Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Sob a égide do Antigo Regime, o Rei tinha plenos poderes sobre seus súditos e
sobre tudo que integrava a instituição real, incluindo a Igreja e o Catolicismo,
considerado a religião oficial. Considerado um enviado direto de Deus, era a base para a
justiça e a legislação. Entre Portugal e Roma estabeleceu-se o Padroado, regime esse
que, na América Portuguesa e, posteriormente, no Brasil, vai perdurar oficialmente até o
final do século XIX, com a proclamação da República3. O governo religioso era
considerado um departamento do Estado, estando subordinado às determinações da
Mesa de Consciência e Ordens4 e sendo uma obrigação e um direito do governo civil o
recolhimento e administração de dízimos eclesiásticos e o pagamento do corpo clerical.
Ao papa cabia apenas a confirmação dos atos do monarca português.
1
Orientadora: Thaís Nivia de Lima e Fonseca; Co-orientador: José Newton Coelho Meneses. Defesa em
outubro de 2007.
2
SANCHES, Antônio Nunes Ribeiro. Cartas sobre a educação da mocidade. Porto: Domingos Barreira,
[19--].P.131. Biblioteca Nacional de Lisboa. Texto digitalizado disponível em: http://purl.pt/148
3
A República brasileira foi proclamada nos moldes positivistas, o que não permitia a participação da
Igreja nos assuntos do Estado e vice-versa. Segundo José Murilo de Carvalho, a pátria dos positivistas é
na verdade a mátria, aquela que promove o desenvolvimento através da integração, da convivência
partindo dos sentimentos e do amor. O progresso viria pela ação desse Estado que, apesar de maternal,
possuía um Executivo forte e intervencionista, com políticas educacionais e sociais. Ver: CARVALHO,
José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
4
A Mesa de Consciência surgiu em 1532 tinha como função a manutenção e expansão da religião, a
aplicação do Padroado em territórios conquistados, sendo também de sua competência aconselhar o Rei,
junto com o Desembargo do Paço. Em 1551 passou a chamar-se Mesa da Consciência e Ordens, quando a
Coroa Portuguesa assumiu o mestrado das Ordens de Cristo, Santiago de Espada e São Bento de Avis. A
partir do regimento de 1608 a instituição passou a acumular diversas outras funções, como a Provedoria
dos Defuntos e Ausentes, a Casa das Órfãs e Meninos Órfãos de Lisboa, as capelas reais, hospitais e a
Universidade de Coimbra. No século XVIII, com a expulsão da Companhia de Jesus das possessões
portuguesas pelo Marquês de Pombal, a Mesa de Consciência e Ordens passou a ter maior destaque na
América Portuguesa, sendo erigida em 1808 com a instalação da Corte e suprimida em 1828. Em Portugal
sua supressão se deu em 1837. Ver: VAINFAS, Ronaldo (dir). Dicionário do Brasil Colonial (1500-
1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. pp.393-395.
Em tudo cumprirão exatamente o que pelo Meu Tribunal da Mesa da
Consciência e Ordens lhes for Mandado dando contas ao respectivo
Procurador das Capelas a que a mesma Igreja competir, ou a quem
por Especial Ordem Minha se lhes Ordenar, e não a outrem, por
quanto a Mim pertence tomar as contas das Confrarias sitas nestes
domínios por serem isentos por Bula Apostólica de toda outra
jurisdição[...]5
Observa-se que alguns dos pecados capitais são apresentados, como o orgulho, a
ira e a inveja. Esses sentimentos supostamente não deveriam existir, mas, uma vez
presentes, era dever dos irmãos de Mesa fazer com que seus efeitos fossem
minimizados e, se possível, tornassem virtudes opostas, humildade, paciência e
caridade, respectivamente. O bom cristão deveria “morrer diariamente”, desapegando-se
das formas terrenas de existência. Uma vez combatidos dentro da associação, o Irmão
admoestado levaria esse preceito para suas demais relações, disseminando as formas de
convivência ideais.
Nesses capítulos, onde está normatizado o cotidiano da devoção setecentista, é
que encontramos as intenções educativas de caráter moral e religioso, que tentavam
imprimir à população um novo habitus, distinto daquele em que viviam, e que se
ajustava melhor aos interesses da Coroa Portuguesa e da Igreja Católica. Para essas duas
instituições era necessário que se levasse a instrução e a civilidade à população colonial,
que, segundo elas, vivia em situação pecaminosa e, de certa forma, “selvagem”16. Um
exemplo dessa preocupação pode ser encontrado ainda nos regimentos enviados aos
governadores gerais e a outros administradores, onde podemos perceber uma
14
SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo do Indistinto: Estado e sociedade nas Minas setecentistas
(1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997. p.51
15
Livro de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte dos Homens Pardos de São João
del-Rei. 20 de maio de 1786. Capítulo 3º.
16
A expressão selvagem aqui é utilizada como contraponto de civilidade, não representando a expressão
de um juízo de valor que colocaria os habitantes da América Portuguesa em situação de inferioridade
perante a Corte portuguesa. A situação pecaminosa referida diz respeito ao concubinato, às relações extra-
conjugais e aos filhos ilegítimos advindos dessas relações.
preocupação com a formação dos habitantes com o que está sendo transposto de
Portugal para a América Portuguesa, incluindo a religião católica:
(...) favoreceis os [gentios] que já tiverem recebido água do santo
batismo para, com isso, entenderem que em se tornarem cristãos não
tão somente fazem o que convém à salvação de suas almas, mas,
ainda a seu remédio temporal; e não consentireis que a uns nem a
outros se lhes faça agravos nem avexações (...)17
Bibliografia:
ADÃO, Áurea do Carmo da Conceição. Estado Absoluto e Ensino das Primeiras Letras
- as aulas régias (1772-1794). Tomo l. Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade
de Lisboa, 1995. (Tese de Doutoramento).
BOSCHI, Caio César. Estado e irmandades em Minas Gerais no século XVIII. Tese
(doutorado) - Universidade de São Paulo. Departamento de História da Faculdade de
Filosofia. 1982.
________. O processo civilizador: Uma história dos costumes. v.2. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar. 1994.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de, LOPES, Eliane Marta Teixeira & VEIGA,
Cynthia Greive (orgs.). 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica,
2000.
________. Discurso político e práticas educativas no Brasil do século XVIII. In: Anais
VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. Uberlândia, MG: EDUFU,
2006.
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
JANCSÓ, István & KANTOR, Íris (orgs.). Festa: Cultura e Sociabilidade na América
Portuguesa. São Paulo: Imprensa Oficial; Edusp; Fapesp; Hucitec, 2001
SALLES, Fritz Teixeira de. Associações Religiosas no Ciclo do Ouro. Belo Horizonte:
Centro de Estudos Mineiros (UFMG), 1963.
SANCHIS, Pierre. Arraial: festa de um povo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992.
SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida
privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.