Análise geológica e geotécnica da instabilidade de um talude.
Estudo de caso da BR-476/PR.
Ângela Grando UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, angela.grando@gmail.com
Rafael Fabiano Cordeiro
PROSUL – Projetos, Supervisão e Planejamento Ltda, Florianópolis, Brasil, rafaelfc@prosul.com
Victor Hugo Teixeira
PROSUL – Projetos, Supervisão e Planejamento Ltda, Florianópolis, Brasil, victor@prosul.com
Gisele Marilha Pereira Reginatto
PROSUL – Projetos, Supervisão e Planejamento Ltda, Florianópolis, Brasil, giselepr@prosul.com
Glaci Inez Trevisan Santos
PROSUL – Projetos, Supervisão e Planejamento Ltda, Florianópolis, Brasil, glaci@prosul.com
Marciano Maccarini UFSC-Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, maccarini.m@ufsc.br
RESUMO: Este trabalho apresenta o estudo da instabilidade de um talude de aterro e a definição de
uma solução geotécnica de estabilização. O talude está localizado na BR-476, no trecho entre Adrianópolis e Curitiba, sendo que a instabilidade ocorreu em fevereiro de 2010, período em que ocorreu intensa precipitação. As análises basearam-se em investigações geológicas e geotécnicas “in situ” e ensaios de laboratório. Para a caracterização da ruptura foram realizadas sondagens penetrométricas e mistas, além de coletas de amostras para ensaios de cisalhamento direto. Com base nesses dados foi realizada a modelagem da solução geotécnica adotada, a qual compreende a execução de uma cortina atirantada, dimensionada a partir dos critérios de segurança estabelecidos em norma.
1 INTRODUÇÃO pluviometria superior a estabelecida para uma
região, o intemperismo (influencia nos As rodovias exercem uma importante função no parâmetros de resistência do solo) e a própria desenvolvimento de um País. O Brasil apresenta alteração na forma da encosta, através dos uma extensa malha viária, sendo esta a principal taludes de corte e aterro, necessários para a via de ligação entre as diferentes regiões. implantação de rodovias. As variações da geomorfologia entre estas Assim, pode-se dizer que o conjunto destes regiões fazem com que em locais de encostas fatores acarretará alterações nos parâmetros de íngremes e declivosas, os projetos de resistência, em alívio de tensões ou implantação e execução de rodovias sejam carregamentos, aumento da saturação do solo e complexos, pois exigem grandes obras de variações nas poropressões e, com isso, terraplenagem e de contenções para garantir as possíveis instabilidades. condições de segurança global. Entretanto, estas Segundo Guidicini e Nieble (1984) para que rodovias podem apresentar instabilidades frente ocorram instabilidades é necessário basicamente alguns fatores, como por exemplo, a que a resistência ao cisalhamento do material seja igual às tensões cisalhantes atuantes ao importância desta rodovia para a mobilidade da longo da provável superfície de ruptura. Das região, investigações geológico-geotécnicas (2011) menciona que a partir da compreensão foram realizadas para que as devidas obras de da natureza da resistência ao cisalhamento do estabilização de taludes fossem realizadas. solo é possível analisar os problemas de Ressalta-se que a rodovia em estudo foi instabilidades. construída em um período onde as normas de Alguns exemplos de instabilidades e danos segurança vigentes para a época diferem das às rodovias, associados principalmente a atuais. Atualmente, em virtude de diversos períodos intensos de precipitação e encostas problemas relacionados à instabilidades do solo, ingremes, podem ser destacados. Em São a área geotécnica têm enfatizado os parâmetros Vendelino, no Rio Grande do Sul no ano 2000, de segurança globais quanto à aplicação de algumas encostas íngremes com solos de alta técnicas de construção e reconstrução de permeabilidade apresentaram rupturas rodovias e demais obras. translacionais formando corridas de detritos devido a chuva intensa (148 mm/2 h) causando danos importantes em residências e rodovias, 2 ÁREA DE ESTUDOS além de perda de vidas humanas (Bressani, 2010). Em Santa Catarina no ano de 2008, A rodovia BR-476 inicia-se na divisa de São período de catástrofe hidrológica (185,8 mm/2 Paulo com o Paraná e se estende até a divisa dias, segundo Rocha, Kobiyama e Silva (2009)), com Santa Catarina (Figura 1). Possui 366 km ocorreram inúmeras mortes e danificações em até a divisa do Paraná com Santa Catarina, onde rodovias próximas à encostas declivosas e áreas passa a se denominar BR-153. Ela denomina-se de inundação, as quais precisaram de estrada da Ribeira do trecho entre Adrianópolis revitalização. até Curitiba (uma das estradas mais sinuosas do Neste sentido, a revitalização dessas áreas, Paraná), tem a função de contorno rodoviário segue as recomendações da NBR 11682/2009, leste da cidade de Curitiba e, é uma importante Estabilidade de encostas, onde a estabilidade via de Curitiba até União da Vitória, por ser global da encosta deve ser considerada, ligação com a região de São Mateus do Sul, verificando os fatores de seguranca mínimos a pólo de extração do xisto betuminoso. serem alcançados em função do nível de segurança de vidas humanas e contra danos materiais. N Então, para minimizar a ocorrência dessas instabilidades, estudos geológico-geotécnicos e hidrológicos são essenciais, pois permitem uma melhor concepção de projeto, gerando subsídios SP para o dimensionamento de obras de contenção Curitiba PR e de drenagem, entre outros, visando a SC
segurança global do conjunto (rodovias taludes Brasil
e encostas). Extensão da Rodovia BR-476
O estudo desenvolvido neste trabalho trata Figura 1. Localização da rodovia BR-476. da análise de estabilidade de uma encosta, onde inicialmente foi submetida à obras de corte e A instabilidade em análise refere-se à ruptura de aterro para o traçado da rodovia BR-476 um talude de aterro, localizado no lado direito (inaugurada no ano de 1967), no trecho entre da rodovia no Km 76+700 m da BR 476, Adrianópolis até Curitiba e, que posteriormente sentido Curitiba. apresentou instabilidades. Esta ruptura, dentre outras inúmeras, tiveram Nesta rodovia foram identificadas inúmeras início após intensas chuvas verificadas no norte instabilidades, as quais originaram danos de do estado do Paraná, no mês de fevereiro de diversos níveis. Então, considerando a 2010. Segundo dados da estação pluviométrica de Bocaiúva do Sul, pertencente a bacia do rio complexo apresentam pequena espessura. Açungui, fevereiro foi o mês que apresentou altura máxima de 291 mm, inferior somente ao mês de janeiro com 562 mm. 3 METODOLOGIA A instabilidade ocorreu numa seção mista, onde o lado esquerdo é formado por um corte 3.1 Investigações Geotécnicas em rocha e o direito por aterro que escorregou, provocando trincas, fendas e abatimento da Associados às investigações “in situ”, foram pista da direita, inviabilizando o tráfego (Figura realizados 23 furos de sondagens com o 2) e também o rompimento e a queda de parte penetrômetro dinâmico leve (DPL) abrangendo das barreiras de concreto (Figura 3). toda a ruptura e 02 sondagens mistas com o objetivo de verificar a profundidade da rocha ou o solo mais resistente, servindo como cota de apoio à contenção (Figura 4). Além disso, foram realizadas coletas de amostras indeformadas para a determinação em laboratório dos parâmetros de resistência ao cisalhamento do solo.
Figura 2. O escorregamento do talude de aterro.
Curitiba
Figura 4. Localização das sondagens mistas e
escorregamento. Figura 3. Rompimento da pista e barreira de concreto. O equipamento DPL foi desenvolvido na A caracterização geológica desta região Alemanha e atualmente é pouco conhecido em apresenta as seguintes unidades estratigráficas: nosso meio e por esta razão, apresenta-se Complexo Turvo Cajati; Grupo Setuva, com as algumas das características do equipamento Formações Perau e Água Clara; Formação (Figura 5). Ele consiste basicamente em Guabirotuba; Grupo Açungui, com as deslocar uma haste em queda livre ao longo de Formações Capiru, Votuverava e a Antinha e o uma altura padrão. Ela tem ponta cônica, e a Complexo Apiaí-Mirim. possibilidade de se conectar às hastes um O Complexo Apiaí-Mirim abrange a amostrador vazado lateralmente, para a retirada instabilidade em estudo e ocorre na porção mais e identificação de amostras. basal do Proterozóico Médio, correspondendo a A investigação com o DPL teve início na ortognaisses, formando granitóide orientados. crista da ruptura (próximo ao bordo da pista) e Normalmente os solos originários deste seguiu até o pé do talude. sequência, foi identificada a presença do substrato rochoso. As investigações penetrométricas confirmaram a profundidade das camadas de aterro identificadas nas sondagens mistas, além da presença de material orgânico nas camadas superficiais. A partir das investigações “in situ” e dos boletins de sondagens foi identificado que o aterro foi executado sobre a encosta, sem denteamento e remoção da camada de solo superficial orgânico, além do talude de aterro ser íngreme e de compactação ineficiente. Sendo assim, pode-se relatar que o peso Figura 5. Equipamento Penetrômetro Dinâmico Leve próprio do conjunto (solo, pavimento e barreiras de concreto), bem como a percolação da água no contato solo rocha foram as causas desta 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES instabilização. Outro fator importante a ser considerado é o 4.1 Investigações Geológicas e Geotécnicas nível do lençol freático, pois a sua elevação pode ter contribuído para a saturação do solo. Com base nas sondagens foi possível elaborar o Além disso, a precipitação do mês de janeiro perfil estratigráfico do terreno na instabilidade e (maior valor anual) somada à do mês de identificar suas possíveis causas (Figura 6). fevereiro (segundo maior valor anual) Lado esquerdo da pista contribuiu para a instabilidade. Solo Orgânico A contribuição pluviométrica ocasionou a elevação do nível do lençol freático, saturando o solo e diminuindo a sua resistência ao Aterro escorregado Talude em Barreira de cisalhamento, propiciando o início da rocha BR-476 concreto caída instabilidade. Quanto a análise da instabilidade, Plano de ruptura Solo Superficial identificou-se com base nas investigações “in Aterro escorregado no contato solo/rocha situ” e sondagens que no local da ruptura o solo em contato com a rocha é caracterizado como Lado direito da pista GNAISE material de aterro. Sendo assim, os parâmentros Figura 6. Seção esquemática do escorregamento. de resistência obtidos por ensaios de cisalhamento direto na condição inundada, Observa-se que o escorregamento ocorreu num caracterizaram este material e estão descritos na segmento com seção mista, com rocha no lado Tabela 1. esquerdo e aterro no direito. A partir dos relatórios das sondagens nota-se Tabela 1. Parâmetros de resistência ao cisalhamento do que as camadas de aterro estendem-se até a material do aterro profundidade de aproximadamente 6,5 m, Solo c' ' caracterizadas por materiais siltosos com (kN/m3) (kPa) () matacões e pedregulhos. Subjacente a camada Solo A 17,5 3,1 30 de aterro, as investigações indicam a presença Solo B 18,0 2,2 33 de rocha fraturada até a profundidade de 18,5 m no Km 76+695 m (Percentual de recuperação Como resultados, têm-se o peso específico, a entre 7 e 50%) e 11 m no Km 76+720 m coesão e o ângulo de atrito interno típicos de (Percentual de recuperação entre 9 e 17%). Na um material/solo granular, confirmando o que foi identificado no perfil das sondagens. Essas investigações permitiram além do da cunha de ruptura identificada, e deverão ser diagnóstico da instabilidade, a definição de um ancorados em material com resistência que fator de segurança para a solução geotécnica suporte aos esforços de tração. projetada. Este fator foi obtido por meio de uma Os tirantes deverão ser ancorados na rocha, modelagem geotécnica e para a qual foi nos pontos de proximidade da mesma, e em adotando o método de análise de Bishop solo resistente, nos trechos onde a rocha se Simplificado (Bishop, 1955). afasta da contenção. Os tirantes possuem diâmetro de 32 mm nos quatro segmentos e são distribuídos em número 4.2 Soluções Geotécnicas de linhas de acordo com a altura da parede. Além disso, apresentam afastamento médio de Na correção da instabilidade do Km 76+700 m 1,8 m, tanto na vertical quanto na horizontal. foi projetada uma cortina atirantada com a Na execução das cortinas atirantadas, altura variável, associada a instalação de drenos recomenda-se que as escavações sejam horizontais, dispositivos de drenagem e realizadas em nichos, de forma descendente, proteção contra erosão através de enleivamento. com inclinação vertical e profundidade de Para aliviar as pressões neutras e reduzir a escavação máxima de 1,5 m. percolação de água no contato solo-rocha, estes A verificação do dimensionamento e da drenos foram instalados em duas linhas, com análise de estabilidade da cortina atirantada foi comprimento variando entre 12 m e 6 m e realizada por meio de modelagens, as quais espaçados a cada 5 m. Os drenos encaminham a apresentaram fatores de segurança variando água absorvida pelo solo, oriundas das entre 2,29 e 1,74, respectivamente para a precipitações, além de restringir a variação do solução do segmento 1 e 3 e para o segmento 4. nível do lençol freático na cota desejada. Esta medida fará com que os parâmetros de resistência sejam conservados, uma vez que a 4 CONCLUSÕES partir da saturação eles são minimizados. Quanto a cortina atirantada, ela foi dividida Dentro deste panorama, este trabalho visa em quatro segmentos, em função das diferentes apresentar a caracterização geológica e dimensões da parede e das solicitações dos geotécnica de uma instabilidade de talude de tirantes. aterro, com base em investigações geotécnicas O Segmento 1 encontra-se entre o Km “in situ” e de laboratório, bem como as soluções 76+591 m e o Km 76+639 m e a cortina de recuperação e estabilização do trecho da atirantada apresenta altura de 8,8 m. rodovia. O Segmento 2 encontra-se entre o Km Desta forma concluiu-se que: 76+639 m e o Km 76+655 m com cortina A chuva intensa no mês anterior e no mês atirantada de 6 m de altura. vigente à instabilidade, contribuiu para a O Segmento 3 encontra-se entre o Km saturação do solo e diminuição dos parâmetros 76+655 m e o Km 76+684 m onde a cortina de resistência do aterro, sendo considerada uma atirantada possui 8,4 m de altura. das principais causas da ruptura; O Segmento 4 encontra-se entre o Km A execução do aterro também contribuiu 76+684 m e o Km 76+742 m com cortina para a ocorrência da instabilidade, onde atirantada de 12,4 m de altura. verificou-se a ausência de dispositivos de Os tirantes e a parede da cortina foram drenagens, denteamento do aterro, bem como dimensionados para suportar os empuxos de sua compactação inadequada; terra e os esforços que o tirante provoca na O perfil estratigráfico identificado nas parede, devido a protensão a que o mesmo sondagens apresentou material de aterro estará submetido. pedregulhoso sobrejacente a rocha Gnaise, Os pontos de ancoragem dos tirantes foram caracterizando o contato solo rocha como o definidos em função das sondagens realizadas e plano desta ruptura; Os parâmetros de resistência ao cisalhamento do material de aterro apresentaram valores o típicos de solos granulares, conforme identificado nas sondagens, e possibilitaram o dimensionamento e análise de estabilidade da solução geotécnica projetada; Como solução geotécnica foi adotada uma cortina atirantada, a qual satisfaz os critérios de segurança global, descritos pela norma NBR 11682/2009, Estabilidade de taludes, como pode-se observar na modelagem geotécnica.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Empresa PROSUL –
Projetos, Supervisão e Planejamento Ltda e a UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, ambas pelo apoio e contribuição técnica e científica.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
TÉCNICAS. (2009). Estabilidade de encostas. NBR 11682, Rio de Janeiro, 33 p. Bishop, A.W. (1955) The Use of the Slip Circle in the Stability Analisys of Slopes. Géotéchnique, v.5, p.7- 17. Bressani, Luiz A. (2010) Escorregamentos de terra desastrosos: algumas características e possíveis lições para o futuro. VII Simpósio de Prática de Engenharia Geotécnica da Região Sul – GEOSUL, Foz do Iguaçu – PR. Das, B.M. (2011) Fundamentos de Engenharia Geotécnica. Cengage Learning, São Paulo. Guidicini, G.; Nieble, C.M. (1984) Estabilidade de Taludes Naturais e de Escavação. Edgard Blucher, 194p. Prosul - Projetos, Supervisão e Planejamento Ltda. (2013) Artigos técnicos das investigações de instabilidades. Relatórios de projeto. Florianópolis, Brasil. Rocha, H.L., Kobiyama, M.; Silva, C.G. (2009) Análise estatística de chuvas intensas ocorridas nos municípios de Blumenau e Rio dos Cedros, SC, no período de agosto de 2008 a janeiro de 2009. In: XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ABRH. Campo Grande, CD-rom 14p.