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"Tudo o que sei sobre Epiteto eu próprio pratiquei ao longo dos anos", escreveu
Stockdale, em tradução livre. "Ele esteve em combate comigo, teve as pernas
acorrentadas junto comigo, passou meses com os olhos vendados, esteve prestes a
desistir de tudo, junto comigo."
"Ele me ensinou que o negócio é manter o controle sobre meu propósito moral. Na
verdade, (ele me ensinou) que eu sou o meu propósito moral. Ele me ensinou que
sou totalmente responsável por tudo o que faço e digo. E que sou eu quem decide e
controla minha própria destruição e minha própria libertação." Destaques e Análises
Na matéria a seguir, três especialistas em estoicismo ouvidos pelo programa Forum,
do BBC World Service, apresentam, em linguagem simples, algumas das ideias
centrais do pensamento estóico. E nos oferecem um guia prático para mantermos a
calma no meio do caos.
O manual de Epiteto
A extraordinária vida de Thomas
Antes de partir para a guerra, Stockdale, que fazia mestrado na Universidade Lipton, magnata tido como o
Stanford, na Califórnia, ganhou de presente de seu professor de filosofia um ‘melhor perdedor do mundo’
pequeno livro de introdução ao estoicismo.
"O que é que um aviador naval, tomador de Martini e jogador de golfe, vai fazer com
um livro desses?", se perguntou em seguida.
Anos mais tarde, entrevistado pela filósofa americana Nancy Sherman, Stockdale
disse que, quando viajava a bordo do porta-aviões Ticonderoga, no rio Mekong, no
sul do Vietnã, acabou memorizando o livreto.
As vantagens de cada idade para
Ele contou que, ao ser abatido, teria pensado : "Não saio daqui em menos de cinco aprender um novo idioma
anos e estou deixando para trás o mundo da tecnologia para entrar no mundo de
Epiteto."
"E de fato, Epiteto foi sua salvação", diz a filósofa à BBC. "Essa ideia de você
minimizar o que está fora do seu controle, mesmo sob tortura, mesmo durante dois
anos e meio em prisão solitária... Para ele, estar na prisão teve um lado bom:
possibilitou que ele aprendesse a utilidade do estoicismo. Mesmo em momentos em
que ele considerou seriamente o suicídio - como esse trecho do livro sugere".
Como a Indonésia se converteu
em um país de 'ricos loucos'
Piloto afirma que Epiteto (ilustração) foi sua salvação enquanto esteve preso no Vietnã
Como viver uma "boa vida" em um mundo imprevisível? Como fazer o melhor dentro
das nossas possibilidades aceitando, ao mesmo tempo, o que está fora do nosso
controle?
Hoje, adeptos ou curiosos podem "passar uma semana vivendo como estóicos",
Por que a extradição de Cesare
participar de conferências, integrar grupos de estóicos no Facebook, ouvir podcasts
Battisti, decretada por Temer, une
de todos os cantos do mundo, comprar livros sobre o tema e aprender como as
direita e esquerda na Itália
práticas e o pensamento estóico podem ser aplicados nos esportes, nos negócios e
na política.
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2. "Você não é aquilo que finge ser. Então, reflita e decida: isso é para você? Se não
for, esteja pronto para dizer: para mim, isso é nada. E deixe o assunto de lado."
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"Deixe para trás as coisas que não estão sob o seu controle e tente trabalhar duro Como a genética explica a 1
naquilo que você pode controlar." Nancy Sherman, filósofa americana que estuda a inteligência dos papagaios, os
influência do pensamento estóico sobre a ética militar. ‘seres humanos’ do mundo dos
pássaros
3. "Não espere que o mundo seja como você deseja, mas sim como ele realmente é.
Dessa forma, você terá uma vida tranquila." Blackfishing: a polêmica em 2
torno das influenciadoras
"Para quem vê conformismo nessas palavras, uma ressalva: eles não estão acusadas de fingirem ser negras
propondo que você seja passivo em relação à vida, mas que aceite as coisas que nas redes sociais
estão além do seu controle e que já aconteceram", diz o filósofo e psicoterapeuta
'Conheci e perdoei o índio 3
escocês Donald Robertson.
isolado que me flechou no rosto'
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"Se pudermos viver com sabedoria, guiados pela razão, vamos florescer e realizar
nosso potencial como seres humanos. Deus nos deu essa capacidade, cabe a nós
usá-la de maneira apropriada", diz ele.
"A maioria dos homens míngua e flui em miséria entre o medo da morte e as
dificuldades da vida; eles não estão dispostos a viver, e ainda não sabem como
morrer. Por essa razão, torne a vida como um todo agradável para si mesmo,
banindo todas as preocupações com ela. Nenhuma coisa boa torna seu possuidor
feliz, a menos que sua mente esteja harmonizada com a possibilidade da perda;
nada, contudo, se perde com menos desconforto do que aquilo de que, quando
perdido, não se sente falta. Portanto, encoraje e endureça seu espírito contra os
percalços que afligem até os mais poderosos."
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A ideia central dessa carta é a de que devemos não apenas estar preparados para
enfrentar as dificuldades da vida - devemos também nos preparar sempre para o
pior, explica o italiano Massimo Pigliucci, filósofo e estóico contemporâneo.
"Um exercício muito comum entre estóicos é você se preparar para alguma situação
crucial que deve enfrentar perguntando a si mesmo: qual seria o pior desfecho
possível para essa situação?"
"A lógica por trás disso é, primeiro, se você já sabe qual seria o pior resultado
possível, pode começar a se preparar para ele. Segundo, o exercício serve para
lembrar você mesmo de que, se o pior acontecer, você é perfeitamente capaz de
lidar com isso. E na verdade, na maioria das vezes, o pior não acontece".
Muitos diriam, no entanto, que para Sêneca o pior aconteceu: acusado de participar
de um complô contra Nero, ele acabou cometendo o suicídio por ordem do
imperador. O filósofo, por sua vez, talvez questionasse: "O que é mesmo esse pior?"
Isso porque, para os estóicos, a morte não é necessariamente ruim, e a riqueza não
é necessariamente boa, explica o escocês Robertson.
"Para os estóicos, a vida não é em si uma coisa boa, é uma oportunidade. E o que
importa é o que fazemos dela. Um sábio, um homem ou uma mulher bons podem
fazer algo útil com suas vidas, uma pessoa má ou tola pode fazer algo ruim com suas
vidas. E o mesmo vale para qualquer coisa que os estóicos consideram estar fora do
nosso controle, como, por exemplo, nossa saúde, nossa riqueza ou nossa reputação.
Essas coisas são vantagens que a vida nos dá, mas não são intrinsecamente boas.
Um homem mau pode usar sua riqueza e reputação para fazer coisas terríveis. Mas
nas mãos de uma pessoa boa, essas coisas podem ser usadas para fins bons", diz
Robertson.
Eles propunham que devíamos colocar nosso foco nas emoções ruins, ou pouco
saudáveis, aprendendo a lidar com elas.
Admirado por filósofos ao longo dos séculos, o famoso ensaio Sobre a Ira, de
Sêneca, propôs formas de lidarmos com esse sentimento.
"Sêneca sugere o seguinte: Você tem uma visão a respeito de algo ruim que
aconteceu. Mas você pode mudar sua opinião sobre aquilo. (Pode dizer a você
mesmo que) não foi tão mau assim, que foi um acidente, que a pessoa não tinha
essa intenção, ou, que isso não é importante para você", explica Nancy Sherman.
Volta à cena Epiteto, um ex-escravo que viveu no século primeiro da era cristã. No
trecho a seguir, extraído do seu manual, ele reflete sobre esse mesmo tema - as
paixões e como lidar com elas.
"Os homens são perturbados não pelas coisas, mas pelas opiniões que eles têm
delas. A morte, por exemplo, nada tem de terrível, senão tê-lo-ia parecido assim a
Sócrates. Mas a opinião que reina em relação à morte, eis o que a faz parecer
terrível a nossos olhos. Por conseguinte, quando estivermos embaraçados,
perturbados ou penalizados, não o atribuamos a outrem, mas a nós próprios, isto é,
às nossas próprias opiniões. Quem acusa os outros pelos próprios infortúnios revela
uma total falta de educação; quem acusa a si mesmo mostra que a sua educação já
começou; mas quem não acusa nem a si mesmo nem aos outros revela que sua
educação está completa".
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"Ele está dizendo que são nossas opiniões sobre as coisas que vão determinar se
vamos ou não ficar incomodados a respeito delas. Na verdade, são nossas opiniões
que vão determinar nossas emoções mais fortes. E indo ainda mais longe, são os
nossos juízos de valor, baseados em nossas crenças e valores mais profundos, que
nos levam a ficar aborrecidos em relação às coisas".
"As coisas que estão sob nosso controle são nossos julgamentos, opiniões e valores
que escolhemos adotar. E o que não está sob nosso controle é todo o resto, além de
tudo o que é externo", explica o filósofo italiano Massimo Pigliucci. "O externo aqui
inclui minha reputação, minha riqueza e até meu próprio corpo".
"Você pode influenciar seu corpo, manter uma dieta saudável, fazer exercícios. No
final, porém, seu corpo não está sob seu controle. Você pode pegar um vírus ou
sofrer um acidente e quebrar sua perna".
Segundo Pigliucci, essa distinção permite perceber que se as únicas coisas que
estão sob seu controle são seus julgamentos, opiniões e valores, é neles que você
deve manter seu foco.
"Eles foram os criadores do cosmopolitismo. Somos todos iguais, num certo sentido.
Todos compartilhamos uma racionalidade que existe no universo e isso nos torna
iguais. Esse pensamento acaba influindo a filosofia política que nasce no estoicismo.
É um tipo de iluminismo, de certa maneira".
O que resulta dessa forma de ver o mundo é que o ex-escravo Epiteto acabou
influenciando um outro filósofo estóico que vinha de uma classe social
completamente diferente. Trata-se do general e imperador romano Marco Aurélio.
"É uma grande ironia da história. Marco Aurélio, um homem pleno de poder,
privilégios e status, que liderava tropas, sentia que, de forma a ser virtuoso,
precisava praticar o estoicismo. E se inspirou em Epiteto".
Marco Aurélio acreditava também que devíamos nos preparar para lidar com o lado
desagradável das outras pessoas, enfrentando-o com a calma e auto-controle típicos
dos estóicos. Como ele próprio escreveu no texto a seguir.
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"A ideia de que nossas emoções não são apenas completamente separadas dos
nossos pensamentos, crenças e juízos de valor. Mas que nossas emoções mais
fortes são, com muita frequência, determinadas pelo tipo de juízos de valor que
fazemos. E esses juízos são crenças que podem ser verdadeiras ou falsas e portanto
podemos aprender a avaliá-las, questioná-las e alterá-las. A terapia cognitiva
moderna usa uma técnica chamada de questionamento socrático. Os estóicos
usavam essa prática também. Para ajudar as pessoas a refletirem racionalmente
sobre suas crenças de forma a transformar suas emoções".
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Antes de ir para a cama, reflita sobre as coisas mais importantes que aconteceram
naquele dia, coisas que são importantes em termos da sua ética pessoal. Pergunte a
você mesmo: O que fiz errado? O que fiz certo? E o que ainda precisa ser feito?
2. Exercícios de autoprivação.
Tome banho frio, embora não todos os dias. Os estóicos faziam alguns exercícios de
autoprivação, como tomar banho frio, sair no frio sem casaco ou jejuar.
"Em inglês moderno, o estoico acabou virando sinônimo de pessoa reprimida, sem
emoções. Mas o estoicismo, escola filosófica da Antiguidade, é muito mais
sofisticada e tem uma teoria psicológica bem mais complexa".
Mas ao propor que deixemos de lado e aceitemos tudo aquilo que é externo, que
está fora do nosso controle, essa filosofia não estaria gerando pessoas
politicamente apáticas e conformistas? - rebatem os críticos.
Em coluna na revista britânica The New Statesman, o filósofo Jules Evans responde
que não - pelo contrário:
"O estoicismo cria indivíduos que não podem ser intimidados pelos poderosos
porque não têm medo de abrir mão de tudo ou de morrer. Na verdade, são treinados
por sua filosofia para abandonar a vida sem medo ou arrependimento, defender seus
princípios racionais acima de qualquer ameaça ou suborno".
Para ouvir na íntegra, em inglês, o programa Forum, do BBC World Service, sobre
o estoicismo, clique aqui.
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