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maio 2008

LITERATURA

O bestiário do Cristo
Sem a desconfiança dos primeiros homens da Igreja, ciosos em preservar o
dogma cristão contra aquilo que identificavam como um vestígio das idolatrias
pagãs, Charbonneau-Lassay vai buscar não só a interpretação religiosa, mas as
numerosas fontes pagãs e o modo como os primeiros cristãos se apropriaram de
antigos emblemas locais: a águia, o golfinho, a fênix, o íbis no Egito, o leão em
Roma

Pablo Simpson

Louis-Charles-Joseph Charbonneau-Lassay nasceu em Loudun, França, em 1871.


Noviciado da Congregação dos Irmãos de Santo Gabriel, foi professor em Poitiers
e Moncoutant até a promulgação da lei de 1901 sobre o direito às associações,
quando se tornou laico. Arqueólogo, colecionador de objetos do período
galo-romano e da Idade Média, e de imagens que copiava habilmente
gravando-as sobre madeira, certo dia, relata-nos um de seus biógrafos, visitou o
gabinete do arcebispo de Paris, o cardeal Dubois. No meio de uma conversa
sobre Leão XIII e o emblema de um coração transpassado como símbolo da
salvação, ambos teriam constatado que tal simbolismo “era coisa muito pouco
conhecida nos dias de hoje”.

Nos trinta anos seguintes, incapacitado de manter atividades de ensino devido a


uma laringite crônica, Charbonneau-Lassay se dedicou a uma tarefa improvável:
pesquisar toda a simbólica do Cristo, desde os tempos primitivos até a Idade
Média, através da representação de animais, de pedras, de flores, de plantas –
bestiarium, lapidarium, florarium, vulnerarium. “Missão apostólica de minha
vida”, como confessaria a Pierre Delaroche, divulgar a linguagem simbólica das
imagens como parte essencial da tradição cristã. Desse projeto, precocemente
interrompido com sua morte, restou apenas a primeira parte, publicada em 1940
e quase inteiramente destruída num bombardeio alemão à gráfica belga onde
acabara de ser impressa, arruinando a composição tipográfica e as matrizes das
gravuras em madeira.

O bestiário do Cristo, a misteriosa emblemática de Jesus Cristo, reeditado em


2006, pela Editora Albin Michel, em edição fac-similar, reúne 1157 imagens feitas
pelo próprio Charbonneau-Lassay – cópias de iluminuras, insignes heráldicas,
símbolos geométricos, emblemas de animais, peças arqueológicas, capitéis e
pórticos de igreja – acompanhadas por sua interpretação simbólica e religiosa,
na medida em que conduziriam ao Cristo (in quantum ducunt ad Christum,
segundo Tomás de Aquino). São artigos de extensão variada, organizados sob a
forma de um grande dicionário. Leões, touros, cavalos, pombas, cervos,
salamandras, todos analisados a partir de sete fontes documentais: as religiões
pré-cristãs, os livros sagrados, os livros de naturalistas – Aristóteles e Plínio [1]
–, as doutrinas gnósticas, os estudos e bestiários medievais, relatos de viagens
como os de Marco Polo, e o folclore. A elas se poderiam somar outras fontes: as
fábulas de Esopo com seus bichos e concepções morais, influentes na Idade
Média como atestam os afrescos do monastério de Fleury em Saint-Benoît-
sur-Loire, na França; ou trechos de Platão, com seu animal monstruoso,
representando as paixões e o domínio irracional da alma humana, com esta, por
vezes, atrelada a dois cavalos, um dócil, outro arisco [2].

Simbolismo, emblemática

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Em O bestiário do Cristo, Charbonneau-Lassay se coloca na trajetória do


pensamento medieval, para o qual o mundo material e o mundo espiritual são
obra de um mesmo Deus. Como para Isidoro de Sevilla (570-636), os animais
não teriam autonomia com relação ao homem, mas um sentido que lhes foi
atribuído e que deve ser interpretado: o branco da pomba, o negro de um corvo,
a crueldade do lobo, a lubricidade da serpente. Para Raban Maur (776-856), em
De rerum naturis, eles possuem uma mensagem de caráter moral, teológico ou
espiritual que ultrapassa “o quadro estreito da vida cotidiana” [3].

Sem a desconfiança dos primeiros homens da Igreja, ciosos em preservar o


dogma cristão contra aquilo que identificavam como um vestígio das idolatrias
pagãs – o Concílio de Clichy (626-627) condenaria comer animais imolados aos
ídolos – Charbonneau-Lassay vai buscar, portanto, não só a interpretação
religiosa, mas as numerosas fontes pagãs e o modo como os primeiros cristãos
se apropriaram de antigos emblemas locais: a águia, o golfinho, a fênix, o íbis no
Egito, o leão em Roma. No caso deste último, observa a sua representação no
culto egípcio da deusa Sekhet ou o seu caráter sagrado no culto de Mithra na
Pérsia, com sua festa particular: as “Leônticas”. Ele se tornaria mais tarde
alegoria da justiça, por atacar sua presa no intuito, supostamente, de apenas se
alimentar. Na Idade Média, a partir também da descrição do trono do rei
Salomão, será esculpido na entrada de algumas igrejas romanas.

Mas a interpretação não se interrompe aí. A maior parte dos animais do Bestiário
representaria igualmente “o Cristo Jesus enquanto princípio de toda a vida,
redentor e restaurador do Bem contra os poderes do mal”. Assim, o leão será
emblema de sua vigilância, representado com olhos bem abertos no deserto; ou
do verbo divino (rugido e poder da palavra do Cristo); ou dos amores humano e
eucarístico; ou das provações da vida, a partir do episódio de Davi; ou da morte
do Cristo, desta vez inspirado num episódio bíblico em que Sansão mata um leão
e, pouco depois, encontra-o tomado por um enxame de abelhas. Por fim, será
emblema também da ressurreição do Cristo, como demonstra uma
representação recorrente no século 13, detalhe de um vitral da catedral de Le
Mans na França e trecho de um poema do Bestiaire divin de Guillaume de
Normandie: neles um leão desperta seu filhote com um sopro e uma lambida
depois de três dias de nascido, “Iusque li pere, au tierz iior/ Le souffle et leche
par amor”, “Até que o pai, no terceiro dia/ O sopra e o lambe por amor”.

Mas o leão, assim como o touro, a serpente, o centauro, o dragão e tantos


outros, será também o emblema de Satã, dos vícios, da heresia. Para o apóstolo
Pedro: “o diabo, como um leão que ruge, quer devorá-los”. O Bestiário de
Charbonneau-Lassay, com sua erudição e um aparato de notas impressionante,
atento igualmente aos estudos de arte religiosa medieval de Émile Mâle, recobre
sentidos contíguos, contraditórios. Mesmo diante de uma única imagem, observa
a sua estrutura compósita, a variedade de fontes que vão se acumulando por
trás da economia expressiva. Em vários momentos, elas guardariam um
mistério que as narrativas religiosas, folclóricas e as fontes documentais relutam
em desvendar.

Surrealismo e novos bestiários

Charbonneau-Lassay se preocupou com a leitura contemporânea de todos esses


emblemas. Artistas excelentes ou escritores, “e não dos piores”, teriam utilizado
essas imagens sem conhecer “os verdadeiros significados de que foram dotadas
pelo pensamento cristão de antigos séculos”.

Os animais estão por todos os lados na poesia surrealista. São faisões, corvos,
grilos, estrelas-do-mar em André Breton, pássaros e insetos voadores em Louis
Aragon, touros em Michel Leiris, animais de montaria e rebanho em René Char.
Não raro, aliam-se à descoberta do inconsciente e à sua exploração pela poesia.
Residem, tanto mais, numa espécie de primazia poética conferida à imagem. Os
autores surrealistas vão buscá-las nos minotauros de Pablo Picasso, nos animais
disformes ou pouco identificáveis de Max Ernst, como o gigante Célèbes. Em
sentido inverso, Salvador Dali ilustraria a saga monstruosa dos Cantos de
Maldoror de Lautréamont. Para Claude Maillard-Chary, há uma variedade de
representações que não exclui a presença de micro-organismos infecciosos,
animais investidos de poderes hipnóticos, seres extraordinários [4]. Mas há
também referências religiosas. Gustave Apollinaire em seu Bestiaire, belamente
ilustrado por Raoul Dufy e anterior ao período surrealista, traria poemas não
muito distantes do universo de Jorge de Lima de Invenção de Orfeu, capazes de
relacionar a mitologia e o Cristo. No estranho posfácio, afirma: “Orfeu inventou

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todas as ciências, todas as artes. Fundado na magia, conheceu o futuro e


predisse cristianamente a vinda do Salvador”. Noutros momentos, imagens
inusitadas auxiliam na retomada de um dos símbolos cristãos mais tradicionais.

Que teu coração seja a isca e o céu, a piscina!

Pois, pescador, qual peixe de água doce ou bem marinha

Iguala, tanto na forma, tanto no sabor,

O bom peixe divino que é Jesus, Meu Salvador?

A preocupação de Charbonneau-Lassay, entretanto, na maior parte dos casos, é


justificada. Menos por desconhecimento (talvez também por ele), mas por um
desejo de buscar outras formas do que é vivo, do primitivo e mitológico, dos
fantasmas interiores e oníricos, de um mundo moderno técnico e animalesco.
Quando surge uma referência ao culto cristão, como no Bestiaire de Jean Giono,
escrito no final dos anos 1950, e com seu misto de discurso científico e
falsificação, ela desfaz, portanto, os laços mais previsíveis dos bestiários antigos
e há mesmo, em seus dezenove textos curtos, o flagrante de uma comédia social
rebaixada, mas não menos sugestiva.

Eu entro numa igreja (é mais uma capela). Está lotada; não do tipo de gente que
normalmente se vê nesses lugares, mas daquele tipo dos bistrôs: caras,
espertezas, bondades, narizes em forma de tomate ou em fio de ferro, bigodes e
aquele orgulho canalha que flutua nos lábios dos que apenas sobrevoam o
cardápio. Algumas mulheres: conto três, quatro, cinco, seis no total, não sete,
olhei direito, só seis, dispersas, em cabelos, em lenços. Tentei classificá-las:
trinta, quarenta-e-cinco, sessenta anos, duas bem jovens, mesmo assim
mulheres se julgo pelos olhos e pela vivacidade dos olhares. Representam o quê
na minha vida? É mais difícil dizer: vejo apenas as cabeças e ainda, no caso de
cinco delas, de três quartos, a sexta, só vejo a nuca. Imagino que elas são... por
que me interessam essas mulheres, se o que há de mais extraordinário nessa
assembléia é um cavalo? [5]

***

As histórias sobre as organizações místicas misteriosas na Idade Média, ou sobre


a sua permanência nos dias de hoje, guardam sempre alguma curiosidade.
Conta-se que em algumas delas se praticava um tipo de “alquimia interior”
através da qual se liberariam energias sexuais do homem e da mulher para fins
mágicos. Estoile Internelle e a Fraternidade dos Cavaleiros do Divino Paracleto
são apenas duas delas, cuja documentação remonta ao século 15. Louis
Charbonneau-Lassay, que escreveu sobre a primeira, como nos relatam Stefano
Salzani e PierLuigi Zoccatelli, teria clandestinamente presidido esta última. [6]

[1] O primeiro com sua História dos animais (Perizôôn historias), o segundo com sua História natural
(Naturae historiarum libri).

[2] Essas hipóteses estão no estudo de Jacques Voisenet. Bestiaire chrétien, L’im agerie anim ale des
auteurs du Haut Moyen Âge (Ve-XIe s.), préface de Pierre Bonnassie, Presses Universitaires du Mitrail,
Toulouse, 1994. As fábulas de Esopo foram representadas, mais recentemente, no século 19, no portal
da Imaculada Conceição da Catedral de Sevilha.

[3] Idem, ibid.

[4] Le Bestiaire des surréalistes, Presses de la Sorbonne Nouvelle, 1995.

[5] Le Bestiaire, Ram say, Paris, 1991. Giono está estranhamente de fora do panoram a de Claude
Maillard-Chary.

[6] Hermétisme et emblématique du Christ dans la vie et dans l’œuvre de Louis Charbonneau-Lassay
(1871-1946), Archè, Edidit, 1996.

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