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eo
Caos deste Final de Século
(Suas verdadeiras causas e a restauração,
possível, da justiça e da paz)
Jorge Boaventura
PREFÁCIO
J. V. RUY-BARBOSA
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AGRADECIMENTOS
O Autor
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ESCLARECIMENTOS INDISPENSÁVEIS
No momento em que iniciamos este novo esforço, na longa sucessão dos que nos
temos disposto a levar a cabo ao curso de décadas, nossa intenção, nosso propósito
dominante, é oferecer à atenção e à análise dos que vierem a ler as páginas que se seguirão,
pontos capitais da nossa maneira de ver as circunstâncias e dados componentes dos dias
sombrios e crescentemente atormentados pelos quais a humanidade atravessa neste final de
século. Não para tentar sugerir que a nossa visão é, pelo simples fato de acreditarmos em
seu realismo, em sua verdade, necessariamente verdadeira e realista. O julgamento não nos
pertence, mas aos leitores destas páginas, que não escrevemos motivados pela esperança de
recompensa pessoal, como quer que ela possa ser imaginada ou concebida. Fazemo-lo por
compulsão do íntimo da nossa consciência, a cuja voz não é possível fugir, sem o
sentimento da omissão e da recusa a Algo em que acreditamos e diante de Quem não
podemos recusar-nos ou omitir-nos. Trata, se, assim, de serviço. De pesado serviço, tanto
mais quanto pretendemos registrar, sem rebuços, o que nos parece verdadeiro ou, no
mínimo, digno de ser conhecido pela maioria, à qual muita coisa tem sido sonegada, de
modo a impedir que sejam expostas as idéias básicas sobre as quais, acreditamos, poderá
vir a realizar-se a única, verdadeira e definitiva Revolução, aquela capaz de trazer aos
homens a paz, a harmonia e a felicidade com que todos sonhamos. Em esforço anterior,
intitulado “O Mito da Caverna”, utilizamos o que, para outros fins, imaginara Platão, ao
descrever os homens confinados em uma caverna, mantidos de costas para a entrada da
mesma, e iluminados pelas chamas de uma fogueira, não tendo, pois, acesso direto ao
mundo exterior, do qual só lhes era dado ver as sombras deformadas e projetadas sobre o
fundo do lugar onde estavam. Usando a imagem acima descrita, acrescentamos que, nos
dias que correm, vive a maioria dos nossos semelhantes encerrada também em uma espécie
de prisão, cujas paredes são constituídas, não de pedras, mas de preconceitos e idéias tantas
vezes falsas, porém sustentados por poderosos interesses, geralmente inconfessáveis. Não é
nosso propósito magoar, ferir ou ofender quem quer que seja. Ou competir, ou disputar o
que quer que seja, no sentido menor que o egoísmo tantas vezes sugere, ainda que,
freqüentemente, disfarçado em pretextos que sirvam ao mascaramento da sua face,
denunciadoramente desagradável. Prepare-se, pois, o leitor para um relato que, em muitos
aspectos, haverá de parecer-lhe surpreendente e, em alguns casos, verdadeiramente
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I PARTE
1 PARTE
Não sejamos, portanto, ferinos nem presunçosos; mas não sejamos, também,
covardes, deixando de assinalar o que nos pareça deva ser assinalado, mesmo que isso
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possa causar controvérsia ou, até, escândalo. Escândalo com que não nos comprazemos,
mas que pode ser necessário, quando a alternativa seja escamotear do conhecimento dos
que nos honram com a sua leitura, o que nos pareça útil submeter à consideração da sua
inteligência e da sua consciência. A avaliação realista das nossas limitações, e o respeito
aos nossos semelhantes não significam, pois, covardia e, esperamos, no correr das páginas
que irão seguir-se, ao longo da caminhada que, neste momento, estamos apenas iniciando,
surgirão fatos e interpretações quase sempre mantidos sob pesado véu de silêncio, que
supomos suficientes para comprovar a veracidade do que acaba de ser afirmado.
É bastante possível que muitos dos que estejam lendo estas linhas tenham
dificuldade em aceitá-las como realistas, em um clima em que, à exaustão, e bilhões de
vezes, repete-se que é sagrada a liberdade de expressão. E poucos conseguirão dar-se conta
da diferença existente entre algo que se afirma e reafirma como conceito, e a sua realização
prática. A inexistência da diferença apontada suporia, como condição, que o que temos
designado como “centros de irradiação de prestígio cultural” como, entre tantos outros que
procuraremos analisar em outra parte desta obra, são os veículos da mídia, fossem, todos,
absolutamente isentos e totalmente comprometidos com a fidelidade, na ordem prática, ao
que, como conceito, quase todos louvam e buscam promover. Acha o leitor que, realmente,
é o que acontece? E os interesses de ordem econômico-financeira, serão ficções? E as
pressões decorrentes de opções políticas, não existem? E, caso existam, quais serão as mais
tenazes e mais persistentes na ação: as de cunho ideológico ou as que não o têm e, em
alguns casos, orgulham-se de não tê-lo? Das duas, qual será, na prática, a mais eficaz? Será
mera coincidência, ou simples acaso que, com raríssimas exceções, no campo cultural, os
nomes, de longe, mais promovidos e, por isso mesmo, famosos, são os que integram ou,
pelo menos, de algum modo são úteis a determinadas tendências ideológicas? Ou será
razoável supor que existem causas genéticas que compatibilizem, inexoravelmente, o
talento com as teses fundamentais de determinadas idéias, nada obstante o seu fracasso
objetivo o que, nem por isso impede os seus simpatizantes de continuarem a merecer os
rótulos de “progressistas”, ou “avançados”, ou “modernos”?
Vamos repetir uma vez mais: nós temos consciência das nossas limitações; e, com
toda a sinceridade, podemos afirmar que o que estamos assinalando, ainda de maneira
perfunctória, que procuraremos aprofundar bem mais adiante, fazemo-lo em homenagem
aos que venham a ler-nos e para honrar o compromisso assumido, de responder a apelos
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dos que nos têm apoiado em nossa trajetória e ao imperativo da nossa consciência, que nos
aponta a necessidade de cumprir o que se nos afigura de nosso dever. Sem mágoa alguma,
disponíveis para servir. Não nos sentimos credores diante do dom da vida, mas devedores,
Àquele que no-lo concedeu. Portanto, apenas como exemplo concreto, que julgamos possa
ser útil ao leitor, por acaso surpreendido diante do que registram algumas das linhas acima,
citaremos o cartão que nos enviou o prefaciador de obra nossa, que redigíramos há quase
vinte anos, muito tempo, portanto, antes da “perestroika”, da “glasnost” e da célebre queda
do “Muro de Berlim”. A obra, cuja l.º edição surgiu em S. Paulo, denominava-se “Ocidente
Traído”, lançada pela editora “Impres”. O referido prefaciador, à diferença da nossa
insignificância, foi o grande e saudoso Gilberto Freyre, autor da mais importante e
conhecida obra de cunho sociológico jamais escrita por um patrício nosso, “Casa Grande e
Senzala”, e o cartão, redigido e assinado de próprio punho, com que nos remeteu o
prefácio, e que guardamos até hoje, com carinho, era do seguinte teor: “Caro Jorge
Boaventura, colega ilustre1 vai o prefácio. O seu livro vai ser um acontecimento - mesmo
contando com silêncios atualmente tão da maior parte da nossa imprensa e da nossa
"crítica”.2
Na obra em questão, entre outras coisas, havíamos realizado uma crítica sistematizada de
todos os aspectos fundamentais da cosmovisão do Materialismo Dialético, promovido, a
nosso ver artificialmente, entre nós, em único modo não alienado, de interpretar o
universo, a vida, o ser humano, a sociedade...
Acontecimento que, entretanto, não foi. E não foi, a despeito de - observe o leitor -
3. Grifos do Autor
cerca de vinte anos atrás, as páginas do acontecimento que não foi, registrarem,
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ousam tocar com as pontas das suas asas. E merece ser registrado que a maioria, sentindo a
impossibilidade de situar-se, pela via da reflexão, diante dos fatos, das imagens e das
informações que lhe contundem a sensibilidade, entrega-se, à tentação representada pelo
comodismo, ou pelo que muitos designam como “lei do menor esforço”, e busca “adaptar-
se” a coisas que, bem no fundo, as consciências dos que a integram dizem ser perigosas. E
isso sob a alegação, tantas vezes repetida e tão conhecida, de que “hoje em dia é assim”.
Claro que o leitor, inteligente, percebe que a mesma representa, tão somente, uma
constatação; nunca uma justificativa. “Hoje em dia é assim”, mas poderia, quem sabe, ser
de outra maneira.
Não devemos perder de vista que, até aqui, estamos buscando ser fiéis ao propósito
de, principalmente por meio de exemplos, defender a realidade da existência, em nossa
vida cotidiana, de uma balbúrdia, para a maioria, praticamente inextricável, de notícias,
imagens, informações, cujo fantástico lampejar torna difícil a compreensão de muitos dos
seus significados, sobretudo pelo ritmo frenético, já assinalado, das atividades que
geralmente somos levados a desempenhar, na busca da nossa e da sobrevivência das nossas
famílias.
Em nosso próprio país, p. ex., de extensão continental, por que, cada vez mais
cresce o número de pobres, de desamparados, de desabrigados e, cada vez mais
claramente, apresentam-se as prioridades indecorosamente indicativas da falta de
sensibilidade e de amor aos nossos semelhantes, de cambulhada com a incompetência, com
a demagogia, com a ausência total, ou quase total, de escrúpulos, quando se trata de
conquista do poder, que a tantos fascina e a muitos parece enlouquecer? Sem querer
privilegiar uma. componente mística da observação do quadro deplorável que estamos, em
pinceladas resumidas e toscas, tentando oferecer à reflexão dos que venham a honrar-nos
com a leitura desta obra, não parece descabida menção à incidência crescente de
pronunciamentos de líderes religiosos de diferentes tendências, convergindo na visão de
uma espécie de rápida aproximação do que seria o final dos tempos ou, pelo menos, o final
de um ciclo da existência dos homens sobre a Terra.
E ainda do mesmo apóstolo Paulo, em sua epístola aos Gálatas: “Recomendo, pois,
deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfaçais aos apetites da carne. Porque os desejos
da carne se opõem aos do Espírito, e estes aos da carne; pois são contrários uns aos outros.
É por isso que não fazeis o que quereríeis. Se, porém, vos deixais guiar pelo Espírito, não
estais sob a Lei. Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem,
idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos,
invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes.
“Dessas coisas vos previno, como já vos preveni: os que as praticarem não herdarão
o reino de Deus! Ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência,
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afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança. Contra essas coisas, não há lei.”
As epístolas citadas, foram-no nos trechos expressivos de situação assemelhável à que,
cada dia mais nitidamente, se vai impondo às sociedades atuais, principalmente às mais
sujeitas à massa colossal de estímulos, sugestões explícitas ou subliminares, notícias de
veracidade não assegurável em todos os casos, tudo no ritmo já mencionado, que torna
praticamente impossível à maioria, deter-se para analisar o que suscita a sua atenção e lhe
fere a sensibilidade. Veja o leitor como as explicações que sentimos necessárias à citação
de dois trechos bíblicos, figuram em texto que, como este, visa o público que continua a
ser considerado integrante do que, em meados deste século, era freqüentemente designado
como “civilização ocidental cristã”, designação que, aliás, serviu como “slogan” principal,
em termos da necessidade de salvá-la, na 2a Guerra Mundial, travada contra a brutal
violência do Estado totalitário nazista. Guerra em que morreram muitos milhões de jovens
do mundo inteiro, inclusive patrícios nossos, convencidos de que a estavam, de fato,
salvando, por ser algo precioso e digno de seu sacrifício. Hoje, repetimos, sentimos a
necessidade de justificar a citação de dois trechos do Novo Testamento, precisamente o
característico da vertente cristã, da tradição cultural judaico-cristã, de que somos parte,
embora sob o esforço destruidor, desfigurador, degradador a que nos estamos referindo e
que, confrangedoramente, se patenteia diante dos olhos de todos.
sempre mais difícil, aceitar como dignas de exame, as idéias que este escriba registrou em
pequeno ensaio, editado pelo mesmo bravo editor deste livro, sob o título: “Democracia ou
Paganização?”. Ou outras idéias de mesma índole, possivelmente mais expressivas do que
as nossas. Finalmente: até aqui, indícios epidérmicos da balbúrdia. Daqui para diante,
ainda na I Parte desta obra, uma tentativa de análise de suas motivações profundas. Antes
de passar a ela, porém, seja-nos permitido transcrever palavras de um eminente sacerdote,
o arcebispo D. Luciano Cabral Duarte, doutor em Filosofia pela Sorbone, nas quais se
verifica que, não apenas nós, percebemos a gravidade do que vem se passando em
conseqüência da balbúrdia a que, até aqui, fizemos propositalmente, reiteradas referências.
“Na esteira das conquistas científicas que surgiram depois da 2a Guerra Mundial, o
homem traçou, mais claramente do que nunca, o seu próprio destino: o progresso sem
limites, arrancando da Terra seus tesouros inesgotáveis. A História contemplou, com uma
centelha de ironia em seus olhos cansados, o homem tentando mais uma vez ser o deus do
homem. Porque esta é a filosofia subjacente ao pensamento moderno: o homem é, ao
mesmo tempo, princípio e fim de si próprio. Quando eu começo a ter consciência de mim
5. Grifos do Autor
mesmo, não
6. Grifos do sei
Autorde onde venho. Isto não tem importância: eu só começo, realmente, quando
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mundo dos fenômenos da natureza e das suas relações imediatas, pelos menos aparentes,
de causa e efeito.
para o fato de, com tanta insistência, repetir-se que foi ele um período “de trevas”. Qual
quer fato vergonhoso pela perversidade, pela injustiça, pela brutalidade, pela ignorância,
acompanha-se, geralmente, do comentário: parece coisa da Idade Média, feito, quase
sempre, por alguém que, sobre ela, de fonte idônea, não sabe nada, ou pouquíssimo sabe.
Os próprios compêndios de uso escolar respaldam a hipótese que, não obstante, não
corresponde à opinião de um único medievalista. Antes mesmo de recorrer ao chamado
“argumento de autoridade”, é razoavelmente conhecido que a instituição universitária, a
Universidade, é uma criação, precisamente, do medievo. Nele foram criadas a
Universidade de Paris que, à altura do século XIII, já contava com cerca de l0 mil
integrantes, entre professores e alunos. Também criações medievais foram as universidades
de Salamanca, de Pádua, de Viena, de Cracóvia, de Oxford, de Cambridge, de Bolonha, de
Praga, de Heidelberg todas, ainda hoje, reputadas e famosas. O leitor já teria pensado
nisso? Qual foi o filósofo, no Ocidente, incluídos os da antigüidade clássica, que teria
produzido obra mais importante do que a de S. Tomás de Aquino? Qual foi o poeta lírico
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de maior expressão, na literatura ocidental, do que Petrarca? Qual a obra literária mais
importante do que “A Divina Comédia”, de Dante?
se referiu aos cristãos, ou à “seita dos nazarenos”, não para elogiá-la ou aos seus
seguidores, mas para dizer que não tinha indícios concretos de que se compunha de
perversos fanáticos, perturbadores da ordem legal, e envenenadores de fontes, na prática de
homicídios indiscriminados, foi Plínio, o Moço, já no século IV da nossa era. Como pode
ver o leitor, durante cerca de 4 séculos, todos os cronistas e historiadores que se referiam
aos cristãos, faziam-no para caracterizá-los da maneira que, não para desmenti-la, mas para
pôr em dúvida a sua veracidade, escreveu Plínio, o Moço. Já àquele tempo, portanto,
interesses revestidos de poder, conseguiam manejar a desinformação, e usar inverdades
para iludir a boa fé do povo8. Aliás, não fora a sua ressurreição, sublinhemos, e a passagem
do Cristo pela Terra teria, talvez, sido esquecida. Ressurreição, de resto, da morte na cruz,
exigida pelos mais poderosos do povo para o qual, especificamente viera ao mundo,
exigência que contou com o apoio da maioria, desinformada e induzida a erro, na consulta
plebiscitária realizada diante do pretório de Pilatos...
mesma, havia aprendido e lido até então. Não temos a pretensão de constituir-nos em
reformulador do conceito sobre o medievo, pois estamos conscientes de nossas limitações
e, também, do objetivo fundamental, neste momento, desta obra, que é o de evidenciar que,
realmente, é possível e tem sido utilizado no correr dos tempos e continua a sê-lo, e ainda
com maior eficácia, nos dias presentes, o engano em grande escala, da opinião pública, em
matérias, por vezes de capital importância, desde que o referido engano seja de utilidade
para poderosos interesses que costumam agir, por motivos óbvios, geralmente na sombra.
A autora que estamos citando, fazemo-lo em primeiro lugar, pela isenção com que revelou
a sua enorme surpresa, diante dos documentos compulsados, e produzidos no medievo. A
mesma autora publicou outras obras sobre o mesmo período e, quanto a ele, um seu
patrício é tido também, como grande autoridade, o Sr. Henri Pirenne. Realmente, para não
nos estendermos em demasia, repetiremos que, entre os especialistas no assunto, não há
quem respalde a lenda das “trevas medievais”.
Outra autoridade, porém, que merece ser citada, é o Sr Henry R. Loyn, Professor
Emérito de História Medieval, da Universidade de Londres, que recentemente publicou a
obra que, no original, recebeu o título: “The Middle Ages - A Concise Encyclopédia”. A
apresentação da tradução para nossa língua, tradução levada a cabo pelo Sr. Álvaro Cabral,
Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade
Clássica de Lisboa, foi redigida pelo Sr. Franklin de Oliveira, sobre o qual não nos consta
haja sido associado, jamais, o qualificativo de “conservador”, “obscurantista” ou
“reacionário”. Eis como ele deu início à apresentação da edição brasileira - “A grande
maioria dos brasileiros continua prisioneira do preconceito forjado9 pelos historiadores
liberais do século XIX, que definiam a Idade Média como um “período de trevas”. É
preciso soterrar, de vez, equivoco tão grosseiro 10. O Medievo não significa somente a
fundação da Europa em suas bases cristã e romana11. No bojo da Idade Média, gerou-se o
mundo moderno. Lá, com Ockham, Oresme e outros, surgiram os fundamentos da ciência
contemporânea12, como tão claramente comprovou Pierre Duhem”. E segue-se copiosa
argumentação apresentada pelo Sr. Franklin de Oliveira, em favor da existência dos
equívocos em que se têm constituído os conceitos sobre o medievo, difundidos por todos
os meios e modos disponíveis, e não a partir de agora, mas desde há muito tempo. Estamos
evitando citar medievalistas brasileiros, para não correr o risco de, involuntariamente,
omitir o nome de algum.
Queremos, também, deixar claro que a propagação das inverdades a que nos
estamos referindo não é realizada, sempre, de modo consciente e intencional. Ao contrário,
é de inteira justiça registrar que, na maioria das vezes, a referida propagação é feita por
quem “ouviu falar” sobre o assunto e, sem reflexão, o repete, de maneira obviamente
imprudente e cujos efeitos maléficos não imagina que possam existir. Sobretudo quando
repetir “o que se ouviu”, sintoniza com o “hoje em dia é assim”, ou para o caso, “hoje em
dia todo mundo sabe que é assim”, principalmente, quando “estar na moda”, não ser
“conservador”, parece vantajoso, pelo menos por ser simpático e “inteligente”.
O que não deixa de ser uma maneira, pelo menos mais delicada, de explicar certas
insinuações maldosas que, entre nós brasileiros, circulam acerca do amor não muito
ardente à água, observável, ainda hoje, entre os compatriotas do irreverente autor de “A
Feiticeira”.
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O que queremos realçar é que aquelas condições precárias não foram uma
peculiaridade medieval, período em que, ao contrário, segundo Régine Pernoud,
surpreendeu-a o número de testamentos em que figuravam banheiras legadas aos herdeiros,
como já vimos.
Ainda que, no desdobramento dos assuntos que pretendemos submeter à análise dos
que venham a ler este livro, do ponto de vista da cronologia histórica, não tenha chegado o
momento de fazermos referências ao que costuma ser cognominado de “Rei Sol”, o
construtor do imenso palácio de Versailles, com suas centenas de cômodos, Luís XIV,
parece-nos oportuno registrar que, no referido palácio, nenhum daqueles cômodos foi
projetado pelos seus arquitetos, para servir como sala de banho.
E mais: segundo alguns cronistas e biógrafos do chamado “Rei Sol”, tomou ele, em
toda a sua existência, um único banho! É bem verdade que não tendo vivido mil anos, não
poderia dizer dele o “imparcial” Michelet - “mil ans; un seule bain!” Mas há outros dados,
que registramos, não na intenção de, por pura irreverência, toldar a imagem daquele rei.
Ocorre que há cronistas da época que afirmam que as audiências reais, concedidas como
especialíssimo favor, aos que as requeriam sem serem poderosos ou recomendados por
personagens que o fossem suficientemente, eram realizadas “com o rei sentado em sua
cadeira”. E esta não era o trono... Ainda mais: é verdadeira a imputação a S.M. da frase
que se tornou célebre: “l'État cest moi! “, “O Estado sou eu!”.
Como se tratasse, porém, de prerrogativa que atentava contra a família, foi abolida
e substituída por uma indenização a ser paga pelo servo da gleba, ao senhor do domínio a
que pertencia e ao qual, se integrava, voluntariamente14. As relações entre servos e
senhores eram muito diferentes das que existem hoje, entre patrões e empregados. Eram
relações de lealdade e proteção e os privilégios não eram exclusividade dos senhores.
Todos eram titulares de, digamos, privilégios, não por estarem estabelecidos, de cima para
baixo, em conseqüência de leis e normas de direito positivo, mas como coisas ditadas pelos
costumes, constituindo-se, por isso mesmo, em regras do direito consuetudinário da época.
O leitor, inteligente, percebe que tais ou quais daquelas regras, apreciadas na sociedade de
hoje, podem parecer absurdas e injustas, como ò chamado “direito de séquito”, que dava ao
senhor a faculdade de obrigar o servo que houvesse deixado o seu domínio sem o seu
consentimento, a regressar ao mesmo, ainda que contra a vontade. O que o costume gera,
porém, obviamente sanciona e, por isso, cria menos descontentamentos, animosidades e
conflitos. Talvez a razão, porque a Inglaterra medieval era conhecida como “merry
England”, feliz Inglaterra.
Por outro lado, servo da gleba contém a expressão “servo”, que, em pleno clima de
animosidade hoje reinante entre patrões e empregados, para muitos soa de maneira
desprimorosa. Quando se trata, porém, de quem se dedica, ou diz dedicar-se, ao serviço de
Deus, a expressão servo de Deus passa a ser nobilitante. Claro que o patrão ou o senhor
feudal não podem ser comparados a Deus. O que queremos dizer, apenas, é que a
expressão servo não é, em si mesma, aviltante. Um outro exemplo, imaginamos,
esclarecerá o que queremos significar.
Como podem ser designados, sem nenhum desdouro, os que trabalham para o poder
público, senão servidores públicos? Não haverá, na conotação, mais do que pejorativa, às
vezes aviltante, que se estabelece com a expressão servo, alguma contribuição do orgulho?
De outra parte, o chamado “direito da mão morta”, este representava, de fato, um costume
abusivo. Consistia ele no privilégio que tinha o senhor, falecido o servo, de apropriar-se de
bens móveis por ele adquiridos em vida. Por outro lado, entretanto, convém esclarecer,
existia a norma designada como “glebae adstritio”, segundo a qual estabelecido o vínculo
entre o servo e o senhor, não podia este retirar a terra demarcada para que o primeiro a
cultivasse; nem mesmo quando da transferência do domínio para outro senhor, poderia o
servo ser privado do solo com que se sustentava, sustentava os seus dependentes, além de
pagar, com uma parte da produção, o seu direito de cultivá-lo e de nele permanecer bem
como os seus herdeiros, depois que ele morresse.
Como se vê, o servo, como de resto também o senhor do domínio, não era o
proprietário da área em que vivia ou, no caso do senhor, sobre a qual exercia a sua
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Eles não eram propriedade dos seus senhores, suseranos, vassalos, ou mesmo do
rei. Eram livres para fazer tudo quanto não lhes fosse vedado pelo acordo que,
voluntariamente, haviam celebrado. A esta altura, convém reiterar o que afirmamos desde
o início destas ponderações: não nos propomos ser advogados do período medieval, nem
pretendemos insinuar que, nele nada houve de deplorável ou condenável. Permitimo-nos,
apenas, em espírito de serviço, assinalar que os fatos, costumes, acontecimentos, devem ser
analisados no contexto cultural em que ocorreram. Não fora assim, como qualificar certos
episódios constantes das Sagradas Escrituras, sobretudo do Antigo Testamento? Ademais,
quando se fala de Medievo, a referência é feita a um extenso período de muitos séculos,
sobre cujo início e cujo final, não concordam sempre os autores. Quanto ao início,
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obviamente não deve ser situado antes do esboroamento do Império Romano, à altura do
século V da nossa era; quanto ao seu final, seria impróprio, situá-lo além do século XV. E
cumpre realçar que em período tão longo houve - eis que nada é estático no mundo - fases
muito distintas umas das outras.
Este foi aspecto que de fato, fizemos aflorar anteriormente, mas que convém repisar
por ser, segundo entendemos, o que torna verosímil o fato de, mesmo o servo da gleba, ter
garantida a sua permanência na referida gleba, bem como os seus descendentes, por
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ocasião de sua morte ou, antes dela, pela transferência do domínio a outro senhor. De resto
este, suserano ou vassalo, poderia passar a vida crivado de dívidas, sem ter ameaçado o
patrimônio, como vimos, menos dele do que da família. A não ser que a sua inadimplência
fosse devida a procedimentos indignos os quais, mesmo quando não relacionados a
pecúnia podiam, eles sim, levar ao extremo da transferência dos seus privilégios a alguém
considerado mais digno. As normas de comportamento eram, àquele tempo, sobretudo no
que tangia a valores éticos e morais, muito rígidas. Daí, ser a distorção que apontamos
anteriormente, do chamado “direito de formariage” no aviltante “direito de pemada”,
inimaginável em uma sociedade do tipo e da feição da que estamos descrevendo.
O outro fato, que com freqüência é mencionado quando se fala na “Idade das
Trevas”, como vimos há pouco, são as fogueiras da Inquisição. Que realmente existiram e,
hoje, seriam inadmissíveis como penas legais, tal como ocorreu, nos reinos de Aragão e da
França, que incluíram as referidas penas em legislação secular, após a realização do 4o
Concílio de Latrão, isso no século XIII. No século XII, pela bula “Ab Abolendum”,
tornou-se obrigatório para os bispos, que ordenassem uma investigação, ou inquisição,
anual em suas dioceses e excomungassem, não só os heréticos (segundo fossem por eles
assim considerados) e as autoridades que não tivessem agido ou não agissem contra os
mesmos, depois de, daquela maneira, taxados. Anteriormente, haviam sido queimados
cerca de 15 clérigos e monjas, e os membros de uma comunidade religiosa, na Itália, cujos
integrantes pela forma com que cultuavam o Espírito Santo, sentiam-se no dever de não
comer carne e de não cumprirem os seus deveres conjugais com as esposas. Mas é falar-se
em Idade Média e, prontamente aparece quem mencione os horrores cometidos por
Torquemada, talvez pelo que o seu nome, de certo modo, sugere. Poucos dão-se,
entretanto, ao incômodo de saber quando, onde viveu e quem era o referido “incendiário”.
E, para acrescentar mais um dado contundente, acerca dos perigos de avaliar sem
análise ou reflexão, não será prova deles o horror manifestado contra as fogueiras que,
como acaba de ser visto, não foram apenas medievais, quando, todas juntas, não podem ser
comparadas, em termos do mesmo horror, às incinerações de duas cidades japonesas,
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Hiroshima e Nagasaki, nas quais, além das dezenas de milhares de vítimas humanas
indefesas e inocentes sacrificadas, foi calcinado tudo quanto respirava ou, simplesmente,
vivia além dos que, ainda que distantes das duas fogueiras sem precedentes, foram
atingidos pelas radiações conseqüentes às explosões nucleares que as realizaram, e vieram
a morrer depois, de câncer, e cujos descendentes continuam, em muitos casos, a padecer as
conseqüências do ocorrido, seja por serem portadores de anomalias físicas devidas a
alterações genéticas, seja pela incidência, estatisticamente maior entre eles, do que na
média da população do seu país, da terrível moléstia há pouco mencionada?
Claro que não estamos desejando significar que como, muito depois da “idade das
trevas”, e mesmo em nossos dias, ocorreram coisas horríveis, crueldades medievais tenham
deixado de sê-lo. Foram-no, sem dúvida, ainda que em contexto cultural e mentalidade
dominante, que não devem ser desprezadas, quando se tente avaliá-las. Mas, sobretudo,
nesta fase da obra em que ainda estamos, o que queremos é despertar a atenção dos que nos
leiam para a, digamos, suspeitíssima divulgação de interpretações truncadas e
vetorialmente, ou preferencialmente, dirigidas contra o medievo. Entendemos que, por
causa da imprudência, do ritmo frenético da vida que nos impede de analisar e refletir, e
por causa de fatores que dispõem dos meios adequados ao aproveitamento da balbúrdia, a
maioria, ao contrário do que imagina, longe de respeitada, é enganada pelos manipuladores
daqueles meios. Não fora, segundo pensamos, a existência de dois planos da História, e
tudo dependesse da intencionalidade inspirada na natureza decaída dos homens, talvez
ainda tivéssemos hoje a escravidão, em sua forma explícita, e continuassem a existir, no
direito positivo, penas de morte na fogueira.
subcorrente de sentimento que lhe é peculiar. Cada indivíduo expressa este padrão
contínuo de sentimento naquilo que chamamos de sua “personalidade”; refletida no
comportamento, na fala, na voz e mesmo no porte físico (parado ou andando), como seu
estilo individual. Em escala maior, toda sociedade humana tem sua subcorrente de
sentimento que não é individual mas geral.
Haverá quem possa negar a validade, o realismo, das observações da Sra. Langer?
Quanto à “ guerra fria” a que ela fez referência, não nos parece consistisse na existência do
simbólico “Muro de Berlim”, então ainda de pé, como símbolo, para muitos dos que
continuam a dizer-se “progressistas” e “avançados” além, é claro, de democratas, da
barreira entre o resto da humanidade e a fração que representaria o seu inexorável futuro.
pela diferença entre o que se diz e o que se faz, prevalecendo, segundo Michael Novak, já
por nós tantas vezes citado, idéias sobre realidades que as desmentem. A compreensão do
porquê se sustenta quadro tão desalentador, entretanto, exige um mergulho ainda mais
profundo na História que, esteja certo o leitor, nos pouparíamos de fazer, como
pouparíamos a sua paciência, caso nos parecesse possível a identificação dos motivos reais
de tanto sofrimento, sem a realização do mergulho em causa.
renovador, mas apenas o desejo de apoderar-se dos espaços e riquezas que já não tinham a
barreira do poderio militar que acabara de desaparecer.
Por outro lado, ninguém ignora que o Cristianismo, que surgira no Oriente Médio,
mais precisamente na área hoje representada pelo Estado de Israel (tudo isso sem
preocupação de grande rigor, mas apenas para situar, geograficamente, em grandes linhas,
o que queremos expor à consideração dos leitores), ao tempo a que nos estamos referindo
ao aludir ao deslocamento das tribos germânicas, já iniciara a sua obra de expansão
evangelizadora, deslocando-se em sentido contrário, do sul para o norte do continente
europeu. E os evangelizadores foram tão bem inspirados que, longe da tentativa de
eliminar a aptidão e o gosto para o manejo das armas dos seus catecúmenos, cuidaram de
coloca-los ao serviço da nova ética e da nova moral, conseqüentes ao sentido fundamental
da mensagem da nova fé, no cumprimento da missão de “propagá-la por toda a Terra”.
Mas, e a cota da produção que o servo da gleba era obrigado a entregar ao seu
senhor? Entende-se agora que, basicamente, destinava-se à manutenção dos cavalos deles,
das suas armas, da sua subsistência e da de seus irmãos de armas e de fé. Nenhum homem,
sabemos, é perfeito; mas estamos nos reportando aos primórdios do Cristianismo, e a
personagens convertidos pelo que ele representava. Haverá, pois, algum absurdo em supor
que, embora não perfeitos, as suas motivações eram, do ponto de vista do coração,
compatíveis com o quadro que, em largas pinceladas, estamos expondo à análise de quem
36
venha a ler estas linhas? Lembra-se o leitor de que, anteriormente, fizemos alusão ao
interior despojado dos castelos medievais, bem diferente do fausto de palácios de épocas
posteriores, que não são criticadas de modo tão sistemático e tão rigoroso?
Mas, quem eram aquelas pessoas, e que tipo de comércio realizavam? Elas eram, ou
seus descendentes ou discípulos, os que, anteriormente, haviam seguido as tropas em
marcha para confronto militar, sem optar por nenhum dos litigantes, desejosos, apenas, de
fornecer-lhes o de que necessitassem, auferindo lucros pessoais nas transações realizadas.
Por isso, eram mais ricas; por isso, corriam agora mais riscos, por parte dos salteadores ;
por isso, buscavam abrigar-se à sombra, ou nas proximidades dos muros das residências
dos cavaleiros cristãos os quais, detentores da força, representavam o que poderíamos
chamar de “poder político” que, mais tarde, bem mais tarde, viria a concentrar-se no
Estado, único titular do poder coercitivo sem o qual, o direito consignado nas leis não tem
eficácia. Àquele tempo, não podemos falar de Estado; nem mesmo de Íeis mas, sobretudo,
de costumes: uns, sancionados pela nova ética; outros, por ela condenados. Entre estes, os
que pretendiam legítimo ou, melhor dizendo, justo, que o comerciante, comprando algum
bem, conseguisse vendê-lo, sem nenhuma modificação, a um seu semelhante, por preço
maior do que aquele que havia pago, surpreendendo a ingenuidade do comprador ou, pior
ainda, aproveitando-se de alguma sua necessidade urgente e aflita.
Na hipótese em causa, a ética do cavaleiro e dos seus irmãos de fé, viam a imagem
dos vendilhões do templo, contra os quais se revoltara o próprio e amoroso Jesus. Ainda
uma vez, queremos repetir que não estamos julgando, mas apenas submetendo à apreciação
do leitor, informações que, deliberadamente, ou não, são sonegadas do seu conhecimento.
37
São perguntas sobre cujas respostas, supomos, vale a pena refletir. Sobretudo em
uma situação ou, melhor dizendo, em um período da história da civilização a que
pertencemos, em que o que temos chamado “espaço cultural” se encontra sob o que
costumamos designar como “interferência cultural”, por analogia ao que acontece a um
receptor de rádio cujo seletor de freqüências esteja defeituoso. A partir daí, o referido
receptor passa a amplificar, não sons harmoniosos, agradáveis e compreensíveis, mas uma
algaravia de ruídos, silvos, estrondos, guinchos, ininteligíveis e incômodos. Daí, a
perturbação da subcorrente de sentimento a que se refere Suzanne Langer, por nós citada
anteriormente, e cuja perturbação constitui-se em fator de desarmonia, de perplexidade, de
38
O que queremos acrescentar agora é que, pelos motivos vistos, estabelecia-se, desde
então, uma oposição de interesse entre tais comerciantes e os que passaram a aumentar-
lhes o número, também já mencionados, e a autoridade que estava nas mãos dos senhores,
adeptos da nova ética e daqueles que os haviam convertido à fé de que ela era resultante.
Chegou, pois, o instante de repetir, qual era a designação dada às residências dos
cavaleiros, em que iam surgindo as primeiras aglomerações humanas, mais tarde
constituindo-se em vilas e cidades. Chamavam-se “burgos” e, dai, provem a palavra
“burguesia”, cuja conotação econômica, em nossos dias, não é feita referindo-se a
lavradores, pastores, assalariados, mas aos que exercitam a atividade econômica, visando
essencialmente o lucro. Isso, em uma visão que, parece-nos, não deve ser minudente, de
vez que as minúcias nos levariam à necessidade de digressões que nos afastariam, neste
trecho da nossa exposição, da linha central em que nos estamos concentrando, e que é a de
40
deixar entrever alguns dados que, segundo supomos, são importantes para que se possa
compreender a demolidora crítica orientada, e nem sempre com realismo, para o fim de
atribuir a um dado período da História da civilização ocidental, o caráter de período
trevoso, sinistro, perverso, do Ocidente.
De fato, pelos exemplos, já citados, do grande apóstolo que, mesmo ele, queixou-se
da pressão dos apetites próprios da natureza carnal, é muito compreensível que, tudo
quanto a eles tente contrapor-se, oferece ensejo para que se estabeleça uma conotação entre
41
tais tentativas, e uma disposição, pouco simpática, de restringir a liberdade. Mas, uma
coisa é a liberdade como conceito em plano, digamos, metafísico, em que o referido
conceito é precisamente o que tem como atributo característico, o de não sofrer restrições.
No plano, porém, da realidade concreta, é fácil entender que o quadro é bem outro. A
sociedade, que é indispensável ao pleno desenvolvimento das potencialidades humanas,
impõe, para que seja harmoniosa, limites bem nítidos ao seu exercício. Além disso, no
quadro da nossa cultura, como conseqüência da base que, essencialmente, a fez brotar, o
referido exercício deve ter um sentido de finalidade. Porque, como todos sabemos, no
citado quadro se inscreve uma diferença perfeitamente nítida entre o Bem e o Mal.
Diferença que se tem tentado toldar, para colocar em lugar dela um relativismo moral
extremamente perigoso, como o advertem as Escrituras, ao dizerem: “Sejamos homens
livres; mas não como os que falam de liberdade para ocultar a própria malícia”.
sua perfeição. Por conseguinte, o homem é livre na proporção das suas virtudes, e à medida
em que ele é livre, determina o que suas virtudes podem realizar”.
Qual Bem e qual Mal? Os que, sempre referindo-nos aos alicerces da cultura a que
pertencemos ou que, ainda insistimos em dizer que pertencemos, apontam e ensinam.
Assim como se o Criador, em Sua misericórdia, à criatura que fez à Sua imagem e
semelhança, a despeito da desobediência do primeiro casal, quisesse apontar o caminho
para a sua restauração. Portanto, por aceitar como verdadeira a visão a que nos estamos
referindo, o pensamento característico do período medieval supomos possa ser resumido,
no que tange ao exercício da liberdade, em admiti-lo prioritariamente existente, não para
que os indivíduos em suas efemeridades, busquem usa-lo para a consecução dos seus
objetivos egoísticos, mas para a realização dos pertinentes ao Bem, cuja fonte era, àquele
Todos somos seres dotados de razão, e também por sermos, segundo supomos,
filhos de um mesmo pai, devemo-nos mutuamente, entre outras coisas, respeito.
Vejam os leitores que não estamos tentando dar dimensão individual aos atores do
que operava no seio da História daqueles tempos. Inclusive, também já ficou registrado
que o rigorismo excessivo, por utópico, de uma época de fundamentalismo religioso,
realmente constituía-se em entrave ao desenvolvimento das atividades de cunho
econômico. Os que as exercitavam, é razoável imaginar, não estavam tocados por tal ardor
fundamentalista e, sem dúvida, acreditavam sinceramente, que eles tinham aptidão
particularmente eficaz, para o desempenho de ações, cuja amplitude lhes era cerceada. A
propósito, parece caber aqui, mais uma vez, a ponderação sobre as inconveniências do
44
radicalismo, pois que, na outra extremidade do que acabamos de apontar, está o exagero da
desvinculação daquelas ações, de compromissos com valores inatos, ou prévios, que viriam
a ser negados como algo existente, pelo “pai do empirismo”, John Locke, por sua vez um
dos inspiradores do ceticismo de Hume e, sem dúvida, um dos maiores vultos do
liberalismo, pela influência do seu pensamento sobre o de Thomas Jefferson, o principal
líder da Revolução Americana de 1776; bem como pela que exerceu sobre o de Jean-
Jacques Rousseau, tão importante sobre a Revolução Francesa de 1789.
São dados citados com tão grande antecipação, para que a paciência do leitor seja
aliviada, no sentido da orientação do nexo existente entre os fatos e tendências mais
recuados e outros, mais recentes e mais facilmente ligados aos disparates dos nossos dias,
em que uma capacidade enorme de produzir bens materiais e melhorar a qualidade de vida
dos homens, coexistem com a miséria extrema reinante em muitas áreas do mundo - uma
forma de violência que muitos se negam a aceitar como tal - e com as formas mais
evidentes e explícitas dela, bem como com a degradação moral que vem destruindo a
instituição familiar, multiplicando as taras e os vícios e orientando as rotas do tráfico
sinistro das drogas, do 3o para o 1o mundo, que o é, apenas no sentido material. Coisas
assim é que estamos tentando - e Deus sabe com quais sacrifícios - oferecer à análise dos
que venham a ler-nos. Para contribuir, na medida que esteja ao nosso alcance, para que nos
previnamos todos dos efeitos de análises epidérmicas e pueris, e por isso mesmo tantas
vezes geradoras de ilusões.
Linhas acima, repetimos o que já havia sido assinalado anteriormente, sobre o dado
consistente no poder coercitivo do medievo estar em mãos dos cavaleiros feudais e dos
sacerdotes católicos que lhes haviam incutido a nova fé. O que eqüivale dizer que, em
diferente medida, no largo período medieval, misturam-se as autoridades secular e
religiosa, no sentido clerical, em qualquer das duas expressões, objetivamente
45
representadas por seres humanos, com as suas fraquezas, os seus erros, os seus acertos, os
seus vícios, como as suas virtudes. Os vícios e maldades, sempre mais veementemente
criticados, de maneira desfavorável, nos que se revestem do múnus sacerdotal. Os
cavaleiros medievais que ao tempo da nossa infância e da nossa adolescência, povoaram as
lendas mais douradas, regiam-se pelo Código da Cavalaria.
Este, mesmo através da caricatura que de seus heróis romanceados, foi objeto da
obra do romancista Miguel de Cervantes, na celebrada figura de D. Quixote, deixa entrever
que o louco “Cavaleiro da Triste Figura”, ao confundir as atividades da camponesa que
estaria, como é usual dizer-se em nossos dias, “fazendo amor”, em circunstâncias insólitas,
com algo que se seus olhos viram, mas o seu coração não percebeu, trai o idealismo, sem
dúvida exagerado, mas não indigno, de cujo idealismo não participava, a figura prosaica e
terra-a-terra de Sancho Pança. O exercício do poder, como se sabe, é desvirtuador das
melhores intenções humanas. Não terá sido por outra razão, talvez, que quando o “Pai da
Mentira”, tentou corromper o próprio Jesus, fê-lo, segundo o relato bíblico, levando-o a
subir a um alto monte, de cujo cimo mostrou-lhe o esplendor de todos os reinos da Terra,
oferecendo-os ao Salvador se este, prostrado, o adorasse. Por isso, pelo exercício do poder
temporal compartilhado por cavaleiros e sacerdotes, ao longo de cerca de mil anos21, não é
difícil imaginar quantos pretextos, muitos válidos, se ensejaram aos que pretendiam
debilitar o poder que não estava em suas mãos: os que, no fundo, a par dos pretextos,
mesmo quando procedentes, o que desejavam era livrar-se da ameaça que lhes parecia
embaraçante de suas atividades econômicas.
Tão extenso que, foi abreviado, possivelmente por facilidade fonética, para
Averróis; e, daí, averroísmo. Pois saiba o leitor que, por acaso ainda não esteja informado a
respeito, que o estudioso de Aristóteles a que nos estamos referindo, esforçou-se por
afeiçoar o pensamento do filósofo de tão grande influência entre os eruditos católicos
daquele tempo, às características do seu próprio e peculiar modo de ver o mundo e o ser
humano. E foi assim que desagradou, tanto aos católicos quanto aos muçulmanos, ao
defender a eternidade da matéria e a não imortalidade da alma. Por tal motivo, o califa AI
Mansor o condenou à pena de exílio no Marrocos. Antes de falecer, pediu Averróis para
ser sepultado em sua terra, a Espanha 22, mais particularmente, na cidade de Córdoba em
que nascera. Mas, oriundas do próprio paganismo, já se haviam manifestado no mundo
cristão tendências consideradas perigosas ou heréticas, como o gnosticismo, designação a
que correspondiam várias doutrinas e práticas religiosas, propagadoras de idéias segundo
as quais existiriam conhecimentos ocultos, ou herméticos, quase sempre marcados por uma
visão panteísta do mundo. Tratava-se, talvez, do pensamento pitagórico, bem como do
panteísmo neoplatônico, de feição emanatista, sobretudo presente na obra de Plotino e de
Amônio Sacas.
Ocorre, porém, que hoje, com a vantagem que o tempo transcorrido oferece, em
termos de perspectiva histórica, de sua amplitude e da isenção que enseja e propicia, não é
difícil entender que, com o chamado “livre exame” dos textos pagãos, a par do
enfraquecimento de autoridade que até ali fora capaz de impedi-lo, seria impossível negar
que tomaram novo impulso no seio do Cristianismo, concepções que contribuíram para
fortalecer dúvidas capazes de gerar outros tantos questionamentos à autoridade do
Magistério da Igreja, questionamentos e dúvidas a que o autor que citamos há pouco, Mac
Fadden, denominou de liberalismo religioso o qual não tardou a produzir frutos que o
mesmo autor designou como liberalismo político. Por que? Porque, como já foi exposto
antes, a autoridade, primeiro dos senhores feudais, depois dos reis - com a observação de
que somos, no curso deste trabalho, obrigados às vezes, a saltos muito grandes no tempo,
deixando registrados, apenas, os dados que nos parecem essenciais ao cumprimento da
tarefa que nos propusemos, de realizar um esforço, a ser apreciado quanto à sua validade,
pelos que venham a ler-nos - sofria um abalo.
tronos reais. É em tal sentido, supomos, que Mac Fadden fala dos “liberalismos”
mencionados anteriormente, inclusive o designado, com as ressalvas expostas, como
“liberalismo político”.
Como pode verificar o leitor, maior franqueza não seria possível, na confissão
subjacente da visão de Protágoras, que queria o homem como medida de todas as coisas.
Igualmente, subjacente, como seria de esperar-se, a prevalência do direito positivo sobre o
direito natural, a rejeição de qualquer autoridade predeterminada, que o próprio pagão
Cícero criticou em “De Legibus”, dizendo que “se todo o Direito fosse constituído, apenas,
das leis, elaboradas sem quaisquer compromissos superiores externos à sua elaboração,
isso equivaleria à atribuição aos legisladores da faculdade de transformarem a virtude em
vício, o erro em verdade, o crime em ação meritória”; da mesma maneira como, para citar
autor mais recente, o professor Radbuch, de Heidelberg que, positivista do Direito,
converteu-se ao jusnaturalismo ao verificar, no problema da anterioridade entre o Estado e
as leis, que algo devia existir, fora e acima de um e de outro, como tem assinalado Mestre
P. Galvão de Sousa, grande jusnaturalista patrício.
E parece-nos curioso verificar que a, ao menos para nós, chocante franqueza com
que se exprimiu Pennigton Haile, ele não o fez de maneira leviana ou em conseqüência da
falta de informações. Ao contrário, muito longe de primária ou caricata, como é tão
comum identificar entre imprudentes que lembram muito as expressões do poeta Pope, a
análise de Pennington Haile se aprofunda de modo arguto e competente, até o pano de
fundo, ou o alicerce, sobre o qual existiu a sociedade medieval que, diga, se de passagem,
em seus cerca de mil anos de duração, representou período de tempo aproximadamente
duas vezes maior do que o transcorrido desde o chamado Renascimento, até os nossos
dias25. Segundo Haile, o extremado idealismo de Platão, que minimizava a importância dos
objetos do mundo apreensível pelos sentidos ou, melhor dizendo, das sensações obtidas a
partir do mesmo, em relação ao mundo das idéias, onde a razão permitia chegar a formas
perfeitas, sobre, por exemplo, Beleza, Justiça, Amizade, Amor, serviu para à concepção
que, no domínio da especulação filosófica, os doutores da Igreja estavam lutando para
introduzir no Ocidente, da existência de um mundo perfeito e imutável, o reino dos céus,
em contraste com o reino deste mundo, cheio de precariedades e imperfeições.
24. A liberdade como ideal que se esgota em si mesmo, com os perigos conseqüentes e já manifestados claramente. (Nota do Autor)
25. Grifos do Autor.
51
Entre outras conclusões, a de que a célula nervosa funciona “como uma máquina no
mais estrito sentido cartesiano”, sendo a mensagem nervosa transmitida “em um único
sentido”, não havendo como conceber-se a referida transmissão em sentido oposto. Além
52
Por enquanto, fica o indício comprobatório das distorções que efetivamente existem
e podem dificultar, ou mesmo impedir, uma apreciação correta da realidade e dos
acontecimentos que nos cercam, mesmo às pessoas mais argutas e mais inteligentes, não
somente, mas principalmente ensejada por aquela estratégia. Encerrada a digressão,
entretanto, esperamos, não tão inútil quanto deverá ter parecido à primeira vista, voltemos
ao medievo e, nele ao pensamento de Aristóteles e à influência que, no campo da Filosofia,
exerceu sobre a “Filosofia Perene”, de S. Tomás de Aquino. Víramos há pouco, que para
Aristóteles, existiria uma “finalidade” para tudo de que se constituía o universo. A referida
“finalidade”, estaria inscrita no âmago de todos os seres, e o estagirita a designava como
“forma”, que encontra resistência, na inércia da matéria, o que a impede de realizar a sua
finalidade de maneira perfeita. Para o filósofo grego, os seres se hierarquizam, na medida
em que neles se realize a sua finalidade interior. Nos que não possuem vida, tal realização
se encontra no grau mais baixo de uma escala ascendente, em cujo topo se encontra o
homem, que é dotado de consciência e cuja alma, tem noção de qual seja a sua finalidade,
daí advindo para os seres humanos uma responsabilidade de natureza moral.
26. O Universo, com os seres criados que o integram, é dialético. Não, porém, como o Materialismo Dialético afirma, dialético em
sentido de oposição e de luta, mas no sentido de cooperação ou complementação. (Nota do Autor)
53
Bem mais adiante, nesta obra, é nossa intenção expor aos que nos leiam, algumas
das mais avançadas concepções da ciência moderna, e nexos patentes com concepções, até
o momento, apenas afloradas. Mas, prossigamos em nossa caminhada ao longo da História,
desde já sinalizando, aos que possam estar com a sensação de que estamos sendo pouco
“objetivos”, ou pouco “práticos”, que cada um de nós é sempre, querendo, ou não, “a
última palavra do passado e a primeira do futuro”. Na ignorância do contexto a que
pertencemos e que não nasceu conosco nem foi criado por nós, como entender o presente,
desprezando o passado de que ele resultou? E como prever e planejar para o futuro, com
um mínimo de propriedade, sem entender com a clareza possível, o significado do
presente? A não ser que não atribuamos importância alguma aos riscos dos enganos e
engodos de que, ao menos em grande parte, resultam os problemas e os sofrimentos dos
quais, entretanto, todos nos queixamos - o que, supomos, não seria coerente ou sensato.
Convém acrescentar, porém, que embora possa parecer a alguns, que se trata de
concepção panteísta, na verdade não se trata de panteísmo. Cada coisa, porém, a seu
tempo. Neste ponto da exposição, o que desejamos realçar é o que foi realçado pelo
próprio autor que estamos citando, ao dizer que a percepção do sentido finalístico das
coisas é apreensível pela inteligência limitada do homem e, portanto, está ao alcance da sua
razão. Mas não perfeita e totalmente, nem igualmente por todos os homens. O que, em
sentido amplo, não possa ser apreendido pela razão humana, poderá sê-lo pela fé e pela
Revelação. Desse ponto, já teríamos chegado a um passo da aceitação de que a percepção
da finalidade pela via racional, era mais acessível, em tese, aos homens instruídos,
enquanto aos iletrados torna-se mais rica a estrada da fé.
De nossa parte, diremos que ele, não apenas não a condenou, como julgou-a
indispensável à democracia - o que não impede, note o leitor, a freqüência com que,
explorando o étimo da palavra, tantos continuem a afirmar, solenes e enfáticos, que “a
democracia nasceu na Grécia” acrescentaremos que o mesmo Sr. Haile, assim textualmente
se exprime, em outro trecho de sua obra: “A concepção medieval dava aos homens uma
base racional para a convicção de que o universo existe para um fim29 e que o homem é o
representante de Deus na Terra. É de suma importância observar, ainda, que ela fornecia da
natureza do homem um conceito que acentuava significação a cada um, um papel a
desempenhar no grande drama cósmico da existência de cada indivíduo; pois a cada qual
era dado progredir da melhor maneira que lhe fosse possível, sabendo que tinha por tríplice
palco a Terra, o Céu e o Inferno.
“Nunca teve o homem melhor alicerce para uma consciência acerca de sua
importância no universo e da sua responsabilidade no cumprimento da finalidade inerente
a todas as coisas30. A despeito de tudo quanto ganhou em termos de conhecimento
científico, e de domínio técnico sobre o ambiente, algo se perdeu quando desapareceu a
concepção medieval do universo, algo que havia dado ao homem um senso interior de
segurança, quase insubstituível”. Nem pense o leitor que o Sr. Haile é um adepto de idéias
medievais que, segundo ele, teriam representado um sonho, substituído por outro sonho,
simbolizado, dizemos nós, pela estátua que se ergue à entrada do porto de Nova Iorque: a
estátua da Liberdade, que não está ordenada a um fim externo ao homem e aos impulsos de
sua natureza contraditória, no dizer de um poeta, algo como uma mistura de lama e de luz.
E para que não se pense que estamos interpretando equivocadamente o pensamento do
autor em questão, citemos novo trecho de sua importante e, sobretudo, reveladora obra:
“Leão XIII continuava fiel à concepção aristotélico-tomista.
“É óbvia sua oposição a qualquer outra atitude. Mas o importante nestas suas
afirmativas é que os princípios que tão firmemente denuncia são exatamente aqueles nos
quais cremos tão apaixonadamente, nos quais se funda nossa nação e em defesa dos quais
seríamos capazes de morrer 31”. Os princípios criticados por Leão XIII e que Haile apoiou
com tanta veemência, após transcrevê-los em seu livro, são os seguintes: “Esse pernicioso
e deplorável amor das novidades que o século XVI viu nascer, depois de haver primeiro
transtornado a religião cristã, em breve, por inclinação natural, passou à Filosofia e da
Filosofia a todas as camadas da sociedade civil. É a tal fonte que cumpre fazer remontar
esses princípios modernos de liberdade desenfreada 32 (...) Eis aqui o primeiro de todos
esses princípios: todos os homens, já que são da mesma raça e da mesma natureza, são
semelhantes e, portanto, iguais entre si, na vida prática. Cada homem é de tal maneira
senhor de si mesmo que, de modo algum, está sujeito à autoridade de outrem; pode, com
toda a liberdade, pensar o que quiser sobre qualquer assunto (...) Numa sociedade baseada
em tais princípios a autoridade é apenas a vontade do povo 33 (...)”(Encíclica Imortale
Dei).
O leitor julgará livremente da prudência dos princípios pelos quais o Sr. Haile é
capaz de dar a própria vida. De nossa parte, estamos expondo, não criticando e, portanto,
julgando. Em qualquer caso, parece adequado citar textualmente, como estamos fazendo
sempre, o autor, ao referir-se a alguns dos resultados já presentes, ao menos como
tendência, no período que seguiu-se ao medievo e que os historiadores costumam designar
como Renascimento: “Desapareceram a docilidade medieval na aceitação da autoridade 34
e a delícia medieval das complicadas e elaboradas explicações. Na literatura três novas
tendências são de se notar: interesse por este mundo mais do que pelo céu e pelo inferno;
uma apaixonada insistência em abordar todos os assuntos ; e um acentuado ceticismo em
relação à autoridade estabelecida. A todos era comum aquele carimbo da Renascença - a
determinação do homem de pensar por si mesmo 35.”
Com tais características e outras, que lhe são conseqüentes, como o valor da
relação, em qualquer círculo assim conceituado, entre ele e o seu diâmetro, ser sempre o
mesmo e representar é pi (n) constante cuja expressão numérica aproximada é 3,1416, com
tais características, jamais será possível produzir um objeto material, perceptível pelos
sentidos, por maiores que sejam os cuidados empregados em sua fabricação. Tal objeto
poderá aproximar-se muito do conceito geométrico que expusemos de maneira resumida,
nunca igualá-lo. Mas, com base no universal que corresponde a ele, foram possíveis
grandes avanços em geometria, inclusive com as aplicações práticas que resultaram deles.
Então, longe de meros “sons vazios”, os universais têm papel insubstituível no
desenvolvimento do conhecimento humano. A querela, entretanto, dados os excessos,
sobretudo dos escolásticos radicais, despertou a atenção de muitos coevos, para a
importância, igualmente inquestionável, de aplicar-se o homem ao conhecimento do
59
mundo exterior, dos seus fenômenos, e das relações imediatas de causa e efeito, que, em
tais termos, os produzem.
Ora, o nominalismo e a “querela dos universais” que ele suscitou, datam do século
XIV. A partir daí, o pensamento contemplativo, a introspecção e o método dedutivo de que
principalmente lançava mão, começaram a perder terreno para a extroversão das atenções
em direção ao mundo que nos cerca, passando a ser o melhor instrumento para conhecê-lo,
a observação direta dos seus fenômenos, cujas relações de causa e efeito, há pouco
mencionadas, deveriam ser estabelecidas, por intermédio da observação, servida do
método indutivo. Com isso, a preocupação dominante dos homens, de conhecerem o
próprio íntimo, partindo da concepção inquestionada da existência de uma vida que
transcendia a vida material, e que era de duração eterna, tudo decorrente da vontade de um
Criador, que a cada ser dera uma finalidade, e perante o qual seríamos todos responsáveis
quanto ao tipo de existência transcendente, de duração eterna - que poderia ser de
inenarrável bem-aventurança, ou de indizível sofrimento, aos privados da contemplação de
Deus - tudo isso empalidecia pela dúvida acerca do que até então fora aceito praticamente
sem relutância. Dúvida aliás, cada vez mais fortalecida pelos rápidos sucessos
conquistados pela humanidade, no campo do conhecimento do chamado universo material.
O que parece fora de dúvida e importa à linha de raciocínio que estamos oferecendo
à consideração do leitor é que se as disposições das autoridades seculares, e as virtudes de
eficácia evangelizadora dos sacerdotes dos primeiros tempos, se tivessem mantido em
nível constante, os costumes sobre as quais se havia estabelecido o que de melhor houve na
ordem social do medievo, teriam se mostrado mais resistentes à influência, sempre
crescente, dos que pretendiam localizar como motivação central de suas vidas, a atividade
econômica visando essencialmente o lucro. Influência cada vez maior na sociedade,
inclusive, a ponto de suplantar a expressão fundiária da riqueza, base em que assentava o
poder dos senhores feudais. Crescia, assim, o poder financeiro, representado pela
acumulação dos lucros obtidos nas transações que os tinham como objetivo principal;
acumulação, por sua vez geradora de uma nova capacidade de pressão social, exercitada
pelos que, senhores daquele poder, estavam em situação de socorrer, tanto senhores feudais
necessitados eventualmente daquele tipo de apoio, quanto, mais tarde, até reis.
representativos, àquele tempo, do que, em linguagem dos nossos dias, seria considerado
reacionário e conservador.
Sobre como levar uma vida na observância, o mais satisfatória possível, das
exigências dessa realidade, é o que se constitui em dificuldade, tão bem retratada nos
trechos que utilizamos anteriormente, em que o grande “apóstolo das gentes” estabelece as
características do que ele designa como obras da carne e as das que denomina obras do
espírito, depois de afirmar que os apetites de uma e de outro, opõem-se entre si. Trata-se de
conflito que o apóstolo citado confessa existir em seu próprio íntimo, ao lamentar que nem
sempre conseguia fazer o que desejaria, face ao clamor das exigências dos seus membros.
Ora, em tal terreno, a Ciência não tem o que dizer ou, ao menos, não tinha, até
pouquíssimo tempo. Cuidando de examinar os fenômenos do mundo material que nos
cerca, e de estabelecer as suas relações aparentes de causa e efeito, não pertence ao seu
domínio, ensinar, ou esclarecer como devem ser utilizadas, no plano moral, as leis
descobertas e o domínio sobre os fenômenos, que elas ensejam.
puderam lutar, e muito freqüentemente, em nome da liberdade, a qual, alegada como ideal,
era apenas uma arma em mãos dos que pretendiam a adesão popular à conquista dos
objetivos egoísticos que alimentavam e aos quais servia de camuflagem a mencionada
liberdade.
pela sua razão!” Ora, embora lamentando a falta de detalhes e o saltar inevitável de etapas
que não seriam indispensáveis à compreensão do fio do que estamos desejando propor à
consideração pelas inteligências e o íntimo das consciências dos que venham a ler estas
linhas, a superestimação da capacidade da razão humana, embora não eqüivalendo nem
significando uma negativa formal acerca da existência de qualquer coisa transcendente à
matéria, e à existência de um Criador que atribui um propósito, uma finalidade, a cada
uma de suas criaturas 38, nitidamente visava dispensar a aceitação de quanto resulte da
Revelação.
De outra parte, todos sabemos que o Iluminismo, sobretudo o francês, teve a marca
desse racionalismo. Que a Enciclopédia, por intermédio de várias de suas mais importantes
personalidades, sofreu a influência do indutivismo de Francis Bacon, introduzido no
continente europeu, sobretudo por vultos como Diderot, d'Alembert, d'Holbach, entre
outros; que a Revolução Francesa de 1789, tomou-se possível face a injustiças consagradas
na lei, que atribuía aos membros da aristocracia e do clero católico, privilégios que eram
negados a todos os demais: aos plebeus, não clérigos, que constituíam o chamado Terceiro
Estado. Ocorre, porém, que os plebeus não eram apenas os marginalizados, os pobres, os
miseráveis. Também eram plebeus os ricos burgueses que, no decorrer dos séculos, e pelas
razões centrais já expostas, haviam combatido o feudalismo. Ao tempo a que acabamos de
referir-nos, os burgueses, após conquistarem definição social e influírem na formação das
cidades e dos privilégios que deviam corresponder às suas características econômicas,
deram início, por intermédio delas, ao embrião dos futuros Estados, a serem dirigidos por
reis a que deviam submeter-se os senhores feudais, tão incômodos.
Ocorre, porém, que os referidos reis, tal é a nítida e dramaticamente retratada “pelo
apóstolo das gentes”, natureza humana, fechados nos círculos de sangue de suas dinastias,
recorriam ao dinheiro dos burgueses que o tinham, mas não lhes deferiam a consideração,
o respeito e, mais ameaçador que tudo, o acesso direto ao poder político. O projeto de
debilitamento da capacidade da ordem feudal entravar-lhes ou criar-lhes dificuldades ao
desembaraçado exercício das suas atividades centralizadas no objetivo da obtenção de
lucros, em certo sentido tivera sucesso. A crescente influência da ordem financeira, porém,
ao mesmo tempo em que minava o estatuto social da feudalidade, consolidava e fortalecia
a posição dos monarcas, cujos favores, que não eram sancionados pela ética social
remanescente, dependiam dos empréstimos de que necessitavam os representantes de
importantes dinastias para a sustentação do seu fausto e dos conflitos que freqüentemente
travavam entre si. Tratava-se, pois, de sucesso instável, cuja consolidação passava a
depender de uma sanção moral inviável dentro da estrutura e dos conceitos predominantes
na sociedade medieval.
Acrescente-se, ainda, que a extroversão dos esforços dos sábios, a partir, sobretudo
do Nominalismo, a par dos extraordinários benefícios que trouxe 40, em virtude do domínio
crescente dos fenômenos e das forças naturais, postos a serviço da produção de bens com
os quais os homens jamais haviam sequer sonhado; dos avanços da medicina, tanto
preventiva quanto curativa, que ensejam hoje uma maior e melhor expectativa de vida e
dão, no sentido material, uma feição absolutamente sem precedente nos milênios
transcorridos desde as mais remotas profundidades dos tempos históricos, até o início do
século XVIII; a par de tantos e tão brilhantes resultados, entretanto, o Orgulho41 trouxe à
civilização hodierna, paralelamente, a falsa sensação de independência e autonomia, tão
enfaticamente traduzida nas expressões citadas e constantes da “Crítica da Razão Pura”.
Daí, dessa perigosa euforia, o fenômeno antes apenas mencionado, quando falamos
da “interferência cultural” a que vem sendo submetido o Ocidente em geral, e as demais
áreas do globo, sujeitas à sua influência. É que, embora não o confesse expressamente, a
civilização ocidental moderna, desde há muito sofreu a superposição, aos valores
fundamentais que lhe deram origem, da secularização, da atitude de latitudinarismo que, na
prática, mostra-se indiferente, e cada vez mais contraditória, em relação a critérios que, de
fato, despreza ou pelo menos, não acha que deva obedecer. Usamos tal expressão,
“interferência cultural”, pelos efeitos assemelháveis ao que acontece a um receptor de
rádio cujo seletor de freqüências esteja defeituoso. A partir de então, o referido receptor já
não amplificará mais sons inteligíveis e harmoniosos, mas apenas silvos, guinchos e
estrondos ininteligíveis e incômodos. Em termos de cultura, a contradição entre o que se
confessa e o que se pratica, instalou a “interferência”, da qual resulta tamanha confusão,
que poucos se dão conta, p. ex., do absurdo representado pela pacífica aceitação do termo
“Renascimento” para designar o período que se seguiu, no Ocidente, à Idade Média. Sem
precisar voltar a argumentos anteriormente citados a propósito do medievo, basta
considerar que, com suas virtudes e seus defeitos, foi ele sem dúvida o período em que
princípios cardiais da mensagem cristã, mais influíram na ordem social.
Isto posto, cabe indagar: o que é que renasce, senão o que esteve morto ou
mergulhado em profunda letargia? Então, como a civilização que continua a dizer-se cristã,
pode aceitar sem discussão e repetir ao infinito, que depois das “Trevas Medievais”, o que
as sucedeu representou um renascimento? Sobretudo quando já mencionamos, e o leitor
julgará se com propriedade, ou não, os interesses que se opunham às exigências da ética
cristã - ressalvadas, é claro, as circunstâncias da época - ressalva que fazemos para que não
se possa supor que estamos desejando insinuar uma volta, hoje, em condições
profundamente diferentes, do modelo medieval. Mencionadas foram, também, . sobretudo
nas expressões insuspeitas de um liberal convicto, como Pennington Haile, o sentido
hedonista que, realmente, marcou o que se usa denominar Renascimento. Para reprisar
alguns exemplos, os Cavaleiros medievais, tão cruelmente caricaturados em d. Quixote,
ainda que sem a exagerada exaltação de suas virtudes e façanhas, feita nos romances que
levaram à loucura o “Cavaleiro da Triste Figura”, esforçavam-se por pautar a sua conduta
pelo exigente e generoso Código da Cavalaria, que os induzia a colocar as suas armas,
sempre a favor da justiça, na defesa do fraco contra o forte.
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Uma obra literária daquele período que constituiu-se no que, guardadas as devidas
diferenças, seria classificado hoje como “best-seller”, foi de autoria de um certo Sr. De
Valla, e o título de tal obra, muito expressivo, era “De Voluptate”. Realmente, foi um
período de liberação de impulsos que, de fato, integram a natureza do homem42. Por isso,
foi sempre mais fácil aos interessados em reduzir a influência religiosa - e, depois da
Reforma, já não mais apenas da Igreja Católica, fazê-lo apresentando-se como defensores
da liberdade. Liberdade que, não estando dirigida a um fim externo e superior aos impulsos
contraditórios da natureza humana, como os ligados às várias expressões da
concupiscência, constitui-se em uma espécie de absurda e perigosa carta sem endereço e,
mais absurdo ainda, sem texto. Era o clima adequado aos interesses de quantos vissem uma
ameaça na forma pela qual se exercia a autoridade, sempre que estivesse ela fora do seu
controle e pudesse prejudicá-los. Em termos de obra política do Renascimento italiano,
todos conhecem o primor de cinismo, em nossos dias transformado no eufemismo
“realismo político”, mesmo quando se trata, não apenas de realismo, mas da utilização do
termo, como eufemismo para justificar a amoralidade, que se contém no “O Príncipe”, de
Nicoló Macchiavelo.
Em tal cinismo, não é difícil identificar a influência de Ulpiano, jurista pagão, para
quem “a vontade do príncipe é justa por ser a vontade do príncipe”. Já o “trevoso”
aquinatense, ao revés, séculos antes, do “renascido” Macchiavelo, havia afirmado: “Não é
o reino que pertence ao rei; é o rei que pertence ao reino”. E já vimos, em passagem
anterior desta obra, que um monarca posterior a Macchiavelo, Luiz XIV foi o autor da
célebre frase - “O Estado sou eu!”. O Renascimento, portanto, representou, não apenas,
mas certamente, em certa medida, a reintrodução do paganismo no ambiente cultural do
ocidente cristianizado. As próprias artes, não tanto a pintura, pois na antigüidade clássica
não se havia desenvolvido ainda a produção das tintas indispensáveis, mas a escultura e a
42. Por motivos que serão expostos em parte ulterior desta obra. (Nota do Autor).
67
Assim, quem já não ouviu dizer, ou leu, que “a democracia nasceu na Grécia?”
Mas, ao que saibamos, os filósofos do esplendor da civilização helênica e, de maneira mais
ampla, os grandes pensadores daquela civilização, à exceção, talvez, de Aristóteles e
Platão, não se ocuparam, detidamente, com as questões relacionadas à organização política
da sociedade. Ao menos não parece terem se ocupado com elas os grandes vultos da
“Escola Itálica”, como Pitágoras, como Lisis, como Arquita de Tarento; ou os chamados
jônicos antigos, como Empédocles, ou Heráclito, ou Anaxágoras; ou os jônicos modernos,
como Anaximandro e Anaxímenes; ou os sofistas, como Protágoras ou Górgias. De fato, os
grandes nomes do pensamento político da civilização helênica foram Aristóteles e Platão,
com as suas famosas “Política” e “República”, respectivamente. E antes de que algum
leitor, que não tenha tido interesse, ou oportunidade, para informar-se melhor acerca de
certos aspectos da evolução político-social da Grécia e, por isso, possa imaginar que a
democracia - tal como ela é promovida hoje - nasceu ali, seja-nos perdoado fornecer alguns
dados, ainda que resumidamente, do que, efetiva e objetivamente, a História pode
informar-nos a respeito.
Nas primeiras cidades gregas, o governo foi monárquico, fato que perdurou em
Esparta que, no particular, e em certos termos manteve-se fiel por muitos séculos, às suas
origens. Àquele tempo, os reis exerciam a sua autoridade sobre clãs e pequenas
comunidades. A ilha de Ítaca, segundo observa Latapié, em sua “Consideraciones sobre la
Democracia”, era dividida em doze Reinos, sendo que Mecenas, Argos e Salamina
formavam reinos independentes. Com o passar do tempo, os reis de influência sobre
súditos mais numerosos, e que dispunham de maior poder, acabaram por impor a sua
autoridade sobre os mais fracos, que passaram a ser meros feudatários deles. De fato, e
Latapié o assinala na obra há pouco citada, Homero afirma que Ulisses era “rei dos reis de
Ítaca”, enquanto o legendário Teseu o era dos de Ática.
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torno dos burgos - a “burguesia”, a que neste instante, nos estamos referindo sentia-se
prejudicada pela prepotência das autoridades da forma de república aristocrática que, em
traços gerais, descrevemos há pouco e, buscando aliar-se, muitas vezes, aos assalariados -
tal como haviam feito os reis ao se verem ameaçados pelos eupátridas, agora senhores do
poder nas repúblicas aristocráticas que sucederam as monarquias - geraram tantos conflitos
que a situação tornou-se insustentável. Para pôr termo à extrema violência reinante, as
autoridades constituídas e as lideranças “burguesas” chegaram a um acordo, segundo o
qual Sólon, um eupátrida, foi nomeado “Arconte”, a suprema autoridade civil, como já
vimos, comprometido com a elaboração de leis capazes de restabelecer a paz, tão abalada e
perturbada. A subida de Sólon ao poder, ocorreu, segundo registra a História, no ano 592
a.C. As famosas leis de Sólon puseram termo aos privilégios da aristocracia de sangue que
resultara da revolta dos eupátridas, ainda que a forma de governo por eles adotada, não
fosse monárquica, mas republicana.
A esta altura, para que o leitor julgue da procedência, ou não, do que vamos
registrar, ousamos dizer que, em ambas as transformações institucionais, a motivação real,
embora não confessada, foram interesses contrariados. No caso da segunda mudança, que
resultou, cm um primeiro momento, na legislação de Sólon, núcleo da famosa e tão
decantada democracia ateniense, ousaríamos sugerir a similitude, em certos aspectos, com
a revolução de 1789, na França, que tantos, até hoje imaginam teria sido impulsionada e
tornada vitoriosa pelos esmagados e oprimidos... É a liberdade-pretexto ou ferramenta, a
serviço, no plano do homem decaído, não tanto da Justiça, quanto do egoísmo.
Por enquanto, e para que se entenda melhor, voltemos ao que, com tanta
generosidade, costuma ser designado como “Constituição de Sólon”. De fato, resultante de
um acordo entre partes desavindas, menos interessadas, segundo supomos, na realização da
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justiça, do que na defesa do que parecia precioso aos impulsos egoísticos de seus
integrantes, resultou das leis de Sólon, a divisão dos cidadãos em quatro classes, conforme
o montante dos bens materiais de que eram possuidores 43. Às três primeiras, foram
reservados os postos mais altos da sociedade; mas é verdade, que à última, composta pelos
mais pobres, foi garantido o direito, pela primeira vez na Grécia, de tomar parte na
Assembléia e nos Tribunais.
Na verdade, dos órgãos plurais que levam tantos, até hoje, a imaginar quase como
um absurdo, dizer-se que a democracia não nasceu na Grécia, ao menos segundo Plutarco,
tinha representação permanente do povo, apenas o Senado, composto inicialmente por
quatrocentos membros, cem por cada uma das quatro tribos. Mais adiante, de acordo com a
reforma introduzida por Clístenes, considerado, juntamente com Efialtes, líder de maior
“abertura”, como talvez se dissesse atualmente, o Senado passou a ser integrado por
quinhentos membros, porque Clístenes, admitindo a existência de não apenas quatro, mas
de dez tribos, reduziu a representação de cada uma, de cem para cinqüenta, resultando um
aumento do número total de integrantes do único órgão permanente, dentre os três
existentes, conforme visto. Para Plutarco, entretanto, o que Sólon pretendeu foi evitar que a
tumultuada Assembléia pudesse conhecer algum assunto, antes deste ser sido objeto da
apreciação do Senado...
Claro que tais vantagens, em última instância, com o correr do tempo, haveriam de
ameaçar as finanças públicas e foi assim que se criou a “eisfora”, uma espécie de imposto
sobre a renda, antes só existente, em caráter excepcional, em tempos de guerra, e que agora
passava a adquirir caráter permanente, estendida como fora, para os tempos de paz. Mesmo
o caráter permanente da “eisfora” não representou aumento de receita suficiente para
equilibrar as finanças; e como os gastos destinados às festas e diversões não puderam
jamais ser reduzidos, as despesas relativas à segurança foram sendo progressivamente
diminuídas o que, seguramente, além do talento guerreiro de Filipe e de Alexandre da
Macedônia, contribuiu para explicar a sua vitória em Queronea, confirmada mais adiante
pela alcançada por Alexandre, em Cranon. Quem sabe, explicava, também, as expressões
de desprezo que teriam sido proferidas por Ciro, o Grande, diante dm embaixadores de
Esparta.
Este, entretanto, na verdade foi uma espécie de ditador populista que, hábil
diplomata, conseguiu organizar e liderar a chamada Confederação de Delos, cujos
componentes, com o correr do tempo, passaram a sustentar com seus tributos, o populismo
do ditador, e o brilho sem precedente que deu a Atenas. Prestigiou ele as artes e
manifestações culturais em geral, sem que os atenienses sentissem o peso dos encargos,
que eram grandemente financiados pelos “aliados”, transformados em tributários os quais,
se relutavam em pagar os tributos que lhes eram cobrados pelo autor da Confederação de
Delos, sofriam expedições militares punitivas que lhes tiravam, à força, o que, por bem, se
haviam recusado a pagar. De outra parte, o governo ateniense que se exercitou sob a
orientação de Péricles, pelo esplendor material de Atenas, e pelo prestígio dado à cultura,
de resto já mencionado, contou ainda, como seus contemporâneos, com vultos como, entre
outros, os de Sócrates, Platão, Heródoto, Xenofonte, Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, Fídias.
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Tudo isso levou os historiadores a designar o século em que viveu o governante ateniense
de que estamos tratando, repetimos, como “século de ouro”, de Atenas.
Fatos dessa natureza é que, talvez, tenham levado Blanc de Saint Bonnet a assinalar
que “não devemos lançar palavras às multidões, sem explicar-lhes o sentido”.
De outra parte, e voltando ao rumo central da marcha que nos propusemos realizar,
desde as linhas do “Esclarecimento Indispensável” com que a iniciamos, embora não tão
louvada quanto a civilização helênica, mas citada com admiração, sobretudo quando as
referências dizem respeito ao pragmatismo da política externa dos seus governantes, e às
suas leis, Roma não costuma ser objeto de tão sistemático vilipêndio quanto a malsinada
“Idade das Trevas”. E isso, em nossos dias, quando são reclamados com tanta insistência
os direitos humanos. Pois bem; no esplendor de Roma, os direitos dos seus cidadãos não
vinham do fato de serem eles “seres humanos”; mas do fato de serem “cidadãos de Roma”.
Cassada que lhes fosse a cidadania, eles passavam a poder ser vendidos como escravos e os
seus donos a terem sobre eles direito de vida e de morte. De outra parte, respeitava-se a
norma designada como “sexagenarius de pontu”, segundo a qual, os filhos podiam lançar
os próprios pais às águas do Tibre, para que nelas se afogassem, tão logo atingissem os 60
anos de idade. Uma outra norma, aceita com naturalidade, era designada como “arae
perusinae”, em acordo com a qual tomou-se possível cevar doze patrícios romanos para
serem sacrificados em praça pública, em honra ao “divino” Júlio César.
Por que, então, só o medievo teria sido de trevas? Não haverá algum motivo para
que o leitor medite no que estamos tentando, exatamente, propor à consideração pela sua
inteligência e pela sua consciência? Não haverá alguma procedência na hipótese de que
opor resistência, não a tal ou qual denominação religiosa, mas à ética do Cristianismo, em
seus aspectos contrários ao exercício de atividades econômicas, que se desejava pudessem
desembaraçar-se dos entraves opostos por ela, não era difícil fazer-se em nome da
liberdade? Afinal, a avidez pelo lucro, pela riqueza material, não exprime os reclamos que,
em linguagem religiosa, são descritos conto os reclamos da carne? Não que estejamos
tentando impor uma visão religiosa a quem, por acaso, não seja religioso. Mas, olhando ao
nosso derredor, o que é que, quase sempre em nome da liberdade, está produzindo,
concretamente, objetivamente, ostensiva e vergonhosamente, os frutos que cada um de nós
pode ver, no sofrimento, na dor, na fome, nos vícios, na degradação que se vão espalhando
pelo mundo “prático”, “objetivo” e “livre” em que vivemos? Será, de fato, prático, fechar
os olhos à palpável e contundente realidade, preferindo embalar-nos com o enunciado de
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pareceu viável tentar oferecer uma contribuição de alguma valia, mesmo que muito
modesta, a um aguçamento da visão crítica daquele homem apressado e aflito, aturdido e
enganado, não porque lhe falta inteligência, mas porque lhe falta tempo, sem ser por
intermédio de retrospecto histórico extenso e inevitavelmente lacunoso. Claro que o
retrospecto em causa, a despeito dos esforços por reduzi-lo, em termos de extensão, ao
mínimo possível, ainda assim, resulta em leitura exigente de tempo e de atenção.
Entretanto, como oferecer ao leitor uma visão das forças que, realmente, movem os
acontecimentos, sem procurar as suas origens? Como oferecer exemplos de falsificação do
relato histórico oferecido com grande ênfase ao público recipiendário das versões
adulteradas com que nos tentam enganar, sem recuar a épocas anteriores aos primórdios da
era cristã? Quanto a esta, como deixar de assinalar a oposição de interesses entre os que
desejavam preservar a visão da ética cristã dos primeiros tempos, em matéria de atividade
econômica, dos interesses dos que desejavam dedicar-se àquela atividade motivados
essencialmente pelo lucro a ser obtido na mesma? Como deixar de registrar que, segundo
as bases da tradição judaico-cristã das quais brotou a civilização a que pertencemos, o ser
humano, em virtude do pecado original, passou a abrigar tendências contraditórias, umas
ligadas aos apetites carnais e outras às suas inclinações espirituais? Sem o realce dado a
essa realidade, como compreender que quanto se tente em favor dos apetites carnais, que
falam tão alto e são tão exigentes, pode ser feito sob a alegação de que se trata de uma luta
“pela liberdade”? Como entender a grosseira falsificação acerca da Idade Média sem,
recuando até ela, mostrar que os comerciantes que se aglomeraram em torno dos burgos,
buscando a segurança que lhes era oferecida pelos cavaleiros cristãos que neles viviam e
que, movidos pelos ideais da fé que haviam abraçado, combatiam as tropelias dos
salteadores, aprovavam a segurança, mas rebelavam-se contra normas que lhes
contrariavam os interesses?
Como, sem descer a alguns detalhes sobre aquele período, desmistificar a fantasia
que tantos acreditam verdadeira, sobre a existência de uma posição de tranqüila pujança da
Igreja católica quando, na verdade, pululavam ameaças contra a mensagem do
Cristianismo de que ela foi única depositária, até o século XVI, quando surgiu a Reforma?
Na verdade, desde os primeiros passos da introdução do Cristianismo na Europa, surgiram
tendências a desvios no campo cultural, em conseqüência de diferentes interpretações da
mensagem evangélica, bem como ameaças militares devidas à força do império otomano,
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fertilizado pelas inquestionáveis conquistas científicas, que, tendo encontrado ali o ponto
de partida da sua aceleração, cada vez mais avançavam e diversificavam os seus campos de
atuação.
Mas nem a Ciência, nem a Tecnologia, têm como orientar os homens acerca da
liceidade do emprego desses engenhos terríveis, em conflitos entre povos desavindos.
Sobre problemas dessa natureza, a Ciência não tem nada a dizer. Por isso, os estudiosos
que apontam o declínio da civilização moderna, assinalam o descompasso entre os
magníficos avanços conquistados pela investigação dos fenômenos da natureza, e a
balbúrdia, o caos, os sofrimentos, a degradação de costumes, havendo os que se referem,
explicitamente, a um processo como que de desumanização crescente, tão parecido com os
“frutos da carne”, descritos em mais de uma passagem das Escrituras, sobretudo no Cap. 5,
da epístola de S. Paulo, ao Gálatas. Ressalvados os exageros e excessos do radicalismo e
do fanatismo prepotentes, não nos resta dúvida - mas ao leitor cabe julgar da procedência
da observação que se vai seguir - de que, sempre pretextando lutar pela liberdade, na
verdade o que se estava fazendo e continua a ser feito, é a liberação de apetites, cada vez
mais instintivos e carnais, e cada vez menos espiritualizados, altruístas e justos - na
perspectiva valorativa da visão cristã, qualquer que seja a denominação em que esse
vocábulo seja empregado com isenção e competência 44. As “revoluções”, descritas em
seus aspectos de formas institucionais, são aspectos epidérmicos da grande revolução,
repitamos, para nós consistente no que foi deflagrado pelos que se rebelavam contra os
empecilhos opostos aos seus interesses.
E foi assim que, da mesma maneira como, durante tantos séculos, prestigiaram o
mito da “Idade das Trevas”, passaram a manter o da derrubada da Bastilha, prisão em que,
imaginam as vítimas desse engodo, estariam encerrados, quem sabe, centenas de presos
políticos, oprimidos pelo rei e pelos seus imaginados sequazes. A verdade histórica, porém,
é bem outra: a 14 de Julho de 1789, quando os “sans culottes”, como eram com ironia,
denominados pelos nobres, os de fato pobres, estes, instigados adequadamente, tomaram a
Bastilha, havia em seu recinto 7 (sete) prisioneiros, dois dos quais estavam ali, não por
desgostarem o poder constituído, mas por serem doentes mentais, abrigados para que não
morressem de fome ou de frio, sobretudo quando chegasse a estação invernosa. Antes de
que alguém possa supor que estamos tentando ocultar os aspectos positivos que aquela
revolução trouxe para a humanidade, no que respeitava, não ao uso, mas ao abuso ou
abusos de elites decadentes; ou que estamos fazendo a apologia dessa ou daquela forma
institucional, para nós, aspectos epidérmicos de uma revolução mais profunda 46,
reiteramos que, na verdade, dava um passo mais à frente, não a rebeldia contra injustiças
que não desejamos negar existissem, mas a rebelião contra qualquer ordem comprometida
com valores que transcendessem os desejos do homem que, entretanto, segundo pensamos,
tanto podem ser bons quanto maus.
livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem ser fundadas senão sobre a
utilidade comum”.
Talvez por acreditar na validade do famoso princípio, foi que Graco Babeuf
divulgou o “Manifesto dos Iguais” - e, pasme o leitor que por acaso não o saiba, a
conseqüência foi que a cabeça de Babeuf rolou sob a lâmina da “piedosa” máquina do Dr.
Guillotin. É que, ousamos supor, aos autores reais da revolução, a igualdade deveria ser
apenas de direitos, algo que não era tão concretamente contrário aos seus desejos, muito ao
revés, quanto fora a acepção que lhe dera Babeuf, quem sabe inspirado no “filósofo” que,
em seu “Discurso sobre a origem da desigualdade” consignou: “o primeiro que, cercando
um terreno, afirmou: este terreno é meu ! E encontrou gente bastante ingênua para
acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e
mortes, de quantas misérias e horrores não teria poupado o gênero humano, aquele que
tivesse gritado, alto e bom som: não dêem crédito a esse impostor! Estaremos todos
perdidos se nos esquecermos de que os frutos pertencem a todos e que a terra não é
propriedade de ninguém!“ Se tivesse conhecido e levado em conta o que a “Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão” - denunciando quem, de fato, levara a cabo a revolução
de 89, - estabelece quanto à propriedade privada, quem sabe teria sido Babeuf mais
cauteloso.
Essa a razão pela qual o pensador cristão Jean Madiran considerou a “Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão”, aprovada em 1789 e promulgada pela Assembléia
Nacional Francesa em 1791, como algo da mais grave significação, sobretudo pelo seu
artigo 6o, que reza: “A lei é a expressão da vontade geral”. Desprezando aspectos como,
por exemplo, como aferir, autenticamente, a “vontade geral”, na verdade o que significa
essencialmente esse artigo 6o, é que os homens a partir de então, decidiram constituir-se na
fonte exclusiva da lei 49, em sentido amplo, pela qual deveriam reger-se. O latitudinarismo,
o ceticismo, impulsionados pela sensação de compreensível euforia oriunda dos
estupendos progressos da Ciência, adubados pelos erros e injustiças perpetrados por falsas
elites ou por elites decadentes e degradadas, já a partir daquele momento, tomavam as
rédeas da condução do processo sócio-cultural do Ocidente. Estamos, nos referindo, neste
momento, ao final do século XVIII, o tão exaltado “século das luzes”, pelos mesmos
interesses e tendências que, até agora, continuam a falar do medievo, como “Idade das
Trevas”...
Ainda que, como tantas vezes temos repetido, não nos consideremos proprietários
da verdade, alimentamos a esperança de que o leitor que tenha percorrido, até aqui, estas
linhas, comece a perceber que as teses que elas pretendem propor à sua consideração, de
fato não são absurdas como lhes teriam parecido, talvez, de início. A ética que se desejava
tornar inoperante, e cuja fonte era, adequadamente interpretada, ou não, a Revelação,
estava praticamente superada como obstáculo válido a certos ímpetos nascidos de
desmedida ambição. E os autores e beneficiários de tal conquista não foram, certamente, os
“sans cullotes”...
que estamos vivendo, com os seus problemas, as suas angústias e as suas brutais injustiças.
É que aquilo que os alemães designam como “zeitgeist”, espírito do tempo, impõe à
maioria de nós, a impressão de que só é útil, ou prático, o que tiver, em visão imediatista,
de natureza utilitária, clara significação. Entretanto, supomos não ser demasiado otimista a
esperança de que, já a esta altura, o leitor que tenha lido quanto ficou registrado até agora,
estará apercebido de que, quanto à maneira de expor, quanto ao estilo da exposição, algo
teria sido feito bem mais satisfatoriamente, por outro autor, com mais talento do que o
desta obra. Nada obstante, parece-nos perfeitamente razoável alimentar a convicção de que
já se tornou patente que, sem um esforço da amplitude deste que estamos fazendo, nós ao
redigirmos, e os leitores ao lerem o que tem estado ao nosso alcance oferecer-lhes, não será
possível entender a natureza real e mais profunda do que está causando à humanidade,
tanta dor e tantos problemas.
Por isso, e para que se torne ainda mais patente que, de fato, não é inútil tanto
trabalho e tanta boa vontade, sobretudo dos destinatários desta obra, parece-nos chegado o
momento de usar o que, em fotografia, é chamado de “lente zoom”, de modo a aproximar
certos aspectos do mergulho ao passado, por vezes tão remotos, para acontecimentos mais
próximos de nós. Assim, a Revolução Francesa de 1789, fruto do “século das luzes”, e que
tantos consideram absurdo afirmar que teve virtudes, mas teve também os inevitáveis
defeitos, frutos dos equívocos do Racionalismo, representou, na longa luta contra a
existência de um propósito, de uma finalidade, em todos os seres, expressão política que,
de certa maneira, substituísse a sanção moral de que necessitava a burguesia, para livrar-se
das peias da ética cristã. Naturalmente, quando usamos o vocábulo Racionalismo, não o
fazemos no sentido de desmerecer o uso da razão, por parte de seres racionais, como
somos todos; mas no sentido em que a expressão foi consagrada, e que marcou o famoso
Iluminismo, sobretudo francês, correspondente à superestimação da razão como atributo
capaz de dispensar o que quer que fosse, desde que não elaborado por ela ou sancionado
pelos seus critérios e mecanismos.
A rebeldia que manifestavam era dirigida à autoridade religiosa, de vez que, para
tais intelectuais ativistas, nada devia sobrepor-se à Razão, superestimada como já vimos.
Nem foi por motivos diferentes que o “clima” reinante no que veio a ser denominado como
Iluminismo, é também conhecido como de Racionalismo.
Vejamos, porém, como voz mais autorizada do que a nossa, analisa o que há pouco
admitimos o que parecerá, no mínimo, surpreendente a muitos leitores. Trata-se de Jean-
Jacques Chevalier, em sua “História do Pensamento Político”, já citada anteriormente:
“Mas eis que surge, em reação à Idade Média, o Renascimento. O indivíduo, por pouco
que seja dotado da “virtude”51, cara a Maquiavel, liberta-se fulgurantemente da longa
disciplina católica, embrenha-se voluptuosamente na selva social e aspira a emancipação
em todos os domínios. No seio de uma exígua elite de excepcionais exemplares humanos,
muitas vezes guerreiros, artistas e sábios, ao mesmo tempo, não raro, amorais e ferozes,
vemos a paixão da descoberta, a exigência crítica, o espírito de livre exame, a exaltação do
orgulho humano, aliarem-se à vontade de poder, à glorificação da carne, como da arte sob
suas formas mais pagãs, o que será suficiente para impressionar mais tarde - inclusive no
século XX - de forma singular, as imaginações, não sem adornar e embelezar, graças às
influências românticas, os aspectos inumanos dessa super-humanidade.
51. A “virtude”, para o autor de “O Príncipe”, não corresponde à virtude, no plano moral. Talvez corresponda mais a uma noção de
qualificação adequada.. Grifos do Autor.
88
indivíduo. Essa organização está dirigida para a obtenção de uma produção sem limites, o
que se harmoniza perfeitamente com o caráter insaciável do novo apetite de riqueza. Sem
esquecer que esse indivíduo, em via de emancipação econômica, dominado pelo instinto
aquisitivo e pelo espírito de iniciativa, esse “mercador” (palavra que engloba tanto os
fabricantes e financistas quanto os comerciantes ou negociantes propriamente ditos),
encontrará, durante um longo período, um valioso aliado no Estado moderno - emancipado
paralelamente como unidade política moderna” 52. De nossa parte, ousaríamos acrescentar:
cujas sociedades, sujeitas coercitivamente às leis nelas vigentes, teriam-nas elaboradas
somente pelos legisladores, sem obediência a qualquer referencial fixo de valores, capaz
de, o mais e o melhor possível, aproximar a Lei da Justiça. Como vimos em outra parte
desta obra, em “De Legibus”, o próprio Cícero, pagão, assinalou os riscos que tamanha
amplitude de influência concedida aos legisladores encerrava.
Não se tornassem iguais a Deus, ao Pai que os criara. Mais claro exemplo da
manipulação do orgulho para induzir o ser humano ao erro, será difícil encontrar.
Entretanto, não é indispensável aceitar como verdadeiro o significado essencial do relato
que as Escrituras nos oferecem. Aos céticos, aos de “espírito prático”, nos permitimos
sugerir duas linhas que, supomos, lhes parecerão mais concretas: com realismo e
honestidade, um exame introspectivo da nossa realidade interior só nos mostra boas e
generosas tendências, socialmente capazes de implementar uma ordem justa e pacífica?
Ou, na referida introspecção, nos defrontaremos com disposições de natureza antagônica e
contraditória muitas das quais não temos coragem de encarar, nem no recôndito silêncio
das nossas consciências? Em tal experiência, não é necessário senão verificar o que acaba
de ser dito.
Por outro lado, a desvinculação da Lei - em seu sentido mais amplo - a quaisquer
compromissos inamovíveis a que devam sujeitar-se legisladores, homens como nós, será,
do ponto de vista racional, prudente? Como decidir sobre a resposta adequada à questão
proposta? A sociedade humana vai bem? No que depende das leis e das decisões adotadas
no âmbito da nossa precariedade de seres limitados e imperfeitos, tem sido implementada a
Justiça, condição indispensável da Paz? Da paz verdadeira, não de uma sua aparência, que
pode ser estabelecida pela imposição da força, mas será sempre incapaz de realizar a
felicidade que, no fundo, em última instância, todos desejamos? E que é uma sensação,
não uma “coisa concreta” 54? E o que é a Justiça, senão um indicador do amor existente
entre os homens? Então, na medida em que haja amor entre os homens, se não na esfera
preferível do sentimento, ao menos como opção da vontade - opção, esta sim, se nos
permitem os que se julgam práticos, evidentemente prática, pelos frutos que será capaz de
produzir - haverá a paz, condição do verdadeiro progresso e da possibilidade de desfrutar
de suas conquistas.
Sendo, entretanto, como somos todos nós, misturas contraditórias de boas e de más
tendências, será tão irrealista supor que a “Declaração” promulgada em 1791 pela
Assembléia Nacional Francesa, que resultou, como assinalamos anteriormente, na
consideração exclusiva, como fonte da lei, a “vontade geral”, reproduziu, em escala
ampliada, a figura do pecado original, novamente usando como ferramenta o orgulho?
Afinal, qual foi, segundo o relato bíblico, o brado com que Lúcifer expressou a sua
rebeldia diante de Deus? “Não servirei!“ Claro que o leitor não está obrigado a aceitar
90
como verdadeira a versão religiosa que usamos como símile entre o “espírito do tempo”,
no “século das luzes”, na plêiade dos realizadores da Enciclopédia, dos entusiastas
exaltados da Razão, e aquela versão, no que tange à manipulação do orgulho, para induzir
os homens ao erro.
Mas, dentre as pessoas “práticas”, entre as quais se contam as que têm talento
empresarial e aptidão administrativa, parece “prático” desempenhar as suas atividades no
domínio econômico, em clima de oposição e de luta? Não lhes parece que entre capital e
trabalho deve existir cooperação leal e sincera, não por temor ou medo de confrontos?
Afinal, em realidade, não são todos, trabalhadores e patrões, atores do mesmo processo
produtivo, de cujo rendimento, no espírito de sincera cooperação a que nos estamos
referindo, dependerá a prosperidade geral? O que é indispensável para que esse clima se
realize? Que, havendo sinceridade de propósitos, não se olhem, capital e trabalho, com a
desconfiança que atingiu a sua expressão antológica, no conceito já mencionado de
“inimigos de classe”. Essa “inimizade de classe” parece honrar ou desmerecer a
inteligência humana? Mas, para que haja cooperação sincera, não parece indispensável,
que não seja suprimido o propósito de remuneração justa do esforço, do talento, do risco
dos engajados no processo produtivo? Mas o que será considerado justo, se tudo for
deixado aos azares dos embates entre as boas e as más tendências de que somos todos
portadores? A vontade dos homens, como fonte exclusiva do Direito, ao longo do tempo -
e a realidade o tem demonstrado - conduz a uma marcha no rumo da liberação dos instintos
e apetites provenientes do componente animal da nossa natureza, adulterada quando da
queda.
Claro que os frutos produzidos por erros tão crassos, são amargos e dolorosos, e
foram estes que mudaram para melhor, ainda que em clima de desnecessária e estúpida
tensão, as relações de trabalho, sobretudo nas sociedades mais ricas. É o outro plano da
História, que temos mencionado por mais de uma vez. Mas, será o processo mais prático
para a fabricação de uma roda, fazê-la primeiro quadrada para que, depois, aos “trancos e
barrancos”, com as respectivas inconveniências, vão sendo desbastados os ângulos vivos,
em penosa marcha de aproximação do formato desejado? Ou as pessoas de boa vontade
não serão capazes de refletir, ao menos como hipótese a ser analisada, que a instigação da
vaidade e orgulho humanos, pode de fato ser feita em nome da liberdade, mas de uma
liberdade que freqüentemente é mencionada como “pretexto para ocultar a malícia”?
Tentemos a menção a uma outra realidade que está patente aos olhos de todos: a famosa
liberdade sexual. O impulso genésico efetivamente existe e depende dele a continuidade da
espécie. Mas os seres humanos, à diferença dos demais seres da criação, são dotados de
imaginação, de vontade e de livre arbítrio. Por isso, para nós existe a responsabilidade
moral, enquanto os irracionais, procedendo no compasso de suas naturezas, não estão
sujeitos a ela. Daí que, para os homens, o impulso a que nos estamos referindo não é para
ser suprimido, mas disciplinada a sua satisfação a condições que a enobreçam.
92
capacidade do ser humano de deixar-se enganar, às vezes apenas para “estar na moda”, que
em diálogo com uma jovem e inteligente senhora, dizia-nos ela que tais idéias eram de
origem meramente cultural, influências externas, não impulsos que estão em harmonia com
alguma ordem natural das coisas. Não resistimos, naquele momento, à tentação de
confessar à nossa brilhante interlocutora, estarmos perplexos por não entender quem teria
introduzido nas cabecinhas não muito ajuizadas das galinhas que cuidam das suas
ninhadas, o desvelado carinho com que o fazem...
Entretanto, repisemos mais uma vez, não nos julgamos proprietários da verdade,
nem ignoramos os casos de anomalias e desvios que, sem dúvida existindo, não constituem
a regra. O leitor, porém, julgará o que, à luz da sua inteligência e da sua consciência, lhe
pareça mais consistente, mais tranqüilizador e mais verdadeiro. A nós, particularmente, o
que parece muito claro é que, cada vez mais pujantes, campeiam o egoísmo nas relações
interpessoais e inter-grupais, a licenciosidade crescente dos costumes, de que é prova
incontestável, o aumento vertiginoso do uso de alucinógenos, a promoção das taras sexuais
e da promiscuidade, no espetáculo constrangedor de uma civilização que, embriagada por
uma liberdade que não se define quanto a contornos e quanto a limites, vai tendendo a
degradar-se em licenciosidade, eis que a satisfação de todos os apetites, logo transformados
em presunções de direito, ao longo do tempo, segundo a conveniência de legisladores sem
compromissos com qualquer referencial fixo de sentido axiológico, se vão traduzindo em
direito positivo, por intermédio de leis que lhes garantem o exercício.
Repare o leitor, se ainda não o fez, como está no ar, compondo a licenciosidade
rotulada como “avanço”, “modernismo” e “progresso”, a tendência à “liberação” do
aborto, da prática da eutanásia, da “descriminalização” do uso de drogas, tudo, é claro, a
princípio, de maneira tímida, no sentido da restrição a certos casos. Mas, observemos a
curva tendencial dessas disposições. Estamos longe da pretensão de analisar,
detalhadamente, cada caso. A nós, o que importa é oferecer à consideração do leitor, o que
chamamos de curva tendencial dessas disposições, para apreender-lhes o sentido mais
geral, o significado mais amplo, de rebeldia contra os fundamentos da nossa cultura, até
algumas décadas anunciada como tão valiosa, que justificaria o holocausto de milhões e
milhões de jovens, do mundo inteiro, chamados a derramar seu sangue nos campos de
batalha da Europa na 2a Guerra Mundial, de resto fruto da brutalidade e do egoísmo.
94
Aos que se julgam mais “práticos” e mais “objetivos”, pedimos que considerem,
também, se o impulso genésico a que nos estamos referindo, considerados os bilhões de
seres humanos de ambos os sexos que hoje habitam o nosso planeta, representa, ou não, de
fato, formidável energia, cuja orientação adequada tem reflexos sociais e econômicos de
enorme importância, ou se ao afirma-lo, estamos fantasiando, por “sonhadores” ou
“retrógrados”, como alguns nos rotulam. Se é verdade que indústrias derivadas daquela
fonte de energia, como as que se ligam à vaidade, dentre as quais, para citar apenas alguns
exemplos, a dos cosméticos, a das jóias, a dos perfumes, a dos salões de ginástica e de
massagens, a de modas, não fossem planejadas e levadas a cabo, de qualquer maneira,
inclusive, como é compreensível em quem não se preocupa com a visão holística da
realidade, a que pareça de “mais pronto retorno dos capitais investidos” ; mas, ao contrário
tendo-se sempre o cuidado de levá-las a cabo, de modo a não aviltar a natureza do interesse
entre um homem e uma mulher, não contribuindo para a identificação daquele interesse
apenas à sua dimensão lúbrica, como se seres humanos fossem idênticos aos irracionais no
cio, não se estaria conciliando o espírito prático à sabedoria? Sim, porque, com tal visão do
problema, não nos parece absurdo imaginar que houvesse a possibilidade de se auferirem
lucros contábeis.
Para não falar de outros como, por exemplo, os representados pela noção do papel
que empresários talentosos, por parte das suas próprias consciências e do conceito em que
a sociedade passaria a ter a respeito deles, como “doublés” de homens de negócios e de
pedagogos esclarecidos, contribuintes, com o talento de que dispõem, para o
fortalecimento da família, a “barragem” do símile que empregamos linhas acima. Qual tem
sido, até agora, o custo social do enfraquecimento, cada vez maior, da referida “barragem”,
em termos de desorientação de jovens, cuja desgraça alimenta os lucros dos traficantes de
drogas, multiplica o poder do chamado crime organizado, impõe os custos da manutenção
de clínicas especializadas, os gastos, particulares e públicos, para diminuir a insegurança,
cada vez maior, em que vivemos? E tudo isso são apenas detalhes, de um clima gerador de
problemas de altíssimo custo social, em verbas e em dor, resultantes de um conceito
imprudente, para dizer o mínimo e o menos contundente e capaz de magoar, acerca da
liberdade, concebida como ideal que se esgota em si mesmo, espécie de carta sem endereço
95
necessário sublinhar, certos como estamos de que o leitor já pode identificar onde
encontraria suporte a afirmação de que “o homem é o produto do meio”.
Não que nos pareça cabível negar a influência do meio sobre a criatura humana.
Influir, porém, é uma coisa; outra, bem diferente, é supor, abdicando do livre arbítrio, da
capacidade de optar entre o certo e o errado, entre o bem e o mal, que o meio determina a
conduta humana, é coisa profundamente diferente, diferença que acarreta gravíssimas
conseqüências. De outra parte, já vimos, também, que Rousseau, de certa maneira, pode
ser considerado discípulo de Locke, o mesmo acontecendo ao virtual autor da Declaração
da Independência, de tão grande repercussão na França onde, apenas treze anos depois,
ocorria a tomada da Bastilha.
Cabe, portanto, aqui, uma indagação do leitor: se o substrato intelectual das duas
revoluções era tão semelhante, como se explicaria a diferença entre os cursos que
tomaram? Como se sabe, a segunda, acarretou o banho de sangue que a História consigna
como “o Terror”, as perseguições mais impiedosas, o morticínio de religiosos, sobretudo
na Vendéia, onde foram assassinados, segundo se avalia, algo como vinte e cinco mil
padres e freiras, a perseguição e a execução de cientistas, entre os quais Lavoisier, pois “a
revolução não precisa de sábios” - expressão atribuída a Robespierre - e tantos e tantos
disparates, entre os quais a extinção das Corporações de Ofício, sem que nada fosse
providenciado para substituí-las finalmente, desaguando no retorno à monarquia e
surgimento de Napoleão Bonaparte, o general de gênio que desejava unificar a Europa sob
o seu domínio, tendo se feito coroar imperador. Na América, porém, os frutos da
revolução, de fundamentos teóricos tão semelhantes aos da francesa, foram completamente
diferentes. É que, no caso da revolução americana, durante muitos e muitos anos, o curso
dos acontecimentos de dependeu muito menos daqueles fundamentos, do que dos valores
cultivados pelos puritanos, que para lá se haviam dirigido, valores como o amor à família,
o amor ao trabalho, a fidelidade à palavra empenhada e outros, oriundos da Revelação, na
conformidade da fé que professavam 58. Sobre tais valores foi construída a grandeza da
nação americana.
um dos ídolos daqueles tempos agitados. A atitude irreverente e rebelde não é a que se
coaduna às pessoas que confessam os valores, na prática predominantes, nos primeiros
tempos da construção da grande potência do Norte. Mas era a que dominava o clima dos
intelectuais ativistas e de uma massa, por eles induzida à imitação das disposições de
espírito dos seus líderes. Daí, os cursos profundamente diferentes que tomaram as duas
revoluções. No caso da americana, porém, os equívocos permaneceram na lei fundamental
e, ao longo do tempo, foram manifestando os seus efeitos. Tanto mais quanto, a aspiração
por liberdade, no sentido, sobretudo, de livrar-se de perseguições religiosas de que tinham
sido alvo na Inglaterra, transmitiu-se dos primeiros habitantes da América aos seus
descendentes, de maneira, a princípio, lenta e gradual, mas cada vez menos semelhante
àquela que seus antepassados haviam estimado tanto. A pouco e pouco, passou a insinuar-
se e a dominar um ideal de liberdade que não tinha compromissos com valores
previamente estabelecidos, aquele cuja estátua ornamenta a entrada do porto de Nova
Iorque e que, assim, sem destinação preliminar, temos caracterizado como uma espécie de
absurda carta sem destinatário e sem conteúdo que, tal é a realidade do ser humano, acaba
por degradar-se em licenciosidade, em seu mais amplo e ameaçador sentido.
Histórico. Hoje, porém, como estão os filmes americanos? Primam pela observância dos
valores estimados por aquelas comissões de pais e de mães de família há pouco
mencionadas, ou mostram-se, digamos, talvez ainda mais “audaciosos” e “de vanguarda”
do que os filmes europeus de algumas décadas? Aí está um exemplo da superposição, aos
valores dos primeiros cidadãos americanos, e a quem a América deve a sua prosperidade,
dos que decorrem dos equívocos que, resumida e simbolicamente, estão representados na
famosa estátua da Liberdade. E, vejam, não estamos atribuindo ênfase ao fenômeno da
exibição crescente do relacionamento sexual entre homens e mulheres ou, mesmo, à
permissividade em torno de insinuações claras a certos desvios e taras. O que nos parece
mais relevante é a maneira segundo a qual desvios teóricos conduzem a erros práticos.
Por enquanto, entretanto, e dando por encerrado este capítulo em que nosso
objetivo foi tentar aproximar da observação do leitor, fatos e circunstâncias que, tendo suas
raízes em séculos distanciados dos dias em que vivemos, possam ter parecido pouco
99
Antes de mais nada, seja-nos relevado repetir, uma vez mais, que de nossa parte,
não alimentamos o propósito de desmerecer idéias, movimentos, tendências, camadas ou
grupos sociais, denominações religiosas e, muito menos, pessoas. O nosso objetivo é
oferecer aos que venham a ler estas páginas, como nós, em um extenso bosquejo histórico,
interpretamos o nexo entre fatos aparentemente desvinculados e, na máxima medida ao
nosso alcance, transcrever o pensamento de grandes vultos do processo de que somos
todos, queiramos ou não, “a última palavra do passado, e a primeira do futuro”. O
julgamento da verosimilhança da nossa interpretação de fatos que, segundo pensamos,
marcam os balizamentos de rumos que, em nossos dias, longe de conduzirem a um
progresso harmonioso, ao contrário, no que depende da natureza decaída do homem 59, está
desaguando na clareira de cinzas em que campeiam disposições e hábitos que,
invariavelmente, marcaram o período de declínio, não de ascensão, de civilizações que nos
precederam, tal julgamento pertence ao leitor. E de, quanto a isto, pedir-lhe que leve em
conta, os perigos da superestimação da capacidade dos pobres seres contingentes que
somos, ao nos imaginarmos senhores absolutos do nosso destino.
Por outro lado, como o bosquejo extenso que intentamos realizar, abrange
circunstâncias por vezes profundamente diferentes, vocábulos originados em dada época,
podem mudar de sentido. Exemplo típico é a palavra “burguesia”, nascida no medievo, e
relacionada às primeiras aglomerações surgidas em torno das residências feudais,
denominadas burgos. Na História contemporânea, porém, a maioria das pessoas conotam o
seu significado ao que lhe emprestou a visão do Materialismo Histórico em que ela adquire
um sentido, digamos, pejorativo, eis que associado ao capital, conseqüência, naquela visão,
da exploração do trabalho, por intermédio do que designa como “confisco da mais valia”.
Usamos o mesmo vocábulo quando nos referimos à revolução dos “eupátridas” que levou
100
Sólon ao poder, embora os acontecimentos em causa tivessem ocorrido antes da nossa era
e, portanto, antes do período medieval. É que, naquela ocasião, como mais tarde, muito
mais tarde, na revolução francesa de 1789, os maiores interessados na mudança da ordem
de coisas que lhes prejudicava os interesses, não representavam o maior número dos que
levavam a cabo as referidas mudanças, nem eram em número suficiente para que elas se
tornassem vitoriosas.
Por isso, os que queiram entender determinadas atitudes das massas, é nossa
opinião que devem cuidar da existência de motivos reais, pretextos válidos, e atrativos
suficientes60 para que os pretextos sejam confundidos com os motivos, e a energia das
massas seja colocada a serviço dos que, quase sempre ocultando os motivos, dispõem dos
meios necessários para promover e acionar pretextos e atrativos. Também parece-nos útil
chamar a atenção para o fato de que, segundo a obra clássica de Sorel, “Refléxions sur la
Violence”, será sempre mais fácil realizar uma, “jacquerie” por uma bandeira, do que por
um pedaço de pão. A observação nos parece útil, exatamente porque, em nome do que
consideram “espírito prático”, têm sido descurados os mecanismos subjetivos presentes na
realidade do ser humano. Talvez por isso, tantos insistem na resistência a uma verdade tão
simples quanto a que se refere a ser a felicidade uma sensação, não uma coisa61, ainda que
o atendimento de certas necessidades essenciais, representadas por coisas, seja necessário
para que não se torne inviável, ou extremamente difícil, a sensação de felicidade.
Por incrível que pareça, o revolucionário que operacionalisou com maior nitidez
noções como as acima mencionadas, foi um materialista confesso, um ateu militante, de
nome Wladimir Illitch Ulianov, mais comumente conhecido como Lénine, codinome que
usou em razão do nome do rio em cuja proximidade vivera os primeiros anos de sua
existência. Foi ele o homem de ação, que realizou o que fora concebido por Marx, e seu
mais íntimo colaborador, Engels, e que, resumidamente, foi dado a público em 1848.
Repare o leitor como, da revolução francesa de 1789, até a publicação do Manifesto
Comunista a que acabamos de aludir, transcorreram apenas 59 anos. Levando em conta
que a dinâmica dos acontecimentos no século passado era muito menor do que a que hoje
pode ser observada, esperamos que já possa, no espírito do leitor, parecer menos
disparatada a afirmação registrada anteriormente e cujo sentido nos estamos propondo
esclarecer melhor no presente capítulo. Referimo-nos à afirmativa de que a revolução
francesa foi uma espécie de ante-sala da revolução de Outubro de 1917, na Rússia, que,
101
É que este, segundo relatos da época, fazia estancar as hemorragias a que estava
sujeito o herdeiro do trono, cuja genitora, a “czarina”, sentia-se, como mãe, dele
dependente de maneira dramática. Este, porém, é um pequeno “flash”, mencionado apenas
para evidenciar a proximidade histórica entre a Queda da Bastilha e o Manifesto
Comunista e a diferença entre pretextos atraentes e conseqüências chocantes, facilmente
verificável nas duas revoluções; ainda mais importante e convincente sobre a existência da
seqüência que estamos tentando tornar mais clara para o leitor, é que a chamada
“revolução belchevique”, não começou como tal, mas como uma revolução democrática 62
de moldes análogos aos que inspiraram a revolução francesa. De fato, tratar-se-ia, apenas,
de abolir os privilégios aristocráticos e os seus abusos, em nome da liberdade e da
igualdade de todos, revolução que se tornou vitoriosa e levou ao poder, em um primeiro
instante, o Sr. Kerenski, um político tão hábil, que seria capaz de conciliar os antagonismos
entre os revoltosos de Petrogrado, e a Duma de Moscou... O resultado, todos sabemos, foi
que a minoria bolchevique dominou a maioria menchevique e, rapidamente, tornava-se
vitorioso o “slogan”: “todo o poder aos “sovietes”.”
adotado o caminho que lhe fora sugerido pela sua natureza decaída, concebeu o que lhe
pareceu operativo para dar conseqüências objetivas à cosmovisão distorcida cuja base
assentava na convicção de ser a luta entre os homens, divididos entre explorados e
exploradores, o motor necessário, indispensável, da História.
A feição dialética, de fato presente em todas as coisas, fora interpretada por Marx
como uma dialética de luta, conseqüente aos contrários internos de que se constituem todos
os seres e que, por serem contrários, contrariam-se, conferindo a cada ser e ao conjunto de
todos os seres a atividade observável no universo inteiro, onde operam os contrários
internos a que acabamos de referir-nos, e os contrários externos, existentes entre seres
distintos, tudo tornando dispensável a hipótese de um Deus, responsável pela atividade
universal, que não pode ser negada. Em largos traços, o que estamos, neste momento
tentando, é oferecer ao leitor que, por acaso, não tenha tomado ainda conhecimento do que
se contém de mais fundamental na Filosofia marxista da Natureza, a primeira das suas
“leis”, precisamente conhecida como “lei dos contrários”. No que tange à sociedade, os
contrários, como já foi dito, estão representados por patrões e empregados, os “inimigos de
classe”, de cuja oposição de interesses, eis que, por definição, são contrários, resultarão as
lutas sem as quais o quadro das explorações dos primeiros sobre os segundos, não se
atenuarão ou, ainda menos, desaparecerão.
Como o capital possuído pelos patrões, resulta do “confisco da mais valia”, parte da
riqueza produzida pelo trabalhador e que não compõe o seu salário, a continuar assim a
situação, haverá um número cada vez maior de capitalistas, cada vez detentores de capitais
maiores, e um número crescente de operários até que, inexoravelmente, ocorrerá o “salto
qualitativo”, conceito que, no plano das transformações sociais, corresponde à “lei”
estabelecida em Filosofia marxista da Natureza, nos seguintes termos: “aumentos
quantitativos adequados produzem, por salto brusco, transformações qualitativas”. Assim,
quando o número de proletários for adequadamente maior do que o de capitalistas, por
salto brusco, a sociedade capitalista burguesa transformar-se-á em outra, em que o poder se
transferirá para as mãos dos operários, desaparecendo o “confisco da mais valia”, e a
propriedade privada, sobretudo de natureza fundiária, deixará de existir - o que, diga-se de
passagem, realizaria o que Rousseau sugeriu na passagem do seu “Discurso sobre a
Desigualdade”, transcrito em outra parte desta obra. Observe-se ainda que, para que o
104
Ainda que não sendo possível, neste momento, entrar em detalhes acerca dessa
sinistra aventura consistente em, pela primeira vez na História, tentar organizar a sociedade
com base na negativa frontal e necessária da existência de qualquer coisa fora ou além da
matéria63, do pouco que foi dito, supomos, fica evidente a marca de uma disposição que,
oposta à do amor entre os homens, como corolário de sua irmandade por serem filhos de
um mesmo Pai, que os criou, não para que se odiassem mas para que se compreendessem e
se amassem, pregava a luta como motor indispensável da História.
Como, entretanto, dizíamos, linhas acima, seria muito difícil fazer as massas
aceitarem pela via da razão, o que representava o oposto, não apenas a tudo quanto elas
haviam admitido como sagrado até então, mas a quanto restava em todos que as
compomos, da nossa verdadeira natureza, no que ela tem de melhor e de mais generoso, e
que certamente não aponta para a necessidade da desconfiança e da luta. Daí, o que temos
designado como método de ação revolucionária leninista pregar, exatamente, não a ação de
proselitismo direto e explícito, a nível de massa. Realmente, quando aquele revolucionário
de gênio, em congresso realizado no início deste século, após ter exposto as suas idéias a
respeito, o número dos que as apoiaram era tal, que todos couberam em um único
63. Sobre a cosmovisão do Materialismo Dialético, existe copiosa literatura, tanto de autores a ela favoráveis, quanto de outros que, ao
105
E tudo isso expressava uma enorme contradição com respeito à visão básica do
“Materialismo Histórico”, aplicação aos fatos de índole Histórica, do seu fundamento, a
cosmovisão do Materialismo Dialético. E por que seria assim? Porque, como já vimos
anteriormente, segundo aquela visão do processo histórico, no âmago das transformações
sociais pulsa, como seu verdadeiro motor, a luta de classes, resultante de serem os
“contrários” do, digamos assim, “ser social”, os explorados e os exploradores; contrários
esses que, de uma ou de outra maneira, vão produzindo a dinâmica das mudanças sociais,
em cujo contexto todas as ideologias não representariam mais do que reflexos da “infra-
estrutura econômica” com as características dos seus métodos e suas relações de produção.
Idem, idem, com relação às “superestruturas institucionais”. E, dadas as características
inevitáveis da empresa capitalista, fundada na apropriação da “mais-valia”, fonte
inexorável da acumulação do capital em um número cada vez menor de mãos, com o
crescimento, igualmente inevitável, do número de proletários cada vez mais pobres,
fatalmente chegaria o momento da presença das condições objetivas, propícias ao “salto
qualitativo”, na forma já mencionada anteriormente.
A serem todas essas coisas verdadeiras - e sabemos concretamente que não são, ao
menos como dados inexoráveis das transformações históricas, - a sociedade comunista
resultante do “salto qualitativo” seria algo a acontecer fatalmente, dispensando, portanto
um partido incumbido de levar a cabo o que, afinal, não dependia da vontade dos atores do
processo, mas das “leis internas” que o impulsionariam, inexoravelmente, para o que,
supunham, seria a magnífica sociedade comunista do futuro na qual
“de cada um seria exigido conforme a sua capacidade e a cada um seria dado conforme a
sua necessidade”. É bem verdade que nunca ficou claro a quem caberia avaliar a
capacidade e a necessidade de cada um... No momento, porém, o que desejamos realçar é
que, nos que criam nessa espécie de “religião sem Deus”, haveria de parecer disparatada a
106
Nos EUA, a potência rival da União Soviética, enquanto esta existiu e foi tão
devotadamente servida pelas “vanguardas” a que nos estamos referindo, seria muito difícil,
até bem pouco tempo, “mobilizar o proletariado” em torno da temática tão rica em outras
sociedades, relacionada a salários insuficientes, para não dizer francamente miseráveis
como é, por exemplo, o nosso caso; é que o operário americano acreditava que ele era o de
melhor remuneração no mundo. Mas lá, havia cidadãos pretos e brancos, e havia
discriminação racial. Aí estava a grande “contradição” a ser explorada - e toda a
“vanguarda” americana lançou-se à exacerbação dos ressentimentos que ela ensejava e
que, ao tempo da “guerra iria”, e até hoje, tantos problemas e dificuldades têm trazido à
administração e à sociedade americanas. São estes, exemplos do que designamos como
“método leninista” de ação revolucionária. Como ficou dito, a idéia básica assenta sobre a
conveniência, para acelerar o advento da sociedade comunista do futuro, de não ser tentado
o proselitismo de massa, difícil pela complexidade de uma cosmovisão chocantemente
diferente da que, durante tantos séculos, dominara o Ocidente (estamos falando, no
momento, do contexto sócio-cultural do Ocidente), e tão exigente de meios que não
estavam à disposição da “vanguarda” de “mortos em férias”, como descrevera os seus
integrantes ideais, o Partido cuja formação propunha Lénine.
Nem tinham os seguidores desse método a ilusão de fazer as suas etapas sempre
iguais, ainda quando as sociedades a serem conquistadas fossem diferentes em seus usos e
costumes políticos, sociais, ou distintas as suas economias e as condições de vida da
maioria dos seus integrantes. Não; ao contrário, entre outras fontes que poderiam ser
citadas, no “Manuel sur le Marxisme - Léninisme”, editado pelo Instituto de Línguas
Estrangeiras, de Moscou, ainda na década de 70, encontramos a expressa observação sobre
o fato de que a marcha para a construção de uma sociedade socialista deveria seguir os
caminhos que fossem considerados mais adequados, conforme as características e
peculiaridades das sociedades a serem conquistadas. Assim, ainda mais especificamente,
assinalava: nas sociedades de arraigadas tradições parlamentares, os parlamentos deviam
ser usados como fontes da transformação desejada. Mas como estamos tentando apenas
descrever, relatar, não opinar acerca da propriedade, ou não, dos fatos descritos, um
exemplo mais concreto poderá esclarecer melhor a essência do método usado pelos
“parteiros da História”, eis que, como já vimos, a sua atividade não visava produzir um
resultado que, para eles, era inexorável, como conseqüência da operação das “forças
internas” da História, os “contrários” que o leitor já sabe o que significam. A “vanguarda”
atuava apenas para acelerar o “parto” em questão.
cidade, e possivelmente, não apenas do Rio, em que estivera encarcerado, mas em várias
outras do país, apareceram cobertos pelos seguintes dizeres: “Constituinte com Vargas”.
Naquela oportunidade, dissemos o seguinte: Diz a sabedoria popular que “se força e
tamanho fossem “documentos”, o elefante é que seria o dono do circo”. Na realidade,
porém, longe disso, o que se observa é que o pequenino domador, tão frágil diante do
elefante, estala o chicote e o enorme paquiderme, por exemplo, senta-se em um tamborete;
ou equilibra-se sobre as patas dianteiras, “plantando uma bananeira”. Enfim, dócil, pratica
todas as manobras mais ou menos ridículas que o domador deseja, para deleitar o público.
É que, no cérebro obnubilado do enorme animal, parece altamente vantajoso obedecer,
porque, na fase do seu treinamento, a toda obediência corresponde um torrão de açúcar; e a
toda recalcitrância, a ausência da guloseima, quando não uma chibatada. O elefante,
concluímos, representa o conjunto dos “alienados”; o domador, a “vanguarda” dos que
“sabem o que estão fazendo”. A imagem acima foi, naquela oportunidade, muito bem
recebida, embora restasse a dúvida sobre a quem pertence o chicote do domador e porque
pode ele utilizá-lo livremente. E é aqui que desejamos esclarecer mais um ponto apenas
mencionado no capítulo anterior. Referimo-nos ao que ali foi designado como “estratégia
de Gramsci”.
Para citar alguns que nos parecem muito importantes, as colunas de crítica literária,
teatral, musical, no sentido de música popular ou erudita, o jornalismo político, de
imprensa escrita, televisada ou radiofônica, as cátedras universitárias, especialmente as
destinadas à formação de profissionais de imprensa e à formação de professores de nível
médio, as equipes de reportagem credenciadas nas Casas Legislativas, as colunas de crítica
no campo das artes plásticas, etc., etc. Trata-se de trabalho de infiltração que, como bem
compreende o leitor, com o correr do tempo, embora não utilizando massas consideráveis
de militantes, lança mão daqueles que Lénine designara como “mortos em férias”,
esclarecidos sobre as “verdadeiras forças e verdadeiros rumos da Historia”. Certos,
também, de que, desde que respeitados determinados limites, referentes aos interesses da
maioria dos proprietários dos veículos de mídia, estes poderiam ser utilizados pelos
infiltrados, ainda que não fossem deles os proprietários 65.
Nem mesmo, como já vimos, em situações de grave crise. Assim, o que ter-se-ia
que fazer era a adoção de estratégia consistente em utilizar, de tal maneira, os recursos
disponíveis que, sem necessidade de menção a projeto político-institucional alternativo, se
fosse cavando um fosso de tamanha profundidade entre os integrantes dos “fortins” da
sociedade civil e os seus dirigentes, entre as novas gerações e as mais antigas, que haveria
de separar os “fortins” da “fortaleza central”, pois a visão crítica dos detentores do
controle, em ambos os casos, impediria o exercício eficaz do poder de que eram detentores.
114
Lembram-se os leitores da canção popular que dizia” “não confie em ninguém que tenha
mais de trinta anos?” O que significa a sinonímia que se vai impondo entre “amor” e
“cópula”? O que é que tem sido designado como “contracultura”? Por que existe, ou
existiu, um “Centro Internacional de la Canción Protesta”, em Cuba?
De novo cabe lembrar, e o fazemos sem hipocrisia, que estamos relatando coisas,
cuja avaliação será feita pelos que venham a ler estas linhas. Para nós - e aí vai uma
opinião pessoal - o problema não está nos fatos que estamos relatando. Eles possivelmente
não existiriam, nem se falaria da decadência da civilização ocidental, não fora a laicização
crescente das sociedades ocidentais, que atingiu o seu apogeu com a vitória dos princípios,
possivelmente concebidos bem intencionadamente pelos seus autores, muito em especial,
como já dissemos e repetimos, J. J. Rousseau e John Locke. A revolução bolchevique de
1917, resultou do desdobramento, racionalizado e a nível de cosmovisão, de tendência que
vinha de muito antes, e que tentamos descrever em parte anterior deste livro, visando o
afastamento dos homens dos seus compromissos com a hipótese da existência de um Deus
Criador, diante do qual todos prestaremos contas um dia. Os adeptos do Materialismo
Dialético, aderiram à ideologia que, corajosa ou atrevidamente, racionalizou e afirmou de
maneira categórica a negação, que em muitos se exprime na duplicidade consistente em
não refutar explicitamente, mas “na prática”, proceder como quem ignora a hipótese citada.
E já houve quem dissesse que não há forma mais expressiva de negar, do que
ignorar, não levar em conta; atitude que, sobre parecer mais prudente, traz ainda a
vantagem dos “torrões de açúcar” a que foi feita referência anteriormente. Também foi
assinalada antes a diferença entre as duas revoluções, a americana e a francesa. E
mencionamos, na ocasião que, segundo pensamos, a diferença resultou do fato de, no
começo, os princípios oriundos do pensamento de Locke não terem conseguido sobrepujar
aqueles em que criam os primeiros cidadãos americanos, predominantemente puritanos.
Com o correr do tempo, porém, a má semente começou a dar os frutos que seriam de
esperar-se, e que no caso francês mostraram de pronto o seu amargor. Por isso, neste
instante, temos diante dos olhos despacho internacional cujo autor, citando alta autoridade
do governo de Cingapura, textualmente, assinala: “A sociedade americana está
desmoronando e se desintegrando. Nos últimos trinta anos houve um aumento de 560%
dos crimes violentos; de 419% de nascimentos ilegítimos; 300% de crianças que vivem
em lares com só um dos pais, e uma queda de 80 pontos nos testes de aptidão escolar”.
115
Os dois, no fundo, representam as duas faces de uma mesma moeda. Não fora
assim, como explicar a larga utilização de veículos que pertencem aos segundos, por
agentes dos primeiros, que o fizeram na colossal escala que resultou na contracultura a que
nos estamos referindo? Para reforçar a afirmação, à primeira vista, difícil de entender e,
ainda mais, de aceitar, permitam-nos lançar mão de outro conceito, já por nós usado
anteriormente nesta obra e, ao longo de muitos anos, na tribuna, na imprensa e no livro: o
que designamos como “visão contábil”, nas transações que, em numerosos casos, podem
ser lucrativas para as partes diretamente envolvidas; mas que, vistas na que chamamos de
“dimensão histórica”, podem representar algo muito diferente. Foi o caso assinalado em
outra parte desta obra, em que, em nota de rodapé de um livro de autoria do assessor para
assuntos internacionais do ex-presidente Jimmy Carter, um especialista em relações leste-
oeste afirmou que, de 1917 a 1937, a maior parte dos recursos financeiros e da tecnologia
que serviram ao reequipamento do parque industrial soviético e do exército vermelho,
foram-lhes fornecidos pelo Ocidente. Claro, repitamos, que as empresas que forneceram os
referidos recursos, do ponto de vista contábil, devem ter realizado excelentes negócios; do
ponto de vista histórico, porém, o mundo viveu, até pouco tempo, o pesadelo de uma
hecatombe nuclear.*
De outra parte, parece oportuno repisar que não é intenção do autor, desmerecer,
em sentido menor, a posição de tais ou quais correntes de opinião; ainda menos, as pessoas
que a elas se filiam, por tais ou quais motivos. Não nos compete julgar. Mas parece-nos
117
indispensável, relatar e dizer o que pensamos quando e onde couber, para não nos
incorporarmos à legião que nos parece suficientemente numerosa, dos que, menos
informam, do que desinformam; dos que menos expõem, do que mascaram; dos que mais
se omitem do que cumprem o dever que as Sagradas Escrituras registram quando dizem:
“Não se acende uma lâmpada para ocultar a sua luz; mas para pô-la bem alta, de maneira a
que todos a vejam”. Assim, parece-nos que a liberdade de que tanto se fala, sem
comprometê-la com qualquer propósito que subordine o seu exercício, propósito externo à
tão celebrada “vontade geral”, que não podendo ser “a de todos”, deverá ser, ao menos, “a
da maioria”; e não podendo ser manifestada por esta diretamente, deverá sê-lo pelos seus
representantes, escolhidos como todos sabemos; tal liberdade é claramente filha do
Orgulho que a menciona como pretexto para funcionar como armadilha, cuja isca é a
satisfação dos impulsos da concupiscência, que busca justificar-se em nome do pretexto
liberdade a qual por isto mesmo, segundo a falácia a que nos estamos referindo, não deve
ter compromissos prévios e exteriores que possam disciplinar o que brota da natureza
decaída do homem.
Observem, por favor, os leitores, como todos, ou quase todos os “torrões de açúcar”
a que nos temos referido, ou são claramente referentes a costumes licenciosos ou, pelo
menos, à imperiosa necessidade de não criticá-los desfavoravelmente, nem às fontes de
onde parte a difusão dos mesmos, em nome, é claro, da citada liberdade...
Mas, nos dias em que estamos redigindo este trecho que está sob os olhos do leitor,
o noticiário internacional está sendo dominado pelo terrível atentado a um prédio do
governo federal americano, em Ocklahoma. O abalo foi tão grande que, aparentemente,
tornou-se impossível bloquear inteiramente a difusão de certos aspectos da realidade
americana, muito diferentes do que se poderia supor. E do que poderia ser imaginado pelos
que acreditam que as instituições ali vigentes, não apenas são irretocáveis, como seriam de
uso universal, benéficas para quaisquer sociedades, por mais diferentes que possam ser as
suas realidades e as suas necessidades. O exemplo do violento atentado mostra-nos que ele
pode ocorrer em um país do 1o Mundo, sob regime democrático ininterruptamente em
exercício há mais de duzentos anos. Como fica, então, o valor dos argumentos em favor
dos descalabros em que estamos vivendo, consistentes na afirmação de, que eles são
conseqüentes à “falta de exercício” do regime?
118
Também torna-se nestes dias, mais fácil entender a estrondosa vitória do Partido
Republicano que, hoje, detém a maioria nas duas Casas do Capitólio, maioria que estivera,
por quarenta anos, sob o domínio do Partido Democrata. Pelo que já ficou assinalado em
partes anteriores desta obra, o leitor entende que o Partido Republicano nos Estados
Unidos simboliza, mais que o Democrata, os valores sobre os quais foi construída a
grandeza da América e que correspondiam melhor aos ideais de seus fundadores e
primeiros cidadãos, que amavam a liberdade, mas não para transformá-la na licenciosidade
que acaba por acontecer, quando ela é entendida como ideal que se esgota em si mesmo.
Ideal nascido, como já repetimos tantas vezes, do Orgulho, tão característico do
Iluminismo, sobretudo francês, sendo de notar-se que a estátua da Liberdade, monumento
erigido àquele ideal a que acabamos de referir-nos foi oferecido aos EE.UU. exatamente
pela república francesa...
Nunca será demasiado repetir que o ideal de organizarem-se os homens sob a égide
de instituições que, o mais e o melhor possível, representem os anseios justos e as
aspirações legítimas daqueles que as referidas instituições irão jurisdicionar é, realmente,
insubstituível e, por isso, universal e permanente. Nele está, supomos, o espírito, a essência
do que deve ser entendido como democracia. Repare, porém, o leitor, que ao lançarmos
mão das expressões “anseios justos e aspirações legítimas”, estamos tornando evidente a
necessidade da existência de um referencial fixo, de conteúdo axiológico, ao qual deve
subordinar-se a legislação, de maneira a, o melhor possível, aproximar o Direito positivo,
da Justiça que, no fundo, ele deve exprimir. Em nossa cultura, o referencial fixo a que
acabamos de referir-nos, é o que provém das Escrituras que, escritas sob a inspiração do
Criador, não sendo em si mesmas toda a verdade, são o farol que enseja aos homens buscá-
la, a despeito da Queda e da ignorância que se introduziu em sua realidade, como
conseqüência da tentação, ensejada pelo orgulho, pela concupiscência. Os mesmos,
supomos, que continuavam a alimentar o caos, a violência, a injustiça que,
paradoxalmente, vêm aumentando a cada dia, a despeito dos avanços da Ciência e da
Tecnologia.
estátua oferecida pela República Francesa aos Estados Unidos, e que, enorme, se situa à
entrada do porto de Nova Iorque. Quanto aos frutos amargos que, desnecessariamente, tem
produzido, já foi feita referência anterior, inclusive no que se refere ao resultado das mais
recentes eleições Parlamentares daquele país, das quais saiu amplamente vitorioso o
partido que, nele, segundo pensamos, representa, ainda que de maneira pouco nítida ou
francamente confusa, ideais mais compatíveis com os que alicerçaram a sociedade
americana em seus primórdios. O partido que, durante quatro décadas, conseguira maioria
nas duas Casas do Congresso, simboliza melhor e afina mais com as tendências que
defluem da imprecisão do conceito de liberdade, sem definição quanto à finalidade do seu
exercício.
Esse algo que distingue em nosso íntimo, entre o Bem e o Mal, é o resultado, na
visão religiosa, do chamado Pecado Original, ou Queda, ter introduzido as tendências que
conduzem à desarmonia e ao sofrimento, que o Criador não desejara em seu propósito
original, que Lúcifer perturbou, mas não conseguiu eliminar. Daí, segundo a mesma visão,
a natureza contraditória do homem, em cujo interior instalou-se, desde a Queda, a
permanente batalha entre o Bem e o Mal, batalha da qual, em última instância, são
projeções as que, no plano material, se configuram nos conflitos e violências de toda a
ordem, que se vêm prolongando ao longo da História. Daí, em passagem bem anterior
deste livro, termos assinalado a, digamos, superioridade, do pensamento de Aristóteles
sobre o de Platão, no sentido de que o estagirita afirmava a existência do que chamou
“forma”, correspondente à finalidade, ou propósito, existente em todo o Universo. Tal
forma não conseguiria expressar-se plenamente, por esbarrar na inércia da matéria. Daí, a
preferência do pensamento aristotélico, por S. Tomás de Aquino, para quem, à “forma”,
121
que, em tal ou qual medida, revelam-se tomistas. Pois bem; textualmente, são de Mac
Fadden as seguintes afirmações: “Contra todas as formas de ceticismo e agnosticismo, o
marxismo afirma que a mente humana pode chegar ao conhecimento verdadeiro da índole
da realidade.
“O marxismo defende que a matéria e a mente são ativas; que a imagem, reflexo da
realidade objetiva, produz-se no cérebro, em virtude de uma experiência sensorial e que a
mente “trabalha” sobre essa imagem até chegar ao conhecimento pormenorizado do objeto.
O tomista concede tudo isto”.
E mais adiante: “Em geral, podemos afirmar que atualmente, há muito poucas
teorias do conhecimento tão vizinhas do tomismo, como a marxista”.
124
pode admitir:
a) Que se suprima a distinção entre mente e matéria, isto é, que em última análise
toda a realidade seja material;
século XVI, começaram a surgir os sinais da grande revolução, para nós representada pela
gradual secularização da sociedade.
“Mas uma grande esperança se levanta para aqueles que pensam 68. E nós
desejamos fazer ver, nos nossos diálogos, que se aproxima o momento de uma
reconciliação fatal entre os sábios e os filósofos, entre a ciência e a fé. Vários mestres do
pensamento, animados por um espírito profético, tinham anunciado essa aurora: Bergson,
Teilhard de Chardin, Einstein, Broglie, e muitos outros.
“... O que eu quero mostrar com os irmãos Bogdanov apoiando-me sobre a parte
científica do seu saber, é que neste fim de milênio os novos progressos das ciências
permitem entrever uma aliança possível, uma convergência ainda obscura entre os saberes
físicos e o conhecimento teológico, entre a ciência e o mistério supremo.69”
antes das noções que se vão impondo na Física Quântica, forçoso é admitir, usando
expressões de J. Guitton, que “em um universo, mistura de certezas e de idéias absolutas, a
ciência só se podia dirigir à matéria. Por esse caminho, ela levava mesmo a uma espécie de
“ateísmo virtual”: uma fronteira “natural” erguia-se entre Deus e a ciência, sem que
ninguém ousasse - ou mesmo imaginasse - pô-la em causa”. Nós, a despeito da nossa
insignificância, não seríamos tão categóricos quanto o ilustre Mestre. E alimentamos a
esperança de que o leitor, a esta altura, estará entendendo, cada vez mais claramente, a
importância que demos ao Nominalismo e às suas conseqüências. Entre elas, a sensação
enganosa da onipotência da ciência, posta ao serviço de uma razão correspondente à
maioridade do ser humano que, como um dia imaginou Kant, já não necessitaria de nada
que não fosse elaborado por ela... Hoje, segundo as conquistas da Física Quântica e das
concepções mais atuais da cosmologia, está se tornando forçoso reconhecer que há limites
físicos ao conhecimento e que a realidade, toda ela, não é apenas não conhecida ainda, pela
ciência, como não é conhecível.
E, mais, certas conclusões, repitamos ainda uma vez, alcançadas pela ciência,
mostram-se incompatíveis com todos os mecanismos lógicos conhecidos, exigindo como
que uma metalógica, capaz de atender a algo que poderia ser chamado como meta-
realismo. As noções de espaço, de tempo, de matéria, diferem radicalmente das que, até os
primeiros anos deste século, pareciam sólida e definitivamente estabelecidas, alimentando
ilusões, imprudências e orgulhos que, agora, revelam-se descabidos. Há, porém, dois
planos distintos da História, a que já nos temos referido tantas vezes, na imprensa, na
tribuna e no livro: um, decorrente da ação do homem, com base em sua natureza decaída;
outro, o da Providência, que encaminha o processo para o destino que Ela determinou, a
despeito da ação constante que a desobediência dos nossos primeiros pais permitiu se
introduzisse no que fora destinado à harmonia, à felicidade e à paz. Acreditamos, portanto,
que, a despeito de todas as dores, pelo caminho da ciência, começa a encontrar a
humanidade boas e consistentes razões para, abatendo o orgulho que durante tantos séculos
a tem iludido, rever o seu ceticismo, orgulho que, no final deste, começa a ser
desmascarado.
aleatórios, algo semelhante à própria história dos homens, com os seus conflitos, as suas
brutalidades, as suas injustiças, mas de cujo conjunto, cada vez mais claramente, ao menos
segundo pensamos, já se pode entrever o plano providencial, de que um aspecto capital
está representado pela união, em irresistível convergência, de Ciência e Religião.
De fato, desejamos desde logo propor à consideração do leitor as surpreendentes
revelações de um cientista de vulto, o bioquímico Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de
Química, para quem a desordem não é um estado natural da matéria, mas um estágio que
precede a emergência de uma ordem mais elevada. Permita-nos o leitor, a despeito da
nossa insignificância, que a observação de Prigogine, longe de incompatível, parece ter
muito a ver com os dois planos da História - o resultante de atividades do homem decaído,
e o que resulta da Providência divina.
É que, nada obstante a divulgação para o grande público se faça insistindo sempre
em algo de algum modo correspondente ao evolucionismo darwiniano, com imagens que,
ao insinuá-la verdadeira, como que excluem a hipótese criacionista - eis que esta, no
130
Que nos perdoem os leitores, mas para que fique mais explícita a noção da extrema
complexidade que se evidencia no que se relaciona aos seres vivos, segundo a revela a
Biologia Molecular a qual, entretanto, não está em condições de definir ou de desvendar a
essência da Vida, seja-nos permitido oferecer a seguir, alguns dados desse ramo da ciência,
com o perdão dos especialistas, entre os quais não tem este humilde autor a pretensão de
ser incluído, por tais ou quais imprecisões que, de boa-fé, viermos a cometer. Assim,
131
diremos inicialmente, que além de numerosas outras substâncias, como metais, não metais,
açúcares ou oses, ácidos graxos, os seres vivos contêm duas grandes categorias de
substâncias químicas, denominadas ácidos nucléicos e proteínas. Os primeiros constituem-
se de moléculas gigantes, resultantes da associação de moléculas menores, denominadas
“nucleotídeos”, associadas umas às outras pelas extremidades, do que resulta a formação
de cadeias. Dentre os ácidos nucléicos, há um do qual, seguramente, o leitor sabe da
existência: o ácido desoxirribonucléico ou, abreviadamente, o famoso ADN. Em tais
ácidos, os “nucleotídeos” compõem-se de um açúcar, a desoxirribose, um fosfato e uma
dentre um grupo de quatro bases nitradas, que têm afinidade química, duas a duas.
alguns aspectos essenciais, e as proteínas, das quais procuraremos tratar em seguida. São
elas também constituídas por macromoléculas, compostas por ácidos aminados
pertencentes a vinte tipos diferentes, os quais, acoplados pelas extremidades, conferem às
proteínas o caráter de “codificadas”, segundo a ordem em que se acoplam os referidos
ácidos. São elas, portanto, uma espécie de “linguagem escrita”, com um “alfabeto” de vinte
letras. Cada uma, portanto, é dotada de uma especificidade definida por sua “linguagem
codificada” ou, simplesmente por seu “código”. Com as sumárias noções acerca dos ácidos
nucléicos e das proteínas, vejamos agora alguns dados sobre o “núcleo celular”. Sua
composição assemelha-se à da célula, e possuem um “suco nuclear”, revestido por
membrana, no qual estão presentes “organitos”, que são corpúsculos permanentes, além de
corpúsculos de funções ainda não perfeitamente esclarecidas. Quanto aos “organitos”, sua
composição e funções, salvo casos acidentais, são invariáveis, constituindo-se no material
genético, nos cromossomos de existência tão freqüentemente mencionada em nossos dias.
Cabe agora tentar esclarecer o papel fisiológico dos cromossomos, cuja significação
na hereditariedade já de há muito era reconhecida, como de há muito já se conhecia que o
desenvolvimento do organismo, a partir do ovo, se dava por sucessivas divisões celulares.
Hoje, entretanto, conhecem-se mais detalhes. Sabe-se, por exemplo, que o papel da
“linguagem codificada” do ADN é o de dirigir e realizar as sínteses das proteínas, das
quais, umas vão constituir os diferentes tecidos, enquanto outras provocam, catalisam e
controlam, no sentido amplo do termo, todas as reações químicas da célula. Igualmente,
sabe-se hoje que cada um dos genes do núcleo tem por função (diríamos nós, missão),
133
realizar a síntese de uma proteína, na conformidade do seu próprio código. De fato, cada
“codon” de um gene seleciona, dentre todos os produtos armazenados na célula, o ácido
aminado que lhe corresponde, de modo a que o gene provoque o grupamento linear dos
ácidos aminados dentro da ordem que corresponde ao seu código, os quais parecem unir-se
espontaneamente, por intermédio de suas funções ácido e amina, em síntese que não é
igual às usadas pelos químicos em seus laboratórios.
Do que ficou dito até aqui, imaginamos útil extrair o seguinte resumo de
conclusões, ou observações, de magna importância:
a) a incrível complexidade das estruturas e operações vitais, maravilhosamente
ordenadas e sincronizadas, presentes nas células que o orgulho, despercebido da
135
Por tais razões, não hesita este autor em confessar, por ser verdade, que sempre
resistiu à aceitação, como verdadeira, da hipótese de ser o homem o resultado de uma
evolução processada ao longo do tempo, evolução que trazia, no fundo, a negação da
hipótese criacionista, eis que tudo dependeria do acaso cego, ocorrido no plano da matéria,
ou o do que tantos supõem seja ela e sua diferença do que, sendo transcendente a ela, de
novo o orgulho supõe fantasioso e irreal. Hoje, admitimos a existência de dois planos
segundo os quais os acontecimentos ocorrem. Temos mencionado a existência deles, ao
menos segundo nossa presente maneira de ver as coisas e tentar entendê-las. E é aqui que
136
Segundo entende este insignificante autor, fica clara aí, a hipótese de dois planos, a
que nos temos referido reiteradamente, não apenas neste texto, como registramos tantas
vezes em veículos da mídia, bem como na tribuna.
Quanto foi visto em dados que buscamos fornecer acerca da Biologia Molecular, ao
menos para nós, sugere claramente a existência de algo capaz de ordenar, controlar,
realizar de modo atordoadoramente complexo e harmonioso, as substâncias químicas que
dão realidade e expressão material aos organismos vivos, em sua variedade enorme, em
sua especificidade e em sua singularidade. E isso para não falar nas características
interdependentes dos ecossistemas, de que a menos maravilhosa não é a homeostase, capaz
de recompô-los, caso não ultrapassados certos limites de agressão daquela
interdependência harmoniosa. Voltando ao pensamento de Prigogine, e o leitor, esperamos,
concordará com a oportunidade da menção à homeostase, e ao “feed-back” tão conhecido
nos domínios da cibernética, devemos admitir que ele supõe que as coisas que se
encontram à nossa volta comportam-se como sistemas abertos, trocando matéria, energia e
informação com o ambiente. Esses sistemas abertos mantêm-se em perpétua atividade, mas
variam regularmente ao longo do tempo, devendo ser considerados, ao menos à falta de
melhor expressão, como flutuantes. Tais flutuações podem tornar-se tão acentuadas, que a
137
harmonia com que funcionam, não pode suportá-las sem se transformar. Diante do limiar
representado pela capacidade do sistema de suportar as flutuações sem se transformar,
segundo Prigogine, duas hipóteses apresentam-se como alternativas: ou o sistema é
destruído, ou admite uma nova ordem interna, caracterizada por um nível superior de
organização. E aqui se apresenta a essência do pensamento revolucionário de Prigogine: a
Vida assenta sobre estruturas ativas de caráter dissipativo, cujo papel consiste,
precisamente, em dissipar o influxo de energia, de matéria e de informação capaz de
acarretar uma flutuação.
Já vimos que uma célula viva depende, em sua estrutura, do acoplamento de vinte
ácidos aminados. O exercício das funções desses ácidos aminados, por sua vez, sabe-se
hoje, depende de cerca de dual mil enzimas especificas, que devem ordenar-se em uma
maneira própria. Cálculos probabilísticos deixam evidente que, ainda no transcorrer de
muitos bilhões de anos, a probabilidade de que apenas um milhar dessas enzimas,
ordenadas na seqüência adequada, se reunam para a formação de uma célula viva, é da
ordem de um para dez elevado a mil. Ou seja, como disse Francis Crick, descobridor do
ADN, o que lhe deu o Prêmio Nobel de Química, o surgimento da vida, à luz do que a
ciência até agora conhece a tal respeito, parece ter algo a ver com milagre.
Ainda na mesma linha de considerações, cita Jean Guitton, em seu livro “Deus e a
Ciência”, as palavras de um dos interlocutores do diálogo que manteve com dois físicos, no
presente caso Grischka Bogdanov, que assim se expressou: “Para que o agregado de
nucleotídeos levasse “por acaso” a uma molécula de ARN utilizável, teria sido necessário
que a natureza multiplicasse os ensaios às apalpadelas, pelo menos durante dez elevado a
quinze anos, ou seja, cem mil vezes mais tempo do que a idade admitida para o universo.
De tudo isso, e de mais que poderia ser acrescentado, atreve-se este escriba a julgar muito
clara a união, a convergência, entre as duas vias adotadas pela humanidade para a
dissipação das duas modalidades de ignorância em que foi mergulhada, desde a
desobediência e a Queda: a interna, por meio da religião; a externa, representada pela
ciência, que, pelos motivos expostos, ao menos segundo a nossa opinião, acentuou-se, a
partir do século XIV com o surgimento do Nominalismo, componente fundamental da
célebre “querela dos universais”. Dicotomia que, segundo pensamos, começa a apresentar
indícios claros da unificação, em um só caminho, cuja verdade, afinal, começa a impor-se,
neste final de século.
No correr desta obra, nem sempre pudemos dispor de uma parte de documentos e
livros, por motivos sobre os quais não tivemos nenhuma ingerência ou responsabilidade,
que integram a nossa biblioteca que nunca esteve reunida, completa, em um só local. Por
isso, nem sempre pudemos fazer citações textuais e acompanhadas, além da menção da
autoria, que sempre procuramos fazer, das relacionadas à editora, data da edição, local da
edição, etc. Entretanto, sobre as observações contidas nos diálogos mantidos por Jean
Guitton com os físicos Igor e Grischka Bogdanov, é-nos possível, daqui para diante,
139
sempre que pareçam oportunas, fazê-lo de maneira textual, fornecendo, além do título da
obra em que foram compendiados, a menção da editora, como é nosso dever, a Editorial
Notícias, Lisboa, feita de tradução do original francês, de 1991. É que a referida tradução,
cujo título completo, que antes registráramos de memória, como “Deus e a Ciência”, na
verdade acrescenta ainda, (para um meta-realismo), de vez que o título da edição francesa,
de Grasset e Frasquelle, é “Dieu et la science (vers le metaréalisme)”. A citação que segue,
portanto, é textual. Vejamos como se expressou Jean Guitton: ...”Que existe, então, para
além da sua substância sólida? Antes de dar a palavra à ciência de hoje, quero falar de dois
grandes pensadores que, cada um à sua maneira, responderam a esta questão: o primeiro
chamava-se Bergson.
“As considerações expostas no meu ensaio "Matière et Memoire", fazem tocar com
um dedo, espero-o, a realidade do espírito. De tudo aquilo, destaca-se naturalmente a idéia
de um Deus criador e livre gerador, simultaneamente, da matéria e da vida”.
“Como teria ele chegado a uma tal certeza? Muito simplesmente apoiando-se na
idéia de que, na origem do universo, há um impulso de pura consciência, uma ascensão
que, num instante, se interrompeu e “caiu”. Foi essa queda, essa “recaída” da consciência
divina que engendrou a matéria, tal como nós a conhecemos. Nada de espantoso, portanto,
que essa matéria tenha uma memória “espiritual”, ligada às suas origens.
“Agora, algumas palavras sobre uma segunda personagem que, também ela, contou
muito na minha vida: o padre Teilhard de Chardin. Ele tinha sido companheiro do meu tio
Joseph que, desde sempre, me falou dele. Acabei por encontrá-lo um dia, em 1928, no
decurso de um retiro. Ele estava todo inteiro nessa primeira aparição, marcado por aquela
gravidade que nunca o abandonou. Disse-se muito, escreveu-se muito sobre esse grande
140
pensador; mas o essencial de sua filosofia exprime-se menos (como sem razão se pensa) na
visão que ele tinha da evolução biológica do que na idéia muito pessoal que ele tinha da
matéria. Essa idéia impôs-se-lhe bruscamente, quando tinha sete anos. Um belo dia, ele
tinha afagado com a sua mão de criança a relha de um arado; de repente, ia perceber o que
era o Ser: qualquer coisa de duro, de puro e de palpável. Mas sobretudo, no momento em
que os seus pequenos dedos pousaram sobre o aço liso e frio da ferramenta, sua mãe pôs-
se-lhe a falar de Jesus Cristo. Então, nessa criança, as duas extremidades do Ser, a matéria
e o espírito, esses dois pólos que freqüentemente opomos, juntaram-se para sempre ” 70.
O pensador que estamos citando, em outro trecho da sua obra, assinala... “Essa
nova teoria parece-me desembocar numa abordagem verdadeira do real: o fundo das
coisas, o substrato último não é material, mas sim abstrato: uma idéia pura cuja silhueta só
é compreendida indiretamente através de um ato matemático.
“A este respeito, faço notar que a ciência rectriz, aquela que nos faz penetrar nos
segredos do cosmos, não é tanto a Física, mas a Matemática, isto é visível no destino de
dois sábios ilustres que, um e outro, cruzaram a minha vida por diversas vezes: os dois
irmãos Broglie. O mais velho, o duque Maurice, era antes de mais, físico; mas o seu jovem
irmão Louis, matemático de formação, fez mais descobertas frente ao seu quadro negro
que Maurice no seu laboratório. Por que? Provavelmente porque o universo esconde um
segredo de elegância abstrata, um segredo no qual a materialidade pouco representa”.
ninguém tem a obrigação de possuí-la - nos campos a que aqueles conceitos se referem.
Desculpem-nos, portanto. É que a magnitude do assunto é tamanha que não pudemos
evitar a sua exposição - sempre com a ressalva sobre o óbvio, relativa à nossa convicção
sobre nossas limitações pessoais. Além dela, insistiremos mais uma vez em que, sobre as
matérias expostas, a decisão sobre o que elas representam em conteúdo de verdade, cabe
aos leitores, à consideração de cujas inteligências e consciências as remetemos.
A opção, por uma ou por outra, parecerá inteiramente aleatória, devida ao acaso.
Entretanto, depois do bombardeio com um número suficientemente grande de fótons, a
figura observada na chapa fotográfica nada tem de aleatória, mas corresponde às citadas
“franjas de interferência”, em tais termos, perfeitamente previsíveis em sua configuração.
O que parecia casual, na verdade obedecia a uma ordem subjacente que, ao menos à
primeira vista, não parecia existir. Acaso? O que será, realmente, o acaso, senão uma
142
incapacidade transitória para perceber uma ordem superior, que criou e mantém todo o
universo?
Nada obstante, ainda hoje, as pessoas que freqüentaram os cursos de grau médio, e
mesmo as de meia idade que tenham sido instruídas a nível do que hoje se denomina de 3o
grau, excetuadas as que se especializaram ou se formaram em cursos em que muito
acentuadamente foram atribuídas grandes cargas horárias ao estudo das propriedades da
matéria, em sua maioria, estamos certos, imaginam que, se realmente o que sugere o étimo
da palavra átomo (aquilo que não pode ser dividido), não corresponde à realidade, tal
como supunham filósofos da escola jônica, como Demócrito e Leucipo, imaginam
existirem apenas três partículas subatômicas, prótons, nêutrons e elétrons, os dois
primeiros constituindo os núcleos dos átomos, em torno dos quais girariam os elétrons. Na
verdade, hoje sabe-se que coisas menores que os átomos não são três apenas, mas centenas,
cujo número não pára de crescer. E mais surpreendente ainda para a maioria das pessoas
não especializadas, será atentarem para o fato que chegamos a mencionar muitas páginas
atrás, denominando-o “complementaridade”, segundo o qual os fenômenos elementares
devem ser considerados como algo que é, simultaneamente, corpúsculo e onda.
143
referida acima, estaria concentrado tudo quanto hoje existe, ou sabemos existir, todos os
astros, todas as galáxias, todos os sóis, todas as plantas, todas as flores, todos os animais,
todas as plumagens, todas as simetrias das asas de todas as borboletas, todo o equilíbrio de
todos os ecossistemas, a homeostase de todos eles, os seres humanos, tudo, tudo, sugerindo
uma origem vertiginosamente potente, para a qual o tempo comumente conhecido, e que a
própria Física clássica incumbiu-se de evidenciar como algo dependente do referencial em
que foi medido, abalando a noção da simultaneidade de acontecimentos, de ocorrências
aferidas em referenciais que se movem, uns em relação aos outros, tudo isso teria
dependido do acaso? Por tais razões, talvez, é que o físico John Wheeler, apud J. Guitton,
op. cit., teria expressado a sua impressão acerca do que estaria por detrás, o que existiria
antes da “barreira de Planck”, nos seguintes termos: “Tudo o que nós conhecemos encontra
a sua origem num oceano infinito de energia, que tem a aparência do nada”.
Que significa, porém, ter a aparência do nada? Existe o nada? Assim, atrevemo-nos
a dizer que nada, aí, exprime apenas impotência diante daquilo para o que os instrumentos
de investigação, e os mecanismos lógicos aceitos até agora não têm aptidão; por isso,
também, é que ousamos dizer que estamos nos aproximando da convergência inexorável,
entre os caminhos interno e externo que os homens, como que tocados pela saudade da
harmonia que um dia conheceram, buscam reencontrá-la, trilhando, para dissipar os dois
tipos de ignorância que neles foi introduzida pela desobediência, duas vias: a interna, ou
espiritual, e a externa, relacionada às coisas do Criador de todas elas.
chamadas “partículas elementares”, sobre não serem tão poucas como a maioria dos
homens comuns continua a supor, imaginando que sejam apenas três, ou pouco mais,
tivemos oportunidade de dizer que, a esta altura, contam-se por algumas centenas, que,
entretanto, não compõem “átomos” razoavelmente compactos, mas coisas muitíssimo
distantes, umas das outras, os “átomos”, por sua vez extremamente distantes entre si,
constituintes dos objetos sólidos, como nos parecem, e que os nossos sentidos percebem
como tais.
“campos” aos quais não se pode atribuir nenhuma substância. Coloca-se, então, segundo
entendemos, uma grande questão: bem no fundo, como acabamos de ver, não há “coisas”,
mas efeitos perceptíveis de interações entre campos que não têm substância. Entretanto,
aqueles efeitos perceptíveis, em nossa escala produzem as coisas com que lidamos, com
suas formas, as suas qualidades, as suas propriedades. Coisas aparentemente estáveis,
inertes, estáticas, que, entretanto, resultam de um incessante número de interações entre
campos, que produzem efeitos apreensíveis também como partículas em fantástico
turbilhonar, que em relação às suas próprias dimensões, estão extremamente distanciadas
umas das outras.
O que fará com que desse aparente caos resulte, por exemplo, a serena e palpável
(para nós), existência de uma flor, com a sua beleza e o seu aroma, reprodutíveis em outras
de sua mesma espécie, a qual se perpetua em virtude da interação dual entre estame e
pistilo, em uma espécie de dialética, não de oposição e de luta, mas de cooperação, uma
dialética que de fato pode ser descrita como de dar e receber? Será o acaso que produz tudo
isso, e o faz em caráter repetitivo? A nós parece que, ao contrário, é mais inteligível a
suposição da existência de algo que subjaz ao caos aparentemente existente, uma ordem
superior, que nossa insuficiência de seres contingentes, ao não percebê-la, rotula como
acaso. Sem nenhuma intenção pedante, asseguramos ao leitor que outras, muitas outras
considerações, e cada vez mais abstratas e perturbadoras, poderiam ser acrescentadas como
as que conduzem ao conceito de simetria perfeita que teria existida atrás da “barreira de
Planck”, antes do momento da grande explosão, do “Big-Bang” que teria marcado o
surgimento do universo em expansão em que vivemos; simetria primordial, de caráter
absoluto, que segundo a idéia do “Big-Bang”, como instante inicial, começou a manifestar-
se por intermédio dos chamados “glúons”, que evoluíam quatro a quatro, seriam
destituídos de massa, sendo todos rigorosamente semelhantes, exprimindo, assim, o que os
físicos designam como simetria.
começo da madrugada - e isso já quando em idade avançada e sem degraus a subir na sua
carreira - chamava-nos a atenção o fato de, em termos de medicina, ser apreciador da
homeopatia objeto, àquele tempo, de muitas restrições e de não poucas suspeitas acerca de
sua validade. O autor deste livro não é medico, nem pode alimentar a pretensão acerca de
discussão a ser sustentada por quem tenha conhecimentos especializados para fazê-lo.
Ao mesmo tempo, supomos, fica também bastante clara, ao menos para nós, a
inconveniência, já mencionada, de radicalismos e de intolerância, de suspeições e de
preconceitos fundados em pressupostos que se esboroam, tudo indicando a presença de
influência perturbadora, estranha à harmonia existente, na linguagem da Física atual, no
que Era, para além da “barreira de Planck”, e no Que existiam todas as coisas. Influência
que perturba, dificulta, mas não pode impedir, supomos, o propósito que se exprime, na
linguagem bíblica, assim: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o
Verbo era Deus”.
Assim, damos por encerrada a I Parte desta obra, dedicada ao que acreditamos
sejam as causas profundas, verdadeiramente importantes, dos sofrimentos e do aparente
caos reinantes neste final de século. A identificação dessas causas, e os esforços por
erradicá-las, é que poderão contribuir para o estabelecimento de uma paz verdadeira entre
os homens. Os aspectos a que, comumente, se atribui tanta importância, geralmente ligados
a atividades de pessoas, de facções, de grupos de pressão, todos, ou quase todos, movidos
por motivações ligadas ao poder, à sua conquista e ao seu usufruto, podem ser causas
imediatas, apenas aparentes, dos problemas e dos sofrimentos a que foi feita menção. As
causas mediatas e profundas que as acarretam não estão naquelas pessoas, facções ou
grupos, na maioria das vezes ensandecidos pela ambição, sob o acicate de apetites
desaçaimados. O universo de harmonia, equilíbrio e beleza, não casuais, mas contidos já
no que Era, para além da “barreira de Planck”, não teria sofrido e continua sofrendo a
interferência do que, em linguagem bíblica é caracterizado como “o pai da mentira”, no
qual não existe nada de bom? O leitor julgará, não nós que não nos consideramos,
conscientes da nossa imperfeição, donos da verdade, que à consciência do leitor cabe
identificar. Atrevemo-nos, apenas, a sublinhar mais uma vez, que a disposição
preconceituosa, a presunção de suficiência fundada em conceitos que, quem sabe,
mereceriam ser reexaminados, são véus que, longe de ajudarem, tentam abafar a voz da
consciência. Ouvi-la, parece-nos, é mais compatível com o livre arbítrio com que o Criador
nos dotou de maneira irrevogável.
150
Já no próprio título deste livro, estão claramente enunciadas as duas etapas em que
ele seria dividido essencialmente: “Os Sofrimentos e o Caos Reinantes Neste Final de
Século” - (Suas verdadeiras causas e a restauração, possível, da Justiça e da Paz). Assim
sendo, cumprir-nos-ia, dada como encerrada a 1a Parte, com o final dos 7 capítulos em que
ela foi desdobrada, iniciar a fase seguinte, destinada à exposição de idéias concernentes à
restauração, que julgamos possível, da Justiça e da Paz. Pareceu-nos, entretanto,
necessária, a intercalação deste breve “Intervalo”, para destacar alguns pontos que nos
parecem, além de essenciais, capazes de facilitar ao leitor a compreensão do significado e
da contribuição em que desejamos este livro venha a constituir-se, para a compreensão da
realidade desnecessariamente conflitual e geradora de sofrimentos que, como um vendaval
funesto, vem vitimando a humanidade, ainda que de diferentes maneiras, extensões ou
gravidades. Supomos, por exemplo, ilusória a noção de que os sofrimentos a que acabamos
de referir-nos, estejam presentes apenas no chamado 3o Mundo, assim classificado por
constituir-se de povos e regiões de carência, de pobreza ou de miséria. Na verdade, fora
assim, a verdade, tão singela, como responder à pergunta: foram os povos do 3o Mundo e
as suas lideranças, responsáveis pelos morticínios das duas Grandes Guerras?
Estão no 3o Mundo as sociedades que mais fazem uso de drogas? Foram elas que se
incumbiram da difusão dos costumes “fáceis”, da promiscuidade sexual e das taras e
desvios sexuais? Foi delas que se originou o chamado “crime organizado”? Foi delas que
brotou a idéia de que o único e indispensável motor da História era a luta de classes? Foi
nelas que surgiu a idéia, hoje consagrada, de celebrar o Trabalho a 1o de Maio, data de
sangrentos conflitos de rua, ocorridos em importante cidade dos EUA, como conseqüência
do espírito de oposição, inimizade e rancor que, necessariamente, deveriam existir entre
patrões e empregados, para que fosse realizada justiça nas relações de trabalho? Patrões e
empregados, tanto uns quanto outros, alimentando desconfianças recíprocas, envenenados,
ambos, por aquela visão inspirada no ressentimento, entre participantes do mesmo
processo produtivo.
Foi nas áreas do 3o Mundo que foram concebidas e fabricadas as armas mais
mortíferas de que se tem memória? Foi nelas que surgiu e prosperou a idéia de
151
por ele, que se projeta nos males que mencionamos. Ocorre, porém, que, hoje, já não pode
ser aceita de maneira incontrovertida, a escravatura, como ocorria em civilizações
passadas, mesmo nos períodos do seu maior esplendor.
E se, hoje, as antigas lideranças, formais ou de fato, das antigas metrópoles, não
têm nada a oferecer em efetivo socorro dos nossos irmãos que gemem, além de
recomendar que tenham menos filhos, ou que deixem de ter filhos, o plano da Providência
segue o seu caminho, varrendo da consciência de todos a possibilidade da aceitação do
“direito” que teriam alguns povos de submeter outros, ao seu domínio. Pelo menos as
tentativas em tal sentido já não podem ser feitas de maneira explícita com que o faziam o
barão Marschall von Bilberstein e Sir Edward Fry, principais porta-vozes das grandes
potências, na famosa Conferência de Haia encontrando, já então, quem se opusesse à sua
tese, na pessoa do grande Rui Barbosa que, representando o Brasil, impediu, ou contribuiu
para que não se tornasse vitoriosa a corrente que pretendia negar a igualdade de direitos
entre as nações mais fracas e as mais fortes.
contrário, dele fizeram, e continuam a fazer parte os Estados mais fortes que, em comum o
que têm é o seu poderio. Até bem pouco, ilustrando o que acabamos de dizer, gozavam do
estranho privilégio, os EUA, a Inglaterra, a França, a União Soviética e China Vermelha.
É o mal, que sabendo-se inevitavelmente derrotado, estertora e se agita.
Entendemos, entretanto, que já não pode fazê-lo, senão mascarando a sua verdadeira face
por detrás de pretextos que, tão freqüentemente insinceros e hipócritas, através mesmo da
insinceridade e da hipocrisia com que busca proceder, revela, ao mesmo tempo, que o seu
aparentemente imbatível poder, de fato representa o campo perdedor, e a existência dos
dois planos a que temos feito menção reiteradamente: o que resulta da natureza decaída do
homem, e o providencial que, sutil mas cada vez mais claramente, se vai impondo aos
olhos de quem queira ver. Por exemplo, os que pretendem executar uma política
discriminatória, que mal consegue esconder a cupidez insaciável, sua verdadeira fonte, em
termos de realização prática, têm que usar pretextos que nada têm a ver com aquela fonte.
Falam, assim, de integração econômica e de aproximação entre os povos que, caso fosse
tão poderoso o que está, de fato, derrotado, não teriam necessidade de alegar.
Claro que, neste momento da nossa exposição, os leitores cuja benevolência lhes
tenha permitido acompanhar-nos até aqui, sabem que estamos submetendo à consideração
das suas inteligências e consciências o que, nós supomos, seja a verdade. E haverão de
lembrar-se igualmente, de que, sempre que o fizéssemos, haveríamos, de assinalá-lo, como
o estamos fazendo neste instante. Quanto à convergência das duas vias segundo as quais
buscam os homens dissipar a dupla ignorância neles introduzida desde a desobediência a
que foram levados os nossos primeiros ancestrais, por aquele que rebelou-se revelando a
índole da motivação da sua rebeldia no brado que as Escrituras lhe atribuem, “Não
servirei!“, em capítulo anterior da l.º parte tentamos evidenciá-la à luz de alguns aspectos
da Ciência, surgidos já na segunda metade deste século, com a chamada teoria quântica dos
campos. Parece-nos oportuno, neste instante, oferecer à consideração dos leitores, ao
menos dois, dentre numerosos exemplos, já agora, não no domínio da ciência, sobre a
mesma convergência. Os exemplos em causa foram tirados dos escritos inspirados, ao
menos para os que crêem, por Deus, por intermédio do Espírito Santo. Hão de lembrar-se
os leitores atentos, dos dados registrados sobre os avanços da Biologia Molecular, sobre o
ADN e o seu significado, sobre a hereditariedade e os cromossomos, e sobre a
impossibilidade de admitir-se que, em tal terreno, tudo teria acontecido “por acaso”.
Vejamos agora o que nos diz o salmo 138, em seus versículos 13 a 16: “Fostes vós
que plasmastes as entranhas do meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe .
Considerando que o texto acima foi escrito dezenas de séculos antes das recentes
conquistas da Biologia Molecular, não parece ter algo a ver com o que esta última nos
ensina em nossos dias sobre ADN, cromossomas, hereditariedade?
Por outro lado, vimos também como está se tornando patente que o que tem a
aparência de casual, aleatório, na verdade exprime aspecto de uma ordem de nível mais
73. Grifos do Autor.
alto do que aquele que podemos alcançar; por isso, parece-nos casual o que, em realidade,
não o é. Expusemos à consideração pela inteligência do leitor as idéias de Ilya Prigogine,
como as chamadas “franjas de interferência”, que surgem regularmente, de fótons que,
individualmente considerados, comportam-se de modo, aparentemente, aleatório.
Mencionamos o conceito de complementaridade, observável nas interações elementares,
quando impõem-se noções como a de que o que conhecemos como elétron, por exemplo,
deve ser concebido como algo que, simultaneamente, representa duas coisas diferentes.
Assinalamos, também, que as que até relativamente pouco tempo, eram consideradas as
menores partes da matéria, em número de apenas três, contam-se hoje por centenas, ao
mesmo tempo em que se vai, rapidamente, desvanecendo a distinção, que tantos continuam
imaginando irredutível, entre o que é material e o que não é, entre o físico e o metafísico,
entre um universo imaginado como uma gigantesca máquina e o que, cada vez mais, se
assemelha a um pensamento.
Tudo isso foi exposto anteriormente, e seria inoportuno acrescentar outros dados
que figuram na parte desta obra a que estamos fazendo menção. Acrescentaremos, apenas,
a existência de fronteiras do universo alcançável pela investigação científica. Barreiras
que, admite a ciência, são intransponíveis. Dentre elas, a que designamos como “barreira
de Planck”, aquele tempo inimaginavelmente pequeno, expresso, em segundos, pela
unidade precedida de quarenta e dois zeros. Mas, vimos também, por detrás dela existe o
que, segundo a hipótese do “Big-Bang”, já continha tudo quanto, com a colossal explosão
que teria dado origem ao universo em que vivemos, representa todas as suas
características, de vez que o acaso parece não representar senão um rótulo dado pela nossa
ignorância, a respeito do que observamos e não podemos entender ainda. Este é um
resumo, do reduzidíssimo resumo que fizemos sobre o assunto, na I Parte deste livro.
Vejamos, agora, o que têm a dizer-nos as Escrituras, em nosso entendimento, em
perceptível e surpreendente correlação com ele: para tanto permitir-nos-emos lançar mão
do que se pode ler no livro do Eclesiástico, um dos livros denominados deuterocanônicos,
156
que com tal designação, a Igreja católica inclui entre os componentes do Antigo
Testamento.
A religião judaica não o aceita como parte dos escritos inspirados, como não aceita
os que não tenham sido encontrados em seus textos escritos em hebraico. No particular, as
denominações cristãs protestantes os acompanham. Feita a observação acima, vejamos o
texto a que nos estamos referindo. Trata-se do cap. 23, versículos 28 e 29, do livro
deuterocanônico citado: “Ele não sabe que os olhos do Senhor são muito mais luminosos
do que o sol, que examinam por todos os lados o procedimento dos homens, as
profundezas do abismo, e investigam o coração humano até em seus mais íntimos
esconderijos.
Pois o Senhor Deus conhecia todas as coisas antes de as ter criado, e as vê todas,
depois que as completou" 74.
Parece-nos que, sobretudo entre o trecho grifado e o que estava por detrás da
“barreira de Planck”, associado à idéia de que não existe o acaso, a não ser para as
limitações de seres contingentes como somos, ambas concepções elaboradas pela ciência,
há uma correlação mais do que surpreendente. Assim, em sentido pessoal, reiteramos ser
nossa opinião a de que, efetivamente, a busca da verdade, pelos caminhos da religiosidade
e da ciência, convergem nos dias de hoje, forçando a derrubada das barreiras da
intransigência e do preconceito. Em todo caso, não é nosso propósito, e já tantas vezes o
temos dito, substituir pela nossa, a visão crítica dos que venham a honrar-nos com a sua
leitura. Já dizia Bergson que a aquisição do conhecimento não se realiza, tão somente, por
intermédio do intelecto, à luz de evidências que satisfaçam os seus mecanismos. Também a
intuição participa daquela aquisição o que, mesmo antes de conhecer o papel, ou a
importância atribuídos por aquele grande filósofo, à intuição, já nos chamava a atenção o
fato de que, entre duas teses defendidas com propriedade equivalente, segundo as
exigências do intelecto; e, mais, mesmo quando uma delas parece reunir um número maior
de dados a seu favor, de comprovação acessível à verificação direta, mesmo em tais casos,
é freqüente a inclinação de alguns em favor de uma das teses, e de outros em favor da
outra.
157
Duas vias representadas até aqui, essencialmente, pela religião e pela ciência. Daí a
importância por nós atribuída à convergência a que nos temos referido e em favor da qual
buscamos apresentar à consideração dos leitores um resumo de dados e informações que
nos parecem de extraordinária importância. Afinal, e tantas vezes temos repetido, “a
desordem que reina na sociedade, reinou primeiro no coração e na mente daqueles que a
compomos”. Daí também as reiteradas menções feitas a uma observação de Michael
Novak para quem um dos aspectos mais preocupantes dos dias atuais é o da prevalência
das idéias sobre os fatos, mesmo quando estes as desmentem de modo frontal.
“Pois, quem é Apolo? E quem é Paulo? Simples servos, por cujo intermédio
abraçastes a fé, e isto conforme a medida que o Senhor repartiu a cada um deles: eu,
plantei, Apolo regou, mas foi Deus quem fez crescer. Assim nem o que planta é alguma
coisa, nem o que rega, mas só Deus, que faz crescer. O que planta ou o que rega são iguais;
cada um receberá a sua recompensa, segundo o seu trabalho.
“Nós somos operários com Deus. Vós sois o campo de Deus, o edifício de Deus.
Segundo a graça que Deus me deu, como sábio arquiteto, lancei o fundamento, mas outro
159
edifica sobre ele. Quanto ao fundamento ninguém pode pôr outro diverso daquele que já
foi posto: Jesus Cristo.
“Agora, se alguém edifica sobre este fundamento, com ouro ou com prata, ou com
pedras preciosas, com madeira, ou com feno, ou com palha, a obra de cada um aparecerá.
O dia do juízo demonstrá-lo-á. Será descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o
trabalho de cada um. Se a construção permanecer, o construtor receberá a recompensa. Se
pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém passando de alguma maneira
através do fogo”.
Assim, que nos desculpem os que se imaginem atingidos por expressões usadas por
nós. A nossa intenção não é ferir, ofender, magoar, depreciar quem quer que seja - mas
contribuir, quanto nos esteja ao alcance para, sem preconceitos, oferecer a nossa
contribuição, cuja propriedade, oportunidade e verdade serão, digamo-lo uma vez ainda,
julgados pela voz intima que a todos nos fala em silêncio, cuja voz o tropel dos instintos e
apetites não consegue anular.
II PARTE
Supondo embora os que não crêem, que Jesus Cristo foi um homem como os
demais, em todos os sentidos, negando a missão messiânica que os cristãos, de qualquer
denominação, lhe atribuem, parece difícil imaginá-lo como alguém alienado e pouco
prático, com visão precária da realidade, se em apenas três anos, no período transcorrido
entre os trinta e os trinta e três anos de sua curta existência, marcou indelevelmente a
História, hoje tão freqüentemente dividida em duas eras distintas, a.C. e d.C., sobretudo
quando se leva em conta que ele veio ao mundo em lar pobre e em longínqua e, segundo os
padrões correntes do mundo, insignificante província do grande império romano. Sem a
pretensão de fazer prevalecer a nossa opinião sobre a de quem quer que seja, na verdade
raciocinamos como acaba de ser dito. Ou seja, ainda que convencidos da missão e caráter
divinos do Messias anunciado desde a profundidade dos séculos, por intermédio dos
escritos inspirados que falaram da Sua vinda, mesmo que não o estivéssemos, não
poderíamos avalia-lo senão como alguém absolutamente extraordinário, em termos de
lucidez e de visão de incomparável profundidade.
162
De outra parte, o que parecerá mais prático, para a consecução de uma sociedade
pacífica: a animosidade alimentada pela desconfiança, ou a disposição de entender que,
realmente, no fundo, bem no fundo, somos todos irmãos? Outra pieguice alienada? Mas,
será dela que têm resultado as guerras e as violências, de variada modalidade, mas sempre
expressões de injustiças, que não se nutrem senão de egoísmo? No sentido material,
conquistamos muito - mas estaremos nos sentindo bem?
Parece que a resposta à indagação que acaba de ser feita, é óbvia: a despeito,
como já vimos, de todas as conquistas feitas pela humanidade no domínio físico, com todas
as possibilidades e benefícios que as acompanharam, os dias em que vivemos não serão
descritos com realismo, se o forem como dias marcados pela harmonia e pela felicidade.
Ao contrário, como que sopram de todos os quadrantes ventos de discórdia, multiplicando
mal-estares e conflitos, violências e sacrifícios absurdamente em desacordo com a extensão
alcançada pelas conquistas acima mencionadas. É que elas se vêm realizando,
especialmente, no âmbito físico da realidade e o homem não é, ao menos segundo
pensamos, apenas corpo, mas uma dualidade consubstancial em que, juntamente com
aquele, com suas necessidades, está presente o espírito, que por intermédio dele se exprime
e atua no plano em que vivemos. Espírito que tem, também, as suas necessidades, que o
impelem, como que movido pela saudade difusa, imprecisa de um passado de harmonia e
de beleza de que desfrutaram os nossos primeiros antepassados e que as tiverem
profundamente perturbadas, com a perda da beatífica felicidade que agora busca a
humanidade reencontrar.
ilusória, que impede a visão, para nós, ela sim realista, de que tais ilhas, caso existissem,
não seriam compatíveis com a realização da felicidade, objetivo de todos.
“Pelos frutos os conhecereis”. Reparem quais têm sido os frutos resultantes das
disposições egoísticas, tantas vezes rotuladas como “espírito prático”.
Poucos anos mais tarde, por volta de 1930, o que nascera como “Grupo de
Oxford” alcançava âmbito mundial, tendo Carl Hambro, presidente da então Liga das
Nações, declarado algum tempo depois: “Onde nós fracassamos, vocês tiveram êxito; não
soubemos transformar a política, vocês souberam transformar os homens e lhes ensinar
uma nova maneira de viver”. Em 1938, surgia do “Grupo de Oxford”, inspirado pelas
idéias de Frank Buchman, o programa do Rearmamento Moral. Contra ele levantou-se
imediatamente a oposição das ideologias totalitárias, pois o que fascistas e comunistas
mais temiam, era ver unida ao poder industrial e militar das democracias, a força poderosa
de uma ideologia superior. Desde o início, Frank Buchman foi violentamente atacado por
todos aqueles que se opunham a ver implantar-se no mundo uma ideologia moral 77. Os
comunistas procediam de acordo com a sua técnica habitual: chamar fascistas aqueles que
temiam. Os nazistas diziam que o seu trabalho “fornece aos cristãos os seus alvos
democráticos mundiais... Opõem-se, claramente ao Nacional-Socialismo" 78. Já àquele
tempo, dizia Buchman, que “a solução esperada encontra-se numa ideologia moral e
espiritual79 capaz de remediar as fraquezas da nossa civilização e, por seu dinamismo,
ganhar a adesão das massas que reclamam, em toda parte, com justiça, uma mudança”.
E mais adiante: “se me permitirem empregar uma frase freqüentemente usada por
um importante movimento que se desenvolve atualmente neste país e em outros lugares, o
que necessitamos é de pessoas guiadas por Deus para criarmos nações dirigidas por Deus,
a fim de criar um mundo novo. Todas as outras idéias de reformas econômicas são
demasiado estreitas para atingirem o âmago do mal” 80. Também manteve contato com
Sun-Yat-sen, o fundador da República da China, entre tantos e tantos outros líderes
políticos, sindicalistas, empresários. Diplomata com larga experiência, referiu-se ao
“Rearmamento Moral”, no tempo do “apartheid”, na África do Sul, e, com relação à África
em geral, assim se expressou: “Na África, hoje, os africanos perguntam em toda parte aos
brancos: “quando vocês se retirarão?” Mas aos homens e mulheres do Rearmamento
Moral, eles dizem: “Quão rapidamente vocês podem vir?” Richard Tegström, o brilhante
cinegrafista de Walt Disney, que foi à África filmar “Liberdade”, falou dos filmes a que
assistiu naquele continente. Disse que: “Das telas brancas, a escória dos filmes produzidos
pela civilização ocidental, é derramada, noite após noite, sobre a juventude africana
indefesa. Quanto à programação difundida pelas telas de TV que penetra em milhões de
lares, preferimos não comentar".
“Em nossa época, uma idéia que exclui quem quer que seja,
é mesquinha demais”.
Assim, para o Dr. Buchman, o caminho parte da observância sincera, pelos homens,
de 4 princípios que passem, efetivamente, a reger a sua conduta e orientar as suas decisões
e as suas atitudes. São eles: honestidade, pureza, altruísmo e amor absolutos. Comentando
os princípios enumerados, assim se exprimiu ele:
173
Assim, sem apreciar no mérito, o que foi registrado sobre o “Rearmamento Moral”
proposto pelo Dr. Frank Buchman, personalidade e obra das quais buscamos dar dados que
supomos expressivos, quanto ao significado místico e a importância do esforço por ele
realizado em vida, passaremos, em seguida, com toda a isenção, a expor dados referentes à
posição fundamental da Igreja Católica Apostólica Romana, no que tange ao papel que se
atribui de única representante autêntica de Jesus Cristo na Terra, papel que lhe teria sido
concedido pelo próprio Salvador, quando da Sua passagem pela terra.
Por favor, estamos nos atendo ao domínio factual. Supomos que a bagagem
intelectual de uma Igreja que já dura cerca de vinte séculos e que, ao menos no Ocidente,
até o século XVI, tinha a principal responsabilidade de manter acesa a chama da
mensagem do Cristianismo - e isto em condições como as descritas no bosquejo histórico
que figura na I Parte deste trabalho; Igreja da qual brotaram obras, para citar apenas duas
dentre numerosas outras, como as S. Tomás e Sto. Agostinho; em respaldo aos pontos de
vista transcritos acima, atribuídos à Tradição, certamente possui uma cópia imensa de
argumentos em favor daqueles pontos. Na realização deste trabalho, o objetivo, porém, é o
de nos mantermos no domínio factual. Com base na formidável bagagem filosófica,
teológica, exegética que seus doutores produziram ao longo do tempo, na realidade a Igreja
Católica reivindica que, com ela, estão as chaves da interpretação correta das Escrituras e
da Verdade que nelas se encerra. Também nos parece que, em matéria de doutrina social,
numerosos documentos pontificais como, entre outros, encíclicas como a “Rerum
Novarum”, a “Quadragésimo Ano”, a “Libertas”, do mesmo pontífice autor da “Rerum
Novarum”, Leão XIII, da “Divini Redemptoris”, da “Octogesimo Adveniens”, da “Mater
et Magistra”, da “Laborem Exercens”, da “Humanae Vitae”, etc., etc., têm representado
algo considerado geralmente como contribuição excepcionalmente respeitável no domínio
dos estudos sobre a problemática social do nosso tempo.
secular e o clero regular. O segundo, representado pelos sacerdotes que ingressam nas
diferentes Ordens em que a sua maneira de exercer o sacerdócio pode encontrar maior
afinidade com a vocação de cada um. Estamos nos referindo, por exemplo, e novamente
para citar apenas alguns exemplos, à Ordem de S. Bento, à Ordem de S. Francisco, à
Ordem de S. Domingos, à Companhia de Jesus, à Ordem dos Carmelitas, etc. A cada uma
delas corresponde uma dada disciplina, uma dada estrutura organizacional, uma dada
maneira de viverem os seus integrantes, a fé que abraçaram.
Uns, mais afeitos à contemplação e à oração; outros, sem desprezar esses aspectos
básicos da vida monástica, mais afeitos às cogitações intelectuais a respeito dos
fundamentos daquela mesma fé. Os sacerdotes seculares são os que, consagrados
sacerdotes, não optaram pela vida monástica e exercitam as suas atividades nos templos em
que oficiam a Missa, batizam, crismam, casam, de um modo geral ministram a eucaristia e
os outros sacramentos, ouvem em confissão, etc. Não vivem, porém, reclusos, mas em
contato mais direto e freqüente com os fiéis. Estão sujeitos, entretanto, como, atualmente,
todos os sacerdotes da Igreja Católica Romana, ao celibato, e são obrigados, entre outros, a
fazerem o voto de castidade. Nesse aspecto, a orientação da Igreja a que nos estamos
referindo, mostra-se muito rigorosa e não faz concessões. Não se dispõe a abolir o celibato
dos sacerdotes, não aceita o divórcio, não admite o aborto, não aceita métodos
contraceptivos, não aceita a chamada fecundação “in vitro”, etc. Claro que o leitor entende
que nos estamos referindo a aspectos doutrinários da posição de Roma. As transgressões de
que são acusados membros do seu clero, referem-se, quando procedentes, a falhas
humanas, que o magistério não incluiu na sua orientação e doutrina. E não teriam sido
poucas, ao longo de tanto tempo, diante de um ascetismo que, ainda hoje, não se atenuou,
muito pelo contrário, nos documentos de orientação doutrinária.
Também é necessário mencionar as freiras, com seus trajes mais recatados do que
os em moda em nossos dias, atuantes de diferentes maneiras, embora não investidas do
“munus” sacerdotal, conforme as disciplinas e pastorais que escolheram. As denominadas
“Irmãs de S. Vicente de Paulo”, que se voltam para a assistência aos doentes, são exemplo
frisante do que estamos expondo à consideração do leitor. Há as que se dedicam à
assistência à infância, p. ex., nos orfanatos, etc. etc. A despeito de tudo isso, sobretudo a
partir do Concílio Vaticano II, além de problemas relacionados a desvios pessoais de
sacerdotes que foram apontados como transgressores das normas de comportamento que
179
decorreriam de sua fidelidade a votos feitos, surgiram problemas formais, de índole ritual
ou litúrgica, que foram uma fonte de divergências entre sacerdotes, os quais passaram a ser
vistos como classificáveis em dois grandes grupos: o dos “progressistas” e o dos
“conservadores”. Face à questão social, agravando ainda mais os problemas, surgiu a
chamada “teologia da libertação”, cujos vultos mais mencionados foram, entre nós, um
franciscano que acabou abandonando a Igreja, um outro sacerdote que envolveu-se de
modo surpreendente do ponto de vista “conservador”, como assessor de uma importante
liderança política, para não falar de estrangeiros, igualmente muito conhecidos dos que
acompanharam esses problemas.
No passado, numerosas vezes, até pela grande influência que tinha sobre os
detentores do poder temporal, o clero cometeu equívocos, que o papa João Paulo II, de
público, admite como lamentáveis, e por eles pede perdão. Levando em conta que a
sociedade dos nossos dias exalta, na prática, o direito que teriam os homens de deixar
expandir livremente os seus impulsos instintivos, tão poderosos que, de seu poderio, dele
queixou-se até o grande “Apóstolo das Gentes”, as vocações sacerdotais escasseiam,
sobretudo para o ingresso em denominação de tão rígidas exigências, e que, por isso
mesmo, incomoda quantos vêem nessa rigidez uma censura subliminar, ao que decorre do
conceito em que têm a liberdade e o seu exercício. E essas observações, ao contrário do
que possa parecer à primeira vista, não são opinativas - o que seria incompatível com o
nosso compromisso de isenção. As estatísticas comprovam e não apenas em nosso país,
que as vocações sacerdotais têm diminuído, sobretudo se comparado o número de jovens
que procuram os seminários com as frações que eles representam em relação ao
crescimento populacional85. É que, repisemos ainda uma vez, o “espírito da época”,
nitidamente, exalta a satisfação dos sentidos a tal ponto, que quanto a ela se oponha, passa
a ser confundido com obscurantismo inaceitável, quando não com “violação dos direitos
humanos”.
85. Observa-se, atualmente, o início de inversão da tendência assinalada, sobretudo nas regiões em que tem prosperado o pentecostalismo da
“Renovação Carismática Católica”. (Nota do Autor).
180
As conseqüências são bem conhecidas, e sua avaliação nem sempre tem sido feita
com a indispensável isenção. Em período ainda recente da nossa história, as autoridades
eclesiásticas não proibiam a participação direta de sacerdotes na vida político-partidária o
que, do ponto de vista daquelas autoridades, não se mostrou conveniente. Igualmente,
organização como a JUC (Juventude Universitária Católica), e a JOC (Juventude Operária
Católica), praticamente deixaram de existir.
Perda de ardor que não sendo total, de vez que a igreja católica romana continua a
enviar missionários a áreas do mundo que carecem de apoio espiritual e de assistência
sobretudo a doentes, do que foi exemplo notícia que correu o mundo, acerca de duas freiras
brasileiras que haviam desaparecido e foram devolvidas à liberdade, durante a ação
missionária que, silenciosamente, realizavam em uma das regiões mais sofridas do planeta.
Também é factual, porém, que à perda de ardor referida, correspondeu uma evidente, como
que burocratização da atividade sacerdotal, nos templos, mais nitidamente exercitada em
aspectos rituais ou litúrgicos, do que na ênfase dada ao esforço pelo fortalecimento da fé e
pela conversão. O que, pelo menos segundo pensamos, não desmente a eficácia do
consolo, para os que crêem, da absolvição de Deus das culpas de que se arrepende o fiel,
intermediada pelo sacerdote que lhe ouve a confissão, no exercício do que, em linguagem
corrente, de natureza científica, denomina-se catarse. Realiza-se, porém, a referida catarse,
para quem crê, em patamar que a ciência não alcança, que é o do arrependimento. Não
alcança, registre-se, por não ser do âmbito do seu campo de atividade levar a
arrependimento, de mesma índole e de implicações análogas ao que a expressão adquire
em sentido religioso. Quanto ao valor que, para o fiel, tem o sacramento da eucaristia, nem
é necessário enfatizar que a ciência não se propõe oferecer algo correspondente.
182
falado tanto do crescimento dos que, na maioria das vezes, são designados como
“evangélicos”.
Como se vê, a palavra evangélicos, naquela oportunidade, foi grafada entre aspas,
cuja razão de ser, cumpre-nos agora explicar. É que, sem discutir, no mérito, os motivos e
argumentos dos que foram os vultos mais proeminentes da Reforma, a Igreja romana,
quaisquer que possam ser as suas falhas e as suas deficiências, ninguém dirá que repudiou
a mensagem do Salvador. De outra parte, pertence também ao domínio factual que, sem
colocar em dúvida a sinceridade de propósitos e a religiosidade ardente dos dois grandes
nomes da Reforma, a divisão, em termos confessionais do Cristianismo, não se limitou a
duas ou, quando muito, três frações denominacionais. Ao contrário, ela prosseguiu e, hoje,
em nosso país como em outros, as divisões e subdivisões têm se multiplicado sem parar,
enquanto denominações que já agora passam a ser designadas como tradicionais, v.g., a
Luterana, a Presbiteriana, a Batista, a Metodista, obviamente evangélicas, não têm
crescido, sobretudo as duas primeiras, no mesmo ritmo. O que se nos afigura, de fato, mais
próprio, é falar do fenômeno do pentecostalismo, presente e aparentemente responsável
pelo dinamismo que tem faltado às igrejas que não o praticam.
Por tal razão, dispomo-nos, neste momento, a registrar alguns dados a ele,
pentecostalismo, referentes. Comecemos pela passagem que figura nos Atos dos
Apóstolos, cap. 2, versículos 1 a 28, onde se narra que, no dia de Pentecostes, no local em
que estavam reunidos os apóstolos, após soprar um vento forte, surgiram umas línguas de
fogo que se dividiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram, então, todos cheios do
Espírito Santo, e começaram a falar em diversas línguas, conforme o Espírito Santo lhes
concedia que falassem. Passou, então, muita gente a ouvi-los e maravilhavam-se de que
cada um os ouvisse como se estivessem falando em sua própria língua. É que sabiam que
os que falavam eram todos galileus e os ouvintes pertenciam a numerosos povos sendo
muitas as suas línguas maternas. O fato os deixara perplexos, e se perguntavam uns aos
outros: “Que significam estas coisas?” Outros, porém, zombeteiros, diziam: “Estão todos
ébrios de vinho doce”.
falou, anunciando que nos últimos dias derramaria do Seu Espírito sobre todo ser vivo, e
então profetizarão os vossos filhos e vossas filhas. Os vossos jovens terão visões, e os
vossos anciãos sonharão. Sobre os meus servos e servas derramarei naqueles dias do meu
Espírito e profetizarão. Acontecerão prodígios no céu e milagres embaixo na terra: sangue,
fogo e vapor de fumaça. O sol se converterá em trevas e a lua em sangue, antes que venha
o grande e glorioso dia do Senhor. E então, todo o que invocar o nome do Senhor será
salvo". A profecia a que aludira Pedro refere-se a Joel 3, 1-5.
Prosseguindo, disse Pedro aos israelitas que "Jesus de Nazaré, de quem Deus deu
testemunho com milagres, prodígios e sinais que realizou por intermédio dele, em meio aos
israelitas, como estes sabiam, foi entregue, segundo determinado desígnio e presciência de
Deus, por israelitas que o mataram, crucificando-o por mãos de ímpios. Entretanto, Deus o
ressuscitou, rompendo os grilhões da morte, porque não era possível que ela o retivesse em
seu poder". E citou-lhes o que dissera Davi sobre a esperança na ressurreição, no Salmo
15, 8-11.
Sobre os carismas e dons espirituais, o apóstolo Paulo afirma a sua existência, a sua
diversidade, a sua fonte comum, o Espírito Santo, a diversidade de ministérios e operações,
mas um só Deus, que opera tudo e em todos. Menciona, entre outros, o dom de curar
doenças, o de profetizar, o de ciência, o de línguas, o de interpretação das línguas, o da
sabedoria. Mas tudo em um sentido de unidade e de cooperação, "pois todos os que crêem,
quaisquer que sejam as funções que desempenhem e os dons e carismas que possuam são,
todos, membros de um mesmo corpo, que é o corpo de Cristo, não se justificando
dissenções, como os diferentes órgãos de um mesmo corpo, para que este exista como tal,
embora diferentes, devem colaborar, cada um com sua função, para que se mantenha a
harmonia do todo".
por definição. Os que têm dúvidas e, dentre eles, os que estejam sofrendo, em si mesmos,
ou na pessoa de entes queridos, vão sendo atraídos por um pentecostalismo fortemente
devocional, que aceita que os dons do Espírito Santo não se manifestaram apenas durante
pouco tempo, nos primórdios do Cristianismo, mas continuam a ser derramados pelos que,
com disposição sincera e coração contrito, tentam socorrer-se da misericórdia de Deus,
eternamente fiel, que criou-nos a todos para que fôssemos objetos do seu amor, a
manifestar-se segundo os desígnios de Sua providência, infinitamente sábia, e os ditames
de Sua vontade, sempre orientada para o bem, embora nem sempre seja possível às Suas
criaturas entendê-la.
O comentário feito nas linhas acima, não foi redigido com sentido apologético, mas
descritivo, no que tange ao fenômeno do pentecostalismo que não é uma exclusividade de
denominações cristãs que não seguem o catolicismo romano mas, pelo contrário, quase
todas resultaram das divisões que se vêm multiplicando desde as origens do chamado
protestantismo. Por exemplo, o referido catolicismo tem como uma de suas características,
igualmente não exclusiva, a diversidade de atividades e instituições que abrigam os fiéis,
clérigos ou leigos, segundo as suas propensões e inclinações, como mencionado
anteriormente. Pois, segundo estamos informados, do laicato brotou o movimento talvez
mais dinâmico do catolicismo atual, representado pela chamada “Re novação Carismática
Católica”. É de justiça registrar que o ponto de partida ocorreu há cerca de vinte anos, em
virtude de um sacerdote católico, que exercia o seu ministério junto a uma universidade
dos EUA, ter aceitado convite para assistir ao culto em uma igreja pentecostal, a que
compareceu acompanhado por um grupo de estudantes da mencionada universidade. O que
viram os impressionou por tal maneira que, pouco depois, realizaram reunião semelhante,
em sua própria igreja.
que designamos como “externa”, à diferença da via religiosa que a humanidade tem
procurado palmilhar para a redução da ignorância que denominamos “interna”, ou
espiritual, a relutância de parapsicólogos à aceitação de alguma coisa que possa ser de
índole sobrenatural, reflete a aceitação, ainda hoje generalizada, entre o físico e o
metafísico como domínios irredutível e essencialmente distintos. Naquela parte dedicada à
ciência, sem confusão com o panteísmo que uma observação desatenta possa supor, vimos
que cada vez mais se esbate e desvanece aquela distinção. Feita a observação, parece-nos
justo também mencionar a presença entre nós de igrejas que, não sendo conseqüentes ao
protesto de Luthero e de Calvino, não têm seguido a orientação do papado. São igrejas
ditas do catolicismo ortodoxo, que não sofreu influência predominante do ocidente, e que,
em sua maioria, separou-se do catolicismo romano em meados do século XI. A razão
principal da ruptura foi a excomunhão, pelo papa Leão IX, do patriarca Miguel Cerulário, a
propósito de divergências de natureza teológica, a respeito da Terceira Pessoa da
Santíssima Trindade, o Espírito Santo.
O leitor, paciente e atento, terá percebido que, ao menos do ponto de vista deste
autor, há, no campo da religiosidade, dois dados que ressaltam com muita evidência: o que
designamos como pentecostalismo, atraindo multidões de criaturas aflitas, em busca de
alívio e de esperança pela via religiosa; e o fato, ao menos em nossa sociedade, do
extremado ecletismo - de resto garantido pela Constituição, cuja letra assegura o direito ao
exercício das convicções religiosas, não podendo ninguém ser discriminado em virtude de
tais ou quais opções, como não podendo sê-lo em conseqüência de convicções políticas ou
189
Ora, o fato em si, de ter sido levada a cabo tão extensa e violenta perseguição
contra uma determinada instituição religiosa, a ponto de ser efetivada, em numerosos
casos, por intermédio da prática de violência física contra o patrimônio, representada por
arrombamentos de portas, de armários, gavetas, de sedes invadidas por grupos
aparentemente enfurecidos, levou-nos como, julgamos, a qualquer observador isento e
desapaixonado, a sentir que algo muito estranho, estaria por detrás de tudo isso. É que se
tratava de comportamento em absoluto desacordo com os hábitos de tolerância religiosa de
nossa gente, tolerância a que foi feita referência anteriormente, no curso deste trabalho. O
fundador do movimento religioso, alvo de tão surpreendente e insólita reação do nosso
povo, geralmente pacato, vinha sendo descrito como um aventureiro sinistro e desonesto,
cujos adeptos eram conquistados por meio de lavagens cerebrais praticadas contra jovens
191
Referia-se sem dúvida ao fato de que a cosmovisão de que fora o arquiteto genial,
incluía necessariamente a negação de qualquer coisa fora ou distinta da matéria - portanto a
negativa da existência de um Deus criador - além de incluir, entre numerosas outras coisas,
a existência de leis internas da matéria, que operavam e eram o motor também da História,
e que o conhecimento humano deságua, inevitavelmente, na ação. Ora, ao tempo da
perseguição a que nos estamos referindo, em nada interessava a certo tipo de ativismo,
revelar que o seu alvo estivera detido, como prisioneiro, em campos de concentração, em
conseqüência de pregação religiosa que contrariava, obviamente, a quantos entendessem
que religião, qualquer que ela seja, constitui-se em “ópio do povo”, no sentido de que, ao
acenar para a existência de uma outra vida, de duração eterna, cujo transcorrer será ditoso,
na dependência da conduta humana, marcada pela resignação, pela tolerância e pelo amor
ao próximo, atenua os sentimentos que se constituem no combustível da “luta de classes”.
192
Tanto mais quanto, os acontecimentos a que nos estamos reportando neste momento,
ocorreram ainda ao tempo dos governos presididos por generais, não convindo, no caso da
perseguição movida contra a organização fundada pelo Rev. Dr. Sun Myung Moon,
descrevê-lo senão como um criminoso comum.
É que, supomos, muitos entendiam àquela época, que o referido Dr. Moon combatia
o comunismo, no sentido político, social e econômico em que os seus perseguidores, ou
adversários, entendiam o vocábulo. Não cogitavam da hipótese de que, no comunismo ele
pudesse ver, em primeiro plano, o materialismo, a negação da transcendência, o que outras
correntes filosóficas igualmente faziam, mas não com a mesma formidável
operacionalidade dos impregnados pela visão da luta como motor insubstituível da
História, por detrás dos quais estava a URSS, com o seu formidável poderio militar, o seu
suposto exemplo de sociedade igualitária e justa, a meta dos sonhos dos militantes de todos
os partidos que, sob tais ou quais designações o acalentavam. A esta altura, muitos leitores
estarão se perguntando sobre se esquecemos o compromissos da imparcialidade.87
Entretanto, até aqui estamos descrevendo e citando fatos que, se necessário, poderemos
provar que, no que porventura corrijam aspectos da imagem do Sr. Moon e dos seus
seguidores, em favor dos mesmos, foram obtidos de fontes contrárias a ele e às suas
atividades. Por exemplo, haverão de ter notado que o líder religioso coreano vem tendo o
seu nome precedido neste texto pela abreviatura “Dr.”.
87. Ao contrário, porém exatamente pelo compromisso com a imparcialidade, registre-se que a
sonegação fiscal, em conseqüência da qual foi condenado o líder religioso Dr. Sun Myung
Moon, é algo factual, não opinativo. Por esta razão, sentimo-nos na obrigação de nos
deter sobre fato tão grave, sobretudo quando se trata do perfil de quem se apresenta
como líder religioso, liderança cuja natureza é incompatível com práticas de
desonestidade e corrupção. Assim, para que o leitor possa, ele sim, avaliar a questão,
oferecemos à sua análise, os seguintes dados factuais:
1) O líder religioso em questão chegou aos Estados Unidos em 1971.
2) A Igreja por ele estabelecida naquele país passou a existir, do ponto de vista
jurídico, a partir de 18 de setembro de 1961.
3) A importância a que se referiu o processo em que foi condenado à prisão o Dr. Moon
era de US$ 7.300.
4) O processo em questão foi iniciado cerca de l0 anos após a prática da sonegação a
que se referia, cujo montante, acrescido de multas e juros correspondentes aos anos
transcorridos, totalizava US$ 25.000.
5) Aproximadamente na mesma época em que se deu a condenação do Reverendo coreano, a
Sra. Geraldini Ferraro, que fora acusada de sonegar cerca de US$ 29. 709, foi
condenada ao pagamento de multa, não à prisão. Também o Sr. George Bush, por falta
análoga, relativa a uma importância de US$ 129.000, foi condenado à pena pecuniária,
tal como a Sra. Ferraro, que chegou a candidatar-se à vice-presidência do seu país
pelo partido Democrático. Em ambos os casos, admitiram as autoridades competentes
que as sonegações não haviam sido praticadas com dolo - e daí, a sanção pecuniária,
não prisional.
6) A pena de prisão imposta ao Dr. Moon foi de 18 meses, da qual o condenado cumpriu
13, tendo sido beneficiado por indulto (?) concedido pela entidade AMICAS CURIAE.
7) A pena de prisão, imposta a um estrangeiro que, presumivelmente, nem sequer dominava
o idioma inglês ou, menos ainda, conhecia perfeitamente a legislação fiscal
americana, foi considerada, no mínimo como fruto de intolerância (bigotry), termo
usado em seu idioma, por jornalista da importância do Sr. Carl Sherwood. O citado
jornalista goza da reputação de ser um dos mais competentes repórteres
investigativos americanos, do que parece fazer prova o fato de ser talvez o único de
193
seu país, portador dos prêmios Pulitzer e Peadoby, cuja importância não precisa ser
realçada. O referido repórter publicou, como produto do seu trabalho sobre o
processo em que foi condenado à prisão o Dr. Moon, um alentado volume de cerca de
700 páginas, nas quais trata do que lhe pareceu um conjunto de irregularidades
processuais, fruto de perigosa intolerância.
Os dados desta nota são factuais, não opinativos. Cabe ao leitor, não a nós, julgar. Mantemos, assim, o nosso compromisso de
isenção que, obviamente, não deve implicar em omissão de informações pertinentes. (Nota do Autor
É que fontes contrárias a ele registram que ele possui o título de “doutor honoris
causa” da Universidade Católica de La Plata, Argentina. É verdade que segundo as
mesmas fontes, embora sem relação com a personalidade agraciada, autoridades
eclesiásticas do Vaticano fizeram restrições ao fato - ainda que o texto, para a finalidade,
considerado por nós insuspeito - não nos parecesse suficientemente claro no que dizia
respeito a restrições não referentes ao beneficiário do título honorífico a que nos estamos
referindo. De resto, o fundador da Igreja da Unificação - que é como os seus seguidores
abreviadamente a designam, - é formado em Eletricidade pela Universidade de Waseda, no
Japão. Outra informação surpreendente para quem considere o Dr. Moon uma espécie de
espertalhão reles, embora de sucesso invulgar no mundo dos negócios, citaremos para
apreciação pela inteligência do leitor, o fato de ter tido ele a oportunidade de falar perante
a Assembléia Geral das Nações Unidas, a cujo plenário foi apresentado pelo Sr. H. E.
Stoyan Ganev, Presidente da referida Assembléia, a 13 de Maio de 1993.
“Nesse contexto, na reunião desta noite lança uma mensagem específica religiosa
de paz, o fundador do Movimento da Unificação, que é para ser comentada e merece
nossos elogios”.
Na noite em que o Rev. Dr. Moon ocupou o pódio da Assembléia Geral da ONU,
estava acompanhado da Sra. Hak Ja Han Moon, sua esposa, e de um diplomata latino-
americano, designado pelo Sr. Ganev como Embaixador José Maria Chavez.
Ainda no aspecto factual, para os que imaginavam ser o Rev. Dr. Moon, na melhor
das hipóteses, um anti-comunista, no sentido já anteriormente assinalado, parecerão ainda
mais surpreendentes alguns trechos das declarações sobre ele feitas, pelo então “premier”
soviético, Sr. Gorbachev, antes da derrocada da poderosa URSS. As referidas declarações
foram feitas por ocasião de uma reunião promovida, em Moscou, de centenas de
representantes da mídia internacional, ex-chefes de governo de diferentes países,
parlamentares de diversas procedências, no ensejo da XI Conferência Mundial da Mídia,
patrocinadas, esta e as anteriores, pelo Rev. Dr. Moon. Aqui vão palavras do Sr. Mikhail
Gorbatchev: “Gostaria de agradecer pessoalmente ao Sr. Rev. Dr. Moon, do fundo do meu
coração, porque através desta conferência, a mídia internacional poderá mudar seu
195
Em fontes contrárias à Unificação almejada pelo Rev. Dr. Moon, nos Estados
Unidos são mencionadas tantas personalidades e tantos episódios, que seria
demasiadamente extenso arrolar. Mencionaremos apenas o jornal que seu Movimento
possui em Washington, o Washington Times, que apoiou a eleição de Ronald Reagan,
candidato dos republicanos à Presidência e que, segundo uma daquelas fontes, teve um dos
seus jornalistas nomeado para funções tão elevadas na Casa Branca, que muitos círculos da
capital americana passaram a tê-lo como o “ghost writer” dos discursos do presidente.
Hoje, o nome do citado jornalista, tem aparecido no noticiário como pretendente à
indicação, pela Convenção do Partido Republicano, como candidato à próxima sucessão. A
fonte que nos falou do que acabamos de mencionar, avalia que, a serem verdadeiros os
rumores em questão, serão mínimas as chances de vitória do suposto candidato, sobre o
candidato que a mesma fonte considera, de longe, o favorito dos convencionais daquele
Partido. Fica o registro, a ser avaliado pelo leitor sob os diferentes ângulos em que a
avaliação pode ser feita.
povos, raças e culturas, já iniciou um projeto de ligação, por túnel, entre a Coréia e o Japão
cujos povos se têm olhado com desconfiança e ressentimento, ao longo da História.
Quanto às idéias desse líder religioso, que se anuncia como o Messias do Segundo
Advento, ficou dito que estão fundamentalmente compendiadas sob o título “Princípio
Divino”, obra extensa e muito complexa, mas que contém, de início, um extrato, um
“resumé”, que nos permitiremos transcrever na íntegra88, para que o leitor possa lê-lo e
avaliá-lo, conforme a sua inteligência e a sua consciência. Aqui vai ele, sob o título que lhe
é atribuído no compêndio a que nos estamos referindo - "Introdução Geral".
INTRODUÇÃO GERAL
Todos, sem exceção, estão lutando para alcançar a felicidade. O primeiro passo
para atingir esta meta é superar a presente infelicidade. Desde pequenos assuntos
individuais até os acontecimentos globais que fazem história, tudo são expressões das
vidas humanas, em sua luta para alcançar a felicidade. Como, então, a felicidade poderá ser
alcançada?
Toda pessoa se sente feliz quando seu desejo é satisfeito. A palavra “desejo”,
porém, é apta a ser mal interpretada. A razão disto é que todos estão agora vivendo em
circunstâncias que podem levar o desejo para a direção do mal, em vez da direção do bem.
O “desejo” que resulta em iniqüidade não vem da “mente original do homem”, isto é, o seu
ser íntimo, que se deleita na lei de Deus. O caminho da felicidade é alcançado quando a
pessoa supera o desejo que leva para o mal e segue o desejo que procura o bem. A mente
original do homem sabe que o desejo mau levará somente para a infelicidade e o
infortúnio. Assim é a realidade da vida humana; o homem está tateando nas trevas da
morte, procurando a luz da vida.
Por acaso já houve algum homem que, seguindo o caminho do desejo mau, tivesse
conseguido encontrar a felicidade, em que sua mente original pudesse se deleitar? A
resposta é “não”. Sempre que o homem atinge o objeto de seus maus desejos, sente a
agonia de uma consciência ferida. Existem, porventura, pais que ensinem seus filhos a
88. A transcrição que irá seguir-se foi devidamente autorizada, na forma exigida pelo editor do “Princípio Divino”, no Brasil. (Nota do
Autor).
197
fazer o mal, ou professores que instruam seus estudantes a seguir o caminho da iniqüidade?
Mais uma vez, a resposta deve ser “não”. É da natureza da mente original do homem odiar
o mal e exaltar o bem.
Nas vidas dos homens religiosos podem-se observar muitas tensas e implacáveis
lutas para atingir o bem, seguindo apenas o desejo da mente original. Contudo, desde o
começo dos tempos, nenhum homem jamais conseguiu seguir completamente sua mente
original. Por esse motivo, a Bíblia diz: “Não há um justo, nenhum sequer; não há ninguém
que entenda; não há ninguém que busque a Deus” (Rm 3.10-11).
Será possível que o homem tenha sido criado com tal contradição? A resposta mais
uma vez é “não”. Nada na criação poderia ter sido criado com tal contradição inerente.
Portanto, a contradição deve ter-se desenvolvido no homem depois da criação. No
Cristianismo, esse desenvolvimento tem o nome de “Queda do Homem”.
Devido à “Queda” o homem sempre se encontra à beira da destruição. Por isso ele
faz esforços desesperados para remover a contradição, seguindo o bom desejo de sua
mente original e repelindo o mau desejo de sua mente má.
questão do bem e do mal. Além disto, muitas pessoas continuam em total ignorância a
respeito de respostas a muitas questões fundamentais, tais como: o que é a mente original,
a fonte do bom desejo? Qual foi a origem da mente má, que causou o desejo mau? Ou, o
que foi a causa fundamental da queda, que possibilitou ao homem conter tal contradição?
Antes de poder levar uma vida boa, seguindo o desejo bom da mente original e repelindo o
desejo mau, é necessário superar a ignorância e saber distinguir entre o bem e o mal.
As alegrias passageiras do homem que se deleita nos prazeres da carne não são
nada quando comparadas com a felicidade experimentada por um homem que se devota a
Deus. Não foi somente Gautama Buda que, deixando a glória do palácio real, tomou a
longa jornada da vida à procura do caminho. Sua meta era o lar perdido do homem, o seu
estado antes da queda, o seu domicílio permanente, embora não soubesse onde encontrá-lo.
Assim como o homem é completo e sadio quando sua mente está em harmonia com seu
corpo, assim também acontece com a alegria. A alegria do corpo torna-se completa e sadia
quando está em harmonia com a alegria da mente.
Qual é o destino da ciência? Até agora, o objetivo da pesquisa científica não incluía
o mundo interno da causa, mas somente o mundo externo do efeito; não o mundo da
essência, mas somente o mundo dos fenômenos. Hoje a ciência está entrando numa
dimensão mais alta; não se preocupa somente com o mundo externo do efeito ou dos
fenômenos, mas começa a examinar também o mundo interno da causa e da essência.
Aqueles que tomaram a trilha da ciência estão agora chegando à conclusão de que sem a
verdade relativa ao mundo espiritual da causa, isto é, a verdade interna, o homem não pode
atingir a finalidade última da ciência, isto é, a descoberta da verdade externa, que pertence
ao mundo externo do efeito.
O marinheiro que se puser a viajar no mar do mundo material, levado pelo barco da
ciência à procura dos prazeres da carne, talvez encontre o litoral do seu ideal, mas logo
descobrirá que aquilo nada mais é do que um cemitério preparado para sua carne. Mas,
quando o marinheiro, depois de ter completado sua viagem à procura da verdade externa
no barco da ciência, vier a encontrar a rota marítima da verdade interna, no barco da
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religião, ele será capaz de terminar sua viagem no mundo ideal, que é a meta do desejo da
mente original.
O segundo curso do esforço humano tem sido na direção da solução das questões
fundamentais da vida no mundo essencial da “causa”. A filosofia e a religião, que
percorreram esse caminho, fizeram contribuições substanciais. Por outro lado, tanto a
filosofia como a religião se encontram sobrecarregadas de muitos fardos espirituais. Em
sua própria época, os filósofos e santos do passado foram pioneiros na abertura do caminho
da vida, mas suas realizações freqüentemente resultaram no acréscimo de outros fardos
sobre o povo da época atual.
Consideremos este assunto objetivamente. Será que já existiu um filósofo que tenha
sido capaz de pôr fim ao sofrimento humano? Existiu alguma vez um santo que nos tivesse
mostrado claramente o caminho da vida? Os princípios e as ideologias até agora
apresentados à humanidade deram origem ao ceticismo, criaram muitos temas que devem
ser desemaranhados e numerosos problemas que devem ser resolvidos. As luzes
renovadoras, com as quais todas as religiões iluminaram suas respectivas idades,
desapareceram com o decair de sua idade, deixando apenas pavios de faíscas
enfraquecidas, brilhando tenuemente nas trevas que se aproximam.
natural que uma bandeira de revolta fosse levantada contra um Deus aparentemente
impiedoso. A sociedade cristã tornou-se o foco do materialismo. Extraindo adubo deste
solo, o comunismo, a ideologia mais materialista de todas, cresceu rápida e
desenfreadamente.
Virá, talvez, o dia em que tais tragédias sociais terminarão, mas existe um vício
social que está além do controle de muitos homens e mulheres do dia de hoje: o adultério.
A doutrina cristã afirma que este é o maior de todos os pecados. Que tragédia não poder a
sociedade cristã de hoje bloquear este caminho de degradação para o qual tantas pessoas
correm cegamente.
O que esta realidade representa para nós é que o Cristianismo de hoje está em
estado de confusão, dividido pela túrbida maré da presente geração, incapaz de fazer coisa
alguma pelas vidas das pessoas que foram atraídas pela fúria do redemoinho da
imoralidade de hoje. Será, porventura, o Cristianismo incapaz de alcançar a promessa
divina da salvação para a era atual da humanidade? Qual seria o motivo pelo qual até agora
os homens de religião têm sido incapazes de realizar suas missões, mesmo tendo lutado
com empenho e devotamento em busca da verdade interna?
Como acontece no relacionamento entre a mente e o corpo, assim também não pode
haver mundo fenomenal separado do mundo essencial, nem pode haver mundo essencial
separado do mundo fenomenal. Do mesmo modo, não pode haver um mundo espiritual
separado do mundo físico, nem pode haver felicidade espiritual separada da felicidade
física. A religião até agora tem colocado pouca ênfase no valor da realidade diária; tem
negado o valor da felicidade física a fim de enfatizar a consecução da alegria espiritual.
Mesmo fazendo extremos esforços, o homem não pode cortar-se da realidade, nem
aniquilar o desejo de ter a felicidade física que, como uma sombra, sempre o segue. Na
realidade, o desejo de ter felicidade física persistentemente se apodera dos homens de
religião, conduzindo-os aos vales da agonia. Tais contradições existem mesmo na vida dos
líderes espirituais. Muitos líderes espirituais tiveram um triste fim, dilacerados por tais
contradições. Aqui está a principal causa da fraqueza e inatividade da religião de hoje : a
fraqueza se encontra na contradição, que ainda não foi superada.
homem possa atingir a boa finalidade do desejo da mente original, deve vir uma época em
que uma nova expressão da verdade venha a existir, tornando a humanidade capaz de unir
estes dois assuntos sob um só tema unificado. Estas duas matérias são a religião, que tem
se aproximado da ciência, e a ciência, que está cada vez mais perto da religião.
Muitas passagens da Bíblia dizem que novas palavras de verdade serão dadas à
humanidade nos “Últimos Dias”.
Qual será a missão da Nova Verdade? Sua missão será apresentar, sob um só tema
unificado, a verdade interna, que a religião tem buscado, e a verdade externa, procurada
pela ciência. Deve também procurar superar tanto a ignorância interna como a externa do
homem e oferecer-lhe o conhecimento interno e externo. Deve eliminar a contradição
interna do homem, que é receptivo tanto ao bem como ao mal, ajudando o homem decaído
a resistir ao caminho do mal e a alcançar a finalidade do bem. Para o homem decaído, o
conhecimento é a luz da vida e tem a força da revivificação; a ignorância é a sombra da
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morte e a causa da ruína. Nenhum sentimento ou emoção pode ser derivado da ignorância;
nenhum ato de vontade pode surgir da ignorância. Por isso, quando o conhecimento, a
emoção e a vontade não funcionam devidamente no homem, não vale mais a pena viver.
Já que o homem foi criado para ser incapaz de viver separado de Deus, como a vida
deve ser infeliz, quando ele se encontra na ignorância sobre Deus! Contudo, será que o
homem pode conhecer a Deus claramente, mesmo que diligentemente consulte a Bíblia?
Além disso, como poderá o homem vir a conhecer o coração de Deus? A Nova Verdade
deve ser capaz de nos informar sobre Deus como uma realidade. Deve também ser capaz
de revelar Seu coração e sentimento de alegria por ocasião da criação, Seu coração partido
e sentimento de dor ao lutar para salvar o homem decaído que se rebela contra Ele.
A história humana, tecida com vidas de homens que se inclinam tanto para o bem
como para o mal, está repleta de narrativas de lutas. Estas lutas têm sido batalhas externas
com respeito a propriedade, terras e homens. Hoje, porém, a luta externa está diminuindo.
Povos de nações diferentes vivem juntos sem racismo. Lutam pela realização de um
governo mundial. Os vencedores das guerras procuram libertar suas colônias, dando a elas
direitos iguais aos direitos dos grandes poderes. Relações internacionais, anteriormente
hostis e discordantes, são harmonizadas em tomo de problemas econômicos semelhantes,
ao moverem-se as nações para a formação de sistemas de mercado comum em todo o
mundo. Enquanto isso, a cultura está circulando livremente; o isolamento das nações está
sendo superado e a distância cultural entre o Oriente e o Ocidente está sendo interligada.
Resta, portanto, uma guerra final diante de nós, ou seja, a guerra entre as ideologias
da Democracia e do Comunismo. Estas ideologias em conflito interno estão agora em
preparação para outra guerra externa, estando ambos os lados equipados com armas
terríveis. As preparações externas são, na realidade, para a luta de uma guerra interna
(espiritual) final e decisiva. Quem haverá de triunfar? Todo aquele que acredita na
realidade de Deus responderá: a Democracia. Contudo, a democracia de hoje não está
equipada com uma teoria ou prática que seja suficientemente poderosa para conquistar o
Comunismo. Por isso, para que a providência da salvação de Deus seja completamente
realizada, a Nova Verdade deve levar toda a humanidade a um novo mundo de bem
absoluto, através da elevação do espiritualismo defendido no mundo democrático a uma
nova e mais alta dimensão, finalmente até mesmo assimilando o materialismo. Desta
205
maneira, a verdade deve ser capaz de unir, em um só caminho absoluto, todas as religiões
existentes, como também todos os “ismos” e idéias que existiram desde o início da história
humana.
Já que toda a humanidade deverá encontrar-se desta maneira, como irmãos e irmãs,
num destino único por meio desta Verdade única, como seria o mundo fundado sobre esta
base? Seria o mundo em que toda a humanidade teria formado uma só grande família sob
Deus. A finalidade da verdade é buscar e alcançar o bem, e a origem do bem é o próprio
Deus. Por isso, o mundo realizado através desta verdade seria o mundo em que toda a
humanidade viveria em maravilhoso amor fraterno sob Deus como nosso Pai. Quando o
homem perceber que, ao fazer de seu próximo uma vítima para seu próprio benefício, o
sofrimento que lhe advém do remorso da consciência é maior do que as vantagens que
obtém de seu ganho injusto, descobrirá que lhe será impossível prejudicar seu próximo.
Por isso, quando o verdadeiro amor fraterno aparecer no fundo do coração do homem, ele
não poderá fazer nada que venha a causar sofrimento a seu próximo. Como isto se aplicaria
mais ainda a homens que vivessem em uma sociedade, na qual tivessem experiência do
sentimento real de que Deus é seu Pai, transcendente de tempo e espaço, que observa todas
as suas ações, e que este Pai quer que nós nos amemos uns aos outros a cada momento? O
novo mundo, que será estabelecido pela nova verdade, introduzirá uma nova idade em que
a história pecaminosa da humanidade será liquidada. Deverá ser um mundo no qual pecado
algum jamais poderá existir. Na história humana até agora, mesmo os que acreditam em
Deus cometeram pecados. Sua fé em Deus tem sido na forma de conceito, em vez de ser na
forma de uma experiência viva. Se o homem sentisse a presença de Deus e conhecesse a lei
206
celeste de que os pecadores são mandados para o inferno, quem então ousaria cometer
pecado?
O mundo sem pecado poderia ser chamado de “Reino do Céu”, mundo este que
todos os homens decaídos há muito têm buscado. Sendo este mundo estabelecido como
realidade na Terra, poderá ser chamado de “Reino de Deus na Terra”.
Por causa da queda, porém, a humanidade não tem sido capaz de realizar este
mundo. Ao invés, o homem produziu o mundo do pecado e caiu na ignorância. Por isso, o
homem decaído tem lutado incessantemente para restaurar o Reino de Deus na Terra, o
qual Deus originalmente desejava. Ele tem feito isto, superando a ignorância interna e
externa, para buscar o bem máximo no decurso de todos os períodos da história humana. A
história da humanidade, portanto, é a história da Providência de Deus na qual Ele pretende
restaurar o mundo em que a finalidade de Sua criação é realizada. Para restaurar o homem
decaído de volta ao seu devido estado original, a nova verdade deve ser capaz de revelar a
ele o seu destino final no curso da restauração, ensinando-lhe a finalidade original da
criação, para a qual Deus criou o homem e o universo. Muitas questões devem, pois, ser
respondidas.
Será que o homem caiu pelo ato de comer o fruto da Árvore da Ciência do Bem e
do Mal, como diz a Bíblia literalmente? Se assim não foi, qual é a causa da queda humana?
Como poderia o Deus de perfeição e beleza criar o homem com a possibilidade de cair?
Por que razão Deus não pôde impedir que o homem viesse a cair, já que Ele, sendo
onipotente e onisciente, devia saber que a queda viria a acontecer? Por que Deus não pôde
salvar o homem pecaminoso em um só instante, sendo Ele todo poderoso? Estas e muitas
207
outras questões têm desassossegado a mente dos profundos pensadores e devem ser
resolvidas pela Nova Verdade.
Além disto, a Nova Verdade deve ser capaz de estudar claramente todos os difíceis
problemas do Cristianismo, porque o Cristianismo tem um papel importante na formação
da esfera cultural mundial. As pessoas intelectuais não podem satisfazer-se apenas ouvindo
que Jesus Cristo é o filho de Deus e o Salvador da humanidade. Muitas controvérsias
surgiram nos círculos teológicos no sentido de entender o significado mais profundo das
doutrinas cristãs. Assim, a Nova Verdade deve ser capaz de esclarecer o relacionamento
entre Deus, Jesus e o homem, à vista do princípio da criação. Além disso, as difíceis
questões da Trindade devem ser esclarecidas. A questão sobre o motivo por que a salvação
da humanidade por Deus foi possível apenas através da crucifixão de Seu filho, deve ser
respondida. Quando vemos que nenhum pai pode jamais gerar um filho sem pecado, com
direito ao Reino do Céu, sem redenção por um salvador, não é isto boa prova de que os
pais ainda transmitem o pecado original a seus filhos, mesmo depois de seu próprio
renascimento em Cristo? Esta investigação conduz a mais uma pergunta: até que ponto
houve redenção pela cruz?
Tem sido vasto o número de cristãos, durante os 2000 anos de história cristã, que
tinham plena confiança de terem sido completamente salvos pelo sangue da crucifixão de
Jesus. No entanto, na realidade, nenhum indivíduo, lar ou sociedade foi estabelecido sem
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pecado. Na verdade, o espírito cristão tem estado na trilha do declínio dia após dia. Por
isso, restam muitos problemas difíceis, conduzindo a uma contradição central entre a atual
realidade do Cristianismo e a crença da redenção completa pelo resgate da cruz. A Nova
Verdade que buscamos deve explicar todas estas questões clara e completamente. Há mais
questões como: por que Cristo virá de novo? Quando, onde e como virá? De que maneira a
ressurreição dos homens decaídos será realizada? Qual é o sentido das profecias bíblicas
que dizem que o céu e a terra serão destruídos por fogo e outras calamidades naturais? A
Nova Verdade deve fornecer a chave de todos estes difíceis mistérios bíblicos, que estão
escritos em parábolas e símbolos e deve fazer isto em linguagem clara, de modo que cada
um possa entender, como Jesus disse em João 16.25.
Esta Nova Verdade, máxima e final, porém, não pode vir nem da pesquisa sintética
das escrituras ou da literatura, feita por algum homem, nem de cérebro humano algum.
Como diz a Bíblia: “Urge que ainda profetizes de novo a numerosas nações, povos, línguas
e reis” (Ap. 10.11). Esta Nova Verdade deve aparecer como uma revelação do próprio
Deus. Esta Nova Verdade já apareceu!
Com a plenitude do tempo, Deus enviou Seu mensageiro para resolver as questões
fundamentais da vida e do universo. Seu nome é Sun Myung Moon. Por muitas décadas ele
vagou em um vasto mundo espiritual à procura da verdade última. Neste caminho ele
suportou sofrimentos ainda não imaginados por pessoa alguma na história humana.
Somente Deus se lembrará disto. Sabendo que ninguém pode encontrar a verdade última
para salvar a humanidade sem passar pelas mais amargas provas, ele lutou sozinho contra
uma multidão de forças satânicas tanto no mundo espiritual como no mundo físico e,
finalmente, triunfou sobre todas elas. Desta maneira ele entrou em contato com muitos
santos no paraíso e com Jesus, revelando assim todos os segredos celestes mediante sua
comunhão com Deus.
O Princípio Divino revelado neste livro é apenas parte desta Nova Verdade. Nós
registramos aqui o que os discípulos de Sun Myung Moon até agora ouviram e
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testemunharam. Nós acreditamos com alegre expectativa que, com o passar do tempo,
partes mais profundas da verdade serão continuamente reveladas. É nossa oração mais
sincera que a luz da verdade rapidamente encha toda a Terra.
EM CONCLUSÃO
Sem nenhuma presunção sugerida pela falta de modéstia, acreditamos ter sido
mantido o compromisso inicial relativo à isenção. Isenção inspirada no respeito que quem
se comunica com o grande público deve a quem lhe concede a sua atenção; respeito que
supõe, igualmente, sinceridade e coragem. Assim, de quanto foi exposto até agora, em que
vamos terminando este esforço, e somente nós e Deus sabemos o quanto de sacrifício ele
representou para quem se abalançou a levá-lo a cabo, nas circunstâncias especialíssimas
em que o fizemos, queremos dizer que estamos convencidos desde há muito - quem
conhece a nossa obra que tem enfrentado, além das limitações pessoais, as que são
impostas muitas vezes por tantos dos que “falam de liberdade, mas para ocultar a malícia”
- sabe que nunca aceitamos que o Universo possa ser entendido como obra do acaso e da
necessidade. Que sempre nos pareceu mais razoável a aceitação da existência de algo
capaz de explicar-lhe a atividade e a harmonia, atividade que a tão conhecida “lei dos
contrários”, estabelecida em Filosofia marxista da Natureza, alicerce sobre o qual,
principalmente, foi erigida a cosmovisão do materialismo dialético, não pode explicar. Por
mais de uma vez, e desde há muitos anos, pareceu-nos que à idéia de oposição ou de luta,
que o materialismo dialético supunha existente, na verdade era superposta a uma realidade
que sugeria a concepção dual como, em exemplo simples, os eletrodos em um elemento
galvânico, que a nosso ver, como que cooperavam, não se opunham ou contrariavam.
Livros escritos, ou talvez, como outros desejariam, “perpetrados”, por nós, há décadas,
registravam o caráter a nosso ver, arbitrário, da interpretação que Engels daria acerca do
funcionamento do mesmo elemento galvânico. De outra parte, parece-nos bastante claro
que o preconceito e a intolerância, não apenas geram mal-estares e conflitos, como não
são, seguramente, as melhores disposições para que se possa entender o objeto da nossa
análise, a propósito de idéias eventualmente diferentes daquelas por nós conhecidas e
aceitas anteriormente. Assim, fica explicada a insistência das nossas referências, em
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palestras, artigos, livros, acerca de pensamento de Stuart Mill relativo ao fato de que o que
os homens fazem, depende do que eles pensam, a que nós sempre nos atrevemos a
acrescentar - “e do que eles sentem”. Da mesma maneira como sempre repetimos o que se
depreende do pensamento de Fulton Sheen, correlacionando a desordem que reina na
sociedade, com a que reina em nosso íntimo, de nós todos que a compomos. Também
julgamos indispensável declarar que, para nós, a fé é uma graça, não algo a que se chega
por intermédio de um silogismo; não nos consideramos gnósticos, mas compreendemos
que, nos dias de hoje, chegar a ela será mais fácil sobre a base de explicações que não se
nos afigurem ininteligíveis, ou que ao menos não estejam presentes em número
desnecessariamente elevado. Com Arnold Toynbee, e com tantos outros, entendemos ainda
que, sem uma revolução interior, de natureza filosófica e religiosa, capaz de mudar a
ordem das prioridades, de fato, dominantes - a despeito dos mantos com que procuram
esconder a sua verdadeira face, - podem mudar os métodos, os processos e as dimensões da
motivação de que elas se originam, mas não desaparecerão os sofrimentos e o caos
presentes em nossos dias e que, tudo indica, tendem a acentuar-se, no plano do que os
homens fazem desastradamente, como mariposas atraídas pela lâmpada cujo calor irá
mata-las. Exemplo claríssimo desse desatino, podemos ter na maneira, por vezes
grosseiramente intolerante, com que adeptos de diferentes correntes religiosas se atacam
uns aos outros. Às vezes, facções ou correntes de uma mesma religião. Quando se trata de
denominações cristãs, parecem incapazes de entender a explícita condenação que o
apóstolo Paulo faz, acerca de divisões, para ele motivadas por questões puramente
humanas. Nem a relevância que dá à caridade, como a mais importante das três virtudes
teologais. Em virtude do radicalismo intolerante, a ignorância, não humilde para
reconhecer-se como tal e, confundindo falhas humanas com erros doutrinários, encontra
pretexto para dar vazão a atitudes que não chega a perceber que desmentem a própria
essência do espírito cristão. Cumpre esclarecer que o vocábulo ignorância refere-se ao seu
sentido lato e não, apenas, à acepção em que ele é comumente empregado, de falta ou
insuficiência de escolaridade.
O “Princípio Divino”, embora não sejamos o melhor juiz para julgar, revela a
preocupação de quem o ditou, de conciliar, visando a unificação do Cristianismo,
diferenças até aqui tidas como insuperáveis, por intermédio de reinterpretação de
determinadas passagens do Antigo, como do Novo Testamento - além de conceitos novos
fundados, segundo quem se anuncia como o Messias do 2o Advento - em revelações que
lhe teriam sido feitas ao longo de uma vida de orações, devoção e sacrifícios. De nossa
parte, queremos dizer que, no conjunto, pareceram-nos os objetivos enunciados, e a
argumentação desenvolvida, os mais inteligíveis dentre quantos, de mesma natureza,
conhecemos. A própria hipótese da adulteração da linhagem humana, que figura no texto
completo do “Princípio Divino”, como conseqüência de conjugação sexual entre Lúcifer,
simbolizado na Serpente, e Eva; conjugação realizada, não com base no amor, como o
concebera Deus, mas na lascívia, parecerá menos absurda quando nos lembremos dos
relatos do medievo, referentes a íncubos e súcubos, sobretudo os segundos, tão conhecidos
e divulgados como “Pombas-Giras”, que se fariam presentes em locais de cultos afro-
brasileiros.
Que aquela misericórdia possa vir em socorro da luta está presente, no nosso, como
no íntimo de todos os seres humanos, como esteve no íntimo do próprio apóstolo Paulo,
1. Por dever de consciência e respeito aos leitores, devemos acrescentar que a segurança assinalada resultou da leitura do “Princípio
Divino” o qual, a nosso juízo, enfrenta e projeta intensa luz sobre pontosnodais de dúvidas que têm alimentado divergências, que,
certamente, não são prazerosas para a fonte de todo o amor. Lemos, também, atentamente, sobre os referidos pontos, as opiniões
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segundo o seu lamento, registrado nas Escrituras. Luta da qual são projeções, ampliadas, os
conflitos e violências que tanta dor têm trazido à humanidade.
ÍNDICE
Prefácio................................................................................................. 2
Agradecimentos.................................................................................... 3
Esclarecimento Indispensável.............................................................. 4
I – PARTE
A DEGRADAÇÃO QUE ESTÁ EM MARCHA
Aparências epidérmicas e motivações profundas................................. 7
I.1 – A balbúrdia que torna possíveis perigosas manipulações............ 7
I.2 – As motivações profundas............................................................. 18
I.3 – Aprofundando, ainda mais, o mergulho...................................... 34
I.4 – Ordenando idéias, para prosseguir............................................... 76
I.5 – Começando a usar uma lente “ zoom”..................................... 84
I.6 – Esclarecendo o entendimento que temos acerca de expressões
apenas mencionadas..................................................................... 99
I.7 – A Ciência atual e a questão da cognoscibilidade da realidade..... 122
Intervalo entre as I e II Partes............................................................. 149
II – PARTE
A RESTAURAÇÃO, POSSÍVEL, DA JUSTIÇA E DA PAZ 161
II.1 – As contribuições da Ciência e da Religião................................. 161
II.1.a – O caminho pelo “Rearmamento Moral”.................................. 172
II.1.b – O caminho da Igreja Católica Apostólica Romana................. 176
II.1.c – A Reforma, o Pentecostalismo e outras influências menores.. 182
II.1.d – A Igreja do Espírito Santo para a Unificação do Cristianismo
Mundial.................................................................................... 189
INTRODUÇÃO GERAL..................................................................... 196
EM CONCLUSÃO.............................................................................. 209