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“Uma teoria da argumentação jurídica deve ser avaliada a partir de três perspectivas diferentes, isto é,
considerando qual é o seu objeto, seu método e sua função. Por outras palavras, tratar-se-ia de ver o que
explica a teoria em questão, como explica e para quê, isto é, que finalidade instrumental ou não, manifeste ou
latente, ela cumpre (...) Se nos centrarmos nas duas últimas, isto é, nas de MacCormick e Alexy, poderemos
considera-las insuficientes, uma vez que: elas descuidam ou não tratam em absoluto de aspectos muito
importantes do raciocínio jurídico; não oferecem um método que permita, por um lado, analisar
adequadamente os processos de argumentação jurídica e, por outro lado, avaliar os resultados desses
processos; têm interesse limitado para o teórico e para o prático do Direito, na medida em que são
insuficientemente críticas com relação ao Direito positivo, considerado tanto estática quanto dinamicamente.”
(p. 212)
A) Objeto da teoria
“Em primeiro lugar, não se pode esquecer que a argumentação efetuada na vida jurídica é, em grande parte,
uma argumentação sobre fatos, ao passo que a teoria padrão se ocupa, quase com exclusividade, de questões
de tipo normativo. Com isso, contudo, além de não se incluir no âmbito do estudo a maior parte das
argumentações produzidas fora dos tribunais superiores- e que é uma argumentação sobre fatos- não se dá
suficientemente conta da argumentação a propósito de questões normativas, uma vez que, também com relação
a esse tipo de problema, surgem discussões sobre fatos que podem vir a ter uma importância até mesmo
decisiva.” (pp. 212-213)
“Em segundo lugar, a teoria da argumentação jurídica teria de dar conta não só doa argumentos produzidos
na elaboração da dogmática jurídica e na interpretação e aplicação do Direito, como também da Argumentação
que ocorre no âmbito da produção do Direito. (...) Alexy, como vimos, considerava que uma das condições
limitadoras do discurso jurídico ( o que faz com que este seja precisamente um caso especial com relação ao
discurso prático geral) é o respeito à lei. Mas isso parece ter de levar a pensar a racionalidade, na aplicação
do Direito, depende da racionalidade da legislação; que a argumentação do juiz, das partes no processo ou dos
dogmáticos não é independente da que ocorre no parlamento ou nos órgãos administrativos que produzem
normas jurídicas válidas.” (p. 213)
“Em terceiro lugar, e situando-nos agora no contexto da aplicação do Direito, a teoria padrão da argumentação
jurídica só considera o processo a que se costuma denominar ‘adjudicação’, esquecendo-se, quase por
completo, de que a resolução de problemas jurídicos é, com muita frequência resultado de uma mediação ou
de uma negociação, o que significa um processo que não consiste apenas em aplicar normas jurídicas, embora,
naturalmente, as normas jurídicas continuem tendo nele um papel importante.” (p. 214)
“Em quarto lugar, a teoria da argumentação jurídica não pode ter um caráter puramente prescritivo, e sim há
de ser também descritivo; com isso quero dizer que ela deve ser capaz de dar conta suficientemente dos
argumentos que ocorrem de fato na vida jurídica.” (p.215)
“(...) dentro do contexto da justificação, precisa-se contar não só com critérios sobre como as decisões serão
justificadas ( isto é, sobre como se há de argumentar para considerar que aa decisão resultante está justificada),
como também com um método que permita descrever como se fundamentam de fato as decisões tomadas.”
(p. 215)
“Por outro lado, não há razão para o estudo da argumentação jurídica se limitar no contexto da justificação;
ao contrário, seria importante que ele se estendesse também ao da descoberta. Na realidade é bem possível
que essa distinção tivesse de se relativizar, pois não está nada claro se se pode ou se deve sempre fazer uma
separação radical entre esses dois aspectos ( o que, evidentemente, não tem porque significar o questionamento
da distinção entre o plano da descrição e o plano da prescrição).” (p. 215)
B) Problemas Metodológicos
-Representação da Argumentação
“Na minha opinião, um dos maiores defeitos da teoria padrão da argumentação jurídica é precisamente o fato
de ela não ter elaborado um procedimento capaz de representar adequadamente como os juristas
fundamentam, de fato, as suas decisões. Tanto MacCormick quanto Alexy recorrem, para isso, à lógica formal
dedutiva- digamos, à lógica clássica-, mas ne parece que esta, por si só, não é um instrumento suficiente para
cumprir esse objetivo. (...) Por outro lado, o processo de argumentação não é, por assim dizer, linear, mas
antes reticular; seu aspecto não lembra uma cadeia, e sim a trama de um tecido.” (p. 316)
-Critérios de correção
“(...)um dos maiores méritos da teoria padrão da argumentação jurídica é o de ela ter contribuído notavelmente
para a elaboração desse tipo de critérios, que- como já vimos- tanto no caso de MacCormick quanto no de
Alexy se condensam na noção de racionalidade prática. Contudo, (...) ainda está insuficientemente
desenvolvida. A objeção fundamental que se pode dirigir aos critérios da racionalidade prática é que eles são
apenas critérios mínimos, que só permitem descartar como irracionais determinadas decisões ou formas de
argumentação.” (pp.222-223)
“E se se pensa que tem sentido discutir qual dessas três soluções é a correta ou a mais correta, parece que
precisaríamos ampliar a noção de racionalidade prática, lembrada anteriormente, para que ela abarcasse uma
teoria da equidade, da discricionalidade ou da razoabilidade que oferecessem algum tipo de critério para lidar
com os caos difíceis, por mais que tais critérios possam ser discutíveis e não tenham a solidez dos outros. Uma
tal teoria, por outro lado, não poderia ter um caráter puramente ou essencialmente formal, mas teria
necessariamente de incorporar conteúdos de natureza política e moral.” (p.223)
C) As funções da teoria da argumentação jurídica
“Uma teoria da argumentação jurídica deveria cumprir, basicamente, três funções: a primeira é de caráter
teórico ou cognoscitivo, a segunda tem uma natureza prática ou técnica e a terceira poderia ser qualificada de
política ou moral.” (p. 224)
“Com relação à primeira dessas funções, o que se teria de ver é até que ponto uma teoria da argumentação
jurídica pode contribuir para o desenvolvimento de outras disciplinas, jurídicas ou não, e, resumindo, até que
ponto ela nos permite uma compreensão mais profunda do fenômeno jurídico e da prática de argumentar. A
ideia de Alexy de que o Direito deve ser visto, por um lado, como um sistema de normas (é a perspectiva da
teoria padrão- estrutural- do Direito) e, por outro lado, como um sistema de procedimentos (essa seria a
perspectiva assumida pela teoria da argumentação jurídica) me parece essencialmente certa. Mas, para
elaborar uma teoria do Direito autenticamente geral que integre ambos os aspectos ( e que no final desemboque
numa teoria da sociedade), seria preciso antes desenvolver seu aspecto dinâmico, isto é, seria preciso
generalizar a teoria existente- a teoria padrão- da argumentação jurídica nos sentidos antes indicados. ” (p.
224)
“Está igualmente claro que uma teoria desenvolvida da argumentação jurídica não pode ser construída
ignorando-se os estudos sobre a argumentação que se realizem em outros campos que não o Direito, como a
lógica, a filosofia, a linguística, a psicologia cognitiva etc., mas, nesse caso, as relações não teriam de ser
unidirecionais: os estudos hoje existentes sobre a argumentação jurídica mereceriam ser mais conhecidos do
que o são fora da cultura jurídica.” (p.224)
“Por função prática ou técnica da argumentação jurídica, entendo basicamente que esta deve ser capaz de
oferecer uma orientação útil nas tarefas de produzir, interpretar e aplicar o Direito. Para que uma teoria da
argumentação jurídica possa cumprir essa função de caráter instrumental ( dirigida tanto aso práticos quanto
aos cultivadores da dogmática jurídica) ela terá de poder oferecer um método que permita reconstruir o
processo real de argumentação, além de uma série de critérios para fazer um julgamento sobre a sua correção;
como se acaba de indicar, essa é uma tarefa que, em considerável medida, ainda está para ser cumprida.” (pp.
224-225)
“A outra finalidade prática se refere ao ensino do Direito. Um objetivo central do processo de aprendizagem
do Direito teria de ser o de aprender a pensar ou raciocinar “como jurista”, e não se limitando a conhecer os
conteúdos do Direito positivo. A teoria da argumentação jurídica teria de fornecer uma base adequada para a
consecução desse objetivo.” (p.225)
“Finalmente, o que denominei função política ou moral da teoria da argumentação jurídica se relaciona com
a questão de qual é o tipo de ideologia jurídica que está sempre, inevitavelmente, na base de uma determinada
concepção de argumentação.” (p.225)
“(...)a teoria da argumentação jurídica teria de se comprometer com uma concepção- uma ideologia política e
moral- mais crítica com relação ao Direito dos Estados democráticos, o que, por outro lado, poderia supor
também adotar uma perspectiva mais realista.” (p.225)
Capítulo 6- ROBERT ALEXY: A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA COMO DISCURSO RACIONAL