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Instituto Memória Editora & Projetos Culturais


Rua Deputado Mário de Barros, 1700, Cj. 305, Juvevê
CEP 80.530-280 – Curitiba/PR.
Central de atendimento: (41) 3016-9042
www.institutomemoria.com.br

Editor: Anthony Leahy


Projeto Gráfico: Barbara Franco
Revisão final realizada pelos próprios autores

ISBN: 978 - 85 - 5523 - 290 - 9 (livro digital)


CORRÊA, F. A.

Estudos da Comissão Especial de Direito Médico da


OAB Tocantins: Reflexões e Perspectivas. Coordenador:
Felippe Abu-Jamra Corrêa. Curitiba: Instituto Memória.
Centro de Estudos da Contemporaneidade, 2018.
226 p.

1. Direito Médico. 2. Responsabilidade Civil. I. Título.

CDD: 340
COORDENADOR

Felippe Abu-Jamra Corrêa

ESTUDOS DA COMISSÃO
ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO
DA OAB TOCANTINS
Reflexões e Perspectivas
PREFÁCIO
Walter Ohofugi Junior

AUTORES PARTICIPANTES
Ana Luiza Mourthe Dahdah Hildegard Taggesell Giostri
Analúcia Terra Peixoto Iran Johnathan S. Oliveira
Carolina Santim Cótica Pinheiro Julimar dos Santos Sousa
Cínthia Ayres Holanda Luciana Dadalto
Clara de Sousa Gustin Lucídio Bandeira Dourado
Deborah Azevedo de Pinho Maysa Oliveira
Diogo Gonzales Julio Osvaldo Pires G. Simonelli
Felippe Abu-Jamra Corrêa Rodrigo Magno de Macedo
Graziela T. de Souza Reis Silvio Guidi
Guilherme Borba Vianna

1ª Edição - Curitiba - 2018

Instituto Memória Editora


CENTRO DE ESTUDOS DA CONTEMPORANEIDADE
FELIPPE ABU-JAMRA
CORRÊA

Presidente da Comissão
Especial de Direito
Médico da OAB/TO e
membro da Comissão
Possui curso de
Especial de Direito
Capacitação em Gestão e
Médico e da Saúde do
Direito da Saúde.
Conselho Federal da
OAB. Graduado em Direito pela
Faculdade de Direito de
Advogado com atuação
Curitiba.
em Curitiba/PR e
Palmas/TO com ênfase Membro da AEDM
nas áreas de Defesa (Associação dos
Médica, Escritórios de Defesa
Responsabilidade Civil e Médica).
Direito Digital.
Coordenador do Grupo
Mestre em Direito de Pesquisa em Direito e
Empresarial e Cidadania Novas Tecnologias na
pelo UNICURITIBA. FESP/PR.

Especialista em Direito Professor Universitário de


Processual Civil pelo graduação e Pós-
Instituto de Direito Romeu Graduação.
Felipe Bacellar.
Autor de livro e artigos
jurídicos.
Prefácio

Uma, dentre as várias estatísticas que têm chamado a


atenção da sociedade e dos advogados, é a atual e crescente
judicialização da medicina.
Se tempos atrás, a preocupação era com demandas judiciais
envolvendo basicamente a saúde como um todo (mais
especificamente pública e suplementar), hoje o que se vê é uma
migração dessas ações para a esfera pessoal do profissional da área
da saúde, mais notadamente o médico e os estabelecimentos
privados que prestam essa assistência. As ações são das mais
variadas, com forte ênfase naquelas indenizatórias.
No Estado do Tocantins, que já se tornou um polo médico-
hospitalar da Região Norte, este cenário é latente e tem absorvido
uma pauta significativa da jurisdição. Daí o surgimento da
preocupação e dos estudos voltados exatamente para esse
panorama específico.
Dentro desse contexto e, preocupada com a matéria após um
trabalho de convencimento junto a Diretoria sobre a relevância de sua
implementação por seu atual presidente, Felippe Abu-Jamra Corrêa,
a OAB Tocantins criou em 2018 a CEDM (Comissão Especial de
Direito Médico) com o intuito de aprofundar os estudos sobre o tema
e estabelecer o diálogo entre os advogados que atuam (ou se
interessam) na área, a sociedade civil e a classe médica. A proposta
era inclusiva, fomentando a mais ampla participação de todos os
interessados.
Nesse viés e apesar de seu curto período de existência, a
Comissão organizou no âmbito da OAB-TO dois eventos de grande
adesão e repercussão nos meio jurídico e médico. No primeiro
evento, além de apresentação da Comissão, foram estabelecidas de
forma construtiva e participativa quais seriam seus objetivos de
5
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

trabalho, enquanto que o segundo, intitulado “I Mesa Redonda de


Debates sobre a Judicialização da Medicina”, teve como debatedores
advogados, membros do CRM-TO, do Sindicato dos Médicos do
Tocantins, médicos e membro do Ministério Público Estadual. Os
debates apresentaram altíssimo nível e reafirmaram a necessidade e
pertinência dos estudos voltados ao Direito Médico.
Como proposta derradeira da CEDM para o ano de 2018 se
projetou o lançamento de um livro que reunisse artigos sobre essa
temática. Esse projeto foi visto inicialmente com certa desconfiança
(não de forma pejorativa, mas pelo fôlego de trabalho que uma ideia
como essa demanda), mas aos poucos foi ganhando forma e,
principalmente, adesão de Autores de elevado nível de todo o Brasil.
Inclusive e como marca atual da OAB-TO, a obra não se
limita a autores advogados: a ideia é de um debate amplo,
multidisciplinar e de visões dos mais diversos profissionais, pois só
assim é possível um aprofundamento verdadeiro em relação ao tema
central.
Essa obra, portanto, é ponto alto do trabalho realizado pela
Comissão Especial de Direito Médico da OAB Tocantins, tratando de
temas dos mais caros e propondo a reflexão crítica de assuntos,
como a cirurgia plástica como obrigação de meio ou resultado, direito
de morrer e estado vegetativo permanente, mediação como forma de
prevenção e gestão de conflitos médicos, dever de informação ao
profissional médico, documentação médica e sua relevância,
espécies de responsabilidade dos profissionais médicos e
estabelecimentos de saúde; sendo esses apenas alguns deles, mas
todos altamente atuais e relevantes.
Com humildade, mas muito orgulho pelo trabalho realizado,
recomendamos a leitura dessa obra por todos aqueles profissionais
atuantes na área do Direito Médico (e também àqueles que estão
iniciando sua jornada nesse tema), estudantes, profissionais médicos,
enfim, todos aqueles que queiram um maior conhecimento sobre os
temas aqui tratados.
Ainda temos convicção de que a OAB-TO contribuiu
significativamente por meio do trabalho dessa Comissão (assim como
todas as demais) para o aprofundamento profícuo das discussões
atinentes, tendo ainda se aproximado da sociedade e da classe
médica, proximidade essa que constitui objetivo dos mais importantes
para essa Instituição. A OAB-TO que pretendemos, assume assim

6
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

seu papel protagonista de fomentadora do diálogo e reflexão com a


sociedade em temas de suma importância, cumprindo assim sua
missão constitucional de servir também a sociedade.
Boa leitura!

Walter Ohofugi Junior


Presidente da OAB-TO

7
APOIO INSTITUCIONAL:
AUTORES
(Em ordem alfabética)

ANA LUIZA MOURTHE DAHDAH


Advogada. Graduada no curso de Direito pelo UniCeub - Centro
Universitário de Brasília/DF.

ANALÚCIA TERRA PEIXOTO


Advogada – OAB/RS 69.242, Professora, Palestrante, Especialista
em Direito Médico pela Instituição Verbo Jurídico, Pós-graduada em
Direito Processual Civil pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural
(IDC), Assessora Jurídica da Associação Brasileira de Medicina
Estética (ABME)

CAROLINA SANTIM CÓTICA PINHEIRO


Mestra em Ciências da Saúde e Especialista em Gerontologia pela
UNB. Psicóloga Clínica e Organizacional e Docente na ULBRA.

CLARA DE SOUSA GUSTIN


Acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais e pesquisadora do Grupo de estudo e pesquisa em Bioética
(GEPBio).

CÍNTHIA AYRES HOLANDA


Advogada atuante na área de Direito Médico e Responsabilidade
Civil. Mestre em Direito e Gestão de Conflitos pela UNIFOR.
Especialista em Direito Médico pela Escola Paulista de Direito.
Habilitada em Mediação de Conflitos pela Universidade de
9
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Columbia, NY. Ex-Presidente da Comissão Especial de Direito à


Saúde da OAB-PI. PareceristaAd Hoc da Revista de Bioética do
Conselho Federal de Medicina. Professora nos cursos de Direito,
Medicina e Odontologia.

DEBORAH AZEVEDO DE PINHO


Pós-graduanda em Direito Público e Docência Universitária. Membro
da Comissão de Apoio ao Advogado em Início de Carreira e da
Comissão de Direito Médico da OAB/TO. Advogada.

DIOGO GONZALES JULIO


Advogado - OAB/SP 208.864, Professor, Palestrante, Especialista em
Direito da Medicina pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (UC), Pós-graduado em Direito Médico, Odontológico e
Hospitalar pela Escola Paulista de Direito (EPD), Especialista em
Direito do Cooperativismo pela Escola Superior de Advocacia (ESA) e
Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de
São Paulo (SESCOOP), Pós-graduado em Direito Processual Civil
pela Universidade Salesiana (Unisal), Graduado em Ciências
Jurídicas - Direito pela Universidade São Francisco (USF), Membro
da Comissão de Direito da Saúde da OAB Seção de São Paulo, 3ª
Subseção de Campinas/SP, Membro da Comissão Especial de
Direito do Cooperativismo da OAB Seção de São Paulo

FELIPPE ABU-JAMRA CORREA


Advogado atuante na área de Direito Médico e Responsabilidade
Civil. Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA.
Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito
Romeu Felipe Bacellar. Presidente da Comissão Especial de Direito
Médico da OAB/TO e membro da Comissão Especial de Direito
Médico e da Saúde do Conselho Federal da OAB. Professor nos
cursos de Direito e Medicina.

GRAZIELA TAVARES DE SOUZA REIS


Advogada domiciliada em Palmas (TO). Graduada pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Mestre em Direito pela Universidade

10
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Católica de Brasília (UCB). Professora na Universidade Federal do


Tocantins (UFT).

GUILHERME BORBA VIANNA


Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR. Especialista em
Direito Societário pela UFPR. Especialista em Direito Processual Civil
pelo IBEJ. Professor de Direito do Consumidor e de Direito
Empresarial na Faculdade de Educação Superior do Paraná -
FESPPR. Professor associado da BRASILCON. Advogado.

HILDEGARD TAGGESELL GIOSTRI


Advogada. Bioquímica. Mestre e Doutora em Direito das Relações
Sociais pela UFPR. Pós-graduada em Filosofia e Língua Portuguesa
pela PUC/PR. Docente e Pesquisadora da Universidade Estadual do
Norte do Paraná (UENP). Parecerista da Editora Mackenzie, da
Universidade Mackenzie de São Paulo/SP, na área de Direito Médico.
Consultora ad hoc da Universidade da Amazônia (UNAMA). Autora
de várias obras na área da Responsabilidade Médica, Odontológica e
Hospitalar.

IRAN JOHNATHAN S. OLIVEIRA


Doutor e Mestre em Psicologia e Especialista em Criminologia e
Ciências Criminais pela PUC/GO. Psicólogo e Docente na ULBRA e
UNIRG.

JULIMAR DOS SANTOS SOUSA


Advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB/MG, com
escritório profissional na cidade de Três Marias/MG, membro da
Comissão de Direito Médico da OAB/MG e da Associação dos
Escritórios de Defesa Médica (AEDM – www.aedm.com.br). Autor do
livro: ERRO MÉDICO: responsabilidade civil, fatores de
potencialização e reflexos sociais. Curitiba: Editora CRV, 2017.
Coautor do livro: DIREITO E MEDICINA EM DUETO. 1.ed. Belo
Horizonte: Coopmed, 2018.

11
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

LUCIANA DADALTO
Doutora em Ciências da Saúde pela faculdade de Medicina da
UFMG. Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. Sócia da Luciana
Dadalto Sociedade de Advogados. Professora do Centro Universitário
Newton Paiva. Coordenadora do Grupo de estudo e pesquisa em
Bioética (GEPBio). Administradora do portal
www.testamentovital.com.br.

LUCÍDIO BANDEIRA DOURADO


Promotor de Justiça do Estado do Tocantins.

MAYSA OLIVEIRA
Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Escola
Paulista de Direito de São Paulo. Advogada Criminalista.

OSVALDO PIRES G. SIMONELLI


Mestre em Ciências da Saúde pela Escola Paulista de
Medicina/Unifesp. Especialista em Direito Processual Civil e Direito
Público pela Escola Paulista da Magistratura/SP. Advogado do
Cremesp. Chefe do Departamento Jurídico do Cremesp (2005-2015).
Superintendente Jurídico do Cremesp (2016-2018). Coordenador de
Cursos e Professor na área do Direito Médico e da Saúde.

RODRIGO MAGNO DE MACEDO


Especialista em Direito Constitucional e Magistério Superior. Aluno de
Pós-Graduação na Universidade Federal de Buenos Aires – UBA,
para Doutorado em Direito Constitucional. Superintende de Assuntos
Jurídico da Saúde do Estado de Tocantins. Advogado e Professor
Universitário e de Pós-graduação.

SILVIO GUIDI
Advogado, mestre em direito administrativo pela PUC-SP

12
SUMÁRIO

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS MÉDICOS


NA ÁREA DA CIRURGIA PLÁSTICA E A PROBLEMÁTICA DO
USO DAS OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO ............... 17
Hildegard Taggesell Giostri

CONCEPÇÃO JURÍDICO MATERIAL E ASPECTOS


PROCESSUAIS DO DIREITO MÉDICO .......................................... 49
Lucídio Bandeira Dourado

DIREITO DE MORRER E ESTADO VEGETATIVO PERSISTENTE:


PERSPECTIVAS BIOÉTICAS E JURÍDICAS .................................. 58
Luciana Dadalto
Clara de Sousa Gustin

ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS SOBRE A


RESPONSABILIDADE MÉDICA E A TEORIA DO “MERO
ABORRECIMENTO TEM VALOR”: UMA ANÁLISE
CONTEMPORÂNEA PARA SE EVITAR A SUA EQUIVOCADA
APLICAÇÃO .................................................................................... 75
Graziela Tavares de Souza Reis

A RESPONSABILIDADE ÉTICO-COMPORTAMENTAL DO
MÉDICO ........................................................................................... 91
Osvaldo Pires G. Simonelli
13
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

O ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL


CONTRA HOSPITAL INTEGRANTE DA REDE PÚBLICA DE
SAÚDE (SUS) .................................................................................. 98
Guilherme Borba Vianna

COMUNICAÇÃO CONSTRUTIVA NA RELAÇÃO MÉDICO-


PACIENTE: O USO DA MEDIAÇÃO COMO FORMA DE
PREVENÇÃO E GESTÃO DE CONFLITOS MÉDICOS ................ 113
Cínthia Ayres Holanda

A DOCUMENTAÇÃO COMO ELEMENTO FUNDAMENTAL NA


DEFESA JUDICIAL MÉDICA ........................................................ 128
Felippe Abu-Jamra Corrêa

REGIME JURÍDICO E LEGITIMIDADE PASSIVA NAS AÇÕES DE


RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS CAUSADOS NA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE ................ 145
Silvio Guidi

A SÍNDROME DE BURNOUT COMO FATOR ATENUANTE NA


APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL CRIMINAL
E ÉTICA .......................................................................................... 165
Deborah Azevedo de Pinho
Maysa Oliveira
Iran Johnathan S. Oliveira
Carolina Santim Cótica Pinheiro

PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO – VIA DE MÃO DUPLA: DEVER DO


PROFISSIONAL E DIREITO DO PACIENTE
[CLIENTE/CONSUMIDOR] ............................................................ 179
Julimar dos Santos Sousa

14
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

PROTUÁRIO DO PACIENTE: UM DOSSIÊ DA CONDUTA


MÉDICA .......................................................................................... 197
Rodrigo Magno de Macedo

O MÉDICO E AS MÍDIAS SOCIAIS: UMA REALIDADE


IRREVERSÍVEL ............................................................................. 207
Analúcia Terra Peixoto
Diogo Gonzales Julio

O DEVER DE INFORMAÇÃO NA RELAÇÃO MÉDICO-


PACIENTE ...................................................................................... 214
Ana Luiza Mourthe Dahdah

15
A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS
MÉDICOS NA ÁREA DA CIRURGIA PLÁSTICA
E A PROBLEMÁTICA DO USO DAS OBRIGAÇÕES
DE MEIO E DE RESULTADO
Hildegard Taggesell Giostri 1

Até cortar os defeitos pode ser


perigoso, nunca se sabe qual o defeito
que sustenta nosso edifício interior.
Clarice Lispector

1 INTROITU
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a saúde
como sendo “um estado completo de bem estar físico, mental e
social” e não simplesmente a ausência de doença, como era o
entendimento anterior.
Essa nova e abrangente postura, por ser mais condizente
com a realidade, vai possibilitar uma releitura de alguns setores da
área médica, dentre os quais, destaca-se a cirurgia plástica.
Tal especialidade, algumas décadas atrás, era vista como
fruto de vaidade, até mesmo fútil, e motivo de crítica por parte da
própria sociedade. Ocorre que sendo a saúde um bem estar “físico,
mental e social”, é de se concluir que os defeitos físicos, sejam eles
aparentes ou não, adquiridos ou congênitos, reais ou imaginários,

1
Advogada. Bioquímica. Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais pela
UFPR. Pós-graduada em Filosofia e Língua Portuguesa pela PUC/PR. Docente e
Pesquisadora da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Parecerista
da Editora Mackenzie, da Universidade Mackenzie de São Paulo/SP, na área de
Direito Médico. Consultora ad hoc da Universidade da Amazônia (UNAMA). Autora
de várias obras na área da Responsabilidade Médica, Odontológica e Hospitalar.
17
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

possam vir, para alguns indivíduos, a constituir-se em um entrave


para este “bem estar”, de maneira abrangente, tal qual previu a OMS.
E bem estar, nada mais é do que estar bem. Bem consigo
mesmo e bem com seus pares. E isto inclui nossa aparência,
especialmente em uma época, quando a mídia se encarrega de
estereotipar um tipo padrão, representado pelos que são jovens,
bonitos e, de preferência, magros.
E é dentro desse novo status que a cirurgia plástica passou
de instrumento de “vaidade fútil” (para alguns), à importante função
de coadjuvante no equilíbrio psicológico do indivíduo, colaborando
para que o seu bem estar físico, mental e social se efetivasse.
Paralelamente, modificações se fizeram sentir no âmbito da
legislação e da conduta ética daqueles que exerciam tal
especialidade. Uma delas diz respeito à informação do paciente,
dado este que ganhou relevante importância, sendo que os
Consentimentos Informados, a partir de então, passaram a fazer
parte da rotina médica dos cirurgiões plásticos, podendo, inclusive,
caracterizar conduta negligente o fato de efetuar um procedimento
cirúrgico que não seja precedido da anuência expressa e esclarecida,
por escrito, do(a) paciente (ou de seu representante legal).
Por seu lado, as Associações de Classe dos cirurgiões
plásticos desencadearam um verdadeiro mutirão no sentido de
separar o médico – profissional qualificado com os devidos anos de
curso de especialização –, daqueles que, sendo apenas graduados
em Medicina, lançavam-se na seara da cirurgia plástica, como se
Especialistas fossem.
A prestação obrigacional do cirurgião plástico (dito estético),
também vem sofrendo sensível modificação, pois se antes era vista
por unanimidade como sendo uma “obrigação de resultado”, hoje esta
postura mostra-se apenas majoritária. Isto porque, para os estudiosos
da matéria é claro e óbvio que o local onde se desenrola uma cirurgia
plástica, seja ela de cunho estético ou reparador, não está
absolutamente livre do fator álea (imprevisibilidade), além do que, o
resultado final de um procedimento cirúrgico não depende só do
médico, mas também da participação pessoal do(a) paciente, com
os cuidados que só a ele(a) dizem respeito, bem como de sua
resposta orgânica, sendo que esta é única para cada ser humano.

18
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

O presente trabalho se propõe a apontar algumas mudanças


já colhidas no panorama jurídico (doutrinário e jurisprudencial), da
seara da cirurgia plástica, bem como traçar o perfil da extensão da
responsabilidade civil daqueles que exercem tal especialidade.

2 AS DUAS ÁREAS (TEÓRICAS) DA CIRURGIA PLÁSTICA


Por uma questão mais metodológica do que científica,
costuma-se dividir a seara da cirurgia plástica em cirurgia estética e
reparadora. Tal divisão, como se demonstrará na sequência, tem
perdido, cada vez mais, sua razão de ser, limitando-se apenas a
finalidades metodológico-pedagógicas.
Entretanto, antes de conceituar aquelas duas divisões,
necessário se faz definir o que seja a própria cirurgia plástica que,
segundo Magrini é uma

sub especialidade do ramo da Medicina de Cirurgia Geral, que tem por


finalidade modificar, reconstruir, reconstituir ou embelezar parte externa
do corpo, deformada por enfermidade, traumatismo, ou anomalia
congênita, reunindo o nobilíssimo ramo da medicina, que trata de
doenças por meio de cirurgia, com a beleza da arte de improvisar e
2
criar.

Por sua vez, a modalidade da cirurgia plástica, dita estética,


como o próprio nome indica, tem por finalidade aperfeiçoar a
aparência física do indivíduo, o que pode se efetivar pela busca de
um embelezamento maior, pela retirada de marcas do tempo ou de
sinais outros que possam perturbar o seu bem estar, e que, de
alguma maneira, colaboravam para alterar, em um sentido negativo, a
sua qualidade de vida.
As cirurgias plásticas estéticas são, também, conhecidas
pelas denominações tais quais: cosmética, embelezadora, estrutural
e, até, do equilíbrio psíquico. Esta última denominação, conforme é
possível concluir, está em consonância com a nova definição de
saúde dada pela OMS, e acima já mencionada.

2
MAGRINI, Rosana Jane. Médico – Cirurgia plástica reparadora e estética:
obrigação de meio ou de resultado para o cirurgião? In RT – 809, março de
2003, p. 138.
19
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Por seu lado, as cirurgias plásticas do tipo reparadora ou


reconstrutiva se destinam a corrigir defeitos congênitos ou adquiridos,
tais como aqueles resultantes de acidentes automobilísticos,
queimaduras, acidentes de trabalho e outros tipos de mutilações.
Todavia, a incongruência em insistir na dicotomia
estética/reparadora já se faz sentir a partir do momento em que se
conclui que se as cirurgias reparadoras têm uma finalidade
terapêutica, têm, contudo e igualmente, um cunho estético, vez que
nenhuma deformidade é agradável aos olhos.
Paralelamente, no caso das cirurgias ditas embelezadoras,
mesmo sendo o seu motivo principal o estético, não se pode ignorar
que há nelas um lado terapêutico, pois ninguém vai buscar modificar
algo com o qual está satisfeito. Uma insatisfação, ainda que subjetiva
e ou inaparente aos olhos dos outros, pode alterar, sensivelmente, o
estado de bem estar de uma pessoa.
E isso, a tal ponto pode vir a ser sério que o psiquiatra
francês, Dr. Benjamin Joseph Logré publicou um estudo sobre os
graus de desequilíbrio psicológico e comportamental que uma
deformidade física, ou uma alteração estética, podem trazer a uma
pessoa. Daí a justificativa para uma das denominações da cirurgia
plástica ser, também, a “cirurgia do equilíbrio psíquico”.
Segundo Logré, o hipocondríaco estético sente uma
preocupação exagerada e se inquieta, patologicamente, por uma
mínima imperfeição em seu corpo, ou por se achar fora dos cânones
da beleza convencional ou, ainda, porque pensa não fazer uma boa
presença, frente a seus pares, devido a um defeito mínimo que, aos
olhos de outros, pode até passar despercebido, mas que, para si,
torna-se intolerável, sendo, às vezes, até menos suportável que uma
3
grave enfermidade.
Destarte, não há como ignorar que uma cirurgia, ainda que
considerada como meramente estética, em um indivíduo com tais
características, teria um cunho preponderantemente terapêutico.
Mais ainda, impossível não concluir que o bem estar pessoal de cada
indivíduo, incluindo-se aí sua auto-estima, está em íntima correlação
com seu físico, com seu psiquismo e com a maneira como ele se

3
Apud BUERES, Alberto J. Responsabilidad civil de los médicos. Buenos Aires:
Ábaco, 1979, p. 37.
20
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

relaciona no seu meio social (reforçando, uma vez mais, o conceito


de saúde da OMS).
Corroborando a quase “imprestabilidade” da dicotomia
cirurgia plástica estética e reparadora, observe-se que já no ano
de 1997 o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP)
fez publicar a Resolução de nº 81/97 (DOE 19.06.1997), na qual, com
muita lógica, se lê que:

Art. 1º - A Cirurgia Plástica é especialidade única, indivisível e, como


tal, deve ser exercida por médicos devidamente qualificados, utilizando
técnicas habituais, reconhecidas cientificamente.

Retira-se do citado artigo três requisitos importantes: a) a


especialidade é única, portanto é irrelevante a dicotomia
estética/reparadora; b) os médicos que se propuserem a exercer tal
especialidade devem ter a respectiva qualificação, o que equivale
dizer Curso de Graduação em Medicina, seguido de uma Pós-
graduação com duração de cinco anos, sendo dois na área de
cirurgia geral e três em cirurgia plástica. Após o que deverão prestar
um exame junto ao seu órgão nacional de classe, a Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e, em sendo aprovados,
receberão o Certificado de Membro Titular daquela Sociedade, o que
deve ser homologado pelo Conselho Federal de Medicina; c) as
técnicas utilizadas pelos referidos profissionais devem ser
reconhecidas cientificamente, não sendo aceitas inovações de cunho
individual ou a título de experiência. Seu Certificado deve ser
registrado junto ao CRM do local onde vai exercer a especialidade da
cirurgia plástica.
Como consequência do consenso de que a cirurgia plástica é
“especialidade única e indivisível” a própria SBCP modificou sua
denominação, pois anteriormente se denominava Sociedade
Brasileira de Cirurgia Plástica Estética e Reparadora.
Se tal dicotomia não se justifica, menos ainda seria coerente
determinar que a cirurgia plástica reparadora insere-se em uma
obrigação de meio, enquanto a cirurgia plástica, dita estética, estaria
ligada a uma obrigação de resultado. O fato de a literatura jurídica
pátria dispor de quase nenhuma pesquisa acerca daqueles dois tipos
de obrigação, esgotando-se o tema apenas no seu conceito, gerou,
igualmente, a possibilidade de um uso inadequado, em especial no
21
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

que diz respeito à obrigação de resultado. Do que se tratará a


posteriori.
Um outro critério classificatório da cirurgia plástica,
encontrado em obras internacionais que se destinam ao estudo de tal
especialidade, costumam dividi-la considerando não só os quesitos
estético e reparador, mas, também, qual é a área do corpo envolvida
no procedimento, bem como as diferentes técnicas cirúrgicas a
serem aplicadas.
Assim, conforme García Sánchez, em relação aos
procedimentos cirúrgicos, de natureza estética, identificam-se as
seguintes classes de cirurgia plástica4:
a) as cirurgias que tratam do envelhecimento facial, ou
seja, aquelas que pretendem reparar ou diminuir as
alterações fisiológicas provadas pelo inevitável passar do
tempo. “Não tem por objeto deixar as pessoas feias mais
bonitas, mas, sim, satisfazer interesses de ordem
5
psíquica”.
b) as cirurgias que trabalham o contorno corporal, tais
como mama e abdômen. Tais procedimentos procuram
corrigir as alterações provocadas pela obesidade, pelas
variações hormonais ou por estados fisiológicos como a
gravidez. Têm por objeto “aumentar a auto-estima
do(a) paciente a fim de melhorar suas relações no
círculo familiar e social”.6
c) as cirurgias que se destinam à correção de desvios
congênitos da forma, e que afetam o comportamento
do indivíduo. Nestas se incluem as deformidades de
nariz, de orelhas, o pequeno volume de mamas e outros
problemas similares, cuja motivação é o benefício
psicológico.
d) as cirurgias sem finalidade reparadora, as quais
dizem respeito àquelas situações em que o indivíduo
apresenta características dentro de parâmetros normais
e, no entanto, deseja submeter-se à intervenção
4
GARCÍA SÁNCHES, Maria Del Carmen. Responsabilidad del cirujano estético. In
Responsabilidad Profesional. Dir. GHERSI, Carlos Alberto. Buenos Aires:
Editorial Astrea, 1998, p. 3.
5
GARCÍA SÁNCHEZ, op. cit., p. 3.
6
Ibidem, idem, p. 4.
22
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

cirúrgica. São casos normalmente não indicados pelo


cirurgião, por tratar-se de satisfazer apenas pequenos
caprichos, tais como elevar a ponta do nariz, modificar a
expressão dos olhos, elevar a linha das sobrancelhas,
dentre outros.
Conclui, então, a autora, ser evidente que no momento de
definir a responsabilidade do cirurgião plástico não se pode justificar
uma separação taxativa entre a cirurgia plástica estética e a
reparadora, porque “a cirurgia plástica é um todo e, em tal sentido,
deve seguir-se, preferentemente, um critério uniforme em todos os
casos geradores de responsabilidade”. 7

3 SOBRE AS OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO


Em uma pesquisa iniciada, por nós, na doutrina pátria, a partir
do ano de 1993, sobre a temática das obrigações de meio e de
resultado, com vista, já, para uma Tese de Doutoramento, foi possível
concluir que o tema, à época, se exauria em seu conceito,
abrangendo não mais que dois parágrafos. O que foi extremamente
preocupante.
Estendendo o estudo da casuística, observou-se que casos
semelhantes ou, ao menos, bastante próximos entre si, eram
julgados, nos diversos Estados brasileiros, ora como estando
inseridos em uma obrigação de meio, ora em uma obrigação de
resultado ou, ainda, em uma obrigação mista.
Impossível não concluir que um assunto sobre o qual há
pouca pesquisa e, consequentemente quase nada se escreve a
respeito, terá grande chance de ser mal interpretado e, o resultado
óbvio vai se efetivar no uso inadequado da obrigação de resultado,
em razão do desconhecimento da matéria, na sua essência e
conteúdo.
Quando o tema diz respeito à obrigação de meio, pouco ou
quase nenhum problema traz para os que dela se utilizam ao
caracterizar uma prestação obrigacional. Entretanto, o problema se
avoluma e se agiganta quando o assunto versa sobre a obrigação de
resultado. E a confusão já começa por aí, no seu próprio nome, o
vocábulo “resultado”, haja vista que as prestações obrigacionais,

7
GARCÍA SÁNCHEZ Ibidem, idem, p. 5.
23
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

inseridas neste tipo de obrigação, preveem um resultado final,


presumível e adredemente vinculado entre as partes. Não atingir tal
resultado significaria prestação não adimplida.
No entanto, quando se estende a pesquisa até os domínios
da doutrina do Direito Comparado, especialmente a francesa, a
espanhola e a argentina, é possível concluir, com preocupação, que
o tema não se exaure nessa simplista definição. Lamentavelmente,
tem sido ignorado por muitos, no Brasil (já que não consta da maioria
das definições que se tem acerca do tema), que em uma prestação
obrigacional que esteja inserida em uma “obrigação de resultado” o
elemento diligência (leia-se zelo, cuidado, dedicação, empenho), não
é levado em conta, caso a prestação não venha a ser adimplida. Mais
ainda, a referida obrigação destina-se, única e exclusivamente, a
searas onde não exista o fator “álea”, ou seja, o imprevisível, o
fortuito. O que também tem sido ignorado no Brasil, desde sempre.
E, aleatório, segundo informam os dicionários, é o que
depende de acontecimentos incertos, favoráveis ou não a um
determinado evento. Aliás, a História ensina que “aleatoriu”, no tempo
dos antigos romanos, era o nome dado à sala, ou casa,
especialmente consagrada aos jogos de azar. Algo totalmente
imprevisível...
Portanto, uma obrigação de resultado não é apenas e tão
somente aquela que caracteriza uma prestação obrigacional que visa
um resultado predeterminado. É também um tipo de obrigação que se
destina a searas onde não exista o fator álea e na qual a diligência
empregada pelo devedor de nada vale, já que o que importa é
apenas atingir o resultado avençado. Já é por tais razões que as
excludentes de responsabilidade, em caso de prestação obrigacional
inserida em uma obrigação de resultado não adimplida, se restringem
ao caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
É de se observar, então, que a segunda parte da definição da
mencionada obrigação (fator álea e diligência) é ignorada totalmente
na doutrina pátria. Tal feito, contudo, não seria problema se tal
obrigação não estivesse sendo inadequadamente usada para
caracterizar a prestação obrigacional de profissionais liberais, tais
quais, o cirurgião plástico (em cirurgias ditas “estéticas”), como já o
foi com o anestesiologista e, ainda o é, em algumas áreas, com o
cirurgião-dentista. O que é lamentável, pois especialmente nesta
última área (Odontologia), o paciente tem um papel importantíssimo,
a começar pela boa ou má higiene que vai ter com sua boca após um
24
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

tratamento dentário!!! Mas, em nome e uma “obrigação de resultado”,


o culpado vai ser sempre o profissional e injustiças ocorrerão, às
dezenas. O que tem alimentado a famigerada “indústria da
indenização por pseudo erro médico ou odontológico”!
Então, cabe indagar: a “obrigação de resultado brasileira” é
diferente das demais? Ela vale para searas infestadas pelo fator álea,
tal e qual o organismo humano? É ignorado, propositadamente, o
valor da diligência do profissional, ou tão somente é ignorado que a
obrigação de resultado tem essa característica? Ao ater-se tão
somente ao sentido do vocábulo “resultado” estar-se-ia a confundir ou
desvirtuar o que seja, realmente, uma obrigação de resultado? Já não
é sem tempo que este tipo de questionamento comece a ser levado a
sério e que respostas corretas éticas e sérias comecem a ser dadas a
tais indagações, ou injustiças continuaram a acontecer, por meio de
julgamentos baseados tão somente no vocábulo “resultado”, o que vai
frontalmente contra o que previu o criador desse tipo de obrigação,
nos idos de 1910, mas que ainda continua ignorado, até hoje no
Brasil!!!. ...
Se a diligência do devedor não deve ser levada em conta,
como entender o genial ensinamento do Prof. Orlando Gomes
quando escreveu: “A diligência constitui e exaure o objeto mesmo da
obrigação.”?8 Por óbvio que um melhor resultado nem sempre é
obtido, apesar da diligência do devedor. Mas ela – a diligência –, tem
que ser levada em conta, deve ser sopesada, em especial quando há
um outro co-participante no resultado final: – o paciente.
Há mais de 20 anos no estudo desta casuística, o que se tem
observado é que em nome desse “resultado”, e não de uma
prestação obrigacional inserida em uma “obrigação de resultado”,
muitos julgados têm enveredado pelo caminho do erro, o que, na
seara jurídica, significa o mesmo que “injustiça”
Uma das propostas desse trabalho é entender o que seja
realmente uma obrigação de resultado, seu uso e sua adequação. E
o primeiro passo para entendê-la é tomar conhecimento de quando e
porque ela surgiu.

8
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. São Paulo: Forense, 2004, p. 25.
25
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

4 REVISITANDO DEMOGUE: SEU PENSAMENTO E SUA ÉPOCA


O francês René Demogue é considerado o patrono da divisão
das obrigações, quanto ao seu conteúdo, em obrigação de meio e de
resultado. Conquanto vários autores reportem esse fato, a verdade é
que outros estudiosos, antes dele, já haviam abordado tal dicotomia,
tendo ela suas raízes no próprio Direito Romano. Contudo, Demogue
teve o grande mérito de pinçá-las do baú da história jurídica, e o fez
no momento oportuno.
Impossível entender o que se aponta como inadequação de
uso de uma obrigação de resultado, sem revisitar Demogue, sem
procurar palmilhar novamente a trajetória feita por ele, seu
pensamento arguto e as necessidades de sua época. E, uma boa
maneira de conhecer-se um homem, é fazê-lo por meio do
conhecimento de sua obra e de seu tempo.

5 RACIONALIDADE E ADEQUAÇÃO
Ensina Demogue, que a sobrevivência das normas relativas
às obrigações é mais aparente que real, e é a permanência enganosa
do direito formal que dissimula as mutações do direito vivo.9
Ora, sabe-se bem que a racionalidade equivale à adequação
de meios eficientes para alcançar determinados fins. Katie Argüello,
trabalhando sobre o referencial de Max Weber, faz um alerta para a
problemática da racionalidade formal e material do Direito.10
Informa, a autora, que Weber, enquanto sociólogo,
interessava-se em analisar a crescente racionalização referente às
diversas atividades humanas, comparando-as umas às outras e
buscando compreender o que advém como consequência da
racionalização destes comportamentos humanos. “Na esfera jurídica,
por exemplo ele (Weber) evidencia que a racionalização técnica
excessiva criou um abismo entre a lógica interna do sistema jurídico e
os seus destinatários”.11

9
DEMOGUE, René. Droit des Obligations. Paris: Arthur Rousseau, v. 1, 1923, p.
10. “Les survivances sont d’ailleurs plus apparentes que réelles et la permanence
trompeuse du droit formal dissimule ici les mutations du droit vivant”.
10
ARGÜELLO, Katie. O Ícaro da modernidade. Direito e política em Max Weber.
São Paulo: Acadêmica, 1997, p. 151.
11
ARGÜELLO, p. 151.
26
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Demogue, por sua vez, explica que a obrigação supõe, como


12
primeiro elemento, um liame de direito, sendo que todo o direito
13
comporta um limite na vontade do obrigado, até porque o direito não
é uma força indefinida: ele tem suas gradações. 14

6 A OBRIGAÇÃO E A OBJETIVIDADE DO LIAME OBRIGACIONAL


NA VISÃO DE DEMOGUE
Então, não há como não questionar até que ponto a
racionalização do direito formal pode dificultar a eficácia e o bom
andamento do direito material.
Sabe-se que toda obrigação tem por objeto uma prestação, à
qual corresponde uma ação do devedor em relação ao credor. Esta
prestação tem um conteúdo, que é o objeto mediato da obrigação;
contudo, este objeto pode ser extremamente variável.15
Do que resulta que não só a obrigação do lado ativo pode
sofrer uma modificação, quanto aquela do lado do credor. Ou seja, a
vontade do devedor pode, por si mesma, criar uma obrigação, o
mesmo ocorrendo com a vontade do credor. Pode-se, então, daí
concluir algo mais: existe a possibilidade de ocorrência de uma
obrigação – indeterminada – a se inserir no seio da obrigação
16
predeterminada.

12
“L’obligation suppose commme premier élement un lien de droit, le mot étant pris
bien entendu dans un sens figuré”.DEMOGUE, op. cit., p. 10.
13
“Tout droit comporte une limite dans la volonté de l’obligé”. Ibid., p. 11
14
“Le droit n’est pas une force indefinie. Il y a des questions de degré”. Ibid., p. 12.
15
“Toute obligation a pour objet une prestation, c’est-à-dire une action du débiteur
envers le créancier. Cette prestation a elle-même un contenu qui est l’objet médiat
de l’obligation. Ce contenu peut être très varié”. Ibid., p. 15.
16
Vertendo esta situação para o campo médico, vê-se que não é incomum o
profissional ter que assumir uma responsabilidade maior, ou diferente da
inicialmente contratada, devido ao paciente não ter cumprido a sua parte no
contrato, favorecendo, em razão disso, o aparecimento de sequelas, passando a
necessitar que um outro tratamento de desenvolva com base na nova patologia,
representada por aquela sequela. Ou, ainda, pode surgir uma sequela por conta da
iatrogenia, que é um distúrbio ou doença provocada pelo médico, sem culpa, e que
pode ocorrer durante ou após tratamentos prescritos, sejam eles clínicos ou
cirúrgicos.
27
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

7 A OBRIGAÇÃO DE RESULTADO NA VISÃO DE DEMOGUE


A publicação da volumosa obra do autor sobre a temática das
obrigações deu-se a partir de 1923, prolongando-se até 1933.
Todavia, suas reflexões e estudo sobre a dicotomia das obrigações,
quanto ao conteúdo, data de uma ou duas décadas anteriores. Por tal
razão, vários autores assinalam esse evento dentro de um espaço
temporal intermediário, como sendo o ano de 1920.
E essa data é importante, pois a grande vedete do momento
era a “nascente indústria automobilística”, cuja produção além de
aumentar imprevista e sensivelmente o número dos veículos a
trafegar nas vias, ainda lhes conferia a possibilidade de atingir uma
velocidade cada vez maior.
Se o convívio com uma pluralidade sem-fim de marcas de
automóveis, cada vez mais velozes e competitivos, faz parte do
nosso dia-a-dia – a ponto de ser difícil imaginar um mundo sem
automóveis –, é de se perguntar, então, como eram as ruas e
estradas de 1900, já que projetadas para carruagens, carroças,
cavalos, bicicletas (estas últimas já trafegavam desde 1839), e
pedestres. Como era a sinalização, se é que havia? Como se
resolviam os pequenos, médios e grandes problemas advindos com o
surgimento de uma máquina tão espetacular como os automóveis?
Por óbvio que o mundo jurídico daquela nova era viu-se,
consequentemente, impulsionado e, mesmo, pressionado a dar sua
colaboração frente à ampla gama de problemas que teve seu
nascedouro com o advento daquela “nova e prodigiosa máquina”.
E é nesse momento que entram em cena Demogue e a “sua”
obrigação de resultado: – ele vai concluir que tal categoria se presta
admiravelmente bem para caracterizar aquele “novo tipo de prestação
obrigacional”, representado pelo “trabalho do transportador de
pessoas, de coisas e de mercadorias”. Entendeu o brilhante jurista
francês que transportar aqueles elementos se constituiria em uma
“prestação com resultado predeterminado”, na qual “só interessava o
adimplemento final e acabado, em acordância total com o que fora
avençado previamente”. E foi para tal finalidade que Demogue criou a
sua “obrigação de resultado”.
Aquelas áreas (transporte de pessoas e de bens) são
consideradas como ausentes de fator álea e, em caso de dano, só se
isentaria o devedor, mediante prova de ocorrência de caso fortuito ou

28
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

força maior (ou ainda, por exclusiva culpa do pretenso lesado). A


diligência, portanto, não era levada em conta.
E, conforme é sabido, no ramo dos transportes não há lugar
para subjetividade: se um passageiro embarca em determinado local
com a finalidade de se dirigir a outro, ele deverá chegar lá são e
salvo. Quando uma determinada mercadoria é enviada, ela deve
chegar ao, seu destinatário, íntegra e em tempo hábil. Qualquer
irregularidade ou intercorrência havida entre o avençado e o resultado
final, certo e predeterminado, será de inteira responsabilidade do
transportador, só se eximindo ele mediante a prova de ocorrência de
caso fortuito ou força maior ou, ainda, pela direta “participação do
credor no resultado nefasto”.

8 A RACIONALIZAÇÃO E O ELEMENTO ÁLEA


Se a racionalização, conforme mencionado anteriormente, é,
entre outras coisas, a adequação dos meios eficientes para alcançar
determinados fins, então é possível concluir que Demogue foi
extremamente racional quando se utilizou do elemento álea para
diferenciar uma obrigação de cunho predeterminado, distinta daquela
cujo resultado não poderia ser previsível.
No seu entender, cabia ao transportador de pessoas, coisas e
mercadorias recebê-las e entregá-las sãs, salvas e íntegras, no lugar
previamente avençado, só se eximindo de responsabilidade por conta
de elementos poderosos, tais quais o caso fortuito, a força maior ou a
própria intervenção do interessado.
Quanto à obrigação de meio, destinou-a, racionalmente, a
caracterizar o trabalho médico. E, este, só se obrigaria à obtenção de
um resultado predeterminado quando se comprometesse a tanto.
Reportando-nos a Weber, parece ser possível concluir que a
excessiva racionalização técnica do direito formal e sua necessidade
de colocar tudo em estruturas pré-moldadas e estanques acabaram
por inserir a prestação obrigacional do cirurgião plástico estético em
uma “moldura inadequada”, o que, além de criar um abismo entre a
lógica interna do sistema jurídico e os seus destinatários, ainda
favorece a criação de um tipo de injustiça maquiada, vestida e

29
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

produzida como se Themis17 fosse, mas que não passa de um fac


simile.
O Direito deve esposar o fato social, conforme ensinava
Ihering. E o faz. Todavia, o faz com lentidão. Então, há que
questionar se a falta de uma categoria especificamente adequada
para caracterizar a nova prestação obrigacional surgida com as
Especialidades da anestesiologia e da cirurgia plástica, dita estética,
não teria levado juristas e julgadores a se servirem de uma
modalidade de categoria jurídica não adequada, de todo, para
caracterizá-las, mas que foi usada na falta de outra mais apropriada?

9 CASO CONCRETO: INADEQUAÇÃO DO USO DA OBRIGAÇÃO


DE RESULTADO
Parece que o tempo tem demonstrado que aquele uso pode
se mostrar não só inadequado como, também, favorecer algum tipo
de injustiça. À guisa de demonstrativo prático, aponta-se o contido em
um caso concreto. Veja-se o julgado a seguir e analise-se o caso ao
qual ele se refere:

CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO E NÃO DE


MEIOS. O médico que se propõe a realizar melhoria estética da
paciente, mediante cirurgia plástica do abdômen, se obriga a produzir
resultado favorável à contratante e não danos. Desvantagem estética e
cicatriz hipertrófica, serosidade e hematoma resultantes da cirurgia, no
18
caso, devem ter indenização devida. [...].

O fato que deu origem à lide diz respeito a uma paciente


obesa (43 anos e 88 quilos), apresentando abdômen em avental, com
dobras sobre o monte de Vênus e mais hérnia umbilical, e que se
submeteu à cirurgia de abdominoplastia. Devido, provavelmente, ao
meio onde se desenvolveu o procedimento cirúrgico, ocorreram

17
Themis, deusa da Justiça.
18
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Acórdão. Ap. cív. 6.348/92. 4 CC. Rel. Des.
Décio Xavier Gama. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. J. 25.03.93. Cópia de
doc. original.
30
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

hematoma, seroma19 e abscesso na cicatriz, deixando-a com


“aparência feia após a cirurgia”, conforme relato do corpo do acórdão.
Interessante frisar que tanto o laudo do Perito, quanto o do
Assistente Técnico da própria Autora, foram unânimes em afirmar que
tal intercorrência não se deveu à negligência ou imprudência da
paciente, nos seus cuidados durante o pós-operatório, bem como não
ficou evidenciada prova alguma de ocorrência de “erro médico”, ou
mesmo “negligência” por parte do profissional. (!)
É importante lembrar que a Medicina, até os dias de hoje,
ainda não tem explicação científica convincente e esclarecedora para
a formação de queloides, bem como de alguns tipos de cicatrizes
20
hipertróficas (ambas são cicatrizes em cordão) . Sabe-se apenas
que este tipo de cicatrização anormal e antiestética (queloide), tem
relação com a carga genética das pessoas da raça negra e amarela,
ocorrendo também em mulatos e morenos. E o interessante é que tal
fenômeno pode ocorrer ou não, portanto não é um dado absoluto. E,
assim sendo, o médico não tem como prevê-lo, E nem como evitá-lo.
A intervenção acima relatada, por ter sido feita por cirurgião
plástico, e por entenderem os julgadores estar ela inserida na área
estética – portanto, para eles, caracterizando obrigação de resultado
–, foi o bastante e suficiente para que o médico operador fosse
considerado culpado e condenado a ressarcir o equivalente à nova
cirurgia para correção da cicatriz hipertrófica remanescente (o que,
diga-se de passagem, é o mínimo se comparado a todos os
dissabores e prejuízos financeiros e morais que vêm atrelados a um
21
processo judicial).

19
“Seroma: líquido segregado e contido nas cavidades serosas. Líquido semelhante
ao soro. Serosa: membrana cuja forma lembra um saco e que segrega serosidade
em sua face interna, facilitando o deslizamento de órgão contidos em seu interior”.
Dicionário Aurélio Eletrônico.
20
“As cicatrizes hipertróficas se caracterizam pela elevação e espessura, ficando nos
limites do ferimento inicial e frequentemente regridem espontaneamente. Por sua
vez, o quelóide é uma cicatriz espessa e elevada, que ultrapassa os limites do
ferimento inicial e raramente regride (Peacock e cols., 1970). Ambos apresentam
abundante depósito de colágeno, quer por aumento de sua síntese, quer por
redução de sua degradação ou pelos dois mecanismos”. CORRÊA NETTO, Alípio.
Clínica Cirúrgica. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Sarvier, 1988, p. 148-9.
21
Em obra recente, lê-se o seguinte comentário ao caso do acórdão acima citado: “A
tal ponto chegam a inadequação e a injustiça de classificar como sendo de
resultado a prestação obrigacional em determinadas searas da área médica, que
tal fato possibilita situações nas quais o médico passa a ser considerado culpado
por um resultado que só se deveu ao DNA de sua paciente (como no caso em
31
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Os compêndios de Medicina, por sua vez, ensinam e alertam


para o tipo de ocorrência como aquela apresentada pela paciente do
caso em comento, ou seja, a pessoa obesa está incluída no risco dos
seromas, das necroses e das cicatrizes hipertróficas22, sem que isto
venha, necessariamente, a se caracterizar como “erro médico”.
Depende da resposta do organismo e, esta, como se sabe, é
diferente para cada caso. Portanto, é aleatória. Todavia, em nome de
uma “obrigação de resultado” (usada de maneira errada), até o que
a ciência ensina, e fatos para os quais ela alerta, parecem perder o
valor. É como se a Medicina se transformasse em ciência exata e
como se o corpo humano fosse feito de argila, substância inerte,
amorfa e sem vida. A respeito da cirurgia acima mencionada, veja-se
a informação seguinte:

De aparência simples, as plásticas de abdômen são, no nosso


entender, as que maior frequência de complicações apresentam. Ao
lado de resultados estéticos desagradáveis, as mais comuns são os
seromas (de grande ou pequeno volume); as deiscências e as
necroses cutâneas (de marginais a grandes perdas); infecções;
23
cicatrizes hipertróficas e queloideanas.

Portanto, o quadro apresentado pela paciente estava


fisiologicamente inserido nas possibilidades consideradas como
possíveis, ficando na dependência da resposta orgânica de cada
indivíduo. Observe-se que não se tratava de um “erro médico”, mas
assim foi considerado por conta de uma ”obrigação de resultado”.

tela). Não houve deformidade, não houve interferência na vida laborativa da


paciente; pelo contrário: ela deve ter se sentido muito melhor depois de livrar-se de
uma tal carga adiposa. Todavia, um médico foi processado porque uma cicatriz se
formou de maneira irregular, sem que ninguém concluísse – nem da parte contrária
– que o médico tivesse exercitado sua arte com imperícia, imprudência ou
negligência. Quer dizer: não houve culpa, não houve erro; contudo, uma vez mais,
por conta de um conceito utilizado maneira errônea, alguém foi considerado
culpado... Caracterização: Culpa não configurada. Processo de cicatrização
comprometido pela resposta orgânica da paciente. Condenação injusta advinda de
uso errôneo e inadequado de conceito jurídico”. GIOSTRI, Hildegard Taggesell.
Erro médico à luz da jurisprudência comentada. 2. ed. rev. atual. e ampl.
Curitiba: Juruá, 2004, p. 151.
23
AVELAR, Juarez M. Ensino da cirurgia plástica nas Faculdades de Medicina.
São Paulo: Hipócrates, 1994, p. 172.
32
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Foi dito que a paciente apresentou formação de seroma, que


é normalmente encontradiço no pós-cirúrgico de pessoas obesas, já
que uma grande extensão de pele é removida nestes casos. Portanto,
nem se tratava de álea (imprevisibilidade)”, pois o fato já era
previsível. Mas, repete-se: foi considerado “erro médico” em nome
de uma “obrigação de resultado”.
Frise-se que o próprio laudo pericial não encontrou
negligência por parte da paciente em seus cuidados pessoais no pós-
operatório, bem como não registrou imperícia, imprudência ou
negligência da parte do médico no pré, per e pós-operatório. Tratava-
se de uma complicação prevista e, como tal, ocorreu. E, novamente,
em nome de uma “obrigação de resultado” o médico foi condenado.
Ou seja, todo o acontecido com a paciente já estava
cientificamente previsto, independentemente de haver ou não
constatação de “erro médico”. E no caso, não houve. Contudo, como
é possível concluir, em nome de uma “obrigação de resultado”, o
cientificamente previsto como possível de acontecer transforma-se
em “culpa” de um profissional, culpa esta, passível de ressarcimento
indenizatório. É a sucumbência do racionalismo. É o holocausto do
conhecimento científico sacrificado no altar de uma obrigação de
resultado, utilizada de maneira inadequada e indevida, por falta de
conhecimento para o quê, onde e quando aquele tipo de obrigação
deve ser usada.

10 A VALORIZAÇÃO DA ÁLEA NO DIREITO COMPARADO


Conquanto no século XXI, no Brasil, a maioria dos julgadores
e dos autores que produzem doutrina jurídica ainda esteja apegada à
ideia de que a prestação obrigacional do cirurgião plástico, dito
estético, do odontólogo e do anestesiologista se encontra inserida em
uma obrigação de resultado (o que demonstra desatualização na área
jurídica e desconhecimento na área biológica), vê-se que em países
onde a matéria foi, e ainda é, motivo de constante e séria pesquisa,
essa postura já está há muito superada.
É de se observar que no ano de 1962, Henri Lalou já
ensinava que

33
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

cada vez que o resultado buscado pelas partes é tido por elas como
aleatório, a obrigação é uma simples obrigação geral de prudência e
diligência (meio); se este resultado é, ao contrário, considerado como
possível de ser alcançado sem álea, então a obrigação é determinada
24
(resultado).

A confusão entre o vocábulo “resultado” e a própria entidade


jurídica da “obrigação de resultado” (confusão esta que, a nosso ver,
é a maior responsável pela inadequação do uso desta última em
nosso País, no momento de caracterizar a prestação obrigacional dos
profissionais já mencionados), também foi motivo de preocupação
para os irmãos Mazeaud. Estes, preocupados com a má
interpretação que poderia ser gerada pela amplitude do vocábulo
“resultado”, propuseram, no ano de 1947, que a divisão das
obrigações, quanto ao conteúdo, se denominasse “obrigação geral
de prudência e diligência” (equivalente à obrigação de meio) e
“obrigação determinada” (equivalente à obrigação de resultado).
Frise-se que estas duas denominações de obrigação pertenciam ao
Direito Romano antigo.
De acordo com o entendimento dos irmãos Mazeaud,

a crítica se destina mais à terminologia da qual se serviu Demogue do


que à classificação propriamente dita. Ela toma o termo ‘resultado’ no
sentido de prestação devida, mas a natureza desta prestação é bem
diferente, segundo ela deva atingir um resultado determinado, ou
25
somente deva tentar atingi-lo através de conduta prudente e diligente.

24
LALOU, Henri. Traité pratique de la responsabilité civile. 6 éd. Paris: Sirey,
1962, p. 279, v. 1. “Chaque fois que le résultat cherché par les parties est envisagé
par elles comme aleatoire, l’obligation est une simple obligation générale de
prudence et de diligence; si ce résultat est au contraire consideré comme devent
être atteint sans aléa, l’obligation est determinée”. Observar que no texto, a
“obrigação geral de prudência e diligência” refere-se à obrigação de meio,
enquanto que a “obrigação determinada” é o mesmo que obrigação de resultado,
conforme nomenclatura dada pelos irmãos Mazeaud, em 1947, em acordância com
o antigo Direito Romano.
25
MAZEAUD et MAZEAUD. Traité théorique et pratique de la responsabilité
civile. 4 éd. Paris: Sirey, 1947, p. 110, v. 1. “Parreille critique s’adresse plus à la
terminolgie dont s’est servi Demogue, qu’à la classification elle-même. Elle prend le
term ‘résultat’ dans le sens de prestation due, mais la nature de cette prestation est
bien différente selon qu’elle est de parvenir à un résultat determiné, ou seulement
d’essayer d’y parvenir par une conduite prudente et diligente”.
34
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

A divisão de Demogue (obrigação de meio e de resultado) foi


26
também criticada por Esmein, pois no seu entender toda obrigação
27
tem por objeto um certo resultado. Por sua vez, Henri Mazeaud
discordou do enfoque dado por Esmein pois, segundo ele, naquela
divisão a distinção repousa sobre o caráter determinado da prestação
ou do fim visado. Assim, quando o fim último depender de uma álea,
a obrigação é apenas de meio; se não depender, será de resultado.
Ainda no ano de 1962, Henri Lalou, determinando com
clareza a distinção entre as duas obrigações informou que “assim, o
médico está adstrito a uma obrigação de meio, ao contrário de uma
empresa de transporte, cuja obrigação é de resultado”.28
Em 1977, Jean Penneau escreveu uma frase lapidar a
respeito do assunto. Assim se expressou ele:

A jurisprudência admitiu, ainda que com uma certa hesitação, que a


obrigação do cirurgião estético não era, fundamentalmente, diferente
da obrigação de qualquer outro cirurgião, em virtude da álea inerente a
29
todo ato cirúrgico.

Quinze anos depois, este mesmo autor assim se expressou:

Alguns atos médicos têm dado lugar, sob este ponto de vista, a
algumas hesitações. Foi assim com a cirurgia estética, mas ela
permanece submetida ao regime das obrigações de meios, por estar
30
inserida, fundamentalmente, na álea de todo ato cirúrgico.

Ou seja, os próprios franceses, pioneiros do estudo da


responsabilidade médica, também tiveram sua fase de “hesitação”
sobre estar a prestação obrigacional do cirurgião plástico inserida, ou
não, em uma obrigação de resultado. Mas na década de setenta, do

26
Apud LALOU, op. cit., p. 279.
27
MAZEAUD, Henri. Essai de classification des obligations. In Revue Trimestrielle
de Droit Civil. Paris: Sirey, t. 35, p. 24.
28
LALOU, op. cit., p. 279. “Ainsi, le médecin n’est tenu que d’une obligation de
moyen; au contraire le transporteur, d’une obligation de résultat”.
29
PENNEAU, Jean. La responsabilité médicale. Paris: Sirey, 1977, p. 35.
30
PENNEAU, Jean. La responsabilité du médecin. Paris: Dalloz, 1992, p. 9.
35
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

século passado, essa controvérsia não mais representava dúvidas


para eles.
No vizinho país argentino, o jurista Luis O. Andorno assim se
expressou sobre o assunto em tela:

Se bem que tenhamos participado durante algum tempo deste critério


de colocar a cirurgia plástica no campo das obrigações de resultado,
um exame meditado e profundo da questão levou-nos à conclusão de
que resulta mais adequado não fazer distinções a respeito, situando
também a cirurgia estética no âmbito das obrigações de meios, isto é,
no campo das obrigações gerais de prudência e diligência.

Após comentar sobre a imprevisibilidade do comportamento


da pele humana, um dado de elevada importância na seara da
cirurgia plástica, aduz ele que toda a intervenção no corpo humano é
aleatória, postura seguida pela doutrina e jurisprudência francesas.
Para, então, concluir:

A nosso juízo, o cirurgião plástico não está obrigado a obter um


resultado satisfatório para o cliente, mas somente a empregar todas as
técnicas e meios adequados, conforme o estado atual da ciência, para
31
o melhor resultado da intervenção solicitada pelo paciente.

E quanto a nós? Num atestado incontroverso de


desatualização jurídica e de desconhecimento da fisiologia humana,
continuamos (a maioria da doutrina e dos julgados) a afirmar que se
trata de uma obrigação de resultado a prestação daquele profissional.
Não satisfeitos ainda com tal inadequação, vamos mais longe em
nosso erro e ainda inserimos neste tipo de prestação obrigacional os
odontólogos e os anestesiologistas. Então, não há como não
questionar: – quantas décadas serão ainda necessárias para que
este lastimável equívoco seja eliminado de nossa corrente
jurisprudencial e de nossa doutrina? E, enquanto isso não acontecer,
quantas injustiças ainda ocorrerão por conta de tal postura??? 32

31
ANDORNO, Luís O. La responsabilidad civil médica. AJURIS 59/224-235.
32
Recentemente um cirurgião plástico foi condenado a pagar boa soma a uma
paciente, que portava mamas gigantes e diferentes entre si e que após a cirurgia
desenvolveu um nódulo cicatricial (fibrose) em uma das mamas, o que lhe causava
36
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

11 A NECESSÁRIA MUDANÇA NO PENSAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO: O INÍCIO
Demonstrado o pensamento alienígena, frontalmente
favorável ao uso da obrigação de meio para caracterizar a prestação
obrigacional do cirurgião plástico, dito estético, bem assim apontados
e exemplificados os lamentáveis erros advindos da inadequação de
uso de uma obrigação de resultado, indicar-se-á, a seguir, que já
existe uma tênue luz no fim do túnel, representada por aqueles que
buscam na pesquisa e no estudo, em especial no Direito Comparado,
uma maior atualização do conhecimento jurídico.
No ano de 1990, o Desembargador Sylvio Capanema, já
vislumbrando a inadequação de uso da obrigação de resultado para
caracterizar a prestação obrigacional do cirurgião plástico, assim se
expressou:

Não nos parece, data venia, que se possa classificar uma cirurgia, e
nesse plano as cirurgias plásticas se equiparam às de qualquer outra
espécie, de obrigação de resultado, porque, como se sabe, quando se
trata de mexer com a fisiologia humana, além da técnica empregada
pelo médico, havida no conhecimento científico, há sempre um outro
componente que o homem, frágil e impotente diante do desconhecido,
chama de imprevisível. Então, ninguém pode se obrigar pela realização
plena de uma tarefa que em parte, ou até em grande parte, está fora
dos limites de atuação ou deliberação... Rio de Janeiro. Tribunal de
Justiça. Ac. Apel. nº 1.329/90. Rel. Des. Carpena Amorin. J. 6 nov.
1990.

dor e desconforto, tendo que se submeter, posteriormente, a uma pequena


intervenção para a retirada daquele nódulo, que nada mais era do que uma
resposta orgânica não ideal na formação da cicatriz. Com laudo pericial totalmente
favorável e exame demonstrando tratar-se de fibrose, a improcedência da ação, em
sentença de 1º grau, foi reformada por entenderem os julgadores que se tratava de
cirurgia estética (que não era, e sim reparadora) e obrigação de resultado (um erro
lastimável). De nada adiantaram os informes biológicos sobre como se forma uma
fibrose. De nada adiantou informar que a segunda cirurgia não se destinou a
corrigir a primeira e, sim, a retirar o tumor formado pela fibrose. Em nome de uma
“obrigação de resultado” todas as informações científicas foram jogadas às hienas,
como se material morto fosse. Então, aqui, não há que se falar em “erro médico”,
mas sim, em “erro de magistrado”. Faltou conhecimento jurídico sobre o que seja
uma obrigação de resultado, pois ignoraram o fator álea, representado pela
fibrose. Faltou conhecimento médico sobre o que é uma cirurgia reparadora, e
faltou conhecimento biológico sobre como se forma um tecido cicatricial
anômalo, uma resposta que só tem a ver com o organismo da paciente. Talvez
tenha faltado, também, humildade para reconhecer a necessidade de um estudo
continuado para assegurar um conhecimento atualizado.
37
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

E, na continuidade, preleciona o mesmo Desembargador:

nenhum médico seria capaz de afirmar que uma cirurgia tem 100% de
possibilidade de êxito e 0% de insucesso... Sintetizando: não há
cirurgias sem risco. Portanto, conceituar-se o trabalho médico como
obrigação de resultado, mesmo na cirurgia plástica embelezadora, é
algo que está em contradição com a própria natureza das coisas. Apel.
1.390/90.

No ano de 1996, foi defendida (e aprovada com a nota


máxima) uma Dissertação de Mestrado na Universidade Federal do
Paraná, sob o título “Obrigação de meio e de resultado na
33
responsabilidade civil do médico”, a qual trazia em seu cerne uma
análise sistemática sobre a inadequação de considerar como sendo
de resultado a prestação obrigacional do cirurgião plástico (ainda à
época cognominado de “estético”).
Curiosamente, apenas dois anos depois, em uma Apelação
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e antes mesmo de ser
publicada, a referida Dissertação serviu de embasamento para um
voto vencido, o qual deu origem aos Embargos Infringentes que,
acolhidos, resultaram na improcedência do pleito de indenização em
desfavor de uma cirurgiã plástica. Foram utilizadas cinco páginas, na
íntegra, da citada Dissertação para reforçar a tese da inadequação do
uso da obrigação de resultado para a cirurgia plástica estética,
34
em razão da presença do fator álea. E este foi um dos julgados
pioneiros no Brasil a reconhecer, de maneira ainda inédita neste país,
como sendo de meio a prestação obrigacional do cirurgião plástico na
área dos procedimentos ditos estéticos.
O Acórdão final – um dos poucos existentes no Brasil que se
refere à cirurgia estética como sendo obrigação de meio – ficou assim
elaborado:

33
BRASIL. UFPR. Dep. de Ciências Jurídicas. Dissertação de Mestrado: Obrigação
de meio e de resultado na responsabilidade civil do médico. GIOSTRI, Hildegard
Taggesell. Defendida em 05.11.96. Publicados os principais excertos pela Editora
Juruá, Curitiba/PR, em 1998, sob o título Erro médico à luz da jurisprudência
comentada. A 2ª edição, revista, atualizada e ampliada foi publicada pela mesma
editora em junho de 2004.
34
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apel. Cível nº 863/98. Julg. Em
06.06.98. Voto vencido da autoria do Des. Roberto Wilder.
38
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Ementa: Cirurgia embelezadora. Se o cirurgião efetuou seu trabalho


fazendo tudo que estava ao seu alcance e ainda assim o resultado não
foi o esperado pela paciente, não pode disso gerar a presunção de
culpa do cirurgião. Inaceitabilidade da tese de que se trata de
obrigação de resultado, pois que se trata de obrigação cujo
cumprimento se desenvolve em zona aleatória como é o corpo
humano. A responsabilização resultaria, então, da verificação de um
erro médico e aí esse erro deverá ser demonstrado. Acolhimento dos
primeiros embargos infringentes para julgar improcedente o pedido da
35
inicial.

Também, sobre a inadequação do uso da obrigação de


resultado, assim se pronunciou o Ministro Carlos Alberto Direito, em
palestra proferida no 3º Seminário da Câmara Técnica de Cirurgia
Plástica, com base no Direito Comparado, citado pelo Des. Roberto
Wider:

para concluir, em relação à rigidez pretoriana em estabelecer sem


questionamentos a natureza da obrigação do cirurgião plástico, na
cirurgia embelezadora ou estética, sempre, como sendo de resultado,
sem levar em conta o fator álea existente em todos os processos
invasivos do organismo humano, com ênfase que: ‘O que não se pode
admitir é a repetição, a meu ver, de um standard jurisprudencial que
está em desalinho com a realidade mais moderna dos avanços da
36
ciência médica e da ciência jurídica’.

E, na continuidade, o mesmo Des. Roberto Wider cita as


palavras do Des. Sylvio Capanema, proferida no referido Simpósio, e
que assim se prelecionou:

[...] hoje não se deve mais fazer esta distinção, primeiro porque não há
nenhum texto legal que o afirme, quer dizer, essa posição doutrinária e
jurisprudencial não se arrima em nenhum dispositivo legal, quer dizer,
nunca houve nenhuma lei que dissesse que cirurgia plástica é
obrigação de resultado. Isso é uma construção pretoriana e
37
doutrinária.

35
BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 7ª Grupo de Câmaras Cíveis. Emb.
Infring. nº 180/98. Rel.: Des. Ruyz Athaide Ancântara Carvalho. Embargante:
Wanda Elizabeth Massieri Correa. Embargada: Arine Maria Daumas Teixeira.
36
In Apel. Cív. citada, nº 863/98. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Voto vencido
do Des. Roberto Wider, p. 76.
37
Ibiden, idem, p. 277.
39
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

No ano de 1997, Nestor José Forster assim prelecionou:

A cirurgia estética ocorre, sempre, no ambiente biológico do corpo


humano, mesma área onde se processam os demais atos médicos.
Ora, a biologia é eminentemente dinâmica, instável, frequentemente
imprevisível. Assim como não é certo o resultado numa cirurgia
gástrica, também não é certo o resultado numa cirurgia estética. Como
exigir do médico um resultado, quando para ele concorrem fatores que
38
refogem por completo, ao controle do profissional?

Em 1997, a já citada Resolução do CREMESP, de nº 81/97,


que criou normas rígidas em relação à formação e à atividade do
cirurgião plástico dispôs em seu art. 5º que “O objetivo do ato médico,
na Cirurgia Plástica, como em toda a prática médica, constitui
obrigação de meio e não obrigação de fim ou de resultado”.
Também no ano de 1997, Ruy Rosado de Aguiar Jr., então
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, referindo-se à cirurgia
plástica, dita estética, após informar que “No Brasil, a maioria da
doutrina e da jurisprudência defende a tese de que se trata de uma
obrigação de resultado”, assim concluiu:

O acerto está, no entanto, com os que atribuem ao cirurgião estético


uma obrigação de meios. Embora se diga que os cirurgiões plásticos
prometam corrigir, sem o que ninguém se submeteria, sendo são, a
uma intervenção cirúrgica, pelo que assumiriam eles a obrigação de
alcançar o resultado prometido, a verdade é que a álea está presente
em toda intervenção cirúrgica, e são imprevisíveis as reações de cada
39
organismo à agressão do ato cirúrgico.

Aguiar Jr. é favorável a que se examine com maior rigor o


elemento culpa, quando se trata de cirurgia estética, bem assim
insiste que a atenção dada à informação a ser fornecida ao paciente
deve merecer especial cuidado, mas sem que isso venha a
transformar aquela prestação obrigacional em uma obrigação de
resultado.

38
FORSTER. Nestor José. Cirurgia plástica estética: obrigação de resultado ou
obrigação de meios? In RT – 738, abril de 1997, p. 85.
39
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. .In Revista
Jurídica. Porto Alegre: Síntese. Ano XLV, nº 231, jan/97 – Assunto Especial –, p.
131.
40
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Pondera, ele, que:

Pode acontecer que algum cirurgião plástico, ou muitos deles


assegurem a obtenção de um certo resultado, mas isso não define a
natureza da obrigação, não altera sua categoria jurídica, que continua
sendo sempre a obrigação de prestar um serviço que traz consigo o
40
risco.

Entende Aguiar Jr. que não informar com precisão sobre um


determinado risco ou se eximir de obter do paciente um
consentimento plenamente esclarecido, podem levar à
responsabilização do cirurgião, mas insiste ele, tal responsabilidade
se daria por descumprimento culposo de uma obrigação de meios, e
não de resultado.
Informa, ainda, o mesmo autor, com base no ensinamento de
Penneau, que

A orientação hoje vigente na França, na doutrina e na jurisprudência,


se inclina por admitir que a obrigação a que está submetido o cirurgião
plástico não é diferente daquela dos demais cirurgiões, pois corre os
mesmos riscos e depende da mesma álea. A particularidade residiria
no recrudescimento dos deveres de informação, que deve ser
exaustiva e de consentimento claramente manifestado, esclarecido e
41
determinado.

No ano de 2000, corroborando com a mesma linha de


pensamento (contrária à utilização da obrigação de resultado para
caracterizar prestação obrigacional em seara plena do fator álea), foi
defendida, por esta autora, na Universidade Federal do Paraná, Tese
de Doutoramento, aprovada com a nota máxima e publicada, no ano
seguinte, na íntegra, pela Editora Juruá, sob o título
Responsabilidade médica. As obrigações de meio e de resultado:
avaliação, uso e adequação.42

40
AGUIAR JUNIOR, op. cit., p. 131.
41
Ibidem, idem, p. 130.
42
Tese de Doutoramento da autoria de GIOSTRI, Hildegard Taggesell.
41
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Em 2002 foi publicada a obra A improcedência no suposto


erro médico, cujo autor, aderindo à corrente que entende ser de
meio a obrigação na cirurgia estética, dita estética, complementa:

Ora, nos parece sensato este pensar, pois não podemos olvidar que as
mesmas intercorrências existentes em outros tratamentos, quer
terapêuticos, quer cirúrgicos, existem igualmente nas cirurgias plásticas
reparadoras ou embelezadoras, tais como: rejeição do organismo,
reações provenientes da própria genética do paciente, o não
cumprimento pelo paciente das prescrições e recomendações médicas,
43
etc.

Nesta esteira, cita a decisão da Apelação Cível nº 6.680/97


da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, do ano de 1998, também pioneira no ineditismo de
considerar como sendo de meio a prestação obrigacional do cirurgião
44
plástico na área da estética.
Do que acima foi exposto, pode-se concluir que a doutrina já
vem alertando para as mudanças que se fazem necessárias no
âmbito jurisprudencial desde o ano de 1990. Todavia, decorridos vinte
e oito anos, parece que a incongruência de conceituar uma prestação
obrigacional como sendo obrigação de resultado, em seara plena do
fator álea, continua ocorrendo majoritariamente na corrente
jurisprudencial de nosso país. Então, não há como não dedicar um
momento de reflexão, procurando entender tal fenômeno. Primeira

43
COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. A improcedência no
suposto erro médico. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 21.
44
RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICO. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA
MAL SUCEDIDA. DANO MATERIAL. DANO MORAL. RESPONSABILIODADE DE
ESTABELECIMENTO HOSPITALAR. INOCORRÊNCIA. Na celebração do
contrato, o médico, cirurgião plástico, não se compromete à obtenção de um
resultado melhor do que o já existente, mas o de proceder de acordo com as regras
técnicas e métodos de sua profissão. É limitada para o cliente a obtenção de uma
vantagem de melhora estética, e o fato da não obtenção do resultado não implica o
reconhecimento de que o médico foi inadimplente. O contrato celebrado com o
cirurgião plástico não é obrigação de resultado, e sim de meio. É o médico
civilmente responsável desde que comprovada sua culpa, em quaisquer de suas
modalidades: negligência, imprudência ou imperícia. Não responde a clínica que,
tão-somente, cedeu sua instalações para que o médico realizasse a cirurgia,
inexistindo relação de preposto e proponente. Comprovação de que a clínica não
causou danos à paciente por defeitos de sua prestação de serviço. Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro. Apel. cív. nº 6.680/97. 1ª C.C. Unânime. Rel. Des. Sergio
Fabião. Julg. 28.04.98.
42
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

hipótese: isso se deve à dimensão continental do Brasil?


Provavelmente, não, pois hoje, graças à Internet, vive-se,
literalmente, em uma aldeia global. Segunda hipótese: talvez aqueles
que julgam as lides, mas devido ao acúmulo de trabalho, não
dispõem mais de tempo para se atualizarem por meio da leitura e da
pesquisa? É provável, mas as estatísticas informam que nunca os
magistrados e promotores se preocuparam tanto, quanto agora, em
aprimorar seu conhecimento em Cursos de Pós-graduação, bem
assim ministrando aulas nas Universidades, para o que, também, se
exige preparo. Terceira hipótese: acomodação. O que está posto
(positum) é mais cômodo. Mudança exige tomada de posição, sair do
conforto da rotina. E pensar diferente da maioria nem sempre é visto
com bons olhos, nem sempre é confortável.
Qual das três hipóteses responderia, a contento, a
indagação? Nenhuma delas? As três juntas? O que não se pode
deixar de lamentar é o fato corrente e comum no Brasil que, em nome
de uma obrigação de resultado, julgados são concebidos de maneira
equivocada, possibilitando que um suposto “erro médico”, se
transforme, na realidade, em “erro de magistrado”.
Só a falta de conhecimento na área biológica poderia justificar
o pressuposto de exigir um resultado predeterminado em uma seara,
cuja diligência de um profissional competente nem sempre é o
bastante e o suficiente para garantir o melhor resultado. Mais ainda,
um bom resultado para o médico, sob o aspecto técnico e científico,
pode não significar o mesmo para o(a) paciente, pois na área da
cirurgia plástica esbarra-se no subjetivismo da expectativa pessoal,
nem sempre equivalente à real possibilidade de resposta daquele
determinado organismo ou do especifico caso daquele(a) paciente.
Se, hodiernamente, conta-se com recursos fantásticos de
técnicas cirúrgicas e tratamentos clínicos miraculosos, bem assim que
se pode dispor de uma tecnologia avançadíssima, todavia, a biologia
do organismo humano continua a mesma: – imprevisível. Conforme
nos ensina Jean Penneau,

43
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

A eficácia é o que caracteriza a Medicina moderna [...]. Essa eficácia,


entretanto, é inseparável de três outros elementos, seguidamente
desconhecidos do leigo: agressividade, periculosidade e
45
complexidade”.

Portanto, é em nome desta eficácia comprometida por tantos


elementos e variantes, representados pelo fator álea, que se torna
inaceitável conceituar a prestação obrigacional do cirurgião plástico
como estando inserida em uma obrigação de resultado.
Frise-se que a França, país pioneiro e vanguardista em
matéria de responsabilidade médica, seja na área doutrinária, seja na
jurisprudencial, já superou esta dúvida desde os anos setenta (do
século passado). Portanto, há quase cinquenta anos. E o Brasil?
Precisará de quanto tempo ainda para ler tudo (ou pelo menos parte)
do que tem sido escrito sobre a inadequação do uso da obrigação de
resultado em área infestada pelo fator álea? Até quando –,
parafraseando as palavras do Ministro Carlos Alberto Direito –, vai-se
continuar apenas a repetir um standard jurisprudencial que está
em total desalinho com a realidade dos avanços da ciência
médica e com a atualidade da ciência jurídica???
Conforme ensinamento da Profª. Maria Cecília Bodin, “Cada
época tem os seus danos indenizáveis e, portanto, cada época cria o
instrumental, teórico e prático, além dos meios de prova necessários
46
para repará-los”. Já faz algum tempo que no Brasil vem se
desenvolvendo a “indústria da indenização por pseudo erro
médico”. A continuar a presente desatualização acerca de matéria
doutrinária contemporânea, aliada ao desconhecimento dos
meandros da área biológica, é bem provável que esta época ainda
tenha longos anos de vida em nosso país, em detrimento de uma
Justiça, que poderia estar ao alcance de muitos profissionais
processados, mas que acabam injustiçados em nome de uma
obrigação de resultado.

45
PENNEAU, Jean. La réforme de la responsabilité médicale. Revue Internationalle
de Droit Comparé, 1990, nº 2, p. 525.
46
MORAES, Maria Cecília Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-
constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 150.
44
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

12 QUANDO A OBRIGAÇÃO SERÁ DE RESULTADO


Na prática podem ocorrer situações nas quais a prestação
obrigacional do cirurgião plástico pode se inserir em uma obrigação
de resultado. A primeira delas diz respeito ao fato de o profissional se
comprometer a um resultado predeterminado. Se o médico, de
maneira expressa e conscientemente, oferece tal garantia, então, por
óbvio, é ele próprio quem está a inserir sua atividade profissional em
uma obrigação de resultado, e como tal deverá cumpri-la.
De acordo com a doutrina francesa, Jean Penneau entende
que há casos nos quais a obrigação do médico é vista como sendo
de resultado, mas segundo ele, trata-se de casos excepcionais,
podendo ocorrer em três circunstâncias, a saber: a) pela vontade das
47
partes, b) pela natureza da prestação, c) pela força da lei.
A vontade das partes pode conferir à obrigação do médico a
natureza de obrigação de resultado em circunstâncias diversas,
porém precisas, tais quais: a) quando o médico promete executar
certo ato em um determinado momento, ou promete executar
pessoalmente tal ato; b) quando o médico promete que sua
intervenção terá um resultado certo e determinado (conforme
mencionado acima).
A natureza da prestação, segundo Penneau, é bom elemento
para distinguir quando se trata de uma obrigação de meio ou de
resultado, pois quando a natureza da prestação “excluir toda a álea”,
o que no entender do autor é verdadeiramente excepcional, bem
assim quando “inexistir participação ativa do paciente”, estar-se-á
frente a uma obrigação de resultado”.
A lei, por sua vez, pode impor reparação pelos prejuízos
advindos da atividade médica, em especial no que diz respeito às
pesquisas biomédicas que possam trazer resultado nefasto ou sem
benefício individual direto. Nestes casos, aquele que promove tal tipo
de pesquisa, mesmo sem culpa, assumiria indenização pelas
consequências danosas sofridas pela pessoa testada, caracterizando
uma pura obrigação de resultado.48

47
PENNEAU, La responsabilité du médecin, p. 10.
48
PENNEAU. Ibidem, idem, p. 10.
45
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

CONCLUSÃO
Em razão de todas estas variantes analisadas é de se
concluir que o fator álea estará sempre presente e não pode ser
ignorado. Que a diligência do profissional é fator de extrema
importância, pois o resultado não ideal pode não estar ligado à sua
negligência, mas à negligência do paciente. Que é inadequado
considerar como sendo de resultado uma prestação obrigacional que
se desenvolve em áreas de imprevisibilidade e, consequentemente,
em presença do fator álea. Que é comum na literatura pátria, bem
assim nos julgados, a repetição de um standard já de há muito
superado nos países que se dedicam ao estudo da responsabilidade
dos cirurgiões plásticos, qual seja, de que a prestação obrigacional
daqueles estaria sempre submetida a uma obrigação de resultado.
Que é inadequado tal standard, haja vista ser tal obrigação própria
para áreas onde não exista o fator álea, com previsão de
resultado predeterminado e previsível e, portanto, onde a
diligência do devedor não conta e onde o credor não tem como
interferir no resultado final.
Lamentavelmente há que, uma vez mais, concluir o quanto de
verdade existe nas palavras de Fachin, quando alerta: “Há um vazio
na doutrina civilística brasileira, que vai do desconhecimento à
rejeição de novas idéias”, para então, concluir que “a técnica
engessada das fórmulas acabadas não pode achar guarida em um
Direito que se propõe aberto e sensível às modificações das
49
realidades sociais”.
Ou, ainda, utilizando o preclaro ensinamento do médico-
escritor. Prof. Dr. Irany Novah Moraes, “se o erro só pode ser avaliado
pelo resultado, o médico só deve responder pelo que depende
exclusivamente dele e não da resposta do organismo do paciente”,
com o que concordamos plenamente, em razão da sabedoria e do
bom senso que reside em tal conclusão.

49
FACHIN, Luiz Edson. (Coord.) Repensando fundamentos do Direito Civil
contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 318.
46
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

REFERÊNCIAS
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico.In Revista
Jurídica. Porto Alegre: Síntese. Ano XLV, nº 231, jan/97 – Assunto Especial –.
ANDORNO, Luís O. La responsabilidad civil médica. AJURIS 59/224-235.
ARGÜELLO, Katie. O Ícaro da modernidade. Direito e política em Max Weber.
São Paulo: Acadêmica, 1997.
AVELAR, Juarez M. Ensino da cirurgia plástica nas Faculdades de Medicina.
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47
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

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BRASIL. Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça. Acórdão. Apel. cív. nº 1.329/90. Rel.
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BRASIL. Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça. Acórdão. Apel. cív. 6.348/92. 4 CC.
Rel. Des. Décio Xavier Gama. J. 25.03.93.
BRASIL. Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça. Apel. cív. nº 863/98.. Voto vencido
da autoria do Des. Roberto Wilder. J. 06.06.98
BRASIL. Rio de Janeiro Tribunal de Justiça. 7ª C. C. Emb. Infring. nº 180/98. Rel.
Des. Ruyz Athaide Ancântara Carvalho.
BRASIL. Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça.. Apel. cív. nº 6.680/97. 1ª C.C.
Unânime. Rel. Des. Sergio Fabião. J. 28.04.98.

48
CONCEPÇÃO JURÍDICO MATERIAL E ASPECTOS
PROCESSUAIS DO DIREITO MÉDICO
Lucídio Bandeira Dourado 1

INTRODUÇÃO
Este artigo aspira refletir sobre o que se convencionou
chamar de direito médico diante das demandas propostas ao Poder
Judiciário por pacientes contra médicos, planos de saúde e o Estado
como provedor da saúde pública por força constitucional. Não é algo
novo, porém com a facilitação do direito constitucional de petição,
principalmente pós Constituição Federal de 1988, a judicialização da
saúde passou a fazer parte do cotidiano das lides forenses, por vezes
com advogados particulares, defensores público e até mesmo tendo o
Ministério Público como substituto processual nas ações de direitos
coletivos homogêneos transcendentais.
Essas relações jurídicas de direito material
2
consumeristas começam pela prestação de serviços médicos, como
3
profissionais autônomos, pela contratação de planos de saúde
comerciais, incluindo as cooperativas, individuais ou empresarias com
pessoas jurídicas e na relação do cidadão/paciente com o Estado,
aqui na responsabilidade civil objetiva pela saúde pública como
esculpido no art. 196 da Constituição Federal de 1988.4 Presente

1
Promotor de Justiça do Estado do Tocantins.
2
Código do Consumidor - Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
3
Súmula 608-STJ: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de
plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão. STJ. 2ª
Seção. Aprovada em 11/04/2018, DJe 17/04/2018.
4
Seção II DA SAÚDE - Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao
Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentaç ão, fiscalização e
controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
49
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

assim a relação de direito material, pela prestação do serviço de


saúde, por qualquer dos sujeitos de direito já citados, pode ou não
nascer à pretensão jurídica do consumidor diante do vício do serviço
ou vício do produto.
Necessário se faz a identificação dos sujeitos de direito, o
objeto do direito e a prestação jurisdicional pretendida, baseada na
pretensão resistida que, por fim, enseja a lide. O processo é o veículo
da ação, a ação o veículo da pretensão e a pretensão o veículo do
pedido. Sob esses nortes poderes refletir.

1 RELAÇÃO DE DIREITO MATERIAL


Comecemos pelo Estado que, por força constitucional, art.
196 da C.F. de 1988, se obriga a prestar serviço de saúde integral ao
cidadão, aqui como responsabilidade civil objetiva.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Também por força constitucional nasce, a partir de 1988, a


proteção ao consumidor brasileiro e que fica muito bem caracterizado
na lição de Altino Conceição da Silva, quando na introdução de seu
trabalho afirma:

A proteção do consumidor foi consagrada na Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988 como direito fundamental, no artigo 5º,
inciso XXXII, bem como princípio da ordem econômica, no artigo 170,
inciso V, ambos da CF/1988. Destarte, é relevante compreender o
fundamento constitucional da proteção do consumidor a partir dessa
dupla perspectiva, refletindo sobre a densificação normativa desses
dispositivos em sede infraconstitucional, sobretudo a correlação com o
elenco de direitos básicos do consumidor previstos no artigo 6º do
Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que sintetiza a tutela dos
5
direitos do consumidor.

5
SILVA, Altino Conceição da. A proteção constitucional do consumidor e sua
densificação normativa. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF :01 abril 2015.
Disponível em:
50
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Quando o Superior Tribunal de Justiça, no enunciado da


súmula 608, excluí da relação consumeristas apenas os planos de
saúde administrados por autogestão, impõe uma aplicação do Código
de Defesa do Consumidor6, em todas as outras relações de prestação
de serviços médicos, assim como aos planos de saúde comerciais,
incluindo as cooperativas.
Esse não era, antes da súmula, o entendimento do Egrégio
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando no enunciado do
acórdão de 29/11/2017 afirmava textualmente:

A jurisprudência do E. TJDFT é farta no sentido de que se considera


como consumerista a relação jurídica existente entre os planos de
saúde e seus integrantes, a despeito de operar na modalidade de
autogestão. Dessa feita, a relação em exame é regida pelo Código de
Defesa do Consumidor, em razão da obrigação estabelecida entre as
partes (cobertura médico-hospitalar), mesmo que a entidade ré
funcione pelo sistema de autogestão e não tenha fins lucrativos. (...)
Nesse contexto, tem-se que o Código de Defesa do Consumidor deve
ser aplicado ao caso, uma vez que o fato de a GEAP ser entidade de
autogestão multipatrocinada não retira o caráter de relação de
consumo, diante da assistência à saúde que é a finalidade da
instituição. Portanto, não obstante a vigência da Lei nº 9.656/98, que
regula os planos e seguros privados de assistência à saúde, o contrato
de seguro de saúde deve ser regido pelos preceitos do CDC. (Acórdão
1063471, unânime, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 5ª
7
Turma Cível, data de julgamento: 29/11/2017).

A aplicação da súmula 608 do STJ melhor se adequa, haja


vista que os planos de saúde de autogestão são figuras jurídicas

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.52863&seo=1>. Acesso em:


16 set. 2018.
6
Para atender expresso mandamento presente no artigo 5o, XXXII da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 e no artigo 48 de seu Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, foi promulgada em 11 de setembro de
1990 a Lei 8.078/90, que criou o Código de Defesa do Consumidor (CDC). 22
de jun de 2014.
criancaeconsumo.org.br/normas.../lei-no-8-07890-codigo-de-defesa-do-
consumidor-cdc.
7
http://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/jurisprudencia-em-
foco/jurisprudencia-emdetalhes/plano-de-saude/aplicabilidade-do-cdc-aos-planos-
de-saude-de-autogestao
51
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

fechadas a um grupo de associados ocorrendo sua administração por


conselhos incluindo os próprios associados. 8
Na relação médico paciente, em serviços ofertados por
profissionais liberais autônomos em clínicas ou consultórios
particulares, a relação jurídica de direito material é inquestionável,
diante na nova ordem constitucional, consumerista, por isso a
preocupação com o possível vício do serviço.
Postos assim os sujeitos de direito dessa relação material, o
cidadão paciente consumidor como sujeito ativo e os médicos
autônomos e os serviços de saúde em geral como sujeitos passivos,
é necessária uma pequena incursão em aspectos peculiares desta
prestação de serviço no campo do direito das obrigações.

2 NATUREZA DAS OBRIGAÇÕES NOS SERVIÇOS MÉDICOS

Toda nossa vida se desenvolve numa


atmosfera em que o direito das
obrigações está presente.
Orlando Gomes

8
Após vasta discussão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que os planos de
saúde de autogestão não se submetem ao Código de Defesa do Consumidor,
porque não haveria relação de consumo, mas sim entre associados: RECURSO
ESPECIAL. ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE. PLANOS DE SAÚDE DE
AUTOGESTÃO. FORMA PECULIAR DE CONSTITUIÇÃO E ADMINISTRAÇÃO.
PRODUTO NÃO OFERECIDO AO MERCADO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA DE
FINALIDADE LUCRATIVA. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO CONFIGURADA. NÃO
INCIDÊNCIA DO CDC.1. A operadora de planos privados de assistência à saúde,
na modalidade de autogestão, é pessoa jurídica de direito privado sem finalidades
lucrativas que, vinculada ou não à entidade pública ou privada, opera plano de
assistência à saúde com exclusividade para um público determinado de
beneficiários.2. A constituição dos planos sob a modalidade de autogestão
diferencia, sensivelmente, essas pessoas jurídicas quanto à administração, forma
de associação, obtenção e repartição de receitas, diverso dos contratos firmados
com empresas que exploram essa atividade no mercado e visam ao lucro.3. Não
se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde
administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de
consumo.4. Recurso especial não provido.(REsp 1285483/PB, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/06/2016, DJe
16/08/2016)."
(Acórdão 1091832, unânime, Relator: FLÁVIO ROSTIROLA, 3ª Turma Cível, data
de julgamento: 18/4/2018)
52
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

É evidente que não estamos de falando de obrigações


comuns, mas sim na prestação de serviços, logo obrigações de fazer
lato sensu, altamente qualificadas tanto pela natureza do serviço em
si, quanto pela qualificação técnica do prestador do serviço, que por
vezes é personalíssima frente à especialização do profissional
médico e a necessidade do tratamento ofertado.
Sem adentrar no campo penal, apenas como referência aos
compromissos éticos assumidos pelos profissionais médicos que
pode resultar em atos ilícitos, do ponto de vista criminal, faço
referência à lição do Prof. Paulo Vinicius Sporleder de
9
Souza, quando cita Figueiredo Dias J. Direito penal. Parte geral.
Coimbra: Coimbra Ed., 2004. tomo I:.643-65, 703.

Geralmente, o dever objetivo de cuidado está fixado em normas


administrativas ou disciplinares. No caso dos médicos, a culpa
decorrerá, sobretudo, se a sua atividade não corresponder ao que
estatui a respectiva lex artis (ou legis artis), que diz respeito às normas
corporativas da profissão. Sobre as mesmas leciona Figueiredo Dias:
trata-se de normas escritas de comportamento (não jurídicas), fixadas
ou aceites por certos círculos profissionais e análogos e destinadas a
conformar as atividades respectivas dentro de padrões de qualidade e,
nomeadamente, a evitar a concretização de perigos para bens jurídicos
que de tais atividades pode resultar.

Essa delicada relação médico paciente envolve muito mais


que uma simples obrigação de prestar um serviço, seja ela baseada
numa obrigação personalíssima ou não. Assim sendo a visão do
profissional do direito também precisa ser técnica e não emocional,
sob pena de transformarmos todo ou quase todo o serviço médico em
um caso judicial, e por algumas vezes em caso de polícia.
Assim como o mundo do direito o mundo da medicina
depende de intercorrências que por vezes fogem ao domínio do
profissional habilitado, por mais habilitado que seja, e podem resultar
em trágicas consequências como até a mesmo o óbito do paciente.
Cada organismo responde de uma forma a depender das várias

9
SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de, Doutor em Direito (Universidade de
Coimbra/Portugal), professor adjunto de Direito Penal da PUCRS e advogado. O
médico e o dever legal de cuidar: algumas considerações jurídico-penais.
http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/24/
27
53
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

condições concorrentes de um doente e do estágio da patologia


instalada.
Por estas razões que, no campo do direito das obrigações
civis consumerista, os serviços médicos precisam ser analisados sem
paixões e com profissionalismo. É claro e evidente que tudo gira em
volta do serviço prestado pelo médico, ainda que possa haver
responsabilidade dos planos de saúde, porém o resultado dos
serviços daquele poderão ou não gerar responsabilidade para pessoa
jurídica com a qual o paciente/consumidor firmou contrato. Existindo,
ainda, a possibilidade de ação regressiva da empresa com relação ao
seu contratado ou associado, em caso de culpa comprovada.

3 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
Judicializar é levar uma pretensão jurídica ao crivo do Poder
Judiciário, como a pouco referido a lide resistida é que gera a
possibilidade de uma prestação jurisdicional, evidentemente que
preenchidos todos os pressupostos processuais e as condições da
ação. O fenômeno da juridicização é a transposição de um
acontecimento comum do mundo dos fatos para o mundo do direito, o
que só ocorre pela lei ou pela sentença judicial. Francisco
Cavalcante Pontes de Miranda bem estuda esse fenômeno quando
disseca a Teoria do Fato Jurídico e os seus três planos, da
existência, validade e eficácia que, por necessidade precisam ser
conhecidos, também serem sopesados com a Teoria da Norma e do
Normativíssimo de Norberto Bobbio e a Teoria Tridimensional do
Direito do saudoso Prof. Miguel Reali.
Não havendo aqui tempo e espaço para o estudo mais
aprofundado dessas teorias, mas devendo, por apego, serem
mencionadas, haja vista que a ignorância sobre as bases nos leva a
conclusões falsas, ou seja, premissa maior falsa conclusão falsa ou
improdutiva.
Quando um sujeito de direito, tendo sua pretensão
insatisfeita, busca uma decisão judicial que venha compor seu
prejuízo/danos é dever do Estado prestar a jurisdição que é inclinável
e indelegável.
No caso dos serviços de saúde não é diferente, mas há
necessidade de uma ampla compreensão não só do direito como dos
“serviços médicos” haja vista sua peculiar prestação.

54
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Não estamos falando, como dito anteriormente, de uma


obrigação de fazer simplória, mas de uma especial prestação de
serviço promovida por um profissional gabaritado cujo ofício é
garantido, exclusivamente a ele, por lei e por regras administrativas
de seus Conselhos de Medicina, sabendo todos nós que as
intercorrências possíveis em uma simples consulta de rotina assim
como o aviamento de uma receita até um complicado procedimento
cirúrgico, por vezes não dependem do médico, mas do organismo do
paciente consultado ou operado.
Diante desse quadro o profissional do direito que for
representar um paciente/consumidor, ocasionalmente prejudicado ou
lesado (sequelado) por um procedimento médico tem que, além de
habilitado profissionalmente, se munir de todas as informações
possíveis sobre todo o acontecimento comum do mundo dos fatos,
para ao fim convencer o juiz, como destinatário da prova, que seu
pedido procede, dentro dos absolutos princípios da lei, da moral e da
ética.
A judicialização da saúde, aliás, como todos outros ramos das
relações intersubjetivas, não deve ser motivo de sobressaltos entre
os profissionais do direito ou da medicina, porém como estamos
falando em ciência nada pode ser feito por amadores.
Cumpre ressaltar também que o mercantilismo em qualquer
desses ramos profissionais é abominável e devem ser combatido,
não podendo ser a regra e sim raríssimas exceções. O eventual “erro
médico” pode levar ao óbito e não há dignidade sem vida, o “erro
judiciário” pode transformar vivos em mortos morais e, mesmo
havendo vida, não há dignidade sem moral.
Não há pretensão aqui em ensinar, apenas chamar a atenção
10
para um fenômeno cotidiano, por vezes mal interpretado e por isso
explorado de forma erra e equivocada. Nenhum médico quer produzir
no seu paciente algo que lhe agrave o sofrimento, assim como
nenhum juiz que dar ao jurisdicionado nada além de seu legítimo
direito postulado.
Assim sendo, levar o pedido do cliente ao juiz é uma atitude
legítima consciente e correta, sempre nos limites da ética, do direito e

10
A fenomenologia é uma atitude de reflexão do fenômeno que se mostra para nós,
na relação que estabelecemos com os outros, no mundo. Profa. Ms. Danuta D.
PokladekMestre em Psicologia da SaúdePresidente do Instituto PsicoEthos
Analista-Existencial Supervisora nas áreas da Educação e Saúde
55
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

da moral. Um fato mal interpretado pode levar a uma conclusão


desastrosa e uma descrença na justiça como um todo, somos todos
responsáveis por cada ato que produzidos.
O juiz não tem bola de cristal e não sabe tudo, ao contrário se
vale de muitos profissionais para as suas decisões, inclusive dos
médicos peritos que, na maioria das vezes, decidem tecnicamente as
questões postas, cabendo ao juiz apenas adequá-las juridicamente.

CONCLUSÃO
Tudo que é olhado com bons olhos e por profissionais
competentes se torna de fácil solução. A saúde, pública ou privada,
não é diferente. Não podemos perder a humanização em qualquer
profissão, afinal nada nesse plano deve contribuir para a infelicidade
do homem ou foi feito para tal.
A judicialização de qualquer acontecimento comum do mundo
dos fatos não é a solução, mas os critérios para tais procedimentos
sim, a banalização pode levar ao descrédito, assim como o uso
indiscriminado dos fármacos por levar a resistência e a sua
inaplicação.
Sagrado é o serviço em prol da vida, da sua conservação
saudável, manutenção e prevenção às doenças e o profissional
médico é o principal ator dessa peça que, por vezes, o teatro da vida
estreia em nós sem pré-lançamento.
Abençoadas devem ser as mãos que operam um bisturi,
assim como as mãos do juiz ao assinar uma sentença. Seriamos
perfeitos se não incorrêssemos em erro, mas seremos justos se
agirmos para evita-lo.
Buscar a justiça é um direito11 constitucionalmente garantido
a todos os sujeitos de direito e devemos usá-lo com o maior critério,
inclusive no direito à saúde, preventiva, curativa.

11
FábioKorenblum é sócio do setor Contencioso Cível da Siqueira Castro
Advogados.Conscientização popular:a democratização do acesso à
justiça.https://www.migalhas.com.br/dePeso/
Com o aparelhamento estatal e a criação de mecanismos de viabilização de
acesso a uma justiça, por todos e para todos, iniciou-se um novo processo: o de
conscientização e democratização do acesso à justiça. Enquanto se m ostrava
inalcançável por muitos antes da evolução já anteriormente assinalada, a
judicialização de uma série de assuntos passou a ser tida por algo tangível.
56
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Quando nos excedemos no uso podemos adentrar no campo


do abuso. A justiça não pode criar uma barreira para a profissão
médica ou para o exercício da medicina como um todo.
É fácil concluir que a palavra critério não pode fugir do uso
consciente de qualquer profissional, seja médico ou bacharel em
direito e que a aproximação dessas profissões como o maior número
de informações trará aos pacientes e jurisdicionados a convivência
fraterna e saudável que todos buscamos.

Muitos dos direitos anteriormente ignorados ou deixados de lado passaram a


ser objeto de lides. Neste sentido, faz-se importante assinalar que, passadas
aproximadamente três décadas de nossa Constituição, 25 anos do CDC e 20
anos da lei dos Juizados Especiais, têm, atualmente, o impressionante
quantitativo de cem milhões de processos em curso perante o Poder
Judiciário,o que denota possuirmos, em números absolutos, um processo para
cada dois habitantes, se levarmos em conta os dados estatísticos de uma
população estimada em duzentos milhões de habitantes, de acordo com o
IBGE. Contudo, o fato de termos atingido tamanho grau de acessibilidade à
justiça não representa, necessariamente, o regular e legítimo direito de ação.
Uma das mazelas decorrentes deste incremento é, justamente, a abusividade
do direito de litigar.
57
DIREITO DE MORRER E
ESTADO VEGETATIVO PERSISTENTE:
PERSPECTIVAS BIOÉTICAS E JURÍDICAS
Luciana Dadalto 1
Clara de Sousa Gustin 2

1 O CASO DO SENHOR Y
O senhor Y era um homem saudável na faixa de 50 anos
quando, em junho de 2017, sofreu um ataque cardíaco e, em virtude
da perda de oxigenação, causou uma extensa lesão cerebral. O
médico assistente concluiu que mesmo que ele recobrasse a
consciência os danos seriam irreversíveis e tornariam o paciente
absolutamente dependente de terceiros.
Um especialista em reabilitação neurológica foi consultado
sobre o caso e fechou o diagnóstico: o paciente estava em estado
vegetativo persistente e não havia qualquer prognóstico científico de
reversão desse quadro.
Diante disso, a equipe assistencial se reuniu com a família e,
juntos, decidiram que de acordo com o melhor interesse do paciente
a conduta correta era a suspensão do tratamento que, no momento,
consistia apenas em alimentação e hidratação artificial (AHA). Ocorre
que, na prática a suspensão da AHA acarretaria a morte do sr. Y em
um prazo de poucas semanas.

1
Doutora em Ciências da Saúde pela faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em
Direito Privado pela PUC-Minas. Sócia da Luciana Dadalto Sociedade de
Advogados. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Coordenadora do
Grupo de estudo e pesquisa em Bioética (GEPBio). Administradora do portal
www.testamentovital.com.br.
2
Acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e
pesquisadora do Grupo de estudo e pesquisa em Bioética (GEPBio).
58
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Assim, em novembro de 2017, o NHS Trust, sistema de


saúde inglês, solicitou que a Suprema Corte emitisse uma declaração
afirmando que para a suspensão da AHA, quando conduta decidida
entre a equipe de saúde e a família do paciente, poderia ser feito sem
a aprovação do Poder Judiciário, isentando os profissionais de
responsabilização civil ou criminal.
No dia 30.07.2018 a Suprema Corte do Reino Unido julgou o
caso NHS Trust and Others x Y e declarou exatamente o que havia
sido pedido, ou seja: quando um paciente está em estado vegetativo
persistente a suspensão de AHA vai ao encontro do melhor interesse
do paciente, notadamente quando há um consenso entre a equipe de
saúde e os familiares deste. Ressalte-se, por fim, que o senhor Y
faleceu no curso do processo, mas o julgamento prosseguiu diante
devido à importância do caso para a sociedade3.

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O objetivo do presente artigo é analisar o caso “NHS Trust x
Y” frente ao ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, antes de
adentrar ao tema é necessário discutirmos conceitos importantes que
gravitam em torno do chamado direito de morrer.
Direito de morrer é uma expressão que, à primeira vista, pode
gerar interpretações radicais como a defesa de que cada indivíduo
possa ceifar sua vida ou pedir que a ceifem, por qualquer razão
subjetiva. Contudo, a referida expressão é utilizada na
contemporaneidade para se referir às discussões sobre a morte digna
de pacientes com doenças graves, incuráveis e/ou terminais.
Assim, institutos como a morte assistida, a eutanásia, o
suicídio assistido, a distanásia e a ortotanásia possuem especial
ligação com a temática, razão pela qual, os discutiremos a seguir.
Em linhas gerais, a morte assistida é um gênero que se divide
em eutanásia e suicídio assistido4. A construção conceitual da morte
assistida alicerça-se na ideia de que “os termos eutanásia e suicídio

3
SUPREMA CORTE DO REINO UNIDO. An NHS Trust and others (Respondents) v
Y (by his litigation friend, the Official Solicitor) and another (Appellants). Disponível
em: <https://www.supremecourt.uk/cases/uksc-2017-0202.html>, acesso em 24 set.
2018.
4
SEMEDO, João (Org.). Morrer com dignidade: a decisão de cada um. Lisboa:
Contraponto, 2018, p. 25.
59
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

têm uma carga histórica e valorativa que contamina o significado” dos


institutos que aqui se discute. Enquanto a eutanásia refere-se à ação
de um terceiro – normalmente profissional de saúde - que, mediante
pedido de um paciente acometido de uma doença grave e incurável,
5
abrevia-lhe a vida . O suicídio assistido consiste na conduta do
próprio paciente – acometido de uma doença grave e incurável – em
pôr fim à sua vida, mediante auxílio de um terceiro, normalmente
profissional de saúde.
Nota-se que a Suíça e alguns estados norte-americanos
apenas descriminalizaram o Suicídio Assistido. Enquanto a Colômbia
descriminalizou apenas a eutanásia, por decisão da Suprema Corte.
Alei canadense legalizou as duas práticas, mas as trata como
mecanismos para se atingir a morte assistida, expressão usada pela
lei. Holanda, Bélgica e Luxemburgo são os únicos países do mundo
em que há lei específica acerca da legalidade de ambas as práticas,
eutanásia e suicídio assistido.
6
Tal discrepância entre os supracitados países levou Sumner
a afirmar que é uma verdadeira hipocrisia legalizar/descriminalizar
apenas um dos institutos, hipocrisia essa que se ampara
prioritariamente na diferença entre matar e deixar morrer, fruto de
sociedades que não estão maduras para aceitar, in tontum, o direito
individual à morte digna.
No ordenamento jurídico atual tanto a eutanásia quanto o
suicídio assistido são considerados crimes. O primeiro enquadra-se
no artigo 121 do Código Penal, como homicídio privilegiado. Tramita
no Congresso Federal o projeto de lei do Senado n. 236/2012 - já
alterado por projetos emendas subsequentes –, conhecido como
projeto de novo Código Penal que, em sua redação original previa a
criação de um tipo penal específico para a eutanásia:

Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado


terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento
físico insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos.

5
VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. Eutanásia. In: DADALTO, Luciana; GODINHO, Adriano
Marteleto; LEITE, George. Tratado Brasileiro sobre o Direito Fundamental à Morte
Digna. São Paulo: Almedina, 2017, p.101-130.
6
SUMNER, Wayne. Physician-Assisted Death: What Everyone Needs to Know. New
York: Oxford University Press, 2017.
60
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

§1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do


caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição
7
do agente com a vítima.

A ideia era tratar a eutanásia como crime contra a vida


diverso do crime de homicídio, possibilitando, no parágrafo primeiro,
que o julgador concedesse o perdão judicial em determinadas
circunstâncias, ou seja, o agente seria julgado pela eutanásia
(independentemente do motivo o qual a realizou), mas deixaria de ser
8
punido . Todavia, esse tipo penal foi retirado do projeto antes de uma
discussão social sobre o tema e não está mais em pauta, o que ceifa
a possibilidade de ampliação do debate.
O suicídio assistido também é considerado crime no
ordenamento jurídico atual, enquadrando-se na literalidade estrita do
artigo 122 do Código Prnal, que trata do auxílio ou instigação ao
.
suicídio e assim tem sido encarado pela maior parte da doutrina
brasileira. Todavia, autores como Moureira e Sá defendem que o

suicídio assistido, desde que preenchidos alguns requisitos específicos,


deve ser tratado como fato atípico. Não em razão de uma causa legal
de exclusão da tipicidade, mas de uma causa constitucional de
exclusão da tipicidade, que encontra guarida nos art. 1º, inciso III, e art.
9
5º, caput, ambos da Constituição da República de 1988 .

A distanásia, por sua vez, é conhecida também como


futilidade terapêutica, obstinação terapêutica ou esforço terapêutico e
pode ser entendido, genericamente, como a utilização de meios
artificiais para a manutenção da vida biológica de um paciente que
não possui mais possibilidades de terapêuticas curativas. Saliente-se

7
BRASIL. Projeto de Lei do Senado PLS 236/2012. Anteprojeto de Código Penal.
Disponível em:
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404>, acesso
em 20 set. 2018.
8
QUINTINO DE OLIVEIRA JÚNIOR, Eudes; QUINTINO DE OLIVEIRA, Pedro. A
eutanásia e a ortotanásia no anteprojeto do Código Penal brasileiro. Revista
Bioethikos. Centro Universitário São Camilo, v. 2012;6(4):392-398.
9
MOUREIRA, Diogo Luna; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Suicídio Assistido. In:
DADALTO, Luciana; GODINHO, Adriano Marteleto; LEITE, George. Tratado
Brasileiro sobre o Direito Fundamental à Morte Digna. São Paulo: Almedina, 2017,
p.193-215.
61
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

que a Associação Médica Americana10 afirma que não é possível


apresentar um único conceito de futilidade terapêutica pois esta está
relacionada à valores e objetivos do paciente in concreto, contudo,
deve-se sempre e ter em mente que a caracterização dessa prática
se baseia em um excesso, em fazer mais do que é indicado para a
situação específica.
Inexiste na legislação brasileira tratamento específico acerca
da distanásia, cabendo à doutrina estudos aprofundados sobre o
tema, inclusive com defesa à possibilidade de responsabilização civil
do médico que praticar o esforço terapêutico. Já no âmbito
deontológico, os Códigos de Ética das profissões de saúde afirmam
que a obstinação terapêutica deve ser evitada, mas carecem de
posicionamento mais incisivo sobre o tema, o que acaba por fazer
com que os profissionais obstinem a terapêutica com medo de serem
acusados de eutanásia11.
Oposto a distanásia tem-se a ortotanásia, instituto que se
relaciona à correta prática médica, em que não se antecipa e nem se
12
abrevia a morte , mas respeita-se o processo natural doença
incurável, focando na qualidade de vida do doente. Assim, relaciona-
se diretamente com os cuidados paliativos, entendidos pela
Organização Mundial de Saúde como a

abordagem de melhora à qualidade de vida dos pacientes (adultos ou


crianças) e de seus familiares que enfrentam problemas associados a
doenças que ameaçam a vida. Previne e alivia sofrimento por meio da
investigação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros
13
problemas físicos, psicossociais ou espirituais .

10
AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION. Medically Ineffective Interventions:
Physicians should only recommend and provide interventions that are medically
appropriate. Disponível em: <https://www.ama-assn.org/delivering-care/medically-
ineffective-interventions>, acesso em 25 set. 2018.
11
BARCELLOS DE MENEZES, Milene; SELLI, Lucilda; SOUZA ALVES, Joseane de.
Distanásia: percepção dos profissionais da enfermagem. In: Revista Latino-
Americana de Enfermagem, vol. 17, núm. 4, agosto, 2009.
12
GODINHO, Adriano Marteleto. Ortotanásia e Cuidados Paliativos: o correto
exercício da prática médica no fim da vida. In: DADALTO, Luciana; GODINHO,
Adriano Marteleto; LEITE, George. Tratado Brasileiro sobre o Direit Fundamental à
Morte Digna. São Paulo: Almedina, 2017, p.131-150.
13
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Palliative care. 2014 [revisado ago 2017].
Disponível em: <http://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/palliative-
care>, acesso 18 set. 2018.
62
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Para a efetivação desse propósito, é primordial que o fim da


vida disponha de qualidade e conforto tanto para o doente, quanto
para sua família. No Brasil, a ortotanásia respalda-se na resolução
CFM 1805/2006, cuja constitucionalidade já foi reconhecida pelo
Poder Judiciário.
Ademais, a prática também é consoante com o princípio da
Dignidade da Pessoa Humana e da Autonomia Privada, pois ampara
a construção da pessoalidade e dignidade do indivíduo em estado
terminal e evita que haja o prolongamento da vida diante um estado
de sofrimento e angústia. Dessa forma, a perspectiva de vida como
dever altera-se, dispondo lugar para a vida como direito. 14
O supracitado projeto original de novo Código Penal tratava a
ortotanásia como excludente de ilicitude ao crime de eutanásia,

Art. 122 (...)


Exclusão de ilicitude
§ 2º Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios
artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave
irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente
atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na
sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge,
companheiro ou irmão.

Como o crime de eutanásia foi suprimido posteriormente, o


projeto que tramita nesse momento no Congresso Nacional enquadra
a ortotanásia em uma excludente de ilicitude ao crime de homicídio:

Art. 121 (...)


Ortotanásia
§ 7º Não há crime quando o agente, com o consentimento da pessoa
em estado terminal ou com doença grave irreversível, deixa de fazer
uso de meios extraordinários de suporte de vida, permitindo que sua
morte ocorra naturalmente, mantidos os cuidados paliativos para evitar
sofrimento.
§ 8º Na impossibilidade de a pessoa em estado terminal ou com
doença grave irreversível expressar sua vontade, o consentimento

14
MOUREIRA, Diogo Luna; SÁ, Maria de Fátima Freire de. O direito subjetivo à
morte digna: uma leitura do direito brasileiro a partir do caso José Ovídio González.
Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 5, n. 2, 2016. Disponível em:
<http://civilistica.com/o-direito-subjetivo-a-morte-digna/>. Acesso em 20 set. 2018.
63
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

poderá ser dado pelo cônjuge, companheiro, ascendente, descendente


ou irmão.
§ 9º A situação de morte iminente e inevitável ou de doença grave
15
irreversível, deve ser previamente atestada por dois médicos .

Resta claro, por todo o exposto, que as questões relativas ao


direito de morrer possuem diversas nuances e são recepcionadas de
maneira igualmente diversa pelo ordenamento jurídico brasileiro,
demonstrando que ainda há um longo caminho a ser percorrido para
que se efetive o direito de morrer no Brasil.

3 DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE (DAV)


Dentro desse cenário, assumem especial importância os
documentos de manifestação de vontade do paciente em fim de vida,
conhecidos como diretivas antecipadas de vontade. Tais documentos
permitem que o processo de morrer seja parte da autorrealização da
personalidade de cada um, em querer uma morte digna denota
respeito e concretização das escolhas individuais.
Em linhas gerais, as diretivas antecipadas de vontade são
documentos de manifestação de vontade sobre de cuidados,
tratamentos e procedimentos a serem ou não realizados quando a
pessoa estiver em fim de vida e apenas nessas situações produzem
efeitos.
As DAV são gênero e possuem como espécies o testamento
vital e a procuração para cuidados de saúde. O testamento vital é um
documento no qual a pessoa, em pleno gozo de suas capacidades,
manifesta suas vontades, salientando os cuidados, procedimentos e
tratamentos que deseja ou não ser submetida diante um momento
que estiver acometida por doença grave, incurável ou em estágio
avançado16.
Já a procuração para cuidados de saúde é um documento no
qual o indivíduo nomeia um ou mais procuradores de saúde, ou seja,

15
BRASIL. Projeto de Lei do Senado PLS 236/2012. Anteprojeto de Código Penal.
Disponível em:
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404>, acesso
em 26 set. 2018.
16
Ressalte-se que em países em que a eutanásia e o suicídio assistido são
legalizados, o testamento vital é instrumento também para aceitação dessas
práticas, o que não é o caso do Brasil.
64
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

escolhe uma ou mais pessoas para expressar sua vontade, nos


casos em que esse estiver impossibilitado de manifestar-se.17
Consequentemente, as diretivas antecipadas de vontade aprimoram o
respeito à dignidade da pessoa humana, além de favorecerem a
relação médico-paciente. Assim, as possíveis decisões médicas
perante às opiniões e valores morais dos familiares do paciente são
resguardadas e amparadas, para que não seja possível prejudicar o
próprio médico, motivo pelo o qual a realização de tratamentos
relativos a permanência ou retirada de suportes artificiais de vida são
18
fortuitamente evitados .
Atualmente as diretivas antecipadas de vontade não possuem
legislação específica, todavia respaldam-se primordialmente na
resolução CFM 1.995/2012, cuja constitucionalidade já foi
reconhecida pelo Poder Judiciário à semelhança da resolução CFM
1805/2006. 19
Saliente-se, contudo, que a referida resolução não é lei, tendo
o condão de obrigar apenas os médicos, subordinados às normas do
CFM. No momento tramita no Senado Federal o projeto de lei
149/2018 que prevê a regulamentação do tema, o referido projeto
está aguardando parecer da relatora. Para fins históricos, é
importante destacar que havia ainda o projeto 267/2018, mais
completo e condizente com o cenário internacional sobre o tema, cuja
tramitação foi retirada pelo autor.
Todavia, entende-se que a lei tem o condão de traçar
procedimentos para esses documentos, sendo possível defender a
licitude do mesmo com base na hermenêutica constitucional. À vista
disso, o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal no qual “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”, mostra-se congruente com o artigo 15º do Código Civil,
em que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de

17
DADALTO, Luciana. A judicialização do testamento vital: análise dos autos n.
1084405-21.2015.8.26.0100/TJSP Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 7, n. 2, 2018.
Disponível em: <http://civilistica.com/a-judicializacao-do-testamento-vital/>. 20 set.
2018.
18
ARAÚJO, Cynthia; COGO, Silvana. A morte digna na Alemanha: Análise do caso
Putz. In: DADALTO, Luciana; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coord.). Direito e
Medicina: A morte digna nos tribunais. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 25-38.
19
DADALTO, Luciana. Reflexos jurídicos da Resolução CFM 1.995/12. Revista
Bioética, v. 2013; 21 (1): 106-12. Disponível em:
<http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/791>.
Acesso em: 27 set. 2018.
65
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Dessa forma,


as DAV podem ser amparadas nesses como também nos princípios
constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Autonomia
Privada.20

4 CONFLITOS BIOÉTICOS E JURÍDICOS NO ESTADO


VEGETATIVO PERSISTENTE
No que tange a classificação de patologias, o termo doença
terminal é constantemente utilizado quando se refere ao processo de
morrer, às diretivas antecipadas de vontade, a ortotanásia, distanásia,
dentre outros. É definido como doença terminal aquela que se
encontra em estado avançado, que não possui cura ou reação a
tratamentos específicos, além de acarretar diversos sintomas e
complicações no quadro clínico, com presença iminente de morte21.
Nessa conjuntura, têm-se o estado vegetativo persistente
(EVP), consequente de lesões por trauma cerebral, no qual o
paciente não tem consciência de si ou do ambiente circundante, não
responde a estímulos voluntários, possui incontinência fecal e
urinária, detém a parcial preservação de reflexos provenientes dos
nervos cranianos e espinomedulares e apresenta ciclos de sono-
5
vigília , em que não retrata metabolismo cerebral ou qualquer tipo de
função cognitiva. É um estado clínico que se difere do estado
vegetativo permanente em razão da sua persistência no tempo.
Ademais, os acometidos pela doença não são capazes de sentir
estímulos reconhecedores de dor, visto que as pontes
neurotransmissoras não apresentam os neurônios necessários para
que ocorra essa reação.22
À frente dos avanços tecnológicos na área médica, como a
ventilação mecânica e o transplante de órgãos, o conceito de morte,
antes fundamentado pelos parâmetros cardiorrespiratórios, foi
sucedido pela morte encefálica.23 Ou seja, atualmente a definição de

20
DADALTO, Luciana. Aspectos registrais das diretivas antecipadas de vontade.
Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2. n. 4. 2013.
21
DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 4 ed. Indaiatuba: editora Foco, 2018.
22
AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION. Persistent vegetative state and the decision
to withdraw or withhold life support: Council on Scientific Affairs and Council on
Ethical and Judicial Affair. Journal of the American Medical Association, v. 263(3),
p. 423-30, 1990.
23
JUNGES, José; RODRIGUES FILHO, Edilson. Morte encefálica: uma discussão
encerrada?. Revista Bioética, v. 2015; 23 (3): 485-94. Disponível em:
66
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

morte, de acordo com a resolução 2117/17 do CFM, é estabelecido


pela “perda completa e irreversível das funções encefálicas, definida
pela cessação das atividades corticais e de tronco encefálico,
caracteriza a morte encefálica e, portanto, a morte da pessoa” 24.
No que se refere aos pacientes em EVP, ainda existe parte
do funcionamento do tronco cerebral, justificando os ciclos de sono-
vigília e alguns estímulos involuntários. Por conseguinte, assenta-se a
corrente discussão sobre a qualidade de vida desses e sobre os
tratamentos fúteis, visto que o único tratamento possível de
17
suspensão é a nutrição e hidratação artificial . Nesse contexto, essa
suspensão origina desconforto tanto para os familiares, quanto aos
médicos, pois torna-se necessário falar diretamente sobre morte em
meio à uma cultura simbólica, na qual o enfermo poderá “morrer de
fome e sede”. Em contrapartida, ainda não existem estudos que
comprovem a sobrevida dos enfermos devido a nutrição e hidratação
artificial, pelo contrário, existem aqueles que demonstram maior
conforto aos pacientes que não se utilizam desses meios, uma vez
14.
que o paciente não tem capacidade para sentir fome ou sede
Saliente-se, ainda, que há defensores ao redor do mundo da
necessidade de alterar novamente o conceito científico de morte,
entendendo que a morte se dá quando há cessação de atividades do
córtex, caso do EVP25.
A ideia de que a vida é intangível e sagrada ainda é
prevalente nas sociedades ocidentais e no Brasil há ainda o
26
preocupante desejo de obstinação terapêutica . Ademais, a ideia de
que o papel do médico é curar a doença dificulta muito as discussões
sobre o que fazer quando a cura não é possível.

<http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/1095/1326>.
Acesso em: 20 set. 2018
24
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.
Resolução 1931/2009. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.pdf>, acesso
em: 20 set. 2018.
25
GONÇALVES, Ferraz; Conceitos e critérios de morte. In: Revista do Hospital de
Crianças Maria Pia,.2007, vol. XVI, nº 4. Disponível em:
<http://repositorio.chporto.pt/bitstream/10400.16/1123/1/ConceitosCriteriosMorte_1
6-4_Web.pdf> . Acesso 26 de setembro de 2018.
26
THE ECONOMIST. Quality of Death index. Disponível em:
<http://www.eiuperspectives.economist.com/healthcare/2015-quality-death-index>,
acesso em 22 set. 2018.
67
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

De acordo com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos,


existe um déficit na formação dos profissionais de saúde nesse
aspecto, o que implica em um maior preconceito social e
compreensão errônea dos cuidados paliativos e eutanásia. Até que
ponto os hábitos em “lidar até o fim” são benéficos para o paciente e
27
para seus próprios princípios e valores? . Em contundência, a Igreja
Católica no ano de 1980 pronunciou-se a respeito da eutanásia e da
obstinação terapêutica, de modo pelo qual

é sempre lícito contentar-se com os meios normais que a medicina


proporciona e renunciar a certas intervenções médicas inadequadas a
situações reais do doente [...] é lícito em consciência tomar a decisão
de renunciar a tratamentos que dariam somente prolongamento
28
precário e penoso da vida .

Nesse contexto, é preciso questionar se a suspensão de AHA


no estado vegetativo persistente consiste em abreviação da vida ou
em reconhecimento de que o curso natural da doença deve ser
respeitado.
Do ponto de vista técnico, existem inúmeros estudos que
demonstram a indicação de suspensão da AHA no EVP, contudo, a
ideia de que essa suspensão pode gerar um medo nos familiares de
que o paciente está sendo abandonado à morrer de fome e sede faz
com que bioeticistas como o Pe. Leo Pessini 29 sejam contrários à
essa prática.
Ocorre que é preciso analisar a questão sob parâmetros
técnicos e, nesses, não há razão lógica para que tal procedimento
seja rechaçado sob a pecha de constituir prática eutanásica, até
porque uma análise detida do EVP leva à conclusão de que a
iniciação da AHA sequer deveria ter sido começada, mas iniciou-se
por ser necessária à manutenção da vida biológica até que se feche o
27
ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS. ANCP e Cuidados Paliativos
no Brasil. Disponível em:<http://paliativo.org.br/cuidados-paliativos/cuidados-
paliativos-no-brasil/>. Acesso em 18 set. 2018.
28
MEIRELLES; Jussara Maria; SIQUEIRA, José Eduardo. Morte digna nos Estados
Unidos da América: Análise do caso Nancy Cruzan. In: DADALTO, Luciana; SÁ,
Maria de Fátima Freire de (Coord). Direito e Medicina: A morte digna nos tribunais.
Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 93- 109.
29
PESSINI, Leo. A filosofia dos cuidados paliativos: uma resposta diante da
obstinação terapêutica. In:BERTACHINI, Luciana; PESSINI, Leo. Humanização e
cuidados paliativos. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2004. p. 181-208.
68
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

diagnóstico, o que pode levar meses. Assim, após a verificação de


que o paciente realmente está em EVP, não há razão científica para
dar continuidade à AHA.
Repise-se que a suspensão da AHA não deve ser
considerada como eutanásia, mas sim como ortotanásia, pois
representa um tratamento médico extraordinário, vez que não provém
nenhum benefício para a melhora da qualidade de vida do enfermo e
por ser incapaz de modificar o curso da doença, ou seja, a suspensão
nesse caso é tida como um cuidado paliativo.

CONCLUSÃO
Retomando o caso do sr. Y, verifica-se que as conclusões da
Suprema Corte inglesa estão em consonância com o apresentado no
presente artigo. Segundo a corte, a suspensão de AHA em casos de
estado vegetativo persistente encontra amplo amparo nos protocolos
clínicos e, além disso, a incapacidade do paciente e a inexistência de
vontade previamente manifestada, dava à equipe médica o direito de
decidir conforme os protocolos.
Saliente-se que a Suprema Corte entendeu que a equipe
médica abriu mão de seu direito de decidir sozinha e decidiu
compartilhar a decisão com a família, o que não é obrigatório
segundo o ordenamento jurídico inglês.
Em verdade, a suspensão da alimentação e hidratação
artificial mostra-se como conflito recorrente ao redor do mundo. A
30
Suprema Corte indiana se manifestou sobre o tema em 2011 , ao
julgar o pedido de uma amiga da enfermeira Aruna Ramchandra
Shanbaug que, em 1973, ficou em EVP após ser vítima de agressão
dentro do seu recinto de trabalho que lhe gerou uma lesão irreversível
no tronco cerebral. O pedido foi ajuizado apenas em 2009 e
indeferido porque Suprema Corte Indiana entendeu não ter a
requerente legitimidade para fazer a solicitação em nome da
paciente, uma vez que essa estava sob cuidados médicos e não tinha

30
INDIAN SUPREME COURT. Aruna Ramchandra Shanbaug vs Union Of India &
Ors on 7 March, 2011. Disponível em: <http://indiankanoon.org/doc/235821/>,
acesso em 21 set. 2018.
69
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

familiares disponíveis. Aruna faleceu em 2015, após 42 anos em


EVP, por piora em seu quadro clínico decorrente de pneumonia31.
Já a Suprema Corte americana manifestou-se sobre o tema
em 1990 no julgamento do caso Nancy Cruzan 32, em 1983 Nancy
sofreu um acidente de carro que a deixou em coma por três semanas,
até sua situação clínica evoluir para o estado vegetativo persistente.
Seus pais e marido, representantes legais, conseguiram a
autorização judicial para a suspensão de tal procedimento.
Não há nenhum caso parecido com os narrados na
jurisprudência brasileira. Contudo, é possível defender que a
suspensão de AHA sob a perspectiva científica e também sob a
perspectiva jurídica, uma vez que o indivíduo em EVP deixou de ser
um sujeito biográfico e passou a ser apenas um sujeito biológico, sem
qualquer possibilidade de reversão do quadro.
É preciso entender que o paciente em EVP morre do
desfecho natural do quadro e não da suspensão de AHA pois se a
nutrição e hidratação artificial não tivesse sido iniciada a morte
ocorreria da mesma forma. Ou seja, a suspensão garante uma morte
digna, sem qualquer relação com a eutanásia, em igualdade de
condições com a suspensão de qualquer outro tratamento ou
procedimento cujo caráter seja apenas o prolongamento da vida
biológica.
Contudo, afim de evitar conflitos, sugere-se que as diretivas
antecipadas de vontade sejam encaradas como documentos
essenciais à garantia da autonomia dos paciente em fim de vida,
devendo ser feita por toda pessoa capaz, uma vez que a situação de
incurabilidade e irreversibilidade não está adstrita a pessoas idosas
ou à diagnósticos que possibilitam a manifestação de vontade
posterior, como o câncer. Os casos narrados demonstram que o EVP
se trata de situação não anunciada e que, portanto, necessita de
manifestação prévia de vontade.

31
Sobre o caso, recomenda-se a leitura de: DADALTO, Luciana; GUIRRO, Úrsula
Bueno de Prado. A morte digna na Índia: análise do caso Aruna Ramchandra
Shanbaug. In: DADALTO, Luciana; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coord.). Direito
e Medicina: A morte digna nos tribunais. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 125-
140.
32
US SUPREME COURT. Cruzan v. Director, MDH, 497 U.S. 261 (1990) Disponível
em:
<http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?court=us&vol=497&invol=261.>Ac
esso em 19 st. 2018.
70
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

REFERÊNCIAS
ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS. ANCP e Cuidados
Paliativos no Brasil. Disponível em: <http://paliativo.org.br/cuidados-
paliativos/cuidados-paliativos-no-brasil/>. Acesso em 18 set. 2018.
AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION. Medically Ineffective Interventions:
Physicians should only recommend and provide interventions that are medically
appropriate. Disponível em: <https://www.ama-assn.org/delivering-care/medically-
ineffective-interventions>, acesso em 25 set. 2018.
AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION. Persistent vegetative state and the
decision to withdraw or withhold life support: Council on Scientific Affairs and
Council on Ethical and Judicial Affair. Journal of the American Medical
Association, v. 263(3), p. 423-30, 1990.
ARAÚJO, Cynthia; COGO, Silvana. A morte digna na Alemanha: Análise do
caso Putz. In: DADALTO, Luciana; SÁ, Maria de Fátima Freire de (Coord.). Direito
e Medicina: A morte digna nos tribunais. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 25-38.
BARCELLOS DE MENEZES, Milene; SELLI, Lucilda; SOUZA ALVES, Joseane
de. Distanásia: percepção dos profissionais da enfermagem. In: Revista Latino-
Americana de Enfermagem, vol. 17, núm. 4, agosto, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 16 set. 2018.
BRASIL. Projeto de Lei do Senado PLS 236/2012. Anteprojeto de Código Penal.
Disponível em:<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/106404>, acesso em 26 set. 2018.
BRASIL. Projeto de lei do senado PLS 149/2018. Disponível em: <
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132773>, acesso
em 24 set. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.805/2006.
<http://www.portal medico.org.br/resolucoes/cfm/2007/111_2007.htm> , Acesso
em: 20 set. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.931/2009. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.htm>. Acesso
em 20 set. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1995/2012. Disponível:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf>. Acesso
20 set 2018.
DADALTO, Luciana. Investir ou Desistir: Análise da Responsabilidade Civil do
Médico na Distanásia. In: MILAGRES, Marcelo; ROSENVALD, Nelson.
Responsabilidade Civil: Novas Tendências. 2ª Ed. Indaiatuba: editora Foco, 2018,
p.503-513.
DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 4 ed. Indaiatuba: editora Foco, 2018.

71
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

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1084405-21.2015.8.26.0100/TJSP. In:Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 7, n. 2,
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74
ASPECTOS ÉTICOS E JURÍDICOS SOBRE A
RESPONSABILIDADE MÉDICA E A TEORIA DO
“MERO ABORRECIMENTO TEM VALOR”:
UMA ANÁLISE CONTEMPORÂNEA PARA SE EVITAR A
SUA EQUIVOCADA APLICAÇÃO
Graziela Tavares de Souza Reis 1

1 INTRODUÇÃO: A ORIGEM DA ÉTICA A PARTIR DE


HIPÓCRATES
A atividade médica origina-se como algo místico, com relatos
na função tribal do curandeiro, que era representado pelo sacerdote,
um líder religioso e figura respeitadíssima no seio de sua
comunidade. Ao sacerdote, cabia o privilégio de curar a doença e
remir a "culpa" do pecado. Compreendia-se a enfermidade como
castigo pela violação da vontade de Deus e ao líder espiritual da
comunidade primitiva cabia a virtude suprema e os preceitos éticos
consistentes na busca humana pela perfeição só pertencente ao
Supremo Criador. Tratava-se de um modelo teocêntrico em que
aquele que detinha poderes de cura tanto se aproximava.
Consta que uma escola médica surge de uma pequena ilha
do mar Egeu, na Grécia, no século V a.C., apontando como
paradigma de todos os médicos, Hipócrates. O grande mérito da
escola hipocrática foi o de separar a medicina da religião e da magia,
afastando as crenças em causas sobrenaturais das doenças e
fundando os alicerces da medicina racional e científica, prevalecendo

1
Advogada domiciliada em Palmas (TO). Graduada pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB).
Professora na Universidade Federal do Tocantins (UFT).
75
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

porém, a crença de que deveria ser exercida apenas por homens2,


tendo sido muito bem ilustrada a exclusão de gênero pela mitologia
3
grega e indicativa metaforicamente das falsas razões que

2
Madureira, Stéphanie Barros. Magia e gênero na mitologia grega:uma análise
comparada do uso dophármakon pelas feiticeiras Circe e Medeia (séculos VIII e V
a.C.)Disponível em
<http://www.ppghc.historia.ufrj.br/index.php/teses-e-dissertacoes/teses-e-
dissertacoes/dissertacoes/217-magia-e-genero-naliteratura-grega-uma-analise-
comparada-do-uso-do-pharmakon-pelas-feiticeiras-circe-e-medeia-seculos-viii-e-v-
a-c/file>p. 127/128, acesso em 09.10.2018. “Como mulheres que são habilidosas
na arte da magia e dos feitiços, observando a forma desmedida com que agem em
contraponto aos personagens masculinos de suas histórias, percebemos Circe e
Medeia como exemplos literários negativos, através dos quais os homens
buscavam conter e repreender essa prática. A associação do gênero feminino com
a feitiçaria seria facilitada pela própria natureza feminina, que é incompreendida e
temida: como Circe e Medeia, a feiticeira usa de seus conhecimentos para
subverter a ordem “natural” do mundo. Só pudemos compreender de maneira mais
satisfatória esta associação quando verificamos as temidas práticas femininas no
contexto da Atenas clássica; no que concerne ao uso do phármakon, verificamos
que ele é principalmente empregado em feitiços e magia do amor”.
3
Trabalho citado. Disponível em <http://www.ppghc.historia.ufrj.br/index.php/teses-e-
dissertacoes/teses-e-dissertacoes/dissertacoes/217-magia-e-genero-naliteratura-
grega-uma-analise-comparada-do-uso-do-pharmakon-pelas-feiticeiras-circe-e-
medeia-seculos-viii-e-v-a-c/file>p. 129/130, acesso em 09.10.2018. “Como
representações de feiticeiras, sendo exemplos para a literatura ocidental que
seguiu a tradição de Homero e Eurípides. Como mulheres marginais sem um kurios
e versadas nos conhecimentos farmacológicos e mágicos, a sua tímida conexão
mítica arcaica transformou-se e assentou-se nas tradições subsequentes,
conectando-as permanentemente. Percebemos essa transformação sobretudo por
meio das alusões a Circe homérica em Píndaro e Eurípides (BRACKE, 2009, p.99).
Assim, mesmo que estivessem conectadas à magia de formas distintas (Circe faz
uso de seus conhecimentos a seu bel-prazer, divertindo-se com o sofrimento dos
pobres homens que atracam em sua ilha; enquanto Medeia é lembrada
principalmente pelos assassinatos que comete) e que tivessem suas polarizações
transformadas ao longo de suas histórias (Circe é a astúcia feminina domesticada
por Odisseu, enquanto Medeia rebela-se contra a própria domesticação e retorna
aos costumes selvagens), as duas personagens passaram a ser percebidas
conjuntamente em mitos relacionados à magia grega. Sua ascendência titânica
também as colocava em um patamar diferente das outras divindades femininas,
aproximando-as muito mais da alteridade e selvageria. Os titãs, derrotados por
Zeus, dominavam outrora um mundo sem ordenação e, por conseguinte, sem
felicidade. Ao longo deste trabalho, percebemos como os poetas e filósofos
apresentavam a magia em termos polarizados, sobretudo relegado às mulheres e
aos estrangeiros. Uma vez que o discurso clássico acerca da magia foi
estabelecido, Circe e Medeia representaram de maneira ímpar a imagem
polarizada da feiticeira, já que estavam tradicionalmente conectadas “à pharmakeia
e à transgressão dos limites geográficos e de gênero” (BRACKE, 2009, p. 94). Os
períodos subsequentes continuaram a apresentá-las como talentosas mulheres
feiticeiras, atribuindo um caráter ainda mais ardiloso às duas. A elas seguiu-se uma
tradição de bruxas e feiticeiras que almejavam alcançar o mesmo grau de
76
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

retardariam às mulheres o direito de serem respeitadas como aquelas


que têm o dom ou a técnica de cura.
O desenvolvimento de uma escola médica deu um sentido de
dignidade à profissão, estabelecendo as normas éticas de conduta
que devem nortear a vida dos profissionais médicos. No “Corpus
Hippocraticum”, há sete livros que tratam exclusivamente da ética
médica. São eles: Juramento; Da Lei; Da Arte; Da Antiga Medicina;
Da Conduta Honrada; Dos Preceitos e Do Médico. Castiglioni apud in
Rezende (2009, online).

Sobressai dentre eles o Juramento, a ser proferido por todos aqueles


considerados aptos a exercer a medicina, no momento em que são
aceitos como tal por seus pares e admitidos como novos membros da
classe médica. O juramento hipocrático é considerado um patrimônio
da humanidade por seu elevado sentido moral e, durante séculos, tem
sido repetido como um compromisso solene dos médicos, ao
4
ingressarem na profissão (...)

conhecimento, sobretudo, como mencionamos ao longo da pesquisa, na


documentação helenística e romana. A partir de Circe e Medeia, lugares como a
Cólquida e a Tessália tornaram-se lugares usualmente conectados à feitiçaria
feminina-mesmo quando nenhuma das personagens estava relacionada ao
enredo–sendo frequentemente locais de nascimento de bruxas posteriores. Como
representações sociais de feiticeiras, as bruxas fazem parte de um processo
discursivo que objetiva moldar o gênero feminino às noções masculinas do que
seria ou não devido. Ao contrário de personagens como Penélope e Alceste,
modelos da boa esposa que fazem uso dos artifícios inerentes ao seu gênero para
honrar seus maridos, Circe e Medeia reforçam as piores características relegadas
às mulheres. Mesmo que Circe se torne benfazeja ao ser subordinada pela astúcia
e a magia usada por Odisseu, ela não consegue superar a perfeita Penélope, a
quem o coração de herói anseia por reencontrar”.
4
Juramento de Hipócrates: Juro por Apolo Médico, por Esculápio, por Higeia, por
Panaceia e por todos os deuses e deusas, tomando-os como testemunhas,
obedecer, de acordo com meus conhecimentos e meu critério, este juramento:
considerar meu mestre nesta arte igual aos meus pais, fazê-lo participar dos meios
de subsistência que dispuser, e, quando necessitado com ele dividir os meus
recursos; considerar seus descendentes iguais aos meus irmãos; ensinar-lhes esta
arte se desejarem aprender, sem honorários nem contratos; transmitir preceitos,
instruções orais e todos outros ensinamentos aos meus filhos, aos filhos do meu
mestre e aos discípulos que se comprometerem e jurarem obedecer a Lei dos
Médicos, porém, a mais ninguém. Aplicar os tratamentos para ajudar os doentes
conforme minha habilidade e minha capacidade, e jamais usá-los para causar dano
ou malefício. Não dar veneno a ninguém, embora solicitado a assim fazer, nem
aconselhar tal procedimento. Da mesma maneira não aplicar pessário em mulher
para provocar aborto. Em pureza e santidade guardar minha vida e minha arte. Não
usar da faca nos doentes com cálculos, mas ceder o lugar aos nisso habilitados.
Nas casas em que ingressar apenas socorrer o doente, resguardando-me de fazer
77
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Todavia, para se desemaranhar as problemáticas nas


relações médico-pacientes contemporâneas, é necessário lidar com
uma crítica a esse juramento, reconhecendo um caráter paternalista,
o próprio equívoco de que o médico traria consigo um dom ou poder
sobrenatural, que não contribui para a análise ética e jurídica dessa
relação entre a atividade médica e pacientes na modernidade,
impossibilitando assim, a percepção que o profissional médico
também é humano, com suas limitações e debilidades.
Nesse sentido, importante crítica trazida pelo artigo fruto de
pesquisas do “Grupo de Investigaciones Jurídicas, Facultad de
Ciencias Jurídicas, Universidad Católica de Temuco, Chile”, em
5
destaque :

Es el profundo significado ético de los antigos códigos deontológicos


que, desde el famoso juramento Hipocrático, ayudaron a otorgarun
carácter sacrosanto a laprofesióndel galeno, la cual se traducía
em un paternalismo absoluto del médico sobre el enfermo, siendo
considerado este último como una persona carente de derechos
sanitarios, convirtiéndolo em un mero objeto de cuidados de
salud. Em estos códigos, la palabra “derecho”, referida a los enfermos,
no tiene cabida, ya que las obligaciones que le son exigidas al
facultativo médico emanan de la grandeza de una profesión que lo
pone al servicio del hombre enfermo, y no como una respuesta al
derecho del enfermo de ser atendido médicamente. De esta forma, el
sujeto enfermo, tal como es descrito em dichos códigos deontológicos,
aparece como un individuo humano carente de capacidad de

qualquer mal intencional, especialmente ato sexual com mulher ou homem,


escravo ou livre. Não relatar o que no exercício do meu mister ou fora dele no
convívio social eu veja ou ouça e que não deva ser divulgado, mas considerar tais
coisas como segredos sagrados. Então, se eu mantiver este juramento e não o
quebrar, possa desfrutar honrarias na minha vida e na minha arte, entre todos os
homens e por todo o tempo; porém, se transigir e cair em perjúrio, aconteça-me o
contrário.
5
Tradução livre da autora. É o profundo significado ético dos antigos Códigos de
Ética, desde o famoso juramento de Hipócrates que ajudou a fornecer um caráter
sacrossanto para a profissão do médico, que resultou em um paternalismo absoluto
sobre o paciente, a natureza sendo considerado o último como um pessoa sem
direitos de saúde, tornando-se um mero objeto de cuidados de saúde. Nestes
códigos, a palavra "direito", referindo-se ao doente, nenhum lugar, porque as
obrigações são você exigiu do médico que emana a grandeza de uma profissão
que coloca a serviço do homem doente, e não um resposta ao direito do paciente
de ser medicamente tratado. Assim, o sujeito doente, como descrito nestes códigos
de conduta, aparece como uma falta de discernimento indivíduo humano e decisão,
que estava completamente nas mãos de cura do médico (...). Como obser vado por
alguns, é intrigante que grande parte do século XX, o antigo juramento de
Hipócrates, com seu mantra de paternalismo benevolente.
78
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

discernimiento y decisión, que se entrega completamente a las manos


sanadoras del médico (...). Como observan algunos, es desconcertante
que hasta buena parte del siglo XX el antiguo juramento Hipocrático,
consu mantra de paternalismo benévolo.

Percebe-se, portanto, que contemporaneamente o paciente


deve ser respeitado em sua dignidade humana, respeitado em suas
individualidades, com capacidade de discernimento.

2 O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA BRASILEIRO E A PROFISSÃO


MÉDICA
A ética, que pode ser definida como ciência normativa do
certo e do errado no comportamento humano, torna-se quase
indissociável da religião por sua carga moral e já se confundiu com
ela, no passado, representando um capítulo da filosofia aberto para a
reflexão sobre o sentido da conduta e da existência humanas.
O Código de Ética Médica visa definir um regramento
necessário para que essa atividade tão nobre seja orientada por
princípios fundamentais, já inaugurando suas normas destacando o
caráter humano e coletivo da profissão: “A Medicina é uma profissão
a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida
sem discriminação de nenhuma natureza” (Código de Ética Médica,
Brasil, online).
Para Boff (2003), o homem está mergulhado na experiência
ética ou moral, vive-a no meio de ambiguidade e conflitos. Assim, a
ética, que vem do grego ethos, consiste na teia das relações sociais
em que o homem nasce e se desenvolve. A ética, portanto, é a
reflexão questionadora da realidade que circunda o ser humano,
englobando suas experiências, vivências, dilemas, problemas e as
relações sociais no mundo, da vida e do trabalho.
A moralidade, o que é visto como certo ou errado na conduta
médica por parte dos pacientes e da sociedade, será um acervo de
normas habituais de condutas em determinado tempo e lugar. Os
profissionais médicos sujeitam-se a uma série de condutas e posturas
materializadas no Código de Ética e também situadas ou
circunstanciadas pela forma de se perceber de seus pacientes. Uma
transgressão ética, quase sempre levará a uma consequência
jurídica.

79
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Na contemporaneidade, tem-se que condutas e práticas


médicas muitas vezes são discutidas nas redes sociais e essa falsa
erudição eletrônica pode dar ao paciente a falsa crença de que pode
ou de que até deve discutir a conduta médica adotada. Nesse
contexto, analisando-se os limites do profissional e do paciente, a
realidade que nos cerca, os valores morais e a definição de danos
pelo direito brasileiro, analisar-se-á se a teoria “mero aborrecimento
tem valor” pode e deve ser aplicada no momento em que se discutir a
responsabilidade civil médica.
Como visto, ética e medicina são indissociáveis na origem,
compreendendo-se que a atuação médica sempre foi decorrente da
6
própria solidariedade humana.
Quanto ao surgimento do ensino da ética em medicina em
nosso país, não há registro histórico adequado e disponível,
ressalvado o ensino da medicina legal nos primórdios do século XX e
vai regulamentar também a relação médica com seus pacientes.
O direito posiciona-se definindo que a atividade médica, por
ser científica e exercida por profissionais liberais, não pode ser uma
atividade empresarial, não lhe sendo autorizado o objetivo de lucro;
ao contrário, é definida como uma atividade orientada pelo direito
civil, que defende a justa contraprestação financeira por sua
realização, sem, contudo, lhe autorizar o caráter mercantil.

3 RESPONSABILIDADES JURÍDICAS
O profissional médico dispõe de direitos sobre a vida e a
morte do semelhante; responsabiliza-se por ela, poder atribuído pelo
próprio Estado, no propósito de levar a cura, o prolongamento da
vida, a minoração do sofrimento. Todavia, esse mesmo Estado
adverte que o erro ou omissão, que possam redundar em danos ou
na própria morte do paciente, serão responsabilizados, devendo
6
Surge daí a construção do “princípio da afeição”, com a relação subjetiva fora dos
estreitos limites do indivíduo. O princípio em sua origem antropológica representa,
a rigor, uma estratégia de preservação da espécie ou se traduz em defesa coletiva
das partes solidárias, onde o "todo é maior do que a soma das partes" e se destaca
o princípio da sobrevivência da unidade maior (espécie) por meio da defesa da
unidade menor (indivíduo). Conforme monografia apresentada no curso de
especialização em formulação e gestão de políticas públicas, na Universidade
Estadual de Londrina, disponível em
<http://www.escoladegestao.pr.gov.br/arquivos/File/artigos/saude/proposta_de_imp
lantacao_da_comissao_de_etica_em_enfermagem.pdf>acesso em 10.10.2018.
80
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

averiguar-se se foi configurada a culpa, por atitude involuntária, ou o


dolo.
Daqui surge toda a construção da responsabilidade civil
médica, trazendo o elemento subjetivo da culpa como preponderante
a se definir se há ou não a prática de um ato ilícito contra o paciente,
atendendo ao disposto no artigo 14, §4º da lei 8.078/90, que
normatiza que a responsabilidade dos profissionais liberais seja
averiguada por meio da constatação de culpa.
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 951, aplicável a
atividade médica, define o dever de indenizar quando, no exercício da
atividade profissional, agir com negligência, imperícia ou imprudência,
causando a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou
7
inabilitá-lo para o trabalho.
O artigo 186 do Código Civil, que versa acerca do ato ilícito
praticado por terceiro, assim dispõe: “Art. 186. Aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.”
Desta forma, o ato ilícito que gera o dever de indenizar aquele
a quem se fez prejudicado, deve advir de uma ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência que viola o direito de outrem.
Mariana Pretel, em “A responsabilidade civil do médico: a
8
culpa e o dever de informação ”, traz dados estatísticos sobre a
judicialização de problemas decorrentes dessa relação médica e
destaca o direito do paciente à informação:

Recentes publicações estatísticas demonstraram a existência de um


aumento demasiado do número de denúncias e processos por
reparação civil envolvendo médicos e hospitais. Todavia, também foi
registrado que apenas 20% (vinte por cento) das ações judiciais sobre
o tema são julgadas procedentes. Estes dados nos conduzem a uma
reflexão do tema, devendo ser relevado, mais do que nunca, que a

7
Código Civil Brasileiro. Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se
ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade
profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente,
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho
8
Pretel, Mariana. Da responsabilidade civil do médico - a culpa e o dever de
informação. Disponível em
<http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=151_Mariana_Pretel&ver
=641>
81
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

responsabilidade civil do médico (bem como de qualquer profissional


liberal) é puramente subjetiva e que, muito importante nesta relação de
consumo e de confiança é a informação – o diálogo e o esclarecimento
entre as partes.

Pretel, também citando Marcos Vinícius Coltri (2010),


acrescenta:

Dados estatísticos trazidos por Marcos Vinicius Coltri (2010) em seu


ensaio “Alerta no Centro Cirúrgico”, demonstram que, no estado de
São Paulo, houve o crescimento de 75% (setenta e cinco por cento) no
número de denúncias e processos judiciais e de 120% (cento e vinte
por cento) no de processos ético-profissionais, na última década.
Todavia, as mesmas estatísticas revelam que somente 20% (vinte por
cento) das ações são procedentes. Em verdade, grande parte das
demandas estaria fundada na alegação de falta de informação por
parte do profissional liberal.(grifo nosso).

Gustavo Tepedino (2003) também destaca que a


necessidade do dever de informação refere-se ao esclarecimento dos
riscos do tratamento, a ponderação quanto às vantagens e às
desvantagens da hospitalização ou das diversas técnicas a serem
empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e ao
quadro clínico e cirúrgico. Ressalva, porém, que esse dever de
informação pode ser afastado se puder afetar psicologicamente o
paciente.
A prestação de serviços médicos está submetida ao Código
de Defesa do Consumidor e como todas as atividades lícitas, também
é orientada pela boa-fé objetiva, que também auxiliará na análise se
determinado aborrecimento sentido pelo paciente deve ou não ser
considerado como um dano moral hábil a ser indenizado. Nesse
contexto, deve o profissional médico saber que o paciente tem o
direito de conhecer eventuais riscos e complicações possíveis para o
seu quadro de saúde, bem como, as razões do tratamento indicado e
os seus respectivos custos. Todavia, devem ser ponderadas
situações em que haja emergências que impeçam essa fase pré-
contratual. Quanto à fase pós-contratual, ainda boa-fé objetiva
reclama que o profissional médico conserve o prontuário e o dever
ético de manter sigilo quanto ao diagnóstico e tratamento.

82
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Todavia, no entremeio desses cuidados, vem a relação


médico-paciente, que outrora, não permitia quaisquer
questionamentos e hoje, já reclama por parte de alguns
doutrinadores, ser razoável a apresentação de justificativas ou
explicações acerca de condutas e técnicas a serem utilizadas, como
única forma a cumprir o dever de prestar informações ao paciente.
No Curso Didático de Direito Civil, Donizetti e Quintella
(2017)trazem uma metáfora muito interessante para se compreender
a Responsabilidade Civil e o cuidado para não fundamentá-la no
dano em si, mas na existência real de culpa. Destacam: “a grande
maioria das pessoas que lê Dom Casmurro tendo antes ouvido a
história do romance termina a leitura convicta de que Capitu traiu
Bentinho. Todavia, quem lê a obra com imparcialidade percebe que
não há nenhuma evidência da traição na narrativa”. E continuam: “ o
mesmo se passa, mutadis mutandis, com a discussão do fundamento
da responsabilidade civil no Direito brasileiro. Os civilistas pátrios, à
quase unanimidade, asseveram que o fundamento da reparação do
dano não é o próprio dano, senão a culpa.
Para a caracterização de responsabilidade civil de um médico
a um prejuízo causado ao paciente é necessária a presença de
quatro pressupostos, quais sejam, o ato lesivo, o dano, o nexo causal
e a culpa. Quando estes pressupostos aparecerem
concomitantemente gera-se a obrigação judicial de indenizar. Na
ausência de um deles pode não ser caracterizada a
responsabilização por parte do profissional. Para que seja verificado o
nexo causal, deve haver uma conduta médica que cause um evento
danoso e existir, entre esta conduta e o evento, qual seja, o dano ao
paciente, uma relação de causa e efeito.
A valorosa lição de Sílvio de Sálvio Venosa (2002) assevera
que:

O nexo causal ou relação de causalidade é o liame que une a conduta


do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que
concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento
indispensável.

Entretanto, nem sempre, os danos causados ao paciente


devem ser atribuídos ao médico, pois podem surgir intercorrências
invencíveis, mesmo quando o profissional agir com a melhor
83
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

prudência, diligência e perícia no atendimento ao paciente. São


intercorrências inevitáveis, causadas por motivos que fogem do
controle médico, que independem do cirurgião.
Nesse contexto, acatar a teoria de que o mero aborrecimento
deve ser indenizado pode trazer uma sobrecarga de responsabilidade
para a atividade médica, lembrando ainda que essa atividade pode
ser ainda mais desafiada se realizada na prestação pública de
serviços de saúde. Nesse sentido, um depoimento retirado das redes
9
sociais :

Certamente, caro Marcel, muitas pessoas ainda hoje se referem aos


médicos como "deuses", até mesmo chegam a acreditar que o são na
realidade. Basta você comparecer à uma emergência lotada de um
hospital público, no momento em que um médico está saindo para
almoçar, depois de trabalhar exaustivamente, sem os mínimos
recursos, por cinco ou seis horas seguidas (...) Muitas pessoas
acreditam que médicos são deuses, que não precisam se alimentar,
que não se cansam nem se desesperam, enfim, que são perfeitos.
Precisamos de juízes e advogados que compreendam melhor as
condições de trabalho dos médicos ordinários, que enfrentam a dura
rotina dos hospitais públicos, muito diferentes dos médicos que
atendem em consultórios climatizados, com música ambiente e com
hora marcada para atender seus pacientes. São dois universos
completamente diferentes, deveriam ser julgados de formas
completamente diferentes, considerando a urgência e as dificuldades
de cada situação (...) As pessoas que não são da área da saúde
geralmente desconhecem o ambiente de estresse e a pressão de
tempo a que somos submetidos, muitas vezes realizando, sem
acesso a qualquer prova contundente, um julgamento a cada minuto,
à medida em que o paciente vai piorando na nossa frente em
hospitais muitas vezes sucateados (...)

E seguem as realistas ponderações:

Imputar ao médico as querelas do nosso sistema de saúde, de onde


são desviados bilhões de dólares a cada ano por políticos corruptos e
encobertados pelo sistema judiciário, buscando responsabilizá-lo de
forma leviana (ainda que por culpa levíssima) é, no mínimo, uma
atitude desprezível da parte da magistratura e incentivar a população
a fazer isso através de um artigo como esse também o é.
A relação médico-paciente é sagrada sim, sempre foi erguida na

9
Comentários ao artigo. Disponível em
<https://www.jusbrasil.com.br/comentarios/413770201>, acesso em 08.10.2018.
84
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

confiança entre as partes e quem já teve um ente querido salvo de


alguma doença grave ou situação crítica, ainda que com sequelas,
geralmente trata o doutor ou a doutora de forma diferente, como um
ser iluminado por Deus para agir naquele momento de necessidade,
o qual muitas vezes tratam como "milagre".

4 O ATO MÉDICO E A OBRIGAÇÃO DE MEIO


É cediço que a obrigação do médico na prestação de seus
serviços, via de regra, é de meio, ou seja, o médico assume a
obrigação de prestar um serviço de acordo com a sua "lexartis"
(literatura e regras da ciência), com zelo, cuidado, atenção e
diligência exigida pelas circunstâncias, de acordo com os recursos
que dispõe. Porém, este não se compromete com a obtenção de
certos resultado/cura. Conclui-se, a responsabilidade civil do médico
não é idêntica a de outros profissionais, já que sua obrigação é de
meios e não de resultados. A vida e saúde humanas são ditadas por
conceitos não exatos, há diversos fatores aleatórios que interferem na
prestação do serviço médico.
O profissional obriga-se apenas, portanto, a empregar todo o
seu esforço e atenção e a utilizar as técnicas consagradas e aceitas,
não devendo fazer experimentos ou experiências, dele se exigindo
apenas o melhor tratamento e a diligência necessária. Ou seja, o
dever médico cinge-se ao profissional obrigar-se apenas a empregar
todo o seu conhecimento, que deve ser atualizado e científico com
vistas a mais rápida e menos sentida recuperação do paciente.
Todavia, o resultado está além do seu controle, muitas vezes.

5 ERRO MÉDICO, COMPLICAÇÃO MÉDICA E O ERRO


ESCUSÁVEL
A doutrina já destaca a diferença entre erro médico, acidente
imprevisível e mal resultado. Além disso, pondera-se sobre o erro
escusável.
O acidente imprevisível provoca um resultado lesivo
decorrente de caso fortuito ou força maior, fora de toda qualquer
previsibilidade e por isso, inevitável.
O mau resultado é decorrente de uma situação incontrolável,
próprio da circunstância e da evolução do caso, limitado ao que a
ciência pode oferecer tecnicamente no momento. Daqui decorre o

85
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

entendimento que o razoável é exigir-se dos profissionais médicos


que tenham a obrigação de meio (disporem de toda a técnica e zelo
para o exercício da sua profissão), mas, não a obrigação de
resultado. Assim se posiciona a doutrina sobre a responsabilidade
civil da atividade médica, mundo afora.
O erro, já pressupõe a falta de cuidado, traduzido pela prova
inexorável da ocorrência de imprudência, negligência ou imperícia,
modalidades da culpa que se reconhecidas, indicam a
responsabilidade subjetiva do agente, que seria, respectivamente, a
realização do ato médico sem os cuidados necessários; a omissão
sobre alguns deveres de cuidado e de zelo ou a falta de técnica
suficiente para alcançar o resultado pretendido.
A interpretação mais extensiva que se pode dar a um caso,
por exemplo, é a de que a perfuração no intestino delgado pudesse
ser um “erro”. Contudo, considerando as condições do próprio
paciente, ainda se fala em casos como esses admitido como um erro,
seria esse, um erro escusável, que se traduz no erro profissional, que
resulta das incertezas e imperfeições da arte e não da negligência ou
imprudência do profissional. A imperfeição da ciência é uma
realidade, e o erro deve ser imputado às limitações naturais da
ciência.
O profissional médico responde pelos atos intencionais ou
culposos que pratica no exercício de sua atividade e que gerem
danos ao paciente, a responsabilidade do profissional é subjetiva, ou
seja, deve-se comprovar que sua conduta fora culposa, caracterizada
por imperícia, negligência ou imprudência. Logo, se inevitável frente
às condições existentes, esse “erro” não tem a força de caracterizar o
liame entre o ato e o dano, não formalizando quaisquer das
modalidades de culpa e afastando, por conseguinte, qualquer dever
de reparação. A comparação entre erro e culpa acarreta uma
objetivação velada da responsabilidade civil médica, assim, se faz
necessária a releitura deste conceito, para adequá-lo à realidade. Vê-
se que, o médico, e não só o paciente, será igualmente vulnerável
frente aos obstáculos que a subjetividade e a imprevisibilidade
inerentes ao organismo humano são capazes de criar.
Para caracterização do dever de indenizar são necessários
alguns requisitos, como: dano ao paciente; a ação do profissional
médico; o nexo/ liame de ligação de causa e efeito entre a ação do
médico e o dano ao paciente; e culpa do profissional.

86
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Culpa é a inobservância do dever de cuidado, que pode se


materializar através da imprudência, negligência e/ou imperícia. Os
princípios éticos nas práticas de saúde trazem os princípios da
bondade, da discrição, da justiça, do respeito do conhecimento
universal e introduzem-se no exercício efetivo do ofício de curar.
Contudo, nem sempre esse resultado pode ser alcançado, por
condições e complicações afetas ao próprio paciente e nem sempre
essa relação é afetiva e, ainda, nem sempre satisfaz ao paciente, sob
o aspecto relacional e não médico em si. Do mesmo modo, nem
todos pacientes respeitam os médicos ou médicas (e aqui, retorna-se
para uma questão de gênero, também importante) e nem todos
pacientes agem com civilidade ou cordialidade.

6 CONTEMPORANEIDADE: A RELAÇÃO MÉDICA E OS


PACIENTES DE HOJE
Até alguns anos atrás, o médico praticava medicina usando o
que ele considerava ser o mais conveniente, muitas vezes
simplesmente informando ou muitas vezes desconsiderando a
vontade do paciente. O paciente, por sua vez, não questionou ou
contradisse as instruções do médico aceitando os tratamentos e
indicações, entregando-se inteiramente ao médico assistente. Essa
visão paternalista do exercício da medicina pode ser reduzida no
axioma "tudo para o paciente, mas sem o paciente". A assimetria das
informações favoreceu um pequeno litígio, os pacientes assumiram
com resignação os efeitos adversos dos procedimentos médicos sem
analisar principalmente se estavam enfrentando negligência médica
ou risco inerente ao tratamento. Sobre o paciente estar cada vez mais
insurgente sobre as posturas médicas, o destaque:

Los avances en las ciencias y tecnologías médicas han potenciado las


expectativas de los pacientes que hoy muchas veces pretenden se
legaranticen los resultados de los tratamientos y procedimientos
médicos. El paciente está cada vez más reticente a tolerar sobre sí
mismos los efectos adversos de um tratamiento, sin importarle si el
mismo deriva o no de una negligencia médica o del médico tratante, el
paciente aspirará, con o sinrazón, a um resarcimiento y asea del
10
médico o del centro médico hospitalário (grifo nosso).

10
Tradução livre da autora. Os avanços nas ciências e tecnologias médicas tem
potencializado as expectativas dos pacientes que hoje, muitas vezes pretendem
que lhes seja garantido os resultados dos tratamentos e procedimentos médicos. O
87
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Daqui surge um ponto preponderante: o que pode ser um


aborrecimento, decorrente dessa relação médica, hábil a ensejar
indenização por dano moral? O que pode ser ofensivo para o
paciente, ao questionar ou interpelar o profissional médico sobre sua
conduta e se parece razoável que meros aborrecimentos decorrentes
dessa relação devam ser indenizados?

CONCLUSÃO
Vê-se que a relação médica com seus pacientes não mais
traduz-se em uma relação de absoluta autoridade, paternalista e a ela
atribuído um caráter místico. Ao mesmo tempo, o direito dos
pacientes à informação sobre os tratamentos e procedimentos a que
serão submetidos está normatizado como dever jurídico inafastável.
A profissão médica tem sido mais democratizada, exercida
por homens e mulheres e alcançando pessoas que tiveram a
oportunidade de serem esclarecidas, pela educação formal, ou não.
Esses pacientes devem ser respeitados em sua individualidade,
dentro dos limites para o exercício profissional e nos propósitos
humanistas trazidos pelo próprio Código de Ética Médico.
Contudo, a responsabilidade médica é subjetiva,
fundamentada na teoria da culpa e a aplicação da teoria de que “o
mero aborrecimento deva ser indenizado”, ao que parece, é
questionável aqui, pois o que fundamenta eventual erro ou
negligência médica é a prova contundente do nexo causal de seus
atos ou omissões com danos à saúde evidentes. Eventuais desgastes
nessa relação, que por sua complexidade, também indica a
dificuldade muitas vezes do profissional médico descrever ou
pormenorizar todas as condutas que entende oportunas e aplicáveis
ao caso, por tudo o que se ponderou, desde Hipócrates até a doutrina
da responsabilidade civil atual, não deveriam ser considerados como
danos indenizáveis.
A jurisprudência do “mero aborrecimento” enfatiza as
consequências emocionais de um dano, onde o termo sugere que o
bem ou interesse jurídico lesado, mesmo que atingido de maneira

paciente está cada vez mais reticente a tolerar sobre si mesmo os efeitos adversos
de um tratamento, sem importar se o mesmoderiva ou não de uma negligência
médica, o paciente, aspirará, com ou sem razão, a um ressarcimento do médico ou
10
do centro médico hospitalar.
88
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

leve ou superficial, mas hábil a deixar consequências emocionais


(dor, sofrimento, humilhação, vexame, angústia etc.) deveriam ser
sopesadas e consideradas como suscetíveis de indenização.
Todavia, essas circunstâncias podem trazer muito desconforto na
relação médico-paciente, que muito mais do que uma relação de
consumo e mercantil, é uma relação de cura, cuidado e humana.
Ademais, as condições de trabalho peculiares na rede de saúde
pública, em muitos casos, adversas em sua maioria ao exercício ideal
da atividade médica, devem ser sopesados para afastar eventuais
interpretações de danos morais reclamados em desfavor dos
médicos, que padeciam de culpa ou dolo, ou mesmo de dolo
eventual.
É evidente que todo abuso, desrespeito, arrogâncias nessas
relações, devem ser apreciadas pelo direito, contudo, deve haver
cautela para não se banalizar chateações próprias de quem está
vulnerável, desconhece as teorias científicas do tratamento que lhe
deva ser aplicado, emocionalmente frágil e interpretar tudo como se
dano moral fosse.

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2003.
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89
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, volume 4, 2ª Ed. São Paulo: Editora Atlas,
2002.

90
A RESPONSABILIDADE
ÉTICO-COMPORTAMENTAL DO MÉDICO
Osvaldo Pires G. Simonelli 1

INTRODUÇÃO
A prática médica é um reflexo da sociedade. A partir desta
afirmação podemos concluir que aquilo que exigimos do profissional
nada mais é do que a representação quanto aos anseios decorrentes
da nossa própria vida e a forma com que enxergamos o mundo.
O comportamento que exigimos do profissional médico é,
portanto, um espelho do ambiente que convivemos e, neste aspecto,
é possível compreendermos os avanços da medicina, bem como sua
estagnação em alguns momentos da história.
O homem é uma obra incrível. Contudo, no mundo ocidental,
é visto como uma máquina potente, uma incomparável e complexa
conjuntura de sistemas bioquímicos absolutamente afinados,
enquanto no lado oriental do planeta há um componente de equilíbrio
nesta máquina, baseado na “energia”.
E neste contexto complexo está inserido o médico,
profissional que se dedica a compreender o intrincado funcionamento
deste mecanismo enérgico-biológico, se nos for autorizado unir a
medicina ocidental com a oriental, sempre com vistas a combater o
grande mal da humanidade: a morte.
E, partir desta concepção, no sentido de que ao médico
incumbe zelar e proteger a saúde dos cidadãos conceituados como
“comuns”, evidentemente há a inevitável atração da responsabilidade,
da exigência social quanto a um comportamento absolutamente
ímpar do denominado “profissional da medicina”.

1
Mestre em Ciências da Saúde pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp.
Especialista em Direito Processual Civil e Direito Público pela Escola Paulista da
Magistratura/SP. Advogado do Cremesp. Chefe do Departamento Jurídico do
Cremesp (2005-2015). Superintendente Jurídico do Cremesp (2016-2018).
Coordenador de Cursos e Professor na área do Direito Médico e da Saúde.
91
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

O trabalho a ser realizado é justamente desmistificar a


responsabilidade médica sob o aspecto comportamental na medida
em que ela corresponde – ou deveria corresponder – à exata
obrigação inerente à atividade ou àquilo que a sociedade, a cada
momento histórico, assim exige, sob a perspectiva da fiscalização por
intermédio do Conselho Profissional.

2 A FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL

2.1 O COMPORTAMENTO ÉTICO-PROFISSIONAL

As culturas sempre tiveram a necessidade de possuir algum


profissional que cuidasse de seus enfermos, mesmo que sob diversas
denominações a partir dos curandeiros gregos. Aqueles que
possuíam alguma forma de conhecimento a respeito do corpo
humano, ainda que ligado a uma questão de divindade ou contato
direto com os Deuses, assenhoreavam grande respeito entre a
comunidade, mas também a responsabilidade correspondente.
Aliás, no próprio texto bíblico, em Lucas 12:48, a
responsabilidade é tratada de maneira muito clara: “A quem muito foi
dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais
será pedido.” Atravessando alguns séculos, Winston Churchill
afirmava que “O preço da grandeza é a responsabilidade.”
Torna-se simples até compreender a exigência
comportamental do médico a partir de um olhar histórico, na medida
em que não há como retirar o médico do contexto social em que está
inserido; aliás, a sociedade sempre tendeu a caminhar a partir do
olhar da medicina.
Quando a medicina era algo divino, do médico era exigido um
conhecimento com características sobrenaturais, estando
invariavelmente à frente do que as pessoas comuns poderiam
compreender, dada as características divinas de suas condutas.
E assim é o que se espera hoje, baseado não mais em
conceitos supradivinos, mas na tecnologia. Enquanto os médicos
eram os interlocutores dos deuses na terra, hoje, são os grandes
condutores dos avanços tecnológicos.
Noutra via, com a ascensão da indústria dos dispositivos
médicos, da inteligência artificial e dos fármacos, conjugada com a

92
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

disseminação de informações através da internet, a sociedade exige


do médico um conhecimento quase impossível de se acompanhar e
manter-se absolutamente atualizado, colocando o profissional em
posição delicada quando em algum momento demonstra ter menos
conhecimento do que seu paciente.
Esta configuração da atual medicina, que tem colocado o
médico em posição horizontal ao seu paciente, demanda cuidado
pois, como via de consequência, tem-se exigido do profissional
responsabilidade em patamar superior ao que de fato deveria
corresponder à sua atuação e formação.
Há, de fato, uma perda histórica de poder, que é retirada das
mãos do profissional, passando a ser compartilhada com o paciente,
muitas vezes numa relação absolutamente injusta, na medida em que
o conhecimento da medicina advém de uma longa e penosa busca da
verdade na natureza, na sociedade e nos seres humanos.
Fato é que, ao médico, frente a sociedade cada vez mais
exigente como um todo, é imposto um comportamento acima da
média, talvez, em alguns momentos, superior às expectativas reais,
estabelecendo um contexto fantasioso a partir de realidades virtuais,
intangíveis, mas sempre lastreada na histórica guerra entre a vida e
morte, cujo ator principal é a medicina.
Ao longo dos anos e, principalmente com o aprimoramento
dos conceitos jurídicos, a “Ética” foi se distanciando conceitualmente
da “Moral”, na medida em que enquanto aquela destinou-se a cuidar
das exigências sociais comportamentais, esta vinculou-se a uma
regra não codificada de convívio social, sem qualquer forma de
exigência coercitiva ou forçada.
E esta passou a ser a grande diferença jurídica entre os
conceitos: a codificação sob o formato de norma.
Muitas são as regras brasileiras punitivas voltadas ao
comportamento ético, ainda que não assim denominadas
expressamente, como por exemplo a Lei de Improbidade
Administrativa, a Lei de Responsabilidade Fiscal; todas estas são
normas de condutas éticas, voltadas aos gestores públicos que, se
não observadas, tipificam crimes específicos.
Aliás, a ética aristotélica tinha como premissa sempre o
comportamento benéfico voltado à polis, ou seja, a uma composição
de ordem política.

93
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

No campo do exercício profissional, o Brasil adotou como


regra a criação de Conselhos Profissionais que, a partir do modelo
norte-americano de regulamentação de setores, estabeleceu regras
próprias ao exercício profissional, impondo a algumas profissões
obrigações específicas e próprias relacionadas ao comportamento
profissional e exigidas como regra ao próprio exercício da profissão.
Assim, o comportamento passa, então, a ser alvo de
fiscalização estatal.

2.2 OS CONSELHOS DE MEDICINA


A partir de um Decreto-Lei, de n. 7.955/45, surgem os
Conselhos de Medicina, “destinados a zelar pela fiel observância dos
princípios da ética profissional no exercício da medicina” (art. 1º.).
Após um curto período e sem grandes avanços em termos de
estruturação de tais órgãos, em 1957, por intermédio da Lei Federal
n. 3.268, surgem os Conselhos de Medicina sob a forma com que
conhecemos atualmente e configuração jurídica de “Autarquia
Federal”, missionados com uma amplitude muito maior em relação à
norma anterior.
A lei trouxe a previsão que os Conselhos seriam

os órgãos supervisores da ética profissional em tôda a República e ao


mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica,
cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo
perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito
da profissão e dos que a exerçam legalmente. (art. 2º.).

A partir de então, aos Conselhos de Medicina foi conferida a


responsabilidade de registrar os profissionais médicos para o
exercício da profissão, elaborar um Código de Deontologia Médica de
observação compulsória, com possibilidade de cassação do exercício
profissional, ante a inobservância quanto aos preceitos éticos da
profissão.
O comportamento médico passou a ter um status então de
norma jurídica, coercitiva e punitiva, a partir de um órgão do Estado,
com poderes e deveres típicos da Administração Pública, inclusive

94
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

com o monopólio da investigação de cunho ético-profissional,


autônomo e independente quanto ao Poder Judiciário.
Entretanto, não se pode olvidar que a ética é mutável. Ela
representa o comportamento a ser adotado e seguido de acordo com
os valores representativos de cada época, a cada tempo, a cada
transformação da sociedade.
E esta função é que deve ser exercida pelo Conselho Federal
de Medicina com revisões constantes do Código de Conduta Médica,
a fim de mantê-los sempre em acordo com os anseios da sociedade.

2.3 A INVESTIGAÇÃO ÉTICO-PROFISSIONAL


A partir da conceituação e da criação dos Conselhos de
Medicina como entidades públicas, e da obrigação do Conselho
Federal em estabelecer um código de conduta ética cogente aos
médicos, alguns princípios básicos são elementares ao estudo da
investigação ético-profissional, consubstanciados principalmente nas
regras de Direito Público.
Os processos ético-profissionais são regidos, portanto, a
partir de regras de Direito Público, na medida em que o seu interesse
é social, coletivo; quando o comportamento médico é alvo de
investigação no campo ético-profissional o seu desfecho é voltado ao
interesse maior, de toda a sociedade.
Significa afirmar que os fatos comportamentais de viés
profissional são observados a partir de uma ótica externa, em que
uma punição profissional deve repercutir na esfera individual do
médico, mas com reflexos de cunho pedagógico-social.
Os Conselhos de Fiscalização Profissional são entidades
corporativas, na medida em que criadas, mantidas e estabelecidas
por profissionais de uma única categoria, mas pertencentes ao corpo
social. E os números são a prova disto.
Apenas no ano de 2016, no Conselho Regional de Medicina
do Estado de São Paulo, havia 4.190 sindicâncias em andamento,
para um número de 3.232 processos também em tramitação (o
procedimento de investigação ética é divido em uma fase inicial –
sindicância – e, quando presentes indícios de infração ética, é
instaurado o processo ético).

95
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

No mesmo ano de 2016 foram instauradas 2.400 novas


sindicâncias, o que nos fornece um indicativo de praticamente 10
denúncias novas a cada dia útil, um número extremamente
representativo sob o ponto de vista de atuação dos Conselhos no
âmbito da sociedade.
No mesmo período, o Conselho de São Paulo julgou 761
médicos, sendo que, destes, 424 foram culpabilizados, ou seja, em
torno de 56% dos casos culminou com a conclusão acerca da
existência de ato infracional a alguma norma ética, número bastante
significativo.
Em termos de penalidades, a Lei n. 3.268/57 determina as
possíveis sanções aos médicos pelo descumprimento das regras
éticas da profissão, como sendo: a. advertência confidencial em aviso
reservado; b. censura confidencial em aviso reservado; c. censura
pública em publicação oficial; d. suspensão do exercício profissional
até 30 (trinta) dias; e. cassação do exercício profissional, ad
referendum do Conselho Federal.
Destas, obviamente, a mais grave é justamente a pena de
cassação, porquanto é impassível de ser reabilitada, culminando no
afastamento definitivo do exercício da medicina; segundo
levantamento do Cremesp, em 2016 foram aplicadas 29 penalidades
de cassação do exercício profissional em âmbito Regional.
É de extrema importância e relevância destacar que a análise
feita pelos Conselhos de Medicina é absolutamente técnica, realizada
pelos pares, eleitos pela própria classe, que detém o mesmo
conhecimento e podem, portanto, aplica-los aos casos concretos
submetidos à análise do órgão.
Trata-se, portanto, de um Julgamento da mais alta relevância
social, por se tratar de uma análise técnica e objetiva específica
quanto a prática médica.

CONCLUSÃO
A medicina é, antes de tudo, o amor em prática.
E, a prática médica, é dotada de tal grau de relevância, que
se misturando com a própria vida em sociedade. Quando a medicina
não vai bem, a sociedade adoece junto.

96
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Trata-se de uma profissão dedicada a conhecer a máquina


humana, de forma profunda, em seu funcionamento físico e
energético, entre o toque e a tecnologia, entre o olhar e o sentir.
Dedica toda a sua vida acadêmica a conhecer formas de tentar
vencer o eterno inimigo da humanidade: a morte. Dedica-se a
aprender a cuidar de pessoas que ainda nem existem ou que talvez
jamais irá conhecer.
Por isso a sociedade espera tanto. E cobra tanto. Por vezes
de maneira excessiva. Por vezes de maneira injusta. Por vezes com
um peso que nem o próprio médico consegue suportar, ainda que
ciente e consciente de sua responsabilidade.
A importância dos Conselhos de Medicina evidencia-se
justamente na necessidade de se manter o equilíbrio na atividade
profissional, exigindo do médico o que é possível que ele entregue à
sociedade, dentro de um contexto comportamental elementar e
básico ao próprio convívio social. Nem além, nem aquém.
Os Conselhos, enquanto órgãos representativos do Estado
junto à sociedade, devem cumprir com a sua missão de trabalhar pelo
perfeito desempenho ético da medicina; mas sempre obtemperando
as circunstâncias, as condições e trabalhando incessantemente para
que o profissional tenha a tranquilidade para se dedicar ao seu
paciente, punindo-o quando necessário, sempre com finalidade
pedagógica, espírito maior da Lei regulamentadora da fiscalização
profissional.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei 7.955, de 13 de setembro de 1945. Institui Conselhos de
Medicina e dá outras providências. Brasília, DF, set. 1945.
CREMESP. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
<http://transparencia.cremesp.org.br>. Acesso em 03 out 2018.
BRASIL. Lei Federal n. 3.268/57, de 30 de setembro de 1957. Dispõe sôbre os
Conselhos de Medicina, e dá outras providências. Brasília, DF, set. 1957.
Rooney, Anne. A História da Medicina. Das Primeiras Curas aos Milagres da
Medicina Moderna. Tomo I – Parte Geral. São Paulo: M.Books, 2013.
Miranda-Sá Júnior, Luiz Salvador de. Uma Introdução à Medicina. Volume I. O
Médico. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2013.

97
O ÔNUS DA PROVA NA AÇÃO
DE RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRA HOSPITAL INTEGRANTE
DA REDE PÚBLICA DE SAÚDE (SUS)
Guilherme Borba Vianna 1

INTRODUÇÃO
O presente estudo busca analisar a questão atinente a
distribuição do ônus da prova nas ações que envolvam a
responsabilidade de hospitais prestadores de serviços médicos por
meio de órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da Administração direta e indireta, das fundações mantidas
pelo Poder Público, ou ainda instituições particulares, mas
2
remunerados por meio do SUS (Sistema Único de Saúde).
A questão de fundo reside no fato de que embora o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) conceitue como fornecedor o prestador
de serviço, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que exerça
com habitualidade atividade mediante remuneração direta ou indireta
3
(inclusive as aparentemente gratuitas), quando estes serviços forem
custeados pelo SUS (por meio de receitas tributárias), restará afasta a
aplicação das regras previstas no CDC, sobretudo a disposição
concernente a inversão ao ônus da prova (art. 6º, VIII do CDC).

1
Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR. Especialista em Direito
Societário pela UFPR. Especialista em Direito Processual Civil pelo IBEJ. Professor
de Direito do Consumidor e de Direito Empresarial na Faculdade de Educação
Superior do Paraná - FESPPR. Professor associado da BRASILCON. Advogado.
2
O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei nº
8.080/90.
3
Neste sentido conferir: (STJ, REsp. 566468/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ
17/12/2004).
98
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Diante disso, como compatibilizar o direito probatório do


consumidor-usuário dos serviços médico-hospitalares remunerados
pelo SUS, em situações em que tenha sofrido danos decorrentes dos
serviços prestados por estas instituições médicas.

1 DA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO À RELAÇÃO JURÍDICA


COMUM
Para que exista uma relação jurídica de consumo, é preciso
que se identifique num dos polos um consumidor (direto ou
equiparado), no outro um fornecedor, e entre eles se estabeleça uma
relação jurídica que envolva o fornecimento de um produto ou a
prestação de um serviço, mediante remuneração.
Quando um destes partícipes não puder ser identificado (de
acordo com os conceitos previstos nos arts. 2º e 3º do CDC),
estaremos diante de uma relação jurídica comum, a qual terá como
vetores legais as regras aplicáveis ao direito comum (v.g.: CC, CPC
etc.), não obstante sempre existir a possibilidade de aplicação do
4
diálogo das fontes em busca da consecução dos valores
constitucionais.
No que concerne aos serviços públicos prestados pelo Estado-
fornecedor, é possível dividi-los em duas principais espécies: 1ª) os
serviços públicos próprios, prestados uti universi diretamente pelo
Estado e mantidos pelos tributos em gerais (v.g.: segurança, ensino
público etc.); e 2º) os serviços prestados pelo Estado uti singuli, ou
impróprios, onde o Estado está como “agente de mercado” e é
remunerado por taxas ou tarifas (vg.: fornecimento de água, energia,
gás, telefonia, pedágio etc.).
Na primeira hipótese, “os serviços públicos uti universi, isto é,
aqueles prestados a todos os cidadãos, com os recursos arrecadados
em impostos, ficariam excluídos da obrigação de adequação e

4
O Diálogo das Fontes foi sustentado inicialmente pelo jurista alemão Erik Jaime e
trata da aplicação simultânea de muitas leis ou fontes de direito privado, sob à luz
da Constituição de 1988. Em outras palavras, consiste na utilização de normas
variadas para a resolução de conflitos, as quais “dialogam” em busca do resultado
mais justo e consentâneo aos valores constitucionais. O art. 7º do CDC dá guarida
para a aplicação do Diálogo das Fontes, pois recebe as demais normas protetoras
do consumidor como normas importantes à consecução de seus objetivos.
99
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

eficiência prevista no CDC”5, atraindo o regramento de Direito público


ao repercutir em todos os cidadãos (mediante o pagamento de
impostos) pela remuneração (direta ou indireta) destes serviços.
Já nos serviços impróprios (uti singuli), em que o Estado-
6
fornecedor atua como agente de mercado e obtém remuneração por
meio de taxas ou tarifas, além de serem prestados de forma
individualizada, é possível equiparar o Estado ao fornecedor previsto
no art. 3º do CDC, concretizando uma relação jurídica de consumo.
Partindo destas premissas,

a chave para se identificar o que é ‘serviço’ no Código é verificar se


ocorre a prestação mediante remuneração, ainda que de forma indireta,
como nos serviços aparentemente gratuitos. Do contrário, não é
7
considerado ‘serviço’ para fins de aplicação do CDC.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sintetiza bem esta


distinção no seguinte precedente jurisprudencial:

ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA.


TARIFAÇÃO. COBRANÇA POR FATOR DE DEMANDA DE
POTÊNCIA. LEGITIMIDADE.
1. Os serviços públicos impróprios ou uti singuli prestados por órgãos da
administração pública indireta ou, modernamente, por delegação a
concessionários, como previsto na CF (art. 175), são remunerados por
tarifa, sendo aplicáveis aos respectivos contratos o Código de Defesa do
Consumidor.
2. A prestação de serviço de energia elétrica é tarifado a partir de um
binômio entre a demanda de potência disponibilizada e a energia
efetivamente medida e consumida, conforme o Decreto 62.724/68 e
Portaria DNAEE 466, de 12/11/1997.
3. A continuidade do serviço fornecido ou colocado à disposição do
consumidor mediante altos custos e investimentos e, ainda, a
responsabilidade objetiva por parte do concessionário, sem a efetiva

5
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o
novo regime das relações contratuais. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, p. 625.
6
PELLEGRINI, Guilherme Martins. A responsabilidade do Estado-fornecedor com
base no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor.
Ano 25. Vol. 105. Mai-jun./2016, p. 303-304.
7
Garcia, Leonardo de Medeiros. Direto do consumidor: código comentado,
jurisprudência, doutrina. 8ª ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 27.
100
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

contraposição do consumidor, quebra o princípio da igualdade das


partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito.
8
4. Recurso especial improvido.

Nesta quadra, é possível sustentar que uma das principais


alterações legislativas promovidas pelo CDC (no âmbito da
responsabilidade civil) foi incluir o Estado (por meio dos serviços
fornecidos uti singuli) como fornecedor de serviços no mercado de
consumo, fazendo com que toda a gama protetiva do CDC possa ser
aplicada em favor do usuário-consumidor. Contudo, não se pode
ignorar que conquanto “todo consumidor de serviço público é também
9
usuário, mas nem todo usuário é consumidor de serviço público. ”
Com isso, conclui-se que os serviços médicos prestados por
estabelecimentos hospitalares remunerados por meio do Sistema
Único de Saúde (SUS) representam espécie de serviços públicos uti
universi, isto é, aqueles prestados a todos os cidadãos, com os
recursos arrecadados por meio de impostos, razão pela qual não se
poderá aplicar o CDC para regular a relação jurídica comum mantida
nestes casos.

2 O ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO CIVIL


Como é cediço, cumpre ao Estado, por meio do exercício da
jurisdição, compor os conflitos sociais existentes, representados por
litígios constantes de processos judiciais que clamam por justiça e paz
social. Em outras palavras:

Quando ocorre um conflito intersubjetivo de interesses e este é levado à


apreciação jurisdicional, o Estado deve compô-lo, pondo fim à discórdia
e restabelecendo, dessa forma, a tão almejada harmonia da vida em
10
sociedade.

8
(STJ, REsp 609.332/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
09/08/2005, DJ 05/09/2005, p. 354).
9
NOVAIS, Elaine Cardoso de Matos. Serviços públicos e relação de consumo:
aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Curitiba: Juruá, 2008, p. 190.
10
PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 15.
101
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Para tanto, o Estado-juiz deverá analisar os fatos e provas e


aplicar o direito ao caso concreto. Neste encadeamento, o juiz poderá
se valer do ônus da prova como regra de julgamento, ou seja,
“cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento
contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se
11
desincumbiu.”
Nas palavras de Hernando Devis Echandía, o conceito de
ônus da prova pode ser qualificado como:

Un poder o una faculdad (en sentido amplio), de ejecutar, libremente,


ciertos actos e adoptar cierta conducta prevista en la norma para
benefício y en interés propios, sin sujeción ni coacción y sin que exista
outro sujeto que tenga el derecho a exigir su observancia, pero cuya
12
inobservancia acarrea consecuencias desfavorables.

Ou seja, o ônus da prova está inserido no âmbito da liberdade


da parte em produzir as provas que entenda necessárias para
comprovar suas alegações e não no âmbito da obrigatoriedade de
produzi-las, já que não existe sanção pelo seu não exercício.
Nas relações de consumo, prevê o art. 6º, VIII do CDC, a
inversão ao ônus da prova em favor do consumidor, pois é direito
básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, sempre
que, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência.
Já nas relações comuns (onde não se aplica a regra
processual prevista no CDC), vale a disposição do art. 373 do Código
de Processo Civil (CPC), a qual distribui o ônus entre as partes de
acordo com seus incisos I e II, ou seja:

o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado,
mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição,
determinam a sua modificação ou a sua extinção. Não há racionalidade
em exigir que alguém que afirma um direito deva ser obrigado a se
referir a fatos que impedem o seu reconhecimento pelo juiz. Isso deve

11
NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. 16ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1081.
12
ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoría general de la prueba judicial. 6ª ed. Buenos
Aires: Zavalia Editor, 1988, 2 v., t.1., p. 420-421.
102
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

ser feito por aquele que pretende que o direito não seja reconhecido,
13
isto é, pelo réu.

Contudo, inova o CPC de 2015 ao também prever a


possibilidade de inversão do ônus da prova no processo civil comum,
ao estabelecer no § 1º do art. 373 a possibilidade de o magistrado,
diante das peculiaridades do caso e/ou de excessivas dificuldades de
uma das partes para cumprir seu encargo probatório, atribuir o ônus
da prova de modo diverso daquele previsto como regra geral (nos
incisos I e II do art. 373 do CPC).
Esta inovação trazida pelo § 1º do art. 373 do CPC também é
conhecida como “ônus dinâmico da prova”,14 ou seja, “terá o ônus de
provar aquele que estiver, no processo, em melhor condição de fazê-
lo, conforme inversão determinada por decisão judicial
fundamentada”.15
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, a modificação do ônus da
prova no processo civil pode se dar em duas situações. A primeira
ocorre quando “a prova é mais acessível a uma das partes” de modo
que “não há razão para atribuir-se à outra a tarefa de aportá-la ao
processo e, mais do que isso, de correr o risco pela sua não aquisição
nos autos”. Já a segunda hipótese, ocorre quando se verificar que
existe “impossibilidade ou a excessiva dificuldade de uma das partes
em trazer as provas para o processo, especialmente daquele cujo
ônus lhe é atribuído”. 16
Com isso se busca evitar que uma parte tenha que produzir
uma “prova diabólica”, tal como a que ocorre dentro do ambiente
hospitalar ou ambulatorial, por lesões pré-natais, durante uma cirurgia
cesariana etc., das quais dificilmente o paciente poderia desincumbir-
se pela regra geral prevista no art. 373, incisos I e II do CPC.

13
MARINONI. Luiz Guilherme. Prova e convicção: de acordo com o CPC de 2015.
3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 194.
14
Conforme descreve José Miguel G. Medina, a “teoria das cargas probatórias
dinâmicas” foi desenvolvida por Jorge W. Peyrano em sua obra “Cargas
probatórias dinâmicas. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2004”. (MEDINA, José
Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e
notas comparativas ao CPC/1973. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016,
p. 663).
15
NERY JUNIOR, Nelson. Código..., p. 1.084.
16
MARINONI. Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO. Daniel. Novo
curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. Vol.
II. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 275.
103
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Portanto, com base na teoria dinâmica das provas, é possível


ao magistrado, em situações específicas que fogem à regra geral
prevista nos incisos I e II do art. 373 do CPC, determinar qual parte
tem melhores possibilidades de produzir determinada prova, tornando
efetiva e justa a tutela jurisdicional, quando bem aplicada a cada caso
concreto.

3 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO


O estudo da responsabilidade civil tem por pressuposto a
noção de que “toda manifestação da atividade humana traz em si o
problema da responsabilidade.” 17
No conceito jurídico, emerge que

a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse


eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento
de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in
18
natura o estado anterior de coisas.

Diante disso, a regra geral da responsabilidade civil se


caracteriza pelo preenchimento de três requisitos: o dano, a culpa
(conduta) e o nexo de causalidade. A ausência de qualquer um
destes requisitos afasta o direito à indenização para os casos em que
prevalece a responsabilidade civil subjetiva, onde o dano é
indenizado em decorrência de ato culposo ou doloso (art. 186 do CC).
Contudo, a outra espécie de responsabilidade se dá de forma
objetiva, onde não é necessária sequer a caracterização da culpa ou
do dolo para que o ofendido tenha direito a reparação. Nessa
hipótese, basta demonstrar o elo de causalidade entre o dano e a
19
conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar.
Essa é a regra prevista no Código de Defesa do Consumidor
(arts. 12 e 14), onde o risco proveito da atividade exercida pelo
fornecedor faz com que o consumidor não precise demonstrar a culpa

17
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1994, v. I, p. 01.
18
GAGLIANO, Pablo. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol.
III: responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 09.
19
GAGLIANO, Pablo. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo..., p. 15.
104
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

do agente ofensor para obter a reparação pelos danos sofridos. Esta


mesma sistemática prevista no microssistema do CDC foi incorporada
pelo Código Civil de 2002 em seu art. 927, parágrafo único, onde

haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos


casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem.

Por outro fundamento, mas pela mesma sistemática, quando


o ato lesivo praticado se dá pelo ente estatal (ou por seus agentes
diretos ou indiretos), a responsabilidade também ocorrerá de forma
objetiva, mas por força da previsão constitucional disciplinada no art.
37, §6º:

Artigo 37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de


qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Pontes de Miranda, ao comentar a Constituição brasileira de


1937, já dispunha neste sentido:

Se houve culpa do causador do dano, responde o Estado e há ação


regressiva; se não houve culpa do causador do dano, responde o
20
Estado sem haver ação regressiva.

Na mesma toada, José Cretella Júnior pondera que a


responsabilidade objetiva do Estado pode ser por culpa in omittendo
ou por culpa in vigilando:

20
MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição Federal de 1967. vol. III, p. 523.
105
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Omitindo-se, o agente público também pode causar prejuízos ao


administrado e à própria administração. A omissão configura a culpa “in
omittendo” e a culpa “in vigilando”. São casos de “inércia”, casos de
“não-atos”. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o
agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado
por “inércia” ou “incúria” do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como
o “bonus pater familiae”, nem como o “bônus administrador”. Foi
negligente, às vezes imprudente e até imperito. Negligente, se a
solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não
previu as possibilidades da concretização do evento. Em todos os
21
casos, a culpa, ligada à idéia da inação, física ou mental.

Finalmente, vale a pena conferir a lição de Rui Stoco sobre as


causas de isenção da responsabilidade do ente público pelos danos
que causar:
Não se pode deslembrar que a responsabilidade do Estado se
assenta no risco administrativo e independe de prova de culpa,
bastando que se demonstre o nexo causal entre o acidente e o dano.
Aliás, sequer se exige a prova de culpa do servidor causador do dano.
Em casos que tais o ônus da prova é invertido: ao Estado é que
compete provar a existência de uma das causas de exclusão da
responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou
22
a força maior.
De acordo com as premissas observadas até o momento, é
possível sustentar que nas ações de responsabilidade civil para
reparação de danos decorrentes de eventos lesivos originados dos
serviços hospitalares custeados pelo SUS, portanto, com o pagamento
advindo de receitas tributárias, a responsabilidade aplicável é a
objetiva do ente estatal (e/ou seus agentes), não se podendo exigir da
vítima a prova da culpa.

21
CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de direito administrativo. Vol. 8. 1ª ed., São
Paulo: Forense, p. 210.
22
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 3ª ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 282.
106
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. A APLICAÇÃO PRÁTICA DA


RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO E A INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO PACIENTE ATENDIDO PELA
REDE PÚBLICA DE SAÚDE
Diante das considerações feitas até o momento, já se pode
concluir que o Estado responde de forma objetiva pelos danos que
venha a causar em seus cidadãos, independentemente da
comprovação da culpa.
Já em relação ao ônus da prova nas ações indenizatórias que
envolvem hospitais remunerados pelo SUS, conquanto não se aplique
a regra prevista no art. 6º, VIII do CPC, é possível, por força da
“distribuição dinâmica do ônus da prova” estabelecida no art. 373,
§ 1º do CPC, alterar a regra “estática” do ônus probatório (prevista nos
incisos I e II do art. 373 do CPC) e determinar que a parte em
melhores condições produza determinada prova.
Neste contexto, a primeira decisão analisada emana do TJTO
e trata da responsabilidade civil do Estado em decorrência da morte de
recém-nascido por falha no serviço prestado pela rede pública de
saúde:

APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS. MORTE DE RECÉM-NASCIDO EM RAZÃO DA DEMORA
NA DISPONIBILIZAÇÃO DE ATENDIMENTO MÉDICO. DEVER DO
ESTADO DE FORNECER OS MEIOS ADEQUADOS PARA
GARANTIA DA SAÚDE. DANO E NEXO CAUSAL COMPROVADOS
EM JUÍZO E NÃO CONTESTADOS PELO RECORRENTE. DANO
MORAL IN RE IPSA. TESTEMUNHAS QUE ATESTAM QUE A
GENITORA PRECISOU SE SUBMETER A TRATAMENTO MÉDICO
POR CONTA DO ÓBITO DO SEU FILHO. IMPOSSIBILIDADE DE
CORREÇÃO MONETÁRIA DA INDENIZAÇÃO COM BASE NO ART.
1º-F DA LEI 9.494/97. LEGITIMIDADE DA INCIDÊNCIA DO INPC.
ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ EM RECURSO REPETITIVO.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Em que pese aduzir ter
tomado todas as medidas legais que lhe cabia, verifica-se que o ente
Recorrente não contesta ter demorado 40 (quarenta) dias para
disponibilizar o tratamento de que o recém-nascido precisava, nem
questiona que o óbito ocorreu por conta do aludido atraso. Como é
cediço, o dever de reparar danos decorrentes de ação ou omissão
dos agentes estatais ou da inadequação dos serviços público é
proveniente da disposição normativa prevista no art. 37, §6°, da
Constituição Federal. 2. O Recorrente não se desincumbiu de
demonstrar que o atendimento da criança ocorreu dentro do
esperado, com a adoção de todos os procedimentos para evitar
sua morte, ônus que lhe era imposto por força do que dispõe o art.

107
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

373, inciso II, do Código de Processo Civil. 3. O óbito do recém-


nascido causado pela omissão do Estado em disponibilizar o
tratamento que necessitava, gerou angústia e sofrimento à sua
genitora, caracterizando dano moral in re ipsa. Outrossim, a prova
testemunhal atesta que a Recorrida precisou se submeter à
acompanhamento médico por conta do abalo moral que sofreu. [...]. 5.
Em resumo, verifica-se que a sentença combatida encontra-se
totalmente de acordo com as disposições do ordenamento jurídico,
razão pela qual deve ser mantida incólume por seus próprios e
23
jurídicos fundamentos. 6. Recurso conhecido e não provido.
(grifa-se)

Neste caso, o TJTO aplicou a regra da responsabilidade


objetiva do Estado (art. 37, § 6º da CF) pelos danos ocasionados em
paciente recém-nascido atendido na rede pública de saúde, contudo,
em relação ao ônus da prova, entendeu pela distribuição “estática” do
ônus, dispondo que competia ao Estado demonstrar que o
atendimento médico se deu dentro do esperado, com a adoção dos
meios próprios para o caso em julgamento (art. 373, inciso II do CPC).
O segundo caso é do TJPR e também analisa a ocorrência de
erro médico em hospital integrante da rede SUS:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.


SUPOSTO ERRO MÉDICO. HOSPITAL PARTICIPANTE DA REDE
SUS. APLICAÇÃO DAS NORMAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. IMPOSSIBILIDADE. SERVIÇO PRESTADO POR
ENTE PÚBLICO MEDIANTE RELAÇÃO JURÍDICO ADMINISTRATIVO.
INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. REMUNERAÇÃO
PURAMENTE TRIBUTÁRIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVO DO ESTADO.
TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. INTELIGÊNCIA DO ART. 37,
§6º DA CF. TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DAS PROVAS.
ART. 373, §1º DO NCPC. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO
24
CONHECIDO E PROVIDO.

Como se pode observar, o TJPR afastou a aplicação das


regras do CDC para solucionar o litígio, entendendo se tratar de
relação jurídico administrativo (art. 37, § 6º da CF), além de ter

23
(TJTO - AC 0017797-40.2015.827.0000, Rel. Juíza Edilene Pereira de Amorim
Alfaix Natário, 2ª Turma da 1ª Câmara Cível, j. em 13/06/2018).
24
(TJPR - 3ª CC - AI - 1708696-3 - Campo Largo - Rel.: José Sebastião Fagundes
Cunha - Unânime - J. 13.03.2018)
108
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

aplicado a distribuição do ônus da prova de acordo com a distribuição


“dinâmica” do ônus, prevista no § 1º do art. 373 do CPC.
Da motivação do acórdão, se extrai a seguinte passagem
fundamentando a adoção da distribuição “dinâmica” do ônus da prova:

Inclusive, tal imposição se justifica na medida que não tem como a


parte autora comprovar o que se passou dentro do ambiente hospitalar
ou ambulatorial eis que trata-se de prova diabólica, da qual dificilmente
poderia desincumbir-se.

Finalmente, vale a pena conferir recente decisão do STJ que


corrobora com todo o alegado neste trabalho, sobretudo acerca da
aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova e sua
conectividade com a sistemática prevista no CDC para destinar a parte
que melhor possui condições o ônus de fazer determinada prova,
sobretudo em situações envolvendo a responsabilidade decorrente de
atendimentos médico-hospitalares:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO


AGRAVO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. ERRO MÉDICO. SEQUELAS NEUROLÓGICAS EM
RECÉM-NASCIDO. FALECIMENTO DO MENOR NO CURSO DO
PROCESSO. DANOS MORAIS. [...]. TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO
DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA DA VÍTIMA.
APLICABILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ.
AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 22/05/2018, que
julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do
CPC/2015. II. Na origem, trata-se de Ação Ordinária, ajuizada pela parte
agravada em face da União, objetivando o percebimento de indenização
por danos morais, em virtude de erro médico ocorrido em parto,
realizado em hospital público. O acórdão do Tribunal de origem
reformou a sentença, por maioria, para condenar a ré ao pagamento de
indenização por danos morais, fixados em R$ 100.000,00 (cem mil
reais). Opostos Embargos Infringentes, contra o acórdão, foram eles
rejeitados.
[...].
IV. Na forma da jurisprudência do STJ, "embora não tenha sido
expressamente contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da
nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere
ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do
ônus da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver
melhores condições de produzir a prova, conforme as circunstâncias
fáticas de cada caso" (STJ, REsp 1.286.704/SP, Rel. Ministra Nancy

109
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Andrighi, Terceira Turma, DJe de 28/10/2013). Em igual sentido, ao


julgar caso análogo: "Embora não tenha sido expressamente
contemplada no CPC, uma interpretação sistemática da legislação,
inclusive do Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII) e da
Constituição Federal, confere ampla legitimidade à aplicação da teoria
da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual esse ônus
recai sobre quem tiver melhores condições de produzir a prova,
conforme as circunstâncias fáticas de cada caso, tudo nos termos de
consolidado entendimento do STJ: REsp 69.309/SC, Rel. Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ 26.8.1996; AgRg no AREsp
216.315/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
DJe 6.11.2012; REsp 1.135.543/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, DJe 7.11.2012; REsp 1.084.371/RJ, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.12.2011; REsp 1.189.679/RS, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 17.12.2010; REsp
619.148/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe
1º.6.2010. A inversão do ônus da prova não é regra estática de
julgamento, mas regra dinâmica de procedimento/instrução (EREsp
422.778/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Rel. p/ acórdão
Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 21.6.2012)" (STJ,
REsp 1.667.776/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
DJe de 01/08/2017). Assim, estando o acórdão recorrido em
consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser
mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no enunciado da
Súmula 568 do STJ.
25
V. Agravo interno improvido.
(grifa-se)

Da motivação do acórdão, se extrai interessante passagem


que corrobora com o presente estudo:

A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, segundo a qual a


prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la, à luz
das circunstâncias do caso concreto, embora não tenha sido acolhida
por nosso Código de Processo Civil - que, como se sabe, adotou a
teoria clássica (teoria estática do ônus da prova, cf. art. 333) - , vem
ganhando força nos meios doutrinários e sendo cada vez mais adotada
nas decisões dos tribunais pátrios, especialmente por amoldar-se com
perfeição aos casos em que se discute a 'responsabilidade civil de
profissional liberal, principalmente do médico, vez que este,
quando demandado, sempre tem melhores condições de provar
que agiu regularmente do que a vítima de provar sua atuação
irregular – a despeito de, pela regra estática de distribuição do ônus
da prova (art. 333, CPC), a ele não caber esse ônus' (cf. Fredie Didier
Jr, ..., ob cit., pp. 95/96).

25
(STJ, AgInt no AREsp 1292086/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda
Turma, julgado em 06/09/2018, DJe 13/09/2018).
110
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Neste sentido, no caso dos autos, caberia ao ente público, através


de seus prepostos (ou seja, através da equipe médica envolvida
no atendimento da mãe do Autor e do próprio Autor), oferecer tais
informações técnicas aos autos, sob pena de arcar com o ônus de
não serem outras possibilidades diversas do erro médico levadas
em consideração pelo juiz da causa. Não o tendo feito, conclui-se
ter havido erro médico, tal como alegado na petição inicial" (fls.
687/688).

Em síntese, nas ações de responsabilidade civil envolvendo


estabelecimentos hospitalares geridos pelo Sistema Único de Saúde,
ainda que não se aplique o microssistema consumerista previsto na
Lei 8.078/1990, é possível se valer da regra da responsabilidade
objetiva dos estabelecimentos públicos por força da previsão
constitucional (art. 37, § 6º CF), bem como da distribuição dinâmica do
ônus da prova (art. 373, § 1º CPC), a fim de que recaia sobre o
estabelecimento hospitalar, regido pelo SUS, o ônus de comprovar a
correição dos procedimentos médicos adotados, sob pena de
responder objetivamente pelos danos ocasionados.

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Paulo: Forense.
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novo regime das relações contratuais. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014.

111
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado: com
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base no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor.
Ano 25. Vol. 105. Mai-jun./2016.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 3ª
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

112
COMUNICAÇÃO CONSTRUTIVA
NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE:
O USO DA MEDIAÇÃO COMO FORMA DE PREVENÇÃO
E GESTÃO DE CONFLITOS MÉDICOS
Cínthia Ayres Holanda 1

INTRODUÇÃO
Os conflitos sempre existiram e fazem parte da vida em
sociedade. Todas as relações interpessoais implicam,
necessariamente, em duas ou mais pessoas distintas e únicas, com
características, histórias de vida e ideologias próprias. Portanto, é
natural que possam ocorrer choques no ponto de vista de cada
pessoa envolvida em uma relação.
Um aspecto primordial para o aumento dos conflitos na seara
médica é a mudança do relacionamento entre o médico e o seu
enfermo. O paternalismo antes existente entre as famílias e os
denominados “médicos de cabeceira”, que conheciam a fundo seu
paciente, seus medos e anseios, deu lugar a uma relação cada vez
mais impessoal, autônoma, sem diálogo ou empatia por parte dos
atores envolvidos. Do outro lado, os planos de saúde entram como
um terceiro na relação, retirando a pessoalidade na escolha do
profissional pelo paciente, atribuindo um valor ínfimo aos honorários
pagos ao médico.

1
Advogada atuante na área de Direito Médico e Responsabilidade Civil.
Mestre em Direito e Gestão de Conflitos pela UNIFOR. Especialista em
Direito Médico pela Escola Paulista de Direito. Habilitada em Mediação de
Conflitos pela Universidade de Columbia, NY. Ex -Presidente da Comissão
Especial de Direito à Saúde da OAB-PI. Parecerista Ad Hoc da Revista de
Bioética do Conselho Federal de Medicina. Professora nos cursos de Direito,
Medicina e Odontologia.
113
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Neste ensejo, surge o intercâmbio do Direito com a Medicina,


que juntos precisam pensar em formas de mudança desta nova
realidade. Neste clima de processos e condenações contra médicos,
há que se fomentar novos métodos para a prevenção e gestão
construtiva de conflitos ocasionados por essa relação, à semelhança
do que vem acontecendo em outros tipos de relação interpessoais.
O presente artigo tem como estudo os conflitos éticos
inerentes à relação médico-paciente, que vêm crescendo de maneira
significativa no Brasil, e a aplicação de novas formas de prevenção e
solução destes litígios.

1 UMA BREVE ANÁLISE SOBRE A TRANSFORMAÇÃO DA


RELAÇÃO MÉDICO - PACIENTE E O AUMENTO DOS LITÍGIOS
NO BRASIL
Uma das artes mais antigas desenvolvidas pelos homens,
a medicina, nasceu com o surgimento do próprio homem. Desde
que o ser humano existe sobre a superfície da terra, ele tem
padecido de enfermidades e, com a existência da dor e das
doenças, houve a necessidade de busca pela cura e tratamento
de tais males. Como essa ciência evoluiu até os dias atuais? As
mudanças nessa relação ocasionaram o surgimento de conflitos
entre pacientes e o profissional médico?
Atualmente a medicina continua a ser uma profissão
liberal, porém sofre algumas restrições que, em sua antiguidade,
não existiam. Nos Estados civilizados, a deontologia médica
obedece a um código de ética profissional, com um programa
mínimo de conduta imposto pelo Estado, sob sanções jurídicas a
que cada profissional enobrece na medida de sua consciência
ética.
Na relação médico-paciente contemporânea, a autonomia
do paciente acaba por ser um dos principais fatores de decisão
na tomada de condutas do profissional. Deixa-se de lado a era do
paternalismo médico, característica marcante da ética
hipocrática, dando-se lugar ao processo de tomada de decisões
partilhadas.
O paternalismo médico pode ser definido como a conduta
que tem por intenção beneficiar o paciente sem o seu
consentimento. Sendo

114
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

a desconsideração intencional das preferências ou atitudes


conhecidas de alguém por outra pessoa, onde aquele que
desconsidera justifica sua ação pela intenção de propiciar um
benefício ou de evitar um risco à pessoa que foi alvo de sua ação
(BEAUCHAMP; CHILDRESS, 1994, p. 274).

Essa mudança de paradigma é reflexo das sociedades


capitalistas modernas, onde o paciente entende que cabe a ele
decidir individualmente sobre seus assuntos, principalmente os
privados. Como consequência, ocorre uma subordinação ética e
uma fragmentação do saber médico.
Com o desenvolvimento do princípio da autonomia ou da
liberdade, fruto do avanço dos direitos humanos de primeira
dimensão, o ato médico só alcança sua dimensão com a
obtenção do chamado consentimento informado do paciente.
A responsabilidade médica pode ocorrer tanto na esfera ética
como na jurídica, intricando-se necessariamente os valores morais e
legais, uma vez que as razões jurídicas não podem estar dissociadas
das razões de cunho moral. Na Justiça comum, seguem os preceitos
do Código Penal e Civil, e os Conselhos de Medicina se baseiam em
seu julgamento no Código de Ética Médica.
Não existe, no momento, outra atividade mais vulnerável do
que a medicina, chegando a ser uma das mais difíceis de se exercer
sob o ponto de vista legal, com previsões de que a profissão médica
estaria seriamente ameaçada pelo risco dos pleitos demandados
pelos pacientes (FRANÇA, 2007).
O vertiginoso avanço científico na área médica vem gerando
problemas nunca dantes cogitados, denominados por Genival Veloso
de: Os grandes conflitos (FRANÇA, 2007). E aos operadores
jurídicos, surge a necessidade de participar da evolução e progresso
científico, prevenindo embates e lesões a direitos.
A nova postura social no Brasil, que se fundamenta em um
processo de fortalecimento da cidadania, reforça os instrumentos e
órgãos de defesa do consumidor e desperta nos indivíduos a noção
de seus direitos. A drástica mudança na relação entre médico e
paciente, decorrente dos modelos de atenção valorizados no atual
sistema de saúde, minimiza a comunicação entre as partes e diluem
o respeito e a admiração que eram devidos ao médico em momentos

115
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

históricos anteriores. Aumenta, assim, o número de queixas


formalizadas contra atitudes médicas (FUJITA; SANTOS, 2009).
E as consequências destes atos acabam demonstradas no
número de causas judiciais por erro médico, que vem aumentando no
Brasil; muitas delas imputando ao médico uma grande variedade de
erros profissionais, tais como: exame superficial do paciente,
realização de operações desnecessárias, omissão de tratamentos,
retardamento na transferência para outro especialista, descuidos na
realização de transfusões de sangue ou de anestesias, prescrições
erradas, abandono do paciente, negligência no pós-operatório,
omissão de instrução necessária aos pacientes, imperícia em
procedimentos, esquecimento de corpo estranho em cirurgias,
demora no atendimento, dentre outros.
Atualmente, os operadores jurídicos em tema de
responsabilidade médica ocupam-se dos efeitos. Os médicos, quando
acionados, invariavelmente voltam-se às causas, no propósito de: se
não justificar a má-prática profissional, ao menos mitigar a sua culpa,
pulverizando-a. Criticam o sistema de saúde que vige no País e a
falta de investimentos no setor (KFOURI NETO, 1998).
A medicina não é uma ciência exata. O corpo humano tem
suas particularidades ligadas às condições genéticas, fatores
climáticos, sociais, topográficos, questões de idade, sexo, moléstias
anteriores, tudo contribui para a atuação em um campo subjetivo, no
qual nada é absoluto, sendo em boa parte trabalhado com situações
probabilísticas. Desta forma, sempre será necessário referir-se ao
caso concreto para avaliar a busca da verdade na apuração da
responsabilidade médica.
Por isso, dentre os elementos caracterizadores da
responsabilidade civil, a culpa é inafastável, conquanto sempre
complexa. Esta culpa constitui um dos problemas científicos e
deontológicos, antes que jurídicos, mais antigos, sendo objeto de
debates potencialmente infinitos, dada a natureza da atividade
médica (KFOURI NETO, 1998).
O erro médico pode ser entendido como uma falha no
exercício da profissão. Para Giostri, Hilderad (1998), do erro médico
surge um mau resultado ou um resultado adverso, efetivando-se
através da ação ou omissão desse profissional.
Embora não seja totalmente nova essa repercussão das
demandas por eventos adversos e negligências médicas, nas últimas
116
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

décadas do século 20 houve um crescimento das implicações de erro


médico. O número de recursos decorrentes de ações indenizatórias
em virtude de supostos erros médicos, de 2000 a 2012, cresceu
assustadores 1.600% (mil e seiscentos por cento) junto ao Superior
Tribunal de Justiça, desde a virada do milênio, segundo informações
estatísticas da própria Corte. Apenas no primeiro trimestre de 2014,
foram jugados 300% mais recursos versando sobe erro médico do
que fora julgado durante todo o ano 2005, de 2006 ou de 2007. De
2011 para 2012, o crescimento foi de exatos 100% (cem por cento).

GRÁFICO 1 - O NÚMERO DE RECURSOS DECORRENTES DE AÇÕES


INDENIZATÓRIAS EM VIRTUDE DE SUPOSTOS ERROS MÉDICOS

FONTE: STJ.

E por ser uma realidade assustadora, faz-se necessário


debater e analisar a situação da medicina nos dias de hoje, para
fomentar-se alternativas que possam evitar o crescimento e a
continuidade desses conflitos. Direito e Medicina se entrelaçam neste
para que possa ser feita uma análise das principais condutas
geradoras de lides no atuar médico e suas implicações éticas e
legais, além da necessidade de se formarem profissionais mais bem
informados e preparados para as incipientes necessidades que
emergem na sociedade e possibilidades de novas formas de conflitos
em sua profissão.
Na apuração da responsabilidade medica, espera-se uma
apreciação da inobservância de regras técnicas e científicas, como

117
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

uma conduta comissiva ou omissiva, o nexo causal e o dano. Que a


conduta seja voluntária e contrária às regras vigentes e adotadas pela
prudência e cuidados habituais no exercício do seu mister. Genival
Veloso (2007) defende que as regras de conduta arguida na
avaliação da responsabilidade médica são relativas aos deveres de
informação, de atualização, de vigilância e de abstenção de abuso.
O poder de decisão na terapêutica do paciente está cada vez
mais presente na relação médico-paciente, de forma que se torna
fundamental que o médico informe todas as necessidades de
condutas, intervenções, riscos e consequências do tratamento,
proporcionando ao paciente autonomia ou liberdade plena.
A informação também deve estar presente nos prontuários,
não se restringindo apenas à anamnese, mas sim a todos os
documentos e informações pertinentes à prática do profissional, uma
vez que o valor probante deste documento é fundamental nas causas
de responsabilidade médica.
Outro fator relevante na atuação médica é o dever de
atualização, obrigação esta que evita boa parte dos processos
relacionados à imperícia do profissional. A medicina avança a cada
dia e torna-se essencial o estudo médico continuado para a
adequação do conhecimento do profissional.
Em relação à especialidade médica com maior número de
processos no Brasil, a Ginecologia/Obstetrícia ocupa o primeiro lugar,
com 42,6% (quarenta e dois, vírgula seis por cento) dos processos.
Em seguida vem a traumato-ortopedia, com 15,91% (quinze vírgula
noventa e um por cento). Em terceiro lugar, vêm empatadas a cirurgia
plástica e a cirurgia geral, com 7% (sete por cento) cada. Seguindo a
escala, vem a neurocirurgia com 5,18% (cinco vírgula dezoito por
cento), a pediatria com 4,46% (quatro vírgula quarenta e seis por
cento) cada. A otorrinolaringologia configurou em 3,03% (três vírgula
zero três por cento) das demandas. A anestesiologia e a oftalmologia
estão presentes em 2,85% (dois vírgula oitenta e cinco por cento). A
hematologia veio com 1,42% (um vírgula quarenta e dois por cento).
Já a cardiologia, a angiologia e a medicina intensiva aparecem, cada
uma delas, em 0,71% (zero vírgula setenta e um por cento) dos
processos (CANAL, 2016).
Os números são alarmantes e revelam uma tendência da
sociedade em ter que resolver os conflitos resultantes dessa relação
no judiciário

118
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

GRÁFICO 2 - DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS PROCESSUAIS SEGUNDO SUA


ORIGEM (UF).

FONTE: ANADEM.

Em casos de processos no CRM-PI, realidade local desta


autora, as especialidades mais processadas no ano de 2016 e 2017
foram:

119
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

TABELA 1 - ESPECIALIDADES MAIS FREQUENTES NAS DENÚNCIAS POR ERRO


MÉDICO.

FONTE: CRM-PI (2017).

Ao se verificar as principais queixas relacionadas aos


processos judiciais nos tribunais, constata-se o aborrecimento em sua
grande maioria, ou seja, uma insatisfação na relação médico-paciente
que acaba ensejando uma demanda judicial. Percebe-se, pois, uma
falha de comunicação entre as partes, lacuna esta que poderia ser
evitada se houvesse uma melhora no processo de diálogo interpartes
e que, certamente, poderia ser resolvida fora da justiça comum.
Estabelecer uma boa relação com o paciente, pautada em
respeito, afeição, transparência, autonomia, Compreensão e
tolerância, é considerada a melhor maneira de não só prevenir
denúncias e processos por erro médico, mas principalmente ofertar
uma assistência de saúde mais humana e digna ao paciente. O laço
paternal que existia entre as famílias e os médicos de cabeceira
transforma-se pouco a pouco numa relação quase impessoal,
principalmente nas grandes cidades. Por outro lado, a especialização
vai transformando o médico num técnico altamente adestrado e
impessoal, que recebe o paciente transferido de outros colegas
(FRANÇA, 2007, p. 221).

120
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Quando se aborda o tema do erro médico, é importante


lembrar que a medicina é uma profissão cujo exercício, por suas
peculiaridades, implica risco elevado e que está sujeita a dificuldades
e fatalidades nem sempre transponíveis pela competência do
profissional. Neste contexto, é importante considerar a falibilidade
inerente à condição humana do médico e das suas condições de
trabalho e o papel do seu Conselho de classe na prevenção de erros
e condutas antéticas de seus profissionais, que acabam nos polos
passivos dos processos judiciais.
Portanto, os erros médicos, em sua grande maioria, causam
dano e sofrimento aos pacientes e familiares, o que, aliado a uma
relação médico- paciente cada vez mais insatisfatória, é responsável
por grande parte das denúncias feitas nos Conselhos Regionais de
Medicina (CRM).

2 MEDIAÇÃO NA PREVENÇÃO E GESTÃO DE CONFLITOS


MÉDICOS
Neste contexto, é importante investir na prevenção dos erros,
sendo necessário estimular, desde a graduação em Medicina,
discussões que visem formar profissionais mais comprometidos com
a prática médica e menos sujeitos a esse tipo de problema.
A insatisfatória formação ética do médico contribui para a
ocorrência de desvios na conduta durante o exercício da profissão.
Bitencourt (2007), em um estudo feito na Bahia, cita que os pontos
fundamentais na prevenção do erro médico devem ser:
aprimoramento da relação médico-paciente e da comunicação entre
médicos, pacientes e familiares, valorização do compromisso social
do médico, ênfase na educação continuada e no trabalho em equipes
multidisciplinares, além de incentivo ao correto preenchimento dos
registros médicos. Para atingir esses objetivos, é necessário um
ensino de Ética Médica e Bioética mais abrangente, que não só
apresente os artigos do CEM, mas também discuta as questões do
dia a dia que estão intimamente ligadas à conduta médica e seus
dilemas morais. Para isto, o ensino da Ética Médica deve ser
ministrado ao longo de todo o curso de Medicina, por meio da
discussão de casos concretos e com a participação ativa dos alunos.
Para pensar em métodos alternativos de solução desses
conflitos, é fundamental que a categoria médica possa desenvolver
medidas no sentido de evitar a má prática profissional e sanar, de
121
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

forma alternativa ao procedimento padrão, algumas demandas


especiais que batem a sua porta.
Os métodos ou meios de Resolução adequados de disputas
(RAD) são, segundo Vasconcelos (2015, p. 57):

Negociação, mediação, conciliação, arbitragem e outros menos


praticados, tais como a avaliação neutra (neutral evaluation), a
facilitação de diálogos apreciativos e os comitês de resolução de
disputas (dispute resolutionboard-DBR), eram tradicionalmente
designadas como métodos ou meios alternativos de resolução de
controvérsias (MASCs) ou Meios Extrajudiciais de Resolução de
Controvérsias (MESCs). No entanto, o lugar de apreciação desses
meios (judiciais ou não) vem deixando de ocupar a centralidade daí a
tendência de denominá-los de meios os Métodos de Resolução
Adequada de Disputas (RAD).

Todos esses meios e métodos compõem o chamado sistema


2
multiportas , que tem como ponto de partida para a solução do

2
Os debates na conferência giravam em torno da insatisfação da população com o
Poder Judiciário. Neste sentido, Frank Sander (1979) fez uma exposição de um
modelo onde o Judiciário americano fosse constituído por vários mecanismos de
solução de conitos que pudessem ser utilizados tanto pré-processualmente quanto
na fase processual.
O modelo idealizado foi chamado de Fórum/Tribunal de Múltiplas Portas, onde o
Poder Judiciário dispunha de diversos mecanismos de solução de conflitos,
objetivando um tratamento adequado e, consequentemente, proporcionando mais
efetividade. Luchiari (2012, p. 105) discorre sobre o Fórum de Múltiplas Portas ou
Tribunal de Múltiplas Portas como uma forma de organizaçãojudiciária:
O Fórum de Múltiplas Portas ou Tribunal Multiportas constitui uma forma de
organizaçãojudiciária, na qual o Poder Judiciário funciona como um centro de
resolução de disputas, com vários e diversos procedimentos, cada qual com suas
vantagens e desvantagens, que devem ser levadas em consideração no momento
de escolha, em função das características especificas de cada conflito e das
pessoas envolvidas. Em outras palavras, o sistema de uma única “portas”, que é a
do processo judicial, é substituído por um sistema composto de variados tipos de
procedimento, que integram um “centro de resolução de disputas”, organizado pelo
Estado, composto de pessoas treinadas para receber as partes e direcioná-las ao
procedimento mais adequado para o seu tipo de conflito.
O Sistema de Múltiplas Portas foi implementado no Judiciário americano (como
idealizado ou com modicações que atendessem as exigências distintas dos
Estados americanos) e tem obtido resultados positivos. Sua implementação passou
por diversas fases até chegar à institucionalização18. O modelo contempla a
inclusão das partes no processo de solução dos conflitos, a manutenção e o
reestabelecimento de vínculos, minimizando gastos de tempo, financeiros e
emocionais, diminuindo, consequentemente, as ações judiciais e aumentando a
satisfação da população. (SALES; CHAVES, 2014).
122
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

conflito uma variedade de opções ou “portas”, aliadas com técnicas


de práticas restaurativas e facilitação de diálogos apreciativos, que
devem ser apresentadas às partes na resolução do problema.
Os métodos adequados de resolução de conflitos não foram
criados ou aprimorados para substituir o modelo tradicional de
utilização do sistema judicial ou administrativo, mas sim para propiciar
opções viáveis, alternativas para as pessoas que buscam soluções
diferenciadas, específicas.
A mediação é um método dialogal autocompositivo de
solução e transformação de conflitos interpessoais, no qual as partes
envolvidas escolhem ou aceitam terceiros mediadores, com aptidão
para conduzir o processo e facilitar o diálogo.
É um procedimento consensual de resolução de conflitos, por
meio do qual uma terceira pessoa imparcial, escolhida ou aceita pelas
partes, age para encorajar e facilitar a resolução dos problemas. As
pessoas envolvidas no conflito constroem a decisão que melhor as
satisfaça. A mediação representa, assim, um mecanismo de solução
de litígios utilizado pelas próprias partes que, movidas pelo diálogo,
encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória. O
mediador auxilia na construção desse diálogo (SALES; ALENCAR;
FEITOSA, 2010).
Por suas características e técnicas especiais, a mediação
torna-se um meio de solução adequado a conflitos que envolvam
relações interpessoais e continuadas, relações que são mantidas
apesar do problema vivenciado. Normalmente estão ligadas também
aos conflitos que tratam de sentimentos e situações fruto de um
relacionamento, como raiva, mágoas, amor, ódio, dentre outros.
Seja qual for a escola de mediação3, o mediador deve ser o
facilitador, que deve buscar dos mediandos a iniciativa e o

3
A Escola tradicional – Harvard, desenvolvida por Fisher, Uri e Patton em 1991 e
proveniente do campo empresarial, centra- se na satisfação individual das partes e
visa à obtenção de um acordo. Esse modelo separa as pessoas do problema;
enfoca os interesses e não as posições; cria opções para benefíciomútuo e insiste
nos critérios objetivos. Nesse modelo o mediador é o facilitador de uma
comunicação pensada de forma linear, de um conflito construído sobre uma
relação de causa e efeito.
A Escola Transformativa, desenvolvida por Bush e Folger, busca a transformação
das pessoas no sentido do crescimento da revalorização pessoal e do
reconhecimento da legitimidade do outro, e, portanto, o acordo é visto como uma
possibilidade e não como uma finalidade própria do processo mediativo. O foco
123
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

protagonismo das partes para a facilitação do processo de solução da


disputa, através de técnicas e habilidades de conotação positiva, de
uma escuta ativa e perguntas circulares, criando um ambiente
propício para a tomada de decisões.
Quando se pensa na aplicação de meios consensuais no
âmbito da relação médico-paciente e do processo administrativo
sancionador dos Conselhos de Medicina, devem-se salientar várias
vantagens como: a celebração do ajuste, a composição mais rápida
do conflito, a facilitação do diálogo entre as partes, a prevenção de
problemas e a.
O envolvimento do médico com o doente vai além do
aspecto técnico. A medicina é uma arte composta de missão e
valores profundos, que visam à promoção do alívio e conforto do
paciente. Não existe, nos preceitos éticos e deontológicos, uma
obrigação de curar o enfermo, mas sim de promover,
inexoravelmente, a minimização do sofrimento físico e mental do
ser humano, garantindo sempre a dignidade humana daquele que
padece.
Algumas técnicas de mediação podem e devem ser
utilizadas durante a relação médico paciente, fomentando o
diálogo entre os envolvidos e contribuindo para uma melhora na
relação do profissional com seu enfermo paciente. A escuta ativa.
A escuta ativa é uma técnica na qual as partes começam
a prestar mais atenção ao que o outro tem a dizer, não apenas
nas palavras, mas também na linguagem não-verbal como
gestos, expressões faciais, entre outras coisas.

dessa escola se concentra nas transformações de caráter e nas formas de


relacionamento.
E a Escola Circular-narrativa, desen- volvida por Sara Cobb e Marinés Suares,
construiu um modelo de mediaçãovol- tado fundamentalmente para o campo da
família, no qual resgatam a teoria da comunicação e algumas técnicas utilizadas
pelas terapias familiares. Nesse método, procura-se desconstruir velhas narrativas,
dando oportunidade para que novas sejam construídas e então surja (ou não) o
acordo. Por essa escola, as causas do conflito se retroalimentam, criando efeito
circular, e o importante é melhorar as relaçõesinter- pessoais. Apoia-se na teoria
dos sistemas e no construcionismo social. Aponta-se, além da restauração da
comunicação e facilitação do diálogo, como Estabelece-se a concepçãosistêmica,
que vê o mundo em termos de relações e de integração. principais objetivos da
mediação: a busca pela solução dos conflitos, a prevenção da má administração
dos conflitos, a inclusão social e a paz social. (SALES; RABELO, 2009).
124
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Ao ouvir com mais atenção compreende-se melhor as


necessidades e os desejos do outro, atentando-se para
informações importantes que muitas vezes não são expressadas
de forma clara e precisa.
Outra técnica utilizada na mediação e de grande valia na
relação médico paciente é o rapport. Este consegue criar empatia
entre as partes, e tem como unção principal estabelecer uma
relação mais harmônica, fazendo com que uma pessoa possa se
colocar no lugar da outra, auxiliando em uma compreensão
melhor sobre o paciente.
Como consequência, gera mais confiança, melhora a
troca de informações e a interação entre os presentes

CONCLUSÃO
A mudança na relação médico-paciente e no processo de
comunicação, aliada as novas tecnologias, impactou na forma
como os atores dessa relação passaram a gerir seus conflitos,
tendo sido estes considerados os fatores primordiais para o
surgimento de processos e demandas contra médicos.
Nessa ordem de ideias, a prática da deontologia medica é
fundamental na formação e atuação do profissional da medicina ,
que vem se transformando, ao longo do tempo, já que a
humanidade também sofre uma metamorfose constante. Neste
cenário, ganha relevo cada vez mais a participação do paciente
no processo de decisão, deixando-se de lado uma medicina
paternalista, para uma medicina participativa, na qual a
autonomia do paciente deve ser levada em consideração na
decisão da conduta terapêutica a ser seguida.
Surge então a à necessidade de implementação de novas
formas de pensar o conflito médico, principalmente voltada para
a relação médico-paciente, pilar fundamental na sustentação da
profissão.
A mediação é mais do que uma forma de resolução de
conflitos, é algo cultural e suas técnicas podem ser aplicadas em
todas as esferas de relacionamento, uma vez que buscam uma
melhora no processo de comunicação e no diálogo dos
indivíduos.

125
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Neste contexto, é importante investir na prevenção dos


erros, sendo necessário estimular, desde a graduação em
Medicina, a formação de profissionais mais comprometidos com o
diálogo com seu paciente, para que possam desenvolver a
medicina de uma forma mais empática, evitando assim futuros
conflitos indesejados que possam macular uma profissão tão
importante e humana como a medicina.

REFERÊNCIAS
BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles of biomedical
ethics. Trans. Luciana Pudenzi. 4 ed. New York: Oxford University Press,
1994
BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles of biomedical
ethics. Trans. Luciana Pudenzi. 6 ed. New York: Oxford University Press,
2009.
BRASIL. Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. Resolução
CFM nº 1.931/2009. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 24
set. 2009, Seção I, p. 90.
BRASIL. Constituição da república federativa do Brasil. Brasília: Senado,
1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o
Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
1940.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, v. 11, 2002.
BRASIL. Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957. Dispõe sobre os
Conselhos de Medicina, e dá outras providências. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, v. 5, 1957.
BRASIL. Resolução CFM nº 2.145/2016. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, 27 out. 2016, Seção I, p. 329.
CANAL, Raul. O pensamento jurisprudencial brasileiro no terceiro
milênio sobre erro médico. Anadem, 2016
FRANÇA, Genival Veloso. A velha e a nova ética médica. 7 ed. Guanabara
e Koogan, 2013. p. 433.
FRANÇA, Genival Veloso. Direito médico. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007.
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 7 ed. Guanabara e Koogan,
2004.

126
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

SALES, Lilia Maia de Morais; CHAVES, Emmanuela Carvalho Cipriano.


Conflito, Poder Judiciário e os equivalentes jurisdicionais: mediação e
conciliação. Revista da AJURIS, v. 41, n. 134, 2014. Disponível em:
<http://www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/article/view/208 >.
Acesso em: 12 jan.2018
SALES, Lilia Maia de Morais; RABELO, Cilana de Morais Soares. Meios
consensuais de solução de conflitos: instrumentos de democracia. Revista
de Informação Legislativa, v. 46 n. 182, 2009. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496914/RIL182.pdf?seq
uence=1#page=76>. Acesso em: 01 fev. 2018.
SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Petrópolis: Vozes, 199
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 3 ed. rev.
ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998
VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Mediação de Conflitos e práticas
restaurativas. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

127
A DOCUMENTAÇÃO COMO ELEMENTO
FUNDAMENTAL NA DEFESA JUDICIAL MÉDICA
Felippe Abu-Jamra Corrêa 1

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: A (NOTÓRIA) JUDICIALIZAÇÃO DA


ATIVIDADE MÉDICA
É notória nos dias atuais a crescente judicialização da
atividade médica. As estatísticas recentes do Poder Judiciário e do
Conselho Nacional de Justiça confirmam essa realidade bem como
2
as mais diversas publicações especializadas . Outra fonte de
destaque ao assunto (quase nunca com a correção e cautela devidas,
diga-se) são as reportagens e matérias publicadas na mídia, expondo
um suposto crescimento imoderado de “erros médicos” ou mesmo
divulgando os fatos de maneira parcial, a técnica ou inadequada.
Ainda, parece que diversos são os fatores que levam, ao
menos em parte, a esse grande volume de judicialização da atividade
médica.
Portanto no presente artigo serão analisadas algumas
possíveis razões para atual escalada de processos judiciais na área
médica, quais são os principais documentos médicos a serem
elaborados e, especialmente, a importância que esses terão no caso
de eventual defesa judicial. Serão analisados, além da doutrina,

1
Advogado atuante na área de Direito Médico e Responsabilidade Civil. Mestre em
Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Especialista em Direito
Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Presidente da
Comissão Especial de Direito Médico da OAB/TO e membro da Comissão Especial
de Direito Médico e da Saúde do Conselho Federal da OAB. Professor nos cursos
de Direito e Medicina.
2
A esse respeito reportagem que trouxe estatísticas e tratou da responsabilidade
civil e de holding patrimonial para médicos na Revista de Plástica Paulista, nº 65,
de janeiro-março 2018. Igualmente o destaque ao tema dado pelo Jornal do
Cremesp, nº 359 de junho de 2018, que na mesma edição trouxe duas matérias
sobre o assunto: “Plenária Temática II: Judicialização da saúde é tema de debates”
e a cobertura sobre o I Congresso Paulista de Direito Médico que abordou, dentre
outros, “judicialização da saúde e responsabilidade profissional”.
128
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

também julgados recentes que deixaram patente a relevância


documental no caso concreto (ou os resultados adversos ante sua
não apresentação).
Genival Veloso de França sintetiza ao dizer que “o médico
teve sempre como guias sua consciência e uma tradição milenar;
porém, dia a dia, surge a necessidade de conciliar esse pensamento
e o interesse profissional com as múltiplas exigências da
coletividade”3.
Importante destacar que parte dessas exigências se mostra
bastante legítima, mas, com todo acato a opiniões diversas, outras
tantas se mostram infundadas ou mesmo excessivas.
Talvez o maior acesso a saúde recente (nem sempre de
qualidade adequada) seja um primeiro fator a ser analisado. Não pelo
acesso em si – garantido Constitucionalmente inclusive – mas pelas
condições de trabalho precárias que são impostas à muitos
profissionais, especialmente aqueles da rede pública. Tais condições
redundam em mau atendimento a população em geral, que
descontente, acaba muitas vezes por descontar sua irresignação
contra aqueles que estão na linha de frente desse atendimento.
Ademais, essas mesmas condições difíceis invariavelmente levam a
um atendimento igualmente fragilizado, cujos resultados adversos,
em grande parte das vezes, serão posteriormente imputados via ação
judicial contra o profissional respectivo.
Um segundo ponto que parece indicar esse crescimento de
4
ações judiciais é a atual sociedade da informação na qual vivemos.
Muito aquém do que o nome pode sugerir, apesar de muito mais
conectada, a sociedade nem sempre está de fato mais informada,
sendo que a disseminação das chamadas fake news tem sido tema
5
recorrente de debate, e grande preocupação do Poder Judiciário nos

3
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. Doutrina, legislação e jurisprudência
atinentes a profissão médica. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 11.
4
Como ensina Patrícia Peck Pinheiro “esses fatos são reflexo de um caminho rumo
à chamada sociedade convergente que se vem desenvolvendo rapidamente desde
a criação do telefone, considerada a primeira ferramenta de comunicação
simultânea a revolucionar os comportamentos sociais. Na outra ponta deste
movimento evolutivo, a Internet veio possibilitar não apenas o encurtamento das
distâncias, com maior eficiência de custos, mas, sobretudo, a multicomunicação, ou
seja, transmissão de texto, voz e imagem”. PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito
Digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 62.
5
“TSE vai combater fake news com apoio da imprensa”,
129
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

últimos meses. Na área médica o fenômeno que é relatado pelos


profissionais é daqueles pacientes que, com base em pesquisas
superficiais na rede ou mesmo em grupos de amigos ou familiares,
chega aos consultórios com o diagnóstico já fechado ou mesmo
buscando apenas uma “receita” para um medicamento específico que
lhe foi recomendado. Existem também conhecidos grupos em redes
sociais nos quais pacientes discutem livremente possíveis e
hipotéticos erros médicos, sem qualquer embasamento técnico e, não
raro, expõem indevidamente a si próprios e a seus médicos
(divulgando nome, orçamentos, receituário, etc.). Essa situação sem
dúvida é um elemento de possível aumento de ações judiciais uma
vez que a disseminação de informações/impressões sem qualquer
cunho médico/científico pode levar a busca por uma reparação que
não encontra qualquer respaldo.
Ainda, e escapando da análise estritamente jurídica, o culto
ao corpo e a perfeição – também decorrentes em muito da já relatada
sociedade hiperconectada – revelam-se como prejudiciais a relação
médico-paciente, desencadeando um aumento de potenciais
reclamações. Isso porque as expectativas com o tratamento médico
se revelam cotidianamente maiores e, muitas vezes, verdadeiramente
irreais. É certo que a evolução técnica dos tratamentos e medicações
leva a diversas possibilidades até mesmo impensáveis há pouco
tempo. De todo modo a atividade médica continua a encontrar limites
fisiológicos, científicos, éticos e naturais, não se podendo esperar
qualquer procedimento milagroso.
Não se pode deixar de abordar também aquelas ações
judiciais de caráter meramente econômico, ou seja, aquelas
decorrentes da já conhecida (e pejorativamente nominada) loteria das
indenizações. Evidente que eventuais equívocos de profissionais (não
só de médicos) podem e devem ser objeto de eventual reparação
judicial. Mas o que se tem observado é verdadeira avalanche de
ações que muitas das vezes sequer apresentam dano efetivamente
configurado, passando ao largo dos elementos fundamentais da
responsabilidade civil ou criminal, mas que são intentados com base
na gratuidade da justiça concedida ao paciente, ou então, pela
inexistência de custas nos juizados especiais. Nesse viés se entende

http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Fevereiro/tse-vai-combater-fake-
news-com-apoio-da-imprensa; ou ainda “Último painel do seminário sobre liberdade
de imprensa discute fake news”,
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=381101.
130
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

que, na mesma medida em que o direito de ação é garantido na Carta


Magna, igualmente o ordenamento prevê sanções processuais para
aqueles que se utilizam de ação judicial em claro abuso de direito,
sendo necessária intervenção firme do Judiciário condenando os
demandantes infundados em litigância de má-fé, ato atentatório a
dignidade da justiça e ao pagamento de custas e honorários
6
advocatícios, inclusive aos beneficiários da justiça gratuita . Esse foi o
entendimento de lúcido julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul deixando patente ao decidir que “é hora de dar-se um basta
aos pedidos indenizatórios que são lastreados em referências
genéricas acerca de imperícia médica e negligência médico-
hospitalar, devendo ser exigido para a viabilidade do juízo de
procedência que a parte lesada aponte de forma clara e cristalina em
que consistiu a negligência ou a imperícia, ou seja, qual a conduta
médica e hospitalar carregada pela culpabilidade”7.
Por fim, e não de forma exauriente, parece existir (nesse
momento em especial) uma menor tolerância generalizada de nossa
sociedade, com severa polarização se mostrando em todos os
campos – político, ideológico, social, etc. –, sendo esse elemento que
também pode contribuir para a majoração de demandas judiciais de
toda espécie. Nesse sentido pessoas menos tolerantes tendem a
externar suas angustias e frustrações nas mais corriqueiras
situações, quadro que se agrava em ocasiões que envolvem saúde
ou tratamento médico. Os casos de agressão física e moral ou
mesmo de gravação e exposição de profissionais da saúde em redes
sociais de forma a denegrir sua imagem são corriqueiras,
confirmando um cenário desfavorável a relação de confiança que
deve sempre se instituir entre aqueles profissionais e seu paciente.
Tanto essa é a lamentável realidade que aguarda votação pelo
Plenário da Câmara dos Deputados Projeto de Lei (nº 6749/2016) que
visa alterar o Código Penal de modo a “tipificar de forma mais
gravosa os crimes de lesão corporal, contra a honra, ameaça e
desacato, quando cometidos contra médicos e demais profissionais
8
da saúde no exercício de sua profissão”.

6
Mesmo respeitando opiniões em sentido diverso, nos parece essa a literalidade do
parágrafo segundo do artigo 98 do Código de Processo Civil.
7
Apelação Cível Nº 70039318506, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Sylvio José Costa da Silva Tavares, Julgado em 26/02/2015.
8
http://www.camara.leg.br/buscaProposicoesWeb/resultadoPesquisa?numero=6749
131
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Vale ressaltar ainda que não se está a tratar nesse estudo de


procedimentos ou atendimentos de urgência/emergência. Não faria
sentido se pensar que em um pronto atendimento, por exemplo, os
médicos tivessem de antes de proceder ao cuidado da vítima,
contatar a família ou instar o enfermo (se é que esse apresentaria
condições físicas e mentais) a assinar toda uma documentação
extensa e criteriosa. Tal conduta não seria razoável e afrontaria as
regras deontológicas da medicina e o próprio Direito.
Ainda assim, a todos os demais casos – especialmente
naqueles eletivos e, principalmente estéticos – existe a inequívoca
necessidade de elaboração dos documentos que serão tratados
nesse artigo. Ousa-se dizer que mesmo nos atendimentos já
mencionados (de urgência e/ou emergência), passada a fase aguda,
certamente é dever de o profissional informar ao paciente e/ou seu
representante sobre o tratamento a ser seguido e as consequências
possíveis. E inegavelmente a documentação deve ser formalizada e
não menos criteriosa.
Traçado o cenário atual de desmedida judicialização da
atividade médica, passe-se a analisar quais são os documentos
possíveis e pertinentes de serem elaborados e sua relevância em
eventual defesa processual.

2 A MEDICINA DEFENSIVA E A DOCUMENTAÇÃO MÉDICA


O termo “medicina defensiva” não é unanimidade, sendo por
9
vezes inclusive evitado . De todo modo, independentemente do nome
que se dê, é fato inegável que nos hospitais e clínicas essa já é uma
nomenclatura recorrente, e acima de tudo, uma realidade verificada
na prática conforme se inferiu da leitura do tópico anterior. Ou seja,
por mais que não se queira utilizar a terminologia, diante de um
cenário de aumento de ações judiciais, a classe médica está cada
vez mais atenta e atuando de modo a minimizar riscos. Já que não se
pode coibir o ajuizamento de uma ação contra si, o melhor cenário,
(além da conduta médica mais adequada) é um bom arcabouço
documental.

&ano=2016&autor=&inteiroTeor=&emtramitacao=Todas&tipoproposicao=%5BPL++
Projeto+de+Lei%5D&data=27/09/2018&page=false
9
O termo, mesmo que de forma indireta, foi abordado ainda em 2004 pelo CFM por
seu então Presidente Roberto Luiz d´Avila, no artigo “O médico e o direito à
remuneração justa”.
132
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Não é inadequado apontar que esse novo momento acarreta


em efeitos colaterais indesejados, como por exemplo10, aumento no
pedido de exames (muitas das vezes mais buscando resguardo ou
ainda atender a uma vontade do paciente), abalo na relação especial
que deve(ria) se constituir entre médico e paciente (afinal essa já se
inicia, por vezes, baseada na desconfiança mútua), aumento do
mercado de seguros profissionais contra responsabilidade civil (que,
se não é um cenário ideal, ajuda ao menos na proteção patrimonial
dos profissionais), e, em casos mais severos na retração de alguns
profissionais, que até mesmo abandonam a profissão, pois passam a
enxergar “em cada paciente um demandante em potencial”11.
Por conta desse cenário, algumas práticas menos seguras
vêm sendo substituídas por protocolos cada vez mais acurados,
condutas mais profissionais e principalmente um conjunto documental
que visa a segurança tanto do paciente como também do profissional
da saúde.
De outro lado a documentação se mostra essencial pois como
destacam Maria Paula e Pedro Fonseca é fundamental ao médico
que “por mais que se tenha um ótimo relacionamento com sua
clientela, documente todas as situações, justamente para conseguir
comprovar que agiu de maneira correta, seguindo um padrão de
segurança”12.
Destaca-se que conforme patente na doutrina e na
jurisprudência, a responsabilidade do profissional médico é
13
subjetiva , ao passo que a das clínicas e hospitais é classificada por

10
Além dos fatores citados no texto, aponta Nehemias Melo que os chamados erros
médicos podem decorrer ainda “induzidos por resultados de exames falso positivo
ou falso negativo, por manuseio errôneo do laboratório; da falta de equipamentos
adequados postos a disposição do facultativo, pelo hospital; da massificação do
ensino com a conseqüente queda na qualidade de formação dos futuros médicos;
da falta de remuneração adequada, o que obriga a maioria dos médicos a trabalhar
em mais de uma unidade, em plantões extensos e fatigantes; da falta de
especialização e conhecimento adquiridos, em face da impossibilidade, dentre
tantas outras causas”. MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil
por erro médico. Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 8.
11
FRANÇA, 2017,p. 12.
12
FONSECA, Pedro H. C; FONSECA, Maria Paula. Direito do Médico. De acordo
com o novo CPC.Belo Horizonte: D´Plácido, 2016, p. 63.
13
A esse respeito a lição sempre assertiva de Miguel Kfouri: “Ao profissional da
medicina não se aplica nenhuma dessas disposições do parágrafo único do art.
927: primeiro por inexistir lei que imponha ao médico o dever de reparar o dano
independentemente de culpa; segundo, porque a atividade médica não implica, por
sua natureza, risco para o paciente – muito pelo contrário: representa, as mais
133
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

vezes como objetiva14, em outras (com base no artigo 14 do Código


de Defesa do Consumidor) objetiva apenas no que tange aos
15
serviços relacionados “ao estabelecimento empresarial” , ou ainda
classificada com pertinentes ressalvas à responsabilidade objetiva
16
pura e simples, conforme destaca Miguel Kfouri Neto .
Ainda que o foco do presente estudo não sejam as espécies
17
de responsabilização dos médicos , clínicas e hospitais, inegável
que em ocorrendo qualquer questionamento judicial quanto a
correição de sua atividade, a documentação bem elaborada continua
a ser o ponto fundamental de defesa seja daquele (médico) ou dessa
(pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos).

vezes, esperança de cura, de salvação, de mitigação das dores – e o risco


terapêutico (maior ou menor probabilidade de se curar o enfermo), como visto
linhas atrás, não depende somente da atuação do profissional médico”. KFOURI
NETO, Miguel. Responsabilidade Civil dos Hospitais. Código Civil e Código de
Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 122.
14
A esse respeito: “No mesmo passo, não se pode negar que a clínica é uma
prestadora de serviços e, portanto, responde objetivamente pelos danos causados,
na forma do artigo 927, § único, do CC c.c art. 14, do CDC.” (TJSP: Apelação
0007484-68.2011.8.26.0006; Relator Des. Mônica de Carvalho; Órgão Julgador: 8ª
Câmara de Direito Privado; Foro Regional VI; 20/09/2018); (TJRJ: Apelação
0006824-58.2011.8.19.0042 ; “O tema está ligado à responsabilidade civil
hospitalar sobre o qual incidem as normas do Código de Def esa do Consumidor -
CDC, que destaca, no artigo 14, a modalidade objetiva pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.
Independentemente da existência de culpa basta a comprovação de que o dano foi
resultante da atuação de sua equipe, ou seja, a prova de existir relação de causa e
efeito entre a ação e o evento danoso”. Relator Des. Cezar Augusto Rodrigues
Costa; Órgão Julgador: 8ª Câmara Cível; Data do Julgamento: 08/05/2018).
15
A responsabilidade objetiva para o prestador do serviço prevista no artigo 14 do
Código de Defesa do Consumidor, no caso, o hospital, limita-se aos serviços
relacionados ao estabelecimento empresarial, tais como a estadia do paciente
(internação e alimentação), as instalações, os equipamentos e os serviços
auxiliares (enfermagem, exames, radiologia). Precedentes. (AgInt no AREsp
1253588/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 21/08/2018, DJe 28/08/2018).
16
Novamente nos valendo dos ensinamentos do professor Miguel Kfouri, esse afirma
ao analisar o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil que “tal previsão, por
conseguinte, é estranha à prestação de serviços na área da saúde – quer por
médicos, hospitais, laboratórios, clínicas e assemelhados”. KFOURI NETO, Miguel.
2017, p. 125.
17
Se fosse o caso, seria pertinente referir ainda a possibilidade eventual de aplicação
da teoria da culpa presumida.
134
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

E tal afirmação se torna ainda mais aguda ao se considerar a


aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações médicas
18
e hospitalares com seus pacientes .
Nesse caso as implicações da inversão de ônus probatório
em eventual processo judicial são muito desfavoráveis ao médico ou
empresa prestadora de serviços correlatos, tornando-se
imprescindível nesses casos a boa, criteriosa e completa
comprovação documental médica de que não houve qualquer ação
ou omissão danosa ou mesmo os propalados danos sofridos.
Nestes casos o profissional (ou clínica/nosocômio) acusado
passa a ter ônus não apenas de “provar à existência de fato
19
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor ”, mas
verdadeiramente de demonstrar que não agiu mal ou provocou
qualquer dano. Em outras palavras como leciona Cassio Scarpinella
Bueno

nos casos previstos em lei (como se dá, por exemplo, no inciso VIII do
art. 6º do Código do Consumidor, em que o que há é propriamente,
uma inversão do ônus da prova) ou diante de peculiaridade da causa
relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de produzir
prova nos moldes do caput, ou ainda, considerando a maior facilidade
de obtenção da prova do fato contrário, poderá o magistrado atribuir o
20
ônus da prova de modo diverso.

Ainda que se possa fazer a importante ressalva prevista


21
expressamente no parágrafo 2º do mesmo artigo , que vedaria a
famigerada prova impossível ou diabólica, inequívoco que em muitos
casos que envolvem a relação médico-paciente ocorre a inversão
quase que automática de tal incumbência (especialmente no que
tange a prova técnica), devendo o médico provar que não agiu com
negligência, imperícia ou imprudência, ou a pessoa jurídica a

18
A do profissional liberal será sempre subjetiva a teor do parágrafo 4º do artigo 14,
ao passo que a das pessoas jurídicas será avaliada conforme já nos referimos
anteriormente.
19
Artigo 373, II do CPC.
20
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único,
4. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2018, p. 410.
21 o o
Art. 373 (...) § 2 A decisão prevista no § 1 deste artigo não pode gerar situação
em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou
excessivamente difícil.
135
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

demonstração de que não houve qualquer dano ou nexo de


causalidade no casso concreto.
Igualmente danosa é a imputação ao profissional, em alguns
casos específicos (notadamente a cirurgia plástica com fins
22
estéticos ), da assunção de uma obrigação de resultado, o que
majora sensivelmente a complexidade de sua defesa, especialmente
se considerarmos que mesmo nessas especialidades a álea e o
imponderável estarão sempre presentes.
De todo modo, e feitas as considerações acima, diante da
instauração de uma reclamação do paciente ou um processo judicial,
uma premissa é inegável: caso o profissional médico não disponha de
documentos para provar sua correição (como em qualquer outro feito
judicial, diga-se), a condenação estará muito próxima.
Como provar, por exemplo, que informou adequadamente o
seu paciente de determinado resultado (plenamente possível e
descrito pela literatura médica) se não possui termo de consentimento
devidamente assinado? Ou ainda como expor em juízo
adequadamente que nos retornos agendados o paciente
simplesmente não compareceu?; ou ainda apresentava evolução
absolutamente adequada se não possui anotações pormenorizadas
no prontuário médico? Como demonstrar quais responsabilidades
foram assumidas por ambas as partes na ausência de um contrato?
Essa, pois, a análise que se faz a seguir.

3 DOCUMENTAÇÃO E DEFESA MÉDICA


Antes de adentrarmos no cerne desse último tópico, salutar
destacar que a documentação tratada abaixo não é exauriente e
tampouco será sempre útil a todo e qualquer profissional. Isso se diz
considerando que cada médico, clínica ou especialidade apresentará
suas próprias necessidades, particularidades e especificidades. A

22
Posicionamento que apesar de consolidado em nossa jurisprudência,
respeitosamente discordamos, entendendo mais adequado à atividade médica o
entendimento adotado por autores como Hildergard Taggesell Giostri na elucidativa
obra “Responsabilidade Médica. As obrigações de meio e de resultado:
avaliação, uso e adequação”. Ou ainda a análise com ressalvas dessa
classificação, como observam Clayton Reis e Horácio Monteschio no artigo
“Responsabilidade civil subjetiva do cirurgião plástico em face do direito da
personalidade do paciente”, disponível em
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=5ef9f5ae91440a6e
136
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

prática demonstra, por exemplo, que alguns profissionais ainda se


sentem um tanto desconfortáveis com a formalização de um contrato
escrito de prestação de serviços, enquanto que outros sequer se
utilizam de termo de consentimento informado. Ainda assim alguns
documentos se mostram, a nosso sentir, essenciais para a boa
prática médica atual e serão fundamentais em caso de eventual
demanda judicial.
Na mesma linha se ressalta que conforme já demonstrado, a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor é patente nessas
relações, e bem por isso não estamos a tratar aqui da realização de
documentos desequilibrados ou mesmo leoninos. A ideia,
privilegiando inclusive a boa-fé que deve permear todas as relações,
é a de que se elaborem documentos adequados, precisos e que
sirvam para dar segurança tanto ao paciente como também ao
profissional/estabelecimento de saúde.
Cumpre relatar, ainda de forma preliminar, que os
documentos médicos devidamente elaborados e disponíveis aos
pacientes, antes de tudo, são um direito desse e um dever ético do
profissional23.
Portanto, apenas as razões acima já seriam suficientes para
justificar a boa preparação e guarda dos documentos essenciais na
relação profissional com o paciente.
Todavia, no atual contexto – e foco principal desse artigo – a
documentação além dos aspectos já relatados se mostra fundamental
para revestir com maior segurança a relação médico-paciente,
formalizando e chancelando com validade jurídica as fases do
tratamento a ser realizado, suas consequências e possibilidades e a
devida autorização e ciência do paciente quanto ao procedimento a
ser adotado. Ainda mais, se mostra relevante também na
normatização da relação que se institui, de modo a deixar claros
direitos e obrigações de cada uma das partes.
Dentre os documentos que entendemos ser importantes,
alguns são mais comuns e já utilizados de forma mais recorrente, e
outros, apesar de causarem até certa estranheza aos profissionais da
saúde, não deixam de ser relevantes e cada vez mais comuns nos
consultórios e hospitais. Válida a lição de que não podem mais, no

23
A esse respeito, por exemplo, o artigo 88 do Código de Ética Médica ou mesmo o
artigo 8º da Resolução 1.821/2007 do Conselho Federal de Medicina.
137
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

atual contexto, ser considerados mera burocracia ou “papelada


desnecessária”, afinal são instrumentos que conferem segurança e
compõe lastro probatório para ambas as partes.
Inicialmente, tratamos do prontuário médico, que conforme
destaca Genival França esse se entende “não apenas [como] o
registro da anamnese do paciente, mas todo acervo documental
padronizado, organizado e conciso, referente ao registro dos
cuidados médicos prestados, assim como aos documentos
24
pertinentes a essa assistência” .
Como já se expôs o paciente tem direito a prontuário
devidamente anotado e completo, e não raro esse se encontra com
25
informações precárias ou redigido de forma totalmente displicente .
Compreendemos o pouco tempo que o profissional da saúde tem
durante alguns plantões ou mesmo na rotina do consultório. Mas a
falta de tempo não servirá de justificativa e muito menos como defesa
em eventual processo judicial.
Assim a anotação há de ser clara e inequívoca fazendo
constar todos os elementos importantes do atendimento. Também a
evolução não deve ser padronizada milimetricamente, com anotações
uniformizadas em todos os retornos. O prontuário adequado e
seguro, se o médico julgar necessário, pode e deve ser composto
também por fotos do paciente ao longo do seu tratamento, afinal,
essas se mostram - em caso de processo judicial - como elemento
26
interessante de prova inclusive de modo a balizar a perícia a ser
eventualmente realizada.

24
FRANÇA, 2017, p. 19.
25
Nesse sentido: “I - A negligência estatal na prestação de serviços médicos ficou
demonstrada, pois a autora não foi notificada sobre o diagnóstico de hepatite C
nem houve a anotação em seu prontuário médico, o que impossibilitou a realização
tempestiva do tratamento e culminou na necessidade de transplante de fígado, em
vista da evolução para o quadro de cirrose hepática.” TJ/DF 20160111227507APC,
Relator: Vera Andrighi; 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 30/05/2018, Publicado
no DJE: 12/06/2018.
26
Foi mantida condenação em desfavor de médico que não conseguiu desconstituir
as alegações do paciente, situação que talvez pudesse ser contornada com
apresentação de eventuais fotos: “Embora o apelante sustente que o procedimento
cirúrgico discutido nos autos é reparador e, não, estético, não logrou êxito em
apresentar nenhuma prova neste sentido, que, aliás, era de fácil produção por
ele, eis que consistente na simples apresentação de
prontuários médicos e fotos obrigatórios que estão ou deveriam estar em seu
poder”. (0011930-66.2012.8.19.0203 – Apelação Des(a). Cláudio Luiz Braga
Dell'Orto - Julgamento: 05/09/2018 - Décima Oitava Câmara Cível).
138
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Portanto, o prontuário, mais do que obrigação ética e legal,


pode constituir-se como prova fundamental em caso de defesa
médica, pois como arremata o mesmo Genival França esse além de
ser verdadeiro arquivo com as informações fundamentais de toda a
relação serve “também para defesa do profissional, caso ele venha
27
ser responsabilizado por algum resultado atípico ou indesejado” .
Outro documento basilar (e por vezes não utilizado) é o termo
de consentimento informado e esclarecido.
Além de sua função médica principal, que visa esclarecer ao
28
paciente sobre todos os aspectos possíveis do tratamento , leva em
conta também aspectos jurídicos fundamentais como a
autodeterminação e o dever de informação considerando a já
mencionada aplicação do Código de Defesa do Consumidor por conta
de seu artigo 6º, inciso III.
Assim o termo estabelece as premissas do tratamento,
expondo todas as suas possibilidades, riscos, possíveis efeitos
colaterais ou indesejados, limitações, e serve ainda para que o
paciente tire toda e qualquer dúvida porventura existente. Esse, em
caso de resultados que não agradem ao paciente, revelam-se como
fundamentais para demonstrar que esse havia sido informado e
também anuído ao tratamento, afastando assim qualquer
possibilidade de falha no dever de informar do profissional e
supressão de seu direito de livre escolher29.
Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça trouxe a
lume a importância do termo de consentimento, pois conforme consta
do voto vencedor, de lavra do Ministro Luis Felipe Salomão no REsp
154058-0, esse é “o estabelecimento de uma relação de negociação,
na qual o médico compartilha os seus conhecimentos técnicos e

27
Idem.
28
O anexo I da Recomendação 1/2016 do CFM diz ser esse “o esclarecimento claro,
pertinente e suficiente sobre justificativas, objetivos esperados, benefícios, riscos,
efeitos colaterais, complicações, duração, cuidados e outros aspectos específicos
inerentes à execução (e) tem o objetivo de obter o consentimento livre e a decisão
segura do paciente para a realização de procedimentos médicos”.
29
Nesse sentido ERRO MÉDICO NÃO EVIDENCIADO. FALHA NO DEVER DE
INFORMAÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONSENTIMENTO INFORMADO. REQUISITO
ATENDIDO, COMO SE INFERE DOS REGISTROS LANÇADOS NO
PRONTUÁRIO HOSPITALAR. Comprovação de que a paciente sabia e consentiu
previamente com a realização da cirurgia. (Apelação Cível Nº 70061096426, Nona
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado
em 22/07/2015).
139
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

garante ao paciente a tomada de decisões a partir de seus próprios


valores, no exercício de sua autonomia”. No caso em apreço o
julgado considerou que não houve qualquer erro no tratamento
médico, mas houve falha na prévia informação suficiente ao paciente
sobre todas as suas possibilidades do procedimento. A condenação
30
foi rigorosa e em valor elevado .
De forma complementar, e de suma importância, é a
elaboração de um contrato de prestação de serviços escrito. Esse é
um documento que ainda causa certa estranheza aos profissionais,
que não raramente indagam se sua utilização é comum, ou mesmo
confidenciam que sentem certo desconforto em apresentá-lo ao
paciente pois esse tornaria a relação muito comercial.
Pois bem, o primeiro argumento que leva por terra tal
pensamento é que de fato a relação – infelizmente – já é vista como
comercial pelo próprio Poder Judiciário, afinal ao se aplicar o CDC, se
está dizendo que o médico presta um serviço. Igualmente a noção
(justa) de que o contrato não é elemento comum na relação médica,
aos poucos vai se mitigando, afinal o novo momento de judicilização
crescente demanda maior rigor e formalização daquilo que foi
31
acertado entre as partes .
Esse serve também para estipulação formal dos honorários
médicos a serem pagos pelo procedimento a ser realizado32, e se
assinado por duas testemunhas, pode inclusive ser executado
conforme dispõe artigo 784, III do Código de Processo Civil. Ou seja,
não será necessária longa e desgastante dilação probatória para

30
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&seq
uencial=86256410&num_registro=201501551749&data=20180904&tipo=64&format
o=PDF
31
Como destacam Pedro e Maria Fonseca: “o principio da autonomia privada tornou-
se elemento essencial na relação jurídica, que traduz um permissivo jurídico para
as partes de uma relação jurídica criar obrigações e direitos (...) com
conseqüências jurídicas e efeitos predeterminados por elas. Exemplo claro do
presente princípio é a celebração de um contrato”. FONSECA, Pedro H. C;
FONSECA, Maria Paula. 2016, p. 171.
32
Apesar de não se tratar de uma execução, o julgado considerou a existência do
contrato como elemento para condenação do paciente ao pagamento dos valores
devidos: “Cobrança de serviços médicos-hospitalares. Responsabilidade pelo
pagamento das despesas não cobertas e evidenciadas pelas notas fiscais, termo
de compromisso e contrato de prestação de serviços médicos. Internação em
modalidade particular. Demonstrativos de débitos”. (TJSP, Apelação 1050643-
51.2014.8.26.0002; Des. Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 9ª Câmara de
Direito Privado; Foro Regional II; Data do Julgamento: 31/07/2018)
140
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

comprovação e constituição dos valores devidos ao médico e


eventualmente inadimplidos.
O contrato pode prever ou coibir ainda situações que causam
muitos problemas na atualidade, como por exemplo, explicitar que o
médico não consulta ou atende seus pacientes por redes sociais ou
aplicativos; que o retorno às consultas de pós-operatório imediato são
obrigação do paciente e que sua ausência injustificada pode
caracterizar abandono do tratamento; a vedação de exposição pelo
paciente de resultados em redes sociais com “antes e depois” ou
orçamento fornecido pelo médico; dentre outros. Todas essas
previsões parecem bastante adequadas e razoáveis na relação que
se institui entre as partes e servirão, caso necessário, como prova
robusta em eventual discussão jurídica. A esse respeito julgado do
Tribunal de Justiça do Tocantins que analisando caso no qual se
tratava de uma obrigação de resultado (cirurgia plástica estética),
ainda assim entendeu pela não condenação do profissional em razão
da comprovação de que houve a devida discussão prévia do caso,
dos possíveis resultados e inclusive elaboração de contrato
informando as devidas obrigações assumidas pelas partes33.
Por fim não é demais destacar que o contrato não é (e jamais
deve ser) algo prejudicial ao paciente: pelo contrário, será
instrumento importantíssimo a dar mais segurança a ambas as
partes, afinal apresentará não apenas seus deveres mais também
quais obrigações são assumidas por seu médico. Logo, esse apenas
dá maior formalização a relação que se estabelece, devendo sempre,
a evidência, respeitar os requisitos básicos do próprio Código Civil
(artigo 104) e os princípios que regem qualquer contratação como
objeto lícito, capacidade das partes, objeto e valor a ser pago pela
prestação.
Quanto ao termo de consentimento e contrato, se ressalta ser
fundamental para sua validade e eficácia, que sejam sempre
apresentados ao paciente com antecedência razoável, de modo que
esse possa lê-los e compreendê-los em sua plenitude, procedendo a

33
O voto – acompanhado por unanimidade – menciona que “verifica-se que o
resultado pretendido pela apelante na rinoplastia e na colocação de próteses
mamárias, o que fora contratado foi cumprido”; e ainda que “no caso a apelante,
no diálogo que teve com o cirurgião é categórica quanto a procedimento a ser feito
no nariz, e quanto ao tamanho das próteses convencionadas e efetivamente
colocadas, havendo ausência de demonstração de descompasso entre o resultado
alcançado e aquele prometido”. (AP Nº 0002977-16.2015.827.0000, Rel. Desa.
MAYSA VENDRAMINI ROSAL, 1ª Câmara Cível, julgado em 11/12/2015).
141
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

rubrica de todas as páginas e assinando a última, sempre em data


anterior ao dia agendado para o tratamento/procedimento.
Igualmente parece importante a formalização de um termo de
encerramento ou quitação, quando da finalização do serviço médico
contratado. Esse, pouco comum, se presta – uma vez encerrado o
tratamento ou a prestação médica contratada – a justamente por fim
ao relacionamento havido, sendo possível que as partes mutuamente
se deem quitação. Em outras palavras é um documento pelo qual as
partes vão declarar que tudo aquilo que fora combinado e contratado
foi devidamente cumprido, estando ambas satisfeitas e nada mais
tendo a questionar umas das outras. Pela assinatura desse
documento o médico inclusive por dar quitação ao paciente quanto
aos valores que foram pagos pelo procedimento/tratamento, não
podendo mais alegar qualquer razão para cobranças futuras, tudo
nos moldes do artigo 320 do Código Civil.
Por fim, cumpre destacar a relevância de o profissional ou
clínica instituir um documento quase rudimentar, mas que evita
diversos problemas: o check list prévio ao tratamento. Esse pode ser
elaborado de forma simples, muitas vezes em uma página apenas, no
qual o profissional ou sua equipe irão verificar/anotar se houve o
preenchimento de todos os passos e/ou requisitos essenciais a
realização, com segurança, do tratamento. Alguns campos que
podem constar desse documento são: exames realizados; fotos
tiradas;\consulta prévia com o anestesista (se for o caso);
documentação devidamente rubricada e assinada (contrato e termo
de consentimento); pagamento realizado e/ou como se dará; etc.
Enfim, é um procedimento extremamente simples e que pode evitar
diversas complicações, sendo que na ausência de algum dos itens
devidamente preenchido/realizado até a data do procedimento esse
deve ser postergado até que se observem preenchidas todas as suas
exigências.
O check list, ainda, se mostra na prática com alto efeito
pedagógico para os próprios pacientes, que por vezes relutam ou se
esquecem (propositadamente ou não) de trazer termos assinados,
contrato preenchido, exames, etc.. Desde a primeira consulta o
profissional deve ser enfático, e afirmar que até a véspera do
procedimento/tratamento se o check list não estiver respeitado em
sua integralidade, ocorrerá seu cancelamento.
Esse documento, portanto, é um verdadeiro lembrete quanto
aos demais, fazendo com que o médico ou clínica jamais se olvidem
142
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

ou negligenciem o conjunto documental que deve ser produzido e que


dará sustentação para a sua segurança profissional e jurídica.
Como se disse no início, os documentos acima
exemplificados não são exaustivos, e devem ser complementados a
depender de cada caso (com anexos contratuais, aditivos, contratos
específicos de cessão de espaço/sublocação no caso de clínicas que
possuem salas disponíveis, etc.).
Todavia um fato se mostra inequívoco: a documentação toma
caráter preponderante na formalização e na segurança da relação
médico-paciente, e em juízo – no caso de eventual demanda – será
fundamental para comprovação dos fatos alegados, especialmente
quando da defesa médica em razão da aplicação do Código de
Defesa do Consumidor como se relatou.

CONCLUSÃO
Apesar da relutância em aceitar o termo medicina defensiva,
essa lamentavelmente é uma realidade. Enxergar de forma diversa é
negligenciar as estatísticas recentes e jogar com a própria sorte.
Não se discorda que existe uma relação especial que deve se
formar entre o médico e o paciente, a qual deve ser alicerçada na
confiança e respeito mútuos. Porém, não é exagerado ou inadequado
formalizar essa relação, sendo a produção de documentos médicos
benéfica a todos.
De outro lado, se a relação, por qualquer razão, acabar
comprometida e culminar com o ajuizamento de ação por suposto
erro médico, então a documentação passa a ter caráter fundamental,
ou, ainda mais, pode representar o linha tênue entre a absolvição ou
condenação do profissional.
E não está se tratando aqui de casos nos quais efetivamente
houve equívoco profissional: muitas vezes, no caso concreto, o
médico pode ter agido com correção ou a Clínica/Hospital pode não
ter incidido em nenhum prejuízo ao paciente. Mas, diante da
aplicação do código consumerista, a eventual insuficiência de provas
se mostra instransponível, pois sem essas nem mesmo a melhor
narrativa se sustenta.
Diante disso entendemos que o cuidado com a
documentação deve ser redobrado, sendo essa elaborada com

143
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

critério, correção, assiduidade, e em caso de dúvidas, com auxílio de


especialista. Não se deve jamais confundir com mera burocracia a
evolução adequada anotada no prontuário, as fotos que comprovem
os estágios do tratamento, o termo de consentimento informado, um
bom contrato de prestação de serviços, um check list prévio ao
tratamento, enfim, todos registros que vão não apenas regulamentar
de forma clara e precisa a relação, mas servirão como prova robusta
em caso de demanda judicial.
Portanto, o que se buscou demonstrar é que apenas a boa
prática médica (infelizmente) já não é mais suficiente para defesa do
profissional ou do hospital em juízo: sem provas escritas e bem
elaboradas será difícil ou quase impossível comprovar as alegações
trazidas em seu favor.
A segurança da profissão passa, portanto, por uma boa
demonstração de que se agiu corretamente. E a boa documentação,
mais do que simples preocupação, revela diligência e atualização dos
profissionais da área da saúde.

REFERÊNCIAS
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. Doutrina, legislação e
jurisprudência atinentes a profissão médica. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2017.
PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico.
Doutrina e Jurisprudência.2. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
FONSECA, Pedro H. C; FONSECA, Maria Paula. Direito do Médico. De acordo
com o novo CPC.Belo Horizonte: D´Plácido, 2016.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil dos Hospitais. Código Civil e
Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único,
4. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2018.
GIOSTRI, Hildergard Taggesell. Responsabilidade Médica. As obrigações de
meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. 7. Reimpressão. Curitiba:
Juruá, 2011.
REIS, Clayton; MONTESCHIO, Horácio. Responsabilidade civil subjetiva do
cirurgião plástico em face do direito da personalidade do paciente. Disponível em
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=5ef9f5ae91440a6e>.

144
REGIME JURÍDICO E LEGITIMIDADE PASSIVA
NAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR
DANOS CAUSADOS NA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE
Silvio Guidi 1

INTRODUÇÃO
Não se engane, esse não é um artigo sobre processo civil,
embora se pretenda muito útil às ações civis que têm como objeto a
reparação de danos causados quando da prestação de serviços de
saúde (as quais doravante serão chamadas somente de “ação de
responsabilidade civil”). Por isso, daqui em diante, o texto que
apresentará as várias formas de prestação de serviços públicos de
saúde e o respectivo regime jurídico que sobre elas incide. E será a
partir dessa identificação que o texto indicará quem pode ou não
compor o polo passivo de uma ação judicial de responsabilidade civil.
Ou seja, para compreender como o polo passivo da ação pode ser
formado, a identificação do regime jurídico incidente sobre a relação
prestacional é tão importante quanto à identificação de quem causou
o dano.
A finalidade do texto não é só acadêmica (hipotética). O texto
irá apresentar qual o posicionamento atual e predominante do
Judiciário sobre a legitimidade passiva de prestadores de serviços de
saúde nas ações de responsabilidade civil. O fim por trás dessa
análise é ode verificar se: (i) o posicionamento judicial está
consolidado; (ii) o comportamento do Judiciário é coerente com o
regime jurídico incidente sobre as relações prestacionais de serviços
de saúde.

1
Advogado, mestre em direito administrativo pela PUC-SP.
145
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

1 BREVÍSSIMAS NOÇÕES ESSENCIAIS SOBRE A


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
O avanço no pensamento desse artigo exige a apresentação
de algumas premissas, ainda que de forma breve e resumida. A
primeira dessas premissas é a noção de responsabilidade civil do
Estado, que será apresentada a partir de um rápido contexto
evolutivo.
Sabe-se que a formação do Estado não coincidiu com sua
responsabilização por danos derivados das ações ou omissões que
ele ou seus agentes cometiam. Os primeiros passos daquilo que
poderia se chamar de Estado conviveram com a teoria da não
responsabilidade estatal. Confirmada por algumas máximas como
“the king can do no wrong”, essa teoria afastava do Estado qualquer
dever de indenizar e, por consequência, o direito de ser indenizado,
ainda que flagrantemente tivesse agido o Estado de forma comissiva
ou omissiva e, dessa maneira, tivesse causado dano a terceiro.
Com a evolução do Estado, que avança para o modelo de
estado de direito, ainda que numa formatação liberal, passa-se a
admitir a responsabilidade estatal por meio da teoria do
“fauteduservice”. Trata-se de admitir a responsabilização do Estado
toda vez que este: não agir, agir de forma insuficiente ou com atraso.
Sob a perspectiva do pensamento atual, tal formatação de
responsabilidade carrega a noção subjetiva, já que impõe a
necessidade de demonstração de culpa do Estado, como elemento
essencial à responsabilização.
Após outros passos evolutivos, em que a sociedade caminha
de um estado de direito liberal para um modelo de estado
democrático de direito, surge uma modificação na teoria da
responsabilização civil estatal, vindo a prevalecer a formatação
objetiva de responsabilidade. A principal marca dessa forma de
responsabilização civil é o afastamento da necessidade do elemento
culpa para a demonstração da responsabilidade. Assim, o dever
estatal de indenizar os danos derivados de suas ações ou omissões
ilícitas2 é encontrado por meio da demonstração: (i) da existência do

2
Os danos causados por ações lícitas do Estado também podem ser objeto de
responsabilização. O tema, que não será abordado nesse trabalho, pode ser
estudado e aprofundado in: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito
administrativo. 33.ed. São Paulo. Malheiros, 2016, p.1027 e seguintes.
146
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

dano; (ii) da existência do ato ilícito praticado pelo Estado (comissivo


ou omissivo); (iii) do nexo de causalidade entre ambos.
No Brasil, a teoria da responsabilização objetiva do Estado,
em razão de ato ilícito, é encontrada por meio de interpretação da
própria CF (artigo, 37, §6º).

2 A EVOLUÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE


SAÚDE
A segunda premissa desse artigo é encontrada na evolução
da prestação dos serviços públicos de saúde no Brasil. Em boa
medida, essa prestação seguiu a evolução da teoria da
responsabilidade civil do Estado. Não que haja uma coerência lógica
ou proposital nesse compasso. No entanto, é possível constatar o
seguinte: ao passo em que o regime jurídico pátrio intensifica a
relação entre cidadão e Estado, no que concerne a prestação de
serviços de saúde, também caminha de forma a objetivar a forma de
apuração da responsabilidade do Estado pelos danos causados aos
cidadãos, em decorrência de suas ações ilícitas omissivas e
comissivas quando do exercício da atividade pública.
Tal como ocorreu em um número significativo de Estados, a
prestação de serviços de saúde passou a ser inserida como objeto do
direito positivo a partir da construção do Estado Providência.3 A
contar desse fato social, pelo qual o Estado passou a se preocupar
com a existência digna do cidadão, iniciou-se a inserção de normas
jurídicas voltadas a impor à Administração Pública o dever de prestar
serviços de saúde aos cidadãos. No Brasil, a primeira atuação estatal
voltada à saúde pública surge com a Lei Eloy Chaves, 4 que, junto a
outras normas que a sucederam, regulamentou as “Caixas de
Assistência e Pensão (CAPs) criadas por grupos específicos de
trabalhadores de determinadas empresas, sob a forma de seguro
social, adotado no resto do mundo à época”.5 Com o avanço do

3
Sobre a evolução dos modelos de estado, sugere-se a consulta de: DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,
franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. Parecer sobre
concessão de serviço público. Natureza jurídica da remuneração paga pelos
usuários. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2015.
4
Que nada verdade é o Decreto n.4.682/1923.
5
MÂNICA, Fernando Borges. O setor privado nos serviços públicos de saúde.
Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.90.
147
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

tempo, surgiram Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), os


quais passaram a agregar categorias profissionais como um todo, ao
invés de funcionários de determinada empresa. Esses institutos foram
unificados em 1966, por meio do Decreto n.72 e incorporados ao
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Até aqui, a atuação
estatal na prestação de serviços públicos de saúde era praticamente
inexistente, cuidando o Estado apenas de estimular tal prestação no
ambiente privado.
Em 1975, é criado o Sistema Nacional de Saúde, por meio da
Lei n.6.229. É o primeiro momento em que se registra a preocupação
do legislador com a saúde coletiva da população, independentemente
de vínculos laborais ou profissionais. São assumidos compromissos
genéricos e programáticos, como a elaboração de planos de combate
a epidemias e de prestação de serviços de saúde às pessoas. Mas, é
somente com a promulgação da CF que o direito à saúde é
reconhecido como um direito social do cidadão (art. 6º). A viabilização
6
do exercício desse direito, também de acordo com a CF (art.
196),passa a ser obrigação do Estado. Tal obrigação deve ser
concretizada (art. 198 da CF) por meio de ações (atividades não
prestacionais) e serviços (atividades prestacionais) públicos.
E é também na CF que surge, já se disse, a formatação da
apuração objetiva da responsabilidade civil do Estado. Conectada
7
com as obrigações de garantir o exercício do direito à saúde está a
obrigação de reparar o dano derivado de ações ou serviços.

3 AS FORMAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE


SAÚDE
É certo que é plenamente possível o Estado ser
responsabilizado por atividades não prestacionais voltadas à garantia
do exercício do direito à saúde (ações de saúde), como por exemplo
as ações de vigilância sanitária no controle de insumos farmacêuticos
que podem ser comercializados no país. Entretanto, o presente artigo
irá se dedicar à análise de responsabilidade pela prestação de
serviços públicos de saúde. Isso porque, enseja maior número de

6
Para saber mais sobre a diferença entre atividades e serviços, consulte: FREIRE,
André Luiz. O regime de direito público na prestação de serviços públicos por
pessoas privadas. São Paulo: Malheiros, 2014.
7
Diz-se garantir o direito ao exercício, porque se o cidadão não quiser exercê-lo,
serão raras as hipóteses em pode ser obrigado.
148
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

dúvidas, pois se trata atividade prestacional, cuja delegação ao


privado é possível, à luz do artigo 175 da CF. Daí que a
complexidade para identificação de quem pode ou não compor o polo
passivo de ações judiciais pela responsabilidade civil estatal é muito
maior quando se está a falar em prestação de serviços públicos. É
que, nessas hipóteses, é possível identificar uma pluralidade de
sujeitos na cadeia ativa prestacional (públicos e privados), o que não
ocorre nas ações públicas não prestacionais, pois indelegáveis. Ou
seja, para a finalidade prática, o operador do direito irá se deparar, na
maioria das vezes, com danos derivados da atividade pública
prestacional dos serviços de saúde do Estado.
Feito esse recorte, é interessante observar que as normas
que disciplinam a prestação de serviços de saúde no direito positivo
brasileiro estão no topo da cadeia hierárquica. O conteúdo
constitucional já traz uma série de normas que permite desenhar,
com um bom grau de precisão, o ambiente da prestação dos serviços
públicos de saúde. Há aquela prestação de serviços de competência
estatal, que se volta ao dever do Estado em atender ao direito social
de saúde dos cidadãos. Essa atividade pode ser realizada direta ou
indiretamente (inclusive por meio de particulares), mas sempre dirá
respeito à competência estatal de garantir a saúde da população. Há
outra espécie de prestação de serviços de saúde, que não se volta à
garantia social do direito à saúde, mas sim à exploração privada. Ou
8
seja, a CF (artigo 199) cria outro ambiente de prestação de serviços
de saúde, mediante exploração privada, a serem disponibilizados à
população.
Aqui já se revela o primeiro cuidado necessário quando da
aplicação ou da interpretação das normas que regulam a prestação
de serviços de saúde. É fundamental localizar se se está diante do
regime de direito público ou privado. Um tem essência de função
pública para atender ao direito social; outro é embasado na livre
iniciativa de atividade econômica e, apesar de ter como escopo o
atendimento à saúde do indivíduo, não diz respeito ao atendimento
do direito social. O regime jurídico constitucional fornece, portanto,
ambientes normativos distintos para a solução de demandas
envolvendo a prestação de serviços de saúde. Fundamental, ainda,
não confundir a hipótese em que o privado faz as vezes do Estado na
prestação de serviços públicos de saúde com aquela em que o
particular presta saúde na formatação privada.

8
Artigo 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
149
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Com base no conteúdo constitucional, e eis aqui a terceira


premissa, é possível estabelecer duas formas distintas de prestação
de serviços: a pública e a privada. Ocorre que a própria CF permite a
participação privada, complementar à pública, como instrumento para
a consecução do dever estatal de garantir o direito dos cidadãos à
saúde (§1º do artigo 199). Assim, há: (I) a saúde pública, executada
diretamente pelo Estado e voltada a garantir o direito do cidadão à
saúde; (II) a saúde pública complementar, executada por particular
em nome do Estado, e também voltada a garantir o direito do cidadão
à saúde; (III) a saúde privada, executada por particular com o fim de
prestar a atividade com ou sem finalidade econômica.
No âmbito da prestação pública complementar, é possível
que o Estado delegue a titularidade da prestação dos serviços
públicos. Tal autorização se dá, já se disse, pela própria norma
constitucional (art. 175), que permite que a delegação ocorra pela via
9
da concessão ou da permissão. Ainda de acordo com CF
(novamente pelo caput do art. 199), é possível identificar que as
condições que objetivam permitir ou conceder a prestação de
serviços públicos de saúde ao privado pode ser instrumentalizadas
por meio do contrato (nas hipóteses em que visar a auferir lucro pela
prestação) ou do convênio (nas hipóteses em que não visar a auferir
lucro pela prestação).10Assim, o privado poderá ser titular da
prestação de serviços públicos de saúde, mediante delegação,
viabilizada por meio de concessão ou de permissão e
instrumentalizada por meio de contrato ou convênio.

4 COMPREENDENDO A NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO


DE SERVIÇOS DE SAÚDE PELO TERCEIRO SETOR
A quarta e última premissa desse artigo é a identificação da
atuação do terceiro setor, quando presta serviços de saúde. Vive-se
hoje, no ambiente jurídico e político da saúde, uma forte tendência ao
fomento, o qual pode ser definido como a “ação da Administração

9
Saiba mais sobre as diferenças entre concessões e permissão consultando a Lei nº
8.987/95. Doutrina relevante sobre o tema pode ser encontrada in: DI PIETRO,
Maria Sylvia. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,
franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 10.ed. São Paulo:
Atlas, 2015, p.134.
10
Para saber mais sobre diferenças e peculiaridade de contratos e convênios,
sugere-se a seguinte leitura: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito
administrativo. 10.ed. São Paulo: RT, 2014, p.467 e seguintes.
150
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

com vistas a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos


ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas
ou consideradas de utilidade coletiva, sem o uso da coação e sem a
prestação de serviços públicos”.11 Ao fomentar essas atividades,
como a prestação de serviços de saúde gratuitos, o Estado acaba
satisfazendo o interesse público por via alternativa. É que,
incentivando essa forma de prestação, a demanda pelo serviço
público de saúde diminui. Assim, a concentração de esforços públicos
acaba sendo mais eficiente para a boa prestação do serviço público.
Mas, o que é importante desde logo deixar claro, é que o
fomento a serviços privados e gratuitos de saúde não se confunde
com a atuação complementar privada na saúde pública. Apesar
disso, tal fomento pode ser decisivo para o bom desempenho dos
serviços públicos de saúde.
Terceiro setor e fomento são temas muito presentes na
agenda jurídica. Estão situadas no terceiro setor aquelas entidades
que não visam ao lucro e realizam atividades que promovam a
evolução da sociedade. No jargão popular, essas instituições ficaram
conhecidas como organizações não governamentais (ONGs). Trata-
se de uma descrição bastante ampla, o que demonstra que o terceiro
12
setor abrange um “vasto campo não uniforme na realidade”.
As ONGs revelam a preocupação de certos setores da
sociedade com o bem-estar social. É que, por mais entusiasmada
que seja a promessa de que o Estado será o grande provedor da
sociedade, verdade é que a mão estatal não consegue atender a
todas as necessidades individuais e coletivas. Nesse ambiente,
começa uma mobilização social altruísta, voltada a suprir essa
13
lacuna. Assim, por exemplo, se não há acesso à saúde, a
sociedade se mobiliza e cria uma pessoa jurídica que adquire
materiais hospitalares e contrata médicos para assistir aqueles que,
por inúmeras razões, não conseguem acessar serviços médico-

11
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006,
p.24.
12
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Associações sem fins econômicos. São Paulo:
RT, 2014, p.78.
13
Para Leonardo, não há dúvidas “de que o desenvolvimento desse espaço de
atuação denominado terceiro setor, por maiores críticas que a expressão possa
merecer, tem efetiva ligação com uma recomposição da relação entre o público e o
privado após a retração do âmbito de atuação estatal na crise do Welfare State”.
(LEONARDO, Rodrigo Xavier. Associações sem fins econômicos. São Paulo:
RT, 2014, p.79).
151
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

hospitalares. Essa organização (que ultrapassa os limites do mero


voluntariado, pois parte da criação de uma pessoa jurídica voltada à
assistência ou ao desenvolvimento, formalizando as ações
altruísticas) é deveras interessante ao Estado, que passa a contar
com parceiros importantes para cumprir suas missões. Por essa
razão, o Estado deixa de ser mero expectador desses movimentos
sociais, passando a estimulá-los.
Certamente, no Brasil, o fomento ao terceiro setor não é
capaz de isentar o Estado de realizar atividades que a própria CF
alocou em sua esfera de competência. Assim, enquanto viger o
regime jurídico atual, o Estado continuará como o único sujeito sobre
o qual recai o dever de garantir o exercício do direito à saúde do
cidadão. Entretanto, parece evidente que, quão mais pessoas e
organizações sociais se dispuserem a oferecer à comunidade
serviços de saúde suficientes, menor será a atuação estatal em favor
da garantia do direito à saúde do indivíduo. Diante dessa
constatação, natural que o Estado passe a fomentar o terceiro setor.
Há várias maneiras de o Estado fomentar atividades do
terceiro setor. Na saúde, são comuns as seguintes formas: (i) o
fomento econômico, que ocorre “mediante determinadas vantagens
patrimoniais que são outorgadas em favor daquelas pessoas ou
entidades que cumprem ou se propõe a prestar” 14; (ii) o fomento por
meios reais, que consiste na “prestação ou dação de coisas ou
serviços da Administração aos particulares, sem encargos para
15
estes”, a bem de facilitar a atividade social do privado e; (iii) o
fomento realizado por meio de “isenções e imunidades tributárias,
redução de alíquotas, remissão, anistia, diferimento e fixação de
prazos excepcionais para recolhimento de tributos”16. Por meio dessa
tríade de incentivos, entidades do terceiro setor recebem verba e
bens estatais (móveis e imóveis) para prestar serviços de saúde,
além da imunidade tributária.
A análise acerca da pertinência do fomento reflete-se na Lei
n.4.320/1964 (art.16). Por meio dela, a concessão de subvenções
“visará a prestação de serviços essenciais de assistência social,

14
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006,
p.36.
15
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006,
p.37.
16
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006,
p.37.
152
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

médica e educacional, sempre que a suplementação de recursos de


origem privada aplicados a esses objetivos, revelar-se mais
econômica”. Ou seja, reconhece a norma que o fomento implica a
perda orçamentária. Entretanto, o ganho supera esse déficit, seja de
forma indireta, com um incremento no ambiente social, seja de forma
direta (porque se fosse o Estado quem tivesse de promover a ação
fomentada, o gasto seria maior).
Dito tudo isso, é preciso compreender que, quando se fala em
atividade do terceiro setor fomentada, está-se no ambiente de
atividades privadas, ainda que fortemente estimuladas e reguladas
pelo Estado. Portanto, no que diz respeito à prestação de serviços de
saúde, essas atividades estão fora do ambiente dos serviços
públicos.
Por isso, quando, por exemplo, a Lei das Organizações
Sociais n.9.637/1998 anota que as entidades qualificadas como
organizações sociais firmarão contratos de gestão com a
Administração Pública “com vistas à formação de parceria entre as
17
partes para fomento e execução de atividades”, não se pode
compreender esse ajuste como vinculado à saúde pública
complementar, mas sim, como um contrato de fomento. O mesmo se
pode dizer da Lei n.9.790/1999 (Lei das OSCIPs), segundo a qual o
termo de parceria deve ser “assim considerado o instrumento
passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades
qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as
partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse
público.”18
Por tudo isso, e ao que interessa ao presente artigo, nas
hipóteses em que houver dano derivado de serviços de saúde
prestados por entidades do terceiro setor, cuja prestação é
incentivada por contrato de fomento, não se está a falar em
responsabilidade do Estado, tampouco em aplicação da teoria da
responsabilidade civil do Estado. Não se encontra no regime jurídico
norma que admita a responsabilidade, solidária ou subsidiária, do
Estado, quando proposta ação judicial que objetive a reparação de
dano em decorrência da prestação de serviços de saúde. Ainda, não
se identifica no regime jurídico a proibição de ajuizamento de ação

17
Artigo 5º da Lei n.9.637/1998.
18
Conteúdo do artigo 9º da Lei n.9.790/1999.
153
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

em desfavor do agente causador do dano, em vista da inexistência de


atividade pública.

5 UMA CONCLUSÃO PARCIAL SOBRE A LEGITIMIDADE PARA


COMPOSIÇÃO DO POLO PASSIVO NAS AÇÕES JUDICIAIS DE
RESPONSABILIDADE POR DANOS DERIVADOS DA PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS DE SAÚDE
Apresentadas as premissas, é possível avançar no tema,
enfrentando o conteúdo do §6º do artigo 37 da CF, já com enfoque na
prestação de serviços públicos de saúde. A redação da norma
constitucional é a seguinte: “as pessoas jurídicas de direito público e
as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa”. A interpretação apresentada nesse artigo,
dentro do enfoque proposto, é a seguinte:
O Estado, quando prestar diretamente serviços públicos de
saúde, responderá pelos danos que, por seus agentes, causar; a
Administração indireta (autarquias, fundações etc.) e o privado,
quando prestarem serviços públicos de saúde, também responderão
pelos danos causados por seus agentes. A norma deixa claro que, se
o dano for causado por prestadores indiretos de serviços públicos, a
Administração direta (município, estados, Distrito Federal e União)
não irá ser responsabilizada. E isso faz todo o sentido, pois, com a
delegação, há a transferência da titularidade da prestação do serviço
público.19 Além disso tudo, a norma constitucional orienta que é o
Estado (ou o prestador indireto) quem responde pelos danos
causados por seus agentes, o que significa que a responsabilização
pessoal do agente público só pode ocorrer em ação de regresso,
sendo sempre necessária a comprovação de culpa (em sentido
amplo). A última conclusão parcial, vinculada ao terceiro setor, é que,

19
Valiosa é a advertência de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem não “se
deve confundir a titularidade do serviço com a titularidade da prestação do serviço.
Uma e outra são realidades jurídicas visceralmente distintas”. In: MELLO, Celso
Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 33.ed. São Paulo.
Malheiros, 2016, p.709. Para compreender tal diferenciação, recomenda-se a
seguinte leitura: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 13.ed. São
Paulo: RT, 2009, p.369-370.
154
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

como tais serviços não são públicos, não poderá o Estado responder
por danos causados quando dessa prestação.
Com base na interpretação acima, a composição do polo
passivo de uma ação judicial de responsabilidade civil, movida por
cidadão que buscou a prestação de serviços públicos de saúde e
sofreu dano derivado dessa atividade, pode ser a seguinte: (i) se a
prestação do serviço se deu diretamente por um ente estatal (União,
estados, Distrito Federal ou municípios), a ação deve ser movida
contra esse ente; (ii) se a prestação do serviço se deu indiretamente
pelo Estado, por entidade pública descentralizada, cuja titularidade da
prestação se transferiu (autarquias, fundações públicas, empresas
públicas ou sociedades de economia mista), o polo passivo será
composto somente por essa entidade; (iii) se a prestação se deu de
forma indireta pelo Estado, por meio de pessoa jurídica de direito
privado, permissionária ou concessionária de serviço público
(entidades privadas com ou sem finalidade lucrativa), a ação será
movida contra essa pessoa jurídica.
Duas observações ainda restam: (i) o agente público
causador do dano não irá compor o polo passivo da ação; (ii) os
prestadores de serviços de saúde não públicos, mas gratuitos, cuja
atuação é fomentada pelo Estado, não respondem civilmente pelos
danos cometidos com base no §6º do art. 37 da CF, mas sim como
base na responsabilização civil (arts. 186, 187, 927 e seguintes do
Código Civil).

6 A PERSPECTIVA DO PODER JUDICIÁRIO SOBRE A


LEGITIMIDADE PARA FORMAÇÃO DO POLO PASSIVO NAS
AÇÕES JUDICIAIS DE RESPONSABILIDADE POR DANOS
DERIVADOS DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE
A conclusão parcial do item acima buscou ser somente
coerente. Trata-se de interpretação semântica da norma. Nada
impede que outro intérprete chegue à conclusão diversa. Mas, a
pragmática do direito não pode ser inocente, a ponto de sustentar
teses com premissas meramente interpretativas, ainda que
embasadas na melhor doutrina (especialmente aquela interpretação
vocalizada pelo advogado da parte em ação judicial). A prática
jurídica imprescinde da análise do comportamento jurisprudencial, de
forma a estimar (com maior ou menor grau de precisão, mas nunca

155
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

com certeza), se a pretensão a ser deduzida em juízo (embasada na


interpretação da norma) será julgada procedente.
Dito isso tudo, vem, a pergunta: como o Poder Judiciário vem
aplicando a norma do §6º do art. 37 da CF? A busca por essa
resposta decorrerá de outras três perguntas adiante apresentadas.

6.1 QUAL A POSIÇÃO DO JUDICIÁRIO SOBRE A COMPOSIÇÃO


DO POLO PASSIVO NOS DANOS CAUSADOS POR
DELEGATÁRIO (PERMISSIONÁRIO OU CONCESSIONÁRIO) DE
SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE?
A postura jurisprudencial sobre esse assunto é antiga. Em
2003, o STJ firmou entendimento pelo qual o delegatário “ainda que
exerça atividade concedida pelo Estado, responde em nome próprio
pelos seus atos, devendo reparar os danos ou lesões causadas a
terceiros”.20 Certamente, pode-se aventar a responsabilidade
subsidiária do Estado, mormente nas hipóteses de falência do
21
delegatário. Também nesse sentido se manifestou o STJ. Mas,
adverte a Corte, que tal responsabilidade só “tem início no momento
em que se configurou a responsabilidade subsidiária do Poder
Concedente, in casu, a falência da empresa concessionária”.22 Ou
seja, em termos práticos, pela orientação do STJ, uma ação judicial
de responsabilidade civil somente poderia ser ajuizada em desfavor
do delegatário e do Estado, na hipótese daquele não deter,
comprovadamente, condições econômicas de indenizar. Ausente tal
condição a ação deve ser proposta exclusivamente em desfavor do
delegatário.

20
QO no REsp 287.599/TO, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/
Acórdão Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em
26/09/2002, DJ 09/06/2003, p. 165.
21
REsp 1135927/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado
em 10/08/2010, DJe 19/08/2010.
22
Idem.
156
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

6.2 É POSSÍVEL QUE O POLO PASSIVO DA AÇÃO JUDICIAL SEJA


COMPOSTO EXCLUSIVAMENTE PELO AGENTE PÚBLICO
CAUSADOR DO DANO? É POSSÍVEL HAVER LITISCONSÓRCIO
PASSIVO ENTRE O ESTADO (OU O DELEGATÁRIO) E O AGENTE
PÚBLICO CAUSADOR DO DANO?
Esse questionamento ganha contornos especiais nas ações
de responsabilidade civil por dano causado na prestação de serviços
de saúde. É que, nesses casos, o cidadão que sofre dano (ou mesmo
sua família, na hipótese de óbito) tem uma tendência revanchista,
praticamente vingativa. Ou seja, afligir aquele indivíduo que lhe casou
dano e tão ou mais importante do que a reparação financeira. Em
razão disso, muitos dos pacientes ou familiares desejam, antes da
condenação do Estado, a do profissional da saúde.
A busca pela responsabilidade direta de agente público
(também conhecida como responsabilidade per saltum) já foi tema de
23
enfrentamento no STF. No julgamento do RE 327904, a Suprema
Corte compreendeu que o conteúdo constitucional do §6º do art. 37
revela uma dupla garantia:

uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória


contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que
preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a
possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra
garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente
responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo
quadro funcional se vincular.

Dessa forma, pela compreensão do STF, há um direito do


agente público de, no exercício de sua função pública, não ser parte
em ação judicial promovida por quem sofreu danos derivados de sua
atividade pública. Ou seja, nas palavras do acórdão, pelos danos
derivados do exercício da função, o agente público não responde
“como uma pessoa comum”.
Já segundo o STJ, “a presença do agente público no polo
passivo da lide induz a formação de litisconsórcio meramente
facultativo (art. 46 do CPC), sendo, por isso, lícito ao juiz, por critérios

23
RE 327904, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em
15/08/2006, DJ 08-09-2006 PP-00043 EMENT VOL-02246-03 PP-00454 RTJ VOL-
00200-01 PP-00162 RNDJ v. 8, n. 86, 2007, p. 75-78.
157
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

de economia e celeridade processuais, determinar a exclusão


daquele preposto da relação processual, sem qualquer prejuízo para
24
o ente público, que continua detendo ação de regresso”. Essa
posição do STJ pode deixar certa margem de dúvida, na medida em
que, sendo o litisconsórcio facultativo, poderia aquele que sofreu o
dano ingressar com ação somente contra o Estado, mas também
somente contra o agente causador do dano. Essa dúvida, entretanto,
25
parece ser sanada em outro julgado do STJ, que manifestamente se

24
REsp 1215569/AL, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
16/12/2014, DJe 19/12/2014.
25
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL
OBJETIVA. PLEITO DE DANOS MORAIS. INDEPENDÊNCIA DAS AÇÕES
PROPOSTAS CONTRA O ENTE OU ENTIDADE PÚBLICA E A AÇÃO DE
REGRESSO. INTERESSE PROCESSUAL QUE SE MANTÉM MESMO QUANDO
AFASTADA EVENTUAL RESPONSABILIDADE DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO.
RETORNO DOS AUTOS QUE SE IMPÕE PARA JULGAMENTO DA AÇÃO
CONTRA O CONSELHO PROFISSIONAL, QUE RESPONDE OBJETIVAMENTE
POR SEUS ATOS. 1. Ação de indenização por danos morais em razão de conduta
de médico que divulgou informações sigilosas de procedimento administrativo em
tramitação no Conselho Profissional ao qual encontrava-se inscrito, a qual restou
julgada improcedente, ensejando a extinção, pelo juízo a quo, de outra ação
proposta diretamente contra à citada autarquia, por perda de objeto, sob a seguinte
fundamentação: "a responsabilidade imputada ao réu decorre exclusivamente da
alegada conduta culposa do médico Antônio Carlos Bastos Gomes, de modo que,
tendo sido julgada improcedente a ação contra este, não há como condenar o
Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul; (...) o réu CREMERS não
pode ser condenado no presente feito porque, tendo sido absolvido o médico, a
quem o autor imputou os fatos pelos quais responsabiliza o CREMERS, ficaria
inviabilizada a ação regressiva contra o causador direto dos alegados danos." (fls.
312) 2. A propositura de ação de responsabilidade civil aforada pelo particular
contra o autor do fato causador do dano não afasta o direito à ação para demandar
contra o ente público, que responde objetivamente pelos danos causados a
terceiros. 3. A responsabilidade civil do Estado objetiva nos termos do artigo 37, §
6º da Constituição Federal, não se confunde com a responsabilidade subjetiva dos
seus agentes, perquirida em ação regressiva ou em ação autônoma. 4. Extrai-se da
Constituição Federal de 1988 a distinção entre a possibilidade de imputação da
responsabilidade civil, de forma direta e imediata, à pessoa física do agente estatal,
pelo suposto prejuízo a terceiro, e o direito concedido ao ente público de ressarcir -
se, mediante ação de regresso, perante o servidor autor de ato lesivo a outrem, nos
casos de dolo ou de culpa. 5. Consectariamente, essas ações não geram coisa
julgada prejudicial, umas em relação às outras, e a fortiori, não autorizam a
extinção terminativa dos feitos. 6. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no
seguinte sentido, verbis: No tocante à ação regressiva, asseverou-se a distinção
entre a possibilidade de imputação da responsabilidade civil, de forma direta e
imediata, à pessoa física do agente estatal, pelo suposto prejuízo a terceiro, e entre
o direito concedido ao ente público, ou a quem lhe faça as vezes, de ressarcir-se
perante o servidor praticante de ato lesivo a outrem, nos casos de dolo ou de culpa.
Em face disso, entendeu-se que, se eventual prejuízo ocorresse por força de agir
tipicamente funcional, não haveria como se extrair do citado dispositivo
158
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

vale do precedente do STF acima citado (RE 327904) para garantir o


direito de ação contra o Estado, ainda que o mérito de ação tenha
sido julgado improcedente em processo anterior, movido em desfavor
do agente público.
Assim, o posicionamento das cortes superiores é também no
sentido de que a ação judicial de responsabilidade civil por danos
causados na prestação de serviços públicos deve ser movida em

constitucional a responsabilidade per saltum da pessoa natural do agente. Essa, se


cabível, abrangeria apenas o ressarcimento ao erário, em sede de ação regressiva,
depois de provada a culpa ou o dolo do servidor público. Assim, concluiu-se que o
mencionado art. 37, § 6º, da CF, consagra dupla garantia: uma em favor do
particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito
público ou de direito privado que preste serviço público; [...] A Min. Cármen Lúcia
acompanhou com reservas a fundamentação. (RE 327904/SP, rel. Min. Carlos
Britto, 15.8.2006 - RE-327904 - Informativo 436) 7. A marca característica da
responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal
provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica
desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva (...)", sendo certo
que a caracterização da responsabilidade objetiva requer, apenas, a ocorrência de
três pressupostos: a) fato administrativo: assim considerado qualquer forma de
conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída
ao Poder Público; b) ocorrência de dano: tendo em vista que a responsabilidade
civil reclama a ocorrência de dano decorrente de ato estatal, latu sensu; c) nexo
causal: também denominado nexo de causalidade entre o fato administrativo e o
dano, consectariamente, incumbe ao lesado, apenas, demonstrar que o prejuízo
sofrido adveio da conduta estatal, sendo despiciendo tecer considerações sobre o
dolo ou a culpa. (José dos Santos Carvalho Filho, in Manual de Direito
Administrativo, 12ª Edição, 2005, Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro, páginas 497-
498) 8. In casu, prospera o entendimento exposto no voto divergente da apelação,
que prevaleceu na Corte de origem ao dar provimento ao apelo do autor, in verbis:
"(...) Cabe ao ente público avaliar a oportunidade, a pertinência da ação de
regresso. O funcionário não responde diretamente ao particular, pois não pratica
ato pessoal, mas sim como agente da Administração. Em outra hipótese, o lesado,
como cidadão, pode até desejar que o funcionário culpado efetue o ressarcimento
à União pelo dano indenizado por esta. No entanto, isso não afasta a necessidade
de demandar contra o ente público e se assim desejar, incluindo o funcionário
mediante causa de pedir específica. O que houve no caso em tela, foi um erro da
ação aforada pelo particular contra o Conselheiro do Conselho Regional de
Medicina, enquanto pessoa física. Diante do exposto, voto no sentido de dar
provimento à apelação para determinar a remessa dos autos ao juízo a quo para
que após a instrução do feito profira outra sentença." 9. Recurso Especial
desprovido, divergindo do Relator porque as ações de indenização principal e a de
regresso possuem objetivos distintos, sendo independentes entre si, razão pela
qual mantenho incólume a ordem de realização de novo julgamento, determinando-
se o retorno dos autos à instância a quo, consoante explicitado no voto da
apelação supratranscrita. (REsp 976.730/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO,
Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/06/2008,
DJe 04/09/2008).
159
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

desfavor do Estado ou de quem lhe faça as vezes, não sendo


possível ação autônoma contra o agente público, tampouco
litisconsórcio entre o agente e o Estado (ou delegatório).

6.3 EM AÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL, OS TRIBUNAIS


AFASTAM A TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO
ESTADO NAS HIPÓTESES DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PÚBLICOS PELO TERCEIRO SETOR?
A pesquisa jurisprudencial feita para esse trabalhou não
encontrou posicionamento das cortes superiores sobre o tema, o que
revela que a matéria ainda deve ser objeto de amadurecimento e
consolidação. Já no âmbito das cortes estaduais, foram encontrados
precedentes interessantes, que mantêm a aplicação da teoria da
responsabilidade do Estado, mesmo quando o serviço de saúde é
prestado por entidade do terceiro setor.
26
No voto 8071, o TJSP entendeu que “a celebração de
convênio com Organização Social para administração de hospital
público do Estado e prestação de serviço de saúde, por meio do
sistema único de saúde – SUS, não afasta a responsabilidade do
titular do serviço público pelo serviço prestado pelo conveniado”.
Segue o acórdão anotando que, ainda que as cláusulas contratuais
transfiram a responsabilidade à entidade do terceiro setor para a
prestação dos serviços, tal dispositivo “não possui o condão de
afastar a responsabilidade do Estado pelos danos causados a
terceiros, sobretudo porque a ele incumbe a obrigação de zelar pela
qualidade da prestação de serviço público confiada às organizações
sociais”.27

26
TJ-SP - APL: 00441745320068260562 SP 0044174-53.2006.8.26.0562, Relator:
Marcelo Berthe, Data de Julgamento: 09/11/2015, 5ª Câmara de Direito Público,
Data de Publicação: 17/11/2015.
27
Esse posicionamento parece estar consolidado na Corte paulista. É o que se extrai
dos seguintes precedentes: TJ-SP - AI: 21079358020148260000 SP 2107935-
80.2014.8.26.0000, Relator: Edson Ferreira, Data de Julgamento: 23/01/2015, 12ª
Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/01/2015; TJ-SP - AI:
21819456120158260000 SP 2181945-61.2015.8.26.0000, Relator: Vicente de
Abreu Amadei, Data de Julgamento: 20/10/2015, 1ª Câmara de Direito Público,
Data de Publicação: 23/10/2015; TJ-SP - AI: 20407233720178260000 SP 2040723-
37.2017.8.26.0000, Relator: J. M. Ribeiro de Paula, Data de Julgamento:
19/09/2017, 12ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19/09/2017.
160
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

A compreensão do precedente paulista permite concluir que o


TJSP não só entende que a prestação de serviços saúde por
entidade do terceiro setor se configura como prestação de serviço
público (indo de encontro com à interpretação feita no item 5 desse
artigo), mas também que o Estado é legitimo para figurar no polo
passivo da ação, conjuntamente com o prestador do serviço (o que
parece colidir com os precedentes do STJ apresentados no item 7.1).
A justificativa para tal interpretação é a de que o Estado segue como
titular da prestação do serviço pública (não somente titular do
serviço), ainda que a prestação seja feita por terceiro, eleito pelo
próprio Estado. Ademais, compreende a Corte paulista que o dever
de fiscalizar a prestação do serviço executada por entidade do
terceiro setor legitima o Estado a figurar no polo passivo da ação de
responsabilidade civil por dano na prestação de serviços de saúde.
O TJRJ já se posicionou sobre tema. Em ação de
responsabilidade civil movida somente em desfavor do Estado, por
dano ocorrido na prestação de serviços de saúde executada por
organização social, a corte fluminense entendeu pelo descabimento
da presença da entidade do terceiro setor no polo passivo da ação.
Ao fundamentar tal posição, o TJRJ anotou que “nas hipóteses em
que há contrato de gestão, a Administração mantém a titularidade do
serviço público, delegando ao gestor, tão somente, sua execução,
segundo critério discricionário, mediante juízo de conveniência e
oportunidade. Logo, tratando-se de serviço público (saúde) persiste a
responsabilidade objetiva do Município sobre os agentes delegados,
28
ou seja, aqueles que atuam em seu nome”. Por meio de tal
fundamento, o acórdão indeferiu a pretensão do município réu de
denunciar à lide a entidade do terceiro setor.
Aqui, mais uma vez, o precedente afasta a premissa de que a
atuação do terceiro setor, por meio de contrato de gestão, não
configura serviço público, divergindo do posicionamento anotado no
item 5 desse trabalho. Ademais, tal como o TJSP, entende que a
teoria da responsabilidade objetiva do Estado legitima a presença
estatal no polo passivo da ação de responsabilidade civil. A diferença
entre tais posicionamento é a de que, enquanto o TJSP admite a
presença de terceiro no polo passivo da ação, na condição de
litisconsorte passivo, o TJRJ, ao considerar a efetiva prestação de

28
TJ-RJ - AI: 00560297520178190000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 6 VARA FAZ
PUBLICA, Relator: BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO, Data de Julgamento:
23/11/2017, DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/11/2017.
161
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

serviço público, compreende incabível o litisconsórcio entre titular do


serviço (Estado) e titular da prestação, devendo somente entidade
estatal figurar no polo passivo da ação, ainda que ela não tenha sido
a efetiva prestadora do serviço que causou dano.
Posição semelhante é a do TJTO. A autora da ação alegou
ter sofrido dano (perde de parte do pé), em razão da má prestação de
serviços de saúde em hospital público gerido por entidade do terceiro
setor. Segundo o acórdão, o Estado “responde objetivamente pelos
danos causados a terceiros, mesmo no caso em que houve
29
contratação de pessoa jurídica para administrar o Hospital”. Para o
Tribunal tocantinense, o Estado responde em situações como essa,
porque é “co-gestor do SUS” e, porque, afinal, a ele cabe a
fiscalização pela prestação do serviço prestado.
Mesma posição tem o TJPR. O caso envolvia ação de
responsabilidade civil movida por cidadão em desfavor de município,
em razão de dano causado na prestação de serviços de saúde
executada por entidade do terceiro setor. O juiz de primeiro grau
extinguiu a lide, decidindo pela ilegitimidade estatal. A Corte
paranaense reformou a decisão de primeiro grau, argumentando que
30
o contrato de gestão “não tem o condão de retirar” a legitimidade do
município para “figurar no polo passivo da lide”. Para o TJPR a
prestação executada pela entidade do terceiro setor é direcionada
“para o Sistema Único de Saúde – SUS”. Conclui o voto que “a
transferência da prestação do serviço de saúde a Organização Social,
por meio de contrato de gestão, não altera a natureza pública do
mesmo”. Por isso, o Município, “na qualidade de cogestor do SUS,
deve responder por eventual má prestação dos serviços de saúde,
ainda que haja contrato de gestão entre o ente público e organização
social de saúde, como ocorre no caso em tela”.
A posição desses tribunais revela que, em boa medida, a
jurisprudência das cortes estaduais de justiça vai ao sentido de: (i)
compreender que a prestação de serviços de saúde por entidades do
terceiro setor, derivados de contratos de gestão, configura-se como
serviço público; (ii) que o Estado responde pelos danos que essas
entidades causam quando prestam tais serviços; (iii)há pequena

29
TJ-TO - AP: 5001348-24.2012.8.27.0000, Relatora: JACQUELINE ADORNO DE LA
CRUZ BARBOSA, Data de Julgamento: 16/12/2013.
30
TJ-PR - APL: 12885979 PR 1288597-9 (Acórdão), Relator: Hélio Henrique Lopes
Fernandes Lima, Data de Julgamento: 12/05/2015, 3ª Câmara Cível, Data de
Publicação: DJ: 1566 18/05/2015.
162
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

oscilação em relação à possibilidade ou não de litisconsórcio passivo,


entre a entidade estatal e a do terceiro setor.

CONCLUSÃO
O presente artigo objetivou demonstrar o regime jurídico a
que se subsumem os contratos que delegam a terceiros a prestação
de serviços públicos de saúde, diferenciando-o do regime ao qual os
contratos de fomento com o terceiro estão submetidos. A partir da
interpretação desse regime, chegou-se a uma conclusão parcial, pela
qual as entidades da Administração direta que delegam a terceiro a
prestação de serviços públicos de saúde não devem compor o polo
passivo de ação de responsabilidade civil, nas hipóteses em que o
dano foi causado pelo delegatário de serviços públicos de saúde.
Além disso, alegou-se a impossibilidade de litisconsórcio passivo, nas
ações de responsabilidade civil por dano derivado da prestação de
serviços públicos de saúde, entre o Estado (ou o delegatário de
serviço público) e o agente causador do dano.
Após tal conclusão parcial, avançou-se para a análise do
comportamento jurisprudencial do tema. Em tal análise, embasada no
posicionamento das cortes superiores, as conclusões parciais foram
mantidas. Ou seja, ações judiciais responsabilidade civil por dano
derivado da prestação de serviços públicos de saúde devem ser
interpostas em desfavor da entidade causadora do dano (Estado ou
delegatário), não se admitindo, ordinariamente, o litisconsórcio entre
ambos, tampouco a presença do agente causador do dano no polo
passivo da ação.
Entretanto, ao se analisar o comportamento jurisprudencial
atinente à prestação de serviços de saúde pelo terceiro setor, viu-se a
inexistência de precedentes das cortes superiores sobre o tema.
Além do mais, viu-se que os precedentes judiciais estaduais
compreendem essa prestação como serviços públicos de saúde,
aplicando a teoria da responsabilidade civil do Estado nas hipóteses
de judicialização dessas relações. Entretanto, mesmo aplicando tal
teoria, há posicionamento judicial admitindo o litisconsórcio passivo
entre Estado e prestador.

163
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

REFERÊNCIAS
DI PIETRO, Maria Sylvia. Parcerias na administração pública: concessão,
permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas.
10.ed. São Paulo: Atlas, 2015.
FREIRE, André Luiz. O regime de direito público na prestação de serviços
públicos por pessoas privadas. São Paulo: Malheiros, 2014.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10.ed. São Paulo: RT,
2014.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Associações sem fins econômicos. São Paulo:
RT, 2014.
MÂNICA, Fernando Borges. O setor privado nos serviços públicos de saúde.
Belo Horizonte: Fórum, 2010.
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 13.ed. São Paulo: RT,
2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 33.ed. São
Paulo. Malheiros, 2016.
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2.ed. São Paulo: Malheiros,
2006.

164
A SÍNDROME DE BURNOUT COMO
FATOR ATENUANTE NA
APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
PROFISSIONAL CRIMINAL E ÉTICA
Deborah Azevedo de Pinho 1
Maysa Oliveira 2
Iran Johnathan S. Oliveira 3
Carolina Santim Cótica Pinheiro 4

INTRODUÇÃO
O mundo corporativo tem se tornado cada vez mais rápido,
exigente e competitivo. Dentro desse contexto, o homem moderno,
que vive a busca incessante por sucesso profissional e muitas vezes
não corresponde de forma imediata às expectativas externas e
internas, sofre com as consequências das cobranças excessivas,
tornando-se vulnerável a patologias psicológicas.
Em razão da missão profissional que lhe é atribuída, ou seja,
prevenir, atenuar, tratar e curar, a medicina está entre as profissões
na qual os indivíduos que a exercem estão submetidos a uma maior
carga de estresse, visto que, para a obtenção de um bom resultado,
além de conhecimento técnico adquirido durante anos de formação, o

1
Pós-graduanda em Direito Público e Docência Universitária. Membro da Comissão
de Apoio ao Advogado em Início de Carreira e da Comissão de Direito Médico da
OAB/TO. Advogada.
2
Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito
de São Paulo. Advogada Criminalista.
3
Doutor e Mestre em Psicologia e Especialista em Criminologia e Ciências Criminais
pela PUC/GO. Psicólogo e Docente na ULBRA e UNIRG.
4
Mestra em Ciências da Saúde e Especialista em Gerontologia pela UNB. Psicóloga
Clínica e Organizacional e Docente na ULBRA.
165
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

profissional precisa ter a seu favor um cenário favorável ao seu


desempenho.
O paciente e seu acompanhante, cada dia mais informado
acerca de suas patologias, bem como de seus direitos, tornou-se
mais rigoroso e questionador, trazendo uma nova roupagem para a
relação médico/paciente não mais marcada por características
patriarcais ou hierárquicas/verticalizadas, mas por um vínculo
horizontalizado, equilibrado. Com a mudança sugiram vários conflitos,
tornando essa relação fragilizada, onde uma mínima adversidade
ganha grandes proporções e contribui para um ambiente de trabalho
ainda mais tenso.
De outro lado, tem-se a desvalorização do profissional no
mercado de trabalho, no qual estes são submetidos a carga horaria
exaustiva e muitas vezes não recebem a devida contraprestação, isso
sem falar na complicada relação do profissional com seus pares e
demais colegas da área de saúde.
No front desse campo de batalhas que são as unidades
hospitalares, os médicos, ao lado de seus pacientes, têm adoecido.
Muitos desses profissionais, atualmente, sofrem de patologias
advindas dessa conjuntura, como, por exemplo, a Síndrome de
Burnout.
Todos esses fatores influenciam diretamente no resultado dos
procedimentos médicos, pois as condições adversas contribuem para
a ocorrência de maus resultados, onde, sem dúvidas, o mais
prejudicado é o paciente, mas e quanto ao profissional? Seria esse
mais uma vítima do cenário? Até que ponto pode ser
responsabilizado ética ou criminalmente pelos resultados do exercício
profissional nessas circunstâncias?
É o que pretendemos analisar.

1 A RESPONSABILIDADE ÉTICA E PENAL DA SÍNDROME DE


BURNOUT

1.1 A SÍNDROME DE BURNOUT

A Síndrome Burnout é caracterizada por grande esgotamento


físico e emocional, que está relacionado ao comportamento do
indivíduo no ambiente específico de trabalho, associado ao

166
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

desenvolvimento do trabalho no contato direto com pessoas (CODO,


1999).
As pessoas que apresentam tal sofrimento mostram-se com
fadiga, cansaço constante, distúrbios do sono, dores musculares e de
cabeça, irritabilidade, alterações de humor, falhas de memória,
dificuldade de concentração, falta de apetite, agressividade,
isolamento, depressão, pessimismo e autoestima rebaixada, pois a
Síndrome Burnout tem sido apresentada em decorrência do acúmulo
excessivo de estresse em trabalhadores que têm um emprego muito
competitivo ou com exacerbada incumbência e responsabilidade.
De acordo com Oliveira, Costa e Santos (2013) a Síndrome
Burnout pode trazer ainda um estado de insatisfação gerado por
atividades laborais que requerem grande dedicação e esta seja
prolongada, excessiva e ou que abranja metas, o que provoca
desgaste no trabalhador.
Entretanto, os primeiros achados sobre a Síndrome de
Burnout iniciaram-se com os estudos de Herbert J. Freudenberger,
nascido em 1926 na Alemanha, o mesmo de família judia, na qual,
fugiu para os Estados Unidos após perseguição do nazismo aos
judeus. Assim, na década de 70, Freudenberger passou a atuar em
clínicas de observações e atendimentos gratuitos.
Ainda, Freudenberger deu seu primeiro parecer clínico sobre
a Síndrome Burnout a partir do trabalho nestas clínicas e também em
comunidades terapêuticas, onde ele pôde observar uma metodologia
gradual de exaustão emocional, desgaste e modificação no humor e
abatimento na motivação nos trabalhadores voluntários que
trabalhavam com ele, unificando este quadro a condição de
esgotamento e indiferença apresentado por médicos, psicólogos e
enfermeiros, que se sacrificavam pelos pacientes e observação.
Herbert pôde perceber que esses profissionais, na qual obtinham
pouco reconhecimento por seus empenhos profissional, estavam por
sacrificar sua própria saúde nesse procedimento.
Em 1969 já se falava desse transtorno que foi chamado a
princípio por “Staff Burnout”, porém, Freudenberger concluiu seus
estudos entre 1975 e 1977, acrescentando na sua definição condutas
e comportamentos de cansaço, depressão, irritabilidade,
aborrecimento, sobrecarga de trabalho, severidade e intolerância.
Assim, a Síndrome de Burnout (de origem do verbo “to burn out”, que

167
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

significa queimar-se por completo), foi designada pela primeira vez


por Freudenberger, na década de 1974.
Mas, somente em 1976 os estudos sobre Síndrome
Burnout passaram a ter um caráter científico, uma vez que foram
construídos modelos teóricos e instrumentos capazes de registrar e
compreender este sentimento crônico de desânimo, apatia e
despersonalização. Assim a psicóloga social norte-americana
Christina Maslach foi a primeira a perceber que as pessoas que
apresentam a Síndrome Burnout apontavam atitudes negativas e de
distanciamento pessoal.
Logo, Maslach (1993) ao investigar a carga emocional do
trabalho de enfermeiros, médicos, assistentes sociais e advogados,
encontrou exaustão emocional gradual, um atrevimento e a carência
de empenho experimentado em serviço das altas demandas de
trabalho. Ainda, Maslach (1978), em tendências com as restrições
clínicas de Freudenberger (1974), chegou ao descobrimento
de burnout como sendo uma “síndrome psicológica decorrente do
conflito emocional crônico, vivida pelos profissionais cujo trabalho
submerge o relacionamento aberto e reiterado com pessoas que
precisam de cuidado e/ou assistência e proteção” (SELIGMANN-
SILVA, 1996, p. 46).
Fundamentando-se nessas verificações exploratórias de
Maslach (1978) e de Freudenberger (1974) é presumível assegurar
que o significado da síndrome de burnout é multidimensional, ou seja,
abrange um anexo de três declináveis ou extensões eficazes que
apontam e delimita tal acontecimento, quais sejam: a exaustão
emocional, a despersonalização e a redução da concretização
pessoal.
Já a variável dissipação emocional se distingue pela
ocorrência da pessoa apresenta-se cansada, estafada, sem energia e
vigor para encarar outra concepção, as outras pessoas e
impossibilitado de se reconstruir um dia para o outro (MASLACH;
LEITER, 2001). Deste modo, seus identificadores, segundo Maslach
e Jackson (1981), comprovam a experiência psicofísica da pessoa no
alcance de suas forças. Porém a incerta despersonalização é
distinguida pelo fato do individuo seguir jeitos e modos de descrença,
influência, frieza, indiferença e impassibilidade semelhante ao
trabalho e aos companheiros de serviço (MASLACH; LEITER, 2001).

168
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Logo, a despersonalização demonstra, nessa definição,


que burnout não é apenas a síndrome do profissional cansado,
fatigado, mas também do profissional que mostra-se indiferente,
insensível e descomprometido em semelhança às pessoas com quem
se relaciona e trabalha. Já o afastamento e a falta de efetivação do
individuo é apontada pelo fato da pessoa experimentar-se ineficiente,
incapaz e certa de que seu trabalho não faz diferença, afirma os
pesquisadores Maslach e Leiter, (2001).
Portanto, de acordo com pesquisas, Maslach foi à pioneira e
divulgou o conceito legitimando-o como um importante assunto social,
onde ela distinguiu a síndrome como uma resposta à tensão e conflito
emocional ocasionada pela exibição a fatores estressores advindos
no espaço de trabalho. Já Freudenberger organizou o conceito
reconhecendo e distinguindo apenas duas extensões – exaustão
emocional e despersonalização. Porém, Maslach adicionou uma
terceira dimensão, que envolvia a prática e a realização profissional.
Maslach também expandiu o conceito introduzindo nele um
jeito social, global, analisando a pessoa e sua relação e afinidade
com o espaço de trabalho. Deste modo, as três extensões são livres,
mas, ao mesmo tempo, estão relacionadas entre si. Por fim, o
conceito presente e atualizado da Síndrome Burnout, se baseia nesta
probabilidade social-psicológica de Maslach.
Os estudos mostram que os sintomas que mais se destacam
são dores de cabeça, distúrbios no sono, dores musculares,
problemas gastrointestinais, pressão arterial alta, alteração da libido
e, nos aspectos emocionais sentem esgotamento, falta de
sensibilidade, incapacidade, descompromisso, depressão e perda de
raciocínio (FRANÇA, 1987; BENEVIDES-PEREIRA, 2002).
Para as leis brasileiras, o indivíduo que é diagnosticado com
a SB é regido pela Portaria nº. 1339 de 18 de novembro de 1999 do
Ministério da Saúde que traz no item XII da tabela de transtornos
mentais e do comportamento relacionado com trabalho (grupo V da
classificação internacional das doenças - CID 10), o termo “sensação
de estar acabado” como sinônimo de SB e “síndrome do esgotamento
profissional, que no CID- 10 recebe o código Z73.0.
As consequências apresentadas que incidem nas instituições
organizacionais estão relacionadas aos riscos no ambiente físico, o
ruído, a iluminação, a temperatura, o clima, entre outros. Os
principais estressores dar-se-ão em trabalhos em turnos, sobrecarga

169
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

de trabalho, exposição a riscos e perigos no ambiente de trabalho


(GIL- MONTE e PEIRÓ, 1997).
Os levantamentos de dados estatísticos da Internacional
Stress Management Association (Associação Internacional do
Controle do Estresse) destacam que o Brasil é o segundo país do
mundo com maior nível de estresse, os dados demonstram que de
cada dez trabalhadores pelo menos três sofrem de Burnout. Estudos
apontam ainda que os trabalhadores mais atingidos são os que
trabalham com grande público (GARCIA, PEREIRA, 2003).

1.2 O AMBIENTE DE TRABALHO


Os notórios e incontáveis avanços da medicina possibilitam
que, atualmente, os profissionais possam oferecer aos pacientes
melhores perspectivas de cura, assim como, bem-estar físico, social e
psíquico.
Contudo, para que referidas possibilidades positivas se
concretizem é imperioso que o médico tenha a seu favor todos os
meios necessários para alcançá-las, pois, ausentes às condições,
aumentam-se os riscos de um resultado indesejado, cuja
responsabilidade tem sido, costumeira e injustamente, atribuída
somente aos profissionais.
França (2013) ensina que, no que tange ao erro médico, a
responsabilidade pode advir tanto em situações de ordem pessoal
como estrutural. A pessoal ocorre em razão de ato lesivo, por ação ou
omissão, causada por imprudência, negligência ou imperícia. Já o
segundo tem origem, como palavra já indica, em falhas estruturais, ou
seja, quando as condições oferecidas ao profissional para o exercício
de seu mister são escassas ou inúteis para um resultado satisfatório.
Infelizmente, a Saúde Pública Brasileira encontra-se em
situação caótica. Faltam medicamentos, insumos, como luvas, bisturis
e gaze, isso sem mencionar a carência de materiais básicos para
limpeza das unidades que elevam os graus de insalubridade a que
são submetidos os pacientes, seus acompanhantes e os profissionais
de saúde e podem provocar a proliferação de infecções.
Corroboram com essa afirmativa as estatísticas apresentas
pelo Conselho Federal de Medicina, após fiscalização realizada neste
ano de 2017, em várias unidades básicas de atendimento pelo país,
onde se constatou, por exemplo, que 15 % (quinze por cento) não
170
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

tinham sala de expurgo ou esterilização, 10% (dez por cento) não


contavam com instalações elétricas e hidráulicas adequadas, 36%
(trinta e seis por cento) das unidades não tinham sanitário adaptado
para portadores de necessidades especiais e ainda que vários itens
de higiene essenciais, tanto para médico quanto pacientes, sequer
existiam em centenas das unidades visitadas. (CONSELHO
FEDERAL DE MEDICINA, 2017).
Estão ausentes em 65% (sessenta e cinco por cento) dos
locais, cânulas ou tubos endotraqueais; em 63% (sessenta e três por
cento) aspirador de secreção; em 62 % (sessenta e dois por cento)
laringoscópio e, por fim, em 57% (cinquenta e sete por cento) não há
medicamentos para atendimentos de parada cardiorrespiratória e
anafilaxia.
Em casos mais graves, onde o paciente necessita de
atendimento de urgência/emergência a situação torna-se mais grave,
uma vez que, nessas ocorrências o paciente não dispõe de tempo
para aguardar que a falha seja solucionada.
A má gerencia técnica e financeira do Sistema Único de
Saúde, é a maior causa da superlotação das unidades básicas até os
hospitais de alta complexidade. Igualmente, é responsável pelo
sucateamento ou inexistência de equipamentos necessários ao
atendimento, como a ambulância. Por fim, também é culpada pela
falta de equipe de profissionais disponível para o acompanhamento,
porquanto, para conter os gastos deixa de promover concursos ou de
contratar profissionais suficientes à demanda do local.
A carga horária médica, por si só, já é bastante exaustiva,
mormente ao considerarmos sua forma de cumprimento que ocorre
em forma de plantões, muitas vezes realizado com a presença de
apenas um médico plantonista para atender unidades superlotadas
com os mais diversos tipos de demandas para atendimento.
Os atrasos geram desespero em pacientes e acompanhantes
que, no âmago de obter a devida assistência, externam seu
desespero da pior forma possível, com agressões físicas e verbais,
tornando o ambiente hostil.
No tocante a ausência de profissionais nas unidades,
ressalta-se que no interior dos estados, é corriqueiro que a unidade
de saúde conte com apenas um profissional para atender a todos os
pacientes. Em casos graves, quando há necessidade de transporte
inter-hospitalar do paciente, o profissional é submetido ao seguinte
171
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

dilema: acompanhar a transferência do paciente em situação de risco


ou prestar assistência aos outros casos da toda uma unidade de
saúde?

O conflito, em princípio, nem deveria existir. Todavia, há casos de


médicos que chegam a responder a processo ético-profissional, por
abandono de paciente, nestas exatas condições. Como escolher?
Aliás, a pergunta talvez seja outra: é possível escolher? (DANTAS E
COLTRI, 2011, p.80).

Em se tratando de medicina, a existência de um recurso


mínimo, muitas vezes pode ser determinante entre a morte e a vida
do paciente, por isso, não é forçoso dizer que as péssimas condições
de trabalho representam um grande obstáculo ao exercício
profissional.
A situação exposta causa atraso nos atendimentos,
diagnósticos e tratamentos, bem como causam danos aos pacientes,
ao passo em que lotam prontos-socorros e prontos-atendimentos, e
aos profissionais que suportam a sobrecarga de trabalho cada vez
mais exaustiva e estressante.

1.3 DA RESPONSABILIDADE ÉTICA E CRIMINAL


O bom desempenho da medicina demanda a tomada de
decisões rápidas e eficientes, assim, não é demais dizer que a
ausência de um bom estado físico e psicológico do profissional pode
interferir diretamente no sucesso de qualquer procedimento.
A Síndrome de Burnout que se manifesta através de sintomas
como fadiga, cansaço constante, distúrbios do sono, dores
musculares e de cabeça, irritabilidade, alterações de humor, falhas de
memória, dificuldade de concentração, falta de apetite, agressividade,
tem se tornado cada vez mais frequente entre os profissionais de
saúde, uma vez que o ambiente de trabalho nada tem contribuído
para o bom desempenho das atividades.
Na essência do exercício da medicina, está a liberdade do
profissional de atuar com a discricionariedade necessária para
encontrar sempre soluções novas e mais adequadas a cada caso,
contribuindo, assim, para a constante evolução da profissão e de
suas técnicas, contudo, a despeito disso, em razão do esgotamento
172
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

emocional e físico do profissional, as decisões muitas vezes tem sido


inadequadas e o erro médico tem se tornado frequente. Nesses
casos, é salutar que a conduta do médico seja analisada
considerando todas essas condições.
Todas as profissões estão submetidas a controle da conduta
moral de quem as exerce com base em seus respectivos códigos
ético-profissionais. No que se referem aos médicos, esse controle é
feito através da Resolução do CFM nº 1.931/2009, conhecida como
Código de Ética Médica que já em seu artigo 1ª é clara ao dispor
acerca das condutas vedadas ao profissional no âmbito de sua
atuação, abarcando toda conduta que, por ação ou omissão, possa
causar dano ao paciente, seja esta caracterizável através da
imperícia, imprudência ou negligência.
Portanto, para que o profissional possa ser responsabilizado
é necessária à existência de uma conduta profissional realizada sem
a observância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou a saúde
do paciente.
Considerando-se o dispositivo retro mencionado, observa-se
que a ocorrência de um resultado adverso ou de dano, isoladamente,
não é suficiente para atribuir qualquer responsabilidade ao
profissional, já que isso, por si só, não pressupõe a existência de
culpa. A infração somente se configura quando ambos, dano e culpa,
estão presentes.
Coltri e Dantas (2011, p. 75) afirmam que “um mau resultado,
um resultado adverso ou inesperado é perfeitamente possível como
consequência de um ato médico, uma vez que a atividade é de
meios, não lhes sendo possível garantir sucesso [...]”.
Não obstante, não é difícil encontrar casos em que médico,
independentemente de culpa, tenha sido responsabilizado junto ao
Conselho de Medicina, por um resultado adverso ocasionado por
falhas estruturais ou por seu estado físico e psicológico abalado que
impediram a tomada de decisões mais adequadas ao caso
específico.
Felizmente, a condução do processo ético realizada por
profissionais ainda atuantes na área, permite que a análise da
conduta médica seja feita considerando-se todas as circunstâncias
envolvidas, inclusive, no que diz respeito as condições técnicas
estruturais. Dessa forma é possível distinguir o erro médico e do

173
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

resultado adverso e, consequentemente, isentar o profissional


denunciado de responder possíveis faltas éticas.
Apesar de representarem apenas uma pequena fatia do
montante de ações administrativas (onde o médico é penalizado por
infrações éticas), e das inúmeras judiciais que envolvem a questão da
responsabilidade civil do médico, as de cunho penal não podem e
não devem ser ignoradas, pois em diversas situações podem tipificar
uma conduta que pode fazer o médico responder penalmente no
campo de atuação.
Contudo, podemos ver diversas vezes ser imputado ao
médico a prática de inúmeros crimes e a responsabilização por
incontáveis práticas imprudentes, negligentes ou imperitas, apesar
disso não é analisado se o ambiente em que o profissional é o ideal e
corresponde ao suporte necessário para amparar as melhores ações
e o desenvolvimento de excelência do profissional.
A responsabilidade penal ocorre quando da existência de
todos os elementos formadores do crime. No entanto, a
responsabilidade penal por erro médico, tem seu fundamento na
culpa, isso quer dizer que, além dos elementos formadores do crime,
como a conduta humana, o resultado, a relação de causalidade e a
tipicidade, é necessário que haja a inobservância do dever de
cuidado (negligência, imprudência ou imperícia), o resultado lesivo
involuntário e a previsibilidade.
Os atos cometidos no exercício de sua atividade profissional,
invariavelmente configura questão de difícil solução na
responsabilização penal do médico, pois durante o exercício regular e
diário da medicina, o médico se depara com situações que lhe põem
frente a inúmeros fatores e situações que podem levar esse
profissional a ter problemas na esfera penal, caso a sua decisão,
ação de salvar a vida do paciente não seja correta, podendo vir a
responder até por sua omissão.
É preciso analisar que de alguma forma o ambiente em que o
médico está envolvido pode contribuir para o seu insucesso. Afinal, o
homem apresenta comportamentos complexos em interação com o
ambiente que está inserido, podendo o mesmo modificar este
ambiente e ser modificado pelas consequências de suas ações, como
afirma Skinner em seu livro Comportamento Verbal (1978).
Apesar disso, mesmo que o ambiente não seja o melhor e
nem tampouco o mais propício para o desenvolvimento da medicina,
174
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

não se pode esquecer que apesar de biologicamente,


psicologicamente, socialmente e espiritualmente construído, cada
pessoa possui sua idiossincrasia (história individual), sua ótica
daquilo que está à sua volta, suas relações humanas e infra-
humanas, seu modo de se relacionar.
Utilizar de um modelo de enfrentamento e combate na
diminuição dos erros médicos, como visão fundamental a desordem,
a depreciação, o caos hospitalar como possível fator de aumento
dos índices de erros médicos, pode ser uma explicação ou
justificação.
Porém, nessa perspectiva há que levar em consideração que
os pequenos delitos médicos, conduzem inevitavelmente, a condutas
criminosas mais graves, em vista do descaso estatal em punir os
responsáveis pelos crimes menos graves.
A TEORIA DA VIDRAÇA QUEBRADA pode explicar muito
bem o poder que a desordem pode causar.
Em 1982 James Wilson e George Kelling publicam um artigo
na revista The Atlantic disseminando a chamada “teoria das vidraças
quebradas”. Nesta pesquisa deixaram dois automóveis idênticos
abandonados em bairros diferentes do Estado de Nova York, da
mesma marca, modelo e cor, estacionados na rua. Um no Bronx,
periferia de Nova York e o outro em Palo Alto, zona nobre e tranquila
da Califórnia.
Dois carros idênticos abandonados, dois bairros com
populações muito diferentes e uma equipe de pesquisadores da
psicologia social estudando as condutas das pessoas em cada local
citado. (WILSON; KELLING, 1982; DA SILVEIRA; SCHNEIDER,
2016)
O resultado foi no mínimo interessante. O carro que estava
na periferia foi rapidamente depredado, roubaram as peças e o que
não os servia foram destruídos, já o carro que estava na área nobre
da cidade permaneceu da mesma maneira que fora deixado.
Contudo, esse resultado os pesquisadores já poderiam
prever. O que eles queriam mesmo comprovar era um outro
fenômeno comportamental. Então, prosseguiram quebrando as
janelas do carro que estava abandonado no bairro nobre e o
resultado foi o mesmo que aconteceu na periferia: o carro passou a

175
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

ser objeto de furto, destruição, violência e vandalismo, reduzindo o


veículo à mesma situação daquele deixado na periferia.
Com isso, os pesquisadores chegaram a conclusão de que
o problema da criminalidade, evidentemente, não foi devido à
pobreza, trata-se de algo que tem a ver com a psicologia humana e
com as relações sociais. (WILSON; KELLING, 1982; DA SILVEIRA;
SCHNEIDER, 2016).
Um lugar “abandonado”, com equipamentos e profissionais
“destruídos” transmite uma ideia de deterioração, de desinteresse, de
despreocupação, transmite a ideia de que a lei encontra-se ausente
ou distante, que naquele local normas ou regras são extintas.
Este vidro quebrado induz ao “posso transgredir que não
acontece nada”. Cada novo ataque depredador reafirma e pode
multiplicar essa ideia, até que estes atos contínuos favorecem cada
vez atos incontroláveis, desembuçando sobre reações violentas
contrárias à razão.
Com fundamento nessa teoria, concluiu-se que as
transgressões ocorrem com maior frequência nas zonas onde o
descuido, a sujeira, a desordem e o mal trato estão estabelecidos, ou
seja, independentemente de um ambiente não favorável é possível
manter-se equilibrado, porém o ambiente em que o profissional está
inserido pode corrompê-lo e abalar o seu estado emocional.
Por conseguinte, entendemos que ao profissional portador da
Síndrome de Burnout que comete um erro médico punível, deve ser
aplicada uma atenuante genérica disposta no art. 66 do Código Penal
o qual determina que “a pena poderá ser ainda atenuada em razão de
circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não
prevista expressamente em lei”.
Assim, entendemos que responsabilizar criminalmente o
médico infrator, de forma justa e coerente, analisando todos os
aspectos objetivos à época da prática delitiva, levando em
consideração o ambiente em que desenvolvia seu ofício, o seu estado
de saúde, a sua carga horária exaustiva, não significa perseguir bons
profissionais, nem tampouco reprimir erros humanos compreensíveis e
escusáveis. Significa, sim, um direito do médico e um dever do Estado.

176
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

CONCLUSÃO
A todo tempo é possível ver profissionais procurando
respostas sobre como e por que determinado resultado adverso em
um tratamento médico veio a acontecer. Nessa busca,
evidentemente, há que se considerar a importância da complexidade
do comportamento humano e da subjetividade de cada indivíduo, vez
que a maior parte de sua composição comportamental está ligada à
sua experiência.
É impossível idealizar seres humanos sem manifestações de
raiva, agressividade, violência, com déficits de respeito à limites e
regras normativas. Todavia, o comportamento do médico em interação
com o ambiente vai estabelecer as contingências, o contexto, que
poderão apontar comportamentos que podem gerar erros médicos
puníveis, pois o meio no qual o médico está inserido pode contribuir
para tal situação.
Como visto, os Médicos são profissionais altamente
vulneráveis a doenças psíquicas, por exemplo, à Síndrome de
Burnout (SB), pois lidam com fatores de stress ao longo de toda sua
vida profissional.
Nesse sentido, não pode o julgador, seja qual for a área,
fechar os olhos para o indivíduo que na ânsia de salvar vidas e
acometido pela Síndrome de Burnout de alguma forma, contribui para
a ocorrência de erro ou resultado médico adverso, visto que, ainda
tenham sido devidamente treinados para sua missão profissional, os
discípulos de Hipócrates continuam a ser humanos e por essa razão
suscetíveis a falhas.

REFERÊNCIAS
BENEVIDES-PEREIRA. A. M. T. (org.) (2002). Burnout: quando o trabalho
ameaça o bem estar do trabalhador. Casa do psicólogo. São Paulo, 2002.
CODO, Wanderley; VASQUES-MENEZES, Iône. O que é burnout. Educação:
carinho e trabalho, v. 2, p. 237-254, 1999.
DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Comentários ao Código de Ética Médica.
Rio de Janeiro: Editora G Z, 2011.
FRANÇA, H. H. (1987). A síndrome de Burnout. RBM- Revista Brasileira de
Medicina, 44,197-199,1987.
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 12. Ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2014.
177
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

GARCIA, Lenice Pereira; BENEVIDES-PEREIRA, Ana Maria T. Investigando o


burnout em professores universitários. Revista Eletrônica InterAçãoPsy, v. 1,
n. 1, p. 76-89, 2003.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 5. Ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003.
SKINNER, B. F. O Comportamento verbal. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1978.
TODOROV, J.C. A Psicologia como estado de interações. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, 1989. p.5, 325-347.
WILSON, J. Q.; KELLING, G. L. Broken Windows, Atlantic Monthly; 1982. P. 29-
38.
ZORTEA, T.C. Agressividade Humana: Contingências, Filogênese e
Evolução. Vitória, 2013. Disponível em: <http;//comportamentoesociedade.com>.
Acesso em: 19 de janeiro de 2016.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Gasto Público em saúde no Brasil é o 3º
pior das Américas. Disponível em:
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27051:201
7-07-17-15-55-15&catid=3. Acesso em: 21 jun.2017.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Fiscalização dos CRMs mostra a
precariedade da atenção à saúde em unidades básicas no Brasil. Disponível em:
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27065:201
7-07-19-14-17-40&catid=3. Acesso em: 21 jun. 2017.

178
PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO –
VIA DE MÃO DUPLA:
DEVER DO PROFISSIONAL E DIREITO DO PACIENTE
[CLIENTE/CONSUMIDOR]
Julimar dos Santos Sousa 1

INTRODUÇÃO
A atuação profissional dos agentes/atores que lidam com os
serviços de saúde, especialmente, o médico, exige atenção aos
ditames legais e éticos que a profissão se submete, para que tanto o
atuar como o resultado venha a ser satisfatórios.
Com isso, é de bom alvitre que os profissionais estejam
cônscios e atentos aos regramentos de ordem legal e ética aplicáveis
à sua atuação.
Chama-se à atenção para os “atores” pelo fato de que, na
prestação dos serviços de saúde, não só o profissional médico de per
si, mas todos pertencentes à cadeia (corpo administrativo e demais
profissionais da saúde – enfermagem, psicologia, fisioterapia, etc.)
tem o dever de prestar ao paciente a informação, dentro da sua
competência profissional e funcional, de modo compreensível, clara e
objetiva para que o mesmo venha exercer com o mínimo de
segurança seu direito de escolha quanto à indicação investigativa
(exames e profissionais especializados) e ou terapêutica
(medicamentosa, cirúrgica ou terapias), bem ainda em que local
buscará o atendimento e o tratamento.

1
Advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB/MG, com escritório
profissional na cidade de Três Marias/MG, membro da Comissão de Direito Médico
da OAB/MG e da Associação dos Escritórios de Defesa Médica (AEDM –
www.aedm.com.br). Autor do livro: ERRO MÉDICO: responsabilidade civil, fatores
de potencialização e reflexos sociais. Curitiba: Editora CRV, 2017. Coautor do livro:
DIREITO E MEDICINA EM DUETO. 1.ed. Belo Horizonte: Coopmed, 2018.
179
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Percebe-se que o respeito ao princípio da informação é


exigido com amplitude, posto que, seja na relação contratual ou
extracontratual, os agentes/atores estão obrigados a observar e dele
fazer bom uso.
Com o acesso facilitado aos meios de informação de massa,
é cada vez mais comum reclamação e ou publicação de casos e
condutas em que se põe em cheque a verificação do respeito ao
princípio da informação.
Esses possíveis desvios ou não atendimento satisfatório ao
princípio da informação por parte dos profissionais médicos pode
gerar consequências da ordem patrimonial e da imagem profissional,
já que, a busca na Justiça por reparação ligada a esta temática tem
sido frequente.
O presente trabalho visa evidenciar o impacto que o princípio
da informação pode ter para os agentes/atores e até para as
estruturas empresarias ou públicas do ramo de serviços da saúde e
mais especificamente, para o profissional médico na relação com o
paciente.

1 PRINCIPIO DA INFORMAÇÃO – PREVISÃO LEGAL E


REPERCUSSÃO PRÁTICA NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
[CLIENTE/CONSUMIDOR/TRABALHADOR/EMPREGADOR]
É imperioso concordar na íntegra com as palavras de
Bergstein (2013, p.62):

[...] é a informação, prestada na relação médico- paciente, que


habilitará a plena capacidade do indivíduo para formar sua
autodeterminação, o que, por seu turno, viabilizará a garantia do
princípio da liberdade. (Grifou-se).

Percebe-se que o respeito e a efetivação por parte do


profissional médico, em especial, ao dever de informação é também
em última análise uma demonstração de respeito à liberdade de
autodeterminação do paciente, haja vista, que a este é garantido
submeter-se ou não às indicações de tratamento ou intervenção
cirúrgica, dentro da normalidade da condição de expressar sua
vontade, posto que se tem a saúde como um direito e não um dever,
180
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

conforme presente no rol dos direitos sociais insculpidos no artigo 6º,


da Constituição Federal de 1.988.
O texto constitucional (art. 5º, inciso XIV, da Constituição
Federal de 1.988) prescreve que “é assegurado a todos o acesso à
informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional”.
O acesso à informação, portanto, é uma garantia
constitucional, que, inclusive, tem remédio próprio (habeas data) para
sua obtenção, previsto no artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição
Federal de 1.988, combinado com a Lei Federal nº 9.507/97 (Lei do
Habeas Data), quando se trata da busca de conhecimento de
informações constantes em registros ou bancos de dados de
entidades governamentais ou de caráter público ou ainda para a
retificação de dados. In verbis:

Art. 5º [...]
LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à
pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de
entidades governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por
processo sigiloso, judicial ou administrativo; (Grifou-se).

Resta evidente que o direito à informação (obtê-la – seja


buscando ou recebendo) deve ser respeitado, não apenas no âmbito
dos registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou
de caráter público, mas também na relação contratual, seja com
pessoas físicas ou jurídicas.
Prova de que o dever de informar deve permear toda à
conduta humana, é o fato de que, o próprio Código Civil, prescreve
que na relação contratual as partes devem se portar com boa-fé, o
que certamente, engloba o respeito ao dever de informação sobre as
nuances (objeto, forma de pagamento, a tradição, etc.) que podem
influenciar e levar a bom termo a celebração da avença e o seu
cumprimento, conforme se visualiza no artigo 113, do Código Civil
vigente, que prescreve “Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração.”.

181
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Na mesma toada, tem-se a importância vital do princípio da


informação, agora na relação consumerista, onde a legislação
específica (Lei Federal nº 8.078/90 – Código de Defesa do
Consumidor - CDC) a traz no rol de direitos básicos do consumidor
(art. 6º, inciso III, CDC). In verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


[...]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem; (Grifou-se).

Falando sobre o direito básico da informação e o dever de


informar exigido no Código de Defesa do Consumidor, o autor
Rizzatto Nunes (2018, p. 183) afirma:

O dever de informar é princípio fundamental na Lei n. 8.078 [...].


Com efeito, na sistemática implantada pelo CDC, o fornecedor está
obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do
serviço, suas características, qualidades, riscos, preços etc., de
maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões.
(Grifou-se).

Nesse particular, a legislação consumerista explicita que a


informação dever ser adequada e clara, ou seja, de forma e em nível
que o destinatário (paciente/cliente/consumidor) compreenda,
assimile e possa tomar sua decisão de forma livre e consciente,
notadamente, no caso do paciente, se vai ou não se submeter ao
tratamento ou à orientação terapêutica.
Corroborando tal entendimento, Dantas (2014, p.76 e 77) diz
que:

[...] os mais diversos Códigos Deontológicos e as legislações nacionais


passam a se preocupar não somente com o conteúdo da
informação prestada pelos médicos [...].
Ao paciente, é necessário estar de posse de todos os elementos
possíveis a sua compreensão, para que – aí sim – possa exercer a
faculdade de consentir com o tratamento ou intervenção proposta,
escolher outra das alternativas existentes, ainda que menos indicada

182
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

pelo profissional que o assiste, ou mesmo recusar-se a se tratar.


(Grifou-se).

A informação de forma adequada, clara e com qualidade


exige atenção contínua do profissional médico e demais atores da
cadeia de serviços de saúde, para que não se tenha ou ao menos se
minimize possíveis danos que tal omissão ou negligência possa
acarretar, inclusive, a devida responsabilização nas esferas civil,
criminal e ético-administrativa.
Kfouri Neto (2013, p. 49) afirma que “Poderá haver
responsabilização pela falta ou deficiência no cumprimento do dever
de informar, ainda que não se possa provar claramente ter havido
culpa no descumprimento da obrigação principal.”.
Esta afirmativa vem confirmar a natureza autônoma da
obrigação de informar, o que deve levar aos agentes/atores a manter
a máxima atenção, especialmente, o profissional médico.
De forma bem específica, o Código de Ética Médica - CEM
(Resolução CFM nº 1931/2019) traz vedaçõese deveres ao
profissional médico ligados diretamente ao princípio da informação.
O artigo 11do CEMveda ao médico:

Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem


a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional
de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de
receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos
médicos. (Grifou-se).

Dentre as vedações trazidas neste dispositivo, está a de


receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível. Esta
vedação tem amparo legal taxativamente estabelecida no artigo 35,
da Lei Federal nº5.991/1.973, que prescreve:

Art. 35 - Somente será aviada a receita:


a) que estiver escrita a tinta, em vernáculo, por extenso e de modo
legível, observados a nomenclatura e o sistema de pesos e medidas
oficiais;
b) que contiver o nome e o endereço residencial do paciente e,
expressamente, o modo de usar a medicação;

183
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

c) que contiver a data e a assinatura do profissional, endereço do


consultório ou da residência, e o número de inscrição no respectivo
Conselho profissional. (Grifou-se).

Esta proibição guarda observância ao princípio da informação


na medida em que, o receituário é documento pelo qual o paciente
pode se certificar do modo, quantidade e qual a droga prescrita,
garantindo assim, a segurança no uso e na compra correta do
medicamento.
A título de exemplo da realidade da inobservância do respeito
ao princípio da informação quando da emissão de receituário médico
ilegível, veja-se a imagem recente e verídica de uma prescrição
médica, datada do dia 21/09/2018, em um hospital que presta serviço
de saúde particular e conveniado ao SUS, em uma cidade interiorana
de Minas Gerais. Veja-se:

IMAGEM 1. RECEITUÁRIO MÉDICO

FONTE: ARQUIVO PESSOAL DO AUTOR

Portanto, o profissional médico não deve se descuidar de tal


obrigação, sob pena de vir a ser responsabilizado,
independentemente de o paciente vir ou não sofrer danos reais, isto

184
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

porque, o descumprimento em si, já torna o profissional passível de


responsabilização.
O artigo 12, caput, do CEM assevera que é vedado ao
médico “Deixar de esclarecer o trabalhador sobre as condições de
trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o
fato aos empregadores responsáveis. (Grifou-se)”.
Esta vedação também vem a atender os ditames do princípio
da informação na medida em o profissional médico por deter o
conhecimento técnico está legitimado e dele se espera que, preste o
devido esclarecimento sobre os riscos que, no caso, o
trabalhador/paciente estará exposto nas condições de trabalho que
pretende ou que já exerce, concedendo-lhe subsidio para tomada de
decisão de continuar ou não, bem como, com relação à adoção de
cuidados que possam minimizar tais riscos.
A mesma vedação também exige do profissional médico que
preste a devida informação ao empregador, para que este venha a
promover melhorias no ambiente de trabalho, desde a
disponibilização de equipamentos de proteção individual ou coletivo,
bem assim, a promoção de adequação estrutural que favoreça e
garanta a manutenção da incolumidade física do trabalhador.
Portanto, o dever de informação que é exigido do profissional
médico, também pode afetar diretamente na relação de trabalho, na
medida em que, a segurança e a incolumidade física do trabalhador
passa necessariamente pela avaliação médica.
No caso da vedação do artigo 12 do CEM, a omissão ou
negligência médica tem o potencial de gerar danos de ordem
irreversível, o que em última análise pode o profissional médico vir a
ser responsabilizado, já que é uma conduta proativa a qual deve
sempre estar atento, para o seu bem e para o dos demais atores, no
caso, o trabalhador e o empregador.
Ainda o artigo 13do CEMdiz que ao medico é vedado “Deixar
de esclarecer o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais
ou profissionais de sua doença.”.
Mais uma vedação expressa em atendimento ao respeito ao
dever de informação que tem o profissional médico para com o
paciente, alcançando sua interação social, ambiental e profissional,
posto que, a depender da enfermidade que este venha a estar
acometido, a mesma pode comprometer além de sua própria

185
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

integridade física, também a da coletividade, dependendo do modo e


rapidez de disseminação no ambiente, como é o caso das doenças
infectocontagiosas transmitidas por contato com secreções, a
exemplo da tuberculose, hepatite e viroses.
O artigo 34 do CEM também veda ao médico “Deixar de
informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os
objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa
lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu
representante legal. (Grifou-se).”.
No entendimento de Bergstein (2013, p. 113), ao falar sobre o
Código Deontológico Médico português, tem-se que:

A informação deve abranger, assim, o diagnóstico, a terapêutica e o


prognóstico de sua doença, devendo o médico transmitir essas
informações com palavras adequadas, em termos compreensíveis
(levados em conta o estado emocional do doente, sua capacidade de
compreensão e seu nível cultural), adaptados a cada doente,
realçando o que tem importância ou o que, mesmo sendo menos
importante, preocupa o doente. (Grifou-se).

O mesmo autor ainda assevera que “A informação deve


necessariamente tratar tanto das vantagens quanto dos
inconvenientes possivelmente resultantes do tratamento sugerido
pelo profissional. (BERGSTEIN, 2013, p.120).”.
A vedação ou a obrigação positiva de fazer trazida no citado
artigo, também se fundamenta no respeito ao dever profissional da
informação e ao direito do paciente de ser devidamente informado
sobre o diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento,
para que este venha a anuir ou não, já que, o artigo 15 do Código
Civil garante que “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se,
com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”.
Esta vedação também tem repercussão até mesmo na perda
de uma chance, no caso do profissional médico vir a omitir a
informação da existência e possibilidade da indicação de determinado
tratamento aplicável ao caso. Isto porque, é o paciente que deve
decidir se submeterá ou não à indicação técnica do profissional, mas,
para isso, deve ser devidamente informado, ou seja, em um nível de
compreensão acessível ao seu grau cultural.

186
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

O CEM também traz algumas condutas práticas que são


vedadas ao profissional médico que diz respeito ao lado proibitivo
(não fazer) que o princípio da informação traz consigo. Veja-se o
disposto nos artigos 73 ao 79, que tratam do sigilo profissional.

Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do


exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou
consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja
de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de
seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico
comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na
investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de
revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de
idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o
menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não
revelação possa acarretar dano ao paciente.
Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir
pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na
divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em
geral, mesmo com autorização do paciente.
Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do
exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos
dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em
risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as
circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das
contidas na declaração de óbito.
Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o
sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.
Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de
honorários por meio judicial ou extrajudicial. (Grifou-se).

Estas proibições, ou condutas de não fazer, emanadas do


respeito ao princípio da informação também visam resguardar e
garantir a atuação profissional, bem como o respeito aos direitos da
personalidade do paciente.
Com isso, a não observância do principio da informação por
parte do profissional médico traz também consequências de ordem
ético-profissional, sujeitando-se às penalidades éticas, que vão desde
advertência até à cassação do registro profissional, nos termos do
artigo 22,da Lei Federal nº 3.268/1957 (Dispõe sobre os Conselhos
de Medicina).In verbis:

187
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Art. 22. As penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais


aos seus membros são as seguintes:
a) advertência confidencial em aviso reservado;
b) censura confidencial em aviso reservado;
c) censura pública em publicação oficial;
d) suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias;
e) cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho
Federal. (Grifou-se).

O princípio da informação impõe condutas ativas (positivas –


de fazer e negativas – de não fazer) por parte do profissional médico
e bem assim dos agentes/atores que atuam nos serviços de saúde,
posto que, ao paciente, como direito que lhe assiste e que deve ser
efetivado, é devido o repasse de forma clara e compreensível das
informações que lhe dizem respeito para que possa vir anuir ou não
com as indicações de tratamento frente aos diagnósticos e
prognósticos, riscos e vantagens, bem assim, no sentido de ter
preservado o respeito aos seus direitos de personalidade.

2 REPERCUSSÃO JUDICIAL DA [IN]OBSERVÂNCIA DO DEVER


DE RESPEITO AO PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO NA RELAÇÃO
MÉDICO-PACIENTE
Como já ventilado alhures, o profissional médico e os demais
agentes/atores que atuam na prestação de serviços de saúde devem
obediência ao princípio da informação por ser corolário na relação
contratual ou extracontratual que se materializa no atendimento ao
paciente, que hodiernamente também é cliente/consumidor.
A jurisprudência estrangeira, especialmente, a europeia, e
dentro desta, a espanhola, tem entendido, em regra, que a falha ou a
omissão no dever de informação, por si só, já se configura como dano
próprio e autônomo, por ferir direitos da personalidade, da liberdade e
autodeterminação, o que viria a causar dano moral, conforme é
trazido por Bergstein (2013, p. 251):

No sentido de reconhecer claramente a autonomia do dever de


informação, cite-se como exemplo a sentença do Recurso 8.065/95,
julgado pela “Sala 3ª” (Contencioso Administrativo) do Tribunal
Supremo Espanhol, que trata de um caso em que os pais do
paciente (menor de idade) haviam sido privados de informações

188
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

relativas ao procedimento, embora o médico tivesse agido


corretamente do ponto de vista técnico.
Na hipótese, o tribunal espanhol entendeu que “a falta de informação
supõe em si mesma dano moral grave, distinto e separado do
dano corporal derivado da intervenção médica. Ela se constitui
com um dano moral, que deverá ser indenizado seguindo os
critérios gerais de toda classe dos danos morais.”. (Grifou-se).

O mesmo autor ainda assevera que:

A informação, in casu, exerce papel determinante na atribuição de


riscos da atividade médica: ao informar o risco previamente, os
médicos estão, na verdade, transferindo-o ao paciente (que terá, por
sua vez, a oportunidade de decidir livremente se quer ou não sujeitar-
se ao risco que lhe foi informado). (BERGSTEIN, 2013, p.252). (Grifou-
se).

Percebe-se que o cumprimento do dever de informação tem


cada vez mais ganhado compreensão e aplicação de sua autonomia
quanto a se configurar como dano próprio, independentemente de vir
a estar associado ou não à falha técnica do profissional médico, ou
seja, mesmo que o procedimento e o resultado final tenham sido
satisfatórios, em não havendo o cumprimento no dever de informação
para que o paciente/cliente/consumidor, possa livremente exercer seu
direito de consentimento, pode-se ter sua responsabilização pleiteada
em juízo.
Trazendo-se para a realidade nacional de se saber como tem
sido a repercussão judicial ligada ao princípio da informação, passa-
se à análise de algumas decisões que envolvem tal princípio, para
que se possa, mesmo que minimamente, chamar a atenção para o
quanto é importante, especialmente, na relação médico-paciente, o
respeito e efetividade ao dever de informação, sob pena de vir a ser
responsabilizado.
Veja-se julgados colhidos do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais (TJMG), de São Paulo (TJSP) e do Distrito Federal e
Territórios (TJDFT), respectivamente:

189
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - PERDA DA


VISÃO APÓS REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE CATARATA - ERRO
MÉDICO DEMONSTRADO - DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES
DE INFORMAÇÃO E DE VIGILÂNCIA - CONDUTA NEGLIGENTE -
DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO [...].
- A prova pericial produzida é conclusivano tocante ao nexo de
causalidade entre a cegueira que acometeu o paciente após o
procedimento cirúrgico a que se submeteu e a falha no
cumprimento dos deveres de informação e de vigilância impostos a
todos os profissionais da área médica. [...]. (TJMG - Apelação Cível
1.0112.13.003361-9/001, Relator(a): Des.(a) Sérgio André da Fonseca
Xavier , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2018, publicação
da súmula em 31/08/2018). (Grifou-se).

No caso em análise, a prova pericial produzida foi enfática e


detalhista quanto à falta/falha do cumprimento do dever de
informação, conforme se verifica no teor do laudo, presente na
íntegra dos autos:

O perito ainda enfatizou que o médico assistente deixou de


observar os deveres de informação e de vigilância que lhe são
impostos:
1 - Dever de Informação;
O Médico-Réu não comprova esclarecimento livre esclarecido para
a primeira cirurgia, bem como a data da assinatura da segunda cirurgia
é incompatível com a data que a mesma ocorreu, ainda que assinada
pelo Autor. Não há um registro claro de ciência do Autor em
relação a evolução desfavorável de seu quadro, o que foi objeto de
reclamação do mesmo (Autor) na anamnese pericial. (TJMG -
Apelação Cível 1.0112.13.003361-9/001). (Grifou-se).

Nesta decisão, o valor do dano moral arbitrado foi de R$


20.000,00 (vinte mil reais), conforme disposto em trecho do referido
acórdão:

Sopesados todos esses elementos (inclusive a possível culpa


concorrente) com o desgosto experimentado pelo requerente, e
considerando a notória capacidade financeira da parte requerida, é
possível crer na plausibilidade do arbitramento dos danos morais
na quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como forma de inibir a
reiteração da conduta por parte do réu e confortar o autor em razão de
seu prejuízo imaterial, recompensando-o financeiramente pelo mal
sofrido. (Grifou-se).

190
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Percebe-se que, o quantum indenizatório se deu pela junção


clara da falta/falha no dever de informação levado a efeito pelo
profissional médico, associado ao dano corporal sofrido pelo
paciente, por também restar configurado culpa técnica (atestado pela
prova pericial), na medida em que não foi seguido o protocolo
técnico-cientifico preconizado.
Mais um julgado, agora do TJSP, onde a instituição de saúde
(hospital público) foi condenada em virtude do descumprimento do
dever de informação. Veja-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. Ribeirão Preto. Hospital das Clínicas.


Macroadenomahipofisário não secretor. Cirurgia transesfenoidal.
Complicação pós-operatória. Dano funcional e sequelas permanentes.
Amaurose à esquerda. Falta de informação acerca das possíveis
complicações cirúrgicas. Indenização por dano moral.
1. Reponsabilidade civil. Hospital. O fundamento da condenação é a
ausência de informação ao paciente sobre as possíveis
complicações cirúrgicas.É verdade que a gravidade do estado clínico
da autora e a quase necessidade do procedimento adotado, associada
à simplicidade da autora dificultariam que se contrapusesse à opinião
médica; mas a opção não pode ser negada ao paciente e, na falta
dela, se verifica a falha no atendimento prestado à autora em 2007,
suficiente para gerar o dever de indenizar. [...]. Não há prova de que a
paciente tenha sido advertida dos riscos da cirurgiatransesfenoidal
(o perito informa que essa cirurgia "pode" ser indicada para a resseção
de adenoma, o que pressupõe a existência de outros métodos), nem
da previsível amaurose, que segundo o perito é risco inerente ao
tratamento cirúrgico realizado. A responsabilidade do réu está
caracterizada. [...] A indenização repousa em culpa leve
reconhecida pela falta de prova, mais que pela prova em si da
falta, da advertência à autora dos riscos da cirurgia; não houve
caracterização de erro médico, o procedimento é amplamente
indicado pela literatura médica para a hipótese dos autos e a amaurose
insere-se no rol de riscos inerentes ao procedimento, observando-se
que a autora já apresentava comprometimento de pelo menos metade
do campo visual do olho esquerdo cerca de seis meses antes da
cirurgia feita em 11-5-2007. A culpa da Administração se resume ao
fato de não ter informado a autora quais seriam os riscos
decorrentes da cirurgia. [...].(TJSP; Apelação 0020723-
31.2010.8.26.0506; Relator (a): Torres de Carvalho; Órgão Julgador:
10ª Câmara de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto - 2ª Vara da
Fazenda Pública; Data do Julgamento: 24/09/2018; Data de Registro:
25/09/2018). (Grifou-se).

Percebe-se com nitidez inconteste que a falta/falha do


cumprimento do dever de informação foi apreciada de forma
191
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

autônoma, independentemente do dano corporal sofrido pelo


paciente, mesmo sem a comprovação da falha técnica do
procedimento. O que restou evidente foi que não se pode tolher do
paciente o direito de ser devidamente informado sobre os riscos
previsíveis e conhecidos que o procedimento pode vir acarretar.
Tem-se por fim, julgado colhido do TJDFT, onde:

CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR


DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS. CIRURGIA PLÁSTICA
DE NATUREZA ESTÉTICA. INTERVENÇÕES NO ROSTO E NARIZ.
INSUCESSO. IMPUTAÇÃO DE IMPERÍCIA E NEGLIGÊNCIA.
PRETENSÃO ENDEREÇADA AO MÉDICO QUE A ASSISTIRA E À
CLÍNICA NA QUAL REALIZADO O PROCEDIMENTO.
RESPONSABILIDADE. [...] PROVA TÉCNICA PERICIAL.
ESCLARECIMENTO SOBRE A OCORRÊNCIA DE ERRO MÉDICO.
DEFERIMENTO. [...] RESULTADO INSATISFATÓRIO. EFEITOS
INERENTES AO PROCEDIMENTO. CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.
ESCLARECIMENTOS À PACIENTE SOBRE OS RISCOS.
CONSENTIMENTO INFORMADO. INOBSERVÂNCIA. ANOTAÇÕES
MÉDICAS E TERMO EXPRESSO. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO
DEVER DE INFORMAÇÃO. FALHA CONFIGURADA.[...]DANO
MORAL CARACTERIZAÇÃO. COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA
DEVIDA. [...].
[...]
5. Aliado à inexistência de prova idônea atestando a adequação
dos procedimentos levados a efeito em ponderação com os
protocolos clínicos vigorantes e da conformação do resultado
estético obtido com a intervenção promovida, a ausência de
instrumento firmado pela paciente assegurando que fora
informada adequadamente sobre os riscos do procedimento
cirúrgico, incertezas do processo cicatricial e possíveis resultados
estético-finais - termo de consentimento informado -, agregada à
verossimilhança das alegações da paciente, milita em desfavor do
profissional médico e da clínica onde realizados os
procedimentos, devendo arcarem com o ônus de sua desídia
perante o encargo probatório que lhes estava afeto. [...]. 7.
Conquanto cediço que a simples insatisfação para com o resultado
obtido com a intervenção estética não enseja, por si só, a qualificação
de erro médico passível de ser considerado ilícito, à medida em que as
cirurgias plásticas de natureza estética não estão imunes aos efeitos
inerentes a quaisquer interseções cirúrgicas - notadamente a
subsistência de cicatrizes de acordo com a reação orgânica
individualizada de cada um -, incumbe ao profissional médico,
consoante preceituado pelo Código de Ética Médica, o dever de
disponibilizar à paciente informações claras e suficientes,
alertando-a, de forma inequívoca, sobre os riscos do
procedimento, inclusive sobre as incertezas do resultado final e
do possível surgimento de cicatrizes capazes de interferir nas
expectativas criadas, passíveis até mesmo de causar
192
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

deformidades, sendo imprescindível, ademais, a ciência da


paciente formalizada no Termo de Internação e de Consentimento,
o qual deve constar todas as explicações das intervenções e
tratamentos realizados.8. Ainda que não subsista a efetiva
ocorrência de erro médico imputável ao profissional especializado
na área da cirurgia plástica, porquanto não realizada prova pericial apta
a aferir se os procedimentos de cunho estético foram realizados em
consonância com as técnicas recomendadas pela literatura médica e
os resultados obtidos estavam dentro do previsível, identificando
inequívoca negligência ou imperícia na conduta médica, a falha
concernente à omissão da prestação de informações adequadas à
paciente também encerra ato ilícito, ensejando a
responsabilização do médico sob essa ótica, pois desprezado o
direito à informação resguardado à consumidora de molde a
permitir que optasse conscientemente pela consumação da
interseção ciente dos resultados que poderia irradiar (art. 6º, inc. III, do
CDC).9. A omissão do cirurgião plástico quanto ao dever de
informar adequadamente a paciente de que a interseção estética
poderia não se consumar no resultado esperado, irradiando-lhe,
de conformidade com suas reações orgânicas, frustração pessoal
em face dos resultados insatisfatórios obtidos, encerra ato ilícito,
e, tendo privado a paciente de conscientemente optar pela
submissão ou não à interseção, irradiando-lhe efeitos corporais
indesejados, consubstancia fato gerador do dano moral, ensejando
que seja compensada pecuniariamente em conformidade com os
efeitos que experimentara, além de ser contemplada com a repetição
do que vertera sem alcançar o resultado esperado. [...].(TDFT - APC.
Relator(a): SANDRA REVES. Processo: 20140510094609APC. Data
julgamento:07/02/2018. Publicação: 14/03/2018. Órgão julgador: 2ª
TURMA CÍVEL). (Grifou-se).

Mais uma demonstração inequívoca de que o não


atendimento ao dever de informação, seja pela pessoa jurídica, seja
pelo próprio profissional, redunda em responsabilização, posto que,
não se admite que o paciente/cliente/consumidor tenha suprimido o
direito de ser adequadamente informado para que possa, assim,
exarar seu consentimento para com o procedimento ou indicação
terapêutica.
Pois bem, por estes singelos exemplos aqui apresentados,
pode-se afirmar que a compreensão jurisprudencial pátria em relação
ao respeito ao principio do dever de informação, é visto como
autônomo, ou seja, sua inobservância, por si só, tem o condão de
gerar obrigação reparatória, já que, também atinge os direitos da
personalidade, da liberdade e autodeterminação do
paciente/cliente/consumidor.

193
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

CONCLUSÃO
A informação na relação médico-paciente e para com os
demais agentes/atores que lidam nos serviços de saúde, se constitui
em via de mão dupla, ou seja, para o paciente/cliente/consumidor, ela
é um direito e para os agentes/atores, especialmente, o profissional
médico, constitui um dever inarredável.
Como dever que é a informação, esta exige respeito em todos
os níveis e por todos os agentes/atores, evidenciada pela
disponibilização de forma clara, objetiva, acessível e dentro da
compreensão cultural do destinatário, sob pena de se tê-la com falha,
o que, também vai reclamar a responsabilização.
Se a falha na prestação da informação, ou seja, quando a
mesma não é transmitida com qualidade (compreensível ao nível
cultural do destinatário) já abre espaço para a busca da
responsabilização; muito mais, a sua omissão.
Não se pode perder de vista de que, o respeito ao princípio
da informação é corolário dos direitos da personalidade, da liberdade
e autodeterminação, os quais tem condão de validar a decisão
privada (consentimento livre e esclarecido) do
paciente/cliente/consumidora em anuir ou não com os procedimentos,
intervenções e ou terapias recomendadas pelo profissional médico.
Também é de bom alvitre, perceber que, a jurisprudência
nacional, em sintonia com a tendência alienígena, tem considerado o
dever de informação como uma obrigação não meramente acessória,
mas autônoma, cujo desrespeito em si, reclama sua
responsabilização, seja pelo dano próprio aos direitos da
personalidade, da liberdade e da autodeterminação, seja por
somatizar aos danos corporais que o paciente/cliente/consumidor vier
a suportar.
Portanto, deve-se buscar incansavelmente, compreender a
complexidade do alcance do princípio da informação, como direito e
dever, para que, os agentes/atores e, especialmente, o profissional
médico, venham a fazer bom uso da observância de tal dever, o que,
certamente, fortalecerá a confiança e segurança que deve permear a
relação médico-paciente e, bem assim com os prestadores de
serviços de saúde (públicos ou privados).
O que se espera é que o respeito ao princípio da informação
a cada dia se materialize em condutas práticas por parte dos
194
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

profissionais, notadamente, os médicos, ao passarem a produzir


receituário legível, preenchimento mais criterioso dos prontuários,
repasse das informações com qualidade - respeitando o nível cultural
do destinatário - sobre os riscos e vantagens conhecidos e
presumíveis sobre determinado procedimento e ou tratamento
indicado, para que, o paciente/cliente/consumidor possa estar munido
de condição válida para exprimir seu livre consentimento.
Do mesmo modo, as estruturas/organizações que atuam na
prestação dos serviços de saúde, devem estar e manterem-se
atentas para capacitar seus agentes a bem conhecer o dever de
informação e efetivá-lo no dia-a-dia da execução da função, posto
que, a sua inobservância também pode caracterizar falha na
prestação do serviço (artigo 14, CDC), o que implica em
responsabilização, além de por em cheque à imagem perante o
público alvo: cliente/consumidor.

REFERÊNCIAS
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Conselhos de Medicina. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3268.htm> Acesso em: 05 out. 2018.
______. Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1.973. Dispõe sobre o
Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, Insumos
Farmacêuticos e Correlatos. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5991.htm> Acesso em: 05 out. 2018.
______. Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1.990. Código de Defesa do
Consumidor. Disponível em:
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2018.
______. Lei Federal nº 9.507, de 12 de novembro de 1.997. Regula o direito de
acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Leis/L9507.htm> Acesso
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Acesso em: 05 out. 2018.
______.Código de ética médica: resolução CFM nº 1.931/2009. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp>. Acesso em: 05out.
2018.

195
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso
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______. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Consulta de jurisprudência.
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DANTAS, Eduardo Vasconcelos dos Santos. Direito médico.3.ed. – Rio de
Janeiro: GZ Ed., 2014.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8ª ed. rev. atual.
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor – 12. ed. – São Paulo:
Saraiva Educação, 2018.

196
PROTUÁRIO DO PACIENTE:
UM DOSSIÊ DA CONDUTA MÉDICA
Rodrigo Magno de Macedo 1

INTRODUÇÃO
No ano do trintenário de nossa constituição cidadã, ainda não
há um consenso sobre como alcançar uma gestão eficiente na área
da saúde, notadamente pelo fato de ainda não possuirmos normas
claras voltadas à saúde e, por isso, neste setor, a judicialização é fato
praticamente indissociável na gestão pública, quanto no âmbito
privado.
A escola médica atualmente tem se dedicado principalmente
aos aspectos técnicos que dizem respeito a pratica médica, sem a
suficiente preocupação com a observância da legislação, bem como
do código de ética. Apenas se dão conta da importância do tema
quando demandas judiciais ou administrativas já estão instaladas.
Dentre os inúmeros fatores envolvidos na análise médico-
legal do exercício profissional na suspeita do “erro médico”, enfatiza-
se o prontuário médico. Documento de suma importância que traduz
o relacionamento entre o paciente e a equipe de saúde e que não tem
sido percebido pelos profissionais da saúde a relevância legal de que
se reveste o fidedigno e correto preenchimento dos prontuários.
Por essa razão, é importante enfatizar o devido cumprimento
das normas e do correto preenchimento do prontuário, ressaltando
suas implicações médico-legais. Não só para representar um trabalho
de qualidade, mas também permitindo ao profissional da saúde e até
ao paciente, um importante instrumento de defesa nas ações
judiciais.

1
Especialista em Direito Constitucional e Magistério Superior. Aluno de Pós-
Graduação na Universidade Federal de Buenos Aires – UBA, para Doutorado em
Direito Constitucional. Superintende de Assuntos Jurídico da Saúde do Estado de
Tocantins. Advogado e Professor Universitário e de Pós-graduação.
197
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Nesse cenário, frente às grandes e complexas demandas de


saúde, onde reiteradamente profissionais da área são
responsabilizados por suposta má-conduta dispensada aos
pacientes, inclusive penalmente, o prontuário (médico) do paciente se
mostrará de importância vital na gestão da saúde, pública ou privada,
conforme será demonstrado no presente trabalho.

1 ORIGEM DO PRONTUÁRIO
Hipócrates, no século 5 A.C., dizia que o registro médico
deveria refletir exatamente o curso da doença e indicar as suas
possíveis causas.
A palavra prontuário deriva do latim promptuariu que significa
lugar onde se guarda aquilo que deve estar à mão, o que pode ser
necessário a qualquer momento.
O prontuário médico tem seu primeiro registro entre os anos
2
2667 e 2.500 a.C., realizado em papiro (do latim papirus) pelo
egípcio, vizir do faraó e sumo-sacerdote, Imhotep - também
considerado como o primeiro médico na história conhecido pelo
nome. Desde então, a Medicina, os tratamentos e acompanhamentos
aos quais os pacientes são submetidos, vem em grande evolução,
inclusive o prontuário, firmando, pois, sua importância e necessidade
no auxílio do atendimento aos pacientes e no levantamento de
diversos dados e estatísticas, bem como outras funções
imprescindíveis como, por exemplo, sua importante utilidade como
prova da conduta médica junto aos pacientes.
Hodiernamente, o prontuário é considerado um dos itens mais
importantes analisados e especificado na ONA (Organização
Nacional de Acreditação), eis que é o responsável por demonstrar
faticamente o atendimento do paciente, o que traz segurança ao
mesmo e promove uma gestão de qualidade.
O Conselho Federal de Medicina define o prontuário como
sendo o documento único, constituído de um conjunto de
informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos,
acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a
assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que

2
Planta ciperácea, em cujas folhas os antigos escreviam –
www.dicionario.priberam.org.
198
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional


e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo (Resolução no
1.638/2002); considerado de elaboração obrigatória pelo Código de
Ética Médica (Artigo 69).
Com efeito, o prontuário do paciente deve conter informações
suficientes que assegurem a continuidade do atendimento ao
paciente, desde a sua entrada na instituição da saúde até sua saída.

2 O “DOSSIÊ” E SUA IMPORTÂNCIA


É ressabido que trabalhar com a vida humana não é tarefa
fácil, pois além de requerer um grande embasamento científico,
exige-se muita disciplina e peculiar capacidade perceptiva sensorial.
Assim, o que deixa extremamente complexa a atenção médica é a
preocupação totalmente voltada à segurança na assistência ao
paciente e, por isso, o registro de todo o seu atendimento se mostra
necessário, mas também obrigatório.
Entende-se por prontuário médico não apenas os registros
dos questionamentos sobre dados históricos físicos e clínicos do
paciente (anamnese), mas todo acervo documental padronizado,
organizado e conciso, referente ao registro dos cuidados médicos
prestados, assim como aos documentos pertinentes a essa
assistência.
Os registros no prontuário formam um verdadeiro dossiê que
tanto serve para a análise e compreensão da evolução da patologia,
inclusive para fins estatísticos, mas também como defesa do
profissional, caso ele venha ser responsabilizado por algum resultado
atípico ou indesejado.
É evidente que a conduta médica se constitui em uma
3
obrigação de meio e não de resultado , ou seja, o médico deverá
comprovar que, no atendimento do paciente, utilizando-se de todo
conhecimento possível, manteve uma conduta correta dentro dos
preceitos da medicina, e que eventual resultado indesejado não
poderia ser previsto ou impedido por ele. Pressupõe-se, portanto, a
investigação da culpa.

3
Exceção as especialidades médicas de cirurgia plástica estética, ou embelezadora,
e a anestesiologia.
199
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Em outras palavras, a obrigação de meio é aquela que o


profissional no momento da prestação do serviço utiliza todas as
técnicas disponíveis, agindo com prudência e diligência, empregando
todos os meios para obter a cura do paciente, no entanto, não está
obrigado a alcançá-la. Este é o entendimento de Sílvio de Salvo
Venosa (2003, pag. 77/78):

(...) obrigações de meio, deve ser aferido se o devedor empregou boa


diligência no cumprimento da obrigação. (...) Nas obrigações de meio,
por outro lado, o descumprimento deve ser examinado na conduta do
devedor, de modo que a culpa não pode ser presumida, incumbindo ao
credor prová-lo cabalmente.
Na grande maioria dos casos, o que caracteriza a obrigação de meio é
o fato de o credor insatisfeito ter de provar não apenas que a obrigação
não foi executada, (...) mas também (...) que o devedor não se
conduziu como devia.

Para a apuração da culpa médica deve-se obedecer aos


mesmos padrões adotados para a definição da culpa comum, qual
seja, a avaliação do caso concreto. O juiz estabelecerá quais os
cuidados que ao profissional cabia dispensar àquele paciente, de
acordo com os padrões determinados pelos usos da ciência,
confrontando-os com a realidade da situação analisada, e qual o
comportamento efetivamente adotado pelo médico. Para tanto,
muitas vezes o magistrado necessitará do conselho de entendidos, os
experts (peritos).
A perícia é imprescindível, na maioria dos casos, sendo
realizada por profissionais da área médica para comprovar, ou
demonstrar, a certeza de um fato ou veracidade de uma informação.
No Brasil, o ônus da prova é do paciente ou lesado, em regra,
como determinado no artigo 373, inciso I, do Código de Processo
Civil:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:


I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

É neste ínterim que os prontuários médicos se destacam.


Eles são provas perfeitamente aceitas pelos tribunais, pois expõe as
circunstâncias em que os fatos em discussão ocorreram; se houve
200
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

negligência, imprudência ou imperícia do médico demandado. É junto


do prontuário que muitas vezes está o registro em que o paciente foi
informado de sua situação, e a sua aceitação. Ainda que haja a
inversão do ônus da prova, como previsto no Código de Defesa do
Consumidor (Lei n° 8078/90), ou ainda na forma do Art. 373, II, do
4
CPC, onde o ônus da prova será do réu ,o prontuário terá força
necessária para a própria defesa da conduta médica.
Com efeito, a melhor comprovação dessa “correta conduta
médica” estará contida no próprio prontuário do paciente, desde que
esteja bem redigido, preenchido corretamente, sem rasuras e legível,
demonstrando todo o seu conteúdo de forma fidedigna.
Assim, além de garantir simultaneamente as disposições
legais, protocolares e de indicadores, os profissionais que assistiram
o paciente terão resguardada toda sua conduta médica.
Nesse sentido, o profissional da área médica nunca deverá
considerar que o prontuário representa apenas um documento
burocrático ou, ainda que assim não o considere, não o administre
como o devido zelo, sem prever as possíveis complicações de ordem
técnica, ética ou jurídica que possam eventualmente ocorrer, quando,
na verdade, o prontuário seria um elemento valiosíssimo de força
probante fundamental nas contestações sobre possíveis
irregularidades.
Igualmente, diante do dever de informação, para aqueles que
avaliam um procedimento médico contestado, o documento mais
arrazoado é o do registro dos prontuários.
Portanto, o prontuário se mostra uma verdadeira ferramenta
de defesa, pois com base nesse documento que os profissionais e
estabelecimentos de saúde serão julgados por algum resultado
indesejado, através das diversas ações judiciais cíveis e penais ou
processos administrativos.
No Código de Ética Médica está definido que é “vedado ao
médico deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente. O
prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa
condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem
cronológica com data, hora, assinatura e número de registro do
médico no Conselho Regional de Medicina” (Art. 87, §1º).

4
Quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor,
o ônus probante será do réu.
201
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

O Conselho Federal de Medicina expediu a Resolução CFM


nº 1.638/2002, onde firmou em seu art. 5°os itens que deverão
constar obrigatoriamente do prontuário:

a. Identificação do paciente – nome completo, data de nascimento (dia,


mês e ano com quatro dígitos), sexo, nome da mãe, naturalidade
(indicando o município e o estado de nascimento), endereço completo
(nome da via pública, número, complemento, bairro/distrito, município,
estado e CEP);
b. Anamnese, exame físico, exames complementares solicitados e
seus respectivos resultados, hipóteses diagnósticas, diagnóstico
definitivo e tratamento efetuado;
c. Evolução diária do paciente, com data e hora, discriminação de
todos os procedimentos aos quais o mesmo foi submetido e
identificação dos profissionais que os realizaram, assinados
eletronicamente quando elaborados e/ou armazenados em meio
eletrônico;
d. Nos prontuários em suporte de papel é obrigatória a legibilidade da
letra do profissional que atendeu o paciente, bem como a identificação
dos profissionais prestadores do atendimento. São também
obrigatórias a assinatura e o respectivo número do CRM;
e. Nos casos emergenciais, nos quais seja impossível a colheita de
história clínica do paciente, deverá constar relato médico completo de
todos os procedimentos realizados e que tenham possibilitado o
diagnóstico e/ou a remoção para outra unidade.

Por derradeiro, para uma maior segurança jurídica/legal, no


prontuário deverá conter:
a) Identificação do paciente – o seu nome completo, data
de nascimento, local de residência;
b) Entrevista médica (Anamnese): Constitui numa
entrevista realizada pelo profissional de saúde, com
questionamentos sobre dados históricos físicos e clínicos
do paciente, realizado na sua admissão no
estabelecimento de saúde, para que se possa evidenciar
possíveis alergias, tratamentos medicamentosos,
desconfortos físicos, dentre outros.
c) Projeto terapêutico: Refere-se a um conjunto de
hipóteses terapêuticas definidas pelo médico assistente,
a partir da avaliação de cada caso. Tem enfoque
multiprofissional e interdisciplinar (no decorrer dos
exames e/ou internação), com o objetivo de melhorar a

202
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

comunicação e a integração entre os vários profissionais


que assistem aos usuários, estimulando a
5
transdisciplinaridade para conseguir melhores
resultados terapêuticos, aumento da satisfação de
pacientes e familiares, assim como da equipe de saúde.
d) Prescrição médica: Registros obrigatórios de todas as
ações terapêuticas indicadas e realizadas ao paciente,
sejam medicamentosas ou não;
e) Evolução médica diária: Acompanhamento diário pela
equipe multidisciplinar, relatando detalhadamente a
evolução da patologia do paciente (sintomas, alterações
física/patológicas, medicamentos dispensados,
diagnóstico, etc.);
f) Resultados/laudos de exames: São exames
complementares como análises clínicas (urina, sangue,
etc.), imagens (ultrassonografia, RX, ressonância, etc.)
ou qualquer outro exame necessário.
g) Termos de consentimentos: São termos assinados
voluntariamente pelo paciente ou seu responsável, para
qualquer processo evasivo (anestesia, cirurgia,
administração de contrastes, etc.), inclusive para
solicitação de alta sem o consentimento médico;
h) Relatório de transferência, alta ou óbito: Será o local
onde será relatado o motivo e local de transferência,
bem como será registrada as condições que se deu a
alta e, se for o caso, planejamento do pós-alta e,
também, será o local dos registros das causas do óbito.
i) Documentos diversos específicos (em anexo): Trata-se
de documentos que o médico assistente, ou equipe
multidisciplinar, entender como necessária para maior
transparência e elucidação do atendimento ao paciente,
como, por exemplo, a ficha anestésica, descrição
cirúrgica, laudos de consultoria, registro obstétrico e
exame do recém-nascido, registros de quimioterapia,
dentre outros.

5
Que envolve um conhecimento orientado por um sentido comum e que atravessa
as várias práticas profissionais.
(http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prontuario.pdf)
203
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Com isso, o suposto erro médico encontrará na prova


documental um respaldo importante, tendo em vista que os
julgadores, na maioria das vezes, fundamentam sua decisão baseada
em elementos de caráter documental. É no prontuário que estará
descrito o horário, a dose da medicação, todos os sintomas, reações,
procedimentos e cirurgias realizadas, revelando com precisão as
condutas adotadas e permitindo, com isso, a avaliação dos
prestadores de serviço.

2.1 SIGILO DAS INFORMAÇÕES


O prontuário do paciente é tão valioso, sigiloso e legal, que
qualquer extravio deve ser comunicado à autoridade policial,
procedendo à abertura de um Boletim de Ocorrência. É que, apesar
de ser uma linguagem técnica, o prontuário pertence ao paciente,
ajuda a esclarecer dúvidas sobre exames e condutas terapêuticas
que o mesmo deve seguir, e serve principalmente para facilitar a
comunicação entre os profissionais da saúde, seus pacientes e
familiares.
O artigo 89 do Código de Ética Médica dispõe que é vedado
ao médico

Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado,


por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua
própria defesa.

Com efeito, as instituições de saúde têm por dever a


manutenção do prontuário atualizado e sob sua guarda, pronto a
qualquer momento para consulta, ou por intermédio de pleito judicial
ser enviada a cópia fiel ao juízo provocado, servindo como elemento
indispensável da prova pericial.
Outrossim, não há impedimentos para que o médico-
assistente apresente em juízo o prontuário na defesa de seus
interesses, desde que esteja sendo questionado acerca da qualidade
do ato profissional ali registrado e quando a referida apresentação
seja útil para a aplicação da justiça.
Contudo, neste caso, recomenda-se ao profissional que
peticione nos autos, através de seu advogado, requerendo que o juiz

204
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

atribua ao processo a tramitação em segredo de justiça, o que


impedirá que terceiras pessoas tenham acesso às informações sem
prévia autorização de uma das partes ou do próprio juiz da causa.

CONCLUSÃO
A grande complexidade que envolve a atenção dos cuidados
médicos em hospitais, nas clinicas e estabelecimentos de saúde, fez
com que o profissional não percebesse a relevância legal de que se
reveste o correto preenchimento dos prontuários. Soma-se a isso, a
cultura didática dos profissionais da saúde que, atualmente, limita-se
principalmente aos aspectos técnicos que dizem respeito à prática. É
preocupante a inobservância da legislação e normatizações que
envolvem o atendimento médico e o prontuário do paciente, o que
apenas são lembrados quando demandas judiciais já estão batendo à
porta dos profissionais da saúde.
Dentre os inúmeros fatores envolvidos na análise médico-
legal do exercício profissional na suspeita do “erro médico”, enfatiza-
se a importância do prontuário medico, documento essencial e que
traduz o relacionamento entre o paciente, seus familiares e a equipe
de saúde.
Por essa razão, é importante enfatizar o devido cumprimento
das normas e do correto preenchimento do prontuário do paciente,
ressaltando suas implicações médico-legais. Não apenas para
representar um trabalho de qualidade, mas também permitindo ao
profissional da saúde e até ao paciente, um importante instrumento
de defesa nas ações judiciais. Contudo a qualidade das informações
fornecidas e prescritas ao paciente é o cerne para a validade deste
documento.
Cada vez mais a jurisprudência brasileira tem valorizado o
uso adequado do consentimento informado. É, na verdade, a
valorização do princípio da autonomia de vontade do paciente. Até
mesmo condutas que não causam dano direto, sob o ponto de vista
de malefício à saúde, podem ensejar uma indenização, se a mesma
foi realizada sem o conhecimento adequado e consentimento refletido
do paciente.
Por outro lado, a análise dos prontuários do paciente tem
também valor fundamental para o auxílio no esclarecimento do nexo
de causalidade. Ou seja, se o dano sofrido pelo paciente é

205
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

consequência da conduta médica. É no prontuário, muitas vezes, que


encontramos os indícios necessários para estabelecer a culpa, ou a
ausência dela.

REFERÊNCIAS
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA, Código de Ética Médica. Disponível em:
http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp, pesquisado em 08 de
outubro de 2018.
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA, Código Civil Brasileiro. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm, pesquisado em 02 de
outubro de 2018.
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA, Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm,
pesquisado em 08 de outubro de 2018.
POSSARI, João Francisco. Prontuário de paciente e os registros de
enfermagem. 2. ed. São Paulo: Iátria, 2007.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol. 4. 3ª ed. São
Paulo: Atlas S.A., 2003.

206
O MÉDICO E AS MÍDIAS SOCIAIS:
UMA REALIDADE IRREVERSÍVEL
Analúcia Terra Peixoto 1
Diogo Gonzales Julio 2

Os avanços tecnológicos permitem, ao alcance de alguns


clicks, encontrar pessoas, estabelecer uma comunicação e acessar
as mais diversas informações.
Nos dias atuais, praticamente todos estão conectados à
internet, seja pelas redes sociais (Facebook, Instagram, Twiter,
YouTube), seja pelos canais de comunicação (e-mails, sites, blogs,
aplicativos de mensagens como WhatsApp e Messenger, dentre
outros).
Essa realidade toca na medicina a relação entre médicos,
entre médico e paciente e a divulgação da atividade profissional.
Por conta disso, os profissionais devem observar os
princípios e as normas éticas estabelecidas pelo Conselho Federal de
Medicina, a fim de que façam bom uso da tecnologia disponível no
exercício diário da profissão.

1
Advogada – OAB/RS 69.242, Professora, Palestrante, Especialista em Direito
Médico pela Instituição Verbo Jurídico, Pós-graduada em Direito Processual Civil
pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural (IDC), Assessora Jurídica da Associação
Brasileira de Medicina Estética (ABME)
2
Advogado - OAB/SP 208.864, Professor, Palestrante, Especialista em Direito da
Medicina pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (UC), Pós-
graduado em Direito Médico, Odontológico e Hospitalar pela Escola Paulista de
Direito (EPD), Especialista em Direito do Cooperativismo pela Escola Superior de
Advocacia (ESA) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no
Estado de São Paulo (SESCOOP), Pós-graduado em Direito Processual Civil pela
Universidade Salesiana (Unisal), Graduado em Ciências Jurídicas - Direito pela
Universidade São Francisco (USF), Membro da Comissão de Direito da Saúde da
OAB Seção de São Paulo, 3ª Subseção de Campinas/SP, Membro da Comissão
Especial de Direito do Cooperativismo da OAB Seção de São Paulo
207
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Neste sentido, nos ensina o professor Genival Veloso de


França: “Não é ético limitar o conhecimento humano, mas cabe
3
disciplinar o seu uso” .
A conduta médica com o uso da internet está sob a atenção
do Conselho Federal de Medicina há tempos.
Façamos uma análise cronológica a respeito de como o tema
foi tratado pelo órgão de classe e observemos como a tecnologia,
atrelada ao exercício da Medicina, mostra-se como uma realidade
irreversível.
O tema foi objeto do Parecer do Conselho Federal de
Medicina de nº 63/1999, que dizia que a utilização da rede mundial de
comunicação para a divulgação de assuntos médicos é desejável,
mas o médico deveria apenas se ater aos princípios dogmáticos da
ética médica: respeitar o sigilo profissional; manter no anonimato os
pacientes; esclarecer e educar a sociedade; evitar o sensacionalismo
e a autopromoção; não praticar consultas online; só anunciar os
títulos de especialidades registrados junto ao órgão de classe e não
participar de anúncios de empresas comerciais.
Determinava, ainda, o referido Parecer, que havendo dúvida
sobre a abordagem de algum tema, o médico deveria dirigir consulta
específica ao Conselho Regional no qual esteja inscrito.
Atualmente, a Resolução do Conselho Federal de Medicina
de nº 1.974/2011 estabelece os critérios norteadores da propaganda
em Medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos
médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições
referentes à matéria.
Entende por publicidade médica qualquer forma de
propaganda ou de comunicação ao público, independente do meio de
divulgação, da atividade profissional, com participação e/ou anuência
4
do médico .

3
MENEZES, José Abelardo Garcia de. Apud Genival Veloso de França. Como não
atentar contra questões éticas no âmbito das mídias sociais?, em AZEVEDO,
Ricardo Almeida de e CURI, Erick reitas. MANUAL DE CONDUTA NAS MÍDIAS
SOCIAIS. 2ª edição. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA,
2017. P. 13. Disponível em https://www.sbahq.org/.../redireciona.php?...manual-de-
conduta. Acesso em 01 de outubro de 2018.
4
Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.974, de 19 de agosto de 2011.
Artigo 1º.
208
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

De outro lado, os artigos 111 e 118 do Código de Ética


Médica, (Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº
1.931/2009) estabelecem que a publicidade médica deva observar
princípios éticos de orientação educacional, não sendo comparável à
publicidade de produtos e de práticas meramente comerciais.
A exposição do médico nos diversos meios de comunicação
deve almejar a disseminação de informações de utilidade pública,
educar, orientar, ajudar a prevenir doenças e a promoção da saúde 5.
Deve se abster do sensacionalismo6, da autopromoção e não
induzir o público ao autodiagnóstico ou à autoprescrição, devendo
sempre preservar o sigilo e a intimidade dos pacientes.
O sensacionalismo é definido como a divulgação publicitária
de maneira exagerada e fugindo de conceitos técnicos; por métodos
e por meios que não tenham reconhecimento científico7; a
adulteração de dados estatísticos, visando benefício próprio ou da
instituição que representa; a divulgação em público, de técnicas e de
métodos que devem se limitar ao ambiente científico, a veiculação
pública de informações que possam causar intranquilidade, pânico ou
medo; o uso de forma abusiva, enganosa ou sedutora de
representações visuais e informações que possam induzir a
promessas de resultados.
O Código de Ética Médica traça os limites da publicidade
médica, elegendo como princípios fundamentais o dever do médico
de zelar e de trabalhar pelo perfeito desempenho ético, pelo prestígio
8
e pelo bom conceito da profissão , bem como determinando que em
9
nenhuma hipótese a Medicina poderá ser exercida como comércio .
No capítulo VII, que trata das relações entre Médicos, o
Código é taxativo ao proibir a prática da concorrência desleal com
10
outro médico .
Visando salvaguardar o melhor interesse do paciente, é
proibido ao médico exercer a profissão com a interação ou com a

5
Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.931, de 24 de setembro de
2009. Artigo 111.
6
Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.931, de 24 de setembro de
2009. Art. 112.
7
Ibid.Art. 113.
8
Ibid. Princípios fundamentais. Inciso V.
9
Ibid. Inciso X.
10
Ibid. Art. 51.
209
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

dependência de farmácia, indústria farmacêutica, ótica ou qualquer


organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou
comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja
sua natureza11, valendo ressaltar, nesse sentido, o que dispõe o
artigo 116: “Participar de anúncios de empresas comerciais qualquer
que seja sua natureza, valendo-se de sua profissão”.
Com o avançar dos anos, passou a ser uma frequente a
postagem de autorretrato (selfie), de imagens e/ou vídeos de
profissionais com pacientes.
Por conta disso, no ano de 2015, o Conselho Federal de
Medicina emitiu duas Resoluções para atualizar epara complementar
a disciplina sobre a Publicidade Médica.
A Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº
2.126/2015,visando complementar os limites disciplinares na
divulgação de assuntos médicos, trouxe nova redação ao artigo 13º
da Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 1.974/2011,
passando a dispor que as mídias sociais dos médicos e dos
estabelecimentos assistenciais em Medicina deverão obedecer à lei,
às resoluções normativas e ao Manual da Comissão de Divulgação
12
de Assuntos Médicos (Codame) .
Para dirimir eventuais dúvidas, a Resolução do Conselho
Federal de Medicina de nº 2.126/2015, exemplifica o que são
consideradas mídias sociais, a saber, sites, blogs, Facebook, Twitter,
13
Instagram, YouTube, WhatsApp e similares .
Também proíbe ao médico a publicação nas mídias sociais
de autorretrato (selfie), imagens e/ou áudios que caracterizem
14
sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal .
Reforça a proibição ao médico e aos estabelecimentos de
assistência médica a publicação de imagens do “antes e depois” de
procedimentos, conforme previsto na alínea “g” do artigo 3º da
Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº 1.974/1115.

11
Ibid. Artigos 71 e 72.
12
Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.974, de 19 de agosto de 2011.
Artigo 15.
13
Ibid. Artigo 13, § 1º.
14
Ibid. Artigo 13, § 2º.
15
Ibid. Artigo 13, § 3º.
210
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

A publicação por pacientes ou terceiros, de modo reiterado


e/ou sistemático, de imagens mostrando o “antes e depois” ou de
elogios a técnicas e a resultados de procedimentos nas mídias
sociais deve ser investigada pelos Conselhos Regionais de
16
Medicina .
A Resolução do Conselho Federal de Medicina de nº
2.133/2015, trouxe esclarecimentos sobre a divulgação e a
publicidade de assuntos médicos na internet e em canais de redes
sociais, autorizando que os médicos publiquem nos seus perfis dados
como sua especialidade, CRM, RQE, além do endereço e telefone do
local onde atendem17.
Ao médico, no cenário atual, não bastam apenas formação,
expertise, especialização e boa técnica para com o atendimento do
paciente.
Não é suficiente que o profissional seja excelente em sua
área de atuação, mas é imprescindível o atendimento e a adequação
às normas éticas e jurídicas que regulamentam a propaganda, sendo
medida imperativa e necessária que o médico utilize sua publicidade
de acordo com os preceitos legais.
Em que pese muitos profissionais da medicina
desconhecerem a legislação, ou ainda, arriscarem a veicular
publicidade errada ou equivocada com o intuito de obter notoriedade
ou reconhecimento pelos serviços médicos, é de suma importância
que haja observância da legislação que regulamenta a matéria para
evitar demandas na esfera judicial ou administrativa.
O médico que comete as infrações em desrespeito às normas
éticas impostas pelos Conselhos de Medicina está sujeito as
penalidades previstas no artigo 17 do Decreto nº 44.045/58, que
compreende desde a advertência, censura confidencial, censura
público, suspensão do exercício profissional até a cassação do
registro profissional.
Portanto, ainda vale a máxima de que uma propaganda eficaz
e correta e a relação saudável com os pacientes, atribui ao médico
seriedade e comprometimento com a medicina.

16
Ibid. Artigo 13, § 4.
17
Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.931, de 24 de setembro de
2009. Artigo 118 caput e Parágrafo único.
211
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

De qualquer sorte, as questões referentes à saúde e a


relação médico-paciente na mídia (sejam elas quais forem), devem
ser observadas diuturnamente para evitar conflitos com o paciente e,
como referido, demandas judiciais e extrajudiciais.
O assunto merece ser tratado com extrema responsabilidade,
pois a sociedade em muito se baseia em notícias veiculadas na
comunicação de massa, o que vale para colheita de provas e
instrução de processos, em todas as esferas.
Assim, a fim de evitar desgastes desnecessários diante da
realidade médica, irreversível frente a toda tecnologia nas
comunicações disponíveis, roga-se para que observe em síntese e de
acordo com o que dispõe as Resoluções exaradas pelo Conselho
Federal de Medicina as proibições à classe médica de:
 usar imagem de paciente (mesmo com autorização);
 tirar selfie (autorretrato) durante exercício profissional;
 divulgar especialidades que não são reconhecidas pelo
Conselho Federal de Medicina ou pela Comissão Mista
de Especialidades;
 divulgar título e/ou especialidades não registradas junto
ao Conselho Federal de Medicina;
 participar de anúncios de produtos ou marcas
comerciais;
 receber qualquer quantia ou obter lucros para conceder
entrevistas, bem como a autopromoção por meio do
fornecimento de telefone ou endereço do consultório
para captar pacientes;
 receber premiações em categorias “destaque”, “médico
do ano” e similares, sendo consideradas publicidade
irregular;
 utilizar expressões como “o melhor” referindo-se ao
médico, pois, além de se tratar de um termo
sensacionalista, pode caracterizar propaganda
enganosa;
 assegurar a garantia de resultados;

212
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

 afirmar que o médico ou serviço citado é o único capaz


de tratar o problema do paciente;
 divulgar preços, formas de pagamento ou parcelamento,
descontos ou algo semelhante como diferencial na
qualidade do serviço.
A realidade tecnológica à classe médica é irreversível. O uso
que se faz dela e as consequências desta utilização somente
depende de quem as adota e de como pratica seus atos.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958.
http://www.cremepe.org.br/2018/01/16/a-publicidade-medica-nas-midias-sociais-
entre-o-permitido-e-o-proibido/. Acesso em 25 de setembro de 2018.
https://esaudemarketing.com.br/artigos/saude-na-midia-entenda-sobre-a-
publicidade-medica-e-a-etica/. Acesso em 25 de setembro de 2018.
Parecer Conselho Federal de Medicina nº 63 de 1999.
MENEZES, José Abelardo Garcia de. Apud Genival Veloso de França. Como não
atentar contra questões éticas no âmbito das mídias sociais?, em AZEVEDO,
Ricardo Almeida de e CURI, Erick reitas. MANUAL DE CONDUTA NAS MÍDIAS
SOCIAIS. 2ª edição. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA,
2017. Disponível em https://www.sbahq.org/.../redireciona.php?...manual-de-
conduta. Acesso em 01 de outubro de 2018.
Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.931, de 24 de setembro de
2009.
Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.974, de 19 de agosto de
2011.
Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.126, de 01 de outubro de
2015.
Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.133, de 15 de dezembro de
2015.

213
O DEVER DE INFORMAÇÃO
NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Ana Luiza Mourthe Dahdah 1

INTRODUÇÃO
Para discutir a questão tema desse artigo, é preciso debruçar-
se sobre o princípio ao dever de informação, sendo este um direito
fundamental previsto no artigo 5º inciso XIV da Constituição da
República de 1988 que assim dispõe: ““é assegurado a todos o
acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional”, sendo que tal garantia propaga
por toda a legislação infra - constitucional, como o Código de Defesa
2
do Consumidor que discorre sobre os direitos básicos no artigo 6º
inciso III “São direitos básicos do consumidor: a informação adequada
e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade e
preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
3
Para Cláudia Lima Marques :

[...] a informação médica é dever de conduta de boa-fé (contrário da


autuação negligente), informar clara e adequadamente é um dever de
cuidado com o outro parceiro contratual (atuação prudente), informação
é poder (estado subjetivo de saber ou não saber), logo, informar
suficiente e lealmente é cooperar com o outro (se abstendo de abuso
.
ou desvio de poder na relação médico-paciente-consumidor)

1
Advogada. Graduada no curso de Direito pelo UniCeub - Centro Universitário de
Brasília/DF.
2
Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078, 11 de Setembro de 1990. Artigo 6º
inciso III.
3
MARQUES, Cláudia Lima. A responsabilidade dos médicos e do hospital por falha
no dever de informar ao consumidor. In: MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM,
Bruno (orgs.). Direito do Consumidor: proteção da confiança e práticas comerciais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, Coleção doutrinas essenciais; v.3, 2011. p. 407.
214
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

Segundo Roberto Senise Lisboa4:

A verdadeira transparência nas relações de consumo somente pode


ser alcançada pela adoção de medidas que importem no fornecimento
de informações verdadeiras, objetivas e precisas ao consumidor, bem
como ao fornecedor, por parte do destinatário final do produto ou
serviço.

Portanto, é necessário trazer esse tema, dada a singularidade


que o direito à informação é tratado no contexto da relação médico-
paciente, pois repercute diretamente na vida e saúde do consumidor,
bem como, na responsabilidade civil aplicada ao profissional advindo
de sua violação.

1 RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
Ao reportar a um passado não muito distante, nos deparamos
com um modelo de relação médico-paciente diferente dos dias atuais.
Antigamente, existia um médico que acompanhava todas os
integrantes da família ao longo da vida, era uma relação mais intima
entre ele, o paciente e os familiares. O que não existe mais, ou
restam pouquíssimos.
A relação médico-paciente é permeada por uma interação
que envolve confiança, troca de informações e responsabilidades.
Pode-se dizer que caracteriza-se pelos compromissos e deveres de
5
ambos os atores, pautados pela sinceridade e pelo amor .
A obrigação do médico não está relacionada a uma obrigação
de resultado, por se tratar de uma relação humana que, como
qualquer uma do gênero, não está livre das complicações e não
promete a obtenção de cura, contudo, se encarrega de chegar ao
melhor resultado possível. O paciente, por sua vez, é obrigado a
fornecer ao médico informações corretas sobre seus sintomas e
seguir as recomendações passadas pelo profissional.

4
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. pg. 101.
5
Disponível em:
<https://eloisafonseca.jusbrasil.com.br/artigos/306233175/a-relacao-medico-
paciente-o-dever-de-informacao-e-a-responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-
chance>. Acesso em: 17 set. 2018.
215
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

2 RELAÇÃO CONSUMERISTA ENTRE MÉDICO-PACIENTE


O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990)
regula as relações de consumo, ou seja, aquelas que se estabelecem
entre fornecedor e consumidor. Para Fábio Ulhoa Coelho6,
consumidor é definido pelo art. 2º do CDC como sendo aquele que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e
fornecedor, pelo art. 3º, como aquele que desenvolve atividade de
oferecimento de bens ou serviços ao mercado.
7
Segundo ensina o Prof. Nelson Neri Júnior "entende-se por
relação de consumo a relação jurídica entre fornecedor e consumidor
tendo como objeto o produto ou o serviço”.
Portanto, por força de lei, são considerados fornecedores
tanto os médicos, advogados, engenheiros e etc., na condição de
profissionais, como as empresas por eles formadas. Antigamente, tais
profissionais atuavam de maneira isolada, contudo, na atualidade
eles possuem uma tendência de união de esforços para a formação
de empresas prestadoras de serviços, constituindo, assim, hospitais,
bancas de advocacia e sociedades de engenheiros.
Inicialmente, o entendimento de parte da doutrina e dos
tribunais brasileiros é o de reconhecer na relação médico-paciente a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor. “Parece-nos claro
que o paciente, ao contratar a execução de um serviço médico, desde
uma simples consulta a um procedimento cirúrgico, seja ele
considerado consumidor dos serviços oferecidos por este
8
profissional” . Não obstante, essa regra não é geral em face da
diversidade dos serviços fornecidos pelo médico, que ora se
encaixam como uma verdadeira relação de consumo, e ora se
apresentam como um contrato atípico que envolve uma relação
personalíssima.
9
O Professor Pedro Romano Martinez , acentua que a relação
jurídica entre médico e paciente é de ordem obrigacional, podendo,

6
Coelho, Fábio Ulhoa. O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo:
Saraiva, 2010.
7
Nery Júnior, Nelson et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado
pelos Autores do anteprojeto. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1991.
8
DANTAS, Eduardo. Direito Médico. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012, p. 163.
9
MARTINEZ, Pedro Romano. Responsabilidade Civil por Acto ou Omissão do
Médico. In: DUARTE, Rui Pinto; FREITAS, José Lebre de; CRISTAS, Assunção;
ALMEIDA, Marta Tavares de; NEVES, Vítor Pereira das (Orgs.). Estudos em
216
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

caso a caso, ter origem em um contrato de prestação de serviços, em


um negócio jurídico unilateral ou em uma atuação em gestão de
negócios.
No Brasil, Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira10
entende que a doutrina e a jurisprudência tem se inclinado para a
determinação da natureza jurídica da relação entre o médico e o
paciente como contratual, a partir da ideia de um negócio jurídico por
meio do qual as partes estabelecem os efeitos que pretendem
produzir a partir de suas declarações de vontade. Todavia, não exclui
a hipótese de que em alguns casos e circunstâncias, a natureza
jurídica da relação médico paciente pode não ser contratual.
A legislação faz uma distinção entre duas categorias para
aplicação da responsabilidade civil, sendo aqueles profissionais que
atuam individualmente, em uma relação de confiança entre o
paciente/cliente e o profissional, isto é, o contrato celebrado entre as
partes é personalíssimo, nessa hipótese, necessita-se da
comprovação de culpa para aplicar a responsabilização do
profissional, diferente da hipótese de empresas fornecedoras de
serviços, como, por exemplo, hospitais, a constatação de um dano ao
paciente leva a responsabilidade civil objetiva (responsabilidade pelo
fato do serviço – CDC, art. 14), que, independe da existência de culpa
para que o prejuízo seja reparado.
Essa discussão a respeito da natureza jurídica da relação
médico-paciente envolve o interesse de investigar de que forma deve
ser classificada a responsabilidade civil do médico, determinação do
prazo prescricional, ônus da prova, entre outros, o que não será
aprofundado nesse artigo.
Todavia, podemos dizer, que, independentemente da
classificação da relação jurídica entre as partes, os serviços
prestados por médicos, clínicas e demais instituições vinculadas à
prestação de saúde, bem como, pelos profissionais liberais, nas
relações que estabelecem entre estes e seus pacientes/clientes, são
regulados pelo Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, o
médico é um fornecedor de serviços e seu paciente um consumidor,
considerando a parte mais fraca dessa relação e, portanto, protegido

Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida. v. II. Coimbra:


Almedina, 2011, p. 485.
10
LEMOS PEREIRA, Paula Moura Francesconi. Relação Médico-Paciente. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 16.
217
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

pela legislação consumerista, que, bem de ver, determina que haja


prevenção de danos e efetiva reparação de suas várias espécies
11
(material, moral e estética).

3 O DIREITO A INFORMAÇÃO DO PACIENTE


A informação consiste no emprego de sinais, palavras, sons e
gestos, visando à comunicação entre duas ou mais pessoas, de
quem emite para quem recebe.
O direito à informação é um direito fundamental previsto no
12
artigo 5º, inciso XIV da Constituição da República de 1988, e que
objetiva assegurar a todos as garantias necessárias à sobrevivência
13
dentro de uma sociedade organizada e tem se mostrado de
fundamental importância desde a vida pessoal até a profissional, pois
gerou na sociedade organizada a chamada intolerância a quem não
fornece informações, dado ao caráter de domínio e poder que a
14
informação exerce.
O direito à informação teve sua origem no tradicional princípio
da boa-fé objetiva, que se baseia no comportamento que as partes
manifestam numa determinada relação. As condutas das partes
devem estar sempre pautadas na lealdade, na correção, na
probidade, na confiança e na ausência de intenção lesiva ou
prejudicial. "A boa fé é regra de conduta dos indivíduos nas relações
jurídicas obrigacionais".15
O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931, de 17 de
setembro de 2009) em seu capítulo V, cuida da relação dos médicos

11
MEDICINA E DIREITO: responsabilidade civil, judicialização da saúde, sigilo
profissional, genética, violência contra a mulher e dignidade da morte. Reflexões e
conferencias do VII Congresso Brasileiro de Direito Médico, Brasília (DF(), 3 e 4 de
agosto de 2016./ Conselho Federal de Medicina. – Brasília: Conselho Federal de
Medicina, 2018. pg. 29.
12
“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional.”
13
Norberto Bobbio. A Era dos Direitos. Ed. Campus, RJ,1992, p. 49.
14
Carlos Alberto Ghersi. Responsabilidad professional. Editora Astrea, Volume I,
Cap. 4, Buenos Aires, 1995, p. 60.
15
José Roberto de Castro Neves. Boa fé objetiva: posição atual no ordenamento
jurídico e perspectivas de sua aplicação nas relações contratuais, Revista Forense,
p.162.
218
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

com os pacientes e seus familiares. No art. 3116 e 3417 encontramos


dois elementos importantes para a sustentação da relação médico-
paciente, sendo o princípio da autonomia do paciente e o princípio da
informação adequada.
Se pudéssemos destacar um ponto como sendo aquele que
norteou o novo Código de Ética Médico seria o da autonomia, tanto
do paciente e seus familiares, pelo direito a eles assegurado de
serem informados sobre todos os procedimentos médicos a serem
realizados, quanto do médico, que tem maior liberdade para a
escolha da melhor terapêutica a ser utilizada, inclusive para se negar
a realizá-la, indicando, porém, um profissional que a faça18.
Na legislação brasileira, o Código de Defesa do Consumidor
assegurou o Direito à informação como uma das regras primordiais
da atividade médica. O médico está proibido de deixar de informar o
paciente sobre como vai ser realizado o tratamento. Afirma-se que o
consentimento do paciente é fundamental para a realização de
qualquer intervenção. O consentimento informado na relação médico-
19
paciente é indispensável.
Carlos Alberto Ghersi confirma a importância da informação,
ao afirmar que o profissional deverá obter todas as informações
possíveis sobre a história médica do paciente, assim como as suas
expectativas sobre o tratamento com a finalidade de se ter um ponto
de partida confiável sobre a situação. Além disso, o paciente deve ter
pleno conhecimento de todas as suas possibilidades, para que possa
20
tomar uma decisão mais consciente.

16
“Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em
caso de iminente risco de morte.”
17
“Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os
objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar
dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.”
18
Paixão, Sérgio Luiz de Carvalho. Novo Código de Ética Reforça Direito de
Informação. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2010-mai-15/codigo-etica-
medica-reforca-direito-informacao-paciente>. Acesso em: 01 de out. 2018.
19
Disponível em <https://jus.com.br/artigos/13851/reflexoes-sobre-o-direito-a-
informacao-dos-pacientes-no-brasil-e-nos-estados-unidos>. Acesso em: 04 de out.
2018.
20
Cabral, Bruno Fontinele. Disponível em
<http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/reflex%C3%B5es-sobre-o-direito-
%C3%A0-informa%C3%A7%C3%A3o-dos-pacientes-no-brasil-e-nos-estados-
unidos> Acesso em: 01 de out. 2018.
219
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

O paciente tem que ser informado das condutas que serão


realizadas, o custo de tratamento, as opções de tratamento, o valor
do serviço proposto, etc. O uso de termos técnicos dificulta a
compreensão do consumidor que deve ser visto como um homem
comum, inferiorizado na relação profissional-paciente, pois o médico
21
é quem domina o conhecimento e a informação.
A informação deve ser suficiente para que o paciente tenha
um entendimento satisfatório das diversas opções que se
22
apresentam, podendo, assim, decidir com autonomia. Não se pode
esquecer, ainda, que o médico deve adequar a sua linguagem de
acordo com o tipo e o nível intelectual de cada paciente.23 Busca-se
com isso a adesão consciente daquele paciente que está se
submetendo a algum tipo de intervenção pelo profissional.
Portanto, não permitir que o paciente conheça os
procedimentos adotados pelo médico, bem como não dar a ele as
explicações que permitam a compreensão de tais procedimentos
caracteriza-se como atitude em desconformidade com a ética médica,
pois desrespeita todos os princípios que norteiam a relação médico-
paciente,24 o que pode ensejar reparação tanto do dano material
como moral advindo da conduta do profissional.

CONCLUSÃO
Cumpre ressaltar que, além da informação repassada por
parte dos profissionais, segundo o qual estes possuem o dever de
informar com clareza, lealdade e exatidão, de forma que o paciente
ou o seu representante legal consigam compreender a mensagem
repassada pelos médicos, como do diagnóstico e prognóstico do
paciente e os riscos inerentes ao tipos de procedimento que irão se

21
Cabral, Bruno Fontinele. Disponível em
<http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/reflex%C3%B5es-sobre-o-direito-
%C3%A0-informa%C3%A7%C3%A3o-dos-pacientes-no-brasil-e-nos-estados-
unidos> Acesso em: 01 de out. 2018.
22
Genival Veloso De França. O Consentimento e a Pesquisa, Rio de Janeiro.
Disponível no site da Internet: <www.ibemol.com.br>. Acesso em: 26 set. 2018.
23
Neri Tadeu Camara Souza. O consentimento informado na atividade médica e a
autonomia do paciente, p.01. Disponível em: <www.ibemol.com.br>. Acesso em: 26
set. 2018.
24
Canuto, André. Disponível em: <https://acadvocacia.wordpress.com/2012/05/01/o-
dever-de-informacao-no-codigo-de-etica-medica/>. Acesso em 01 de outubro de
2018.
220
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

submeter, também por parte dos pacientes verifica-se um dever


informativo de esclarecimento aos médicos sobre suas condições
pessoais, tais como sintomas, histórico clínico, hábitos entre outros.
Na verdade, o que se procura garantir é o estabelecimento de
uma relação de negociação, na qual o médico compartilha os seus
conhecimentos técnicos e garante ao paciente a tomada de decisões
a partir de seus próprios valores, no exercício de sua autonomia.
Para o doutrinador Bruno Miragem o cumprimento do dever
de informar pelo fornecedor acontecerá quando a informação for
transmitida de modo adequado, eficiente, ou seja, de modo que seja
percebida ou pelo menos perceptível ao consumidor, não bastando a
simples transmissão das informações. A informação deve, ainda, ser
adequada e veraz. “Será adequada a informação apta a atingir os fins
que se pretende alcançar com a mesma, o que no caso é o
esclarecimento do consumidor”.25
O princípio da informação biparte-se em núcleo normativo
dúplice: a) direito de ser informado e b) dever de informar. Os
deveres de informação são deveres de conduta, exigem uma postura
positiva e ativa. O médico que negligencia o dever de informação
26
pode ser condenado a indenizar. Informar corretamente, esclareça-
se, é informar com clareza, de modo completo, útil e gratuito. A
ausência de informação (ou a informação defeituosa) gera
responsabilidade civil, desde que conectada, em nexo causal, a um
27
dano de qualquer espécie.
Por todo o exposto acima, verificamos que a relação existente
entre os dois atores (médico e paciente), além do dever a informação
que recai sobre eles, é pautada na confiança e responsabilidade,
visto que juntos conseguem definir o melhor caminho a ser traçado,
(tratamentos, procedimentos cirúrgicos ou alternativas paliativas).

25
MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor;
direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do
consumidor; direito penal do consumidor. São Paulo: RT, 2008, p. 122.
26
STJ, 332.025, Rel. Min. Menezes Direito, 3ª T., DJ 05/08/2002.
27
STJ. RECURSO ESPECIAL: RESP Nº 1.540.580 - DF (2015/0155174-9)
RELATOR: Ministro Lázaro Guimarães.
221
ESTUDOS DA COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO MÉDICO DA OAB TOCANTINS reflexões e perspectivas

REFERÊNCIAS
LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Código de Defesa do Consumidor.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos .Ed. Campus, RJ,1992.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
Código de Ética Médica. RESOLUÇÃO CFM Nº1931/2009.
COELHO, Fábio Ulhoa. O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo:
Saraiva, 2010.
DANTAS, Eduardo. Direito Médico. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012.
Jurisprudência do STJ, 332.025, Rel. Min. Menezes Direito, 3ª T., DJ 05/08/2002.
Jurisprudência do STJ. RECURSO ESPECIAL: RESP Nº 1.540.580 - DF
(2015/0155174-9) RELATOR: Ministro Lázaro Guimarães.
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. A responsabilidade dos médicos e do hospital por
falha no dever de informar ao consumidor.
MEDICINA E DIREITO: responsabilidade civil, judicialização da saúde, sigilo
profissional, genética, viol“encia contra a mulher e dignidade da morte. Reflexoes
e conferencias do VII Congresso Brasileiro de Direito Médico, Brasília (DF(), 3 e 4
de agosto de 2016./ Conselho Federal de Medicina. – Brasília: Conselho Federal
de Medicina, 2018.
MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do
consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção
administrativa do consumidor; direito penal do consumidor. São Paulo: RT,
2008.
NERY JÚNIOR, Nelson et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
comentado pelos Autores do anteprojeto. Rio de Janeiro : Forense
Universitária, 1991.
NEVES, José Roberto de Castro. Boa fé objetiva: posição atual no ordenamento
jurídico e perspectivas de sua aplicação nas relações contratuais, Revista
Forense.

222
A presente obra foi aprovada pelo nosso Conselho Científico-Editorial respeitando as diretrizes
da Qualis/CAPES, quais sejam, originalidade, relevância, pertinência, embasamento teórico,
densidade científica, metodologia e desenvolvimento, inclusive o sistema “double blind review”
(dupla análise sigilosa, onde os conselheiros não sabem quem é o autor da obra analisada).
Este sistema garante a isenção e imparcialidade do corpo de pareceristas e a plena autonomia
do Conselho Editorial, atestando a excelência da obra que apresentamos à sociedade.

CONSELHO CIENTÍFICO-EDITORIAL

PROF. DR. CARLOS ROBERTO ANTUNES DOS SANTOS (In Memoriam – Presidente de Honra).
Pós-Doutorado em História da América Latina pela Universidade de Paris III, França. Doutorado em
História pela Universidade de Paris X - Nanterre, França. Mestrado em História do Brasil pela UFPR
- Universidade Federal do Paraná.
------
PROFA. DRA. ALICE FÁTIMA MARTINS: Pós-doutorado pela Universidade de Aveiro (2017). Pós-
Doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ (2010). Doutorado em
Sociologia pela Universidade de Brasília (2004). Mestrado em Educação - área de Magistério:
Formação e Trabalho Pedagógico, pela Universidade de Brasília (1997). Licenciatura em Educação
Artística, habilitação em Artes Visuais, pela Universidade de Brasília (1983). PROF. ANDREA
PITASI: PhD. Professor de Sociologia do Direito do Programa de Mestrado e Doutorado da
"Università degli Studi Gabriele D'Annunzio - Dept. of Neuroscience", Itália. Membro do Conselho
Acadêmico do “SANTA FE Associate International”. Presidente na empresa WORLD COMPLEXITY
SCIENCE ACADEMY (WCSA). PROF. AUGUSTUS BONNER COCHRAN III, USA: Academic
Degrees (titulação): B.A., Davidson College; M.A., Indiana University; Ph.D., University of North
Carolina; J.D., Georgia State University College of Law. Professor Titular de Ciência Política da
Faculdade de Agnes Scott – GEORGIA-EUA. PROFA. DRA. BETINA TREIGER
GRUPENMACHER: Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutorado pela Universidade
Federal do Paraná. Mestrado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Graduação
pela Universidade de Salamanca, na Espanha e pela Universidade Austral, na Argentina.
Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PROF. DR. BRUNO
MENESES LORENZETTO: Doutorado em Direito pela UFPR na área de Direitos Humanos e
Democracia (2010-2014). Mestrado em Direito pela UFPR na área do Direito das Relações Sociais
(2008-2010). Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2003-2007).
PROF. DR. CARLOS ALBERTO DE MORAES RAMOS FILHO: Doutorado em Direito do Estado
(Direito Tributário) pela PUC-SP. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pós-graduação em Direito Tributário

223
Instituto Memória
pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM (1998). Pós-graduação em Direito Civil pela UFAM
(1998). PROF. DR. DANIEL FERREIRA: Pós-Doutorado pelo Instituto Ius Gentium Conimbrigae -
Centro de Direitos Humanos /Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (IGC-CDH/FDUC -
2016). Doutorado (2008) e Mestrado (1999) em Direito do Estado (Direito Administrativo) pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Laureado pela Faculdade de Direito de
Curitiba (FDC-1993), além de graduado em Engenharia Industrial Elétrica pela Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR - 1988). PROF.DR. DEMETRIUS NICHELE MACEI: Pós-
doutorado pelo Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito
da USP (2015). Doutorado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(2012). Mestrado em Direito Econômico e Social (2004). Especialização em Direito Empresarial pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2000). Bacharelado em Direito pela Universidade
Federal do Paraná (1994). PROF. DR. DOMINGO CÉSAR MANUEL IGHINA: Doutorado em Letras
Modernas pela Universidade Nacional de Córdoba (UNC-Argentina). Diretor da Escola de Letras da
Faculdade de Filosofia e Humanidades da Universidade Nacional de Córdoba. PROF. DR. EDGAR
WINTER JÚNIOR: Doutorado em Engenharia e Ciência dos Materiais - PIPE UFPR (2015).
Mestrado em Engenharia de Processos Químicos e Térmicos - PIPE-UFPR (2005). Pós-Graduação
em Produtividade e Qualidade Total pela UNIPLAC-SC (1997). Pós-Graduação em Engenharia de
Segurança do Trabalho na UTFPR (2010). Graduação em Engenharia Química pela Universidade
Federal do Paraná (1991). PROF. DR. EDUARDO OLIVEIRA AGUSTINHO: Doutorado em Direito
Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR (2011).
Mestrado em Integração Latino - Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (2003).
Especialização em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica da Paraná (2000).
Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR (1998). PROF. DR.
EDUARDO ARRUDA ALVIM: Doutorado em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
PUC/SP. Mestrado em Direito, PUC/SP. Especialização em Direito Processual Civil, PUC/SP.
Especialização em Direito Tributário, PUC/SP. Bacharelado em Direito, PUC/SP. PROF. DR.
EDUARDO BIACCHI GOMES: Pós-Doutorado em estudos culturais pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro, com estudos realizados na Universidade Barcelona, Faculdad de Dret. Doutorado
em Direito pela Universidade Federal do Paraná. PROFA. DRA. ELAINE RODRIGUES: Pós-
doutorado em História da Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2015). Doutorado em
História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho (2002). Mestrado
em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (1994). Graduação em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Maringá (1987). PROF. DR. FABIO ARTIGAS GRILLO: Doutorado e
Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. PROF. DR. FERNANDO ARAUJO:
Doutorado (em 1998) em Ciências Jurídico-Econômicas. Mestrado (em 1990) em Ciências Histórico-
Jurídicas. Licenciatura em Direito (em 1982). PROF. DR. FERNANDO GUSTAVO KNOERR:
Doutorado em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (2002). Mestrado em Direito
do Estado e Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). PROFA. DRA.
FLÁVIA PIOVESAN: Doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1996). Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1993). Graduação
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1990). PROF. DR. FRANCISCO IVO
DANTAS CAVALCANTI: Doutorado em Direito (1995 – 1997) - Universidade Federal de
Pernambuco. Doutorado em Direito (1987 – 1990) - Universidade Federal de Minas Gerais.
Especialização em Direito Público (1985 – 1985) - Universidade Católica de Pernambuco. Mestrado
em Sociologia (1974 – 1976) - Universidade Federal de Pernambuco. Graduação em Direito (1966 –
1970) - Universidade Católica de Pernambuco. PROFA. DRA. GISELA MARIA BESTER: Pós-
doutorado em Direito Público na Universidade de Lisboa. Doutorado em Direito (2002) pela
Universidade Federal de Santa Catarina. Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1996), na Linha de Pesquisa Instituições Jurídico-Políticas. Graduação em Direito pela

224
Instituto Memória
Universidade de Ijuí (1991). PROFA. DRA. GRACIELA SANJUTÁ SOARES FARIA: Doutorado
(2010) e Mestrado (2005) em Gestão da Produção pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar) na linha de pesquisa Organizações, Instituições e Trabalho. PROF. DR. GUIDO
RODRÍGUEZ ALCALÁ: Doutorado em Filosofia, na Diusburg Universität (1983). Mestrado em
Literatura, na Ohio University e The University of New México. Graduação em Direito pela
Universidade Católica de Assunção (Paraguai). PROF. DR. HERBERTO JOSÉ CHONG NETO:
Pós-doutorado em Saúde da Criança e do Adolescente (2009-2011) na Universidade Federal do
Paraná. Doutorado em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná (2006-09). Mestrado
em Ciências da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2003-05). Especialização
em Alergia Pediatrica-Hospital de Clínicas-Universidade Federal do Paraná (1999-2001). Residência
em Pediatria-Hospital de Clínicas-Universidade Federal do Paraná (1997-99). Graduação em
Medicina pela Universidade Federal do Paraná (1997). PROF. DR. ILTON GARCIA DA COSTA:
Pós-doutorado em Direito pela Universidade de Coimbra - Portugal (em andamento). Doutorado em
Direito pela PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2010). Mestrado em Direito pela
PUC-SP (2002). Mestrado em Administração pelo Centro Universitário Ibero Americano UNIBERO
(2001). Especialização em Administração Financeira pela Alvares Penteado. Especialização em
Mercados Futuros pela BMF – USP. Especialização em Formação Profissional na Alemanha.
Graduação em Direito pela Universidade Paulista UNIP (1996). Graduação em Matemática pela
Universidade Guarulhos UNG (1981). PROFA. DRA. JALUSA PRESTES ABAIDE: Pós-Doutorado
na Université de Saint Esprit de Kaslik, Líbano (2006). Doutorado em Direito pela Universidade de
Barcelona, Espanha (2000). Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
(1990). Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (1985). PROF. DR.
LAFAYETTE POZZOLI: Pós-Doutorado pela Universidade "La Sapienza", Roma (2002). Doutorado
(1999) em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Mestrado (1994) e graduação (1986). PROF. DR. LUC
CAPDEVILA: Pós-Doutorado. Professor Titular da Universidade de Rennes 2 (França), em História
Contemporânea e História da América Latina e Diretor do Mestrado de História das Relações
Internacionais. PROF. DR. LUÍS ALEXANDRE CARTA WINTER: Doutorado em Integração da
América Latina pelo USP/PROLAM (2008). Mestrado em Integração Latino-Americana pela
Universidade Federal de Santa Maria (2001). Especialização em Filosofia da Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1988). Graduação em Direito pela Universidade Federal
do Paraná (1984). PROF. DR. LUÍS FERNANDO SGARBOSSA: Doutorado em Direito pela
Universidade Federal do Paraná - UFPR (CAPES 6). Mestrado em Direito pela Universidade Federal
do Paraná - UFPR (CAPES 6). PROF. DR. LUIZ EDUARDO GUNTHER: Pós-Doutorado pela
PUCPR. Doutorado e Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Graduação em
História pela Universidade Federal do Paraná. PROF. DR. LUIZ FELIPE VIEL MOREIRA: Pós-
Doutorado pela Universidade Nacional de Córdoba, U.N.C., Argentina. Doutorado em História Social
pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Mestrado em História pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, UFRGS, Brasil. PROF. DR. MARCO ANTÔNIO CÉSAR VILLATORE: Pós-
Doutorado pela Universitá degli Studi di Roma II, Tor Vergata (2014). Doutorado em Diritto del
Lavoro, Sindacale e della Previdenza Sociale - Università degli Studi di Roma, La Sapienza (2001),
revalidado pela UFSC. Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(1998). PROF. DR. MATEUS BERTONCINI: Pós-Doutorado em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina. Doutorado e Mestrado em Direito do Estado pela Universidade Federal do
Paraná. PROF. DR. NELSON NERY JUNIOR: Doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1987) e doutorado em Direito - Universität Friedrich- Alexander Erlangen-
Nürnberg (1987). Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1983).
Graduação em Direito pela Universidade de Taubaté (1977). PROF. DR. OCTAVIO CAMPOS
FISCHER: Doutorado em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná (2002). Mestrado
em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná (1999). Graduação em Direito pela

225
Instituto Memória
Universidade Federal do Paraná (1993). PROF. DR. PAULO BRENO NORONHA LIBERALESSO:
Doutorado em Distúrbios da Comunicação (2007/2011) pela Universidade Tuiuti do Paraná.
Mestrado em Neurociências (2003/2004) pela Universidade Federal de São Paulo. Pós-graduação
em Epileptologia (2002/2003) pela Universidade Federal de São Paulo. Residência médica em
Pediatria (1999/2000) e Residência médica em Neuropediatria (2001/2002) pelo Hospital Pequeno
Príncipe, Curitiba, PR, Brasil. Graduação em Medicina (1998). PROF. DR. PAULO RICARDO
OPUSZKA: Doutorado em Direito (2010) pela Universidade Federal do Paraná. Mestrado em Direito
(2006). Bacharelado em Direito (2000) pelo Centro Universitário Curitiba. PROF. DR. PAULO
ROBERTO CIMÓ QUEIROZ: Doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo,
USP, Brasil. Mestrado em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
UNESP, Brasil. PROF. DR. RENÉ ARIEL DOTTI: Doutorado em Direito pela UFPR. PROF. DR.
RICARDO LEHTONEN RODRIGUES DE SOUZA: Doutorado em Genética pela Universidade
Federal do Paraná (2001). Mestrado em Genética pela Universidade Federal do Paraná (1995).
Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Paraná (1991). PROF. DR.
ROLAND HASSON: Doutorado em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do
Paraná. Mestrado em Direito Privado pela Universidade Federal do Paraná. Graduação em Direito
pela Universidade Federal do Paraná. PROF. DR. RUI FERNANDO PILOTTO: Doutorado em
Genética pela Universidade Estadual de Campinas (1991). Mestrado em Genética pela
Universidade Federal do Paraná (1973). Graduação em Medicina pela Universidade Federal do
Paraná (1983). Graduação em História Natural - Biologia pela Universidade Federal do Paraná
(1969). PROFA. DRA. SARA PETROCCIA: Research Fellow - Ph.D - Gabriele d’Annunzio
University, Chieti- Pescara, Italy. PROF. DR. SERGIO ODILON NADALIN: Doutorado em História e
Geografia das Populações - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (1978). Mestrado em
História pela Universidade Federal do Paraná (1975). Graduação em História (Licenciatura) pela
Universidade Federal do Paraná (1966). PROF. DR. SIDNEY GUERRA: Pós-Doutorado pelo Centro
de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e Pós-Doutorado pelo Programa Avançado
de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PACC/UFRJ). É Doutor,
Mestre e Especialista em Direito. PROF. DR. TÁRSIS NAMETALA SARLO JORGE: Doutorado e
mestrado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, com especialização
em Direito Previdenciário. PROF. DR. TEÓFILO MARCELO DE ARÊA LEÃO JÚNIOR: Pós-
doutorado em Direito pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (2015). Doutorado pela ITE - Instituição Toledo de Ensino de Bauru (2012). Mestrado pela
PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001). Graduação (1996) no UNIVEM - Centro
Universitário "Eurípides Soares da Rocha" de Marília-SP. PROFA. DRA. VIVIANE COÊLHO DE
SÉLLOS KNOERR: Doutorado em Direito do Estado pela PUC-SP. Mestrado em Direito das
Relações Sociais pela PUC-SP. Especialização em Direito Processual Civil pela PUCCAMP. PROF.
DR. WAGNER MENEZES: Pós-doutorado (Universidade de Pádova - Itália). Doutorado (USP).
Mestrado (PUCPR).

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