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A economia Keynesiana e a moeda na economia moderna

Chapter · January 2006

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1 author:

Fernando Cardim de Carvalho


Levy Institute of Economics of Bard College
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&
A economia keynesiana e a moeda na
economia moderna
Fernando J. Cardim de Carvalho

O traço mais distintivo da teoria econômica de Keynes, quando a confron-


tamos com outros paradigmas, é o da moeda na concepção da dinâmica de
economias modernas de mercado. Keynes, na verdade, propunha-se a identifi-
car estas últimas precisamente como economias monetárias ou economias
monetárias de produção, exatamente para enfatizar essa peculiaridade de sua
abordagem.1
Na concepção de Keynes, uma economia monetária é aquela em que a
moeda afeta motivações e comportamentos dos agentes econômicos, tanto em
curto como em longo termo. A moeda não é vista apenas como um facilitador
de trocas, o lubrificante da roda do comércio, como Mill a concebia. Para
Keynes, não apenas a existência de uma moeda com características modernas
e das instituições que a acompanham altera as possibilidades e as oportunida-
des abertas aos agentes, permitindo-lhes criar arranjos produtivos inacessíveis
à comunidades menos sofisticadas, mas também ela muda a perspectiva pela
qual esses agentes encaram sua vida econômica, ao mudar suas oportunidades
de acumulação de riqueza. A própria tese pela qual Keynes é mais reconhecido,
a da possibilidade de uma deficiência de demanda efetiva levar a economia a
um estado de depressão e desemprego, se deve ao papel especial da moeda
nessa classe de economias.2

1
Na preparação de sua Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda, Keynes também valeu-se das
expressões economia empresarial e economia de salário monetário, mas na versão final preva-
leceu a qualificação de economia monetária. Veja-se os volumes 13 e 29 da coleção de escritos
de Keynes, The Collected Writings of John Maynard Keynes (1971 a 1983).
2
Em termos concisos, a demanda agregada é insuficiente para sustentar o pleno emprego quando os
agentes acumulam riqueza sob forma monetária ao invés de fazê-lo sob a forma de bens, cuja
produção exigiria o emprego de trabalhadores. Para Keynes, a demanda por bens, portanto, pode
ser deficiente, porque existe uma alternativa de acumulação que não gera empregos, a acumulação
de moeda. Naturalmente, existem outras teorias de deficiência de demanda efetiva, como, por
exemplo, a de Kalecki, que não dá nenhum papel relevante a variáveis monetárias. Na visão de
Keynes, contudo, não é possível dizer-se que o gasto pode ser inferior à renda se não se disser o que
aconteceu com o excedente de renda sobre o que foi gasto. Em sua visão, é exatamente o destino
desse excedente, a acumulação de ativos não-reprodutíveis, que interessa identificar.

'
A literatura que descreve os princípios de uma economia monetária é abun-
dante e conhecida.3 Este capítulo não pretende oferecer uma síntese dessa
volumosa literatura, nem cobrir todo o espectro de posições nela presente. A
visão que será exposta aqui corresponde a uma linha de interpretações das
teses de Keynes a respeito da natureza de uma economia monetária, conhecida
como pós-keynesiana. Esta é uma abordagem que se declara herdeira explícita
de Keynes. Alguns de seus críticos, mesmo na heterodoxia, costumam qualifi-
cá-la de fundamentalista, aproveitando-se da conotação negativa que a ex-
pressão passou a ter nestes tempos de fanatismo religioso. No entanto, o apelo
a Keynes, assim como o freqüente uso de suas próprias palavras, não pretende
tornar a análise econômica um exercício escolástico, de interpretação das Sa-
gradas Escrituras, mais apropriado realmente à prática religiosa, em que a
fidelidade ao verbo é o critério final de validação de uma proposição. O que se
pretende, ao contrário, é elaborar um quadro de referência consistente e coe-
rente, construído a partir de categorias derivadas da observação da realidade e
destinado, em última análise, ao teste empírico. O reconhecimento da impor-
tância da evidência e da observação não pode ser subtraído, porém, do enten-
dimento de que evidência e observação devem ser classificadas e organizadas
para que se possa delas fazer sentido. É esse o sentido da teoria, e é nesse
espírito que o que se segue deve ser entendido: é uma forma de conhecimento
provisório, destinado fatalmente à obsolescência, na qual padrões que se acre-
dita estarem presentes em certos fenômenos têm sua existência testada em
confronto com a evidência empírica.

Economia monetária
Como praticamente todos os grandes críticos das ortodoxias de seu tempo,
Keynes, durante a preparação de sua obra magna, a Teoria Geral do Emprego,
Juro e Moeda, convenceu-se de que a incapacidade da teoria econômica então
dominante em dar respostas aos problemas de sua época não poderia ser supe-
rada mediante o simples acréscimo de novas idéias e instrumentos de análise. Ao
contrário, uma revolução seria necessária, com a substituição do paradigma do-
minante por outro, porque era a própria concepção de economia subjacente à
teoria ortodoxa que Keynes julgava inadequada. Seria preciso, em sua visão,
reconstruir o próprio objeto da análise econômica, de modo a torná-lo mais fiel
ao observado na operação efetiva de economias modernas de mercado.
Na visão aqui proposta, seria na consideração da natureza monetária da
organização econômica moderna que a ortodoxia se mostraria inteiramente

3
Este autor discutiu extensamente o conceito de economia monetária em Carvalho (1992).

!
deficiente. A profundidade dessa deficiência inviabilizaria qualquer esforço
de simplesmente adicionar a moeda como um problema. Era preciso come-
çar de novo.
O começo proposto é o contraste entre duas formas de economia. O
primeiro tipo, dominante à época de Keynes e ainda dominante hoje em dia,
chamado por Minsky de paradigma da feira da aldeia, vê uma economia
moderna como uma expressão complexa de uma forma de operação que é, em
si mesma, simples: somos todos unidades econômicas individuais buscando a
satisfação de nossas próprias necessidades ou desejos; essa satisfação é maxi-
mizada pela divisão de trabalho e subseqüente troca de excedentes. O agente
econômico é primariamente um consumidor, assolado pela escassez de bens,
que o força a fazer escolhas.4 Porque bens são escassos, os agentes não po-
dem, simplesmente, apropriar-se de tudo o que desejam, mas, sim, têm de
oferecer algo em troca ao que preferem. A relação entre bens trocados define
seus preços relativos. O papel da teoria econômica é descrever o modo pelo
qual essas escolhas são feitas, isto é, os preços relativos são determinados e as
trocas realizadas. Esse paradigma foi codificado de forma mais clara por Walras,
em seus Elementos de Economia Pura, e não por acidente o walrasianismo, em
sua forma moderna, tecnicamente reconstruído no chamado modelo Arrow/
Debreu, consolidou-se, ao longo do século XX como o fundamento da teoria
econômica conhecida pela denominação, algo imprecisa, de neoclássica.5
Nesse tipo de economia, a moeda não pode senão ser neutra, já que ela é
apenas um veículo, um meio para que o máximo de satisfação dos consumido-
res seja alcançado. Nela também não há desemprego, há escolha por lazer.
O desemprego em massa era, talvez, o mais visível e persistente dos
problemas enfrentados pela Inglaterra durante a década de 1920. Com a che-
gada da grande depressão, na década seguinte, o desemprego, em massa tor-
nou-se, certamente, a maior ameaça à sobrevivência das economias de mercado.
Como observado acima, a hipótese de Keynes era de que o desemprego
era causado pela decisão de agentes econômicos em não exercer a demanda
por bens e serviços, cuja produção empregaria mão-de-obra, preferindo, ao
contrário, guardar sua riqueza em forma monetária por uma duração indefi-
nida. Esse comportamento era, obviamente, irracional sob os cânones do
paradigma da feira da aldeia. Irracional ou não, ele era, porém, um fenômeno
que parecia importante o suficiente para deter a maior máquina produtiva já

4
Para Walras Nos Elementos de Economia Pura, o problema econômico fundamental é introdu-
zido justamente como o das escolhas de indivíduos frente a dotações dadas de bens. É apenas na
segunda parte deste livro que produção é introduzida, e, ainda assim, o aspecto que interessa a
Walras é a troca de fatores de produção, não a atividade produtiva em si.
5
Keynes chamava essa escola de clássica.

!
criada pela humanidade. Se a teoria não conseguia reconhecê-lo, pior para a
teoria, que precisaria ser substituída por outra mais consistente com os fatos
da observação.
A concepção de economia proposta por Keynes focaliza as razões por que
agentes econômicos prefeririam reter moeda a bens, quando moeda obvia-
mente não preenche nenhuma necessidade de consumo ou investimento. A
solução oferecida a esse mistério repousa na consideração da importância da
incerteza que cerca o futuro para indivíduos que vivem em uma economia
moderna, baseada na propriedade privada dos meios de produção. Economias
monetárias, para Keynes, são economias nas quais um agente econômico,
antes de ser um consumidor, deve ser um produtor. Os objetos da natureza
têm, antes de mais nada, de ser preparados para se tornarem bens. Como em
Marshall (e também Marx) antes dele, é no desempenho de uma atividade
produtiva que Keynes localiza o caráter fundamental do agente econômico. O
problema, porém, é que em uma sociedade de propriedade privada a atividade
produtiva é cercada por incertezas, porque ela é orientada para satisfazer as
necessidades do produtor apenas indiretamente. O destino imediato da produ-
ção é a demanda de terceiros. Nada assegura, porém, o sucesso dessa atividade,
e é perfeitamente possível, e mesmo comum, que as expectativas dos produto-
res sejam desapontadas. Numa economia monetária, porém, o usufruto dos
sucessos tanto quanto dos fracassos é um exercício solitário: o prêmio e o
castigo da incerteza recaem sobre os que tomam decisões. A sociedade não
espera deles generosidade, nem lhes deve qualquer ajuda.
Essa incerteza tem uma importância ainda maior quando se considera que
não são indivíduos os produtores típicos, mas, sim, empresas. Fossem indiví-
duos os produtores, talvez as conseqüências dos erros não fossem tão preo-
cupantes. O excesso de produção de algum item poderia desapontar indivíduos
que desejavam trocá-lo por outros bens, mas esse excedente sempre poderia
ser consumido por eles mesmos.6 Não haveria por que surgir, portanto, uma
deficiência de demanda total. Quando, porém, são empresas os agentes pro-
dutivos, as conseqüências de um desapontamento de expectativas são mais
graves. Uma firma não tem a escolha de consumir seu próprio produto em
caso de insuficiência de demanda. O destino aqui pode ser a falência, não
apenas o consumo indesejado de algo produzido primariamente para troca.
Na concepção keynesiana, essa incerteza faz emergir um instrumento pode-
roso de mitigação: o sistema de contratos monetários para liquidação futura.
Contratos são documentos em que comportamentos futuros são pré-escolhi-

6
É como Walras concebe o mercado: note-se que as curvas de demanda para os produtos descritas
nos Elementos incluem a demanda do próprio produtor.

!
dos e comprometidos. Firmas sofrem incertezas dos dois lados de sua atividade:
é possível que os fatores de produção necessários não estejam disponíveis, ou
estejam, mas a preços incompatíveis com o mercado para bens finais; é possí-
vel, em segundo lugar, que a demanda esperada para um bem, que justifica sua
produção, não se materialize.
Uma empresa é uma instituição que usa dinheiro para produzir dinheiro
(em maior quantidade). Os dois lados de sua atividade, mencionados no pará-
grafo anterior, se traduzem em duas variáveis fundamentais: custos e receitas.
É da relação entre ambas que vive a empresa. É, pela mesma razão, a incerteza
que cerca o confronto entre custos e receitas que pode inviabilizar a atividade
empresarial. Contratos mitigam essa incerteza ao predeterminar o valor de,
pelo menos, alguns itens de custos e receitas. A encomenda de um bem de
capital, por exemplo, elimina a incerteza de venda para seu produtor. Um con-
trato de trabalho elimina a incerteza para a empresa com relação à disponibili-
dade e preço desse fator.7
A existência de contratos dá sentido à moeda moderna. A moeda serve,
antes de mais nada, como moeda de conta, isto é, como unidade de cálculo de
obrigações e direitos contratuais. É o resultado da atividade em termos de
moeda que conta para que uma empresa decida ou não produzir. É também
esse resultado que estimula ou não uma empresa a aumentar sua escala de
produção, adquirindo novos bens de capital. A moeda serve também como
meio de pagamento para a liquidação das obrigações contratuais.
Um sistema de contratos cria a necessidade de uma moeda estável. Sendo
uma unidade de medida de valor, a moeda seria inútil se seu próprio valor fosse
errático. Mas também como meio de pagamento a moeda seria inútil se seu
valor não fosse estável, já que ninguém aceitaria direitos a liquidar por meio de
algo cujo valor à data de liquidação fosse totalmente imprevisível. Isso signifi-
ca, portanto, que uma moeda estável é o fundamento de um sistema contratual
moderno. É por isso mesmo que conjunturas de inflação intensa são destruti-
vas para esse tipo de economia.8 Como o cálculo econômico, por sua própria
natureza, nunca é inteiramente preciso, alguma variação no valor da moeda é

7
Para Keynes, como para Max Weber, a atividade empresarial é dominada pela perseguição do
máximo de lucros possível. A possibilidade de cálculo racional de custos e benefícios é o que
fundamenta essa atividade. Max Weber enfatizou a importância da contabilidade moderna na
viabilização do cálculo racional. Keynes o complementa, mostrando as incertezas que cercam
as variáveis utilizadas para o cálculo empresarial e o papel do sistema de contratos em manter
essas incertezas dentro de intervalos aceitáveis. A relação entre as idéias de Keynes e de Weber
foi explorada em CARVALHO. In: TOSTES, 2002.
8
A experiência de países que experimentaram inflação elevada, inclusive o Brasil, mostra que
altas taxas de inflação são também mais voláteis e a dispersão dos aumentos individuais de
preços é maior.

!!
absorvível, mas, para além de certo limiar, a inflação (e também a deflação)
ameaça a sobrevivência do sistema de contratos e, por meio dele, a operação
da economia monetária.
Note-se que, desse ponto de vista, a contribuição mais importante da moeda
é como elemento do processo produtivo, em contraste com a abordagem tradi-
cional das funções da moeda, que enfatiza seu papel de facilitador das trocas
principalmente de bens de consumo (o velho problema do proprietário de um boi
que deseja obter um pouco de açúcar e não tem como viabilizar a troca por causa
da indivisibilidade do boi). Keynes focaliza processos industriais de produção,
em que a atividade produtiva se dá em grande escala, envolvendo despesas de
alto valor, realizadas ao longo de processos de duração média e longa. O empre-
sário não iniciaria processos mais demorados de produção não tivesse ele algu-
ma segurança de que os fatores de produção necessários estariam à mão, a
preços compatíveis com aqueles que poderão ser cobrados pelo produto final.
Se esses processos produtivos resultam, além disso, em produtos de alto valor
individual (como os chamados bens de capital sob encomenda, na classificação
usual de categorias de demanda), o risco de desapontamento de demanda prova-
velmente invalidaria simplesmente sua produção se não houvessem compromis-
sos contratuais previamente assumidos garantindo sua compra.
Talvez o ponto mais revolucionário da proposta de Keynes, contudo, seja
o reconhecimento das implicações negativas desse quadro. Sistemas contra-
tuais modernos estão entre os fatores mais importantes de viabilização do in-
tenso esforço de acumulação de capital que caracteriza o capitalismo moderno.
Mas eles geram, também, a principal ameaça a essas economias. Em uma
economia na qual decisões são individuais (por consumidores ou por empre-
sas), a responsabilidade por elas não é compartilhada pela sociedade nem seus
efeitos são por ela mitigados. Acumular riqueza sob a forma de bens de capital
representa um risco muito maior do que fazê-lo sob a forma de ativos financei-
ros ou, mesmo, moeda. Por quê? A diferença mais importante entre ativos
financeiros e bens é a maior liquidez, em geral, dos primeiros. O que é liqui-
dez? É a capacidade de um ativo se transformar em outro. Mais precisamente,
é o atributo que ativos têm, em graus diferentes, de ser vendidos com maior ou
menor facilidade para que, convertidos em moeda, possam ser convertidos em
alguma outra coisa.
Acumular bens de capital sujeita o seu possuidor às incertezas com rela-
ção à demanda futura pelos bens que eles ajudarão a produzir. Bens de capital
são, em geral, específicos, de uso mais ou menos restrito à produção de um ou
outro tipo de bem. Acumular ativos financeiros se beneficia da maior homoge-
neidade entre eles, que facilita a criação de mercados secundários, onde vendas
são mais fáceis e baratas. Por isso, sob incerteza, é mais atraente acumular
riqueza sob a forma de ativos financeiros do que como bens de capital.

!"
A propriedade de conversibilidade, ou o atributo de liquidez, é ainda mais
forte, porém, com uma classe especial de ativos, que é a moeda e seus subs-
titutos imediatos. A moeda é, obviamente, o mais líquido dos ativos (lembre-
mo-nos de que liquidez é a capacidade de venda de um ativo, isto é, sua troca
por moeda; no caso da moeda, ela já existe como poder de compra disponível,
dispensando a primeira operação). Além disso, como visto acima, o sistema de
contratos exige que o valor desse ativo seja relativamente estável. Assim, o
mesmo sistema de contratos que viabiliza a mais intensa mobilização de forças
produtivas que a humanidade conheceu também cria sua nêmesis: uma moeda
com as propriedades necessárias para viabilizar o sistema de contratos é, em
si, um ativo extremamente atraente, especialmente em épocas de incertezas
mais acentuadas sobre o futuro dos mercados de bens, já que a moeda oferece
liquidez e estabilidade de valor.
Com isso, Keynes chega ao ponto desejado: a incerteza que cerca as deci-
sões individuais numa economia empresarial torna a demanda por moeda, en-
quanto forma de riqueza, racional. Com base nessa demanda, Keynes constrói
sua teoria da taxa de juros, chamada exatamente de preferência pela liquidez,
isto é, o apego a formas mais seguras de acumulação de riqueza. De outro
lado, a demanda por moeda não gera empregos na produção de moeda. Assim,
se a demanda dos acumuladores de riqueza se volta para a moeda em detri-
mento de bens reprodutíveis, como bens de capital, a queda do emprego na
produção destes últimos não é compensada pela expansão de emprego na pro-
dução da moeda. Esse é o desemprego involuntário, na denominação de Keynes,
que se torna, em conjunturas especiais, mas não necessariamente infreqüentes,
um fenômeno de massa.

Fronteiras da reflexão
O paradigma proposto por Keynes permitiu a integração imediata entre a
investigação sobre os determinantes da demanda agregada por bens e serviços
sobre a operação do sistema financeiro e sobre o sistema monetário. Seu suces-
so se refletiu, em particular, na eficácia da política econômica adotada no perío-
do que vai do fim da Segunda Guerra ao final da década de 1960.
Um paradigma científico não pode ser estático e viver de seus sucessos,
por mais significativos que possam ser. Todo conhecimento é provisório não
apenas porque a realidade muda, mas também porque todo conhecimento é
incompleto e, por isso mesmo, um paradigma bem-sucedido não é apenas
aquele que responde bem ao que, para outros, são anomalias, mas aquele que
acomoda, por um lado, novos aspectos da problemática que privilegia e, por
outro, permite a exploração cada vez mais aprofundada dos fenômenos que
concentram sua atenção.

!#
Não há dúvida de que um dos conceitos centrais do paradigma de Keynes
é o de liquidez. O conhecimento, contudo, dos determinantes da liquidez das
diversas categorias de ativos é, ainda surpreendentemente limitado.9 Possivel-
mente por causa do longo predomínio da intermediação bancária na maioria
das economias capitalistas mais importantes, o funcionamento dos mercados
secundários de títulos financeiros mereceu atenção relativamente reduzida dos
pesquisadores. Foi preciso que um grande risco de colapso global fosse perce-
bido, com a crise financeira internacional de 1998, para que o tema fosse
finalmente reconhecido. O fenômeno da liquidez dos mercados de títulos é
obviamente central para o desenvolvimento do paradigma de Keynes, já que,
como visto, liquidez é o principal atributo da moeda em uma economia mone-
tária de produção.
Na verdade, é pela própria moeda que se iniciam os problemas a serem
enfrentados pelo paradigma. A intuição a respeito da moeda é formada, princi-
palmente, a partir da moeda legal, ou moeda de curso forçado, criada pela
autoridade monetária. Depósitos à vista são substitutos perfeitos para a moeda
legal, mas outros meios de pagamento têm sido crescentemente utilizados,
especialmente em transações financeiras. Alguns autores que participaram da
gênese do pensamento keynesiano, como Nicholas Kaldor, chegavam a con-
testar a possibilidade mesma de definição de moeda, já que, em sua visão, as
principais diferenças entre ativos eram questão de grau, mais do que natureza.
A própria moeda bancária, porém, os depósitos à vista, já é problemática.
A idéia de que a retenção de moeda reduz a demanda por bens e serviços é
intuitiva tratando-se da moeda legal, mas é bem mais problemática no caso de
depósitos à vista. Isso porque a retenção de um deposito à vista é, na verdade,
a realização de um empréstimo a bancos, e se haverá ou não concomitante
redução da demanda agregada depende do que o banco fará com esses recur-
sos.10 Na verdade, levando-se em conta que a maioria dos depósitos são criados
pelo próprio sistema bancário, quando este adquire ativos (como promissórias
de empresários para financiar seu capital de giro), os riscos de redução da de-
manda agregada passam a estar localizados muito mais na política dos bancos
em relação à compra de ativos do que nos motivos dos indivíduos. De outro
lado, a redução da importância da intermediação bancária, diante da alternativa
do financiamento direto (pela colocação de perante investidores institucionais)
não poderá deixar de ter um impacto importante sobre a criação de meios de
pagamento. O banco comercial, ao comprar um ativo de tomadores de em-
préstimos, cria meios de pagamento (os depósitos à vista no valor do crédito

9
Uma boa introdução ao problema é oferecida Davidson, 2002.
10
Este tema é discutido em CARVALHO. In: DAVIDSON; KREGEL, 1998.

!$
concedido). O investidor institucional que compra aquele mesmo ativo, agora
sob a forma de um título de mercado não tem o poder de criar meios de
pagamento. A exploração das conseqüências dos processos de securitização
(deslocamento da prioridade de financiamento dos bancos para os mercados
de títulos) não poderá deixar de ter impactos importantes sobre a política mo-
netária, por exemplo, embora este tema seja raramente mencionado na literatu-
ra sobre inovações financeiras.

Conclusão
O paradigma de Keynes se baseia na impossibilidade de separação da aná-
lise dos mercados de bens, de ativos financeiros e monetários na determinação
do nível de produção e emprego de uma economia monetária.
A evolução posterior desse paradigma se deu de forma relativamente de-
sequilibrada. A análise do emprego pouco evoluiu nele, para além da introdu-
ção, pelo próprio Keynes, do conceito de desemprego involuntário. A maioria
das contribuições ao estudo do comportamento do emprego, desde então, tem
origem em outros paradigmas e enfatiza seja o desemprego voluntário e/ou
friccional, seja determinantes do emprego de mais longo prazo, como a ques-
tão do progresso técnico e a qualificação do trabalhador.
Talvez mais surpreendentemente, porém, seja o desequilíbrio no progres-
so do próprio núcleo do paradigma, a relação entre moeda e outros ativos,
financeiros e reais. O banco é ainda fundamentalmente um mistério, especial-
mente no que diz respeito à modelagem de seu comportamento e de suas
decisões ativas e passivas. Ainda mais deficiente é o conhecimento da dinâmi-
ca dos mercados de capitais e suas interações com os mercados monetário e
de bens. A urgência que cerca a necessidade de atacar esses problemas não
pode ser exagerada.
Possivelmente, essas limitações e desequilíbrios reflitam um risco impor-
tante que tem ameaçado o pensamento keynesiano, de resto um risco quase
inevitável em qualquer tentativa de mudança de paradigmas, que é o fascínio
dos conceitos. Novas teorias exigem novos conceitos, além de novos instru-
mentos. Conceitos bem construídos não apenas abrem efetivamente novos
horizontes, mas também aguçam a percepção de novos horizontes. O fascínio
com as possibilidades abertas por novos conceitos pode, paradoxalmente, su-
focar o desenvolvimento do paradigma, ao concentrar neles mesmos as aten-
ções e esforços dos seus praticantes em detrimento dos problemas reais cuja
compreensão eles foram criados para permitir. Assim, por exemplo, a percep-
ção das possibilidades abertas pelo conceito de incerteza proposto por Keynes,
em grande medida, acabou por levar a um esforço excessivo de esclarecimen-
to do próprio conceito, em vez daquele dirigido à sua instrumentação para

!%
entender o que realmente importa, que são os mecanismos de tomada de deci-
sões pelos agentes econômicos relevantes.
É neste aspecto, talvez, que o exemplo do próprio Keynes seja mais inspi-
rador. A teoria econômica deve ser um instrumento de compreensão do mundo
real, não um exercício estéril de discussão escolástica consigo mesma. Aos
que aceitam esse paradigma, não é permitido esquecer, como o próprio Keynes
nunca esqueceu, que, como dizia o velho Friedrich Engels, a prática social é o
critério da verdade.

????? REFERÊNCIAS???????????

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