Em um sitiozinho no interior de Mato Grosso morava uma família composta de
12 pessoas: pai, mãe e mais dez filhos, desses: nove homens e três mulheres. Seu João e dona Maria (os pais) lutavam com sacrifício para mantê-los. Trabalhavam na roça todo dia, o dia todo fosse ele qual fosse; com chuva ou sol, frio ou calor, enfim, não havia nada que os fizesse esmorecer. Os filhos maiores ajudavam na lida também e estudavam numa escola que ficava na vila próxima ao sítio (Vila Aurora, era o nome do lugar). O nome do sítio? Sagrado Coração de Maria. Os filhos? Em ordem decrescente: Sebastião (Tião), Maria Leocádia (Cádia), Bento (Bentinho), Francisco (Chiquinho), Benedito (Dito), Tereza (Tetê), Aparecida (Cida), Manoel (Manezinho), Mamedes (Nego, que não entrou no diminutivo) e o caçula, Leornado (Nenê para a família e Leo para os amigos – que deveria se chamar Leonardo, mas talvez por uma dificuldade fonética tornou-se Leornado mesmo). Seu João e dona Maria, eram muito católicos e sempre procuraram criar os filhos dentro dos preceitos religiosos cristãos. Mas o caçula Leo, desde que nascera dera muito trabalho aos pais, principalmente à mãe. Muito apressadinho nasceu de sete meses e, ainda por cima, temporão, pois havia uma diferença de 8 anos entre ele e o penúltimo (Mamedes). Quando começou a falar e a andar foi um “Deus nos acuda”: o menino não parava, engatinhava pelo quintal inteiro, entrava no galinheiro (de onde se ouviam os gritos deles e das galinhas também), no chiqueiro (ficava parecendo um porquinho) e até no curral. Um dia, por pouco, uma vaca recém-parida não lhe chifrara. Enfim, Nenê escapou por várias vezes de morrer. Certa feita, foi por um triz que ele não segurou uma cobra! Pois é, sorte que Chiquinho estava por perto e deu uma paulada nela, matando-a. Nenê tinha uma imaginação muito fértil, aliás, fertilíssima. Na escola apelidaram-no de “Da Lua”, porque como um poeta: ele vivia sempre no mundo da lua. Leo, Nenê ou Da Lua, não concordava em ter apenas dois olhos, encucou que nós deveríamos ter, ao invés de dois olhos na cara, que tivéssemos então, um na testa e um, pasmen: na mão. Mas, aí, argumentaram: um olho na testa? Vamos parecer ciclopes e você ia gostar de ser um ciclope? Ele ponderou e percebeu que só com um olho na testa nosso aspecto não iria ser muito agradável. Então decidiu que continuássemos com dois olhos, mas com um também na mão, ao menos UM, insistia. Já imaginaram, dizia ele, quanta coisa poderíamos fazer com um olho na mão? Por exemplos: catar piolhos da própria cabeça (Argh! Que nojo!), espremer as espinhas das costas e lavá-las melhor, olhar dentro dos ouvidos e até verificar se, após as necessidades fisiológicas, se limpou bem o... (bem, isso não vou dizer, vocês completam). Os pais desconjuravam essa idéia, diziam que isso era pensamento do coisa ruim, que o filho deveria estar possuído, chegaram mesmo a levá-lo à igreja para que conversasse com o padre e este o aconselhasse a parar com essas conversas! E agora pergunto: adiantou? Nadica de nada! Isso se tornou uma obsessão para o nosso protagonista. Cresceu, tornou-se um homem feito, casou, teve filhos, mas não desistiu dessa idéia estapafúrdia de ter um olho na mão (parece até coisa de Franz Kafka). Disse que do jeito que vai, a forma como a medicina está avançada, não demora muito e o sonho dele vira realidade: ele ainda há de ter um olho na mão e todo mundo também vai querer. Mas enfim, como já dizia um velho ditado: de médico, de poeta e de louco todo mundo tem um pouco. Então, que ele continue com as suas maluquices!