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Revista do Instituto Humanitas Unisinos
Nº 407- Ano XII - 05/11/2012 - ISSN 1981-8769

Religiões e
religiosidades,
hoje.
Significados e
especificidades

Ricardo Cairo Mohamad Solange Ramos


Mariano: Ibrahim Katrib: de Andrade:
Religião e política. A As religiosidades Vitalidade e criatividade:
instrumentalização expressam a dinamicidade as marcas da religiosidade
recíproca cultural brasileira do povo brasileiro
E MAIS

Tzvetan Todorov: Roger Haight: Cesar Sanson:


Os inimigos da Deus não intervém no O Brasil que sai das urnas:
democracia e o Universo, mas sustenta Balanço das eleições
perigo das exigências o sistema, que tem vida municipais 2012
hipertrofiadas própria
Religiões e religiosidades, hoje.
Editorial

Significados e especificidades

N
esta semana realiza-se, na O teólogo e professor na Univer- Completam este número mais
Unisinos, de 7 a 9 de no- sidade Federal de Juiz de Fora, Fausti- duas entrevistas e dois artigos.
vembro de 2012, a quarta no Teixeira, reflete sobre o sufismo e a O teólogo jesuíta Roger Haight
edição dos Encontros Na- mística do Islã. discute a necessidade de um novo
cionais do GT História das Religiões e A professora Mara Regina do Nas- Concílio. Por sua vez, o filósofo e lin-
Religiosidades (GTHRR-ANPUH), com cimento, também da Universidade Fe- guista búlgaro Tzvetan Todorov apon-
o tema Memória e Narrativas nas Reli- deral de Uberlândia, aborda as formas ta que messianismo, neoliberalismo
giões e Religiosidades. de viver e as práticas rituais do morrer e populismo, engendrados dentro da
Por ocasião do evento, a revista em diferentes religiões e épocas. própria democracia, são três dos peri-
IHU On-Line desta semana, debate os O sociólogo e professor na PU- gos à sua espreita.
rumos que as religiões e as religiosida- CRS, Ricardo Mariano, descreve a ins- O artigo de Cesar Sanson, pro-
des vêm assumindo no Brasil e do ex- trumentalização recíproca entre reli- fessor de Sociologia da Universi-
terior. A compreensão dos elementos gião e política. dade Federal do Rio Grande do
religiosos, de suas práticas, dos obje- O professor da PUC-SP, Pedro Norte, sintetizando a análise de con-
tos e objetivos das crenças e devoções Lima Vasconcellos, destaca que os juntura publicada pelo sítio do Insti-
notabilizam-se como vetores para a modos de conceber a vida e de fazê-la tuto Humanitas Unisinos – IHU, ana-
própria prática cidadã, ao valorizar ex- acontecer no cotidiano não coincidem lisa o resultado das recentes eleições
pressões diversas em suas especifici- automaticamente com aquilo que brasileiras.
dades e significados para os fiéis. querem determinar para ela as insti- Adilson Cabral, professor do De-
Participam do debate, pesqui- tuições políticas, sociais e religiosas. partamento de Comunicação Social
sadores e pesquisadoras que estarão O historiador e professor da Uni- e do Programa de Pós-graduação em
nesta semana, aqui no nosso meio. versidade Federal Fluminense, Ronal- Mídia e Cotidiano da Universidade
O professor da USP, Adone Agno- do Vainfas, constata que “o fator reli- Federal Fluminense, propõe levar
lin, analisa os resquícios do encontro ca- gião parece cada vez mais vivo”. adiante o debate do conceito de mul-
tequético e ritual nos séculos XVI a XVII. O antropólogo e professor da tiplicidade da oferta, trabalhado por
O professor e pesquisador da Uni- Universidad de Buenos Aires, Pablo Valério Brittos por tantos anos em
versidade Federal de Uberlândia, Cai- Wright, afirma que as instituições seus textos.
ro Mohamad Ibrahim Katrib, constata históricas religiosas são herdeiras
que as religiosidades são uma expres- da modernidade predominante no A todas e a todos uma ótima se-
são da dinamicidade cultural brasileira. Ocidente. mana e uma excelente leitura!
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REDAÇÃO Colaboração: César Sanson,
Unisinos André Langer e Darli Sampaio,
Diretor de redação: Inácio
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São Leopoldo/RS. ISSN 1981-8769. (grazielaw@unisinos.br). Projeto gráfico: Agência
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Schneider (jacintos@unisinos.br). (icorrea@unisinos.br). Wagner Altes e Mariana Staudt

2
Tema de Capa
Índice
LEIA NESTA EDIÇÃO
TEMA DE CAPA | Entrevistas
5 Ricardo Mariano: Religião e política. A instrumentalização recíproca
10 Solange Ramos de Andrade: Vitalidade e criatividade: as marcas da religiosidade do
povo brasileiro
13 Pedro Lima Vasconcellos: Os fundamentalismos são filhos da modernidade?
16 Pablo Wright: O sagrado como uma dimensão vital da experiência humana
19 Cairo Mohamad Ibrahim Katrib: As religiosidades expressam a dinamicidade cultural
brasileira
22 Ronaldo Vainfas: “O fator religião parece cada vez mais vivo”
24 Mara Regina do Nascimento: “A religiosidade brasileira se faz pela festa”
26 Faustino Teixeira: Por toda parte, o segredo de Deus
29 Adone Agnolin: Os resquícios do encontro catequético e ritual nos séculos XVI a XVII
35 Rodrigo Coppe Caldeira: “Não há retorno daquele que nunca foi”

DESTAQUES DA SEMANA
40 ENTREVISTAS DA SEMANA: Roger Haight: Deus não intervém no Universo, mas
sustenta o sistema, que tem vida própria
45 ENTREVISTAS DA SEMANA: Tzvetan Todorov: Os inimigos da democracia e o perigo
das exigências hipertrofiadas
48 ARTIGO DA SEMANA: Cesar Sanson: O Brasil que sai das urnas: Balanço das eleições
municipais 2012
52 COLUNA DO CEPOS: Adilson Cabral: Levar adiante o debate conceitual
54 DESTAQUES ON-LINE

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56 AGENDA DA SEMANA
58 IHU Repórter: Luiz Antônio Farias Duarte

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3
Tema
de
Capa

Destaques
da Semana
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IHU em
Revista
4 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000
Tema de Capa
Religião e política. A
instrumentalização recíproca
Para Ricardo Mariano, num contexto onde vigoram liberdade religiosa, pluralismo
religioso, acirrada competição inter-religiosa e onde o mercado não é regulado pelo
Estado, o trânsito religioso tende a se intensificar

Por Graziela Wolfart

S
obre as relações entre religião e política Nacional e nos legislativos municipais e es-
no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano taduais a presença e o ativismo político dos
pontua que, de um lado, “observa-se pentecostais vêm ganhando terreno a passos
uma crescente ocupação religiosa da esfera largos. Trata-se de um ativismo político reche-
pública. Isto é, apóstolos, bispos, missionários ado de moralismo e corporativismo e, desde a
e pastores pentecostais, a cada pleito, tentam Constituinte, marcado por escândalos. Pesqui-
transformar seus rebanhos religiosos em cur- sa da ONG Transparência Brasil revela que 95%
rais eleitorais, seja para eleger seus próprios dos membros da bancada evangélica estão
representantes religiosos ao Legislativo, seja entre os mais faltosos do Congresso Nacional
para, em troca de promessas e benesses di- e, em sua maioria, são objeto de processos ju-
versas, apoiar eleitoralmente candidatos se- diciais, enquanto, segundo o DIAP, 87% deles
culares a cargos majoritários. De outro, ve- constam entre os ‘mais inexpressivos’”.
rifica-se que candidatos, políticos e partidos Ricardo Mariano é graduado em Ciências
de Norte a Sul do país, independentemente Sociais pela Universidade de São Paulo, onde
de suas orientações ideológicas, cada vez também realizou o mestrado e doutorado em
mais tentam instrumentalizar a religião para Sociologia. Hoje, é professor na PUCRS. Entre
fins político-partidários e eleitorais. Trata-se, suas obras, citamos Neopentecostais: Socio-
portanto, de uma instrumentalização mú- logia do novo pentecostalismo no Brasil (São
tua”. Em entrevista concedida por e-mail à Paulo: Edições Loyola, 2005).
IHU On-Line, ele destaca que “no Congresso Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor tários. De outro, verifica-se que can- res (assim como muitos pentecostais)
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analisa as relações entre religião e didatos, políticos e partidos de Norte atacaram a candidata petista à presi-
política no Brasil? a Sul do país, independentemente de dência, opuseram-se ao III Programa
Ricardo Mariano – De um lado, suas orientações ideológicas, cada vez Nacional de Direitos Humanos, espe-
observa-se uma crescente ocupa- mais tentam instrumentalizar a reli- cialmente às propostas de descrimi-
ção religiosa da esfera pública. Isto gião para fins político-partidários e nalização do aborto e de retirada de
é, apóstolos, bispos, missionários e eleitorais. Trata-se, portanto, de uma crucifixos de edifícios da União.
pastores pentecostais, a cada pleito, instrumentalização mútua. Dirigentes
A criminalização da homofobia
tentam transformar seus rebanhos e leigos católicos também participam
Em 2010, os evangélicos ata-
religiosos em currais eleitorais, seja da vida política, geralmente através
caram, sobretudo, o Projeto de Lei
para eleger seus próprios represen- do lobby da Conferência Nacional dos
122/20061, proposto por uma par-
tantes religiosos ao Legislativo, seja Bispos do Brasil - CNBB, mas não só.
para, em troca de promessas e benes- Muitos deles, por exemplo, atuaram
ses diversas, apoiar eleitoralmente intensamente na eleição presidencial 1 O Projeto de lei da Câmara 122 de
2006, denominado no Senado como PLC
candidatos seculares a cargos majori- em 2010. Bispos e leigos conservado- 122/2006 e popularmente conhecido

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 5


lamentar petista, visando criminali-
“Dirigentes e poder Legislativo, nem tanto, já que
Tema de Capa
zar a homofobia. Por isso o referido Assembleia de Deus, Igreja Universal
projeto de lei é percebido por mui-
tos desses religiosos como um aten- leigos católicos e Quadrangular, entre outras, têm
conseguido eleger crescente número
tado à liberdade religiosa e de ex-
pressão. Defendem ferrenhamente também de vereadores, deputados estaduais e
federais. Para o Executivo, porém, sua
seu direito de prosseguir, animados,
pregando um discurso homofóbico participam da influência é bem menor, muito me-
nos decisiva. Isso ocorre não somente
que vê a homossexualidade como
patológica, pecaminosa, diabólica e vida política, porque os evangélicos pentecostais
compõem uma minoria da população.
uma perversão da natureza huma-
na. Fundamentados em preconceitos geralmente Deve-se também ao fato de que esse
movimento religioso é fragmentado,
moralistas de extração bíblica e aber-
tamente dispostos a discriminar mi- através do lobby diversificado, recortado por um sem-
-número de denominações concor-
norias sexuais, muitos líderes pente-
costais, versados em interpretações da CNBB” rentes. Concorrência denominacional
que, por diversas razões, se repro-
fundamentalistas dos evangelhos, se duz nas alianças e nos apoios eleito-
opõem abertamente ao espírito dos rais. Basta observar que, na eleição
direitos humanos, dos direitos de ci- da igreja, à revelia da lei, estavam à prefeitura paulistana de 2012, três
dadania e dos valores da democracia. atuando como cabos eleitorais e al- diferentes igrejas identificadas como
A recente polêmica envolvendo o fa- guns templos, funcionando como co- Assembleia de Deus (duas de con-
migerado “kit gay”, usado como arma mitês de campanha de Russomanno. venções concorrentes, outra de um
eleitoral contra o candidato petista Ex-apresentador da Rede Record e ministério independente) apoiaram
a prefeito de São Paulo, foi apenas candidato pelo PRB, partido criado e três candidatos distintos a prefeito.
a mais nova dessas manifestações comandado pela Igreja Universal, ele Divisionismo religioso e político. No
homofóbicas. não teve como desvencilhar-se dos momento, os evangélicos podem vir
ataques católicos, sobretudo quando a decidir uma eleição majoritária tão
O caso Russomanno veio a público as acusações (deliran- somente no caso de haver um candi-
Na campanha para prefeito de tes) feitas um ano antes pelo presi- dato evangélico no segundo turno ca-
São Paulo deste ano, além da roma- dente do PRB, bispo Marcos Perei- paz de mobilizar seu voto (Garotinho
ria de candidatos às missas de Padre ra, de que a Igreja Católica era uma recebeu 51% do voto evangélico no
Marcelo Rossi2 e de Aparecida, o das responsáveis pela promoção do primeiro turno de 2002, mas apenas
cardeal-arcebispo, dom Odilo Sche- chamado “kit gay”, isto é, o kit anti- 6% do dos católicos, clivagem religio-
rer, entrou de sola na disputa, ao -homofobia formulado (mas cujo lan- sa radical que o impediu de passar
divulgar comunicado, lido em mis- çamento foi abortado por pressão de para o segundo turno) ou no caso de
sas pela capital, desancando (sem evangélicos) pelo Ministério da Edu- um dos candidatos em disputa no se-
citá-la nominalmente) a candidatu- cação sob a direção de Fernando Ha- gundo turno for objeto de um amplo
ra de Celso Russomanno. Apesar de ddad, então candidato a prefeito do boicote ou rejeição eleitoral de sua
afirmar-se um “católico fervoroso”, município de São Paulo pelo PT. Os parte, por algum sério motivo religio-
Russomanno foi alvo do tiroteio en- ataques católicos chamaram a aten- so ou moral. No Congresso Nacional e
tre dirigentes da Igreja Universal e da ção para o fato (desconhecido por nos legislativos municipais e estadu-
Igreja Católica. Matérias de imprensa grande parte de seus eleitores, em ais, a presença e o ativismo político
mostraram que pastores e obreiros boa medida pouco escolarizada) de dos pentecostais vêm ganhando ter-
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que Russomanno era candidato de reno a passos largos. Trata-se de um


um conglomerado religioso, midiáti- ativismo político recheado de moralis-
como PL 122, é um projeto de lei bra-
sileiro apresentado pela então deputada co e partidário pertencente à Igreja mo e corporativismo e, desde a Cons-
Iara Bernardi (PT - SP). O projeto de lei Universal, denominação neopente- tituinte, marcado por escândalos.
tem por objetivo criminalizar a homofo-
bia no país e encontra-se na Comissão de costal pouco prestigiada, associada Pesquisa da ONG Transparência Brasil
Direitos Humanos do Senado Federal do a escândalos diversos e, há décadas, revela que 95% dos membros da ban-
Brasil. É considerado por importantes ju- promotora de estratégias de arreca-
ristas, entre eles dois ministros do Supre- cada evangélica estão entre os mais
mo Tribunal Federal (STF), como consti- dação heterodoxas. faltosos do Congresso Nacional e, em
tucional. (Nota da IHU On-Line)
2 Marcelo Mendonça Rossi (1967): sacer- sua maioria, são objeto de processos
dote católico, cantor, ator e ex–professor Limites e dificuldades da ins- judiciais, enquanto, segundo o DIAP,
de educação física brasileiro, conhecido trumentalização religiosa para 87% deles constam entre os “mais
por sua atuação na divulgação da fé ca-
tólica através dos meios de comunicação
fins eleitorais inexpressivos”.
social. O Padre Rossi ficou nacionalmente A instrumentalização religiosa
conhecido pela forma de adoração prati-
cada pela Renovação Carismática Católi- para fins eleitorais apresenta limites IHU On-Line – Quais os princi-
ca. (Nota da IHU On-Line) e dificuldades consideráveis. Para o pais desafios para a sociologia da

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religião, considerando o chamado
“A corrente fiéis ou adeptos praticam sua religião

Tema de Capa
“trânsito religioso” e a forma de viver e vivenciam efetivamente sua religio-
a religiosidade e a fé na sociedade
contemporânea, marcada pelo indi- neopentecostal sidade. Mas isso, defendo, deve ser
acompanhado da pesquisa do que fa-
vidualismo e pela autonomia?
Ricardo Mariano – Num contex- exerceu papel zem e propõem as instituições e suas
lideranças religiosas, e não somente
to onde vigoram liberdade religiosa,
pluralismo religioso, acirrada compe- crucial na para observar o descompasso entre
as crenças e práticas dos adeptos e as
tição inter-religiosa e onde o mercado
não é regulado pelo Estado, o trânsito transformação do orientações de seus líderes. Mesmo
que reduzido o poder pastoral, não
religioso tende a intensificar-se. Pois
nesse contexto os indivíduos detêm pentecostalismo se pode descurar da importância so-
ciológica das instituições religiosas na
enorme liberdade para fazer suas es-
colhas religiosas. De modo que, quan- nacional nas conformação do discurso, das cren-
ças e práticas de seus adeptos, bem
do insatisfeitos, podem rompê-las,
trocá-las, minimizá-las e largá-las. últimas três como em certos de seus padrões de
comportamento. E é preciso que a so-
Decerto, seus laços familiares e de
sociabilidade, incluindo os religiosos, décadas” ciologia da religião dialogue mais com
outras sociologias e com outras ciên-
pesam em suas opções religiosas. O cias sociais para ampliar seu alcance e
próprio esgarçamento do tecido fa- aperfeiçoar sua análise.
miliar tende a reduzir, pouco a pouco, ral, do individualismo e da crescente
a importância da família na definição procura por autonomia individual IHU On-Line – Considerando a
das opções religiosas dos indivíduos. em relação aos poderes constituídos, trajetória histórica do movimento
Tais opções, assim, tendem a depen- incluindo os religiosos, debilita-se, pentecostal no Brasil, o que marca a
der e apoiar-se mais e mais na sub- sobretudo, a capacidade do clero de religiosidade pentecostal atualmen-
jetividade dos agentes, que, além de impor a seu séquito condutas morais te? Em que sentido ela mais mudou
mediada por seus laços sociais e reli- rigorosas, sectárias e indesejadas ou em comparação a 50 anos atrás, por
giosos, é informada por uma série de na contramaré das transformações exemplo? Qual a novidade que a
outras fontes, como a literatura reli- culturais e comportamentais em voga corrente neopentecostal introjetou
giosa (incluindo as de matriz cristã, na sociedade abrangente. Estão sob na vivência religiosa brasileira?
espírita, autoajuda, esotérica, nova pressão crescente, portanto, os gru- Ricardo Mariano – A corrente
era etc.), a internet e suas redes so- pos religiosos que pretendem, por neopentecostal exerceu papel crucial
ciais, a música e as bandas religiosas exemplo, moralizar a conduta indivi- na transformação do pentecostalis-
(entre elas a gospel), as mais diversas dual e controlar rigidamente a sexua- mo nacional nas últimas três déca-
publicações semanais, sobretudo as lidade de seus adeptos segundo dita- das. Implantou e disseminou a Teo-
revistas destinadas a públicos femini- mes bíblicos morais ascéticos. logia da Prosperidade, abandonou e
nos, os cursos e palestras de gurus, as desprezou antigos usos e costumes
feiras místicas etc. O anacronismo da moralidade de santidade, reduziu, por princípio
sexual nas igrejas e estratégia, o ascetismo e o secta-
A privatização da religião Tais proposições tendem a dila- rismo, adotou crenças da teologia
Avança a privatização da religião. tar as defecções, a indiferença religio- do domínio, enfatizou a guerra es-
Com isso não se quer dizer que a re- sa e a hipocrisia. Pesquisa realizada piritual contra o diabo, hipertrofiou
ligião se circunscreva cada vez mais pelo Bureau de Pesquisa e Estatística e sistematizou a oferta de soluções www.ihu.unisinos.br
à vida privada (decididamente não é Cristã – BEPEC revela que 26,2% de mágico-religiosas nos cultos e na mí-
isso que está ocorrendo), mas, sim, homens e mulheres evangélicos casa- dia, forjou gestão denominacional
que se têm multiplicado as bricola- dos concordou totalmente com a afir- em moldes empresariais, investiu
gens, as experimentações idiossin- mação de que “o comportamento da pesado no tele-evangelismo, na mú-
cráticas e privatizantes da religião. igreja evangélica em relação ao sexo sica gospel e na aquisição e arren-
Aumenta também o contingente de é muito hipócrita” (Cristianismo Hoje, damento de emissoras assim como
pessoas que mantêm a identidade jun./jul. 2011). Afirmação que indica na formação de redes de rádio e TV,
religiosa e a crença, mas preferem descontentamento com o anacronis- encarou a pluralização religiosa e
fazê-lo fora de instituições. Isso é algo mo da moralidade sexual pregada pe- sociocultural como um desafio evan-
que pode estar ocorrendo com parte las igrejas evangélicas, mas também gelístico e de mercado e, tal como
dos 9,2 milhões de evangélicos identi- reivindicação de autonomia individual a Assembleia de Deus, ingressou na
ficados pelo Censo como evangélicos em relação a essa moral bíblica e às política partidária na Constituinte.
não determinados, isto é, como não autoridades religiosas que a difun- No caso da Igreja Universal, além de
filiados a igrejas. Em razão do contex- dem. Cabe à sociologia da religião eleger bancadas parlamentares, fun-
to de liberdade, de pluralidade cultu- investigar mais atentamente como os dou um partido político, o PRB. Toda

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 7


essa transformação não ocorreu só
“As fronteiras para a prédica religiosa, em especial
Tema de Capa
em razão da deliberada disposição para o pentecostalismo. No conjun-
das novas lideranças pentecostais
de promover, por razões diversas, tal religiosas to, as igrejas pentecostais continuam
crescendo vigorosamente mediante,
acomodação às mudanças em curso
na sociedade, mas também das pres- mostram- entre outros recursos e estratégias,
o proselitismo pessoal (efetuado por
sões da concorrência religiosa e, so-
bretudo, dos constrangimentos im- se menos leigos e, em especial, pelas mulheres)
e midiático e a oferta sistemática de
postos pelas demandas por mudança
por parte de seus adeptos, clientes e nítidas do que serviços mágico-religiosos (e terapêu-
ticos) para a solução de problemas
diferentes públicos-alvo.
frequentemente pontuais e imediatistas de saúde,
psicológicos, afetivos, familiares, fi-
Acomodar o pentecostalismo à
sociedade brasileira se espera” nanceiros etc. Com suas promessas
mágicas e taumatúrgicas, aproveitam,
A vertente neopentecostal li- sobretudo, a vulnerabilidade social
derou, portanto, diversas mudanças de parcela considerável da população
e inovações teológicas, estéticas, deles acreditavam totalmente em brasileira, a tradição mágica do catoli-
litúrgicas e comportamentais no reencarnação (doutrina de origem cismo popular, o baixo número de pa-
pentecostalismo. Não obstante seu hindu disseminada pelo kardecismo dres católicos, o elevado contingente
sectarismo no plano religioso, cujo no Brasil). Não obstante tamanha de católicos nominais.
destaque recai sobre sua demoniza- transformação, esses religiosos man-
ção dos cultos afro-brasileiros, ela tiveram importantes traços ascéticos Brasil: um país laico?
contribuiu fortemente para acomo- e sectários, como a rejeição ao con- Nas comparações internacio-
dar o pentecostalismo à sociedade sumo de álcool, do fumo e das dro- nais, o Brasil aparece sempre entre os
brasileira. Colaborou, por exemplo, gas, ao sexo fora do casamento, ao países mais religiosos em termos de
para abrir espaço ao surgimento e in- homossexualismo e ao ecumenismo. crença e de prática religiosas. Cons-
corporação de artistas, modelos, sur- titucionalmente, o país é laico, não
fistas, jogadores de futebol, políticos, IHU On-Line – No contexto atual, obstante o ensino religioso facultativo
rappers, roqueiros, atletas de Cristo, marcado pela secularização, o se- em escolas públicas, a recente concor-
bandas gospel e até para a formação nhor percebe um arrefecimento ou data católica, a referência a Deus no
de blocos evangélicos carnavales- um reavivamento da religiosidade preâmbulo da Constituição. No plano
cos: a folia de Cristo. Desde então, entre as pessoas? político, contudo, a laicidade tem sido
tornou-se possível ser pentecostal e Ricardo Mariano – No Brasil, os pressionada pela instrumentalização
modelo; ser pentecostal e roqueiro, católicos decresceram, os pentecos- recíproca entre religião e política.
etc. Tal conjunção identitária, que tais cresceram aceleradamente entre Pois, à medida que correm atrás de
até há pouco era inadmissível e radi- os mais pobres nas regiões urbanas apoio, voto e legitimação providos
calmente incompatível com sua mo- (sobretudo nas periferias violentas e por líderes e rebanhos religiosos, nos-
ralidade, com seus usos e costumes desassistidas pelos poderes públicos) sos políticos, partidos e governantes
e com seu ascetismo, tornou-se re- e de fronteira agrícola, os sem reli- contribuem para reduzir a autono-
pentinamente aceitável. Sinal de que gião, grupo que mais cresceu entre mia da política em relação aos pode-
essa religião, ao se transformar, vai 1980 e 2000, continuaram se expan- res eclesiásticos e a seus rompantes
paulatinamente deixando de ser um dindo embora num ritmo menor, os moralistas, integristas e fundamen-
retrato negativo da cultura brasileira. espíritas avançaram entre os estratos talistas. Muitas vezes isso ocorre por
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Demonstração de que suas fronteiras sociais de maior renda e escolaridade, pura covardia ou por temor eleitoral
identitárias, tanto no plano moral os umbandistas, depois de perderem diante dos lobbies religiosos e de seus
como no comportamental, tornaram- mais de 144 mil adeptos entre 1980 representantes parlamentares. Com
-se mais diluídas, porosas, flexíveis e e 2000, estagnaram na última década, isso políticos seculares pressionados
mais difíceis de distinguir. A ponto as Testemunhas de Jeová (intensa- por grupos e parlamentares religio-
de terem surgido até os traficantes mente proselitistas) e as outras religi- sos tendem a impedir que questões
evangélicos, repletos de tatuagens ões continuaram crescendo. De todo públicas fundamentais sejam trata-
(verdadeiros amuletos protetores) modo, excluindo católicos (64,6%), das e debatidas a partir de visões de
contendo versículos bíblicos. Mesmo evangélicos (22,2%) e sem religião mundo, expertises e conhecimentos
as fronteiras religiosas mostram-se (8%), todas as outras somavam ape- seculares radicados na ciência, na me-
menos nítidas do que frequentemen- nas 5% da população brasileira em dicina, na saúde pública, nos direitos
te se espera. Pesquisa do Datafolha, 2010. A despeito do avanço dos sem humanos e daí por diante. Impedem,
realizada em maio de 2007, mostrou religião, o Brasil retratado pelo úl- portanto, a secularização do encami-
que 8% dos pentecostais tinham um timo Censo Demográfico continua nhamento e tratamento de uma série
santo (católico) de devoção e 15% mostrando-se solo dos mais férteis de problemas.

8 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


IHU On-Line – Quais as novida-
“O Brasil retratado sem filiação religiosa. Desde a Primei-

Tema de Capa
des nas pesquisas sobre a concordata ra Guerra, cada geração tem se reve-
católica, a Lei Geral das Religiões e as
teorias sociológicas da secularização pelo último Censo lado sempre menos religiosa do que
a anterior. Tal forma de secularização
e da laicidade do Estado? Como es-
sas pesquisas nos ajudam a compre- Demográfico tende a se estender pelas próximas
gerações, à medida que a socialização
ender o cenário religioso brasileiro
contemporâneo? continua religiosa intrafamiliar mostra-se cada
vez mais débil. Mais ainda que os filia-
Ricardo Mariano – Não é possí-
vel resumi-los e nem fazer jus aos tra- mostrando-se solo dos a grupos religiosos, os não filiados
criticam fortemente as igrejas e orga-
balhos que estão sendo realizados nos
últimos anos sobre tais temas. O site dos mais férteis nizações religiosas por estarem preo-
cupadas demais com dinheiro e poder
do Observatório da Laicidade do Es-
tado (OLÉ – http://www.nepp-dh.ufrj. para a prédica e envolvidas demais na política. O
envolvimento da Direita Cristã na po-
br/ole/) pode dar uma boa dimensão
da variedade de pesquisas e temáti- religiosa” lítica, além de criticado por religiosos
e por não filiados à religião alguma,
cas que estão sendo desenvolvidas resultou na formação de diversos mo-
em diferentes áreas do conhecimento vimentos e coalizões seculares, que
(sociologia, antropologia, educação, midiático desses religiosos no Brasil. constituíram lobbies diversos para
história, direito, assistência social, psi- Mas já se podem ver indícios – como atuar sobre os poderes públicos. Re-
cologia, entre outras) envolvendo a ocorreu na exploração eleitoral do ações laicas no Brasil não tardam por
questão da laicidade. Este tema vem “kit gay” para tentar desmoralizar e esperar, embora seja de todo impro-
se tornando mais e mais relevante à prejudicar uma candidatura a prefeito vável que ocorram nos moldes organi-
medida que se acelera a ocupação em São Paulo nesta eleição – de rea- zados, sistemáticos e pragmáticos dos
religiosa da mídia eletrônica, da polí- ções seculares e religiosas adversas à movimentos seculares dos Estados
tica partidária e das campanhas elei- mistura entre religião e política. No Unidos, especialmente da encabeça-
torais. Ocupação esta que deriva, em caso norte-americano, mais de três da pela Secular Coalition for America.
boa medida, do recrudescimento da décadas consecutivas de ativismo da
competição entre pentecostais e ca- Direita Cristã não deram em bons re-
sultados no campo político, já que a
tólicos pela hegemonia religiosa no
país. Tal competição intrarreligiosa militância desses religiosos não con- Leia mais...
desdobrou-se para a esfera pública seguiu alterar nada de fundamental
em prol de suas causas moralistas >> Ricardo Mariano já concedeu
nas últimas três décadas. O investi-
mento maciço de pentecostais e cató- nos planos jurídico e político nos Es- outras entrevistas à IHU On-Line:
licos na compra de emissoras e na for- tados Unidos. Mais que isso: recente
• “O dinheiro é o sangue da igreja”,
mação de redes de tevê exemplifica pesquisa realizada pelo Pew Research
Center revela que cresceu muito e ra- publicada nas Notícias do Dia do
emblematicamente isso. Pela mesma
razão, proliferaram os megatemplos e pidamente o contingente dos norte- sítio do IHU, de 01-09-2009, dispo-
os megaeventos religiosos, efeitos de -americanos sem filiação religiosa.
Já são 19,6% dos norte-americanos nível em http://migre.me/EOsk;
uma corrida desenfreada pela ocupa-
ção religiosa do espaço público. (incluídos os 13 milhões ou 6% de • O pentecostalismo no Brasil, cem
ateus e agnósticos) sem filiação reli-
anos depois. Uma religião dos po-
O ativismo político e midiático giosa. E os jovens são, disparado, os
de religiosos no Brasil
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menos filiados a grupos religiosos. bres. Publicada na edição número
Ainda é cedo para sabermos as Nada menos do que um terço (32%) 329, de 17-05-2010, disponível em
consequências, no médio e longo pra- dos norte-americanos abaixo de 30
anos são nones ou unaffiliated, isto é, http://bit.ly/PLUkD8.
zo, do crescente ativismo político e

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EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 9
Tema de Capa
Vitalidade e criatividade: as marcas
da religiosidade do povo brasileiro
“É claro que igrejas, templos, mesquitas, sinagogas e outras organizações religiosas
continuam a desempenhar um papel importante na sociedade atual”, argumenta
Solange Ramos de Andrade, “mas grande parte da vida religiosa ocorre fora desses
ambientes institucionais”

Por Graziela Wolfart

N
a visão da professora Solange Ramos para entendermos a sua constituição, institui-
de Andrade, o cenário religioso brasi- ção e manutenção em nossa sociedade”. Solan-
leiro está marcado atualmente por um ge acredita que condiz com nosso tempo toda
significativo pluralismo religioso e pela crise manifestação religiosa que responda às neces-
dos modelos institucionais das denominações sidades sentidas pelas pessoas que buscam
religiosas tradicionais. Em entrevista concedida respostas num nível transcendente e transhu-
por e-mail para a IHU On-Line, ela afirma que mano. “O conceito de eficácia religiosa é mui-
pensa a religião a partir de uma perspectiva his- to importante, porque se um discurso religio-
tórica, enquanto um sistema de crenças, rituais so não é eficiente, ‘não funciona’, ele perderá
e hierarquias institucionais, que se configuram sua razão de ser, que é a de oferecer respostas
num conjunto de estratégias cognitivas rela- para questões ao mesmo tempo fundamen-
tivas à significação da vida e da morte e seus tais e imediatas, como é o momento em que
modos cognitivos se manifestam em elabora- vivemos”.
ção doutrinal expressa em discursos escritos Solange Ramos de Andrade possui graduação,
ou lidos. “E penso a religiosidade enquanto mestrado e doutorado em História pela Univer-
manifestação de vitalidade imaginária que ao sidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Fi-
não necessitar de uma reflexão intelectual, lho. Atualmente é professora no Programa de
soma ao seu senso comum crenças religiosas e Pós-graduação em História da Universidade Es-
expressões rituais próprias e espontâneas, que tadual de Maringá (PPH-UEM), onde coordena
mantém vivas suas convicções e esperanças ou o Curso de Especialização em História das Reli-
sua saúde mental e corporal, cujos modos cog- giões (DHI/UEM). É também coordenadora do
nitivos se constituem, fundamentalmente, em GT Nacional da ANPUH – História das Religiões
imagens e movimentos rituais. Analisar como e das Religiosidades e é editora da Revista Bra-
essas crenças relacionam seus discursos/nar- sileira de História das Religiões.
rativas com suas práticas é condição essencial Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Como a senhora cionais das denominações religiosas em uma determinada igreja, vai pular
percebe/define o cenário religioso tradicionais. ondas no Ano Novo, em homenagem
brasileiro atual? O que marca a reli- O pluralismo religioso significa a à Iemanjá, assiste outros cultos pela
giosidade do povo brasileiro hoje, de coexistência de diferentes formas de TV e pela internet e ainda vai a um
forma geral? expressão religiosa no mesmo espaço encontro ecumênico promovido por
Solange Ramos de Andrade – social e é visível quando observamos outras instituições religiosas e nem
Acredito que, atualmente, vivemos que existe uma maior mobilidade en- por isso sente-se constrangido em vi-
dois momentos no cenário religioso tre as manifestações religiosas e mul- venciar essas práticas publicamente.
brasileiro e que acompanham o que tiplicam crenças subjetivadas que as A religiosidade do brasileiro está
tem acontecido em outros países: o instituições religiosas não têm mais caracterizada por uma composição de
primeiro momento está marcado por como controlar, pois paulatinamente crenças em função de seus interesses,
um significativo pluralismo religioso perderam o poder de controlar o espa- de sua inspiração, de sua disposição
e, no segundo momento, presencia- ço público onde proliferam. Por exem- e de suas experiências, parafrasean-
mos uma crise dos modelos institu- plo, o crente que frequenta um culto

10 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


do Hervieu-Lèger1. Este atual cenário não desapareceram com o advento da do campo religioso brasileiro e das

Tema de Capa
religioso brasileiro pode ser pensado modernidade, como foi tão propala- modificações em relação a como os
a partir do último Censo (2010)2, que do no século XX. Quais as respostas indivíduos vivem sua fé?
apresentou o expressivo crescimento que as religiões e religiosidades nos Solange Ramos de Andra-
da diversidade dos grupos religiosos dão para que sigam influenciando e de – Como afirma Peter Berger3, as
no Brasil. Ainda somos um país ma- sendo influenciadas pela sociedade? condições atuais representadas por
joritariamente católico, mas outras Como essas manifestações realizam migrações ou viagens em grupos, a
denominações cristãs, em relação ao adequações e recomposições para se urbanização, a alfabetização e, prin-
Censo de 2000, tem se consolidado, tornarem historicamente viáveis? Em cipalmente a tecnologia das comu-
como é o caso da Assembleia de Deus. segundo lugar, ao lado dessa vitalidade nicações geraram uma situação em
Também temos de considerar os que religiosa somos constantemente bom- que distintas tradições religiosas se
se autodenominam sem religião, um bardeados com informações de confli- percebem muito próximas e com in-
percentual que tem aumentado nos tos étnico-religiosos em vários locais formações muito mais precisas acerca
últimos anos, mais uma vez eviden- do planeta. Conhecer como funcionam dos modos de agir de cada uma, leva
ciando um processo de autonomia determinados sistemas religiosos e co- a uma disputa mais acirrada pelo pre-
do individuo no que diz respeito à nhecer seu viés pacífico e tolerante é domínio no campo religioso. Como o
sua adesão ou não a determinada condição fundamental para que consi- Estado é laico e não temos mais uma
religião. Ressalto que a religiosidade gamos ultrapassar essas formas de in- religião sustentada por ele, os agentes
vivida pelo brasileiro é caracterizada tolerâncias. Finalmente, penso que as religiosos devem utilizar o que Berger
por grande vitalidade e criatividade. É religiões e religiosidades fazem parte denomina de persuasão, ou seja, des-
claro que igrejas, templos, mesquitas, de nosso patrimônio material e imate- de o Vaticano II4, por exemplo, a Igreja
sinagogas e outras organizações reli- rial e a sua preservação implica na ma- católica tem realizado estudos sobre
giosas continuam a desempenhar um nutenção de nossa memória enquanto os modos de ser católico no Brasil. A
papel importante na sociedade atual, produtores e consumidores de cultura. necessidade de conhecer a realidade
mas grande parte da vida religiosa na qual se inserem faz parte de uma
ocorre fora desses ambientes institu- IHU On-Line – O que os discur- estratégia que visa uma adesão maior
cionais. Também destaco o processo sos/narrativas das práticas religio- do brasileiro ao catolicismo. Uma das
de adesão religiosa que hoje está re- sas podem ensinar sobre a mística estratégias que presenciamos hoje
lacionado a uma opção individual e já e a doutrina de uma determinada em dia é incentivar a participação dos
há algum tempo encontramos famí- religião? jovens e que podemos destacar, no
lias nas quais cada membro pertence Solange Ramos de Andrade – Em plano internacional, as Jornadas Mun-
a denominações religiosas diferentes primeiro lugar, penso a religião a partir diais da Juventude, incentivadas pelo
e até mesmo divergentes entre si. de uma perspectiva histórica, enquan- papa João Paulo II e, no nível local,
to um sistema de crenças, rituais e o crescimento significativo dos qua-
IHU On-Line – Qual a importân- hierarquias institucionais, que se con-
cia de resgatar a história religiosa e figuram num conjunto de estratégias 3 Peter Ludwig Berger (1929): sociólo-
das religiões para a compreensão do cognitivas relativas à significação da go e teólogo luterano austro-americano,
fenômeno religioso contemporâneo? vida e da morte e seus modos cogniti- conhecido por sua obra “A Construção
Social da Realidade” publicada em co-
Solange Ramos de Andrade – Em vos se manifestam em elaboração dou- -autoria com Thomas Luckmann. (Nota
primeiro lugar acredito que, neste mo- trinal expressa em discursos escritos ou da IHU On-Line)
mento histórico, precisamos entender lidos. E penso a religiosidade enquanto 4 Concílio Vaticano II: convocado no dia
11-11-1962 pelo Papa João XXIII. Ocorre-
a manutenção das crenças religio- manifestação de vitalidade imaginária ram quatro sessões, uma em cada ano.
sas quando vivíamos um processo de que ao não necessitar de uma reflexão Seu encerramento deu-se a 8-12-1965,
questionamento do porque as religiões intelectual, soma ao seu senso comum pelo Papa Paulo VI. A revisão proposta
por este Concílio estava centrada na vi-
crenças religiosas e expressões rituais
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são da Igreja como uma congregação de
1 Danièle Hervieu-Léger: presidente e próprias e espontâneas, que mantém fé, substituindo a concepção hierárquica
diretora da École des Hautes Études en vivas suas convicções e esperanças do Concílio anterior, que declarara a in-
Sciences Sociales, dirige a revista Archi- falibilidade papal. As transformações que
ves de Sciences Sociales des Religions e é
ou sua saúde mental e corporal, cujos introduziu foram no sentido da democra-
autora de inúmeras obras, entre as quais, modos cognitivos se constituem, fun- tização dos ritos, como a missa rezada
Vers un nouveau christianisme?, Intro- damentalmente, em imagens e mo- em vernáculo, aproximando a Igreja dos
duction à la sociologie du christianisme fiéis dos diferentes países. Este Concílio
occidental, La religion pour mémoire e
vimentos rituais. Analisar como essas encontrou resistência dos setores con-
Qu’est-ce que mourir? Atualmente, Da- crenças relacionam seus discursos/ servadores da Igreja, defensores da hie-
nièle Hervieu-Léger dedica-se à investi- narrativas com suas práticas é condi- rarquia e do dogma estrito, e seus frutos
gação dos rituais contemporâneos, com foram, aos poucos, esvaziados, retornan-
especial ênfase na questão da gestão ri-
ção essencial para entendermos a sua do a Igreja à estrutura rígida preconizada
tual da morte e nas práticas públicas de constituição, instituição e manutenção pelo Concílio Vaticano. O IHU promoveu,
luto das sociedades modernas. (Nota da em nossa sociedade. de 11 de agosto a 11-11-2005, o Ciclo de
IHU On-Line) Estudos Concílio Vaticano II – marcos,
2 Sobre o tema, leia a edição número 400 trajetórias e perspectivas. Confira, tam-
da IHU On-Line, de 27-08-2012, intitulada IHU On-Line – Como avalia que bém, a edição 401 da IHU On-Line, de 03-
“A grande transformação do campo reli- as instituições religiosas estão se 09-2012, intitulada Concílio Vaticano II.
gioso brasileiro”, disponível em http:// 50 anos depois, disponível em http://bit.
bit.ly/MVywqU (Nota da IHU On-Line)
portando diante das transformações ly/REokjn (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 11


dros jovens da Renovação Carismática inúmeros concorrentes, algumas ins- do movimento Wicca. A importância
Tema de Capa
Católica, que conta um número ex- tituições religiosas mais tradicionais da construção de uma identidade
pressivo de jovens em seus quadros. rivais optaram por estabelecer regras pelo jovem, isto é, a necessidade
Também podemos pensar em outras de condutas tais como não invadir o de estar vinculado a uma tribo (Ma-
igrejas cristãs históricas, como o mis- território da outra, e tentar viver paci- ffesoli7), com regras específicas de
sionário presbiteriano residente no ficamente a partir de um “movimento convivência nos faz citar a Bola de
Brasil desde 1952, William R. Read, ecumênico”, que ocorre tanto no Bra- Neve Church8, que mescla cultura
quando já na década de 1960, aborda- sil, como na América Latina de modo jovem e evangelização cristã. Igrejas
va o crescimento acelerado das Igrejas geral e nos Estados Unidos. pentecostais como a Assembleia de
pentecostais no Brasil, alertando ser o Deus, que com discursos teológicos
local em que mais crescia esse movi- IHU On-Line – Quais são as ma- proferidos em linguagem acessível
mento no mundo. Read apresentava nifestações religiosas contemporâ- aliados a músicas de rock em seus
algumas estratégias para os presbite- neas que mais condizem com nosso cultos lotam seus espaços com pes-
rianos não perderem seus membros tempo? soas das mais variadas faixas etá-
e estas também seriam estratégias Solange Ramos de Andrade – rias. A Renovação Carismática Cató-
a serem utilizadas por várias institui- Acredito que toda manifestação reli- lica que como várias denominações
ções tradicionais: encontrar caminhos giosa que responda às necessidades neopentecostais, lota igrejas e está-
para levar a Igreja a um esforço mais sentidas pelas pessoas que buscam dios de futebol com suas músicas e
eficiente de evangelização; descobrir respostas num nível transcendente ludicismo. E não posso esquecer as
um tipo de apelo emocional para ga- e transhumano, em primeiro lugar. várias apropriações e posteriores re-
nhar o povo; mostrar ao povo que O conceito de eficácia religiosa é presentações das religiões orientais,
eles podem e devem ter vitalidade muito importante, porque se um dis- com destaque ao budismo.
em sua experiência religiosa; prever curso religioso não é eficiente, “não
ministros ordenados no nível popu- funciona”, ele perderá sua razão de
lar; trabalhar intensamente nas áreas ser, que é a de oferecer respostas
populares; encontrar modos de viver para questões ao mesmo tempo
cordialmente com o povo e trans- fundamentais e imediatas, como é o experiência de contato com a divindade
mitir-lhe a mensagem cristã; desen- momento em que vivemos. Especifi- interior, presente no próprio homem. Se-
volver um método de evangelização camente posso pensar em algumas gundo o Mestre Irineu, ele recebeu essa
Doutrina por meio de uma aparição de
que seja bíblico, paulino, espiritual e manifestações e o que elas represen- Nossa Senhora da Conceição, em uma das
aceitável aos tempos atuais; aprender tam e vou responder apenas no caso primeiras vezes que tomou a bebida, na
a treinar os líderes na implantação de do Brasil. A preocupação de maior região de Basiléia, Acre. Os hinos do Mes-
tre, que ele começou a receber a partir
comunidades vivas e eficientes; colo- contato com a natureza e conse- do começo da década de 1930, trouxe-
car todos os membros em estado de quente proteção ao meio ambiente ram uma forte ênfase nos ensinos cristãos
participação ativa na vida da Igreja; enfatiza movimentos relacionados à e outra leitura dos Evangelhos à luz do
Santo Daime. A bebida permite que os
reestruturar a Igreja no sentido de ser própria natureza e à mulher, por sua membros do movimento recebam hinos
adaptável às novas áreas populares representação estar muito ligada ao inspirados. (Nota da IHU On-Line).
suburbanas; e aprender a ler os sinais próprio movimento da fertilização, 7 Michel Maffesoli: sociólogo francês.
Leciona na Sorbonne – Paris V, é dire-
dos tempos, custe o que custar. Para da manipulação de ervas, da sensi- tor do Centro de Estudos sobre o Atual
finalizar, outro aspecto importan- bilidade e aí podemos incluir o San- e o Quotidiano (CEAQ) e edita a revista
te é que como o mercado religioso, to Daime6 e as várias representações Sociétés. Escreveu inúmeros livros im-
portantes para a compreensão da muta-
como o denomina Bourdieu5, possui bilidade social moderna e pós-moderna,
recherche en sciences sociales e presidiu como A conquista do presente (Rio de
o CISIA (Comitê Internacional de Apoio Janeiro: Rocco, 1984); A contemplação
5 Pierre Bourdieu (1930-2002) sociólogo aos Intelectuais Argelinos), sempre se do mundo (Porto Alegre: Artes & Ofí-
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francês. De origem campesina, filósofo posicionado clara e lucidamente contra cios, 1995); A transfiguração do político:
de formação, chegou a docente na École o liberalismo e a globalização. (Nota da a tribalização do mundo (Porto Alegre:
de Sociologie du Collège de France, IHU On-Line) Sulina, 1997); Lógica da dominação (Rio
instituição que o consagrou como um 6 Santo Daime: Segundo a explicação de Janeiro: Zahar, 1978); Moderno e pós-
dos maiores intelectuais de seu tempo. dada no próprio site do Santo Daime -moderno (Rio de Janeiro: UERJ, 1994).
Desenvolveu, ao longo de sua vida, mais (www.santodaime.org), o movimento A edição 162 da IHU On-Line, de 31-10-
de trezentos trabalhos abordando a religioso começou no interior da flores- 2005, publicou uma entrevista exclusiva
questão da dominação, e é, sem dúvida, ta amazônica, nas primeiras décadas do com Maffesoli sob o título Culturas locais
um dos autores mais lidos, em todo século XX, com o neto de escravos Rai- estão sendo revalorizadas, disponível em
mundo, nos campos da Antropologia e mundo Irineu Serra. Foi ele que recebeu http://migre.me/69ujD. (Nota da IHU
Sociologia, cuja contribuição alcança as a revelação de uma doutrina, a partir On-Line)
mais variadas áreas do conhecimento da bebida Ayahuasca (vinho das almas), 8 Bola de Neve Church ou Igreja Bola
humano, discutindo em sua obra temas denominada, depois, de Santo Daime. A de Neve: denominação protestante
como educação, cultura, literatura, arte, bebida, de uso bastante difundido pe- neopentecostal fundada no ano 2000 por
mídia, linguística e política. Seu primeiro los povos indígenas da região, é obtida Rinaldo Luís de Seixas Pereira (Apóstolo
livro, Sociologia da Argélia (1958), discute pela coccão de duas plantas, o cipó Ja- Rina). O nome “Bola de Neve” vem da
a organização social da sociedade cabila, gube (banesteriopsis caapi) e a folha proposta dos fundadores que tinham por
e em particular, como o sistema colonial Rainha (psicotrya viridis) ambas nativas objetivo propagar o trabalho como uma
interferiu na sociedade cabila, em suas da floresta tropical. Ela tem proprieda- bola de neve, aumentando de tamanho
estruturas e desculturação. Dirigiu, des enteógenas, isto é, produz uma ex- e alcance ao longo do tempo. (Nota da
por muitos anos, a revista Actes de la pansão de consciência responsável pela IHU On-Line)

12 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


Tema de Capa
Os fundamentalismos são filhos
da modernidade?
Pedro Lima Vasconcellos destaca que os modos de conceber a vida e de fazê-la
acontecer no cotidiano não coincidem automaticamente com aquilo que querem
determinar para ela as instituições políticas, sociais e religiosas

Por Graziela Wolfart

“O
s fundamentalismos parecem ser fi- individualismo”. E conclui que a religião está pre-
lhos da modernidade, filhos que ado- sente de forma significativa em nossos dias, “e
taram uma das características prin- nada no horizonte indica para seu desaparecimen-
cipais da mãe, qual seja, o pragmatismo, mas ao to, como quiseram fazer-nos crer figuras impor-
mesmo tempo dizem tê-la rejeitado, na medida tantes do pensamento, como Marx ou Freud, ou
em que ela teria expulsado a religião e as religiões outras de menor quilate, como Dawkins”.
do centro da vida social e da tomada de decisões Pedro Lima Vasconcellos possui bacharelado
no plano político. Nesse sentido, os fundamen- em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa
talismos ecoam saudosismos de vários matizes e Senhora da Assunção, licenciatura plena em Fi-
matrizes, evocando tempos (muitas vezes concebi- losofia pelas Faculdades Associadas do Ipiranga,
dos de forma idealizada) em que as referências de mestrado em Teologia pela Associação São Paulo
ordem religiosa seriam a base para a organização de Estudos Superiores, e mestrado em Ciências
social da vida”. A afirmação é do professor da PUC- da Religião pela Universidade Metodista de São
-SP, Pedro Lima Vasconcellos, em entrevista conce- Paulo, além de doutorado em Ciências Sociais pela
dida por e-mail para a IHU On-Line. Por outro lado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e li-
continua ele, “os fundamentalismos reagem ao vre-docência em Ciências da Religião pela mesma
que lhes parece ser um beco sem saída em que a instituição. É professor na Faculdade de Ciências
modernidade terá metido grande parte da huma- Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São
nidade, na medida em que as promessas de paz, Paulo (no Departamento de Ciência da Religião e
liberdade, progresso, autonomia, se é que se fize- no Programa de Pós-Graduação em Ciências da
ram realidade, só o foram para uma parcela bem Religião). É também docente, desde 2007, do Cen-
pequena dos humanos na contemporaneidade: o tro Universitário Salesiano de São Paulo, no curso
que grassa são as guerras, a fome, a devastação de Teologia.
ecológica, a dissolução de vínculos tradicionais, o Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o senhor


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destaca em relação às memórias e
narrativas de messianismos, profetis- camente caracterizada por latifúndios talar a Monarquia. Apesar de não haver
mos e santidades? Qual a particulari- improdutivos, secas cíclicas e desempre- nenhuma prova para estes rumores, o
go crônico, passava por uma grave crise Exército foi mandado para Canudos. Três
dade de cada um? econômica e social. Milhares de sertane- expedições militares contra Canudos saí-
Pedro Lima Vasconcellos – O ter- jos e ex-escravos partiram para Canudos, ram derrotadas, o que apavorou a opinião
mo “messianismo”, a meu ver, não é cidadela liderada pelo peregrino Antônio pública, que acabou exigindo a destrui-
Conselheiro, unidos na crença numa sal- ção do arraial, dando legitimidade ao
adequado para tratar de movimentos vação milagrosa que pouparia os humil- massacre de até 20 mil sertanejos. Além
como Belo Monte (Canudos1), Contes- des habitantes do sertão dos flagelos do disso, estima-se que cinco mil militares
clima e da exclusão econômica e social. tenham morrido. A guerra terminou com
Os grandes fazendeiros da região, unindo- a destruição total de Canudos, a degola
1 Guerra de Canudos ou Campanha de -se à Igreja, iniciaram um forte grupo de de muitos prisioneiros de guerra, e o in-
Canudos: confronto entre o Exército Bra- pressão junto à República recém-instau- cêndio de todas as casas do arraial. Antô-
sileiro e os integrantes de um movimento rada, pedindo que fossem tomadas pro- nio Vicente Mendes Maciel, apelidado de
popular de fundo sócio-religioso liderado vidências contra Antônio Conselheiro e “Antônio Conselheiro”, foi considerado o
por Antônio Conselheiro, que durou de seus seguidores. Criaram-se rumores de líder do movimento. Ele chegou a Canu-
1896 a 1897, na então comunidade de que Canudos se armava para atacar cida- dos em 1893, tornando-se líder do arraial
Canudos, no interior do estado da Bahia, des vizinhas e partir em direção à capital e atraindo milhares de pessoas. (Nota da
no Nordeste do Brasil. A região, histori- para depor o governo republicano e reins- IHU On-Line)

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 13


tado2 ou os Mucker3. É ambíguo: bas- por Max Weber6 (e aprofundada por compreendido se o vemos a partir da
Tema de Capa
ta ver as definições que para ele pro- Bourdieu7), me parece indicador de categoria do profeta veiculador-for-
põem trabalhos importantes como os um bom caminho analítico, na medi- mulador de aspirações da gente que
de Henri Desroche4 e Maria Isaura Pe- da em que aponta para o contraste, a lidera do que se o tomamos por um
reira de Queiroz5. Entendo que, mais alternativa, a dissidência no interior messias salvador, ou instaurador de
que fixar-se no conceito, é preciso dar do campo religioso, no embate com um novo tempo e era aqui na terra.
voz aos protagonistas destas alternati- as burocracias que neste ocupam lu- Finalmente, o conceito de “santida-
vas populares, no campo social e reli- gar de destaque. Antonio Conselhei- de”, pelo que imagino, aparece aqui
gioso, e recuperar as visões de mundo ro8, por exemplo, será muito melhor em referência à nomenclatura utiliza-
e os horizontes utópicos específicos da por escritores europeus, especial-
que lhes deram viabilidade e razão de 6 Max Weber (1864-1920): sociólogo
mente jesuítas, chegados ao Brasil em
ser. Já o conceito de profetismo, na alemão, considerado um dos fundadores meados do século XVI, para designar
perspectiva da acepção proposta a ele da Sociologia. Ética protestante e o uma série de manifestações sociais e
espírito do capitalismo (Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 2004) é uma das
rituais de grupos indígenas em que
2 Guerra do Contestado: conflito ar- suas mais conhecidas e importantes se preconizava, entre outras coisas, a
mado entre a população cabocla e os obras. Cem anos depois, a IHU On-Line busca da “Terra sem males”. O episó-
representantes do poder estadual e fe- dedicou-lhe a sua 101ª edição, de 17-
deral brasileiro travado entre outubro 05-2004, intitulada Max Weber. A ética
dio mais famoso ficou conhecido com
de 1912 a agosto de 1916, numa região protestante e o espírito do capitalismo o nome de “Santidade do Jaguaripe”,
rica em erva-mate e madeira disputada 100 anos depois, disponível para no Recôncavo baiano, e objeto de
pelos estados brasileiros do Paraná e de download em http://migre.me/30rKx.
Santa Catarina. Originada nos problemas De Max Weber o IHU publicou o Cadernos
brutal repressão em 1585. A saga do
sociais, decorrentes principalmente da IHU em Formação nº 3, 2005, chamado Jaguaripe foi tema de brilhante traba-
falta de regularização da posse de terras Max Weber – o espírito do capitalismo. lho do historiador Ronaldo Vainfas9, A
e da insatisfação da população hipossufi- Em 10-11-2005, o professor Antônio
ciente, numa região em que a presença Flávio Pierucci ministrou a conferência
heresia dos índios (São Paulo: Compa-
do poder público era pífia, o embate foi de encerramento do I Ciclo de Estudos nhia das Letras, 1995).
agravado ainda pelo fanatismo religioso, Repensando os Clássicos da Economia,
expresso pelo messianismo e pela cren- promovido pelo IHU, intitulada Relações
ça, por parte dos caboclos revoltados, e implicações da ética protestante para o IHU On-Line – Que contribuições
de que se tratava de uma guerra santa. capitalismo. (Nota da IHU On-Line) os messianismos, profetismos e san-
A região fronteiriça entre os estados do 7 Pierre Bourdieu (1930 - 2002) sociólogo tidades podem oferecer à forma de
Paraná e Santa Catarina recebeu o nome francês. De origem campesina, filósofo
de Contestado devido ao fato de que os de formação, chegou a docente na École vivência religiosa contemporânea?
agricultores contestaram a doação que o de Sociologie du Collège de France, Pedro Lima Vasconcellos – En-
governo brasileiro fez aos madeireiros e instituição que o consagrou como um tendo que a principal contribuição
à Southern Brazil Lumber & Colonization dos maiores intelectuais de seu tempo.
Company. Como foi uma região de muitos Desenvolveu, ao longo de sua vida, mais da abordagem dos movimentos que
conflitos, ficou conhecida como Contes- de trezentos trabalhos abordando a costumam ser designados com es-
tado, por ser uma região de disputas de questão da dominação, e é, sem dúvida, sas categorias (em relação aos quais,
limites entre os dois estados brasileiros. um dos autores mais lidos, em todo
(Nota da IHU On-Line) mundo, nos campos da Antropologia e especialmente o primeiro, formulei
3 Muckers: grupo de imigrantes alemães Sociologia, cuja contribuição alcança as algumas reservas) pode ser a de con-
envolvidos em um movimento messiânico mais variadas áreas do conhecimento tribuir para o reconhecimento do pro-
liderado por Jacobina Mentz Maurer e humano, discutindo em sua obra temas
seu marido, João Maurer. A expressão como educação, cultura, literatura, arte, tagonismo sociorreligioso de tantos
mucker, em alemão, significa falso santo mídia, lingüística e política. Seu primeiro segmentos da população, na maioria
em português. Confira a obra Os Muckers livro, Sociologia da Argélia (1958), das vezes empobrecida e vítima da
– Episódio histórico extraído da vida discute a organização social da sociedade
contemporânea nas colônias alemãs do cabila, e em particular, como o sistema dominação, em múltiplas formas e
Rio Grande do Sul (Selbach & Mayer. 406 colonial interferiu na sociedade cabila, âmbitos. Os modos de conceber a
páginas. S/D). (Nota da IHU On-Line) em suas estruturas e desculturação. vida e de fazê-la acontecer no cotidia-
4 Henri Desroche (1914-1994): sociólogo, Dirigiu, por muitos anos, a revista Actes
filósofo e teólogo francês. (Nota da IHU de la recherche en sciences sociales e no não coincidem automaticamente
On-Line) presidiu o CISIA (Comitê Internacional de
5 Maria Isaura Pereira de Queiroz Apoio aos Intelectuais Argelinos), sempre
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(1918): socióloga brasileira. Formada na se posicionado clara e lucidamente da Monarquia, manifestou-se em protesto
USP de São Paulo, tornou-se conhecida contra o liberalismo e a globalização. profetizando que o fim do mundo seria
no exterior, em especial na França, onde (Nota da IHU On-Line) em 1900. Retirou-se com os seus adeptos
lecionou Letras. Além da França, tam- 8 Antônio Vicente Mendes Maciel, dito para Canudos, às margens do rio Vaza-
bém lecionou no Canadá, Senegal e Bél- Antônio Conselheiro (1828-1897): chefe Barris. Aí fundou uma “cidade santa”,
gica. É a vencedora do Prêmio Jabuti de religioso brasileiro, que comandou a comunidade baseada na propriedade
Literatura de 1967 pela melhor obra de Guerra de Canudos, na Bahia. Exerceu coletiva da terra e dos rebanhos,
ciências sociais. Suas maiores obras são: várias profissões antes de se tornar beato limitando-se a propriedade privada
A Guerra Santa no Brasil: O Movimento e pregador. Depois de percorrer todo o às casas e aos bens móveis. Em pouco
Messiânico no Contestado, de 1957, O interior nordestino, chegou a Itapicuru de tempo entrou em conflito com os grandes
Messianismo no Brasil e no Mundo (1965), Cima (BA), onde foi preso sob acusação proprietários da região. A situação
Réform et Révolution Dans les Societé de assassinato. Provando sua inocência, agravou-se, provocando a intervenção
Traditionelles (1968), Os Cangaçeiros: foi libertado e voltou a caminhar pelo federal (1896-1897). Quatro expedições
les Bandits d’Honnour Brésiliens (1968), sertão. Sua fama de milagreiro crescia oficiais foram necessárias para derrotá-
Images Messianiques du Brésil (1972), O sem encontrar oposição nos padres do lo e a sua gente. O episódio de Canudos
Campesianto Brasileiro (1973), O Man- interior, que viam nas suas pregações está contado no livro de Euclides da
donismo Local na Vida Política do Brasil um elemento favorável ao renascimento Cunha, Os sertões. Morreu dois dias antes
e Outros Ensaios (1976), Cultura, Socie- da fé entre a população. Sua força se da derrota dos seus homens pelas tropas
dade Rural e Sociedade Urbana no Brasil revelava principalmente em época de federais. (Nota da IHU On-Line)
(1978), Carnaval Brasileiro: O Vivido e o eleição: os candidatos que apoiava 9 Leia nesta edição uma entrevista
Mito (1992). (Nota da IHU On-Line) sempre saíam vencedores. Com a queda inédita com ele. (Nota da IHU On-Line)

14 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


com aquilo que querem determinar ou Freud11, ou outras de menor qui- te disso, temos assistido à crise de

Tema de Capa
para ela as instituições políticas, so- late, como Dawkins12. Diferentemen- (algumas) instituições religiosas de
ciais e religiosas. muito peso histórico; em seu lugar,
não ocupando espaço a não religião,
Marx foi estudado no Ciclo de Estudos
IHU On-Line – Como o senhor Repensando os Clássicos da Economia.
mas novas expressões, antes minori-
analisa o fundamentalismo religioso A edição número 41 dos Cadernos IHU tárias ou inexistentes, fazem-se notar
no cenário atual? Como entendê-lo Ideias, de autoria de Leda Maria Paula- de maneira pujante, num quadro de
ni tem como título A (anti)filosofia de
e qual seu futuro para o decorrer do Karl Marx, disponível em http://migre.
fragmentação muito próprio a nos-
século XXI? me/s7lq. Também sobre o autor, confira sos dias e que, a meu ver, tende a
Pedro Lima Vasconcellos – Esse a edição número 278 da IHU On-Line, de acentuar-se. Trata-se de um processo
20-10-2008, intitulada A financeirização
tema é muito complexo, e só pontuo do mundo e sua crise. Uma leitura a par-
que podemos constatar na sociedade
aqui dois de seus aspectos. Primeira- tir de Marx, disponível para download em brasileira e em muitas outras latitudes
mente, os fundamentalismos parecem http://migre.me/s7lF. Leia, igualmente, e longitudes. Durkheim13 parece ter
a entrevista Marx: os homens não são o
ser filhos da modernidade, filhos que que pensam e desejam, mas o que fa-
tido razão quando sugeriu que havia
adotaram uma das características prin- zem, concedida por Pedro de Alcântara algo de eterno na religião, destinado
cipais da mãe, qual seja, o pragmatis- Figueira à edição 327 da revista IHU On- a sobreviver a todos os sistemas reli-
-Line, de 03-05-2010, disponível para
mo, mas ao mesmo tempo dizem tê-la download em http://migre.me/Dt7Q.
giosos: estes, sim, nascem, crescem e
rejeitado, na medida em que ela teria (Nota da IHU On-Line) eventualmente morrem.
expulsado a religião e as religiões do 11 Sigmund Freud (1856-1939): neuro-
centro da vida social e da tomada de
logista e fundador da Psicanálise. Inte- IHU On-Line – Qual o espaço
ressou-se, inicialmente, pela histeria e,
decisões no plano político. Nesse sen- tendo como método a hipnose, estudava
ocupado pelo texto bíblico e que im-
tido, os fundamentalismos ecoam sau- pessoas que apresentavam esse quadro. portância ele adquire para a vivência
dosismos de vários matizes e matrizes,
Mais tarde, interessado pelo inconsciente da fé cristã atualmente?
e pelas pulsões, foi influenciado por Char- Pedro Lima Vasconcellos – Enten-
evocando tempos (muitas vezes conce- cot e Leibniz, abandonando a hipnose em
favor da associação livre. Estes elementos do que em âmbitos católicos, onde o
bidos de forma idealizada) em que as
tornaram-se bases da Psicanálise. Freud, manuseio da Bíblia chegava mesmo a
referências de ordem religiosa seriam além de ter sido um grande cientista e ser proibido, terá havido mudanças im-
a base para a organização social da escritor, realizou, assim como Darwin e
Copérnico, uma revolução no âmbito hu- portantes: não foram poucos os luga-
vida. Por outro lado, os fundamentalis-
mano: a ideia de que somos movidos pelo res em que houve um verdadeiro apos-
mos reagem ao que lhes parece ser um inconsciente. Freud, suas teorias e o tra- sar-se do texto bíblico e a descoberta,
beco sem saída em que a modernidade tamento com seus pacientes foram con-
troversos na Viena do século XIX, e conti- nele, de inspirações profundas para o
terá metido grande parte da humani-
nuam muito debatidos hoje. A edição 179 agir consequente na sociedade atual,
dade, na medida em que as promessas da IHU On-Line, de 08-05-2006, dedicou- em vistas especialmente à criação de
de paz, liberdade, progresso, autono- -lhe o tema de capa sob o título Sigmund
Freud. Mestre da suspeita, disponível formas mais solidárias de organização
mia, se é que se fizeram realidade, só o
para consulta no link http://migre.me/ da vida coletiva (mas em Belo Monte e
foram para uma parcela bem pequena s8jc. A edição 207, de 04-12-2006, tem no Contestado, de alguma forma, pro-
dos humanos na contemporaneidade: como tema de capa Freud e a religião,
disponível para download em http://mi- cessos semelhantes foram vividos...).
o que grassa são as guerras, a fome, a
gre.me/s8jF. A edição 16 dos Cadernos Muitos grupos de sem-terra, de mu-
devastação ecológica, a dissolução de IHU em formação tem como título Quer lheres empobrecidas, encontraram
vínculos tradicionais, o individualismo. entender a modernidade? Freud explica,
disponível para download em http://mi- na Bíblia conforto e estímulo em suas
Procurei tratar dessas e outras ques-
gre.me/s8jU. (Nota da IHU On-Line) lutas por vida, justiça e liberdade. E,
tões relativas aos fundamentalismos 12 Clinton Richard Dawkins (1941): zoó- seguramente, descobriram em Jesus
num pequeno livro intitulado Funda- logo, etólogo, evolucionista e escritor bri-
e no Deus cujo reino ele anunciou ins-
mentalismos: matrizes, presenças e in- tânico, nascido no Quênia. Catedrático da
Universidade de Oxford, é conhecido prin- pirações para sonhar outras formas de
quietações (São Paulo: Paulinas, 2008). cipalmente pela sua visão evolucionista conceber o mundo e as relações dos
centrada no gene, exposta em seu livro O
gene egoísta, publicado em 1976. O livro seres humanos com o Transcendente,
IHU On-Line – Qual a importân-
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também introduz o termo “meme”, o que consigo mesmos e com o planeta. Cla-
cia que as religiões e as práticas reli- ajudou na criação da memética. Em 1982, ro que esse caminho de reflexão e ação
giosas adquirem na sociedade atual? realizou uma grande contribuição à ciên-
não tem sido o único a ser trilhado: os
Pedro Lima Vasconcellos – Exce- cia da evolução com a teoria, apresentada
em seu livro O fenótipo estendido. Desde fundamentalismos cristãos de vários
to em alguns poucos lugares do pla- então escreveu outros livros sobre evolu- matizes estão aí para demonstrá-lo.
neta, a religião está presente de for- ção e apareceu em vários programas de
ma significativa, e nada no horizonte televisão e rádio para falar de temas como
biologia evolutiva, criacionismo, religião. intitulada O novo ateísmo em discussão,
indica seu desaparecimento, como Por sua intransigente defesa à teoria de disponível para download em http://bit.
quiseram fazer-nos crer figuras im- Darwin, recebeu o apelido de “rottwei- ly/jSY3h9. (Nota da IHU On-Line)
ler de Darwin”, em alusão ao apelido de 13 David Émile Durkheim (1858-1917):
portantes do pensamento, como Marx10 Thomas H. Huxley, que era chamado de conhecido como um dos fundadores da
“buldogue de Darwin (Darwin’s bulldog). Sociologia moderna. Foi também, em
Recentemente está envolto em grande 1895, o fundador do primeiro departa-
10 Karl Heinrich Marx (1818-1883): filó- polêmica por conta das ideias contidas em mento de sociologia de uma universidade
sofo, cientista social, economista, histo- sua obra Deus, um delírio (São Paulo: Cia europeia e, em 1896, o fundador de um
riador e revolucionário alemão, um dos das Letras, 2007), publicada em 2006 sob dos primeiros jornais dedicados à ciência
pensadores que exerceram maior influ- o título The God delusion. Confira o de- social, intitulado L’Année Sociologique.
ência sobre o pensamento social e sobre bate sobre diversas de suas ideias na edi- (Nota da IHU On-Line)
os destinos da humanidade no século XX. ção 245 da IHU On-Line, de 26-11-2007,

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 15


Tema de Capa
O sagrado como uma dimensão
vital da experiência humana
Para Pablo Wright, todas as instituições históricas religiosas são herdeiras da
modernidade predominante no Ocidente

Por Graziela Wolfart

“A
s manifestações populares de re- dimensão vital da experiência humana, e ela
ligiosidade mostram uma imensa aparece nos diferentes tempos, épocas e cul-
criatividade ideológica, ritual e turas com diferentes roupagens; mas sempre
organizacional que põe em apuros a aparen- é uma experiência social atravessada pelo co-
te estabilidade simbólica de figuras, valores letivo. Nossa tarefa como antropólogos é de-
e práticas rituais das religiões institucionais”. cifrar o sentido das roupagens, de onde elas
A afirmação é do antropólogo e professor vêm, o que propõem e que relação possuem
da Universidade de Buenos Aires, Pablo Wri- com o contexto maior – seja local ou global –
ght. Em entrevista concedida por e-mail para no qual têm sentido para os atores sociais”.
a IHU On-Line, ele explica que, a partir da Pablo Wright é professor no Instituto de
perspectiva antropológica, “as religiões não Ciências Antropológicas da Faculdade de Filo-
se esgotam nas instituições históricas que sofia e Letras da Universidad de Buenos Aires
conhecemos e que para o senso-comum são – UBA. Pesquisador independente do Consejo
sinônimos de ‘religião’. As religiões são fenô- Nacional de Investigaciones Científicas y Téc-
menos socioculturais que têm muitas facetas, nicas – Conicet, da Argentina. Suas especiali-
são dinâmicas e possuem muitas camadas de dades são antropologia simbólica, antropolo-
sentidos simbólicos em suas crenças, rituais e gia da religião e etnografia do Chaco.
organização. A experiência do sagrado é uma Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o senhor co-territorial, como os estados e as Teosofia2, e as diversas modalidades
destaca sobre as narrativas da mo- escolas; pela ideologia do indivíduo
dernidade religiosa contemporânea? como sujeito autônomo, entre as
-cristã patente no período dos tratados
Pablo Wright – As narrativas da mais importantes. Outras instituições ocidentais de alquimia que se segue à
modernidade religiosa são múltiplas e grupos ou movimentos menos hege- publicação de A Divina Comédia de Dan-
e variadas. Todas, seja de instituições mônicos, como as diferentes organiza- te (1308-1321). Por outro lado, alguns
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historiadores sugerem a sua origem num


históricas, como a Igreja Católica e as ções pentecostais e neopentecostais, grupo de protestantes alemães, entre os
diferentes igrejas protestantes, seja os grupos espíritas e os grupos esoté- anos de 1607 e 1616, quando três textos
até mesmo as formas de hinduísmo ricos históricos – como o Rosacruz1, a anônimos foram elaborados e lançados na
Europa. A influência desses textos foi tão
e/ou budismo, são, em maior ou me- grande que a historiadora Frances Yates
nor medida, herdeiras da modernida- 1 Rosacruz: fraternidade que foi publica- denominou este período do século XVII
de predominante no Ocidente. Esta mente conhecida no século XVII através como o período do Iluminismo Rosacruz.
de três manifestos e insere-se na tradi- (Nota da IHU On-Line)
modernidade está atravessada por ção esotérica ocidental. Esta Fraterni- 2 Teosofia: palavra de origem grega,
ideais culturais do iluminismo, com dade hermética é vista por muitos ro- “theos” (Deus), e “sophos” (sabedoria),
sua ênfase na razão e na ciência expe- sacrucianistas antigos e modernos como significando literalmente “sabedoria di-
um “Colégio de Invisíveis” nos mundos vina”, ou “conhecimento divino”. A Te-
rimental como modelos autorizados internos, formado por grandes adeptos, osofia é um corpo de conhecimento que
de explicação sistemática do mundo com o intuito de prestar auxílio à evo- sintetiza Filosofia, Religião e Ciência.
e de seus fenômenos; pelas forças e lução espiritual da humanidade. Por um Embora essa afirmação não seja reco-
lado, alguns metafísicos consideram que nhecida universalmente, mas apenas por
pelas utopias da revolução industrial a Fraternidade Rosacruz pode ser com- simpatizantes do ocultismo, pois creem
e da tecnologia; pelas instituições de preendida, de um ponto de vista mais que tanto hoje como na antiguidade, a Te-
controle social e organização políti- amplo, como parte, ou inclusive a fonte, osofia se constitui na sabedoria universal
da corrente de pensamento hermético- e eterna presente nas grandes religiões,

16 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


da Antroposofia3 –, junto às manifes- por exemplo, em figuras populares sociopolíticos e culturais, são os que

Tema de Capa
tações contraculturais neo-orientais que ajudam aos mais necessitados; guiam estes processos de carga, perda
dos anos 1960, com a confluência ou personagens históricos ou míticos ou recarga.
frouxa no chamado movimento da que têm como tarefa atender às ne-
Nova Era, propõem visões alternativas cessidades de gente que não encontra IHU On-Line – Por que o senhor
a essas certezas da modernidade. Tan- respostas simbólicas nem práticas a acredita que estamos diante de uma
to as religiões históricas como aquelas seus dilemas vitais. Expressam modos verdadeira globalização religiosa?
contraculturais recém-mencionadas de sentir, de agir e de sonhar de forma Como o senhor define essa situação?
parecem defender algumas narrativas definitiva, como uma agência coletiva Pablo Wright – A globalização
mestras e criticar outras, ou oferecer que tem suas próprias lógicas simbó- religiosa é parte do processo mais
novas interpretações a velhos pro- licas e políticas, onde o que está em geral de globalização econômica e
blemas. Agora, as narrativas tentam jogo não é só o universo de crenças e cultural que se deu desde a década
construir pontes com a ciência, a psi- de rituais, mas também a identidade de 1960, e mais ainda desde o fi-
cologia, a antropologia, inclusive com social que estas formas de religiosida- nal dos anos 1980, com os avanços
a economia e o mercado, às vezes pro- de convocam e ajudam a construir. tecnológicos das comunicações. As
pondo novas vias de acesso à trans- diferentes formas de contracultura
cendência ou à imanência ontológica, IHU On-Line – Em que os sujei- dos anos 1960 geraram a emergên-
conforme o caso. Às vezes, a partir de tos contemporâneos creem e por que cia de muitas e importantes corren-
propostas neotradicionais, se propõe creem? O que justifica sua fé e sua tes de crítica religiosa nutridas pelo
voltar às origens místicas do mundo vivência religiosa? orientalismo, onde grupos de origem
e do ser humano com um novo olhar Pablo Wright – Hoje em dia, ape- hindu, chinesa, coreana ou japonesa
que enriqueça os dramas existenciais sar das crises dos sistemas religiosos, passaram pelos Estados Unidos e, a
da vida contemporânea. há um amplo contingente de crentes partir daí, se expandiram pelo mun-
nas religiões históricas, sejam eles do, inclusive retornando a seus luga-
IHU On-Line – Quais as novida- mais ou menos praticantes ou devo- res de origem com uma identidade
des da religiosidade popular em nos- tos. No entanto, os sistemas de cren- institucional e corpo de crenças e
sos dias? ças e as instituições religiosas vêm rituais reelaborados. Atualmente, os
Pablo Wright – O termo “religio- de marcos coletivos de identidade grupos mantêm contato global atra-
sidade popular” não é conceitualmen- religiosa que cumprem importantes vés de páginas web, teleconferências
te útil a partir da antropologia para funções sociais. O que é indubitável e outros meios similares. Muito da
analisar formas mais ou menos cria- é que, para as classes médias em ge- estrutura ideológica dos movimentos
tivas e heterodoxas da religiosidade ral, há uma maior individualização das da Nova Era foi bastante influenciada
de sujeitos sociais não institucionais. crenças e às vezes um pertencimen- por estas formas neo-orientais. No
O termo reflete o lugar de enunciação to múltiplo a distintos grupos, onde, mundo cristão, a expansão de grupos
que define o fenômeno e que indica como afirma o antropólogo Alejandro protestantes de diversas característi-
um olhar institucional. Uma vez dito Frigerio4, a identidade social pode cas é paralela com a expansão políti-
isso, podemos afirmar que as mani- passar por uma igreja, por exemplo, ca e econômica dos Estados Unidos
festações populares de religiosidade enquanto que a identidade religiosa depois da Segunda Guerra Mundial,
mostram uma imensa criatividade se dispersa por um conjunto de prá- e expressa em suas diferentes etapas
ideológica, ritual e organizacional ticas e crenças alternativas, como o históricas até os presentes modos
que põe em apuros a aparente esta- curandeirismo, o xamanismo, a Nova persistentes de globalização e de
bilidade simbólica de figuras, valores Era, etc. Não obstante, observa-se colonização cultural, com múltiplas
e práticas rituais das religiões institu- também uma amplíssima variedade reelaborações locais. Finalmente, as
cionais. Essa criatividade se expressa, de sujeitos que participam em di- migrações trabalhistas em função
versos grupos. Em termos culturais, das crises econômicas e/ou políti-
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qualquer objeto, evento ou persona- cas em diferentes países do planeta,
filosofias e nas principais ciências da hu- gem histórico pode se transformar contribuíram para expandir tanto as
manidade, e pode ser encontrada na raiz
ou origem, em maior ou menor grau, dos
em objeto de crença. Trata-se de uma instituições como os modos de reli-
diversos sistemas de crenças ao longo da ação coletiva onde estas pessoas se giosidade de lugares distantes, que
história. A teosofia foi apresentada ao carregam de um valor simbólico es- antes não haviam estado em conta-
mundo moderno por Helena Blavatsky, no
final do século XIX, e desde então vem
pecial. E as tradições religiosas, sejam to. Todos eles sofrem importantes
sendo divulgada por teosofistas em diver- institucionais ou não, e os contextos processos de adaptação cultural aos
sos países. (Nota da IHU On-Line) lugares de chegada.
3 Antroposofia: fundada por Rudolf Stei-
ner, que, de 1902 a 1912, foi presidente 4 Alejandro Frigério: Antropólogo, do-
da Sociedade Teosófica da Alemanha. O cente na Universidad Católica de Buenos IHU On-Line – Em que consiste o
rompimento com a Teosofia foi por estes Aires. Escreveu, entre outros, Capoeira: mundo religioso que poderia ser en-
não tratarem Jesus Cristo ou o Cristianis- de arte negra a esporte branco. Revista
mo como algo especial, porém ele acei- Brasileira de Ciências Sociais Rio de Ja-
tendido como paralelo ao mundo das
tou conceitos hinduístas como karma e neiro, v.4, n. 10, jun. 1989 e CD Confe- religiões oficiais, mas que hoje trans-
reencarnação na Antroposofia. Segundo rence on the Amazon: Amazonian Pers- cende essa categoria e compete com
Steiner, a Antroposofia é uma “ciência pectives? Hanover: Amazonian Prospects,
espiritual”. (Nota da IHU On-Line) 2003. (Nota da IHU On-Line)
os credos antigos?

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 17


Pablo Wright – O mundo religio-
“Em termos dade que, em certo momento, da
Tema de Capa
so que convive com as religiões ofi- história se estabilizam e se tornam
ciais possui um conjunto de crenças
variadas e provê os sujeitos sociais de culturais, qualquer “tradicionais” frente a outras que
surgem de fragmentos daquelas
marcos de identidade e de experiên-
cia que eles não recebem daquelas objeto, evento ou de movimentos socioculturais
que vêm de outras áreas do campo
instituições históricas. Em geral, trata- religioso. Ou seja, as religiões que
-se de um mundo sagrado povoado de ou personagem agora são tradicionais, o cristianis-
muitas entidades (deste mundo e de mo, o islamismo, o hinduísmo, ou
outros do universo) com diversos po- histórico pode se o budismo, por exemplo, o são hoje
deres com os quais as pessoas podem de certa forma mais ideológica que
estabelecer um contato direto, onde a transformar em prática, já que na prática há um sem-
ideia de ter próprias experiências do -número de organizações dentro do
sagrado é muito valorizada. Estas ex- objeto de crença” campo cristão, por exemplo (seja
periências se relacionam com tecno- católico ou protestante), que nos
logias do ser particulares (relaciona- previne de pensá-lo como algo ho-
das com as ideias de Foucault5 sobre mogêneo, centralizado e possuindo
“tecnologias do eu”), que se orientam uma unidade dogmática, ritual, or-
a transformar o corpo e a alma da ganizacional e política. É mais uma
5 Michel Foucault (1926-1984): filósofo
francês. Suas obras, desde a História da pessoa. Não creio que há uma compe- comunidade imaginada do que uma
Loucura até a História da sexualidade (a tência direta dos novos credos com os realidade fática, empírica. Mas isso
qual não pôde completar devido a sua que ocupam um lugar mais ou menos
morte) situam-se dentro de uma filosofia não nos deve distrair da análise so-
do conhecimento. Suas teorias sobre o hegemônico no campo religioso, pela ciopolítica do campo religioso, onde
saber, o poder e o sujeito romperam com desigualdade de capitais simbólicos há alguns atores hegemônicos e ou-
as concepções modernas destes termos, e culturais em questão. Mas em ter-
motivo pelo qual é considerado por cer- tros que ocupam diversas posições
tos autores, contrariando a sua própria mos de ideologia religiosa, de práti- mais periféricas. Nesse contexto, po-
opinião de si mesmo, um pós-moderno. cas rituais, de projeção social e/ou deríamos definir os primeiros como
Seus primeiros trabalhos (História da identitária, impactam profundamente
Loucura, O Nascimento da Clínica, As “tradicionais” frente aos segundos
Palavras e as Coisas, A Arqueologia do no imaginário coletivo, reelaborando que seriam contestatários e questio-
Saber) seguem uma linha estruturalista, velhos livros sagrados e dogmas à luz nadores da “verdade” sagrada que
o que não impede que seja considerado de uma filosofia de vida onde se tenta
geralmente como um pós-estruturalista aqueles nos oferecem. Mas estas di-
devido a obras posteriores como Vigiar restabelecer o contato “direto” com a ferentes posições no campo são his-
e Punir e A História da Sexualidade. revelação, com o mítico, com o poder tóricas, não permanentes.
Foucault trata principalmente do tema sagrado da salvação e da redenção
do poder, rompendo com as concepções
clássicas deste termo. Para ele, o poder ontológica.
não pode ser localizado em uma institui-
IHU On-Line – Gostaria de acres-
ção ou no Estado, o que tornaria impossí- IHU On-Line – Que espaço as centar mais algum comentário?
vel a “tomada de poder” proposta pelos
religiões tradicionais ocupam em re- Pablo Wright – Creio que seria
marxistas. O poder não é considerado
como algo que o indivíduo cede a um lação à conversão de fiéis no século importante assinalar que, a partir da
soberano (concepção contratual jurídico- XXI? perspectiva antropológica, as religi-
-política), mas sim como uma relação de
Pablo Wright – A partir de uma ões não se esgotam nas instituições
forças. Ao ser relação, o poder está em
todas as partes, uma pessoa está atraves- perspectiva antropológica podemos históricas que conhecemos e que
sada por relações de poder, não pode ser dizer que sempre haverá religiões para o senso-comum são sinônimos
considerada independente delas. Para
tradicionais, ou seja, conjuntos de de “religião”. As religiões são fenô-
Foucault, o poder não somente reprime,
mas também produz efeitos de verdade organizações de crenças e práticas menos socioculturais que têm muitas
facetas, são dinâmicas e possuem
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e saber, constituindo verdades, práti- com muita ou pouca institucionali-


cas e subjetividades. Em três edições a muitas camadas de sentidos simbóli-
IHU On-Line dedicou matéria de capa
a Foucault: edição 119, de 18-10-2004, vel em http://migre.me/zASO. De 13 a
cos em suas crenças, rituais e orga-
disponível para download em http:// 16 de setembro de 2010 aconteceu o XI nização. A experiência do sagrado é
migre.me/vMiS, edição 203, de 06-11- Simpósio Internacional IHU: O (des)go- uma dimensão vital da experiência
2006, disponível em http://migre.me/ verno biopolítico da vida humana. Para
vMj7, e edição 364, de 06-06-2011, dis- maiores informações, acesse http://mi-
humana, e ela aparece nos diferen-
ponível em http://bit.ly/k3Fcp3. Além gre.me/JyaH. Confira a edição 343 da tes tempos, épocas e culturas com
disso, o IHU organizou, durante o ano de IHU On-Line, intitulada O (des)governo diferentes roupagens; mas sempre
2004, o evento Ciclo de Estudos sobre biopolítico da vida humana, publicada
Michel Foucault, que também foi tema em 13-09-2010, disponível em http://
é uma experiência social atravessa-
da edição número 13 dos Cadernos IHU bit.ly/bi5U9l, e a edição 344, intitulada da pelo coletivo. Nossa tarefa como
em Formação, disponível para download Biopolitica, estado de excecao e vida antropólogos é decifrar o sentido
em http://migre.me/vMjd sob o título nua. Um debate, disponível em http://
Michel Foucault. Sua contribuição para bit.ly/9SQCgl. A edição 364, de 06-06-
das roupagens, de onde elas vêm, o
a educação, a política e a ética. Confi- 2011 é intitulada “História da loucura’’ e que propõem e que relação possuem
ra, também, a entrevista com o filósofo o discurso racional em debate, inspirada com o contexto maior – seja local ou
José Ternes, concedida à IHU On-Line na obra História da loucura, e está dispo-
325, sob o título Foucault, a sociedade nível em http://bit.ly/lXBq1m. (Nota da
global – no qual têm sentido para os
panóptica e o sujeito histórico, disponí- IHU On-Line) atores sociais.

18 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


Tema de Capa
As religiosidades expressam a
dinamicidade cultural brasileira
Cairo Mohamad Ibrahim Katrib defende que a religiosidade é a mais democrática
das formas de expressão da cultura e da identidade de um dado grupo social. “São
através delas que as pessoas conectam passado e presente, real e sobrenatural,
individual e coletivo”

Por Graziela Wolfart

N
a opinião do professor e pesquisador e migrantes que se movimentaram país aden-
Cairo Mohamad Ibrahim Katrib, “o tro, formatando a nossa identidade cultural”.
mais importante em relação às me- E continua: “quando falamos em religiosida-
mórias e narrativas em torno das religiosida- de brasileira vislumbram aos nossos olhos as
des brasileiras é a necessidade de valorizá-las mais diversas formas de devoção, a maioria
e compreendê-las enquanto linguagens so- marcada pela realização de romarias, festejos
ciais, culturais e, consequentemente, históri- aos santos padroeiros tudo comemorado com
cas, que propiciam aos sujeitos e aos grupos muita cor, batuque, fé e ludicidade”.
sociais fortalecerem seus laços identitários, Cairo Mohamad Ibrahim Katrib é docente
recuperar os sentidos do viver e fazer com no curso de graduação em História da Univer-
que as dificuldades do dia a dia pareçam in- sidade Federal de Uberlândia, Campus Pontal
significantes frente às expressões de fé, de- – Ituiutaba. Doutor em História Cultural pela
voção e encontro com o sagrado”. Na entre- Universidade de Brasília – UnB, é mestre em
vista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, História pela Universidade Federal de Uber-
ele constata uma “miscelânea de práticas no lândia. É também coordenador da área de
campo da religiosidade brasileira que incor- pesquisa e extensão das Ciências Humanas
porou, ao longo dos séculos de nossa histó- e Sociais Aplicadas da Faculdade de Ciências
ria, elementos das comunidades indígenas, Integradas do Pontal – FACIP/UFU.
negras, europeias, dos grupos de imigrantes Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é impor- significantes frente às expressões de pressando em sentimentos o tempo
tante resgatar em relação às memó- fé, devoção e encontro com o sagra- ido, sua ancestralidade, a memória
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rias e às narrativas das religiosidades do. É claro que essas memórias mui- coletiva ou familiar, a suas pertenças
populares? tas vezes são silenciadas ou ecoam identitárias. Enfim, por mais que as
Cairo Mohamad Ibrahim Katrib apenas entre os praticantes de uma pessoas atualmente se insiram num
– Penso que o mais importante em dada prática cultural. Mesmo assim, universo em que prevalecem as indi-
relação às memórias e narrativas em ali, no seu grupo e para aquelas pes- vidualidades, em algum bairro ou co-
torno das religiosidades brasileiras é soas, ela assume um sentido mais di- munidade dos grandes centros ou do
a necessidade de valorizá-las e com- nâmico que passa a ser sinônimo da interior do país, seja no campo ou nas
preendê-las enquanto linguagens so- própria vida. Para os atores sociais cidades, há sempre alguém ou algum
ciais, culturais e, consequentemente, que tecem os fios da narrativa de grupo celebrando a vida com fé e com
históricas, que propiciam aos sujeitos suas representações culturais, sejam festa, já que o Brasil é, por natureza,
e aos grupos sociais fortalecerem elas festivas ou devocionais, a me- um país festeiro.
seus laços identitários, recuperar os mória é atualizada, justamente pela IHU On-Line – O que caracteriza
sentidos do viver e fazer com que as possibilidade do viver de muitas for- as religiosidades populares no Brasil
dificuldades do dia a dia pareçam in- mas a sua relação com o sagrado, ex- atual? Quais são suas marcas?

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 19


Cairo Mohamad Ibrahim Katrib
“O acreditar é o pessoas conectam passado e presen-
Tema de Capa
– Talvez seja sua capacidade de rein- te, real e sobrenatural, individual e
venção, de recriação de seus sentidos.
Por mais que sejamos vistos como que faz com que coletivo cada qual utilizando de suas
ferramentas ou dos seus mecanismos
um país católico, as práticas religiosas
atuais vêm se reinventando a cada dia a religiosidade de reencontro consigo mesmas. Não
há quem no Brasil nunca tenha re-
para continuar existindo e estabele-
cendo vínculos com seus praticantes. contemporânea corrido ao Divino nos momentos de
aflição; não há quem nunca tenha se
Há uma miscelânea de práticas no
campo da religiosidade brasileira que possa ser pego fazendo sinal da cruz, colocando
um raminho de arruda ou guiné no pé
incorporou, ao longo dos séculos de
nossa história, elementos das co- experimentada de da orelha, utilizado de algum patuá
ou amuleto para buscar sorte ou se
munidades indígenas, negras, eu-
ropeias, dos grupos de imigrantes diversas formas” proteger, ou tenha apelado para uma
promessa diante de certa dificuldade
e migrantes que se movimentaram material. O acreditar é o que faz com
país adentro, formatando a nossa que a religiosidade contemporânea
identidade cultural. Basta relermos o Círio de Nazaré2, as Congadas3, Fo- possa ser experimentada de diversas
as manifestações da religiosidade lias do Divino4 ou Santos Reis, as fes- formas.
popular que traz nas suas represen- tas juninas, a peregrinação aos san- No que concerne às manifesta-
tações a nossa construção cultural tuários, aos espaços de religiosidade ções populares, elas são a materiali-
luso-afro-ameríndia, dentre outros afro-brasileira. zação da fé e da religiosidade latente
aspectos. Quando falamos em reli- do brasileiro. São através do partilhar,
giosidade brasileira vislumbram aos IHU On-Line – O que as religiosi- da construção dos momentos de so-
nossos olhos as mais diversas formas dades populares têm a dizer sobre a ciabilidades que as pessoas comun-
de devoção, a maioria marcada pela forma de viver a fé, a crença religiosa gam coletivamente a sua devoção,
realização de romarias, festejos aos no Brasil contemporâneo? Que novos os seus sentimentos religiosos. É por
santos padroeiros tudo comemorado sentidos esses festejos dão aos valo- esse motivo que é comum no Brasil
com muita cor, batuque, fé e ludicida- res culturais e religiosos tradicionais? que as pessoas, em agradecimento
de como é o caso das romarias nor- Cairo Mohamad Ibrahim Katrib às bênçãos recebidas, celebrem com
destinas em devoção a padre Cícero1, – As religiosidades expressam a dina- muita festa as graças alcançadas sem-
micidade cultural brasileira. É a mais pre regada a muita reza e comilança.
democrática das formas de expressão É assim que se reza e se festeja no
da cultura e da identidade de um dado Brasil. É assim que expressamos nos-
grupo social. São através delas que as sos vínculos com o sagrado; é com-
partilhando e socializando a devoção,
a crença, a fé que estreitamos os nos-
2 Sobre o tema, confira Círio de Nazaré:
1 Cícero Romão Batista, dito Padre Cí- uma manifestação de crença, devoção e sos laços culturais reestabelecendo o
cero (1844-1934): religioso e político cultura. Entrevista especial com João de sentido do viver coletivamente a pró-
brasileiro. Exerceu grande influência Jesus Paes Loureiro, publicada nas Notí-
entre a população sertaneja do interior cias do Dia do site do Instituto Humanitas pria vida. É claro que a atualização
nordestino. Ordenado padre em 1870, foi Unisinos – IHU, em 19-10-2012, disponível dos festejos da religiosidade popular
designado em 1872 vigário de Juazeiro do em http://bit.ly/Vc0Q7s. (Nota da IHU se efetiva de diversas maneiras, nun-
Norte, lugarejo no município de Crato. On-Line)
Desde cedo exerceu sua liderança entre 3 Congado: manifestação cultural e re- ca com a intenção de trazer à tona
o povo. Em 1889, sua popularidade au- ligiosa de influência africana celebrada um passado congelado, engessado. A
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mentou ainda mais, pois começou a ser em algumas regiões do Brasil. Trata ba-
atribuída a ele a prática de milagres. Ape- sicamente de três temas em seu enre- própria cultura, por mais tradicional
sar de suspenso pela Igreja Católica, foi do: a vida de São Benedito, o encontro que pareça ser, é recriada para conti-
ampliando progressivamente seu poder, de Nossa Senhora do Rosário submergida nuar sendo referência aos diferentes
tornando-se o chefe político de maior nas águas, e a representação da luta de
prestígio do interior do Ceará. Envolvido Carlos Magno contra as invasões mouras. grupos sociais. E dessa possibilidade
nas lutas travadas entre as oligarquias (Nota da IHU On-Line) de reinvenção que estreitam seus vín-
agrárias, influía decisivamente nas elei- 4 Folia do Divino: dedicada ao Divino
ções de presidentes do estado, deputados Espírito Santo e realizada no domingo de
culos com o grupo social do qual se
e senadores. Graças à sua atuação, quan- Pentecostes. A figura homenageada é o inserem, que reconstroem a relação
do morreu, Juazeiro havia se transforma- Imperador do Divino, habitualmente um com sua ancestralidade e fortalecem
do em capital religiosa e econômica do menino com vestimenta de imperador. É
sertão, e principal centro de romaria de organizada pela Folia do Divino, que são os alicerces para lutar contra as agru-
todo o Nordeste. O padim Ciço (padrinho pequenos grupos encarregados de arru- ras cotidianas.
Cícero), como é chamado por muitos, é mar o dinheiro para a realização da Fes-
considerado até hoje santo e protetor pe- ta. Os grupos são encarregados de saírem
los humildes do sertão. Em 1924, foi-lhe pedindo dinheiro pelas residências, onde IHU On-Line – Qual a especifici-
erguida uma estátua que se tornou obje- param para cantar as músicas do divino, dade da Festa em louvor a Nossa Se-
to de devoção. Em 1973, foi proclama- acompanhadas de viola e rabeca. As folias
do santo pela Igreja Católica Brasileira. carregam também a Bandeira do Divino nhora do Rosário, em Catalão, Goiás,
(Nota da IHU On-Line) para o povo beijar. (Nota da IHU On-Line) nesse sentido?

20 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


Cairo Mohamad Ibrahim Katrib –
“No que concerne reconhecimento e da valorização da

Tema de Capa
A festa em louvor a Nossa Senhora do cultura afro-brasileira e sua importân-
Rosário em Catalão, Goiás, é conside-
rada uma das maiores comemorações às manifestações cia para a formação e compreensão
da nossa identidade cultural. Essas
a santos de devoção católica do país.
É celebrada oficialmente há 136 anos. populares elas são práticas populares se redesenharam
não só com as cores acinzentadas da
Ela tem suas peculiaridades construí-
das e reconstruídas ao longo dos anos. a materialização cultura religiosa católica, mas tam-
bém pelas matizes de muitas cores
É uma comemoração que se iniciou no
campo e se transferiu para a cidade à da fé e da que compõem a nossa própria identi-
dade cultural. Para compreender es-
medida que foi servindo de vitrine de
projeção social e política aos fazendei- religiosidade sas colocações é preciso conhecer de
dentro e de fora essa festa centená-
ros locais (tidos como incentivadores
dessa manifestação) que transferem latente do ria que se mantém viva por meio dos
alicerces do sagrado e do profano, já
seus raios de atuação do campo para
a cidade por meio do próprio desloca- brasileiro” que festejar Nossa Senhora do Ro-
sário em Catalão é se inserir no uni-
mento desse festejo, mas que, inde- verso do comércio temporário a céu
pendentemente do controle político aberto das mais de três mil barracas
desses grupos sociais, foi ganhando pés, vilões, marinheiros, congos den- instaladas nas ruas próximas à igreja
vida própria e caminhos diversos. Tan- tre outros, que durante todo o ano se do Rosário que vendem de alimentos
to é que, ao passo que além de ser a preparam para comemorar com muita a produtos eletrônicos; é ver as ruas
maior festividade de devoção católica dança, música e devoção à África dis- tomadas pelo arco-íris de cores das
do estado e – quem sabe – uma das tante, às heranças ancestrais e fami- fardas dos dançadores dos diversos
maiores do país, ela não se edificou liares reordenando a sua identidade grupos de congada; é participar dos
somente em torno da devoção a Nossa e religiosidade herdada. A junção da terços na praça da Igreja; é partilhar
Senhora do Rosário, mas passou a ser congada com a devoção à Santa do dos cafés e almoços coletivos ofereci-
nacionalmente conhecida pelas suas Rosário exprime muito bem o tom que dos a toda a cidade nos dias de festa.
congadas. Em Catalão hoje são mais as festas da religiosidade brasileira fo- Para entender a riqueza cultural des-
de quatro mil praticantes distribuídos ram ganhando ao longo de suas traje- sa manifestação é necessário visitar
em 23 grupos de moçambiques, cato- tórias. Ela expressa a importância do Catalão no mês de outubro.

Evento: EAD Sociedade Sustentável


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• De 1 de outubro a 10 de novembro - no Módulo
3 - Por um novo paradigma civilizacional
• De 12 de novembro a 1 de dezembro - Módulo
4 - Pensar global e agir local

Mais informações: http://migre.me/bupKt

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 21


Tema de Capa
“O fator religião parece cada vez
mais vivo”
Sem estudá-lo e sem levá-lo a sério, torna-se impossível compreender os grandes
conflitos da atualidade e do passado, defende Ronaldo Vainfas

Por Graziela Wolfart

P
ara o historiador Ronaldo Vainfas é seio das classes populares. Basta ver a força
muito importante refletir sobre as da umbanda e do candomblé, sem falar nas
religiões e as religiosidades na socie- igrejas evangélicas e pentecostais e, claro,
dade atual, pois “os conflitos mundiais na no catolicismo, que é mais forte do que se
atualidade passam pela religião. Basta ver o imagina”.
radicalismo islâmico contra o Ocidente, sem Vainfas possui graduação em Histó-
falar nas lutas fratricidas entre sunitas e xii- ria pela Universidade Federal Fluminense
tas nos países muçulmanos. O famoso 11 de (1978), mestrado em História pela Universi-
setembro tem a ver com religião. A crise na dade Federal Fluminense (1983) e doutorado
Síria tem a ver com o conflito dentre do Islã”. em História Social pela Universidade de São
Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU Paulo (1988). É professor titular da Univer-
On-Line ele fala sobre as relações entre juda- sidade Federal Fluminense. Dentre outros,
ísmo e martírio a partir de Isaque de Castro é autor de Traição: um jesuíta a serviço do
e sobre as religiões na contemporaneidade. Brasil holandês processado pela inquisição
Na visão de Vainfas, a religiosidade nunca (São Paulo: Companhia das Letras, 2008)
desapareceu. “Foi desmerecida, no Ociden- e Antônio Vieira, Jesuíta do Rei (São Paulo:
te, desde o século XVIII, século das Luzes e Companhia das Letras, 2008). Sobre esta
do racionalismo ilustrado. A Revolução Fran- última obra, leia uma resenha publicada no
cesa secularizou a religião e exportou este sítio do IHU e que está disponível em http://
modelo laicizante. No Brasil, que também bit.ly/SHNzWe
se deixou influenciar pelas Luzes, a religio- Confira a entrevista.
sidade nunca desapareceu, sobretudo no
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IHU On-Line – Que relações po- bino do Marrocos foi consultado para Ronaldo Vainfas – A comunida-
dem ser estabelecidas entre judaís- ajuizar sobre o caso e disse: recebam de judaica de Amsterdã construiu o
mo e martírio? o jovem, porque “a lei do Sinai foi feita mártir ao saber da execução de Isa-
Ronaldo Vainfas – Relações com- para se viver por ela, não para se mor- que na fogueira inquisitorial. Vários
plicadas. Os judeus nunca considera- rer por ela”. panfletos, poemas e outros textos
ram o martírio como virtude. Sempre louvaram o martírio dele. Nisso re-
sustentaram a valorização máxima IHU On-Line – Como Isaque de side o fundamento da memória de
da vida. Exceção: a dissidência dos Castro1 aparece nessa relação a partir Isaque de Castro. Muitos historiado-
hebreus que veio a se tornar cristã. da memória e da história? res escreveram sobre Isaque basea-
Cito um caso de um cristão-novo que dos e/ou inspirados nesta memória.
se tornou judeu, foi preso pelo Santo 1 Alguns judeus portugueses vindos de O melhor exemplo é o de Elias Lipi-
Ofício no século XVII, voltou a ser cris- Amsterdã ao Brasil foram entregues à In-
quisição pelo bispo da Bahia em 1644 e
tão, porém, uma vez solto, correu de 1645. O mais célebre deles foi o jovem Elias Lipiner, Isaque de Castro: o mance-
volta para o judaísmo. Um grande ra- Isaque de Castro, queimado em auto-de- bo que veio preso do Brasil (Recife: Mas-
-fé realizado em dezembro de 1648. Ver sangana, 1992) (Nota da IHU On-Line)

22 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


ner, seu maior biógrafo. Examinei a
“Os judeus nunca IHU On-Line – O senhor perce-

Tema de Capa
fundo o processo inquisitorial contra be que, mesmo diante da marca da
Isaque e constatei que, na verdade,
ele somente assumiu a defesa radical consideraram o secularização, vivemos um momento
de reavivamento da religiosidade?
do judaísmo quando se viu perdido.
Até então insistia em que não tinha martírio como Ronaldo Vainfas – A religiosida-
de nunca desapareceu. Foi desme-
sido batizado no cristianismo. Quan-
do esteve na Bahia, tentou mesmo virtude. Sempre recida, no Ocidente, desde o século
XVIII, século das Luzes e do raciona-
se “reduzir” ao catolicismo junto ao
bispo Pedro da Silva e Sampaio. Não sustentaram lismo ilustrado. A Revolução Francesa
secularizou a religião e exportou este
quero com isso desmerecer Isaque
de Castro, que de fato morreu na a valorização modelo laicizante. No Brasil, que tam-
bém se deixou influenciar pelas Luzes,
fogueira, queimado vivo (o que era
raro), mas apenas restaurar a verda- máxima da vida” a religiosidade nunca desapareceu,
sobretudo no seio das classes popula-
de histórica sobre o personagem. Os res. Basta ver a força da umbanda e
que acham que a história não tem do candomblé, sem falar nas igrejas
verdade deviam renunciar ao ofício do como exemplo de um judaísmo evangélicas e pentecostais e, claro,
de historiador. inquebrantável? no catolicismo, que é mais forte do
Ronaldo Vainfas – Só na fase fi- que se imagina. Em uma perspectiva
IHU On-Line – Enquanto judeu nal do processo, quando percebeu mundial, então, o fator religião pare-
de origem portuguesa, como foi a que a Inquisição sabia que ele tinha ce cada vez mais vivo. Sem estudá-lo,
passagem de Isaque de Castro pelo sido batizado na França como cristão. sem levá-lo a sério, torna-se impossí-
Brasil holandês? Ali ele assumiu totalmente o judaís- vel compreender os grandes conflitos
Ronaldo Vainfas – Medíocre. mo. Chegou a dizer que, se Cristo era da atualidade e do passado.
Tentou fazer comércio em Pernambu- judeu, ele, Isaque, como judeu, vivia
co como mascate de terceiro escalão na “lei de Cristo”. Um sofisma. Desa-
de um grande grupo, liderado por Du- fiou os inquisidores. Escolheu a mor-
arte Saraiva ou – nome judeu – David te. O martírio.
Senior Cronel (1575-1646). Isaque era
desastrado como comerciante. Mau IHU On-Line – Qual a importân-
Leia mais...
pagador e mau credor. Brigou muito. cia de refletir sobre as religiões e as >> Ronaldo Vainfas já concedeu
Teve que fugir para a Bahia porque, religiosidades na sociedade atual, outras entrevistas à IHU On-Line.
ao que tudo indica, matou um credor marcada pelo chamado “trânsito Confira:
ou devedor com golpe de cutelo. Na religioso”? • Movimento Santidade de Jaguaripe
Bahia, há indícios de que foi profes- Ronaldo Vainfas – Importância
é discutido. Publicada na edição nú-
sor de judaísmo, por pouco tempo, máxima. Os conflitos mundiais na atu-
de filhos de cristãos-novos graúdos. alidade passam pela religião. Basta ver mero 161, de 24-10-2005, disponí-
Isaque era um intelectual. Estudioso. o radicalismo islâmico contra o Ociden- vel em http://bit.ly/PiJSq5;
Superdotado. Não tinha a menor vo- te, sem falar nas lutas fratricidas entre • Um ensaio sobre a nossa história.
cação para o comércio. sunitas e xiitas nos países muçulma- Publicada na IHU On-Line número
nos. O famoso 11 de setembro tem a
IHU On-Line – Em que sentido 205, de 20-11-2006, disponível em
ver com religião. A crise na Síria tem a
Isaque de Castro pode ser toma- ver com o conflito dentre do Islã. http://bit.ly/Ud5ocV. www.ihu.unisinos.br

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EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 23


Tema de Capa
“A religiosidade brasileira se faz
pela festa”
Segundo Mara Regina do Nascimento, o grau da relação que as sociedades do
passado e do presente mantêm com a providência divina determina a forma de
enterrar os seus mortos e as maneiras pelas quais irão se lembrar deles ou não

Por Graziela Wolfart

“M
ais do que refletir determina- te presentificação do tempo e na sua relação
das doutrinas religiosas, as com o que ainda não aconteceu. O cuidado
formas de viver e as práticas com o corpo e o desejo em prolongar a vida
rituais do morrer podem revelar os quadros que experimentamos na contemporaneida-
mentais de civilizações e a perspectiva tem- de, em contraste com as preocupações com
poral que estas experimentam. Os ritos de o conforto para a alma, de épocas passadas,
passagem, as manifestações que expressam singularizam o indivíduo moderno, contras-
o luto revelam, em grande medida, a rela- tando-o com o sujeito que se sentia parte de
ção que sustentamos com a temporalidade e uma comunidade unida por laços de oração
nossa sensibilidade a ela. A história da Cris- aos mortos”.
tandade tem uma intrínseca relação com as Mara Regina do Nascimento possui gradu-
maneiras de interpretar o tempo e estas se ação e mestrado em História pela Pontifícia
vinculam aos modos de viver e enterrar seus Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
mortos”. A reflexão é da professora Mara Re- PUCRS e doutorado em História pela Universi-
gina do Nascimento, que concedeu a entrevis- dade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É
ta a seguir para a IHU On-Line por e-mail. Para professora na Universidade Federal de Uber-
ela, “a secularização da vivência da morte, da lândia – UFU.
vida social, do cotidiano, assenta-se nesta for- Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que a prática Considerando que a relação dos vivos memória/o esquecimento dos mortos
religiosa fúnebre pode dizer sobre os com seus mortos ganha configurações possuem no interior destas. O século
princípios que orientam uma deter- diversas ao longo do tempo – o enten- XIX é peculiar para se observarem as
minada crença religiosa? dimento acerca da morte e do morrer, tensões criadas a partir das transfor-
www.ihu.unisinos.br

Mara Regina do Nascimento – no Brasil, por exemplo, não foi sem- mações, não somente das formas de
Celebrar a memória dos mortos não pre o mesmo e se modifica de acordo enterramento dos mortos, mas igual-
é outra coisa senão que a própria ex- com os imaginários e representações mente das concepções religiosas atre-
pressão dos ritos – e o rito é sempre vigentes –, é preciso evitar as genera- ladas ao catolicismo e às representa-
um ato social. As práticas religiosas lizações. As crenças e seus princípios ções para o post mortem.
fúnebres, constituídas por estes ritos, são variáveis no tempo, assim como
são formas de exorcização da morte, os rituais de morte. O grau da relação Os cemitérios extramuros e a
que, se por um lado, pode significar que as sociedades do passado e do nova compreensão do urbano
perda e ruptura profunda no curso da presente mantêm com a providência No Brasil durante a década de
vida ordinária, de outro pode estabe- divina determina a forma de enterrar 1850, as primeiras obras para a trans-
lecer uma nova ordem na nossa rela- os seus mortos e as maneiras pelas ferência dos cemitérios intramuros
ção com o cosmos. Nesse sentido, é da quais irão se lembrar deles ou não. tiveram como locus privilegiado as
vida e dos vivos que estes ritos falam, Tenho pesquisado mais detidamente capitais das províncias mais desen-
revelam, reforçam identidades sociais a dimensão social da morte nas cida- volvidas do Império; e temporalmen-
e se orientam por crenças religiosas. des oitocentistas e os sentidos que a te precederam a separação civil en-

24 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


tre a Igreja e o Estado. Esta reforma Mara Regina do Nascimento – Mara Regina do Nascimento – A

Tema de Capa
– essencialmente urbana e um misto Mais do que refletir determinadas religiosidade brasileira se faz pela fes-
de laicização e de restabelecimento doutrinas religiosas, as formas de ta. Muitos autores trataram e vêm tra-
do poder eclesiástico – é aparente- viver e as práticas rituais do morrer tando acerca desta temática, toman-
mente um objeto paradigmático das podem revelar os quadros mentais do o período colonial, o século XIX e
transformações sofridas pelo espaço de civilizações e a perspectiva tem- a atualidade. São tantos pesquisado-
urbano dos anos 1800, quando o li- poral que elas experimentam. Na res, recortes, enfoques e perspectivas
beralismo se consubstancia em pen- civilização moderna e ocidental, a ex- que não teria como enumerá-los aqui.
samento nacional. É um período em periência com o tempo, em sua con- Apenas a título de exemplo, temos os
que os centros urbanos intensificam- cepção tridimensional – vivida pelo estudos de Beatriz Catão, sobre a festa
-se como polos irradiadores de uma entrecruzamento do passado, com o de Corpus Christi nas cidades da Amé-
rede complexa de circulação de mer- presente e o futuro –, diz muito so- rica portuguesa, no século XVIII, os de
cadorias e transportes. As crenças re- bre as bases em que se assentam as Mariza Soares e Marina de Mello e
ligiosas não ficam à margem de tais doutrinas religiosas. Os ritos de pas- Souza, para o Congado da mesma cen-
transformações. Os cemitérios ex- sagem, as manifestações que expres- túria, os de Lilia Moritz Schwarcz so-
tramuros são reformas que acabam sam o luto revelam, em grande medi- bre a dimensão teatral da realeza nas
reafirmando as diferentes formas de da, a relação que sustentamos com a festas do Brasil imperial, ou, ainda, o
culto e afetividade com os mortos e, temporalidade e nossa sensibilidade já bem conhecido trabalho de João
sobretudo, uma nova compreensão a ela. A história da Cristandade tem José Reis sobre as práticas funerárias
do urbano. Esta compreensão, por uma intrínseca relação com as ma- em Salvador da década de 1850 a car-
sua vez, tanto revela os projetos ur- neiras de interpretar o tempo e estas go das irmandades religiosas, que im-
banos que se empenhavam na frag- se vinculam aos modos de viver e primiam a estes rituais um caráter fes-
mentação física e funcional entre os enterrar seus mortos. Grosso modo, tivo. Há, na atualidade, uma corrente
espaços – as secretarias dos gover- nos séculos XIII ao XVII a Cristanda- historiográfica centrada na reatuali-
nos provinciais, cada qual com sua de baseava-se numa contínua espera zação das festas de negros, em que
atribuição, são criadas neste período pelo fim dos tempos; a ameaça do Hebe Mattos e Martha Abreu figuram
– como denunciam uma nova relação Juízo Final era, pois, fator de inte- entre as historiadoras mais conheci-
do homem com a crença no Além. As gração histórica (Koselleck). Nessa das. Sem contar antropólogos como
concepções oriundas do conceito de estrutura, presente e passado pare- Roberto DaMatta2 e Léa Freitas Perez
progresso (criado no final do século ciam unir-se na perspectiva de um que dedicam-se a revelar o quanto as
XVIII e colocado em prática no XIX) mesmo horizonte. A modernidade, festas nos formam, informam e nos
vinham atreladas a uma visão otimis- segundo este mesmo autor, rompe mobilizam, a ponto de serem a nossa
ta acerca do futuro. Nesse novo qua- com esta temporalidade e o futuro marca distintiva e de reconhecimento.
dro, conforme afirma Koselleck1, as passa a ser vivido no presente, num Todos são unânimes em afirmar que
expectativas deixam de se estender processo de secularização dos “hori- não há como traçar a história do Brasil
para o Além e a relação com o por- zontes de expectativas” que passam sem, de um modo mais aprofundado,
vir transforma-se gradativamente em a estar enraizados nos “espaços da ou mais tangencial, chegar-se à festa.
prognósticos racionais. Divisa-se um experiência”. Nosso presente histó- Se entre os séculos XVII e XVIII elas
cenário em que as cidades caracterís- rico assim concebido se entrecruza expressavam-se por meio das formas
ticas do período colonial, aquelas em com a recordação e a experiência, exteriorizadas da fé; hoje, apesar dos
que vivos e mortos conviviam e onde afirma Fernando Catroga. A seculari- cultos e rituais terem se tornado mais
cotidianamente os enterramentos se zação da vivência da morte, da vida contritos e restritos ao interior dos
efetivavam aos olhos de todos, se- social, do cotidiano, assenta-se nes- prédios religiosos, as festas não su-
riam reformadas na totalidade. ta forte presentificação do tempo e cumbiram à nova ordem social e ur-
na sua relação com o que ainda não bana. Antes, seus promotores e pro-
www.ihu.unisinos.br
IHU On-Line – Em que sentido a aconteceu. O cuidado com o corpo tagonistas encontraram maneiras de
forma de viver e morrer reflete uma e o desejo em prolongar a vida que eternizar sua existência.
determinada doutrina religiosa? experimentamos na contemporanei-
dade, em contraste com as preocu-
1 Reinhart Koselleck (1923-2006): um
pações com o conforto para a alma, 2 Roberto DaMatta (1936): antropolólogo
de épocas passadas, singularizam o brasileiro, considerado um dos grandes
dos mais importantes historiadores nomes das Ciências Sociais brasileiras.
alemães do pós-guerra, destacando-se indivíduo moderno, contrastando-o É autor de diversas obras de referência
como um dos fundadores e o principal
teórico da história dos conceitos. As
com o sujeito que se sentia parte de na Antropologia, Sociologia e Ciência
uma comunidade unida por laços de Política, como Carnavais, Malandros e
suas investigações, ensaios e monogra- Heróis, A casa e a rua ou O que faz o
fias cobrem um vasto campo temático. oração aos mortos. brasil, Brasil?. Confira a entrevista que
No geral, pode-se dizer que a obra de concedeu à edição 184 da Revista IHU
Koselleck gira em torno da história in- On-Line, de 12-06-2006, intitulada Ritu-
telectual da Europa ocidental do século IHU On-Line – Qual a relação en-
al, drama e jogo, disponível para down-
XVIII aos dias atuais. Também é notável tre festa e religião quando pensamos load em http://migre.me/QYuy. (Nota
o seu interesse pela teoria da história.
(Nota da IHU On-Line)
nas práticas religiosas brasileiras? da IHU On-Line)

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 25


Tema de Capa
Por toda parte, o segredo de
Deus
“A realidade plural, incluindo as diversas manifestações de crenças, vem percebida
em toda a sua positividade na medida em que suas raízes fundam-se no mistério de
Deus”, assinala o teólogo Faustino Teixeira

Por Graziela Wolfart

A
o falar sobre o sufismo e a experiência dades da imanência e de movimentos singu-
mística do Islã na tradição islâmica, o lares de experimentação da plenitude do real.
professor e teólogo Faustino Teixeira Há que estar aberto e desarmado para deixar-
afirma, na entrevista que concedeu por e-mail -se provocar por tais ventos novidadeiros”.
à IHU On-Line, que “o que mais seduz no con- Faustino Teixeira é professor do Programa
tato com os grandes místicos dessa tradição é de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da
a rica experiência de Deus por eles vivenciada: Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF,
de um Deus que é proximidade e misericór- pesquisador do CNPq e consultor do ISER-As-
dia, que suscita o mais vivo amor desinteres- sessoria. É pós-doutor em Teologia pela Ponti-
sado. E Ele está em toda parte, trazendo sua fícia Universidade Gregoriana. Entre suas pu-
‘caravana de açúcar’, como lembra Rûmî num blicações, encontram-se Teologia e pluralismo
de seus lindos poemas. Na perspectiva do su- religioso (São Bernardo do Campo: Nhanduti
fismo, a razão de ser de todo o humano, e de Editora, 2012); Catolicismo plural: dinâmicas
toda a criação, é poder resgatar a comunhão contemporâneas (Petrópolis: Vozes, 2009);
com essa fonte de generosidade, misericórdia Ecumenismo e diálogo inter-religioso (Apa-
e gentileza, e poder irradiar entre os outros a recida do Norte: Santuário, 2008); Nas teias
sua fragrância de vida, força e luz”. A seu ver, da delicadeza: Itinerários místicos (São Paulo:
a possibilidade de uma “experiência de pro- Paulinas, 2006); No limiar do mistério. Mística
fundidade, de radical comunhão com o uni- e religião (São Paulo: Paulinas, 2004); Os ca-
verso, de abertura ao mistério das coisas, não minhos da mística (São Paulo: Paulinas, 2012);
é propriedade de quem vive uma experiência e Buscadores do Diálogo: Itinerários Interreli-
religiosa explícita. Fala-se hoje, com força de giosos (São Paulo: Paulinas, 2012).
evidência, sobre a positividade de espirituali- Confira a entrevista.
www.ihu.unisinos.br

IHU On-Line – Como distinguir a etapas e métodos diferenciados, sem- que envolve um particular trabalho da
experiência mística presente nas tra- pre com a indispensável ajuda de um experiência. Por sua vez, nas tradições
dições religiosas ocidentais com res- guru. Busca-se superar a dualidade religiosas ocidentais a ênfase recai na
peito às religiões do Oriente? sujeito/objeto, visando o horizonte experiência de uma alteridade reco-
Faustino Teixeira – Nas grandes do advaita (adualidade), uma nova nhecida como inevitável e essencial,
religiões orientais o traçado místico realidade e uma nova forma de co- mas sempre vinculada ao exercício da
passa pela dinâmica da interioridade, nhecimento. Na tradição mística do palavra. No judaísmo, como lembra
do êntase (em distinção do êxtase). budismo, em suas diferentes formas Abraham Heschel, a contemplação
Trata-se de um caminho que possibi- (theravada, hinayana, mahayana, de Deus passa pela percepção de sua
lita a descoberta do Mistério no “ín- vajrayana) sublinha-se, antes, o “si- viva presença nas coisas, na Bíblia e
timo do Si substancial”. Verifica-se, lêncio de Deus”, que é uma maneira nos atos sagrados (adoração, ciência
por exemplo, na tradição hindu uma singela de “preservar a condição mis- e ação). Não há como conceber o ser
experiência bem peculiar, de busca de teriosa do último”. O acento vem dado humano cerceado na sua solidão. Se-
superação do eu empírico mediante no “caminho” que leva à libertação, gundo Heschel, “a alma humana defi-

26 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


nha quando arrancada daquilo que é
“A experiência de Deus (ma’rifa) –, e Abu Yazid Bistami

Tema de Capa
maior do que ela. Sem o santo, o bom (m. 874), célebre por suas locuções
se torna caótico”. Quando o olhar vem
situado no horizonte dessa maravilha, fé islâmica ganha teopáticas. Há ainda as presenças im-
portantes de Abu’l-Qasim al-Junayd
torna-se capaz de perceber com mais
lucidez aquilo que está próximo. Daí com o sufismo (m. 910) e Al-Hallaj (857-922). Al-Ju-
nayd é conhecido como o místico da
a excelência da oração, que situa o
ser humano no extremo oposto do uma perspectiva sobriedade (sahw). Para ele, os misté-
rios da mística não podem ser revela-
“ego”, facultando-lhe a possibilida-
de de “ver todas as coisas do ponto de interiorização e dos abertamente, fora do círculo dos
iniciados. Distintamente, Al-Hallaj,
de vista de Deus”. E esta perspectiva
mística suscita necessariamente uma intensificação” conhecido como o místico mártir do
Islã, é marcado pela ebriedade (sukr).
“ação humanizadora”. Igualmente no Trata-se de um místico ardoroso, que
cristianismo, a mística bebe na seiva manifesta abertamente os laços de
dos livros sagrados (primeiro e se- rização e intensificação. Os sufis con- sua união amorosa com Deus, sem
gundo testamentos), desdobrando-se sideram-se verdadeiros muçulmanos, as cautelas ponderadas por alguns
numa perspectiva que é especulativa realizando em sua vida três das di- dos mestres desta tradição. E pagou
ou nupcial. A iluminação contemplati- mensões essenciais do Islã: a entrega por isso. A poesia sufi está carrega-
va, que não se desvia da dinâmica do abnegada (islâm), a fé (îmân) e a prá- da desse sentimento de embriaguez.
conhecimento, encontra sua consu- tica do bem (ihsân). O que mais seduz Há, porém, que registrar também a
mação mais radical no amor unitivo. no contato com os grandes místicos presença nessa tradição de uma cor-
Como sublinha com acerto Henrique dessa tradição é a rica experiência de rente mística que busca disfarçar o
Cláudio de Lima Vaz, “a linguagem da Deus por eles vivenciada: de um Deus estado embriagado interior com um
união característica dos autores místi- que é proximidade e misericórdia, que comportamento exterior sóbrio, não
cos denota, na sua forma frequente- suscita o mais vivo amor desinteressa- deixando transparecer externamen-
mente paradoxal, uma luta dramática do. E Ele está em toda parte, trazendo te as próprias virtudes. São os assim
para exprimir o inexprimível. É fun- sua “caravana de açúcar”, como lem- chamados malamatis. O sufismo en-
damental, no entanto, assinalar que, bra Rûmî num de seus lindos poemas. contra sua maturidade com a poesia
mesmo na inefabilidade da união, a Na perspectiva do sufismo, a razão de e prosa persa de místicos como Farid
mística cristã permanece uma místi- ser de todo o humano, e de toda a ud-Din Attar (m. 1220) e Jalal ud-Din
ca da palavra”. E por fim, a tradição criação, é poder resgatar a comunhão Rûmî (1207-1273).
mística islâmica também está funda- com essa fonte de generosidade, mi-
da na palavra. A grande teofania está sericórdia e gentileza, e poder irradiar IHU On-Line – Em que medida a
ali presente num livro: o Alcorão. Não entre os outros a sua fragrância de mística islâmica favorece a acolhida
se trata de um livro qualquer, mas vida, força e luz. Diz Rûmî: “De toda da diversidade religiosa?
como assinala Massignon, apresenta- parte chega o segredo de Deus; eis Faustino Teixeira – Na visão de
-se como “um ditado sobrenatural, que todos correm, desconcertados. um dos grandes metafísicos do sufis-
registrado por um profeta inspirado”. Dele, por quem todas as almas estão mo, Ibn’Arabi1 (1165-1240), todas as
Não há como deslocar a experiên- sedentas, chega o grito do aguadeiro. coisas que subsistem estão envolvidas
cia mística do Islã, o sufismo, enten- Todos bebem o leite da generosida- pelo “Hálito do Misericordioso”. As
dido como sua dimensão interior, de divina e querem agora conhecer o teofanias estão acontecendo a cada
da tradição mesma em que sempre seio de sua nutriz”. momento, brilhando na dinâmica de
esteve associado. O sufismo não se movimento do coração, que é, por www.ihu.unisinos.br
firma em ruptura com a fé corânica, IHU On-Line – Podem-se desta- excelência, o “ponto de impacto dos
mas em linha de sua interiorização e car alguns de seus mais importantes
aprofundamento. representantes?
Faustino Teixeira – O sufismo 1 Ibn Arabi: chamado o “Doutor Máximo”
e “vivificador da Religião”, nasceu em
IHU On-Line – Quais as pecu- acompanha os passos da tradição is- Múrcia, na Espanha, em 1165 e faleceu
liaridades que definem a mística lâmica. No sufismo mais clássico, mar- na Síria, Damasco, em 1240. O Mestre
de Múrcia escreveu centenas de livros,
islâmica? cadamente asceta, destacam-se al- dos quais 150 ainda são conservados.
Faustino Teixeira – O sufismo guns importantes nomes, como Rabi’a Entre os escritos de Ibn Arabi se desta-
al-Adawiyya (m. 801). Foi ela quem cam a Epístola da Santidade, Pérolas e
(tasawwuf) é o nome mais recorrente Sabedoria e As Revelações de Meca, que
para designar a experiência mística do introduz no sufismo o tema essencial possui mais de 4 mil páginas no original
Islã, traduzindo uma “dimensão inte- do amor desinteressado. Podem tam- em árabe. Confira a entrevista Amor e
aniquilação na mística de Marguerite Po-
rior” muitas vezes desconhecida ou bém ser mencionados nesse momen- rete e Ibn’Arabi, concedida por Ernesto
despercebida na tradição islâmica. A to inicial os místicos Dhu’n-Num (m. Cardenal à edição 133 da IHU On-Line,
859) – conhecido como o introdutor de 21-03-2005, disponível para downlo-
experiência de fé islâmica ganha com ad no link http://bit.ly/sJiHh9. (Nota da
o sufismo uma perspectiva de interio- da ideia do conhecimento intuitivo de IHU On-Line)

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 27


acontecimentos espirituais”. Trata-se
“Todo místico Leia mais...
Tema de Capa
do órgão fundamental da experiên-
cia mística, espelho da contempla-
ção. A realidade plural, incluindo aí tem uma relação >> Faustino Teixeira já concedeu
as diversas manifestações de crenças,
vem percebida em toda a sua positi- de liberdade com outras
Confira:
entrevistas à IHU On-Line.

vidade na medida em que suas raí-


zes fundam-se no mistério de Deus. respeito à sua • Perfil – Faustino Teixeira. Edição 314
da revista IHU On-Line, de 09-11-
Na verdade, o sufismo preocupa-se
fundamentalmente com o “Princípio própria tradição” 2009, disponível em http://migre.
me/9K19X
único”, que está na raiz das ramifica- • Teologia Pluralista e Teologia da
ções religiosas. Fixar-se numa única Revelação. Entrevista especial com
ramificação, desconhecendo as rique- rizonte experimentado ou aproxima- Faustino Teixeira. Entrevista do Dia
zas que habitam nas outras, é, para os do. E esta experiência espiritual pode de 04-07-2010, disponível em http://
sufis, desconhecer as vertentes mais também acontecer fora das crenças, migre.me/9K1j9
profundas do Mistério sempre maior. como bem lembrou Michel de Certe- • “Rûmî é o poeta da dança da Unida-
Em clássica obra sobre os “engastes au2 em clássico artigo sobre o tema, de”. Edição 222 da revista IHU On-
da sabedoria” (Kitâb Fusûs al-Hikam), publicado na Encyclopaedia univer- -Line, de 04-06-2007, disponível em
ao tratar do profeta Hûd, Ibn’Arabi ad- salis (1971). A possibilidade de uma http://migre.me/9K1oF
verte para o risco da concentração ex- experiência de profundidade, de ra- • Mística: experiência que integra ani-
clusiva num credo particular, renegan- dical comunhão com o universo, de ma (feminilidade) e animus (mas-
do as riquezas que existem alhures. abertura ao mistério das coisas, não culinidade). Edição 385, de 19-12-
Sublinha que tal concentração acaba é propriedade de quem vive uma ex- 2011, disponível em http://migre.
deixando escapar um “bem imenso”. periência religiosa explícita. Fala-se me/9K1xv
A diversidade é, antes, um valor es- hoje, com força de evidência, sobre • O Jesus de Pagola. Edição 336 da
sencial, que não se pode negligenciar a positividade de espiritualidades da revista IHU On-Line, de 06-07-
na dinâmica do crescimento na “ciên- imanência e de movimentos singula- 2010, disponível em http://migre.
cia da Verdade”. É na linha da “religião res de experimentação da plenitude me/9K1Pl
do amor” que avançam as caravanas do real. Há que se estar aberto e de- • O budismo e o “silêncio sobre Deus”.
dos místicos como Al-Hallaj, Ibn’Arabi sarmado para deixar-se provocar por Edição 308 da revista IHU On-Line,
e Rûmî. Como indica Rûmî, numa das tais ventos novidadeiros. de 14-09-2009, disponível em ht-
mais lindas passagens de seu Mathna- tp://migre.me/9K1UB
wi, a fixação no território das formas • Teologia da Libertação: a contribui-
acaba impedindo o buscador de cap- ção mais original da América Latina
tar a “árvore da vida”, pontuada por 2 Michel de Certeau (1925-1986): inte- para o mundo. Edição 214 da revista
lectual jesuíta francês. Foi ordenado na
incontáveis nomes e cujo segredo só Companhia de Jesus em 1956. Em 1954 IHU On-Line, de 02-04-2007, dispo-
é possível captar quem tem o coração tornou-se um dos fundadores da revista nível em http://migre.me/9K1Xq
Christus, na qual esteve envolvido du-
aberto para o mistério da diversidade. rante boa parte de sua vida. Lecionou
• Jesus de Nazaré: um fascínio dura-
em várias universidades, entre as quais douro. Artigo publicado na edição
IHU On-Line – Pode-se também Genebra, San Diego e Paris. Escreveu 248 da revista IHU On-Line, de 17-
diversas obras, dentre as quais La Fable
falar em outras formas não religiosas mystique: XVIème et XVIIème siècle (Pa- 12-2007, disponível em http://mi-
de mística? ris: Gallimard, 1982); Histoire et psycha- gre.me/9K2bt
nalyse entre science et fiction (Paris:
Faustino Teixeira – Não há dúvi- Gallimard, 1987); La prise de parole.
• Uma reflexão sobre o pluralismo
www.ihu.unisinos.br

da alguma sobre isso. Há que subli- Et autres écrits politiques (Paris: Seuil, religioso a partir de Aparecida. Edi-
nhar, primeiramente, que todo mís- 1994). Em português, citamos A escrita ção 224 da revista IHU On-Line, de
da história (Rio de Janeiro: Forense Uni-
tico tem uma relação de liberdade versitária, 1982) e A invenção do cotidia- 20-06-2007, disponível em http://
com respeito à sua própria tradição. no (3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998). Sobre migre.me/9K2iC
Em razão de seu mergulho na pro- Certeau, confira as entrevistas Michel
• Bento XVI e Barack Obama: novas
de Certeau ou a erotização da história,
fundidade espiritual, ele acaba se concedida por Elisabeth Roudinesco, e As perspectivas de diálogo com o islã.
dando conta da realidade limitada e heterologias de Michel de Certeau, con- Artigo publicado nas Notícias do
cedida por Dain Borges, ambas à edição
vulnerável de sua própria tradição, 186 da IHU On-Line, de 26-06-2006, dis- Dia, de 06-06-2009, disponível em
sem que isso implique diminuição de poníveis para download em http://bit. http://migre.me/9K2pY
seu amor por ela. O que ocorre é que ly/PUWt3r. As mesmas entrevistas podem • O pluralismo religioso no coração
ser conferidas na edição 14 dos Cadernos
o movimento de aprofundamento IHU em Formação, intitulado Jesuítas. da teologia. Entrevista publicada na
do próprio vínculo acaba suscitando Sua identidade e sua contribuição para IHU On-Line número 398, de 13-08-
o mundo moderno, disponível para do-
um exercício novo de liberdade e de wnload em http://bit.ly/RDt60r. (Nota 2012, disponível em http://bit.ly/
abertura. O místico busca garantir, da IHU On-Line) NlSqrO
uma “margem indizível” para o ho-

28 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


Tema de Capa
Os resquícios do encontro
catequético e ritual nos séculos
XVI a XVII
“Em sua ambição missionária (religiosa) e universalista, o catolicismo sustentou
diálogos e entendimentos, mas também justificou e produziu confrontos e mal-
entendidos que revelam visões de mundo e interesses radicalmente distintos”,
destaca Adone Agnolin

Por Graziela Wolfart

A
partir de um “olhar duplamente estra- serção e de um profundo entendimento do
nhado” (de historiador e de, ainda de contexto das ‘civilizadas’ culturas orientais:
algum modo, estrangeiro), da atuali- apontou, enfim, para a imprescindibilidade
dade política, social e religiosa do Brasil, o de uma nova e apriorística (em relação ao
professor da USP, Adone Agnolin, concedeu projeto evangelizador) problemática herme-
a entrevista a seguir à IHU On-Line por e- nêutica asiática a ser aprofundada no novo
-mail, onde abordou, dentre outros temas, contexto missionário”.
o problema que diz respeito à relação entre Adone Agnolin possui graduação em Fi-
Ocidente e alteridades antropológicas. Para losofia pela Università degli Studi di Padova,
ele, o contexto missionário asiático revelou, Itália. É doutor em Sociologia e pós-doutor
ao olhar atento da moderna missão jesuítica, em História Social pela Universidade de São
“aquilo que nós hoje chamaríamos de surgi- Paulo – USP. Desde 2003, é professor em His-
mento ou, talvez melhor, da evidência de tória Moderna no Departamento de História
uma perspectiva e, sobretudo, de uma ‘cons- da USP. É autor de, entre outros, O apetite da
ciência hermenêutica’”. E continua: “foi jus- antropologia – o sabor antropofágico do sa-
tamente o paralelo (isto é, o equívoco) que ber antropológico: alteridade e identidade no
se estabeleceu entre budismo e cristianismo caso tupinambá (São Paulo: Associação Edito-
que demonstrou efetivamente a derrota des- rial Humanitas, 2005); e Jesuítas e selvagens:
sa primeira atividade e estratégia missionária a negociação da fé no encontro catequético-
que, inevitavelmente, apontou para a neces- -ritual americano-tupi (séc. XVI-XVII) (São
sidade de redirecionar a adaptação jesuítica, Paulo: Humanitas / FAPESP, 2007).
partindo finalmente de uma mais solida in- Confira a entrevista. www.ihu.unisinos.br

IHU On-Line – O que o senhor -se começar uma abordagem propria- mática e historicamente complexa,
destaca das memórias e das narrati- mente historicista à problemática im- de uma definição de “religiões”, cujo
vas nas religiões islâmica, judaica e plícita. Não podendo ser respondida rótulo (segundo a própria pergunta)
orientais? nesse limitado espaço, por um lado está implicitamente “colado” às três
Adone Agnolin – Qual religião somos obrigados a deixar de lado, por dimensões históricas, culturais e civi-
para qual Oriente? Esta pergunta se enquanto, a questão da definição de lizacionais, profundissimamente dife-
imporia necessariamente enquanto “memórias” e “narrativas”: absoluta- renciadas. A problemática que traça-
problematização, primeira e necessá- mente não secundária, levando em mos, portanto, é fundamental e sua
ria, da pergunta inicial. De fato, ten- consideração que estas também são investigação improrrogável para per-
tando responder à questão posta pela sempre histórica e culturalmente de- mitir uma resposta que se coloque,
entrevista, colocam-se inicialmente finidas; por outro lado, todavia, não quanto menos, em uma perspectiva
dois problemas bastante complexos, podemos deixar de levar em consi- de investigação propriamente histó-
mas a partir dos quais somente pode- deração a questão central, proble- rica. Para realizar essa tarefa, impor-

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 29


-se-ia uma abordagem que parta de
“A civilização ca, poder-se-ia dizer que é a intermedi-
Tema de Capa
uma fundamental perspectiva me- ária, sob vários pontos de vista, entre o
todológica qual aquela adotada em
nossos estudos e que consiste subs- islâmica é, entre Oriente e o Ocidente. Entre essas duas
dimensões civilizacionais, enfim, apa-
tancialmente na perspectiva de uma
metodologia histórico-religiosa. Não aquelas orientais, rece a diferenciação comparativamen-
te mais significativa, dois modos com-
podendo nesse espaço nos adentrar- pletamente distintos da perspectiva
mos nela, remetemos apenas indica- a que mais se de leitura dos respectivos patrimônios
tivamente aqui a uma breve síntese culturais: um puramente oriental e ou-
dessa perspectiva que propusemos, aproxima do tro – este sim um modo propriamente
entre outros, em um artigo intitula- “religioso” – compartilhado com, pela
do “O debate entre história e religião Ocidente” e na civilização ocidental. A constata-
em uma breve história da história das ção mais evidente da peculiaridade do
religiões: origens, endereço italiano e “religioso” ocidental (e, portanto, de
perspectivas de investigação” (In: Re- Guénon nos oferece uma síntese inicial sua profunda diferença com o Orien-
vista Projeto História, n. 37 “História de uma significativa análise compa- te) é evidente, de resto, justamente
e Religiões”, São Paulo, dez. 2008, p. rativa, relacional e diferencial, depois no fato que “hebraísmo, cristianismo e
13-39); remetemos ainda à o������ rgani- de ter evidenciado a constituição de islamismo se apresentam como os três
zação dos trabalhos para tradução e um processo histórico de intermedia- elementos de um mesmo conjunto,
edição brasileira do Manuale di Storia ção realizada pelo Islã entre os dois fora do qual [...] é bastante difícil apli-
delle Religioni de P. Scarpi, G. Filora- contextos: aqueles do Ocidente e do car apropriadamente o próprio termo
mo, M. Raveri, M. Massenzio (Laterza, Oriente. É nessa base que, levando em de ‘religião’” (ibidem, p. 58). Não por
Roma-Bari 1998): realizada para a edi- consideração, justamente, a antiga e último, com relação ao Islã, é significa-
tora Hedra, São Paulo, 2005, 4 vols., prioritária unidade tradicional da “Cris- tivo o fato de que este esteja fundado
com vista principalmente ao vol. IV, de tandade” ocidental (do Ocidente me- sobre uma tradição que pode ser defi-
Marcello Massenzio, A história das re- dieval), o autor mostra como esta foi nida como “religiosa” nos moldes oci-
ligiões na cultura moderna; tudo isso concebida substancialmente segundo dentais, enquanto, por outro lado, di-
na espera de uma nossa mais recen- sua específica modalidade “religiosa”. ferentemente do Ocidente atual, esta
te e densa síntese-reflexão, de próxi- Dessa maneira, o conceito de religião tradição religiosa muçulmana se cons-
ma publicação: História das religiões: se configura como um conceito própria titui como ordem social em sua totali-
prolegômenos à perspectiva histórico- e totalmente ocidental que, em termos dade integrada na religião: no contexto
-comparativa do estudo das religiões, de constituição de unidade civilizacio- islâmico, a legislação é inseparável des-
São Paulo, Loyola, no prelo. nal, foi atingindo, em sua formação, sa religião porque nela encontra seu
também aquela do mundo muçulma- princípio e razão de ser.
O conceito de “religião”: no. Dito de outra forma, a civilização
ocidental islâmica é, entre aquelas orientais, a Identificação religiosa ou filo-
Aqui, por enquanto, partiremos que mais se aproxima do Ocidente: pa- sófica das tradições orientais
da pergunta que nós mesmos propu- ralelamente à sua colocação geográfi- Ora, no que diz respeito, sobre-
semos acima: “qual religião para qual
tudo, ao contexto oriental, a diferença
Oriente?”. Tentando responder mini-
torna-se evidente quando, por exem-
mamente à sua complexidade, reme- perspectiva propriamente historicista.
Como, por exemplo, onde o autor se pro- plo, passando à análise da unidade
temos aqui, no breve espaço dessa
põe o objetivo de delinear uma pretendida tradicional da civilização hindu (no in-
entrevista, ao trabalho já clássico de essência de uma metafísica oriental e de terior de características consideradas
um autor, estudioso do hinduísmo, suas qualificações, decorrentes dessa es-
sencialidade, em termos de “universalida- comuns ao contexto asiático), Guénon
que não pertence à nossa perspectiva
destaca como essa unidade repousa
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de”, “autossuficiência”, “pureza”, “ime-


e metodologia de estudos, mas que, diatismo” de seu conhecimento dos prin- inteiramente sobre o reconhecimento
mesmo assim, conseguiu de forma bri- cípios universais (dos quais tudo o resto
depende) etc. Esta independência total e de certa tradição que, por um lado,
lhante formular bem o problema (indo
absoluta, de fato, a torna estranha a qual- engloba toda a ordem social, mas por
quase ao encontro da perspectiva pro- quer possibilidade de análise histórica, a outro o faz a título de simples aplica-
priamente histórico-religiosa), sugerin- qual, para nós, é a unicamente pensável.
Mesmo assim, na sua rica e perspicaz parte ção a determinadas contingências: isso
do algumas adequadas e importantes
da análise crítica de certas categorias his- se deve ao fato de que esta específica
orientações de investigação a esse pro- tóricas ocidentais, nos supreendeu o fato configuração da “tradição”, segundo
pósito. Em seu Introduction général à de encontrar, neste autor, certa antecipa-
o próprio autor, “não é mais religio-
l’étude des doctrines hindoues1, René ção (para a época) de questões histórico-
-religiosas (quase “brelichianas”, diríamos, sa”: nos contextos asiáticos “nada
em alguns importantes aspectos). E, por mais existe de parecido às religiões
1 René GUÉNON, Introduction général à outro lado, encontramos em seu trabalho,
l’étude des doctrines hindoues. Ed. Orig. inclusive, a antecipação de algumas ques- ocidentais” (idem, ibidem, p. 60-61).
Francesa: Paris, Éditions Véga/La Maisnie, tões às quais se conformam os resultados Sem pretender seguir minimamente
1921. Trad. Italiana: Milão, Adelphi, 1989. específicos da nossa atual pesquisa sobre o autor em sua tentativa de definição
Estudo bastante interessante, mesmo em o Oriente, lido e interpretado através da
suas partes mais problemáticas: algumas, documentação missionária e jesuítica dos positiva dessa “tradição”, denominada
aliás, bastante problemáticas para uma séculos XVI-XVII. (Nota do entrevistado) de “ordem metafísica”, o que merece

30 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


destaque a respeito dessa parte de sua
“No contexto excluindo o caso de importações es-

Tema de Capa
análise é, justamente, a concepção crí- trangeiras, que não puderam exercer
tica (negativa) que problematiza uma
identificação “religiosa” ou, em outros asiático existem uma influência verdadeiramente pro-
funda nem muito extensa, o desco-
casos, “filosófica” das “tradições orien-
tais”: hindu ou chinesa. Esta última, ritos que têm um nhecimento do ponto de vista que nós
identificamos enquanto “religioso” re-
partindo de uma concepção tradicio- presenta um dos raros traços comuns
nal bastante particular (o conceito de caráter bastante que podem ser observados na menta-
gen), vê repousar sua inteira organi- lidade chinesa, japonesa, mas também
zação social sobre a base da família: diferenciado indiana e, em boa parte, do contexto
tratar-se-ia de uma organização que se extremo oriental.
opõe a qualquer tipo de individualis- em relação à
mo e que chega a realizar uma função IHU On-Line – Como o senhor
que pode ser considerada pelo menos conceitualização define o problema da mediação cul-
tão importante quanto aquela da casta tural entre as missões cristãs e as po-
na sociedade hindu e que, de algum
modo, lhe pode ser comparada. Nesse
e à função ritual- pulações indígenas?
Adone Agnolin – A problemática
sentido e a partir desses pressupostos,
para qualquer tipo de investigação a
religiosa que nos é proposta acima tem sua complexida-
de determinada substancialmente
esse respeito ganha centralidade o
instrumento metodológico da “compa-
própria” pelo olhar culturalmente condiciona-
do do observador ocidental: isto é,
ração diferencial” em sua consonância condicionado pelo seu poderoso ins-
no interior de nossa própria perspecti- dental, ao “religioso” – que esses ritos trumento de universalização da leitu-
va histórico-religiosa. Segundo a aná- podem ser feitos objeto de um reco- ra da alteridade sub specie religionis,
lise proposta por Guénon (ibidem, p. nhecimento oficial o qual, na China, herdeiro do processo de cristianização
71), “encontra-se um elemento ritual seria inconcebível a qualquer outra da religio romana... Todavia e apesar
em cada religião, mas este sozinho não condição. disso, nos específicos contextos ope-
é suficiente a caracterizar a religião em rativos missionários, muitas vezes os
quanto tal [...], porque existem ritos O taoísmo jesuítas que se estabeleceram na Ín-
que não são em nada religiosos”. So- Outro exemplo significativo é o do dia ao longo do século XVI, no Japão,
bretudo no contexto asiático, existem taoísmo que, também, possui ritos que no último quarto do século XVI, e na
ritos que têm um caráter pura e exclu- lhe são próprios: tudo isso demonstra China no começo do século XVII, com-
sivamente social, ou, conforme a defi- como no contexto asiático existem ri- preenderam melhor que tanta histo-
nição privilegiada dos missionários dos tos (inclusive de “memórias” e “nar- riografia hodierna a extraordinária
séculos XVI-XVII, “civil”. Algo parecido rativas”: e nesse sentido condicionam peculiaridade e diferença que apon-
pode ser encontrado junto à civiliza- profundamente estas últimas) que, por tamos até aqui. Por isso, em alguns
ção greco-romana, isto é, antes que se quanto isso possa parecer estranho e, casos exemplares, e sempre tendo em
desprendesse o processo de “cristiani- muitas vezes, incompreensível para vista a necessidade de inserção de seu
zação” do conceito de “religião”: não é o Ocidente, têm um caráter bastante projeto missionário no contexto local,
por acaso que a missionação asiática diferenciado em relação à conceitua- reputaram totalmente natural partici-
da primeira Idade Moderna procurou lização e à função ritual-religiosa que par de tais cerimônias locais (realizar
utilizar-se, também, desta comparação nos é própria. Um último exemplo que uma “mediação cultural” no sentido
(veja-se bem, apenas analógica) para podemos acenar a respeito é o xinto- mais pleno da expressão), construin-
tentar entender, de algum modo, a pe- ísmo no Japão que, em certa medida, do assim uma inédita compatibilidade
culiaridade do contexto asiático e com tem o caráter e a função do confucio- com o cristianismo: mesmo gerando
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isso poder realizar o próprio projeto nismo na China: poder-se-ia dizer que, a escandalosa acusação (de outras
missionário. Ainda hoje esses tipos entre outros aspectos, é sobretudo ordens religiosas e não só) de pro-
de ritos se encontram, por exemplo, uma instituição cerimonial do Estado e duzir novas e intrigantes formas de
na civilização chinesa, onde não há al- seus funcionários (que evidentemente idolatria, polêmica que resultou na
guma confusão (toda ocidental) entre não são “padres”!) permanecem com- “disputa sobre os ritos”: mais conhe-
civil e religioso e onde as cerimônias pletamente livres de escolher para si cida aquela relativa aos ritos chineses,
do confucionismo são efetivamente uma própria religião ou de não abra- menos aquela relativa aos “ritos do
ritos sociais que somente alterando-os çar nenhuma. A peculiaridade dessa Malabar” que se encontra no centro
profundamente em sua hermenêutica situação, dificilmente identificável com de nossa atual investigação. E por
podemos identificar por algum (impro- uma dimensão religiosa, pode ser evi- certos aspectos, esses missionários,
vável) caráter religioso. E é somente denciada pelo fato de que a compati- havia totalmente razão se pensarmos,
enquanto caracterizados por sua di- bilidade de doutrinas diferentes nesse por exemplo, como o confucionismo,
mensão exclusivamente civil – isenta contexto se dá à condição que elas não se colocavam inteiramente por fora
e autônoma, isto é, não contraposta, se ponham no mesmo terreno... Mais do domínio religioso: e, veja-se bem,
como acontece em nossa cultura oci- uma vez, tudo isso demonstra quanto, “por fora” não em termos de contra-

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posição para se autonomizar e carac- encontrou-se, logo, na necessidade especificidade do contexto asiático, a
Tema de Capa
terizar, como acontece justamente no de produzir, para seus fins, uma série operatividade desta mediação cultural
Ocidente da época moderna, mas em de (primeiras) obras catequéticas, por tornou-se possível somente através
termos de uma diferença que se dá outro lado, será na base do fracasso de sua necessária inserção no interior
na medida em que não é posta (ain- (operativamente constatado) delas de uma consciência hermenêutica e
da, na época) a dimensão “religiosa” que, justamente, aos poucos irá se das peculiares dinâmicas missionárias
em termos de contraponto. É nesse constituindo uma proto-hermenêuti- jesuíticas junto às culturas do Oriente.
sentido que o confucionismo, impli- ca missionária asiática. Tanto em sua
cando somente quanto podia e devia produção como na tradução de obras Consciência historiográfica
normalmente ser admitido por todos já clássicas para as línguas asiáticas, Sobretudo, porém, tendo em
os membros do corpo social sem dis- os missionários acabam se dando vista as dimensões propriamente “re-
tinção, tornava-se, portanto, perfeita- conta que, em sua extrema procu- ligiosas” dos empreendimentos ul-
mente conciliável com qualquer reli- ra de uma aderência literária a essas tramarinos, a atuação missionária, a
gião, assim como com a ausência de obras – autorreferenciais em relação realização de uma mediação cultural
toda qualquer religião (a qual coisa, ao contexto ocidental de sua produ- protagonizada por estes, as diferentes
mais frequentemente, é explicada na ção inicial –, eles obtinham, de fato, modalidades em que isso se consti-
e para a ótica ocidental em termos de sua mais evidente incompreensão ou, tuiu a partir dos diferentes contextos
“tolerância”, o que, de fato, resulta ser às vezes ainda pior, o resultado da e das diferentes relações de força das
mais uma categoria gravemente ex- produção de mal-entendidos que de- culturas ou dos interlocutores locais,
temporânea ao contexto histórico...). corriam delas. Nesse sentido, o con- é importante levar em consideração
texto missionário e jesuítico asiático como tudo isso pôde e pode come-
Uma consciência hermenêutica acabou produzindo uma progressiva e çar a ganhar uma maior consciência
Portanto, bem antes e de forma, cada vez mais madura consciência de historiográfica a partir do momento
inicialmente, bem mais complexa da- que unicamente uma problemática do em que, fundamentando-se na base
quele apresentado para o Novo Mun- contexto podia oferecer os instrumen- da anterior realização de uma análise
do americano, o contexto missioná- tos, apriorísticos e fundamentais, para propriamente histórico-crítica-com-
rio asiático revelou, ao olhar atento enraizar, antes que uma produção ou parativa (aquela da perspectiva histó-
da moderna missão jesuítica, aquilo tradução/transliteração de qualquer rico-religiosa, que acenamos acima),
que nós hoje chamaríamos de surgi- tipo de obra, sobretudo uma “obra de se começou a propor a necessidade
mento ou, talvez melhor, da evidên- significação” que, depois, se revelasse de uma metodologia de investigação,
cia de uma perspectiva e, sobretudo, essencial e norteadora, inclusive para propriamente histórica, da catego-
de uma “consciência hermenêutica”. corrigir, sucessivamente, as primeiras ria de religião através de um percur-
Se, de fato, entendemos esta última obras de traduções catequéticas, dou- so histórico-comparativo: interno e
como “consciência de uma problemá- trinárias e evangelizadoras em sentido esterno ao Ocidente que produziu a
tica do contexto”, a nova conjuntura mais amplo e abrangente2: nesse con- categoria.
histórica e contextual na qual se inse- texto, para poder responder de algum 1. Internamente no mundo oci-
ria a missão jesuítica da primeira Ida- modo ao imperativo evangelizador, os dental, o percurso da categoria do
de Moderna revelara – aos missioná- próprios missionários encontraram- religioso permitiu recuperar sua di-
rios, antes, e à consciência europeia, -se subjugados por uma inescapável mensão e função de universalização
depois – como a problemática do abertura ao problema da mediação – implementada na base do modelo
contexto e uma reflexão consciente cultural junto às populações locais. da anterior civitas romana, resseman-
sobre ela tornavam-se fundamentais Exemplo interessante a esse respeito tizado no processo de sua sucessiva
para poder (dentro e a partir delas) é levar em consideração as obras “lite- cristianização.
enraizar uma obra de significação da rárias” (ocidentais ou locais), por além 2. No contexto externo, além de
mensagem evangelizadora cristã: e, daquelas propriamente “religiosas”, manifestar a força universalizante e
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com ela, da sua peculiaridade que se que os missionários se dedicaram a de tradução das alteridades etnoló-
desprendia justamente no interior de traduzir para, com elas, encontrar e gicas realizada sub specie religionis,
contextos e de percursos históricos tecer valores interculturais que, por esta perspectiva forneceu à nova his-
bastante distintos daquele da civiliza- além daqueles propriamente religio- toriografia a possibilidade de se abrir
ção ocidental. sos, ajudassem a construir um canal para este novo impulso crítico que
comum (de algum modo) de comu- redimensiona o religioso na história,
Os fracassos e a consciência de nicação através da dupla perspectiva permitindo também focalizá-lo a par-
uma problemática do contexto de ocidentalização de valores locais e tir de outros prismas: nesta direção
Os fracassos operativos resul- vice-versa. E, de qualquer maneira, na distinguiram-se, finalmente, os dife-
tados dos esforços dos primeiros rentes sentidos das missões religiosas
missionários se tornarão de extrema dependendo dos diversos tempos e
utilidade para entender, justamen- 2 Cf., a esse respeito, Alessandra ������
CHIRI- contextos, permitindo a apreciação
te, a importância desta “consciência COSTA: Introdução a Il vero significato
del “Signore del Cielo”, di Matteo Ricci. de formas diferenciadas de sua asso-
de uma problemática do contexto”. Traduzione e cura di Alessandra CHIRICO- ciação aos processos de formação das
Se, por um lado, a ação missionária STA. Roma, Urbaniana, 2006. (Nota do novas sociedades coloniais.
entrevistado)

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O contexto imperial português “Para poder Deus na Aldeia: missionários, índios e

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Nesta última perspectiva, logo mediação cultural. Org.: Paula Mon-
acima apontada, devem ser entendi-
dos processos, funções, mediações
responder de tero, São Paulo, Globo, 2006). É no
interior desse contexto da necessária
e, finalmente, a colocação estratégi-
ca das missões no contexto imperial
algum modo realização de uma mediação cultural
que a interpretação jesuítica da cultu-
ra oriental mostra, neste caso, como
português. Deve-se enfim, muito pro-
vavelmente, à maior força (historica- ao imperativo o instrumento “religião” tornou-se,
para eles mesmos, de escassa utilida-
mente determinada e determinante)
de organização do ideário imperial evangelizador, de, quando não, pior, de imperdoável
por parte do “Império simbólico” o distorção daquela realidade. É nesse
fato de que, no começo do empreen- os próprios caso significativo que a tradução dessa
dimento, os agentes da evangelização cultura “outra” tenha procurado outro
cristã viram-se reconhecida (e, de missionários necessário instrumento, não somen-
qualquer modo, sempre reivindica- te analógico mas também dialógico e
ram) uma precedência para organizar encontraram-se universal que pudesse traduzir esta
específica alteridade para o Ocidente.
os interesses comerciais, diplomáticos
e militares do império marítimo por- subjugados por E, mais uma vez, torna-se significati-
vo que, com esse objetivo, a tradução
tuguês (cf.: Charles R. Boxer. O impé-
rio marítimo português – 1415-1825). uma inescapável procurou reativar a relação com a cul-
tura da antiguidade romana, justamen-
Essa função das missões no contexto
imperial torna-se ainda mais eviden-
te lá onde possamos destacar como a
abertura ao te em seu privilegiado mecanismo de
universalização e mediação cultural
prioridade da organização dos interes-
ses imperiais se identificou, sobretu-
problema da anterior à reformulação tardo-imperial
do conceito de “religião”: trata-se do
do, com a entrega aos missionários da
função de tutelar pela sua aplicação
mediação civil, contido e permeado pelos seus
aspectos propriamente políticos e
junto aos diversos povos com os quais
entraram em relação, nos diversos
cultural junto às morais ou, segundo os termos cicero-
nianos do De re publica, nas “leges et
statuta moresque”. O instrumento con-
pontos que constituíam a rede impe-
rial: no fundo, os agentes missionários
populações locais” ceitual do “civil” tornou-se, então, no
foram não somente os instrumentos contexto asiático, mais poderoso que
privilegiados de mediação e de tra- aquele de “religião”, como demonstra
dução do “religioso” ocidental para as to para a evangelização como para as o exemplo da nova perspectiva missio-
culturas outras, mas foram, principal- trocas comerciais e para a inserção na nária lançada no Japão pela virada da
mente através desse código interpre- e formação de uma diplomacia local. política jesuítica proposta pelo visita-
tativo e prioritário, os veículos privile- dor Alessandro Valignano com sua pro-
giados do princípio de universalidade Mediação cultural posta de adoção de uma inédita “po-
estendido, pela administração impe- Nesse sentido, em sua ambição lítica de adaptação” com os senhores
rial, para as culturas extraocidentais. missionária (religiosa) e universalista, feudais (daimyo) contra o budismo que
Significativo o fato de que as missões o catolicismo sustentou diálogos e en- se tornava seu comum e principal ini-
nesse contexto imperial tinham em tendimentos, mas também justificou e migo. Foi justamente o paralelo (isto é,
vista, ao mesmo tempo, oferecer uma produziu confrontos e mal-entendidos o equívoco) que se estabeleceu entre
legitimidade à expansão portuguesa que revelam visões de mundo e inte- budismo e cristianismo que demons-
no interior de um imperativo (antes resses radicalmente distintos. Con- trou efetivamente a derrota dessa pri-
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próprio) de “moralização” e/ou “ci- tudo, nesses turbulentos processos meira atividade e estratégia missioná-
vilização” (este último no contexto históricos que se desprendiam de um ria que, inevitavelmente, apontou para
americano, onde acabou se tornando imperativo evangelizador, deve-se re- a necessidade de redirecionar a adap-
prioritário em relação àquele, depen- conhecer que ele veio ensaiando, de tação jesuítica, partindo finalmente de
dente e sucessivo, da evangelização) qualquer modo, processos de “encon- uma mais sólida inserção e de um pro-
das práticas indígenas que deviam, tro” e de “compatibilizações” dessas fundo entendimento do contexto das
para tanto, serem subordinadas à fi- diferenças, traduzidas em uma lingua- “civilizadas” culturas orientais: apon-
nalidade principal da conversão dos gem e perspectiva religiosa: não por tou, enfim, para a imprescindibilidade
povos: e o esforço deste empreendi- acaso, um dos resultados importantes de uma nova e apriorística (em relação
mento realizava-se junto aos conse- da aquisição dessa perspectiva para ao projeto evangelizador) problemá-
lhos e outros órgãos da administração a historiografia contemporânea, em tica hermenêutica asiática a ser apro-
ultramarina portuguesa, assim como relação à problemática em questão, é fundada no novo contexto missionário.
na criação de línguas veiculares (“lín- aquele resultante no diálogo interdisci-
guas gerais”, “grego da terra”, “latim plinar que foi se constituindo ao redor IHU On-Line – Que resquícios ain-
dos Brâmanes” etc.) que serviram tan- do conceito de “mediação cultural” (cf. da persistem na forma de viver a cren-

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ça religiosa em nosso país e que foram em consideração essa distinção priori- termos institucionais, cremos deva
Tema de Capa
deixados pelo encontro catequético e tária que se pode verificar como histo- chamar bastante a atenção o fato de
ritual nos séculos XVI a XVII? Como se ricamente – e sempre a partir de suas manifestar-se aqui no Brasil um forte
dão os processos de alteridade e iden- raízes afundadas na cultura da Roma limite no que diz respeito à realização
tidade religiosa no século XXI? antiga –, o cívico na nossa cultura é de um processo pleno de laicização do
Adone Agnolin – A respeito do definido pela dialética entre público espaço público (emblemática, entre
conjunto dessas duas perguntas, não e privado, enquanto, por outro lado, outras manifestações, a persistência
temos a pretensão, aqui, de procurar o religioso é definido pela dialética de fortes condicionamentos morais e
funções interpretativas assumindo a entre sacro e profano (Dario Sabba-
������ religiosos em relação a determinadas
responsabilidade de um diagnóstico tucci. La Prospettiva Storico-Religiosa, questões partidárias e político-insti-
de cunho sociológico. Mantendo, to- Milão, Il Saggiatore, 1990). tucionais). Apesar de uma atenção
davia, a perspectiva de nossa atenção de fundo e dos extraordinários resul-
propriamente historiográfica para A fundamental distinção tados em termos legais, até mesmo
com o problema, permitimo-nos ape- ocidental constitucionais (a partir de 1988), que
nas acenar para algumas característi- Tendo em vista tudo isso e ten- dizem respeito ao reconhecimento de
cas gerais, bastante significativas para tando responder em termos gerais às uma fundamental compatibilidade
nosso “olhar duplamente estranhado” duas perguntas, portanto, podemos jurídica (e de uma sua consequente
(de historiador e de, ainda de algum apontar que tanto os processos de regulamentação) da sociedade bra-
modo, estrangeiro), da atualidade po- alteridade e identidade religiosa em sileira em relação às suas sociedades
lítica, social e religiosa do Brasil. E é contextos coloniais, no século XXI, indígenas, chama atenção a constata-
justamente a partir do problema que como a específica herança do contex- ção de resultados que, muitas vezes,
diz respeito à relação entre Ocidente to brasileiro do encontro catequético manifestam a total contradição desse
e alteridades antropológicas que pre- e ritual dos séculos XVI e XVII mani- esforço em sua realização no exercí-
cisamos levar em consideração quan- festam “resquícios” e processos con- cio prático e cotidiano da cidadania,
to à perspectiva (própria e caracterís- traditórios justamente em relação à quando não, como de atualidade, um
tica) histórica e operativa do “real”, forçada e forçosa sobreposição dos quanto menos bastante problemático
que pertence propriamente à cultura respectivos termos da fundamen- retorno a fundamentos raciais (ne-
ocidental, se destaca em relação (e se tal distinção ocidental. Isso significa gadores do princípio de cidadania)
contrapõe), fundamentalmente, ao que, se em termos ocidentais pode- norteando institucionalmente práti-
patrimônio mítico-ritual das socieda- mos representar a equação segundo cas públicas, políticas, educativas e
des etnológicas. Estas, nos choques a qual cívico: religioso = o público: sociais. Ainda e finalmente, podemos
sofridos perante a cultura ocidental, privado, parece-nos que, no Brasil, a apontar a forte e evidente dificuldade
acabam perdendo as funções próprias distinção dos planos torna-se, muitas de construir bases propriamente cívi-
de seu aparato mítico-ritual enquanto vezes, bastante lábil, quando não pe- cas, sobretudo no específico âmbito
fundamento dessas sociedades que rigosamente confusa. No fundo, cabe acadêmico, que permitam preparar o
vem sendo progressivamente rele- ressaltar que a construção de um pro- terreno fértil para uma possibilidade
gado ao religioso. Mas, a esta altura, jeto evangelizador e missionário nes- de pensar a própria dimensão do reli-
ocorre um problema bastante rele- te contexto da América portuguesa gioso em termos (peculiares e autôno-
vante no interior da ressemantização constituiu-se justamente na base da mos) históricos e sociais, subtraídos a
das alteridades etnológicas. De fato, proposta de Nóbrega, a partir dessa uma dimensão transcendente: plena-
este “religioso”, forçosamente esten- confusão essencial dos planos reli- mente legítima essa última “escolha”,
dido como significante das novas rea- gioso e político, ao mesmo tempo: entenda-se, no plano individual, mas
lidades históricas e coloniais, oculta os aldeamentos jesuíticos, com seus fortemente prejudicial quando con-
em seu interior uma fundamental e objetivos religiosos, foram construí- funde, mais uma vez, os âmbitos do
característica distinção que lhe é pró- dos conforme o Plano Civilizador do privado daquele público (acadêmico).
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pria e que com graves dificuldades, jesuíta e, a partir dessa primeira ex-
lacunas ou mal-entendidos consegue periência histórica, as sucessivas re-
se inscrever no patrimônio (em trans-
formação) dessas culturas “outras”:
duções jesuíticas, com seus objetivos
missionários, traduziam de fato uma Leia mais...
trata-se da distinção que, a partir do primeira e fundamental proposta de
mundo romano, caracteriza ainda pe- reductio ad vitam civilem... >> Adone Agnolin já concedeu outra
culiarmente o Ocidente e que se con- entrevista à IHU On-Line. Confira:
figura por sua dialética entre cívico e
Alguns exemplos
religioso: o primeiro representando A seguir apontamos alguns • Reduções jesuíticas: um projeto po-
um campo que podemos definir de exemplos fragmentários e escolhidos
lítico e evangelizador. Publicada na
ação histórica, política e científica; o ao acaso, propostos apenas para ten-
tar estimular eventualmente uma re- IHU On-Line número 348, de 25-10-
segundo, o religioso, caracterizado
por sua dimensão meta-histórica e flexão a ser empreendida. Apesar, em 2010, disponível em http://bit.ly/
extra-humana. Por outro lado, e não algum caso, de inegáveis esforços e
de alguns significativos resultados em PxEgsg
apenas secundariamente, é levando

34 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


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“Não há retorno daquele que
nunca foi”
Para Rodrigo Coppe Caldeira, as imagens e representações religiosas que
povoam nossas mentes sempre vão se expressar a partir da linguagem
do possível, nunca sendo, total ou parcialmente evacuadas. São irremovíveis e
buscam novos lugares para se manifestarem e expressarem. Por isso,
a “revanche de Deus” ou a “volta do sagrado”, pensado nestes termos,
é uma falácia

Por Graziela Wolfart

“O
sentimento de culpa ou de uma dades de vivência da fé pessoal, traz, ao mesmo
possível exclusão da vida comu- momento, a possibilidade do exercício da liber-
nitária que se dava em torno da dade individual e a angústia característica de se
igreja, por exemplo, parece não ser mais uma viver na pluralidade, sem referências únicas e
questão decisiva que leva o indivíduo para den- confiáveis de todo. A emergência do tradiciona-
tro dos locais sagrados, mesmo que isso ainda lismo se dá nesta conjuntura, como reação ao
ocorra em certo grau. A secularização, assim, pluralismo e, paradoxalmente, só podendo exis-
entendida como um processo contraditório, que tir nela e por ela”.
não leva ao desaparecimento propriamente dito Doutor e mestre em Ciência da Religião pela
da religião, mas a novas configurações culturais, Universidade Federal de Juiz de Fora e graduado
demanda das instituições religiosas mais tradi- em História pela Pontifícia Universidade Católica
cionais um repensar como ser presença, como de Minas Gerais, Rodrigo Coppe Caldeira é pro-
tornar a sua mensagem mais plausível aos sujei- fessor no Departamento de Ciências da Religião
tos das sociedades contemporâneas”. A análise da Pontifícia Universidade Católica de Minas Ge-
é do historiador e cientista da religião Rodrigo rais (PUC-Minas). É autor do livro Os baluartes
Coppe Caldeira, em entrevista concedida por e- da tradição: o conservadorismo católico brasilei-
-mail para a IHU On-Line. Para ele, “o contexto ro no Concílio Vaticano II (Curitiba: CRV, 2011).
religioso atual, marcado por inúmeras possibili- Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Que relações po- do pensamos o cristianismo, temos rota, ultrapassando certa intransigên-
dem ser estabelecidas entre cristia- dois mil anos de história assinalados cia pura e simples que advinha das
nismo, política e cultura? por inúmeros aspectos desta relação. reações à Revolução Francesa e seus
Rodrigo Coppe Caldeira – Se pen- Pensando um exemplo mais próximo ideais liberais. De fato, Roncalli foi um
sarmos na história das religiões, obser- de nós temporalmente, lembramos o grande observador ao lançar a Igreja
vamos que elas sempre emergem e se maior evento religioso do século XX, na perspectiva de um aggiornamento
consolidam em conjunturas políticas o Concílio Vaticano II. Assinalado pela (atualização) ao convocar o Vaticano
e culturais específicas, levando-as as- compreensão inicial daquele que o II. Na verdade, o papa, fazendo isso,
sim a entrarem num diálogo com elas, convocou, o papa João XXIII, o Concí- demonstrava que compreendia a dinâ-
às vezes de modo mais tranquilo, em lio tinha a tarefa de ler os “sinais dos mica da história, tomando consciência,
outros momentos nem tanto. Quan- tempos” e colocar a Igreja numa nova assim, que desde os primeiros momen-

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tos do cristianismo, ele se aggiornava.
“Hoje o que que diz: “Normal que o homem se in-
Tema de Capa
Além disso, ao imprimir no Concílio teresse não pela religião, mas pelas
a perspectiva pastoral, também de-
monstrava tomar consciência dessa
notamos é um religiões, pois somente através delas
poderá compreender as múltiplas vi-
dimensão histórica do cristianismo. De
fato, podemos dizer que a maioria dos
alargamento das sões de seu colapso espiritual”.

concílios da história da Igreja foram


pastorais, pois, pensavam, cada um a
possibilidades do IHU On-Line – Podemos afirmar
que hoje vivemos um momento de
seu modo, de forma mais ou menos
marcante, a ação da Igreja no mundo,
‘ser religioso’, isto reavivamento da religiosidade? A
que isso se deve?
suas relações com o mundo circundan- é, a possibilidade Rodrigo Coppe Caldeira – Como
te – como desenvolver uma ação que historiador, marcado por certa influên-
leve a mensagem evangélica para os de exercer sua cia cética, desconfio das falas que veem
povos, encarnando-a nas várias esferas em certos movimentos e dinâmicas
da sociedade. religiosidade sem contemporâneas “reavivamentos”, “vi-
radas epocais” ou o surgimento de uma
IHU On-Line – Qual o papel e os estar ligado a esta “nova era”. Não temos a completa ca-
espaços que ocupam as religiões e pacidade – quiçá num futuro! – de dar-
as religiosidades na sociedade atual, ou aquela religião” mos quaisquer tipos de rótulos para o
marcada pela secularização e pelo tempo que seja, sendo o que for que es-
chamado “trânsito religioso”? teja sendo vivenciado. Não que as mu-
Rodrigo Coppe Caldeira – Muitos entendida como um processo contra- danças não existam. Sim, elas existem
estudiosos quiseram crer que o avan- ditório, que não leva ao desapareci- e muitas vezes são repentinas e violen-
çar do processo de secularização leva- mento propriamente dito da religião, tas. Contudo, ao meu juízo, tais alcu-
ria praticamente ao desaparecimento mas a novas configurações culturais, nhas para estes momentos de mudan-
das religiões da esfera pública. De fato, demanda das instituições religiosas ça, se dando no momento mesmo em
se olharmos ao redor, elas não apre- mais tradicionais um repensar como que ocorrem, estão no campo de uma
sentam o vigor e a força que tinham ser presença, como tornar a sua men- linguagem prática, ideológica, se pre-
no início do século passado. Quero di- sagem mais plausível aos sujeitos das ferirem. No caso em tela, acredito que
zer aqui no que tange à face institucio- sociedades contemporâneas. No caso só a partir de certa distância temporal
nal da religião. Hoje o que notamos é da Igreja Católica, como responder a temos alguma capacidade de falarmos
um alargamento das possibilidades do este indivíduo que se relaciona com se, de fato, o que se vivia numa deter-
“ser religioso”, isto é, a possibilidade os conteúdos e práticas religiosas de minada época foi um movimento que
de exercer sua religiosidade sem estar várias formas sem cair no triunfalismo demande de nós um conceito diferen-
ligado a esta ou aquela religião. É cer- ou numa nostalgia de uma Idade de ciado para abarcá-lo. No que tange ao
to que podemos observar muitos indi- Ouro, é o grande desafio dos tempos mundo contemporâneo – entendendo
víduos se denominando cristãos sem atuais, para leigos, padres, religiosos e “mundo contemporâneo” como aque-
terem uma prática que recorra à ins- religiosas. Tal questão apareceu recor- le que se constituiu no século XX e que
tituição. Também notamos, inclusive, rentemente em algumas intervenções se alonga no início do XXI – observamos
que existem aqueles que têm algum dos bispos reunidos no XIII Sínodo o declínio de importância das religiões
tipo de prática – por exemplo, rezam Ordinário que finalizou em outubro institucionais, todavia, tal dado é preci-
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o terço ou seguem exercícios piedosos passado. Sobre o trânsito religioso, so ser matizado. A Igreja Católica, por
de determinados tempos litúrgicos, provocativamente, relembro-me de exemplo, continua tendo relativo grau
como a quaresma –, contudo, uma um trecho do filósofo romeno Cioran1 de importância em muitas partes do
prática privatizada, que não deman- em De l’inconvénient d’être né2, em mundo, sendo inclusive, mesmo envol-
da uma presença física no templo e ta pelos escândalos dos últimos anos,
seus cultos. O sentimento de culpa considerada uma das mais confiáveis
ou de uma possível exclusão da vida 1 Emil Cioran (1911-1995): escritor e instituições, como ocorre no Brasil. No
filósofo romeno radicado na França. Em
comunitária que se dava em torno da 1949, ao publicar “précis de decompo-
que tange especificamente à religio-
igreja, por exemplo, parece não ser sition”, passa a assinar E.M. Cioran, in- sidade, acredito que ela nunca deixou
mais uma questão decisiva que leva fluenciado por E.M. Forster -esse “M” não o século XX, mas que migrou, de certa
tem nenhuma relação com outros nomes
o indivíduo para dentro dos locais sa- do filósofo (como Michel, Mihai, etc.) maneira, para outras formas e conteú-
grados, mesmo que isso ainda ocorra (Nota da IHU On-Line) dos, uma religiosidade, poderíamos di-
����������������������������������������
De l’inconvénient d’être né (“The Trou-
em certo grau. A secularização, assim, ble With Being Born”), Gallimard 1973. zer, secularizada, recheada por outros
(Nota da IHU On-Line)

36 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


tipos de crença. Se a religiosidade é um
“No que tange gentium5, além, claro, da declaração

Tema de Capa
aspecto da dimensão humana – e acre- Dignitatis Humanae, sobre a liber-
dito que o seja –, ela sempre está em
busca de conteúdos de crença. Assim
ao mundo dade religiosa. Claro que aqui tomo
o “conservadorismo católico” enten-
sendo, muitos homens daquele sécu-
lo não deixaram de crer em momento
contemporâneo dido em seu tipo que se constituiu a
partir do século XIX, como reação aos
algum, contudo, embalados pela ideia
de perfectibilidade humana, transpu-
observamos princípios liberais e que teve no Bra-
sil seu maior representante no século
seram elementos religiosos cristãos
transcendentes – como o “fim da his-
o declínio de XX, a Tradição, Família e Propriedade
(TFP). Muitos grupos conservadores
tória” e a ideia do “Reino de Deus” – importância atuais – aqui relembro especialmente
para à imanência, crendo, “com todo a Fraternidade Sacerdotal São Pio X –
o coração”, nas suas capacidades e na das religiões leem a crise da Igreja católica como
sua profética missão, de chegar a este sendo resultado direto do Vaticano II,
mundo imaginado. Foi o que Raymond institucionais” que segundo eles teria negado a tradi-
Aron chamou de “religiões seculares”. ção – um barateamento da noção de
Também temos o exemplo de certa tradição, que não leva em conta seu
deificação do mercado, compreendido constitui como reação consciente a caráter vivo e dinâmico.
como aquele que resolveria todos os movimento progressista coerente e Assim, emergem aqui e ali discur-
nossos problemas. Vemos que Deus e o sistemático. Se existe um conserva- sos deslegitimadores dos feitos do Va-
sagrado foram convidados durante este dorismo é por que existe um pro- ticano II. É certo, que a recepção deste
período a se esconderem em novas for- gressismo. O conservadorismo reli- concílio está repleta de contradições,
mas de manifestação, transfigurando- gioso, assim, vive e se constitui em de excessos hermenêuticos, de com-
-se em meros instrumentos destes ou relação e função daquele. Tendo preensões equivocadas sobre os sig-
daqueles grupos políticos. As imagens o catolicismo como foco, observa- nificados do que seja a renovação da
e representações religiosas que povo- -se que desde o início do século XX Igreja, de descompasso com o que os
am nossas mentes sempre vão se ex- uma onda liberalizante – entendi- padres conciliares desejaram. Por isso,
pressar, assim, a partir da linguagem da como tentativa de distender as Bento XVI aponta para a letra como
do possível, nunca sendo, total ou par- relações entre a Igreja e a moder- foco principal para a sua implementa-
cialmente evacuadas. São irremovíveis, nidade – veio se formando em seu ção, o que traz alguns problemas para
e sendo assim buscam novos lugares seio, trazendo novas possibilidades a compreensão sobre a recepção6.
para se manifestarem e expressarem. de se pensar, mais positivamente, a Em meu ponto de vista, a emergência
Por isso, a “revanche de Deus” ou a democracia, a república, os movi- destes grupos está relacionada com a
“volta do sagrado”, pensado nestes mentos sociais, as ciências, tentan- imagem que representam do concílio,
termos, é uma falácia. Não há retorno do ultrapassar as condenações dos
daquele que nunca foi. Syllabus e as proposições da Pascen- gou esta Constituição. Formada por duas
di Dominici Gregis, tornando-se rela- partes, constitui um todo unitário. A pri-
meira parte é mais doutrinária, e a segun-
IHU On-Line – Que leitura você tivamente vitoriosa no Vaticano II e da é fundamentalmente pastoral. Sobre a
faz da retomada do tradicionalismo suas determinações, podendo ser vi- Gaudium et spes, confira o nº 124 da IHU
sualizadas em vários pontos das cons- On-Line, de 22-11-2004, sobre os 40 anos
e conservadorismo católicos, con- da Lumen Gentium, disponível em http://
siderando a forma como as pessoas tituições Gaudium et spes4 e Lumen bit.ly/9lFZTk, intitulada A igreja: 40 anos
de Lúmen Gentium. (Nota da IHU On-Line)
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vivem sua religiosidade hoje?
5 Lumen Gentium, (Luz dos Povos), é um
Rodrigo Coppe Caldeira – Par- 4 Gaudium et Spes: Igreja no mundo atual. dos mais importantes textos do Concílio
to, de certa forma, da mesma pers- Constituição pastoral, a 4ª das Constitui- Vaticano II. O texto desta Constituição
ções do Concílio do Vaticano II. Trata fun- dogmática foi demoradamente discutido
pectiva anteriormente assinalada. damentalmente das relações entre a igreja durante a segunda sessão do Concílio. O
Não creio que haja uma “retoma- e o mundo onde ela está e atua. Trata-se seu tema é a Igreja, enquanto institui-
de um documento importante, pois signifi- ção. Foi objeto de muitas modificações
da”, mas um novo fôlego. Como já cou e marcou uma virada da Igreja Católica e emendas, como, aliás, todos os docu-
afirmei em outro momento 3, gros- “de dentro” (debruçada sobre si mesma), mentos aprovados. Inicialmente surgi-
“para fora” (voltando-se para as realidades ram, para o texto base, cerca de 4.000
so modo, o conservadorismo se econômicas, políticas e sociais das pessoas emendas. Sobre o tema, confira no sítio
no seu contexto). Inicialmente, ela consti- do IHU os Cadernos Teologia Pública nú-
tuía o famoso “esquema 13”, assim chama- mero 4, intitulado No quarentenário da
3 Leia uma entrevista sobre o tema do por ser esse o lugar que ocupava na lista Lumen Gentium. (Nota da IHU On-Line)
concedida por Rodrigo Coppe Caldeira à dos documentos estabelecida em 1964. 6 Conferir meu artigo publicado no
IHU On-Line, intitulada “Tradicionalismo Sofreu várias redações e muitas emendas, sítio do IHU, intitulado “O Ano da Fé, o
e conservadorismo católicos: as ideologias acabando por ser votada apenas na quarta Vaticano II e a hermenêutica conciliar de
em jogo”, disponível em http://bit.ly/ e última sessão do Concílio. O Papa Paulo Bento XVI”, disponível em http://bit.ly/
K6JzgR (Nota da IHU On-Line) VI, no dia 7 de dezembro de 1965, promul- TJZf7Z (Nota do entrevistado)

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 37


como “dessacralizador” e mundano,
“O Vaticano II menismo –, com as demais tradições
Tema de Capa
como traição da tradição cristã. Além religiosas – o diálogo inter-religioso – a
disso, é notório o valor dado à dimen-
são estética da manifestação da fé.
deve sempre estar necessidade de estar atenta à liberda-
de religiosa, cada vez mais em risco em
Preocupa-se excessivamente com a ba-
tina e o hábito, as genuflexões, se o fiel
em foco como o várias partes do mundo... Assim, na
minha interpretação, acredito que o
pode ou não receber a comunhão nas
mãos. Não que estes elementos não
lugar que deva Vaticano II deva sempre estar em foco
como o lugar que deva buscar elemen-
sejam importantes e objeto da aten-
ção dos pastores. De fato, observou-
buscar elementos tos norteadores para a ação da Igreja
neste século que se inicia.
-se uma desatenção a eles nos anos norteadores para
pós-conciliares. A questão é que eles
aparecem, muitas vezes, como aquilo a ação da Igreja
que realmente importa, como o cen-
tro, e não aquilo que deveria de fato – neste século que
a mensagem evangélica. Pode-se dizer
que o contexto religioso atual, marca- se inicia”
do por inúmeras possibilidades de vi-
vência da fé pessoal, traz, ao mesmo
momento, a possibilidade do exercício
da liberdade individual e a angústia ca-
não me demande grandes esforços e
sacrifícios, ou seja, um Deus na medida
Leia as
racterística de se viver na pluralidade, de nosso tempo. Esta é uma questão
sem referências únicas e confiáveis de muito importante, certamente, pois os
todo. A emergência do tradicionalismo representantes da Igreja devem estar
se dá nesta conjuntura, como reação
ao pluralismo e, paradoxalmente, só
a se perguntar, já há algumas décadas,
como responder aos desafios dessa re- entrevistas
podendo existir nela e por ela. ligiosidade, sem cair em respostas fá-
ceis ou estratégias pragmáticas, muito
IHU On-Line – Como o Concílio semelhantes às das seitas que pipocam
Vaticano II deve ser interpretado nos por todos os lados, oferecendo um
dias atuais, de forma que atenda às “Deus fácil” para gostos diferenciados.
Não ouso responder à pergunta de
do dia no
necessidades religiosas da sociedade
contemporânea? como o Vaticano II deve ser interpre-
Rodrigo Coppe Caldeira – De tado. Muito menos em vista dessa reli-
fato, como disse acima, as novas con- giosidade. Não quero, exatamente, cair
figurações do religioso demandam da
Igreja Católica novos posicionamentos
numa perspectiva que pudesse sugerir
que a pergunta tenha uma resposta
sítio do IHU:
e formas de ação que respondam aos simples e direta, pois, como já foi dito,
desafios das necessidades das pessoas “para todo problema complexo existe
hoje, que vivem sua religiosidade de uma solução clara, simples e errada”
maneira subjetiva, individualista e au- (Bernard Shaw). De fato, o drama é
exatamente este: as necessidades re-
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tocentrada, buscando afastar a qual-


quer custo qualquer mensagem reli- ligiosas atuais, assinaladas, brevemen-
giosa que não vá ao encontro de seus te, pelas características que trouxe aci-
ma, exigem da Igreja respostas fáceis,
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desejos particulares, de suas vontades
imediatas, de seu, diríamos, bem es- ao sabor dos desejos contingentes,
tar. O Deus flagelado e nu, dilacerado, estratégias estreitas e imediatas que
o “Cristo de ânsia e paroxismo”, como respondam a estas necessidades? Por
dizia o escritor mineiro Lúcio Cardoso
em seu Diário em meados do século
outro lado, poderia responder parcial-
mente a esta pergunta tendo em vista unisinos.br
XX, não é aquele desejado pelas mas- outras questões, como o desafio da
sas, mas sim aquele ideal ao nosso pobreza generalizada, do sempre es-
tempo, adaptado e talhado às nossas tar aberto ao encontro com os cristãos
necessidades, um Deus tranquilo, que das variadas denominações – o ecu-

38 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407 3


Tema
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Entrevistas da Semana
Destaques da Semana

Deus não intervém no Universo,


mas sustenta o sistema, que tem
vida própria
Temerosa de um mundo em constante mudança, a instituição milenar está
transitando em um paradigma equivocado, assinala o teólogo Roger Haight. Deus
está “dentro” da História, e não intervém no sistema finito porque Ele é infinito

Por Márcia Junges, Luís Carlos Dalla Rosa e Isaque Gomes Correa | Tradução: Sílvia Ferabolli

N
as décadas de 1960 e 1970 a Igreja Ca- tema do mundo: “Deus não intervém, mas se-
tólica ganhava novos ares na esteira do gura/sustenta a estrutura que tem vida própria,
Concílio Vaticano II e passava a dialogar sujeita a leis e eventos aleatórios que criam mo-
mais com o mundo. Veio, então, o papado de vimento”. E explica: “Deus não age no sistema
João Paulo II, e com ele o medo de onde isso po- como causa finita porque Deus é infinito. Deus
deria levar essa instituição milenar, pondera o age no Universo como causa infinita para con-
teólogo jesuíta Roger Haight, na entrevista que trolar o todo do sistema, e o sistema como um
concedeu pessoalmente à IHU On-Line. “Todos todo, no ser e no mover do Universo”.
estão familiarizados com a ideia de que a Igreja Roger Haight é ex-presidente da Sociedade
Católica é uma instituição que não muda. Essa Teológica Católica dos EUA e professor visitante
é a sua reputação mundo afora e em Roma há no Union Theological Seminary, em Nova Ior-
bastante orgulho disso”, acrescentou. Contu- que, uma tradicional casa de formação de teó-
do, o mundo de hoje é totalmente diferente logos fundada em 1836 como uma instituição
e a mudança em si mesma é o que rege seus presbiteriana e onde estudaram grandes nomes
acontecimentos. A Igreja, por sua vez, “caminha da teologia mundial. Foi professor de Teologia
junto ao paradigma errado”, e aspira por uma por mais de 30 anos em escolas da Companhia
posição estável, como se a mudança fosse ruim. de Jesus em Manila, Chicago, Toronto e Cam-
“A Igreja está tão fora de contato com a realida- bridge. Foi professor visitante em Lima, Nairóbi,
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de que ela nem ao menos tem um paradigma Paris e em Pune (Índia). De sua produção biblio-
básico, uma visão da realidade que esteja em gráfica, citamos: Jesus, símbolo de Deus (São
contato com o que restante do mundo pensa”. Paulo: Paulinas, 1999); Dinâmica da teologia
Assim, pode-se compreender que não haja um (São Paulo: Paulinas, 1990) e O futuro da cristo-
interesse verdadeiro no diálogo inter-religioso, logia (São Paulo: Paulinas, 2005).
mas sim numa ideia de conversão. “A Igreja Ca- Em 04-10-2012, Haight proferiu a conferên-
tólica romana não está aberta nem ao menos cia A semântica do Mistério da Igreja hoje. Uma
para os movimentos ecumênicos. No segundo abordagem cristológica, como parte da progra-
Concílio essa ideia foi mencionada, mas nunca mação do XIII Simpósio Internacional IHU Igre-
saiu do papel, nunca houve um movimento real ja, cultura e sociedade. A semântica do Misté-
por parte da Igreja Católica romana para fazer rio da Igreja no contexto das novas gramáticas
avançar o movimento ecumênico”. da civilização tecnocientífica, promovido pelo
Recuperando ideias panenteístas, Haight Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
acentua que não há intervenção divina no sis- Confira a entrevista.

40 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


IHU On-Line – Por que a Igreja nismo” ou “modernismo católico”) onde isso está nos levando? O que

Destaques da Semana
perdeu relevância pública? que a Igreja Católica rejeitou, ela se aconteceu com o antigo sistema que
Roger Haight – Eu acredito que posicionou fora do alcance do pensa- se tinha na Polônia? O que aconteceu
se possa responder a essa pergunta mento intelectual vigente. Na Europa, com o antigo catolicismo? Então nós
usando-se as lentes da história. Para assim como nos Estados Unidos e na retrocedemos ao período pré-Concílio
mim, a história recente começa com a América Latina, onde a ciência e a fi- Vaticano II. Um período que condena-
Revolução Francesa, quando a Europa losofia progrediam, onde a história va o modernismo e é o mesmo que
é virada de “cabeça para baixo”. Aque- estava progredindo e a Igreja Católica temos hoje: teólogos estão sendo
la era uma época de caos político no se mantinha firme no seu dogmatis- condenados por ajustar a fé da Igreja
continente, quando as pessoas come- mo, essencialmente não era permiti- de modo a promover o diálogo com a
çaram a se afastar do liberalismo po- do que teólogos pensassem. Não era sociedade com credibilidade. Essa é
lítico e buscam formas de autoridade permitido a eles se ajustarem às no- a minha visão de como a Igreja per-
mais estáveis. A sociedade europeia vas tendências da cultura intelectual. deu sua habilidade – sua autoridade
então olha para o papado – e o pa- Em termos gerais, isso significa que a religiosa – de modo a dar conta de e
pado mantem-se firme no resguardo Igreja ficou culturalmente para trás. O dialogar com o mundo moderno.
de sua instituição, dado que a Europa crescimento da autoridade depende
era muito cristã, mesmo depois da de “expertise” e conhecimento, e não IHU On-Line – Essa perda de
Reforma. Então, houve uma mudança apenas daquilo que você diz. Não é autoridade tem ocorrido apenas na
para a autoridade e isso se refletiu no dependente de visões dogmáticas do Igreja Católica ou em outras institui-
primeiro Concílio Vaticano, quando o mundo, mas de conhecimento. Então ções também?
papa passou a ser considerado infa- o Concílio Vaticano II2 tentou mudar Roger Haight – Nos Estados Uni-
lível, o que refletia essa necessidade isso. Eu senti que, por volta das dé- dos não existe uma única instituição
de autoridade. Mas o que aconteceu cadas de 1960 e 1970, a Igreja estava que goze de autoridade. Nenhuma.
na Igreja Católica é que a autoridade, ganhando voz no mundo novamente, Nem empresas, nem políticos, nem
estabelecida com a infalibilidade – e que estava se transformando em a igreja, nem a universidade, nem a
entendida não só como dogma, mas uma organização que dialogava com o família que tem sido desacreditada,
como símbolo – se firmou “contra” a mundo – que aprendia com esse mun- vide o fato de que mais de 50% dos
ciência, “contra” a história (e contra a do e falava com esse mundo. Duran- casamentos americanos terminam
disciplina da história, o que é crítico, já te o papado de João Paulo II – medo. em divórcio e filhos de pais divorcia-
que permite que se reexamine o pas- Com “medo” eu quero dizer: para dos tendem a pensar que a família
sado e se reinterprete o passado) e as não deve ter autoridade sobre eles.
ciências sociais que estavam emergin-
do na época (pense em Darwin e na 2 Concílio Vaticano II: convocado no dia IHU On-Line – Você acha que
11-11-1962 pelo Papa João XXIII. Ocorre-
teoria evolucionista, no marxismo e ram quatro sessões, uma em cada ano. essa erosão da autoridade é um pro-
no relativismo). O sistema autoritário Seu encerramento deu-se a 8-12-1965, blema da nossa época?
pelo Papa Paulo VI. A revisão proposta por
da Igreja Católica se posicionou contra Roger Haight – Eu dou aulas em
este Concílio estava centrada na visão
tudo isso. da Igreja como uma congregação de fé, um seminário de protestantismo libe-
substituindo a concepção hierárquica do ral, onde a palavra “autoridade” não
Retrocesso Concílio anterior, que declarara a infali-
é vista com bons olhos. “Normativida-
bilidade papal. As transformações que in-
Com o Concílio Vaticano I1 e com troduziu foram no sentido da democrati- de” ou “normas” não são vistas como
a tentativa da Igreja Católica de inte- zação dos ritos, como a missa rezada em palavras positivas. E eu acredito que
vernáculo, aproximando a Igreja dos fiéis
grar a modernidade na virada daquele dos diferentes países. Este Concílio en- isso pode ser verdade, quero dizer,
século (o que é chamado de “moder- controu resistência dos setores conserva- em uma sociedade aberta, com co- www.ihu.unisinos.br
dores da Igreja, defensores da hierarquia
e do dogma estrito, e seus frutos foram, municações via internet, não existe
1 Concílio Vaticano I (CV I): deu-se de 8 aos poucos, esvaziados, retornando a um comportamento motivador que
de Dezembro de 1869 a 18 de Dezembro Igreja à estrutura rígida preconizada pelo vai convencer a todos. João Paulo II
de 1870, proclamado por Pio IX (1846 a Concílio Vaticano. O IHU promoveu, de 11
1878). As principais decisões do Concílio de agosto a 11-11-2005, o Ciclo de Estu- e Bento XVI estão certos em temer
foram conceber uma Constituição dog- dos Concílio Vaticano II – marcos, traje- o relativismo, mas existe uma tercei-
mática intitulada “Dei Filius”, sobre a tórias e perspectivas. Confira, também,
Fé católica e a Constituição Dogmática a edição 157 da IHU On-Line, de 26-09-
ra alternativa entre o relativismo e o
“Pastor Aeternus”, sobre o primado e in- 2005, intitulada Há lugar para a Igreja na dogmatismo. Essas não são as duas
falibilidade do Papa quando se pronuncia sociedade contemporânea? Gaudium et únicas opções. Existem outras manei-
“ex-cathedra”, em assuntos de fé e de Spes: 40 anos, disponível para downlo-
moral. E tratou-se de questões doutriná- ad na página eletrônica do IHU, http:// ras de se reclamar autoridade. Exis-
rias que eram necessárias para dar novo migre.me/KtJn. Ainda sobre o tema, a tem muitas profissões que gozam de
alento e informar melhor sobre assuntos IHU On-Line produziu a edição 297, Karl “alguma” autoridade – não autorida-
essenciais de fé. Para além de proclamar Rahner e a ruptura do Vaticano II, de 15-
como dogma a Infalibilidade Papal, o 6-2009, disponível no link http://migre. de absoluta, mas alguma autoridade.
Concílio, ao defender os fundamentos da me/KtJE, bem como a edição 401, de 03- Existem médicos que são confiáveis.
fé católica, condenou os erros do Racio- 09-2012, intitulada Concílio Vaticano II.
nalismo, do Materialismo e do Ateísmo. 50 anos depois, disponível em http://bit. Assim como professores, cientistas e
(Nota da IHU On-Line) ly/REokjn. (Nota da IHU On-Line) pais que também merecem crédito.

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 41


Então não é algo como: ou existe au-
“Nos Estados sitivo – vide a ideia darwiniana das
Destaques da Semana
toridade, ou não existe nenhuma au- espécies mudando, se adaptando à
toridade. Mas, como regra geral, pre-
cisa-se encontrar autoridade digna de Unidos não realidade. Então é por isso que é es-
candaloso: porque a igreja está tão
confiança e digna de ser valorizada.
existe uma fora de contato com a realidade que
ela nem ao menos tem um paradigma
IHU On-Line – Em entrevista
à nossa revista3, o senhor afirmou única instituição básico, uma visão da realidade que
esteja em contato com o que restante
que “a Igreja institucional permane-
ce escandalosamente inalterada”. O que goze de do mundo pensa.

que o leva a essa constatação? Quais


são as consequências dessa postura autoridade. IHU On-Line – Tomando em con-
sideração essas afirmações sobre
conservadora?
Roger Haight – Todos estão fami- Nenhuma. Nem a Igreja e as mudanças no mundo,
acredita que é necessário um novo
liarizados com a ideia de que a Igre-
ja Católica é uma instituição que não empresas, nem Concílio?
Roger Haight – Sim, por causa
muda. Essa é a sua reputação mundo
afora e em Roma há bastante orgulho políticos, nem da situação em que nos encontra-
mos. Muitas pessoas dizem que nós
disso. É por isso que no século XIX as
pessoas começaram a olhar para além a igreja, nem a não precisamos de um terceiro Con-
cílio, porque o segundo ainda não foi
das montanhas e a buscar nessa insti-
tuição chamada papado a estabilida-
universidade, implementado. Mas o Concílio não é
apenas um conjunto de documentos,
de em um mundo de mudanças. En-
tão, até hoje Roma se orgulha de ser nem a família e nós não queremos um novo conjun-
to de documentos. Essa não é a razão.
uma instituição estável em um mundo
que está mudando, e é por isso que que tem sido Os concílios também são “eventos”
públicos que marcam a história como
as pessoas podem recorrer a ela para
dar sentido a sua existência. A Igreja é desacreditada” pontos de referência, e por isso eu sou
a favor de um novo Concílio. Contudo,
a representante da palavra de Deus e ele não seria o tipo de Concílio que ti-
da nossa relação com Deus como algo vemos no passado, pois não acredito
estável e não passível de sofrer mu- mano é ser parte de um projeto que que seja possível, em termos logísti-
danças. Mas me parece que vivemos está sempre avançando. cos, reunir todos os bispos do plane-
em um mundo diferente daquele de Paradigma errado ta em um só lugar, mas algum tipo
meados do século XIX. Hoje, Darwin de reunião mundial, na qual poderia
A humanidade é muito diferen-
é aceito como uma visão de mundo, haver uma discussão honesta sobre
te hoje do que era no século XIX. E o
o registro paleontológico e a desco- a situação da Igreja no mundo hoje.
ritmo da mudança, não só a mudança
berta da origem do universo e do nos- Então, se o terceiro mundo, o mundo
em si, está também mudando, cada
so planeta, da origem da vida; fez as “não europeu” ou não norte-america-
vez mais e mais rápido. Basta ver a
pessoas perceberem que “mudança” no puder ter uma voz verdadeira no
revolução na ciência da computação.
não é uma exceção, mas a regra; que futuro da Igreja, então eles deverão
Então, a Igreja está caminhando jun-
“mudança” é a natureza da realidade. estar presentes como não estiveram
to do paradigma errado, junto a uma
No período clássico, a estabilidade e em nenhum outro Concílio anterior.
visão errada. Ela ainda tem essa visão
a permanência eram vistas como o
de que a posição estável é uma posi-
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mecanismo padrão. Então o mundo IHU On-Line – O senhor percebe


ção de não mudança, e que a mudan-
mudou literalmente. É como uma re- uma vontade de hegemonia no diálo-
ça é uma coisa ruim que precisa ser
volução copernicana. O homem não go inter-religioso por parte da Igreja
explicada. Nós estamos em um mun-
é mais o centro do mundo, a Terra Católica ou há um real interesse em
do diferente hoje.
não é mais o centro do universo – nós se abrir à alteridade religiosa?
O mundo está mudando, e se
somos parte de um universo maior. Roger Haight – Antes de continu-
você quiser dizer que a igreja cristã –
É esse tipo de mudança, onde a sua ar, devo dizer que quando digo “igre-
ou a Igreja Católica – é a mesma de
imagem da realidade muda, e ser hu- ja” não estou me referindo apenas à
dois mil anos atrás, você vai ter que
Igreja Católica Apostólica Romana,
explicar muita coisa. O problema é ex-
mas a todo o povo de Deus, protes-
plicar como poderia ser possível que
tantes, ortodoxos, anglicanos. Tendo
3 Confira a entrevista “A Igreja insti- as coisas todas permanecessem imu-
tucional permanece escandalosamente dito isso, se quando você se refere
táveis. Como ela pode ser a mesma
inalterada”, concedida à edição 403 da a “igreja” está se referindo à Igreja
revista IHU On-Line, de 24-09-2012, dis- se a própria natureza da realidade é
Católica, na sua mais alta hierarquia,
ponível em http://bit.ly/QON9xp. (Nota a mudança? E a mudança é algo po-
da IHU On-Line) como uma instituição que tem o papa

42 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


como seu líder maior, então eu digo
“João Paulo II e nhecida que escreveu um livro seis ou

Destaques da Semana
que não, que não há interesse em um sete anos atrás e que foi condenado
verdadeiro diálogo, ou melhor, existe
interesse no diálogo inter-religioso, Bento XVI estão no ano passado. Elizabeth foi conde-
nada não por causa do conteúdo do
mas por trás disso existe sempre a
ideia de conversão. A Igreja de Roma certos em temer livro, mas porque ela é uma feminista.
Eles quiseram constrangê-la, obstruin-
não está aberta nem ao menos para
os movimentos ecumênicos. No se- o relativismo, mas do sua autoridade perante a comuni-
dade católica. Então não há nenhum
gundo Concílio essa ideia foi men-
cionada, mas nunca saiu do papel, existe uma terceira interesse. Algumas pessoas dizem que
João Paulo II falava, infalivelmente,
nunca houve um movimento real por
parte da Igreja Católica Apostólica alternativa entre que as mulheres não podem desem-
penhar um papel de liderança na igre-
Romana para fazer avançar o movi-
mento ecumênico. A única ação que o relativismo e o ja. Por outro lado, e eu acredito que
isso seja verdade nos Estados Unidos
eles apontam foi um decreto no final
da década de 1990 sobre justificação dogmatismo. Essas e, cada vez mais, também em outros
lugares do mundo, em alguns círcu-
– mas quem está interessado nisso?
“Foi uma doutrina, nós lutamos por não são as duas los específicos, que existe interesse
no feminismo e na igualdade entre os
ela no século XVI, mas ninguém mais
se importa com isso...”, dizem. Então, únicas opções” gêneros. Certamente, a maioria das
pessoas que são católicas nos Estados
muitas pessoas dirão que a Igreja está Unidos são a favor da ordenação de
interessada porque fez o movimento mulheres. Não há dúvidas, estatistica-
eles querem saber apenas das “tecni-
simbólico, mas isso é apenas isso – um mente falando.
calidades” dessas outras religiões. Por
símbolo, nada mais do que um símbo-
outro lado, existem muitos cristãos e
lo vazio. IHU On-Line – Então existe uma
judeus que são budistas sérios hoje.
diferença entre a alta hierarquia ca-
Interesse raso Em sociedades abertas e seculares,
tólica e a base da igreja nesse senti-
Agora vamos falar da Igreja como onde existe a separação entre a Igre-
do. Dessa forma, você acredita que a
povo de Deus – se eles estão interes- ja e o Estado, eu acredito que exista
maneira mais provável/fácil de pro-
sados no diálogo inter-religioso. De- uma grande dose de vontade de pro-
moção de mudança seria através de
pende. Em algumas culturas, sim; em mover o diálogo inter-religioso, mas
suas “bases”, ou poderíamos esperar
outras, talvez. Nas Filipinas, onde tra- não apenas para manter a paz, senão
algo do papado ou dos bispos?
balhei por bastante tempo, não exis- para aprender de maneira genuína
Roger Haight – É por isso que
te um interesse genuíno pelo diálogo com o “Outro” e, talvez, mudar a mi-
eu acho que seria uma boa ideia ter
ecumênico porque essa é uma nação nha própria vida espiritual por causa
um novo Concílio, para que houvesse
cristã, com apenas alguns poucos da influência da alteridade.
uma discussão livre onde as pessoas
metodistas ou anglicanos residentes da América Latina pudessem con-
– um número irrelevante e que faz IHU On-Line – Percebe algum
versar com asiáticos, australianos,
pouca diferença. Existe também uma avanço na relação da Igreja Católica
europeus. Em outras palavras, pode
parcela significativa da população, com as mulheres?
haver intercâmbios, e intercâmbios
por volta de um quarto, que são mu- Roger Haight – Novamente eu
rompem medos, pois mostram que as
çulmanos, mas os cristãos não estão terei que fazer uma distinção entre a
coisas podem ser feitas de maneiras
interessados em dialogar com eles, igreja como a alta hierarquia, os bis-
diferentes. Dentre os resultados inte-
pos, etc., para então dizer que não,
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apenas em conviver. Não há interesse ressantes do Vaticano II estão menos
em criar um diálogo inter-religioso, não houve nenhum avanço. Houve,
àqueles relacionados aos documentos
mas em manter a paz. Manter a paz inclusive, um endurecimento de posi-
oficiais, e mais ao diálogo que acon-
é importante para manter o canal de ção. Tenho certeza de que vocês estão
teceu e que mudou as cabeças das
comunicação aberto, mas não há in- cientes dos ataques a Elizabeth John-
pessoas. Quando o Concílio começou,
teresse genuíno em “aprender” algo son4, uma teóloga feminista muito co-
eles tinham todos esses documentos
com os muçulmanos. preparados para ele – a mesma coisa
Por outro lado, em outras cul- 4 Elizabeth Johnson: teóloga feminista, de sempre – mas gradualmente os
turas pluralistas, como a Europa, por atua como docente da Fordham
Universitsy. De sua bibliografia, bispos começaram a dizer: nos não
exemplo, que está se tornando uma destacamos o livro She who is: the precisamos fazer isso de novo, pode-
cultura cada vez mais diversificada, e mystery of God in feminist theological mos ter novas ideias, é possível haver
discourse (New York: Crossroad, 1992).
os Estados Unidos, que também são Ela concedeu uma entrevista à IHU On- diálogo entre bispos e teólogos e, na
bastante plurais, existe um grande in- Line, intitulada Jesus e as imagens
teresse em outras religiões. Alguns di- sobre Deus: para além do masculino e do
feminino, publicada na edição número abraço universal. Acesse no link http://
zem que esse é um interesse raso, que 248, de 17-12-2007, intitulada Jesus e o bit.ly/RAQDne. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 43


verdade, aconteceram grandes deba-
“Tudo está em a palavra “panenteísmo”, mas eu temo
Destaques da Semana
tes entre bispos e teólogos durante que no mundo de fala inglesa “pa-
os cinco anos do Concílio Vaticano II.
Houve uma grande troca de ideias en- Deus e Deus está nenteísmo” seja uma palavra “ruim”.
Ela está relacionada com uma escola
tre eles – e confiança, porque todos
estavam tentando fazer o que era me- em tudo, mas particular de teologia e filosofia que
cunhou o termo e, por isso, tem um
lhor para a Igreja.
Contudo, agora existe uma grande a criação não é entendimento diferente de Deus como
um ser atomístico. Mas se você toma
desconfiança entre os bispos e a alta
hierarquia. Então a pergunta é: a mu- Deus” o termo simplesmente como uma pa-
lavra, então eu chamaria esse sistema
dança vem de cima, ou de baixo? Da de panenteísta, mas não panteísta.
onde veio a mudança no Vaticano II? Não é difícil de entender. Se você con-
Veio de baixo ou veio de cima? Na ver- Kuhn se baseou no sistema aristoté- segue entender os dois tipos de dua-
dade, veio um pouco dos dois. Houve lico, mas o modificou, porque esse lidade verá que tudo está em Deus, e
movimentos teológicos, ecumênicos, tinha um deus e então era preciso Deus esta em tudo. Então Deus esta lá,
litúrgicos, houve estudos de escrituras dar conta da causalidade dele. Ele presente, agindo e sustentando a rea-
“de baixo” – e havia grandes teólogos foi um pouco além do “aquele que lidade. Tudo está em Deus e Deus está
e também pessoas comuns pensando move, mas não é movido” aristotélico em tudo, mas a criação não é Deus. Eu
sobre os temas discutidos. Também e pensou em dois tipos de causalida- não sou Deus. O mundo não é Deus. O
havia João XXIII e Papa Paulo VI, então de: uma causalidade de força motriz mundo é precisamente o que Deus fez
eu não posso atribuir responsabilidade (primary force / primary causality) e a que não é Ele, e que está fora e é au-
às bases ou à alta hierarquia pelas mu- segunda é a causalidade secundária. tônomo em relação à realidade divina.
danças – até porque sem o estímulo Então, todo o Universo é regido pela Deus está dentro da realidade e a sus-
das bases não haverá movimento nas causalidade secundária, e atrás dessa tenta. Então, é tanto imanência, quan-
camadas superiores. Então, acredito causalidade secundária está Deus, o to transcendência: é a transcendência
que existe essa dinâmica entre as ca- Criador, sustentando todo o sistema mais o poder de estar dentro do mun-
madas de bases e aquelas mais supe- existente. Assim, Deus não está inter- do, sustentando-o. Na verdade, tudo o
riores da igreja no que diz respeito à vindo, mas segurando/sustentando. que tem a ver com a vida espiritual é
possibilidade de mudança. Deus não intervém, mas segura/sus- assim: imanente e transcendente. Isso
tenta a estrutura que tem vida pró- é o que os místicos sabem há bastante
IHU On-Line – O universo é um pria, sujeita a leis e eventos aleatórios tempo.
sistema aberto. Em que medida essa que criam movimento. Então a ques-
concepção deixa de lado a tradicional tão é: há duas formas de causalidade,
causalidade linear aristotélica e abre e é preciso não confundir Deus com a
espaço para a complexidade e for-
mas de causalidade diferentes?
causalidade secundária. Deus não age
no sistema como causa finita porque
Leia mais...
Roger Haight – Eu sou um segui- Deus é infinito. Deus age no Universo Confira outra entrevista concedida
dor de Thomas Kuhn5 nesse sentido. como causa infinita para controlar o por Roger Haight à IHU On-Line:
todo do sistema, e o sistema como um
todo, no ser e no mover do Universo. • “A Igreja institucional permanece
5 Thomas Kuhn (1922-1996): físico norte-
-americano, cujo trabalho incidiu sobre
escandalosamente inalterada”. Edi-
história e filosofia da ciência, tornando-se
um marco importante no estudo do proces- IHU On-Line – A ideia de Deus es-
tar “dentro” da história e não intervir ção 403, de 24-09-2012, disponível
so que leva ao desenvolvimento científico.
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Sua obra mais conhecida é A estrutura das nela tem raízes panteístas? Por quê? em http://bit.ly/QON9xp
revoluções científicas. 7.ª ed. Säo Paulo:
Perspectiva, 2003. (Nota da IHU On-Line) Roger Haight – Eu fico tentado a usar

LEIA OS CADERNOS IHU IDEIAS


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44 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407
Destaques da Semana
Os inimigos da democracia
e o perigo das exigências
hipertrofiadas
Messianismo, neoliberalismo e populismo, engendrados dentro da própria
democracia, são três dos perigos à sua espreita, aponta Tzvetan Todorov.
Mesmo que tais ameaças estejam em recuo, é preciso que os indivíduos
tenham espaço para exercer a sua liberdade

Por Márcia Junges e Susana Rocca | Tradução Cláudio César Dutra de Souza

“O
s inimigos externos da demo- comum em uma relação de limitação mútua
cracia estão, por hora, em re- com a exigência de liberdade individual. É
cuo. Mas como se faz para que preciso que os indivíduos disponham de um
um movimento gere, ele mesmo, os seus espaço de liberdade, mas não ao ponto de
adversários? Penso que isso está ligado ao comprometer a existência do bem comum.
fato de que a democracia não depende de No neoliberalismo contemporâneo há a ten-
um princípio único. A palavra democracia dência de eliminar toda a exigência do bem
significa ‘o poder do povo’, mas não é sufi- comum e, com isso, toda a preocupação com
ciente afirmar esse poder para descrever o conjunto da população em detrimento ao
ou definir a democracia moderna, uma vez enriquecimento de alguns e a negligência de
que ela exige muitas outras características”. serviços comuns como a educação, a medici-
As ponderações são do filósofo e linguista na e o transporte, dos quais toda a popula-
búlgaro Tzvetan Todorov na entrevista que ção poderia ser beneficiada”.
concedeu com exclusividade à IHU On-Line Tzvetan Todorov foi professor da École
por ocasião de sua vinda a Porto Alegre. Se- Pratique de Hautes Études e na Universidade
gundo ele, alguns perigos potenciais rondam de Yale e diretor do Centro Nacional de Pes-
a democracia. Um deles é que uma de suas quisa Científica de Paris – CNRS. Atualmente
exigências enquanto sistema “tome uma di- dirige o Centro de Pesquisa sobre as Artes e
mensão desmesurada se desenvolva de ma- a Linguagem da mesma cidade. Publicou um
neira hipertrofiada e que, de repente, outras número considerável de obras, que estão
exigências, não menos indispensáveis, sejam hoje traduzidas em 25 idiomas. Além disso,
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recusadas, reprimidas e eliminadas”. Nesse produziu vastíssima obra na área de pesquisa
sentido, ele cita a “exigência de uma preo- linguística e teoria literária.
cupação pelo interesse comum, pelo bem Confira a entrevista.

IHU On-Line – Na obra Os inimi- o fato de que o perigo atual para o livro sobre três exemplos. Haverá tal-
gos íntimos da democracia (São Pau- mundo ocidental não me parece vir vez mais, mas eu pude trabalhar sobre
lo: Companhia das Letras, 2012) o se- propriamente de seu exterior, mas esses três e é difícil dizer qual é o mais
nhor afirma que a ameaça do mundo sim, bem mais de dentro deste, na importante porque não correspon-
ocidental está em uma série de ten- forma de um desvio, uma perversão dem a segmentos idênticos de nossa
dências crescentes em nosso meio. e um desenvolvimento desmesurado existência. O messianismo, por exem-
Qual é a principal dessas tendências? de suas próprias características e das plo, é uma ameaça que nos vem da
Tzvetan Todorov – Em meu li- exigências que caracterizam realmen- maneira na qual conduzimos as rela-
vro quis primeiramente insistir sobre te a democracia. Eu me detenho no ções internacionais, mas ela não tem

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 45


consequências internas importantes que disponhamos de um estado de não parece fazer sentido no tipo de
Destaques da Semana
para os países. O neoliberalismo é direito, ou seja, que respeite, ele mes- sociedade globalizada e hipercapita-
um movimento, talvez o mais impor- mo, a constituição e a lei instaurada e lista do Ocidente. Qual é o futuro da
tante, que toca em todos os aspectos que assegure que ela seja respeitada democracia nesse contexto?
de nossa existência, mas, por outro mesmo que as consequências disso Tzvetan Todorov – Nós não pode-
lado, ele não se liga às relações inter- sejam nefastas para os membros do mos ler o futuro, portanto não sabe-
nacionais, que não dependem disso. governo. mos exatamente o que vai se produzir.
O populismo, por seui turno, é talvez Porém, do meu ponto de vista, não é
um evento, de fato, um movimento, Espaço de liberdade preciso considerar que a política tradi-
importante na Europa hoje, mas que Existem outras exigências, outras cional não teria mais lugar ou futuro. O
talvez já esteja diminuindo em países características da democracia que se que me parece importante é que a po-
da América Latina, onde foi mais for- produzem em nossos dias. Um dos lítica, ou seja, a conduta dos interesses
temente atuante no passado. perigos potenciais presentes é que e negócios comuns não seja esquecida
uma dessas exigências tome dimen- e negligenciada. Então é preciso defen-
IHU On-Line – Como podemos são desmesurada, que se desenvolva dê-la para sermos bem sucedidos em
compreender que a democracia en- de maneira hipertrofiada e que, de salvaguardá-la. A meu ver, é preciso fa-
gendre seus próprios inimigos? repente, outras exigências, não me- zer de tudo para que possamos conti-
Tzvetan Todorov – Bem, nós po- nos indispensáveis, sejam recusadas, nuar escolhendo o nosso destino mais
demos compreender, em primeiro reprimidas e eliminadas. Dou alguns do que se submeter à vontade dos in-
lugar, pelo fato de que a democracia exemplos breves: a exigência de uma divíduos, Deus ou natureza.
saiu vitoriosa do conflito contra os preocupação pelo interesse comum,
seus inimigos externos e eu penso, pelo bem comum em uma relação de IHU On-Line – Em que medida
em particular, no século XX nos gran- limitação mútua com a exigência de a xenofobia substituiu o anticomu-
des combates conduzidos pelos paí- liberdade individual. É preciso que os nismo na Europa Ocidental e o anti-
ses democráticos contra o fascismo e indivíduos disponham de um espaço -imperialismo na Europa Oriental?
o comunismo. Há também uma oposi- de liberdade, mas não ao ponto de Tzvetan Todorov – Eu não pen-
ção entre a teocracia que existe hoje comprometer a existência do bem co- so que se trate propriamente de uma
e que seria o oposto da democracia. mum. No neoliberalismo contempo- substituição. No que concerne aos
Mas não penso que essas teocracias râneo há a tendência de eliminar toda países da Europa Ocidental, é claro
representem atualmente um perigo a exigência do bem comum e, com que o inimigo próximo e identificável
maior para os países democráticos; isso, toda a preocupação com o con- não é mais a ameaça comunista, mas
quer sejam os modelos vigentes no junto da população em detrimento sim a ameaça que representa a popu-
Irã, Sudão, Arábia Saudita, enfim, em ao enriquecimento de alguns e a ne- lação de imigrantes, especialmente
qualquer outro país do Golfo Pérsico gligência de serviços comuns como a os muçulmanos que cumprem o pa-
ou do Oriente Médio. Portanto, penso educação, a medicina e o transporte, pel de espantalhos hoje. Penso que a
que os inimigos externos da demo- dos quais toda a população poderia xenofobia é bem mais um fenômeno
cracia estão, por hora, em recuo. Mas ser beneficiada. próprio da Europa em geral, sobre-
como se faz para que um movimento Outro exemplo seria que a pers- tudo a Ocidental, embora possamos
gere, ele mesmo, os seus adversários? pectiva de certo progresso é consti- encontrá-lo presente também na Rús-
Penso que isso esteja ligado ao fato tutiva da democracia. A democracia sia e na Europa do Leste. Um pouco
de que a democracia não depende não é um estado conservador que porque não há mais conflitos ideoló-
de um princípio único. A palavra de- considera que tudo vai bem, seja no gicos e o ser humano tem certa ne-
mocracia significa “o poder do povo”, mundo ou em uma região, e que bas- cessidade de organizar a sua existên-
mas não é suficiente afirmar esse po- ta mantê-lo assim como está quan- cia em termos de amigos e inimigos,
der para descrever ou definir a demo- do julgamos. Pelo contrário, exige-se branco e preto e então estabelecemos
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cracia moderna, uma vez que ela exi- que um aperfeiçoamento seja sempre e nos contentamos com essa solução
ge muitas outras características. Por possível e que isso faça parte de uma que opõe o nosso grupo cultural com
exemplo, já faz mais de dois séculos filosofia, mesmo do código genético os outros que não são como nós, que
que constatamos que a liberdade do da democracia. Mas se essa ideia de são inclusive fisicamente diferentes
indivíduo é uma característica essen- progresso estiver vinculada e se impu- de nós.
cial, mesmo fundamental dos esta- ser pela força das armas que se con-
dos democráticos, enquanto que na juga entre um Estado aperfeiçoado e IHU On-Line – Como podemos
democracia grega antiga isso não era progressista, é evidente que necessi- compreender a perseguição ao “Ou-
uma exigência. O mesmo é verdade tamos tentar outros princípios mais tro”, ao estrangeiro cidadão de “se-
em relação à outra característica de- democráticos que são a livre vontade gunda categoria” recorrentes na Eu-
mocrática, ou seja, a exigência de que do indivíduo, já que lhe impusemos o ropa? O que esses bodes expiatórios
todo o poder seja limitado, que se bem pela força. demonstram sobre o tipo de política
vincula a um equilíbrio de poder, que e sociedade do século XXI?
a minoria é também de direito, e não IHU On-Line – A política tradicio- Tzvetan Todorov – Essa questão
apenas a maioria. Portanto, é preciso nal está prestes a acabar e também se assemelha com a anterior e pode-

46 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


mos dizer que isso indica uma perda,
“É preciso fazer der americano. A força de subjugação

Destaques da Semana
um enfraquecimento das identidades dos Estados Unidos advém, evidente-
culturais antigas sobre o duplo impac-
to causado pela globalização, de um de tudo para que mente, de seu imenso poderio militar,
independentemente de sua força fi-
lado, e do individualismo, de outro.
Em todas as sociedades os indivídu- nós possamos nanceira. Esse país é o mais forte, o
mais rico e ele construiu um arsenal
os desejam livremente regrar as suas militar jamais visto. Para se ter uma
vidas, não fazendo mais referência às continuar ideia, o orçamento militar dos EUA é
regras impostas pela família, pela ci- maior do que o orçamento militar de
dade ou pelo grupo. Nesse sentido, escolhendo o todos os outros países do planeta jun-
observa-se uma ruptura da identida- tos. Logo eles são de longe o país mais
de coletiva e, da mesma maneira que nosso destino poderoso da atualidade, mesmo que
existe essa ruptura ligada à globaliza- hoje a superioridade militar não seja
ção devido à desterritorialização das mais do que suficiente para controlar o resto do
empresas e da mão de obra estrangei- mundo. De qualquer forma, isso expli-
ra introduzida nos países ocidentais –
ou mesmo o fato de que nós próprios
se submeter ca porque decisões bélicas podem ser
tomadas com ou sem a concordância
talvez tenhamos que vir a trabalhar
fora de nossos países. Isso são pro-
à vontade dos do conselho de segurança da ONU. É o
linguajar e a lógica da força.
cessos sociais e culturais de longa du-
ração tanto quanto a globalização e
indivíduos, Deus IHU On-Line – Que muros físicos e
o individualismo, mas que tem como
efeito comum destruir e diluir as iden-
ou a natureza” invisíveis devem cair para que se pos-
sa falar realmente em democracia?
tidades coletivas tradicionais produ- Tzvetan Todorov – Os muros fí-
zindo uma reação no sentido de fazer sicos separam vários países e existem
da pessoa oriunda de outras culturas com certas características do mundo para separar os mexicanos dos ame-
um “bode expiatório” de tudo o que capitalista como o livre mercado, a ricanos, ou os palestinos de Israel,
não funciona em nossa vida. Isso quer competição, o enriquecimento e as que são os mais conhecidos. Porém,
dizer que, se não encontramos traba- desigualdades sociais, gerou-se um há muitos outros muros pelo mundo,
lho, se há muito barulho nas ruas ou entendimento de que tal concepção como o que existe entre a Grécia e a
se nossas mulheres não nos querem não é mais confiável. Penso que as Turquia e também entre a Espanha e
será tudo por causa dos estrangei- reações anti-imperialistas de nossos Marrocos, etc. Esses muros entre paí-
ros. Então as verdadeiras razões que dias são lideradas por grupos mais ses são, sem dúvida, lamentáveis para
são a globalização e o individualismo independentes, ou por ONGs e mo- as relações internacionais, mas, por
permanecem inconscientes, ou talvez vimentos ecológicos sensíveis à de- outro lado, eles não impedem o exer-
nem tanto, no que tange a uma per- predação da natureza e outras forças cício da democracia. Podemos ter um
cepção imediata da situação. políticas que permanecem marginais país que seja democrático e ao mesmo
ao sistema. tempo construir um muro para que os
IHU On-Line – O anti-imperalis- Não penso que hoje haja um outros não entrem, já que a democra-
mo mudou sua roupagem em nos- grande movimento anti-imperialista, cia se define pela maneira na qual se
sos dias? Quais são suas principais já que o imperialismo renovou a sua gera um país interiormente bem mais
manifestações? face, se apresentando, por exemplo, do que pela maneira como se dão as
Tzvetan Todorov – Quais seriam como defensor dos direitos do ho- relações internacionais. Cabe ressal-
as mudanças do anti-imperialismo? mem e da democracia. Por certo, no tar que a democracia no passado era
Eu penso que no passado recente era mundo inteiro esta propaganda tem exercida por países imperialistas sem
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a ideologia comunista que se apre- se mostrado bastante eficaz. que isso lhes causasse danos. A Fran-
sentava como a principal inimiga do ça, por exemplo, era um país demo-
imperialismo. Ao longo do século XX o IHU On-Line – Impor a democra- crático internamente e também era
combate anti-imperialista era capita- cia através de bombas é uma prática um país colonial que dominava parte
neado pelos partidos comunistas com à qual os Estados Unidos submete- da Ásia e da África. Isso era uma ca-
sua propaganda e seus slogans. Essa ram diversas nações. O que explica a racterística dos grandes países demo-
situação mudou e uma das razões é força desse país em subjugar outros? cráticos do passado. Os muros que era
que se percebeu que os Estados Co- Tzvetan Todorov – Eu não penso preciso ultrapassar para que a demo-
munistas também se comportavam que isso se dê ao longo da história, cracia aflorasse eram os muros das
de maneira perfeitamente imperialis- mas sim que corresponda a um pe- prisões, da Bastilha, como se dizia na
ta, seja a Rússia, seja a China, o Viet- ríodo recente, desde o final da Guerra Revolução Francesa. Podemos pensar
nã, etc. De outro lado, a ideologia co- Fria e o enfraquecimento da super- que, normalmente nas democracias
munista perdeu muito de sua atração potência soviética, quando um certo liberais de nossos dias, esses tipos de
desde a metade do século XX. Onde equilíbrio foi rompido e o território muros caíram, com algumas exceções
essa ideologia se mantém, combinada ficou livre para a emergência do po- por aqui e por lá.

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 47


Artigo da Semana
Destaques da Semana

O Brasil que sai das urnas:


Balanço das eleições
municipais 2012

C
oncluído o segundo turno, o balanço do comportamento eleitoral? Essas questões
preliminar das eleições municipais de são abordadas por Cesar Sanson, doutor em
2012 começa a ser feito. Quais são as sociologia pela Universidade Federal do Para-
forças e lideranças políticas que saem ganhan- ná – UFPR e docente na Universidade Federal
do e perdendo? Quais são os partidos que do Rio Grande do Norte – UFRN, em artigo
saem fortalecidos e fragilizados? Que cená- que sintetiza Conjuntura da Semana publica-
rios as eleições municipais prospectam para da no sítio do IHU em 30-10-2012.
a disputa de 2014? As eleições de 2012 apre- Eis o artigo.
sentaram alguma novidade do ponto de vista

As análises, avaliações e inter- 2010 na qual defendeu e sustentou como Haddad e Pochmann, mostra
pretações do rescaldo das eleições o nome de Dilma Rousseff contra que algo mudou. Eu não estou que-
municipais de 2012, grosso modo, a vontade do próprio partido. Os rendo com isso insinuar que o Lula
indicam que os dois nomes mais vito- “postes” de Lula como são identifi- tenha tido plena consciência desse
riosos dessas eleições são Luis Inácio cados Dilma e Haddad aumentaram movimento e de no que isso importa.
Lula da Silva e Eduardo Campos. Lula o cacife do ex-presidente e a fama A Dilma, por exemplo, ela não é uma
em função da sua aposta maior, Fer- do seu feeling em perceber e ante- mulher da política, é uma mulher
nando Haddad, sair vitorioso nas elei- cipar as expectativas do eleitorado. da administração, da gestão. E aí,
ções em São Paulo e Eduardo Campos Registre-se, contudo, que o “acerto” as marcas de racionalização que ela
pelo expressivo crescimento do PSB. A de Lula em Recife após a crise inter- vem procurando trazer ficaram mui-
aposta, insistência e riscos assumidos na do partido na capital pernambu- to claras a esta altura de dois anos
com a candidatura do ex-ministro da cana não deu certo. de governo. Então, o que eu digo é o
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Educação foram da inteira exclusivi- O movimento de Lula em indi- seguinte: embora haja um tom muito
dade de Lula. O ex-presidente vetou a car Haddad, um novato na política, otimista nas coisas que estou falando
candidatura de Marta Suplicy e impôs particularmente para a disputa do e analisando, acho que há sinais por
ao PT paulista seu nome. Haddad ini- executivo, assim como foi com Dilma, dentro, no interior do PT, de que ha-
ciou a campanha com 3% nas inten- antecipou uma tendência que emer- verá um aggiornamento aí”.
ções de voto, superou na reta final ge agora nos debates: o declínio dos Segundo Werneck, “está saindo
Russomanno e “atropelou” Serra no “caciques” na política e a necessida- uma velha elite política e entrando
segundo turno.1 de da renovação geracional na políti- outra, e essa outra entra sob o impac-
A conquista de Lula é ainda ca. Na opinião do sociólogo Weneck to de dois extraordinários eventos, o
mais expressiva quando se tem pre- Vianna2, Lula, talvez sem consciência primeiro foi a Lei da Ficha Limpa e o
sente as eleições presidenciais de explícita promove um aggiornamen- segundo, o julgamento da Ação Penal
to no PT. Diz ele: “A opção por qua- 470 [mensalão], com condenação de
dros mais modernos, como Dilma, praticamente todos os réus, principal-
1 A íntegra pode ser acessada no link: mente as grandes lideranças políticas,
http://bit.ly/QRBo7M A íntegra pode ser
acessada no link: http://bit.ly/QRBo7M 2 - Cf. http://bit.ly/RXEG8s do PT e do governo [passado]”. A cien-

48 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


tista política Maria Celina D’Araújo3, Entre as figuras regionais que com mais de 200 mil eleitores]. O G85

Destaques da Semana
partilha da avaliação de que a elei- ganharam encontram-se a família Go- é utilizado como referência de análi-
ção deste ano deixou à mostra que o mes no Ceará, ACM Neto na Bahia e a se política em função de condensar o
maior desafio dos partidos brasileiros ministra da Casa Civil, Gleisi Hofmann maior número de eleitores, os maio-
para os próximos embates será o re- que com o ministro Paulo Bernardo res PIB e de ser o responsável pela
juvenescimento de seus quadros. Se- articulou o apoio do PT curitibano dinâmica política que se imprime nos
gundo ela, “o PT e o PSDB estão com ao nome do ex-pessedebista Gustavo territórios regionais e nacional.
suas classes dirigentes envelhecidas e Fruet, agora no PDT, contra os grupos Os dados do G85 revelam que o
à procura de novas lideranças, tanto petistas que queriam candidatura PT é o partido que governará o maior
no plano nacional quanto nas dispu- própria. A vitória na capital parana- número de cidades. Outro dado rele-
tas eleitorais nas principais capitais”. ense dá forças a possível candidatura vante é o fato de que o PT comandará
Na opinião de Maria Celina, “o ex-pre- da ministra ao governo do Estado em maior parcela dos orçamentos mu-
sidente Lula percebeu a necessidade 2014. nicipais e também governará para o
de renovação (...) e foi por isso que maior número de eleitores. Nota-se
rifou lideranças tradicionais, como Lideranças políticas que saem também um vertiginoso crescimen-
Marta Suplicy e o Aloizio Mercadante, perdendo to do PSB no G85, principalmente a
e apostou no novo”. O grande e maior derrotado nes- partir da conquista em Belo Horizonte
Outro nome vitorioso que emer- sas eleições é José Serra. Após per- e em cidades do nordeste brasileiro,
ge com as eleições municipais de 2012 der a disputa à eleição presidencial particularmente, Recife e Salvador.
é do governador de Pernambuco Edu- de 2002 contra Lula e em 2010 con- O PSB não apenas elegeu um núme-
ardo Campos do PSB. O partido foi o tra Dilma, a derrota para a eleição da ro expressivo de prefeituras como se
que mais cresceu proporcionalmente prefeitura de São Paulo praticamente habilitou como o segundo partido
em eleitores e prefeitos. Porém, nem sepulta qualquer perspectiva eleitoral que mais governará eleitores. O PSOL
todas as vitórias são resultantes de futura. Regionalmente, há vários der- conquistou sua primeira prefeitura e
articulações de Eduardo Campos –, rotados nessas eleições. Um deles é o teve excelente desempenho nas elei-
mas é incontestável que o grande be- governador do Paraná Beto Richa do ções de Belém e do Rio de Janeiro.
neficiado com o crescimento do PSB é PSDB - figura em ascensão meteórica Os resultados na majoritária quan-
o governador de Pernambuco. O PSB e até então considerada jovem lide- do associados ao desempenho nas
agora é um “é um partido adulto” e rança emergente no partido. Outro eleições proporcionais [vereadores]
não está mais “a reboque do PT”, afir- derrotado nas eleições é o governador revelam que o PSOL obteve um bom
mou Eduardo Campos ainda no pri- da Bahia Jacques Wagner. O gover- crescimento.
meiro turno. nador que já foi cotado como nome O PMDB, por sua vez, tomando
No balanço das lideranças po- forte para uma eventual indicação do como referência o desempenho em
líticas que saem fortalecidas, desta- PT na disputa presidencial saiu fragili- eleições anteriores no G85 permane-
cam-se ainda Dilma Rousseff que sai zado uma vez que perdeu as eleições ce estacionário em número de pre-
fortalecida com o veredito das urnas para ACM Neto, arquirrival do PT no feituras, porém, perde fôlego em re-
municipais uma vez que os partidos Estado. Quem também se saiu derro- lação ao número de eleitores que irá
aliados praticamente isolaram as for- tado em menor grau é o governador governar. O PSDB saiu derrotado pelo
ças oposicionistas e Aécio Neves pela Geraldo Alckmin pela mesma razão. fato de que perdeu a joia da coroa, a
razão de que o candidato a prefeito A reeleição de Alckmin em 2014 não prefeitura de São Paulo. Como des-
em Belo Horizonte que apoiou – Mar- será tarefa fácil uma vez que o PSDB taca a cientista política Maria Celina
cio Lacerda (PSB) – saiu vitorioso ain- não terá em mãos a capital e enfren- D’Araújo4, “São Paulo é o berço de tu-
da no primeiro turno. Destaque-se, tará equilíbrio de forças com o PT nos canos e petistas (...) é a maior cidade
porém, que Aécio conseguiu neste maiores municípios de São Paulo. brasileira, o terceiro maior orçamento www.ihu.unisinos.br
ano eleger menos prefeitos do PSDB do País, enfim, a cereja do bolo, a joia
do que em 2008 nas principais cida-
Partidos políticos que saem ga- da rainha”. Além de perder São Paulo,
des mineiras. A vitória de Aécio, en-
nhando e perdendo o PSDB não conquistou nenhuma ca-
tretanto, é maior quando cotejada Os partidos de melhor desempe- pital no eixo sul-sudeste, o que não é
com a derrota de José Serra em São nho nas eleições municipais de 2012 pouco para um partido que se afirmou
Paulo. O PSDB paulista sempre deu foram o PT e PSB. Logo atrás deles o no cenário nacional principalmente a
as cartas na definição do nome à dis- PSOL que também pode ser consi- partir desse território como se pode
puta presidencial. Com a derrota de derado vitorioso tomando como re- observar no gráfico abaixo.
Serra, porém, a terceira sucessiva, o ferência o seu desempenho anterior O DEM é outro partido que vem
PSDB paulista terá dificuldades para – eleições de 2008. Os derrotados definhando. Perdeu prefeitos nessas
contrarrestar o nome de Aécio à pre- são o PSDB e o DEM. O PMDB perma- eleições em comparação com os elei-
sidência em 2014. nece estacionário com ligeira queda. tos de 2008: 218 cidades a menos. O
Chega-se a essa conclusão a partir dos DEM apenas não permanece “respi-
dados quantitativos e qualitativos e,
sobretudo, tomando-se como refe-
3 - Cf. http://bit.ly/RgI3pZ rência o G85 [26 capitais e 59 cidades 4 - Cf. http://bit.ly/RgI3pZ

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 49


rando por aparelhos” em função de Despolitização e No Nordeste fala-se muito do
Destaques da Semana
sua vitória em Salvador. Proporcional- desideologização crescimento do PSB. Mas qual PSB?
mente à queda do DEM, assiste-se ao A análise de quem ganhou e per- Da família Gomes ou de Eduardo
crescimento do PSD. O partido presi- deu precisa ser problematizada e com- Campos? O PSB, aliás, integra a co-
dido por Kassab é o DEM de ontem. plexificada a partir do componente da alizão de governo da presidente Dil-
política. Se de fato, por um lado, há ma Rousseff, mas com suas alianças
Cenários 2014 fortaleceu potenciais adversários de
ganhadores e perdedores nas eleições
As análises recorrentes dão con- desse ano, por outro, faz-se necessário Dilma em 2014, tanto Aécio Neves
ta de que o cenário de 2014 a partir destacar que a distinção ideológica en- (PSDB, na oposição) como Eduardo
dos resultados de 2012, salvo acon- tre os partidos vai ficando cada vez mais Campos (PSB, na base aliada). Como
tecimentos excepcionais, já está mais distante. Não é um exagero afirmar está definir o PSB de Célio de Castro que
ou menos delineado. em curso certa pasteurização e homo- ganhou as eleições em Belo Horizon-
Num primeiro cenário, Dilma geneização do quadro partidário bra- te? Aliás, um dos possíveis motivos
Rousseff concorre à reeleição man- sileiro. Talvez essa seja uma explicação pela não ida de Patrus Ananias ao
tendo o atual leque de alianças contra para a colcha de retalhos que foi o re- segundo turno na capital mineira
a candidatura de Aécio Neves do PSDB sultado eleitoral. Já no primeiro turno, deve-se ao fato de que até poucos
com o apoio do DEM e siglas meno- o voto se revelou bastante pulverizado meses antes das eleições o PT esta-
res. Nesse cenário fica em aberto que onde sete partidos elegeram prefeitos va na mesma administração que de
será o vice de Dilma, se do PMDB ou em 09 capitais, a pulverização também repente passou a criticar duramente.
do PSB, com chances maiores para o se manifestou no segundo turno. Por anos, a administração não teve
PMDB em função do peso de sua ban- Já na costura política dos parti- oposição e de repente, o PT, que
cada no Congresso. dos às eleições municipais, verificou- estava junto, rompe e passa a fazer
Num segundo cenário, remoto, -se que o componente ideológico não oposição. Para o eleitor o quadro fi-
Dilma Rousseff concorreria contra Aé- é necessariamente o determinante no cou confuso. Até mesmo o PSOL no
cio Neves tendo como vice Eduardo momento de definição das alianças. Amapá vem sendo duramente criti-
Campos do PSB. Essa possibilidade é Recorde-se que o próprio Lula tentou cado pelo aceite das alianças com a
difícil de concretizar em função da re- atrair o prefeito Gilberto Kassab (PSD) direita na disputa do segundo turno.
sistência da família Gomes ao PSDB e para o apoio à Haddad. O apoio ape- É uma ingenuidade pensar que a
do próprio Eduardo Campos que não nas não se concretizou porque José política partidária se faz sem alianças,
gostaria de associar o seu nome a um Serra entrou na disputa. Lula então se porém, a falta de critérios para o es-
partido considerado do espectro do moveu na busca do apoio de Maluf. tabelecimento das mesmas chama a
centro ou até mesmo centro-direita. O “vale tudo” aliancista orientou atenção. As alianças partidárias cada
Num terceiro cenário, a disputa a disputa eleitoral em todo o país. Co- vez mais tornam os diferentes iguais.
se daria entre Dilma Rousseff e Edu- meçando pelo sul onde a candidata Os altos índices de abstenção
ardo Campos, esse tendo como vice derrotada Manuela D’Ávila (PCdob) e votos nulos também podem con-
um nome do PSDB, talvez o próprio fez aliança com PP, partido de direi- tribuir para a compreensão com o
Aécio Neves. O PSDB percebendo sua ta; José Fortunati, vitorioso, que já foi desencanto da política. “Mesmo sub-
fragilidade não descarta, embora não do PT e está no PDT por sua vez tinha metido à assepsia limitante da urna
assuma essa possibilidade. Eduardo em sua aliança 11 siglas, inclusive o eletrônica, que impede os insultos e
Campos aceitaria essa aliança sob o DEM. No Paraná viu-se quadro seme- palavrões, o voto nulo é uma luz que
argumento que a hegemonia na cha- lhante em que Gustavo Fruet do PDT, fica muito mais vermelha numa elei-
pa seria dada pelo seu nome. O gover- ex-PSDB, aliou-se ao PT e no segundo ção como essa se o somarmos aos
nador de Pernambuco deu sinais nas turno recebeu o apoio do DEM. Com votos em branco e às abstenções. Na
eleições municipais – palanques em a vitória de Fruet, PT e DEM estarão cidade de São Paulo, os eleitores de-
que subiu na disputa contra o PT – que juntos na futura administração curiti-
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salentados, 2.490.513, superaram em


procura construir caminho próprio. bana. Destaque-se que Fruet fustigou muito os dois primeiros colocados da
Outro cenário não descartado e duramente o PT e Lula quando era de- votação válida”, escreve o sociólogo
até mesmo bastante provável são as putado federal do PSDB na função de José de Souza Martins5.
candidaturas à presidência de Dilma sub-relator da CPI do mensalão. Segundo o sociólogo, o fenôme-
Rousseff (PT), Eduardo Campos (PSB), Em São Paulo, repetiram-se as no sugere “uma crise da representa-
Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (ain- alianças sem critérios (PT-Maluf é um ção política e mesmo o declínio dos
da sem partido) e um nome do PSOL, dos casos) como já destacado. No Rio partidos”. Ou seja, “uma parcela pon-
provavelmente Marcelo Freixo. Esse de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB) po- derável dos brasileiros está tendo seus
cenário e a sua real possibilidade es- deria estar em qualquer partido. O PT direitos políticos cassados por falta de
tão condicionados em certa parte ao que está na aliança vitoriosa de Paes, um sistema partidário que dê efetiva-
desempenho de Dilma no governo no dirige a secretaria de habitação e é a mente conta do que a representação
próximo ano e meio e, sobretudo, ao responsável pelas remoções das obras política deveria ser”.
desempenho da economia. para a Copa do Mundo.

5 - Cf. http://bit.ly/SXS5vW

50 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


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EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 51


C

Levar adiante o debate conceitual

Por Adilson Cabral*

Há alguns meses vinha materializando visual nos grupos de trabalho da Intercom


a ideia de um debate mais focado no con- – Sociedade Brasileira Interdisciplinar de Co-
ceito de multiplicidade da oferta, trabalha- municação e da própria ULEPICC – União La-
do por Valério Brittos por tantos anos em tina de Economia Política da Informação, da
seus textos. Tal como outros colegas de Comunicação e da Cultura. As implicações
dentro e do entorno do campo da Econo- desse conceito na economia e na política,
mia Política da Comunicação (EPC), enten- bem como em fatores socioculturais, são
dia que tais momentos se ressentiam da amplas, mas o que as aproxima do trabalho
necessária depuração conceitual que nos que venho desenvolvendo – e por tanto, da
permite ir adiante na produção do conheci- produção de Valério Brittos – é compreen-
mento, além de contribuir para a visibilida- der o quanto isso pode implicar ou inviabili-
de do trabalho e da atuação nas qual a EPC zar a atuação das iniciativas de comunicação
se debruça. comunitária em relação à sociedade, predo-
Apesar das várias oportunidades em minantes no Brasil e no mundo.
encontros e conversas, o debate presencial Nas últimas mensagens que trocamos,
não poderá mais ser possível pela ausência Valério havia manifestado interesse em co-
de nosso companheiro. Para Valério Brittos, nhecer as iniciativas de comunicação co-
a multiplicidade de oferta trata da acele- munitária do Rio de Janeiro, especialmente
ração da produção e da circulação de con- as estruturadas em comunidades de baixa
teúdos para o consumidor, influenciando renda. Diante de uma compreensão mais
fatores como preço, audiência e concorrên- ampla de dominação mercadológica, a bus-
cia, dentro não só do mercado audiovisual, ca por formas alternativas de comunicação
como de outras mídias. se fazia necessária, mas dentro, no entanto,
Tal compreensão em processo o moti- da compreensão da superação da lógica do
vou a pesquisar televisão em seu Doutorado mercado ou, no mínimo, da evidência de ca-
e a ter se aproximado dos estudos de Audio- minhos de uma ruptura possível.

___________________________
* Adilson Cabral é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-graduação
em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense. É coordenador do Grupo de Pesquisa Emerge
e secretário da Ulepicc-Brasil. E-mail: acabral@comunicacao.pro.br

52 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


Coordenação: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha
WWW.GRUPOCEPOS.NET

No entanto, aí começam os estra- inevitavelmente aprendendo e o que, ULEPICC Brasil, na condição de secre-
nhamentos em relação às consequên- de certa forma, estava se anunciando tário-geral, com o propósito de bus-
cias das aplicações da ideia de multi- desde os tempos do Relatório McBri- car integrar essas frentes, bem como
plicidade de oferta. Por atuarem no de. É possível trabalhá-la incorporan- estimular a produção e a difusão de
raio específico da comunidade onde do valores de pluralidade e diversida- nossos conteúdos no meio acadêmico
se localizam, existem iniciativas de de que incluam na sociedade como e social, dialogando com professores,
comunicação comunitária em maior sujeitos que contribuem para o de- pesquisadores, alunos e ativistas de
número e oferecendo mais conteú- senvolvimento local nas comunidades áreas da Comunicação e afins.
dos, lidando com a lógica da multipli- onde atuam. A acolhida da minha contribuição
cidade da oferta como inerente a sua Portanto, o conceito de multiplici- à dinâmica de uma associação cientí-
atuação, o que não necessariamente dade de oferta parecia carente de con- fica como a ULEPICC, originalmente
soluciona as questões relacionadas à textualização, pela sua condição dupla pensada em torno da Economia Polí-
produção, à programação e à gestão de crítica e contribuição. Acoplado a tica da Comunicação, somente refor-
das iniciativas comunitárias. ele e a sua caracterização, sempre ca- ça aquilo que se compreende como
Um dos principais focos da crí- beria um contexto em função do qual maior elo na nossa relação acadêmica,
tica carregada nesse termo, ao longo se fala, tanto em relação ao alcance que é a disposição em acolher e dia-
de seu trabalho, é justamente a da dos meios, quanto ao envolvimento logar com o diferente, na busca por
fragmentação das audiências, que se na elaboração dos conteúdos. aproximações que fortaleçam a pro-
diluem diante de tantos conteúdos dução de conhecimento em torno da
oferecidos, respondendo ao convite Atuação em comum perspectiva crítica da Comunicação e
de um consumo que leva a sociedade Foi no contexto desses debates contribuam para a realização de uma
à diluição de suas estruturas e formas em torno da EPC e da Comunicação Co- sociedade mais democrática.
de organização, bem como à perda de munitária que nos aproximamos. Aco- Com certeza a dedicação do tra-
referências de conteúdos comuns. A lhi seu convite de realizar o I Encontro balho e os produtos deixados por Va-
Internet, ao contrário do que se po- da ULEPICC Brasil, na Universidade Fe- lério Brittos servirão de inspiração a
deria conceber, seria o espaço da in- deral Fluminense, em outubro de 2006, gerações presentes e futuras no meio
tensificação dessa fragmentação, não propondo, na programação do evento. acadêmico, bem como seus conceitos
só pela ampliação dessa quantidade, A partir daí organizamos o livro “Eco- e reflexões moverão ainda muitos de-
como pela fugacidade e pela superfi- nomia Política da Comunicação: inter- bates e atividades em torno daquilo
cialidade dos conteúdos publicados. faces brasileiras“, composto por textos que ele sempre defendeu, uma socie-
Lidar com a multiplicidade da relacionados aos painéis do evento. dade mais justa e solidária no exercí-
oferta, no entanto, é algo com o qual Mais recentemente fui convida- cio da cidadania para a afirmação da
as novas gerações estão cada vez mais do por ele a integrar a Diretoria da democracia.

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 53


Destaques On-Line
Destaques da Semana
Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line no período de 23-10-2012 a 29-10-2012, disponíveis nas Entrevistas do Dia
do sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).

A corrida estrangeira pela terra “O governo atende às pressões que estão à mesa, que
estão na imprensa, no parlamento, na base de apoio,
brasileira nos círculos empresariais, e vai entregar o patrimônio
público ao setor privado com aura de quem está
Entrevista especial com Maíra Martins, socióloga
e mestre em Ciências Sociais com foco em resolvendo um problema histórico da população”,
Desenvolvimento Agricultura e Sociedade pela avalia o especialista.
UFRRJ
Confira nas Notícias do Dia de 30-10-2012
Acesse no link http://migre.me/bupTT

“Apesar de pequenos agricultores produzirem quase


A noção de antagonismo esteve
a metade dos alimentos no mundo, eles constituem a ausente na campanha política gaúcha
população mais fragilizada, em situação de miséria e
fome, cuja ausência de titularidade ou posse da terra Entrevista especial com Bruno Lima Rocha,
os torna mais vulneráveis”, constata a socióloga.
professor no curso de Jornalismo da Unisinos
Confira nas Notícias do Dia de 01-11-2012
Acesse no link http://migre.me/buq2s

“Na medida em que as diferenças partidárias vão


MP 579 e a dualidade de diminuindo, fica menos traumática a troca de
governo”, assinala o cientista político.
comportamento
Entrevista com Ildo Sauer, professor titular da
Universidade de São Paulo – USP
Confira nas Notícias do Dia de 31-10-2012
Acesse no link http://migre.me/bupXg

Evento: IHU Ideias

Palestra: O racismo na literatura de Monteiro Lobato e


www.ihu.unisinos.br

Mark Twain: paranoia ou mistificação?


Palestrante: Wagner Altes – Licenciado em Letras/In-
glês pelo Centro Universitário Unilasalle
Data: 22-11-2012
Horário:17h30 às 19h
Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU
Mais informações: http://migre.me/bB6tf

54 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


Tema
de
Capa

Destaques
da Semana

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IHU em
Revista
EDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 000 55
IHU em Revista
Agenda da Eventos do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Semana programados para a semana de 05-11-2012 a 12-11-2012

Evento: EAD Sociedade Sustentável


• De 1 de outubro a 10 de novembro - no Módulo 3 - Por um novo paradigma civilizacional
• De 12 de novembro a 1 de dezembro - Módulo 4 - Pensar global e agir local
Mais informações: http://migre.me/bupKt

Evento: IHU Ideias

Palestra: Economia da felicidade: um estudo em


países da América Latina

Palestrante: Pedro Henrique de Morais Campetti –


Economista pela Unisinos

Data: 29-11-2012
www.ihu.unisinos.br

Horário: 17h30 às 19h

Local: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros,


no IHU

Mais informações: http://migre.me/bB6zm

56 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


Confira as publicações do

Instituto Humanitas Unisinos - IHU

Elas estão disponíveis na página eletrônica

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EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 57


IHU Repórter
IHU em Revista

Luiz Antônio Farias Duarte


Por Thamiris Magalhães

“S
ou um radical da moderação.” As- pessoalmente a IHU On-Line e contar sua his-
sim se define o professor do curso tória de vida no jornalismo, na academia e na
de Jornalismo, Luiz Antônio Farias vida. Pai do jornalista Bernardo e do estudan-
Duarte. Simpático, dedicado e uma figura te de jornalismo Bolívar, “Nikão” já passou por
carimbada no jornalismo brasileiro, “Nikão”, diversas redações de jornais no Brasil. Confira
como é conhecido desde o berço, reservou sua trajetória de vida pessoal, profissional e
uma hora antes de iniciar a aula para atender acadêmica.

Origem – Tenho um pseudônimo Nós moramos a 500 km de distância um curso para mim. Ao mesmo tempo, come-
que me acompanha desde o berço. Sou do outro e nos encontramos nos finais de cei a trabalhar. Meu primeiro emprego foi
mais conhecido como “Nikão”. Nasci no semana, ora eu indo a Horizontina, onde em 1973-1974, como auxiliar de escritório
dia 18-09-1953 em Porto Alegre, mas te- ela é gerente de RH de uma empresa, ora do Banco Sul Brasileiro, atual Santander.
nho uma raiz muito forte interiorana e ela vindo aqui, e com muita frequência Carreira jornalística – Mas logo con-
fronteiriça no Rio Grande do Sul. A origem nos encontramos em Canela-RS, onde te- segui um estágio, ainda no primeiro ano
da minha família é um município da zona mos uma residência de final de semana, de faculdade, como repórter esportivo
sul do estado, chamado Pinheiro Macha- em que fugimos tanto do calor como nos para cobrir o Internacional, no Diário de
do. Lá vive a minha mãe até hoje, aos 86 abrigamos no frio da Serra. Notícias, que era um jornal importante,
anos de idade, e minhas duas irmãs; uma Estudos – Na década de 1960, Pi- então existente em Porto Alegre, mas na-
delas morando com minha mãe, Necilda, nheiro Machado só oferecia para a sua po- quele momento já em decadência. Isso em
que requer cuidados. Vivi muito tempo pulação o que seria equivalente, hoje, ao 1975, que foi o ano que o Internacional as-
no interior, uma vez que meu pai, já fa- ensino fundamental. Então, todo mundo sumiu a grandeza que tem hoje, conquis-
lecido, Neyder, foi delegado de polícia. precisava sair de lá para estudar. Ou ir para tando o primeiro Campeonato Brasileiro
Então, vivemos durante muito tempo em Bagé, Pelotas ou vir para Porto Alegre. No naquele ano. Fiquei nove meses lá. Então,
vários lugares. Passei um tempo em Bagé. meu caso, a oportunidade que se colocou comecei minha carreira jornalística da ma-
Lá meu pai e minha mãe se separaram, e para mim foi ir para São Paulo. Estudei lá neira mais agradável possível, cobrindo o
minha mãe, com os quatro filhos – tenho em um colégio estadual por conta de um clube do meu coração, exercendo a pro-
três irmãs: a Enilda, que é a mais velha, a tio meu, Bolívar Madruga Duarte, que, na fissão da qual nunca tive dúvidas de qual
Maria de Lourdes, a mais jovem que eu; verdade, é minha referência paterna. Ele seria e no ano em que o clube estava, até
e a Maria Emília, que é a caçula do grupo bancou meus estudos. Então, estudei em então, com sua melhor trajetória, com as
– retornou para Pinheiro Machado, onde Atibaia, uma agradabilíssima estância hi- conquistas que teve. Depois, passei para a
permaneci até a adolescência. Então, fi- dromineral a 60 km de São Paulo, em que Folha da Manhã, que era, nos anos 1970,
quei lá de 1960 a 1961, e depois de 1964 a eu tive a primeira experiência de morar o jornal mais combativo daqui. Estava no
www.ihu.unisinos.br

1969. Apesar de ter ficado tão pouco tem- sozinho na vida, com 15 anos. E isso foi segundo ano de faculdade. Fiquei lá du-
po nas terras de minha origem, tenho uma muito importante para meu crescimento, rante toda a minha formação acadêmica.
ligação afetiva muito forte com esse local, minha independência e para a valorização Evolução no jornalismo – Em 1980,
além de que lá é um objeto de pesquisa de meu seio familiar. Posteriormente, meu então formado, fui para a sucursal do Es-
para mim, porque é um município antigo, tio, por condição de trabalho, se transfe- tado de São Paulo em Porto Alegre. Atuei
que teve uma história muito interessante. riu para Porto Alegre e eu o acompanhei, como repórter do Estadão. Um ano e meio
Atualmente moro em Porto Alegre com onde terminei o então segundo grau. depois, recebi um chamado para ser che-
meus dois filhos. Faculdade – Depois, fiz vestibular fe de reportagem da Folha da Tarde. Per-
Família – Tenho uma companheira e para comunicação. Passei tanto na Uni- maneci nesta condição até 1984, quando
dois filhos do primeiro casamento; o Bolí- versidade Federal do Rio Grande do Sul os veículos desta empresa fecharam, por
var, que completa 30 anos em dezembro e – UFRGS como na Pontifícia Universidade uma crise econômica muito grande. E,
é estudante de Jornalismo; e o Bernardo, Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. E nesse meio tempo, houve momentos em
que tem 28 anos, e é jornalista formado. meu tio, num gesto de magnanimidade, que eu estava tanto na Folha da Tarde
Há 11 anos, tenho uma relação estável que é bem característico dele, disse que como na rádio Guaíba, sendo chefe de
com a Carla, que é formada em Admi- eu optasse pelo melhor curso. E, como o reportagem das duas. Quando a Folha da
nistração e trabalha na área de recursos melhor naquele momento era o da PU- Tarde deixa de circular fui trabalhar na Rá-
humanos. Ela não mora em Porto Alegre. CRS, estudei lá, tendo ele bancado todo o dio Guaíba. Posteriormente, trabalhei no

58 SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 | EDIÇÃO 407


decisão que eu teria tomado originalmen- sional como no humano da palavra. Creio

IHU em Revista
te. Provavelmente, voltaria para Brasília. que ela recebe muito bem as pessoas. E te-
Mas vim para cá porque, evidentemente, a nho conseguido estender minha experiên-
minha casa seria, é até hoje e será sempre cia docente por várias disciplinas, o que
que quiserem, a casa de meus filhos. Isso também é interessante. Hoje, leciono as
em 1997. Quando o governo terminou, em disciplinas Assessoria de Imprensa I, Agên-
1999, recebi um convite para coordenar a cia de Comunicação, Jornalismo Online e
comunicação da Federação das Indústrias Estágio em Assessoria de Imprensa. Por
do Estado do Rio Grande do Sul – Fiergs – tutoria, leciono Assessoria de Imprensa II.
onde fiquei sete anos. Então, fui para uma Lazer – Gosto muito de viajar. Essa é
função similar na PUCRS. Lá fui coordena- uma aptidão que Carla, eu e meus filhos
dor de comunicação. Ao final de dois anos, temos em comum.
já em amadurecimento profissional, come- Ficção – Além do jornalismo, escrevo
cei a pensar na possibilidade de desenvol- e curto ficção. Estou escrevendo um livro.
ver esse meu conjunto de experiências de Chama-se A guerra de Cacimbinhas, e que
uma forma mais abrangente. Assim, mon- imagino pronto ano que vem. É uma pes-
Jornal do Comércio. Com um ano neste tei juntamente a dois sócios, a Com Efeito quisa que faço há 10 anos, em que utilizo
jornal, passei para o Diário Catarinense, Comunicação, empresa de assessoria de fatos históricos com recursos da ficção. En-
do grupo gaúcho RBS, em Florianópolis, comunicação estratégica, que é o meu tra- tão, é uma obra de ficção baseada em fa-
primeiro jornal totalmente informatizado balho atual, em paralelo com a docência tos reais. Pretendo publicar ano que vem.
do país. Lá exerci a função de secretário de na Unisinos. Livro – O Tempo e o Vento.
redação por nove meses, em 1986. Depois Academia – A docência sempre este- Filme – Viagem fantástica.
dessas experiências, decidi ir para Brasília, ve presente em minha vida. Sempre fui um Religião – Católica, mas não sou
na sucursal da RBS, onde tornei-me chefe estudante em potencial. Quando terminei praticante.
de redação. a graduação, pensei que queria continuar Sonho – Vivemos sempre na dicoto-
Docência – Ainda em Brasília, tive estudando. Fiquei um ano sem estudar. mia do mundo real e do mundo possível.
uma experiência docente na Universida- No ano seguinte, 1979, voltei para o curso Um pai e uma mãe não devem educar seus
de de Brasília – UnB – onde fui professor de Especialização em Comunicação na PU- filhos sem que aspirem a um ideal. O ideal
concursado, e do então Centro de Ensino CRS. Depois disso, o meu ritmo de trabalho de cada ser humano, creio, é ser feliz. Acre-
Unificado de Brasília – CEUB. Mas, quando me afastou da academia. Então, adiei isso dito que perseguir um sonho, ir em busca
estava me encaminhando da redação para até meados dos anos 1990, quando eu, dele, significa se aproximar dele. Meu so-
a academia, recebi um convite que reputei mestrando em Comunicação, em Brasília, nho continua sendo ser feliz. Entendo que
como irrecusável naquele momento. Foi passei a dar aula, primeiramente como é um caminho que vai me acompanhar en-
em 1996, no 11º ano que estava em Bra- substituto e, depois, como concursado na quanto eu estiver por aqui.
sília, quando recebi o convite de chefiar UnB. Fui convidado a dar aulas no CEUB. IHU – O IHU é uma referência im-
a redação da Agência Jornal do Brasil, no Ao mesmo tempo, passei a ser jornalista portante para nós, especialmente ligados
Rio de Janeiro, que foi a primeira agência da Associação Nacional de Jornais – ANJ, à Unisinos, mas não apenas; é relevante
de notícias do Brasil. Mas, infelizmente, a uma entidade representativa dos jornais também para a comunidade em geral.
perspectiva que se tinha com essa agência brasileiros. Aqui eu fazia um jornal mensal Creio que o IHU traz uma importante con-
não seguiu adiante, por questões familia- sobre jornalismo. Foi aí que surgiu a opor- tribuição ao debate com os trabalhos de
res de disputa interna da família detentora tunidade do JB, em que eu deixo um pouco comunicação que realiza. Então, o fato de
da empresa, daquilo que se esperava não o campo acadêmico, inclusive sem poder ter uma publicação semanal, um site e de
houve correspondência. concluir o mestrado que tinha iniciado em trazer ao debate personalidades que não
Decisão – Então, naquele momen- Brasília. estão no dia a dia da mídia convencional,
to, ou eu voltava para Brasília ou ficava Mestrado e doutorado – Quando é bem interessante. A par disso, há o lado
no Rio. Mas optei por outra via, que não ainda estava na Fiergs, fui fazer o mestra- técnico que, sendo professor de comunica-
era nenhuma dessas duas. Decidi retornar do na UFRGS, em comunicação, de 2005 a ção, é interessante ressaltar, que é porque
para Porto Alegre para ficar mais próximo 2007, e depois, imediatamente, de 2008 a a base de comunicação do IHU é a entre-
de meus dois filhos, uma vez que estava 2012, fiz o doutorado na PUCRS, que ter- vista, o gênero entrevista. Então, com mui-
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divorciado e meus filhos moravam no in- minei 27 de junho passado. ta frequência, nós professores de Jornalis-
terior do Rio Grande do Sul. Bem nessa Unisinos – Estou aqui desde 2010. mo da Unisinos, utilizamos os trabalhos do
época, o meu filho mais jovem, Bernardo, Leciono quatro disciplinas semanalmente. Instituto, bem como as entrevistas do site
foi chamado para jogar futebol no time do Nesses três anos nesta universidade, creio ou da publicação impressa da Revista IHU
Grêmio, em Porto Alegre, sendo que ele que já passei por umas dez disciplinas, On-Line, como exemplos de como se tra-
morava em Alegrete. Nesse sentido, teria de Introdução ao Jornalismo, Redação, balha a entrevista.
que se montar toda uma estrutura para Teorias da Comunicação, Assessoria de Autodefinição – Sou uma pessoa de
ele. Nesse meio tempo, coincidentemen- Imprensa I e II, Agência de Comunicação, paz e, de fato, essa é a minha aspiração.
te, recebi uma proposta para voltar a tra- Seminário Livre de Cinema etc. No semes- Sou paciente, o que não significa dizer
balhar no Rio Grande do Sul. tre passado, coordenei o laboratório de que eu não perca a paciência. Perco. E aí,
Inovação – Passei, então, a uma ex- Jornalismo, que é uma experiência nova às vezes, como demorei tanto a perder a
periência diferente. Fui convidado a traba- em andamento na Universidade. Então, paciência, recuar fica mais difícil. Se eu
lhar na comunicação do governo estadual, tenho muita gratificação em estar, nes- pudesse me definir daquilo que eu me co-
na assessoria de comunicação. Retornei te momento, exercendo a docência aqui, nheço, a esta altura da minha vida, faria a
para o Rio Grande do Sul, que foi uma de- porque acho que essa é uma instituição seguinte composição: sou um radical da
cisão bem mais prática e afetiva do que a muito acolhedora, tanto no sentido profis- moderação.

EDIÇÃO 407 | SÃO LEOPOLDO, 05 DE NOVEMBRO DE 2012 59


Rumo a uma nova configuração eclesial
Contracapa
IHU em Revista

Acaba de zação tecnocientífica, realizado na Unisinos de 2 a 5


ser lançada 71ª de outubro últimos.
edição dos Ca-
dernos Teologia Os Cadernos Teologia Pública podem ser ad-
Pública, com o quiridos na Livraria Cultural, no campus da Unisi-
texto “Rumo a nos ou pelo endereço livrariaculturalsle@terra.com.
uma nova con- br. Mais informações podem ser obtidas pelo fone
figuração ecle- (51) 3590 4888.
sial”, de autoria
de Mário de França Miranda, professor da PUC-Rio. A versão completa desta edição estará disponí-
A edição publica a íntegra da conferência profe- vel no sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br) a partir de
rida pelo teólogo no XIII Simpósio Internacional IHU: 29 de novembro de 2012 para download em formato
Igreja, cultura e sociedade. A semântica do Mistério PDF.
da Igreja no contexto das novas gramáticas da civili-

Sociedade sustentável
Inicia no próximo dia 12 de novembro o módulo
4 - Pensar global e agir local - do Ciclo de Estudos
em Educação a Distância (EAD) – Sociedade Susten-
tável. Com o objetivo de refletir sobre as perspecti-
vas de emergência de uma sociedade sustentável, o
evento busca relacionar as crises energética, finan-
ceira, climática e alimentar, para, a partir delas, carac-
terizar a crise civilizacional pela qual se passa, como
parte do processo de esgotamento do capitalismo.
Saiba mais em http://bit.ly/NWRJVc

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