma vez aceita a noção de um ser inteligente extraterrestre, ele

deverá, por definição, possuir cérebro.

A segunda consideração refere-se à capacidade tecnológica da espécie

inteligente. Assim como a exigência de inteligência determina a presença do órgão

cerebral, a

tecnologia também

possui o seu

correspondente

anatômico: o

«apêndice

manipulativo»,

órgão capaz de

apropriar-se de

objetos do meio

ambiente como
Possíveis morfologias etis, segundo MACGOWAN & ORDWAV:1972:329.
mediador da ação,

transformando-os em ferramentas e próteses corporais. Os seres inteligentes

poderiam ser então classificados segundo o número de membros e "mãos" que

possuem. MACGowAN e ORDWAY (1972:317ss), por exemplo, a partir da exigência

de membros manipulativos, utilizam-se de analogias com formas animais terrestres

e mesmo híbridos fantásticos como aproximações das formas extraterrestres

possíveis (ver figura). Apresentam «cinco possíveis estruturas morfológicas de vida


7. Baleia - 125

animal inteligente extra-solar: a) semelhante à do homem; b) semelhante ao

centauro; c) semelhante ao elefante; d) semelhante ao golfinho; e) semelhante ao

polvo» (p.329). O centauro representa a união de dois "êxitos" evolutivos: a

"solução" quadrúpede para a locomoção (considerada mais eficiente que a bípede),

associada aos dois membros livres para manipulação. O elefante é o centauro com

apenas um membro manipulador - uma tromba. O pseudo-golfinho possui dígitos

nas barbatanas laterais, representando um híbrido do mamífero aquático com mãos

enxertadas. Finalmente o polvo representa a figura mais curiosa: um corpo

reduzido à cabeça (receptáculo do cérebro) e tentáculos manipulativos (executores


da tecnologia) 18.

outros O contraste entre a figura do chimpanzé e a dos cetáceos


terrestres
inteligentes ilustra dois extremos da busca por imagens para outras

espécies inteligentes. O chimpanzé é apresentado como um

humano rudimentar, possuindo todas as qualidades humanas, porém drasticamente

diminuídas em intensidade. Um cérebro menor, um aparelho fonador insuficiente,


capacidade apenas de operar um vocabulário reduzido, capacidade de lançar mão

de objetos como instrumentos, ferramentas rudimentares mediadoras entre intenção

e ação eficaz. O fato da linguagem eleita pelos Gardner ter sido a de sinais com

as mãos, visando explorar a habilidade manual dos chimpanzés, sublinha, no

antropomorfismo evidente, a semelhança morfológica que mais os aproxima dos

humanos: a possibilidade do bipedismo, a presença do polegar oponente, do gesto

manipulativo fino, enfim, os «requisitos anatômicos» para a invenção da tecnologia.

18. O apelo à figura dos cefalopodos na discussão sobre inteligência extraterrestre é recorrente:
a estrutura do órgão da visão dos polvos constitui o exemplo mais contundente de convergência
evolutiva, pela sua espantosa semelhança com a dos olhos dos mamíferos. Como já anotamos
acima, Bateson estudou o comportamento de polvos antes de interessar-se por golfinhos. Vale
lembrar que Júlio Verne fez de um polvo gigante o seu leviatã em As vinte mil léguas
submarinas de 1870. MELVILLE (1982) também faz um calamar gigante vir à tona diante dos
botes baleeiros como sinal de mal presságio (§59, p. 305).
7. Baleia - 126

Golfinhos e baleias aproximam-se do homem por outros motivos. O lugar

peculiar e destacado reservado aos grandes macacos na tradição ocidental já vem

sendo trabalhado há vários séculos, e definiu-se especialmente com o sucesso do

darwinismo 19• O trabalho dos Gardner, citado acima, apenas reflete o grande

interesse que a linguagem adquiriu em várias áreas científicas na segunda metade

do nosso século. A aproximação de baleias e golfinhos com a humanidade, ao

contrário, é um fato recente, fruto em boa parte da elaboração moderna das

questões da inteligência e da comunicação. As suas posições não estão nem tão

difundidas, nem tão definidas quanto a dos símios.

Mais inacessíveis que os símios (o tamanho, o meio aquoso), não possuem

anatomia antropóide, nada de membros ou apêndices manipulativos. «Não possuem

órgãos para manipular, não fazem construções de engenharia, mas são criaturas

sociais» (SAGAN:1983b:271). É a falta de um análogo da mão primata que faz dos

cetáceos animais anatomicamente inaptos à tecnologia. «Because whales and

dolphins have no hands, tentacles, ar ather manipulative organs, their intelligence

cannot be worked out in technology» (SAGAN:1973:177). Seus cérebros, no entanto,

são maiores e talvez mais complexos que a humano.

«The brain size of whales is much larger than that of humans. Their cerebral
cortexes are as convoluted. They are at least as social as humans. Anthropologists
believe that the development of human intelligence has been critically dependent
upon these three factors: brain volume, brain convolutions, and social interactions
among individuaIs. Here we find a class of animaIs where the three conditions
leading to human intelligence may be exceeded, and in some cases greatly
exceeded» (SAGAN:1973:177)

19. Sobre a história da mitologia do «homem selvagem», e sua relação com a descoberta do
orangotando e outros macacos, ver TINLAND (1968).
7. Baleia -127

É este cérebro poderoso que SAGAN crê manifestar-se na complexa


capacidade de produção de sonoridades. Embora muito estranhos às vocalizações

humanas e indecifráveis, os cantos cetáceos parecem obedecer a regras que

somente a suposição de uma linguagem poderia explicar. Espontâneos ao invés de

induzidos em cativeiro, complexos e musicais, construídos em longos blocos e

memorizados, repetidos idênticos e progressivamente alterados, entoados em coro

simultaneamente pelo grupo e capazes de serem "ouvidos" a enormes distâncias.

Todas estas peculiaridades levam Sagan a crer que os cantos das baleias

funcionam como uma refinada linguagem tonal, meio de comunicação entre

baleias individuais, através da qual elas podem "perceber-se" a distâncias que

superam o seu olfato ou visão.

Os chimpanzés são uma espécie de sub-homem: portam todos os seus

atributos, porém atrofiados, reduzidos a traços. O grau zero da hominização. As

baleias são uma espécie no mesmo nível evolutivo da humana, tão inteligentes ou

talvez mais, porém em outra via, seguindo um outro percurso da evolução

biológica. Anatomias estranhas, mas inteligências comparáveis. No entanto, a falta

de possibilidades tecnológicas as afastam decididamente do caminho humano. Esta

carência faz a sua inteligência menos aparente à observação, e a sobrevivência da

espécie mais vulnerável à invasão humana, dependentes de uma incerta tolerância

ecológica do agressor para contornar a extinção. As baleias estão longe de se

parecerem com homenzinhos verdes, mas dependem dos verdes entre os homens

para sobreviver.

Pelo menos desde Darwin, é através da figura do símio que o imaginário

ocidental reencontra o fio da continuidade histórica entre a origem do homem e

de todas as demais espécies, sob o império contingente dos princípios da evolução


7. Baleia - 128

biológica. O chimpanzé, substituto ahistórico para a quimera do elo perdido, religa

a espécie humana à cadeia dos seres vivos. Já a baleia se liga ao homem não

tanto pela raiz biológica, mas pela capacidade cultural, e não evoca hierarquia

evolutiva, mas equivalência funcional. Ela é, de certo modo, a demonstração

terrestre de que as faculdades culturais - linguagem, música - não são exclusivas

da linhagem humana, e de que muitos caminhos (biológicos) deve haver que

levam à inteligência.

Infra-humanos e para-humanos. O chimpanzé possui a anatomia geral

própria à invenção da tecnologia; a baleia, o cérebro, a inteligência. Mas não é

a tecnologia o valor fundamental a definir a fronteira dos seres eticamente

equivalentes, e sim a inteligência. As baleias são, deste ponto de vista, "mais

humanas" que os chimpanzés. Merecem ser consideradas tão "sagradas" quanto

qualquer ser humano, obrigando-nos a estender a elas a participação nos "direitos

fundamentais do homem". Antes de tudo, a proteção contra caça e violência. A

despeito de não-tecnológicas, o fato de corporificarem uma outra solução biológica

para uma espécie inteligente, com anatomia e comportamento diferentes, as faz

a imagem terrestre mais próxima de uma eti.

star trek «Space, the final frontier. These are the voyages of the Starship

Enterpnse. Its five-year mission: to explore new worlds, to seek out

new life and new civilizations, to boldly go where no man has gane before». Com

esta apresentação começavam todos os episódios da série de TV Star Trek, um

clássico da ficção científica. Uma filmagem de 1986 feita para o cinema (Star Trek

IV) revive muito do imaginário evocado pela equipe do disco da Voyager em torno
7. Baleia -129

ao canto das baleias. Seria útil para a análise da saudação das baleias na Voyager

compará-la com essa variante do âmbito da ficção científica.

A fita inicia no século XXIII, com a detecção de uma sonda alienígena, de

natureza desconhecida, que penetra o espaço da «Federação dos Planetas Unidos»,

e ruma para a Terra. Invulnerável às defesas da federação e deixando um rastro

de destruição, a inabalável espaçonave estaciona em órbita terrestre, causando

alterações catastróficas no clima (similares ao "inverno nuclear") e enviando um

estranho sinal auditivo aos oceanos. Spock, o alienígena vulcaniano "hiper-Iógico",

consulta arquivos e reconhece o padrão sonoro como o mesmo emitido por uma

espécie de baleias extinta no século XXI. «The probes transmissions are the songs

sung by whales. Specifically the humpback whales». Os sons utilizados na produção

do filme foram fornecidos pelo mesmo Roger Payne procurado pela equipe da

Voyager. Spock sugere que uma civilização et estabeleceu contato com baleias

terrestres no longíquo passado, antes da presença humana na Terra, e que

retornara agora após sua extinção «to determine why they lost contact». Incapazes

de entender a mensagem da sonda, não havia como responder, estabelecer

comunicação com a eti, e fazê-la ver os prejuízos que causava à civilização

humana. Num tour de force que só a ficção permite (ainda), empreendem uma

viagem no tempo destinada ao século XX. Objetivo: capturar espécimes da baleia

corcunda e conduzí-Ios ao futuro. Somente uma baleia poderia responder ao

enigmático chamado extraterrestre, estabelecer cantata. Findam recolhendo um

casal que vivia em cativeiro e levando-o «to repopulate the species».

Vários dos temas caros à Voyager são aqui trabalhados. A civilização

extraterrestre, tecnologicamente mais avançada, interessada em cantata com outras

inteligências; a suposição de que as baleias são seres inteligentes, e que os sons


7. Baleia - 130

que emitem representam uma linguagem articulada utilizada para comunicação; a

preocupação com o potencial destrutivo da civilização humana, a extinção

desavisada das espécies evocando o risco de sua própria extinção. As aparições da

espaçonave Enterprise nos céus de São Francisco do século XX são tomadas por

passantes como testemunho de um UFO «from outer space». Mas o realmente

interessante para nós é o tratamento da questão da linguagem das baleias.

Ainda no século XXIII ela permanece indecifrável, irredutível a toda

engenharia de tradução disponível pela «federação». Foi, no entanto, entendida por

uma eti extremamente avançada, que passou a utilizá-la para comunicar-se com

os cetáceos/terráqueos. Kirk, capitão da Enterprise, chega a sondar Spock quanto

à possibilidade de simular uma resposta ao chamado eti, sintetizando

artificialmente os cantos da baleia. Spock é definitivo: «The sounds... but not the

language. We will be responding in gibberish». Gibberish: troça, escárnio, tagalerar

de modo inarticulado ou incoerente 2o• Como papagaios zombam da fala humana.

Não há como conversar numa língua da qual só se conhece a fonética, mas não

a fonologia. Conhece-se o suporte material da linguagem, os átomos físicos

empregados, mas se ignora o sistema que os determina, as regras estruturais que

produzem, como um acréscimo da totalização que não está contido em nenhuma

das partes isoladamente, o efeito do sentido.

Mas Spock, o extraterrestre que convive com humanos, possui um outro

recurso de comunicação, já familiar aos seus fãs. Aplicando sua mão ao crânio de

outras criaturas, é capaz de formar um laço telepático - «mind-melt», como o

20. Cf Webster de HOUAISS. Talvez pudéssemos traduzÍ-Io por barbarismo, seguindo ironicamente
a etimologia lembrada por LÉVI-STRAUSS (1976e:333): «[...] é provável que a palavra bárbaro
se refira etimologicamente à confusão e à inarticulação do canto dos pássaros, opostas ao valor
significante da linguagem humana». Mais adiante, na discussão a respeito da música, veremos
que o próprio Lévi-Strauss não considera o canto dos pássaros assim tão inarticulado.
7. Baleia - 131

chamam os vulcanianos. Na São Francisco dos anos 80, mergulha num aquário

onde duas baleias vivem em cativeiro. Estabelece cantata com a fêmea,

descobrindo-a grávida, e informa-a dos seus propósitos: seqüestrá-la rumo ao

futuro. No século do grande massacre da espécie, promete-lhes a barca de Noé.

Travada através de um meio não-lingüístico, que dispensa a cifra e a tradução, o

curto-circuito telepático não encontra a intransponibilidade da barreira fala

humana/canto cetáceo. É a mente de um ser inteligente diretamente conectada

à de outro. A lei fundamental do intercâmbio simbólico, a sujeição aos

significantes como mediadores (eternamente inadequados) da relação, não tem aqui

qualquer jurisdição. Não há equívocos, reduções, tradução. O trágico da

incomunicabilidade inter-cultural (inter-espécies!) é provisoriamente suspenso. Ao

fim, as baleias já no século XXIII, servem de intérpretes ao pedido de Spock para

que a sonda alienígena se afaste da Terra. Se não podemos imitar o canto das

baleias para sossegar um estranho que só fala sua língua, é preciso seduzir uma

baleia para que cante por nós.

Há nesta trama quatro personagens, quatro diferentes seres inteligentes.

Dois extraterrestres, dois nativos da Terra (<<Humpbacks were indigenous to

Earth», diz Spock). A sonda alienígena que se dirige intransigente às baleias em

sua língua, e não se conforma com a falta de resposta. As baleias, extintas pelos

humanos, mas que ainda vivem na lembrança de ambos alienígenas, e

naturalmente no passado. O capitão Kirk, que não consegue entender nem a

sonda alienígena nem as baleias, mas que entende-se muito bem com o

vulcaniano. Por fim, o doutor Spock, curinga da partida, que tampouco é capaz

de comunicar-se com a sonda ou entender o canto das baleias, mas que fala a
7. Baleia -132

linguagem humana e possui um recurso único, capaz de driblar o impasse formado

pela rede de incomunicabilidades que estrutura a novela.

Inicialmente, os quatro personagens mantinham relações comunicativas dois

a dois: as baleias e a civilização que enviou a sonda por um lado, em linguagem

de baleia; os humanos e os vulcanianos por outro, na língua oficial da federação,

a humana (por sinal, o inglês). A história é um encontro dos quatro seres

inteligentes, motivado pela súbita ruptura da relação de reciprocidade entre duas

das espécies ligadas. Em um primeiro momento, forma-se o impasse. A sonda

dirige-se aos seres inteligentes terrestres de que tinha conhecimento, buscando

reatar contato. Mas a civilização terrestre de então era humana, e o homem

ocupava, por usurpação, o lugar lógico das baleias. Os humanos nunca haviam

conseguido compreender o que as baleias diziam, sequer reconhecer que eram,

elas também, inteligentes. Em lugar de travar comunicação e estabelecer relações

de respeito igualitário, os homens as haviam dizimado, numa guerra

verdadeiramente canibal para devorar seus corpos animais. Mas os inesperados

aliados das baleias vieram tomar satisfações. Incapazes de uma performance similar

à das suas vítimas, os humanos não conseguem corresponder à demanda da sonda,

responder aos seus enigmáticos sinais. Por outro lado, a sonda ignorava os apelos

lançados por rádio em linguagem e tecnologia humanas. Ironicamente, as posições

invertem-se, e o destino trágico das baleias recai agora sobre os humanos: a

sonda não reconhecia os sinais enviados pela civilização terrestre como mensagens

inteligentes, e, ecologicamente desastrada, provocava a sua destruição.

Em um segundo momento, o extraterrestre Spock entra como mediador, e

se torna efetivamente a figura central da trama. Spock é um mestiço

interplanetário: seu pai é o embaixador vulcaniano na Federação, sua mãe, uma


7. Baleia -133

humana terrestre. Os vulcanianos são uma espécie inteligente perfeitamente

antropomórfica, à exceção de duas pequenas alterações: orelhas e sobrancelhas

"pontudas". (Ao retornar ao século XX, para poder passar por humano comum e

caminhar nas ruas, prende uma tiara à cabeça, ocultando suas extremidades

aberrantes). A civilização do planeta Vulcan é constituída por seres que cultuam

a lógica e o conhecimento, praticam misteriosos rituais místicos, e ignoram as

emoções. Spock é o oficial de ciências da tripulação da Enterprise, e sempre

acompanha o capitão Kirk, fornecendo-lhe informações técnicas e traçando-lhe o

panorama do cientificamente possível.

É Spock quem sugere e formula os cálculos da trajetória rasante ao sol que

permite a viagem no tempo. Com este meio de transgredir a inexorabilidade da

história, e fazer do feito o desfeito, restituirá às baleias o seu devido lugar no

circuito de relações inter-espécies, saldando a dívida inaugurada pelos humanos e

sua cega (e surda) matança "etnocida". Baleias e sonda voltam a conversar. Mas

a barreira ,lingüística permanece entre os dois pares de terrestres/extraterrestres.

Através de um recurso de ordem extra-simbólica, e mesmo mágico, o alienígena

antropomórfico consegue travar relações com o estranho terrestre, construindo uma

ponte entre os dois seres incomunicáveis e dissolvendo o desentendimento. A

estrutura da aventura, das relações entre os personagens, poderia ser sintetizada


neste quadro:
7. Baleia -134

Sonda Spock inteligências extraterrestres

--------------1 comunicação

Baleia Kirk inteligências terrestres

linguagem linguagem
de baleia humana

morfologias antropomorfismo
estranhas

barreira de
incomunicabilidade

No fim, o cantata entre os humanos e a eti estranha e avançada que a

hostilizava se dá através de duas mediações: a de uma eti antropomórfica, e a de

uma inteligência terrestre não-tecnológica. Forma-se uma cadeia que leva do

homem à eti através de duas figuras ambíguas (pseudo-extraterrestres, uma que

fala a língua humana, outra, a da eti), que se encontram e se fundem através do

recurso mágico da telepatia, da comunhão mística de consciências, da abdicação

da linguagem. Cria-se então um paradoxo. Dispensar a linguagem é também

recusar o atributo fundamental da inteligência, retornar à imanência do estado de

natureza, mergulhar na confusão da ausência de identidade. E usar a magia e o

poder místico é abandonar a tecnologia, o domínio objetivo dos meios materiais,

sinal exterior mais evidente da inteligência. O único laço possível entre os

humanos e a eti estranha exige, no seu momento chave, a passagem por um

campo que transcende o das manifestações da própria inteligência - a linguagem,


7. Baleia -135

a tecnologia. Há necessidade de uma ligação não-mediada, uma coincidência de

consciências, uma fusão de identidades 21 •

Resumindo. Os quatro personagens tematizam a questão da

comunicabilidade entre espécies estranhas. Numa álgebra estrutural, exercitam as

várias possibilidades, desde a incomunicabilidade "inofensiva" (sonda/vulcaniano)

e a incomunicabilidade absoluta que prejudica uma das partes (baleia/homem;

homem/sonda), até a comunicação eficaz por linguagem articulada

(homem/vulcaniano; baleia/sonda). O contato telepático de Spock com as baleias

é um caso limite: comunicação apesar de incompreensão da linguagem. Por um


lado, sublinha os limites da linguagem como meio de comunicação

intercivilizatório, e os temores com a intradutibilidade dos códigos de seres

inteiramente estranhos, apesar de inteligentes. Por outro, demonstra uma

expectativa de que talvez haja outros meios de se comunicar que prescindam da

linguagem simbólica. Veremos mais adiante que é algo desta ordem de questões

- comunicação natural e não-simbólica, mensagem imediata e não-tradutível - que

inspira os autores da mensagem a incluir músicas e determinados sons no disco.

21. Esta condição limite para a comunicação entre civilizações planetárias é tema recorrente na
ficção científica. Uma recente incursão neste domínio é o conto de TAVARES (1989,
«Stuntmind») concebe voluntários que se expõe ao extraterrestre e retornam despersonalizados,
porém cheios de informações científicas que não compreendem.
CAPíTULO 8

os sons da Terra

Ann Druyan, escritora, assina o capítulo dedicado ao bloco da mensagem

que reúne uma seqüência sonora heteróclita de 12 minutos, sem a estrutura da

música ou da fala, «um conjunto de sons que ouvimos na Terra»

(DRUYAN:1984:150). Pretende-se captar sons "brutos", "naturais", destituídos de

formas ou intenções lingüísticas. É verdade que são incluídos um som musical

como alegoria do silencioso movimento dos corpos celestes (som 1), e uma frase

falada em meio aos estalos de uma fogueira (som 10), mas comparecem cercados

pelos demais ruídos, reduzidos ao mesmo estatuto de "sons característicos" do

planeta. «Queríamos usar o microfone como se fosse ouvidos da câmera, de modo

a realçar o retrato da Voyager a nosso respeito e de nosso planeta» (idem, p.

150). Complemento metonímico das imagens, quase emanando das figuras tornadas
barulhentas, os sons da Voyager são onomatopéias terrestres.

A escassez de tempo para realizar o disco (dois meses) não permitiu maior

integração entre «sons» e «imagens», gravados como blocos independentes. «Os

sons, música e imagens estão registrados separadamente, em vez de inter-

relacionados. Teria sido muito melhor se as vozes humanas estivessem próximas

às imagens apropriadas, o som de um motor próximo ao desenho de um carro,

ou a gravura de um violino perto do som da sua música» (DRAKE: 1984:68).


8. Sons -137

Embora independente, o bloco dos sons possui uma estrutura em muito similar

à do bloco das imagens, e vários dos motivos fotografados retornam pelos

microfones do gravador.

seleçáo O «processo de seleção dos sons» iniciou-se com um esforço de

listagem de «todos os sons que já tínhamos ouvido». Eleitos

cinquenta sons candidatos, partiu-se para «localizar os melhores exemplares de

cada um», começando pelas fonotecas e universidades americanas. Reunida a

coleção, os exemplares sonoros foram dispostos de forma a sugerir imagens de

uma seqüência evolutiva. «Achei que ficaria mais informativo dispondo-os

cronologicamente. Havíamos tido muita liberdade sobre uma estruturação tão

vasta, porém a direção fundamental da montagem é evolutiva: partindo do

geológico, através do biológico até o tecnológico.» (DRUYAN:1984:154); «[...] submeti

a aprovação uma montagem que sugeria e delineava uma seqüência evolucionária

[...]» (LOMBERG:1984:72).

A seqüência encena mais uma vez os momentos do modelo cosmológico de

evolução com o qual se especula sobre a origem de civilizações inteligentes. São

justo os passos evolutivos representados na equação de Green Bank, o processo

suposto de origem de qualquer eti, a nossa genealogia. «Druyan organizou um

levantamento sonoro, 'Os Sons da Terra', seqüência evolutiva do desenvolvimento

do nosso planeta, da vida, dos seres humanos e da civilização tecnológica

responsável pela missão Voyager» (SAGAN:1984:16-7). Planeta-vida-inteligência-

tecnologia gritam, em cadeia ritmada, o seu aparecimento.


8. Sons -138

Os sons foram agrupados por Druyan em 19 classes, indicando

acontecimentos que marcam os momentos chaves da evolução.

Sons da Terra

A numeração e designação dos sons são de DRUYAN (1984), mas a separação

em três grandes seções é minha. Do som 1 ao 8, percorre-se o que seria a série


evolutiva natural, marcada pela ausência do homem. Do 9 ao 15 assiste-se a

civilização desenvolver-se. Do 16 ao 19, procura-se representar algo mais que

evolução e desenvolvimento tecnológico.


8. Sons -139

natureza o primeiro, «música das esferas», homenagem a Kepler, é uma

representação sonora dos movimentos planetários ao redor do

sol. Cada planeta é representado por um tom, cujo diapasão vibratório é

proporcional ao tempo de sua translação. Mercúrio é o mais agudo, Júpiter o

grave. Homenagem ao sistema apresentado por Kepler em Harmonica Mundi, foi

composta por um músico e cientistas através de um computador. Representação

do relógio de órbitas celestes, de movimentos inteiramente determinados e

proporcionais, mecanismo azeitado de engrenagens, molas e rodas dentadas, todas

interligadas e acionadas por uma mesma força mecânica, num universo regido

pela regularidade de leis matemáticas. «Kepler era apaixonado por uma "música

das esferas" literal e creio que teria adorado ver aqui a sua obsedante

representação» (DRUYAN:1984:155)1. As esferas fazem música pois do mesmo modo

que os sons interagem compondo ritmos e harmonias, fundadas em princípios

físicos e matemáticos. A classificação deste primeiro som é ambígua: é música,

composta pelos homens, que, por uma homologia fundamental com a natureza,

pretende se passar por "natural". O tema, uma de suas variações, retornará no

próximo segmento da mensagem, a respeito da universalidade da música.

Os sons 2 representam «as dramáticas convulsões da história primitiva de

nosso planeta» (DRUYAN:1984:155). Erupções vulcânicas expelem os gases que

originam a atmosfera, e trovões indicam as descargas elétricas que «desencadearam

uma seqüência de outras reações químicas que, por fim, conduziram à origem da

vida». O borbulhar na lama (som 3) alude à «sopa proteica primitiva», e as

chuvas e ondas (sons 4) lembram «os oceanos, como cenário da nossa origem».

Os sons 5 e 6 sugerem já «as variedades da fauna em desenvolvimento, quando

1. Uma breve apresentação didática das idéias de Kepler encontra-se em SAGAN (1983, cap. 3, esp.
pp. 62ss).
8. Sons -140

a Terra se torna realmente animada pela vida» (idem, p. 155). O chimpanzé e o

uivo canino indicam os últimos momentos de uma natureza que ainda desconhece

a espécie humana.

civilização Os primeiros signos da presença humana aparecem no nO 9.

Passos bípedes e o íntimo e surdo ritmo do coração antecipam

o riso característico do homem, logo confirmado pelos elementos exclusivos da

civilização: o fogo e a fala, tecnologia e linguagem. Erectus, ludens, faber, loquax.

Assim como na série das fotografias, a transição do primeiro grupo de sons para

o segundo é enfatizada pelo contraste exemplar entre o último dos sons "naturais"

e o primeiro dos "culturais". E os mesmos personagens são eleitos para ilustrar a

cena mítica da passagem da natureza para a cultura - o chimpanzé, o

bosquímano.

Os guinchos de um chimpanzé (som 7) trazem a manifestação vocal ainda

não articulada daquele que aqui representa o último dos pré-hominídeos. «A voz

de um primata solitário se eleva acima da de outros e parece guinchar sua

excitada proclamação de um novo conhecimento» (DRUYAN:1984:156). A limitar

sua presunção e intimidá-lo, «um uivo solitário que reverbera com os perigos e

incertezas dos primórdios de nossa existência» (som 8). O ganido da fera o faz

lembrar a precariedade de sua condição, ainda inapelavelmente em "estado de

natureza", e à sua mercê.

Os guinchos inarticulados do chimpanzé contrapõem-se à fala dos

bosquímanos kalahari (som 10), «os últimos representantes das sociedades de

caçadores-coletores» (DRUYAN:1984:156), Le., os remanescentes anteriores à

agricultura e pastoreio, os últimos espécimes dos primeiros homens. Um kalahari


8. Sons -141

é apresentado na foto 62, justo no flagrante da caça com o dardo. Mas a fala

aqui gravada não é sua, não pertence à cena fotografada, não traduz suas

invocações guerreiras e mágicas a fim de tontear a presa e facilitar a captura. A

língua é sua, a fala é uma saudação (ainda mais uma) pronunciada de encomenda

pelo professor Richard Lee, de Toronto.

A manipulação do fogo (som 10) e a fabricação de utensílios de sílex (som

11) representam o momento prometeico em que homem e tecnologia se

confundem. «Os humanos começaram a usar o fogo para alterar seu ambiente e,

talvez, a fogueira se tenha tornado a sede do nascimento da linguagem e da

cultura» (DRUYAN:1984:156). Igualmente a «postura ereta nos permitiu as mãos

livres para manipulação do meio ambiente» (idem)2.

O uivo ameaçador é substituído pelo latido manso e familiar de um cão

doméstico (som 12): «agora desapareceram todos os traços de ameaça; os animais

foram domesticados» (DRUYAN:1984:157). Também há cachorros auxiliando o

bosquímano a encurralar o cervo na foto 623 • A transição da natureza à cultura

que caracteriza a distância do primata ao homem é redobrada sobre os demais

seres naturais, pasteurizados em produtos da civilização, reinventados

simbolicamente. Do guincho à fala, do uivo ao latido, do estado selvagem à

imposição da lei, da assimetria entre predador e presa à entre domador e

domado. A natureza inicial, desconhecida e ameaçadora, retorna, após fogo, fala,

2. A cena não deixa nada a dever à seqüência da descoberta da ferramenta por hominídeos em
2001: Uma Odisséia no Espaço, de Kubrick e Clarke (1968), em que aprendem a combater
o leopardo e outros adversários com a clave e o fogo. Apenas que em 2001, o encontro com
a tecnologia não é um produto da evolução natural da espécie humana, mas o resultado de
uma engenharia obscura operada por uma inteligência extraterrestre, presente sob a forma do
enigmático monólito negro.
3. Cachorros domésticos também são ilustrados nas fotos 44 e 69 - «esperamos que os receptores
entendam que os cães são nossos amigos» (LoMBERG:1984:106).
8. Sons - 142

ferramenta, familiar e obediente. Torna-se, ela também, «[...] resultado da

atividade humana» (DRUYAN:1984:157).

Os sons do grupo II, série da evolução civilizatória, ecoam de diferentes

recursos tecnológicos. Do 10 ao 13, há alusões à "revolução neolítica" (cerâmica,

pastoreio, agricultura). Do 13 ao 15, à industrial. Os animais selvagens da primeira

parte da mensagem (sons 5,6) contrapõem-se ao rebanho pastoreado, galos e vacas

(som 13); os sons titânicos do "trabalho da natureza" (sons 2,3,4) contrastam com

os ruídos de maquinário (sons 13,15).

Ao contrário da exposição de fotos, não há nesse segundo bloco de sons,

"cultural", o imperativo da representação igualitária da diversidade humana. Este

imperativo será radical na estruturação das duas outras mensagens sonoras do

disco - as saudações, as músicas. Aqui no entanto, na amostragem de sons

"brutos", inarticulados, não-linguísticos, a preocupação com o estatuto igualitário

da diversidade está ausente. Quase todas as seqüências representam ruídos

produzidos por diferentes maquinismos, dispostos em ordenação do menos ao mais

sofisticado tecnologicamente. É como se a oposição entre os dois princípios que

organizam a série das fotos - evolução e diversidade - fosse repartido entre os

diferentes componentes sonoros da mensagem: o princípio evolutivo organiza os

sons brutos, naturais; o princípio da representação da diversidade orienta as

sonoridades culturais por excelência - a voz da fala, o tom da música.

A seqüência dos meios de transporte (sons 15) é paradigmática, e encontra

eco na série correspondente de fotografias (fotos 101 a 108). Como nas fotos, há

o cavalo e a carroça, o trem, o automóvel, o avião (o caça flyby). E ambas

pontuam o clímax da série evolutiva com a decolagem de um foguete espacial, o


8. Sons -143

veículo de acesso ao espaço extraterrestre (foto 113). As poderosas vibrações

tectônicas e a explosão do trovão (sons 2), que diziam da superfície planetária em

formação catastrófica, são agora substituídos pelo estrondo da ignição do primeiro

estágio de um foguete saturno 5 (o mesmo das ApoIos que alcançaram a Lua nos

anos 60), inteiramente sob domínio humano: gravado da sala de controle da

missão, precedido da tradicional contagem regressiva 4 e sucedido de vivas e

aplausos da assistência.

sinais o lançamento da espaçonave encerra o bloco II, e com ele,


de vida
encerra a diretiva evolutiva da mensagem. Os sons finais (16 a 19)

não estão submetidos a esse espírito ordenador. A súbita e derradeira quebra da

orientação evolucionária corresponde novamente à que encerra a série fotográfica.

O beijo (sI6) e o choro do bebê recém-nascido e outro de seis meses consolado

pela mãe (sI7), lembram a "ilha antropológica" na primeira metade das fotografias

(f33: nascimento; f34: mãe amamentando).

Os dois últimos sons da mensagem, sinais vitais e pulsares, não são a rigor

sons. Registros rítmicos de potenciais elétricos ou sinais radioastronômicos, foram

gravados "como se" representassem vibrações acústicas. Tal como a «música das

esferas», alegoria sonora destinada a representar a complexa porém silenciosa

alternância dos arranjos celestes, aqui o mais complexo relógio cerebral e o

cronômetro de um pulsar são metamorfoseados em borrão sonoro.

4. Segundo GUNN (1988:510), a contagem regressiva, fórmula que sintetiza precisão técnica e
expectativa, foi uma invenção de Fritz Lang, para introduzir suspense em seu filme Woman
in the Moon (1929).
8. Sons -144

o 18° som representa a transposição em vibrações sonoras do registro de

alguns dos sinais vitais de Ann Druyan. Durante uma hora computou-se o seu

eletroencefalograma (EEG), eletrocardiograma, sua atividade ocular e muscular.

O conjunto dos traçados foi compactado em um minuto e gravado em disco tal

qual um som. «Embora houvesse uma chance mínima de que minha mente viesse

a ser lida por esse método [...]» (DRUYAN:1984:160). A intenção era a de que estes

registros retivessem algo da atividade psicológica original que os gerou. «Sabemos

que os padrões do EEG registram certas alterações de pensamento. Perguntei-

me se uma tecnologia altamente avançada de vários milhões de anos no futuro

poderia decifrar meus pensamentos» (idem: 159)5.

Embora sejamos incapazes de ler nessas inscrições os motivos que as

cunharam, para os autores da mensagem a nossa cegueira representa apenas uma

carência de conhecimentos, um limite provisório de ignorância científica. O

problema é o mesmo já considerado a respeito dos sons emitidos pelas baleias,

e incluídos na mensagem entre as «Saudações» e os «Sons». DRUYAN relembra o

momento em que receberam a gravação do cetáceo: «Ouvímo-Ia inúmeras vezes,

sempre pensando ironicamente que nossos imaginados extraterrestres talvez

conseguissem, daqui a um bilhão de anos, entender uma mensagem dos

companheiros habitantes da Terra, que fora incompreensível para nós» (1984:151).

Como signos totais da atividade cerebral, os traçados eletroencefalográficos têm

de ser plenos de significado e virtualmente decifráveis. Nada impede que uma

tecnologia mais sofisticada, uma frenologia mais apurada, um Broca ou um Gall

alienígena, perceba as chaves de tradução dessa roseta, e reconstitua a obscura

5. Às vezes, mesmo depois de anos domesticando intelectualmente esses mitos com que trabalho,
o espanto inicial ainda assalta-me. Essas conjecturas parecem-se demais com a imaginação
descompromissada da ficção científica.
8. Sons -145

atividade cerebral do seu autor. «Talvez uma civilização inimaginavelmente mais

avançada que a nossa seja capaz de decifrar estes pensamentos e sentimentos

registrados, e apreciar nossos esforços em partilhá-los com eles» (SAGAN,

1983b:287).

Espécie de transcrição bruta, natural, imediata, espera-se que o EEG

desempenhe o papel de escrita completa da atividade inteligente, uma escrita cujos

grafismos surgem no monitor sob a forma de quantidades da atividade

eletrofisiológica de órgãos vitais 6. Por um mecanismo que aproxima-se do da

magia, a suposição dos autores opera uma inversão do sentido de causalidade: o

traçado do EEG, de efeito, resíduo e epifenômeno da atividade cerebral, torna-

se causa, matriz original, capaz de reproduzir o padrão de atividade cerebral em

quem souber lê-lo.

Uma tal escrita de natureza imediata teria de situar-se aquém do arbitrário

da linguagem, da convenção do signo. Escrita traçada não em alfabeto mas em

sinais brutos, que emanam espontaneamente do referente, refletindo uma

linguagem natural do próprio órgão, o retrato dinâmico das circunvoluções elétricas

do cérebro. Nenhuma diferença estrutural, nenhuma perda ou redução, como

6. É a partir de uma suposição muito semelhante que se constrói o roteiro do cult de ficção
científica Brainstorm, de DOUGLAS TRUMBULL (1983). Nele, cientistas desenvolvem uma
aparelhagem capaz de gravar em fita magnética a atividade cerebral de um indivíduo
monitorado por um capacete de eletrodos à la EEG. O extraordinário é que além de gravar,
ela permite reproduzir: apertando-se o play ao invés do rec, a leitura da fita, estando um
indivíduo conectado aos terminais do engenho, induz no sujeito as mesmas sensações e
pensamentos experimentados pela cobaia inicial, sem qualquer perda da intensidade original.
Militares com intenções panópticas financiavam o projeto, na expectativa de desenvolver uma
espécie de scanner telepata, capaz de substituir com infinita eficácia os arcaicos detetor-de-
mentiras e soro-da-verdade usados em interrogatórios. O clímax da projeção ocorre quando a
diretora do projeto pressente a fatalidade de um infarto e pass.a seus últimos minutos
conectada à máquina. O protagonista faz de tudo para obter a fita e (re-)experimentar sua
morte. De uma cabine de telefone público, usando um modem, ele obtém acesso ao
computador central do laboratório, e o faz repassar a fita, transmitir-lhe o registro fatal.
Sobrevive ao indizível - àquilo que só pode ser vivenciado em sua forma bruta e irredutível.
8. Sons -146

também nenhum resíduo indizível. Nenhuma atividade simbólica se interpõe entre

o traçado EEG e o psicológico: ambos são produtos absolutamente homólogos e

interconversíveis da atividade cerebral. Escrita na "linguagem natural", essa

mensagem permitiria a transmissão do que para o simbólico corresponde ao

incomunicável. Tal como a música (objeto do próximo bloco da mensagem),

também se espera que a sinfonia dos sinais vitais induza no ouvinte os afetos

originais que inspiraram o autor. «Em um sentido, lançamos ao Cosmos uma

transcrição direta dos pensamentos e sentimentos de um único ser humano no mês


de junho do ano de 1977 no planeta Terra» (SAGAN:1983b:287, gm). Retrato de

uma hora de meditação de Druyan, a mensagem necessariamente carregaria

consigo, como um ônus, a singularidade do preciso momento psicológico da autora.

Para minimizar essa "individualização excessiva" da mensagem, Druyan ritualiza ao

máximo a sessão de gravação, esforçando-se por purgar da mente qualquer

banalidade pessoal e envolver-se em pensamentos "mais nobres" de ordem

impessoal: «Organizei uma espécie de roteiro mental sobre idéias e personagens

históricos, cuja lembrança eu esperava perpetuar e, excetuando-se uns dois fatos

irreprimíveis de minha própria vida, consegui ater-me bastante bem nesta linha de

pensamentos» (DRUYAN: 1984:160).

O 19° som encerra a série. É a transposição em vibrações sonoras do sinal

de um pulsar (o CP1133) - uma fonte estelar de ondas de rádio intermitente e

regular. Contrasta duplamente, com o registro recém apresentado do EEG (som

18), e com o primeiro da série, a música das esferas (som 1).

Ao contrário da alegoria musical dos movimentos celestes, executada em

tons puros e harmônicos, a vibração do pulsar foi gravada em "estado bruto". Tal

o perfil das ondas de rádio captadas, tal o sinal sonoro sulcado no disco. O efeito,
8. Sons - 147

ao invés de musical, é o de um ruído grosseiro. «Por ironia, o momento de

conclusão do experimento assemelha-se ao chiado da agulha de um fonógrafo

arranhando o final do disco sem que alguém faça alguma coisa»

(DRUYAN:1984:160). A confirmar que, como queria LÉVI-STRAUSS (1964:27), não há

sons musicais imediatamente dados na natureza.

Se a barulhenta estrela é tão estranha ao bailado sintético dos planetas, por

outro lado o ruído do pulsar confunde-se com o «som bárbaro» (DRUYAN:1984:160)

do minuto de EEG. «Talvez os receptores pensem que [a gravação dos sinais

vitais] seja o registro de um pulsar, pois lembra, em um aspecto superficial, um

deles» (SAGAN:1983b:287). Enquanto o som 18 pretendia enviar ao espaço a

«transcrição direta dos pensamentos e sentimentos» de um humano, a radiação do

pulsar parece ser a resposta extraterrestre, um sinal de vida inteligente vinda de

outra estrela. Faz parte do folclore de «alarmes falsos» das pesquisas SETI, como

o primeiro pulsar detectado causou confusão nos meios astronômicos, pela

peculiaridade do seu sinal coincidir à primeira vista com o que teóricos da SETI

haviam previsto seria uma emissão eti. DRUYAN faz menção explícita ao episódio:

«Ao ser descoberta a primeira estrela pulsar, a regularidade de seus sinais

pulsantes foi considerada um indício de vida inteligente» (1984:160). Se eram um

EEG eti, detectou-se apenas uma monótona e infindável crise epilética.

As pulsações de um humano ou de uma inquieta estrela de nêutrons, ao

fim, assemelham-se ao próprio ruído celeste de fundo, irmanando natureza e

cultura na monotonia da vigília aos radiotelescópios. «A gravação de meus sinais

vitais soa um pouco como a estática de rádio gravada, vinda das profundezas

espaciais. Em tais gravações, os registras elétricos de um ser humano e de uma


8. Sons -148

estrela não parecem diferir tanto entre si e simbolizam nosso relacionamento e

nossa dívida para com o cosmos» (DRUYAN:1984:160).


CAPíTULO 9

a música da Voyager

Um dos motivos determinantes da opção por um disco "fonográfico" como

veículo para a mensagem foi a conveniência de poder incluir música. Os autores

acreditam que a música é uma forma privilegiada de mensagem interestelar, uma

solução excepcional para os impasses do gap cultural entre civilizações galácticas.

Antes de tudo porque ela reúne dois aspectos extremos e dificilmente conciliáveis

em outro nível: a lógica e a emoção.

pitagorismo A música, na medida em que se apóia em propriedades de


física vibratória, possui relações formais com a matemática.

«A conecção entre a matemática e a música vem sendo assinalada pelo menos

desde o tempo de Pitágoras» (SAGAN:1984:13). Ora, a matemática, analítica e a

priori, é considerada o paradigma da verdade universal. «Até onde sabemos, as

relações matemáticas são válidas para todos os planetas, biologias, culturas e

filosofias» (idem, gm). Isto faz dela o suporte intelectivo de qualquer mensagem

transcivilizatória: «[...] as simples relações matemáticas talvez sejam o melhor meio

de comunicação entre espécies diversas, mais do que as referências à física e à


9. Música - 150

astronomia» (idem, p.14)1. Dada a intimidade de fundamento da música com a

matemática, talvez a primeira consiga herdar algo do estatuto da última. «Em vista

da relação entre música e matemática, e a universalidade prevista quanto a esta,

é possível que muito mais que nossas emoções sejam transmitidas pelas músicas

no disco da Voyager» (idem).

Além da base matemática, as constrições da física vibratória talvez

restrinjam o número de sistemas musicais possíveis, obrigando toda música a

encenar os arranjos, as variações de uma mesma estrutura fundamental e comum.

É a opinião sustentada por von Hoerner, um astrônomo do Observatório de Green


Bank favorável à SETI, que Sagan endossa: «Fiquei impressionado com [o seu]

artigo [...] propondo que a física sonora permitiria apenas um número muito

limitado de formas musicais. Talvez exista uma música "universal"»

(SAGAN:1984:13)2. LOMBERG (1984:72) segue o mesmo raciocínio: «Sugeri que

alguns dos princípios estéticos das formas, de arte humana, especialmente a música,

eram baseados em constantes físicas e na ordem matemática da natureza. Assim,

espécies inteligentes diferentes, observando o mesmo universo, produziriam formas

de arte com algumas características semelhantes. Em particular, especulei que

certas estruturas altamente ordenadas como as fugas (especialmente as de Bach)

1. Uma epígrafe colhida por Sagan, para o capítulo sobre comunicação com civilizações
extraterrestres do seu livro Cosmos (SAGAN:1983b:292), é de Joseph Fourier:
«Não pode haver uma linguagem mais universal e mais simples, mais livre de erros e
obscuridades ... mais digna de expressar as relações invariáveis das coisas naturais [do
que a matemática]. Interpreta [todos os fenômenos] pela mesma linguagem, como para
atestar a unidade e simplicidade do plano do universo, e tornar ainda mais evidente esta
ordem mutável que preside sobre todas as coisas naturais».
2. É pela matemática e a música que Sagan lembra a ficção do encontro de humanos com
extraterrestres vindos em discos voadores no filme Contatos imediatos de terceiro grau (1977)
de Spielberg. Após criticar a adoção no roteiro das histórias ufológicas de cantato, ressalva:
«o filme teve pelo menos uma virtude: as mensagens iniciais eram singelas, porém matemáticas
[...] e musicais» (SAGAN:1984:14).
9. Música - 151

deveriam ser acessíveis a mentes de toda a galáxia habitada, se pudessem ouvÍ-

las».

As fotos 115 e 116 da Voyager


apresentam um quarteto de cordas, um

violino e a partitura da Cavatina de

Beethoven. Após as fotos, gravaram a

execução do pequeno trecho musical.

Lomberg acha que a eti receptora


Foto 115: Quarteto de Cordas
relacionaria músicos, instrumento,

escrita musical e som musical, compreendendo o seu significado.

«Nesta foto [115], cada pessoa toca um instrumento, e estes são idênticos na
forma, embora de tamanhos diferentes. São instrumentos de corda e as pessoas
estão pressionando-as ou friccionando-as. A vibração de uma corda é uma das
características (a produção de tonalidade e harmonia) que devem ser iguais em
todo lugar, e os extraterrestres devem conhecer ou ser capazes de imaginar que
uma corda vibrando produz um certo tipo de som. [...] Esperamos que os
receptores compreendam, através da análise do som, que este foi produzido pela
vibração das cordas. Depois será fácil associar os instrumentos e as pessoas
tocando com os sons vibrantes das cordas na música [...] saberão que a música
é composta e escrita, e que estamos mostrando isto.» (LoMBERG:1984:121Y

o que mais espanta não é a consideração de que toda e qualquer música

seja obrigada por natureza a seguir uma mesma pauta, mas a suposição da

universalidade do próprio fenômeno cultural da música. Como todas as culturas

humanas conhecidas trabalham, em algum momento ritual, sons musicais, a

invenção da música, mais que uma idiossincrasia da espécie humana, aparece

3. Essas especulações de Lomberg lembram-me a retórica de LÉVI-STRAUSS de «A estrutura dos


mitos» (1975:244) em que, para descrever o princípio da harmonia, imagina «arqueólogos do
futuro, vindos de outro planeta», investigando nossas bibliotecas e decifrando as escrituras
musicais.
9. Música -152

como um modo necessário da existência cultural.

Todo ser inteligente deveria então produzir, além de

uma linguagem articulada, algo como uma música,

ou um equivalente. «Talvez uma civilização


suficientemente adiantada tivesse um inventário da

música de espécies dos diversos planetas e,


comparando a nossa com uma coleção destas,

poderia deduzir muito a nosso respeito»


(SAGAN:1984:13). Tal como os estudos comparativos

de etnomúsica terrestres, a contribuição do disco da Foto 116: Partitura e Violino

Voyager teria para uma eti interesse propriamente


etnográfico, enriquecendo o repertório de modelos empíricos do seu

«Mythologiques» galáctico.

emoções Mas se a música depende de propriedades físicas e de imperativos

matemáticos abstratos, ela não se reduz à vibração mecânica ou


à relação áurea. Sobre este suporte físico e lógico ela aparece como um valor

genuinamente novo: um valor estético e comunicativo. Antes de tudo, para os

autores, a música talvez seja a melhor forma de comunicar atetos. «A música

pareceu-me, pelo menos, uma tentativa louvável de transmitir as emoções


humanas» (SAGAN:1984:13).

Ao contrário da matemática, universal e supostamente partilhada pela eti,

a emoção traduz o extremo oposto: irredutível a uma «linguagem científica», é a

expressão do particular, da subjetividade e o limite do incomunicável. Ao contrário

da seleção consensual das fotos, sons ou línguas, a escolha das músicas,

obedecendo a um critério "passional" tanto quanto "cognitivo" (<<cada seleção teria


9. Música - 153

que tocar o coração, bem como a mente»; LOMBERG:1984:162), gerou polêmicas

e desacordo: o critério «quanto a sentirmos profundamente tudo aquilo que

colocamos no disco, sem dúvida produziu divergências de opinião» (idem, p.163).

Muitas emoções se considerou registradas. O Bach de abertura (C.

Brandemburgo n02) transpira um «enérgico otimismo» (idem, p. 171). A percussão

senegalesa traz alegria, o blues de Johnson, melancolia; Mozart traça o perfil da

maldade, a peça te chinesa transmite virtude espiritual. A música mais destacada

da mensagem é a do gigante romântico: o Quarteto de Cordas n013 de Beethoven.

É a ela que se referem as fotos 115-6, são dela os compassos então executados,
por fim, é ela que encerra o disco, a última música do último sulco. E ela é

triste. «[...] Beethoven desperta profundas emoções [...] porém a questão é: que

emoções? Sem dúvida, a Cavatina é triste. [...] Porém tristeza apenas não basta

para definir a Cavatina. Por ela também correm regatos de esperança e algo da

serenidade [...]» (idem, p. 205).

Esse é um espectro de emoções que se aproxima bastante do que Sagan

desejava comunicar: uma espécie de melancolia pelo isolamento civilizatório, um

lamento e uma queixa pela solidão cósmica. «Em determinado ponto reunimos as

cinco ou seis músicas que nos pareciam as mais obsedantes e expressivas de uma

espécie de solidão cósmica [...] para nós elas exprimem uma aspiração de contato

com outros seres na imensidão do espaço, uma expressão musical da mensagem

principal do disco da Voyager em si» (SAGAN:1984:20). Noutro livro, Sagan repete:

«Há uma hora e meia de música delicada de diversas culturas, algumas delas

expressando nossa sensação de solidão cósmica, nosso desejo de terminar o

isolamento, nossa vontade de estabelecer contato com outros seres no Cosmos»


9. Música -154

(1983b:287). O disco de Sagan é um blues cósmico, cantado na periferia semi-

rural da galáxia.

três cérebros, Pretender enviar emoções é considerada a grande


uma música
novidade da mensagem da Voyager face às tentativas

precedentes. «Nossas mensagens anteriores continham informação a respeito de


como percebemos e como pensamos. O ser humano, contudo, encerra muito mais

do que somente percepção e pensamento. Somos criaturas que sentem»

(SAGAN:1984:13).

Para Sagan, os traços fundamentais da psicologia humana, sobretudo a

dicotomia entre pensamento e emoção, estão intimamente ligados à história da

evolução do órgão cerebral (SAGAN:1983a; SAGAN:1983b:276ss). Seguindo o modelo

cerebral trino proposto pelo neurobiólogo Paul McLean, a um cérebro

filogeneticamente mais arcaico (complexo R, chamado reptiliano) sobrepôs-se uma

nova camada (sistema límbico, mamífero), a qual finalmente foi revestida pelo

neocórtex (primata). O primeiro é responsável pelo controle autônomo das funções

vitais do organismo e instintos agressivos e territoriais; o segundo, pelos

componentes emocionais da psicologia humana; o terceiro responde pela

consciência, pelo raciocínio lógico e simbólico, pela linguagem. Os três cérebros

continuam ativos, cada um voltado para funções específicas e complementares, e

convivem segundo uma hierarquia precária, fruto da improvisação e do

oportunismo típicos da evolução biológica que os gerou.

Mais que uma divisão anatômica e filogenética, essa topografia corresponde

a partições funcionais e comportamentais da espécie humana. Retoma o projeto

das teorias de localização cerebral, mas o estende anatômica e filogeneticamente.


9. Música - 155

Em lugar da demarcação de territórios na superfície cortical (mapear as "áreas"

humanas sobrepondo uma imagem anamorfótica das partes corporais às

circunvoluções corticais), aprofunda o exame aos outros componentes do sistema

nervoso central. E à sincronicidade da topografia de superfície, prolongam a

diacronia de uma profundidade arqueológica de camadas de encefalização,

relacionando traços do comportamento humano a etapas da evolução orgânica da

espécie.

Para Sagan, a maior parte dos problemas humanos deriva do conflito

funcional entre os seus vários cérebros (SAGAN:1973:7,36; 1983a:176)4.

Particularmente a guerra, a desigualdade, a destruição, são resultados da

insubordinação parcial do cérebro mais antigo (e "irracional") ao mais recente. A

música representa exatamente a solução oposta. Harmonizando sensibilidade, lógica

e emoção, ela expressa o equilíbrio perfeito entre os diversos níveis do córtex

humano, a articulação hierárquica ideal entre as camadas arqueológicas da

inteligência: «[...] a marca registrada de uma civilização bem sucedida pode ser a

capacidade de obter uma paz duradoura entre os vários componentes cerebrais»

(SAGAN:1983a:176).

a música Um contraponto interessante à visão dos formuladores da


selvagem
mensagem da Voyager são as considerações sobre a música como

meio de comunicação elaboradas, em outro contexto, por LÉVI-STRAUSS (1964).

4. Em outro contexto, JACOB (1977:1166) cita o modelo de evolução cerebral de McLean como
uma ilustração exemplar do modo bricoleur de operar da evolução, e também conclui que
muitos dos problemas das civilizações humanas derivam da precária articulação entre os níveis
do córtex cerebral: «This evolutionary procedure - the formation of a dominating neocortex
coupled with the persistence of a nervous and hormonal system partially, but not totally under
the rule of the neocortex - strongly resembles the tinkerer's procedure. It is somewhat like
adding a jet engine to an old horse carl. It is not surprising, in either case, that accidents,
difficulties, and conflicts can occur».
9. Música -156

Na «Ouverture» do seu estudo sobre os sistemas míticos americanos, Lévi-

Strauss aborda a questão da natureza da música. Em busca do «réseau de

contraintes fontamentales et communes» que funda a cultura, postulando uma

espécie de estrutura transcendental S que a análise dos mitos permitiria colocar a

nu, Lévi-Strauss reivindica um isomorfismo estrutural entre os sistemas míticos e

os musicais.

É justo a respeito da música, e da musicalidade de algumas espécies

animais, que Lévi-Strauss levanta a questão de a fronteira natureza/cultura não

coincidir necessariamente com a distinção entre humanidade e animalidade, ou

seja, que se pode talvez considerar outros animais como seres dotados de cultura.

Não lhe ocorrem baleias ou golfinhos, mas os mais singelos (e biologicamente

mais distantes) pássaros canores.

Ao contrastar a linguagem musical com a pictórica, Lévi-Strauss postula que,

ao contrário da cores, não existem sons musicais na natureza, imediatamente

oferecidos à sensação. No exterior de toda cultura, apenas ruídos e sons sujos se

produzem. O tom puro, a nota discreta, aplaudida por um cortejo seleto de

harmânicos, é desde sempre uma invenção cultural. Apenas a posteriori (<<apres

coup», p.30) pode-se encontrar as leis naturais (proporções matemáticas, física das

vibrações) que as regem.

Mas o que dizer do canto de certos pássaros? Não trabalham eles tons

discretos dentro de um sistema aparentemente musical? Lévi-Strauss admite

5. «Kantisme sans sujet transcendantal» foi como Paul Ricoeur denominou criticamente a démarche
de Lévi-Strauss, o que não deixou de agradar o último (LÉVI-STRAuss:1964:19).
9. Música - 157

musicalidade entre esses animais, mas não vê aí uma manifestação da natureza:

mesmo entre pássaros, a música opera como meio de expressão, de comunicação.

Ela é um signo tão inequívoco da cultura que quase nos permite afirmar que

esses animais vivem em sociedade - não apenas metaforicamente (como se usa

falar de formigas, abelhas 6, babuínos), mas literalmente (como se usa caracterizar

apenas os homens).

«L'homme n'est sans doute pas le seul producteur de sons musicaux s'il partage
ce privilege avec les oiseaux, mais cette constatation n'affecte pas notre these,
puisqu'à la différence de la couleur, qui est un mode de la matiere, la tonalité
musicale - que ce soit chez les oiseaux ou chez les hommes - est, elle, un mode
de la société. Le prétendu «chant» des oiseaux se situe à la limite du langage;
iI sert à l'expression et à la communication. II demeure donc vrai que les sons
musicaux sont du côté de la culture. C'est la ligne de démarcation entre la culture
et la nature qui ne suit plus, aussi exactement qu'on le croyait naguere, le tracé
d'aucune de celles qui servent à distinguer l'humanité de l'animalité.» (LÉVI-
STRAuss:1964:27, gm)

Para Lévi-Strauss, a música implica em cultura porque ela é uma

linguagem. Nas entrevistas que concedeu a Georges Charbonnier em 1960, Lévi-

Strauss recorre retoricamente à imagem do encontro com seres vivos

extraterrestres, para enfatizar que o critério de delimitação entre natureza e

cultura está no uso de linguagem articulada e não no de tecnologia.

«Definiu-se o homem como homo faber, fabricante de utensílios, vendo nesse


caráter a própria marca da cultura. Confesso que não estou de acordo, e um de
meus objetivos essenciais sempre foi colocar a linha de demarcação entre cultura
e natureza não nos utensílios, mas na linguagem articulada. É aí que acontece
verdadeiramente o salto; suponha que encontrenlos, enl um planeta desconhecido,

6. Em «Comunicação animal e linguagem humana», de 1952, BENVENISTE (1976, cap. 5) analisa


o «código qe sinais das abelhas» (então recém descoberto) e o confronta com a linguagem
humana: «E possível que o progresso das pesquisas nos faça penetrar mais fundo na
compreensão dos impulsos e das modalidades desse tipo de comunicação, mas o haver
estabelecido que ele existe e qual é e como funciona já significa que veremos melhor onde
começa a linguagem e como se delimita o homem» (p.67).
9. Música -158

seres que fabricam utensílios; não teríanlos só por esse fato a segurança de que
pertencem à ordent da huntanidade. Na verdade, encontramo-los em nosso globo,
dado que alguns animais são capazes de, até certo ponto, fabricar utensílios ou
esboços destes. Apesar disso, não cremos que tenham concluído a passagem da
natureza à cultura. Mas imagine que encontrássemos seres vivos que tivessem uma
língua tão diferente da nossa quanto se queira, mas que seria passível de tradução
em nossa linguagem, portanto, seres com os quais poderíamos nos comunicar [...]
Qualquer linguagem que você pudesse conceber, pois o que é próprio da
linguagem, é que possa ser traduzida, senão não seria uma linguagem, pois não
seria um sistema de signos, necessariamente equivalente a um outro sistema de
signos através de uma transformação. As formigas podem construir palácios
subterrâneos extraordinariamente complicados, dedicar-se a culturas tão
especializadas quanto a dos cogumelos, que somente em um estádio de seu
desenvolvimento - que a natureza não realiza espontaneamente - são apropriados
para lhe servir de alimento, mas nem por isso pertencem menos à animalidade.
Mas se fôssemos capazes de trocar mensagens e discutir sobre elas, a situação
seria de outra ordem, estaríamos na ordem da cultura e não mais na da
natureza.» (LÉVI-STRAuss:1989:137-8, gm)

A música é linguagem pois estabelece comunicação, porta mensagem que

pode ser compreendida pelo receptor. No entanto, ela é uma linguagem sui-

generis, de outro nível que o da linguagem articulada verbal, pois que apesar de

ser inteligfvel (friso o termo que alude à inteligência), ela paradoxalmente não

pode ser traduzida.

«Mais que la musique soit un langage, [...] et qu'entre tous les langages, celui-
là seul réunisse les caracteres contradictoires d'être tout à la fois intelligible et
intraduisible, fait du créateur de musique un être pareil aux dieux, et de la
musique elle-même le suprême mystere des sciences de l'homme, celui contre
lequel elles butent, et qui garde la clé de leur progres.» (LÉVI-STRAuss:1964:26,
gm)

Ao contrário da linguagem articulada, em que a mensagem pode ser

convertida entre sistemas lingüísticos distintos preservando a informação inteligível

original, na linguagem musical a mensagem está colada e é imanente aos signos

que a formulam. A obra musical é irremediavelmente singular e dispensa qualquer


9. Música -159

reconversão para ser compreendida. A própria noção de tradução, já tão

problemática quanto às obras de arte verbais (literatura, poesia), torna-se

absolutamente impensável a respeito da música. Este é o aspecto que, em prejuízo

da homologia estrutural pretendida por Lévi-Strauss, mais afasta a música da


mitologia 7.

o mistério da música reside no mecanismo pelo qual ela se torna

compreensível, inteligível. Prescindindo de tradução ou decodificação, ela parece

induzir uma compreensão imediata no ouvinte, o que contradiz a sua natureza de

linguagem. Todo sistema simbólico é construído como uma mediação entre a


natureza e a cultura. Mas a música leva tal mediação ao limite, criando quase um

curto-circuito entre ambas. Essa «hiper-mediação» chega a subverter distinções


fundamentais de um sistema de comunicação: as posições de emissor e receptor

da mensagem estão invertidas em relação à produção de sentido. A função do

"eu" numa frase musical não designa o músico executor ou compositor: a música

conjuga a primeira pessoa em cada ouvinte.

«Dans l'un et l'autre cas [de la musique et du mythe], on observe en effet la


même inversion du rapport entre l'émetteur et le récepteur, puisque c'est, en fin
de compte, le second qui se découvre signifié par le message du premier: la
musique se vit en moi, je m'écoute à travers elle. Le mythe et l'oeuvre musicale
apparaissent ainsi comme des chefs d'orchestre dont les auditeurs sont les
silencieux exécutants.» (LÉVI-STRAuss:1964:25)

A música dispensa tradução porque é sempre executada na própria língua

do receptor, pelo receptor, a respeito do receptor.

7. Aproximando-a da poesia: «Poder-se-ia definir o mito como esta modalidade do discurso onde
o valor da fórmula traduttore, traditore tende praticamente a zero. Desta perspectiva, o lugar
do mito, na escala dos modos de expressão lingüística, é oposto ao da poesia, não importando
o que se tenha dito para aproximá-los.» (LÉVI-STRAuss:1975:242).
9. Música - 160

A «hiper-mediação» musical subverte também a distinção entre categorias

fundamentais da cultura: o tempo tende a ser abolido ou suspensos; pares

dicotômicos como idéias e emoçães9, pensamento e sensação surgem, na música,

fundidos numa única matriz.

«Dans la musique, par conséquent, la médiation de la nature et de la culture, qui


s'accomplit au sein de tout langage, devient une hyper-médiation: de part et
d'autre, les ancrages sont renforcés. Campée à la rencontre de deux domaines, la
musique fait respecter sa loi bien au delà des limites que les autres arts se
gardent de franchir. Tant du côté de la nature que de la culture, elle ose aller
plus loin qu'eux. Ainsi s'explique dans son principe (sinon dans sa genese et son
opération qui demeurent, nous l'avons dit, le grand mystere des sciences de
l'homme), le pouvoir extraordinaire qu'a la musique d'agir simultanément sur l'esprit
et sur les sens, de mettre tout à la fois en branle les idées et les émotions, de les
fondre dans un courant ou eUes cessent d'exister les unes à côté des autres, sinon
comme témoins et comme répondants.» (LÉVI-STRAUss:1964:36, gm)

Tal como os mitos, mas de uma forma inusitada, a música aciona estruturas

fundamentais, comuns a todos os participantes do círculo cultural. É a centelha

da busca pelas estruturas universais que a música incita.

«Car le procédé n'est légitime qu'à la condition qu'un isomorphisme apparaisse


entre le systeme des mythes, qui est d'ordre linguistique, et celui de la musique
dont nous percevons qu'il est un langage puisque nous le comprenons, mais dont
l'originalité absolue, qui le distingue du langage articulé, tient au fait qu'il est
intraduisible. Baudelaire a profondément remarqué que si chaque auditeur ressent
une oeuvre d'une maniere qui lui est propre, on constate cependant que "la
musique suggere des idées analogues dans des cerveaux différents" (p. 1213).
Autrement dit, ce que la musique et la mythologie mettent en cause chez ceux

8. As músicas (como os mitos) constituem-se como «des machines à supprimer le temps» (p.24).
9. Também para Lévi-Strauss, emoção e música caminham juntas: «[...] nous avons vu qu'en droit,
sinon toujours en fait, fonction émotive et langage musical sont coextensifs.» (p.38).
9. Música - 161

que les écoutent, ce sont des structures mentales conzmunes.» (LÉVI-STRAuss:1964:34-


5, gm)lO

Estas estruturas, que o antropólogo tanto esforçou-se por destrinchar nos

mitos, talvez também possam ser encontradas na música:

«Du fait que les structures et les formes [musicales] imaginées par les théoriciens
se sont le plus souvent révélées artificielles et parfois erronées, iI ne s'ensuit pas
qu'aucune structure générale n'existe, qu'une meilleure analyse de la musique,
prenant en considération toutes ses manifestations dans le temps et l'espace,
parviendrait un jour à dégager.» (LÉVI-STRAuss:1964:32)

Embora voltadas para outra empresa (explorar o isomorfismo estrutural

entre mito e música, enquanto mediadores simbólicos de estruturas universais), as

considerações de um etnólogo como Lévi-Strauss sobre a natureza da música, e

a peculiar articulação natureza/cultura que a compõe, chegam em alguns pontos

a aproximar-se espantosamente da concepção da música na mensagem da Voyager.

Signo inequívoco de cultura (inteligência), sistema de comunicação, capaz de

suportar simultaneamente lógica e emoção, «voie moyenne entre l'exercice de

pensée logique e la perception esthétique» (p.22), enraizado como nenhum outro

tanto na natureza quanto na cultura, que dispensa tradução, e que desperta na

mente de qualquer receptor estruturas comuns, fazendo a mensagem ressurgir

alucinatoriamente a partir do ouvinte. Esta convergência de representações sobre

a música sugere o lugar peculiar que ela ocupa na rede de sistemas simbólicos da

mitologia ocidental, mas também indica o quanto a problemática da comunicação

com outras espécies inteligentes está próxima das questões fundamentais da

antropologia.

10. Vale consultar o comentário de Otávio PAZ (1984:96-9) sobre o modelo da analogia universal
de Baudelaire, em que cita este mesmo trecho sobre a música de Wagner, a título de exemplo
da concepção baudelairiana de «universo como uma linguagem».
9. Música - 162

seleçáo Tal como com as línguas das saudações e as fotos de humanos, a

intenção foi reunir uma coleção de músicas das mais variadas

origens e estilos, no intuito de enviar uma amostra representativa da música

humana. «Tomamos o máximo cuidado com a escolha de todas as músicas, no

sentido de sermos o mais justos e representativos possível em termos de

distribuição geográfica, étnica e cultural, de estilo musical e de ligação com outras

composições selecionadas» (SAGAN:1984:20).

Não se trata de selecionar as «melhores músicas de todos os tempos» e

ordená-las por ordem de "classificação" - "the winner is... "ll. A seleção apenas

ambiciona colher uma amostragem da variedade musical, reflexo das múltiplas

derivações culturais da humanidade. No interior da amostragem, não cabe qualquer

hierarquia, deve-se estar alerta contra qualquer preconceito etnocêntrico para não

acabar acreditando no «equívoco de que a arte da própria cultura é melhor do

que a pertencente a outras» (FERRIS:1984:163). «Queríamos enviar uma música de

qualidade compatível com o valor desse legado e com variedade suficiente para

dar uma idéia da diversidade dos povos da Terra» (idem, p162). Novamente, é a

diversidade no interior do gênero humano que se quer fazer representar, ao

mesmo tempo que se reúne todas as manifestações diversas sob o rótulo de uma

mesma categoria, e de um mesmo julgamento de valor.

11. Apesar de Ann Druyan, em uma matéria jornalística para o New York Times, referir-se à
seleção musical da Voyager como «Earth's Greatest Hits» (Cf SAGAN:1984:21).
9. Música - 163

A seleção definitiva reúne 27 obras, iniciadas por um Bach e encerradas

por um Beethoven. Ei-Ias na ordem em que foram gravadas:

Músicas da Voyager
9. Música - 164

Assim, «deveriam ser incluídas contribuições originárias de uma ampla faixa

de culturas e não apenas a música característica da sociedade que lançou a

espaçonave» (FERRIS:1984:162). Como que seguindo um gradiente de

distanciamento à própria cultura, das 27 peças, 3 são de raiz popular norte-

americana (um blues, um jazz, um rock12); 8 da tradição erudita ocidental (3

Bachs, 2 Beethovens, Mozart, Stravinsky13 e a renascentista de Holborne); e as

16 restantes, de origem «não-ocidental» ou «folk». Em termos de tempo de disco

ocupado, as ocidentais equilibram com as não-ocidentais: as americanas levam

8:58, as eruditas 35:07, as demais, 43:11.

É interessante observar a forma como as músicas foram identificadas: nas

eruditas, as chamadas começam pelos nomes dos compositores, o título segue-se

de especificações técnicas (nO de catálogo, tom, instrumento), o nome dos

executores é anotado. As «pop» americanas são apresentadas pelo seu título,

seguida do nome do seu executor/autor. As demais, são todas inicialmente

identificadas pela nação de origem, e nunca possuem autoria: o autor é a «nação».

As «folclóricas» acompanham-se de título e executor ou coletor. As étnicas,

algumas sequer tem título, nunca executor, mas sempre o nome do etnólogo que

as recolheu. O caso mais radical é a dos Índios Navajo (20), que sequer pela

nação são identificados: apenas povo cercado e registrado pelos etnólogos, não

formam país.

12. Pretendeu-se mandar o «Here comes the sun», dos Beatles, mas esbarraram em impedimentos
de direitos autorais. Perderam a vaga para Chuck Berry.
13. A Sagração da Primavera, incluída por representar uma incursão moderna ao que se imagina
como a música primitiva (FERRIS:1984:188-9), foi utilizada por Walt Disney, em seu
longametragem Fantasia (1940), para encenar uma história do cosmos bem nos moldes da
cosmogonia exercitada pela Voyager: música das esferas, cataclismas de formação do planeta,
surgimento da vida, evolução biológica, etc.
9. Música - 165

A ordem de apresentação, no entanto, não segue esta classificação por

gradiente de distanciamento. Não parece, na verdade, obedecer a qualquer critério

preciso. Elas foram distribuídas aleatoriamente, evitando-se qualquer formação que

permitisse interpretar como uma classificação particular.

Esse igualitarismo radical no tratamento das diversas peças selecionadas não

se impôs sem tensões. Para alguns, bastava mandar Bach, Bach o disco inteiro (ef

THOMAS (1974), a quem SAGAN se refere (1984:13)). Lomberg acreditava que o

melhor era mandar várias composições curtas e de mesmo estilo, fugas bachianas

talvez (SAGAN:1984:15). Para Ferris, Bach talvez seja o melhor representante da

tradição ocidental: «O processo de consolidação que tornou possível a música de

Bach continua ainda hoje, não apenas na arte, mas em outros campos, incluindo
a tecnologia que possibilitou a Voyager. [...] ele é quase um compositor universal,

pelo menos em termos terrestres» (FERRIS:1984:168-9). Ao final, Wagner e

Debussy, inicialmente também cogitados, foram preteridos por mais Bach e


Beethoven (SAGAN: 1984:18)14.

não-evolutivo Mais importante que a seleção das músicas da tradição


ocidental, é a relação estabelecida com músicas originadas
de outras culturas. Em busca da representação da diversidade musical humana,

14. Observo a coerência dessas seleções com a tipologia sugerida por LÉVI-STRAUSS (ainda em
1964, pp.37-8) para os gêneros de mensagens musicais clássicas. Para cada uma das três
funções cognitivas da linguagem isoladas por Jackobson - metalinguística, referencial e poética
-, Lévi-Strauss encontra um gênero de estilo musical, de mensagem, de compositor. Bach (e
Stravinsky) «explicitent et commentent dans leurs messages les régles d'un discours musical»,
são «músicos do CÓdigo». Beethoven (e Ravel) são «músicos da mensagem» e da «narrativa».
Já Wagner e Debussy pressupõem a existência cultural da narrativa a partir da qual a sua
mensagem se desenvolve: são músicos «do mito». O privilégio pelos dois BB parece sublinhar
a necessidade de explicitar o código (Bach), e apresentar o emissor (Beethoven). Wagner talvez
fosse exageradamente difícil de ser compreendido por uma cultura estranha, por pressupor um
imaginário comum.
9. Música - 166

Sagan recorreu a diversos especialistas l5• O etnomusicólogo Alan Lomax em

especial, forneceu várias sugestões e gravações originais. Ele dirigia então o

Projeto Cantométrico da Universidade de Colúmbia, NY, um gigantesco banco de

dados computadorizado que classifica e arquiva todos os estilos musicais já

gravados.

A posição sustentada por Lomax, e a reação da equipe à ela, fornece

curiosas pistas sobre o sentido da mensagem musical da Voyager. Lomax deu mais

que uma simples sugestão: ele propôs um critério de seleção para todas as

composições, critério que traduzia um julgamento geral sobre o caráter da

diversidade musical. Os trabalhos de Lomax sempre foram voltados para o

estabelecimento de um sistema classificatório global dos estilos de música e

dança l6• Enquanto sistemas comunicativos, música e dança estão estreitamente

relacionadas às sociedades em que foram produzidas, e seus diferentes estilos

refletem de algum modo a variação de estruturas sociais (LOMAX &

BERKOWITZ: 1972).

Por outro lado, Lomax sustenta que o melhor modo para produzir uma

classificação das sociedades humanas é ordená-las numa escala evolutiva, segundo

o seu sistema de subsistência l '. Trabalhando com uma coleção inusitada de dados,

a tentativa de Lomax visa compilar base empírica para uma postura teórica nada

nova: uma teoria evolucionista da sociedade humana em geral, como também uma

15. Entre eles, Robert E. Brown, do Centro de Música Mundial de Berkeley, cuja lista de
sugestões (parcialmente adotadas) foi incluída como um apêndice (C) de SAGAN et ai: 1984.
16. Lomberg (1984) faz referência a LoMAX et al:1968 e LoMAX:1977. Consultei LoMAX &
BERKOWITz:1972 e LoMAX & ARENSBERG:1977.
17. «Qur aim is to locate all cultures in areally bounded subsistence systems, arranged along a
scale of increasing productivity»; «[...] subsistence is a far more dependable classifier of culture
regions and areas than is language.»; «[...] the evidence that subsistence leveI is the key to all
other aspects of cultural evolution, including communication.» (LoMAX & ARENSBERG:1977:660-2).
9. Música - 167

história evolucionista da música, no sentido mais tradicional de evolucionismo -

a história como etapas de desenvolvimento, a diversidade cultural atual como

modelos aproximados das etapas passadas18, o paralelismo ascendente entre os

vários níveis do social capitaneados pelo materialismo estrito dos «sistemas de

subsistência».

Foi dessa concepção geral sobre a natureza da diversidade cultural da

música que Lomax tentou convencer Sagan. Lomax «acredita que estágios

diferentes no desenvolvimento social, econâmico e tecnológico da civilização são

caracteristicamente refletidos por certos estilos musicais» (SAGAN:1984:16). Deste

modo, a variedade da música selecionada poderia não apenas atestar o quanto

somos musicalmente prolixos, mas representar as etapas de desenvolvimento por

que passamos, atestar o estágio que atingimos. «Se são corretas as idéias de

Lomax, poderíamos comunicar algo da evolução das civilizações humanas tendo

como veículo os temas musicais» (idem). A mensagem musical deveria então ter

a mesma estrutura e cumprir a mesma função do bloco anterior do disco, a série

evolutiva dos «sons da Terra». A variedade de formas musicais repetiria a nossa

genealogia sublimada, e a sua ordenação ascenderia do nosso passado rude ou

simples ao refinamento de Bach, ao hermetismo atonaI e ao consumo pop.

Sagan faz questão de descrever esta possibilidade, e, junto com Lomberg,

elogia os trabalhos de Lomax e sua contribuição no disco da Voyager. O

fundamental da sua proposta de organização da mensagem, no entanto, não foi

18. A esse respeito, LoMAX & ARENSBERG (1977:660) reivindicam a influência do trabalho de
SAHLINS, SERVICE, HARDING & KAPLAN (1973): «Their justification of descriptions of living
cultures as illustrative of stages in human productive development (Sahlins et aI. 1973:59)
supports our experiment. [...] Thus, they say (p.33), "a contemporaneous primitive culture with
a given technology is equivalent, for general purposes, to certain extinct ones known only by
the remains of a similar technology"».
9. Música -168

aceito. «O tempo e outras pressões, contudo, impediram que déssemos crédito total

a seu parecer» (SAGAN:1984, gm). A ordenação da variedade musical por um eixo

hierarquizante, estabelecendo que um estilo reflete maior desenvolvimento social

que o outro, uma música é signo de mais civilização que outra, fere o princípio

da representatividade igualitária - mensagem prioritária que a equipe queria ver

traduzida em músicas. A démarche evolucionista, embora tentadora e capaz de

despertar o interesse de Sagan, não podia aqui predominar. Na tensão entre as

duas orientações da mensagem - a hierarquização evolutiva e o polimorfismo

igualitário -, a recusa do modelo de Lomax atesta que este bloco foi inteiramente

consagrado à segunda. O confronto e a recusa do modelo de Lomax reforça a

hipótese de que há duas orientações aparentemente antagônicas a estruturar a

mensagem. Elas podem até ser justapostas, mas não combinadas numa única

apresentação.

Essas opções não são irrelevantes, trazem as marcas de constrangimentos

que são a própria alma da mensagem. Lévi-Strauss quis mostrar que a mitologia

encerra a mesma estrutura da música. Caberia inverter a perspectiva quanto à

Voyager: encontrar na sua música os termos de um mito.


CAPíTULO 10

evolução & diversidade

Imagens, saudações, sons e músicas. As quatro seções da mensagem do

disco seguem-se sem interrupção. Um lingüista, treinado para buscar as exigências

primárias de um código, chegaria a espantar-se com a falta de pontuação.

Nenhuma marca visível no disco, nenhuma sinal peculiar nas gravações indica ao

receptor aonde termina um gênero, onde se inicia outro. Quanto ao método de

leitura do disco, as únicas indicações estão gravadas na sua capa: orientam para

o uso da agulha aplicada ao sulco em rotação e para a varredura do sinal lido,

formando uma imagem retangular de rastreio. Não há indicação para o decifrador

de quando deixar de tentar montar quadros visíveis e passar a ouvir os registras,

muito menos dos ouvidos com que deveria ouvir. Como inferir que um trecho

possui linguagem falada, outro, inteiramente diferente, também; porém mais além,

outro traz baleias, ou um minuto comprimido de mensurações elétricas de sinais

vitais? Não seria tudo música concreta? Ou borrões absurdamente abstratos em

precisas e disciplinadas molduras retangulares? Não há etiquetas, títulos de

capítulos, cortes evidentes no contínuo deslizar da agulha pelo único sulco do

disco. A função de pontuação foi elidida. Para um decifrador estranho os gomos

da mensagem são invisíveis: ela é uma só, fluindo de um extremo ao outro do

sulco.
10. Evolução & diversidade -170

No entanto, para os terrestres que construíram a mensagem, as quatro

seções são bem demarcadas. À exceção de alguns embaralhamentos - dois

compassos de Beethoven após a foto do violino e antes das duas primeiras

"saudações", que no entanto são ainda fotos e não falas; também o canto da

baleia, indefinido entre saudação, ruído, e música - os quatro blocos estão

nitidamente delimitados. Possuem coerência interna, e representam, cada um, uma

mensagem completa relativamente autônoma. Poderiam ser tomados

separadamente, e ainda manteriam suas qualidades informativas. A sua reunião

parece mera aposição de unidades suficientes.

Por outro lado, o conjunto dos quatro permite novas figuras de sentido.

Não apenas da ressonância entre temas ou questões que ressurgem em mais de

um bloco, mas da relação que se forma entre os quatro blocos, como um jogo

estrutural de posições e enunciações possíveis diante da inteligência extraterrestre.

Todos os quatro blocos são compostos por unidades menores, átomos

indivisíveis de mensagem, espécie de semantemas, dispostos em série contínua,

lado a lado como os grandes blocos que compõem. As 116 fotos, as tantas

saudações e línguas, os diversos sons, as 27 músicas. Para cada bloco, há um

critério que guia a seleção dos componentes e permite reuní-Ios como unidades

de um mesmo tipo. Além disso, há um critério com o qual são ordenados no

interior do bloco. Como em mosaicos, a seleção e a arrumação dos elementos ao

longo da série confere um efeito de sentido global ao bloco, tão significativo ou

mais que os átomos isoladamente.


10. Evolução & diversidade - 171

antinomia Deste ponto de vista, pode-se agrupar os blocos em dois

gêneros. Viemos sublinhando este contraste no comentário a

cada bloco. De um lado o de imagens e o de sons, onde predomina a diretiva

evolutiva, de outro, o de saudações e o de músicas, regulados pela representação

da diversidade.

Nos primeiros, fotos e sons, os elementos são encadeados segundo um vetar

evolutivo, um fio de progresso no tempo. A série retraça um roteiro diacrônico,

a saga dos seres inteligentes terrestres, desde suas origens cosmogônicas até sua

aventura extraterrestre. Conta uma história, a nossa história, concebida em termos

de evolução. Os elementos do bloco estão hierarquizados, cada um representando

uma etapa do processo evolutivo, cada um com sua posição rigorosamente


determinada no interior da série, nem antes nem depois.

Por outro lado, os blocos das saudações e das músicas obedecem a outros

princípios. Aqui a principal preocupação é com a representação da diversidade:

procura-se apresentar uma amostragem mínima capaz de representar o grau de

diversidade de manifestações dentro de um mesmo gênero. Às línguas e músicas

de variadas culturas selecionadas, a única exigência imposta é que sejam

representativas da riqueza e variedade do conjunto original.

Da mesma forma, evita-se hierarquizar os elementos da série. São

apresentados em pé de igualdade, cada um equivalente a qualquer dos outros.

Parece haver algum motivo implícito a impedir a sua hierarquização pois, em

ambos os blocos, os autores do disco se viram tentados a ordenar a série segundo

um eixo hierarquizante, mas findaram abandonando a intenção. No caso das

línguas, fazem questão de sublinhar que a posição do sumeriano (língua arcaica)


10. Evolução & diversidade -172

abrindo as saudações e a do menino americano (língua contemporânea, dos

autores) fechando apenas arrematam um desfile de línguas de ordenação


propositalmente aleatória. No caso das músicas, as sugestões evolucionistas de Alan

Lomax que aparentemente seduziram Sagan, são finalmente preteridas.

Não é que estejam desordenados, ou que a noção de ordem entre os

elementos não tenha qualquer aplicação a esse trecho da mensagem. Eles

obedecem a um imperativo rigoroso de ordenação: a distribuição randômica,

aleatória, definitivamente anti-hierárquica. Não é apenas uma ordem no sentido

negativo, uma carência de ordem. MinaI, uma ordenação explicita um sistema de

classificação, que é função de uma distribuição diferencial de valor, ou seja, uma

ordenação necessariamente hierarquiza (DUMONT: 1985; DUARTE: 1986). O que se

passa nessas séries, das línguas, das músicas, é que o valor predominante é

justamente aquele que se recusa reconhecer numa hierarquia: o valor da igualdade

entre os elementos. Como não poderia deixar de ser, um tal valor também

prescreve um critério positivo, embora paradoxal, de ordenação. A aleatoriedade

prescritiva.

Uma clássica distinção da lingüística estrutural fornece conceitos que

poderiam ser aqui aplicados. O sistema simbólico opera segundo dois eixos

estruturais: o paradigmático e o sintagmático. O eixo sintagmático é o da fala

(parole), da ordenação dos signos em séries discursivas; os signos selecionados são

de classes heterogêneas e relacionam-se por contigüidade, formando cadeias

metonímicas de significação. O eixo paradigmático é o da língua (langue), remete

à totalidade do reservatório de signos, é o eixo virtual das substituições (para usar

o termo de JACKOBSON), arrolando listagens de signos "alternativos" da mesma

classe. O efeito de significação que os relaciona é da ordem da metáfora. Eles


10. Evolução & diversidade - 173

não são apresentados na diacronia da fala, não são atualizados na sucessão do

sintagma. Formam uma malha virtual e sincrânica, dada toda de uma vez,

subentendida por todo falante.

As músicas e saudações não obedecem à metonímia evolutiva das fotos ou

sons. O ideal é que pudessem ser apresentadas todas de um só golpe,

simultaneamente, de modo a nenhum elemento ser antecedido ou sucedido por

qualquer outro. Todos merecem ocupar o mesmo lugar, ou melhor, só há um

lugar possível para todos compartilharem, todos almejarem. É a figura do círculo

que melhor resolve essa disposição dentro de um espaço bidimensional. O

paradoxo provem justo do caráter unidimensional da mensagem - enquanto

sintagma lingüístico ela obriga à seriação. Por isso, o único recurso que resta para

incluir, metaforicamente, o sentido da simultaneidade no interior da série é seguir

uma ordenação ostensivamente irrelevante. A função do aleatório aqui é destituir

de valor significativo as noções de início ou fim da série, a medida da posição

relativa de cada elemento.

Os principais vetores dessa divergência na ordenação dos elementos dos

blocos da mensagem podem ser assim esquematizados:

fotos & sons saudações & músicas

evolução diversidade
hierarquia igualdade
sucessivo simultâneo
ordenação fixa aleatório
diacronia sincronia
sintagma paradigma
10. Evolução & diversidade -174

Coloca-se uma questão óbvia quanto ao duplo formato da mensagem, o

evolutivo e o igualitário. Qual a relação entre os dois pólos, o que justifica esta

bipartição lógica? O que leva a mensagem a estruturar-se seguindo paralelamente

dois caminhos tão heterogêneos? Os dois aspectos da mensagem estão fortemente

relacionados, ou não se excluiriam - como no episódio da proposta de Lomax. O

que permite articular os dois pólos na tensão significativa que inicialmente nos

aparece sob a forma de antinomia?

natureza Há outro aspecto, complementar, a reforçar essa distinção dos

dois pares da mensagem. Os sons são assumidos como

complementos das imagens, constituindo um único audiovisual, um panorama dos

terrestres e sua origem. Funcionam como representações de outras coisas que não

eles. Não é a fotografia em si ou o som gravado que se pretende demonstrar. Seu

significado está no objeto, no ser, na cena externa que procuram representar,

registrar. Já as saudações ou músicas não comparecem no lugar de outra

realidade. São elas mesmas o objeto da mensagem: saudações, línguas; músicas,

gêneros musicais. O par fotos-sons se opõe ao par saudações-músicas como a

representação da natureza se opõe à representação da cultura.

O primeiro par, o retrato audiovisual da Terra, apresenta a série evolutiva

dos fenômenos naturais. É certo que o homem e os fatos da civilização nela estão

presentes, mas são como que englobados pela natureza - apresentados como fatos

naturais. Situados ao lado - ou melhor, no fim - dos demais fatos naturais,

aparecem como um dos momentos da série, o momento mais complexo e

privilegiado, mas ainda um momento. Trata-se justamente de situar o «lugar do

homem no cosmo», na série heterogênea das inscrições da natureza. As fotografias,


10. Evolução & diversidade - 175

por exemplo. A estrutura geral do bloco é determinada pelo sentido evolutivo e

hierarquizante. O princípio da exposição igualitária da variedade aparece, mas

restringido como em bolsões, ilhas, amarrado por pontuações hierarquizadas. É o

caso da seqüência "antropológica" encaixada no bojo da apresentação da

reprodução biológica humana; e mesmo a segunda parte das fotos, o retrato da

civilização humana, balizada pela abertura após um caçador primitivo e o

encerramento com o astronauta e o vôo espacial. Partindo do mais geral e

primordial e seguindo até o mais específico e tardio, a série é homóloga à

equação de Green-Bank. Possui um alcance de ordem cosmológica, envolvendo a

totalidade dos fenômenos cognoscíveis num único processo de evolução: a

genealogia de um ser inteligente. Apenas que na equação, tratava-se de um

modelo geral e indeterminado de evolução cosmológica, destinado a calcular o

número total de etis existentes. Já na mensagem da Voyager, trata-se de uma

genealogia específica, uma história determinada: a origem e evolução da civilização

humana.

Dois tipos de informação são fornecidos pelo audiovisual: informações de

caráter universal, necessariamente já compartilhadas pelas etis, ou informações de

caráter particular, específicas da história terrestre, desconhecidas pelas etis.

Por um lado, informações que se baseiam em fenômenos naturais

presumivelmente universais, como os conhecimentos de ciências como a física e

a química. Por exemplo, o átomo de hidrogênio é incomparavelmente o mais

simples e abundante em todo o cosmo. Da constatação de sua ubiqüidade e da

sua irredutível simplicidade, os autores o julgam referência óbvia à unidade -

unidade de tempo, de extensão, de massa.


10. Evolução & diversidade - 176

Todos os conhecimentos de astronomia em geral são supostos

compartilhados pelas etis, por serem calcados na observação de fenômenos regidos

por leis naturais universais. É assim que, para identificar o tipo de estrela que é

o sol, os autores incluíram uma foto do espectro solar, da luz solar visível

decomposta nas diversas freqüências de onda que a formam (foto 8). «A solução

repousava em um fato da astronomia estelar que deve ser do conhecimento

comum aos astrônomos de toda a galáxia. [...] Achamos que as linhas de absorção

na foto do espectro solar [...] gritariam 'estrela G2! estrela G2!' alto e claramente»

(LOMBERG:1984:86). Etis, observando as estrelas vizinhas - e só a etis

cientificamente interessadas no espaço extraplanetário está destinada a mensagem

- teriam necessariamente encontrado a decomposição das suas irradiações em um

espectro, e do estudo destes padrões, aprendido a classificar os tipos estelares.

Essa classificação é tanto natural quanto universal: a luz das estrelas desmanchada

por um prisma obedece aos mesmos padrões, vista de qualquer lugar da galáxia.

A informação sobre a classe de estrela do nosso sol está cifrada numa «linguagem

universal» (o espectro) por representar, em relação ao dado bruto natural (a luz

da estrela), o mínimo de alteração, de elaboração. A linguagem universal é a

ciência universal. Considera-se que a universalidade das leis da física e da química

obriga qualquer ciência e tecnologia convergirem para uma solução ótima comum,

a adequarem-se a uma ciência igualmente universal l .

Além das informações compartilhadas, que garantem a comunicabilidade

num fundamento comum, que confirmam a coincidência entre as ciências,

pretende-se fornecer informações específicas da conformação terrestre. Informações

1. Os autores da mensagem também buscam a utopia da língua com apenas um nível de


articulação, de que nos fala LÉVI-STRAUSS (1964:32). Mas ao invés de absolutamente arbitrária,
como a música serial, ela seria inteiramente necessária pois o mais próximo possível do natural
e do sensível - em relação aos quais representa um primeiro e sutil deslizamento, a operação
inteligente mínima.
10. Evolução & diversidade - 177

sobre a biologia terrestre (DNA, diversidade e esquema evolutivo do vivo,

anatomia e reprodução do ser inteligente terrestre), e sobre civilização humana.

cultura Já o outro par, das saudações e músicas, apresenta séries de

fenômenos estritamente culturais. No caso das séries de fotos e de

sons, os dois blocos complementavam-se como as duas trilhas de um mesmo filme:

numa, apenas os fotogramas, noutra paralela, a sonoplastia. Saudações e músicas

não seguem paralelas, não permitem ser ouvidas simultaneamente, em sincronia.

Cada uma tem o seu passo próprio. Obedecem no entanto a uma mesma

motivação - saudar a eti, convidá-la ao diálogo - e a uma mesma estrutura -

amostragem representativa da diversidade. Por outro lado, diferenciam-se quanto

ao poder comunicativo de cada uma: as línguas das saudações (de fundamento

arbitrário, produto idiossincrático da história de um povo) não poderiam ser

decifradas pela eti; já as músicas, fundadas em princípios universais (as proporções

matemáticas, as leis da física vibratória, a estética universal), almejam compreensão

universal.

Podemos então considerar que a mensagem compõe-se de apenas três

blocos operacionais: 1) as informações que preenchem um retrato da genealogia

natural humana, cifradas na linguagem universal da ciência; 2) saudações nas

diversas línguas que servem apenas aos humanos; 3) afetos codificados numa

espécie de linguagem estética, tão universal quanto a ciência: a música. Entre as

duas partes que possuem eficácia comunicativa com uma eti, uma parte

intradutível, portadora das singularidades irredutíveis de uma cultura inteligente

específica, da sua história compósita. Entre a informação científica e o afeto

estético reside a babel verbal em toda a sua idiossincrasia étnica. Em cada língua,
10. Evolução & diversidade - 178

com uma frase e uma voz distintos, entoa-se o mesmo refrão: "olá! há alguém aí?

câmbio." As 54 saudações são a repetição do mesmo elemento indecifrável por

uma eti. No entanto, o que este trecho da mensagem parece esconder, é apenas

uma reinscrição do que os autores já supõe óbvio em toda a empresa: a nave, o

disco em si, representam uma saudação, uma manifestação de sociabilidade, uma

expectativa de entrar em contato.

Quanto às músicas, variam bem mais em suas sintaxes e semânticas, mas

como que são regidas por um universo de regras comum, derivado da finitude dos

tons, harmonias, ritmos musicais possíveis. Capazes de despertar afetos no ser

inteligente terrestre, espera-se que igualmente afetem etis, especialmente

sensibilizando-as quanto à nossa «ânsia de cantata», o sofrimento com a solidão

e o isolamento cósmicos. O segmento musical, no que ele alberga de mais valioso,

é assim antes de tudo uma extensão do bloco de saudações. Apenas que se este

é alegre e brincalhão no seu otimismo comunicativo, aquele é melancólico,

desolado. A epígrafe do capítulo que trata das saudações cita versos de Don

Blanding que expressam tal ambivalência afetiva: «É mais alegre do que uma

saudação, e mais triste do que um lamento» (L.SAGAN:1984:123).

Pode-se fazer uma primeira aproximação ao entendimento da articulação

entre os diversos blocos da mensagem introduzindo uma distinção entre níveis

lógicos de comunicação 2• Reagrupemos mais uma vez: a mensagem do disco da

Voyager parece compor-se de duas grandes metades, ou melhor, há no disco duas

mensagens distintas para as eti. Uma é o retrato genealógico da nossa civilização,

outra, um convite ao cantata. Um presente informativo acompanhado de um cartão

2. Inspiro-me aqui nos trabalhos de BATESON (1972). Cf WINKIN (1981).


10. Evolução & diversidade - 179

de identidade. Embora possam ser encontradas nos vários trechos do disco, as

duas conotações da mensagem tendem a condensar-se alternadamente ou num ou

noutro bloco, predominando o retrato evolutivo no conjunto das fotos e sons, e

o convite à conversação nos blocos das saudações e das músicas. Mas as duas

mensagens não têm o mesmo estatuto: se o audiovisual pretende fornecer

informações objetivas sobre a inteligência emissora, o conjunto saudações-músicas

versa sobre o próprio caráter da comunicação, sobre o contexto em que as

primeiras informações são fornecidas. Reflete as intenções dos terrestres ao

mandar a mensagem, anuncia nossa entrada no circuito comunicativo, enfim,

informa sobre o caráter da própria troca de informações. Se o primeiro nível

lógico da mensagem porta apenas informações, o segundo é também um ato de

linguagem, é um enunciado performático: o cumprimento só existe no ato de

cumprimentar, ele confirma e confere o dom3 • A articulação entre as duas

mensagens supõe uma hierarquia lógica, em que um nível refere-se ao outro: se

as fotos-sons oferecem informações sobre o emissor, as saudações-músicas

fornecem meta-informações, atribuem sentido ao ato do emissor dispor-se a emitir.

A forma como foram construídos os blocos das saudações e das músicas

talvez seja tão eloqüente quanto o conteúdo. Procurando oferecer uma amostragem

da diversidade cultural da civilização humana, preocupando-se com o «índice de

representatividade» das peças escolhidas, tratando-as todas como iguais em valor,

o que se representa é um modelo de relações inter-étnicas. Apresenta-se a

civilização humana como uma reunião igualitária de padrões culturais os mais

diversos, capaz de englobar preservando numa única comunidade inteligente as

3. Sobre a distinção entre enunciados performativos e constativos, ver AUSTIN:1962. Sobre a


saudação como ato ilocucional, ver SEARLE:1981, cap. 3. BENVENISTE (1976), no cap. 22 comenta
a filosofia analítica da linguagem, e no cap. 23 trata do verbo «saudar» como «delocutivo».
10. Evolução & diversidade - 180

diferenças culturais originadas de histórias particulares. Como FERRIS (1984:162)

sintetiza, referindo-se à diversidade do repertório musical humano, a «Terra pode

ser um entre muitos mundos, mas também contém muitos mundos».

A série como que promete o mesmo tipo de relação à eti: humanos e

extraterrestres unidos em suas diferenças sob o estatuto comum de seres

inteligentes. A analogia se estende ao conjunto que reuniria todas as etis existentes

(e eventualmente já inter-comunicativas): diversidade de histórias e de formas,

coincidência de naturezas - ou melhor, de posições face à natureza. A reunião das

saudações em dezenas de línguas é como a assembléia da «comunidade cósmica»

ou do «clube galáctico» de etis:

«If there exists a gaIactic community of civilizations that truIy embraces much of
the Milky Way [...] I think it a great conceit, the idea of the present Earth
establishing radio contact and becoming a member of a gaIactic federation -
something like a bIuejay or an armandillo appIying to the United Nations for
member-nation status» (SAGAN:1973:241-2)

Não é por outra que se tentou primeiramente obter as gravações nos

conselhos da ONU, um tanto ingenuamente idealizada como órgão que reúne «as

nações que representam quase todos os habitantes do planeta» (trecho da

saudação de Waldheim, reproduzida em SAGAN:1984:26).

fotos & sons saudações & músicas

evolução diversidade
natureza cultura
retrato convite
informações intenções
ciência diplomacia
10. Evolução & diversidade -181

Mas esta solução da antinomia é incompleta. Nela a mensagem do convite

encontra-se em um nível lógico mais abrangente que a mensagem do retrato,

fornecendo-lhe contexto, envolvendo-o em sua moldura de significação. Mas as

músicas e as saudações não podem ser reduzidas a meros convites enfeitados, e

a estrutura característica de suas coleções no disco não são apenas metáforas da

comunidade galáctica. Elas também são parte do retrato da civilização terrestre:

um retrato por amostragem representativa das múltiplas raízes culturais que

formam nossa civilização. Vale perguntar-se então se as duas orientações da

mensagem não poderiam ser articuladas de forma inversa, o retrato genealógico

englobando a saudação igualitária como um dos seus momentos, um dos seus

ângulos.

A hipótese é que a representação da diversidade igualitária, tal como

aparece nas saudações, músicas e em alguns trechos de fotos, visa indicar o grau

de evolução sócio-cultural da espécie humana. O estágio de evolução biológica,

intelectual e tecnológica foram bem representados nas seqüências audiovisuais da

nossa genealogia natural. Mas não chegam a compor o retrato completo. O último

estágio, o mais importante e refinado da evolução civilizatória, pela sua própria

natureza, não pode ser representado por um único ícone na cadeia linear da

genealogia 4• Ele avalia o grau de diversidade cultural no bojo da própria

civilização, a sua capacidade de assimilar e suportar a diferença, de englobar a

heterogeneidade e estender a ela um predicativo igualitário, não discriminativo. O

grau de evolução civilizatária é medido acima de tudo pelo grau de unificação

política planetária, de globalização cultural atingido pela civilização da espécie

4. Na representação ilustrada que Sagan elaborou da equação de Green-Bank (SAGAN:1983b:300-


1; ver cap. 1 desta dissertação), este momento é representado negativamente, como um
cogumelo atómico selado por uma interrogação.
10. Evolução & diversidade - 182

inteligente. Ao invés de opor-se ao espírito do retrato genealógico, a série de

músicas e saudações, através de uma estratégia paradoxal de recusa da hierarquia

evolutiva, ainda está procurando retratar um aspecto fundamental da evolução

civilizatória: a última etapa, a nossa atual etapa.

Desta forma, o que parecia uma antinomia arbitrária e inarticulada,

composta por dois pólos mutuamente excludentes, ganha novo contorno. A relação

entre os dois sentidos da mensagem é essencialmente hierárquica, na conotação

que DUMONT (1985) atribuiu ao termo. Em um certo nível, o paradigma igualitário

e o paradigma evolutivo são antagônicos e incompossíveis; mas em um nível

hierárquico mais elevado, o primeiro funde-se ao espírito do segundo, que o

engloba.

o auto-retrato civilizatório, que é a mensagem da Voyager, compõe-se

portanto, como que num cubismo ainda tímido, de dois ângulos distintos, não

inteiramente redutíveis um ao outro, justapostos mas não superponíveis, e que

articulam-se complexamente para expressar os contornos de uma única face - a

terrestre. Algumas oposições conceituais traduzem o contraste entre os dois

ângulos: diacrônico/ sincrônico, evolutivo/ coexistente, linear/ paralelo,

hierárquico/igualitário. A descrição da civilização é esculpida por dois gêneros de

diferença: uma situada por referência ao tempo, determinando o estágio evolutivo;

outra referenciada à distribuição espacial, determinando a riqueza de padrões

compossíveis. Essas duas "diferenças" são, na verdade, dois modos relativamente

complementares de totalização, que Dumont reconheceria como comprometidos aos

individualismos modernos e seus ideais universalistas. No primeiro, paradigma

evolucionista, as diversidades são reduzidas a etapas de uma mesma cadeia

universal, estágios temporários que só podem ser avaliados e corretamente


10. Evolução & diversidade - 183

comparados por referência à série evolutiva completa, na qual se inserem como

momentos. No segundo, paradigma igualitário, as diversidades são reduzidas a

variantes de uma única espécie abrangente, soluções alternativas e equivalentes que


não podem ser hierarquizadas, e que só podem ser comparadas em termos de

inventário das variações. Em suma, em um caso, a diferença é reduzida a

momentos ascendentes do mesmo, em outro, às suas nuances equivalentes.

Mesmo que a hipótese se confirme, e a distinção de planos hierárquicos

ajude a resolver a antinomia, resta não obstante uma inquietação quanto à

«mensagem principal da Voyager», a «solidão cósmica» da humanidade e a

intenção de procurar etis. Por que ~ imagem "robinsoniana" da solidão descreve

tão bem a condição atual da civilização humana, a ponto de ter-se tornado o

emblema de toda iniciativa de contactar etis? Por que a ausência de contato com

civilizações originadas em outros planetas, o «isolamento cósmico», é considerado

um mal e tratado preferencialmente como um sentimento: um sofrimento afetivo,

uma aflição, uma ânsia (de quebrar o isolamento)?

Para abordar esta questão, introduzirei na discussão um novo elemento

determinante da mensagem, que não havia até aqui comentado. Ele é mencionado

por quase todos os autores da mensagem. Ao contrário dos já considerados,

princípios positivos de como construir a mensagem e o que nela incluir, este é um

imperativo negativo, uma prescrição do que nela não poderia entrar. Um interdito

consciente, um tabu da mensagem. Durante a confecção dos blocos do retrato

audiovisual da Terra, uma série de temas e imagens foram cogitados e, após

debatidos pela equipe, decidiu-se por unanimidade excluí-los da mensagem. «Houve

temas que evitamos intencionalmente» (LOMBERG:1984:75). Embora relativamente

heterogêneos, pode-se encontrar entre eles algum fundamento comum: versavam


10. Evolução & diversidade - 184

predominantemente sobre violêflcia, destruição ou desigualdade social. Por que

sacrificar estes traços do retrato terrestre, o que os torna incompatíveis com o

espírito da mensagem?

Se a minha hipótese estiver correta, ela deverá permitir compreender a um

tempo por que «o sentimento de solidão cósmica» foi considerado «a mensagem

principal da Voyager em si» (SAGAN:1984:20), e por que o retrato da desigualdade

e destruição sociais, mesmo considerado fiel ao perfil da nossa civilização, não

podia constar na mensagem.


CAPíTULO 11

adolescência

destruição No processo de seleção das imagens que comporiam o retrato

em mosaico da Terra e da sua espécie inteligente, os autores

da mensagem esbarraram em um problema não previsto. Deveriam retratar a

violência? Deveriam incluir cenas que conotassem a desigualdade social, a guerra,

a destruição? «Este foi um tópico que debatemos longa e acaloradamente em

nossas deliberações para a escolha do material. Não há dúvida que a destruição

é um aspecto inerente ao que temos o prazer de chamar civilização humana»

(SAGAN:1984:38-40). Não foi apenas aos autores que ocorreu indagarem-se sobre

a importância e a conveniência de incluir esses aspectos. Após a mensagem

divulgada, críticos apareceram levantando justo esta questão: «Alguns escritores

também nos criticaram por termos apresentado somente os aspectos favoráveis da

humanidade e nos censuraram por não termos incluído cenas de fome, devastação,

cidades destruídas e explosões atômicas» (SAGAN:idem). Outras menções a temas

evitados são: som de uma batalha na 1a guerra mundial, violência

(DRUYAN:1984:153); «guerra, doença, crime e pobreza», assassinato e fome, política

e ideologia, explosão nuclear (LoMBERG:1984:75), religião (SAGAN:1984:34)1.

1. A religião foi omitida pela impossibilidade de representar a variedade de suas manifestações


em sua totalidade: «os adeptos daquelas omitidas lançariam seus protestos muito mais
veementes do que se esperava da omissão de música étnica tradicional» (SAGAN:1984:34).
11. Adolescência - 186

A questão é formulada como uma escolha a ser feita entre um retrato

realista ou idealizado da civilização. «Isto nos levou a uma discussão sobre quão

realista era um retrato da Terra que desejávamos transmitir. Seria a mensagem

da Voyager um gesto histórico ou meramente social?» (DRUYAN:1984:153). Todos

reconhecem que os temas vetados são característicos da realidade social humana,

e numa descrição rigorosa não poderiam faltar. «Seria ingênuo negar a

importância destes fenômenos na cultura e história humanas - afinal mais seres

humanos se mataram ou morreram de fome do que os que escreveram música

para um quarteto de cordas [...]» (LOMBERG:1984:75); e «[...] o disco estaria

incompleto sem uma demonstração tão vívida de nossas imperfeições, como a

nossa violência [...] Mostrando-nos como somos realmente, uma espécie mergulhada

em lutas, não haveria, pelo menos, uma garantia sobre o valor da gravação como

um documento preciso?» (DRUYAN:1984:153, gm).

No entanto, foi do «consenso geral» (LOMBERG:1984:75) que se excluísse

toda esta face do retrato. O retrato que constitui a mensagem da Voyager, apesar

de pretender-se preciso, é filtrado por uma censura de ordem moral, tornando-

se ao fim um retrato idealizado. «Decidimos que o pior que havia em nós não

deveria ser enviado para a galáxia» (idem). Não o retrato conciso mas total que

se poderia fazer, e sim um elegante mas elíptico, que expõe os melhores ângulos,

que captura os traços de maior valor, que oferece a face mais própria à

sociabilidade - e oculta os estigmas.

A opção assumida pela idealização, às expensas do "realismo", define o

caráter mesmo de toda a mensagem da Voyager. «Achamos que estávamos fazendo

algo que sobreviveria a nós e ao nosso tempo, algo que seria o único stmbolo da
11. Adolescência - 187

Terra que o universo teria» (idem, gm). Mais, não menos, que um retrato, era um

símbolo que se queria. Um símbolo que cristalizasse os maiores valores, os ideais

que se busca e orgulham, não os defeitos que se combate e envergonham. Na

medida em que é exatamente um auto-retrato, ele adquire um certo caráter

antecipatário, refletindo a inclinação futura do retratado. Como que num temível

ritual de magia negra, representar-se com o «pior lado» arrisca a ver

reflexivamente o pior retornar redobrado. «E além do mais, seria algum erro

oferecer o nosso melhor lado ao cosmos? Tentamos enviar nossa melhor música.

Por que não mostrar uma visão otimista, em vez de desesperadora, da humanidade

e seu possível futuro?» (SAGAN:1984:40). Selecionar apenas o de maior valor: o

critério da escolha das músicas, além do representativo, foi estético; o das fotos,

além do informativo, ético.

É por causa da ambigüidade e do potencial equivocante do auto-retrato,

entre o registro realista e o «símbolo», que os autores justificam passá-lo pelo

crivo de uma censura. A descrição da violência, pela carga de repulsa moral que

concentra, fomentaria equívocos de interpretação, tomando de assalto o primeiro

plano do retrato, e ofuscando todos os outros. Qualquer registro negativo porta

uma perigosa ambigüidade de sentidos. Pode ser tomado como ostentação de

força e brutalidade, em vez de mea-culpa ou auto-depreciação. Não há como

indicar de forma inequívoca qual o sinal do valor que lhe atribuimos. Assim, a

violência retratada volta-se contra o destinatário do retrato, e, ao invés de cumprir

meramente uma função informativa sobre o nosso perfil civilizatário, compromete

todo o esforço diplomático da mensagem, o caráter de saudação e o convite ao

contato. «Não queríamos que nenhuma parte da mensagem parecesse ameaçadora

ou hostil aos receptores ('Veja como nós somos valentes'), sendo este o motivo

pelo qual não enviamos nenhuma fotografia de explosão nuclear»


11. Adolescência - 188

(LoMBERG:1984:75). Para os padrões dos autores, um cogumelo atômico descreveria

com grande precisão o nível de desenvolvimento científico (física nuclear) e

tecnológico (acesso às fontes de energia ao nível atômico) alcançado pela

civilização. A bomba nuclear é o ícone por excelência para a física do século XX.

No entanto, ela é igualmente ícone da última guerra mundial - ou melhor, do fim

inapelável da guerra -, e mais, da capacidade técnica de autodestruição da

civilização. Incluída na mensagem, investiria o seu negro espectro de arma final

contra o receptor, agredindo-o como um insulto, um desafio, uma intenção de

amedrontar, uma jactância de poder:

«Esta mensagem, contudo, poderia ser mal-interpretada. Não poderia a fotografia


de uma explosão termonuclear ser considerada por uma civilização extraterrestre
como uma tentativa pateticamente fraca, porém ainda palpável, de ameaça?
Bernard Oliver teve a feliz idéia de representar um ser humano com os braços
estendidos para a galáxia, simbolizando nosso desejo de abraçar nossos
companheiros no espaço. Uma ambigüidade semelhante também me ocorreu nesse
caso: o gesto poderia ser interpretado por um receptor pouco generoso como
uma tentativa de hegemonia galática» (SAGAN:1984:38-40).

o mal-entendido temido é resultado da interferência entre os dois níveis

comunicativos da mensagem: tomar uma informação do nosso retrato como se

fosse uma informação sobre o sentido geral da mensagem. Tomar o lamentável

retrato da nossa guerra como declaração de guerra. Antes de entrar no traiçoeiro

jogo de reflexos que é a representação da identidade de uma civilização, é preciso

exorcizar todos os fantasmas da autodestruição, todos os estigmas da morte que

ainda se carrega na consciência.

dom & Não é apenas a mensagem que está em jogo. É um julgamento


embaixada
do sentido de toda a iniciativa de «exploração do espaço», que

a sonda Voyager encarna de forma exemplar. A nave terrestre penetra nos


11. Adolescência - 189

domínios do extraterrestre. Com seus olhos eletrônicos, rastreia, bisbilhota, registra

os cenários de mundos ainda além do alcance dos olhos humanos, quanto mais

das mãos. E envia servilmente suas impressões de volta ao seu construtor. Um

robô espião teleguiado e descartável. Depois dele, outros sem dúvida seguirão. Os

mesmos seres que o enviaram não cessam de elaborar planos mais arrojados de

exploração das mesmas trilhas. As sondas de exploração antecipam a irreversível

invasão do espaço extraterrestre, numa frente de expansão civilizatória dos seres

nativos da Terra. «Esta é a mensagem explícita da Voyager: estamos saindo para

o espaço e desejamos explorar e contactar o universo à nossa volta»

(LOMBERG: 1984:87).

o disco da Voyager não é assim tão estranho à própria nave Voyager. Se

pôde pegar «carona» na sua carcaça, é porque ela deu uma paradinha para que

subisse. Ele desempenha uma função simbólica complementar, procurando

compensar o caráter de investida unilateral da sonda. Em lugar de tomar

informação, ele doa; em vez de invadir e espionar para um senhor oculto, ele

saúda e revela generosamente o seu senhor. Um embaixador amistoso no lugar

do espião. O espectro de agressividade potencial, que ronda toda inauguração de

relações entre culturas estranhas, tem de ser contornado. Que a sonda seja apenas

instrumento da inquieta curiosidade científica, e não da insaciável territorialidade

militar. A função ritual do disco é de buscar abolir essa ambigüidade inerente aos

projetos de exploração espacial: com um oferecimento gratuito de informações,

uma "demonstração" de tratamento igualitário da diversidade cultural, e um tom

cortês de saudação e convite, declarar os propósitos nobres que orientam as

investidas ao universo do extraterrestre.


11. Adolescência - 190

De fato, o disco da Voyager foi comparado a um dom generoso, o que de

mais precioso os terrestres poderiam oferecer a etis: «A espaçonave [...] se parece

com um casulo brilhante que transporta um disco de ouro, um presente para

todos os companheiros inteligentes que habitam o universo» (LINDA: 1984:124);

«Então, o que não significaria o surpreendente encontro do disco da Voyager, esse

presente dos céus!» (SAGAN:1984:236). Em lugar de comércio de mercadorias, aqui

a dinâmica da troca assume a forma de um intercâmbio científico, e os valores

oferecidos são bem mais informações raras que especiarias caras. E trata-se de

uma oferta de generosidade absoluta, visto que não espera efetivamente nenhuma

resposta, nenhuma recíproca: «[...] qualquer criatura que se depare [com o disco

da Voyager] pode perceber que ele foi remetido sem qualquer esperança de

devolução» (FERRIS: 1984:167).

Um longa-metragem de ficção científica de 1984, Starmal1 de JOHN

CARPENTER, cita a Voyager justo a respeito do seu caráter de presente e convite

e do equívoco criado entre a imagem amistosa da civilização terrestre que foi

transmitida e a recepção belicosa dada ao visitante eti. A Voyager é recolhida no

espaço por uma nave alienígena, o disco é executado, e em seguida, uma cápsula

parte rumo à Terra. Ao penetrar o espaço aéreo americano, militares julgam-na

possivelmente artefato russo e derrubam-na com artilharia anti-aérea. A nave

explode ao chão, mas o seu tripulante escapa condensado sob uma forma

energética. Encontra, em um álbum de fotografias familiar, mechas de cabelo de

um humano morto e, utilizando o padrão genético ali disponível, clona o seu

corpo2. Os militares caricatos descobrem os destroços da nave alienígena e se

2. A solução encontrada para a forma do ser extraterrestre é particularmente engenhosa. Este


é um problema que todo filme de fe com seres extraterrestres tem de resolver. Em geral
optam por seres relativamente humanóides, com diversos graus de deformação: partindo do
antropomorfismo exato, tende-se ou a aproximá-lo da criança (Contatos Imediatos de 3° Grau,
E.T.) ou do monstro (Alien). O mais comum é ainda no entanto as formas híbridas, que
11. Adolescência - 191

lançam ao encalço do tripulante desaparecido, com fins de submetê-lo a uma

bateria de "exames científicos" (chegam a preparar uma mesa de dissecção

anatômica para abrir o corpo do coitado!). Todo o filme será a peregrinação do

extraterrestre para conseguir escapar à perseguição e ser resgatado pela nave-

mãe que o enviou, temperada pelo seu improvável romance com a surpreendida

viúva do dono do cabelo.

À primeira vista, a Voyager parece servir apenas de moldura para uma

história banal e maniqueísta de fuga e perseguição, com os condimentos do casal

apaixonado perseguido por uma corporação de burocratas mal-intencionados. Mas

este maniqueísmo traduz o dilema essencial da mensagem da Voyager. A

mensagem não oferece qualquer problema à compreensão da eti: o disco é

imediatamente decifrado, e o starmal1 chega à Terra já informado sobre biologia,

tecnologia e cultura humanas - até mesmo rudimentos da língua americana, em

frases decoradas: ao encontrar a humana, recita as saudações do disco. O equívoco

não se origina de dificuldades de decodificação da mensagem, mas do desajuste

entre o retrato da civilização e a civilização retratada. Ele veio como embaixador,

e esperava uma recepção interessada, mas pacífica e respeitosa - ao menos era

o que a Voyager parecia prometer. É recebido pelo que não está descrito na

combinam numa estrutura geral humanóide apêndices derivados de outros seres e animais
terrestres, recorrendo a todo o estoque do bizarro e do repugnante, desde os répteis, passando
pelos insetos, até os microorganismos.
O starman não é necessariamente humanóide. Em nenhum momento aparece a figura da
sua anatomia "original", sequer se são uma espécie biológica composta por indivíduos, aos
moldes terrestres. O acidente destrói todos os traços particulares da eti. Vê-se reduzido apenas
ao traço mais essencial: a inteligência, e as artes de sua tecnologia (carrega esferas com as
quais opera alguns "milagres", como contactar sua nave-mãe ou ressuscitar animais). É o
conhecimento que possui da biologia terrestre (fornecido na mensagem da Voyager) que
possibilita a solução de emergência: clonar um corpo humano, a partir da informação
estratégica estocada num álbum de recordações familiares - um análogo doméstico da
mensagem da Voyager. Utiliza-se do corpo humanóide como quem veste uma roupa,
reproduzida a partir de um modelo pré-existente, dos materiais terrestres disponíveis. Assimila
a forma humanóide a partir do que possuem em comum, a inteligência, que perdura para lá
das suas necessárias diferenças: a história evolucionária particular, as idiossincrasias biológicas.
11. Adolescência - 192

mensagem: o sistema de defesa e a paranóia do aparato científico-militar, que vê

no encontro com o estranho antes uma ameaça em potencial a eliminar do que

uma oportunidade de aliança. Não encontra a disposição despojada a correr os

riscos do contato com civilizações estranhas, mas a preocupação agressiva com a

auto-sobrevivência. Moral da história: a civilização humana ainda não está

preparada para entrar em contato com culturas eti, pois sequer ainda resolveu

pacificamente suas diferenças político-culturais domésticas.

suicídio Ao traçar um retrato idealizado da civilização humana, os

autores não se acreditam traindo as eti, armando-lhes uma

arapuca, ou servindo como ingênuos testas-de-ferro, condenados a serem traídos

pelo próprio povo que representam. Não falsificam as informações que enviam.

Trata-se de uma aposta, uma aposta otimista no futuro próximo. Para Sagan,

estamos vivendo um momento histórico decisivo na evolução da civilização, um

momento de transição entre duas etapas heterogêneas de organização social. «We

are at an epochal, transitional moment in the history of life on Earth. There is

no other time as risky, but no other time as promising for the future of life on

our planet» (SAGAN:1973:39).

Na visão de Sagan, a evolução primordial de uma civilização caracteriza-

se pela expansão de círculos de socialização progressivamente mais abrangentes.

Como se do animal associaI e solitário fosse aglutinando redes de relações cada

vez mais amplas, até englobar a totalidade da espécie. Do indivíduo isolado pré-

social até atingir a civilização global.


11. Adolescência - 193

«ln our earliest history, so far as we can teU, individuaIs held an aUegiance
toward their immediate tribal group [...] related by consanguinity. As time went
on, the need for cooperative behavior - in the hunting of large animaIs or large
herds, in agriculture, and in the development of cities - forced human beings into
larger and larger groups. The group that was identified with, the tribal unity,
enlarged at each stage of this evolution. Today [...] most human beings owe their
primary allegiance to the nation-state (although some of the most dangerous
politicaI problems still arise from tribal conflicts involving smaller population units).
«Many visionary leaders have imagined a time when the allegiance of an human
being is not to his particular nation-state, religion, race, or economic group, but
to mankind as a whole; when the benefit to a human being of another sex, race,
religion, or politicaI persuasion ten thousand miles away is as precious to us as
to our neighbor or our brother. The trend is in this direction, but it is
agonizingly slow. There is a serious question whether such a global self-
identification of nzankind can be achieved before we destroy ourselves with the
technological forces our intelligence has unleashed». (SAGAN:1973:6, gm)3

Para uma sociedade que acredita na escala evolutiva como único sentido

da sua história só há dois futuros concebíveis: a decadência e extinção ou o

progresso e expansão. Não há sequer lugar para a simples estabilização: uma

realidade que está por natureza em desequilíbrio, em mudança permanente, exige

flexibilidade de adaptação social; a estagnação, qualquer adaptação rígida, levaria

necessariamente à decadência. Estamos condenados ao progresso. Mas no

momento atual, esta tensão entre evoluir ou morrer coloca-se de forma mais

radical. Não a degeneração lenta e gradual ou o progresso incerto. A passagem

da dispersão de miríades de micro-civilizações locais para a unificação planetária

de toda a espécie em uma civilização global é o momento crítico da evolução

social de toda espécie inteligente. A humanidade encontra-se diante de uma

bifurcação definitiva e é o momento da decisão: ou ela se auto-destrói

subitamente, ou o risco de fazê-lo será controlado, e ela então virtualmente se

perpetua.

3. Seria interessante comparar essa formulação da evolução da civilização humana como o


alargamento de círculos de identificação e lealdade e as reflexões de SIMMEL (1971).
11. Adolescência - 194

«Estamos numa encruzilhada da história humana. Nunca dantes houve um


momento tão perigoso e tão promissor. Somos a primeira espécie a ter a evolução
em nossas próprias mãos. Pela primeira vez possuímos os meios de promover
nossa própria destruição, inadvertida ou intencional. Mas também temos, acredito,
os meios de atravessar este período de adolescência tecnológica e ingressar numa
longa, rica e plena maturidade para todos os membros da nossa espécie. Mas não
há muito tempo para determinar para que lado da encruzilhada conduziremos
nossos filhos e nosso futuro.» (SAGAN:1985:54, gm)

É uma longa tradição das concepções evolucionistas do desenvolvimento


social comparar a história das sociedades humanas às fases do crescimento de um

indivíduo. Como lembra Lévi-Strauss:

«Sem remontar até as concepções antigas [de evolucionismo social], retomadas por
Pascal, assimilando a humanidade a um ser vivo que passa por estágios sucessivos
da infância, adolescência e maturidade, é no século XVIII que se vêem florescer
os esquemas fundamentais que serão, logo em seguida, objeto de tantas
manipulações: as "espirais" de Vico, suas "três idades", anunciando os "três estados"
de Comte, a "escada" de Condorcet.» (LÉVI-STRAUSs:1976e:337)

A crise de «adolescência» da humanidade origina-se numa espécie de

descompasso entre dois níveis da evolução do ser inteligente terrestre: a evolução

biológica e a cultural. Como elas se dão em ritmos diferentes, a cultural

incomparavelmente mais veloz que a biológica, há um ponto na evolução cultural

que ela entra em contradição com a relativa estagnação biológica.

«Our instincts and emotions are those of our hunter-gatherer ancestors of a


million years ago. But our society is astonishingly different from that of a million
years ago [...] AlI of these [old methods] may once have been valid or useful
or at least somewhat adaptive, but today may no longer have survival value at
alI» (SAGAN:1973:36).
11. Adolescência - 195

o descompasso entre evolução biológica e cultural eclode de forma perigosa

quando a civilização atinge o atual patamar tecnológico, capaz de manipular

quantidades de energia que, se voltadas para a destruição, põe em risco a

sobrevivência da espécie. Ainda parcialmente escrava de comportamentos atávicos,

sobrevivências de etapas arcaicas de sua evolução, mas já dona de poderes totais

(morte) sobre o ambiente planetário, a civilização humana arrisca-se a reunir o

que há de mais temível nas bestas e nos deuses.

«[...] It would be a great mistake to ignore where we have come from in our
attempt to determine where we are going.
«There is no doubt that our instinctual apparatus has changed little from the
hunter-gatherer days of several hundred thousand years ago. Qur society has
changed enormously from those times, and the greatest problems of survival in
the contemporary world can be understood in terms of this conflict - between
what we feel we must do because of our primeval instincts and what we know
we must do because of our extragenetic learning» (SAGAN:1973:7).

Sagan tenta avaliar o nível dessa defasagem através de índices de medida

do desenvolvimento, quer de um aspecto quer de outro. Compara a espécie

humana com outros animais através de uma curva da proporção entre memória

genética e memória extragenética para cada espécie. A franca preponderância da

extragenética no homem é signo da «libertação dos genes» (SAGAN:1983a, cap. 2).

Inspirado numa sugestão de Kardashev quanto aos tipos de sinal de rádio que a

SETI poderia captar (KARDASHEv:1980), Sagan cria uma classificação geral das

civilizações, mensuradas pelo que crê ser as duas principais características de uma

civilização: a quantidade de energia que é capaz de manipular, e a quantidade de

informação que possui estocada (SAGAN:1973:cap. 34). Uma medida avalia o

desenvolvimento tecnológico, a outra, o "cultural", o nível de libertação dos

determinismos biológicos.
11. Adolescência - 196

Nesse cenário, a guerra, a escassez de recursos, as desigualdades aparecem

como sobrevivências evolutivas, resquícios da «luta pela vida» animal

incompatíveis com a tecnologia alcançada, o grau de exploração da natureza, os

meios de destruição em massa. Sagan pergunta-se se é possível resolver um dilema

com raízes tão profundas na natureza da evolução da civilização humana, ou se

não nos aproximamos do ponto em que toda civilização fatalmente se extingue.

«Há pessoas que observam os problemas globais aqui na Terra - os grandes


antagonismos entre as nações, nossos arsenais nucleares, o crescimento
populacional, a disparidade entre ricos e pobres, a falta de alimentos e de
recursos, e as alterações que inadvertidamente produzimos no meio ambiente
natural - e concluem que vivemos num sistema que subitamente se tornou
instável, num sistema destinado a desaparecer dentro em breve. Outras há que
acreditam que nossos problemas têm solução, que a humanidade ainda está na
infância, que algum dia atingiremos a nlaturidade. A recepção de uma única
mensagem provinda do espaço nos mostraria que é possível atravessar esta
adolescência tecnológica: afinal, a civilização que a transmitiu conseguiu sobreviver.
Tal conhecimento, ao que me parece, pode ser de grande valor.»
(SAGAN:1985:289, gm)

o momento decisivo, quando se atingiu esse limiar tecnológico em que a

guerra como meio de regulação social tornou-se impossível, foi a invenção da

bomba atômica 4• Para Sagan, a bomba atômica é uma expressão do nível

tecnológico e dos impasses políticos e morais da civilização. Não é por outra que

foi por ele eleita para ícone do último fator da fórmula de Green Bank. Apesar

de a primeira vista parecerem tecnologias estranhas uma à outra, para Sagan as

tecnologias de acesso ao extraterrestre - radioastronomia, propulsão por foguete

- e as de destruição do planeta são irmãs gêmeas. Não por mera coincidência,

mas por natureza, estão historicamente interligadas. O nível tecnológico da

4. Para um breve relato das injunções que levaram ao projeto Manhattan e à bomba americana,
sob o ponto de vista da relação dos cientistas com a política e as agências governamentais,
ver BELL (1977:424ss).
11. Adolescência - 197

comunicação interestelar (radioastronomia) e da exploração do espaço

extraplanetário (astronáutica) é também necessariamente o nível da capacidade de

auto-destruição - e da impossibilidade da guerra, no antigo sentido.

«Se sobrevivermos, nossa época ficará famosa por duas razões: o momento
perigoso de adolescência tecnológica que dirigimos para evitar a autodestruição e
por ser a época em que iniciamos nossa viagem às estrelas.
«A escolha é rígida e irónica. As mesmas torres de lançamento de foguetes
utilizados para lançar as sondas aos planetas são suspensas para enviar ogivas
nucleares às nações. As fontes de poder radioativo na Viking e na Voyager
derivam da mesma tecnologia que compõe as armas nucleares. As técnicas de
rádio e de radar empregadas para orientar e guiar os mísseis balísticos e defender
contra os ataques são também utilizadas para monitorizar e comandar a
espaçonave nos planetas e para captar os sinais das civilizações próximas a outras
estrelas. Se utilizarmos essas tecnologias para nos destruirmos, certamente não nos
aventuraremos aos planetas e estrelas. O inverso também é verdadeiro. Se
continuarmos rumo aos planetas e estrelas, nossos chauvinismos serão abalados
ainda mais. Ganharemos uma perspectiva cósmica. Reconheceremos que nossas
explorações poderão continuar somente a favor de todas as pessoas do planeta
Terra. Inverteremos nossas energias a um empreendimento devotado não à morte,
mas à vida: a vida em outros locais. A exploração espacial - não-tripulada e
tripulada - utiliza muitos dos mesmos conhecimentos tecnológicos e
organizacionais, exigindo a mesma dedicação à valorização e à coragem dos
empregados na guerra.» (SAGAN:1983b:339-342)

Entre o esgotamento do planeta e o acesso ao extraplanetário, a bomba é

o símbolo por excelência da globalização: o único ato total que uma nação

poderia realizar unilateralmente - acender o estopim que findaria com todos.

Qual um indivíduo, além de passar por infância, adolescência, maturidade, a

civilização passa a poder suicídio! A morte, a sua própria, agora lhe pertences.

5. As histórias de ficção científica que lidam com o tema do apocalipse nuclear, gostam de fazer
qe um único indivíduo o responsável pelo desencadeamento da destruição de toda a civilização.
E o folclore do único botão, da caixa preta no interior da casa branca. Quem não se lembra
do Dr. Strangelove [«Dr. Fantástico», entre nós] de Kubrick (1964)?
11. Adolescência - 198

solidão Voltemos ao tema da «solidão cósmica» da humanidade, que

Sagan alega ser a principal mensagem da Voyager, mistura de

condição objetiva e sentimento subjetivo, o estado de «isolamento» e o sofrimento

e anseio de superá-lo, que encontra em algumas músicas do disco a sua expressão

exata.

A questão da existência eti é formulada como uma pergunta centrada na

condição humana: será o homem o único ser inteligente em toda a galáxia?

«Estamos sós no cosmo?» é o título de uma coletânea de artigos de cientistas

avaliando a hipótese eti (ERLÃSSER et al:1970). Entusiastas da SETI, para afirmar

a convicção de que há outras civilizações usando radiotelescópios, formulam a

dupla negativa «We are not alone» (título de um dos livros de divulgação dos

projetos SETI de maior repercussão, escrito pelo editor de ciência do New York

Times, Walter SULLIVAN:1964). A opinião dos que recusam a possibilidade de haver


eti é denominada por alguns de «solipsist world view» (SAGAN &

NEWMAN: 1987:152). A condição atual da civilização face ao extraterrestre é

comparada à do indivíduo isolado da civilização numa ilha remota: «Somos

Robinson Crusoé na ilha Terra - inventivos, desembaraçados e criativos, mas sós.

Perscrutamos a linha do horizonte esperando por naves que passem navegando no

oceano das estrelas» (L.SAGAN:1984:124). A analogia entre a civilização humana

excluída dos supostos circuitos de comunicação extraterrestres e o indivíduo

isolado, impedido de comunicar-se com outros de sua espécie, permite falar que

toda uma civilização sofre de solidão, de «anseio de romper o isolamento». Que


11. Adolescência - 199

sentido condensa essa robinsonada cósmica6? Como pode toda uma cultura temer

a sua solidão?

Antes de tudo, a solidão conota, tal como a possibilidade de «suicídio», a

globalização cultural: ao operar a metáfora da solidão, da falta de parceiros de

comunicação, supõe-se a unidade da civilização. Se podemos estar sós no cosmo

é porque sem dúvida somos um, e apenas um. Nós, a civilização terrestre, o

homem - três designações intercambiáveis, atestando que a civilização atual

engloba toda a espécie biológica, e que a posição estrutural do "eles", dos "de

fora", do estrangeiro, está vazia.

Mais que a planetarização cultural, a metáfora da solidão denota um

sentimento incômodo de sofrimento e desassossego. Como se a civilização já

houvesse invadido e esgotado todos os recuros naturais disponíveis na esfera

planetária. Explorando à exaustão seus materiais e fontes energéticas, a civilização

atual teria atingindo o limite do aproveitamento econômico possível - ainda assim

insuficiente para uma população em incontrolável expansão, ressuscitando, após

século e meio, o fantasma do colapso superpopulacional7• A humanidade teria

domesticado ou extingüido todas as espécies vivas e nichos ecológicos que cobriam

6. LINDA SAGAN (1984:133) ainda compara a Voyager ao expediente da garrafa atirada às correntes
do mar, para a eventualidade de alguém encontrá-la: «A Voyager foi comparada a uma garrafa
com uma mensagem dentro atirada ao acaso da amurada de um navio. A diferença é que a
garrafa custou caro e a nota foi escrita por um computador e não por um lápis. Estamos
lançando nossa garrafa no vazio do céu». A cinematografia de ficção científica já nos havia
oferecido uma versão mais literal do personagem de Defoe na era da exploração espacial, sob
a figura de um astronauta "naufragado" em Marte: Robinson Crusoe on Mars (1964).
7. Nos EUA, o principal defensor deste neo-malthusianismo pós-moderno é o biólogo da Une
de Stanford (Califórnia), Paul Ehrlich, que reduz todos problemas econâmicos e ecológicos da
atualidade a uma única causa primordial: a superpopulação. Seu livro de maior repercussão,
The population bomb (1968), faz da superpopulação um problema tão explosivo e de efeitos
catastróficos comparáveis aos de uma guerra termonuclear (EHRLICH:1971).
11. Adolescência - 200

o planeta. Reestudado ad nauseum todos os objetos científicos que podia

encontrar.

Por outro lado, além de esgotar a natureza, a civilização já teria também

esgotado todos os recursos simbólicos disponíveis. Tal como fez com os demais

seres vivos terrestres, a civilização ocidental invadiu todos os demais círculos

culturais, exterminando ou domando as sociedades locais, obrigando-as a tomarem

posição na rede capitalista mundial. É todo o patrimônio cultural das sociedades

humanas que passa progressivamente a participar de um mesmo circuito. A

riqueza de padrões derivados da diversidade de matrizes culturais tende

progressivamente a diminuir, vítima de um processo de passiva homogeneização

cultural, com a diluição da diversidade original no caldeirão morno, cinza, amorfo

da aldeia global. «This is the moment af the homogenization of the world, when

the diversities of societies are eroding, when a global civilization is emerging.

There are no exotic pIaces left on Earth to dream about» (SAGAN:1973:227, gm).

Fechados sobre nós mesmos, condenados à endogamia, à autofagia 8 •

«It is remarkable that the nations and epochs marked by the greatest flowering
of exploration are also marked by the greatest cultural exuberance. ln part, this
must be because of the contact with new things, new ways of life, and new modes
of thought unknown to a closed culture, with its vast energies turned inward»
(SAGAN:1973:67) 9

8. O motivo central do premiado filtne de ficção científica e horror, Soylent Green (1973), é a
descoberta pelo protagonista de que as rações sintéticas de alimentos populares, numa Nova
York de 2022 superpoluída e povoada, são produzidas a partir do reprocessamento da carne
de cadáveres humanos. Já em O Adnlirável Mundo Novo de HUXLEY (1977 [1932]), e sem
nenhum horror ou segredo, os cadáveres eram reaproveitados para extrair fósforo e outros sais
minerais.
9. Esta formulação é notavelmente próxima à que LÉVI-STRAUSS (1976e) apresentou em «Raça e
História» (ver especialmente capítulo 9, sobre a «coalizão» das culturas).
11. Adolescência - 201

Sofremos da carência de outro, do desconhecido, da diferença, do insólito:

necessidade de exterior com o qual transacionar, na direção do qual expandir.

Condenados à homogeneização, à mesmice, à estagnação. Todo o espaço

disponível para exploração e expansão já foi ocupado. Igualmente esgotado todo

o tempo: uma civilização para a qual nada resta a civilizar é uma civilização sem

futuro 10•

o futuro troca de signo: em lugar da certeza de progresso ameaça a

decadência 11• O temor do fim, de estarmos na velhice em vez de adolescência, e

a crise atual, em lugar de desequilíbrio passageiro devido a níveis de crescimento

desigualmente rápidos, ser sinal de simples e irreversível senilidade moribunda.

Podres ao invés de verdes.

10. BENVENISTE (1976, cap. 28: «Civilização: contribuição à história de uma palavra», original de
1954) traça o surgimento do termo civilização, seu duplo sentido de "ato" e de "estado", e seu
compromisso com a idéia de evolução e progresso contínuo: «[...] devemos considerar, para
explicar o aparecimento tardio de civilisation, a própria novidade da noção e as mudanças que
ela implicava na concepção tradicional do homem e da sociedade. Da barbárie original à
condição atual do homem na sociedade, descobria-se uma gradação universal, um lento processo
de educação e de refinanlento; para resumir, um progresso constante na ordem daquilo que
a civilité, termo estático, já não era suficiente para exprimir, e a que era realmente preciso
chamar civilisation, para lhe definir em conjunto o sentido e a continuidade. Não era somente
uma visão histórica da sociedade; era também uma interpretação otimista e decididamente não
teológica da sua evolução que se afirmava [...]» (p. 376).
11. Veja-se o diagnóstico de Otávio PAZ (1984:191) sobre o fim do modernismo: «Sua quebra
revela uma fratura no próprio centro da consciência contemporânea: a modernidade começa
a perder a fé em si mesma. [...] «A crença na his,tória como uma marcha contínua, ainda que
com tropeções e quedas, adotou muitas formas. As vezes, foi uma aplicação do 'darwinismo'
no plano da história e da sociedade; outras vezes, uma visão do processo histórico como
realização progressiva da liberdade, da justiça, da razão ou qualquer outro valor semelhante.
Em outros casos a história se identificou com o desenvolvimento da ciência e da técnica ou
com o domínio do homem sobre a natureza ou com a univ~rsalização da cultura. Todas estas
idéias têm algo em comum: o destino do homem é a colonização do futuro. Nos últimos anos
houve uma mudança: os homens começam a ver o futuro com terror, e o que parecia ontem
as maravilhas do progresso são hoje seus fracassos. O futuro já não é o depositário da
perfeição, mas sim do horror. Demógrafos, ecologistas, sociólogos, físicos e geneticistas
denunciam a marcha para o futuro como uma marcha à perdição. Uns prevêem o esgotamento
dos recursos naturais, outros a contaminação do globo terrestre, outros ainda uma devastação
atômica. As obras do progresso se chamam fome, envenenamento, volatização. Não importa
saber se estas profesias são ou não exageradas: ressalto que são expressões da dúvida geral
sobre o progresso. E significativo que um país como os Estados Unidos, onde a palavra
mudança desfrutou de uma veneração supersticiosa, hoje surja outra que é a sua refutação:
conservação. Os valores que mudança irradiava agora transferiram-se para conservação. O
presente faz a crítica do futuro e começa a desalojá-lo.» (PAz:1984:191)
11. Adolescência - 202

«This is also the moment in our history when, for the first time, the whole of
our planet has been explored, when tribalism is dissipating, when great
transnational groupings of states are being organizaed, when stunning technological
advances in communications and transportation are eroding the cultural differences
among the various segments of mankind. But cultural diversity is the forge for the
survival of our civilization, just as biological diversity is the forge for the survival
of life.» (SAGAN:1973:155-6) 12

A visão da Terra vista do espaço, tal como na foto 12 da Voyager, é a

imagem por excelência dessa «solidão cósmica». O distanciamento permite

enquadrar o globo terrestre inteiro em um único campo visual, e a órbita rápida

do observador obriga-o a várias translações por dia, fazendo as distâncias

terrestres parecerem pequenas. Enquadrada de um ponto de vista precisamente

extraterrestre, o planeta aparece como uma esfera homogênea e individualizada,

circundada de vazio, isolada por distâncias astronômicas dos outros corpos

cósmicos.

É a busca por esta visão da Terra que já se prenunciava nas primeiras

tentativas de vôos espaciais. A exclamação do primeiro homem a alcançar uma

órbita terrestre, o «herói dos povos» russo Iuri Gagárin, em 1961, ao olhar pela

escotilha, é inesquecível: «A Terra é azul! »13. O primeiro americano a entrar em

vôo orbital, John Gleen em 1962, também se encanta com o azulado do horizonte

12. LÉVI-STRAUSS (1983:35) formula-o de uma forma semelhante: «En ce sens, on peut dire que
la recombinaison génétique joue, dans l'histoire des populations, un rôle comparable à celui
que la recombinaison culturelle joue dans l'évolution des formes de vie, des techniques, des
connaissances et des croyances par le partage desquelles se distinguent les sociétés».
13. Posteriormente, descreverá suas impressões em livro: «En regardant l'horizon, je distinguais
nettement sa courbure, ce qui produit un effet bien curiex. La Terre était ceinte d'une auréole
bleuâtre, devenant progressivement plus foncée vers l'extérieur, jusqu'à prendre successivement
une teinte bleu turquoise, puis francehment bleue, violette et, finalement, noire comme de
rencre. Je scrutais avec une émotion fébrile ce monde nouveau, inaccoutumé pour moi,
cherchant à tout observer avec soin et à me le rappeler» (GAGARINE & LÉBÉDEV:1969:9).
11. Adolescência - 203

curvando-se: «The horizon is brilliant, brilliant blue. There, I have the mainland

in sight at the present time» (DEWAARD:1987:28). Mas é na corrida à Lua das

missões Apollo que aparecerão as primeiras fotografias enquadrando o esferóide

terrestre inteiro, tal qual as fotos obtidas em Terra, por meio de telescópio, de

outros planetas do sistema solar. O globo completo, total, mônada viva levitando

no nada. O astronauta James Lovell, transmitindo pela TV diretamente da Apollo

8 em dezembro de 1968, enquanto pela primeira vez uma nave tripulada entrava

em órbita lunar, a 320.000 km da Terra, descreve a fascinação da imagem

terrestre à sua janela:

«The Earth is now passing my window. It's about as big as the end of my
thumb. Waters are all sort of a royal blue; clouds, of course, are bright white.
The reflection of the Earth is much greater than the moon. The land areas are
generally sort of dark brownish to light brown. What I keep imagining is, if I
were a traveller from another planet, what would I think about the Earth at this
altitude? Whether I think it would be inhabited». (DEWAARD:1987:59)

Em apenas uma década, os testemunhos da imagem da Terra deslocaram-

se do solo chato e da paisagem parcial, da reconstituição cartográfica

matematicamente desenhada ou do mosaico de cenários turísticos, para uma só

imagem, tridimensional e imediata, distanciada e total. O limite, o tamanho, a

forma da Terra deixaram de ser abstrações e tornaram-se dados imediatamente

sensíveis. O amarelado distorcido do mapa-múndi cede lugar à luminosidade

azulada do holograma esferóide exato. Os pequenos globos terrestres de

escrivaninha perderam o seu ar setecentista e esotérico e se tornaram miniaturas

banais, como bonecas ou carrinhos de criança. É um desses casos em que o


11. Adolescência - 204

original surge após a cópia, o testemunho do objeto real só se torna possível após

a concepção do seu modelo reduzido 14•

É desde então que nasce a expressão «nave espacial Terra», tornada um


lugar comum nos meios ecológicos dos anos 7015, que só perderá o lugar de

alegoria global preferida para a «hipótese Gaia» dos anos 8016•

A este ícone da unidade monádica da civilização criado nos anos 60, a

Voyager em 1990 pretende acrescentar um deslocamento a mais, alargando a

perspectiva do extraterrestre para O extra-solar. Assim como as Apollo

representaram a primeira escapada humana para além do alcance da prisão

14. Enquanto as potências vencedoras da guerra levavam as suas disputas para o campo
extraterrestre, no Brasil, o governo militar ditava atos pouco institucionais e entupia calabouços
de gente. Mas o apelo simbólico da escapada extraterrestre alcançava mesmo os que ainda
não sabiam se voltariam a ver sol. Caetano canta: «quando eu me encontrava preso / na cela
de uma cadeia / foi que eu vi pela primeira vez / as tais fotografias / em que apareces
inteira / porém lá não estavas nua / e sim coberta de nuvens» (Terra). E segue brincando
com a analogia da nave e a etimologia de planeta.
15. AsCOT (1988:229) observa que a primeira ocorrência da expressão «Vaisseau spatial TERRE» de
seu conhecimento foi em 1968, numa «Conférence intergouvernementale d'experts sur les bases
scientifiques de l'utilisation rationelle et de la conservation des ressources de la biosphere»,
organizada em Paris pela Unesco. O economista "verde" Kenneth Boulding, da Une Colorado,
um dos criadores do termo com o seu ensaio «A economia da futura nave espacial Terra»,
recorda-se de Adlay Stevenson utilizando-a, numa conferência de 1965 na ONU (Cf
CHISHOLM:1981:40). Ele acredita que uma das causas da atual crise ecológica provém da
conscientização dos limites terrestres, evidenciados nas iniciativas astronáuticas: «E temos ainda
a exploração espacial que nos permitiu ver realmente a Terra pela primeira vez, uma coisa
de uma beleza fantástica. Essa experiência também contribuiu para o sentimento de clausura.
Um dos paradoxos dessa estória do espaço é que ela resultou numa espécie de claustrofobia.
Chegamos à conclusão de que, mesmo se formos mui..to longe no espaço, não teremos muito
mais aonde ir. Afinal, só temos mesmo a Terra. E por isso que essa tarefa espacial é
totalmente diferente da de Colombo. Ele estava desc~brindo um novo mundo, ao passo que
os astronautas descobriram um deserto muito velho. E por isso que tenlOS essa sensação de
solidão. Temos de contar só conosco» (CHISHOLM:1981:44-5, gm).
16. O introdutor da popular «hipótese Gaia», LoVELOCK (1987, ed. orig. 1979), um biólogo que
chegou a participar dos preparativos da missão Viking da NASA em busca de vida em Marte,
relaciona o surgimento da sua concepção de um macro-organismo planetário (<<the Earth's living
matter, air, oceans, and land surface form a complex system which can be seen as a single
organism and which has the capacity to keep our planet a fit place for life», p. x) com a
visão da Terra plena nas janelas das naves espaciais: «Ancient belief and modern knowledge
have fused emotionally in the awe with which astronauts with their own eyes and we by
indirect vision have seen the Earth revealed in alI its shining beauty against the deep darkness
of space» (p. ix).
11. Adolescência - 205

gravitacional terrestre, as Voyagers e as Piol1eer são a primeira fuga para o espaço

extra-solar. Por sugestão de Sagan, a Voyager 2, já muito além da órbita de

Netuno, seu último alvo no fim de 1989, voltou suas câmeras para trás em

fevereiro de 90 e bateu uma seqüência de 64 fotos, que, montadas num mosaico,

formam um único quadro que reúne toda «a família solar». «Para Sagan, o retrato

do Sol e de sua família de mundos tem uma importância simbólica, semelhante


às imagens da Terra vista da Lua, obtidas em 1969 pelos astronautas das missões

Apolo. "Essas imagens mostram como a Terra é pequena, frágil e vulnerável"»

(Jornal do Brasil, 08/06/90).


CAPíTULO 12

o duplo do tempo

Em resumo: para os autores da mensagem da Voyager, a civilização

terrestre atravessa um difícil mas fundamental período de transição: ela dá seus

últimos passos na direção da globalização, reunindo num mesmo círculo todas as

sociedades locais até então com identidades e histórias próprias; ela esgota os

recursos e os mistérios do planeta mas alcança tecnologias capazes de dar acesso

ao extraterrestre. Dois perigos ameaçam esta transição, podendo levá-la a um

desfecho catastrófico: a sobrevivência de atavismos incompatíveis com o estágio de

desenvolvimento tecnológico; o esgotamento das fontes de originalidade e

diversidade cultural. No frágil equilíbrio da transição do seu estágio terrestre para

o extraterrestre, a civilização oscila entre um excesso de heterogeneidade e um

excesso de homogeneidade. Ou um fim violento e bárbaro ou outro decadente e

senil: duas degenerações de raiz aparentemente distintas mas historicamente

coincidentes e concorrentes. O terror da bomba e a melancolia da solidão.

O diagnóstico de que os principais dilemas da civilização ocidental origina-

se numa vacilação entre dois estados extremos de diferenciação - heterogeneidade

excessiva ou homogeneização esterilizante - também aparece em outras disciplinas.

As reflexões do antropólogo LÉVI-STRAUSS a respeito do racismo e da convivência

entre os povos em muito aproximanl-se dessa problemática (1976e; 1983; 1990).


12. Duplo do tempo - 207

Se em «Raça e História» [1952], preocupado em «reconciliar a noção de progresso

e o relativismo cultural» (1990:190), ele convocava toda a humanidade à reunir

(«coalition») e trocar suas distintas bagagens culturais em prol de uma macro-

civilização («esses super-organismos sociais que constituem os grupos de

sociedades», 1976e:361), já em «Raça e Cultura» [1971], vinte anos depois, a

ênfase é na excessiva aproximação das culturas e no esgotamento do humus da

diversidade, fonte da vida civilizatória. Todo o problema está na obtenção dessa

instável justa medida: «d'une part, une égalité relative, de l'autre, une distance

physique suffisante» (1983:44).

«No final de "Raça e História" eu destacava um paradoxo. É a diferença entre


as culturas que torna seu encontro fecundo. Ora, esse jogo em comum provoca
sua uniformização progressiva: os benefícios que as culturas extraem desses
contatos provêm em grande parte de seus distanciamos qualitativos; mas, no
decorrer desses intercâmbios, os distanciamentos diminuem, até anular-se. Não é
a isso que assistimos hoje?» (1990:192)

Para Lévi-Strauss o racismo, e todas as manifestações destrutivas que a ele

estão associadas (desde preconceitos individuais a guerras nacionais), apenas

reflete problemas de outra ordem: o excesso de diferença no passado, o excesso

de assimilação atual. «Mais l'humanité moderne, dans son ensemble, ne tend-elle

pas à s'exproprier elle-même, et sur une planete devenue trop petite, ne

reconstitue-t-elle pas à ses dépens une situation comparable avec celle que certains

de ses représentants infligerent aux malheureuses tribus américaines ou

océaniennes?» (LÉVI-STRAuss:1983:44).

Estes dois cavaleiros do apocalipse moderno, duplos do tempo que vêm

agora cobrar-nos - a nós ocidentais - a alma, parecem encontrar suas imagens

nas ruínas do sistema colonial, nas marcas e na memória social da expansão


12. Duplo do tempo - 208

capitalista mundial. A unificação civilizatória fez-se às custas do fim compulsório

das culturas locais, das miríades de totalidades sociais autocentradas e

independentes. Foi assim nos grandes genocídios coloniais, o extermínio puro e

simples das populações nativas, o aniquilamento físico das culturas das fronteiras

de expansão, seguido do saque e ocupação dos territórios. Assim também se deu

o etnocídio imperial, a ligação compulsória das culturas locais à rede capitalista

global, tornando-as periferia de um circuito único; esfacelamento do caráter de

totalidade que possuíam, atribuindo-lhes uma identidade de meras "variantes" mais

ou menos bem sucedidas da "sociedade humana", cujo modelo mais bem acabado

era o ocidente.

Seja pela violência rubra do extermínio ou pela branca da aculturação, o

resultado é o mesmo: a globalização da cultura ocidental fez-se ao preço da

extinção do outro, ou melhor, do exterior. Todas as diferenças culturais englobadas

numa única macro-cultura globalizante, a única alteridade restante é uma espécie

de instável e residual a/teridade interior. A guerra, a escassez de recursos, as

desigualdades sociais que hoje se quer ver abolidas - e são efetivamente abolidas

do retrato terrestre da Voyager - são justamente os ingredientes principais do

processo que levou à unificação da civilização terrestre. Hoje são "sobrevivências

evolutivas" da nossa história recente, a eliminar, a esconder. A modernidade tem

vergonha do seu passado, do seu berço, selvagem. Tal com Freud falou de uma

ferida narcísica darwinista que incomoda e envergonha o homem moderno, pode-

se falar igualmente de uma ferida narcísica colonial da sociedade moderna: a sua

origem pelo mais baixo. O ocidente capitalista triunfante não dorme tranqüilo com

a memória da violência do processo pelo qual se impôs. O paradoxo do

relativismo cultural, na fórmula de LÉVI-STRAUSS (1976e:334ss), «o bárbaro é em

primeiro lugar o homem que acredita na barbárie», transforma em pesadelo o


12. Duplo do tempo - 209

êxito da civilização do ocidental. Por tê-los derrotado no seu próprio terreno -

a desumanização dos povos concorrentes - o ocidental provou-se o mais bárbaro

entre os bárbaros, o mais violento, o que melhor destrói l .

Não se trata apenas de um problema de má consciência e culpa, de

lembranças desagradáveis de um passado pouco honroso. Contaminando as

sociedades as mais arredias com o vírus do capitalismo e da sua tecnologia, o

ocidente efetivamente incorporou aos seus quadros as herdeiras das várias culturas

que considerava "primitivas". Trouxe os pequenos selvagens, ainda mal

domesticados, para dentro de casa. E entregou-lhes o fogo prometeico da sua

tecnologia, o segredo das armas que os derrotaram. Hoje, o medo da bomba, da

iniciativa da guerra final, não recai mais sobre as grandes potências. A guerra fria

e o círculo de estoque da dissuasão chegaram à saturação sem explodir, mas as

ditaduras do subdesenvolvimento passaram a constituir o principal mercado para

as indústrias bélicas centrais. O terror vem da periferia, das nações do terceiro

mundo 2•

1. Para LÉVI-STRAUSS, a própria etnologia é fruto desse estigma moral do ocidente: «Poderia
também, do mesmo modo, pretender-se o contrário; se o Ocidente produziu etnógrafos, é
porque um remorso muito poderoso deveria atormentá-lo, obrigando-o a confrontar a sua
imagem com a de sociedades diferentes, na esperança de que elas refletirão as mesmas taras
ou ajudarão a explicar como é que as suas se desenvolveram no seu seio. Mas, mesmo que
seja verdade que a comparação da nossa sociedade com todas as outras, contemporâneas ou
desaparecidas, provoca o desmoronar das suas bases, outras sofrerão o mesmo destino. Esta
média geral que eu evocava há pouco, faz ressaltar alguns bárbaros: verifica-se que fazemos
parte do número destes; não por acaso, pois que, se não o tivéssemos sido e se não
tivéssemos, neste triste concurso, nlerecido o prinleiro lugar, a etnografia não teria aparecido
entre nós - não teríamos tido necessidade dela. O etnógrafo pode tanto menos desinteressar-
se pela sua civilização e deixar de ser solidário com seus erros, quanto a sua própria
existência é incompreensível - a não ser como uma tentativa de redenção: ele é o símbolo da
expiação. Mas outras sociedades participaram no mesmo pecado original [...]» (s/d:488, gm).
2. O último episódio, ainda não encerrado, deste drama pós-colonial foi a invasão e anexação do
Kwait pelo Iraque, seguido de embargo pelas Nações Unidas e iminência de guerra. Tal como
com Khomeini anos antes, repete-se a caracterização dos árabes como fanáticos seguidores de
um perverso e imprevisível tirano, explodindo um caldeirão de ressentimento anti-imperialista.
Mas o elemento complicador do conflito é a quantidade e o nível de sofisticação tecnológica
dos armamentos iraquianos, comprados do próprio ocidente em anos de exportação petrolífera
e política anti-Irã. Toda a questão roda em torno à possibilidade de já existir uma «arma
final» nas mãos das ditaduras terceiro mundistas: as especulações sobre a «bomba árabe», ou,
12. Duplo do tempo - 210

o ser extraterrestre é o duplo do ocidente triunfante 3 • Não é meramente

o espectro de selvagens em decomposição, perseguindo-nos em busca de vingança,

exigindo nossa ruína. Os povos mortos renascem com os signos invertidos. É

porque a eti não é exatamente o duplo do outro, dos povos destruídos. Ela é

antes o duplo do próprio ocidente. Mas a escala do tempo é deslocada: elas estão

no nosso futuro. Tal como o ocidente tendia a representar os povos colonizados

(como Lomax pretendia quanto à música da Voyager) como a sua imagem mais

atrasada, agora esse efeito de retroação no tempo incide contra si. A eti se coloca

diante da civilização humana numa posição análoga à que o ocidente ocupava em

relação aos povos colonizados. Surpreendente recapitulação da história, com os

sinais invertidos, as posições simetricamente permutadas. A cultura ocidental se vê

obrigada a reviver sua história, mas agora do outro lado da cena, encarnando o

outro personagem, o vencido, a vítima impotente que morre no final. É este

incômodo que a noção do extraterrestre traz consigo como emblema.

«Mais à travers cet imaginaire, l'homme occidental va se redéfinir et modifier sa


situation dans l'évolution universelle: l'homme occidental va se situer par rapport
à l'extraterrestre exactement de la même maniere que l'homme sauvage se situait
par rapport à l'homme occidental. Nos relations avec les extraterrestres vont être
parfaitement analogues à celles que nous, Occidentaux, avons entretenues avec les
peuples colonisés. L'imaginaire évolutionniste est toujours là, même s'il s'exerce
désormais à nos dépens!» (RENARD:1984:81)

na sua falta, as armas químicas iraquianas.


3. «Ayant déjà construit à travers les images du monstre et du fou des figures limites de son
corps et de son esprit, l'homme occidental a fait de l'homme sauvage et de l'extraterrestre des
figures limites de son histoire et de son rapport à la technique. L'histoire et la science étant
précisément les idéologies, voire les mythologies, dominantes de l'Occident. Figures centrales
d'un mythe d'origine pour l'un, d'un mythe eschatologique pour l'autre, l'homme sauvage et
l'extraterrestre exercent sur l'homme moderne la fascination du double et se voient confier la
tâche redoutable de lui révéler le sens de sa destinée.» (RENARD:1984:87-8)
12. Duplo do tempo - 211

A relação do ser extraterrestre com o humano é marcada invariavelmente

por uma desigualdade fundamental: dotado de uma tecnologia inigualavelmente

superior à contemporânea, qualquer confronto militar com uma civilização

extraterrestre representaria o esmagamento imediato da humanidade. H. G. Wells

declarou que a idéia original para a história de Guerra dos Mundos, a invasão e

tomada da Terra a partir da Inglaterra por marcianos, inspirou-se no relato

histórico do genocídio dos Tasmanianos, dizimados em 1877 pelo colonialismo

britânico (RENARD:1984:81-2)4. Nada expressa melhor o pavor de encontrar-se na

posição de civilização mais primitiva sendo invadida por outra mais avançada do

que o episódio do pânico nacional provocado em 1938, justo na noite do

Halo weel1 5, pela irradiação de Orson Welles de uma versão "jornalística" do conto

de Wells: no meio de uma programação musical normal, interrompiam

subitamente para transmitir boletins urgentes diretamente do local, descrevendo

a chegada das cápsulas alienígenas e flashs do holocausto promovido pelos

marcianos. Muitos ouvintes não perceberam que se tratava de uma dramatização,

acreditaram que uma invasão marciana estava se dando e houve um início de

pânico público. O que mais espanta neste episódio não é o efeito inédito de

"psicologia de massas" obtido pelos mass media, nem a performance persuasiva de

Welles. Em contraste com a viagem do homem à Lua, que era comumente

considerada impossível poucas décadas antes de se tornar uma evidência banal

transmitida diretamente pela TV, o que mais chama a atenção neste episódio é

o fato de que uma tal invasão extraterrestre era já considerada dentro do campo

4. A respeito do filme de 1953, adaptação da história de Wells, GUNN (1988:495) observa: «Just
as Well's novel may be read as the nightmarish unleashing of guilt upon an imperialist society,
the film may be undertood on one leveI as articulating the more contemporary fear of being
invaded by cold-blooded Communists».
5. Welles confessou que a farsa «was intended to be the Mercury Theatre's own radio version of
dressing up in a sheet and jumping out of a bush and saying boo» (GuNN:1988:380).
12. Duplo do tempo - 212

do possível, passando facilmente de ficção radiofônica a aceitação de veracidade,

conduzida pela eficácia da farsa de Welles 6•

«Se uma civilização avançada estiver para chegar em nosso sistema solar, não
haverá nada que possamos fazer a respeito. Sua ciência e tecnologia estarão muito
além de nós. É perda de tempo preocupar-nos com as possíveis intenções
malévolas de uma civilização avançada com a qual deveremos estabelecer contato.
É mais provável que, se sobreviveram ao tempo, isto signifique que tenham
aprendido a viver com eles mesmos e com os outros. Talvez nossos receios sobre
um contato extraterrestre sejam meramente unta projeção de nosso próprio passado,
unIa expressão da nossa consciência culpada pela nossa história anterior, a destruição
de civilizações só unI pouco nIais atrasadas do que a nossa. Lembramos de
Colombo e os Arawaks, Cortés e os Astecas, mesmo o destino dos Tlingits nas
gerações pós-La Pérouse. Lembramo-nos e preocupamo-nos.» (SAGAN:1983b:310-
1, gm)

É essa inversão de posições, os ocidentais no lugar do indefeso invadido,


que orienta todo o imaginário ufológico.

«La croyance en la venue des extraterrestres, que s'est développée exactement en


même temps que la décolonisation, correspond peut-être à une tentative d'expiation
fantasmatique du "péché colonial".» (RENARD:1984:82)

Foi sob O espectro da segunda grande guerra mundial que a figura dos

«discos voadores» começou a se estruturar, e se consolidou definitivamente nas

décadas seguintes, com a guerra (de nervos) fria. À paranóia com a incessante

invenção de novas armas, como os V2 e finalmente as bombas de Hiroshima e

Nagasaki, artefatos de destruição que chegam subitamente do céu vindas de um

6. O episódio tornou-se um verdadeiro mito, tanto da história da ficção da científica, da história


dos meios de comunicação de massa (Woody Allen o retrata em Radio Days), quanto da
carreira de Welles. Ele chegou a ser processado, foi obrigado a pedir desculpas públicas pela
brincadeira, mas a fama que capitalizou com o incidente garantiu-lhe condições para realizar
em seguida Citizen Kane. SAGAN (1983b:107), GUNN (1988:500) e SCHOEREDER (1986:20) são
alguns dos que mencionam o episódio. CUNHA (1982), numa antologia de contos de ficção
científica que retratam primeiros encontros com seres extraterrestres, inclui o roteiro
radiofónico de Welles e Koch.
12. Duplo do tempo - 213

inimigo sequer imediatamente visível, sucederam-se ondas de avistamentos de

objetos estranhos no céu, inicialmente interpretados como novos artefatos da

potência inimiga. Barthes observou como o deslocamento de artefato russo para

nave marciana deu-se seguindo o curto percurso que vai da categoria da

alteridade aplicada a um povo rival terrestre à de uma civilização extraterrestre:

«[...] on supposait que la soucoupe venait de l'inconnu soviétique, de ce monde


aussi privé d'intention claires qu'une autre planête [...] si la soucoupe, d'engin
soviétique est devenu si facilement engin martien, c'est qu'en fait la mythologie
occidentale attribue au monde communiste l'altérité même d'une planête: l'U.R.S.S.
est un monde intermédiaire entre la Terre et Mars. Seulement, dans son devenir,
le merveilleux a changé de sens, on est passé du mythe du combat à celui de
jugement. Mars en effet, jusqu'à nouvel ordre, est impartial: Mars vient sur terre
pour juger la Terre, mais avant de condamner, Mars veut observer, entendre.»
(BARTHES:1957)

o deslocamento notado por Barthes segue o modelo de extraterrestre

inaugurado pelo filme de Robert Wise, O dia em que a Terra parou (1951):

representante de uma comunidade de civilizações tanto ética quanto

tecnologicamente mais avançadas que a terrestre, vem à Terra devido à

observação de um acontecimento que d,eixou a "federação galáctica" preocupada:

registraram a explosão de bombas atômicas na superfície terrestre, indicando o

desenvolvimento de uma nova e beligerante civilização. Diante de uma reunião de

cientistas de todas as nações, apresenta um ultimato aos povos terrestres: ou

renunciam à guerra e abandonam suas armas, ou máquinas extraterrestres

indestrutíveis arrasarão com a Terra.

Os ufólogos costumam explicar o' súbito boom de aparições extraterrestres

nos céus nativos de duas maneiras: em primeiro lugar, sempre houve UFOs no

céu, e se só agora são observados em massa é porque os cidadãos comuns estão


12. Duplo do tempo - 214

atentos para flagrá-Ios 7; em segundo lugar, seguindo o modelo do filme clássico

de Wise, os UFOs passaram a vigiar intensamente a Terra devido à explosão da

bomba nuclear. Suas intenções são sobretudo pacifistas. Hesitam quanto à

oportunidade de intervir na condução da política humana para evitar a eclosão da

guerra finaIs.

Mas não faltam versões mais "paranóicas" da presença alienígena na Terra.

Seguindo o filão inaugurado pela invasão marciana de Wells, a ficção científica

(e os relatos de contactados9) inventou centenas de cenários em que seres

extraterrestres, em geral tendendo a formas monstruosas, invadem a Terra (ou

uma sua colônia avançada), espalham-se, ameaçando toda a nossa civilização.

Apenas alguns exemplos cinematográficos recentes: Alien (1979), The Thing (1982

[1951]), Lifeforce (1985)10.

7. Num terreno irmão à ufologia - a hipótese da origem extraterrestre da própria espécie


humana -, VON DÃNIKEN (1986) também afirma que somente agora, após conhecermos o
trauma colonial e a tecnologia do vôo espacial, temos condições de reconstituir, a partir de
indícios arqueológicos e documentais vários, a passagem remota de uma civilização extraterrestre
pelo nosso planeta: «Esse é o estágio a que chegamos. Agora, que podemos desembarcar
homens na Lua, somos capazes de encarar sem vertigem as viagens espaciais. Sabemos o efeito
que o súbito aportamento de um imenso navio a vela produziu entre selvagens, por exemplo
nas ilhas dos mares do Sul. Conhecemos a tremenda influência que um homem como Cortez,
procedente de outra civilização, exerceu entre os povos primitivos da América do sul. Podemos,
pois, avaliar, embora imperfeitamente, o terrível impacto que teria causado a incursão de uma
astronave extraterrena nos tempos pré-históricos» (p. 26).
8. Um filme do diretor Claude Lelouche (Vive la vie, 1984) exercita uma fantasia efetivamente
presente no imaginário ufológico: um casal é sequestrado supostamente por UFOs, e são
libertados dias depois com uma mensagem dos alienígenas à humanidade. Diante de toda a
imprensa internacional apresentam o ultimato extraterrestre, aos moldes do filme de Wise: ou
desarmam-se ou os destruiremos. Mas todo o evento, sequestro, ultimato, eram forjados por
uma organização pacifista, que aproveitou-se da crença e do temor na presença de seres
extraterrestres mais evoluídos para criar um fato político que intimidasse a opinião pública e
obrigasse os governos das grandes potências ao desarmamento.
9. Os relatos de contactados por seres vindos em discos voadores poderiam ser encarados como
um gênero de "subliteratura de ficção científica" (devo a sugestão a Gilberto Velho).
10. Lifeforce, em que a lenda do vampirismo é reencenada como um contato com seres
extraterrestres parasitas, demonstra como, na ficção científica, a imagem do extraterrestre tende
a se fundir às tradicionais figuras do fabuloso, do monstruoso, do terror, e da alteridade. O
deslocamento é análogo ao empreendido pelos ufólogos que se dedicam a reinterpretar a
história das religiões (os milagres, os santos e iluminados, as intervenções divinas) em termos
de contatos com civilizações mais avançadas de origem extraterrestre (VON DÃNIKEN:1986;
SENDY:1974).
12. Duplo do tempo - 215

o papel de duplo da humanidade moderna é mais evidente quando se

imagina uma civilização alienígena antropomórfica, passando por problemas

análogos aos atribuídos à nossa. É precisamente a crise - ecológica, guerreira,

superpopulacional - por que passam os extraterrestres em seu planeta nativo que

os traz à Terra - para roubar riquezas naturais, tomar-nos o planeta, pedir

socorro, etc. Ainda alguns exemplos: This Island Earth (1955), The man who fell

on Eartll (1976).

Em suma, para a ufologia em geral e as histórias de ficção científica a ela

relacionadas, em que «eles já estão entre nós», a figura do ser extraterrestre é a

operadora de uma inversão na posição tradicional da civilização ocidental face ao

outro cultural - seja diante do monstro brutal e incontrolável, do colonizador

inescrupuloso e genocida, ou do interventor paternal e civilizador.

Também para a discussão mais refinada da inteligência entraterrestre,

promovida em círculos acadêmicos e científicos e ligada aos projetos SETI, a

mesma hipótese é válida: a eti é antes de tudo um duplo da civilização ocidental,


confrontando-a com o fantasma de seu passado e o enigma do seu futuro,

situando-a por respeito à alteridade na posição simétrico-inversa à da sua tradição.

Talvez apenas por este fundamento comum pode-se sustentar que a noção de ser

extraterrestre possui coerência suficiente, a ponto de caber tratá-la como uma

invariante no imaginário contemporâneo - uma matriz mítica da qual as

manifestações ufológicas, ficcionais, ou "'científicas" representariam tantas versões.

Talvez esteja aqui a distinção mais significativa entre a ufologia e o SETI.

Não se distinguiriam apenas por um diferente julgamento quanto às evidências


12. Duplo do tempo - 216

empíricas (espírito científico X crédulo/leigo), um maior rigor, exigência, ceticismo

de uns por contraste com outros. Há no meio SETI uma espécie de rejeição a

priori da possibilidade de sermos "visitados". Todos os argumentos aventados para

responder à questão "por que eles não estão aqui?", ou, nos termos atribuídos a

Fermi, "where are they?", embora plausíveis, não chegam a justificar inteiramente

a posição de absoluta rejeição no meio acadêmico-científico da «hipótese

extraterrestre» para os UFOS 11• Acham a idéia não exatamente absurda mas

moralmente nociva. A seus olhos, a crença em que há etis "visitando" o nosso

planeta representa a expressão de uma disposição derrotista, uma crença


apocalíptica 12.

Mesmo essas tímidas mensagens a etis que examinamos, despertaram, no

próprio meio científico, o temor do duplo, a paranóia de ver-se na posição sem

esperanças do povo primitivo invadido.

«Tal como ocorreu com as Pioneers 10 e 11, alguns indivíduos ficaram


preocupados que o disco "entregasse" nossa posição na Galáxia, ponto preliminar
para uma terrível invasão interestelar» (Sagan:1984:38)

Até a meramente comemorativa mensagem de Arecibo provocou abalos:

11. Uma ou outra exceção naturalmente existe: o astrofísico americano J. Hynek, o astrónomo
francês Jacques Vallée; não obstante, mais confirmam a regra do que a invalidam.
12. É significativo que a Voyager tenha despertado uma reação nociva no meio ufológico. Sagan
transcreve da carta que recebeu de um deles: «Colman S. von Keviczky, diretor de algo que
ele denomina de Rede Internacional de Pesquisa e Análise de OVNIs e Espaçonaves Galáticas,
está convencido de que já temos indícios evidentes de visita extraterrestre e preocupa-se, pois
nossos visitantes podem ficar confusos com o envio de saudações ao espaço interestelar. Em
uma carta ao Secretário Geral da ONU, cuja cópia von Keviczky teve a gentileza de me
remeter, ele diz: "O poderio do mundo classifi~ou a pesquisa estratégica dos OVNIs como
espionagem, arriscando a segurança nacional! A luz de atitude militar tão insofismável, a
tentativa da NASA de buscar comunicação com 'possível' inteligência extraterrestre não é
apenas uma descarada incoerência mas parece ser pura hipocrisia"» (SAGAN:1984:38). O envio
de mensagens é um ritual que, entre outros efeitos, desacredita a crença ufológica. Torna fato
consumado a opinião de que eles não se encontram ainda na Terra.
12. Duplo do tempo - 217

«o outro protesto, muito sério, foi feito por Sir Martin Ryle, laureado com o
Prêmio Nobel e Astrónomo Real da Inglaterra. Escreveu com grande ansiedade,
pois achava perigoso revelar a nossa existência e localização na galáxia. Pelo que
sabíamos, as criaturas fora daqui eram malévolas ou famintas, e, sabedoras da
nossa existência, viriam nos atacar ou comer. Recomendou veementemente que
mensagens desse tipo não deveriam ser novamente enviadas e até solicitou a
aprovação do Comitê Executivo da União Astronómica Internacional quanto a uma
resolução condenado esse tipo de mensagem. Outras personalidades menos
conhecidas pensavam da mesma forma.» (DRAKE:1984:65)

Mas Sagan é um otimista. Para ele, há dois princípios a garantir que a

civilização terrestre, apesar de expor-se a travar contato com outras mais

avançadas, não sofrerá o mesmo destino que os povos colonizados da Terra: em

primeiro lugar, o fato de que as eti lIão estão aqui, de que não fomos invadidos,

de que as distâncias interestelares garantam fisicamente o "nosso território"; em

segundo lugar, que as eti comunicantes aboliram a guerra.

«The most likely contact with extraterrestrial intelligence is with a society far more
advanced than we. But we will not at any time in the foreseeable future be in
the position of the American Indians or the Vietnamese - colonial barbarity
practiced on us by a technologically more advanced civilization - because of the
great spaces between the stars and what I believe is the neutrality or benignness
of any civilization that has survived long enough for us to make contact with it.
(SAGAN:1973:179-180)

A utopia de uma «comunidade cósmica» onde não existe guerra baseia-

se, para Sagan, na crença num princípio de «auto-limitação» natural das

sociedades violentas. A passagem do nível planetário para o extraplanetário

funciona como um filtro, que elimina as civilizações excessivamente belicosas.

Como as tecnologias que possibilitam o acesso ao ambiente extraplanetário são

irmãs das que produzem armas de destruição em massa, ao atingir esse limiar
12. Duplo do tempo - 218

tecnológico crítico as civilizações são postas "a prova": ou superam seus

antagonismos beligerantes ou se autodestroem.

«We need not speculate on the nature of future societies or extrapolate into the
indefinite future in arder to see why such societies might be self-limiting. We need
only look around USe [•••] If every civilization that invents weapons of mass
destruction must deal with comparable problems, then we have an additionaI
principie of universal applicability. Weapons of mass destruction force upon every
emerging society a behavioral discontinuity: if they were not aggressive they
probably would not have developed such weapons; if they do not quickIy learn
how to controI that aggression they rapidly self-destruct. Those civilizations devoted
to territoriality and aggression and violent settIement of disputes do not Iong
survive after the development of apocalyptic weapons. Long before they are abIe
to make any significant colonization of the Milky Way they are gone from the
galactic stage. Civilizations that do not self-destruct are pre-adapted to live with other
groups in nlutual respect. This adaptation must apply not only to the average state
or individual, but, with very high precision, to every state and every individual
within the civilization. [...] Perhaps - although we consider this unlikely - very
few societies succeed in such a programme. ln any case, the only societies long-
Iived enough to perform significant colonization of the Galaxy are precisely those
least likely to engage in aggressive galactic imperialism.» (SAGAN &
NEwMAN:1987:158-160, gm)

As sociedades que sobrevivem à «adolescência tecnológica» são as que

evoluem paralelamente nos vários níveis que caracterizam uma civilização: não

apenas tecnologicamente, mas também política e eticamente. Formular essa "lei

da auto-destruição seletiva" é uma curiosa forma de elaborar uma esperança

utópica.

Se a mensagem é a cristalização da nossa memória (nossa genealogia, nosso

retrato), a eti é a antevisão do nosso futuro. As invocações que a Voyager dirige

ao vazio são perguntas a que ciência alguma pode dar resposta. São questões

sobre o tempo, sobre o futuro. Qual a nossa idade? Adolescência desequilibrada

e com pendor suicida ou senilidade astênica e moribunda? Por mais que o


12. Duplo do tempo - 219

ocidente viva da crença no progresso, convive com a ansiedade pelo futuro: nunca

há plena certeza quanto à ascensão indefinida.

Chamo mais uma vez Lévi-Strauss para situar o momento civilizatário que

o mito cantado pela Voyager traduz:

«Nunca a humanidade tinha conhecido provação mais pungente, e nunca voltará


a conhecer outra igual, a menos que um dia se verifique que outro globo, situado
a milhões de quilómetros do nosso, é habitado por seres pensantes. E mesmo
assim nós ainda sabemos que essas distâncias são transponíveis, teoricamente,
enquanto que os antigos navegantes receavam enfrentar o Nada.»
(LÉVI-STRAUSS: s/d:89-90)
anexo 1

116 fotografias da Voyager


«Retratos da Terra»
Fonte: SAGAN et aI (1984:78-82)

39d~~~ 4840 k.m . 12400

1~~li.~:~.

Voyager: Fotos 1-20


Anexo 1: Fotos - 2. 2 ~

Voyager: Fotos 21-52


Anexo 1: Fotos - 12..'2

Voyager: Fotos 53-84


Anexo 1: Fotos - 22'3

Voyager: Fotos 85-116


-224-

anexo 2
mensagem do Presidente dos EUA na Voyager
Fonte: SAGAN et aI (1984:28)

Esta nave espacial Voyager foi construída pelos Estados


Unidos da América. Somos uma comunidade de 240 milhões
de seres humanos entre mais de 4 bilhões que habitam o
planeta Terra. Nós ainda nos encontramos divididos em
nações, porém estas estão se tornando rapidamente uma
única civilização global.
Lançamos esta mensagem no cosmos. É provável que
sobreviva um bilhão de anos no futuro, quando então nossa
civilização estará profundamente alterada e a superfície da
Terra muito mudada. Dos 200 milhões de estrelas na galáxia
da Via-láctea, algumas - talvez muitas - podem ter planetas
habitados e civilizações que viagem no cosmos. Se uma
dessas civilizações interceptar a Voyager e for capaz de
compreender o conteúdo desta gravação, aqui vai nossa
mensagem:

Este é um presente de um pequeno e longínquo mundo,


um testemunho de nossos sons, ciências, imagens, de
nossa música, de nossos pensamentos e sentimentos.
Estamos tentando sobreviver ao nosso tempo para que
possamos viver no vosso. Esperamos que algum dia, já
resolvidos todos os problemas que enfrentamos,
possamos compartilhar de uma comunidade de
civilizações galáticas. Este disco representa nossa
esperança e nossa determinação, bem como nossa boa
vontade em um universo vasto e aterrador.

Jimmy Carter
Presidente dos Estados Unidos da América
CASA BRANCA
16 de junho de 1977
anexo 3 petição internacional Seti
publicada na Science:1982:426 (<<Letters»). [Ref: SAGAN at ai (1982)]

Extraterrestrial Intelligence: It has been suggested that the apparent


AD International Petition ahsence of a major reworking of lhe
Galaxy by very advanced beings. or lhe
The human species is now able to apparent absence of extraterrestrial col-
communicate with other civilizations in onists in the solar system, demonstrates
space. if such exist. Using current ra- that there are no extralerrestrial intelli-
dioastronomical technology" it is possi- gent beings anywhere. At the very least,
ble for us to receive signals from civiliza- this argument depends on a major ex-
tions no more advanced than we are over trapolation from the circumstances on
a distance of at least many thousands of Earth. hereand now. The radio search,
light years. The cost of a systematic on the other hand. assumes nothing
international research etfort, using exist- about other civilizations that has not
ing radio telescopes, is as low as a few transpired in ours.
million dollars per year for one or two The undersigned * are scientists from a
decades. The program would be more variety of disciplines and nations who
than a million times more thorough than have considered lhe problem of extrater-
ali previous searches, by ali nations. put restrial intelligence-some of us for
together. The results-whether positive more than 20 years. We represent a wide
or negative-would have profound impli- variety of opinion on the abundance of
cations for our view of our universe and extraterrestrials. on the ease of estab-
ourselves. lishing conlact. and on the validity of
We believe such a coordinated search arguments of lhe sort summarized in lhe
program is well justified on its scientific first sentence of the previous paragraph.
merits. It will also have important sub- But we are unanimous in our conviction
sidiary benefits for radioastronomy in that the only significant test of the exis-
general. It is a scientific activity that tence of extraterrestrial intelligence is an
seems likely to garner substantial public experimental one. No a priori arguments
support. ln addition. because of the on this subject can be compelling or
growing problem of radiofrcquency in.. should be used as a substitute for an
terference by civilian and military trans.. observational programo We urge the or-
mitters. lhe search program will become ganization of a coordinated. worldwide.
more difficult lhe longer we wait. This is and systematic search for extraterrestrial
the time to begin. intelligence.
CARL SAGAN
Center for Radiophysics and Space
Research, Cornell Universit)' ,
lthaca, NeH' York 14853

·Carl Sagan. ComeU University~ David Baltimore. Massachusetts In~titute of Technology: Richard Berend-
zen.. A~erican University: John Billingham. NASA A~es R.escarch Center: Melvin Calvin. University of
Cahfomla. Berkeley~ A. G. W. Cameron. Harvard Unaversaty: M. S. Chadha. Bhabha Atomic Research
Centre. Bombay. lndia~ S. Chandrasekhar. University of Chicago~ Francis Crick. Salk Institute: Robert S.
Dixon. Ohio ~tate Uni~ersit.y: T. ~. Donahue. University or Michigan: Frank D. Drake. ComeU University:
Lee A. DuBndge. Cahfornaa Instttute of Technology: Freeman J. Dyson. Institute for Advanced Study:
Manfred Eigen. Max Planck Institute. Gõttingen. Federal Republic of Germany: Thomas Eisner. Cornell
University; James Elliott. Massachusetts Institute of Technology: George B. Field. Harvard Vniversity:
Vitaly L. Ginzburg. Lebedev Physical Institute. Mosco\\': Thomas Gold. Cornell University: Leo Goldberg.
Kitt Peak National Observatory: Peter Goldreich. California Institute of Technology: J. Richard Gott III.
Princeton University: Stephen Jay Gould. Harvard Univer~ity: Tor Hagfors. National Astronomy and
lonosphere Center: Stephen W. Hawking. Cambridge University. Cambridge. Unitcd Kingdom: David S.
Heeschen. National Radio Astronomy Observatory: Jean Heidmann. University of Paris: Gerhard Herzberg.
National Research Council of Canada; Theodore Hesburgh. University of Notre Dame: Paul Horowitz.
Harvard University~ Fred Hoyle. Cambridge University. Cambridge. United Kingdom: Eric M. Jones. Los
Ajamos Scientific Laboratory: Jun Jugaku. University of Tokyo: N. S. Kardashev. Institute for Cosmic
Research. Soviet Academy of Scíences. Mo~cow: Kenneth I. Kellerman. National Radiu Astronomy
Observatory; Michael J. Klein. Jet Propulsion Laboratory: Richard B. Lee. University ofToronto: Per-Olor
Lindblad. Stockholm Observatory: Paul D. MacLean. National Institute of Mental Health: Matthew
Meselson. Harvard University~ Marvin L. Minsky. Massachusetts Institute of Technology: Masaki Mori-
moto. Nobeyama Radio Observatory. Tokyo: Philip Morrison. Ma~sachusetts Institute ofTechnology: Bruce
Murray. California Institute of Technology: William I. Newman. University of California. Los Angeles:
Bernard~. Oliver. Hewlett-Packard Corporation: J. H. Oort. Leiden University. Leiden. The Netherlands:
Ernst J. Opik. Armagh Observatory. Northem Ireland: Leslie Orgel. Salk (nstitute: Franco Pacini. Arcetri
Obs~rvatory. F~orence. Italy: ~.ichael D. Papagiannis. Boston Univerf\ity: Línus Pauling. Linus Pauling
Instltute for SClence and Medlcme: Rudolf Pesek. Czechoslovak Academy of Sciences. Prague: W. H.
Pickering. Califomi~ Ins~itute0r. Technology: C.yril ~onnaml?eruma. University of Maryland~ Edward M.
Purcell. Harvard Umverslty: DaVid M. Raup. Untverslty ofChlcago: GroteReber. Tasmania~ Martin J. Rees.
lnstitute of Astronomy. Cambridge University. Cambridge. United Kingdom: Dale A. Ru~sell. National
Museums of Canada. Ottawa. Canada: Roald Z. Sagdeev. Institute for Cosmic Research. Soviet Academv of
Sciences. Moscow; I. S. Shklovskii. (nstitute for Cosmic Research. Soviel Academy of Science~. MU'CllW:
JH.' C. Taner. Unive~sity ~f California. Berkeley: Lewis Tho~as. Memorial Sloan-Kettering Cancer Center:
Klp S. Thome. Cahforma (nstltute of Technology; Sebastlan von "oerner. National Radio Astronomy
Observatory; Edward o. Wilson. Harvard University~ Benjamin Zuckerman. University of Maryland.

SCIENCE. VQL. 218


anexo 4
propaganda de filiação à The Planetary Society [1989]

THE PLANETARV SOCIETV

Louis Friedman, Executiva Director Carl Sagan, President

Dear Friend,

As someone lured by the immense complexity and beauty of the universe we share, you may now realize that
humankind is about to enter a new generation of space exploration that could change forever how we look at ourselves
as a species and at the universe around USo

The triumphs of the last 30 years ... MERCURY ... MARS ... VENUS ... JUPITER SATURN ... URANUS ... AND
NOW NEPTUNE! Ali have been visited by the first generation of space explorers of robotic emissaries. Even Halley's
Comet was encountered by an international flotilla of spacecraft. And 20 years ago the Moon was visited by humans.
Now with Neptune the reconnaissance phase of planetary exploration is over. A new age of exploration is beginning.

VOU CAN HAVE A FRONT ROW SEAT FOR THIS DRAMATIC NEW AGE OF PLANETARV EXPLORATION.

No, I can't reserve for you (or myself) a spot on a planetary mission ... yet. Sut I can reserve your membership in
THE PLANETARY SOCIETY, the largest space interest group in the world, with more than 125,000 members in
over 100 nations.

As an international member of THE PLANETARY SOCIETY, you will receive the most up-to-date, scientifically accu-
rate results of each and every one of these new missions through the pages of the "member's only" publication,
THE PLANETARV REPORT. Vou will see breathtaking photographs of distant worlds, and read about their scientific
significance in understandable terms.

But before I tell you ali your benefits as a member of THE PLANETARY SOCIETY, let me explain how your membership
will benefit the cause of space exploration and the quest for extraterrestriallife and intelligence.

INTERPLANETARV EXPLORATION

Vou see, we do more than watch planetary exploration happen. THE PLANETARV SOCIETY helps make it happen.
For example:

A few years ago there were no announced plans by any nation to send humans to Mars. ln 1987, The Planetary Society
sponsored a Spacebridge conference for American and Soviet scientists and policy makers; the theme was, "Together
to Mars". ln 1988, President Mikhail Gorbachev called on the U.S. to join in a cooperative program to explore Mars with
the U.S.S.R. The U.S. has not yet formally responded, but on July 20, 1989 President George Bush endorsed the Mars
goal and directed U.S. government officials to present a plan for achieving this goal. The Planetary Society is working
to make the U.S. plan one which will be truly international in execution.

INTERNATIONAL SPACE COOPERATION

It is as citizens of the planet Earth that we explore the solar system-not just citizens of the U.S., the U.S.S.R., or any
individual country. Planetary exploration presents a unique opportunity for mutual understanding and cooperation,
which are vital to the survival of our planeI.

More than any other organization, THE PLANETARV SOCIETY has exercised international leadership in bringing the
various spacefaring nations together in significant cooperative ventures. We are, in fact, a major link between space
scientists from around the world. And we serve as a major information source for global efforts in planetary exploration.

IP/ease turn over]

65 NDRTH CATALINA AVENUE, PASADENA. CALIFDRNIA 91106 USA

126431
We led the caU for the U.S. and the U.S.S.R. to renew the agreement to cooperate in space, and to begin coordination
on their Mars orbiter missions of the next decade. That particular agreement is now signed and being implemented, as
are many other international agreements with other nations.

PROJECT META: THE SEARCH FOR EXTRATERRESTRIAL INTELLIGENCE

The search by radio telescope for extraterrestrial intelligence is another major PLANETARY SOCIETY projecto We now
operate the most powerful radio receiver in the world for that purpose-META (for Megachannel Extraterrestrial Assay)
at our site at Harvard, Massachusetts. META has the capability of scanning 8.4 million radio channels simultaneously,
looking for signals trom other civilizations.

It wasn't always so easy. ln 1981, declaring the Search for Extraterrestrial Intelligence (SETI) too fantasy-like to justify
government support, the U.S. Congress eliminated NASJ\:s funds to search for other intelligent civilizations in space.

Sut THE PLANETARY SOCIETY, with funds contributed by our members, refurbished Harvard University's 84-foot
radio telescope and began our own search of the northern skies for extraterrestrial radio signals. We are pleased
to announce that our SETI search will expand to the Southern Hemisphere in 1990 through an agreement with
Argentinas Institute of Radio Astronomy near. Buenos Aires.

We are now working to encourage other nations to participate in the search programo The governments of
Australia, Canada, France, the U.S.S.R., the U.S. and others have made initial eftorts which we must encourage.

So much has happened. There is much more yet to come. And with many more spacecraft scheduled to be launched
or to send results in the next few years, who can tell what the heavens will yield?

But one thing is clear. THE PLANETARY SOCIETY WILL BE THERE, LEADING THE WA~

And by joining THE PLANETARY SOCIETY today, you will be encouraging new exploration by helping THE PLANETARY
SOCIETY get our message heard everywhere ... through expert testimony for increased interplanetary exploration, and
for SETI, and through our leadership for international cooperation in future space ventures.

As a member, you will be invited to a variety 01 Society-sponsored activities ... conferences, seminars, slide shows
and films, workshops and other events that ofter direct informal contact with scientists and other society members.

And your official PLANETARY SOCIETY membership card will identify you as a member in good standing, admitting
you to Society-sponsored events and activities.

The price of a membership is just US $35. That is little to pay for the enormous impact you will have as a member 01
this highly influential group, as wett as ali membership benefits and privileges.

So take your front row seat for this exciting new generation of space exploration by joining THE PLANETARY
SOCIETY today. Ali you have to do is return the Membership Acceptance Form aI the top of this letter, with your dues
payment, or if you prefer, use your VISA, American Express, or MasterCard.

We look forward to welcoming you as a member.

Sincerely,

Louis Friedman
Executive Director

PS. For a limited time, we are offering two-year memberships for just US $65.
Bibliografia

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adaptação do conto «Farewell to the Bruce A. Evans e Raynold Gideon.
Master» de Harry Bates, 92 mino 115 mino

Dr. Strangelove, or how I learned to The Thing (1951), dir Christian Nyby,
stop worrying and love the bomb rol. Charles Lederer, adaptação de
(1964), dir. Stanley Kubrick, rol. «Who Goes There?» de John W.
Kubrick, Terry Southern e Peter Campbell, Jr. 86 mino
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George. 102 mino The Thing (1982), dir. John Carpenter,
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E.T.: the extra-terrestrial (1982), dir. mesmo conto de Campbell (acima).
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This Island Earth (1955), dir. Joseph M.
Fantasy (1940), Walt Disney. 81 mino Newman, rol. Franklin Coen e Edward
G. Q'Callaghan, adaptação do conto
The Great Whales (1977), National de Raymond F. Jones. 86 mino
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Nicolas Noxon. 2001: A Space Odissey (1968), dir.
Stanley Kubrick, rol. Kubrik e Arthur
Lifeforce (1985), dir. Tobe Hooper, rol. C. Clark. 141 mino
Dan O'Bannon & Don Jakoby,
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adaptação do livro de Stanislaw Lem,
132 mino
Periódicos

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06/08/89 «Naves desvendam mistérios do cosmos»,
assinado por JORGE LUIZ CALlFE.
26/08/89 «Voyager 2 conclui com sucesso a missão de
12 anos no espaco»
28/12/89 «Engenheiros comparam viagem à Lua à
construção de pirâmides
28/01/90 «Astrônomos da NASA procuram
extraterrestres», p.15, artigo assinado por J. L.
CALlFE.
03/07/90 «Baleias».
08/06/90 «Voyager fotografa o Sistema Solar - Terra é
apenas um ponto azul na Via Láctea».
27/10/90 «EUA alteram base orbital e buscam ETs», p.
7.

o Estado de São Paulo


07/11/90 «Morte na praia»

Superinteressante
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extraterrestres», pp. 18-25.
Janeiro/1988, ano 2, n° 1 - «E a nave vem (discos
voadores)>>, pp. 14-19.
PROJETO DE TESE DE MESTRADO

Titulo: CaNTATa - o Movjmento Ufológjco

Aluno: Jayme I'loraes Aranha l'-'j lho


INTRODUÇ~O

° nosso objetjvo é estudar o auto-jntjtulado Movj-


mente UFOlógjco - o qual compreende todas as organjzações e
jndjv5duos, correntes de jdéjas e crenças, que estudam e se
dedjcam ao fenômeno UFO, ou OVNI (objeto voador não jdentjfj-
cada) •
A ufologja partjcjpa ao mesmo tempo de duas empre-
sas atuajs. Antes de tudo, ela faz parte da chamada cultura
alternatjva (Ferrejra Neto, 1984, especjalmente "O mundo al-
ternatjvo", pp. 18-33). Um dos nJv~is de artjculação do dis-
curso ufol6gjco é o que afjrma a ufologja como uma cj@ncja em
nascjmento, que ljda com um objeto novo, desconhecjdo, envol-
vjdo em mistérjo e jgnorâncja ou cuja exjstêncja é sjmplesmen-
te ne~ada. Serja a absoluta novjdade do que ela afjrma, novj-
dade surpreendente e que jmpljcarja na mudança de mujtos dos

valores culturajs constjtujdos, que a manterja à margem dos


saberes ofjcjajs, como u~a das cj@ncjas posslvejs mas despre-
zadas. Por outro lado, o seu objeto - contato com possfvejs
seres extra-terrenos(ET) - a coloca numa posjção prjvjlegja-
da em rnej o aos teInas maj s geraj s e unj f j cadores da dj ta j deo-

lo~ja alternatjva: os ET terjam um papel fundamental a desem-


penhar no salto evolutjvo da humanjdade da abertura da nova
~, na "cor1spj rflção aCluarj ana", na j mj nênj ca do suj cf dj o cj-

vjljzat6rjo pelo apocaljpse nuclear ou eco16gjco, da salvação


eIa pleno mj le!1arj SIno, etc.

j\ eX.obj oloçj él, COlno <:1 c l1arnanl alguns, o estudo sobre a possj bj-
lj (lad~~ ele vj (la. extra-terrestre, de vj da I)Ossj velmentc or'j f;j rla-
d~l j n:Je enderlterae!'1te de" terrestre. I'Jeste r1Jvel, 111Uj tos de seus
t. CLHJ.S St..10
- CO::1Url~3 ('lOS do astrôrlOlno 11orte-arner5 car1C CLLrl

Õ(3S l~ aI arn e::l rlO-


me da humanjdade intejra, em termos de urna civilização humana
global, uma só macro-cultura, e dirigem-se a um outro interes-
telar, discute-se a possJvel colonização galáctica e suas vis-
cissjtudes, especula-se sobre a universalidade dos nossos co-
nhecimentos, e mais, a universaljdade da cjvjlização, ou a
tragédia da incomunicabilidade interétnica.
O que haverá de peculiar na modernidade, que engen-
dra a um tempo o mjlenarismo alternativo e o interesse, mesmo
o desejo, por um outro cósmico, um ser que da alteridade ab-

Cj\;11~O JÁ ltEi\LIZADO: GRAU DI~ COIJTATO

Presença. no III- Congresso Internaci onal de Ufolo;.si a, e!n


São Paulo, abril deste ano, evento mâxjmo da ufologia nacio-
r1al.

I'reser1ça rlO Grt1lJO eje Estudos sobre a onda de rnai o, eIn

julho deste ano no Rio.


L~jtura de livros clãssicos da literatura internacjonal
ele ufolo:~j la. Lei tlll~é:l ele revi stél.S e boletj ns nacj onaj :3.
-Ip..llterl110 cor1tato l)Or correspor1dêncj a. carn al~uns ufólo[~os,

c011flecj cios desde o III CIUFO-SP.


DE SEI\~VO LV I filE l'JTO

o "I',10vimento UFOlógico", como ele mesmo inti tula-se,


está longe de ser um fenômeno social homogêneo ou centralmen-
te or~an1zado. Podemos primeiramente observar a sua .presen-
ça atual em duas de suas manifestações: os "Congressos de
UFOlogia" e os "Grupos de Pesquisa UFOlógica".

Primeiramente, os grandes eventos abertos, dirigi~

dos a um público indistinto e virtual, os possíveis ~intere

sados)}, visando ..·di vulgar a Ufologia, interessar um círculo


maior da população, engajar novos adeptos para Q,trabalho u-
fológico, enfim, ampliar o raio de influência e o poder de
mobilização do I~Iovimento UFOlógico. Cada um desses eventos -
intitulem-se "Congresso" ou "Simpósio", "Reunião Especial de
Estudiosos" ou ainda "Curso Intensivo" - é promovido por um
"Grupo de UFOlogia" local (geralmente com apoio e/ou adesão
de outros), e a magnitude do evento (seu relativo alcance
nacional, regional ou apenas local; seu peso no âmbito ufoló-
gico nacional) em muito depende do prestígio do grupo local
que o promove, como ~o prest1g~0 dos conferencistas que con-
segue trazer para animar o evento. A propaganda para tais e-
ventos é difusa e busca atingir a maior amostra possível de
um público potencial de ~ eressados~ (utiliza-se geralmen-
te de: cartas de convite a participantes de eventos anterio-
res ou associados de qlgum grupo ufológico; cartazes em livra-
rias, lojas de produtos naturais, bares noturnos, etc.; às
vezes pequenas notas em jornais (p. ex. "O Globo") às véspe-
ras do evento). Para participar do evento geralmente é ape-
nas necessãrio a presença do interessado (geralmente dão-se
em fins de semana) e o pagamento de uma taxa de inscrição.
Às vezes nem a presença ao evento é necessãria: inscreve-se
por carta e recebe-se as conferências por escrito em casa.

Em seg;ur1do 1 ugar, os inúmeros "Grupos de Pe squi sa


UFOló;~ica" e "Associações de UFOlogia" dos mais variados gê-
neros.
É neste nível, dos agrupamentos autônomos, geralme~
te constituídos ao redor de grandes ufólogos, ampliando e re-
percutindo o seu trabalho independente, agrupamentos dos mais
variados tamanhos e estilos, onde impera a diversidade, é a
nível dos grupos que pode-se observar a constituição micro do
Movimento UFOlógico.
Apesar da diversidade irredutível, onde cada grupo
é um grupo, posso grosso modo, e com fins didáticos, divldi-
los em dois gêneros, agrupá-los em dois tipos: os grupos
ufológlcos cientificas e os de urologia avançada ou místicos.
( 1 )
As atividades do primeiro destes grupos compreendem
por um lado um trabalho burocrático, do gênero correspondên~
eia com outros grupos e com associados, organizações de even
tos abertos, ou a organizaç~o de arquivos ufológicos com o
material de campo coletado por pesquisadores (por ex. CISNE,
de Irene Granchi). Por outro lado, o trabalho ufológico pro,
priamente dito, o trabalho do ufólogo por excelência: o termo

é deles - j n\lestj [3ação de caInpo (2). Constj tuj tal carnpo ern,
havendo not5cia de um deterrnjnado caso de cantata jmedjato
(?) C07n urn Objeto Voador r~ão-Identj fj cada (OVl-JI), o pesquj-
[.3ador di ri !~e-se pessoalrnente a.o local da ocorrêncj a para ai)ll-

rnr o major número de jnformações passJvel sobre o f~~fu~eno.

Unl mornento cer1tral na pesqtlisa é a ida ao local ex;)..


to onde houve o cantata, acompanhado pela testemunha, em bUS7

ca de passiveis sinais materiais deixados pelo OVNI que con-


firluern ou i.rlfirmem o incidente (marcas de pouso no solo, da-
nificações na vegetação, localização do local onde encor1tra-··
va-se a. testemtlnha do Cl~, etc.). Outro rnornento chave , talvez
mais iínportante, é a entrevista com a testemunha, com o in
dlvlduo que vlvenclou o contato imediato. Especialmente nos
casos de CE III e CE IV, em que geralmente o contactado encon
tra-se sob o efeito de um choque psicológico muito intenso,
e geralmente há "amnésia" quase completa do que transcorreu
durante o contata, quando o pesquisador deve submeter a tes~

temunha a um transe hipnótico, à regressão temporal. Obtém ,


por este meio um novo relato, novas informações, inclusive
sobre os períodos de alegada inconsciência.
O trabalho do Resguisador de campo visa constituir
um dossiê sobre o caso pesquisado, que permita, a qualquer
ufólogo que tenha acesso a tal dossiê, analisar o grau de co~
fiabilidade da(s) testemunha(s) envolvida(s) e portanto da
veracidade das experiências por ela(s) relatadas, como, mais
finamente, de fil~rar as informaç3es mais confi~veis das mel
~Qs.(4 ~ E é à Comunidade UFOlógica em geral que destinam-se
os resultados de tais estudos especificas: o seu destino é a
publicação, seja em livro, em revista, ou em modestos boletins
dos grupos de ufologia, ~irl~ern-se publicamente a ufólogos e
interessados. Cada dossiê, cada caso pesquisado e analisado
criteriosamente, contribui para a formação de um Arquivo Mun-
dial UFOlógico" coleção cri tica de todas as ocorrências de
cantata, de todas as manifestações registradas do fenômeno,
único material com algum grau de empiria dispon1vel para
fazer-se inferências razoáveis sobre a natureza mais geral ,
do fenômeno: a n~.t,ureza dos OVl\IIs (?), e uma explicação para
a sua fenomenologia (suas apariç3es, os efeitos que causa nas
testemunhas e no meio ambiente).
Ao estudo documentado de casos em que o fenômeno
ocorreu, classificados de diversas forrnas (por regiões ou por
per10dos de incidência, por graus de contato - seguindo a ti
pologia inaugurada por Hynek - ou por confiabilidade dos re-
latos), os ufólogos chamam a Casuística UFOlógica. ~É com ela
que ele tem de trabalhar. A partir dela ele pode determinar
regiões de alta incidência ufológica, i.e., locais em que
frequentemente avistam-se OVNIs no céu, onde praticamente
qualquer habitante local já teve uma experiência, no minimo
de avistamento à distância. Pode igualmente detectar as ondas
ufológicas, ocorrência, num curto período de tempo (alguns
dias), de vários avistamentos ou mesmo CE, em regiões variadas,
com inúmeras testemunhas (o exemplo mais recente no Brasil
foi a amplamente noticiada "onda de maio" - que mereceu uma
Reunião Especial dos Estudiosos de UFOlogia exclusivamente a
elg dedicada~ em julho no Rio de Janeiro). Mas acima de tudo,
o estudo da Casuistica permite buscar outro gênero de regula
ridades: os chamados padrões de cantata, os relatos sobre a
forma e o comporta'mento do OVNI, dos seus ocupantes (3º e 4º
graus), do seu aspecto e ati tudes - enfim, toda informação <,

que os contactados possam fornecer que ajude a compreender a


natureza do fen~meno, como, sendo os OVNI o transporte de se-
res inteligentes (como fazem crer os casos de 32 e 4 2 graus),
quais as suas intenções, no que estão interessados, por que
est~o na Terra, porq~e escond~m-se, porque aparecem para al-

guns. (6).
I~esumindo, os l:5ruPOS ufológicos que se propõem urna

linha de trabalho científica dedicam-se basicamente a duas


tarefas: 1) o trabalho de campo, construir, caso por caso,
um arquivo fidedigno de informações empfricas sobre o fenôme-
no, urna casuística, o que implica em selecionar e avaliar tia
verdade" em cada relatório, "separar o joio do trigo"; 2) lo-
calizar regularidades e variações, extrair da casuística pa-
drões, informações recorrentes, organizá-las, aventar um sen-
tido possível, encontrar uma explicação razoável que se ade-
qUe a todo o leque de fenômenos computados.
Há no entanto outra atividade a que esses grupos
dedi caIu-se. Crlé3.rnarn-na vj r;51j a ufológj ca. Por cor1trastc com a.s
[lti vi (lades referi das anteI'j orlnente, o tI'abalr10 de carnpo e o

tratJalho la15 ti co e teóri co, clue te:\lclern éi ser prornovi dos j 11-
djvjdualmente, o que se pode notar pelas publjcações dos re-
sultados sempre assjnadas por um autor, e não pelo seu grupo,
por contraste com as anterjores a vjg11ja ufológjca é uma atj-
vjdade:grupa~ -lonsiste numa espécie de expedição, quando um
grupo de ufólogos se desloca para uma região previamente es-
colhida por suas boas condições de observação ufológica (alta
incidência, céu amplo e sem luminosidade devido a grandes ci-
dades próximas), lá encontra um local afastado de qualquer
habitação e que permita acamparemÇ7)A duração varia de uma noi-
te a uma semana ou até duas. Há diversas atividades de gru~c,

expedientes das chm~adas ciências alternativas, mas a ativi~

dade que dá nome ao evento é a observação do céu, especial-


mente a noite. Procura-se objetos aéreos bizarros, com aspec-
to ou trajetória insólitos, pontos luminosos astronômica e
astronauticamente inexplicáveis. Qualquer fato observável no
céu que fuja ao padrão e à monotonia do relógio celeste inte-
ressa: procura-se o fenômeno. Crêem que, permanecendo um bom
tempo "na escuta", dias 'e noi
I
tes inteiras, em região onde as
aparições são freqUentes, têm 'boa chance de aleatoriamente
flagrar um disco voador, e, quem sabe, até serem contactados.

Ao lado dos grupos ufológicos corn pretensão à ciên-


cia, pode-se notar outros bem di tintos. Grupos que pretendem
dedicar-se à ufolor~ia avançada (corno gosta111 de ser chamados),
ou aos " a~;pectos tréln,.icendenta.l s da ufoloí~ia", ou ainda, como
os chamam os científicos, os místicos. Não desconsideram o
esforço dos 2ruPOS científicos, não o jul~am inteiramente in-
s
válido.• rIas ta:npouco dedicam à cJ(íística clualquer atenção ....
CrêeIn qtle o can1inho para abordar o fenômeno é outro: "encon-
tra-se no interior de cada um" ( 8). Todo o seu interesse es-

tá vol tacto para os charnados cantatos imediatos de 52 grciu


(CE V). Trata-se dos cantatas entre seres extra-terrestres
(espi ri tualrnerlte extlJemarnente deserlvol vidas) e huma,rlos sensi-
,CJ'}
tivos através de recursos paranormais. Não é necessária aVpre-
sença material dos dois seres, basta a ligação mental, a pre-
sença telepática do primeiro através da mente sensitiva em
transe do segundo, no curso de uma sessão de contato progra-
mado de quinto grau (Cp V). O grupo organiza-se em torno ao(s)
"seu(s)" sensitivo(.ê.), que é(são) quem possibilita ao grupo
manter-se "em contato" com os seres reponsáveis pelos UFO.
Tais seres, devido ao seu alto grau de desenvolvimento espi-
ritual, tornam-se, através dos seus sensitivos mediadores,
verdadeiros guias espirituais para os adeptos do grupo. Ao
invés de dedicar-se a estabelecer a positividade dos episó-
dios de encontro material de humanos com o fenômeno OVNI, pa-
ra deles obter r~spostas gerais, o grupo pretende promover
contatos regulares com o ET, receber dele~mensagens elevadas,
obter as respostas para os aspectos intrigantes do fenômeno
consultando diretamente tia fonte". As atividades voltam-se
para a promoção do desenvolvimento espiritual dos participan-
tes do g~upo, na espectativa (ao menos por parte destes) de
tornareln-se rnais sensi ti vos, de "coração mais aberto" e "rnen-
te mais vazia" (g ), e possivelmente conseguirem também eles
um CE V.
Há ainda, além da c aLI i sa de força ern que eu qui s
j solar eioj s tj~)OS dc~ rr,rllpos ufológi.cos, alrr,tlnS grllpos pecul ta.-

res, numa sl tuação especial em meio ao Ilovimer1to {JFOlógi co


Ilacional. E o caso do Centro de Pesquisas sobre Discos Voado-

res (CPDV) do l'J'1ato Grosso: edi tores de urna revista especi.ali-


zada de ufolon~ia (lJ.l\J.!2 que obteve rélzoável vendagern, 11er·:
deira da falida revista de I. Granchi (OVNI Documento, lq78-&J)
tornararn-se urn cent1"'o de confraterrlização e união nacional de
toda a cla.sse u:folóf3i.ca. r'~os quadros do CPDV, corno rne! lbros
filiados, est~o todas as associaç3es ufológicas locais, e llfó-
lOJ~os eic) l"rl~;i 1 lntelr'o. ~)ll;l irLrluÉ~rlcln. é~ tão I~rar1(ic, (; ó t?to
sentida !)elo 1:lovirne11to a necessidade de possllir urna IJublicação
unificada de âmbito nacional, que todos os grupos locais ab-
dicaram de qualquer concorrência com a revista do CPDV: ne-
nhuma, a não ser ela, pode ser vendida abertamente para 9 pú-
blico, pode ir às bancas. Nas suas páginas encontra-se artigos
das mais variadas tendências da ufologia. O CPDV não pode ser
assim classificado em nenhuma das duas linhas que tentei dis-
tinguir acima, e o seu diretor mantém relações amiqtosas com
todas as tendências sabidas do movimento. Ele parece atender,
ao menos busca explici tarnente atender, um certo anseio, ampla-
mente expresso, do movimento ufológico, não de abolir os gru-
pos locais independentes, mas de constituir inst~ncias nacio-
nais unificadas, órgãos de expressão geral do movimento, que
lutem pelos inte~esses comuns a toàa a classe ufológica,
o reconhecimento oficial da ufologia como ciência, o reconhe-
cimento do oficio de ufólogo, a instituição da formação de
ufólogos e de cadeiras de ufologia nas Univ~rsidades~ É neste
panorama que tenta-se hoje artjcular a ajnda ernbrjonárja As-
socj ação I·Jacj onal dos Ufólogos do Brasj 1 (ANUB) (10).
Dissemos que o movimento ufológico estava longe de
4
ser algo homogeneo ou centralmente organizado. Podemos agora,
apbs a breve descriç~o de seu nivel micro, onde volta e meia

nasce ou morre um grupo e uma tendência ufológicos, pressen-


ti r a complexidade do seu campo. E igualmente perceber o pa~·

pel que joga os grandes eventos abertos de alcance nacional,


como o III CIUFO-SP. Al~m da tribuna aberta das publicaç~es,
oi1cle as tend~rlci a.s rnani festélrn-se sob os a.rti[~os tle seus re-
pI'esentantcs, é no) COll~ressos UfC?~_~~~_icos nac1.onais que os .
{j:.L:(er'sos rarnos (lUe a. ufolo[Sia cornpreer1de, as diversas raizes
de or1de ela brota, encoI1tram-se nurn rnesmo palco onde 11á a12uln
tra.balho cor1junto, onde cor1vlvern, conflltuam, jr1tera~~ern, e11finl,
onde f'orrna-se e rnostr'a-se forlnando, Uln Ilovirnento Uf'ológico
lJa.ci o11al. J1.1In cel"'to se11tido, tais Con[~ressos são corno Uln grarl-

de ritual, de uni~o e de lutas, se entendermos p02 ritual


1:/)
-""

não apenas o mero refo~ço, pela repetição de atos e signos


estereotipados, de relações simbólicas congeladas, mas a atua-
lização, a negociação, a constituição de relações simbólicas,
como também politicas, inéditas.

Ferreira Neto (1984), em Tese dedicada ao mesmo te-


ma geral. ( a Ufologia) , preocupa-se em afirmar o caráter es-
sencialmente religioso da Ufologia (11). Às expensas de uma
pretensão, a seu ver frustra, de, alguns ufólogos à ciência,
~ ~ ,
ele ve a religiao brotar lndomavel por todos 93 poros da cou-
raça cientifica. Tal formula~;o, que coloca a reli~iosidade
c()rno Ui[lr;.1. fonte i.nexti.11~~ulvel, apesar dos recuos que o cienti-
ficismo lhe tenta impor, religiosidade que ~ ao final das con-
tas SelTIpre a vi toriosa, quem ri por úl tirno, tal formulação
n~o me ~arece t~o clara nem t~; evidente no que diz respeito

ao campo da ufologia. A meu ver, a questão da religião e/ou


Ja. ciêncla, se a ufologla é por natureza urna ou outra coisa,
~ U~~ quest~o central em disputa no pr6prio campo ufo16gico,

é problernática para os pr6prios "nativos". Sal ta aos olhos de


jmediato a qualquer observador de um Congresso, a tensão, o
jogo de forças que se organiza em torno a esses temas, ~ defi-
niç~o do car~ter cientifico ou religioso da ufologia (lZ).

Sem d~vlda aqui seria necess~rio introduzir conceitos como o


de cc: lcorrênci a. (cf. 130urdi eu, 197.4) .entre di versos a~entes
para impor a sua vis~o no campo. Visivelmente h~ um apelo ne -
ra.l (je llr1j f j c~lçno dc) rnovlrnerlto, clelirni ta.n(jo es~)aços pertir1crl-
tes a unIa e a o11tra t).ti.vidades, encontrar o cRl::inho do eqlli-
ljbrio (11). 1\.8811:1, os clenti.l'jcos desejam aperlas a.firrnar
a pertjn~ncia do levant&mento casuístico, feito com todo o
rir~or I)ossivcl, rnas não i.gr'lorarrl os lirni.tes deste {~ênero de
estudo, e i 11tereSSa.In-se por outras foralas de abord,l[;ern do J'e-
~ ~ ~

Ilon1eno -rej vir1clicarn rnesrno como objeto de ciencia os fenorne-


flOS pa.I'i'lr)sj colÓt~~j cos. Já os Ini sti cos não desprezarn a castll s-
f/1III#

soa especjal, dotada de um valor que nao alcançamos e que adrnj-


r~os, alguém a ser ouvjdo com sobreatenção, um verdadejro elej-

to. Não por Deus, bem entendjdo, mas pelos seres extra-terrestres.
Por eles escolhjdo para ser um medjador entre eles e a humanjda-
de, para ser um embajxador. É comum (mas não predomjnante) °
ufólogo que jnjcjou a sua carrejra devjdo a um contato marcante,
a partjr do qual converteu-se à ufologja, dedjcando-lhe sua vjda.
f/1III# ~f/1III# ,

O contato tem então uma funçao de revelçao jnjcjatjca, e os ter-


mos que a ele se referem são os de morte e renascjmento, a sua
data torna-se um anjversárjo (13). No entanto para ser reconhe-
cj do pelo rnej o ufológj co corno um contato "leg5 tj mo" é precj 80

passar pelo crivo dos pesquisadores de campo, pela desconfiança


dos mais cétjcos, pelo rjsco de ser desacredjtado e exposto ao
ridfculo. O risco de todo indjvfduo que se diz contatado, que
deseja revelar a sua experj~ncia com um OVNI, é o risco de ser
acusado de impostor, de demonstrar-se publicamente uma fraude.
4) os casos de fraude: devido às peculjaridades do fe-
"
nomeno mesmo, como o ser raro e fugidio, e frequentemente ser se-
letivo, só dejxar como traço de sua ocorr~ncia a jmpressão causa-
da em um jndividuo, um testemunho subjetjvo, o meio ufológjco
vive às voltas com a questão das fraudes. Fotografjas macetadas
(19), marcas no ch~o falsifjcadas, depojmentos jnventactos, etc.
À medida em que os contatos com OVNIs tornaram-se fatos de co-
nllecj rnento públj co, não é rnuj to dj fj ci 1 qualquer um sj mular urn
contatado, contando uma hjstórja padrão, relatando lugares co-
muns aprendi dos ern revi stas e j orr1aj s. Também, devj do à ânsj a
dos uf6lo~os de estabelecerem cantata, as ilusões jnvoluntãrjas,
e rneSln() éllucj nações sob "estacios aI terados de cansei êncj a",
proljferaram espantosamente. O trabalho de campo do uf610go
cj e11t1 fj co vj S('l justnrIler1te a col11ej trt de rnaterj fll i nforrnati vo
sef~tlrO (ltle perrnj ta selecj OI1ar o cantata ver! (ii co, j dentj fj car
as falsj fj c:J.ções. É COH1UIfl os casos de contatados que tornararn-
E3e raIno~30S, e rnuda.rarn rnuj to desde então, segui ndo carrej ras
profétjcas, e a partjr da5 "jnventando" novos contatos, conta-
tos permanentes, sendo então desmascarados. De certa forma, as
fraudes tendem a vulgarjzar e desacredjtar o fato raro do ~­

tato, destjtujndo-lhe o valor. O ufólogo cjent5fjco ocupa-se


em restjtujr-lhe rarjdade e valor ao fazer cada caso passar
por uma trjagem, por um crjterjoso julgamento de verdade, do
qual resta um processo, um documento de apuração.
5) o ufólogo cjent5fjco: enquanto um pesqujsador,

djstjngue-se do contatado, da testemunha do fenômeno. Seu ob-


jeto óltjmo de estudo é o fenômeno, e a testemunha serve-lhe
como objeto jntermedjárjo, medjador na reconstjtujção do prj-
rnej ro. I,Ieslno quando o ufólogo é ao rnesmo ternpo um contatado,
ele procura djstjnguí-los funcjonalemente, não confundjr os
dojs pap~js. No entanto, não está fora do seu horjzonte tor-
nar-se um contatado, e há sempre a expectatjva de um dja fla-
grar o fenômeno djante de sj, ou até estabelecer relações com
ETs t tornar-se Uln seu embaj xador. É o sentj do das vj g5lj as
ufológjcas. Há ufólogos cjent1fjcos de longa data que nunca
tj veram um CE, Inas que comentam não cornpreender por que não,
l:,legan1 de certa forma merecer um contato após todos esses anos

de dedjcação à ufologja (20). Os ufólogos cjent5fjcos passam


assjm na jncerteza de serem ou não um dos que os ET jrão esco-
lher corno ernbaJ xadores , no caso de um contato global.
6) os ufólogos avançados: - -
nao têrn a preocupaçao dos
,
-
cj erltj fj cos conl a apuraçao rjgorosa dos casos de cantato. Crêem

que eln prjncfpjo qualquer pessoa pode estabelecer contata com

os seres :Err: C,E V, contato telepátj co. O que norrnalrnente j Inpe-


,
de-nos e o nosso bajxo desenvolvjmento espjrjtual. Embora valo-
rj ze e respej te ta.Inbém os contactados de 32 e 4 2 [~rallS, concen-
tré:lr:i-se ern (/uter COI1t'::ltOS de 52 caral1, o que só os sensjtjvos
(j ~~ll~llnlente elej tos) c011ser~uenl. A l3rarlcie dj vj são que per!) ~SS(l

os sellS !llelnbl'OS é porta11to entre sensj tj vos e não-serlsj tj vos.


(J corltCtto é pc sado !1ão corllO o encontro fortuj to de um hornern
com o fenômeno que lhe é externo, e que vja de regra o trauma-
tjza (f5sjca e psjqujcamente), mas como uma aproxjmação da al-
ma do sensjtjvo com a do ET, com uma sjntonja espjrjtual, o ET
sendo "recebjdo" no jnterjor do próprjo ufólogo.
7) os cétjcos: aqueles que têm conhecjmento do fenô-

meno, das evjdêncjas da exjstêncja e excepcjonaljdade do fenô-


~, e mesmo assjm recusam-se a admjtl-lo, fazem declarações
públjcas desmentjndo fatos, desautorjzando completamente os
uf6logos e afjrmando tratar-se (os OVNIs) de pura mjstjfjcação.
COlTlpr()Inetem assi ln todo o carnpo da ufologj a e são ~, cornba-

tj dos "f"ee~ne11tcrnente por todo o r·10vj rnento lJFOló~~j co em uni 8S0-

r1o.

1~ão é djf5cjl agora aproxjmar os dois tipos de gru-


po e suas concepções ufológicas com os dois tipos de étjca
caracterJstjcas das reljgiões de salvação (Weber, 1980). Com
a ressalva de que, em lugar de Deus, consjdere-se os seres
O~VLt{,o ~
superj ores extra-terrestres, e por salvação entenda-sevr)o-
sjção prjvilegjada em que se encontrarjam os embaixadores con-

tatados quando do contato e0ba1 e da jntegração da humanjda-


de na COlTlllnj .(j9~!.~~__ ,9.§.§~~_ça. À ufoloC j a cj ent5 fj ca corresponde-
rja a étjca ascétjca, a doutrjna da prova pelo trabalho no
Inundo, cIo j rlstrurner1to B. ser"vj ço da di vj ndade, embora reste
sempre a incerteza quanto à elejção, já que a únjca confjrma-
ção defj ni t j Vél é o C011téltO. À llfolop:j a aVD.11çaàa corresporlderj a
o rnjstjcjsmo, com a sua postura contemplatjva, que vjsa a es-
vazi ar-se de rnunc:lanej dade para aproxj rnar-se da dj v.i !ldade, pa-
ra servjr de recipjente ao sagrado, para atjngjr êxtases de
comun11ão COlO o deus, de lJOSsessão pelo (leus.
1'"

PLANO DE TRABALHO

Pretendo verjfjcar o quanto esta descrjção breve e apres-


sada do campo ufológjco, fruto ajnda de uma prjmejra jrnpressão
e um precârjo mergulho no campo, o quanto esta descrjção ajuda
a vjver o campo. Precjso verjfjcar o quanto as categorjas que
selecjonej e organjzej são de fato utjljzadas e em que contex-
to, quajs são assurnjdas para s1, quajs são utjljzadas apenas
para desjgnar outros grupos, quajs são acjonadas como acusação,
(luaj s corno consagração ou confraternj zação.
Para tanto, prjmejramente trata-se de reconstjtujr uma
breve hjstórja da jntrodução do tema ufológjco no Brasjl, atra-
vés das revjstas de djvulgação, dos ljvros publjcados e tradu-
zj dos, e de entrevj stas corn ufólogos "pj onej ros", da velha ge-
ração.
Em segundo lugar, acompanhar a seqU@ncja jntermjtente de
congressos e sjmpósjos nacjonajs, deslocando-me para as capj-
taj sonde forenl ocorrer (gerallnente Rj o, São Paulo, Belo Horj-
zonte, Curjtjba, Bras1Ija). Uma vjsjta a Campo Grande (MS),
à sede do CPDV, edjtores da revjsta nacjonal e major grupo de
pesqujs~ ufológjca do Brasjl, uma espécje de centro de jnfor-
mações sobre o Movjmento UFOlógjco nacjonal, também terâ um
valor jnestjmável para rnjnha pesqujsa.
Em tercejro, freqUentar o trabalho dos grupos de ufologja
de 1Jarj aclos lnatj zes, escolhendo (ou sendo levado por) um para
r)~lrtj cj !)é:tl' rnaj B j ntcr1sa.rner1te, o que lne IJermj tj rá ciesenvol ver
U;:lé1 etr1()~rçl1'j a :nrlj S S:ltj si'a.tórj a sobre o trélbalho de can11)o,
rt. V)· í 1 J· [.1
~. 111" 1;
o1o' ·J C él. , as sessões de cantata proGramado.
I'10TAS

(1). A djversjdade é grande e frequentemente apontada como


causa da fraqueza do movjmento. No nº 6, de janejro-fe-
verejro de 1986, a revjsta Ufologja Nacjonal e Internacjonal
(U]\JI) publj cou artj [;0 de L. G. Scorteccj de Paula, "detectan-
do" nove correntes na ufologja brasjlejra, um esforço de clas-
Gjfjcação elogjado pelo edjtor da revjsta no III CIUFO-SP, que
o qualjfjcou como o artjgo majs jmportante já publjcado por
eles. No entanto, dentre todos, os grupos de pesqujsa que rej-
·vj rldj Céirn urna lj n11a de trabalho cj ent5 fj ca procuram expl j cj ta-
mente djstjngujr-se dos outros, os quajs chamam, de forma ge-
neraljzada, os mJstjcos. Estes últjmos são, na verdade, um sa-
co de gatos: compr~endem as majs varjadas tendêncjas e concep-
ções. ~las todos reconhecem-se radjcalmente djstjntos dos cjen-
tffjcos. Alguns deles, os que têm voz nos eventos gerajs e
mantém boas relações com os cjentífjcos, preferem chamar o
seu trabalho de UFOlogja avançada (ou às vezes transcendental,
ou esotérj ca) •

(2). A orjgem do termo (fjeld jnvestjcators) e da concepção


(1970) re.-l0r1ta ao casal de ufólogos' norte-amerj canos J j ln

e Coral Lorenzen (ver OVNI Documento, nº2, janejro de 1979,


p. 23).

(3). Di versas clr:lssj fj cações cio fenôrne110 foraal tentn.clas e tlSa-


dtlS 1)or seus autores. Urna 110 erlt:.lrlto pr'atj carnente ur1j ver-
salj zou-se rlO r:1ej o llfolÓt~j CO, corn rnoc1: fj ca.ções e l1uarlces 10-
P() I' tua (i o S II f ó 1 () ~ ~ o s (I f~ : 1ttJ o r' , -
~3(~rl:.l() o

, <:1 S t r o f' j' ~5 j C () r101'* t (~ -

:lnlel'j C:)J1(), por C1tltlS (1.3C:lcl<:lf.> corlsul tor (1:1 F'or<]Cl. l\.ére~ dOB !J/\~

sobre UFO~') (Prc)jcto Lj vro Azul), e qUê ,(.1,<:111110\.1 rnundj éll IlotOI'j c-
dade como consultor cjentffjco do fjllne de Spje1berg Cantatas
Tme(lj atas ele 3 Q GI'(lU. Ilyr1elc dj stj rlf:~uj II dllas I~r'arlcles C{l.tc[~orj D.S:
18

o grupo dos avjstamentos djurnos e luzes noturnas à djstâncja


e o dos cantatas jrnediatos (close encounters, a tradução equí-
voca "pegou" devjdo à versão cjnematográfjca). Classjfjcou
ajnda estes em três tjpos: 12 grau (1 st type; CEI, abrevjação
também utjljzada nas publicações brasjlejras), avjstamento a
menos de 200 metros; 2 2 grau (CEII), avjstamento tjpo 1 acres-
cjdo de efejtos da presença UFO no mej o-ambj ente; 32 grau
(CEIII), sempre que houver encontro (mesmo apenas o avjstamen-
to) com um ser jnteljgente, ocupante do OVNI, ufonauta. Atual-
mente tornou-se pratjcamente consensual no Movjmento UF016~j-

co brasj lej ro o 8.créscj rno de rnaj s doj s tj pos de encontro cor:l


() fenôlneno: cc)ntato j rneclj ato de 4 Q 13r,lU (CF~IV), a abdução, j s-
t() é, qllar1do o corltatEldo é levaria pelo Efr fJara o j l'lterj or da
n8.ve, 1)oder1do até fazer uma vj agem nela, desde que vaI te para
testernUflhar (conscj ente ou sob 11j p110se) o ocorrj do; 5 Q grétU

(CEV), contata estrj tarnerlte 1)81 quj co, telepátj CO, corn unI ser

e~:tra-terreno, que se apresenta como autor do fenômeno OVNI.


Serã curjoso pesqujsar como se estabeleceu o consenso em tor-
no a esta tjpologja, já que possuo materjal comprovando que
~)elo Inenos até o ano de 1983, as "arnplj ações" (lue se acrescen-
tavarn à t j polo~j a de 3 n;raus de I-Iyrlek eralTI as maj s dj versas

e heterogêneas: cada grupo jnventava asua.

(4). O urólogo cjent5fjco orjenta-se pela preocupação em de-


tetar se hã fraude nos casos de cantato. O jnvestj~ador

de campo, além de vjsar colher jnformaç5es posjtjvas sobre o


fenôrneno, teIn antes tlrn caráter de advor~ado do dj [J..bo, de pôr
à l)rova o t'eluto, terlt<lr er1contrar os seus "furos". l'·lo Setl

di scurs) é UL1::.~1tj gQ e recorrente terna. o cie "sepaI"ar o joj o


do trj~'~on (frase rel)cdjl.iarner1te cjtada, I). ex., 11é-1S cOl1f'erên-
cjas de Carlos Rejs e Claudejr Covo, durante o III CIUFO-S?).

(5). A 11j pótese CltlaSe unj versalrnente acej ta é f)Or toàos co-
111~ecj (1;].: (lue ~3U() er1ger1110s, nélves ele trarlSI)Orte j rltercstelar',
19

fruto de uma tecnologja por nós desconhecjda, constru5das por


seres jnteljgentes de orjgem extra-terrena. Outras hjpóteses
são cjrcunstancjalmente aventadas, mas ,parece-me , ape~as a t1-
ttll0 retór'j co.

(6). Assjm, Fabjo Zerpa, ufólogo argentjno de renome, com vá-


rjos ljvros publjcados, presente ao III CIUFO-SP e ao en-
contro sobre a"onda de majo" , baseja seus estudos e generalj-
zações a respejto dos seres ET em urna seleção rjgorosa empre-
endida por seu grupo de 965 entre 2000 casos de CEIII da ljte-
ratura :i1"UIll]J a.l, (lUe consj derararn Sllfj cj er1temente docunlentados

(r/). A ref~j no cscolhj dn., I)ela sua "alta j ncj dêncj a ufoló[';j ca"
mesma, é com &eqUêncj a a regjão onde o grupo jâ desen-
vaI ve tlrna })esquj sa ele campo com habj tantes locaj s, e na qual
já se habjtuaram a jnstalar-se.

(8). Conferêncja de Laércjo Fonseca, de Campjnas, no III CIU-


FO-SP.

(9). Idem jdjdem.

(10). Fundada em abrjl de 1983 durante o II CIUFO, em Bras1-


lja, tem hoje sede em São Paulo, e seu pres~jdente é
Claudejr Covo (ver UNI nº 3, julho-agosto/85, p. 6).

(11). F'errej ra, ]\!eto, 1984, tese de mestrado - únj co trabalho

élrltrl)r)oló~~:iCC) ele 1108S0 corlhecj Elento no Br'asj 1 sobre o

not5cja e o acesso a uma c6pja deste trabalho ao


p.ro~fcss()r (}j1berto Ve111o). Ver especjalrnente: 11.2. "A llfolo-
a corno dj scj 1)lj nrl cj ent5 fj ca" e 11.3. "O caráter relj gj aso
(1 \1 f () 1 o;~ j é1" (;J P • ~:3 3 - () 3) •

( 12) •

:) e 1 () f él. to de q II e e !lI 13 r él S 5 1 j a , a o q \1 e t II (i o j nL." d j (':1, 11 {t

a InnJ ar concc~r1tral;ão de te!1dênej as 1:1] stj cas, senclo Cll.le os


doj r3 .(:rupo3 l)or ele estudados (CI~r\JJ~U e COI'I/rATO) er1quad.rarn-se
ambos entre os grupos de ufologja avançada.

(13). Fala de }Cronemberrrer


.......
na "Reunj ão" sobre a "onda de maj o"
--'
quando reclamou pelo excesso de exposições cjentífjcas
no evento, e a falta de uma abordagem mais transcendental do
fenômeno.

(14). "We don't have UFOs, only UFa reports. The patterns and
contents of these reports constjtute the UFO phenomenon"
(Hynek, cjtado em UNI nº 2, majo-junho/85, p.21).

(15). O cantata não é necessarjarnente urna eXl1erjêncja j11clj'vj-


(1t1<3.1. J?ocle (jar'-se c()rno urn fe11ôulcll0 ele llla.ssa. i-'las (JIl t~Io

sua jmportancja estâ no carãter de prova jrrefutãvel da exjs-


tênej a (ia .lc;nÔIn(~nO, <levj do ao núlnero cle testcrntln11as, o qtlC

d.e~3cart;t os er1Gélll0S 1)8j cológi cos (j lusões, altlcj nações) como

IJar a atenção póbljca para o fen8meno, e colocar a ufologja


11a pauta. ele clj SCllssões (ij árj a ela população e cios rn5 dj a. Pou-
cas j nf()rrnações a.. crescenta no entanto aos estudos ufológj cos.
Jâ os contatas jmedjatos de 3º e 4º graus são sempre experjên-
cj (iS j 11,jj vj dtlaj s (Ot1 no máxj mo a doj s: hÉ! várj os casos de ca-
L58 is corlt[lté.lcios), e sua j rnIJortâncj a derj va da rj queza ele j n-

formações que os ~orltatados podem fornecer ao ufólogo sobre


o fen6meno,\Podem oferecer à reflexão da classe ufológjca.
/0 qv-e
(16). Este era o tema do III CIUFO-SP, onde mujto se falou no
óltjmo salto evolutivo do homem que passaria, a partjr
do l"elacj 011a.lnento com os UI~()s l1B. nova era, a j ntj tular-se
}f()rno coslnj CllS.

(17). l~specj ':.llrnellte o ele 3 º e ·42 [~ra.us, os Clt1e Illélj s perto Cl'lG-

,t1t;O li<) ~ G~3tr'~1,n;'-;2j l~O. lIa.E> ta.nlbér:i (lUarlClc) de 1º ;~r'\D_u, CCt~;O

trate-se ULl cnDO (le ~:~~rande repercussão nacj anal -- I). C~{.
,.",

crtSO ,J
~l

avjstamento em 19~2, quando teve seu avião segujdo de perto


por um OVNI da Bahja ao Rjo. O Comandante foi conferencjsta
no III CIUFO-SP.

(18). Fala de Fãbio Zerpa, em homenagem ao Comandante Brito,


durante o III CIUFO-SP. Zerpa também jniciou-se na ufo-
logja, em 1952, ap6s um avjstamento semelhante, seguido por
um OVNI de avião.

(19). Claudeir Covo, atual presjdente da ANUB, é especialis-


ta em fotografia e técnicas éticas, e dedica-se a dete-
tar trucagens fotogrãfjcas. Suas conferêncjas sempre apresen-
tam fotos enganadoras, que ele trata de demonstrar a falsjda-
de.

(20). Conferêncja de Carlos Reis no III CIUFO-SP; tffinbém seu


artigo em UNI nº3, julho-~gosto/85, pp. 7-9.
22

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

BOURDIEU, P. - "Gênese e estrutura do campo reljgjoso", 1.!l


A economja das trocas sjrnbóljcas. Perspectjva, São
Paulo, 1974.
DURRANT, H. - O ljvro negro dos djscos voadores. Ed. Uljsseja
Portugal, s/de
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\JE13EFt, :'1. - "I\ejejções reljgjosas do Inurlclo e suas djreções".
ln Pensadores: Weber. Abrjl, São Paulo, 1980.
RELATÓRIO DE REDAÇÃO DA DISSERTAÇÃO (III)
─────────────────────────────────────────

Título: Inteligência Extraterrestre e Evolução

Capítulo: 21 ─ a procura

Seção: Os Biólogos e a Inteligência Extraterrestre

Aluno: Jayme M. Aranha F1

Orientador: Prof. Luiz Fernando Duarte

PPGAS - MNA - UFRJ


Rio, março 1990
1

Rio,16mar90
APRESENTAÇÃO

Entreguei meu último relatório em dezembro/89. Compunha parte do segundo


capítulo da dissertação, sobre a existência e a procura de vida extraterrestre
inteligente. Como já expus no projeto, a questão eti é levantada em dois níveis: 1) a
discussão sobre a possibilidade de existência, onde se trata de decidir se vale a pena
procurá-la, tentar detectá-la, e de que modo fazê-lo; 2) a discussão sobre a possibilidade
de comunicar-se com a eti, estabelecer contato, onde se analisa o caráter de uma
mensagem (o meio técnico, o método de codificação, o assunto) capaz de ser recebida e
compreendida por outra espécie inteligente, estranha e distante. O primeiro prisma
define o capítulo 2. O segundo enfoque é assunto do capítulo 3.

Analisei uma estrutura de racionalidade que está onipresente no debate,


informando as mais diversas estratégias argumentativas, fundamentando as opiniões
mais divergentes. Trata-se basicamente da noção de um cáculo de probabilidade de
surgimento de etis. Para tanto, considera-se a série de condições necessárias ao
aparecimento da vida inteligente, estima-se a probabilidade de ocorrência de cada uma
dessas condições, e constrói-se uma equação. O produto final dessa fatoração causal
forneceria um índice de chances de haver eti, e, em última análise, o número total de
etis prováveis na galáxia.

Observei como a série de condições consideradas representava diferentes


ordens de fenômenos naturais, cada qual do escopo de uma disciplina científica distinta.
A série probabilística de eti é também uma classificação hierárquica da natureza, e
simultaneamente uma classificação dos saberes científicos.

Acompanhando a avaliação de cada ítem da fórmula, percebe-se que ela


"funciona" bem até um determinado ponto, a partir do qual perde sua eficácia. Este
ponto crítico situa-se no momento em que o fenômeno da vida é considerado. Até
então, os especialistas de cada área forneciam suas estimativas quanto ao respectivo
índice de probabilidade sem levantar problemas quanto à estrutura da fórmula, quanto
ao modo de tratar a questão da existência eti. Mas quando a "coisa biológica" entra em
cena, com os emblemas da evolução por mutação e seleção, da historicidade,
imprevisibilidade do curso, a própria forma de lidar com a questão eti ─ em termos de
índices de probabilidade ─ é levantada como problema.
2

Este relatório pretende apresentar em maior detalhe a problemática eti tal


como ela é tratada do ponto de vista da biologia. Optei por selecionar quatro autores
que participam do debate, resenhar suas contribuições e comentá-los separadamente. O
critério de seleção foi basicamente o da autoridade e prestígio do autor no seu campo
científico, e o da repercussão da sua intervenção no meio interessado.

Três dos autores são biólogos extremamente consagrados. SIMPSON,


paleontólogo e sistematista; DOBZHANSKY, geneticista; e MAYR, zoólogo. Junto a um
quarto, JULIAN HUXLEY, são considerados os principais formuladores da teoria
evolucionista moderna, num trabalho de consolidação do darwinismo que ficou
conhecido nos anos 50 como teoria sintética1. Retomaram os princípios estabelecidos
um século antes por Darwin e atualizaram-nos a partir das descobertas da genética, da
biologia molecular, e da paleontologia. Os três autores consideram a possibilidade de
existência de um ser inteligente extraterrestre uma quimera para desconhecedores da
biologia.

O quarto autor selecionado é o CARL SAGAN. Embora tenha se tornado um


astrônomo especialista em atmosferas planetárias, formou-se também em biologia.
Grande parte de sua obra, científica ou de divulgação, é dedicada à questão da
possibilidade de existência de vida e inteligência extraterrestres. Em mais de um
momento discute as implicações da teoria biológica na especulação sobre eti, e, de
todos os defensores da procura por eti, pareceu-me o que mais claramente fundamenta
sua opinião, mostrando-se bem informado quanto às opiniões adversas. Mas acima de
tudo, escolhi-o por ser o principal protagonista moderno das especulações sobre
inteligência extraterrestre, suas manifestações tendo uma repercussão inigualável no
debate e nas iniciativas SETI.

1. A denominação foi proposta por HUXLEY, cuja obra de maior repercussão intitulava-se Modern
Sintesis (1953).
1

GEORGE GAYLORD SIMPSON

A posição de SIMPSON, apresentada em um artigo intitulado *The Nonprevalence of


humanoids+ (1964)2, tornou-se uma espécie de paradigma do "ceticismo biológico" quanto à
existência de eti. Sua publicação na revista Science provocou uma onda de cartas e respostas,
e ainda hoje é citado, verdadeira referência obrigatória, nos artigos sobre inteligência
extraterrestre3. Å qualidade da argumentação no melhor estilo da biologia evolucionista,
soma-se o prestígio do autor, de reconhecida autoridade no campo da biologia sistemática e
na consolidação do darwinismo moderno. O título chegou a cunhar termos de referência para
o debate: a não-prevalência, a designação de humanóides.

O artigo insiste basicamente em dois pontos: 1) a questão da possibilidade de surgir


vida (antropomorficamente) inteligente é uma questão a ser levantada de dentro do campo da
biologia; 2) do ponto de vista da teoria da evolução, a probabilidade de que formas vivas
porventura existentes em outros planetas assemelhem-se em qualquer nível com a espécie
humana é desprezível.

Primeiro, Simpson reivindica a autoridade máxima da sua especialidade para julgar a


pertinência da questão. Distanciando-se de áreas científicas heterogêneas ─ a astrofísica, a
química ─, mas rivalizando com disciplinas vizinhas ─ a biofísica, a bioquímica ─, Simpson
afirma que a concepção de uma eti *is essentially a problem in evolution systematics+ (769).
Reconhecido o valor da sua opinião, Simpson dedica-se a demonstrar o seu argumento
central. Generalizando a partir de concepções do evolucionismo biológico, nega a
possibilidade de qualquer espécie evoluir independentemente para a identidade, ou exagerada
similaridade ─ tal como é suposta na figura da eti. Primeiro, uma disputa e delimitação de
autoridade de conhecimento; segundo, o veridicto de um impedimento de natureza.

2. As referências bibliográficas deste segmento que apontarem apenas a página, remetem a este artigo.

3. Numa reunião de recentes artigos de cientistas e filósofos sobre inteligência extraterrestre (REGIS JR: 1987), o
texto de Simpson é citado por seis dos onze autores do livro.
2
Simpson reconhece a grande aceitação que o tema há muito possui, inclusive no meio
científico, no entanto acusa que os biólogos *raramente foram consultados+. Mesmo quando o
assunto invade o terreno das ciências da vida ─ sob o título de *space bioscience+ e
*exobiologia+ ─, a abordagem é feita sobretudo do ponto de vista da bioquímica ou biofísica.
Mas toda a questão depende fundamentalmente de um parecer sobre a evolução das espécies
biológicas, uma vez que não se procura apenas vida extraterrestre, mas uma espécie
inteligente, e mais, capaz de estabelecer comunicação com a espécie humana. Ora, cabe à
biologia, *strictly speaking+ (769), à biologia evolucionária e sistemática, analisar os
mecanismos pelos quais a espécie humana, com todas as suas idiossincrasias, pôde aparecer
na Terra. A partir desta análise do surgimento biológico da peculiaridade humana, cabe
novamente à biologia julgar se ele pode "repetir-se", ressurgir muito semelhante em outra
cadeia evolutiva. *As a evolutionary biologist and systematist, I believe that we should make
ourselves heard in this field+ (769).

A expressão do título sintetiza o seu julgamento final: *não-prevalência de


humanóides+. Para designar o antropomorfismo requerido à concepção de eti, Simpson elege
um termo que diz ter tomado emprestado à ficção científica: humanóide. *A humanoid [...] is
a natural, living organism with intelligence comparable to man's in quantity and quality,
hence with the possibility of rational communication with us. Its anatomy and indeed its
means of communication are not defined as identical with ours+ (771). É o que outros
chamam mais precisamente de *humanoid intelligence+, para distinguir de *humanoid
physical form+ (RAUP:31). Quanto à dessemelhança anatômica, Simpson parece julgá-la tão
óbvia e necessária, que sequer a inclui na questão. O problema considerado é especificamente
o da noção de inteligência ─ emblema da espécie Homo sapiens ─ em seu aparecimento
enquanto fenômeno biológico, i.e., enquanto produto da evolução das espécies. *Even in
planetary histories different from ours might not some quite different and yet comparably
intelligent beings ─ humanoids in a broader sense ─ have evolved?+ (774).

A não-prevalência de humanóides significa que humanóides intelectuais


"simpsonianos" não constituem espécies predominantes ou freqüentes em qualquer cadeia
evolutiva. Prevalence também conota o domínio, a supremacia, a vitória que coroa o que
sobrevive aos concorrentes. Nada no estudo da evolução biológica terrestre permite pensar
3
que as cadeias evolutivas tendam a gerar espécies humanóides. Ao contrário, tudo leva a crer
que a inteligência humanóide é um atributo extremamente específico, produto singular de
apenas um ramo de toda a filogenia reconstituída terrestre. Nada indica que a tal inteligência
seja um caráter especial e de valor universal, que escape às regras darwinistas da contigência
histórica, e obrigue toda e qualquer cadeia evolutiva a convergir para si, a tentar alcançar um
mesmo resultado ótimo. A recusa da predominância da inteligência no mundo vivo é também
a recusa da teleologia, ou de qualquer exagero adaptacionista quanto à generalização de uma
"solução ótima", em termos de uma tendência geral do processo evolutivo ou da
superioridade absoluta de um caminho sobre todos os outros.

As descobertas sobre as condições de superfície dos planetas vizinhos do sistema


solar deixavam, já em 1964, poucas possibilidades para formas vivas ─ apenas quanto a Marte
Simpson mantem um ceticismo cauteloso. Quanto a humanóides, não vê qualquer chance.
Para avaliar a hipótese de etis fora do sistema solar, na falta de dados observacionais diretos,
o único recurso é partir de modelos teóricos da origem da vida e dos mecanismos da sua
evolução. Esta é a *directly evolutionary [question], and its two major fields of enquiry: the
origin of life and its subsequent history+ (770).

Em seu juízo final quanto à existência de eti, Simpson oscila entre afirmar a sua
extrema improbabilidade ou a sua total impossibilidade. A improbabilidade deriva da análise
das circunstâncias que permitiram o surgimento da espécie humana, e a estimativa de o
quanto elas podem ter se repetido em outros sítios, o quanto são cosmicamente freqüentes. A
impossibilidade deriva da relação da noção de inteligência e de espécie humana. Mas o
resultado é o mesmo: não adianta imaginar ou procurar eti. No fim, ambas encontram-se nas
vizinhanças do zero: *Improbability piled on improbability approaches impossibility+ (774).

Primeiro, a afirmação da improbabilidade humanóide, que é a tática principal da


argumentação de Simpson. Depois veremos como se chega a formular a impossibilidade
biológica de (outros) humanóides.

Simpson enumera quatro fatores probabilísticos concorrentes no cálculo da


probabilidade geral de surgir uma eti (771). Cada um deles avalia a probabilidade de: 1)
4
existência de planetas adequados; 2) surgimento de vida em tais planetas; 3) evolução
biológica em uma direção predizível; 4) que chegue a produzir humanóides. Formam uma
seqüência de quatro frações a serem multiplicadas, cada qual calculando um fenômeno mais
restrito e dependente do anterior. Simpson acredita que a probabilidade n1 1 é bastante
grande, mas que reduz-se progressiva e drasticamente a cada novo fator da seqüência, sendo a
última *almost negligible+. O produto final *is probably not significantly greater than zero+.

Não é o primeiro dos fatores que Simpson pretende discutir. Mesmo quanto ao
segundo, só em parte lhe interessa. Estão referidos, não ainda à biologia, mas a outros campos
científicos. Simpson contenta-se em enunciar a opinião hegemônica dos especialistas
apropriados. A primeira cabe a astrônomos, que parecem unânimes em concordar que
planetas semelhantes à Terra são comuns na galáxia. A segunda cabe basicamente aos
bioquímicos, que igualmente acreditam que formas de vida quase inevitavelmente surgirão
em planetas suficientemente similares à Terra.

Já aí no interior da questão da origem da vida Simpson encontra o seu mote. A


hipótese de aceitação praticamente unânime é a da origem "espontânea" a partir do
inorgânico, submetido exclusivamente às leis da física e da química em um ambiente
planetário primitivo. As experiências de MILLER (1955), obtendo a síntese de aminoácidos
num dispositivo que supostamente simulava as condições de superfície da Terra primitiva,
serviram de paradigma para dezenas de outras, cada uma reconstituindo um passo da síntese
das macromoléculas essenciais à vida conhecida (proteínas, açúcares, até ácidos nucleicos4).
A restrição de Simpson inicia-se neste ponto: as reconstituições bioquímicas alcançavam
apenas o estágio da formação das macromoléculas, nada se conseguiu de biogênese
propriamente. Não se obteve vida de um tubo de ensaio estéril, mesmo saturado de
nucleotídeos e enzimas, estimulado por radiações e temperaturas, repetido com inúmeras
variações. Pasteur não foi ainda logrado. *It is here that one must stop taking for granted the

4. Quando escreveu o artigo, vários componentes julgados essenciais ainda não haviam sido obtidos *under
realistically primitive conditions+. Mas Simpson acreditava que eles acabariam sendo sintetizados em simulações de
laboratório. De fato, várias das lacunas foram e continuam a ser preenchidas até hoje. Sobre toda a cadeia de reações
de síntese das macromoléculas primordiais ver DICKERSON:1978, sobre a formação da estrutura celular, ver
SCHOPF:1978. As pesquisas continuam: o prêmio Nobel de química do ano passado foi concedido a dois
pesquisadores que descobriram atividade catalítica (até então uma função típica de proteínas) em ARN. O achado veio
a reforçar a hipótese de que o ARN tenha sido a primeira molécula a estocar e replicar informação genética.
5
expectations and extrapolations of the chemist and can obtain further enlightenment only
from the biologist as such+ (772).

Mesmo obtendo-se in vitru um sistema de macromoléculas capazes de replicação,


para Simpson não se trata ainda de vida. *Systems evolving toward life must become cellular
individuals bounded by membranes+ (771). Para o biólogo, o conceito de vida está
necessariamente amarrado ao de ser vivo, ao da relação entre um organismo individual e seu
meio ambiente5. Só se pode falar em surgimento da vida como o aparecimento de um
primeiro ser vivo, certamente unicelular ─ átomo mínimo da individualidade orgânica,
recortado ao ambiente circundante. Ora, é justo na passagem do aglomerado de polímeros
para a estrutura celular que os bioquímicos recolhem-se à mutez.

Simpson aceita as estimativas de probabilidade dos bioquímicos quanto à


generalidade das macromoléculas, mas as recusa quando pretendem estendê-las à biogênese,
como se esta representasse apenas mais um passo num contínuo de sínteses naturalmente
sucessivas. Uma grande distância ainda separa a sopa primitiva de um sistema vivo. Um
sistema vivo deve ser capaz de converter energia de modo a acumular neguentropia; deve
estocar informações e replicá-las, reproduzir-se; por fim, deve envolver-se por uma
membrana, destacar-se e intercambiar com o meio, tornar-se célula (771).

Dos elos que preenchem a lacuna entre as macromoléculas e o unicelular, nada se


sabe ao certo, nenhuma cifra de probabilidade se pode afirmar. Simpson crê que processos de
adaptação (mutação, recombinação e seleção) estão envolvidos já nessas etapas6. Tais
processos representam uma diferença de grau (of degree), e num certo sentido de natureza (of
kind), em relação aos processos envolvidos na síntese puramente química de macromoléculas.
*Something new has definitely been added in these stages of the origin of life+ (772). A
eclosão desta novidade, a organização das moléculas em sistemas celulares, Simpson a crê

5. Sobre à elaboração da noção de organismo vivo, l'être vivant, como germinal na constituição da biologia moderna
ver CANGUILHEM:1975, FOUCAULT:1966 (caps 5,7,8) e JACOB:1983.

6. Novamente as intuições de Simpson coincidem com os achados e opiniões atuais. Ver referências à nota 3, e mais
EIGEN et al:1981.
6
rara, improvável. *It would seem that evolution must frequently or usually have ended at that
preorganismal stage+ (772).

A introdução da novidade biológica condensa-se nessa figura mítica, modelo da


origem: o organismo primal. Um ser heróico que acumula em si o estatuto de primeira célula
(a distinguir-se de um mero aglomerado de macromoléculas, a destacar-se do meio
inaugurando um limite dentro/fora), primeiro organismo individual, e primeira espécie viva.
Os vários níveis do objeto biológico, código genético-célula-organismo-espécie, surgem
simultaneamente encarnados em um único ser. Tronco pai original do mundo vivo,
instaurador de uma nova ordem, que se ramifica na complexidade histórica da descendência.

Na passagem do problema da origem da vida para o da sua evolução subseqüente


encontra-se também a fronteira entre o saber do químico e o do biólogo, de uma
probabilidade determinista para a imprevisibilidade da história. Simpson está realmente
interessado é nas probabilidades 3 e 4. Ambas envolvem diretamente o problema da evolução,
e são questões que só a um biólogo cabe responder.

Os entusiastas por etis (em sua maioria não biólogos strictu sensu) costumam assumir
que, uma vez surgida vida em um planeta, ela evoluirá de forma semelhante à que se passou
na Terra. Para Simpson, a única base para tal presunção é a opinião de que *the course
followed by evolution on earth is its only possible course, that life cannot evolve in any other
way+ (772). A duas fontes de conhecimento científico deve-se indagar da justeza dessa
opinião: à paleontologia e à teoria evolucionista (773). O estudo do registro fóssil, a fim de
notar se o curso da evolução da vida terrestre seguiu como que direcionado para um
determinado resultado, tendendo gradativamente à elaboração de um modelo último de
espécie. A teoria evolucionista para, a partir da análise dos mecanismos pelos quais as
espécies se originam, descobrir se eles podem de alguma forma privilegiar a constituição de
humanóides.

A reconstituição da história evolutiva a partir da pesquisa paleontológica permite ver


que os caminhos da evolução não parecem buscar nenhuma forma última, solução ideal e
onivalente. Decididamente não tendem a gerar sempre um mesmo padrão ótimo de ser vivo.
7
Ao contrário, seus ramos às vezes proliferam desenfreadamente em explosões de especiação,
às vezes abortam linhagens inteiras antes dominantes, sempre produzindo espécies
inteiramente distintas umas das outras. A trilha da evolução terrestre é errante, inesperada, e
sempre inovadora, produzindo seres antes inimagináveis, encontrando "soluções" sequer
esboçadas. Ela improvisa e reaproveita o que havia sido previamente selecionado por um
motivo circunstancial, para outro fim, agora premente e oportuno. O rumo é repleto de
guinadas, recuos, desvios e redirecionamentos.

Os mecanismos evolutivos demonstram o quanto as espécies são determinadas por


incontáveis pequenos fatores circunstanciais, como as suas origens estão mergulhadas em
contingências imprevisíveis e cambiantes. Ao contrário da imanência das "leis naturais" da
física, a evolução biológica possui princípios contingentes e históricos. Além da seleção
obedecer a circunstâncias adaptativas, *there is a more or less random element in evolution
involved in mutation and recombination, which are stochastic+ (774).

Ambas as abordagens desmentem a pressuposição de que humanóides surgem sempre


onde há vida. Não só demonstram que a evolução não busca um fim predeterminado, como
sugerem a impossibilidade de uma mesma espécie, ou muito similar, emergir mais de uma
vez. *Both the course followed by evolution and its processes clearly show that evolution is
not repeatable+ (773). Não pode haver duas espécies idênticas, com filogenias distintas.

O processo geral de especiação é sempre um processo de singularização, de geração


de uma espécie única e inédita, distinta de qualquer outra. *Man cannot be an exception to
this rule+. O caso Homo sapiens é apenas uma situação particular da regra geral: nenhuma
espécie pode surgir duas vezes. *No species or any larger group has ever evolved, or can ever
evolve, twice. Dinosaurs are gone forever.+ (773). Para repetir-se um processo de especiação,
seria necessário repetir-se exatamente todas as inúmeras circunstâncias que levaram à eclosão
primeira. *The chance of duplicating man on any other planet is the same as the chance that
the planet and its organisms have had a history identical in all essentials with that of the
earth through some billions of years+ (774, gm). A evolução, como a história, porque história,
nunca se repete. Diferentes linhagens não podem gerar espécies idênticas pois a história não
tem duplo.
8

É nestes termos que a argumentação de Simpson abandona a tática de demonstar a


improbabilidade do surgimento de inteligência e assume a afirmação da impossibilidade de
qualquer eti. O julgamento de impossibilidade deriva por um lado do estatuto atribuído à
noção de inteligência, por outro, da noção de espécie e do caráter da sua origem e evolução.

A inteligência é considerada tão antropomórfica, tão específica do homem, que


confunde-se com a própria especificidade do humano, com o que distingue a espécie humana
em termos biológicos. Inicialmente, num esforço de poder generalizá-la para o mundo dos
vivos, de torná-la um "caráter" biológico, a ser adquirido por qualquer espécie em evolução,
Simpson trata-a como inteligência humanóide. Mas este artifício é apenas retórico. Todo o
artigo examina a possibilidade de geração de duas espécies idênticas, ou do ressurgimento da
mesma espécie em mais de um ramo, em mais de um momento, de determinada cadeia
evolutiva. O reaparecimento da inteligência, ou da mesma forma anatômica, ou da mesma
espécie como um todo, parecem todos suscitar o mesmo problema, serem diferentes formas
de formular a mesma dificuldade. A inteligência vale, numa sinédoque histórica, pela
espécie. O grupo humanóide e a espécie humana são, de saída, coextensivos.

O único momento em que a inteligência aparece "descolada" da própria espécie,


considerada como um "caráter" de valor adapatativo, é num breve trecho, já no fechamento
do artigo. *Manlike intelligence is, after all, a marvelous adaptation, specially in its breadth.
It has survival value in a wide range of environmental conditions, and therefore, if it became
possible at all, might be favored by natural selection even under conditions different from
those on earth+ (774). Tais considerações "adaptacionistas" não chegam a mudar o
julgamento de Simpson, que insiste na improbabilidade do seu aparecimento.

O conceito básico de espécie em biologia estabelece, desde Buffon, que é a


capacidade de os indivíduos de uma população gerarem descendentes férteis que os define
como grupo. Cruzamentos inter-espécies em geral são simplesmente inviáveis, no máximo
geram descendentes estéreis, aporias evolutivas. Tabu do incesto biológico às avessas, a
noção de espécie constitui o elo central que liga o organismo isolado à evolução dos seres
9
vivos, ao relacionar história individual através da reprodução e descendência à história das
formas vivas.

Se o estatuto atribuído à inteligência é o de confundir-se com a própria especificidade


do humano, nenhuma outra espécie pode possuí-la. Isto corresponderia a duas espécies de
linhagens diferentes evoluirem para uma única espécie, ramos distantes da genealogia curto-
circuitarem. Fundirem, formando pontes de convergência, em vez de bifurcarem, formando
árvores divergentes. Se a inteligência funciona como emblema suficiente do Homo sapiens,
impõe-se que nenhuma outra espécie pode gerar esse mesmo resultado, evoluir para o mesmo
fim.

Em resumo, o movimento básico do argumento simpsoniano parte do dogma


biológico de que uma espécie não pode ter duas filogenias distintas, não pode surgir duas
vezes. Uma espécie, uma origem: história. Simpson estende este princípio para além da estrita
identidade, abarcando também espécies "muito semelhantes". Todo o problema está no
julgamento desta semelhança, na atribuição da fronteira de identidade de uma espécie. No seu
entender, o antropomorfismo intelectual ─ requerido à concepção da eti ─ ultrapassa o limite
de similaridade admissível pelo interdito biológico.
10
THEODOSIUS DOBZHANSKY

DOBZHANSKY (1978)7, em um livro dedicado às noções de diversidade genética e de


igualdade humana, aborda o tema da vida e da inteligência extraterrestres. O livro reúne
três ensaios, um discutindo a distribuição de inteligência entre os indivíduos, o segundo sobre
a diversidade de raças humanas, e um epílogo sobre a *imagem do homem+ e *seu lugar no
universo+ face a uma *concepção evolucionista do mundo+. É neste último, não
especificamente dedicado ao assunto, que comenta as especulações sobre eti, concordando
com as opiniões de SIMPSON (1964).

Considerando a última imagem do cosmos construída pelos astrônomos, um bilhão de


galáxias, os milhões de sistemas planetários da Via Láctea, pergunta-se se a Terra pode
ocupar um lugar *unique, exceptionnelle ou privilégiée+ no universo. Isso por ser o único
planeta conhecido onde *la matière participe à un processus appelé la vie+ (86).

O argumento fundamental dos entusiastas da possibilidade de etis considera que,


diante do grande número de lugares possíveis para o surgimento da vida, é inadmissível
acreditar que apenas em um caso ela tenha vingado. Partem da suposição, no entanto, que ela
seja um fenômeno provável, o que de modo algum é certo. *La preuve qu'il n'est pas unique
reste à fournir+ (87). Mesmo que houvesse surgido vida bioquimicamente análoga à terrestre
em outro astro, poucas chances teria de desenvolver-se da mesma maneira, dando origem a
*des êtres de type humain+.

A evolução é um processo de adaptação ao meio, mas não está predeterminada a


realizar uma forma particular de adaptação: o repertório de soluções possíveis é quase
ilimitado. A evolução é um processo criativo, que evita seguir duas vezes pelo mesmo
caminho. *L'homme n'était pas inscrit dans la première forme vivante, sinon comme une de
ses infinies possibilités. Et nous ne saurons probablement jamais ce que ces autres
possibilités représentaient+. A história biológica pode ser entendida como uma simples série
de acidentes, mas é de preferência uma sucessão de eventos únicos, interligados, e

7. Neste segmento, toda referência bibliográfica que contenha exclusivamente a página da obra, refere-se a
DOBZHANSKY:1978.
11
irreproduzíveis. *L'espèce humain est presque certainement unique au sein de l'univers, et
notre planète est également unique+ (87).

Dobzhansky acredita que toda ciência é necessariamente determinista, biologia


inclusive. *Le déterminisme est la croyance qui sous-tend toute l'activité scientifique+ (90).
Recorda o impacto da revolução copernicana, da mecânica newtoniana, na *imagem do
homem+ moderno, fazendo-o acreditar na *nature mécanique et inexorablement déterministe
de l'univers+. O cientista precisa partir da crença de que o universo é ele mesmo
determinístico, laplaciano, que possui leis rigorosas e precisas da sua construção, as quais é
possível procurar, tentar conhecer. A única limitação à possibilidade de prever os
acontecimentos, a partir das leis e do estado inicial, é uma limitação de conhecimento, de
incapacidade de computar todas as infinitas variáveis envolvidas no processo. Não fosse a
ignorância assintoticamente residual do cientista, o relógio do mundo não possuiria mais
mistérios, sequer quanto ao seu futuro. Não há deus ex machina, nem irracionalismos na
natureza. Como também não há acasos puros, acidentes não causados. Toda a história é
necessária, já está determinada, dadas as condições iniciais do universo.

Mas além de inteiramente determinados pelas condições iniciais do universo, os


fenômenos biológicos são também únicos. A evolução, encadeando miríades de eventos
únicos, promove a variedade, a diferenciação ilimitada. *L'aspect le plus remarquable de
l'évolution est précisément qu'elle engendre des choses nouvelles+ (94). Cada um dos eventos
é sempre singular, irrepetível, cada ser inconfundível com qualquer outro, cada um o
resultado de uma história particular. Nunca uma configuração de determinantes se dá
exatamemte da mesma forma, nunca a mesma constelação de detalhes se repete.

Aqui, o termo único tem um sentido valorativo, que se soma ao sentido "lógico". O
tema da unicidade ─ da história e das espécies biológicas ─ parece participar de uma
anfibologia. Não apenas único porque sem igual, irrepetível, mas também porque
excepcional, privilegiado. O valor da unicidade ressurge na sutil recusa de um caráter
acidental para a evolução. Dobzhansky prefere crer *que l'évolution universelle représente
une vaste entreprise, à laquelle tout et tout le monde participe+ (99).
12
A impossibilidade de prever o curso da evolução para Dobzhansky ─ no que se
distingue de Simpson ou de Mayr ─ não se deve ao indeterminismo fundamental das ciências
biológicas. Ao contrário, deve-se ao determinismo radical, à extrema complexidade dos
determinantes envolvidos, e à limitação laplaciana do conhecimento humano. *Les
phénomènes biologiques e psychologiques sont moins prévisibles [que les célestes], mais
seulement parce qu'ils sont plus complexes et que les lois qui les gouvernent n'ont pas encore
été découvertes+ (89).

A noção de evolução não é exclusiva da biologia. *Je ne prétends pas que Darwin ait
fait de l'évolution un principe universel. [...] Pourtant, la théorie darwinienne de l'évolution
biologique est la pierre angulaire de la conception évolutionniste du monde, débutant par
l'évolution cosmique et culminant dans l'évolution humaine+ (92). Dobzhansky reconhece ao
menos três tipos de evolução: a inorgânica, a orgânica e a humana. *Ces différentes sortes
de'évolution ne sont pas indépendentes l'une de l'autre; elles représentent plutôt trois étapes
de l'évolution générale du cosmos+ (94). Os processos evolutivos são inteiramente diferentes
em cada nível, e os conceitos da evolução biológica (hereditariedade, mutação, seleção
natural) não se aplicam aos astros ou à cultura. Mas em todos os níveis, não se encontra um
mundo estático, ou cíclico, mas em processo. Chega a referir-se a Teilhard de Chardin, um
*evolucionista audaz+, e à sua visão no limite entre o científico e o místico8.

Não se pode saber ao certo se o curso da evolução é ditado pelo acaso ou se persegue
um fim último. É a ignorância também que impede lançar um juízo sobre o caráter global da
evolução: se ela é fortuita e acidental, ou se possui uma direção. Ao homem, único ser
consciente da própria evolução, cabe perguntar-se sobre o rumo da evolução. Dobzhansky
parece ter esperanças de que a ciência chegue a apreender este fim, detetar este rumo. *Où va
l'évolution? [...] Quatre siècles de progrès scientifique, depuis Copernic, n'ont pas dévoilé ce
mystère; le dernier siècle, depuis Darwin, rend la question plus pressante que jamais+ (99)

8. Uma referência simpática à *filosofia otimista+ de Chardin também se encontra no encerramento do seu livro O
Homem em Evolução (1968). Após apresentar o *ponto Ωmega+ para o qual a evolução se encaminha, a última frase
do livro é também uma citação de Chardin: *o Homem não é o centro do Universo como ingenuamente se acreditava
no passado, mas algo muito mais belo ─ Homem, a seta ascendente da grande síntese biológica. Homem, a última a
nascer, a mais fina, a mais complexa, a mais sutil das sucessivas camadas da vida+.
13
A natureza surge como atora, como que dotada de intenção, quase como num
animismo evolucionista. Ela é uma artesã paciente que tenta, *par essai et erreurs+, alcançar
um modelo mais perfeito. *Chaque espèce biologique représente un essai de la nature, qui
expérimente un nouveau mode de vie+ (96). Dentre as experiências, o homem ocupa um lugar
especial. *L'humanité représente en effet, en tant qu'espèce biologique, une extraordinaire
réussite. [...] Ceci résulte d'un complexe de caractères adaptatifs nouveau, transmis
indépendamment des gènes, qui s'appelle la culture+ (97). E até onde se sabe, este lugar
privilegiado se situa em relação a todo o universo. *La vie joue un rôle important dans cette
évolution, et particulièrement une forme de vie appelée l'homme, qui n'existe, par autant
qu'on sache, que sur une seule et remarquable planète+ (96).

ERNST MAYR

ERNST MAYR (1987) é outro eminente biólogo a opinar sobre a questão da


possibilidade de existência de seres inteligentes extraterrestres9. Bem mais recente (original
de 1985) e atualizado (quanto às pesquisas sobre biogênese e sondagens sobre vida no
sistema solar), seus argumentos em vários momentos encontram os de Simpson, cujo texto ele
recomenda a leitura (29).

Como Simpson, Mayr recusa-se a discutir qualquer similaridade anatômica entre o


homem e uma possível espécie viva extraterrestre. Lembrando a ficção científica, afirma
que *intelligence, on another planet, might reside in a being inconceavably different from any
living being on earth+ (28). A possibilidade de semelhança em questão refere-se apenas à
*genuine intelligence+.

O título já antecipa o modo de abordar a questão eti: em termos de probabilidade.


Inicia definindo três probabilidades distintas, geralmente confundidas, cada uma mais
particular: 1) existência de vida extraterrestre; 2) de vida extraterrestre inteligente; 3) que seja
capaz de comunicar-se conosco. Sua estratégia geral é convencer que as chances são nulas. *If

9. Em MAYR:1978 faz um extremamente breve comentário, condensando o seu argumento principal (p.44). Todas as
referências bibliográficas deste segmento que se restrinjam à página, referem-se a MAYR:1987.
14
one multiplies these with each other, one comes out so close to zero, that it is zero for all
practical purposes+ (29).

Mayr ri-se de ter ganho uma aposta com um físico, quando a sonda automática Viking
pousava em Marte. Apostara que nenhuma vida seria detectada. No entanto, referindo-se aos
trabalhos de Eigen *and his school+10 sobre a formação de macromoléculas e inclusive
estocagem de informação e replicação em "condições primitivas", aceita que a biogênese seja
um processo repetível. *The probability of the repeated origin of macromolecular systems
with an ability for information storage and replication can no longer be doubted+ (24). Caso
planetas semelhantes à Terra sejam comuns, expectativa que os astrônomos compartilham
mas para a qual não possuem evidências diretas, concorda que possa existir vida
extraterrestre. Mas nada se pode afirmar. Exceto que não há vida ─ após as Mariner, as
Pioneer, as Viking ─ nos demais planetas do sistema solar.

Os adeptos da tese da existência de eti predominam entre os cientistas físicos. Alguns


microbiólogos e biólogos moleculares, e uns poucos *romantic organismic biologists+ a eles
se juntam. Mas quase a unanimidade dos biólogos são céticos quanto ao assunto. Para Mayr,
o motivo desta distribuição da divergência de opiniões tem uma raiz epistemológica.
Cientistas de formação física (apesar dos abalos da mecânica quântica) tendem a uma
concepção determinista dos fenômenos, enquanto a biologia lida com processos, como a
evolução, essencialmente *oportunísticos e impredizíveis+ 11.

Para um astrônomo, a existência de vida em um planeta inevitavelmente implica,


fornecido o tempo suficiente para a atuação da evolução, no aparecimento de vida inteligente
humanóide. *The production of man [is for an astronomer] like the end product of a chemical
reaction chain where the end product can be predicted once you know with what chemical
you had started+ (25). Um biólogo, ao contrário, impressiona-se com a extrema
improbabilidade de uma espécie inteligente ter surgido na Terra.

10. Ver p.ex. EIGEN et al:1981. A referência citada por Mayr é KÜPPERS:1983.

11. A respeito das divergências epistemológicas entre os ramos da ciência na visão de Mayr, ver MAYR:1985.
15
Apresentando um calendário simplificado do surgimento e história da vida terrestre,
Mayr traça um panorama da complexidade da evolução biológica. Seguindo a linhagem que
deu origem ao Homo sapiens, parte dos supostos primeiros organismos (há 3,8 bilhões de
anos, 700 milhões após a formação do planeta12), passa pelo surgimento dos unicelulares com
núcleo (há apenas 800 milhões de anos), dos cordados (550), vertebrados (500), mamíferos
(250), primatas (70), antropóides (24), hominídeos (7) e homem moderno (há 30 mil anos).
Nota como a vida primitiva custou a produzir um exemplar eucariote (3 bilhões de anos), e a
explosão de diversificação do período cambriano.

Da história da evolução terrestre, Mayr pretende extrair duas constatações. Em


primeiro lugar, a extensão temporal da presença de formas vivas, em proporção ao curto
período, tão tardio, de aparecimento da única espécie inteligente conhecida. Em segundo
lugar, sublinha a enorme diversificação que as formas vivas sofreram em inúmeras
ramificações de descendência, formando árvores que não cessam de se bifurcar. De todos
caminhos e ramos, apenas um gerou a inteligência.

Um dos argumentos dos que crêem ser provável a eti é a analogia com a evolução
convergente de órgãos em linhagens diferentes. O caso mais contundente é o do
desenvolvimento independente do olho nos vertebrados e nos cefalopodos, chegando a um
resultado estruturalmente bastante semelhante13. Mayr não recusa tal convergência, e até a
exagera: cita um estudo seu (em parceria) no qual mostra que o órgão ocular surgiu
independentemente no mínimo 40 vezes em grupos distintos. Acredita que ele sempre
desenvolva-se quando representar "vantagem seletiva". Mas Mayr abandona a discussão em
termos de mecanismos evolutivos, e toma os dados sobre recorrência como pura constatação
empírica de probabilidade. A múltipla origem e convergência dos olhos apenas demonstra o
quanto este caráter é provável, enquanto a raridade histórica da inteligência prova sua
improbabilidade. A surpreendente semelhança estrutural dos olhos do polvo e dos vertebrados
também é deixada para trás, diluída nas 40 aparições de órgãos fotorreceptores, com

12. Sobre a precocidade relativa do surgimento da vida na Terra, recuada até praticamente os primeiros registros
geológicos disponíveis, ver GOULD:s/d. Tal precocidade é comumente considerada um signo da alta probabilidade de
surgimento da vida nas condições da Terra primitiva.

13. Para um biólogo que toma o caso da convergência adaptativa dos olhos dos vertebrados e dos polvos como
central na discussão sobre a possibilidade de eti, ver ORNSTEIN:1982.
16
estruturas as mais diversas. Além disso, Mayr nunca menciona o sistema nervoso central, ou
o desenvolvimento do órgão cerebral, como substrato orgânico da inteligência. Não reduzindo
a irrupção da inteligência à evolução de um órgão de grande valor adaptativo, escapa ao
essencial da analogia entre o surgimento dos olhos e a possibilidade do surgimento de uma
eti14.

Não bastasse a raridade da inteligência como atributo de uma espécie biológica, as


propostas SETI fazem mais uma exigência: que a eti desenvolva tecnologia capaz de
radiocomunicação interestelar. É apenas esta eti particular o alvo das propostas SETI.
Lembrando outras brilhantes civilizações (grega, chinesa, renascentista), e mesmo outras
espécies (Neanderthal), todas desprovidas de radiotelescópios, e somando a exigência da
simultaneidade de duas civilizações para estabelecer comunicação, Mayr finalmente
considera que as probabilidades de encontrar uma eti *are close to zero+ (29).

CARL SAGAN

Sagan costuma apresentar a divergência de opinião quanto à probabilidade de eti


como fruto de uma diferença de ênfase nas condições do seu aparecimento: enquanto os
adversários da idéia privilegiam um aspecto, os simpatizantes sublinham outro (S1:1083L;
S2:p430,p487; S3:p282)15. Alguns, biólogos evolucionistas, impressionam-se com a longa
seqüência de eventos, cada um individualmente improvável e sensível a influências acidentais
do meio, que deu origem à espécie humana. Outros, impressionam-se com a magnitude da
vantagem seletiva que representa o desenvolvimento da *inteligência e da capacidade
manipulativa+. Uns, atêm-se à improbabilidade histórica do surgimento do homem para
reclamar as chances desprezíveis de produzir-se um similar; outros, sublinham o seu sucesso

14. Considere-se ainda o papel chave que se costuma atribuir ao aparecimento dos olhos no desenvolvimento do
sistema nervoso central, por exigir processamento das imagens num bulbo ocular.

15. Utilizo seis textos em que Sagan aborda a problemática biológica da inteligência humana e extraterrestre. Para
facilitar o sistema de citações, utilizo as seguintes siglas, nas referências a estas seis obras:
S1 = SAGAN:1970 S4 = SAGAN:1983a
S2 = SAGAN & CHKLOVSKII:1966 S5 = SAGAN & DRAKE:1975
S3 = SAGAN:1983b S6 = SAGAN:1984
17
adaptativo para estranhar que não haja outros concorrentes a descobrir um caminho evolutivo
semelhante, a encontrar a mesma mina de adaptabilidade.

Para Sagan, a diferença de opinião quanto à probabilidade de eti não se deve a uma
má compreensão da noção biológica de evolução, ou a um uso equívoco por parte de
cientistas de formação física, mal avisados a respeito dos limites dos conceitos de cada
disciplina. *O grande princípio da biologia ─ aquele que, até onde sabemos, distingue as
ciências biológicas das ciências físicas ─ é a evolução através da seleção natural+ (S4:pXIX).
Sagan, que também graduou-se em biologia, resume os princípios do evolucionismo antes de
discutir suas implicações na especulação sobre eti.

A evolução não é a execução de um projeto global prévio, a progressiva realização de


um desenho ideal, passando por vários esboços e tentativas de "montagem", cada vez mais
complexas e próximas do modelo almejado. *A evolução é fortuita e não planejada+
(S4:pXIX; S2:p429). Não há uma direção a guiar seu curso, não há um fim último, dado
desde o início. *In no sense is there any evidence to support the idea that natural selection
operates with some larger end in view+ (S1:1083K).

O curso deixado pela evolução lembra a escritura da história. *Como a história, a


evolução se processa em uma sucessão de pequenas e imprevisíveis etapas, cujas variações
produzem profundas diferenças mais tarde+ (S6:p5); *A biologia assemelha-se mais à história
do que à física; os acidentes, erros e circunstâncias felizes do passado determinam
poderosamente o presente+ (S4:pXIX). É porque o mecanismo da evolução está baseado em
dois momentos, ambos inteiramente contingentes. Em primeiro lugar a reprodução com
variação, especialmente o acidente arbitrário da mutação genética. Em segundo, a seleção
natural das variantes que melhor se adaptam ao meio, i.e., a maior replicação e espraiamento
pela população de determinados genomas bem sucedidos no ambiente em detrimento dos
demais. *Theodosius Dobzhansky has emphasized that evolution is opportunistic and not
farsighted: evolution occurs when a favourable mutation is selected for an immediate
environmental contingency+ (S1:1083K).
18
Tais mecanismos, envolvidos no acaso e na contingência, impedem que a biologia
seja uma ciência capaz de enunciar previsões, de antecipar resultados a partir de condições
iniciais16. *Até agora não há uma teoria profética de biologia, assim como também não há no
campo da história. As razões são as mesmas: ambos os assuntos são ainda muito complicados
para nós+ (S6:p5). Mesmo aceitando a imprevisibilidade do curso da evolução, Sagan parece
não acreditar que se trate de uma questão de princípio a impedir a previsão em biologia ou
história. Não é o caráter fundamental do objeto biológico que opacifica o futuro tornando-o
ponto cego, obrigando qualquer julgamento a amarrar-se ao tempo, basear-se no passado. Não
se trata de um impedimento de natureza, mas apenas do nível de complexidade dos fatores
causais envolvidos. *O padrão de casualidade evolucionária é uma teia de complexidade
estonteante+ (S3:p282). A imprevisibilidade é uma incapacidade da ciência atual, não uma
impossibilidade epistemológica absoluta.

Além de imprevisível, a imensa cadeia de fatores casuais a determinar o aparecimento


e desenvolvimento de uma espécie faz da evolução um processo irreversível e irrepetível.
Nenhuma espécie pode surgir duas vezes. *The sequence of events leading up to man is
clearly tortuous and exquisitely sensitive to accidents of the environment, both physical and
biological. Were the evolutionary process to start again on earth and only random factors
operate, it is exceedingly unlikely that anything very similar to man would emerge+
(S1:1083L; formulações equivalentes em S2:p430; S3:p282).

Não há portanto uma divergência quanto ao caráter do processo evolutivo, ou quanto


aos mecanismos fundamentais da evolução. Sagan concorda com todas as considerações a
respeito da natureza histórica da evolução, da irrepetibilidade e imprevisibilidade do curso
evolutivo, do papel do acaso na configuração das singularidades biológicas. Mas tira daí
conclusões diferentes, ao menos quanto à determinação da inteligência.

Para Sagan, não é nem a ignorância dos princípios da biologia, nem uma discordância
de fundo epistemológico quanto a estes princípios, que funda um julgamento favorável à
existência de eti. Por outro lado, é ou a ignorância ou um bias epistemológico que justifica a

16. Esta incapacidade de prever, e portanto de submeter-se à prova, inerente ao darwinismo, levou POPPER a
considerá-lo tautológico e um "programa metafísico de pesquisa" (1986:p176ss). Para uma refutação, ver RUSE:1981.
19
opinião de que não deve haver outros seres vivos inteligentes no universo. 1) Ignorância
quanto à variedade de formas de vida possível, sua recorrência ou raridade, a que os biólogos
se vêem constrangidos, por só obterem informação sobre um tipo de vida, o terrestre, e
mesmo assim precária, como exemplifica o queijo suíço dos registros paleontológicos. *O
estudo de um único instante de vida extraterrestre, não importa quão modesto,
desprovincializará a biologia+ (S3:p41). 2) Bias epistemológico por tratar-se de uma disputa
do tipo ptlomaica/copernicana, em que o lugar que se pretende reservar para o ser humano na
natureza decide a posição dos contendores. Para Sagan, considerar o homem a única espécie
inteligente no cosmo é ainda superestimar seu valor, atribuir-lhe superioridade face a qualquer
outro ser existente, fazer de todo o universo apenas o cenário para nosso surgimento,
recolocar a Terra no centro. Por outro lado, considerar a inteligência um fenômeno comum,
freqüente, representa o descentramento copernicano, ferir o preconceituoso orgulho
antropocêntrico, destituir (ao menos diluir) o homem do topo hierárquico da criação.
Devolver à natureza a posse da inteligência que julgara ter capturado com exclusividade.

A divergência não parece situar-se propriamente na conceituação de evolução em


biologia, mas no estatuto da noção de inteligência em sua relação com o princípio da
evolução. A noção de evolução é fundamental na discordância, mas na medida em que trata
da problemática da inteligência. Afinal, *tanto a existência dessas outras civilizações [eti]
quanto a natureza das mensagens que podem estar enviando dependem da universalidade do
processo de evolução da inteligência que ocorreu na Terra+ (S4:pXVIII).

Para biólogos como Simpson, a inteligência é antropomórfica por definição, signo


colado à espécie humana. Discutir se pode surgir inteligência em outro ramo evolutivo é o
mesmo que discutir se a espécie humana pode ressurgir por outra fonte, se as espécies podem
ter múltiplas origens, ascendentes polifiléticos, se espécies de diferentes origens podem
fundir-se. Tanto faz se se considera a forma anatômica humana, ou sua inteligência. Ambas
são signos suficientes da especificidade biológica humana.

Para Sagan, a inteligência não representa a peculiaridade de uma espécie, mas como
que um novo patamar de organização biológico, a descoberta de um novo nível de
estruturação sobre o qual se desdobrar, tal como foi a formação do núcleo celular, ou a
20
multicelularidade, e a explosão de diversificação decorrente. A inteligência é herdeira da
formação do cordão espinhal nos cordados, a descendente mais radical deste "achado" da
explosão cambriana.

Sagan relaciona explicitamente inteligência e desenvolvimento cerebral, e é da


análise da história paleontológica deste órgão que pretende retirar conclusões sobre aquela.
*Ao abordarmos problemas biológicos tão difíceis, quais sejam a natureza e a evolução da
inteligência humana, parece-me pelo menos prudente conferir razoável peso aos argumentos
derivados da evolução do cérebro+ (S4:pXIX). Ao refletir sobre o que distingue a humanidade
em termos éticos, mais precisamente sobre a definição de morte e assassinato, é novamente ao
cérebro que recorre. *O motivo pelo qual o assassinato de seres humanos é proibido deve
repousar em alguma qualidade humana, uma qualidade que prezamos em particular [...] Essa
qualidade essencialmente humana, creio, só pode ser nossa inteligência. Nesse caso, a
particular santidade da vida pode ser identificada com o desenvolvimento e o funcionamento
do neocórtex+ (S4:p146)17.

Identificar de tal forma o conceito de inteligência a um órgão biológico permite


abordá-la como uma estrutura anatômica como outra qualquer. Pode-se, através dos vestígios
recuperados pela paleontologia, traçar sua história evolutiva através dos ramos das árvores
filogenéticas. Sagan obtem por este meio evidências de uma progressiva encefalização.

Começa construindo um quadro com


estimativas da quantidade de informações contidas
no genoma e no cérebro de diversas classes de seres
vivos através da história. Nota um aumento
progressivo tanto da memória hereditária quanto da
adquirida, na medida em que se acompanha a
linhagem que originou o homem ─ anfíbios, répteis,
Curvas da *evolução do conteúdo de informação nos genes e nos
mamíferos. A memória extra-genética aumenta no cérebros no evolver da história da vida na Terra+, segundo Sagan
(S4:p13).

17. Ainda definindo o atributo humano: *A curiosidade e a premência de resolver problemas representam as marcas
registradas emocionais de nossa espécie; e as atividades mais caracteristicamente humanas são a matemática, a
ciência, a tecnologia, a música e as artes [...]+ (S4:p54).
21
entanto numa proporção muito maior que a genética. *As duas curvas se cruzam+ em algum
réptil primitivo que, *pela primeira vez na história do mundo, possuía mais informação em
seu cérebro do que em seus genes+. Nesta comparação, Sagan encontra uma tendência
evolutiva nítida e persistente na direção da encefalização. *Grande parte da história da vida,
desde o Período Carbonífero, pode ser descrita como o domínio gradual (e certamente
incompleto) dos cérebros sobre os genes+ (S4:p28).

A reificação da inteligência, qualidade que distingue *a santidade da vida humana+, na


figura de um sistema orgânico, faz Sagan descobrir no curso da evolução o que antes
admitira, junto aos grandes teóricos darwinistas, que não poderia haver: uma tendência geral
para alcançar um fim preciso. *Todos os registros evolutivos de nosso planeta, principalmente
o registro contido nos moldes internos fósseis, ilustram uma tendência progressiva na direção
da inteligência+ (S4:p173). E se há um rumo, um atrator a conduzir a evolução num
determinado sentido, nada impede que o generalizemos, que o consideremos da natureza da
própria evolução. *A tendência geral, contudo, parece bastante clara e deve aplicar-se à
evolução da vida inteligente em qualquer parte+ (S4:p173).

Embora uma tendência, isto não significa que os mecanismos clássicos da evolução
são aqui subvertidos, e que a inteligência desenvolve-se "lamarckianamente" ou devido a um
programa já embutido nas formas primitivas e que apenas se "desenrola" na história
evolutiva. Sagan não abandona o darwinismo, mas segue um caminho que se poderia intitular
hiper-adaptacionista. *Não há mistério quanto a isto: os organismos inteligentes, de um modo
geral, sobrevivem melhor e deixam maior prole do que os estúpidos+ (S4:p173; tb S1:1087).
Uma vez que representa uma formidável vantagem adaptativa, o desenvolvimento da
inteligência é obtido através de uma longa série de "seleções do mais inteligente". *A seleção
natural serviu como uma espécie de peneira intelectual, produzindo cérebros e inteligência
cada vez mais competentes para manipular as leis da natureza+ (S4:p175).

Os motivos do sucesso adaptativo da inteligência não são tão fortuitos quanto os


fatores imediatos que levaram-na a erguer-se progressivamente até os primatas. Ela possui um
determinante externo às contingências seletivas do meio, porque exterior mesmo à biologia.
Este determinante é a ordenação física da natureza, e se traduz nas leis universais da física, da
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química. Embora os vitalismos da virada do século tenham buscado uma autonomia mais
radical do reino vivo face aos constrangimentos físicos, eles não resistiram aos achados da
genética e da biologia molecular. Toda biologia hoje concebível, embora não possa ser
reduzida ao mecanismo, está obrigada a erguer-se sobre o assoalho mecanista, atendendo às
mesmas leis que ordenam toda a matéria física, viva ou inerte.

Ora, para Sagan, o exercício da inteligência, da função cerebral, é o espelhamento da


própria ordem natural através da apreensão das leis universais. *Existe uma realidade externa
que ignoramos por nossa conta e risco, e de fato grande parte da evolução da espécie humana
pode ser descrita como uma harmonização crescente entre as imagens feitas pelos nossos
cérebros e a realidade do mundo exterior+ (S6:p6). Numa espécie de "filosofia espontânea do
cientista", o modelo da verdade como adequação encontra a sua versão reificada e orgânica,
pois não se trata mais apenas de adequação entre imagem do mundo e mundo, mas entre
órgão produtor da imagem do mundo e mundo. Há paralelismo entre o que permite a estrutura
cerebral e o que permite a natureza. Um órgão de representação do mundo que é, ele mesmo,
imagem do mundo.

O cérebro, órgão de representação do mundo, e a inteligência, produto do


funcionamento cerebral à imagem do mundo, transcendem as restrições estritamente
situacionais da seleção natural biológica. É talvez o único caráter que não é selecionado por
apresentar vantagem seletiva a um meio circunstancial e imediato, mas que representa valor
universal, vantagem absoluta. Fornecendo as chaves de operação do próprio meio ambiente, é
útil no enfrentamento de qualquer meio.

É por esta determinação, exterior ou anterior ao campo da biologia, que a inteligência


possui um estatuto especial na evolução. Para se chegar a ela, não seria necessário seguir os
mesmos passos da evolução humana, realizar a infinitamente improvável repetição histórica
de uma especiação. *Intelligence need not necessarily be restricted to the same evolutionary
path that occurred on the earth+ (S1:1087). A exigência de uma tal duplicação histórica se
aplica à evolução de outros caracteres, especialmente ligados à anatomia humanóide,
resultado funcionalmente eficaz mas relativamente arbitrário ─ as "soluções" anatômicas
possíveis são inúmeras, e outra história evolutiva implica necessariamente em outra
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configuração anatômica. Mesmo a morfologia do cérebro, órgão originado pelo incessante
bricolage evolutivo18, é uma conformação singular, uma dentre inúmeras possíveis. *Eu
certamente não espero que seus cérebros [das eti] sejam anatomicamente ou talvez mesmo
quimicamente semelhantes aos nossos. Seus cérebros terão tido diferentes histórias evolutivas
em ambientes diferentes+ (S4:p176).

O que Sagan reivindica universal não é a anatomia do órgão nervoso, mas sua função.
A inteligência só pode ser uma: a reflexão de uma mesma realidade universal. *Muito embora
o desenvolvimento de humanos ─ ou os seus aproximados equivalentes anatômicos
extraterrestres, os humanóides19 ─ seja improvável, não poderia ser o desenvolvimento dos
seus equivalentes intelectuais um acontecimento evolutivo universal?+ (S2:P430).

Sagan supõe que haja muitos caminhos, várias vias evolutivas possíveis, todas
tendendo a desenvolver a mesma faculdade, alcançar o mesmo resultado. *Naturalmente que a
rota evolutiva seria diferente daquela que observamos na Terra. A seqüência exata de
acontecimentos que ocorreu aqui [...] provavelmente não aconteceu da mesma forma em
qualquer outro ponto do universo. Entretanto, deve haver muitas vias funcionalmente
equivalentes para um resultado final semelhante+ (S4:173). Chega a suspeitar da existência de
uma lei biológica, ainda não formulada pelos biólogos, que justifique esta "poligenia" do
caráter intelectual: *There might be a kind of biological law decreeing that there are many
paths to intelligence and high technology, and that every inhabited planet, if it is given
enough time and it does not destroy itself, will arrive at a similar result+ (S5:p103). De várias
origens separadas, partindo de estados diferentes, os sulcos da evolução tenderiam a
convergir, a encontrar-se na produção de espécies intelectualmente similares. *Por maiores
que sejam as diferenças no ponto inicial, é inevitável uma convergência gradual no conteúdo
intelectual [...]+ (S6:p6).

18. Expressão de François JACOB (1977), inspirado no uso que dela faz LÉVI-STRAUSS (1976), para descrever o estilo
de "trabalho" da evolução biológica.

19. Sagan demonstra conhecer melhor o sentido que a ficção científica atribui ao termo humanóide que Simpson:
antropomórficos tanto anatômica quanto intelectualmente.
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