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BRASIL 1900-1910
RIO DE JANEIRO
BRASIL 1900-1910
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA
MINISTRO: EDUARDO PORTELLA
SECRETARIA DE ASSUNTOS CULTURAIS
SECRETARIO: MÁRCIO TAVARES D'AMARAL
BIBLIOTECA NACIONAL
DIRETOR: PLÍNIO DOYLE
Divisão de Divulgação
Ilda Centeno de Oliveira
Divisão de Conservação
Lila Leite Ferreira
BIBLIOTECA NACIONAL
COLEÇÃO RODOLFO GARCIA
BRASIL 1900-1910
APRESENTAÇÃO
PLÍNIO D O Y L E
V. 2
RIO DE JANEIRO
I980
COLEÇÃO RODOLFO GARCIA
SÉRIE A — TEXTOS
Apresentação 9
Música sacra no Rio de Janeiro em redor de 1910 —
Mons. Guilherme Schubert 11
A Igreja no início do século XX — Américo Jacobina
Lacombe 47
O Convento da Ajuda — Antonio Carlos Villaça 61
Literatura: A prosa — Homero Senna 75
A literatura
Sanãroni infantil no Brasil de 1900 a 1910 — Laura 107
A imprensa — Barbosa Lima Sobrinho 123
O acervo da Biblioteca Nacional — Lygia. da Fonseca Fer-
nandes da Cunha 143
A Biblioteca e suas andanças — Eduardo Canabrava Bar-
reiros 169
A Biblioteca Nacional Carmo — Passeio — Cinelândia —
Augusto Maurício 173
APRESENTAÇÃO
Plinio Doyle
Diretor
MÚSICA SACRA NO RIO DE JANEIRO EM REDOR DE 1910
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D u r a n t e a s pesquisas p a r a este t r a b a l h o f i c a m o s s u r -
preendidos com o g r a n d e n ú m e r o de composições f e i t a s
pelos m e l h o r e s músicos brasileiros e e s t r a n g e i r o s r e s i d e n -
tes n a época.
Como se a p r e s e n t a este Rio católico de 1910, c o m p a -
r a d o com o de 1980?
1910 1980
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Quem fez executar Música Sacra
Gêneros de música
Que gêneros de m ú s i c a f o r a m e x e c u t a d o s ? B e m d i f e -
r e n t e s — em g r a n d e p a r t e — dos de h o j e . Os músicos d a
g e r a ç ã o p r e s e n t e f a r ã o b e m em i n t e i r a r - s e d e s t a s p r á t i -
cas do p a s s a d o p a r a c o m p r e e n d e r m e l h o r as composições
de e n t ã o e i n t e r p r e t á - l a s a d e q u a d a m e n t e , j á que m u i t a s
d e l a s h o j e são a p r e s e n t a d a s s o m e n t e n a s s a l a s de c o n -
certo.
I. Em Latim
1 — Missa solene:
a ) p a r t e s i n v a r i á v e i s : K y r i e — Glória — Credo —
S a n c t u s — B e n e d i c t u s — Agnus Dei.
Por u m m o t i v o n ã o c o m p l e t a m e n t e esclarecido
c h a m a r a m e n t ã o de " M i s s a " o c o n j u n t o de " K y -
rie" e "Glória", enquanto "CREDO" significava
u m c o n j u n t o de " C r e d o — S a n c t u s — B e n e d i c t u s
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— Agnus Dei". Talvez, p o r q u e a s p a r t e s de u m
grupo e r a m e x e c u t a d a s e m m ú s i c a f i g u r a d a e a s
d e m a i s em C a n t o c h ã o . Q u a n d o a composição
a b r a n g i a t o d a s as 6 p a r t e s , era c h a m a d a de " M i s -
sa completa".
b) p a r t e s variáveis p a r a a c o m p a n h a r o c a r á t e r p a r -
ticular da celebração: N a t a l — P á s c o a — u m
S a n t o — pelos d e f u n t o s : I n t r ó i t o — G r a d u a l —
T r a c t u s — Aleluia — Seqüência (Dies i r a e . . .
Stabat M a t e r . . . ) Ofertório — Communio.
II. Em Português
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Veni C r e a t o r . . . ) , l a d a i n h a , cânticos; t e r m i n a n d o com a
Bênção Eucarística.
C h a m a v a m a isso Tríduos, S e p t e n a s , Novenas, T r e z e -
n a s c o n f o r m e o n ú m e r o de dias d e s t i n a d o s : T r e z e n a de
S a n t o A n t ô n i o (dia 1 3 . . . ) , S e p t e n a s p a r a as 7 dores de
N. S e n h o r a .
4 — Procissões: cânticos vários de acordo com o c a r á t e r
d a Procissão: Eucarística, de P e n i t ê n c i a , da S e m a n a S a n -
ta, e m h o n r a de u m S a n t o .
Os textos — f o r a dos c a n t o s p o p u l a r e s —• e r a m p r i n c i -
p a l m e n t e q u a n d o em L a t i m , fixos, o que g a r a n t i u a u t i l i -
d a d e do t r a b a l h o do compositor p a r a s e m p r e . As composi-
ções c o m t e x t o em L a t i m p o d i a m ser c a n t a d a s — e f o r a m
— e m q u a l q u e r país, m e s m o de idioma d i f e r e n t e .
A l g u m a s d a s g r a n d e s f e s t a s de o u t r o r a a i n d a são cele-
b r a d a s h o j e : de N. S e n h o r a d a Glória do O u t e i r o (que,
por s u a vez, se c h a m a v a de " O u t e i r o da G l ó r i a " ) — N. S.
d a P e n h a — Corpus C h r i s t i — as 3 f e s t a s do m ê s de j u -
n h o : Sto. Antônio, S. João, S. Pedro.
As f e s t a s p a r t i c u l a r e s h o j e se l i m i t a m à c e l e b r a ç ã o
d a Missa com S e r m ã o e u m a ou o u t r a procissão.
M a t i n a s e L a u d e s e a s Vésperas a t é pouco t e m p o faz,
p o d i a m ser o u v i d a s n a s " T r e v a s " da S e m a n a S a n t a . A t u a l -
m e n t e o Ofício c a n t a d o só pode ser ouvido n o Mosteiro de
S. Bento, m a s e m C a n t o G r e g o r i a n o ( C a n t o c h ã o ) . E m
m ú s i c a f i g u r a d a n ã o h á mais.
V e j a m o s u m exemplo de p r o g r a m a de u m a N o v e n a :
1 — I n t r o d u ç ã o : " D e u s vos salve, M a r i a " .
2 — D e u s in a d j u t o r i u m i n t e n d e . Gloria P a t r i ( a m b o s
em L a t i m ) .
3 — J a c u l a t ó r i a : " A m a d o Jesus, José, Ana, M a r i a : eu
vos dou o m e u coração, m i n h a a l m a e vida."
4 — L a d a i n h a (em L a t i m ou em P o r t u g u ê s )
5 — Oração
6 — H i n o : Salve R a i n h a
7 — Bênção do S a n t í s s i m o
8 — Canto final.
17
Os executantes
A Capeia Imperial
A p r á t i c a da Música S a c r a recebeu u m f o r t e i m p a c t o
com o d e s a p a r e c i m e n t o da " C a p e l a I m p e r i a l " , m e l h o r , dos
músicos c o n t r a t a d o s n o t e m p o do I m p é r i o p a r a servir n e l a
(é u m a das " o l h a d e l a s " n e c e s s á r i a s ) : regentes, composito-
res, copistas, arquivistas, o r g a n i s t a s ( m a i s 2 " f o l e i r o s "
p a r a que o órgão n ã o ficasse " s e m f o l e " . . . ) , c a n t o r e s e
músicos i n s t r u m e n t i s t a s . E r a m 79 n o t e m p o de D. J o ã o VI,
d i m i n u i n d o depois p a r a 69, 67, 33. E r a u m celeiro de m ú -
sicos, a t r a í d o s pela s e g u r a n ç a m a t e r i a l g a r a n t i d a pelo
c o n t r a t o . Em n o t a s biográficas, t a m b é m do nosso p e r í o -
do, e n c o n t r a m o s f r e q ü e n t e m e n t e a observação: A n t ô n i o
Bruno, secretário da Sociedade Musical B e n e f i c e n t e , " c a n -
tor da Capela I m p e r i a l " — N. N., " p r i m e i r o violino d a
Capela I m p e r i a l " — A r c h a n g e l o Fiorito (*1813, Nápoles
— + 1887, Rio), " m a e s t r o e compositor d a Capela I m p e -
rial". Veio p a r a o Brasil no navio que t r o u x e a I m p e r a t r i z
Teresa Cristina (Escreveu um. " L i b e r a me", " S a l u t a r i s " e
o u t r a s peças s a c r a s ) . O p i a n i s t a Hugo B u s s m e y e r a g r a d o u
D. Pedro I I n u m de seus c o n c e r t o s e foi convidado p a r a
m e s t r e da Capela I m p e r i a l (1876).
O serviço n a Capela I m p e r i a l n ã o i m p e d i a o u t r a s a t i -
vidades musicais, m a s n e m t o d a s e r a m legítimas, n e m
o p o r t u n a s . J á o c o n t r a t o ( c i t a m o s u m de 1875) diz: Art.
4.°: os que f a l t a r e m p a r a irem exercer s u a profissão f o r a
dela (Capela) serão suspensos por u m mês; e n a r e i n c i -
dência f i c a r á sem efeito seu c o n t r a t o ;
Art. 7.°: os c a n t o r e s e músicos que c h e g a r e m depois
de t e r principiado a f u n ç ã o , serão m u l t a d o s n a m e t a d e d a
q u a n t i a m a r c a d a n a tabela, os que c h e g a r e m n o m e i o do
serviço, s e r ã o m u l t a d o s n a q u a n t i a i n t e i r a .
E u m "Aviso" do B a r ã o de Cotegipe, Ministro dos N e -
gócios do I m p é r i o ao I n s p e t o r da Capela I m p e r i a l (24/12/
1887) d e t e r m i n a :
2.°: aos músicos c o n t r a t a d o s é a b s o l u t a m e n t e proibido
c a n t a r ou t o c a r em o u t r a s f u n ç õ e s que coincidem c o m a s
da Capela I m p e r i a l ;
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3.°: é l h e s v e d a d o m a n d a r s u b s t i t u t o s p a r a e n s a i o s ou
f u n ç õ e s s e m l i c e n ç a do M e s t r e d e C a p e l a ;
4.°: S e r ã o m u l t a d o s e m 2$000 os c a n t o r e s ou i n s t r u m e n -
t i s t a s q u e r e p e t i d a m e n t e c h e g a r e m d e p o i s de c o m e ç a d a a
f u n ç ã o ; e i g u a l m u l t a s e r á i m p o s t a a o s q u e se a u s e n t a r e m
s e m l i c e n ç a a n t e s d e f i n d o o serviço;
5.°: q u a n d o f a l t a r e m , s e r ã o m u l t a d o s c o n f o r m e a t a b e l a
seguinte:
Abusos
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ção nos b a n q u e t e s do I t a m a r a t y ) e n a s i g r e j a s da C a n -
delária, de S. José, do S a n t í s s i m o S a c r a m e n t o . As g r a ç a s
do B a r ã o lhe p r o p o r c i o n a r a m u m e m p r e g o n o Serviço de
Aguas da D i r e t o r i a de Obras Públicas que ocupou a t é a
m o r t e . Receamos s o m e n t e que t e a t r o e b a n q u e t e s t e -
n h a m deixado reflexos em r e p e r t ó r i o e execução nos
templos.
Assim n ã o e s t r a n h a m o s o d e s a b a f o do Visconde d e
T a u n a y , pouco a n t e s de sua m o r t e ( + 25/11/1899): " F u i
ouvir a "Missa M i m o s a " do P a d r e José Maurício n a I g r e j a
da Cruz dos M i l i t a r e s . . . S e g u n d o a s " b o a s t r a d i ç õ e s " que
todo o e m p e n h o e esforço da comissão de m ú s i c a s a c r a n ã o
poderão a b a l a r , começou a c e r i m ô n i a religiosa pela o u v e r -
ture, t ã o ouvida, corriqueira e e s t a f a d a d a G a z z a l a d r a
de R o s s i n i . . Adequado p r e p a r o p a r a u m a f u n ç ã o religio-
sa, aquela s a l t i t a n t e p r o t o f o n i a da " P e g a l a d r a " ! E n f i m ,
s e j a tudo pelo a m o r de D e u s ! " (Dois A r t i s t a s Máximos,
José Maurício e Carlos Gomes, pág. 69s.).
T a m b é m M a n u e l A r a ú j o P o r t o Alegre r e c l a m o u c o n -
t r a o abuso de " t r a n s f o r m a r o c a n t o s a g r a d o em ó p e r a s
i t a l i a n a s e o libreto e m h i n o s de i g r e j a " . E m e n c i o n a o
protesto da Academia de Belas-Artes j u n t o ao governo i m -
perial (Rev. do I H G B 1856, p. 354-369).
W a n d e r l e y Pinho, em seu livro " C o t e g i p e e Seu Tempo,
pág. 596, t r a n s c r e v e : " N o C o n v e n t o (sic) de S. Bento, a l é m
d a POLCA n a ocasião do Glória t o c a r a m a i n d a a q u e l a
Arieta da R o s i n a do B a r b e i r o (de S e v i l h a ) . . . Tocou-se
o n t e m em S. F r a n c i s c o de P a u l o q u a d r i l h a s f r a n c e z a s " . . .
O " L a r g o " de H a e n d e l , a " H u m o r e s q u e " de D v o r a k , o
" C a n t o h i n d u " de R i m s k y - K o r s a k o w , a " M e d i t a t i o n " de
T h a i s ( . . . ) de M a s s e n e t , a a s M a r c h a s da ó p e r a " L o h e n -
g r i n " de W a g n e r , da " A i d a " de Verdi; os I n t e r l ú d i o s das
óperas " T r a v i a t a " ou " C a v a l a r i a R u s t i c a n a " i n i c i a r a m
u m a " m a r c h a " p e r s i s t e n t e que chegou a t é os nossos dias,
r e f r e a d a d u r a n t e a l g u n s períodos de r e f o r m a , m a s depois
r e t o m a n d o seu lugar, a l t e r n a n d o r e p e r t ó r i o a n t i g o com
t e m a s de f i l m e s e m ú s i c a s pseudo-religiosas de c a n t o r e s
em moda.
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Com u m pouco de jeito c o n s e g u i r a m a t é c a n t a r , n a s
igrejas, m e l o d i a s p r o f a n a s , e m e s m o t e a t r a i s , de Pergolesi,
Cimarosa, Jomelli, s u b s t i t u i n d o a s p a l a v r a s originais p o r
u m t e x t o sacro. ( R e n a t o de Almeida, História d a Música
Brasileira, pág. 132)
E n ã o f o r a m s o m e n t e os leigos que assim p r o c e d e r a m .
Os " C â n t i c o s espirituais", coligidos pelos P a d r e s d a Mis-
são Brasileira, em edição de G a r n i e r , c o n t ê m de p r e f e r ê n -
cia c a n t o s p r o f a n o s e de ó p e r a s de Mozart, H a y d n ,
Rossini, Weber, Bellini, Meyerbeer, L a m b e l o t t e , H e r m a n ,
N i c o u - C h e r o n e outros. B a s t a v a o c h a p é u novo d u m t e x t o
sacro p a r a t o r n a r " e s p i r i t u a l " u m a ária, u m a c a v a t i n a ,
u m coro de ó p e r a .
Cernichiaro, e m b o r a n ã o c o n c o r d a n d o " i n t o t o " com
o rigor do Motu Proprio, r e c o n h e c e a existência, e m r e d o r
de 1900, de graves a b u s o s (e os l a m e n t a ) : 1) a s i n t r o d u -
ções a solenidades religiosas t i r a d a s de óperas, como
"Marcos Spada" (Auber), " I Briganti" Mercadante), "Le
Vispe C o m a r i " ( S u p p é ) ;
2) a d a p t a ç õ e s " s u i g e n e r i s " : e m " L a u d a m u s " (do G l ó r i a )
é t r a n s f o r m a d a u m a c a v a t i n a d a ó p e r a " I I Corsário":
" D o m i n e D e u s " ( t a m b é m do Glória) n a d a m a i s é do que
u m a á r i a de ó p e r a de D o n i z e t t i ; " S a l u t a r i s " r e s u l t a de
u m a l â n g u i d a e erótica r o m a n z a de P a l l a n i ; e a á r i a
" Q u a n d j ' é t a i s roi de Beocie" (do " O r f e u n o i n f e r n o , de
O f f e n b a c h , u m a ó p e r a b a s t a n t e l i v r e . . ) c h e g a às h o n r a s
de u m a "Ave M a r i a " ! ( S t o r i a delia Musica n e l Brasile,
Pág. 17)
Os m a e s t r o s " d o u b l e f a c e " n o s l e v a r a m a f a l a r destes
desvios que, aliás, n ã o e r a m os únicos n o m u n d o . O Pe.
J o ã o B a t . L e h m a n n SVD (* 1873, A l e m a n h a 1-1955, R i o ) ,
a l e m ã o q u e p a s s o u g r a n d e p a r t e de s u a vida n o Brasil,
p r e s t a n d o ó t i m a colaboração, t a m b é m n o c a m p o d a M ú -
sica S a c r a , l e m b r a n d o a d e c a d ê n c i a musical e n c o n t r a d a em
1901 ( a n o e m que chegou ao B r a s i l ) , n ã o esquece de dizer
que t a m b é m n a A l e m a n h a se ouviu em c e r t a s épocas ao
órgão POLCAS e MAZURCAS p a r a iniciar a missa solene,
e " l i n d a s e p e r t u r b a d o r a s SERENATAS" e x e c u t a d a s n a s
c e r i m ô n i a s do m ê s de M a r i a .
21
Reação
22
cionados. Mas foi s o b r e t u d o n o livrinho "Cecília", m a n u a l
de c â n t i c o s sacros; t e x t o revisto pelo Conde de A f f o n s o
Celso, com m ú s i c a (composição ou revisão) de F r e i P e d r o
e F r e i Basílio, saído à luz em 9/8/1910 que se e n c o n t r o u
u m a coleção válida; e ela, de edição e m edição, m o d i f i -
c a n d o isso e aquilo, a i n d a h o j e p r e s t a bons serviços.
É i m p o r t a n t e observar a p r u d ê n c i a dos dois f r a n c i s -
canos, n a s c i d o s f o r a do Brasil, ao t r a t a r d u m a s s u n t o que
envolve l i t e r a t u r a brasileira e m ú s i c a que deve c o r r e s p o n -
d e r ao gosto do país. No P r e f á c i o e x p l i c a m : 1 — u s a m
d a l i b e r d a d e p e r m i t i d a no Motu Proprio q u a n t o ao c a r á -
t e r n a c i o n a l ; 2 — f a z e m concessões " a o c a r á t e r de nossos
p a t r í c i o s " ( i . e . dos b r a s i l e i r o s . . . ) sem u l t r a p a s s a r o li-
m i t e t r a ç a d o : os cânticos n ã o f a ç a m m á i m p r e s s ã o a
q u a l q u e r povo de o u t r a índole; 3 — " A glória de D e u s
e a e d i f i c a ç ã o religiosa dos fiéis é o que p r e t e n d e m o s e
esperamos."
O Conde de A f f o n s o Celso, e m boa h o r a convocado
p a r a a p a r t e l i t e r á r i a , explica: 1 — deixou i n t a c t o s os
t e x t o s de a u t o r e s d e c l a r a d o s ; 2 — fez discretas m o d i f i c a -
ções n a l i n g u a g e m e n o m e t r o n o s textos a n ô n i m o s ; 3 —
cuidou de f a z e r isso sem t i r a r a singeleza e o c a n d o r
primitivos.
Assim e n c o n t r a m o s n a p a r t e dos textos, a l é m d a s p a -
l a v r a s l i t ú r g i c a s e de t r a d u ç õ e s , t e x t o s originais de: M a -
ria L. de Souza Alves — Amélia R o d r i g u e s — D. A n t o n i o
de Macedo Costa — F r e i J o a q u i m do Espirito S a n t o , OFM
— B a r ã o de P a r a n a p i a c a b a — Conde de A f f o n s o Celso —
Pe. Arch. G a n a r i n i — M. d A b r a n t e s .
E v i d e n t e m e n t e recebeu o livrinho, j á n a l . a edição, a
a p r o v a ç ã o do Núncio Apostólico, do C a r d e a l Arcoverde e
de o u t r o s 7 bispos.
Pelas exigências do M o t u Proprio t i n h a m de a p a r e c e r
a l g u m a s á r e a s de a t r i t o : 1 — c a n t o de s e n h o r a s n a i g r e -
j a ; 2 — proibição de certos i n s t r u m e n t o s : piano, t a m -
bor, bombo, p r a t o s , c a m p a i n h a s e o u t r o s s e m e l h a n t e s ( h o -
j e . . . ? ) ; 3 _ b a n d a de música, p e r m i t i d a n a s procissões
f o r a d a i g r e j a , m a s proibida n a s i g r e j a s . Frei Basílio que
fez u m n o t á v e l " C o m e n t á r i o do Motu P r o p r i o " ( P e t r ó p o -
lis, 1907), n e s t a publicação, p o r t a n t o e m 1907, a i n d a
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a g u a r d a a s providências dos bispos locais. Sabemos, c o n -
tudo, que o Arcebispo do Rio " e x p e d i u c l a r a s d e t e r m i n a -
ções, c o m i n a n d o com p e n a s eclesiásticas os d e s p r e z a d o r e s
das leis, no Motu P r o p r i o estabelecidas a respeito da m ú -
sica, como a I g r e j a a quer e n ã o quer n a s f u n ç õ e s l i t ú r -
gicas" (Pe. J o ã o B a t . L e h m a n n SVD, in rev. Música S a c r a ,
1946, p. 65).
E m p a r ê n t e s e : E m 14/4/1856 D. M a n u e l do M o n t e
Rodrigues de A r a ú j o , Conde de I r a j á e B i s p o - C a p e l ã o - m o r
criou a " S o c i e d a d e Episcopal de Música Religiosa do Rio
de J a n e i r o " , cujos E s t a t u t o s , em belíssima c a l i g r a f i a , e s t ã o
g u a r d a d o s n o Arquivo d a Arquidiocese.
24
profissionais, c e r t a m e n t e r e m u n e r a d o s como se faz h o j e .
O Visconde de T a u n a y , em s u a s crônicas de Música S a c r a
(Dois A r t i s t a s M á x i m o s . . . pág. 72) n o s oferece u m e x e m -
plo i n s t r u t i v o por s u a s indicações d e t a l h a d a s : " . . . a M I S -
SA MIMOSA (do Pe. José Maurício) que ouvimos n a f e s t a
solene de Nossa S e n h o r a d a P i e d a d e d a Cruz dos Militares,
e x e c u t a d a por u m a o r q u e s t r a o r g a n i z a d a pelo p r o f e s s o r
José Leverero e sob a r e g ê n c i a do m a e s t r o J o ã o P e r e i r a
d a Silva e c a n t a d a p o r distintíssimos a m a d o r e s e por u m
coro em que se n o t a v a m as s e n h o r a s d a nossa m a i s a l t a
sociedade.
O LAUDAMUS (do G l ó r i a ) , escrito j á com o i n t u i t o
de f a z e r b r i l h a r o c a n t o r , foi a d m i r a v e l m e n t e i n t e r p r e -
t a d o p o r Mme. Elvira G u d i n , que soube c o n s e r v a r seu
solo a a l t u r a d a solenidade.
O DOMINUS DEUS é u m d u e t o c u j a beleza foi t r a d u -
zida c o m s e n t i m e n t o religioso por M m e . C a n d i d a V i a n n a
e pelo Professor Carlos de C a r v a l h o . O QUI SEDES é u m
solo de baixo e m que p r e d o m i n a o e l e m e n t o decorativo;
m a s a melodia p r i n c i p a l é singela e de b o n i t o corte, e
podia f a c i l m e n t e ser a c e n t u a d a e evidenciada, e l i m i n a n -
do-se com v a n t a g e m aquele excesso de o r n a m e n t a ç ã o .
N e s t a á r i a ouvimos a voz f r e s c a e b e m t i m b r a d a do Sr.
Dr. A n t o n i o Carlos de A r r u d a Beltrão, que d e s e m p e n h o u ,
com a d i s t i n ç ã o de costume, o solo que lhe foi c o n f i a d o .
P a r a n ã o d e i x a r em silêncio p a r t e da f e s t a , a c r e s c e n -
t a r e m o s q u e Mmes. Meira e Mello M o r a e s n o s solos do
CREDO de T h e o d o r o F a c h , M m e . Corina R o c h a n a AVE
MARIA de M a r i a n i e S e n h o r i t a G e o r g i n a Becker n o O
SALUTARIS de Massenet, c o n f i r m a r a m os créditos que
c o n q u i s t a r a m j á como a m a d o r a s exímias. P r e s e n t e " t o u t
R i o " . . . , n ã o é?
E m o u t r a ocasião (1. c. pág. 69) observa que a orques-
t r a , d e m a s i a d a m e n t e r e s u m i d a ( f a l t a de v e r b a . . . ) e á s -
pera, r e s s e n t i a - s e d a f a l t a de ensaios. As vozes, p o r é m ,
e r a m boas e disciplinadas, g r a ç a s ao belo g r u p o de a m a -
d o r a s d a n o s s a m e l h o r sociedade, t ã o a m o r o s a m e n t e d i r i -
gido pelo zelo e i n c a n s a b i l i d a d e d a E x m a . S r a . D. M a r i a
Nabuco, c e n t r o h o j e de b e m aproveitáveis e l e m e n t o s a r -
tísticos."
25
D. M a r i a Nabuco, i r m ã do g r a n d e J o a q u i m Nabuco,
solteirona, possuidora de bela voz, dedicou seus e s f o r ç o s
à Religião e à Arte, s e j a n a f o r m a ç ã o de corais de a m a -
dores, como ouvimos, s e j a d a n d o f r e q ü e n t a d í s s i m o s c o n -
certos de c a n t o em benefício de i g r e j a s e m c o n s t r u ç ã o .
T a n t o que se dizia " q u e foi ela a v e r d a d e i r a c o n s t r u t o r a
da i g r e j a do S a g r a d o Coração n a r u a B e n j a m i n C o n s t a n t " ,
n a Glória.
T a n t a boa v o n t a d e de colaborar n ã o pôde ser r e p e -
lida. Por o u t r o lado, t i n h a de ser c u m p r i d a a lei. A solu-
ç ã o foi distinguir e n t r e liturgias oficiais e p a r t i c u l a r e s ,
u s a n d o n a s p r i m e i r a s só vozes m a s c u l i n a s (pois vozes i n -
f a n t i s só h a v i a n o coral do Cónego A l p h e u ) , t a n t o em
originais como em a r r a n j o s ; e p e r m i t i n d o corais de vozes
f e m i n i n a s em cerimônias n ã o oficiais e e m colégios e c o n -
v e n t o s f e m i n i n o s . H. Oswald, F r . B r a g a , Barrozo N e t t o
e Villa-Lobos, como F r . Pedro, F r . Basílio, Pe. L e h m a n n ,
F. F r a n c e s c h i n i e outros e s c r e v e r a m p a r a e s t a s soluções.
Compositores e Composições
26
M a r c h a f ú n e b r e Pio X
Ave M a r i a
O u t r a s p e ç a s de m ú s i c a s a c r a
27
(Affonso Celso) — Hino a S. F r a n c i s c o X a v i e r ( B a r ã o de
P a r a n a p i a c a b a ) — H i n o a S. Sebastião ( B a r ã o de P a r a -
napiacaba).
Improviso — p a r a g r a n d e órgão — Prelúdio, P a s t o r a l
a N. S. de Lourdes.
Visitação: 2.° episódio da peça " P a s t o r a l " com t e x t o
de Coelho Neto.
— Franceschini, F u r i o — (*4/4/1880, R o m a , I t á l i a —
+ 15/4/1976, S. P a u l o ) — a l u n o de Capocci, veio em 1908
p a r a o Brasil; o r g a n i s t a da C a t e d r a l de S. P a u l o e p r o f .
no Seminário. I n a u g u r o u o órgão da C a t e d r a l do Rio, e m
1915.
M e m o r a r e (diatónico e c r o m á t i c o ) — Missa " A l e l u i a "
— Missa e m P o r t u g u ê s — o u t r a s 6 Missas ( u m a a 8 v.,
28
e m 2 coros) — T e D e u m : 4 v.m. e órgão — " T e D e u m
Azul" ( f á c i l ) : 1 v. e órgão ou h a r m ó n i o — Sete p a l a v r a s
p a r a a 6. a F e i r a S a n t a — H i n o do IV Congr. Eucarístico
Nac. e m S. P a u l o — t r e c h o s p a r a órgão ou h a r m ó n i o —
I n t r o d u ç ã o e F u g a p a r a g r a n d e órgão sobre a p a l a v r a
" Independência."
Coleção de Cânticos Sacros em l a t i m e em v e r n á c u l o
(de vários a u t o r e s ) .
— Gomes, J o ã o ( J o ã o G o m e s de A r a u j o J ú n i o r ) —
(*23/10/1971, P i n d o r a m a , S. P a u l o — + 19/7/1963, S.
Paulo).
F i l h o do M.° J o ã o G o m e s de A r a ú j o , e s t u d o u e m Milão.
4 Missas: T e r e z i n h a de J e s u s — N. S. da A p a r e c i d a —
S a n t o A n t ô n i o — São Paulo.
— Gonzaga, F r a n c i s c a Hedwiges ( C h i q u i n h a ) —
( + 17/10/1847, Rio — + 28/2/1935).
A n t e s da f a s e p o p u l a r . . . escreveu, aos 11 a n o s a " C a n ç ã o
aos P a s t o r e s " , com l e t r a de u m seu i r m ã o de 7 anos.
29
— Gouveia, Agostinho Luiz de (*? — -f 9/9/1941, R i o ) .
Ave M a r i a 4 v. m . — L a d a i n h a de S. José — Missa
S a n t a Isabel.
50
sora de ó r g ã o d u r a n t e 25 a n o s n o I n s t i t u t o B e n j a m i n
Constant.
Missa a 2 v. — 3 S a l u t a r i s — P a d r e Nosso — M o t e t o s —
6 Ave M a r i a s .
— Nunes, F r a n c i s c o — (* 14/5/1875, D i a m a n t i n a , M i -
n a s G e r a i s — + 1934, Belo H o r i z o n t e ) .
Professor e d i r e t o r do I n s t . Nac. de Música — c l a r i n e t i s t a
Prelúdio, Coral e F u g a p a r a o r q u e s t r a
— Pastor, E s t e f a n i a de F r e i t a s (*6/9/1843, M a r a n h ã o
— + 27/9/1913, P a r i s ) — p i a n i s t a , p r o f e s s o r a de m ú s i c a
— compositora.
31
S a l u t a r i s p a r a a p r i m e i r a c o m u n h ã o n a i g r e j a de Grenelle,
França.
52
Órgão da Coroa, no Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro
— Republicano, Antônio Assis — (M5/11/1897, P o r t o
Alegre, — + 26/5/1960, Rio) — a l u n o de F r . B r a g a e A g n e -
lo F r a n ç a n o I n s t . Nac. de Música.
ó p e r a " A N a t i v i d a d e de J e s u s " (A Vida de J e s u s ) , com
libreto do Conde de Afonso Celso, e s t r e a d a em 25/3/1937
no T e a t r o M u n i c i p a l do Rio, m a s j á escrita d u r a n t e o
t e m p o de estudos.
órgãos
Editoras
Sociedades musicais
Ao c o n t r á r i o do t e m p o colonial e da Corte I m p e r i a l ,
foi em nosso período p r a t i c a d a a m ú s i c a por p r o f i s s i o n a i s
e a m a d o r e s e m sociedades p a r t i c u l a r e s : Clube M o z a r t —
Clube B e e t h o v e n — Clube S i n f ô n i c o — C e n t r o Artístico
— C e n t r o Musical — Sociedade F i l a r m ô n i c a — Sociedade
Q u a r t e t o s clássicos, m a n t e n d o a l g u n s deles cursos r e -
g u l a r e s de m ú s i c a p a r a seus sócios.
Ensino
Assim p o d i a - s e e s t u d a r música, f o r a do I n s t i t u t o N a -
cional de Música (e de seus a n t e c e s s o r e s : C o n s e r v a t ó r i o de
Música — s e ç ã o de Música n a A c a d e m i a I m p e r i a l de B e -
35
las Artes) t a m b é m n a s e n t i d a d e s : Sociedade de Música
— I m p e r i a l I n s t i t u t o de Meninos Cegos — I n s t i t u t o B e n -
j a m i n C o n s t a n t — I m p e r i a l Colégio P e d r o I I — S e m i n á r i o
Episcopal S. José — Liceu de A r t e s e Ofícios — Asilo dos
Meninos Desvalidos ( I n s t i t u t o Profissional J o ã o Alfredo)
— Colégio Militar — Asilo Gonçalves A r a ú j o da I r m a n d a -
de da C a n d e l á r i a .
Muitos dos m e l h o r e s músicos e compositores ou saí-
r a m destes i n s t i t u t o s ou neles l e c i o n a r a m .
Carrilhões
Sinos t ã o queridos, em t a m a n h o s d i f e r e n t e s , p a r a f o r -
m a r s o n s m a i s a g u d o s ou m a i s graves d a escala d i a t ó n i c a
e c r o m á t i c a , em m ã o s h a b i l i d o s a s se p r e s t a m p a r a servir
de i n s t r u m e n t o m u s i c a l : O " C a r r i l h ã o " , a p t o p a r a exe-
c u t a r p e ç a s musicais. H o j e o m a i s c o n h e c i d o e a f a m a d o
é o d a i g r e j a de S. José. H á outro, n o S a n t u á r i o da P e n h a ,
ao qual, contudo, f a l t a q u e m o saiba tocar. E m redor de
1910 o F e r r e i r a Velho e n c a n t a v a a todos e x e c u t a n d o m ú -
sicas diversas n o c a r r i l h ã o d a i g r e j a de S. José. A i g r e j a
d a L a p a dos M e r c a d o r e s pôde dispor d u r a n t e 34 a n o s d a
a r t e de seu sineiro Luís Augusto d a Silva ( + 1907) que fez
t o c a r e c a n t a r os 12 sinos i m p o r t a d o s de Lisboa pela i m -
p o r t â n c i a de 400$000.
T u d o certo, i m p o r t a n t e e i n t e r e s s a n t e . Porém, m a i s
u m a vez D. J o ã o VI r o u b a a c e n a : foi dele a p r i m e i r a
idéia de f o r m a r u m c a r r i l h ã o . T i r o u sinos d a q u i e dali e
os levou p a r a s u a " C a p e l a Real", r e c e b e n d o m a n i f e s t a ç õ e s
39
escritas de " s a t i s f a ç ã o em poder servir a S. Alteza", p r o -
vavelmente n e m s e m p r e de acordo com os verdadeiros
s e n t i m e n t o s dos — n e g a t i v a m e n t e — c o n t e m p l a d o s .
óperas
e s t r e a d a n o Rio e m 19/12/1904;
4 — "II Nazareno", do m e s m o a u t o r ;
5 — tônio
"A Natividade
de Assis de Jesus" (A Vida
Republicano; com delibreto
J e s u s "do
) , de An-
Conde
40
de Afonso Celso. Foi e s t r e a d a n o Rio e m 25/3/1937
n o T e a t r o Municipal, m a s escrita n o t e m p o em que
o a u t o r e s t u d a v a no I n s t i t u t o Nac. de Música;
A Música S a c r a é p o r s u a p r ó p r i a n a t u r e z a u m a a r t e
c o m u n i t á r i a , p o r q u e se d e s t i n a p r i n c i p a l m e n t e a p r e s t a r
c o l a b o r a ç ã o a r t í s t i c a n a s m a n i f e s t a ç õ e s religiosas coleti-
vas. Com isso p a r t i c i p a dos g r a n d e s eventos n a c i o n a i s e,
eventualmente, internacionais.
Assim escreveu F o n s e c a Euclides u m " T e D e u m " p a r a
solenizar a extinção da escravatura. O " R e q u i e m " de Mo-
z a r t foi e x e c u t a d o , sob a r e g ê n c i a de J. M. S a n t a Rosa, n a
m i s s a c e l e b r a d a n o C a m p o de S a n t a n a pelos soldados m o r -
tos n a Guerra do Paraguai, merecendo, por o u t r o l a d o a
c e l e b r a ç ã o da vitória do compositor R a f a e l Coelho M a -
c h a d o u m " T e D e u m " , e x e c u t a d o n a i g r e j a de S. F r a n -
cisco d a P e n i t ê n c i a d u r a n t e a celebração litúrgica.
C e r n i c h i a r o r e g e u em 1906 o " R e q u i e m " de Verdi n a s
exéquias oficiais pelos m o r t o s do e n c o u r a ç a d o brasileiro
"Aquidabã". E F. F r a n c e s c h i n i c o m p o r á s u a " I n t r o d u ç ã o
e F u g a " p a r a G r a n d e ó r g ã o sobre a p a l a v r a " I n d e p e n -
dência".
M a n o e l dos S a n t o s S a n t a Cruz ( B a h i e n s e ) escreveu
u m a " M a r c h a f ú n e b r e Pio X " (1846-1878), c a b e n d o a
J ú l i o Cesar do Lago Reis a a u t o r i a da " M a r c h a T r i u n f a l "
41
p a r a órgão, composta por ele p a r a as f e s t a s do jubileu
do Papa Leão XIII (1878-1903), c h e g a n d o a ser e x e c u t a d a
em R o m a .
Da m e s m a f o r m a d e s e j a m o s n ó s p a r t i c i p a r com e s t a s
m o d e s t a s n o t a s sobre Música S a c r a d a s comemorações f e s -
tivas dos 70 a n o s de atividades d a Biblioteca Nacional n o
prédio d a " A v e n i d a C e n t r a l " , c u j a Seção de Música t a n t o
a j u d a a todos nós que nos i n t e r e s s a m o s pela Música. E
a c h a m o s por bem, de d o a r — como p r e s e n t e de a n i v e r s á -
rio — m a n u s c r i t o s musicais, a u t ó g r a f o s e f o t o g r a f i a s a u t o -
g r a f a d a s de músicos n a certeza de que o u t r o s t i r a r ã o p r o -
veito deles no acervo t ã o bem, cuidado, como nós e n c o n -
t r a m o s a j u d a preciosa em m a t e r i a l e pessoal.
BIBLIOGRAFIA
H
Maria Luísa de Queirós Amâncio dos Santos (Iza de Queirós
Santos). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua
Influência no Brasil. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro,
1942.
Frei Pedro Sinzig, OFM. A Música Sacra no Brasil in: Revista
"Música Sacra", Petrópolis, 1946.
Frei Pedro Sinzig, OFM. Notas sobre a Música Sacra no Rio
in: "A Província Ecles. do Rio de Janeiro" (vide s u p r a ) .
Vieira Fazenda. Os Sinos do Rio de Janeiro in: Revista do Ins-
tituto Geográfico Brasileiro (IHGB), 1923.
Visconde de Taunay. Dois Artistas Máximos José Mauricio e
Carlos Gomes. Editora Comp. Melhoramentos de S. Paulo,
1930.
Frei Basilio Roewer, OFM. Música Sacra ou Comentário do
Motu Proprio de Sua Santidade Pio, pp. X. Tip. do Colégio
São José, Petrópolis, 1907.
43
A I G R E J A NO INÍCIO DO SÉCULO X X
3
Manuel Barbosa: A Igreja no Brasil. Rio, A Noite,
1945, p. 31.
* Domingos José Gonçalves de Magalhães. "Biografia do
padre-mestre Frei Francisco de Monte Alverne". Rev. do Inst.
Histórico e Geogr. Brasileiro. T. XLV, 2°, 391.
46
b e n e m é r i t a s . Os conventos se r e p o v o a r a m com o auxílio
d a s c o m u n i d a d e s e s t r a n g e i r a s . N u m período b e m c u r t o r e -
t o m o u - s e a r e g u l a r i d a d e d a s s u a s vidas c o n f o r m e a s s u a s
diversas r e g r a s .
E n t r e a t ô n i t o s e embevecidos a c o m p a n h a m o s os passos
dos missionários que r e s t a u r a r a m a r e g u l a r i d a d e religiosa
n o s r a r o s c o n v e n t o s que n ã o e s t a v a m a i n d a reduzidos a
ruínas.5
O f a t o é que ao a b r i r o século X X a I g r e j a a p r e s e n -
t a v a u m aspecto b e m diverso do a m b i e n t e sombrio e de
a b a n d o n o dos ú l t i m o s anos. V e j a m - s e n a s p á g i n a s c i t a d a s
de F r e i P e d r o Sinzig os tristes casos de d e s a c a t o aos s a c e r -
dotes e a u t o r i d a d e s religiosas a que ele assistiu ao c h e g a r .
No livro do C e n t e n á r i o do Descobrimento, 1900, o Pe.
Júlio Maria, a m a i o r cabeça do clero secular (depois i n -
c o r p o r a d o à s h o s t e s dos R e d e n t o r i s t a s ) , começa p o r a f i r -
m a r : " N o período republicano, s e p a r a d a a I g r e j a do
Estado, a Religião t e m n o Brasil u m a n o v a e t ã o e n é r g i c a
a f i r m a ç ã o , que n ã o é lícito a p o n t a r os erros e os excessos
dos legisladores republicanos, s e m reconhecer, ao m e s m o
tempo, os proveitos e v a n t a g e n s que de f a t o implicou p a r a
o Brasil o novo r e g i m e n . " 0
Ao t e r m i n a r o I m p é r i o a h i e r a r q u i a c o m p u n h a - s e de
doze bispos, " o s dozes apóstolos", como dizia o bispo de
M a r i a n a , c o n s t i t u i n d o u m a só província eclesiástica, com
u m Metropolita, o A r c e b i s p o - P r i m a z d a B a h i a . O bispo do
Rio de J a n e i r o c o m p e n s a v a s u a posição s u b a l t e r n a com o
t í t u l o de Capelão Mor da Casa I m p e r i a l .
A F a l a do T r o n o de a b e r t u r a da 4. a sessão da 20. a
l e g i s l a t u r a a n u n c i a r a " a c r i a ç ã o de u m bispado em c a d a
u m a das n o s s a s províncias, em geral t ã o e x t e n s a s que n ã o
p o d e m e s t a r r e u n i d a s e m p o u c a s dioceses, s e m p r e j u í z o
d
a ação e doutrina pastoral." 7
M a s n a d a se fizera de c o n c r e t o a t é a República. A
o r g a n i z a ç ã o f e d e r a t i v a e a supressão d a s c o m p l e x a s f o r -
5
Frei Pedro Sinzig: Reminiscências d'um frade. Petró-
polis, Vozes, 1917.
8
Livro do centenário: A religião. Rio de Janeiro, 1900. p. 3.
7
Falias do throno. Rio de Janeiro, 1889, p. 871.
47
m a l i d a d e s n a s negociações com a Cúria R o m a n a p e r m i -
t i r a m u m a r á p i d a t r a n s f o r m a ç ã o d a o r g a n i z a ç ã o ecle-
siástica.
O Rio de J a n e i r o era a g o r a u m a r c e b i s p a d o e seu t i -
t u l a r D. J o a q u i m Arcoverde de Albuquerque C a v a l c a n t i ,
d e s c e n d e n t e dos primeiros povoadores do Brasil, e por feliz
coincidência, t e n d o n a s veias o s a n g u e dos Albuquerques
"valerosos" e do cacique Arcoverde. E r a u m h o m e m de es-
t a t u r a média, m a s com u m a r a r i s t o c r á t i c o n a t u r a l que
se i m p u n h a aos c i r c u n s t a n t e s . L a u r e a d o em Filosofia e
Teologia pela Universidade G r e g o r i a n a , f o r a o r d e n a d o e m
1874. Colaborara com D. Vital n a r e o r g a n i z a ç ã o do S e m i -
n á r i o de Olinda, d o n d e passou a d i r e t o r do G i n á s i o P e r -
n a m b u c a n o . F o r a n o m e a d o c o a d j u t o r d a B a h i a e bispo
de Goiás, posto a que r e n u n c i o u , ocupou em seguida o
bispado de São Paulo. E m 1897 foi t r a n s f e r i d o p a r a o
Rio de J a n e i r o como arcebispo e, em 1905, foi elevado à
p ú r p u r a cardinalícia, sendo o primeiro c a r d e a l d a A m é -
rica L a t i n a , h o n r a r i a que o I m p é r i o n ã o obtivera n ã o
o b s t a n t e l o n g a s negociações. A g r a v i d a d e com que exercia
suas f u n ç õ e s impressionava os que a s assistiam. " V ê - l o n a
missa, ou em qualquer o u t r a solenidade religiosa, é edi-
f i c a r - s e p r o f u n d a m e n t e , t a l a d i g n i d a d e e o respeito com
que S u a E m i n ê n c i a o C a r d e a l a t e n d e a todas as p r e s c r i -
ções litúrgicas, serve de v e r d a d e i r o exemplo a clero e
leigos". 8
A província eclesiástica do Rio de J a n e i r o passou a
c o m p r e e n d e r vários bispados s u f r a g à n e o s . O p r i m e i r o foi
o de Niterói, criado em 1892. S u a sede esteve de 1895 a
1908 em Petrópolis. Foi seu t i t u l a r D. F r a n c i s c o do Rego
Maia, u m dos m a i s ilustrados prelados brasileiros, colabo-
rador do novo Código de Direito Canónico. Foi s u b s t i t u í d o
por D. J o ã o F r a n c i s c o B r a g a e, em 1908, por D. Agostinho
Francisco Benassi.
O bispado do Espírito S a n t o foi criado em 1895 p o r
D. João B a t i s t a Correia Néri, t r a n s f e r i d o p a r a Pouso
Alegre em 1901, e, f i n a l m e n t e , p a r a C a m p i n a s ( S P ) e m
9
"O desmembramento das dioceses do Brasil". Rev. do
inst. Hist. Geogr. Brás. 1977, vol. 316. p. 161.
49
d a ú n i c a província eclesiástica brasileira, deu origem nesse
curto período de t e m p o a nove u n i d a d e s que por sua vez
se subdividiram, sem f a l a r n a Abadia B e n e d i t i n a Nullius
de N. S. do M o n s e r r a t e . Isto d e n t r o de u m desenvolvi-
m e n t o s u r p r e e n d e n t e . O Brasil passou de 12 bispos e m
1890 a 219 u n i d a d e s eclesiásticas e m 1976.
P a s s a n d o a g o r a à r e n a s c e n ç a do clero r e g u l a r v e j a -
mos, em r á p i d a síntese, a l g u m a s d a s e n t i d a d e s que r e i n -
t r o d u z i r a m n o país a vida religiosa.
H á g r a n d e c o n f u s ã o a c e r c a do c o m p o r t a m e n t o do i m -
p e r a d o r D. P e d r o I I em r e l a ç ã o aos religiosos. Ele n ã o
cria n a possibilidade de r e s t a u r a ç ã o da vida claustral, d a s
o r d e n s m o n a c a i s e m e n d i c a n t e s . Acerca disso m a n i f e s t o u -
se a b e r t a m e n t e . M a s q u a n t o aos novos i n s t i t u t o s e n s i n a n -
tes e de ação social, m a n i f e s t o u - s e , pelo c o n t r á r i o , c o m a
m a i s viva s i m p a t i a . O a s s u n t o foi i n t e l i g e n t e m e n t e t r a t a -
do em dois ensaios do prof. R i o l a n d o Azzi. 1 0
Os jesuítas, os p r i m e i r o s que e s t a b e l e c e r a m o ensino
sistemático n o Brasil, conseguiram, a p e s a r da legislação
pombalina, voltar a estabelecer-se n o Brasil, n ã o s e n d o
repelidos pelo i m p e r a d o r . É b e m verdade que, após o c o n -
flito com os bispos, sua a t i t u d e t e n h a se a l t e r a d o , p a t e n -
t e a n d o - s e n a g r a n d e decepção que foi a n ã o ida ao colé-
gio de I t u em 1886, e v i d e n t e m e n t e p a r a s a t i s f a z e r o a n t i -
clericalismo de boa p a r t e de seus assessores. 1 1
R e i n g r e s s a n d o n o Brasil a i n d a n o a n t i g o regime, os
j e s u í t a s e s t a b e l e c e r a m n a d é c a d a 1900-1910 a l g u n s m a r -
cos de seu prestígio como educadores. O Colégio S a n t o
I n á c i o é de 1901. O A n c h i e t a , em Friburgo, v i n h a de 1886.
As t e n t a t i v a s a n t e r i o r e s de S a n t a C a t a r i n a , P e r n a m b u c o
e I t u ( t r a n s f e r i d o p a r a São P a u l o ) f i c a m f o r a do G r a n d e -
Rio, ao qual l i m i t a m o s nosso estudo. Ambos os i n s t i t u t o s
obtiveram i m e d i a t a m e n t e u m prestígio indiscutível. E n t r e
57
povo e p e n s a n d o que f a r á obra de Deus só com a s nossas
devoções, as nossas f e s t a s e os nossos panegíricos." " S u a
missão é isto que n e s t e m o m e n t o solene e t r á g i c o da
sociedade se impõe como p r o g r a m a aos católicos: c o n -
sorciar os espíritos, p a c i f i c a r a s almas, h a r m o n i z a r as
v o n t a d e s n e s t e imenso conflito de paixões pessoais c o n -
t r a r i a d a s com os princípios de u m a n o v a o r d e m de coisas:
substituir às questões políticas, e r r o n e a m e n t e p r e d o m i n a n -
tes nos governos, nos p a r l a m e n t o s , nos j o r n a i s , a q u e s t ã o
social que é a q u e s t ã o por excelência."
A e s i a s questões se a t i r a r a m com fervor os prelados,
libertos das cadeias do b u r o c r a t i s m o . Após a r e u n i ã o do
episcopado em 1890, r e u n i u - s e e m R o m a e m 1899 o C o n -
cílio P l e n á r i o L a t i n o - A m e r i c a n o . S e g u i r a m - s e r e u n i õ e s
s i s t e m á t i c a s dos bispos, p r e c u r s o r a s d a s a t u a i s C o n f e r ê n -
cias Nacionais dos Bispos e dos Religiosos. Os do N o r t e
r e u n i r a m - s e n a B a h i a e m 1901, n o Recife em 1908, em
Fortaleza em 1911 e n o v a m e n t e n a B a h i a em 1915. R e u -
n i r a m - s e os do Sul em 1901 (S. P a u l o ) , e m 1904 ( A p a r e -
c i d a ) , em 1907 ( M a r i a n a ) , em 1910 (S. P a u l o ) e em 1915
(Friburgo). De t o d a s essas r e u n i õ e s r e s u l t a r a m p a s t o r a i s
que vão m a r c a n d o novos r u m o s p a r a a I g r e j a Brasileira.
N e n h u m a dessas reuniões a l c a n ç o u a r e p e r c u s s ã o d a de
Friburgo em que f o r a m a p r o v a d a s a s Constituições das
Provindas Meridionais que, a d o t a d a s pelas do Norte, p a s -
s a r a m a s u b s t i t u i r as velhas Constituições da B a h i a de
1907.
Paralelamente o laicato era arregimentado em Con-
gressos Católicos, o primeiro dos quais realizou-se n a B a -
h i a em 1900 e o segundo n o Rio de J a n e i r o em 1908. 13
13
Segundo Congresso Católico Brasileiro. Atas e documen-
tos. Rio de Janeiro, 1910. Note-se que, para pôr os católicos
brasileiros a par das novas idéias sociais que dominavam os
meios católicos europeus, foi convidado o professor da Univer-
sidade de Louvain, Dr. E. Vlieberg, que pronunciou em 1908 uma
série de conferências no Rio, Minas e em S. Paulo. Foi ba-
seado nelas que o deputado baiano Joaquim Inácio Testa apre-
sentou os primeiros projetos de lei no sentido que hoje cha-
maríamos de democracia cristã, (v. E. Vlieberg: Questões cató-
lico-sociais. Rio de Janeiro. 1910).
55
Não t e r í a m o s u l t r a p a s s a d o os limites do período que
n o s foi a s s i n a d o se esses d o c u m e n t o s n ã o r e p r e s e n t a s s e m
o f l o r e s c i m e n t o da l e n t a t r a n s f o r m a ç ã o que se processou
n o p r i m e i r o decênio do século, sem a s q u a i s n ã o se c o m -
p r e e n d e r i a a possibilidade do P r i m e i r o Concílio N a c i o n a l
de 1939 e, f i n a l m e n t e , o 2.° Concílio do V a t i c a n o que cris-
talizou os ideais que se v i n h a m f e c u n d a n d o em sucessivas
assembléias.
59
O CONVENTO DA AJUDA
" S o b r e o t e m p o , sobre a t a i p a ,
a c h u v a escorre. As p a r e d e s
q u e v i r a m m o r r e r os h o m e n s ,
que v i r a m f u g i r o ouro,
63
que v i r a m f i n a r - s e o reino,
que viram, r e v i r a m , viram,
j á n ã o vêem. T a m b é m m o r r e m " .
" O c h ã o começa a c h a m a r
as f o r m a s e s t r u t u r a d a s
f a z t a n t o tempo. C o n v o c a - a s
a serem t e r r a o u t r a vez.
Que se i n c o r p o r e m as árvores
h o j e vigas. Volte o pó
a ser p ó pelas e s t r a d a s " .
64
Convento da Ajuda
Mas n ã o só. " Q u e o sítio da a n t i g a c h á c a r a do d e -
m a n d i s t a M a n u e l F e r n a n d e s da Costa j á n ã o e r a p r ó p r i o
p a r a u m a casa claustral, a s p r ó p r i a s f r e i r a s h a v i a m u i t o
o r e c o n h e c e r a m " . E Vieira F a z e n d a a j u n t a com g r a ç a :
" E l a s n ã o e x c o m u n g a r ã o os demolidores d a c a s a i n a u g u -
r a d a por D o m F r e i A n t ô n i o do D e s t e r r o " .
Sim, Vieira F a z e n d a disse b e m : "As religiosas a b a n -
d o n a r ã o c o n t e n t e s seu a n t i g o habitat. E, como a m u l h e r
de Lot, n ã o o l h a r ã o p a r a t r á s . Vão em b u s c a de n o v o
n i n h o , solitário e silencioso, em que p o s s a m à f a r t a e x e r -
cer os rigores impostos pelo voto s a g r a d o " .
Nós, sim, o l h a r e m o s p a r a t r á s . Vem, leitor, d á u m
s a l t o comigo a t é o a n o de 1750, ou a t é a n t e s . O p a s s a d o
nos espera.
V a m o s p e l a m ã o dos e r u d i t o s de o u t r o r a , B a l t a s a r
Lisboa, Pizarro, Moreira de Azevedo, Melo Morais, o P a -
d r e P e r e r e c a e, p r i m e i r o de todos, F r e i Agostinho de S a n t a
M a r i a . E o u ç a m o s a voz s e r e n a e r e t i f i c a d o r a de Vieira
Fazenda. O passado...
" P r o t e t o r a dos h o m e n s do m a r , sob a invocação de
Nossa S e n h o r a d ' A j u d a , n ã o a d m i r a fosse l e v a n t a d a n e s t a
cidade, a p e n a s se f u n d o u , m o d e s t a e r m i d a deste título,
por devotos m a r i n h e i r o s , que f r e q ü e n t a v a m o nosso p o r -
to". Assim Vieira F a z e n d a começa a h i s t ó r i a d a A j u d a ,
n a s Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, t o m o 86,
vol. 140 (1919) pág. 322.
Não h á a m e n o r d ú v i d a de que existiu a n t i g a i r m a n -
dade, s e g u n d o se lê n a s Publicações do Arquivo Público,
u m r e q u e r i m e n t o d a c o n f r a r i a , de 1688, p e d i n d o privilégio
de t e r t u m b a p r ó p r i a , p a r a e n t e r r o dos c o n f r a d e s , i n d e -
p e n d e n t e d a Misericórdia. F o r a m juízes de t a l sodalício
os G o v e r n a d o r e s J o ã o d a Silva e Sousa, Luís Cesar de
Menezes e D u a r t e T e i x e i r a Chaves, que, indo p a r a a
colônia do S a c r a m e n t o , levou a bordo p e q u e n a i m a g e m
da S e n h o r a d ' A j u d a , igual à v e n e r a d a n a j á a n t i g a Capela.
Nas C o n s u l t a s do Conselho U l t r a m a r i n o , 1674-1700, n o
códice p e r t e n c e n t e ao I n s t i t u t o Histórico, h á subsídios
p a r a a h i s t ó r i a do a n t i g o C o n v e n t o d a A j u d a , que v e m
dos p r i m ó r d i o s da h i s t ó r i a do Rio de J a n e i r o .
A c a p e l i n h a de Nossa S e n h o r a d a A j u d a existia desde
o século XVI, e r m i d a de Nossa S e n h o r a da Conceição d a
65
A j u d a , n u m a crista à beira do c a m i n h o que ia p a r a o
Morro do Desterro, e n t r e as lagoas de S a n t o Antônio e do
Boqueirão. E r a o C a m i n h o dos Arcos d a Carioca, a R u a
dos Barbonos, a R u a Evaristo da Veiga, o n d e o g r a n d e
j o r n a l i s t a teve sua livraria.
Barbonos, porque ali m o r a r a m , de 1742 a 1808, os B a r -
b a d i n h o s ou Barbonos, f r a d e s italianos, " p e q u e n o e h u -
milde hospício com s u a c a p e l i n h a , " o n d e está h o j e o vasto
Q u a r t e l da Polícia Militar.
O povo queria u m c o n v e n t o de f r e i r a s . C o m e ç a r a m a
r e u n i r óbulos p a r a esse f i m . M a s o Governo da Metrópole
n ã o e s t i m a v a esse plano, pela simples r a z ã o de que ao
desenvolvimento da Colônia — a i n d a t ã o vazia — consi-
d e r a v a m u i t o m a i s c o n v e n i e n t e que a s m u l h e r e s b u s c a s -
s e m o estado c o n j u g a l . O Conselho U l t r a m a r i n o chegou a
n e g a r a licença pedida.
A c a p e l i n h a f i c a v a onde é h o j e o edifício da C â m a r a
Municipal. Pois foi ela o começo da o b r a v e n e r á v e l do
Convento da A j u d a . De 1670 a 1681, n a a u s ê n c i a do Bispo,
governava a Diocese do Rio, F r a n c i s c o da Silveira Dias.
Seu i r m ã o Frei Cristóvão da M a d r e de Deus e r a o G u a r -
dião do C o n v e n t o de S a n t o Antônio. Ambos cariocas. A m -
bos p r o f u n d a m e n t e i d e n t i f i c a d o s com a s u a Cidade. Ambos
sacerdotes ilustres.
Voltando Frei Cristóvão de u m a viagem à E u r o p a ,
conversou com seu i r m ã o A d m i n i s t r a d o r da Diocese a
respeito da conveniência e u r g ê n c i a de logo f a z e r - s e u m
R e c o l h i m e n t o de mulheres, que se t r a n s f o r m a r i a m a i s
t a r d e em Convento. E, assim, D o n a Cecília B a r b a l h o , p e r -
n a m b u c a n a , viúva com t r ê s filhas, que residia n u m a c h á -
cara, se dispôs a e n t r a r p a r a o R e c o l h i m e n t o .
O A d m i n i s t r a d o r fez edificar u m a casa em dois meses
j u n t o à e r m i d a da A j u d a e n e l a se r e c o l h e r a m as s e n h o -
r a s e m a i s d u a s jovens, a 26 de j u l h o de 1678, f e s t a de
Santana.
E s t a s s e n h o r a s r e c e b e r a m o título de conversas. A
p e d r a f u n d a m e n t a l do novo c o n v e n t o foi l a n ç a d a a 9 de
j u l h o de 1678, sendo G o v e r n a d o r M a t i a s da C u n h a . M a s
Lisboa resistia à idéia de u m c o n v e n t o de f r e i r a s , n a
v a s t a e despovoada Colônia.
66
As d u a s jovens, que se a n e x a r a m à s B a r b a l h o s , talvez
s e j a m a s d u a s i r m ã s de F r e i G a s p a r d a M a d r e de Deus,
de que f a l a A f o n s o T a u n a y , n o p r e f á c i o à o b r a d a q u e l e
religioso.
Só em 1705 por provisão de 19 de fevereiro, se obteve
a licença régia, a pedido de D o m F r a n c i s c o de S ã o J e r ô -
n i m o . D o m F r a n c i s c o aqui esteve de 1702 a 1721. O s u -
cessor dele, o f r a n c i s c a n o D o m A n t ô n i o de G u a d a l u p e ,
n ã o se interessou pela questão. Governou de 1725 a 1740.
A provisão e r a a s s i n a d a p e l a R a i n h a D o n a C a t a r i n a ,
viúva do Rei da I n g l a t e r r a e R e g e n t e de P o r t u g a l , n a
doença do i r m ã o de D o m P e d r o II. O Conselho, e m sessão
de 16 de o u t u b r o de 1694, a p r o v a r a o simples p r o j e t o do
Recolhimento. Agora, era a c e i t a a perspectiva a m p l a d e
u m Convento.
E m m a i o de 1741, t o m o u posse da Diocese o c a r m e l i t a
descalço D o m J o ã o d a Cruz. A obra do C o n v e n t o e s t a v a
p a r a d a , " s e m a u m e n t o considerável", como lá diz Pizarro.
Resolveu D o m J o ã o c o n s t r u i r o edifício n o u t r o l u g a r , m a i s
p e r t o do m a r . A p e d r a f u n d a m e n t a l , l a n ç o u - a a 14 de
m a i o de 1742. M a s se foi ele t r a n s f e r i d o p a r a M i r a n d a ,
P o r t u g a l , em 1746.
O m o n g e b e n e d i t i n o D o m F r e i A n t ô n i o do Desterro,
que e s t á e n t e r r a d o n o c l a u s t r o do Mosteiro de São Bento,
h á dois séculos, chegou ao Rio como Bispo a 1 de d e z e m b r o
de 1746 e t o m o u posse a 1 de j a n e i r o de 1747. E n t u s i a s -
m o u - s e D o m F r e i A n t ô n i o c o m a o b r a e — a p e d i d o dele
— o P a p a B e n t o X I V j á concedeu a 24 de j a n e i r o de 1748
a ereção c a n ó n i c a a t r a v é s de u m Breve. D e u - l h e o P a p a
a R e g r a de S a n t a C l a r a . M a s o Bispo r e c o r r e u à S a n t a
Sé e obteve o Rescrito de 7 de j a n e i r o de 1750, que l h e
p e r m i t i u i n t r o d u z i r a R e g r a d a O r d e m d a Conceição, f u n -
d a d a em 1484 por B e a t r i z d a Silva e Menezes, que m o r -
reu em Toledo, 1490, com 66 a n o s .
E m 1744, f u n d a r a - s e o Mosteiro d a L a p a , n a B a h i a ,
de religiosas.
E m t r ê s anos, D o m F r e i A n t ô n i o do D e s t e r r o c o n -
cluiu a s o b r a s do Convento, risco do e n g e n h e i r o b r i g a -
deiro José F e r n a n d e s P i n t o Alpoim.
67
Vieram q u a t r o f r e i r a s do C o n v e n t o da B a h i a , como
diz Melo Morais, e com elas c o m e ç a r a m o seu noviciado
c a n ó n i c o a s recolhidas d a A j u d a .
" M u i t a gente, que p a s s a pela f r e n t e do C o n v e n t o da
Ajuda, c o m e n t a Vieira F a z e n d a , i g n o r a o que significa
sobre a e n t r a d a d a p o r t a r i a a existência de u m c h a p é u ,
e n c i m a n d o a n t i g o b r a s ã o : s ã o a s a r m a s do Bispo D o m
Frei Antônio do Desterro".
O C o n v e n t o da A j u d a e o m o n g e b e n e d i t i n o D o m F r e i
Antônio do D e s t e r r o f o r m a r a m u m a p r o f u n d a u n i d a d e .
O Bispo e as freiras, a p r i m e i r a c o m u n i d a d e m o n á s t i c a
f e m i n i n a da Cidade do Rio. F r e i r a s d a I m a c u l a d a C o n -
ceição, f r e i r a s concepcionistas.
A i n a u g u r a ç ã o do Mosteiro foi i m p r e s s i o n a n t e . Foi u m
a c o n t e c i m e n t o público memorabilíssimo.
Duzentos a n o s depois, F r e i P e d r o Sinzig, p r o f e r i n d o
o s e r m ã o alusivo à d a t a , j á n o Convento novo de Vila
Isabel, i n a u g u r a d o h a v i a t r i n t a anos, l a m e n t a v a o c o n -
t r a s t e e n t r e a s celebrações públicas f a u s t o s a s , i n t e n s a -
m e n t e populares, oficiais, m u n d a n a s até, e aquele t o m
discreto, íntimo, q u a s e a p a g a d o , do b i c e n t e n á r i o sem
ruído.
O f r a d e f r a n c i s c a n o e exímio musicista s u b l i n h a v a
o f a t o com melancolia e t i r a v a dele u m a a d v e r t ê n c i a ,
u m a lição, que e x p r i m i u com u m a c e n t o m o r a l i s t a . Os
tempos haviam mudado.
O edifício, sem g r a n d e s pretensões, observa G a s t ã o
Cruls, era u m a p e s a d a c o n s t r u ç ã o de dois a n d a r e s , s i t u a -
do n a R u a d a A j u d a , esquina da R u a do Passeio, á r e a
a t u a l m e n t e o c u p a d a pelo b a i r r o S e r r a d o r ou C i n e l â n d i a .
G r a n d e casarão, só demolido em 1918, diz Cruls, e que,
d u r a n t e século e meio, pelas solenidades alegres e t r i s t e s
que nele se r e a l i z a r a m , pelos folguedos populares, a que
se associou, r e u n i n d o g e n t e n o seu p á t i o e a r r e d o r e s , e
pela p a r t i c i p a ç ã o i n d i r e t a que a s s u a s recolhidas t i n h a m
n a vida d a cidade, deixou m u i t a s r e m i n i s c ê n c i a s t r a z i d a s
à s p á g i n a s da h i s t ó r i a e do r o m a n c e .
S e p u l t a r a m - s e n a sua i g r e j a a i n f a n t a D o n a M a r i a n a ,
tia do príncipe r e g e n t e Dom João, a R a i n h a D o n a M a r i a
I, m ã e de Dom João, a i m p e r a t r i z D o n a Leopoldina, esposa
de Dom P e d r o I, a p r i n c e s a D o n a P a u l a , f i l h a deste, a
68
p r i m o g ê n i t a n a t i m o r t a d a p r i n c e s a D o n a Isabel e d o
Conde d'Eu.
A vida da Cidade m i s t u r o u - s e à vida c o n v e n t u a l .
Houve u m a simbiose, u m a r e l a t i v a i n t i m i d a d e e n t r e o
povo e a s s u a s f r e i r a s . Por ocasião d a s f e s t a s de f i m de
ano, escreve Cruls, se a r m a v a u m dos m a i s esplendorosos
p r e s e p e s que a Cidade conhecia. O povo g o s t a v a de ver
esse presepe e de ouvir o coro d a s m o n j a s , a que C r u l s
c h a m a " s e r á f i c o " . As f r e i r a s d a A j u d a se t o r n a r a m f a m o -
sas pelos seus doces. As m ã e s - b e n t a s , a s d e s m a m a d a s , os
pastéis de S a n t a Clara, canudos, suspiros. A Mãe B e n t a ,
i n v e n t o r a ou pelo m e n o s d i v u l g a d o r a dos deliciosos boli-
nhos, esclarece G a s t ã o Cruls, e r a u m a p r e t a que t i n h a
por n o m e todo B e n t a M a r i a d a Conceição e foi m ã e d o
cónego G e r a l d o Leite Bastos. Faleceu e m 1851. S u a s gulo-
dices, c o m e n t a Cruls, l e v a v a m - l h e à casa f i g u r a s i m p o r -
t a n t e s , u m P a d r e Feijó, como escreveu Vieira F a z e n d a .
As f r e i r a s t i r a v a m lucro d a s s u a s h a b i l i d a d e s . F o r n e -
c i a m p r a t o s p a r a m e s a s de batizados, c a s a m e n t o s e o u t r a s
f e s t a n ç a s . E Cruls l e m b r a M a c h a d o de Assis n a s Memórias
Póstumas de Brás Cubas: "Veio abaixo t o d a a v e l h a p r a -
t a r i a h e r d a d a do m e u avô Luís Cubas; v i e r a m t o a l h a s de
F l a n d r e s , os g r a n d e s j a r r o s d a í n d i a ; m a t o u - s e u m c a p a -
do; e n c o m e n d a r a m - s e às m a d r e s da A j u d a a s c o m p o t a s
e m a r m e l a d a s " . A f a m í l i a de B r á s Cubas, p a r a c e l e b r a r
a p r i m e i r a q u e d a de Napoleão, d e r a u m g r a n d e j a n t a r . . .
As t r ê s h o r a s d a t a r d e de 21 de n o v e m b r o de 1749,
c h e g a v a m a s religiosas d a B a h i a e o navio, que a s trouxe,
foi s a u d a d o f e s t i v a m e n t e p o r salva d a s f o r t a l e z a s .
O Arcebispo P r i m a z p e r m i t i u a v i n d a de q u a t r o reli-
giosas, d u a s de coro e d u a s leigas ou conversas. As f r e i r a s
deviam a d o t a r as Constituições d a s Religiosas do Mosteiro
d a Luz, de Lisboa, n ã o p o d e n d o receber m a i s de t r i n t a e
três p o s t u l a n t e s .
As m o n j a s h o s p e d a r a m - s e n o Hospício da T e r r a S a n t a .
O edifício era perto, ficava no lado ímpar da Rua
dos Barbonos.
A Cidade t r a n q ü i l a vibrou com a c h e g a d a d a s s u a s
p r i m e i r a s religiosas. E s p e r a r a t a n t o s a n o s p o r elas. D e s e -
jada t a n t o que viessem. S e n t i r a t a n t o a n e c e s s i d a d e delas,
69
d a s u a oração, do seu e n c a n t o , ou do seu sortilégio. " D e u s ,
i n a d j u t o r i u m m e u m , i n t e n d e . Domine, a d a d j u v a n d u m
me, f e s t i n a . " A Cidade t e r i a as s u a s c a n t o r a s místicas,
a s suas o r a n t e s , a s p e d i n t e s espirituais que l h e f a l a r i a m
de Deus e f a l a r i a m a Deus por ela.
Houve u m incrível alvoroço n a Cidade q u i e t a . O Go-
v e r n a d o r i n t e r i n o , M a t i a s Coelho de Sousa, m a n d o u o
filho, c a p i t ã o P a u l o C a e t a n o , c u m p r i m e n t á - l a s em c o m -
p a n h i a de José P e r e i r a P i n t o Alpoim e do juiz de f o r a
Luís Antônio Rosado da C u n h a .
D o m Frei A n t ô n i o do D e s t e r r o e s t a v a e m sua c a s a
do Rio Comprido. Foi logo avisado. P e r m i t i u o d e s e m b a r -
que. S a l t a r a m elas n u m cais e x i s t e n t e n o f u n d o da C a s a
dos Governadores, ali n a R u a Direita, e s e g u i r a m à n o i t e
em seges p a r a a R u a dos Barbonos.
As escravas, t r i n t a , i a m a pé. I l u m i n a r a m - s e as c a s a s
d a R u a Direita, d a R u a da Misericórdia, da R u a de São
José, da R u a da A j u d a e da R u a dos Barbonos. A C i d a d e
e s t a v a alegre.
E m a l g u m a s casas, n a s a l a de visitas, h a v i a o r q u e s t r a
d e a m a d o r e s . M a s G o m e s Freire, o G o v e r n a d o r , e s t a v a
ausente.
Só a 30 de maio, u m sábado, daquele a n o feliz de
1750, houve a solene i n a u g u r a ç ã o do C o n v e n t o de Nossa
Senhora da Ajuda.
As religiosas f o r a m p a r a o Mosteiro de São Bento, a
que o Bispo e r a t ã o ligado. F o r m a r a m as t r o p a s da g u a r -
nição. F o l h a s de m a n g u e i r a s d e r r a m a d a s p e l a s r u a s . Col-
c h a s de d a m a s c o n a s s a c a d a s e j a n e l a s . Foguetes. R e p i -
ques. Alegria pela Cidade. O povo a p a s s e a r . A Cidade
s a u d a v a as s u a s m o n j a s . A procissão, f o r m a d a p o r i r m a n -
d a d e s e o r d e n s terceiras, clero r e g u l a r e secular, p e r c o r -
r e u a s r u a s e n t r e São B e n t o e a A j u d a .
O Cabido e o Bispo a c o m p a n h a v a m a s religiosas. A
O r d e m d a P e n i t ê n c i a a p r e s e n t o u dois belos a n d o r e s . F o r -
m a r a m em alas as t r o p a s . Na e s q u i n a d a R u a de São
P e d r o com a R u a Direita, o n d e e s t a v a o O r a t ó r i o de Nossa
S e n h o r a do Amparo, a procissão p a r o u , p a r a que m e n i n o s
vestidos de a n j o s espargissem flores sobre a s religiosas, o
Bispo e o G o v e r n a d o r .
70
Houve t r ê s d e s c a r g a s festivas, ao c o m e ç a r e ao a c a b a r
a procissão. S e g u i u - s e u m tríduo, e m que f o r a m c e l e b r a n -
t e s e p r e g a d o r e s os F r a n c i s c a n o s , os J e s u í t a s , os B e n e -
ditinos, os C a r m e l i t a s , s e n d o p o n t í f i c e o Bispo D o m Frei
Antônio do Desterro, h o m e m espiritual, m o n g e de S.ão
Bento, que a m a v a a oração, valorizava a vida c o n t e m p l a -
tiva, a vida mística e p e r m a n e c e u n o S e m i n á r i o de São
José, vizinho, o n d e h o u v e u m b a n q u e t e .
A i g r e j a da A j u d a e p a r t e do C o n v e n t o e s t i v e r a m
a b e r t a s ao povo, p a r a visitação piedosa. F o r a m t r ê s noi-
tes de f e s t a . E m u m a delas, r e p r e s e n t o u - s e u m a peça de
Metastásio.
A Gazeta de Lisboa deu u m r e s u m o d a s g r a n d e s f e s -
tividades e m que povo, Governo, clero se u n i a m , p a r a
celebrarem a chegada das primeiras monjas.
As f r e i r a s d u r a n t e a procissão a p a r a t o s a l e v a v a m n a
m ã o d i r e i t a u m a vela e n a e s q u e r d a u m crucifixo. As f e s -
t a s e x t e r n a s e r a m b e m ao gosto do tempo, com l u m i n á r i a s ,
música, préstito, fogos, celebrações litúrgicas.
Dom F r e i A n t ô n i o do D e s t e r r o deve de ser c o n s i d e r a d o
o f u n d a d o r d a A j u d a . Nasceu e m V i a n a de L i m a , P o r t u -
gal, a 4 de j u l h o de 1694. E n t r o u nos B e n e d i t i n o s e m 1711.
Morreu no Rio a 5 de dezembro de 1723, depois de gover-
n a r a Diocese d u r a n t e m a i s de u m q u a r t o de século.
" M u i t o s o f r e u a velha casa c l a u s t r a l d a A j u d a com
a revolta de p a r t e d a A r m a d a , e m 1893." São p a l a v r a s de
Vieira F a z e n d a .
" P a r a exercer m i s t e r e s d a m i n h a p r o f i s s ã o ( e r a m é -
dico), e n t r e i p e l a p r i m e i r a vez n o i n t e r i o r d a A j u d a e
p u d e observar os e s t r a g o s f e i t o s por u m a b a l a n o t e t o do
t e m p l o e em v á r i a s o u t r a s d e p e n d ê n c i a s do convento.
A p r e s e n t a v a este o a s p e c t o t r i s t o n h o de i m e n s o c a s a r ã o
dos t e m p o s coloniais: g r a n d e , feio, pesado, f o r t e " .
Ainda Vieira F a z e n d a : " T e m p o s depois, lá voltei a
convite a i n d a do m o n s e n h o r E d u a r d o (de C a r v a l h o R o -
d r i g u e s ) , p a r a s u b s t i t u i r o m é d i c o d a s religiosas, que se
a c h a v a e n f e r m o . P a s m o s a t r a n s f o r m a ç ã o se h a v i a o p e r a d o
g r a ç a s à a t i v i d a d e d a q u e l e d i g n o e e x e m p l a r sacerdote, a
c u j a m e m ó r i a a s religiosas d a A j u d a votam, p e r p é t u a e
justa gratidão."
71
Pelas colunas de A Notícia, Vieira F a z e n d a publicou
e n t ã o a minuciosa descrição do n o t á v e l c h a f a r i z das S a r a -
curas, obra artística, f e i t a com m a t e r i a l de n o s s a s p e d r e i -
r a s e o r n a t o s de bronze f u n d i d o s n o Arsenal de G u e r r a .
" E s t a f o n t e foi erguida pela g r a t i d ã o de u m a A b a -
dessa da A j u d a ao Conde de Resende. Este Vice-Rei c o n -
cedera às religiosas u m a p e n a d ' á g u a d e r i v a d a dos e n c a -
n a m e n t o s d a Carioca. A á g u a era conduzida do Morro
de S a n t o Antônio por u m cano, que a t r a v e s s a v a ao alto
a R u a dos B a r b o n o s e ia t e r m i n a r no i n t e r i o r da c h á c a r a
do Convento. As religiosas f o r a m f o r ç a d a s a u m a d e s a p r o -
priação que deu em r e s u l t a d o a a b e r t u r a da R u a S e n a d o r
D a n t a s , no sítio e m que existiam o u t r o r a c a s i n h a s c o m -
p r a d a s pelo Bispo D o m J o ã o da Cruz, e t e r r e n o s dos f r a d e s
do Carmo, adquiridos pelo Bispo D o m Antônio do Des-
terro, p a r a m a i o r e x t e n s ã o da c h á c a r a c o n v e n t u a l " .
A e n t r a d a de 1750 foi principesca. A s a l d a de 1911
foi discreta, de automóvel, ao a m a n h e c e r .
F o r a m p a r a a T i j u c a , p a r a a R u a Conde de B o n f i m .
Onde o Te Deum magnífico, que se c a n t a r a em São Bento,
em 1750, com dois coros de m ú s i c a ? O n d e o esplendor d a s
f e s t a s públicas? O primeiro c a m i n h o foi de São B e n t o à
Ajuda, a pé. O segundo c a m i n h o foi q u a s e de m a d r u g a d a ,
de carro, e n t r e a A j u d a e a T i j u c a .
O Aviso de Nabuco de A r a ú j o , em 1855, f e c h a r a os n o -
viciados do Brasil. Despovoou-se o Convento d a A j u d a . M o -
reira de Azevedo m i n u c i o s a m e n t e descreveu o i n t e r i o r do
Convento. E Vieira F a z e n d a deteve-se com volúpia d i a n t e
do c h a f a r i z d a s S a r a c u r a s , por ele descrito, u m a r t í s t i c o
e m o n u m e n t a l c h a f a r i z erguido no p á t i o c e n t r a l , em a g r a -
decimento ao conde de R e s e n d e que, em 1799, concedera
às f r e i r a s u m a n e l d ' á g u a .
A bela i m a g e m da S e n h o r a da Piedade, que se via n a
a n t i g a i g r e j a d a A j u d a , foi louvada por Vieira F a z e n d a .
" S e m p r e r e s p e i t a d a s e d i g n a s da c o n s i d e r a ç ã o do
nosso povo f o r a m e são as religiosas da A j u d a " , p o n d e r o u
o m e s m o Vieira F a z e n d a ( A n t i q u a l h a s e Memórias, Re-
vista do I n s t i t u t o Histórico e Geográfico Brasileiro, t o m o
86, vol. 140 (1919) Rio, I m p r e n s a Nacional, 1921, pág. 49).
A p r i m e i r a Abadessa se elegeu a 28 de m a i o de 1751.
Os restos m o r t a i s da i n f a n t a D o n a M a r i a n a e da R a i n h a
72
D o n a M a r i a I v o l t a r a m p a r a P o r t u g a l e m 1821. Havia
q u a t r o m o n j a s no Mosteiro em 1889. A Abadessa m o r r e r a
a 6 de n o v e m b r o de 1889, nove dias a n t e s d a m o r t e d a
M o n a r q u i a . P e d i r a t a n t o à P r i n c e s a Isabel que obtivesse a
a b e r t u r a do noviciado canónico.
R e a b r i u - s e o noviciado e m 1 de j u l h o de 1891.
A 19 de o u t u b r o de 1911, m o n s e n h o r Alves, capelão,
celebrou a ú l t i m a S a n t a Missa n o velho C o n v e n t o de
Nossa S e n h o r a da A j u d a . E r a m q u a t r o h o r a s d a m a n h ã .
Deu a C o m u n h ã o à s m o n j a s . M a n d o u a p a g a r as luzes do
Santíssimo. E r a m cinco h o r a s e quinze q u a n d o os a u t o m ó -
veis p a r t i r a m com a s m o n j a s e m o c i o n a d a s — i a m p a r a a
T i j u c a , p a r a o n ú m e r o 290 da R u a Conde de B o n f i m . Lá,
f i c a r i a m nove anos, quase. O C a r d e a l Arcoverde visitara
p e s s o a l m e n t e a n o v a casa, a 18 de outubro. E a c h a r a que
t u d o e s t a v a bem.
Ao c h e g a r e m a s f r e i r a s à T i j u c a , a n u n c i a r a m à s u a
n o v a v i z i n h a n ç a a c h e g a d a da c o m u n i d a d e t a n g e n d o o
p e q u e n o sino da t o r r e i m p r o v i s a d a . T u d o começava o u -
t r a vez.
" I l f a u t t o u j o u r s r e c o m m e n c e r " , dizia Péguy.
E r a a f e s t a l i t ú r g i c a de São P e d r o de A l c â n t a r a , f r a n -
ciscano.
A 26 de j u l h o de 1920, m u d a r a m - s e p a r a o c o n v e n t o
que se ergueu e m Vila Isabel, n o m e s m o dia e n o m e s m o
mês em que D o n a Cecília B a r b a l h o com s u a s f i l h a s e
a l g u m a s j o v e n s e n t r a r a em 1678 p a r a o h u m i l d e Reco-
l h i m e n t o d a S e n h o r a d a A j u d a , n a e s p e r a n ç a de que viesse
u m dia a ser Convento. E m 1926, h o u v e a b e a t i f i c a ç ã o d a
f u n d a d o r a da O r d e m , M a d r e Beatriz da Silva e Menezes.
O velho C o n v e n t o da A j u d a f o r a d e s a p r o p r i a d o p o r
e s c r i t u r a de 4 de j u l h o de 1911.
P o n d e r a , leitor gentil, que o destino dos h o m e n s , d a s
m u l h e r e s e d a s c o m u n i d a d e s ( m e s m o a s religiosas, as m í s -
ticas) é f e i t o de s o m b r a e de luz. " D i e s diei é r u c t â t v e r -
bum, n o x nocti i n d i c a t s c i e n t i a m " , c a n t a o S a l m i s t a , q u e
nossas m o n j a s m i l h a r e s de vezes — em m i l h a r e s de vozes
— r e p e t i r a m . M i l h a r e s ? Ou c e n t e n a s ? . . .
Vai, leitor generoso, t e c e n d o o fio d a t u a m e d i t a ç ã o
a respeito da vida silenciosa e h u m i l d e d a s m o n j a s , q u e
75
s e r v i r a m a esta Cidade. P e n s a n o s dias, n a s horas, n o s
minutos, que u m após outro se p a s s a r a m , o dia que e n -
t r e g a ao o u t r o dia a p a l a v r a , a noite que i n d i c a à noite
a sabedoria. Foi M a c h a d o quem nos disse, com aquela
s u a g r a ç a i n i m i t á v e l — " E u gosto de c a t a r o m í n i m o e
o escondido". É u m a p a l a v r a sua de 1897, novembro, q u a n -
do as m o n j a s a i n d a e s t a v a m n o seu a n t i g o Convento,
p e r t o do m a r .
M u i t a s vezes, leitor paciente, o velho céptico e as p a -
redes do Mosteiro se d e f r o n t a r a m , n a c o t i d i a n i d a d e s i m -
ples da vida. Que t e r á p e n s a d o ele d e s t a s v e l h a s paredes,
d e s t a s m o n j a s , d e s t a vida c o n t e m p l a t i v a que por t a n t o s
a n o s i n f i n d á v e i s ali se v i v e u ? . . . M a c h a d o moço, M a c h a -
dinho, M a c h a d o m a d u r o , o que escreveu a s M e m ó r i a s P ó s -
t u m a s , em que a p a r e c e m as m o n j a s doceiras, M a c h a d o
velho e d e s e n c a n t a d o , i r m ã o do Conselheiro A i r e s . . . Todos
p a s s a r a m por ali e o l h a r a m aqueles m u r o s , em que se
escondeu t a n t a vida.
70
LITERATURA: A PROSA
Homero Senna
"BELLE ÉPOQUE": REALIDADE OU FANTASIA?
77
de mitos que c a r a c t e r i z a o a u t o r de A Ilusão Literária.
conhecido pelo seu visceral ceticismo.
Mas, impressionado, s e m dúvida, pela crítica, incli-
nou-se a d a r r a z ã o a Frieiro, citando, a propósito, u m t r e -
cho do livro de m e m ó r i a s do j o r n a l i s t a f r a n c ê s E d o u a r d
Hersey — Envoyé Spécial — publicado em 1955 p e l a Li-
vraria A r t h è m e F a y a r d e que o cronista do "1900" b r a s i -
leiro talvez só t e n h a lido depois d a publicação, em 1956,
d a p r i m e i r a edição do seu livro:
I g n o r o q u e m i m a g i n o u pela p r i m e i r a vez
b a t i z a r de belle époque o período de a l g u n s a n o s
que c i r c u n d a m o milésimo de 1900. S u p o n h o
tenha entrado nas suas intenções uma parte
de ironia. É pouco provável que t a l c r i a t u r a
chegasse a m e d i r a c r u e l d a d e da expressão. A
g e n t e de h o j e n ã o conseguirá f a z e r idéia dos
abismos de m i s é r i a que se e s c o n d i a m n o P a r i s
b r i l h a n t e daquele tempo.
78
o rei U m b e r t o I, d a I t á l i a . E m 1905 e s t o u r a v a a g u e r r a
r u s s o - j a p o n e s a . T r ê s a n o s depois, n u m c l i m a de g r a n d e
a g i t a ç ã o , o rei D. Carlos, de P o r t u g a l , e o p r í n c i p e h e r -
deiro D. Luís Filipe e r a m a s s a s s i n a d o s em Lisboa. E desde
1888 p a i r a v a sobre a E u r o p a a a m e a ç a i m p e r i a l i s t a do
Cáiser G u i l h e r m e II, c u j a política a c a b a r i a conduzindo
à l.a Grande Guerra.
M a l g r a d o todos esses fatos, b e m indicativos d a i n -
q u i e t a ç ã o social que l a v r a v a n o s s u b t e r r â n e o s d a vida
política européia, e que, e v i d e n t e m e n t e , n ã o f a z i a m desse
período u m m a n s o lago azul, d i a n t e do que veio depois
— s o b r e t u d o o c o n f l i t o m u n d i a l de 1914-1918 e a r e v o l u -
ção r u s s a de 1917 — ficou sendo ele a belle époque.
O n d e a b u r g u e s i a européia poderia e n c o n t r a r , depois
desses t r á g i c o s e i n q u i e t a n t e s a c o n t e c i m e n t o s , que m a r c a -
r i a m t ã o f u n d a m e n t e o nosso tempo, a ãouceur de vivre?
A d e n o m i n a ç ã o , que p a r a Frieiro p a r e c e u m a simples e t i -
q u e t a , h á de t e r sido c r i a d a , n o i n t e r v a l o d a s d u a s g u e r r a s ,
s e m q u a l q u e r i n t e n ç ã o de ironia, p o r u m a g e r a ç ã o que
podia c o m p a r a r a s condições de vida a n t e s e depois de
1914, e s u s p i r a r pelo bon vieux temps, em que, a p e s a r
de todos aqueles p r e n ú n c i o s desagradáveis, a vida e r a
i n c o m p a r a v e l m e n t e m a i s s e d u t o r a , t r a n q ü i l a e aprazível.
Do p o n t o de vista social, a m i s é r i a da belle époque
e r a por c e r t o e n o r m e , terríveis a s condições de vida dos
operários, s o b r e t u d o d a s c r i a n ç a s , n a s p r i m e i r a s f á b r i c a s
que se i n s t a l a v a m . Mas, p a r a as classes d o m i n a n t e s , que
n ã o lhe h a v i a m s o f r i d o os h o r r o r e s , e p e r d i a m a alegria
de viver, d i a n t e n ã o só d a s d e s g r a ç a s c o n s e q ü e n t e s à q u e -
les a c o n t e c i m e n t o s , m a s t a m b é m d a s n o v a s a m e a ç a s que
se l e v a n t a v a m , p o n d o e m risco os privilégios em que t r a -
d i c i o n a l m e n t e a s s e n t a v a m seu estilo de vida, n a d a m a i s
legítimo do que s u s p i r a r pelos a n o s de o u t r o r a , r e l a t i v a -
m e n t e t r a n q ü i l o s , e batizá-los, s e m q u a l q u e r ironia, a n t e s
com f u n d a s a u d a d e , de belle époque.
Foi a réplica brasileira desse período que B r i t o Broca
estudou n o s e u livro. Aqui, e v i d e n t e m e n t e , a s condições
sociais e políticas e r a m o u t r a s . M a s como, e n t ã o , a s n o s s a s
elites viviam a i n d a com os olhos e m Paris, e como s o f r e -
r a m t a m b é m , de q u a l q u e r f o r m a , os efeitos daqueles a c o n -
tecimentos, é n a t u r a l se t e n h a m deixado i n f l u e n c i a r pelo
79
i n c o n f o r m i s m o e pela a t i t u d e saudosista d a b u r g u e s i a e u -
ropéia, que perdeu, com a belle époque, a douceur de vivre.
É a l i t e r a t u r a brasileira em prosa, nesse período, ou,
m a i s p r e c i s a m e n t e , de 1900 a 1910, que n o s cabe e s t u d a r
n e s t e pequeno ensaio.
UM CONTRASTE SINGULAR
80
Com exceção dos g o v e r n a n t e s , s e m p r e em
t o d a a p a r t e , em todos os tempos, e a t é n a s
v é s p e r a s e n a i m i n ê n c i a d a s revoluções e das
c a t á s t r o f e s , otimistas, todos s a b e m e s e n t e m a s
d e s g r a ç a d í s s i m a s condições, m a t e r i a i s e morais,
do nosso país. E d e s t a vez n ã o é l u g a r - c o m u m
d a s oposições políticas, "coisa que n ã o há'',
como de cristãos dizia m u i t o b e m o D. J o ã o
do p o e t a português, s e n ã o f a t o real, i n c o n t e s -
tável, t a n g í v e l por assim d i z e r . 6
S U R G E UM NOVO JORNAL
N e s t a p r i m e i r a fase, a crítica l i t e r á r i a do
Correio n ã o e r a o f e r e c i d a aos leitores n u m dia
r i g o r o s a m e n t e c e r t o da s e m a n a . De p r e f e r ê n -
cia, os a r t i g o s de Veríssimo a p a r e c i a m à s se-
g u n d a s - f e i r a s — e n ã o h a v e r i a n e s t a escolha
u m a s u g e s t ã o dos Lunãis de S a i n t e Beuve? —
mas, em a l g u m a s o u t r a s s e m a n a s , s u r g i a m à s
t e r ç a s ou q u a r t a s - f e i r a s . Não h a v i a r u b r i c a g e -
r a l , e n c i m a n d o c a d a a r t i g o a p e n a s o seu t í t u l o
p a r t i c u l a r . Não a d o t a r a a i n d a o Correio, p a r a
a crítica l i t e r á r i a , o s i s t e m a de rodapé, f i c a n d o
este r e s e r v a d o à p u b l i c a ç ã o dos r o m a n c e s em
f o l h e t i n s . Vê-se, porém, que a crítica e r a u m a
m a t é r i a valorizadíssima, pelo espaço que .podia
81
o c u p a r e pelo local em que e r a e s t a m p a d a . A p a -
recia n a s p r i m e i r a s c o l u n a s d a p r i m e i r a p á g i -
n a , n o m e s m o local em que escreviam a r t i g o s
políticos E d m u n d o B i t t e n c o u r t , M a n u e l Vito-
rino, L a u r o Sodré, Ubaldino do A m a r a l , v i n d o
logo em, seguida, d i a r i a m e n t e , o de Gil Vidal.
Às vezes, o a r t i g o de José Veríssimo o c u p a v a
meia página.
UMA REVELAÇÃO
82
No p r i n c í p i o do século, como se sabe, a s o b r a s dos
a u t o r e s brasileiros se e d i t a v a m , n a s u a g r a n d e m a i o r i a ,
n a E u r o p a . S i g n i f i c a t i v a m e n t e , visto t r a t a r - s e de u m livro
que n o s fazia d e s p r e g a r os olhos do Velho C o n t i n e n t e e
e n c a r a r m a i s de p e r t o os nossos graves p r o b l e m a s , a o b r a
de estréia de Euclides da C u n h a foi l a n ç a d a p o r u m a
e d i t o r a que, e m b o r a p e r t e n c e n t e a estrangeiros, e r a s e d i a -
da n o Rio: L a e m m e r t & Cia. As p r o v a s t i p o g r á f i c a s d a
epopéia de C a n u d o s n ã o t i v e r a m , assim, de a t r a v e s s a r
o Atlântico, n u m e n o u t r o sentido, como as d a m a i o r i a
dos livros brasileiros d a época, e o m á x i m o que lhes a c o n -
teceu foi v i a j a r do Rio a t é Lorena, n o E s t a d o de São P a u l o
(onde o escritor e n t ã o r e s i d i a ) , e vice-versa.
A casa L a e m m e r t & Cia., n o a n o a n t e r i o r , h a v i a p u -
blicado a Tormenta, de Coelho Neto, e desde a l g u n s a n o s
v i n h a e d i t a n d o a u t o r e s n a c i o n a i s . Mas, no caso de E u -
clides, a p e s a r d a a p r e s e n t a ç ã o e n t u s i á s t i c a de Lúcio de
Mendonça, o editor, como t a n t a s vezes t e m acontecido,
n ã o confiou n o livro, ou teve m e d o do excessivo volume
dos originais. E — sirva isto de consolo aos p l u m i t i v o s
que a i n d a h o j e n ã o e n c o n t r a m q u e m q u e i r a e d i t a r s u a s
poesias, seus contos, r o m a n c e s ou ensaios — Euclides teve
de f i n a n c i a r , ele próprio, a edição, com u m c o n t o e qui-
n h e n t o s , " m a i s ou m e n o s d u a s vezes o seu o r d e n a d o " ,
s e g u n d o o j á r e f e r i d o Olímpio de Sousa A n d r a d e . 9
O livro causou u m i m p a c t o f o r a do c o m u m . E coube
a José Veríssimo a glória de t e r escrito o p r i m e i r o a r t i g o
sobre ele, i n t i t u l a d o " U m a h i s t ó r i a dos sertões e d a C a m -
p a n h a de C a n u d o s " , p u b l i c a d o n a edição de 3 de d e z e m -
b r o de 1902 do Correio da Manhã.10
Como n o t o u Alvaro Lins, " E u c l i d e s e r a u m novo, u m
n o m e desconhecido, que se a p r e s e n t a v a ao crítico a p e n a s
c
° m a o b r a - p r i m a do seu livro de estréia". No e n t a n t o ,
Veríssimo, ao c o n t r á r i o do editor L a e m m e r t , n ã o se e n -
g a n a e s a ú d a o e s t r e a n t e desconhecido com e n t u s i a s m o e
s e g u r a c o n f i a n ç a n o seu t a l e n t o :
83
geólogo, u m e t n ó g r a f o ; de u m h o m e m de p e n -
s a m e n t o , u m filósofo, u m sociólogo, u m h i s t o -
r i a d o r ; e de u m h o m e m de s e n t i m e n t o , u m
poeta, u m r o m a n c i s t a , u m a r t i s t a , que sabe ver
e descrever, que vibra e s e n t e t a n t o aos a s p e c -
tos d a n a t u r e z a como aos c o n t a c t o s do h o m e m ,
e estremece todo, tocado a t é ao f u n d o d ' a l m a ,
comovido a t é às lágrimas, em f a c e da dor h u -
m a n a , v e n h a ela das condições f a t a i s do m u n d o
físico, a s secas que assolam os sertões do n o r t e
brasileiro, v e n h a da estupidez ou m a l d a d e dos
h o m e n s como a c a m p a n h a de Canudos.
84
cado n o Jornal do Commercio de 3-2-1907, e h o j e incluído
no IV volume da s u a Obra Crítica, e d i t a d a pela F u n d a ç ã o
C a s a de R u i B a r b o s a .
Se Euclides, graças, sobretudo, à s u a a m i z a d e c o m
o B a r ã o do Rio Branco, conseguiu sair " d o desvio m o r t o
d a E n g e n h a r i a , sem d e s c a r r i l h a r " , o m e s m o n ã o logrou
f a z e r e m r e l a ç ã o a p r o b l e m a s f a m i l i a r e s , de o r d e m p e s -
soal. E no dia 15-8-1909 t o m b a v a a s s a s s i n a d o n a E s t r a d a
R e a l de S a n t a Cruz, n o s u b ú r b i o da Piedade, n o Rio. A g r i p -
pino Grieco, m o r a d o r n a s redondezas, c o s t u m a v a c o n t a r
que, p a s s e a n d o , a pé, n a q u e l a m a n h ã de domingo, viu o
c a d á v e r e s t e n d i d o n a c a l ç a d a . E n e m de longe supôs que
ali e s t a v a o corpo do g r a n d e escritor, que ele t a n t o a d -
mirava.
S u a m o r t e d e s f a l c o u as l e t r a s brasileiras de u m de
seus valores m a i s originais e a u t ê n t i c o s , desaparecido, t r a -
g i c a m e n t e , aos 43 a n o s de i d a d e . . .
F l o r e s t a i m p r e s s i o n a n t e , Os Sertões con-
t r i b u í r a m talvez q u a s e t a n t o p a r a o a r r e v e s a -
m e n t o d a l i n g u a g e m — com que se d e l e i t a r a m
Alcides M a i a e Alberto R a n g e l — q u a n t o p a r a
o c o n h e c i m e n t o do país, o que n ã o é dizer
pouco. E, saído n o m e s m o a n o de 1902, u m
r o m a n c e , nosso p r i m e i r o r o m a n c e social, o
Canaã, de G r a ç a A r a n h a , levaria p a r a o gênero
ê n f a s e n ã o s e m e l h a n t e , m a s equivalente, que
de a l g u m m o d o se r e f l e t i r i a em Luzia-Homem,
d e D o m i n g o s Olímpio, publicado em 1903, c o n -
t r a r i a n d o - l h e o f o r t e c u n h o regional.
85
T e n d o a g r a d a d o , p r i n c i p a l m e n t e , pelo " a r t i f í c i o gi-
randoloso do estilo", o r o m a n c e de G r a ç a A r a n h a c o n -
f i r m a a observação de Lúcia Miguel-Pereira, de que, r e s -
s a l v a d a s a s exceções de praxe, escrevia-se e n t ã o " c o m
a evidente p r e o c u p a ç ã o da f r a s e b r i l h a n t e , a l c a n d o r a d a
e, sobretudo, a r q u i t e t ô n i c a " , j á que a voga f a v o r e c i a a
eloqüência, " q u e se pôs a t r a n s b o r d a r dos discursos p a r a
os ensaios, p a r a os r o m a n c e s e a t é p a r a a poesia".
E r a a p r e a m a r p a r n a s i a n a , que levava Coelho N e t o
a escrever, r e f e r i n d o - s e à F o r m a , n u m a réplica à " P r o -
fissão de Fé", de Bilac: " P o r ela o m e u s a n g u e , t o d a a
m i n h a a l m a p a r a r e s g u a r d á - l a : é o m e u amor, é o m e u
ídolo, é o meu ideal". 1 3
Como observa, a i n d a , a m e s m a e n s a í s t a , p a s s a r a " d a
poesia à p r o s a o gosto d a s p a l a v r a s a l t i s s o n a n t e s e s o b r e -
t u d o de a r q u i t e t u r a verbal, da f r a s e r e d o n d a e cheia, des-
crevendo h a r m o n i o s a p a r á b o l a " .
Ora, o Canaã, de G r a ç a A r a n h a , inseria-se, com p e r -
feição, nesse contexto, e era, a l é m disso, sob m u i t o s a s -
pectos, u m livro revolucionário. T r a i n d o a i n f l u ê n c i a do
g e r m a n i s m o da Escola do Recife, é m u i t o m a i s u m r o -
m a n c e de idéias do que de ação. Como diria, m u i t o m a i s
t a r d e , Agrippino Grieco, em e n t r e v i s t a que nos concedeu,
"Canaã é u m m a u modelo de r o m a n c e , p o r q u e todo des-
conexo, sem a p r e o c u p a ç ã o da u n i d a d e , m a s que excelente
coletânea de morceaux choisisVM
Por este ou por aquele motivo, a v e r d a d e é que o
livro fez carreira, n ã o só n o Brasil, m a s i g u a l m e n t e n o
exterior. E m 1910 a p a r e c i a a t r a d u ç ã o f r a n c e s a de C l e m e n t
Gazot, com p r e f á c i o do Conde Prozor, p a r a o que, sem
dúvida, t a m b é m c o n t r i b u i u a posição do a u t o r , como di-
p l o m a t a que era. E foi essa p r o j e ç ã o e x t r a f r o n t e i r a s
do r o m a n c e que preocupou Gilberto Amado. E m a r t i g o
N'0 País, de 11-12-1910, s u s t e n t a v a ele que Canaã e r a " o
m a i s vigoroso libelo c o n t r a o Brasil e a m a i s d e f i n i t i v a
c o n d e n a ç ã o que a i n d a se escreveu sobre o c a r á t e r de u m
povo". R e c o n h e c i a que G r a ç a A r a n h a dizia, talvez, v e r -
dades, " m a s são as que m a i s nos h u m i l h a m , as que m a i s
corroboram a idéia que o europeu t e m da n o s s a i n c a p a -
cidade orgânica p a r a f u n d a r u m a civilização, c o n s t i t u i r
u m a n a c i o n a l i d a d e " . O " d e r r o t i s m o e t n o g r á f i c o " do dis-
86
cípulo de Tobias B a r r e t o assustava o pensador que, pouco
depois, s u s t e n t a r i a a tese de que " d e sermos mestiços
e m u l a t o s devemos ter, senão orgulho, ao m e n o s a cons-
ciência de que o sermos n ã o implica inferioridade n e n h u -
m a . Mulatos e mestiços f i z e r a m u m a cousa e x t r a o r d i n á -
r i a : o Brasil". 1 5
Com pontos de vista t ã o opostos, n ã o a d m i r a que
Gilberto Amado e G r a ç a A r a n h a j a m a i s t e n h a m conse-
guido e n t e n d e r - s e . . .
87
a p r o v a d o pela Lei n.° 3.071, de 1 de j a n e i r o de 1916. Ape-
s a r disso, o g r a n d e publicista n ã o teve tempo, ou opor-
t u n i d a d e de concluir o seu e s t u d o sobre os aspectos j u r í -
dicos do Código, estudo esse que ficou r e s t r i t o aos p r i m e i -
ros vinte artigos da P a r t e G e r a l .
O efeito, porém, do p a r e c e r em que a p o n t a v a as i m -
perfeições estilísticas do projeto, foi e n o r m e . Como se sabe,
a c e n d e u - s e g r a n d e polêmica sobre o assunto, e o d e b a t e
com Carneiro Ribeiro (que n a Réplica, de Rui, a t i n g i u seu
p o n t o m a i s alto) a p a i x o n o u os espíritos e aguçou o gosto
dos brasileiros pelas discussões de ordem g r a m a t i c a l . A
Réplica foi publicada, inicialmente, no Diário do Congresso
Nacional, S u p l e m e n t o ao n.° 120, de 10-10-1903, sendo que
s u a p r i m e i r a impressão em livro (edição da I m p r e n s a N a -
c i o n a l ) , n u m v o l u m e de 600 p á g i n a s , a p a r e c e u em 1904.
Sobre a repercussão e i n f l u ê n c i a desse t r a b a l h o de
Rui, h á o t e s t e m u n h o de J o ã o M a n g a b e i r a , que n e m p o r
p a r t i r de u m de seus discípulos m a i s devotados, pode ser
considerado suspeito:
. . . o a m o r e o zelo pela l í n g u a p o r t u g u e s a
se podem, n i t i d a m e n t e , dividir e n t r e nós em
d u a s f a s e s : a n t e s e depois da Réplica. Na p r i -
m e i r a , a p e n a s os g r a m á t i c o s e os especialistas
t i m b r a v a m n o a p u r o da l i n g u a g e m . No m a i s ,
o descuido, o descaso, o d e s a l i n h o . B a s t a ler os
escritos e discursos dos m a i o r e s vultos do I m -
pério. Na segunda, todos os h o m e n s , de t o d a s
as posições, em t o d a s a s emergências, c u i d a m
do asseio vernáculo, d a n d o c a d a u m de si o
m a i s que pode. 1 0
88
n o u - s e p a l a v r a de ordem, e com isso a l í n g u a portuguesa
passou a ser c o n s i d e r a d a d a s m a i s difíceis de se f a l a r e
escrever c o r r e t a m e n t e .
O s e g u i n t e d e p o i m e n t o de José Veríssimo é bastante
expressivo a respeito do e s t a d o de espírito e m que e n t ã o
viviam os escritores:
O h ! E s t a nossa l í n g u a p o r t u g u e s a , q u e m
pode j a c t a r - s e de s a b ê - l a toda, de p o d e r sem
c o n t e s t a ç ã o plausível a p o i a r - l h e ou r e p r o v a r - l h e
u m a f o r m a , u m a expressão, u m vocábulo, a f i r -
m a r com s e g u r a n ç a , f o r a dos casos v u l g a r e s de
i n c o r r e ç ã o m a n i f e s t a e dos solecismos i n d i s -
cutíveis, que isto é e r r a d o ou aquilo é certo,
q u e isto é v e r n á c u l o e aquilo n ã o é? 17
O MOMENTO L I T E R Á R I O
89
rio, p o r este s u b m e t i d o a cerca de c i n q ü e n t a escritores,
dos m a i s r e p r e s e n t a t i v o s e a t u a n t e s n a s l e t r a s e n o j o r -
nalismo de e n t ã o , foi redigido pelo p r ó p r i o Medeiros e
Albuquerque. O questionário e r a o s e g u i n t e :
1) P a r a sua f o r m a ç ã o l i t e r á r i a , quais os
a u t o r e s que m a i s c o n t r i b u í r a m ?
2) D a s s u a s obras, q u a l a que p r e f e r e ? Es-
p e c i f i c a n d o m a i s a i n d a : quais, d e n t r e seus t r a -
balhos, a s c e n a s ou capítulos, quais os contos,
quais as poesias que p r e f e r e ?
3) L e m b r a n d o s e p a r a d a m e n t e a p r o s a e a
poesia c o n t e m p o r â n e a s , p a r e c e - l h e que n o m o -
m e n t o a t u a l , no Brasil, a t r a v e s s a m o s u m p e r í o -
d o estacionário, h á n o v a s escolas ( r o m a n c e so-
cial, poesia de ação, etc.), ou h á a l u t a e n t r e
a n t i g a s e m o d e r n a s ? Neste ú l t i m o caso, quais
são elas? Quais os escritores c o n t e m p o r â n e o s
que a s r e p r e s e n t a m ? Qual a que j u l g a d e s t i -
nada a predominar?
4) O desenvolvimento dos c e n t r o s l i t e r á r i o s
dos E s t a d o s t e n d e r á a criar l i t e r a t u r a s à p a r t e ?
5) O jornalismo, e s p e c i a l m e n t e n o Brasil,
é u m f a t o r bom ou m a u p a r a a a r t e l i t e r á r i a ?
90
Dos entrevistados, m u i t o s e s t ã o h o j e c o m p l e t a m e n t e
esquecidos, e p r e c i s a m o s r e c o r r e r aos dicionários especia-
lizados p a r a identificá-los, como por exemplo, aquele es-
t r a n h o M a g n u s S o n d h s l , " u m m a n í a c o do ocultismo" que
j á f i g u r a r a em .As Religiões no Rio, como observa R. M a -
g a l h ã e s J r . De q u a l q u e r m a n e i r a , e a i n d a que constituído,
em g r a n d e p a r t e , de d e p o i m e n t o s de escritores que h o j e
n o s p a r e c e m secundários, e n ã o t r o u x e r a m , à s l e t r a s b r a -
sileiras, q u a l q u e r c o n t r i b u i ç ã o m a i s significativa, o i n q u é -
r i t o de J o ã o do Rio é u m precioso repositório de d a d o s
e i n f o r m a ç õ e s sobre h á b i t o s de vida, t e n d ê n c i a s e opiniões
d a intelligentsia brasileira n a p r i m e i r a d é c a d a do século.
Foi p e n a que as f i g u r a s m a i s r e p r e s e n t a t i v a s d a s n o s s a s
l e t r a s de e n t ã o n ã o tivessem a t e n d i d o ao seu apelo, como
ocorreu, e n t r e outros, com M a c h a d o de Assis, G r a ç a A r a -
n h a , A r t u r Azevedo, Alberto de Oliveira, Aluízio Azevedo
e José Veríssimo.
No f i n a l , J o ã o do Rio d á u m b a l a n ç o em seu i n q u é -
rito, t i r a n d o conclusões, a l g u m a s de c u n h o sociológico, que
s ã o i m p o r t a n t e s p a r a f i x a r a m e n t a l i d a d e dos escritores
brasileiros d a época, e a s p e r s p e c t i v a s de nossa l i t e r a t u r a
n o s p r i m e i r o s dez a n o s do século. U m a dessas conclusões
é de que p a s s a r a a época da boêmia, q u a n d o u m sujeito,
" p a r a f i n g i r de prosador, c o m e ç a v a p o r t e r a b a r b a p o r
f a z e r e o f a t o cheio de nódoas". No m o m e n t o — observa
o j o r n a l i s t a — u m tipo n e s s a s condições " s e r i a posto f o r a
a t é m e s m o d a s c o n f e i t a r i a s , que são e s e m p r e f o r a m a s
colméias dos ociosos". E q u a l foi o f a t o r q u e c o n t r i b u i u
p a r a a m u d a n ç a de m e n t a l i d a d e dos escritores? Foi a
c o n c o r r ê n c i a — r e s p o n d e ele — " a t r e m e n d a c o n c o r r ê n c i a
de t r a b a l h o que proíbe os r o m a n t i s m o s , o s e n t i m e n t a l i s m o ,
a s noites p a s s a d a s em claro e essa coisa a b j e c t a que os
imbecis divinizam, c h a m a d a boêmia, isto é, a f a l t a de
dinheiro, o s a q u e e v e n t u a l d a s algibeiras a l h e i a s e a g a r -
g a l h a d a de t r o ç a dos outros, com a c a m i s a p o r l a v a r e o
e s t ô m a g o v a z i o . . . " Ao sopro d a s t r a n s f o r m a ç õ e s p o r que
P a s s a v a o Rio, n o governo R o d r i g u e s Alves, com o s a n e a -
m e n t o d a cidade e a a b e r t u r a da Avenida, c o m e ç a v a - s e a
criar, e m b o r a t i m i d a m e n t e , a p r o f i s s ã o de escritor, que
91
o j o r n a l i s m o f a c i l i t a v a . " H o j e o escritor t r a b a l h a p a r a o
editor — a c e n t u a J o ã o do Rio — e n ã o m a n d a vender,
como José de Alencar e o M a n u e l de Macedo, p o r u m p r e t o
de balaio n o braço, as s u a s obras de p o r t a e m p o r t a ,
como m e l a n c i a s ou t a n g e r i n a s . U m a n o v a n e c e s s i d a d e i n -
f i l t r o u - s e n o s nossos h á b i t o s : a necessidade d a h i g i e n e
e do c o n f o r t á v e l " .
O u t r a conclusão que J o ã o do Rio t i r a das r e s p o s t a s ao
seu inquérito, é a que diz respeito à p r e o c u p a ç ã o d o m i -
n a n t e nos meios literários de e n t ã o : " A época é de u m
individualismo hiperestésico". R e c o n h e c i a a e s t a g n a ç ã o
dos corrilhos literários, m a s n ã o deixava de f r i s a r que
" a f ú r i a de a p a r e c e r só" e r a prodigiosa. A v a i d a d e d o
i n t e l e c t u a l d e i x a r a de ser u m a coisa ridícula, p a r a ser
vista como " u m a deliciosa coquetérie cerebral, que o a r r i -
vismo p r á t i c o t r a n s f o r m a em r e c l a m o " . T a n t o assim, que
os escritores consultados, n a sua q u a s e t o t a l i d a d e , c o n -
t a r a m com especial p r a z e r a p r ó p r i a vida. O sucesso e r a
p a r a ele " o critério m a i s exato d a a c l a m a ç ã o p ú b l i c a " ,
j á que o h o m e m de l e t r a s só t e m u m desejo, m e s m o q u a n -
do está n a t o r r e de m a r f i m : conquistar o f a v o r público,
ser lido e ser n o t a d o " .
Q u a n t o aos r u m o s da l i t e r a t u r a , n a q u e l e início d e
século, J o ã o do Rio, talvez p u x a n d o u m pouco a s a r d i n h a
p a r a a s u a brasa, m a s n ã o deixando, por o u t r o lado, de
ver com clareza n a s b r u m a s do f u t u r o , o p i n a v a que o
m o m e n t o n ã o e r a de devaneios, " m a s de curiosidade, de
i n f o r m a ç ã o , f a z e n d o da l i t e r a t u r a , no r o m a n c e , n a c r ô -
nica, n o conto, n a s descrições de viagens, u m a ú n i c a e
colossal r e p o r t a g e m " .
Ao lado de observações j u s t a s , como a de que " n ã o
h á u m a só das nossas idéias que n ã o s e j a bebida n o es-
t r a n g e i r o , nos livros de Félix Alcan, ou n a s e x t r a v a g â n -
cias publicáveis do "Mercure de France", e de que o n a t u -
ralismo m o r r e r a e o n e f e l i b a t i s m o agonizava, o u t r a s h á
em que se e n g a n o u r e d o n d a m e n t e , como a o d e c r e t a r a
m o r t e da poesia, s e n t e n ç a que viria a ser r e p e t i d a t r i n t a
a n o s m a i s t a r d e , t a m b é m sem q u a l q u e r procedência, p o r
Augusto Frederico S c h m i d t , e m e n t r e v i s t a f a m o s a . . . 2 0
92
UM TÍTULO FALACIOSO
93
Depois de a f i r m a r que em n a d a se s e n t i a devedor a
qualquer escritor brasileiro de outros tempos, pois " o i n -
telecto brasileiro está m u i t o baixo p a r a i n f l u i r - m e " sobre
os contemporâneos, depõe: " O s modernos, salvo r a r í s s i -
m a s e h o n r o s a s exceções, m e s m o os que t ê m cotação n a
cocheira do S e n h o r - T o d o - o - M u n d o , n ã o p a s s a m de filis-
teus, cabotinos, c h a t a s mediocridades, e i n s p i r a m - m e t a m -
bém nojo, n o j o e dor, dor sobretudo".
Q u a n t o a ele próprio, que e m política se c o n f e s s a v a
" a n a r q u i s t a " , p o n t i f i c a : " S o u s u p e r n a c i o n a l e p e r t e n ç o ao
movimento intelectual e u r o p e u . . . "
D e n t r e os m o d e r n o s — n a t u r a l m e n t e u m a d a q u e l a s
" r a r í s s i m a s e h o n r o s a s exceções" a que se r e f e r i u , d e s t a -
cava G r a ç a A r a n h a , " o m e s t r e a d m i r á v e l de Canaã, a
c b r a m a i s e x t r a o r d i n á r i a , m a i s e s t r a n h a , m a i s genial que
concebeu o nosso espírito artístico", e escritor que, n a s u a
opinião, " é o a r t i s t a tipo que simboliza este m o m e n t o
s u p r e m o da l i t e r a t u r a brasileira".
E x a t a m e n t e por c a u s a desses arroubos, o livro n ã o
depõe m u i t o a f a v o r do espírito crítico do a u t o r , pois se
ocupa, n a m a i o r p a r t e , e quase no m e s m o t o m e m que
se r e f e r e a G r a ç a A r a n h a , de a u t o r e s que o t e m p o s e p u l -
tou e estão h o j e c o m p l e t a m e n t e esquecidos. 2 1
A FIGURA MAXIMA
94
Ligado à m o r t e do cético de Quincas Borba h á , aliás,
u m episódio que deu l u g a r a u m a d a s p á g i n a s m a i s belas
do nosso j o r n a l i s m o l i t e r á r i o — a crônica " A ú l t i m a vi-
sita", de Euclides d a C u n h a — e que n ã o deve f i c a r es-
quecido.
E r a j á noite, e M a c h a d o agonizava n a s u a casa do
Cosme Velho. Na sala de j a n t a r , u m g r u p o de s e n h o r a s ,
v i z i n h a s e conhecidas, m u i t a s das quais ele vira m e n i n a s
e c a r r e g a r a nos braços, c o m e n t a v a episódios d a vida do
escritor, ao lado de Carolina, n a q u e l e r e c a n t o t r a n q ü i l o ,
o n d e o a m o r p u s e r a " u m m u n d o inteiro". No salão de vi-
sitas, vários a m i g o s e c o m p a n h e i r o s de letras, n u m a a t i -
t u d e de solidariedade, a c o m p a n h a v a m , pessoalmente, os
ú l t i m o s m o m e n t o s do m e s t r e . E s t a v a m ali Coelho Neto,
G r a ç a A r a n h a , Mário de Alencar, José Veríssimo, R a i m u n -
do Correia, Rodrigo Otávio e Euclides d a C u n h a . A c h a v a m
eles d e s a n i m a d o r que u m a vida como aquela se e x t i n g u i s -
se n o meio de t a m a n h a i n d i f e r e n ç a pública, com r e p e r -
cussão a p e n a s " n o círculo limitadíssimo de corações a m i -
gos". Um escritor do p o r t e de M a c h a d o de Assis " s ó devera
e x t i n g u i r - s e d e n t r o de u m a g r a n d e e n o b i l i t a d o r a comoção
n a c i o n a l " . No e n t a n t o , a cidade i n t e i r a assistia àquilo " s e m
a v i b r a ç ã o de u m abalo, d e r i v a n d o i m p e r t u r b a v e l m e n t e
n a n o r m a l i d a d e de s u a existência complexa".
Nesse m o m e n t o , p r e c i s a m e n t e ao e n u n c i a r - s e este
juízo d e s a l e n t a d o — n a r r a Euclides — a l g u é m b a t e à p o r t a
de e n t r a d a .
95
e r a d a d o ver o e n f e r m o , d e s s e m - l h e ao m e n o s
notícias c e r t a s do seu estado.
E o a n ô n i m o juvenil, vindo da noite, foi
conduzido ao q u a r t o do doente. Chegou. N ã o
disse u m a p a l a v r a . Ajoelhou-se. T o m o u a m ã o
do Mestre; b e i j o u - a n u m belo gesto de c a r i n h o
filial. A c o n c h e g o u - a depois por m o m e n t o s ao
peito. L e v a n t o u - s e e, sem dizer p a l a v r a , saiu.
À p o r t a , José Veríssimo p e r g u n t o u - l h e o n o m e , i n t e i -
r a n d o - s e , então, de q u e m se t r a t a v a . E conclui Euclides:
M a s ele deve f i c a r a n ô n i m o .
Qualquer que s e j a o destino desta criança,
ela n u n c a m a i s subirá t a n t o n a vida. Naquele
m o m e n t o , o seu c o r a ç ã o b a t e u sozinho pela
a l m a de u m a n a c i o n a l i d a d e . Naquele meio s e -
g u n d o — n a q u e l e meio segundo em que ele es-
t r e i t o u o peito m o r i b u n d o de M a c h a d o de Assis,
aquele m e n i n o foi o m a i o r h o m e m de sua t e r r a .
Ele saiu, e houve n a sala, u m pouco i n v a -
dida de desalento, u m a t r a n s f i g u r a ç ã o .
Nos fastígios de certos estados morais, c o n -
c r e t i z a m - s e , à s vezes, as m a i o r e s idealizações.
Pelos nossos olhos passou a i m p r e s s ã o visual d a
P o s t e r i d a d e . . . 22
Nessa m e s m a m a d r u g a d a , d e u - s e o desenlace. E no
dia seguinte, a i n d a sob a i m p r e s s ã o d a q u e l a visita e s t r a -
n h a , m a s a l t a m e n t e simbólica aos olhos de todos que a
p r e s e n c i a r a m , Euclides, n a r e d a ç ã o do Jornal do Commer-
cio, compôs o seu primoroso artigo. J o ã o Luso assistiu a
tudo, e pôde depor que o estilista de Os Sertões, a p a r e n -
t a n d o u m a s e r e n i d a d e p e r f e i t a , e q u a s e sem e m e n d a r ,
levou m a i s de t r ê s h o r a s p a r a p i n g a r n a p e q u e n i n a c r ô -
n i c a o p o n t o f i n a l . É que o seu t r a b a l h o " a v a n ç a v a l i n h a
a l i n h a , q u a s e se poderia a f i r m a r l e t r a a l e t r a , como u m a
r e n d a n í t i d a e delicada n a s m ã o s d a m a i s p a c i e n t e b o r -
dadeira".23
Não h a v e n d o o a r t i c u l i s t a revelado o n o m e do m i s t e -
rioso visitante, só m u i t o t e m p o depois se veio a saber
96
que aquele j o v e m c h a m a v a - s e Astrojildo P e r e i r a . A esse
seu gesto as l e t r a s b r a s i l e i r a s f i c a r a m a dever a i n s p i r a -
ção p a r a a p á g i n a i m o r r e d o u r a de Euclides. Por o u t r o
lado, sua visita foi, de f a t o , o p r e n ú n c i o do j u l g a m e n t o da
Posteridade, p a r a o qual o próprio Astrojildo, j á adulto,
viria a contribuir, com o seu excelente ensaio, de c u n h o
sociológico, " M a c h a d o de Assis, r o m a n c i s t a do S e g u n d o
Reinado". 2 4
97
prestigiosa revista publicou u m n ú m e r o inteiro sobre o
nosso r o m a n c e , e o a u t o r de Turbilhão foi d e l i b e r a d a m e n t e
omitido. 2 0
P o s t e r i o r m e n t e , n u m a s e g u n d a edição desse t r a b a l h o ,
coube a Brito Broca promover o que se poderia c h a m a r a
revisão de Coelho Neto. Salientou ele, então, que livros
como Miragem, Turbilhão, O Morto e Inverno em Flor, n ã o
p o d e m ser desprezados n o q u a d r o da ficção b r a s i l e i r a . 2 7
Agora, escrevendo sobre o r o m a n c e Turbilhão, depõe
o crítico Wilson M a r t i n s :
98
A recepção de Euclides se deu aos 18 de dezembro de
1906. E j á em 1907 a s o f i c i n a s do Comércio do Porto ( a s
m e s m a s que, dois a n o s depois, irão l a n ç a r as Zeverissima-
ções), e d i t a m u m folheto, com u m a t a r j a v e r d e - a m a r e l a ,
r e p r o d u z i n d o o discurso de R o m e r o . Esse f o l h e t o t r a z a
s e g u i n t e dedicatória, escrita n u m estilo que p r o c u r a v a
i m i t a r , d e f o r m a n d o - o , o do seu desafeto, e c o n s t i t u í a , s e m
dúvida, a m a i o r d a s provocações:
99
a de que, a p e s a r de g r a n d e e n t u s i a s t a da c u l t u r a g e r m â -
nica, n ã o sabia alemão, R o m e r o investe c o n t r a seu colega
p a r a e n s e , c h a m a n d o - l h e , e n t r e o u t r a s amabilidades, " p a -
t u r e b a de Belém", " S a i n t e - B e u v e peixe-boi", etc.
Nesse t e r r e n o n ã o o a c o m p a n h o u Veríssimo. E o livro
de R o m e r o t e r i a ficado sem resposta, se, em d e f e s a do
a u t o r de Cenas da Vida Amazônica, n ã o tivesse saído em
c a m p o u m jovem escritor do Recife — A. B a n d e i r a d e
Melo. E m vários artigos, publicados no Jornal Pequeno, da
c a p i t a l p e r n a m b u c a n a , em dezembro de 1910 e j a n e i r o
de 1911, desancou ele de r i j o o discípulo de Tobias, p o n d o
à m o s t r a os p o n t o s em que, n o virulento a t a q u e , o crítico
s e r g i p a n o d e i x a r a os f l a n c o s a descoberto.
Esses artigos, aos quais se a c r e s c e n t a r a m a l g u n s o u -
tros, de a d m i r a d o r e s de Veríssimo, f o r a m depois r e u n i d o s
n u m p e q u e n o volume, " e d i ç ã o de a l g u n s amigos", sem
d a t a , sob o título A Morte da Polidez (A propósito d a s
Zeverissimações i n e p t a s do Sr. Sílvio R o m e r o ) . O título,
de duplo sentido, c o n t é m u m a i n s i n u a ç ã o a o u t r a m o r t e ,
h a v i a t e m p o s d e c r e t a d a por R o m e r o — a da M e t a f í s i c a —
e m r u m o r o s a defesa de tese, n a F a c u l d a d e de Direito do
Recife. O m a i s i n t e r e s s a n t e é que o seu a u t o r , aquele
desconhecido A. B a n d e i r a de Melo, o u t r o n ã o e r a s e n ã o
u m j o r n a l i s t a que e n s a i a v a o vôo, e depois h a v e r i a de
g r a n j e a r r e n o m e e prestígio em todo o Brasil: Assis C h a -
t e a u b r i a n d , c u j o n o m e completo era F r a n c i s c o de Assis
C h a t e a u b r i a n d B a n d e i r a de Melo.
Vários outros escritores, além do t r i u n v i r a t o f o r m a d o
por Araripe J ú n i o r , Silvio R o m e r o e José Veríssimo, se
dedicavam à crítica, ou se o c u p a v a m de livros n a s colu-
n a s que m a n t i n h a m nos jornais. Medeiros e Albuquerque,
por exemplo, sob o p s e u d ô n i m o J . dos Santos, a s s i n a v a
em A Notícia u m a " C r ô n i c a L i t e r á r i a " , d i s f a r ç a n d o , t a m -
bém, à s vezes, o próprio n o m e com o de R u f i ú f i o S i n g a -
p u r a . Sua coluna era, de f a t o , u m a crônica literária, e
n ã o crítica, no sentido rigoroso do t e r m o , o c u p a n d o - s e ele
de livros que v e r s a v a m os m a i s d i f e r e n t e s assuntos, desde
Contrastes e Confrontos, de Euclides da C u n h a , a t é a
Estrutura do Cilindro-Eixo, de B r u n o Lobo, e a Expulsão
de Estrangeiros (a propósito do D e c r e t o n.° 164, de 7-1-
1907), de L a c e r d a de Almeida.
100
C o n s t â n c i o Alves, com f i n u r a e malícia, m a n t i n h a n o
Jornal do Commercio a s u a coluna " D i a a D i a " (depois
s u b s t i t u í d a por " A S e m a n a " ) , a s s i n a n d o os a r t i g o s c o m
a s iniciais C. A., que os m e n o s avisados a t r i b u í a m a C a -
p i s t r a n o de Abreu. J ú l i a Lopes de Almeida e n t r e t i n h a o s
leitores de O País com s u a s colaborações que s a í a m e n c i -
m a d a s pelo título "Dois dedos de p r o s a " . Escrevendo,
t a m b é m , u m a crônica l i t e r á r i a o n d e se ocupava, e m geral,
de livros r e c e n t e m e n t e aparecidos, A r t u r Azevedo, com a s
iniciais A. A., assinava, n o m e s m o O País, a c o l u n a " P a -
l e s t r a " . Sob os p s e u d ô n i m o s de José e de Jóe, P a u l o B a r -
r e t o ( J o à o do Rio) s u s t e n t a v a , n a Gazeta de Notícias,
u m a seção de impressões de l e i t u r a : a " p e q u e n a c r ô n i c a
de l e t r a s " , depois, n a t u r a l m e n t e por i n f l u ê n c i a de u m a
nova a r t e que c h e g a v a ao Brasil, m u d a d a p a r a " C i n e -
m a t ó g r a f o " , t í t u l o que daria, m a i s tarde, a u m v o l u m e
de crônicas.
U m a d a s c o l u n a s m a i s prestigiosas, n a época, e r a o
" R e g i s t r o " , de Olavo Bilac, em A Notícia, a s s i n a d o B. Ali
publicou ele c o m e n t á r i o s sobre diversos p o e t a s brasileiros,
como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e R a i m u n d o
Correia, ao que p a r e c e a i n d a n ã o r e u n i d o s em livro. C h a -
m a v a - s e " C o t a s aos Casos" a - c o l u n a d o Conde de Afonso
Celso (A. C.) no Jornal do Brasil. J o ã o I t i b e r ê d a C u n h a ,
com o p s e u d ô n i m o de JIC, s u b s t i t u í r a José Veríssimo como
crítico do Correio da Manhã, s a i n d o os seus artigos sob
a rubrica " S e m a n a Literária".30
C a r m e m Dolores (Emília Moncorvo B a n d e i r a de Melo)
o c u p a v a boa p a r t e d a p r i m e i r a p á g i n a d a edição d o m i n i -
cal d ' 0 País com a s u a c o l u n a " A S e m a n a " , escrevendo,
n ã o r a r o , sobre livros. Seria s u b s t i t u í d a , e m 1911, p o r
G i l b e r t o Amado, e n t ã o r e c é m - c h e g a d o ao Rio, o q u a l
lhe dedicou seu p r i m e i r o artigo, e m 21 de agosto desse
mesmo ano.
E s p a n t o s a e r a a a t i v i d a d e de Carlos de Laet, que nesse
período se d e s d o b r a v a e m colaborações p a r a o Jornal do
Brasil e O País, p a r a o n d e t r a n s f e r i r a a seção " M i c r o -
cosmo", p o r ele c r i a d a n o Jornal do Commercio. Monar-
quista e católico, o c u p a v a - s e n ã o só de a c o n t e c i m e n t o s
políticos e religiosos, m a s t a m b é m de livros aparecidos, e n -
volvendo-se, f r e q ü e n t e m e n t e , em polêmicas que t o m a v a m
101
u m t o m pessoal e desabusado. Foi p u b l i c a d a em O Pais
(Microcosmo), de 10-5-1908, s u a crônica sobre o 13 de maio,
n a qual, com m a l d i s f a r ç a d a emoção, nos descreve, v i n t e
a n o s depois, o que foi a votação da Lei Á u r e a n o S e n a d o ,
onde ele era e n t ã o r e d a t o r de debates.
Além desses, caberia c i t a r Alcindo G u a n a b a r a , que e m
1902 publicou A Presidência Campos Sales. Mas, como
observa Astrojildo P e r e i r a , " e l e era s o b r e t u d o u m j o r n a -
lista e o m e l h o r do que escreveu p e r m a n e c e n a s f o l h a s
dos j o r n a i s a u e redigiu". J o r n a l i s t a era t a m b é m o p o r t u -
guês E d u a r d o S a l a m o n d e , p r i n c i p a l r e d a t o r d ' 0 País,
" e v a n g e l i s t a da d i t a d u r a " , o " C a m i l l e Desmoulin do 93
brasileiro", como dele escreveu J o a q u i m Nabuco. 31
Bem d i f e r e n t e de ambos, J o ã o Ribeiro, p e n s a d o r , c r í -
tico e ensaísta, em 1905 publica Páginas de Estética; em
1908. Frases Feiias, e em 1910, Fabordão. Preocupados, t a m -
bém, com p r o b l e m a s de linguagem, e r e a g i n d o c o n t r a o
" e n s i n o cerebrino, m a s em geral tido por autorizado", de
Cândido de Figueiredo e outros (como diria m a i s t a r d e
Sousa da Silveira), surgem a u t o r e s como Mário B a r r e t o ,
c u j o s Estudos da Língua Portuguesa são de 1903, depois
desdobrados em vários volumes, a p a r e c i d o s n a s d é c a d a s
seguintes; Heráclito G r a ç a (tio de G r a ç a A r a n h a ) , que
em 1904 nos dá os Fatos da Linguagem, ainda hoje citado
pelos estudiosos do idioma; e Manoel Said Ali I d a , que
no volume Dificuldades da Língua Portuguesa, de 1908,
esclarece, com base científica, vários e i n t r i n c a d o s p r o b l e -
m a s filológicos.
De 1905 são t a m b é m os dois livros de F a r i a s Brito —
A Verdade como Regra das Ações e Evolução e Relativi-
dede. Como disse Alceu Amoroso Lima, F a r i a s Brito, q u e
disputou com Euclides da C u n h a a c a d e i r a de Lógica do
Colégio Pedro II, iniciou n o Brasil " a r e a ç ã o c o n t r a o
n a t u r a l i s m o filosófico, e foi a g r a n d e voz que se a b r i u
e n t r e nós. em favor de u m a nova filosofia do espírito,
que ia ser r e p u d i a d a pelos seus c o n t e m p o r â n e o s e c o m -
p r e e n d i d a a p e n a s pela geração s e g u i n t e " . 3 2
De 1901 são os Escritos e Discursos Literários, de J o a -
quim Nabuco, que em 1909 n o s d a r i a Pensées Detachées et
Souvenirs. T r a z a d a t a de 1908 u m a d a s obras f u n d a m e n -
102
t a i s da nossa h i s t o r i o g r a f i a — D. João VI no Brasil, de
Oliveira I / m a , publicado, em dois volumes, pela T i p o g r a -
f i a do Jornal do Commercio, de Rodrigues & Cia.
UM ROMANCE-PANFLETO
O a n o de 1909 a s s i n a l a o a p a r e c i m e n t o , n a s l e t r a s
brasileiras de u m escritor de t a l e n t o — L i m a B a r r e t o —
em q u e m Agrippino Grieco viu " u m n e t o de Gogol". Seu
r o m a n c e de estréia, a s Recordações do Escrivão Isaias
Caminha, de f u n d o autobiográfico, p r e t e n d e n d o ser a h i s -
t ó r i a de u m mestiço que, m e d i a n t e a o b t e n ç ã o de u m t i -
t u l o de doutor, i m a g i n a v a subir n a escala social, e v i n -
g a r - s e de s u a origem h u m i l d e , t r a n s f o r m o u - s e n u m p a n -
f l e t o c o n t r a os vitoriosos do m o m e n t o .
J á d e n u n c i a n d o u m espírito b e m d i f e r e n t e do d a belle
époque, o livro é a n t e s de t u d o u m a s á t i r a ao Correio da
Manhã, e n t ã o r e c e n t e m e n t e f u n d a d o . R o m a n c e à clef, a
i d e n t i f i c a ç ã o d a s f i g u r a s r e a i s que estão por t r á s dos p e r -
s o n a g e n s c o n s t i t u i hoje, t a n t o s a n o s decorridos, m e r a
curiosidade l i t e r á r i a . Os que se i n t e r e s s a r e m porém, por
essa i d e n t i f i c a ç ã o , p o d e r ã o c o n s u l t a r o a r t i g o de F r a n -
cisco de Assis B a r b o s a — a u t o r da p r i m o r o s a b i o g r a f i a
A Vida de Lima Barreto — " A s d u a s c h a v e s do I s a í a s
C a m i n h a " , publicado n o S u p l e m e n t o L i t e r á r i o do Diário
de Noticias, do Rio, de 20-3-1949.
O LIVRO-SÍMBOLO
L i m a B a r r e t o , como a c e n t u a m o s , j á a n u n c i a u m novo
tipo de l i t e r a t u r a , e e x a t a m e n t e p o r isso t e m sido consi-
d e r a d o u m dos p r e c u r s o r e s do Modernismo. E s t a r e s e n h a
— c e n t r a d a n a belle époque — n ã o poderia, assim, t e r m i -
n a r com u m a r e f e r ê n c i a à s u a obra. Mesmo p o r q u e dois
a n o s depois do a p a r e c i m e n t o do Isaías Caminha é que
seria publicado o livro talvez m a i s c a r a c t e r í s t i c o dessa
f a s e da nossa l i t e r a t u r a .
Q u e r e m o s r e f e r i r - n o s a o r o m a n c e A Esfinge, de A f r â -
n i o Peixoto. L a n ç a d o e m 1911, vale, sobretudo, por u m
103
r e t r a t o d a sociedade b u r g u e s a do Rio de e n t ã o , e ilustra,
como n e n h u m a o u t r a de s u a s obras, a concepção do autor,
p a r a q u e m a L i t e r a t u r a era " o sorriso d a sociedade". O
livro, p a r a a época, ao c o n t r á r i o do que a c o n t e c e u com o
de Lima B a r r e t o , foi a u t ê n t i c o best-seller. E nele v a m o s
e n c o n t r a r o e m b r i ã o de i n ú m e r a s idéias e trouvailles que
o r o m a n c i s t a , e n c a n t a d o com o próprio sucesso, glosaria
a t é o fim, em seus escritos posteriores.
Nada, p o r exemplo, a nosso ver d e f i n e m e l h o r o " e s -
pírito" desse livro, t ã o típico do nosso "1900" literário, do
que o conceito de Arte exposto por Afrânio, n u m a d e f i -
nição que, se n ã o tivesse f i c a d o esquecida n o bojo do seu
r o m a n c e de estréia, rivalizaria com a s u a f a m o s a opinião
a c e r c a d a L i t e r a t u r a : " N o f i m de contas, a Arte era a s s i m
u m a espécie de c i g a r r o . . . m o r a l : o o u t r o d i s t r a i u m m o -
m e n t o , este c o n f o r t a , como refúgio, p a r a s e m p r e " .
104
NOTAS
1
— Broca, Brito. A Vida Literária no Brasil — 1900. 2. a edi-
ção. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1960.
2
— Frieiro, Eduardo. "Brito Broca, A Vida Literária no
Brasil. 1900 — 275 p. Ilustradas. Serviço de Documentação do
Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1956." Krite-
rion, Revista da Faculdade de Filosofia da Universidade de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 39-40: 253-256, J a n . / j u n . 1957.
3 — Ob. cit., p. 262.
4
— Alguns críticos e historiadores literários costumam dar
Canaã como aparecido em 1901. A l. a edição não traz indica-
ção de data, quer na capa, quer na folha de rosto. Pelo colo-
fão se verifica, porém, que acabou de imprimir-se, em Paris,
em dezembro de 1901. Portanto, só pode ter chegado ao Bra-
sil, e sido exposto à venda, nos primeiros meses de 1902. No
exemplar existente n a biblioteca da Casa de Rui Barbosa, lê-se
a seguinte dedicatória: "A Ruy Barbosa, lembrança do seu
amigo e admirador Graça Aranha. Londres, 30 de março de
1902".
5
— Dantas, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. Rio
de Janeiro, Casa de Ruí Barbosa, 1949, pp. 7, 8 e 10.
« — Apud Lúcia Miguel-Pereira, "Cinqüenta anos de Litera-
tura", Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jun. 1951, uma
das edições comemorativas do cinqüentenário do jornal.
7
— Lins, Álvaro. "O Primeiro Crítico do Correio da Ma-
nhã", ed. comemorativa cit.
8
— Andrade, Olímoio de Sousa. História e Interpretação
de "Os Sertões". 3.a edição, São Paulo, EDART Livraria Editora.
1966, p. 297.
9 — Ibid., p. 296.
10 — Transcrito n a edição do Correio da Manhã de 15 jun.
1951, cit.
11
— Apud António da Gama Rodrigues, Euclides da Cunha,
Engenheiro de Obras Públicas no Estado de São Paulo. São
Paulo, Edição de Alves Motta Sobrinho, 1956, pp. 94-95.
105
12 — Ibid., pp. 99-100.
13
— Apud Lúcia Miguel-Pereira, art. cit.
14
— Senna, Homero. República das Letras. 2. a edição. Rio
de Janeiro, Gráfica Olímpica Editora, 1968, p. 42.
15
— Amado, Gilberto. Grão de Areia. Rio de Janeiro, J a -
cintho Ribeiro dos Santos Editor, 1919, pp. 20-21.
10
— Mangabeira, João. Rui Barbosa (Discursos e Confe-
rências). Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1958, p. 82.
« — Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 206-207.
is _ Andrade, Mário de. Cartas a Manuel Bandeira. Rio de
Janeiro, Organização Simões Editora, 1958, p. 349.
ia _ Magalhães Jr., R. A Vida Vertiginosa de João do Rio,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, pp. 42-54.
20 _ Rio, João do. O Momento Literário. Rio de J a n e i r o /
Paris, H. Garnier Livreiro-Editor, s.d.
21 _ carvalho, Elysio de. .As Modernas Correntes Esthet-c.ns
na Literatura Brasileira. Rio de Janeiro/Paris, H. Garnier Li-
vreiro-Editor, 1907.
22 _ Cunha, Euclides da. "A última Visita", reproduzida em
Autores & Livros (Suplemento Literário d'A Manhã, Rio de
Janeiro) n.° 7, 28 set. 1941, p. 99.
23 _ Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 221-222.
24 _ i n : Interpretações. Rio de Janeiro, Livraria Editora
da Casa do Estudante do Brasil, 1944, pp. 13-48.
25 veríssimo, José. últimos Estudos de Literatura Prasi-
leira. 7. a série. Belo Horizonte/São Paulo, Editora P a t i a i a Ltda./
Editora da Universidade de São Paulo, 1979, p. 232.
20 _ v . Revista do Brasil, 3. a fase, Ano IV, 35, maio 1941.
27 — Broca, Brito. "Coelho Neto, romancista", in O Roman-
ce Brasileiro (de 1752 a 1930). Rio de Janeiro, Edições O Cru-
zeiro, 1952, pp. 223-243.
as _ Martins, Wilson. História da Inteliaência Brasília.
Vol. V (1897 — 1914). Editora da Universidade de São Paulo,
1978, p. 316.
20 — Academia Brasileira de Letras. Discurso p-nnuncia^o
aos 18 de dezembro de 1906, por ocasião da recepção do Dr.
Eucly^es da Cunha, por Sylvio Romero. Porto, Oficinas do
Commercio do Porto, 1907.
so _ Os dados sobre a atividade jornalística dos escritores
citados f o r a m colhidos em Antônio Simões dos Reis B'bVnnra-
fia da Crítica Literária em 1907 através dos Jornais Cariocas,
Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1968.
si — Nabuco, Joaquim. A Interpretação Estrangeira Duran-
te a Revolta de 1893. São Paulo/Rio de Janeiro. Cia. Edit. Na-
cional/Civrização Brasileira S.A., 1939, p. 27.
32 _ Apud Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros, sib
a direção de Rubens Borba de Moraes e William B 3 r r i e n . Rio
de Janeiro, Gráfica Editora Souza, 1949 p 663
106
A LITERATURA INFANTIL NO BRASIL DÉ 1900 A 1910
109
Nessa ú l t i m a c a t e g o r i a i n c l u e m - s e : Álbum das Crian-
ças, poesias, 1897; Os Meus Brinquedos, folclore, s.d.; Tea-
trinho Infantil, teatro, 1897; A Queda de um Anjo, 1897;
O Livro das Crianças, 1898; Contos do Tio Alberto, s. d.
Figueiredo P i m e n t e l r e p r e s e n t a a f a s e inicial d a t r a -
dução brasileira. A consciência de que o livro t r a d u z i d o
em P o r t u g a l j á n ã o i n t e r e s s a v a à c r i a n ç a , c u j a l i n g u a g e m
oral adquiria c a d a vez m a i s c a r a c t e r e s próprios. No e n -
t a n t o , como veremos a seguir pela a n á l i s e de a l g u n s t í t u -
los, essa n a c i o n a l i z a ç ã o r e f e r e se a p e n a s à á r e a da l i n -
guagem. Os t e m a s , m e s m o q u a n d o os contos são " o r i g i -
nais", p e r m a n e c e m pastiches daqueles traduzidos, sem
qualquer p r e o c u p a ç ã o de r e t r a t a r a sociedade e os c o s t u -
mes da c a p i t a l ou da província. Essa s i t u a ç ã o m u d a a p e n a s
nos contos recolhidos da t r a d i ç ã o oral s a b o r o s a m e n t e b r a -
sileiros e no livro Os Meus Brinquedos que a rigor p e r t e n c e
à categoria de pesquisa folclórica de que t r a t a r e m o s m a i s
adiante.
E m Contos da Carochinha, primeiro volume da cole-
ção, diz o a u t o r n a D e d i c a t ó r i a : " S ã o h i s t ó r i a s p a r a c r i a n -
ças, m a s t o d a s t ê m moral, m u i t o proveitosa, e n s i n a n d o
que a ú n i c a felicidade está n a Virtude, e que a alegria
só v e m de u m a vida h o n e s t a e s e r e n a " . E a i n d a " E l e m -
b r a - t e que a vida de f a m í l i a é a ú n i c a feliz, que o lar
é o único m u n d o onde se vive bem, onde a Mulher, boa,
s a n t a , p u r a , c a r i n h o s a , i m p e r a como r a i n h a " .
Na c a p a j á se lia: "Contos da Carochinha, Livro p a r a
crianças, c o n t e n d o m a r a v i l h o s a coleção de contos p o p u l a -
res, m o r a i s e proveitosos de vários países, t r a d u z i d o s u n s
e outros a p a n h a d o s d a t r a d i ç ã o oral". No P r e f á c i o c i t a m -
se f r a g m e n t o s d a crítica: " e x c e l e n t e t r a b a l h o de g r a n d e
utilidade p a r a as escolas, porque, ao m e s m o t e m p o que
deleita as crianças, i n t e r e s s a n d o - a s com a n a r r a ç ã o de
contos m o r a i s m u i t o b e m traçados, lhes d e s p e r t a os s e n -
t i m e n t o s do Bem, de Religião e de Caridade, p r i n c i p a i s
elementos da educação da i n f â n c i a " (Diário de Notícias).
R e a l m e n t e os contos a p r e s e n t a d o s , todos s e m i n d i c a -
ção de a u t o r ou origem, seguem a l i n h a d a n a r r a t i v a oral
clássica e s t u d a d a por P r o p p em A Morfologia do Conto.
A a n á l i s e de c o n t e ú d o desses contos leva à conclusão
de que os objetivos a que se propõe o t r a d u t o r , explicita-
110
dos no prefácio, são a b s o l u t a m e n t e cumpridos, e talvez
ficasse a d m i r a d o se a l g u é m n o t a s s e à época que a riqueza
v e m s e m p r e associada à vitória do b e m ( F o r t u n a t e m
s e m p r e o sentido de felicidade + d i n h e i r o ) . Q u e beleza
e riqueza estão j u n t a s n ã o só n a r i m a . F e i ú r a é associada
s e m p r e à m a l d a d e (assim como a cor p r e t a ) . E n f i m que
todos os preconceitos do a d u l t o estão p r e s e n t e s n o s c o n t o s
" m o r a i s e educativos".
E m Histórias da Avozinha a m e s m a p r e o c u p a ç ã o e d u -
c a t i v a no p r e f á c i o do editor: " A s c r i a n ç a s brasileiras, à s
q u a i s d e s t i n a m o s e d e d i c a m o s esta série de livros p o p u -
lares, e n c o n t r a r ã o n a s Histórias da Avozinha agradável
p a s s a t e m p o , a l i a d o a lições de m o r a l i d a d e , p o r q u e t a i s
contos e n c e r r a m s e m p r e u m f u n d o m o r a l e piedoso". A
m a i o r i a d a s n a r r a t i v a s é de origem e s t r a n g e i r a m a s j á
a p a r e c e m a l g u m a s recolhidas do folclore brasileiro c o n -
t a d a s de f o r m a simples e a t r a e n t e . São elas " A O n ç a e
o C a b r i t o " que n a d a m a i s é do que " A O n ç a e o Bode" e m
s u a p r i m e i r a f o r m a escrita p a r a c r i a n ç a s ; " O M a c a c o e
o Moleque" que c o n t a como u m a velha consegue e n g a n a r
0 m a c a c o com u m boneco de c e r a ; " A v e n t u r a s de u m
J a b u t i " l o u v a n d o a esperteza desse bicho, h e r ó i de t a n t a s
d a s n o s s a s h i s t ó r i a s ; "A O n ç a e a R a p o s a " o n d e m a i s u m a
vez se m o s t r a o valor da esperteza c o n t r a a f o r ç a física",
" O C á g a d o e o U r u b u " , h o j e m a i s c o n h e c i d a como " A
F e s t a no Céu".
1 É i n t e r e s s a n t e v e r - s e a d i f e r e n ç a e n t r e essas h i s t ó r i a s
de bichos de i n f l u ê n c i a i n d í g e n a e as de origem e u r o p é i a .
E m s u a c r i s t a l i n a simplicidade, a s p r i m e i r a s f a l a m do
valor da inteligência, do conflito e n t r e o f o r t e e o f r a c o
d e u m a f o r m a m a i s d i r e t a e s a u d á v e l do que a s o u t r a s , o r i -
g i n á r i a s de povos civilizados, m a r c a d o s p e l a religião c a t ó -
lica d o m i n a d o r a e todo o s e n t i m e n t o de c u l p a que ela
acarreta.
Meus Brinquedos é u m t r a b a l h o precioso de p r e s e r v a -
ção d a s t r a d i ç õ e s brasileiras. T r a t a se d a descrição p o r -
m e n o r i z a d a dos jogos e c a n t i g a s de r o d a com que b r i n c a -
v a m as c r i a n ç a s n a s cidades do i n t e r i o r .
Aí vemos p o r exemplo " C a r n e i r i n h o , c a r n e i r ã o " , " O
chicote queimado", " A c a b r a cega", " B a t e r a s m ã o s " a c o m -
p a n h a d a de c a n t i g a h o j e q u a s e p e r d i d a . . . " " o g a t o comeu,
111
que é do gato, f u g i u pro m a t o , que é do m a t o , o fogo q u e i -
m o u " etc. . . . E i n ú m e r a s o u t r a s (167 ao t o d o ) .
O livro se divide em Contos de berço, Jogos i n f a n t i s ,
Jogos de p r e n d a s , S e n t e n ç a s .
Na ú l t i m a p a r t e " T e a t r o I n f a n t i l " oito p e q u e n a s p e ç a s
p a r a serem r e p r e s e n t a d a s por crianças, filão que F i g u e i -
redo P i m e n t e l utiliza a i n d a em Teatrinho Infantil.
Publicados em f i n s do século X I X esses livros m a r c a -
r a m as p r i m e i r a s d é c a d a s do século X X b e m como a s t r a -
duções de Carlos J a n s e n Gaúcho, p r o f e s s o r do Colégio
P e d r o I I c u j a a d a p t a ç ã o de 4 s Viagens de Gulliver (1888)
mereceu elogios de R u y B a r b o s a .
Conhecedor das boas obras literárias, t r a d u z i u o que
h a v i a de m e l h o r p a r a o público juvenil como u m volume
d a s Mil e uma Noites (1882), Robinson Crusoé (1885),
Aventuras Pasmosas do Barão de Munchhausen (1891),
D. Quixote de La Mancha (1901).
As obras da Condessa de Ségur t a m b é m e r a m m u i t o
lidas nos primeiros a n o s deste século em t r a d u ç õ e s de
A b r a n c h e s Lobo (Os Desastres de Sofia) Antônio Luís T e i -
xeira M a c h a d o (As Férias e As Meninas Exemplares) e
f a z i a m p a r t e da f a m o s a "Biblioteca Rosa I l u s t r a d a " .
Além dessas t r a d u ç õ e s " b r a s i l e i r a s " e r a m sucesso
a i n d a a "Biblioteca da I n f â n c i a " com n a r r a t i v a s de Vitor
Hugo e Alphonse D a u d e t , a "Biblioteca da J u v e n t u d e "
t a m b é m de a p r e s e n t a ç ã o g r á f i c a u n i f o r m e o n d e ao l a d o
de clássicos t r a d u z i d o s a p a r e c i a m a u t o r e s p o r t u g u e s e s .
Literatura Escolar
112
José Veríssimo em A Educação Nacional, p u b l i c a d o e m
1906, preconiza que u m a d a s r e f o r m a s m a i s u r g e n t e s é " a
do livro de l e i t u r a " a c r e s c e n t a n d o ser necessário que " e l e
s e j a m a i s brasileiro, n ã o só feito por brasileiros que n ã o
é o m a i s i m p o r t a n t e , m a s brasileiro pelos assuntos, pelo
espírito, pelos a u t o r e s t r a n s l a d a d o s , pelos p o e t a s r e p r o d u -
zidos e pelo s e n t i m e n t o n a c i o n a l que os a n i m e " . 3
Olavo Bilac é o m a i o r exemplo da L i t e r a t u r a Escolar
n o Brasil. Ao cultivar s e n t i m e n t o s n a c i o n a l i s t a s e l i b e r t á -
rios em s u a obra, c o n t r i b u i u d e c i s i v a m e n t e p a r a o a b r a s i -
l e i r a m e n t o do livro de l e i t u r a no início deste século.
Seus dois p r i m e i r o s livros p a r a c r i a n ç a s Contos Pá-
trios e Poesias Infantis f o r a m escritos em 1896. A d a t a d a
2. a edição i m p r e s s a em P a r i s é de 1906. J á Teatro Infantil
é de 1905, Através do Brasil em colaboração com Coelho
N e t o d a t a de 1911.
E x a m i n e m o s u m de seus livros que p a s s a m o s a a n a -
lisar.
Através do Brasil feito em colaboração com M a n u e l
B o n f i m , e d i t a d o p e l a L i v r a r i a F r a n c i s c o Alves em 1910,
t e m n a c a p a d a d o s objetivos que o c o n f i g u r a m como livro
didático. Ao alto lê-se " P r á t i c a d a L í n g u a P o r t u g u e s a " .
Abaixo do t í t u l o em l e t r a s g r a n d e s vê-se e n t r e p a r ê n t e s e s :
(narrativas).
E m s e g u i d a : " L i v r o de l e i t u r a p a r a o Curso Médio d a s
escolas p r i m á r i a s " . " D e p o i s dos n o m e s dos a u t o r e s a i n -
f o r m a ç ã o : " L i v r o de uso a u t o r i z a d o pelo Ministério d a
E d u c a ç ã o (registro n.° 1570)".
Na a b e r t u r a " A d v e r t ê n c i a e Explicação" os a u t o r e s
s i t u a m o livro como " u m a simples n a r r a t i v a , a c o m p a n h a -
d a dos c e n á r i o s e c o s t u m e s m a i s distintivos d a vida b r a s i -
l e i r a " e colocam s u a s idéias sobre a " m o d e r n a p e d a g o g i a "
e o uso do livro único de l e i t u r a p a r a o curso d a Escola
Primária.
D i s t i n g u i n d o e n t r e o livro único e a enciclopédia, di-
z e m : " C o m o f o n t e de c o n h e c i m e n t o , a v e r d a d e i r a enciclo-
p é d i a do a l u n o n a s classes e l e m e n t a r e s é o professor. É
ele q u e m e n s i n a , é ele q u e m p r i n c i p a l m e n t e deve levar a
c r i a n ç a a a p r e n d e r por si m e s m a , isto é: a p ô r em, c o n t r i -
buição t o d a s a s s u a s e n e r g i a s e c a p a c i d a d e s n a t u r a i s , de
113
m o d o a adquirir os c o n h e c i m e n t o s m e d i a n t e u m esforço
próprio".
Vê-se por aí que as noções pedagógicas dos a u t o r e s
eram bem modernas.
Dizem a i n d a : " A l é m de servir de o p o r t u n i d a d e p a r a
que o professor possa realizar as s u a s lições, o livro de
leitura deve conter em si m e s m o u m a g r a n d e lição. E s t a -
mos certos que a criança, com a s u a simples l e i t u r a , j á
l u c r a r á a l g u m a cousa; a p r e n d e r á a c o n h e c e r u m pouco o
Brasil; t e r á u m a visão, a u m t e m p o geral e concreta, d a
vida brasileira — a s s u a s gentes, os seus costumes, a s
suas paisagens, os seus aspectos distintivos".
E m a i s a d i a n t e : " S u s c i t a r a coragem, h a r m o n i z a r os
esforços e cultivar a bondade, — eis a f ó r m u l a de e d u c a -
ção h u m a n a " .
E esta proposta é desenvolvida de f o r m a p e r f e i t a n o s
p r i m e i r o s dois terços do livro. A t r a m a é simples. Dois
garotos irmãos, u m de quinze anos o u t r o de dez e s t ã o
i n t e r n o s em u m colégio de Recife. O pai viúvo, e n g e n h e i r o ,
h a v i a sido m a n d a d o p a r a o interior de P e r n a m b u c o a
f i m de t r a b a l h a r n a c o n s t r u ç ã o de u m a e s t r a d a de f e r r o .
O início da ação é m o t i v a d a pela c h e g a d a de u m t e l e g r a -
m a a n u n c i a n d o doença do pai. M u i t o a p e g a d o s a ele, os
m e n i n o s n ã o vêm o u t r a solução s e n ã o f u g i r do colégio
e, sem d i n h e i r o ou auxílio de q u e m quer que seja, i n i c i a m
u m a g r a n d e viagem p a r a e n c o n t r á - l o . As a v e n t u r a s que
ocorrem a t é a c h e g a d a a G a r a n h u n s o n d e s a b e m de s u a
morte, e em seguida a ida a t é Salvador e daí a P e l o t a s
no Rio G r a n d e do Sul são descritos n a s 299 p á g i n a s do
livro.
Algumas posições dos a u t o r e s f i c a m b e m c l a r a s n o
desenrolar da n a r r a t i v a . O conceito da c r i a n ç a m i n i a t u r a
do h o m e m , por exemplo, j á que os m e n i n o s são p e r f e i t a -
m e n t e capazes de t o m a r decisões e e n f r e n t a r d i f i c u l d a d e s
de f o r m a a d u l t a . A idéia de que o h o m e m do i n t e r i o r é
bom e generoso: t o d a s as pessoas que os dois e n c o n t r a m
c o m p a d e c e m - s e deles e lhes o f e r e c e m comida, abrigo e
às vezes a t é dinheiro. Nessa p r i m e i r a p a r t e a t r a v é s d o
s e r t ã o a pé, a cavalo ou de t r e m , a n a r r a t i v a s u r p r e e n d e
pelo g r a n d e interesse que d e s p e r t a . A prosa é simples m a s
com f r e q ü e n t e s p a s s a g e n s poéticas. " O s t r ê s c o m p a n h e i -
114
r o s q u a n d o a c o r d a r a m v i r a m o casebre i n u n d a d o de luz.
E r a em o u t u b r o ; e nesse m ê s o sol a p a r e c e m a i s cedo.
S e r i a m seis h o r a s d a m a n h ã e j á f a z i a dia claro. A p o r t a
do r a n c h o f i c a r a a b e r t a , e u m a l a r g a t o a l h a de c l a r i d a d e
e n t r a v a , e s t e n d e n d o - s e a t é o couro".
T o d a s a s ocasiões são a p r o v e i t a d a s p a r a a t r a n s m i s s ã o
de i n f o r m a ç õ e s . C a d a pessoa e n c o n t r a d a exerce u m a p r o -
fissão d i f e r e n t e e descreve o que f a z ou m e s m o leva os
meninos a visitarem o engenho, a ferraria, a fazenda. P a r -
t i c i p a m de c a ç a d a , pescaria, b a n h o de rio. P e r d e m - s e n a
f l o r e s t a , u m a m i g o é t o m a d o por l a d r ã o e preso. E n f i m
mil peripécias que envolvem o leitor m a n t e n d o - o em p e r -
m a n e n t e e x p e c t a t i v a e n q u a n t o o a u t o r vai t r a n s m i t i n d o
situações brasileiras, a m b i e n t e s brasileiros, a l m a brasileira.
REAÇÃO E FOLCLORE
115
A i m p o r t â n c i a da l i t e r a t u r a oral p a r a a s c r i a n ç a s n u m
país o n d e a p e n a s u m a p e q u e n a elite c u l t u r a l d o m i n a v a o
código escrito é fácil de se i m a g i n a r . Os d e p o i m e n t o s de
nossos escritores e m seus livros de m e m ó r i a s m o s t r a m o
quanto a figura da a m a importou n a formação cultural e
desenvolveu a i m a g i n a ç ã o . Alguns deles c h e g a r a m a t r a n s -
crever, m a i s t a r d e , essas h i s t ó r i a s ouvidas n a i n f â n c i a ,
como José Lins do Rego em Estórias da Velha Totônia.
A p r i m e i r a pessoa n o e n t a n t o a descobrir esse filão
e usá-lo de f o r m a d i r e t a m e n t e d e s t i n a d a à c r i a n ç a foi a
p r o f e s s o r a e musicista m i n e i r a Alexina de M a g a l h ã e s P i n -
to (1870-1921). Nascida em São J o ã o dei Rei ocupou por
concurso as c a d e i r a s de D e s e n h o e C a l i g r a f i a d a Escola
N o r m a l . Aos 22 a n o s v i a j o u sozinha p a r a P a r i s . De lá,
a l é m dos estudos feitos em Pedagogia e Didática, t r o u x e
u m a bicicleta e a r o u p a p a r a o ciclismo o que lhe valeu
viva r e p r o v a ç ã o dos c o n t e m p o r â n e o s . E m 1895, j á n o Rio
de J a n e i r o , cursou a Escola N o r m a l e ocupou, como a d j u n -
t a , u m a c á t e d r a n e s s a Escola. Estudiosa do folclore b r a s i -
leiro, realizou várias pesquisas e s p e c i a l m e n t e sobre b r i n -
quedos e jogos i n f a n t i s . Colaborou com a s s i d u i d a d e n o
Almanaque Brasileiro Garnier dirigido por J o ã o Ribeiro.
Foi a p r i m e i r a e d u c a d o r a brasileira a p r e o c u p a r - s e em
divulgar u m a r e l a ç ã o de livros recreativos por f a i x a s e t á -
r i a s com o título "Esboço provisório de u m a biblioteca
i n f a n t i l " incluída no livro Provérbios, Máximas e Observa-
ções Usuais.
Pioneira no uso da literatura oral e outras formas de
cultura popular à pedagogia, insurgiu-se contra a cartilha
soletrada experimentando, pela primeira vez no Brasil,
um processo que depois se chamou "método global" de
alfabetização.
Publicou os s e g u i n t e s livros: Ás Nossas Histórias, 1907;
Os Nossos Brinquedos, contribuição p a r a o folclore, 1909;
Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares, 1916;
Provérbios Papulares, escolhidos p a r a uso d a s escolas p r i -
márias, 1917; Cantigas das Crianças e dos Pretos, s. d.;
Deixou inéditos: " H i s t ó r i a s C o n t a d a s " e " P o e s i a s e Hinos
Patrióticos".
Alexina de M a g a l h ã e s P i n t o r e p r e s e n t a aqui a i m p o r -
t â n c i a do folclore p a r a o a p a r e c i m e n t o de u m a l i t e r a t u r a
116
i n f a n t i l brasileira. As Nossas Histórias publicado sob o
p s e u d ô n i m o de I c k s n a Coleção com o m e s m o n o m e d e -
m o n s t r a m a seriedade c o m que a a u t o r a - e d u c a d o r a e n c a -
r a v a s u a s pesquisas. Diz ela n a N o t a P r e l i m i n a r : " . . . foi
dessas, dos seus lábios adoráveis — m u s e u vivo d a s t r a -
dições h u m a n a s — que ouvidas f o r a m e r e g i s t r a d a s , as
h i s t ó r i a s deste livrinho — desigual, falho, m a s fiel. Fiel
n a s u a essência, a f i r m o - o aos estudiosos, do n o s s o lore.
Pois, n ã o o b s t a n t e d e s t i n a r - s e ela à i n f â n c i a , procurei,
m e s m o aqui, seguir de p e r t o c a d a n a r r a d o r n o seu c o n t a r ,
— e m e n d a r ou s u p r i m i r o m í n i m o possível".
E n o apêndice como " O b s e r v a ç ã o " : " D e s t a s Nossas
H i s t ó r i a s a p e n a s t r ê s ou q u a t r o m e p a r e c e m de origem
brasileira. C a r r i c h i n h o , B e i j a - F l o r , Sapo e M u l a R u a n a .
(E s ê - l o - ã o ? ) . T o d a s a s o u t r a s , como v e r á o leitor, ou são
m e r a s v a r i a n t e s d a s j á r e g i s t r a d a s nos livros p o r t u g u e s e s ,
ou c o n t ê m e m si expressões que n o s r e v e l a m c l a r a m e n t e
a s u a origem u l t r a m a r i n a . N a s a d a p t a ç õ e s que vão cons-
c i e n t e m e n t e i n d i c a d a s n o índice f i n a l , p a r a o q u a l c h a m o
a a t e n ç ã o dos estudiosos, usei de a m p l a liberdade.
N a s que d i r e t a m e n t e coligi, porém, p r o c u r e i n a m e d i d a
do possível a t e r - m e à l i n g u a g e m dos n a r r a d o r e s — s ó b r i a s
de p r o n o m e s c o m p l e m e n t o s , de a n á l i s e i n t r o s p e c t i v a ; —
t o d a c o n c r e t a , objetiva, pitoresca. Se m e detive u m pouco
mais, foi a p e n a s em p r e c i s a r - l h e s os esboços. U m a ú n i c a
vez fiz u m acréscimo. Deste, e do m a i s que aos e s c r u p u l o -
sos pode i n t e r e s s a r , d a r ã o c o n t a a s n o t a s que se seguem".
S e n d o t a m b é m musicista, os c o n t o s recolhidos por
Alexina são enriquecidos com a p a r t i t u r a d a s p a r t e s c a n -
tadas tão comuns n a s n a r r a t i v a s populares.
E m Nossos Brinquedos a m ú s i c a ocupa p a r t e m u i t o
i m p o r t a n t e e à a u t o r a se deve o registro de m u i t o s t e m a s
p o p u l a r e s r e c r i a d o s m a i s t a r d e por Villa Lobos. O u t r o a s -
p e c t o i n t e r e s s a n t e do livro são a s a d i v i n h a s , c h a r a d a s e
provérbios por longo t e m p o u s a d o s nos e n t r e t e n i m e n t o s
de salão.
Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares
t r a z n a d e d i c a t ó r i a inicial " À s c r i a n ç a s " : " E n t o a direiti-
n h o essas c a n t i g a s . E se de o u t r a s t ã o simples como essas
souberes os versinhos, m a n d a i - o s com o nosso endereço,
o e n d e r e ç o de q u e m a p r e n d e s t e s , a q u e m t r a b a l h a p o r v e r -
117
vos c a d a dia m a i s alegres, m a i s fortes, m a s n o b r e s pelo
s e n t i m e n t o e pelo s a b e r . . . "
E m seguida u m a " N o t a J u s t i f i c a t i v a aos estudiosos e
aos educadores", que é n a r e a l i d a d e u m e n s a i o (6 p á g i n a s )
sobre o t r a b a l h o que desenvolvia com a descrição p o r m e -
norizada dos métodos que e m p r e g a v a . O livro é dividido
em cantigas, c a n t i g a s dos pretos, c a n t i g a s e d a n ç a s , core-
t o s de mesa, coretos de b a n d o de r u a , c a n t i g a s jocosas,
c a n t i g a s históricas, regionais e p a t r i ó t i c a s . Todos com a
i n f o r m a ç ã o do l u g a r de onde provêm.
H á a i n d a u m a p ê n d i c e com n o t a p r e l i m i n a r o n d e
se lê: " A p r o v e i t a r m o s essa idade p a r a f i r m a r a c r i a n ç a ,
p r i m e i r o nos nossos s e n t i m e n t o s , depois, n a s p r ó p r i a s p e r -
n a s , que a n t e s de a n d a r sabe s e n t i r a c r i a n ç a " . . . " P o s -
s a m ao m e n o s as sãs tradições n a c i o n a i s m e r e c e r dos lares
brasileiros, dos nossos h o m e n s do m o m e n t o , o que dos
l a r e s alemães, dos dirigentes da a g r e g a ç ã o e u n i f i c a ç ã o
dos povos da G e r m â n i a , lhes m e r e c e m e m e r e c e m a s deles
— apoio, c a r i n h o , a m o r . . . algo m a i s que u m sorriso".
Pela seriedade de seu t r a b a l h o e pelo a m o r que dedicou
às c r i a n ç a s em sua vida e por sua obra, Alexina de M a g a -
l h ã e s P i n t o coloca-se e n t r e os m a i s i m p o r t a n t e s f u n d a d o -
res de nossa l i t e r a t u r a i n f a n t i l .
O TICO-TICO
118
D u r a n t e meio século foi l e i t u r a o b r i g a t ó r i a d a s c r i a n -
ças b r a s i l e i r a s e exerceu p r o f u n d a i n f l u ê n c i a s e g u n d o d e -
p o i m e n t o s c o n s t a n t e s dos i n t e l e c t u a i s e h o m e n s públicos
d a q u e l a geração.
F u n d a d a pelo j o r n a l i s t a m i n e i r o Luís B a r t o l o m e u de
Sousa e Silva s e g u n d o m o d e l o s a m e r i c a n o s , f r a n c e s e s e
ingleses, a revista r e u n i u os m e l h o r e s d e s e n h i s t a s da
época. Lá t r a b a l h a r a m R e n a t o de Castro, Luís G o m e s L o u -
reiro, Alfredo Storni, M a x Y a n t o k , Angelo Agostini, J .
Carlos e outros.
De início a idéia e r a f a z e r u m a revista i n f a n t i l i m i -
t a n d o os modelos e s t r a n g e i r o s . A i r r u p ç ã o d a g u e r r a de
1914 p r e j u d i c o u a f o r m a inicial o que possibilitou o a p a -
r e c i m e n t o do v e r d a d e i r o t a l e n t o dos a r t i s t a s n a c i o n a i s . O
d e p o i m e n t o de Luís G o m e s Loureiro a R e j a n e C a r v a l h o
de F r a n ç a 0 é dos m a i s i n t e r e s s a n t e s e elucidativos. Diz ele:
119
maravilhosos como o K a x i m b o w n , do Y a n t o k , o
Zé Macaco e a F a u s t i n a , do Storni, J u j u b a , do
J . Carlos e m a i s outros, do Luís Salles, etc.
E r a c o m u m eu e n c o n t r a r n a r u a pessoas que
m e p e r g u n t a v a m — o que vai a c o n t e c e r ao
Chiquinho, n a p r ó x i m a t e r ç a - f e i r a ? — E, às
vezes, n e m eu sabia o q u e . . . T a l e r a a expec-
t a t i v a da g a r o t a d a em t o r n o d a vida destes
personagens".
O d e s a p a r e c i m e n t o de O Tico-Tico deveu-se à s m u -
d a n ç a s histórico-sociais que t r o u x e r a m consigo heróis de
outro tipo concretizados n a i m p o r t a ç ã o dos " c o m i c s " a m e -
ricanos d a n d o início a era da c o m u n i c a ç ã o de m a s s a que
h o j e vivemos. Sua i m p o r t â n c i a n o e n t r e t a n t o ficou regis-
t r a d a no d e p o i m e n t o de toda u m a g e r a ç ã o c u j o h á b i t o
de l e i t u r a se iniciou n a s p á g i n a s dessa r e v i s t a e que a
ela m u i t o deve n a sua f o r m a ç ã o .
120
O n ú m e r o c o m e m o r a t i v o de seu c i n q ü e n t e n á r i o r e ú n e
esses d e p o i m e n t o s e m o s t r a de f o r m a indelével a p r e s e n ç a
m a r c a n t e de O Tico-Tico.
CONCLUSÃO:
Os ú l t i m o s a n o s do século X I X e o p r i m e i r o decênio
do século X X f o r a m , como vimos, m a r c a d a m e n t e , " n a c i o -
n a l i s t a s " n o s e n t i d o de que r e p r e s e n t a r a m , s e m d ú v i d a
a l g u m a , u m a r e a ç ã o consciente ao domínio da m e t r ó p o l e
sobre a l i t e r a t u r a d e s t i n a d a às c r i a n ç a s brasileiras.
Mas é evidente que essa r e a ç ã o só pôde existir p o r q u e
j á h a v i a u m m e r c a d o consumidor s u f i c i e n t e m e n t e a m p l o
p a r a p e r m i t i r o a p a r e c i m e n t o de textos específicos.
Assim t a m b é m a p e s a r de todos os p r o b l e m a s aqui
l e v a n t a d o s de p r e d o m i n â n c i a de conteúdos i m p o r t a d o s so-
brepondo-se a u m a ambientação e linguagem já decidida-
m e n t e n a c i o n a i s , esse g r u p o a que p o d e m o s c h a m a r de
pioneiros e do q u a l aqui a b o r d a m o s a p e n a s as p r i n c i p a i s
f i g u r a s possibilitou o a p a r e c i m e n t o dos v e r d a d e i r o s c r i a -
dores de u m a L i t e r a t u r a I n f a n t i l b r a s i l e i r a : M o n t e i r o Lo-
b a t o com Narizinho Arrebitado, em 1921, e Viriato Correia
com Cazuza, e m 1938.
N e s t a t e n t a t i v a de t r a ç a r a evolução da l i t e r a t u r a
i n f a n t i l brasileira a t r a v é s de seus f u n d a d o r e s e de s u a s
f a s e s sucessivas p o d e - s e c o n s t a t a r os f u n d a m e n t o s de seus
p r i n c i p a i s p r o b l e m a s a i n d a h o j e : excesso de m o r a l i s m o e
d o g m a t i s m o , e s t r e i t a ligação com a escola, c o n t e ú d o que
visa à m a n u t e n ç ã o do statu quo, f o r m a e l a b o r a d a , d i s t a n -
te d a l i n g u a g e m oral. Todos esses p o n t o s devem ser e s t u -
dados, pesquisados, pesados e medidos p a r a que se possa
s e n t i r se são positivos ou negativos. Mas p o d e - s e t a m b é m
c o n s i d e r a r a i m p o r t a n t e c o n t r i b u i ç ã o de todos e de c a d a
u m , p a r a a c r i a ç ã o de u m a l i n g u a g e m l i t e r á r i a e de u m a
t e m á t i c a n a c i o n a l que são a base de u m a L i t e r a t u r a a d e -
q u a d a às c r i a n ç a s .
121
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
1
— ARROYO. Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São
Paulo, Melhoramentos, 1968. p. 110.
2 — idem, p. 121.
s — Idem, p. 81.
* — Idem, p. 131.
s _ Idem, p. 131 — 52.
« — FRANÇA. Rejane Carvalho de. A FNLIJ entrevista Luis
Gomes Loureiro. Boletim Informativo. Rio de Janeiro, FNLIJ, 9
(40): 20, out./dez. 1977.
— Idem, p. 21.
122
A IMPRENSA
125
do I m p e r a d o r D. P e d r o II. C h a m a v a - s e esse j o r n a l i s t a
Max Leclere e e s t a v a i n c u m b i d o do setor d a política e x t e r -
n a , n u m a d a s g r a n d e s f o l h a s do j o r n a l i s m o f r a n c ê s , o
Journal des Débats, que a c a b a v a de c o m e m o r a r o c i n q ü e n -
t e n á r i o de sua f u n d a ç ã o . É e x t r a o r d i n á r i a a a c u i d a d e d e -
m o n s t r a d a pelo v i s i t a n t e f r a n c ê s , que Sérgio Milliet c l a s -
sifica como u m j o r n a l i s t a perspicaz e ativo, que n ã o p e r d e
t e m p o e sabe olhar, e m b o r a c a i b a m restrições a m u i t a s de
s u a s conclusões ou de s u a s a f i r m a ç õ e s p e r e m p t ó r i a s . M a s
no j u l g a m e n t o da i m p r e n s a brasileira n ã o h á m u i t o que
r e t i f i c a r , e m b o r a s a b e n d o ele, e dizendo, que o Rio de
J a n e i r o n ã o é o Brasil. Assinala a p r e s e n ç a de dois g r a n d e s
j o r n a i s : o Jornal do Commercio e a Gazeta de Notícias.
O Jornal do Commercio, escreve ele, " é u m a espécie
de Times, sem virilidade; é o Times sem os " l e a d i n g a r t i -
cles", u m bom repositório de fatos, u m c o n j u n t o ú t i l de
d o c u m e n t o s . Na Gazeta de Notícias a s s i n a l a a p r e s e n ç a d e
F e r r e i r a de A r a ú j o que considera u m excelente j o r n a l i s t a ;
j u l g a h o m e n s e coisas com c o n d e s c e n d e n t e i r o n i a ; escreve
com precisão, elegância e sobriedade reais. T e m t e m p e r a -
m e n t o , c a r á t e r , espírito elevado, inteligência r a p i d a m e n t e
aberta."
O p a r a l e l o e n t r e o Jornal do Commercio e o Times n ã o
deixaria de c o n t e r a l g u n s equívocos. H a v i a que considerar,
t a m b é m , a d i f e r e n ç a dos a m b i e n t e s em que os dois j o r n a i s
atuavam. A Inglaterra compreendia e respeitava a sua
g r a n d e f o l h a t r a d i c i o n a l ; n o Brasil s u r g i r a , com a R e p ú -
blica, u m a n o v a i n f l u ê n c i a que d e s e j a v a e n c o n t r a r n o s
seus j o r n a i s , m e r o s cooperadores de ações g o v e r n a m e n t a i s ,
n ã o críticos, porque n ã o e s t a v a longe de e n x e r g a r oposi-
ção e c o m b a t e onde h a v i a a p e n a s o exercício s a l u t a r d a
f a c u l d a d e de crítica. O Jornal do Commercio se i d e n t i f i -
c a v a com a m o n a r q u i a e com D. P e d r o II. Seu p r o p r i e t á r i o
de e n t ã o o Conde de Villeneuve, residindo em Paris, devia
t e r visto a deposição do I m p e r a d o r com o m e s m o s e n t i -
m e n t o de e s p a n t o que deve t e r trazido ao Brasil u m r e -
p r e s e n t a n t e do Journal des Débats. E r a preciso agir com
p r u d ê n c i a e aqui estava, à f r e n t e do Jornal do Commercio,
u m h o m e m de excepcional i n t e g r i d a d e que e r a o Conse-
lheiro Souza F e r r e i r a , que n ã o i g n o r a v a a m u d a n ç a do
126
a m b i e n t e com que deveria c o n t a r a a ç ã o d a i m p r e n s a
brasileira. O que n ã o i m p e d i r a que a voz d a i m p r e n s a se
l e v a n t a s s e p a r a c o m b a t e r o T r a t a d o d a s Missões, que Q u i n -
t i n o Bocaiuva e s t a v a negociando, a t r i b u i n d o à A r g e n t i n a
t e r r i t ó r i o s que o Brasil j á c o n s i d e r a v a i n c o r p o r a d o s à So-
b e r a n i a Nacional. M a n i f e s t a v a - s e c o n t r a v á r i a s m e d i d a s
q u e c o m p u n h a m o p l a n o f i n a n c e i r o do G o v e r n o Provisório,
e l a b o r a d o pelo seu Ministro da F a z e n d a que e r a R u i B a r -
bosa, talvez m e n o s Ministro que C h e f e de G a b i n e t e , como
é de uso nos governos e m f o r m a ç ã o m i l i t a r , como se h o u -
vesse, p a r a eles, u m r e g i m e presidencial sui generis e x i -
gindo t r a n s f o r m a ç õ e s exigidas pela p r ó p r i a r e a l i d a d e .
A primeira década republicana não alterou p r o f u n -
d a m e n t e o q u a d r o d a p r e s e n ç a e da i n f l u ê n c i a d a i m p r e n -
s a brasileira. Assistiu-se, de certo, à decadência d a s f o l h a s
que m a i s se h a v i a m d e s t a c a d o n a d e f e s a d a Abolição. A
República n ã o tivera, aliás, n a g r a n d e i m p r e n s a , n e n h u m
p r o p a g a n d i s t a de m a i o r a s c e n d ê n c i a . Q u i n t i n o Bocaiuva,
em O País, p o d e - s e dizer que f a z i a a s u a c a m p a n h a d e -
baixo do p a n o , p o r processos indiretos, n u m a f o l h a que
f a z i a q u e s t ã o de m a n t e r a b s o l u t a n e u t r a l i d a d e política. Na
Gazeta de Notícias, q u e m l u t a v a pela República e r a Silva
J a r d i m , n u m a c o l u n a que se p a g i n a v a a d i s t â n c i a dos edi-
toriais, p a r a d e i x a r a i m p r e s s ã o de que v i n h a de f o r a , sem
m a i o r r e s p o n s a b i l i d a d e da p r ó p r i a r e d a ç ã o do j o r n a l . N ã o
foi difícil a p l a u d i r o a d v e n t o do r e g i m e republicano, que
s u r g i r a com a f o r ç a de u m f a t o c o n s u m a d o . M a s q u a s e
todos a p l a u d i a m m e d i d a s g e n e r o s a s n o t r a t a m e n t o do
I m p e r a d o r deposto, n ã o por ele próprio, m a s talvez p e l a
a m e a ç a de u m T e r c e i r o R e i n a d o que poucos a d m i t i a m ,
se houvesse r e a l m e n t e q u e m o admitisse.
No d e c o r r e r da d é c a d a , h á p r o f u n d o s a n t a g o n i s m o s e
m e d i d a s de r e p r e s s ã o n a f a s e de F l o r i a n o Peixoto, com as
l u t a s a r m a d a s que p e r t u r b a r a m a vida n a c i o n a l . O episó-
dio de C a n u d o s d e r a a o p o r t u n i d a d e à e x p a n s ã o de u m
certo h i s t e r i s m o provocado p e l a e x a c e r b a ç ã o d a s p a i x õ e s
p a r t i d á r i a s , q u a n d o se quis f a z e r de A n t ô n i o Conselheiro
u m a espécie de d e f e n s o r da r e s t a u r a ç ã o m o n á r q u i c a . M a s
o século se e n c e r r o u sem a l t e r a ç õ e s m a i s p r o f u n d a s n a
vida d a i m p r e n s a brasileira. N ã o h o u v e n e m m e s m o i n -
t e r r u p ç õ e s n a s u a evolução técnica. O Jornal do Brasil
127
surgiu em 1891, com u m a excelente r e d a ç ã o . Todos os
j o r n a i s se r e u n i a m n o p r o t e s t o enérgico c o n t r a a s d e p r e -
dações c o n t r a a f o l h a m o n a r q u i s t a , que era a Tribuna, de
Carlos Laet. O que a i n d a prevalecia, n a s redações, era a
ascendência dos boêmios, que Coelho Neto f i x a r i a t ã o b e m
em dois m a g n í f i c o s r o m a n c e s de sua a u t o r i a . A f u n d a ç ã o
do Jornal do Brasil t r o u x e r a a l g u m a s inovações que Nel-
son W e r n e c k Sodré r e g i s t r a n a s u a excelente História da
Imprensa: a distribuição da f o l h a em c a r r o ç a s e a a m p l i -
t u d e da p a r t i c i p a ç ã o dos c o r r e s p o n d e n t e s estrangeiros, e n -
t r e os quais se d e s t a c a v a m o g r a n d e f i n a n c i s t a e u r o p e u
que era P a u l Lerdy Beaulieu, os escritores E d m u n d o
dAmicis, F i a l h o de Almeida, Teófilo B r a g a e Oliveira
M a r t i n s . No Jornal do Brasil, o B a r ã o do Rio B r a n c o i n i -
ciava a publicação de s u a s preciosas Efemérides, tão do-
c u m e n t a d a s e precisas. Na direção d a f o l h a f i g u r a v a R o -
dolfo D a n t a s , c o n t a n d o com r e d a t o r e s e colaboradores t ã o
ilustres como J o a q u i m Nabuco e Constâncio Alves e a i n d a
com José Veríssimo. M a s a odisséia da i m p r e n s a se i n i -
ciara, com a prisão de j o r n a l i s t a s que c o m b a t i a m o go-
v e r n o de F l o r i a n o Peixoto, i n a u g u r a n d o - s e o c o n f i n a m e n t o
de Cucuí, os exílios que vão dispersando os j o r n a l i s t a s e
i n t e l e c t u a i s de todo o Brasil. U m a p r á t i c a que n ã o seria
a b a n d o n a d a no Governo de P r u d e n t e de Morais, q u a n d o
se s u b s t i t u í a Cucuí pela I l h a de F e r n a n d o de N o r o n h a ,
p a r a a b r i g a r t a n t a g e n t e a c u s a d a de subversão.
O início do século X X n ã o t r o u x e n e n h u m a i n o v a ç ã o
p r o f u n d a . Por m a i o r que s e j a o n ú m e r o dos sinos que
f e s t e j a m a p a s s a g e m do ano, ou do século, a i m p r e s s ã o dos
que assistiam aos f e s t e j o s e às comemorações e r a a p e n a s
a de quem vira u m a f o l h a do calendário. M a s a d é c a d a
de 1900 t r a z i a alterações significativas n a vida de t o d a
a Nação, como n a r e d a ç ã o dos j o r n a i s e r e v i s t a s com que
se compõe a i m p r e n s a brasileira. Não direi que assinalou
a substituição do j o r n a l - o p i n i ã o pelo j o r n a l - e m p r e s a . A
existência da empresa, a m e u ver, v i n h a de m u i t o longe.
Nascera com a o r g a n i z a ç ã o do Jornal do Commercio, no
Rio, como t a m b é m com a do Diário de Pernambuco, no Re-
cife. E r a ela j u s t a m e n t e que s e p a r a v a as f o l h a s e f ê m e r a s
dos j o r n a i s de m a i o r d u r a ç ã o . Não se podia c o n s i d e r a r
como e m p r e s a o Diário do Rio de Janeiro, p a r a viver de
128
1821 a 1878? Não f o r a m t a m b é m e m p r e s a s O Estado de
S. Paulo, o Diário Popular do velho José M a r i a Lisboa,
de São Paulo? Sem u m m í n i m o de e s t r u t u r a e m p r e s a r i a l ,
n e n h u m j o r n a l d u r a r i a m a i s que a s paixões e os propósi-
tos que h a v i a m provocado o seu a p a r e c i m e n t o . É claro,
porém, que com a p a s s a g e m do t e m p o c r e s c e r i a m e m u -
d a r i a m com as necessidades da p r ó p r i a e m p r e s a . Não pode
h a v e r t e r m o de c o m p a r a ç ã o e n t r e u m a f o l h a em que p o u -
cos r e d a t o r e s l u t a v a m p a r a e n c h e r as s u a s p o u c a s c o l u n a s
e u m a f o l h a que, p a r a a s s e g u r a r a r e g u l a r i d a d e de u m a
edição de n u m e r o s a s p á g i n a s , exige a cooperação de m i -
l h a r e s de pessoas. N e n h u m diário c o n t e m p o r â n e o (New
York Times, Pravda, Asahi, Diário dei Pueblo) trabalha
com m e n o s de u m a s seis mil pessoas, e n t r e j o r n a l i s t a s ,
técnicos, impressores e pessoal a d m i n i s t r a t i v o . Só El Mer-
cúrio, de S a n t i a g o do Chile, e m p r e g a 1.200 t r a b a l h a d o -
res, escreve Camilo T a r j i a , em Periodismo y Lucha de
Classes, p. 216.
A d é c a d a de 1900 n ã o a c a b a de todo com o j o r n a l de
opinião, m a s é claro que d i f i c u l t a muito, com p o u c a s e x -
ceções, a t a r e f a que eles p r e c i s a m e x e c u t a r . Os j o r n a i s
se dividem em dois g r u p o s f u n d a m e n t a i s : os que a p ó i a m
o governo e os que d i s c o r d a m do governo. D i s c o r d a m e
c o m b a t e m . As subvenções oficiais p o d i a m r e v e s t i r - s e de
f o r m a d i f e r e n t e , com a publicação d a p r o p a g a n d a e dos
b a l a n c e t e s e relatórios d a s organizações d e p e n d e n t e s do
p r ó p r i o governo. P o d i a m t a m b é m c h e g a r à necessidade
dos e m p r é s t i m o s do B a n c o do Brasil. E r a a p r e s e n ç a do
que se c h a m a v a " r e p t i l e press", a a ç ã o dissolvente, a ç ã o
d i s s i m u l a d a dos j o r n a i s que s e r v i a m ao governo. O m e r -
c a d o de consciência, dizia eu, h á m u i t o s a n o s passados,
t e m m u i t o m a i s m o v i m e n t o , a g i t a ç ã o e o f e r t a s do que o
de cereais, por exemplo. A e x p a n s ã o do Estado, seu cres-
cimento, concorria p a r a o a u m e n t o dessa d e p e n d ê n c i a . E r a
u m a t r a d i ç ã o dos governos da M o n a r q u i a que os r e s p o n -
sáveis pela República c o n t i n u a r a m , i n v o c a n d o a r g u m e n -
tos que a j u s t i f i c a s s e m . C a m p o s Salles dizia que " d e b a i x o
de instituições que t i r a m d a opinião a origem de todo o
poder e que com ele devem viver e n u m País, e n t r e t a n t o ,
em que os e s t a d i s t a s e s t r a n g e i r o s podem m a r a v i l h a r - s e
de ver i m p r e n s a sem política e p a r t i d o político com i m -
129
prensa, só r e s t a f a t a l m e n t e ao governo o recurso do j o r -
nalismo industrial", ou do j o r n a l i s m o subvencionado, p a r a
ser m a i s preciso, t r a d u z i n d o a p r ó p r i a l i n g u a g e m de C a m -
pos Salles.
Nem todos e n t e n d e r i a m que estivessem v e n d e n d o a
opinião de seu j o r n a l q u a n d o estivessem a c o l h e n d o a p u -
blicidade oficial. V e n d i a m espaço e n ã o opinião. O que
p e r m i t i a conservar u m a r e l a t i v a a u t o n o m i a . Outros p r e -
f e r i a m vender tudo, ou porque estivessem r e a l m e n t e de
acordo com o governo ou porque d e s e j a s s e m apoio m a i s
a m p l o p a r a a s suas reivindicações. Na M o n a r q u i a a i n d a
h a v í a m o s tido u m a i m p r e n s a p a r t i d á r i a n a t u r a l , s u b v e n -
cionada ou não, m a s c o n t a n d o t a m b é m com o apoio f i n a n -
ceiro de seus correligionários. O regime presidencialista
s u b s t i t u í r a os p a r t i d o s pelos governos e s t a d u a i s ou d a
União. I m p r e n s a p r ó ou i m p r e n s a c o n t r a e, ao l a d o dela
o u t r a que se podia i d e n t i f i c a r como discreta, sem r e n u n -
ciar de todo às exigências d a p r ó p r i a consciência.
A i m p r e n s a i m p o r t a n t e que e n c e r r a r a a d é c a d a do
advento da República, prosseguiria n a d é c a d a s e g u i n t e
com o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jor-
nal do Brasil, O País, A Cidade do Rio, A Imprensa, A No-
tícia, cercados, como sempre, de outros órgãos que o t e m p o
se i n c u m b i a de f u l m i n a r .
Luís E d m u n d o , a s s u s t a d o com a i n f l u ê n c i a c o n s i d e r á -
vel de elementos estrangeiros, s o b r e t u d o a colônia p o r t u -
guesa, agindo e a t u a n d o n a vida de todo o j o r n a l i s m o b r a -
sileiro, com a p r e s e n ç a de colaboradores que e n t ã o ilus-
t r a v a m a l i t e r a t u r a de Portugal, descrevia com e x a t i d ã o :
" O j o r n a l , n a alvorada do século, a i n d a é a a n ê m i c a , clo-
rótica e inexpressiva gazeta da velha M o n a r q u i a , u m a
coisa precária, chã, vaga, m o r o s a e trivial. P o u c a s p á g i -
n a s de texto, q u a t r o ou oito a p e n a s . Começa g e r a l m e n t e
pelo artigo de f u n d o , u m a r t i g o de sobrecasaca, c a r t o l a
e pince-nez, a r i m p o n e n t e e austero, m a s r i g o r o s a m e n t e
vazio de opinião, espécie de puzzle de flores de r e t ó r i c a
que foliculários escrevem com dicionário de s i n ô n i m o s de
u m lado e u m jogo de r a s p a d e i r a s a f i a d a s n o u t r o , l i t e r a -
t u r a c o r - d e - r o s a e que os h o m e n s m a i s ou m e n o s l e t r a -
dos do País sorvem logo de m a n h ã cedo, a i n d a em robe
de chambre, de chinelos de cara-de-gato no bico do pé,
130
a c a v a l a n d o n o s beques e x t e n u a d o s e n o r m e pince-nez de
t a r t a r u g a , b a b a n d o a d m i r a ç ã o pela o b r a - p r i m a . P a g i n a ç ã o
sem m o v i m e n t o ou g r a ç a . C o l u n a s f r i a s m o n s t r u o s a m e n t e
a l i n h a d a s , j a m a i s a b e r t a s , títulos curtos. Pobres. Ausência
quase a b s o l u t a de subtítulos. Vaga clicheterie. Desconhe-
c i m e n t o das manchetes e de o u t r o s processos jornalísticos
que j á são, no e n t a n t o , conhecidos n a s i m p r e n s a s a d i a n -
t a d a s do n o r t e d a E u r o p a . T e m p o de s o n e t o n a p r i m e i r a
p á g i n a , d e d i c a d o ao diretor ou ao r e d a t o r p r i n c i p a l d a
f o l h a . " A n ã o ser o Jornal do Brasil, que m a n t é m u m cor-
po de c a r i c a t u r i s t a s e d i a r i a m e n t e publica charges. Só u m a
vez ou o u t r a é que elas s u r g e m n a s o u t r a s gazetas. As
oficinas de g r a v u r a a i n d a são poucas e os clichês caríssi-
mos. Só o Jornal do Commercio possuía u m belo serviço
de t e l e g r a m a s . A n o t í c i a da polícia v i n h a s e m p r e p r e c e -
dida de u m infalível n a r i z - d e - c e r a . A r e p o r t a g e m , p r o -
c u r a n d o u m sensacionalismo que n ã o chegou a e n c o n t r a r ,
e q u a n d o , por acaso, surgisse, seria explorado, esticado,
p a r a a g r a d a r ao público, a t r i b u i n d o - s e ao a t r a s o do p a í s
a escassez dos crimes sensacionais. O que salvava o j o r n a l
d a s a p e r t u r a s e r a o f o l h e t i m - r o m a n c e de c a p a e e s p a d a .
A seção de a n ú n c i o s p o b r e r e l a t i v a m e n t e .
Nesse livro, O Rio de Janeiro de Meu Tempo, que v e n h o
c i t a n d o , Luís E d m u n d o , que e r a j o r n a l i s t a , se d e t é m n a s
redações dos diversos diários d a e n t ã o c a p i t a l d a R e p ú -
blica, o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jor-
nal do Brasil, O País, a rósea Noticia, A Tribuna, A Cida-
de do Rio, O Jacobino, O Nacional, a Revista Contempo-
rânea, r e a l ç a n d o a s d i f e r e n ç a s e n t r e e s t a i m p r e n s a do
começo do século e o j o r n a l i s m o d e oposição da f a s e d a
i n d e p e n d ê n c i a brasileira. E r a sensível a g o r a a p r e s e n ç a e
a i n f l u ê n c i a d a colônia p o r t u g u e s a em q u a s e todos. " O
f a t o , escrevia Luís E d m u n d o , é que, d i s c r e t a m e n t e ou i n -
d i r e t a m e n t e , todos lhe p e r t e n c e m . São deles a s o f i c i n a s
de i m p r e s s ã o e a i n d a os imóveis o n d e a s m e s m a s se i n s t a -
l a m e f u n c i o n a m , as c a r t a s de f i a n ç a s ou o u t r a s g a r a n t i a s
p a r a a i n s t a l a ç ã o e f u n c i o n a m e n t o d a s e m p r e s a s , deles o
crédito p a r a a c o m p r a da t i n t a e do papel, f a t a l m e n t e d e -
les o a n u n c i o z i n h o , e m b o r a m u i t o m a l pago, p o r é m r e p r e -
s e n t a n d o a vida e a p r o s p e r i d a d e d a g a z e t a " . A c r e s c e n t a
que " n a s r e d a ç õ e s dessa i m p r e n s a a l i e n í g e n a os brasilei-
131
r o s f o r a m s e m p r e f a n t o c h e s . E n ã o h á j o r n a l , dos que
são tidos por nossos, p o r m a i s s i m p á t i c o que s e j a à c a u s a
brasileira, que ouse d a r guarida, a p a d r i n h a r o a s s u n t o ,
que nos interessa, medroso, sempre, de desgostar o a m i g o
c o m e n d a d o r , por que este, se quiser (sabem todos m u i t o
b e m disso) n u m só gesto, como u m s a t a n á s de m á g i c a ,
pode reduzir esse m e s m o j o r n a l a f a n i c o s . Como? De u m
m o d o m u i t o simples: s u s p e n d e n d o - l h e o crédito, t i r a n d o -
lhe os anúncios, a b r i n d o c o n t r a ele, à socapa, u m a c a m -
p a n h a comercial terrível, c o n t a n d o s e m p r e , p a r a isso, c o m
a solidariedade da grei, que à gazeta p r o s c r i t a n u n c a m a i s
cederá, m e s m o a t o n e l a d a s de ouro, u m só d e d a l de t i n t a ,
u m p a l m o de p a p e l " (ob. cit. pág. 1056-1058).
Hoje o p a n o r a m a receberia o título de alienação. U m a
f o r ç a oculta, m u d a n d o de n o m e e de n a c i o n a l i d a d e , m a s
sempre i n f l u i n d o n a i m p r e n s a , como u m a d e p e n d ê n c i a
econômica q u a s e inelutável. Luís E d m u n d o n ã o h á d ú -
vida que e x a g e r a v a n a descrição que a p r e s e n t a v a , m a s o
f a t o em si m e s m o existia, n ã o a p e n a s no Rio, como em
todos os l u g a r e s o n d e fosse p r e d o m i n a n t e a i n f l u ê n c i a
da colônia p o r t u g u e s a . E m b o r a a d e p e n d ê n c i a m a i o r fosse
e m f a c e do poder econômico da I n g l a t e r r a , n ã o é e n t r e -
t a n t o t ã o sensível a p r e s e n ç a d a i n f l u ê n c i a b r i t â n i c a n o s
j o r n a i s . Como que se ela p r ó p r i a se l i m i t a s s e ao domínio
das altas finanças. Sentia-se mais na imprensa a presença
e a i n f l u ê n c i a da colônia p o r t u g u e s a , que a i n d a se f a z i a
sentir e m b o r a j á n u m a f a s e de declínio, a t é o governo de
Epitácio Pessoa, que se inclinava p a r a n a c i o n a l i s m o a n t i -
lusitano, n u m m o m e n t o em que o i m p e r i a l i s m o j á ia t o -
m a n d o as cores d a b a n d e i r a dos E s t a d o s Unidos.
Nesse q u a d r o q u a s e geral de c o n f o r m i s m o é que iria
surgir, n a i m p r e n s a carioca, u m a n o v a f o r ç a de feição
quase revolucionária, com o Correio da Manhã, de E d m u n -
do B i t t e n c o u r t . A intrepidez de s u a s a t i t u d e s m a r c o u - l h e
u m a posição d e f i n i t i v a n a i m p r e n s a brasileira. A p e q u e n a
burguesia e n c o n t r a v a nele a sua p r ó p r i a voz, p a r a e x p r e s -
s a r seus ressentimentos, s u a s reivindicações, seus p r o t e s -
tos. Pode-se dizer que desde a f u n d a ç ã o , o Correio da
Manhã passou a l i d e r a r a opinião pública do Rio, o que
valeria dizer a opinião pública de todo o Brasil, pela i n -
f l u ê n c i a n a t u r a l da c a p i t a l da República. O duelo que
132
E d m u n d o B i t t e n c o u r t teve com P i n h e i r o M a c h a d o , o d e -
s a s s o m b r o de s u a s a t i t u d e s vão compondo, em t o r n o de
seu Diretor, u m a a u r é o l a de destemor, que se t r a n s f o r m a -
va e m prestígio p a r a o seu e x t r a o r d i n á r i o m a t u t i n o . Cabe
a i n d a aqui o c o m e n t á r i o de Luís E d m u n d o q u a n d o diz
que " f o i p a r a c o m b a t e r esse e s t a d o de coisas e r e s t a b e l e -
cer n a i m p r e n s a do país aquele sentido p a t r i ó t i c o que
fez a glória do Evaristo e criou, por m u i t o t e m p o , a a u t o -
n o m i a do nosso povo, que u m j o v e m advogado cheio de
a u d á c i a , de e n e r g i a e de civismo pensou em l a n ç a r aqui
u m periódico r o m p e n d o a s n o r m a s que os outros, a t é e n -
tão, h a v i a m estabelecido, t r i n c h e i r a de a ç ã o a t i v a e p a -
triótica, e x c l u s i v a m e n t e nossa, onde se d e f e n d e s s e m os
conculcados i n t e r e s s e s do povo que u m a f a t a l i d a d e h i s t ó -
rica o p r i m i a e h u m i l h a v a . E r a necessário, p a r a isso, a p e -
n a s u m a p a r e l h o e c o n o m i c a m e n t e i n d e p e n d e n t e e rigoro-
s a m e n t e brasileiro, u m g r u p o de auxiliares cheios de f é
e de b r a v u r a pessoal." Ou a observação m a i s a m p l a de
Nelson W e r n e c k Sodré, coincidindo com a o p i n i ã o de Luís
E d m u n d o , q u a n d o n o s diz que " d a í por d i a n t e , e e m t o d a
a v e l h a República, que a j u d o u a d e r r o t a r , o j o r n a l d e
E d m u n d o B i t t e n c o u r t foi r e a l m e n t e o veículo dos s e n t i -
; mentos e místicas da pequena burguesia u r b a n a em
p a p e l dos m a i s r e l e v a n t e s . Quebrou a m o n ó t o n a u n i f o r m i -
d a d e política d a s m a n i p u l a ç õ e s de cúpula, dos c o n c h a v o s
de gabinete levando sempre o protesto das camadas po-
pulares, n a f a s e h i s t ó r i c a em que a p a r t i c i p a ç ã o d a classe
t r a b a l h a d o r a e r a m í n i m a . A t r a v é s desse c a m i n h o , v i n d o
de baixo, p o r t a n t o , é que se t r a n s f o r m o u , e depressa, e m
e m p r e s a j o r n a l í s t i c a " (História ãa Imprensa Brasileira,
pág. 329). M a n t e n d o s e m p r e o Correio da Manhã a t é a
f a s e f i n a l e m que foi compelido a u m a r r e n d a m e n t o p a r a
m ã o s e s t r a n h a s , u m f a d á r i o de b r a v u r a , de f i r m e z a e de
coerência, q u e n ã o c h e g a a decair, q u a n d o p a s s a d a s m ã o s
de E d m u n d o B i t t e n c o u r t às m ã o s de E d m u n d o Moniz e
N i o m a r Sodré.
Ao lado d a a s c e n s ã o do Correio da Manhã h á que r e f e -
r i r a d e c a d ê n c i a do j o r n a l de José do Patrocínio, A Cidade
do Rio, e n c e r r a n d o s e u s d i a s n o começo do século, n u m
f i n a l r e a l m e n t e melancólico. T a m b é m h a v i a d e s a p a r e c i d o
a g r a n d e f i g u r a que t a n t o prestígio m o r a l a t r i b u í r a à
133
Gazeta ãe Noticias, o seu diretor F e r r e i r a de A r a ú j o . J á
n u m a f a s e em que os progressos gráficos i a m f a c i l i t a r o
f l o r e s c i m e n t o de n u m e r o s a s revistas como a Revista áa
Semana, a Leitura para Todos, Fon-Fon, O Tico-Tico, A
Careta, Kosmos, esta com a colaboração de Bilac, José
Veríssimo, C a p i s t r a n o de Abreu, Vieira F a z e n d a , J o ã o Ri-
beiro, A r t h u r Azevedo, P a u l o B a r r e t o , G o n z a g a Duque,
R a u l P e d e r n e i r a s , Coelho Neto, Félix Pacheco, Medeiros e
Albuquerque e Euclides da C u n h a , t e n d o como d i r e t o r da
revista Mário B e h r i n g . P a r a c o m p e t i r com ela ou, pelo
menos, e s t i m u l a d a pela publicação de Kosmos, surgia logo
depois, Renascença, dirigida por Rodrigo Octávio e H e n -
rique Bernardelli, c o n t a n d o , p o r igual, com excelente
colaboração em que luziam os g r a n d e s n o m e s d a época,
j á acrescidos de Sílvio Romero, Elísio de Carvalho, A r a -
ripe J ú n i o r , Max Fleiuss e Afonso Celso.
De certo que m u i t a coisa escapa e u m a r t i g o s u c i n t o
sobre toda u m a d é c a d a da vida d a i m p r e n s a brasileira.
Muitos j o r n a l i s t a s n ã o c h e g a r a m sequer a ser m e n c i o n a -
dos, n u m a d é c a d a que teve a p e r t u r b á - l a u m a g r a n d e
c a m p a n h a c o n t r a a v a c i n a obrigatória. Não f a l t a , aliás,
q u e m se v a l h a desse episódio, p a r a f a z e r da i m p r e n s a u m a
f o r ç a r e t r ó g r a d a , sem verificar o motivo r e a l e a u t i l i d a d e
dessa c a m p a n h a e n é r g i c a c o n t r a a vacina obrigatória. N e m
todos c o m b a t i a m a eficácia d a vacina, que e r a a i n d a
o b j e t o de dúvidas e de receios, como se p o d i a a f e r i r n o s
a r g u m e n t o s a p r e s e n t a d o s por u m médico ilustre, que n ã o
e s t a v a longe de m e r e c e r a classificação de sábio, o Dr.
B a g u e i r a Leal. M a s o que se c o m b a t i a r e a l m e n t e e r a a
o b r i g a t o r i e d a d e d a vacina, a aplicação à f o r ç a e m pessoas
que n ã o a c r e d i t a s s e m n a s u a eficácia. O u t r o s p r o f l i g a v a m
a m a n e i r a como se v i n h a a p l i c a n d o a vacina, n u m t r a -
b a l h o improvisado que n e m s e m p r e a t e n d i a às exigências
e l e m e n t a r e s da p r ó p r i a higiene. De q u a l q u e r modo, o
c o m b a t e teve o seu efeito útil, obrigando a a d m i n i s t r a ç ã o
pública a t o r n a r - s e m a i s vigilante n a escolha e f o r m a ç ã o
de seus auxiliares, assim como no p r e p a r o d a p r ó p r i a
v a c i n a . T e r i a tido o m e s m o êxito a aplicação d a v a c i n a
obrigatória, se n ã o e n c o n t r a s s e esse esforço de crítica, e
de resistência, que a f o r ç a v a a a p r i m o r a r a s u a a ç ã o e o
processo de s u a utilização? Pior de que t u d o é a passivi-
134
dade, o silêncio, a i n d i f e r e n ç a . Os que l u t a r a m c o n t r a a
v a c i n a o b r i g a t ó r i a a c a b a r a m sendo cooperadores i n e s t i -
m á v e i s de s u a p r ó p r i a eficiência. P e n a foi que a c a m p a -
n h a se convertesse e m i n s t r u m e n t o de exploração política,
a r m a n d o conspirações m i l i t a r e s que o c a s i o n a r a m u m le-
v a n t e dos moços d a Escola Militar. M a s esse episódio d e -
veria levar a responsabilizar m e n o s os que c o n t e s t a r a m a
o b r i g a t o r i e d a d e d a v a c i n a do que a facilidade com que se
t r a n s f o r m a m discordâncias políticas em l e v a n t e s m i l i t a -
res. E é bom n ã o esquecer, ao r e m e m o r a r esse episódio,
q u a n t o concorreu a i m p r e n s a p a r a a j u d a r , a p l a u d i n d o ou
c o n t e s t a n d o , o imenso esforço p a r a a r e m o d e l a ç ã o do Rio
de J a n e i r o e a liquidação do e s p a n t a l h o d a f e b r e a m a r e l a ,
que t a n t o h a v i a colaborado com os adversários do Brasil.
Não se p o d e r i a concluir esse r e s u m o sucinto d a s a t i -
vidades d a i m p r e n s a , n a d é c a d a de 1900, sem r e g i s t r a r o
f a t o c u l m i n a n t e que a assinalou, com o f l o r e s c i m e n t o d a
imprensa operária. J á n a década anterior vinham surgin-
do, s o b r e t u d o e m São P a u l o e aqui, periódicos d e s t i n a d o s
à d e f e s a d a s classes t r a b a l h a d o r e s , o que em g r a n d e p a r t e
se devia ao a f l u x o de c o r r e n t e s i m i g r a t ó r i a s , em que f i g u -
r a v a m líderes e e n t u s i a s t a s do a n a r q u i s m o , ou tocados d a
E u r o p a j á pelos governos de lá, ou b u s c a n d o n o Brasil u m
a m b i e n t e f a v o r á v e l à s reivindicações de que e r a m p o r t a -
dores. A d é c a d a de 1900 r e g i s t r a o a u g e desse esforço de
proselitismo. J á e m 1893 h a v i a surgido, em São Paulo, p a r a
u m a l o n g a existência, u m diário em l í n g u a i t a l i a n a , a
f a m o s a Fanfulla, com V i t a l i a n o Rottelini, de t a n t o p r e s -
tígio e i r r a d i a ç ã o . M a s só e m 1900 a p a r e c e r i a m , em São
Paulo, 11 periódicos em i t a l i a n o , m u i t o s d e s t i n a d o s à d e -
f e s a dos t r a b a l h a d o r e s , e n t r e eles o Avanti, de Alceste
Ambrys. E m 1901 surgia II Ragno, de E t t o r e Rossi e E.
Caulli. E m 1904 surge, a i n d a em S ã o Paulo, La Bataglia,
dirigido p o r C r e s t e s Ristori, A n t o n i o Picarollo, A n t o n i o
Pisani, e o u t r o s t r a z e m , p a r a o Brasil, a cooperação de
s u a c u l t u r a e de s u a s inspirações sociais. O Rio a c o m p a -
n h a de p e r t o esse esforço, a que vem d a r m a i o r relevo
a revolta de J o ã o Cândido. As idéias socialistas p r o l i f e r a m
por toda a p a r t e e se a p r e s e n t a m como solução p a r a a
q u e s t ã o social.
135
Everardo Dias, n a s u a História das Lutas Sociais no
Brasil, r e f e r e - s e ao a p a r e c i m e n t o , em São Paulo, de La
Bataglia, órgão de crítica social, de t e n d ê n c i a l i b e r t á r i a ,
sob a direção de Orestes Ristori, que foi, n o seu e n t e n d e r
t ã o autorizado, " o m a i o r a g i t a d o r a p a r e c i d o n o Brasil,
orador f l u e n t e e cáustico, s e m p r e disposto à ação. R e a -
lizou c e n t e n a s de c o n f e r ê n c i a s por todo o i n t e r i o r do
Estado, a g i t a n d o a m a s s a t r a b a l h a d o r a das cidades, vilas
e povoados. S o f r e u i n ú m e r a s prisões e d u a s deportações,
a ú l t i m a em 1935/36. Morreu c o m b a t e n d o n a g u e r r a civil
espanhola, à f r e n t e de u m a coluna da qual era o c o m a n -
d a n t e , d e f e n d e n d o a f r e n t e de Madrid." (Ob. cit., pág.
246). O a u t o r f a z j u s t i ç a à colaboração desse p r o l e t a r i a d o
alienígena que t a n t o fez, no sentido de t o r n a r r e a l i d a d e
conquistas que beneficiassem a classe t r a b a l h a d o r a do
Brasil. E confessa que " f o i e n t r e o d i m i n u t o p r o l e t a r i a d o
alienígena que teve início o movimento, c o n t a n d o com a
adesão e c o m p a r e c i m e n t o de u m reduzidíssimo pugilo de
nacionais, em que se c o n t a v a m i n t e l e c t u a i s e s f o r ç a d o s "
(ob. cit. pág. 41). D a í a r e a ç ã o da burguesia. Se e r a m
e s t r a n g e i r o s esses p r o p a g a n d i s t a s e d e f e n s o r e s d a c a u s a
t r a b a l h i s t a , o remédio seria fácil, com u m a lei de e x p u l -
são, c u j a iniciativa coube a u m d e p u t a d o paulista, Adolfo
Gordo, que f i c a r i a conhecido nos a n a i s do P o d e r Legis-
lativo, pelas iniciativas r e a c i o n á r i a s que o c o n s a g r a v a m ,
em 1904, no Governo Rodrigues Alves, em 1923 n o G o v e r -
no A r t u r B e r n a r d e s .
M a r i a N a z a r e t h F e r r e i r a , em A Imprensa Operária no
Brasil, t a m b é m considera decisiva essa a t u a ç ã o d a i m i -
gração de líderes operários, q u a n d o escreve: " O s i m i g r a n -
tes aqui chegados, devido às perseguições, e r a m d e f e n s o r e s
do a n a r q u i s m o , a m e s m a ideologia que os t o r n a r a i n d e -
sejáveis em s u a s p á t r i a s de origem. E o a n a r q u i s m o , como
idéia nova, " a d v e r s a e e s t r a n h a aos costumes e t r a d i ç õ e s
brasileiras", e n f r e n t o u sérias perseguições n a pessoa de
seus m i l i t a n t e s , à m e d i d a que fossem f r u t i f i c a n d o os seus
e n s i n a m e n t o s . " (pág. 50) Vários i t a l i a n o s s u r g e m nesse
esforço, como Arturo Campagnoli, G i o v a n n i Rossi, Oreste
Ristori, Antonio Picarollo, e m u i t o s outros e n q u a n t o vai
crescendo o movimento, com os Congressos que se vão
r e u n i n d o , com a f o r m a ç ã o de uniões, com a e x p a n s ã o do
136
m o v i m e n t o sindical. E conclui que " f o i t ã o g r a n d e a p a r -
ticipação do operário i m i g r a n t e que levou os poderes
públicos a t o m a r u m a a t i t u d e em d e f e s a dos i n d u s t r i a i s ,
r e p r e s e n t a d a pela lei Adolfo Gordo, que p e r m i t i a p u n i r e
expulsar t r a b a l h a d o r e s e s t r a n g e i r o s e d e p o r t a r os n a c i o -
n a i s " . A n t e s m e s m o de ser s a n c i o n a d a , s e r v i r a p a r a p u n i r
v á r i a s vezes o " a g i t a d o r e s t r a n g e i r o , responsável ú n i c o
p e l a crise social." E i n f o r m a que " s ã o c o n s t a n t e s a s n o -
tícias de prisões, d e p o r t a ç õ e s e expulsão a t r a v é s da lei
Adolfo Gordo. A i m p r e n s a operária, j á b a s t a n t e d e s e n -
volvida n e s s a época, é rica e m d e n ú n c i a s e i n f o r m a ç õ e s
sobre essas perseguições. A f a s t a d o s assim e l e m e n t o s que
q u a s e s e m p r e e r a m considerados b a n d i d o s e desordeiros,
sendo processados s u m a r i a m e n t e . " (pág. 54)
N e m s e m p r e essas d e p o r t a ç õ e s a t e n d e r a m aos i n t e -
resses d a política i m i g r a t ó r i a que o Brasil d e s e j a v a r e a -
lizar. Q u a n d o se t r a t a v a de d e p o r t a d o s de m a i o r c a t e g o -
ria, ao c h e g a r e m à I t á l i a , m o s t r a v a m quais a s condições
de vida que c e r c a v a m o t r a b a l h a d o r italiano, o que n ã o
podia d e i x a r de c o n c o r r e r p a r a o e n f r a q u e c i m e n t o d a s
correntes imigratórias italianas.
De q u a l q u e r modo, a d é c a d a de 1900 t r a d u z o p o n t o
m a i s a l t o da e x p a n s ã o e f o r t a l e c i m e n t o da i m p r e n s a
o p e r á r i a n o Brasil, com o concurso dos t r a b a l h a d o r e s alie-
n í g e n a s que t o m a r a m a iniciativa de u m proselitismo
i m e d i a t o . Depois viria o declínio, ou o e n f r a q u e c i m e n t o
d a s c o r r e n t e s i m i g r a t ó r i a s d e s t i n a d a s ao Brasil.
F a l t a r i a , p o r é m , a esse q u a d r o t ã o s u c i n t o da p r e -
sença da i m p r e n s a n a d é c a d a de 1900-1909, o t e s t e m u n h o
de u m a d a s f i g u r a s m a i s i m p o r t a n t e s que a v i v e r a m e
a i l u s t r a r a m com u m a descrição vigorosa. R e f e r i m o - n o s a
L i m a B a r r e t o e à s s u a s Recordações do Escrivão Isaías
Caminha. Ele p r ó p r i o j o r n a l i s t a m i l i t a n t e , n e s s a p r i m e i -
r a d é c a d a do século vinte. Não f a l t a , de certo, à s s u a s
impressões, u m a n o t a s a r c á s t i c a que, se n ã o d e t u r p a os
fatos, de c e r t o lhes d e s f i g u r a os contornos. E é curioso
que esse j o r n a l i s t a , c u r t i d o p e l a s decepções e r e v o l t a d o
c o n t r a a s i n j ú s t i ç a s sociais, n ã o se d e t é m n a s f o l h a s que
o c o n f o r m i s m o i n s p i r a v a , ou dirigia. P r e f e r e o órgão que
s u r g i r a p a r a t r a v a r a l u t a n e c e s s á r i a c o n t r a os governos
instituídos. O t o m de s á t i r a n ã o esmorece n a s s u a s n a r -
137
r a t i v a s tão p r ó x i m a s da realidade, n u m r o m a n c e à clef
em que está p r e s e n t e E d m u n d o B i t t e n c o u r t , com as f i -
g u r a s m a i s i m p o r t a n t e s da r e d a ç ã o do Correio da Manhã,
com Leão Veloso, Vicente Piragibe, Costa Rego, M á r i o
Cataruzza, Viriato Correia, C â n d i d o Lage, J o ã o I t i b e r ê d a
C u n h a , G a s t ã o Bousquet, F l o r i a n o de Lemos, Chico Souto
e outros. C o m p l e t a r a m - s e a s r e f e r ê n c i a s com o u t r a s f i -
g u r a s do j o r n a l i s m o do tempo, como Coelho Neto, A f r â n i o
Peixoto, e J o ã o do Rio, que seria o g r a n d e r e p ó r t e r da
década. São r e t r a t o s que talvez p e q u e m pelo e x a g e r o
d a fidelidade. Não h á retoques, o que v e m f a c i l i t a r a
identificação, p a r a os estudiosos e os críticos d a s Recor-
dações do Escrivão Isaías Caminha.
Por isso m e s m o os q u a d r o s que o livro n o s o f e r e c e
p o d e r i a m servir p a r a c o m p l e t a r a p r e s e n ç a do j o r n a l i s m o ,
n a p r i m e i r a d é c a d a do século vinte. Veja-se, por exemplo,
como ele descreve a r e d a ç ã o do Correio da Manhã, que
n ã o é s e n ã o O Globo de s u a n a r r a t i v a :
138
vago, sutil, ignorado, que só poucas i n t e l i g ê n c i a s p o d e m
c o l h e r - l h e a f o r ç a e a essencial a u s ê n c i a d a m a i s e l e m e n -
t a r m o r a l i d a d e , dos m a i s r u d i m e n t a r e s s e n t i m e n t o s de
j u s t i ç a e h o n e s t i d a d e ! São g r a n d e s empresas, p r o p r i e d a -
de de v e n t u r o s o s donos, d e s t i n a d o s a l h e s d a r o d o m í n i o
sobre as m a s s a s , e m c u j a l i n g u a g e m f a l a m , e a c u j a
i n f e r i o r i d a d e m e n t a l v ã o ao e n c o n t r o , c o n d u z i n d o os go-
vernos, os c a r a c t e r e s p a r a os seus desejos inferiores, p a r a
os seus atrozes lucros b u r g u e s e s . . . Não é f á c i l a u m
indivíduo qualquer, pobre, cheio de g r a n d e s idéias, f u n d a r
u m que os c o m b a t a . H á necessidade de d i n h e i r o ; são p r e -
cisos, p o r t a n t o , c a p i t a l i s t a s que d e t e r m i n e m e i m p o n h a m
o que se deve f a z e r n u m j o r n a l . — Vocês v e j a m : a n t i -
g a m e n t e , e n t r e nós, o j o r n a l e r a de F e r r e i r a de A r a ú j o ,
de José do Patrocínio, de F u l a n o , de B e l t r a n o . . . H o j e de
q u e m são? A Gazeta é do G a f f r é , o País é de Visconde
d e Morais ou do S a m p a i o , e assim por d i a n t e . E p o r
d e t r á s deles estão os estrangeiros, s e n ã o inimigos nossos,
m a s q u a s e s e m p r e i n d i f e r e n t e s às n o s s a s a s p i r a ç õ e s " . . .
E r a , de certo, a opinião de u m a das p e r s o n a g e n s do
r o m a n c e . M a s o que d a v a i m p o r t â n c i a a essas p a l a v r a s é
q u e elas v i n h a m da p e r s o n a g e m , A n d r a d e , que p e r s o n i f i -
c a v a o p r ó p r i o a u t o r do r o m a n c e .
Outros traços não menos característicos surgiram nes-
se d o c u m e n t á r i o excelente da p r i m e i r a d é c a d a do século
vinte. Como s e j a a p r e s e n ç a , n a r e d a ç ã o da f o l h a que
ele descreve, de u m d e f e n s o r do p u r i s m o d a l i n g u a g e m ,
n a f i g u r a do Dr. Lobo, que n ã o e r a m a i s do que C â n d i d o
Lago, i n c o n f o r m a d o com o i d i o m a que se f a l a v a n o Brasil.
" I s t o que se f a l a aqui n ã o é l í n g u a , n ã o é n a d a ; é u m
v a z a d o u r o de imundícies. Se F r e i Luis de Souza ressusci-
tasse, n ã o r e c o n h e c e r i a a s u a bela l í n g u a n e s s a a m á l -
g a m a , n e s s a m i s t u r a de galicismos, de a f r i c a n i s m o s , i n -
dianismos, anglicismos, cacofonias, cacotenias, hiatos, co-
l i s õ e s . . . Um i n f e r n o ! " E r a a p r e s e n ç a de u m fiscal do
p u r i s m o n u m a r e d a ç ã o a b e r t a a t o d a s a s irreverências.
O que v i n h a c o n s t i t u i r u m a t e n d ê n c i a da época, n u m a
f a s e e m que se p u b l i c a v a " A R é p l i c a " de R u i B a r b o s a
e
n o qual C â n d i d o de Figueiredo p o n t i f i c a v a n a r e d a ç ã o
do Jornal do Commercio.
139
Não era muito, como e s t a m o s vendo, o que se p e r -
mitia, n u m a f o l h a c o n s i d e r a d a sem compromissos, à i n -
f l u ê n c i a d a s c o r r e n t e s l u s i t a n a s . Ainda assim, c o n s t i t u í a
u m começo da reação, e t a n t o b a s t a v a p a r a d e s l u m b r a r
o n a t i v i s m o e x a l t a d o de Luís E d m u n d o . M a s que n ã o era
tão a m p l a a rebeldia, é o que se pode d o c u m e n t a r com
u m episódio que se inclui n a s Recordações do Escrivão
Isaías Caminha.
Conta ele que, em certo m o m e n t o , surgia n o s Ape-
didos do Jornal do Commercio, explorando u m a frase
equívoca de u m dos artigos de O Globo, a d e n ú n c i a de
que ele p a s s a v a a f i g u r a r e n t r e os inimigos da Colônia
portuguesa. Dava-se, como prova dessa a t i t u d e , o f a t o
de que n ã o h a v i a u m só p o r t u g u ê s n a s u a r e d a ç ã o , coisa
r e a l m e n t e r a r a n o j o r n a l i s m o da época. Qual foi a r e a ç ã o
de O Globo? C o n t a L i m a B a r r e t o que o p r ó p r i o d i r e t o r
do jornal, Ricardo L e g o r a n t , ao t o m a r c o n h e c i m e n t o do
"Apedido" do Jornal do Commercio, dirigiu-se a u m dos
seus r e d a t o r e s , i d e n t i f i c a d o como I t i b e r ê da C u n h a n a
c h a v e de seus p e r s o n a g e n s , e lhe p e r g u n t o u :
— Conhece aí a l g u é m c a p a z ?
— Qual, n ã o h á !
— Como p o d e r í a m o s a r r a n j a r u m p o r t u g u ê s p a r a r e -
dator, dize l á ?
Nesse propósito, p e d i a - s e ao c h e f e do g a b i n e t e d a
m o n a r q u i a l u s i t a n a a indicação de u m r e d a t o r p o r t u g u ê s .
E lá veio o r e d a t o r que f a l t a v a , p a r a restabelecer o p r e s -
tígio de O Globo, e m f a c e da colônia p o r t u g u e s a . O q u e
o g e r e n t e da f o l h a f e s t e j a v a como u m a g r a n d e conquista,
opinando:
— É b o m . . . Vocês sabem, sem português, n a d a aqui
vai a d i a n t e . Os patrícios exigem, é justo, eles são t a l v e z
t r e z e n t o s mil, p a g a m rios de d i n h e i r o e m a n ú n c i o s —
é justo!"
Pior seria q u a n d o surgissem o u t r a s i n f l u ê n c i a s e s -
t r a n g e i r a s e n ã o m a i s em f a c e de u m a n a ç ã o que, n ã o
o b s t a n t e t o d a s a s s u a s glórias passadas, n ã o c h e g a v a
m a i s a c o n s t i t u i r a m e a ç a p a r a q u e m quer que fosse. A i n d a
n e s s a fase, t r a t a v a - s e de u m a colônia p r e s e n t e n o Brasil
e que, por isso mesmo, n ã o poderia ser de todo i n d i f e -
140
r e n t e aos interesses do país e m que se i n s t a l a r a . Pior
seria q u a n d o a d e p e n d ê n c i a se fizesse s e n t i r e m f a c e de
e s t r a n g e i r o s que c o n t i n u a s s e m a residir f o r a do Brasil e
aqui se fizessem r e p r e s e n t a r por meio de prepostos m a i s
r e a l i s t a s do que o rei e, por isso mesmo, m a i s ávidos de
lucros com que d o c u m e n t a s s e m a s u a eficiência.
141
O ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL
I — Coleções e x i s t e n t e s a t é 1900
I I — Coleções i n c o r p o r a d a s e n t r e 1900-1910.
Levantamentos numéricos
140
1883 — Adquiridas pela Direção, a José Rodolfo M a r c o n -
des do A m a r a l e s t a m p a s originais e desenhos.
1883 — Aquisição pela Direção, do espólio do Dr. J . A.
de Melo Morais, m a n u s c r i t o s e o b r a s r a r a s .
1884 — F o r a m a d q u i r i d a s pela Direção, a Miguel N a v a r r o
Canizares, o i t e n t a e s t a m p a s g r a v a d a s a á g u a - f o r t e ,
de a u t o r i a do a r t i s t a Salvador Rosa.
1884 — Doação do M a r e c h a l H e n r i q u e de B e a u r e p a i r e
R o h a n , de a l m a n a q u e s , revistas, folhetos, v e r s a n d o
sobre h i s t ó r i a política, m i l i t a r e l i t e r á r i a do Brasil.
1884 — Coleção Salvador de M e n d o n ç a , d o a d a pelo Côn-
sul do Brasil em Nova York, Dr. Salvador de M e n d o n -
ç a : cento e v i n t e e d u a s obras em d u z e n t o s e quinze
volumes, sete m a n u s c r i t o s e a i n d a e s t a m p a s . D e s t a -
ca-se, n o c o n j u n t o , o m a t e r i a l r e f e r e n t e ao d o m í n i o
h o l a n d ê s n o Brasil, peças da m a i o r r a r i d a d e e i m p r e s -
s a s no século XVII. Sobre e s t a doação, foi p u b l i c a d a
notícia n o " ' J o r n a l do Commercio" de 13.6.1884.
1884 — Do adido do Corpo Diplomático, l o t a d o n a E m -
b a i x a d a do Brasil, em Lima, Dr. José Augusto de S a l -
d a n h a da G a m a , recebeu a Biblioteca N a c i o n a l u m
i m p o r t a n t e c o n j u n t o de obras a n t i g a s e m o d e r n a s ,
r e f e r e n t e s ao P e r u .
Ainda por seu intermédio, f o r a m d o a d a s obras de
P e d r o Paz Soldan (publicadas com o p s e u d ô n i m o
de J u a n de A z o n a ) .
1885 — Por i n t e r m é d i o do E n c a r r e g a d o de Negócios do
Brasil no Chile, C o m e n d a d o r Ribeiro de Aguilar, r e -
cebeu a i n s t i t u i ç ã o o f e r t a de mil c e n t o e quinze o b r a s
d o a d a s pelo Conservador d a Biblioteca do Chile, Dr.
R a u l Briseno. A notícia foi publicada, com d e s t a q u e ,
no " J o r n a l do C o m m e r c i o " de 7.2.1885.
1885 — Ainda por i n t e r m é d i o do m e s m o E n c a r r e g a d o de
Negócios do Brasil n o Chile, f o r a m d o a d a s v á r i a s
obras e u m a coleção dos Anales de la U n i v e r s i d a d de
Chile, m o n t a n d o o t o t a l a o i t e n t a e q u a t r o volumes.
1885 — Coleção F r a n c o de Sá. P o r d e t e r m i n a ç ã o do M i -
n i s t r o de Negócios do Império, Dr. F r a n c i s c o F r a n c o
de Sá, f o r a m recolhidos à Biblioteca Nacional seiscen-
141
t a s e c i n q ü e n t a e seis obras em n o v e c e n t o s e n o v e n t a
e nove volumes, o b r a s que p e r t e n c e r a m ao Dr. José
M a n u e l G a r c i a , professor do I m p e r i a l Colégio D. P e -
dro II, m a t e r i a l especializado em E d u c a ç ã o e L i n -
güística.
1886 — Adquiridos pela Direção, a o Dr. J o ã o A n t ô n i o Al-
ves de Carvalho, livros e q u a t r o c e n t o s e u m m a p a s ,
peças de g r a n d e i m p o r t â n c i a .
1887 — A t r a v é s do Dr. E d m u n d C h a s Preiss, recebeu a
Biblioteca Nacional, d o a ç ã o do H y d r o g r a p h i c B u r e a u ,
W a s h i n g t o n , n u m t o t a l de s e s s e n t a e seis c a r t a s geo-
gráficas.
1888 — Do Dr. V i c e n t e G. Quesada, recebeu d o a ç ã o de
o b r a s sobre a A r g e n t i n a .
1889 — D o a ç ã o de o b r a s r e l a t i v a s à Colômbia, e n c a m i -
n h a d a s pelo D i r e t o r d a Biblioteca de Colômbia, D r .
José Rivas G r o o t .
1889/1890 — Coleção J o ã o A n t ô n i o M a r q u e s ; seu p r o p r i e -
t á r i o doa u m a d a s m a i s valiosas d o c u m e n t a ç õ e s b i -
b l i o g r á f i c a s a t é e n t ã o recebidas. C o m p u n h a - s e de t r ê s
mil n o v e c e n t a s e v i n t e obras e m seis mil t r e z e n t o s e
nove volumes i m p r e s s o s e a i n d a a l g u n s m a n u s c r i t o s
relativos a o Brasil. O c o n j u n t o a b r a n g e o b r a s r a r í s s i -
mas, i n c u n á b u l o s e edições prínceps.
1890 — A d q u i r i d a s p e l a Direção, ao espólio do D r . José
F e r n a n d e s d a Costa P e r e i r a , obras sobre j u r i s p r u d ê n -
cia e s t r a n g e i r a , n u m t o t a l de m i l oitocentos e s e s s e n t a
e q u a t r o volumes.
1890 — Coleção Biblioteca F l u m i n e n s e , precioso c o n j u n -
to doado pelo Conde de Figueiredo que a d q u i r i u o
espólio de F r a n c i s c o A n t ô n i o Marques, n a í n t e g r a ,
e o doou à BN. C o m p u n h a - s e de d u a s mil s e i s c e n t a s
e v i n t e e d u a s obras, m i l e q u a r e n t a f o l h e t o s e d u -
z e n t o s e q u a r e n t a e u m m a n u s c r i t o s de i m p o r t a n t e
valor bibliográfico.
1891 — c o m o a d v e n t o d a República, é i n c o r p o r a d a à Bi-
blioteca N a c i o n a l o acervo bibliográfico do a n t i g o
Conselho de Estado, e m a t u a ç ã o n o período I m p e r i a l .
142
C o m p u n h a - s e o c o n j u n t o de dois mil c e n t o e o i t e n t a
volumes.
1891 — Adquiridos pela Direção, d u z e n t o s e c i n q ü e n t a e
nove obras em t r e z e n t o s e s e s s e n t a e nove volumes,
p e r t e n c e n t e s a Antônio José Vieira Leal.
1891 — A e n t r a d a da Coleção T e r e s a Cristina M a r i a m a r -
ca época nos f a s t o s d a Biblioteca Nacional. D o a d a
pelo e x - I m p e r a d o r D. P e d r o II, com d e t e r m i n a ç ã o e x -
pressa de que fosse c o n s e r v a d a sob aquela d e n o m i -
n a ç ã o . C o m p u n h a - s e o c o n j u n t o de q u a r e n t a e oito
mil volumes e n c a d e r n a d o s , b r o c h u r a s , fascículos, f o -
lhetos, revistas, e s t a m p a s , músicas, m a p a s , m a n u s c r i -
tos e m a p a s em relevo, n ã o c o m p u t a d o s n o seu t o t a l .
Foi a m a i o r doação j á recebida pela instituição.
1892 — C o m p l e t a n d o a Coleção João Antônio Marques,
seus h e r d e i r o s d o a r a m à BN m a i s n o v e n t a e oito
obras em c e n t o e s e s s e n t a volumes e q u i p a r a d o s a o s
d e m a i s pela r a r i d a d e .
1895 — Adquiridas pela Direção a J o a q u i m C a e t a n o de
Melo q u a r e n t a e cinco e s t a m p a s .
1895 — Adquiridas pela Direção ao C o m e n d a d o r A. J . de
Oliveira B a r b o s a : duzentos e o i t e n t a e oito e s t a m p a s
de a s s u n t o s relacionados com h i s t ó r i a e c o s t u m e s do
Brasil, peças m u i t a s delas ú n i c a s conhecidas, e a i n d a
e s t a m p a s de a r t i s t a s e u r o p e u s e, t a m b é m , m a n u s -
critos.
1895 — Adquiridos pela n a ç ã o d o c u m e n t o s incluídos n a
Coleção Conde de L i n h a r e s , leiloada em Lisboa. R e -
p a r t i d a a d o c u m e n t a ç ã o e n t r e o Arquivo Nacional,
Ministério das Relações Exteriores e Biblioteca Nacio-
nal, coube a esta ú l t i m a u m c o n j u n t o de dois m i l
oitocentos e q u a r e n t a e nove documentos, c i n q ü e n t a
e t r ê s o b r a s impressas, q u a r e n t a e d u a s c a r t a s geo-
g r á f i c a s m a n u s c r i t a s em s e s s e n t a e u m a f o l h a s e
vinte desenhos.
1896 — Adquirida pelo Governo a Coleção P i m e n t a B u e n o .
A d o c u m e n t a ç ã o i m p o r t a n t e , s o b r e t u d o em r e l a ç ã o ao
Estado de M a t o Grosso, e r a c o n s t i t u í d a de seiscentos e
quinze m a p a s , dos quais t r e z e n t o s e dezenove i m -
143
pressos e d u z e n t o s e n o v e n t a e seis m a n u s c r i t o s e,
a i n d a , q u a r e n t a m e m ó r i a s m a n u s c r i t a s , em códices e n -
c a d e r n a d o s . A coleção foi p a r t i l h a d a com o M i n i s t é -
rio d a s Relações Exteriores.
1896 — P o r i n t e r m é d i o d a Legação do Brasil em Londres,
recebeu o f e r t a do governo inglês: c o n j u n t o r e s u l t a n t e
dos estudos e f e t u a d o s d u r a n t e a viagem de e x p l o r a -
ção do n a v i o " C h a l l e n g e r " . C o m p u n h a - s e a p u b l i -
cação de c i n q ü e n t a volumes, i n c l u i n d o ilustrações,
m a p a s , planos, vistas, impressos l i t o g r a f i c a m e n t e com
o t í t u l o : R e p o r t of t h e r e s u l t s scientific of t h e e x -
ploring voyage of H . M . S. C h a l l e n g e r 1873-1876.
1897 — São a d q u i r i d a s a Angelo Bertola e J u a n Cafiero
o b r a s n o m a i s p e r f e i t o e s t a d o de conservação, i n c l u i n -
do i n c u n á b u l o s e edições r a r a s , sem n ú m e r o especi-
ficado.
1897 — D o a d a s pelo Sr. F r a n c i s c o R a m o s Paz n ú m e r o n ã o
especificado de o b r a s e e s t a m p a s a d q u i r i d a s e e n v i a -
d a s p o r ocasião de s u a v i a g e m à E u r o p a .
1897 — Adquiridas p e l a Direção, e n c o m e n d a d a s a f i r m a s
européias: u m mil trezentos e quarenta e u m a estam-
p a s de a r t i s t a s c o n t e m p o r â n e o s e a l g u m a s históricas.
1898 — D o a d a s pela L i v r a r i a L a e m m e r t q u a r e n t a e cinco
teses e m l í n g u a a l e m ã .
1898 — A F a c u l d a d e de Medicina do Rio de J a n e i r o doa
u m a coleção de teses d e f e n d i d a s n o s a n o s de 1896 e
1897.
1898 — Recebida d a Comissão e n c a r r e g a d a de c o m e m o r a r ,
em Lisboa, o 4.° c e n t e n á r i o do d e s c o b r i m e n t o do c a -
m i n h o m a r í t i m o p a r a a s í n d i a s , g r a n d e coleção de
obras e opúsculos publicados e m P o r t u g a l , e relativos
ao evento.
1898 — Doados pelo M i n i s t r o P l e n i p o t e n c i á r i o do Brasil,
em vários países (Itália, Colômbia e E q u a d o r ) , f a r t a
d o c u m e n t a ç ã o bibliográfica v e r s a n d o sobre aspectos
da c u l t u r a do E q u a d o r , Venezuela, Nova G r a n a d a , São
Domingos, El S a l v a d o r ; s e m n ú m e r o especificado.
1899 — D e s t a c a - s e a d o a ç ã o p o r F r a n c i s c o R a m o s Paz, de
t r i n t a e n o v e o b r a s em q u a r e n t a e dois volumes e
144
a i n d a g r a n d e n ú m e r o de j o r n a i s e cem f o l h e t o s sobre
vários assuntos.
1899 — Doação do Dr. Mário de Alencar, incluía n o acervo
t r i n t a e nove obras em c i n q ü e n t a e u m volumes, r e l a -
cionadas com l i t e r a t u r a .
1899 — R a r a e preciosa coleção bibliográfica sobre o idio-
m a gaélico, u s a d o pelos primitivos celtas, foi d o a d a
,pelo Dr. Horácio A. d a Costa S a n t o s .
1899 — Incluídos n o acervo especializado de e s t a m p a s
cerca de s e t e n t a e dois d i p l o m a s impressos l i t o g r a f i -
c a m e n t e , p e r m u t a d o s com o Sr. F r a n c i s c o Rodrigues
Paiva, e treze peças l i t o g r á f i c a s satíricas, m a i s d e -
s e n h o s originais e e s t a m p a s que se e n c o n t r a v a m d e s -
locados, em outros setores d a m e s m a i n s t i t u i ç ã o .
1899 — E m b o r a s e j a r e f e r ê n c i a f e i t a a p e n a s a u m a p e ç a
d o a d a à Biblioteca Nacional, m e r e c e registro: Á l b u m
de adesões à F a m í l i a I m p e r i a l Brasileira, d a t a d o de
1888 e c u j a i n c o r p o r a ç ã o ao acervo, f e i t a p o r o r d e m
do P r e s i d e n t e da República, D r . C a m p o s Sales, veio
sobremodo enriquecer o p a t r i m ô n i o n a c i o n a l ; a l é m
do valor intrínseco, t e m a valorizá-lo a esplêndida e
preciosa decoração em p e d r a s preciosas e m e t a l n o b r e
em estojo de m a d e i r a de lei.
I I — Coleções i n c o r p o r a d a s e n t r e 1900-1901.
Levantamentos numéricos
161
cedência das ponderações do Diretor c u j a f i n a l i d a d e pri-
mordial era sensibilizar as autoridades.
Mais u m passo no sentido de modernizar o t r a t a m e n t o
da coleção foi dado com a aprovação pelo Ministro da
p a s t a do p r o j e t o de definição da m a r c a de p r o p r i e d a d e
— ex-libris — a ser colocada em todos os livros p e r t e n -
centes à Biblioteca Nacional e t a m b é m do emblema, s í m -
bolo a ser utilizado no m a t e r i a l a ser impresso com f i n s
administrativos (Anais, cartas, bilhetes, etc.).
A fim de m o n t a r u m e m b l e m a que simbolizasse a i n s -
tituição, foi solicitada a colaboração do a r t i s t a Eliseu Vis-
conti que, n a base de sugestões fornecidas pelo Diretor e
pelo Chefe da 3. a Seção, a p r e s e n t o u os dois modelos c i t a -
dos. A descrição da peça, conforme d e t e r m i n a a legisla-
ção, foi t a m b é m e n c a m i n h a d a e se a c h a t r a n s c r i t a n o
relatório correspondente ao ano de 1903.
Foi ativado o t r a b a l h o de e n c a d e r n a ç ã o n a s oficinas
i n s t a l a d a s e t a m b é m m o n t a d a u m a oficina t i p o g r á f i c a
que, além de impressos de c u n h o administrativo, imprimiu
os Anais, a p a r t i r do volume XXIV.
Inicia o Diretor o relatório de 1904 com a promissora
notícia de que o governo t i n h a t o m a d o a resolução de
fazer construir o edifício no qual seria i n s t a l a d a a insti-
tuição. Prossegue o administrador, ventilando i m p o r t a n t e
questão, relacionada com pessoal — m e n c i o n a d a a neces-
sidade de r e e s t r u t u r á - l o de acordo com a especialidade
dos serviços e que os mesmos revelem propensão p a r a o
gênero de t r a b a l h o a executar e que a ele se dediquem
integralmente, senão, a l e r t a : " O esforço de alguns se
a n u l a d i a n t e da inatividade de muitos e n ã o se conseguirá
m a i s do que a a p a r ê n c i a de u m f u n c i o n a m e n t o regular."
Não se a p r e s e n t a m modificações sensíveis q u a n t o à
p a r t e a d m i n i s t r a t i v a : " P e r m a n e c e r a m a s causas, conti-
n u a r a m a produzir-se os efeitos," no dizer de seu f u n c i o -
nário maior.
T e n t a n d o atualizar os t r a b a l h o s técnicos, foi c o n t r a -
t a d a a título extraordinário, u m a equipe de auxiliares, di-
rigidos por u m chefe de serviço — rigorosas instruções
d e t e r m i n a r a m as r o t i n a s e c o m p o r t a m e n t o dos mesmos
— sendo levadas d i a r i a m e n t e ao c o n h e c i m e n t o do Dire-
154
t o r a s ocorrências b e m como a s e s t a t í s t i c a s dos t r a b a l h o s
realizados.
Coube t a m b é m a M a n u e l Cícero p r e s t a r h o m e n a g e m
aos D i r e t o r e s d a i n s t i t u i ç ã o , o r g a n i z a n d o u m a galeria de
r e t r a t o s n a q u a l f i g u r a r i a m seus antecessores. I n i c i a d a n o
a n o a n t e r i o r , teve com o a r t i s t a consagrado, Modesto
Brocos, o m a i s a l t o p o n t o de p e r f e i ç ã o a r t í s t i c a , sendo a s
f i g u r a s g r a v a d a s e m p l a c a de cobre, pelo processo de
á g u a - f o r t e , t r a b a l h o que teve c o n t i n u i d a d e n o s a n o s s e -
g u i n t e s e que seria, n o novo prédio, colocado e m l u g a r
de d e s t a q u e .
P r e v e n d o a i m p o r t â n c i a e o a l c a n c e de i n f o r m a ç õ e s
bibliográficas r e f e r e n t e s à p r o d u ç ã o l i t e r á r i a brasileira,
foi, por s u a sugestão, e n c a m i n h a d o em 1901 p r o j e t o de
lei à C â m a r a dos D e p u t a d o s e que se r e f e r i a à c o n t r i b u i -
ção d a s o f i c i n a s t i p o g r á f i c a s p a r a o e n r i q u e c i m e n t o do:
acervo d a Biblioteca Nacional. Neste a n o de 1904, a p r o -
vado o p r o j e t o n a C â m a r a dos D e p u t a d o s , foi o m e s m o
e n c a m i n h a d o ao S e n a d o e f i n a l m e n t e a p r o v a d o p a r a ser.
p o s t a e m p r á t i c a a o b r i g a t o r i e d a d e da e n t r e g a de u m
e x e m p l a r i m p r e s s o de c a d a obra s a í d a n o Brasil de prelos
tipográficos.
Na c o n t i n u i d a d e d a decisão j á t o m a d a pelo governo
d e c o n s t r u i r u m novo prédio p a r a a Biblioteca Nacional,
f o r a m e s t u d a d a s diversas opções p a r a a n o v a localização.
P r i m e i r a m e n t e escolhida, n a P r a ç a d a República, n ã o
f o r a m f a v o r á v e i s a s opiniões e p a r e c e r e s do p r i n c i p a l
a d m i n i s t r a d o r q u e a p r e s e n t o u p r o p o s t a n o s e n t i d o de ser
utilizado o u t r o sítio, inserido n o p l a n o d a n o v a e mais.
i m p o r t a n t e a r t é r i a d a cidade, n a s imediações do Morro,
do Castelo que deveria ser a i n d a e m p a r t e demolido p a r a
a execução do p r o j e t o . A p r o v a d a a sugestão, foi pelo Mi-
n i s t r o d a J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s e n t r e g u e a r e s -
p o n s a b i l i d a d e do p l a n o a r q u i t e t ô n i c o ao E n g e n h e i r o Mi-
l i t a r F. M. de Sousa Aguiar que j á d e r a s u f i c i e n t e s p r o v a s
de c a p a c i d a d e por ocasião d a a p r e s e n t a ç ã o do P a v i l h ã o
Brasileiro n a Exposição de São Luís, em 1904, ocasião e m
que recebeu M e d a l h a de O u r o pelo seu t r a b a l h o .
No a n o seguinte, 1905, d á - s e início à c o n s t r u ç ã o do
prédio com o l a n ç a m e n t o d a p e d r a f u n d a m e n t a l ; c e r i m ô -
n i a solene que c o n t o u com a p r e s e n ç a do que de m a i s
155
expressivo c o n s t i t u í a a a l t a c ú p u l a d a a d m i n i s t r a ç ã o p ú -
blica, a começar pelo P r e s i d e n t e da República, Dr. F r a n -
cisco de P a u l a Rodrigues Alves, e d e m a i s a u t o r i d a d e s . O
a c o n t e c i m e n t o foi m a r c a d o pela colocação, n a s f u n d a ç õ e s
do f u t u r o edifício, de caixa c o n t e n d o a t a e m e d a l h a c o m e -
m o r a t i v a , a l é m de d o c u m e n t o s de praxe, t a i s como j o r n a i s
do dia e m o e d a s correntes. F o r a m a i n d a g u a r d a d a s p a r a
inclusão no acervo da Biblioteca Nacional e d i s t r i b u í d a s
à s pessoas g r a d a s m e d a l h a c o m e m o r a t i v a , de a u t o r i a de
Augusto G i r a r d e t e a Ata, d e s e n h a d a por Rodolfo de
Amoedo g u a r d a d a n a Seção de Manuscritos, c o n f o r m e r e -
l a t a o Diretor no seu registro d a s atividades do a n o e m
curso.
M o n t a v a a t r ê s mil contos de réis (3.000:000$000) a
q u a n t i a v o t a d a n o o r ç a m e n t o da U n i ã o p a r a a obra, com
o que ficou assim a s s e g u r a d a .
E m b o r a fosse p r e o c u p a ç ã o p r i m o r d i a l o novo edifício,
n ã o se descuidava o Diretor dos t r a b a l h o s técnicos e m
curso, t a i s como o e n r i q u e c i m e n t o e c a t a l o g a ç ã o do a c e r -
vo; serviço de p e r m u t a i n t e r n a c i o n a l e n a c i o n a l ; r e g i s t r o
de direitos do a u t o r ; impressão de publicações, todos m i -
n u c i o s a m e n t e descritos em seu r e l a t ó r i o a n u a l , a p r e s e n -
t a d o ao Ministro da J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s . Ainda
u m a vez r e g i s t r a a i m p o r t â n c i a p a r a a casa, da legislação
r e f e r e n t e à Contribuição Legal, a p r o v a d a pela m a i o r i a do
Senado, m a s que s o m e n t e n o a n o de 1907 se f i r m a r á como
decreto.
D e n t r e a s atividades culturais, d e s t a c o u - s e a c o n t r i -
buição e o êxito d a Exposição C e r v a n t i n a , sendo e x p r e s -
sivo o n ú m e r o de obras p e r t e n c e n t e s ao p a t r i m ô n i o n a c i o -
n a l que f i g u r a r a m n a m o s t r a o r g a n i z a d a pelo G a b i n e t e
P o r t u g u ê s de L e i t u r a .
R e c a p i t u l a n d o a s ocorrências do a n o 1906: a l é m d a s
r o t i n a s e e s t a t í s t i c a s a p r e s e n t a d a s , r e f e r e - s e o Diretor à s
o b r a s necessárias f e i t a s n o prédio da R u a do Passeio n.°
48, d e c o r r e n t e s da exigência da S a ú d e Pública, com as
quais a i n d a m a i s vulnerável t o r n o u - s e a i n s t i t u i ç ã o ;
porém, c o n f o r m e s u a s p a l a v r a s , " a c h a n d o - s e em c o n s t r u -
ção o vasto edifício d e s t i n a d o a ser o c u p a d o p e l a Biblio-
teca, só se devem e f e t u a r n o próprio n a c i o n a l que ela
a t u a l m e n t e ocupa, as obras i n a d i á v e i s e a s que f o r e m
156
indispensáveis à s u a conservação". L a m e n t a que s u a s u -
gestão com r e f e r ê n c i a à s c o m e m o r a ç õ e s de 1908, q u a n d o
p a r t i c i p a r i a a Biblioteca com m o n u m e n t a l Exposição Bi-
bliográfica Brasileira, n ã o t e n h a sido aceita, m a s f r i s a
que foi a idéia r e t o m a d a p o s t e r i o r m e n t e pelo I n s t i t u t o
Histórico e G e o g r á f i c o Brasileiro, com o qual c o l a b o r a r i a
a Biblioteca Nacional.
Os t r a b a l h o s que d e c o r r e r i a m f o r ç o s a m e n t e d a t r a n s -
f e r ê n c i a p a r a o novo prédio f i c a m em compasso de espe^
ra, pois a s obras a p e n a s se i n i c i a v a m .
No a n o de 1907 se d e f i n e m os p r o j e t o s p a r a a i n s t a -
l a ç ã o d a Biblioteca n o novo prédio, pois a s o b r a s a v a n ç a -
v a m n a s f u n d a ç õ e s . T r a t a v a - s e pois de p r o g r a m a r a n o v a
e s t r u t u r a , n ã o só q u a n t o ao espaço físico, como t a m b é m
q u a n t o ao tipo de m a t e r i a l a s e r aplicado em mobiliário,
l e v a n d o em c o n t a o a v a n ç o de n o v a s t é c n i c a s a p l i c a d a s a
bibliotecas. P o r e s t a razão, é o D i r e t o r e n c a r r e g a d o de
visitar, n a E u r o p a e E s t a d o s Unidos, as g r a n d e s bibliote-
cas públicas e t a m b é m de c o n t r a t a r o f o r n e c i m e n t o de
m a t e r i a l a d e q u a d o à s n o v a s instalações. A u s e n t o u - s e ele
p o r oito m e s e s (de 20 de m a r ç o a 3 de n o v e m b r o do a n o
em c u r s o ) ; período p r o f í c u o de estudos e c u j o s r e s u l t a d o s
f i g u r a m em r e l a t ó r i o especial e n t r e g u e a seu superior.
O a n o de 1908 r e g i s t r a poderoso f l u x o dirigido a o
acervo bibliográfico brasileiro, d e c o r r e n t e da a p l i c a ç ã o do
decreto 1.825, de 20.12.1907, g r a ç a s ao q u a l foi d e t e r m i -
n a d a a o b r i g a t o r i e d a d e d a e n t r e g a de u m e x e m p l a r de
t r a b a l h o g r á f i c o de o f i c i n a s brasileiras, posto e m p r á t i c a
m e d i a n t e r o t i n a estabelecida pelo D i r e t o r d a Biblioteca
Nacional em convênio com a D i r e t o r i a - G e r a l dos Correios
— e m b o r a n ã o a b r a n g e s s e a t o t a l i d a d e dos 1.140 m u n i c í -
pios i n t e g r a n t e s da F e d e r a ç ã o , foi o m a i o r estímulo p a r a
ser acrescida, n a i n s t i t u i ç ã o , a c o n t r i b u i ç ã o bibliográfica
brasileira, pois a ela cabia ser a g u a r d i ã do p a t r i m ô n i o
i n t e l e c t u a l do país.
Ficou m a r c a d a a Exposição C o m e m o r a t i v a do C e n t e -
n á r i o da I m p r e n s a n o Brasil, t a m b é m pela valiosa c o n -
t r i b u i ç ã o d a Biblioteca N a c i o n a l que a p r e s e n t o u , a l é m d a
série c o m p l e t a de s u a s publicações, u m i m p o r t a n t e c o n -
j u n t o de d o c u m e n t o s r e l a t i v o s a D. J o ã o VI em P o r t u g a l
e
no Brasil.
157
O avanço dos t r a b a l h o s em r e l a ç ã o ao prédio em cons-
t r u ç ã o t o m a v a vulto e j á p e r m i t i a ao D i r e t o r e n c a m i n h a r
a s propostas do m a t e r i a l de aço de t r ê s f i r m a s dos t r ê s
países visitados: E s t a d o s Unidos, I n g l a t e r r a e A l e m a n h a
— sendo escolhida pelo Ministro da J u s t i ç a e Negócios
I n t e r i o r e s a f i r m a a m e r i c a n a Art M e t a l C o n s t r u c t i o n
C o m p a n y que providenciou a r e m e s s a do m a t e r i a l enco-
m e n d a d o (depositado nos porões do novo edifício, e n -
quanto aguardava a montagem). O planejamento interno
p a r a a respectiva distribuição foi e s t u d a d o pelo Diretor,
e m e s t r e i t a colaboração com o c o n s t r u t o r do prédio.
Decisivo p a r a o destino da coleção é o a n o de 1909,
pois m a r c a a t r a n s f e r ê n c i a do acervo p a r a o novo prédio
r e c ê m - t e r m i n a d o . As providências p r e l i m i n a r e s envolve-
r a m t r a b a l h o s de n a t u r e z a p r á t i c a tais como a c o n d i c i o n a -
m e n t o , t r a n s p o r t e e localização nos novos a r m a z é n s , c u j o
c o n t r o l e coube à Direção e envolveu v á r i a s e t a p a s . I n i -
c i a d a a 1 de s e t e m b r o de 1909, s o m e n t e em fevereiro do
a n o seguinte t e r m i n o u a t r a n s f e r ê n c i a do acervo — todo
o desenrolar das atividades está m i n u c i o s a m e n t e descri-
t o n o relatório do r e f e r i d o ano, e n c a m i n h a d o pelo D i r e t o r
ao Ministro da J u s t i ç a e Negócios I n t e r i o r e s .
E m b o r a e n t r e g u e o prédio a 29 de o u t u b r o , f i c a -
r a m "ainda por c o m p l e t a r vários d e t a l h e s de a c a b a m e n t o
b e m como a m o n t a g e m e decoração dos i n t e r i o r e s p a r a
c u j o s t r a b a l h o s f o r a m concedidas v e r b a s n o m o n t a n t e de
2.400:000$0c0.
Ainda d e n t r o do p r o g r a m a de r e e s t r u t u r a ç ã o , s u g e r i a
o Diretor a r e o r g a n i z a ç ã o dos serviços, c o n s i d e r a n d o que
a nova biblioteca, em f u n ç ã o de m a i o r público, t e r i a m a i o -
r e s encargos. P a r a o a u m e n t o de pessoal q u a l i f i c a d o " a
criação de u m Curso de Biblioteconomia que p r e p a r a s s e
o c a n d i d a t o aos cargos da Biblioteca, pois a n a t u r e z a e s -
pecial das f u n ç õ e s c o n f i a d a s aos que são n o m e a d o s p a r a
a s bibliotecas exige c a u t e l a s e g a r a n t i a s " . Ainda s u a a m -
p l a visão l e m b r a v a a i m p o r t â n c i a de ser a i n s t i t u i ç ã o
v i n c u l a d a ao I n s t i t u t o I n t e r n a c i o n a l de Bibliografia, r a z ã o
de p r o j e ç ã o e n t r e as bibliotecas c o n g ê n e r e s dos g r a n d e s
c e n t r o s europeus.
Com a i n s t a l a ç ã o d e f i n i t i v a , em 1910, r e a l i z a v a - s e a
m a i o r a s p i r a ç ã o d a s Direções d u r a n t e p r a t i c a m e n t e u m
158
século: edifício e s p e c i a l m e n t e c o n s t r u í d o d e n t r o d a s m o -
d e r n a s técnicas, p a r a a b r i g a r o o p u l e n t o acervo; mobi-
liário incombustível de a p l i c a ç ã o p r á t i c a e c o n s t r u í d o d e n -
t r o de p a d r õ e s i n t e r n a c i o n a i s e, a i n d a , espaço s u f i c i e n t e
p a r a o m o n t a n t e do acervo e x i s t e n t e e reserva p a r a a
f u t u r a a c o m o d a ç ã o p a r a m a i s q u a t r o c e n t o s mil volumes.
A i n a u g u r a ç ã o oficial d a s n o v a s i n s t a l a ç õ e s ocorreu
e x a t a m e n t e a 29 de outubro, u m século após a d a t a o f i -
cial da i n s t a l a ç ã o d a Biblioteca Nacional, a s s i m conside-
r a d a a d a o r d e m do P r í n c i p e - R e g e n t e de i n s t a l a r s u a
coleção bibliográfica n a s acomodações da R u a do C a r m o .
A s o l e n i d a d e r e u n i u a i n d a d e s t a vez o que de m a i s
r e p r e s e n t a t i v o h a v i a n o s altos escalões da a d m i n i s t r a ç ã o
e a i n d a a elite c u l t u r a l do país — o Sr. P r e s i d e n t e d a
República, D r . Nilo P e ç a n h a , o Sr. Ministro da J u s t i ç a ,
Dr. E s m e r a l d i n o B a n d e i r a , e i n ú m e r o s r e p r e s e n t a n t e s o f i -
ciais que d e i x a r a m r e g i s t r a d a s n a Ata l a v r a d a n a opor-
t u n i d a d e , s u a s p r e s e n ç a s , p r e s t i g i a n d o a direção do Dr.
M a n u e l Cícero P e r e g r i n o da Silva, à f r e n t e d a Biblioteca
Nacional. D u a s p l a c a s de bronze, c o m e m o r a t i v a s do a c o n -
t e c i m e n t o , e colocadas em l u g a r de d e s t a q u e n o novo edi-
fício, g r a v a r a m p a r a a p o s t e r i d a d e os n o m e s dos que m a i s
diretamente colaboraram para tornar realidade a maior
a s p i r a ç ã o de seus Diretores.
A Biblioteca Nacional, n a posição de m a i s i m p o r t a n t e
acervo do país, h e r d e i r a de u m p a t r i m ô n i o r e a l e i m p e -
rial, i n s t a l a d a c o n d i g n a m e n t e e dirigida por u m dos m a i o -
res a d m i n i s t r a d o r e s que j á p a s s a r a m pela instituição, t o r -
n o u - s e c r e d o r a da c o n f i a n ç a dos h o m e n s públicos e de
c u l t u r a que c o n t i n u a r a m d e s t a d a t a em d i a n t e a p r e s t i -
giá-la, e n r i q u e c e n d o - a de valiosos tesouros bibliográficos.
159
A Biblioteca Nacional na Rua do Passeio - Salão de Leitura
A BIBLIOTECA E SUAS ANDANÇAS
163
A BIBLIOTECA NACIONAL
CARMO — PASSEIO — CINELANDIA
Augusto Maurício
A c h e g a d a d a Corte de D. João, e n t ã o P r í n c i p e - R e -
gente, ao Rio de J a n e i r o , e m 7 de m a r ç o ao a n o 1808,
foi da m a i o r i m p o r t â n c i a p a r a a cidade. E n t r e os vários
benefícios de que logo se dignou d o t a r a p o p u l a ç ã o des-
t a c a m - s e , p r i n c i p a l m e n t e , os relativos à classe c u l t u r a l
e t a m b é m à política. T e n d o deixado Lisboa p o r m o t i v o
d a g u e r r a de Napoleão I, que i n v a d i r a seu país, chegou
a f a m í l i a r e a l à cidade de Salvador n o dia 22 de j a n e i r o
de 1808, n u m a f r o t a de m u i t a s n a u s o c u p a d a s por u m a
m u l t i d ã o c o m p o s t a de cerca de 15.000 pessoas. Recebido
o P r í n c i p e com g r a n d e f e s t a , d e m o n s t r a ç õ e s de alegria
popular, logo n o dia 28 do m e s m o m ê s e ano, d e c l a r a v a
a b e r t o s a t o d a s a s n a ç õ e s a m i g a s os p o r t o s do Brasil, p a r a
a e x p a n s ã o do comércio. Foi o p r i m e i r o gesto de c o m p r e -
ensão, de inteligência, logo reconhecido pelo R e g e n t e .
A p e r m a n ê n c i a d a f a m í l i a r e a l em Salvador e s t e n -
d e u - s e a t é 26 de fevereiro, q u a n d o a f r o t a que a conduzia
t o m o u o r u m o do Rio de J a n e i r o , onde chegou n o dia 7
de m a r ç o , t o r n a n d o - o c a p i t a l do Reino — e m b o r a em
c a r á t e r provisório.
Estabelecida a Corte n o Rio, logo teve começo o t r a -
b a l h o de desenvolvimento d a cidade, com a c r i a ç ã o de
v á r i a s instituições de o r d e m a r t í s t i c a e c u l t u r a l , p a r a que
m a i s e m a i s se popularizasse a cidade que se t o r n a r a a
c a p i t a l do Reino. A p r ó p r i a e s q u a d r a que t r a n s p o r t o u d a
E u r o p a a f a m í l i a r e a l t r a z i a algo da m a i o r i m p o r t â n c i a
p a r a a l c a n ç a r o elevado objetivo. D. J o ã o t r o u x e r a de
Lisboa u m acervo de cerca de 6.000 livros d a Biblioteca
da A j u d a que, sem f a v o r , e r a c o n s i d e r a d a das m a i s i m -
p o r t a n t e s n o conceito universal. Essa i n s t i t u i ç ã o f o r a c r i a -
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ção do Rei D. D u a r t e , reorganizada, depois, n o r e i n a d o de
D. José I, após u m incêndio que a d e s t r u i u em p a r t e . A
esse precioso acervo literário f o r a m i n c o r p o r a d a s a L i v r a -
ria do Colégio de Todos os Santos, da I l h a de S. Miguel,
e u m a o u t r a d e n o m i n a d a do I n f a n t a d o . T u d o composto
de obras do m a i s alto m é r i t o l i t e r á r i o e histórico.
Assim, p a r a que fosse logo conseguido o p r i m e i r o
pouso p a r a a i n s t a l a ç ã o da Biblioteca, u m local adequado,
em que coubesse o apreciável n ú m e r o de volumes c h e g a -
dos de Lisboa, foi c o n s u l t a d a a O r d e m T e r c e i r a de N. S.
do M o n t e do Carmo, a f i m de que lhe fosse cedida a
p a r t e dos f u n d o s da igreja, c u j a f r e n t e é n a R u a 1.° de
Março. Nesse local, que t e m e n t r a d a pela R u a do Carmo,
e r a estabelecido u m h o s p i t a l e r e c o l h i m e n t o de moças,
todos i r m ã o s d a r e f e r i d a o r d e m religiosa. Não h o u v e r e -
cusa por p a r t e da direção da Ordem, a o contrário, logo
foi reconhecida a boa v o n t a d e com que foi a t e n d i d a a
consulta. O hospital, b e m como o r e c o l h i m e n t o , p a s s a r a m
a f u n c i o n a r n a I g r e j a de N. S. do P a r t o onde, inclusive,
h a v i a h o s p i t a l e r e c o l h i m e n t o . Assim, por decreto d a t a d o
de 27 de j u n h o de 1810, foi i n s t a l a d a a biblioteca, logo
p r o c u r a d a por e s t u d a n t e s , f r e q ü e n t a d a pelos i n t e r e s s a d o s
em e x p a n d i r s u a c u l t u r a l i t e r á r i a , m a s s o m e n t e foi a b e r t a
ao g r a n d e público a p a r t i r de 1814. De F r e i Camilo de
M o n s e r r a t e h á u m a descrição m i n u c i o s a do a n t i g o Hos-
p i t a l do Carmo, o n d e se alojou a R e a l Biblioteca.
E n t r e vários gestos inesquecíveis de D. João, deve-se
s a l i e n t a r a v i n d a d a Missão Artística F r a n c e s a , em 1816,
sob a o r i e n t a ç ã o do Conde d a B a r c a (Antônio de A r a ú j o
e Azevedo), q u a n d o a p a r e c e r a m verdadeiros gênios nos
m a i s diversos setores de a r t e — J o ã o B a t i s t a D e b r e t
(pintor histórico), Augusto H e n r i q u e Vitor G r a n d j e a n d e
M o n t i g n y ( a r q u i t e t o ) , Augusto M a r i a T a u n a y ( e s c u l t o r ) ,
Nicolau Antônio T a u n a y ( p i n t o r de p a i s a g e n s ) , e n t r e m u i -
t o s outros, sob a c h e f i a de J o a q u i m L e b r e t o n . Esses a r t i s -
tas, a l é m de o u t r o s feitos do governo real, como a ele-
vação do Brasil à condição de Reino em 1815, i m p r i m i r a m
i m e n s u r á v e l d e s t a q u e à vida do Rio de J a n e i r o n a q u e l a
época d i s t a n t e , com a a p r e s e n t a ç ã o de s e u s m a g n í f i c o s
trabalhos.
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Detalhe do "Mappa architectural da cidade do Rio de Janeiro, parte co
m e r c i a l . . . 1874", onde se vê, indicado por uma seta, o Beco do Carmo,
que então dava acesso aos prédios da Rua Detrás do Carmo, e onde
primeiro se alojaram os livros trazidos pelo Príncipe-Regente D. João.
Parte central da cidade do Rio de Janeiro, nos princípios do século XIX,
mostrando os locais por onde andou a Biblioteca Nacional. Números 1 e 2:
casas da Rua Detrás do Carmo. Número 3: edifício do Largo da Lapa ou
Rua do Passeio. Número 4: localização do prédio atual, nas encostas do
Morro do Castelo, em área alinhada com a abertura da Avenida Central,
hoje Avenida Rio Branco.
Com o correr do tempo, o espaço o c u p a d o p e l a R e a l
Biblioteca se foi t o r n a n d o a p e r t a d o , i n s u f i c i e n t e p a r a
g u a r d a r as obras que lhe e r a m d o a d a s por m u i t o s i n t e -
ressados n o a s s u n t o . Era, p o r t a n t o , imprescindível, u r -
gente, q u e se e n c o n t r a s s e o u t r o local p a r a o estabeleci-
m e n t o literário. Corria j á o a n o 1858. A f a m í l i a real, c o m
s u a n u m e r o s a Corte, j á h a v i a voltado a P o r t u g a l . M a s
isso n ã o i m p e d i r i a que a obra prosseguisse.
Resolveu e n t ã o o G o v e r n o I m p e r i a l de D. P e d r o I I
a d q u i r i r u m vasto prédio e x i s t e n t e n a R u a do Passeio, e x -
p r o p r i e d a d e de J . P. d a R o c h a Viana, o que logo foi c o n -
cretizado, p a r a servir de sede à Biblioteca Nacional, que
deixaria, e m b o r a s a u d o s a m e n t e , a casa da R u a do C a r m o .
E n t ã o , e m 1858, passou p a r a a R u a do Passeio a preciosa
coleção l i t e r á r i a . E r a a s u a s e g u n d a residência, de c u j a s
j a n e l a s se p o d i a a p r e c i a r o belo j a r d i m do Passeio P ú -
blico que l h e f i c a v a em f r e n t e .
R e l a t i v a m e n t e ao Passeio Público, t r a n s c r e v e m o s aqui
a l g u n s t r e c h o s de u m t r a b a l h o , algo extenso, c o n s t a n t e
de u m dos livros do a u t o r d e s t a crônica. O Passeio P ú -
blico e r a — e a i n d a é, u m dos p a r q u e s m a i s pitorescos do
Rio, a l é m de t a m b é m ser histórico. O seu local e r a u m
p â n t a n o , ligado a u m a lagoa, d e n o m i n a d a do Boqueirão,
que começava n a P o n t a do Calabouço e t e r m i n a v a n a s
c e r c a n i a s d a Glória. P a r a t r a n s f o r m a r o local do m a g n í -
fico j a r d i m o Vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa
(1779-1790) fez demolir o m o r r o d a s M a n g u e i r a s (no L a r -
go da L a p a ) , cobrindo com a t e r r a a i n f e c t a lagoa. Pois
o Passeio Público, com s u a s árvores enormes, velhíssimas
a l g u m a s , povoado de h e r m a s e bustos, p e r p e t u a n d o a
m e m ó r i a de i l u s t r e s patrícios, se s i t u a j u s t a m e n t e n o a n -
tigo b r e j o . E s t ã o ali, como que presentes, vivos, V a l e n t i m
d a F o n s e c a e Silva, Olegário M a r i a n o , R a i m u n d o Correia,
Gonçalves Dias, C a s t r o Alves, J ú l i a Lopes de Almeida,
P e d r o Américo, Vítor Meireles, C h i q u i n h a G o n z a g a , I r i -
n e u M a r i n h o , H e r m e s F o n t e s , Moacir de Almeida, a l é m de
m u i t o s outros a i n d a .
A execução do p l a n o do j a r d i m , e l a b o r a d o por D. Luís
de Vasconcelos e Souza, foi c o n f i a d a ao gosto a r t í s t i c o de
M e s t r e V a l e n t i m , que se e n t r e g o u i n t e i r a m e n t e ao t r a b a -
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lho, sendo o p a r q u e i n a u g u r a d o no a n o 1783. E r a c i r c u n -
dado por f o r t e m u r o de pedra, com dois portões de f e r r o
— u m em f r e n t e à R u a das Marrecas, e o u t r o à beira do
m a r , a b r i n d o - s e p a r a u m largo t e r r a ç o com u m p a v i l h ã o
e m cada e x t r e m i d a d e . O m u r o p e r m a n e c e u a t é 1835 q u a n -
do, por motivo de o b r a s no parque, foi substituído por
grades de ferro, de p e q u e n a a l t u r a . E m 18G0 n o v a r e f o r -
m a foi r e a l i z a d a no parque, n o que se r e f e r i a ao s e u
aspecto estético. P a r a t a n t o veio da F r a n ç a o r e n o m a d o
botânico e paisagista Augusto F r a n c i s c o M a r i a Glaziou.
Os c a n t e i r o s o b e d e c e r a m a novos riscos, a p l a n t a ç ã o de
flores teve nova orientação, embelezando m a i s o j á belo
r e c a n t o do Rio.
Dois anos após, em 1862, f o r a m as g r a d e s s u b s t i t u í -
d a s por o u t r a s de m a i o r resistência e a l t u r a , que ali p e r -
m a n e c e r a m a t é q u a n d o foi a r r a s a d o o Morro do Castelo,
em 1922, e houve o conseqüente a l i n h a m e n t o do novo lo-
gradouro que surgiu, e que teve a d e n o m i n a ç ã o de P r a ç a
Paris. Nessa ocasião foi r e t i r a d o o gradil, b e m como
suprimido o t e r r a ç o e, n o m e s m o l u g a r l e v a n t a d o s dois
prédios, em estilo colonial, d e n o m i n a n d o - s e u m , T e a t r o
Cassino, e outro, Cassino B e i r a - M a r . Este e r a p o n t o de
e n c o n t r o de jovens, que se d i v e r t i a m ao som de m ú s i c a
e danças, inclusive bebidas; era o que a t u a l m e n t e se
denomina buate.
O largo p o r t ã o que olha p a r a a R u a d a s M a r r e c a s
foi t r a n s p o r t a d o p a r a o interior do p a r q u e , como r e c o r -
d a ç ã o c a r i n h o s a de Mestre Valentim. Acima do p o r t ã o
vê-se, em baixo-relevo, e m delicada f u n d i ç ã o de b r o n z e
dourado, u m m e d a l h ã o com a s efígies de D. M a r i a I e
D. Pedro III, reis de Portugal, t e n d o a s u a volta os dize-
res: MARIA I ET P E T R U S I I I BRASILIAE REGIBUS. F e -
lizmente o portão, b e m como as g r a d e s que c i r c u n d a v a m
o j a r d i m v o l t a r a m aos s e u s primitivos lugares, em f e v e -
reiro de 1968, q u a n d o era G o v e r n a d o r do E s t a d o o D r .
Francisco Negrão de Lima, s e m p r e devotado às preciosi-
d a d e s do Rio.
Existe a i n d a n o Passeio Público algo digno d a v e n e -
r a ç ã o de todos. Além d a s a l t a s p i r â m i d e s de p e d r a , n a s
quais se d e s t a c a m , e m oval de m á r m o r e b r a n c o a s f r a s e s
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A SAUDADE DO R I O e AO AMOR DO PÚBLICO, ali e s t á
u m a d a s m a i s c a r a s r e m i n i s c ê n c i a s do Rio colonial. É a
P o n t e dos Amores, ou C h a f a r i z dos J a c a r é s , a c u j a cons-
t r u ç ã o se liga — s e g u n d o c r o n i s t a s antigos, inclusive
J o a q u i m M a n u e l de Macedo em sua obra " U m Passeio
p e l a Cidade do Rio de J a n e i r o " , curiosa h i s t ó r i a s e n t i -
m e n t a l r e l a t i v a ao Vice-rei D. Luís de Vasconcelos. Talvez
n ã o s e j a r i g i d a m e n t e história, m a s , a d m i t i n d o - s e m e s m o
como lenda, é assaz i n t e r e s s a n t e o a s s u n t o .
S e g u n d o c o n s t a de velhos a l f a r r á b i o s , o Vice-rei, d a d o
a c o n q u i s t a s amorosas, e n c o n t r o u , certo dia, à m a r g e m
d a lagoa do Boqueirão, u m a jovem, S u z a n a , que, de c â n -
t a r o à cabeça, se dirigia ao c h a f a r i z da Glória e m b u s c a
d e á g u a . M o r a v a a m o ç a n a s proximidades. Vendo-se a s s e -
d i a d a pela f i g u r a m a i s poderosa da t e r r a , n ã o se e n v a i -
deceu, n e m d e m o n s t r o u receio de e n f r e n t a r D. Luís e, com
h a b i l i d a d e f e m i n i n a , c o n f e s s o u - l h e que e r a noiva, p r e t e n -
d e n d o c a s a r - s e logo que o seu eleito conseguisse u m a
s i t u a ç ã o favorável.
D. Luís n ã o r e n u n c i o u à s u a p r e t e n s ã o e c o n t i n u o u a
insistir j u n t o a o coração d a moça, a t é que u m dia, es-
condido em u m a m o i t a , q u a l o s á t i r o l e n d á r i o à espreita
de u m a n i n f a d e s c u i d a d a , s u r p r e e n d e u S u z a n a e o noivo,
e m a i s a avó, em p a l e s t r a í n t i m a , à p o r t a d a casa, j u n t o
a u m coqueiro que e r a s e m p r e t e s t e m u n h a do e n c o n t r o
cotidiano dos dois n a m o r a d o s , ao e n t a r d e c e r . A p u r a n d o o
ouvido, percebeu que Vicente Perez, o noivo, r e c e a v a n ã o
p o d e r l u t a r c o n t r a ele, o Vice-rei, e em breve p e r d e r i a a
S u z a n a . Ela p r o c u r a v a demovê-lo de tais t e m o r e s , a f i r -
m a n d o q u e j a m a i s o deixaria, que h a v e r i a de ser s u a
esposa; q u a n t o a D. Luís, t i n h a certeza de que e r a u m
h o m e m de bem, de b o m c a r á t e r , e c o m p r e e n d e n d o a si-
t u a ç ã o , h a v e r i a a t é de a j u d á - l o s .
A convicção da jovem, a e s p e r a n ç a de felicidade e a
c o n f i a n ç a que depositava n a d i g n i d a d e do S e n h o r D. Luís
c a l a r a m f u n d o n o espírito do r e p r e s e n t a n t e real. C o n v e n -
c e u - s e de que S u z a n a e r a p u r a e i n g ê n u a . Se a d e s e j a v a
p a r a u m a a v e n t u r a p a s s a g e i r a , ela via nele a p e n a s u m
h o m e m bom, que poderia p r o t e g ê - l a p a r a a e f e t i v a ç ã o
de s u a v e n t u r a .
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Desiludido, m a s compreensivo e c o n f o r m a d o , resolveu
e n t ã o r e n u n c i a r aos seus reprováveis desejos. No dia se-
g u i n t e m a n d o u c h a m a r Vicente Perez e o f e r e c e u - l h e u m
emprego, pedindo-lhe, nessa ocasião, que consentisse fosse
ele u m a d a s t e s t e m u n h a s de seu c a s a m e n t o .
A j a r d i n a d a a a n t i g a lagoa do Boqueirão, m a n d o u o
Vice-rei que Mestre V a l e n t i m ali l e v a n t a s s e u m a c a s c a t a ,
que foi d e n o m i n a d a F o n t e dos Amores, como r e c o r d a ç ã o
do seu belo s o n h o . . .
Voltemos à Biblioteca Nacional, que é o a s s u n t o p r i n -
cipal desta m o d e s t a crônica.
Com o p a s s a r dos dias, n o v a m e n t e se t o r n o u d e f i -
ciente o prédio da R u a do Passeio p a r a g u a r d a r as p r e -
ciosidades n a Biblioteca. Era, p o r t a n t o , imprescindível b u s -
car, com urgência, outro local. O prédio que servira a t é
e n t ã o foi logo demolido e, em seu lugar, o u t r o l e v a n t a d o ,
o qual a b r i g a a t u a l m e n t e a Escola Nacional de Música.
No Governo de F r a n c i s c o de P a u l a Rodrigues Alves
(1902/1906), g r a n d e p a u l i s t a de G u a r a t i n g u e t á , m a r c a n -
t e s m e l h o r a m e n t o s f o r a m introduzidos n a vida da cidade.
B e m a c o m p a n h a d o em s u a s ações, t e n d o a c e r t a d o p l e n a -
m e n t e n a escolha de seus auxiliares, teve como P r e f e i t o
o e m i n e n t e e n g e n h e i r o F r a n c i s c o P e r e i r a Passos. Logo
após s u a n o m e a ç ã o foi ele, o P r e f e i t o , m u i t o a t a c a d o por
gente invejosa, m a s as decisões que t o m a v a e r a m s e m p r e
irreversíveis. Desprezava os comentários, e prosseguia m a r -
c h a n d o decisivamente p a r a a l c a n ç a r seus objetivos p r i -
m o r d i a i s — embelezar e desenvolver a cidade, d a n d o - l h e
aspecto d i f e r e n t e daquele que a p r e s e n t a v a . E n t r e os p r o -
j e t o s que p r e t e n d i a realizar — e que realizou t r i u n f a l -
m e n t e , e s t a v a a a b e r t u r a de u m a p i s t a r e t a , ligando o
cais do porto ( P r a ç a M a u á ) ao cais d a L a p a . E r a M i n i s t r o
da Viação, Comércio e I n d ú s t r i a o n o t á v e l político L a u r o
Müller, a q u e m cabia deliberar sobre o e m p r e e n d i m e n t o .
Convidado p o r ele, com a a n u ê n c i a do P r e s i d e n t e d a
República, surgiu P a u l o de F r o n t i n , n o m e a d o d i r e t o r d a
m a r a v i l h o s a obra.
No dia 8 de m a r ç o de 1904, foi d a d o início aos t r a b a -
lhos de demolição de m u i t o s prédios, e j á no m ê s de
j u l h o era f r a n q u e a d o ao público o t r e c h o c o m p r e e n d i d o
e n t r e a P r a ç a M a u á ( e n t ã o P r a i n h a ) e a R u a do Ouvidor,
161
Nilo Peçanha, Presidente da República, sua comitiva e convidados, retirando-se do
e
difício da Biblioteca Nacional, após a inauguração oficial. À esquerda d o Presidente,
0
D i r e t o r da Biblioteca, Manuel Cícero Peregrino da Silva.
e e m fevereiro de 1905 j á e s t a v a t o t a l m e n t e a b e r t a a nova
via carioca, com o t í t u l o de Avenida C e n t r a l , m e d i n d o
1.800 m e t r o s de e x t e n s ã o . Depois de nivelado o t e r r e n o
foi o novo l o g r a d o u r o s o l e n e m e n t e i n a u g u r a d o , no dia 15
de n o v e m b r o de 1905, pelo P r e s i d e n t e d a República, P r e -
feito, o D i r e t o r d a obra, Ministros e m u i t a s o u t r a s a u t o -
r i d a d e s do Governo. E foi Avenida C e n t r a l a t é o a n o 1912
quando, p o r m o r t e do s e m p r e p r a n t e a d o d i p l o m a t a p a t r í -
cio José M a r i a d a Silva P a r a n h o s J ú n i o r , passou a s e r
Avenida Rio B r a n c o . E r a u m a j u s t a h o m e n a g e m que a
cidade p r e s t a v a ao seu digno filho, B a r ã o do Rio B r a n c o .
Nesse logradouro, u m dos m a i s m o v i m e n t a d o s d a ci-
d a d e , e n c o n t r a m - s e , a l é m d a Biblioteca Nacional, o Museu
de Belas-Artes, o T e a t r o Municipal, o Clube M i l i t a r . . .
Do o u t r o l a d o da Avenida, n a a t u a l P r a ç a Floriano, estão
os c i n e m a s Odeon, P a t h é , Império, outros. Nessa P r a ç a ,
a n t i g a m e n t e existia o C o n v e n t o da A j u d a , c u j o t e r r e n o
foi a d q u i r i d o por F r a n c i s c o S e r r a d o r , que logo ali c o n s -
t r u i u o seu p r i m e i r o c i n e m a — o Capitólio. A t u a l m e n t e ,
talvez pelo f a t o de se localizarem ali m u i t o s c i n e m a s , o
povo de todo o Rio a c o n h e c e por C i n e l ã n d i a . P o u s a m n o
local u m g r a n d e m o n u m e n t o a F l o r i a n o Peixoto, o u t r o a
Carlos G o m e s (este cópia do e x i s t e n t e e m C a m p i n a s , S.
P a u l o ) , a l é m de b u s t o s que l e m b r a m P a u l o de F r o n t i n ,
Getúlio V a r g a s e F r a n c i s c o S e r r a d o r .
A Biblioteca N a c i o n a l o c u p a todo u m q u a r t e i r ã o d a
p r a ç a — R u a A r a ú j o P o r t o A l e g r e / R u a P e d r o Lessa e,
no f u n d o , a R u a México. É u m prédio de g r a n d e beleza,
de n o b r e aspecto, i m p o n e n t e a r q u i t e t u r a . F a z l e m b r a r o
m a r a v i l h o s o Palácio L a e k e n , de Bruxelas, r e s i d ê n c i a dos
reis da Bélgica. Foi p r o j e t a d o pelo G e n e r a l F r a n c i s c o
Marcelino de Souza Aguiar, e r e a l i z a d a a c o n s t r u ç ã o pelos
e n g e n h e i r o s N a p o l e ã o Moniz F r e i r e e Alberto de F a r i a ,
e i n a u g u r a d o e m 29 de o u t u b r o no a n o 1910 — G o v e r n o
Nilo P e ç a n h a . São do escultor Correia L i m a a s e s t á t u a s
que são vistas n a s e n t r a d a s do prédio, r e p r e s e n t a n d o A
Inteligência e O Estudo. No terceiro a n d a r e n c o n t r a m - s e
dois p a i n é i s — A Memória e A Reflexão, obras do f e s t e -
j a d o p i n t o r Rodolfo Amoedo, e a i n d a A Imaginação e
A Observação, de a u t o r i a de Modesto Brocos, que s ã o
v e r d a d e i r o s p r i m o r e s de a r t e . N ã o podemos deixar de c i t a r
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t a m b é m , existentes n o q u a r t o a n d a r , a s o b r a s Domínio
do Homem sobre as forças naturais e O Progresso, de H e n -
rique Bernardelli, e A Solidariedade Humana e A Liber-
dade, estes últimos de Eliseu Visconti. E s t ã o g u a r d a d o s
com o m a i o r c a r i n h o , porque são a u t ê n t i c a s relíquias, e
q u e f o r a m usados n a h o r a do l a n ç a m e n t o d a p e d r a f u n -
d a m e n t a l do edifício, o m a r t e l o e a colher, a m b o s de p r a t a ,
com cabo de m a d r e p é r o l a . Há, t a m b é m , u m a m e d a l h a que
foi c u n h a d a , p a r a ser s e m p r e l e m b r a d a a d a t a de 29 de
o u t u b r o do a n o 1910, q u a n d o se deu a i n a u g u r a ç ã o da
a t u a l sede da nossa Biblioteca Nacional.
C o n t a a Biblioteca com os s e g u i n t e s d e p a r t a m e n t o s
de a d m i n i s t r a ç ã o : Direção, C o o r d e n a ç ã o Técnica, Divisões
de Aquisição e P r o c e s s a m e n t o , de R e f e r ê n c i a Geral, de
R e f e r ê n c i a Especializada, de Divulgação, de Conservação,
d e R e p r o g r a f i a , de Atividades Auxiliares. T o d a s as seções
b e m distribuídas, c h e f i a d a s por c o m p e t e n t e s f u n c i o n á r i o s
s e m p r e a t e n t o s e delicados no a t e n d i m e n t o dos que b u s -
c a m i n f o r m e s sobre os a s s u n t o s desejados; t u d o isso d á
à Biblioteca a condição de u m d e p a r t a m e n t o de a l t a pos-
t u r a n o seu gênero.
J á dirigiram a Biblioteca Nacional, desde 1808 a t é os
dias que correm, g r a n d e s vultos notáveis, c u j o s n o m e s a
h i s t ó r i a g u a r d a com orgulho. E n t r e eles c i t a r e m o s a p e -
n a s alguns, pela o r d e m de acesso, como S a n t o s Marrocos,
F r e i Antônio de Arrábida, J a n u á r i o da C u n h a Barbosa,
F r e i Camilo de M o n s e r r a t e , B a r ã o de R a m i z Galvão, M a -
n u e l Cícero P e r e g r i n o da Silva, Basílio de M a g a l h ã e s ,
Rodolfo G a r c i a , Josué Monteio, José Honório Rodrigues,
José Elísio Condé. A t u a l m e n t e está n a D i r e ç ã o o ilustre
Professor Plinio Doyle, que segue o m e s m o c a m i n h o dos
seus antecessores, d a n d o à Biblioteca o seu t r a b a l h o c a -
r i n h o s o e eficiente, sua inteligência s e m p r e d e m o n s t r a d o s .
Que a Biblioteca Nacional prossiga sempre, e t e r n a -
m e n t e , e m p r e s t a n d o s u a a j u d a aos que a p r o c u r a m ávidos
de informações, c a r e n t e s de c o n h e c i m e n t o s p a r a a e x -
p a n s ã o de s u a sabedoria.
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ESTE LIVRO
NAS OFICINAS DA
GRAFICA OLÍMPICA EDITORA, LTDA.
RUA DA REGENERAÇÃO, 4 7 5 - BONSUCESSO
RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL
EM NOVEMBRO DE 1980
ISBN 85-7017-009-2 obra completa
ISBN 85-7017-011-4 V. 2