Sunteți pe pagina 1din 438

Brasil – Argentina:

A Visão do Outro
Soberania e Cultura Política

brasil-argentinaFIM.pmd 1 5/2/2004, 11:01


Ministério das Relações Exteriores
Ministro de Estado
Embaixador Celso Amorim

Secretário-Geral
Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

Fundação Alexandre de Gusmão - Funag


Presidente
Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella

Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - Ipri


Diretora
Embaixadora Heloísa Vilhena de Araujo

Fundação Centro de Estudos Brasileiros - Funceb


Presidente
Monica Hirst

brasil-argentinaFIM.pmd 2 5/2/2004, 11:01


Brasil – Argentina:
A Visão do Outro
Soberania e Cultura Política

Carlos Henrique Cardim


Monica Hirst
Organizadores

brasil-argentinaFIM.pmd 3 5/2/2004, 11:01


As idéias, opiniões e propostas apresentadas neste livro são de responsabi-
lidade exclusiva dos autores, não expressando, necessariamente, o pensa-
mento ou as posições do Ministério das Relações Exteriores (MRE), ou da
Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG).

Brasil - Argentina: a Visão do Outro:


Soberania e cultura política / Carlos Henrique Cardim,
Monica Hirst orgs. - Brasília: IPRI/FUNAG, 2003

ISBN 85-7631-004-X

1. Soberania. 2. Argentina - Política e governo. 2. Brasil


Política e governo. 3. Argentina - Relações Exteriores -
Brasil. 4. Brasil - Relações Exteriores - Argentina. I.
Cardim, Carlos Henrique, org. II Hirst, Monica, org. III.
Título: A Visão do Outro.

CDU: 341.211(82)

Editoração eletrônica e capa: André Luís Pires de Carvalho

Direitos de Publicação reservados ao:

Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - IPRI


Esplanada dos Ministérios, Bloco “H”, Anexo I, s. 708
70.170-900, Brasília - DF
Tel.: (61) 411.6800/6816
Fax: (61) 224.2157
www.mre.gov.br/ipri
ipri@mre.gov.br

brasil-argentinaFIM.pmd 4 5/2/2004, 11:01


Sumário

Introdução .................................................................................. 9
Thereza Maria Machado Quintella

Notas Biográficas ................................................................... 13

Sobre a Soberania
I . História
José Carlos Chiaramonte ........................................................... 23
La cuestión de la soberanía en la génesis y constitución del
Estado Argentino.
Affonso Carlos Marques dos Santos ........................................... 57
A construção do Estado Imperial no Brasil: soberania e
legitimidade.

II . Economia
Gilberto Dupas ........................................................................ 89
Identidade, Soberania e Integração sob o impacto das novas
tensões econômicas globais.
Roberto Frenkel ..................................................................... 125
El costo financiero de la soberanía.

III . Política
Francisco Delich ...................................................................... 143
Soberanías acotadas, legitimidades cuestionadas.

brasil-argentinaFIM.pmd 5 5/2/2004, 11:01


Sobre a Cultura Política
I . História
Luis Alberto Romero................................................................... 161
La nueva Argentina y la vieja Argentina. Una mirada al siglo XX.

Jose Murilo de Carvalho.............................................................. 197


Política brasileira no século XX: o novo no velho.

Comentários
Boris Fausto ........................................................................... 217

II . Dimensão Econômica
João Paulo de Almeida Magalhães................................................ 221
Condições para uma estratégia de desenvolvimento
conjunto do Brasil e Argentina.
Bernardo Kosacoff - Adrián Ramos ............................................. 245
El caso Argentino: La desorganización económica actual y la
identificación del sendero de crescimiento.

Comentários
Sergio Besserman Vianna ....................................................... 277
Felipe de la Balze ................................................................... 285
Mônica Baer ........................................................................... 291

III . O Universo Político


José Nun................................................................................... 299
El Proceso Democrático en la Argentina
Maria Hermínia Tavares de Almeida............................................ 329
A Democracia Brasileira nos anos 90

brasil-argentinaFIM.pmd 6 5/2/2004, 11:01


Comentários
Walter Costa Porto ................................................................. 344
Renato Lessa .......................................................................... 346
João Almino de Souza Filho ................................................... 356
Carlos Henrique Cardim ......................................................... 361

IV . Política Externa

Roberto Russell / Juan Tokatlian................................................. 371


El lugar del Brasil en la política exterior argentina:
la visión del otro.

Monica Hirst / Maria Regina Soares de Lima .............................. 405


Contexto Internacional, Democracia e Política Externa.

Comentários
Denilde Holzhacker ............................................................... 431
Carlos Perez Llana ................................................................ 434

brasil-argentinaFIM.pmd 7 5/2/2004, 11:01


brasil-argentinaFIM.pmd 8 5/2/2004, 11:01
Introdução

É uma grande satisfação para mim fazer a apresentação deste


volume, que reúne as contribuições apresentadas em dois seminários
da série Brasil – Argentina: a Visão do Outro, iniciada em maio de
1997, e que é uma iniciativa conjunta da Fundación Centro de Estudos
Brasileiros (FUNCEB) de Buenos Aires, e do Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais (IPRI), da Fundação Alexandre de Gusmão
(FUNAG), de Brasília. É política dessas entidades editar os anais dos
seminários que promovem, para que fiquem registrados e cheguem a
um público mais amplo os excelentes textos especialmente preparados
para eles.
Os intelectuais, por meio da História, revelam-nos o caminho.
Não é fácil essa tarefa que lhes cabe e é importante que estejam
conscientes do papel fundamental que têm a desempenhar na
construção das relações entre o Brasil e a Argentina, como também
função de buscar disseminar os resultados do seu esforço de reflexão.
Essa série de seminários tem reunido diplomatas, políticos,
cientistas políticos, economistas e historiadores para examinar tanto a
evolução de cada um dos dois países, que são irmãos e sócios igualmente
empenhados na conformação de um futuro comum, quanto a história de
seu inter-relacionamento. Esse hoje é muito estreito, mas já atravessou
fases de dificuldades provocadas por uma rivalidade herdada, ainda no
período colonial, das respectivas metrópoles. Como lembra o Embaixador
Sebastião do Rego Barros na apresentação do volume em que estão
reunidos os textos dos três primeiros seminários da série, virou passado
o impulso de rivalidade e diferenciação que caracterizou até meados
da década de 1980 as nossas respectivas histórias nacionais e o
relacionamento entre nossos países. Esse impulso, graças à iniciativa
dos presidentes Alfonsín e Sarney, foi substituído por um espírito de
cooperação, pelo trânsito de pessoais, informações, bens, serviços e
investimentos, por uma atração recíproca, por interesses convergentes e
pela busca da complementariedade.
Através de um maior conhecimento do outro, procuramos chegar
ao fortalecimento de uma identidade compartilhada em várias dimensões:

brasil-argentinaFIM.pmd 9 5/2/2004, 11:01


política, econômica, social e cultural. Como disse no primeiro seminário
o vice-ministro argentino Andrés Cisneros: “quando olhamos as coisas da
perspectiva aberta pelo Mercosul, começamos a ver que, em muitos
sentido, o outro somos nós próprios e necessitamos compartilhar
nossas visões para enriquecer-nos mutuamente.”
O primeiro seminário foi dividido em duas partes: a primeira
em Buenos Aires e a segunda em São Paulo, realizadas ambas em 1997.
Nesta etapa analisou-se a Formação da Identidade Nacional nos
dois países. O seguinte, ocorrido em 1998, em Buenos Aires, intitulou-se
Brasil-Argentina na Transição ao Século XX: da Consolidação das
Nacionalidades à Construção de Projetos Civilizatórios e deu
seguimento às reflexões comparativas de caráter histórico.
Na mesma direção orientou-se o seminário de 1999, no Rio de
Janeiro, Brasil-Argentina, os Anos 30: Reflexos e Vínculos. Um dos
comentários feitos neste seminário e que provocou uma atenção especial
foi feita pelo cientista político Jorge Caldeira, que ao apontar o ineditismo
desses encontros de intelectuais para falar um do outro e citando um
intelectual uruguaio: “o que se passa aqui é que os políticos fizeram o
Mercosul e agora nos chamaram para ver como explicar e justificar as
ações deles.” Qual foi a motivação, e se foi mesmo esta, parece-me
menos importante do que o resultado, que tem sido brilhante e de
crescente relevância.
No presente volume estão reunidas as contribuições
apresentadas nos seminários Brasil-Argentina – A Visão do Outro;
uma Aproximação Interdisciplinária em torno à Questão da
Soberania (Buenos Aires, dezembro de 2002) e A Visão do Outro:
A Cultura Política (Brasília, abril de 2002). Ambos em muito
contribuíram para adensar o nosso conhecimento recíproco e espero
que esta publicação só venha a reforçar estes aspectos.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo
discurso de posse, em 1999, enfatizou o caráter estratégico e de irmandade
profunda do relacionamento Brasil-Argentina e apontou – como uma
obviedade que era importante repetir – o fato de ser o Mercosul a pedra
de toque da política externa brasileira. Mantém-se vivo e prioritário no
Brasil o propósito de dar prosseguimento à construção da aliança

10

brasil-argentinaFIM.pmd 10 5/2/2004, 11:01


estratégica com nossos irmãos e vizinhos argentinos, fator decisivo para
a preservação e o fortelecimento do Mercosul. Para isso recorreremos,
quanto e quando necessário, às adaptações criativas a que se tem
referido o ministro Celso Lafer em alguns de seus discursos, quando
fala dos atuais desafios enfrentados pela Argentina ou da fase difícil
que atravessa o Mercosul.
Não pode haver dúvida de que as relações Brasil-Argentina têm
importância única e fundamental para ambos os países e constituem,
ainda nas palavras do ministro Celso Lafer, “uma parceria de grande
alcance que os fortalece mutuamente, facilita sua inserção no mundo
e constitui um dado-chave da estabilidade política e do crescimento
econômico sustentável da América do Sul.”
Gostaria de terminar com uma nota pessoal e emocionada para
lembrar que a Argentina – e mais especificamente a cidade de Bahia
Blanca – foi meu primeiro posto diplomático. Nessa cidade portuária
teve o Brasil, até fins dos anos 1960, um pequeno Consulado, que tive
o desafio de chefiar com toda a minha inexperiência e auto-suficiência de
jovem diplomata. Primeiro posto é como primeiro amor: uma iniciação
que nos marca indelevelmente para toda a vida. Dos dois anos que
passei na Argentina ficou-me muito carinho por aquele país e por sua gente
e uma grande confiança no futuro do nosso relacionamento bilateral.

Thereza Maria Machado Quintella


Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
Brasília, julho de 2002

11

brasil-argentinaFIM.pmd 11 5/2/2004, 11:01


brasil-argentinaFIM.pmd 12 5/2/2004, 11:01
NOTAS BIOGRÁFICAS

Afonso Carlos Marques dos Santos


Professor Titular de Teoria e Metodologia da História do Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e
Coordenador do PROCULT – Programa de Teoria, Historiografia e História
da Cultura da mesma universidade. Autor, entre outros trabalhos, de “No
Rascunho da Nação. Inconfidência no Rio de Janeiro”, “O Rio de Janeiro de Lima Barreto”,
“O Paço da Cidade: biografia de um monumento”, “A Academia Imperial de Belas Artes
e o projeto civilizatório do Império”, “Nação e História: Jules Michelet e a criação da
História Nacional na França” e “Invenções do Brasil”.

Bernardo Pedro Kosacoff


Argentino, Economista de la Universidad Nacional de Buenos Aires. Director
de la Oficina en Buenos Aires de la CEPAL-Naciones Unidas) . Profesor
titular de Organización Industrial en la Universidad Nacional de Buenos Aires
(desde 1984) y de Política Económica en la Universidad Nacional de Quilmes
(desde 1993). Presidente del Instituto Desarrollo Econômico y Social (IDES).
(desde 1999).

Boris Fausto
Professor aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade
de São Paulo e presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Análise de
Conjuntura Internacional (Gacint) da mesma Universidade. Entre suas obras
mais recentes, encontram-se “Negócios e ócios - Histórias da imigração”;
“História do Brasil” e “O pensamento autoritário brasileiro”.

Carlos Pérez LLana


Profesor de “Relaciones Internacionales Contemporáneas”. Maestría de
posgrado en RR.II. Universidad T. Di Tella. Profesor de “Relaciones
Internacionales” y “Agenda Internacional”.
Universidad de San Andrés. Ex-Embajador de la Rep.Argentina en Francia
( 2000-2002 ) Último libro: “El Regreso de la Historia. La política internacional
de la posguerra fría”. Editorial Sudamericana. Bs.As, 1998. Último artículo:
“Argentina: destination Mercosur”. Politique Internationale; nª 95 - printemps
2002. Paris, 2002.

13

brasil-argentinaFIM.pmd 13 5/2/2004, 11:01


Denilde Holzhacker
Pesquisador no Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade
de São Paulo. Mestre em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo,
2001. Doutoranda do Departamento de Ciências Políticas da USP, com
trabalho sobre as Percepções das Elites e da Opinião Pública sobre a Política
Externa Brasileira.

Felipe De la Balze
Académico, empresario y especialista en temas internacionales. Secretario
General del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI).
Ha publicado numerosos libros entre los que se incluyen recientemente, “El
Futuro del Mercosur. Entre la Retórica y el Realismo”, CARI, Buenos Aires;
“The Remaking of the Argentine Economy” con el Council of Foreign
Relations de Nueva York y ha sido coautor de “Paths to Regional Integration.
The Case of Mercosur”, Woodrow Wilson International Center for Scholars.
Autor, asimismo, de numerosos artículos sobre la inserción de la Argentina en
la economía y la política internacional, publicados en revistas internacionales
como Foreign Affairs (USA), Foreign Affairs (Español), Internationale Politik
(Alemania), Politica Internazionale (Italia) y Archivos del Presente (Argentina).
Profesor de Economía Internacional en el Instituto del Servicio Exterior del
Ministerio de Relaciones Exteriores, en el Curso Superior del Estado Mayor
Conjunto de las Fuerzas Armadas, en FLACSO (Fundación Latinoamericana
de Ciencias Sociales) y en la Universidad Torcuato Di Tella.

Francisco Delich

Se graduó como Abogado en 1961 en la Facultad de Derecho de la Universidad


Nacional de Córdoba. Diploma en Economía y Sociología de la Universidad
de París, junio de 1964. Doctor en Derecho y Ciencias Sociales, Universidad
Nacional de Córdoba, agosto de 1968. Doctor Honoris Causa de la
Universidad Mayor de San Marcos, Lima, Perú (1991). Doctor Honoris Causa
de la Universidad de Nottingham, Inglaterra (1993). Doctor Honoris Causa
de la Soka University de Tokio, Japón (1994). Elegido miembro del Consejo
Superior de la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. Período 1996-
2004.Director de la Biblioteca Nacional 2000 – 2004 Director de la Carrera
de Sociología de la Universidad Siglo 21desde marzo de 2002.

14

brasil-argentinaFIM.pmd 14 5/2/2004, 11:01


Gilberto Dupas

Coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional(GACINT - Uni-


versidade de São Paulo), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e
Internacionais - IEEI, ex-membro do Conselho Deliberativo do Instituto de
Estudos Avançados (IEA - USP) e professor da FDC junto ao European
Institute of Business Administration - Insead (França) e à Northwestern
University - Kellogg (EUA). Autor, entre outros livros, de “Crise Econômica
e transição democrática”, “Alca e os interesses do Mercosul”, “Economia glo-
bal e exclusão social”, “Ética e poder na sociedade da informação” e de
“Hegemonia, Estado e Governabilidade”.

João Almino de Souza Filho


Diplomata e escritor. Entre seus livros se incluem, na ficção, A Trilogia de Brasília,
integrada pelos romances Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo, Samba-Enredo
e As Cinco Estações do Amor, e, na não-ficção, Os Democratas Autoritários, A Idade
do Presente, Era uma vez uma Constituinte, O Segredo e a Informação, Naturezas Mortas
e Brasil/EUA Balanço poético. Doutor pela École des Hautes Etudes en Sciences
Sociales (Paris), foi professor da UNAM (México), da UnB e das Universida-
des de Berkeley e de Stanford. Foi Conselheiro na Embaixada do Brasil em
Washington, Cônsul-Geral em São Francisco e Lisboa, Ministro-Conselheiro
em Londres e é Diretor do Instituto Rio Branco.

João Paulo de Almeida Magalhães

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –


1950. Doutor em Ciências Econômicas ( doutorado de estado ) Universidade
de Paris I –1953. Livre docente de Economia Política da Universidade de São
Paulo – 1958. Professor Titular de Economia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro 1964. Professor Titular de Economia da Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro 1994. Economista –chefe do Núcleo de Planejamento
Econômico do Governo Jânio Quadros 1961. Membro do Comitê de Peri-
tos da Aliança para o Progresso -1967. Presidente do Instituto de Economia
do Rio de Janeiro 1998. Coordenador da Comissão de Política Econômica
do Conselho Federal de Economia 2003

José Carlos Chiaramonte

Profesor Honorario de la Universidad de Buenos Aires; Director del Instituto


de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”de la Facultad de

15

brasil-argentinaFIM.pmd 15 5/2/2004, 11:01


Filosofía y Letras de la misma Universidad; Investigador del Consejo Nacional
de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET).
Entre otros trabajos, autor de: Nacionalismo y liberalismo económicos en Argentina,
1860-1880, Buenos Aires, Solar-Hachette, 1970; Formas de sociedad y economía en
Hispanoamérica, México, Grijalbo, 1983; La Ilustración en el Río de la Plata, Cultura
eclesiástica y cultura laica durante el Virreinato, Buenos Aires, Punto Sur, 1989;
Mercaderes del Litoral, Buenos Aires, F.C.E., 1991; Ciudades, provincias, Estados:
Orígenes de la nación argentina (1800-1846), Buenos Aires, 1997.

José Murilo de Carvalho


Doutor em Ciências Políticas (Universidade de Stanford), professor titular de
História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu último livro
publicado é ‘‘Cidadania no Brasil. O longo caminho”.

José Nun
Director del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional
de General San Martín e Investigador Principal del CONICET. Entre sus
principales libros se cuentan: América Latina - La crisis hegemónica y el golpe
militar; La rebelión del coro - Ensayos sobre la racionalidad política y el
sentido común; Ensayos sobre la transición democrática en la Argentina (con
Juan C. Portantiero); Crisis económica y despidos en masa; Marginalidad y
exclusión social; Averiguación sobre algunos significados del peronismo;
Democracia: ¿gobierno del pueblo o gobierno de los políticos?; El gobierno
de Alfonsín y las corporaciones agrarias (con Mario Lattuada).

Juan Gabriel Tokatlian

Director de Ciencia Política y Relaciones Internacionales de la Universidad de


San Andrés (Victoria, Provincia de Buenos Aires, Argentina). Fue Profesor
Asociado (1995-1998) de la Universidad Nacional de Colombia (Bogotá),
donde se desempeñó como investigador principal del Instituto de Estudios
Políticos y Relaciones Internacionales (IEPRI). Fue co-fundador (1982) y
director (1987-94) del Centro de Estudios Internacionales (CEI) de la
Universidad de los Andes (Bogotá).

Luis Alberto Romero


Investigador Principal del CONICET. Profesor de la Universidad de Buenos
Aires y de la Maestría en Ciencias Sociales de la Facultad Latinoamericana de

16

brasil-argentinaFIM.pmd 16 5/2/2004, 11:01


Ciencias Sociales Recientemente ha publicado “Sectores populares, cultura y
política: Buenos Aires en la entreguerra” (con Leandro H. Gutiérrez, 1995),
“Qué hacer con los pobres. Elite y sectores populares en Santiago de Chile en
el siglo XIX” (1996), “Argentina. Crónica total del siglo XX” (2000), “Buenos
Aires, historia de cuatro siglos” (2da edición, 2000), y “Breve historia
contemporánea de la Argentina” (2da ed. 2001) y “A History of Argentina in
the Twentieth Century.” The Pennsylvania State University Press, Pennsylvania,
2002. Dirige la colección “Historia y cultura”.

Maria Hermínia Tavares de Almeida


Professora titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de
São Paulo, membro do Comitê Executivo da Latin American Studies
Association (LASA), do Conselho Superior da CAPES, do Comitê de Ciênci-
as Humanas e Sociais da Fapesp e do Comitê Acadêmico da Associação Na-
cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). Foi Tinker
Visiting Professor na Stanford University. Autora do livro “Crise econômica e
interesses organizados” e de artigos sobre políticas públicas no Brasil.

Maria Regina Soares de Lima


Professora titular e pesquisadora do IUPERJ e professora do Instituto de
Relações internacionais (IRI) na PUC-Rio. Autora de vários ensaios críticos e
trabalhos de pesquisa sobre política externa em revistas especioalizadas.

Monica Baer
Sócia-Diretora da MB Associados, empresa de consultoria especializada em
análises macroeconômica e setorial, ex-Professora-Doutora do Instituto de
Economia da Universidade de Campinas/UNICAMP, foi pesquisadora do
CIDE e do CEBRAP, exerceu cargos junto às Secretarias de Planejamento de
São Paulo e do Rio de Janeiro e junto à Secretaria de Política Econômica do
Ministério da Fazenda, prestou serviços de consultoria a vários órgãos
internacionais e regionais como PNUD, ALADI, ILPES/CEPAL e SELA.
Tem vários artigos e trabalhos publicados sobre questões financeiras
internacionais e economia brasileira, destacando-se os livros, “Políticas globales
en el capitalismo”, “A internacionalização financeira no Brasil”, “Fundo
Monetário Internacional e Banco Mundial - Estratégias e políticas do poder
financeiro”, “Rumo perdido - A crise fiscal e financeira do Estado Brasileiro”.

17

brasil-argentinaFIM.pmd 17 5/2/2004, 11:01


Monica Hirst
Directora Ejecutiva de la Fundación Centro de Estudos Brasileiros (FUNCEB),
Profesora en la Universidad Torcuato Di Tella y en el Instituto del Servicio
Exterior de la Nación (ISEN). Autora de libros y trabajos sobre las relaciones
internacionales de América Latina, con especialización en el Mercosur; la Política
Exterior de Brasil; Integración Regional; y Cuestiones de Seguridad
Internacional.

Renato Lessa

Professor titular de Ciência Política no Iuperj e na Universidade Federal


Fluminense. Foi professor visitante em diversas instituições nacionais e interna-
cionais, tais como a Universidade de São Paulo, The Queen’s University of
Belfast (Irlanda do Norte), Universidad de la Republica (Uruguai) e The
American University (Washington, DC). De 1997 a 2000 ocupou a Secretaria
Executiva da Associação Brasileira de Ciência Política. No ano de 2002 foi
presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ). Desde 1999 pertence ao Conselho da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC). Assessor especial da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no programa de implantação e
acompanhamento dos Núcleos de Pesquisa, Inovação e Difusão e membro
do Conselho do Programa de Estudos Judaicos da UERJ e do Núcleo de
Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra.

Roberto Frenkel
Miembro de la Task Force on Capital Market Liberalization, coordinada por
Joe Stiglitz y José Antonio Ocampo. Initiatives for Policy Dialogue, University
of Columbia, New York (desde mayo 2002). Director del Banco de la
Provincia de Buenos Aires (desde diciembre 1999). Investigador Titular en el
Centro de Estudios de Estado y Sociedad (CEDES), Argentina (desde 1977).
Director del Programa de Especialización en Mercado de Capitales. Convenio
UBA – MERVAL – Bolsa de Comercio de Buenos Aires (desde 1991).
Profesor de la Maestría en Economía, Facultad de Ciencias Económicas,
Universidad de Buenos Aires (desde 1993).

Roberto Russell
Director de la Maestría en Estudios Internacionales de la Universidad Torcuato
Di Tella y profesor del Instituto del Servicio Exterior de la Nación, Buenos

18

brasil-argentinaFIM.pmd 18 5/2/2004, 11:01


Aires, Argentina. Ha escrito extensivamente sobre Teoría de las Relaciones
Internacionales, Relaciones Internacionales de América Latina y Política Exterior
Argentina. Su último libro, junto a Deborah Norden es The United States and
Argentina: Changing Relations in a Changing World, Nueva York-Londres:
Routledge, 2002.

Sergio Besserman Vianna


Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE e da
Conferência Estatísticas das Américas. Foi Diretor de Planejamento do Banco
Nacional de Desenvolvimento Economico e Social. Autor do livro Política
Ecônomica no Segundo Governo Vargas - (1951-1954) e publicou diversos
ensaios sobre Globalização e Desenvolvimento Sustentável.

Walter Costa Porto

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Foi Ministro


do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Autor de vários livros entre os quais “O
Voto no Brasil” e “Dicionário do Voto”.

19

brasil-argentinaFIM.pmd 19 5/2/2004, 11:01


brasil-argentinaFIM.pmd 20 5/2/2004, 11:01
SOBRE A SOBERANIA

brasil-argentinaFIM.pmd 21 5/2/2004, 11:01


brasil-argentinaFIM.pmd 22 5/2/2004, 11:01
LA CUESTIÓN DE LA SOBERANÍA EN LA GÉNESIS Y CONSTITUCIÓN
DEL ESTADO ARGENTINO

José Carlos Chiaramonte1

¿QUÉ FUE ANTES, LAS PROVINCIAS O LA NACIÓN?

La cuestión de qué fue anterior, la nación o las provincias, el


todo o las partes, ha sido un problema delicado para la historia consti-
tucional argentina, particularmente porque de la respuesta dada a la
misma se podía fundar, o negar, el derecho de cada parte a separarse
del conjunto. Se trataba de un riesgo muy sensible en el siglo XIX, tal
como lo mostraron, entre otros incidentes, la segregación de Buenos
Aires en 1852 y los sucesos del 80, así como también lo avivaba el
ejemplo de un conflicto exterior, el de la guerra civil norteamericana.
Ese riesgo se había desvanecido ya en el siglo actual, pero sus efectos
condicionantes en el constitucionalismo argentino seguían vigentes.2
El problema provenía de que tanto la preexistencia de las
provincias con anterioridad a la constitución de 1853, como su
participación en calidad de entidades soberanas en el Acuerdo de San
Nicolás, en 1852 _y fue en toda esa década Buenos Aires la más aferra-
da a su condición de Estado independiente y soberano_, no podían ser
ignoradas fácilmente. De modo que conciliar esa realidad con el princi-
pio constitucional de que la nación argentina está formada por un con-
junto de provincias que son producto de ella y que sólo ejercen ciertas
atribuciones soberanas que, a través de la constitución, la nación les ha
concedido, no era cosa sencilla.
La voluntad de «poner» la nación ab initio ha sido fuerte en los
constitucionalistas, que unen así el recurso convencional propio del
1
Agradezco las observaciones de los investigadores del Instituto, Nora Souto, Pablo Buchbinder
y Roberto Di Stefano, así como también los comentarios de Alfonso Marques dos Santos, Hilda
Sábato, y demás participantes del Simposio.
2
Problema no ajeno tampoco al caso del Brasil. Véase un reciente reexamen en Manuel Correia
de Andrade, As raízes do separatismo no Brasil, São Paulo, Unesp/Educ, 1999.

23

brasil-argentinaFIM.pmd 23 5/2/2004, 11:01


régimen representativo liberal de imputar la soberanía a un sujeto de
derecho político denominado nación, con un supuesto histórico discutible.
Tal como se observa en este texto de uno de los más importantes
constitucionalistas argentinos contemporáneos, Carlos Sánchez Viamonte:
«...en el proceso histórico, las provincias son anteriores a la
Constitución de 1853, pero posteriores a la existencia de la Nación
Argentina, nacida de la Revolución de 1810 y con plena independencia
y soberanía desde 1816.»3
Y más claramente en el siguiente:
“La NaciónArgentina había comenzado por ser una unidad en
la Colonia, durante el Virreinato, y siguió siendo así después de la
Revolución de Mayo [...] las provincias no actuaron nunca como Esta-
dos soberanos independientes, sino como entidades creadas dentro de
la Nación y como partes integrantes de la misma, circunstancialmente
afectadas por conflictos internos.”4
El argumento adoptado en la historiografía respectiva con mayor
frecuencia para justificar la preexistencia de la nación es, así, suponerla
desde al menos el momento inicial del proceso de Independencia.5 La
misma tesis es recogida más recientemente por otro destacado
constitucionalista, quien sostiene que mientras en EE. UU. la
confederación unió a colonias independientes, en Argentina el proceso
comenzó con
3
Cit. en Jorge R. Vanossi, Situación actual del federalismo, Buenos Aires, Depalma, 1964, pág. 11.
Según la constitución argentina, las provincias están subordinadas a la voluntad soberana de
todo el pueblo cuando éste opera como poder constituyente. En este sentido la fórmula de una
sentencia del chief justice Chase, pronunciada con motivo del caso «Texas v. White», por la cual
el Estado federal es «una unión indestructible de Estados indestructibles», no es aplicable al caso
argentino, según Sanchez Viamonte, quien sostiene que las provincias no son destructibles para
el gobierno ordinario, pero sí para la voluntad constituyente del pueblo de la Nación Argentina:
Jorge R. Vanossi, «La influencia de la constitución de los Estados Unidos de Norteamérica en la
Constitución de la República Argentina», Revista Jurídica de San Isidro, Diciembre 1976, pág. 18.
4
Carlos Sánchez Viamonte, Historia Institucional Argentina, Segunda edición, México, F. C. E.,
1957, págs. 196 y 197 [la primera edición es de 1948]
5
Un punto de vista parcialmente diferente es el de Germán J. Bidart Campos, que observa la
inexistencia de una nacionalidad argentina en 1810, aunque la supone preexistente al acto
constitucional de 1853. Germán J. Bidart Campos, Historia Política y Constitucional Argentina, 3
tomos, Buenos Aires, EDIAR, 1976, t. III, págs. 134 y 139.

24

brasil-argentinaFIM.pmd 24 5/2/2004, 11:01


«...una entidad nacional única, heredera del virreinato, que luego
de atravesar por un largo período de anarquía y desorganización, devino
en la forma constitucional descentralizante de 1853/1860.»6
Si las provincias que concurrieron al nacimiento del actual Es-
tado nacional argentino en 1853 eran Estados independientes y sobe-
ranos que pactaban su fusión en un Estado federal o sólo eran partes
remanentes de una nación previa que se había disgregado luego de 1810
o 1819 y que desde entonces habían intentado reunirse sin éxito, con-
forma un problema de capital importancia, no sólo para el derecho
constitucional sino también para la historia rioplatense del siglo XIX.
Pues también entre los historiadores ha sido preocupación predomi-
nante. Un excelente ejemplo de las tesis sobre la existencia de la nación
en 1810, así como una muestra bastante traslúcida de la voluntad
creadora del mito, los ofrece la Historia del Derecho Argentino de Ricardo
Levene. Especialmente desde su primera página, en la que afirma la
existencia de un “Derecho Patrio” que si bien se desprende del Derecho
Indiano, «...desde sus orígenes es vertebral, formativo de una nacionali-
dad y no un derecho intermedio al decir de Alberdi, como si careciera
de naturaleza propia.» [Derecho intermedio: el francés que va de 1789
al Código de Napoleón de 1804] Se trata en cambio de un «Derecho
Patrio Argentino» precodificado, antes de 1853, y codificado luego de
esa fecha. El Derecho Patrio Precodificado corresponde
«...a un período nuevo que se inicia con la Revolución de 1810,
cuyo plan consistió en fundar la Independencia de una Nación,
convirtiendo el vínculo jurídico del vasallaje en el del ciudadano que
integra la soberanía, y que además de la Independencia, organizaba la
República democrática...»7
Nuestro criterio es que lo que puede considerarse una “ficción”
jurídica, en el sentido de una convención aceptada como un postulado
6
Jorge R. Vanossi, Situación actual del federalismo, Buenos Aires, Depalma, 1964, pág. 11.
7
Ricardo Levene, Historia del Derecho Argentino, Tomo IV, (desde la Revolución de Mayo a la
Asamblea de 1813-15), Buenos Aires, Kraft, 1948, págs. 11 y 12. Sobre la formación de la
historiografía constitucional argentina, véase José Carlos Chiaramonte y Pablo Buchbinder,
«Provincias, caudillos, nación y la historiografía constitucionalista argentina, 1853-1930», Anua-
rio IHES, Instituto de Estudios Histórico-Sociales, Universidad del Centro de la Provincia de Buenos
Aires, Nº 7, 1992.

25

brasil-argentinaFIM.pmd 25 5/2/2004, 11:02


para la organización de un Estado, ha sido convertida en una tesis
historiográfica que vela la comprensión del proceso abierto por la
Independencia. La comentada tesis constitucional no coincide con lo
realmente ocurrido en el proceso de organización estatal rioplatense,
cuando las primeras entidades soberanas fueron posteriores a 1810 y
consistieron en las ciudades con Ayuntamiento. Posteriormente, se
convirtieron en cabeceras de provincias, las que tratarían de organizarse
como Estados soberanos e independientes y actuarían en calidad de
tales, independientemente del mayor o menor logro de esos intentos de
organización estatal, de dispares resultados en el conjunto rioplatense.8
La cuestión de qué fue antes, la provincia o la nación, es de
especial interés y es útil observar, según veremos más adelante, cómo
se instaló también en el debate constitucional norteamericano porque,
como ya advertimos, de la forma en cómo se la resuelva depende la
posibilidad de una mejor comprensión del proceso histórico que va de
1810 a 1853. Pero para un examen no anacrónico del problema en este
caso, no anacrónico retrospectivamente, en el sentido de no proyectar
sobre el pasado la imagen de nuestros conflictos contemporáneos, es
imprescindible advertir que el conflicto y su interpretación giran
sustancialmente en torno al concepto de soberanía y al general predominio
del derecho natural y de gentes como fundamento de las ideas y prácticas
políticas de la época.9
Al respecto, y antes de continuar con lo ocurrido en el Río de la
Plata en la primera mitad del siglo XIX, creo oportuno efectuar algunas
consideraciones sobre la historia de la noción de soberanía, no con el
propósito de discutir la teoría al respecto, cosa ajena al propósito de
este trabajo, sino para comprender mejor las modalidades de su uso de
8
Véase, al respecto, nuestros trabajos «El federalismo argentino en la primera mitad del siglo
XIX» , en Marcello Carmagnani (comp.), Federalismos latinoamericanos: México/Brasil/Argentina,
México, El Colegio de México/F.C.E., 1993, y Ciudades, provincias, Estados: Orígenes de la nación
argentina (1800-1846), Buenos Aires, Ariel, 1997.
9
Respecto de la función del Iusnaturalismo como fundamento de la política del período y no
como mero capítulo de la historia del derecho, véanse nuestros trabajos «La formación de los
Estados nacionales en Iberoamérica», Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana «Dr.
Emilio Ravignani», 3a. Serie, No. 15, Buenos Aires, 1997, y “Fundamentos iusnaturalistas de los
movimientos de independencia”, Congreso Internacional “Los Procesos de Independencia en la
América Española”, Instituto Nacional de Antropología e Historia/El Colegio de Michoacán;
Morelia, Mich., México, 1999, en prensa en las actas del Congeso.

26

brasil-argentinaFIM.pmd 26 5/2/2004, 11:02


época, algo imprescindible para la inteligencia de la historia de la
organización del Estado nacional argentino.

LA NOCIÓN DE SOBERANÍA EN EL DERECHO DE GENTES

Se ha señalado que una diferencia sustancial entre las doctrinas


escolástica y moderna sobre el origen y naturaleza del poder, es que
para la primera existe un dualismo en la concepción de la soberanía,
una soberanía radical y otra derivada. La doctrina escolástica supone
que el dualismo comunidad/príncipe (ateniéndonos a una de las tres
formas de gobierno definida ya por Aristóteles, la monarquía) subsiste
luego del traspaso del poder, lo que se refleja en otro dualismo, el de un
poder originario o virtual de la comunidad, y un poder en función, el
del príncipe. Estas dos consecuencias son comunes a todas las varian-
tes de las doctrinas pactistas de la Escolástica, pero mientras en Suárez
o Vitoria, una vez transferido el poder al príncipe la comunidad carecía
enteramente de él mientras no lo recobrase por razones de excepción
como la tiranía del príncipe en Mariana y otros autores «el poder seguiría
conjuntamente en ambos», lo que daba lugar a la concepción de un
ejercicio de la soberanía conjunto por “rey y reino”, fórmula que, si
bien no exitosa en España, tendría buena acogida en los medios
autonomistas iberoamericanos antes de las independencias, pero que
implicaba una contradicción con la doctrina de la indivisibilidad de la
soberanía, que Bodino y otros autores modernos encarecían como fun-
damento imprescindible del Estado.10
En cuanto respecta a la noción de soberanía, podrían encontrarse
antecedentes, antes de Bodino, en conceptos políticos formulados en
los siglos XII en adelante, pues se ha advertido que ya entonces se
usaba el término, aunque no totalmente en el mismo sentido con que
se lo emplearía luego, o se utilizaban conceptos que como los de auctoritas
y potestas contienen algunas de las notas posteriormente propias del
concepto de soberanía.11 Pero en su uso actual, el concepto se acuña en
10
Joaquín Varela Suanzes-Carpegna, La teoría del Estado en los orígenes del constitucionalismo hispánico
(Las Cortes de Cádiz), Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1983, págs. 66 y 67.
11
Pedro Bravo Gala, «Estudio Preliminar», en J. Bodin, Los seis libros de la república, Madrid,
Tecnos, 1985, pág. LVII.

27

brasil-argentinaFIM.pmd 27 5/2/2004, 11:02


el siglo XVI para dar cuenta del ejercicio del poder político en un con-
texto que niega el poder de las dos grandes potencias universales de la
Edad Media, la Iglesia y el Imperio. Ejercicio del poder político, esto
es, del poder del Estado otro concepto acuñado en el mismo siglo_
entendido como supremo poder de mando, no sometido a ningún otro
y no eludido por ningún individuo, grupo o corporación del territorio
en que se ejerce. Un concepto, el de soberanía, que tiene asimismo,
como una de sus funciones fundamentales, la de conciliar poder y
derecho, esto es, la de proporcionar legitimidad al monopolio de la fuerza
característico del concepto del Estado moderno.
Para el propósito de indagar los fundamentos de las tendencias
centralistas y confederales en la historia iberoamericana, es útil recor-
dar que Bodino puede ser considerado, efectivamente, punto inicial de
la tendencia moderna a fundar la estabilidad y éxito de un Estado en la
unidad e indivisibilidad de la soberanía, mientras Altusio lo sería de la
opuesta concepción de la coexistencia de distintos poderes soberanos
en el marco de una misma asociación política. Pues uno de los proble-
mas centrales del concepto de soberanía era el de su unidad. Frente a
las doctrinas del Estado mixto, de antigua data, que hacían centro en la
necesidad del consenso de los grupos intermedios de la sociedad feu-
dal para la legislación, y que tendrá en Altusio (1557-1638) un nuevo y
fuerte partidario, la que habrá de ser considerada doctrina moderna del
Estado tuvo en juristas como Bodino (c. 1530-1596) una radical
afirmación de la indivisibilidad de la soberanía.12
El objetivo de dotar a la monarquía de todo el poder necesario
para instaurar un orden de concordia y justicia, que Bodino juzgaba no
podían alcanzar los grupos sociales intermedios, lo llevaba a atacar los
poderes feudales y estamentales y a acentuar el del príncipe, de una
forma que no estuviese trabado por ninguna clase de fiscalización. En
otros términos, como efecto de la ruptura de un orden social basado en
12
Bodino hacía pie en una tradición cristiana que se remonta a los Papas Bonifacio VIII e
Inocencio IV, a quien Bodino elogia: «Tras su rigurosa construcción lógica de la soberanía, está
presente, debidamente secularizada, la vieja teoría política cristiana, de acuerdo a la cual es
preciso reconducir la diversidad del orden jurídico a la unidad (omnis multitudo derivat ab uno),
según la forma en que ha sido expuesta por Bonifacio VIII e Inocencio IV, a quien Bodino, poco
amigo de prodigar elogios, se refiere, sin embargo, como celui qui a mieux entendu que c’est de
puissance absolue.» P. B. Gala, ob. cit., pág. LVIII.

28

brasil-argentinaFIM.pmd 28 5/2/2004, 11:02


las relaciones de dependencia personal entre señores y vasallos, la
imputación de la obligación política era desplazada de los poderes
intermedios (señores, Iglesia, ciudades, corporaciones varias...) al Es-
tado, cuyo poder excluyente, manifestado a través de las leyes, es lo
que denomina Bodino soberanía.13
El concepto de la unidad de la soberanía llevaba a Bodino a
condenar sin atenuantes la forma del Estado mixto:
“Si la soberanía es indivisible, como hemos demostrado, ¿cómo
se podría dividir entre un príncipe, los señores y el pueblo a un mismo
tiempo? Si el principal atributo de la soberanía consiste en dar ley a los
súbditos, ¿qué súbditos obedecerán, si también ellos tienen poder de
hacer la ley? ¿Quién podrá hacer la ley, si está constreñido a recibirla de
aquellos mismos a quienes se da?”14
Pero mientras Bodino se empeñaba en asentar el poder absolu-
to, de una forma que, sustancialmente, prevalecería en la historia de las
monarquías de la Europa continental, el proceso inglés se encaminaba
hacia otra forma de ejercicio de la soberanía, más cercana a la antigua
noción del Estado mixto. Pues a diferencia de lo ocurrido en monarquías
como la francesa y española, en las que la soberanía se imputaría a la
persona del monarca, en la Inglaterra de fines del siglo XVI, a partir de
antecedentes medievales, se terminó de formular la doctrina de la
soberanía del Parlamento al atribuírsele la capacidad de aprobar leyes ras-
go esencial de la soberanía según Bodino.15
En opinión de los partidarios de imputar la soberanía al Parla-
mento, en Inglaterra la corona estaba sometida al derecho que ella misma
había establecido de consuno con aquél y según el cual, por ejemplo, se
13
“En este proceso de objetivación del poder, el concepto de soberanía se reveló como el
instrumento adecuado para la integración de los poderes feudales y estamentales en una unidad
superior, el Estado. Ahora bien, en la medida en que la soberanía aparece necesariamente
vinculada a su titular, éste se identificó con el Estado, pues sólo a través de él cobra el Estado
realidad.» Id., págs. LIV y LV.
14
J. Bodin, ob. cit., Libro Segundo, Cap. I, pág. 89.
15
Joaquín Varela Suanzes-Carpegna, “La soberanía en la doctrina británica (de Bracton a Dicey)”,
en Fundamentos, Cuadernos Monográficos de Teoría del Estado, Derecho Público e Historia Constitucional,
1/1998, Soberanía y Constitución, Oviedo, Instituto de Estudios Parlamentarios Europeos de la
Junta General del Principado de Asturias, 1998.

29

brasil-argentinaFIM.pmd 29 5/2/2004, 11:02


requería el consentimiento del mismo para aprobar impuestos. Es cierto
que la monarquía dualista estamental también existía en la Europa
continental, como en Francia y en España. Pero en Francia los Esta-
dos Generales dejaron de convocarse en 1614. Y en España, donde
las Cortes de Castilla y las de León había surgido casi cien años antes
que el Parlamento inglés, durante los siglos XVI y XVII la soberanía
se imputó al monarca y las Cortes fueron prácticamente neutraliza-
das. En Castilla, luego de 1538, debido al rechazo de los nobles a un
impuesto que pretendía establecer el rey, éste excluyó a la nobleza y
al clero de la convocatoria a Cortes. Las Cortes de Castilla quedaron
así integradas por los representantes de las pocas ciudades (fueron
dieciocho) con voto en Cortes, las que entendiendo que esa
representación conformaba un privilegio, no la compartían con otras
ciudades. En cambio, en Inglaterra las cámaras de los lores y los
comunes fueron activos protagonistas políticos, aún frente al parale-
lo fortalecimiento de la monarquía.
Por otra parte, es de interés notar que la tendencia absolutista
en el continente se apoyó en algunas normas del derecho romano y del
derecho canónico, que favorecían la interpretación de la monarquía
como creadora de la ley en vez de órgano sujeto a ella. Mientras que, en
cambio, en Inglaterra -no así en Escocia, la circunstancia de que la
influencia del derecho romano había sido menor que en el continente
recuérdese la fuerza allí del derecho consuetudinario, favoreció la
atribución de la soberanía al Parlamento.16
Otro lugar donde siguió teniendo acogida la admisión de la
divisibilidad de la soberanía fue Italia, donde Maquiavelo había ya ma-
nifestado la conveniencia de que el poder se distribuyese entre distin-
tos grupos sociales, para que cada uno sirviera de control de los otros.
Varios autores, además de Maquiavelo, se pronunciaron por un criterio
contrario al de Bodino, sosteniendo que la soberanía podía ser dividida
y repartida entre varias instancias de poder dado que “su indivisibilidad
era un falso axioma” y, sobre esta base, defendieron el principio del
estado mixto. Mientras que en España, con excepción de posturas como
la de Juan de Mariana, si bien la doctrina del estado mixto tuvo cierta

16
Id., págs. 96 y 97.

30

brasil-argentinaFIM.pmd 30 5/2/2004, 11:02


difusión, no logró hacer pie en la literatura política dado el peso de la
monarquía absoluta.17
En cuanto a los teóricos de la unidad de la soberanía, y pese a sus
diferencias, tanto Rousseau como Hobbes, Locke y Kant, entienden la
soberanía como única e indivisible, y admiten un sólo sujeto soberano
que corresponde a su concepción unitaria del Estado. De manera que la
soberanía es concebida en ellos como «una cualidad originaria, perma-
nente, inalienable y perpetua.” No algo concedido a plazo, limitadamente,
«...sino que reside y sigue residiendo originaria y esencialmente en el sujeto
a quien se atribuye, ya sea el Monarca o la Voluntad General.» Los teóri-
cos modernos del Estado, por partir de su idea del estado de naturaleza y
del carácter artificial del Estado, afirman que al mismo tiempo que los
hombres deciden libremente entrar en la sociedad civil «se someten a la
autoridad política por ellos creada.» No hay pues dos partes previas con
autoridad propia sino sólo individuos en estado de naturaleza. Ellos pactan
un Estado que una vez pactado se coloca por encima de ellos.18
Pero existe una diferencia importante entre Hobbes y Rousseau,
que proviene de su diferente concepto del sujeto de imputación de la
soberanía y que curiosamente coloca al segundo más cerca de los
neoescolásticos. Mientras en el autor del Leviathan la soberanía es con-
cedida al monarca, que la conserva para siempre, «de un modo
irrevocable y perpetuo», sin compartirla con quienes se la han concedi-
do, en Rousseau la soberanía es inalienable y debe ser ejercida por el
soberano mismo. El pueblo no puede enajenar la soberanía, lo que sig-
nifica también que el soberano no puede ser representado sino por sí
mismo. Esta concepción, que reedita a fines del siglo XVIII el concepto
de la democracia directa, será fuente de vivos conflictos cuando la in-
fluencia del autor del Contrato Social se haga sentir en las Independencias
iberoamericanas y se enfrente a los proyectos de organización de
regímenes representativos.19
17
José A. Maravall, Estado moderno y mentalidad social, siglos XV a XVII, 2 tomos, Madrid,
Revista de Occidente, 1972, t. 1, págs. 328 y 329.
18
J. Varela Suanzes-Carpegna, La teoría del Estado..., ob. cit., págs. 68 y 69.
19
J. J. Rousseau, ob. cit., Libro II, Capítulo primero, “La soberanía es inalienable”, pag. 863.
Sobre el conflicto entre democracia directa y régimen representativo en Buenos Aires, véase
nuestro libro Ciudades, provincias, Estados..., ob. cit., págs. 169 y sigts.

31

brasil-argentinaFIM.pmd 31 5/2/2004, 11:02


En cuanto a Bodino, si bien es la piedra angular de uno de los
rasgos fundamentales de la teoría moderna del Estado, la indivisibilidad
de la soberanía, sin embargo estaba aún lejos de abandonar la tradición
escolástica. Él es exponente de una conjunción del nuevo pensamiento
político correspondiente a la emergencia de los Estados monárquicos
con tradiciones escolásticas, conjunción que es particularmente acen-
tuada en el caso español.
Respecto de éste, advierte Maravall que la noción de Estado
un Estado «ordinariamente llamado todavía República por nuestros
escritores del siglo XVII» se gesta en oposición a la de Imperio, en el
sentido del ideal de un imperio universal, como el Sacro Imperio Ro-
mano. Frente a él, se va formando la visión de un conjunto de entida-
des soberanas. Paradójicamente, la voz que da cuenta del poder del
Imperio universal, precisamente imperium, se aplicará al poder de cada
uno de esos Estados.20 La noción de Estado que se puede registrar en
los autores españoles une generalmente el criterio de Aristóteles por
su concepto de autarquía y suficiencia- con el de Bodino -por la nota
esencial de la soberanía. La definición más completa en este sentido
es la de Diego Tovar y Valderrama, de 1645, que llama República a
«‘un agregado de muchas familias que forman cuerpo civil, con dife-
rentes miembros, a quienes sirve de cabeza una suprema potestad
que les mantiene en justo gobierno, en cuya unión se contienen medios
para conservar esta vida temporal y para merecer la eterna’.»21
El concepto de Estado de los españoles del XVII prolonga
aquí todavía la noción organicista medieval, que metafóricamente
concibe un cuerpo político a imagen del cuerpo humano. Pero en él no
son individuos los que se relacionan entre sí, sino las familias. Bodino
había ya introducido esta mediación entre individuo y Estado. De ahí lo
20
«La ilusión del Imperio, brote tardío de la tradición medieval en el Renacimiento español, pasa
rápidamente. Lo que juristas y políticos tienen ante sí es la gran creación moderna del Estado. En
Europa, un sistema de entidades estatales, independientes, soberanas, ha empezado a actuar.
Durante cerca de tres siglos, y en ellos plenamente comprendido el XVII, los Estados serán los
protagonistas de toda la historia europea, hasta que el romanticismo y la revolución los desplacen
con el advenimiento de los pueblos nacionales. De la existencia de aquéllos quedará fundamen-
talmente condicionado el pensamiento político de la época.” José Antonio Maravall, La teoría
española del Estado en el siglo XVII, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1944, pág. 94.
21
Cit. en Id., pág. 99. Ver definiciones españolas de ciudad y de República, en págs 97 y sigts.

32

brasil-argentinaFIM.pmd 32 5/2/2004, 11:02


toman los españoles, lo mantienen y lo acentúan. Aún más, el Estado
será concebido como compuesto de otras más amplias...
«...congregaciones de individuos caracterizados por los dife-
rentes ministerios y oficios. Es la concepción estamental, viva aún
en la doctrina como en la realidad política de los países, hasta que
la disuelva la crítica social y la reforma económica a que abocará el
siglo XVIII.»22
Un destacado ejemplo de la conciliación de tradición
escolástica y concepciones modernas es, en una etapa muy posterior,
a comienzos del siglo XIX, el del español Francisco Martínez Marina,
quien las combina, aparentemente, sin percibir su disparidad. En su
doctrina de la soberanía muestra una extraña mezcla de individualis-
mo y corporativismo territorial y reúne conceptos tomados de la
Declaración de los derechos del hombre de 1789 con los de autores
tomistas del siglo XVII y otros escolásticos.23 Comenta al respecto
Maravall que aunque Marina sabe que la soberanía es permanente y
perpetua, acude a un antiguo criterio estamental para concebir a ésta
como divisible y sostener que los individuos y las provincias la
comparten. Así escribe afirmaciones como la siguiente: “los pueblos
(así, en plural; se refiere a las ciudades con voto en Cortes), en virtud
de la porción de la soberanía que les compete.” La persistencia de
restos de pensamiento tradicional hace que para él el concepto de
pueblo refiera a un conjunto de ciudades y villas, resabio estamental
que no le permite comprender la forma de la representación nacional
en régimen representativo y que lo lleva a a interesarse particular-
mente por las entidades municipales... “Influido por el ejemplo de las

22
Y añade Maravall: «Tovar enumera esos miembros o estamentos, que reduce a ocho: los
religiosos, los magistrados y jueces -predomino de la ‘nobleza togada’, característica del gran
Estado administrativo-, los soldados, los nobles, los labradores, los comerciantes y mercaderes,
los oficiales liberales y mecánicos, y sobre todo, como principal ‘miembro’, la suprema potestad,
que causa la amistad, unión y obediencia en el cuerpo del Estado, es decir, que le da vida como
tal. ‘Sin ella no puede un cuerpo nombrarse vivo’. Id., pág. 100.
23
José Antonio Maravall, «Estudio Preliminar» a Francisco Martínez Marina, Discurso sobre el
origen de la monarquía y sobre la naturaleza del gobierno español, Madrid, Centro de Estudios
Constitucionales, 1988, págs. 56 y 59. El Discurso... apareció en Madrid en 1813, fue reeditado
en el mismo año como prólogo a la obra mayor de Martínez Marina, Teoría de las Cortes, y se
reimprimió como Estudio Preliminar de esa misma obra en 1820. Id, pág. 7.

33

brasil-argentinaFIM.pmd 33 5/2/2004, 11:02


Cortes medievales y llevado de su individualismo, en lugar de
representación nacional, se atiene al sistema de mandato imperativo.”24
El caso de Martínez Marina es congruente con la trayectoria del
reformismo español del siglo XVIII y también con lo ocurrido en
Iberoamérica luego de las independencias, sincretismo de influencias
ilustradas y otras corrientes, algunas muy anteriores. Hemos comenta-
do en otro lugar cómo el guatemalteco José Cecilio del Valle definía, en
1825, lo que entendía por nación, cuando fundamentando un proyecto
constitucional manifestaba que quería que, respecto del
«...origen de las sociedades se pusiese la base primera de que
todas son reuniones de individuos que libremente quieren formarlas; que
pasando después a las naciones se manifestase que éstas son sociedades
de provincias que por voluntad espontánea han decidido componer un
todo político...»25 [subrayado nuestro]
Respecto de España, como lo advirtió Richard Herr, en cuanto
a cómo se conforma y evoluciona el derecho natural y de gentes en el
ámbito hispanoamericano, es de notar que cuando el impacto de la
Revolución Francesa pone en situación difícil a los reformadores
españoles, éstos reaccionan combinando diversas tradiciones, unas ibé-
ricas y otras no, entre ellas las del derecho natural y de gentes:
«De su interés por la historia nacional, de su estudio del derecho
natural y de gentes y de su conocimiento del tema general de los escri-
tos de Montesquieu, confeccionaron la tradición liberal. España,
descubrieron (según algunos ya habían sospechado), tenía una antigua
constitución que estipulaba restricción popular sobre el rey a través de
las Cortes representativas.»26

24
Id., págs. 55, 57 y 66. Mientras Sieyès excluye del pueblo a los estamentos privilegiados,
Marina, que los critica duramente, no lo hace. De la antigua concepción estamental queda un
corporativismo territorial que lleva a Martínez Marina a sostener “que las provincias y los reinos
de que se compone la Monarquía, son parte de la asociación general, y si alguna de ellas faltara
en el momento del pacto o de su renovación no quedaría obligada en tanto que no ratificara el
acuerdo» Id., pág. 55.
25
José Cecilio del Valle, «Manifiesto a la nación guatemalteca, 20 de mayo de 1825», en Ídem,
Obra Escogida, Caracas, Ayacucho, 1982, pág. 29.

34

brasil-argentinaFIM.pmd 34 5/2/2004, 11:02


LA “ESCISIÓN DE LA SOBERANÍA”: FEDERALISMO E IUSNATURALISMO

Pero si la corriente predominante en la teoría política


iusnaturalista moderna fue la que afirmaba la indivisibilidad de la
soberanía, corresponde interrogarse sobre cuál habría sido, entonces, el
sustento doctrinario de las tendencias “federales” (esto es, confederales)
desarrolladas luego de las independencias iberoamericanas?
La cuestión es más compleja que lo aparente debido a la
confusión entre confederación y Estado federal que llevaba consigo el
uso de época del vocablo federalismo.27 Pese a que la respuesta más
frecuente a la pregunta que acabamos de formular remite al ejemplo
del federalismo norteamericano, es preciso recordar que los letrados
iberoamericanos estaban al tanto de la difundida discusión de las virtu-
des y defectos de la confederación en la literatura política de los siglos
XVI a XVIII, desde autores iusnaturalistas aún parcialmente inmersos
en la tradición medieval, como el ya mencionado Altusio, hasta el mismo
Montesquieu. Y que, asimismo, eran por demás conocedores de los
casos de las uniones confederales de los Países Bajos, de las ciudades,
provincias y reinos alemanes, y de la misma Suiza. De manera que la
muy recordada “influencia del federalismo norteamericano” refiere en
realidad a sólo uno de los casos históricos de los tantos que conocían
los letrados de la época. Y, por otra parte, a un caso mal interpretado
por quienes, casi sin excepción, no advertían la radical diferencia entre
la confederación resultante del Acta de Confederación y el Estado federal
nacido con la Constitución de Filadelfia.

26
R. Herr, ob. cit., pág. 369. A esta observación sobre la tradición política que se conforma en
España, el mismo autor agrega, respecto de la tradición eclesiástica española, que a la desconfianza
respecto de la política regalista reciente, suscitada por la resurrección de la Inquisición por
Floridablanca, añadían el disgusto por el dominio total del clero por el pueblo, como se había
instituido en Francia. De manera que «...en su lugar, añadieron a la receta de la nueva tradición
liberal una antigua sazón galicana, puesta recientemente a la venta en Pistoia, y llegaron al
convencimiento de que la Iglesia tenía también una verdadera constitución que confería a los
obispos la soberanía, con autoridad sobre los herejes. En sus mentes, la monarquía absoluta, la
Inquisición y la supremacía papal aparecían ahora reveladas en su forma verdadera: llagas
gangrenosas de formación reciente.” Id., lug. cit.
27
Respecto de esta confusión en la historiografía iberoamericana, véase nuestro trabajo «El
federalismo argentino en la primera mitad del siglo XIX» , ob. cit.

35

brasil-argentinaFIM.pmd 35 5/2/2004, 11:02


La observación recogida más arriba señala a Altusio como una
aislada emergencia del federalismo en el seno del Iusnaturalismo moderno.
Si bien sería absurdo ver en su obra el fundamento de las tendencias federales
iberoamericanas, es útil observar que las características de su sistema polí-
tico corresponden a una tradición que hunde sus raíces en el medioevo
pero que, con variantes a veces de magnitud, perdurarán a lo largo de la
Edad Moderna. Y, por otra parte, que esas características son indicadores
de formas de vida social que en alguna medida tienen similitud con el
mundo iberoamericano. Por ejemplo, en el capítulo en que Altusio trata de
la “consociación o confederación”, la diversidad de entidades políticas que
menciona como capaces de unirse en confederación “reinos, provincias,
ciudades, pagos o municipios”28 es un rasgo en cierta medida no extraño al
mundo iberoamericano, correspondiente a la emergencia de soberanías de
ciudades y provincias en tiempo de las independencias, y a la inmediata
reivindicación de soberanía por parte de poblaciones menores. Tal como
en un artículo periodístico de 1821 un enemigo del federalismo lo reflejaba
con tanta elocuencia como indignación:
“En segundo lugar pretende la facción federal, que para formar
federación, se despedace el cuerpo político en mínimas secciones; que la
república federativa se componga de tantas partes integrantes cuantas
ciudades y villas tiene el país, por miserables que sean; pretende que cada
pueblo, en donde hay municipalidad, aunque no tenga cincuenta vecinos
sea una provincia y un estado independiente. Así vemos que en el día se
llaman provincias, y tiene gobierno separados las ciudades mas pequeñas,
mas pobres y mas despobladas, en donde siempre ha habido gran dificultad
en hallar un alcalde ordinario. [...] Por este orden, si cada pueblo tiene derecho
a ser independiente y soberano dentro de un mismo estado, cada familia
pretenderá derecho a ser independiente y soberana dentro de un mismo
pueblo, y enseguida cada persona querrá serlo dentro de una misma familia,
hasta dar en tierra con toda apariencia de sociedad civil y caer en el estado
de naturaleza. Que delirio!”29
28
Juan Altusio, La Política, Metódicamente concebida e ilustrada con ejemplos sagrados y profanos,
Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1990, pág. 179. Siguen a esto numerosas
consideraciones sobre formas, modalidades y disposiciones de las uniones confederales. La
importancia de Altusio como antecedente de las concepciones federales fue recordada por
Richard Morse en El espejo de Próspero, México, Siglo Veintiuno, 1982, pág. 57.
29
«Continúan las observaciones sobre la facción federal», La Gaceta de Buenos Ayres, miércoles
2 de mayo de 1821.

36

brasil-argentinaFIM.pmd 36 5/2/2004, 11:02


Altusio elaboró una complicada clasificación de las asociaciones
que prolongaba un criterio, de frecuente presencia en los textos políticos
de la Edad Media, tendiente a lograr un esquema definitivo de la articulación
de las organizaciones sociales que, entre el individuo y el Imperio, agrupaban
a los seres humanos en una disposición concéntrica. Más allá de las dife-
rencias que se encuentran entre los diversos autores medievales, observaba
Otto Gierke que eran cinco los “grupos orgánicos” que en el pensamiento
político medieval estaban situados por encima del individuo y de la familia:
la comunidad local, la ciudad, la provincia, el pueblo o Regnum y el Imperio.
Se trataba de una “construcción federativa del todo social” a la cual se fue
oponiendo lentamente, primero en el terreno eclesiástico y luego en el es-
tatal, la tendencia centralizadora que habría de imponerse en la teoría polí-
tica moderna.30
En el conjunto de asociaciones delineado por Altusio, que difiere
parcialmente de la recién apuntada, éste distingue dos comunidades priva-
das, la familia, fundamento natural de la sociabilidad, y el colegio o compañía,
un especie de asociación voluntaria tal como la corporación de oficio. De
tal manera, los individuos participan en una comunidad mayor como inte-
grantes de una comunidad primaria que, como la comuna o la ciudad, re-
sulta un agregado de grupos y no de ciudadanos. Lo mismo ocurre en el
siguiente escalón, la provincia, integrado por los órdenes o colegios generales
(clero, nobles, burgueses, campesinos), en cuya cúspide el príncipe ocupa
un lugar equivalente al del alcalde de una ciudad. Por último, el Estado es
concebido por Altusio como una federación de regiones y ciudades
autónomas.31
Mientras la obra de Bodino refleja el contexto de un reino que
unido en torno a una dinastía vive un proceso de concentración del
poder, la de Altusio corresponde a la peculiar geografía política de tierras
germanas, en donde predominan las autonomías locales y provinciales
y en donde las repúblicas urbanas defienden esa autonomía frente al
avance del Estado. Una autonomía que Altusio defiende sin por eso
dejar de preocuparse por preservar la unidad del Estado, resultando su

30
Otto von Gierke, Teorías políticas de la Edad Media (Edición de F. W. Maitland), Madrid, Centro
de Estudios Constitucionales, 1995, págs. 116 y 117. Véanse diversas variantes de este tipo de
clasificación en la nota 64 de la página 116.
31
Jean Touchard, Historia de las ideas políticas, Madrid, Tecnos, 5a.ed., 1983, pág. 233.

37

brasil-argentinaFIM.pmd 37 5/2/2004, 11:02


federalismo una especie de conciliación entre poderes superpuestos,
tal como se observaría en los cantones suizos o en las Provincias Uni-
das liberadas del dominio español.32

“FEDERALISMO” O CENTRALISMO: ¿DIVISIBILIDAD O


INDIVISIBILIDAD DE LA SOBERANÍA?

El estallido de las independencias iberoamericanas abrió una historia


de conflictos que en buena medida provenían de la existencia también en
estas tierras de una variedad de entidades políticas que reclamarían un
status de soberanía independiente. Esos conflictos han sido por lo general
mal interpretados por dos razones que poseen una estrecha conexión. Una
de ellas, la inadecuación de nuestro actual esquema “binario” de países
independientes y colonias (más la eventual situación intermedia de
“dependencia”). Otra, la no percepción de la legitimidad de tales reclamos,
que emergía del derecho político de la época.
En 1834, un texto de Andrés Bello, el famoso publicista venezolano
residente en Chile, enumeraba una variedad de posibles formas estatales, a
las cuales les cabía la calidad de independencia soberana, que refleja una
situación histórica en que las formas de independencia soberana no se
reducían a las del referido esquema de nación independiente/colonia. Luego
de definir el concepto de nación, a la manera del Iusnaturalismo del siglo
XVIII esto es, como sinónimo de Estado desprovisto de toda nota de etnicidad
(«Nación o Estado es una sociedad de hombres que tiene por objeto la
conservación y felicidad de los asociados; que se gobierna por las leyes
positivas emanadas de ella misma y es dueña de una porción de territorio.»),
Bello señalaba que como el conjunto de los individuos que componen la
nación no pueden obrar en masa, se requiere una persona o un grupo de
ellas encargada de «administrar los intereses de la comunidad y de
representarla ante las naciones extranjeras». Este sujeto, individual o
colectivo, es lo que llamamos el soberano. “La independencia de la nación
32
Id., pág. 235 y 232. Por otra parte, una tal concepción del estado en que ciudades y provincias
se obligan por medio de una ley común resultaba poco adaptada a las condiciones de Francia e
Inglaterra, donde se habría de elaborar lo principal de la teoría política de los siglos XVI y XVII,
razón por la cual la historia de la teoría política moderna pareció olvidarse de Altusio. George
H. Sabine, Historia de la teoría política, México, FCE, 3a. ed., 1994, págs. 326 y 327.

38

brasil-argentinaFIM.pmd 38 5/2/2004, 11:02


agregaba consiste en no recibir leyes de otra, y su soberanía en la existencia
de una autoridad suprema que la dirige y representa.»33 Por lo tanto cualquier
nación “que se gobierna a sí misma, bajo cualquiera forma que sea y tiene
la facultad de comunicar directamente con las otras, es a los ojos de éstas
un estado independiente y soberano.» Y a continuación, Bello enumeraba
los diversos casos de independencia estatal soberana que recogía de la
historia moderna europea:
“Deben contarse en el número de tales aún los estados que se hallan
ligados a otro más poderoso por una alianza desigual en que se da al pode-
roso más honor en cambio de los socorros que éste presta al más debil; los
que pagan tributo a otro estado; los feudatarios, que reconocen ciertas
obligaciones de servicio, fidelidad y obsequio a un señor; y los federados,
que han constituido una autoridad común permanente para la administración
de ciertos intereses; siempre que por el pacto de alianza, tributo, federación
o feudo no hayan renunciado la facultad de dirigir sus negocios internos, y
la de entenderse directamente con las naciones extranjeras. Los estados de
la Unión Americana han renunciado a ésta última facultad, y por tanto,
aunque independientes y soberanos bajo otros aspectos, no lo son en el
derecho de gentes.”34
Como apuntamos más arriba, la variedad de “soberanías” emer-
gentes del proceso de las independencias en el mundo iberoamericano era
también un fenómeno en cierta medida similar a la de esta diversidad de
comunidades políticas que podían ser portadoras de pretensiones de
independencia soberana. El panorama de posibles soberanías independientes
que traduce el texto de Bello que no es otra cosa que resumen de la
tratadística del derecho de gentes que manejaba su autor permite
comprender que esa proliferación de pueblos soberanos desatada por las

33
Andrés Bello, Derecho Internacional, I, Principios de Derecho Internacional y Escritos Complementarios,
Caracas, Ministerio de Educación, 1954, págs. 31 y 32. [Primera edición: Principios de Derecho de
Gentes, por A. B., Santiago de Chile, 1832; otras ediciones: Caracas, 1837; Bogotá, 1839; Madrid,
1843. Principios de Derecho Internacional, Segunda edición corregida y aumentada, Valparaíso,
1844]
34
Id., pág. 35. Bello sigue al pie de la letra a Vattel: [Emmer du] Vattel, Le Droit de Gens ou
Principes de la Loi Naturelle apliqués a la conduite e aux affaires des Nations et des Souverains, Nouvelle
Edition, Tome I, París, 1863 [la primera edición era de Leyden, 1758], págs. 123 y sigts. Sobre
la influencia de Vattel en Iberoamérica véase nuestro trabajo citado más arriba, “Fundamentos
iusnaturalistas de las independencias iberoamericanas...”

39

brasil-argentinaFIM.pmd 39 5/2/2004, 11:02


independencias iberoamericanas no era una aberración de “mezquinos
intereses locales” sino algo compatible con las perspectivas políticas que
tenían los hombres de esa época. “Pueblos” soberanos _villas, ciudades,
provincias... que al mismo tiempo que intentaban afirmarse en tal calidad,
buscaban afanosamente alguna forma de asociación política que les
permitiese compensar su debilidad mediante ligas, alianzas o
confederaciones.
Pero este proceso, que aflora en todo el continente, desde la
independencia de las colonias angloamericanas hasta la del
hispanoamericano Río de la Plata, no era el único que hacía colisión con el
dogma de la indivisibilidad de la soberanía. La calidad unitaria e inalienable
de la soberanía, defendida con tenacidad por una parte de los líderes de las
independencias, los llamados centralistas o unitarios según los lugares,
también tendía a ser negada por la variedad de “poderes intermedios” in-
ternos a un Estado que, como legado de la desaparecidas monarquías me-
tropolitanas, aún persistían en las ex colonias ibéricas y retenían distintas
porciones de las atribuciones de la soberanía, tales como las corporaciones,
la más importante de ellas el ayuntamiento cabildo o camara. También en
este punto la historia iberoamericana de la primera mitad del siglo XIX
posee cierta similitud con la europea de los siglos XVI a XVIII. Observe-
mos, si no, este párrafo de Norberto Bobbio que se podría aplicar sin
sustancial corrección al conflicto de unitarios y federales:
“La lucha del Estado moderno es una larga y sangrienta lucha por
la unidad del poder. Esta unidad es el resultado de un proceso a la vez de
liberación y unificación: de liberación en su enfrentamiento con una
autoridad de tendencia universal que por ser de orden espiritual se procla-
ma superior a cualquier poder civil; y de unificación en su enfrentamiento
con instituciones menores, asociaciones, corporaciones, ciudades, que
constituyen en la sociedad medieval un peligro permanente de anarquía.
Como consecuencia de estos dos procesos, la formación del Estado mo-
derno viene a coincidir con el reconocimiento y con la consolidación de la
supremacía absoluta del poder político sobre cualquier otro poder huma-
no. Esta supremacía absoluta recibe el nombre de soberanía. Y significa,
hacia el exterior, en relación con el proceso de liberación, independencia; y
hacia el interior, en relación con el proceso de unificación, superioridad del
poder estatal sobre cualquier otro centro de poder existente en un territorio

40

brasil-argentinaFIM.pmd 40 5/2/2004, 11:02


determinado. De este modo, a la lucha que el Estado moderno ha librado
en dos frentes viene a corresponderle la doble atribución de su poder sobe-
rano, que es originario, en el sentido de que no depende de ningún otro
poder superior, e indivisible, en el sentido de que no se puede otorgar en
participación a ningún poder inferior.”35
Como se puede inferir, la analogía no consiste solamente en la
afirmación de los nuevos Estados ante una autoridad externa (que en el
texto de Bobbio es el papado, pero que podemos suplantar en nuestro caso
por las metrópolis), sino también en el conflicto con los “poderes
intermedios”, entre los cuales las ciudades americanas, y sus cabildos, si
bien los más importantes, no fueron los únicos. No otro fue el argumento
esgrimido por el ministro de gobierno del Estado de Buenos Aires,
Bernardino Rivadavia, en diciembre de 1821, para defender la supresión
de los cabildos, supresión que inauguró una serie de medidas similares en
todas las provincias rioplatenses, entre 1821 y 1837.36 Y, asimismo, el prin-
cipio de la incompatibilidad de un soberanía indivisible con la existencia
de “cuerpos intermedios” está en el fundamento de las reformas que
suprimieron los fueros corporativos.37 La reducción de la reforma eclesiástica
35
Norberto Bobbio, Thomas Hobbes, México, F.C.E., 1992, pág. 71.
36
Véanse los argumentos de Rivadavia en Carlos Heras, «La supresión del Cabildo de Buenos Aires»,
Humanidades, Universidad Nacional de La Plata, T. XI, 1925, págs. 31, y en Marcela Ternavasio, “La
supresión del cabildo de Buenos Aires: ¿Crónica de una muerte anunciada?”, Boletín del Instituto de
Historia Argentina y Americana «Dr. Emilio Ravignani», 3ra. Serie, N° 21, 1er. semestre de 2000.
37
Heineccio, uno de los autores de derecho natural más utilizado en la España borbónica escribía:
«Uno de los principales derechos de la soberanía que el supremo imperante ejerce dentro de su
república es el derecho acerca de las cosas sagradas, o acerca de la Iglesia, tomada en particular; por
la cual entendemos aquí una sociedad o reunión, cuyo objeto es la religión: y como todas las
reuniones o sociedades menores o más simples deben estar subordinadas a las más compuestas, de
manera que nada puedan hacer en justicia que se oponga manifiestamente a la sociedad mayor, se
sigue que la iglesia particular de un estado debe estar subordinada en lo temporal a su gobierno, y
que por lo mismo los que mandan tienen derecho sobre la iglesia, en lo que concierne solamente a
lo temporal: lo que se prueba sólidamente por la razón de que en la república no debe haber más que
una voluntad y no sucedería así si la iglesia en alguna nación no estuviese sujeta al gobierno en lo
temporal, y pudiesen los particulares al formar esta sociedad religiosa, constituirse en una sociedad
libre e independiente del gobierno en las cosas temporales. Y como son propios de la soberanía
todos aquellos derechos sin lo cuales no se puede conseguir la seguridad de los ciudadanos y acredita
la experiencia que con el pretexto de religión se suele perturbar en gran manera esta seguridad, no
hay duda que compete a los príncipes el derecho de procurar que se mantenga la religión en toda su
pureza, y de castigar a los que intenten introducir novedades contrarias a la verdadera religión.» J.
Gottlieb Heineccio, Elementos del Derecho Natural y de Gentes, traducidos del latín al castellano por
el Presbítero Don Juan Díaz de Baeza, catedrático interino de Filosofía Moral en los Estudios de
S. Ysidro de Madrid, Madrid, 1837.

41

brasil-argentinaFIM.pmd 41 5/2/2004, 11:02


bonaerense de 1822 a una forma de anticlericalismo es una interpretación
prejuiciosa de un fenómeno que ya había generado similares conflictos
en la España borbónica.38

LAS “SOBERANÍAS” RIOPLATENSES

En vísperas del Pacto Federal de 1831, el más destacado de los


que invoca como fuentes el Preámbulo de la Constitución de 1853, las
llamadas “provincias” se consideraron Estados soberanos que buscaban
una forma de unión que al tiempo que creara un nuevo Estado nacio-
nal les permitiese conservar su estatuto de independencia soberana.
De allí que la forma confederal fuese la preferida, incluso y sobre todo
por Buenos Aires.39
Mientras duraron las tratativas de la primera década revolucio-
naria, las ciudades actuaron de hecho, implícitamente, como entidades
soberanas calidad que se manifestó, entre otros aspectos, en la forma
de representación (mandato imperativo) vigente en las reuniones y
congresos del período, transferida luego a las provincias que se fueron
definiendo en esos años. Pero después de la llamada “anarquía del año
20", las provincias fueron asumiendo explícitamente su independencia
soberana, al tiempo que persistían en tentativas de unión. La serie de
“pactos interprovinciales”, inaugurada por el Tratado del Pilar de febrero
de 1820, si bien se mira, traduce tal realidad, dado que los pactos son,
justamente, formas de relación entre entidades soberanas. Mientras que
en la mayoría, la promulgación de textos constitucionales, a partir del
Reglamento Provisorio santafesino de 1819, traducía también la
38
Sobre la reformas eclesiástica rivadaviana y la cuestión de la soberanía en el ejercicio del
patronato, véase nuestro trabajo Ciudades, provincias..., ob. cit., págs 189 y sigts. Asimismo,
Roberto Di Stefano y Loris Zanatta, Historia de la Iglesia Argentina, Buenos Aires, Grijalbo/
Mondadori, 2000, págs. 206 y sigts.
39
La sinonimia de provincia y Estado se comprueba en numerosos textos de la época, como éste
de Artigas que forma parte del juramento exigido a los funcionarios de su gobierno: «¿Juráis que
esta Provincia, por derecho debe ser un Estado libre, soberano e independiente, y que debe ser
reprobada toda adhesión, sujeción y obediencia al Rey, Reina, Príncipe, Princesa, Emperador o
Gobierno Español, y a todo otro poder extranjero...» El texto del juramento dejaba luego a salvo
la posibilidad de integrar una confederación con el resto de los pueblos rioplatenses. Cit. en
Arturo Ardao, Artigas, Bautista de la República Oriental, Montevideo, Cuadernos de Marcha, 1994,
pág. 6.

42

brasil-argentinaFIM.pmd 42 5/2/2004, 11:02


necesidad de reglamentar el ejercicio de las atribuciones soberanas de
esas provincias-Estados.
Esta realidad la había anunciado el Cabildo de Buenos Aires a
los demás ayuntamientos como consecuencia de los sucesos del año
20. «...Todas las [provincias] de la Unión están en estado de hacer por
sí mismas lo que más convenga a sus intereses, y régimen interior....»40
Similar criterio se hizo público en una Declaración del gobierno de
Buenos Aires, del 1 de setiembre de 1821, en la que se afirma que
hasta tanto se reuniese el congreso constituyente, era necesario «...abrir
una senda nueva por la que reconcentrándose cada provincia
momentáneamente en sí misma, pueda reparar los quebrantos de tan-
tos infortunios...»41 El lenguaje con que la provincia de Córdoba describía
la situación, en un documento en el que prevalece la identidad ameri-
cana en protestas de fraternidad con las “Provincias de Sud América”,
era más explícito. En una “Declaración de los móviles patrióticos que
inspiraron a los Representantes con relación a la soberanía e
independencia de la Provincia [...] Los Representantes aprueban y
sancionan la declaración de la independencia hecha por el M[uy].
I[lustre]. C[abildo]. de esta Ciudad el 17 de Enero de 1820”,
“...declarando en la forma más solemne que la soberanía de esta
Provincia reside en ella misma y por su representación en esta Asamblea,
entre tanto se arregla su constitución; que como tal Provincia libre y sobe-
rana no reconoce dependencia, ni debe subordinación a otra; que mira
como uno de sus principales deberes la fraternidad y unión con todas, y las
más estrechas relaciones de amistad con ellas, entre tanto reunidas todas,
en Congreso General, ajustan los tratados de una verdadera federación, en
paz y en guerra, a que aspira, de conformidad con las demás...”42

40
«Reasunción de facultades por parte de las Provincias», Sala Capitular de Buenos Aires,
Febrero 12 de 1820, Registro Oficial de la República Argentina, Tomo I, 1810-1821, pág. 542.
41
«Manifiesto sobre las proposiciones que el gobierno ha presentado a la sanción de la H. J. sobre
el congreso general, y objetos a que deben contraerse los diputados para él, existentes en
Córdova, [1 de setiembre de 1821]», [Emilio Ravignani, comp.], Asambleas Constituyentes
Argentinas, 6 vols., Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires,
Buenos Aires, 1937, vol. I, págs. 743 a 749. La cita «...reconcentrándose cada provincia
momentáneamente en sí misma...» en pág. 746.
42
Archivo de la H. Cámara de Diputados de la Provincia de Córdoba, Córdoba, 1912, Tomo I, 1820-
1825, “Sesión del 18 de Marzo de 1820", pág. 9 y sigts.

43

brasil-argentinaFIM.pmd 43 5/2/2004, 11:02


Entre las más celosas de la independencia y soberanía se contaba
Santa Fe, cuyo gobernador Estanislao López, en 1826, instruyó a sus
diputados al Congreso constituyente, José Elías Galisteo y Pedro Pablo
Vidal, para que «...poniendo en ejercicio todos los derechos que
competan a esta Provincia...», propusieran
«...de acuerdo con los demás miembros del Cuerpo Soberano, la
nueva y mejor organización de las Provincias elevándolas a Estados
Soberanos, y las Constituciones que los deban regir en Confederación,
bajo la libertad e independencia de cada uno que proclamamos, y todo
cuanto conduzca al bien y prosperidad común de los Estados Confede-
rados, y al particular de cada uno...”43
Afirmándose en este terreno, las provincias adoptaron las nor-
mas que el Congreso de Viena había estipulado respecto a la calidad de
los representantes de un Estado ante Estados extranjeros, y pasaron a
calificar a sus diputados de “agentes diplomáticos” y definiendo su
reuniones como reuniones diplomáticas.44
Esto ya había sido percibido por historiadores pertenecientes a
la renovación historiográfica de comienzos de siglo XX, tal como se
aprecia en este párrafo del constitucionalista Juan A. González Calderón
quien, si bien imposibilitado de admitir la tesis de la plena independencia
soberana de las provincias por participar del supuesto de la nacionalidad
preexistente, refleja con bastante aproximación aquella realidad:
«Entre la situación política de los Estados norteamericanos con-
federados (1778-1787) y la de las provincias argentinas confederadas
(1831-1852) hay mucha analogía, aunque no haya identidad. La
comparación puede hacerse sin exagerar la concordancia. Desde luego,
el fundamento, la base, de esas dos confederaciones fue el pacto, lo que
significa que las partes contratantes, Estados o Provincias, eran enti-
dades jurídicas con absoluta capacidad o plenitud de poder para obligarse,
43
Archivo Histórico de la Provincia de Buenos Aires, Documentos del Congreso General Constituyente
de 1824-1827, La Plata, 1949, pág. 435.
44
Véase E. Ravignani (comp.), Relaciones Interprovinciales, La Liga del Litoral, (1829-1833),
Documentos para la Historia Argentina, Tomo XV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones
Históricas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 1922, págs. 347-349;
Idem, Asambleas Constituyentes Argentinas, t. IV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones His-
tóricas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 1937, pág. 10.

44

brasil-argentinaFIM.pmd 44 5/2/2004, 11:02


y delegar voluntariamente, a una autoridad común, los derechos y
atribuciones cuyo ejercicio en particular no les convenía reservarse.»
Y afirma de las provincias que «cada una era una entidad cuasi-
soberana, cercada con bayonetas y con aduanas, y en cuyos negocios
particulares nadie, sino ella misma, podía inmiscuirse»45
Asimismo, Carlos Ibarguren, en su biografía de Rosas escribía en
1929:
«En ese momento [comienzos del primer gobierno de Rosas] no
había una Nación propiamente dicha; los Estados provinciales estaban
separados y el sentimiento nacional quedaba subordinado al localista.
Las provincias eran entidades soberanas o independientes en guerra unas
contra otras, o en coaliciones beligerantes recíprocas.»
Y agregaba:
«El 31 de Agosto de 1830 los `Agentes Diplomáticos’ de nueve
provincias: Mendoza, San Luis, San Juan, Salta, Tucumán, Santiago, Cór-
doba, Catamarca y La Rioja, celebran un pacto de unión y alianza y
nombran al general Paz `Jefe Supremo’ hasta la instalación de la autoridad
nacional.»46
Entre las provincias que asumieron su calidad de Estado sobera-
no independiente sobresalió Buenos Aires. Ya en una de las reuniones
secretas en que la Junta de Representantes discutió el Tratado del Lito-
ral, en enero de 1831, el presidente de la comisión encargada de la revisión
del tratado, Félix de Ugarteche, declaró que las provincias eran equiva-
lentes a naciones independientes y se regían por las normas del derecho
de gentes.47 Asimismo, en febrero del año siguiente, el representante de
Buenos Aires en la Comisión Representativa de la Liga del Litoral, Ramón
Olavarrieta, subrayó ante sus colegas de Corrientes, Entre Ríos y Santa

45
Juan A. González Calderón, Derecho Constitucional Argentino, Historia, Teoría y Jurisprudencia de la
Constitución, Tomo I, Buenos Aires, Lajouane, 1930, págs. 187 y 189.
46
Carlos Ibarguren, Juan Manuel de Rosas, su tiempo, su vida, su drama, 2a. ed. [la primera es de
1929], Buenos Aires, Roldan, 1930, págs. 222 y 223.
47
Reunión secreta de la Junta de Representantes de la provincia de Buenos Aires, 22 de enero de
1831, en E. Ravignani [comp.], Relaciones Interprovinciales, La Liga del Litoral (1829-1833),
Documentos para la Historia Argentina, Tomo XVII, Buenos Aires, Peuser, 1922, pág. 83.

45

brasil-argentinaFIM.pmd 45 5/2/2004, 11:02


Fe que ese organismo era de carácter diplomático, calidad en la que
acordaron todos, si bien diferían en los alcances prácticos de tal
condición.48
El sorprendente hecho de que Buenos Aires, que fuera la más
firme sede de las corrientes centralistas, hasta haber sido identificada
con el unitarismo por gran parte de la historiografía argentina, pasara
a ser la más firme defensora del confederalismo, es sólo una aparente
paradoja. Sucede que luego de la brutal agresión que sufriera su
integridad durante la presidencia de Bernardino Rivadavia, cuando el
partido unitario en el poder decidió expropiarle la ciudad capital y
gran parte del territorio para dar sede al gobierno nacional, la adhesión
al unitarismo sufrió una seria crisis. En términos generales podría
interpretarse que mientras aquellos porteños que habían sido unitarios
por razones de convicción política persistieron en su postura, los que
habían sido centralistas por las ventajas que un Estado unitario
reportaría a la “antigua capital del reino” no encontrarían otra defensa
contra semejantes amenazas, que se sumaban a las más antiguas del
resto de las provincias demandas de nacionalización de las rentas de
la Aduana de Buenos Aires, libre navegación de los ríos y regulación
del comercio exterior, que asumir plenamente su independencia en
calidad de Estado soberano y propugnar, para su relación con las
demás Estados rioplatenses, una unión confederal. Política que
encontraría en Juan Manuel de Rosas su exitoso ejecutor.
Retrospectivamente, en 1846, Tomás Manuel de Anchorena
explicaba a Rosas que él había previsto ya esta contingencia. En car-
ta a Rosas recordaba que en 1814 en Buenos Aires no se podía hablar
de federación:
“Entonces el que un porteño hablase de federación era un
crimen. A mí me miraban algunos de los diputados cuicos y provinci-
anos con gran prevención, porque algunas veces les llegué a indicar
que sería el partido que tendría al fin que tomar Buenos Aires para preservarse
de las funestas consecuencias a que lo exponía esa enemistad que manifestaban
contra él. El grito de federación empezó a resonar en las provincias
48
Vigésima cuarta reunión de la Comisión representativa..., 17 de febrero de 1832, en E.
Ravignani (comp.), Relaciones Interprovinciales..., ob. cit., págs. 347 y sigts.

46

brasil-argentinaFIM.pmd 46 5/2/2004, 11:02


interiores a consecuencia de la reforma luterana (sic) que emprendió
don Bernardino Rivadavia...”49
Pero si durante mucho tiempo el “federalismo” pareció ser una
aberración para la mayor parte de los hombres públicos de la provincia,
los sucesos que arrancan de la presidencia de Rivadavia precipitaron la
mudanza y la antigua campeona del unitarismo se convirtió en la más
firme base del confederacionismo, afianzándose en su autonomía so-
berana, en un marco confederal hasta la caída de Rosas y, posterior-
mente, hasta 1860, en plena independencia.
La nueva postura de Buenos Aires fue claramente expuesta en
1832 por el principal vocero del gobierno de Rosas, Pedro De Ángelis,
así como también por “El Porteño” aparentemente, José María Roxas y
Patrón_ en su polémica contra las pretensiones nacionalizantes del
gobernador correntino Pedro Ferré. En un artículo publicado en el Lucero,
Pedro de Ángelis afirmó, rotundamente, que “la soberanía de las provincias
es absoluta y no tiene más límites que los que quieren prescribirle sus
mismos habitantes...”. Por su parte, el autor amparado en el seudónimo
de “El Porteño”, en otro artículo enviado al editor de La Gaceta Mercantil,
fue más explícito al declarar que Buenos Aires, como «toda sociedad
política, libre e independiente», poseía un derecho exclusivo sobre su
territorio. Ese derecho, afirmaba, implicaba, por una parte, el dominio,
fundamento del usufructo de sus ventajas naturales, y, por otra, el imperio
o «derecho del mando soberano». Y continuaba arguyendo que era
“un principio proclamado desde el 25 de mayo de 1810, por
todos los habitantes de la República, que cada una de las provincias
que la componen es libre, soberana e independiente de las demás...»,
principio en virtud del cual Buenos Aires podía disponer libremente de
su territorio, sus costas, puertos, etc. y «sacar de ellas toda la utilidad
de que sean capaces.» Y además...
«...puede comerciar con los que quieran prestarse a ello, y puede
permitir el comercio a otros estados, bajo las condiciones que tenga a

49
Tomás Manuel de Anchorena a Rosas del 4 de diciembre de 1846, en Enrique M. Barba,
“Orígenes y crisis del federalismo argentino”, Unitarios y Federales, Revista de Historia, N° 2,
Buenos Aires, 1957, pág. 4. (Barba no aclara si el subrayado es suyo, aunque por lo del “(sic)”, que
no puede ser de Anchorena, se infiere que es suyo.)

47

brasil-argentinaFIM.pmd 47 5/2/2004, 11:02


bien imponerles, y de consiguiente fijar los impuestos que deban pagar
en su aduana los frutos y efectos de importación y exportación...»
Por tales razones, concluía, era «...exclusivamente la verdadera
dueña de todos los lucros que reporte tanto de sus costas y puertos,
como del comercio que haga con otros estados», incluido el producto
de los derechos de aduana.50

LA ORGANIZACIÓN CONFEDERAL

Desde el Pacto Federal de 1831 hasta la Constitución de 1853,


las “provincias” rioplatenses se rigieron por el supuesto de su condición
de independencia soberana, unidas en una débil confederación que
reunía a las partes independientes de una nación argentina, entendida
en su fundamento contractual, no en clave étnica. Como es sabido, la
posibilidad de un órgano de gobierno de esta confederación fue
rápidamente bloqueada por Buenos Aires, al lograr disolver la Comisión
Representativa de las provincias del Litoral, surgida del tratado entre
las cuatro provincias litorales convertido en Pacto Federal al
incorporarse las demás provincias. Y la única atribución soberana que
las provincias resignaron, transitoriamente, no definitivamente, era la
representación exterior, encomendada al gobernador de Buenos Aires
dada la inexistencia de una Dieta o Consejo confederal. Por lo demás,
las provincias continuaron ejerciendo su independencia soberana en la
organización de sus fuerzas armadas, en el régimen aduanero, en el
ejercicio del patronato eclesiástico, etc.
Si bien a partir de la prédica de los hombres de la generación
romántica de 1837 el concepto de nacionalidad como fundamento de un
Estado nacional comenzó a difundirse, los cimientos contractualistas

50
[Pedro de Ángelis], «[Acusaciones formuladas en] El Lucero [contra el gobernador de Corrientes,
D. Pedro Ferré, al juzgar éste la conducta de Buenos Aires]» y [¿José María Roxas y Patrón?],
«[Defensa de la conducta de Buenos Aires, por] El Porteño [y ataque de la observada por Ferré]
[Año 1832]»,documentos reproducidos en E. Ravignani [comp.], Relaciones Interprovinciales..., ob.
cit., Apéndice Segundo, “Impresos Publicados por los Gobiernos de Buenos Aires y Corrientes
relativos a la Liga Litoral, /Colección / de / Documentos [publicados por el Gobierno de
Buenos Aires]”, pág. 133 y sigts. Las citas del texto la tomamos de las págs. 591 y 593 del
apéndice documental de nuestro libro Ciudades, provincias, Estados: Orígenes de la nación argentina
(1800-1846), Buenos Aires, Ariel, 1997.

48

brasil-argentinaFIM.pmd 48 5/2/2004, 11:02


de la organización política persistirían largamente, e incluso se
yuxtapondrían a la posterior predominante visión de la historia política
argentina fundada en el principio de las nacionalidades. Esos supuestos de
una calidad soberana de las provincias y de una organización pactada
en forma confederal, y por lo tanto reversible por voluntad de esos
pueblos soberanos, estuvo en la base de las alianzas de algunas provincias
con países extranjeros, tales como la que formó Corrientes en 1838
con Francia para combatir a Rosas y, asimismo, las que Corrientes y
Entre Ríos formaron con Brasil y Uruguay para derrocar a Rosas en
1851. Y también, como ya observamos, fue el asidero de Buenos Aires
para justificar su rechazo del Acuerdo de San Nicolás y su segregación
entre 1852 y 1860.
El notable discurso que en junio de 1852 pronunciara Bartolomé
Mitre para impugnar, en defensa de los intereses de Buenos Aires, el
Acuerdo de San Nicolás, se apoya reiteradamente en el derecho natu-
ral, fundamento de la concepción contractualista del origen de la nación
y del carácter soberano de las entidades de las que recibían sus
instrucciones los diputados. Si bien se manifiesta partidario de que la
representación política a definirse en la futura constitución su funde en
el carácter de los legisladores como diputados de la nación y no como
apoderados de las provincias, en lo que respecta a la situación que está
analizando lo hace con plena asunción del carácter soberano de los
pueblos representados en el Acuerdo, aunque impugna la legitimidad
del mandato de muchos de los gobernadores que concurrieron al mismo
por considerarlos usurpadores de la representación legítima.
“La autoridad creada por el acuerdo de San Nicolás no se funda
sobre el derecho natural, desde que es una autoridad despótica. [...] Inter-
rogue cada cual su mandato y contésteme si se cree autorizado para ello
[para crear una autoridad despótica]. Yo interrogo mi mandato y veo que
he sido enviado por el pueblo a este lugar para hacer la ley y para hacerla
cumplir. [...] Lo juro por la organización definitiva de nuestra patria, que
es lo que más anhelo, y por la noble y desgraciada República Argentina
que todos amamos, yo no estoy autorizado para dar mi voto en favor de
un poder que está en abierta contradicción con mi mandato popular.”51
51
Bartolomé Mitre, «Discurso contra el acuerdo de San Nicolás, Junio 21 de 1852», en Arengas,
Tomo Primero, Buenos Aires, Biblioteca de «La Nación», 1902, págs. 14 y 16.

49

brasil-argentinaFIM.pmd 49 5/2/2004, 11:02


En el alegato de Mitre Buenos Aires seguía escudándose en su
condición soberana para defender sus intereses contra el embate de las
demás provincias y acusando de despotismo, violador del derecho na-
tural, a la autoridad encarnada en Urquiza.
“Esa autoridad puede disponer de las rentas nacionales sin
presupuesto y sin dar cuenta a nadie.
Puede reglamentar la navegación de los ríos como si fuera un
cuerpo legislativo y soberano.
Puede ejercer por sí y ante sí la soberanía interior y exterior, sin
necesidad de previa o posterior sanción.” Etc.52
Pero la defensa de la independencia y soberanía de Buenos Aires
no estaba pensada por Mitre aunque sí por otros hombres de Buenos
Aires_ como definitiva. Su perspectiva era la de ir a una nación argentina
soberana en la que los intereses de su provincia no resultasen
menoscabados. Y en este sentido su perspicacia respecto a las relaciones
de provincia y nación en uno y otro contexto, confederal o federal, son
también notables. Dos años más tarde, ya Buenos Aires segregada, se
discute la constitución de la provincia. Es la primera vez en la historia
que Buenos Aires va a darse una constitución, pues desde los años 20 en
adelante, durante gobierno unitario o bajo el gobierno de Rosas, careció
de ella. Como el proyecto debatido abordaba la cuestión de la ciudadanía,
Mitre rechazó que la constitución de Buenos Aires debiera ocuparse de
la ciudadanía, porque tal cosa era competencia de la nación.
“...o somos nación o somos provincia, es decir, parte de un gran
todo. Los señores de la comisión dicen terminantemente que somos ‘par-
te de una nación’. Y entonces, ¿con qué derecho legislamos sobre la
ciudadanía?”
Pero lo más notable de su alegato es el discernimiento de la dife-
rencia entre confederación y federación y su percepción, rara en la época,
de la calidad federal de la constitución de Filadelfia. Esto es, la radical
diferencia, en lo que concierne a la cuestión de la soberanía, entre la relación
de Estados independientes en una confederación, en la que conservan
52
Id., pág. 15.

50

brasil-argentinaFIM.pmd 50 5/2/2004, 11:02


su personalidad internacional, y la pérdida de esa condición de sujetos de
derecho internacional cuando forman parte de un Estado federal. Como
Sarmiento lo había también subrayado, al percibir, alborozadamente, que
la constitución de 1853 definía un Estado federal, no una confederación,
pese a que el país con capital en Paraná conservara aún la designación de
Confederación Argentina.53
Mitre impugna el abordaje de la cuestión de la ciudadanía en la
constitución de Buenos Aires por considerarlo “una violación de los
principios del derecho público federativo, del cual no se encontrará pre-
cedente alguno en la historia”. Y añade:
“La única nación federal que conocemos en el mundo, adviértase
que digo nación, el único modelo que puede citarse en este caso, la única
república federal que puede hacer autoridad en esta materia, puesto que
todas las demás que así se llaman son confederaciones, son pueblos
federados, no repúblicas federativas; la única repito, son los Estados Uni-
dos de América, que a la vez de formar una verdadera nación, en que las
partes conservan cierto grado de independencia en medio de la armonía
del gran todo, el todo se subordina a ciertas reglas fundamentales, que
son del resorte exclusivo del poder nacional.”54
Y con la cita de Mitre volvemos a la ya mencionada similitud del
debate rioplatense y norteamericano sobre la prioridad de la soberanía de
las provincias, o Estados, y de la nación.

EL PROBLEMA EN LA HISTORIOGRAFÍA NORTEAMERICANA


Ya muy tempranamente surgió en los Estados Unidos la
cuestión de si la constitución era producto de la d ecisión de trece
Estados independientes o del pueblo de un solo Estado. La cuestión
era fundamental para los reclamos de los Estados sobre sus derechos.55
53
Sarmiento, D. F., Comentarios de la Constitución, Buenos Aires, Luz del Día, 1948. [1a. ed.:
Comentarios de la Constitución de la Confederación Argentina..., Santiago de Chile, Imprenta de Julio
Belín y Ca., Setiembre de 1853], págs. 55 y sigts.
54
Id., pág. 31.
55
«Whether the States were independent soveraignities before the adoption on the Constitucion
has long been a subject of controversy.» R. Berger, ob. cit., cap. segundo, “Nation or Sovereign
States: Which Came First?”, pág. 21. Las siguientes referencias están tomadas de este capítulo,
págs. 21 y sigts.

51

brasil-argentinaFIM.pmd 51 5/2/2004, 11:02


Un amplio conjunto de comentaristas han considerado que el Congreso
Continental (1774-1776), y no los Estados, fue soberano. El principal de
ellos fue el Juez Joseph Story. Sin embargo, al independizarse de Gran
Bretaña, las colonias devinieron entidades independientes sin vínculos
políticos entre ellas. Más aún, sus relaciones fueron frecuentemente no
amistosas, y sólo la amenaza británica las unió. Las colonias estaban sepa-
radas por orígenes y tradiciones distintas y, sobre todo, por las distancias, y
se consideraron Estados independientes y no Estados Unidos, según las
instrucciones provistas a sus delegados al Congreso Continental. El
Congreso Continental fue, según escribió en 1787 uno de sus principales
organizadores, John Adams, «only a diplomatic assembly» expresión que
hemos visto utilizar por las provincias rioplatenses hacia 1830, y sus
miembros no olvidaron nunca que estaban allí en calidad de diplomáticos
de gobiernos extranjeros. Es de notar, también, que las citadas declaraciones
de independencia estatal de Virginia y Rhode Island al par que proclaman
el carácter soberano e independiente de esos Estados, incluyen, como
algunas de las constituciones rioplatenses, el propósito de una confederación
con las otras colonias.
Por otra parte, la independencia fue declarada por algunos Estados por
separado (Rhode Island, 4-V-776; Massachussets, 15/V/776) antes de la
declaración del Congreso (4/VII/776). El sentimiento de independencia tuvo
fuerte expresión en las Constituciones de Pennsylvania (1776) y de Massachusets
(1780), que asentaron explícitamente el carácter independiente de los Estados.
Y es de interés observar también que el título original de Jefferson para la
Declaración de la Independencia, que era «A Declaration by the Representatives
of the United States of America, in General Congress assembled», fue cambi-
ado por «The unanimous Declaration of the thirteen united States of America»,
y que la ratificación de la Constitución no fue por el pueblo de la Unión sino por
el pueblo de cada Estado.
Los testimonios opuestos son escasos. El Juez Story fue el que montó
un ataque vigoroso, ya desde antes de la Declaración de la Independencia,
a la tesis del carácter soberano independiente de los Estados. Estos no
habrían sido soberanías independientes durante el dominio británico, aducía,
y luego lo fueron en un sentido limitado, dado que la mayoría de los Esta-
dos actuando en Congreso podía controlar y dominar a la minoría. Opinión
que contradicen las propias ex colonais, como Rhode Island o Virginia que

52

brasil-argentinaFIM.pmd 52 5/2/2004, 11:02


declararon en 1776 su independencia de Gran Bretaña. La Constitución de
Massachussets de 1780 expresa así su soberanía: «The people of this
commonwealth have the sole and exclusive right of governing themselves
as a free, sovereign and independent State...» y ejercer todo poder,
jurisdicción y derecho no delegado a los Estados Unidos de América reuni-
dos en Congreso.

CONSIDERACIONES FINALES

Pero, independientemente de estas sugestivas similitudes cuya evi-


dencia es amplia, hay otro rasgo común en el proceso de las independencias
anglo e hispanoamericanas que me parece interesante formular como me-
recedor de ulterior análisis. Y es que en ambos casos la soberanía de cada
Estado, o cada ciudad o provincia en el caso hispanoamericano, no ha sido
admitida unánimemente y fue asunto de discusión. El hecho de que puntos
de vista como los de Story o los de Alberdi y otros, que suponen una
soberanía preexistente a los Estados y provincias, aunque los considere-
mos erróneos, hayan existido, tengan o no algún soporte válido, indica que
la tesis de la soberanía e independencia de los Estados no es suficiente-
mente evidente por sí misma.
Observando las cosas más de cerca, la explicación estaría en algo
que tienen en común los casos angloamericano e hispanoamericano: que
se trataba de Estados de muy reciente origen. De manera que lo que en
realidad estamos discutiendo no es la calidad soberana de una entidad po-
lítica firme y reconocida desde hace mucho tiempo, sino de entidades po-
líticas recién nacidas, en la que la afirmación de soberanía e independencia
es una postulación de los «fundadores» -esto es, de las élites políticas de
cada Estado-, una tesis a ser avalada por hechos futuros. Por eso, cuando
autores como Berger afirman que la tesis de Story no refleja el pensamiento
de los “fundadores”, su afirmación, y toda la evidencia reunida,
corresponden al criterio político de los actores del momento, no a la
existencia real de esos Estados soberanos, cuya calidad de tales es otro
tipo de problema.
Esto significaría que la definición de confederación en el Derecho Político
Internacional no es totalmente adecuada a los casos históricos que nos ocupan:
afirmar que la confederación está formada por Estados soberanos e

53

brasil-argentinaFIM.pmd 53 5/2/2004, 11:02


independientes, con plena personalidad en las relaciones internacionales
es insuficiente, por cuanto debería agregarse, para corresponder más
ajustadamente a estos casos históricos, que se trata de Estados de reciente
formación, que se supone han recuperado una soberanía que hasta ese
momento residió fuera de ellos. Estados cuya subsistencia por separado
es difícil no sólo por su posible debilidad económica, política o bélica,
sino por la débil legitimidad en su condición de tales. Es, en sustancia, un
problema de legitimidad lo que está implícito en ese debate de si es
primero la nación o la provincia, el Estado federal o los Estados,
cuestión que los gobiernos de la época analizarían según las normas del
Derecho de Gentes.56
La falta de legitimidad de la soberanía independiente de cada
Estado o provincia fue argumento de quienes consideraban posible e
imprescindible una sola organización estatal que englobase a todas las
partes del ex-dominio metropolitano. Es cierto que no podían invocar
una anterior soberanía legítima para ese conjunto, dado que ella no
había existido mientras fueron parte de la nación inglesa o española.
Pero sí una cuestión de legitimidad de herencia o traspaso de la soberanía.
En el caso de los líderes centralistas que se afirmaban en el papel
hegemónico de Buenos Aires, el argumento consistió, en un primer
momento, en convertir la calidad de cabeza administrativa del territorio
en cuestión, de «antigua capital del reino» según la expresión de ese
entonces, en sustento de su función dirigente y unificadora, como
también ocurrió en otros casos hispanoamericanos, como los de Méxi-
co o Caracas. Y, posteriormente, en la postulación de una nación creada
en algún momento del pasado, fuera el 25 de mayo de 1810 o el 9 de
julio de 1816.

56
Véase, al respecto, [Emmer du] Vattel, Le Droit de Gens..., Tomo I. No sólo, como ya observa-
mos, Vattel fue ampliamente utilizado en Iberoamérica luego de las independencias, sino también
en los Estados Unidos, donde además de circular las ediciones europeas se lo editó en 1796:
Emerich de Vattel, The Law of Nations: or, Principles of the Law of Nature..., etc., [...] First
American Edition, corrected and revised from the latest London edition, New York, 1796 (dato
tomado de: “American Bibliography by Charles Evans, A Chronological Dictionary of all Books,
Pamphlets adn Peridodical Publicatios Printed in th United States of America”, [de 1769 a
1820], Vol. 11, 1796-1797, New York, 1942.)

54

brasil-argentinaFIM.pmd 54 5/2/2004, 11:02


La alternativa de un origen contractual basado en el supuesto
de la calidad soberana de las provincias o étnico basado en el supuesto
de una nacionalidad preexistente al acto constitucional y determinante
del mismo_ volvió a instalarse en el centro de los conflictos políticos
hacia 1880, cuando una parte de la elite política de Buenos Aires intentó
una última resistencia al poder nacional.57 Pero, a partir de entonces, la
noción de una originaria nacionalidad predominó en las interpretaciones
de la historia política del siglo XIX, si bien entendemos que no se ajus-
ta, como sostenemos en este trabajo, a lo ocurrido en esa historia.

57
Sobre esa alternativa y su incidencia en ese conflicto, véase J. C. Chiaramonte y P. Buchbinder,
ob. cit.

55

brasil-argentinaFIM.pmd 55 5/2/2004, 11:02


brasil-argentinaFIM.pmd 56 5/2/2004, 11:02
A C ONSTRUÇÃO DO E STADO I MPERIAL NO B RASIL :
SOBERANIA E LEGITIMIDADE
Afonso Carlos Marques dos Santos

A história da formação do Estado nacional no Brasil possui gran-


de especificidade em relação ao processo de constituição da soberania
nos países da América hispânica. Contudo, a particularidade do pro-
cesso brasileiro não pode ser compreendida apenas pela flagrante dife-
rença entre a forma republicana adotada no lado hispano-americano e
a forma monárquica assumida na América portuguesa. Duas outras di-
mensões acompanham essa questão: a unidade territorial e os padrões
de legitimidade adotados. No caso brasileiro a unidade foi construída a
partir da implementação de um projeto de Império que teve a sua ori-
gem nos quadros do próprio aparelho de Estado metropolitano, con-
tando com a participação de letrados de procedência colonial. A opção
monárquica na definição do processo, por sua vez, permitiu garantir
uma legitimidade incontestável ao exercício do poder autônomo. Caso
único de apropriação da simbologia do velho reino colonizador na cri-
ação do novo Estado e da nova Nação, o que foi possível graças à
decisão do herdeiro do trono lusitano em permanecer na América e
não se subordinar às decisões das Cortes de Lisboa. José Bonifácio de
Andrada e Silva, ao justificar a opção monárquica e traçar as caracte-
rísticas aristocratizantes do mundo da propriedade no Brasil de então,
registrou após a separação política que “sem a monarquia não haveria um
centro de força e união, e sem esta não se poderia resistir às cortes de Portugal e
adquirir a Independência Nacional”1 .

O PROJETO DE IMPÉRIO LUSO-BRASILEIRO

A discussão em torno da idéia de Império, no mundo luso-


brasileiro do final do século XVIII e início do século XIX, tem sido
objeto de alguns equívocos de abordagem. O mais freqüente é a
1
José Bonifácio de Andrada e Silva. “Notas Íntimas”, em Obra Política, vol. II. Brasília: Senado
Federal, p. 119.

57

brasil-argentinaFIM.pmd 57 5/2/2004, 11:02


confusão entre a noção de império colonial e o significado do projeto
político que concebeu um império luso-brasileiro. Este projeto aparece
nas formulações dos estadistas portugueses desse período, em textos
elaborados por atores da expressão de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho
- o futuro Conde de Linhares - e do jurisconsulto Silvestre Pinheiro
Ferreira. Nestes textos, a noção de império assume um caráter diferen-
te do uso tradicional, vinculado aos domínios coloniais. Trata-se agora
de tentar uma reforma, de caráter geopolítico, do Estado monárquico
sob a égide da Casa de Bragança. Este projeto é atravessado pelas vi-
cissitudes enfrentadas por Portugal face às alterações na política euro-
péia, especialmente após a Revolução Francesa.
A história política desse período ainda carece de maior atenção,
tanto no lado português como no brasileiro. Para a história lusitana
trata-se de uma fase traumática, aquela que corresponde ao reinado de
Dona Maria I e à regência e reinado de Dom João VI, quando a dinastia
é ameaçada, a autonomia do Reino é atingida pela invasão estrangeira,
a sede da Corte é transferida para a América e verifica-se o que Olivei-
ra Lima chamou de “a inversão brasileira”. Como observou o Visconde
de Porto-Seguro, “em meados de 1820, era já toda esta região [do Amazonas
ao Prata] a sede de um Império maior que os dois romanos, o qual estendia o seu
poderio pelas cinco partes do globo terrestre, tendo no Portugal hispânico uma
simples regência [...].”2 Do lado brasileiro desta história a opção pela for-
ma monárquica, na construção do Estado autônomo, deveria colocar
estas questões no centro das investigações sobre a Independência, não
apenas pela singularidade do fenômeno no continente americano, mas
pelo que pode ser elucidado acerca do modelo de Estado adotado. Há
inúmeros aspectos simbólicos que não devem ser desprezados e que
são fundamentais para compreender a época e o processo. Afinal, tra-
ta-se também de estudar aquilo que, no movimento da história, diz
respeito não ao material, mas ao “ideal”, para usar a expressão que
Georges Duby recupera de Maurice Godelier3 .

2
Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto-Seguro). História da Independência do Brasil
(até ao reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em
algumas províncias até essa data). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917 (Tomo LXXIX da
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), p.32.
3
Georges Duby. A História Continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed./Ed. da UFRJ, 1993, p.81.

58

brasil-argentinaFIM.pmd 58 5/2/2004, 11:02


Por outro lado é necessário observar que a questão do Estado
neste período, antecede, mais do que nunca, à questão nacional. É dele
que partirá o fomento a uma produção simbólica que, após a Indepen-
dência, transforma a Nação num autêntico projeto de Estado. Este,
por sua vez, não é nem território, nem população, nem corpo de regras
obrigatórias. Georges Burdeau assinala que apesar destes dados sensí-
veis não lhe serem estrangeiros, o Estado os transcende. A sua existên-
cia não pertenceria, nesta perspectiva, à fenomenologia tangível, fa-
zendo parte da ordem do espírito. O Estado é, no sentido pleno do
termo, uma idéia; o que permite a Burdeau considerar que “não tendo
outra realidade senão conceptual”, o Estado “só existe porque é pensa-
do”4 . Para Burdeau esta afirmação deve ser entendida no pé da letra
isto porque o Estado não seria uma “construção do espírito” destinada
a dar conta de uma realidade preexistente, mas uma realidade concebi-
da. Daí a necessidade de procurar compreender a gênese do Estado
autônomo no Brasil a partir do mundo das idéias, onde a construção da
realidade atravessa ambiguidades e contradições - um processo doloro-
so de separação não apenas política, mas onde será preciso romper
laços identitários profundos.
Não foram poucos os autores que apontaram para as caracte-
rísticas peculiares da autonomia política brasileira. Caio Prado Jr.,
por exemplo, lembrou que “até às vésperas da independência, e entre
aqueles mesmos que seriam seus principais fautores, nada havia que
indicasse um pensamento separatista claro e definido. O próprio José
Bonifácio, que seria o Patriarca da Independência, o foi apesar dele
mesmo, pois sua idéia sempre fôra unicamente a de uma monarquia
dual, uma espécie de federação luso-brasileira”5 . A Independência
não seria, portanto, o resultado ascendente da insubordinação dos
colonos da América portuguesa, mas algo inevitável, encerrando “em
seu contexto o espírito de conciliação” apontado por Paulo
Mercadante6 .

4
Georges Burdeau. L’État. Paris: Seuil, 1970, p.14.
5
Caio Prado Jr. Formação do Brasil Contemporâneo. Sào Paulo: Livraria Martins Editora, 1942,
p.364.
6
Paulo Mercadante. A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Saga, 1965, p.57.

59

brasil-argentinaFIM.pmd 59 5/2/2004, 11:02


A Independência define-se pela constituição de um novo Esta-
do politicamente autônomo e que, no caso do Brasil, resulta num Esta-
do monárquico-constitucional: o Império do Brasil. Porém, este novo
Estado já possuía, desde 1815, o estatuto de reino, Reino do Brasil -
unido a Portugal e Algarves. A opção pela forma monárquica deveria,
diante deste fato anterior, ter conduzido à separação dos reinos, per-
manecendo o Reino do Brasil como designação adequada para o terri-
tório autonomizado da antiga América portuguesa. Contudo, a forma
adotada foi Império do Brasil e não Reino, como se poderia esperar. No
que se refere ao uso da designação Império, é necessário recuar no tem-
po a algumas formulações anteriores, pelo menos e mais diretamente
àquelas oriundas do final do século XVIII e às que surgem no debate
acerca da permanência da família real portuguesa no Brasil.
O tema da Independência, as alternativas políticas e ideológi-
cas do período, o debate de idéias, bem como as opções vencedoras
constituem um dos momentos mais ricos e significativos da história
política brasileira. Daí partirão algumas das definições fundamentais
no delineamento do Estado, na organização da sociedade e nas práti-
cas políticas. Neste sentido, é sempre oportuno revisitar o tema e as
representações deste período de transição do absolutismo para o siste-
ma liberal. Como introdução a estas questões destacamos aqui duas
dimensões do que chamamos de projeto de Império: aquela que apare-
ce nas iniciativas de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho e a que encami-
nha, sob a influência direta de José Bonifácio de Andrada e Silva, a
separação política para a constituição do Império do Brasil. Estas no-
tas acerca da opção monárquica, na verdade nos remetem à reflexão
acerca do rascunho do Estado, possível de ser identificado nos frag-
mentos de idéias e ações da época.
É importante assinalar que estamos considerando, de acordo
com o historiador alemão Hagen Schulze, que os conceitos de Estado
e Nação “constituem projetos culturais que nasceram no decurso da
história européia e se foram modificando constantemente ao longo da
história”7 . Esta posição remete-nos também para pensar os fenômenos
culturais e políticos na América a partir de uma história marcada por
um processo de ocidentalização, onde os parâmetros intelectuais são
7
Hagen Schulze. Estado e Nação na História da Europa. Lisboa: Editorial Presença, 1997, p.17.

60

brasil-argentinaFIM.pmd 60 5/2/2004, 11:02


dados pela experiência histórica das matrizes européias ocidentais. Tra-
ta-se aqui de pensar esses projetos no quadro da transição de um mun-
do ordenado pelos valores do Antigo Regime para novas formas de
conceber a organização da sociedade e do poder político.
“Sob o genérico nome de Brasil”: o projeto de Dom Rodrigo de Sousa
Coutinho
O projeto de construção de um Império luso-brasileiro, que vi-
ria a se constituir na base da elevação do Brasil a Reino Unido a Portu-
gal e Algarves, tem um significativo delineamento num importante do-
cumento da autoria de D. Rodrigo de Souza Coutinho, conhecido como
Memória sobre os Melhoramentos dos Domínios de sua Majestade na América8 .
Este texto foi escrito quando D. Rodrigo ocupava a pasta da Marinha e
Ultramar e deve datar de 1797. D. Rodrigo assumira, em setembro de
1796, a responsabilidade governativa de lidar com os problemas relati-
vos à conservação e ampliação da marinha e da navegação mercantil
portuguesa e à direção administrativa, política e econômica das colôni-
as. Neste segundo aspecto das suas novas responsabilidades, destaca-
vam-se os domínios da América, ou melhor, “as províncias da Améri-
ca”, na expressão do próprio estadista, ao acrescentar: “que se de-
nominam com o genérico nome de Brasil”9 . Em outra oportunidade
8
Este texto foi publicado, várias vezes, a partir de cópias existentes em Portugal e no Brasil,
como é o caso do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, (A.H.U., Papéis Avulsos, Rio de
Janeiro, 1797), e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (B.N.R.J., Coleção Linhares: Mss. I -
29-13-16),onde surge com o título de “Discurso pronunciado perante a junta de ministros e
outras pessoas”. Marcos Carneiro de Mendonça, no seu livro O Intendente Câmara, ao publicar a
trancrição do documento, usou o manuscrito da Biblioteca Nacional e, mais recentemente,
Andrée Mansuy Diniz Silva utilizou o manuscrito do Arquivo Histórico Ultramarino na magní-
fica edição, de textos de D. Rodrigo, que dirigiu para o Banco de Portugal, dentro da Coleção de
Obras Clássicas do Pensamento Econômico Português. Também há trancrição integral, desta
Memória de D. Rodrigo, na revista Brasília , vol. IV, 1949, p. 383-422, com introdução de
Américo Pires de Lima e transcrição parcial na biografia de D. Rodrigo de Sousa Coutinho da
autoria do Marquês do Funchal. Este documento tem sido objeto das considerações de Fernando
Antonio Novais. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: HUCITEC, 1981,
p. 117-118; José Luís Cardoso. O Pensamento Económico em Portugal nos finais do século XVIII: 1780-
1808. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, p. 191-203 e Kenneth Maxwell. A Devassa da Devassa.
A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, Capítulo
8, p. 233-271), entre outros.
9
Já havíamos chamado a atenção para esta frase no livro No Rascunho da Nação. Inconfidência no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura: Biblioteca Carioca, 1992, p. 112.

61

brasil-argentinaFIM.pmd 61 5/2/2004, 11:02


já havíamos apontado para essa apreensão metropolitana das partes da
América portuguesa e para o fato de que o Estado Absolutista lusitano
detinha o que chamamos de uma espécie de monopólio da percepção
do todo. A esta percepção seria possível opor uma outra apreensão do
território objeto da colonização e que se daria a partir do âmbito inter-
no do espaço colonial: uma apreensão fragmentada e regionalizada. Do
ponto de vista dos próprios colonos luso-brasileiros contemporâneos
da conjuntura das inconfidências o horizonte político não teria sido
percebido, nessa perspectiva, muito além dos limites da Capitania.
Essa Memória de Dom Rodrigo foi considerada, por Fernando
Novais, ao analisar as manifestações da crise do Antigo Sistema Colo-
nial, como um “vasto e articulado plano de fomento da exploração
econômica do Brasil”10 . Novais trata o documento como uma tentati-
va de remover obstáculos ao “pleno funcionamento do sistema coloni-
al na nova conjuntura”, chamando a atenção para o uso da expressão
“sistema” no texto de D. Rodrigo, onde o estadista procuraria definir,
de maneira vantajosa, as relações entre Portugal e seus “domínios”.
Por outro lado, a historiadora portuguesa Graça Silva Dias, ao
examinar a “ruptura cultural” e a “ruptura política” nas origens do libe-
ralismo em Portugal, reduz o futuro Conde de Linhares a uma dimen-
são muito próxima de vários manuais de História do Brasil, isto é, à
condição de “político anglófilo”, caracterizando-o como um letrado
dado à “moderação” e à “conciliação”, “vivendo a duas velocidades: a
aceleração cultural e o ralenti político”11 . Esta avaliação de Dom Rodrigo
vincula-se, principalmente, à sua ação como Ministro de D. João, no
Rio de Janeiro, após a transferência da Corte, onde assumiria a posição
de “principal e corifeu do partido inglês” como também o identificou
Oliveira Lima12 . Estas visões, contudo, mostraram-se insuficientes para
permitir uma ampla compreensão da importância deste estadista na

10
Novais, F. A., op.cit., p. 117.
11
Graça Silva Dias. “Ruptura cultural e ruptura política nas origens do liberalismo” in O
Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX (org. por Miriam Halpern Pereira).
Lisboa: Sá da Costa Editora, 1982, 2o. vol., p. 220.
12
Manuel de Oliveira Lima. Dom João VI no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Ed., 1945, 1o.
vol., p. 187.

62

brasil-argentinaFIM.pmd 62 5/2/2004, 11:02


história luso-brasileira da fase identificada, por Fernando Novais, como
a conjuntura de crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808).
O historiador inglês Kenneth Maxwell compreendeu, de forma
mais adequada, a inserção de D. Rodrigo na história política dessa con-
juntura, dando uma atenção maior ao significado da “Memória sobre
os Domínios da América”, apontando para o que chamou de “um pro-
grama muito mais amplo” e que visava a “reconciliação imperial”13 .
Maxwell considerou o plano para o Império como audaz e examinou-o
à luz das atitudes tomadas por D. Rodrigo no trato da questão das
insurgências coloniais, reveladas nas devassas contra as inconfidências
de Minas Gerais, em 1789, Rio de Janeiro, em 1794, e Bahia, em 1798.
Maxwell observou, de maneira inovadora, a estratégia de D. Rodrigo
diante do fracasso das idéias autonomistas, apontando para o fato de
que a “atmosfera estava receptiva para reformas que evitassem o risco
de um levante social”14 . Neste sentido D. Rodrigo teria percebido, “com
maior sensibilidade do que a maioria, as oportunidades que a situação
oferecia e a necessidade de fazer ajustes inteligentes para evitar uma
revolução destruidora”15 .
A perspectiva de Maxwell aproxima-se da posição que defende-
mos ao analisar o que identificamos como a derrota da “vertente
autonomista nacional” e onde atribuíamos o fracasso desta tendência a
dois aspectos básicos: de um lado à violência da repressão, como foi o
caso do movimento baiano de 1798, e de outro aos limites de consci-
ência dos letrados e da elite colonial - sensíveis, que foram, aos
aliciamentos do Estado português, responsável por um verdadeiro tra-
balho de cooptação de quadros na elite letrada da América portugue-
sa16. Maxwell lembrou que a severidade do tratamento dado aos insurretos
baianos de 179817 foi acompanhada e sucedida de favores que a adminis-
tração metropolitana continuava a conceder aos brasileiros diplomados
13
Maxwell, K., op.cit., p. 238.
14
idem, p. 254.
15
idem, p. 254.
16
Afonso Carlos Marques dos Santos. No Rascunho da Nação. Inconfidência no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura [Biblioteca Carioca],1992, p. 142.
17
Ver o livro de István Jancsó. Na Bahia, contra o Império. História do Ensaio de Sedição de 1798. São
Paulo: HUCITEC-EDUFBA, 1996.

63

brasil-argentinaFIM.pmd 63 5/2/2004, 11:02


pela Universidade de Coimbra. Estas atitudes, capitaneadas por D. Rodrigo,
no entender de Maxwell, “indicavam com clareza seus pontos de vista”.
Contudo, apesar das evidências contidas na teoria e na ação de esta-
distas como Dom Rodrigo e apesar da documentação explorada por Maxwell,
pela nossa investigação já mencionada e pelos estudos referentes ao caso
baiano, surgiu recentemente uma outra versão, diferente da nossa, desenvol-
vida pelo historiador português Valentim Alexandre numa alentada tese dou-
toral18 . Este autor procura despolitizar a análise do período, a partir da
descaracterização da crise do Antigo Sistema Colonial e privilegiando os
aspectos econômicos. A crise não teria existido no império luso-brasileiro
nos anos que antecedem à ruptura do regime do pacto-colonial. Assim, para
Valentim Alexandre, não haveria no Brasil “qualquer indício de contestação
generalizada do domínio português”. No seu entender, “as duas únicas ‘in-
confidências’ que ganham alguma expressão, a de Minas Gerais e a da Bahia,
são a manifestação, no primeiro caso, das tensões específicas de uma zona já
então marginal do império, e, no segundo, de contradições internas da socie-
dade colonial. Por seu lado, o poder metropolitano continua a confiar nas
formas tradicionais de defesa das colônias, entregue fundamentalmente às
forças locais”19 . Para este autor, portanto, o aumento das tensões não vem de
uma crise do sistema que se manifestaria no perigo da sublevação generaliza-
da em todo o território colonial, mas viria das “ameaças externas, das pertur-
bações que sacodem o sistema internacional: é para esse lado que teremos de
olhar, se quisermos compreender os problemas que vão conduzir à desagre-
gação do império, a partir de 1808”20.
Valentim Alexandre procura desqualificar análises como as de
Kenneth Maxwell e de autores brasileiros como Carlos Guilherme Mota,
notadamente na ênfase que dá a inexistência da crise. Para ele, as autorida-
des metropolitanas consideravam “que a solidariedade da colônia para com
a metrópole era um dado natural”21 e que os colonos e as autoridades esta-
vam muito mais preocupados com a defesa contra inimigos externos. Tal
18
Valentim Alexandre. Os Sentidos do Império. Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo
Regime Português. Lisboa: Edições Afrontamento, 1993, cap. 2, p. 77-89.
19
idem, p. 89.
20
idem, p. 89.
21
idem, p. 83. Valentim Alexandre critica o livro de Carlos Guilherme Mota Atitudes de Inovação
no Brasil: 1789-1801. Lisboa: Livros Horizonte, s.d.

64

brasil-argentinaFIM.pmd 64 5/2/2004, 11:02


concepção colocaria num segundo plano as possíveis tensões entre brasilei-
ros e europeus. Para confirmar a sua tese, Alexandre tenta sustentar-se em
aparentes evidências documentais, como, por exemplo, quando afirma que,
apesar da “questão da ordem pública interna” não estar totalmente ausente
da correspondência oficial, o seu peso seria muito reduzido na fase que
corresponderia aos cinco anos em que D. Rodrigo de Souza Coutinho foi
ministro da Marinha e do Ultramar (1796 a 1801). Neste período, segundo
Alexandre, apenas um “aviso”, de 29 de julho de 1797, e um ofício, de 12 de
março de 1801, mandam fazer uma vigilância especial sobre os suspeitos de
professarem idéias políticas e religiosas.
Contudo, o recorte temporal feito por Valentim Alexandre parece-
nos bastante equivocado, bem como o alcance das suas evidências docu-
mentais. Alexandre limitou-se a citar códices relativos ao Brasil existentes no
Arquivo Histórico Ultramarino, mas deixa de lado a ampla documentação
política e administrativa existente nas inúmeras caixas de documentos avul-
sos do mesmo arquivo e que, apenas para o período 1789 a 1801, no que se
refere ao Rio de Janeiro, compreendem mais de 50 caixas com documentos
que expressam opiniões e reclamações dos colonos, além das querelas de
ordem administrativa e jurídica. Alexandre, por desconhecer a documenta-
ção originária da colônias, deixou de perceber o contexto do Império portu-
guês, ignorando, por exemplo, a linha de ação, no Brasil, do vice-rei Conde de
Resende22 . Rezende, que governa de 1790 a 1801, promoveu o que
chamamos de “administração do medo” na capital da América portuguesa e
sua atuação correspondeu ao mesmo tipo de preocupação, por vezes exage-
rada, evidenciada nas ações do Intendente Geral de Polícia de Lisboa, Pina
Manique, e na correspondência diplomática estudada por Graça e J. S. da
Silva Dias em Os Primórdios da Maçonaria em Portugal23 .
Caracterizamos este período como um tempo tomado pelo “ter-
ror universal”, onde o medo da sublevação estava sempre presente,
como também o medo da proliferação das “idéias francesas”. Estas
significavam não apenas a crítica ao sistema colonial, mas a crítica ao
22
Cf. o Capítulo 2, do livro No Rascunho da Nação , que tem como título “A Adminstração do
Medo”. Neste capítulo abordamos o clima de repressão e arbítrio existente no Rio de Janeiro
durante o governo do Conde de Resende, examinamos o seu raio de ação e o contextualizamos
na política do Estado português nesta conjuntura de crise.
23
Graça e J. S. da Silva Dias. Os Primórdios da Maçonaria em Portugal . 4 vols. Lisboa, Instituto
Nacional da Investigação Científica, 1980. Em especial o vol. I, tomo I.

65

brasil-argentinaFIM.pmd 65 5/2/2004, 11:02


Absolutismo, às bases do direito divino e a todas as estruturas do An-
tigo Regime. O fato da inconfidência de Minas Gerais ter ficado restri-
ta ao âmbito da Capitania e às articulações com o porto do Rio de
Janeiro, não retira do movimento a sua importância para compreender
as possibilidades de insurgência na Colônia. Valentim Alexandre in-
corre no mesmo erro daqueles que procuraram associar a inconfidência
ao processo de separação política do Brasil24 . O que importa não é
discutir o seu insucesso, mas inseri-la na conjuntura, para tentar com-
preender as atitudes mentais dos colonos - que, de fato, até então se
viam como portugueses do Brasil. As nuanças da difícil opção por uma
nova identidade e um novo status não são percebidas pela visão
economicista de Valentim Alexandre. Os colonos que, no interior da
América portuguesa, ousaram pensar a construção da autonomia e o
rompimento não apenas com a metrópole, mas com a sua “pátria mãe”,
o que possui uma dimensão psicológica profunda, tinham clareza do
perigo que corriam ao se reunirem para discutir os acontecimentos in-
ternacionais, as idéias de liberdade, os desdobramentos do direito na-
tural e os planos, mesmo que incipientes, de insubordinação contra o
poder metropolitano.
A verdade é que as inconfidências fracassaram tanto pela re-
pressão, como pela cooptação realizada sobre os letrados oriundos da
Colônia. Para compreender a conjuntura e, no seu interior, o ministro
Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, é necessário atentar para o fato de
que ele assume o ministério da Marinha e Ultramar em 1796 e realiza,
a partir daí, um processo de acomodação e aliciamento em relação aos
estudantes brasileiros. É o outro lado da moeda e que fica bem claro no
processo de libertação dos “inconfidentes” do Rio, onde o Conde de
Resende é colocado na parede pelo ministro e se vê forçado a dar por
encerrado o caso da Sociedade Literária, libertando, por falta de pro-
vas, os indiciados fluminenses. Valentim Alexandre perde as sutilezas
desta trama ao minimizar as possibilidades de expansão das idéias se-
paratistas e da generalização da insurreição.
24
Como é o caso do historiador brasileiro João Capistrano de Abreu que minimizou e secundarizou
a Inconfidência, excluindo-a dos seus Capítulos de História Colonial. Capistrano, preocupado com
as bases de constituição da nacionalidade, não percebeu que as devassas abertas contra os
letrados constituem uma janela aberta para a compreensão das formas de pensamento e dos
limites da consciência dos colonos.

66

brasil-argentinaFIM.pmd 66 5/2/2004, 11:02


É também importante lembrar que, dois anos antes da prisão
dos letrados mineiros, na distante Goa, na Índia portuguesa, as autori-
dades metropolitanas detectaram um plano de sublevação reagindo com
grande violência. Foram quinze condenações à morte e dez ao degredo
e galés, acompanhadas de atitudes simbólicas mais severas que a exe-
cução exemplar do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, no Rio, em
1792. Em Goa os condenados ao degredo foram obrigados a assistir à
execução de seus companheiros. Todos os enforcados tiveram suas ca-
beças decepadas e pregadas em postes altos nos lugares donde eram
naturais, lá permanecendo até que o tempo as consumisse. Tudo isso
ainda foi acompanhado de um terrível espetáculo onde as ruas de Goa
foram banhadas de sangue.
Nada se compara, sem dúvida, no caso dos mineiros e
fluminenses, com o que ocorreu na Índia portuguesa. Porém os letra-
dos mineiros e fluminenses não tinham condições para avaliar que o
mesmo não se repetiria aqui. Até o último momento todos aguardavam
a condenação máxima, como resultado da sentença contra os inconfi-
dentes de Minas Gerais. No caso de Goa, dois tenentes, da legião de
Pondá, foram arrastados a caudas de cavalos pelas ruas da cidade até o
lugar das forcas e, juntamente com um cirurgião-mor e um cabo de
esquadra da mesma legião, tiveram ainda em vida suas mãos decepa-
das. Os dois primeiros foram esquartejados e todos tiveram as partes
amputadas expostas pelos lugares públicos das ilhas de Goa, e provín-
cias de Salcete e Bardez e nas aldeias de Candolim, Nerul, Pilerne,
Piedade, Mandur e Nagoá. Acrescente-se, ainda, que 14 padres foram
deportados presos para Lisboa.
Apesar de já ter narrado esses fatos em trabalho anterior, julgo
importante mencioná-los nesta discussão. Infelizmente tanto a
historiografia brasileira como a portuguesa costumam desprezar, com
a exceção dos estudos de história das relações internacionais, tudo
aquilo que foge ao autocentramento na “história nacional”, como se
não existisse um contexto mundial e pluricontinental a ser considera-
do. No caso do império colonial, entretanto, a questão é mais grave ainda,
porque leva a reproduzir visões extremamente fragmentadas, regionalizadas
e aprisionadas aos limites territoriais da América portuguesa, desconhe-
cendo a dinâmica do império colonial e a sua real dimensão.

67

brasil-argentinaFIM.pmd 67 5/2/2004, 11:02


Para compreender a gestão e as medidas de Dom Rodrigo no mi-
nistério da Marinha e Ultramar, a partir de 1796, é preciso justamente
identificar a ruptura nos procedimentos da governação e as divergências
de atitude existentes no próprio aparelho de Estado metropolitano. A
correspondência oficial do vice-rei Conde de Resende é bastante incisi-
va nas seguidas proposições de obras e medidas de defesa do porto do
Rio de Janeiro e na preocupação em ampliar o poder de fogo de suas
fortalezas. Resende, porém, não temia apenas o inimigo externo, mas
dedica-se, desde 1790, a farejar e perseguir toda e qualquer manifestação
de descontentamento face à dominação colonial. Havia uma espécie de
“rede de conspiração” invisível, tecida entre as capitanias de Minas Ge-
rais e do Rio de Janeiro, e que torna a questão da insubordinação muito
mais complexa do que supõe V. Alexandre. Ao negar as possibilidades da
rebelião e até mesmo de conspirações generalizadas na Colônia, este au-
tor deixou de lado o exame de todo um clima persecutório e repressivo -
que não se justificaria se não houvesse o efetivo perigo das idéias subver-
sivas se alastrarem pelos domínios lusitanos na América.
John Barrow, que acompanhou Lord Macartney na primeira embai-
xada inglesa para China e que aportou no Rio de Janeiro em 1792, exatamen-
te no ano da condenação dos inconfidentes mineiros, encontrou, nas conver-
sações que manteve com um rico negociante e proprietário de terras e escra-
vos, o que identificou como uma clara consciência contra a dominação colo-
nial. Barrow registrou que este “homem muito rico”, “reclamava muito gra-
vemente da opressão que os habitantes da América do Sul sofriam da mãe-
pátria; que os monopólios, as proibições e as taxas obstaculizavam o comércio,
impediam a agricultura e destruíam o espírito de empresa e manifestava que a
insatisfação havia se tornado tão geral pelos encargos impostos e pelas restri-
ções a que eram obrigados a se submeterem, que não se surpreenderia,...,se eles
fossem levados finalmente, como seus irmãos na parte norte do mesmo conti-
nente, a libertarem-se do jugo de Portugal e afirmarem sua independência”25.
No mesmo ano, portanto, da execução exemplar de Tiradentes
e da condenação dos letrados mineiros, ainda era possível encontrar,
25
John Barrow. A Voyage to Cochinchina, in the years 1792 and 1793. London: Cadell and Davies,
1806, p. 101-2. A passagem de Lord Macartney e sua comitiva pelo Rio de Janeiro, também foi
registrada por Aeneas Anderson, Samuel Holmes e George Leonard Staunton, além de Barrow.
Todos publicaram os seus relatos.

68

brasil-argentinaFIM.pmd 68 5/2/2004, 11:02


na capital da América portuguesa, expressões vivas da transição pela
qual passavam as mentes coloniais. A consciência da desigualdade em
relação à Metrópole e a percepção de que o sistema colonial bloquea-
va, nos colonos, o espírito de empresa fazia-se notar, ao menos no
universo do comércio e da propriedade - lugar social de origem do que
identificamos, em outra oportunidade, como os “rebeldes invisíveis”.
A conversa mantida pelo inglês Barrow com o colono fluminense indi-
cava que nem mesmo a repressão aos mineiros fora capaz de impedir
que idéias contestatárias e críticas ao sistema continuassem a circular
entre os colonos.
Há outros indícios a recordar. Em 1793 o Conde de Resende
mandou abrir uma devassa para investigar a autoria de uma carta anô-
nima endereçada ao Juiz de Fora e Presidente do Senado da Câmara do
Rio de Janeiro, Baltasar da Silva Lisboa, onde este era convidado, por
potenciais rebeldes ocultos na anonímia, a assumir o governo civil e
militar da Capitania26 . O alvo do vice-rei acaba sendo o próprio Juiz de
Fora, com quem Resende vivia às turras em matérias jurídicas e admi-
nistrativas. O Juiz era um letrado brasileiro que encontrava certo eco,
nas autoridades de Lisboa, para as críticas que fazia aos desmandos
locais do vice-rei, daí o interesse em atingi-lo através da suspeita de
envolvimento com possíveis sublevações.
No ano seguinte, em 1794, Resende também mandaria abrir a
famosa devassa contra os membros da Sociedade Literária do Rio de
Janeiro que, mesmo postos em suspeição pelo vice-rei desde 1790, con-
tinuavam a se reunir na casa do poeta e professor régio de retórica e
poética Manoel Inácio da Silva Alvarenga. Esta devassa deveria escla-
recer se, além dos “escandalosos discursos” proferidos na Cidade pelos
letrados fluminenses, haviam os “mesmos indivíduos formado, ou insi-
nuado algum plano de sedição”27 .

26
Tratei desta questão, com alguns detalhes, no livro No Rascunho da Nação, vide cap:. 2.
27
Ofício do Conde de Resende para o Desembargador (e poeta) Antônio Diniz da Cruz e Silva.
Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1794. Autos da Devassa ordenada pelo vice-rei Conde de
Resende contra os membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro em 1794. Rio de Janeiro,
Anais da Biblioteca Nacional , 1941, vol. 61, p. 215. A devassa e a trama envolvida foi tratada,
por nós, no cap. 3 de No Rascunho da Nação , que recebeu o título “Procedendo à Devassa”, p. 77-
111.

69

brasil-argentinaFIM.pmd 69 5/2/2004, 11:02


A ação de Resende, no Rio da primeira metade da década de
1790, correspondia, no espaço colonial, às funções cumpridas em Lis-
boa pelo Intendente Geral de Polícia Pina Manique que, procurando
identificar jacobinismo e maçonaria, via como uma luta única a per-
seguição às “idéias francesas” e às sociedades secretas, já que ambas
punham em risco, a ordem social e política do Reino, como observou
Silva Dias ao estudar o período em Portugal28. Pina Manique andara
tentando apagar “na origem qualquer faísca de sedição que, soprada
pelo espírito do século” pudesse “atear a faísca revolucionária”29.
Resende, como tentamos mostrar em outra oportunidade30 , procurava
cumprir no Ultramar a função de agente da contra-revolução, identifi-
cando “faíscas” e exercendo uma ação preventiva - o que indica que a
ação repressiva na colônia não era isolada de uma prática mais global
no império colonial português. O “espírito do século”, como revelara
Pina Manique, soprava suas faíscas por toda parte. Na verdade não era
apenas o sistema colonial que estava em crise, mas o próprio Antigo
Regime, como acima mencionamos.
Alguma coisa muda, entretanto, após o início da gestão de Dom
Rodrigo de Sousa Coutinho na pasta do Ultramar. No caso dos letrados
do Rio é notória a abertura para os seus apelos. Sousa Coutinho exige
de Resende uma definição para o processo. Caso o vice-rei não desejas-
se soltar os réus, estes deveriam ser remetidos para a Corte juntamente
com os autos contendo a relação dos seus crimes. A outra alternativa
será colocá-los em liberdade considerando que já haviam sido suficien-
temente castigados com a prisão. As ordens de Lisboa não
desautorizavam, de imediato, o Vice-Rei, mas deixavam-no sem esco-
lha. Resende, apoiado em parecer do Desembargador Antônio Dinis da
Cruz e Silva, prefere soltá-los a se expor à verificação do poder metro-
politano e, em especial, ao olhar arguto de Dom Rodrigo de Sousa
Coutinho.

28
Graça e J. S. da Silva Dias, op. Cit., vol. 1, p. 340.
29
Ofício do Intendente Geral da Polícia, Pina Manique, para o marquês de Ponte de Lima -
Lisboa, 8 de agosto de 1799. Apud Simão José da Luz Soriano. História da guerra Civil e do
Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal . Lisboa: 1866-1890, t. 3, p.70.
30
A. C. Marques dos Santos, op.cit., p. 100-107.

70

brasil-argentinaFIM.pmd 70 5/2/2004, 11:02


Deixemos, por ora, o tema das possibilidades de insurreição
na Colônia para abordar a outra dimensão apresentada pela conjuntu-
ra: o projeto de reformas no império luso-brasileiro. Cabe ainda lem-
brar que a esse plano se agrega uma prática de preparação de quadros
para a administração, oriundos da elite colonial, o que por vezes iden-
tificamos como formas de cooptação, tema que mereceria estudos
mais aprofundados e a análise das biografias dos letrados ajustados
ao sistema e que participam de missões especiais do Estado metropo-
litano.
Nesta altura cabe retomar o texto de 1797, onde Dom Rodrigo
manifesta suas avaliações e perspectivas acerca das “províncias da
América” 31. Venho chamando, certamente influenciado por K.
Maxwell, de projeto de Império às idéias esboçadas, por Dom Rodrigo,
em seus textos. E, neste sentido, parece bastante reveladora a avalia-
ção acerca dessa personagem feita pela historiadora Andrée Mansuy
Diniz Silva na Introdução aos Textos Políticos, Econômicos e Financeiros
de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, publicados sob a sua orientação.
Mansuy chama a atenção para uma carta de 1787, quando Dom
Rodrigo, que então exercia missão diplomática em Turim, comenta
ter recebido, de Lisboa, informações de que “geralmente me dão o nome
de projetista que com esta qualificação lançam sobre mim todo o ridículo
correspondente. Se um tal epíteto convém a quem lembrou alguns planos
para animar a nossa agricultura e indústria, deduzidos da imitação de
outras nações que tiraram já da sua adoção a maior utilidade, então convi-
rei que ele me convém, e de boa vontade me sujeitarei a todo o ridículo que
me querem dar”32 .
Estes comentários curiosamente correspondem ao papel que
verdadeiramente Dom Rodrigo assumiria, na década seguinte, como
um dos principais agentes do plano geral de reformas do Reino, ao
exercer as funções de Ministro e Secretário de Estado da Marinha e
Domínios Ultramarinos (1796-1801), Presidente do Real Erário e Mi-
nistro e Secretário de Estado da Fazenda (1801-1803), e Ministro da
31
vide nota 7.
32
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, M.N.E., Legação Portuguesa em Turim, Caixa 864, ofício
nº. 4, de 24/01/1787, apud Andrée Mansuy Diniz Silva. “Introdução”. Textos Políticos, Econômicos
e Financeiros (1783-1811). Lisboa, Banco de Portugal, 1993, Tomo I, p. XII.

71

brasil-argentinaFIM.pmd 71 5/2/2004, 11:02


Guerra e Negócios Estrangeiros (1808-1812)33 . Andrée Mansuy con-
sidera Dom Rodrigo, na fase que vai da queda de Pombal em 1777 à
Revolução liberal de 1820, como o estadista português que “mais con-
victamente conduziu o país na via das grandes reformas administrati-
vas e financeiras”, tendo orientado “a sua ação governativa no sentido
da mudança das mentalidades e da reforma das instituições, preparan-
do assim a sociedade portuguesa e brasileira para a eclosão do liberalis-
mo”34. Outros ainda, como o Cônego Fernandes Pinheiro, o identifica-
ram como “o único homem da Corte de D. João VI que compreendeu
as necessidades do Brasil”35.
D. Rodrigo teve uma clara consciência do papel dos domínios
da América para o trono português e soube definí-los no conjunto do
império, defendendo a manutenção do enlace entre as partes, ao afir-
mar que:
“Os domínios de Sua Majestade na Europa não formam senão a capital
e o centro das suas vastas possessões. Portugal reduzido a si só, seria dentro de um
breve período uma província de Espanha, enquanto servindo de ponto de reunião
e de assento à monarquia que se estende ao que possui nas ilhas de Europa e
África, ao Brasil, às costas orientais e ocidentais de África, e ao que ainda a
nossa Real Coroa possui na Ásia, é sem contradição uma das potências que tem
dentro de si todos os meios de figurar conspicua e brilhantemente entre as primei-
ras potências da Europa. Com uma extensão territorial na Europa três vezes
menor, com possessões inferiores às nossas, pôde a República das Províncias Unidas
33
Dom Rodrigo de Sousa Coutinho (nascido em 3 de agosto de 1755 e falecido, no Rio de
Janeiro, em 26 de janeiro de 1812, aos 56 anos). Era filho primogênito de D. Francisco Inocêncio
de Sousa Coutinho, importante figura da administração pombalina: Governador e Capitão-
General de Angola (1764-1772) e Embaixador em Espanha (17775-1780). D. Francisco des-
cendia de uma das mais antigas casas nobres de Portugal, a dos Condes de Redondo. É interes-
sante registrar que D. Rodrigo teve como padrinho de batismo, ninguém menos que Sebastião
José de Carvalho e Mello, então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.
Também é importante observar a posição familiar de D. Rodrigo no âmbito da diplomacia
portuguesa. Em 1778, ao ser nomeado como Enviado extraordinário e ministro plenipotenciá-
rio na Corte de Sardenha, seu pai, D. Francisco, era Embaixador em Madrid e seu tio, D. Vicente
de Sousa Coutinho, Embaixador em Paris. Sua missão diplomática em Turim prolongou-se até
1796, num total de 17 anos, tendo coincidido com fatos como a Revolução Francesa e a invasão
do Piemonte pelo exército francês.
34
Andrée Mansuy Diniz Silva, op. cit., “Introdução”, p. LII.
35
Apud Max Fleuiss. História Administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1923,
p.97.

72

brasil-argentinaFIM.pmd 72 5/2/2004, 11:02


ter o maior peso na balança política da Europa, e figurar como a segunda entre as
pot6encias marítimas. A feliz posição de Portugal na Europa, que serve de centro
ao comércio do Norte e Meio-dia do mesmo continente, e do melhor entreposto para
o comércio da Europa com as outras três partes do mundo, faz que este enlace dos
domínios ultramarinos portugueses com a sua Metrópole seja tão natural, quanto
pouco o era o de outras colônias que se separaram da mãe-pátria; e talvez sem o
feliz nexo que une os nossos estabelecimentos, ou eles não poderiam conseguir o
grau de prosperidade a que a nossa situação os convida, ou seriam obrigados a
renovar artificialmente os mesmos vínculos que hoje ligam felizmente a monar-
quia, e que nos chamam a maiores destinos, tirando deste sistema todas as suas
naturais conseqüências.36
D. Rodrigo identificou as características do império português e
procurou dar aos colonos um estatuto de integração à uma única nacio-
nalidade. Defendia o que chamava de “inviolável e sacrossanto princípio de
unidade, primeira base da monarquia, que se deve conservar com o maior ciúme”;
com isto estabelecia o objetivo de “que o Português nascido nas quatro partes
do mundo se julgue somente português, e não se lembre senão da glória e da grandeza
da monarquia a que tem a fortuna de pertencer, reconhecendo e sentindo os felizes
efeitos da reunião de um só todo composto de partes tão diferentes que separadas
jamais poderiam ser igualmente felizes, pois que enquanto a metrópole se privaria
do glorioso destino de ser o entreposto comum, cada domínio ultramarino sentiria a
falta das vantagens que lhe resultam de receber o melhor depósito para todos os seus
gêneros, de que se segue a mais feliz venda no mercado geral da Europa”37. Desta
forma, o “português do Brasil” deveria se sentir integrado ao todo da
monarquia, esquecendo qualquer particularidade que o tornasse diferen-
te do português metropolitano. Era uma forma de prever a integração do
Império impedindo a constituição de outras identidades.
O plano de D. Rodrigo, apresentado nesta Memória, compor-
tava um conjunto de medidas que deveriam assegurar a articulação
entre as partes do império, definindo os papéis entre a metrópole e
seus domínios ultramarinos, tanto do ponto de vista dos aspectos
econômicos, como administrativos. A quase totalidade das propostas
36
D. Rodrigo de Sousa Coutinho. “Memória sobre o Melhoramento dos Domínios de Sua
Majestade na América” In Textos Políticos, Económicos e Financeiros (1783-1811). Vol. II. Lisboa,
Banco de Portugal, 1993, p.48.
37
D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Op. cit., p.49.

73

brasil-argentinaFIM.pmd 73 5/2/2004, 11:02


contidas no projeto não foram levadas a cabo, o que indica que, do
ponto de vista prático, a Memória não teria tido grande resultado.
Contudo, deve ter repercutido de maneira favorável no universo le-
trado da América portuguesa, exatamente no meio social onde D.
Rodrigo também desejava obter adeptos para a causa do império, en-
fraquecendo, pela via da incorporação dos letrados coloniais às ações
do Estado, as possibilidades de oposição ao sistema monárquico. Assim
é que buscava a eficiência do sistema, num quadro de crise e enfra-
quecimento do Antigo Regime, buscando meios alternativos para pre-
venir as dissidências e sublevações.
As considerações de D. Rodrigo sobre os domínios da América
se somaram aos inúmeros conselhos que o príncipe regente D. João
receberia antes de transferir a Corte para o Brasil, efetuando uma ma-
nobra política que imprimiu enorme singularidade ao processo de
emancipação do Estado no caso brasileiro. Em 1803, o mesmo D.
Rodrigo de Sousa Coutinho dirigiria para D. João uma memória sobre a
mudança da sede da monarquia portuguesa, justificando as razões do
traslado:
“Quando se considera que Portugal por si mesmo muito defensável, não é
a melhor, e mais essencial parte da Monarquia; que depois de devastado por uma
longa e sanguinolenta guerra, ainda resta ao seu soberano, e aos seus Povos o irem
criar um poderoso Império no Brasil, donde se volte a reconquistar, o que se possa
ter perdido na Europa, e donde se continue uma guerra eterna contra o fero inimi-
go, que recusa reconhecer a Neutralidade de uma Potência, que mostra desejar
conservá-la”38 .
Assim aconselhava D. Rodrigo o deslocamento da Corte para a
empresa de “ir criar um poderoso Império no Brasil”. Dois anos antes, a
idéia aparecera numa carta de 30 de maio de 1801, onde D. Pedro - o
marquês de Alorna - expressava ao príncipe regente a sua avaliação das
possibilidades portuguesas naquela conjuntura:
“A balança da Europa está tão mudada que os cálculos de há dez anos
saem todos errados na era presente. Em todo caso o que é preciso é que Vossa

38
D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos:
Coleção Linhares: lata 2, apud Oliveira Lima, op.cit., p.54.

74

brasil-argentinaFIM.pmd 74 5/2/2004, 11:02


Alteza Real continue a reinar, e que não suceda à sua coroa, o que sucedeu à de
Sardenha, à de Nápoles e o que talvez entra no projeto das grandes Potencias que
suceda a todas as coroas de segunda ordem na Europa. Vossa Alteza Real tem
um grande Império no Brasil, e o mesmo inimigo que ataca agora com tanta van-
tagem, talvez trema, e mude de projeto, se Vossa Alteza Real o ameaçar de que se
dispõe a ir ser Imperador naquele vasto território aonde pode facilmente conquis-
tar as Colônias Espanholas e aterrar em pouco tempo as de todas as Potências da
Europa. Portanto é preciso que Vossa Alteza Real mande armar com toda pres-
sa todos os seus Navios de guerra, e todos os de transporte, que se acharem na
Praça de Lisboa - que meta neles a Princesa, os seus Filhos e os seus Tesouros, e
que ponha tudo isto pronto a partir sobre a Barra de Lisboa, e que a pessoa de
Vossa Alteza Real venha a esta Fronteira da Beira aparecer aos seus Povos, e
acender o seu entusiasmo”39 .
O marquês de Alorna ainda observaria que, mesmo perdendo o
território da metrópole européia para o inimigo invasor, estando na
América seria mais fácil resgatá-lo, mandando socorro. Sabia também
Alorna do perigo das recomendações que fazia, mas não seria o único a
pensar nessa solução. Aí aparecem explicitamente as idéias da criação
de um grande Império no Brasil e a transformação do monarca portu-
guês em seu Imperador.

DO REINO UNIDO À INDEPENDÊNCIA

Os quatro primeiros anos da presença da Corte no Brasil, de 1808 a


1812, pertenceram, como observou Max Fleiuss40 , ao Conde de Linhares
e à sua intensa atividade reformadora, mas caberá ao Conde da Barca,
Antonio de Araujo e Azevedo a liderança do Gabinete na fase onde o
Brasil foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves.
Apesar da conhecida atribuição dessa idéia ao príncipe de Talleyrand,
que a teria sugerido ao conde de Palmela, a medida já fora proposta a
D. João por um dos seus mais brilhantes conselheiros, Silvestre Pinhei-
ro Ferreira, no ano anterior. Oliveira Lima considerou que a “elevação
39
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Marquês de Alorna, Carta de 30 de maio de 1801. Apud.
Oliveira Lima. Op. cit., p. 56.
40
Max Fleiuss. Op. cit., p. 88.

75

brasil-argentinaFIM.pmd 75 5/2/2004, 11:02


do Brasil a Reino, além der ser uma afirmação solene da sua integrida-
de territorial, foi a derivação lógica e a conseqüência necessária de um
estado de coisas criado por circunstâncias fortuitas, mas não menos
imperiosas”41 . Porém, é importante observar que o novo estatuto do
Brasil, em 1815, correspondia àquela lógica projetista presente no pen-
samento e na ação do Conde de Linhares que, falecendo em 1812, não
pode assistir ao novo passo na montagem do Império, luso-brasileiro,
por ele sonhado.

Em parecer exarado a 22 de abril de 1814, Silvestre Pinheiro


Ferreira apresentava uma proposta que abordava o problema do regres-
so da Corte para Portugal e sugeria “providências convenientes para prevenir
a revolução” e “tomar a iniciativa na reforma política”. Para o conselheiro
tratava-se de “ suspender e dissipar a torrente de males, com que a vertigem
revolucionária do século, o exemplo dos povos vizinhos, e a mal entendida políti-
ca, que vai devastando a Europa, ameaçam de uma próxima dissolução e de total
ruína os estados de Vossa Alteza Real, espalhados pelas cinco partes do mundo,
quer seja pela emancipação das colônias, no caso de Vossa Alteza Real regressar
para a Europa, quer seja pela insurreição do reino de Portugal, se aqueles povos,
perdida a esperança, que ainda os anima, de tornar a ver o seu amado príncipe,
se julgarem reduzidos à humilhante qualidade de colônia”42 .
Silvestre Pinheiro Ferreira considerava que a conjuntura exigia
providências “grandes e extraordinárias” para enfrentar o perigo da revolu-
ção nas duas principais partes do império. Era preciso “assegurar a integri-
dade da monarquia, sustentar a dignidade do trono, e manter o sossego e a felicidade
dos povos”. Com estes objetivos é que apresentava ao Príncipe Regente D.
João um sumário das providências a serem tomadas, contendo leis, de-
cretos e alvarás. No primeiro projeto de Lei recomendava que D. Maria I
fosse proclamada “imperatriz do Brasil e rainha de Portugal”, garantindo,
para D. João, a regência do império do Brasil e dos domínios da Ásia e da
África. Ao príncipe da Beira, D. Pedro, deveria ser entregue a regência de
Portugal e ilhas dos Açores, Madeira e Porto-Santo, onde seria assistido

41
Oliveira Lima, op. cit., p. 553.
42
Silvestre Pinheiro Ferreira. “Memórias Políticas sobre os Abusos Gerais e Modo de os Reformar
e Prevenir a Revolução Popular Redigidas por Ordem do Príncipe Regente no Rio de Janeiro em
1814 e 1815. Idéias Políticas. Rio de Janeiro, PUC/CFC/Ed. Documentário, 1976, p. 20-31.

76

brasil-argentinaFIM.pmd 76 5/2/2004, 11:02


pelo conselho de Estado até completar a idade de vinte anos. Recomen-
dava, ainda, que após o falecimento da Rainha, D. João tomasse o título
de “imperador do Brasil, soberano de Portugal” e o príncipe da Beira o de “rei
de Portugal, herdeiro da coroa do Brasil, procedendo do mesmo modo a sucessão na
augusta descendência de Vossa Alteza Real”. O projeto recomendava, ainda,
para as diferentes partes deste Estado multicontinental “uma só lei, e um só
legislador”, garantindo a sua unidade. Com isto, Silvestre Pinheiro Ferreira
previa a definição de um novo estatuto para a América portuguesa, defi-
nindo-a como Império e praticamente subordinando o Reino ao Brasil,
uma vez que D. Pedro, como Rei de Portugal, deveria reinar sob a autori-
dade de seu pai, Imperador do Brasil.
Na segunda lei proposta, o conselheiro sugeria a forma de divi-
são dos domínios da coroa, estabelecendo uma ordem nobiliárquica
para a gestão do Império. Alvarás e decretos deveriam fixar as divisões
territoriais dos títulos e as nomeações dos titulares. Também propu-
nha, através de lei, a divisão administrativa e judiciária, abolindo “a
odiosa distinção de colônias e metrópole”. Com isto seria garantida a ascen-
são aos títulos e cargos “sem distinção alguma de países”. Ao explicar, atra-
vés de uma nota, os fins desta providência, Silvestre Pinheiro Ferreira
afirma:
“O primeiro é assegurar a Vossa Alteza Real e aos seus augustos suces-
sores no império do Brasil o exercício do poder legislativo no reino de Portugal,
sem que aqueles povos se julguem por isso reduzidos à categoria de colônia, ou de
algum modo minorados na independência, que de direito compete àquele reino. O
segundo fim é de estabelecer, por meio da promoção dos empregados de um tribunal
inferior a outro tribunal superior, seja do ultramar para o reino, seja do reino
para ultramar, uma rotação regulada e moderada, como consta da mesma lei, que
produz necessariamente uma extensa ramificação de interesses e de famílias, vín-
culo este que em toda a parte constitui a verdadeira idéia de pátria”.
O conjunto de medidas propostas incluía Alvarás e decretos
para fixar as divisões territoriais mencionadas nas medidas anteriores e
um Alvará com força de lei para regulamentar a administração da real
fazenda, regulando o erário régio e o conselho da fazenda. É importan-
te ressaltar que a “sede do império” não ficava estabelecida previamente
na capital da antiga metrópole, devendo estar situada onde “o governo

77

brasil-argentinaFIM.pmd 77 5/2/2004, 11:02


possa melhor acudir com providências à maior parte dos seus Estados; e donde
melhor possa paralisar a influência das potências estrangeiras, na parte que julgar
ser-lhe nociva”. Mais importante do que fixar a sede do Império parecia
para Silvestre Pinheiro Ferreira ser primordial “unir, de maneira indissolúvel,
as duas dinastias em uma só”. Com isto referia-se não apenas à casa reinan-
te, mas à seqüência dinástica dos titulares que deveriam gerir as duas
partes do Império. A pedra angular de todo o edifício residiria em impedir
qualquer distinção entre a América portuguesa e o velho Reino.
Ao procurar a reforma da monarquia, o Conselheiro buscava
modernizá-la, não com a adesão aos princípios liberais, de quem se
tornaria um dos maiores defensores e propagandistas, mas buscando
adaptar o novo estado às novas formas de ascensão social e política.
Com isso considerava que “as instituições de nobreza devem variar, segundo
as leis, usos e costumes de cada nação, e de cada século”. Previa, então, que das
“cinzas da antiga nobreza” deveria nascer “outra nova, cujas funções, honra e
vantagens sejam mais conformes aos usos e costumes do nosso século”. No senti-
do de permitir a transição entre dois mundos e procurando adaptá-la
aos novos tempos, permitindo a incorporação dos emergentes, admi-
tia: “Cumpre combinar a nobreza hereditária com a de aquisição. É justo, que o
nascimento habilite. Mas é necessário, que, coeteris paribus43 , o merecimento pre-
fira”. Com isto Silvestre Pinheiro Ferreira defendia que “a promoção de
Portugal para o ultramar, e deste para aquele, forma estreito vínculo entre ambos
os países”. O Conselheiro parecia estar forjando um novo conceito de
Pátria e de Nação, ao idealizar um novo equilíbrio político sob uma
monarquia dual, assentada numa aristocracia a ser plasmada a partir da
aceitação da ascensão burguesa em coexistência com os direitos da
velha ordem estamental. Seria uma forma de cooptar o mundo da em-
presa, das finanças e da propriedade, no novo e no velho mundo, para
um projeto que visava impedir a eclosão da Revolução burguesa e po-
pular nos dois mundos. Impedir o que viria a acontecer com o Vintismo
e a Independência do Brasil. Contudo, no projeto do Conselheiro esta-
vam, como no de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, as sementes da opção
monárquica que daria a forma ao Estado autônomo brasileiro.
Kenneth Maxwell já havia nos alertado para as dificuldades enfren-
tadas pelo projeto de império luso-brasileiro que talvez estivesse, desde o
43
Expressão latina: em iguais condições.

78

brasil-argentinaFIM.pmd 78 5/2/2004, 11:02


princípio, condenado a falhar. Para ele, “os conflitos fundamentais entre
interesses e ideologias e as tensões interiores à estrutura social e econômica
do Brasil puxavam em muitas direções diferentes”44 . Maxwell apontou para
as dificuldades do processo, tendo em vista os obstáculos na alteração das
estruturas sociais básicas no Brasil, o que era um impedimento para a cons-
trução de uma nova sociedade, observando ainda que, após a independên-
cia, todas as alternativas para a transformação da organização econômica
da mão-de-obra falharam. Suas análises, entretanto, apontaram para uma
especificidade na transição, dando relevo à atuação de letrados como José
Bonifácio de Andrada e Silva e ao que denominou de “geração de 1790”.
Com isto também chamou a atenção para a especificidade das relações
entre o Brasil e Portugal a partir de meados do século XVIII, recuo funda-
mental para a compreensão desta história comum aos dois países.
Há, todavia, uma dimensão insuficientemente estudada na transi-
ção para a Independência e que corresponde às adesões ao modelo político
do Reino Unido. Adesões no mundo letrado, do comércio e da proprieda-
de, isto é, na base social do que virá a sustentar, em 1822, a própria auto-
nomia. Um debate político impresso, revelado em folhetos que circularam
desde 1820, pode nos conduzir às atitudes de defesa da permanência do
rei português no Rio de Janeiro.
Além dos folhetos impressos45 , há um conjunto de representações,
no ano de 1821, onde o Senado da Câmara do Rio de Janeiro é tomado
como uma espécie de via de acesso ao rei. Estas representações encami-
nhadas pela Câmara exemplificam as adesões a uma concepção de trans-
formação política que desejava conservar os reinos unidos e garantir a
permanência de D. João VI no Brasil. Todas as representações são motiva-
das pela iminência do retorno da família real a Portugal e se referem ao
decreto de 7 de março de 1821. Na Representação dos habitantes do Rio de
Janeiro a D. João VI pedindo a sua permanência no Brasil46 , assim se expressam
os signatários:
“Ao doloroso silêncio, que em nós, os habitantes do Rio de Janeiro, produ-
ziu o inesperado Decreto de 7 de março do corrente ano, sucedem necessariamente os
44
Kenneth Maxwell. O Império Luso-Brasileiro, p.383.
45
Seis folhetos foram reunidos, em fac-símile, no livro O Debate Político no Processo de Independên-
cia. Introdução de Raymundo Faoro. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1975.
46
Bibliteca Nacional do Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos: II-34,30,61.

79

brasil-argentinaFIM.pmd 79 5/2/2004, 11:02


magoados gemidos, que agora exalamos aos Pés de Vossa Majestade cheios de
amor e respeitosa submissão, esperando que o melhor dos Soberanos não despre-
zará as súplicas do mais humilde e mais aflito de todos os povos, que sem preten-
der entrar nos Segredos da Alta Prudência do seu quase adorado Monarca, só
representa em lágrimas os motivos, que o fazem desaprovar a Real Determinação
de se mudar Vossa Majestade com a sua Corte para o antigo berço da Monarquia
Portuguesa, como uma calamidade particularíssima ao Brasil. O nosso cuidado
pela Augusta Pessoa de Vossa Majestade ainda mais que o nosso bem pela sua
Real Presença, neste País abençoado, obriga-nos as seguintes humildes representa-
ções, pouco ordenadas pela confusão da nossa dor, mal desenvolvidas pela rapidez
de uma mudança de tanta ponderação; porém muito sinceras e muito filhas do
nosso amor e respeito, que por tantas vezes havemos testemunhado, e que Vossa
Majestade tem feito público em eternos monumentos, que se difundem pela face do
mundo.
Quando no memorável Dia 7 de março do ano de 1808 Vossa Majesta-
de apareceu no seio deste povo, escapando felizmente a perfídia do usurpador dos
Tronos da Europa, nós, os habitantes do Brasil, vimos realizado o grande Plano
de alguns dos nossos antigos Monarcas, que conhecendo a pequenez dos Reinos de
Portugal e Algarves, em comparação com a magnanimidade de todos os seus habi-
tantes, consideraram sempre o Brasil como uma Égide da glória e do nome Portu-
guês. Os nossos aplausos por este rasgo da mais iluminada política de Vossa
Majestade foram respondidos na Europa por muitos e grandes Sábios, que então
viram erguer-se no Brasil um Império, que a Presença de Vossa Majestade fazia
grande e respeitável na geração presente, colossal e assombroso nos séculos futuros.
O céu pareceu igualmente confirmar este acerto de Vossa Majestade co-
brindo os nossos Bravos de imortais louros, em tantas e tão bem feridas batalhas,
que enriquecem as páginas da nossa história, mas ainda apressando-nos a Paz
Geral, tão necessária a verdadeira prosperidade dos Impérios, e muito principal-
mente aos que principiam a florescer. O rápido estabelecimento de tantos Tribu-
nais, e de tantas obras indispensáveis em uma Corte, obrigavam-nos a ver no
Brasil o mesmo quadro, que nos princípios do passado século a História nos
apresenta no Império da Rússia; a fundação da nova Capital de Petersburg pelo
grande Pedro, substituindo-a à velha Moscou, berço de quase todos os seus Czares,
não deixava a menor dúvida de que o estabelecimento do Trono Português no Rio
de Janeiro, depois de haver mudado de Lisboa, assegurava a Nação toda a mes-
ma, ou muito maior glória a face do mundo e dos Impérios os mais poderosos”.

80

brasil-argentinaFIM.pmd 80 5/2/2004, 11:02


Esta representação dos habitantes da Corte tropical era assina-
da por um grande número de sacerdotes, alguns ilustres como o
Monsenhor José de Sousa Azevedo Pizarro e Araujo e o Cônego Januário
da Cunha Barbosa, que encabeçavam a lista ao lado de professores
régios, advogados, militares, cirurgiões e comerciantes, gente do uni-
verso letrado. Defendiam a permanência do Rei no Brasil utilizando
uma retórica de súplica aos moldes do Antigo Regime, ao mesmo tem-
po em que valorizavam o juramento do Rei à Constituição (no caso a
espanhola) “que os povos pediram”, “reformando antigos abusos”. Argumen-
tavam que para a manutenção dos três Reinos o Trono não precisava
estar na Europa, valendo mais que “ele se assente em um País mais amplo,
e mais suscetível de engrandecimento, como é o Brasil”, do que “num pequeno
País”. Apelavam para a paternidade real como “sinceros filhos” e assim se
definiam: “Somos Portugueses, Senhor, somos fiéis e respeitosos vassalos, somos
interessados no bem do Monarca e da Nação; por isso chorando um futuro desgra-
çado e próximo, pela orfandade, em que seremos deixados, pedimos com amor e
com submissão, requeremos com justiça que viva sempre Vossa Majestade nos
braços dos seus fiéis habitantes do Rio de Janeiro, que tantos sacrifícios tem feito
por Vossa Majestade e que conhecendo o tesouro que possuem com a Pessoa do seu
Respeitado Monarca, empenham os seus corações, as suas vozes, e as suas lágri-
mas, para possuí-lo sempre defendido dos seus inimigos com a generosidade de
fiéis e honrados vassalos”.
O mesmo teor desse texto se repetirá nos demais, como a
Representação da Corporação dos Ourives e Mercadores de Metais e Pedras
Preciosas e a Representação do Corpo de Comércio da Corte47 , que definia o
“Brasil como o verdadeiro Corpo da Monarquia Lusitana”, apesar de reco-
nhecer que o país devia “a Portugal sua existência, e vida”. Consideravam,
ainda, os comerciantes que “Portugal hoje rico de Luzes, conhecendo o pouco
que vale, e pode por si só, devia sacrificar um pouco de seu melindre, como antiga
metrópole, ao bem de sua conservação, e grandeza, deixando-nos esta honrosa
qualidade, ou repartindo-a conosco de modo a se ajustar e decidir em Cortes”.
Ambicionavam assim a manutenção da qualidade de sede da monar-
quia para o Rio de Janeiro, recusando o retorno à condição de colônia
e avaliando que o abandono do Brasil poderia levar à separação.
A ausência do Rei conduziria às “querelas intestinas de independência e
47
BNRJ, idem.

81

brasil-argentinaFIM.pmd 81 5/2/2004, 11:02


separação recíproca das Capitanias” e estas, por sua vez, “ensoparão de san-
gue este belo País, como ensangüentaram a América do Norte, e atualmente tem
desolado a América Espanhola”. Ressurgia também aí também um velho
medo, quando constatam: “nossa sorte será muito mais horrível por termos
um número imenso de bárbaros africanos entre nós”48 .
A defesa da união dos reinos também surgirá no expressivo Ma-
nifesto do Povo do Rio de Janeiro Sobre a Residência de Sua Alteza Real no
Brasil Dirigido ao Senado da Câmara, de 29 de dezembro de 198149 . O
sujeito deste Manifesto é o “povo do Rio de Janeiro” que se dirige ao seu
“legítimo representante” para que evitar que o Príncipe Regente D. Pedro
também retornasse para a “antiga sede da Monarquia Portuguesa”. O tom
deste documento, porém, vai se distanciando das Representações ante-
riores e a palavra “independência” aparece como o possível resultado da
convocação do Príncipe Regente pelas Cortes de Lisboa. O Manifesto
cita, em francês, a M. De Pradt50 na avaliação que fizera sobre a vinda
da Corte, seus condicionantes e resultados. O vocabulário e os argu-
mentos usados no texto revelam uma rápida evolução, nas atitudes dos
colonos, a partir do retorno do Rei. Os riscos da queda de status do
Reino do Brasil conduz a uma nova forma de utilização das palavras,
em especial: nação, interesses nacionais, fraternidade nacional, prospe-
ridade nacional e povo. Contudo, ainda é a união dos reinos que se quer
preservar:
“O Brasil conservado na sua categoria, nunca perderá de vista as idéias
de seu respeito para com a sua ilustre, e antiga metrópole; nunca se lembrará de
romper esta cadeia de amizade, de honra, que deve ligar os dois continentes atra-
vés da mesma extensão dos mares que o separam; [...] este mesmo espaço nunca
será capaz de afrouxar os vínculos de nossa aliança, nem impedirá que o Brasil
vá ao longe com mais alegria, com a mão mais cheia de riquezas, do que ia dantes,
engrossar a grande artéria da Nação.51 ”

48
BNRJ, idem.
49
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Caixa 740 - pac.4 - doc.3
50
Entre os vários textos que M. De Pradt escreveu sobre as colônias da América destaca-se Des
Trois Derniers Mois de L’Amérique M’’eridionale et du Brésil. Paris: F.Bechet, Libraire, 2e. ed.,
1817.
51
ANRJ, idem.

82

brasil-argentinaFIM.pmd 82 5/2/2004, 11:02


A idéia de rompimento, portanto, irá crescendo ao longo dos
meses e impondo novas atitudes. Os colonos potencialmente revolu-
cionários, e alguns o foram, haviam se tornado súditos do império
luso-brasileiro. Tratava-se agora de transitar para uma nova e difícil
condição, rompendo os laços com a Nação portuguesa. Os aconteci-
mentos precipitaram-se conduzindo para a radicalização os que até
às vésperas da Independência mantinham-se leais à monarquia lusi-
tana. E este é o caso do próprio patriarca da Independência, José
Bonifácio de Andrada e Silva, cuja trajetória e importância é sempre
merecedora de atenção. Bonifácio, ao proferir, em 24 de junho de
1819, o seu último discurso na Academia de Ciências de Lisboa, às
vésperas da sua partida para o Brasil, já afirmava: “é forçoso deixar o
antigo, que me adotou, para ir habitar o novo Portugal, onde nasci. Assim o
requer a gratidão, e o ordena a vassalagem: assim o manda a honra, o instiga a
saúde, e a razão o exige”52 Vamos surpreendê-lo em dois momentos da
sua correspondência aos Sousa Coutinho, seus protetores. Em 9 de
novembro de 1803 escrevia José Bonifácio para o Conde de Linhares
definindo-se como um bom servidor do Estado no cumprimento de
suas obrigações, autodenominando-se como “bom português e fiel vassalo”,
perfeitamente integrado à “nação” portuguesa e à sua história. Contu-
do, na mesma correspondência, onde critica a conjuntura portuguesa
e o desrespeito às autoridades, aproveita para manifestar o seu desejo
de voltar ao Brasil para servir no posto de Intendente Geral das Mi-
nas, pelo menos, no seu dizer: na administração das minas de Goiás,
Mato Grosso e Cuiabá, onde teria, segundo ele, “campo mais vasto, e
menos dificuldades - em pouco tempo, trabalhando com sossego e prazer produ-
ziria muito mais, do que cá [Portugal]”53 . Ao avaliar o seu desejo de
retorno à América, José Bonifácio confessava ao Ministro de D. João,
seu amigo e protetor, que “saudades da pátria” foram avivadas “no ínti-
mo do meu coração”. Porém, quando o Andrada se expressava em docu-
mentos oficiais, como na Representação ao Príncipe Regente [de 28 de julho
de 1811] acerca dos Estabelecimentos de Minas e Metais do Reino de

52
“Discurso Histórico Recitado na Seção Pública de 24 de junho de 1819 da Academia Real de
Sciencias de Lisboa pelo Secretário José Bonifácio de Andrada e Silva”. In Obras Científicas,
Políticas e Sociais. São Paulo, 1963, vol.I, p.445.
53
BNRJ. Seção de Manuscritos. Coleção José Bonifácio: I - 4, 35.

83

brasil-argentinaFIM.pmd 83 5/2/2004, 11:02


Portugal54 , os vocábulos Nação e Estado, como sempre, referem-se a
Portugal e ao Reino e Pátria, com maiúscula, também a Portugal.
Outro momento significativo se daria após a morte do Conde
de Linhares quando José Bonifácio, ao escrever para um irmão de D.
Rodrigo, afirma: “já estou velho e mal acostumado para ser sabujo e galopim de
ante-salas; mas, se me quisessem dar algum governilho subalterno, folgarei muito
em ir morrer na pátria e viver o resto dos meus dias debaixo do meu natural
Senhor pois sou português castiço”55 . Verificava-se aí a transição, onde
pátria surgia como lugar de nascimento, ao mesmo tempo em que a
nacionalidade continuava a ser portuguesa. Com a radicalização do
processo e o rompimento com as Cortes de Lisboa o discurso de José
Bonifácio, bem como o de seus contemporâneos também se radicaliza.
Bonifácio passa a propor a D. Pedro um “basta” aos “insultos” e “despre-
zos da parte do Congresso de Lisboa” por parte dos “habitantes do Brasil” e
questiona com energia:
“Porventura somos Escravos? Porventura o Brasil ainda está habitado
de hordas bravias sem civilização e sem política? Porventura a Providência fez
aparecer o Brasil, e depositou nas entranhas dos seus montes o ouro só para nutrir
o luxo, a magnificência, e orgulho europeu? Acaso somos mesmo ainda obrigados
a dissimular por motivos de gratidão? Que bens / não nos iludamos / que bens,
que favores tem o Brasil recebido de Portugal? Que cuidados, que desvelos, teve
nunca este Pai ingrato a respeito de um filho tão feliz disposição? Governá-lo por
mais de três séculos com um cetro de ferro? Um pai deve vigiar desveladamente
pela felicidade de seus Filhos: um Proprietário pelo aumento da sua propriedade,
e quando, em que época se pôde o Brasil lisonjear de ter exaltado esses sentimen-
tos, e gozado destas vantagens? Que ousem desmentir-nos: que apresentem os bens
que nos têm feito, e porem em imparcial balança os que do Brasil tem recolhido.
No decurso de tantos séculos só conhecemos a Portugal pelos males que dali
recebíamos; e agora, que havemos adquirido uma nova existência, havemos de
abjurá-la só pelo seu interesse?”56

54
ANRJ. Cod. 807, vol. 5, fls. 170-171.
55
Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva. Apud Hélio Vianna. “Correspondência de José
Bonifácio (1810-1820). Revista de História. Vol. 27. São Paulo, USP, 1963.
56
B.N.R.J. Seção de Manuscritos. Coleção José Bonifácio - I - 4,35.

84

brasil-argentinaFIM.pmd 84 5/2/2004, 11:02


José Bonifácio prosseguia na radicalização, afirmando:
“Ah! Senhor, enquanto tivermos braços, enquanto tivermos corações, en-
quanto girar uma gota de sangue nas nossas veias, havemos de sustentar os nossos
Direitos à face da Nação, e do Mundo inteiro. A Independência ou a morte - eis
aqui a nossa divisa”.
Neste texto, o Andrada conclamava D. Pedro a aceitar o título
de Imperador do Brasil, “Imperador deste vasto, e riquíssimo Império”. A
“nossa amada pátria” não exprime mais apenas o lugar de nascimento,
mas o resultado de uma intenção política - voltada para o enfrentamento
com a velha metrópole e seus interesses. Para garantir direitos face ao
“Mundo inteiro” seria preciso, todavia, atingir um padrão de legitimida-
de para o novo Estado independente.
A autonomia se fez com o príncipe europeu tornado Imperador.
Assim, o novo Estado apropriava-se da figura do herdeiro da dinastia
dos Bragança, apropriando-se também de todos os significantes que
poderiam permitir a sua legitimidade. Um indicador bastante interes-
sante deste aspecto pode ser verificado na cerimônia da coroação e
sagração de D. Pedro como Imperador do Brasil realizada, na Capela
Imperial do Rio de Janeiro, a 1º de dezembro de 1822, quando do ani-
versário da aclamação de D. João IV como primeiro rei da dinastia de
Bragança. Com isto, dava-se, também, a apropriação da própria Histó-
ria de Portugal e do passado monárquico da nacionalidade portuguesa,
tomado aí como um instrumento eficaz para garantir o reconhecimen-
to internacional da Independência. Daí não ser possível passar ao largo
da dimensão simbólica da História, sem o estudo dos seus significados.
A opção monárquica na formação do estado nacional no Brasil não
deve ser entendida, portanto, como uma mera opção conservadora,
mas uma escolha racional que procurava garantir um padrão de legiti-
midade para a unidade territorial da América portuguesa. É obvio que
esta dimensão não é auto-explicativa, estando irremediavelmente vin-
culada aos interesses econômicos e políticos do mundo da propriedade
na antiga Colônia.
Parece-nos, contudo, profundamente equivocado continuar a
reduzir a ação dos homens na história unicamente à condição de refle-
xo dos interesses econômicos, perspectiva que vai se tornando cada

85

brasil-argentinaFIM.pmd 85 5/2/2004, 11:02


vez mais insuficiente na análise histórica. É obvio que esses interesses
movem a vontade dos homens, mas num quadro de complexidade onde
os fatores de ordem ideológica cruzam-se com uma infinidade de as-
pectos simbólicos. É preciso, nesta direção, compreender as constru-
ções imaginárias instituidoras da própria sociedade e identificar os sig-
nificados simbólicos do processo. No caso em questão tudo estava por
construir: a unidade do território, a administração do novo estado in-
dependente, as instituições estruturantes da sociedade, os padrões
civilizatórios e a própria nação. Tratava-se de um conjunto de tarefas
difíceis e polêmicas, onde a produção simbólica foi peça fundamental;
daí a importância assumida pela escrita da história, pela produção lite-
rária e pelas artes plásticas num processo que é fundador da Nação
como “comunidade imaginada”57.
O projeto de fundação da nacionalidade, é importante ressaltar,
não se esgota na implantação do Estado independente. É preciso orga-
nizar, para efeito interno e externo, uma nova rede simbólica que afir-
me a soberania e a legitimidade do novo Estado nacional. É isto que
torna importante investigar as “invenções” da nacionalidade, bem como
as idéias de criação de um povo a caminho da civilização. Por outro
lado, é sempre bom lembrar que estas reflexões em torno dos projetos
hegemônicos de construção do estado e da nação ainda não abrangem
as especificidades dos projetos de âmbito regional expressas, no caso
brasileiro, nas revoltas do período regencial e da primeira fase do reina-
do de D. Pedro II. Há muita coisa para ser estudada e reexaminada na
história das províncias, antigas capitanias, e nos projetos alternativos,
ou dissidentes, que nelas eclodiram. São os outros Brasis possíveis,
que certamente teriam conduzido à fragmentação do território da anti-
ga América portuguesa e ao surgimento de repúblicas, como ocorreu
na parte espanhola do continente. Os elementos que reunimos neste
texto são indicadores de aspectos que precisam ser aprofundados e
rediscutidos.
Vamos recorrer, mais uma vez, ao Patriarca. Desta vez em 2 de
setembro de 1823, por ocasião de uma entrevista no jornal de O Tamoio,

57
A expressão é usada aqui no sentido atribuído por Benedict Anderson em Nação e Consciência
Nacional. São Paulo, Ática, 1989, p.13-16.

86

brasil-argentinaFIM.pmd 86 5/2/2004, 11:02


publicada em forma de Carta ao Redator, onde ele mesmo constrói a
sua localização no processo histórico recente e justifica a opção
monárquica:
“...eu tive a desgraça de ser o primeiro Brasileiro que cheguei a
ser Ministro d’Estado: isto não podia passar pela goela dos Europeus, e
o que é pior, nem pela de muitos Brasileiros. Ajunte a isto que fui tam-
bém o primeiro que trovejei das alturas da Paulicéia contra a perfídia
das Cortes Portuguesas: o primeiro que preguei a Independência e a
liberdade do Brasil, mas uma liberdade justa e sensata debaixo das for-
mas tutelares da Monarquia Constitucional, único sistema que poderia
conservar unida e sólida esta peça majestosa e inteiriça de arquitetura
social desde o Prata ao Amazonas, qual a formara a Mão Onipotente e
sábia da Divindade”.

87

brasil-argentinaFIM.pmd 87 5/2/2004, 11:02


brasil-argentinaFIM.pmd 88 5/2/2004, 11:02
IDENTIDADE, SOBERANIA E INTEGRAÇÃO SOB O IMPACTO DAS
NOVAS TENSÕES ECONÔMICAS GLOBAIS

Gilberto Dupas

INTRODUÇÃO

Após quase duas décadas de implantação de profundas refor-


mas associadas à abertura e à integração de mercados, os grandes paí-
ses da periferia do capitalismo têm tido medíocre desempenho do PIB,
piora na concentração de renda e aumento da exclusão social. Como
decorrência, aparecem sintomas de erosão de legitimidade das repre-
sentações políticas que sustentaram esses programas de reformas. O
rigor do cumprimento de metas de orçamentos públicos equilibrados
acarretou uma redução significativa dos recursos alocados a programas
sociais e de emergência, justamente no momento em que a exclusão
acentua a demanda por esses programas. Esses países estão acuados
com o atual nível de violência de suas sociedades e seus governos têm
perdido capacidade de mediação dessas tensões utilizando os contro-
les tradicionais. Os Estados nacionais manifestam progressiva dificul-
dade de legitimarem-se com ações de comando e de organização. En-
fim, as pressões das lógicas inerentes ao processo de globalização so-
bre essas nações e sobre o espaço remanescente de governabilidade
têm feito crescer os problemas envolvendo preservação da identidade,
exercício da soberania e, por decorrência, dificultando a viabilidade de
integrações regionais.
As políticas de blocos regionais têm se constituído em tentati-
vas de articulação de políticas nacionais defensivas ou ofensivas, vi-
sando ampliar hegemonias ou resistir a ataques hegemônicos, median-
te processos de integração. Esses mercados comuns - em alguns casos
projetos supranacionais mais ambiciosos - podem se constituir em even-
tuais proteções temporárias às tendências avassaladoras de globalização
dos mercados. No entanto, até aqui eles não tem garantido estruturas

89

brasil-argentinaFIM.pmd 89 5/2/2004, 11:02


permanentes que permitam arranjos econômicos suficientemente
sinérgicos que compensem as limitações quanto às questões de sobera-
nia e identidade.
Resumo, a seguir, a análise que pretendo fazer nesse texto: ini-
cialmente examino as importantes forças que tem surgido como resis-
tência às experiências de integração; em seguida as experiências da União
Européia e do Mercosul; por fim, a radical mudança nos atores que
atuam na economia global e suas conseqüências para as questões de
identidade e soberania.
No mundo que emergiu depois do final da guerra fria e dos
blocos Leste-Oeste reapareceram antigas fronteiras e surgiram fortes
policentrismo nos quais, em vários casos, os diferenciais ideológicos
retrocederam em favor de antigos substratos culturais. A União Eu-
ropéia, por exemplo, tem a pretensão de uma fusão monetária com
forte homogeneização das políticas macroeconômicas, ampliando ho-
rizontes nacionais e índices de produtividade sem perda de legitimi-
dade política. Este início de novo século será um importante teste
para os resultados dessa integração. Os desafios são imensos: é
preciso garantir crescimento econômico e recuperação do euro, bai-
xar o desemprego para aliviar as tensões sociais e modernizar a estru-
tura da Comissão Européia, estabilizar a situação dos pequenos paí-
ses da área e testar a tese alemã de incluir os países do leste. O que
está em jogo nessa aposta é a viabilidade de unidades políticas maio-
res e regimes supranacionais que, sem necessariamente romper a ca-
deia de legitimação democrática, possam compensar a perda de fun-
ções do Estado nacional.
No continente americano o Nafta acabou constituindo-se num
arranjo sinérgico e geopoliticamente adequado para os três parceiros
envolvidos. Bem diferente é o caso do Mercosul. O comércio interno
entre seus parceiros havia evoluído de US$ 4 para US$ 20 bilhões entre
1990 e 1998, sendo que 60% desse volume veio da troca intra-cadeias
industriais. Porém o tão elogiado modelo de regionalismo aberto, ca-
racterística do bloco, acarretou um novo desequilíbrio estrutural na
balança comercial de seus países. Enquanto as importações de fora da
região cresceram 146% naquele período, a exportações evoluíram

90

brasil-argentinaFIM.pmd 90 5/2/2004, 11:02


apenas 61%. No ano típico de 1997, anterior ao início da crise
desencadeada pela desvalorização cambial brasileira, os déficits na área
de manufaturas para com o Nafta, a UE e o resto do mundo estiveram
longe de serem compensados pelos pequenos superávits na área do
agribusiness, gerando um déficit comercial geral de US$ 25 bilhões para
o bloco. Para tanto contribuíram razões intrínsecas de produtividade
sistêmica, fortes restrições tarifárias e não tarifárias à entrada de pro-
dutos da área nos EUA e pesados subsídios da UE aos seus produtores
e produtos agrícolas.
De fato, a abertura econômica acentuou o desequilíbrio ex-
terno estrutural na América Latina. A lógica das cadeias produtivas
globais exige mais importações do que permite exportações. A conse-
qüência é um regime do tipo stop and go, que limita o crescimento a
algo entre 2 e 3%. Esse desequilíbrio não será resolvido pelo merca-
do financeiro e provavelmente também não o será pela entrada maci-
ça de investimento direto. Sua superação irá depender da condição
de exportação de maior valor adicionado, incorporando localmente
etapas tecnológicas de agregação de valor, reforçando a
competitividade sistêmica e a eficiência individual e lutando tenaz-
mente pelo acesso aos mercados internacionais restritos, especialmen-
te no agribusiness.
A crise cambial brasileira e a desvalorização do Real em janeiro
de 1999 trouxeram um agudo componente de fragilidade à idéia da
definitiva consolidação e ampliação do Mercosul. Se o desejar, o próxi-
ma administração norte-americana implantará com facilidade a Alca
iniciando pelo pequenos países - onde mínimas concessões de quotas
podem significar o equilíbrio tão almejado da balança comercial - ne-
gociando acordos especiais com o Chile e a Argentina e isolando o
Brasil.
Quanto aos atores da lógica global, o mundo tem assistido, em
todas as áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incor-
porações motivado pela novo padrão competitivo que pressupõe sal-
tos tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resulta-
do é que o volume de fusões e aquisições operado no mundo evoluiu
de 150 para 720 bilhões de dólares entre 1990 e 1999.

91

brasil-argentinaFIM.pmd 91 5/2/2004, 11:02


Complementaridade e especialização são fatores que defi-
nem as decisões estratégicas desses atores, as grandes corporações
globais, em busca de maximização de seus lucros. É dentro deste
contexto, informado pela lógica da fragmentação das cadeias glo-
bais, que as decisões de investimento são tomadas. As grandes em-
presas, atores principais que regem a nova economia mundial, con-
centram-se cada vez mais. Isso não significa, porém, que o espaço
das pequenas e médias empresas irá desaparecer. Atualmente elas
assumem um novo papel, associando-se aos líderes das cadeias pro-
dutivas, graças à possibilidade de controle descentralizado da in-
formação e de sua integração em um sistema flexível associado a
suas estratégias globais.
Essa radical tendência de concentração das corporações na
economia global, somada aos intensos processos de privatização
que transferiram um imenso patrimônio produtivo das mãos dos
Estados nacionais para o controle das grandes corporações, provo-
cam uma rápida mudança dos atores do cenário econômico em vári-
os dos grandes países da periferia do capitalismo mundial , com
importantes decorrências sociais, políticas e culturais. Uma nova
elite econômica mais concentrada e internacionalizada assume a
cena. A questão fundamental relativa a essa radical mudança de
atores é a percepção das diferenças de interesse dos Estados-nacio-
nais e essas corporações globais. Quando situações futuras torna-
rem esses interesses divergentes - indexações tarifárias, qualidade
dos serviços públicos, remessa de lucros e questões tributárias, ape-
nas para citar alguns exemplos - os governos desses países estarão
pressionados por forças muito atuantes e gigantescos lobbies e pre-
cisarão estar muito bem preparados para identificar e saber opor
critérios soberanos à pressão econômica, agindo no sentido do me-
lhor interesse nacional.
No momento em que a dinâmica da globalização passa a mos-
trar com nitidez a sua face socialmente perversa e uma crise de legiti-
midade das representações políticas atinge até os países capitalistas de
maior tradição de estabilidade democrática, introduzem-se importan-
tes tensões entre os problemas de identidade, autoridade e igualdade.
Torna-se uma questão obrigatória que as estratégias de crescimento,

92

brasil-argentinaFIM.pmd 92 5/2/2004, 11:02


especialmente dos grandes países da periferia, contenham necessaria-
mente políticas redistributivas que enfrentem a questão crônica da con-
centração de renda e da pobreza. Nessas circunstâncias, do ponto de
vista da democracia, o desafio de reconstruir a governabilidade - o que
eqüivale a reconstruir o próprio Estado - passa a ser crítico em função da
deterioração difusa do tecido social, da criminalidade e da violência ur-
bana crescentes, com conseqüente surgimento de espaços onde a autori-
dade estatal não tem tido condições de se fazer valer de modo efetivo.
Por outro lado, a reconstrução o Estado outorgando-lhe novos
papéis condizentes com a exigência do mundo global tem como locus a
redescoberta da identidade coletiva, ou seja, de uma nova visão com-
partilhada do interesse comum “possível” em tempos de globalização.
Identidades nacionais se formaram no contato e na interação com o
Outro. Se a nação nasce de um postulado e de uma invenção, ela só
vive pela adesão coletiva a esta invenção, ou seja, por obra da
interiorização de uma cidadania, daquilo que é considerado o repertó-
rio comum. Ressalte-se que os indivíduos continuam a projetar suas
expectativas, reivindicações e esperanças sobre as nações a que per-
tencem. As nações e os Estados que as representam são e permanecem
sendo indispensáveis instâncias públicas de intermediação com a po-
pulação e com o mundo.
Uma das principais constatações vindas da observação da se-
gunda metade do século XX é que um desenvolvimento econômico
auto-sustentado exige mercados ativos escorados por sólidas institui-
ções públicas. Toda a economia de mercado bem-sucedida foi uma
mistura de Estado e mercado, “laissez-faire” e intervenções. Não é por
outra razão que os países que tiveram melhor desempenho foram os
que liberalizaram parcial e gradualmente sua economia. A liberdade
crescente aos mercados tornou os Estados latino-americanos progres-
sivamente inábeis e sem órgãos reguladores para enfrentar a turbulên-
cia econômica mundial. É preciso, além disso, combinar as oportunida-
des oferecidas pelos mercados internacionais com uma estratégia de
desenvolvimento doméstico que estimule o lado agressivo dos empre-
endedores locais.
Um importante equívoco de alguns dos grandes países da peri-
feria que se inseriram no comércio internacional foi terem confundido
93

brasil-argentinaFIM.pmd 93 5/2/2004, 11:02


abertura com estratégia. A abertura econômica é uma mera circuns-
tância da nova ordem internacional. No entanto, essa circunstância
torna ainda mais importante a definição de uma estratégia. A
integração de um país à economia mundial não substitui estratégias
de desenvolvimento.
Nos próximos itens procurarei detalhar vários dos conceitos aqui
formulados.

AS FORÇAS DE RESISTÊNCIA ÀS INTEGRAÇÕES

As políticas de blocos e as crescentes pressões de liberação do


comércio mundial convivem com forças simultâneas de dissolução e
afirmação de identidades. De um lado, os mecanismos de mercados
comuns regionais como tentativas de proteção parcial - e, provavel-
mente, provisória - para algum espaço da soberania; de outro, o
desencadeamento de forças de fragmentação e afirmação de identida-
des nacionais, étnicas, religiosas e culturais. Um caso interessante so-
bre a perplexidade gerada por essas forças contraditórias é o Canadá.
Uma questão perturbadora para a opinião pública canadense no pós-
Nafta é se o seu país sobreviverá como nação independente ou tornar-
se-á, dentro de algum tempo, uma espécie de 51o. estado americano.
Para John Gray, em seu livro Lost in North America, “o Estado-nação
Canadá virou uma concha sem conteúdo. Se alguém encosta-lo no ou-
vido conseguirá ouvir o oceano”. Os 80% dos canadenses que falam
inglês lêem praticamente os mesmo livros, acompanham as mesmas
ligas esportivas e vêem os mesmos filmes e programas de TV dos ame-
ricanos. Os burocratas dos dois países trabalham para harmonizar a
imigração, a alfândega, as leis a circulação de bens no perímetro co-
mum. Em recente pesquisa metade dos consultados apoiavam a idéia
de elegerem representantes ao Congresso dos EUA e descreviam-se
como “essencialmente” iguais aos americanos. E um terço deles mani-
festou-se favorável à transformação dos dois países em um só. No en-
tanto, em grande parte do último século, as elites empresariais e políti-
cas canadenses tentaram tenazmente criar uma identidade nacional
cultivando o anti-americanismo através do protecionismo e da política
externa independente. Hoje percebem que é a questão da afirmação de

94

brasil-argentinaFIM.pmd 94 5/2/2004, 11:02


uma identidade nacional, submetida ás forças da globalização, trans-
formou-se em algo mais sutil. A questão é verificar em que termos essa
afirmação é ainda possível e necessária.
Pretendo, inicialmente, aprofundar a análise das forças que sur-
gem como resistência importante às integrações. A imposição de uni-
dades artificiais - ainda que legitimadas por consensos circunstanciais -
tem um exemplo radical no fim do comunismo. Ele provocou o
surgimento da separação, não da comunhão. Alain Finkielkraut lembra
que “reapareceram antigas fronteiras, rugas esquecidas ressurgiram no
rosto da humanidade européia.” O desenrolar de crises no leste euro-
peu nos dá a entender que, embora isso possa parecer irônico ou
decepcionante, nos dias de hoje, por vezes, a única forma de chegar a
uma coexistência entre os povos consiste em separá-los.
O dilema para as pequenas nações parece mais grave, já que
integração muitas vezes pode significar desaparecimento; não é o seu
tamanho ou a sua superfície territorial que as caracterizam, é o seu
destino. Pequeno, nesse caso, significa precário e perecível. Finkielkraut
recorda que a pequena nação é aquela cuja existência pode, não impor-
ta em que momento, ser posta em dúvida; que pode desaparecer, e que
sabe disso. Não é à toa que o hino polonês começa com : “A Polônia
ainda não morreu.” Para compreender as nações pequenas é necessário
a experiência da fragilidade e a angústia do perecer.
Em 1930 o romancista húngaro Dezso Kosztolanyi escreveu
uma carta aberta a Antoine Meillet, professor do Collège de France,
autor do famoso Les langues dans l’Europe nouvelle, atacando sua idéia
que o velho mundo de múltiplas linguagens retardava o progresso
técnico e adiava o espetacular avanço das comunicações na Europa.
Ambos profundamente europeus, o moderno Meillet queria tornar a
Europa clara e distinta, impor-lhe regras precisas, racionalizá-la. Para
Kosztolanyi, pelo contrário, a Europa é essa realidade obstinada que
não se deixa dissolver em pura funcionalidade. “Onde Meillet vê um
escândalo, apresenta-se a Kosztolanyi um recurso e um dom”, diz
Finkielkraut.
Apesar dos avanços, as maiores dificuldades atuais na integração
européia vêm desses complexos paradoxos. Valulik lembra que a alma

95

brasil-argentinaFIM.pmd 95 5/2/2004, 11:02


complicada da Europa procede do seu terreno, do contorno ondulado
de suas margens, da altura de suas montanhas, do clima e da direção
dos rios. Em cada enseada mandava um duque diferente; cada ilha ti-
nha seu rei. E, como do outro lado de cada montanha falava-se uma
outra língua, era impossível estabelecer uma administração única. Ne-
nhum conquistador pôde apoderar-se da Europa de uma assentada,
esbarrava sempre num obstáculo que o fazia perder tempo e força; nos
territórios conquistados, deixava atrás de si comunidades insurretas que,
apesar de suas dimensões, proclamavam-se Estado, faziam de seu dia-
leto uma língua administrativa. Expulsos de um lugar, pregadores, pro-
fessores, artistas, cientistas, instalavam-se um pouco mais longe, lá fi-
cavam e ainda estão até nossos dias.
Faz parte, por exemplo, da identidade profunda francesa não
existir lugar para a atenção às particularidades. Enquanto na Alemanha
romântica se é, em primeiro lugar, alemão e depois homem através de
sua qualidade de alemão, na França de Montesquieu, Voltaire, pensa-
se espontaneamente que se é homem por natureza e francês por aci-
dente. Para o cidadão francês seu país é a democracia, a república.
Alguns deles dirão que a França mostrou ao gênero humano e ao mun-
do o caminho dos direitos do homem e do cidadão. Valéry já observava
que a particularidade dos franceses é a de se crerem e se sentirem os
homens do universo.
A queda do muro de Berlim precipitou acontecimentos como a
crise do golfo e a tragédia Kosovo. Eles evidenciam a importância das
tradições culturais que dão suporte às sociedades em conflito por
hegemonias regionais ou globais. O mundo que emerge depois do final
da guerra fria e dos blocos Leste-Oeste caracteriza-se por um forte
policentrismo no qual os diferenciais ideológicos retrocederam em favor
desses substratos culturais.
A visão de uma unidade européia pressupõe que o engajamento
com a própria realidade particular tenha como contraponto uma ampla
visão universal. No momento atual, o renascimento dos Estados-na-
ção ou de toda a plêiade de nações sem Estado candidatas a esse esta-
tuto convive com uma pálida idéia europeísta entregue às cegas forças
da economia e da burocracia.

96

brasil-argentinaFIM.pmd 96 5/2/2004, 11:02


A UNIÃO EUROPÉIA E SUAS TENSÕES

Na União Européia, a maior experiência mundial em integração


econômica, essa política encerra conceitos mais amplos, tendo a pre-
tensão de uma fusão monetária com forte homogeneização das políti-
cas macroeconômicas, através do estabelecimento de metas e compro-
missos de performance. O caso da UE é apontado por Anthony
Guiddens como um exemplo de operação ofensiva visando ampliar ho-
rizontes nacionais e índices de produtividade sem perda de legitimida-
de política.
No entanto, a União Européia continua a avançar em ritmo in-
constante. No ano que passou a Europa ocidental, com menos de 7%
da população e quase 31% do PIB mundiais, gerou 25% da nova rique-
za global. Já os EUA, com PIB e população semelhante aos europeus,
foram responsáveis por 46% desse acréscimo de riqueza. Numa déca-
da que havia iniciado com a comemorada derrubada das fronteiras les-
te-oeste e que terminou com a consolidação da União Européia, os
cinco principais países da região, responsáveis por quase 70% do seu
PIB (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Espanha) tiveram o cres-
cimento econômico médio decepcionante de 1,6% ao ano. As esperan-
ças de recuperação começaram a vir em 1999, quando esse número
subiu para 1,9%. E estão presentes nas projeções para 2000, quando se
prevê um salto para 3,0%. Quanto ao desemprego, depois de ter assus-
tado a região ao evoluir de 7% no início dos anos 1980 para mais de
11% em 1998, finalmente iniciou um declínio que espera-se possa per-
manecer.
Agora com a Grécia sendo admitida como mais um país da “zona
do euro”, restam apenas três membros da UE fora do sistema de moe-
da única: Grã-Bretanha, Suécia e Dinamarca. O comportamento do
euro, no entanto, causa grande perplexidade com sua constante depre-
ciação, tendo atingindo um novo recorde de baixa diante do dólar e do
iene. Políticos e investidores continuam desorientados em relação à
fraqueza da moeda européia. Ainda que seja consenso que ele tenha
começado sua vida como uma moeda superavaliada em relação aos
fundamentos econômicos como custos relativos e desempenho das ex-
portações - e que foi impulsionado artificialmente no final de 1998 por

97

brasil-argentinaFIM.pmd 97 5/2/2004, 11:02


uma euforia pouco racional sobre as sinergias da integração e a pers-
pectiva de uma depressão nos EUA - nos últimos meses esses funda-
mentos melhoraram e a moeda não reagiu. Na verdade, depois que o
euro caiu abaixo de US$1,00; todos os países da Europa se tornaram
competitivos com relação aos EUA, exceto a Alemanha. Agora, com a
atual cotação abaixo de US$ 0,90; até a indústria alemã está recuperan-
do sua competitividade.
Todas as questões e dificuldades já relatadas aparecem ao ana-
lisarmos o quadro atual da integração européia e seus dilemas. O “nú-
cleo duro” da UE - França e Alemanha - continua ensaiando divergên-
cias e aproximações. Em agosto de 2000, na véspera de sua posse na
presidência rotativa da UE, Jacques Chirac pediu apoio ao governo
alemão para seu projeto de integração da Europa em “duas velocida-
des”. Aqueles que queiram acelerar a integração deveriam estar livres
para fazê-lo, mantendo o direito de uma velocidade menor para aque-
les que preferirem um processo mais lento. Esta parece ser uma respos-
ta francesa à proposta do chefe da diplomacia alemã, Joschka Fischer,
de acelerar a formação de uma federação européia. Chirac sugere que
França e Alemanha avancem mais rápido na consolidação política e
econômica do “núcleo duro”. Tony Blair reagiu imediatamente dizen-
do não se sentir isolado. No entanto sua oposição, em especial o líder
do Partido Conservador Francis Maude, acusou França e Alemanha de
pretenderem um superestado para empurrar a Inglaterra para as mar-
gens da Europa.
Na França, a manutenção de uma excelente taxa de crescimen-
to para os padrões europeus - 3,0% nos últimos 3 anos e 3,7% no perí-
odo em curso, contra a média de 1,6% da década para o conjunto da
região - e uma queda razoável no alto nível de desemprego - 12,5% em
1997 contra os atuais 9,8% - dão fôlego temporário a seus líderes para
posições mais amplas sobre a Europa e o mundo. Desde o último verão
tem se elevado o tom da sociedade civil francesa contra globalização.
Seu impacto na política francesa pode marcar alterações no
corporativismo agrícola usual. Um público cada vez mais em dúvida
continua a pagar - contando com grande contribuição da Alemanha
através de fundo específico da UE - enormes subsídios à sua agricultu-
ra, para preservar a atividade e a paisagem rural, além de não tantos

98

brasil-argentinaFIM.pmd 98 5/2/2004, 11:02


empregos. Isto permite à França continuar a ser o segundo maior expor-
tador agrícola do mundo. Mas o conceito de multifuncionalidade agríco-
la, defendido pela nova geração, abrange um horizonte mais amplo, uma
visão cultural e de saúde pública, projetando-se para a sociedade como
um todo e exigindo novos posicionamentos do lobby tradicional.
Cerca de 70% dos cidadãos franceses são agora a favor da
integração européia. Mas um percentual ainda maior cobra da UE a
luta contra os efeitos da globalização. O ciclo francês da Conferência
Intergovernamental, que agora se inicia, enfatizará a maior autonomia
de seus membros e posições mais firmes da UE em relação aos EUA. E
Chirac também anuncia uma agenda social dando prioridade ao empre-
go e uma carta de direitos fundamentais do cidadão europeu. Pascal
Lamy, o comissário do comércio sucedeu um ultraliberal, o inglês Leon
Brittan e é sensível a algumas posições francesas a favor da
multifuncionalidade da agricultura, da competição multilateral e da ga-
rantia de segurança alimentar. As posições originais francesas sobre a
globalização podem encontrar aliados em outras partes do mundo. Há
inúmeras razões para o descontentamento com a imposição do padrão
global norte-americano, especialmente nos grandes países da periferia
do capitalismo. E a UE, especialmente se conseguir superar suas pró-
prias contradições, como o pesadíssimo subsídio agrícola que prejudi-
ca as exportações dos países mais pobres, pode significar uma nova
força ideológica que equilibre as posições mais radicais de livre comér-
cio exacerbado.
Quanto à Alemanha, a comemoração dos 20 anos de início das
negociações para a reunificação e dos 10 anos da queda efetiva do
muro se dão com sinais alentadores de retomada do crescimento. Ela
constituiu-se, sem dúvida, num dos mais ousados experimentos políti-
cos, sociais e econômicos do século que passou. Com custos e ônus
que superaram as expectativas, ainda assim o país cresceu tanto quan-
to a França na última década, ainda que ambos os países tenham cres-
cido a um modesto índice médio anual de 1,6%. Com o índice de de-
semprego fortemente pressionado pela região leste, que ainda carrega
taxas de mais que o dobro do restante do país. Finalmente tem-se con-
seguido reduzi-lo nos últimos 3 anos, com a ajuda da economia que se
aquece mais um pouco e aponta para 2,6% em 2000. Os inevitáveis

99

brasil-argentinaFIM.pmd 99 5/2/2004, 11:02


compromissos políticos, no entanto, causam pressões de ambos os la-
dos de um país ainda marcado pela divisão. As projeções indicam que a
Alemanha deverá se converter nas próximas 3 décadas na nação com a
maior idade média do mundo. No entanto, ainda no último outono eu-
ropeu o chanceler Schröeder mostrou-se sensível à reivindicação dos
sindicatos de reduzir a idade de aposentadoria de 65 para 60 anos,
desde que conseguisse os fundos necessários. As projeções oficiais,
porém, mostram que uma das condições para conter os déficits cres-
centes na previdência alemã será de elevar as taxas de contribuição de
19,3% dos salários brutos para 22% nos próximos 30 anos, bem como
reduzir os benefícios de 70% para 64%. São contradições que só pode-
rão caminhar para a superação se a Alemanha continuar a crescer em
conjunto com a UE.
Do outro lado do Mar do Norte, mais uma vez a práxis política
de regimes democráticos obrigados a enfrentar regularmente as urnas
teima em desmentir os enunciados retóricos dos seus dirigentes. Em
função da aceleração do seu crescimento econômico, que de modestos
1,8% em 1999 - e média de 2,2% na década - aponta para 3,0% para
2000, a Grã-Bretanha prevê o maior superávit orçamentário dos últi-
mos dez anos. O governo Tony Blair anunciou que a maior parte desse
ganho inesperado será utilizado para aumentar os gastos com saúde e
educação, tentando uma vez mais atenuar as reações ao discurso da
“terceira via”, que propõe uma inevitável redução dos programas de
welfare state. Essa pode ser uma resposta ao aumento das tensões soci-
ais e da exclusão social em áreas do país, em especial regiões urbanas
deterioradas, o que faz do aumento do crime e do vandalismo uma
ansiedade nova para mais de 60% da população das cidades inglesas.
Finalmente a Itália, o quarto maior parceiro da União Européia,
convive com sua crise recorrente e com um regime que já gerou, no
pós-guerra, tantos primeiros-ministros quantos foram os anos deste
período. As reformas no sistema político operadas a partir de 1990
foram cosméticas; desde lá o país estagnou, amargando o menor cresci-
mento médio entre os grandes países da Europa, com apenas 1,2% ao
ano. Após a renúncia de Massimo D’Alema, têm aumentado as pres-
sões para uma verdadeira reforma política que enseje a formação de
consistentes alianças eleitorais e um sistema bipartidário com maiorias

100

brasil-argentinaFIM.pmd 100 5/2/2004, 11:02


sólidas. Mas ainda é cedo para saber quando a Itália conseguirá adotar
políticas econômicas consistentes que permitam retomar seu cresci-
mento auto-sustentado.
Este início de novo século será, pois, um importante teste para
os resultados da integração européia. Ao lado da anunciada recupera-
ção do crescimento, ele terá que garantir a recuperação do euro, funda-
mental à lógica da UE, que vem de contínua depreciação em relação ao
dólar desde sua criação. O desemprego precisa baixar mais para aliviar
as tensões sociais e dar consistência à retórica da cúpula da UE de
março, em Lisboa, que garantiu uma política de “maior solidariedade e
busca do pleno emprego”. Finalmente, os planos de modernização da
estrutura da Comissão Européia necessitam caminhar. Eles são essen-
ciais para estabilizar a situação dos pequenos países da área e para
viabilizar a tese alemã, assimilada pela maioria, de ampliar seus mem-
bros com a inclusão de países do leste, esse conjunto incerto de peque-
nas nações entre a Rússia e a Alemanha, sempre em sobressalto porque
sua existência parece precária e perecível. Trata-se, portanto, de uma
pauta imensa, plena de riscos. A hipótese de sucesso é que a UE possa
superar seus desafios e se viabilize com uma moeda forte e um novo
poder real que equilibre uma hegemonia unipolar norte-americana po-
tencialmente perigosa para o equilíbrio deste mundo global e plural.
Mas ela não é a única. O que está em jogo nessa experiência é a viabi-
lidade de unidades políticas maiores e regimes supranacionais que, sem
necessariamente romper a cadeia de legitimação democrática, possam
compensar a perda de funções do Estado nacional. Porém, a política só
será capaz de “ter precedência” sobre os mercados globalizados quan-
do lograr produzir, a longo prazo, uma sólida infra-estrutura regulatória
que não seja desvinculada dos processos de legitimação. Na realidade,
a solidariedade cívica, hoje restrita ao Estado nacional, teria de se es-
tender de tal forma que, por exemplo, portugueses e suecos se dispu-
sessem a amparar uns aos outros.
Diante deste quadro complexo de desafios e possibilidades, os
cenários de médio prazo para a Europa - segundo a Forward Studies
Unit da Comissão Européia - são variados e complexos. O sucesso das
políticas de integração e do esforço institucional para sua legitimação,
associado a um eventual período de crescimento econômico mundial,

101

brasil-argentinaFIM.pmd 101 5/2/2004, 11:02


pode sustentar Governos e estruturas públicas renovadas implantando
reformas no mercado de trabalho e no welfare, incluindo pactos de gera-
ção de emprego e mecanismos de estabilização cíclica, permitindo avan-
ço simultâneo da globalização e dos regionalismos e consolidando a
UE. Num cenário neoliberal mais agressivo, porém, com o eventual
sucesso de medidas de flexibilização das políticas trabalhistas e tribu-
tárias é provável um forte crescimento do crime organizado e dos pro-
blemas ambientais. Sob comando de uma nova elite política, em confli-
to com a burocracia e os sindicatos, a Europa poderá crescer mais rápi-
do, mas com aumento da desigualdade e exclusão. Um outro cenário
possível leva em conta uma redução do crescimento do comércio mun-
dial. A exploração da biotecnologia pode ter forte oposição popular,
com as grandes organizações, os governos centrais e a mídia global
progressivamente hostilizados pela opinião pública e com grande ex-
plosão de operações pessoais via redes eletrônicas. Várias regiões e
cidades podem se atritar contra governos centrais, provocando grandes
crises nos Estados-nação. Algumas funções públicas poderão passar a
ser exercidas por associações e organizações privadas trazendo de vol-
ta a crença na solidariedade entre vizinhos e na auto-ajuda, juntamente
com uma onda de anti-consumismo e do-it-yourself, mas com grande ade-
são às tecnologias de informação, com os valores “verdes” em alta.
Multiplicar-se-ia o espaço das ONGs, mas a violência em muitas áreas
poderiam ficar fora de controle, com agravamento dos conflitos étni-
cos na Europa Central e Oriental. Finalmente, um subproduto ainda
mais pessimista do cenário anterior pode ser vislumbrado caso haja
uma forte recessão mundial, com a UE ficando em progressiva desvan-
tagem na competição mundial, especialmente em alta tecnologia. Nes-
te caso pode aumentar a intolerância e o racismo, crescer a preocupa-
ção com estabilidade econômica , criminalidade urbana, máfias e guer-
ras próximas. Os grandes países podem tender a aumentar sua seguran-
ça para recuperar autoridade, deslocando o centro de gravidade políti-
co para o populismo de direita e a re-legitimização via Estados fortes.
Conflitos e tensões internas nos Estados da UE podem forçar a inter-
venções militares, com grande instabilidade em suas fronteiras e um
aperto geral das políticas de imigração. Todo esse quadro complexo de
cenários possíveis mostra o quanto é ainda prematuro apostar no su-
cesso da integração.

102

brasil-argentinaFIM.pmd 102 5/2/2004, 11:02


POSSIBILIDADES E LIMITES DA INTEGRAÇÃO NO CONTINENTE
AMERICANO

O primeiro olhar sobre o continente americano deverá ser lan-


çado para as suas assimetrias, definidoras de poder econômico real, e
dos possíveis espaços para consolidação desse poder. Ou, alternativa-
mente, para o surgimento de novas forças que busquem esse espaço a
partir de oportunidades que se encaixem na lógica dominante da
complementaridade e da especialização.
A atual situação hegemônica norte-americana está longe de ser
ocasional ou definidora de um paradigma para as virtudes do livre merca-
do. Vários fatores ligados ao desenvolvimento e o uso de novas tecnologias
permitiram a este país a consolidação de uma fase virtuosa que lhe tem
garantido um longo ciclo de crescimento - desigual se comparado ao res-
tante da economia mundial - consolidando essa impressionante hegemonia
tenazmente construída a partir dos dois últimos conflitos mundiais. Numa
realidade onde os processos produtivos alcançaram uma integração plane-
tária, a hegemonia econômica consiste na capacidade de determinar como
se organiza e se leva a cabo essa produção. A conexão em redes globais
constitui-se no elo final desse novo paradigma, já que as funções e os pro-
cessos dominantes na era da informação estão cada vez mais organizados
em torno de redes. São redes os fluxos financeiros globais; o tráfico de
drogas que comanda pedaços da economia do mundo inteiro; a rede global
da nova mídia que define a essência da expressão cultural e da opinião
pública. As redes constituem a nova morfologia social de nossas socieda-
des, e a difusão de sua lógica altera radicalmente a operação e os resultados
dos processos produtivos, bem como o estoque de experiência, cultura e
poder. A nova economia está organizada em torno de redes globais de
capital, gerenciamento e informação. As corporações e a sociedade norte-
americana, que hoje lideram essas tecnologias, como decorrência domi-
nam ferramentas-chave para a produtividade e a competitividade na era da
informação. Desde o início deste novo século, os EUA vêm experimen-
tando uma nova e enorme aceleração das inovações em direção a um
aumento de produtividade. A emergência extremamente rápida da Internet
e os efeitos ligados ao comércio eletrônico promete realimentar esse
ciclo virtuoso.

103

brasil-argentinaFIM.pmd 103 5/2/2004, 11:02


Os fatores mencionados aqui apenas potencializam ainda mais
o poderio econômico dos EUA sobre o restante da América, fazendo
determinante ao futuro da região a maneira pela qual este país definirá
seus interesses estratégicos no futuro próximo, tema para o qual volta-
remos no final desse texto. O Nafta acabou constituindo-se num arran-
jo sinérgico e geopoliticamente adequado para as três partes. Nele as
assimetrias se acomodaram com rara complementariedade e o bolsão
de pobreza mexicana, fornecendo mão-de-obra de baixa qualificação a
um custo quase dez vezes inferior ao dos EUA, foi um dado de realida-
de muito oportuno para as duas partes, especialmente nessa de pro-
funda expansão da economia hegemônica mundial. A vigorosa troca
comercial está suportada pela intensa atividade das maquiladoras, abrin-
do espaço para uma troca comercial da ordem de 100 bilhões forte-
mente centrada no mercado norte-americano. Apesar de algumas resis-
tências iniciais de sindicatos norte-americanos, o pujante crescimento
econômico daquele país e a manutenção de baixas taxas de desempre-
go amenizaram essas tensões.
Outro é o caso do Mercosul. Estruturado a partir do
desanuviamento das relações políticas entre Brasil e Argentina, com a ade-
são de Uruguai e Paraguai, esse bloco evoluiu com amplo sucesso até o
final de 1998. Fruto de um momento de consolidação de regimes demo-
cráticos e relativa estabilidade macroeconômica, o Mercosul cresceu rapi-
damente e conseguiu elevar o comércio interno entre seus parceiros de
US$ 4 para US$ 20 bilhões entre 1990 e 1998. Um exame atento dessa
evolução demonstra, no entanto, que cerca de 60% desse volume veio da
troca intra-cadeias industriais. Isto quer dizer que foi intensa a aplicação da
lógica da complementaridade e da especialização no processo de
internacionalização das economias locais, aproveitando-se da redução tem-
porária das incertezas macroeconômicas e do benefício das tarifas e quotas
entre países. Ao mesmo tempo que isso ocorria, no entanto, a mesma lógi-
ca aplicada exigia uma grande elevação dos componentes importados des-
sa produção local, justamente aqueles cujo custo de produção era sensivel-
mente mais barato no exterior, especialmente os itens de maior valor
tecnológico adicionado. O tão elogiado modelo de regionalismo aberto
pode ser constatado pelo volume de importações de fora do bloco, que
cresceu 146% no período 92-98, enquanto as exportações evoluíram ape-
nas 61%, como se observa no Quadro 1.

104

brasil-argentinaFIM.pmd 104 5/2/2004, 11:02


A UE e os EUA, pela ordem, foram os mais beneficiados por
essa distorção, que ocasionou crescentes desequilíbrios comerciais nos
países do Mercosul. Observando-se a pauta do ano típico de 1997 (Qua-
dro 2), nota-se que os déficits na área de manufaturas para com o Nafta,
a UE e o resto do mundo estiveram longe de serem compensados pelos
pequenos superávits na área do agribusiness, acumulando-se naquele ano
um déficit comercial geral de US$ 25 bilhões no comércio externo da
região. Tal se deu, além de razões intrínsecas de produtividade sistêmica,
pela permanência das restrições da entrada de produtos da área nos
EUA, mediante forte política de barreiras tarifárias e não tarifárias, acres-
centadas na UE aos subsídios aos seus produtores e produtos agrícolas.

Na realidade, a abertura econômica acentuou um desequilíbrio


externo estrutural na maior parte dos países da América Latina. A lógi-
ca das cadeias produtivas globais exige para tais países mais importa-
ções do que permite exportações e, toda a vez que os países da região
começaram a crescer, aumentaram os déficits comerciais. A conseqü-
ência é um regime do tipo stop and go, que permite um crescimento de
até 2% a 3%. Esse desequilíbrio da América Latina não será resolvido
pelo mercado financeiro e provavelmente não o será pela entrada ma-
ciça de investimento direto, dado que seu regime depende fortemente

105

brasil-argentinaFIM.pmd 105 5/2/2004, 11:02


do ciclo de privatizações. Tudo dependerá da condição de exportação
de maior valor adicionado, incorporando localmente etapas tecnológicas
de agregação de valor, reforçando competitividade e lutando tenaz-
mente pelo acesso a mercados restritos, especialmente no agribusiness.
A crise cambial brasileira e a desvalorização do Real em janeiro
de 1999 trouxeram um agudo componente de fragilidade à idéia da
definitiva consolidação e ampliação do Mercosul, baseada que estava
na idéia da estabilidade dos preços relativos. A queda rápida do comér-
cio intra-países em quase 30%, o movimento de transferência de insta-
lações industriais da Argentina para o Brasil e introdução de forte ins-
tabilidade na política cambial argentina são os indícios mais evidentes.
Por outro lado, é preciso levar em consideração as recentes
fissuras em vários regimes democráticos da região, pressionados por
um medíocre crescimento econômico das últimas duas décadas e
fragilizados por um processo de abertura econômica que, se de certo
modo era inevitável e necessário, por outro aumentou o desemprego e
a informalidade e fragilizou as bases já muito precárias do welfare state
dessas nações. A questão da crescente importância do narcotráfico e
do crime organizado nessas economias é outro fator de instabilidade a
considerar. Sem esquecer recentes episódios em favor da dolarização
de alguns desses países, tendência essa vista por enquanto com muita
cautela pelas autoridades econômicas norte-americanas. O fato é que,
se o desejar, a próxima administração norte-americana implantará com
facilidade a Alca “comendo pelas bordas”, ou seja, iniciando pelo pe-
quenos países - onde mínimas concessões de quotas podem significar e
equilíbrio tão almejado da balança comercial - negociando acordos es-
peciais com o Chile e a Argentina e isolando o Brasil. Quanto mais
fragilizado estiver o Mercosul, mais factível é essa hipótese. Para o
Brasil, no entanto, a implantação acarretaria sérios inconvenientes.
Apesar de sua adoção do câmbio flexível e da recente desvalorização
cambial, sua balança comercial continua ligeiramente deficitária. As-
sim, o equilíbrio de sua balança de transações correntes está a depen-
der totalmente da entrada anual de cerca de 24 bilhões de dólares de
investimento direto internacional para compensar um déficit
incomprimível de 17 bilhões em serviço da dívida e 7 bilhões de re-
messa de lucros. A redução inevitável do fluxo maciço de privatizações

106

brasil-argentinaFIM.pmd 106 5/2/2004, 11:02


aliado a um eventual desvio de investimento direto futuro para a fron-
teira americana-mexicana aproveitando a vantagem da competitividade
sistêmica, da mão-de-obra barata e da exportação com alíquota zero
para o Brasil, pode ter graves efeitos para esse país.

CONCENTRAÇÃO DE PODER E MUDANÇA DOS ATORES NO CENÁRIO


ECONÔMICO

Os fenômenos relacionados ao processo de internacionalização


afetaram profundamente a condição de competição no mercado inter-
nacional a partir de meados da década dos 70. Esse processo ganhou
características inusitadas e um assombroso impulso com o enorme sal-
to qualitativo ocorrido nas tecnologias da informação, que induziu à
reformulação das estratégias de produção e distribuição das empresas
e a formação de grandes networks. A forma de organização da atividade
produtiva foi radicalmente alterada para além da busca apenas de mer-
cados globais; ela própria passou a ter uma lógica global.
A revolução tecnológica atingiu igualmente o mercado finan-
ceiro mundial, cada mercado passando a funcionar em linha com todos
os outros, em tempo real. Isso permitiu a mobilidade de capital requerida
pelo movimento de globalização da produção. As empresas controla-
das por capital local ou grupos internacionais com operações em cada
país passaram a rever toda sua estratégia a partir dos novos paradigmas
de competição. A abertura geral dos mercados iniciada nos anos 80,
por sua vez, veio a transformar o conceito de internacionalização. Qual-
quer operação, por mais restrita que fosse a um mercado nacional, pas-
sou a ter como competidores concorrentes internacionais em busca de
ampliação do seu market share global.
O capitalismo atual é alimentado pela força de suas contradi-
ções. De um lado, a enorme escala de investimentos necessários à lide-
rança tecnológica de produtos e processos – e a necessidade de networks
e mídias globais – continuará forçando um processo de concentração
que habilitará como líderes das principais cadeias de produção apenas
um conjunto restrito de algumas centenas de empresas gigantes mundi-
ais. Essas corporações decidirão basicamente o que, como, quando, quanto

107

brasil-argentinaFIM.pmd 107 5/2/2004, 11:02


e onde produzir os bens e os serviços (marcas e redes globais) utilizados
pela sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, elas estarão compe-
tindo por redução de preços e aumento da qualidade, em um jogo feroz
por market share e acumulação.
Simultaneamente, este processo radical em busca de eficiência
e conquista de mercados força a criação de uma onda de fragmentação –
terceirizações, franquias e informalização –, abrindo espaço para uma
grande quantidade de empresas menores que alimentam a cadeia pro-
dutiva central com custos mais baixos. Tanto na sua tendência de con-
centrar como na de fragmentar, a competição opera como o motor se-
letivo desse processo.
Assim, ao mesmo tempo em que a cadeia produtiva globalizada
se concentra no topo ela se fragmenta na base, induzindo também um
amplo espectro de empregos flexíveis. Enquanto seleciona, reduz, qua-
lifica – e, portanto, exclui – no topo, a nova lógica das cadeias inclui na
base trabalhadores com salários baixos e contratos flexíveis, quando
não informais. Por outro lado, na medida em que o processo da produ-
ção global opera ganhos contínuos nos produtos mundiais, reduzindo
seu preço e melhorando sua qualidade, acaba incluindo novos segmen-
tos de mercado à sua cadeia.
Mais do que nunca, nessas últimas três décadas, as novas
tecnologias acabaram se transformando na essência da competição glo-
bal, permitindo às empresas ampliar sua participação no mercado mun-
dial e gerar caixa para permitir novos investimentos em tecnologia,
realimentando o ciclo de acumulação. Uma das expressões mais impor-
tantes dessa tecnologia atual é a morfologia das redes. A nova econo-
mia está organizada em torno de redes globais de capital, gerenciamento
e informação. As corporações que lideram essas tecnologias de rede
dominam as ferramentas-chave para a produtividade e a competitividade
na era da informação. As mais novas delas são a Internet e o comércio
eletrônico. A brutal ampliação das pessoas, residências e empresas
conectadas ao e-commerce são uma prova disso.
Na realidade, os grandes avanços de eficiência da sociedade nor-
te-americana têm sido baseados no acesso à informação em tempo real,
com a redução dos prazos e das horas de trabalho requeridas para a

108

brasil-argentinaFIM.pmd 108 5/2/2004, 11:02


produção e entrega de toda sorte de bens, encurtando os ciclos de pro-
dução e a necessidade de capital. Etapas intermediárias de produção e
atividades de distribuição estão sendo reduzidas em grande escala e,
em alguns casos, eliminadas. Prazos de projetos e custos têm caído
dramaticamente à medida que a modelagem computadorizada tem eli-
minado a necessidade de grandes equipes de projetistas. A tecnologia
da informação aumenta a produção por hora no total da economia prin-
cipalmente por reduzir horas de trabalho nas atividades necessárias ao
controle do processo produtivo, diminuindo as incertezas e as perdas.
A relação entre fabricantes, comerciantes e seus clientes já está sendo
radicalmente transformada pelo comércio eletrônico. As novas
tecnologias possibilitam novos bens e serviços com maior média de
valor adicionado por hora trabalhada, operando verdadeiras revoluções
nas áreas de biotecnologia, agribusiness e medicina.
Por conta das tendências de concentração assiste-se, em todas
as áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incorporações
motivado pela nova lógica competitiva, que pressupõe saltos
tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resultado é
um enorme movimento de fusões e aquisições operado no mundo nos
últimos anos cujo valor evoluiu de 150 para 720 bilhões de dólares
entre 1990 e 1999. Isso não significa, porém, que o espaço das peque-
nas e médias empresas irá desaparecer. Na economia global, as peque-
nas e médias empresas manterão ainda um espaço importante, especi-
almente via terceirizações, franquias e subcontratações; porém, basi-
camente subordinadas às decisões estratégicas das empresas
transnacionais – e integradas às suas cadeias produtivas.
Complementaridade e especialização são pressupostos que,
viabilizados em escala planetária pela possibilidade da ampla fragmen-
tação das cadeias produtivas, através das tecnologias da informação e
em busca da composição dos fatores mais eficientes para cada uma de
suas etapas de produção de bens ou serviços, definem as decisões es-
tratégicas das grandes corporações globais em busca de menores cus-
tos finais e, portanto, da maximização de seus lucros. Fatores de produ-
ção são aqui entendidos no seu sentido mais amplo, sejam diretos, se-
jam relativos às condições amplas do environment. Assim, abrangem eles:
custo e especialização da mão-de-obra; atributos do capital – como

109

brasil-argentinaFIM.pmd 109 5/2/2004, 11:02


taxa de juros, termo e mobilidade; vantagens tecnológicas – tipo clusters
e especializações; restrições ambientais mais ou menos favoráveis; res-
trições fiscais mais ou menos flexíveis; escala do mercado interno; po-
líticas tarifárias externas; estabilidade macroeconômica; etc. É dentro
desse contexto que as decisões de investimentos são tomadas, influin-
do diretamente nas políticas governamentais dos países do continente,
especialmente aqueles países que olham os mercados externos como
fator fundamental de expansão ou consolidação hegemônica.
Os intensos processos de concentração das corporações na eco-
nomia global associaram-se às privatizações, que transferiram um imenso
patrimônio produtivo – e portanto de poder - das mãos dos Estados
nacionais para o controle das grandes corporações globais, provocando
uma rápida e radical mudança dos atores do cenário econômico - e, por
decorrência, social, político e cultural - em vários dos grandes países da
periferia do capitalismo mundial.
No caso do Brasil, país com estrutura industrial muito
diversificada - gerando um PIB industrial equivalente à décima posição
mundial - a melhor evidência dessa conseqüência é o crescimento e a
alteração das posições das maiores empresas operando no país, seja
pelo critério de patrimônio líquido seja pelo de receita operacional lí-
quida. O Quadro 3 mostra que, tanto para as 20, 10 ou 5 maiores
corporações nacionais ou internacionais, os grupos internacionais, após
a abertura econômica, cresceram seu patrimônio entre 170 a 250%,
enquanto os nacionais o fizeram entre 84 a 88%. Para a evolução da
receita operacional ocorre o mesmo. Para os grupos internacionais, entre
179 e 253%. Fica evidente a concentração crescente do poder econô-
mico no topo do setor privado, agora cada vez mais representada por
grupos internacionais.

110

brasil-argentinaFIM.pmd 110 5/2/2004, 11:02


Mais claro ainda se desenha o profundo processo de altera-
ção dos atores empresariais quando se examina a relação das em-
presas que conseguiram se manter na posição de 20 ou 10 maiores
durante o curto período 1992-1999. Entre os grupos internacio-
nais, mantinham-se entre os 20 maiores em 1999 apenas 6 dos que
estavam nessa posição em 1992: Citicorp, Souza Cruz, Bunge, Saint-
Gobain, Shell e Alcoa. Entraram na lista como novos maiores ato-
res 14 outros grupos que não ocupavam antes essa posição: Telefô-
nica, MCI, Fiat, ABN Amro, EDF, Bombril Cirio, Whirpool, Portu-
gal Telecom, Sonae, SBHC Santander, BankBoston, Telecom Itália,
Arbed e Praxair. Entre os 10 maiores a renovação foi total. Ne-
nhum dos que estavam na lista em 1992 manteve essa posição em
1999. Quanto aos grupos nacionais, a renovação foi menos intensa
mas, ainda assim, expressiva. Entre os 20 maiores, 9 mantiveram-
se na posição: Itaúsa, Bradesco, Votorantim, Unibanco, Andrade
Gutierrez, Camargo Corrêa, C R Almeida, Gerdau e Odebrecht. Os
demais foram substituídos por Telemar, Vale do Rio Doce, Brasil
Telecom, CSN, Aracruz, Organizações Globo, Usiminas, Pão de Açú-
car, Jereissati de São Paulo, Copene e Acesita .Entre os 10 maiores
de 1992, apenas 3 permaneceram na classificação em 1999: Itaúsa,
Bradesco e Votorantim.
A questão fundamental relativa a essa radical mudança de ato-
res - concentrando interesses e um estoque de riscos de investimento
direto superior a 200 bilhões de dólares - é a percepção das diferen-
ças de interesse entre os Estados-nacionais e essas corporações glo-
bais. Enquanto esses interesses coincidirem provisoriamente, assen-
tados na prioridade à estabilidade e ao crescimento econômico, não
parece haver tensões maiores. No entanto, quando situações futuras
tornarem esses interesses divergentes - indexações tarifárias, qualida-
de dos serviços públicos, remessa de lucros e questões tributárias,
apenas para citar alguns exemplos - os governos desses países estarão
pressionados por forças atuantes e gigantescos lobbies e precisarão
estar muito bem preparados para opor conceitos soberanos à pressão
de interesses econômicas privados, agindo no sentido do melhor in-
teresse nacional.

111

brasil-argentinaFIM.pmd 111 5/2/2004, 11:02


VI - GLOBALIZAÇÃO, IDENTIDADE E GOVERNABILIDADE

Após quase duas décadas de implantação de profundas


reformas associadas à abertura e à integração de suas economias ao
mercado global, uma parte expressiva das nações - em especial os
grandes países da periferia do capitalismo - têm apresentado medíocre
desempenho do PIB per capita e piora de sua concentração de renda. Os
indícios de aumento da exclusão social estão por toda a parte. Este
quadro, recentemente agravado pelas sucessivas crises internacionais
nos finais de 97 e 98 e pelo crescimento do desemprego e da
informalidade, tem provocado sintomas de erosão de legitimidade das
representações políticas que sustentaram esses programas de reformas.
Aumenta a dissonância entre o discurso oficial da necessidade do
aprofundamento dos ajustes e a dúvida das populações desses países
sobre se, ao final de outros sacrifícios adicionais, poderá surgir de fato
um processo de crescimento acelerado e auto-sustentado que melhore
sua renda e a empregabilidade. O rigor do cumprimento de metas de
orçamentos públicos equilibrados, necessárias não só para a manutenção
da estabilidade monetária mas também devido a acordos e compromissos
com o FMI , acarretam uma redução significativa dos recursos alocados
a programas sociais e de emergência, justamente no momento em que a
exclusão social aumenta e a demanda por esses programas se acentua.
Em função da complexidade de um quadro econômico
mundial que agrava o desemprego, a informalidade e a exclusão, Jürgen
Halbermas constata: “Os Estados Nacionais têm manifestado pro-
gressiva incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de ações
de comando e de organização: desaparece a integridade funcional da
economia nacional, quer dizer, a confiável presença nacional daqueles
fatores complementares - sobretudo capital e organização - de que de-
pende a oferta de trabalho originada por uma sociedade, a fim de capa-
citar-se à produção. Um capital isento do dever de presença nacional
vagabundeia à solta e utiliza suas opções de retirada como uma amea-
ça. Os governos nacionais perdem, assim, a capacidade de esgotar os
recursos tributários da economia interna, de estimular o crescimento e,
com isso, assegurar bases fundamentais de sua legitimação.”

112

brasil-argentinaFIM.pmd 112 5/2/2004, 11:02


O Estado contemporâneo não se sente mais responsável pelas
políticas de bem estar social e de emprego. As corporações
transnacionais, que definem os vetores tecnológicos que parametrizam
a empregabilidade, também não. Cada um que encontre sua oportuni-
dade , corra o seu risco, seja um responsable risk taker. Quem está na
periferia do capitalismo mundial, que encontre seu lugar no informal,
que invente seu emprego.
Os grandes países da periferia do capitalismo estão acuados com
o atual nível de violência de suas sociedades. A principal causa parece
estar nas tensões geradas pela crescente concentração de renda e ex-
clusão social de grandes contigentes populacionais urbanos, conviven-
do com uma mídia global que valoriza o comportamento anti-social e
estimula padrões de consumo que poucos podem ter. Os Estados naci-
onais e os partidos políticos passam a perder legitimidade e capacidade
de mediação dessas tensões utilizando os controles tradicionais. É o
que ocorre atualmente no Brasil na questão dos sem-terra e na descon-
trolada criminalidade urbana, especialmente entre os jovens. E na Ar-
gentina, com a intensa e inédita dualização social de um país cuja
história tinha sido marcada por certa prosperidade e equilíbrio social.
Todas as questões relatadas até aqui nos remetem novamente
aos temas de identidade e governabilidade, a partir das novas relações
de força entre os atores que comandam a cena dos processos globais e
nacionais. A identidade como dimensão propriamente “nacional” está
ligada a aspectos profundos de natureza psicossocial ou cultural da
identidade dos cidadãos de um país. Ela tem a ver com a sensação de
cada um em sentir-se parte e estar representado sob a forma de coleti-
vidade nacional que, por sua vez, pode esperar a lealdade de cada um.
Já a questão da autoridade depende da estrutura administrativa e sim-
bólica do Estado.
O poder do Estado para atuar em nome da sociedade envolve
importantes problemas de legitimidade. Estão nessa esfera três catego-
rias de poder: o político, o ideológico e o econômico. Max Weber nos
mostra que o “monopólio da força legítima” é condição básica para a
existência do Estado como poder político. O Estado pode renunciar ao
poder ideológico, como ocorreu com a separação entre Estado e Igreja;

113

brasil-argentinaFIM.pmd 113 5/2/2004, 11:02


pode renunciar ao poder econômico, como o fez o Estado liberal e do
laissez-faire; mas não pode renunciar ao monopólio do poder coercitivo
sem cessar de ser um Estado. Isso significaria o retorno à luta sem
regras, à guerra de todos contra todos, ao império da força individual
mais poderosa. Também para Hobbes é atributo essencial do Estado o
controle da paz interna, protegendo a vida dos indivíduos que nele
confiaram. O poder econômico, por ser o dono do capital, mantém o
controle dos meios de produção que lhe permite obter trabalho em
troca de salário; o poder ideológico baseia-se na influencia que idéias
de pessoas ou grupos tem sobre a conduta da sociedade; o poder polí-
tico, no entanto, funda-se na posse de instrumentos pelos quais se exerce
a força, teoricamente em benefício da sociedade . Para Bobbio, todas
as três formas de poder instituem e mantêm coesa uma sociedade sem-
pre constituída de desiguais, dividida que é entre classes econômicas,
níveis de conhecimento, fortes e fracos. No entanto o uso da força é
uma condição necessária mas não suficiente para a existência do poder
político. O governo de plantão deve deter a exclusividade do uso dessa
força em relação a todos os grupos que agem em um determinado con-
texto social. E seu uso pelo Estado precisa ser considerado legítimo
pela maioria. Por aceitarem essa legitimidade, os indivíduos renunciam
ao direito de usarem cada qual sua própria força, para entregá-la nas
mãos de um Estado que será o único a poder utilizá-lo no interesse
deles.
No momento em que a dinâmica da globalização passa a mos-
trar com nitidez a sua face socialmente perversa e uma crise de legiti-
midade das representações políticas atinge até os países capitalistas de
maior tradição de estabilidade democrática, introduzem-se importan-
tes tensões entre os problemas de identidade, autoridade e igualdade.
Fábio Wanderley Reis lembra: “O Estado nacional continua a prover o
foco decisivo quanto a questões de identidade. A referência aos ele-
mentos sociopsicológicos e culturais da nacionalidade segue sendo o
principal condicionante do sentido pessoal de identidade, e não há, no
plano transnacional, nada que eqüivalha ao sentimento de inserção numa
comunidade de maneira comparável à que se têm no plano nacional. De
outro lado, porém, os termos em que se colocam os problemas de autori-
dade e igualdade são dramaticamente afetados pela globalização. Esta-
dos Nacionais vêem solapado seu poder de administração econômica e

114

brasil-argentinaFIM.pmd 114 5/2/2004, 11:02


intervenção social, a resposta social-democrática ao problema da igual-
dade tende a surgir como arcaísmo oneroso, cada qual se avenha como
possa com as asperezas do mercado.”
As conseqüências negativas da inserção na dinâmica da
globalização tendem a surgir como algo que se superpõe aos fatores
tradicionais herdados da desigualdade histórica, em alguns como o do
Brasil, de uma longa experiência escravista. Cristaliza-se, assim, uma
distribuição de riqueza arcaica e profundamente injusta, não permitin-
do às classes mais baixas a incorporação de eventuais vantagens que
poderiam advir da nova lógica de acumulação. No caso brasileiro, por
exemplo, as últimas décadas têm consolidado uma longa tradição de
intensa desigualdade de renda e enorme contingente de população ex-
cluída. Em 1998, pelos dados da PNAD, 14% da população brasileira
(21 milhões de pessoas) vivia na indigência. Essa categoria faz parte
dos 33% de cidadãos (50 milhões) que situavam-se abaixo da linha de
pobreza. O mais grave, porém, é a tendência à estabilidade desses
percentuais. Embora momentaneamente aliviados por períodos de cres-
cimento e choques econômicos – é o que ocorreu logo após os planos
Cruzado e Real, quando o índice de pobreza recuou respectivamente
para 28% e 34% –, a tendência desses números parece ser retornarem
sempre aos mesmos patamares médios vigentes no final dos anos 1970.
Se adicionarmos a esse quadro a mudança de paradigma do mercado
de trabalho pós-abertura econômica, com intensa automação e
flexibilização da mão-de-obra, podemos perceber com toda extensão o
desafio que o país terá de enfrentar para manter sua inserção global em
clima de equilíbrio social e político. Desde 1990, os níveis de desem-
prego cresceram de 5% para os atuais 7%, simultaneamente a um au-
mento do trabalho flexível - em boa parte precário - de 42% para 56%
do total da ocupação metropolitana. Já a Argentina vem de um históri-
co relativamente igualitário, no qual não existiam abismos sociais. Com
o maior nível per-capita da América Latina - mais de duas vezes o brasi-
leiro - ela assiste hoje a uma profunda deterioração das condições de
trabalho e da sua estrutura de seguridade social. Somada a um nível de
desemprego que atinge 16% da população ativa, sendo que mais de
55% dela submetida a jornadas anormais e trabalho precário, essa situ-
ação causa um profundo impacto e desestrutura o seu tecido social.

115

brasil-argentinaFIM.pmd 115 5/2/2004, 11:02


Como os atuais processos econômicos globais são naturalmen-
te conflituosos e excludente, especialmente nos países pobres, parece
inevitável que a sobrevivência do espaço de ação dos Estados exija a
competência de se construir modelos de equilíbrio que –ainda que
sempre baseados em tensão ou conflitos – apontem para algum cresci-
mento econômico, políticas de emprego e certa desconcentração da
renda.
Torna-se, para tanto, questão obrigatória que as estratégias de
crescimento contenham necessariamente políticas redistributivas que
enfrentem a questão crônica da concentração de renda e da pobreza.
Até porque já sabemos que crescimento econômico é condição neces-
sária mas está longe de ser suficiente para a redução da exclusão. Isso
implica desde aquelas medidas mais estruturais (redistribuição de ati-
vos, educação, reforma agrária) até outras de caráter compensatório
(programas de renda mínima). Isso exige, também, que os governos
mantenham sua responsabilidade relativa a programas básicos
abrangentes nas áreas de saúde, educação e promoção social geral, já
que o imenso contingente de pobres não terá renda disponível para
comprá-los no mercado privado. Em todos esses casos é fundamental
saber de onde tirar os recursos sem estourar o orçamento público cada
vez mais comprimido pelas metas comprometidas com o FMI conside-
radas necessárias ao equilíbrio fiscal e à estabilidade monetária.
Do ponto de vista da democracia, o desafio de criar
governabilidade nessas circunstâncias passa a ser crítico. Samuel
Huntington fala em “ingovernabilidade de sobrecarga” num quadro de
crise fiscal do Estado e de demandas crescentes a ele dirigidas, poden-
do destemperar o modelo social-democrático de um Estado aberto e
sensível à multiplicidade dos interesses. Essa situação pode abrir bre-
chas para a saída pretoriana a partir do confronto direto dos interesses
diversos não mediados por instituições políticas com precária capaci-
dade de processamento institucional desse confronto. Wanderley lem-
bra a “ingovernabilidade hobbesiana”, a deterioração difusa do tecido
social, da criminalidade e da violência urbana crescentes, do surgimento
de espaços onde a autoridade estatal não tem condições de se fazer
valer de modo efetivo, causando o comprometimento da capacidade
de ação do Estado no plano da própria manutenção da ordem pública e

116

brasil-argentinaFIM.pmd 116 5/2/2004, 11:02


da segurança coletiva. A própria população mergulhada na insegurança
passa a se sensibilizar por retóricas populistas e poderes ditatoriais:
“Contra as ingenuidades do patriotismo tradicional, a melhor maneira
de afirmar a identidade coletiva consistiria em levar a cabo as tarefas
materiais do desenvolvimento econômico e criar as condições para a
autonomia nacional. A referência ao Estado continua a impor-se como
parte da inescapável referência ao nacional. O aparelho Estado nacio-
nal segue sendo um instrumento indispensável e um objeto crucial de
disputa pelos diversos interesses setoriais.”
Celso Lafer julga ser a identidade um conjunto mais ou menos
ordenado de predicados por meio dos quais se responde à pergunta:
quem sois? O ponto de partida da construção da identidade coletiva é
uma visão compartilhada do interesse comum. Identidades nacionais
se formaram no contato e na interação com o Outro. Se a nação nasce
de um postulado e de uma invenção, ela só vive pela adesão coletiva a
esta invenção, ou seja, por obra da interiorização, por uma cidadania,
daquilo que é considerado o repertório comum. A tarefa da política
externa, por exemplo, constitui-se em traduzir necessidades internas
em possibilidades externas para ampliar o poder de controle de uma
sociedade sobre o seu destino. O processo de globalização diluiu a re-
lação entre o “interno” e o “externo” pela ação das complexas redes de
interação – governamentais e não-governamentais – que estruturam o
espaço do planeta e a governança do mundo.
No entanto, apesar de todas as forças globais, Lafer lembra que
“os indivíduos continuam a projetar suas expectativas, reivindicações
e esperanças sobre as nações a que pertencem, como também o bem-
estar da imensa maioria dos seres humanos segue intimamente vincula-
da ao desempenho dos países em que vivem. As nações e os estados
que as representam são e permanecem sendo indispensáveis instâncias
públicas de intermediação. Instância interna de intermediação das ins-
tituições políticas do estado com uma população; instância externa de
intermediação com o mundo. Esta intermediação externa parte de uma
visão de identidade coletiva, de um nós assinalador de especificidades.
Localização geográfica no mundo, a experiência histórica, o código da
língua e da cultura, os níveis de desenvolvimento e os dados de
estratificação social.”

117

brasil-argentinaFIM.pmd 117 5/2/2004, 11:02


No caso do Brasil, sua identidade internacional começa com a
escala continental de seu território, cuja origem está na expansão ultra-
marina portuguesa. A ela se agrega os componentes da miscigenação
através de uma ação colonizadora que realizou-se por uma contínua
adaptação ao meio-ambiente, numa flexibilidade aberta a padrões pri-
mitivos e rudes dos indígenas. A ação dos diplomatas complementou a
dos navegantes e dos bandeirante na delimitação do espaço nacional
durante e depois do período colonial. A criação de um governo sobera-
no no Brasil em 1822 é também um fio peculiar de continuidade, que
diferencia seu processo de Independência de todos os demais países
das Américas. A monarquia constitucional, que se estendeu até 1889,
manteve o Brasil unido no espaço do seu vasto território. Quanto à
vizinhança, para o Brasil a América do Sul não é uma opção diplomáti-
ca, e sim, a circunstância do seu eu. A visão brasileira escorrega facil-
mente das clássicas fronteiras-separação para as modernas fronteiras-
cooperação, num contínuo exercício de soluções conciliatórias. Para
Lafer, “o Brasil está à vontade e em casa com o componente sul-ame-
ricano de sua identidade internacional, que é uma força profunda, de
natureza positiva, de sua política externa.

VII - ABERTURA ECONÔMICA, ESTADO E SOBERANIA

Todas essas considerações nos levam a inevitável revisão do


conceito de Estado nacional em tempos de abertura econômica. A idéia
de que mercado e Estado são complementares permitiu a prosperidade
sem precedentes experimentada pelos Estados Unidos, Europa Oci-
dental e alguns países asiáticos na segunda metade do século. No en-
tanto, o conceito de que a iniciativa privada e a ação do Estado são
igualmente necessárias para o êxito econômico foi fortemente abalado
a partir das reformas neoliberais recomendadas pelo que acabou sendo
designado de “consenso de Washington”, conjunto de princípios que
tiveram forte apoio do FMI e induziram a direção daquelas reformas
em muitos grandes países da periferia global. Eles incluíam: rígida disci-
plina fiscal; redirecionamento dos gastos públicos para educação e saú-
de; liberalização comercial com eliminação de cotas e rebaixamento e
homogeneização de tarifas; abertura para o investimento estrangeiro;

118

brasil-argentinaFIM.pmd 118 5/2/2004, 11:02


privatização; desregulamentação da economia; segurança para os
direitos de propriedade.
Dani Rodrik lembra que essas reformas, fundamentadas no mer-
cado, a princípio deram pouca atenção às instituições e à
complementaridade entre as esferas pública e privada da economia. O
papel destinado ao governo se resumia a manter a estabilidade
macroeconômica e a assegurar o acesso à educação. A prioridade era
afastar o Estado, não torná-lo mais eficiente. A conseqüência, para
além da vitória expressiva no combate à inflação, foram o fracasso das
reformas na Rússia e a generalizada insatisfação com as reformas na
América Latina. E a crise financeira na Ásia, que expôs os riscos de
liberar as finanças sem mecanismos reguladores. Em todos esses casos,
pouca ou nenhuma consideração foi dada aos mecanismos de assistên-
cia social e as chamadas “redes de segurança”.
Na verdade, o desempenho econômico a partir da década de 70
dependeu da habilidade das instituições domésticas em lidar com os
conflitos de distribuição deflagrados por choques externos. Hoje sabe-
mos que os mercados de capitais internacionais têm dificuldades em
discernir riscos. A capacidade de controlar os conflitos sociais domés-
ticos deflagrados pela turbulência econômica na década de 70 acabou
representando a diferença entre a manutenção do crescimento e o co-
lapso econômico.
Quanto mais livres os mercados, maior é a tarefa dos órgãos
reguladores. Essa é, aliás, uma das principais razões de sucesso da eco-
nomia norte-americana. A liberdade crescente aos mercados tornou a
América Latina progressivamente inábil e sem órgãos reguladores para
enfrentar a turbulência econômica mundial. Hoje também já há con-
senso que, particularmente na América Latina, as instituições fiscais e
monetárias contribuíram para aumentar a instabilidade macroeconômica,
em vez de reduzi-la.
Toda a economia de mercado bem-sucedida é uma mistura de
Estado e mercado, “laissez-faire” e intervenções. Embora haja muitas
diferenças entre os arranjos institucionais possíveis, os países que
tiveram melhor desempenho foram os que liberalizaram parcial e gra-
dualmente sua economia. Não há provas de que a liberalização esteja

119

brasil-argentinaFIM.pmd 119 5/2/2004, 11:02


sistematicamente associada a taxas de crescimento maiores. Nenhum
país conseguiu desenvolver-se simplesmente abrindo a sua economia
para o comércio e para o capital estrangeiro. É preciso combinar as
oportunidades oferecidas pelos mercados estrangeiros com uma estra-
tégia de desenvolvimento doméstico que estimule o lado agressivo dos
empreendedores locais.
Uma das principais constatações vindas da observação da se-
gunda metade do século XX é que um bem-sucedido desenvolvimento
econômico exige mercados ativos escorados por sólidas instituições
públicas. O desenvolvimento econômico derivou basicamente de uma
estratégia desenvolvida localmente, e não do mercado global. No caso
dos países em desenvolvimento deve-se adicionar o complicador adici-
onal de serem esses mercados globais serem freqüentemente muito res-
tritivos aos seus produtos de exportação, submetendo-os a inúmeras,
barreiras tarifárias ou não.
Um importante equívoco de alguns dos grandes países da peri-
feria que se inseriram no comercio internacional foi terem confundido
abertura com estratégia. A globalização é, de certo modo, irreversível
porque é um mecanismo sinérgico global que tem dado certo. A abertu-
ra econômica, inevitável a essas nações que provavelmente teriam mai-
ores perdas com o fechamento que com sua inserção na lógica das ca-
deias globais - que almejam seus mercados e alguns bolsões de mão-de-
obra barata - é uma mera circunstância da nova ordem internacional.
Essa circunstância torna ainda mais importante a definição de uma
estratégia, até porque as pressões internacionais lideradas pelos atores
principais do cenário global e seu aparato institucional (FMI, OMC,
etc) dificultam crescentemente os espaços para o exercício de políticas
industriais nacionais. O acordo sobre TRIMs, por exemplo, determina
que os membros da OMC não devem aplicar medidas de incentivo a
investimentos condicionadas a exigências de conteúdo local ou de de-
sempenho de exportações. Discute-se ainda a ampliação de novos
TRIMs, proibindo exigências de transferência de tecnologia, capital
mínimo nacional ou formação de “joint ventures”. Por outro lado, o acor-
do sobre TRIPs prevê o estabelecimento de regras e disciplinas muito
rígidas para proteção aos direitos da propriedade intelectual direitos
autorais, marcas, patentes, “design” industrial e topografia de circuitos

120

brasil-argentinaFIM.pmd 120 5/2/2004, 11:02


integrados, o que dificultará sobremaneira a condição de incorporação
tecnológica a produções locais de países mais pobres.
Torna-se, portanto, cada vez mais imperioso que as estratégias
nacionais dos grandes países da periferia definam e incluam claros estí-
mulos para especializações, clusterizações e políticas tecnológicas e in-
dustriais consistentes com suas especificidades e prioridades. A integração
de um país à economia mundial não substitui, pois, estratégias de desen-
volvimento. Integração econômica global não é a principal fonte de cres-
cimento para a maioria dos países. Países em desenvolvimento podem
tirar vantagens do mercado internacional e dos fluxos de capitais, mas o
principal dinamismo de seu crescimento virá sempre de seus empreende-
dores e investidores. Acessar o mercado internacional e se beneficiar dos
fluxos de capitais deve ser parte dessa estratégia, mas não um objetivo
central. É necessária uma sólida base institucional para investidores e
empreendedores domésticos, formação de capital humano, de infra-es-
trutura pública e vitalização do setor privado doméstico. Faz-se, portan-
to, cada vez mais necessária uma estratégia própria que não se resuma a
inserção internacional do país e envolva opções de estratégia industrial,
de diversificação e especialização. É o caso do esforço indiano para habi-
litar-se na exportação de software. Formando 68 mil profissionais da área
de computação a cada ano, a Índia tornou-se uma incubadora virtual de
talentos infotécnicos cortejada pelo Ocidente. O governo dos Estados
Unidos deve ampliar seus vistos especiais de 115 mil para 200 mil no
próximo ano visando indianos. Empresas indianas continuam a crescer
exportando programas de software a baixo custo, cujas exportações cres-
ceram de US$ 734 milhões em 1999 para US$ 6,3 bilhões em 1999-2000.
O objetivo para 2001 são US$ 9,5 bilhões. Cerca de 60 mil a 70 mil
indianos estão empregados no Vale do Silício no segmento high tech ; esse
fluxo intensificou-se em 1996-1997 por causa das oportunidades do bug
do milênio. A maioria dos cerca de 2 mil empresários indianos do Vale do
Silício investiu no segmento de software da Índia. O caso da Finlândia
também merece registro. De um pequeno país tradicional dependente
do mercado russo surgiu um líder mundial em telefonia de última
geração. O fim da URSS, com a qual a Finlândia tinha grande sinergia
utilizando sua conveniente posição de neutralidade, fez o país perder
seu grande cliente e entrar em grave crise econômica. Em dois anos o
PIB contraiu-se 13%, com o desemprego passando de 3% para 17%.

121

brasil-argentinaFIM.pmd 121 5/2/2004, 11:02


O espírito empresarial e a tecnologia de ponta acharam a solução. As
altas tecnologias dominam as exportações sustentadas por um projeto
social-democrata que reduziu impostos. Vários outros exemplos poderi-
am ser citados, alguns com especificidades mais radicais como a Coréia e
a China.
Os governos dos países em desenvolvimento devem, portanto,
ser capazes de colocar a globalização apenas como uma perspectiva e
centralizar sua atenção na construção de instituições domésticas e pro-
jetos realistas de desenvolvimento, confiando mais em si mesmos e
menos na economia global ou em projetos a ela ligados.
A necessidade de reconstruir Estados nacionais capazes do exer-
cício maduro de uma soberania informada simultaneamente por uma
nova noção de identidade e pelas circunstâncias do mercado global
surge, assim, como condição para que os grandes países da periferia
possam, eventualmente, através de alianças estratégicas e mercados
regionais, procurar um espaço de inserção que lhes preserve alguma
condição de crescimento econômico e equilíbrio social.

122

brasil-argentinaFIM.pmd 122 5/2/2004, 11:02


BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto (2000). Teoria Geral da Política: a filosofia política e as


lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus.
CASTELLS, Manuel (1998). La era de la información. Economia., sociedad
y cultura. Vol. 1. “La sociedad red”. Madri: Alianza Editorial.
DERRIDA, Jacques & VATTIMO (2000), Gianni. A religião. São Pau-
lo: Editora Estação Liberdade.
DUPAS, Gilberto (1997). Alca e os interesses do Mercosul. São Paulo:
Edição Fundação Memorial da América Latina.
________ (1999). “Lógica da globalização, tensões e governabilidade
na sociedade contemporânea”. Table Ronde Unesco: Principles
démocratiques et gouvernance mondiale, novembro de 1999. Paris.
________ (1999). “A lógica da globalização e as tensões da sociedade
contemporânea”. II Congresso Sul-Americano de Filosofia, outubro
de 1999. São Paulo: Anais.
________ (2000). Economia global e exclusão social: pobreza, emprego,
Estado e o futuro do capitalismo. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Paz e
Terra, 2000.
________ (2000). “As tensões econômicas e sociais na EU”. Apresen-
tado no seminário: As relações entre Brasil e Alemanha e os cami-
nhos do Mercosul e da União Européia. setembro de 2000.
________ (2000). “Estado, violência e legitimidade”. O Estado de São
Paulo, 21/10/2000.
________ (2000). “Assimetrias econômicas, lógica das cadeias produ-
tivas e políticas de bloco no continente americano”. Apresentado no
Seminário Preparatório para a Reunião dos Presidentes. Brasília, 31
de julho –02 de agosto de 2000.
________ (2000). “União Européia e globalização: um discurso de mui-
tas faces”. Panorama da Conjuntura Internacional, nº 7, ano 2, out-nov
2000.
FINKIELKRAUT, Alain (2000). A ingratidão. Rio de Janeiro: Editora
Objetiva.
GIDDENS, Anthony (1998). A terceira via. São Paulo: Record.
HABERMAS, J. (1998). Die Postnationale Konstellation. Frankfurt/M.

123

brasil-argentinaFIM.pmd 123 5/2/2004, 11:02


________ (1999). “Nos limites do Estado”. Folha de São Paulo, 18/07/
1999.
HARDING, Luke (2000). “Indianos mostram força no Vale do Silí-
cio”. O Estado de São Paulo, 15/10/2000.
HOBSBAWM, Eric (1998). Sobre a história. São Paulo: Companhia das
Letras.
HURRELL, Andrew & WOODS, Ngaire (ed.) (2000). Inequality,
globalization, and world politics. Oxford: Oxford University Press.
INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION (1997-1998). “In-
dustrial relations, democracy and social stability”. World Labor Report,
Genebra.
KÜHNE, Winrich & BALLERSTEDT, Tobias (2000). “Evolving glo-
bal governance structures”. International Workshop, april/2000.
Stiftung Wisssenschaft und Politik.
LAFER, Celso (2000). “Brazilian international identity and foreign
policy: past, present, and future in Daedalus - Journal of the American
Academy of Arts and Sciences. Cambridge: American Academy of Arts
and Sciences.
________ (2000). “O cenário mundial: União Européia e Mercosul”.
Revista Política Externa, vol. 9, nº 1, IEA/USP, jun-ago/2000.
PEARLSTEIN, Steven (2000). The Washington Post, setembro/2000.
POK, Cynthia (1992). “Medición del sector informal”. Apresentação
no Seminário Latino-Americano da OEA. Lima, 26-28 de agosto de
1992.
REIS, Fábio Wanderely (2000). “Atualidade mundial e desafios brasi-
leiros”. Revista Estudos Avançados 14 (39), IEA/USP.
RODRIK, Dani (2000). “A valiosa herança da economia mista”. O
Estado de São Paulo. 06/08/2000.
________ (2000).Entrevista ao jornal Valor. São Paulo, 29/09/2000.
THORSTENSEN, Vera (2000). “Os acordos regionais e as regras da
OMC”. Revista Política Externa, vol. 9, nº 1, IEA/USP, jun-ago/2000.

124

brasil-argentinaFIM.pmd 124 5/2/2004, 11:02


SOBERANÍA Y GLOBALIZACIÓN FINANCIERA (EL COSTO
1
FINANCIERO DE LA SOBERANÍA)

Roberto Frenkel

I. INTRODUCCIÓN

A. El proceso de globalización financiera de AL


La inserción de AL en el proceso cumple veinticinco años,
interrumpidos por la crisis de la deuda externa. Hay una reinserción
desde comienzos de los noventa y la emergencia de tendencias que
sugerían que AL se encontraba en un proceso de integración creciente.
La transitoriedad de los efectos tequila pareció confirmar esas
tendencias. Sin embargo, después de la crisis asiática no se retornó a
un proceso de creciente integración. No se trata tan solo de que las
crisis no son “cortas”, en el sentido de que sus consecuencias son per-
sistentes en las economías que las sufrieron, sino de interrogarse sobre
las tendencias que manifestó el proceso de globalización financiera
después de la crisis asiática. Además, han aparecido fenómenos
novedosos, tales como la inestabilidad financiera en EEUU y sus
contagios sobre los emergentes de AL. Hay una inestabilidad financiera
potencial de EEUU que podría tener repercusión importante sobre las
economías más frágiles. Recientemente, la reducción de la tasa de interés
en EEUU ha tenido un impacto favorable y se proyectan mayores
reducciones con efectos semejantes. Este es un curso posible, pero cabe
también interrogarse sobre su probabilidad en el contexto post-1997,
caracterizado por el “aprendizaje” que realizó el mercado en el último
trienio y sin mayores innovaciones en las instituciones internacionales.
También cabe abrir un interrogante sobre la magnitud de los renovados
flujos de capital. ¿Puede esperarse una réplica del “boom” de ingresos

1
El borrador de este artículo fue presentado en la conferencia Brasil-Argentina - A Visão do
Outro. Sobre a Soberanía. La versión aquí presentada fue escrita a pricipios de 2001 e incluí-
da como primera sección del artículo: Roberto Frenkel, “Reflexiones sobre el financiamiento
del desarrollo”, Revista de la CEPAL. Santiago de Chile, agosto de 2001.

125

brasil-argentinaFIM.pmd 125 5/2/2004, 11:02


de 1996-97? Las necesidades de financiamiento de las mayores
economías de la región implican flujos de magnitud semejante a los
recibidos en esa oportunidad, para alcanzar tasas de crecimiento signi-
ficativas. Si no se replica ese “boom”, Brasil y Argentina se encuentran
en situaciones de gran fragilidad.
B. Cambios en la inserción financiera de los países
Uno de los aspectos novedosos con relación a la década de los
noventa son los cambios experimentados en las economías receptoras.
La inserción de los países ha ido cambiando. La acumulación de deuda
externa e IED ha ido modificando la inserción. Los balances de pagos
tienen diferente estructura que al comienzo de la década. Los países
altamente endeudados enfrentan como principal problema el roll-over
de sus deudas y el financiamiento de los déficit de cuenta corriente
determinados por servicios del capital (intereses y utilidades). El défi-
cit de balance comercial ha perdido importancia relativa frente al rígi-
do y creciente déficit en las cuentas de servicios financieros y factoriales.
En este aspecto, la situación se asemeja más a la de 1980 que a la de
1990.
Se puede analizar la evolución diferencial de las economías en
los años noventa en términos de trayectorias de integración financiera
internacional. La noción subyacente es que es que se trata de un proceso
con hysteresis, en el cual las condiciones vigentes en un momento
dependen de la historia previa. El ejemplo más evidente es el stock de
deuda externa. Ciertas trayectorias de integración financiera conducen
a situaciones de mayor vulnerabilidad relativa, más propensas a sufrir
crisis. La CEPAL ha enfatizado este aspecto y discutido políticas para
evitar esas trayectorias. Sus recomendaciones están en buena medida
fundadas en el análisis comparado de las trayectorias que siguieron los
países, las distintas políticas que confluyeron a determinarlas y la
experiencia que proporcionan los episodios de crisis (por dinámica
propia o por mayor propensión al contagio). Pero los países que siguieron
las trayectorias conducentes a mayor vulnerabilidad, aunque hayan
tenido y superado crisis financieras y cambiarias, exhiben, como
consecuencias de su trayectoria pasada, situaciones “estructurales”
actuales de mayor vulnerabilidad (relaciones Deuda Externa/PIB, Dé-

126

brasil-argentinaFIM.pmd 126 5/2/2004, 11:02


ficit en Cuenta Corriente/PIB, DeudaExterna/Exportaciones, Déficit
en Cuenta Corriente/Exportaciones, estructura de la cuenta corriente,
estructura del sistema financiero).
Las altas primas de riesgo país que enfrentan esas economías
resultan de la apreciación realizada por el mercado de estas condiciones
de mayor vulnerabilidad relativa. Al mismo tiempo, dicha apreciación
tiende a preservar o acentuar esas condiciones, por los efectos de las
altas tasas de interés y menores flujos de capital sobre el crecimiento, el
sector externo y las condiciones del sector financiero. Estos países están
estacionados en una trampa de financiamiento. Son más propensos a
las crisis por desencadenantes internos o por contagio, pero su situación
se ha prolongado sin devenir en una crisis cambiaria y financiera.
Brasil, por ejemplo, corrigió después de la crisis varios de los
elementos que configuraron su trayectoria previa (devaluación,
establecimiento de un régimen cambiario de flotación sucia, ajuste fis-
cal). Sin embargo, el país no podía cambiar la herencia “estructural” de
su trayectoria previa (por ejemplo, sus relaciones de endeudamiento y
la componente predeterminada de su cuenta corriente). El mercado
aprecia estas condiciones con una prima de riesgo país alta y la economía,
pese a que en el año 2000 tuvo un crecimiento, sigue presa en su trampa
de financiamiento.
Argentina superó su crisis de finales de 2000 con un rescate
internacional, pero sin ningún cambio de política con relación a la que
determinó su trayectoria previa (ésta incluía en el año previo un ajuste
fiscal contractivo que no tuvo efecto sobre la prima de riesgo). El mer-
cado obtuvo un reaseguro en el corto plazo, pero la prima de riesgo
siguió reflejando condiciones de trampa.
C. Las propuestas de políticas
Si el diagnóstico no toma en cuenta las cuestiones que esbozamos
arriba, las recomendaciones de la CEPAL pueden estar desactualizadas
o resultar abstractas con relación a los problemas que enfrentan varios
países. Los pros y contras de distintas líneas de política tienen que
ponderarse con las exigencias que resultan de los problemas que
enfrentan los países. Podemos mencionar dos ejemplos. Un ejemplo es

127

brasil-argentinaFIM.pmd 127 5/2/2004, 11:02


el énfasis que ha expresado la CEPAL con relación a las medidas desti-
nadas a frenar los ingresos de capital en el auge, en circunstancias en
que varios países necesitan financiamiento con urgencia. El otro ejemplo
es el argumento de moral-hazard (el incentivo a tomar riesgos excesivos)
que suele formularse con relación a los mecanismos de “prestamista de
última instancia”. El argumento teórico es correcto, pero los “riesgos
excesivos” están lejos de ser un problema actual para Brasil y Argenti-
na. En cambio, es importante enfatizar los roles que debería cumplir el
prestamista de última instancia.
D. Excesivo énfasis en las políticas de prevención de crisis
La CEPAL ha colocado gran énfasis en el problema en las crisis.
Ciertamente son la crisis las que recortan el financiamiento externo,
aumentan su costo y provocan recesión, desorganización de la economía
y ajustes con efectos persistentes. Sin embargo, un argumento centrado
en políticas para reducir riesgos en condiciones de auge no provee
orientaciones para la situación presente. Los elementos de política ori-
entados a evitar las crisis son importantes y sintetizan bien la experiencia
regional en la década pasada, pero deben complementarse con
orientaciones más sincronizadas con los problemas actuales de las gran-
des economías de la región.

II. SUGERENCIAS ARGUMENTALES

A. El riesgo de soberanía
La frontera nacional define una jurisdicción política y legal. Den-
tro de esta jurisdicción rige la soberanía del gobierno y otras instituciones
del estado nacional. En determinadas circunstancias, las autoridades
de una nación pueden decidir o avalar el incumplimiento de ciertos
contratos. Este aspecto de la soberanía limita la capacidad de un agen-
te económico extranjero de hacer cumplir el contrato que lo involucra.
Este es un riesgo de soberanía irreductible. No hay razones para suponer
a priori que el valor de este riesgo resulte muy significativo, pero hay
una tensión entre el proceso de globalización financiera y la
institucionalidad de los estados nacionales que puede resultar en
situaciones de integración financiera segmentada.

128

brasil-argentinaFIM.pmd 128 5/2/2004, 11:02


B. El proceso de globalización financiera
Ese proceso está cerca de cumplir tres décadas. Parece razonable
fechar su comienzo entre 1971 y 1973, cuando Estados Unidos liberó
la atadura del dólar al oro y se adoptó la flotación de las monedas de
los principales países desarrollados. Desde entonces tuvo lugar una
secuencia de liberalizaciones y desregulaciones de los movimientos
internacionales de capital y de los sistemas financieros nacionales. La
competencia en el mercado jugó un importante papel impulsor, de modo
que los procesos de liberalización de los flujos entre países y de los
sistemas nacionales se incentivaron mutuamente. La emergencia de
nuevos negocios internacionales puso presión para la reducción de
costos y menores regulaciones en el plano nacional. A la inversa, nuevas
oportunidades abiertas en algunos países impulsaron la desregulación
de las transacciones entre países. En paralelo con la secuencia de refor-
mas se verificó un rápido crecimiento del volumen de transacciones
financieras a través de las fronteras.
Este proceso de creciente integración involucró e involucra princi-
palmente a los países desarrollados. Sin embargo, las mayores economías
de América Latina fueron parte del mismo desde sus primeros tiempos.
Brasil primero y más adelante México, Venezuela, Argentina y Chile fueron
importantes receptores de capital en los años setenta. Los dos últimos,
junto con Uruguay, fueron entonces pioneros de drásticas reformas
liberalizantes que anticiparon las que se generalizaron en los años noventa.
La participación de la región en la globalización financiera tuvo
una interrupción con la crisis de la deuda de los ochenta. La crisis impuso
un hiato de unos ocho años, en los cuales desapareció el financiamiento
voluntario. En los años noventa – digamos desde la firma del Plan
Brady por parte de México, si queremos fecharlo – América Latina se
reincorporó vigorosamente al proceso de globalización en sus dos pla-
nos, a través de drásticas reformas liberalizantes y crecientes flujos (y
reflujos) de capital.
C. El grado de integración financiera
En las formulaciones de las tempranas experiencias del Cono
Sur y más generalizadamente en los años noventa, la integración

129

brasil-argentinaFIM.pmd 129 5/2/2004, 11:02


financiera internacional es el horizonte manifiesto de quienes
promueven intelectualmente el proceso. La integración completa equi-
vale al establecimiento de una intermediación financiera global donde
el rendimiento de las colocaciones del público, por un lado, y el costo
del capital de los tomadores, por otro, se igualan para las transacciones
económicamente equivalentes (plazos, riesgos, garantías, etc.), con
independencia de la localización geográfica de ahorristas y deudores.
La integración completa supondría minimizar los costos de
intermediación, reducir el costo del capital al nivel de los países
desarrollados y en la medida que nuestro menor desarrollo relativo im-
plica mayores oportunidades de nuevos negocios, aseguraría las
corrientes de inversión y financiamiento que tenderían a cerrar la bre-
cha de desarrollo.
En comparación con el aislamiento financiero que rigió desde
la crisis del treinta hasta avanzados los años sesenta, es indudable que
el proceso de globalización alcanzó un significativo grado de integración
financiera entre los países desarrollados y también entre éstos y los que
se constituyeron como mercados emergentes. Sin embargo, aún la
avanzada integración financiera entre países desarrollados está lejos de
ser completa. La igualación entre las tasas de interés nominales solo se
verifica en los casos de operaciones aseguradas en los mercados de
cambios futuros. Las tasas de interés reales no tienden en general a
igualarse. Los ciudadanos de cada país muestran una marcada preferencia
por activos de su propio país. Las tasas de inversión muestran una alta
correlación con las tasas de ahorro nacionales. En síntesis, aún habiendo
alcanzado un alto grado histórico de integración, los mercados
financieros de los países desarrollados continúan exhibiendo una signi-
ficativa diferenciación.
Menor aún es el grado de integración financiera entre países
desarrollados y subdesarrollados. No solo porque la globalización
involucra una pequeña proporción de países con “mercados emergen-
tes”, sino también por las características propias de la integración de
estos mercados. Señalemos, en primer lugar, que aún en los momentos
de boom, el volumen de los flujos es muchísimo más pequeño de lo
que cabría teóricamente esperar de una integración completa. En los

130

brasil-argentinaFIM.pmd 130 5/2/2004, 11:02


países desarrollados, la inversión en mercados emergentes está con-
centrada en agentes especializados y representa una pequeña proporción
de los activos de sus residentes.
D. El costo del capital
Para las mayores economías de la región, la mencionada
reincorporación de América Latina al proceso de globalización en los
noventa tuvo como primer acto la conversión en los bonos Brady de la
deuda externa pública arrastrada en las negociaciones de los años
ochenta. El reingreso al mercado voluntario se hizo simultáneamente
con la flotación de una importante masa de bonos públicos cuya tenencia
se diversificó en un activo mercado secundario. Los bonos de deuda
pública se constituyeron así en el basamento del nuevo mercado de
inversiones en la región desde su inicio. Ese mercado de deuda pública
se engrosó posteriormente con las emisiones que realizaron los
gobiernos.
Como representan compromisos en dólares, el único riesgo que
conllevan los bonos de deuda externa pública es el de incumplimiento.
El valor que el mercado atribuye a este riesgo – la prima de riesgo país
o prima de riesgo soberano – se mide como la diferencia entre el
rendimiento que se obtendría comprando el bono a su precio actual y el
rendimiento resultante de adquirir un bono de semejantes característi-
cas financieras del gobierno de Estados Unidos – el deudor en dólares
de menor riesgo de incumplimiento.
La evolución de las primas de riesgo soberano no muestra evi-
dencias de que el sistema internacional que se ha ido conformando con
la globalización tienda a una integración financiera completa. Por el
contrario. La experiencia de los recientes tres años – el período que se
inicia con la crisis asiática – sugiere que el sistema ha conformado una
integración segmentada, en la cual el costo del capital para los emer-
gentes de América Latina es sistemáticamente mucho mayor que en los
países desarrollados.
E. Las primas de riesgo país
Una tendencia convergente a una integración financiera com-
pleta hubiera supuesto una continua reducción de las primas de riesgo

131

brasil-argentinaFIM.pmd 131 5/2/2004, 11:02


país de América Latina. No ha ocurrido así. Tomamos como ejemplo la
evolución en los noventa de la prima (medida por el EMBI+) de Ar-
gentina, la economía financieramente más abierta y desregulada de la
región. La prima nunca cayó por debajo de un promedio mensual de
280 puntos básicos y solo tocó ese mínimo en un par de ocasiones.
Luego de reducirse desde principios de los noventa, alcanzó ese míni-
mo en los primeros meses de 1994, para retomar una tendencia ascen-
dente desde marzo de 1994, cuando EEUU aumentó sus tasas de interés.
Luego, la media mensual se disparó a 1800 pb con el efecto tequila.
Descendió gradualmente desde entonces para tocar nuevamente el
mencionado mínimo en el mes previo a la devaluación de Tailandia.
En adelante, desde la crisis asiática, las medias mensuales nunca cayeron
por debajo de los 400 pb y superaron los 1000 pb con las crisis rusa y
brasileña. En 1999 y 2000, en ausencia de nuevas crisis financieras y
cambiarias nacionales, la prima nunca descendió por debajo de los 500
pb y en el año 2000 tendió a incrementarse en correlación con otros
impulsos, primero con la caída del NASDAQ y luego con el aumento
del precio del petróleo.
El gráfico 1 muestra las medias mensuales de las primas de riesgo
de Argentina, Brasil, Chile y México (medidas por el EMBI+). El nivel
relativo de las primas de riesgo de los emergentes latinoamericanos
está asociado con ciertas características estructurales de las economías,
indicativas de su solvencia. Por ejemplo, tal como indica el Cuadro 1,
puede constatarse que los niveles recientes de las primas de México y
Chile, de un lado, y Argentina y Brasil, por otro, están asociados con las
respectivas relaciones deuda externa/exportaciones. También cabe men-
cionar que ingredientes locales (tales como los episodios de
incertidumbre política en Argentina), influyen en la variación relativa
de las primas latinoamericanas. Pero en el dibujo de su evolución a lo
largo de los noventa, es nítida la fluctuación común asociada a los
mencionados episodios de crisis nacionales y más recientemente, a brotes
de incertidumbre de otras fuentes en el mercado de los países
desarrollados.

132

brasil-argentinaFIM.pmd 132 5/2/2004, 11:02


133

brasil-argentinaFIM.pmd 133 5/2/2004, 11:02


F. Contagio y movimientos de manada
Tales fluctuaciones comunes son resultado de movimientos de
manada por parte de los inversores. La misma posibilidad de estos
movimientos era desacreditada en la primera mitad de los noventa por
la ortodoxia que predominaba entonces en los organismos
internacionales, los gobiernos y entre los analistas. Pero ese diagnósti-
co ganó reconocimiento con la crisis de México y se impuso como una
realidad indiscutible con la crisis asiática y sus continuaciones.
La noción ganó status en el concepto de contagio, idea que ahora
está incorporada en el diagnóstico del FMI y fundamenta algunas de
sus nuevas líneas de acción. Sin embargo, este concepto de contagio se
limita a caracterizar los movimientos de manada inducidos por crisis
nacionales. ¿Pero no representa un contagio semejante el detonado por
la caída de las acciones tecnológicas que agrupa el NASDAQ, al cabo
de una prolongada burbuja? ¿No cabe en el mismo concepto el efecto
observado del aumento del precio del petróleo? El impacto sobre la
prima de México ilustra este último punto. El aumento del precio del
petróleo beneficia la economía mexicana, sin embargo, su prima riesgo
soberano subió junto con las del resto de la región.
El reconocimiento de que también los mencionados son
fenómenos de contagio es importante para el diseño y la promoción de
medidas internacionales a favor de la estabilidad y el mejor funcionamiento
del mercado globalizado, como argumentaremos más adelante.
Puede imaginarse cualquier escenario futuro, desde una crisis
financiera generalizada y el retorno al aislamiento y la negociación de
las deudas externas, hasta una estabilización de los mercados y la gra-
dual convergencia a una integración financiera completa, porque es
verdad que el futuro es irremediablemente incierto. Pero antes de ima-
ginar el futuro debe reconocerse como un hecho que al cabo de una
década de la reinserción financiera de AL, en los tres años que van
desde la crisis asiática, las primas de riesgo país determinan que el costo
de capital de las colocaciones gubernamentales de Brasil y Argentina
es - en las mejores condiciones de corto plazo experimentadas en el
período - aproximadamente el doble de la tasa de interés de Estados
Unidos y significativamente más alto que la misma en el caso de México.

134

brasil-argentinaFIM.pmd 134 5/2/2004, 11:02


En AL solo la prima de Chile es semejante a las de Corea, Malasia,
Polonia y Hungría, los mercados emergentes de menor prima de riesgo
soberano.
G. El riesgo soberano se extiende más allá de la solvencia fiscal
Podría pensarse que bastaría tener equilibrio fiscal y no requerir
nuevas colocaciones para esterilizar los efectos del riesgo soberano. Podría
argumentarse, y muchos lo hacen, que todo el problema reside en las finanzas
del sector público. No es así. Chile, por ejemplo, goza de superávit fiscal,
pero su prima no es despreciable. ¿En qué reside el riesgo soberano en un
caso así? Las finanzas de un país pueden estar equilibradas o arrojar supe-
rávit, pero eso no garantiza que su economía disponga de los recursos en
moneda extranjera necesarios para atender los servicios y las amortizaciones
de la deuda en dólares. Más aún, el gobierno podría contar con los recursos
necesarios en moneda extranjera para atender sus propios requerimientos,
pero no así el conjunto de la economía, de modo que podría no disponerse
de los dólares necesarios para servir la deuda externa privada. En estas
condiciones, las autoridades pueden verse forzadas - o elegir hacerlo - a
suspender la convertibilidad de la moneda doméstica (o suspender los
pagos al exterior, en el caso de una economía dolarizada) y forzar el
incumplimiento de los contratos. La soberanía faculta esta posibilidad. El
riesgo soberano se extiende más allá del riesgo de insolvencia fiscal.
H. La prima de riesgo país es determinante del costo del capital
para la economía
La tasa de interés en dólares que ofrecen los títulos de deuda
pública transados en el mercado secundario proporciona a todo el mer-
cado una medida del riesgo país y es la base que tiende a determinar el
costo del capital de las actividades del país, en moneda extrajera y en
moneda local. En primer lugar, es el costo de oportunidad del capital
de la inversión extranjera directa. En segundo lugar, establece un piso
del costo de captación de recursos internacionales por parte de las
empresas nacionales. En tercer lugar, determina el piso del costo de
captación internacional de los bancos y consecuentemente, el piso del
costo marginal de quienes se financian localmente en moneda extranjera.
Por último, también tiende a determinar el piso del costo del capital en
moneda local. Un breve desarrollo de este último punto da pie para

135

brasil-argentinaFIM.pmd 135 5/2/2004, 11:02


señalar otras particularidades de la integración segmentada.
Indicamos más arriba que los inversores locales de los países
desarrollados evidencian una preferencia por activos de su propio país,
denominados en su propia moneda. Aún con un alto grado de
interconexión financiera internacional, esta preferencia permite, en prin-
cipio, que sus autoridades monetarias instrumenten políticas tendientes
a determinar una tasa de interés en moneda local sistemáticamente
inferior a la tasa “internacional” (esto es, a la tasa que el inversor
obtendría de una colocación en moneda extranjera). En nuestras
economías, por varias razones que no cabe puntualizar aquí, las
preferencias son las inversas. Como la apertura financiera funciona en
ambas direcciones, los agentes locales están habilitados para arbitrar
entre activos en moneda local y dólares. Por esta razón, salvo en el caso
(excepcional) de una tendencia sistemática y predecible a la apreciación
de la moneda local, la tasa de interés real en moneda local debe ser a lo
menos igual y generalmente mayor que la tasa de interés en dólares.
I. Consecuencias de la integración segmentada
La persistencia de altas primas de riesgo país es un resultado
impensado de la globalización financiera. Tiene varias consecuencias
negativas. En primer lugar, las altas tasas de interés reducen la inversión
y representan un freno al crecimiento. En segundo lugar, determinan
una tendencia regresiva a la distribución de los ingresos. En tercer lu-
gar, imponen una transferencia de renta al exterior, directamente a tra-
vés del servicio la deuda externa e indirectamente a través de las utili-
dades de la inversión extranjera directa. Por último, en algunos casos –
notablemente Argentina y Brasil – implican trayectorias
macroeconómicas insostenibles, por la tendencia explosiva de las
obligaciones de la deuda externa.
Frente a esta situación podría sugerirse volver atrás, desembar-
car al país del proceso de la globalización financiera. No parece existir
un camino sencillo para instrumentar esta idea. La deuda externa pú-
blica y privada es actualmente la principal ancla con el sistema financiero
internacional. El servicio regular de la deuda absorbe la gran parte de
los ingresos brutos de capital.

136

brasil-argentinaFIM.pmd 136 5/2/2004, 11:02


A principios de los años noventa los países tenían cierto margen
de elección del tipo y grado de apertura financiera, frente a la presión
de los fuertes ingresos de capital. La situación es completamente dife-
rente en la actualidad para varios países.Para éstos, el problema es ahora
principalmente la obtención de financiamiento para el giro regular de la
deuda y la imperiosa necesidad de obtenerlo a precios menores que los
que se enfrentan. Consideremos los ejemplos de Brasil y Argentina. A
principios de los años noventa Brasil contaba con un superávit comer-
cial de unos u$s 12 MM y un balance de cuenta corriente equilibrado.
Ensayaba entonces medidas para frenar los ingresos de capital, por sus
efectos monetarios desestabilizantes. En 1999, luego de haber
atravesado el proceso de estabilización y apertura comercial y financiera
y un año después de la crisis y las medidas correctivas, las cuentas
externas de Brasil muestran un balance comercial aproximadamente
equilibrado y un déficit de cuenta corriente del orden de u$s 25 MM,
por intereses y servicios de factores. Entre principios de los noventa y
1999, el saldo de la cuenta de servicios por intereses, utilidades y divi-
dendos pasó de 22% a 40% de las exportaciones de bienes.
Análogamente, Argentina a principios de los noventa contaba con un
déficit comercial de unos u$s 2 MM y un déficit de cuenta corriente de
u$s 6 MM. En 1999, en el piso de la recesión, el balance comercial
arrojó un déficit de u$s 0.7 MM, mientras el déficit de cuenta corriente
alcanzó u$s 12.3 MM, por intereses y servicios del capital. El saldo de
la cuenta de intereses y servicios del capital, en proporción de las
exportaciones de bienes, pasó de 20% a 33%, entre principios de los
noventa y 1999.
J. Equilibrios múltiples
Los niveles relativos de las primas de riesgo reflejan la apreciación
del mercado de distintos grados de vulnerabilidad y están
correlacionados con indicadores de solvencia, como señalamos arriba.
La mayor vulnerabilidad relativa implica una mayor propensión a la
crisis, frente a un shock equivalente. La ocurrencia de una crisis (por
cualquier factor desencadenante) puede racionalizarse como el pasaje
de un equilibrio a otro en un modelo de equilibrios múltiples (esta es la
principal aplicación de los modelos de equilibrios múltiples en la litera-
tura sobre el tema). Cualquier economía puede sufrir una crisis frente a

137

brasil-argentinaFIM.pmd 137 5/2/2004, 11:02


un shock de suficiente entidad, pero hay configuraciones más propen-
sas a experimentar crisis (a “saltar” de su equilibrio presente a una
situación de crisis). De esta manera, todas las economías tienen dos
“equilibrios”: el equilibrio presente (sin crisis, el bueno) y el equilibrio
de la crisis. En algunas economías el equilibrio presente es más inestable,
esto es, exhibe mayor vulnerabilidad.
La mencionada perspectiva puede enriquecerse con dos
consideraciones. La primera es razonar en términos de trayectorias,
calificadas de acuerdo a sus potenciales de crecimiento y sostenibilidad,
en lugar de concebir como un único “equilibrio” a cualquier situación
no crítica. La economía puede situarse por un período más o menos
prolongado en una trampa de altas tasas de interés, bajo crecimiento y
alta vulnerabilidad. La economía está sobre una trayectoria no sostenible
a largo plazo (por la tendencia explosiva de las relaciones de
endeudamiento), pero puede desenvolverse en esta situación por un
cierto período sin enfrentar efectivamente una crisis. Esta configuración
es resultado conjunto de cierta trayectoria previa de integración
financiera internacional y de la apreciación que hace el mercado de sus
riesgos. Así, en lugar de la noción de dos equilibrios (crisis y no crisis)
podemos distinguir entre dos trayectorias: la configuración de trampa
de bajo crecimiento y una trayectoria de crecimiento virtuoso.
La segunda consideración es que la ocurrencia o no de crisis y el
tipo de trayectorias sobre la que evoluciona la economía no son
independientes de la apreciación que hace el mercado, esto es, de la
prima de riesgo que demanda y del volumen de activos del país que
está dispuesto a absorber. Por ejemplo, a igualdad del resto de las
condiciones, una economía puede encontrarse sobre una trayectoria de
trampa o sobre una de crecimiento virtuoso, según la prima de riesgo
país y el flujo de capitales que recibe. La economía puede haber caído
en una trayectoria de trampa por un efecto de contagio, pero una vez
situada en esta posición, sus indicadores tienden a empeorar y la
apreciación negativa del mercado es una profecía autocumplida. La
baja de la prima de riesgo país y mayor flujo de financiamiento podría
reponer un crecimiento virtuoso, pero los inversores no modificarán
sus expectativas sin una señal coordinadora.

138

brasil-argentinaFIM.pmd 138 5/2/2004, 11:02


Con la perspectiva de equilibrios múltiples, una acción interna-
cional para reducir el riesgo soberano (por ejemplo, la presencia de una
función de prestamista de última instancia) puede racionalizarse como
una acción preventiva de la crisis, pues reduce la propensión a saltar al
equilibrio crítico. Análogamente, la distinción entre tipos de trayectoria
permite racionalizar la intervención como la acción necesaria en deter-
minados casos para (generar la posibilidad de) que la economía salga
de una situación de trampa de bajo crecimiento a una trayectoria de
crecimiento virtuoso.
K. Cursos de acción
En lo que sigue comentamos algunos mecanismos que apuntan
a la reducción del riesgo país.
El fundamento más profundo de las primas de riesgo soberano
es precisamente la soberanía de la cual gozan las naciones en nuestro
tiempo. El proceso de globalización financiera podría haber dado otros
resultados, pero la situación en que se encuentra estaba dentro de los
cursos probables. Frente a los hechos que configuran la integración
segmentada solemos razonar por analogía con los sistemas financieros
nacionales para señalar las fallas del sistema conformado por la
globalización. Observamos que se conformó un sistema internacional
en el cual están ausentes gran parte de las instituciones que fueron
construyéndose a lo largo del tiempo en los sistemas nacionales, para
mejorar su funcionamiento y darles estabilidad. Estas instituciones y
experiencias nacionales sugieren el diseño de instituciones que
desempeñen funciones análogas en el plano internacional. En cada caso,
el establecimiento de estas instituciones requiere la cesión de distintos
atributos de la soberanía nacional. Ocurre así aún en el tema de
producción y disponibilidad de información fiscal y financiera, que es
en el cual más se ha avanzado en las discusiones y acuerdos de la
Arquitectura Financiera Internacional (AFI). Mucho más en el caso del
establecimiento en el plano internacional de instituciones de supervisión
y regulación prudencial, tema en el que poco se avanzó. Con relación a
este tema se expresaron resistencias por parte de países subdesarrollados,
temerosos de que las previsiones por riesgo restrinjan los ansiados flujos
de capital. Las discusiones internacionales de la AFI son importantes,

139

brasil-argentinaFIM.pmd 139 5/2/2004, 11:02


pero creemos que no cabe esperar soluciones provenientes de ellas en
un plazo corto. Las alternativas deberían buscarse por otros caminos.
En tanto el riesgo soberano es esencialmente un riesgo de
incumplimiento de contrato motivado por la imposibilidad práctica de
afrontarlo, tiende a reducirlo la existencia de garantías adicionales en la
forma de fondos de acceso contingente, a disposición de países que
enfrentan dificultades. Esta función es análoga a la de prestamista de
última instancia que cumplen los bancos centrales en el plano nacional
en muchos países. Pueden imaginarse muchas instituciones para esta
función y NNUU debería continuar impulsando su discusión en los
foros de la AFI. Pero considerando las posiciones que venía sosteniendo
Estados Unidos y las que sostendrá probablemente su nuevo gobierno,
parece claro que las funciones internacionales financieras seguirán
concentrándose en el plazo previsible en las instituciones de Bretton
Woods.
El instrumento del FMI que más se acerca formalmente a la
función de provisión garantías para la reducción del riesgo soberano es
el CCL (Contingent Credit Line), recientemente reglamentado. Sin em-
bargo, sus condiciones de acceso son tan exigentes que los países que
las cumplen no se sienten inducidos a requerirla, mientras que quienes
más la necesitan no alcanzan sus condiciones de acceso. En paralelo, el
FMI ha instrumentado otra línea, la SRF (Suplementary Reserves
Facility) de monto no definido y condiciones de acceso mucho más
discrecionales. El FMI creó esta línea en la operación de rescate de
Corea, la aplicó en las operaciones relacionadas con las crisis de Rusia
y Brasil y la concedió recientemente a la Argentina.
Con la creación de esta línea, el FMI ha dado un paso significa-
tivo en la dirección de acercar su función a la de un prestamista de
última instancia en el plano internacional. Parece razonable procurar el
desarrollo de esta línea como el camino más viable, aunque no debería
abandonarse la discusión de las condiciones de acceso al CCL. Pasos
adicionales en la dirección de lograr un efecto significativo sobre las
primas de riesgo requerirían aumentar los fondos disponibles y extender
las circunstancias que definen su accesibilidad. Un acceso más abierto
resultaría, por ejemplo, de ampliar la noción de contagio, reconociendo

140

brasil-argentinaFIM.pmd 140 5/2/2004, 11:02


los efectos derivados de brotes de incertidumbre de distintas fuentes
en el mercado financiero desarrollado, como señalamos arriba.
Mayor disponibilidad de fondos - de origen público, o levantados
en los mercados con garantía indirecta de los gobiernos de los países
desarrollados - y condiciones de acceso más amplias y automáticas podrían
tener efecto significativo sobre las primas de riesgo y mejorarían el
funcionamiento del sistema porque reducirían las probabilidades de crisis.
Pero difícilmente puedan lograrse esas condiciones sin cesiones adicionales
de soberanía a los organismos multilaterales, precisamente porque esa
cesión de soberanía opera conjuntamente con la mayor disponibilidad de
fondos contingentes para reducir el riesgo soberano. (Un ejemplo al nivel
de los sistemas nacionales es la doble función del Banco Central: como
prestamista de última instancia y superintendente del sistema).
Un ejemplo de este tipo de efecto es la nula prima de riesgo que
paga la economía de Grecia, por ser país miembro de la Unión Europea.
En teoría, ceder soberanía a los organismos multilaterales no
significa perderla sino ejercitarla en forma compartida, negociada. Sin
embargo, el FMI y el Banco Mundial no están organizados
democráticamente. Las cesiones de soberanía sin contrapartida en un
incremento de la participación de los países cedentes en el gobierno de
los organismos están destinadas a confrontar una creciente (y legítima)
conflictividad. En consecuencia, en paralelo con la orientación tendiente
a ampliar las funciones de prestamista de última instancia indicadas
arriba, la agenda debería incluir en forma prioritaria la cuestión de
gobierno de los organismos multilaterales.

141

brasil-argentinaFIM.pmd 141 5/2/2004, 11:02


BIBLIOGRAFIA

FISCHER, Stanley (2000) Strengthening Crisis Prevention: The Role of


Contingent Credit Lines. Speech given at the Banco de México, México
City, November 15. International Monetary Fund.
MASSON, Paul R. (1999) Multiple equilibria, contagion, and the emerging
market crises. Working paper nº164, International Monetary Fund
PESENTI, Paolo and Cédric Tille (2000) The Economics of Currency Cri-
ses and Contagion: An Introduction, Federal Reserve Bank of New York
Economic Policy Review / September.
RODRIK, Dani (2000) How far will international economic integration go?,
Journal of economic perspectives, Vol.14, Nº1.
STIGLITZ, Joseph E. (2000) Capital Market Liberalization, Economic Growth
and Instability, World Development Vol. 28, No. 6.

142

brasil-argentinaFIM.pmd 142 5/2/2004, 11:02


SOBERANÍAS ACOTADAS, LEGITIMIDADES CUESTIONADAS

Francisco Delich

La soberanía del Estado/Nación nunca fue respetada


enteramente, durante los últimos cuatro siglos. Sin embargo se mantuvo
como principio organizativo de la convivencia pacífica entre los Esta-
dos/Naciones. Nominalmente, los Estados/Naciones/Soberanos
recientemente (1945) se dieron una organización común, supraestatal,
las Naciones Unidas con cierta capacidad para asegurar la convivencia
garantizando el respeto de aquellos. El reconocimiento de la Soberanía
del Estado Nación, aseguraba el reconocimiento del gobierno adminis-
trador del mismo, independientemente de su legitimidad de origen y de
su comportamiento. Hans Kelsen lo justificó en su Teoría pura del
Derecho con extrema precisión.
El respeto a la soberanía nacional (externa) se extendía a la
legitimidad (interna). El respeto por la soberanía del Estado / Nación
durante el siglo XX se convirtió, en América Latina, en un principio de
legitimidad política y de sobrevivencia, de la propia existencia de los
Estados Naciones. La experiencia del siglo XIX que comprobó la lucha
por la independencia de las potencias coloniales, las guerras civiles que
lo sucedieron en muchos casos entrecruzados por intereses externos a
la región, y las dificultades en establecer fronteras definitivas entre los
Estados (soberanos) después del desmembramiento virreynal fueron
elementos y situaciones que forjaron una conciencia difundida de
identidad fundada en la demanda de autonomía y respeto por la soberanía
nacional.
Las luchas por la organización jurídica del Estado, sujeto de la
Soberanía y la invención de la Nación para asegurar la soberanía del
sujeto colectivo y garante subjetivo de la soberanía objetiva, marcaron
el difícil y dramático siglo XIX.
La soberanía del Estado y la identidad de la Nación fueron
afirmándose como principios constitutivos tanto del Estado (repu-
blicano) como de la subjetividad de la Sociedad Civil. El capitalismo

143

brasil-argentinaFIM.pmd 143 5/2/2004, 11:02


emergente en la segunda mitad del siglo XIX en la mayoría de los paí-
ses de América Latina, adoptó la forma del capitalismo nacional, acor-
de con las demandas de soberanía y autonomía política.
La primera mitad del siglo XX fue testigo de la prolongación de
esta tendencia. La legitimidad del Estado tenía fuente en la soberanía
declamada como principio la identidad y era reforzada por la legitimidad
de la Nación y aún del propio capitalismo, organizador del aparato
productivo con identidad nacional: en la segunda mitad del mismo siglo
la estrategia de desarrollo industrial por sustitución de importaciones,
implicaba la autarquía económica fundada en la soberanía del Estado y
la Nación.
La soberanía de los Estados / Naciones fue el principio filosó-
fico jurídico que permitió la convivencia pacífica tanto en los años de
la post independencia y aún en los momentos más álgidos de la guerra
fría. Incluso los Estados comunistas adoptaron como principio la defensa
de la soberanía y el respeto por la legalidad interna como autodefensa.
La soberanía del Estado fundaba la legitimidad y la legalidad de
cualquier orden interno, impedía que un Estado / Nación juzgue con
sus propios criterios el orden interno de otro. Se podía denunciar la
situación de un Estado pero no agredirlo militarmente y cuando esto
ocurrió se recibía la condena moral (en algunos casos) algo más, pero
no se reconocía la legitimidad de la agresión.
Las muchas intervenciones armadas de los USA en América
Latina fueron siempre provisorias y cuando podían, disimuladas:
Guatemala en 1954 o Cuba en 1961 no eran invasiones abiertas como
lo fueron en Panamá, Santo Domingo o Grenada. La violación de la
fronteras de estados nominalmente soberanos eran presentados como
excepciones, como circunstancias, como coyunturas reactivas. El prin-
cipio del respeto por la soberanía no estaba en disputa en el ámbito de
las relaciones interamericanas.
El temor de los pueblo más débiles por las invasiones externas
era más fuerte que la aprehensión por los gobiernos locales. Una
dictadura nacional-parecía- era siempre mejor que una intervención
extranjera. La legitimidad política y social cruzaba todas las ideologías,

144

brasil-argentinaFIM.pmd 144 5/2/2004, 11:02


los partidos, las clases y grupos sociales, las edades, las regiones. Un
sólido, formidable principio de convivencia aseguraba un orden jurídi-
co impuesto y asimétrico, pero al menos contenido por un principio de
legitimidad común.
La guerra del Golfo – la primera guerra del siglo XXI por sus
características estratégico tecnológicas - reforzó la idea de soberanía:
una intervención militar devolvió la soberanía a un Estado invadido
(Kuwait) y restableció las fronteras en su status anterior, pero no
modificó las condiciones de legalidad interna del país agresor.
Para la siguiente y más esclarecedora, desde este punto de vista,
fueron las acciones militares en Kosovo: se intervino militarmente en
el interior de un Estado soberano (Yugoeslavia), invocando un princi-
pio de respeto por el derecho de gentes, utilizado como referencia, un
orden superior al Estado/Nación, un supra-Estado emergente escudado
en una nueva versión del derecho de gentes.
Más interesante aún, fue la detención del general Pinochet en
Inglaterra a pedido de un juez español. El gobierno de Chile reclamó -
sin éxito – el respeto por la soberanía chilena y el derecho a juzgar a
sus propios súbditos. El destino posterior de Pinochet no cambia la
naturaleza del precedente. Pinochet regresa por razones ajenas al recla-
mo de Soberanía.
Aunque menos espectacular la paciente construcción de la
Unión Europea y lo más reciente del Mercosur muestran también el
desplazamiento de la soberanía del Estado / Nación a los organismos
políticos (parlamento, comisarios, Bancos) a un nuevo sujeto, el Esta-
do multinacional, la aparición de dobles ciudadanías y de una doble
identidad: nacional y europea.
Los principios que organizan las condiciones en el presente, están
sufriendo, de un modo pacífico o violento, explícito o implícito, una
lenta regresión.
Ni el Estado, ni la Nación, ni ambos reunidos, constituyen enti-
dades sin fisuras, no solamente en la práctica histórica, sino sobre todo
en los principios de legitimidad. Cómo reunirlos con un concepto tan
liso como el absoluto?

145

brasil-argentinaFIM.pmd 145 5/2/2004, 11:02


a) El concepto de soberanía
Jean Bodin (Angers 1529 – Lyon 1596) definió, en el capítulo
VIII del libro Primero (Los seis libros de la República) editado en 1576
y que obtuvo un éxito inmediato. En 1583 aparece un “abregé” que
sirve de referencia a las ediciones actuales. Bodin, tradujo él mismo el
texto al latin para presentarlo en Cambridge en 1581/82.
“La soberanía en el poder (puissance) absoluto y perpetuo de
una República que los latinos llaman majestatem, los griegos Kurion
Politruma o Kuria Aveche, los: italianos señorío, palabra que usan
también hacia los particulares y hacia aquellos que manejan todos los
asuntos de Estado de una república: los hebreos lo llaman el más gran-
de poder de ordenar (commander):”
Así lo define porque a su juicio “no hay jurisconsulto ni filósofo
político que lo haya definido aunque este será el punto principal y el
más necesario a ser comprendido en un tratado sobre la República”
(Bodin 1583: reedición de Gerard Meiret 1993: 111. Traducción FD)
Las citas siguientes corresponden a esta edición y serán menci-
onadas solamente como Bodin seguido de: y el número de página).
También podría traducirse Puissance por autoridad, nomenclador que
utiliza el propio Bodin en su primer libro en 1566 (método para un
conocimiento fácil de las historias / donde señala la soberanía como
“la autoridad suprema en lo que reside el principio de la República”
(Simone Goyard - Fabre 1999:30).
Bodin mas erudito – aunque menos sagaz - que Maquiavelo, era
no solamente un jurisconsulto formado en Toulousse sino también
abogado en ejercicio. Conocía muy bien el Derecho Romano, pero
también la organización política de los griegos y sorprendente para
muchos, de organización política de las primeras tribus que formaría la
Nación judía y particularmente desde David en adelante.
De modo que, Bodin no inventa el concepto de soberanía, sino
que lo sintetiza, como suelen hacer los sabios en una fórmula simple y
demoledora que ha perdurado cuatro siglos y contribuido a fundar el
Estado laico que conocemos desde las revoluciones americana y francesa.

146

brasil-argentinaFIM.pmd 146 5/2/2004, 11:02


La condición absoluta y perpetua no puede conferise a la persona
del príncipe sino a la función del príncipe, a la República que gestiona.
El príncipe es depositario del poder, pero es soberano dictando la ley;
leyes que solo tiene como límites las leyes de Dios y de la naturaleza.
Bodin desprende el concepto de soberanía de cualquier otro po-
der terrenal, incluyendo el poder del Papa, por entonces poder religioso
y terrenal. Esa es su actualidad.
Los dictadores – estima Bodin (:113) no tienen soberanía aunque
dispongan de poder. Los dictadores romanos, señala solo tenían poder
para hacer la guerra o reprimir un estado de sedición, o reformar el
Estado “ la soberanía no es limitada ni en poder ni en función, ni a un
cierto tiempo”.
Absoluto y perpetua, sigue insistiendo Bodin utilizando ejemplos
de Roma y Grecia. El único límite a la soberanía está en Dios y la
naturaleza. Cita a Marco Aurelio (Bodin:129) “los magistrados son
jueces de los particulares, los príncipes de los magistrados y Dios de los
príncipes”.
El principio absoluto y perpetuo reconoce la capacidad de no
respetar ni sus propias leyes: si puede dictarlas ¿Cómo no podría
abrogarlas?
Pero estamos hablando del ejercicio del poder no de su alcance.
Aunque superficialmente el razonamiento parece conducir a la idea de
poder absoluto (y elogio del absolutismo) que no pocos críticos de
Bodin aprecian en su obra. Es difícil imaginarlo en esa dirección: todo
el tratado De la República es un persistente llamado a la tolerancia
religiosa, más cerca del humanismo y del posterior iluminismo que de
las teorías totalitarias del poder. El príncipe dice Bodin “debe respetar
los contratos que ha hecho, porque … es el garante de los contratos
formalizados entre otros … (:132).
Sin embargo la idea de absoluto es incompatible – en la política
democrática con la tolerancia.
En el capítulo X “Los atributos (marques) de la soberanía” en
primer lugar la majestad que no debería interpretarse como arbitrariedad:

147

brasil-argentinaFIM.pmd 147 5/2/2004, 11:02


el príncipe no puede tomar lo que no es suyo como lo señala Samuel en
su arega al pueblo judío (:152) los más grandes magistrados, los
ayudantes del rey, los regentes están obligados por las leyes (:155) “El
príncipe creado a imagen y semejanza de Dios, no es igual a Dios” el
único dispensador de soberanía (:157)
Detengámonos en este punto crucial del análisis. El Príncipe no
es Dios. Fue creado por este – como todos los hombres – elegido para
ejercer el poder disponiendo de una Soberanía sin límites; pero no es
Dios.
Un absoluto (la Soberanía) se subordina a otro absoluto (Dios).
Hay un absoluto que es menos absoluto donde se cuelan restricciones
teóricas y prácticas.
Esta contradictio in termine nos permitirá más adelante plantear
la redefinición de la Soberanía. Es parte de nuestro problema.
Su primer atributo es entonces: el poder para dictar la ley a to-
dos y a cada uno en particular” (:160) El segundo atributo es una
especificación poder para hacer la guerras y la paz. El tercero el poder
de designar a magistrados y funcionarios, es la última instancia (dernier
resort) Bodin:167) la quinta el poder de otorgar indultos más allá de las
disposiciones vigentes” para atenuar el rigor de las leyes, por la vida,
bienes o por el honor…” (:170) que como se advierte se mantiene aún
hoy como facultad del presidente de la República por encima de las
leyes de la República.
Volvamos al centro del razonamiento. La soberanía es la potestad
de prevalencia de la voluntad (del príncipe) luego será del Estado, más
tarde, del pueblo a través de sus representantes.
La voluntad tiene en la concepción de Bodin, igualmente límites
en las leyes de Dios y de la naturaleza como se ha dicho. En el Estado
moderno lo tendrá en la razón y de la pasión ( de la Sociedad Civil)
La soberanía es indivisible - escribía Cardin Le Bret “tan
indivisible como el punto en geometría” citado por Simone Goyard-
Fabre (1999:37) Pero la voluntad que la constituye es necesariamente
el producto de construcciones diversas.

148

brasil-argentinaFIM.pmd 148 5/2/2004, 11:02


b ) Soberanía e Independencia
La soberanía absoluta y perpetua es una herencia, en los albores
del Renacimiento mas que una propuesta. Es una comprobación y
también su superación. “La existencia del príncipe era el presupuesto
mismo del Estado “, escribe con razón Shennan (1991:31) El Príncipe
dispone de poder no tanto por sus posesiones – que son importantes -
como por la legitimidad que Dios le confiere, a su misión en la tierra y
así lo atestiguan en el siglo XV el Escorial en España (palacio,
monasterio y tumba) la capilla de los Medici en San Lorenzo (Florencia)
y el propio Ivan el terrible o la recuperación de Granada. El Príncipe
debe aferrarse a los principios de justicia universales (cristianos)
simultáneamente como sugiere Maquiavelo a la real politik. No es fácil,
sí realizable.
Los intereses públicos y los intereses particulares del propio prín-
cipe se confunden. El príncipe debe conformar su conducta política a
la conveniencia del Estado y la privada a la moral. Comienza a esbozarse,
la razón de Estado, y su infinita tensión con los códigos éticos que
alcanza hasta nuestros días.
En el 1600 “la expansión del poder del príncipe interfiere con
los conflictos religiosos, transforma a tal punto el clima político en
Europa hasta mostrar que ni las pequeñas tiranías italianas, ni las
aspiraciones universales del Papa o del emperador eran un modelo a
imitar” (Shennan 1991:93). Interferencia insoluble que se traducirá en
una crisis generalizada en Francia y los Países Bajos.
Aquí interviene el pensamiento de Bodin despersonalizando el
poder y separando la propiedad territorial de la actividad política. El
territorio se convierte en bien público o privado.
La razón natural y el bien común, configuran, sin embargo un
ente absoluto, el Estado que recibirá (dos siglos después los atributos
del príncipe: la soberanía, asentada sobre “la unidad de lo múltiple y
del uno, entre gobernantes y gobernados”. Pero por qué insiste en el
carácter absoluto? Porque es un pre-requisito de la estabilidad política
supone Shennan (1991:115 = comentando la propia crisis francesa y
de los países bajos siglos XVI y XVII).

149

brasil-argentinaFIM.pmd 149 5/2/2004, 11:02


Un elemento histórico debe incluírse para comprender mejor la
revolución que el concepto de soberanía introduce para consolidar el
nuevo concepto - premoderno del Estado: la expansión del comercio
internacional y la conquista de las Américas reclaman un orden dife-
renciado con garantías para la actividad económica. El conflicto, la
guerra y la negociación-, no se limitan a los Príncipes sino incluyen
crecientemente un nuevo actor en la escena: los mercados.
La necesidad de separar teórica y prácticamente el poder po-
lítico, las ideas religiosas de los intereses particulares económicos se
abre camino: El Estado soberano es la respuesta a todos las deman-
das de las sociedades en formación”: Es un absoluto abstracto que
justifica un dominio concreto. Todavía no hay Naciones en el sentido
actual ni Sociedades Civiles, ni Estados, ni Mercados. Mejor: existen,
coinciden y se confunden pero todavía falta un siglo para la irrupción
de la modernidad que los define, y sobre todo, define sus espacios
específicos.
La independencia nacional, esto es, América libre de toda
dominación extranjera, es inseparable de esta concepción de soberanía
del Estado, es decir la voluntad de ejercer en el plano internacional una
representación absoluta necesaria para proteger al Estado naciente de
las tendencias centrífugas asegurando el respeto de sus fronteras.
Los Estados Unidos forman parte del pequeño número de paí-
ses independizados donde una distinción entre Soberanía y Estado es
todavía – al menos teóricamente, posible en la medida en que los fun-
damentos mismos de la República no fueran amenazados. Según la
constitución, los tratados con el extranjero son inseparables de las leyes
nacionales, como lo hizo notar el juez James Wilson en 1793 “la
Constitución de los Estados Unidos ignora completamente la noción
de soberanía” pero no la independencia, como es obvio.
Esta negación audaz y lúcida de la terminología tradicional y
del marco conceptual del Estado / Nación europea pertenece al pasado”.
Arendt con pena comprueba que “la herencia la revolución americana
ha sido olvidada. Para bien o para mal el gobierno americano ha hecho
suyo el concepto europeo como patrimonio propio … (traducción de
FD) Hanna Arendt (1972: 108)

150

brasil-argentinaFIM.pmd 150 5/2/2004, 11:02


Para los iberoamericanos, sin embargo, el viejo concepto europeo
de Soberanía es funcional, protege la independencia su bien más
preciado.
c ) Soberanía y representación
La Revolución Francesa introduce el concepto de Nación e
inmediatamente la convierte en depositaria de la soberanía. La Nación
desplaza a la monarquía., pero sobre todo despega el Estado de todo
metagarante (Dios, la tradición, la dinastía) para convertirlo en un úni-
co depositario y garante de la soberanía legitimada por la sociedad. El
Estado (republicano) alcanza _ legitimidad fundado en la razón (y la
fuerza) para asegurar su respeto a los valores: la igualdad, la libertad, la
fraternidad. La Nación es su complemento: el sentimiento, la identidad
del todo social o popular, su legitimidad. “La soberanía no reside sino
en el todo reunido” dice Lally - Tollendal el 3 de julio de 1789. (Citado
P. Rosanvallon (2000:17) ilustra bien el criterio revolucionario. Sin
embargo como anota a continuación P Rosanvallon, la soberanía de la
Nación es la misma que la soberanía del pueblo predicada por Rousseau?
No lo piensa así el autor que estoy citando, ni nosotros tampoco. “La
diferencia entre estos dos conceptos – comenta Rosanvallon – no ha
sido jamás imaginada” (2000:22).
Estas breves observaciones sugieren un concepto de Soberanía
algo más complejo. Una Soberanía extraordinaria, y otra ordinaria, un
concepto legislativo y una concepción judicial (Rosanvallon 2000:20),
una soberanía activa y una soberanía pasiva, etc. Un concepto más
complejo es un concepto también incompatible con el carácter absoluto.
Pero estos matices alcanzan a la Sociedad Civil en tanto esta
constituye la fuente de legitimidad del Estado a quien a su vez legitima
las formas institucionales. También ésta se redefine por la complejidad,
tanto en el sentido clásico de Durkhim como en el reciente de Edgard
Morin.
En estas condiciones, en las sociedades contemporáneas no es
fácil - sino imposible, separar el Estado de la Nación, ni la Nación de la
Sociedad Civil.

151

brasil-argentinaFIM.pmd 151 5/2/2004, 11:02


Es analíticamente posible y necesario separar estos conceptos,
sólo para reunirlos en su práctica histórica.
Seymour Martin Lipset en uno de sus primeros libros (1963)
publicado por Eudeba treinta años después, (1993) reúne
problemáticamente la soberanía ligada a la legitimidad.
“un problema mayor- que deben atender todas las naciones
nuevas y las sociedades pre-revolucionarias es la crisis de legitimidad.
El antigüo orden fue abolido y, con él, las creencias que justificaban su
sistema de autoridad (subrayado por FD) agrego “ el otro imperialista
al cual se le adjudicaban todos los males ha desaparecido y se produjo
una convergencia en la gran fuerza unificadora, el nacionalismo, bajo
cuya bandera las diferencias particulares, étnicas, regionales y de
cualquier otra índole quedaban anuladas”. El nuevo sistema está en
proceso de formación y por ello surgen los cuestionamientos: a quien
se debe lealtad? Por qué?
La soberanía del nuevo Estado (en realidad un modelo federal
de trece estados) Estaba claro a partir del triunfo militar sobre la antigua
potencia dominante. También el esquema institucional, la República
Federal, con un sistema político democrático-local. Los Estados Uni-
dos organizaban su Estado desde los poderes locales hacia el poder
nacional, pero la Sociedad al revés, desde la identidad nacional hacia
todos sus rincones geográficos. Esta es su diferencia mayor y definiti-
va con los antigüos dominadores europeos. No había aristocracia ni
oligarquías, ni privilegios: una sociedad emergía y establecía sus con-
sensos en torno a un líder carismático (como Washington) pero también
a un sistema de valores que definiría el american dream.
Los Estados Unidos se constituyen como una Nación nueva.
Los latinoamericanos no pudieron o no supieron hacerlo. La revolución
estadounidense fue radical en el sentido literal del término, en la cual la
nueva soberanía se asentaba en una nueva Nación y en una sólida
Sociedad Civil, como señalará Tocqueville, en los comienzos de los
USA.
Tres causas concurrentes erosionan el concepto de soberanía
absoluta (estrictamente el ejercicio de la soberanía absoluta) ligada a la

152

brasil-argentinaFIM.pmd 152 5/2/2004, 11:02


capacidad militar, de imponer por la fuerza su decisión, o de asegurar
su respeto, tal como lo había advertido Hobbes “sin la espada los pac-
tos no son más que palabras”, pero constituiría un principio de
organización, de orden internacional hasta nuestros días, valioso como
señalo.
En primer lugar el desarrollo tecnológico cuyo aplicación” no
reconoce fronteras. La ex URSS lo sintió en carne propia cuando no
pudo controlar las ondas que invadía de información y mensajes su
territorio.
La expansión comercial, el intercambio aéreo que requiere nor-
mas comunes de seguridad sancionando la piratería aérea, cualquiera
fuese la motivación de los piratas. Países enfrentados como Cuba y
USA se comprometieron a respetar – y lo hacen – la seguridad en los
vuelos.
La expansión de los mercados financieros, que operan,
traspasando todas las fronteras, requiere no sólo permisividad sino
también garantías.
Más recientemente una convención acerca de los derechos hu-
manos reforzó y complementó la tendencia.
Este acotamiento de la soberanía se produce de tres maneras:
por decisión propia del país soberano, por decisión externa del nuevo
poder supra- Estatal (las N U) o bien por decisión de uno o varios
países que, en nombre de legitimidad más importante que la soberanía
(la libertad o el derecho a la vida) recortan la soberanía.
El primer caso pude ilustrarlo correctamente la Reforma de la
Constitución Argentina en 1994. Allí se establece el predominio de la
legislación internacional sobre lo nacional cuando se trate de derechos
humanos. El segundo caso se corresponde con la guerra del golfo. Un
Estado invade a otro Estado soberano, la ONU lo sanciona y restablece
el status anterior a la invasión.
El tercer caso, la intervención de la OTAN en Yugoslavia puede
ejemplificar bien la violación de la soberanía para dar fin a las
agresiones étnicas t asegurar el respeto de los derechos humanos.

153

brasil-argentinaFIM.pmd 153 5/2/2004, 11:02


Es probable que la tendencia a aceptar una soberanía acotada o
relativa se convalide en el futuro inmediato. En tal caso los Estados
solo podrán compensar esta pérdida de poder con un incremento de la
legitimidad en el ejercicio del poder ligado a una redefinición de la
relación con la Sociedad Civil.
d ) Soberanía e Integración regional
El inexorable avance de la planetarización, probablemente con-
solidará la visible tendencia a una mayor integración entre Estados
Nacionales y Sociedades Civiles. Es también inevitable el abandono
del concepto de Soberanía Nacional? No. No necesariamente.
Es el atributo absoluto reiteradamente señalado que lo definió
durante estos siglos pasados el obstáculo mayor. Lógico para la época
en que fue acuñado, por las razones que se señalaron, inconsistente
ahora con los ordenamientos jurídicos vigentes como con los códigos
sociales predominantes.
No existen derechos absolutos en la legislación positiva. Ni
tampoco un orden (ranking) de valores absoluto. En consecuencia
tampoco cabe la aceptación de una Soberanía absoluta del Estado hacia
adentro o hacia fuera.
Por otra parte, la emergencia de una conciencia moral en las
Sociedades está asentada por lo menos en dos dimensiones en las cuales
no cabe el absoluto, no es imaginable ni la discrecionalidad, ni la
interpretación por parte del Estado Nacional: los derechos humanos y
la protección del medio ambiente.
Ningún Estado puede incluir en su Soberanía la capacidad de
proteger la violación sistemática de los derechos humanos o eludir sus
consecuencias, ningún Estado tiene derecho a comprometer el futuro
de la humanidad destruyendo la naturaleza. Ningún Estado, en ejercicio
de su Soberanía, puede tolerar las formas aberrantes de explotación
como la esclavitud.
Esta nueva conciencia humana, se expande como un elemento
unificador en Sociedades crecientemente complejas (en apariencia frag-
mentadas) capaz de consolidar la vigencia de códigos plurinacionales.

154

brasil-argentinaFIM.pmd 154 5/2/2004, 11:02


Estas Sociedades contemporáneas desafían además y
complementariamente los criterios de legitimidad, ligados a la Soberanía
Nacional. Los debates – en curso - acerca de la representación política,
la articulación de intereses y la disputa por lo público así lo están
demostrando.
En cualquier caso, un nuevo concepto de Soberanía ligado a
una revisión de los criterios de legitimidad, se está abriendo camino, no
demasiado lentamente, para conformar un nuevo orden planetario.
e ) La prospectiva federal
Las instituciones federales no fueran consideradas en el mo-
mento de Machiavello (para decirlo como Pockock) ni tampoco en la
Revolución Francesa: la soberanía absoluta era perfectamente consis-
tente con la unidad del poder y con su centralización. El absoluto
soberano,se expresa en un absoluto unitario temporal y especialmente,
en una referencia perfectamente identificable, porque los atributos
coinciden en un lugar físico y en una persona física. Lo abstracto deviene
concreto sin mediaciones. La idea de absoluto no es incompatible con
la idea de República. Es incompatible con la Democracia, pero eso es
otro problema.
La tradición federal se impone-en la modernidad- desde la
Revolución Americana, tal como lo registró Tocqueville, y se difunde
en los países de mayor tamaño – nada casualmente – de nuestra región:
México, Brasil y Argentina.
La crisis del absolutismo político, tiene entre otras razones, la
dificultad, con predominio históricos de tecnológicas insuficientes, en
la gestión de los grandes espacios.
Las razones de la rápida aceptación del federalismo en toda
América se explica históricamente porque su invención como Naciones
y Estados parte de una brusca ruptura con el centro (del poder absolu-
to) es decir ruptura con la tendencia centrípeta que la corona generaba
y la necesidad de evitar la tendencia centrifugadora que la independencia
inevitablemente registraría.

155

brasil-argentinaFIM.pmd 155 5/2/2004, 11:02


El Estado Federal garantizaba igualdad formal y relativa equidad
entre los estados federados, unidad nacional simbólica, mercado ex-
tenso y abierto (libre circulación de mercancías, libre circulación en
ríos y caminos, unidad de moneda de cambio.
No obstante – como lo demuestra la historia latinoamericana – la
tendencia centrípeta de la monarquía colonial, se translada a la sede del
poder mal llamado nacional. La capital del Estado Federal (nacional) el
asiento del poder político se convierte rápidamente en primus inter pares
. Hacia allí tienden las migraciones masivas de la mitad del siglo XX en
adelante en las ciudades de México, Río de Janeiro y Buenos Aires (tanto
como en los Estados Unitarios como Uruguay, Venezuela o Chile).
El estado federal originario se desdibuja en la región
latinoamericana, a medida que la distancia entre las disposiciones
constitucionales que lo regulan y la experiencia demográfica,
urbanizadora y política, se amplía.
El cambio de sistema electoral que establece la Constitución
Argentina de 1994 es ilustrativa en este sentido: al reemplazar la
reelección indirecta del presidente y vice por el sistema de elección
directa, rompe el equilibrio entre los estado federales mas o menos
poblados, pero se corresponde a una práctica histórica que hace del
ganador en términos nominales y nacionales de la elección, quede
automáticamente consagrado, reforzando la idea de una Democracia
plesbicitaria.
El traslado de la capital de Brasil de Río de Janeiro a Brasilia, se
correspondió con una visión no solamente federal, sino de una concepción
del Estado/Nación cuyo rol integrador prevaleció sobre el riesgo de una
hiperconcetracion de poder, trabajo, producción y riqueza.
La soberanía absoluta del Estado/Nación es compartida entre
el Estado central y los Estados federales, entre el gobierno central y los
gobiernos federales.
Los estados federados son soberanos en sus orígenes y producen
una delegación de poderes en el Estado central, reservándose otros
(económicos, políticos y culturales) de modo que la soberanía absoluta
y perpetua esta condicionada en el Estado/Nación federal por su origen.

156

brasil-argentinaFIM.pmd 156 5/2/2004, 11:02


No solo carece de metagarantes, sino que se sostiene en un pac-
to político que obtiene rango constitucional y una vez en ejecución no
puede cancelarse. En este contexto la delegación de soberanía que un
Estado/Nación realice en función de alguna forma de integración su-
pra estatal (o supra nacional) solo es posible lógicamente si la práctica
política y jurídica se aparta de una concepción absoluta de la soberanía
y asume una visión y un comportamiento que registre el cambio más
importante producido por la modernidad en las sociedades civiles: la
referencia a la razón tolerante.
Si Bodin, reclamaba un poder absoluto como garantía de
tolerancia, la tolerancia reconocida como necesidad / virtud, como
condición del nuevo orden planetario, debe pensarse que un nuevo
concepto relativo de soberanía se impone. Es nuestra próxima tarea.

157

brasil-argentinaFIM.pmd 157 5/2/2004, 11:02


brasil-argentinaFIM.pmd 158 5/2/2004, 11:02
SOBRE A CULTURA POLÍTICA

brasil-argentinaFIM.pmd 159 5/2/2004, 11:02


brasil-argentinaFIM.pmd 160 5/2/2004, 11:02
LA NUEVA ARGENTINA Y LA VIEJA ARGENTINA. UNA MIRADA
AL SIGLO XX.

Luis Alberto Romero1

La crisis argentina, de una profundidad sin precedentes, tiene


hoy para nosotros algo de inconmensurable e indescriptirle: problemas
que nos parecían claves hasta ayer mismo, hoy han sido desplazados
por otros, más urgentes y a la vez más profundos. No confío en poder
superar ese obstáculo: escribir desde el fondo de un pozo seguramente
achata la perspectiva. Intentaré aquí explicarla, de modo sin duda par-
cial, a partgir de un examen de los procesos históricos del largo siglo
XX. He elegido hacer una presentación estilizada de algunos procesos
políticos, sociales y económicos, tomando un punto quiebre: el año
1976, que en esta versión separa la vieja Argentina de la nueva. He
optado por esta alternativa, desechando otro análisis igualmente rele-
vante: buscar en el proceso anterior a 1976 las raíces de esa gran
transformación. En beneficio de la estilización, he suprimido matices y
transiciones; hablaré de la Argentina en general, sin hacer hincapié en
las diferencias regionales, y de tendencias, sin referencias a los ciclos y
coyunturas, indispensables en otro tipo de análisis.2

I. LA VIEJA ARGENTINA, 1880-1876

1. La Argentina tuvo una economía próspera


Esa tendencia secular fue el resultado de la articulación de dis-
tintos ciclos de crecimiento. El primero, entre 1880 y la Primera Guer-
ra Mundial, se sustentó en la exportación de carne y cereales. Hubo un
óptimo aprovechamiento de las ventajas naturales de las praderas
1
Universidad de Buenos Aires. CONICET. Este trabajo se basa en investigaciones realizadas con
el apoyo del programa UBACYT y de la Fundación Antorchas.
2
Para un presentación más propiamente histórica de estos argumentos me permito remitir a mi
Breve historia contemporánea de la Argentina (2da ed. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica,
2000), y sobre todo a la excelente bibliografía en que se apoya, allí citada.

161

brasil-argentinaFIM.pmd 161 5/2/2004, 11:02


pampeanas y de las circunstancias de la economía mundial: consolidación
del mercado, necesidades de alimentos, disponibilidad de capitales y
de mano de obra europea dispuesta a emigrar. Como se dirá, el Estado
hizo lo necesario para la confluencia de estas circunstancias. La
economía agraria para la exportación creció de manera espectacular, y
sus beneficios se repartieron entre los inversores extranjeros, los
productores e intermediarios locales, las economías urbanas y hasta las
provincias no favorecidas. Creció sobre todo la industria – elaboración
de materias primas y manufacturas sencillas para el mercado interno –
que siguió los ritmos de la economía exportadora.
Las dos guerras mundiales, y en el medio la crisis de 1929, marcaron
el fin de esta etapa de crecimiento fácil y la incorporación a un mundo
más complejo, caracterizado por los relaciones simultáneas con Gran
Bretaña y Estados Unidos, la escasez de inversiones, la administración
de las divisas, el déficit presupuestario. Aprender a manejarse en ese mundo
no fue fácil, lo que explica en parte las dificultades del primer gobierno
radical. La crisis de 1929 fue dura, pero benigna en términos relativos. El
país se recuperó con rapidez y a mediados de la década de 1930 inició un
nuevo ciclo de crecimiento, basado en el mercado interno y en la
sustitución de importaciones industriales, aunque sustentado en el co-
mercio exterior. La base para este crecimiento – la existencia de consu-
midores e industriales – había sido establecida en la etapa interior. La
Segunda Guerra Mundial mejoró aún más las condiciones para este camino,
que la acción estatal profundizó durante el peronismo. Beneficiados con
ingresos de origen agrario, industriales, trabajadores y consumidores
crecieron a pasos parejos.
La crisis de 1952 mostró las limitaciones de este modo de
crecimiento por sustitución de importaciones: debilidad agraria,
ineficiencia industrial, escasa capitalización. También señaló el
comienzo de un nuevo rumbo en política económica, completado y
profundizado en 1958 y en 1967. Consistió en recurrir a las empresas
de capital extranjero y concederles ventajas – privilegios fiscales, mer-
cados cautivos – para el desarrollo de las ramas industriales complejas:
petróleo y petroquímica, siderurgia, automotores. El nuevo ciclo, que
culminó a principios de los setenta, se caracterizo por un espectacular
crecimiento de la industria y del campo, que recuperó el tiempo perdido

162

brasil-argentinaFIM.pmd 162 5/2/2004, 11:02


desde 1914. También fue característica la fuerte desigualdad, entre
regiones y entre ramas de la economía, y la liquidación de una buena
parte del sector industrial menos eficiente, que había prosperado en la
etapa anterior. Pero a la larga, los beneficios de ese crecimiento
alcanzaron a un sector significativo de las empresas nacionales, que
maduraron y pudieron desenvolverse razonablemente bien dentro de
los estándares establecidos por las extranjeras.
En suma – otra vez, visto desde el pozo actual – hubo en esta
centuria una tendencia al crecimiento, y en el tramo final, una economía
con problemas pero fuerte y con alternativas.3
2. La Argentina tuvo una sociedad abierta, móvil y democrática
La tendencia sostenida del crecimiento económico creó – en
términos de tendencia – permanentes oportunidades para la
incorporación social. Fue inicialmente la inmigración externa: los itali-
anos y españoles de la primera fase, y también los “turcos” (en general
balcánicos) de la segunda. Desde 1930 fue la inmigración interna, atra-
ída a las ciudades por la demanda industrial: los que venían de la “pampa
gringa” primero, y más tarde los del Interior tradicional, identificados
como “cabecitas negras”. Desde la década de 1950 o 1960 se sumaron
los migrantes de países limítrofes, así como contingentes menores pero
muy visibles provenientes del Lejano Oriente.
La incorporación consistió inicialmente en tener empleo. Glo-
balmente, y sin considerar ciclos y crisis, hubo trabajo para todos. Luego
de 1955, cuando avanzan los procesos de racionalización laboral, el
mantenimiento de la fuente de trabajo – el pleno empleo – se convirtió
en la reivindicación principal de los trabajadores. A partir de esa base
se abrían distintos caminos de ascenso. Uno consistió en acumular un
poequeño ahorrro y pasar a trabajar por cuenta propia en el comercio o
el pequeño taller; esta vía funcionó bastante bien hasta mediados de
siglo y luego se fue estrechando. Otro camino pasó por llegar a poseer
la casa propia, en alguno de los nuevos suburbios que se agregaron a las
3
Dos cuestiones están deliberadamente ausentes en esta síntesis: la cuestión de los ciclos y
coyunturas, decisivos para entender la perspectiva y acción de los protagonistas, y el debate
sobre el momento del comienzo del declive, la oportunidad perdida y otras similares, una
pregunta que ha dado lugar a iluminadoras interpretaciones.

163

brasil-argentinaFIM.pmd 163 5/2/2004, 11:02


ciudades. La vivienda, de material, era la base de un hogar establecido,
modelo aceptadp para la incorporación de los sectores en ascenso.
También significaba participar en una empresa colectiva: la
transformación del espacio rural en urbanización, como ocurrió con
los barrios de las ciudades en las décadas posteriores a 1920, o de manera
algo distinta en los asentamientos de emergencia en los ’60.
El otro gran mecanismo de ascenso fue la educación. La
expansión del sistema educativo fue prioridad para todos los gobiernos:
la “oligarquía”, el radicalismo y el peronismo. La educación fue el ins-
trumento por excelencia para la incorporación en todos sus sentidos:
de ella dependían tanto la posibilidad de un buen empleo como la
convicción de pertenecer a una nación cuyos significados simbólicos
se aprendían allí. Sobre esas bases se desarrollaron luego los restantes
“derechos sociales”: salario justo, jubilación, salud, vacaciones y todo
aquello que constituía el “bienestar” de la sociedad.
La posibilidad de gozar de esos beneficios hizo que, durante
mucho tiempo, los hijos habitualmente estuvieran en una situación mejor
que sus padres, o aspiraran a ello y construyeran su vida en función de
esa aspiración.4 Es difícil entender la sociedad argentina en términos
de distintas “culturas de clase”. En cambio, operó una ideología
espontánea, no teorizada, surgida de la experiencia y asentada en el
sentido común: la de la movilidad social. Como señaló José Luis
Romero5 , la ideología de la “justicia social”, ampliamente implantada
por el peronismo, no contradijo aquella sino que la confirmó: puesto
que cada individuo tenía derecho a mejorar su posición personal, el
Estado concurría a solucionar los problemas iniciales de los menos fa-
vorecidos, para que luego cada uno hiciera su experiencia.
Fue en suma una sociedad móvil, donde los ascensos
predominaron por sobre los descensos y conformaron la imagen
aceptada. En las décadas iniciales perduró un sector que no fue afectado

4
No ignoro que hubo perdedores (por ejemplo los tres millones de inmigrantes que retornaron
entre 1880 y 1930, sin poder establecerse). Quiero decir que el número de los ganadores fue tal,
que definieron la imagen de la sociedad, las expectativas y los comportamientos.
5
José Luis Romero, Latinoamérica, las ciudades y las ideas. 2da ed., Buenos Aires, Siglo Veintiuno
Editores, 2001.

164

brasil-argentinaFIM.pmd 164 5/2/2004, 11:02


por estos procesos. Se trata de la así llamada “oligarquía”, que se
mantuvo en la cima de la sociedad por razones no solo económicas,
sino también de familia, educación, prestigio y consideración. Sin em-
bargo, esta elite era en realidad mucho más abierta y móvil de lo que
indicaba su propia imagen. Pero finalmente el proceso de esta sociedad
móvil y abierta terminó diluyendo ese fragmento de “Antiguo Régimen”,
que después de la experiencia peronista perdió significación. Desde
entonces, las elites surgieron principalmente sobre la base del mérito,
así fuera el del estraperlista hábil o el sindicalista corrupto. No se quiere
decir que fuera una sociedad de iguales, sino que en ella había
gradaciones y no cortes tajantes, y que las diferencias no estaban con-
solidadas en términos de nacimiento, de tez o siquiera de apariencia.
Fue una sociedad de masas de clases medias.6 Este término, que ha
sido ampliamente utilizado en los análisis sociológicos, es poco útil si
se considera a la “clase media” como un segmento de la sociedad, con
atributos deducibles de su posición intermedia. Es sugestivo si se lo
considera desde la perspectiva de una sociedad móvil, donde cada uno
de sus miembros está de alguna manera en tránsito.
En las dos décadas anteriores a 1976 ya era visible que ese
tránsito era cada vez más lento, e inclusive que el carril de retorno se
ensanchaba. Desde mediados de la década de 1960 fue visible que un
título universitario estaba lejos de garantizar una buena posición soci-
al; que el obrero altamente calificado difícilmente se convertiría en
pequeño tallerista, y que la anhelada casa propia ya no era una de las
que en 1920 se llamaban “casas baratas” (dos plantas, techo de tejas,
pisos de roble de Eslavonia), sino una casilla mejorada. Como se verá,
estos cambios se relacionan con una mayor crispación en los conflictos
sociales.
3. La Argentina tuvo un Estado potente
En las décadas anteriores a 1914 el Estado “liberal” no solo
completó el montaje de las instituciones relativas al establecimiento de
la ley y el orden; también tuvo una activa participación en la
6
La expresión en Manuel Mora y Araujo, “Las clases medias consolidadas”, en José Luis Romero
y Luis Alberto Romero, (directores), Buenos Aires, historia de cuatro siglos. 2da ed., Buenos Aires,
Altamira, 2000. Sobre la “oligarquía”, véase allí mismo: Francis Korn, “La gente distinguida”.

165

brasil-argentinaFIM.pmd 165 5/2/2004, 11:02


transformación de la economía. Instrumentó el traspaso de la tierra
pública a manos privadas, a bajo costo y en grandes extensiones;
garantizó las inversiones extranjeras y se endeudó para realizar obras
públicas; promovió activamente la inmigración; apoyó a los inversores
locales con una política crediticia generosa y emitió moneda de manera
poco ortodoxa. Desarrolló con éxito un vasto y costoso programa de
educación básica y media, destinado a formar, a la vez, trabajadores y
ciudadanos. Encaró una vigorosa política de nacionalización, a la que
concurrieron el sistema educativo y el Servicio Militar Obligatorio, para
afrontar el desafío de una sociedad con nacionalidades heterogéneas,
consolidar su lealtad al Estado y fortalecer su soberanía. Finalmente,
formó una burocracia especializada en el análisis de los problemas, y
preparada para intervenir en su solución.
La Primera Guerra Mundial y el advenimiento de la democracia
política empujaron el desarrollo de nuevas funciones. Al principio hubo
tanteos y aprendizaje. Luego de la crisis económica de 1930, muy
rápidamente, se montaron las instituciones necesarias para la dirección
de la economía: el Banco Central, las Juntas Reguladoras, el control de
cambios, los sistemas arancelarios, un financiamiento del Estado
independiente de los ciclos del comercio exterior. En la segunda
posguerra, durante el gobierno peronista, las funciones de intervención
aumentaron: nacionalización del crédito bancario y de las empresas de
servicios públicos y una presencia mucho más activa en la redistribución
de ingresos, del agro a la industria y de los empresarios a los trabajadores.
Por otra parte, bajo la bandera de la “justicia social” se desarrollaron
las instituciones propias del Estado de Bienestar – en una de sus
versiones – , a través de las cuales se garantizaron los derechos sociales.
Sobre todo, el Estado se involucró plenamente en la regulación de la
conflictividad social y en la instrumentación de mecanismos para su
concertación.
Caído el peronismo, el Estado no retrocedió en ninguna de es-
tas funciones de intervención y regulación. Luego de 1955, además del
manejo rutinario del aparato heredado – por ejemplo, el control del
ciclo económico, la concertación de los conflictos laborales – se
desarrollaron ambiciosos proyectos de transformación o de incidencia
en la marcha general del proceso económico. Así ocurrió con Arturo

166

brasil-argentinaFIM.pmd 166 5/2/2004, 11:02


Frondizi y su propuesta “desarrollista”, y con el general Onganía (y su
ministro Krieger Vasena) y el fuerte impulso al sector empresarial más
concentrado y “eficiente”; ambas políticas incluían propuestas
correlativas en lo social y lo político.
Por entonces, luego de 1955, había un Estado potente pero con
signos de debilidad. La hegemonía norteamericana, la inclusión de la
Argentina en la “guerra fría”, que la obligó a asumir el problema de la
“seguridad interior”, y por otra parte la presencia recurrente del Fondo
Monetario Internacional para solucionar los problemas cíclicos de la
economía indican una reducción importante de la autonomía estatal.
La legitimidad de quienes gobernaban el Estado resultó muy cuestionada
por su origen en golpes militares o, cuando provenían de elecciones,
por la proscripción del peronismo. La interpenetración de intereses
corporativos y públicos – de la que se hablará en el próximo punto –
debilitó la unidad de acción del Estado y fraccionó a su burocracia en
segmentos relativamente independientes. El deterioro salarial, las
secuelas del faccionalismo político y el clientelismo redujeron la calidad
de la burocracia estatal.
Como se dirá, la reconstrucción del Estado fue el centro de la
propuesta de Juan Domingo Perón en 1973: orden, monopolio de la
fuerza, dirigismo económico, concertación social. Por entonces, todavía
era imaginable la recuperación de la potencia del Estado.
4. Conflictividad social: las corporaciones y el Estado
Una parte de los conflictos de esta sociedad se debió a su carácter
abierto y democrático, a la sucesiva y brusca irrupción de los grupos
nuevos y la resistencia de los ya instalados. Se manifestaron sobre todo
como conflictos culturales: “oligarcas” y “descamisados”; quienes creían
en el respeto y la deferencia debida contra los que reclamaban la igualdad
y el derecho a la ciudad. Estos conflictos desaparecieron al promediar
la centuria, con la ya mencionada licuación de la “oligarquía”.
Los conflictos de intereses, atenuados por la tendencia general
de la economía próspera y la sociedad abierta, tuvieron en cambio agu-
deza cíclica y tendencia al crecimiento. Fueron más fuertes durante la
crisis de la primera posguerra; volvieron a crecer en intensidad en la

167

brasil-argentinaFIM.pmd 167 5/2/2004, 11:02


década anterior a 1945, reaparecieron luego de 1955 y se agudizaron a
partir de 1969. Sin embargo, siempre estuvieron imbricados con una
fuerte tendencia a la negociación.
Los intereses se definieron en el marco de diversas asociaciones.
Desde fines del siglo pasado, fue llamativa la capacidad de la sociedad
argentina para generarlas, sobre todo aquellas que apuntaron a la ayuda
mutua y la defensa de los intereses de sus miembros. Hubo mutuales de
tipo étnico, cooperativas, sociedades de fomento vecinal, profesionales,
y en menor medida patronales, de evolución más tardía. Finalmente las
más importantes resultaron las sindicales. Desde 1920 el sindicalismo
de acción, de orientación anarquista, fue desplazado por el de
organización, que durante mucho tiempo tuvo como modelo a los
gremios ferroviarios. En la década de 1930 la sindicalización fue
impulsada por el crecimiento industrial, y luego de 1943 por estímulo
del Estado, a través de la Secretaría de Trabajo y Previsión. En 1945,
los sindicatos tenían ya peso suficiente como para ser decisivos en la
llegada al poder de Juan Domingo Perón.
En el marco de las asociaciones se definieron los intereses
sectoriales conflictivos. Tempranamente se apeló al Estado para que
definiera las reglas, regulara los conflictos y garantizara los logros,
franquicias y privilegios de cada corporación. Esa apelación coincidió
con el avance del Estado, para controlar y regular los distintos espacios
de la sociedad. Así, el crecimiento del movimiento corporativo
acompañó, pari passu, el desarrollo del Estado.
Tomemos un caso: las “sociedades de fomento” surgidas
espontáneamente en los barrios de Buenos Aires para mejorar las
condiciones del hábitat (aceras, iluminación, vigilancia, escuela). Es-
tas sociedades pronto aprendieron a gestionar ante el Estado y a
establecer vínculos con la parte pertinente: el empleado, el funcionario,
el concejal. Ante la proliferación de demandas, desde los años ’20 el
gobierno municipal reglamentó la existencia y funcionamiento de las
sociedades de fomento, creó el mecanismo del “reconocimiento” que
las habilitaba para gestionar y dividió la ciudad en sectores o “radios”:
en cada uno, solo sería reconocida una sociedad fomentista. Algunas
quedaron marginadas, o se dedicaron a otra cosa. Lo más importante es

168

brasil-argentinaFIM.pmd 168 5/2/2004, 11:02


que, donde no las había, el reglamento las hizo surgir, estimuladas pero
a la vez controladas por el Estado.
Mutatis mutandis, fue la historia de prácticamente todo el
movimiento asociativo organizado para defender intereses, y también la
de los sindicatos. En la década de 1930 hubo esbozos de regulación y de
concertación estatal, y desde 1943 el Estado se volcó a resolver por esa
vía lo que proclamaba una amenaza para el orden social. La promoción
de la sindicalización se acompañó del reconocimiento del peso gremial y
político de los sindicatos. La norma legal determinó la existencia del
sindicato único por rama de industria, la “personería gremial” otorgada
por el Estado y el descuento de la cuota sindical por planilla. En los diez
años de gobierno peronista, el gobierno intervino ampliamente en la
conformación de las direcciones sindicales, desplazando a aquellos diri-
gentes que querían mantener una acción política o gremial independiente.
Durante el gobierno peronista los conflictos de intereses fueron
firmemente controlados por el Estado.7 Pero no fue solo verticalismo:
los sindicatos participaron en la definición de las políticas estatales. Un
buen ejemplo de este balanceo e interpenetración es el fracaso del proyecto
gubernamental de seguro de salud único, bloqueado por los sindicalistas
en favor de las incipientes “obras sociales”, que tomaban como modelo
el Hospital Ferroviario.8 Cada sindicato tendría, a la larga, los beneficios
sociales que pudiera pagarse con los aportes de sus afiliados o con las
contribuciones patronales que pudiera negociar. El Estado se plegó ante
el vigor del interés corporativo, pese a que este régimen no equitativo
ponía en cuestión la propuesta de la “justicia social”.
Luego de la caída de Perón en 1955 hubo cambios importantes
7
La “Comunidad Organizada”, una concepción organicista formulada por Perón, extendió al
conjunto de la sociedad, al menos idealmente, este modelo de organización corporativa, y le
agregó un ingrediente político ideológico: la unanimidad en torno de la “doctrina nacional
justicialista”.
8
A principios de la década de 1940 la Unión Ferroviaria, modelo de sindicato gestionado por
socialistas, había construido su Hospital Ferroviario. Desde 1943 obtuvo de Perón concesiones
varias: afiliación obligatoria de todos los trabajadores ferroviarios y descuento automático por
planilla. El ejemplo cundió, y muchas organizaciones, sobre todo de trabajadores estatales,
reclamaron un régimen similar, lo que hizo fracasar el proyecto de seguro de salud impulsado pro
el ministro Ramón Carrillo. Sobre el tema, Susana Belmartino, “Las Obras Sociales. Continuidad
o Ruptura en la Argentina de los años ’40.” En Mirta Lobato (ed.), Política, Médicos y enfermedades.
Buenos Aires, Biblos 1996.

169

brasil-argentinaFIM.pmd 169 5/2/2004, 11:02


y continuidades sustanciales. Liberada del lazo político, la conflictividad
social creció, impulsada por las políticas de racionalización capitalista
ya mencionadas, que trajeron recortes en el poder sindical, retroceso
en los ingresos y reducción del empleo. Se sumó la proscripción políti-
ca del peronismo, que le dio a la resistencia gremial una bandera y una
identidad política de gran capacidad de agregación. Hubo otro salto
notable en 1969, luego del Cordobazo, tanto por la aparición de un tipo
de organizaciones sindicales “antiburocráticas” y “clasistas” como por
la fácil agregación –bajo la consigna de la resistencia al imperialismo y
la dictadura- de reclamos provenientes de los más variados intereses
sociales, en un contexto “revolucionario” del que se hablará luego. El
crescendo en la conflictividad culminó poco antes de 1976.
Junto con este hilo de la historia, espectacular y heroico, hay otro
menos visible pero igualmente importante. Luego de 1955 el Estado
mantuvo los resortes para intervenir en la economía y en la sociedad. A
la sombra de su capacidad de regular y de conceder franquicias – que
aumentó con la política “desarrollista” – se fortalecieron las corporaciones:
las sindicales – recuperaron la ley que regulaba sus privilegios – , las
profesionales, que avanzaron en la colegiación, o las patronales,
desagregadas para la defensa de intereses sectoriales y agregadas para los
grandes combates sobre políticas estatales. Además de fijar el rumbo
general, el Estado adoptó permanentemente decisiones coyunturales, para
enfrentar los ciclos económicos (devaluaciones, retenciones y
gravámenes), que pusieron a las corporaciones en estado de permanente
movilización, para presionar, defender y negociar. Como se verá, el dete-
rioro del escenario específicamente político trasladó el grueso de la
negociación social a la puja entre corporaciones.
El Estado se fue desgarrando en esta puja y no pudo defender
un interés general que trascendiera los intereses corporativos. Reto-
mando el ejemplo anterior, en 1970 el Ministerio de Bienestar Social
extendió el sistema de obras sociales: todo trabajador debía aportar
obligatoriamente a la de su sindicato. Según sus recursos, las habría
ricas y pobres. Los dirigente sindicales recibieron una prebenda inmensa
(desde entonces los fondos de las obras sociales financian las actividades
gremiales y políticas y alimentan una vasta corrupción), cuya defensa
pasó a ser el objetivo primero de la militancia sindical. Lo curiosos es

170

brasil-argentinaFIM.pmd 170 5/2/2004, 11:02


que la decisión bloqueó el proyecto de creación de un seguro social
único, que la Secretaría de Salud Pública negociaba con la corporación
de los médicos. Un segmento de la burocracia estatal, en acuerdo con
los dirigentes sindicales, logró un triunfo a costa de otro segmento, que
negociaba con la otra corporación implicada. Médicos y sindicalistas
compitieron en el seno de un Estado que sacrificaba su autonomía y se
convertía en el premio mayor de la lucha.9
La relación entre el interés general y los intereses corporativos
se manifestó también en la compleja interacción entre el Gobierno na-
cional y los provinciales. Su origen se remonta a la consolidación de un
centro político con base en el Litoral próspero, a fines del siglo XIX,
que se acompañó con variados subsidios a provincias pobres pero con
peso político. Así, se protegieron las industrias del azúcar y del vino en
Tucumán y Cuyo; los empleos públicos nacionales beneficiaron a los
sectores educados locales; dirigentes provinciales complementaron su
carrera política capitalina con el enriquecimiento, por ejemplo
aprovechando los créditos de bancos estatales. Todas esas líneas se
desarrollaron ampliamente a lo largo del siglo.
Con el crecimiento del Estado se multiplicaron oficinas y
establecimientos; cada uno significó empleos, tanto más importantes
cuanto más pobre era la provincia, convertidos en prenda para el
intercambio entre poderes nacionales y provinciales. En 1932 se
estableció el sistema de coparticipación impositiva federal, y se asignó
a cada provincia una porción fija de lo recaudado, en función de sus
necesidades. La proporción asignada fue otra de las cuestiones a nego-
ciar entre el gobierno nacional y las provincias. Se estableció un criterio
de equidad pero a la vez se disoció la función de recaudación de la de
ejecución y gasto; libres de responsabilidad y control, los gobiernos
provinciales pudieron hacer un uso libre del presupuesto provincial con
fines de patronazgo. También desde 1930 se generalizó la protección de
las economías regionales: el algodón, la yerba mate o el tabaco. Desde
1958 se generalizó la promoción de actividades industriales, mediante la
exención impositiva; el mecanismo servía tanto a las grandes empresas

9
Susana Belmartino, “Transformaciones Internas al Sector Salud: la ruptura del pacto corporativo”.
En Desarrollo Económico. N° 137, Buenos Aires, 1995.

171

brasil-argentinaFIM.pmd 171 5/2/2004, 11:02


como a las provincias menos favorecidas, donde se abrirían nuevas
fuentes de empleo.
Todos estos mecanismos, que implicaban la transferencia de
fondos del presupuesto nacional a los estados provinciales, eran ob-
jeto de negociaciones políticas complejas, donde era factible el
intercambio de favores. Los intereses tenían sus representantes en
el seno mismo del gobierno. En los períodos de normalidad
institucional estas negociaciones se desarrollaron principalmente en
el Congreso, y sobre todo en el Senado, una institución clave en el
juego de los poderes, donde cada provincia tenía dos representan-
tes. En los períodos militares los gobernadores designados se hicieron
cargo con naturalidad de la gestión de estos intereses.
En suma: centralidad de la puja corporativa, fragmentación
e inequidad de los derechos sociales, y debilitamiento de un Estado
con alta capacidad de intervención y poca fuerza para definir un
rumbo.
5. La democracia ilusionó, pero las instituciones democráti-
cas fueron débiles
Desde 1853 la Constitución había establecido el sufragio uni-
versal masculino. Sin embargo, la participación electoral fue baja –
inclusive considerando solo a los varones nativos – y en general fueron
los gobiernos quienes hicieron las elecciones, con un sistema que desde
1880 redujo al mínimo la competencia entre máquinas electorales.
Por otra parte, la práctica del gobierno acentuó un rasgo ya marcado
por la Constitución: la autoridad del Presidente, cabeza indiscutida
del sistema institucional y del partido de gobierno. Este ejercicio de
la autoridad coincidió con la amplia vigencia de las libertades civiles
y con la existencia de un activo espacio público de debate.
En 1912, la reforma política impulsada por el presidente Sáenz
Peña incorporó el carácter secreto y obligatorio del voto, el uso del
padrón militar y un sistema de representación de mayoría y minoría.
Como casi todos los países por entonces, la Argentina avanzó en la
democratización de la vida política combinando lo conseguido por
las demandas de participación y lo concedido por las elites gobernantes.

172

brasil-argentinaFIM.pmd 172 5/2/2004, 11:02


En la ecuación pesó aquí mucho más lo concedido,10 y más aún, lo
obligado: hubo un imperativo estatal para la transformación de habitan-
tes en ciudadanos, que el presidente Sáenz Peña expresó con el imperati-
vo “Quiera el país votar”. Como ha explicado Natalio Botana,11 más que
por la exigencia de la minoría disidente, que existió, la reforma se explica
por procesos internos de la propia elite: la ruptura de la unidad, la
preocupación por la legitimidad, la búsqueda de la integración de la
sociedad en torno del Estado y la creencia en la potencia regeneradora de
la competencia electoral, que concluiría, en sus erróneos cálculos, con la
inclusión de un tercio minoritario.
De allí en más, la imposición se transformó en aceptación. La
sociedad comenzó el entusiasta aprendizaje de la democracia, y la
construcción de un imaginario democrático que iba a soportar sin fisuras
muchas confrontaciones poco halagüeñas con las prácticas de la demo-
cracia realmente existente. Las identidades políticas que se constituyeron
desde entonces – la radical, y la peronista luego – tuvieron un arraigo y
una fuerza singulares que trascendió lo electoral, al punto que muchas
de las prácticas sociales se politizaron profundamente.12
En una sociedad diversa, los aprendizajes de la práctica de-
mocráticas fueron variados pero concurrentes. En las provincias
tradicionales fue más superficial: las identidades políticas nacionales
se adecuaron al cuadro de las luchas facciosas locales, y los gobiernos
siguieron decidiendo las elecciones, sobre todo mediante el
patronazgo, los empleos públicos u otro tipo de dádivas, distribuidas
con más generosidad cuando lograban financiarlas con recursos
aportados por el presupuesto nacional. En general, la identidad polí-
tica se asoció con líderes, imágenes y signos identitarios: desde el
mate o el pañuelo con la figura de Yrigoyen –frecuentemente asimilado
con un santón o con el mismo Jesús – hasta el retrato de Perón y
10
Al respecto, debe matizarse la versión –más bien un relato de identidad- que asigna un papel
primordial a la acción de la Unión Cívica Radical (UCR), como vocero de un extendido reclamo de
participación; hasta los primeros años del siglo XX la UCR fue un partido de dimensión reducida,
que creció rápidamente luego de que la ley abrió la perspectiva electoral.
11
Natalio Botana, El orden conservador. La política argentina entre 1880 y 1916. 2ª ed., Buenos Aires,
Sudamericana, 1994.
12
Esto ocurrió ya antes del peronismo: el señor Guereño, un fabricante de jabón, que a la vez era
dirigente político, presidente de una sociedad de fomento y de un club de fútbol, esperaba aumentar
sus ventas con un jabón de marca “Radical”.

173

brasil-argentinaFIM.pmd 173 5/2/2004, 11:02


Evita, la “marcha peronista” o fórmulas abstractas pero convocantes
como “Apoye el Segundo Plan Quinquenal”.
Por otra parte, las asociaciones civiles resultaron verdaderas
“escuelas de la democracia”.13 En mutuales, clubes deportivos, y sobre
todo en sociedades de fomento, bibliotecas populares y cooperativas
hubo un aprendizaje de la participación: hablar en público, escuchar,
proponer, consensuar, liderar, seguir. Estas prácticas espontáneas
confluyeron con una corriente cultural, originada en los sectores
intelectuales “progresistas” (los socialistas fueron los más visibles), que
difundieron ampliamente las ideas y valores propios del “ciudadano
educado”, consciente, responsable y conocedor de los problemas
sociales y políticos y de las alternativas. Su rastro puede seguirse desde
la década del veinte hasta la del cincuenta, cuando el peronismo impuso
otros ámbitos de socialización y otro modelo de ciudadano.
En el mismo proceso, la política de partidos y la construcción
de las maquinarias electorales, que permitía iniciar desde abajo un cursus
honorum, conformó una nueva vía para la “aventura del ascenso”, que
como se señaló constituye el rasgo más característico de esta sociedad.
Así, las nuevas actividades ciudadanas se entrelazaron con las prácticas
sociales y se potenciaron recíprocamente.
En ese sentido, relacionado con la participación, la democracia fue
un valor y una ilusión, que se mantuvo firme aún en períodos de prácticas
electorales fraudulentas. En 1931 el presidente Uriburu, especulando con
el gran desprestigio de la derrocada UCR, jugó a una elección su proyecto
corporativista (un dato de por si significativo) y recibió un contundente
rechazo. En 1936, en pleno “fraude patriótico”, la bandera de la democra-
cia unificó al menos transitoriamente un difícil “frente popular”; los sindi-
catos comunistas y socialistas invitaron al ex presidente Alvear, jefe de la
UCR, a participar en el acto del 1º de Mayo como “obrero de la democra-
cia”. En 1946, en una elección decisiva y singularmente limpia, la Unión
Democrática reunió las voluntades de algo menos de la mitad del electorado;
contra ellos, Juan Domingo Perón, triunfador en la ocasión, levantó a su
vez la bandera de la “democracia real”.
13
Leandro Gutiérrez acuñó la fórmula “nidos de la democracia”, que desarrollamos en varios
trabajos. Véase Leandro H. Gutiérrez y Luis Alberto Romero, Sectores populares, cultura y política.
Buenos Aires en la entreguerra. Buenos Aires, Sudamericana, 1995.

174

brasil-argentinaFIM.pmd 174 5/2/2004, 11:02


Estos ejemplos de fervor cívico son llamativos en tanto la práctica
democrática no se había traducido hasta entonces en instituciones repre-
sentativas eficientes. En parte puede atribuirse a la insuficiencia de la
“revolución democrática” de 1916, la ya mencionada persistencia de
amplios bolsones de “política criolla”, no beneficiados por la regeneración
política, y luego de 1930 a la práctica sistemática del fraude electoral,
que algunos presentaron como virtuoso. Pero hay algo más.
Entre 1916 y 1955 la Argentina tuvo dos grandes experiencias
democráticas, la radical (1916-1930), signada por la figura de Hipólito
Yrigoyen, y la protagonizada por Juan Domingo Perón (1946-1955). Las
credenciales democráticas respectivas son inobjetables, tanto en lo que
hace a lo electoral como a su notoria popularidad: es difícil negar que
ambos dirigentes encarnaron el ideal de la “voluntad popular”. No se
discute aquí si desarrollaron o no una política “de interés popular”. Se
señala, en cambio, que uno y otro hicieron poco por construir instituciones
democráticas en el sentido liberal y republicano, en las que en realidad
creían poco. Un primer dato es la escasa relevancia que para ambos tuvo
el Parlamento. Durante la presidencia de Yrigoyen una mayoría normal-
mente opositora se opuso a casi cualquier iniciativa presidencial, pero a
su vez Yrigoyen, desde el primer día de su gobierno, decidió ignorarlo.
Con Perón el gobierno tuvo amplia mayoría en las dos Cámaras, no había
bloqueo, pero el Parlamento se limitó a aprobar las iniciativas del
Ejecutivo. Desde 1958 el presidente Frondizi – una suerte de alma en
pena, a merced de los militares y los gremialistas – , pese a disponer de
una amplia mayoría parlamentaria, no consideró la posibilidad de apelar
a esa institución para paliar en algo su inmensa horfandad política. En
suma, lo que debía ser el centro de la política democrática, la discusión y
el acuerdo en el Parlamento, nunca jugó un papel importante.
En cambio la autoridad presidencial, potenciada por la figura del
caudillo de masas, creció aún más. A medida que la organización del
Estado se hacía más compleja, un numero mayor de funciones dependían
directamente del vértice presidencial. La imbricación entre Estado y par-
tido de gobierno continuó avanzando hasta extremos asombrosos.14 Más
14
En los diagramas del Movimiento Peronista que a Perón le gustaba diseñar (aunque raramente
ejecutar), en cada instancia de decisión la autoridad política correspondía al encargado respecti-
vo de la administración estatal: el gobernador en el nivel provincial, el intendente en el local; la
posibilidad de que alguna intendencia o gobernación fuera ganada por un partido opositor no
estaba contemplada.
175

brasil-argentinaFIM.pmd 175 5/2/2004, 11:02


en general, el radicalismo, y luego el peronismo se definieron como
“movimientos”, que encarnaban la representación del pueblo o de la
nación, investidos con la misión de regenerar la sociedad, y no como
partidos que hacen parte de un conjunto. Se trataba de un pensamiento
democrático en estado puro, sin pizca de contaminación con la tradición
liberal; no habría razonado de otro modo la mayoría de los
revolucionarios de 1789 o 1792. Ciertamente, la distancia entre los
enunciados y las prácticas era grande; no fue lo mismo Yrigoyen que
Perón, ni tampoco Perón obraba siempre de manera consecuente con
esas ideas. Pero aún sin pasar a los hechos, lo cierto es que un discurso
político de ese tipo no asignó a la oposición un lugar legítimo, como no
fuera el de enemigo de la patria o el del antipueblo: el “régimen falaz y
descreído” de Yrigoyen o “la oligarquía” de Perón.
En esos términos, la nueva política democrática fue tan faccio-
sa como lo había sido la política del siglo XIX, y mucho más, potenciada
por el imaginario de la política de masas. Lo verdaderamente asombroso
es que ese faccionalismo se desarrollara en una sociedad donde los
conflictos de intereses se desplegaban de una manera extremadamente
mesurada. Juan Carlos Torre ha subrayado hace poco esta paradójica
coexistencia entre una baja conflictividad social y una elevadísima
conflictividad política y cultural.15 Este dato cambió rápidamente luego
de 1955, y correspondió tanto a una agudización de la conflictividad
social – se señaló en el punto anterior- como a una politización de los
conflictos.
Coincidieron luego de 1955 las políticas de racionalización ca-
pitalista con la simple revancha, institucionalizada en una decisión de
enorme trascendencia: la proscripción del peronismo. Con ella comenzó
la decadencia acelerada del imaginario democrático16. Cuanto más
predicaban los herederos de la Revolución Libertadora acerca de la
democracia y la libertad, más vacías resultaban las instituciones,
deslegitimadas por la proscripción. Por otra parte, esa misma proscripción
15
Juan Carlos Torre y Elisa Pastoriza, “La democratización del bienestar en los años del peronismo”,
en J.C. Torre (dir.). La época peronista. Nueva Historia Argentina, t. VII, Buenos Aires,
Sudamericana, 2002.
16
Que todavía en 1955 había servido para unir a los antiperonistas de siempre con lo recientemente
conversos, provenientes de un integrismo católico escasamente democrático.

176

brasil-argentinaFIM.pmd 176 5/2/2004, 11:02


contribuyó a galvanizar la identidad peronista y a nuclearla alrededor
de quienes, ausente el líder, resultaron la única voz del “pueblo
peronista”: los dirigentes sindicales. Su enorme poder en el escenario
corporativo, que se mencionó antes, se nutrió de esa representación
vicaria.
La debilidad de las instituciones democráticas facilitó y justificó
la presencia creciente de las Fuerzas Armadas, que pasaron del
pretorianismo a la dictadura. Se hablará de esto en el próximo punto.
Pero antes de 1966, la debilidad de las autoridades electas contribuyó
al rápido desprestigio de la democracia, que fue total a medida que ese
espacio de la ilusión era ocupado por la alternativa revolucionaria. Ésta
se nutría de la experiencia cubana, la guerrilla latinoamericana, los
movimientos estudiantiles, la prédica de los sacerdotes tercermudistas:
lo propio del imaginario revolucionario consistió en hacer compatibles
mensajes tan diversos, y en muchos aspectos inconciliables, y además
en fundirlos con un reclamo menos reflexivo pero hondamente arraiga-
do en la experiencia: la “vuelta de Perón”, panacea de todos los males.
Carlos Altamirano ha mostrado hace poco que el imaginario
revolucionario de los sesenta no se limitó al “campo popular” o a la
izquierda, y que la experiencia protagonizada por el general Onganía
puede explicarse perfectamente en términos de “revolución”.17 Lo cierto
es que en 1966, cuando el general Onganía declaró suprimidos para
siempre los partidos políticos y las elecciones y anunció que, al final
del camino, se ensayaría otra forma de democracia, funcional y orgánica,
nadie lo lamentó: ni los que creían en esa propuesta, ni los que esperaban
conducir su ímpetu regenerador por otras vías, ni quienes, desde el
campo popular y la izquierda, celebraron el fin del “opio burgués”.
La dictadura militar y el imperialismo, encarnados en Onganía y
Krieger Vasena, fueron los enemigos contra los que se construyó, desde
1968 o 1969, una amplia movilización popular. Su fecha de fundación
fue el Cordobazo de 1969; la ola ascendente llegó hasta 1973, y con la
llegada de Perón a la presidencia tuvo una inflexión, aunque conservó
su vitalidad hasta quizás 1975. Fue un fenómeno social asombroso.
Estaba ampliamente arraigada la certeza de que la sociedad ideal estaba
17
Carlos Altamirano, Bajo el signo de las masas (1943-1973. Buenos Aires, Ariel, 2001.

177

brasil-argentinaFIM.pmd 177 5/2/2004, 11:02


al alcance de la mano: la realidad era plástica y moldeable por la voluntad
política, la diferencia entre los buenos y los malos era clara, tajante y
concluyente, y sobre todo, lo más personal de la vida de cada uno se fundía
con lo publico, en una realización que era individual y colectiva a la vez. La
creatividad social de estos años fue notable, como lo fue la emergencia de
la solidaridad, el sacrificio y otros valores igualmente estimables.
La concreción política en cambio fue particularmente pobre.
Un factor importante fue el deterioro del imaginario democrático. En-
tre tantas cosas que se pensaron para dar forma a ese inmenso caudal
de voluntad participativa, las propuestas democráticas estuvieron au-
sentes. Otras, ofrecidas, fracasaron. Solo había lugar para una que
combinara el imaginario “revolucionario” con la mítica aspiración a
la vuelta de Perón. Es lo que logró Montoneros, una agrupación ar-
mada cuyo acto fundacional fue el asesinato del general Aramburu,
jefe del golpe de Estado que había derrocado a Perón en 1955. A
través de ellos llegamos a otra dimensión de la política.
6. Nacionalismo, dictadura, violencia
Examinaremos el proceso político desde otra perspectiva.
Aunque en el siglo XX no llegaron a formarse los “partidos de ideas”
que preveía la reforma electoral, hubo grandes corrientes de ideas, que
se manifestaron en la política. Una de ellas, que arranca de la
Organización Nacional, articuló el liberalismo republicano con la de-
mocracia, la reforma social, el laicismo y el progresismo, que se
mencionó más arriba. Fue un arco amplio, complejo y a menudo
contradictorio, cuya unidad se advierte más bien, en relación con las
manifestaciones extremas de la otra corriente, en la que el nacionalis-
mo ocupó un lugar central.
En las décadas finales del siglo XIX, la construcción de la
nacionalidad fue una de las preocupaciones principales de la elite diri-
gente, preocupada por desarrollar mecanismos de identificación e
integración de la sociedad en torno de un Estado que era, a la vez, el
garante de los derechos individuales. Como ha explicado Lilia Ana
Bertoni18 , se trataba de una nación de ciudadanos, en la que el vínculo
18
Lilia Ana Bertoni. Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas. La construcción de la nacionalidad argentina
a fines del siglo XIX. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001.

178

brasil-argentinaFIM.pmd 178 5/2/2004, 11:02


político, primordial, se robustecía con una adhesión emocional y
valorativa a la “patria”. Tal preocupación, común a todas las culturas
democráticas de entonces, era quizá más viva aquí debido al carácter
aluvial de la sociedad, así como a la necesidad de fundamentar
adecuadamente la soberanía internacional del Estado.
Progresivamente, la cuestión de la nacionalidad se fue haciendo
conflictiva. Al igual que en la mayoría de los países, en la Argentina se
desarrolló una preocupación por encontrar un fundamento de la nación
que estuviera más allá de las contingencias históricas y de la voluntad
de los ciudadanos: un imperativo que definiera la unidad, y que surgiera
de la raza, la lengua, el territorio (el “paisaje”, que destilaba esencias
nacionales) o quizá de un pasado histórico mítico, sin fechas precisas,
tal que en Mayo de 1810 la Nación ya estuviera, como Palas Atenea,
lista para nacer, con lanza y casco.
Ninguno de aquellos rasgos era evidente por si mismo, y en tor-
no de su definición se libraron intensos combates, puesto que una u
otra elección determinaba quien quedaba dentro del tronco principal
de la esencia nacional y quien ocupaba un lugar marginal, residual o
hasta antagónico: ¿el gaucho era un tipo residual y primitivo, o la esencia
misma del ser nacional? La tentación de imponer el propio criterio por
un acto de autoridad fue grande. La unidad nacional fue traumática, y
paradójicamente, lo que debía ser prenda de unión se convirtió en fuente
de inacabables querellas.
En parte, esas querellas se manifestaron en la política democráti-
ca. Como se acaba de señalar, los dos grandes partidos democráticos
asumieron ser la expresión no solo del “pueblo” sino también de la nación:
el radicalismo fue la “causa nacional”, y la “doctrina justicialista” devino
en “doctrina nacional”. Los adversarios políticos fueron no solo enemigos
del pueblo sino de la misma nación, y la política se hizo inevitablemente
facciosa. Las querellas también se expresaron fuera de la política de par-
tidos, pues quienes se consideraban los intérpretes, voceros o custodios
de “lo nacional” ubicaban esos intereses más allá y antes de la política
partidaria, mera expresión de intereses particulares.
Lo hicieron los nacionalistas de corte maurrasiano, que en 1930
animaron al general Uriburu. Pesaron poco. Más importancia tuvo la

179

brasil-argentinaFIM.pmd 179 5/2/2004, 11:02


incursión de la Iglesia Católica en la definición de lo nacional; lo hizo
desde 1910, y con más dedicación en la década de 1930, hasta concluir
que la Argentina era una nación católica y que la Iglesia, dedicada a
“instaurar a Cristo en todas partes”, poseía la clave para resolver todos
y cada uno de los problemas de la sociedad. Un trayecto similar recorrió
el Ejército (y progresivamente, todas las fuerzas armadas y de seguridad,
hasta los boy scout). Desde principios de siglo el Ejército se consolidó
como institución y afirmó su presencia en la sociedad, cuyos miembros
varones, jóvenes ciudadanos, debían pasar por sus filas. A la vez, definió
su posición respecto de la Nación: el Ejército, que nació con la patria,
era el custodio y el garante de los supremos intereses nacionales. Como
ha mostrado recientemente Loris Zanatta19 , Ejército e Iglesia se
vincularon y potenciaron, en torno a la noción de Nación católica, tan
fuerte en 1943 como en 1966.
Por otra parte, el Ejército incorporó las ideas de la soberanía
económica y la autarquía y la defensa de los intereses estratégicos. Final-
mente, asumió la doctrina de la seguridad interior. “Masones”, “cipayos”
y “subversivos” fueron algunas, entre otras, de las denominaciones de
los excluidos por cada una de estas definiciones de la identidad nacional.
1930 (todavía bastante parecido a 1890), 1943, 1955, 1966 y 1976 fueron
los jalones del avance del Ejército hacia el centro del poder del Estado;
en cambio, dos presidentes militares que fueron electos – Justo y Perón –
decidieron que el Ejército se circunscribiera a sus tareas profesionales.
En cada episodio, ese avance clausuró el escenario político, y a la larga lo
corroyó insanablemente. En cambio, por acción u omisión, fortaleció el
de la negociación corporativa.
El avance de las concepciones integristas de la nacionalidad y
de las dictaduras militares estuvo acompañado de una presencia
creciente de la violencia en la política. Ciertamente, nunca estuvo au-
sente. Pero desde 1880 – último episodio de las guerras civiles
decimonónicas – fue más episódica que constitutiva,20 y visto en la
19
Loris Zanatta, Del estado liberal a la nación católica. Iglesia y Ejército en los orígenes del peronismo.
Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 1996.
20
La hubo en 1910, con los anarquistas y las “bandas blancas”, y entre 1917 y 1921, cuando la
Liga Patriótica acompañó la represión militar. También en 1930, con torturas y fusilamientos, y
en también durante los años de gobierno de Perón: torturas y un par de asesinatos, terrorismo
antiperonista y violencia de masas.

180

brasil-argentinaFIM.pmd 180 5/2/2004, 11:02


perspectiva de 1976 no fue mucho. Pero hay que agregar la creciente
violencia discursiva, la apelación verbal a la violencia regeneradora,
que corroyó la noción de derechos y garantías. Progresivamente se instaló
la idea de que, dadas ciertas circunstancias, en política los fines
justificaban los medios.
En 1956 hubo un salto cualitativo: el Estado ordenó fusilar a
los jefes de un levantamiento militar peronista – un episodio tan
emblemático como el fusilamiento del gobernador de Buenos Aires
Manuel Dorrego en 1828 – , mientras de manera casi clandestina hacía
lo mismo con un número indeterminado de civiles. Luego, a lo largo de
los años sesenta, creció la guerrilla, inspirada en Cuba y en sus secuelas;
también la contra insurgencia, que los militares aprendieron en la Escuela
de Panamá, empujando al Estado al territorio de la clandestinidad. El
desarrollo del criterio del fin y los medios avasalló cualquier principio
acerca de derechos humanos inalienables: la violencia no solo se
justificaba por la violencia del enemigo; era sobre todo un instrumento
adecuado para el cambio. Un paso más en ese camino fue afirmar que
la violencia era, no ya un instrumento sino la fundadora de la práctica
revolucionaria. Montoneros, la más exitosa en lo político de las
agrupaciones guerrilleras, nació como se dijo de un asesinato a sangre
fría; durante su existencia practicó un verdadero culto de la muerte
heroica. La revista El Caudillo, (asociada con J. López Rega, la Triple A
y otras organizaciones enemigas de Montoneros) tenía como epígrafe
“El mejor enemigo es el enemigo muerto”. A diferencia de la década
del cincuenta, cuando Perón proclamaba “al enemigo, ni justicia”, pero
no pasaba de allí, a comienzos de los setenta esas palabras se traducían
en actos, que al principio al menos, fueron ampliamente celebrados
como justicieros; si no se conocía la causa, se concedía a sus ejecutores
el beneficio de la duda: por algo sería.

II. LA NUEVA ARGENTINA, 1976-

1. El “Proceso” llevó hasta sus últimas consecuencias tendencias


políticas preexistentes
En 1976 estaba claro el agotamiento de la tendencia expansiva
de la economía argentina, acechada tanto por los problemas del mundo

181

brasil-argentinaFIM.pmd 181 5/2/2004, 11:02


como por sus propias y acumuladas dificultades: inflación, conflictos
distributivos, recurrencia a la recesión como remedio. Puede discutirse
hasta que punto se trataba de una dificultad cíclica, en la que cabía una
recuperación, o insuperable en los términos vigentes; en cualquier caso,
se traducía en dificultades crecientes para el secular proceso de
ampliación e incorporación, y en imposibilidad para satisfacer las
ilusiones de 1973. Quienes habían creído en una vuelta a los felices ’40
estaban desengañados.
Una manifestación fue la exacerbación de los conflictos
corporativos y la dificultad para acordar soluciones transaccionales. A
fines de 1973 la crisis cíclica activó la clásica reacción de partes: presionar
al Estado para arrancarle una solución satisfactoria y hacer valer el
poder logrado con el control de alguna de sus porciones. Sobre este
mecanismo clásico operó la presión de las bases revolucionadas –un
ejemplo: las comisiones de fábrica, atraídas e impulsadas por la Juventud
Peronista-, de modo que los dirigentes tuvieron un margen mucho más
estrecho para lo suyo: negociar. Buena parte de la sociedad había puesto
su fe en la capacidad del Estado para reconducir los conflictos, y sobre
todo en el talento de Perón para volver a poner en pie al Estado.
Plebiscitado en 1973, Perón utilizó la fórmula de 1945, el Pacto Soci-
al, para constatar la estructural infidelidad de quienes, sin embargo, le
ofrecían el sacrificio su vida, pero no de sus intereses.
Allí -más que en el conflicto interno del peronismo- fracasó el
gobierno peronista. A pesar de la espectacular ruptura con Montoneros,
Perón consiguió mantener un precario equilibrio, que se derrumbó a
poco de su muerte. Mientras la puja corporativa se desmadraba – en
1975 la jerarquía sindical le hacía una huelga a la viuda de Perón – , se
derrumbaron los escasos límites que mantenían dentro de parámetros
civilizados la lucha política que dividía al peronismo. La “política de
calles”, vigentes desde 1972 y consistente movilizar y “ganar espacios”,
dejó todo el lugar a la guerra de aparatos militares: Montoneros pasó a
la clandestinidad; las Fuerzas Armadas reemplazaron a los grupos pa-
ramilitares en la tarea de la represión clandestina y obtuvieron un éxito
contundente en el exterminio del foco guerrillero del trotzkista ERP en
Tucumán.

182

brasil-argentinaFIM.pmd 182 5/2/2004, 11:02


En rigor, nadie gobernaba. Con su intervención en marzo de
1976, las Fuerzas Armadas pusieron fin a la crisis, a su manera. ¿Era
solo de ellos? El Proceso de Reorganización Nacional aplicó una
solución desmesurada, pero no absolutamente novedosa. Trabajaron
con materiales conocidos, y lograron el consenso que necesitaban.
Es bien sabido – no hace falta abundar en referencias – que
desde marzo de 1976 la violencia ejercida de manera clandestina por el
Estado alcanzó niveles nunca vistos. Hubo una cantidad inmensa de
muertes y “desapariciones”; también campos de concentración, tortura
y exterminio, depredación de bienes y robos de niños. Ciertamente, las
diferencias de cantidad hacen a las de calidad. Pero es indudable que la
violencia estaba ya ampliamente instalada en la vida política. La mayor
novedad fue que desde 1976 la ejecutó principalmente un Estado clan-
destino, que operaba de noche y aparentaba de día, y que además de
matar derrumbaba la fe en las instituciones y las leyes, sistemáticamente
violadas por quienes debían custodiarlas. Otra vez, hay diferencia de
cantidad, pero en un rumbo ya conocido: las actividades del terrorismo
de Estado eran reconocibles y hasta aceptadas por muchos, en tanto
arraigaban en tradiciones y prácticas políticas conocidas.21
El Proceso se caracterizó por la convicción de que un rígido
autoritarismo y la concentración del poder, no limitado por restricciones
jurídicas, solucionarían el problema de autoridad del Estado. No faltan
precedentes de esta idea, no solo en los períodos de gobierno militar
sino en las etapas democráticas, que como se vio fueron escasamente
republicanas. Aquí el Proceso (que continuó la tradición militar de de-
nunciar el desgobierno en los civiles ignorando la anarquía en su propio
campo) fracasó contundentemente. No resultó el singular experimento
de dividir el poder entre las tres Fuerzas, ni se logró nunca que tuviera
un punto de concentración: en general Videla fue un protagonista
mediocre del Proceso, y sus sucesores mucho más. Cada fuerza se reservó
un área de influencia, para el ejercicio de la represión y del gobierno, y
los jefes de cuerpos militares transformaron los gobiernos provinciales

21
Guillermo O‘Donnell dejó un vívido testimonio de esto al caracterizar a los diversos kappos
que encontró en Buenos Aires en los años del Proceso. Véase su “Democracia en la Argentina.
Micro y macro”. En Oszlak, Oscar (comp.), ”Proceso”, crisis y transición democrática. Buenos Aires,
CEAL, 1984.

183

brasil-argentinaFIM.pmd 183 5/2/2004, 11:02


en feudos, de modo que los complejos procesos de negociación de
intereses en el seno del Estado, continuaron de manera aún más espuria.
También caracterizo al Proceso su voluntad de identificarse ima-
ginariamente con la Nación. Al declarar los gobernantes que asumían
la custodia de sus intereses supremos, las voces divergentes o alterna-
tivas pudieron ser eliminadas, tanto física como discursivamente, en
nombre de la Nación. El terror, la tortura y las desapariciones también
permitieron a los militares no solo acallar toda otra voz sino hasta ne-
gar su existencia legítima: cualquier disidencia era atribuible a la
“subversión apátrida” y estaba, por definición, fuera de la Nación.
Tuvieron éxito, porque machacaron en terreno conocido: es difícil ig-
norar las profundas raíces que esta negación del otro tiene en nuestra
cultura política contemporánea.
Inclusive, apelaron con éxito a la pasión nacionalista, de larga
tradición, y a su habitual combinación de soberbia y paranoia: la Ar-
gentina tiene un destino de grandeza, no alcanzado por la falta de temple
y por la colusión del enemigo externo y el interno. Ya en 1909 Manuel
Gálvez –obsesionado con los “mulatos”, que encarnaban lo antinacional-
había recomendado una buena guerra con Brasil para robustecer la fi-
bra nacional.22 Desde entonces, esa pasión estuvo muchas veces lista
para emerger, apenas se frotaba la lámpara, para legitimar los
autoritarismos. Los militares lo intentaron con el Mundial de fútbol, el
conflicto con Chile y la Guerra de Malvinas. Con ésta casi tuvieron
éxito: en 1982 produjo un momento de enajenación, cuando tantos
argentinos creyeron que el destino nacional se asociaba con la aventura
militar. Por cierto, la Guerra selló el destino militar, no tanto por el
intento cuanto por el fracaso.
2. El “Proceso” introdujo novedades irrevocables
Esos aspectos del Proceso serán condenados desde 1982, y con-
tra ellos se construirá la actual democracia, que los repudiará ritualmente.
En cambio otras innovaciones, igualmente discutidas, se incorporaron

22
Con un destello de realismo, en un texto enajenado, declaraba preferir una derrota, por sus
virtudes regenerativas. Manuel Gálvez, El diario de Gabriel Quiroga. Opiniones sobre la vida argenti-
na. Estudio preliminar de María Teresa Gramuglio. Colección Nueva Dimensión Argentina,
Buenos Aires, Taurus, 2001.

184

brasil-argentinaFIM.pmd 184 5/2/2004, 11:02


como datos permanentes. La más importante fue el giro sustancial de
la política económica, asociado con el ministro Alfredo Martínez de
Hoz. Como se dirá enseguida, estuvo montado en las tendencias
neoliberales de su tiempo y del mundo. Pero además sirvió a los fines
de la represión: quitar a los llamados “subversivos” su base, aplacar
los conflictos sociales y particularmente los industriales, la ríspida lucha
entre corporaciones de patronos y trabajadores, que a juicio de los
nuevos gobernantes derivaba tanto en enfrentamientos inmanejables
como en asociaciones espurias y colusivas. El mercado debía discipli-
nar la sociedad.
La solución –la apertura de la economía, el achique del Estado-
sirvió para sangrar al enfermo, bajarle la fiebre pero a la vez dejarlo
exangüe. Se logró disminuir la potencia de los actores del conflicto
industrial y a la vez achicar el premio de la lucha: la capacidad de
intervención del Estado, que empezó a ser desmantelado. Sin embargo
este camino fue recorrido solo a medias; los militares no renunciaron a
lucrar con sus empresas y de paso enriquecer a los empresarios que
actuaban como contratistas: por entonces, grandes grupos económicos
se constituyeron y crecieron exprimiendo al Estado.
La decadencia del Estado se profundizó por la corrupción de
sus instituciones. Amplios sectores de las Fuerzas Armadas y de seguridad
participaron en la rapiña que acompaño el terror, e hicieron de las ar-
mas estatales el instrumento de negocios privados. Perdidos los límites
éticos e institucionales, no renunciaron a hacerlo luego de 1983. Los
acompañó una parte de los jueces, que aprendieron a tolerar, encubrir y
participar, y ese camino siguieron muchos segmentos del funcionariado.
Los empresarios se habituaron a jugar con estas reglas, y todo el proceso
de privatización posterior a 1989 les ofreció un amplio campo. La
corrupción llegó a las mismas normas legales: el Estado, aún en su
parte diurna y legal, hizo gala de la arbitrariedad, subordinando la nor-
ma jurídica al ejercicio discrecional del poder.
De modo que a aquellas prácticas del terrorismo de Estado se
agregó una segunda cadena de complicidades, que se hundió en lo pro-
fundo de la sociedad y llegó a convertirse en hábito aceptado; dejó una
herencia de funcionarios, policías y jueces corruptos y acostumbrados

185

brasil-argentinaFIM.pmd 185 5/2/2004, 11:02


a vivir en la corrupción, y una pobre idea del respeto a la ley, siempre
subordinada a otras necesidades prácticas. Hubo una exitosa exitosa
pedagogía de la corrupción y la arbitrariedad. Después, fue mucho más
fácil restablecer la fe colectiva en la democracia –ajena a los militares-
que la credibilidad en el Estado que estos corrompieron.
Por otra parte, el Proceso y su ministro Martínez de Hoz se
asociaron con el advenimiento del nuevo consenso económico neoliberal,
triunfante en todo el mundo, caracterizado por la doble propuesta de la
reforma y el ajuste. Según la nueva fe, las crisis recurrentes, juzgadas
insolubles, se superarían con la apertura de la economía, la eliminación
de la protección y otros subsidios estatales, lo que provocaría el fin de
los sectores ineficientes, sobre todo los industriales, y el crecimiento
de los eficientes. Esa reducción de subsidios era parte de una propuesta
más general de ajuste de los gastos estatales – se juzgaba que las
economías no estaban en condiciones de solventarlos de manera genuina
– e incluía la eliminación de sus partes ineficientes e innecesarias, pero
también la retracción en campos vinculados con el bienestar social, y
aún la educación y la salud, donde su acción solo debía ser subsidiaria.
Se trataba de una línea de acción genérica, que en cada caso podía
ejecutarse de maneras diversas, según se atendiera más o menos a la
gradualidad, la previsión y la equidad.
La experiencia del Proceso mostró que era más fácil abrir la
economía que achicar las funciones del Estado; de todos modos, el
endeudamiento externo lo dejó fuertemente condicionado, de un modo
tal que era muy difícil volver atrás en el camino adoptado. Durante el
gobierno de Alfonsín parece haber habido una coincidencia general con
la propuesta de reforma y modernización, en su versión más gradual,
previsora y equitativa; así lo indica el “discurso de Parque Norte”, que
muestra, por otra parte, la amplia gama de posibilidades existentes den-
tro de esa propuesta general. Pero no encaró el problema hasta el últi-
mo tramo de su gobierno, cuando ya no tenía fuerza política para ponerlo
en marcha. Menem asumió plenamente el programa de la reforma y el
ajuste, y lo aplicó en su versión más simple, tosca, brutal y destructiva;
sin embargo, debió hacer innumerables concesiones – la “anestesia”
que decía no utilizar – a empresarios contratistas, gobiernos provinciales,
sindicalistas y hasta congresistas. Su éxito inicial correspondió, al igual

186

brasil-argentinaFIM.pmd 186 5/2/2004, 11:02


que el de Martínez de Hoz, con un período de gran afluencia de capitales
externos y fácil endeudamiento; como en aquel caso, el límite de su
éxito lo marcó el final de la afluencia.
3. Economía, Estado y sociedad en la nueva Argentina
Fueron, en suma, tres golpes de volante para un “giro
copernicano”. ¿Qué cambios produjo?23 En la economía, es mucho más
claro lo que en veinticinco años estos cambios destruyeron que lo que
construyeron. Lo que mejor funcionó fue el sector orientado a la
exportación -aunque desde 1991 sus beneficios estuvieron acotados por
la sobrevaluación del peso- pero sus efectos sobre el resto de la economía
fueron reducidos, sobre todo en materia de empleo. La convertibilidad
hizo difícil las exportaciones industriales, pero el Mercosur fue una im-
portante compensación. La reducción arancelaria y la supresión de
subsidios24 liquidaron la industria ineficiente y afectaron también al seg-
mento de las que se modernizaron y reequiparon. Unas y otras
contribuyeron a la pérdida de empleos, junto con las racionalizadas em-
presas del Estado. Muchos grupos empresarios, antiguos contratistas del
Estado, ingresaron en las empresas privatizadas, junto con operadores y
grupos financieros internacionales; no está claro cuánto hay allí de ma-
nejo capitalista eficiente – es de temer que poco – , cuánto de apropiación
de activos baratos y cuanto de nuevos negocios monopólicos.
En suma, un balance complejo, con algunos pocos ganadores y
muchos perdedores. En el mediano plazo, la pregunta es que lugar puede
ocupar la Argentina en una economía mundial integrada. Qué hacemos
mejor o más barato que otros. En segundo lugar, que capacidad tiene el
reducido sector modernizado para influir en el conjunto, restablecer el
dinamismo de la economía capitalista y eliminar los comportamientos
prebendarios.

23
Aquí se impone un caveat. El pozo de la crisis no es el lugar más adecuado para evaluar estos
cambios. Nunca lo es: cualquiera que frecuente la historia sabe que quienes viven una crisis
perciben con claridad lo que ésta destruye, y rara vez lo nuevo que empieza a emerger. A mí me
basta recordar los ajustes, a veces bastante fuertes, que he debido hacer a mis “balances” a lo
largo de los últimos diez años.
24
Distó de ser total: se salvaron los industrias automotrices, y unas cuantas industrias fantasma,
en provincias que lograron conservar regímenes de promoción gracias a la “anestesia” del perío-
do de Menem.

187

brasil-argentinaFIM.pmd 187 5/2/2004, 11:02


En el corto plazo, lo que más pesa es el endeudamiento externo.
Desde 1976, las fases de prosperidad y las de contracción coincidieron
con el flujo y reflujo de fondos, en su mayoría especulativos, en parte
compensados por los ingresos, por única vez, de las privatizaciones. El
resultado fue una impresionante deuda externa, que el Estado es abso-
lutamente incapaz de pagar. Hay una permanente exigencia por parte
de los acreedores de ajuste de los gastos fiscales, siempre insuficiente.
La modalidad del ajuste, los lugares donde se cortó y donde se mantuvo
la afluencia de fondos fiscales, así como la política impositiva, sus
rigideces y permisividad, han de ser, para quien sepa leerla, una
verdadera radiografía del Estado.
El Estado, actor principal de la fase de construcción y
responsable de sus virtudes y sus defectos, perdió protagonismo,
iniciativa, y hasta unidad. El endeudamiento acotó su soberanía; el
ajuste afectó su funcionamiento, sin reducir su colonización por los
intereses corporativos. Buscando ganar confianza, se ató las manos
con la convertibilidad. Buscando atenuar oposiciones y ganar alia-
dos, los gobernantes concedieron mucho, a los grupos empresarios
y a los dirigentes políticos, una corporación que se sumó a las res-
tantes en la empresa de vivir del presupuesto nacional. Entre ellos,
los dirigentes de los estados provinciales, y sus representantes
senatoriales, se convirtieron en insaciables demandantes de
prebendas, tanto mayores cuanto más débil era el centro del poder
político.
Mientras la crisis económica y la desocupación reducían la masa
de contribuyentes, el deterioro administrativo redujo la capacidad para
recaudar. Con menos ingresos, el Estado achicó un poco las prebendas
y cortó drásticamente donde era más fácil: en la educación, la salud y la
seguridad. Por otra parte, las secciones del Estado dedicadas al control
de los actores económicos privados se deterioraron, en parte por
decisiones deliberadas, en el caso de las privatizaciones, y en parte por
la corrupción. Vieja como el mundo, ésta creció fuertemente en dos
momentos: el ya mencionado del Proceso y los diez años de gobierno
de Menem, en los que el país estuvo dirigido por una banda depredadora.
En suma, en la nueva Argentina, y por una serie de factores

188

brasil-argentinaFIM.pmd 188 5/2/2004, 11:02


concurrentes, el Estado ha resultado cada vez más incapaz para
financiarse, para actuar autónomamente, para imponer normas, para
dirigir. Además, ha sido sistemáticamente descalificado y convertido
en la bête noire, por razones legítimas e ilegítimas, pues fácilmente se
ha echado por el desagüe el agua sucia y el niño. Hoy, aún los mejores
gobernantes pueden hacer poco con semejante instrumento.
Desde hace mucho es difícil representar a la sociedad argentina
como democrática, móvil e integradora. Del pleno empleo de los años
cincuenta hemos pasado a la desocupación, muy alta. Los sindicatos,
expresión final de la Argentina democrática y corporativa a la vez,
perdieron su relevancia y poco significan en el vasto mundo de la po-
breza, donde los límites entre las “clases laboriosas”, los desocupados
y las “clases peligrosas” no son fáciles de definir. ¿Qué es exactamente
el saqueo a un supermercado? En términos de identidad y organización,
el lugar de los sindicatos es ocupado por las organizaciones de
“piqueteros”, capaces como aquellos de contener, luchar
organizadamente y negociar las migajas que aún tiene el Estado para la
asistencia social.25 Por otra parte las clases medias, emblema de la
sociedad democrática y móvil, están en plena licuación; ellas aportan
el grueso de los emigrantes; muchos se suman al mundo de la pobreza
y, uno tras otro, pierden los signos de su dignidad.
El segmento de los “ganadores” no es despreciable: son lo sufi-
cientemente numerosos como para animar un mundo de consumo y
visibilidad. Pero deben encerrarse y protegerse. La sociedad móvil, con-
tinua, sin cortes estamentales, es remplazada por otra donde la
polarización lleva a la segmentación. La ciudadanía social, el logro fi-
nal de la Argentina próspera, ha sido arrasada. La violencia social y la
delincuencia llevan a los gobiernos a aplicar una “mano dura” que
cuestiona seriamente la ciudadanía civil. ¿Qué ocurre con la ciudadanía
política?
4. La paradójica vigencia de la democracia
Lo curioso de esta historia es que, por primera vez, desde 1983
la sociedad argentina conoció la política democrática representativa,
25
Muchos dirigentes vuelcan en su organización la experiencia acumulada en la actividad sindical.

189

brasil-argentinaFIM.pmd 189 5/2/2004, 11:02


liberal y republicana, como nunca la había conocido antes la sociedad
democrática en vías de extinción.
El Proceso militar fue decisivo para esta construcción de la
democracia. Quizá porque puso en evidencia, en su extremo, las lacras
de las experiencias políticas anteriores, tanto dictatoriales como
democráticas. Quizá porque bastaba referirse a él para unir voluntades y
minimizar diferencias. Lo cierto es que, de las ruinas de la dictadura
militar, abatida por la derrota de Malvinas, surgió una nueva convicción
ciudadana acerca de la capacidad de la democracia para restaurar la
convivencia pacífica y muchas cosas más, pues una de las características
de esta nueva fe fue la enorme confianza en las potencialidades de la
fórmula política. A la vez se desarrolló una convicción, también original,
acerca de las bondades del pluralismo; la existencia de adversarios, quizá,
pero no de enemigos políticos; la importancia de la diferencia y la
confrontación en la constitución del interés común. También hubo una
nueva valoración de la ley y las formas institucionales. En primer lugar,
fundamentándolo todo, un consenso acerca del valor absoluto de los
derechos humanos y un rechazo total a la subordinación de los medios a
los fines.
El entusiasmo cívico se tradujo en prácticas políticas pertinentes:
la afiliación masiva a los partidos políticos, su organización formal, la
renovación de dirigentes y también de ideas. Ninguno, ni siquiera el
peronismo, pretendió ya ser la encarnación del pueblo y de la nación
(por otra parte, las pasiones nacionalistas amenguaron y hasta pudimos
concluir las diferencias con Chile). Probablemente hubo entre los
partidos más búsqueda del consenso que debate a fondo sobre
alternativas, y en los ciudadanos más reclamos de sus derechos que
asunción de sus deberes. En un cierto sentido, se trató de una democracia
“boba”.26 Pero es difícil imaginar que la democracia – al fin, un sistema
político profano, que debe fundarse en una convicción compartida –
pudiera constituirse sin esta fe, quizá desmesurada.
En esos años iniciales – diría entre mediados de 1982 y mediados
de 1985 – los argentinos se tomaron un recreo para la utopía, como lo
26
Tomo esta expresión de la experiencia de la primera república de Nueva Granada, idealista y
pacifista, liquidada en 1812; luego, Bolívar mostró la necesidad de respaldar la verdad con las
armas.

190

brasil-argentinaFIM.pmd 190 5/2/2004, 11:02


habían hecho, en otro contexto, al comenzar los años setenta. Durante ese
breve período pudo olvidarse no solo que la Argentina había cambiado de
manera irrevocable luego de 1976; pudo creerse que los viejos y duros
protagonistas corporativos de los antiguos conflictos estaban domestica-
dos, atrapados en la red de los partidos políticos, la representación y la
civilidad: el conjunto de hombres de buena voluntad que construían el
interés común. Pronto se descubrió que no era así.
El impulso progresista del primer gobierno democrático se detuvo
ante los sindicatos, que resistieron ser reformados, la Iglesia, que peleó
duramente en el terreno del laicismo, y las Fuerzas Armadas, que toleraron
el juzgamiento de sus antiguos jefes, ya retirados – el Juicio a las Juntas fue
el logro más importante de la civilidad – pero resistieron con éxito al
juzgamiento de oficiales en actividad. El gobierno fracasó en sus intentos
de revisar la deuda externa o de organizar un frente de países deudores. En
cuanto a los grupos económicos, cumbres del nuevo ordenamiento de la
economía, ni siquiera se insinuó la batalla. Hacia 1987 el impulso había
encontrado su freno, y el primer gobierno democrático convocaba a inte-
grar el gabinete a los representantes de los grandes intereses corporativos.
En realidad, se habían constatado dos limitaciones: la del instru-
mento de acción, el Estado, sin la capacidad de otrora para modificar el
orden espontáneo de las cosas, y la de la civilidad, un actor político de
enorme potencialidad en algunas acciones pero inútil para otras. Todo su
respaldo no alcanzó para que, en la Semana Santa de 1987, el Presidente
encontrara un solo oficial del Ejército dispuesto a disparar contra sus ca-
maradas rebelados.
Allí se rompió la ilusión ciudadana. Quienes se negaban a aceptar
que la realidad era tal cual era, echaron culpas, naturalmente, al gobierno,
que claudicaba ante los enemigos del pueblo. El fin de esta “primavera de
los pueblos”, efímera como todas, dejó lugar a una relación más normal,
menos apasionada, de la sociedad y sus actores con sus gobernantes. Fue el
comienzo de un desapego que se convirtió a la larga en apatía – salvo el
breve entusiasmo mesiánico despertado por Menem en 1989 – y en el
último tramo en descontento y furia.
Pero antes de eso, el sistema democrático había arraigado, con-
vertido en práctica normal, que podía prescindir de las manifestaciones

191

brasil-argentinaFIM.pmd 191 5/2/2004, 11:02


cotidianas de apoyo. Sus éxitos no son despreciables: elecciones regu-
lares, al menos cada dos años, tres gobiernos de signo opuesto que se
sucedieron en menos de veinte años, y algunos datos un poco más fol-
clóricos: el peronismo, el partido-pueblo, perdiendo una elección presi-
dencial en 1983, y otra como oficialismo, en 1999. Instituciones que
funcionaron, parlamentos que legislaron y jueces que juzgaron con
alguna autonomía son logros significativos si se los compara con las
experiencias militares anteriores, y no solo con ellas, aunque lógicamente
las imperfecciones son abrumadoras si se las compara con el deber ser
o la letra constitucional. Pero cualquier democracia realmente existen-
te es inferior al modelo.
¿En qué se apartó esta democracia realmente existente del mo-
delo democrático-republicano contra el que eligió medirse? En primer
lugar, se plegó a la realidad, admitió que las instituciones sustentadas
en el sufragio y fundadas en el interés común, que gobernaban un Esta-
do desarmado, no podían modificar mucho de los rasgos ya definidos
de la economía y la sociedad gobernada. Esta aceptación de la realidad,
visible ya en la segunda parte del gobierno de Alfonsín, fue plena en el
de Menem que exageró un poco, para que le creyeran. Las instituciones
democráticas, aunque algo hicieron, cumplieron mal su papel de balan-
cear los poderes corporativos.
En segundo lugar, se alteró el equilibrio de poderes propio de la
República. Los gobernantes debieron gobernar en medio de las tor-
mentas: todo lo señalado en el punto anterior, y lo no dicho, como las
hiperinflaciones de 1989 y 1990; en medio de las turbulencias, en
nombre de la gobernabilidad, el Ejecutivo avanzó sobre los otros po-
deres, alterando el equilibrio republicano. Ayudado por la crítica
coyuntura con que empezó su gobierno, y también por las tradiciones
peronistas, Menem avanzó mucho por este camino y su jefatura, casi
de príncipe, se alejó bastante de la tradición republicana; pero en los
momentos oportunos el Parlamento, ya que no la Corte Suprema, recordó
que había algunos límites.
En tercer lugar, la llamada clase política no lució. Por cierto, en
lo suyo fue eficiente y profesional. Los partidos produjeron elecciones
aceptables, con bajos costos en materia de enfrentamientos y

192

brasil-argentinaFIM.pmd 192 5/2/2004, 11:02


polarizaciones; los representantes fueron flexibles a la hora de realizar
acuerdos. Todo se hizo muy profesionalmente: puede comparárselo –
no hay otra coyuntura similar- con el período 1916-1930. Por otra par-
te, no era exactamente una “clase política” como la pensó Mosca: no
tenía tradición de gobierno, ni ejemplos y valores con los que
confrontarse. En materia de funcionarios, lo que había detrás de ellos
eran las prácticas del Proceso, ya establecidas en las instituciones (la
Policía Bonaerense es al respecto paradigmática). Pasado el impulso
inicial, desatenta la sociedad que los miraba de lejos, los políticos, quien
más quien menos, se corrompieron, es decir se comportaron exactamente
igual que sus congéneres en las prácticas civiles, y hasta generaron su
propio corporativismo. Es cierto que con Menem se instaló una banda
depredadora organizada, pero actuó sobre un terreno ya preparado. En
suma, no fueron ni mejores ni peores que la sociedad de donde venían.
Tampoco fueron eficaces administrando, pero no veo cómo podrían
haberlo sido.
5. Final
Lo singular del caso argentino no está –me parece- en estas
imperfecciones, sino en la coexistencia entre esta democracia política
que funcionaba con una sociedad que ya no era democrática, pero que,
a diferencia de otras, lo había sido, y todavía podía recordarlo. Durante
unos años muchos especulamos acerca de cuanto podía durar ese di-
vorcio: un sistema político democrático en una sociedad que se vaciaba
de ciudadanía; un sistema fundado en la igualdad política –un hombre,
un voto- pero que era incapaz de modificar la tendencia de la sociedad
hacia la desigualdad creciente. Es posible que un sistema de partidos
eficiente y aceitado pueda funcionar sin la participación cotidiana de la
ciudadanía. Es más difícil imaginar que se sostenga si falta, entre los
representados, el fuego sagrado de la fe, sobre todo si no es compensa-
do con alguna valoración de la eficacia gubernamental. El 19 de
diciembre de 2001 se produjo el pasaje del desapego a la furia, y
efectivamente todo el andamiaje se conmovió. Asistimos hoy a un nuevo
acto de esta historia, pero todavía es demasiado pronto para que un
historiador lo incluya aquí.

193

brasil-argentinaFIM.pmd 193 5/2/2004, 11:02


BIBLIOGRAFIA

ALTAMIRANO, Carlos, Bajo el signo de las masas (1943-1973), Bibliote-


ca del Pensamiento Argentino. Buenos Aires, Ariel, 2001.
BERTONI, Lilia Ana, Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas. La
construcción de la nacuionalidcad argentina a fines del siglo XIX. Buenos
Aires, Fondo de Cultura Económica, 2000.
BOTANA, Natalio, El orden conservador. La política argentina entre 1880
y 1916. 2ª ed., Buenos Aires, Sudamericana, 1994.
CAVAROZZI, Marcelo, Autoritarismo y democracia (1955-1996). La
transición del Estado al mercado en la Argentina, Buenos Aires, Ariel,
1997.
DE RIZ, Liliana, La política en suspenso, 1966-1976. Buenos Aires, Paidós,
2000.
GERCHUNOFF, Pablo y Llach, Lucas, El ciclo de la ilusión y el desencan-
to. Un siglo de políticas económicas argentinas. Buenos Aires, Ariel, 1998.
HALPERÍN Donghi, Tulio, La larga agonía de la Argentina peronista.
Buenos Aires, Ariel, 1994.
HALPERÍN DONGHI, Tulio, Vida y muerte de la República verdadera
(1910-1930), Buenos Aires, Ariel, 2000.
GILLESPIE, Richard, Soldados de Perón. Los montoneros, Buenos Ai-
res, Grijalbo, 1987.
JAMES, Daniel, Resistencia e integración. El peronismo y la clase trabajadora
argentina, 1946-1976. Buenos Aires, Sudamericana, 1990.
PALERMO, Vicente y Marcos Novaro, Política y poder en el gobierno de
Menem, Buenos Aires, Norma, 1996.
QUIROGA, Hugo, El tiempo del “Proceso”. Conflictos y coincidencias en-
tre políticos y militares, 1976-1983. Rosario, Editorial Fundación Ross,
1994.
ROMERO, José Luis y Romero, Luis Alberto (directores), Buenos Aires,
Historia de cuatro siglos. 2da ed. Buenos Aires, Altamira, 2000.
ROMERO, José Luis, Las ideas políticas en Argentina, 5a ed., Buenos
Aires, Fondo de Cultura Económica, 1975.
ROMERO, Luis Alberto, Breve historia contemporánea de la Argentina. 2da
ed., Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001.
ROMERO, Luis Alberto: Argentina. Crónica total del siglo XX. Buenos

194

brasil-argentinaFIM.pmd 194 5/2/2004, 11:02


Aires, Aguilar. 2000.
ROUQUIÉ, Alain, Poder militar y sociedad política en la Argentina. Buenos
Aires, Emecé, 1981/1982.
SCHVARZER, Jorge La política económica de Martinez de Hoz. Hyspamérica,
Buenos Aires, 1986.
SIGAL, Silvia y Verón, Eliseo, Perón o muerte. Las estrategias discursivas
del fenómeno peronista. Buenos Aires, Legasa, 1986.
TORRE, Juan Carlos, Los sindicatos en el gobierno, 1973-1976. Buenos
Aires, CEAL, 1983.
ZANATTA, Loris, Del estado liberal a la nación católica. Iglesia y Ejército
en los orígenes del peronismo. Bernal, Universidad Nacional de
Quilmes, 1996.

195

brasil-argentinaFIM.pmd 195 5/2/2004, 11:02


brasil-argentinaFIM.pmd 196 5/2/2004, 11:02
POLÍTICA BRASILEIRA NO SÉCULO XX: O NOVO NO VELHO

José Murilo de Carvalho

INTRODUÇÃO

O tema da política brasileira no século XX é por demais com-


plexo e vasto para permitir tratamento sistemático dentro dos limites
deste papel. Por comodidade e prudência, opto por abordagem algo
informal e fragmentada do assunto. Apresento notas em torno do tema
da cultura e do comportamento político, sem tentar sistematização
teórica. Espero que a estratégia adotada não prejudique a finalidade do
texto que é a de provocar ou, pelo menos, sugerir, o debate.
Dentro da opção feita, recorro, como ponto de partida, a epi-
sódio recente ocorrido com candidata à presidência da República. Tra-
ta-se da entrada da polícia federal no escritório de firma pertencente à
candidata e a seu marido, feita em obediência a mandado judicial e de
que resultou a apreensão de documentos e de R$ 1,3 milhão em paco-
tes de notas de R$ 50,00. Análise do episódio e de seus desdobramen-
tos pode revelar características que de longa data vêm marcando nossa
política e também dimensões novas que começam a despontar graças a
mudanças profundas verificadas na sociedade nacional, sobretudo a
partir da década de 1930. O episódio nos fala de um estilo de política,
a oligárquica, em fase de desaparecimento; de mudanças nas relações
entre os poderes; do surgimento de um poder novo e agressivo, o do
Ministério Público; da alteração no padrão de impunidade das elites;
do surgimento de uma opinião pública atenta e exigente; da permanên-
cia de uma característica até agora constante, a superposição do velho
e do novo em combinações que se renovam mas não desaparecem.

UMA TIPOLOGIA DA POLÍTICA BRASILEIRA

Para a análise das características indicadas acima, recupero texto


de agudo sociólogo que escreveu a maior parte de sua obra na década
de 1960, quando já se faziam sentir as grandes mudanças sociais por

197

brasil-argentinaFIM.pmd 197 5/2/2004, 11:02


que passava o país. Refiro-me a Guerreiro Ramos, que desenvolveu em
1961 uma caracterização da política brasileira inspirada
metodologicamente nos tipos ideais de Max Weber e historicamente
nas análises de Oliveira Viana e Gilberto Amado. Guerreiro Ramos
construiu cinco tipos de política: a política de clã, a política de oligar-
quia, a política populista, a política de grupos de pressão e a política
ideológica.
A política de clã correspondia, segundo ele, à situação pré-
política, característica do período colonial. Nela inexistia o direito pú-
blico, dominava apenas o poder de grupos familiares, limitados às loca-
lidades. A política de oligarquia, predominante até 1930, significava
um passo adiante. Estendia-se do domínio local para o provincial e o
nacional, congregava clãs familiares em alianças para conquista e ma-
nutenção do poder. Mas nela o Estado era ainda utilizado apenas para
fins clientelísticos privados. Após 1930, deu-se grande transformação
na política nacional: o povo entrou em cena, dando origem à política
populista. Nesse tipo de política, superava-se o domínio familístico e
oligárquico, o fundamento do vínculo político passava a ser a lealdade
pessoal ao líder populista, sustentada por benefícios que ele distribuía
a seus seguidores. Começava a se formar uma opinião pública indepen-
dente. O populismo teria florescido nas décadas de 40 e 50. Nessa
mesma época, teria também surgido a política dos grupos de pressão,
marcada pela atuação de setores organizados da sociedade, sobretudo
os sindicatos patronais e operários. Na década de 60, finalmente, o
país já estaria, segundo Guerreiro Ramos, preparado para uma forma
superior de política, a ideológica, sustentada sobre classes sociais orga-
nizadas e capazes de formular projetos políticos próprios, e sobre opi-
nião pública amadurecida.
Dentro do espírito da época, Guerreiro Ramos acreditava no
evolucionismo histórico. Seus tipos se sucediam uns aos outros, o pos-
terior superando o anterior, até atingir o ponto culminante e aparente-
mente final da evolução, a política ideológica. A abordagem é também
tipicamente sociológica. A passagem de um tipo para outro, à exceção
do primeiro para o segundo, é determinada por mudanças demográficas
e sociais. O populismo surgiu quando a urbanização e a industrializa-
ção permitiram a emergência de setores urbanos médios e operários, os

198

brasil-argentinaFIM.pmd 198 5/2/2004, 11:02


grupos de pressão apareceram quando a divisão de trabalho permitiu a
organização de interesses diversificados, a política ideológica se tor-
nou possível com a melhor definição e a conscientização das classes
sociais.
Evolucionismo e sociologismo são tidos hoje como posturas
analíticas ingênuas. Mas não se pode dizer que sejam totalmente equi-
vocados. É perfeitamente aceitável apontar avanços nas práticas po-
líticas se se tomam como parâmetros certas variáveis, como a amplia-
ção da participação eleitoral, a honestidade das eleições, a redução da
corrupção, a liberdade e independência do eleitor, etc. Igualmente, se-
ria tolo não admitir que transformações radicais na demografia e na
estrutura social sejam elementos importantes na transformação de com-
portamentos políticos. A vinculação das políticas de clã e oligárquica
ao mundo rural e a dos outros três tipos ao mundo urbano é bastante
óbvia, embora não sejam óbvias as formas que ela pode assumir.

MUDANÇAS RADICAIS

O analista de hoje, com o benefício de 40 anos de perspectiva,


não discordaria de Guerreiro Ramos quanto às grandes mudanças que
começaram a acontecer a partir de 1930. Até essa data, as transforma-
ções sociais tinham sido poucas e muito lentas. A partir de 1930, o
tempo social acelerou-se. Houve alteração radical no tamanho, locali-
zação e ocupação da população. A população do país quintuplicou en-
tre 1920 e 2000, passando de 30 para 160 milhões. O Brasil de 1930
tinha menos habitantes que o estado de São Paulo de hoje. Além disso,
houve deslocamento maciço de pessoas do campo para a cidade. Se
em 1920 menos de 20% da população moravam nas cidades, em 1960
já eram 45%, em 1980, 68%, e no ano de 2000 mais de 80%, subindo
para 90% no Sudeste do país. Inverteu-se completamente a relação
rural-urbano, o Brasil passou a ser um país urbano, comparável nesse
ponto aos Estados Unidos. O grosso da população reside hoje em
megalópoles e em médias e pequenas cidades. Como conseqüência,
alterou-se também radicalmente a composição do emprego. Em 1920,
70% da população ativa ocupava-se na agricultura, pecuária e extração.
Hoje, cerca de 80% dos brasileiros ocupam-se nos setores de serviço,

199

brasil-argentinaFIM.pmd 199 5/2/2004, 11:02


comércio e indústria, quando não engrossam o contingente de desem-
pregados e subempregados.
No campo econômico, a crise de 1929 e, 10 anos mais tarde, a
Segunda Guerra Mundial, aceleraram muito o processo de substituição
de importações, iniciado durante a Primeira Guerra. O país teve que
produzir os bens industrializados que antes sempre importara. O pro-
cesso não mais se interrompeu, expandindo-se na década de 50 via
implantação da indústria automobilística e aprofundando-se na década
de 70 graças à produção de máquinas e equipamentos. O Brasil deixou
de ser um país essencialmente agrícola, como na primeira metade do
século. O café, responsável pela maior parcela das exportações durante
um século, hoje ocupa papel modesto no comércio externo. Há ainda
produtos importantes de origem rural, como a carne, a soja e o suco de
laranja, mas eles não representam o grosso da exportação, que se loca-
liza em bens industrializados, como carros, máquinas, eletrodomésti-
cos, aviões, além de minérios e bebidas. Mesmo a exportação de pro-
dutos agropecuários depende hoje da agroindústria mecanizada, com
baixo componente de mão-de-obra. O contexto social de produção
dessas mercadorias é totalmente distinto daquele em que se dava a
atividade agrícola do velho Brasil.

A ENTRADA DO POVO NA POLÍTICA

A intuição de Guerreiro Ramos também estava correta quando


afirmou que, do ponto de vista político, um elemento importante, se
não o mais importante, da mudança que teve início em 1930, foi a
entrada do povo em cena. De fato, desde a proclamação da República
até 1945, a participação eleitoral não passou de 5% da população.
Durante toda a Primeira República (1889-1930), período áureo da po-
lítica de oligarquia, só houve uma eleição presidencial, a de 1930, em
que o número de votantes ultrapassou os 5% da população. Essa elei-
ção foi invalidada pelo movimento revolucionário que então se verifi-
cou. Em algumas das eleições presidenciais da Primeira República, as
de 1906, 1918, 1919, a participação não chegou a 2% da população.
Literalmente, tratava-se de uma república sem povo. A partir da de-
mocratização de 1945, o crescimento do eleitorado foi rápido e

200

brasil-argentinaFIM.pmd 200 5/2/2004, 11:02


constante, mesmo, e ironicamente, durante os governos militares, quan-
do fora suprimida a liberdade política. A Constituição de 1988, ao per-
mitir o voto do analfabeto, mais de cem anos depois que ele foi exclu-
ído, e ao baixar para 16 anos a idade mínima para votar, deu o impulso
final à democratização do voto. Hoje estão alistados quase 70% dos
brasileiros, porcentagem que se compara favoravelmente com as dos
países de mais longa tradição democrática. Em termos absolutos, ha-
via 1,4 milhão de eleitores em 1933; em 1998, época da última eleição
presidencial, o eleitorado ultrapassava 106 milhões de cidadãos. Em
números, pelo menos, trata-se de dois países totalmente distintos.

A CONVIVÊNCIA DE TEMPOS HISTÓRICOS DISTINTOS

Outro ponto útil da análise de Guerreiro Ramos é a rejeição de


um evolucionismo simplista. Ele aceita, é verdade, a idéia de evolução
de um tipo para outro, talvez inspirado na sucessão de modos de pro-
dução do esquema marxista. Mas tempera o evolucionismo com a idéia
da superposição de fases e tipos políticos. Um tipo não desaparece,
pelo menos de imediato, quando outro se inaugura. Em cada momento
dado, há um tipo predominante que convive com resíduos de tipos
anteriores. Assim é que, segundo ele, em 1961 predominava a política
populista, mas sobreviviam em várias partes do país a política de oli-
garquia e até mesmo restos da política de clã, ao mesmo tempo em que
o país já pedia a política ideológica. A idéia da sobreposição de épocas
e estilos políticos, de grande utilidade analítica, foi talvez buscada em
um autor da década de 1930, Martins de Almeida, que escreveu, falan-
do da economia: “Um dos aspectos mais característicos do nosso país é
essa desconformidade de etapas evolutivas da nossa economia geral
dentro da mesma unidade de tempo” (Almeida, p. 47-48).
O conceito foi elaborado por Inácio Rangel em 1957, com a
ajuda de uma expressão sintética e elegante de W. Pinder. Ao defen-
der a tese da existência de uma dualidade básica na economia brasilei-
ra, Rangel afirmou que o Brasil era marcado pela contemporaneidade
do não-coetâneo. Com isso queria dizer que conviviam na
contemporaneidade da época fenômenos sociais, práticas e valores,
que pertenceriam a momentos históricos passados. Naturalmente, a idéia

201

brasil-argentinaFIM.pmd 201 5/2/2004, 11:02


de não-coetâneo implica concepção que pode ser considerada
evolucionista. Inácio Rangel refere-se explicitamente ao evolucionismo
marxista. Mas nada impede que se aproveite a idéia jogando fora sua
conotação evolucionista, isto é, a concepção de movimento em direção
a objetivos pré-definidos. Basta admitir a noção, pouco controversa, de
mudança, de dinâmica histórica. O Brasil, e talvez todos os outros paí-
ses, sobretudo os que passam por rápido processo de mudança social,
seria, nessa visão, uma espécie de museu sociológico, em que várias épo-
cas poderiam ser visitadas ao mesmo tempo. Inácio Rangel usa imagem
geológica, comparando o país a uma formação rochosa em que vários
estratos, pertencentes a eras distintas, estariam visíveis ao olho do ob-
servador contemporâneo (Rangel, p. 33).
A idéia de convivência de práticas e valores pertencentes a con-
figurações históricas distintas é uma constante nas principais análises
macro-sociológicas do país, pelo menos desde Euclides da Cunha. Em
geral, ela se apresenta na forma dicotômica, como observou Wanderley
G. dos Santos (Santos, 1970). Haveria, nessa perspectiva, dois brasis
convivendo em harmonia ou em conflito. Em Euclides era o litoral e o
sertão; em Gilberto Freyre, a casa grande e a senzala; em Sérgio Buarque,
o público e o privado; em Nestor Duarte, a família e o Estado; em
Faoro, o Estado e a sociedade, o estamento e a classe; em Hélio
Jaguaribe, a modernidade e o atraso; em Roberto da Matta, o indivíduo
e a pessoa; em outros autores, o campo e a cidade, a elite e o povo, o
capitalismo e a escravidão, a nação e a anti-nação, o nacional e o glo-
bal. Colocada, no entanto, em termos dicotômicos, a análise perde ca-
pacidade explicativa. O próprio Rangel, embora parta de uma dualidade
básica (título de seu livro) termina a análise recorrendo ao símile da
estratificação geológica, que tem a vantagem de admitir a coexistência
de várias camadas e não de apenas duas. A desvantagem dessa imagem
é que ela sugere a separação dos estratos, ou tipos, sociais, quando a
riqueza da idéia da sobreposição dos tempos está exatamente em per-
mitir o exame de sua iteração.

202

brasil-argentinaFIM.pmd 202 5/2/2004, 11:02


ATUALIZANDO GUERREIRO RAMOS

Há, no entanto, como era de esperar, pontos em que a análise


de Guerreiro Ramos perdeu utilidade. Sua tipologia era boa para o mo-
mento em que escreveu. Os dois primeiros tipos ele os tirou de Olivei-
ra Viana e se adaptavam bem ao Brasil até a década de 1930. Igual-
mente, o populismo já era fenômeno conhecido e analisado quando
publicou seu livro. Os dois últimos tipos, no entanto, são menos úteis.
A política de grupos de pressão é conceito tirado da prática política
norte-americana. Interpretada nessa direção, supõe uma organização
de interesses forte mas fragmentada, baseada em lobbies junto ao Exe-
cutivo e o Legislativo, voltada para resultados práticos. Mesmo no Bra-
sil de hoje seria difícil pensar nesse tipo de política como dominante.
Nossos grupos de interesse vêm de outra tradição de organização soci-
al, a corporativa e a clientelista. Além disso, a pressão entre nós se
exerce muito mais sobre o Executivo que é de onde se distribuem as
benesses do poder. Interpretado o conceito grupos de pressão em sen-
tido mais amplo, como era talvez a intenção de Guerreiro Ramos, abran-
gendo organizações sindicais, profissionais, e de outra natureza, ele se
aproxima do tipo ideológico de política e perde especificidade e, por-
tanto, utilidade analítica.
O olho de Guerreiro Ramos estava voltado principalmente para
o estilo político europeu, no qual via a predominância dos partidos
ideológicos representativos de classes sociais e não de grupos de pres-
são e de interesse. Era outro tributo que pagava ao pensamento domi-
nante na esquerda da época. Por culpa ou não dos governos militares
que interromperam a experiência democrática iniciada em 1945, da qual
Guerreiro Ramos foi engajado militante, a política ideológica não dei-
tou raízes entre nós. Embora tenha havido e continue havendo parti-
dos que se pautam por princípios ideológicos, eles são minoria e não se
enraízam necessariamente nas tradicionais classes sociais. A reação
negativa generalizada a decisão recente do Tribunal Superior Eleitoral
obrigando os partidos a manterem nos níveis estadual e local a mesma
coalizão feita no nível federal é sintomática. O TSE partiu da premissa
de que os partidos deveriam ser ideológicos, baseados em princípios,
como queria Guerreiro Ramos. Se o fossem, não haveria reação negativa,

203

brasil-argentinaFIM.pmd 203 5/2/2004, 11:02


pois nada mais natural que as alianças fossem coerentes e consistentes.
A reação mostrou o que todos sabem: a grande maioria dos partidos
não é ideológica. Trata-se de agrupamentos políticos voltados sobretu-
do para a disputa do poder e para a fruição de suas benesses. As alian-
ças variam de acordo com as condições de cada estado ou município.

Segue daí que para o período recente seria necessário pensar em


outra tipologia. Por falta de melhor termo, utilizo o de política de mas-
sas, combinando dois sentidos dessa palavra, a ampla participação dos
cidadãos via eleições e opinião pública, e o grande peso dos meios de
comunicação de massas. Os dois aspectos estão profundamente
conectados, uma vez que a formação da opinião pública não pode ser
desvinculada, para o bem ou para o mal, da atuação da mídia.

OS PACOTES DE NOTAS DE R$ 50,00


No episódio mencionado no início do texto, o país se chocou (e
se divertiu) com a foto dos pacotes de notas de R$ 50,00, totalizando 1,3
milhões de reais. Sublinho a seguir algumas características do episódio
que esclarecem o que mudou e o que permanece na política nacional,
sobretudo nos valores e práticas relacionados com o exercício do poder.

A PERSISTÊNCIA DO CLIENTELISMO

A investigação que levou à busca no escritório tinha a ver com


o uso fraudulento de verbas públicas da Superintendência do Desen-
volvimento da Amazônia (SUDAM) pelas oligarquias de alguns esta-
dos. Já resultara em 2001 na abdicação do presidente do Senado, acu-
sado de se enriquecer graças a tais falcatruas. Desde a década de 30, o
governo federal vinha criando agências de desenvolvimento regional
que serviam sobretudo para cooptar e enriquecer oligarquias estadu-
ais. O uso fraudulento dos recursos dessas agências era conhecido e
tolerado sempre que servisse à necessidade de criar e sustentar alian-
ças políticas. A novidade no caso em questão está no fechamento da
SUDAM e na investigação das fraudes. O travo de ambigüidade reside
no fato de que por muito tempo os beneficiários das fraudes foram
aliados e protegidos do governo federal.

204

brasil-argentinaFIM.pmd 204 5/2/2004, 11:02


A REAÇÃO OLIGÁRQUICA

O totalmente velho, o não-coetâneo do episódio, foi a reação


dos investigados, sobretudo da candidata e de sua família, aí incluído
um ex-presidente da República. Traços típicos das velhas oligarquias
eram a apropriação privada de recursos públicos e a convicção da im-
punidade. O fato de que a polícia federal, obedecendo a ordem judici-
al, tenha entrado no escritório foi visto pelos suspeitos como arbítrio,
ilegalidade, perseguição. No vocabulário dos oligarcas, arbítrio é a apli-
cação a eles das leis penais que só deveriam valer para os inimigos. A
candidata investigada reafirmou ingenuamente os valores oligárquicos
ao reclamar do governo por não ter sido avisada previamente da ação
da polícia. A única explicação possível admitida por essa velha elite
para investigação de seus atos é a perseguição por parte dos adversári-
os, jamais sua própria culpabilidade. O Partido da Frente Liberal (PFL),
tido como moderno e profissional, revelou sua cara tradicional ao se
render à chantagem de sua candidata e reagiu atacando o governo, sem
exigir dela o que a opinião pública pedia: a explicação da origem dos
pacotes de notas de R$ 50,00.

A AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A autonomia do Ministério Público, conferida pela Constituição


de 1988, redundou em mudança radical na atuação dessa organização.
Libertos do controle do Executivo, jovens promotores, imbuídos de es-
pírito missionário, talvez inspirados na operação Mãos Limpas empreen-
dida pelos juizes italianos, iniciaram uma cruzada contra o crime que não
tem respeitado status, riqueza e poder. Por vezes arrogantes, arbitrários
e desastrados, já foram responsáveis por fatos inéditos na história do
país, como a visão de um ex-presidente do Senado ser conduzido, alge-
mado, à prisão. A ação da polícia no escritório da candidata se deveu à
investigação desses promotores, em andamento desde 1997. Embora ainda
seja cedo para avaliar todas as conseqüências da mudança na atuação do
Ministério Público, pode-se dizer que ela aponta em direção revolucionária:
o fim da cultura de impunidade que beneficia as elites nacionais. Um juiz
de tribunal superior foi para a cadeia, três influentes senadores de parti-
dos aliados ao governo foram forçados a renunciar, dois deles com rápi-

205

brasil-argentinaFIM.pmd 205 5/2/2004, 11:02


da passagem pela cadeia, e submetidos a investigação. Vários outros po-
líticos, ex-ministros, empresários, estão sob investigação.

UMA OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL

Outro componente do episódio indicador de mudança foi o pa-


pel da opinião pública. A entrada do povo na política via eleição a
partir de 1945 teve seu impacto democratizante interrompido, para não
dizer viciado, pelos governos militares (1964-1985). Durante a ditadu-
ra militar, o país experimentou algo parecido com o que se passava nos
países comunistas: alta participação eleitoral sem liberdade de impren-
sa e de organização. Entre 1960 e 1986, a participação eleitoral cres-
ceu 161%. Em números absolutos, isso significa que 53 milhões de
brasileiros, cifra eqüivalente à população total do país em 1950, come-
çaram a votar durante um período em que não havia liberdade de mani-
festação de pensamento, em que os partidos eram mutilados e censura-
dos, o Congresso funcionava para legitimar atos do Executivo, os polí-
ticos da oposição estavam sob permanente ameaça de perder os direi-
tos políticos. Pode-se perguntar que sentido tinha o ato de votar para
os cidadãos que assim o exerciam. Certamente não era o do exercício
do direito de determinar o destino político do país. O esvaziamento do
ato eleitoral seguramente ainda persiste em parcelas do eleitorado, como
se pode verificar na eleição e reeleição de políticos reconhecidamente
desinteressados de qualquer outra coisa que não a promoção de seu
ganho pessoal.
O que representa avanços maiores na democratização da polí-
tica é a formação de uma opinião pública nacional mais informada e
mais exigente. A força dessa opinião se tem manifestado em vários
episódios. A primeira eleição popular de um presidente desde 1960
colocou Fernando Collor no governo em 1989. Três anos depois, evi-
dência de vasta corrupção no governo gerou manifestações de massa
que forçaram o Congresso a votar o impedimento do presidente. Mais
recentemente, políticos influentes alvos de denúncias de corrupção ou
comportamento inadequado têm sido forçados à renúncia para evitar
processos de perda de mandato. Como no caso de Collor, o Congresso
só tem agido contra os denunciados por receio de piorar ainda mais sua

206

brasil-argentinaFIM.pmd 206 5/2/2004, 11:02


péssima imagem diante da opinião pública. Um político corrupto pode
facilmente enganar seus eleitores nos estados, mas dificilmente enga-
nará a opinião nacional. Mesmo que mantenha influência local, sua
imagem nacional fica irremediavelmente comprometida.

O PAPEL DA MÍDIA ELETRÔNICA

A criação dessa opinião pública nacional ajuda a reduzir o índi-


ce de “não-coetaneidade”, na medida em que esta última é gerada por
distâncias sociais e geográficas. O fator principal na criação de uma
opinião nacional é sem dúvida a mídia eletrônica, sobretudo a televi-
são. É conhecida a enorme influência que a televisão exerce no país,
devida em boa parte aos baixos índices educacionais. Cerca de 30% da
população de 15 anos ou mais são analfabetos funcionais, isto é, pes-
soas com menos de quatro anos de escolaridade. No Nordeste, o anal-
fabetismo funcional na mesma faixa de idade chega a 50% da popula-
ção. Para essa população, o acesso à informação se dá via rádio e tele-
visão. Na área urbana, mais de 90% da população possui televisão em
casa, na área rural mais de 50%. Devido ao maior atrativo das progra-
mações televisivas, sobretudo das telenovelas, vistas indistintamente
por ricos e pobres, é esse o meio que exerce maior influência nacional.
Pesquisa feita em 1996 na Região Metropolitana do Rio de Janei-
ro, onde os níveis educacionais altos para o padrão nacional, indicou que
26% da população nunca liam jornal, ao passo que apenas 9% nunca
assistiam aos noticiários da TV (naturalmente, muitos desses 9% viam
outros programas que não os noticiários). Essa última porcentagem su-
bia a 11% entre os analfabetos funcionais. Isto é, quase 90% dos analfa-
betos funcionais assistiam ao noticiário, quando apenas 48% liam de vez
em quando um jornal (CPDOC-FGV/ISER, p. 25-34). Pesquisa nacio-
nal do IBGE no mesmo ano, indicava que 59% da população usavam a
televisão como fonte de informação política, contra 15% que preferiam
o rádio e 27% os jornais (IBGE, p. 63). Fica óbvia a importância dos
noticiários da TV como fonte de informação, inclusive política.
Mas é preciso acrescentar, como dado negativo, que, no que se
refere aos noticiários, há enorme predomínio de um canal de televisão,
a Globo. Na pesquisa do Rio de Janeiro, acima referida, 63% dos

207

brasil-argentinaFIM.pmd 207 5/2/2004, 11:02


entrevistados assistiam ao Jornal Nacional, produzido por esse canal.
Somando outros noticiários da mesma emissora, a porcentagem subia
para 80%. Tais números conferem à Rede Globo supremacia pouco
saudável na formação da opinião pública. O predomínio é ainda mais
acentuado quando se leva em conta a enorme audiência conseguida
pelas telenovelas produzidas por esse canal. Muitas das telenovelas
incluem explicitamente temas políticos e exercem influência talvez maior
do que a dos noticiários sobre a formação da cultura política.
Outra ressalva a ser feita é que a ambigüidade do sistema se
manifesta também no papel exercido pela mídia. Os canais nacionais
ajudam a formar uma opinião pública nacional pautada por valores
que poderíamos chamar de modernos, como democracia, honestidade,
transparência, eficiência administrativa. Essa opinião nacional moder-
na vai aos poucos desmontando estilos e valores tradicionais da polí-
tica oligárquica e populista. Mas sucede que essas mesmas emissoras
formam suas redes nacionais associando-se a canais estaduais. Esses
últimos são quase sempre controlados por oligarquias. As concessões
de rádios e tevês pelo governo federal sempre constituíram instrumen-
to clássico de clientelismo político. Com isso, os canais nacionais, a
tevê Globo à frente, se vêem muitas vezes em situações ambíguas,
obrigados, de um lado, a fornecer informação objetiva ao público naci-
onal e constrangidos, de outro, por suas conexões estaduais quando o
interesse das oligarquias estão envolvidos.
O episódio que venho comentando é ilustrativo. A Rede Globo,
em seus noticiários nacionais, tinha que atender às exigências da opinião
pública nacional que exige postura isenta. Mas sua repetidora no Maranhão
pertence à família da candidata suspeita de fraude. A repetidora estadual
se viu obrigada a veicular o Jornal Nacional da emissora, cuja cobertura era
desfavorável a seus donos. Esse o lado positivo do papel da mídia. Mas o
compromisso político com a oligarquia levou à contenção das críticas e
mesmo à parcialidade nos próprios programas nacionais. A parcialidade
ficou óbvia no tempo concedido no Jornal Nacional ao discurso agressivo
contra o governo feito no Senado pelo pai da candidata, muito maior do
que o concedido à resposta dada por aliado do governo. A mesma parcia-
lidade esteve presente no jornal escrito, pertencente ao mesmo grupo. A
decisão do Superior Tribunal de Justiça validando as investigações do Mi-

208

brasil-argentinaFIM.pmd 208 5/2/2004, 11:02


nistério Público sobre a empresa da candidata e seu marido, por exemplo,
foi publicada discretamente na quinta página do jornal do grupo, quando o
assunto era manchete de primeira página em outros grandes jornais.
Isto significa que o não-coetâneo, as oligarquias, não apenas convi-
ve com o contemporâneo, a mídia, como se alia a ele em pactos que redu-
zem o ritmo de transformação e conferem sobrevida às velhas elites.

ELITE E POVO

O tardio ingresso do povo na política e a interrupção do pro-


cesso democrático entre 1964 e 1985 geraram povos políticos distin-
tos. O povo das eleições vota maciçamente, por exigência legal, mas
tem contribuído apenas modestamente para alterar a natureza das polí-
ticas governamentais. Nos níveis estadual e local, ele tem mesmo aju-
dado a sustentar grupos oligárquicos e populistas. Há outro povo que
também vota, mas que, além disso, se organiza em sindicatos e outras
modalidades de associação. O poder de pressão desses grupos, sobre-
tudo dos sindicatos, foi maior na época em que escreveu Guerreiro
Ramos, uma conseqüência da própria política populista e da natureza
corporativa da legislação trabalhista. A pluralidade de organização sin-
dical, a redução do peso do Estado na economia, e a abertura comerci-
al, têm reduzido substantivamente o poder de fogo desses grupos, à
exceção do Movimento dos Sem-Terra (MST), cuja militância, até o
momento, tem tido grande eficácia. Há um terceiro povo, que também
vota, que não é organizado, mas que se manifesta politicamente em
reações de rua. Trata-se da massa urbana desvinculada do mercado
formal de trabalho. É um setor que pode ser decisivo em momentos de
crise mas cuja ação é episódica e vulnerável a políticas paternalistas
do Estado. A novidade em termos de ação popular é o surgimento de
milhares de organizações não-governamentais, muitas das quais se têm
revelado capazes de alterar a natureza das políticas públicas no sentido
de favorecer a redução da desigualdade.
Parece haver tendência na direção de crescente unificação do
povo político, possibilitada, conjuntamente, pela ação da mídia eletrô-
nica, pelo avanço da educação popular, e pelo aprendizado político

209

brasil-argentinaFIM.pmd 209 5/2/2004, 11:02


verificado graças à vigência das liberdades próprias ao sistema demo-
crático. A redução drástica da ocupação rural, o crescimento modesto
do setor secundário, e o grande avanço do emprego terciário não per-
mitem prever uma divisão do povo político ao longo do modelo clássi-
co das classes sociais, apesar da grande incidência de desigualdade eco-
nômica. No máximo, seria possível falar em uma polarização entre po-
bres e ricos. Mas, a haver tal polarização, ela não se cristalizou em
partidos políticos. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem boa parte de
seus adeptos entre funcionários públicos e setores da população de
mais alta escolaridade. Muitos pobres ainda se voltam para lideranças
residuais do populismo localizadas no Partido Democrático Trabalhis-
ta (PDT). Outra razão que dificulta a união dos pobres é a atração do
consumismo. O simples barateamento dos telefones celulares permi-
tindo seu uso até mesmo a camelôs gera efeito simbólico extraordiná-
rio no sentido de arrefecer a mobilização política dos pobres.
Por seu lado, as elites se diversificaram tendo o cuidado de evi-
tar grandes conflitos internos, em outra manifestação da
contemporaneidade do não-coetâneo. Setores oligárquicos se aliaram a
elites nacionais modernas, que se aliaram a grupos internacionais. O
fenômeno é típico de países sem revolução, em que setores da elite, ou
mesmo das classes dominantes, se sobrepõem uns aos outros, se
interpenetram, sem se eliminarem mutuamente. Ele confere às elites
uma extraordinária capacidade de sobrevivência, reforçada pela tardia
incorporação do povo.

PARA ONDE?

Uma pergunta que se coloca a essa altura é se é possível apontar


tendências, direção, no campo móvel e fluido de valores e comporta-
mentos que procurei desenhar. Não basta diagnosticar a mistura do ve-
lho e do novo, a contemporaneidade do não-coetâneo, é preciso tentar
prognosticar, com todos os riscos inerentes à tarefa. Guerreiro Ramos
apostava no surgimento e consolidação da política ideológica. Se não
podemos contar com ela pelas razões indicadas, será possível perguntar
em que outra direção caminhará nossa política? Imagino que sim, desde
que evitemos a perspectiva evolucionista, isto é, o estabelecimento

210

brasil-argentinaFIM.pmd 210 5/2/2004, 11:02


apriorístico de percursos necessários. A sobrevivência de traços arcaicos
não tem impedido que a cultura e a prática da política tenham estado em
constante mutação. Há nelas elementos dinâmicos que as empurram em
novas direções. Podemos perfeitamente indagar da probabilidade da cons-
trução de um sistema estável de governo que consiga conciliar liberdade
política e justiça social, seja qual for o nome que lhe queiramos dar.
Lendo o processo político-social brasileiro em perspectiva tal-
vez excessivamente otimista, resumo a seguir os pontos positivos do
cenário que me parece aos poucos se delinear.
Mudanças na opinião pública
Verifica-se constante e consistente ampliação e consolidação da
opinião pública nacional informada por valores de justiça social e de
identificação do bem público como distinto do interesse privado. Trata-
se de um progressivo distanciamento das práticas e valores patrimonialistas
e clientelistas, tradicionalmente adotados tanto pela elite como pelo povo.
Se permanece a visão de que cabe ao Estado cuidar do bem-estar dos
cidadãos, muda a percepção dos métodos a serem utilizados. O aumento
da competição pelos favores do Estado, possibilitado pela educação es-
colar e cívica, vem tornando clara a necessidade de se estabelecerem
regras impessoais de distribuição dos bens públicos, validando o velho
dito atribuído a Rui Barbosa: ou todos nos locupletamos ou instaure-se a
moralidade. Como agora são muitos ao candidatos às benesses, não há o
suficiente para locupletar a todos, restando a alternativa da moralidade.
Cria-se, então, a consciência da ilegitimidade dos métodos clientelistas e
cresce a intolerância à corrupção. Essa modificação na opinião pública
requer, para sua consolidação, o aumento da competição no campo da
mídia eletrônica e uma drástica alteração nos indicadores de escolarida-
de. As duas coisas se têm verificado nos últimos anos.
Mudanças no Ministério Público e no Judiciário
Pode-se com razoável segurança supor a continuação e amplia-
ção da atuação agressiva do Ministério Público no sentido de levar o
rigor das leis aos altos escalões da sociedade. A isso se deve acrescen-
tar a reforma do Judiciário, até agora mais discutida do que
implementada. Mas é grande e crescente a pressão por sua efetivação.

211

brasil-argentinaFIM.pmd 211 5/2/2004, 11:02


A reforma do Judiciário se faz necessária para a inclusão dos pobres na
distribuição dos benefícios da lei. Levar o rigor da lei aos ricos e seus
benefícios aos pobres significa, no final, a garantia dos direitos civis da
população com o conseqüente aumento de sua adesão ao sistema e de
sua capacidade cívica. Esse componente das mudanças mantém uma
relação de reforço mútuo com o fortalecimento da opinião pública. Em
minha hipótese otimista, as duas forças continuariam a minar as práti-
cas oligárquicas e clientelísticas e a depurar o mundo político dos re-
presentantes dessas práticas, conferindo aos poderes da República a
representatividade e a credibilidade de que tanto carecem.
Mudanças nos indicadores sociais
Verifica-se retomada da tradição de ênfase nos direitos sociais
iniciada nos anos 30 por Vargas via introdução da legislação trabalhista e
previdenciária. Os setores da elite brasileira posteriores a 30 não domi-
nados por concepções ortodoxas do liberalismo sempre compreenderam
a importância da política social como mecanismo eleitoreiro e como táti-
ca de cooptação política. A grita pelo social é hoje geral. Isso não é
exclusivo do Brasil, mas entre nós a tradição de estadania, de esperar do
Estado a solução de todos os problemas, faz da política social um ele-
mento central do êxito político. Nas condições de hoje, a atenção ao
social por parte dos governos, sobretudo do federal, se dirige sobretudo
aos benefícios indiretos trazidos pela melhoria dos serviços públicos nas
áreas da educação, saúde, saneamento, segurança e lazer. As estatísticas
têm demonstrado a sistemática melhoria desses indicadores sociais, com
reflexos positivos nos índices de mortalidade infantil e de esperança de
vida. Até mesmo iniciativas de conotação populista, como a constru-
ção do piscinão na praia de Ramos, no Rio de Janeiro, atendem a legítima
cobrança do direito ao lazer e podem afetar a visão do Estado na popu-
lação de bairros periféricos. O único indicador social que tem piorado é o
da segurança pública, não por acaso transformado em item prioritário da
campanha presidencial e preocupação central dos cidadãos e governos
das grandes cidades.
Mudanças na qualidade da representação
A serem verdadeiras as mudanças acima apontadas, pode-
se esperar também alteração no comportamento do eleitorado. Aos

212

brasil-argentinaFIM.pmd 212 5/2/2004, 11:02


poucos, o ato de votar, que se esvaziara de sentido durante os gover-
nos militares e que antes disso exibia características clientelísticas e
populistas, adquire conotação mais próxima da representação coletiva
de interesses e da cobrança de eficiência e correção no comportamen-
to dos eleitos. O teste definitivo dessa alteração deverá acontecer nas
eleições locais, mais protegidas da pressão da opinião pública nacional
e mais sujeitas aos vícios das velhas práticas. Casos de impedimento de
prefeitos e cassação judicial de mandatos de vereadores já têm aconte-
cido e a probabilidade é que eles se multipliquem.

CONCLUSÃO: O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DEMOCRACIA

O conteúdo positivo de todas essas mudanças pode, no entanto,


ser anulado pela teimosa persistência das desigualdades sociais. Apesar
de ser a undécima economia do mundo, em termos de Produto Interno
Bruto, o Brasil se coloca entre os países mais desiguais, entre aqueles em
que é maior a distância entre ricos e pobres. Em 1998, os 50% mais
pobres detinham apenas 11% da renda nacional. Nos últimos 20 anos, a
renda geral da população cresceu, mas a distância entre ricos e pobres
não diminuiu. Tudo muda no país, exceto a desigualdade.
A desigualdade incide mais pesadamente sobre os grupos da
população vitimados ao longo da história, os descendentes dos escra-
vos, os trabalhadores rurais, as mulheres, os nordestinos. Ela se verifi-
ca na distribuição da renda e da educação. O analfabetismo dos não-
brancos é duas vezes superior ao dos brancos. Os últimos têm dois
anos a mais de escolaridade do que os primeiros. Igualmente, a renda
média dos brancos é o dobro da dos não-brancos. As mulheres conse-
guiram eliminar sua desvantagem no campo educacional onde até
mesmo superaram os homens. Mas os salários pagos para igual trabalho
ainda é menor para elas. Segundo o Censo de 2000, o salário médio das
mulheres ainda eqüivalia naquela data a apenas 71% do salário médio
dos homens. A pobreza rural se reflete nas estatísticas de educação e
renda. A taxa nacional de analfabetismo em 2000 era de 12,8%, mas
nas áreas rurais subia para 28%. A renda média urbana era de R$ 854,00,
contra R$ 327,00 da renda rural. As desigualdades regionais também
são dramáticas. O analfabetismo no Nordeste em 2000 era de 26%,

213

brasil-argentinaFIM.pmd 213 5/2/2004, 11:02


mais do dobro do nacional. O analfabetismo funcional atingia 50% da
população nordestina. Cálculos da Organização Mundial da Saúde para
1997 indicavam que havia no Brasil 54% de pobres (definidos como
aqueles que recebiam 70 dólares ou menos de renda mensal). No Nor-
deste, a porcentagem subia para 80% da população.
Em outras culturas políticas, tal distância entre ricos e pobres
poderia facilmente levar ao fortalecimento de partidos ou grupos radi-
cais, ou mesmo a explosões de radicalismo político. Mas entre nós pre-
visões nessa direção têm fracassado sistematicamente. Lembrando um
estudo de Barrington Moore, Jr, pode-se dizer que nossa cultura, à se-
melhança da indiana, contém alta dose de tolerância à injustiça (Moore
Jr., 1978). O PT tem crescido, mas tudo indica que sua possibilidade
de chegar ao poder está vinculada ao abandono de posições radicais.
O MST é o movimento que mais se aproxima de movimento radical
hoje, mas padece da limitação oriunda do fato de mobilizar parcela da
população que perde rapidamente seu peso numérico no quadro naci-
onal. Mas, mesmo na ausência de tradução política dos efeitos da desi-
gualdade, permanece a pergunta de como poderá o país lidar com a
grande massa de pobres e miseráveis que povoa as grandes cidades.
Sintoma perturbador é a expansão do crime a níveis nunca antes verifi-
cados. Graças à presença do tráfico de drogas nas comunidades, nos-
sas metrópoles se tornaram inseguras, apresentando índices de homi-
cídios comparáveis aos de países em guerra civil. O enfrentamento
desse problema ultrapassa em muito medidas de reforma policial e ju-
diciária. Não se pode excluir de antemão a possibilidade de organiza-
ção política dessas massas marginalizadas ao longo de linhas radicais
ou mesmo de sua manifestação em explosões tópicas, como já aconte-
ceu no passado. Mesmo que tal não se dê, a simples expansão do gover-
no paralelo dos comandos do tráfico, abrangendo territórios cada vez
maiores das grandes cidades, já significa perda irreparável para as liber-
dades civis e, portanto, para a qualidade da democracia.
O grande teste de nossa democracia política, e isso vale tam-
bém para quase todos os outros países da América Latina, será sua
capacidade de promover a democracia social, de produzir e implementar
políticas que reduzam a desigualdade que nos separa e a violência que
nos amedronta. Internamente, militam a favor de um cenário positivo

214

brasil-argentinaFIM.pmd 214 5/2/2004, 11:02


as mudanças apontadas, sobretudo a cobrança da opinião pública, o
aperfeiçoamento da representação, os investimentos na melhoria das
condições de vida. Militam contra, entre outros fatores, a dificuldade
de retomar índices satisfatórios de crescimento econômico, a dívida
pública, a baixa eficácia das máquinas governamentais, a resistência
das elites em abrir mão de privilégios, a oposição das corporações poli-
ciais e judiciária à reforma de suas entidades e atribuições. Externa-
mente, joga a favor o apoio generalizado aos regimes democráticos.
Jogam contra, entre outros, o impacto negativo da abertura comercial
sobre a geração de empregos, as limitações aos investimentos sociais
decorrentes da exigência de disciplina fiscal, a dívida externa, os ata-
ques especulativos do capital financeiro internacional.
O impasse poderia ser descrito da seguinte maneira: a desigualda-
de social pode ser reduzida diretamente pelo aumento do emprego ou indi-
retamente por política sociais compensatórias, ou, idealmente, pelas duas
coisas ao mesmo tempo; as disciplinas fiscal e monetária, exigências da
nova ordem internacional, freiam o crescimento econômico e reduzem os
recursos para investimento social; investimento social sem novos recur-
sos implica um jogo distributivo de soma zero, isto é, o que se aloca em
uma rubrica tem que ser tirado de outra; tal redistribuição para ser feita em
escala significativa exige políticas públicas só possíveis na presença de for-
te representação política dos pobres; uma das características de nossos
pobres é não serem capazes de se representar politicamente.
Nas sociedades que tiveram êxito na construção de democracias
sólidas, a democratização da política ou se deu concomitantemente à da
sociedade, ou esta precedeu àquela. Quando a ação política democrati-
zou a sociedade, caso dos países que passaram por revoluções socialistas,
ela o fez por métodos não democráticos. As mudanças apontadas acima
caminham na direção de tornar o sistema político mais sensível às neces-
sidades sociais. Continuará sendo, no entanto, tarefa árdua, que desafia
nosso otimismo, a de reformar nossa sociedade por métodos democráti-
cos, sobretudo na presença de uma herança social tão negativa como a
que construímos.

215

brasil-argentinaFIM.pmd 215 5/2/2004, 11:02


BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Martins de. Brasil Errado. Rio de Janeiro: Organizações Simões,


1952 (1ª ed. 1932).
AMADO, Gilberto. Eleição e representação. Rio de Janeiro, 1931.
CARVALHO, José Murilo. A construção da cidadania no Brasil: o longo caminho.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
CPDOC-FGV/ISER. Lei, justiça e cidadania. Sinopse dos resultados da pesquisa.
Rio de Janeiro, 1998.
IBGE. Associativismo, representação de interesses e intermediação política. Rio de Ja-
neiro, 1997.
MOORE Jr., Barrington. Injustice. The social bases of obedience and revolt. New
York: Macmillan, 1978.
RAMOS, Guerreiro. A crise do poder no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1961.
46-67.
RANGEL, Inácio. Dualidade básica da economia brasileira. Rio de Janeiro: ISEB,
1957.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. “Raízes da imaginação política brasi-
leira”. DADOS, 7 (1970), 137-171.
VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro: José Olympio,
1949.
ROMERO, José Luis, Las ideas políticas en Argentina, 5a ed., Buenos Aires,
Fondo de Cultura Económica, 1975.
ROMERO, Luis Alberto, Breve historia contemporánea de la Argentina. 2da ed.,
Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001.
ROMERO, Luis Alberto: Argentina. Crónica total del siglo XX. Buenos Aires,
Aguilar. 2000.
ROUQUIÉ, Alain, Poder militar y sociedad política en la Argentina. Buenos Aires,
Emecé, 1981/1982.
SCHVARZER, Jorge La política económica de Martinez de Hoz. Hyspamérica,
Buenos Aires, 1986.
SIGAL, Silvia y Verón, Eliseo, Perón o muerte. Las estrategias discursivas del
fenómeno peronista. Buenos Aires, Legasa, 1986.
TORRE, Juan Carlos, Los sindicatos en el gobierno, 1973-1976. Buenos Aires,
CEAL, 1983.
ZANATTA, Loris, Del estado liberal a la nación católica. Iglesia y Ejército en los
orígenes del peronismo. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 1996.

216

brasil-argentinaFIM.pmd 216 5/2/2004, 11:02


Comentários

Boris Fausto: Em primeiro lugar, me chamou muito a atenção


– é uma coisa óbvia, mas que vale à pena ser ressaltada – o clima men-
tal, por assim dizer, em que esses dois papers foram escritos.
Eu diria, provocadoramente, que o paper de Luís Alberto refle-
te a situação social de um país que está dentro de um poço; ele se
pergunta como sair desse quadro tão difícil.
O papel de José Murilo me parece bafejado por uma onda de
otimismo. Eu seria das últimas pessoas a desmentir o otimismo. Mas,
em todo caso, é um otimismo que, partindo dele – mente quase sempre
crítica muito aguçada – chega a surpreender.
A partir dessa primeira observação “climática”, acho útil com-
parar as culturas políticas brasileira e argentina, com relação a um lon-
go período histórico. Há algo muito visível, no período 1890-1930, que
é a diferença dos sistemas políticos. Com todos os seus problemas,
com as suas deficiências, a Argentina levava uma enorme vantagem
sobre o Brasil, em termos de constituição do sistema partidário, parti-
cipação da população, comparecimento às eleições etc.
Não vou insistir no que era o Brasil oligárquico mas lembro, no
plano institucional, a diferença com a Argentina, sobretudo a partir da
Lei Saenz Peña, de 1912. Lembro a riqueza da disputa partidária entre
conservadores, União Cívica Radical, socialistas e por aí vai.
Ora, tenho a impressão de que devemos marcar isso, mas deve-
mos salientar também uma coisa que o Luís Alberto colocou, que é um
vício, digamos assim, da cultura política argentina, não obstante o avan-
ço das suas instituições, formalmente liberal-democráticas. Estou me
referindo ao que ele chamou de coexistência de baixa conflitividade
social com elevadíssima conflitividade política e cultural, durante um
longo período da história argentina.
Penso que a conflitividade política argentina vem de longe. As-
sumiu aspectos dramáticos, a partir das ditaduras militares. Mas é algo
que ocorre já na vigência de um sistema democrático aberto, onde nun-
ca se estabeleceu um consenso básico, entre as diferentes correntes.

217

brasil-argentinaFIM.pmd 217 5/2/2004, 11:02


Isto é, se as regras formais democráticas de alguma maneira fun-
cionaram, houve ao mesmo tempo um espírito de exclusão do outro,
traduzido, a partir dos anos 20, no radicalismo, no anti-radicalismo, na
veneração de Hipólito Yrigoyen e na correspondente execração dessa
figura política. E, depois, segue-se, começando em meados dos anos
40, o peronismo e o anti-peronismo, como sombras que percorrem a
História argentina dos anos mais recentes.
Alguém diria: “Bom, mas no Brasil nem tudo são flores”. Certa-
mente, não são flores. Até porque me parece que uma das razões da
menor conflitividade no Brasil reside no fato de que houve aqui uma
emergência muito menor do povo, na vida social e na vida política. Há
uma baixa pressão sobre as elites. E, de algum modo, as elites puderam
chegar a um entendimento, maior ou menor, ao longo dos anos.
Creio que o exemplo mais nítido são os casos de Perón e Vargas.
A sombra de Perón permanece, na História argentina, depois da pri-
meira queda, reemergindo a figura do general em um segundo governo,
a partir de 1973. Mais do que isso, em toda a História argentina dos
anos mais recentes, a presença fantasmática, pode ser, mas a presença,
de qualquer forma, de Perón permanece, pelo menos até o início dos
anos 90, quando Meném se propõe então, como peronista, a desfazer
as idéias, realizações, fracassos e mitos peronistas.
No caso brasileiro, podemos dizer que a presença varguista, a
presença getulista, como se dizia no meu tempo, é muito menor.
A sombra de Getúlio, em última análise, depois da ditadura militar, vai
ter um último eco, com Brizola. E, hoje, Brizola é apenas um simulacro
de líder populista.
Entre outros fatores, a existência de um consenso básico relativo
– que pode ir água abaixo – torna o quadro político brasileiro relativa –
ano do chegada ao poder do general Videla e do início do chamado
processo de reorganização nacional – pode ser tomado como referência
básica de uma bifurcação de caminhos entre o Brasil e a Argentina.
Por que digo isso? Porque, a meu ver, a ditadura implantada em
1976, na Argentina, teve um caráter bem mais deletério do que a
ditadura militar brasileira, apesar desta ter tido uma longa duração no

218

brasil-argentinaFIM.pmd 218 5/2/2004, 11:02


tempo. Não preciso dizer que não estou fazendo o elogio da ditadura
brasileira, mas quero assinalar que, a partir de meados dos anos 70,
ocorre um envolvimento total das forças armadas argentinas numa ofen-
siva visando à destruição física dos adversários ou inimigos políticos
do regime, acompanhada de um gradativo processo de desmoralização
das instituições do país.
No Brasil, não chegamos a tanto. As Forças Armadas, bem ou mal,
preservaram certas instituições, ou se viram obrigadas a preservá-las.
Para ficar num exemplo expressivo, vejam o caso da Universi-
dade. Quando se fala em repressão nas universidades brasileiras, du-
rante o regime militar, não me parece que devamos identificá-la, não
obstante seus enormes males, como uma repressão maciça. A não exis-
tência de um quadro totalitário, permitiu a permanência e a formação
de novos quadros universitários, apesar da atmosfera de medo e das
aposentadorias compulsórias dos nomes em maior evidência. Além dis-
so, vale a pena lembrar que o regime militar perdeu a batalha ideológi-
ca no âmbito universitário, pois as idéias democráticas e as idéias de
esquerda permaneceram como idéias dominantes.
Em suma, apesar de tudo, não ocorreu um desmantelamento
institucional, como aconteceu na Argentina. Com a ressalva de que, no
caso argentino, os males já vinham de longe, começando, a partir do
peronismo, se não estou enganado, a partidarização da vida universitária.
É evidente que as diferenças de cultura política da Argentina e
do Brasil não se prendem apenas ao enfoque que, breve e algo irres-
ponsavelmente, procurei sugerir. Mas creio que há um campo impor-
tante por explorar, na linha da maior ou menor conflitividade sócio-
política e cultural, na linha da formação ou não de um consenso bási-
co, a partir da qual talvez possamos entender um pouco mais os dile-
mas complicados dos dias que correm.

219

brasil-argentinaFIM.pmd 219 5/2/2004, 11:02


220

brasil-argentinaFIM.pmd 220 5/2/2004, 11:02


CONDIÇÕES PARA UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO
CONJUNTO DO BRASIL E ARGENTINA

João Paulo de Almeida Magalhães

Ao assinarem o Tratado de Assunção, o Brasil e Argentina


fizeram opção por estratégia de desenvolvimento conjunto. Com
isso obedeceram à tendência da conclusão de acordos de integração
regional, que se difunde rapidamente no mundo. O objetivo do pre-
sente documento é indagar a melhor forma de traduzir em ações
concretas a opção por política de desenvolvimento conjunto,
corporificada no MERCOSUL. Para tanto, começaremos por tra-
çar as linhas básicas de estratégia capaz de proporcionar a elimina-
ção do atraso econômico dos dois países, passando depois a indagar
de que forma esta pode ser implementada e qual o papel do
MERCOSUL nesse contexto.1
O assunto será dividido em três seções: na primeira, se fará
recapitulação das análises recentes que indicam as condicionantes
básicas de política eficaz de desenvolvimento; na segunda, se inda-
gará as causas do pouco sucesso, nas última décadas, das políticas
econômicas implementadas nos dois países passando–se, em segui-
da, a propor os meios e modos de corrigir tal situação e, na terceira,
serão propostas as grandes linhas de política destinadas a transfor-
mar o MERCOSUL no instrumento básico para se alcançar o obje-
tivo de desenvolvimento conjunto.

1
No curso da exposição as referências e análises se basearão, algumas vezes, somente na situação
brasileira sobre a qual dispomos de mais informações. Na maioria das vezes ,contudo, as
observações e conclusões propostas valem igualmente para a Argentina. Quando se falar do
MERCOSUL as referências serão apenas a esses dois países, seja pelo seu maior peso relativo,
seja por constituírem eles o objeto principal do presente texto. Assinale –se, finalmente. Que
muitas das idéias aqui expostas já foram por nós desenvolvidas em outros textos pelo que
preferimos , em vez de onerar o trabalho com citações e referência bibliográficas, remeter o
leitor diretamente aos textos pertinentes.

221

brasil-argentinaFIM.pmd 221 5/2/2004, 11:02


I – C ONDICIONANTES PRINCIPAIS DE MODELO EFICAZ DE
DESENVOLVIMENTO

1 – A melhor forma de enfocar a questão consiste em indagar


porque existem países subdesenvolvidos. A resposta parece, em
princípio, simples. Até fins do século XVIII e princípios do XIX,
inexistiam países subdesenvolvidos. Estudos disponíveis mostram, de
fato, que a diferença, em termos de produto por habitante, entre pobres
e ricos não ia além de 1 para 2. A grande disparidade atual surgiu com
a chamada Revolução Industrial, em que progresso tecnológico, rápido
e contínuo, tornou possível constante aumento de capital por
trabalhador, com o resultante incremento no produto por habitante.
Os países que aproveitaram essas oportunidades são os hoje
desenvolvidos e os que se abstiveram de fazê–lo, se viram relegados à
condição de subdesenvolvimento.
Esse fato fez com que as medidas propostas para eliminar o
atraso econômico se concentrassem na perspectiva da oferta. Ou seja,
o necessário e suficiente para os subdesenvolvidos seria levar poupanças
a nível que permitisse seu capital por trabalhador crescer mais
rapidamente que o dos desenvolvidos. Com isso, após algum tempo, se
eliminaria o hiato existente entre países ricos e pobres, em termos de
produto por habitante2.
Nesse contexto, cabe observação importante. A tendência a
enfocar o problema pelo lado da oferta vai se refletir amplamente nas
teorias do crescimento econômico. Tanto em estudos neoclássicos,
como de Solow (1956) quanto nos trabalhos mais recentes sobre o
crescimento endógeno, o mercado é simplesmente ignorado. A exceção
representada pelo modelo Domar – Harrod (1957) é apenas aparente.
Ele incorpora, de fato, o aspecto da demanda monetária que nada tem
a ver com o mercado ou demanda real3. O mesmo abandono da
perspectiva do mercado acontece nas análises sobre o desenvolvimento
2
Alguns estudos brasileiros recente conferem grande importância à produtividade total dos
fatores nas políticas de desenvolvimento. Em Magalhâes ( 2000) sustentamos que tal posição
não é confirmada nem pelos fatos e nem pela literatura especializada.
3
A diferença entre demanda monetária e mercado ( ou demanda real) é explicitada em Maga-
lhães ( 1974)

222

brasil-argentinaFIM.pmd 222 5/2/2004, 11:02


econômico, como a que conferiu a Lewis (1958) o prêmio Nobel de
Economia. Ou seja, a chamada lei de Say , segundo a qual a oferta cria sua
própria procura, era implicitamente aceita por toda literatura. A inadequação
desse enfoque somente vai ser reconhecida nos escritos de Rosenstein–
Rodan (1961) e Nurkse (1955) que, contudo, não fizeram escola.
Análises recentes sobre o caso de sucesso dos países do Leste
da Ásia, introduziriam radical mudança nesse estado de coisas. O
primeiro passo nesse sentido foi dado pelo relatório do Banco Mundial
“East Asian Miracle”(1993). Mostrou ele que, ao contrário do
geralmente aceito, não era o aumento da poupança que determinava o
incremento mais rápido do PIB, mas sim o aumento deste último que
elevava as poupanças. Ou, colocando a questão em outros termos,
verificou –se registrarem todos países da região elevadas taxas de
poupança ( em torno de 30% do PIB) sem que fosse possível identificar
política uniforme capaz de determinar esse resultado.
Tal fato levou os analistas a aceitarem que, diferentemente
do suposto até agora, a simples existência de mercado (ou de
oportunidades de investimento) se traduzia em aumento das
poupanças4. Ou seja, a condição básica do sucesso das políticas de
desenvolvimento deixava de ser a existência de poupanças de nível
suficiente, para se tornar a disponibilidade de mercado de dimensão e
dinamismo adequados.
O mercado como condicionante principal das políticas de de-
senvolvimento teve, aliás, interessante confirmação no Brasil em situ-
ação que segundo a CEPAL (1995) vale para toda a América Latina.
Nos últimos anos ingressaram no país grandes montantes de poupança
externa (em nível anual de 20 a 30 bilhões de dólares) sem que a
percentagem de investimentos sobre o PIB registrasse qualquer elevação
(mantendo–se ancorada na percentagem de 19% do PIB). A interpreta-
ção desse fato, em termos do enfoque analítico aqui proposto, é
simples. Diante de estratégia de desenvolvimento que não proporcionava
mercado capaz de viabilizar grandes investimentos, a entrada da poupança
externa nada mais fez que deslocar para o consumo quantidade equiva-
lente da poupança interna, sem qualquer ganho para o desenvolvimento.
4
Esse aspecto é examinado com profundidade em Magalhães (2002 A)

223

brasil-argentinaFIM.pmd 223 5/2/2004, 11:02


Em termos da gíria econômica a poupança interna foi “crowded out”
pela externa
Em suma, na inexistência de mercado das dimensões requeridas
pela política de desenvolvimento, não adianta elevar poupanças. Em
sentido oposto, se o mercado existir nenhuma ação especial é requerida:
as poupanças se formarão espontaneamente. Donde se conclui que o
aspecto básico a ser considerado em estratégia conjunta de desenvolvi-
mento Brasil - Argentina é a disponibilidade de mercado5.
Esse fato não deveria, aliás, ser considerado surpreendente vis-
to que, em toda literatura, os modelos de desenvolvimento sempre fo-
ram classificados pelo tipo de mercado em que se apoiavam. Tivemos,
assim, no Brasil, o modelo primário – exportador , baseado no mercado
externo de produtos agrícolas, o modelo de substituição de importa-
ções, explorando o mercado interno de manufaturas e se tenta hoje
implementar modelo de “integração competitiva no mercado mundi-
al”, cujo sucesso depende, fundamentalmente da exportação de mon-
tante adequado de produtos industrializados.
A par disso, em todos os casos, o fracasso (ou abandono) dos
modelos foi determinado pela insuficiência de mercado. O primeiro,
foi deixado de lado porque o mercado internacional para bens primári-
os crescia lentamente sendo incompatível com a necessidade de cresci-
mento acelerado dos países subdesenvolvidos. O segundo modelo es-
tagnou ao se esgotar o mercado representado pelas oportunidades de
substituir importações e, finalmente, os maus resultados do atual mo-
delo econômico são atribuídos à insuficiente penetração das mercado-
rias brasileiras no mercado mundial.
2- Estabelecida a garantia de mercado como a condicionante
básica das políticas de desenvolvimento conjunto Brasil–Argentina, faz
-se necessário indagar se o mercado a ser explorado é o interno ou
externo. Ou seja, se a preferência deve ser dada ao crescimento para
5
O fato de a disponibilidade de mercado assumir papel central nas políticas de desenvolvimento
não autoriza, todavia, ignorar o aspecto da oferta. De pouco valerá, de fato, a existência de
mercado se o país não contar com empresariado dinâmico, capacitação tecnológica , mão – de -
obra de nível adequado e instituições capazes de orientar a disponibilidade de poupanças para
aplicações prioritárias

224

brasil-argentinaFIM.pmd 224 5/2/2004, 11:02


dentro ou para fora. A pergunta é importante porque, dispondo o Brasil
de um dos dez maiores mercados internos do mundo, importante
corrente de especialistas defende a adoção de estratégia de crescimen-
to para dentro. E essa tese ganha força com a integração do mercado
brasileiro com o da Argentina.
Em favor da estratégia de crescimento para dentro temos os
bons resultados do modelo de substituição de importações. No caso
brasileiro este proporcionou, nas três décadas seguintes à Segunda Guerra
Mundial incremento do PIB na média anual de 7%. Não seria possível
repetir esses bons resultados ? Para bem responder à pergunta faz-se
necessário indagar as causas do estancamento do modelo de substituição
de importações. Nos debates ocorridos no Brasil no início dos anos 60
( quando o modelo apresentou seu os primeiros problemas) a opinião,
praticamente unânime, era de que se estava diante de dificuldade ligada
à insuficiência de mercado. As sugestões para contornar a dificuldade
lançaram mão do pouco que se dispunha, na literatura especializada,
sobre a insuficiência da demanda como obstáculo ao crescimento.
Assim, com base no paradigma keynesiano se propôs grandes
investimentos governamentais e, a partir da visão marxista6, foram
sugeridas amplas medidas de distribuição de renda.
Na verdade, contudo, a interpretação correta é a baseada em
Rosenstein-Rodan e Nurkse. O problema era de indivisibilidade, ou
da dimensão mínima imposta às atividades produtivas pela moderna
tecnologia. Enquanto existiram oportunidades de substituição de
importações estas, mais o crescimento vegetativo do PIB, contornavam
o problema. Do momento, no entanto, que se esgotaram as
oportunidades de substituir importações, o simples crescimento
vegetativo do PIB se revelou insuficiente, em setores de vital
importância, para viabilizar a criação de novas unidades produtivas.
Com isso o modelo substituidor entrou em colapso.
Ou seja, diferentemente do que se supunha, não foi possível
passar automaticamente da substituição de importações para o
6
Observe–se que a posição de Marx constitui exceção na literatura sobre o crescimento ao
considerar a insuficiência do mercado ( entendido corretamente como demanda real) importan-
te obstáculo ao crescimento, situação manifestada seja nas crises de subconsumo, seja mo
colapso final do capitalismo

225

brasil-argentinaFIM.pmd 225 5/2/2004, 11:02


crescimento auto sustentado. Tal evolução só ocorreria se a substi-
tuição de importações houvesse proporcionado PIB de dimensões tais
que seu simples crescimento proporcionasse o mercado necessário
para viabilizar a manutenção dos investimentos no nível anterior. O
que não aconteceu7.
Como, de então para cá, o PIB brasileiro cresceu em ritmo
relativamente lento, a situação não se modificou. A pergunta rele-
vante torna-se, então, a seguinte: não teria a integração dos merca-
dos brasileiro e argentino, proporcionada pelo MERCOSUL, modi-
ficado a situação? A resposta é negativa porque, se tal fosse o caso,
após meia década de existência do Acordo, pelo menos os primeiros
sintomas da volta a crescimento acelerado deveriam se ter mani-
festado.
A conclusão a que se chega, portanto, é dever programa con-
junto de desenvolvimento Brasil - Argentina adotar como base o mer-
cado externo. Isto é, ser do tipo crescimento para fora.
3 - Essa modalidade de crescimento é defendida tanto pela
“mainstream economics” como pelas agências internacionais. Em seu
favor se alega não só a experiência de sucesso dos países do Leste da
Ásia, como as seguintes vantagens específicas: (a) eliminação do pro-
blema da indivisibilidade decorrente da pequena dimensão do mercado
interno dos subdesenvolvidos, (b) exigência de elevados níveis de pro-
dutividade para permitir o rápido aumento das exportações e suportar
a concorrência das importações e (c) viabilizar o apoio ao processo
dinâmico pela poupança externa. Este último aspecto deve ser
explicitado.
O investimento estrangeiro entra no país em função da rentabi-
lidade esperada e da garantia da conversibilidade, significando esta úl-
tima a possibilidade de transferir os ganhos obtidos para moeda do
país de origem do capital. Nos modelos de crescimento para fora, a
conversibilidade não constitui problema pois quanto mais capital
estrangeiro entra no país, mais crescem as exportações e , portanto,
mais rapidamente se elevam as disponibilidades de divisas. O modelo
7
Esse aspecto e aprofundado em Magalhães ( 1974 )

226

brasil-argentinaFIM.pmd 226 5/2/2004, 11:02


de substituição de importações, se não aumenta, pelo menos economi-
za a moeda estrangeira viabilizando, dessa forma, o serviço da dívida
externa. O crescimento auto-sustentado, que configuraria o novo tipo
de crescimento para dentro, não aumenta nem economiza divisas, ge-
rando o problema da conversibilidade, incompatível com apoio da pou-
pança externa.
Aspecto importante a ser sublinhado é que, embora programa
de desenvolvimento conjunto do Brasil-Argentina deva se basear fun-
damentalmente no mercado externo, o mercado interno não pode ser
ignorado. Isso por três motivos motivos.
Em primeiro lugar porque, economicamente unificados, os dois
países disporão de grande mercado interno e a experiência demonstra
que nações com essa característica não exportam mais que 20% do
PIB. Isto significa que os investimentos destinados a atender o mer-
cado interno serão significativamente mais altos do que os destina-
dos ao mercado externo. Isto significa que, embora as exportações
constituam o setor dinâmico básico, seu impacto positivo sobre o
desenvolvimento só será maximizado por programas orientados para
o mercado interno.
Em segundo lugar, a experiência demonstra que uma das for-
mas mais eficazes de elevar a produtividade aos níveis requeridos pela
exportação, consiste no atendimento inicial do mercado interno,
viabilizado este inclusive através de medidas protecionistas.
Finalmente, o mercado externo revela - se muitas vezes ina-
cessível em função de custos – país inelimináveis ou mesmo de
medidas protecionistas de terceiros países. Nesse caso a única solu-
ção disponível consiste em explorar o mercado interno. E essa al-
ternativa encontra em grandes mercados internos, como o constitu-
ído pelo Brasil e Argentina integrados, condições especialmente fa-
voráveis.

II- LINHAS BÁSICAS DE POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO CONJUNTO


BRASIL – ARGENTINA

227

brasil-argentinaFIM.pmd 227 5/2/2004, 11:02


1 - A proposta de estratégia de crescimento para fora, a ser
adotada pelo Brasil e Argentina, se defronta, de imediato, com im-
portante indagação. Com base no Consenso de Washington e em fun-
ção de pressões exercidas por organismos internacionais, esses dois
países já vinham implementando estratégia de crescimento para fora,
sem qualquer sucesso. Não seria esse fato demonstração suficiente,
conforme afirmam alguns defensores do crescimento para dentro, da
inconveniência desse tipo de estratégia? A ilação correta não é esta
mas simplesmente de que, não basta optar por crescimento com base
no mercado externo, mas faz - se indispensável que a estratégia ado-
tada obedeça a determinadas características. O que não ocorreu no
caso dos dois países.
Colocando a questão sobre outro ângulo, e baseado no esquema
analítico da seção anterior, diríamos que as políticas implementadas
nos dois países, da modalidade “integração passiva” na economia
mundial, não foram capazes de proporcionar–lhes mercado de dimen-
sões e dinamismo adequados. Isso por três motivos básicos.
Em primeiro lugar, inspirados pelo neoliberalismo do Consen-
so de Washington, os dois países abriram rápida e unilateralmente suas
economias. A expectativa era de que as coisas se passariam da maneira
que segue. Liberadas as importações, a concorrência dos fornecedores
estrangeiros faria com que as empresas locais atingissem níveis inter-
nacionais de produtividade. Feito isso, a simples procura da
maximização de lucros as lançaria em agressivas políticas exportado-
ras. O que de fato sucedeu foi o lento crescimento das vendas externas
e a explosão das importações.
Isso aconteceu porque os proponentes dessa política não levaram
em conta um fato básico (a análise refere–se aqui especificamente ao
Brasil) a saber: a industrialização do país representou, para as empresas
estrangeiras e importadores nacionais de manufaturas um “second best”
Teriam preferido continuar importando o produto acabado. Diante,
todavia, da escassez de divisas e medidas protecionistas viram–se
obrigados a produzir no país.
Do momento, porém, que a economia foi amplamente aberta às
importações, era lógico e normal que evoluíssem para o first best voltando

228

brasil-argentinaFIM.pmd 228 5/2/2004, 11:02


a trazer o produto acabado do exterior, transformando gradualmente
suas empresas locais em simples distribuidoras. Isso foi, em boas parte,
o que aconteceu. Ou seja, em função do modelo adotado, o Brasil não
somente deixou de conquistar parcela significativa do mercado externo
como perdeu para o fornecedor estrangeiro margem significativa do
interno.
A segunda causa do insucesso registrado foi a passividade do
Governo. Inspirado pela visão neoliberal, ele se absteve de qualquer
esforço de apoio ao produtor local. Com isso, o país se especializou em
setores nos quais gozava de vantagens comparativas naturais, a saber,
abundância de recursos naturais e mão-de-obra relativamente barata.
Ou seja, o Brasil (e isso vale também para a Argentina) se especializou
na exportação de “commodities” agrícolas e industriais (papel e celulose,
aço, produtos petroquímicos etc). Ora esse setor, por ter mercado de
lento crescimento, registrar aixo valor adicionado por trabalhador e ser
altamente competitivo, não se ajusta à estratégia de crescimento para
fora8. Novamente por esse motivo, a política adotada esbarrou na
barreira da insuficiência de mercado.
Em terceiro e último lugar, tivemos o problema das empresas
multinacionais. Elas desempenharam papel relevante no modelo de
substituição de importações e, segundo algumas estimativas, são hoje
responsáveis por cerca de 40% do faturamento da indústria brasileira
A título de comparação pode–se lembrar que tal percentagem não vai,
na Coréia do Sul, além de 11%. Outro ponto importante é que elas empre-
sas controlam exatamente os setores de maior dinamismo no mercado
mundial.
Essas empresas entraram no Brasil e Argentina para atender ao
mercado interno. Os grandes mercados mundiais ( Japão, Estados Unidos
e União Européia) lhes estão fechados por já serem atendidos por suas
matrizes. Tal fechamento se acha, aliás, amplamente comprovado no
caso do Brasil. As estatística mostram, de fato, serem suas exportações
significativas somente para os mercados, relativamente pequenos e
pouco dinâmicos, do MERCOSUL e países vizinhos. Ou seja , o peso

8
Esse faro foi amplamente reconhecido tanto na literatura brasileira como internacional, con-
forme se mostra em Magalhães ( 2000)

229

brasil-argentinaFIM.pmd 229 5/2/2004, 11:02


das filiais de multinacionais em setores de grande dinamismo no co-
mércio mundial, ao limitarem os mercados à nossa disposição, consti-
tuiu o terceiro fator negativo no modelo brasileiro–argentino de cresci-
mento para fora.
Em suma, conforme acima se disse o fracasso da política de
desenvolvimento dos dois países decorreu fundamentalmente de não
terem conseguido equacionar o problema do mercado.
2 – Essas três falhas apontam claramente para o que se deve fazer
em modelo de desenvolvimento conjunto Brasil - Argentina. Trata-se, em
última análise, de evoluir do modelo de “integração passiva” no mercado
mundial para modelo de “integração ativa” onde o papel do Estado é im-
portante. Este deve se desdobrar dentro de três linhas principais.
Em primeiro lugar, o Poder Público deve contribuir de forma
importante para a criação de vantagens comparativas em setores
dinâmicos do mercado internacional. A literatura especializada mostra,
de fato, que muitos dos principais casos de sucesso nas exportações
se basearam em vantagens comparativas criadas, e mantidas através
do tempo, mediante contínuo esforço para defender a competitividade
obtida.. Em países desenvolvidos, as próprias empresas se encarregam
da tarefa . Nos subdesenvolvidos a criação de vantagens comparativas
depende, porém, de ação ampla e permanente do Estado.
Complementarmente o Governo deve lançar-se em política
industrial cujo objetivo precípuo é aproveitar as vantagens
comparativas, criadas em setores de alto valor adicionado por
trabalhador e mercado internacional dinâmico, para lançamento do
país em agressiva política exportadora . Isso não significa, obviamente,
abandonar o setor de “commodities” onde os dois países têm
vantagens comparativas naturais. Elas devem ser aproveitadas no
sentido de apoiar o esforço principal levado adiante nos segmentos
supra referidos.
A segunda medida , a exemplo do ocorrido nos países do Leste
Asiático, deve ser de condicionar a abertura às importações ao suces-
so da política exportadora. Isso, não apenas evitará o agravamento
dos gigantescos déficits de contas correntes dos dois países, como

230

brasil-argentinaFIM.pmd 230 5/2/2004, 11:02


permitirá que qualquer perda de mercado interno para fornecedores
alienígenas, seja compensada por ganhos equivalentes no mercado
externo.
A par disso, não se pode ignorar os graves problemas, não só de
contas correntes como de desnacionalização e desindustrialização, re-
sultantes da abertura excessivamente rápida das duas economias e da
colocação do produtor local em condições desvantajosas relativamen-
te ao concorrente estrangeiro (em função de impostos em cascata, ju-
ros elevadíssimos etc.). Para corrigir essas distorções programa de subs-
tituição de importações deve ser previsto. O objetivo deste será, toda-
via, apenas corrigir os efeitos indesejáveis da abertura da economia nas
condições em que foi levada adiante. Medidas protecionistas se farão
eventualmente necessárias evitando-se, contudo, repetir o erro de
viabilizar atividades de custos injustificadamente elevados9.
Será, por fim, necessário definir –se que empresas terão a seu
cargo o comando do processo. Mostramos acima que as multinacionais
se abstiveram da entrada nos grandes mercados mundiais, já atendidos
por suas matrizes A verdade, porém, é que o Governo brasileiro (e
possivelmente o argentino) não fez qualquer esforço para modificar
esse tipo de comportamento. Cumpre, portanto, verificar previamente
até que ponto as multinacionais seriam capazes de (ou se interessariam
por) assumir, no novo modelo de desenvolvimento, o mesmo papel de
ponta do passado. A aceitação deste, constituiria, sem dúvida, a me-
lhor solução dado que já dispõem da tecnologia requerida, do acesso
aos grande capitais necessários, além de amplo conhecimento do mer-
cado mundial.
Poder-se-ia colocá–las diante do seguinte problema: segundo es-
timativas disponíveis, o Brasil (e algo semelhante deve valer igualmente
para a Argentina) a fim de voltar ao crescimento acelerado (e resolver
seu problema de contas externas) deve aumentar suas exportações à taxa

9
Quaisquer medidas protecionistas encontrarão resistência da OMC. Hoje já se generaliza,
todavia, a opinião de que as regras destas, como as do FMI, se inspiram mais na conveniência dos
desenvolvidos do que nas necessidades das economias retardatárias. Deve –se, assim, esperar
abrandamento dessas regras diante da pressão dos prejudicados. . Sobre o protecionismo como
instrumento de desenvolvimento veja –se Magalhães (2001 )

231

brasil-argentinaFIM.pmd 231 5/2/2004, 11:02


anual de 15%. Aceitariam as multinacionais assumir essa responsabilida-
de? Que medidas oficiais de apoio necessitariam para tanto?
Embora provavelmente concordem (dadas determinadas van-
tagens e estímulos) em aumentar os nichos que já nos proporcionam
em setores dinâmicos dos mercados internacionais, dificilmente irão
além disso. Sendo assim, o comando do processo deverá caber a em-
presas de capital nacional dos dois países , isoladamente ou em “
joint ventures”. E, nesse caso, Governo terá papel importante atra-
vés de fundos de investimento, de apoio à pesquisa tecnológica e à
formação de mão de obra de alta qualificação, de criação de infra-
estrutura adequada , de reservas de mercado etc. O apoio financeiro
à empresa nacional pode ser feito de diversas formas. Uma delas con-
sistiria na subscrição pelo Poder Público da parcela do capital que se
revelar necessária deixando, porém, o controle do empreendimento
aos sócios privados. O capital do Governo seria posteriormente es-
coado no mercado ou vendido ao grupo controlador. Essa fórmula
tem a vantagem de não determinar a volta atrás na privatização, dado
que as empresas ficariam sob controle de particulares.
Não se deve, contudo, rejeitar liminarmente modelos como o
da EMBRAER, em que o Governo assume integralmente o empreen-
dimento transferindo-o posteriormente a particulares.
Nessa política o BNDES (e sua contrapartida argentina exis-
tente ou a ser criada), que é um dos dois maiores bancos de desenvol-
vimento do mundo, terá importante papel a desempenhar . Sua forma
de operar deverá, para tanto, sofrer substanciais alterações. Caber–
lhe-á, assim, financiar indiscriminadamente empresas situadas no Bra-
sil, ou na Argentina. A par disso, num mundo em que as empresas
bem sucedidas são “global players” deverá, sempre que necessário,
apoiar investimentos fora do país de empresas de controle brasileiro
e argentino. Finalmente, deverá ser autorizado a subscrever qual-
quer percentagem do capital de empresas privadas.
O comando por firmas privadas nacionais do novo modelo de
desenvolvimento não exclui importante papel do capital estrangeiro.
Este continuará atendendo ao mercado interno e regional, tanto em
setores de infra–estrutura como em atividades diretamente produtivas,

232

brasil-argentinaFIM.pmd 232 5/2/2004, 11:02


além de investir no setor de “commodities” onde o problema de con-
corrência com as matrizes tem menor significado.

III – MERCOSUL COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO


CONJUNTO BRASIL – ARGENTINA

As dificuldades para levar o MERCOSUL a bom termo são


conhecidas. Estas devem, porém, ser contornadas qualquer que seja o
esforço necessário. Isso equivale a dizer que, mais do que opção
econômica, o MERCOSUL deve ser considerado decisão política.
A globalização é usualmente considerada aspecto central da
moderna economia. Para que isso fosse inteiramente verdade ela
deveria, contudo, tomar a forma da abertura comercial de cada país
para todos os outros, sem exceção. Ora, o que de fato tende a predominar
são aberturas regionalmente restritas. Isto é, o fenômeno central da
economia moderna é menos a globalização do que a regionalização.
Nesse contexto, países que não se inserirem em processos de integração
correm o risco de se verem marginalizados. Donde a importância do
MERCOSUL, não só na abrangência atual como até, e
preferencialmente, ampliado. A indagação é, portanto, até que ponto
ele se ajusta à estratégia de desenvolvimento conjunto acima proposta.
O Tratado de Assunção, da maneira por que foi formulado e do
modo como está sendo implementado apresenta, desse ponto de vista,
quatro falhas graves.
Em primeiro lugar, traduz a aceitação implícita de uma estratégia
de crescimento para dentro. Ele configura o que poderíamos chamar de
política supra nacional de mercado interno.10 Ou seja, da mesma forma
que a ALALC dos anos sessenta ele facilita o desenvolvimento enquanto
proporciona ao investidor mercado mais amplo, capaz de atender à
exigência de tamanho mínimo das unidades produtivas e de proporcio-
nar economias de escala.

10
As integrações podem ser chamadas de políticas de mercado interno porque seu objetivo é
permitir a livre circulação de mercadorias e fatores de produção dentro de dado espaço geográ-
fico. Exatamente como acontece no interior de um mesmo país.

233

brasil-argentinaFIM.pmd 233 5/2/2004, 11:02


Quando foi lançada, a ALALC tinha como objetivo facilitar e
estimular o modelo de crescimento para dentro, da modalidade
substituição de importações, em curso na região. Ora, da forma por
que se acha colocado, o MERCOSUL só pode (a exemplo da ALALC)
ser entendido como tentativa de viabilizar modelo de crescimento
para dentro. Apenas que este do tipo auto sustentado.
Nesse contexto, a pergunta relevante é a seguinte: unidos
comercialmente Brasil e Argentina oferecem mercado das dimensões
necessárias a um crescimento auto sustentado? Essa pergunta já foi
antes respondida negativamente. A conclusão é, portanto, clara: posto
que a integração Brasil-Argentina signifique substancial aumento no
mercado interno conjunto dos dois países, ela não é suficiente para
viabilizar novo modelo de crescimento para dentro.
O segundo defeito é que o MERCOSUL se coloca, claramente,
dentro da visão neoliberal. Dessa perspectiva, os resultados positivos
dele esperados resultariam simplesmente da abertura comercial.
Realizada esta, a simples ação das forças de mercado proporcionaria
o aproveitamento das novas oportunidades surgidas. Em nenhum
momento se pensou, assim, em política industrial conjunta capaz de
permitir inserção mais ampla do dois países no mercado internacional
ou mesmo de atender melhor ao mercado interno ampliado.
O terceiro defeito, e esse de especial relevância, pode ser melhor
entendido recorrendo-se à experiência da ALALC. Esta, no primeiro
momento, se apresentava extremamente promissora, tendo recebido
adesão da maioria dos países da região, inclusive do longínquo México.
O Tratado previa a total abertura do comércio entre os participantes
no prazo de doze anos. Esta deveria ser alcançada através de dois
mecanismos de negociação. Em primeiro lugar, reuniões anuais. em
que seriam aprovadas concessões tarifárias ou “listas nacionais”. Estas
poderiam ser retiradas se o país concedente julgasse estar sendo
prejudicado algum setor de sua economia. A par disso, a cada três
anos se achava prevista a aprovação de “listas comuns” que,
contrariamente, não admitiam volta atrás. Aí vai surgir o problema.
Os países da região temiam a concorrência do parque industrial, e
contornar corolários negativos de medidas adotadas por um dos

234

brasil-argentinaFIM.pmd 234 5/2/2004, 11:02


membros. Mudanças na taxa de câmbio ilustram bem esse tipo de
problema.
Colocada a inflação sob controle, o Brasil adotou taxa de câmbio
praticamente fixa, o mesmo ocorrendo com a Argentina. Quando o
Brasil decidiu liberar o câmbio o real, em pouco tempo, se desvalorizou
em relação ao peso em mais de 50%. Com isso, o exportador brasileiro
registrou substancial vantagem no mercado argentino, acontecendo o
oposto com as exportações daquele país para o Brasil. Isso provocou
grandes protestos do prejudicados, com sério risco para o Acordo .
Recentemente a situação se inverteu com vantagem para o exportador
argentino e perda para o brasileiro. Ora, a repetição desse tipo de pro-
blema pode comprometer o MERCOSUL com a exclusão, para todos
efeitos práticos, de qualquer política de desenvolvimento conjunto, do
qual constitui peça fundamental. Vejamos o que se pode fazer para
corrigir essas distorções.
2 – O MERCOSUL deverá, antes de mais nada, deixar de ser
simples abertura comercial, destinada a aumentar o mercado interno
de seus participantes, se tornando a base de política industrial conjunta
do Brasil e Argentina. O objetivo desta seria criar vantagens compa-
rativas em setores do mercado mundial dinâmico e de maior valor
adicionado por trabalhador, com a consequente ruptura da especiali-
zação em “commodities”. Esse programa poderia ser comandado por
empresas multinacionais instaladas em tais setores. A maior probabili-
dade, todavia, (pelos motivos anteriormente expostos) é de ficar o
processo a cargo de empresas nacionais, argentinas, brasileiras ou mistas.
Em suma, o MERCOSUL deixaria de ser um fim em si mesmo, para se
tornar instrumento viabilizador de estratégia de crescimento para fora,
levada adiante, conjuntamente, pelos dois países.
Outro ponto de importância básica é a adoção de medidas
destinadas a fazer com que as atividades de maior valor adicionado por
trabalhador se distribuam equitativamente pelos dois países. Fórmula
possível para se chegar a esse resultado foi a proposta no Tratado de
Cartagena, que criou o Grupo Andino. Com o fracasso da ALALC, países
de porte médio da região lançaram processo de integração incorporando
medidas destinadas a evitar que atividades de maior dinamismo e valor

235

brasil-argentinaFIM.pmd 235 5/2/2004, 11:02


adicionado por trabalhador se concentrassem em um, ou alguns dos
participantes. Da perspectiva de longo prazo, o sucesso de política de
desenvolvimento conjunto Brasil-Argentina dependerá da adoção de
instrumento desse tipo . Poder-se ia adotar sistema de reserva de mercado
com base no qual atividade designada para um país não seria permitida em
outro. Ou se optar por sistema menos agressivo aos mecanismo do mercado
consistente em se estabelecer que os instrumentos de apoio e estímulo
previstos na política industrial conjunta só beneficiariam empresas instaladas
em país para o qual o setor houvesse sido designado.
Medidas desse tipo são habitualmente criticadas por se estar aban-
donando localizações ótimas que seriam as escolhidas no caso de livre
funcionamento das forças do mercado. Ora, num mundo em que a
competitividade pode resultar de vantagens comparativas criadas, proble-
mas decorrentes de localizações infra-ótimas poderiam ser neutralizados
através da adoção de medidas apropriadas.
Finalmente, é necessário definir instrumentos destinado a neutrali-
zar os efeitos negativos de medidas de política econômica adotadas por
um dos participantes do MERCOSUL. Ocorrências desse tipo podem ser
de diferentes modalidades. Limitar-nos-emos ao caso, anteriormente refe-
rido, de desvalorizações decididas unilateralmente por uma das partes. O
exemplo é importante por ter sido esse tipo de problema que criou graves
crise dentro do sistema.
A literatura sobre as relações econômicas internacionais mostra
que os efeitos de uma desvalorização cambial podem ser reproduzidos
através de subsídios às exportações e tributação das importações. Su-
ponhamos que dado país julgue necessário desvalorizar de 20% a taxa
de câmbio para equilibrar suas contas externas. Ele pode conseguir os
mesmos resultados através de subsídio dessa percentagem às exporta-
ções e gravame tributário do mesmo nível sobre as importações. No
caso de balança comercial equilibrada, o sistema é, inclusive, auto-
financiável.
Quando, nas circunstância supra referidas, o real se desvalorizou
de mais de 50%, os justos protestos argentinos poderiam ter sido evitados
se se autorizasse aquele país a tributar o produto importado brasileiro e
a subsidiar suas exportações para o Brasil em igual percentagem. Isso

236

brasil-argentinaFIM.pmd 236 5/2/2004, 11:02


não foi feito e, no momento presente, com desvalorização do peso os
protestos passarão a ser das empresas brasileiras
3 – A par das iniciativas acima, destinadas a tornar o
MERCOSUL instrumento adequado de desenvolvimento conjunto ar-
gentino-brasileiro, outras decisões importantes devem ser tomadas de
comum acordo. A mais significativa delas se refere à ALCA.
Alega-se em favor desta, que nos daria livre acesso ao mercado
dos Estados Unidos, o maior do mundo. Dentro do esquema analítico
por nós adotado, que coloca a disponibilidade de mercado no centro da
política de desenvolvimento, tal vantagem parece especialmente pro-
missora. Contra esse otimismo existem, no entanto, análises que apon-
tam riscos na integração econômica entre países em níveis muito dife-
rentes de desenvolvimento. A disparidade máxima aceitável entre os
produtos por habitante dos participantes de acordos desse tipo seria de
1 para 3. Observe-se que, na União Européia, essa diferença entre
Portugal , um dos participantes economicamente mais atrasados , e a
Itália e Inglaterra é de 1 para 2. A mesma relação entre o conjunto
Brasil-Argentina e Estados Unidos é de cerca de 1 para 6.
O problema resulta, em última análise de que, na integração
entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, os primeiros monopolizam as
atividades de maior valo adicionado por trabalhador e mercado mais
dinâmico. Ou seja , na prática a ALCA consolidaria a especialização do
Brasil e Argentina na exportação de “commodities” o que, como vi-
mos, é incompatível com modelo de crescimento capaz de proporcio-
nar a eliminação do nosso atraso econômico.
A dificuldade de se perceber tal fato resulta de, na fase inicial
do processo de integração, os países economicamente mais atrasados
registrarem ganhos importantes, ao atraírem atividades intensiva de mão-
de-obra. Tal como no caso das “ maquiladoras” mexicanas. O problema
é que, a médio e longo prazos, eles se especializam nessas atividades, o
que significa serem condenados a situação de permanente semi-
desenvolvimento.
A rigor a implementação da ALCA deveria ser precedida de pro-
grama do tipo Aliança paro Progresso que reproduziria, ao nível das

237

brasil-argentinaFIM.pmd 237 5/2/2004, 11:02


Américas. o que se fez na Europa com o Plano Marshall. A diferença
em termos de produto per capita entre os Estados Unidos e seu vizi-
nhos do Sul se reduziria rapidamente, gerando condições para proces-
so de integração igualmente vantajoso para todos envolvidos .
Ao lado da ALCA ,e um pouco em consequência dela, surgiram
as propostas da União Européia para a abertura do comércio com o
MERCOSUL. A vantagem principal alegada no caso seria a abertura
para os participantes do grande mercado europeu de produtos agrícolas,
hoje protegido por toda sorte de barreiras. Na verdade, porém, o esquema
nos colocaria diante de novo tipo de “dutch disease”, em que evolução
à primeira vista favorável registra, a prazo mais longo, resultados
negativos importantes11. O desaparecimento do protecionismo agrícola
europeu viabilizaria, de fato, o rápido aumento de nossas exportações
primárias e a retomada de desenvolvimento acelerado, reforçando a
visão neoliberal de abstenção do Poder Público. A par disso, a abertura
da economia para as manufaturas daquela região, debilitaria nosso
parque fabril. O resultado final seria que, após fase de rápido incremento
do PIB, o MERCOSUL evoluiria para situação de lento crescimento,
em função do baixo dinamismo (ou da pequena elasticidade-renda de
demanda) do mercado para produtos agrícolas. Como no caso da ALCA,
o resultado final seria a especialização em “commodities” com as
consequências já referidas.
Na verdade, porém, é politicamente inexequível e mesmo
economicamente indesejável a simples recusa a considerar essas
propostas. Concentraremos nossa análise no caso da ALCA que
configura a situação de maior risco.
Em termos econômicos poderíamos, em princípio, (a referência
é aqui especificamente ao Brasil) obter nas negociações a imediata
eliminação das atuais barreiras americanas contra produtos como o
álcool, aço e suco de laranja. O importante é, assim, as negociações
serem conduzidas tendo em mente o interesse maior do desenvolvimento
conjunto Brasil-Argentina.
11
Bhagwati (1996) referindo –se a esse tipo de problema nos Estados Unidos mostra que a
entrada de grandes capitais japoneses valorizou o dólar com as repercussões negativas de
dificultamento das exportações e aumento das importações

238

brasil-argentinaFIM.pmd 238 5/2/2004, 11:02


Há diversas maneiras de atender a essa condição. Uma delas
consistiria em definir previamente política industrial conjunta para os
dois países, cujo objetivo final, como acima proposto, seria alcançar o
pleno desenvolvimento através do rápido aumento das exportações em
setores dinâmicos e de alto valor adicionado por trabalhador. Essa
política, seria levada às negociações da ALCA fazendo-se de sua
aceitação requisito básico para o MERCOSUL (ou o Brasil e Argentina)
participar no processo. Resposta americana favorável eliminaria qualquer
objeção à ALCA. A provável resposta negativa confirmaria os temores
de que a aceitação desta, nos conduziria ao semi-desenvolvimento.
Colocação do problema nesses termos apresenta a vantagem de elidir
intermináveis, e ideologicamente viesadas, discussões dos prós e contras
de abertura na escala do continente americano.
Cumpre fazer referência final à ALCSA, processo de integração
abrangendo todos países da América do Sul. Em 2001, o Presidente do
Brasil convocou chefes de Governo dos países da região para discutir
o assunto. Todos compareceram e foi unanime a aceitação das vantagens
da ALCSA. Depois disso pouco ou nada se fez, o que nos leva a examinar
rapidamente as providência a serem eventualmente tomadas para
desencadear o processo.
Antes de mais nada, caberia garantir aos participantes de menor
peso econômico não pretenderem o Brasil e Argentina monopolizar as
atividades mais dinâmicas e de maior valor adicionado por trabalhador.
A menos que seja apresentada proposta realista e confiável nesse sentido
eles jamais aceitarão participar do processo. Pelos simples fato de que,
sem ela, ser-lhes-ia mais vantajoso ingressar na ALCA.
Outro obstáculo importante para a ALCSA é a precariedade do
sistema de transporte entre os potenciais participantes. Esta se traduz,
na prática, em elevado custo para o deslocamento de mercadorias, custo
esse que pode tornar inócuas quaisquer reduções tarifárias. A eliminação
dessa dificuldade caberia essencialmente ao Brasil, que tem fronteira
com todos países da região, exceto Chile e Equador.
Esse tipo de problema , cujas raízes se acham nas características
específicas da colonização ibérica, existiu também na América
Portuguesa, fato reconhecido pelos analistas ao se referirem ao

239

brasil-argentinaFIM.pmd 239 5/2/2004, 11:02


“arquipélago brasileiro”. Esse “arquipélago” desapareceu quando suas
“ilhas” foram unificadas por extensa malha rodoviária. Presentemente
se desenvolve importante esforço no sentido de aperfeiçoá-la e
complementá-la através de hidrovias e ferrovias. No caso de firme opção
pela ALCSA, cumpriria ao Governo brasileiro considerar satisfatória a
atual rede interna de transporte, passando a priorizar as ligações com
países vizinhos. Nada disso se fez, ou se tentou fazer, até o momento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mostramos, nas páginas anteriores, que a estratégia de


desenvolvimento conjunto do Brasil e Argentina deve ser do tipo
crescimento para fora. Mostramos, igualmente, que a modalidade de
crescimento para fora, adotada em toda América Latina, não teve
sucesso. 12 Em sentido oposto, esse tipo de estratégia apresentou
resultados excepcionalmente favoráveis no Leste Asiático região que,
em termos de recursos naturais, tamanho de mercado interno e nível
inicial de industrialização, apresentava condições bem menos favoráveis
que o Brasil e Argentina. Surge, então, então a pergunta: serão os
economistas daquela região mais competentes que os nossos, tendo
sido capazes de definir para seus países políticas econômicas eficazes,
o que não conseguimos fazer? A explicação é outra.
Países subdesenvolvidos não criam paradigmas científicos
capazes de orientar a ação concreta. Eles os importam. Em termos
específicos de política econômica, o que eles fazem é copiar casos de
sucesso, transformando-os no que se poderia chamar de seus
“padrões miméticos”. Ora, os padrões miméticos normalmente
adotados são os de países bem sucedidos da mesma região, com história
comum ou inter relacionada, cultura semelhante etc. Isto significa
que o padrão mimético dos asiáticos foi o Japão e da América Latina
os Estados Unidos.
Acontece que, ao iniciar em meados do século XIX seu
desenvolvimento, o Japão era país medieval. Foi, diante disso, forçado
a lançar mão de interferência sistemática do Governo na economia,
12
Cabe reconhecer a exceção representada pelo Chile.

240

brasil-argentinaFIM.pmd 240 5/2/2004, 11:02


através da criação de empresas (posteriormente transferidas a
particulares), de esforço de atualização tecnológica e formação de mão–
de-obra qualificada, de estímulo geral a atividade produtiva e assim
por diante. Ou seja, o Japão fez tudo aquilo que se revela, hoje,
necessário para que país subdesenvolvido elimine seu atraso econômico.
Os Estados Unidos jamais foi subdesenvolvido, no sentido,
geralmente aceito. de registrar diferença entre seu produto por habitante
e o dos países ricos superior à relação 1 para 2. Já antes da sua
independência a Inglaterra nomeava inspetores, cuja tarefa era proibir
manufaturas americanas que ameaçavam concorrer com as da
metrópole. Sua prosperidade de base agrícola, já em meados do século
XIX, foi substituída por rápido surto industrial. Ou seja, o país cresceu
e prosperou com base exclusivamente nos mecanismos do mercado13 .
Não se revelou, portanto, necessária para ele qualquer ação pública do
tipo requerido pelas políticas de desenvolvimento.
Ou seja, enquanto o padrão mimético japonês valorizava as
medidas requeridas para eliminar o atraso econômico, o americano
apontava exatamente no sentido oposto. Por valorizar o padrão
americano, e contrariamente do que ocorreu no Leste da Ásia, aceitamos
sem maior resistência, os ditames do Consenso de Washington. O
resultado final foi nossa semi estagnação em flagrante contraste com a
prosperidade asiática.
A melhor solução para o Brasil e Argentina não é, todavia,
transferir nossa preferência para o modelo japonês. A dimensão dos
mercados internos dos dois países, abundância de seus recursos naturais,
a forma de ocupação do seu território e mesmo seus traços culturais
diferem de tal forma dos bem sucedido asiáticos que a cópia da
experiência seria solução pelo menos simplista.
Se em termos de ciências sociais a cópia de paradigmas
científicos gerados no Primeiro Mundo não encontra maiores objeções
(a cura da aids e do câncer descoberta na Europa ou nos Estados Unidos
serão eficazes igualmente no Hemisfério Sul) o mesmo não vale para a

13
A exceção foram as medidas protecionistas adotadas sempre, sem qualquer hesitação, sempre
que requeridas pelos interesses do país.

241

brasil-argentinaFIM.pmd 241 5/2/2004, 11:02


ciências sociais. A solução correta para o Brasil e Argentina seria,
portanto, de realizar esforço comum para encontrar soluções ajustadas
a sua realidade deixando de importar fórmulas cujos maus resultados já
não deixam hoje qualquer dúvida. O simples reconhecimento de que
(contrariamente do que afirma a mainstream economics) a disponibilidade
de mercado constitui o requisito principal de qualquer estratégia bem
sucedida de desenvolvimento, já constitui importante passo nesse
sentido.

242

brasil-argentinaFIM.pmd 242 5/2/2004, 11:02


BIBLIOGRAFIA

BHAGWATI, B. (1996) Political Economy and International Economics, The


MIT Press Cambridge
Banco Mundial - (1993 ) The Asian Miracle : Economic Growth and Public
Policy, Oxford University Press ,New York
CEPAL - ( 1995 ) America Latina y Caribe , Politicas para Mejorar la Inserción
en la Economia Mundial Nações Unidas, Santiago do Chile
DOMAR, E.D. (1957) Essay in the Theory of Economic Growth,
Oxford University Press, New York
LEWIS, W.A. ( 1958) “Economic Development with Unlimitrd Supply
of Labour”, in A. N. Agarwala e S.P. Sing The Economics of
Underdevelopment, Oxford University Press, Galsgow
MAGALHÃES, J.P.A.( 2000) Brasil Século XXI, uma Alternativa ao
Neoliberalismo, Paz e Terra, São Paulo 2000
__________. (1974) Economia (dois volumes), Editora Paz e Terra, São
Paulo, 1974
__________. (2001) Protecionismo como Instrumento de Desenvolvimento, Carta
Mensal da Confederação Nacional do Comércio Outubro.
__________. (2002 A) Mercado e Desenvolvimento Econômico (mimeo), a
ser publicado em trabalho em homenagem a Celso Furtado patroci-
nado pela CEPAL
__________. (2002 B) Significado do Mercosul para os Programas de Desenvolvi-
mento de sua Região, 12 páginas a ser publicado na revista Tiers Monde
NURKSE, R. ( 1955 ) Problemas de Formación de Capital, Fondo de Cul-
tura Economica, cidade do México
ROSENSTEIN-RODAN, P. (1961) “Problems of Development in
Eastern and South Eastern Europe” in B. Okun e R. W. Richardson
(orgs), Studies in Economic Development, Holt, Rinehart and Winston, New
York.
SOLOW, R. W. (1956) “Model of Growth” em A. Sen (org ) Growth
Economics Hammonsworth, Penguin Books

243

brasil-argentinaFIM.pmd 243 5/2/2004, 11:02


brasil-argentinaFIM.pmd 244 5/2/2004, 11:02
EL CASO ARGENTINO: LA DESORGANIZACIÓN ECONÓMICA
ACTUAL Y LA IDENTIFICACIÓN DEL SENDERO DE CRECIMIENTO

Bernardo Kosacoff – Adrián Ramos

El colapso del régimen económico configurado en los años no-


venta profundizó la crisis y generó una desorganización de la actividad
económica hasta en sus elementos más básicos. Tras una década de
convertibilidad, Argentina enfrenta el desafío de rediseñar prácticamente
desde la nada las reglas centrales del juego económico, en sus aspectos
cambiario-monetarios, fiscales y financieros. Previo a cualquier
consideración acerca del crecimiento de largo plazo hace falta que
restablezca cierta “normalidad” en el funcionamiento del sistema
económico. En este sentido, recuperar los atributos que dan cuenta de
la existencia de una moneda (ser unidad de cuenta, medio de cambio y,
como objetivo futuro, reserva de valor), reconstituir la trama de relaci-
ones contractuales y relanzar un sistema financiero que pueda adminis-
trar las transacciones, captar parte del ahorro local y retomar el
otorgamiento de crédito aparecen como objetivos básicos.
La forma que adquiera la resolución de la actual crisis de confianza
y desorganización del sistema económico depende tanto de las reformas
de política fiscal, monetaria y financiera que implemente el gobierno como
de la asistencia financiera internacional (no sólo en cuanto a la provisión
concreta de recursos, sino en términos de generar expectativas sobre la
viabilidad de la economía). En la actual situación es muy difícil que se
genere credibilidad “internamente”. De cualquier modo, pasan a ser
fundamentales los resultados que se vayan observando, en particular, en
términos de la tasa de inflación, la cotización de la divisa estadounidense,
la performance del nivel de actividad y la evolución de la emergencia
social. En lo inmediato, la Argentina debe evitar caer en una situación de
inestabilidad extrema (del tipo de la hiperinflación). Este desafío
constituye una condición necesaria para que se recupere un sendero de
crecimiento sostenido en los próximos años.

245

brasil-argentinaFIM.pmd 245 5/2/2004, 11:02


Uno de los problemas centrales de economías como la Argenti-
na, caracterizadas por una historia de considerable volatilidad económica
es la dificultad que aparece para identificar y extrapolar tendencias
individuales o agregadas de ingreso y producto. Si se observa la
evolución del producto por habitante en dólares constantes, como un
indicador del poder de compra de los ingresos generados internamente
y de la capacidad de gasto de los agentes económicos, se verifica que
en 1980 (por cierto en un estado de sobrevaluación cambiaria) los ar-
gentinos generaban un PIB similar al que hoy tienen países como España,
en torno a los 15 mil dólares del año 2000. Esta situación se mostró
insostenible y un par de años despúes el producto por habitante se
ubicó alrededor de los 5 mil dólares. La inestabilidad de fines de los
años ochenta que culminó en los episodios hiperinflacionarios colocó
el nivel en un mínimo, superando apenas los 3 mil dólares por habitan-
te, un valor inferior al de muchos países latinoamericanos. Pero poco
tiempo después, en los años noventa, la Argentina alcanzó y mantuvo
durante casi una década un PIB con valores que oscilaban alrededor de
los 8 mil dólares per cápita.
En estas circunstancias, los “parámetros fundamentales” de la
economía no pueden considerarse fijos. Los agentes económicos toman
decisiones haciendo conjeturas acerca de la futura evolución e intentan
aprender sobre cuál es el comportamiento del entorno en el que actúan.
Pero a la vez, el propio accionar de estos agentes en el conjunto modi-
fica la performance económica y por lo tanto, influye también sobre las
percepciones que tienen acerca del grado de certeza de sus proyecciones
y decisiones (Heymann y Sanguinetti, 1998). En este sentido, la déca-
da de los años noventa aparece como un período donde este
comportamiento de revisión de expectativas trajo consecuencias de
primer orden sobre las fluctuaciones cíclicas observadas y donde las
decisiones económicas que fueron adoptadas en base a previsiones de
crecimiento de los ingresos futuros que después no se confirmaron,
terminaron provocando la crisis económica.
No es imprudente sostener que la Argentina de hoy se parece
muy poco a lo que se podría haber proyectado pocos años atrás. Pero
tampoco lo es, que el país de los años noventa no se parecía a las

246

brasil-argentinaFIM.pmd 246 5/2/2004, 11:02


percepciones sobre el futuro que presumiblemente se habían generado
los agentes económicos en medio de la hiperinflación. En cualquier
caso, parece quedar en evidencia que prever el futuro no es una tarea
sencilla en economías como la Argentina.

LA POLÍTICA ECONÓMICA EN LOS AÑOS NOVENTA Y EL PROCESO DE


REFORMAS ESTRUCTURALES

El inicio de la década de los noventa se produce en simultáneo


con una etapa de cambios políticos y económicos significativos, tanto
a nivel nacional como en el contexto regional e internacional. Los im-
pulsos provenientes de factores externos desempeñaron un papel
protagónico, en particular, el aumento notable de la oferta de crédito
internacional para los países denominados emergentes y los mayores
precios para los productos de exportación. Sin embargo, la década se
caracteriza principalmente por las reformas de política doméstica en-
caradas. A lo largo de los años noventa Argentina implementó una serie
de profundas reformas económicas que tuvieron como ejes la
estabilización de precios, la privatización o concesión de activos públi-
cos, la apertura comercial para amplios sectores de la economía local,
la liberalización de buena parte de la producción de bienes y la provisión
de servicios y la renegociación de los pasivos externos (Heymann, 2000).
La política monetaria fue uno de los ámbitos objeto de grandes
cambios. En 1991, mediante la sanción de una ley, se estableció un
esquema de convertibilidad con tipo de cambio fijo entre la moneda
local y el dólar estadounidense (a razón de 1 peso por dólar). Se reformó
también la Carta Orgánica del Banco Central para adecuarla al nuevo
esquema, limitando a la entidad en el financiamiento al gobierno y en
el otorgamiento de redescuentos. Asimismo, en 1992, el gobierno naci-
onal alcanzó un acuerdo con los acreedores externos por el cual se
reemplazaba la deuda de capital e intereses atrasados con los bancos
por bonos públicos de largo plazo con garantía, en el marco del deno-
minado Plan Brady.
Luego del inicio del programa económico, la tasa de inflación
mostró una discontinuidad hacia abajo y siguió disminuyendo gradual-

247

brasil-argentinaFIM.pmd 247 5/2/2004, 11:02


mente. Esta ruptura con el pasado inflacionario se constituyó en un
elemento crucial para la evolución de las actividades económicas, dada
su importancia para la formación de precios y la demanda de activos.
La ampliación del horizonte de las decisiones inducida conllevó un
cambio de primer orden para la formación de capital.
La estabilización de precios estuvo acompañada por un aumen-
to apreciable del volumen de crédito, denominado tanto en dólares como
en pesos convertibles. Pronto se pudo notar que el funcionamiento del
mercado de crédito, y de un modo más general el conjunto de las rela-
ciones contractuales, en gran medida se basaban en expectativas
respecto a la continuidad del régimen cambiario. De ese modo, este
comportamiento de los agentes económicos determinaba un aumento
de los costos percibidos y efectivos de salida del régimen de
convertibilidad.
En relación a la reforma del funcionamiento y alcance del Esta-
do, se sancionó una ley que declaró sujetas a privatización o concesión
a un amplio conjunto de empresas y actividades del sector público.
Este proceso se desarrolló con suma celeridad: en el año 1990 fueron
traspasadas al sector privado las empresas de telefonía (ENTel) y de
aeronavegación (Aerolíneas Argentinas). A ellas siguieron áreas y otros
activos petroleros (1991 y 1992), las empresas de electricidad y gas
(1992), la siderúrgica estatal SOMISA (1992) y la petrolera YPF (1993),
entre otras operaciones.
El comportamiento de la política fiscal a lo largo de los años
noventa es aún debatido. Cuando se compara con la década preceden-
te, la gestión fiscal presenta mejoras apreciables. Sin embargo, la
sustentabilidad del régimen cambiario requería como condición
necesaria que la reducción del déficit no se interrumpiera al promediar
la década, sino que los esfuerzos por aumentar la solvencia del sector
público se reforzaran aún más. Inicialmente, los efectos sobre los
ingresos públicos del desempeño del producto agregado y de las
privatizaciones dieron lugar a un aumento del gasto público que
acompañaba la revaluación real de la economía. Al tiempo, se
concentraba la estructura impositiva en pocos gravámenes y se ampliaba
la base imponible. Posteriormente, los ingresos se vieron afectados por

248

brasil-argentinaFIM.pmd 248 5/2/2004, 11:02


las propias reformas estructurales (en particular, la reforma del sistema
de seguridad social que no motivó por parte de los agentes económicos
comportamientos “ricardianos”) y la crisis financiera originada en Mé-
xico. A partir de ahí, en un contexto recesivo desde mediados de 1998,
se inicia un período caracterizado por las tensiones crecientes entre las
demandas de gasto público, la caída en la recaudación y los intentos de
solucionar parte de los problemas de precios relativos a través de la
gestión fiscal.
La política de comercio exterior en los años noventa tuvo en la
apertura comercial y la integración regional a dos de sus pilares. La
reducción de aranceles y barreras no arancelarias a las importaciones y
la eliminación de impuestos a las exportaciones modificaron los incen-
tivos a la producción y a la demanda de bienes. El proceso de integración
regional en el Mercosur se intensificó en la década y junto con la apertura
comercial condujo a un aumento notable de los flujos de comercio en-
tre los países miembros. En ciertos momentos, las políticas comerciales
y la actitud hacia el proceso de integración se vieron severamente
afectadas por los problemas de competitividad de los bienes transables
internacionalmente, particularmente a partir de la devaluación brasileña
a comienzos de 1999.
El desempeño macroeconómico de inicios del decenio de los
noventa se caracterizó por un aumento notable de la demanda interna,
impulsada por el crecimiento de la oferta de crédito local e internacio-
nal. El origen de este comportamiento se vincula con las expectativas
positivas de ingresos futuros derivadas del cambio del régimen
económico que impulsan aumentos en el consumo y generan nuevas
oportunidades de inversión. La menor restricción financiera se verificaba
no sólo en la recuperación del crédito bancario, producto de una
monetización creciente, sino también en el auge del mercado de
capitales donde se emitían títulos de deuda y acciones por montos sig-
nificativos. El aumento de la demanda agregada fue difundido en los
distintos sectores de la economía, aún cuando hay que notar que el
elevado ascenso del producto manufacturero fue inferior que el del
producto total. El escaso impacto de la expansión de la producción
sobre la ocupación, derivado de los efectos negativos de la
reestructuración productiva, contribuyó a elevar el desempleo. El abrup-

249

brasil-argentinaFIM.pmd 249 5/2/2004, 11:02


to aumento en las importaciones de bienes, sumado a exportaciones
que no respondían del mismo modo, generaron saldos comerciales ne-
gativos de magnitud considerable. Asimismo, los déficit en la cuenta
corriente del balance de pagos comenzaban a suscitar algunas dudas
respecto a la sustentabilidad del esquema macroeconómico, aunque
eran cubiertos y en exceso por los ingresos de inversión extranjera, los
reflujos de fondos de los residentes y las operaciones de crédito inter-
nacional.
En este contexto, los incrementos de la tasa de interés interna-
cional y la devaluación mexicana provocaron una crisis financiera en
1995. Este shock derivado de la retracción en la oferta de crédito tuvo
un impacto inmediato sobre el nivel de actividad y el desempleo, y
afectó severamente al sistema financiero. Es probable que la rápida
superación de la crisis, sustentada en mejoras en los precios
internacionales, en el crecimiento de la demanda brasileña posterior al
lanzamiento del Plan Real y en reformas regulatorias en el sistema
financiero, haya contribuido a reafirmar las percepciones positivas so-
bre el crecimiento de los ingresos y la solidez de un esquema
macroeconómico que ahora incrementaba las exportaciones, el ahorro
y el empleo.
Desde 1998, la economía argentina estuvo afectada por varios
shocks negativos en forma simultánea. Los efectos de la crisis rusa so-
bre el acceso al financiamiento y las tasas de interés en los países emer-
gentes, la posterior devaluación y modificación del régimen cambiario
en el principal socio comercial, la abrupta caída en los precios de los
productos que exporta el país, la persistente fortaleza del dólar respecto
a otras monedas del mundo y el continuo desplazamiento del sector
privado de los mercados de financiamiento interno por parte del sector
público, constituyen los ejemplos más destacados de lo ocurrido. A
fines de la década, el inicio de un largo período dominado por la recesión
y la deflación de precios generó tensiones crecientes y modificó las
expectativas respecto al potencial de crecimiento de la economía y la
solvencia del sector público, provocando por último el colapso defini-
tivo del régimen económico.

250

brasil-argentinaFIM.pmd 250 5/2/2004, 11:02


ESTRATEGIAS PRODUCTIVAS Y TRANSFORMACIONES EMPRESARIALES
EN EL DECENIO DE LOS NOVENTA

Desde comienzos de la década del noventa las empresas argen-


tinas se encontraron frente a un escenario en donde a las
transformaciones que se sucedían en el plano internacional, se agregaba
el cambio radical en las reglas de juego que enfrentaban previamente
en el mercado doméstico. En respuesta a una nueva configuración del
marco competitivo local, caracterizada por el desmantelamiento del
viejo régimen regulatorio que sustentó la etapa de la industrialización
sustitutiva de importaciones (ISI) y la puesta en marcha de un progra-
ma de reformas estructurales “pro-mercado”, comenzaron a desplegarse
fuertes procesos de reconversión, en los cuales se alteran tanto las
estrategias como el peso relativo de las distintas actividades y agentes
económicos, así como las prácticas productivas, tecnológicas y
comerciales.
La dinámica microeconómica de los noventa es el resultado de
estrategias puestas en práctica por los agentes económicos y fundadas
en el desarrollo de capacidades adquiridas en el pasado y en los límites
impuestos por un entorno económico en transición. En este proceso,
las distintas respuestas de las firmas determinaron resultados
contrapuestos que se pueden estilizar en dos grandes grupos de
conductas empresariales. Por un lado, aparecen las denominadas
“reestructuraciones ofensivas” que se caracterizan por haber alcanzado
niveles de eficiencia comparables con las mejores prácticas
internacionales y que abarcan a un grupo reducido de alrededor de 400
empresas. Aunque se pueden encontrar casos en casi todo el entramado
productivo, predominan particularmente en las actividades vinculadas
a la extracción y procesamiento de recursos naturales, las ramas
productoras de insumos básicos y en parte del complejo automotriz.
Por otro lado, el resto del tejido productivo, cerca de 25 mil firmas si no
se consideran las microempresas, se caracterizó por llevar a cabo los
denominados “comportamientos defensivos” que a pesar de los avan-
ces en términos de productividad con respecto al propio pasado están
alejados de la frontera técnica internacional y mantienen vigentes ciertos
rasgos de la etapa sustitutiva, tales como una escala de producción
reducida o escasas economías de especialización (Kosacoff ed., 2000).

251

brasil-argentinaFIM.pmd 251 5/2/2004, 11:02


Se puede afirmar que el proceso de estabilización económica
encarado en los noventa aumentó la capacidad de prever la evolución
de las principales variables macroeconómicas de modo notable e implicó
una ventaja incomparable para la organización de las actividades
productivas. Sin embargo, surgió un nuevo tipo de incertidumbre, que
puede denominarse estratégica, y que se corresponde con la modificación
del entorno competitivo de las firmas y con las nuevas reglas de juego
que determinan qué van a producir las empresas y cómo lo van a hacer.
Decisiones sobre inversión en activos específicos, incorporación o
reemplazo de líneas de producción, calificación de recursos humanos
en la firma o el sendero a seguir de aprendizaje tecnológico adquieren
una dimensión inasible y de difícil evaluación con los esquemas predo-
minantes en una economía semicerrada. Estas nuevas tendencias es
posible ejemplificarlas al considerar las diferentes perspectivas que
confluyen en el traspaso de firmas locales a manos de filiales de empre-
sas transnacionales. Razones de índole financiera, tecnológica y
organizativa jugaron un papel destacado a la hora de tomar una decisión
de compraventa. Pero también, pasó a ser decisiva cierta incapacidad
para responder de manera adecuada al desafío de operar en contextos
de economía abierta y fuerte internacionalización, donde el
posicionamiento estratégico definido por la casa matriz de la
transnacional fue clave para aminorar las incertidumbres.
Uno de los aspectos centrales de las transformaciones
estructurales fue la reconfiguración del perfil empresario respecto del
vigente durante el proceso sustitutivo. Un panorama general indicaría
que a la retirada de las empresas estatales, y cierta involución de las
pequeñas y medianas empresas, se suma la reorganización de los con-
glomerados económicos locales y el liderazgo y sostenido dinamismo
de las empresas transnacionales.
Dentro del universo de empresas productivas hay que destacar
en primer lugar el comportamiento de las empresas transnacionales,
cuyas estrategias principales están asociadas a los flujos de inversión
extranjera directa que ingresaron durante los años noventa. Hacia fines
del decenio de los ochenta comenzó una recuperación en los flujos de
IED que alcanzó niveles notables y crecientes en la década siguiente.
Según estimaciones oficiales entre 1990 y 2000 ingresaron 78 mil

252

brasil-argentinaFIM.pmd 252 5/2/2004, 11:02


millones de dólares de IED, por lo cual el acervo de capital extranjero
creció a tasas anuales superiores a 20% y superó los 80 mil millones en
el año 2000 (Kulfas, Porta y Ramos, 2002).
La inversión extranjera lideró el proceso de reconversión
productiva de los noventa en especial en aquellos aspectos
modernizadores del proceso y se destaca la elevada correlación entre
los sectores más dinámicos de la producción local y el aumento de la
participación del capital extranjero en dichos sectores. Aún en el marco
de estrategias destinadas en buena medida al aprovechamiento del mer-
cado doméstico o subregional, las filiales realizaron inversiones
tendientes a utilizar más eficientemente sus recursos físicos y humanos
y, mucho más selectivamente, a integrarse de un modo más activo en la
estructura internacional de la corporación.
Es posible identificar dos etapas en el comportamiento de los
flujos de IED hacia la Argentina. Entre 1990 y 1993, más de la mitad
de los ingresos de inversión extranjera corresponden a operaciones de
privatización y concesión de activos públicos. Con posterioridad, las
fusiones y adquisiciones de empresas privadas adquiere el rol central
en el crecimiento de las inversiones extranjeras en el país. En suma, a
diferencia de períodos anteriores, la mayor parte de los fondos de IED
(al menos el 56% de los flujos totales entre 1992 y 2000) se destinaron
a la compra de activos existentes, tanto estatales como privados.
El proceso de fusiones y adquisiciones de empresas en Argenti-
na acumula entre 1990 y 1999 un monto de más de 55 mil millones de
dólares, de los cuales el 88% corresponde a desembolsos de empresas
de capital extranjero. La ventaja decisiva de las filiales de transnacionales
sobre las empresas locales residió en el control de los aspectos
tecnológicos, en las habilidades ya acumuladas para operar en economías
abiertas y en la capacidad de financiar la reconversión. Sin embargo, el
aporte de las firmas de capital extranjero a la generación de
encadenamientos productivos, a la difusión de externalidades y a una
inserción activa en redes dinámicas de comercio internacional siguió
siendo débil.
Una tercera parte de los flujos de IED hacia la Argentina entre
1992 y 2000 se concentran en el sector petrolero y un 23% tiene como

253

brasil-argentinaFIM.pmd 253 5/2/2004, 11:02


destino a la industria manufacturera (donde se destacan las actividades
productoras de alimentos, el sector químico y el complejo automotriz).
Los servicios públicos privatizados o concesionados (electricidad, gas,
agua, transporte y comunicaciones) alcanzan el 21% del total y el sector
financiero el 11% de los flujos de IED del período.
El hecho más destacado en cuanto al origen geográfico de la
IED es el notable aumento de la inversión de empresas españolas por
el cual España es el principal inversor extranjero durante los noventa
en Argentina. El conocimiento de aspectos culturales, linguísticos, o
del sistema legal y administrativo son los fundamentos de inversiones
que comprenden casi el 40% del total de los flujos de IED del período
1992-2000 y el 28% del stock de IED en el último año (sólo superado
por Estados Unidos). Otros países con inversiones destacadas son los
Estados Unidos (con el 25% de participación en la década), Francia,
Chile, Italia, Países Bajos, Alemania y Reino Unido.
Los años noventa marcaron un cambio de rumbo en la dinámica
de los conglomerados económicos locales en Argentina. Las nuevas
condiciones económicas abrieron múltiples oportunidades de negocios
en un clima de estabilidad y crecimiento, pero al mismo tiempo los
enfrentaron a la contestabilidad de la competencia internacional. Por
un lado, su articulación previa con el Estado les permitió, asociados a
inversores y bancos extranjeros, un ventajoso posicionamiento en las
privatizaciones y concesiones de activos públicos. Tiempo después
muchos de estos conglomerados locales vendieron sus participaciones
accionarias a los inversores extranjeros. Por otro lado, la apertura y
desregulación económica a la vez que significó el acceso a los merca-
dos financieros internacionales debilitó significativamente las bases para
acumular exclusivamente y con cierto poder monopólico en el merca-
do local. Las condiciones de liquidez internacional facilitaron el
endeudamiento para adquirir compañías estatales y diversificar su
inversiones, incluyendo inversiones localizadas en el exterior.
A diferencia de etapas anteriores en la historia económica ar-
gentina, la conducta de los conglomerados locales en los años noventa
es altamente heterogénea y cambiante. El tipo de producción, el grado
de diversificación inicial, el tamaño relativo respecto a los competidores

254

brasil-argentinaFIM.pmd 254 5/2/2004, 11:02


internacionales, la conducta de la demanda, la etapa de cambio
generacional por la que transita el grupo económico incidirán de modo
determinante para conformar distintos senderos de ajuste. Sin embar-
go, las estrategias que siguieron poseen algunos rasgos comunes: una
tendencia a la especialización en un conjunto más reducido de
actividades respecto al pasado, una expansión hacia terceros mercados
mediante la inversión directa y la concentración de las actividades
productivas en sectores con mayores ventajas naturales o menor
transabilidad y escasa presencia en los sectores más dinámicos interna-
cionalmente basados en el conocimiento y la innovación tecnológica.
Como fuera señalado anteriormente, surge como un elemento
distintivo del posicionamiento estratégico de los conglomerados la
realización de inversiones directas en el exterior, con una intensidad y
una modalidad muy distinta que la verificada en la etapa de la ISI. La
mayor parte de las inversiones en el exterior se destina a otros países
latinoamericanos, aún cuando existen casos de inversiones directas en
Estados Unidos, Europa o el Este Asiático. Los conglomerados
económicos locales conducen este proceso basados en capacidades de
management, conocimiento y manejo de tecnologías maduras, acceso a
recursos financieros o la capacidad de operar en entornos culturales
similares o el conocimiento de condiciones específicas de ciertos mer-
cados próximos. Algunos grupos nacionales buscan mediante este tipo
de estrategia alcanzar el liderazgo mundial o regional en segmentos de
mercado específicos. Para otro grupo de empresas, la
internacionalización a través de la inversión directa es indispensable
para la propia supervivencia y expansión en el nuevo contexto
económico (Kosacoff, 1999).
Existe un cierto consenso en que los rasgos predominantes de
las PyMEs argentinas durante la ISI eran la centralización de la gestión
en la figura del dueño, la inserción externa poco significativa, el
predominio de estrategias defensivas, el amplio mix de producción, la
escasa especialización productiva, la reducida cooperación con otras
firmas, la escasa relevancia de las actividades de innovación y el
reducido nivel de inversión. Estas características, que en gran medida
persistieron en el transcurso de los años noventa, condicionaron las
respuestas que pudieron implementar frente a las reformas estructurales.

255

brasil-argentinaFIM.pmd 255 5/2/2004, 11:02


Se pueden identificar tres grupos de PyMEs con características
y demandas específicas propias: i) un grupo minoritario de firmas de
elevado posicionamiento competitivo (5% del total) que exhibía ras-
gos de excelencia productiva y comercial y con perspectivas favorables
para adaptarse a las nuevas reglas del juego; ii) un grupo numeroso de
PyMEs (30% del total) con un reducido posicionamiento competitivo
y escasas posibilidades de sobrevivir en el escenario de los años noven-
ta y iii) la mayor parte de las PyMEs, de “conductas estratégicas defen-
sivas” que enfrentaban un desafío refundacional.
En este contexto, la dificultad de definir una estrategia
productiva adecuada durante el proceso de transformación económica
abarcó al conjunto de PyMEs, independientemente de su especialización
productiva. El nuevo “ambiente económico” aumentó la incertidumbre
de las firmas y la cantidad y calidad de la información que debían
procesar. La preocupación por la situación y perspectivas de las PyMEs
se expresó en la proliferación de distintas iniciativas gubernamentales -
en las áreas de financiamiento, asistencia técnica, información, etc.-
(las cuales, en general, han tenido, por distintas razones, grandes
dificultades para cumplir sus objetivos), en la actuación y propuestas
de las distintas cámaras empresarias, así como en los reclamos que,
desde el ámbito social y político, apuntaban a la protección y promoción
de las PyMEs.
La creciente tendencia a la adopción de tecnologías de producto
de origen externo con niveles cercanos a las mejores prácticas
internacionales fue en desmedro de la generación de esfuerzos
adaptativos locales. Esto implicaba una brecha menor en términos de
tecnologías de producto, pero una pérdida significativa en la adquisición
de capacidades domésticas mediante actividades de investigación y
desarrollo. Sin embargo, la fuerte incorporación de máquinas y equipos
importados necesariamente estuvo acompañada de cambios
organizacionales y de mayores inversiones en capacitación. Asimismo,
la tendencia hacia la desverticalización de la producción se afianzó
fundamentalmente a través de la incorporación de partes y piezas im-
portadas, reduciendo la probabilidad de conformar redes de producción
basadas en la subcontratación local.

256

brasil-argentinaFIM.pmd 256 5/2/2004, 11:02


En resumen, los principales elementos que caracterizan al
desempeño de la microeconomía en los años noventa son la disminución
del número de establecimientos productivos, el aumento del grado de
apertura comercial (con énfasis por el lado de las importaciones), un
proceso de inversiones basado la adquisición de equipos importados,
el aumento de la concentración y la extranjerización de la economía y
la caída abrupta del coeficiente de valor agregado. Asimismo, hubo una
mayor adopción de tecnologías de producto de nivel de “frontera
tecnológica” y de origen externo, un abandono de la mayor parte de los
esfuerzos tecnológicos locales en la generación de nuevos productos y
procesos, una desverticalización de las actividades basada en la
sustitución de valor agregado local por abastecimiento externo, una
reducción en el mix de producción junto con una mayor
complementación con la oferta externa, una creciente externalización
de actividades del sector servicios, una mayor internacionalización de
las firmas y la importancia de los acuerdos regionales de comercio en
las estrategias empresariales. Pero quizás el rasgo más saliente de la
conformación productiva en los años noventa sea la hetoregeneidad.
Es indudable que no todos los agentes económicos elaboraron de igual
manera el desafío que presentaba el paso del “taller a la empresa”:
nuevas estrategias productivas en donde la producción local, se combinó
con la importación de insumos y de bienes finales, con el fin de
aprovechar las nuevas reglas del juego económico.
En los últimos años el retorno a la extrema volatilidad del en-
torno condujo a que las decisiones de producción e inversión se vieran
gravemente afectadas y a dudas crecientes respecto a la solvencia de
un grupo numeroso de empresas. Los problemas actuales de la economía
argentina aún generan notables perturbaciones financieras y comerciales.
Las consecuencias negativas en el plano empresarial todavía se están
desplegando y aún no surge con claridad cúales serán las respuestas
dominantes de los agentes económicos ante el regreso de una elevada
incertidumbre macroeconómica.

257

brasil-argentinaFIM.pmd 257 5/2/2004, 11:02


PATRÓN DE ESPECIALIZACIÓN Y CRECIMIENTO ECONÓMICO DE LARGO
PLAZO

La riqueza económica de un país, como la de cualquier empresa o


individuo, surge de los ingresos que generan y generarán en el futuro los
activos con los que cuenta. En el caso particular de un país, la cantidad y
calidad de los recursos humanos que posee, el acervo de maquinarias y
equipos de producción, los recursos naturales que se encuentran en el
territorio que lo contiene, la infraestructura física que desarrolló en el
pasado constituyen los principales activos a considerar. Pero aquello que
es significativo para el bienestar de la población no es sólo el nivel actual
de producción sino particularmente su capacidad de aumento en el tiempo.
Debido a la incorporación de nuevos desarrollos conceptuales y
de un herramental econométrico y de procesamiento de datos que no
estaba disponible en épocas anteriores, la teoría económica nos enseña
que el crecimiento de largo plazo se explica en gran medida por la
capacidad que tienen las economías para la generación e incorporación
de conocimientos y tecnologías, por la educación y el entrenamiento de
la mano de obra, por los cambios en la organización de la producción y
por la calidad institucional. Pero también nos enseña que para que los
países puedan aplicar de modo efectivo las nuevas tecnologías y cierren
las brechas de productividad que los separan de las naciones avanzadas
deben realizar esfuerzos endógenos de desarrollo de capacidades locales
y de fortalecimiento institucional.
Una parte significativa de la competitividad de la producción se
basa en las formas de articulación entre las diversas etapas de producción
y comercialización: desde el insumo básico hasta el consumidor final.
Para ello, es preciso generar y fortalecer las redes productivas mediante
el estímulo al desarrollo de eslabonamientos de proveedores y de cadenas
de comercialización, la coordinación de inversiones en activos
complementarios en la trama y promoviendo la incorporación de mejoras
de calidad a través de la interacción entre firmas, una información com-
partida y la identificación conjunta de mejoras productivas. El impulso a
la conformación de estas redes productivas tiende a romper con los fal-
sos dilemas de la empresa grande vs. la pyme y del sector agropecuario
vs. la industria vs. los servicios.

258

brasil-argentinaFIM.pmd 258 5/2/2004, 11:02


Argentina es un país que posee una dotación relativa de activos
abundante en recursos naturales. Estos recursos además tuvieron un
avance notable en los últimos años, no sólo en los agropecuarios, sino
en los energéticos, forestales, mineros, pesqueros. Abundantes recur-
sos naturales aumentan el nivel de la riqueza de un país y favorecen las
capacidades potenciales de crecimiento económico, pero no garantizan
el crecimiento sostenido. La “Argentina pastoril” es un mito del siglo
XIX que hoy no tiene sustento. Las políticas de subsidios al sector
agroindustrial en los países centrales y los problemas vinculados a la
volatilidad de los precios de exportación de las commodities son sólo
algunos ejemplos de los problemas a los que debe hacer frente un país
como la Argentina. De cualquier modo, el desafío de aumentar la calidad
del patrón de especialización productivo incorpora el mejor
aprovechamiento de los recursos naturales.
El actual patrón exportador argentino refleja el grado de
competencia que se alcanzó en las producciones basadas en los recur-
sos naturales (agrícolas, energéticos, forestales y mineros) y en la
producción de insumos básicos (aluminio, petroquímica y siderurgia).
Pero, a su vez, nos ilustra sobre el potencial aún no desarrollado para
avanzar con estos productos. La posibilidad de utilizar los recursos
naturales y los insumos básicos en cadenas productivas con mayor va-
lor agregado, transitando al mundo de los productos diferenciados es
una alternativa que permitiría superar algunas dificultades. Este avan-
ce solo se puede generar a partir de una fuerte articulación entre la base
primaria y los servicios técnicos de apoyo a la producción,
comercialización, distribución, logística, transporte e industria (insumos
y producción de maquinaria).
La industria manufacturera posee potencial para el desarrollo
de algunos sectores de bienes de consumo intensivos en el uso de diseño.
Sustentados en una trama productiva de proveedores y subcontratistas
tal sería el caso de las confecciones, zapatos, muebles, artefactos de
iluminación, industria gráfica. Sería factible el crecimiento de
actividades caracterizadas por series cortas de producción, en
metalmecánica y química fina. La reestructuración del complejo
automotriz tiene un lugar central en el rediseño productivo. Las
actividades turísticas aparecen con una gran oportunidad para su

259

brasil-argentinaFIM.pmd 259 5/2/2004, 11:02


expansión, así como la producción de software y servicios informáticos.
En cualquier caso, este camino requiere de un uso intensivo de la
calificación de los recursos humanos y del fortalecimiento del sistema
innovativo nacional.
La tarea de construir el mercado, a partir de igualar las oportu-
nidades, mejorar las capacidades, desarrollar las instituciones y replantear
el papel de la “empresa” en el sistema económico, permitiría crear un
nuevo entorno para fortalecer el progreso económico. En este sentido,
las políticas productivas en el nuevo siglo parecen tener tres ejes clave
que las ordenan: fortalecer las capacidades de la economía, mediante el
fomento del entrepreneurship y la innovación, la inversión en educación,
y el mejor funcionamiento de los mercados de capital; estimular la
cooperación intra y entre firmas e instituciones, en términos sectoriales,
regionales y locales; y por último, fomentar la competencia, a través de
la apertura de mercados y la transparencia.
Las políticas públicas, con instrumentos distintos a los empleados
en el pasado, debieran actuar como catalizadoras de los procesos de
transformación, respetando algunos requisitos básicos sin los cuales
pierden efectividad. El primero de ellos es que estén insertas en una
estrategia económica de irrupción en el mercado mundial; en segundo
lugar, que se garantice la continuidad en el tiempo de las políticas; en
tercer lugar, que exista coordinación y consistencia con el resto de las
políticas públicas; y en cuarto lugar, la creación de instancias institucionales
del estado y de la sociedad civil con contrapesos para la ejecución de las
políticas de modo que reduzcan el riesgo de captura rentística.

260

brasil-argentinaFIM.pmd 260 5/2/2004, 11:02


BIBLIOGRAFIA
HEYMANN, D.: “Políticas de reforma y comportamiento
macroeconómico: la Argentina en los noventa”, in Heymann y
Kosacoff (editores): La Argentina de los noventa: desempeño económico en
un contexto de reformas, Eudeba, Buenos Aires, 2000.
HEYMANN, D. y P. Sanguinetti: “Business cycles from misperceived
trends”, Economic Notes Nº2, 1998.
KOSACOFF, B.: “Las multinacionales argentinas”, in Chudnovsky, D.,
B. Kosacoff y A. López: Las multinacionales latinoamericanas: sus
estrategias en un mundo globalizado, Fondo de Cultura Económica,
Buenos Aires, 1999.
KOSACOFF, B. (editor): Corporate strategies under structural adjustment in
Argentina, Macmillan Press/St Antony´s Series, Gran Bretaña, 2000.
KULFAS, M.; F. Porta y A. Ramos: La inversión extranjera en la Argentina,
CEPAL/Naciones Unidas, Buenos Aires, 2002.

261

brasil-argentinaFIM.pmd 261 5/2/2004, 11:02


ANEXOS

262

brasil-argentinaFIM.pmd 262 5/2/2004, 11:02


263

brasil-argentinaFIM.pmd 263 5/2/2004, 11:02


264

brasil-argentinaFIM.pmd 264 5/2/2004, 11:02


265

brasil-argentinaFIM.pmd 265 5/2/2004, 11:02


266

brasil-argentinaFIM.pmd 266 5/2/2004, 11:02


267

brasil-argentinaFIM.pmd 267 5/2/2004, 11:02


268

brasil-argentinaFIM.pmd 268 5/2/2004, 11:02


269

brasil-argentinaFIM.pmd 269 5/2/2004, 11:02


270

brasil-argentinaFIM.pmd 270 5/2/2004, 11:02


271

brasil-argentinaFIM.pmd 271 5/2/2004, 11:02


272

brasil-argentinaFIM.pmd 272 5/2/2004, 11:02


273

brasil-argentinaFIM.pmd 273 5/2/2004, 11:02


274

brasil-argentinaFIM.pmd 274 5/2/2004, 11:02


275

brasil-argentinaFIM.pmd 275 5/2/2004, 11:02


brasil-argentinaFIM.pmd 276 5/2/2004, 11:02
Comentários

Sérgio Besserman Vianna: Obrigado, Mônica. Sinto pela fal-


ta de protocolo, mas, dessa forma, podemos aproveitar melhor o tem-
po, dada a minha limitação. Agradeço muito ao Instituto, ao Ministro
Cardim pela oportunidade de estar numa sessão em companhia de Felipe
Balze, do Professor Kosacoff e da Mônica Baer.
Para mim, esta é uma oportunidade de poder tirar um pouco o
chapéu de Presidente do IBGE. Presidentes de institutos de estatísti-
cas oficiais no Brasil, na Argentina, em qualquer lugar do mundo, não
fazem projeções. Nessa função, me escudei nessa característica do pos-
to. Mas, já estava com vontade de falar um pouco para a frente e essa é
uma oportunidade muito boa.
Vou procurar ater meu comentário ao excelente texto do Pro-
fessor, à sua brilhante exposição. Acho que tivemos uma descrição muito
acurada, tanto dos principais processos macroeconômicos como dos
principais processos microeconômicos, na Argentina. Vou procurar fa-
zer um comentário com uma linha mais permanente, ao invés de ob-
servações pontuais. Trata-se da relação entre a estabilidade
macroeconômica e a instabilidade nas expectativas dos atores econô-
micos e sociais. Talvez até mais do que uma grande instabilidade, trata-
se de uma variância enorme nas expectativas, entre outras razões, por-
que não reagem sincronicamente às mudanças de conjuntura
A incerteza muito alta, como foi antes acentuado é o principal
fator de busca de flexibilidade e, portanto, de liquidez. No final do
texto do Professor Kosacoff, nós temos observações muito significati-
vas, sobre esse aspecto, numa conclusão bastante sintética, mas forte,
onde quatro temas são levantados. O primeiro, a necessidade de defi-
nir um caminho para inserção na economia mundial. Desde o esgota-
mento do modelo baseado na substituição de importações, em meados
da década de 70, o grande tema das economias latino-americanas tem
sido definir, escolher, trabalhar por um tipo de inserção. Isso é uma
escolha, isso é uma visão de futuro. Uma visão de futuro que exige uma
visão da própria sociedade e uma visão do que se passa no mundo.

277

brasil-argentinaFIM.pmd 277 5/2/2004, 11:02


O outro tema é continuidade das políticas. O terceiro, a coorde-
nação e consistência das políticas públicas e o quarto, a institucionalidade.
O Professor, na sua fala final, desenvolveu um pouco o tema de
por que a Argentina entrou na conversibilidade. E mencionou, o que
me parece correto, que, na verdade, essa escolha decorre menos de
uma inevitabilidade nas opções de política econômica (mesmo num
contexto de processo hiperinflacionário, a experiência histórica dos
países que venceram uma hiperinflação sugere que a âncora cambial é
o principal mecanismo, o mais utilizado, mas não, necessariamente, o
único), e, mais, a busca de uma espécie de contrato social sem contra-
to. Um contrato social imposto por uma espécie de disciplina externa.
Estou de acordo e acho que vale a pena comentar o debate
ocorrido após o início da segunda fase de conversibilidade, pós-95,
pós crise mexicana. Eu não consigo descrever – nem vou procurar ten-
tar – o tamanho do meu espanto com a natureza do debate pós-crise
mexicana na sociedade argentina.
É claro que é correta a observação do Professor, de que a con-
versibilidade parecia bem sucedida e capaz de enfrentar esses desafios,
porque ela teve êxitos de curto prazo. Mas isso me parece pouco, por-
que no pós-95 o mundo entra numa trajetória de choques externos,
evidentemente relacionados entre si; no pós-95, pouco a pouco, o regi-
me de conversibilidade cambial vai se tornando, como finalmente aca-
ba se tornando, singular, ou seja, num determinado momento restrito à
Argentina e a Hong Kong.
A aderência ao modelo pode explicar porque não se abriu, na
sociedade argentina, ainda que houvesse vozes, mas muito poucas e
pouco contundentes, um debate sobre a conversibilidade, ainda no de-
correr do seu êxito. Mas, não explica porque não se abriu o debate
sobre as exigências, do ponto de vista da política fiscal e da expansão
do crédito, como o texto nos mostra.
Andaram na direção oposta aos requisitos necessários para a
manutenção da conversibilidade. No mínimo, esse debate: “Ok, nós
decidimos manter a conversibilidade. O mundo abandona a conversi-
bilidade. Os países, não muitos, que a adotavam a abandonaram. Mas

278

brasil-argentinaFIM.pmd 278 5/2/2004, 11:02


nós decidimos mantê-la e, para isso, temos a seguinte agenda”. Mas é a
ausência de debate, que considero um fato merecedor da mais profun-
da análise.
Não consigo deixar de pensar num grande escritor argentino e
num outro grande dramaturgo brasileiro. Primeiro, penso em Borges,
quando ele indagava se nós vivemos a vida ou a sonhamos. E, depois,
penso em Nelson Rodrigues, que lembrava que “toda unanimidade é
burra”. É impossível não ser.
O mais incrível é que a conversibilidade é uma opção estratégi-
ca. E uma opção estratégica exige uma análise do que está ocorrendo
no exterior. Ela exige uma análise do comportamento dos que compe-
tem, dos que cooperam e assim por diante. A necessidade dessa análise
é óbvia na América Latina.
Trabalhei um pouco em História econômica, na década de 50
no Brasil, e me detive na mudança da política do Presidente Trumann,
com seu famoso ponto 4 e sua abertura para o desenvolvimento na
América Latina, a partir da qual surge todo um conjunto de expectati-
vas e de atos de política e de condução econômica em vários países da
América Latina, inclusive e principalmente no Brasil com a fundação
do BNDES, instalação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e assim
por diante. Mais a frente há uma solução de continuidade, porque o
Presidente deixa de ser Trumann passa a ser Eisenhower, que muda
completamente a política que havia definido grande parte dos nossos
atos.
Bom, a Argentina chegou à conversibilidade, e sai Clinton, en-
tra Bush. A eleição americana estava marcada há muito tempo, ela ti-
nha uma data. Eu torcia muito para o Gore ganhar. Aparentemente,
ganhou, mas não se tornou o Presidente. Mas não se pode fazer uma
opção estratégica, não se pode construir toda uma ação de política
pública e, muito mais do que isso, de comportamento dos atores com
base numa determinada visão de futuro, que é o que em estratégia quer
dizer, sem considerar essas possibilidades.
Há um ditado – os ditados populares, são pouco úteis porque
sempre tem um ditado popular para dizer “A” e tem um ditado popular

279

brasil-argentinaFIM.pmd 279 5/2/2004, 11:02


para dizer o oposto de “A”. E, às vezes, eles são mal redigidos. Mas eu
vou usar um, que diz assim: “O pior cego é aquele que não quer ver”.
Não é isso, todo cego quer ver. Mas, há uma verdade profunda, aqui. A
pior cegueira, (e é isso que as pessoas entendem, desse ditado) é aquela
que recai sobre o objeto que a gente não quer ver, ou que a gente não
quer aceitar. Isso é válido para cada um de nós, como indivíduos. O
que que é mais difícil para a gente ver? Precisamente aquele aspecto
das neuroses que cada um de nós tem, obrigatoriamente. É o óbvio, é o
evidente e é o que mais aparece na nossa vida todo o tempo, mas é
aquilo para o qual nós, para enxergarmos, temos que nos esforçar muito.
Isso é válido para o indivíduo, e é válido também para as Nações.
É válido para os Estados Unidos da América do Norte, hoje. Talvez a
pior cegueira dos Estados Unidos é não quererem enxergar como o exer-
cício da hegemonia mudou. Na medida em que não há mais um oponen-
te do porte da União Soviética, as ponderações na fórmula gramsciana
de coerção mais consenso, para o exercício da hegemonia, obrigatoria-
mente tem que se alterar. É preciso mais consenso e menos coerção.
Eu sou judeu. Estou profundamente comovido com os aconteci-
mentos atuais no Oriente Médio. Sou partidário do movimento “Paz
Agora”. Não consigo deixar de pensar numa frase de um grande escritor
israelense Amos Oz, na Folha de São Paulo, há dois anos atrás, que dizia:
“Quanto tempo nós vamos levar, e os nossos vizinhos vão levar, para
entender o que nós, sociedade israelense, realmente somos: um bando de
refugiados, traumatizados e sobreviventes”. Se isso não se torna cons-
ciente, somos capazes de cometer atos da mais profunda miopia
estratégica.
No Brasil, há, também, uma cegueira. Eu tive há pouco a opor-
tunidade de conversar com um dos meus amigos economistas argenti-
nos. Ouvi, com profundo espanto, de um excelente economista, a se-
guinte observação: “Nós precisamos do Brasil. Nós precisamos do Brasil,
não por essas razões que nós estamos discutindo aqui. Mas nós preci-
samos do Brasil porque nós precisamos da disciplina de vocês. Vocês
são a Alemanha da América do Sul”. Bom, eu sei, pelo amor de Deus,
que nós somos, no Brasil, muitas coisas, mas disciplina germânica,
definitivamente, não é um traço nosso.

280

brasil-argentinaFIM.pmd 280 5/2/2004, 11:02


Mas o que que é que, na cabeça de uma pessoa muito inteligente,
pareceu ser disciplina germânica? Eu acho que é o seguinte: a nossa neu-
rose, a nossa cegueira, a cegueira da sociedade brasileira, ela está sendo
vencida devagarinho, aos pouquinhos. Eu estou falando da desigualdade
social e dos vários tipos de populismo que dela se aproveitam.
Não desejo tratar do fato e sim da aceitação de sua realidade. A
palavra “desigualdade” estava fora do debate brasileiro, há poucos anos
atrás. Nós somos uma sociedade em que 1% se apropria de uma fatia
da renda equivalente à dos 50% mais pobres. Costuma-se dizer que o
Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo, e é verdade.
Há uma farsa embutida nessa colocação, porque não se nota
que existe uma outra sociedade muito mais desigual que o Brasil: a
sociedade do mundo. Se vivemos numa época globalizada, temos que
pensar em termos globais. O mundo é muito mais desigual do que o
Brasil. E o mundo é desigual pelas mesmas razões que o Brasil é, por-
que o mundo gera riqueza, mas quem se apropria é uma parcela pequena.
A nossa desigualdade é um fato ao qual fomos cegos no passa-
do, utilizando um instrumento excelente para o exercício da miopia,
que é o crescimento econômico. Então, se nós crescemos, vivemos
embalados por “brasileiro, profissão esperança”, “Brasil, o país do fu-
turo”, e assim por diante. A desigualdade era uma questão que o pró-
prio crescimento nublava tanto do ponto de vista do cidadão comum e
pobre como do ponto de vista das elites. Um crescimento de 7% ao
ano, como tivemos de 30 a 80, igualado apenas, talvez, pelo Japão,
escondia a realidade da desigualdade.
Depois, a catarata que levava à cegueira, passou a ser, de um
lado, a falta de democracia, a ditadura e, de outro lado, a falta de esta-
bilidade econômica. Com um processo hiperinflacionário, quando nin-
guém enxerga nem uma semana à frente, quanto mais um mês, não há
como pensar em redistribuição de ativos.
Hoje, estamos assumindo esse drama histórico. E assumindo
com o corolário inevitável, que ele não é superável por magia. É uma
realidade que nós estamos, junto já com 14 anos de democracia,
assumindo.

281

brasil-argentinaFIM.pmd 281 5/2/2004, 11:02


O Ministro Malan disse, há pouco tempo, uma frase e o Presi-
dente Fernando Henrique repetiu: “O problema do Brasil não é o futu-
ro, é o passado”. A frase é absolutamente verdadeira, mas ela merece
uma seqüência com a qual, tenho certeza, o Ministro Malan e o Presi-
dente concordariam, que é, como diz Goethe, em “Fausto”: “Se queres
a herança do teu pai, compre-a”. A herança não vem de graça, tem que
comprar a herança, assumi-la.
Nós precisamos “comprar” o nosso passado. Nós estamos fa-
zendo isso, comprar o nosso passado é comprar a desigualdade.
Disso resultou, mesmo numa sociedade cujo estoque é muito pior
do que o da sociedade argentina, em termos de indicadores sociais, a
possibilidade de um contrato, que se reflete na Lei de Responsabilidade
Fiscal, na institucionalidade com que certos comportamentos são rejei-
tados... enfim, em maiores dificuldades para o populismo prosperar.
Então, a minha pergunta é: qual a cegueira, qual a neurose da
Argentina? Ninguém se sinta ofendido com isso, todos os países têm
uma neurose, todos os países têm uma cegueira de algo que eles não
querem ver. O nosso caso, muito mais dramático que o argentino, é a
desigualdade social brutal.
Mas, o que os argentinos, e a Argentina, tem que ver e não querem
ver, para superar seus desafios? Eu não tenho resposta. E é bom que não
tenha, um psicanalista francês disse que “La mailheur de la question c’est
la response”. É muito melhor a pergunta do que a resposta.
Mas, eu vou me atrever a fazer sugestões. Eu sou judeu, então,
posso responder a uma pergunta com três perguntas. Será que é o fato
de que a Argentina é América Latina e são fantasias os sonhos de ser
Itália, de ser Espanha... O Uruguai já quis ser a Suíça da América Lati-
na. Será que por detrás da projeção dos indicadores macroeconômicos,
não se esconde essa ilusão?
Será que é o fato de que em termos relativos, pelo menos, o
empobrecimento argentino da segunda metade do Século era, no meu
modo de ver, uma inexorabilidade histórica?

282

brasil-argentinaFIM.pmd 282 5/2/2004, 11:02


E é muito difícil aceitar o empobrecimento, seja por empresas,
famílias, países, Governos. A gente sempre tem em mente que se fosse
diferente... No senso comum brasileiro e, provavelmente, na opinião
de cada um dos brasileiros aqui, nós teríamos ganho todas as Copas do
Mundo de Futebol, não fossem os dirigentes. Porque os jogadores e os
nossos times são suficientes, e todo mundo aqui acha isso, para ganhar,
com facilidade, todas as Copas do Mundo, o que, evidentemente, não é
verdade, é uma ilusão. Outro dia, o Zizinho, jogador que jogou tanto
quanto o Pelé – dizem os que viram, eu nunca vi – dizia que o time do
Uruguai, em 1950, era melhor do que o brasileiro. Para quem nasceu
em 57, como eu, e ouviu a história da Copa de 50 incontáveis vezes,
isso parece inconcebível. Será que um empobrecimento relativo
inexorável, independente dos dirigentes, é tão inaceitável mentalmen-
te que nubla a realidade, da mesma forma como nos recusamos a acei-
tar que alguém possa jogar futebol melhor que nós?
Finalmente, será que a Argentina não é mais um Chile grande
(quem dera que o Brasil pudesse ser o Chile, ninguém se sinta, de novo,
ofendido) do que o México ou um Brasil? será que importa tanto o
tamanho? Para a vida do povo, para a vida dos cidadãos, para a vida
dos indivíduos, isso não importa a mínima. O Brasil é uma economia
muito maior do que a do Chile e todos nós, aqui, estaríamos dispostos
a atos de heroísmo, para que pudéssemos ser como o Chile, institucional
e socialmente. Alguns aspectos à parte, porque eles, como todos, tam-
bém têm os seus.
A diferença não é uma suposta disciplina brasileira mas, sim,
que, realmente, nos últimos 14 anos, nós avançamos mais em
substantivação da democracia, em transparência, em fazer frente à nossa
cegueira, que é a desigualdade.
Meu tempo encerrou, eu gostaria de fazer apenas mais dois co-
mentários. Primeiro, as exportações argentinas para o Brasil já são cer-
ca de 10% do PIB argentino, não das exportações, do PIB argentino.
Eu acho que não é possível desconsiderar essa realidade como algo
estrutural.

283

brasil-argentinaFIM.pmd 283 5/2/2004, 11:02


E, um último comentário, talvez o mais importante dessa mi-
nha fala. Eu li com muito interesse no paper, o trecho das reestruturações
ofensivas. Tem sido o meu trabalho, porque eu sou funcionário dos
quadros do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
No final da década de 80 e início da década de 90, no Brasil,
quando se discutiu reforma tributária, uma das perspectivas era acabar
com o FAT, que é a poupança fiscal, que provê 40% do funding do
BNDES. E, na verdade, havia, também, na agenda, a intenção clara
contra a qual eu lutei, de acabar com o Banco Nacional de Desenvolvi-
mento Econômico e Social.
Na época, fizemos estudos, mostrando que mesmo países cujo
último dos problemas seria a ausência de capital, falta de capital, como
a Alemanha o Japão, tinham instrumentos de poupança fiscal, tinham
instrumentos de poupança compulsória.
Ao ler no paper que a reestruturação, principal fonte de espe-
rança para o povo e o futuro da Argentina, dependeu e depende apenas
de capital estrangeiro como fonte de financiamento, eu me pergunto:
seria diferente a História da Argentina, teríamos motivos para um oti-
mismo maior, se a Argentina tivesse um instrumento para alavancar a
reestruturação produtiva semelhante ao BNDES?
O Professor Kosacoff insistiu num ponto muito interessante: o
papel dos instrumentos e das políticas públicas, na década de 60 e 70,
nessa reestruturação. E agora ela depende, em seu financiamento, do
imponderável.
E Banco de Investimento é a construção do futuro, é a visão
estratégica. De modo que eu não tenho como deixar de pensar em como
somos felizes, no Brasil, por termos esse instrumento de construção
do futuro, de financiamento de parte do investimento e, portanto, de
alguns meios para viabilizar uma determinada concepção estratégica.
Obrigado.

284

brasil-argentinaFIM.pmd 284 5/2/2004, 11:02


Felipe de la Balze: Buenas tardes. Muchas gracias al IPRI y a
Mónica Baer. Yo trataré de cumplir mis diez minutos de presentación
hasta que llegue el próximo conferencista.
Yo creo que el trabajo del Doctor Kosakoff, es un trabajo muy
importante, muy claro, que cubre prácticamente todas las áreas que se
pueden analizar desde el punto de vista de la evolución de la economía
argentina durante los últimos diez años.
Ahora, si yo tuviera un alumno de economía y me preguntara
cómo hago para entender la crisis argentina, en estas circunstancias
particulares, yo no lo mandaría a estudiar economía a Harvard, en
realidad la mandaría a estudiar los “clásicos” a Oxford. En otras palabras,
la dimensión de la crisis argentina tiene más que ver con lo mitológico,
con lo bíblico en este momento, que con lo puramente económico.
¿Por qué digo esto? Lo digo por lo siguiente. Argentina es un
país que se construyo material y simbólicamente a partir del deseo de
progreso individual. Pedro de Mendoza, el primer fundador de Buenos
Aires, llegó con la idea de encontrar El Dorado, y el último comercian-
te coreano recién llegado, que algunos de ustedes vieron en televisión
golpeado por los saqueadores de supermercados durante el proceso de
caída del ex-Presidente Fernando de la Rua, que llegó hace tres años y
abrió una frutería, también llegó como Pedro de Mendoza, con el obje-
tivo de ganar plata, de tener un éxito material rápido.
Dados estos antecedentes simbólicos y de expectativas si uno
reflexiona sobre lo que ha pasado en la Argentina en los últimos seis
meses, lo que ha pasado es de unas proporciones absolutamente mito-
lógicas para un pueblo donde el progreso material y la propiedad
personal es tan prioritaria en el imaginario colectivo.
Primero, los títulos públicos cuyos principales detentores son
los bancos locales, los fondos de pensión y los fondos comunes locales
y las personas de altos ingresos (aproximadamente el equivalente a US$
150.000) millones pasaron en el mercado de valer $100 a valer $20 en
un periodo de menos de 6 meses.

285

brasil-argentinaFIM.pmd 285 5/2/2004, 11:02


Segundo, al poco tiempo las empresas de servicio público,
mayoritariamente en manos de capitales extranjeros (aproximadamen-
te unas 40 empresas en los sectores de agua, electricidad, gas y energía),
descubrieron que la moneda argentina se había depreciado de mas del
200% en un corto periodo de tres meses y que ellas no podían ajustar
sus tarifas, y que en un período de tiempo tendrían que entrar en default
con sus acreedores externos, cosa que ya han comenzado a suceder, y que
sus balances y el de sus casa matrices tendrían que incorporar cuantiosas
perdidas en un periodo muy corto de tiempo.
Tercero, poco tiempo después los depósitos de los ahorristas
(aproximadamente U$S 80.000 millones; mayoritariamente la clase me-
dia) fueron congelados. Varios millones de personas y sus familias vieron
sus sueños (la casa, la jubilación, el viaje a Europa, la educación de un
hijo) simbólicamente desaparecer.
Cuarto, el número de desempleados aumentó de un millón a
más de tres millones de personas en un período relativamente corto.
Quinto, once millones de personas que tienen empleo, que ganan
entre 500 y 2.500 pesos por mes (que eran dólares equivalentes hasta
mediados de enero del año 2002) van a sufrir durante los próximos
sesenta a noventa días pérdidas de entre el 30 y el 50% de sus ingresos
en términos de poder adquisitivo.
Ahora, si volvemos a Pedro de Mendoza y al coreano y analizamos
lo que yo les acabo de decir, realmente la macroeconomía no puede res-
ponder este desafío, es un desafío de la política, es un desafío de la cultu-
ra y es un desafío de un impacto emocional muy difuso y muy grande.
El segundo tema que quería comentar es que el Estado argenti-
no tiene en este momento un déficit primario significativo (si incluimos
el déficit cuasi-fiscal del Banco Central que se exterioriza principal-
mente en redescuentos al sistema financiero). En otras palabras, sus
ingresos corrientes no cubren sus egresos corrientes, mismo sin pagar
la deuda externa. En otras palabras, dejamos de pagar la deuda externa
se generó una corrida bancaria y tenemos un déficit operativo incluyendo
el déficit cuasi-fiscal del Banco Central relativamente importante (apro-
ximadamente de más de mil millones de pesos por mes).

286

brasil-argentinaFIM.pmd 286 5/2/2004, 11:02


¿Qué quiere decir esto? Hay solo tres soluciones: o se financia,
cosa que parece imposible después de haber confiscado los depósitos,
repudiado la deuda, sacado el derecho de que la gente transforme el
peso en dólar, o se emite moneda espúrea o se confisca. Las crisis fiscales
del siglo XIX, que son las más relevantes para la situación que vive
Argentina, muestran que en realidad, si uno no puede financiar uno
tiene que confiscar. Y ya hemos confiscado varias cosas en Argentina
en los últimos cuatro meses. Comencemos por los dólares, que no eran
del Banco Central eran de la población. Los 27 mil millones de dólares
que había en el Banco Central, eran de los argentinos que tenían pesos.
Seguimos con los depósitos, luego la inflación (que no será menos de
100% en el año). Finalmente el Banco Central emite moneda y potencia
el proceso inflacionario y/o cuasi monedas emitidas por los gobiernos
provinciales.
¿Qué más queda por confiscar? ¿O qué impuesto se puede poner
hoy? Bueno, podemos poner retenciones a las exportaciones, es la últi-
ma que queda. Los siguientes pasos son confiscaciones mucho más
difíciles, porque pasan del terreno de lo intangible al terreno de lo
tangible. Es mucho más fácil quedarse con un título o quedarse con un
depósito, o emitir moneda o cuasi monedas que ir a la casa de la gente
y vender sus muebles, como se hizo en la Revolución Francesa.
Cualquiera de ustedes que haya ido a los grandes palacios ingleses en-
contrará maravillosos muebles franceses, que fueron comprados en
remates públicos en las puertas de Versalles y del Louvre por testaferros
de las familias más importantes inglesas entre 1792 y 1795, donde
después de haber guillotinado a la clase dirigente francesa, los muebles
se vendían en remate público al mejor postor.
Argentina está muy cerca de tener que, o ajustar de una forma
muy brutal y muy poco eficaz su gasto público, o emitir (que es el
camino a la hiperinflación) o seguir confiscando, que es el camino que
lleva a la disolución de la sociedad civil y a crecientes grados de
violencia anárquica.. Porque una vez que yo comienzo a sacarle a ustedes
su propiedad privadas, sus depósitos, sus muebles, sus haciendas, lo
más probable es que ustedes se defiendan. Vuelvo a repetir, es mucho
más fácil quedarse con depósitos o no pagar la deuda que quedarse con
cosas físicas, tangibles.

287

brasil-argentinaFIM.pmd 287 5/2/2004, 11:02


Por lo tanto la crisis argentina no es una crisis económica, es
una crisis económica y es una crisis del sistema político. Es una
combinación de la crisis financiera y bancaria que produjo el Tequila,
agravado por el default, más una crisis donde gran parte de la población
pone en duda la legitimidad de grandes segmentos de la clase política.
La prueba de eso es que miles de personas salen a las calles, de izquierda,
de derecha, del centro o sin opinión política, pidiendo “que se vayan” o
“ que dejen de robar”. Y después están todos los que no salen a la calle
pero que expresan de una u otra forma un profundo rechazo a la clase
política.
Quedarnos simplemente al nivel del análisis económico no nos
permitiría explicar ni lo que está pasando ni lo que va a suceder; por-
que lo que va a suceder no se puede explicar solo con los instrumentos
que nos han enseñado en las clases de economía.
Si algunos de mis colegas economistas pudo predecir la
especulación de Internet y su caída posterior, hubiera sido millonario,
personalmente no conozco a ninguno. ¿Por qué? Porque lo de Internet
tuvo que ver con pasiones desatadas, la codicia desatada. No hay mo-
delo macroeconómico que explique ese tipo de comportamiento. Lo
que está sucediendo en Argentina, políticamente, culturalmente y
económicamente no puede ser explicado solamente con modelos
económicos.
Ahora, ¿cuáles son las cosas positivas? Porque después de haber
dicho esto ustedes pueden llegar a la conclusión que la Argentina va a
entrar en una hecatombe – y es posible. No digo que es probable, pero
no es imposible. ¿Cuáles son las cosas positivas? Primero hay una
reacción en la sociedad civil absolutamente extraordinaria. Yo tengo
una hermana que es muy buena chica pero es súper egocéntrica, quiere
nada más que a su novio y a su perro. Es bióloga, es muy difícil tener un
buen salario siendo bióloga, es joven, tiene 29 años y hace 30 días me
llama y me dice: Felipe, ¿qué puedo hacer? Esto se está yendo al diablo.
Yo dije: Mirá, andá a la iglesia, que queda aquí a dos cuadras, hay un
lugar donde dan sopa, ofrecete todos los días, andá a servirle sopa a los
pobres. Y mi hermana, desde hace un mes, va a la iglesia todos los días
a servir la sopa a los pobres. Y eso mismo está pasando en muchos

288

brasil-argentinaFIM.pmd 288 5/2/2004, 11:02


estratos de las clases medias y de las clases altas de Argentina. Yo creo
que es una respuesta de la sociedad civil, que vamos a ver crecer en los
próximos meses, y que nos va a sorprender. Y eso es el resultado de 18
años de democracia. En otras palabras, la democracia, a pesar de sus
defectos, a pesar de haber sido bastante corrupta, a pesar de haber
enfatizado demasiado las elecciones y demasiado poco las instituciones,
ha creado un área de responsabilidad de respuesta civil que yo creo que
va a ser muy valiosa en la recuperación de la Argentina.
La segunda dimensión positiva es lo que dijo el profesor
Kosakoff sobre la genuina modernización de vastos sectores de la
economía nacional. Yo agregaría a lo que él dijo un elemento adicional,
que es que Argentina hoy en día tiene una muy buena infraestructura,
en otras palabras, las rutas funcionan, los teléfonos funcionan, el gas
funciona, la electricidad funciona, cosa que hace diez años no teníamos.
Es decir, que agregaría a los tres puntos que hizo el Dr. Kosakoff, que
me parecieron muy relevantes, este punto adicional.
El punto siguiente es un recuerdo de Pinochet y de la teoría de
la “convergencia” (el “catch up”). Mucho nos han dicho en los últimos
15 años que Chile creció sostenidamente al 7% por 20 años, porque
Pinochet con la mano dura generó 25% de desempleo, destruyó una
buena parte del capitalismo prebendario, corporativista chileno y
permitió, con estabilidad política, un crecimiento económico más efi-
ciente de nuevos sectores de la economía. Bueno, fíjense ustedes,
nosotros sin Pinochet, simplemente por virtud de nuestra clase políti-
ca, estaremos llegando antes de fin de año al 25% de desempleo y hay
20 mil empresas que están quebrando por mes.
Ahora, lo que es un horror es también la fuente de un potencial
crecimiento extraordinario eficiente. Lo más difícil en economía para
crecer no es ahorrar, ahorrar es un sacrificio, ahorrar es un esfuerzo,
¿quién quiere ahorrar? Es una obligación.
Lo más difícil en una economía es asignar eficientemente los
recursos, es hacer que aquel que es buen profesor sea profesor y aquel
que es buen almacenero sea almacenero. La circunstancia argentina es
tan adversa - de 25% de desempleo antes de fin de año; similares a la

289

brasil-argentinaFIM.pmd 289 5/2/2004, 11:02


gran depresión; con miles y miles de empresas quebradas -que si Ar-
gentina tiene estabilidad política e implementa buenas políticas
macroeconómicas, el crecimiento economic (el “cath up”) va a ser ab-
solutamente espectacular.
Lo que quise hacer con este corto comentario fue evadirnos un
poco del análisis puramente económico y traer de vuelta la economía al
debate después de haber realizado un corte transversal de camino a
través de lo psico-social y lo mitológico; volver a la escuela de economía
de Harvard después de haber hecho una pequeña parada para releer
los “clásicos” en Oxford.

290

brasil-argentinaFIM.pmd 290 5/2/2004, 11:02


Mônica Baer: Eu queria, rapidamente, fazer dois comentários que
havia preparado, tentando inclusive fazer uma ponte entre a exposição e o
documento que o Bernardo Kosacoff apresentou e o paper que o Dr. Joao
Paulo apresentou sobre a economia brasileira.
Bernardo Kosacoff levantou uma questão importante para nos-
sos países, ao diferenciar o que é de “responsabilidade”, da condução
da política econômica, do sistema político, da gestão da economia e
dessa sociedade daquilo que são, na realidade, choques externos, dian-
te dos quais estes países estão mais ou menos vulneráveis. Essa é uma
questão que permeia, praticamente, todas as economias da América
Latina. Diante dos condicionantes externos, o raio de manobra que
cada uma dessas economias tem, para enfrentar estes choques autôno-
mos, depende dos aspectos internos mencionados.
O tema deste Seminário é, exatamente, avaliar o percurso, com-
parativamente, das economias dos dois países, Brasil e Argentina, ao
longo da década de 90. Mas, mesmo se olhassemos um pouco mais
para trás, identificaríamos processos muito parecidos. Por exemplo, já
na década de 70, tanto o Brasil como a Argentina procuraram uma
inserção internacional, que teve uma dimensão financeira significativa,
da qual resultou, no início dos anos 80, a crise da dívida externa. Em-
bora os processos dos dois países apresentassem características dife-
rentes, o choque externo, decorrente da reversão do cenário internaci-
onal, implicou o mesmo tipo de crise externa nos dois países. Passamos
a década 80 inteira, praticamente, sob uma forte restrição de financia-
mento internacional, todos tentando enfrentar os processos inflacioná-
rios crônicos. Foi quando se iniciaram as tentativas heterodoxas de com-
bate à inflação, tanto na Argentina como no Brasil.
Entramos na década de 90, condicionados por um cenário in-
ternacional de financiamento mais favorável, que viabilizou um pro-
cesso de combate à inflação, baseado em uma estratégia de valorização
da moeda local. Quer dizer, a característica específica das políticas de
estabilização da década de 90, tanto na Argentina como depois no Bra-
sil, foi a âncora cambial, que esta mudança no cenário internacional
viabilizou. No caso do Brasil, ela só foi implementada em 1994 e no
caso da Argentina já em 1991, com o modelo de conversibilidade.

291

brasil-argentinaFIM.pmd 291 5/2/2004, 11:02


Da mesma forma, quando olhamos o processo de privatização,
tanto a Argentina como nós o tivemos. Também todo o debate em
torno da disciplina fiscal.
Então, o que diferencia as duas experiências? A sensação que se
tem vai um pouco na direção do que o Sérgio quis colocar e do que foi
levantado hoje de manhã, do ponto de vista político. A diferença entre
a Argentina e o Brasil é que, no fundo, os modelos ou as políticas, na
sua natureza, são bastante parecidos. Mas, as experiências, no modelo
argentino, parecem ser levadas ao extremo, ao passo que no Brasil nun-
ca são implementadas na sua total magnitude. Parece que no caso des-
te último, diante dos problemas que se vão enfrentando, há mais flexi-
bilidade para reorientar a política.
Não sei se fica muito claro o que eu estou querendo dizer. Por
exemplo, na conversibilidade, a Argentina persistiu no modelo por um
período muito longo, a pesar de todas as contradições que se manifes-
tavam. Obviamente, isso tem a ver com a dolarização desta economia,
as hiperinflações que teve, que foram anteriores a esta crise argentina.
No Brasil, ao contrário, o debate em torno das contradições do câmbio
sobrevalorizado, base da estratégia de estabilização, nunca parou. Quer
dizer, sempre teve, de uma ou de outra maneira, vozes dissidentes,
vozes críticas. E o debate em torno do que fazer, como mudar de rota,
nunca se estancou. A sensação que dá, no modelo argentino, principal-
mente depois da conversabilidade e o seu aparente sucesso, nunca se
levantaram críticas abertas.
Na Argentina, comparado com o Brasil, todas as experiências e
todas as etapas são mais extremas. Se fôssemos mapear o processo eco-
nômico, chegaríamos à conclusão de que temos trajetórias muito pare-
cidas, mas que a intensidade e os contrastes no caso Argentino são
maiores, extremos.
Por quê isso? Do que discutimos aqui, fica claro que essa ques-
tão não se esgota no econômico. Nesse sentido, acho que as discussões
da manhã de hoje, a través de algumas colocações do Professor Romero
e do Professor Murilo, contribuíram para esclarecer que há característi-
cas políticas importantes que condicionam estes processos de maneira
diferenciada.

292

brasil-argentinaFIM.pmd 292 5/2/2004, 11:02


Entretanto, do ponto de vista estritamente econômico, apesar
de trajetórias parecidas, me fica uma dúvida que eu gostaria de com-
partilhar com vocês. A dúvida se refere a como caracterizamos o “mo-
delo econômico” destes países. É fácil tachar os modelos: o neoliberal,
o de substituição de importações, todos eles tiveram os seus proble-
mas. O Professor João Paulo, em seu paper, também entra nessa discus-
são, ao debater o crescimento para fora versus o crescimento para dentro.
Caricaturas à parte, de fato, nós continuamos não tendo claro,
substantivamente, que tipo de modelo nos leva a uma trajetória de
crescimento sustentado. No Brasil, foi uma surpresa positiva que te-
nhamos conseguido sair do regime de câmbio fixo, com relativo êxito,
pelo menos do ponto de vista do controle inflacionário. Mas, no médio
prazo, continuamos discutindo se, da forma como a gente vem, ele é
sustentável ou não, do ponto de vista do crescimento. Portanto, o mo-
delo continua em xeque, e o que que é este modelo, que tipo de políti-
cas que a gente pode enfrentar?
E, neste sentido, eu queria fazer uma observação ao Bernardo:
acho que nós estamos olhando, hoje, a Argentina no fundo do poço e,
realmente, não vendo saída. Fiquei positivamente surpreendida que
Você é mais otimista quanto à capacidade dos agentes produtivos em
reagirem, após o colapso do modelo. Há remodelações, há
reestruturações, Com uma nova relação de preços relativos, empre-
sas/setores vão reagir.
Então, na sua opinião, já há sinais positivos. A dúvida que fica,
é se esses setores/agentes serão capazes de colocar a Argentina numa
trajetória de crescimento razoável, que é fundamental, inclusive do
ponto de vista político. Aí é que eu fico na dúvida, e ela não é trivial.
O segundo aspecto que eu gostaria de colocar ao Bernardo é
quanto às dificuldades de curtíssimo prazo. E, nesse sentido, mesmo
que você tenha setores que estão reestruturados, que estão, digamos,
em condições de competir internacionalmente, no curto prazo, há, pra-
ticamente, uma destruição dos instrumentos básicos da política eco-
nômica. Você mesmo confirmou isso. O sistema financeiro acabou. A
crise financeira, como o próprio Felipe colocou, é muito profunda. No
fundo, é uma crise de credibilidade total. Nenhum argentino, por muito

293

brasil-argentinaFIM.pmd 293 5/2/2004, 11:02


tempo, vai recompor a confiança e voltar a botar o seu dinheiro no
sistema financeiro argentino. Não estamos nem falando de sistema fi-
nanceiro apto para dar crédito. Essa é uma outra etapa. Nós estamos
falando de um sistema que não dá nem conta do sistema de pagamen-
tos, da troca, do funcionamento elementar de uma economia monetá-
ria. Porque, do jeito que está, tenho a sensação de que a Argentina,
neste momento, não tem nem mais moeda. Estão em circulação várias
moedas e funciona, mal e mal, a troca.
A quebra dos contratos e a crise das instituições é tão profunda,
que retomar uma certa normalidade vai levar algum tempo. E este tem-
po será maior, porque, além das dificuldades internas, a Argentina tam-
bém está sendo laboratório de experimento de uma nova política, de
uma nova postura internacional, liderada pelo Governo norte-america-
no. Em 1998, o Brasil necessitou de ajuda financeira internacional de
41 bilhões de dólares para não ter uma crise de liquidez externa. Se,
naquele momento, não tivéssemos no final do Governo Clinton e ti-
véssemos sido tratados sob o novo prisma do governo Bush, “a pão e
agua”, provavelmente nossa situação se aproximaria à da argentina,
pelo menos do ponto de vista das contas externas.
Eu diria, na situação atual dos processos económicos/políti-
cos, o Brasil tem mais raio de manobra que a Argentina, mas isso não
significa que esse raio seja ilimitado. E com corte absoluto do financi-
amento internacional, como é o caso da Argentina neste momento, fica
difícil para qualquer país, pois até o comércio dos produtos nos quais o
país é competitivo, fica difícil.
Em suma, eu diria que sou mais pessimista quanto às
consequências de curto prazo sobre a economia Argentina do que o
Bernardo. Acho que não é uma questão de semanas, nem de meses. E a
reconstruturação dos instrumentos/insitutuições econômicos e da sua
confiabilidade é extremamente difícil e lenta.
Além disso temos que ter clareza que o cenário internacional é
outro, muito mais difícil, pelo menos do que se percebe neste momen-
to. E a gente tem que ter isso em mente, no balizamento da situação
das nossas economias. Posso ousar fazer mais um comentario, a título
comparativo dos dois papers apresentados.

294

brasil-argentinaFIM.pmd 294 5/2/2004, 11:02


Em seu trabalho, o Doutor João Paulo é muito propositivo. Com
toda a coragem, ele volta, no fundo, a priorizar: “Olha, nós precisamos
pensar no desenvolvimento”. Embora o debate no Brasil ainda seja o
mais ativo no âmbito da América Latina, eu acho que ainda estamos
longe de conseguir uma visão completa do que significa o desenvolvi-
mento, prospectivamente. Enfatizamos temas específicos, estabiliza-
ção, vulnerabilidade externa, etc., mas não temos uma visão completa
e integrada do assunto.
O Dr. João Paulo, em seu documento resgata coisas interessan-
tes do passado. Mas, se quisermos com a proposição do desenvolvi-
mento participar ativamente do debate, acho que temos que ter cora-
gem de aprofundarmos as questões tanto nos aspectos positivos, como
nos negativos. Porque, toda a história da substituição de importações,
todo o debate de crescer para fora ou para dentro, e mesmo toda a
atuação do Estado, no passado, não são possíveis de serem reproduzi-
dos no futuro. Principalmente, se pensarmos em termos das
condicionantes financeiras.
Para ilustrar este ponto, gostaria de resgatar algumas coisas do
documento do Bernardo. Ele mostra que, apesar de todas as adversida-
des macroeconômicas e políticas, houve setores, agentes e experiênci-
as microeconômicas de recuperação e reestruturação positiva. Tería-
mos que reformular o enfoque analítico nesta direção e avaliar , em
que condições, que setores serão capazes de se ajustar. O debate “cres-
cer para fora x crescer para dentro” perde essa riqueza.
Só quero dar mais um exemplo neste sentido. Outro dia, numa
reunião, apresentei uma tabela de um estudo recente da FUNCEX, em
que eles comparam a evolução das exportações brasileiras, por nível de
dinámica internacional. E o Brasil, apesar de todas as adversidades,
cresce em setores dinámicos a nivel internacional, coisa que não se
imaginaria, a priori.
Ou seja, acho que teremos que ter coragem para repensar as
categorías analíticas. Temos que enfrentar o desafio da heterogeneidade.
Além disso, a classificação tradicional dos setores, também está sob
júdice. Dizer que o primário é atrasado e que o setor de serviços é o
avançado, é no mínimo questionável. Porque você tem, no primário,

295

brasil-argentinaFIM.pmd 295 5/2/2004, 11:02


setores de altíssima tecnologia e setores absolutamente estancados. Da
mesma maneira, você tem nos serviços ainda o informal e você tem o
serviço de alta tecnologia, todos eles classificados como serviços.
Então, eu sou uma defensora da retomada do debate do desen-
volvimento. Mas, acho que precisamos atualizar as categorías analíti-
cas à dinâmica económica que estamos presenciando. Da mesma ma-
neira, temos que rever o que é, hoje, uma postura ativa do Estado, em
termos de formulação de políticas? Acho que elas podem ser muito
diferenciadas, dependendo do tipo de setor que estejamos falando, como
pode ser muito diferenciada uma política ativa na área social, porque
as realidades são muito diferentes.
Além disso, se voltarmos a resgatar o conceito de desenvolvi-
mento, deveremos fazê-lo não na sua dimensão estritamente econômi-
ca, mas incluindo a questão social. No Brasil, hoje, o debate é o seguin-
te: precisamos de crescimento econômico, precisamos reduzir
vulnerabilidade externa, etc. No diagnóstico há bastante consenso e
também de que não podemos continuar tão vulneráveis às flutuações
internacionais. Entretanto, como fazer, como sair da situação que
estamos, aí falta discussão e debate. Cresce o consenso de que cresci-
mento é condição necessária. Longe de suficiente para o desenvolvi-
mento e, principalmente, para o combate à desigualdade social, como
o próprio Sérgio Besserman hoje disse, no comentário anterior.
Então, eu queria resgatar essa questão fundamental do desen-
volvimento que o senhor trouxe. Mas também sugerir que repensemos
melhor as categorias para poder, ativamente, participar desse debate.
Senão, vamos perdê-lo. Essa é a minha sensação.
O segundo ponto que é extremamente interessante na proposta
do Doutor João Paulo, sua proposição de um projeto de desenvolvi-
mento conjunto Brasil e Argentina. Hoje, esse projeto tem mais condi-
ções de vingar. Ele não é mais uma pura ilusão. Mas, não podemos
incorrer nos mesmos erros do passado. Nós, economistas, temos solu-
ções econômicas. Eu gostaria de ver isso acoplado a um projeto políti-
co. Senão, obviamente, nós voltamos a ter essa dicotomia, que obvia-
mente não se materializa em projeto algum. Porque, como bem colo-
cou a Mônica Hirst, cada um tem um jeito de ver a integração com a

296

brasil-argentinaFIM.pmd 296 5/2/2004, 11:02


Argentina. Só consigo ver um projeto politicamente sustentável, se
houver harmonia entre as partes. Se houver complementariedades em
que o benefício é do conjunto. Obviamente, a posição brasileira é ex-
tremamente frágil, pois este seria o momento em que o Brasil devería
ajudar a Argentina, mas não tem tanto raio de manobra para isso, prin-
cipalmente no cenário internacional em que nos encontramos.
Essas eram minhas observações.

297

brasil-argentinaFIM.pmd 297 5/2/2004, 11:02


298

brasil-argentinaFIM.pmd 298 5/2/2004, 11:02


EL PROCESO DEMOCRÁTICO EN LA ARGENTINA

José Nun

“Si pasamos de lo que es mejor a lo que es peor para la


prosperidad, probablemente habría acuerdo en que cuando ganar
está más incentivado que producir – cuando se obtienen más beneficios
con la predación que con las actividades productivas y mutuamente
ventajosas -, las sociedades se hunden”1

1.

Seguramente serían pocos los observadores que se opondrían


hoy a describir la situación de la Argentina en términos de “desintegración
del orden civil, quiebra de la disciplina social, debilidad de los líderes y alienación
de los ciudadanos”. Sólo que ésta era exactamente la imagen de Europa,
de Norteamérica y de Japón que trazaba a mediados de los años 70 un
resonante Informe acerca de la gobernabilidad de las democracias que
le encargó la Comisión Trilateral a tres conocidos especialistas2.
¿Recuerdo tranquilizador que acaso pueda servirnos de consuelo para
no desesperar ante las penurias por las que atraviesa la Argentina en
estos momentos?
No precisamente. Porque lo que importa revisar son sobre todo
las razones en las cuales se fundaba una descripción como ésa. Y éstas
implicaban una interpretación de las supuestas consecuencias negati-
vas que habían tenido aquellos mismos factores que, veinte años antes,
autores como Raymond Aron o Daniel Bell habían considerado como
los verdaderos pilares en que se sostenían las democracias capitalistas
de Occidente. Uno era la economía mixta (reputada por muchos como
la innovación económica más importante del siglo XX); otro, el Estado
1
Mancur Olson, Poder y prosperidad (Buenos Aires, Siglo XXI, 2001), pág. 1
2
Ver Michel J. Crozier, Samuel P. Huntington y Joji Watanuki, The Crisis of Democracy
(Nueva York, New York University Press, 1975), p. 2

299

brasil-argentinaFIM.pmd 299 5/2/2004, 11:02


de Bienestar (“un tipo de capitalismo ablandado por una inyección de
socialismo”, al decir de T. H. Marshall); y el tercero, una prosperidad
sostenida y creciente.
Según Huntigton y sus colegas, en los años 60 todo ello le dió una
vitalidad tan grande a la democracia que finalmente ésta se salió de madre
y desencadenó la crisis de gobernabilidad de los 70. De acuerdo a esta
lectura eminentemente conservadora, el pueblo - estimulado por las críti-
cas de los medios masivos de comunicación y por la emergencia de los
nuevos movimientos sociales - había desarrollado expectativas exagera-
das, planteaba cada vez mayores demandas y había terminado por perder
confianza en las instituciones, desafiando en todos los planos los criterios
de autoridad vigentes. En una palabra, habrían ocurrido allí una serie de
excesos inaceptables que desestabilizaron el sistema político. ¿Cuáles eran
estos excesos (y la palabra desempeña un papel clave en el Informe)? Una
disminución excesiva de las desigualdades y un aumento excesivo de la
participación política que acabaron por producir un “exceso de democra-
cia” (sic) que se convirtió en una carga excesiva para los gobiernos3. De ahí
las recurrentes crisis fiscales; y de ahí también que la inflación se
transformase en “la enfermedad económica de las democracias”4.
Como se ve, aquella descripción que transcribí al comienzo aludía
a un estado particular de cosas que era atribuído básicamente a la
desmesura de los de abajo, favorecidos por las políticas de pleno empleo,
de redistribución progresiva de los ingresos y de gran crecimiento que
caracterizaron a los “treinta años gloriosos” de la posguerra. Este diag-
nóstico fue el preanuncio de las políticas que implementarían poco
después gobiernos de derecha como los de Thatcher y Reagan, con el
explícito propósito de desactivar la “bomba democrática”, de reimponer
el orden, de ampliar y fortalecer las posiciones de los grandes grupos
económicos y de disciplinar a la mano de obra, que se consideraba que
había adquirido demasiado poder. La lucha contra la inflación desplazó
desde entonces al combate contra el desempleo como la preocupación
macroeconómica principal y tanto la economía mixta como el Estado de
Bienestar fueron sentados de mala manera en el banquillo de los acusa-
dos, donde se les endilgaron todas las culpas.
3
Ver especialmente Huntington, op. cit., págs. 64 ss. y 113-114.
4
Esto corresponde al capítulo de conclusiones del Informe, op. cit., p. 164.

300

brasil-argentinaFIM.pmd 300 5/2/2004, 11:02


El caso argentino ilustra una evolución que poco o nada tiene
que ver con la indicada, que es más bien su opuesto simétrico y que viene
generando desde hace tiempo resultados inmensamente más desastro-
sos que aquélla. Es que hay un aspecto decisivo de esta evolución que
no fue contemplado por los análisis a los cuales vengo de referirme, pese
al papel determinante que ya había tenido en el desencadenamiento de la
depresión de los años 30 en los países capitalistas industriales. Hablo de la
profunda crisis de gobernabilidad que puede provocar la desmesura de los de arriba,
no la de los de abajo. Dicho de otra manera: ¿qué sucede con la democracia
representativa cuando es definida meramente como un sistema de
equilibrio posible mediante el cual las mayorías populares son sometidas
sin miramientos a los intereses y a los designios de las minorías económicas
y políticas dominantes? ¿Cuando lejos de haber un “exceso de democra-
cia” hay un “exceso de capitalismo prebendario, concentrador y
excluyente”? Si todas las democracias representativas que conocemos
son, en el fondo, “oligarquías electivas”, ¿qué pasa cuando una de estas
oligarquías busca perpetuarse por todos los medios en el poder, se
desconecta crecientemente de sus bases y contribuye a la marginación y
al empobrecimiento de una gran parte de la población?
Para ser justo con los informantes de la Comisión Trilateral, si es
cierto que no le prestaron atención alguna a este tipo de exceso ni entonces
ni ahora, al menos estaban convencidos de que “una estructura social en la
que la riqueza y la educación se hallen concentradas en las manos de unos
pocos no puede conducir a la democracia” 5 . En verdad, no hacían más que
repetir así una de las premisas mayores en las que, desde Schumpeter en
adelante, se fundaron los análisis de todos los teóricos de la llamada democra-
cia procedimentalista y que, lamentablemente, sus epígonos latinoamericanos
de las últimas dos décadas se dedicaron a ignorar con un empeño digno de
mejor causa6.

5
Op. cit., pág. 5
6
Para un extenso desarrollo del tema, ver mi libro Democracia: ¿gobierno del pueblo o gobierno de los
políticos? (Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2000). Según Robert Dahl, por ejemplo,
todos los requisitos de la democracia se condensan en la exigencia de un principio fuerte de igualdad.
Como solía recordar Schumpeter: “si un físico observa que el mismo mecanismo funciona de un
modo diferente en épocas distintas y en lugares distintos, concluye que su funcionamiento depende
de condiciones extrañas al mismo. Nosotros no podemos sino llegar a la misma conclusión por lo
que se refiere al sistema democrático”.

301

brasil-argentinaFIM.pmd 301 5/2/2004, 11:02


Aquí reside una de las claves más importantes para descifrar
una parte de lo que llamé en otro sitio “el enigma argentino”7. Es que,
en efecto, según el paradigma teórico-ideológico de la modernización
que se difundió desde los años 50, los países atraviesan tres grandes
etapas históricas: primero, la del desar r ollo económico; casi
simultáneamente, la del desarrollo social; y, por último, una vez
cumplidos esos requisitos, la del desarrollo político, entendido como la
instalación de un régimen constitucional de democracia representati-
va. En los años de la posguerra, la Argentina gozaba de niveles muy
apreciables de desarrollo económico y de desarrollo social; sin em-
bargo, su desembocadura política fue el populismo peronista y no la
democracia representativa (como sucedió, digamos, en Uruguay o en
Chile). Es la anomalía que trataron de explicar Germani y otros y de
la cual no me ocuparé en este trabajo, salvo para decir que echó las
bases históricas de la construcción de una ciudadanía muy desequili-
brada, en la que la dimensión social primó claramente sobre la civil y
la política.
Porque ahora me interesa constatar la medida en que, medio
siglo después, ese enigma ha invertido sus términos. Sucede que, según
dicen los papeles, la Argentina es ya una democracia representativa
mientras que, al mismo tiempo, el país se subdesarrolla activamente
en lo económico y en lo social (des-monetización, des-salarización,
des-industrialización, des-ocupación, des-nacionalización, des-
igualdad, des-protección, des-nutrición, de-crecimiento del producto,
etc.).
En una palabra, antes la modernización no nos trajo la demo-
cracia. Y hoy en día la democracia está muy lejos de llevarnos a la
modernización. La tesis que quiero defender es que esto es así debido
a las características y a los efectos propios del régimen social de
acumulación que empezó a cobrar forma desde mediados de la década
del 70 y que llegó a su apogeo en los años 90. Vale aclarar que referirse
a un régimen social de acumulación no es hablar simplemente de un
sistema económico sino de las instituciones, de las reglas y de las
prácticas públicas y privadas siempre peculiares a través de las cuales
este sistema se configura, de los modos operativos que normaliza,

7
Ver mi artículo “El enigma argentino”, en Punto de Vista, 71, diciembre 2001, pp. 1-5.

302

brasil-argentinaFIM.pmd 302 5/2/2004, 11:02


del tipo de actores que moldea y de las relaciones que se establecen
entre ese régimen y el régimen político de gobierno8.

2.

En su obra póstuma ya mencionada, Mancur Olson apela a


lo que llama prudentemente una “metáfora” para echar luz sobre
ciertos mecanismos centrales de la lógica del poder económico. Dis-
tingue así, con ejemplos históricos, entre los comportamientos de
los bandidos errantes y de los bandidos estacionarios. Los intereses de
los primeros son muy restringidos y consisten, básicamente, en
apoderarse de todo lo que encuentran a su paso pues, como a Atila,
los tiene sin cuidado que después el pasto vuelva o no a crecer ya
que no los guía la intención de quedarse. Los segundos, en cambio,
se preocupan por dejarles a sus víctimas lo suficiente como para
que continúen produciendo a fin de seguir explotándolas y es inclu-
so probable que las provean de ciertos bienes públicos como la
educación, la salud, la seguridad, etc., para aumentar su
productividad y, de esta manera, el excedente del que se apropian.
Más aun: su participación en la sociedad puede llegar a ser tan
inclusiva “que su propio interés los lleve a actuar como si fueran
totalmente benevolentes”9.
Mi cita de Olson es tan poco inocente como su metáfora.
Creo que ayuda a entender un aspecto no menor de lo ocurrido en la
Argentina desde que se inició en el país el ciclo hegemónico del capital
financiero que todavía persiste. Ese comienzo se sitúa a mediados
de la década del setenta, con el “rodrigazo”, primero, y el Plan
Martínez de Hoz, después, que abrió la economía y liberalizó to-
talmente los movimientos financieros en un contexto de intensa
represión política. Además de su validez histórica, la ventaja de fijar
estos hitos es establecer de entrada la medida en que la instalación de
ese ciclo fue un producto deliberado de medidas adoptadas por gobiernos
8
Para elaboraciones más amplias debo remitirme a José Nun y Juan Carlos Portantiero, Ensayos
sobre la transición democrática en la Argentina (Buenos Aires, Puntosur, 1987) y a mi artículo
“Populismo, representación y menemismo”, en Sociedad, 5, octubre 1994, págs. 91-122.
9
Mancur Olson, op. cit., pág. 31. Es sabido, por ejemplo, que en lugares controlados por la mafia
ésta protege a la población de modo que no sea robada por terceros, con lo cual en realidad está
defendiendo sus propios intereses.

303

brasil-argentinaFIM.pmd 303 5/2/2004, 11:02


que tenían abiertas otras alternativas. El resultado de esta primera alianza
entre los nada benevolentes bandidos estacionarios que controlaban las
palancas económicas de la dictadura militar y los bandidos errantes que
llegaron montados en sus petrodólares para obtener enormes ganancias
especulativas fue una crisis sin precedentes dado, entre otras cosas, el
uso improductivo que por añadidura se hizo de los fondos disponibles:
gran caída del producto per capita, una fenomenal redistribución regresiva
del ingreso, una tasa anual de inflación de tres dígitos que ningún otro
país soportó por un período tan largo y una deuda externa agobiante,
que fijó los cimientos de la llamada “patria financiera”.
Éste fue el marco en el que llegó al gobierno Raúl Alfonsín,
para inaugurar un régimen político de democracia representativa (o
más bien, como él mismo tardó bastante en entenderlo, la transición
hacia un régimen de tales características). Nótese que, como los
bandidos er rantes, los capitales financieros especulativos son
esencialmente cortoplacistas y se desplazan con gran rapidez ante
cualquier señal de riesgo. Fue lo que ocurrió aquí, luego del desas-
tre de la guerra de las Malvinas y del default mexicano de 1982. En
una coyuntura en que además subían las tasas de interés en los pa-
íses centrales, se percibió que también la Argentina estaba
técnicamente en virtual cesación de pagos y, además, no se advirtió
de inmediato la creciente brecha que separaba a los ataques verbales
que Alfonsín les dirigía en público a las corporaciones de las
prácticas concretas que privilegiaban cada vez más los diálogos a
puertas cerradas entre los funcionarios radicales y los directivos de
esas corporaciones y de los organismos multilaterales10.
No es de sorprender, entonces, que en medio de un creciente
deterioro económico (fracaso del Plan Austral, fuga de depósitos, falta
de crédito) y político (derrota en las elecciones legislativas y de
gobernadores de 1987) el gobierno concluyera por lanzarse abiertamente
10
Según un relato no desmentido, varias semanas antes de anunciar el Plan Austral de junio de
1985, el entonces Ministro de Economía Juan V. Sourrouille llevó los borradores a Washington,
para explicar el proyecto a las autoridades del Fondo Monetario Internacional y obtener su visto
bueno (Joaquín Morales Solá, Asalto a la ilusión, Buenos Aires, Planeta, 1990, pág. 256). Como
consigna otro observador, “en vísperas del Plan Austral, Alfonsín recibía en Olivos a los capitanes
de la industria” (Horacio Verbitsky, La educación presidencial, Buenos Aires, Puntosur, 1990, pág.
114). Ver, también, Pierre Ostiguy, Los capitanes de la industria (Buenos Aires, Legasa, 1990).

304

brasil-argentinaFIM.pmd 304 5/2/2004, 11:02


a contener a los especuladores nacionales y extranjeros mediante el
denominado Plan Primavera. ¿Cómo? Garantizándoles que no habría
devaluación y que, invirtiendo en australes, obtendrían una tasa de
interés del 10% mensual en momentos en que, en Estados Unidos, la
tasa de interés era del 10% anual11. ¿Con qué se financiaba esta
extraordinaria transferencia de recursos? Esencialmente, con el impuesto
inflacionario que gravaba cada vez más a los trabajadores y al resto de
los ciudadanos con ingresos fijos.
El problema es que los capitalistas errantes pronto comenzaron
a olfatear el riesgo de una situación altamente inestable, complicada por
el inesperado ascenso político del entonces todavía temido populismo
menemista. Se buscó contenerlos con la promesa de un préstamo que el
Banco Mundial le daría al país aunque tiempo después se supo que, en
realidad, no sería de desembolso inmediato12. Finalmente, en febrero de
1989 se produjo la corrida, luego de una sangría cuantiosa de las reservas
del Banco Central que no pudo impedir la devaluación. La inflación se
volvió imparable y entre mayo y junio superó el 100% mensual. La
tempestad arrastró a Alfonsín (responsable de muchos de los vientos que
la generaron, aunque no de todos), quien debió entregar la presidencia
seis meses antes de que concluyera su mandato.
Desde luego, mi objetivo no es hacer aquí una crónica ni, mucho
menos, un examen detallado de lo ocurrido en las últimas dos décadas
sino simplemente señalar la plausibilidad de la tesis que formulé más
arriba. Pero, antes de proseguir, conviene despejar algunos
malentendidos posibles.
El primero es que la metáfora olsoniana de la que me valgo no
resulta obviamente aplicable a la totalidad de los sectores capitalistas
que han operado y operan en la Argentina por lo que el lector no debe
confundir una parte (que considero muy significativa) de la historia con
toda la historia. Dicho en otros términos, según las circunstancias, espe-
11
Como señala Morales Solá (op. cit., pág. 46), “quien haya especulado entre noviembre de 1988
y enero de 1989 en la plaza financiera se llevó un 30 % de ganancia en dólares: un rédito en tres
meses que, en cualquier capital del mundo desarrollado, implicaría más de tres años de depósitos
a plazo fijo”.
12
Ver sobre este tema Walter Graziano, Las siete plagas de la economía argentina (Buenos Aires,
Norma, 2001), cap. 1

305

brasil-argentinaFIM.pmd 305 5/2/2004, 11:02


cialmente los grandes empresarios y grupos económicos pueden o no
comportarse como si fuesen bandoleros errantes o estacionarios. Mi argu-
mento es que, en la Argentina, se crearon condiciones particularmente
favorables para que la mayoría de ellos así lo hicieran, con el agregado de
que prevaleció la lógica de los bandoleros errantes y, con el correr de los
años, se redujeron en forma ostensible tanto las áreas de acción como la
tradicionalmente módica benevolencia de los bandoleros estacionarios. Esto
sucedió en el marco previsible de frecuentes conflictos entre bandas, que
fortalecieron el papel “protector” de verdaderas mafias enquistadas en
los aparatos estatales.
La segunda aclaración es que, precisamente porque aludo a es-
tilos de comportamiento, ni el capital errante ha sido o es necesariamente
extranjero ni el capital estacionario ha sido o es necesariamente nacional.
En rigor, uno de los principales temas de campaña de Alfonsín fue que
iba a empeñarse en desentrañar cuáles habían sido las reales caracterís-
ticas del endeudamiento externo que su gobierno heredó, discriminan-
do entre los acreedores legítimos y no legítimos, ya que buena parte de
estos últimos eran ciudadanos argentinos que habían fugado capitales
del país para reingresarlos luego como préstamos falsos13. Es un tema
que, como tantos otros, quedaría en pura promesa y se agravaría cada
vez más en los años siguientes.
Por otro lado, si no todos los capitalistas establecidos en el país
pueden ser tratados como bandidos estacionarios, hubo muchos y muy
importantes que se acostumbraron a actuar como si lo fueran y a tomar
por dados sus comportamientos. Es lo que ponen en evidencia desde
los contratos leoninos que celebraban con el estado ( lo que dió en
llamarse la “patria contratista”, con su componente necesario de
corrupción) hasta la gran evasión y elusión impositivas pasando por la
estafa al fisco que constituyeron un buen número de los supuestos
programas de “promoción industrial” que se implementaron desde esa
época.

13
Para apreciar esta cuestión en toda su magnitud, se estima que más de dos tercios del total de
la deuda externa pública de hoy deriva de los 48.000 millones de dólares de deuda que contrajo
la última dictadura militar, ajustados por la tasa de interés. Ver Jorge Gaggero, FMI/Argentina: el
mejor alumno en la picota (Buenos Aires, 2/4/2002, monografía inédita).

306

brasil-argentinaFIM.pmd 306 5/2/2004, 11:02


3.
Con la llegada a la presidencia de Carlos Menem, los excesos de
los de arriba iban a potenciarse de una manera tan espectacular como
escandalosa. Si el gobierno de Alfonsín cortejaba a los grandes grupos
empresarios, les anticipaba lo que haría y negociaba su apoyo a cambio
de las ventajas que les otorgaba, el de Menem sencillamente le entregó
de entrada el manejo de la economía a uno de esos grupos. A la vez,
sacó partido de la crisis para obtener del Congreso una delegación de
facultades legislativas en el Ejecutivo de una extensión y profundidad
que ningún gobierno constitucional había gozado antes.
Mediante las leyes “ómnibus” de Emergencia Económica y de
Reforma del Estado, primero, y un conjunto de medidas tributarias,
después, quedaron a su exclusivo arbitrio tanto la privatización de
una larga lista de empresas públicas como la concesión de casi todos
los ser vicios públicos; la posibilidad de autorizar para ello
capitalizaciones de la deuda externa; los niveles y las características
de la apertura comercial; la creación o la eliminación de subsidios
públicos; la generalización a su solo criterio del impuesto al valor
agregado; las decisiones acerca de la des- y de la re-regulación de los
mercados; etc.14. Según explicaba tempranamente quien sería luego
uno de los máximos ideólogos del menemismo, éste se proponía
reconstruir el poder del estado “desde sus raíces”, implementando lo
que “puede denominarse conceptualmente con precisión una
`revolución conservadora`” 15 .
Nuevamente, se recurrió a una tasa de interés exorbitante
14
Ver Vicente Palermo y Marcos Novaro, Política y poder en el gobierno de Menem (Buenos Aires,
Norma, 1996), págs. 256 ss.
15
Jorge Castro, en el diario El Cronista, 24/9/1989. Para una útil revisión de éste y de otros
textos parecidos, ver Fabián Bosoer y Santiago Leiras, “Los fundamentos filosófico-políticos
del decisionismo presidencial en la Argentina, 1989-1999”, en Julio Pinto, comp., Argentina entre
dos siglos (Buenos Aires, Eudeba, 2001), págs. 41-90. Castro ha considerado desde entonces a
Menem como una especie de Cavour argentino, que lideró en el país cambios similares a los
realizados por el Partido de los Moderados en el Risorgimento italiano. Alcanza con comparar la
situación a la que fue conducida la Argentina por las políticas menemistas con el desplazamiento
efectivo del viejo orden que ocurrió en ese país y con el desarrollo industrial del Norte italiano
(que llevó a que ya el Tratado de Paz de Versalles pudiera reconocerle a Italia el status de Gran
Potencia), para sospechar seriamente del particular sentido que Castro ha pretendido darle así a
la noción de “revolución conservadora”.

307

brasil-argentinaFIM.pmd 307 5/2/2004, 11:02


para atraer inversiones y, otra vez, el país comenzó a avanzar hacia la
hiperinflación. Mientras el precio del dólar se disparaba, un equipo
económico de recambio quiso frenarlo recurriendo a un expediente
poco apto para generar confianza pública: a fines de 1989, el Plan
Bonex confiscó todos los depósitos a plazo fijo, sustituyéndolos por
bonos a diez años de plazo que inicialmente redujeron el valor de
esos depósitos en un setenta por ciento. La cotización del dólar bajó
pero a costa de una fuerte recesión y de una inflación en rápido
ascenso. Poco después, llegaba Domingo Cavallo al Ministerio de
Economía y, a comienzos de 1991, en un contexto de notorio retraso
cambiario, lanzaba el Plan de Convertibilidad, fijando una paridad 1
a 1 entre el peso y el dólar. El Plan iba a lograr dos cosas: liquidar la
inflación y consolidar definitivamente el ciclo de hegemonía del capi-
tal financiero.
Es verdad que, en los tres años siguientes, la economía
argentina creció a un ritmo excepcionalmente elevado. Pero, como
se apreciaría mejor después y sin perjuicio de los aumentos de
productividad que experimentaron diversos sectores, incidieron en
ello una serie de factores circunstanciales que no volverían a
repetirse 16. En primer término, la liquidez internacional de los
capitalistas errantes alcanzó máximos históricos desconocidos y,
entre otros lugares, muchos de ellos volvieron también sus ojos
hacia la Argentina, atraídos por una ausencia absoluta de
restricciones a sus movimientos, tasas de interés muy atractivas,
el respaldo que le brindaban al país los organismos internacionales
de crédito, una serie de incentivos fiscales y el seguro de cambio
gratuito que les ofrecía el Plan de Convertibilidad. En segundo
término, este flujo se vio fuertemente incrementado por el programa
de privatizaciones menos controlado, más veloz y de menor riesgo
empresario de que se tenga memoria, esa famosa “venta de las
joyas de la corona” que liquidó y desnacionalizó la mayor parte de
16
Acerca de los cambios tecnológicos que ya habían comenzado a registrarse desde la dictadura
militar en algunas áreas (especialmente, en la agricultura y en ciertos segmentos de la industria),
ver mi “Vaivenes de un régimen social de acumulación en decadencia”, en J. Nun y J. C. Portantiero,
op.cit., págs. 83-116. Para una visión de conjunto y actualizada de este tema, me remito a
Bernardo Kosacoff y Adrián Ramos, Liberalización, estabilidad y desarrollo: el caso argentino (Brasilia,
FUNCEB, 2002).

308

brasil-argentinaFIM.pmd 308 5/2/2004, 11:02


las empresas públicas 17 . Un tercer elemento, que se revelaría
también coyuntural, fue la expansión de la recaudación impositiva,
conseguida mediante una regresividad creciente del sistema
tributario que pasó a depender de impuestos indirectos cada vez
más altos (como el IVA) mientras quedaban exentas las rentas
financieras y los dividendos de los dueños de las sociedades
anónimas.
En todo caso, la falta de un genuino programa de desarrollo y,
en especial, de políticas industriales activas (con algunas pocas
excepciones favorables a las grandes empresas, como el régimen espe-
cial de protección a la industria automotriz, que supuso una cuasi-re-
serva del mercado interno para un puñado de terminales) hizo que la
fase expansiva concluyera en la recesión de 1995, influída en buena
medida por la retracción de los capitales errantes, asustados ante la
crisis mexicana del año anterior. El cuadro volvió a modificarse
favorablemente en el bienio 1996-98 hasta que, en el segundo semes-
tre de este último año, el país ingresó en un proceso de depresión
creciente, del cual aun no ha salido. (Es significativo que fuera éste el
momento elegido por el F.M.I. para invitar a Menem a hablar ante su
Asamblea General, privilegio sólo compartido hasta entonces por los
primeros mandatarios de Estados Unidos).
Se confirmaba así que, en el nuevo régimen social de
acumulación que había empezado a gestarse en la década del 70, los
movimientos de capitales de corto plazo se habían constituído en el
factor autónomo determinante de las fluctuaciones de la producción y
del empleo18. Uno de los efectos más ostensibles de esta dinámica ha

17
“Teléfonos, electricidad, agua y algunos servicios de transporte pasaron a ser monopolios
privados en vez de públicos; sus tarifas, en contratos de largo plazo, subieron según la inflación
de los Estados Unidos, aun cuando en la Argentina caían los precios. Y las tasas de interés
siguieron siendo altas. Los bancos prestaban dólares al 25 %, por más que, en teoría, el riesgo era
bajo”. Esta síntesis (válida aunque moderada) la tomo de una publicación tan conservadora
como The Economist, 2/3/2002, lanzada a explicar el derrumbe argentino. Para análisis más
extensos y rigurosos de este tema crucial, ver los Documentos de Trabajo producidos desde 1996
por el Proyecto Privatización y Regulación en la Economía Argentina, Área de Economía y
Tecnología, FLACSO/SECYT/CONICET, Buenos Aires.
18
Cf. Aldo Ferrer, “Los ciclos económicos en la Argentina: del modelo primario exportador al
sistema de hegemonía financiera” (Buenos Aires, Academia Nacional de Ciencias Económicas,
1995).

309

brasil-argentinaFIM.pmd 309 5/2/2004, 11:02


sido la frecuencia y la intensidad históricamente inusitadas de las on-
das recesivas experimentadas por el país: 1975-76, 1978, 1981-82, 1989-
90, 1995, 1999-2002. Más aun: en las condiciones descriptas, la debilidad
y la vulnerabilidad de las fuentes autónomas de generación de divisas
supuso que, en los hechos, un Plan como el de Convertibilidad sólo
pudiera mantenerse al precio de un continuo endeudamiento externo
(que subió fuertemente desde 1993) y de un aumento extraordinario de
la desocupación y del subempleo, que alcanzaron prontamente sus
máximos históricos. En realidad, son dos fenómenos que se entrelazan,
toda vez que la conflictiva alianza entre los capitalistas errantes y los
capitalistas estacionarios hizo que, a partir del Plan Brady, el servicio
de la deuda se convirtiese en el eje principal de la política económica, a
fin de evitar por todos los medios que sonara la alarma en las computa-
doras de los capitalistas errantes19.
4.
Dicen que Milton Friedman nunca aceptó un cargo oficial para
evitar que su neoliberalismo ortodoxo pudiera verse empañado por los
compromisos que siempre exige la actividad política. Sus seguidores ar-
gentinos no han tenido los mismos reparos y, por el contrario, ahora intentan
magnificar el peso de tales compromisos para eludir las responsabilidades
que les caben en el actual desastre. Es verdad, por ejemplo, que el Plan de
Convertibilidad fue localmente generado y que el Fondo Monetario Inter-
nacional nunca lo vió con buenos ojos. Esto no quita que le brindase un
amplio apoyo y que erigiera a la Argentina en el caso modelo de las ventajas
y de la eficacia del llamado “consenso de Washington”. Ocurre, en efecto,
que el canon neoliberal fue uno de los grandes soportes ideológicos de la
peculiar “revolución conservadora” encabezada por Menem, a quien todavía
en 1998 Michel Camdessus no vacilaba en calificar como “el mejor presi-
dente” que hubiera tenido el país “en los últimos 50 años”.
De acuerdo a este canon, el motor del crecimiento son las

19
“Los objetivos referidos al nivel de la actividad económica y el empleo quedan subordinados
al reciclaje de fondos externos necesarios para complementar los recursos propios destinados al
servicio de la deuda”, Aldo Ferrer, op.cit., pág. 9. Acerca de los conflictos entre las cúpulas
económicas, particularmente a partir de la crisis de 1995, ver especialmente Eduardo Basualdo,
Concentración y centralización del capital en la Argentina durante la década del noventa (Buenos Aires,
Universidad Nacional de Quilmes, 2000).

310

brasil-argentinaFIM.pmd 310 5/2/2004, 11:02


inversiones en capital fijo, las cuales requieren que las tasas de interés
sean bajas. A su vez, esto sólo resulta posible en un contexto de precios
estables y de altos niveles de ahorro. Por lo tanto, la inflación se erige en
el principal enemigo del crecimiento y combatirla impone, entre otras
cosas, que se achique el estado y que haya equilibrio fiscal; la flexibilización
del mercado de trabajo, para evitar cualquier presión alcista de los salarios;
y una política de libre comercio que fomente la competencia.
Exactamente, se dice, el camino que recorrió los Estados Unidos bajo
Clinton. ¿Evidencias que lo confirman? El rápido crecimiento de ese
país en los 50 y los 60, cuando la inflación era baja; su pobre desempeño
después, cuando la inflación subió y los ahorros descendieron; y la bonanza
de los 90, cuando retornaron los precios estables, desapareció el déficit
fiscal, aumentó el ahorro y el gobierno redujo drásticamente su papel.
Como sucede a menudo, la lógica de un razonamiento de este
tipo es impecable siempre que se acepten sus premisas. Y son estas
premisas las que no se sostienen, como ha sido suficientemente
demostrado20. El error es haberle atribuído un vínculo causal a dos
procesos que simplemente coexistieron en el tiempo. Porque el descenso
de la inflación en los Estados Unidos fue anterior a las políticas que
mencioné más arriba y no sólo el crecimiento no resultó de estas políticas
sino que lo limitaron seriamente, no resolvieron el problema de la
desigualdad y colocaron al país al borde de la recesión. ¿Qué pasó,
entonces? Que, tal como ocurrió antes con la máquina a vapor o con el
motor eléctrico, los grandes cambios técnicos siempre tardan en madurar
y es recién desde fines de los 80 que comenzó a dar realmente sus frutos
la revolución informática, generando aumentos de productividad
espectaculares e inesperados. Fueron estos aumentos los que hicieron
que creciesen las ganancias pero no los precios y es a ellos que se debió la
estabilidad monetaria y no a la desregulación o al equilibrio fiscal. Más
todavía: el impulso y buena parte de los fondos que financiaron inicial-
mente esa revolución provinieron del gobierno. (Recuérdense, por ejemplo,
los enormes gastos en defensa que realizó Reagan, a quien Galbraith
llamaba por eso “un gran keynesiano”).
20
Para un excelente análisis del tema, ver Barry Bluestone y Bennett Harrison, Growing Prosperity
(Boston, Houghton Mifflin, 2000. Hay traducción castellana: Prosperidad, Buenos Aires, Fondo
de Cultura Económica, 2001). Es significativo que un economista de los quilates de Robert
Heilbroner no haya vacilado en arriesgar su reputación (son sus propias palabras) para sostener
que esta obra iguala en importancia a la Teoría general de Keynes.

311

brasil-argentinaFIM.pmd 311 5/2/2004, 11:02


Se perfila así un modelo alternativo, muy distinto al de la pro-
paganda neoliberal, mucho más firmemente anclado en la evidencia
histórica y cuya meta explícita es el desarrollo con equidad. Para este
modelo, el motor del crecimiento son las innovaciones tecnológicas y
no las inversiones en sí mismas. En medida considerable, tales
innovaciones resultan un producto no casual del contexto: necesitan
de políticas públicas y privadas que promuevan activamente la
investigación y el desarrollo; de grandes inversiones del gobierno en
infraestructura; de una expansión continua de la educación y la
capacitación; etc. La prioridad no es aquí un presupuesto fiscal equili-
brado sino un crecimiento social equilibrado. Para lo cual no alcanza
con lo dicho. El modelo exige, a la vez, que la demanda se amplíe al
máximo y no de cualquier manera sino a través del incremento de los
salarios, apoyado por la acción del estado y de los sindicatos. Como ha
mostrado Lester Thurow, salarios más altos conducen a una
productividad más alta y no al revés, como se creía21. Por lo demás,
todo indica que la señal más significativa para los mercados es la de-
manda futura esperable y no el nivel de la tasa de interés.
5.
Desde el ángulo de lectura que he adoptado aquí, no aplicar a
un caso como el argentino principios como los mencionados (que, a su
modo, ya habían funcionado exitosamente en el Sudeste asiático, por
ejemplo) y sí, en cambio, los del “modelo de Wall Street” (o “consenso
de Washington”) supuso, entre otras cosas, abrirles de par en par las
puertas del país a los capitalistas errantes e indujo una rápida concentración
y centralización del capitalismo estacionario. Este último combinó la
valorización financiera con la producción rentística en mercados
oligopolizados, los cuales generaron muchos más encadenamientos
multiplicadores hacia afuera que hacia adentro del país. Las
consecuencias que se siguieron resultan hoy irrefutables.
Para citar a Schvarzer: “En el período 1949-74 la industria
multiplicó su valor agregado en más de tres veces y se convirtió en el
motor de la economía y en la principal fuente de empleo y de riqueza

21
Lester Thurow, “Wages and the Service Sector”, en Ray Marshall, comp., Restoring Broadly
Shared Prosperity (Austin, University of Texas, 1997)

312

brasil-argentinaFIM.pmd 312 5/2/2004, 11:02


del país”. En cambio, debidamente recalculadas, las cifras oficiales
“sugieren que la industria no ha crecido, en términos de su aporte
productivo, en el curso del último cuarto de siglo”22. El impresionante
proceso de desindustrialización consiguiente no fue compensado por
otros mecanismos de creación de riqueza que beneficiaran al conjunto
de la sociedad. Según los criterios de medición que se utilicen, en
veinticinco años de “economía cerrada” (1949-74), el producto per
capita había crecido entre un 48 y un 67%; en el cuarto de siglo siguiente,
dominado por las políticas neoliberales, este crecimiento fue
prácticamente nulo. Y el país pasó de ocupar tradicionalmente el primer
lugar en América Latina en materia de ingreso per capita a ubicarse hoy
detrás de Uruguay, Chile, Brasil, México y Venezuela23.
Lo cual no debe ser leído en absoluto como un elogio irrestricto
de la “economía cerrada” sino como una crítica a los descomunales
excesos de los de arriba que están en la base de la supuesta “revolución
conservadora” que ha venido padeciendo la Argentina. Porque como
indicador promedio que es, esa falta de crecimiento del producto per
capita encubre una brutal traslación de ingresos hacia los más ricos, que
han resultado ganadores en todas las fases del ciclo económico. Datos oficiales
de noviembre de 2001 para la Capital Federal y el Gran Buenos Aires
indican que la brecha entre el 20 % de mayores recursos (que se queda
con el 53 % de los ingresos) y el 20 % de menores recursos pasó de 7.8
veces en 1974 a 14.6 veces en el 2001; y si se toman solamente el
primero y el último decil, se comprueba que la diferencia se amplió de
12 a 28 veces. (Dada la propensión de los más ricos a subdeclarar
sus ingresos y de los más pobres a sobrevaluarlos, es muy probable
que estas distancias sean en realidad mucho mayores. Conviene re-
cordar que la cifras se refieren a los ingresos anuales y no al
patrimonio acumulado).
Este incremento de la desigualdad (que coloca a la Argentina
entre los 15 países con la peor distribución del ingreso en el mundo) se ha
visto acompañado por otros tres fenómenos de similar gravedad. Uno es
la desocupación: en 1993, en pleno auge del Plan de Convertibilidad, el
22
Jorge Schvarzer, “Economía argentina: situación y perspectivas”, La Gaceta de Económicas, 24/
6/2001, pág. 6
23
Ver La Nación, 17/3/2002, p. 10, en base a datos oficiales.

313

brasil-argentinaFIM.pmd 313 5/2/2004, 11:02


desempleo abierto llegaba por primera vez en el último medio siglo al
10%, para duplicarse después con la crisis del tequila y afectar estimati-
vamente hoy a cerca de un tercio de la fuerza de trabajo, cuya amplia
mayoría carece de cualquier forma de protección social. A esto se suman
guarismos semejantes de subocupación y entre un 40% y un 50% de
trabajadores no registrados o “en negro” (incluídos muchos que tienen
empleo en grandes empresas o en el propio sector público). El segundo
fenómeno es, desde 1984, el descenso del salario real (apenas interrumpido
en 1991-92), de modo que las remuneraciones de los trabajadores
terminaron cayendo a niveles análogos a los de hace medio siglo y ahora
tienden a seguir bajando. En tercer lugar, más del 50 % de la población se
ubica en la actualidad por debajo de la línea de pobreza, que supera ape-
nas un nivel mínimo de mera subsistencia (y ello en un país que produce
alimentos suficientes para una población diez veces superior a la actual).
A esto se suma que, en la última década, 6 de cada 10 nuevos pobres han
provenido de la otrora poderosa clase media argentina.
Alcanza con estos elementos para advertir la magnitud del saqueo
a que ha sido sometido el país y por qué no es arbitrario apelar a una
metáfora como la de Olson para tratar de entenderlo, por lo menos en
parte. El ciclo de la hegemonía del capital financiero ha sido claramente
también el del exceso de participación del gran capital en los asuntos
públicos en su exclusivo beneficio y me interesa explorar ahora algunos
de los efectos generales que esto ha tenido sobre el régimen político de
gobierno.
6.
Si es cierto que el bandolerismo no reconoce fronteras, también
lo es que una de las principales obligaciones de los gobiernos consiste en
proteger de él a sus ciudadanos e impedir que prospere. Como subraya
Manent, la función de custodiar y conservar es siempre inherente al
ejercicio legítimo de la soberanía24. No fue éste el caso de la Argentina,
especialmente en la década pasada. Más aun, para llevar adelante su
tipo de “revolución conservadora” al menemismo no le bastaba con
lograr la extraordinaria delegación de facultades legislativas a la cual ya
me referí ni con recurrir incesantemente a los “decretos de necesidad y
24
Pierre Manent, Cours familier de philosophie politique (París, Fayard, 2001)

314

brasil-argentinaFIM.pmd 314 5/2/2004, 11:02


urgencia” y al veto parcial o total de las leyes que no le convenían.
Necesitaba también reducir al máximo la independencia del Poder Ju-
dicial para que el decisionismo a ultranza que puso en práctica no quedara
expuesto a su control. Lo consiguió sobre todo de dos maneras, que
sacudieron las bases mismas del estado de derecho republicano, ya se-
riamente debilitadas, antes, por las leyes de Punto Final y de Obediencia
Debida y, después, por el indulto que benefició a los responsables del
terrorismo de estado.
Por un lado, incrementó de 5 a 9 el número de miembros de la
Corte Suprema, asegurándose así una “mayoría automática” que
convalidó hasta las menos defendibles de sus medidas. (Agrego un
dato que trasciende lo anecdótico. La única justificación explícita que
se dió de ese incremento fue que la Corte iba a poder dividirse así en
Salas a fin de operar con mayor eficiencia. En su primera acordada, la
Corte resolvió no dividirse en Salas). Por otro lado, el gobierno se las
compuso para renovar por completo el fuero federal – esto es, el fuero
llamado a entender en causas que lo involucrasen -, poblándolo de jueces
que le fueran adictos. Sumadas al control oficialista del Congreso, ambas
circunstancias no sólo destruyeron de hecho la división de poderes sino
que redundaron en un sensible descenso de la idoneidad de sectores
estratégicos de la magistratura. A esto se añadieron fenómenos tales
como las prebendas, los nombramientos y ascensos antojadizos en dis-
tintos fueros y un desfinanciamiento generalizado para afectar grave-
mente tanto la acción como la credibilidad de la justicia, incluyendo
también en este desprestigio a jueces que seguramente no lo merecían.
(Quizás no esté demás advertir que, en este sentido, sistemas como el
judicial son indivisibles: alcanza conque se corrompa una parte – espe-
cialmente si ésta abarca a su cabeza – para que el conjunto se vuelva
no confiable pues resulta incierto el destino de cualquier recurso).
A la vez, semejante desquicio de los centros neurálgicos del
Poder Judicial garantizó la impunidad de numerosos funcionarios pú-
blicos y de dirigentes políticos, empresarios y sindicales que se plegaron
al clima de época, obraron en colusión con los capitalistas errantes y
estacionarios y amasaron enormes fortunas facilitando sus actividades,
fuesen éstas lícitas o no. Es que, por así decirlo, descendió
palpablemente el “costo de oportunidad” de la corrupción, que adquirió

315

brasil-argentinaFIM.pmd 315 5/2/2004, 11:02


desde entonces magnitudes tan grandes que un sindicalista (hoy sena-
dor) pudo decir sin rubores y sin consecuencias: “Si dejamos de robar
durante dos años, el país se salva”. La situación fue denunciada abun-
dantemente por los sectores más sanos del periodismo y, no por
casualidad, la respuesta de los acusados (incluído el propio Presidente
de la República) resultó siempre la misma: “que decida la justicia”25 .
En estas condiciones, y a pesar de algunos intentos que se
hicieron, tampoco demostró ser factible constituir una burocracia pú-
blica altamente capacitada, bien remunerada y éticamente
irreprochable que, como en otros lugares, pudiese asegurar la
continuidad, la transparencia y la eficacia de la acción del estado.
Conspiraron contra ello la propia corrupción ambiente, los favores
clientelísticos, los cambios constantes del personal jerárquico y las
asignaciones presupuestarias insuficientes o muchas veces capricho-
sas. Es decir que tampoco este importante espacio estatal de diseño,
implementación y evaluación de políticas públicas y de defensa de
los intereses colectivos ha funcionado en forma siquiera medianamente
adecuada. Tres ejemplos que lo ilustran con mucha claridad son la
estéril superposición y los muy magros resultados de los programas
sociales; la general inoperancia (cuando no directamente la
complicidad) de los órganos encargados de supervisar y de regular el
desempeño de las empresas privatizadas; y la abr umadora
incompetencia de los controles fiscales a todos los niveles26.
La contracara (y muy a menudo la causa) de esas considerables
limitaciones de la burocracia estatal fue una persistente ocupación
partidaria de los lugares que les hubieran correspondido a los
funcionarios de carrera. Esta tendencia se inició durante el gobierno
de Alfonsín (quien, además, rompiendo una larga tradición del radi-
calismo, concentró a la vez las presidencias de la República y de la
UCR) y culminó bajo Menem, reduciendo a un mínimo la autonomía
de los partidos. Por eso ha podido compararse al Partido Justicialista
de los años 90 con el PRI mexicano, dadas su organización “de arriba
25
Ver, por ejemplo, Horacio Verbitsky, Robo para la corona: los frutos prohibidos del árbol de la
corrupción (Buenos Aires, Planeta, 1996)
26
Un dato comparativo: mientras que la recaudación impositiva supera en Brasil al 30 % del
PBI, en Argentina apenas llega al 21 %.

316

brasil-argentinaFIM.pmd 316 5/2/2004, 11:02


hacia abajo, desde los despachos oficiales hasta cada unidad territorial
local” y su financiamiento parcial o total con fondos públicos, en una
época en la que “el dinero reemplazó a la militancia voluntaria como
recurso estratégico en las luchas internas”27.
Tales luchas sin duda existieron pero muy pocas veces fueron
el signo de una real vitalidad democrática de los partidos. Tanto en los
casos del radicalismo como del justicialismo consistieron sobre todo
en enfrentamientos, negociaciones y compromisos entre caudillos, sea
en vísperas electorales, sea en las constantes disputas por fondos entre
los gobernadores y el poder central, sea en el plano de los debates y
componendas parlamentarios. Ni hubo ni se promovió una auténtica
participación ciudadana y esto ni siquiera varió cuando ingresó a la
escena el FREPASO, una coalición de centro-izquierda que, para crecer,
dependió esencialmente de la continua presencia de sus líderes en los
medios masivos de comunicación y no de un esfuerzo organizativo más
o menos coherente de construcción desde las bases.
Caben pocas dudas de que la crisis de representación se ha con-
vertido en un fenómeno bastante habitual en las sociedades
contemporáneas y que inciden fuertemente sobre ella desde la
fragmentación y desestructuración de las clases sociales hasta la
videopolítica, pasando por el peso enorme que adquirieron las grandes
corporaciones en un mundo globalizado a su medida. También es cierto
que, por definición, en una democracia representativa debe existir
siempre una distancia entre gobernantes y gobernados y que esta dis-
tancia reconoce dos extremos: cuando es nula, nos hallamos ante una
democracia directa; cuando es total, ante una tiranía. Entre esos ex-
tremos, el grado tolerable de tal separación es indecidible a priori y
depende de una historia, de tradiciones culturales, de las ideologías en
pugna, de las formas organizativas, etc. Pues bien: lo que trato de decir
es que, en las condiciones de la Argentina que he descripto, la distancia
27
Marcos Novaro, “El presidencialismo argentino entre la reelección y la alternancia”, en I.
Cheresky e I. Pousadela, comps., Políticas e instituciones de las nuevas democracias latinoamericanas
(Buenos Aires, Paidós, 2001), pág. 84. Resulta curioso el argumento al que apela este autor para
afirmar que “las dificultades que resultan del modelo menemista no obedecen a un supuesto
‘debilitamiento del partido’, como se sostiene en algunos análisis, sino a su elevada ‘estatización’:
ella supone altos costos de transacción para la formación de consensos en torno a políticas, establece una fuerte
dependencia de las estructuras partidarias respecto de los recursos públicos y pone en riesgo las instituciones al
borrar la diferencia entre partido y Estado”, op. cit., págs. 85-86, cursiva agregada.

317

brasil-argentinaFIM.pmd 317 5/2/2004, 11:02


se volvió tan grande que acabó conduciendo desde mediados de los 90
a una virtual ruptura del lazo de representación.
Sólo que resulta necesario ir todavía más lejos pues esta ruptura
es la manifestación más visible de un problema de una gravedad mucho
mayor, que el fracaso del gobierno de De la Rúa se encargó de
profundizar. Aludo a un verdadero vaciamiento de la vida pública, a la
pérdida de eso que Hegel llamaba la “ética objetiva” o Sittlichkeit. Se
refería de esta manera no al subjetivismo individualista del deber ser
kantiano sino a la moral colectiva, al lenguaje que hablan cotidiana-
mente las instituciones y las prácticas concretas de una sociedad y a
través de las cuales se puebla de sentido la existencia de quienes la
habitan28. Por eso, cuando las instituciones no cumplen los fines para
los cuales fueron creadas y la gente pierde la confianza en los políticos
o en los jueces o en los empresarios o en los sindicalistas o en los policías,
se ingresa en el mundo alienado del sin sentido29.
Basten nuevamente algunas evidencias empíricas30. Para la am-
plia mayoría de los argentinos entrevistados en los últimos cinco me-
ses, la política se ha vuelto un sinónimo por antonomasia de corrupción
y de privilegio y un 75 % no muestra interés alguno de involucrarse en
ella (PNUD). Tres de cada cuatro, ni se sienten identificados con el siste-
ma democrático argentino ni creen tampoco que el resto de los ciudadanos
confíe en él (IBOPE). Menos del 5 % emiten juicios positivos sobre los
legisladores (0,9%); el Poder Judicial (0,8%); los jueces (1,8%); el
Congreso (4,9%); los gobernadores (1,8%); o las relaciones entre los
partidos políticos (2,2%) o el estado (4,8%) con la sociedad (IBOPE).

28
He desarrollado estas cuestiones en La rebelión del coro (Buenos Aires, Nueva Visión, 1989) y
más recientemente, en relación a la crisis argentina actual, en “Variaciones sobre un tema de
Hegel”, en J. E. Burucúa y otros, La ética del compromiso (Buenos Aires, Altamira/Fundación
OSDE, 2002)
29
“La Argentina es un Estado debilucho, que está al borde de la anomia, atravesando una
situación riesgosa que se agudiza porque tenemos instituciones débiles y una sociedad desintegrada,
propensa a caer en el fastidio”. Viene de declararlo el propio ministro de Justicia actual, Jorge
Vanossi, en La Nación, 17/3/2002, pág. 11
30
Los datos son inéditos y provienen de dos fuentes distintas. Por una parte, las encuestas
nacionales realizadas en octubre de 2001 y febrero de 2002 por PNUD para el “Informe sobre
la democracia en Argentina” del PNUD (en adelante, PNUD). Por la otra, la encuesta nacional
efectuada en febrero de 2002 por IBOPE OPSM para el “Monitor de tendencias económicas y
sociales” (en adelante, IBOPE).

318

brasil-argentinaFIM.pmd 318 5/2/2004, 11:02


Un 70 % considera que la opinión de los ciudadanos no cuenta para
nada y son mayoría quienes afirman que los grandes capitalistas
nacionales y extranjeros poseen más poder que el gobierno (PNUD).
Es interesante constatar que, en el último sondeo de PNUD, únicamente
un 25 % de los encuestados afirma que los políticos son los principales
responsables de la crisis que vive el país mientras que un 72% achaca
la situación a “toda la clase dirigente”, esto es, a “los políticos, los
banqueros, los sindicalistas, los empresarios, los jueces, etc.” A esto se
agrega que el rechazo hacia las empresas de servicios públicos
privatizadas ha subido ahora a un inédito 88% (PNUD).
Los datos presentados tienen un corolario muy significativo. Mientras
que en junio de 1995 un 76% de los respondentes consideraba que “la
democracia es preferible a cualquier otra forma de gobierno”, tanto en
octubre de 2001 como en febrero de 2002 alrededor de un 40% dejó de
creerlo así y la cifra exhibía una tan clara como esperable asociación posi-
tiva con el nivel económico y social de los entrevistados (PNUD). Algo
más: entre 4 y 5 de cada 10 encuestados admitieron ya en octubre que
tolerarían “un gobierno autoritario si de esta manera se pudieran resolver
los problemas de seguridad o los económicos” (PNUD). Por otra parte, es
revelador que la proporción de quienes opinaron que una democracia puede
funcionar sin partidos políticos haya crecido casi un 50% entre octubre y
febrero últimos, pasando del 28% al 41% (PNUD).
Desde luego, una crisis orgánica de esta profundidad provoca
siempre reacciones múltiples. Una de ellas – anunciada y estigmatizada
por el propio Hegel hace doscientos años – consiste precisamente en
un repliegue aun más intenso en el individualismo cerril del “sálvese
quien pueda”, lo cual incrementa los comportamientos bandoleriles que
mencioné antes. Una segunda respuesta es la fuga: el flujo real y poten-
cial de emigrantes alcanza hoy niveles sin precedentes en períodos de
vigencia de la Constitución. En tercer lugar, se han expandido fenómenos
que van desde el refugio en comunidades religiosas, en la “cultura del
narcisismo” o en prácticas esotéricas hasta el incremento de las
adicciones y de la criminalidad, especialmente entre los jóvenes.
En el otro extremo, además del fortalecimiento de movimientos
sociales ya existentes, han surgido en diversos sectores nuevas y

319

brasil-argentinaFIM.pmd 319 5/2/2004, 11:02


originales actitudes solidarias de variados alcances y formas: el Frente
Nacional de Lucha contra la Pobreza (que, en diciembre de 2001,
consiguió juntar más de tres millones de votos en su reclamo de un
ingreso mínimo para los desocupados); los movimientos de “piqueteros”;
los “clubes del trueque”; las asambleas populares; los cacerolazos; etc.
La pregunta obvia es por qué demoró tanto esta reacción popular con-
tra el despojo y todavía hoy las movilizaciones resultan relativamente
acotadas31.
Contestarla requeriría estudios de los que aun no se dispone.
Imagino, de todas maneras, que la respuesta tiene que ver, entre otras
cosas, con las expectativas que despertó la caída de la dictadura, primero,
y la derrota de la hiperinflación, después, así como con la saturación
del espacio ideológico por el “discurso único” del neoliberalismo, con
el modo en que los partidos políticos y los sindicatos (salvo excepciones)
terminaron usurpando los canales de expresión ciudadana y con la propia
desilusión que siguió a las promesas incumplidas de dirigentes en los
que muchos creyeron. De cualquier manera, los umbrales de la protes-
ta generalizada suelen ser siempre altos en los regímenes representati-
vos. Aquí, en los últimos meses, empujaron finalmente a franquearlos
tanto la desesperación de los marginados (y su necesidad de hacerse
oir) como la indignación de los sectores de clase media que, por un
lado, desde diciembre de 2001, han visto confiscados una vez más sus
ahorros y, por el otro, empiezan a construir lentamente nuevos espacios
de igualdad y de solidaridad.
En todo caso, resulta pertinente señalar, en relación con mi argu-
mento, que a las previsibles demandas de empleo, de seguridad, de justicia
o de educación, los crecientes focos de resistencia que se han desencadenado
en estos meses les han sumado otros tres grandes reclamos: que se deje de
robar al país, que se corten lazos con el Fondo Monetario Internacional

31
En febrero de 2002, sólo un 20 % de los entrevistados dijo haber asistido a una reunión
pública vecinal o a una marcha de protesta en los últimos dos meses (PNUD). Es claro que se
trata de datos nacionales y no reflejan en toda su intensidad los niveles de protesta que se
registran en los principales centros urbanos, especialmente la Capital Federal y el Gran Buenos
Aires. Otro indicador no desdeñable del descontento reinante es el hecho de que en las elecciones
legislativas de octubre de 2001, un 40 % de los ciudadanos o no votó o emitió un voto nulo o
en blanco.

320

brasil-argentinaFIM.pmd 320 5/2/2004, 11:02


(responsable y garante de la mayoría de las políticas económicas que se
adoptaron en los 90) y que se vayan todos los políticos.
7.
Dije que, en el plano del régimen social de acumulación, el
canon neoliberal fue el principal soporte ideológico de lo sucedido en
la Argentina, refractado en el prisma expoliador que describí. A esto
hay que añadirle que, a nivel del régimen político de gobierno, ha domi-
nado la llamada doctrina de la libertad negativa, según la cual la libertad
equivale simplemente a la falta de interferencias. La combinación de
ese canon y de esta doctrina sirvió aquí para allanarle el camino a los
bandoleros y para justificar los excesos de los de arriba32. Veamos
rápidamente por qué.
El esquema neoclásico/neoliberal reposa sobre tres bases
conocidas. Una es la estricta separación entre la economía y la política,
pues se considera que la primera se halla dotada de una lógica propia y
autosuficiente. Otra, que se deriva necesariamente de la anterior, es la
idea de que los agentes económicos obran guiados exclusivamente por
criterios de racionalidad instrumental. Y la tercera, que el problema de
la distribución del ingreso no es central, como creían Adam Smith o
David Ricardo, sino que se resuelve por arrastre, en tanto nada
entorpezca una acción sin trabas de los mercados. (Según afirmara von
Hayek en los años 40: “La demanda de distribución justa es un atavismo
basado en emociones primarias que son fomentadas por los profetas y
por los moralistas”). Desde esta perspectiva, entonces, el papel que se
le asigna al estado es mínimo y subsidiario y la tarea de la época consis-
te en ponerle fin al protagonismo que tuvo durante los últimos
doscientos años.
En cuanto a la doctrina de la libertad negativa, conduce por
otro camino al mismo resultado y lo refuerza. Por una parte, si la libertad
es un mero sinónimo de la ausencia de obstáculos externos para la
acción individual, es obvio que, entre otras cosas, se impongan como
principios necesarios la desregulación de los mercados, la flexibilización

32
Debo subrayar que fue así aquí pues, en otros lugares – de larga tradición republicana,
instituciones consolidadas, etc. – los efectos no resultaron igualmente devastadores.

321

brasil-argentinaFIM.pmd 321 5/2/2004, 11:02


de las reglas, la primacía de la iniciativa privada, etc. Pero, sobre todo,
tiende a seguirse de este planteo que, establecida la democracia liberal,
todos los ciudadanos son libres por definición, ya que se supone que
una cosa es la libertad y otra, su ejercicio 33 . Nótese: de acuerdo a la ley,
cualquier persona es libre de estudiar, de circular, de asociarse, etc.; si
no lo puede hacer por carencia de recursos, esto no afecta su condición
de persona libre sino simplemente su capacidad de hacer uso de la
libertad de la cual se presume que, de todas maneras, goza.
Volens nolens, la conclusión que resulta es exactamente la que no
ha vacilado en apropiarse el neoliberalismo en su lucha contra el Esta-
do de Bienestar: esto es, que la obligación del gobierno se limita a
garantizar la libertad de los ciudadanos y no a asegurar su ejercicio. Por
el contrario, cada vez que intenta hacer esto último estaría violando su
misión pues acaba interfiriendo la libertad de los agentes económicos y
de los mercados, que son los únicos capaces de realizar una asignación
óptima de los recursos disponibles.
Se cierra así un círculo plagado de falacias pero que no por eso
ha sido menos eficaz desde el punto de vista ideológico, al punto que,
de un modo o de otro, fue asumido por los partidos mayoritarios argen-
tinos. Ante todo, se soslaya que cualquier compromiso con la libertad
implica también un compromiso con las precondiciones sociales que la
tornan posible. Si éstas no se hallan presentes, si no existe esa “igualdad
básica de condiciones” de que hablaba Tocqueville, si el sujeto no
dispone de una cuota mínima de dignidad y está dominado por miedos
tan elementales como el de no lograr sobrevivir, se encuentra privado
de autonomía moral y su presunta libertad se convierte en apenas un
simulacro. Como sostuvo hace años León Blum: “Toda sociedad que quiera
asegurar a los hombres la libertad debe empezar por garantizarles la existencia”34.
Al mismo tiempo, todas las evidencias históricas indican que no
33
Es la posición que sostienen teóricos tan importantes como Isaiah Berlin o John Rawls. Para
una refutación muy convincente, ver G. A. Cohen, “Falta de dinero es falta de libertad” (mimeo)
34
Ver sobre esto mi Democracia..., págs. 100-103. Para salir al paso de una posible objeción de
corte demagógico-populista: la falta de libertad no implica necesariamente falta de resistencia,
como ya lo probaron hace mucho las revueltas de los esclavos. Y, desde luego, todo sujeto cuenta
con la libertad última de dejarse morir. Pero no es de esto de lo que hablo sino del goce pleno de
los derechos constitucionales en los que se funda una democracia representativa.

322

brasil-argentinaFIM.pmd 322 5/2/2004, 11:02


es válido postular una separación tajante entre la economía y la políti-
ca, como si los mercados, por ejemplo, pudieran funcionar al margen
de las instituciones y de las normas que los estructuran o el derecho de
propiedad no implicase siempre un derecho de exclusión que exige que
haya autoridades públicas que lo hagan respetar . Hace rato que quedó
claro que puede haber un estado sin capitalismo pero no un capitalis-
mo sin estado. De ahí que las pretendidas des-regulaciones sean siempre
en realidad el nombre que se les da a las re-regulaciones llamadas a
favorecer otros intereses, como el caso argentino lo demuestra
sobradamente35.
Pero, en especial, no hay ninguna prueba valedera de que el
bienestar económico colectivo pueda generarse meramente por arrastre.
Primero, porque como alguna vez puso de manifiesto ul Haq, a todo
esquema productivo le son inherentes determinadas pautas distributivas
y no otras. Y segundo, porque sin una acción estatal sostenida, el
mentado “efecto derrame” no pasa de ser un slogan propagandístico del
neoliberalismo36 . Sobre todo, porque allí donde dominan los capitalistas
errantes y los gobiernos no protegen a su pueblo, los márgenes de
benevolencia de los capitalistas estacionarios se reducen casi hasta desa-
parecer y sus comportamientos se identifican cada vez más con los de
aquéllos. La culminación de este proceso es no sólo la evasión fiscal o
la fuga de fondos sino el traslado mismo de sus empresas a otros países
o, muchas veces, su venta a capitalistas errantes que las endeudan, las
vacían y las desguazan. Esto sin contar la repetida práctica de los
préstamos back to back, que hoy les permiten, por ejemplo, obtener réditos
excepcionales con la pesificación indiscriminada de las deudas banca-
rias en dólares dispuesta por el actual gobierno en medio de una
devaluación que está fuera de control.
Las consecuencias de todo esto se hallan a la vista y hacen que
el parecido de familia de la democracia representativa argentina con
los casos que habitualmente se usan como paradigmas (las naciones
35
Ver Daniel Azpiazu, Graciela E. Gutman y Adolfo Vispo, La desregulación de los mercados
(Buenos Aires, Norma, 1999).
36
Como he indicado en otros lugares, es notable que la propaganda neoliberal haya convertido
demagógicamente en derrame lo que, en su versión original, no era más que el trickle down effect,
esto es, el efecto goteo que se le atribuyó, bastante razonablemente, a los procesos sostenidos de
crecimiento económico.

323

brasil-argentinaFIM.pmd 323 5/2/2004, 11:02


capitalistas desarrolladas de Occidente) sea cada vez más remoto. No
hay mucho de qué extrañarse. Expliqué en otro texto lo que llamé “la
singular paradoja latinoamericana de nuestros días”; esto es que “allí
donde tanto las viejas como las nuevas democracias del Primer Mundo se
consolidaron en el contexto de una marcada baja de la desigualdad, de la pobreza
y de la polarización, aquí ocurre todo lo contrario y los procesos de democratización
en curso están acompañados por un crecimiento crítico de los tres fenómenos”37.
Pero existe algo que singulariza y agrava la situación de la Ar-
gentina. Junto con Uruguay, primero, y con Costa Rica, después, fue el
país capitalista de mayor integración social en América Latina. O sea
que mientras que en otros lugares el tema ha sido y es incorporar a
quienes estuvieron largamente excluídos, el drama argentino radica hoy
en la creciente marginación de los que desde hace mucho tiempo estaban
ya incluídos. En términos de las dimensiones de la ciudadanía que
definió clásicamente T. H. Marshall, asistimos a profundos y extendidos
procesos de des-ciudadanización parcial o total, enmarcados por la crisis
de las instituciones y de las libertades públicas a las que aludí. La
cuestión que se impone es establecer en qué punto una democracia
representativa acaba perdiendo su derecho al nombre dado el bajo
porcentaje de ciudadanos plenos que alberga.
8.
¿Cómo termina esta historia? No lo sé. Sólo estoy seguro de
que para que termine bien sería necesario, entre otras cosas, liquidar el
bandolerismo; fortalecer (y, en muchos casos, cambiar) las instituciones;
reconstruir el tejido social y la vida pública, con todo lo que ello impli-
ca en términos normativos y de organización; poner en práctica políti-
cas activas de producción y de empleo; redistribuir progresivamente
los ingresos y las riquezas; expandir los derechos de ciudadanía; refor-
mar tanto la política como las burocracias públicas a nivel nacional y
provincial; y acabar de una buena vez con los excesos de los de arriba.
Insisto: la experiencia de las democracias liberales exitosas
demuestra que su consolidación ha dependido de un compromiso social,
garantizado y conducido por el estado, entre los afanes de lucro del
37
J. Nun, Democracia..., pág. 127

324

brasil-argentinaFIM.pmd 324 5/2/2004, 11:02


capitalismo y la prosperidad y el bienestar de la mayoría de los
ciudadanos. Cuando este compromiso se debilitó (o directamente
despareció), también se debilitaron esas democracias (o directamente
desaparecieron). En esto, las lecciones de los años 30 y de la posguerra
siguen siendo muy claras.
¿Hay algún indicio de que la Argentina esté marchando en
dirección a un compromiso semejante? Podrían llevar a pensarlo así
tanto el dramatismo sin precedentes de la situación que atraviesa el
país como ciertas declaraciones oficiales y el hecho bastante auspicioso
de que, aun en estas circunstancias, un 80% de la población crea todavía
que es posible mejorar la calidad de la política y de los políticos (PNUD).
Sin embargo, un gobierno endeble como el de Duhalde viene
cediendo cada vez más ante las presiones de los responsables internos
y externos de la catástrofe y, luego de un breve silencio, el discurso
neoliberal y sus voceros mediáticos han vuelto alegremente por sus
fueros. Uno de los símbolos de lo que digo es la apelación a la seguridad
jurídica que ahora enarbolan como bandera los mismos que sacaron
partido cuantas veces pudieron de la corrosión de las leyes y de los
contratos y de las múltiples formas de corrupción que se difundieron.
Valgan un par de ejemplos. Las compañías petroleras (que gracias
a la legislación menemista ya no son nacionales y sólo están obligadas
a ingresar al país un 30 % de los ingresos que obtienen por la exportación
de un recurso no renovable como el que explotan) han eludido impu-
nemente todas las medidas que les exigían alinear los precios locales
con los internacionales. Como anota Zaiat: “Durante la década del 90,
a partir de la desregulación del sector, las petroleras contabilizaron una
ganancia extraordinaria de 4.500 millones de dólares por no cumplir
con la ley. Esa inseguridad jurídica la pagaron los consumidores”38. A
su vez, las empresas de servicios públicos privatizadas, en connivencia
con las autoridades de turno y en un país en deflación, se las compusieron
para indexar sus tarifas por la inflación de los Estados Unidos (sic),
violando disposiciones expresas de la ley de Convertibilidad. Gracias a
esto, en el período 1991-2000 lograron ganancias adicionales por 9.000
38
Alfredo Zaiat, “Chasman y Chirolita”, Suplemento Cash, Página 12, 17/3/2002, de quien
tomo ambos ejemplos.

325

brasil-argentinaFIM.pmd 325 5/2/2004, 11:02


millones de dólares. En ninguno de los dos casos, los capitalistas erran-
tes y estacionarios o sus socios locales y extranjeros alzaron la voz para
denunciar la falta de seguridad jurídica que implicaban tales
maniobras; y también callaron cuando, de la noche a la mañana, el
gobierno de De la Rúa rebajó de un plumazo los sueldos de los
empleados públicos y los haberes de los jubilados. En cambio, hoy
se rasgan las vestiduras cuando algún juez osa citar a declarar a
unos cuantos banqueros que se presume que fugaron miles de
millones de dólares de la Argentina en los últimos tiempos o cuando
surgen propuestas de revisar los inequitativos contratos de las em-
presas privatizadas.
Otro símbolo impor tante es la conducta del Fondo
Monetario Internacional que, no únicamente clama también recién
ahora por la seguridad jurídica, sino que demanda mayores ajustes
y recortes del gasto público en medio de una recesión que lleva ya
más de cuatro años y que se ha convertido en una verdadera
depresión. ¿Qué país del llamado Primer Mundo seguiría un camino
así en estas condiciones? Pero ocurre que, en los hechos, el Fondo
considera que una de sus principales misiones es proteger a los
capitalistas errantes y no asumir las responsabilidades que le caben
y compensar al pueblo argentino por las políticas económicas que
tan decididamente impulsó y apoyó en los años 90. Por eso, su
mayor preocupación es que el país salde su deuda externa, sin con-
tribuir para nada, por ejemplo, a que recupere el dinero que, por
un monto muy similar (o quizás superior) al de esta deuda, nuestros
capitalistas estacionarios enviaron ilegalmente al exterior39.
Todo lo cual es recubierto por una retórica moralista que se
viene instalando en el mundo con la fuerza que suelen adquirir los
lugares comunes: “la Argentina vivió más allá de sus medios y ahora es
justo que pague por sus excesos”. Lo notable es que el argumento se
usa precisamente para custodiar los intereses de quienes cometieron
tales excesos. Porque es dudoso que aun el más encallecido de los
burócratas internacionales se atreva a decir que bastante más de
39
Según fuentes oficiales, los activos de argentinos en el exterior han oscilado entre un 85 % y
un 120 % del monto de la deuda pública nacional acumulada y se estima que cerca del 90 % de
esos activos son producto de la evasión tributaria (Gaggero, op.cit.)

326

brasil-argentinaFIM.pmd 326 5/2/2004, 11:02


15 millones de pobres han estado viviendo aquí más allá de sus
medios. Pero no sólo eso. Si se dejan fuera los comportamientos
bandoleriles a los cuales me referí, ni siquiera es cierto que la
Argentina haya “vivido más allá de sus medios”: durante varios
años, tuvo superávit primario en sus cuentas fiscales (es decir,
antes de computar el pago de intereses), duramente golpeadas por
fenómenos como la privatización del sistema previsional, la
eliminación de los aportes patronales o directamente el no pago
de impuestos. O sea que probablemente no haría falta ajuste alguno
si, por ejemplo, se reestr ucturase el sistema previsional, se
reincorporaran los aportes patronales y se suspendieran por un par
de años los pagos de la deuda, máxime tomando en cuenta que los
acreedores (legítimos o no) eran conscientes de los riesgos que
asumían cuando optaban por comprar títulos argentinos para
obtener los altos intereses que brindaban40 .
En la medida en que el actual gobierno acepte esta clase de
presiones y trate de cumplir con los deberes que se le imponen
(como es notorio que lo está haciendo), es obvio que no habrá
compromiso social posible porque continuará operando el régimen
social de acumulación que nos ha traído donde estamos. Peor
todavía: se agudizarán las desigualdades sociales, crecerán el des-
contento y las protestas y cualquier alternativa es imaginable, in-
cluído un retorno abierto a las prácticas autoritarias y represivas
que, con diferentes ropajes, tantas veces sufrió el país .
La sensatez más elemental sugeriría que es momento de
cambiar vigorosamente de rumbo. Pero los hechos (y los intereses
establecidos) son obstinados y no creo que esto ocurra simplemente
porque los que alguien ha llamado “los dueños del país” decidan
de la noche a la mañana volverse caballeros altruístas. De ahí que
no sea difícil pronosticar que ha comenzado un período
probablemente largo de alta conflictividad social. Ni tampoco
advertir que este período sólo podrá acortarse y resolverse más o
menos pacífica y productivamente si tanto la mayoría de los

40
Conviene aclarar que no harían falta ajustes del tipo que se exigen pero sí otros que permitiesen
ubicar al país en un sendero genuino y autosostenido de desarrollo con equidad.

327

brasil-argentinaFIM.pmd 327 5/2/2004, 11:02


argentinos como el resto del mundo comprenden la verdadera índole
de lo sucedido, toman conciencia de la medida en que los excesos
de los de arriba han impedido e impiden que la democracia
representativa eche raíces duraderas en la Argentina y actúan como
corresponde41.

41
Algunos malos recuerdos históricos no son fáciles de olvidar, por distintas que sean las épocas
y las circunstancias. Escribe Rita Thalmann en La république de Weimar (París, P.U.F., 1986), pág.
122: “La democracia a la occidental que querían promover los republicanos de Weimar exigía
una integración de capas sociales cada vez más amplias a través de su participación creciente en
los beneficios del sistema (...) En definitiva, no podía haber democracia en Alemania sin una
reforma profunda de las estructuras de la sociedad”. Ojalá pudieran servir todavía a modo de
alerta éste y otros ejemplos parecidos.

328

brasil-argentinaFIM.pmd 328 5/2/2004, 11:02


A DEMOCRACIA BRASILEIRA NOS ANOS 90*

Maria Hermínia Tavares de Almeida

Existe um problema institucional com o sistema político bra-


sileiro? Essa pergunta se repete muitas vezes ao longo da nossa his-
tória como estado independente. Quase sempre, a resposta de aca-
dêmicos e analistas políticos tem sido afirmativa.
Nas décadas de 1920 e 1930, pensadores sociais enfatizaram
o abismo entre o país legal das regras políticas formais e o país real.
No Brasil real, dizia-se, as instituições políticas liberais da Consti-
tuição de 1891 perdiam seu significado original e deformavam-se
sob o peso de uma ordem política de fato oligárquica e de um cul-
tura política privatista, autoritária e patrimonialista.
Entre 1945 e 1964, ressaltou-se o efeito conservador das
instituições representativas da Constituição de 1946, que permiti-
am a sobre-representação de interesses retrógrados e de regiões onde
as estr uturas de mando reforçavam o a cultura política
patrimonialista e bloqueavam a competição política efetiva.
Nos anos 1980 e 1990, à visão do desencontro entre institui-
ções formais e cultura política, agregou-se outra, mais estritamente
institucionalista. Segundo ela, escolhas institucionais incorretas, no
momento da redemocratização, comprometeriam o bom funciona-
mento do novo regime, expondo-o aos perigos da ingovernabilidade
ou, alternativamente, ao conluio das elites e à conseqüente corrupção
do espírito das leis pela prática do clientelismo e do patrimonialismo.
O objetivo deste texto é dar um balanço da experiência demo-
crática brasileira nos últimos 20 anos, da ótica da capacidade de go-
verno no plano federal. Nessa medida, a intenção é discutir as teses

*
Esta é uma versão modificada do trabalho apresentado na sessão “O universo político: o
processo democrático”, Seminário Brasil – Argentina: a visão do outro, organizado pelo
Instituto Rio Branco, em abril, 2002. Ela beneficiou-se da proveitosa discussão aí realizada.
Agradeço, particularmente, os comentários sempre argutos e pertinentes de Renato Lessa.

329

brasil-argentinaFIM.pmd 329 5/2/2004, 11:02


que afirmam haver algo de fundamentalmente errado com nossas insti-
tuições políticas, por conflitarem com a cultura política prevalecente
ou por incentivarem atitudes, comportamentos e resultados políticos
perversos.
Aqui se discorda dessa visão negativa das escolhas institucionais
cristalizadas na Constituição de 1988. Porque, de um lado, elas não
foram obstáculo ao cumprimento de uma agenda pesada de reformas;
e, de outro, permitiram a multiplicação de agências e mecanismos de
controle dos governantes – que, por sua vez, parecem estar contribuin-
do para aumentar os riscos e os custos do patrimonialismo e da
corrupção.
O argumento aqui apresentado tem a seguinte estrutura: na
primeira parte, exponho e discuto as teses que relacionam escolhas
institucionais e governabilidade. Na segunda, resumo e discuto os
argumentos que enfatizam o caráter oligárquico e patrimonialista
do sistema político brasileiro. Na terceira, apresento conclusões.
A abordagem adotada, que põe o foco sobre a atuação do
governo federal, é ao mesmo tempo abrangente e limitada.
Abrangente porque leva em conta o conjunto das instituições asso-
ciadas ao exercício do governo. Limitada porque deixa de conside-
rar sistematicamente aquele outro grupo de instituições que asse-
guram a expressão da vontade popular na formação democrática
dos governos.

INSTITUIÇÕES POLÍTICAS E GOVERNABILIDADE

Não foram poucos os autores que descreveram os primeiros dez


anos do regime democrático brasileiro como um caso agudo de crise de
governabilidade e atribuiram-na às (más) escolhas institucionais feitas
neste período (Lamounier1992,1992a; Kinzo,1993, Sola, 1993; Sola &
Kugelmas, 1999; Mainwaring1993, 1997, Abrucio & Costa 1998). Essas
teriam sido basicamente:
1. um sistema federativo descentralizado, no qual os governos
sub-nacionais adquiriram mais autonomia em seu âmbito de
ação e significativa influência na esfera federal;

330

brasil-argentinaFIM.pmd 330 5/2/2004, 11:02


2. um sistema eleitoral proporcional de voto preferencial, com
conseqüências fragmentadoras sobre o sistema de partidos e a
conduta dos parlamentares;
3. um sistema multipartidário fragmentado, com partidos pouco
coesos e indisciplinados, contrapartida da presumida autono-
mia individual dos parlamentares;
4. um sistema presidencialista, no qual o Executivo teria dificul-
dades em constituir maiorias parlamentares estáveis. A inde-
pendência do parlamento, característica do presidencialismo,
criaria fortes incentivos para que nele se desenvolvessem
estratégias de confronto – ou, pelo menos, de descompromisso
– com relação ao Executivo. Ou, alternativamente, os parti-
dos e parlamentares teriam incentivos para negociar seu apoio
ao Executivo caso a caso, trocando votos por favores políticos.
Em resumo, as escolhas relativas à organização federativa, ao
sistema de governo, ao sistema eleitoral e às regras partidárias teriam
como conseqüência a constituição de uma estrutura decisória com mui-
tos pontos de veto e inúmeros agentes com poder de veto (Tsebelis,1997;
Immergut,1995). O resultado seria uma crise de governabilidade de
raiz institucional. Ela comprometeria a capacidade do governo nacio-
nal de definir, aprovar e implementar políticas, no curto prazo, e ame-
açaria a própria a estabilidade da democracia, no futuro.
Os exemplos mais evidentes do déficit de capacidade de gover-
nar teriam sido as sucessivas tentativas fracassadas de estabilizar a
moeda, entre 1985 e 1994. Outros poderiam ser citados, entre eles: a
dificuldade de impedir estratégias oportunistas e predatórias de gasto
por parte dos governos sub-nacionais; as vicissitudes do processo de
transferência de competências e atribuições da esfera federal para esta-
dos e municípios em matéria de políticas sociais; a própria falta de
rumo com relação às esperadas reformas do sistema tributário e do
sistema de proteção social. Para os que consideravam as reformas de
mercado inescapáveis, quando não desejáveis, a dificuldade de
transformá-las em itens prioritários da agenda governamental consti-
tuiria outro indício de uma governabilidade problemática.

331

brasil-argentinaFIM.pmd 331 5/2/2004, 11:02


A experiência da década de 1990 parece indicar que a hipótese
da ingovernabilidade, resultante de uma combinação de instituições
que multiplicava pontos de veto e agentes com poder de veto, não se
apoia em evidências empíricas sólidas.
Especialmente depois de 1995 – mas, mesmo antes – os gover-
nos nacionais lograram pôr em marcha uma carregada agenda de refor-
mas econômicas e do aparato de proteção social.
A realização dessa agenda mostrou que o Congresso raramente
atuou como agente com poder de veto. O processamento da agenda
de reformas, em geral de iniciativa do Executivo, requereu extensa
produção legislativa e um bom número de emendas à Constituição,
situação em que se multiplicam as oportunidades de veto. A Constitui-
ção de 1988 foi emendada 37 vezes, 27 das quais ao longo de seis anos
da presidência de Fernando Henrique Cardoso. Foram tantas emendas
quanto as aprovadas nos 21 anos da Constituição 1946 e muitas mais
do que em qualquer outro momento da história brasileira (Melo,
2002:59).
Naturalmente, o grau de interferência do Congresso sobre as
iniciativas reformadoras do Executivo variou de reforma a reforma.
Ela foi nula na reforma da política de comércio exterior, toda feita por
meio da mudança de normas administrativas. Foi bastante limitada na
privatização de empresas públicas incluídas no Programa Nacional de
Desestatização e algo maior na privatização de serviços públicos e na
criação de agências de regulação (Almeida, 1999; Almeida & Moya,
1997). Foi, enfim, significativa na reforma da administração pública e,
sobretudo, na reforma da Previdência Social (Melo, 2002).
Em que pese a descentralização federativa e a importância po-
lítica dos governadores, estes tampouco foram importantes agentes com
poder de veto. São disso testemunhos a renegociação das dívidas
dos estados com o governo federal e, especialmente, a rapidez da
aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, duas matérias que afeta-
vam diretamente os interesses estaduais.
Da mesma forma, a complexidade das negociações
intergovernamentais não foi obstáculo sério à descentralização de

332

brasil-argentinaFIM.pmd 332 5/2/2004, 11:02


políticas sociais, sempre e quando o governo federal foi capaz de criar
incentivos à transferência de atribuições e responsabilidades, como ocor-
reu com a atenção básica à saúde, depois do Plano de Assistência Bási-
ca (PAB) e das Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de
Saúde (NOB) de 1996 e 2000; com a educação fundamental, depois
do Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF);
e com a assistência social, de 1996.
Na verdade, a hipótese da ingovernabilidade sustentava-se no
suposto de que a fragmentação partidária provocada pelo sistema eleito-
ral se traduziria diretamente no funcionamento do Congresso, como se
esse vivesse em um vácuo de regras e como se não houvessem outras
instituições a contrabalançar os efeitos do sistema eleitoral e o sistema
federativo descentralizado. Estudos mais recentes (Figueiredo & Limongi,
2000 Santos, 1997) mostraram como os poderes legislativos do Executi-
vo – notadamente, a faculdade de emitir Medidas Provisórias – e as nor-
mas de funcionamento do Congresso foram capazes de produzir seja o
controle da agenda legislativa pelo Executivo, seja a disciplina partidá-
ria, seja ainda a previsibilidade no comportamento dos partidos. Outros
estudos mostraram também que, no terreno da descentralização das po-
líticas sociais, o governo federal pode contornar pontos de veto, evi-
tando a via do Congresso e recorrendo amplamente a normas adminis-
trativas no âmbito dos ministérios (Arretche, 2001).
De outra parte, estudos recentes que retomam o trabalho pio-
neiro de Abranches (1982) desvendaram a lógica do sistema de gover-
no brasileiro: o presidencialismo de coalizão, distinto do presidencia-
lismo bipartidário, que serviu de modelo a muito do que se escreveu
sobre as tensões e vissicitudes do sistema (Amorim, 1995). Esta forma
de presidencialismo se assenta na construção de coalizões congressuais
que se refletem na formação do ministério, tal como ocorre em muitos
regimes parlamentaristas. Os seus momentos de crise política – ou de
crise de “governabilidade” – parecem corresponder à situação bem es-
pecífica de existência de governos não-partidários, nos quais a compo-
sição do gabinete deixa de corresponder a uma coalizão congressual.
Assim, por tudo que se sabe até agora, não há indícios fortes de
que as instituições políticas da Constituição de 1988 tenham produzido,

333

brasil-argentinaFIM.pmd 333 5/2/2004, 11:02


ou favorecido a produção, de governos condenados à imobilidade e à
impotência. Pode-se concordar ou discordar das políticas dos governos
na década de 1990. Mas não se pode dizer que tenham encontrado
obstáculos institucionais à implementação de suas agendas.

INSTITUIÇÕES, OLIGARQUIA E PATRIMONIALISMO

A visão de que as instituições políticas da Constituição de 1988


permitiriam o predomínio do jogo oligárquico e das práticas
patrimonialistas tem diferentes versões, ancoradas em abordagens e
teorias diversas, umas de corte institucionalista, outras culturalista
(O´Donnell,1994,1996; Hagopian,1996;Stepan(1999);Ames,1995,
2001; Samuels,1998; Castro Santos, 1997.). Nesse sentido, na medida
em que essa visão da democracia brasileira emerge de argumentos apre-
sentados por diferentes autores, é possível que a apresentação sintética
que aqui se faz das suas principais proposições signifique um empobre-
cimento das análises de cada autor. De toda forma, elas afirmam que:
1) No Brasil, a transição negociada para a democracia permitiu
que parte importante das elites políticas conservadoras, as
quais controlavam oligarquicamente o poder em alguns esta-
dos durante o regime militar, mantivesse, sob a democracia,
recursos e posições de poder significativos. Reproduziram-
se, assim, sob o novo regime, estruturas de mando fechadas,
assentadas no patrimonialismo e nas relações de clientela.
2) O sistema federativo brasileiro é limitador do demos. Os crité-
rios de representação dos cidadãos na Câmara Federal, que
violam o princípio “uma pessoa, um voto”, bem como as am-
plas atribuições legislativas do Senado, onde estados tem re-
presentação igual, restringem o exercício do princípio da mai-
oria, em benefício de minorias que controlam a política em
alguns estados.
3) Uma versão menos elaborada da proposição anterior afirma
simplesmente que a regra que faz coincidir estados e distritos
eleitorais para a Câmara Federal e a norma que estabelece
limites mínimos e máximos para a magnitude dos distritos

334

brasil-argentinaFIM.pmd 334 5/2/2004, 11:02


distorcem a representação em detrimento dos estados mais
populosos, onde é maior a competição eleitoral, em benefí-
cio dos estados sob mando oligárquico.
4) A fragmentação partidária, resultante do sistema eleitoral pro-
porcional; a baixa coesão dos partidos; o elevado pragmatismo
e o paroquialismo dos parlamentares transforma o dia a dia
das relações entre Executivo e Congresso em escambo políti-
co permanente. Ele se materializa na troca, caso a caso, de
voto e apoio ao governo por cargos ou recursos que alimen-
tam as práticas clientelistas nos redutos eleitorais dos depu-
tados, bem como a corrupção. Assim as regras eleitorais e
partidárias terminam por reforçar uma cultura política auto-
ritária e patrimonialista, reproduzir as oligarquias estaduais e
limitar de fato a competição política. Nessas circunstâncias,
o clientelismo, o patrimonialismo e a oligarquização são a
contrapartida indesejável, mas inevitável, da “governabilidade”
sob instituições políticas mal escolhidas.
5) A arquitetura institucional do Estado brasileiro consagra o
desequilíbrio entre os poderes em benefício do Executivo e a
ausência de mecanismos de responsabilização horizontais que
assegurem o funcionamento eficiente de freios e contrape-
sos. O predomínio do Executivo sobre o Legislativo, fortale-
cido pelo recurso à Medida Provisória, e a inoperância do
Judiciário favorecem o “decretismo” e uma forma delegativa
de democracia. O resultado é um sistema onde torna-se am-
plo o raio de manobra do Executivo – e, em especial, da Pre-
sidência – e reduzido o controle institucionalizado sobre sua
ação.
Em resumo, ao contrário da hipótese da ingovernabilidade, aqui
se afirma que democracia no Brasil seria de fato um sistema de Presi-
dência quase imperial, a encabeçar um arranjo político conservador e
fechado que reproduz estruturas oligárquicas e patrimonialistas de
mando, sustentadas por altas doses de clientelismo, quando não de
corrupção.
As explicações oscilam entre argumentos institucionalistas, que

335

brasil-argentinaFIM.pmd 335 5/2/2004, 11:02


põem ênfase nas características de certas instituições; culturalistas, que
sublinham a permanência de uma cultura política autoritária e privatista
fortemente enraizada nas elites; ou ainda argumentos tributários da te-
oria de path dependence, que atribuem importância central à natureza –
negociada e conservadora – do processo de transição do autoritarismo
à democracia.
As evidências apresentadas são, com freqüência, diretamente
tiradas das páginas da imprensa escrita e dos escândalos políticos que
têm alimentado suas manchetes.
O problema dessa visão, que capta traços reais do funciona-
mento do sistema democrático brasileiro, é sua incapacidade de regis-
trar e explicar outros processos que não parecem compatíveis com a
hipótese da oligarquização, da decisão em circuito fechado, do presi-
dencialismo imperial e da falta de controles horizontais sobre as ações
do Executivo.
A hipótese do pecado original da transição negociada parece
supor que a distribuição de forças na inauguração da democracia se
perpetua, congelando o jogo político.
Não é esse o quadro que emerge, quando se observam os resul-
tados eleitorais para a Câmara Federal e para os Executivos estaduais
e municipais. Entre 1986 e 2000, a participação dos partidos de es-
querda – PT, PDT, PSB, PPS e PCdoB – na Câmara Federal aumentou
de 9,4% para 21,9% das cadeiras, enquanto a dos partidos de direita –
PDS/PPB e PFL – manteve-se praticamente no mesmo nível – 31% e
32,2%, respectivamente.
Mais impressionante foi a mudança nos Executivos estaduais e
municipais. Em 1986, só se elegeram governadores do PMDB (95,7%)
e do PFL (4,3%). Em 2000, o PMBD e o PFL controlavam, cada um,
22,2% dos governos estaduais; o PSDB 25,9% e o PT 11,1%. O res-
tante se distribuía entre o PPB, o PDT e o PSB. Em 1985, sete parti-
dos controlavam todas as prefeituras existentes no país: o PMDB 63,2%
delas; o PFL, 12,4%; o PDS/PPB 10,9%; o PDT 6,5%; e o PT, 0,5%.
Em 2000, 22 partidos elegeram prefeitos. Especialmente significativos
são os resultados nas capitais. Em 1985, o PMBD controlava 80% delas,

336

brasil-argentinaFIM.pmd 336 5/2/2004, 11:02


seguido pelo PDT com 8% e pelo PT com 4%. Em 2002, o PT elegeu
mais candidatos nas capitais – 23,1% – do que qualquer outra legenda,
seguido pelo PSB, PMDB e PSDB com 15,4 % cada. Além disso, o PT,
o PSB e o PDT foram vitoriosos em capitais de estados tradicional-
mente controlados por oligarquias: Pará, Maranhão, Rio Grande do
Norte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
Os resultados eleitorais indicam com clareza que, longe de per-
manecer congelado, em virtude da transição, o sistema político brasi-
leiro tornou-se mais competitivo. Revelam, também, indícios inequí-
vocos de redução do controle político das oligarquias estaduais tradici-
onais que se teriam beneficiado do rítmo lento e negociado da passa-
gem do autoritarismo para a democracia.
O desenho da federação brasileira e as regras que fazem coinci-
dir o estado com o distrito eleitoral, além de definir o piso e o teto das
representações estaduais, efetivamente distorcem o perfil da Câmara
Federal. Entretanto, suas conseqüências ainda precisam ser melhor en-
tendidas.
Santos (1987), estudando a distribuição das cadeiras na Câmara
Federal entre 1945 e 1982, chamou a atenção para o fato de que esse
sistema promoveu uma representação equilibrada onde “tornavam-se
impossíveis tanto o veto da minoria quanto a tirania da maio-
ria”(1987:94)1. Descartou também a tese da oligarquização da repre-
sentação política, mostrando que a taxa de renovação na Câmara dos
Deputados desmente a hipótese do controle oligárquico do voto nos
Estados economicamente mais atrasados e de menor eleitorado.
Nicolau (1997), ao mesmo tempo em que mostrou que sobre-
representação e sub-representação na Câmara constituem uma
característica permanente de nosso sistema político2 , ressalvou que
1
Estudando a distribuição de cadeiras na Câmara Federal entre 1945 e 1982, ele verificou que
a possibilidade de veto da minoria jamais ocorreu, pois, para controlar 50% das cadeiras, sempre
se requereu um número de Estados correspondente a cerca de 50% do eleitorado nacional.
Tampouco a tirania da maioria foi uma possibilidade, salvo sob o autoritarismo, já que nunca a
maioria conseguiu atingir 50% das cadeiras sem o apoio de pelo menos um Estado “minoritário”.
2
Segundo seus cálculos a distorção média é de aproximadamente 10%, ou seja essa é a porcen-
tagem total ganha pelos estados sobre-representados e perdida pelos sub-representados (Nicolau,
1997:457).

337

brasil-argentinaFIM.pmd 337 5/2/2004, 11:02


as conclusões daí extraídas sobre as conseqüências políticas desse fato
ainda não passaram por um teste empírico mais rigoroso. Ele sugeriu que
existe uma espécie de falácia ecológica na proposição que deduz o
predomínio do conservadorismo na Câmara da desproporção entre cadeiras
e dimensão do eleitorado. O mais correto seria verificar quais partidos se
beneficiam ou se prejudicam, no plano nacional, quando o eleitorado de
um ou mais estados é sub ou sobre-representado. Finalmente, o autor
mostra que, em certas circunstâncias, a proporção de votos nas coalizões
pode permanecer estável, embora alguns partidos percam e outros ganhem
com a distorção da representação (Nicolau, 1997).
Os estudos recentes sobre o funcionamento do Congresso
(Figueiredo & Limongi, 1999, 2000; Amorim Neto & Santos, 2001) apre-
sentam evidências que reduzem as presumíveis proporções do escambo
político entre Executivo e partidos da coalizão governista para a obten-
ção de apoio parlamentar ao governo. Eles mostram também que o Con-
gresso tem tomado medidas que reduzem consideravelmente o espaço
para a ação dos parlamentares em favor de suas clientelas eleitorais3 .
Se é fato que o Executivo exerce predomínio inconteste sobre a
agenda do Legislativo (Figueiredo & Limongi, 1999), não é completa-
mente certo que faltem ao sistema político brasileiro mecanismos de
responsabilização horizontal. Figueiredo (2002) mostrou que as Comis-
sões Parlamentares de Inquérito do Congresso, embora com resultados
menos efetivos do que as do período 1946-64, têm-se constituído em
importante mecanismo de “alarme de incêndio” (Macnollast, 1995) com
relação às ações do Executivo e de sua coalizão no Congresso.
De outra parte, a mudança das atribuições do Ministério Pú-
blico, que a Constituição de 1988 transformou em defensor dos
interesses difusos da cidadania (Sadek, 1997, Arantes, Vianna, 1997),
vem propiciando o desenvolvimento de ações de responsabilização e
controle sobre o Executivo, nos três níveis de governo, cujo impacto
sobre o funcionamento da democracia e a mudança na cultura política
patrimonialista não pode ser minimizado.

3
É o caso das mudanças nos procedimentos de emenda ao Orçamento da União que ampliaram
significativamente o espaço das emendas de bancada, reduziram a iniciativa individual dos
parlamentares e procuraram estreitar as oportunidades de corrupção.

338

brasil-argentinaFIM.pmd 338 5/2/2004, 11:02


O Ministério Público, aliado à uma imprensa – concentrada em
grandes grupos porém, competitiva – parece funcionar mais como me-
canismo de “alarme de incêndio” do que como instrumento de con-
trole. Mesmo assim, sua ação eleva os custos e os riscos tanto do
decretismo e da conduta arbitrária, quanto do patrimonialismo, do
clientelismo e da pura corrupção.

CONCLUSÕES

Os argumentos aqui apresentados não devem levar à conclu-


são de que tudo vai bem, no melhor dos mundos, no sistema político
brasileiro. Procurou-se tão somente discutir interpretações bastante
difundidas, na academia e fora dela, sobre a suposta má-formação
institucional da democracia brasileira.
Tentou-se argumentar que as instituições que conformam o
jogo político no Brasil não bloquearam a capacidade de governar,
além de permitir que a competição política se ampliasse e se multipli-
cassem os mecanismos para limitar o arbítrio dos governos e as opor-
tunidades de apropriação privada de bens públicos. Sem dúvida, o
espaço do arbítrio continua grande. A competição política, a redução
do poder oligárquico e do patrimonialismo, bem como o controle da
corrupção política não se expandiram de forma continuada nem ho-
mogênea no território. Entretanto, os avanços em 13 anos, sob uma
Constituição democrática, e em 17 anos de governos civis foram sig-
nificativos.
Na verdade, as escolhas institucionais materializadas na Cons-
tituição de 1988 estão mais próximas do modelo consociativo do que
do modelo majoritário, nos termos de Lijpihart (1999). Nessa medi-
da, elas multiplicam instâncias decisórias e tornam as decisões de
governo mais complexas e negociadas.
Sob esse arcabouço institucional, a democracia basileira passou
por um duro teste: o de permitir que mudanças profundas nas relações
entre estado e mercado, de um lado, e entre estado e sociedade, de
outro se fizessem sob regras democráticas. Esse não foi um resultado
trivial, pois mudanças dessa natureza tem conseqüências

339

brasil-argentinaFIM.pmd 339 5/2/2004, 11:02


redistributivas importantes, criam ganhadores e perdedores e, por isso,
produzem divisões políticas e pressões fortes sobre o sistema político.
Nos anos 90, a sociedade brasileira esteve de fato dividida com
relação a temas de política substantiva, como a estabilização da moe-
da, as reformas de mercado e o papel do estado, as formas de lidar com
a desigualdade e a pobreza e, em conseqüência, as mudanças do siste-
ma de proteção social. As instituições democráticas foram capazes de
permitir a controvérsia, processar essas disputas e produzir decisões.
O fato de essas decisões não serem do pleno agrado de nenhum dos
atores políticos talvez seja um indício adicional de que as instituições
democráticas cumpriram seu papel.

340

brasil-argentinaFIM.pmd 340 5/2/2004, 11:02


BIBLIOGRAFIA

ABRANCHES, Sergio, 1988. “Presidencialismo de coalizão”, Dados


31 (1), Rio de Janeiro: Iuperj, p. 5-34.
ABRUCIO, Fernando & Costa, Valeriano (1998). Reforma do estado e o
contexto federativo brasileiro, Série Pesquisa n 2, São Paulo: Fundação
Konrad Adenauer-Stiftung.
ALMEIDA, Maria Hermínia e Moya, Maurício (1997 “A reforma nego-
ciada: o Congresso e a política de privatização”, Revista Brasileira de
Ciências Sociais 12 (34), São Paulo: ANPOCS, pp. 119-132.
ALMEIDA, Maria Hermínia (1999). “Negociando a reforma: a políti-
ca de privatização de empresas públicas no Brasil”, Dados 45(3), Rio
de Janeiro: IUPERJ
AMES, Barry. “Electoral Rules, Constituency Pressures, and Pork Barrel:
Bases of Voting in the Brazilian Congress”.The Journal of Politics, v.
57, n. , May, 1995, p. 324-43.
AMES, Barry. The Deadlock of Democracy in Brazil. University of Michigan
Press, 2001.
AMORIM NETO, Octavio, (1997). “Cabinet formation and party
politics in Brazil’, paper.
AMORIM NETO, Octavio & Santos, Fabiano (2001). “A conexão pre-
sidencial: facções pró e antigoverno e disciplina partidária no Bra-
sil”. Dados, 44 (2), Rio de Janeiro: Iuperj.
ARRETCHE, Marta (2001). “Federalismo, Legado De Políticas Prévi-
as E Arenas Decisórias: A Reforma Dos Programas Sociais”, paper .
CASTRO SANTOS, Maria Helena (1997). “Governabilidade,
governança e democracia: criação capacidade governantiva e rela-
ções executivo-legislativo no Brasil pós-Constituinte”, Dados 40 (3),
Rio de Janeiro: Iuperj.
FIGUEIREDO, Argelina (2002). “ Instituições políticas e controle do
Executivo”, Dados 44 (4), Rio de Janeiro: Iuperj.
FIGUEIREDO, Argelina & Limongi, Fernando (2000). Executivo e
legislativo na nova ordem constitucional, Rio de Janeiro: Ed. FGV
HAGOPIAN ,Frances (1996) . Traditional politics and regime change in
Brazil, Cambridge University Press.

341

brasil-argentinaFIM.pmd 341 5/2/2004, 11:02


IMMERGUT, Ellen. (1995), ‘As regras do jogo: a lógica da política de
saúde na França, na Suiça e na Suécia”, Revista Brasileira de Ciências
Sociais 11(30). São Paulo, Anpocs, pp. 139-166.
KINZO, Maria DÁlva (1993). Radiografia do quadro partidário brasileiro,
Sâo Paulo: Fundação Konrad Adenauer.
KUGELMAS, Eduardo & Sola, Lourdes (1999).Recentralização/
descentralização - dinâmica do regime federativo no Brasil dos anos
90", Tempo Social 11 (2), São Paulo: USP/FFLCH
LAMOUNIER, Bolivar (1992).” Estrutura institucional e
governabilidade na década de 90”, In: Velloso, João Paulo dos Reis
(org), O Brasil e as reformas políticas, Rio de Janeiro:José Olympio.
LAMOUNIER, Bolivar (1992a).” A democracia brasileira dos anos 80
e 90:a síndrome da paralisia hiperativa” . João Paulo dos Reis (org),
Governabilidade, sistema político e violência urbana, Rio de
Janeiro:José Olympio.
LIJPHART, Arend (19990. Patterns of democracy, New Haven: Yale
University Press.
MAINWARING, Scott (1993).”Presidentialism, multipartism and
democracy: the difficult combination”, Comparative Political Studies
26 (2), julho, pp.198-228.
MAINWARING, Scott & Samuels, David (1997), Robust federalism and
democracy in contemporary Brazil, paper.
MELO, Marcus André (2002). Reformas Constitucionais no Brasil, Rio de
Janeiro: Revan.
NICOLAU, Jairo Marconi,(1997). “As distorções na representação dos
estados na Câmara dos deputados brasileira”, Dados 40 (3), Rio de
Janeiro: Iuperj.
O´DONNELL, Guillermo (1994). “Delegative democracy?” . Journal
of Democracy 5 (1). pp. 55-69.
O´DONNELL, Guillermo (1996). “Uma outra institucionalização:
América Latina e Alhures”, Lua Nova37, São Paulo: Cedec, pp. 5-
31.
O´DONNELL, Guillermo (1998).”Accountability horizontal e novas
poliarquias”, Lua Nova 44, p.27-54.
SADEK, Maria Tereza (1997). O Ministério Público e a Justiça no Brasil,
São Paulo: Sumaré.

342

brasil-argentinaFIM.pmd 342 5/2/2004, 11:02


SAMUELS, David, 1998.”Careerism and its consequences:federalism,
elections and policy making in Brazil”, tese de doutoramento.
SANTOS, Fabiano (1997). “Patronagem e poder de agenda na políti-
ca brasileira”, Dados 40 (3), pp. 465-492.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos Santos (1987). Crise e Castigo.
Partidos e generais na política brasileira, São Paulo: Vértice.
SOLA, Lourdes (1993). “Estado, transformação econômica e demo-
cratização no Brasil”,Lourdes Sola, ed. Estado, mercado e democracia,
São Paulo, Paz e Terra, pp. 137-198.
STEPAN, Alfred (1999). “Para uma nova análise comparativa do fe-
deralismo e da democracia: federações que restringem o ampliam o
poder do demos”, Dados 42(2), Rio de Janeiro:Iuperj, pp. 197-252.
VIANNA, Luiz Werneck(1997). Corpo e Alma da magistratura brasileira,
Rio de Janeiro: Revan.

343

brasil-argentinaFIM.pmd 343 5/2/2004, 11:02


Comentários

Walter Costa Porto: Foi muito gratificante, para mim, a parti-


cipação neste Seminário, que me permitiu ouvir as lições tão
enriquecedoras da Professora Hermínia, do Professor Nun. E, tam-
bém, possibilitou uma aproximação ao quadro político brasileiro e a
este país, a Argentina, que tanto admiro.
Sempre lamentei o afastamento do Brasil, com os outros países
que o cercam, na América Latina. Costuma-se dizer que os americanos
e ingleses sáo separados pela mesma língua. No caso brasileiro, o pro-
blema é que nós pretendemos entender perfeitamente o castelhano e
“los otros” não nos compreendem. Eu tenho uma má experiência par-
ticipante de reuniões com magistrados da Justiça Eleitoral de todos os
países, de ficar isolado, falando devagar, não sendo compreendido.
E há outras causas desse afastamento: questões geográficas, os
Andes, essa fronteira imensa, na maior parte despovoada. E questões,
também, políticas. Fomos, no Século XIX, um Império cercado de Re-
públicas. Eu me lembro de uma carta de Bolívar, em que ele lança um
pouco de suspeição contra o monarca brasileiro, que estaria se acertan-
do com cortes européias contra o seu sonho de unir as Américas.
Bem, mas ficando no quadro eleitoral, permitam-me limitar-me
apenas a um ponto, que foi tocado pela Professora Hermínia: o proble-
ma da desiguldade de nossa representação na Câmara dos Deputados,
em razão do Federalismo. E, pelo que eu sei é, também, uma realidade
argentina.
Tudo começou no Brasil, como sabem muitos, com a Constitu-
inte de 1890/91, quando Epitácio Pessoa, que representava a Paraíba
e que, depois, em 19 , seria nosso Presidente, trouxe a sua irresignação
contra o fato de que – dizia ele – quatro ou seis estados pudessem
decidir, exclusivamente, sobre itens que interessavam a todos os de-
mais estados. Propôs ele, então – e a sua emenda foi aprovada – que
houvesse uma representação mínima por Estado, de 4 Deputados.
Depois, as outras Constituições trouxeram modificação e, como
sabem, hoje a Constituição atual, de 1988, determina um mínimo de 8

344

brasil-argentinaFIM.pmd 344 5/2/2004, 11:02


Deputados e o máximo de 70 Deputados por Estado. Essa desigualda-
de, essa desproporção, foi agravada pelo fato de que, mais recentemen-
te, houve, a meu ver, a leviana criação de Estados, que eram esses
territórios, com uma população mínima, com uma economia deficien-
te. O que fez com que, já em 1959 o Professor Miguel Reale trouxesse,
em um artigo, a indicação desse fato: de que um voto em Rondônia
seria 15 vezes mais forte do que um voto em São Paulo.
Pelo que sei, essa também é a realidade argentina. Pelo que li,
em províncias como La Rioja, como a Terra do Fogo, elege-se um de-
putado com cerca de 15 mil votos, ao passo que, em Buenos Aires,
exige-se quase 200 mil para a designação de um Deputado.
Mais recentemente, como a própria Professora Hermínia lem-
brou, houve a palavra, em favor dessa desproporção do nosso tão esti-
mado Guilherme dos Santos. Ele lembrou que José de Alencar, no Sé-
culo passado, nosso maior teórico do voto, insistia em uma contenção
à coeração da maioria.
Daí que Guilherme diga que, ao contrário da Federação ameri-
cana, com a sua distribuição matemática de representação pelos Esta-
dos, haveria, aqui, um esforço que ele diz “alencariano e prudente”.
E, também, indago do Professor Nun se há uma irresignação da
ciência política, de parte dos dirigentes argentinos, quanto a essa desi-
gualdade na representação à Câmara dos Deputados. E se, afinal, isso
teria meio de ser corrigido.

345

brasil-argentinaFIM.pmd 345 5/2/2004, 11:02


Comentários

Renato Lessa: Quero, falar da minha dupla sorte: da sorte de


estar aqui, no Seminário, e da sorte de estar nesta Mesa, provocada por
dois textos – Murilo diria “papéis”, porque ele foi ao Padre Vieira; como
eu sempre vou aos gregos, eu diria “papiros”, há quem fale assim – ,
enfim, dois papiros de excelente qualidade, aos quais li
fundamentalisticamente, quer dizer, li repetidas vezes. Terei grande
dificuldade de fazer comentários à altura das questões postas, por ra-
zões próprias, felizmente camufladas pela escassez de tempo. Então,
já sei e vos aviso que cometerei injustiças e impropriedades no meu
comentário. Nenhuma, contudo, de má fé.
Não poderia deixar de mencionar, de saída, o privilégio dos que
leram os textos, dos que ouviram as apresentações que tivemos
aquí.Trata-se do privilégio de constatar a diferença de estilos e de lin-
guagens, presentes não sei se na ciência política latino-americana – não
sei. Enfim, pelo menos dois estilos e linguagens distintos para tratar de
questões de natureza política. Ao dizer duas linguagens, estou queren-
do me referir a algo mais forte ou mais profundo do que, simplesmente,
duas idiossincrasias de estilo para tratar dos fenômenos políticos. Es-
tou me referindo, de maneira forte, ao que o filósofo norte-americano
Nelson Goodman define como ways of world making, quer dizer, a lin-
guagem como forma de fabricação de mundos. Ou seja, não só ela
possibilita narrativas distintas sobre o mundo, como constitui objetos
distintos para sua observação. E, ao construir objetos distintos, cons-
titui meios e recursos metodológicos próprios para aferir a propriedade
do que está sendo dito. No limite, no âmbito das ciencias humanas não
há métodos, mas tão somente linguagens.
E acho que as duas apresentações dão ensejo a uma reflexão des-
se tipo. No caso da apresentação excelente do texto de Maria Hermínia,
seu trabalho denota o processo de amadurecimento da ciência política
brasileira, que respondeu positivamente à pergunta posta há alguns anos
a respeito da importância das instituições: as instituições importam? A ciên-
cia política brasileira respondeu “sim”. A principal vertente da ciência
política brasileira deu uma resposta afirmativa a essa questão e passou a
trabalhar as conseqüências dessa resposta afirmativa.

346

brasil-argentinaFIM.pmd 346 5/2/2004, 11:02


Acho interessante considerar, inclusive nesse sentido, retoman-
do um comentário feito por José Nun, no início da sua apresentação,
que essa resposta positiva da ciência política brasileira para tratar o
tema das instituições tem uma pré-História. Essa pré-História tem a
ver com o fato de que, durante o regime autoritário, a comunidade de
cientistas políticos brasileiros cresceu, quer dizer, foi constituída e cres-
ceu, em uma experiência que nos distingue da experiência argentina,
marcada por uma relação entre a ditadura, o autoritarismo e a vida
universitária muito mais dramática.
No nosso caso, não só cresceu e se desenvolveu – muitos de
nós fomos treinados fora do país. A politização dessa comunidade
científica, na área de ciência política, colocou-nos frente a um tema
incontornável: o tema da democratização. Esse foi o nosso tema. Vá-
rios de nós vínhamos de questões diferentes. Maria Hermínia, por exem-
plo. Sua área de trabalho original era o estudo do movimento operário,
do sindicalismo. E a maior parte dos colegas acabou convergindo para
um tema comum, que é o tema da democracia, da importância das
instituições democráticas. E isso no contexto de um regime político
muito singular, que, apesar de autoritário, fechado, era um regime que
dava margem para interpelações internas. Não apenas para interpela-
ções exógenas, ações de oposição exógena, mas ações de oposição
endógenas, no sentido de interpelar o próprio regime a respeito de de-
mocratização e, sobretudo, a respeito de mais institucionalização.
É como se o tema das instituições passasse a ser um tema natural
na linguagem da ciência política brasileira. Isso foi reforçado recente-
mente por inovações teóricas na ciência política internacional, na área
do institucionalismo, que, portanto, configuram – não tenho tempo para
desenvolver mais isso, mas acho que o ponto é esse –uma linguagem
específica e, conseqüentemente, uma escolha específica de objetos.
Ganhamos muito com isso e perdemos muito com isso. Esse é
o ponto fundamental. E, aqui, concordo muito com a observação ini-
cial da apresentação de José Nun.
A narrativa por ele apresentada está constituída por outras refe-
rências. Quer dizer, aqui há uma narrativa para a qual a História, a
narrativa histórica, aparece como fundamental. Uma narrativa para a

347

brasil-argentinaFIM.pmd 347 5/2/2004, 11:02


qual uma reflexão sobre a economia política aparece como importante.
A sociologia política também; para não falar da fenomenologia políti-
ca. É como se fosse impossível, do ponto de vista dessa narrativa, falar
do contexto democrático argentino e de seus problemas sem referênci-
as à economia política, à sociologia política e, sobretudo, à
fenomenologia política.
Acho que neste ponto reside uma grande utilidade de seminários
desse tipo. Isso demonstra como seria fundamental que nós
cooperássemos para que o nosso excessivo institucionalismo fosse
contaminado, no bom sentido, pela sensibilidade para a fenomenologia
política, para a sociologia política e, por outro lado, para que as narrativas
gerais sobre essas dimensões sociológicas, econômicas e conjunturais
fossem também acompanhadas por uma preocupação com o caráter
próprio das instituições, com a centralidade que elas têm e com o fato
de que elas são incontornáveis. Se a reflexão é política, ela tem que,
num certo sentido, tomar as instituições como referência incontornável,
mesmo que seja para superá-las, para dizer que outras coisas têm que
ser adicionadas.
Então, antes de qualquer coisa, acho que é uma oportunidade
interessante para considerar esses dois estilos, suas diferenças e, sobre-
tudo, suas possibilidades de cooperação e de interpelação recíproca.
Outro ponto que gostaria também de sublinhar tem a ver com uma
concordancia com um comentário feito na apresentação – não está no
texto, mas está na apresentação – feita por José Nun, a respeito – pelo
menos entendi assim e compartilho com isso – de pensar a democracia
no Brasil e na Argentina, e suas dificuldades, tendo como exigência
pensar as dificuldades e os problemas da democracia em geral.
Concordo muito com a sensação apresentada de que a democracia
é uma coisa muito estranha. Acho que se a academia dos politólogos
marcianos pudesse mandar alguns de seus afiliados ao planeta Terra, para
entender a democracia, certamente estes retornariam dizendo: “Olha, eles
têm lá um sistema que não funciona, que não vai funcionar, pois como é
que podem compatibilizar liberdade individual, direitos iguais, isonomia
política, com um sistema econômico fundado em desigualdade, em formas
diferenciadas de apropriação do produto social? Isso não vai funcionar.”

348

brasil-argentinaFIM.pmd 348 5/2/2004, 11:02


Num certo sentido, essa bizarra combinação ficou em pé, por-
que amalgamaram direitos liberais, direitos políticos de participação e
aquilo que Marshall designou como uma “pitada de socialismo”,
introduzida a partir, sobretudo, da Segunda Guerra Mundial. É um
sistema tenso. É um sistema a respeito do qual não temos ainda tempo
para fazer previsões sobre a sua durabilidade. Só tem 50 anos, na sua
universalidade, pelo menos. E não é prudente fazer juízos de pereni-
dade sobre fenômenos recentes. A democracia, nesse sentido, é muito
recente. O Império Romano durou muito mais tempo. Se a gente fosse
escrever uma História da Humanidade para ser lida em 90 minutos,
para ler num vôo entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, essa História da
Humanidade, em 90 minutos, talvez tivesse meia página sobre demo-
cracia. Seria o pedaço editorial atribuído ao texto à uma história do
mundo em 90 minutos. A dinastia Ming talvez exigisse, ao menos por
sua duração, maior espaço editorial.
Então, longe de mim querer fazer juízo sobre a durabilidade.
Mas acho que temos razões suficientes para crer numa certa instabili-
dade, que deve ser considerada em termos gerais para que as nossas
estabilidades e instabilidades específicas, de alguma forma, sejam con-
templadas.
E, aí, vai uma questão, uma provocação. Independentemente
das linguagens e dos estilos apresentados, acho que vai uma provocação
que tem a ver com a teoria democrática em geral, mas tem a ver também
com o estado da democracia dos nossos países, que é assim: qual é a
lógica da legitimação contemporânea nos contextos democráticos? Na
medida em que a demanda por igualização, que é a demanda original da
democracia, exige a “pitada de socialismo”, e esta não encontra mais
abrigo (ou menor acolhida, para dizer a coisa em tom moderado) nas
formas contemporâneas do Estado democrático, qual é a lógica da
legitimação democrática que se apresenta para os nossos países?
Acho que algumas indicações, que consigo imaginar, foram pos-
tas no texto de José Nun. Elas dizem respeito ao predomínio de uma
linguagem da liberdade negativa, o que apresentaria uma circunstância
muito curiosa. Em outros termos, ela indica a possibilidade de uma legi-
timidade democrática fundada no acesso ao consumo e, por outro lado,

349

brasil-argentinaFIM.pmd 349 5/2/2004, 11:02


na preservação da liberdade negativa. Algo semelhante ao que foi bri-
lhantemente posto por T. S. Elliot, e utilizado por Moses Finley na tenta-
tiva de descrever a disposição do demos de Ítacan diante da ausência de
Ulises e da conseqüente aparição de uma legião de usurpadores: “Gover-
nem os reis ou governem os barões, o que me importa é que me deixem
quieto, me deixem à parte.” O demos de Ítaca queria ficar intocado. Em
que medida essa lógica de legitimação, a la Ítaca, pode estar sendo apre-
sentada como sendo suficiente para as nossas sociedades?
Para fechar o ponto, porque tenho muito pouco tempo, e dei-
xando várias considerações que tenho a pretensão de achar que são
importantes de lado, eu queria fazer alguns comentários mais pontuais
com relação ao texto da Maria Hermínia, com o qual concordo inteira-
mente. Acho que Hermínia demonstra, de maneira claríssima, para
mim definitiva que não há um problema institucional, estrutural, gra-
ve na democracia brasileira. Acho que o ponto é feito de uma maneira
muito clara e numa estratégia argumentativa que acho a melhor possí-
vel, ou seja, desafiando as visões que dizem o contrário. Uma maneira
de argumentar que acho interessante.
Chamo a atenção para o fato de que há uma tradição pessimista
no Brasil, que vem sempre repetindo a idéia de que fizemos escolhas
institucionais erradas. Isso já começa, dez anos depois da proclamação
da República, com o volume chamado “A Década Republicana”, no qual
os autores não davam mais dois meses de vida para a República brasilei-
ra. Em toda a Primeira República há uma literatura enorme sobre a refor-
ma constitucional. Nos anos 30, há uma produção imensa pessimista a
respeito da viabilidade brasileira. É um ano em que Martins de Almeida
publica um livro com o título maravilhoso “O Brasil Errado: Ensaios
sobre os Erros do Brasil Enquanto País”, que é uma coisa magnífica.
Uma pena que a ciência política brasileira nos proíba de escrever títulos
com esses nomes, senão a gente não ganha nenhum concurso, nem finan-
ciamento para fazer pesquisa. Mas são títulos geniais.
Qual é a pretensão de uma reflexão desse tipo? Demonstrar que
o país escolhe erradamente suas instituições.
Não tenho tempo aqui para fazer uma fenomenologia longa desse
diagnóstico, mas ele tem se apresentado, recente e justamente nos ar-

350

brasil-argentinaFIM.pmd 350 5/2/2004, 11:02


gumentos que Hermínia acabou por resumir no seu texto. Não vou
repetir esses argumentos. Acho que a Hermínia fez isso de uma manei-
ra que eu não conseguiria reproduzir. Só queria acrescentar a seguinte
pergunta: se os nossos problemas não são institucionais – e acho que
não são – em que domínio eles se localizam? Onde eles estão? Talvez
estejam do lado de fora. E como é que se considera o lado de fora? É
muito complicado considerar o lado de fora, porque, num certo senti-
do, fomos para as instituições porque, num dado momento, achamos
que era insuficiente pensar o lado de fora para entender endogenamente
o sistema político. Mas, já que entendemos tão bem o sistema político,
talvez estejamos calçados para ir para o lado de fora com mais prudên-
cia analítica.
E o que significa ir para o lado de fora? Trata-se, simplesmente,
de considerar a relação entre instituições e vida social. É simplesmente
isso. É considerar as instituições como algo que tem dimensão endógena,
portanto, relevante para fins de análise, mas como algo também que
confere sentido a uma experiência nacional. Temo que nossa ênfase
institucionalista tenha embotado a sensibilidade para uma sociología
histórica da política, tão urgente quanto necessária entre nós.
Acho que, talvez, aí, tenhamos que encontrar e discutir com
velhos fantasmas brasileiros, alguns dos quais não sei se são tão fortes
na Argentina. O principal fantasma talvez esteja contido na surrada
afirmação de que o lado de fora é constituído por um país dotado de
identidade natural, pela língua, pela religião, pelo amálgama pacífico
das raças. Enfim, é um pouco o que a literatura dominante, num certo
sentido, na esfera do pensamento social brasileiro ressalta, com exce-
ções brilhantes. Com exceção, por exemplo, de Oliveira Viana em “Ins-
tituições Políticas Brasileiras”, que complementa o que Ezequiel
Martinez Estrada, na Argentina, no belíssimo “Radiografia de La
Pampa”, apresenta como caráter fragmentado da experiência do
hinterland argentino, aquela vida silenciosa, fragmentada, sem conta-
tos, de baixíssima sociabilidade. Essa imagem Oliveira Viana atribui
também ao passado brasileiro, como passado de homens dendrófilos,
quer dizer, de homens que amam a floresta, que amam o meio natural e
que, portanto, são avessos à sociabilidade. Exageros à parte, metáforas
à parte, o ponto que Oliveira Viana fez e que tem paralelo na literatura

351

brasil-argentinaFIM.pmd 351 5/2/2004, 11:02


social argentina é o seguinte: não há sociabilidade natural. O natural é
a fragmentação.
Então, acho que é possível, a partir desse reconhecimento hipo-
tético de que há um estado de natureza marcado pela fragmentação, pro-
por uma espécie de história das experiências institucionais brasileiras e
argentinas para lidar com fragmentação. E a nossa História Republicana,
com relação a isso, apresentou várias modos, vários modelos de lidar
com a fragmentação societária. E não tenho tempo para falar sobre to-
dos eles. Passamos pela experiência oligárquica da Primeira República,
pela experiência mal chamada de corporativismo, dos anos 30 e 40 – mal
chamada porque é um conceito difícil de resumir; e o melhor é feito por
um colega nosso, César Guimarães, do IUPERJ, que diz que
corporativismo é o interesse organizado dos outros; acho que é a melhor
definição que conheço. Enfim, às experiencias oligárquica e corporativista
seguiu-se a solução que o país deu, em 1946, para o tema da fragmenta-
ção, que acho fundamental. É uma solução que incorporou clientelismo,
que vinha da Primeira República, que incorporou o corporativismo – há
aquí algo da idéia de camadas arqueológicas que são trazidas pelo passa-
do -e acrescentou a isso o tema da representação. O país foi amalgama-
do, foi conectado através da idéia de representação. E, aí, acho que há
um certo heroísmo, uma definição generosa, visionária dos Constituintes
de 46, quando optam por um modelo de representação proporcional. E
uma de suas características é a desigualdade da representação dos Esta-
dos. Acho que a desigualdade da representação dos Estados faz parte
dessa perspectiva de integração via representação. É fundamental para a
democracia no Amapá que ali haja oito deputados. É fundamental para a
democracia no Acre e para que certos facínoras, piores que os errantes
mencionados por Nun, estejam na prisão, que haja oito deputados no
Acre. Se a política brasileira fosse tratada à moda da aritmética política,
o Acre teria um deputado. E não é muito difícil saber quem ele seria, que
interesses ele representaria.
Então, se a opção é democrática e federalista, ela tem custos.
Um dos custos da opção democrática federalista é distorção na repre-
sentação. Não se pode ter o melhor de todos os mundos.

352

brasil-argentinaFIM.pmd 352 5/2/2004, 11:02


Concluindo eu diria o seguinte: como é que temos lidado com a
fragmentação? Como temos lidado com ela recentemente? Acho que
há problemas à vista. Um deles diz respeito à redução de uma certa
capacidade do Estado brasileiro de lidar com programas sociais subs-
tantivos. Aí temos uma aproximação com o caso argentino, de
descentralidade do Estado como agente de integração, de pelo menos
agente redutor da fragmentação.
Não tenho tempo para desenvolver muito esse ponto. Eu que-
ria concentrar as frases finais em alguns problemas que devemos consi-
derar nas nossas linguagens, como problemas relevantes para tratar não
só do tema da fragmentação, mas para tratar do que está do lado de
fora. E a pergunta deflagradora para isso pode ser a seguinte: como é
que o demos brasileiro está sendo constituído, o demos argentino, o de-
mos, enfim, das nossas sociedades está sendo constituído? Através de
que rotinas? É evidente que, no caso brasileiro, o hardware da política
brasileira vai muito bem: competitividade, desoligarquização, alta par-
ticipação eleitoral. Isso é ótimo.
Mas há problemas dramáticos, por exemplo, quando começa-
mos a analisar a correlação entre educação e eleitorado, quando, por
exemplo, 75% do eleitorado tem primário; 60%, primário incompleto.
Não estou fazendo nenhum juízo aqui, evidentemente elitista, dizendo
que os iletrados não sabem votar. Estou querendo, sim, chamar a aten-
ção para a baixa centralidade da experiência educacional como uma
experiência estratégica nacional para a constituição da identidade do
eleitorado. A educação não constitui um agente – há dez anos, seria um
horror falar isso, mas podemos falar agora – de civismo, de experiência
cívica compartilhada.
Há uma velha anedota, que infelizmente, segue atual, que diz
que, quando estamos no Rio Grande do Sul – e, em vários lugares do
Rio Grande do Sul, a fronteira com o Uruguai é seca – o modo que
temos para saber que entramos no Uruguai é quando as escolas come-
çam a aparecer. Uma velha história. Quando começam a aparecer os
grupos escolares, é o Uruguai, não é mais Brasil. Enfim, uma anedota
dramática.

353

brasil-argentinaFIM.pmd 353 5/2/2004, 11:02


Então, quais são as redes reais de sociabilidade? Algumas fo-
ram tocadas aqui, ontem. A mídia. O Murilo, na discussão dele, tocou
nessa questão. Isso, em si, já mereceria um seminário à parte. E, para
o lado da mídia, aí, eu iria além do que o Murilo comentou. Não se
trata apenas do monopólio de uma rede, Murilo. Acho que se estabeceu
no Brasil uma espécie de competição pela programação pior e não só
monopólio. Acho que devíamos, inclusive indenizar Portugal pela fir-
me contribuição da televisão brasileira para a descaracterização da lingua
portuguesa por meio do lixo televisisvo que para lá exportamos. Mas, o
fato é que, pelos indicadores estatísticos, a televisão é o único elemen-
to nacional de constituição da experiência comum. Não há outro. O
que está e o que não está no mundo é decidido por esse tipo de meca-
nismo.
O tema da religiosidade acho que é fundamental no caso brasi-
leiro. Não sei como anda no caso argentino, sobretudo a partir da ex-
plosão, de progressão geométrica praticamente, do pentecostalismo, de
igrejas com base local de baixíssimo custo inclusive de organização,
que produzem mundos à parte, linguagens à parte, no sentido de
Goodman, que apresentei antes, que tem contatos esporádicos com a
sociabilidade comum, mas que não tem nexos automáticos com a polí-
tica, com o mundo público.
Isso tudo, sem falar do tema da violência. O tema da violência
não só na dimensão policial, mas no que ele tem de mais traumático,
constitui a experiencia básica de grandes segmentos da população bra-
sileira. Penso que o tema do desespero social tem marcado a experiên-
cia de grandes contingentes da população brasileira das periferias, que
têm uma participação forte no eleitorado brasileiro.
Acho que importa, portanto, tentar incluir esses temas, essas
questões, na avaliação do estado da democracia nos nossos países. Te-
nho muito medo de estar certo com relação a essas observações, por-
que, no Brasil, mais cedo ou mais tarde, quem está certo acaba errado.
E outros problemas aparecem e, portanto, essas considerações perdem
a sua pertinência.
Enfim, concluindo, acho que é essa a idéia: buscar uma apro-
ximação das linguagens e buscar também objetos que, por um certo

354

brasil-argentinaFIM.pmd 354 5/2/2004, 11:02


vício profissional, nós acostumamos a situar fora da nossa órbita de
observação. No meu ponto de vista, eles são fundamentais para o
entendimento da qualidade da política e da democracia. No Brasil,
na Argentina e alhures.

355

brasil-argentinaFIM.pmd 355 5/2/2004, 11:02


Comentários

João Almino de Souza Filho: Vou acrescentar alguns comen-


tários a esses que já foram feitos e, depois, nós abrimos ao debate.
Como aqueles que falaram antes de mim disseram, nós parti-
mos de dois excelentes trabalhos, o que facilita nossos comentários. E
vou, sobretudo, tentar traçar algum paralelo entre um trabalho e outro,
a partir das leituras feitas de ambos e também do que foi dito aqui.
Como o Professor Renato Lessa destacou, de fato, se trata de
trabalhos muito distintos um do outro. Em parte porque o próprio
escopo e o enfoque de um diferem dos do outro. Mas observei uma
característica interessante. Acho que o Doutor José Nun parte sobretu-
do de uma análise econômica, embora eu diria que a grande força do
seu trabalho, da sua exposição sejam essas metáforas que ele utilizou.
Mas, enfim, a base da análise é econômica, para tentar explicar os pro-
blemas do sistema político argentino.
E, no caso da Professora Maria Hermínia, o processo é inverso.
A discussão sobre a política, sobre as instituições políticas brasileiras,
não propriamente levam a conclusões definitivas sobre a economia,
mas explicam, em grande medida, a forma como determinadas refor-
mas econômicas foram realizadas no Brasil.
O trabalho do Doutor José Nun é voltado para a Argentina,
exclusivamente. Mas acredito que poderíamos traçar um paralelo en-
tre o que ele disse em relação à Argentina e o que ocorreu no Brasil no
mesmo período por ele considerado. Sem fazer qualquer julgamento de
valor, eu diria que o modelo econômico a que ele se refere foi, em certa
medida, seguido tanto no Brasil quanto na Argentina. Perseguimos –
com passos e procedimentos distintos – objetivos de enxugamento da
máquina do Estado, de equilíbrio fiscal e de estabilidade econômica.
Estávamos empreendendo, aqui e lá, processos de privatização,
liberalização comercial etc. Poderíamos, portanto, traçar muitos para-
lelos de semelhança entre os dois processos, inclusive no que se refere
a seus problemas.
O Dr. Nun dá, por exemplo, uma importância muito grande, no

356

brasil-argentinaFIM.pmd 356 5/2/2004, 11:02


início sobretudo do regime Alfonsin, digamos, na inauguração do que
seria o regime político da democracia representativa, ao problema da
dívida externa argentina, inclusive colocando a crise mexicana de 1982
como o estopim dessa crise. A mesma percepção em relação à dívida
externa se aplicaria ao caso brasileiro.
Os vários planos fracassados, o Plano Austral, por exemplo, no
caso da Argentina, terá paralelos no Brasil. A questão mesma da cha-
mada hegemonia do capital financeiro, os problemas relacionados com
a volatilidade dos capitais de curto prazo são problemas que afetaram
– e ainda afetam, de fato ou potencialmente - nossas economias. Tanto
é assim que, no caso brasileiro, o nosso próprio Presidente, Fernando
Henrique Cardoso, tem, reiteradamente, proposto nos foros internaci-
onais medidas que possam corrigir esse problema da volatilidade dos
capitais financeiros internacionais.
Mesmo aquilo que possa parecer peculiar à experiência argentina
– por exemplo, o plano de convertibilidade de 1991 – pode encontrar
paralelos no Brasil, como, por exemplo a âncora cambial de 94, que
durou vários anos.
No entanto, eu diria que a percepção que se tem desse processo
é diferente aqui e lá. Em primeiro lugar, ao ouvirmos as duas exposi-
ções desta manhã, as exposições do Doutor José Nun e da Professora
Maria Hermínia, reforçamos a conclusão de que, mesmo do ponto de
vista estritamente econômico, houve diferenças importantes de inten-
sidade ou de ritmo desses processos, aqui e na Argentina. Mas, pelo
menos ouvindo os expositores, fica a impressão de que a diferença mais
significativa, que terá impacto sobre as percepções, ocorre no plano
político. E uma vez mais, aí quero fazer a ressalva de que, sem conhe-
cer tão bem a questão argentina, estou de fato tirando essa conclusão
unicamente das exposições e das leituras dos dois papers, papéis ou
papiros. Ou seja, no caso argentino, segundo o Doutor José Nun, as
mudanças econômicas teriam tido um impacto grande sobre a própria
independência dos poderes. Para que as reformas econômicas pudes-
sem ser realizadas no nível adequado, teria havido uma concentração
muitíssimo grande de poder, enquanto que, no caso brasileiro, como
mostrou a Professora Maria Hermínia – na verdade, mostrou isso para

357

brasil-argentinaFIM.pmd 357 5/2/2004, 11:02


enfatizar que não houve, apesar de uma independência grande dos po-
deres, um problema de governabilidade – repito, no caso brasileiro, o
Executivo teve de enfrentar um poder expressivo do Congresso. E
esse poder do Congresso vai fazer com que haja decisões negociadas,
que certamente terão uma repercussão sobre o próprio ritmo das refor-
mas realizadas ao longo desses anos. Quer dizer, ela mostra que as
reformas, sim, são realizadas, mas o ritmo é mais lento do que muitos
esperavam. É mais lento, certamente, do que em outros países, inclusi-
ve a Argentina.
Ela se referiu a essa conferência do Professor Rudiger Dornbush,
em 1992, no Reino Unido. E, ao ouvir isso, me recordei de que, exata-
mente nessa época, por volta de 1992, participei de um encontro na
Universidade de Stanford. Como brasileiro, tive que ficar muito na de-
fensiva e dar muitas explicações, porque havia, mais ou menos, um
consenso entre os expositores – eram quase todos economistas, mas
mesmo os cientistas políticos presentes pensavam a mesma coisa –
repito, havia um consenso de que existia uma espécie de trilho que
devia ser seguido por todos os países da América Latina. Era claro o
que deveria ser feito. E havia países que estavam conseguindo fazer
isso de maneira muito mais rápida, de maneira muito mais eficiente de
que outros. O Brasil, na visão de todos, era o que estava no último
lugar, digamos, era o último carro do trem. Isso porque justamente
havia empecilhos do próprio sistema e do processo político brasileiro
para que essas reformas pudessem ser implementadas. E talvez o mai-
or deles fosse o fato de que o Congresso podia obstaculizar medidas de
interesse do Executivo.
O que era visto como negativo naquele momento, hoje em dia
talvez possa ser entendido como tendo sido positivo para o próprio
processo econômico brasileiro.
A Professora Maria Hermínia demonstrou de maneira muito
convincente que esse “presidencialismo de coalizão”, que ela diz ser
um termo de empréstimo do Professor Sérgio Abranches, pode funcio-
nar num país como o Brasil; que, de fato, esse presidencialismo não
criou uma crise de governabilidade e não criou crises institucionais.

358

brasil-argentinaFIM.pmd 358 5/2/2004, 11:02


Mostrou, por exemplo, isso: que as reformas, talvez não no ritmo que
alguns desejavam, puderam ser realizadas.
Acho interessante que ela tenha ressaltado, mais no texto escrito
– não me recordo se ela frisou isso na exposição –, uma contradição
que existe nas críticas: o mesmo sistema político que, para uns, cria
um grande problema de governabilidade, quer dizer, gera
ingovernabilidade, para outros, é visto como um sistema em que a
presidência é imperial. Portanto, as próprias críticas são contraditórias.
Acho que de maneira muito convincente ela mostrou isso.
O que não me parece muito claro, na verdade – e essa talvez seja
a questão que eu colocaria para ela, para eventualmente ela expandir sua
colocação, se quiser – é se essas instituições, apesar do bom desempenho
até agora, têm a capacidade de evitar essas crises no futuro. Ela mesma,
aliás, já deu a entender que não. Quer dizer, ela se refere ao fato de que
esse sistema de presidencialismo de coalizão também pode gerar as suas
crises quando se formam governos não partidários. Ela se referiu sobre-
tudo ao Governo Jânio Quadros – portanto, num período ainda anterior
ao da Constituição de 88 – e ao Governo do Presidente Collor.
Mas nessa discussão, acho que poderíamos expandir um pouco
mais a idéia, indo ao fundo de certas questões institucionais. Em pri-
meiro lugar, um Presidente de um pequeno partido sem expressão par-
lamentar pode, em tese, chegar ao poder no Brasil. Além disso, acho
que são reais alguns dos problemas político-institucionais ou de cultu-
ra política que têm sido apontados com freqüência no Brasil. Por exem-
plo, de fato não temos partidos nacionais consolidados. De fato, nosso
eleitor vota muito pouco em programa, vota muito pouco no partido
político. De fato, a nossa política é muito personalista, quer dizer, as
pessoas contam muito mais não apenas do que os partidos, mas do que
as instituições em geral. De fato, somos um país ainda sem instituições
muito sólidas. Enfim, temos um longo caminho a percorrer nesse plano
institucional. E continuamos – não apenas a elite, mas amplos seto-
res da sociedade – a cultivar, a meu ver, um relativo desprezo pelas
leis, um apreço à flexibilidade, uma falta de autodisciplina e de auto-
ordenamento social que pedem, por outro lado, a figura do pai, do
protetor, do salvador.

359

brasil-argentinaFIM.pmd 359 5/2/2004, 11:02


Quer dizer, temos tido a oportunidade, nos últimos anos, de ver
esse presidencialismo de coalizão funcionando. Mas não acho que exista
uma garantia de que ele vai sempre funcionar. Em outras palavras,
esse sistema, que pode ter funcionado até aqui, pode deixar de funcio-
nar, por deficiências muito importantes, institucionais e de cultura po-
lítica. Temos provas de que funcionou, mas não de que tenha funcio-
nado por causa de suas qualidades intrínsecas.
O Professor Renato Lessa se referiu também a questões – e
comparto esse ponto de vista dele – que têm a ver com problemas mais
gerais da democracia, que não se limitam ao exemplo brasileiro, nem ao
argentino, e que são também altamente relevantes para o funciona-
mento de nossa democracia. Uma delas é a chamada questão da crise
da representatividade. Uma questão, portanto, que vai muito além da
experiência brasileira ou argentina. Ela abrange as democracias oci-
dentais.
Eu acrescentaria uma crise também significativa para o funcio-
namento das nossas democracias e, sobretudo, para a mobilização so-
cial em torno dessas democracias: a chamada crise ideológica. Refiro-
me ao esgotamento dos modelos ideológicos dos séculos XIX e XX,
que, até hoje, demandam fórmulas criativas das nossas sociedades. E
eu diria que essa crise explica, em parte, a baixa mobilização político-
social nos últimos anos em nossos países.

360

brasil-argentinaFIM.pmd 360 5/2/2004, 11:02


CULTURA POLÍTICA E FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS NO BRASIL

Carlos Henrique Cardim

“...todos nos preocupamos de igual modo com os assuntos pri-


vados e públicos da pátria, que se referem ao bem comum ou
privado, e gentes de diferentes ofícios se preocupam, também,
com as coisas públicas.
Nós consideramos o cidadão que se mostra estranho ou indife-
rente à política como um inútil à sociedade e à República.
Não acreditamos que o discurso entrave a ação. Ao contrário,
discutimos previamente todas os assuntos sobre os quais deve-
mos deliberar.
Péricles, trecho do discurso “no enterro dos que morriam nas guerras dos
atenienses”, citado por Tucídides in “História da Guerra do Peloponeso”.

O PARADOXO DE WEIMAR: UMA DEMOCRACIA SEM DEMOCRATAS

A Constituição da República de Weimar foi um marco na evolução


do Estado de Direito Democrático pelas inovações que trouxe no terreno da
legislação social e econômica, além, logicamente, de estabelecer normas para
aprimorar o sistema representativo no Parlamento. No entanto, apesar da
excelência de seus propósitos e metas, o regime político alemão da década de
1920 naufragou de maneira catastrófica, e abriu terreno para a implantação
da ditadura nazista. Como foi possível que uma Constituição pioneira da
democracia contemporânea, em país de alta cultura, tenha sido rechaçada
pela maioria da população, não tenha convencido os cidadãos e tenha fracas-
sado tão completamente? Sem aprofundar em respostas que já renderam
extensa e relevante bibliografia, pode-se afirmar que uma das principais ra-
zões dessa tragédia política de nosso tempo tenha sido, como foi dito, que
“Weimar foi uma democracia sem democratas”.

361

brasil-argentinaFIM.pmd 361 5/2/2004, 11:02


A dura lição que se pode tirar da experiência de Weimar é que a
democracia para existir de fato, e não somente de maneira formal, tem
que estar viva na convicção dos indivíduos em valores básicos, como o
respeito pelas diferenças, a realização de eleições periódicas, a conti-
nuidade do processo político, independente de êxitos econômicos, e
mesmo em períodos de dificuldades econômicas e sociais. A lição que
a sociedade alemã tirou de Weimar e de suas consequências é a de que
para a democracia é regime onde todos somos políticos, e não somente
a denominada “classe política”. É voltar a esse preceito tão enraizado
nos cidadãos de Atenas, expresso na oração fúnebre de Péricles aos
atenienses mortos na Guerra do Peloponeso, na qual esse líder demo-
crata dizia que “consideramos inúteis aqueles que não se interessam
pelas coisas da cidade”.
A Alemanha, após 1945, tem sido um laboratório de constru-
ção de um regime democrático moderno, tirando ensinamentos de seus
graves erros do passado. Além dos dispositivos estabelecidos na nova
Constituição como a “cláusula construtiva”, merece destaque a idéia
de dotar, com financiamento público e regular, cada partido com uma
fundação destinada aos seguintes objetivos:
a) oferecer educação política;
b) promover a pesquisa e organizar a documentação da história
e evolução da corrente ideológica que defende;
c) apoiar a integração européia e colaborar para o entendimen-
to internacional, inclusive dando suporte moral e assistên-
cia material a democratas que estejam sofrendo perseguição
política.
d) divulgar os resultados de seus trabalhos.
e) servirem de “refúgios” dignos e momentâneos para quadros
partidários que sofreram eventuais reveses eleitorais.
A avaliação do modelo alemão, em seus quase 50 anos de expe-
riência, revelou-se bastante positiva, fato que sem dúvida inspirou os
legisladores brasileiros a proporem a criação de fundações e institutos
de formação política.

362

brasil-argentinaFIM.pmd 362 5/2/2004, 11:02


BRASIL , CONTRASTE ENTRE SISTEMA ECONÔMICO E SISTEMA
POLÍTICO.

O Brasil, segundo estudos da OCDE, foi o país que no século


XX apresentou a maior taxa de crescimento do Produto Nacional Bru-
to, superando, inclusive, nações como os Estados Unidos, Alemanha,
Japão, Coréia. Se pelo lado econômico os resultados foram impressio-
nantes, o mesmo não pode ser afirmado pelo lado político-institucional.
O século XX brasileiro foi marcado pela oscilação entre períodos de
autoritarismo e de democracia, e pela dificuldade de se implantar um
estável sistema político democrático moderno.
Há quatro variáveis fundamentais para a viabilização efetiva
de um sistema democrático sólido:
a) o sistema partidário;
b) o sistema eleitoral;
c) a cultura política;
d) os grupos de pressão.
Dos quatros elementos acima mencionados a cultura política é
aquele que diz respeito mais diretamente ao que poderia se denominar
de infra-estrutura do sistema político democrático. A educação políti-
ca, em termos humanistas e plural, contribui, decisivamente, para a
criação e consolidação dos regimes democráticos, em particular em
casos como o Brasil, onde ainda persiste, conforme analistas como
Simon Schwarztman, fortes traços de uma cultura política autoritária,
e a prática personalista na vida pública.
No presente, corre o debate sobre a reforma política no Congresso
brasileiro, focado, principalmente, no aperfeiçoamento dos sistemas parti-
dário e eleitoral. O propósito desse artigo é o de chamar a atenção para
uma nova e positiva realidade no quadro político brasileiro, qual seja o das
fundações e institutos partidários, que trabalham na construção da infra-
estrutura do regime democrático. A visão, ainda que geral e incompleta,
das atividades e projetos em curso por essas entidades mostra algumas
iniciativas de bom nível qualitativo e quantitativo, e um potencial que
muitas vezes não está sendo, devidamente, explorado.

363

brasil-argentinaFIM.pmd 363 5/2/2004, 11:02


Otávio Mangabeira, destacado político brasileiro dos anos 40 e
50, costumava dizer que “a democracia no Brasil é uma plantinha muito
tenra” que necessita de cuidados intensos e permanentes para resistir
as intempéries. Às necessárias atenções com a melhora do sistema par-
tidário e do sistema eleitoral devem se somar igual prioridade com a
elevação do nível da cultura política . Algo nesse terreno já está sendo
feito, porém há, ainda, muitas tarefas pendentes para fazer da “planti-
nha muito tenra” uma árvore da democracia no solo brasileiro.

UM NOVO ELEMENTO NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

As fundações e institutos partidários brasileiros, considerando


a qualidade de algumas de suas iniciativas, o fluxo de recursos finan-
ceiros legais regulares e certo volume de suas atividades nos últimos
anos, tem se firmado como um novo e relevante elemento no sistema
político nacional. Tal fato já foi observado, entre outros, por destaca-
dos políticos, como o Vice-Presidente da República e um dos líderes
do Partido da Frente Liberal (PFL) Marco Maciel. Tal realidade expres-
saria uma terceira fase no atual processo de desenvolvimento dos par-
tidos políticos, iniciado em 1985, com o fim do ciclo dos governos
militares. A primeira fase seria a da criação e constituição formal dos
partidos, a segunda a da consolidação mínima, e a terceira, ora em pro-
gresso, a da expansão e formação de quadros e sua militância.
Previstos na lei desde 1976, as fundações e institutos partidári-
os passaram por diferentes etapas, marcadas pela descontinuidade em
seus programas, e pela incerteza de recursos. Um visão geral dos proje-
tos das fundações e institutos dos principais partidos, quais sejam o
que possuem representação no Congresso Nacional, exposta nesse ar-
tigo, evidencia não somente a crescente densidade dessa novo dado da
vida política brasileira, como, igualmente, demonstra a sua potencialidade
que poderá ser explorada nos próximos anos. Sublinhe-se, a propósito,
que o Brasil hoje possui o quinto contingente eleitoral do mundo com
cerca de 102 milhões de votantes, e que existem indicadores sociais
que possibilitariam uma participação política ampliada e mais qualifi-
cada de expressivos setores da população,

364

brasil-argentinaFIM.pmd 364 5/2/2004, 11:02


A Lei número 6339, de 1 de julho de 1976, trouxe nova reda-
ção ao artigo 118 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos ( Lei número
65.682, de 21 de julho de 1971):
“Artigo 118 – Os partidos terão função permanente atra-
vés:
.............................................................................................
V – da criação e manutenção de institutos de doutri-
nação e educação política destinado a formar, reno-
var e aperfeiçoar quadros e lideranças partidárias”.
A nova Lei dos Partidos – Lei número 9096, de 19 de setembro
de 1995, dispõe:
“Artigo 44 – Os recursos oriundos do Fundo Partidário se-
rão aplicados:
.....................................................................................................
IV – na criação e manutenção de instituto ou funda-
ção de pesquisa e doutrinação e educação política,
sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento
do total recebido”
Artigo 53 – A fundação ou instituto de direito privado, criado
por partido político, destinado ao estudo e pesquisa, à doutrinação e ã
educação política, rege-se pelas normas da lei civil e tem autonomia
para contratar com instituições públicas ou privadas, prestar serviços e
manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ain-
da, manter intercâmbio com instituições não-nacionais”.
Conforme estabelecido nos dispositivos legais acima citados, no
mínimo vinte por cento do Fundo Partidário tem que ser aplicado nas
atividades das fundações e institutos partidários. No ano de 1999, esses
recursos totalizaram a cifra de cerca de R$ 10.284.293,00 (equivalentes
a U.S.$ 5 910 513.20), distribuídos entre os partidos de acordo com sua
votação no último pleito.

365

brasil-argentinaFIM.pmd 365 5/2/2004, 11:02


AS FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS BRASILEIRAS

Os seis maiores partidos brasileiros com representação no Con-


gresso Nacional organizaram a fundação ou instituto previsto na acima
referida legislação. Assim sendo, existem hoje no Brasil as seguintes enti-
dades vinculadas às agremiações partidárias majoritárias:
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB): Instituto
Teotônio Vilela.
Partido da Frente Liberal (PFL): Instituto Tancredo Neves.
Partido dos Trabalhadores (PT): Fundação Perseu Abramo
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB):
Fundação Ulysses Guimarães ( anteriormente, denominada
de Fundação Pedroso Horta).
Partido Progressista Brasileiro (PPB): Fundação Milton Cam-
pos.
Partido Democrático Trabalhista (PDT): Fundação Alberto
Pasqualini.
Merecem, também, ser citadas outras agremiações partidárias com
assento no Parlamento e que estão começando a organizar suas funda-
ções ou institutos:
Partido Progressista Socialista (PPS): Fundação Astrogildo
Pereira
Partido Socialista Brasileiro (PSB): Fundação João
Mangabeira
Partido Comunista do Brasil (PC do B): Instituto Maurício
Grabois
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB): Instituto Getúlio
Vargas
Considerando a novidade da presença das fundações e institu-
tos partidários na cena política nacional, com certo volume de ativida-

366

brasil-argentinaFIM.pmd 366 5/2/2004, 11:02


des e com relativa continuidade, são apresentados a seguir breves no-
tas sobre três daqueles que tem apresentado maior número de ativida-
des. Tais relações, apesar de meramente descritivas, são interessantes
para se avaliar o tipo de contribuição que essas entidades têm trazido,
e poderão trazer no futuro ao processo democrático brasileiro.

PSDB – Instituto Teotônio Vilela (ITV)

Orçamento em 1999: R$ 2.003.708,00 (U.S.$ 1.151.556,40)


O Instituto Teotônio Vilela (ITV), presidido pelo Senador do
Estado do Ceará Lúcio Alcântara, está instalado além da capital fede-
ral em vários Estados, e tem desenvolvido as seguintes principais ativi-
dades:
I) Edições:
a) “Coleção Pensamento Social Democrata”. Série de li-
vros que publica clássicos das principais vertentes históri-
cas dessa corrente ideológica como Eduard Bernstein, Karl
Kautsky, Carlo Rosselli, Clement Attlee, John Rawls, ao
lado de obras do atual debate sobre novos caminhos da
social democracia, como Anthony Giddens, Tony Blair e
Pierre Rosanvallon. Destaque especial dessa coleção são
os títulos dedicados à trajetória do socialismo democrático
no Brasil como o volume intitulado “O Socialismo Brasi-
leiro”, organizado ente por Evaristo de Moraes Filho, e o
livro de Hélio Jaguaribe “A Proposta Social-Democrata”.
Entre os próximos lançamentos da “Coleção”, figuram um
volume com os textos do recente encontro de Florença sobre
“Governança Progressiva”, e o segundo volume de “O So-
cialismo Brasileiro”, esse organizado por Antonio Paim. Já
saíram 16 títulos até o presente, estando previsto para 2000
o lançamento de mais dez obras. Os livros são tanto edita-
dos pelo Instituto Teotônio Vilela, como alguns publica-
dos sob a forma de coedição com editoras privadas, e são
comercializados através da rede de vendas da Editora Uni-
versidade de Brasília (UnB).

367

brasil-argentinaFIM.pmd 367 5/2/2004, 11:02


b) Série de Papers “Idéias e Debates”.
c) Série “Cadernos 45”.
II) Formação de Quadros:
a) “Laboratório de Atividades Políticas”.

PFL – Instituto Tancredo Neves (ITN)

Orçamento em 1999: R$ 1.982.630,00 (U.S.$ 1.139.442,50)


O Instituto Tancredo Neves (ITN) tem como atual Presidente
o Deputado Federal da bancada do Estado de Goiás Vilmar Rocha. O
ITN já se instalou em todos Estados brasileiros. De seu plano de ativi-
dades em curso merecem destaques as seguintes iniciativas:
I) Edições:
a) “Biblioteca Liberal”. Projeto de coedição com a Editora
Mandarim, e distribuição através da rede Siciliano de livra-
rias (cerca de 80 em todo o Brasil), de títulos fundamentais
do pensamento liberal de autores estrangeiros e brasileiros.
Até a presente data, já foram publicados os dois primeiros
livros da coleção: “História do Liberalismo Brasileiro” de
Antonio Paim, e “Tocquevile e o Liberalismo” de Ricardo
Velez Rodriguez. Para o ano 2000 estão previstos os lan-
çamentos das seguintes obras: “Direito e Estado no Pen-
samento de Emanuel Kant” de Norberto Bobbio, “O Que
É Democracia?” de Giovani Sartori, “Os Pensadores da
Liberdade” de Mariano Grondona e “Armando Sales de Oli-
veira e o Liberalismo Brasileiro”, antologia organizada e
prefaciada por Arsênio Correia.
b) “Cadernos Liberais”. Série de livretos editados pelo ITN
sobre temas doutrinários do liberalismo de interesse para o
público. Já foram publicados doze títulos, entre eles os se-
guintes: “A Agenda Teórica dos Liberais Brasileiros” de An-

368

brasil-argentinaFIM.pmd 368 5/2/2004, 11:02


tonio Paim, “O Liberalismo Moderno” de Ubiratan Borges
de Macedo. Nova série deverá ser iniciada em 2000 com
textos breves, de cerca de 60 páginas, sobre temas da con-
juntura política, econômica e social nacional, preparados
por especialistas.
II) Formação de Quadros:
a) Organização da “Escola Superior de Política”, que de-
verá oferecer, em 2000, Curso de Gestores Municipais.
III) Outros projetos:
a) Prêmio Luís Eduardo Magalhães. Organizado em 1998,
o Prêmio encontra-se em sua terceira edição, e tem como
público participante os universitários de graduação e pós-
graduação das instituições de ensino superior brasileiras.

PT - Fundação Perseu Abramo (FPA)

Orçamento em 1999: R$ 1.405.984,00 ( U.S.$ 808.036,89)


A Fundação Perseu Abramo é presidida pelo cientista político
Professor Luis Soares Dulci, e no seu quadro de atividades destacam-
se os seguintes projetos:
I) Edições:
a) Revista “Teoria & Debate”, de periodicidade trimestral,
que já completou 11 anos com 43 números publicados.
b) Editora Fundação Perseu Abramo. A FPA constituiu
uma empresa editorial que já publicou, entre outros, os
seguintes livros: “Antonio Cândido-Pensamento e
Militância”; “O Brasil Desempregado”; “O Brasil
Privatizado”; “Brava Gente-Trajetória do MST e a luta pela
terra no Brasil”; “Desafios do Governo Local-o modo
petista de governar”; “Dos Filhos deste Solo: mortos e de-
saparecidos políticos”; “Manifesto Comunista 150 Anos

369

brasil-argentinaFIM.pmd 369 5/2/2004, 11:02


Depois”; “O Marxismo na América Latina”; “Mulher e
Política”; PT-Resoluções de Encontros e Congressos 1979-
1998”; “Sérgio Buarque e o Brasil”; Reforma Política”.
Estão previstos para 2000 no programa editorial os lança-
mentos, entre outros, dos títulos de Marilena Chauí “Brasil
500 Anos-Cidadania, Cultura e Sociedade”, e de Maria
Conceição Tavares “Império, Território e Dinheiro-origens
da riqueza e da miséria no Brasil”.
II) Núcleo de Opinião Pública (NOP). Criado em 1997 o
NOP já realizou as seguintes pesquisas: “Presidente e Go-
vernadores: dados das eleições de 1994 e 1998”; “Juven-
tude, Cultura e Cidadania: perfil dos jovens das regiões me-
tropolitanas brasileiras quanto à percepção da cultura e ci-
dadania”; “Cultura, Política e Cidadania: níveis de partici-
pação e adesão populares aos processos democráticos no
Brasil”, e “Perfil da Delegação Petista; características dos
delegados e delegadas participantes dos Encontros do PT
em 1997 e 1999”.
III) Projeto Memória, voltado para a documentação da his-
tória do PT.

370

brasil-argentinaFIM.pmd 370 5/2/2004, 11:02


EL LUGAR DEL BRASIL EN LA POLÍTICA EXTERIOR DE LA
ARGENTINA: LA VISIÓN DEL OTRO

Roberto Russell y
Juan Gabriel Tokatlian

I. INTRODUCCIÓN

Este trabajo estudia la “visión” argentina sobre el lugar que ha


ocupado históricamente el Brasil en la inserción internacional del país.
Para ello, apelamos a un enfoque teórico ecléctico que combina varias
perspectivas. Primero, empleamos de modo complementario los aportes
de Kenneth Waltz1 (realismo estructural) y de Stephen Walt2 (origen de
las alianzas) con el objeto de explorar, respectivamente, la influencia
de las disparidades de poder relativo en la visión argentina del Brasil y
del papel de las motivaciones percibidas del “otro” en la configuración
de las alianzas externas que promovieron los dos países – tanto entre sí
como con terceros, particularmente con Estados Unidos.
La teoría del “equilibrio de amenazas” desarrollada por Walt3 , a
diferencia de la teoría del “equilibrio del poder” en su formulación
waltziana, requiere contemplar, además de la distribución de atributos
de poder entre los estados, otras variables que influyen en la definición
de la política exterior; por ejemplo la proximidad geográfica, las capaci-
dades ofensivas y las intenciones agresivas de un Estado hacia otro u
otros estados.
Asimismo, utilizamos las contribuciones teóricas del
constructivismo, especialmente del “idea-ismo estructural” desarrollado
por Alexander Wendt, sobre el papel de las creencias y expectativas
que los estados tienen sobre los otros en la determinación del carácter

1
Kenneth Waltz, Theory of International Politics, Random House, Nueva York, 1979.
2
Stephen M. Walt, The Origins of Alliances, Cornell University Press, Ithaca, 1987.
3
Ibid, p. 25.

371

brasil-argentinaFIM.pmd 371 5/2/2004, 11:03


de la vida internacional4 . Desde esta perspectiva teórica, las ideas com-
partidas entre países son más importantes que la distribución de atribu-
tos materiales de poder, dado que el significado y efectos de estos últi-
mos dependen de la cultura que predomina en una determinada
estructura social5 . Según Wendt, desde el mismo origen del sistema
internacional moderno tres tipos de culturas han caracterizado las rela-
ciones interestatales: hobbesiana, lockeana y kantiana6 . A cada una de
ellas, corresponde una posición distinta del sujeto en la que el Yo y el
Otro se representan respectivamente como enemigos, rivales y amigos.
En sus palabras: “The posture of enemies is one of threatening adversaries who
observe no limits in their violence toward each other; that of rivals is one of
competitors who will use violence to advance their interests but refrain from killing
each other; and that of friends is one of allies who do not use violence to settle
their disputes and work as a team against security threats.”7 En suma, ponemos
aquí el acento en el stock y flujo de ideas compartidas sobre la naturaleza
y el rol del Yo y del Otro en las relaciones argentino-brasileñas.
Esta conjunción de enfoques teóricos realistas y
constructivistas nos parece imprescindible dado que, como sostiene
Vendulka Kubálková, es preciso contemplar “what states can do because
of their position in the (international) structure” y “what they want to do because
of how they see themselves in relation to others”8 . Por último, consideramos
el papel del tipo de régimen en la formación de las visiones recípro-
cas, fundamentalmente a partir del inicio del proceso de
democratización en ambos países en la década del ochenta.
Nuestro trabajo se sustenta en cuatro hipótesis: a) que la visión
argentina del Brasil nunca tuvo elementos propios de una cultura de
enemistad (hobbesiana); b) que esa visión fue constituida desde el
origen de la nacionalidad argentina y hasta principios de la década de
4
Alexander Wendt, Social Theory of International Politics, Cambridge University Press, Cambridge,
2000.
5
Según Wendt: “To say that a structure is “social” is to say, following Weber, that actors take each other
into account in choosing their actions... Shared ideas make up the subset of social structures known as
cultures”. Ibid. p. 249.
6
Ibid, p. 259-312.
7
Ibid, p. 258.
8
Vendulka Kubálková, “Foreign Policy, International Politics, and Constructivism”, Vendulka
Kubálková (ed.) Foreign Policy in a Constructed World, Sharpe, New York, 2001, p. 17.

372

brasil-argentinaFIM.pmd 372 5/2/2004, 11:03


los ochenta en el siglo XX por una cultura de rivalidad (lockeana),
cuyas normas alcanzaron un alto grado de internalización9 ; c) que a
partir de esa década, esta cultura de rivalidad ha incorporado en for-
ma creciente elementos característicos de una cultura de amistad
(kantiana); y d) que este cambio cultural es producto de un proceso
en el que destacan tres factores: altas tasas diferenciales de crecimiento
entre la Argentina y el Brasil en beneficio de este último país
(inviabilidad de las estrategias de restricción del otro mediante el
mecanismo del equilibrio de poder); la democratización de ambos
países (mayor convergencia trasnacional de valores definidos en cla-
ve democrática); y la mayor interdependencia económica (mayores
intereses comunes). Estos tres factores han favorecido el desarrollo
de conductas e intereses que trascienden la cultura de rivalidad así
como la emergencia de una incipiente estructura social de amistad en
la que se aprecian signos de identificación positiva con el otro y en la
que se cumple la regla de la no violencia (las disputas entre los dos
países serán resueltas sin guerra o amenaza de guerra). Sin embargo,
esta nueva cultura es frágil por dos motivos principales: 1) el grado
de internalización de sus normas es bajo, dado que la amistad es más
una estrategia interesada para obtener beneficios individuales que una
identificación legítima con los intereses y necesidades del otro; y 2)
que los dos países todavía no observan la regla de la mutua ayuda
(actuar como un equipo si la seguridad de uno de ellos es amenazada
por un tercero)10 .
Con fines metodológicos, hemos dividido el estudio en tres
etapas que corresponden gruesamente a tres modelos de inserción
internacional seguidos históricamente por la Argentina: I) el de la
relación especial con Gran Bretaña que se extiende desde fines del
siglo XIX hasta los años 30 del siglo XX; II) el paradigma “globalista”
que comienza a mediados de los cuarenta y llega hasta el fin de la
Guerra Fría11 ; y III) la estrategia de “aquiescencia pragmática” inicia-

9
Las normas de una cultura se “internalizan” en distintos grados. A más bajo grado de
internalización, más probabilidades de que esa cultura pueda modificarse. Véase, Alexander
Wendt, op. cit., p. 250.
10
La cultura de la amistad requiere que los estados cumplan tanto la regla de la no violencia como
la de la mutua ayuda. Ver, Alexander Wendt, op. cit., p. 298/9.

373

brasil-argentinaFIM.pmd 373 5/2/2004, 11:03


da a principios de los noventa y que, con diferentes gradaciones, ha
orientado la política exterior del país hasta el presente12 .
A cada una de estas etapas corresponden distintas visiones del
Brasil que se correlacionan con seis variables principales: los incenti-
vos del sistema político internacional y de la economía mundial, el pa-
pel de los Estados Unidos en la relación con el “otro”, los cambios en
la distribución de los atributos de poder relativo de la Argentina y el
Brasil, las intenciones percibidas del Brasil en materia de política exte-
rior, la estrategia de desarrollo nacional promovida por las distintas
fuerzas sociales que detentaron el poder en la Argentina y la evolución
de su política interna.
Durante los dos primeros períodos hubo una visión dominante
que fue acompañada por otras visiones del “otro” opuestas o, al me-
nos, diferentes que operaron como una perspectiva secundaria, más o
menos influyente según la naturaleza crítica de alguna coyuntura espe-
cífica. En la primera etapa, el Brasil fue visto con indiferencia desde el
punto de vista económico, como un país inferior desde el cultural y
como un rival por la supremacía sub-regional desde el político. En los
años de vigencia del paradigma globalista, el Brasil fue considerado
fundamentalmente como un rival, al menos hasta fines de la década del
setenta y principios de los ochenta. No obstante los acercamientos inter-
mitentes, el signo de la relación bilateral fue el de la competencia.
A medida que la Argentina fue perdiendo poder respecto del Brasil, se
11
Este paradigma se ordenó a partir de las siguiente premisas: a) el no alineamiento con los
Estados Unidos que nunca implicó equidistancia entre los bloques; b) el alto perfil en los foros
internacionales en defensa de la paz, el desarme y la distensión Este-Oeste; c) el rechazo a
organismos y regímenes internacionales que procuran congelar la distribución del poder mundi-
al, particularmente en materia de desarrollo de tecnologías sensibles; d) la oposición al
establecimiento de organismos supranacionales que coarten la autonomía y el desarrollo argen-
tinos; e) el impulso a la integración latinoamericana, aunque desde una perspectiva gradualista y
asentada en el reconocimiento de la gran diversidad de situaciones económicas nacionales; f) la
ejecución de una estrategia de desarrollo orientada a la sustitución de importaciones a nivel
nacional y regional como vía principal para superar las vulnerabilidades del modelo tradicional
basado en las exportaciones primarias; g) la introducción de reformas en el sistema económico y
financiero internacional que contemplen los intereses de los países en desarrollo; y h) la
diversificación de los socios comerciales externos sin barreras ideológicas.
12
Para Mann este tipo de comportamiento se da cuando el individuo se conforma porque no
percibe otra alternativa realista. Michael Mann, “The Social Cohesion of Liberal Democracy”,
en Amercian Sociological Review, Vol. 35, Junio 1970, p. 423-439.

374

brasil-argentinaFIM.pmd 374 5/2/2004, 11:03


comenzó a temer que el destino del país fuese tan solo el de un “socio
menor” de Brasilia, una idea que se acompañó, a diferencia de la etapa
anterior, por un sentimiento creciente de inferioridad. El inicio del
proceso de democratización ayudó a desplazar esta visión de rivalidad
por la de socio, aunque las preocupaciones por restringir poder, tanto
en términos políticos como económicos, continuaron presentes. Es
interesante destacar que en los años de quiebre de los dos primeros
modelos se acentuó el debate sobre el lugar de las alianzas exteriores
del país; en ambos casos ganaron importancia las visiones, no
necesariamente coincidentes, del Brasil como un socio indispensable
de la Argentina13 .
A partir de los años noventa, puede distinguirse una visión do-
minante en medios gubernamentales que sitúa a la relación con el Bra-
sil en un lugar subordinado a la relación “especial” con los Estados
Unidos y en un plano preferentemente económico/comercial. Más aún,
este vínculo con Washington fue concebido como una estrategia de
restricción de ciertos objetivos de la política exterior del Brasil que fue
considerada en su conjunto como anacrónica. Simultáneamente, también
cobró fuerza una visión secundaria que le otorgó al vínculo con el Bra-
sil un valor político crucial no sólo para el desarrollo nacional, sino
también para limitar un alineamiento estrecho con Washington. Esta
perspectiva ha sido sustentada a lo largo de un amplio abanico que
incluye, entre otros, a sectores importantes de los partidos tradicionales
(justicialismo y radicalismo) y diversas agrupaciones de centro-izquierda.

13
La imagen del “otro” se vincula a la imagen propia. En este caso, siguiendo a Philippe Le
Prestre, lo crucial es observar el entrecruzamiento entre lo que el sistema internacional constriñe
y lo que facilita, por un lado, y lo que la identidad nacional impulsa y tolera, por el otro. Como
resulta natural un fuerte disenso sobre la identidad nacional dificulta la concreción de los
intereses nacionales; lo cual afecta la identificación del rol de un país en el mundo y,
consecuentemente, la práctica de su política exterior. Véase, Philippe G. Le Prestre, “Autor!
Autor! Defining Foreign Policy Roles after the Cold War”, en Philippe G. Le Prestre (ed.), Role
Quests in the Post-Cold War Era: Foreign Policies in Transition, McGill-Queen’s University Press,
Montreal, 1997.

375

brasil-argentinaFIM.pmd 375 5/2/2004, 11:03


CUADRO 1: La “visión” del Brasil en la política exterior argentina

376

brasil-argentinaFIM.pmd 376 5/2/2004, 11:03


II. LA RELACIÓN ESPECIAL CON GRAN BRETAÑA Y LA VISIÓN DEL
BRASIL

Desde 1880 hasta 1930, la Argentina logró un nivel de


integración al sistema internacional que no volvería a repetirse. A par-
tir de 1860, pero especialmente en los ochenta, las clases dirigentes del
país construyeron un modelo de política exterior que siguió cuatro
orientaciones principales: el europeismo, la oposición a los Estados
Unidos, el pacifismo y el aislamiento de América Latina14 .
Esta última orientación fue una consecuencia directa de la
debilidad de los vínculos comerciales del país con la región y se concretó
en un rechazo sistemático al establecimiento de esfuerzos asociativos
permanentes. La indiferencia económica hacia América Latina incluyó
ciertamente al Brasil; país que, por su parte, adoptó una posición simi-
lar frente a la Argentina. La baja densidad de la relación económica
tuvo su correlato en los campos de la cultura y las ideas. Hacia fines del
siglo XIX, García Merou señalaba en su obra El Brasil intelectual que de
todas las expresiones intelectuales sudamericanas, “ninguna es tan poco
conocida entre nosotros como la del Brasil”15 . Por su parte, Victor Raúl
Haya de la Torre opinaba que: “La Reforma Universitaria, que extendió
sus fecundas rebeldías a toda Sud América, y llegó hasta Cuba, no
conmovió al Brasil. El movimiento antiimperialista y unionista que parte
de la Argentina y repercute en (...) Uruguay, Chile, Perú y Colombia, no
alcanzó resonancia en el Brasil. Por mucho tiempo nos hemos sentido
extraños y alejados”16
Al mismo tiempo, el vertiginoso crecimiento de la Argentina
durante los años de apogeo del modelo de la relación especial con Gran
Bretaña dio lugar al surgimiento de un sentimiento de superioridad del
país respecto del resto de la región. En su registro de impresiones sobre
14
Ver, Gustavo Ferrari, Esquema de la Política Exterior Argentina, Eudeba, Buenos Aires, 1981,
capítulo 1 y Juan Carlos Puig, «La política exterior argentina y sus tendencias profundas», en
Revista Argentina de Relaciones Internacionales, no 1, 1975.
15
Martín García Merou citado en Liborio Justo, Argentina y Brasil en la integración continental,
Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1983, p. 9.
16
Víctor Haya de la Torre, en Ibid., p. 34-35.

377

brasil-argentinaFIM.pmd 377 5/2/2004, 11:03


la Argentina, Oliveira Lima escribía a fines de la década de 1910: “No
descubrí en la Argentina rastro de la animosidad que algunos en el Bra-
sil juzgan una característica de ella. Al contrario, parecióme que
predominaba cierta indiferencia elegante, hija tal vez del sentimiento
de superioridad, inspirado por la magnitud de sus fuentes de riqueza y
por la seguridad de su porvenir fecundo”17 .
Para muchos argentinos de la elite la superioridad del país
también se expresaba en el plano racial. Para José Ingenieros, por
ejemplo, la superioridad racial argentina debía conducir al país a
aventajar a sus rivales de la región (el Brasil y Chile) y, además, justificaba
el establecimiento de una hegemonía argentina en toda Sudamérica18 .
Desde una óptica similar, Luis Tamini, uno de los autores nacionalistas
más importantes de ese período, llegó a sostener que “la fe en el porvenir
del argentino, su tendencia incoercible a expandirse, su confianza en el
trabajo, no las posee el brasileño, y como el hombre es ante todo una
fuerza moral, el argentino vale más que el brasileño y lo ha probado ya
en la paz y en la guerra”19 .
La animosidad hacia el Brasil que Oliveira Lima no advirtió en
su visita al país se manifestó sobre todo a partir de fines del siglo XIX
y principios del XX por parte de sectores de la clase dirigente argentina
que habían hecho suyos los supuestos de la teoría realista en materia de
relaciones internacionales entonces en boga en Europa y en menor me-
dida en los Estados Unidos. Por cierto, la indiferencia económica y el
aislamiento cultural no tuvieron su equivalente en el plano de la políti-
ca exterior. La visión del Brasil como rival geopolítico y como amenaza
fue compartida por la mayoría de la dirigencia argentina desde los
orígenes mismos del país. Esta visión del Brasil se nutrió más del temor
a la “expansión territorial” brasileña y al desequilibrio de poder que de
los conflictos territoriales que enfrentaron a los dos países durante los
años de consolidación de sus respectivos estados nacionales. En los
hechos, la rivalidad bilateral se manifestó a partir de la Guerra de la
17
Manuel de Oliveira Lima, en Ibid., p. 37.
18
Citado en Andrés Cisneros y Carlos Escudé (ed.), Historia general de las relaciones exteriores de la
República Argentina, Tomo VII, CARI/GEL, Buenos Aires, 1999, p. 136.
19
Luis Tamini, “Corta memoria sobre los medios de llegar pacíficamente a la reconstrucción del
Virreinato”, Revista de Derecho, Historia y Letras, Tomo XXXIII, 1909, p. 517.

378

brasil-argentinaFIM.pmd 378 5/2/2004, 11:03


Triple Alianza en la búsqueda de aliados en los países del Cono Sur
para atraerlos a una esfera de influencia propia y en el desarrollo de una
carrera armamentista. El logro de la supremacía regional y el aislamiento
del otro fueron los dos principales objetivos de las políticas exteriores
de ambos países hacia la sub-región.
Dos de las principales figuras de esa etapa, Juan Bautista Alberdi
y Domingo Faustino Sarmiento procuraron diferenciar claramente a la
Argentina del Brasil. El autor de las Bases, por ejemplo, consideraba
que su “propensión histórica y tradicional a extender sus límites hasta
el Plata y sus afluentes” convertía al Brasil en un foco de amenaza a las
naciones hispanoamericanas20.
La visión del Brasil como rival tuvo su apogeo en la primera
década del siglo XX debido a dos motivos principales: la sanción de la
Ley de armamentos navales del Brasil (1904) y el desplazamiento del
eje de sus relaciones especiales desde Londres a Washington21 . Este
cambio de orientación política y económica en la inserción internacio-
nal del país vecino fue percibido por la elite brasileña como el más
funcional a los intereses del Brasil en esos años. Los Estados Unidos se
constituyó en su principal mercado y, al mismo tiempo, en su primer
proveedor y financista. Secundariamente, la búsqueda de una “relación
especial” con los Estados Unidos apuntó a neutralizar el poderío militar
argentino y las amenazas al Brasil que pudieran surgir de una coalición
sub-regional liderada por la Argentina. En suma, la lógica del equilibrio
de poder en el Cono Sur fue uno de los factores principales que llevaron
al Baron do Rio Branco a estrechar las relaciones con Washington. Esta
política fue así percibida en Buenos Aires; más aún, muchos dirigentes la
vieron como el primer intento de reparto de influencias en el hemisferio.
La lógica del equilibrio sub-regional también prevaleció en la
mayor parte de los acercamientos bilaterales producidos en esa época.
Durante la primera y segunda presidencias de Roca, la Argentina e
aproximó al Brasil con el objeto de evitar un segundo frente de conflicto
20
Juan Bautista Alberdi, El Brasil ante la democracia de América, Ediciones Ele, Buenos Aires,
1946, p. 57.
21
José Paradiso, Debates y trayectoria de la política exterior argentina, Grupo Editor Latinoamericano,
Buenos Aires, 1993, p. 40.

379

brasil-argentinaFIM.pmd 379 5/2/2004, 11:03


en el Cono Sur y de poner freno a un posible cerco geopolítico, que
podría surgir de una eventual alianza Santiago-Rio22 .
El propio ABC, generalmente citado como uno de los primeros
esfuerzos de cooperación política entre la Argentina, el Brasil y Chile,
fue una especie de pequeño concierto a la europea sustentado en la
lógica del equilibrio de poder en un contexto en el que se
“panamericanizan” las relaciones internacionales en el hemisferio23 . Así,
comienza a gestarse un mecanismo de vinculación complementaria en
el que la relación argentino-brasileña es percibida como un instrumen-
to para contrapesar una relación estrecha con los Estados Unidos con-
cebida en parte, a su vez, para equilibrar al “otro”. Mónica Hirst y
Roberto Russell explican de este modo el funcionamiento de este me-
canismo en esta etapa, cuando es el Brasil el país que tiene una “alianza
no escrita” con los Estados Unidos: “Ciertamente el Baron do Rio Bran-
co pensaba en el equilibrio de poder con la Argentina cuando propuso
la alianza con Estados Unidos, pero su interés en profundizar el ‘pacto
ABC’ reflejó también su deseo de consolidar un esquema diplomático
complementario destinado a balancear la relación con Washington”24 .
Del lado argentino, la visión cooperativa hacia el Brasil de las
dos primeras décadas del siglo XX reunió componentes que luego darían
sustento a los proyectos de corte autonomista propios del paradigma
globalista (convergencia de intereses, complementación económica, con-
trapeso del poder de los Estados Unidos), pero todavía en el marco de
una política pro-europea que fue adquiriendo un carácter cada vez más
defensivo frente al avance de los Estados Unidos en América Latina.
Así, la Argentina buscó el acuerdo con el Brasil (el caso más notorio
fue el de Roque Sáenz Peña, quien pronunció la conocida frase “todo
nos une, nada nos separa” en su visita a Río de Janeiro en agosto de
1910) con un doble propósito: estrechar los vínculos económicos
22
Andrés Cisneros y Carlos Escudé, op. cit., Tomo VII, p. 117.
23
El ABC buscaba evitar los enfrentamientos entre los tres países frente al peligro de la intervención
de las grandes potencias. Así, la Argentina, el Brasil y Chile se unen para dar respuesta a una
corriente intervencionista mundial y para defender el orden “progresista” frente a una América
Latina en cambio violento simbolizado por la Revolución Mexicana. Ver, Javier Pérez, “El
A.B.C. una respuesta conservadora”, en Todo es historia, n° 211, Noviembre de 1984, p. 64.
24
Monica Hirst y Roberto Russell, Los cambios en el sistema político internacional y el Mercosur,
Fundación OSDE, Buenos Aires, 2001, p. 42.

380

brasil-argentinaFIM.pmd 380 5/2/2004, 11:03


bilaterales y formar un bloque sudamericano para oponerse al poder en
expansión de Washington25 .
La ampliación del sistema democrático argentino producida tras
el triunfo del Partido Radical en 1916 no fue acompañada de un cam-
bio significativo en la orientación de la política exterior hacia el Brasil;
la proclamada solidaridad latinoamericana del nuevo gobierno se redujo
en la práctica al fomento preferencial de los intereses y aspiraciones de
los países hispanoamericanos26 .

LA CRISIS DEL PARADIGMA DE LA RELACIÓN ESPECIAL

Las profundas transformaciones producidas en la política y en


la economía mundiales tras la Primera Guerra Mundial pusieron en jaque
al modelo agro-exportador para restarle progresivamente toda viabilidad.
Luego de 1930, los cambios en el sistema de comercio mundial le
asestaron el golpe de gracia y tornaron vanos los esfuerzos realizados
para recrear la antigua bilateralidad con Gran Bretaña.
El fin del modelo desató un debate sobre las alianzas que
deberían favorecerse (Europa-Estados Unidos o, más tibiamente, Amé-
rica Latina), el grado de apertura de la economía al comercio exterior,
el desarrollo del mercado interno y las estrategias de industrialización27 .
Quienes más se habían beneficiado del modelo durante casi medio siglo,
todavía pensaban en la década de 1940 que se podía “volver a la
normalidad”, una aspiración definitivamente sepultada durante el primer
gobierno de Perón.
Otras voces, todavía en franca minoría, postulaban una
vinculación estrecha con Washington considerada necesaria tanto por
razones políticas y de mercado como para sustentar el crecimiento de
las industrias “naturales”, es decir; las que elaboran materias primas

25
Según Camilión, “cuando esa frase se dijo, lo que unía a Brasil y a la Argentina era una
dependencia absoluta dentro del esquema clásico de la división internacional del trabajo”. Oscar
Camilión, “Relaciones argentino-brasileñas”, en Estrategia, n° 21, Marzo-Abril 1973, p. 48.
26
Lucio Moreno Quintana, La diplomacia de Irigoyen, Ediciones Inca, La Plata, 1928, p. 397.
27
Ver, José Paradiso, op. cit., cap. X.

381

brasil-argentinaFIM.pmd 381 5/2/2004, 11:03


locales de manera eficiente y, por ello, con capacidad de competir en
los mercados externos. Los partidarios de esta posición también
asignaban un lugar de importancia a América latina y en particular al
Brasil, debido a la necesidad de superar la estrechez del mercado inter-
no y de diversificar los externos.
Sin duda, la voz más representativa de esta visión fue la de
Federico Pinedo. Inspirado en las ideas ya desarrolladas, entre otros,
por Alejandro Bunge y por Ricardo Pillado durante la primera década
del siglo XX, Pinedo propuso una asociación íntima con el Brasil en
materia económica asentada no sólo en la complementariedad de ambas
economías sino también en una “cuantiosa y creciente producción fu-
tura” 28 . Para Pinedo esta asociación debería armonizarse “con los
intereses de las potencias o grupos de potencias con los cuales nuestros
pueblos tienen hoy y probablemente continuarán teniendo por un
tiempo, vinculaciones económicas más considerables que entre nosotros
mismos”29 . Estas ideas, que no cuajaron en su época, inducían a forjar
una alianza social y política interna mucho más amplia que la elite
gobernante no estuvo dispuesta a llevar a cabo30 .
En una vertiente más política y proponiendo otro tipo de alianzas
sociales, algunas voces expresaron la visión cooperativa desde un ángulo
distinto: el de la comunidad de origen y de la condición común del
subdesarrollo. Para estos autores, la rivalidad con el Brasil sólo servía
para hacerle el juego a los intereses externos e internos empeñados en
profundizar las diferencias en el mundo en desarrollo.
En contra de las visiones que enfatizaban la superioridad cultu-
ral y racial de la Argentina, esta visión se inspiró en trabajos realizados
a principios de siglo por escritores como Manuel Ugarte quien así opinaba
en su libro El Porvenir de América Latina: “Los sudamericanos de origen
portugués y los de origen español han pasado por idénticos trances, se
28
Federico Pinedo, La Argentina en la vorágine, Ediciones Mundo Forense, Buenos Aires, 1943, p.
112.
29
Ibid, p. 76.
30
Acerca de la incapacidad de las clases dirigentes tradicionales para recrear una nueva hegemonía
ver, Juan José Llach, “El Plan Pinedo de 1940, su significado histórico y los orígenes de la
economía política del peronismo”, en Desarrollo Económico, Vol. 23 no 92, Enero-Marzo 1984.

382

brasil-argentinaFIM.pmd 382 5/2/2004, 11:03


han modificado al influjo de una misma naturaleza virgen y han sufrido
la influencia de inmigraciones equivalentes. Las discrepancias iniciales,
lejos de agravarse, se atenúan. Además, iguales peligros, paralelas
esperanzas y un porvenir común empujan a las nuevas repúblicas en un
grupo estrecho por un camino único. El Brasil forma parte integrante
del haz hispanoamericano y su destino como nación es inseparable del
resto del Continente... Las querellas históricas y las diferenciaciones
secundarias desaparecen ante las vastas perspectivas y los problemas
vitales que se abren ante nosotros al comenzar el siglo”31 .
Durante los años 30 y principios de los 40, la Argentina y el
Brasil tuvieron un rol activo en la mediación de conflictos producidos
en América del Sur32 . Sin embargo, las diferencias diplomáticas que se
habían producido en el marco panamericano y durante la Primera Guerra
Mundial, con la Argentina neutral y el Brasil aliado a la Triple Entente,
se profundizaron en los años siguientes, particularmente durante la Se-
gunda Guerra Mundial. La preocupación por el equilibrio sub-regional
y la competencia por la influencia en los países vecinos seguía mode-
lando la visión del otro al tiempo que la Argentina acentuaba su
neutralidad y el Brasil consolidaba su alineamiento con los Estados
Unidos. Esto último dio lugar al surgimiento en la Argentina de una
nueva visión del Brasil, inscripta en la lógica de la rivalidad geopolítica,
como “país llave” de la acción futura norteamericana en el continente.
Según lo explica la dirección de una revista que tendría mucha influen-
cia en los años setenta en la configuración de las visiones del Brasil: “se
entiende por ‘país llave’ el que, dentro de una región determinada puede
servir de pivote a la política de poder de una gran potencia, la cual le
otorga prioridad en sus programas de ayuda y asistencia económica,
militar, etc.”33
Simultáneamente, vertientes del nacionalismo de inspiración ca-
tólica y tradicionalista seguían enfatizando la rivalidad con el Brasil
por el dominio de América del Sur. En uno de sus manifiestos el G.O.U.
31
Manuel Ugarte, El porvenir de América Latina, Editorial Indoamérica, Buenos Aires, 1953, p.
25.
32
Bolivia y Paraguay (1932-1935), Perú y Colombia (1933-1934) y Perú y Ecuador (1941).
33
Ver, Dirección de Estrategia, “Relaciones argentino-brasileñas”, en Estrategia, n° 5, Enero-
Febrero 1970, p. 49.

383

brasil-argentinaFIM.pmd 383 5/2/2004, 11:03


sostenía: “En Sudamérica existen sólo dos naciones lo suficientemente
grandes y fuertes como para hacerse cargo de la hegemonía: la Argenti-
na y el Brasil. Es nuestra misión hacer que la hegemonía de la Argenti-
na sea, no sólo posible, sino indispensable. Las alianzas serán nuestro
próximo paso. Paraguay ya está con nosotros. Conseguiremos a Bolivia
y Chile. Juntos y unidos con estos países, nos será fácil ejercer presión
sobre el Uruguay. Estas cinco naciones pueden atraer fácilmente al
Brasil, debido a su tipo de gobierno y a sus importantes grupos de
alemanes. Una vez que el Brasil haya caído, el continente sudamericano
será nuestro”34 .

III. EL PARADIGMA GLOBALISTA. MÁS ÉNFASIS EN LA COMPETENCIA


QUE EN LA COOPERACIÓN

A partir del fin de la Segunda Guerra Mundial, las circunstancias


mundiales y de la Argentina fueron dando forma a un nuevo paradigma
de la política exterior que desplazó al de la relación especial con Gran
Bretaña para convertirse en el principal cuadro de referencia de la acción
internacional del país. Este paradigma, que denominamos “globalista”35 ,
respondió a una nueva realidad externa e interna signada por las polari-
dades Este-Oeste y Norte-Sur y por la necesidad del país de poner en
marcha una nueva estrategia de desarrollo que abrazó, con más o con
menos y hasta mediados de los setenta, el sistema de creencias de cuño
nacionalista-desarrollista en boga durante esos años en América Latina36.
Hacia afuera, el paradigma globalista exigió la puesta en práctica de
una diplomacia más sofisticada que la requerida por el de la relación espe-
cial con Gran Bretaña. Hacia adentro, procuró responder a las demandas
crecientes de un país mucho más complejo que el de los años de apogeo
34
Edwin Liewen, Armas y política en América Latina, Editorial Sur, Buenos Aires, 1960, p. 92.
35
Del mismo modo, Soares de Lima denominó al paradigma de política exterior que orientó la
política exterior del Brasil desde fines de los ‘50 y principios de los ‘60 hasta la década del ‘90.
Ver, María Regina Soares de Lima, “Ejes analíticos y conflicto de paradigmas en la política
exterior brasileña», en America Latina/Internacional, Nueva Época, Vol. 1 no. 2, 1994.
36
Durante los años del denominado Proceso de Reorganización Nacional (1976-1983), la puesta
en marcha de una nueva política económica orientada hacia afuera no derivó en una revisión
profunda de la acción internacional del país, que siguió en líneas gruesas las premisas del paradigma
globalista, si bien a los tumbos y con muchas diferencias dentro del grupo gobernante.

384

brasil-argentinaFIM.pmd 384 5/2/2004, 11:03


del modelo agro-exportador. A pesar de que sus premisas fueron com-
partidas por la mayoría de las fuerzas políticas y económicas, de los
militares y de la sociedad argentina, nunca pudo plasmarse con la
facilidad ni los niveles de consenso que alcanzó el paradigma de
inserción internacional de la Argentina “próspera”.
A derecha e izquierda del espectro político, fue acosado por
quienes favorecieron otros dos paradigmas alternativos: el de la relación
de preferencia con una gran potencia, esta vez con los Estados Unidos,
y el paradigma secesionista que proponía, desde una vereda opuesta, el
antagonismo con Washington, la militancia activa con las causas políti-
cas y económicas del Tercer Mundo y un mayor acercamiento a la Unión
Soviética que, sin embargo, nunca significó el alineamiento de la Ar-
gentina con los objetivos estratégicos y políticos globales de Moscú37 .
En el eje Este-Oeste, la Argentina se definió como un país
occidental aunque todos los gobiernos, incluso aquellos que mostraron
una inequívoca voluntad de estrechar filas con los Estados Unidos,
procuraron mantener espacios de decisión propia frente a las deman-
das y presiones de Washington. La profundización de la dependencia
económica del país con respecto a los Estados Unidos desde fines de
los cuarenta atenuó en ocasiones este perfil autonomista, pero jamás lo
puso en la retaguardia. De todos modos, los gobiernos argentinos se
mostraron menos dispuestos a confrontar con los Estados Unidos que
en la etapa de predominio del paradigma de la relación especial con
Gran Bretaña, acaso más forzados por la necesidad que por convicción.
Más aún, el mayor acercamiento económico a los Estados Unidos fue
generalmente justificado desde un “nacionalismo de fines” y, en la
práctica, acompañado de políticas compensatorias hacia América Lati-
na, Europa Occidental y los países socialistas y de medidas dirigidas a
obstaculizar aspiraciones estadounidenses, particularmente en el pla-
no hemisférico.
Desde la Tercera Posición, el tercermundismo, el desarrollismo
37
El primer paradigma ocupó un espacio significativo en la orientación de la política exterior de
la Revolución Libertadora (1955-1958), del gobierno de José María Guido (1962-1963) y del
período de Leopoldo Fortunato Galtieri en la etapa pre-Malvinas (diciembre 1981-marzo 1982).
El segundo inspiró la acción efímera de los sectores del peronismo de izquierda que controlaron
la Cancillería durante el breve período de Héctor José Cámpora.

385

brasil-argentinaFIM.pmd 385 5/2/2004, 11:03


o el no alineamiento, la política exterior de la Argentina cuestionó, con
distinto énfasis según los momentos, las asimetrías del orden internaci-
onal y las políticas tendientes al statu quo e intervencionistas de las
grandes potencias. También propuso reformas al orden económico in-
ternacional con el objeto de reducir la sensibilidad y vulnerabilidad del
país al medio externo. En el ámbito de las relaciones Sur-Sur, la Argen-
tina dio prioridad a los vínculos horizontales con sus vecinos, aunque
no logró establecer un patrón de relaciones duradero capaz de vencer
antiguos recelos en el Cono Sur. Las políticas dirigidas a fortalecer la
cooperación regional para encarar con criterios comunes los temas
internacionales y los problemas del subdesarrollado fueron superadas
por los enfoques de política de poder que enfatizaban la competencia y
la lucha por la influencia en el ámbito sub-regional.
Ya con Perón, a fines de 1940 y principios de la década del 50, los
esfuerzos para construir un bloque económico sudamericano pusieron
de manifiesto esta situación ambigua. Acciones genuinas orientadas al
fortalecimiento de la autonomía regional mediante la constitución de
uniones aduaneras y otras formas de complementación económica fueron
acompañadas por una indudable ambición política de convertir a la Ar-
gentina y al movimiento peronista en el eje de este proyecto en un mo-
mento en que, además, el país no tenía las condiciones para enfrentar los
costos económicos propios de todo liderazgo internacional. En el balan-
ce final, la política latinoamericana del peronismo produjo más rechazos
que adhesiones y fue vista en los países vecinos más como un intento
expansionista que como un proyecto verdaderamente cooperativo.
La causa latinoamericana impulsada por Perón nunca logró en-
tusiasmar a los gobernantes brasileños que la vieron no sólo con
escepticismo y desconfianza sino como una amenaza a su relación es-
pecial con los Estados Unidos. Para Perón los principales obstáculos a
la política de cooperación con el Brasil se encontraban en la Cancillería
brasileña, que estimaba toda unión con la Argentina como un acto
inamistoso frente a los Estados Unidos, y en las fuerzas armadas
imbuidas de una doctrina estratégica que ponía el acento en la rivalidad
geopolítica con nuestro país 38 . En sus propias palabras: “Debe
38
Juan A. Lanús, De Chapultepec al Beagle. Política exterior argentina 1945-1980, Edición Emecé,
Buenos Aires, 1984, p. 297 y 298.

386

brasil-argentinaFIM.pmd 386 5/2/2004, 11:03


desmontarse todo el sistema de Itamaraty y deben desaparecer esas
excrecencias imperiales que constituyen más que ninguna otra razón
los principales obstáculos para que el Brasil entre a una unión verdadera
con la Argentina”39 .
Hacia fines de los cincuenta, visiones compartidas sobre la
realidad regional y mundial posibilitaron un acercamiento inédito entre
la Argentina y el Brasil. El paso más importante, dirigido a cambiar el
signo de la relación bilateral para pasar de la competencia por la influ-
encia sub-regional a la cooperación, fue la firma de los acuerdos de
Uruguayana el 22 de abril de 1961 por los presidentes Arturo Frondizi
y Janio Quadros, cuyo principal objetivo fue coordinar una acción in-
ternacional común frente a los grandes centros de poder mundial como
así también en distintos foros internacionales. El propósito de los dos
presidentes era el de extender este “espíritu de Uruguayana” a otros
países del Cono Sur, en especial a Chile.
A pesar de su indudable importancia, la aproximación argentina
al Brasil se circunscribió a la concertación política debido al temor de
Frondizi a que la integración económica con ese país pudiera, sin antes
consolidar la integración nacional de la Argentina, generar una nueva
división internacional del trabajo que reservara a este país el rol de
proveedora de bienes primarios. La inquietud del líder desarrollista se
fundaba en las ventajas que el Brasil ya había sacado a la Argentina en
el sector industrial desde mediados de los cincuenta. Estos esfuerzos
cooperativos quedaron truncos por la situación política interna en los
dos países.
Durante el breve gobierno de Arturo Illia (1963-1966) no hubo
espacio para una vinculación selectiva con el Brasil como la propuesta
por el desarrollismo frondizista. El nuevo presidente, fiel a la tradición
yrigoyenista de oposición a la formación de bloques parciales en Amé-
rica Latina, propugnó una política de tipo “latinoamericanista” que no
fue mucho más allá, en el plano bilateral, de la mera enumeración de
coincidencias y de buenas intenciones40 .
39
Párrafo de la disertación del presidente Juan D. Perón en la Escuela Nacional de Guerra, 11 de
noviembre de 1953, citado en Ibid, p. 288.
40
Andrés Cisneros y Carlos Escudé, op. cit., Tomo XIII, p. 446.

387

brasil-argentinaFIM.pmd 387 5/2/2004, 11:03


La agenda de política exterior de la Revolución Argentina (1966-
1973) hacia la región fue dominada por una creciente preocupación
sobre la marcha ascendente del Brasil, que se reflejaba en el incremen-
to de su gravitación política y económica en América del Sur. El temor
al “expansionismo brasileño” y al aislamiento en la Cuenca del Plata
impulsó a los gobiernos argentinos durante la década del setenta a pro-
curar un acercamiento hacia el Pacífico desde una matriz geopolítica
que compartieron civiles y militares.
La relación con el país vecino se definió en clave de rivalidad
desde dos vertientes: la geopolítica, que ponía el acento en el
desequilibrio del poder entre ambos países con una indisimulada envidia
por los resultados del “milagro brasileño”; y la teoría de la dependencia,
que destacaba el peligro del “subimperialismo brasileño” en la Cuenca
del Plata y el papel del Brasil, a partir de una alianza privilegiada con
Washington, de gendarme de los Estados Unidos en la sub-región41 .
Los éxitos brasileños fueron vistos como la consecuencia natu-
ral de una acción política metódica, perseverante y eficaz ejecutada
por un Estado que había logrado definir con precisión los intereses
nacionales. Esta situación se contrastaba con la del propio país, sin
rumbo claro y marcado por una profunda inestabilidad política. En el
plano específico de la política exterior, se destacaba la creatividad y
empuje de Itamaraty frente al inmovilismo y la ineficiencia de la diplo-
macia argentina.
En este contexto creció una vasta literatura geopolítica que
destacó los riesgos para el país que emanaban del creciente desequilibrio

41
El tema principal que dividió a los dos países fue el de la utilización del potencial energético
de los ríos de uso compartido - más específicamente, la disputa sobre la central hidroeléctrica
que terminaría construyéndose en Itaipú - y dio lugar a un áspero enfrentamiento que trascendió
el plano bilateral. Más aún, el tercer gobierno peronista (1973-1976) decidió el ingreso de la
Argentina al Movimiento No Alineados en septiembre de 1973 y los militares que condujeron el
Proceso se quedaron en ese foro, entre otras razones de importancia (además de la búsqueda de
apoyo a la cuestión Malvinas) por considerar que ofrecía un ámbito importante para defender la
tesis argentina sustentada en la necesidad de acudir a la “consulta previa” entre países que
comparten un río de curso sucesivo con el objeto de evitar perjuicios a los de aguas abajo. Por su
parte, el Brasil consideraba que la Argentina utilizaba su posición como un pretexto para impedir
la realización de obras hidroeléctricas que eran vitales para su desarrollo económico y puso en
práctica una política de hechos consumados.

388

brasil-argentinaFIM.pmd 388 5/2/2004, 11:03


de poder con el Brasil. Esta literatura reflejó dos visiones distintas: Por
un lado, se puso el acento en la rivalidad y el conflicto, recreando la
antigua competencia geopolítica. Temas tales como la cuestión de las
“fronteras vivas”, el innato impulso brasileño para expandir el espacio
geoeconómico y la necesidad de desarrollar “operaciones de
contracerco” para aislar al Brasil y aumentar la influencia argentina en
los países vecinos aparecen permanente en estos escritos42 .
Por otro lado, una segunda visión enfatizó la necesidad común
de superar “definitivamente el subdesarrollo” como la principal variable
para definir “las respectivas políticas nacionales y la consecuente
relación bilateral entre los dos países”43 . Desde este punto de vista,
“queda claro que la cooperación, en particular frente a los factores ex-
ternos, puede redituar muchas más ventajas que la disputa, la prevención
o simplemente las trabas a los requerimientos del otro”44 . Así, se
prescribe la conveniencia de consolidar un área de poder en el Cono
Sur que multiplique la capacidad negociadora de ambos países y lleva a
cabo acciones comunes ante los organismos económicos y financieros
internacionales. Para esta literatura, la alianza propuesta no apuntaba
tan sólo a enfrentar amenazas y problemas comunes sino que también
procuraba funcionar como un pacto de restricción del poder brasileño
en una circunstancia de creciente disparidad45 .
Fuera de la matriz geopolítica, se publicaron en esta misma
época trabajos más elaborados basados en una visión cooperativa.
Estos escritos pusieron el acento en la semejanza de las situaciones
nacionales, derivadas de la geografía y de experiencias históricas com-

42
Ver, por ejemplo, Nicolás Boscovich, “Análisis comparativo: Argentina y Brasil en el espacio
geoeconómico del ‘Cono Sur’”, en Estrategia, N° 31/2, Noviembre-Diciembre 1974/ Enero-
Febrero 1975 y Florencio Díaz Loza, “Geopolítica del Brasil”, en Estrategia, n° 29, Julio-Agosto
1974.
43
Dirección de Estrategia, op. cit., p. 52.
44
Ibid, p. 52.
45
Acerca del papel de las alianzas para restringir a los socios ver, Paul W. Schroeder, “Alliances,
1815-1945: Weapons of Power and Tools of Management”, en Klaus Knorr (ed.) Historical
Dimensions of National Security Problems, University Press of Kansas, Lawrence, 1975; George
Liska, Nations in Alliance: The Limits of Interdependence, The Johns Hopkins University Press,
Baltimore, 1967 y George Liska, Alliances and the Third World, The Johns Hopkins University
Press, Baltimore, 1968.

389

brasil-argentinaFIM.pmd 389 5/2/2004, 11:03


partidas, y en perspectivas comunes sobre la posición y el papel de los
dos países en el escenario internacional. Para autores como Celso Lafer
y Félix Peña, esta perspectiva común podía ser “la base de una
identificación de políticas exteriores” y el fundamento para realizar
esfuerzos conjuntos en el plano internacional46 .
Por su parte, desde la teoría de la dependencia el Brasil fue visto
como un “contramodelo”, como un país que parecía sentirse cómodo
en su situación de subordinación a los Estados Unidos47 . Esta visión
fue duramente cuestionada por los desarrollistas argentinos48 . Vale la
pena incluir aquí un párrafo extenso de un artículo de Oscar Camilión
escrito en mayo de 1973 que sintetiza los aspectos que sustentaban
esta visión alternativa: “Debe tenerse presente, por otra parte, que
aunque sea cierto que el Brasil haya fortalecido hoy sus vínculos
tradicionales con Estados Unidos y aunque nadie pueda negar la
contradicción que existe entre algunos objetivos perseguidos en el Bra-
sil por las grandes corporaciones y el interés nacional brasileño a largo
plazo, esos son aspectos parciales de un cuadro total. Ese cuadro debe
registrar el indudable aumento del potencial del Brasil y los significati-
vos progresos de todo orden operados en los últimos años. Tales
progresos, sólo posibles con el ‘modelo’ brasileño en un país como el
Brasil, tienen también un potencial liberador a largo plazo nada
desdeñable. La imagen simplificadora que considera a los generales
brasileños como meros delegados de un poder exterior es una mala
caricatura. Dicho sea de paso, un sector decisivo de los problemas reales
de carácter bilateral que enfrentan hoy al Brasil y a la Argentina resulta
del ritmo con que nuestros vecinos promueven su política nacional de
desarrollo económico”49 .
Luego de muchas idas y venidas, las diferencias con el Brasil
por la cuestión de las represas hidroeléctricas se destrabaron con la
firma del Acuerdo Tripartito sobre Corpus-Itaipú del 19 de octubre de
1979 entre la Argentina, el Brasil y el Paraguay, que abrió interesantes
46
Celso Lafer y Félix Peña, Argentina e Brasil no sistema das relacoes internacionais, Livraria Duas
Cidades, Sao Paulo, 1973, p. 29.
47
José Paradiso, op. cit., p. 163.
48
Ibid, p. 162-164.
49
Oscar Camilión, op. cit., p. 45.

390

brasil-argentinaFIM.pmd 390 5/2/2004, 11:03


perspectivas para avanzar en el terreno de la cooperación. Poco después
la Argentina y el Brasil firmaron en Buenos Aires el 17 de mayo de
1980 un acuerdo de cooperación para el desarrollo y la aplicación de
los usos pacíficos de la energía nuclear. Para esa época, el Brasil ya
había dejado de ser la hipótesis de conflicto prioritaria para el
pensamiento estratégico militar argentino. “Tanto el despliegue militar
respecto a Chile adoptado a fines de 1978, como el desarrollado con
motivo de la Guerra de Malvinas, se realizan descartando la posibilidad
de que el Brasil tuviera algún tipo de participación hostil hacia la Ar-
gentina”50 .
La inclusión de la democracia como un aspecto de la política exte-
rior abrió un nuevo capítulo en la inserción internacional de la Argentina y
en la relación con el Brasil a partir del gobierno de Raúl Alfonsín (1983-
1989). El gobierno radical asumió que la Argentina debía desempeñar un
papel activo en la cuestión Norte-Sur dada la pertenencia «estructural» del
país al mundo en vías de desarrollo. América Latina en general y los países
vecinos en particular, fueron el escenario donde se pusieron en práctica
iniciativas y políticas de cooperación, integración y concertación.
Indudablemente, el ejemplo más claro de esta política de
aproximación a la región fue el proceso de integración con el Brasil
iniciado a mediados de la década del ochenta que encontró en la
simultaneidad de la transición democrática de ambos países la causa de
su mayor impulso. De esta manera, se profundizó la tendencia hacia el
acercamiento bilateral iniciada en 1979 y que se afianzó, con una serie
de pasos importantes, entre los que cabe mencionar, las gestiones di-
plomáticas del Brasil en favor de los derechos argentinos sobre Malvinas
y la coordinación de posiciones en foros tales como la Asamblea Gene-
ral de Naciones Unidas, la UNCTAD y el GATT51 . Del mismo modo,
la crisis de la deuda, el proteccionismo comercial del mundo industria-
lizado, la necesidad de preservar la región del conflicto Este-Oeste
operaron como elementos aglutinantes, rescatando (en especial, del lado
argentino) la imagen de la capacidad de “arrastre” en términos de la
50
Rosendo Fraga, “Una visión política del Mercosur”, en Jorge Campbell (ed.), Mercosur entre la
realidad y la utopía, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1999 , p. 272.
51
El Brasil se solidarizó con la Argentina durante la Guerra de Malvinas, aunque no estuvo de
acuerdo con la acción armada.

391

brasil-argentinaFIM.pmd 391 5/2/2004, 11:03


autonomía individual y colectiva del entendimiento previo y solidario
de la Argentina y el Brasil.
En esta última fase del paradigma globalista, la visión coopera-
tiva del Brasil se convierte claramente en la predominante. De la
competencia se pasa gradualmente a la construcción de una sociedad,
a la que se concibe como un proyecto de carácter estratégico para con-
solidar el proceso democrático en ambos países, resguardar la soberanía
nacional, impulsar el desarrollo argentino en complementaridad con el
del Brasil y reunir masa crítica para ampliar la capacidad de negociación
internacional.

IV. EL PARADIGMA DE LA “AQUIESCENCIA PRAGMÁTICA”

Cuando Carlos Saúl Menem asumió la presidencia de la Argen-


tina en julio de 1989, el mundo y el país vivían circunstancias muy
distintas a las que habían caracterizado la primera etapa de la transición
a la democracia conducida por Raúl Alfonsín.
En el orden externo, la Guerra Fría se desvanecía, la globalización
económica se extendía y profundizaba, el proceso de democratización,
en distintas fases, comprendía a todo el Cono Sur, la crisis de América
Central se había aplacado, y en buena medida solucionado, y la cuestión
de la deuda externa estaba encuadrada en un marco de negociación
provisto por los gobiernos de los países acreedores y los organismos
multilaterales de crédito. En el plano interno, la crisis hiperinflacionaria
de 1989 produjo el fin anticipado del gobierno de Alfonsín, los recla-
mos propios de los primeros años de la recuperación democrática-la
defensa de los derechos humanos y la vigencia de las libertades públi-
cas – habían pasado a un segundo lugar y las principales demandas
sociales se moldeaban al calor de la crisis económica.
En este contexto, el gobierno de Menem definió el interés naci-
onal en términos de desarrollo económico, algo que fue mucho más
que una mera adecuación al fin de la Guerra Fría o la globalización
creciente de la economía. Estos procesos han afectado a América La-
tina más o menos por igual y llevado a la mayoría de los países de la
región a definir sus políticas exteriores en clave económico-comercial.

392

brasil-argentinaFIM.pmd 392 5/2/2004, 11:03


Sin embargo, en el caso de la Argentina hubo tres variables específicas
que influyeron de manera importante en el rumbo adoptado. Primero,
la firme percepción del gobierno de Menem de que era necesario poner
fin a la oposición tradicional a Estados Unidos. La confrontación de
naturaleza política con este país fue considerada una estrategia inútil,
además de un indudable escollo para alcanzar los objetivos económicos
propuestos52 .
Segundo, el escaso o nulo poder de los militares para influir en
temas de política exterior (a diferencia de lo que sucedía en países como
el Brasil o Chile) como consecuencia de su fracaso en la gestión del
gobierno y de la derrota de Malvinas. Ambas desataron una transición a
la democracia por colapso que posibilitó subordinar, en forma creciente,
las fuerzas armadas al poder civil. Y tercero, la creencia del gobierno
de Menem – compartida por vastos sectores sociales – de que la
construcción de una estrecha alianza política y económica con los países
occidentales era una condición necesaria de la inserción exitosa de la
Argentina en el orden mundial de la posguerra fría53 . En forma persistente,
se sostuvo que esta orientación de la política exterior era la que correspondía
naturalmente a un país como la Argentina. Apelamos a palabras de Di
Tella: “Lo que se ha hecho desde 1989 hasta ahora fue devolver al país a su
posicionamiento normal, a las alianzas que le corresponden tanto por su
historia como por vocación e interés. Esto significa cooperación con los
52
El discurso oficial, criticó expresamente al «confrontacionismo inútil» del gobierno de Alfonsín,
aunque se reconoció que este tipo de actitudes había caracterizado a todos lo gobiernos argen-
tinos en el pasado, incluidos, desde luego, los peronistas.
53
Según un estudio de principios de los noventa acerca de la política exterior argentina y la
opinión pública realizado por Mora y Araujo, Di Rado y Montoya, “los argentinos hemos
experimentado un cambio en la manera de pensar respecto de aquellos países con los que nos
gustaría estrechar lazos de unión. Las preferencias del público en 1985 se orientaban claramente
hacia los países de América Latina, seguidas por el grupo de países desarrollados de Occidente
(Estados Unidos, Japón y Europa Occidental). En 1987 la situación se invierte y este grupo de
países pasa a ocupar el primer lugar en las preferencias, seguido por América Latina. Desde ese
momento y de manera progresiva la opiniones a favor de Estados Unidos, Japón y Europa
Occidental fueron cada vez más favorables en detrimento de las adhesiones hacia el conjunto de
países latinoamericanos. En la actualidad (1992) estrechar vínculos prioritarios con los países
del ‘primer mundo’ es preferido por el 70% de la población, mientras el 15% prefiere América
Latina...Dentro de este bloque de países del ‘primer mundo’, Estados Unidos es el que genera
mayor grado de adhesión (45%)”. Manuel Mora y Araujo, Graciela Di Rado y Paula Montoya,
“La política exterior y la opinión pública argentina”, en Roberto Russell (ed.), La política exterior
argentina en el nuevo orden mundial, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1992, p. 239.

393

brasil-argentinaFIM.pmd 393 5/2/2004, 11:03


países de la región y firme ubicación en Occidente, compartiendo los valores
democráticos, el respeto a los derechos humanos, la economía de mercado
y el comercio libre y abierto”54 .
Las prioridades económicas también determinaron la definición
de un primer círculo de países a los que se otorgó preferencia: los Esta-
dos Unidos, los países miembros de la Unión Europea y los que conforman
el Mercosur, más Chile y Bolivia. De este modo, el alto perfil en otras
áreas del mundo, como la participación en la Guerra del Golfo y en la
crisis de Haití, se explica por razones que tuvieron que ver con el diseño
de políticas dirigidas a los países del círculo preferido, en especial a los
Estados Unidos. En breve, el gobierno de Menem se propuso recuperar
posiciones perdidas en el sistema internacional y una identidad, que en
su percepción, se había extraviado en pos de causas equivocadas y ajenas.
El declarado retorno a la normalidad significaba un doble regreso
al pasado con la mirada puesta en “otra” Argentina, y en “otro” Brasil, el
país que fuera un firme aliado de los Estados Unidos. Respecto a lo primero
se apeló a la imagen de la Argentina próspera de fines del siglo XIX y
primeras décadas del XX y al proyecto nacional e internacional de la
generación que construyó aquel país y lo insertó exitosamente en el mundo.
En cuanto al Brasil como modelo de política exterior, se recurrió a la
imagen del Brasil que optó por el alineamiento con los Estados Unidos
en la Segunda Guerra Mundial, esto es; un “otro” del pasado, no del
presente. Aquel Brasil era visto en términos laudatorios -a diferencia de
lo que ocurrió en su momento histórico – , mientras que el actual era
percibido con preocupación. Su relativo distanciamiento de los Estados
Unidos y la búsqueda de mayor poder e influencia externas eran conside-
rados como ejemplos del tipo de políticas que, precisamente, debían
evitarse tanto por su anacronismo como por haber contribuido significa-
tivamente a la declinación del país. La Argentina, que nunca miró con
buenos ojos el acercamiento histórico del Brasil a Washington, procuraba
en los noventa imitar al Brasil de ayer pero no al de hoy. Se prefería el
Brasil del statu quo, el “políticamente correcto” de antaño, el país “lúci-
do” que supo entender, adaptarse y aprovechar las grandes
transformaciones del orden mundial. El Brasil contemporáneo era
54
Guido Di Tella, “Prólogo”, en Andrés Cisneros (comp.) Política Exterior Argentina 1989-1999.
Historia de un éxito, Nuevo Hacer, Buenos Aires, 1998, p. 15

394

brasil-argentinaFIM.pmd 394 5/2/2004, 11:03


percibido como “políticamente incorrecto”; más aun como un poder
revisionista55 y económicamente volátil. Por ello, la Argentina debía in-
sistir en la búsqueda de una “relación especial” con Estados Unidos y en
promover la diversificación de su comercio internacional porque, de lo
contrario, “compraría” del Brasil “riesgo e inestabilidad”56 .
Tanto la mirada hacia la Argentina de finales del siglo XIX como
la dirigida al Brasil de la primera mitad del siglo XX indicaban una visión
nostálgica, estática y simplista del pasado. El destino del país parecía
estar atrás y no adelante. En ese caso, como dijera Wallace, “the past
becomes an obstacle to the pursuit of altered objectives in changed circumstances”57 .
Adicionalmente, el Brasil aparecía en la política internacional
de Menem como un modelo de estilo diplomático. De allí el énfasis en
el carácter pragmático de la nueva política exterior argentina,
presuntamente idéntico al talante brasileño 58 . Ahora bien, los
“pragmatismos” del Brasil y la Argentina no son equiparables. El
“pragmatismo responsable”, en la formulación de 1974 del canciller
brasileño Francisco Antonio Azeredo da Silveira, fue muy distinto de
la política de “aquiescencia pragmática” seguida por la Argentina des-
de 1989 en adelante. Brasilia optó por una estrategia de gradual des-
alineamiento respecto a Washington, mientras que Buenos Aires escogió
el alineamiento. En términos de actitud, el Brasil adoptó una conducta
55
Los “revisionist states—variously called imperialist, expansive, revolutionary, have-nots, aggressor, or
unsatiated powers—are those states that sep to increase, not just sep, their resources...Thus, they often share
a common desire to overturn the statu quo order—the prestige, resources, and principles of the system”.
Randall L. Schweller, “Hitler’s Tripolar Strategy for World Conquest”, en Jack Snyder y Robert
Jervis (eds.), Coping with Complexity in the International System, Westview Press, Boulder, 1993, p.
211.
56
Felipe de la Balze, “El destino del Mercosur: Entre la unión aduanera y la ‘integración
imperfecta’”, en Felipe de la Balze (comp.), El futuro del Mercosur: Entre la retórica y el realismo,
ABA/CARI, Buenos Aires, 2000, p. 62.
57
William Wallace, “Foreign Policy and National Identity in the United Kingdom”, en International
Affairs, Vol. 67, no 1, Enero 1991, p. 70.
58
La idea de pragmatismo en política exterior encierra varias connotaciones. Puede indicar la
existencia de una política carente de principios o ajena a la defensa de principios básicos; una
política ad hoc movida por las circunstancias cambiantes; una política práctica, instrumental o
utilitaria; una política centrada en las razones de conveniencia; una política orientada al problem
solving; una política incremental y prudente; una política consistente que persiste en un curso de
acción determinado; una política que parte del escepticismo y descansa en respuestas racionales;
una política que confía en que lo que se impone es lo verdadero; etc.

395

brasil-argentinaFIM.pmd 395 5/2/2004, 11:03


moderada y flexible, mientras que la Argentina privilegió la sobreactuación
y la rigidez. En términos de vocación, Brasilia pretendió una mayor
proyección en los ámbitos multilaterales con un espíritu más ecuménico;
al tiempo que la Argentina adoptó una posición firmemente pro-
occidental59 . El Brasil persistió en otorgarle un rol crucial al Estado y a
su fortalecimiento en relación a la política internacional (y doméstica)
mientras que la Argentina confió en que el mercado, casi mecánicamente,
le asignaría al país un lugar significativo en los asuntos mundiales60 . Las
referencias al pragmatismo, además, pretendían oscurecer la naturaleza
ideológica de toda escogencia de un rumbo de acción político. Una opción
ideológica implica un conjunto integrado de representaciones, valores y
pensamientos que movilizan un determinado comportamiento. Y en esa
dirección, la política exterior argentina de los noventa fue tan ideológica
como cualquier otra.
En cuanto al modelo de inserción, el Brasil, junto a los Estados
Unidos, fue un “otro” esencial. Si bien se hicieron innumerables referencias
conceptuales al equilibrado “triángulo” Argentina-Brasil-Estados Unidos
en el diseño y práctica de la política exterior argentina, lo cierto es que
jamás se pensó o aplicó una política que se sustentara en una visión de
lados idénticos. En breve, nunca se trató de un triángulo equilátero: lo que
primó fue un esquema de dos vinculaciones diferenciadas y asimétricas. Se
buscó un alineamiento completo y categórico con los Estados Unidos y
con el Brasil se pretendió una alianza limitada y contingente. Dicha
modalidad de comportamiento se explica mejor evaluando las condiciones
internas que lo facilitaron dado que no era inexorable que la Argentina
adopara la conducta específica que finalmente siguió.
El Brasil fue visto instrumentalmente como una contraparte fun-
cional en términos económicos y disfuncional en términos políticos.
No al azar Estados Unidos fue racionalizado como el referente del
59
Deborah Norden and Roberto Russell, The United States and Argentina: Changing Relations in a
Changing World, Routledge, New York, 2002, capítulo V.
60
Cabe destacar que la elite de la segunda parte del siglo XIX consideró importante otorgarle al
Estado un rol destacado en el desarrollo del país. De allí que, como señalara Halperin Donghi,
los principales líderes le asignaran al Estado un “papel decisivo en la definición de los objetivos
de cambio económico-social y también un control preciso de los progresos orientados a lograr
esos objetivos”. Tulio Halperin Donghi, Una nación para el desierto argentino, Centro Editor de
América Latina, Buenos Aires, 1982, p. 28.

396

brasil-argentinaFIM.pmd 396 5/2/2004, 11:03


“alineamiento estratégico”61 o de la “relación especial”62 , mientras el
Brasil se presentaba como el punto de referencia de una alianza
básicamente económica. Históricamente, el Brasil había sido un “otro”
competidor cuya expansión económica, contrastante con el relativo
estancamiento argentino, había servido para nutrir la imagen de rivalidad;
ahora era económicamente indispensable pero políticamente molesto63 .
Por ello, si bien en el plano de los postulados se dijo que el gobierno
justicialista había “estructurado en forma cuidadosa...dos alianzas (con
Brasil y Estados Unidos) complementarias que se contrapesan mutua-
mente, imponiéndose límites la una a la otra”...en el plano de las
propuestas efectivas se indicaba, con claridad, que “nuestra política
exterior no estará condicionada por los deseos del Brasil (pues) se
encuentra alineada con Estados Unidos”64 . Además, en esencia, las
divergencias en términos estratégicos globales entre Brasilia y Buenos
Aires eran notables y difíciles de atenuar65 . En lógica waltziana, Argen-
tina prefería el bandwagoning con Estados Unidos; en lógica waltiana,
Brasil prefería el balancing hacia Estados Unidos. Para Buenos Aires, la
racionalidad dominante era la del balance de poder, mientras que para
Brasilia era la del balance de amenazas.
La opción del plegamiento a Washington – bandwagoning en la
definición de Waltz66 – fue objeto de cierto análisis en la Argentina en
61
Ver, Jorge Castro, “La Argentina, Estados Unidos y Brasil: El triángulo de la década del 90”, en
Andrés Cisneros (comp.), op.cit.
62
Ver, Felipe de la Balze, “La política exterior de ‘reincorporación al primer mundo’”, en ibid.
63
Como señala Luiz A. Moniz Bandeira, las tasas diferenciales de crecimiento fueron la “verdadera
esencia de las tensiones entre los dos países”. Luiz A. Moniz Bandeira, “Argentina y Brasil:
regímenes políticos y política exterior”, en Ciclos, n° 3, 1992, p. 168.
64
Carlos Escudé, “Argentina y sus alianzas estratégicas”, en Francisco Rojas Aravena (ed.),
Argentina, Brasil y Chile: Integración y seguridad, Nueva Sociedad, Caracas 1999, p. 75 y 86.
65
Ver, Carlos Escudé y Andrés Fontana, “Argentina‘s Security Policies: Their Rationales and Regional
Context”, en Jorge I. Domínguez (ed.), International Security and Democracy: Latin America and the
Caribbean in the Post-Cold War Era, Univeristy of Pittsburgh Press, Pittsburgh, 1998.
66
Según Kenneth Waltz, la acumulación y distribución de atributos de poder (militares,
económicos, tecnológicos, demográficos, diplomáticos, etc.) conduce a que los estados opten
por equilibrar (balance) a quienes tienen más poder formando una coalición desafiante o
antihegemónica, o plegarse (bandwagon) a la coalición ganadora o hegemónica. Dado que el
balance de poder predomina en la política mundial, lo usual es recurrir al balancing para contrapesar
el poderío de una superpotencia solitaria. Por su parte, Stephen Walt entiende que el
comportamiento estatal es una respuesta a las amenazas que provienen de otros estados. Por ello,
en realidad tiende a predominar el bandwagoning con el Estado que no representa una amenaza.

397

brasil-argentinaFIM.pmd 397 5/2/2004, 11:03


el que sobresalen dos elementos. Por un lado, se explica el plegamiento
en función de la estructura internacional; esto es, dado que los Estados
Unidos ha sido el gran ganador de la Guerra Fría, que se ha transforma-
do en la principal potencia mundial y que aspira a una hegemonía bené-
vola, un país relativamente irrelevante como la Argentina no tendría
alternativa a un bandwagoning contundente. Por otro lado, en virtud del
esquema hemisférico existente, las segundas potencias regionales (en
este caso, la Argentina) no tendrían más opción que diferenciarse de las
primeras potencias regionales (en este ejemplo, el Brasil) y plegarse al
país hegemónico (esto es, a los Estados Unidos).
Estas dos interpretaciones neorrealistas son útiles para entender
el alineamiento, aunque insuficientes. No incorporan las razones domés-
ticas que también inciden sobre esa elección y que ayudan a entender
mejor las razones que llevan a un país a optar por ese tipo específico de
alianza. La literatura especializada indica que el bandwagoning se produce
por la condición débil (primero) y aislada (secundariamente) de un país67 ;
por tener instituciones débiles que dificultan o impiden a un Estado
alcanzar una identidad nacional, asegurar la legitimidad doméstica o
adaptarse a un ambiente externo riesgoso (con sus consecuencias de una
mayor penetración externa a la espera de dividendos materiales proveni-
entes del poder hegemónico y de una mejor consolidación de la elite
local que sacrifica independencia internacional por preservación de
dominio interno)68 ; y por el hecho de que elites ilegítimas que controlan
un Estado débil vis-a-vis sus sociedades se comportan de manera oportu-
nista para obtener ganancias69 . En resumen, una mezcla de debilidad
(del Estado), necesidad (de poder político y recursos económicos) y opor-
tunismo (obtención de ganancias) favorecen el plegamiento al polo
hegemónico. En el caso argentino, estos elementos internos, junto a los
cambios de la estructura de poder internacional y a la distribución de
67
Stephen M. Walt, op. cit, p. 29-32 y 173-175.
68
Ver, Deborah Welch Larson, “Bandwagoning Images in American Foreign Policy: Mith or
Reality?”, en Robert Jervis y Jack Snyder (eds.), Dominoes and Bandwagons: Strategic Beliefs
and Great Power Competition in the Eurasian Rimland, Oxford University Press, New York,
1991.
69
Ver, Randall L. Schweller, “Bandwagoning for Profit”, en Michael E. Brown, Sean M. Lynn-
Jones y Steven E. Miller (eds.) The Perils of Anarchy: Contemporary Realism and International
Security, The MIT Press, Cambridge, 1995.

398

brasil-argentinaFIM.pmd 398 5/2/2004, 11:03


poder en el plano sudamericano, jugaron un papel importante en la decisión
del gobierno de Menem de adoptar una estrategia de alineamiento.
El gobierno de la Alianza (Unión Cívica Radical, Frepaso y otros
partidos minoritarios y moderados de centro-izquierda) que asumió el 10
de diciembre de 1999 no cambió, salvo en el estilo, los lineamientos
básicos de la política exterior seguida por Menem. En un principio, el
gobierno presidido por Fernando de la Rúa pareció inclinado a mirar más
al Brasil y a relanzar el Mercosur. La visión entonces predominante era
que los vínculos con el Brasil resultaban esenciales en lo económico y lo
político por igual. El Brasil, de cierto modo, tenía mucho de lo que carecía
la Argentina: una política exterior relativamente autónoma y un proyecto
industrial consistente. El acercamiento al Brasil se percibía como funci-
onal para una reinserción argentina más asertiva y diversificada70 .
Sin embargo, muy pronto se hizo evidente que la relación con el
Brasil no se alteraría porque el alineamiento con los Estados Unidos
continuaba siendo la piedra angular de la política exterior argentina.
Cambió el eslogan político – de las “relaciones carnales” del canciller
Guido Di Tella a las “relaciones maduras” del canciller Adalberto
Rodríguez Giavarini – pero no el contenido y el alcance del plegamiento
de Buenos Aires a Washington. Al mismo tiempo, la Argentina evitó
comprometerse en iniciativas que podrían ser vistas como intentos de
equilibrio u oposición al poder norteamericano en la sub-región. Así,
en ocasión de la Primera Cumbre de Presidentes de Sudamérica,
convocada por el Brasil a fines de agosto de 2000, la Cancillería argen-
tina expresó claramente que este encuentro de 12 países no debería ser
interpretado por un intento de crear un bloque sudamericano71 .
Como en el caso del gobierno de Menem, las urgencias
económicas volvieron a determinar las prioridades. Además, el gobierno
de la Alianza debió conducir la relación con el Brasil en un momento
70
Ver, entre otros, Varios Autores, “Hacia el plan Fénix: Diagnóstico y propuestas”, en Enoikos,
Año IX, No. 19, 2001; Aldo Ferer, “La globalización, la Argentina y Brasil”, en Aldo Ferer y
Helio Jaguaribe, Argentina y Brasil en la globalización: ¿Mercosur o ALCA?, Fondo de Cultura
Económica, Buenos Aires, 2001 y José Paradiso, “Mercosur: Un lugar en el mundo”, en Escenarios
Alternativos, Año 4, no 9, Invierno 2000.
71
Adalberto Rodríguez Giavarini, “Hacia la integración latinoamericana”, La Nación, 30 de
agosto de 2000, p. 17.

399

brasil-argentinaFIM.pmd 399 5/2/2004, 11:03


que coincidió con su fase de estancamiento, iniciada en 1997 e intensi-
ficada luego de la devaluación del Brasil en enero de 1999. Ello, sumado
a sus propios problemas internos – crisis de gobernabilidad, recesión
económica y ambivalencias respecto del Brasil – también obstaculizó
la construcción de una genuina cultura de amistad.

V. CONCLUSIONES

La Argentina y el Brasil jamás se representaron como enemigos.


Como concluye Julio César Carasales, su competencia por la hegemonía
de América del Sur “distó mucho de ser una lucha abierta y permanen-
te. La Argentina y el Brasil nunca fueron enemigos. Fueron sí – es
innegable – rivales y competidores”72 . Durante los años de la relación
especial con Gran Bretaña y del paradigma globalista, la rivalidad estuvo
matizada por escasos momentos de acercamiento que nunca alcanzaron
a despejar las desconfianzas recíprocas.
Por muchas décadas, esta visión del Brasil fue bastante
homogénea debido a que civiles y militares, conservadores y liberales,
empresarios y trabajadores, nacionalistas e internacionalistas, derechistas
e izquierdistas, por igual, aunque con distintos supuestos y argumen-
tos, tuvieron una mirada de ese “otro” marcada por la noción de rivalidad.
Ello alentó la búsqueda de un equilibrio de poder sub-regional en el
que la lucha por el prestigio y el liderazgo de América del Sur y la
preocupación por las ganancias relativas fueron las notas predominan-
te. Este “dilema de seguridad sudamericano”, que combinó elementos
materiales e ideacionales, fue “construido” por los dos países a partir
de un stock de ideas compartidas en el que las fuerzas materiales del
otro fueron siempre consideradas como una amenaza.
Fortalecida por experiencias autoritarias similares, la cultura de
rivalidad afectó negativamente las posibilidades de desarrollo nacional,
perjudicó el avance de la democracia, impidió el ejercicio de una práctica
de cooperación frente a los problemas regionales y hemisféricos,
obstruyó la generación de un poder de negociación conjunto y puso

72
Julio Cesar Carasales, De rivales a socios: El proceso de cooperación nuclear entre Argentina y Brasil,
Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1997, p. 35

400

brasil-argentinaFIM.pmd 400 5/2/2004, 11:03


frenos a la gravitación de ambos países en los asuntos mundiales. En
breve, la rivalidad argentino-brasileña significó una oportunidad perdi-
da en términos económicos, políticos, culturales y militares. A su vez,
facilitó la práctica de una estrategia de divide et impera por parte de los
Estados Unidos, que retroalimentó la competencia. Sería importante
evaluar hasta qué punto esta rivalidad incidió para prolongar el vínculo
estrecho entre el Brasil y los Estados Unidos hasta la década de los
setenta y dilatar el distanciamiento entre la Argentina y los Estados
Unidos después de la Segunda Guerra Mundial73 .
El primer resquebrajamiento de esta estructura social de rivalidad
no provino de una gradual interdependencia entre los dos países, ni de
lustros de prácticas democráticas comunes, ni tampoco de una
reconstrucción sustantiva de la identidad. El factor clave fueron las tasas
diferenciales de crecimiento en favor del Brasil que hicieron inviable la
estrategia argentina de restricción del poder brasileño mediante el meca-
nismo del equilibrio74 . Este proceso de varias décadas, tuvo su punto de
inflexión en la Guerra de las Malvinas que puso un punto final al dilema
de seguridad argentino-brasileño75 . Poco después, la democratización de
los dos países posibilitó dar los primeros pasos en dirección de una nueva
cultura en la cual el “otro” es percibido en términos de amistad76 .
En parte por convicción y en parte por necesidad, el gobierno
de Raúl Alfonsín realizó importantes contribuciones para “desrivalizar”

73
De acuerdo a Phillip Kelly, un balance de la rivalidad entre la Argentina y el Brasil hasta los
ochenta muestra que la misma “ha obstaculizado la integración del Cono Sur, ha creado
posibilidades para el desarrollo serio de armas nucleares nativas, ha puesto en peligro el acuerdo
pacífico de las disputas en la región, ha intensificado la competencia entre los estados en el Cono
Sur por el control de la Antártida y ha evitado que Brasil se distanciara de Estados Unidos”
(subrayado del autor). Philip Kelly, “Temas tradicionales de la geopolítica brasileña y el futuro de
la geopolítica en el Cono Sur”, en Philip Kelly y Jack Child (eds.), Geopolítica del Cono Sur y de la
Antártida, Editorial Pleamar, Buenos Aires, 1990, p. 120.
74
La evolución ascendente del Brasil hizo más notoria para la Argentina su declinación que
reunió elementos materiales e identitarios. La Argentina no sólo fue perdiendo su posición
relativa en la estructura del poder mundial y sus atributos tangibles de poder, sino que fue
extraviando su identificación propia y su proyección internacional.
75
Como indica Jervis, “when balance of power assumptions no longer hold, the incentives shift so that
anarchy and the security dilemma no longer provide a powerful stimulus to undesired conflict”. Robert Jervis,
“From Balance to Concert: A Study of International Security Cooperation”, en Kenneth A. Oye
(ed.), Cooperation under Anarchy, Princeton University Press, Princeton, 1986, p. 79.

401

brasil-argentinaFIM.pmd 401 5/2/2004, 11:03


la relación con el Brasil. La dimensión más significativa de este giro fue
política; la Argentina de principios de la década de 1980 era un país
debilitado que necesitaba más socios y menos contrincantes. Si bien se
estimuló desde el Estado una mirada más cooperativa hacia el Brasil,
abandonando la retórica conflictiva, los recelos mutuos no
desaparecieron completamente.
A partir del inicio del gobierno de Menem, la política exterior
argentina atravesó cambios significativos que respondieron a las premisas
del paradigma de la aquiescencia pragmática. Según sus principales
formuladores, este paradigma requería el fin de una conducta interna-
cional que había oscilado permanentes entre la adhesión ciega y el
desafío desatinado a Occidente, el estrecho alineamiento con los Esta-
dos Unidos y el abandono de la práctica de políticas ilusorias (por
ejemplo, procurando la paz en una distante y nada vital Centroamérica),
aberrantes (por ejemplo, impulsando al proyecto misilístico Cóndor II)
o extravagantes (por ejemplo, aspirando a un presunto liderazgo moral
en el Tercer Mundo). Todo ello permitiría la “reincorporación” gradual
de la Argentina al Primer Mundo77 .
El lugar reservado al Brasil por este paradigma, que se derivaba
lógicamente de sus premisas, fue el de un simple “socio” económico y
no el de un “aliado estratégico”. Así, los importantes avances producidos
en el plano económico, que aumentaron la interdependencia entre los
dos países, no fueron correspondidos por un aumento de las

76
Conviene indicar que la superación de dilemas de seguridad semejantes posibilitó un avance
significativo de la integración. Por ejemplo, la derrota de Alemania en la Segunda Guerra
Mundial permitió que el histórico dilema de seguridad franco-alemán se superara y que se diera
inicio a un proceso de acercamiento y cooperación que facilitó la concreción posterior de la
Comunidad Europea. La implosión de la URSS y el fin de los “socialismos reales” en Europa —
que eliminaron de la noche a la mañana el dilema de seguridad entre Europa occidental y Europa
oriental— han contribuido a un avance cada vez más elocuente de la integración entre la Unión
Europea y las naciones de Europa del este. Asimismo, la inexistencia de un dilema de seguridad
entre Canadá y los Estados Unidos ha favorecido a una mayor integración formal e informal
entre los dos países. Inversamente la continuidad de dilemas de seguridad zonales llevó a la
guerra a Irak e Irán durante los ochenta y hoy tiene a India y Pakistán al borde de una confrontación
militar que podría involucrar el uso de armas nucleares. En cierta forma, la permanencia de un
dilema de seguridad entre palestinos e israelíes augura una continuación del conflicto entre estos
dos pueblos. A su vez, la variedad de dilemas de seguridad en Asia permite suponer la persistencia
de las tensiones en el área y la dificultad para asegurar una cooperación e integración efectivas.
77
Ver, Felipe de la Balze, “La política exterior...”op.cit.

402

brasil-argentinaFIM.pmd 402 5/2/2004, 11:03


convergencias en el campo de la política exterior donde las diferencias
fueron notorias.
El gobierno de la Alianza propuso una mirada política del Bra-
sil78 . Esa eventual mayor reaproximación a Brasil se insertaba en un con-
texto en que las encuestas sobre política exterior mostraban que la opinión
pública no desaprobaría tal viraje79. Sin embargo, la administración De la
Rúa se resignó con desencanto (y quizás fastidio), aunque sin hacerlo
explícito a seguir pasos casi idénticos a los de su antecesor en materia de
relaciones argentino-brasileñas. Indudablemente, la Argentina del siglo
XXI tenía pocos activos, una confusa identidad, escaso poder negocia-
dor e insuficiente voluntad para modificar el sentido y el alcance de la
inserción internacional del país. De hecho, las contradicciones en los vín-
culos con el Brasil se exacerbaron. En el propio gobierno, las discrepancias
entre ministerios y personalidades condujeron a una mayor tensión di-
plomática entre Buenos Aires y Brasilia. Ello expresaba que no sólo se
carecía de una clara visión del “otro” sino que se adolecía de una imagen
propia consistente80.
78
En la denominada “Carta de los Argentinos”, el programa de gobierno de la Alianza antes de
llegar a la presidencia, el Mercosur aparecía como la “prioridad estratégica”. Ello anticipaba que
la relación con el Brasil pasaría a ocupar un lugar esencial en la política exterior de la Argentina.
79
En efecto, por un lado, Brasil resultaba “consistentemente...el país de América Latina con el
cual se expresa la más alta preferencia por estrechar vínculos (55%)”. Asimismo Brasil es una de
las dos (junto con España) “naciones cruciales en la percepción que tienen los argentinos de la
inserción de su país en el mundo...Brasil representa la potencialidad productiva y el mercado
interno del que la Argentina carece...(por ello) muchos admiran en Brasil esa potencialidad”.
Ver, Manuel Mora y Araujo, “Opinión pública y política exterior de la presidencia Menem”, en
Andrés Cisneros (comp.), op.cit., pp. 357-358. Por otro lado, el alineamiento estrecho del
Presidente Menem con Estados Unidos no contaba con un fuerte respaldo de la ciudadanía.
Según un estudio desarrollado por el Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales
(CARI) sobre opinión pública y política exterior con base en dos encuestas (una de la población
general y la otra entre líderes de opinión), “la estrategia de alineamiento de la Argentina con los
Estados Unidos que en los últimos años ha llevado adelante el gobierno del Presidente Carlos
Menem es el tema de política exterior que más distancia a la población de los líderes de opinión.
En efecto, el sondeo muestra el contraste ya que mientras los líderes la apoyan decididamente, la
población general se encuentra muy dividida, con la primera minoría afirmando que el alineamiento
perjudica al país”. Ver, Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales, 1998-La opinión
pública argentina sobre política exterior y defensa, CARI, Buenos Aires, 1998, p. 23.
80
Es oportuno insistir sobre la importancia de la identidad nacional en materia de política exterior.
Como subraya Henry Nau, “national identity...actually matters more than material power...because without
a unified and healthy self-image, a nation has no incentive to accumulate or use material power. It cannot defend
its national interests; indeed, it may desintegrate”. Henry R. Nau, At Home Abroad: Identity and Power in
American Foreign Policy, Cornell University Press, Ithaca, 2002, p. 4.

403

brasil-argentinaFIM.pmd 403 5/2/2004, 11:03


La inédita crisis política, económica y social que hoy sufre la
Argentina ha vuelto a abrir un debate sobre la naturaleza del vínculo
que debería construirse con el Brasil. Los partidarios de profundizar el
bandwagoning siguen viendo al Brasil como una amenaza; ya no como en
los años de la cultura de la rivalidad sino como un actor que puede
obstaculizar sus objetivos. Ciertamente, la gravedad de la crisis da pie a
quienes miran más al Norte y alienta una visión negativa del Brasil
cuyo futuro se ve como incierto y problemático. Sin embargo, los ele-
mentos propios de una cultura de amistad que se desarrollaron en los
últimos años siguen presentes y son muchos los actores políticos,
económicos y sociales argentinos que alientan esa cultura81 .
La experiencia de los noventa ha servido para mostrar que la
democratización, la interdependencia y la integración son condiciones
necesarias pero no suficientes para que esa cultura se consolide82 . La ausencia
de rivalidad no implica la presencia, ipso facto y per se, de amistad83 . Para ello,
es también preciso fortalecer las alianzas sociales, que en uno y otro país,
siguen pensando la relación con un profundo sentido estratégico.

81
Para trabajos más recientes que apoyan la visión del Brasil como amigo véase, José María
Llados y Samuel Pinheiro Guimaraes (eds.), Perspectivas Brasil y Argentina, IPRI/CARI, Brasilia,
1999, José Paradiso y Gustavo Adiolfo Smith, “¿Será posible una política exterior común?”, en
Archivos del Presente, Año 5, no 19, Enero-Marzo 2000 y Fundacao Alexandre De Gusmao, A
visao do outro, FUNAG, Brasilia, 2000.
82
Como bien señala Pllippe Schmitter las lecciones de una nueva modalidad de cooperación en
el Cono Sur no permiten afirmar concluyentemente que la democratización incrementó de
modo elocuente la interdependencia y que ello selló de manera definitiva la integración: “all we
can say with certainty is that the demise of despotic governments has produced a significant decline in the
likelihood of recourse to interstate violence and an unprecedented increase in the volume of interstate
agreement”. Philippe C. Schmitter, “Change in Regime Type and Progress in International
Relations”, en Emanuel Adler y Beverly Crawford (eds.), Progress in Postwar International Relations,
Columbia University Press, New York, 1991, p. 118.
83
Siempre es bueno recordar que para que la Argentina y el Brasil alcancen una genuina integración
se necesita lo que Deutsch llamó las “condiciones de fondo” para entender si ese proceso será
exitoso o resultará un fracaso. Dichas condiciones son: “1) relevancia mutua de los países, 2)
compatibilidad de valores y ciertas gratificaciones conjuntas reales, 3) comprensión mutua, y 4)
cierto grado de identidad o lealtad común generalizada”. Sin duda, esas condiciones están siendo
puestas a prueba para argentinos y brasileños por igual en este tormentoso comienzo de un nuevo
siglo. Karl W. Deutsch, Análisis de las relaciones internacionales, Ediciones Gernika, México D. F.,
1990, p. 366.

404

brasil-argentinaFIM.pmd 404 5/2/2004, 11:03


CONTEXTO INTERNACIONAL, DEMOCRACIA E POLÍTICA
EXTERNA

Monica Hirst
Maria Regina Soares de Lima

ABERTURA

A noção de que o Brasil se caracteriza como um país de movi-


mentos lentos e premeditados tanto na condução de seus afazeres do-
mésticos como na definição de suas opções internacionais representa
tecla batida. Também constitui lugar comum a identificação do instin-
to de conservação compartilhado pela elite política e a escassez de
vocações redistributivas dos segmentos econômicos mais poderosos
que motivou esta peculiaridade desde o período de nossa formação
nacional. Em conseqüência, a identificação de traços de continuidade
e a vinculação com o passado foi sempre tarefa fácil nas análises de
processos de transformação deste país.
Nos estudos sobre a política externa este se tornou um vício
perigoso que fomentou o recurso a interpretações circulares. Fatores
como tipo de regime e ordem internacional passaram a correr o risco
de tornarem-se condicionantes secundários em face do peso
explicativo de atributos permanentes. Estes por sua vez foram agra-
ciados por uma generosa plataforma institucional incrustada no Es-
tado brasileiro antes mesmo de sua conversão à vida republicana. Por
isso mesmo, simbólico ou não, o legado imperial sempre constituiu
um aspecto identitário da moderna diplomacia brasileira. Alias, não é
casual que o único edifício a merecer a titularidade de “palácio” na
futurista esplanada dos ministérios de Brasília seja o das Relações
Exteriores.
A leitura do passado à luz do presente e/ou a do presente à
luz do passado colaborou para sedimentar a idéia de que a política
externa fosse percebida como a esfera mais previsível — e portanto
racional — de ação do Estado brasileiro. Do ponto de vista analítico,
o instrumental mais adequado para abordar o “fenômeno” seria uma

405

brasil-argentinaFIM.pmd 405 5/2/2004, 11:03


estranha combinação de neo-realismo waltziano com as inventivas do
construtivismo. Esta heterodoxia permitiria estabelecer uma relação
de complementaridade entre o “primado da política externa” e o seu
respectivo sistema de crenças; entre premissas orientadoras e
autopercepção. Para ilustrar o ponto podemos mencionar o parentesco
tão evocado entre a política externa independente de início dos anos
60 e o pragmatismo responsável lançado uma década mais tarde.
Este trabalho pretende fugir à regra; pelo menos até certo pon-
to. Nossa intenção essencial será sublinhar os fatores que indicam
mudança ou pelo menos esgotamento de trajetórias passadas na polí-
tica internacional brasileira. Partimos da suposição de que atualmen-
te esta política enfrenta tensões causadas simultaneamente pelas trans-
formações em curso na ordem internacional e pelas pressões
introduzidas pelo cotidiano democrático interno. Dito de forma mais
simples, queremos avaliar a capacidade de reação dessa política nes-
sas duas frentes.
Na primeira, o Brasil, como os demais membros da comunida-
de internacional, enfrenta a escalada de incertezas produzida pela
unipolaridade. Nascida no berço da multipolaridade eurocêntrica, a
nação brasileira aprendeu com precocidade a fazer bom uso dos es-
paços propiciados pelas contradições dominantes no sistema de po-
der mundial. Foi ao longo do meio século de bipolaridade que o país
se projetou com maior êxito econômica e politicamente na comuni-
dade internacional. A partir do sucesso relativo de seu modelo
desenvolvimentista, o Brasil soube explorar o viés da politização das
contradições Norte-Sul como principal fonte legitimadora de uma atu-
ação de corte autonomista.
Na frente interna, a atual etapa democrática brasileira vem pro-
porcionando novos desafios à política internacional do país. São corre-
tos os trabalhos de comparação diacrônica que recuperam outros mo-
mentos da história contemporânea brasileira nos quais o protagonismo
das instituições democráticas — particularmente o Legislativo — in-
fluenciou o curso das opções externas. Na frente externa, os termos da
convivência entre democracia e política internacional enfrenta uma es-
cala desconhecida de complexidades, causada em grande medida pela

406

brasil-argentinaFIM.pmd 406 5/2/2004, 11:03


globalização. Ao mesmo tempo, no cenário internacional a concentra-
ção de poder do mundo pós-Guerra Fria termina limitando o campo de
iniciativa e autonomia do Brasil no tabuleiro mundial, o que restringe
os novos recursos auferidos pela democracia para sua atuação como
agente de estabilidade e paz na região sul-americana.
Nossa intenção será avaliar o impacto dos novos condicionantes
domésticos e internacionais sobre a política externa a partir da identifi-
cação dos atores que influenciam a sua formulação e implementação.
Nossa hipótese central é que o surgimento de um leque mais diversifi-
cado de atores vem se constituindo um fator com impacto crescente
sobre a ação internacional brasileira. Esta ação já não obedeceria ape-
nas aos desígnios previamente estabelecidos pelo legado institucional,
abrigado na agência constitucionalmente responsável pela condução
da política externa, mas corresponderia a um processo abrangente de
interações políticas entre atores públicos e privados, nacionais,
subnacionais e internacionais. Observar-se-ia portanto uma dinâmica
de agendas simultâneas, paralelas ou sobrepostas, pertencentes a esfe-
ras diferenciadas de relacionamento externo. O novo internacionalismo,
protagonizado por atores e redes fora do Estado, representa uma nova
faceta no relacionamento externo do país. Pode-se dizer que esse novo
internacionalismo é fruto da globalização, não apenas na esfera econô-
mica que acentuou a interdependência entre as economias nacionais,
mas no plano das relações sociais, culturais e políticas transnacionais.
É portanto uma realidade que adquire sentido estrutural e não apenas
conjuntural com a qual a diplomacia convencional se vê forçada a lidar.
Com vistas a desenvolver a argumentação pertinente, decidi-
mos apresentar separadamente as duas esferas de atuação internacio-
nal: aquela centrada na ação do Estado, que corresponde à agenda da
política externa propriamente dita, e a que contempla o espectro de
interesses e interações da sociedade política1 . Fazemos esta separa-
ção apenas com o intuito de facilitar a exposição, uma vez que ques-
tões internacionais específicas podem provocar distintos padrões
1
Utilizamos o conceito de sociedade política adotado por N. Bobbio quando define as formas de
organização política da sociedade civil, sejam os partidos políticos ou outras estruturas políticas
que representam demandas específicas cuja inserção se dá entre o Estado e a sociedade civil. Ver
Bobbio, N. Matteucci, N. e Pasquino, G. Dicionário de Política, Ed. Univ. De Brasilia, 1986.

407

brasil-argentinaFIM.pmd 407 5/2/2004, 11:03


de conflito e cooperação entre agendas e atores. Na agenda do Estado
procuramos indicar as principais estratégias de ação utilizadas pelo Brasil
na sua ação externa. Identificamos duas modalidades de ação interna-
cional: uma primeira que compreende a projeção externa dos “interes-
ses nacionais” e uma segunda estratégia que acentua a cooperação in-
ternacional interestatal e a adesão aos regimes internacionais. No âm-
bito da sociedade política, também nos pareceu oportuno estabelecer
uma linha divisória entre duas principais arenas e atores: a primeira,
vinculada ao espaço legislativo, local da ação política institucionalizada,
configurada pela presença (ou ausência) da política externa no exercí-
cio parlamentar; e a segunda, representada pela rede de movimentos e
organizações sociais conhecida como terceiro setor, com vinculações
subnacionais, nacionais e transnacionais.
Em vista dos objetivos deste seminário, utilizaremos a questão
do relacionamento com a Argentina como a chave ilustrativa-
diferenciadora no tratamento das quatro aproximações aludidas. Nos-
sa suposição é a de que a centralidade desse relacionamento para o
Brasil permite um rico exercício de vinculação entre agendas, arenas e
estilos de ação.
A Agenda Estatal: Projeção e Credibilidade Internacionais
As conseqüências do fim da Guerra Fria e da restauração do
regime representativo no país sobre a agenda substantiva da política
externa podem ser resumidas na idéia da configuração de um novo
paradigma ou, ao contrário, da reformulação do paradigma globalista
que orientou a política externa nos últimos quarenta anos. Em linhas
muito gerais, essa orientação, que enfatizava o aumento da autonomia
internacional do país, combinava três dimensões: a defesa da
universalização das relações internacionais do país, para além do rela-
cionamento especial com os Estados Unidos; a ênfase nas característi-
cas restritivas da macroestrutura internacional, em especial a crítica ao
“congelamento do poder mundial”, na expressão do embaixador Araú-
jo Castro; e a articulação da aliança terceiro-mundista nas negociações
das questões de desenvolvimento e da reforma dos regimes econômi-
cos internacionais. Os quatro governos pós-Guerra Fria e pós-restaura-
ção democrática têm oscilado entre uma postura de adaptação do
paradigma globalista às novas realidades internacionais – José Sarney e

408

brasil-argentinaFIM.pmd 408 5/2/2004, 11:03


Itamar Franco – e uma reconfiguração em novas bases daquele mode-
lo de política externa – Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.
Ao contrário da relativa estabilidade do modelo de política externa
nos últimos quarenta anos, cuja principal sustentação era de natureza
estrutural representada pelo padrão de inserção econômica internacional,
podemos dizer que passados mais de dez anos do fim da Guerra Fria e do
regime militar, não se obteve ainda o mesmo consenso, entre as elites
estatais e não estatais, com relação a uma abordagem coerente de política
externa que possa substituir o paradigma globalista. A questão da
configuração de um espaço econômico homogêneo nas Américas, sob a
liderança da proposta norte-americana de constituição da ALCA, dá a
medida da diferença de posição entre as elites, dentro e fora do Estado.
Em certo sentido, as respostas à pergunta formulada há quase dez anos,
ainda dividem as opiniões das elites brasileiras: se o país se “conformará
com um projeto de “Brasil pequeno” ou, alternativamente buscará a
“realização de um projeto maior, de mobilização de todo o seu imenso
potencial, transformando-se, conseqüentemente, numa das mais
importantes potências econômicas do planeta?”2
Mesmo que não se possa falar de um consenso na sociedade e
entre as elites com respeito a um novo paradigma, a agenda diplomática
pós-Guerra Fria/pós-regime militar tem combinado duas estratégias
de atuação internacional, que podem ser vistas como dois estilos típicos
de ação externa. No jargão das abordagens de política internacional,
estes dois estilos diplomáticos estariam próximos ao que se entende
por um modo de ação “realista” e “institucionalista liberal”,
respectivamente.3 O estilo realista caracteriza-se por uma política
externa ativista que pode compreender desde uma política
expansionista e de participação na diplomacia das grandes potências,
2
Paulo Nogueira Batista, “A Política Externa de Collor: Modernização ou Retrocesso?”, Política
Externa vol. 1, nº 4, 1993, p.107.
3
Para uma análise da combinação de matrizes teóricas distintas no novo paradigma diplomático
brasileiro, ver Letícia Pinheiro, “Traídos pelo Desejo: Um Ensaio sobre a Teoria e a Prática da
Política Externa Brasileira Contemporânea”, Contexto Internacional, vol. 22, no. 2, 2000. A
substituição do modelo de “autonomia pela distância” pelo de “autonomia pela participação” é
sugerido por Gelson Fonseca Júnior, A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1998. Do nosso ponto de vista, ainda não se constituiu um paradigma
alternativo ao globalismo, com o mesmo grau de coesão e consenso entre as elites e na sociedade,
observando-se diferenças de estilos e estratégias de atuação internacional.

409

brasil-argentinaFIM.pmd 409 5/2/2004, 11:03


ao maior ativismo internacional e aumento da presença diplomática no
mundo.4 Na típica receita do modelo realista de auto-ajuda, os atores
governamentais exibem baixa tolerância com os custos de soberania e,
portanto, menor grau de adesão a compromissos internacionais que
impliquem abrir mão de parcela de sua soberania em áreas específicas de
políticas públicas. O estilo realista combina o objetivo de projeção dos
interesses do país no exterior com o maior grau possível de flexibilidade
e liberdade da política externa. Esta é uma representação estilizada da
política realista e própria das potências. Mesmo assim, elementos deste
estilo podem ser encontrados na agenda contemporânea da política
externa. Resíduo do globalismo, mas adaptado ao mundo pós-guerra fria,
mencione-se a postulação do Brasil a uma vaga do Conselho de Segurança
das Nações Unidas, bem como a resistência do país em construir arranjos
institucionais supranacionais, optando pela fórmula inter-governamental
que implica um grau bem menor de regulação acima das vontades
nacionais. A posição brasileira contrária ao aprofundamento da
institucionalização do Mercosul, ou em arranjos mais flexíveis como o
Grupo do Rio, bem como um certo desconforto em assumir os ônus de
uma liderança explícita em eventuais esquemas de coordenação regional
são exemplos deste estilo de atuação.
O estilo “institucionalista liberal”, ao contrário, enfatiza a ne-
cessidade de se obter a credibilidade com respeito às ações e compro-
missos assumidos no plano internacional. Neste estilo diplomático, os
decisores governamentais estão mais dispostos a tolerar os custos de
soberania e a aderir a regimes internacionais o que necessariamente
implica aceitar maior coordenação de políticas governamentais entre
parceiros e maiores injunções na condução soberana da política exter-
na. Novamente, esta é uma representação estilizada da ação diplomáti-
ca e está associada aos países com escassez de recursos de poder no
sistema internacional. Para estes, em um sistema em que o poder é o
principal regulador, qualquer regra é melhor que nenhuma. Desta pers-
pectiva, o Brasil, entre os países periféricos, exibe um histórico
ponderável, tendo participado das etapas fundadoras dos principais
organismos internacionais como as Nações Unidas e o GATT, por
4
Cf. Fared Zakaria, From Wealth to Power: The Unusual Origins of America’s World Role. Princeton,
Princeton University Press, 1999.

410

brasil-argentinaFIM.pmd 410 5/2/2004, 11:03


exemplo. Mais recentemente, destaca-se a ativa participaçãp do país
na conformação da OMC, bem como em seus grupos negociadores.
Seja pela crença na validade intrínseca da norma, seja por ra-
zões do auto-interesse do ator, a ênfase na credibilidade internacional
e na adesão a regimes internacionais está associada a situações de tran-
sição política que configuram uma nova ordenação político-jurídica e,
simultaneamente, constituem situações particularmente incertas com
respeito a seu eventual desfecho. O caso brasileiro não fugiu a regra da
quase imediata adesão das novas democracia aos regimes de direitos
humanos após o término do regime autoritário. Ainda em 1985, o Bra-
sil aderiu à Convenção contra a Tortura da ONU, ratificada pelo Con-
gresso em 1988. No nosso caso, a adesão aos regimes de direitos hu-
manos parece estar associada tanto à expectativa de reduzir a incerteza
com respeito ao futuro da transição política, como à necessidade de
readquirir credibilidade internacional com a eliminação do “entulho
autoritário” da política externa do governo militar. Por outro lado, no
caso dos regimes de controle de tecnologia sensível e da proliferação
nuclear, a adesão brasileira foi bem posterior ao início da transição.5
Na transição por negociação, como foi a experiência brasileira, que
implica em uma negociação política entre as elites da situação e da
oposição, as incertezas futuras são menores. Pode-se especular que o
próprio timing da adesão brasileira a estes regimes foi parte da negocia-
ção da transição.
A convivência de estilos diplomáticos heterodoxos não tem nada
de surpreendente. Afinal, o legado institucional da política externa com-
bina uma aspiração das elites brasileiras de reconhecimento pelos paí-
ses grandes de um status de potência para o Brasil no sistema internacio-
nal, com uma tradição da defesa dos princípios do direito internacional
e participação nos organismos multilaterais, em particular nos regimes
de comércio e desenvolvimento. Contudo, esta adesão aos regimes in-
ternacionais sempre foi seletiva e, pelo menos no período militar, a não
adesão aos sistemas de segurança e controle de tecnologias sensíveis
foi justificada pela restrição prematura que tal adesão implicaria para
5
Em 1995, o país aderiu ao regime de Controle de Tecnologia de Mísseis; em 1996, assinou o
Tratado para a Proibição Completa de Testes Nucleares e em 1998 subscreveu o Tratado de Não-
Proliferação de Armas Nucleares.

411

brasil-argentinaFIM.pmd 411 5/2/2004, 11:03


os projetos futuros do país. Apesar de um posicionamento histórico de
defesa dos princípios constitutivos da sociedade internacional, as eli-
tes dirigentes sempre foram sensíveis ao oportunismo das grandes po-
tências beneficiadas que são pela condição de anarquia que caracteriza
a ordem interestatal.
A política brasileira de aprofundamento da cooperação com a
Argentina tem combinado estes diferentes estilos diplomáticos. O PIC
negociado nos governos Alfonsin e Sarney só pôde ser viabilizado no
contexto da transição democrática e da valorização imprimida por es-
tes dois governos à cooperação regional. O aprofundamento desta co-
operação, com a constituição do Mercosul, foi pensado por parte da
burocracia do Executivo brasileiro como um mecanismo para lock-in as
políticas de liberalização comercial então prenunciadas. Por outro lado,
assim como o Brasil imaginou a cooperação com a Argentina, nos seus
primórdios, como um instrumento para ampliar o poder de barganha
internacional dos dois países, mais recentemente, o próprio Mercosul
foi utilizado como instrumento de barganha nas negociações hemisféricas
a propósito da proposta norte-americana de constituição da ALCA.

O ESPAÇO DO ‘OUTRO’

Desde o período que precede o Mercosul nos anos 80 as razões


que levaram o Brasil a decidir-se por um compromisso de integração
regional de caráter mais profundo e permanente estiveram mais relaci-
onadas a ponderações políticas do que econômicas. Também desde
esta época, o foco deste movimento foi a montagem de um relaciona-
mento especial com a Argentina, que se tornou o componente essenci-
al da política sul-americana do Brasil. A motivação inicial de aproxi-
mação ao vizinho meridional vinculava-se às premissas de sua política
externa de viés autonomista. Acreditava-se que uma intensa e
abrangente cooperação com a Argentina, no contexto das
redemocratizações simultâneas, ampliaria as condições de resistência
às pressões ideológicas da contenção, à imposições de atrofiamento
provenientes das políticas de não proliferação de tecnologias sensíveis
e às condicionalidades econômicas impostas pela crise da dívida exter-
na. Observamos assim uma complementaridade entre os incentivos

412

brasil-argentinaFIM.pmd 412 5/2/2004, 11:03


presentes no paradigma globalista da política externa e a nova percep-
ção da cooperação regional como um percurso desejado. As vantagens
do ‘mix’ foram concretizadas tanto nas esferas econômica, que vincu-
laram a abertura comercial gradual ao projeto de formação de um mer-
cado regional, como na de segurança internacional, com iniciativas de
cooperação em campos sensíveis que viabilizaram posteriormente a
negociação do Acordo Nuclear Quadripartite. De fato, o caminho da
aproximação à Argentina, além do mérito primordial de soterrar os ves-
tígios da mais pesada agenda conflitiva interestatal já experimentada
pelo Brasil, ofereceu a chance de o país dar os primeiros passos em
direção à superação de barreiras defensivas das políticas comercial e de
segurança internacional.
A partir de 1990, a vinculação argentino-brasileiro sofreu pro-
fundas modificações em conseqüência da combinação produzida pelas
rápidas alterações de curso dos acontecimentos internacionais e os ca-
minhos trilhados no âmbito doméstico por ambos países. O fértil terri-
tório de convergências políticas desertificou-se a partir dos novos ru-
mos da política externa desenhados pelo governo menemista. Para o
Brasil, o contundente alinhamento aos Estados Unidos no qual embar-
cava a Argentina tornara impossível a identificação de uma plataforma
compartilhada de inserção no mundo da pós-guerra fria. O diálogo bi-
lateral adquiriu um sentido mais pragmático do que político, outorgan-
do-se centralidade a esfera dos entendimentos comerciais. Ao mesmo
tempo, a agenda da integração regional foi ajustada à nova metodologia
condizente com as políticas de liberalização econômica levadas a cabo
nos dois países. Com o Mercosul iniciou-se uma fase de sucessivas “vi-
tórias”; primeiro pelo notável aumento das trocas bilaterais e logo pelo
marco de coincidências de gestões macro-econômicas à medida que o
Brasil abria mão de sua “relutância” ao receituário neo-liberal da esta-
bilização.
Durante o qüinqüênio dourado do Mercosul (1994-98) o Brasil
e a Argentina avançaram timidamente em seus compromissos
integracionistas. O aumento do intercâmbio, a expansão de vinculações
inter-empresariais e a mobilização de um leque diversificado de cam-
pos de políticas públicas em torno da criação de um espaço comum de
interesses foram insuficientes para outorgar um textura institucional ao

413

brasil-argentinaFIM.pmd 413 5/2/2004, 11:03


processo. Tornou-se moeda corrente neste período apontar o governo
brasileiro- e particularmente o seu Ministério das Relações Exteriores-
com o principal responsável por esta limitação. Não obstante, tanto o
governo brasileiro como o argentino coincidiam na avaliação de que
qualquer institucionalização enfrentaria uma negociação especialmen-
te difícil com os demais sócios do Mercosul, em vista das condições
assimétricas da associação. Também foi durante este período que se
observou o esvaziamento do processo de convergência entre as pre-
missas das políticas internacionais de ambos países. Se bem destaca-
va-se a importância da aliança estratégica selada lado a lado, de fato
para o Brasil o relacionamento tornara-se pouco rentável politicamen-
te. O custo maior do desencontro foi pago com a falta de apoio argen-
tino à candidatura potencial do Brasil a um assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU, na hipótese de sua ampliação.
À medida que o desempenho econômico nos dois países passou
a enfrentar novas dificuldades, que inevitavelmente afetaram o bom
andar do Mercosul, novas evidências quanto a fragilidade da aliança
bilateral se fizeram notar. O reduzido alcance do “espírito” da
integração no plano governamental na Argentina e no Brasil conduziu
a uma crescente sobreposição dos interesses internos frente aos com-
promissos associativos. Após a “malaise” causada pela reativação de
medidas protecionistas nos dois lados, o Mercosul foi atingido pelas
medidas cambiais adotadas no Brasil em resposta ao ataque especulativo
sofrido por sua moeda em fins de 1998. Logo, foram feitas ao Brasil
sérias imputações por parte da Argentina quanto ao excessos de
unilateralismo, tendo em vistas o impacto de suas opções de política
econômica para o seu principal vizinhos.
Foi neste contexto que ganhou forma a controvérsia sobre a
responsabilidade do Brasil como condutor do processo de integração e
mais ainda como um fator de equilíbrio da economia Argentina. A
tênue fronteira entre a questão da responsabilidade e da liderança pas-
saram a gerar novas situações de “desconforto” bilateral. Estas foram
agravadas pelas vulnerabilidades compartilhadas frente à uma nova onda
de pressões externas provenientes, por um lado, das respectivas expo-
sições frente aos vai-e-vens da globalização financeira e, por outro pelo
adensamento das negociações da ALCA. Do lado brasileiro a reação a

414

brasil-argentinaFIM.pmd 414 5/2/2004, 11:03


este tipo de colocação suscita questionamentos sobre os prós e contras
de uma vinculação tão estreita com a Argentina, temendo-se o risco de
contaminação econômica.
Regressemos ao tema da desativação de uma agenda comum de
política externa entre o Brasil e a Argentina, para remarcar que apesar
dos pesares o Mercosul gerou importantes dividendos políticos com
impacto imediato para toda a América do Sul. Desde a insistência so-
bre o vínculo entre a defesa da democracia e integração regional avan-
çou-se na projeção do Mercosul como uma Zona de Paz. Se bem a
construção de uma comunidade pluralista de segurança não tenha al-
cançado o grau de efetividade da experiência européia, sem dúvida tem
cumprido um papel de contenção no manejo da frágil condição
institucional do Paraguai e na própria crise de governabilidade enfren-
tada pela Argentina a partir de fins de 2001. De fato o Itamaraty, leva-
do em grande parte pelo impulso da diplomacia presidencial, vem pou-
co a pouco flexibilizando - ainda que de forma velada e seletiva - seu
dogma contrário a intervenção em assuntos internos de outros Esta-
dos. A percepção de que o Brasil deve assumir maiores responsabilida-
des nesta direção vem a reboque do chamado projeto ‘sul-americano’,
posto sobre a mesa de maneira mais explícita nos últimos dois anos.6
Não obstante, se bem houve avanço na identificação dos inte-
resses do país envolvidos na consolidação de seu projeto sul-america-
no avançou-se menos na identificação dos seus “termos de troca”. As-
sume-se a idéia de que a América do Sul poderá ser funcional economi-
camente para viabilizar a continuidade do projeto neo-
desenvolvimentista brasileiro e politicamente para ampliar a cota de
poder internacional do país num cenário externo de poder mais con-
centrado desde a queda do Muro de Berlim. Entretanto a tradução
desta dinâmica num projeto de liderança positiva esbarra em dois
entraves; i) as restrições domésticas, no caso brasileiro, para uma efe-
tiva opção cooperativa do país que se localizam na esfera político-
partidária, bem como esbarra nos interesses dos atores econômicos,
6
Ver, Celso Lafer, A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira, Perspectiva,
São Paulo, 2001; Sergio Danese, “Brasil e América do Sul: Apontamentos para a História de uma
Convergência”, Política Externa, vol. 9, n. 4, 2001 e George Lamaziere, “O Impacto dos Proces-
sos de Integração Regional nas Políticas de Defesa e Segurança: o Brasil e a Cooperação Político-
militar na América do Sul”, Política Externa, vol. 9, no.4, 2001.

415

brasil-argentinaFIM.pmd 415 5/2/2004, 11:03


dificultando maiores contrapartidas para qualquer exercício de lideran-
ça; ii) as restrições impostas pela convivência com a potência
hegemônica no plano regional e pela configuração acentuadamente
unipolar da ordem mundial pós-Guerra Fria. Naturalmente o espaço
para a ação encontra-se no âmbito do primeiro tipo de obstáculo uma
vez que frente ao segundo as opções dificilmente poderão escapar do
universo de respostas defensivas e reativas. Mais uma vez o relaciona-
mento com a Argentina aparece como um ponto sensível e definidor.
A articulação entre argumentações políticas e fatores econômi-
cos torna-se fundamental para compreender a posição do Brasil no âm-
bito sul-americano. Devemos aqui destacar o poder de atração de seu
mercado a partir das novas condições de acesso propiciadas pelas polí-
ticas de liberação comercial. Ao mesmo tempo os mercados vizinhos-
principalmente os do Mercosul- ganharam importância crucial para suas
exportações manufaturadas. Nos últimos 5 anos o percentual médio
das importações do Brasil provenientes do grupo ALADI foi de 20%,
dos quais 15% vieram do Mercosul ; o percentual médio das exporta-
ções foi de 22%, dos quais 16% se destinaram à essa mesma sub-re-
gião. Apesar da evidência revelada por estes percentuais, a atuação do
Brasil nas negociações intra-regionais, entretanto, está mais dominada
pela percepção de que seus sócios vizinhos são os principais beneficia-
dos pela liberalização dos mercados na região. Esta visão está susten-
tada por dois fatores: a repetição de deficits comerciais com alguns
dos principais parceiros da região- destacando-se a Argentina- e o peso
dos interesses “import-competing” versus os dos setores exportadores
nas políticas industriais e comerciais do país7.
Na literatura acadêmica dedicada ao tema do regionalismo nas
Américas tem sido freqüentemente levantada a questão da liderança brasi-
leira. Quando tratada em sua dimensão política são suscitadas as condi-
ções de constituição de uma Comunidade Pluralística de Segurança indi-
cando-se a função do Brasil como fator de estabilidade e equilíbrio no
espaço sul-americano8. Já o enfoque que privilegia os fatores econômicos
7
Cf. Pedro da Motta Veiga, “O Brasil, O Mercosul e a ALCA”, Carta Internacional, São Paulo
n.106, dez. 2001.
8
A análise desenvolvida por Arie Kacowicz sobre a América do Sul como uma Zona de Paz
representa um interessante exercício neste sentido. Ver Kacowicz, Arie Zones of Peace in the Third
World, State Univ. N.Y. Press, 1998.

416

brasil-argentinaFIM.pmd 416 5/2/2004, 11:03


envolvidos na formação de um novo espaço regional chama a atenção
para as responsabilidades do Brasil derivadas não apenas do tamanho de
sua economia – e naturalmente de seu mercado – mas principalmente do
peso de suas crenças e realizações industrialistas9. O tema também tem
merecido atenção, e mesmo alguma preocupação política, nos Estados
Unidos provocando reações variadas no meio acadêmico e político10.
A preeminência econômica do Brasil abre um espaço natural para
o exercício de sua liderança, o que se torna um tema sensível no contexto
de uma aliança estratégica com a Argentina. O ponto de equilíbrio entre
a negação de um papel hegemônico e a aceitação da responsabilidade
pela liderança constitui o aspecto político mais sensível deste relaciona-
mento bilateral. A posição líder do Brasil compreende ônus e benefícios
e sua aceitação só poderia se desenvolver em termos não coercitivos.
Para tanto, a reciprocidade e a plena convicção no interesse comum tor-
nam-se as forças motrizes do processo associativo. Uma aliança desta
natureza implica não apenas a identificação de incentivos prévios, mas a
capacidade de seu gerenciamento, entendida como a condução de pro-
cessos conjuntos e unilaterais que permitem simultaneamente manter a
aliança viva e avançar na defesa de seus próprios interesses.

SOCIEDADE POLÍTICA E POLÍTICA EXTERNA EM TEMPOS


DE DEMOCRACIA

A ampliação do espaço público no Brasil vem renovando nota-


velmente a agenda internacional do país. Lado a lado com a ampliação
do espaço ocupado pela representação política institucionalizada, ex-
pande-se um novo território coabitando por uma miscelânea de atores

9
Vários autores têm abordado esta questão, destacando-se Joseph Grieco, Walter Mattli, Roberto
Bouzas eVer Grieco, Joseph “Systemic Sources of Variation in Regional Institutionalization in
Western Europe, East Asia and the Americas”, in Mansfield E. &Milner,H The Political Economy
of Regionalism, Columbia Univ. Press, NY, 1997; Mattli,Walter The Logic of Regional Integration,
Cambridge Univ. Press, 1999; Bouzas, RobertoR. Korzeniewics and “El Mercosur Diez Años
Después: ¿Proceso de Aprendizaje o Déjà Vù?”, Desarrollo Económico Núm 162, julio-septiembre
2001.
10
Ver Hakin, Peter “Dos formas de ser Global”, Foreign Affairs (en Espanol), Primavera 2001,
vol.2, n.1. e Kissinger,Henry “EE.UU y Brasil: las potencias sean unidas”.
http\\ar.clarin.com\diario\2001-05-21.

417

brasil-argentinaFIM.pmd 417 5/2/2004, 11:03


e organizações cuja principal resultante vem sendo a corrosão da fron-
teira entre problemáticas internas e externas. É justamente a elimina-
ção das barreiras entre ambos domínios que impulsiona uma diversifi-
cação do tipo de vinculação entre globalização e vida democrática,
entre espaços públicos locais e atores transnacionais.

O ESPAÇO LEGISLATIVO E A POLÍTICA EXTERNA

No Brasil, como alhures, é parte do senso comum a noção de


que “política externa não dá votos”. Esta imagem despolitizada da po-
lítica externa é conseqüência de uma visão idealizada da mesma como
o instrumento central da defesa dos “interesses nacionais”. Em vista
da natureza de suas funções que exigem conhecimento especializado e
segredo governamental e da proteção legal conferida às atividades que
envolvem a segurança internacional do país, as políticas externas e de
segurança constituem objetos por excelência da delegação de autorida-
de do corpo político aos órgãos executivos. Nos sistemas
presidencialistas, que se caracterizam pela divisão entre os Poderes, é
ainda mais nítida a predominância do Executivo na condução da polí-
tica externa, cabendo ao Legislativo o papel de posterior ratificação
das ações e compromissos assumidos externamente. Este distanciamento
da política partidária é reforçado pelo ambiente social da regulação
externa, caracterizado pela baixa densidade e presença de grupos de
interesse na sociedade que, como esperado pelas teorias da ação cole-
tiva, não se mobilizam para a defesa de interesses coletivos/nacionais.
Se a política externa não interessa ao eleitor, por que interessaria aos
políticos profissionais? Os modelos com base na racionalidade do elei-
tor explicariam assim por que a política externa não dá votos e por que
os parlamentares têm poucos incentivos para se envolverem direta-
mente na regulação das atividades das agências de política externa e de
segurança.
Como observamos, esta é uma visão convencional e idealizada
da política externa. Não resiste assim ao movimento da globalização no
que este implica na dissolução das fronteiras entre o doméstico e o inter-
nacional. Ademais, uma das principais características da ordem mundial
contemporânea é seu acentuado componente legalista, no sentido que a

418

brasil-argentinaFIM.pmd 418 5/2/2004, 11:03


própria interdependência entre estados nacionais estimula formas varia-
das de regulação internacional de questões as mais diversas. Indepen-
dentemente da natureza assimétrica desta regulação, a sua principal con-
seqüência é a internacionalização das questões domésticas e, o seu re-
verso, a internalização daquelas ditas internacionais. Assim sendo, a po-
lítica externa passa a regular de fato questões que previamente faziam
parte do ambiente regulatório doméstico. Neste contexto, a politização
da política externa é inevitável. Esta última pode gerar modificações ou
adaptações dos regimes de delegação em curso, concebidos para uma
realidade de high politics, e demandas de redesenho institucional dos me-
canismos tradicionais de delegação e prestação de contas.
Para um país periférico como o Brasil as conseqüências das mu-
danças na regulação internacional são ainda mais acentuadas, pois às
iniciativas voluntárias de cooperação bilateral e participação multilate-
ral, somam-se às injunções da adesão aos diversos regimes regulatórios
internacionais. A principal conseqüência do adensamento da agenda
estatal cooperativa regional e multilateral no pós-Guerra Fria/pós-
redemocratização foi a modificação da agenda substantiva da política
externa que, além de representar interesses coletivos no plano mundi-
al, passou a ter que negociar interesses setoriais, inserindo-se direta-
mente no conflito distributivo interno11 .
Para que estas mudanças da agenda substantiva gerem mudan-
ças institucionais e de comportamento dos atores políticos é preciso
algum tempo. Assim, entre as razões apontadas para explicitar o déficit
democrático do Mercosul destaca-se a carência de vinculações trans-
fronteiriças no âmbito da política institucional. Diferentemente do que
observamos na experiência européia, pecamos pela ausência de paren-
tescos partidários e por limitado paralelismo ideológico, o que restrin-
ge o escopo e alcance do interesse pela agenda da integração na vida
parlamentar de nossos países. No Brasil, os partidos políticos ainda
percebem a integração regional como um item de política externa, ca-
bendo ao Ministério das Relações Exteriores a responsabilidade pela
definição programática e condução do processo associativo. Quando

11
Cf. Maria Regina Soares de Lima, Instituições Democráticas e Política Exterior, Contexto Internaci-
onal, vol. 22, 2000

419

brasil-argentinaFIM.pmd 419 5/2/2004, 11:03


tomamos os conteúdos dos programas dos principais partidos brasilei-
ros constatamos a falta de interesse pelo tema que quando merece
menção esta se dá apenas de forma genérica. Ressalva merece ser feita
com relação à atuação do Partido dos Trabalhadores (PT), cujo
engajamento em temas internacionais vem se destacando tanto em es-
paços institucionais, como a Comissões de Relações Exteriores no Con-
gresso Nacional, como naqueles de natureza informal no âmbito das
organizações e movimentos sociais.
Uma outra maneira de se avaliar este relativo “desinteresse” é
entendê-lo como uma evidência da concordância implícita dos atores
políticos que, exatamente por estarem de acordo com as orientações
gerais da política externa, delegam aos órgãos competentes, no caso o
MRE, a autoridade para sua condução. Alguns modelos de delegação
têm salientado a importância na delegação da convergência de prefe-
rências entre agente e principal. Evidência nesta direção foi a ratifica-
ção da política externa por ocasião da elaboração da Constituição de
1988 em dois aspectos relevantes. Em primeiro lugar, a manutenção
do princípio constitucional da competência do Executivo na condução
da política externa, cabendo ao Legislativo o poder de ratificação ex-
post dos acordos internacionais. Ao manter o status quo constitucional
em uma dimensão crucial do processo decisório, os constituintes ratifi-
caram sua concordância com a política externa em curso. A segunda
dimensão de aprovação legislativa da política externa em curso, foi a
inclusão do artigo 4o na Carta Constitucional de 1988 avalizando a
política de cooperação regional com os países da América Latina, vi-
sando “à formação de uma comunidade latino-americana de nações”12 .
Apenas nos casos de conflito de objetivos ou orientações entre
os Poderes, os atores políticos/legislativos buscarão institucionalizar
sua participação no processo decisório da política externa.13 Desta for-
ma, ao contrário do consenso observado com relação à política de
integração regional, o mesmo não vem ocorrendo na sociedade brasi-
leira com respeito à proposta da constituição da ALCA. A diferença de
12
Cf. João Augusto de Castro Neves, A Participação do Poder Legislativo na Política Externa
Brasileira: O Caso do Mercosul, tese de Mestrado em Ciência Política, IUPERJ/UCAM, 2002.
13
Para uma análise nesta direção, ver, Lisa Martin, Democratic Commitments: Legislatures and
International Cooperation, Princeton, Princeton University Press, 2000.

420

brasil-argentinaFIM.pmd 420 5/2/2004, 11:03


posições com relação à integração hemisférica, tem levado à mobilização
dos interesses empresariais e sindicais e ao questionamento pelo
Legislativo com relação à oportunidade de um acordo nos moldes da
ALCA14 . Significativamente, e ao contrário do momento constituinte,
o Legislativo passou a questionar o próprio processo decisório da polí-
tica externa e a propugnar pela modificação do regime de delegação em
curso. Neste momento, estão em tramitação dois projetos de emenda
constitucional que visam instituir controles ex-ante da política externa
pelo Legislativo que, se aprovados, implicarão em uma mudança do
padrão histórico de delegação congressual.15
Olsonianamente, é mais fácil mobilizar o interesse das forças
políticas e setores econômicos nacionais que se considerem eventual-
mente prejudicados pela participação do Brasil num Acordo Hemisférico
de Livre Comércio do que para o aprofundamento dos compromissos
do país com o Mercosul16 . Do ponto de vista da representação parla-
mentar, este quadro sofre alguma alteração quando se contempla a atu-
ação de legisladores provenientes da região sul. Neste caso, o Mercosul
vem propiciando a conformação de uma agenda “interméstica” na qual
se sobrepõem temas locais, nacionais e sub-regionais.
Durante o período mais recente no qual o processo de integração
atravessou uma etapa de acentuada desaceleração, a agenda pública
relacionada ao tema passou a estar dominada pelos percalços enfrenta-
dos no relacionamento com a nação argentina. Da mesma forma como
observado no âmbito governamental, o meio parlamentar reagiu de-
fensivamente à sinalização conflitiva do país vizinho exacerbada ao
longo do ano 2001, dando um passo político atrás frente à opção da
integração regional. A veloz mudança do cenário político-institucional
na Argentina, acompanhada da grave crise produzida pela mudança
do regime cambial, se bem teve o efeito de neutralizar este tipo de

14
Neste particular, destaca-se a decisão conjunta da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB),
da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras instituições representativas da sociedade
civil de convocarem um plebiscito nacional sobre a ALCA para setembro de 2002.
15
As duas propostas de emenda constitucional são a PEC 345/01 de autoria do Deputado
Aloizio Mercadante do PT e a PEC 52/01, de autoria do Senador Roberto Requião do PMDB.
Ver, João Augusto Castro Neves, op.cit. p. 63-64.
16
Vigevani et alii “Democracia e Atores Políticos no Mercosul”, in Sierra (2001).

421

brasil-argentinaFIM.pmd 421 5/2/2004, 11:03


reação não diluiu integralmente seus efeitos. De fato, observamos uma
variação curiosa no tipo de repercussão da crise política argentina no
âmbito político-partidário brasileiro. Sua coincidência temporal com o
início da campanha eleitoral no Brasil, levou a que alguns candidatos
utilizassem paradigmaticamente a debacle do país vizinho para refor-
çar as respectivas plataformas eleitorais. O emprego deste artifício
eleitoreiro, entretanto, destoa das orientações dominantes da atual po-
lítica exterior no sentido de reforçar os canais de apoio político á nação
argentina. Curiosamente, tornou-se mais fácil encontrar convergência
para posicionamentos desta índole no meio opositor. Simultaneamente
à emissão de uma nota de solidariedade à Argentina, na qual se desta-
cou a responsabilidade pela crise ao modelo neoliberal, o PT apresen-
tou no Congresso uma moção vinculando a necessidade de respaldo ao
país vizinho a da própria sustentação do Mercosul, considerado “o mais
relevante projeto geopolítico e estratégico da América do Sul”17 .
A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS ATORES E MOVIMENTOS SOCIAIS
No último decênio o Brasil vem conhecendo uma nova faceta
de sua inserção internacional a partir de uma peculiar combinação do
processo de democratização com a formação de redes da sociedade
civil, transnacionais. Diferentemente de outras experiências sul-ameri-
canas, a vinculação externa dos movimentos políticos democráticos
brasileiros foi limitada durante a etapa do regime autoritário e mesmo
durante o processo de transição ao Estado de direito.18 Fosse pelo “vo-
lume” de violações de direitos humanos, pela brevidade e diminuta
expressão demográfica das comunidades de exílio, ou o limitado espa-
ço de vinculações internacionais dos partidos políticos brasileiros, o
retorno à democracia no país contou com mais simpatia do que apoio e
pressão externa19.
17
Moção sobre Argentina, de 21/12/2001, apresentada pelo Deputado Walter Pinheiro, líder do PT
na Câmara dos Deputados. Em seu preâmbulo, “Manifesta solidariedade à Nação argentina e conclama
o governo brasileiro a contribuir ativamente com a busca de solução adequada para a presente crise
do país vizinho, inclusive mediante a convocação emergencial de reunião de cúpula do Mercosul para
debater e deliberar sobre o tema”.
18
Para uma analise histórica das redes transnacionais de proteção aos direitos humanos na América
Latina, ver, Margaret E. Keck e Kathryn Sikkink, Activists Beyond Borders, Ithaca, Cornell University
Press, 1996.
19
Não se pretende ignorar as comunidades de exilados brasileiros no exterior e os contatos mantidos
com organizações políticas internacionais, mas apenas relativizar o peso destas mesmas em compara-
ção com outras experiências sul-americanas, particularmente as chilena, uruguaia e argentina.

422

brasil-argentinaFIM.pmd 422 5/2/2004, 11:03


Esta especificidade da transição do autoritarismo no Brasil, sofre
profunda alteração quando nos debruçamos sobre o tempo presente.
Observa-se uma veloz internacionalização dos atores e movimentos
sociais brasileiros resultante da articulação positiva entre globalização
e vida democrática. Percebe-se uma nova porosidade internacional,
senão desconhecida pelo menos não observada desde os anos de
influência dos movimentos anarquista e comunista europeus sobre a
agenda e organização da classe trabalhadora brasileira nas primeiras
décadas do século XX. Entre os inúmeros pontos que diferenciam uma
da outra experiência, destaca-se o nível de abrangência e diversidade
dos temas envolvidos e o volume de recursos canalizados pelas redes
transnacionais na atualidade. A principal base operacional destas redes
é a extensa teia de organizações não governamentais, denominada
terceiro setor, que atuam no país. Na virada do milênio, calculava-se
que 80% das fontes de financiamento que apóiam as ONGs no Brasil
provinham de origem estrangeira. Na maioria são organizações voltadas
para temáticas específicas que quase sempre ganham visibilidade por
sua convergê ncia com o repertório do que atualmente se conhece
como a agenda global. Dois macro-temas dominam esta agenda: direitos
humanos e meio ambiente.
A mobilização da sociedade civil brasileira em torno destes
temas somada a sua crescente importância junto à opinião pública
internacional levaram a que gradualmente ambos se tornassem áreas
de preocupação da ação diplomática brasileira. O que assistimos
portanto é uma dinâmica combinada – com graus de cooperação e
dissenso diversos – entre pressões externas e domésticas provenientes
de organizações e movimentos sociais e iniciativas governamentais,
partindo do Itamaraty e/ou outras agências credenciadas
complementada por crescente atuação parlamentar.20 Simultâneo ao
20
Entre os resultados deste tipo de cooperação na área de direitos humanos, destacamos a adesão
em 1985 pelo Brasil à Convenção contra a Tortura da ONU (ratificada em 1988 pelo Congresso)
e a aceitação em 1994 da jurisdição da Corte Inter-Americana de Direitos Humanos. Destaca-
mos também a participação brasileira na Conferencia Mundial de Direitos Humanos de Viena
em 1993. No que se refere à questão ambiental, o primeiro passo ocorreu durante a Conferência
Rio 92 quando se realizou paralelamente uma extensa reunião de representantes do terceiro
setor. Na ocasião, iniciou-se um diálogo entre ONGs locais e os representantes diplomáticos em
torno da Agenda 21. Dez anos depois, observamos canais diversos de entendimento entre o
MRE e as ONGs na preparação das posições brasileiras para reunião Rio+10 a ser realizada na
África do Sul, em 2002.

423

brasil-argentinaFIM.pmd 423 5/2/2004, 11:03


processo de permanente expansão e diversificação das agendas de
direitos humanos e meio ambiente, ganhou impulso no Brasil um novo
tipo de mobilização estimulada pelos movimentos antiglobalização de
alcance mundial. Enquanto os temas referidos conduziam a uma ação
voltada para temas específicos, o segundo se move com base em
premissas ideológicas mais abrangentes.
Este tipo de movimento encontra-se vinculado a uma agenda
internacionalizada sujeita a permanente transformação, estimulada pelo
aprofundamento da democracia e pelas reações defensivas frente aos
efeitos da globalização e das negociações de áreas de livre comércio,
particularmente a ALCA. Vale destacar, portanto, que se transita des-
de um universo difuso de questões que abarca temas como direitos
raciais e/ou de gênero, equidade, educação, ordem jurídica, e meio
ambiente, até outro campo extremamente concreto com agenda e ca-
lendário pré-fixados, envolvendo negociações técnicas e políticas en-
tre 34 Estados americanos. Da parte da sociedade civil brasileira, pro-
cura-se ampliar o poder de pressão dos segmentos empresariais e sindi-
cais na definição das posições do país no processo negociador.
Interessantemente este esforço vem se realizando ora em oposição ora
de forma coordenada com o Estado. Foi com este espírito que se criou,
sob a presidência do Ministério de Relações Exteriores, a Seção Naci-
onal de Coordenação dos Assuntos Relativos a ALCA (SENALCA)
logo integrada por entidades como a Confederação Nacional da Indús-
tria (CNI), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Confede-
ração Geral dos Trabalhadores (CGT), a Central Única dos Trabalha-
dores (CUT) e a Força Sindical. O principal desafio político destas en-
tidades passou a ser a transformação dos interesses que representam
em posições negociadoras concretas a serem veiculadas pelos grupos
negociadores da ALCA.
O denominador ideológico comum deste tipo de mobilização é
a condenação ao neoliberalismo somada à crítica aos acordos de livre
comércio21 . Estimuladas pelo que se rotulou como “internacionalismo
popular”, pretende-se a constituição de uma globalização alternativa a
21
Ver Morris, David “Free Trade the Great Destroyer” e Nader, Ralph & Wallach, Lori “GATT,
NAFTA and the Subversion of the Democratic Process”, in Jerry Mander & Edward Goldsmith
(eds.), The Case Against the Global Economy, Sierra Club, San Francisco 1996.

424

brasil-argentinaFIM.pmd 424 5/2/2004, 11:03


partir de um processo de mundialização das lutas sociais, de fato inau-
gurado em meados dos anos 90.22 Ao lado da construção de um ideário
comum, tecido em torno da crítica ao neoliberalismo e à proposta de
formação de uma cidadania em escala planetária, observa-se a elabora-
ção de uma nova agenda de debates e posicionamentos. Como seus
temas prioritários mencione-se: a metodologia da ação de protesto; a
identificação de seu alvos principais – destacando-se as instituições de
poder mundial como o G7, a OMC, o FMI e outros organismos inter-
nacionais no campo econômico – ; e a vinculação entre as esferas soci-
al e política, remetendo ao questionamento da democracia formal e do
processo de concentração de riquezas mundial. Caracterizando-se como
um processo descentralizado de ação política, este movimento com-
preende clivagens diversas em torno das que apregoam orientações re-
formistas e outras que defendem a radicalização destas ações.
Constitui tarefa complexa avaliar o grau de articulação ou su-
bordinação deste tipo de movimento no Brasil às organizações
congêneres estrangeiras.23 Igualmente difícil torna-se a caracterização
da influência ideológica exercida por estas últimas. De modo geral,
observa-se uma sobreposição de dois tipos de orientações vindas “de
fora”. A primeira, de essência mais ideológica, procura vincular positi-
vamente as dimensões global e regional (latino-americana) na identifi-
cação de novas bandeiras de luta contra a economia de mercado. A
segunda, que almeja resultados políticos concretos, reivindicando um
universo Americano de interesses sociais a ser canalizado como a voz
da sociedade civil no processo negociador da ALCA. Levantamentos
preliminares revelam a existência, no âmbito Americano, de 300 redes
de organizações da sociedade civil, das quais 56 são de origem brasilei-
ra e 165 provenientes de países hispânicos.24
22
Amin, Samir in Houtar y Poulet p. 93. Para uma cronologia das manifestações anti-globalização
ver Seone (2001).
23
Mais de 400 organizações participam das redes da sociedade civil que se mobilizam em torno
das negociações da ALCA.Entre as organizações mais representativas destacam-se a Fundação
Grupo Esquel (EUA), a Fundação Canadense para as Américas (FOCAL), e a própria USAID
que vem financiando – por via da Companeros de América - a Rede interamericana para a
democracia com a participação de diversas entidades.
24
Smith, William, “Protest and Collaboration: Transnacional Civil Society Networks and the
Politics of Summitry and Free Trade in the Americas”, The North/South Agenda Papers 51,
September 2001.

425

brasil-argentinaFIM.pmd 425 5/2/2004, 11:03


A manifestação mais contundente deste tipo de mobilização no
Brasil vem sendo a realização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre,
em 2001 e 2002. A “primavera social” de Porto Alegre reuniu
movimentos sociais, ONGs, sindicatos, pastorais religiosas, entidades
de classe e da sociedade civil. Do ponto de vista doméstico, não deixa
de ser relevante a constatação de que este tipo de iniciativa tenha
lugar em um estado da federação cuja identidade histórica se sobrepõe
a da formação platina. Esta convergência de identidades e o consolidado
êxito político do PT na cidade de Porto Alegre, fruto dos últimos 10
anos de gestão ininterrupta, vem constituindo um estímulo adicional
para a presença de organizações sociais argentinas e uruguaias nestes
encontros. Uma nova rede de interação começa a se manifestar
estimulada pelo “..espírito da esquerda social e política brasileira”.25
Vale mencionar que a reunião de 2001 foi convocada por 170 entidades,
das quais 38 eram de origem brasileira e 19 de origem argentina. Já no
ano seguinte, foram 5.000 as entidades organizadoras, das quais 67%
de origem brasileira e 23% de origem espanhola, italiana, francesa e
argentina. Havendo adquirido uma dimensão massiva, o Segundo Fórum
Social Mundial compreendeu a realização de 28 conferências, 100
seminários e 700 workshops.
A presença da Argentina fez-se notar numericamente e pela
inclusão do tema da crise deste país na agenda do encontro.26 Percebida
como a “aluna mais bem aplicada do Consenso de Washington que não
deu certo”, esta nação experimenta uma crise que adquiriu um sentido
“…paradigmático dos impactos da globalização das políticas neoliberais
no contexto latino-americano.” 27 De acordo com destacados
representantes do terceiro setor no Brasil, trata-se de uma situação sem
precedente na qual se soma uma população altamente politizada com a
falência da estrutura partidária formal e das lideranças locais.
25
Seoane Jose e Taddei, Emilio “Resistencias mundiales,de Seattle a Porto Alegre Clacso, B. Aires,2001,
p.120.
26
Os debates do Segundo Fórum Social Mundial giraram em torno dos seguintes temas: os
atentados de 11 de setembro e o crescimento da hegemonia norte-americana em todo o mundo;
a crise na Argentina; o conflito árabe-israelense; a possível criação da ALCA (Área de Livre
Comércio das Américas); a dívida externa; a economia solidária; a democratização das comuni-
cações e o acesso aos medicamentos contra a Aids.
27
Entrevista com Sergio Haddad, presidente da Associação Brasileira de ONGs (Abong),
www.abong.org.br

426

brasil-argentinaFIM.pmd 426 5/2/2004, 11:03


De fato, a recente proliferação de organizações sociais na Ar-
gentina estimulada pela própria crise econômica e política que o país
atravessa gerou um novo terreno de diálogo e interação com o Brasil.
Ademais, a sonora onda de protestos observada nos últimos meses des-
pertou sentimentos de simpatia e solidariedade nos âmbitos formais e
informais de representação da sociedade civil. Surge neste contexto a
idéia de que o espaço da integração regional propicie também uma nova
identidade coletiva a partir da ação de movimentos sociais que ve-
nham a defender a inclusão de suas problemáticas na agenda formal do
Mercosul.
A simultaneidade entre a expansão das redes transnacionais de
movimentos sociais e os processos de integração econômica colocam
novas questões relativas à regionalização das respectivas sociedades
civis. Ganha impulso a idéia de que as organizações por detrás desta
expansão se transformem em agentes de socialização política estimu-
lando o surgimento de uma solidariedade intracidadã. Em conseqüên-
cia, poder-se-ia vislumbrar a formação de um espaço público regional
sempre e quando se fizessem disponíveis os instrumentos institucionais
adequados. A experiência européia nos ensina, porém, que mesmo em
contextos avançados de integração, este caminho é lento e dificultoso
constatando-se certa cronicidade ao problema do “déficit democráti-
co”28 . A tarefa de construção de bases de suporte trans-fronteiriças
deve contar com o apoio tanto dos governos como das instituições que
conduzem o processo associativo. No caso europeu, a realidade vem
revelando certa negligência por parte das entidades partidárias locais
frente a esse tipo de projeto em função de seus compromissos com
questões domésticas ou com os temas que pertencem a agenda clássica
da integração.
No caso do Mercosul, devemos estar atentos para o fato de que
bandeiras compartilhadas de contestações e reivindicações não serão
necessariamente propícias ao aprofundamento da integração entre os
países da região uma vez que ao déficit democrático deve-se-ia somar
o déficit institucional do processo. No caso do Brasil, merecem desta-
que os novos entrelaçamentos que acompanham o processo de
28
Walreigh, Alex “ ‘Europeanizing’ Civil Society: NGOs as Agents of Political Socialization”,
Journal of Common Market Studies. Vol. 39, n.4, Nov. 2001.

427

brasil-argentinaFIM.pmd 427 5/2/2004, 11:03


aprofundamento da democracia no qual as agendas “próprias” e as “do
outro” se articulam no contexto de opções inovadoras de
internacionalismo. Estes movimentos poderão ou não constituir uma
contra-face à consolidação do Mercosul.

Observações finais

Mencionamos o expressivo grau de consenso interno que per-


mitiu ao Estado brasileiro operar com relativa margem de autonomia
com relação à sociedade política na formulação e execução da política
externa nos últimos quarenta anos. Também nos referimos ao fato de
que o consenso entre as elites com relação a esse projeto de política
externa tornou possível que suas premissas essenciais fossem preser-
vadas nos anos da transição democrática brasileira. O que parece inte-
ressante assinalar é o contraste entre aquela combinação da política
externa e contexto político doméstico e a que se observa no tempo
presente. No início dos anos 80, a dimensão substantiva da política
internacional do país era percebida “à frente” de sua política interna. O
questionamento da ordem bipolar, a sintonia com as bandeiras do mundo
em desenvolvimento e a visão crítica de uma postura alinhada aos Es-
tados Unidos encontravam sinergia nos movimentos de contestação da
ordem mundial e pareciam mais de acordo com as visões de mundo
comprometidas com o pluralismo do que com um governo responsável
pela manutenção da ordem autoritária. Podemos entender, assim, a au-
sência de preconceitos no estabelecimento de posições internacionais
convergentes com o Brasil por parte de governos vizinhos cujos pro-
cessos de democratização se anteciparam ao nosso. De fato, a partir de
meados dos anos 70, a política externa brasileira revelou-se menos pri-
sioneira dos condicionamentos ideológicos impostos pela Guerra Fria
do que na condução da vida política interna.
Atualmente, a realidade mostra uma dinâmica distinta na rela-
ção entre política interna e externa. O “novo internacionalismo” brasi-
leiro resulta tanto da mudança do perfil de inserção internacional face
à globalização dos mercados, quanto da ampliação da rede de alianças
transnacionais oriunda da sociedade civil. É esta diversidade de atores
e interesses, não necessariamente convergentes em suas respectivas

428

brasil-argentinaFIM.pmd 428 5/2/2004, 11:03


orientações e preferências mas para os quais o internacional se torna
âmbito relevante de atenção e atuação, que fez desaparecer o consenso
monolítico prévio com relação à política externa. Por outro lado, é ine-
vitável que a atenção dedicada a novos temas na agenda do Estado
responda às pressões provenientes de um leque diverso de atores não
governamentais legitimados pelo próprio processo democrático local.
Os vínculos internacionais desses atores mais do que corresponder a
um campo de mediação estatal resultam de uma articulação direta com
novos processos globais. Esse tipo de articulação reduz o grau de auto-
nomia do Estado e gera um conjunto de interações domésticas que
diluem a fronteira entre o interno e o externo. Como já aludido, as áreas
de meio ambiente e direitos humanos ganham especial destaque nesse
processo.
Esta constatação nos conduz a uma segunda apreciação, agora
referente ao contexto internacional. Também nesta esfera, o Estado
brasileiro sofre uma redução significativa de seu espaço de manobra,
neste caso pelo esgotamento da bipolaridade. O marco restritivo im-
posto pela emergência de uma ordem unipolar torna-se ainda mais dra-
mático para países periféricos que se encontram em situação de
vulnerabilidade externa e marginalidade estratégica. A experiência re-
cente da Argentina mostra-nos que a opção pelo alinhamento automá-
tico pouco ou nada contribuiu para reverter o peso desse tipo de
“irrelevância”. Nesse quadro, e apesar da reduzida visibilidade de suas
vantagens de curto prazo, pode tornar-se mais atraente o caminho ofe-
recido pela presença mais atuante nos foros multilaterais com vistas ao
seu fortalecimento no sistema mundial. Não obstante, o risco da su-
bordinação dessa opção à distribuição desigual de poder, reforçada pelo
unilateralismo, reduz seus incentivos e implica custos domésticos que
a sociedade brasileira talvez não esteja disposta a incorrer.
No plano da cooperação regional, em especial com a Argenti-
na, o Brasil ainda preserva considerável poder de iniciativa. Sabemos
que este caminho não significa a superação dos dois desafios mencio-
nados anteriormente, a saber, as restrições impostas pelo contexto de-
mocrático e pela unipolaridade, que tornam mais complexa a tarefa de
construção de um projeto cooperativo regional, especialmente quando

429

brasil-argentinaFIM.pmd 429 5/2/2004, 11:03


se contempla a responsabilidade da liderança que caberá ao Brasil na
coordenação desse processo. Por outro lado, o contexto democrático
não deve ser encarado apenas como uma nova restrição, uma vez que
representa simultaneamente uma oportunidade para a modificação de
elementos essenciais da cultura política da política externa, em duas
esferas convergentes. Em primeiro lugar, porque apenas os regimes de-
mocráticos dispõem de mecanismos institucionais que podem garantir
a credibilidade dos compromissos internacionais assumidos e, em
muitos casos, constituem uma garantia para a barganha externa. Em
segundo, porque hoje uma das principais restrições à unilateralidade
das grandes potências está no interior de suas respectivas sociedades.
O novo internacionalismo da sociedade civil brasileira e sua participação
em redes transnacionais configuram portanto um canal que pode criar
espaços de interação e cooperação dentro dessas mesmas sociedades.

430

brasil-argentinaFIM.pmd 430 5/2/2004, 11:03


Comentários

Denilde Holzhacker: Gostaria de agradecer ao convite do Pro-


fessor Cardim e da Professora Mônica. Tenho um grande desafio, que
é comentar em cinco minutos dois papers muito instigantes, por isso,
tentarei ressaltar alguns aspectos relacionados ao tema do seminário:
cultura política e política externa.
A incorporação de questões como normas, valores e cultura nas
análises de relações internacionais, por meio da vertente construtivista,
ampliou a dimensão cultural nas análises de política externa. Neste con-
texto, ressalta-se cada vez mais os aspectos da cultural política na formu-
lação da política externa. E sua interface como os atores domésticos.
O primeiro aspecto que irei comentar envolve a visão sobre a
liderança brasileira e como será exercida nos próximos anos, pois acre-
dito que é um tema presente nas duas apresentações. Acredito que esse
tema está associado a visão, que o Professor Juan nos apresentou, a
respeito das opções estratégicas da Argentina. Já no caso brasileiro,
não há um consenso sobre as posições externas do País nos próximos
anos e qual o modelo que será adotado. Entretanto, um dos pontos
centrais nas discussões refere-se à sua atuação junto aos países da re-
gião, sendo constantemente questionado o quanto sua atuação é pró-
ativa ou reativa.
Um outro aspecto que gostaria de ressaltar envolve a atuação de
novos atores na agenda da política externa. Concordo com as professoras
quanto ao aumento da influência desses atores nos processos da política
externa. Juntamente com as modificações domésticas (democratização e
abertura dos mercados), o novo cenário internacional criou novos dilemas
e desafios para a atuação diplomática, que necessitou atualizar sua visão
sobre os interesses do país e estimular a participação da sociedade civil.
Essa mudança colocou novas questões no relacionamento com a socieda-
de, pois no regime democrático aumenta a credibilidade da atuação exter-
na da diplomacia, mas diminui sua autonomia com relação ao processo de
decisão de política exterior. Além disso, gostaria de acrescentar as visões e
percepções que esses atores têm sobre a atuação externa do Brasil.

431

brasil-argentinaFIM.pmd 431 5/2/2004, 11:03


Na Argentina são realizadas pesquisas sobre questões externas
junto a opinião pública desde a Guerra das Malvinas (1982). No caso
brasileiro é pequena a tradição nesta área, mas um estudo realizado em
1998 pelo Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP
buscou compreender como a sociedade brasileira percebe a atuação
externa brasileira e as relações internacionais de forma geral.
As pesquisas que analisei no Núcleo de Pesquisa em Relações
Internacionais mostram que a população percebe a atuação externa bra-
sileira de forma estruturada e coerente, e de forma análoga com os
princípios que regem a atuação diplomática do País. As atitudes da
população estão associadas às concepções gerais da atuação externa
brasileira, como a busca do desenvolvimento do País, uma atuação
pacifista e voltada para a construção de foros de negociações interna-
cionais. No plano econômico uma agenda direcionada para a coopera-
ção e a participação de processos em integração regional, principal-
mente, o Mercosul.
Na visão da população a prosperidade externa somente será
conseguida se estiver acompanhada de uma política de aumento do po-
der internacional, evidenciando dessa forma, a percepção geral da popu-
lação sobre o cenário internacional: as relações internacionais são basea-
das na capacidade de influência e decisão. Com isso, a prosperidade deve
ser almejada, mas não se deve desconsiderar melhores condições de po-
der e influencia no contexto internacional. Essa visão a respeito do cená-
rio internacional reflete-se na avaliação da posição internacional do País,
que se divide em dois grupos: o que consideram o Brasil desprovido de
qualquer capacidade de influência no cenário internacional, sendo so-
mente mais um país sem peso e capacidade de influenciar as decisões
internacionais; e os otimistas, que se subdividem entre os que acham que
atuação brasileira está restrita ao cenário regional e os que a estende para
o contexto mundial. Para os pessimistas o não exercício de liderança
mostra-se em posição secundária, com pouca influência nos contextos
regional e mundial. Nessa perspectiva o Brasil não influencia os proces-
sos internacionais e os resultados da sua atuação são bastante limitados,
inclusive nos processos de integração regional.

432

brasil-argentinaFIM.pmd 432 5/2/2004, 11:03


Nesse caso, a política externa é vista como um instrumento para
a busca do desenvolvimento e do crescimento econômico, sendo que o
País não deveria atuar em fóruns ou processos que não significarão
resultados imediatos para alcançar tais objetivos. Essa percepção ex-
plica em parte as hesitações da população quanto ao grau de apoio nas
relações internacionais e ao exercício da liderança brasileira no Conti-
nente. Com isso, observamos atualmente uma influência no grau de
apoio nas relações entre Brasil e Argentina, que consequentemente re-
flete nas decisões estratégicas dos dois parceiros.
Por outro lado, na sociedade argentina as sondagens de opinião
mostram que há uma expectativa positiva quanto aos benefícios da
atuação brasileira. É uma percepção benigna da liderança brasileira, no
qual traria maiores ganhos para esses países. De certa forma, se atribui
uma expectativa maior comparada a que observamos na própria socie-
dade brasileira.
Outro ponto diz respeito ao relacionamento com os Estados
Unidos. A meu ver a triângulação entre Argentina, Brasil e Estados
Unidos é central. Esse relacionamento possibilita uma melhor compre-
ensão das limitações e desafios para os próximos anos, principalmente
quando considerarmos as negociações da Alca e suas implicações nas
políticas domésticas dos países. Além disso, as relações com os Esta-
dos Unidos envolvem temas que provocam grandes divergências no
interior da sociedade brasileira. E como nos países desenvolvidos, onde
as atitudes e percepções da população são acompanhadas e servem de
termômetro para o estabelecimento das ações governamentais, no Bra-
sil essa é uma tendência natural. Essas discussões envolvem o
posicionamento brasileiro no cenário internacional e as prioridades que
devem ser estabelecidas.
Acho que, nesse pouco tempo, era isso que eu gostaria de
ressaltar.

433

brasil-argentinaFIM.pmd 433 5/2/2004, 11:03


Carlos Pérez Llana: Como moderador de esta sesión resulta difícil
hacer comentarios, dado que los autores, con rigor poco común,
prácticamente han agotado las visiones argentino-brasileñas desde la
“perspectiva del otro”.
Respecto del trabajo de Roberto Russell y Juan Tokatlian quisiera
introducir algún comentario respecto de un período muy corto que los
autores no abordan y que, en general, la literatura soslaya, me refiero a
la gestión externa del período Cámpora.
Sobre esos meses existe una lectura muy asociada a un “velo
ideológico”. Sin embargo existen dos hechos que conviene destacar,
vinculados a la política de alianzas privilegiadas por los responsables
de la política exterior, los mismos autores de las llamadas “Pautas
Programáticas”, documento central de la Plataforma electoral de 1973.
El primero alude a las relaciones con el mundo socialista, en
particular con el régimen castrista. La visión clásica de la guerra fría
había inspirado la política exterior argentina, pero por esos años la
detente observada en el núcleo Este-Oeste de la política internacional
no había sido asumida por la diplomacia argentina, salvo algún pequeño
gesto relacionado con la política hacia China Popular. Por esa razón en
dichas Pautas Programáticas una de las ideas centrales giró en torno a
cómo maximizar la autonomía nacional aprovechando la nueva agenda
internacional.
Cuando se presentó la ocasión de realizar las invitaciones a las
autoridades extranjeras, con motivo de la asunción presidencial, de
inmediato surgió el tema Castro. Invitarlo o no invitarlo?. Se sabía que
el Presidente de Chile, Salvador Allende, concurriría y muchos sostenían
la necesidad de incorporar a Castro como una forma adicional de envi-
ar mensajes hacia fuera y hacia adentro. La decisión de invitar sólo a
los jefes de Estado constituyó toda una definición, la presencia del
Presidente de Cuba Osvaldo Dorticós fue el expediente encontrado
para evitar que la figura de Castro le diera el contenido y el marco a ese
acto fundacional de la Casa Rosada.
El segundo hecho está asociado a la política latinoamericana
diseñada por la gestión del Canciller J. C. Puig. Al crearse el Pacto Andino

434

brasil-argentinaFIM.pmd 434 5/2/2004, 11:03


se entendió que había que invitar a participar a la Argentina del
proyecto subregional. Desgraciadamente la invitación, según relata el
ex-canciller del Pte. Eduardo Frei, Gabriel Valdes, llegó a Buenos Aires
el mismo día que el Pte. Arturo Illía fue derrocado por el golpe militar
encabezado por el Gral. Onganía. Ese gesto fue rescatado en los ‘70
por quienes entendieron que la agenda autonomizante para la Argenti-
na implicaba sumarse a ese emprendimiento. No se trató de una
respuesta al Brasil asociada al litigio por el aprovechamiento de los
recursos hídricos compartidos. Si bien bajo la gestión Puig se denunció,
como se prometió en las Pautas Programáticas, el “Acuerdo de Nueva
York” suscripto con el Brasil, debido a que no se ajustaba debidamente
a los intereses argentinos, la idea de aproximarse al Pacto Andino se
apoyaba en un razonamiento estratégico asociado a las nuevas modali-
dades que debía abrazar el proceso de integración regional. Como se
advertirá en momentos que el gobierno de Allende tomaba distancias
del Pacto Andino, una presencia argentina pudo haber significado un
cambio cualitativo en el esquema andino.
En el orden de lo concreto la idea de retomar la relación andino-
argentina se esbozó en un primer encuentro, celebrado en Lima con
algunos de los miembros de la Junta de Cartagena en el mes de junio de
1973 en la sede de la Embajada de la Rep. Argentina. Entre otras ideas
se esbozó allí la posibilidad de nombrar, de inmediato, a un Embajador
argentino ante el propio Pacto y entre quienes más se citaba para esas
funciones era un argentino que había participado activamente en la
aprobación de la llamada “Decisión 24”.
Con referencia al trabajo de Monica Hirst y María Regina
Soares de Lima, quisiera introducir, también, dos comentarios. El
primero alude a lo que allí se afirma, respecto a que en el Brasil el papel
preponderante del Ministerio de Relaciones Exteriores en parte se ex-
plica por la despreocupación de la sociedad y de la clase política en
todo lo referido a las cuestiones externas (en concreto la política exterior
no da votos).
El caso argentino me parece que es un poco diferente. Si bien
en las campañas electorales el tema externo no ha sido relevante, como
por lo demás ocurre en todo el mundo, esa temática está muy presente

435

brasil-argentinaFIM.pmd 435 5/2/2004, 11:03


en el debate permanente. Para ello basta recordar la presencia histórica
de los hechos vinculados, en el siglo XIX, a la Guerra del Pacífico y a la
Guerra del Paraguay. Muchos políticos adoptaron posiciones destaca-
das, tal vez las más recordadas a favor del Perú. Mientras que la Guerra
del Paraguay conformó toda una polémica asociada al esquema de po-
der de la época.
En el siglo XX, la Guerra del Chaco, que tuvo al canciller
Saavedra Lamas como protagonista diplomático destacado; la actitud
argentina en la I y II Guerra Mundial; fueron el centro de debates que
todavía dejan sentir sus ecos. Más cerca, la guerra de Malvinas también
significó un punto de ruptura imposible de soslayar, que todavía im-
pregna algún rincón del imaginario colectivo de los argentinos. Por esa
razón en este punto se destacan algunos matices que resulta necesario
incluir en toda lectura comparada.
El segundo hecho se vincula con la naturaleza del Estado. En el
Brasil el peso de los Estados no guarda relación con el peso histórico
de las provincias argentinas. En la Argentina los temas internacionales
históricamente pasaron “por el puerto”, de manera que fue muy reducido
el espacio donde estos temas fueron debatidos. En general puede
afirmarse que la agenda externa argentina estuvo en manos de poca
gente y una vez que esa gente decidió la cuestión se cerró. En el caso
del federalismo brasileño el tema es diferente y las consecuencias se
han hecho sentir en tiempos muy presentes, por ejemplo en las diferen-
tes sensibilidades que se advierten en torno al Mercosur.

436

brasil-argentinaFIM.pmd 436 5/2/2004, 11:03


brasil-argentinaFIM.pmd 437 5/2/2004, 11:03
brasil-argentinaFIM.pmd 438 5/2/2004, 11:03

S-ar putea să vă placă și