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Prosódia Portugueza

Composto e impresso na Typographia França Amado,


rua de Ferreira Borges, 115 — Coimbra.
JOÃO DE DEUS

Prosódia Portugueza
ESTUDO PRÉVIO DA ORTHOGRAPHIA

COORDENADO POR

JOÃO DE DEUS RAMOS

COIMBEA
1". TRANÇA AMADO, EDITOR

1909
L^Wll

.'.,

I
Á MEMÓRIA
>

Padre António do Espirito Santo Ramos

O DEDICADISSIMO IRMAO
DO AUCTOR DA « CARTILHA MATERNAL >
ú

.-'.

I
razão popular, ainda mais que as
academias, tende sempre a racio-
nalisar a orthographia, ajustando-a
cora a falia.

Cartilha Maternal — pág. 44.


INTRODUCÇÃO

A língua portugueza não guarda nos


derivados a prosódia radical, por outra,
não é uma língua etymológica como a
latina : assim como não é uma língua
métrica, com syllabas longas e breves,
como o latim ; e assim como não é uma
língua declinavel, com sete, oito, nove e
dez e mais formas do mesmo nome, pronome
ou adjectivo, como havia no latim.
Estes factos tiram muita força aos argu
mentos de analogia em que se funda
a orthographia latina ou etymológica. Mas
a orthographia phónica não nos levaria
melhor á identidade da escripta, senão
dada a identidade da linguagem que é
tão variavel, e a unidade de valor em
todos os caracteres. Ainda assim era
necessário que todos fizessemos da pala
vra fallada a mesma anályse. E dadas
todas essas condições para uma ortho-
10 INTRODUCçio

graphia perfeita quanto á leitura, teríamos


de escrever de várias maneiras a mesma
palavra, como por exemplo, separadamente,
òlex ( elles ) ; e em phrase, êlez andam,
élej mandam; o que será lógico para o
ouvido, não para o pensamento que pre
fere a mesma ideia expressa na mesma
palavra. E ó este conflicto de motivos,
todos mais ou menos attendiveis, que
embargam e limitam o princípio de se
escrever como se falla '.
Dai a muitos, que reclamam contra a
escripta actual, a faculdade de supprimir
e inventar os caracteres que julguem neces
sários a bem d' uma orthographia exacta; e
vereis que ficavamos na mesma, ou peór.
Sem regras e signaes particulares, toda
a palavra se pode ler, pelo menos, de
tantos modos differentes quantas vogaes
tiver; e isto, ainda proferindo-se as mes
mas vozes, e apenas accidentando-as na
força relativa 2.
Eis porque uma reforma orthográphica
radical seria uma empreza vã. As deci
sões, a que por ventura se chegasse,

1
Cartilha Maternal, pág. 45.
2 Obr. cit., pág. 135.
I
INTRODCCÇÃO 11

eahiriam no vácuo, á falta d'uma prosódia


geral, questão essencialmente prévia.
Felizmente, para dotarmos a língua de
Camões e de Vieira com uma orthographia
racional, não é necessario arrasar o edifí
cio dos tempos.
. Aorthographia, tal qual se acha, pouco
lhe falta para attingir uma perfeição geo
métrica. Não é o ph que faz mal, porque
vale sempre ff. Não era o eh que impedia
o estrangeiro de estudar no seu gabinete
o portuguez, se nos casos raros em que
vale q ( e se não podem submetter a
regra), o c viesse assignalado.
De que serve escrever básta, Isto, cópo,
estabelecida a regra de que a palavra ó
inteira, isto é, de penúltima syllaba domi
nante, não havendo regra ou signal em
contrário ?
O que nos falta é a anályse da língua,
para estabelecer as regras a que se
presta, e alguns signaes para os casos
refractários.
Todo o Traz-os-Montes diz servo (creado),
com a inflexão de ei*o — xervo; e diz cervo
(veado), com a inflexão de aço, como se
diz em toda a parte. Aquella distineção é
systemática. Como seria alli recebido para
12 IKTRODUOÇÂO

os dois casos um só carácter na conformi


dade do èstylo académico?
Isto o povo. Na classe litterária, nin
guém se resignaria a escrever tensão, signi
ficando desígnio; nem tenção, significando
estiramento.
Mau é que se não resignem, mas é um
facto. Não se impõe uma orthographia a
uma nação, assim como se não impõe uma
prosódia ou uma língua. É obra essencial
mente collectiva. 0 que se pode ó ir apro
veitando as indicações geraes, e interpre
tando o sentimento público.
Quem acabou com o y em pae e mãe,
com essa nuvem de yy da velha imprensa,
espécie de rabisca typográphica tão ridí
cula como as rabiscas dos callígraphos
antigos e modernos ?
Quem generalisou pretéritos em u,
os
viveu, cumpriu, etc, em vez de viveo, cum-
prio, como se escrevia, sem melhor razão,
antigamente ? Todos
ninguem. e

Hoje escreve-se geralmente Nicolau, mau,


etc, por analogia com o que se passa no
meio da palavra, onde o dithongo au nunca
se representa por ao.
Isto convém consignar em doutrina, diri
gindo os factos, encaminhando a prática a
INTRODUCÇÃO 13

uma fórmula, a um princípio, a uma regra.


Se o antigo morreo, viveo é hoje morreu,
viveu, se ô antigo meo, é hoje meu, e até
Deos se escreve geralmente Deus, deixemos
o. eo para ceo e chapeo e boleo e veo,
onde o e soa muito outro, e sem mais
signal temos regra, temos prosódia, temos
grammática.
Se a palavra é geralmente inteira, accen-
tuem-se, como no hespanhol, as esdrúxulas.
Se as palavras acabadas em l, r, z, são
geralmente agudas ; accentuem-se as exce-
pcionaes.
Ai vale quási sempre ái ; quando valer,
escusa signal.
Chocar os hábitos sem necessidade é
comprometter um bom intento. Não ha
razão para guerrear a etymologia onde
ella não embaraça a leitura. Com estas e
outras que taes precauções parece-me que
teriamos clero, nobreza e povo a favor de
uma reforma que puzesse a língua portu-
gueza em condições de ser estudada lá fora
(do que actualmente se não pode gabar) '.
Concordamos, pois, em que a orthogra-
phia concorre para a unidade da língua ;

1
Cartilha Maternal e o Apostolado, pág. 13, 14 e 15.
14 INTRODDCÇÃO

mas essa unidade não se attinge, e o que


se pode é determinar a melhor prosódia,
isto é, a mais auctorisada ou as mais
auctorisadas.
Bocage, essa auctoridade irrecusavel,
nunca disse tesouro, mas tesoiro e oiro e
loiro : o que aliás me não inhibe de dizer
tesôro, oro e lôro, etc. Todas essas prosó
dias são legítimas, porque existem, e exis
tem na prática de innumeráveis pessoas
cultas.. Contra esta divergencia ou simul
taneidade não ha academia que possa
prevalecer : o que a academia pode é
determinar a. sua preferencia, e assim
quem sabe? talvez chegar a conseguir a
unidade nos mais lettrados. Mas essa
questão não é a questão orthográphica ;
é uma questão prosódica, é uma questão

etymológica, e reunir tudo é enfeixar pro


blemas sem solução.
A mim parece-me que a questão deve
ser posta n'estes termos : haverá maneira
de escrevermos d'um modo indubitavel ? !

E a esta these
responderia eu que sim,
determinando as regras que presidem á
leitura da nossa língua e fixando a signi
ficação dos signaes, creando algum que
fosse necessário.
INTRODUCÇÃO 15

Porque um estrangeiro não pode no seu


gabinete apprender a ler portuguez, ainda
que saiba os elementos da língua portu-
gueza e o valor dos caracteres ; e isto é
lástima, porque a facilidade do estudo da
nossa língua é da maior influência litterária
e até política para nós. Não é o tt e o dd,
o ph, o nh que o encontrar
embaraça, é
moveis que pode ser móveis ou moveis, e um
milhão de casos semelhantes : é encontrar
machina, e não se saber se é máxima ou
máquina ou maxína ou maquína.
As duplicações das invogaes e a multi
plicidade de valores d'uma vogal, como,
por exemplo, o o valer u, são questões
que por assim dizer, e salvo o respeito
devido a opiniões contrárias, não têem
razão de ser.
O ovale u, mas nem sempre valeu u,
como ainda hoje não vale em hespanhol.
O m e o n servirem de simples signal é
absurdo ? mas nem sempre serviram d'isso,
nem era possível que tivessem sido inven
tados para isso, porque o homem não é
irracional.
Por ventura o primeiro n de António em
hespanhol é signal de voz nasalada? Pois
hespanhol ou gallaico era o antigo portu
16 INTRODUCÇÂO

guez. E se ha meio infallivel de sabermos


quando é signal, qual é a importancia
d'uma reforma orthográphica ? « Mas a
língua mudou, não ha de. mudar a ortho-
graphia? » Se a língua mudou universal
mente bem pode mudar universalmente a
orthographia : mas as línguas não mudam
assim, senão em séculos e a respeito de tal
ou tal palavra, de tal ou tal elemento . . .
« Se o vale u, dizem, escreva-se u ».
« Mas o o não valia u, e ainda hoje
vale ó e u. Em podar o o vale u mas em
poda o o vale 6. Quereis variar a radical
da palavra ? »
E como se pode saber se vale á ouií?
« Sabe-se, sem signaes, em infinitos casos,

como sabem os professores do nosso mé-


thodo de leitura e os seus discípulos.
Porque antes de toda a reforma orthográ-
phica é necessário estudar as leis da
prosódia portugueza. Da falta da
consignação d'estas leis resulta na ortho
graphia d'alguns uma infinidade de signaes
absolutamente inúteis, que tèem o grande
inconveniente de chocar os hábitos ' ».

Cartilha Maternal e a Crítica, pág. 362 e 363.


PRIMEIRA PARTE
PRIMEIRA PARTE

ANÁLYSE DA ACTUAL LINGUAGEM


FALLADA •

Aqui necessario abstrahir da escripta.


é
Tratamos de linguagem fallada.
Uma cousa envolve a outra 2.

Quando dizemos á, soltamos essa voz


sem empregarmos beiços nem língua ; mas
se dissermos má, soltamos essa voz despe

gando os labios: e se dissermos mal, des-

1 Esta primeira parte — com algumas altera


ções — encontra-se no Guia theórico da Cartilha
Maternal de pág. 117 a 151 ( 1." ed. ), porque foi a
anályse da falla, applicada á orthographia com-
mum, que serviu de base á Arte de Leitura de João
de Deus.
2
C. M., pág. 134, lin. 15 a 17.
20 PRIMEIRA. PARTE

pegamos os labios ao soltal-a, e no fim


abafamol-a pondo a língua no ceo da
bocca.
D'onde que as palavras constam
se vê
de vozes, e tambem d'uns modos de começar
ou acabar a voz.
Mas se a respeito da voz, que é o ele
mento soberano da falla, todos os mais
factos verbaes se podem considerar modos
ou accidentes, comtudo ha entre estes diffe-
renças essenciaes.
Na palavra fallada má e mal, temos a
voz á primeiro com uma modificação ; de
pois, com duas ; mas uma e outra palavra
se reduzem a um só elemento phónico, que
é a voz á ; o mais são puros accidentes :

emquanto não dizemos á, não dizemos


nada ; e em acabando de dizer á, não
dizemos mais nada.
Mas, quando dizemos vá, emquanto não
dizemos á dizemos alguma cousa ; porque
essa palavra não consta da voz á sim
plesmente modificada, e sim juntamente
d'um outro elemento tambem phónico ou
proferivel.
Assim, pois, temos na falla, além das
vozes e simples modos, outros elementos pro-
feriveis.
ANALYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 21

Os modos consistem n'uma operação dos


beiços ou da língua, operação de sua natu
reza silenciosa, como quando dizemos

bocado, golilha, maninho, preto :

palavras em que proferimos uáu, uíâ, âiu,


eu; e nada mais se profere, ou se diz.
A differença está só em dizermos estas
vozes d'outro modo, com o emprêgo de
beiço ou língua que nos pedia a leitura
silenciosa, e desacompanhada de todo o
fôlego, dos seguintes caracteres :

bqd — gl Ih — mn nh — pr t.

Mas os outros elementos proferiveis, por


isso que são proferiveis, exigem nos respe
ctivos caracteres uma leitura sensível ao
ouvido, e por isso mais apreciavel ao prin
cipiante. Taes são, excepto as vozes, os
mais elementos das seguintes palavras :

favo, siso, chá, jarro.

Podemos levar,falando, o tempo que


quizermos, em todas as primeiras partes
d'estas sete s^llabas : umas com bafo,
22 PRIMEIRA PARTE

outras com voz ; mas sempre fazendo-nos


ouvir, e proferindo elementos da língua
portugueza :

ff-vvv çç-zzz xx-jjj rrr ' .

Temos, pois, na linguagem fallada, além


das vozes, outros elementos : uns emprêgos
de beiço ou língua vozeados a que chama
mos vozeios; outros, bafejados a que cha
mamos bafejos; e ha uns simples contactos,
toques movimentos de beiços, ou língua,
e
a que chamamos modos 2, que modificam
vozes, vozeios e bafejos, sem alteração
essencial, só como á superfície e externa
mente 3.
Os modos e elementos a que acabámos
de nos referir chamam-se ordinariamente
inflexões e articulações, por serem como uns
eixos, umas juntas da voz, que lhe dão
contorno e melodia.
A voz é como a pérola que realça no
engaste ; as articulações entremeando e

i C. M., pág. 14 e 15.


2 Indicaremos as
articulaçõesbafejadas por dois
e as vozeadas por tres caracteres, e os modos por
caracteres apostrophados.
' C. M., pág. 135, lin. 17 a 24.
ANALYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA '23

recortando a voz, apesar da sua propria


obscuridade, não são menos preciosas na
palavra, que as mesmas vozes '.

I — VOZES

Nas vozes não se emprega d'um modo


apreciavel beiços nem língua. Por isso
podemos definir voz: o facto verbal inde
pendente de beiço ou língua 2.
As vozes são puras ou nasaladas.

1) As puras dividem-se em : nombiaes,


fechadas, aberta e grave.
a) As nominaesz — á, é, í, ó, ú — são os
nomes das respectivas lettras, que por
isso, e outras razões, convém chamar-lhes
nominaes 3.
A essas lettras ás vezes se applica e
muitas mais vezes se deixa de applicar
aquelle traço oblíquo descendo pura a es
querda, chamado accento agudo *, que é
signal para se ler a vogal como se chama.

i C. M., pág. 18.


* Obr. cit., pág. 134.
* Obr. cit., pág.
89, o últ. per.
* Obr. cit, pág.
88, lin. 6 a 13.
24 FR1HEIRA FARTE

É impropriamente applicado a vogaes de


valor nasal, como em contém; vindo tam
bem a ser signal de voz forte, ou syllaba
dominante '.

h) As vozes
fechadas são tres : a voz com
que se lê o a no fim da palavra ; a de que
se compõe o nome das lettras invogaes ; e
aquella com que lemos o o em boi (â, ê, ô).
O signal doestas é o chamado circumflexo,
que a máxima parte das vezes se omitte,
mas algumas se emprega onde era necessa
rio, como em dê; onde convinha, como em
rogo; onde era desnecessario, como em flor
(porque or final vale geralmente ôr) e tam
bem modernamente em vogaes de differente
valor, como em vemos, louvámos, onde e, a
se lêem nasaladamente, e portanto só admit-
tiam til 2.

O accento circumflexo parece composto,


e talvez intencionalmente o fosse, do grave
e do agudo, para designar que a, e, o tem
um som medio, entre agudo e grave ; o que
é verdade até certo ponto, mas inexacto ;
porque o a (grave), que é geralmente o

i C. M., pág. 89, lin. 3 a 6.


2 Obr. cit.,
pág. 88, lin. 14 a 25.
ANÁI.YSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 25

a final das palavras portuguezas, representa


o mesmo som que o affectado do accento
circumflexo, com a differença de ser emit-
tido com menos força, como por exemplo
em cada: onde o primeiro a é irmão do
segundo, embora dominante, e todavia o
primeiro devera levar accento circumflexo,
e ao último chamamos grave. A respeito
do e, ha tanto ou mais que dizer ; e
assim do o l.
O signal de voz fechada, o circumflexo,
só se deve applicar a e, o; porque para o a
significar o mais baixo dos seus valores
(que é â) escusa de signal : Não ha signal
para o valor mais fraco das vogaes ; e com
razão, porque esse é o valor ordinario.
No a só tem logar esse signal na chamada
leitura figurada dos diccionarios prosó-
dicos 2.

O accento circumflexo, comparado com o


accento agudo, exemplifica-se nas seguintes
palavras :

cada, escada ;

sede, sete ;

mordo, morde.

1
Dic. Prós., — palavra circumflexo.
2 C. M., pág. 89, lin. 4 a 11.
26 PRIMEIRA PARTE

É
uma distincção clara. 0 accento agudo,
já dissemos, que é signal de voz nominal,
isto é, para se ler a vogal, como se chama,
á, é, etc. ; para se ler menos
o circumflexo,
claramente, com a bocca um pouco mais
fechada. E uma voz mais baixa, que em
rigor pedia outro carácter, mas esse cará
cter suppre-se por meio do signal.
Não havendo voz mais baixa que u, não
é susceptivel esta vogal de accento circum-
flexo ; assim como tambem, não distin
guindo o ouvido variações de voz i, esta
outra vogal está no mesmo caso '.

Como a voz ô se encontra no dithongo ou e


a voz ê no dithongo êi, vamos, a propósito,
tratar d'estes dois dithongos.
Esoreve-se ou, mas estas duas vogaes
lêem-se com uma simples voz : ô.
Este é o facto, e por consequencia, a lei
fundada, não diremos na melodia, que é
relativa, porém no uso mais auctorisado e
aliás mais vasto 2.
A regra funda-se no estylo de Coimbra, de
Lisboa e do maior número. Nas províncias
do norte é que se diz amô-u.

1
Prosas, pág. 177, última linha e pág. 178 até
lin. 17.
* C. M., pág. 41, lin. 3 a 7.
ANALYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 27

Agora se ou deve ou não valer ô, é essa


uma questão de habito, de gosto e até de
amor patrio, que levaria um tempo inútil.
E eis porque uma reforma orthográphica
radical seria uma empreza vã. As decisões,
a que porventura se chegasse, cahiriam no
vácuo, á falta de uma prosódia geral, questão
essencialmente prévia l.
A regra de ou se ler ô não tem excepções
no'oM final; mas em syllabas anteriores bem
se exemplo, ouro, louro,
pôde ler, por
touro, thesouro, como se estivesse escri-
pto (e tambem assim se escreve) oiro,
loiro, etc, que é o estylo das províncias
do sul.
Bom será advertir de que ás vezes o estylo
de falar muda e a orthographia fica. Já em
todo o Portugal se disse vô-u, andô-u, e por
isso com razão se escreviam as duas vogaes.
Mas ainda nas províncias onde o estylo
variou se escreve do mesmo modo 2.

Nas provincias do sul cerceiam o dithongo


dizendo em logar de lêi, lêito, simples
êi,

vul
lê,

desengraçadamente lêto. Tambem


é

gar n'estas provincias mê pai, primo


e
;

não menos anti, andi, canti; em vez de meu


j

pae, primo, jantêi, andêi, cantêi


teu que
é
3,

perfeitamente legitimamente portuguez


e
e

C. M. Apost., pág. 13, lin. a 12.


1

2
o
e

C. M., pág. 41, lin. 24.


*

Obr. cit., pág. 44, lin. 14.


J

4
a
28 PRIMEIRA PARTE

não o será egualmente jantai, andai, cantai f


Duvido que o seja egualmente : a orthogra-
phia mostra que é prosódia mais moderna,
e aos que affirmam que é mais usual resta
proval-o. Os que me ouvem sobre o méthodo
de leitura, todos me ouvem dizer que onde
reina a prosódia âi, dêem a regra — que
o e vindo com i se lê como o a no fim.
Não quero para mim essa prosódia, nem a
recommendo aos professores, mas" pois que
as línguas se evolucionam, desde que os
povos de localidades distinctas e pessoas
numerosas de categoria litteraria acceitam
tal ou qual variante, acceita-se a variante '.
E de notar, ainda, que o dithongo êi nem
sempre é expresso, mormente na orthogra-
phia antiga. Os antigos escreviam regular
mente têa, fêo, cêa, recêo : os modernos
escrevem geralmente mais conforme a pro
núncia. Seja como for, o estylo da língua
não admitte na palavra as vozes êu, êâ, éâ; e
em taes casos, esteja o i expresso ou não,
ha de se ouvir êiu, êiâ, éiâ.

Para completar o estudo das vozes puras


na língua portugueza, faltá-nos tratar da
voz aberta e da grave.
c) A voz aberta é a primeira de Eva, ella,
etc., não tem signal especial, notando-se

1
Prosas, pág. 151, lin. 25 em diante e pág. 152,
até lin. 10.
ANALY8E da actual linguagem pallada 29

que se encontra nos clássicos muitas vezes


um accento opposto ao agudo, d'esta for
ma : pregar, pregador ( palavras que preci
savam de distincção, pois ha tambem em
portuguez pregar e o derivado pregador).
Não applicavam os auctores antigos tal
signal, ou pelo menos os typógraphos, sys-
tematicamente, como faziam a todos os
demais signaes ; porém, os modernos, em
vez de o aproveitarem convenientemente,
quási que o aboliram. D'ahi, resulta escre-
ver-se pé e pés, sé e céo, com uma orthogra-
phia excellente para enganar quem lê.
Não se pode confundir a voz do plural
de pé (pés) com a de pez ( ou com a de pé,
no singular ) : tambem se não pôde confun
dir com a de pê ( nome vulgar da lettra p ) ;
e muito menos com a da preposição de, que
chamamos grave l.
Só um mau ouvido ou um espírito muito
preoccupado pôde confundir os tres primei
ros e e de este (pronome) éste (substantivo)
e esta 2.

Mas escrevendo todos, e vendo escripto,


por exemplo, é e és têem acabado por
1 C. M., pág. 48, lin. 20 em diante, e pág. 49 até
lin. 5.
2
Prosas, pág. 175, lin. 27 a 29.
30 PRIMEIRA PARTE

suppor que a voz é a mesma. E o caso de


dizermos como Bescherelle : la vue trompe
Voreille : a vista engana o ouvido '.
Temos portanto, não falando na grave,
tres vozes bem differentes (pis, pé, pê),
que de facto se querem distinguir na escri-
pta; empregando-se n'esse intento
mas
apenas dois signaes, por força havia de
haver equívoco.
E assim succede. Quando o auctor receia
que leiam pelo, verbo, escreve pêlo ; e
quando receia que leiam pelo, nome, escreve
pêlo : escreve sempre o mesmo. E como
ha de escrever melhor? Escrevendo pêlo
(nome), e pêlo (verbo)? Errava em
ambos no primeiro, onde não
os casos ;

soa a voz de pê. Tomando a responsabili


dade d'aquella apparente innovação, indo
aos antigos buscar um signal desusado ?
E claramente melhor recurso.
Mas melhor seria novo signal,
ainda
por que em verdade o chamado accento
grave é applicado á vogal de valor nomi
nal, não porém forte, como em vulgo,
retro, etc. 2.

1 C. M., pág. 65, 3.° per.


2 Obr. cit., pág. 49, lin. 5 a 22.
ANALYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 31

d) Resta-nos tratar da voz grave.


Esta voz, que soa na primeira s^llaba de
pedi, é frequentíssima no princípio, no meio
e no fim da palavra ; mas frequentemente
mal proferida, e até supprimida, mormente
no fim.
E preciso especial cuidado não se diga
fal' em logar áefale, assim como, a inversa,
vile em logar de vil, papeie em logar de
papel, etc. '.
Alguns até chamam ao e final, mudo :

antes o chamem
que o façam, pois se o
fazem, não lêem bem. O u em guerra é
mudo, e na máxima parte das palavras onde
se escreve gue, gui, que, qui ; porém

( salvo ellisão ) a vogal e final representa


sempre voz ; e não ha vozes mudas 2.

2) Vozes nasaladas.
As vozes nasaladas — ã, ê, 1, õ, u —
são as
que se dizem, não asperamente
fanhosas, como se tivessemos o nariz
tapado, e as fizessemos èchoar nas fossas
nasaes ; mas com uns ares d'isso 3.

» C. M., pág. lin. 8 a 15.


48,
2 Obr. cit., pág. 33, lin. 1 a 6.
3 Obr. cit, pág. 88, 2 últimas linhas e as 2 pri
meiras da pág. 89.
PRIMEIRA PARTE

As vozes nasaladas são bastante fre


quentes na língua portugueza, e o peór é
que se indicam de vários modos. Temos
o til, signal de voz nasalada, que é raro,
em comparação dos outros dois signaes
de nasalidade, que muitas vezes são let-
tras '. m, n.

Poreconomia de espaço, e por con


veniencias typographicas, talvez mais que
por espírito reformador d'uma orthographia
incoherente, acha-se o til empregado nas
edições antigas, frequentissimamente, em
logar de m ou n.
Mas os antigos que escreviam, mais con
forme a pronúncia, por exemplo amarão ;
querendo differençar o ão forte, do fraco, á
falta de signaes convenientes escreviam
amaráõ, desvirtuando assim ao mesmo
tempo os dois signaes ; pois nem a tem
valor nominal : nem o, nasalado. Daqui, e
provavelmente ainda mais, da costumeira
de solettrar á o til
parecendo ao princi
ão,
piante (e talvez ao mestre) que o til per
tence ao O, resulta vermos, até na capital,
grandes lettreiros : Salaõ etc. A mesma
estátua de José Estevão lá tem : Maga
lhães 2.

> C. M., pág. 89, lin. 24 a 30.


2 Obr. cit., pág. 92 e 93, 3 lin.
ANALYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 33

O am final póde-se dizer que não offerece


nada de extraordinario, quanto a m. Ahi m
serve de til,; é regular : a forma orthográ-
phica, sim, que é imprópria ; porque escre
vemos ã para lermos ãu. Nem a nem m
podem representar a voz u que soa na leitura.
E uma convenção. Antigamente dizia-se, por
exemplo, amáru ; depois, com o correr dos
tempos, amárõ ; depois, amárã. Foi-se a
música da língua, por assim dizer, aclarando.
Hoje ainda muito povo diz amáru, falo ; mas
o estylo correcto e litterario é amárãu, fálãu.
Tempo houve que geralmente se escrevia
ão no fim.
Depois, talvez para evitar equívocos, e
poupar accentos ( no que sempre nos temos
mostrado singularmente económicos ), vol-
tou-se a escrever, como ainda hoje é o mais
usual, amam, falam, quizeram, etc.
Em verdade a boa orthographia não depende
tanto da lógica dos caracteres como da
generalidade das regras j e se am final vale
sempre o mesmo, embora mal represente o
que vale, passe a incoherencia. Melhor or
thographia é falão, falarão, falarão, etc.
Mas por exemplo pensão é equívoco ; e
escrever pensão, não é lógico ; porque o e
não representa a voz nominal. A falta d'um
signal para a voz forte é uma razão a favor
do am final ; mas ha outra e mais forte que
é a distincção óbvia de pretéritos e futuros '.

1 C. M., pág. 93, lin. 21 em diante e pág. 94, até


lin. 20.
34 PRIMEIRA PARTE

Portanto am final vale ã, em rigor ; mas a


fala muda e a orthographia fica. Se lermos lã,
durma, etc, lemos na conformidade d'aquella
regra ; porém, devemos notar que assim se
escrevia, porque assim se falava : hoje em
dia fala-se d'outro modo ; diz-se iãu, dármãu,
e assim se lê '.
0 lettra é juntamente
m ás vezes sendo
signal de voz nasalada. De facto acha-se
uma espécie de influência nasal retroactiva
em m (assim como em n ). Nós lemos
ama, temo, lima, Roma, uma, como
se estivesse escripto ama, temo, 17 ma,
Roma, uma. Amamos, amemos ;
fazemos, façamos; vestimos, vis
tamos; pomos, púnhamos; n'estas e
outras inflexões de verbo semelhantes dá-se
tambem o caso de nasalarmos a penúltima
voz sem til nem m que pertença á respe
ctiva vogal.
Mas se por exemplo em amo o a se lê
nasalàdamente, já em amei se lê pura
mente, o que tudo aliás é regular 2.
O estylo da língua é nasalar a voz forte,
ou de syllaba forte, antes das articula
ções m e n.
Homem, comem, come, comes,
leme, pertencem ao muito diminuto nú
mero de excepções 3.

i C. M, pág. 95, lin. 12 a 17.


2 Obr. cit., pág. 94, lin. 21 a 34.
3
Prosas, pág. 149, lin. 2 a 6.
. ANALYSE da actual linguagem fallada 35

Ha, ainda, como signal de voz nasalada


o n, quando não tem vogal em seguida *.
E signal e não lettra, porque propriamente
um carácter só é lettra quando representa
algum facto da palavra fallada mais ou
menos distincto. Ninguém diz que vã se
escreve com tres lettras, porque nem a aná-
lyse nem o> ouvido distingue senão duas
partes n'essa palavra. Ora se em vã ha só
duas lettras, tambem ha só duas lettras em
van. Se chamamos lettra a este último
carácter, é referindo-nos ao que elle muitas
vezes representa 2.
Ao n, n'esta qualidade de til o mesmo que
dissemos do m lhe é applicavel. Ao norte
de Portugal em muitos pontos se diz cá-ma,
má-na. Se pudessemos escolher, preferíamos
esse estylo, porque é mais claro e musical :
mas em linguagem não podemos adoptar o
mais sonoro, e sim o mais usual e aucto-
risado.
D'aqui vem que m n sejam frequente
mente lettras e ao mesmo tempo signaes de
nasalidade. A vogal de syllaba forte antes
de n lê-se nasaladamente : mana, pena,
tina, tona, puna lêem-se mana, pena,
tTna, tona, puna 3.

Em resumo : temos vozes nasaladas, cinco


( ã, 6, I, õ, ú ) e signaes de voz nasalada,

i C. M., pág. 101.


2 Obr.
cit., pág. 100, lin. 8 a 15.
3 Obr. cit., pág. 100, 3 últimas lin., e pág. 101 até
lin. 8.
OD PRIMEIRA. PARTE

tres : til, m e n. O til nunca é outra cousa,


senão signal de voz nasalada ; mas o m e
o n tambem são lettras e só em não tendo
vogal em seguida são signaes.
Costuma applicar-se o til no fim da pala
vra ; o m antes dos modos labiaes e tambem
no fim da palavra ; e o n nos outros casos.

Concluindo : as vozes da língua por-


tugueza são 15, designadas no quadro
seguinte ' :
. . á é í ó ú
Fechadas ... â ê ô

Aberta ê (Era)
ÍNominaes.
Grave e (Pedi),
\ Nasaladas 5 ãSTõu2.
Não ha mais, nem menos. Advertindo
que todas ellas, excepto a grave, se profe
rem forte e fracamente ; e este accidente
assume na palavra uma importancia essen
cial : vindo nós a ter, prosodicamente e
grammaticalmente, vinte e nove elementos
vocaes, correspondentes a outros tantos
caracteres differentes, se aspirassemos a
possuir uma orthographia exacta.

1 C. M., pág. 134, lin. 25 e 26.


* Obr. cit., pág. 139.
ANÁI.YSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 37

Assim a palavra fúi acaba na mesma


voz que a s^llaba fui, e tem os mesmos
elementos essenciaes; com a differença que
fui não é portuguez.
Ràpidú tem os mesmos elementos essen
ciaes que ràpidu, e os mesmos que rápidu,
mas cTessas tres combinações só esta á
palavra portugueza.
D'onde se vê que a reforma orthográphica
respeita tanto & força, como á gravidade ou
agudeza da voz ; e não principalmente a
lettras dobradas, ph, etc, o que nada vale
'
comparativamente '.

II — ARTICULAÇÕES

Entremos na anályse das articulações.

As articulações represenfcam-se na escri-


pta pelas invogaes 2. Dizemos invogaes e
não consoantes, porque a velha divisão das
lettras em vogaes e consoantes não tem funda
mento. Consoantes são as que se lêem com
soantes ? N'este caso a divisão natural seria
soantes e consoantes.

' C.M., pág. 134 a 135.


2 Obr. cit, pág. 18, lin. 18 e 19.
38 PRIMEIRA PARTE

Mas nem as vogaes são soantes porque as


lettras não soam, nem que fossem soantes,
eram unicamente as soantes. A articulação
ff soa : os caracteres com que se escreve,
podiam-se por figura chamar soantes. E
ainda mais soa a articulação rrr, que en
volve voz ; e sendo a voz essencialmente
musical, essa articulação até pode entoar-se,
porque é mais que um simples som, inapre
ciavel na escala : é um tom. Na falla ha
vozes, vozeias e bafejos; e, podendo-se dizer
que as vozes cantam, os vozeios toam e os
bafejos soam, a classificarmos as respectivas
lettras pelo valor, teríamos lettras cantantes
ou vogaes, toantes e soantes. Teríamos tam
bem lettras modaes, aquellas com que escre
vemos modos de proferir essas tres espécies
de sons ; designações que muitas accumula-
riam pela variedade dos seus valores.
Reduzir todas as lettras a duas espécies,
vogaes que soam, e consoantes que não soam,
é uma synthese falsa '.
E mais próprio fazer a classificação geral
das lettras em vogaes e invogaes.

Ha tres espécies de articulações :


l.a Umas que se proferem com voz ;

Outras que se proferem com bafo;


2.a
3.a E outras que são- simples modifica

ções dos elementos phónicos, isto é, cujas

1 C. M., pág. 112, lin. 12 em diante e pág. 113, lin. 3.


ANÁLTSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 39

invogaes se lêem sem voz, nem bafo — vid.


pag. 136 da C. M. — '.
Ás duas primeiras espécies chamamos
proferiveis e á terceira espécie : improfe-
riveis.
Dividamos, pois, o estudo das articula
ções em duas partes : proferiveis e improfe-
riveis.

1) Proferiveis:
Estas sub-dividem-se em: vozeios (as que
se dizem com voz), e bafejos (as que se
dizem com bafo).

a) Os vozeios acham-se mnemonisados


na phrase vaze o jarro.
Todos os elementos d'esta phrase são
essencialmente vocaes : os primeiros de cada
s^llaba, vozeados ; e os segundos, verda
deiras vozes. Exprimiremos a nossa ideia
escrevendo d'este modo,
pedindo ao e
leitor que leia sem interrupção todas as
invogaes :

vvvvvvá — zzzzzzú — jjjjjjá — rrrrrru

* C. M. e a Crít., pág. 58, 4 primeiras lin.


40 PRIMEIRA PARTE

Desprezando as vogaes ficar-se -ha di


zendo :
www
zzzzzz

MW

elementos proferiveis, toantes vozeados, que


têem a sua representação gráphica em let-
tras invogaes, porque ha n'elles o emprego
sensivel e indispensavel de beiço ou língua.
D'onde se segue que é duplamente absur
do dizer, sem distincção, que as lettras
invogaes não soam '.

vvv

A vvv profere-se com o beiço


articulação
de baixo nos dentes de cima e voz 2, e gràphi-
camente apenas se representa pela letra V.

zzz

A
articulação zzz pode ser representada
gràphicamente pelos caracteres: z (aza),
s (uso), e x (existe).

1 C. M., pág. lin. 25, e pág. 136 até lin.


185, 6.
2 Obr. cit., pág. 12, linh. 22 e 28.
ANÁLYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 41

jjj
A articulação jjj, profere-se com a língua
no ceo da bôcca e voz, na escripta
e é

representada pelos seguintes caracteres :


j (já), 8 (geme), s (osga), etc.

A articulação rrr escreve-se com r (rua,


melro) rr j(erro), rh (rhetorica).
Nos vozeios ha voz, embora embaraçada,
adulterada por obstáculo de beiço ou lín
gua; nos bafejos ha bafo '.

b) Os bafejos estão mnemonisados na


phrase faça chá ; escripta e lida :

ffffá — ÇÇÇÇâ
— xxxxá

achareis tres elementos da língua não


vozeados, mas proferiveis, folgados, respi
rados que têern tambem na escripta as suas
representações em lettras invogaes 2.

i C. M., pág. 136, lin. 7 a 13.


2 Obr. cit.,
pág. 16, lin. 10 a 12.
42 PBIMEIRA PARTE

ff
A articulação ff, o que podemos chamar
primeiro bafejo, profere-se com o beiço de
baixo nos dentes bafo, sendo a disposição
e

mecânica a mesma que a do v, differen-


çando-se em que n'esta ha voz ; ao passo
que no /
ha bafo. Verifiquemos : Se nos
puzermos a proferir demoradamente o nosso
artigo feminino âââââââ, e assim, unirmos
o beiço inferior aos dentes de cima, produzi
mos o vozeio que o v representa na escripta.
Mas se, n'essa mesma posição de labio e
dentes, afrouxarmos a voz limitando-nos
só a respirar,então, em logar de darmos o
valor do v, damos o valor de f, que é um
bafejo 2.

Esta articulação ff representa-se na escri


pta por f (fé), ff ( afflicção ), ph (phoca).

99

A articulação çç, o segundo bafejo, grà-


phicamente representa-se por s sS (suis- e

so), C (oeo), ç (aço), x (máximo).

2 C. M., pág. 16, lin. 1 a 8 e 12 a 14.


anIlyse da actual linguagem fallada 43

XX

A articulação xx, terceiro bafejo, escreve-


se com x (eixo), eh (chega), s (ais), z (faz).
Emquanto temos tres vozeios e tres bafe
jos, que todos se proferem semelhantemente,
dois a dois, com a differença de voz ou de
bafo ; o vozeio rrr, nos casos estabelecidos
não tem correspondente. Nós respirando,
ou vozeando, mas justamente na mesma
disposição de beiço ou língua, dizemos
alternadamente :

ff vvv ff vvv

çç zzz çç zzz
XX jjj XX jjj ».

Temos, pois, articulações que se proferem


com voz (vozeios) e articulações que se
proferem com bafo (bafejos).
Mas ha ainda outras que são simples
modificações dos elementos phónicos, isto
é, cujas invogaes se lêem sem voz nem
bafo 2.

A essas chamamos modos, que compre-


hendem última espécie de articulações
a
em que dividimos o nosso estudo.

1 C. M., pág. 65, pág. 8 a 14.


2 Obr. cit., pág. 136, lin. 14 a 18.
44 PRIMEIRA PARTE

2) Improferiveis :

elementos verbaes modificam-se por


Os
meio dos labios e por meio da língua.

a) Os modos ou modificações Iabiaes


acham-se na phrase mnemónica :

Meu bõ pae.

Certamente que se eu de bocca aberta


proferir uma voz sem nenhum obstáculo a
vencer, essa voz não soará do mesmo modo
que tendo a vencer o obstáculo dos labios.
N'isto está a única differença que ha entre :

eu e meu
õ e bõ
ae e pae

Na phrase meu bom pae, nada mais profe


rimos senão :

eu õ ae

(como diríamos se não tivessemos labios).


Oppondo ás vozes é õ á o embaraço dos
labios, cada vez mais unidos, essas tres
vozes recortam-se, certa feição
assumem
explosiva, destacada, que não pôde ser im
perceptível, estranha ao nosso ouvido ; e eis
como um facto silencioso penetra nos domi-
nios da audição ; eis como m' V p ', repre
ANÁLYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 45

sentando factos silenciosos, se não podem


abolir na escripta, nem ler phònicamente.
Pôde alguem, suppondo ler m ', fechar a
bocca e resmungar ; mas isso não é ler tal
lettra.
Na língua portugueza não ha resmungos.
Ninguem falla conforme semelhante leitura.
Ahi temos pois os modos labiaes. Tres
são os factos labiaes com que em portu-
guez modificamos quási exclusivamente as
vozes ; mas com que podiamos modificar
todo o elemento phónico, e de facto ha
exemplos nas mais espécies :

(tom) bzzz (obsequio)


( som ) pçç ( psychologia ).

Mas especialmente do segundo modo


acham-se affectados todos os elementos
verbaes, menos o primeiro som. Escusa
exemplificar vozes :

sons ^ bçç ( absoluto )


( obscuro )
( óbvio )
(obséquio)
TONS
( objecto )
( subrepticio ).
46 . PRIMEIRA PARTE

Pouco importa ao nosso caso que a modi


ficação, se não ache dentro
s^llaba da
etymológica. Na syllabação prosódica, na
tural, o modo attribue-se ao elemento affe-
ctado. Mas visto que a pronúncia corrente
da palavra dá de facto ás s^llabas entre si
a continuidade dos elementos syllábicos,
na linguagem ou leitura corrente não ha
incompatibilidade entre uma e outra sylla
bação.
Assim, por exemplo, em óbvio, como a
bocca se fecha á primeira voz, se assim
conservamos a bocca, o tom seguinte soará
necessariamente affectado, importando pou
co que a palavra se divida d'este modo :

ób-vio
ou d'este
óbvio.

Mas evidentemente a primeira divisão é


systemática : a segunda é natural ; e como
a etymologia é de poucos e o ouvido é de
todos, na solettração e no corte da palavra
em fim da linha tem prevalecido a syllaba
ção prosódica.
Sempre nas escolas se disse :

pê erre é esse, prex


anílyse da actual linguagem fallada 47

em presta, etc,
n'essa conformidade com-
e
mumente se parte a palavra em fim de linha,
quando a etymologia requer: presta, etc.
N'estes casos a partição etymológica não
passa d'uma delicadeza litteraria, agradavel
ao homem culto.

Ora assim como os elementos verbaes se


modificam por meio dos labios, tambem se
modificam por meio de língua '.

b) Modos linguaes: No diálogo: « Meu


bom pae, deitarei alli alho ? — Nenhum. — E
agua ? — Aqui » acham-se os modos ou mo
dificações labiaes n'aquella phrase : « Meu
bom pae » ; e os modos linguaes no resto do

diálogo.
Estes todos são linguaes, mas segundo a
língua joga com os dentes, o ceo da bocca
ou a garganta, assim se chamam linguo-
dentaes, linguo-palataes, linguo-gutturaes,
ou melhor, simplesmente, suppondo que o
órgão activo é a língua : dentaes, palataes,
gutturaes.
Os labiaes são tres, e os linguaes são o
triplo : nove.

1 C. M. e a Crit., pág. 49, 50 e 51, até lin. 14.


48 PRIMEIRA PARTE

Estes dividem-se symètricamente em tres


espécies, sendo :

5
Palataes
Dentaes Glutturaes
2 2

Ajuntando os labiaes, temos ao todo doze


modos na língua portugueza, doze factos
em si mesmos silenciosos, que mecanica
mente accidentam os elementos verbaes.
Se não tivessemos beiços nem língua,
todo esse diálogo se reduzia ás seguintes
vozes :

— eu ô ae,
ei â
ei âí au ? — eu
— i áuâ ? — âí

Pelo contrário, se repremindo voz e bafo


percorrermos com o pensamento o diálogo
morosamente, acompanhando essas palavras
mentaes dos movimentos de beiços e língua
que teríamos de empregar, estando real
mente fallando,sentiremos distinctamente :
1.° Que tres vezes os labios se unem, e
cada vez com maior força :

— M'.. V.. p'..


ANÁLYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 49

2.° Que duas vezes a língua se une aos


dentes, e da segunda vez mais que da
primeira :

d'., t'..

3.° Que a língua primeiro apenas toca,


leve e instantaneamente no ceo da bocca, e
.depois quatro vezes se lhe une successiva-
mente com mais força :

r'.. II'.. Ih'. — N\ nh'..


4.° Que a língua duas vezes se contrahe,
tapando a garganta, e a segunda vez mais
.que a primeira :

Não temos outro meio de apreciar estes


'doze factos senão o tacto e a vista.
O ouvido sentido extranho.
é Por isso
lendo phonicamente as lettras respectivas,
teremos uma linguagem bárbara e inintelli-
givel ; ou se é culta e intelligivel, essa
leitura é escandalosamente desmentida ; o
todo não é igual a todas as suas partes
tomadas juntamente '.

» C. M.e a Crit., pág. 51 e 52.

i
50 PRIMEIRA PARTE

As invogaès, que representam modos, são


treze :

m' b' p'


d5 t'
r' r lh' n' nh'
c' g- k' 4' x' i

Assim, pois, ha lettras que valem apenas


factos silenciosos.
Sempre se achou evidente que ler era.
falar, e como o que nós dizemos se escreve
com lettras, sempre se achou evidente que
todas as lettras se haviam de ler, dizendo-se
alguma cousa.
Esta synonímia das mais óbvias, das mais-
intuitivas do senso commum reina ainda
sobre a face da terra.
— Ler é falar,
proferir.
é

Mas as evidencias do senso commum não-


passam muitas vezes de falsidades sem mis
tura 2.
Dizendo-se Izaáa bafejando a última
( q' ),
articulação, e assim dizendo-se Job (b'), e
outras palavras hebraicas e estrangeiras,,
nunca d'ahi se poderia concluir que tal fosse
a leitura d'essas lettras — em portuguez K
Estabelecendo e restabelecendo a ver
dade, modifiquemos, o bafo n'esses casos,

1 C. M.e a Crit., pág. 57.


* Obr. cit, pág. 53, lin. 17 a 28.
3
Obr. cit., pág. 58, lin. 9 a 13.
ANALYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 51

por meio de beiço ou língua, mas só o bafo ;


e ainda assim não caiamos em attribuir
tal leitura ao carácter fora de quando está
no fim.
Não ha terminação portugueza por bafo
modificado. De facto temos, mas por cor
rupção do estylo. O povo diz : ped', cant'
acabando por um bafejo, em vez de pede,
cante.
Tambem o povo acaba muita palavra pelo
segundo som : diss, vás, em logar de disse
(dice) e vá-se.
Mas tudo é abuso corrupção.
e
Não ha terminação portugueza proferivel
senão o terceiro som : xx ( que aliás em dis
curso se vocalisa, convertendo-se no segundo
e terceiro tom zzz,jjj).
Mas das improferiveis, isto é, dos modos, a
língua portugueza só admitte tres palataes,
primeiro, terceiro e quarto : ar, tal, talisman.
Nenhuma palavra portugueza pôde acabar,
das lettras que valem modos, senão em r In,
correspondendo estas a factos puramente
mecânicos.
A voz admitte a modificação final dos
outros factos palataes ; mas o portuguez, ao
menos actual, é que não admitte. Nós não
temos palavra que acabe por exemplo assim:
alh, anli. Mas podíamos ter : a voz pôde
acabar resentindo-se d'esses factos de um
modo sensível ao ouvido, como dos outros
exemplificados em ar, tal, talisman ; em
summa, de todos os cinco. E coisa notavel.
Só d'esses palataes é susceptível a voz, no
52 PRIMEIRA PARTE

fim. Todos os outros, labiaes, dentaes e

guturaes, abafam-na, e não a modificam '.

Nas articulações temos, pois :

vozeios wv zzz jjj rrr.


BAFEJOS ff ÇÇ XX.
'
Labiaes Meu bom pae.

modos / I Dentaes . . cleita-


1 Palataes . . rei alli alho ? —
t Linguaes
Nenhum.

i Gutturaes . E água t — Aqui.

Aescripta, aparte os algarismos e as


abreviaturas, representa a falla nos seus
vinte e dois elementos phónicos e nos doze
modos que modificam esses elementos, não
por s^mbolos, mas por caracteres, d'onde
resulta que sem 'o conhecimento anal^tico
da fala não podemos ter o conhecimento
anal^tico da escripta.
Segue o quadro da falla :

i O. M., pág. 58 e 59.


ANALYSE DA ACTUAL LINGUAGEM FALLADA 53

i C. M., pág. 115.


SEGUNDA PARTE
SEGUNDA PARTE

REGRAS PROSÓDICAS

Conhecidos todos os elementos verbaes


da língua portugueza, estabeleçamos o con
fronto entre a palavra fallada e a palavra
escripta a fim de determinar as regras a
que se presta e os signaes para os casos
refractários.
As vogaes representam as vozes ; e como
sem voz não ha palavra fallada, tambem
sem vogal não ha palavra escripta 4. Mas
a vogal não tem sempre o mesmo valor.
O nome de cada vogal é o seu valor mais
claro : á, é, í, ó, ú 2. A sua leitura, porém,
varia muito, subordina-se, d'uma maneira
e

geral, á regra da syllába forte ou dominante.

i C. M., pág. 9.
2
Obr. eit, pág. 136.
58 SEGUNDA PARTE

Occorre, porém, perguntar : o que é

syllaba ?

Syllaba é o que a gente diria n'uma


pancada, se fallasse a compasso. Exempli
fiquemos.
Pá; uma pancada, uma s^llaba.
Pa-pa; duas. pancadas, duas s^llabas.
Pa-pe-la-da; quatro, etc. '.
São os elementos inseparaveis da palavra.
Separal-os é prejudicar a significação do
termo. Eis- o que é s^llaba. Mas em toda
a palavra ha uma s^llaba onde parece que a
voz se apoia 2 e que, geralmente, mais se
destaca ao- nosso ouvido. Essa é a que
chamamos forte ou dominante.

« De polo a polo corre a seguinte


definição : syllaba é a lettra ou lettras que se
pronunciam numa só emissão de voz. Nem
as lettras se pronunciam, nem que se pro
nunciassem, se pronunciariam todas com
voz, nem que se pronunciassem todas com
voz era possível pronunciar duas numa só
emissão.
E uma definição que se achará por toda a
parte, desde a Enciclopédia até ao Diccionário
Larousse.

Carta a Henrique das Neves, publicada nas


*

Novidades, de 22 de abril de 1879.


2 Dic. Pros.,
pág. xiii da Advertencia.
RE0R1S PROSÓDICAS B9

Em verdade a syllaba é difficil de definir


pela variedade das suas espécies e outras
razões.
Todos contam duas syllabas nesta phrase :

à luz ;

mas se á é syllaba, sem dúvida o ó igual


mente
ma;

aqui não temos senão a voz á, apenas modi


ficada, accidentada, proferida de outro modo,
sem mais accrescentamento algum.
Igualmente se dissermos :

mal,

abi temos a voz á, e só a voz á, apenas


modificada no princípio e no fim, e portanto
ainda uma syllaba.
. Mas os sons são elementos distinctos, im
penetraveis como as vozes ; e todavia todos
consideram igualmente uma syllaba

fá.

Os tona ainda são mais sensíveis e volu


mosos, essencialmente vocaes, e todos mais
sonoros que algumas vozes. Não obstante

não passa d'uma syllaba na opinião de todos.


60 SEGUNDA PARTE

Accrescentamos mais uma voz, e digamos :

vai :

todos contam, nesses tres elementos phó-


nicos, ainda uma syllaba.
Accrescentemos mais um som e digamos
(vaix)
vaia,

teremos ainda uma syllaba.


Prolonguemos a voz e digamos :

vààâis :

o ouvido ainda mais delicado ainda contará


uma syllaba.
Aqui se revella a obra da educação, por
que o ouvido grego e romano sem considerar
toda a articulação mero accidente, comtudo
levava em conta a duração da voz medindo-a
por uma ou duas syllabas, segundo o tempo.
D'isto resulta que a syllaba não tem nú
mero certo de elementos nem duração certa.
Que é, pois, syllaba ? Que ha de commum
entre todos esses exemplos e muitos outros
diversíssimos que podiamos apresentar ? —
A independencia ou a continuidade.
A palavra não é essencialmente contínua :

ama aba opa ode ata aro olla


alho una unha agua aqui

são palavras necessariamente partidas no


meio, por um momento de silencio.
REGRAS PROSÓDICAS 61
■-

Mas a syllaba é que se não pode dividir sem


prejuízo da palavra, da clareza, da ideia.
Eu posso dizer :

à luz ;

porém não posso dizer :

àl, uz
nem
à, lu, z

Parece-me, pois, que a syllaba se pode


definir — o elemento verhal independente, ou
grupo de elementos inseparáveis '.
Assim a syllaba não é convencional nos
seus limites. Mas a continuidade dos ele
mentos da syllaba, continuidade que é a sua
essencia e o seu carácter, traz seu arbítrio
na divisão syllábica de muitas vozes, pela
afíinidade e fácil encadeamento d'esses ele
mentos homogéneos. Assim se encontra
frequentemente a palavra amor contada
por duas syllabas ; do mesmo modo que as
duas e tres seguintes :

a-mor
o
e o a-mor.

1 A C. M. traz uma definição que consideramos


mais perfeita : syllaba é a palavra ou parte da pala
vra fallada que se não pode interromper sem pre
juízo da significação. É, sé, seu, seus, são quatro
syllabas, embora mais compostas uma que outras.
rC.M,pág.79).
.62 SEOINDA PARTE

Mais do que isso poucos terão escrúpulo


:

em fazer tres syllabas das seguintes cinco


palavras :
o ódio e o a-mor

e até das sete :

é o ó-dio e é o a-mor,

dando assim por supposto que todas as


simples vozes successivas se hão-de proferir
continuamente, o que talvez nâo convenha ao
seu pensamento ; ou se permittem na recita
ção as pausas que a syntaxe auctorisa, e até
a arte da palavra pode exigir, então saber-se-
ha que é verso o que se está recitando, mas
recitando em prosa, isto é, sem medida.
Ora na poesia, assim como na música, é
impossível escravisar o ouvido ao raciocínio.
A primazia do verso sobre a prosa funda-se
em lisongear o instincto métrico. Se o com
passo desapparece, foi-se o verso e a sua
primazia.
Essa recitação fundada na abstração com
pleta da metrificação, e só na syntaxe, é
insanavelmente viciosa. Ou o verso está
mal feito, ou se não está, é sempre possível
conciliar a recitação grammatical, expres
siva, eloquente, com o movimento symétrico
da poesia.
Um lógico pode achar naquella definição o
defeito de não ser geral, mas podemol-o
satisfazer, dizendo simplesmente : syllaba é
o elemento verbal.

1
ir
HEGRAS FROSÓUIOAB 63

Porque a syllaba é indivisível, bem se


pode. chamar elemento ; não elemento da
falla, de que terá muitos se for composta,
mas da palavra que não admitte syllaba
proferida por partes ; e por isso dizemos
verbal. » ( Carta a H. das Neves, publicada
nas Novidades de 29 de abril de 1879).

Nós temos na língua portugueza, em


relação ao rythmo, três géneros de palavras,
que são : agudas, inteiras ou graves, e
exdrúxulas ', o que talvez se esclareça me
lhor com exemplos do que com definições 2.

Agudas são aquellas onde parece que a


voz se apoia na última ou única syllaba :

dá, arroz, fareis.

Inteiras ou graves são aquellas onde parece


que a voz se apoia na penúltima :

dado, arrozes, faríeis 3.

Exdrúxulas, aquellas onde, por assim


dizer, essa firmeza de voz não é na última

i C. M., pág. 114.


2 Dic. Pros.,
pág. xn, da Advertencia.
3 C. M.,
pág. 114.
64 SEGUNDA PARTE

s^llaba, nem penúltima, senão na ante


penúltima :

pállido, trémulo, tímido *.

A palavra portugueza é geralmente inteira


ou grave Mas ao passo que são relativa
2.

mente em pequeno número as palavras


exdrúxulas, muitíssimas são as agudas.
Estas, na escripta, conhecem-se pela ter
minação.
São agudas se acabam em u, i, 3
l, r, z 4

ou em ira, ora, um 5.
Exemplos.
Em u:
degrau, lebreu, sentiu,
louvou, bànu.
Em i:
aqui, javali, pedi.

Quási ejúry são excepções que, por isso,


devem vir accentuadas com o signal de voz
dominante.

1 Dic. Pros., pág. xm da Advertencia.


1 C. M. e o Apost., pág. 14.
3 C. M., pág. 48.
* C. M. e o Apost., pág. 15.
s C. M., pág. 95.
REGRAS PROSÓDICAS 65

Em l:

dedal, papel, mulheril,


caracol, taful.

Como excepção ás palavras acabadas


em l, devemos notar as palavras em avel e
ivel,
agradável, fallivel

que pela terminação distincta dispensam


signal de voz dominante.
Exemplos de palavras acabadas em r :

singular, talher, lavrador, etc,

e todos os verbos no infinito. Carácter,


assúcar, e poucos temos mais, são exce
pções.
Em z:

rapaz, xadrez, locomotriz,


retroz, capuz.

Não tem excepção.


Em im, om, um :

setim, semitom, jejum.


6G SEGUNDA PARTE

Tambem não tem excepção alguma.


É, pois, relativamente, fácil conhecer se
a última s^llaba é forte, isto é, se a palavra
éaguda.
Deve, porém, considerar-se fraca, a últi
ma, se a palavra acaba em am, em, n e x '.
Exemplos :

amam, amem, iman, cálix.

Com o s dá-se o caso especial de não


alterar o valor da vogal final : a última
s^llaba é forte ou fraca, como se a palavra
não acabasse em s 2. Assim, em dia e dias
a última s^llaba é fraca; e em debrum e
debruns a última s^llaba é forte ou domi
nante.
Se a última s^llaba não é forte, deve
suppor-se forte a penúltima 3 ; salvas as
excepcionaes palavras exdrúxulas que seria
conveniente accentuar ', como no hespa-
nhol, na antepenúltima que é a dominante,
porque a vogal assignalada denota syllaba
forte.
i C. M., pág. 101.
2 Obr.
cit, pág. 79.
3 Obr.
cit., pág. 49.
4 C. M. e o Apost., pág. 15.
KEGKAS PROBÓDICAS 67

Podemos dizer, a respeito do maior nú


mero, que são exdrúxulas as palavras aca
badas em : ávamos, íamos, áramos, éramos,
iramos, — ássemos, éssemos, — íssimos, íssirno,
íssima l.

REGRAS RELATIVAS A VOGAES

l.a — As vogaes nomeiam-se pelo seu


valor mais claro: á, é, í, 6, ú, y (i-grego) 2.

2.a — No fim da palavra, o a lê-se â, o


O lê-se u, e o e lê-se como na primeira
s^llaba de pedi 3.
São estes os valores ordinarios das vo
gaes; por isso nos dispensamos de apresen
tar exemplos.

3.a — Regra da syllaba ou dominante :


forte
vogal em s^llaba forte lê-se como se chama ;

e em syllaba fraca tem o valor final 4.

Exemplo : arrazoado.
A-rra-zo-a-do é uma palavra de cinco
s^llabas, em que é forte a penúltima. As
i C. M., pág. 114.
* Obr. cit., pág. 136.

' Obr. cit, pág. 11, 37 e 49.


4 Obr.
cit., pág. 4^.
68 SEGUNDA PARTE

outras são fracas, e por isso as respe


ctivas vogaes se lêem como no fim da
palavra.
As excepções a esta regra geral devem
ser convenientemente accentuadas, confor
me indicamos adiante, a não ser que ellas,
por abranger um importante número de
casos, constituam regras especiaes.

4.a — O e, quando de per si forma s^l-


laba inicial na palavra, geralmente lê-se i:
Eduardo, elevar, eminente.

Eassim tambem, o e em sjMlaba fraca


seguida de outra vogal de valor mais dis-
tincto :

Cardeal, premear, cardealina, óleo

5.a — O o, em s^llaba inicial, lê-se geral


mente o:

Obediente, orador, ostracismo.

Igual valor tem o o que na última


s^llaba da palavra, precede outro o, a
ou am.
REGRAS PROSÓDICAS 69

enjoo, voo, apregoo, lagoa,


leoa, Goa, Lisboa,
affeiçoam, abotoam, perdoam,

advertindo ' que, nas palavras terminadas


em a, só tem este -valor quando com ella
não forma dithongo :

Régoa, frágoa.

6.a — O a sosinho lê-se â, o o . . . u e


o e . . • i; e têem, tambem, o valor mais
fraco a O, juntos.

7.a — Ai lê-se quási sempre ái 2

apaixonado, desvairado, airosa.

Maiór e maioria são das raras exce


pções.

8.a — Ei lê-se êi ou âi, conforme a região


onde se falla.
No Alemtejo e Algarve diz-se:

Jantei, lavei, andei.

1 Vid. Leis da Prosódia Portugmza — citações,


pág. 60-nota.
2 C. M. e o Apost., pág. 15.
70 SEGUNDA PARTE

Para o norte, nas outras províncias,


diz-se :

Jantai, lavai, andai.

A orthographia mostra que esta prosódia


é mais moderna. Mas pois que as línguas
se evolucionam, desde que os povos de
localidades distinctas e pessoas numerosas
de categoria litteraria acceitam tal ou qual
variante, acceita^se a variante '.

Ideia, réis

são excepções que devem ser assigna-


ladas.
Convem notar ainda que o dithongo ei
nem sempre é expresso, mormente na or
thographia antiga. Os antigos escreviam
regularmente têa, fêo, cêa, recêo ; os
modernos escrevem geralmente mais con
forme a pronuncia : teia, feio, ceia,
receio. Seja como for, o estylo da língua
não admitte na palavra as vozes êu, êâ,
éâ; e em taes casos, esteja i expresso ou
não, ha-de se ouvir êiu, tiâ, éiâ 2.

1 Prosas, pág. 152.


2 G. M., pág. 44.
REGKAS PROSÓDICAS 71

9.* — Se o antigo viveo, morreo, é hoje

viveu, morreu

e até Deos se escreve em geral

Deus

deixemos o eo para

ceo, chapeo, boleo, veo,

onde o e soa muito outro '.

- 10.a — Au representa-se geralmente por


au, dithongo que no meio da palavra nunca
se costuma representar por ao 2.

Abaulado, auctorisado.

— Ou lê-se ô. Este é o facto e, por


11.
a

consequencia, a lei fundada, não diremos


na melodia que é relativa, porém no uso
mais auctorisado e aliás mais vasto. A
regra funda-se no estylo de Coimbra, de

1 C. M. e o Apost., pág. 14.


2 Obr. cit., pág. 14 e 15.
72 SEGUNDA TAHTE

Lisboa e do maior número. Nas provincias


do norte é que se diz

amô-u.

Agora se ou deve ou não valer ô, é essa


uma questão de hábito, de gosto e até de
amor patrio que levaria um tempo inútil '.
A regra do ou se ler ô não tem exce
pções no ou final ; mas em syllabas anterio
res bem se pode ler, por exemplo, ouro,
louro, touro, thesouro, como se estivesse
escripto (e tambem assim se escreve)

oiro, loiro, etc.

que é o estylo das provincias do sul 2.

12. a — Oi lê-se Ôi.

Foi, anoitecer, açoitar.

— Quando dois
13. a
aa fechados ( ou
graves) se encontram, é do estylo da lín
gua reduzirem-se a um só agudo.

1 C. M. e o Apost., pág. 13.


2 C. M., pág. 41.
RÉGUAS PROSÓDIOAS 73

Assim em minha amada


diz-se
minMmáda '.

14.a— Semelhantemente, quando dois oo


graves se encontram, reduz-se a sua leitura
também a uma voz só.
Assim : faço o que disse

façu que disse 2.

15. a — AI lê-se sempre ál 3.

Fatal, alvorada, apalpadela.

16. a El lê-se él, com a voz aberta.

Elvira, selvagem.

17. a — Ol lê-se ôl:

Olvidar, empolgar, desenvolver,


olmeiro.

1
Vid. Leis da Prosódia Portugueza — citações.
2 Idem.
' C. M. — lição do l.
74 SEGUNDA PARTE

Excepto no fim da palavra :

girasol, paiol, caracol.

18. a — Or final lê-se ôr *.

Flor, lavor, lavrador.

No plural das palavras terminadas em or,


— salvas as excepções, uma dúzia, se tanto,
maior, arredór, pormenor, mór, peór —, o O
conserva o-mesmo valor fechado :

Tlores, lavores, lavradores.

O mesmo succede no singular e no plural


das formas femeninas regulares de taes
palavras

lavrador, lavradora, lavradoras.

19.
a — Er
final lê-se geralmente êr, como
no infinito de todos os verbos d'esta termi
nação.
Mulher, colher, quer

são excepções.

i CM. — lição do r
REGRAS PROSÓDICAS • 75

DA ACCENTUAÇÃO DAS VOGAES

20.a — Não ha signal para o valor mais


fraco das vogaes com razão porque esse
; e
é o valor ordinario '.

21. a — Ás lettras
vogaes ás vezes se
applica, e muitas mais vezes se deixa de
applicar, aquelle traço oblíquo descendo
para a esquerda, chamado accento agudo,
que é signal para se ler a vogal como se
chama : á, ê, í, ó, ú.

22. a — O falta d'um


accento agudo, á
signal para a s^llaba forte, é, impropria
mente, applicado a vogaes de valor nasal,
como em contém; vindo tambem a ser signal
de voz forte, ou syllaba dominante 2.

assúcar, Setúbal, arvéola, célebre.

»c. M.
2A voz aberta — a voz de Eva, dia — conviria
assignalar-se, na opinião de João de Deus, com
este signal ê. Na phrase « é Eva » nota-se bem a
differença que vai da voz nominal é á voz aberta
E. . .va.
76 SEGUNDA PARTE

23. a — O accento grave é applicado a vogal


de valor nominal, não porém dominante.

vulgo, aliás.

24.a — O accento circumflexo, comparado


com o accento agudo, exemplifica-se nas
seguintes palavras :

cada, escada
sede, sete ;

mordo, morde.

Éuma distincção clara. O accento agu


do, já dissemos, que é signal de voz nomi
nal, isto é, para se ler a vogal, como se
chama, á, é, etc. ; o circumflexo, para se ler
menos claramente, com a bocca um pouco
mais fechada. E
uma voz mais baixa que
em rigor pedia outro carácter, mas esse
carácter suppre-se por meio do signal. Não
havendo voz mais baixa que u, não é susce
ptível esta vogal de accento circumflexo ;
assim como tambem, não distinguindo o
Ouvido variações de voz i, esta outra vogal
está no mesmo caso '.

1 Prosas, pág. 177.


REGRAS FROSÓDIOAS 77

25. a — Além do accento agudo, do ac


cento grave, do accento circumflexo e dos
signaes de voz nasalada, de que falíamos
adiante, outros signaes ha, com applicação
ás vogaes : — a diérese que serve para indi
car a separação, na leitura de duas vogaes,
em duas s^llabas

sequência,

e o apóstropho que serve para indicar a


suppressão d'uma vogal.

26. a — Os signaes de voz nasalada são :

til ("), m e n.
O til nunca é outra coisa senão signal de
voz nasalada ; mas omensó em não tendo
vogal em seguida.

rã, ambas, antes.

27. a —
O amno fim da palavra equivale
ao dithongo ão, mas é sempre fracamente
proferido, ao contrario do que succede, em
geral, com á til ó.

raspam, raspão,
puxam, puxão.
78 v SEGUNDA PARTE

Órgão, órphão, Chr.istóvão, e poucos ter


mos mais, são excepções.

28.a — O em final equivale a Se, isto é, á


primeira voz nasalada com a voz grave.
No Alemtejo e no Algarve ainda se diz,
como se dizia antigamente em todo o Por
tugal, êe, (a segunda voz nasalada com a
voz grave).

amem, olhem, também.

REGRAS RELATIVAS A INVOGAES

29. a — Ha dez invogaes ' certas, isto é,


que têem sempre o mesmo valor e que na
ordem alphabética são :

b — d f— j kl — p q2 — t v

30. a — Restam invogaes incertas,


oito
isto é, cuja leitura varia na escripta :

c — g — mn — rs — xz3
1 Consoantes. — V. pág. 37.
2
Não se escreve o q sem u; e esse u, vindo com
e ou com i, não se costuma ler.
3 C. M., pág. 56.
REGRAS PROBÓDICAS 79

31. a — c — antes de e ou de i, ou cedi-


lhado, vale çç; h' nos outros casos ;
CÇ vale geralmente çç; mas por vezes
vale kçç, como em secção ;
ct vale ' t' , servindo o c de simples signal
'

de voz nominal fraca, como em director,


actor, etc. ; mas por vezes vale kt', como
em invicta;
cq vale acquiescencia.
q',

como em

32. — — Quando vem immediatamente


g
a

antes de vale jjj.


ou de
i
e

Vale com as outras vogaes.


g'

Em gue, grui, u geralmente não


o

se lê.
Temos, pois, quatro casos em que u se
o

não costuma ler que, qui, gue, grui.


:

33. — m — Pode ser lettra, ou signal


a

de voz nasalada. lettra quando tem


É

vogal em seguida (mal, mel, mil, mola,


mula). Signal de voz nasalada, quando
não tem vogal em seguida.
m ás vezes nem se lê, nem signal
0

de voz nasalada, só se escreve por


e

Já na nota de pág. 22 determinámos que


1

indicaríamos os modos, isto os valores silencio


é,

sos por caracteres apostrophados.


SEGUNDA PARTE

devisa etymológica, commen- como em


da, commissão, condemnado, que
se lêem exactamente como se escreves
semos comenda, comissão, conde
nado '.

34.a — n — O mesmo que dissemos do


m lhe applicavel,
é salva a alteração que
soffre seguido de h.

35. a — r — Vale rrr no princípio da


palavra, ou dobrado ; assim como também,
no meio da palavra, antes ou depois de l, n
(carne e melro, e vice-versa em tenro
e arlequim ).
Vale r nos outros casos ( ar, era, ira,
ora).

36. a — S — Vale çç no princípio, dobrado


e entre invogal e vogal ( silva — passo
— valsa — curso ).
Vale zzz no meio de vogaes ( USO,
praso ).
Vale xx no fim de s^llaba (ramos,
frasco ).
Exemplo dos tres valores : sisudos.

1 C. M. — lição do m.
REGRAS PROSÓDICAS 81

37. a — x — Não ha regras para os valo


res d'esta lettra. A maior parte das vezes
vale xx. Mas tambem vale zzz, çç, ou kçç.
Exemplos dos 4 valores : sexo, auxilio,
exilio, iuxo.
Pode dizer-se, d'uma maneira geral, que
tem o último valor no princípio e no fim da
palavra; e que tem o terceiro valor quando
§e segue a e em s^llaba inicial, como em
existe, execravel, éxaggeraste.

— z — Vale xx no fim
38.a de s^llaba,
como o S e x tambem valem; nos mais
e
casos, zzz. Na palavra zaz encontra-se o
exemplo dos dois valores.

39. a — As invogaes dobradas, á excepção


de m, n, r, S, valem o mesmo que sim
ples '.

DA INVOGAL FINAL

40.a — As invogaes em que acaba a


palavra portugueza são 1, m, n, r, S,
X, z 2. Mas 1 e r não offerecem dúvida.

41. a — m final — representa sempre til.


1 V. Prosas, pág. 179.
2
V. C. M., pág. 139.
82 SEGUNDA PARTE

— n — Gaíu em desuso empregar-se


42.a
no fim como til ; hoje escreve-se vã, manhã.
E conserva-se nas palavras em que é lettra
e signal de voz nasalada, conjunctamente,
como, por exemplo, em iman, regi
men, etc.

— z, s, X — Valem no fim xx. Nós


43. a
dizemos áix, fáx, ( ais, faz ) e não áiç, faz'.
Assim no fim da palavra solta, ou última
é
de phrase; e egualmente seguida de palavra
começada pelas inflexões :

/ por ex. : faz frio (fáx frio)


p • » » os pães (ox pâex)
q (ou equivalentes) » » faz calor (fáx calor)
t » » os tempos (ox tempox)

Porém, antes
de palavra ou s^llaba come

çada pelas demais inflexões, não se profere


xx e sim jjj
por ex. : as damas (aj-damas)
» » faz damno (faj-damno)
» » calix dourado (calij-dourado )

e, antes de vogal, profere-se zzz

por ex. : as águas (az-águas)


» » faz água (faz-água)
» » calix antigo ( caliz-antigo)
REGRAS PROSÓDICAS

DO AGÁ E DAS INVOGAES COMPOSTAS

44.a — h —O agá é signal que se applica


ás vogaes e a 6 invogaes : t, r, n, l, p, c.
É umas vezes accento, outras signal
etymológico, outras vezes é ambas as cou
sas : isto com vogaes e invogaes. Ahi, ha,
huivo lê-se como se escrevessemos, af, á,
uivo : aqui vale accento agudo. Heroe,
honesto, hostil, lê-se como se escreves
semos êroe, ônesto, ôstil : aqui indica
etymologia, servindo ao mesmo tempo de
accento circumílexo. Mas é mormente com
invogaes que elle mostra a índole de
accento '.

45.a — th, rh — Em th rh a presença


de h é inútil; mas haveis de notar que as
rrr, são extremas, isto não
t',

é,

articulações
admittem, sem transformação, execução
a

mais vehemente.

46.a — nh, Ih — Nh, Ih accentuação


é

de n, (nenhum, alho). Lede alternada


l

mente, embora em silencio, n, nh Ih;


l,
e

V. C. M., lição do
h.
1
84 SEGUNDA PARTE

sentireis a língua, na leitura da forma


dupla, adherir mais forte, e extensamente
ao ceo da bocca.

47. a — ph — A
respeito de ph, todos
apagam uma luz fazendo ou proferindo
naturalmente pff, antigo valor da forma ph,
hoje simplesmente^.

48.a — eh — É aúnica invogal com


posta incerta. Tem dois valores, um fre
quentíssimo : xx; e outro raro :

q'.
Este
ultimo valor tem-no quando se lhe segue
invogal uma ou outra Vez, quando se lhe
e,

segue vogal.
NOTA FINAL

-
NOTA FINAL

O auctor da Cartilha Maternal, — como


em geral as pessoas que começam a preoc-
cupar-se com estas questões de linguagem,
— quando era ainda redactor do Bejense,
.

fez affirmações, as mais radicaes, relati


vamente á simplificação orthográphica. Os
seus escriptos appareciam n'uma orthogra-
phia que, decerto, escandalisava as boas
tradições etymológicas, geralmente acceites
e respeitadas. E, a propósito, ousou escre
ver, ironicamente, como se varresse de vez
a questão para muito longe do seu espírito,
— que « lettras dobradas só em dias de
"

muito frio ».
Pois bem. Annos decorridos, propoz-se
organisar o Diccionario Prosódico; e fel-o-
com outro criterio, muito diverso. Reco
nhecera que a transformação d'uma lingua
é um facto collectivo, tornando baldadas
todas as tentativas que tenham por fim a
immediata uniformisação e simplificação
orthográphica, embora partam de uma gran
de auctoridade ou mesmo d'uma academia.
88 NOTA FINAL

Para exemplo, basta lembrar o insuccesso


do Diccionario da Academia Real das Scien-
cias (que se não poude concluir, por serem
irreductiveis as opiniões de diversos socios
d'aquella douta aggremiação) e o da Orto
grafia Nacional de « Gonsálvez Viana ».
Esforços inúteis ! Como o tinham sido já,
remotamente, as Regras Geraes, breves e
çomprehensiveis , da melhor orthografia, pelo
Padre Bento Pereira, — approvadas por
«

Varões peritissimos, e publicadas, com


todas as licenças necessarias, em 1666 ».
Isto prova, á saciedade, que só o espírito
público nacional pode supprimir, substituir
e alterar os caracteres da escripta, pondo-a
em correspondencia cOm a linguagem fal-
lada. De resto, os trabalhos dos doutos,
quando procurem precipitar os aconteci-*
mentos, e não se limitem a esclarecer o
assumpto, resultam apenas em augmentar
as formas de escrever, estabelecendo a
confusão das graphias, passando, estas,
a considerar-se, todas, auctorisadas.

Durante muito tempo, antes que tomasse


grande incremento o progresso das scien
NOTA FINAL

cias naturaes e das sciencias sociaes, o la


tim impunha-se como sendo o estudo mais
importante na vida de toda a gente culta ;
e servia para facilitar o conhecimento da

língua portugueza, pela provavel derivação


de muitos termos. Mas o desenvolvimento
das sciencias, creando sciencias novas, e a
necessaria permuta entre todos os paizes
de utilissimas e universaes descobertas, a
generalisação da instrucção popular e, como
consequencia lógica, a expansão da littera-
tura das diversas línguas, trouxeram um
grande augmento no vocabulario geral, in
fluindo ainda na construcção da phrase e
na forma da palavra. A certa altura, fez-se
a crise. O latim já se não estudava com a
mesma dedicação d'uma vida inteira. E a
vernaculidade da língua tornava-se difficil-
lima, porque se multiplicavam as maneiras
de escrever. E assim, principiou este estudo
a encaminhar-se para a questão da simpli
ficação, isto é, da substituição da chamada
orthographia etymológica, muito irregular,
pela orthographia sónica.
Diversos e notaveis teem sido os pala
dinos d'esta orthographia. Mas o único
que, — por uma vastissima erudição, e
transigencia n'uma grande parte com os
90 NOTA FINAL

hábitos e a vontade collectiva — , vem pres


tando valiosos serviços, ha longos annos, é
Candido de Figueiredo. Deve-se-lhe essa
justiça, ainda que pedimos licença para con
siderarmos erróneos ou insensatos alguns
dos seus conselhos. O caso, por exemplo,
de querer a substituição ' do z pelo s nas
palavras portuguez, francez, quiz », etc,
«

(com a indispensavel obrigação de usar


o accento circumflexo ), tal e qual como o
sr. Gonçalves Vianna quiz tambem a troca
do s pelo z em certas palavras, v. g. Diáz
em vez de Dias e no próprio nome Gon-
sálvez 2, nos parece accertado. Tem
não
qualquer coisa de semelhante com a inves
tida dos kikeros, assim ridicularisados pelas
suas pretenciosas e despropositadas senten
ças, apresentando-se todos, aliás, escudados
por uma muito espessa erudição.
O que é certo é que o problema, no nosso
e no entender do auctor da Cartilha Mater
nal, foi sempre mal collocado. E
ainda
hoje os mestres pretendem impor as suas

V. Dic. da Língua Portuguêsa, de C. de Figuei


1

redo, pág. xvn da Conversação Preliminar.


2
Ortografia Nacional, de Gonçálvez Viana,
pág. 290.
NOTA FINAL 91

razões, como se uma razão se impozesse


á consciencia de alguem, que não fosse a
própria. Urge, pois, esclarecer o espírito
público, aproveitando a vida das escolas
para a propaganda dos bons principios
orientadores. Mas é preciso que isso se
faça, sem abrir conflicto com os hábitos
geraes, e esperando que as modificações,
propostas nos livros de estudo, se genera-
lisem por um accôrdo geral, do norte ao
sul do paiz.

Em 1885, publicaram os srs. G-onsálvez,


Viana — que então ainda era Gonçalves
Vianna, — e Vasconcellos Abreu, o pri
meiro dizendo-se romanista e o segundo
orientalista, umas Bases da Ortografia Por
tuguesa.
Logo a primeira base estabelecida era
que — « uma língua é um facto social, não
dependendo do capricho de ninguem alte-
ral-a fundamentalmente ». Pois apesar de
reconhecerem aquelles mestres que não de
pendia do capricho de ninguem alterar uma
língua, e, por consequencia, a sua maneira
geral de ser, isto é, a maneira geral de
92 KOTA FINAL

fallar e apesar cTisso o pri


de escrever,
meiro capítulo enunciado, encontra-se assim
escripto : — « Principios jeraes de toda a
ortografia ».
Vendo que esta doutrina estava em ma
nifesto desaccôrdo com a expandida por
João de Deus, o irmão do auctor da Cartilha
Maternal escreveu as seguintes palavras na
capa d'um exemplar d'aquellas Bases, exem
plar que possuimos : — « Não será decerto
sobre estas bases que os sabios levantarão
o edifício da nossa orthographia, mas, agora
ou mais tarde, sobre o que v. m.ê ' vem
dizendo aos bocadinhos, tendo então elles,
como já teem e teem tido sempre todos,
todo o cuidado em fazer crer que não
conhecem nenhum dos seus escriptos ».

0 irmão de João de Deus, a que nos


referimos, era o Padre Antonio do Espirito
Santo Ramos, fallecido em setembro de
1902 e ao qual dedicamos este livrinho,

Este tratamento de vossemecê é de uso no


1

Algarve entre irmãos, dos mais novos para os


mais velhos.
NOTA FINAL 98

recordando não só a extrema e commovida


amisade que elle devotou sempre ao auctor
da Cartilha Maternal (que o teve por seu
primeiro apóstolo, com o Abbade de Arco-
zello) mas pela predilecção que lhe conhecía
mos, relativamente á questão orthográphica.
Publicou em 1899 as Leis da Prosodia Por-
tugueza, deixando em nosso poder, por sua
morte, um manuscripto para a 2.a edição.
As Leis da Prosodia não satisfaziam ao seu
intuito principal. Faltava-lhe muita coisa
que se encontrava dispersa em diversos jor-
naes, nos livros da polémica — O Aposto
lado e Critica — , nas notas da Cartilha
a
Maternal e no Diccionario Prosódico. Isto
mesmo dissemos ao saudoso coordenador
das Leis da Prosodia Portugueza, prestando-
lhe é claro, as nossas homenagens, e reco
nhecendo o que representava aquelle valio
síssimo trabalho para a organisação d'este
outro, mais completo. E elle, acceitando
de boamente a. nossa collaboração, ponde-
rou-nos apenas que não se devia, n'uma
segunda edição, accrescentar e alterar tudo,
como dizíamos, porque isso modificaria o
primeiro aspecto da publicação ; e então,
referindo-se, de passagem, a uma insignifi
cante tentativa de interpretação do espírito
94 MOTA FHUL

educativo da Cartilha Maternal, que havia


mos publicado, — Os Altos Princípios do
meihodo João de Deus — disse-nos estas
palavras, que consideramos o maior estí
mulo que temos recebido para proseguir
afíbitamente na realisação e continuação
da obra pedagogica do nosso progenitor :
— « herdaste de teu Pae a aptidão que
elle tinha para estes assumptos ».
Registrando, aqui, esta tão indiscutivel
prova da sua generosidade, assim estima
mos justificar a nossa enternecida dedica
toria razão do apparecimento em público
e a
d'este modesto trabalho. Assim elle con
siga attingir os fins que se pretendem :
— l.° orientar a questão orthográphica ;
2.° confirmar a orthographia da Cartilha
Maternal, servindo de base para a modifi
car conforme a evolução natural da lingua
gem fallada e escripta ; e 3.° facilitar aos
que ensinam pelo méthodo João de Deus
e, d'uma maneira geral, aos que ensinam a
escrever, a systematisação de regras indis
pensaveis, para evitar, quanto possivel, o
fastidioso trabalho da cópia, que por ser
um processo mecânico de apprendisagem,
repugna a quem apprende, e está funda
mentalmente condemnado pelo espírito edu
NOTA FINAL 95

cativo da Cartilha Maternal. Por isso mesmo


a Arte de Escripta, — no complemento da
qual estamos especialmente empenhados — ,
é mais alguma coisa do que suppõem os
proprios professores que leccionam pelo
methodo João de Deus e que o estudaram
com o auctor. Este, nos últimos mezes da
sua vida, presentindo talvez muito de perto
a morte, andava preoccupado em comple
tar o seu méthodo de escripta, não o que
rendo publicar senão completo, como era
próprio do seu espírito que antepunha a
todas as vantagens um insaciavel desejo de
perfeição.
Em edições successivas d:este livrinho, se
elle as merecer das sympathias do público,
iremos fazendo as modificações que se tive
rem operado, collectivamente, na linguagem
fallada e escripta ; e dar-lhe-hemos maior
amplitude, accrescentando um capítulo es
pecial « Regras Orthográphicas ».

Maio de 1909.

J. D. E.
ÍNDICE

Pág.

Introducçâo — A língua portugueza não é uma


língua etymológica, como a latina.
A orthographia sónica
... 9
»

Falta d'uma prosódia, questão prévia, da ortho


graphia 11

Primeira parte — Anályse da actual linguagem


foliada 19
Os elementos de que se compõe a língua por
tugueza são :
puras 23
a)' vozes. . . . \
íasaladas
(na 31
vozeios 39
b) articulações. .
\ bafejos 41
modos 44
« Quadro da falla », onde se encontram sche-
maticamente reunidos todos os elementos
da linguagem portugueza 53

Segunda parte — Regras prosódicas. Confronto


entre a palavra fallada e a palavra escripta. 57
O que é syllaba ? 58
98 ÍNDICE
Pág.
Considerando a syllaba o elemento verbal nós
temos tres generos de palavras (agudas,
graves e exdrúxulas). . . .' . . . .63
Regras relativas a vogaes 67
Da accentuação das vogaes 75
Regras relativas a invogaes

....
78
Da invogal final 81
Do agá e das invogaes compostas 83

Nota final 85
ABREVIATURAS

CM.
C. M.
...
Apost.
e o
Cartilha Maternal
Cartilha Maternal e o Apostolado
C. M. e a Crit. . Cartilha Maternal e a Crítica
Dic. Prós. . . Diccionario Prosódico, de João
de Deus
ob. cit. . . . obra citada
pág página
lin linha
ult. per. . . . último período
ed edição.
ERRATA

A pág. 92, lin. 6, onde está — expandida


emende-se para — expendida.

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