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FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA CONTEMPORANEIDADE:

THOMAS KUHN E
GASTON BACHELARD

Iramaia J. Cabral de Paulo Irene Cristina de Mello


Fundamentos Epistemológicos da
Contemporaneidade:

Thomas Kuhn e Gaston Bachelard


LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA - UAB - UFMT

Cuiabá , 2009
Instituto de Ciências Exatas e da Terra (ICET)
Av. Fernando Correa da Costa, s/nº
Campus Universitário
Cuiabá, MT - CEP.: 78060-900
Tel.: (65) 3615-8737
www.fisica.ufmt.br/ead
Fundamentos Epistemológicos da
Contemporaneidade:

Thomas Kuhn e Gaston Bachelard

Autores

Iramaia Jorge Cabral de Paulo


Instituto de Física / UFMT

Irene Cristina de Mello


Depto. de Química / ICET-UFMT
C o p y ri g ht © 20 09 UAB

Corpo Editorial

• D e n i s e Va r g a s
• C a r l o s R i n a l d i
• I r a m a i a J o r g e C a b r a l d e Pa u l o
• M a r i a L u c i a C a va l l i N e d e r

P r o j e t o G r á f i c o : Pau L o H . Z . A rru d a
R e v i s ã o : D enise V ar g as
S e c r e ta r i a : N euza M aria J o r g e C abral

C a p a : G a s t o n B a c h e l a r d e T h o m a s K u h n , e s t i l o A n d y Wa r h o l .

FICHA CATALOGRÁFICA

P331f Paulo, Iramaia Jorge Cabral de


Fundamentos epistemológicos da contemporaneidade:
Thomas Kuhn e Gaston Bachelard / Iramaia Jorge Cabral de
Paulo, Irene Cristina de Mello. – Cuiabá : UAB/UFMT, 2009.
43p. : il. ; color.

Inclui bibliografia.

1. Epistemologia. 2. Ciência – Filosofia. 3. Bachelard, Gaston,


1884-1962. 4. Huhn, Thomas Samuel, 1922-1996. I. Mello, Irene
Cristina de. II. Título. III. Título: Thomas Kuhn e Gaston Bache-
lard.

CDU - 165

ISBN: 978-85-61819-35-4
Sumário

A Fi los o fia da Ciência 1

A Epistemologia de Gaston Bachel ar d 5


A Epistemologia de Th o m a s K u h n 31
Referências Bibliográficas 43

UAB| Ciências Naturais e Matemática | Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade| IX


A Fi lo s o fi a da Ciência

Convite à R efle x ão

Fonte: http://www.enciclopedia.com
V ocê já parou para pensar para que serve a
filosofia da ciência? Qual a sua importân-
cia para a Ciência Moderna/Pós-Moder-
na? Por que será que algumas pessoas acham a filosofia da
ciência uma coisa totalmente irrelevante?
Afinal, o que é filosofia da Ciência?
Qual a relação entre a filosofia da ciência e a ciência
cotidiana?
Quem escreve ou pensa sobre isso? São pessoas da
ciência ou da filosofia?

Vamos tentar responder algumas dessas per-


guntas? Então aventure-se pela leitura dos textos...

Começando a Te c e r . . .

Como sabemos, há muito tempo o homem procura entender o que vem a ser o conhecimento. Mas,
o que teria levado o homem a investigar sobre a natureza do seu próprio conhecimento? Certamente, a
necessidade de compreender as coisas que o rodeavam, o mundo onde vivia, os problemas que lhe sur-
giam, o levou a procurar entender de onde vinha esse conhecimento e o que significava. Visto dessa forma,
podemos então supor que a origem e natureza do conhecimento estão vinculadas à origem e natureza do
próprio homem. Talvez seja por isso que Aristóteles tenha dito que “o homem é um animal racional”, ou
seja, é pela razão que estamos separados dos animais. É, mas não podemos esquecer que a valorização da
razão, como faculdade específica ao homem, esteve associada a um preconceito em relação à ação, como

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atividade relacionada à produção. Assim, por exemplo, na Grécia antiga, cabiam aos
escravos os trabalhos manuais, enquanto o cidadão livre tinha como preocupação nobre
e digna: o saber pensar. Disso podemos então supor que a distância entre o pensamento
e a ação tem raízes políticas, sociais e econômicas.
Isso nos coloca frente a outras reflexões:
Existem diferentes níveis de conhecimento? Como o homem
estabelece correlações entre o discurso científico e discurso
filosófico? O que nos revela o discurso científico e o discurso
filosófico?

A filosofia da ciência teria surgido como área de investigação intelectual, em me-


ados do século XIX. E, até o final do século XX, o seu principal foco de estudo foi
responder a seguinte questão: o que é ciência?
Devemos supor, inicialmente, que para responder a essa questão, precisamos supor
que a ciência existe e que se trata de um conhecimento com características especiais,
tais como as elencadas por Kant no século XVIII: objetividade, exatidão, racionalida-
de, neutralidade, verdade e universalidade. Seria isso mesmo?
A determinação, ou melhor, a explicitação dessas características nas teorias cien-
tíficas, seria atribuição dos responsáveis pela criação desse tipo de conhecimento: os
cientistas. No entanto, a sua justificativa, principalmente frente a outros grupos, tam-
bém eles produtores de conhecimento, como os técnicos e práticos, deveria ser alvo de
atenção. A filosofia da ciência nasceu precisamente com este propósito. Nunca foi pre-
tensão da filosofia da ciência questionar a existência da ciência ou, depois desta última
ter mostrado a sua relevância prática, colocar em xeque a sua possibilidade enquanto
conhecimento.
A filoso- A filosofia da ciência se ocupa de saber como se desenvolvem,
fia da ciência avaliam e mudam as teorias científicas, e se a ciência é capaz de re-
relaciona-se velar a verdade das entidades ocultas e os processos da natureza. Al-
com a episte- guns cientistas mostram um grande interesse pela filosofia da ciência
mologia e a on- e alguns poucos, como Galileu, Newton, Einstein, Bohr fizeram im-
t o - logia, à medida que portantes contribuições nessa área. Por outro lado, muitos preferem
busca explicar a natureza dos deixar a filosofia da ciência aos filósofos e continuar “ fazendo ciência”,
conceitos científicos, as for- em vez de dedicar algum tempo em considerar em termos gerais “como
mas como são produzidos,
se faz a ciência”.
os meios para validação das
Já para os filósofos, a filosofia da ciência tem sido um problema
informações, a formulação
central. Na tradição ocidental, entre os filósofos destacam-se, antes
e uso do método científico,
as implicações dos modelos do século XX, Aristóteles, Descartes, Hume e Kant. Grande parte
científicos para a sociedade. da filosofia da ciência é indissociável da epistemologia, a teoria do
conhecimento.

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A Epistemologia: O q u e é e pa r a q u e s e r v e ?

Fonte: Wikimedia Commons


Como o conhecimento científico é construído?
Como evolui? Quando e em que condições um
conhecimento adquiri o status de Ciência? Que
critérios são utilizados para demarcar o que é
ciência e o que não é?

Atualmente essas questões são cada vez mais


relevantes para cientistas, professores, historiadores
da ciência, divulgadores e todos aqueles que se inte-
ressam de alguma forma por questões científicas. Há
grande fluxo de informações sobre Ciência, que che-
gam rapidamente à população em geral, os resultados
de pesquisas científicas, as novas descobertas, rapida-
mente estão na mídia e dependendo da ênfase ou do
impacto social que podem causar, adquirem status de Um diagrama de Venn simplifica-
manchete. Como por exemplo, a descoberta das células-tronco e o reflexo do sobre a definição de P latão
que a evolução das pesquisas nessa área pode ter na espécie humana.
sobre conhecimento.
A epistemologia é o estudo da produção do conhecimento e trata
de responder essas questões. Para entender seu significado, é sempre mais fácil pensar
na etimologia da palavra: “epistemologia” vem do grego e deriva-se das palavras “epis-
teme”, que significa “ciência”, e “logia” que significa “estudo”, então, pode ser definida
como “o estudo da ciência” ou “teoria do conhecimento”. De outra forma é um estudo
filosófico da origem, do desenvolvimento e âmbito de validade do conhecimento cien-
tífico.
Platão pode ser considerado o primeiro filósofo do conhecimento ou epistemólogo,
por tratar o conhecimento como uma “crença verdadeira e justificada”.

A epistemologia e o Ensino de Ciências

Diversos são os aspectos em que a epistemologia da ciência pode contribuir para o


estabelecimento de estratégias para o ensino e para a compreensão do processo ensino-
aprendizagem. Em alguns aspectos, os epistemólogos divergem entre si; em outros,
eles concordam. Assim, apesar de não ser possível constituir um arcabouço coerente
pela simples junção das obras dos epistemólogos, é possível o destaque de alguns ele-
mentos importantes para a fundamentação de metodologias de ensino. Por este motivo,
estamos agora, propondo uma primeira incursão na obra de dois importantes episte-
mólogos do século XX.

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Va m o s co nhecer um pouco so br e as co ntr ibuições de T h o m a s S.
Kuh n e G a s t o n B a c h e l a r d?

Gaston Bachelard
Thomas S. Ku
hn

Antes de prosseguir...

Leia o livro:

Alves, Rubens. Filosofia da Ciência. Introdução ao jogo e suas regras. Editora
Brasiliense, 1985.

Observação: é possível encontrar para leitura, a versão eletrônica desse livro na


internet http://www.scribd.com/doc/6787965/Filosofia-Da-Cien-
cia-Rubem-Alves.

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A Epistemologia de Gaston
Bachel ar d

U ma das principais características da história das ciências no século XIX é a de procurar


estabelecer uma diferença entre o período pré-científico e o período científico. Podemos
citar como exemplos, a história da Química e da Física. Na Química é possível encontrar
o período pré-Lavoisier e pós-Lavoisier, como você já estudou em fascículo anterior. Já na
Física podemos citar o período grego e o período clássico.
Os epistemólogos procuraram encontrar as características especificadoras da pré-ciência, para com-
preender o domínio do erro e da verdade, do subjetivo e do objetivo. E será nesse âmbito que se desenvol-
verá as explicações da ciência para o período pré-científico e para o período científico. Algumas descober-
tas da micro-física e a crise da razão, fizeram surgir no âmbito da ciência a importância da discussão da
dimensão subjetivista do conhecimento.
Dessa forma, o papel da subjetividade na produção do conhecimento científico, obrigou a reformula-
ção das teorias explicativas da história das ciências. E foi então que a polêmica surgiu: haveria uma conti-
nuidade ou uma descontinuidade na história do desenvolvimento do conhecimento científico?
A corrente dos descontinuistas é defendida, entre outros, pelo filósofo das ciências Gaston Bachelard.
Vamos conhecê-lo um pouco mais? Para isso leia o texto: Uma breve biografia de Gaston Bachelard.

Breve Biografia de Gaston Bachel ard

Oriundo de uma província muito rústica e de uma família humilde, Gas-


ton Bachelard sempre trabalhou enquanto estudava. Nasceu no século XIX,
no dia 27 de junho de 1884 em Bar-sur-Aube, Champagne, França. Em 1913
conclui a Licenciatura em Matemática e em 1919 entra para o ensino secundá-
rio, dando início a carreira de professor de ciências (Química e Física), embora
a sua ambição fosse ser engenheiro. Nessa época, nos colégios, um professor
dedicava-se a diversas disciplinas: para os poucos alunos das “turmas superio-
res” ele foi, ocasionalmente, o encarregado pela filosofia. Teve que intensificar
suas leituras e aos 35 anos empreende novos estudos. Seus ensaios começam a
aparecer a partir de 1928, tais como: ensaio sobre o conhecimento aproximado;
estudo sobre a evolução de um problema em Física: a propagação térmica dos
sólidos. Em 1930 é convidado para lecionar na faculdade de letras de Dijon e
em 1940 entrou para a Sorbonne. Em 1961 obteve o Grande Prêmio Nacional
de Letras e em 1962 morre em Paris, no dia 16 de outubro.

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At i v i d a d e de Pesquisa
Gaston Bachelard é conhecido como o pai da epistemologia
Faça uma pesquisa em
contemporânea. Além disso, foi considerado como sendo um racionalista
livros e na Internet sobre a
ardente, ironizador da filosofia, malicioso como pessoa, pacifista, uma
corrente dos continuistas da
pessoa com extraordinária agilidade intelectual e um grande professor.
história da ciência e
As obras de Bachelard possuem duas vertentes: a científica e a
seus filósofos.
poética. Veja as suas principais obras:

ANO Título da Obra Título da Obra em francês


1914 A Água e o Sonho L’eau et les rêves
1934 O Novo Espírito Científico Le nouvel esprit scientifique
1937 A Psicanálise do Fogo La psychanalyse du feu
1938 A Formação do Espírito Científico La formation de l’esprit scientifique
1940 A Filosofia do Não La philosophie du non
1945 A Terra e os Devaneios da Vontade La terre et les rêveries de la volonté
1948 A Terra e os Devaneios do Repouso La terre et les rêveries du repos
1948 O Racionalismo Aplicado Le rationalisme appliqué
1953 O Materialismo Racional Le matérialisme rationnel
1957 A Poética do Espaço La poétique de l’espace
1960 A Poética do Devaneio La poétique de la rêverie

Uma outra forma conhecida de classificar as obras desse epistemólogo da ciência


seria a seguinte: Bachelard Diurno e Bachelard Noturno. As obras classificadas em Diur-
no e Noturno são:
Bachelard ‘diurno’ – O Novo Espírito Científico (1934), A Formação do Espírito
Científico (1938), A Filosofia do Não (1940), O Racionalismo Aplicado (1949) e O
Materialismo Racional (1952);

Bachelard ‘noturno’ – A Psicanálise do Fogo (1938), A Água e os Sonhos (1942),


O Ar e os Sonhos (1943), A Terra e os Devaneios da Vontade (1948), A Poética do
Espaço (1957).

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Nova porque
As obras de Gaston Bachelard foram escritas no contexto de uma Revolução é ruptura e
Científica do início do século XX: a teoria da Relatividade de Albert Einstein. Havia não continuação
nesse momento histórico a necessidade de uma nova filosofia e uma nova epistemolo- ou acumulação
gia para a nova ciência: a historicidade da epistemologia e a relatividade do objeto.

Os co ntem po r âneos de Bachel ar d

Jean Piaget, Wallon, Vygotsky, Freud, Jung, Adorno, Heidegger, George


Canguilhem, Max Weber, Alexandre Weber, dentre outros.

At i v i d a d e de Pesquisa

Faça uma pesquisa e apresente uma breve biografia de alguns contemporâneos de


Bachelard. Quais foram suas principais obras? Qual deles influenciou ou foi influencia-
do pelas ideias bachelardianas?

Co nsider açõ es G er ais sobre a Epistemologia de Tr e c h o d e


Gaston Bachel ar d “A P o é t i c a do
E s pa ç o ”:
- Toda a obra de Bachelard está marcada por uma reflexão
sobre as filosofias implícitas nas práticas efetivas dos cientistas. "Demasiadamente tarde, conheci a
Para alguns autores1, o projeto de Bachelard consiste ‘em boa consciência, no trabalho alternado
dar às ciências a filosofia que elas merecem”; das imagens e dos conceitos, duas boas
consciências, que seriam a do pleno dia e
- A atividade epistemológica para Bachelard era o de refletir a que aceita o lado noturno da alma".
sobre os métodos, a significação cultural, o lugar, o alcance e os
(BACHELARD, 1957, apud JA-
1 Hilton Japiassu.
PIASSU, 1976, p.47).

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limites do conhecimento científico e, nesse sentido, a função essencial da filosofia é a
construção de uma epistemologia;

- Dentre as várias correntes epistemológicas (genética/lógica), Bachelard situa-se


em uma corrente que se opõe muito mais a uma análise da história da ciência, de suas
revoluções, bem como das démarches do espírito científico (epistemologia histórica);

- Para alguns filósofos, como Canguilhem, Bachelard revolucionou a epistemo-


logia contemporânea. Introduziu os conceitos de Recorrência, Vigilância, Obstáculo e
Corte epistemológicos. Esses conceitos você irá entender melhor nas páginas seguintes;

- Pode-se salientar da epistemologia bachelardiana três aspectos fundamentais


(contido no racionalismo aplicado), são eles:
a) o primado do erro teórico, o conhecimento progride pela descoberta de
erros. Não há verdades primeiras, mas erros primeiros;
b) as intuições são úteis para serem destruídas, as primeiras intuições, o
“dado”, o conhecimento imediato, correspondem a experiências íntimas e a in-
timidade é sempre capciosa (astuta, manhosa). O conhecimento científico re-
cusa todo o dado natural que não for purificado pela razão. O conhecimento
científico é sempre resultado de um conhecimento segundo;
c) compreendemos o real à medida que a necessidade o organiza: a razão
polêmica, opondo-se à intuições primeiras, implica reflexão e organização do
real. A ciência não parte diretamente do real, mas constrói os modelos racio-
nais, segundo os quais nos aproximamos dele.

Segun- Algumas das P r e o c u pa ç õ e s F i l o s ó f i c a s de Bachel ar d


do Bachelard,
pensar cientifica-
mente é colocar-se en- 1. Uma filosofia adequada ao novo espírito científico: a crítica do conhecimen-
tre a teoria e a prática, to científico deve ajustar-se ao espírito da própria ciência.
entre a matemática e a
experiência. 2. Concepção descontínua da ciência: pensou-se durante muito tempo, que o
progresso histórico das ciências era contínuo e determinado pela necessidade
natural (concepção naturalista) que o homem sentia de transformar o mundo.
Assim, a história das ciências era concebida como uma caminhada que, par-
tindo do senso comum, ia das descobertas mais simples para as mais comple-
xas e difíceis, sempre num aprofundamento de verdades, que se conjugavam
para melhor compreender e transformar a realidade. A essa concepção natura-
lista e continuista da história da ciência, Bachelard apresenta uma concepção
lúdica e descontínua da ciência.

3. Concepção lúdica: em sua obra ‘A Água e os Sonhos’ Bachelard escreveu: “ dese-


ja-se sempre que o homem pré-histórico tenha resolvido engenhosamente o problema

8  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


da sua subsistência, recorrendo à utilização de instrumentos (...). A utilidade de na-
vegar não é suficientemente clara para determinar o homem pré-histórico a entalhar
uma canoa. Não há utilidade alguma que legitime o risco imenso de partir sobre as
ondas. Para enfrentar a navegação, é preciso que haja interesses poderosos. Ora, os
verdadeiros interesses poderosos são quiméricos (utópicos). São os interesses sonhados e
não os que se calculam. São os interesses fabulosos”. Assim, para Bachelard, o homo
faber (como expressão de uma necessidade biossocial) é uma criação artificial
do naturalismo. O homem da técnica é o homo ludus, porque segundo Bache-
lard, “foi na alegria e não na dor que o homem encontrou o seu espírito. A
conquista do supérfluo dá uma excitação espiritual maior do que a conquista
do necessário. O homem é uma criação do desejo e não do necessário”. Desse
modo, não são as necessidades culturalmente vividas na história dos povos que
fazem determinar o avanço da ciência, mas sim os impulsos do devaneio, do
poder do sonho e da expressão de um desejo.

4. A dupla descontinuidade, histórica e epistemológica. Na percepção de Bachelard


as ciências contemporâneas nada teriam em comum com as ciências do pas-
sado, afirmando-se pela recusa, pela descontinuidade, pelo não. Assim, a
história das ciências pressuporia revoluções e não evoluções.

Pense e responda: Vo c ê co nco r da com Bachel ar d nesse


a s p e c t o? A r g u m e n t e .

Sob o ponto de vista de Bachelard, então, a descontinuidade histórica


manifesta-se sempre que uma nova disciplina surge na história do saber, ou
quando são formulados novos axiomas numa ciên-
cia já concebida. Existem exemplos que ilustram F i q u e at e n t o !
isso que Bachelard afirma? Sim, veja o caso da
geometria não-euclidiana ou da física não-newto- O que Bachelard chama de desconti-
niana. nuidade epistemológica, seria a rup-
No que se refere a descontinuidade episte- tura com categorias, evidências ou
mológica, a própria linguagem da ciência está em explicações anteriormente concebidas.
estado de permanente revolução semântica. Em
outros termos, existiria para Bachelard uma cons-
tante transposição de linguagem entre o senso comum e o conhecimento
científico, o que caracterizaria uma descontinuidade epistemológica.
Nessa perspectiva bachelardiana, ao contrário do que nos faz crer o sen-
so comum, as coisas de que o mundo se estrutura não seriam interpretadas
e aprendidas imediatamente pelos sentidos. A realidade que constitui o
nosso conhecimento é produzida mediante conceitos e relações entre concei-
tos. Desse modo, Bachelard nos ensina que a linguagem seria um instru-
mento científico. Por sua vez, o pensamento científico exige uma nova lin-

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guagem – neolinguagem – por se tratar de um tipo de pensamento abstrato e
teorizador, onde conceitos do senso comum ganham significados totalmente
novos para traduzirem novas reformulações e condensarem novas teorias.
A ruptura entre o conhecimento do senso-comum e conhecimento
científico é explícita e cada um desses conhecimentos corresponde a filosofias
diferentes. Assim, o empirismo é a filosofia que convém ao senso comum,
enquanto o racionalismo é adequado ao conhecimento científico. Leia o
texto de Bachelard: Será que a filosofia que convém ao senso-comum é a mesma
que convém à ciência?

Será que a filosofia que convém ao senso - comum é a


m e s m a q u e c o n v é m à c i ê n c i a?

“Nas nossas diferentes obras consagradas ao espírito científico, vá-


rias vezes tentamos chamar a atenção dos filósofos para o caráter decidi-
damente específico do pensamento e do trabalho da ciência moderna. Sempre
nos pareceu cada vez mais evidente, no decorrer dos nossos estudos, que o espí-
rito científico contemporâneo não poderia estar em continuidade com o simples bom
senso, que esse novo espírito científico representava um jogo mais arriscado, que formulava
teses que podem chocar o senso comum. Cremos, com efeito, que o progresso científico mani-
festa sempre uma ruptura, perpétuas rupturas, entre conhecimento comum e conhecimento
científico, desde que se aborde uma ciência evoluída, uma ciência que, precisamente por
essas rupturas, traz a marca da modernidade. (...) Por vezes, o epistemólogo continuista
engana-se quando julga a ciência contemporânea por uma espécie de continuidade de ima-
gens e de palavras. Quando foi preciso imaginar o inimaginável domínio do núcleo atômico,
propuseram-se imagens e fórmulas verbais inteiramente relativas à ciência teórica. Natu-
ralmente que não é necessário tomar essas fórmulas à letra e dar-lhes um sentido direto. Uma
constante transposição da linguagem rompe então a continuidade do pensamento comum e
do pensamento científico. (...) Entre o conhecimento comum e o conhecimento científico a
ruptura parece-nos tão nítida que esses dois tipos de conhecimento não poderiam ter a mesma
filosofia. O empirismo é a filosofia que convém ao senso comum. O empirismo encontra aí
a sua raiz, as suas provas, o seu desenvolvimento. Pelo contrário, o conhecimento científico
é solidário do racionalismo e, quer se queira quer não, o racionalismo está ligado à ciência
e reclama fins científicos. Pela atividade científica, o racionalismo conhece uma atividade
dialética que exige uma extensão constante dos métodos”.

(Gaston Bachelard em O Materialismo Racional)

5. A necessidade de psicanalisar o conhecimento científico. A visão equivocada de


que a ciência moderna se contrapunha à ideologia, inseriu uma imagem do
universo como algo semelhante a um imenso mecanismo perfeito e acabado,
onde se conhecêssemos as leis mecânicas da natureza, tudo poderia ser me-
ticulosamente previsto. Isso enraizou a crença de que na ciência não

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há espaço para o erro ou para a dúvida (leia o texto de Bachelard: O
conhecimento deve ser psicanalisado). Essa visão perfeccionista e acabada da
ciência estaria ligada, segundo Bachelard, ao caráter psicologicamente con-
creto da alquimia (que você já estudou no fascículo II do módulo I), que por-
tanto corresponde a representações pré-científicas. Assim, as experiências dos
alquimistas estariam carregadas de uma simbologia inconsciente, animista e
valorativa, portanto, contrária à incerteza, ao transitório e ao aproximativo
que caracterizam o espírito científico. É nesse sentido que Bachelard afirma
que as representações fantasiosas, que são próprias da pré-ciência, persistem
na cultura científica com autênticas seduções e, que portanto, necessitam ser
psicanalisadas. No entendimento bachelardiano, estariam ligadas à concepção
de natureza, surdas paixões, fantasiosas imagens, desejos inconscientes e isso
tudo necessita de uma catarse intelectual, de forma que seja possível atingir
a objetividade e a precisão. Resumindo, a psicanálise do conhecimento cien-
tífico a qual se refere Bachelard, seria uma espécie de pedagogia do novo
espírito científico, ou seja, a psicanálise deve ajudar a substituir o espírito
do pensamento noturno pelo espírito do pensamento diurno, isto é, um pen-
samento crítico, vigilante e ironizador (lembre-se que para Bachelard existe
o mundo noturno do devaneio e o mundo diurno do espírito crítico). Leia o
texto de Bachelard: Qual a importância da problematização no pensamen-
to científico?

O conhecimento de ve ser psic analisado

“O papel da filosofia científica é muito claro: deve psicanalisar


o interesse, arruinar todo o utilitarismo, por mais disfarçado que se
revele e por mais elevado que se pretenda, desviar o espírito do real para
o artificial, do natural para o humano, da representação para a abstração
(...) O amor da ciência deve ser um dinamismo psíquico autônomo. No estado de
pureza realizado por uma psicanálise do conhecimento objetivo, a ciência é a estética da
inteligência”.

(Bachelard, G. La formation de l’esprit scientifique, Vrin, Paris, 1965)

Para re conciliar a ciê ncia


e a f ilosof ia é ne cess ário, no e nte ndi -
me nto de Bache lard, c lari f icar o mundo
noturno e, e m se guida , ult rapass ar as re -
sistê ncias que impe de m uma consciê n -
cia crít ica e abe r t a.

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Q ual a i m p o r tâ n c i a d a p r o b l e m at i z a ç ã o n o p e n s a m -
e n t o c i e n t í f i c o?

“(...) é preciso saber pôr problemas. E, seja o que for que se diga, na
vida científica os problemas não se põem por si mesmos. É precisamente
esse sentido do problema que constitui a marca do verdadeiro espírito cien-
tífico. Para um espírito científico, todo o conhecimento é uma resposta a uma
interrogação, a uma questão. Não havendo interrogação, não pode haver conheci-
mento científico. Em ciência, nada acontece por si, nada nos é dado, tudo é construído. De
resto, mesmo um conhecimento adquirido através de um esforço científico pode declinar. A
interrogação abstrata e franca desgasta-se, enquanto a resposta concreta permanece: quando
isso sucede, a atividade intelectual inverte-se e bloqueia-se. (...) Hábitos intelectuais que
foram úteis e salutares acabam por se transformar em entraves à investigação. “O nosso
espírito”, disse justamente Bergson, “tem uma irresistível tendência para considerar como
mais clara a ideia que mais frequentemente lhe serve”. A ideia adquire assim uma clareza
intrínseca abusiva (...). Chega enfim um momento em que o espírito gosta mais do que con-
firma o seu saber que do que o contradiz, um momento em que tem mais apego às respostas
que às questões. Então, o instinto conservativo domina e o crescimento espiritual cessa”.

(Gaston Bachelard em A formação do Espírito Científico)

O s O b s tá c u l o s E p i s t e m o l ó g i c o s

Um dos conceitos centrais da obra de Bachelard é o dos Obstáculos Epistemológi-


cos (Bachelard, 1938). Segundo Bachelard, longe da ciência desenvolver-se de forma
cumulativa, existe uma espécie de descontinuidade na história das ciências, havendo
períodos não propriamente de inovações, mas de reorganização do conhecimento cien-
tífico.
A evolução da ciência é dificultada pelos assim chamados obstáculos epistemoló-
gicos, dentre os quais se destacam os elementos da própria ciência estabelecida, como
os resultados experimentais e a própria metodologia científica.
O primeiro e mais importante (no sentido de mais difícil de ser superado) é o
obstáculo proporcionado pela experiência primeira (será melhor detalhado adiante),
trata-se da primeira impressão (sobre um fato novo) que aparentemente se cristaliza
de forma mais estabilizada na mente dos indivíduos. Como exemplo de experiência
primeira, podemos destacar a concepção de que a Terra é plana: A primeira experiên-
cia que temos de “chão” - e que nos proporciona uma certa segurança - é de um plano
infinito, afinal, ao olharmos em todas as direções, constatamos experimentalmente que
o chão continua em todas as direções. A grande estabilidade da experiência primeira

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explica, de certa forma, os dois mil anos transcorridos entre a antiguidade clássica -
berço das ciências naturais - até Copérnico.
Conforme dito, a própria ciência se constitui num obstáculo episte-
mológico. Isso se deve ao fato de que uma ciência bem estabelecida produz “certezas”,
ou seja, os indivíduos adquirem uma certa segurança diante do fato de que suas cren-
ças podem proporcionar uma certa compreensão dos fenômenos. Como consequência
disso, os indivíduos passam a se “apegar” a tais crenças, tendo dificuldades em aban-
doná-las mesmo em condições em que evidências as contestem fortemente. É notável,
por exemplo, a crença de que dados quantitativos “provam” a exatidão de uma teoria,
gerando apego à mesma. Tal obstáculo pode descrever o enorme esforço despendido
pelos cientistas do séc. XIX ao relutarem em abandonar a teoria do éter.

O que foi a Te o r i a do É t e r?

Pesquise e responda!

Fonte: Wikimedia Commons

Extrapolando para a aprendizagem de ciências na sala de aula, pode-se prever que


os aprendizes devem apresentar uma certa fidelidade às suas experiências primeiras
(ou deveríamos chamar de experiências do cotidiano?), relutando em aceitar que elas
possam não corresponder à realidade. Numa segunda etapa, os mesmos aprendizes,
havendo compreendido a aplicabilidade de uma dada lei física, podem, da mesma for-
ma, se mostrar fidedignos a ela, não aceitando que ela possa não ser válida num deter-
minado contexto, como, por exemplo, tender a aplicar a “fórmula” F = ma no caso em
que a massa do objeto em questão variar com o tempo, situação essa em que a expressão
é absolutamente inválida. Como ele poderia abandonar F = ma se ela se mostrou tão

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esplendidamente exata em tantas situações?
A questão dos obstáculos epistemológicos exige do educador em ciências, a
responsabilidade de deixar claro aos alunos que as leis físicas são válidas em âm-
bitos restritos, ou seja, que as leis fundamentais das ciências não expressam verdades
absolutas. Desta forma, poderemos evitar o “enraizamento” do aprendiz numa visão
particular de mundo. Nesse sentido é que, para Bachelard, a dialética desempenha um
papel central. Por dialética, nesse contexto, entende-se que, ao carregar uma ideia,
deve-se levar junto a contraideia. Devemos continuamente questionar a validade de
todas as “verdades”. Somente dessa forma, poderemos promover o verdadeiro espírito
científico.
A obra de Bachelard pode contribuir para o ensino de ciências, em particular da
Ciência Contemporânea, até porque, o grande motivador que levou Bachelard a es-
crever duas de suas principais publicações (A Formação do Espírito Científico e O Novo
Espírito Científico) foi o advento da Física Moderna (Mecânica Quântica e Relativida-
de). Para Bachelard, o novo espírito científico seria implantado com a compreensão da
Física Moderna. Para isso, ele defende o ponto de vista que o indivíduo deve procurar
romper as suas convicções mais arraigadas, procurando continuamente reformular
o seu ponto de vista.
Em O Novo Espírito Científico, Bachelard defende explicitamente a ruptura com
o pensamento cartesiano (clássico) em prol da implementação de um pensamento não-
clássico:

Não há, portanto, transição entre o sistema de Newton e o sistema de


Einstein. Não se vai do primeiro ao segundo acumulando conhecimentos,
redobrando os cuidados nas medidas, retificando ligeiramente os princípios.
É preciso, ao contrário, um esforço de novidade total. Segue-se, pois, uma
indução transcendente e não uma indução amplificante, indo do pensamento
clássico ao pensamento relativista. Naturalmente, após esta indução pode-se,
por redução, obter a ciência newtoniana. A astronomia de Newton é, pois,
finalmente um caso particular da Pan-astronomia de Einstein. (Bachelard,
1934, p.44).

Assim, podemos nos perguntar: caberia, então, ao professor do ensino médio, pro-
mover uma visão não-clássica de toda a ciência? O que seria uma tarefa relativamente
difícil de ser obtida, se não considerarmos relevante o estudo de tópicos da ciência
moderna e contemporânea, na formação desses profissionais. Não bastaria, pois, para
Bachelard, a simples introdução de novos tópicos pertinentes às fases mais recentes
do conhecimento científico, no ensino médio, mas a modificação de toda uma pos-
tura e percepção de mundo.

14  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


O b s tá c u l o s E p i s t e m o l ó g i c o s

Bachelard distingue diversas formas pelas quais o espírito pré-científico (ou seja,
para aqueles que ainda não desenvolveram uma noção adequada de ciência) tem di-
ficuldade de pensar a ciência. Nesta seção será feita uma descrição desses obstáculos
epistemológicos, bem como uma discussão sobre como eles podem ser empregados.
Procurou-se identificar e caracterizar cada obstáculo epistemológico, contudo, como
adverte o próprio autor na introdução da sua obra (Bachelard, 1996), tal caracterização
não é tão simples porque eles não são completamente distintos. Há pontos em comum
entre alguns obstáculos, como por exemplo, o obstáculo da libido que possui uma
componente substancialista e outra animista. Assim, a identificação de oito obstáculos
epistemológicos na obra de Bachelard, conforme descrito a seguir, pode não corres-
ponder à única classificação possível, já que, propositadamente, na própria obra, o autor
não se utilizou de uma redação que proporcionasse uma classificação rígida. Contudo,
para minimizar possíveis vieses, optou-se por apresentar diversos trechos “do próprio
punho” de Bachelard.

O O b s tá c u l o da Experiência Primeira:

O primeiro obstáculo apontado por Bachelard (e, talvez, o mais difícil de ser re-
movido) é o da experiência primeira, ou seja, a primeira informação coerente aprendida
sobre um determinado tópico. Por algum motivo, o ser humano se apega a essa primei-
ra informação e tem dificuldade de lidar com ideias ou fatos que lhe são contrários. Um
exemplo comum é o do leigo que acredita que a Terra seja plana, apenas por observar
isso olhando a sua volta. Outro exemplo importante, é a teoria de força e movimento
de Aristóteles, que acreditava que todos os corpos na Terra se movem em linha reta,
enquanto os corpos celestes se movem em trajetórias circulares (Piaget e Garcia, 1987).
Tudo o que está no céu é perfeito, sendo o círculo a trajetória perfeita; enquanto que o
que é mundano é imperfeito. Os corpos terrestres, sendo constituídos de ar, terra, água
e fogo, se moveriam em trajetórias retilíneas, pois esses elementos se movem em linhas
retas, em diferentes direções e sentidos: O fogo para cima, a água e a terra para baixo
e o ar em todas as direções. Assim, era natural para Aristóteles, que uma pedra, por
exemplo, continuasse a se mover, mesmo após não estar mais em contato físico com a
mão que deu início ao movimento, empurrada pelo ar. Tal teoria se baseava em algu-
mas observações acríticas imediatas (que os corpos celestes aparentemente se movem
em trajetórias circulares ao redor da Terra, que o fogo se move “para cima” e os corpos
sólidos e líquidos se movem “para baixo” quando abandonados, que o vento empurra
os barcos na horizontal, etc.) e em ideias prévias (que todos os corpos terrestres eram
constituídos de ar, água, fogo e terra).

Na formação do espírito cientifico, o primeiro obstáculo é a experiência


primeira, a experiência colocada antes e acima da crítica – crítica esta que

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é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico. (Bachelard,
1996, p.29).

A característica fundamental desse obstáculo é a ausência da crítica. Assim, Aris-


tóteles acredita que o ar sempre favorecerá o movimento (de modo que o movimento
no vácuo é impossível), mesmo sendo possível perceber que o ar resiste ao movimento,
por exemplo, no caso de um atleta que corre. Além do mais, seria possível perceber que,
se é o ar que empurra os corpos, uma flecha com uma ponta na sua parte posterior não
deveria se mover rapidamente e, se o ar é forte o suficiente para manter um barco se
movendo por inércia, mesmo durante algum tempo após suas velas serem recolhidas,
ele deveria também esmagar as pessoas que estivessem na popa (Piaget e Garcia, 1987).
Contudo, esse tipo de percepção não foi buscada por Aristóteles, e nem por nenhum
pensador nos séculos seguintes, pois lhes era suficiente uma teoria prévia sobre como
ocorrem as coisas. A crítica à teoria aristotélica somente ocorreria, pela primeira vez,
no séc. V, com Filipon, enquanto que uma teoria crítica somente apareceria no séc.
XIII, com Jean Buridan (Op.Cit.).
Outra característica importante do obstáculo primeiro é a sua natureza empirista.
Conforme comentado acima, a sua origem, como no caso da teoria de Aristóteles, é
empírica, ou seja, de natureza observacional acrítica.
Para combater o obstáculo epistemológico da experiência primeira, Bachelard
propõe uma espécie de rebelião contra a Natureza:

...o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o que é, em


nós e fora de nós, o impulso e a informação da Natureza, contra o arreba-
tamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro (...), compreendemos a
Natureza quando lhe oferecemos resistência. (Op. Cit., p.29)

Ou seja, o cientista deve estar disposto a colocar suas convicções à prova, nunca
acreditando fielmente nas impressões que são formadas através de seus órgãos de senti-
do ou de seus instrumentos de medida. O cientista deve lutar contra a tendência geral
de apego à primeira impressão, apego este que tem um fundo irracional:

... o que existe de mais imediato na experiência primeira somos nós mesmos,
nossas surdas paixões, nossos desejos inconscientes...(Ibid, p.57).

O obstáculo da primeira impressão, contudo, é um processo pelo qual deve passar


todo cientista – e, por extensão, todo aprendiz – bem como o processo de sua libertação
pela crítica racional. Isso porque, segundo Bachelard, a primeira etapa da formação do
espírito científico é a primeira impressão, que, sendo acrítica, representa em princípio
um erro.
Não é pois de se admirar que o primeiro conhecimento objetivo seja um pri-
meiro erro. (Ibid, p.68).

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O O b s tá c u l o do Conhecimento Ger al:

O primeiro obstáculo é de natureza empírica. Contudo não representa o único


“perigo” ao espírito científico. Há também o extremo oposto: um apego a argumentos
de natureza idealista pouco respaldados em fatos experimentais, que se manifestam
principalmente por generalizações também acríticas:

...a ciência do geral sempre é uma suspensão da experiência, um fracasso do


empirismo inventivo. (Ibid, p.69).

Nesse caso, o “perigo” também tem uma componente psicológica, que também se
manifesta como um apego a ideias simplórias:

Há de fato um perigoso prazer intelectual na generalização apressada e fácil.


(Ibid, p.69).

Tal prazer intelectual pode ser compreendido como um sentimento de confor-


to diante de uma ideia que pode explicar imediatamente algum fenômeno, mas que
apresenta a mesma fragilidade do primeiro obstáculo: essa ideia imediata é quase que
irremediavelmente generalizada e aplicada em outros contextos onde ela não é de fato
válida:

...a busca apressada da generalidade leva muitas vezes a generalidades mal


colocadas, (Ibid, p.70).

Mas uma espécie de “preguiça mental” faz com que o cientista (ou aprendiz) não
perceba facilmente as limitações da ideia pré-concebida, que, em muitos casos, não
passa de uma mera definição:

...a inércia do pensamento que se satisfaz com o acordo verbal das definições.
(Ibid, p.71).

Diversas crenças humanas têm essa característica. Por exemplo, na Idade Média
acreditava-se que as doenças eram devidas à presença do mal no corpo das pessoas.
Daí a lógica de que a sangria seria um tratamento eficaz, pois seria um método de se
extrair o mal do organismo. Como exemplo do processo da generalização das ideias,
Bachelard cita o exemplo (Ibid, p.74) de que, no final do séc. XVIII, época em que a
teoria eletromagnética era uma das áreas de ponta da ciência, utilizava-se o “fluído elé-
trico” para explicar os mais diversos fenômenos, como a tentativa de Abbé Bertholon
de associar as épocas do ano em que supostamente John Milton era mais “genial” com
a quantidade de eletricidade presente na atmosfera.
Pensando nos dois primeiros obstáculos epistemológicos, Bachelard adverte que
deve-se precaver de ser levado a quaisquer um dos dois extremos: O do pensamento

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empírico, particular, da experiência primeira e do pensamento ideal e genérico do se-
gundo obstáculo:

...o espírito científico pode enganar-se ao seguir duas tendências contrárias: a


atração pelo particular e a atração pelo universal. (Ibid, p.75).

O caminho para se precaver desses dois extremos seria uma espécie de “caminho
do meio” no qual

...será preciso então deformar os conceitos primitivos, estudar as condições de


aplicação desses conceitos e, sobretudo, incorporar as condições de aplicação de
um conceito no próprio sentido do conceito. (Ibid, p.76).

Tal recomendação reporta à compreensão do âmbito de validade dos conceitos,


bem como seu campo de aplicação.

O O b s tá c u l o V e r b a l :

Como terceiro obstáculo epistemológico, Bachelard destaca que a própria termi-


nologia utilizada na descrição de uma ideia ou teoria pode limitá-las. Esse obstáculo,
em alguns casos, pode estar fortemente relacionado com o obstáculo do conhecimento
geral, mas não pode ser reduzido a esse. Por vezes, uma palavra adquire tal peso numa
teoria ou conjunto de ideias, que ela deturpa e impede o desenvolvimento da ciência.
A utilização de certas palavras de maneira sobrevalorizada, resulta no aparecimento de
“hábitos de natureza verbal”, ou seja, termos mal colocados que extrapolam seu próprio
âmbito de validade:

Pretendemos assim caracterizar, como obstáculos ao pensamento científico,


hábitos de natureza verbal. (Ibid, p.91).

Como exemplo desse obstáculo, Bachelard apresenta a palavra “esponja”, que foi
utilizada indevidamente em diversas ocasiões na história da ciência. Uma dessas ocasi-
ões corresponde ao ano de 1731, quando Réaumur propõe que o ar é como uma esponja
(Ibid, p.92), e, então, a umidade do ar pode ser explicada porque o ar pode “sugar” a
água. É claro que esse tipo de modelo incorre numa incoerência fundamental: a água,
no ar, não está em estado líquido. Segundo Bachelard, tal obstáculo acontece devido a
um apego a palavras específicas. Assim, analogias são estabelecidas além de qualquer
limite. Tudo fica facilmente explicado: o ar é uma esponja, o pulmão é uma esponja,
assim como a pele, a terra, etc., evitando, desta forma, o penoso processo de reflexão
crítica.
O problema da verbalização ou da linguagem, tanto na compreensão como no

18  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


ensino da Mecânica Quântica, é de particular importância, pois, dado o grau de abs-
tração dos conceitos, há um risco considerável de que os conceitos sejam deturpados em
função de uma palavra ou frase mal colocada. O mundo ou domínio atômico parece
apresentar-se como uma junção (ou acoplamento) de concepções contrárias. Percebe-se
isso muito bem, na relação de incerteza de Heisenberg, traduzida na forma de desi-
gualdade matemática. Ao designar a posição de uma partícula pela variável q e a quan-
tidade de movimento pela variável p, as incertezas de cada uma delas (Dq e Dp) estão
relacionadas por:


DqDp ≥
2
onde  é a constante de Planck, h , dividida por 2 π . Esta é, portanto, uma ma-
neira frequente de se expor a relação entre a precisão da medida de posição e de veloci-
dade ou momento cinético. Entretanto, é possível, por analogia, estender esta relação
de incerteza para outras variáveis, tais como, tempo e energia, ou ainda, a outras, num
aspecto todo matemático em que os parâmetros conceituais perderam já a intuitivida-
de.
Parece-nos então que o princípio de incerteza constitui-se em um novo método,
oferecendo um caminho para pensar o fenômeno microfísico em seus aspectos duais:
corpuscular e ondulatório. Trata-se, portanto, da junção de concepções conceituais an-
tagônicas e temos aí um problema de conceitualização onde, a partir do real, deve-se
descrever o imaginário. Fenômenos microfísicos são descritos a partir de observações
de seus “sinais” e não da observação experimental direta.
Mesmo que o princípio de incerteza parta da concepção de que não se deva utili-
zar grandezas que não são efetivamente mensuráveis, sabemos que os aspectos ondu-
latórios e corpusculares não podem ser medidos simultaneamente. Para “realizar” ou
tornar real o conceito de dualidade, não basta um traço de junção ou o acréscimo da
preposição “e” entre os dois adjetivos, formando o termo “onda-partícula” ou “onda e
partícula”. Instaura-se, aqui, um problema de conceitualização na Física Quântica, que
até nos dias atuais não está resolvido. Não há consenso sobre qual é o melhor termo
para descrever ou caracterizar a entidade quântica. Ou seja, empregamos palavras que
definem o mundo macroscópico num âmbito microscópico.
Os conceitos de onda e de partícula têm caráter universal distinto para descrever
o mundo clássico, fenômenos aos quais estamos acostumados a observar no mundo real
que temos contato direto, de onde tiramos informações, interagimos e conceitualiza-
mos.
Entretanto, a partir de Heisenberg e seu princípio, temos uma proposta de trans-
por o real – o palpável para o “real-imaginário” – e sentimos por isso as limitações das
atribuições realistas da linguagem.
Bachelard nos aponta que, de certa forma, devemos reagir aos “arrebatamentos
do pensamento falado” (Bachelard, 1985, p. 112).

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O O b s tá c u l o do C o n h e c i m e n t o U n i tá r i o e P r a g m át i c o :

Outro perigo importante ao espírito científico, no sentido de ser comum na his-


tória da ciência, é a tendência reducionista de atribuir aos fenômenos uma explicação
baseada no “poder da natureza”:

Mas há ainda a sedução de generalidades bem mais amplas (...) todas as


dificuldades se resolvem diante de uma visão geral de mundo, por simples
referência a um princípio geral da Natureza. (Bachelard, 1996, p.103).

Modelos científicos formulados ao longo da história exibiram essa tendência,


como no caso do Criacionismo. Esse obstáculo é caracterizado pela atribuição de pro-
priedades exageradas à Natureza, como se essa tivesse uma espécie de consciência pró-
pria ou poderes que definissem a realidade.

Um dos obstáculos epistemológicos em relação com a unidade e o poder atri-


buídos à Natureza é o coeficiente de realidade, que o espírito pré-científico
atribui a tudo o que é natural. Há nisso uma valorização indiscutida, sem-
pre invocada na vida cotidiana e que, afinal, é causa de perturbação para a
experiência e para o pensamento científico.(Ibid, p.113).

A partir de quando Bachelard salienta a “valorização indiscutida” desse obstáculo,


fica evidente que sua raiz reside na acriticidade das convicções formuladas pelo espírito
pré-científico.
O obstáculo unitário e pragmático, segundo o autor, possui uma componente
utilitária, ou seja, é considerado verdadeiro o que é útil:

A própria utilidade fornece uma espécie de indução muito especial que pode-
ria ser chamada de indução utilitária. (...) Todo pragmatismo, pelo simples
fato de ser um pensamento mutilado, acaba exagerando. O homem não sabe
limitar o útil. O útil, por sua valorização, se capitaliza sem medida. (Ibid,
p.114).
Logo, o verdadeiro deve ser acompanhado do útil. O verdadeiro sem função
é um verdadeiro mutilado. E, quando se descobre a utilidade, encontra-se a
função real do verdadeiro. Esse modo de ver utilitário é, porém, uma aber-
ração.(Ibid, p.117).

Tal tendência se manifestou com particular intensidade, na história da ciência, no


século XIX, quando grande parte da comunidade científica adotou a postura filosófica
do positivismo, o qual era caracterizado fundamentalmente pela defesa incondicio-
nal ao progresso tecnológico e à ciência aplicada (Durrant, 2000). Esse movimento
aconteceu concomitantemente com uma ampliação sem precedentes no parque indus-
trial mundial, utilização doméstica da eletricidade, expansão das telecomunicações,

20  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


invenção da locomotiva, do motor a combustão, do avião etc. Contudo, também con-
comitante com jornadas de trabalho de até 14 horas, trabalho infantil e ausência de
um modo geral de direitos trabalhistas. Na comunidade científica da época, o líder
dos positivistas era E. Mach, que defendia a ideia de reduzir todas as leis da Física ao
Princípio de Conservação de Energia.

A necessidade de generalização extrema, às vezes por um único conceito, leva


a ideias sintéticas que conservam o poder de seduzir. (...) Em 1786, aparece
o livro de Tressan, que (...) pretende explicar todos os fenômenos do Universo
pela ação do fluido elétrico. Em particular, para Tressan, a lei da gravitação
é uma lei de equilíbrio elétrico. (Ibid, p.117).

O O b s tá c u l o S u b s ta n c i a l i s ta :

Por obstáculo substancialista, Bachelard entende a tendência que os espíritos


pré-científicos manifestam em considerar que as propriedades das substâncias podem
ser generalizados sem limites, como se essas propriedades fossem mais universais que
os próprios objetos que as possuem:

Por sua tendência quase natural, o espírito pré-científico condensa num


objeto todos os conhecimentos em que esse objeto desempenha um papel, sem se
preocupar com a hierarquia dos papéis empíricos. Atribui à substância qua-
lidades diversas, tanto a qualidade superficial como a qualidade profunda,
tanto a qualidade manifesta como a qualidade oculta.(Ibid, p.121).

Contudo, Bachelard salienta a fragilidade dessa postura comparando-a com o


“avesso de uma luva”, ou seja, a dificuldade de reconhecer que nem sempre existe uma
substância propriamente dita no interior das coisas, e que as propriedades intrínsecas
das substâncias nem sempre podem ser estendidas a quaisquer situações:

(...) a noção psicológica do “vira-se do avesso como uma luva” está muito
arraigada no inconsciente. Deu origem, como se vê, a um falso conceito de
substância. (Ibid, p.125).

Como exemplo do obstáculo substancialista, Bachelard cita tratados do séc.


XVIII que consideram que o ouro é incorruptível; assim, misturado ao sangue, pre-
servaria uma pessoa de qualquer tipo de corrupção, “restabelecendo e reanimando a
natureza humana do mesmo modo que o Sol” (Ibid, p.170). Trata-se de um exemplo
claro da transgressão dos limites das propriedades do ouro, uma prática comum, se-
gundo o autor, por exemplo, feita pelos alquimistas. Para aquele espírito pré-científico
que é dominado por esse obstáculo, há uma grande dificuldade de libertação, devido ao
apego ao valor dos objetos e das substâncias, que é característica, segundo Bachelard,
do avarento; apego esse que nem os cientistas do século XVIII escaparam:

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade |  21


Exilar o ouro! Afirmar tranquilamente que o ouro não dá saúde, que o ouro
não dá coragem, que o ouro não estanca o fluxo de sangue, que o ouro não
dissipa os fantasmas noturnos, as más lembranças do passado e a culpa, que
o ouro não é a preciosidade ambivalente que defende o coração e a alma! Isso
exige um verdadeiro heroísmo intelectual; exige um inconsciente psicanali-
sado, isto é, uma cultura científica bem separada de qualquer valorização
inconsciente. O espírito pré-científico do século XVIII não conseguiu essa
liberdade de julgamento. (Ibid, p.171).

Novamente, o obstáculo substancialista representa uma tendência de fuga à


criticidade e à reflexão sobre suas próprias convicções:

Ora, o melhor meio de fugir às discussões objetivas é entrincheirar-se por trás


das substâncias, é atribuir às substâncias os mais variados matizes, é torná-
las o espelho de nossas impressões subjetivas. (Ibid, p.184).

O O b s tá c u l o A n i m i s ta :

Já o obstáculo animista representa a tendência psicológica do espírito pré-cien-


tífico em atribuir às coisas, propriedades dos seres vivos, como por exemplo, comparar
os processos geológicos de formação de jazidas minerais, com a geração de um embrião
no ventre materno, comparação esta que evidentemente não pode ser feita literalmente
e que, segundo Bachelard, representa um “obstáculo à efetividade da fenomenologia”:

É como obstáculos à objetividade da fenomenologia física que os conhecimen-


tos biológicos devem chamar a nossa atenção. (Ibid, p.185).

Segundo Bachelard, a utilização de construções animistas é tentadora para o espí-


rito pré-científico, porque existe uma espécie de atração mágica pela palavra “vida”, como
se ela representasse uma explicação completa e satisfatória para qualquer fato da realidade:

Vida é uma palavra mágica. É uma palavra valorizada. Qualquer outro


princípio esmaece quando se pode invocar um princípio vital. (Ibid, p.191).

Justamente por se tratar de uma explicação fácil para uma larga gama de fe-
nômenos (embora quase sempre não sendo verdadeira) é que o espírito “preguiçoso”
em refletir criticamente se apega ao animismo. A complexidade, a regularidade e a
capacidade de organização do vivo são tão atraentes e fascinantes para o espírito pré-
científico, que servem como uma explicação eficiente até para os fenômenos físicos:

...em certo estágio do desenvolvimento pré-científico, são os fenômenos

22  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


biológicos que servem de meio de explicação para os fenômenos físicos. (Ibid,
p.201).

O O b s tá c u l o da Libido:

Dada a natureza psicológica dos obstáculos epistemológicos, a libido também


deve estar correlacionada a um obstáculo epistemológico. Assim, a explicação para
diversos fenômenos da natureza teria uma espécie de “caráter sexual”, já que o sexo
tem como consequência, a criação e a transformação. Assim, tudo que se transforma o
faz porque anteriormente ali havia uma espécie de semente que germinou. Essa é uma
imagem ilustrativa do obstáculo da libido, da mesma forma que a esponja é da imagem
geral e o ouro do obstáculo substancialista:

...para ilustrar os grandes obstáculos epistemológicos, escolhemos exemplos


particulares: para o obstáculo constituído por uma imagem geral, estudamos
os fenômenos da esponja; para o obstáculo substancialista, estudamos o ouro,
o que nos propiciou fazer a psicanálise do realista. No que se refere ao obstá-
culo constituído pela libido, concretizaremos e especificaremos nossas observa-
ções ao estudar a ideia de germe e semente. (Ibid, p.227).

Como exemplo dessa tendência na história da ciência, Bachelard destaca a forma
com que os alquimistas interpretavam os fenômenos físicos:

Mas a libido não precisa de imagens tão explícitas e pode contentar-se em


interiorizar forças mais ou menos misteriosas. Nessa interiorização, as
intuições substanciais e animistas se reforçam. A substância acrescida de um
germe garante seu devir. (...) para o alquimista todo interior é um ventre,
ventre que se deve abrir. (...) O alquimista, como todos os filósofos valoriza-
dores, procura a síntese dos contrários. (Ibid, p.236).

A síntese dos contrários era tida, pelos alquimistas, como o processo fundamen-
tal por meio do qual os fenômenos acontecem. Nos tratados alquímicos, são comuns os
desenhos retratando o rei e a rainha deitados no leito, representando os princípios ativo
e passivo da natureza, de cujo ato sexual resulta diversos acontecimentos (Jung, 1991).
Daí decorre, de acordo com Bachelard, um certo maniqueísmo, que, inclusive, pode
levar à conclusão que a manifestação de um atributo de uma substância é prova de que
a sua real natureza é oposta a esse atributo:

Os remédios que têm mau gosto e mau cheiro são vistos como os melhores. O
que amarga na boca é bom para o corpo. Pode-se afirmar que todo o pensa-
mento pré-científico desenvolve-se na dialética fundamental do maniqueís-
mo. (Ibid, p.246).

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O O b s tá c u l o do C o n h e c i m e n t o Q u a n t i tat i v o :

Uma análise superficial dos obstáculos apresentados até aqui, poderia sugerir
que o cerne do problema relacionado com eles, é o seu grau de subjetividade e o fato
deles todos serem de natureza qualitativa, ou, em outras palavras, que a matemática
e o conhecimento quantitativo poderia “salvar” o espírito científico dos meandros dos
obstáculos epistemológicos. Contudo, Bachelard adverte que esse tipo de pensamento,
tão comum nas academias científicas, se constitui propriamente num outro tipo de
obstáculo: o obstáculo quantitativo.

Um conhecimento objetivo imediato, pelo fato de ser qualitativo, já é fal-


seado. Traz um erro a ser retificado. (...) Seria, aliás, engano pensar que o
conhecimento quantitativo escapa, em princípio, aos perigos do conhecimento
qualitativo. A grandeza não é automaticamente objetiva, e basta dar as
costas aos objetos usuais para que se admitam as determinações geométricas
mais esquisitas, as determinações quantitativas mais fantasiosas. (Ibid,
p.259).

Assim sendo, a matemática e estatística não resguardariam nenhum cientista


de cometer enganos; aliás, o autor mostra exemplos de conclusões absurdas tomadas
em função de análises superficiais de dados numéricos, e também casos, abundantes
na história da ciência, em que cientistas tentaram dar uma roupagem de seriedade
em teorias superficiais, simplesmente por essas apresentarem uma forte característica
quantitativa. Bachelard, na década de 30, traça então uma argumentação sobre os limi-
tes da pesquisa quantitativa, semelhante à crítica da relativamente recente vertente da
pesquisa qualitativa em Educação (Bogdan e Biklen, 1994):

Essa é uma das marcas mais nítidas do espírito não-científico, no momento


mesmo em que esse espírito tem pretensões de objetividade científica. (...)
Medir exatamente um objeto fugaz ou indeterminado, medir exatamente
um objeto fixo e bem determinado com um instrumento grosseiro, são dois
tipos de operação inúteis que a disciplina científica rejeita liminarmente.
(Ibid, p.261).

Ou seja, a crítica se assenta no fato de que a abordagem quantitativa não pode


ser considerada completamente eficiente quando se refere a objetos fugazes e inde-
terminados, como os seres humanos, por exemplo, que se constituem no objeto de
pesquisa de toda uma área de conhecimento, as ciências humanas. Assim sendo, para
não cair no erro do obstáculo quantitativo, é necessário que o cientista não adote uma
postura de extremos. Tanto o extremo do quantitativo como verdade absoluta, quanto
o extremo do abandono de qualquer rigor quantitativo são indesejáveis:

24  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


O que entrava o pensamento científico contemporâneo – se não entre seus
criadores, pelo menos entre os que se dedicam ao ensino1 – é o apego às intui-
ções habituais, é a experiência comum tomada em nossa ordem de grandeza.
É preciso abandonar hábitos. O espírito científico tem de aliar a flexibilidade
ao rigor. Deve refazer todas as suas construções quando aborda novos domí-
nios e não impor em toda parte a legalidade da ordem de grandeza costumei-
ra. (Ibid, p.277).

Esquema demonstrativo dos obstáculos epistemológicos segundo Bachelard.

O M at e r i a l i s m o T é c n i c o

O pensamento científico da microfísica deixa explícito que a razão científica re-


corre a uma instrumentalidade teórica (conceitos e relações entre conceitos), metodo-
lógica e técnica inacabada, susceptível de reformulações e reconstruções. Dessa forma,
para Bachelard, a linguagem, os métodos e as técnicas são elaborados no cerne da co-
erência de um determinado sistema. E, sempre que essa coerência é colocada em ‘che-
que’, pois está sempre inacabada, toda a sua linguagem, métodos e técnicas ficam então
desajustados, obrigando a novas verificações e reconstruções. É que os instrumentos
envolvidos em determinados sistemas teóricos são também teorias materializadas.
Sendo assim, a construção do objeto científico é produto de instrumentos e teorias.
1 C e r t a m e nt e B a c h e l a r d s e r e f e r e a o e n s i n o d a s c i ê n c i a s n a s i n s t it u i ç õ e s a c a d ê m i c a s , e n ã o
a q u e l e s q u e s e d e d i c a m à p e s q u i s a e m e n s i n o , a l i á s , o s q u a i s e r a m p r a t i c a m e nt e i n e x i s t e nt e s n a é p o c a
d o e p i s t e m ó l o g o.

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade |  25


Em outros termos, é preciso observar que o papel do instrumento na aproxi-
mação precisa é fundamental. Assim, seria possível determinar as diferentes idades de
uma ciência pelos instrumentos de medida utilizados. Sobre isso Bachelard é contun-
dente, à medida que os instrumentos se afinam, o seu produto científico é mais bem
definido. O conhecimento torna-se objetivo, na medida em que se torna instrumental.
Então será que podemos afirmar que os fenômenos científicos da ciência contempo-
rânea só começam verdadeiramente no momento em que se começa a produzir instru-
mentos?
Sobre isso Bachelard fala de um ‘cogito de aparelho’, em virtude de uma função
teórica dos próprios instrumentos – o conhecimento torna-se objetivo à medida que se
torna experimental.
O objeto científico é sempre referido a instrumentos de observação que consti-
tuem a construção do abstrato. Por esse motivo, seria o resultado de uma dupla intera-
ção, são elas: teórica e instrumental e abstrata e concreta.
A essa técnica de produção de fenômenos, própria das ciências contemporâneas, Ba-
chelard designou de FENOMENOTÉCNICA.
A filosofia tradicional separa a teoria da sua aplicação e não atribui importância à
realização das condições de construção do objeto científico, ou seja, dos instrumentos e
teorias. Por esse motivo, o racionalismo aplicado torna-se, assim, inseparável do mate-
rialismo técnico. Para entender um pouco mais leia o texto de Bachelard: O raciona-
lismo prático implica uma interpretação teoria/técnica.

O r a c i o n a l i s m o p r át i c o i m p l i c a u m a i n t e r p r e ta ç ã o
teoria/técnica

“O desenvolvimento do pensamento científico nas suas formas


contemporâneas revela-se como uma solidariedade do gênio e da técnica.
A natureza é então vencida duas vezes, vencida no seu mistério e vencida
nas suas forças. O homem ordena a natureza pondo, ao mesmo tempo, ordem
nos seus pensamentos e ordem no seu trabalho. O racionalismo joga assim dialeti-
camente. Parecerá um pleonasmo dizermos que o racionalismo é uma filosofia da reflexão.
Mas se pensarmos na reflexão sobre uma técnica que é já um resultado da reflexão, perce-
beremos que o circuito que, no pensamento científico, vai sem cessar da teoria à técnica e dos
resultados técnicos novos às fontes teóricas, nos coloca frente a um novo movimento humano.
Essa ligação tão forte, tão indispensável, da teoria à técnica parece dever enunciar-se como
um determinismo humano muito especial, como um determinismo epistemológico que não
era de modo algum sensível, há alguns séculos, na separação das culturas matemáticas e
experimentais. Pensamos que se não pode conceber uma paragem desse determinismo de dois
termos, de duas vias. Sob essas duas formas, esse determinismo da experiência científica e do
pensamento dá prova da sua dupla fecundidade. Ele acrescenta algo ao homem”.

(Bachelard, G. L’Activité Rationaliste de La Physique Contemporaine, PUF,


Paris.)

26  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


Chegamos ao final, mas. . .

Não podemos esquecer que as contribuições das obras de Bachelard são muito
amplas e certamente esse fascículo não conseguiu dar conta de tudo. Por isso, precisa-
mos continuar estudando esse importante epistemólogo da Ciência, que ao recorrer a
psicanálise para explicar os obstáculos à produção do conhecimento científico e desva-
lorizando outras dimensões desses mesmos obstáculos, assim como pela importância
que atribui a uma razão despsicologizada, nos orienta para um psicologismo do conheci-
mento científico.
A filosofia do novo espírito científico, constituindo-se em uma pedagogia da
produção científica e da história da ciência, nos alerta para uma consciência aberta, crí-
tica e do diálogo, capaz de compreender o passado mediante a modernidade. Por outro
lado, o racionalismo aplicado, reflete o compromisso necessário, ciência e filosofia, faz
da razão uma razão constituinte, aberta, polêmica, que rompe com os modelos formais
e absolutos da razão constituída, sistemática e fechada.

A t i v i d a d e

Construa um t e x t o a pa r t i r d a s e g u i n t e a f i r m a ç ã o d e Gaston
Bachel ar d:

“o que se julga saber claramente ofusca o que se deveria saber. Quando se


apresenta à cultura científica, o espírito nunca é jovem. É mesmo muito
velho, porque tem a idade dos seus preconceitos. Aceder à ciência é, espiri-
tualmente, rejuvenescer, é aceitar uma mutação brusca que deve contradi-
zer um passado”.

A t i v i d a d e

Leia o texto “O Mito da Substância”.


Nesse artigo o autor trata da noção de substância e baseando-se
na epistemologia de Gaston Bachelard, questiona o substancialismo dos
químicos de maneira geral.

Oliveira, R. J. O Mito da Substância. Química Nova na Escola N° 1,


MAIO 1995. Disponível na plataforma e em
http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc01/conceito.pdf

S u g e s tã o de Leitura

Bachelard, G. (1938) O Novo Espírito Científico. Editora Contraponto, Rio de Ja-


neiro, Ed. 1996.

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Um mapa conceitual sobre a Epistemologia de Bachelard

A t i v i d a d e

Bachelard e o ensino de ciências

Os epistemólogos têm a contribuir à medida que, ao se estabelecer um para-


lelo entre o desenvolvimento da ciência e a evolução conceitual de um indivíduo,
é possível se estabelecer condições mínimas para a aprendizagem ou compreender
melhor as dificuldades inerentes ao desenvolvimento cognitivo. É nesse âmbito que
Bachelard pode contribuir para a compreensão desse processo.
Estamos conhecendo a obra de Bachelard, buscando compreender como o
conhecimento científico é construído e carrega implicitamente (ou explicitamen-
te) nuances da natureza humana, e ainda discutimos na óptica bachelardiana, o
âmbito de validade das teorias, leis e modelos científicos, nosso foco agora são as
contribuições para a nossa prática com as ciências naturais e matemática em sala de
aula. Destacamos essa importância no texto, pense nisso e explique essas relações,
discuta com seus colegas e faça uma síntese.

28  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


N a I n t e r n e t

Texto: Bachelard: o filósofo da Desilusão.


http://fsc.ufsc.br/ccef/port/13-3/artpdf/a5.pdf

Texto: Gaston Bachelard e Edgar Morin: diálogos sobre a complexidade.


http://www.remea.furg.br/edicoes/vol20/art14v20.pdf

Texto: Obstáculos Epistemológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas


influências nas concepções de átomo.
http://www.cienciasecognicao.org/artigos/v12/m347194.htm

S u g e s tã o de Leitura

Na página http://catatau.blogsome.com/2006/08/06/ebookslivros-de-
gaston-bachelard-para-download/ você consegue a cópia de vários textos
de Gaston Bachelard de domínio público, mas em francês. Vai encarar?!?!

“Todo o conhecimento é uma resposta a uma pergunta”


(Gaston Bachelard)

Para ensinarmos um aluno a inventar,


precisamos mostrar-lhe que ele já possui
a capacidade de descobrir.
(Gaston Bachelard)

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A Epistemologia de Th o m a s K u h n

O Século XX ficou marcado na história por um elevado nível de desenvolvimento da ciência. Por
outro lado, esse século também foi marcado pelas muitas reflexões e debates/embates sobre as
implicações dessa mesma ciência que tanto se desenvolveu. Esses debates aumentaram a partir da Segunda
Guerra Mundial. O argumento para que isso ocorresse foi que essa ciência contribuía para levar o mundo
à destruição. Sobre isso Camus (1946) escreveu: ‘ (...) o século XVII foi o século das matemáticas, o XVIII, o
das ciências físicas, e o XIX, o da biologia. Nosso século XX é o século do medo.’
Surgiu a partir dessa época uma intensa preocupação com o tema, o que levou a UNESCO, nos
anos 50, a publicar sobre o impacto da ciência e a sociedade. Uma década depois, com o aprofundamento
e continuidade desse debate, eis que foi publicado o livro A Estrutura das Revoluções Científicas, tra-
zendo uma proposta de mudança na nossa concepção de ciência, a partir de um conceito que emergisse da
história da própria atividade científica.
Quem escreveu esse livro tão importante foi Thomas Kuhn. Vamos conhecer um pouco sobre ele?
Leia o texto: Uma breve biografia de Thomas Kuhn.

Uma breve biografia de Th o m a s K u h n

Thomas Samuel Kuhn nasceu em Cincinnati,


Ohio, Estados Unidos, no dia 18 de julho de 1922.
Obteve o título de bacharel em Física na Universidade de
Harvard em 1943, o de mestrado em 1946 e o Ph.D. em 1949.
Ainda em Harvard, ministrou curso de História da Ciência de
1948 até 1956. Após deixar Harvard, foi para a Universidade
da Califórnia, Berkeley, onde em 1961 foi nomeado professor
em História da Ciência. Em 1964 foi para a Universidade de
Princeton. Em 1979, para o MIT (Massachusetts Institute of
Technology), onde lecionou Filosofia e História da Ciência,
permanecendo até 1991. Kuhn escreveu “A Estrutura das Revo-
luções Científicas” antes de 1962, enquanto aluno de graduação
em Física teórica em Harvard. Essa obra vendeu mais de um milhão de cópias e foi traduzida em 16
idiomas. Sofreu de câncer, durante os últimos anos da sua vida. Ele morreu em uma segunda-feira, 17
de junho de 1996, com 73 anos,em sua casa, em Cambridge, Massachusetts.

UAB| Ciências Naturais e Matemática | Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade |  31


Algumas obras de Thomas Kuhn

A principal obra de Kuhn trouxe contribuições importantes para a filosofia da


ciência. Por que isso teria ocorrido?
Nessa obra, A Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn demonstra que a ciência
nada mais é que uma atividade humana, sujeita, portanto, às controvérsias dos dife-
rentes contextos históricos, estando longe de ser algo estático, seja em relação aos seus
resultados, seja em relação aos seus conceitos.

Outras obras de Th o m a s K u h n :

Ne-
A revolução Coperni- Teoria do Cor po A Tenção Superficial
O Caminho desde a Es-
dade
cana - 1957; gro e Descontinui - 1989;
trut ura - 2006;
Quântica - 1979;

Fi q u e at e n t o , p o i s i s s o é m u i t o i m p o r ta n t e ! ! !

Ao tentar demonstrar essa ideia sobre a ciência, esse epistemólogo da ciência


introduziu um termo que hoje utilizamos muito, que é o de PARADIGMA, para se
referir ao comprometimento de um determinado grupo de pesquisadores com as regras
e os padrões específicos para a prática científica que definiriam, então, a gênese e a
continuação de uma determinada tradição de pesquisa.
Assim, no curso da história humana, os paradigmas são alternados e reformu-
lados, o que constitui o próprio cerne do desenvolvimento científico. E é exatamente
as alterações desses paradigmas, que Thomas Kuhn denomina de REVOLUÇÕES
CIENTÍFICAS. Resumidamente, seriam os episódios que levam uma determinada
comunidade a rejeitar as regras e os padrões anteriormente aceitos em favor de outros.

32  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


Pense um pouco antes de
prosseguir...
Na sequência, vamos estudar um pouco mais detalhada-
mente sobre A Estrutura das Revoluções Científicas, por ser essa Podemos deduzir que as mu-
a mais importante, dentre as demais obras de Thomas Kuhn. danças e controvérsias são caracte-
rísticas definidoras das revolu-
ções científicas?
A Estrutura das R e voluçõ es Cientí fic as

Nesse livro, se encontra os fundamentos da epistemologia kuhniana, sua compre-


ensão acerca da construção do conhecimento científico e do seu âmbito de validade. Ao
compreendermos conceitos fundamentais como: paradigma, ciência normal, incomen-
surabilidade e revolução científica, estaremos compreendendo o mundo tão peculiar
em que a ciência é construída.
Sobre Paradigmas:

“Considero “paradigmas” as realizações científicas universalmente reconhe-


cidas, que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares
para uma comunidade de praticantes de uma ciência.”(op.cit., p.13, 1989).

Paradigma tem sido um termo usado frequentemente para designar pontos de vis-
ta, ou maneiras de ver o mundo, contudo, não é bem assim. O conceito de paradigma
deve ser empregado para designar um conjunto de compromissos de pesquisas de
uma comunidade científica ou de um grupo de pesquisadores, que engloba crenças,
valores, técnicas partilhadas. Há, portanto, um conjunto de conceitos, técnicas expe-
rimentais e teóricas, generalizações simbólicas, modelos e valores por meio dos quais o
mundo é percebido, significado e problemas fundamentais são resolvidos. Quando uma
comunidade científica assume um paradigma, adquire também
A t i v i d a d e
critérios para a escolha de problemas que, podem ser considera-
dos como dotados de uma solução possível. Os problemas, tipo
Faça uma pesquisa e apre-
quebra-cabeça, são os únicos que a comunidade científica ad-
sente os principais paradigmas da
mitirá como científicos ou encorajará seus membros a resolver
MATEMÁTICA e da
(Kuhn apud Ostermann, 1996).
BIOLOGIA.
Principais paradigmas na F ísica

Teoria do Caos
1970 F ísica Quântica
1920
Relatividade
1910
F ísica Newtoniana
1700/ 1800

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Para saber sobre alguns dos Paradigmas na Química, leia o artigo da Revista Química Nova na
Escola:

http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc20/v20a06.pdf

Ciência Normal

Para Kuhn, a Ciência não evolui gradualmente, linearmente, alterna períodos de


Ciência Normal, na qual a comunidade científica adere a um paradigma e comprome-
te-se com ele, com revoluções científicas caracterizadas por crises ou anomalias (vere-
mos adiante) no paradigma vigente, ocasionando uma ruptura. Logo, no período de
Ciência Normal, os cientistas modelam as situações encontradas na natureza de acordo
com os limites estabelecidos pelo paradigma vigente. Kuhn argumenta,
O que Thomas
que uma das razões pelas quais a ciência normal parece progredir tão
Kuhn denomi-
rapidamente, é que seus praticantes se concentram em problemas que
na de ciência normal, se
somente a sua falta de habilidade pode impedí-los de resolver. Contu-
caracteriza por três classes
do, esse é um período longo e o objetivo das pesquisas científicas não é
de problemas: a determi-
propor novas teorias ou novos fatos e sim, a articulação de fenômenos, e
nação do fato significativo;
aprimoramento de técnicas investigativas (daí podem surgir novas tec-
a harmonização dos fatos
nologias) com vistas a aprofundar e acumular conhecimentos. Tal avan-
com a teoria; e a articula-
ço é possível porque algumas crenças, modelos, conceitos e procedi-
ção da teoria.
mentos anteriormente aceitos, são descartados e substituídos por outros.

Crises e Anomalias

Para Kuhn (p.105), o significado das crises consiste exatamente no fato de que
indicam que é chegada a ocasião de renovar os instrumentos.
No processo de desenvolvimento de qualquer ciência, o primeiro paradigma ex-
plica com sucesso, boa parte das observações e experimentos no que se refere ao mesmo
e a continuidade sempre requer o desenvolvimento de equipamentos, vocabulário, téc-
nicas e refinamento conceitual que se distancia do senso comum. Por outro lado, nesse
processo de profissionalização a favor do paradigma vigente, proporciona uma visão
restrita da ciência e consequentemente resistência a mudanças paradigmáticas, ou seja,
os adeptos entram na zona de conforto de um conhecimento estável, que dá conta de
uma série de problemas tradicionais e refinamento de técnicas. Como já foi dito, esse é
um período estável em que a ciência normal é praticada. Contudo, se começa a fracas-
sar em produzir resultados esperados, os problemas antes encarados como quebra-ca-
beças, passam a ser considerados como anomalias, gerando um estado de crise na área
de pesquisa. Essas anomalias só são possíveis de serem identificadas, pela rigidez da
ciência normal, que nos informa de maneira detalhada, o que deveríamos esperar entre
a integração da teoria com as observações realizadas, uma anomalia caracteriza-se por
uma espécie de recusa de enquadramento ou assimilação pelo paradigma existente.

34  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


Os cientistas não abandonam o paradigma padrão simplesmente porque se defrontam
com anomalias, deve haver insatisfação com o antigo paradigma e deve existir um novo
capaz de propor nova explicação que seja inteligível, plausível e frutífera.
Assim, rejeitar um paradigma significa aceitar outro, mas numa crise paradig-
mática ocorre a proliferação de novas versões do paradigma vigente, teorias ad hoc na
tentativa de salvá-lo nesse ínterim, ocorre também um enfraquecimento nas regras de
resoluções de problemas de tipo quebra-cabeças, próprios da ciência normal. Tama-
nhos são os esforços para resguardar um paradigma, que pode ocorrer que os cientistas
envolvidos com as dinâmicas da ciência normal, encontrem caminhos plausíveis para
tratar a anomalia; ou então, a anomalia resiste, permanece sem solução e é colocada
de lado para ser retomada no futuro, quando encorajados novos instrumentos, uma
nova geração passa encontrar soluções adequadas. Por fim, pode ser que surja um novo
candidato à paradigma e aí sim, uma nova batalha de desenvolvimento e aceitação é
desencadeada.

Um exemplo analisado por esse epistemólogo é a chamada Revolução Copérni-


ca, com três significados pouco dissociáveis: o significado astronômico, o científico e
o filosófico. Para Kuhn (1962) “a Revolução Copérnica foi uma revolução de ideias, uma
transformação do conceito que o homem tinha do universo e da sua própria relação com ele.
Mais uma vez se pensou que esse episódio da história do renascimento, proclamara uma
viagem na época no desenvolvimento intelectual do homem ocidental. No entanto, a revo-
lução baseava-se nas minúcias mais obscuras e recônditas da pesquisa astronômica (p.19).
Mediante construção da teoria de Copérnico, Kuhn apresenta suas ideias básicas,
quais sejam: o conhecimento transforma-se e essa transformação tem um funda-
mento histórico e social. Segundo Kuhn, Copérnico viveu e trabalhou num período
em que as mudanças rápidas na vida política, econômica e intelectual, preparavam
as bases da moderna civilização européia e americana. Na análise kuhniana, a teoria
planetária e a sua concepção associada à ideia de um Universo centrado no Sol, fo-
ram os agentes de transição da sociedade ocidental medieval para a moderna, porque
pareciam interferir na relação do homem com o Universo: “Iniciada como uma revisão
pouco técnica e altamente matemática da astronomia clássica, a teoria de Copérnico tornou-
se um foco das tremendas controvérsias de religião, filosofia e teoria social que, durante os
dois séculos seguintes à descoberta da América, determinaram o teor do espírito moderno.
Homens que acreditavam que o seu local terrestre era só um planeta que circulava cega-
mente por entre uma infinidade de estrelas, avaliavam esse local no esquema cósmico dum
modo muito diferente dos seus predecessores, que viam a Terra como um centro único criado
por Deus, A Revolução Copérnica foi, por isso, também parte de uma transição na escala
de valores do homem ocidental” (p. 20).
Com isso, Kuhn quer nos mostrar que as anomalias muito evidentes levam à
crise, que é, em última análise, a precondição necessária para a emergência de novas
teorias, de novos paradigmas. A interpretação feita por Thomas Kuhn, a respeito da
transição de um paradigma em crise para um novo, foi revolucionária na época, uma
vez que ele defendia não ser resultado de um processo cumulativo, mas de uma re-
construção da área de conhecimento. Seriam duas as implicações dessa reconstrução
segundo esse autor, a saber: a alteração das generalizações teóricas e as alterações
dos métodos e aplicações. Nesse sentido, teremos a modificação da própria área de
estudo, quando ao final da transição de um paradigma.

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade |  35


Os fenômenos para os quais o paradigma
não prepara o investigador, denominada por Kuhn de
ANOMALIAS, sofrem uma resistência que significa, em
última análise, uma resistência ao abandono ou à alteração do
paradigma.

Afinal, o que é uma R e v o l u ç ã o C i e n t í f i c a?

Kuhn nos explica que são episódios de desenvolvimento da ciência, não acumu-
lativos, nos quais um paradigma que caracteriza um período de ciência normal, é par-
cial ou completamente substituído por um novo e incompatível com seu antecessor. A
princípio parece-nos natural que seja uma revolução e não uma simples substituição,
uma vez que a incapacidade de resolver novos problemas se torna evidente demais e
incômoda para uma certa comunidade de cientistas, ocorre um sentimento crescente
de que o paradigma atual, deixou de funcionar a contento na exploração de aspectos da
natureza. Esse sentimento sim é acumulativo, provoca uma crise pré-paradigmática,
pré- requisito para uma dissidência ou se preferir uma revolução. Não é dado ao espírito
científico, simplesmente abandonar, mas buscar falhas e novas soluções mais satisfató-
rias para suas indagações.
Em princípio, um novo paradigma pode emergir, sem reflexos destrutivos a algu-
ma prática científica mais antiga, sem entrar em conflito com suas predecessoras, por
tratar de fenômenos antes desconhecidos, como é o caso da Mecânica Quântica (MQ )
que trata de descrever fenômenos relacionados ao mundo atômico, desconhecidos até
meados do século XX, neste caso, ainda hoje se discute se a MQ não seria uma teoria
que engloba a mecânica Newtoniana, portanto, estaria em um nível acima desta.
Como vimos, muitas anomalias geram um estado de crise e deixa-se de fazer
ciência normal para se fazer, o que Kuhn chama de ciência extraordinária. Emergem
nova teorias, modificações nos problemas e técnicas, surgem novos valores, novos con-
ceitos e, é um período marcado pela insegurança profissional. Exemplos marcantes
na história da ciência podem ser enumerados: ao final do Séc. XVI o fracasso do pa-
radigma ptolomaico e surgimento do paradigma copernicano; no início do Séc. XX,
fracasso do paradigma newtoniano e surgimento do paradigma relativístico (Teoria da
Relatividade).
Resumindo, a transição de um paradigma para outro é chamada de Revolução
Científica e durante o período de transição o antigo e o novo paradigma competem
pela preferência dos membros da comunidade científica. Os paradigmas rivais são
maneiras diferentes de ver o mundo, diferentes concepções que não são compatí-
veis.
Kuhn emprega a expressão incomensurabilidade de paradigmas, para explicar
padrões científicos e definições diferentes que preveem coisas distintas ao final.

36  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


Incomensur abilidade

Cada paradigma tem suas peculiaridades que se refletem em maneiras de des-


crever a natureza, que determinam e são determinadas pelo cientistas que o aderem,
consequentemente, as incomensurabilidades de paradigmas tem a ver com formas di-
ferentes de ver e descrever o mundo. Um paradigma não é necessariamente superior a
outro, não há uma lógica que possa demonstrar em que medida um é mais recomen-
dado que outro. Ao chamar novas teorias para tentar resolver as anomalias presentes
na relação entre uma teoria existente e a natureza, devemos levar em consideração que
a nova teoria bem sucedida deve permitir predições diferentes das teorias anteriores.
Essa diferença não poderia ocorrer se as duas teorias fossem logicamente compatíveis.
É nesse sentido que Kuhn emprega a expressão incomensurabilidade de paradigmas.

A tradição científica normal que emerge de uma revolução científica é não


somente incompatível, mas muitas vezes incomensurável com aquela que a
precedeu. (Kuhn, 1962, p.138)

Para Kuhn, a Ciência tem um caráter revolucionário que pode ser assim repre-
sentado:

A ciência normal assume um paradigma por meio da investigação teórica e da


experimentação, fazem previsões que ao diferirem dos resultados consolidados geram
anomalias/crises, que ao se tornarem frequentes, caracterizam o início de um período
de ciência extraordinária, no qual os cientistas testam novas teorias para dar conta da
crise gerada. Se essas novas teorias conseguem explicar as anomalias e apresentam
também explicações satisfatórias para os fenômenos previstos pelo paradigma padrão,

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade |  37


elas são fortes candidatas a integrarem um novo paradigma adotado após consenso
da comunidade científica. Esse novo paradigma é incomensurável com o paradigma
padrão, e no momento que ele o substitui, podemos dizer que houve uma revolução
científica conduzindo a um progresso do conhecimento científico.

Kuh n e o ensino de Ciências

Foi Kuhn quem introduziu na epistemologia da ciência, o fato de que o desenvol-


vimento do conhecimento humano não é em absoluto cumulativo.
A visão kuhniana da construção da ciência, nos leva a algumas importantes rela-
ções com o ensino de ciência em sala de aula, uma vez que sua epistemologia se fun-
damenta em descrever que a ciência é construída de maneira tal, que há períodos que
Kuhn chama de “ciência normal”, em que um determinado paradigma é vigente e nesse
período toda a comunidade científica envolvida se volta para a resolução de problemas
que possam comprovar e confirmar essa teoria. Apenas nessa etapa, o desenvolvimento
do conhecimento humano seria mais ou menos (ou seja, não rigorosamente) cumula-
tivo. Nessa fase, crenças, valores e técnicas são compartilhados e desenvolvidos para
proporcionar “solidez” ao paradigma. Portanto, o paradigma vigente estabelece o perí-
odo que Kuhn denomina ciência normal. Essa fase é ainda caracterizada por modelos
ontológicos – descrição de mundo - e heurísticos – método de resolução de problemas.
Não há estímulos para que se tente resolver problemas que estão fora do paradigma
vigente.

A ciência normal se restringe ao paradigma vigente e todos os


esforços estão voltados para que os fenômenos da natureza possam
ser explicados dentro de parâmetros determinados.

Uma vez então definido o paradigma, os problemas serão escolhidos em


função dessa definição.
Na segunda etapa do modelo kuhniano, ocorrem o que ele denomina “revoluções
científicas”, são os períodos em que a ciência normal fracassa na resolução de proble-
mas, não produz os resultados que se espera e os problemas são considerados “anoma-
lias”, gerando um estado de crise na área de pesquisa.
Dessa crise o paradigma vigente passa a ser questionado até ser refutado, mas
não simplesmente abandonado sem que um outro paradigma possa substituí-lo, até que
por meio desse novo paradigma se estabeleça um novo período de ciência normal.
...Uma vez encontrado um primeiro paradigma com o qual conceber a natureza, já não
se pode mais falar em pesquisa sem qualquer paradigma. Rejeitar um paradigma sem simul-
taneamente substituí-lo por outro, é rejeitar a própria ciência.
Concluindo,

38  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


(...) as revoluções científicas iniciam-se com um sentimento crescente, de que o paradig-
ma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza.
(Kuhn, 1962)

Entretanto, durante o período de revoluções, os dois paradigmas “competem”, por
serem incomensuráveis, também no seu poder de persuasão e não necessariamente por
provas de eficácia. Não há comparação de forma neutra, há debates de estudos, que
envolvem fé, valores e a crença de ser frutífero ou não para o progresso científico.
As ideias kuhnianas parecem ser coerentes com o construtivismo, uma vez que
o conceito do paradigma leva ao conceito de uma estrutura ordenada de ideias e a cons-
trução deste paradigma segue uma história dependente dos fatos científicos ocorridos
ao longo dos tempos. A estrutura cognitiva do indivíduo também tem uma história
construída ao longo das informações, que ele consegue captar de suas relações com o
mundo.
O desenvolvimento da estrutura cognitiva também deve passar por crises, por
“revoluções científicas”, ao longo da existência humana. O período de “ciência normal”
seria marcado no desenvolvimento cognitivo pela resolução de “problemas exemplares”,
confortáveis, que ofereçam segurança e comprovação da eficiência de modelos mentais
construídos pelo indivíduo.
Os períodos de “revolução científica” seriam marcados na estrutura de conhe-
cimento por uma crise de aplicabilidade desses modelos frente a solução de novos pro-
blemas.
Não se trata, nessa fase, de refutar os modelos já existentes como se faz com os
paradigmas, mas de reorganizá-los, incluindo a eles novas informações, reestruturan-
do-os numa tentativa de não abandono. Entretanto, pode haver situações no processo
ensino-aprendizagem em que um modelo é mesmo abandonado, não sem que antes
crenças, valores por eles sustentados sejam questionados. É como um novo paradigma
que se estabelece.
Uma das influências mais evidentes de Kuhn dentro da área de pesquisa em En-
sino de Ciências, foi promovida por Posner e colaboradores ao utilizar os pressupostos
kuhnianos para estabelecer condições para a ocorrência da mudança conceitual1 (Pos-
ner et al., 1982), isto é, para que o aprendiz abandone suas concepções prévias e incor-
pore novas concepções. Segundo esses autores, as principais condições necessárias para
a ocorrência da mudança conceitual são:
1. A nova concepção deve ser inteligível: Em primeiro lugar, é necessário obvia-
mente que o aprendiz compreenda a nova concepção. Essa condição, no en-
tanto, não é suficiente para que ele aceite a nova concepção. O aprendiz pode
resolver muito bem os problemas que lhe são exigidos durante uma prova, sem
1 A Teoria de Mudança Conceitual de Posner e colaboradores exerceu uma influência considerável
na área de Educação em Ciências, principalmente na década de 80. Trata-se de um exemplo importante
de incorporação de elementos de epistemologia na educação. Contudo, a teoria perdeu status na década
de 90. Nos dias atuais, alguns autores consideram que estamos num período pós mudança conceitual.

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no entanto acreditar na teoria que embasa aquele conhecimento que ele está
a utilizar.
2. A nova concepção deve ser plausível: A nova concepção deve parecer verda-
deira, fazer sentido para o aprendiz. Deve ser coerente com suas concepções
religiosas e de mundo, por exemplo. Do contrário, ele pode não aceitar como
verdadeira a nova concepção. A não aceitação da teoria copernicana, citada
por Kuhn, é um exemplo dessa resistência à mudança conceitual.
3. A nova concepção deve ser frutífera: A nova concepção deve apresentar van-
tagens em relação a anterior. Seu poder de previsão deve ser melhor, ou seu
âmbito de aplicação mais extenso.

É consensual que as teorias científicas são pedras angulares do conhecimento


científico. Talvez não seja tão consensual quanto o status que uma teoria pode ter para
fazer parte do rol das consideradas científicas, ou quais os critérios para que uma teoria
possa ser rechaçada ou refutada, ou quais os mecanismos adotados por uma dada co-
munidade científica no processo de troca de teorias. Ou seja, a tese kuhniana sustenta
que é improvável que haja uma transição suave entre dois paradigmas, onde o novo e
o velho competem entre si, e a aceitação do novo implica necessariamente em ruptura
com o paradigma vigente até então.
É importante para o professor de ciências conhecer a perspectiva de Kuhn
acerca da construção e evolução do conhecimento científico, à medida que possa
extrair subsídios para argumentar sobre o tema e ainda criar situações de ensino
- aprendizagem gerando insatisfação e propondo uma nova explicação que seja in-
teligível, plausível e frutífera, para que com isto o aluno mude de paradigma, ou pelo
menos desestabilize suas concepções alternativas em nome de uma explicação aceita
pela comunidade científica.

A t i v i d a d e s

1. Para saber mais, consulte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemo-


logia. Tente descrever porque os autores afirmam que a epistemologia tem
origem nas concepções de Platão acerca do conhecimento.
2. Pesquisar, esquematizar e justificar os principais paradigmas da Biologia,
Química e Matemática.
3. Na rede, você vai encontrar algumas concepções alternativas de Física,
Química e Biologia que são bastante comuns. Faça um levantamento,
compartilhe com seus colegas e salve um arquivo especial, porque vamos
utilizá-las em um momento próximo no nosso curso.

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Co nsider ações

Após mais de uma década da publicação das Estruturas das Revoluções Cientí-
ficas, Thomas Kuhn participou de uma conferência que tinha como tema “Objetivida-
de, juízo de valor e escolha teórica” e coloca a seguinte questão:

(...) começarei por perguntar como é que os filósofos da ciência pude-


ram negligenciar, durante tanto tempo, os elementos subjetivos que,
garantem eles, entram regularmente nas escolhas teóricas reais feitas
pelos cientistas individuais? Por que razão estes elementos lhe parecem
apenas um índice de franqueza humana, e não um índice da natureza
do conhecimento científico?” (Kuhn, 1962, p.389)

Pense e responda!

Seria essa uma questão importante para a mudança na


concepção de ciência? Por quê?

Um mapa conceitual sobre os principais constructos da epistemologia de Kuhn

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Referências Bibliográficas
A Epistemologia de Gaston Bachel ard

Bachelard, G. (1934) - O Novo Espírito Científico - Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, Ed. 1985.
Bachelard, G. (1938) - A Formação do Espírito Científico - Editora Contraponto, Rio de Janeiro, Ed. 1996.
Japiassu, H. A revolução científica moderna. São Paulo: Letras e Letras, 1997.
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BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Rio de Janeiro: Difel, 1986.
____________________. A poética do espaço. In: Bachelard. São Paulo:Nova Cultural (Col. “Os Pensa-
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____________________. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
____________________. Fragments d’une poétique du feu. Paris: PUF, 1988.
____________________. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
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____________________. O ar e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
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A Epistemologia de Th o m a s K u h n

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Tradução do original The structure of scientific revolutions, 1962, The University of Chicago Press.
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________. A tensão superficial. Tradução Rui Pacheco. Lisboa: Edições 70, 1989. Tradução da edição ameri-
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13(3): 184-196.

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