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01 – Introdução
O estudo dos princípios para qualquer ramo do direito sempre se mostrou de essencial
importância, considerando-se que tanto o legislador na elaboração das normas gerais e
abstratas, como o operador do direito na sua interpretação e aplicação prática, devem
levar em considerações os princípios que regem o ordenamento jurídico.1 Na análise
de um processo específico como a que nos propomos fazer com relação ao processo
de execução, tem maior importância os princípios específicos sobre o tema, em
detrimento dos princípios processuais gerais, sendo justamente esses que serão objeto
de nossas considerações.
Além da inegável importância do estudo dos princípios para a melhor compreensão dos
fenômenos processuais, é importante ressaltar que no campo do processo executivo
percebem-se mudanças de mentalidade e modificações legislativas que fazem com
que a análise de tradicionais princípios deva ser feita sob uma nova ótica. Alguns,
inclusive, vêm sua condição de princípios ameaçados, tantas são as exceções
amplamente aceitas na praxe forense a eles. Justamente essa nova realidade da
execução que nos motivou a elaboração do presente texto, que busca tão somente
uma indicação das modernas propostas referentes à interpretação de tradicionais
princípios do processo executivo.
02 –Autonomia
1
Nesse sentido as lições de Gisele Santos Fernandes Góes, Princípio da proporcionalidade no processo
civil, São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 16/17: “Existe a convergência entre os doutrinadores no sentido de
que os princípios ocupam posição de relevo no sistema jurídico, uma vez que são gerais e assentam as
suas orientações, perfazendo-se como guias do ordenamento para a interpretação e aplicação das
normas jurídicas, seja para dar coerência geral ao sistema (Jorge Miranda), seja para transparecer sua
contingência constante (Helenilson Cunha Pontes)”.
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Esse tradicional princípio do processo executivo deve ser analisado nos dias atuais
levando-se em conta as transformações sofridas pelo Código de Processo Civil, em
especial àquelas promovidas com relação à forma de execução do mais clássico dos
títulos executivos judiciais; a sentença civil condenatória (art. 584, I, CPC).
2
Para uma análise do Projeto de Lei que foi batizado como “cumprimento de sentença”, consultar
SÉRGIO SHIMURA, “Cumprimento de sentença”, pp. 241/251 e OLAVO DE OLIVEIRA NETO, “Novas
perspectivas da execução civil – cumprimento da sentença”, pp. 183/202, ambos in Execução no
processo civil – novidades & tendências, coord. Sérgio Shimura e Daniel Amorim Assumpção Neves, São
Paulo, Método, 2004. Ainda Cássio Scarpinella Bueno, “Ensaio sobre o cumprimento das sentenças
condenatórias”, in Revista de Processo nº 113, São Paulo, RT, 2004, pp. 22/76.
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A justificativa para a autonomia do processo executivo como inicialmente imaginado
pelos doutrinadores que trataram do tema encontrava-se alicerçada em duas
justificativas fundamentais: (a) a diversidade de atividades jurisdicionais (no processo
de conhecimento atividades cognitivas; no processo de execução atividades práticas e
materiais) e (b) os diferentes objetivos traçados para cada uma dessas atividades (no
processo de conhecimento reconhecer o direito do autor e, dependendo do caso,
constituir uma nova relação jurídica ou condenar o réu; no processo de execução
satisfazer o direito do exequente)3. Lembrava-se também a formação de uma nova
relação jurídica processual, independente daquela formada no processo de
conhecimento, conforme já aventado.
3
Cfr. Enrico Tullio Liebman, Processo de Execução, 4ª ed., São Paulo, Saraiva, 1980, pp. 37/38.
4
Cfr. O processo de execução, vol. I, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, pp. 169/170.
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Respeitando-se a opinião dos doutrinadores que continuam a ver na autonomia um
princípio do processo de execução, é necessário se observar que renomados
doutrinadores acreditam que tal princípio não mais se justifica, devendo ser repensado,
permitindo-se sempre que possível uma mera fase de execução em detrimento do
processo autônomo. Essa visão, inclusive, não é nova, mas somente
contemporaneamente passou a ser prestigiada pelo legislador. Humberto Theodoro Jr.,
em obra lançada no distante ano de 1987, já apontava as razões que demonstravam
ser injustificada a manutenção da autonomia da execução de sentença, e as vantagens
que o afastamento de tal princípio traria ao ordenamento processual.
5
Cfr. A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Rio de Janeiro, Aide, 1987, pp.
253/254.
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autônomo de execução somente justificável para a execução dos títulos extrajudiciais.
É importante lembrar que ainda que se busque um sincretismo maior entre o processo
de conhecimento e o de execução, existem títulos judiciais previstos pelo art. 584,
CPC, que sempre demandarão a existência de um processo autônomo de execução:
sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 584, II, CPC); sentença
estrangeira homologada pelo stf (antes da EC 45) ou stj (depois da EC 45) (art. 584, IV,
CPC); sentença arbitral (art. 584, VI, CPC).
6
Cfr. A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, op. cit., pp. 254/255.
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Nos parece que tanto o legislador quanto o operador do direito tendem a afastar o
princípio da autonomia do processo de execução sempre que a busca da satisfação do
direito possa ser realizada no próprio processo em que esse direito foi reconhecido,
como mera fase de satisfação7. O próprio conceito de autonomia dos processos – e
não só o de execução – passa por sentida crise atualmente, havendo forte corrente
doutrinária que defende um sincretismo total entre os processos previstos pelo
ordenamento processual, imaginando-se que num mesmo processo seja possível a
realização de atos cognitivos, executivos e cautelares.
Cumpre apontar, inclusive, corrente doutrinária que entende que após o advento do art.
273, § 7º, CPC, que trata da fungibilidade da tutela antecipada com a tutela cautelar, a
autonomia do processo cautelar já não mais se justificaria. (Teresa Arruda Alvim
Wambier e Luiz Rodrigues Wambier8; J.E. Carreira Alvim9; Marcus Vinicius Rios
Gonçalves10; Joaquim Felipe Spadoni11; Fredie Didier Jr.12; Juvêncio Vasconcelos
Viana 13)
Esclareça-se, com relação ao tema, não ser essa a nossa opinião diante da inovação
legislativa, nos parecendo que a concessão de medida cautelar quando requerida
tutela antecipada pelo autor, além de preencher os requisitos típicos da tutela cautelar
(fumus boni iuris e periculum in mora), deve também preencher os requisitos
7
Faz interessante observação a respeito do princípio da autonomia José Miguel Garcia Medina,
Execução civil, op. cit., p. 216: “Como se assinalou no item 1., retro, é comum que o ordenamento jurídico
preveja exceções a um princípio jurídico. A evolução de um sistema jurídico, no entanto, pode determinar
que exceções eventualmente existentes num ordenamento jurídico se desenvolvam fecundamente, de
modo a se poder considerar, diante de tal fenômeno, não se estar mais diante de meras exceções, senão
diante de um novo princípio jurídico.”
8
Breves comentários à 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil, 2ª ed., São Paulo, RT, 2002, pp.
59/60.
9
Código de Processo Civil reformado, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 131.
10
Novo curso de direito processual civil, vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 305/306.
11
“Fungibilidade das tutelas de urgência”, in Revista de Processo nº 110, São Paulo, RT, 2003, pp. 90/91.
12
A nova reforma processual, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, pp. 87/88.
13
“A antecipação de tutela de acordo com a lei 10.444/2002”, in Revista Dialética de Direito Processual nº
02, São Paulo, Dialética, 2003, p. 54.
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tradicionais da fungibilidade (dúvida fundada e inexistência de erro grosseiro). Trata-se,
portanto, de situação excepcional de exceção ao princípio da autonomia do processo
cautelar, como já tivemos oportunidade de afirmar14. (Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio
Cruz Arenhart15; Joel Dias Figueira Jr.16; Luiz Orione Neto17).
De qualquer forma não se pode negar que o princípio da autonomia dos processos em
geral, e mais claramente o princípio da autonomia do processo de execução vêm
sofrendo seguidas flexibilização, rumando o processo civil brasileiro para a construção,
sempre que possível, de um processo sincrético absoluto, em que o juiz possa exercer
atividades de qualquer natureza.
Não há execução sem título que a embase (nulla executio sine titulo), já que no
processo executivo, além de se permitir a invasão patrimonial do executado por meio
de atos materiais praticados pelo juiz (p. ex., penhora, busca e apreensão, imissão na
posse), esse é colocado numa situação processual desvantajosa com relação ao
exequente. Assim, exige-se a existência de título executivo, que demonstra ao menos
uma probabilidade de que o crédito exeqüendo efetivamente exista. Nesse sentido as
lições de Cândido Rangel Dinamarco: “A exigência de título executivo, sem o qual não
se admite a execução, é consequência do reconhecimento de que a esfera jurídica do
indivíduo não deve ser invadida, senão quando existir uma situação de tão elevado
grau de probabilidade de existência de um preceito jurídico material descumprido, ou
de tamanha preponderância de outro interesse sobre o seu, que o risco de um
14
Nova reforma processual civil, São Paulo, Método, 2003, pp. 128/130.
15
Manual do processo de conhecimento, 2ª ed., São Paulo, RT, 2003, p. 264.
16
Comentários à novíssima reforma do CPC, Rio de Janeiro, Forense, 2003, pp. 120/121.
17
Processo cautelar, São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 67/69.
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sacrifício injusto seja, para a sociedade, largamente compensado pelos benefícios
trazidos na maioria dos casos.”18
Correlato ao princípio de que não pode existir execução sem título, há outro que deve
ser lembrado: o da tipicidade dos títulos executivos (nulla titulus sine lege). Significa
dizer que o elenco de títulos executivos, contido no Código de Processo Civil ou em leis
extravagantes, constitui numerus clausus, sendo, portanto, restritivo, o que impossibilita
ao operador do direito criar títulos executivos que não estejam previstos em lei como
tal. Nem mesmo a vontade dos participantes da relação jurídica de direito material
possibilita a formação de um título executivo, diferentemente de outros ordenamentos
processuais, como o alemão. Assim, mesmo que os contratantes celebrem um contrato
e dispensem expressamente a assinatura das testemunhas, afirmando em cláusula
contratual estarem formando um título executivo, o contrato não será instrumento apto
a ensejar o processo executivo.
Parte da doutrina entende que nesse caso haveria uma exceção ao princípio da nulla
executio sine titulo, admitindo-se que atos executivos sejam praticados ainda que
inexistente o título executivo. Fala-se, inclusive, no tocante a necessidade de existência
de título executivo como instrumento a permitir atos materiais na busca da satisfação
fática do direito, a convivência de dois princípios: o da nulla executio sine titulo e o
18
Cfr. Execução civil, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 457/458.
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princípio da execução sem título permitida.19 Não nos parece, entretanto, que esse seja
o melhor entendimento sobre o tema, embora reconheçamos que o suposto problema
exige uma explicação convincente diante de sua larga aplicação prática.
Nos perfilhamos com outra corrente doutrinária, que entende que no termo “sentença
condenatória”, prevista no art. 584, I, CPC, está abrangido qualquer pronunciamento
judicial de conteúdo condenatório, inclusive as decisões interlocutórias. Afirma-se que
em 1973 o legislador não imaginava a possibilidade de decisões interlocutórias
necessitarem de execução, daí a redação restritiva do dispositivo legal acima citado.
Diante de uma nova realidade gerada pelo art. 273, CPC, o termo “sentença
condenatória” já não é mais apto a descrever todas as hipóteses de pronunciamentos
decisórios do juiz que demandavam satisfação, o que passou a exigir uma
interpretação mais ampliativa de seu conteúdo.20
04 - Patrimonialidade
Costuma-se dizer que a execução será sempre real, e nunca pessoal, em razão de
serem os bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do direito do
exequente. Não existe no direito brasileiro, e nem em qualquer ordenamento moderno
que se tenha conhecimento, satisfação na pessoa do devedor, como existia na antiga
Lei das XII Tábuas, que choca o leitor ao estabelecer que em determinadas condições
seria possível “dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os
credores” ou ainda “vender o devedor a um estrangeiro, além do Tigre”, o que
19
Essa a opinião de José Miguel Garcia Medina, “A execução da liminar que antecipa efeitos da tutela
sob o prisma da teoria geral da tutela jurisdicional executiva – o princípio da execução sem título
permitida”, in Processo de Execução, coord. Sérgio Shimura e Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo,
RT, 2001, pp. 509/535 e Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e
execução imediata da sentença, 4ª ed., São Paulo, RT, 2000, p. 22 e ss.
20
Nesse sentido Araken de Assis, Manual do processo executivo, 7ª ed., São Paulo, RT, 2001, p. 146;
SÉRGIO SHIMURA, Título executivo, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 209; Paulo Henrique dos Santos
Lucon, Eficácia das decisões e execução provisória, São Paulo, RT, 2000, pp. 228/229.
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significaria ou morte ou vida de extrema penúria, considerando que além do Tigre
estavam os fenícios, inimigos capitais dos romanos.
A proibição de que o corpo do devedor responda por suas dívidas, reservando-se tal
garantia a seu patrimônio, é vista como representação da humanização que o processo
de execução adquiriu durante seu desenvolvimento histórico, desde o direito romano,
abandonando gradativamente a idéia de se utilizar a execução como forma de
vingança privada do credor. A doutrina que enfrentou o tema é unânime em apontar
que a Lex Poetelia, do ano 326 a.C., representou o início da transformação da
responsabilidade pessoal para a patrimonial.22 Passou-se a proibir a morte e o
acorrentamento do devedor, a se prever de forma institucionalizada a satisfação do
21
Cfr. (Processo de execução – parte geral, 3ª ed., São Paulo, RT, 2004, p. 111). Compartilhando desse
entendimento Araken de Assis, Processo de Execução, op. cit., p. 107.
22
Nesse sentido Paulo Henrique dos Santos Lucon, Embargos à execução, São Paulo, Saraiva, 1996, p.
18.
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crédito mediante a prestação de trabalhos forçados, o que, se hoje em dia parece
inaceitável, à época representou grande avanço. A idéia de vingança privada,
entretanto, ainda continuava fortemente arraigada na mentalidade romana da época.
23
Com relação ao exagero quanto a impenhorabilidade de bens levando à frustração da tutela executiva,
consultar Daniel Amorim Assumpção Neves, Impenhorabilidade de bens – análise com vistas à
efetivação da tutela jurisdicional, pp. 47/80 e Guilherme Freire de Barros Teixeira, A penhora de salários
e a efetividade do processo de execução, pp. 115/142, ambos in Execução no processo civil – novidades
& tendências, op. cit..
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Como ocorre com todos os processos, também o executivo pode ter um final normal ou
anômalo. A execução chega a seu final normal quando é bem sucedida, ou seja,
quando se verifica a entrega ao exequente exatamente aquilo que receberia se não
necessitasse do processo de execução. Sempre que o exequente satisfizer o direito
exeqüendo a execução chegará a seu final normal, extinguindo-se por meio da
prolação da sentença prevista no art. 794, CPC, que é meramente declaratória quanto
ao final do procedimento executivo. O final anômalo do processo de execução – aliás,
como também o de conhecimento e cautelar – é sua extinção sem o julgamento do
mérito, o que ocorrerá por um dos motivos previstos pelo art. 267, CPC, ou com o
acolhimento integral de embargos à execução cujo fundamento seja a inexistência do
direito material exeqüendo.
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de se afirmar que no processo de execução não há julgamento de mérito, a partir do
momento em que se permite a solução do processo pelo acolhimento justamente de
uma matéria de mérito não nos resta outra alternativa que não afirmar que nesse caso,
absolutamente excepcional, será possível até mesmo em se falar em sentença que
rejeita a pretensão executiva do credor (art. 296, I, CPC). Apesar disso, nos parece que
o princípio do desfecho único continue a ser a regra, justificada inclusive pelas
excepcionais exceções.
Justamente em razão do desfecho único do processo de execução, que não tem como
tutelar o direito material do réu, é permitido ao exequente, a qualquer momento, ainda
que pendente de julgamento embargos à execução, desistir do processo, dispensado-
se a concordância do executado para que tal desistência gere efeitos jurídicos (art.
569, CPC), bastando para tanto a homologação do juiz. Não tendo o executado nada a
ganhar no processo executivo, a lei presume sua aceitação, dispensado a
concordância expressa e não aceitando qualquer discordância por inutilidade prática de
continuação do processo executivo.
24
Cfr. Teori Albino Zavaski, Processo de execução – parte geral, op. cit., p. 97.
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Com relação à disponibilidade do processo executivo há algumas características
dignas de nota, que exporemos de forma direta: a) desistência não se confunde com
renúncia, instituto de direito material. Significa dizer que o exequente simplesmente
desiste de cobrar executivamente seu direito naquele momento, naquele processo
específico, podendo, entretanto, ingressar posteriormente com ação idêntica; b) sendo
possível ao exequente desistir de toda a execução, também será admitida a
desistência referente a alguma medida executiva em hipóteses em que houver uma
pluralidade de meios a disposição do exequente (multa diária, prisão, alienação de
bens, etc). Nesse caso, o juiz deverá levar em consideração na homologação da
desistência a menor onerosidade ao executado (art. 620, CPC) e a eficácia da tutela
jurisdicional; c) havendo litisconsórcio é admitida a desistência por um ou mais dos
litisconsortes, independentemente da concordância dos outros litisconsortes ou do
executado; d) todos os legitimados a propor a execução podem dela dispor, à exceção
do Ministério Público (atuação processual orientada pelo princípio da indisponibilidade),
que tem a disponibilidade somente com relação às medidas executivas; e) a
admissibilidade da desistência da execução está condicionada a não realização no
processo de atos que não possam ser anulados sem prejuízo do devedor ou de
terceiro. Dessa forma, arrematado um bem em hasta pública, não se admitirá a
desistência da execução, da mesma forma que será inadmissível a desistência se na
execução de fazer fungível a obrigação já tiver sido satisfeita por terceiro (art. 634,
CPC).
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matéria aduzida o embargante conseguiria uma sentença terminativa do processo de
execução, exatamente aquilo que já obteve com a homologação da desistência de tal
processo. Haverá, portanto, perda superveniente do objeto dos embargos, que se
tornarão inúteis e por isso devem ser extintos sem a necessidade de concordância do
embargante.
Por outro lado, caso os embargos versem sobre matéria de mérito, ligada ao direito
material alegado pelo exequente (p. ex. novação, compensação, inexistência de título
na execução por título extrajudicial, etc.), a extinção dos embargos está condicionada a
concordância do embargante. A razão para se condicionar à extinção dos embargos à
concordância do embargante é clara: tratando-se de matérias de mérito, também é
possível vislumbrar interesse desse na continuação dos embargos, obtendo sentença
de mérito a seu favor, que demonstraria a inexistência do direito material do exequente.
A coisa julgada material que seria formada em tal circunstância impediria a propositura
do processo de execução novamente, o que não ocorreria com a simples desistência
do processo. Nesse sentido a melhor doutrina:
Com relação à interpretação do art. 549, par. único, CPC, algumas observações
rápidas e diretas se impõem: a) não se exige a concordância do embargado,
considerando-se que ao desistir do processo de execução presumidamente o
25
Cfr. Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, 4ª ed., São Paulo, Malheiros,
1998, p. 287.
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exequente também está abrindo mão do julgamento dos embargos; b) não havendo a
concordância do embargante, os embargos perdem tal natureza, passando a ser
tratado como ação autônoma declaratória. A apelação, portanto, será recebida no
duplo efeito (não se aplicará a exceção do art. 520, V, CPC); c) embargos fundado em
excesso de execução, embora não tratem em algumas hipóteses de matéria
processual, serão automaticamente extintos diante da desistência do processo de
execução; d) embargos de retenção, embora não tratem de questões processuais,
serão automaticamente extintos com a desistência do processo de execução; e) no
caso de renúncia ao direito exeqüendo, os embargos – tanto com matéria processual
como com matéria de mérito – serão automaticamente extintos.
06 - Utilidade
Nunca é demais lembrar que a execução não é forma de vingança privada, como
utilizada no direito romano. Trata-se de mecanismo judicial para a satisfação do direito
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do credor, e sempre que se entender que esse direito não pode ser satisfeito, não
haverá razão plausível para a admissão da execução. A regra se aplica também aos
meios executivos, que sempre que se mostrarem inúteis para tal satisfação do direito
deverão ser indeferidos pelo juiz.
07 - Menor onerosidade
É evidente que tal princípio deve ser interpretado à luz do princípio da efetividade da
tutela executiva, sem a qual o processo não passa de enganação. O credor tem direito
a satisfação de seu crédito, e no caminho para sua obtenção naturalmente criará
gravames ao devedor. O que se pretende evitar é o exagero desnecessário de tais
gravames. Esse um dos motivos para não se permitir que bem do devedor seja
alienado em hasta pública por preço vil (art. 692, CPC). O sacrifício da efetividade da
tutela executiva, entretanto, não pode resultar do respeito de tal princípio. Caberá ao
juiz no caso concreto, encontrar um “meio-termo”, como lembrado pela melhor doutrina:
“Dispondo o art. 620 do Código de Processo Civil que “quando por vários
meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo
modo menos gravoso para o devedor”, a norma que desse texto se extrai
mediante uma interpretação sistemática é a de que a execução deve pautar-se
por duas balizas fundamentais, antagônicas, mas necessariamente
harmoniosas, que são (a) a do respeito à integridade patrimonial do
executado, sacrificando-o o mínimo possível e (b) a do empenho a ser feito
para a plena realização do direito do exequente. É indispensável a harmoniosa
convivência entre o direito do credor à tutela jurisdicional para a efetividade de
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seu crédito e essa barreira mitigadora dos rigores da execução, em nome da
dignidade da pessoa física ou da subsistência da jurídica – a qual outra coisa
não é que a personificação de grupos de pessoas físicas reunidas em torno de
um objetivo comum. Ao juiz impõe-se, caso a caso, a busca da linha de
equilíbrio entre essas duas balizas, para não frustrar o direito do credor nem
26
sacrificar o patrimônio do devedor além do razoável e necessário.”
Assim, penhorada uma casa que sirva de residência ao devedor, existindo outras nas
mesmas condições, obviamente que se mostra gravame desnecessário tal penhora,
podendo o executado pleitear a modificação do bem objeto de constrição. O mesmo,
entretanto, não ocorre quando o devedor tenha aplicações em banco penhoradas e
pretenda modificar a penhora por velhas máquinas que dificilmente serão expropriadas
em hasta pública. Registre-se que o posicionamento conservador do STJ referente à
penhora do faturamento se funda justamente na aplicação do princípio estudado, ainda
que em muitas ocasiões seja ignorado o direito do credor à satisfação rápida e integral
de seu direito.
26
Cfr. Cândido Rangel Dinamarco, A nova era do processo civil,São Paulo, Malheiros, 2003, pp.
290/291.
27
Para uma análise mais aprofundada sobre o tema do ato atentatório à dignidade da justiça, consultar
Daniel Amorim Assumpção Neves, “Ato atentatório à dignidade da Justiça (arts. 600 e 601 do CPC)”, in
Linhas Mestras do Processo Civil, São Paulo, Atlas, 2004, pp. 113/130.
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artificiosos; (iii) resiste injustificadamente às ordens judiciais; (iv) não indica ao juiz
onde se encontram os bens sujeito à execução. Cometido qualquer desses atos, o
executado, após ser ouvido (contraditório), será condenado ao pagamento de até 20%
do valor atualizado do débito, sem prejuízo das sanções de natureza processual ou
material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução.
Mais uma vez de forma direta e simples algumas observações a respeito do instituto do
ato atentatório à dignidade da justiça: a) somente os atos do executado serão
considerados como atos de atentatórios contra a dignidade da justiça. Exclui-se,
portanto, a figura do exequente, que obviamente também pratica atos no processo de
execução, e quando o fizer imbuído de má-fé estará incurso nos atos tipificados no art.
17 do Código de Processo Civil; b) além do processo de execução, também se incluem
os atos praticados nos embargos à execução e na fase executiva das ações
sincréticas; c) a expressão “fraude à execução” (art. 600, I, CPC), deve ser interpretada
de forma ampliativa, entendendo-se por fraudar qualquer ato praticado que leva a
inutilização do processo executivo, e não só os casos tipificados pelo art. 593, CPC,
como sendo cometidos em fraude à execução; d) a resistência injustificada às ordens
do juiz deverá também ensejar a multa prevista no art. 14, par. único, CPC – ato
atentatório à dignidade da jurisdição. No caso não haverá bis in idem, já que a multa do
art. 601, CPC, é revertida para a parte contrária, enquanto a multa prevista no art. 14,
CPC, é revertida ao Estado; e) o STJ entende não ser um dever do executado a
indicação dos bens à penhora, tratando-se de mero ônus. Dessa forma, o
descumprimento ao previsto no art. 600, IV, CPC, não gera qualquer sanção ao
devedor, que simplesmente ao deixar de nomear bens à penhora transfere ao credor a
tarefa de indicar tais bens em seu patrimônio.
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09 - Contraditório
Essa ausência de julgamento de mérito no processo de execução (regra) fez com que
alguns doutrinadores chegassem a chamar o processo de execução de processo do
credor, ou ainda conjunto de meios materiais colocados à disposição do juiz para
satisfazer o direito do credor. Criou-se até mesmo doutrina, hoje francamente
superada, que afirmava ser dispensável o contraditório no processo de execução
justamente por ausência de julgamento de mérito ou qualquer outra atividade cognitiva
por parte do juiz.
28
Cfr. Carlos Alberto Carmona, “Em torno do processo de execução”, in Processo civil – evolução 20
anos de vigência, coord. José Rogério Cruz e Tucci, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 17.
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Apesar da situação especial em que se coloca o processo de execução em razão de
suas características próprias, não há como negar sua natureza jurisdicional, tratando-
se indubitavelmente de processo que seguirá sob o crivo do contraditório, garantido
constitucionalmente (art. 5º, lV, CF). O juiz é chamado no processo executivo a resolver
uma série de questões incidentes, sendo absurdo acreditar que em tais situações não
haja necessidade de se realizar o contraditório. Apesar da função principalmente
material do juiz no processo de execução, é inegável que exista também cognição
acerca de questões incidentes no processo, e nesse caso o contraditório é
indispensável.
29
Alexandre Freitas Câmara, Lições de direito processual civil, vol II, 7ª edição, Rio de Janeiro, Lumen
Juris, 2003, p. 157.
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