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O Golpe de 2016
Razões, Atores e Consequências
Editora Intermeios
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O GOLPE DE 2016: RAZÕES, ATORES E CONSEQUÊNCIAS
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2. Luiz Antonio Dias e Rafael Lopes de Sousa - Golpes e narrativas:
a imprensa em 1964 e 2016
Autores: Luiz Antonio Dias (Depto. de História – PUC/SP). Doutor
em História UNESP/Assis, Pós-doutorado pela Universidad de Córdoba.
Professor do Programa de Pós-Graduação em História da PUC/SP,
professor do programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (UNISA).
Pesquisador do Cehal (Centro de Estudos de História da América Latina);
Rafael Lopes de Sousa. Doutor em História UNICAMP/SP. Professor do
programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (UNISA).
6 O Golpe de 2016
61
3. Francisco Fonseca - O processo de desestabilização política,
econômica e ideológica e seu desfecho
Autor: Francisco Fonseca (Depto. de Política PUC/SP). Bacharel em
Ciências Sociais pela PUC/SP, mestre em Ciência Política pela Unicamp
e doutor em História pela USP. Professor de Ciência Política da PUC/SP
e FGV/Eaesp.
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4. Dênis Carneiro Lobo - A campanha pela deposição de Dilma: O
ódio nas redes sociais
Autor: Dênis Carneiro Lobo. Mestre em Ciências Sociais pela PUCSP.
Atua na área de Data Science, Mídia online e Business Intelligence.
Atualmente, desenvolve pesquisas na área de Comunicação e Política
- Ciberpolítica, atuando em diversas frentes, pesquisando o discurso de
ódio nas redes sociais no cenário de polarização partidária das eleições
de 2018.
109
5. Rosemary Segurado - A corrupção entre o espetáculo e a
transparência das investigações: análise da atuação da mídia na prisão
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Autora: Rosemary Segurado. Profª. do Programa de Estudos Pós-
graduados em Ciências Sociais da PUC/SP e da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo, pesquisadora do NEAMP (Núcleo de Estudos em
Arte, Mídia e Política da PUC/SP)
127
6. Dulce Maria Tourinho Baptista - Governo ilegítimo, direitos
humanos e a nova Lei da Migração
Autora: Dulce Maria Tourinho Baptista (Prof ª. do Depto. de Sociologia
- PUC/SP)
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7. Pedro Fassoni Arruda - O Golpe de 2016 e a contrarreforma
trabalhista
Autor: Pedro Fassoni Arruda (Depto. de Política PUC/SP). Advogado,
Mestre e Doutor em Ciências Sociais, Coordenador do Curso de Ciências
Sociais da PUC/SP.
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8. Maria Beatriz Costa Abramides - Desafios da resistência: As lutas
de enfrentamento da classe trabalhadora
Autora: Maria Beatriz Costa Abramides (Depto. de Fundamentos do
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 7
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10. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - O Golpe e as minorias sexuais
e de gênero
Autor: Paulo Roberto Iotti Vecchiatti é Doutor em Direito Constitucional
pela Instituição Toledo de Ensino/Bauru. Especialista em Direito
Constitucional pela PUC/SP. Especialista em Direito da Diversidade
Sexual e de Gênero e em Direito Homoafetivo. Advogado e Professor
Universitário. Diretor-Presidente do GADvS – Grupo de Advogados
pela Diversidade Sexual e de Gênero.
O Golpe de 2016: razões, atores e consequências
que ocupam o poder. A face mais visível são os cursos sobre o Golpe, que têm
ocorrido em dezenas de instituições pelo país afora, como maneira de afirmar
que não abrimos mão da liberdade de cátedra e da autonomia universitária –
sem elas, está simplesmente sufocada a possibilidade de realizar plenamente o
trabalho de docência e de pesquisa no país.
O que os cursos apresentam é a reflexão em andamento sobre a realidade
atual, à luz dos saberes específicos de cada área de conhecimento, compondo um
mosaico de diferentes disciplinas, diferentes enfoques teórico-metodológicos e
também diferentes posições ético-políticas, que se complementam ou polemizam
entre si. Esta convivência plural é própria do debate científico. E é própria
também da democracia. Não por acaso, sem democracia a universidade nunca
se realiza por completo. As liberdades que o retrocesso de 2016 ameaça são vitais
para nossa existência não só como cidadãos, mas também como profissionais da
ciência e da educação.
O volume que a leitora ou leitor tem em mãos é um belo exemplo desta
reflexão. Fruto do esforço de pesquisadores da PUC/SP, apresenta um conjunto
multifacetado de estudos sobre o Brasil do Golpe. Trata-se de uma relevante
contribuição qualificada ao debate em andamento nas ciências humanas e na
sociedade, a partir de abordagens muito distintas. Esta diversidade de miradas
é essencial para a compreensão do fenômeno em tela. O Golpe de 2016, que
podemos dizer que ainda está em curso (pois a tomada da presidência da
República foi apenas o ponto de partida para a implementação de um ambicioso
programa de retrocessos), é um processo complexo, que não possui sequer um
protagonista ostensivo. Se podemos falar em golpe militar para descrever o que
ocorreu em 1964, a despeito da participação crucial de setores empresariais,
como descrevemos 2016? Foi um Golpe parlamentar, judiciário, midiático. A
coalizão golpista é mais complexa do que fora no passado e age num ambiente
em que o desprezo aberto às formalidades democráticas também é mais custoso.
Tudo isto torna a conjuntura ainda mais intrincada.
Os capítulos deste O Golpe de 2016 tratam da produção do ambiente social
que permitiu a ruptura da democracia, da deflagração do golpe propriamente
dito e de seus desdobramentos. Três grandes eixos de análise são privilegiados.
O primeiro deles diz respeito à produção do clima de opinião que permitiu o
Golpe. O avanço da direita na esfera pública, com um discurso renovado e
mais agressivo, é analisado sob o ângulo de sua presença no parlamento, nos
meios de comunicação de massa e nas redes sociais digitais. A disseminação do
ódio político, que abre as portas para a criminalização da esquerda e gera uma
esfera pública tóxica, foi um dos elementos centrais da preparação do Golpe e é
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também um dos mais sérios desafios a serem enfrentados. Os quatro capítulos que
abrem o livro, de autoria de Vera Chaia, Luiz Antonio Dias, Francisco Fonseca
e Dênis Carneiro Lobo, apresentam um panorama deste processo. O capítulo
seguinte, de Rosemary Segurado, completa o quadro, abordando a dobradinha
entre agentes do aparelho repressivo do Estado (no caso, a Polícia Federal) e
a mídia, que também foi essencial para fomentar o clima de opinião desejado.
O segundo eixo é o das relações de classe. Não há dúvida de que o Golpe
tem, como um de seus propósitos centrais, ampliar a vulnerabilidade do trabalho
face ao capital. Os capítulos de Pedro Fassoni Arruda, de Maria Beatriz Costa
Abramides e de Lúcio Flávio de Almeida analisam esse programa, as razões que
tornaram possível sua implantação na atual quadra histórica, suas implicações
para a democracia e as possibilidades de resistência da classe trabalhadora. Por
fim, o terceiro eixo trata dos direitos humanos, também duramente atingidos por
um governo que exibe sua total indiferença por eles – quando não a conivência
ativa com seus adversários. É o tema dos capítulos de Dulce Maria Tourinho
Baptista, focados nos retrocessos anunciados quanto à nova Lei de Migração, e
de Paulo Iotti, que discute as ameaças à agenda dos direitos das mulheres e da
população LGBT.
São dez capítulos de conhecimento engajado, no melhor sentido do termo.
Engajado não por paixão partidária, mas pelo compromisso com a sociedade à
qual pertencemos. E sabendo que a melhor maneira de honrar esse compromisso
é fazendo nosso trabalho com honestidade, com coragem e com rigor científico.
O conservadorismo e a ascensão da nova direita
Vera Chaia1
meu baby sitter; eu desejo que o Estado me deixe em paz para eu tentar, acertar
ou falhar por minha conta e risco’” (FSP, 26/4/2014).
Para ele, a ideologia conservadora é o modo de a sociedade preservar o
melhor que, com base na tradição democrática, ela criou para garantir a liberdade
das pessoas e o vigor das instituições (FSP, 26/4/2014).
O conservadorismo implica valorizar o indivíduo em detrimento das massas,
consideradas incapazes de raciocínio e de discernimento.
Direita e Esquerda
Movimentos cívicos
políticas no Brasil. Esse novo militante surgiu, porém, de uma base conservadora
e violenta da sociedade. Uma base que estava pronta para absorver ideologias.
E a ideologia da direita recriou-se alimentada pelo radicalismo aberto de novos
políticos conservadores e de uma sociedade de intolerâncias com o outro. A massa
uniforme conservadora uniu-se de forma muito rápida em torno de seus desejos
e perversões, e rapidamente conseguiu se radicalizar, levando a esse fenômeno
que tem acontecido em outra grande democracia mundial, a dos EUA.
O jornal Le Monde Diplomatique Brasil dedica sua edição de novembro de
2017 à discussão de “O jogo oculto da nova direita”. Segundo afirma Camila
Rocha, uma das autoras dessa edição,
a expressão ‘nova direita brasileira” costuma vir associada aos nomes dos
principais integrantes do Movimento Brasil livre, como Kim Kataguiri e
Fernando Holiday; de humoristas, como Danilo Gentili; de polemistas, como
o youtuber Arthur do Val, do canal Mamãe Falei; e de políticos da família
Bolsonaro2. No entanto, essas figuras representam apenas a ponta do iceberg
de uma rede mais ampla e capilarizada que reúne simpatizantes, militantes e
lideranças distribuídos por todo o território nacional (ROCHA, 2017, p. 6).
2. Jair Bolsonaro, militar da reserva e deputado federal pelo PSL, exerceu sete mandatos na
Câmara dos Deputados, e foi eleito Presidente da República em 28 de outubro de 2018. Ver
site do deputado: <http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_
biografia?pk=74847> e site particular: <https://www.bolsonaro.com.br/>.
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Para Noam Chomsky, “Uma grande virtude da internet é que ela oferece
oportunidade para a livre expressão e para o debate. Essa liberdade permite o
discurso do ódio” (OESP, 7/1/2018).
Uma nova onda conservadora tomou conta do cenário político brasileiro.
Evangélicos e católicos, de matrizes conservadoras, têm ingressado na
esfera político-partidária e consolidado suas forças no cenário nacional. Os
representantes da indústria armamentista estão entre os parlamentares mais
votados no congresso mais conservador pós-1985. Atualmente, esses são
atores políticos relevantes que possuem poder para interferir nas decisões do
parlamento, não sendo mais possível ignorar sua presença no espaço público.
Além disso, movimentos sociais conservadores no aspecto moral e liberal no
aspecto econômico ganharam simpatia por parte da população brasileira.
Os movimentos “Movimento Brasil livre”, “Vem pra rua”, “Revoltados
online”, “Movimento endireita Brasil”, dentre outros, conseguiram mobilizar, por
meio das redes sociais, grandes manifestações anti-PT e articularam-se na defesa
de pautas morais, também trabalhando para o crescimento da representação
parlamentar conservadora na Câmara dos Deputados.
Criado em 2014, o MBL é caracterizado pela defesa do liberalismo e
do republicanismo e da Escola sem Partido. Em 2016, combinou forças com
as bancadas evangélica e ruralista do Congresso por uma agenda de Estado
mínimo, reforma trabalhista, ajuste fiscal e redução da maioridade penal. Kim
Kataguiri e Fernando Holiday, duas lideranças do movimento, foram recebidos
pela população participante como estrelas da política brasileira.
É esse movimento que mobilizou segmentos conservadores para se
posicionarem contra a exposição Queermuseu: cartografias da diferença na arte
brasileira, que estava acontecendo no Centro Cultural do Banco Santander, em
Porto Alegre, o que provocou o fechamento da exposição pelo Santander.
Nas últimas eleições para o Executivo municipal, de 2016, também
acompanhamos a ascensão de vários candidatos que não representavam partidos
políticos, que se colocavam acima destes e que faziam uso dos partidos somente
para alcançar o poder. João Dória é o representante dessa nova forma de atuação
política – ele conseguiu se eleger prefeito da cidade de São Paulo, apesar de os
cardeais do PSDB terem se manifestado contra a sua presença no partido. Ele
colocava-se como gestor e não como político.
Também destacamos a ação do grupo denominado ‘Brasil por Multiplicação’,
que se mobilizou contra o 35º Panorama da arte brasileira. A performance “La
Bête” – inspirada em um trabalho de Lygia Clark – de um artista nu, Wagner Schwartz,
no Museu de Arte Moderna (MAM), no Ibirapuera, zona Sul de São Paulo, gerou
24 O Golpe de 2016
polêmica nas redes sociais. A presença de uma mãe interagindo com o artista e sua
filha de quatro anos, que também interagiu tocando o pé do artista, gerou uma reação
por parte do MBL e de outros movimentos que chamaram esse gesto e a exposição de
defensores da pedofilia!
Também devemos nos lembrar da proibição da Justiça, em Jundiaí, que
retirou do teatro do SESC a peça O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu,
encenado por uma transexual. O SESC de São Paulo recorreu e resolveu apoiar
a peça, encenando-a numa de suas sedes.
O que vemos é uma presença muito grande da Bancada da Bíblia, com os
evangélicos. Exemplo disso é a vitória, na eleição municipal no Rio de Janeiro,
de Marcelo Crivella, evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus, com
posturas muito radicais do ponto de vista político e moral. Esta é a tendência
que tem predominado na sociedade brasileira.
Os partidos políticos perderam a sua ideologia, penderam para o centro e
não estão representando ninguém. O que estamos vendo é uma luta política dos
partidos por cargos, por troca de favores entre o Legislativo e o Poder Executivo.
Atualmente, o que vemos avançar não é propriamente uma identificação
partidária, mas uma identificação por linhas extremadas de posições políticas.
Os partidos políticos, tanto o PT quanto o PSDB e o MDB, perderam a sua
identidade, e isso se comprova pela posição crítica da população brasileira ante
os partidos. Consideramos que o que estamos vivenciando mostra a necessidade
de se realizar uma reforma política ampla, com uma reforma partidária e eleitoral.
Não acompanhamos, até o presente momento, propostas políticas e
programas partidários. Portanto, estamos vivendo um período muito crítico em
relação ao sistema político, ao sistema partidário, e à legislação eleitoral também.
É nesse contexto político que vários movimentos cívicos se organizam
reivindicando uma nova atuação da classe política. Podemos citar os seguintes
movimentos:
Natura e que foi vice na chapa de Marina Silva (Rede) nas eleições presidenciais
de 2010.
5) MBL – Movimento Brasil livre (http://mbl.org.br/). Kim Kataguiri.
6) Frente favela Brasil (http://www.frentefavelabrasil.org.br/) – luta
pelo protagonismo e pelo reconhecimento da dignidade da pessoa negra, dos
moradores de favelas, dos pobres do campo e das periferias do Brasil.
7) Brasil 21 (https://www.facebook.com/mundobrasil21/) – movimento de
inovação política.
8) Frente pela renovação (http://www.frenterenovacao.org/) – Por uma
sociedade mais justa, íntegra, sustentável e democrática.
9) Vem pra rua (https://www.vemprarua.net/). Movimento de luta contra
a corrupção. Rogério Chequer.
10) Bancada ativista (http://www.bancadaativista.org/).
11) Movimento endireita Brasil (http://www.endireitabrasil.com.br/).
Ricardo Salles é o presidente.
É uma direita que procura a redução do Estado de uma forma geral, a redução
da máquina pública, e defende as liberdades individuais. É um público que
durante muito tempo ficou esquecido ou, digamos, silencioso. A partir das
manifestações, esse público veio às ruas, portanto a representação acabou
se tornando mais evidente.
Bancada da Bala
não é o candidato dos seus sonhos, [mas que] é o único com possibilidade de
mudar o que está aí porque todos querem que se faça uma faxina no país [...]
Exigem o que nunca exigiram de outros candidatos. Querem que Bolsonaro
seja a mistura de Churchill, Margareth Thatcher, Ronald Reagan, o Papa
Pio XII. Essa cobrança nunca foi feita antes aos outros (OESP, 9/5/2018).
5. Nas eleições de 2018 foram eleitos 72 militares para as casas Legislativas - https://noticias.
uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/08/militares-eleitos-2018-camara-senado-
assembleia-legislativa.htm; foram eleitos três governadores do PSL ligados a Jair Bolsonaro:
Antônio Denarium, em Roraima; o Coronel Marcos Rocha, em Rondônia; o Comandante
Moisés, em Santa Catarina.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 29
família, ou rouba o carro de vocês que estão nos assistindo, o que acontece,
na verdade, é que ele vai para o presídio, e nós temos que sustentar aquele
que praticou um crime contra nós. Em outros países do mundo também,
os mais modernos, o preso paga a estadia no presídio, paga pasta de dente,
paga produtos de higiene, paga alimentação, paga o vestuário, é essa a nossa
pretensão. Nós temos projetos nessa linha, de endurecimento da lei de
execução penal, para que a gente possa diminuir a sensação de impunidade
que nós temos no país hoje.
Olha, o que acontece é o seguinte, o militar ser militar, ser militar federal
ou militar de estado, como qualquer cidadão, ele pode participar e
nós acabamos descobrindo, como eu acabei descobrindo, um caminho
pela representatividade pelo campo democrático, pela manifestação da
credibilidade e confiança, e a insegurança do Brasil é tão grande por conta de
tudo que acontece, das omissões governamentais, na corrupção, nos desvios,
e nós não temos sequer regulamentado o papel da polícia brasileira que está
descrito na Constituição, e nós temos essas “meias” polícias aqui no Brasil,
sem ter um ciclo completo da polícia funcionando.
Eles disseram “não pode ter uma CPI para isso, vai prejudicar a indústria
nacional”, e eu disse: ‘’não senhor, não podemos compactuar com safadeza,
quem está pagando isso é a população”. Então, se você disser que isso é uma
bancada, nós temos sete deputados que são militares, que foram eleitos
na última legislatura, acabou chamando atenção porque, em determinado
momento, não tinha, só por isso.
Considerações finais
Referências
volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2015.
KINZO, M. D. Representação política: perspectivas teóricas e um exame da experiência
brasileira. Dissertação (mestrado), PUC-SP, 1978.
MAINWARING, S., MENEGUELLO, R. e POWER, T. Partidos conservadores
no Brasil contemporâneo – quais são, o que defendem, quais são suas bases. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
MANNHEIM, K. “El pensamiento conservador”. In: Ensayos sobre Sociologia y
Psicologia Social. México: Fondo de Cultura Econômica, 1963.
MANNHEIM, K. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
MERCADANTE, P. A consciência conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1980.
NISBETT, R. La formación del pensamiento sociológico. Buenos Aires: Amorrortu,
1969.
ROCHA, C. “Think tanks ultraliberais e a nova direita brasileira”. Le Monde
Diplomatique Brasil, nov. 2017.
SARTORI, G. Partidos e sistema partidários. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília, D.F.:
Editora da UnB, 1982.
SCHEEFFER, F. “Esquerda e direita: velhos e novos temas”. In: ANPOCS.
Paper. Caxambu, 2014.
Jornais
Site
<https://www.youtube.com/watch?v=RsqywNAXjto&feature=youtu.be>.
Acesso em: 4 jun 2018.
Golpes e narrativas: a imprensa em 1964 e 20168
8. Texto produzido a partir da aula de mesmo nome, proferida na APROPUC (Associação dos
Professores da PUC/SP) em 20/04/2018, dentro do curso “O Golpe de 2016 e o futuro da
democracia”. Parte da discussão sobre o Golpe Civil-Militar de 1964 e sua rememoração em
2014 amparou-se em artigo que publicamos em 2014: DIAS, L. A. e SOUSA, R. L. “Entre
a memória e o esquecimento 1964-2014: O Golpe ontem e hoje”. In Projeto História, São
Paulo, n. 50, pp. 171-201, Ago. 2014.
36 O Golpe de 2016
9. Faz menção ao diálogo captado entre o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e Senador
Romero Jucá (PMDB-RR). No diálogo, Machado alerta que as novas delações na Lava Jato
38 O Golpe de 2016
não deixariam “pedra sobre pedra”. Preocupado com os desdobramentos das investigações,
Jucá sinaliza o caminho a ser adotado pelo núcleo político a partir daquele momento: [...] “Se
é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para
estancar essa sangria”, diz Jucá, um dos articuladores do impeachment de Dilma. [destaque
nosso].
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 39
[...] inquirir sobre suas ligações cotidianas com diferentes poderes e interesses
financeiros, aí incluídos os de caráter publicitário. Ou seja, à análise da
materialidade e do conteúdo é preciso acrescentar aspectos nem sempre
imediatos e necessariamente patentes nas páginas desses impressos (LUCA,
2006, p. 140).
[...] não medirá nada além do efeito exercido pelo instrumento de medida:
isso é o que acontece sempre que o pesquisador impõe aos entrevistados
uma problemática que não é a deles – o que não os impedirá de responder
a ela, apesar de tudo, por submissão, por indiferença ou por pretensão.
(BOURDIEU, 2004, p. 224).
Não foi por falta de advertências que a situação nacional chegou ao estado
em que hoje se encontra (...). Ninguém por certo desejou tal situação,
excluídos certamente os elementos comunistas para os quais a situação
do país estará tanto melhor quanto pior em verdade for. Esses elementos,
infelizmente, vêm agindo há muito em altos cargos da administração
42 O Golpe de 2016
O jornal O Estado de S. Paulo, por sua vez, apresentou de forma ainda mais
intensa as suas convicções. Para esse periódico 1964 – e não 1945 – marcava
o “fim da ditadura no Brasil”. Essas convicções foram explicitadas, mais uma
vez, em 2 de abril de 1964 em editorial intitulado “O significado maior de uma
vitória”, no qual o jornal oferecia suas explicações para os acontecimentos que
precipitaram o golpe militar de 1964.
O jornal O Estado de S. Paulo foi ainda mais enfático na sua crítica a esse
episódio. No editorial “O presidente fora da lei”, de 13/3/64, o periódico acusava
o presidente de desrespeitar a lei e cobrava, novamente, uma ação das Forças
Armadas: “[...] é também o momento das Forças Armadas definirem, finalmente,
a sua atitude ambígua ante a sistemática destruição do regime pelo sr. João
Goulart, apoiado nos comunistas”. (p.3)
Nos dias seguintes, o jornal continuou acusando o governo de promover
a desordem e a baderna na Guanabara; além disso, criticava constantemente
as Reformas de Base, alegando que o “povo ordeiro” não apoiava tais medidas.
Uma acusação, recorrente no início de 1964, era que Goulart pretendia
manter-se no poder após o final de seu mandato, com alteração da Constituição
ou mesmo com um golpe de Estado. Segundo a Folha, o presidente da República
dava sinais inequívocos de sua pretensão de realizar uma revisão constitucional
para poder permanecer no poder, por meio de uma reeleição em 1965.
TABELA I
Pergunta:
Se o Presidente João Goulart também pudesse candidatar-se à Presidência
Votariam nele Não Votariam Não Sabem
Fortaleza 57% 34% 9%
Recife 60% 28% 12%
Salvador 59% 32% 9%
Belo Horizonte 39% 56% 5%
Rio de Janeiro 51% 44% 5%
São Paulo 40% 52% 8%
Curitiba 41% 45% 14%
Porto Alegre 52% 44% 4%
AEL - IBOPE – Pesquisas Especiais. Notação PE 060 MR0277. Realizada em Fortaleza, Recife,
Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, entre 9 e 26 de março
de 1964. Sem identificação de contratante. 500 entrevistados em São Paulo e Rio de Janeiro e
400 nas demais capitais. Tabela organizada pelo autor.
TABELA II
Pergunta:
Para Presidente da República, dentre estes candidatos, votariam em :
Adhemar Carlos Juscelino Magalhães Em Não
de Barros Lacerda Kubitschek Pinto branco sabem
Fortaleza 5,0 16,5 60,2 3,0 6,3 9,0
Recife 5,8 19,2 45,2 4,5 6,3 19,0
Salvador 9,5 18,1 45,2 6,0 8,0 13,2
Belo Horizonte 6,1 18,8 54,0 9,5 5,8 5,8
Rio de Janeiro 8,5 34,3 35,6 5,7 7,3 8,6
São Paulo 10,4 21,6 31,8 8,3 15,1 12,8
Curitiba 10,8 19,1 35,8 1,5 7,0 25,8
Porto Alegre 16,5 24,2 25,2 13,1 10,5 10,5
AEL - IBOPE – Pesquisas Especiais. Notação PE 060 MR0277. Tabela organizada pelo autor.
Pode-se dizer, então, que por ter uma natureza mais flexível do que as
fontes tradicionais, a escrita midiática da história desempenhou e continua a
desempenhar um papel de destaque no processo de reinterpretar e reescrever o
golpe civil-militar de 1964. Foi com esse propósito, por exemplo, que a escrita
midiática revisitou esses acontecimentos em sua efeméride de cinquenta anos.
No dia 30 de março de 2014, um domingo, a Folha de S. Paulo publica um
editorial intitulado “1964”. Neste texto procura justificar sua participação ou
omissão no episódio:
Aquela foi uma era de feroz confronto entre dois modelos de sociedade – o
socialismo revolucionário e a economia de mercado. (...) A direita e parte
dos liberais violaram a ordem constitucional em 1964 e impuseram um
governo ilegítimo (...) parte da esquerda forçou os limites da legalidade na
urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de
demagógico (...). (2014, p.12. Grifos nossos)
De acordo com as análises desse periódico, foi a direita que violou a ordem e
impôs aos brasileiros um governo ilegítimo e entreguista. A estratégia de imputar
48 O Golpe de 2016
O Golpe de 2016 começou a ser gestado pelo menos dois anos antes10.
Assim, do mesmo modo em 1964, o golpe foi planejadamente corroendo as bases
de sustentação dos governos petistas. Ao longo do ano de 2014, sobretudo na reta
final da campanha eleitoral, parte da grande imprensa ampliou os ataques ao PT,
a Dilma e a Lula. Trabalharam em uma estratégia que combinava “vazamentos
seletivos” da Operação Lava Jato, com uma desconstrução sistemática dos
programas sociais criados nos governos petistas. Insistiam, assim, que esses
programas comprometiam os investimentos e a economia brasileira. Nessa disputa
eleitoral a principal voz e símbolo da resistência golpista, o ex-presidente Lula,
foi sistematicamente acossado. No plano político, seus adversários trabalharam
incansavelmente a fim de engessar as suas atividades de articulação com outros
agentes e lideranças partidárias; no plano da imagem pessoal, usaram de todos
os recursos midiáticos para dinamitar a sua popularidade. Ressalte-se que o
movimento golpista só conseguiu vicejar após a neutralização política do ex-
presidente Lula.
[...] a operação foi politizada com vistas a influenciar o processo eleitoral sobre
a eventual participação da presidente e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva no esquema de corrupção [...] no caso da revista Veja [...] o destaque
real coube à famosa capa do final de semana do segundo turno, no qual foi
noticiada um suposto vazamento de uma delação premiada [...] uma delação
que se comprovou falsa [...]. no caso do juiz Sérgio Moro, impressiona que
ele não tenha feito qualquer esforço em desmentir a notícia, que ele sabia ser
falsa, e teve forte impacto eleitoral. (AVRITZER, 2016, 73-4. Grifos nossos)
10. Alguns pesquisadores e militantes, sobretudo ligados ao PT, defendem que o Golpe começou
a ser gestado com o “sequestro” das manifestações de 2013, quando manifestações de cunho
regional foram federalizadas.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 51
A edição 2397 da revista Veja, à qual o autor faz referência, traz estampada
em sua capa a imagem de Dilma e Lula com a emblemática frase “Eles sabiam
tudo”. Após ação do PT junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), cabe destacar
que esse tribunal considerou que a revista não teve cautela na divulgação de
suposições e concedeu direito de resposta à presidenta Dilma Rousseff, publicada
na edição seguinte. Tudo calculado, uma vez que um texto interno não teria o
mesmo alcance e impacto causado pela manchete da semana anterior. Nesse
sentido, o objetivo da revista – de propagar a suspeita de envolvimento da
presidenta em um esquema de corrupção – foi atingido.
Talvez por isso, as relações do novo governo com a oposição recrudesciam e
os novos inimigos surgiam dia após dia. Muitos desses inimigos foram construídos
com o apoio de uma campanha de ataques midiáticos contra o programa de
governo da chapa vitoriosa. Foi ainda mais fermentada quando o TSE levantou
suspeições de que a campanha havia sido fraudulenta, fato que deu margem para
o questionamento do pleito que deu a Dilma Rousseff 51,64% dos votos válidos
contra 48,36 obtidos pelo seu adversário Aécio Neves, do PSDB. O novo governo
já nascia fragilizado e com pouca margem para negociação. No início de 2015,
as primeiras manifestações começam a tomar as ruas com uma exigência ainda
genérica de afastamento da presidenta eleita. Assim, utilizando-se dos mesmos
artifícios utilizados em 1964, em 2015 os manifestantes saíram novamente às
ruas a fim de questionar a legitimidade e legalidade de uma presidenta eleita
democraticamente.
O editorial enfatiza que o Brasil vive sob o pesadelo de uma década perdida.
A exemplo do que ocorreu em 1964, a imprensa continua atuando como uma
das principais responsáveis na construção de um discurso que serviria de subsídio
para diversas ações detonadoras do Golpe de 2016. Seria, portanto, cômico, se
não fosse trágico, que o acúmulo de uma experiência política separada por um
hiato de mais de meio século, em nada tenha contribuído para a alteração da
pauta e atuação dos grandes meios de comunicação do Brasil. Em outras palavras,
com ações semelhantes àquelas adotadas em 1964, as famílias que controlam
a comunicação no Brasil alinham o discurso em favor do Golpe e repetem a
fórmula em 2016.
As manifestações políticas nas ruas são hoje marcadas pelo discurso do ódio,
seja por parte de quem se manifesta, seja por parte de quem a elas se opõe.
Os brasileiros passaram os últimos 30 anos sendo instigados ao confronto.
Não por acaso, esse período coincide com a formação e a consolidação
do Partido dos Trabalhadores, cuja aguerrida militância fez da raiva sua
principal ferramenta política, impossibilitando qualquer forma de diálogo
com quem não fosse petista [...].o famoso “nós contra eles” enunciado pelo
chefão petista Lula da Silva e adotado com igual vigor pelos grupelhos
de extrema direita. [...] Não há diferença essencial entre esses movimentos.
Todos eles se julgam moralmente superiores a seus antagonistas declarados,
a todos aqueles que ousam lhes dirigir críticas e também aos que lhes são
indiferentes. [...] Nesse clima apocalíptico, a campanha presidencial por
ora tem se limitado à especulação sobre quem, entre os candidatos, está
mais bem apetrechado para desbaratar o lulopetismo, o extremismo de
direita e/ou a corrupção em geral – a depender do freguês –, como se esses
fossem os aspectos fundamentais da disputa e, portanto, do futuro do País.
O Brasil que sairá das urnas em outubro dependerá muito do surgimento de
líderes políticos capazes de virar essa página e de propor outra agenda, com
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 57
deposição ocorreu de acordo com a lei. [...] o governo entrará em colapso [...]
reflexo da perda de sustentação da sociedade [...]”. (FRIAS FILHO, 2018, p. 79).
Essas justificativas não são muito diferentes daquelas oferecidas para legitimar
o golpe de 1964, quando esse periódico defendeu a ideia de que deveríamos
abrir mão dos nossos direitos para, paradoxalmente, garantir a democracia.
Outra semelhança de seu alinhamento com os golpistas da atualidade pode
ser encontrada na rememoração dos 50 anos do Golpe Civil Militar de 1964,
quando tentou humanizar o processo, alegando que tudo o que aconteceu foi
pela vontade da “opinião pública”. Enfim, as “batalhas sobre as memórias de
2016” já começaram e por isso gritamos, “Golpe”!
Referências
Francisco Fonseca11
15. “Pedaladas fiscais” são manobras contábeis vinculadas ao manejo orçamentário com
66 O Golpe de 2016
20. Em verdade, o Poder Judiciário mantém privilégios históricos, assim como é o poder
incontestavelmente mais opaco dos poderes. A “República dos bacharéis” mantém
seus legados até os dias de hoje por diversos meios, entre os quais o controle seletivo
e discricionário do ingresso nas carreiras jurídicas com vistas à proteção das elites e a
criminalização dos pobres.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 73
21. As denúncias do ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran – que está exilado na
Espanha –, a respeito da compra e venda de delações premiadas pela Operação Lava Jato,
constituindo-se espécie de “mercado das delações”, assim com o envolvimento de pessoas
muito próximas a Sérgio Moro, como Carlos Zucolotto Jr., nesse mercado, criam espesso
véu de opacidade acerca dos interesses da Operação Lava Jato que, a rigor, ancora-se
ostensivamente no Direito estadunidense. Não bastasse isso, grande parte da equipe da Lava
Jato foi treinada pelo departamento de Estado dos EUA, como é sobejamente conhecido.
Por fim, denúncias de manipulação de provas com vistas a forjar evidências colocam a
Operação Lava Jato como um todo sob forte suspeição da comunidade jurídica nacional e
internacional.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 75
22. O filme de Naomi Klein, baseado no livro do mesmo nome (A doutrina do choque:
a ascensão do capitalismo de desastre), está disponível em: www.youtube.com/
watch?v=KRyJDTdBmCI&t=487s. As denúncias de Snowden e Assange apenas
corroboram o desprezo pela democracia do grande capital. No caso brasileiro, tanto o
Governo dos EUA como o grande capital a ele articulado, sabiam das potencialidades do
Pré-sal e dos planos geopolíticos e geoeconômicos em razão da espionagem nas mensagens
e telefones das autoridades brasileiras.
23. Finalizamos com breve nota sobre a “vitória” de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, pois esta
80 O Golpe de 2016
REFERÊNCIAS
representou mais uma etapa do Golpe de 2016, isto é, a continuidade extremada (“fascismo
neoliberal”) de Temer e resultante de ilegalidades cometidas pelo consórcio golpista. Mas
que contou também com outra forma de fraude, não punida pelas instituições: o disparo
profissional e maciço, com financiamento milionário ilegal, via WhatsApp, de mensagens
mentirosas sobre os adversários de Bolsonaro, especialmente o PT e seu candidato,
Fernando Haddad – uma ação coordenada por Steve Bannon. Ver denúncia à Justiça feita
pela candidatura Haddad: https://www.brasil247.com/pt/247/poder/372457/Haddad-pede-
%C3%A0-PF-que-apure-usina-de-fake-news-da-campanha-Bolsonaro.htm
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 81
PORTAIS
Introdução
ele realizou sobre o material jurídico relativo aos casos de discurso de ódio na
jurisprudência brasileira – que tal discriminação indica não apenas uma diferença,
mas uma assimetria entre duas classes, entre duas posições: uma supostamente
superior, indicando aquele que expressa o ódio; e outra inferior, indicando aquele
contra o qual a rejeição é dirigida. “O objetivo pretendido é humilhar para
amedrontar pessoas ou grupos sociais evidenciando que, por suas características
específicas, eles não são dignos da mesma participação política. Calar, excluir e
alijar são propósitos da manifestação do ódio.” (FREITAS, 2013, s/p).
Apesar de muito se debater no campo jurídico sobre o que se constituiria o
discurso do ódio, a questão sempre esbarra justamente em seu aspecto político: a
constituição das democracias liberais burguesas atuais. Conforme muitos autores
da área do direito argumentam, as democracias liberais burguesas atuais partem
da premissa da livre manifestação, da liberdade de expressão enquanto base das
relações institucionais e enquanto constituinte da representatividade do povo
em sociedades com regimes representativos. Alijar a livre expressão aparece
como totalitário para seus pares, e não democrático.
A liberdade de expressão foi uma conquista histórica das democracias
liberais burguesas modernas contra a tirania dos governos despóticos que
dominaram o mundo velho até o século XVII. E, em razão desse fato, o tratamento
jurídico referente ao discurso do ódio vai variar de acordo com a constituição
sociopolítica de cada um desses Estados33. Nos Estados Unidos, por exemplo, a
primeira emenda da sua Constituição apresenta vedação expressa ao Congresso,
no que se refere à atividade legislativa, destinada a opor limites à liberdade de
expressão, bem como à liberdade de imprensa. Com isso, “a Suprema Corte
estadunidense tem sistematicamente protegido o discurso do ódio como forma
de garantir a liberdade de expressão, inclusive desprestigiando outros valores”
(FREITAS, 2013, s/p). Houve momentos em que prevaleceu o entendimento
de que a liberdade de expressão deveria sofrer restrições. Essa situação ocorreu,
por exemplo, como relata o autor, quando se pretendeu a supressão do Partido
Comunista nos Estados Unidos, sob a justificativa da necessidade de inviabilizar
a propagação do stalinismo34. Mas, via de regra, a Suprema Corte estadunidense
adota a concepção de que o ato violento seja necessariamente expresso por meio
da agressão física.
33. Nesse sentido, além do trabalho citado anteriormente de FREITAS, S. R., ver também:
SILVA, L. Rosane; “Discursos de ódio em redes sociais: jurisprudência brasileira”; Rev.
direito GV vol.7 n. 2 São Paulo, Julho/Dec. 2011. fonte: http://dx.doi.org/10.1590/S1808-
24322011000200004
34. IBID.
90 O Golpe de 2016
Em sua análise sobre o hate speech (tradução inglesa para “discurso de ódio”)
nos casos julgados emblemáticos realizados pela Suprema Corte estadunidense,
Daniel Sarmento destaca que as limitações no campo da liberdade de expressão
somente ocorrem se há incitação para a prática de atos violentos, o que aponta
para uma concepção muito formal da liberdade, a qual ignora a força silenciadora
que o discurso opressivo dos intolerantes pode provocar sobre os seus alvos
(SARMENTO, 2006, p. 63).
Em países como a Alemanha, especialmente após a Segunda Guerra
Mundial, observa- se preocupação clara com a regulação da liberdade de
expressão e a repercussão do discurso do ódio.
35. Esse desvirtuamento do conceito de liberdade de expressão pela ordem do discurso dominante
pode ser facilmente verificado, por exemplo, nos últimos acontecimentos no Brasil relativos
aos episódios de censura à arte e aos artistas velados pela bandeira da “preservação da família
tradicional brasileira”. O exemplo da censura promovida por setores organizados da sociedade
civil, mídia e políticos altamente regressistas e conservadores, à exposição “Queermuseu”,
uma exposição que debatia a questão de gênero nas obras de arte, ocorrida em Porto Alegre,
em setembro de 2017, ilustra perfeitamente o caso. Para mais esclarecimentos consultar, por
exemplo: https://diplomatique.org.br/queermuseu-a-apropriacao-que-acabou-em-censura/
; https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/14/politica/1505394738_622278.html ; https://
g1.globo.com/pop-arte/noticia/famosos-fazem-campanha-contra-censura-apos-polemica-
com-a-mostra-queermuseu-e-a- performance-com-nu-no-mam.ghtml .
92 O Golpe de 2016
O ódio acusa sem saber. O ódio julga sem ouvir. O ódio condena a seu
bel-prazer. Nada respeita e acredita encontrar-se diante de algum complô
universal. Esgotado, recoberto de ressentimento, dilacera tudo com seu golpe
arbitrário e poderoso. Odeio, logo existo. (GLUCKSMANN, 2007, p.12).
38. Para mais aprofundamentos, consultar: LOBO, D. A. C. Bolhas de ódio: O ódio como
componente político nas dinâmicas interacionais societárias mediadas por Tecnologias de
Comunicação Instantâneas (TCIs); Dissertação de Mestrado defendida em março/2018 junto
ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais (PEPGCS-PUC/SP).
39. Sobre esse ponto, vale trazermos para o debate os recentes acontecimentos ocorridos no
Brasil, onde um grupo de políticos, apoiados por setores da sociedade civil, estão tentando
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 97
implementar o que chamam de “Escola sem Partido” por meio de projetos de leis ou liminares
judiciais que tramitam nas diversas instâncias dos Poderes. Apoiados no discurso de que,
ao longo dos 14 anos de governos petistas, os professores e alunos teriam sido doutrinados
por “ideologia de esquerda”, “comunista” e contrária aos preceitos morais do que chama de
“Tradicional Família Brasileira”. Boa parte dos parlamentares que apoiam essa iniciativa estão
ligados a setores conservadores e à chamada “Bancada da Bíblia”, composta por pastores
e líderes religiosos (cristãos), em uma tentativa assumida de “moralização da política”.
Observa-se, claramente, que o projeto tem o intuito claro de alijar única e exclusivamente
as ideologias ligadas a propostas mais progressistas em relação a avanços sociais.
98 O Golpe de 2016
40. BOBBIO, N. Elogio da serenidade e outros escritos morais. Tradução de Marco Aurélio Nogueira;
UNESP: São Paulo, 2002.
100 O Golpe de 2016
41. Para mais esclarecimentos, consultar: LOBO, D. A. C. Bolhas de Ódio: O ódio como componente
político nas dinâmicas interacionais societárias mediadas por Tecnologias de Comunicação
Instantâneas (TCIs); Dissertação de Mestrado defendida em março/2018 junto ao Programa
de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais (PEPGCS-PUC/SP).
42. Para a análise qualitativa em profundidade dos mais de 11 mil comentários coletados,
prosseguimos com metodologia da Análise Crítica do Discurso (ACD), amplamente
trabalhada nas Ciências Políticas na atualidade. Dessa forma, é na identificação com dada
formação discursiva (FD) que o indivíduo se constitui enquanto sujeito, e cada FD reflete
ideologias dessas sociedades divididas em classes. Para esta linha da ACD em questão, a
ideologia é um conjunto de representações dominantes em uma determinada classe dentro
da sociedade. Como existem várias classes, várias ideologias estão permanentemente em
confronto na sociedade. A ideologia é, pois, a visão de mundo de determinada classe, a
maneira como ela representa a ordem social.
102 O Golpe de 2016
43. STOCKER, P. C.; DALMASO, S. C. “Uma questão de gênero: ofensas de leitores a Dilma
Rousseff no Facebook da Folha”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 343:398,
setembro-dezembro/2016.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 103
44 Para mais esclarecimentos, consultar: LOBO, D. A. C. Bolhas de ódio: O ódio como componente
político nas dinâmicas interacionais societárias mediadas por Tecnologias de Comunicação
Instantâneas (TCIs); Dissertação de Mestrado defendida em março/2018 junto ao Programa
de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais (PEPGCS-PUC/SP).
45. IBID.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 105
46. IBID.
47. IBID.
48. IBID.
49. IBID.
50. IBID.
51. IBID.
52. IBID.
106 O Golpe de 2016
Esses são exemplos claros de misoginia e ódio sexista que saltam aos
olhos. Como é sabido, faz parte da ideologia machista negar a existência de
tal fenômeno. A literatura sobre Feminismo e Teorias de Gênero, atualmente,
também classifica comportamentos e discursos misóginos mais sutis, subliminares,
que convivem ocultos nas relações sociais cotidianas sob esta égide. As
pesquisadoras que citamos no início deste item, Stocker & Dalmaso, por exemplo,
se utilizam das categorias Gaslighting, Mansplaining e Bropriating, que somados ao
Manterrupting53, aparecem como subcategorias desse sexismo, utilizados como
estratégia interacionais, impostas no sentido de manutenção dos papéis sociais
pré-estabelecidos aos sexos.
Referências
53. Para mais esclarecimentos, consultar o trabalho feito pelo coletivo THINK OLGA. “O
machismo também mora nos detalhes”. In: http://thinkolga.com/. Disponível em: http://
thinkolga.com/2015/04/09/o-machismotambem-mora-nos-detalhes/
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 107
expressao-eo-problema-do-hate-daniel-sarmento.
SILVA, L. R. “Discursos de ódio em redes sociais: jurisprudência brasileira”. Rev.
direito GV vol.7 n.2 São Paulo July/Dec. 2011. fonte: http://dx.doi.org/10.1590/
S1808-24322011000200004
STOCKER, P. C.; DALMASO, S. C. “Uma questão de gênero: ofensas de
leitores a Dilma Rousseff no Facebook da Folha”. Revista Estudos Feministas,
Florianópolis, 343:398, setembro-dezembro/2016.
ŽIŽEK, S. “‘A ideologia do ódio’ explicada por Slavoj Žižek”. YouTube, 26/10/2015.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=x2l_41ScP68 ; Acesso em
23/10/2017.
ŽIŽEK, S. Um mapa da ideologia. Editora Contraponto: Rio de Janeiro, 1996.
A corrupção entre o espetáculo e a transparência das
investigações: análise da atuação da mídia na prisão
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Rosemary Segurado
54. Há vasta literatura que aborda o conceito de enquadramento para definir a cobertura
jornalística. De forma geral vamos trabalhar com a noção de enquadramento considerando
que a mídia utiliza certas palavras, expressões e adjetivos que moldam o acontecimento,
privilegiando determinados aspectos em detrimento de outros.
112 O Golpe de 2016
#lulanacadeia
55. Finalizamos esse artigo em 30.6.2018 e, até este momento, as pesquisas dos grandes institutos
brasileiros colocam Lula em primeiro lugar tanto no primeiro quanto no segundo turno das
eleições presidenciais de 2018. Quando Lula é tirado da sondagem vemos que aumenta
expressivamente o número de votos brancos e nulos.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 113
Embora o governo Lula não possa ser considerado um governo que rompeu
com o neoliberalismo, só o fato de ele ter sido um líder operário eleito pelo
partido que se afirma como defensor dos trabalhadores e com um passado
político vinculado à defesa de posições de esquerda já foi suficiente para
gerar uma forte onda conservadora na grande mídia, especialmente na mídia
impressa. Se esta onda conservadora não foi capaz de superar a imagem
positiva de Lula trazida principalmente pela retomada do crescimento
econômico acontecida em seu governo, não se pode ignorar a força desta
onda na campanha eleitoral de 2010, principalmente em torno da questão
do aborto (COELHO, 2011: 60).
56. A Operação Lava Jato é um conjunto de investigações em andamento pela Polícia Federal,
responsável pelo cumprimento de mandados de busca e apreensão, de prisão temporária,
prisão preventiva e condução coercitiva para apurar lavagem de dinheiro e pagamento
de propina. Iniciada em 17 de março de 2014, a operação ganhou amplo espaço na mídia
nacional e internacional, com ampla cobertura midiática de suas ações, tendo colocado
o combate à corrupção no centro da cobertura jornalística do país, principalmente pelo
fato de as averiguações envolverem importantes lideranças políticas do país, dirigentes de
grandes construtoras e outros empresários. As investigações realizadas são objeto de política
no campo jurídico e político, tanto pelos procedimentos adotados pelos juízes, quanto pela
espetacularização de políticos e empresários.
57. Trata-se de apartamento que supostamente havia sido adquirido pelo ex-presidente Lula em
troca de favores à empreiteira OAS. Em meados de maio de 2018, o apartamento foi leiloado
pela própria empreiteira, deixando claro que o ex-presidente não era o proprietário do imóvel.
114 O Golpe de 2016
O anúncio da prisão foi transmitido em primeira mão pela rede Globo, que
entrou com seu plantão apresentando a clássica música e imagem de microfones,
anunciando que algo relevante está ocorrendo para interromper a programação
e fazer o seguinte anúncio: “O juiz Sérgio Moro acaba de determinar a prisão do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
Na mesma noite, na edição do Jornal Nacional, a cobertura foi repleta de
imagens e de comentaristas explicando os detalhes da ordem de prisão, e com
duração maior do que as edições diárias. Houve ênfase no despacho do juiz,
que determinou a proibição do uso de algemas, seguindo a orientação da mais
alta corte do país. O juiz Moro quis transmitir a imagem de respeito aos direitos
humanos, em consonância com o parecer do Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP), que considera o uso de algemas para esse tipo de prisão uma
exposição desnecessária.
Naturalmente, esse tipo de proibição frustrou as expectativas de setores
da sociedade, de adversários políticos do ex-presidente e também de parte da
mídia. Ficava claro que Moro queria passar a imagem de juiz sóbrio, imparcial
e respeitoso à biografia do ex-presidente. Na verdade, não era necessário o uso
de algemas para que o juiz conseguisse se notabilizar por ter conseguido o que
muitos opositores de Lula tentavam havia tanto tempo: tirá-lo de circulação e
impedi-lo de participar das eleições presidenciais de 2018.
Vale destacar que, concomitantemente ao Jornal Nacional, Band News
e Globo News (canais fechados) exibiram em sua cobertura imagens de
helicópteros utilizados para acompanhar cada instante da chegada do ex-
presidente Lula ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, no ABC paulista,
onde se encontraria com as lideranças políticas que o aguardavam. Parte da
espetacularização é para mostrar todos os instantes do processo de prisão, tal qual
na condução coercitiva do ex-presidente,58 quando a mídia foi avisada e já estava
a postos para acompanhar todos os momentos do depoimento do ex-presidente.
Alguns comentaristas políticos da Globo News formaram um espetáculo
à parte, buscando desconstruir o argumento de prisão política e reafirmando
que Lula era preso comum porque sua prisão ocorria por crime de corrupção.
Tentou-se mostrar que não havia nenhuma comoção nacional contra a prisão
58. Em 4.3.2016 o juiz Sergio Moro autorizou a condução coercitiva do ex-presidente Lula, que
foi levado para depor na sede da Polícia Federal, no aeroporto de Congonhas. O episódio
gerou grande polêmica, tendo em vista que essa medida judicial é uma forma impositiva
de levar acusados em um processo, independentemente de sua vontade, à presença de
autoridades judiciárias ou policiais. Em 14.6.2018, o Supremo Tribunal Federal proibiu o
uso de condução coercitiva.
116 O Golpe de 2016
Fonte: https://www.vercapas.com.br/capa/folha-de-s-paulo/2018-04-06.html
59. Trata-se de uma ação judicial com o objetivo de proteger o direito de liberdade, o direito
de ir e vir de quem se sente lesado ou ameaçado por ato abusivo de autoridade.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 117
Fonte: https://www.vercapas.com.br/capa/o-estado-de-sao-paulo/2018-04-06.html
Fonte: https://www.vercapas.com.br/edicao/capa/o-globo/2018-04-06.html
118 O Golpe de 2016
Fonte: https://veja.abril.com.br/politica/lula-o-corrupto-encarcerado/
60. Termo utilizado quando uma ação na internet se espalha rapidamente, semelhante ao efeito
viral.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 119
Fonte: https://exame.abril.com.br/brasil/o-que-dilma-alckmin-doria-e-bolsonaro-
disseram-sobre-a-prisao-de-lula/
Lula carregado nos braços do povo e uma das frases de seu último discurso
público: “Se não me deixarem caminhar, caminharei pelas pernas de vocês”61. Não
era exatamente essa a imagem que mídia e Judiciário queriam eternizar. O
ex-presidente decide se entregar no final da tarde e, mais uma vez, a Polícia
Federal tenta impedir uma imagem da resistência dos apoiadores de Lula que
se aglutinavam no aeroporto de Congonhas, na zona sul da cidade de São
Paulo, considerando que informações oficiais, veiculadas pela grande imprensa,
afirmavam que ele embarcaria em um avião da Força Área Brasileira (FAB) rumo
à sede da PF em Curitiba.
Manifestantes tentaram impedir que Lula se entregasse, mesmo que essa
tivesse sido sua decisão em conjunto com lideranças políticas, mas o desejo do
povo era impedir a prisão. Na primeira tentativa de saída da sede do sindicato,
os manifestantes conseguem impedi-lo, mas, logo em seguida, ele sai num carro
escoltado pela polícia.
As emissoras Globo News e Band News transmitiram ao vivo todos os passos
de Lula, desde a saída do sindicato, acompanhando o trajeto com helicópteros,
61. Discurso realizado pelo ex-presidente Lula em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo no dia em que se entregou à Polícia Federal, cumprindo ordem do juiz
Sergio Moro; https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/04/leia-a-integra-do-discurso-do-
ex-presidente-lula-antes-de-se-entregar-a-pf.shtml.
120 O Golpe de 2016
Para finalizar, é importante ressaltar que não se trata de ser contra qualquer
tipo de investigação dos processos de corrupção no Brasil, mas é fundamental
analisar as ações do Poder Judiciário e a divulgação por parte da mídia. É de
extrema relevância que todas as denúncias sejam investigadas e que sejam
divulgadas pela mídia, não de forma seletiva, dependendo do ator político que
está em evidência. Desse modo, concordamos com a frase do último discurso
do ex-presidente Lula:
Não pense que eu sou contra a Lava Jato, não. A Lava Jato, se pegar bandido, tem
que pegar bandido mesmo que roubou e prender. Todos nós queremos isso. Todos
nós a vida inteira dizíamos: “A Justiça só prende pobre, não prende rico”. Todos
nós dizíamos. E eu quero que continue prendendo rico. Eu quero. Agora qual é o
problema? É que você não pode fazer julgamento subordinado à imprensa. Porque
no fundo, no fundo, você destrói as pessoas na sociedade, na imagem das pessoas e
depois os juízes vão julgar e vão dizer “eu não posso ir contra, a opinião pública tá
pedindo pra caçar”. Quem quiser votar com base na opinião pública largue a toga
e vá ser candidato a deputado, escolha um partido político e vá ser candidato. Ora,
a toga, ela é o emprego vitalício. O cidadão tem que votar apenas com base nos
autos do processo, aliás eu acho que Ministro da Suprema Corte não deveria dar
declaração de como vai votar. Nos EUA, termina a votação e você não sabe em quem
o cidadão votou, exatamente para que ele não seja vítima de pressão (SILVA, 2018).
Referências
62. Conceitualmente, os imigrantes e emigrantes são os mesmos atores sociais migrantes. Nos
processos migratórios considera-se imigrante aquele migrante que chega (se insere) no
local de destino. O emigrante é aquele migrante que sai (emigra) do seu local de origem.
Os refugiados integram hoje, com expressiva representatividade, o rol de migrantes.
128 O Golpe de 2016
Fonte: IBGE, 2018. Elaboração Daniel Duque in: Gazeta Mercantil, maio 2018.
65. Segue diálogo veiculado nas redes sociais, capaz de ilustrar a percepção popular: “Se vocês
soltarem o Lula, nós vamos criar uma pequena guerra, aí mesmo nessa bagunça de país sem exército
e depois, para garantir a democracia, vamos dar uma invadida básica pra organizar as coisas.
Já dissemos que só queremos o petróleo, as matrizes energéticas, o aquífero e o enfraquecimento
industrial de vocês. Se seguirem nossas normas mercantilistas, nada vai acontecer, e vocês continuam
na vidinha de sempre... futebol, carnaval, novelas e esse sorriso acolhedor que só vocês têm.
132 O Golpe de 2016
66. A Polícia Federal registra que em 2015 o Brasil abrigava cerca de 1,8 milhão de imigrantes,
o que representa menos de 1% da população total. Por outro lado, o Ministério das Relações
Exteriores estima que três milhões de brasileiros vivam no exterior, num movimento que
supera a entrada de pessoas de outros países no território brasileiro.
136 O Golpe de 2016
67. Ver carta pública “Carta aberta sobre o processo de participação social na regulamentação da
Lei 13.455/17 e pontos preocupantes na minuta do decreto da nova Lei de Migração”.
142 O Golpe de 2016
Algumas considerações
69. A música “Viverei”, de Ana Cañas (2018), expressa este processo: “Mesmo que me falte o
144 O Golpe de 2016
Referências
ar/ Não me calarei/ Mesmo que tirem o chão/ Em pé ainda estarei/ A luta é coração que sangra/
Bate forte a esperança/ De um povo que quer o seu direito/ Todo respeito/ E eu só lhe tenho
amor/ Podem me julgar além da lei/ Podem me prender, eu andarei/ Podem inventar o que nem
sei/ Podem me matar, eu viverei/ A igualdade é uma ideia/ Que nunca se aprisiona/ Tem a veia
aberta/ Da gente que sonha/ A liberdade é a glória/ Da nossa imensa voz/ Guarda na memória/
É a história/ Eles e nós...”
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 145
burguesia não pode dispensar o Estado, pois necessita dele para conter o
proletariado, utiliza o primeiro contra o segundo e procura manter o Estado
o mais afastado possível naquilo que lhe diz respeito (ENGELS, 1985, p. 313).
Para “manter o Estado o mais afastado possível naquilo que lhe diz respeito”,
a burguesia repudiou o reconhecimento de quaisquer direitos para a classe
trabalhadora, como a regulamentação da jornada de trabalho, a fixação de
um salário mínimo legal ou a obrigação de garantir condições de segurança ou
higiene no ambiente da fábrica. A legislação trabalhista – que avançou à medida
que o liberalismo manchesteriano perdia espaço para o Estado-Providência –
representou uma conquista importante para a classe trabalhadora, ainda que
numa perspectiva reformista que não chegou a abalar os alicerces da economia
capitalista. E foi somente no final da Segunda Guerra Mundial, com o esforço
de reconstrução das economias destruídas pelo conflito, que o assim chamado
Welfare State tornou-se uma realidade no conjunto dos países capitalistas centrais.
Mas não se deve jamais ignorar que as leis trabalhistas não foram o resultado de
uma outorga generosa do Estado burguês, e sim das lutas do movimento operário
em todo o mundo.
Na sua obra Da grande noite à alternativa – o movimento operário europeu
em crise – o sociólogo e filósofo francês Alain Bihr analisou a relação entre o
esgotamento do paradigma fordista de acumulação e o desencadeamento de
uma grande ofensiva dos representantes do capital para desmantelar, a partir do
começo da década de 1980, o Estado-Providência e as políticas sociais que lhe
deram legitimidade. O propósito dos capitalistas, ao romperem com o chamado
compromisso fordista, era fazer os trabalhadores pagarem a conta da crise (uma
crise até certo ponto forjada).72 Constatando que “o medo do desemprego
permite restabelecer progressivamente a disciplina do trabalho”, Bihr mostrou
que o abandono das políticas anticíclicas de inspiração keynesiana (sobretudo
o compromisso com o pleno emprego) foi a saída encontrada pelos capitalistas
para recompor as suas taxas de lucro, que tinham sido reduzidas drasticamente
a partir do primeiro choque do petróleo em 1973 (BIHR, 1999, pp. 75-80).
Os sindicatos de trabalhadores não conseguiram impedir tais retrocessos,
por não apresentarem uma alternativa diferente da antiga “aliança” com o
capital. Bihr observou que “a defesa dos benefícios e direitos adquiridos leva,
com frequência, a defender apenas aqueles que deles se beneficiam, praticamente
72. Como foi o caso do aumento deliberado do desemprego no Reino Unido durante o governo
Thatcher, como forma de enfraquecer o poder dos sindicatos de trabalhadores.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 151
73. “Actually, there’s been class warfare going on for the last 20 years, and my class has won.
We’re the ones that have gotten our tax rates reduced dramatically”. Disponível em https://
www.washingtonpost.com/blogs/plum-line/post/theres-been-class-warfare-for-the-last-20-
years-and-my-class-has-won/2011/03/03/gIQApaFbAL_blog.html?noredirect=on&utm_
term=.696a90dce85f
152 O Golpe de 2016
Não precisa uma hora do almoço (…). Você vai nos Estados Unidos, você vê
o cara almoçando, comendo o sanduíche com a mão esquerda, e operando a
máquina com a direita. Tem 15 minutos para o almoço, entendeu? Por que
a lei obriga que tenha que ter esse tempo?76
74. https://extra.globo.com/noticias/economia/cni-fiesp-veem-avanco-na-aprovacao-da-
reforma-trabalhista-21582001.html
75. http://www.fecomercio.com.br/noticia/fecomerciosp-e-fenaban-realizam-seminario-sobre-
a-nova-legislacao-trabalhista
76. https://jornalggn.com.br/noticia/para-presidente-da-csn-funcionarios-podem-ter-15-
minutos-de-almoco
156 O Golpe de 2016
77. CUT (Central Única dos Trabalhadores), CTB (Central dos Trabalhadores do Brasil),
CSP-Conlutas (Central Sindical Popular), UGT (União Geral dos Trabalhadores) e Força
Sindical.
158 O Golpe de 2016
as atividades naquela que foi a maior greve geral da história do país (evento
solenemente ignorado pelos oligopólios midiáticos que apoiaram o Golpe). No
dia 10 de novembro de 2017, um dia antes de as novas regras entrarem em
vigor, foram realizadas manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília
e diversas outras grandes cidades. Nos carros de som, os dirigentes sindicais e
lideranças de movimentos sociais denunciavam a inconstitucionalidade da lei, os
retrocessos que implicaria, os interesses inconfessáveis dos sindicatos patronais,
a contrarreforma da Previdência, a privatização de empresas, a “PEC do fim
do mundo”78, a mudança na política de reajuste do salário mínimo e a política
econômica do governo Temer.
Pouco antes da votação do projeto na Câmara, Marcelo Boulos, integrante
da Frente Povo sem Medo, participou de uma audiência com diversos
deputados do Parlamento Europeu para denunciar os perigos de retrocesso.
Boulos enfatizou o caráter antinacional e impopular do projeto de um governo
“ilegítimo, desmoralizado e selvagem”.79 Marcelo Rodrigues, presidente da
CUT/RJ, comparou a contrarreforma trabalhista com a volta da escravidão.
Vagner Freitas, presidente da CUT nacional, lembrou da grande greve nacional
de abril, e prometeu muita resistência para tentar barrar a reforma. Ricardo
Patah, presidente da UGT, apontou o fato de a reforma só trazer benefícios
para os empresários, e nenhum para os trabalhadores por não haver nenhuma
preocupação com a questão social ou o reconhecimento do papel dos sindicatos
como interlocutores legítimos da classe trabalhadora.80 E até mesmo a Força
Sindical, a central mais à direita do sindicalismo brasileiro, divulgou uma nota
condenando duramente a reforma trabalhista.81
78. Proposta de Emenda Constitucional que “congela” por 20 anos os investimentos sociais.
79. https://www.brasildefato.com.br/2017/07/10/frente-povo-sem-medo-denuncia-violacoes-
da-reforma-trabalhista-no-parlamento-europeu/ (acesso em 5/6/2018).
80. “Centrais sindicais fazem protesto contra a reforma trabalhista”. http://agenciabrasil.ebc.
com.br/geral/noticia/2017-11/centrais-sindicais-fazem-protestos-contra-reforma-trabalhista
(acesso em 5/6/2018).
81. “Com a aprovação da reforma trabalhista no dia de ontem [11/7/2017], o Senado Federal
consumou um grave atentado contra direitos dos trabalhadores conquistados em décadas
de lutas trabalhistas e sindicais. Esta ofensiva enquadra-se na perspectiva dos rentistas e da
elite mais retrógrada do país, de jogar exclusivamente nas costas do povo trabalhador o preço
dos ajustes e da política econômica que tem levado a Nação à pauperização, à paralisia, ao
desemprego e à desindustrialização. Os objetivos da reforma trabalhista aprovada ontem,
que segue para a sanção do presidente da República, são evidentes: reduzir o custo da mão
de obra, vulnerabilizar o sistema de proteção ao trabalho, atingir e restringir a capacidade
de mobilização, de resistência e de negociação dos trabalhadores e seus sindicatos num
cenário econômico extremamente adverso”. Nota da Força Sindical sobre a aprovação da
reforma trabalhista pelo Senado Federal, disponível em http://www.fsindical.org.br/forca/
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 159
nota-da-forca-sindical-sobre-a-aprovacao-da-reforma-trabalhista-pelo-senado-federal
(acesso em 6/7/2018).
82. https://www.conjur.com.br/2018-mai-29/brasil-entra-lista-suja-oit-causa-reforma-trabalhista
160 O Golpe de 2016
3. Considerações finais
Referências
ARRUDA, Pedro Fassoni (2016). “Ponte para o futuro: uma avaliação das
propostas políticas do governo Temer”. In: RESENDE, Paulo Edgar R. e DE
ANGELO, Vitor (orgs.): A crise brasileira em perspectiva (Coleção Debate Social
v. 03). Florianópolis: Insular.
BIHR, Alain (1999). Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu
em crise. São Paulo: Boitempo.
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação
das leis do trabalho. Lex: coletânea de legislação: edição federal, São Paulo, v.
7, 1943. Suplemento.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 161
INTRODUÇÃO
O comunismo não é para nós um estado de coisas que deva ser estabelecido,
um ideal pelo qual a realidade [terá] de se regular. Chamamos comunismo
ao movimento real que supera o atual estado de coisas. As condições desse
movimento resultam do pressuposto atualmente existente (MARX, ENGELS,
52:2009).
II – DESENVOLVIMENTO
1 - Observações preliminares
2 - Antecedentes
664 e 665, que diminuíram o auxílio-pensão por morte a 50% de seu valor; o
seguro desemprego estipulado após seis meses trabalhados ampliou-se para um
ano – com o aumento da rotatividade no emprego, inviabiliza-se esse seguro;
a retirada de programas sociais como o Bolsa Família por ocasião do seguro
defeso, atribuído aos pescadores profissionais que exercem suas funções de forma
artesanal, que paralisam suas atividades no período determinado para preservação
da espécie. Esse conjunto de medidas recaiu sobre a classe trabalhadora, que
estabeleceu um conjunto de mobilizações. A CUT negociou com o governo o
PPE, diferentemente da CONLUTAS e da Intersindical, que se opuseram a essa
medida, na prática de proteção aos empresários.
As lutas de resistência da classe trabalhadora e da juventude, por meio de
greves, mobilizações de rua, ocupação de terras, fábricas e escolas, se mostraram
intensas contra a exploração econômica, dominação política e opressão social.
Essas lutas se espraiaram por vários estados e tiveram enfrentamento com os
governos conservadores e reacionários, sob do Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), este último com aliança em todos os governos, incluindo os do PT. A
criminalização dos movimentos sociais se ampliou pela aprovação da lei antiterror,
sancionada em 2016, pela presidenta Dilma Rousseff.
Em junho de 2013, impulsionadas pela juventude, se desencadearam
grandes mobilizações de massa, que tomaram as ruas do país na luta pela
redução da tarifa dos transportes, a partir do Movimento Passe Livre-MPL,
e na sequência se ampliaram com jovens vindos das periferias dos centros
urbanos que se expressaram na luta contra o alto custo de vida e a ausência
e/ou precarização do trabalho, de serviços de educação, saúde e habitação. A
polícia agiu com a truculência da ditadura militar, nos governos do PSDB e do
PMDB, nos estados, e o PT fez coro ao autoritarismo. Entre 13 de junho e 20 de
junho de 2013 cerca de 12 prefeitos de capitais e cidades do interior reduziram
o preço do transporte, e jovens e trabalhadores de mais de 100 cidades em todo
o país fizeram grandes mobilizações, bloqueio de estradas, com quase um milhão
de pessoas de norte a sul do país nas ruas em sucessivos dias de mobilização de
massas. A rede Globo e grande parte da imprensa foram ao ar para enfatizar que
as mobilizações deveriam ser apartidárias para minar, neutralizar a possibilidade
de politização dos manifestantes para a luta anticapitalista. O movimento de
massas foi heterogêneo, difuso, mas havia um sentimento generalizado de
descontentamento com a precarização das condições de vida e de trabalho e
um descrédito significativo com todos os partidos da oficialidade; inúmeras
vezes, durante as mobilizações chegaram a negar as bandeiras vermelhas dos
170 O Golpe de 2016
em 2016 e que fora impulsionado, entre outros, pelo deputado líder da Câmara
Eduardo Cunha, do PMDB, que somente foi afastado do cargo em 5/5/2016,
por corrupções anteriores, o que lhe permitiu presidir a famigerada sessão do dia
17/4/2016, de abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma
Rousseff.
O golpe institucional parlamentar estava em curso desde dezembro de 2015,
e atendeu aos interesses da burguesia, do grande empresariado, da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP, da oposição de direita representada pelo
PSDB, e PMDB, sendo o último, até as vésperas do Golpe, coligado ao governo
Dilma; de partidos menores de direita a eles aliados, da grande mídia, da rede
Globo, dos jornais e revistas de grande circulação, do agronegócio, da Polícia
Federal, do Ministério Público, da OAB, do Movimento Brasil Livre-MBL – de
direita e sustentado pelos institutos liberais internacionais –, que, frente a um
governo enfraquecido, articularam-se interna e externamente para manter-se
no poder em defesa de seus interesses de classe a serviço do capital nacional e
internacional, agora sob a direção da direita via “golpe institucional”. O PSDB, não
satisfeito por ter perdido a eleição presidencial, articulou o impeachment a partir de
uma manobra de Eduardo Cunha e Michel Temer, vice-presidente da República,
ambos do PMDB, partido presente em todos os governos com seu oportunismo
e fisiologismo. Importante destacar que 70% dos parlamentares que aprovaram
a admissibilidade do impedimento, sem crime de responsabilidade, estão
altamente comprometidos com corrupção. Na tarde e noite de 17/4/2016 a farsa
se concretizou por meio das intervenções dos(as) deputados(as) agradecendo à
família, à religião, à Deus, à maçonaria, aos evangélicos em um obscurantismo
absoluto. Os parlamentares mais reacionários prestaram suas homenagens à
ditadura militar e aos torturadores, além das críticas homofóbicas ao direito
da livre orientação sexual, e sequer apresentaram argumentação referente à
pauta, de existência ou não de crime de responsabilidade. Presenciamos “um
filme de horror” instaurado sob a égide do cretinismo parlamentar, como nos
alertava Lenin. Votaram pelo impeachment 367 deputados de partidos de direita –
PMDB, PSDB, PPS, DEM, PP, DEM, PSB, PTB, PV –, além de partidos menores
fisiologistas de direita, e da Rede de Marina Silva. Vale notar que grande parte
desses partidos foram base de apoio e coligação do governo Dilma, até selar o
compromisso com o Golpe de Estado. Votaram contra o golpe 137 deputados(as)
do PT, PCdoB, PSOL, PDT, e PR (parte) além de um ou outro voto desgarrado
do partido, com sete abstenções e duas ausências. O processo de admissibilidade
foi aberto e seguiu para o Senado, que em 31/8/2016, por 61 votos a favor e
20 contrários, na mesma base da composição política da câmara, afastou a
172 O Golpe de 2016
5.3 - Projetos de lei, decretos lei e ajuste fiscal de ataque aos trabalhadores
golpe, se veem hoje desacreditados do governo Temer. Também têm sofrido com
a alta do custo de vida, perda de postos de trabalho, desemprego e se encontram
paralisados até uma nova investida da direita que os convença, posto que são
altamente influenciados pela ideologia dominante, burguesa pela propaganda,
meios de comunicação a serviço do capital. “Assim como o Estado é o Estado
da classe dominante, as ideias da classe dominante são as ideias dominantes em
cada época. (MARX e ENGELS, 1989:27)”. A vinculação dos setores médios
ao programa revolucionário do proletariado é uma possibilidade histórica a ser
alcançada no processo da luta de classes.
As grandes mobilizações e a disposição de luta da classe trabalhadora
demonstrada na greve geral possibilitaram a presença da classe operária e
de outras categorias de trabalhadores contra as medidas antipopulares e
antinacionais do Governo Temer. Esses dois anos de golpe significaram um
tormento para os explorados, mas, de outro lado, a perspectiva de conciliação de
classes dos governos do PT também tem se constituído em freio para a luta de
classes. O processo de ruptura com a ordem capitalista destrutiva e devastadora
de direitos conquistados e de superexploração da força de trabalho dependerá da
organização consciente do proletariado mediante um programa revolucionário,
de sua experiência e práxis no patamar de autonomia e independência de classe.
A chave dessa perspectiva passa pela organização de partidos revolucionários.
A corrupção, característica do capitalismo, vem à tona nesses dois anos de
golpe da direita, desnuda grandes grupos empresariais, banqueiros, parlamentares
e governantes nos diferentes partidos de direita, marcadamente PMDB e PSDB e
seus satélites, e de oposição, na política de conciliação de classes, do PT – partidos
que se alternam no poder estatal desde 1989. Há uma descrença generalizada
nas instituições burguesas em decomposição, porém o campo de esquerda, na
perspectiva de autonomia e independência de classe, não conseguiu se construir
como uma frente classista, para impor um programa anticapitalista, que dispute a
consciência das massas mediante ação direta na perspectiva de que os explorados
e oprimidos tomem para si a luta contra a burguesia e ditadura civil entreguista.
A intervenção militar no Rio de Janeiro e a suspensão da votação da reforma
da Previdência, em 2018, demarcaram uma mudança na situação política. O
governo usurpador de Temer avança na militarização e centralização autoritária,
cria o Ministério Extraordinário da Segurança Pública que amplia a intervenção
do Estado na vida social; na militarização da política e no fortalecimento do
Estado-policial que refletem a brutal polarização social entre a minoria burguesa
e a ampla maioria oprimida. É fundamental denunciar e rechaçar a intervenção
militar no Rio de Janeiro. De outro lado, no momento em que escrevemos este
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 179
texto, Temer e seus aliados se preparam para as eleições de 2018. Sabemos que
a corrupção não será combatida pela Lava Jato, um instrumento básico da classe
dominante, em que a prisão do ex-presidente Lula é meramente política. Nesse
sentido nos colocamos na defesa da libertação imediata de Lula. Era necessário
organizar a resistência, porém mais uma vez o PT e seus aliados depositaram
confiança no Judiciário quando este já estava decidido pela prisão de Lula, como
evidenciou a sessão do Supremo Tribunal Federal que votou contra o pedido de
habeas corpus. O destino de Lula, portanto, depende da Justiça burguesa e de suas
divisões internas. Rechaçar a prisão de Lula não significa se alinhar à política do
PT e sim lutar pela democracia política. As massas ainda não concluíram sua
experiência política com o PT, e Lula terminou seu segundo mandato com 80%
de aprovação. A situação econômica mais favorável em seu governo, a volta
dos empregos, os reajustes de salário mínimo acima da inflação, os programas
sociais Bolsa Família e ProUni deram uma fisionomia a seu governo distinta dos
demais governos burgueses. A caça da Lava Jato ao PT se traduz na seletividade
dos processos para eliminar Lula. A ordem do capital financeiro é a de que as
eleições devem ser controladas, o PT deve ser anulado, e aí na figura de Lula,
seu expoente máximo, com chances absolutas de vencer as eleições de 2018.
Ao capital, nessa etapa de desenvolvimento histórico do capitalismo, interessa
investir na direção de um futuro governo de continuidade da programática
instaurada pela ditadura civil do governo Temer. Por outro lado, a onda eleitoral
tende a crescer e uma frente de esquerda para combater as tendências fascistas
centrada e comprometida com a corrida eleitoral, distancia-se da soltura de
Lula, e aprofunda a política de conciliação de classes. Predomina o caráter
antidemocrático das eleições presidenciais e as grandes massas recuadas diante
dessa conjuntura vilipendiadora e sem uma direção clara de oposição ao capital
e à barbárie.
Em 2018 continuam as lutas e ocupações de terra, greves por categorias,
entre elas a dos caminhoneiros, que se chocou com as medidas econômicas
do Governo Temer da alta do preço do diesel. Em que pese o caráter híbrido
de interesses dos proprietários de transportes, há um conjunto de pequenos
proprietários caminhoneiros que podem chegar à penúria e recorreram ao
bloqueio das estradas, para a redução imediata do preço do diesel, gasolina e gás
de cozinha, e a eles se juntaram mobilizações de apoio; acrescida da greve dos
petroleiros, que foi ameaçada com o pagamento de multas altíssimas.
É necessário avançar para um patamar superior de organização e lutas
a ser preparado desde a base, nos locais de trabalho, nos comitês nos bairros,
nas fábricas, nas escolas, nos movimentos populares. Dar continuidade à luta
180 O Golpe de 2016
III - CONCLUSÃO
Referências
Sites consultados
BLOG da Boitempo
Blogdaboitempo.com.br/category/colunas/Jorge-luiz-souto-maior-colunas
Blogdaboitempo.com.br artigos sobre a conjuntura: IASI, Mauro, SOUTO ,
Maior Jorge Luiz;
CSPCONLUTAS: Shttp://www.adufmat.org.br/2015/index.php/comunicacao/
noticias/item/1325- SPTA
http://www.adufmat.org.br/2015/relatorio-do-seminario-nacional-da-csp-
conlutas-sobre-terceirizacao
ESQUERDA DIÁRIO - http://www.esquerdadiario.com.br/Mundo-Operario
NOS - Nova Organização Socialista https://mail.google.com/mail/
u/0/?shva=1#label/Conjuntura/1549a87b7a202c88
182 O Golpe de 2016
sua revolução política burguesa (SAES, 1985), com a única semelhança de que,
também aqui, o papel da burguesia não foi de grande destaque. Os conflitos
que entusiasmam ou afligem boa parte da população brasileira e levaram, entre
outras coisas, à deposição da presidenta da República, transcorrem mais na
órbita da reprodução do que na da transformação social. Longe de expressarem
diretamente o antagonismo político entre burguesia e proletariado, envolvem
fundamentalmente contradições entre as frações da classe dominante, ou seja,
no interior do bloco no poder.
Por que estas contradições se intensificaram a ponto de levarem à deposição
da presidenta, encerrando o maior ciclo, desde a República Velha, de vitórias
eleitorais (quatro!) lideradas por um partido político, o Partido dos Trabalhadores?
Como sabemos, apesar do nome deste partido, não estava em curso uma revolução
proletária. Ao contrário, a própria oposição, liderada pelo candidato derrotado,
Aécio Neves, atribuía a Dilma Rousseff prática de “estelionato eleitoral”. Esta
acusação, feita logo em seguida a um pleito disputadíssimo, expressou e, ao mesmo
tempo, ocultou limites de uma determinada política de Estado que, tendo feito
as glórias dos governos petistas, parecia se envolver em sérias contradições.
Já dispomos de elementos para conceituar golpe de Estado, no que
recorremos a duas importantes contribuições para o estudo do tema: a de Bianchi
(2016), que atualiza a contribuição de autores clássicos; e a de Martuscelli
(2018), que articula a esta contribuição aportes poulantzanos fundamentais.
Nesta perspectiva, o golpe de Estado tem sempre uma dimensão institucional, ou
seja, uma alteração forçada na hierarquia dos ramos do aparelho estatal (o que
é mais observado), mas esta ação usurpadora se vincula a conflitos de classes e,
mais especificamente, entre frações da classe dominante no sentido de redefinir
ou reforçar a hegemonia política exercida por uma delas87.
87. Talvez se possa acrescentar a superação de uma crise de hegemonia no interior do bloco no
poder.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 187
88. Por outro lado, independentemente das direções (e também a exemplo de boa parte delas),
sempre foi grande o fascínio que o PT, especialmente Lula, exercia sobre as bases do MST.
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90. Por outro lado, a proposta do documento esteve longe de obter unanimidade no Diretório
Nacional do PT.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 191
externa deste país. Por outro lado, a última parte, justamente a intitulada “O
Brasil em 2022”, contém pouquíssima análise, constituindo-se basicamente
em um conjunto de objetivos quantificados sem grande fundamentação. Não
apenas faltou a colaboração de outros órgãos governamentais, a começar pelos
ministérios econômicos e o Banco Central, como o documento se revelou, pelo
menos até a presente crise, inteiramente irrealista (SAE, 2002; ALMEIDA,
2012b; AMORIM, 2016)91.
Esta nova configuração do bloco no poder abriu espaço para a implementação
de um extraordinário aumento do número de empregos de baixa renda; a elevação
substancial do salário mínimo e, desta forma, da aposentaria do qual ele era o
piso. Políticas sociais afirmativas como o Bolsa Família, assistência às populações
quilombolas, bolsas para os estudantes universitários da rede privada (ProUni),
expansão da rede universitária pública e gratuita, aprofundamento da política de
cotas raciais, facilidade de empréstimos consignados aos aposentados, expansão da
rede elétrica e do abastecimento de água, resultaram em significativas melhorias
para os segmentos mais pobres e marginalizados da sociedade brasileira92. E –
outra política que teve um extraordinário aspecto simbólico – os governos petistas
ensaiaram medidas no sentido de formalizar a relação de emprego doméstico
em um país onde as sequelas da escravidão são muito presentes e se articulam
às tendências à contração da cidadania típicas da atual fase do imperialismo.
No seu conjunto, a política de Estado durante os governos petistas,
especialmente de 2003 a 2012, contribuiu para uma extraordinária expansão
das relações sociais capitalistas, a começar pelas de produção, na formação social
brasileira (ALMEIDA, 2015). Neste sentido, teve um caráter inegavelmente
desenvolvimentista, desde que não se faça uso apologético desta noção.
Nenhuma política implementada pelos governos petistas teve caráter
anticapitalista, mesmo quando atendeu inegavelmente a necessidades materiais
gravíssimas dos milhões de condenados da terra neste país. Isto não é tudo.
Alimentar-se regularmente, ter as crianças na escola, ter renda que possibilite
receber e se divertir com familiares e amigos, utilizar eletrodomésticos, viajar
91. Não encontrei o Plano Brasil 2022 na página da atual Secretaria Especial de Assuntos
Estratégicos (http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros/secretaria-especial-de-
assuntos-estrategicos-da-presidencia-da-republica), mas, assim como diversas pessoas, eu
o tenho arquivado em pdf.
92. Dois aspectos a serem destacados: a dinamização das pequenas economias regionais e o
significativo aumento de greves vitoriosas, especialmente a partir de 2004. Greves que, em
sua esmagadora maioria, não ultrapassaram o âmbito econômico-corporativo. A respeito
dessas greves, consultar os relatórios Estudos e Pesquisas do DIEESE (Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 193
estava bem mais ampliada, com o direito de voto dos analfabetos e diversos
partidos que se proclamam revolucionários participando do jogo eleitoral; em
aparente paradoxo, o principal partido ligado à grande finança (o PSDB) estava
na oposição e ocorreu melhor inserção da burguesia interna no bloco no poder,
com o decorrente deslanche de atividades mais voltadas para a produção;
estreitos vínculos orgânicos do PT com a burguesia interna e com a burocracia
de Estado; alianças do PT com partidos que representavam interesses opostos aos
dos principais movimentos de massas; considerando-se a imensa desigualdade
existente na formação social brasileira, importantes ações “inclusivas”, mas que
não mobilizaram seus beneficiários para a luta política; incremento e politização
do preconceito social das classes dominantes e, mais ainda, de segmentos da
alta classe média; grande influência de intelectuais orgânicos da grande finança
que participam de think tanks fortemente inseridos nas malhas da atual fase do
imperialismo; redefinição do sindicato de Estado, com a criação de novas centrais
nacionais e a extensão ao campo, mas perda de grande parte de sua capacidade
de atuação política, para o que contribuíram as reestruturações produtivas de
caráter neoliberal; forte hegemonia burguesa no conjunto das relações sociais;
presença, até o momento, mais discreta das Forças Armadas na vida política,
papel que, desta vez, foi exercido crescentemente por um outro ramo do aparelho
estatal: o Judiciário; política internacional mais criativa e ousada, com relativa
independência em relação aos EUA, o que não necessariamente significou
confrontar a principal potência imperialista do planeta em um momento de
desgaste da tentativa de construção de uma ordem unipolar93; grande prestígio
do presidente Lula ao concluir seu segundo mandato, o que possibilitou a vitória
de Dilma Rousseff, embora colocasse ambos em divergência quando a presidenta
reivindicou a candidatura para um segundo mandado94.
Diversos autores críticos insistem, com razão, no adjetivo “fraco” para
se referirem ao reformismo dos governos petistas (ARCARY, 2011). Todavia,
não é o caso de subestimar a importância de políticas que, por diversos
meios, contribuíram para tirar da miséria amplos contingentes populacionais
e praticamente estabeleceram o pleno emprego. Em janeiro-março de 2017,
95. Também recorrendo a dados do IBGE, o jornal informa que a taxa de subutilização da
força de trabalho (desempregados, gente que gostaria de trabalhar mais e quem desistiu de
procurar emprego) chegou a 27,7 milhões de pessoas.
96. A não ser que vislumbrasse nela uma via de ascensão social, pois, no fundo, foi esta, em um
plano mais explícito, a principal interpelação ideológica que os governos petistas reforçaram.
196 O Golpe de 2016
Razões da crise
97. Existem versões menos radicalizadas desta abordagem, as quais, por questão de espaço e
tempo, não abordo aqui.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 197
governo Temer revelam o quanto este aparelho estatal tinha (e tem) para ser
desativado. Todavia, a crise chegou e estas análises proporcionaram importantes
contribuições para explicá-la. Mesmo assim, resta um problema que requer
exame mais concreto.
A atual crise não se circunscreve à formação social brasileira e sequer
começou aí. Trata-se da maior crise da história do capitalismo e, aliás, está
longe de se encerrar. Na escala temporal, o que particulariza o neonacional-
desenvolvimentismo brasileiro não é que tenha chegado a uma crise profunda,
mas o quanto ele durou: se contarmos os oito anos dos governos Lula e o período
“glorioso” do primeiro governo Dilma Rousseff (até 2013), uma década, ou seja, o
dobro dos “anos dourados” do governo Kubitschek (1956-1961). Por outro lado,
em diversos países que também haviam se beneficiado do boom das commodities
não se implementaram políticas que, ao mesmo tempo em que incentivaram
extraordinário crescimento da indústria automobilística (toda de capitais
estrangeiros), contribuíram para que a proporção de pobres caísse de 23,4% em
2002 (final do governo Cardoso), para 7% em 2014, ano em que o Brasil, como
foi referido, saiu do Mapa da Fome (O Estado de S. Paulo, 12/5/2016)98.
O grande problema com o qual se deparou Dilma Rousseff foi sua tentativa
de reativar o arranjo neonacional-desenvolvimentista por meio de uma ofensiva
contra a fração hegemônica no interior do bloco no poder: a grande burguesia
rentista, estreitamente ligada ao imperialismo. Esta ofensiva se deu em “duas
frentes”. A primeira foi mais abrangente, com a articulação do que André Singer
(2013:12-13) chama de coalizão produtivista, composta pelo governo, as duas
maiores centrais sindicais (CUT e Força Sindical) e a poderosa Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), com vistas a uma reindustrialização
com crescimento e distribuição de renda (id., p. 13.). A segunda frente consistiu
na pressão explícita para a queda da taxa de juros. Como observa André Nassif
(2015: 433), “entre setembro de 2011 e abril de 2013, a SELIC foi reduzida de
12% a.a. para 7,25% a.a., correspondendo a uma queda na taxa de juros real
básica de curto prazo (ex-post) de 5,2% a.a. para 1,3% a.a. no mesmo período”.
Esta subestimação da capacidade hegemônica da fração rentista foi alvo
de uma ferrenha contraofensiva em mais de “duas frentes”. Se mesmo a grande
burguesia interna, em razão de seu envolvimento nas malhas da corrente
98. Em números absolutos, são 26,3 milhões de pessoas a menos vivendo abaixo da linha de
pobreza – uma redução de 40,5 milhões de pobres para 14,2 milhões em 12 anos. (Id.). Em
2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome, com a taxa de desnutrição caindo, segundo relatório
elaborado pela FAO, pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e pelo
Programa Mundial de Alimentos (PMA), para menos de 5% (Revista Exame, 16/9/2014).
198 O Golpe de 2016
99. Creio que a afirmação se aplica mais aos primeiros, ou seja, aos dois mandatos de Lula.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 199
100. Pelo visto, o prefeito também “detestava o conflito”, sempre atuando em conjunto com
um governador conhecido pela truculência com que lida com os movimentos sociais. O
problema é que, em uma sociedade “conflituosa”, a harmonia com uns implica rudeza com
outros. O prefeito de um partido que antes defendia a estatização dos meios de transporte
coletivo, fez questão de advertir que a anulação do aumento das tarifas “teria custos”.
200 O Golpe de 2016
101. Após seu momento de paladino da luta contra a corrupção, quando as massas gritavam
“Somos milhões de Cunhas”, o ex-deputado perdeu: foi pego pela Lava Jato e condenado
a 15 anos de prisão.
102. Em razão de portaria publicada em 17/10/2017, por Michel Temer, a OIT deixou de considerar
o Brasil referência no combate ao trabalho escravo (Jornal do Brasil (17/10/2017).
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 201
Depois da queda
isoladas das massas populares, não conseguiram criar uma alternativa ao lulismo
ou ao PT. Todavia, mais do que impaciência, é provável que muita serenidade e
capacidade de analisar criativamente a correlação de forças serão necessárias aos
coletivos de esquerda socialista que se empenharem efetivamente na inserção
na luta política sem perder o norte estratégico104.
.
Referências
2) Jornais e revistas
Sempre que se fala sobre o Golpe de 2016, muitos costumam estranhar, pelo
fato de ter sido praticado pelo Congresso Nacional, de forma pública, mediante
debate democrático. Para o aparente senso comum, isso seria suficiente. Mas
essa visão ignora que o impeachment é um processo jurídico-político, no qual
a deliberação política de destituição presidencial só será válida se atendidos
os pressupostos jurídicos – os quais não foram atendidos. Por isso gritamos
Golpe – porque os requisitos constitucionais e legais para um impeachment
juridicamente válido não foram atendidos. Com efeito, o art. 85, parágrafo único,
da Constituição Federal exige que a lei defina as hipóteses caracterizadoras de
crimes de responsabilidade, únicas situações nas quais um impeachment pode ser
decretado. A palavra “defina” tem um sentido muito específico no Direito Penal
e no Direito Sancionatório não-penal, pois implica na necessidade de respeito
ao princípio da taxatividade, que demanda que a lei estabeleça uma hipótese clara
e específica em que a punição será aplicada. Uma lei punitiva excessivamente
vaga é inconstitucional, porque exige-se que a pessoa saiba com segurança que
condutas podem gerar sua punição. Isso se aplica tanto ao Direito Penal quanto
ao Direito Sancionatório não-penal, reitere-se. Então, como primeira conclusão
relevante, nenhuma maioria do Congresso Nacional, nem sua unanimidade, pode
decretar um “impeachment” fora das taxativas hipóteses legais, por mais “graves” que
considere os fatos praticados pelo(a) integrante da Presidência da República.
Especificamente no que tange à denúncia aceita pelo então presidente
da Câmara dos Deputados contra a presidenta Dilma Rousseff (e usa-se
deliberadamente o termo “presidenta”, tanto por ser o da preferência dela quanto por ser
uma das questões que deixam claro como o machismo influenciou em sua destituição),
é preciso ficar claro que somente dois fatos estavam em julgamento. Primeiro, as
chamadas “pedaladas fiscais”; segundo, a suposta violação da Lei Orçamentária
pelos “créditos extraordinários” aprovados por decreto, sem prévia autorização do
Congresso Nacional. Nenhum outro fato estava sob julgamento: violação da Lei de
Responsabilidade Fiscal não é causa de impeachment (não existe a figura do “crime
de responsabilidade fiscal”, atecnicamente invocada por muitas pessoas que defendem
a destituição de Dilma Rousseff; e se o fato constitui crime comum, o órgão competente
para julgamento seria o Supremo Tribunal Federal, não o Congresso Nacional. Logo,
outros fatos que não os dois apontados não servem de legitimação da destituição
de Dilma Rousseff da Presidência da República.
As chamadas “pedaladas fiscais” eram, na verdade, atrasos de pagamento
do Governo Federal à instituição financeira que adiantava esses pagamentos.
Essa situação foi considerada como “equivalente” a “operações de crédito”
pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Isso é muito questionável, já que
as chamadas “pedaladas fiscais” configuram-se como mera mora contratual,
ou seja, atraso de pagamento de obrigação assumida pelo Governo Federal. Se
isso for considerado como “operação de crédito”, então sempre que um(a)
sublocatário(a) atrasar o pagamento de aluguel a um(a) locatário(a), então
estará necessariamente em uma “operação de crédito”, visto que este(a) terá que
pagar o valor para o(a) locador(a). A toda evidência, é uma forma teratológica
(extremamente absurda, donde ilegal) de se analisar juridicamente a questão.
Mas, além disso, note-se que o TCU falou em situação equivalente a operação de
crédito. “Equivalente” é palavra que se refere a analogia, ou seja, uma situação
diferente, mas que se considera “idêntica no essencial”. E aqui a questão é que
crimes de responsabilidade sempre foram considerados, pela jurisprudência do STF,
como crimes. A doutrina jurídica é muito crítica a isso, e há Ministros(as) do STF
que não aceitam essa exegese. Mas além de haver jurisprudência consolidada nesse
sentido do STF106, nada impede entender os crimes de responsabilidade como
106. A Súmula 722 do STF afirma que crimes de responsabilidade são de competência
exclusiva da União, sendo assim inconstitucionais leis estaduais e municipais que
estabeleçam hipóteses de crimes de responsabilidade. A questão está na fundamentação
dos precedentes que geraram essa posição, os quais isto concluíram por entenderem que os
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 209
crimes próprios, ou seja, crimes que só podem ser cometidos por determinadas
classes de pessoas (por exemplo, peculato é um crime que só pode ser cometido
por funcionários/as públicos/as; nessa lógica, crime de responsabilidade é um crime
que só pode ser cometido por quem ocupe Presidência da República, Governo
de Estado ou Prefeitura Municipal). Ao passo que, ainda que assim não se
entenda e se desconsidere a jurisprudência do STF sobre o tema, é inegável
que o impeachment é uma “sanção”, ou seja, uma punição – logo, incidiria aqui
a lógica do Direito Sancionatório não-Penal, ou seja, a aplicação das sanções
não criminais, no caso, à pessoa que ocupa a Presidência da República. De uma
forma ou de outra, não cabe punição por analogia, a chamada “analogia in malam
partem” – nem no Direito Penal, nem no Direito Sancionatório não-Penal. Logo,
o raciocínio analógico do TCU é constitucionalmente e legalmente intolerável.
Sem falar que é violador do princípio da segurança jurídica.
Sobre a alegada violação da Lei Orçamentária, além de isso ser questionável,
visto que a situação de cumprimento ou não dela era sempre aferida apenas ao
final do ano orçamentário, não durante ele (logo, nova violação ao princípio
da segurança jurídica, na mudança do trato da questão pelo Congresso
Nacional), foco-me em outra situação. A Lei Orçamentária foi alterada pelo
Congresso Nacional, para nela incluir os créditos extraordinários em questão. Ou
seja, o Congresso Nacional convalidou referidos créditos107 extraordinários. Nesse
crimes de responsabilidade se referem a matéria de Direito Penal, visto que apontaram que
eles se relacionam à matéria descrita no art. 22, I, da Constituição Federal, o qual trata de
competência exclusiva da União, entre outros, para legislar sobre Direito Penal (cf. STF, ADI
2592, 1901, 1879-MC, ADI-MC 2220 e ADI-MC 1628). Como este livro não é destinado
a profissionais do Direito, esclareço que uma súmula se refere à conclusão de um Tribunal
após reiterados precedentes no mesmo sentido, logo, em razão de uma jurisprudência consolidada
em determinado sentido. Daí eu falar que se tratava de tema consolidado na jurisprudência
do STF o entendimento de crimes de responsabilidade como “crimes [penais]”.
107. Isso porque o citado entendimento do TCU foi uma notória mudança de jurisprudência, que
nunca considerou as chamadas “pedaladas fiscais” como crime de responsabilidade até então.
Nesses casos, aplicação da técnica do pure prospective overruling, ou seja, a superação puramente
prospectiva de jurisprudência, para somente se aplicar o novo entendimento para casos futuros, e
não no caso que gerou essa mudança. O STF isso aplicou expressamente quando julgou (o tucano)
Eduardo Azeredo (STF, AP 536 QO). O Ministro Roberto Barroso bem lembrou que a norma
jurídica é fruto da interpretação de textos normativos, de sorte que o Judiciário cria normas jurídicas,
tendo apenas que respeitar os limites semânticos do(s) texto(s) normativo(s) interpretado(s).
Assim, entendeu o Ministro que a mudança de jurisprudência implica em mudança das normas
jurídicas vigentes no país, o que só poderia ser aplicado em casos futuros, não no caso presente.
O Ministro Fux expressamente apontou a necessidade de um pure prospective overruling para tais
situações. Logo, a mesma lógica deveria ser aplicada para o novo entendimento do TCU sobre
“pedaladas fiscais” como “crimes de responsabilidade”, de sorte que a punição da presidenta
Dilma Rousseff por isso é inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica.
210 O Golpe de 2016
significa que não elaborou o seu voto. Então, pode-se dizer que o STF age com
negligência, por injustificável omissão, ao não julgar as ações de Dilma Rousseff para
anular o impeachment contra ela decretado. Mesmo que o Tribunal eventualmente
entenda que não teria “competência” (atribuição constitucional) para reavaliar
a situação (algo que, como exposto acima, estaria errado, já que incumbe a
ele impor limites constitucionais à atuação do Legislativo, como é basilar em
qualquer Estado Constitucional de Direito), ele deveria julgar os processos e julgá-
los extintos, sem apreciação de seu mérito. Aparentemente, o STF não quer se
comprometer politicamente com nenhum resultado, o que é lamentável e implica
em postura que contraria seu dever de julgamentos jurídicos, jamais políticos.
Essas são as razões pelas quais podemos considerar a destituição de Dilma
Rousseff da Presidência da República um Golpe Jurídico. Pode-se, ainda, falar-
se em Golpe Político, na medida em que as medidas tomadas pelo governo
constitucionalmente ilegítimo de Michel Temer incorporam uma agenda neoliberal
derrotada nas quatro últimas eleições presidenciais, tomadas precisamente porque ele
não tinha responsabilidade eleitoral, já que não foi eleito Presidente da República.
Sob a réplica tradicional de que “quem votou em Dilma votou também em
Temer” (sic), trata-se de novo simplismo acrítico que é muito bem rebatido
pelo professor Alexandre Bahia, também Doutor em Direito Constitucional.
Alexandre bem diz que “votou-se em um projeto de governo” apresentado pela
chapa Dilma/Temer, um projeto de centro-esquerda (social-democrata), não um
projeto neoliberal. Entendo que houve estelionato eleitoral de Dilma Rousseff, de
fazer uma campanha de reeleição à esquerda e adotar uma política econômica
de direita assim que reeleita. Mas embora estelionato eleitoral (infelizmente)
não seja hipótese de crime de responsabilidade, deveria enquadrar-se como
hipótese de inconstitucionalidade de leis e políticas públicas nesse sentido, por
flagrante violação do princípio democrático, visto que se elege uma pessoa por
seu programa, de sorte que a traição a este programa viola a própria noção de
democracia representativa. De qualquer forma, o Governo Dilma ainda focava
na ampliação dos programas sociais, ao passo que o governo ilegítimo de Michel
Temer tomou medidas neoliberais nunca antes vistas neste país, pelo menos em
termos de sua velocidade, como a deforma trabalhista, o congelamento de gastos
com direitos sociais (mas jamais para pagar a dívida pública, sacrificando-se o povo
em benefício de banqueiros, portanto), entre outras. Então, pode-se facilmente
entender que se trata de um Golpe, por visar agilizar a aplicação da agenda
neoliberal, sem necessidade de sua passagem.
Passemos, agora, ao tema específico deste artigo, a saber, os efeitos do Golpe
Parlamentar de 2016 sobre as minorias sexuais e de gênero – embora apresentemos,
212 O Golpe de 2016
108. É preciso reconhecer a existência e a necessidade de proteção das crianças e adolescentes não-
heterossexuais cisgêneras. Existem crianças LGBTI+ – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transexuais e Intersexos. Evidentemente, a criança não possui esse vocabulário, mas da
mesma forma que a sociedade acha natural um menino namorar uma menina, dentro da
lógica de afeto lúdico que consideramos normal em crianças e adolescentes (andar de mãos
dadas, dar um beijinho no rosto etc), há meninos que querem namorar com meninos e
meninas com meninas. Da mesma forma, há crianças e adolescentes que os pais e a sociedade
consideram “meninos”, mas se entendem como “meninas” e vice-versa. Diversas reportagens
e estudos já atestaram isto inúmeras vezes. Logo, age com ideologia de gênero quem nega esta
realidade objetiva. E o que existe no Brasil e no mundo é uma ideologia de gênero heterossexista
e cissexista, que exige a heterossexualidade e a cisgeneridade compulsórias, discriminando
as identidades não-heterossexuais e não-cisgêneras.
109. Recentemente, pessoas que se autodeclaram pansexuais têm defendido que a bissexualidade
estaria limitada ao binarismo de gêneros (homens e mulheres), enquanto a pansexualidade
se referiria à atração erótico-afetiva independente de gêneros (logo, por exemplo, também
a travestis e pessoas transgênero em geral). Há bissexuais que contestam isto, afirmando
que o prefixo “bi” se refere a “mais de um”, não necessariamente a “dois”. De qualquer
forma, respeita-se aqui a autoidentificação das pessoas que preferem ser identificadas como
pansexuais, sem discutir se isso é ou não uma injustiça conceitual com a bissexualidade.
110. Importante consignar que a pessoa assexual não o é, necessariamente, por conta de algum
trauma psicológico. Há pessoas que, simplesmente, não sentem atração sexual por outras,
embora possam manter relações afetivo-conjugais (não-sexuais) com outras.
214 O Golpe de 2016
111. Embora adote-se a dicotomia minorias e grupos vulneráveis, para que grupos majoritários em
situação de vulnerabilidade social se enquadrem neste segundo conceito, obviamente o texto
usou o conceito sociológico de minoria, enquanto grupo social em posição de não-dominância,
logo, de vulnerabilidade social.
112. Trata-se da tricotomia identitária preferida no Brasil pela ANTRA – Associação Nacional
de Travestis e Transexuais e pelo IBRAT – Instituto Brasileiro de Transmasculinidades.
A ANTRA ainda recusa o uso do termo “transgênero”, por entender que ele apaga as
especificidades de travestis e homens trans. A crítica está correta no geral, pelo termo
remeter, no senso comum, à mulher transexual. Mas, para o Direito, é importante termos
um tal “termo guarda-chuva” para demandas de todas as identidades trans – como mudança
de nome e gênero no registro civil independentemente de cirurgia, laudos e ação judicial,
objeto da decisão do STF na ADI 4275 (cf. item 2.2).
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 215
O Golpe no Brasil, e não estou falando de 1964, foi uma ação autoritária,
feita com a utilização do arcabouço legal brasileiro em pleno século XXI.
Os principais atores desse cenário? De um lado a presidenta, mulher, vista
por parcela da população como de esquerda. De outro lado, um homem,
branco, visto por parcela expressiva das pessoas como de direita e socialmente
inserido nas classes dominantes. Essa conjuntura do golpe, marcada pela
alteração da correção de forças políticas, também cravou alterações sociais
113. Como se sabe, Marielle Franco foi assassinada no início de 2018, em circunstâncias ainda
não devidamente esclarecidas.
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 217
apaga por muitas mulheres terem assim agido, pois, pelo fenômeno do preconceito
internalizado, é lamentavelmente muito comum vermos mulheres machistas (como
negros racistas, gays homofóbicos etc), fenômeno que decorre da internalização de
preconceitos como parte normal da vida social, dada a ausência de senso crítico
sobre o tema. Xingamentos e o uso de vocabulário chulo, sempre relacionados
à sexualidade da mulher; o horrendo caso do adesivo que mostrava Dilma
Rousseff de pernas abertas, na entrada de gasolina, na época dos aumentos de
combustíveis... Nada disso foi feito contra Michel Temer (mesmo o país tendo
enfrentado crise muito maior, no caso dos combustíveis, sem que nada do gênero
fosse feito contra ele – nunca deveria sê-lo com ninguém, mas fato é que foi
feito contra uma mulher e não contra um homem, algo revelador do machismo
social sobre o tema).
Esse período ficou marcado por manifestações de rua que bradavam contra
a corrupção – embora até os adversários reconhecessem que Dilma não era
corrupta. E, ainda, com slogans nitidamente fascistas, racistas e misóginos.
Ainda provoca imensa indignação, por exemplo, a lembrança de adesivos
fartamente distribuídos mostrando Dilma com as pernas abertas para serem
colados nos tanques de gasolina nos veículos. Quando tal tipo de agressão
seria cometida contra um homem? (MENICUCCI, 2018, p. 68. Grifo nosso)
Ainda causa vergonha e revolta nas pessoas sérias, ainda que de oposição
ao governo Dilma, a sessão da Câmara dos Deputados que autorizou o
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 221
Não à toa, nota-se que tais justificativas de voto, apesar de tão recentes, já
começaram a cobrança de sua fatura do governo interino de Michel Temer:
fim do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos;
Secretaria de Direitos Humanos dissolvida na enorme estrutura do
Ministério da Justiça, que tem outras prioridades e diversas outras
atribuições; nomeação para a Secretaria de Mulheres, agora subordinada
também ao Ministério da Justiça, de uma deputada que já presidiu a
Frente Parlamentar Evangélica e é abertamente contrária ao direito ao
aborto; extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi) no âmbito do Ministério da Educação;
escolha de ministros exclusivamente homens e brancos para todos os
postos do primeiro escalão do governo; encontro de Temer com o pastor
Silas Malafaia para ‘receber benção’ e seu discurso oficial de posse
enquanto presidente interino prometendo fazer um ‘ato religioso’ com
o Brasil: ‘Quando você é religioso você está fazendo uma religação. O que
queremos agora com o Brasil é um ato religioso, um ato de religação de toda
a sociedade brasileira com os valores fundamentais de nosso país’. É verdade
que Deus sempre frequentou o discurso dos políticos brasileiros. Também é
fato que a bancada religiosa já ocupava um espaço significativo nos governos
anteriores. No entanto, com o Golpe, esses discursos e medidas iniciais são, do
ponto de vista simbólico e prático, ainda mais marcantes para compreender
a relevância do conservadorismo moral terá nas políticas de governo. O que
antes parecia ser uma agenda oculta agora escancara seus interesses e projetos
com um braço forte no Executivo. (QUINALHA, 2016, p. 132. Grifo nosso)
222 O Golpe de 2016
ritualizar a volta daqueles que nunca saíram do poder”, bem atestou Claudia Leitão
(LEITÃO, 2018, p. 61). Em nenhum país do mundo civilizado se concebe
que os principais postos de poder de um Governo não tenham mulheres deles
fazendo parte. Ao receber essas críticas, Michel Temer tentou se safar, dizendo
que iria nomear mulheres para importantes Secretarias (sem status de Ministérios)
de seu Governo. Mas a emenda até agravou o soneto, pois as Secretarias são
vinculadas/subordinadas a Ministérios, logo, Temer implicitamente (e talvez
inconscientemente) deixou claro que, em sua visão inicial de Governo, só
vislumbrava mulheres subordinadas a homens, visto que só atribuiria a elas cargos
subordinados a Ministérios, então dominados apenas por homens. Como se
sabe, depois de generalizadas críticas, Temer começou, em claro agir estratégico, a
convidar mulheres para assumir cargos de destaque em seu Governo, inicialmente
no Ministério da Cultura, o qual ele havia extinto, mas recriou apenas após forte
pressão social. Sobre o tema, anota Claudia Leitão:
Até aqui, o(a) leitor(a) pode entender que estaríamos apenas no plano
do discurso, sem consequências reais concretas aos direitos das mulheres.
Abstraída a relevante questão de que os discursos de Chefes de Governo e da
mídia hegemônica têm efetiva importância social, já que ajudam a moldar o
pensamento de um povo ou, ao menos, apontam quais os valores defendidos
pela política e mídia hegemônicas, agora serão apontados os retrocessos materiais
concretos, prejudicando os direitos das minorias sexuais e de gênero, decorrentes
do Golpe Parlamentar de 2016.
Houve relevante diminuição de investimentos em áreas relacionadas aos
direitos das mulheres, com queda de orçamentos respectivos (redução de 61% em
2017 para investimento com atendimento à mulher em situação de violência, e de 54% para
investimento para políticas de autonomias das mulheres – cf. CASTRO, 2018, p. 136).
Além de rebaixamento da Secretaria da Mulher – retirada de seu status de Ministério,
subordinando-a a outra pasta (chefiada por um homem). Segundo Flávia Biroli:
E continua a autora:
116. Para Flávia Biroli: “Houve, de fato, uma agenda de gênero incorporada às políticas de
Estado nas áreas de saúde, educação, assistência social, em políticas para o empoderamento
226 O Golpe de 2016
117 Esperemos que, pelo menos isso, o Supremo Tribunal Federal, eventualmente, declare
inconstitucional, visto que a Constituição notoriamente exige o pagamento de um salário
mínimo que, a toda evidência, tem que ser mensal, jamais uma mera “hora de salário mínimo”,
além de exigir a valorização do trabalho humano, de sorte que esse horrendo regime jurídico
viola frontalmente os arts. 7º, IV, e 170 da Constituição Federal. Para uma relação das ações
em trâmite no STF contra a deforma(ção) trabalhista efetivada por Michel Temer, vide:
<https://www.conjur.com.br/2018-mar-12/supremo-soma-20-acoes-mudancas-reforma-
trabalhista> (acesso em 12.3.2018). As ações contra o fim da contribuição sindical foram
julgadas improcedentes (em absurda incoerência, de entender que “o negociado prevalece
sobre o legislado” em acordos e convenções coletivas, mas tirando imediatamente a receita
de sindicatos, precarizando-os no curto prazo, donde pelo menos um período de transição
deveria ter sido reconhecido), cf.: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=382819> (acesso em 29.06.2018). Ademais, antes da temerária deforma
trabalhista, o STF já havia afirmado a citada “prevalência do negociado sobre o legislado”
em pelo menos dois julgados, cf.: <https://www.conjur.com.br/2016-set-20/gustavo-garcia-
negociado-legislado-atual-jurisprudencia-stf> (acesso em 20.09.2016). Por fim, de maneira
lamentável e desconsiderando notórios estudos de sociologia do trabalho sobre a precarização
de trabalhadores(as) em tais situações, o STF declarou constitucional a terceirização da
atividade-fim das empresas, cf.: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=388429> (acesso em 30.8.2018). Daí eu já ter afirmado que o STF parece
um Tribunal amigo “apenas” de liberdades individuais de autonomia privada (não obstante
a enorme importância destas, cuja proteção merece ser sempre louvada), cf.: <http://www.
justificando.com/2016/10/28/stf-um-tribunal-amigo-apenas-de-liberdades-individuais-de-
autonomia-privada/> (acesso em 28.10.2016). :
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 229
Num país com alarmantes desigualdades de gênero que temos, local onde
as mulheres recebem salários menores, as mulheres têm mais dificuldade
de serem empregadas em trabalhos formais, sofrem mais com o desemprego
e ainda são sobrecarregadas com a dupla ou tripla jornada, as superações
e conquistas são desafios diários. Se já é difícil para as trabalhadoras
domésticas atingirem os 15 anos de contribuição previdenciária, imagina
para alcançar os 25 anos propostos no projeto de lei enviado ao Congresso? O
Golpe atinge social e simbolicamente a maioria da população, mas chega
com força destruidora para todas nós, mulheres. A repercussão dessa onda
toma todo o país em nível nacional, nas unidades federativas e nos municípios,
com grande impacto nas cidades. Antes mesmo do impeachment, os protestos
da Primavera das Mulheres chamaram a atenção para o absurdo projeto de
lei que dificultava o acesso ao aborto nos casos já permitidos legalmente. As
Marchas das Margaridas e das Mulheres Negras, em Brasília, mostraram a
força do nosso movimento e transversalidade das nossas pautas. No último
8 de março, uma aliança internacional levou milhares de mulheres às ruas
contra as reformas trabalhista e da Previdência. (FRANCO, 2018, pp.
119-120. Grifos nossos)
Como feminista, é um desafio ter, pela primeira vez, um prefeito que é bispo,
ligado a uma das maiores igrejas do país, com o risco de construir, na cidade,
uma estética mais pigmentada pela conduta religiosa que pela postura laica.
Nossa primeira prova de fogo no mandato foi a audiência pública do Plano
Municipal de Educação que, apesar da sua importância e amplitude, foi
marcada pelo debate sobre ‘ideologia de gênero’ e ‘Escola sem Partido’.
Como acontece no âmbito nacional, há um discurso organizado que dizima
as propostas em prol de uma educação mais diversa e inclusiva. Reduz as
nossas necessidades da pauta – que são muitas, a um debate vazio. (FRANCO,
2018, p. 123. Grifos nossos)
5. Conclusão
118. Parecer publicado no Diário Oficial da União de 18.2.2018. Íntegra em: <http://portal.
mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=72921-pcp014-17-
pdf&category_slug=setembro-2017-pdf&Itemid=30192>.
119. Ele se encontra contido ao final do parecer mencionado na nota anterior. Íntegra
(autônoma) disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=81001-rcp001-18-pdf&category_slug=janeiro-2018-
pdf&Itemid=30192> (acesso em 30.6.2018).
luiz antonio dias | rosemary segurado (orgs.) 235
Por fim, note-se que neste artigo fiz questão de transcrever as posições
de várias mulheres porque, afinal, trata-se de um artigo sobre gênero, no qual o
lugar de fala das mulheres precisa ser respeitado. Como homem gay, posso bem
representar o lugar de fala das minorias sexuais e de gênero. Então, embora não seja
um conceito focado necessariamente em qualquer integrante do grupo, mas em
discursos a partir da vivência coletiva do grupo social em questão (o lugar social de
que seus integrantes em geral partem, enfatizando não experiências individuais,
mas experiências comuns resultantes desse lugar social, exceções individuais à parte
– cf. RIBEIRO, 2017, pp. 55 e 59-63), de sorte que terceiros podem respeitar o
lugar de fala de outros grupos ao defender as demandas destes, achei por bem,
em um artigo sobre gênero, trazer a fala de mulheres com relevantes contribuições
sobre o tema.
Referências
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? São Paulo: Ed. Letramento, 2017.
SOUZA, Jessé. A radiografia do Golpe, São Paulo: Leya Ed., 2016.
TIBURI, Márcia. “A máquina misógina e o fator Dilma Rousseff na política
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TOSTE, Verônica. De Dilma Rousseff a Marcela Temer: Gênero como categoria para
a análise política. Disponível em: https://partidanet.wordpress.com/2017/04/17/
de-dilma-rousseff-a-marcela-temer-genero-como-categoria-para-a-analise-
politica/ (acesso em 30.6.2018).