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ANO 19 - Nº 227 - OUTUBRO/2011 - ISSN 1676-3661

EDITORIAL: • EditoriAL:
REFLEXÕES SOBRE OS CRIMES TRIBUTÁRIOS: REFLEXÕES SOBRE OS
CRIMES TRIBUTÁRIOS:
PROTESTO PELA COERÊNCIA PROTESTO PELA COERÊNCIA .......................1
• REQUERIMENTO N. 756, DE 2011,
DO SENADO FEDERAL
Na década de noventa, o sistema jurídico penal Se a postura utilitarista e arrecadatória do Estado Renato Stanziola Vieira..........................................2
brasileiro começou a revelar uma postura utilitaris- deixa claro que a ameaça de sanção penal nos crimes • REVOLUÇÃO NEUROCIENTÍFICA
ta no que tange aos crimes tributários, trilhando o tributários é utilizada apenas para atingir o objetivo E DIREITO PENAL
caminho da sobreposição do interesse arrecatatório de pagamento do tributo, há meios menos gravosos Paulo Queiroz...............................................................4
ao punitivo. Iniciou a jornada pela previsão de ex- e mais eficazes para proporcionar a devida proteção • A urgência das penas alternativas
à prisão efectivas no Brasil
tinção de punibilidade pelo pagamento do tributo à arrecadação, em consonância com os princípios da Nuno Caiado.................................................................6
em momento anterior ao recebimento da denúncia, proporcionalidade e da subsidiariedade, já que não • DESCRUMPRIMENTO DE MEDIDA
passou pela previsão de suspensão da pretensão possui status de bem jurídico. CAUTELAR E A DECRETAÇÃO DA
punitiva em virtude da adesão ao parcelamento e Nesse sentido, as sanções administrativas pa- PRISÃO PREVENTIVA: ANÁLISE À
LUZ DA HOMOGENEIDADE
atingiu a possibilidade de extinção da punibilidade recem atingir o fim arrecadatório e promover o Clovis Alberto Volpe Filho e
pelo pagamento integral do tributo independente- pagamento dos tributos com a mesma (ou até Diego da Mota Borges............................................8
mente do momento em que fosse realizado. maior) eficácia do que a ameaça penal o faz, já que • O STATUS DA LIBERDADE E DA
Recentemente, por meio do artigo 6º da Lei n. a taxa de sonegação é alta e a sanção penal não vem DIGNIDADE NO ÂMBITO DO DIREITO
REFLEXÕES SOBRE OS CRIMES TRIBUTÁRIOS: PROTESTO PELA COERÊNCIA

E DO PROCESSO PENAL BRASILEIROS:


12.382/11, retomou-se a exigência de que o paga- atingindo seu objetivo de prevenção e dissuasão de ENTRE ESTAGNAÇÃO, EVOLUÇÃO
mento ou parcelamento do tributo fossem feitos condutas sonegadoras. E RETROCESSO
antes do recebimento da denúncia para que deles Na linha da descriminalização aqui preconizada, Stephan Doering Darcie.........................................9
emergissem os efeitos penais benéficos. No entan- podemos buscar inspiração no modelo das Contra- • A FACE “PROCEDIMENTAL” DO
DEPOIMENTO SEM DANO
to, apesar da alteração, a política fiscal continua a -Ordenações portuguesas, para intervir nas situações Rodrigo Oliveira de Camargo..........................10
utilizar o Direito Penal como mero instrumento em que não se justifica um rótulo de crime por falta • TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE
de cobrança de tributos, o que é inadmissível em de dignidade penal, mas que afetam bens jurídicos EXTRAÇÃO DE ÓRGÃOS, CÉLULAS E
nosso ordenamento jurídico. importantes. Na prática, o Direito das Contra- TECIDOS HUMANOS E O DIREITO PENAL
BRASILEIRO: UMA BREVE ANÁLISE
Se a persecução penal é deflagrada apenas no -Ordenações difere do Direito Penal por conta da Jéssica Ferracioli......................................................11
caso do devedor não efetuar o pagamento ou parce- natureza da sanção que, naquele caso, é pecuniária • DIREITO PENAL MÉDICO E
lamento de suas dívidas antes do início do Processo ou restritiva de direitos e chama-se coima, a qual é CONSENTIMENTO PRESUMIDO
Penal, fica claro que sua utilização é mais inclinada estabelecida de acordo com o poder aquisitivo do Paulo Vinicius Sporleder De Souza.............13
a uma chantagem estatal do que ao atendimento infrator e a relevância do dano causado. • ABERRATIO ICTUS OU ERRO NA EXECUÇÃO:
VESTÍGIO DE RESPONSABILIDADE PENAL
de sua dupla finalidade de garantir a segurança e a A utilização deste instrumento de descriminaliza- OBJETIVA NO CÓDIGO PENAL?
liberdade aos cidadãos. ção sem a correspondente permissividade possibilita- Gisele Mendes de Carvalho.............................14
O Direito Penal só pode ser acionado subsidia- ria a implementação de uma maior coerência entre • MÃES DE MAIO: UMA FERIDA ABERTA
riamente, com vistas a efetivar a proteção a bens a sanção prevista para a sonegação de tributos e a NA DEMOCRACIA BRASILEIRA
Bruno Shimizu..........................................................15
jurídicos relevantes, e, a partir do momento em relevância atribuída à conduta pelo próprio Estado.
que os efeitos nocivos que a sonegação fiscal causa Outra forma de se atingir semelhante objetivo • CONSIDERAÇÕES SOBRE O
VALOR PROBATÓRIO DO AUTO DE
à “Ordem Tributária” são deixados de lado para se seria possibilitar a relativização do princípio da LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO COMO
contentar com a mera arrecadação, há que se refletir obrigatoriedade da ação penal, ou aplicação do prin- LIMITE MÍNIMO PARA A INSTAURAÇÃO
DE UM PROCESSO PENAL
a respeito do real objetivo e, consequentemente, cípio da oportunidade, para os crimes tributários, de Daniel Gerber e Rafael Braude Canterji....16
da legitimidade da intervenção penal no âmbito maneira que o acusador só denunciaria o devedor no • PACTO DE IMUNIDADE PARA GADAFI
tributário. caso da afetação ao bem jurídico “Ordem Tributária” E IMPUNIDADE PARA ASSAD?
É verdade que a arrecadação tributária é es- ter sido de grande monta ou, ainda, de terem sido SOBRE A SILENCIOSA PERDA DE
AUTORIDADE DA JUSTIÇA PENAL
sencial para a construção e a manutenção de um causados danos a outros bens jurídicos, de modo a INTERNACIONAL
Estado Social, que tem por finalidade prover a justificar a intervenção penal. Kai Ambos....................................................................17
população de serviços essenciais financiados pelos É papel do IBCCRIM chamar atenção para a • COM A PALAVRA, O ESTUDANTE
tributos. Também é verdade que não há justiça necessidade de aprofundar-se a discussão a respeito A ADOÇÃO DA TEORIA DA
fiscal no País, no qual os cidadãos de baixa renda da legitimidade dos crimes tributários e das alter- COCULPABILIDADE LIMITADA NO
CONTEXTO LOCAL HODIERNO,
pagam muito mais impostos do que aqueles mais nativas que se apresentam para tornar o sistema SOB A FORMA DE POLÍTICA
abastados, o que torna premente a perseguição aos coerente, não apenas para deixar de prever a sanção AFIRMATIVA BRASILEIRA
grandes sonegadores que alargam a injustiça social. privativa de liberdade para essas condutas cuja Gabriel Bulhões Nóbrega Dias......................18
No entanto, deve-se ter coerência na valoração das relevância é relativizada pelo próprio Estado ao pri- caderno de jurisprudência
condutas e sanções. vilegiar a arrecadação, mas também para aumentar • O DIREITO POR QUEM O FAZ..................1497
O Direito Penal não pode ser visto como ins- a eficácia da norma que impõe a obrigatoriedade • jurisprudência anotada
trumento político para solucionar todos os pro- do pagamento dos tributos e, consequentemente, • Supremo Tribunal Federal........................1501
• Superior Tribunal de Justiça...................1502
blemas da sociedade, devendo ser acionado apenas tornar possível a consecução do Estado Democrá- • Tribunais Regionais Federais.................1503
quando não houver outro meio apto para tanto. tico de Direito. • Tribunais de Justiça......................................1504
REQUERIMENTO N. 756, DE 2011, DO SENADO FEDERAL(1)
Renato Stanziola Vieira
O Senador Pedro Taques solicitou a cias contraditórias e penas injustas.” fraterna não pressupõe recrudescimento das
constituição de comissão de juristas (os Que a legalidade – principalmente penas e expansão dos tipos penais.
nomes sugeridos, além daqueles a serem em matéria penal e processual penal – é No plano da repetição de lições que
indicados pelo Conselho Federal da OAB, o melhor norte à aplicação equânime e veem uma via de mão dupla da proteção
pelo Senado – para a consultoria em matéria constitucionalmente justificável do direito penal,(6) não nos parece que se possa par-
legislativa – e os demais a serem apontados aos cidadãos, não há dúvida. Daí porque se tir da premissa de que sempre a previsão
pelos partidos políticos com representação aplaudir a intenção (ainda se constitucional de bens ju-
no Senado, foram os do Ministro do STJ está no campo das intenções) rídicos justifique, por si, a
Gilson Dipp, do Procurador da República de atingir segurança jurídica Acredita-se ser mais intervenção penal. O que
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves e do e interpretações uniformes exato imaginar que se defende, na difícil e ain-
professor Luiz Flávio Gomes) para que, em das normas, o que poderá
180 dias, elaborasse projeto de Código Penal decorrer da revogação de leis
ao “se” (se algum bem da acesa questão teórica da
proibição de proteção insufi-
“adequado aos ditames da Constituição de esparsas que tipificam penal- constitucional ciente e proibição de excesso,
1988 e às novas exigências de uma sociedade mente condutas, trazendo-as merece uma tutela não é que a Constituição
complexa e de risco”.(2) ao novo Código. seja um quadro mínimo a
Mais instigante do que perguntar – o que As questões que provocam infraconstitucional, impor a tutela penal (da
seria inoportuno e prematuro – se estamos essas primeiras reflexões são leia-se: idoneidade, previsão do bem jurídico-
na gestação de um novo Código Penal, é outras: de que proporcionali- -constitucional, exigir-se-ia
refletir sobre possíveis contornos que, desde dade das penas se cuida – es- merecimento) a incidência da norma penal
já, se pretendam dar aos trabalhos. É útil tá-se a pensar em se instituir deve-se somar o tout court), mas sim que seja
atentar-se às primeiras decisões anunciadas no novo Código preceitos o máximo legitimador da in-
para imaginar o projeto futuro. primários sem pena mínima “como” (que tipo de tervenção (só teria, a priori,
Espera-se, na justificação da elaboração nos secundários? O que se tutela é legitimidade constitucional
de novo Código Penal, que se vá atingir me- quer dizer com a repetição a normatização da proteção
lhor “sintonia com as exigências contemporâ- da linguagem germânica(3) de essa, leia-se: de direitos que tivessem
neas de segurança e proteção da população”, o proibição do excesso e proibição subsidiariedade, relevância constitucional).
que demandaria a consequente “atualização da proteção insuficiente? É o Esse parece ser o viés inter-
dos preceitos normativos”. vetor constitucional explícito necessidade dessa pretativo que, sem negar a
Prestigia-se também a afirmação de que ou, como se apregoa por seto- ou daquela tutela). força normativa das normas
“a tutela do Direito se desloca de um lugar da res doutrinários,(4) também o constitucionais, reservam-
não-intervenção estatal para o lugar da prote- implícito, aquele que determina o máximo -nas às grandes questões de imbricação
ção coletiva da sociedade, tendo a dignidade da e o mínimo da intervenção penal, além dela jurídico-política e de proteção, mas não de
REQUERIMENTO N. 756, DE 2011, DO SENADO FEDERAL

pessoa humana como valor central do sistema própria? A tal proteção coletiva da coletivi- ataque, aos direitos fundamentais.
jurídico”, daí ter-se ponderado uma “maior dade deve dar-se por meio de que tipo de E, mais que isso, como nem tudo que
proteção da sociedade a partir de dois vetores atualização normativa, isto é, pressupõe-se reluz é ouro, nem todas as normas cons-
básicos: a proibição de excesso e a proibição da a tutela penal? titucionais, por serem tais, justificam a
proteção deficiente.” Parece precipitado, já nas justificativas incidência penal. O Direito Penal, na
Seguindo a mesma linha de raciocínio, da ideia da composição da Comissão de linguagem de Janaína Paschoal, não é um
a chamada “escalada global do crime organi- Juristas, discutir, ante uma aparente atuali- espelho da Constituição, mas tem justifica-
zado” decorreria do “progressivo fomento do zação do direito brasileiro à luz do que há ção só na medida em que proteja aquelas
pensamento economicista e a impossibilidade em sistemas alienígenas, o que pode ser a normas que ostentem características de
de atendimento das inúmeras demandas e intenção de se dar uma nova feição do corpo direitos fundamentais.(7) Há que se cogitar,
desejos alimentados por essa lógica”. Via de máximo do Direito Penal. Ao que se lê dali, portanto, do que seriam, na linguagem
consequência, o sempre atrasado legislador o risco é de, com o rótulo da proteção da próxima ao direito constitucional e ao
ter-se-ia visto na contingência de mais e dignidade humana (que historicamente, e direito penal brasileiros, “preceitos funda-
mais esparsamente legislar (que o digam no Brasil também, a tantos vieses ideoló- mentais penais”. Se não se tem conceito
as Leis ns. 7.492/86, 8.072/90, 8.137/90, gicos se prestou),(5) propiciar expansão do firme do que seja isso, ainda é arriscado
9.613/98 e tantas outras). Diminuir ou poder estatal de reprimir e punir. E com isso se socorrer da porosa linguagem consti-
evitar a defasagem da legislação penal em não se pode concordar. tucional e da específica tábua valorativa
face das cada vez mais velozes (e voláteis) Seja por critérios de combate vistos para, a partir dali, e sem mais, imaginar
atividades interessantes à esfera penal aos excessos economicistas ou mesmo em a tal “atualização dos preceitos normativos”
tornou-se (se não fora um dia, é caso a virtude de combate ao que se toma por penais. É preciso cuidar para que não se
se pensar) uma ilusão. Não se conseguiu, exacerbado individualismo, não parece patrocine interpretação constitucional que
como se diagnosticou no requerimento, ser, em primeiras impressões, legítima a venha a privilegiar, inclusive, suas normas
atender às tais “necessidades prementes”. abrangência que se quer dar ao novo Código de direitos fundamentais não como de
Ao contrário: à caoticidade do direito Penal. A intervenção – está-se a falar, aqui, eficácia ótima para a proteção dos direitos,
positivo, somaram-se o “prejuízo total da de vigiar e punir ou, noutro giro, de delitos e mas como justificadoras de sua restrição,
sistematização e organização dos tipos penais penas – não é constitucionalmente justificá- em sentido contrário à proclamação liber-
e da proporcionalidade das penas, o que gera vel, mesmo que se pretenda caminhar para tária do constitucionalismo ocidental de
grande insegurança jurídica, ocasionada por um propalado Estado Social e Democrático todo o pós-Segunda Guerra.
interpretações desencontradas, jurisprudên- de Direito. A trilha a uma sociedade mais A problemática, ainda, das proibições (do

2 Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011


excesso e da insuficiência),(8) torna preocupante posição da Comissão, alvitrando-se convites às
a ligação que pareceu se dar no requerimento, Faculdades de Direito, às Defensorias Públicas
qual seja a da necessidade da proteção a bens dos Estados e da União e aos membros da
difusos com a intenção de privilegiar a digni- sociedade civil para que os nomes indicados
dade da pessoa humana. Acredita-se ser mais passem, a critério do Senado Federal, a fazer
exato imaginar que ao “se” (se algum bem parte da Comissão e contribuir para reflexões
constitucional merece uma tutela infracons- mais fidedignas e que espelhem, assim, a (FUNDADO EM 14.10.92)
titucional, leia-se: idoneidade, merecimento) diretoria da gestão 2011/2012
complexidade dos debates acerca da necessária
deve-se somar o “como” (que tipo de tutela é revisão do Código Penal. Diretoria Executiva
essa, leia-se: subsidiariedade, necessidade dessa Presidente: Marta Saad
ou daquela tutela). O Direito Penal, portanto, NOTAS 1º Vice-Presidente: Carlos Vico Mañas
deve continuar a ser visto como ultima ratio, 2º Vice-Presidente: Ivan Martins Motta
e tal afirmação nada tem de individualista- (1) Obrigado, Andre Kehdi e Fernando Gardinali. Vocês
possibilitaram que eu escrevesse o artigo. 1ª Secretária: Mariângela Gama de Magalhães
-economicista, mas é, sim, liberal no sentido Gomes
(2) A íntegra do requerimento pode ser consultada em:
político do termo. http://www.conjur.com.br/2011-jul-17/senador- 2ª Secretária: Helena Regina Lobo da Costa
Não é porque tem hierarquia constitucional -comissao-juristas-trabalhar-codigo-penal. Todas as 1º Tesoureiro: Cristiano Avila Maronna
que o bem jurídico torna obrigatória a incidên- menções doravante aspeadas são literalmente extraídas 2º Tesoureiro: Paulo Sérgio de Oliveira
cia da norma penal.(9) A ordem constitucional do citado requerimento.
(3) O pai da expressão é, sabe-se, Claus-Wilhelm Canaris: AssessorES DA PRESIDÊNCIA:
atende a outros patamares que não sua funcio- Adriano Galvão
Direitos fundamentais e direito privado. Trad. Ingo
nalização para a intervenção da tutela penal. Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. 2ª reimpressão
Rafael Lira
Dado que ao tratamento da proibição do da edição de julho de 2003. Lisboa: Almedina, 2009, Conselho Consultivo
excesso e da proibição de insuficiência se espera p. 60. Alberto Silva Franco
atenção e cautela dos juristas que comporão a (4) FELDENS, Luciano. A Constituição Penal. A dupla face Marco Antonio Rodrigues Nahum
da proporcionalidade no controle de normas penais. Maria Thereza Rocha de Assis Moura
comissão,(10) aproveita-se para, nos debates que Sérgio Mazina Martins
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005, p. 94.
certamente surgirão, provocar a atualização Em direito comparado, dentre tantos, PALMA, Maria Sérgio Salomão Shecaira
normativa para que se discutam outros tantos Fernanda. Constituição e direito penal. As questões Coordenadores-Chefes
pontos, sempre a partir das mesmas premissas: inevitáveis. In: Perspectivas Constitucionais nos 20 dos Departamentos:
sociedade de risco, proteção da dignidade da anos da Constituição de 1976. MIRANDA, Jorge – org. Biblioteca: Ivan Luís Marques da Silva
pessoa humana, leis consentâneas ao momento Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 230 Boletim: Fernanda Regina Vilares
(5) O Ato Institucional n. 5, com o qual a geração dos Coordenadorias Regionais e Estaduais:
que vivemos. Adriano Galvão
ilustres componentes da Comissão conviveu, trazia
Com o resgate das ideias da “necessidade” em seus consideranda o seguinte: “Considerando que Cursos: Fábio Tofic Simantob
cogitada no requerimento, e também, como a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, Estudos e Projetos Legislativos: Gustavo
acima se disse, de idoneidade e subsidiariedade conforme decorre dos Atos com os quais se institucio- Octaviano Diniz Junqueira
Iniciação Científica: Fernanda Carolina de Araújo
da intervenção penal, provoca-se a meditação nalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar
Internet: João Paulo Martinelli
sobre, por exemplo, a revogação do art. 22 da ao País um regime que, atendendo às exigências de
Mesas de Estudos e Debates: Eleonora Nacif
um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica Monografias: Ana Elisa Liberatore S. Bechara
Lei 7.492/86, do catálogo dos crimes “hedion- ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito
dos”, de resquícios anacrônicos de moralidade Núcleo de Jurisprudência: Guilherme Madeira
à dignidade da pessoa humana, no combate à subver- Dezem
no Código Penal (p.ex.: arts. 227 a 231-A, são e às ideologias contrárias às tradições do nosso Núcleo de Pesquisas: Fernanda Emy Matsuda
CP), resquícios de responsabilidade objetiva (p. povo, na luta contra a corrupção...”. Pós-Graduação: Davi de Paiva Costa Tangerino
ex.: art. 261, CP), revisão da ordem valorativa (6) No Brasil, destaca-se o excelente trabalho a respeito Relações Internacionais: Marina Pinhão Coelho
de Luciano Feldens, já citado. Araújo
do Código – destacadamente no que se vê da (7) PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, Crimi- Representante do IBCCRIM junto ao OLAPOC:
prevalência indevida da proteção dada aos nalização e Direito Penal Mínimo. São Paulo: Revista Renata Flores Tibyriçá
interesses patrimoniais. dos Tribunais, 2003, p. 60 e 63. Revista Brasileira de Ciências Criminais:
Mais: pense-se nos debates sobre o fim da (8) Sobre a qual, diga-se, o STF com ela se defrontou Helena Regina Lobo da Costa
pena mínima ou, se a tanto não se chegar, sua pouquíssimas vezes (HC 84.424, Caso Ellwanger e HC Presidentes das Comissões Especiais:
106.212 – Lei Maria da Penha). Amicus Curiae: Heloisa Estellita
fixação aquém do mínimo legal a depender da
(9) Eloquente a lição de Alberto Silva Franco: “A Lei Maior Código Penal: Renato de Mello Jorge Silveira
situação concreta julgada, a consideração da não é uma varinha de condão idônea a solucionar Corretora dos trabalhados de conclusão
reincidência e seus efeitos na medida da pena magicamente todas as questões a ele atinentes. do VI Curso de Direito Penal Econômico e
e seu regime de cumprimento, a revogação da Constitui, sem dúvida, uma indicação válida, um critério Europeu: Heloisa Estellita
lei das contravenções penais, a firme previsão relevante, um excelente ponto de partida, mas não é Defesa dos Direitos e Garantias
tudo” (Do princípio da intervenção mínima ao princípio Fundamentais: Ana Lúcia Menezes Vieira
legal sobre a tipicidade dos crimes contra a Direito Penal Econômico: Heloisa Estellita
da máxima intervenção. In: Revista Portuguesa de
ordem tributária – sobre a qual se jogou a Ciências Criminais. Ano 6, fasc. 2º. Coimbra: Coimbra Doutrina geral da infração criminal: Carlos
responsabilidade no colo do STF que ainda, Editora, abril/junho 1996, p. 177). Vico Mañas
apesar do teor da Súmula Vinculante n. 24, (10) Talvez o tratamento seja especificamente atribuído História: Rafael Mafei Rabello Queiroz
Infância e Juventude: Luis Fernando C. de
não enfrentou o tema por completo – a revisão ao Procurador da República Luiz Carlos dos Santos
Barros Vidal
dos aspectos penais, inclusive das próprias Gonçalves, autor de impor tante obra monográfica Justiça e Segurança: Renato Campos Pinto de
sobre o tema (Mandados expressos de criminalização Vitto
penas, da Lei 8.666/93 e tantos outros. e a proteção dos direitos fundamentais na Constituição
São decisões difíceis as que aguardam o Novo Código de Processo Penal: Maurício
brasileira de 1988. Belo Horizonte: Editora Fórum, Zanoide de Moraes
enfrentamento, como difícil foi a tomada de 2007). Política Nacional de Drogas: Maurides de
posição inicial estampada no requerimento. É Melo Ribeiro
necessário, pois, toda a atenção para debatê-las Renato Stanziola Vieira Sistema Prisional: Alessandra Teixeira
15º Concurso IBCCRIM de Monografias de
e, assim, dar-se legitimidade aos trabalhos da Mestre em Direito Constitucional (PUC-SP).
Ciências Criminais: Diogo Rudge Malan
comissão recém-sugerida. Por isso se cogita, Mestrando em Direito Processual Penal (USP). 17º Seminário Internacional: Carlos Alberto
ainda, de sugerir maior pluralidade na com- Advogado. Pires Mendes

Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 3


REVOLUÇÃO NEUROCIENTÍFICA E DIREITO PENAL
Paulo Queiroz
A neurociência promete uma autêntica límbicos e os centros motores executivos, mas em sistemas socialmente construídos
revolução para os próximos anos que impli- garante que as ações voluntárias ocorram de responsabilidade.(10) E se o homem é
cará uma mudança radical da imagem que dentro do âmbito dos sentimentos emo- ou não livre, isso depende do conceito de
o homem faz de si mesmo, com repercussão cionas inconscientes e da parte racional liberdade do qual se parte, que não é, em
direta sobre o Direito Penal (mas não só cognitiva consciente de cada pessoa.(7) princípio, um conceito biológico, mas po-
sobre ele), especialmente no que diz respeito Que semelhante perspectiva importa lítico.(11) Enfim, a investigação que procede
à culpabilidade. numa reviravolta no nosso da neurociência, embora
Com efeito, segundo manifesto publica- modo de pensar e ver o necessária e importante, não
do na Alemanha, em 2004, por 11 (onze) mundo é evidente, pois,
(...) a liberdade é suficiente para a implosão
neurocientistas, “num período de tempo concretamente, isso significa, de agir (ou livre do edifício jurídico-penal,
previsível, nos próximos vinte ou trinta anos, por exemplo, que os delin- arbítrio) é uma ilusão que certamente resistirá à
a investigação cerebral poderá alcançar a quentes não sabem, a rigor, anunciada revolução neuro-
conexão entre os processos neuroelétricos e porque delinquem; que os criada pela mente científica, se bem que a par-
neuroquímicos, assim como funções percepti- advogados não sabem porque consciente, uma vez tir de novos fundamentos.
vas, cognoscitivas, psíquicas e motoras, até o advogam; que os promotores
ponto que será possível fazer predições bastante não sabem porque acusam; e que todas as nossas NOTAS
certeiras sobre estas conexões em ambas dire- nem os juízes sabem porque decisões procedem (1) Disponível em El fantasma de
ções. E isso significa que devemos contemplar julgam. E, mais importante,
a mente, a consciência, os sentimentos, os nenhum deles poderia agir
de processos la libertad (datos de la revolución
neurocientífica), de Francisco J.
atos voluntários e a liberdade de ação como diversamente. Daí não fazer neuronais complexos Rubia. Barcelona: Crítica, 2009.
processos naturais, pois todos se baseiam em sentido a ideia de culpabili- inconscientes sobre (2) De acordo com Gerhard Roth,
processos biológicos”.(1) dade (mas não só ela), visto “o homem é livre no sentido de
A anunciada revolução pretende demons- que não seria razoável exigir- os quais o nosso que pode atuar em função de sua
vontade consciente e inconsciente.
trar (possivelmente), entre outras coisas, que -se do agente dito culpável consciente ou não Apesar disso, esta vontade está
o homem não é livre, isto é, que a liberdade um comportamento diverso, completamente determinada por
de agir (ou livre arbítrio) é uma ilusão criada isto é, conforme o direito. tem poder algum, fatores neurobiológicos, gené-
ticos e do entorno, assim como
pela mente consciente, uma vez que todas Estar-se-ia a exigir algo neu- ou o tem pelas experiências psicológicas e
as nossas decisões procedem de processos rocientificamente inexigível.
neuronais complexos inconscientes sobre os Tampouco faria sentido a
minimamente. sociais positivas e negativas, em
particular as que são produzidas
quais o nosso consciente ou não tem poder distinção entre condutas vo- em etapas iniciais da vida, que dão
algum, ou o tem minimamente. Pretende- luntárias e involuntárias, entre ações dolosas lugar a mudanças estruturais e fisiológicas no
cérebro. Isso significa que todas as influências
-se provar, assim, que aquilo que se nos e não dolosas (imprudentes ou inconscien- psicológicas e sociais devem produzir mudan-
apresenta como ações refletidas, conscientes, tes), entre imputáveis e inimputáveis, uma ças estruturais e funcionais. Do contrário, não
prudentes etc. é, em verdade, uma ilusão vez que o agente careceria, inevitavelmente, poderiam atuar sobre nosso sistema motor. Por
criada pela consciência,(2) inclusive porque de liberdade (consciente) de agir. último, isso supõe que não existe livre arbítrio
REVOLUÇÃO NEUROCIENTÍFICA E DIREITO PENAL

em sentido firme, mas somente em sentido


o cérebro é um órgão como qualquer outro Embora talvez fosse mais prudente espe- débil e compatibilista. E também significa que
e, por essa razão, é tão determinista em rar o que de fato significará essa anunciada ninguém, nem os filósofos, nem os psicólogos,
seu funcionamento quanto o coração ou o revolução neurocientífica, parece claro que nem os neurobiólogos podem explicar como
fígado.(3) E ninguém pode atuar de modo a perspectiva neurocientífica (ou ao menos funciona o livre arbítrio em sentido forte” (La
relación entre razón y la emoción y su impacto
distinto do que de fato é, escreve Wolf parte importante de neurocientistas) tende
sobre el concepto de libre albedrío, p. 114. In:
Singer.(4) a reduzir o homem ao cérebro; a seguir, El cerebro: Avances recientes en neurociencia.
Como assinala Francisco Rubia, “para o cérebro ao cérebro inconsciente; e, por Madrid: Editorial Complutense, 2009).
Gerhard Roth, as decisões para nossos atos fim, o cérebro consciente a uma espécie de (3) SEARLE, John R. Liberdade e neurobiologia. São
procedem do inconsciente, o que quer dizer ventríloquo do cérebro inconsciente, tal é a Paulo: Editora UNESP, 2007, p. 59.
(4) Experiencia propia y descripción neurobiológica
que temos a impressão de que sabemos o que superestimação deste último em detrimento ajena, p. 30. Revista electrónica de ciencia penal
fazemos, mas, em realidade, o que o consciente do primeiro.(8) y criminología, 2010, revista 12. Criminet.ugr.es.
faz é atribuir-se algo que não é obra sua”.(5) De todo modo, ainda que se prove futu- (5) RUBIA, Francisco. cit., p. 15.
Daí concluir Rubia que, “se literariamente, ramente que o homem é um escravo de suas (6) El fantasma, cit., p. 9.
(7) ROTH, Gerhard. cit., p. 114.
em nosso século de Ouro, Calderón (1600- pulsões e desejos inconscientes, que ele é o (8) Segundo Roth, a consciência, entre outras coisas,
1681) afirmou que a vida é um sonho, alguns que é, e não o que ele quer ou pretende ser, sempre está relacionada com o processamento de
neurocientistas modernos sustentam que real- é improvável que isso implique a extinção informação nova, importante e complicada. Assim,
mente toda vida é uma ilusão”, motivo pelo do controle social e tampouco a abolição do sempre que enfrentamos decisões novas e im-
portantes, devemos fazê-lo de forma consciente,
qual “o livre arbítrio é provavelmente uma controle penal, embora possa desencadear
mas em nossa memória inconsciente é guardado
ilusão, mais uma ilusão entre muitas que o uma reformulação radical do Direito Penal tudo que experimentamos em nossas vidas (cit.,
cérebro inventa”.(6) que conhecemos hoje. Tanto é assim que
(9)
p. 115). De acordo com Freud, o inconsciente é a
Também por isso, nossas decisões teriam mesmo os inimputáveis em razão de doença esfera mais ampla, que inclui em si a esfera menor
um insuperável fundo emocional, porque a mental ou similar estão sujeitos à intervenção do consciente. Tudo o que é consciente tem um
estágio preliminar inconsciente, ao passo que
racionalidade não domina nossas ações, o do Direito Penal (medidas de segurança). aquilo que é inconsciente pode permanecer nesse
que significa que a interação entre o cons- Finalmente, o Direito Penal não se estágio e, não obstante, reclamar que lhe seja
ciente e o inconsciente, entre os centros funda em dados (puramente) biológicos, atribuído o valor pleno de um processo psíquico.

4 Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011


O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; em sua Avances recientes en neurociencia. Madrid: Editorial
natureza mais íntima, ele nos é tão desconhecido quanto Complutense, 2009). COORDENADORIAS REGIONAIS
a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente (10) No mesmo sentido, Hassemer: “... responsabilidade 1ª Região (AC, AM e RR)
apresentado pelos dados da consciência quanto o é o e imputação não descansam em conhecimentos Luis Carlos Valois
mundo externo pelas comunicações de nossos órgãos da biologia humana, mas em razões sociais. Não 2ª Região (MA e PI)
sensoriais. Ainda, as mais complexas realizações do sobrevivem por ignorância e irracionalidade, mas Roberto Carvalho Veloso
pensamento são possíveis sem a assistência da cons- por conhecimento e experiência” (Neurociencias y 3ª Região (RN e PB)
ciência (A interpretação dos sonhos [segunda parte], culpabilidad en Derecho penal. Disponível em: INDRET. Oswaldo Trigueiro Filho
capítulo VII [a psicologia dos processos oníricos]. In: COM. Barcelona: abril, 2011).
4ª Região (AL e SE)
Edição Standard brasileira das obras completas de (11) Nesse exato sentido, escreve Michel S. Gazzaniga: “A
Sigmund Freud. 1ª ed. Rio de Janeiro: Imago. vol. XV.). neurociência tem pouco que aportar à compreensão Daniela Carvalho Almeida da Costa
Mais: “O inconsciente designa não apenas as ideias da responsabilidade. A responsabilidade é um cons- 5ª Região (ES e RJ)
latentes em geral, mas especialmente ideias com tructo humano que existe só no mundo social, onde Márcio Barandier
certo caráter dinâmico, ideias que se mantêm à parte há mais de uma pessoa. É uma regra, construída 6ª Região (DF, GO e TO)
da consciência, apesar de sua intensidade e atividade”. socialmente, que existe só no contexto da interação Pierpaolo Bottini
“A inconsciência é uma fase regular e inevitável nos humana. Nenhum píxel de uma imagem cerebral 7ª Região (MT e RO)
processos que constituem nossa atividade psíquica; poderá manifestar culpabilidade ou inculpabilidade Francisco Afonso Jawsnicker
todo ato psíquico começa com um ato inconsciente (...). Os neurocientistas não podem falar sobre a cul-
8ª Região (RS e SC)
e pode permanecer assim ou continuar a evoluir para pabilidade do cérebro, como tampouco pode culpar o
a consciência, segundo encontra resistência ou não” relojoeiro o relógio. Não se nega a responsabilidade; Rafael Braude Canterji
(Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise. In: só está ausente a descrição neurocientífica da con- COORDENADORIAS ESTADUAIS
Edição Standard brasileira das obras psicológicas duta humana (...). A neurociência nunca encontrará o 1ª Estadual (Ce)
completas de Sigmund Freud. 1ª ed. Rio de Janeiro: correlato cerebral da responsabilidade, porque é algo
Patrícia de Sá Leitão e Leão
Imago. vol. XII). que atribuímos aos humanos – as pessoas – e não
(9) Para Michel Pauen, não há nenhuma revolução à vista, aos cérebros” (El cerebro ético. Barcelona: Paidós, 2ª Estadual (Pe)
porque não existe uma refutação científica da liberdade 2006, p. 110-111). André Carneiro Leão
e responsabilidade. A liberdade e a determinação não 3ª Estadual (Ba)
são incompatíveis, de modo que, ainda que tenhamos Paulo Queiroz Wellington César Lima e Silva
demonstrado que o nosso cérebro é um sistema 4ª Estadual (Mg)
Doutor em Direito (PUC-SP).
determinista, ainda não demonstramos que não seja- Felipe Martins Pinto
mos capazes de atuar livremente (Autocompreensión Procurador Regional da República em Brasília.
Professor do UniCEUB. 5ª Estadual (Ms)
humana, neurociencia y libre albedrío. In: El Cerebro:
Marco Aurélio Borges de Paula
6ª Estadual (Sp)
João Daniel Rassi
7ª Estadual (Pr)
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
8ª Estadual (Ap)
João Guilherme Lages Mendes
9ª Estadual (Pa)
Marcus Alan de Melo Gomes

Boletim IBCCrim
CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE DROGAS, LEI, SAÚDE, CULTURA E SOCIEDADE - ISSN 1676-3661 -
Data: 21 a 24 de março de 2012 COORDENADORa-CHEFE:
Fernanda Regina Vilares
Local: Auditório do Museu Nacional – Brasília – DF coordenadores adjuntos:
Realizador do evento: Decanato de Extensão da Universidade de Brasília Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun,
Inscrições: A partir do dia 15 de setembro na secretaria do Centro Interdisciplinar de Formação Continuada Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira
Interfoco (Universidade de Brasília) “A relação completa dos colaboradores do
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Viva Rio. “O Boletim do IBCCRIM circula exclusivamente entre
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II Congresso de Ciências Criminais de Vitória Tiragem: 11.000 exemplares
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Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 5


A urgência das penas alternativas à prisão efectivas no Brasil
Nuno Caiado
Não se pode resolver um problema etária brasileira, ela contempla uma faixa teoricamente cinco), independentemente
a um nível de pensamento igual ao que etária de jovens/início da fase adulta de cerca das condições concretas do caso: prender
permitiu criá-lo de 30%, valor relevante que inclui as idades o delinquente; ou submetê-lo a uma pena
Einstein mais propensas à actividade criminal. Logo, alternativa que, por regra, não tem controlo
o aumento do crime é inevitável. nem acompanhamento o que a condena ao
Um problema De alegada solução em As políticas sociais defici- fracasso. Isto sucede porque
termos penais, o sistema prisional brasileiro tárias ou inexistentes produ- o Estado não tem tido a
tornou-se num complexo problema e um ziram ao longo de gerações
Pensar diferente capacidade de intervir activa-
pesadelo quotidiano para os poderes públi- condições propícias ao crime, é evitar repetir mente na execução das penas
cos, para quantos trabalham nas prisões e através de extensas camadas o equívoco de alternativas provocando a
para os que estão presos. O mesmo se passa de excluídos e pobres mais desconfiança nos tribunais
em quase toda a América Latina que se con- vulneráveis à adopção de continuar a investir que, sem alternativa sólida,
fronta com um quadro generalizado de rup- estilos de vida fora da norma. exclusivamente no optam pela prisão. Ao gerar
tura das prisões que não conseguem alcançar Mas esta abordagem deve ser um número imenso de novos
os objectivos da reabilitação e reinserção muito cautelosa porque isola- paradigma prisional. presos por dia, contribuem
social, não apenas pela sua natureza mas da conduz uma interpretação Pensar diferente é para a saturação do sistema
também, e em grande medida, pelas suas distorcida da causalidade do prisional. Sobrelotado, o sis-
deficientes condições de funcionamento. crime e, no limite, a uma procurar incidir a tema prisional torna-se inca-
Valerá a pena recordar alguns dados sobre cruel criminalização da po- resposta alterando paz de assegurar as condições
o Brasil? Vale, porque a consciência colectiva breza. de habitabilidade mínima
sobre eles ainda não parece ter atingido a Mas, paradoxalmente, a pergunta, isto na maioria dos presídios
maturidade. melhores políticas sociais é, alterando os e de investir na reinserção
A urgência das penas alternativas à prisão efectivas no Brasil

O Brasil deverá ser o quarto país do também podem gerar crime social – uma miragem! Pelo
mundo com mais presos (meio milhão), e processos judiciais: a mo-
pressupostos da contrário, ao acolher sem
o que traduz uma taxa de encarceramento bilidade vertical ascendente reacção penal e especial distinção ou crité-
de 253/100.000 habitantes, acima do pon- pode gerar fenómenos de as- diferenciando rio os presos, tende a criar
to ótimo de equilíbrio recomendado de piração económica ilegítima, condições para integrá-los
100/100.000. Acrescem mais umas cente- conduzindo a práticas crimi- as penas. ou consolidá-los no mundo
nas de milhares de mandados por cumprir, nais. Ou podem fomentar do crime.
uma sobrelotação que tende para os 100% a consciência sobre crimes habitualmente Pensar diferente, condição de mudan-
e um grande esforço da Federação e dos escondidos, como os de violência doméstica. ça: introduzir a probation Como inverter
Estados para enfrentar o problema. Fácil é Por outro lado, observa-se uma desvalo- este quadro? A frase Não se pode resolver um
compreender que a actual situação prisional rização histórica na execução das penas. O problema a um nível de pensamento igual ao
é irresolúvel, porque nunca haveria recursos subfinanciamento do sector penitenciário que permitiu criá-lo, atribuída a Einstein,
suficientes para aumentar o parque prisional é recorrente em todo o mundo pelo que as resume exemplarmente a extrema necessi-
ao ponto de ultrapassar a pressão actual. estruturas e serviços são muitas vezes subdi- dade de olhar para o gigantesco problema
Mas, segundo as estatísticas publicadas mensionadas e desqualificadas. A acumula- em que se converteu o sistema prisional
pelo DEPEN, existe um dado pior: o agra- ção de dificuldades gera mais dificuldades. brasileiro e, a partir do diagnóstico, pensar
vamento deste quadro devido à tendência Mas o mais importante dos factores é soluções numa lógica inovadora e desco-
de crescimentos da população prisional, imaterial e de natureza ideológica e política: lada dos paradigmas actuais. Se a política
desconhecendo-se sinais, com a mesma trata-se da política criminal, o modo como o criminal conduziu o sistema prisional a esta
densidade significativa, que a invertam, Estado concebe e organiza as suas respostas situação, o que deve ser mudado: a primeira
ou sequer, a parem. Quer isto dizer que penais. Enquanto ela estiver amarrada à ou a segunda?
o sistema prisional, já hoje insustentável, produção de presos, isto é, estiver focada A resposta a estas perguntas terá que ser
explodirá a curto ou médio prazo, com no encarceramento e encerrada num pensa- elaborada debaixo de um enorme esforço de
graves implicações sociais e de segurança, e mento baseado no senso comum e não em imaginação e de descentramento da lógica
degradando a imagem do Brasil no exterior critérios de ciência, o problema do sistema que presidiu à constituição do problema. Há
quanto à sua política criminal. prisional não se resolverá, nem que o Brasil que pensar diferente, entrando no tal outro
Um diagnóstico Como se chegou a aumentasse cinquenta vezes os meios finan- nível de pensamento. Para esse esforço de
este ponto? Como sempre sucede com um ceiros para o efeito. Aliás, uma desmesurada reconcetualização, o Brasil conta com três
problema muito complexo, a sua explica- afectação de meios às prisões produziria grandes vantagens:
ção é algo imprecisa e multi-factorial. Sem uma espiral perversa em que a melhoria de possui um enorme capital intelectual
exaustividade, faça-se um esforço, saindo condições e o aumento da oferta de vagas e massa crítica capaz de gerar conheci-
do senso comum. levaria aos tribunais à tentação de aumentar mento;
Alguns desses factores são tradicio- as decisões de emprisionamento. um pujante ciclo económico que gera
nalmente menos nítidos ou esquecidos, Não se trata, evidentemente, de sindicar recursos financeiros antes indisponíveis,
tornando os seus efeitos surpreendentes as decisões judiciais mas de as compreen- imprescindíveis para o lançamento de
para os desatentos, como por exemplo o der num contexto que lhes é desfavorável. novas politicas;
crescimento demográfico que no Brasil tem Exemplificando: quando um tribunal a ambição residente nas altas esferas do
sido importante. Mau grado alguma retra- condena alguém por furto qualificado, tem poder e da Administração de transformar
ção recente que torna imperfeita a pirâmide apenas duas opções (em Portugal elencam-se o sistema penitenciário.

6 Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011


Pensar a solução é, obrigatoriamente, re- prisão domiciliar alternativa à prisão cau- Requalificação do sistema prisional,
pensar a política criminal, admitir a inovação telar e preventiva com monitoramento progressivamente robustecido pelo decrés-
de conceitos e perspectivas. Pensar diferente eletrônico, com uma abrangência que cimo do número de presos, quer através
é evitar repetir o equívoco de continuar a in- ultrapasse a excepcionalidade actual e da reforma dos estabelecimentos quer pela
vestir exclusivamente no paradigma prisional. se baseasse na análise de risco concreto; construção de novas unidades.
Pensar diferente é procurar pena de trabalho comunitário Redesenhar o sistema penitenciário.
incidir a resposta alterando a devidamente supervisionada; Tal como ao pensar em pena pensamos
pergunta, isto é, alterando os Atendendo às atuais penas probatórias musculadas em prisão, quando pensamos em sistema
pressupostos da reacção penal circunstâncias com níveis de supervisão gra- penitenciário referimo-nos (erradamente)
e diferenciando as penas. duados em função do grau de ao sistema prisional. Deverão ser entidades
O Brasil precisa de intro- de pressão sobre o risco, onde o controlo orga- diferentes, em que o primeiro é um chapéu
duzir no seu ordenamento sistema prisional, nizado e assertivo (incluindo comum ao subsistema prisional e ao sub-
jurídico e na sua Adminis- fases com monitoramento sistema da probation. Esta requererá meios
tração da Justiça a probation, o Brasil necessita eletrônico) fosse combinado próprios de execução; consequentemente,
designação que em sentido urgentemente de com uma intervenção social o sistema penitenciário brasileiro altera-se,
lato que designa a cultura e o qualificada orientada para a sofistica-se, evolui, passando de um único
modo de execução de penas dar novos passos modificação do comporta- pilar prisional para dois (cuja organização
e medidas na comunidade, alinhando a sua mento criminal; não se discute aqui): a par do pilar prisio-
com carácter substitutivo,
alternativo e complementar política criminal por pena de prisão domiciliar
executada debaixo da cultura
nal emergem os sistemas de execução de
penas na comunidade e de monitoramento
à prisão. Esta opção não des- padrões modernos, da probation, necessariamente eletrônico.
valoriza a pena de prisão nem com monitoramento eletrô-
o sistema prisional, antes o
nomeadamente nico e intervenção social,
Conclusão. Pensar as penas a partir de um
pressuposto não prisional, desindexando-as
recentra como resposta para os introduzindo a para casos de risco baixo e do actual paradigma, é um exercício exigente.
delinquentes de risco elevado. probation e o médio-baixo; Atendendo às atuais circunstâncias de pressão
Em traços grossos, eis os liberdade condicional em sobre o sistema prisional, o Brasil necessita
traços de uma reforma de monitoramento regime de verdadeira parole urgentemente de dar novos passos alinhando
fundo da política criminal eletrônico que efetivamente contribuísse a sua política criminal por padrões modernos,
na sua vertente penal e de para a transição para a liber- nomeadamente introduzindo a probation e
reinserção social. dade, um instituto back door o monitoramento eletrônico, redesenhando
Redesenhar a arquitectura das penas. probatório com supervisão e consequên- e ampliando, assim, o sistema penitenciário
Ao pensar em penas, pensamos em prisão, cias efectivas em caso de incumprimento; que deixaria de ser identificado com a prisão.
um pensamento redutor. Para fazer reformas num plano ideal, seguir a prática inglesa Ao contrário de outros países, o Brasil tem
seria necessário alargar o leque de penas e das mix orders, penas flexíveis compostas os recursos essenciais para o fazer, incluindo
torná-las efectivas, revendo a arquitectura por módulos sequenciais decididos de o mais relevante: uma inteligência forte,
das penas, introduzindo novas penas de acordo com as características do con- disseminada por vários setores (DEPEN,
execução na comunidade para delinquentes denado. universidades, OAB). O atual Governo parece
com um risco entre o baixo e o médio. O uso extensivo destas penas alternativas desperto. É a hora.
Um leque de penas alternativas e e complementares ao encarceramento gene-
complementares à prisão. Existe um naipe ralizado diminuiriam a pressão sobre o siste- Nuno Caiado
abundante possível de penas e medidas na ma prisional e ampliavam as possibilidades Especialista em monitoração eletrônica e probation.
comunidade, umas já formuladas no código dos tribunais de fazer justiça com atenção às Diretor dos serviços da vigilância eletrônica,
penal, outras seriam possíveis visando o necessidades de segurança da comunidade e serviço de probation do Ministério da
descongestionamento prisional: de ressocialização do delinquente. Justiça de Portugal.

ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA


EDITAL DE CONVOCAÇÃO
São convocados os associados do INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS – IBCCRIM a se reunirem em Assembléia Geral Extraordinária, a realizar-se
em 08 de Outubro de 2011, às 10:00 horas, em primeira convocação, se houver quorum estatutário, ou às 10:30 horas, em segunda convocação com qualquer
número de associados, na sede social do Instituto, na Rua XI de Agosto, 52, 2º andar, Centro, São Paulo/SP, a fim de deliberarem sobre a Reforma Estatutária.

Marta Saad
Presidente

Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 7


DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR E A DECRETAÇÃO DA
PRISÃO PREVENTIVA: ANÁLISE À LUZ DA HOMOGENEIDADE
Clovis Alberto Volpe Filho e Diego da Mota Borges
A Lei n. 12.403/11 promoveu uma série Assim, o art. 313 da lei processual penal outro benefício legal).
de mudanças no tocante aos instrumentos abarca as hipóteses em que é possível a de- Frise-se que, caso adotada a posição defen-
cautelares úteis ao Processo Penal. Não há cretação da preventiva, que ocorre nos crimes dida por Nucci, culminar-se-á no absurdo de
dúvidas de que a principal inovação ocorreu com pena superior a quatro anos, quando o descumprimento de uma medida cautelar
DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR E A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA: ANÁLISE À LUZ DA...

com a inserção de medidas cautelares (art. 319, o autor for reincidente em crime doloso e gerar sanção mais grave do que a própria
CPP) distintas da prisão provisória, acabando, quando for crime praticado com violência condenação pela infração penal, ofendendo
finalmente, com a bipolaridade (prisão e liber- ou grave ameaça doméstica e familiar contra o princípio da homogeneidade (proporcio-
dade) do sistema cautelar até então existente. mulher, criança, adolescente, idoso, enfer- nalidade).
Com a novel reforma, advieram muitos mo ou pessoa com deficiência. Em outras Dentro de uma visão Constitucional, “a
pontos polêmicos, sendo que um merece es- palavras, primeiro é necessário verificar se medida cautelar a ser adotada deve ser propor-
pecial destaque, o qual pode ser assim descrito: há alguma das hipóteses do art. 313, depois, cional a eventual resultado favorável ao pedido
na sistemática adotada pela Lei n. 12.403/11, é num segundo momento, o magistrado passa do autor, não sendo admissível que a restrição à
possível ser decretada a prisão preventiva para a verificar a presença dos requisitos do art. liberdade, durante o curso do processo, seja mais
qualquer delito, tendo em vista o descum- 312 do mesmo Código. severa que a sanção que será aplicada caso o pe-
primento de medida cautelar anteriormente Este artigo, além dos requisitos básicos dido seja julgado procedente. A homogeneidade
imposta? (§ 4º, art. 282). estampados nas figuras do fumus comissi da medida é exatamente a proporcionalidade
Inicialmente há duas possíveis respostas, delicti (indícios de cometimento do delito) e que deve existir entre o que está sendo dado e o
quais sejam: a) independentemente do des- do periculum libertatis (perigo de liberdade), que será concedido. Exemplo: admite-se prisão
cumprimento de alguma medida cautelar, a trouxe outro requisito em seu parágrafo único, preventiva em um crime de furto simples? A
prisão preventiva somente poderá ser decreta- a saber: “A prisão preventiva também poderá ser resposta é negativa. Tal crime, primeiro, permite
da nas hipóteses taxativas do art. 313 do CPP; decretada em caso de descumprimento de qual- a suspensão condicional do processo. Segundo, se
b) havendo descumprimento das medidas quer das obrigações impostas por força de outras houver condenação, não haverá pena privativa
cautelares, independente da espécie do delito e medidas cautelares (art. 282, § 4o)”. de liberdade face à possibilidade de substitui-
das hipóteses do art. 313 do CPP, será possível Pela sistemática da novel reforma, não se ção da pena privativa de liberdade pela pena
decretar a prisão preventiva. pode negar que o parágrafo único do art. 312 restritiva de direitos. Nesse caso, não haveria
Diferentemente de Guilherme de Souza do CPP também esteja condicionado às hi- homogeneidade entre a prisão preventiva a ser
Nucci, que comunga do entendimento segun- póteses do art. 313, sendo impossível decretar decretada e eventual condenação a ser proferida.
do o qual “não sendo cumpridas as obrigações a prisão preventiva apenas pelo descumpri- O mal causado durante o curso do processo é
fixadas, nos termos estabelecidos no art. 282, mento das medidas cautelares anteriormente bem maior do que aquele que, possivelmente,
§ 4º, parte final, do CPP, pode-se decretar a impostas, se não houver o enquadramento do poderia ser infligido ao acusado quando de seu
prisão preventiva, como última opção”,(1) não fato em uma das hipóteses do art. 313 do CPP. término”.(4)
temos dúvida de que a primeira posição é a Como se vê, uma interpretação sistemática De forma concisa, concluímos com o
mais correta. demonstra que o art. 313 é pressuposto para seguinte quadro: o descumprimento de uma
Isto porque, pelo texto do art. 313, caput, aplicação da prisão preventiva, sendo que esta medida cautelar aplicada ao acusado, primário,
do CPP, infere-se que apenas quando presen- somente será lícita quando, nas hipóteses do da prática de furto simples (pena de 01 a 04
te alguma das hipóteses elencadas é que se art. 313, restar configurado os requisitos do anos), jamais pode culminar na prisão pre-
perscrutará da análise do art. 312 do mesmo art. 312, caput ou parágrafo único, do CPP. ventiva, ficando o Juiz incumbido de aplicar
Codex. Assim, denota-se que os requisitos Do contrário, havendo, por parte do acu- adequadamente as medidas cautelares, pois,
compreendidos no art. 312, quais sejam, fu- sado, o descumprimento da cautelar, sem que assim, evitará que continue a se adotar a cul-
mus comissi delicti e periculum libertatis, estão exista qualquer uma das hipóteses do art. 313 tura do cárcere, cuja solução sempre deságua
vinculados às hipóteses elencadas no art. 313, do CPP, restarão duas opões ao Juiz: 1 - aplicar na prisão de um inocente.
conquanto que, apenas após a presença de uma medida cautelar diversa; ou 2 - cumular outras
destas hipóteses, passa-se a verificar a presença medidas cautelares. NOTAS
dos dois requisitos necessários para aplicação Essa solução é mais acertada, não mere-
da preventiva. Hipótese é o conjunto de condi- cendo acolhimento a doutrina de Nucci, que (1) NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade, As
reformas processuais penais introduzidas pela Lei
ções que se toma como ponto de partida para entende caber a prisão preventiva indepen- 12.403, de 04 de maio de 2011. Editora RT, 2011,
desenvolver o raciocínio; já requisito significa dente das hipóteses do art. 313, quando aduz p. 69
“o que se requer ou que se exige a fim de que a que “se tal possibilidade for afastada, as medidas (2) PLÁCIDO, De. Vocabulário Jurídico. 28ª ed. Editora
coisa se mostre perfeita para que se obtenha o cautelares alternativas tornam-se ineficientes e Forense, 2009, p. 1203.
(3) NUCCI, op. cit., p. 69.
fim desejado”.(2) inúteis”.(3) (4) RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 9ª ed. Rio
Por essas duas premissas, podemos inferir Dois motivos autorizam pensamento di- de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 596.
o seguinte: as hipóteses do art. 313 do CPP verso do mencionado doutrinador. Primeiro
são premissas nucleares (pontos de partidas), porque o art. 312 (caput e parágrafo único) Clovis Alberto Volpe Filho
sem as quais o aplicador da lei está impossi- está condicionado às hipóteses do art. 313, Advogado criminalista.
bilitado de prosseguir com a análise do cabi- não se esgotando em si mesmo. Segundo, Mestre em Direito Constitucional.
mento da prisão preventiva. E os requisitos pois, com decretação da prisão preventiva Pós-Graduando em Ciências Criminais.
do art. 312 são condições auferidas após a sem que haja alguma das hipóteses taxativas, Professor universitário.
existência da hipótese para que somente fatalmente o acusado, ainda que condenado,
assim a prisão preventiva se torne possível será posto em liberdade em face da flagrante Diego da Mota Borges
no universo jurídico. incidência do art. 44 do Código Penal (ou Acadêmico de Direito pela Fafram-SP.

8 Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011


O STATUS DA LIBERDADE E DA DIGNIDADE NO ÂMBITO DO DIREITO E DO
PROCESSO PENAL BRASILEIROS: ENTRE ESTAGNAÇÃO, EVOLUÇÃO E RETROCESSO
Stephan Doering Darcie
O STATUS DA LIBERDADE E DA DIGNIDADE NO ÂMBITO DO DIREITO E DO PROCESSO PENAL BRASILEIROS: ENTRE...

“Vendo que nem a Constituição da Monar- velmente punida com o perdimento do emprego, tar os meios de justa defesa”, não representaria
chia Portugueza, em suas disposições expressas e inhabilidade perpetua para qualquer outro, em isso adequada providência também para obstar
na Ordenação do Reino, nem mesmo a Lei da que haja exercicio de jusrisdicção. O Conde dos os atualíssimos e corriqueiros abusos acusa-
Reformação da Justiça de 1582, com todos os Arcos, do Conselho de sua Magestade, Ministro tórios relativos às provas em regime sigiloso?
outros Alvarás, Cartas Régias, e Decretos de Meus e Secretario de Estado dos Negocios do Reino do Se o quase bicentenário Decreto reconhecia,
augustos avós tem podido affirmar de um modo Brazil e Estrangeiros, o tenha assim entendido ainda, que “a prisão deve só servir para guardar
inalteravel, como é de Direito Natural, a segu- e faça executar com os despachos necessarios”. as pessoas, e nunca para adoecer e flagellar”, não
rança das pessoas; e Constando-Me que alguns Passados já quase dois séculos desde que o seria isso uma mensagem também adequada
Governadores, Juizes Criminaes e Magistrados, então Príncipe Regente D. Pedro I rubricou o aos magistrados e acusadores que insistem na
violando o Sagrado Deposito da Jurisdicção Decreto de 23 de maio de 1821, diploma que prisão preventiva de acusados pelo cometi-
que se lhes confiou, mandam prender por mero se propunha a dar “providências para garantia mento de crimes bagatelares no atual contexto
arbitrio, e antes de culpa formada, pretextando da liberdade individual”, as palavras acima de degenerescência – para dizer o mínimo – do
denuncias em segredo, suspeitas vehementes, e transcritas ostentam enorme atualidade. Não sistema prisional brasileiro? Por fim, passados
outros motivos horrorosos à humanidade para fosse a grafia e o estilo de outrora, poder-se-ia cerca de cento e oitenta e sete anos desde que o
ipunimente conservar em masmorras, vergados afirmar, inclusive, que as mesmas encontram Decreto de 1821 determinou a abolição, para
com o peso de ferros, homens que se congrega- inspiração no atual cenário jurídico-penal sempre, do uso de correntes e algemas, ainda
ram convidados por os bens, que lhes offerecera brasileiro. assim teve o Supremo Tribunal Federal que
a Instituição das Sociedades Civis, o primeiro Em realidade, o Decreto de 23 de maio de editar uma súmula vinculante para, hoje, pro-
dos quaes é sem duvida a segurança individual; 1821 possui a inescondível marca do Iluminis- fessar o óbvio: nosso sistema constitucional,
(...) por este Decreto Ordeno, que desde a sua mo. E à luz daquele contexto, é mais do que que prestigia incondicionalmente a dignidade
data em diante nenhuma pessoa livre no Brazil compreensível a tentativa de coibir os então humana, não admite o uso de algemas sem
possa jamais ser presa sem ordem por escripto corriqueiros abusos interventivos estatais. O fundado receio de fuga ou de perigo à integri-
do Juiz, ou Magistrado Criminal do territorio, que causa surpresa, pois, não é tanto o teor dade física do preso ou de terceiros.
excepto sómente o caso de flagrante delicto (...) daquele decreto – a denotar uma significativa É lamentável constatar que alguns dos pro-
Ordeno em segundo logar, que nenhum Juiz ou valorização do status jurídico não só da liber- blemas já verificados em 1821 ainda se man-
Magistrado Criminal possa expedir ordem de dade, mas também da dignidade da pessoa têm. O que não quer significar, em absoluto,
prisão sem preceder culpa formada por inqui- – quanto a sua atualidade. E o que assusta, que as coisas estejam estagnadas e não tenham
rição summaria de tres testemunhas, duas das causa desconforto e até indigna são as razões evoluído. Há diversas e importantes mudanças
quaes jurem contestes assim o facto, que em Lei que teimam em fazer da ideia de valorização da no cenário do Direito Penal. Brevitatis causae,
expressa seja declarado culposo, como a designa- liberdade e da dignidade humana um assunto chamamos a atenção especialmente para a per-
ção individual do culpado; escrevendo sempre contemporâneo, quando a mesma deveria ser cepção que o chamado Estado das prestações
sentença interlocutoria que o obrigues a prisão um patrimônio já adquirido, inquestionável, sociais acaba por inaugurar.
e livramento (...) Determino em terceiro logar ponto de não retorno dos escritos em Direito O Estado Social, sabe-se, chama para si uma
que, quando se acharem presos os que assim forem Penal e uma sua premissa tácita, isto é, de diversidade de tarefas. A norma jurídica assume
indicados criminosos se lhes faça immediata, e prescindível menção. conteúdos valorativos, transformando-se, na
successivamente o processo, que deve findar den- Não é esse, lamentavelmente, o cenário expressão de Cabral de Moncada, em uma
tro de 48 horas peremptorias, improrrogaveis, e nem do Direito Penal, nem do Processo Penal espécie de “programa de realizações”.(1) Fala-se
contadas do momento da prisão, principiando- atuais. É dizer, por outras palavras: semelhante em intervenção estatal no âmbito econômico
-se, sempre que possa ser, por a confrontação nível de desenvolvimento não foi ainda atin- e social. Passa-se a falar, com Alexy e Canaris,
dos réos com as testemunhas que os culparam, e gido. E o número de escritos, nesses espaços em “direito a prestações”(2) e em “imperativos
ficando alertas, e publicas todas as provas, que de juridicidade, que se propõem a sublinhar de tutela”.(3) Em última análise, a intervenção
houverem, para assim facilitar os meios de justa a necessidade de uma valorização da ideia de penal deixa de ser vista apenas como um ins-
defesa, que a ninguem se devem difficultar, ou liberdade individual e de dignidade humana só trumento restritivo de liberdade, passando a
tolher (...) Ordeno em quarto logar  que, em caso é menor do que o número de decisões judiciais ser vista – e bem – como um instrumento que
nenhum possa alguem ser lançado em segredo, ou e de dispositivos de lei que menoscabam tais visa a assegurá-la.
masmorra estreita, ou infecta, pois que a prisão valores. Pode-se dizer, assim, sem qualquer Tudo isso é certo. E tudo isso representa
deve só servir para guardar as pessoas, e nunca receio, que o background se mantém ainda uma inequívoca evolução na maneira de en-
para adoecer e flagellar; ficando implicitamente muito semelhante. xergar as coisas do Direito Penal. O problema,
abolido para sempre o uso de correntes, algemas, Se o Decreto do Príncipe Regente falava, contudo, é o que a isso sucede.
grilhões, e outros quesquer ferros inventados para em tom claramente crítico, nas prisões arbitrá- A pretensa busca da liberdade a partir de
martyrisar homens ainda não julgados a soffrer rias, sem formação de culpa, em que diferirá um viés sociodefensivista passa a tudo legiti-
qualquer pena afflictiva por sentença final; isso das prisões preventivas, hoje decretadas mar: de incriminações desprovidas de um mí-
entendendo-se todavia que os Juizes, e Magis- em razão do “clamor público”, distantes das nimo de dignidade penal a prisões preventivas
trados Criminaes poderão conservar por algum hipóteses autorizadoras do art. 312 do Código decretadas em razão do “clamor público”. O
tempo, em casos gravissimos, incomunicaveis os de Processo Penal? Se o mesmo Decreto dava Ministério Público acusa e o Judiciário pro-
delinquentes, contanto que seja e  casa arejadas providências para o termo do processo, não cessa “crimes” que causam menos prejuízo pela
e commodas, e nunca manietados, ou soffrendo estaria ele próximo da hoje doutrinariamente sua prática do que pelo seu processamento. Os
qualquer especie de tormento. Determino final- em voga “duração razoável do processo”? Se o presídios ficam superlotados, em condições de
mente que a contravenção, legalmente provada, Decreto de 1821 determinava a divulgação de assustadora, de gritante indignidade. Nem o
das disposições do presente Decreto, seja irremissi- todas as provas da acusação, “para assim facili- Judiciário, nem o Ministério Público e muito

Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 9


menos a sociedade se compadecem. É eviden- paradoxo, o seu declínio. De qualquer sorte, o 5ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 34 e 35.
te: falamos do reino da tolerância zero. Vive- cenário jurídico-penal passa a ser um ambiente (2) ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamenta-
les. Madrid: CEC, 1993, p. 426 e ss., especialmente
-se na época da intolerância enquanto lema, hostil, e os penalistas e processualistas, homens 427, 435 e 436.
personificada em homens como o “Capitão de agora, insistem em debruçar-se sobre a (3) CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e
O STATUS DA...

Nascimento”, herói da atualidade. necessidade de valorização da liberdade e da direito privado. Coimbra: Almedina, 2003, p. 58 e ss.
dignidade humana, defendendo, para tal, as e, de forma correlata, p. 123.
E exatamente aqui as coisas mudam de
lugar. As outrora valorizadas ideias de liber- mesmas ideias que D. Pedro I, a seu tempo e
Stephan Doering Darcie
dade e de dignidade humana, aclamadas no à sua maneira, já endossava.
Mestrando em Ciências Criminais pela PUC-RS.
Iluminismo e em inequívoca ascensão jurídica, NOTAS Pós-Graduando em Direito Penal Econômico e
acabam por esmorecer. Possivelmente a sua Europeu pela Universidade de Coimbra, Portugal.
evolução tenha determinado, em interessante (1) CABRAL DE MONCADA, Luís S. Direito económico. Advogado criminalista.

A FACE “PROCEDIMENTAL” DO DEPOIMENTO SEM DANO


Rodrigo Oliveira de Camargo
O projeto do Depoimento sem Dano nasceu e adolescentes (art. 193 do PL 156/09) em emblemáticos, em que fique demonstrada
em maio de 2003 perante a 2ª Vara da Infância que eles deverão ficar em um recinto diverso a probabilidade de ser inviável a posterior
e da Juventude de Porto Alegre com o propó- da sala de audiências, em ambiente preparado repetição na fase processual da prova, o que
sito de colher a oitiva das vítimas de abuso para a finalidade proposta (art. 194, I, do PL não autoriza sua utilização para a oitiva de
sexual, crianças e adolescentes, retirando-as 156/09), onde, acompanhada por profissional crianças e adolescentes vítimas de delitos sem
do ambiente formal da sala de audiências e especializado e designado pelo juiz (art. 194, que haja cumprimento dos procedimentos
transferindo-as para uma sala projetada es- II, do PL 156/09), serão encaminhados a eles determinados legalmente.(2)
pecialmente para que seja a prova oral obtida os questionamentos formulados pelas partes Um dos argumentos apresentados pelos
“de forma mais tranqüila e profissional, em (art. 194, III, do PL 156/09) e previamente defensores da prática do Depoimento sem Dano
ambiente mais receptivo, com a intervenção de “filtrados” pelo magistrado presidente da é o de que a Convenção Internacional sobre
técnicos previamente preparados para tal tarefa audiência (art. 194, IV, do PL 156/09). Ao os Direitos da Criança assegura à criança “a
[…]”. Com efeito, dentre os alegados objetivos receber esses questionamentos, o profissional oportunidade de ser ouvida em todo processo
almejados pelo projeto estão: (I) a redução especializado “deverá simplificar a linguagem e judicial ou administrativo que afete a mesma,
do dano durante a produção de provas em os termos da pergunta que lhe foi transmitida” quer diretamente quer por intermédio de um
processos judiciais em que se têm crianças e pelo juiz, questionando a criança ou o ado- representante ou órgão apropriado, em confor-
adolescentes como vítimas ou testemunhas lescente sobre o fato apreciado (art. 194, V, midade com as regras processuais da legislação
e; (II) a garantia dos direitos da criança e do do PL 156/09). nacional” (art. 12.2). Ou seja, a própria norma
A FACE “PROCEDIMENTAL” DO DEPOIMENTO SEM DANO

adolescente, proteção e prevenção de seus O Depoimento sem Dano, tal qual previsto internacional indica que a oitiva das crianças
direitos, bem como a garantia ao respeito de no PL 156/09, aparenta estar inserido no e adolescentes em processo judicial deve ser
sua condição de pessoa em desenvolvimento.(1) procedimento ordinário adotado pela proposta oportunizada em estrita observância ao devido
A partir de 2006, o Governo Federal, de alteração processual penal, e existe a pos- processo legal de cada país signatário.
por meio da Secretaria Especial de Direitos sibilidade de que, em determinados casos, tal No Brasil, entretanto, ainda não se encon-
Humanos, passou a apoiar o projeto e a medida se dê mediante a produção antecipada tra em vigor nenhum procedimento específico
disseminar esta prática por outros Estados de provas, conforme disposição do art. 195 em seu Código de Processo Penal, ou até
da Federação. Junto ao Congresso Nacional do PL 156/09. O deferimento dessa forma de mesmo no ECA, que considere as condições
existe um Projeto de Lei (PL n. 7.524/06), oitiva ainda em fase de investigação fica por peculiares para a oitiva, em audiência, de
de autoria da então Deputada Federal Maria conta da observância, pelo juiz de garantias, crianças ou adolescentes vítimas de delitos.
do Rosário (PT-RS), que tem por objetivo lhe de comprovação de “risco de redução de capa- Para tentar fazer valer o tratado internacional,
conferir legitimidade como um mecanismo cidade de reprodução dos fatos pelo depoente”, o buscaram-se alternativas que impõem, a fór-
jurídico que garanta proteção à criança e ao que deverá ser decidido fundamentadamente ceps, a “sistemática” do Depoimento sem Dano
adolescente, tudo através de uma proposta que e com base nos elementos até então colhidos por intermédio do incidente de produção
almeja a alteração do ECA, do Código Penal na investigação preliminar. antecipada de provas, adotado como uma
e do Código de Processo Penal.  Da mesma Em nossa sistemática jurídico-processual forma de subverter o sistema processual pe-
forma, o PL 156/09, que propõe a substituição atual, a aplicação do Depoimento sem Dano nal, além de ferir mortalmente o princípio da
integral do texto do Código de Processo Pe- ocorre, de forma travestida, exclusivamente legalidade e o direito fundamental do acusado
nal, também inova sob esse aspecto e destina, através de utilização das denominadas medidas ao procedimento.
dentro do Título que regulamenta a produção cautelares de produção antecipada de provas, Conforme bem observam Morais da Rosa
probatória no processo, uma Seção especial as quais, nesses casos específicos, de cautelar e Silveira Filho, “a legitimidade na imposição
relativa à inquirição de crianças e adolescentes. não têm nada. Em geral, tais medidas podem de atos cogentes, decorrentes do poder de império,
O projeto reformista prevê – para salva- ser empregadas sempre que haja fundado – e com consequências no âmbito dos jurisdiciona-
guardar a integridade física, psíquica e emo- fundamentado – risco de perecimento e perda dos e, no caso do Processo Penal, dos acusados,
cional do depoente (criança ou adolescente irreparável de elementos colhidos na investi- precisa atender aos princípios e regras previstos
vítima de delitos) e para evitar sua revitimi- gação, e tal artifício está sendo utilizado (e ba- no ordenamento jurídico de forma taxativa”.(3)
zação, ocasionada por sucessivas inquirições nalizado) nos processos penais que envolvem Nesta mesma esteira de raciocínio, Scarance
sobre o mesmo fato, nos âmbitos penal, cível vítimas crianças ou adolescentes, de regra, ao Fernandes esclarece que o estabelecimento
e administrativo – a realização de um proce- arrepio da lei. Um incidente desta natureza só de incidentes que ocasionem pequenos ou
dimento especial de inquirição para crianças pode ser admitido em casos verdadeiramente grandes desvios na rota preestabelecida nos

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processos, “embora constituam individuali- e legais previamente estabelecidas.(6) O resultado é um jogo de cartas marcadas em que
dades, devem ser produzidas de acordo com os Em linhas de conclusão, é público e notório o processo como procedimento em contraditório se
perde em relações performáticas de profissionais
modelos estabelecidos na legislação”.(4) que o Depoimento sem Dano ainda não passa de que se arvoram em ‘intérpretes/tradutores’ do
Conforme a teoria dos direitos fundamen- um Projeto-Lei em tramitação no Congresso discurso infantil” (MORAIS DA ROSA, Alexandre.
tais de Alexy, existem duas ordens de direitos Nacional, e que sua aplicabilidade ocorre de O depoimento sem dano e o advogado do diabo: a
fundamentais ao procedimento penal: os que forma travestida, através de uma pretensa violência “branda” e o “quadro mental paranóico”
se dirigem ao legislador e aqueles voltados ao medida cautelar de produção antecipada de (Cordero) no Processo Penal. In: POTTER, Luciane
Bitencourt. Depoimento sem Dano: Uma Política
juiz. Neste caso, relacionado à aplicação das provas, que de cautelar não possui nada. Por Criminal de Redução de Danos. Rio de Janeiro:
normas, trata-se do direito fundamental a que tratar-se, ainda, de um simples Projeto de Lei, Editora Lumen Juris, 2010).
sejam observadas, concretamente, as normas fica flagrantemente escancarado o desrespeito (3) MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO,
procedimentais penais estabelecidas pela do procedimento utilizado no que guarda Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal Demo-
legislação ordinária, bem como a necessária crático: crítica à metástase do sistema de controle
relação com o princípio da legalidade, e sua social. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Lumen
interpretação dessas normas de acordo com atual aplicação reclama as formalidades de “um Juris, 2009, p. 71.
os direitos fundamentais procedimentais es- processo legislativo de elaboração da lei previa- (4) SCARANCE FERNANDES, Antônio. Teoria Geral do
tabelecidos constitucionalmente.(5) mente definido e regular, […], necessariamente Procedimento e o Procedimento no Processo Penal.
Nossa sistemática processual impõe limites enquadrados nas preceituações constitucionais São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.
à atividade probatória, admitindo-se, salvo 63-64.
[…]”.(7) (5) ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Funda-
raras exceções, somente a admissão das provas mentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
previstas em nosso Código de Processo Penal. NOTAS Constitucionales, 2002.
E o Depoimento sem Dano definitivamente não (6) LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua
se encontra nesse limitado rol. (1) http://www.amb.com.br/docs/noticias/2008/proje- Conformidade Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro:
A prova não contemplada no ordenamento to_DSD.pdf, acesso em 16.04.2011. Editora Lumen Juris, 2008. v. 1, p. 525.
(2) “[…] de regra, a posição é a de que a criança (7) TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individu-
processual é conhecida como prova inominada, ‘foi’ vítima da violência e que o meio de ‘sugar’ ais no Processo Penal Brasileiro. 3ª ed. rev. atual. e
e admite-se sua existência desde que atente aos os significantes necessários à condenação preci- ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009,
limites constitucionais e processuais da prova. sam ser extraídos, de maneira ‘branda’, ou mais p. 56-57.
Entretanto, jamais pode ser acolhida quando propriamente, na função de um ‘micro poder’
subliminar e sedutor de que nos fala Foucault. A
decorrente de uma variação ilícita de outro
postura infla-se de um inquisitorialismo cego pelo
Rodrigo Oliveira de Camargo
ato legalmente estabelecido na lei processual qual se busca, em nome do ‘Bem’, as provas do Advogado/RS.
penal – justamente o caso do Depoimento sem que se crê como existentes, dado que os lugares, Mestre em Ciências Criminais/PUC-RS.
Dano – burlando as garantias constitucionais desde antes, estão ocupados: ‘vítima e agressor’. Membro do Instituto Lia Pires.

TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXTRAÇÃO DE ÓRGÃOS, CÉLULAS E


TECIDOS HUMANOS E O DIREITO PENAL BRASILEIRO: UMA BREVE ANÁLISE
Jéssica Ferracioli
O tráfico de seres humanos é uma das ativi- para diversas finalidades, destacando-se dois através da remoção de órgãos para transplante.
TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXTRAÇÃO...

dades mercantis mais remotas da humanidade. grupos mais suscetíveis a tornarem-se vítimas: O UNODC(1) publicou recentemente in-
Inicialmente, estava conexo a guerras, nas as mulheres e as crianças. formações relevantes inseridas nesta temática,
quais povos vencidos tornavam-se escravos e Hodiernamente, de maneira mais orga- que oportunamente são trazidas à baila: a)
transformavam-se em peças comercializáveis. nizada e velada, sendo praticado através de é uma das formas de tráfico de pessoas que
Posteriormente, veio relacionado à época da novos métodos por organizações criminosas, segue o padrão semelhante a outras moda-
escravidão negra. o tráfico de seres humanos revela-se como lidades de tráfico de seres humanos, como,
No entanto, a história não é algo linear. O uma das formas de escravidão contemporânea, por exemplo, o aproveitamento de grupos
tráfico de pessoas assumiu mutações conforme possuindo as seguintes finalidades: tráfico de vulneráveis, mas, intrinsecamente, contém al-
o contexto histórico do país em que existiu, pessoas com a finalidade de exploração sexual gumas diferenças significativas; b) alguns dos
apresentando vários ares, estando presente e o seu consequente comércio; para fins de sujeitos ativos do crime e o modus operandi
em maior ou menor grau, de acordo com a adoções ilegais; para fins de exploração de do tráfico de órgãos são distintos das outras
sociedade ou época, subsistindo com nova trabalho escravo; e para fins de extração de modalidades de tráfico de seres humanos, na
roupagem até os dias atuais. órgãos humanos. medida em que exigem médicos, a compati-
A submissão ou exploração de outrem com A Declaração de Istambul, que versa sobre bilidade do receptor, o tempo de duração da
o intuito de obter vantagem econômica ou Tráfico de Órgãos e Turismo de Transplante, exploração e da posterior liberação da vítima,
patrimonial é, ainda, presente em larga escala define o tráfico de seres humanos com o ob- se houver; c) os órgãos mais procurados
atualmente. As condutas de exploração advêm jetivo de extração de órgãos, tecidos e células no mercado negro do tráfico são: os rins,
da vulnerabilidade, das altíssimas taxas de como: o recrutamento, transporte, transferência, seguidos pelo fígado, com a finalidade de
desemprego, da miséria, da discriminação, da refúgio ou recepção de pessoas vivas ou mortas dos transplantes. Estas práticas têm aumentado
feminização da pobreza e dos conflitos políti- respectivos órgãos por intermédio de ameaça ou exponencialmente com a crescente demanda
cos e militares. Tal vulneração social, presente utilização da força ou outra forma de coação, por transplantes de doador vivo, em razão
especialmente nos países em desenvolvimento, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de de um aumento significativo entre as taxas
causa assimetrias endêmicas entre as nações uma posição de vulnerabilidade, ou da oferta ou de pacientes com doença renal crônica e de
desenvolvidas e as desprovidas, provocando recepção por terceiros de pagamentos ou benefícios doação de órgãos de doadores falecidos; d)
problemas de imigração, explorações laboral no sentido de conseguir a transferência de controle 46% dos rins transplantados e 14,6% dos
e sexual, incluindo o tráfico de seres humanos sobre o potencial doador, para fins de exploração fígados vêm de doadores vivos; e) estima-se

Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 11


que 10% dos transplantes globais envolvam indistinta entre os traficantes de órgãos e as Economia Global. Lisboa: Editorial Caminho, 2001.
órgãos traficados; f ) não há disponibilidade vítimas desses. Daunis roDrígueZ, alberto. El derecho penal como
herramienta de la política migratória. Granada:
de doadores suficientes em nível global para Assim, diante dos problemas apontados, Comares, 2009.
a demanda de receptores necessitados; g) a entende-se necessária a adoção de um tipo felDens, luciano. A Constituição Penal, A Dupla Face da
maioria das vítimas de que se tem conheci- penal autônomo(4) prevendo a criminalização Proporcionalidade no Controle das Normas Penais.
mento vende seus órgãos motivados pelo de- do tráfico de órgãos, células e tecidos que Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
sespero em acabar com a situação de pobreza. envolvam os seguintes elementos: gonçalves, luis carlos dos santos. Tráfico de Seres
trÁFiCo dE PESSoAS PArA FiNS dE EXtrAÇÃo dE ÓrgÃoS, CÉLULAS E tECidoS...

Humanos como Crime Hediondo em Sentido Material.


Assinala-se, ainda, que o tráfico de órgãos 1. Praticar recrutamento, transporte, ali- marZagão júnior, laerte i (coord.). Tráfico de
e o contrabando de imigrantes, ou seja, a ciamento ou transferência de seres humanos, Pessoas. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
entrada irregular, ilegal ou clandestina de interno ou internacional com ou a finalidade luisi, luis. Os Princípios Constitucionais Penais. Porto
um terceiro em um Estado diferente do seu de de extração de órgãos, tecidos, células ou Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
origem, promovida por organização criminosa, partes do corpo humano, por intermédio de PÉres alonso, esteban j. Tráfico de Personas e
Inmigración Clandestina (Un estúdio sociológico,
com a finalidade de obter vantagem financeira ameaça ou utilização da força ou outra forma internacional y jurídico-penal). Valencia: Tirant Lo
ou material (2), muitas vezes encontram-se no de coação, rapto, fraude, engano, abuso de Blanch, 2008.
mesmo contexto, uma vez que se constataram poder ou aproveitando-se da vulnerabilidade, PÉres cePeDa, ana isabel. Globalización, tráfico interna-
casos em que pessoas pagaram o “custo de sua com interesse comercial envolvido ou quais- cional ilícito de personas y derecho penal. Granada:
Comares, 2004.
viagem”, submetendo-se à extração.(3) quer benefícios; Relatórios, Estudos Nacionais e Internacionais
No Brasil, a Lei n. 9.434, de 04 de feverei- 2. No caso de morte da vítima, remeter- Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito com a
ro de 1997, dispõe sobre a remoção de órgãos, -se-iam às penas insertas no art. 121, § 2º, do Finalidade de Investigar a Atuação de Organizações
tecidos e partes do corpo humano para fins Código Penal; Criminosas Atuantes no Tráfico de Órgãos Humanos
de transplante e tratamento, elencando o 3. Verificando-se que a pessoa foi conven- Relatório do Plano Nacional do Enfrentamento do Tráfico
de Pessoas
rol de crimes nos arts. 14 a 20, dando-se, cida ou premiada a vender seu órgão, poderá Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
assim, cumprimento à disposição inserta no ser aplicada a pena de prestação de serviços à Pesquisa e diagnóstico do tráfico de pessoas para fins
art. 199, § 4º, da Constituição Federal, que comunidade ou a entidades públicas voltadas de exploração sexual e de trabalho no Estado de
determina: “a lei disporá sobre as condições para prevenção e informação relacionadas ao Pernambuco - 2009
e os requisitos que facilitem a remoção de ór- tráfico de órgãos, células e tecidos, conforme Trafficking in Persons Report – 2010
gãos, tecidos e substâncias humanas para fins disposto no art. 46 do Código Penal. sites consultados
de transplante, (...) sendo vedado todo tipo de Salienta-se que não se tem intuito de www.camara.gov.br
comercialização”. entrar no mérito dos deficientes programas www.unodc.org.br
Relacionado ao tema em estudo, remonta de transplantes. Contudo, o art. 15 da Lei n. www.planalto.gov.br
à leitura do art. 15, que contempla as con- 9.434/97 é uma norma jurídica ambígua que ww.prpe.mpf.gov.br
dutas de “comprar ou vender tecidos, órgãos fica a mercê da discricionariedade do aplicador NOTAS
ou partes do corpo humano”, cujas penas são da lei. Com isso, deixa de atender ao princípio
de reclusão, de três a oito anos, e multa de da legalidade e o seu corolário da determinação (1) Expert Group Meeting on Trafficking in Organs. June
200 a 360 dias-multa, criminalizando a con- taxativa, do qual decorre a exigência de que as de 2010. Disponível em: www.unodc.org/unodc/en/
duta de dispor, para fim de transplante, de normas penais necessitam de teor preciso para human-trafficking/egm-vienna-organ-trafficking.html.
Acesso em: 15/05/2011.
órgãos, tecidos ou partes do corpo humano, que o cidadão possa ser protegido do arbítrio (2) Daunis roDrígueZ, alberto. El derecho penal
sempre que desenvolvida no contexto mer- judiciário. como herramienta de la política migratória, p.43.
cantil, excepcionando-se apenas a disposição Por fim, a ausência de um tipo específico e (3) PÉres cePeDa, ana isabel. Globalización, tráfico
gratuita, com fins altruístas e doações de autônomo relacionado ao tráfico de órgãos não internacional ilícito de personas y derecho penal. p,
pessoas emocionalmente relacionadas com só deixa de resguardar bens jurídicos de pri- 41.
(4) Nesse sentido: gonçalves, luis carlos dos santos.
o receptor. meira ordem, como a vida, a integridade física Tráfico de Seres Humanos como Crime Hediondo em
O cerne do problema refere-se ao fato e a dignidade humana, como fere de maneira Sentido Material, p.189.
de que esse dispositivo é inócuo e não afrontosa o princípio da proporcionalidade em
atende a multiplicidade de situações que a face da obrigatoriedade de proteção eficiente. Jéssica Ferracioli
realidade apresenta, pois, na legislação em Mestranda em Direito Penal pela Pontifícia
vigor não há tipos penais que contenham a REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Universidade Católica de São Paulo.
diferenciação entre o vendedor consciente e arruDa, samuel miranda. Notas Acerca do Crime de
Professora-Assistente no curso de
a pessoa traficada, vitimada por organizações Tráfico de Órgãos. Disponível em: www.prpe.mpf.gov. Especialização em Direito Penal e
criminosas. Ainda, permite a aplicação de br/internet/.../file/RE_SamuelMiranda-1.pdf. Direito Processual Penal - COGEAE /PUC-SP.
penas que chegam ao absurdo da punição Bales, Kevin. Gente Descartável: A Nova Escravatura na Advogada Criminalista

ACOmPANHe O IBCCRIM

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DIREITO PENAL MÉDICO E CONSENTIMENTO PRESUMIDO
Paulo Vinicius Sporleder De Souza
O denominado Direito Penal médico ou ocorrer prontamente, sem demoras. Diante de diferenciação, passando-se a utilizar apenas
Direito Penal da medicina é uma área especí- disso, nota-se que duas condições especiais o termo ‘urgência’, para todos os casos que neces-
fica do Direito Penal que já possui uma longa são indispensáveis para a admissibilidade do sitem de cuidados agudos, tratando de definir
tradição na literatura alemã especializada,(1) e consentimento presumido nas intervenções o ‘grau de urgência’, a fim de classificá-la em
seus contornos dogmáticos vêm se aprimoran- médicas e cirúrgicas no plano jurídico-penal: a) níveis, tomando como marco ético de avaliação
do e evoluindo constantemente. Atualmente, urgência médica; b) inconsciência do paciente. o ‘imperativo da necessidade humana’”.(13)
assim como em outros países,(2) o Direito Penal a) Urgência médica b) Inconsciência do paciente
médico também vem crescendo doutrinaria- O consentimento presumido só será ca- Além da intervenção de urgência medica-
mente no Brasil,(3) havendo vários temas de bível se a intervenção médica ou cirúrgica mente indicada, o consentimento presumido
interesse dos penalistas nesta área, dentre os for considerada de urgência, isto é, quando também exige a inconsciência do paciente
quais destaca-se o consentimento presumido houver um perigo sério e iminente à vida ou à como outra condição especial complemen-
nas intervenções médicas. saúde do paciente. Nesse sentido, o Conselho tar. Os estados de inconsciência do paciente
O consentimento do ofendido é um da Europa (Convenção dos direitos humanos, ligados ao consentimento presumido podem
instituto jurídico-penal já consolidado na 1996, art. 8) dispõe: “Quando, devido a uma decorrer das mais variadas causas (p.ex., aci-
teoria do delito, embora ainda se discuta a situação de urgência, o consentimento apropriado dente de trânsito, parada cardiorrespiratória,
sua natureza jurídico-penal,(4) havendo duas [real] não possa ser obtido, qualquer intervenção crimes violentos, anestesia geral etc.) e diferem
espécies: a) consentimento real ou efetivo; b) medicamente indispensável pode ser imediata- dos estados de inconsciência tradicionais,
consentimento presumido. Enquanto o pri- mente efetuada em benefício da saúde da pessoa relacionados à menoridade, à doença mental,
meiro já possui ampla aceitação doutrinária e em causa”. Já o Código Penal português (art. ao desenvolvimento mental incompleto ou
jurisprudencial, o segundo, apesar da “crescente 156, 2, b) consagra, expressamente, a figura do retardado (art. 26 do CP) ou a alguma outra
importância prática”, tem tido um “relativo consentimento presumido como via de legiti- causa específica (v.g., hipnose, sonambulismo).
esquecimento e silenciamento no panorama mação das intervenções médicas e cirúrgicas Enquanto aqueles são estados de inconsciência
doutrinal”,(5) principalmente em nosso país.(6) mais urgentes e indispensáveis para salvaguar- ocasionais e momentâneos relacionados à
Para Mezger – pioneiro em analisar tal dar a vida ou a saúde ao não considerar o fato vítima – que se encontra num estado tempo-
excludente – consentimento presumido “trata- punível quando “não se verificar circunstâncias rário de inconsciência – estes são estados de
-se de um juízo [normativo] de probabilidade que permitam concluir com segurança que o con- inconsciência mais duradouros, decorrentes de
que expressa a decisão pessoal da vítima de que, sentimento não seria recusado”. Não por acaso, imaturidade ou de um determinado transtor-
se tivesse tido um completo conhecimento da aliás, que o Código Penal brasileiro (art. 146, no psicológico, e relativos ao agente.(14)
situação de fato, esta teria consentido na ação § 3º, I) estabelece não estar compreendida no Enfim, apesar de ainda pouco estudado
praticada pelo agente”.(7) Considerado subsi- crime de constrangimento ilegal “a intervenção pela doutrina nacional, conclui-se que o
diário ao consentimento real(8) e uma causa médica ou cirúrgica, sem o consentimento [real consentimento presumido é uma modalidade
supralegal de justificação oriunda do direito ou presumido] do paciente ou de seu represen- de consentimento aplicável a certas situações
DIREITO PENAL MÉDICO E CONSENTIMENTO PRESUMIDO

consuetudinário, o consentimento presumido tante legal, se justificada por iminente perigo de específicas do Direito Penal médico, consti-
é uma categoria jurídico-penal autônoma que vida”. De acordo com o Conselho Federal de tuindo-se em categoria dogmática útil e de
está situada entre o consentimento real e o Medicina (Resolução 1.451/95, art. 1º, §§ 1º aplicação prática no Direito Penal brasileiro.
estado de necessidade (justificante),(9) “figuras e 2º, respectivamente), define-se por urgência
com que mantém importantes momentos de co- “a ocorrência imprevista de agravo à saúde com NOTAS
municabilidade, mas com que, de modo algum, ou sem risco potencial de vida, cujo portador
se confunde ou identifica”.(10) necessita de assistência médica imediata”; e por (1) Cf. ESER. Medizin und Strafrecht: Eine schutzguto-
O consentimento presumido encontra emergência “a constatação médica de condições rientierte Problemübersicht, ZStW 97 (1985), p. 1,
nota 1, com referências a respeito.
nas intervenções médicas e cirúrgicas um dos de agravo à saúde que impliquem em risco imi- (2) Em Portugal, FIGUEIREDO DIAS/SINDE MONTEIRO.
campos privilegiados de aplicação, não sendo nente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, Responsabilidade médica em Portugal (1984);
arriscado dizer que a “trajetória e a evolução portanto, tratamento médico”. Aliás, no Código BRITO. Responsabilidade penal dos médicos: análise
do instituto estão intimamente associadas à ex- de Ética Médica (Resolução 1.931/09, art. 7º), dos principais tipos incriminadores, RPCC 12 (2002);
periência jurídico-penal dos tratamentos médico- é vedado ao médico “deixar de atender em FIGUEIREDO DIAS. Na era da tecnologia genética:
que caminhos para o direito penal médico?, RPCC
-cirúrgicos”.(11) Embora sejam consideradas setores de urgência e emergência, quando for de 14 (2004); COSTA ANDRADE. Direito penal médico:
tradicionalmente como exercício regular de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de SIDA: testes arbitrários, confidencialidade e segredo
direito (art. 23, III, do CP), as intervenções pacientes, mesmo respaldado por decisão majori- (2008). Na Espanha, ROMEO CASABONA. El médico
médico-cirúrgicas, para serem plenamente tária da categoria”. Vale frisar, ainda, que a Lei y el derecho penal. La actividad curativa (licitud y
legítimas, devem estar em consonância com os 9.656/98 também diferencia conceitualmente responsabilidad penal) (1981); MIR PUIG (ed.).
Avances de la medicina y derecho penal (1988).
interesses dos pacientes, traduzidos a partir do as situações de emergência e urgência médicas. (3) LACAVA FILHO. Responsabilidade penal do médico
consentimento(12) (real ou presumido). De acordo com esta lei, atendimentos de emer- (2008); COUTINHO. Responsabilidade penal do
Assim, ao lado do consentimento real, gência são “os que implicarem risco imediato de médico (2008); SPORLEDER DE SOUZA. Direito
o chamado consentimento presumido tem vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, ca- penal médico (2009).
(4) Sobre a natureza jurídico-penal do consentimento
um papel dogmático importante como fun- racterizado em declaração do médico assistente”; (real), SANTOS/ALMEIDA NETO/SPORLEDER DE
damento complementar de justificação das e atendimentos de urgência são “os resultantes SOUZA. Capacidade etária mínima para consentir no
intervenções medicamente indicadas em casos de acidentes pessoais ou de complicações no pro- direito penal médico, RBCCRIM 88 (2011), p. 25-27.
de urgência quando o paciente estiver (mo- cesso gestacional” (art. 35-C). Entretanto, mais (5) COSTA ANDRADE. Consentimento em direito penal
mentaneamente) inconsciente, portanto, sem recentemente e “devido ao grande número de médico – O consentimento presumido, RPCC 14
(2004), p. 118.
condições de manifestar o consentimento real, julgamentos e dúvidas que esta ambivalência de (6) Entre os poucos autores que tratam do consentimento
havendo um perigo sério e iminente para a sua terminologia suscita no meio médico e no sistema presumido, v. PIERANGELI. O consentimento do
vida ou saúde, se o atendimento médico não de saúde, optou-se por não mais fazer este tipo ofendido na teoria do delito (2001), p. 161-164;

Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 13


CIRINO DOS SANTOS. A moderna teoria do fato (10) COSTA ANDRADE, op. cit., p. 133-134. descobrem-se dados que permitiriam concluir ser
punível (2002), p. 169-170; DOTTI. Curso de direito (11) Idem, p. 141-142. “recomendável, adequado ou, ao menos digno de
penal. Parte geral (2003), p. 405; ASSIS TOLEDO. (12) SANTOS/ALMEIDA NETO/SPORLEDER DE SOUZA, ponderação, um alargamento, não sendo possível
DIREITO PENAL...

Princípios básicos de direito penal (2001), p. 215, op. cit., p. 25. obter para esse alargamento o consentimento
sendo que este é contra a admissão da figura do (13) MINISTÉRIO DA SAÚDE. Regulação médica das [real] do paciente”, informando, aliás, que o Tribunal
consentimento presumido no direito brasileiro. urgências. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, Federal alemão já decidiu sobre isso em dois casos
(7) MEZGER, apud ROXIN. Derecho penal. Parte general. 2006, p. 147-148. (BGHSt 11 e 45).
Madrid: Civitas, 1997, p. 766. (14) FRISCH (Consentimento e consentimento presumido
(8) ROXIN, op. cit., p. 769; COSTA ANDRADE. Consen- nas intervenções médico-cirúrgicas, RPCC 14 2004,
timento em direito penal médico – O consentimento p. 110) refere que neste contexto ainda se inserem
Paulo Vinicius Sporleder De Souza
presumido, RPCC 14 (2004), p. 136. os casos de “alargamento da intervenção médico- Professor titular de Direito Penal da PUC-RS.
(9) ROXIN, op. cit., p.768, 765; COSTA ANDRADE, op. -cirúrgica”, nos quais o paciente está inconsciente Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela
cit., p. 117 e 133. sob o efeito da anestesia e durante a intervenção Universidade de Coimbra/Portugal.

ABERRATIO ICTUS OU ERRO NA EXECUÇÃO: VESTÍGIO DE


RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA NO CÓDIGO PENAL?
Gisele Mendes de Carvalho
A reforma da Parte Geral do Código Penal homicídio com a agravante de parentesco do tais hipóteses “existe uma nítida desarmonia entre
ABERRATIO ICTUS OU ERRO NA EXECUÇÃO: VESTÍGIO DE RESPONSABILIDADE PENAL...

brasileiro, aprovada em 1984, adotou franca- art. 61, II, e, do Código Penal, sendo o erro o querido e o realizado”(2) pelo agente. No caso
mente a doutrina finalista da ação em muitos quanto à pessoa irrelevante neste caso. O que de atingir também a pessoa inicialmente visada
de seus dispositivos. Por essa teoria, o injusto não se esclarece com facilidade, porém, é a que (aberratio ictus plurilesiva ou com resultado
penal tem uma conotação pessoal, isto é, leva título deverá responder o autor pelo crime: dolo duplo), o Código dispõe, corretamente, que o
em conta os elementos pessoais relativos ao ou culpa? É dizer: se o agente acerta pessoa agente responderá pelo concurso formal (art. 70)
autor do crime: o desvalor da ação do agente é diversa da que originalmente queria atingir, entre ambos os homicídios, sendo, a nosso ver, o
pessoal e manifesta-se pelo dolo de tipo e pela responderá pelas circunstâncias do homicídio primeiro deles culposo, e o segundo, doloso. Tanto
culpa; e ao desvalor da ação corresponde sempre que inicialmente queria praticar como se fosse é assim que, caso atinja exclusivamente a vítima
um desvalor do resultado (lesão ou perigo de este crime um homicídio doloso, com todas as que queria lesionar, o agente jamais responderá
lesão ao bem jurídico). A adoção dessa postura circunstâncias abarcadas pelo dolo inicial? Ou, pela tentativa de homicídio dos transeuntes que
manifesta-se, por exemplo, pela disciplina do ao contrário, deverá responder por homicídio circulavam em torno dela, mas nada impede
erro de tipo (art. 20), do erro de proibição culposo, já que, por erro na execução do crime, que, ao matar pessoa diferente da pretendida
(art. 21) e das excludentes de culpabilidade mata pessoa que não queria nem contra quem (por culpa, repita-se), responda também, em
(art. 22), que situam corretamente o dolo no assumiu o risco de tirar a vida? A nosso ver, de concurso formal de crimes, pelo homicídio
tipo, transferindo a questão da consciência forma consentânea com a nova Parte Geral do culposo da vítima equivocada e o homicídio
da ilicitude à culpabilidade, que passa a ser Código Penal, que agasalha a doutrina finalista doloso consumado ou tentado da vítima inicial.
puramente normativa.(1) Todavia, uma análise da ação, o erro na execução do crime que leva Para os autores que pensam diversamente, a
mais apurada das normas que compõem a o autor a atingir bem jurídico pertencente a punição a título de dolo se justificaria porque,
Parte Geral do nosso diploma punitivo deixa pessoa diferente da que queria inicialmente como salientam alguns, “não é o momento psi-
entrever algumas dúvidas a respeito da adoção lesionar ou matar deve ser tratado como um cológico da ação que vai ser viciado, mas a fase
da teoria finalista em determinadas situações, erro de tipo (art. 20), que acarreta a exclusão do executiva que não vai se corresponder exatamente
dando margem, no mínimo, a uma interessante dolo, mas permite a punição a título de culpa, com o querido pelo autor”.(3) Tal entendimento
(porém, maltratada e muitas vezes ignorada) se prevista em lei. E o fato é que o art. 20, § 3º, não tem razão de ser após a reforma de 1984,
discussão a respeito da possível persistência de ao qual remete expressamente o art. 73, dispõe pois a acolhida de uma concepção pessoal do
vestígios de responsabilidade penal objetiva no que o erro quanto à pessoa contra a qual o crime injusto, conforme salientado anteriormente,
Código Penal brasileiro, mesmo após a reforma é cometido não isenta o autor de pena, o que, leva à adoção de um desvalor da ação que abar-
de 1984. A norma em questão concerne à disci- desde logo, parece significar que sua punição ca mais do que o elemento subjetivo do tipo,
plina legal do erro na execução (o denominado poderá ocorrer tanto por dolo quanto por culpa. estendendo-se, também, a elementos do tipo
aberratio ictus). De acordo com o art. 73 do A punição a título de dolo aparece como a mais objetivo (p.ex., modo de execução).(4) Assim,
Código Penal, “quando, por acidente ou erro correta quando, intencionalmente, o agente o desvalor da ação (dolo ou culpa) refere-se,
no uso dos meios de execução, o agente, ao invés atinge pessoa com a consciência e vontade de também, à forma de praticar o delito, que é
de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge matá-la, porém descobre, a posteriori, não se desvirtuada em relação à concepção inicial do
pessoa diversa, responde como se tivesse praticado tratar da pessoa que a princípio queria atingir; autor no caso de aberratio ictus.
o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto contudo, aqui não se trata de erro na execução, Idêntico raciocínio deve ser aplicado às hipó-
no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser mas exclusivamente de erro quanto à pessoa. Já teses de resultado diverso do pretendido (aber-
atingida também a pessoa que o agente pretendia a punição a título de culpa se afigura como a ratio delicti), que são aquelas situações em que
ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”. mais correta nas hipóteses de erro na execução, o agente lesiona bem jurídico diferente do que
Pois bem, da leitura do artigo, pode-se deduzir, se não se quer admitir um claro vestígio da queria inicialmente atingir. De acordo com o
em um primeiro momento, que o agente que presença de responsabilidade penal puramente art. 74 do Código Penal, “fora dos casos do artigo
lesiona pessoa diferente daquela que pretendia objetiva em nosso Código Penal, pois o agente, anterior [isto é, de ‘aberratio ictus’], quando, por
atingir deve responder exatamente pelo crime desde o princípio, não quer, nem assume o risco acidente ou erro na execução do crime, sobrevém
que praticaria inicialmente, com todas as suas de matar pessoa diversa de sua vítima, errando resultado diverso do pretendido, o agente responde
circunstâncias. Assim, p.ex., reitera a doutrina, na forma como executa a ação criminosa e por culpa, se o fato é previsto como crime culposo;
em diversas ocasiões, que, caso o agente preten- atingindo, por imprudência, negligência ou se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se
da atingir ascendente e acaba matando pessoa imperícia, alguém a quem não queria lesionar. a regra do art. 70 deste Código”. Aqui, ao con-
desconhecida, deverá responder pelo crime de Como bem destaca Alberto Silva Franco, em trário do que se discute no art. 73, o legislador

14 Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011


não deixou margem a dúvidas, esclarecendo que não seja punido, ante a atipicidade do dano implica admitir que a reforma da Parte Geral do
corretamente que se o agente pretende danificar culposo: a solução correta ainda é a tentativa de Código Penal ainda agasalha inaceitáveis vestí-
um objeto (p.ex., uma vidraça), atirando contra homicídio, mesmo que o resultado final, a que gios de responsabilidade penal objetiva em tudo
ele uma pedra, e termina acertando alguém, se refere o art. 74, in fine, não tenha realmente incompatíveis com a doutrina finalista da ação,
atingindo, assim, bem jurídico diverso, deverá ocorrido, com vistas a evitar o que Silva Franco inspiradora indelével do legislador de 1984.(6)
responder pelo crime efetivamente cometido denomina de “enquadramento penal aberrante”
na forma culposa, caso haja previsão para tal decorrente de uma interpretação literal do NOTAS
comportamento (no caso, lesões corporais disposto no final do artigo em apreço.(5) Ou (1) Vide, a respeito, WELZEL, Hans. O novo sistema
culposas), admitindo-se o concurso entre este seja, a melhor interpretação para essa questão jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação
crime e o crime doloso originalmente pretendido é que, quando o legislador disse resultado, quis finalista. 2ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 80 e ss.
(2) SILVA FRANCO, Alberto; STOCO, Rui (coords.).
se o resultado inicialmente querido pelo autor realmente dizer desvalor do resultado, termo que Código Penal e sua interpretação. 8ª ed. São Paulo:
também se verifica, inclusive na hipótese de abarca também o mero perigo de lesão ao bem RT, 2007, p. 402.
mera tentativa do delito doloso inicialmente jurídico protegido. (3) BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, t. II. 4ª
pretendido, já que o bem jurídico correu risco De modo geral, porém, constata-se que, no ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 124.
de lesão. A esse respeito, lembra um setor dou- caso da aberratio delicti, o legislador conferiu (4) Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal
brasileiro, Parte Geral. 10ª ed. São Paulo: RT, 2011,
trinário, com acerto, que a parte final do art. ao erro o tratamento correto: se o autor não p. 329.
74 não pode se referir somente às hipóteses em desejava atingir inicialmente o bem jurídico que (5) SILVA FRANCO, Alberto; STOCO, Rui. op. cit., p.
que “ocorre também o resultado pretendido”, mas terminou lesionando, deve, necessariamente, 405.
sim abarcar a possibilidade de concurso formal responder pelo crime cometido a título de culpa (6) Nesse sentido, cf. SILVA FRANCO, Alberto; STOCO,
Rui. op. cit., p. 403 e NUCCI, Guilherme de Souza.
de crimes entre a conduta culposa consumada e e não de dolo, já que a execução imprudente Código Penal comentado. 9ª ed. São Paulo: RT, 2008,
o comportamento doloso meramente tentado, do delito equivale à causação do resultado sem p. 465.
ainda que o resultado final não sobrevenha, consciência e vontade. Destarte, não existe
para evitar injustiças. Isso porque se alguém razão para que a mesma regra não possa ser Gisele Mendes de Carvalho
tenta atirar em outrem e a bala não o acerta aplicada ao que dispõe o art. 73 do Código Doutora e Pós-Doutora em Direito Penal pela
sequer de raspão, responderá certamente por Penal: ao atingir vítima diversa da pretendida, o Universidade de Zaragoza, Espanha.
homicídio tentado; já quando tenta atirar em autor não deve responder pelo delito cometido a Professora-Adjunta de Direito Penal na Universidade
outrem e acerta uma vidraça, não tem sentido título doloso, e sim culposo. Interpretação diversa Estadual de Maringá (UEM-PR).

MÃES DE MAIO: UMA FERIDA ABERTA NA DEMOCRACIA BRASILEIRA


Bruno Shimizu
Em 17 de maio de 2006, a direção da escola As Mães de Maio da Democracia Brasileira, (7)
A principal prova da atuação orquestrada de
onde o jovem Mateus estudava recebeu uma por seu turno, são uma organização de pessoas grupos de extermínio diz respeito ao modus
MÃES DE MAIO: UMA FERIDA ABERTA NA DEMOCRACIA...

ligação ordenando “toque de recolher”. Assim, que tiveram parentes próximos mortos por operandi empregado, que envolve, inevitavel-
Mateus e seu amigo Ricardo foram dispensa- agentes do Estado ou por grupos de extermínio mente, um “toque de recolher” prévio, a escolha
dos das aulas sem qualquer explicação, tendo ligados a esses agentes. Sua criação deu-se pela de “alvos” (pessoas com antecedentes criminais
se dirigido a uma pizzaria próxima. Lá, os mobilização das mães de jovens mortos pela ou com tatuagens) e o ataque de executores
dois foram alvejados e mortos por indivíduos polícia em maio de 2006, e sua luta consiste no encapuzados, normalmente sobre motocicletas.
encapuzados sobre motocicletas: milicianos combate à letalidade policial e à conivência das Em todos esses casos, assim que ocorreram os
ligados à Polícia Militar. A morte de Mateus é autoridades do sistema de justiça.(3) assassinatos, viaturas oficiais da PM surgiram
contada por Vera, sua mãe, na publicação Do A morte de Mateus, conforme dados do imediatamente, fazendo desaparecerem os ves-
luto à luta, produzida de forma independente Conselho Regional de Medicina de São Paulo, tígios da execução e alterando a cena do crime,
pelas Mães de Maio da Democracia Brasileira insere-se nas 493 mortes por arma de fogo que sob o pretexto de prestar socorro às vítimas.(8)
por ocasião dos cinco anos dos massacres per- ocorreram no Estado entre 12 e 20 de maio de O dado mais alarmante trazido pelo re-
petrados por policiais e milicianos em maio de 2006.(4) De todas essas mortes, há denúncias latório, contudo, aponta para o fato de que
2006 no Estado de São Paulo.(1) da participação de agentes policiais em, pelo as instituições pretensamente democráticas
Os “crimes de maio” foram assassinatos menos, 388 casos, conforme dados divulgados responsáveis pelo controle externo da atividade
e desaparecimentos forçados praticados por pelo Observatório de Violência Policial.(5) A policial e pela salvaguarda dos direitos huma-
grupos ligados à polícia como resposta aos publicação da lavra das Mães de Maio, de certa nos são lenientes, quando não coniventes, com
ataques atribuídos à facção Primeiro Comando forma, tenta impedir que esses assassinatos se o massacre das classes indesejadas.
da Capital no Estado de São Paulo, ocorridos tornem mera estatística esquecida. Todos os inquéritos relativos aos casos
em 2006. Os atentados atribuídos à facção in- O relatório “São Paulo sob achaque”, ela- em que o relatório constatou a presença da
cluíram disparos de arma de fogo e arremesso borado pela Clínica Internacional de Direitos atividade de grupos de extermínio ocorri-
de explosivos contra estações policiais, agên- Humanos da Universidade de Harvard em dos em maio de 2006 foram arquivados, a
cias bancárias e edifícios públicos, queima de parceria com a ONG Justiça Global, identifi- pedido do Ministério Público, sem maiores
ônibus e assassinatos de agentes de segurança.(2) cou, por meio de entrevistas com autoridades investigações. O relatório de Harvard aponta
Em represália, grupos de extermínio ligados à e análise de inquéritos de maio de 2006, um o Judiciário, por ter concordado com todos os
polícia promoveram a maior chacina de que se universo de 122 mortes em relação às quais há arquivamentos, e o Ministério Público como
tem notícia na história brasileira, consistente indícios da participação de agentes policiais, autores de falhas cruciais. Sobre o papel do
na execução sumária de centenas de pessoas em concentrados na capital paulista e na baixada Ministério Público, consta do relatório: “O
zonas periféricas, sendo que a grande maioria santista.(6) O relatório chegou à conclusão de Ministério Público Estadual também falhou em:
das vítimas sequer possuía qualquer relação haver provas concretas da ação de grupos de 1) não investigar os Crimes de Maio de forma
com a facção responsável pelos ataques. extermínio ligados à polícia em 71 desses casos. sistemática e rigorosa, 2) não exigir melhores

Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 15


investigações nos inquéritos policiais (...), e 3) do pela Emenda Constitucional 45/04, prevê ‘escavocar’ nossos filhos?”. A contundência dessa
não manter sua preciosa isenção no momento o deslocamento da competência para a Justiça pergunta deixa clara a situação inusitada de
da crise, sinalizando à Polícia Militar que Federal, o que se justifica ao constatarmos que continuidade entre ditadura e democracia no
eles, promotores, já teriam concluído que não a postura das autoridades estaduais pode levar Brasil. A indignação dessas mães diante do
houve um revide policial orquestrado após os à responsabilização internacional de toda a horror e da indiferença, por outro lado, parece
ataques”.(9) Essa última falha apontada pelo Federação brasileira. ser o pouco que sobrou depois dos assassinatos
MÃES DE MAIO: UMA FERIDA ABERTA NA DEMOCRACIA...

relatório é referência, principalmente, a um Os crimes de maio e a postura das auto- e dos arquivamentos que escancararam a real
ofício assinado por dezenas de promotores ridades perante a grave violação de direitos funcionalidade do sistema de justiça criminal.
atuantes na área criminal, enviado, em 25 de humanos afloram como uma prova inequívoca
maio de 2006, ao Comando Geral da PM. de que ainda não existe democracia no Bra- NOTAS
Neste ofício, os subscritores reconhecem “a sil, ao menos do ponto de vista dos direitos
eficiência da resposta da Polícia Militar, que civis, estando os próprios órgãos responsáveis (1) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do
luto à luta. Publicação independente. São Paulo:
se mostrou preocupada em restabelecer a ordem pela defesa dos direitos humanos embebidos 2011, p. 28.
pública violada, defendendo intransigentemente das práticas institucionais típicas do estado (2) ADORNO, Sérgio; SALLA, Fernando. Criminalidade
a população de nosso Estado”. Acrescentam que ditatorial. A esta democracia meramente organizada nas prisões e os ataques do PCC. In:
estão certos de que “eventuais excessos praticados nominal, que se instituiu sem a promoção de Estudos Avançados, n. 61, 2007, p. 8-9.
individualmente serão objeto de apuração devida (3) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do
uma cultura de defesa dos direitos individuais, luto à luta. Publicação independente. São Paulo:
pelos órgãos responsáveis”.(10) O relatório conclui Caldeira dá o nome de “democracia disjunti- 2011, p. 12-13.
que atos como esse ofício parecem “chancelar va”. Segundo a autora, a democracia brasileira (4) Idem, p. 32.
a ação violadora do Estado”,(11) na medida em é disjuntiva porque, “embora o Brasil seja uma (5) Idem, p. 36.
que os subscritores recusam-se, de antemão, democracia política e embora os direitos sociais (6) INTERNATIONAL HUMAN RIGHTS CLINIC E JUSTIÇA
GLOBAL. São Paulo sob achaque: corrupção, crime
a aceitar a possibilidade de um problema es- sejam razoavelmente legitimados, os aspectos civis organizado e violência institucional em maio de 2006.
trutural, que extrapole os “excessos praticados da cidadania são continuamente violados”.(13). 2011, p. 5.
individualmente”, no que foi a maior chacina O Brasil é formalmente uma democracia, (7) Idem, p. 100.
de que se tem notícia na história do Brasil. mas habitada por instituições ditatoriais, (8) Idem, p. 102.
Com base neste contexto, as Mães de Maio (9) Idem, p. 181.
com valores antidemocráticos. Essa ideia de (10) Idem, p. 239.
– enxergando que o assassinato de seus filhos democracia incompleta parece ter sido captada (11) Idem, p. 181.
desarmados foi entendido como ato de hero- com excelência por Débora, uma das Mães de (12) MÃES DE MAIO DA DEMOCRACIA BRASILEIRA. Do
ísmo pelos órgãos responsáveis pela persecução Maio, que teve seu filho Edson assassinado no luto à luta. Publicação independente. São Paulo:
penal – têm como objetivo imediato o desar- massacre de maio de 2006. Em palestra pro- 2011, p. 21.
(13) CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros:
quivamento e a federalização dos crimes de ferida em maio 2011 na Defensoria Pública crime, segregação e cidadania em São Paulo. 2ª ed.
maio.(12) Com efeito, o relatório reconheceu, do Estado de São Paulo, Débora questionou, São Paulo: Edusp, 2008, p. 343.
com base em dados documentados, a postura enquanto sustentava estarmos sob um Estado
tendenciosa dos órgãos estaduais. Tendo havi- fascistóide, e referindo-se aos desaparecimen- Bruno Shimizu
do grave violação de direitos humanos, o art. tos forçados de maio de 2006: “Se estão ‘escavo- Defensor Público do Estado de São Paulo.
109, § 5º, da Constituição Federal, acrescenta- cando’ os mortos da ditadura, porque não podem Mestre em Criminologia pela USP.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR PROBATÓRIO DO AUTO DE


LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO COMO LIMITE MÍNIMO PARA
A INSTAURAÇÃO DE UM PROCESSO PENAL
Daniel Gerber e Rafael Braude Canterji
I. Objeto de análise do artigo
CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR...

qualquer circunstância, prova suficiente de tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento
Considerando que: (i) a Lei n. 9.430/96, materialidade delituosa, consequentemente do tributo pendente de decisão definitiva do
em seu artigo 83, e (ii) a Súmula Vinculante apta à instauração de um processo penal. processo administrativo: falta de justa causa
n. 24 – oriunda do Habeas Corpus (HC) para a ação penal, suspenso, porém, o curso da
81.611/DF – alteraram significativamente o II. Breve histórico prescrição enquanto obstada a sua propositura
panorama persecutório penal das imputações O artigo 83, da Lei n. 9.430/96, ao pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora
referentes aos delitos previstos junto à Lei n. exigir uma determinada vinculação entre a não condicionada a denúncia à representação
8.137/90; que (iii) o artigo 158, do Código esfera administrativa de análise tributária da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta
de Processo Penal (CPP), exige o exame de e a persecução penal de possível ilícito de justa causa para a ação penal pela prática do
corpo de delito para as infrações que deixam mesma natureza, gerou inconformidade no crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que
vestígios; que, (iv) no caso da infração tri- seio do Ministério Público. Referido órgão é material ou de resultado -, enquanto não haja
butária, tal vestígio é facilmente apreensível; propôs contra tal comando normativo uma decisão definitiva do processo administrativo de
e, por fim, considerando (v) a equivocada ADIN que, julgada improcedente pelo STF, lançamento, quer se considere o lançamento
valoração que as agências do mundo jurídico deixou claro que o esgotamento da esfera definitivo uma condição objetiva de punibi-
(Ministério Público e Poder Judiciário) têm administrativa se fazia necessário para início lidade ou um elemento normativo de tipo.(...)
dado à constituição do crédito tributário em de um processo criminal. Em verdade, estava 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do
esfera administrativa, o presente texto restará a decidir matéria que, na mesma data, havia contribuinte, o processo administrativo suspende
limitado ao debate sobre a possibilidade de sido enfrentada pelo HC 81.611/DF, assim o curso da prescrição da ação penal por crime
se considerar o lançamento tributário, em ementado: “Crime material contra a ordem contra a ordem tributária que dependa do lan-

16 Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011


çamento definitivo” (HC 81.611/DF). desta natureza, o MP arrola como sua única uma presunção diz respeito, efetivamente, a
A consequência da decisão acima é que os testemunha, invariavelmente, o fiscal da Re- um lucro não declarado.
crimes de sonegação fiscal, ainda que sejam ceita Federal. Temos, portanto, que, nas hipóteses em
tipos de consumação instantânea, somente Tal pensamento não deve prosperar, eis que que a constituição de um crédito tributário
podem ser processados após o mínimo preen- confunde o conceito de mínimo com o conceito basear-se não na investigação e análise dos
chimento necessário à interpretação de uma (i) de suficiente. Em tal seara, tanto a Lei quanto o fatos etc., mas sim em uma presunção legal,
condição objetiva de punibilidade ou de seu STF, ao estipularem a ausência de justa causa o limite mínimo trazido pela Lei e pelo STF
(ii) elemento normativo essencial. Frisa-se: para uma ação penal sem que o crédito esteja estará satisfeito, mas jamais o limite necessário
na visão do STF, o crime pode ter ocorrido constituído, impuseram um limite mínimo a ser imposto pelo artigo 158, do CPP.
quando do ato praticado pelo sujeito no mun- ultrapassado pelo Estado para fins de persecu- Desta forma, em casos como estes – cons-
do dos fatos; contudo, a prova minimamente ção penal. Em momento algum, no entanto, tituição definitiva do crédito tributário por
necessária à justificação de uma persecução penal afirmaram que era o suficiente. E a distinção meio de presunção legal – o auto de lança-
(justa causa) somente restará implementada entre “mínimo” e “suficiente” reside justamente mento deverá gerar uma investigação policial
após a análise adequada de seus elementos na pequena – mas vital – separação do Direito sobre o assunto, e não um processo penal, sob
normativos ou após a satisfação de uma de Administrativo Sancionador e do Direito Penal. pena de, por meio de uma severa confusão
suas condições de procedibilidade. Para o Administrativismo sancionador, uma entre princípios administrativos e princípios
Fácil percebermos que o STF se alinha, presunção equivale, juridicamente, à ocorrência penais, afirmar-se que aquilo que a Receita
tanto na ADIN quanto no HC 81.611/DF, de um fato. Somente por isso se pode falar em Federal presume é o suficiente para declarar-se
ao pressuposto de boa-fé da autoridade admi- lançamento por presunção, lucro presumido a ocorrência do fato concreto.
nistrativa no que toca à investigação contábil etc. Tal equivalência (presunção = verdade) é
que, ao fundo, irá afirmar a ocorrência ou não legítima pelo viés administrativo, eis que sem IV. Conclusão
de sonegação tributária. Dito de outra forma: ela o Estado simplesmente não conseguiria Como conclusão, temos que o auto de
para o STF não é possível afirmar-se que operar. No caso tributário, e já versando sobre lançamento tributário, quando baseado em
houve uma sonegação tributária se a própria o tema “sonegação de tributo”, temos que a uma presunção legal, não é o suficiente para
autoridade fazendária ainda não apurou se o Receita Federal classifica como “lucro” todo e legitimar a instauração do processo penal na
tributo foi ou não sonegado. qualquer depósito de origem não identificada. medida em que não reflete o conceito de corpo
A Súmula Vinculante n. 24, por sua vez, Tal classificação é oriunda de presunção da de delito previsto em nosso Código Processual.
sintetiza tal entendimento ao afirmar que Receita devidamente contemplada em Lei e Em tais situações, a Súmula Vinculante n. 24
“não se tipifica crime material contra a ordem não de um fato comprovadamente ocorrido. serviu como limite mínimo da persecução
tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Aqui a dúvida se resolve em prol do Estado, e penal, mas a satisfação de todos os requisitos
Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo resta constituído o crédito tributário ainda que,
necessários à instauração de um processo penal
do tributo”. faticamente, o lucro jamais tenha existido. No
dependerá, ainda, de investigação preliminar
Direito Penal, entretanto, a materialidade
que ateste a existência fática – prova de ma-
III. O problema delituosa não pode ser presumida. Ao contrário,
terialidade – daquilo que a Receita apenas
Não obstante o entendimento do STF seja se existir dúvida quanto ao fato, que se resolva
presumiu.
uma forte garantia contra eventuais equívocos em favor do Indivíduo.
que uma persecução penal destituída de um Mal comparando, é como se um Delegado
Daniel Gerber
lançamento tributário pudesse causar ao acu- de Polícia (i) presumisse a ocorrência de um Advogado Criminalista. Mestre em Ciências Criminais.
sado, temos que tal garantia também gerou, determinado ilícito, (ii) concluísse seu relató- Membro do Conselho Permanente do Instituto
no plano fático, um problema disseminado rio de indiciamento apenas com base em sua Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC).
nas denúncias que versam sobre crimes de presunção, e o Ministério Público, além de (iii) Professor convidado nos cursos de pós-graduação
tal natureza: a confusão entre os significados oferecer denúncia com base em tal ato, (iv) em Direito Penal e Processual Penal na UNISINOS,
processuais do lançamento tributário e do arrolasse apenas e exclusivamente o próprio UNIRITTER e IDC.
exame de corpo de delito. Delegado como testemunha de acusação.
Neste sentido, o Ministério Público (MP) Enfim, se para a Receita Federal a presun- Rafael Braude Canterji
tem entendido – e denunciado, por força de tal ção de sonegação fiscal pode gerar crédito Advogado Criminalista. Professor de
entendimento – que a constituição definitiva líquido e certo para o Estado, em sede de Direito Penal da PUC-RS.
do crédito tributário é o suficiente para que processo penal, tal presunção deve gerar, ape- Mestre e especialista em Ciências Criminais.
esteja comprovada a materialidade delituosa nas e tão somente, uma investigação completa Coordenador Regional do IBCCRIM.
da sonegação. E tamanha é a confiança que sobre o caso, no intuito de verificar-se se o Conselheiro Seccional da OAB-RS.
detém em tal entendimento que, em processos lançamento tributário ocorrido com base em Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB-RS.

PACTO DE IMUNIDADE PARA GADAFI E IMPUNIDADE PARA ASSAD?


SOBRE A SILENCIOSA PERDA DE AUTORIDADE DA JUSTIÇA PENAL INTERNACIONAL
Kai Ambos
PACTO DE...

Antes da vitória dos rebeldes na Líbia, (EUA, Grã-Bretanha e França), que, em feverei- vez, tornaram realidade a doutrina, até então
éramos testemunhas de um espetáculo único ro – ativamente apoiados pela Alemanha – com existente somente no papel, da responsabilidade
de duplicidade diplomática, característico de a histórica Resolução n.º 1970 do Conselho da proteção, agora – em face do lento avanço
tempos anteriores ao Direito Penal interna- de Segurança, remeteram a situação da Líbia dos rebeldes líbios sobre Trípoli – levam adian-
cional. Os mesmos membros permanentes do ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e, mais te negociações aparentemente secretas com
Conselho de Segurança das Nações Unidas tarde, com a Resolução n.º 1973, pela primeira o ditador. A ele tem sido possibilitada uma

Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011 17


PACTO DE IMUNIDADE PARA GADAFI E IMPUNIDADE PARA ASSAD? SOBRE A SILENCIOSA PERDA...

saída decorosa e atribuída imunidade frente à e o processo perante o TPI seria inadmissível. líbias. O bloqueio, nesse caso, vinha muito
persecução penal. Os fatos representativos de As negociações de imunidade também são, mais de membros permanentes do Conselho
tais negociações fragilizam a autoridade do TPI em princípio, problemáticas. Se elas preva- de Segurança, principalmente China e Rússia.
– inclusive a de toda justiça penal internacional lecerem, os poderosos criminosos de Estado Em todo caso, o tratamento diverso confe-
– e converte este Tribunal Internacional em serão privilegiados em face de autores de nível rido aos casos da Líbia e da Síria mostra que
um joguete a serviço dos interesses das grandes hierárquico menor, contra os quais, atualmente, não se pode construir um sólido sistema de
potências (ocidentais). Assim, parecem ter razão o processo segue regularmente perante o TPI. justiça penal internacional com base nos frágeis
aqueles que, desde sempre, consideravam a Também seriam privilegiados aqueles que em- fundamentos do Capítulo VII das Resoluções
clara separação normativa entre direito (TPI) pregaram todo o aparato de poder estatal para do Conselho de Segurança. O TPI representa
e política (Conselho de Segurança da ONU) cometer crimes internacionais, assegurando-se, um avanço em relação aos Tribunais ad hoc da
tão só uma simples elucubração. com isso, o apoio dos membros permanentes ONU, tal como o Tribunal para a Iugoslávia,
A remissão por parte do Conselho de do Conselho de Segurança. porque se apoia em um tratado e, por isso, é,
Segurança é uma das três vias para ativar a Se voltarmos os olhos à Síria, este privilégio em princípio, independente do Conselho de
jurisdição do TPI. Além disso, esta ativação parece confirmar-se de maneira cínica. Isso Segurança da ONU. No entanto, sua prática
pode ocorrer por meio da remissão de um porque, se mensurarmos a situação desse país mais recente é questionável em vista da possível
Estado-Parte ou por investigações realizadas de a partir do precedente obtido com as resolu- manipulação política da atividade do TPI.
ofício. É comum a estes mecanismos que todas ções relativas à Líbia, veremos que, há tempo, Já no caso de remissão dos crimes cometi-
as decisões sucessivas sobre o mesmo assunto são necessárias, em relação à Síria, resoluções dos na região de crise de Darfur (Sudão) e da
caiam, em princípio, dentro da competência do semelhantes às da Líbia. O regime sírio pro- consequente ordem de prisão decretada contra
TPI. Dessa forma, incumbia exclusivamente ao cede com brutalidade ainda maior contra a o Presidente do Sudão, Baschir, mostrou-se
Ministério Público pedir uma ordem de prisão oposição e tem causado, em um período de quão pequeno é o valor de uma remissão do
contra Gaddafi; e foi uma Câmara, composta tempo consideravelmente menor, um número Conselho de Segurança, se este, no entanto,
por três julgadores, que decretou essa ordem manifestamente maior de vítimas civis do que o não cuida do seu cumprimento, isto é, da
de prisão. Só excepcionalmente, o Conselho de regime de Gaddafi. Além disso, a oposição Líbia efetivação da prisão e da respectiva entrega dos
Segurança da ONU pode provocar a suspensão organizou-se militarmente em um período de suspeitos. Embora Baschir tenha sofrido uma
de um processo perante o TPI e, com isso, fa- tempo relativamente curto e, o mais tardar restrição, por exemplo, em sua possibilidade de
zer respeitar um possível pacto de imunidade. com a intervenção militar da OTAN, passou viajar, alguns Estados-Partes do Estatuto do TPI
Porém, tal suspensão está limitada temporal- da situação originária consistente na atuação de (africanos) permitem o seu ingresso no país sem
mente ao período de um ano e, em face do seu Gaddafi sob o direito dos tempos de paz a um ser molestado. Sua entrega a Haia, portanto,
vencimento, deve ser novamente solicitada. Na conflito segundo as regras do direito interna- parece estar muito distante.
essência, ela pressupõe uma decisão do Conse- cional de guerra, que permite a prática do ho- Em vista disso, não é de estranhar que um
lho de Segurança, baseada no Capítulo VII da micídio de combatentes (de facto) ou de pessoas número crescente de especialistas exija um
Carta das Nações Unidas, ou seja, a suspensão que participam ativamente das hostilidades, maior distanciamento entre o TPI e o Conselho
deve servir também à proteção da paz mundial inclusive de forças da OTAN. Portanto, tendo de Segurança. A perda de autoridade do TPI
e da segurança internacional. por base o precedente da Líbia, são obrigatórias adquire, sem dúvida, uma nova qualidade com
Porém, como se pode fundamentar de ma- resoluções semelhantes em relação à Síria. No essa tentativa do Conselho de Segurança de blo-
neira convincente a suspensão da persecução entanto, em vez disso, há alguns dias, somente quear faticamente a remissão da Líbia, circuns-
penal contra Gaddafi pelo mesmo órgão e se chegou a um acordo sobre uma declaração tância que deve ser combatida de forma decisiva
com os mesmos argumentos, com base nos presidencial que se apresentava como compro- pelos Estados que valorizam a credibilidade da
quais antes havia sido autorizada a persecução misso político. Nela, condenavaam-se, por um justiça penal internacional permanente. Do
penal? E, aliás, a suspensão do processo contra lado, as violações dos direitos humanos e, por contrário, é de temer-se que o projeto do TPI
Gaddafi deve ser anualmente prorrogada com outro, os ataques aos prédios governamentais, sofra novos prejuízos e que nós experimentemos
base nesses mesmos argumentos? A experiência afirmava-se a integridade territorial do país e um renascimento da persecução penal nacional
anterior com tal tipo de decisão permite supor destacava-se que a “crise” atual somente poderia por estados terceiros com base na jurisdição
que dificilmente se poderia encontrar uma ser solucionada “sob condução síria”. universal, que se esperava que fosse afastada
maioria entre os Estados-Partes do Estatuto do Apesar de tudo, tal declaração não tem justamente com a criação do TPI.
TPI. A admissibilidade da persecução penal por nenhum tipo de efeito coercitivo. Por isso, não
parte de um novo governo líbio, também em surpreende que o regime de Assad não tenha Kai Ambos
discussão, ao contrário, não tem nada a ver com se mostrado afetado por ela. Evidentemente, a Catedrático de Direito Penal, Direito Processual Penal,
um pacto de imunidade, pois, com isso, somen- inatividade do Conselho de Segurança, no caso Direito Comparado e Direito Penal Internacional na
te se transferiria a persecução penal – no sentido da Síria, não permite reprovar os Estados que Georg-August-Universität Göttingen
da complementariedade – à justiça nacional, eram a força impulsionadora das resoluções Juiz do Tribunal Estadual (Landgericht) de Göttingen

COM A PALAVRA, O ESTUDANTE


A ADOÇÃO DA TEORIA DA COCULPABILIDADE LIMITADA NO CONTEXTO
LOCAL HODIERNO, SOB A FORMA DE POLÍTICA AFIRMATIVA BRASILEIRA
A ADOÇÃO...

Gabriel Bulhões Nóbrega Dias


Tomando por base o atual contexto social do nica no âmbito da carcerização nacional, pode-se Conferindo, dessa forma, a concretização de
Brasil, reflexo de séculos de exclusão segregadora explanar a respeito da necessidade de um con- um dos objetivos fundamentais da República
e condicionante sofrida pela população de baixa junto de respostas estatais no sistema normativo Federativa do Brasil, exposto pela Carta Cidadã
renda do país, claramente etiquetada e hegemô- a fim de atuar nessa realidade positivamente. de 1988 no inciso III do seu art. 3º, qual seja:

18 Boletim IBCCRIM - Ano 19 - Nº 227 - OUTUBRO - 2011


“Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as (coculpabilidade limitada), notadamente divergente
desigualdades sociais e regionais”; assim como “construir de sua extinção. Caso fosse adotada a coculpabilidade Entidades
uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF). absoluta, abrir-se-iam as portas à impunidade, o
Por conseguinte, uma das formas que o Estado vem que pode não ser interessante como uma resposta que assinam
desenvolvendo para assegurar essa resposta eficaz em ao violento contexto criminológico do Brasil. Por
face das desigualdades existentes é a adoção de políticas conseguinte, isso certamente se transformaria em o Boletim:
afirmativas, em que é estabelecida uma espécie de dis- um fator criminógeno.
criminação positiva, através da atividade normatizadora. Por outro lado, não se pretende utilizar esse con-  AMAZONAS
Desse modo, a adoção de tais políticas é necessária ceito (coculpabilidade limitada) através da atenuante
quando se observa na sociedade alguma deformação inominada que nos fala o art. 66 do Código Penal
discriminatória e/ou excludente, em que um grupo brasileiro,(4) conforme vem sendo empregado (haja • Associação dos
determinado permanece reiteradamente sendo renega- vista ser a única opção atual do julgador, caso ache Magistrados do
do em detrimento de outros. Oportuno lembrar que por bem utilizar tal conceito) por alguns magistrados
esses quadros se formam através do curso do processo vanguardistas, os quais enxergam a necessidade da Amazonas - Amazon
histórico-cultural, em que são forjadas as concepções adoção de tal tese no contexto atual do Brasil.
apriorísticas e discriminantes. Não obstante, defende-se, aqui, que se institua
Tomando por base tal assertiva, pugna-se pela neces- a coculpabilidade como uma atenuante específica  DISTRITO FEDERAL
sidade da adoção, atendendo aos anseios sociais latentes inserta no rol do art. 65 do nosso Código Penal.
e condicionando os magistrados em determinadas cir- Dessarte, ficaria a cargo, ainda, da atividade legife- • Defensores Públicos
cunstâncias (especificamente regulamentadas), da tese rante, da literatura e das construções pretorianas a
da coculpabilidade limitada, levantada por Zaffaroni. determinação de tal atenuante como sendo prepon- do Distrito Federal -
Visando embasar essa explanação, é relevante ob- derante ou não. Portanto, resta clara a insuficiência ADEPDF
servar o complexo contexto fático-social do Brasil, o do art. 66, uma vez que este não torna obrigatória a
qual é pautado por uma gama de fatores segregadores adoção de tal teoria pelos órgãos julgadores.
intrinsicamente enraizados na consciência coletiva(1) Sendo assim, devido à falta de vinculação do julga-  MATO GROSSO DO SUL
e no cerne estrutural das instituições estatais, sob o dor às atenuantes inominadas, há a preocupação em
beneplácito da omissão estatal. relação ao arbítrio do juiz. Por esse prisma, verifica- • Associação dos
Para dar prosseguimento ao estudo, necessário -se que a implementação da coculpabilidade como
estabelecer, em suma, o conceito de coculpabilidade. uma atenuante através da fundamentação no art. 66 Defensores Públicos
Tal definição consiste em uma forma de amenizar a torna tal aplicação exacerbadamente incerta e nada
reprovabilidade de uma conduta delituosa através garantida, uma vez que a mesma fica condicionada de Mato Grosso do Sul
da atenuação da culpabilidade do agente, sendo esta ao decisionismo do juiz. Defende-se, oportunamente,
absorvida pelo Estado (e, em última análise, pela que essa atenuante deveria ser aplicada na terceira • Associação dos
própria sociedade), em virtude de sua prévia omissão. fase da dosimetria da pena sempre que preenchidos
Para fundamentar essa atenuação, pondera-se a os requisitos que configuram tal situação, como a Delegados de Polícia de
respeito do dever estatal e sua concreta omissão frente situação socioeconômica do agente, v.g., e outras que Mato Grosso do Sul -
aos setores sociais marginalizados pelo processo segre- venham a ser levantadas quando da discussão sobre
gador retro mencionado. Fala-se, nesse prisma, em o tema para a concretização legislativa. Adepol/MS
uma culpabilidade conjunta exercida pelo executor
do crime e pelo Estado, o qual não propôs condições NOTAS
para aquele agente ter outros rumos em sua vida,  PARANÁ
condicionando-o, em parte, através de um sistema de (1) Em Durkheim, tem-se consciência coletiva ou comum o
conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média • Associação dos
controle social eficaz, a uma vida criminosa. dos membros de uma sociedade e que forma um sistema
Versando sobre o assunto, valiosas são as lições de determinado, que tem sua vida própria. Essa consciência está
Zaffaroni e Pierangeli,(2) in verbis: difusa em toda a sociedade, e independe das condições par-
Delegados de Polícia
“... há sujeitos que têm um menor âmbito de auto- ticulares em que se encontram cada indivíduo, ainda que não
se realize senão nos indivíduos. Esses valores que impregnam do Estado do Paraná
determinação, condicionados desta maneira por causas a consciência coletiva são produto do desenvolvimento
sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao histórico da sociedade (cf.DURKHEIM, Émile. Sociologia.
sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da repro- In: RODRIGUES, José Albertino. Coleção grandes cientistas  SÃO PAULO
vação da culpabilidade.” sociais. São Paulo: Ática, 1993).
Acerca da tese da coculpabilidade, interessante (2) ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. • Escola da Defensoria
Manual de direito penal brasileiro – Parte Geral. São Paulo:
observar, ainda, o que nos fala Nucci:(3) Ed. RT, 1997, p. 613.
“Trata-se da reprovação conjunta que deve ser exer- Pública do Estado
(3) NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direto Penal. 6ª
cida sobre o Estado, tanto quanto se faz com relação ao edição. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 294.
de São Paulo
autor de uma infração penal, quando se verifica não ter (4) “Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de
circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime,
sido proporcionada a todos igualdade de oportunidades • Ordem dos Advogados
embora não prevista expressamente em lei.”
na vida, significando, pois, que alguns tendem ao crime
por falta de opções.” Gabriel Bulhões Nóbrega Dias do Brasil - OAB/SP
Não obstante o exposto, oportuno salientar que Graduando do curso de direito da Universidade Federal do
não se pretende defender uma teoria absoluta da co- Rio Grande do Norte. Membro do Projeto Pesquisas Jurídicas • Associação dos
culpabilidade, isto é, a extinção da culpabilidade do – PPJ (UFRN). Membro do Projeto Lições de Cidadania em
agente, malgrado a preponderância da omissão estatal Delegados de
Ambientes de Privação de Liberdade (UFRN). Monitor de
em algumas situações. Direito Penal. Pesquisador da Linha de Pesquisa: Sociedade, Policia de São Paulo -
Em sentido diverso, o que se propõe é que seja ado- Crime e Exclusão – Professor Orientador Fábio Ataíde (UFRN).
tado o cabimento de uma atenuação à culpabilidade Estagiário do Fernandes & Silveira – Advogados Associados. ADPESP

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