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História Antiga e Medieval

Autor: Prof. Gabriel Lohner Gróf


Colaboradores: Prof. Francisco Alves da Silva
Prof. Vinícius Albuquerque
Profa. Ivy Judensnaider
Professor conteudista: Gabriel Lohner Gróf

Gabriel Lohner Gróf, natural de São Paulo, é bacharel, licenciado e mestre em História pela Universidade de São
Paulo, com ênfase em História Antiga da Mesopotâmia. Sua formação possui um duplo caminho: procura, por um
lado, investigar as modalidades de organização burocrática nas sociedades mesopotâmicas e, por outro, tem grande
preocupação em construir uma ponte entre os conhecimentos acadêmicos e a sociedade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

G118h Gróf, Gabriel Lohner.

História antiga e medieval. / Gabriel Lohner Gróf. – São Paulo:


Editora Sol, 2014.

180 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XIX, n. 2-075/14, ISSN 1517-9230.

1. Pré-história. 2. História antiga. 3. História medieval. I. Título.

CDU 93/99

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
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Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Cristina Z. Fraracio
Virgínia Bilatto
Sumário
História Antiga e Medieval

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................9

Unidade I
1 PRÉ-HISTÓRIA.................................................................................................................................................... 11
1.1 Definição................................................................................................................................................... 11
2 OS PERÍODOS DA PRÉ‑HISTÓRIA............................................................................................................... 12
2.1 Paleolítico................................................................................................................................................. 12
2.2 Neolítico.................................................................................................................................................... 16
2.2.1 Neolítico Pré‑cerâmico A..................................................................................................................... 18
2.2.2 Neolítico Pré‑cerâmico B..................................................................................................................... 18
2.3 Idade dos Metais.................................................................................................................................... 21
2.3.1 Revolução Urbana................................................................................................................................... 22
3 MESOPOTÂMIA.................................................................................................................................................. 26
3.1 Introdução................................................................................................................................................ 26
3.2 Localização geográfica........................................................................................................................ 28
3.3 Economia.................................................................................................................................................. 31
3.3.1 Agricultura.................................................................................................................................................. 32
3.3.2 Atividades complementares................................................................................................................ 33
3.4 História política...................................................................................................................................... 34
3.4.1 O período Uruk......................................................................................................................................... 34
3.4.2 Período Dinástico Antigo (2800 a.C. – 2350 a.C.)....................................................................... 35
3.4.3 Império Sargônico (2350 a.C. – 2112 a.C.)..................................................................................... 36
3.4.4 Terceira Dinastia de Ur (2112 – 2004)............................................................................................. 37
3.4.5 Primeiro Império Babilônico (1763 a.C. – 1750 a.C.)................................................................ 37
3.4.6 A crise da Idade do Bronze.................................................................................................................. 39
3.4.7 O Império Neoassírio.............................................................................................................................. 39
3.4.8 Império Neobabilônico.......................................................................................................................... 40
3.5 Cultura mesopotâmica........................................................................................................................ 42
3.5.1 Religião........................................................................................................................................................ 42
3.5.2 Mitologia..................................................................................................................................................... 43
3.5.3 Escrita........................................................................................................................................................... 44
3.5.4 Ciências........................................................................................................................................................ 45
4 EGITO..................................................................................................................................................................... 46
4.1 Condições geográficas........................................................................................................................ 46
4.2 Economia.................................................................................................................................................. 48
4.3 Sociedade................................................................................................................................................. 51
4.4 Cultura....................................................................................................................................................... 53
4.4.1 Religião........................................................................................................................................................ 53
4.4.2 Arte e arquitetura.................................................................................................................................... 56
4.4.3 Escrita egípcia.......................................................................................................................................... 58
4.4.4 Ciências........................................................................................................................................................ 60
4.5 História política...................................................................................................................................... 60
4.5.1 Período Pré‑dinástico (8000 a.C. a 3100 a.C.).............................................................................. 60
4.5.2 Império Antigo.......................................................................................................................................... 61
4.5.3 Império Médio........................................................................................................................................... 61
4.5.4 Novo Império............................................................................................................................................. 62

Unidade II
5 GRÉCIA ANTIGA................................................................................................................................................ 73
5.1 Período Pré‑Homérico......................................................................................................................... 74
5.1.1 Civilização minoica................................................................................................................................. 74
5.1.2 Civilização micênica.............................................................................................................................. 79
5.2 Período Homérico.................................................................................................................................. 84
5.3 Período Arcaico..................................................................................................................................... 85
5.3.1 A formação da pólis.............................................................................................................................. 86
5.3.2 Esparta.......................................................................................................................................................... 88
5.3.3 Atenas......................................................................................................................................................... 91
5.3.4 Oligarquia.................................................................................................................................................... 91
5.3.5 Tirania........................................................................................................................................................... 92
5.3.6 Democracia................................................................................................................................................. 93
5.4 Período Clássico.................................................................................................................................... 95
5.5 As Guerras Médicas............................................................................................................................. 95
5.5.1 A ofensiva persa...................................................................................................................................... 95
5.5.2 A ofensiva grega..................................................................................................................................... 99
5.6 A hegemonia ateniense e a Guerra do Peloponeso.............................................................100
5.7 A hegemonia de Esparta e de Tebas e o enfraquecimento das cidades‑estado......102
5.8 Período Helenístico............................................................................................................................103
5.9 A filosofia grega..................................................................................................................................105
6 ROMA..................................................................................................................................................................107
6.1 Monarquia..............................................................................................................................................107
6.2 A República Romana..........................................................................................................................112
6.2.1 As lutas sociais em Roma...................................................................................................................114
6.2.2 A expansão romana.............................................................................................................................. 116
6.2.3 A crise da República.............................................................................................................................119
6.3 O Império Romano............................................................................................................................122
6.3.1 O Alto Império........................................................................................................................................ 123
6.3.2 Baixo Império......................................................................................................................................... 126
Unidade III
7 ORIGENS DO FEUDALISMO........................................................................................................................136
7.1 Heranças.................................................................................................................................................136
7.2 Invasões...................................................................................................................................................137
7.3 O Império Franco.................................................................................................................................139
7.3.1 A Dinastia Merovíngia........................................................................................................................ 140
7.3.2 A Dinastia Carolíngia............................................................................................................................141
8 A SOCIEDADE FEUDAL..................................................................................................................................143
8.1 Os que lutam.........................................................................................................................................144
8.2 Os que trabalham................................................................................................................................148
8.3 Os que rezam........................................................................................................................................149
8.4 A crise do feudalismo........................................................................................................................151
8.4.1 Cruzadas................................................................................................................................................... 152
8.4.2 Revolução Agrícola.............................................................................................................................. 153
8.4.3 Renascimento(s).................................................................................................................................... 153
APRESENTAÇÃO

Este livro‑texto será seu instrumento de trabalho para a realização da disciplina História Antiga e
Medieval, com a qual esperamos que você conheça os eventos decisivos na constituição das primeiras
sociedades. É importante analisar os processos formativos, dando ênfase aos aspectos econômicos e
políticos das sociedades como fatores de transformação. No caso da História Antiga e Medieval, devem‑se
articular as conexões entre os processos históricos do mundo ocidental e oriental. Você deverá, ao final
do curso, ser capaz de analisar criticamente a historiografia relativa ao período estudado, estabelecendo
relações existentes entre o passado e o momento histórico atual, interpretador desse passado.

Esperamos que este material contribua para a formação de professores capazes de dotar seus alunos
de um espírito crítico e investigativo.

INTRODUÇÃO

Seja bem‑vindo ao estudo da História Antiga e Medieval! Você deve se recordar, dos tempos de
escola, que esse é um período muito longo, que se inicia por volta de 3500 a.C., com o surgimento da
escrita, e vai até 1453 d.C., quando a cidade de Constantinopla, capital do Império Bizantino, caiu nas
mãos dos turcos otomanos. No meio do caminho houve ainda a queda do Império Romano de Ocidente
em 476 d.C., evento que marca a passagem da Idade Antiga para a Idade Média. E esses períodos
podem ser subdivididos ainda mais, como Alto e Baixo Império Romano, Alta e Baixa Idade Média etc.
Como você pode perceber, a periodização é uma ferramenta importante para o historiador, pois ela
permite delimitar entre dois períodos certa continuidade estrutural e, da mesma forma, evidenciar as
transformações sociais relativas às mudanças cronológicas.

Mas isso não deve ser nenhuma novidade para você, acostumado desde criança a estudar História
dividida em períodos. Quais os períodos? História Antiga, História Medieval, História Moderna e História
Contemporânea, cada um deles delimitado por fatos relevantes. O que talvez você ainda não saiba é
que essa periodização é uma dentre muitas outras possíveis! Quem escreve a história é, antes de tudo,
uma pessoa (o historiador) que, influenciada pelo seu contexto econômico, social e político, elege no
passado os eventos que julga os mais relevantes. Nossa periodização é de origem francesa, devido
à influência que exerceu sobre a cultura brasileira no século XIX. Na periodização dos ingleses, há a
História Antiga (3600 a.C. – 500 d.C.), História Pós‑Clássica (500 d.C. – 1500 d.C.) e História Moderna,
subdividida em História Moderna Inicial (1500 – 1750), História Moderna Média (1750 – 1914) e História
Contemporânea (1914 até hoje).

Cada período tem uma característica especial. A Idade Contemporânea, na periodização francesa,
refere‑se ao período em que predomina um tipo de governo liberal representativo – graças à Revolução
Francesa, que demoliu o antigo regime – e com hegemonia do capitalismo como sistema econômico,
sendo a burguesia a classe dominante atualmente. A Idade Moderna, por sua vez, refere‑se ao antigo
regime, caracterizado pelo absolutismo e pelo mercantilismo. Mas e a História Antiga? Quais suas
características? É possível considerá‑la como um período coeso, levando em conta a diversidade das
experiências históricas de sociedades tão distintas?

9
Podemos grosso modo dizer que a História Antiga é um período no qual surgiram as primeiras
civilizações do Oriente Médio, tradicionalmente consideradas como civilizações hidráulicas do modo
de produção asiático, e quando floresceram as sociedades ditas clássicas, no caso, Grécia e Roma, nas
quais se estruturou o modo de produção escravista. Mas qual a relação entre elas? No século XIX, as
sociedades europeias, na busca de um passado, elegeram os gregos e os romanos como seus precursores, e
as civilizações orientais foram consideradas como um negativo das sociedades clássicas, contrapondo um
governo despótico de natureza religiosa com instituições democráticas e bem organizadas, como aquelas
encontradas em Atenas e em Roma. Ou seja, na busca de um passado, as nações europeias do século XIX
revestiram‑se de qualidades manifestas nas civilizações clássicas, ao mesmo tempo em que condenavam
tipos de governo despóticos representados pelas civilizações orientais. Isso configura uma visão chamada
pelos historiadores atuais de eurocêntrica, ou seja, uma visão da história segundo os europeus.

Da mesma forma que as civilizações orientais eram consideradas como a negação das civilizações
clássicas, ou ainda um estágio anterior na grande evolução histórica das sociedades, a tomada de
Roma pelos Hérulos em 476 d.C. foi considerada o marco da decadência de Roma, a destruição da
cultura clássica e o início de uma grande noite, que se estendeu por séculos até a retomada da cultura
Greco‑romana pelos renascentistas. E essa destruição, segundo visões mais antigas, aconteceu por
causa da corrupção moral dos romanos em um estágio no qual as sociedades entram naturalmente em
decadência, afastando‑se de suas configurações originais; a corrupção, os excessos dos imperadores,
a luxúria, a má administração, a deturpação das instituições: tudo isso seria o sinal de uma crise
endêmica que resultaria no desaparecimento de uma civilização. A partir da queda de Roma, imperaria a
fragmentação política, o misticismo, a obscuridade e a violência, tipicamente associados à Idade Média.

Atualmente, os historiadores estão procurando romper com essa visão, que é muito difundida na sociedade, e
têm realizado estudos críticos com o objetivo de superar aquela visão eurocêntrica, evolucionista e preconceituosa.
Hoje sabemos, por exemplo, que o poder oficial na Mesopotâmia era contrabalançado por assembleias de homens
livres (os awilum na Babilônia), o que garantia a supremacia de instâncias políticas locais (CHARPIN, 2000, p. 69).
No caso de Roma, hoje se utiliza o conceito de “transformação” em vez de “crise” ou “decadência”, uma vez que,
durante o chamado Baixo Império surgiram correntes de pensamento e expressões artísticas dignas de nota,
assim como a penetração dos bárbaros ocorreu durante um longo período, já assimilado ao Império, a visão da
“queda”, difundida pelo historiador do século XVIII Edward Gibbon, não encontra mais sustentação.

E esse é o trabalho do profissional de História: a reflexão e a crítica. Você deve estar sempre consciente de
que o conhecimento, antes de tudo, é uma construção cujas peças e ferramentas são escolhidas por alguém
que é filho de seu tempo. Uma característica da História ensinada nas escolas é sua ênfase na economia como
a base dos processos históricos. A economia é expressa no conjunto de relações sociais que caracterizam um
modo de produção. Aqui, faremos referência ao modo de produção asiático, ao modo de produção escravista
e ao modo de produção feudal. Embora consagrados no meio escolar, devemos ter atenção em como tais
conceitos foram construídos e de que forma eles se adéquam às sociedades estudadas.

Portanto, use as informações deste livro‑texto com o espírito crítico característico de um historiador.
Não o tome apenas como um manual de referência para os seus estudos. Leia, avalie, julgue, critique
e discorde se achar necessário. A ideia é que, para que você dote seus alunos de espírito crítico, é
necessário treiná‑lo durante sua formação. Bons estudos!
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HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Unidade I
1 PRÉ-HISTÓRIA

1.1 Definição

O termo “Pré‑história” se refere ao momento da trajetória humana em que a escrita não existia.
Como os documentos escritos, por muito tempo, foram os principais instrumentos do historiador, a
invenção da escrita é considerada um divisor de águas que separa dois momentos distintos da história
humana, e por muito tempo a ausência ou a presença de escrita foi um critério usado – de forma
preconceituosa – para medir o nível de sofisticação intelectual de sociedades diversas. Hoje em dia, o
historiador utiliza fontes bastante diversificadas para compreender o passado e considera história tudo
o que é relativo à aventura humana sobre a Terra. Nesse sentido, a Pré‑história também foi um período
histórico!

Para compreender as sociedades humanas da Pré‑história, devemos utilizar outros meios que não a
escrita, oferecidos principalmente pela Arqueologia: recuperação e análise de vestígios, como machados,
pontas de flechas, restos de cerâmica, estatuetas votivas e até mesmo restos preservados de tecidos.
Esses artefatos, por sua vez, são categorizados segundo sua função social e dá‑se uma especial atenção
aos materiais e técnicas de produção. A partir da análise de tais objetos inseridos em seus contextos de
escavação, é possível resgatar principalmente os aspectos econômicos das sociedades pré‑históricas.

Figura 1 – O trabalho do arqueólogo permite resgatar os vestígios do passado na ausência de fontes escritas; atualmente, o
historiador também tem desenvolvido métodos de interpretação de objetos

11
Unidade I

Dessa forma, devemos notar que a divisão dos períodos da Pré‑história se relaciona diretamente
com os materiais e as técnicas de produção daqueles artefatos, o que, na visão dos antropólogos do
século XIX, atestaria momentos distintos da evolução das sociedades humanas. Essa evolução seria
medida pela capacidade dos instrumentos usados, que refletiriam, por sua vez, o nível intelectual e
espiritual dos grupos humanos. Segundo essa visão, caçadores e coletores que utilizavam instrumentos
de ossos ou de “pedra lascada” seriam necessariamente menos avançados do que grupos sedentários que
utilizavam cerâmicas e instrumentos de “pedra polida”. Embora essa visão seja amplamente desafiada
por estudiosos atuais, ela ainda é consagrada nos meios escolares e influencia nossas considerações
sobre o homem pré‑histórico. Você precisa ficar atento a isso!

A “longa noite” da Pré‑história correspondeu à maior parte da existência humana na Terra e, ao


contrário do que muitos pensam, foi sem dúvida a mais criativa. O homem surgiu na África, em algum
momento obscuro por volta de 200.000 a.C., e sua trajetória atingiu um ponto decisivo por volta de
50.000 a.C., com o desenvolvimento de uma vida cultural atestada nas pinturas rupestres, instrumentos
musicais e artefatos religiosos, como estatuetas. A presença de enterramentos rituais atesta ainda a
crença em um pós‑vida, e a fala, segundo neurocientistas e arqueólogos, consagrou‑se como ferramenta
de comunicação do Homo sapiens, antes balbuciada pelos seus ancestrais, como o Homo erectus.

A Pré‑história foi dividida a partir do sistema das três idades pelo arqueólogo dinamarquês Christian
Thomsen, em 1820 – Idade da Pedra, Idade do Bronze e Idade do Ferro – e aperfeiçoada posteriormente por
John Lubbock, que criou os termos Paleolítico e Neolítico, mantendo a Idade dos Metais. Essa divisão, no
entanto, tem sido cada vez mais detalhada, já que as inúmeras descobertas após a obra de Lubbock forçaram os
estudiosos a estabelecer cronologias mais precisas e localizadas, em vez de grandes periodizações generalizadas.

2 OS PERÍODOS DA PRÉ‑HISTÓRIA

2.1 Paleolítico

O Paleolítico corresponde ao período de tempo transcorrido entre 2,5 milhões de anos antes do presente.
Foi o momento em que os primeiros ancestrais do homem atual passaram a usar ferramentas de pedra
até aproximadamente 12000 a.C., e quando os agrupamentos humanos iniciais começam a se sedentarizar
devido a mudanças climáticas. O termo que designa esse período vem do grego palaeos (antigo) e lithos
(pedra), referindo‑se a uma maneira pretensamente rudimentar de fabricação de ferramentas de pedra.
Durante essa época, inicia‑se a trajetória humana na Terra, provavelmente na região que corresponde à atual
Etiópia, em algum momento por volta de 200.000 anos antes do presente (ou AP). Devido a fatores climáticos
e populacionais, os primeiros seres humanos iniciam uma onda migratória, há aproximadamente 50.000 AP,
tendo ocupado praticamente todos os territórios do planeta – com exceção da Antártida – já em 20.000 AP.

O Homo sapiens, assim como seus ancestrais e congêneres (como o Homem de Neanderthal), era um
caçador e coletor, ou seja, dependia exclusivamente da natureza para o seu sustento. Coletava frutos
silvestres e caçava animais para a obtenção de carne, de peles (para proteção) e de ossos (para a fabricação
de instrumentos). Além da carne de grandes mamíferos e frutos, o homem também desenvolveu técnicas
de pesca, alimentando‑se de peixes e ostras. Com o crescente aumento populacional, os humanos
causaram um grande impacto na natureza, levando diversas espécies de animais e plantas à extinção.
12
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

O uso de ferramentas era fundamental para sua sobrevivência, uma vez que os hominídeos não
dispunham de recursos biológicos tais como dentes, garras ou pelos. Embora considerada pejorativamente
como primitiva, a tecnologia paleolítica era bastante inovadora e extremamente variada em objetos e
materiais, sobressaindo‑se as pontas de flecha em ossos, os machados de pedra, facas de sílex, buris
e até mesmo grandes agulhas de costura. Tais objetos permitiam aos hominídeos não apenas caçar
e processar animais, mas também fabricar vestimentas e novos instrumentos, com o uso de pedras
preparadas previamente para tal finalidade. Esses objetos eram tão importantes que, por meio de um
ato simbólico funerário, muitos eram enterrados junto com seu antigo possuidor.

Por percussão
indireta
Retoque por
Por percussão pressão
direta

Figura 2

O domínio do fogo, ocorrido há cerca de 300.000 AP graças a algum corajoso Homo erectus, foi
um dos acontecimentos de maior relevância para o homem. Do ponto de vista econômico, ampliou
a variedade da dieta humana, uma vez que o cozimento propiciava o preparo de alimentos de difícil
digestão quando crus, além de acelerar o descongelamento de carne em regiões de baixas temperaturas.
Além de tais benefícios, o fogo aquecia, permitindo a colonização de áreas inóspitas, e afastava os
predadores, servindo também como fonte de iluminação em cavernas e em rituais religiosos. O processo
do domínio do fogo não é claro, mas provavelmente é fruto de uma longa observação de processos de
combustão ocorridos na natureza.

Por meio da observação da organização social de grupos caçadores e coletores atuais, bem como
a ausência de vestígios que demonstrem um assentamento humano permanente anterior a 8.000
a.C., conclui‑se que os hominídeos organizavam‑se em bandos de até 100 indivíduos, cujas principais
características são: igualitarismo (ou a ausência de uma hierarquia social), economia comunitária e os
laços familiares como principal elo de ligação entre os membros de um grupo. Dado o caráter predatório
da economia paleolítica, o nomadismo era uma característica fundamental dos primeiros agrupamentos
humanos, sendo realizado dentro de um perímetro específico ao longo dos meses. Pesquisas recentes
demonstram, inclusive, a presença de um acampamento central que servia como referência para os
grupos em transumância.

13
Unidade I

Figura 3 – A Etnografia é uma área de estudo da Antropologia que estuda grupos humanos atuais cujas características se
assemelham a grupos que desapareceram no passado. Na imagem, a tribo dos caçadores‑coletores Qagyuhl

Por volta de 50000 AP, o Homo sapiens desenvolve um mecanismo fundamental que o separa de
seu estado de natureza, e não é a utilização de ferramentas e nem mesmo a qualidade técnica de seus
instrumentos com relação aos artefatos rudimentares, utilizados até mesmo por alguns animais. O que
define o homem como tal é justamente a sua capacidade de construir uma linguagem que, como meio
de expressão da capacidade de significar o mundo, é matéria‑prima da cultura, definida como um
conjunto de signos e símbolos compartilhados. A habilidade de dar significado ao mundo que a rodeia
é uma das maiores realizações de nossa espécie, resultado dos desenvolvimentos biológicos altamente
complexos do cérebro humano.

Lembrete

Embora seja comum a grande divisão entre História e Pré‑história,


referente ao uso da escrita, não devemos nos esquecer de que onde há
atividade humana, há história. Assim, o desenvolvimento da linguagem é
um dos eventos mais significativos da história humana, embora se localize
temporalmente na Pré‑história.

A presença de enterramentos rituais sugere o desenvolvimento de crenças religiosas. Essa


preocupação com o pós‑vida e a crença em seres divinos foram de grande importância para fortalecer
os laços sociais e a coesão do grupo, unido em torno de um culto comum. Representações de figuras
zooantropomórficas são comuns no registro arqueológico e podem estar associadas a divindades
responsáveis pelas forças da natureza. Outra característica cultural importante é a existência de
pinturas rupestres. Os motivos dividem‑se em animais – cavalos, touros selvagens, cervos etc.
–, seres humanos e figuras abstratas, e sua finalidade é intensamente discutida: alguns autores
acreditam que esses desenhos serviam como uma espécie de “talismã” que trazia sucesso à caça;

14
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

outros imaginavam que tais pinturas eram realizadas em um ritual específico feito pelo sacerdote
do grupo, e os animais desenhados seriam representações de forças naturais que transcendem a
mera caça.

Figura 4 – As pinturas rupestres demonstram o desenvolvimento da capacidade de dar significado às forças naturais

Lembrete

O termo “AP” (antes do presente) é um conceito alternativo ao de a.C.


(antes de Cristo), normalmente usado para longas temporalidades em que
a datação cristã é ineficiente para estabelecer a escala de tempo desejada.

As figuras femininas – Vênus – eram bastante difundidas no período, provavelmente


representando uma divindade feminina cultuada em uma extensa área que abrangia Europa, África
e Ásia. As principais características dessas estatuetas eram a ênfase dada a aspectos que sugeriam
a fertilidade – como os grandes seios, ventre e quadris largos. Celebrar a maternidade era vital em
uma época em que a altíssima mortalidade chegou a reduzir drasticamente a população humana.
Outras realizações artísticas do período foram adornos, como braceletes, colares e vestígios de ocre
sugerindo pinturas rituais.

15
Unidade I

a) b)

Figura 5 – As estatuetas chamadas “Vênus” possuem atributos femininos exagerados,


o que indica a prática de cultos relacionados à fertilidade durante o Paleolítico

Saiba mais

A origem do homem é um assunto largamente debatido e controverso,


principalmente em relação ao famoso “elo perdido”, ou seja, nosso ancestral em
comum com os outros primatas. Esse elo seria, no caso, uma espécie que ainda
não foi descoberta ou uma falha na Teoria da Evolução? Sugerimos as obras:

DARWIN, C. A origem do homem e a seleção sexual. Curitiba: Hemus, 2002.

MARTIN, F. D. Breve historia del Homo sapiens. Madri: Nowtilus, 2009.


.

2.2 Neolítico

O período compreendido entre 12.000 e 5.000 a.C. é denominado Neolítico, ou “pedra polida”, em
razão da sofisticação dos instrumentos de pedra com relação ao Paleolítico. Esse período foi marcado por
mudanças climáticas radicais, com um rápido aumento de temperatura, responsável pelo derretimento
das calotas polares formadas durante a última Era Glacial. A elevação da temperatura e da umidade levou
ao desenvolvimento de grandes áreas de clima temperado e o aumento do volume dos rios auxiliou na
formação de microambientes úmidos. Isso estimulou uma grande complexidade ambiental, facilitando
assim o sedentarismo.

16
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Esses impactos ambientais transformaram radicalmente a economia humana e a organização das


comunidades. A economia predatória da caça e da coleta vai sendo progressivamente substituída por
uma produtiva, baseada no plantio de cereais e na domesticação de animais. Esse processo, no entanto,
ocorreu lentamente e a caça e a coleta ainda possuíam grande importância durante as fases iniciais do
Neolítico, momento de sofisticadas manipulações genéticas de espécies selvagens de cereais como trigo,
cevada, feijões e milho.

Qualquer que seja sua origem, a criação de animais deu ao homem o controle
de seu abastecimento de alimento, da mesma forma que o cultivo da terra
[...] devemos lembrar também que a produção de alimentos não substitui
imediatamente a coleta (CHILDE, 1978, p. 90).

O progressivo domínio do cultivo desses alimentos levou a um notável incremento produtivo,


formando excedentes que permitiram ao homem libertar‑se cada vez mais das imposições da
natureza. A possibilidade de armazenar alimentos viabilizava a existência de um tempo livre,
dedicado à experimentação e pesquisa de técnicas de cultivo e desenvolvimento de ferramentas;
logo surgiram as primeiras diferenciações sociais relacionadas à propriedade de bens. Para referir‑se
a esse momento, o arqueólogo Gordon Childe utilizou o conceito de Revolução Neolítica (também
chamada Primeira Revolução Agrícola): uma alteração radical nas estruturas sociais em virtude da
sedentarização.

[...] a economia como um todo não pode existir sem um esforço cooperativo.
As atividades cooperativas exigidas pela vida neolítica encontraram expressão
exterior nas instituições sociais e políticas. As novas forças controladas
pelo homem, em consequência da Revolução Neolítica e do conhecimento
obtido e aplicado no exercício de novos ofícios, devem ter reagido sobre as
perspectivas do homem (CHILDE, 1978, p. 105).

Atualmente, o Neolítico é dividido em três fases: Neolítico Acerâmico A (ou seja, sem cerâmica),
entre 12000 e 8500 a.C.; Neolítico Acerâmico B, de 8500 a 6500 a.C.; e Neolítico Cerâmico, de 6500 a
4500 a.C., quando se inicia a Idade dos Metais com o Calcolítico ou Idade do Cobre. Childe afirmava que
a cerâmica era uma marca distintiva do Neolítico e as classificações atuais demonstram que ela surgiu
apenas no final do período.

Observação

Sempre que lidamos com teorias, vale lembrar que elas sempre podem
ser atualizadas. Quando Gordon Childe escreveu suas primeiras obras, na
década de 1920, o conhecimento sobre a Pré‑história ainda estava em
seus estágios iniciais. Atualmente, graças a novas tecnologias de datação,
podemos detalhar o passado pré‑histórico cada vez mais.

17
Unidade I

2.2.1 Neolítico Pré‑cerâmico A

Durante esse período, o homem se conservava seminômade, contando com a existência de um lugar
central a partir do qual era realizado o deslocamento do grupo. Em determinado momento, os grupos
fixavam‑se temporariamente. As habitações eram circulares – lembrando provavelmente cabanas
temporárias usadas pelos nômades – e o chão das casas ficava abaixo do nível do solo. Em algumas
aldeias, como a do sítio de Natuf, em Israel, é possível observar ainda a presença de torres de guarda ou
mesmo muralhas. O que define essa fase como Neolítica é a presença de vestígios de cereais cultivados,
sobretudo cevada e trigo.

Lembrete

O homem do Paleolítico caracterizou‑se pela sua economia predatória,


ou seja, era um caçador e um coletor, vivendo da oferta disponível de
produtos naturais. A transição para o sedentarismo não foi progressiva,
preservando nos momentos iniciais do Neolítico algumas características
do período anterior. Lembremos que a cronologia é uma ferramenta do
historiador, e não corresponde diretamente à realidade, sendo apenas uma
aproximação.

Uma cultura característica desse momento é a de Natuf (ou natufiense), localizada no Levante
– Síria e Palestina. As variações climáticas típicas do final do período glacial levaram a um enorme
contraste em termos de recursos entre locais, bem próximos uns dos outros. Nessa cultura, nota‑se o
desenvolvimento de uma economia mista pautada na produção e na caça/coleta, o que não implicou
diretamente a permanência total de um assentamento, mesmo em uma situação na qual a criação de
um excedente fosse possível.

Os assentamentos desse período constituíam‑se em povoados mais ou menos fixos, localizados em


áreas que favoreciam a coleta de cereais silvestres e a outra, de acampamentos sazonais provavelmente
voltados para a exploração da fauna selvagem. As habitações, bastante simples, eram escavadas, de modo
que o trabalho investido nessas construções sugere um tempo relativamente largo de permanência no
local. Por outro lado, a experiência acumulada por gerações teria levado a um raciocínio lógico no que se
refere à disponibilidade média de recursos naturais por temporada de estadia. Temos ainda nessa época
uma importante inovação: o uso de cereais na alimentação básica. A observação de espécies silvestres
e as maneiras de reprodução dessas plantas convergiram em um esforço sistemático de produção
de cereais, por se constituírem em fontes básicas de carboidratos e por possuírem um alto índice de
preservação.

2.2.2 Neolítico Pré‑cerâmico B

Por volta de 9000 a.C. há o desaparecimento da cultura natufiense coincidente com o surgimento de
povoamentos mais fixos, contando com edifícios construídos com tijolos de barro. A produção agrícola
sob um regime de chuvas que permitia a agricultura sem irrigação desenvolveu‑se consideravelmente
18
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

nesse período e passou a ganhar uma importância ainda maior na economia local, devido à escassez
de recursos naturais e à concorrência de grupos vizinhos. Assentamentos como Jericó sugerem ainda
a existência de grandes concentrações populacionais, o que certamente levaria a conflitos sociais que
demandassem a existência de uma esfera administrativa. É notável ainda a substituição de casas ovais
por outras retangulares.

Figura 6 – Reconstituição do assentamento de Çatal Hüyük, na atual Turquia

O sítio arqueológico de Çatal Hüyük, na Turquia, é um bom exemplo desse período. Esse grande
assentamento possuía casas retangulares, umas juntas às outras; em tais moradias, só era possível
entrar por cima. Não havia ruas e o teto das casas era usado como vias de acesso. Nessa cidade, são
características as estatuetas no estilo “Vênus” e cultos em que crânio bovinos eram utilizados como
símbolo. Os enterramentos eram realizados dentro das próprias residências e, após algum tempo, o
cadáver era exumado e sua cabeça cortada, sendo colocada em um altar.

O desenvolvimento de técnicas de plantio levou ao incremento da produção alimentar e seu papel


privilegiado nas economias locais, sobretudo entre 8000 e 6000 a.C., quando a cerâmica começa a ser
fabricada (razão pela qual Çatal Hüyük pode ser considerado como um sítio na transição do Neolítico
Pré‑cerâmico para o Cerâmico). O fato capital dessas transformações está na emergência de uma
indústria especializada e perfeitamente adaptável ao incremento produtivo, uma vez que o tempo de
fabricação de peças de cerâmica, assim como a especificidade das suas formas, se encaixa com perfeição
em um contexto de crescimento demográfico. Ainda, o desenvolvimento da agricultura leva à exploração
de novos contextos geográficos para o cultivo de cereais sem a necessidade de irrigação, com um clima
mais hospitaleiro e níveis de chuva mais adequados.

19
Unidade I

Figura 7 – A cerâmica foi uma invenção que se adequou ao desenvolvimento do cultivo de cereais.
Estes, pela sua durabilidade, poderiam ser armazenados, e o excedente poderia ser consumido na entressafra.
Os recipientes utilizados para o armazenamento eram de cerâmica, cuja matéria‑prima é de fácil acesso

A agricultura e a pecuária ocupavam um papel central, mas a caça e a coleta eram ainda fontes
complementares de alimentação. Do ponto de vista técnico, a progressiva introdução do cobre como
matéria‑prima representou uma importante guinada tecnológica por ser um material muito mais flexível
do que a pedra e igualmente resistente, além de estimular contatos comerciais entre regiões diferentes
em busca de minérios ou de ferramentas pré‑fabricadas. No entanto, a cultura de Çatal Hüyük parece
ter sido violentamente interrompida, não possuindo nenhuma ligação aparente com desenvolvimentos
posteriores na Ásia Menor ou em outras regiões.

Uma marca desse período foi a construção de grandes templos megalíticos, cuja função é debatida
entre os historiadores. Esses templos podem estar associados ao desenvolvimento da noção de
territorialidade, uma vez que o trabalho investido em sua construção pressupõe uma ligação com um
determinado território. Um exemplo bem conhecido é o Stonehenge, localizado na atual Inglaterra.

Figura 8 – O Stonehenge é um observatório astronômico. Em seu centro, localiza‑se um altar iluminado pelo sol da manhã do
solstício de inverno do hemisfério norte

20
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

2.3 Idade dos Metais

Por volta de 5000 a.C., desenvolveu‑se a metalurgia, já bastante difundida no Oriente Médio. O
Calcolítico inaugura a Idade dos Metais, sendo também conhecido com Idade do Cobre, um breve
período de transição entre o Neolítico e a Idade do Bronze. Apesar de curto, é durante o Calcolítico que
surgiram diversas melhorias técnicas que permitiram um incremento na produção e, consequentemente,
na geração de excedentes. Pela sua durabilidade e maleabilidade, difundiu‑se rapidamente por todo o
Oriente Médio.

O machado de pedra, ferramenta característica de pelo menos parte da Idade da


Pedra, é um produto doméstico que podia ser feito e usado por qualquer pessoa,
num grupo autônomo de caçadores ou camponeses. Não exige especialização
do trabalho nem um comércio fora do grupo. O machado de bronze, que o
substitui, não só e uma ferramenta superior como também pressupõe uma
estrutura econômica e social mais complexa (CHILDE, 1978, p. 24).

Os principais inventos técnicos foram as foices de metal, resistentes, maleáveis e relativamente


fáceis de obter, e a charrua, que permitia arar a terra, semeando‑a ao mesmo tempo. A roda também é
inventada nesse período, revolucionando os meios de transporte e engenharia. Esses inventos levaram
a uma alteração profunda nas sociedades: as melhorias técnicas permitiram uma ocupação intensiva
do solo, gerando excedentes produtivos e estimulando trocas comerciais. Os excedentes, por sua vez,
estimularam a especialização do trabalho, já que permitiam que uma parte da população se dedicasse à
atividade artesanal ou administrativa, sem se preocupar em produzir seu sustento. Assim, as sociedades
apresentavam os primeiros indícios de estratificação, surgindo comunidades complexas, marcadas pela
divisão social do trabalho, em que o igualitarismo deixa de existir.

Figura 9 – A metalurgia surgiu, segundo Childe (1978), como uma atividade especializada, possibilitada graças ao incremento da
divisão social do trabalho. Na imagem, guerreiros em bronze encontrados no norte da Europa

21
Unidade I

A cultura de Ubaid, no sul mesopotâmico, é um exemplo notável desse período, ainda mais por ter
antecedido diretamente a Revolução Urbana. Essa cultura floresceu por volta de 5000 a.C. e rapidamente
se expandiu para o Norte, subjugando as culturas de Halaf e de Samarra, do centro‑norte da Mesopotâmia.
Ela se caracterizou pela introdução de técnicas de irrigação com o aproveitamento das águas dos rios
Tigre e Eufrates, um legado que será mantido pelas sociedades mesopotâmicas posteriores. Possuíam
uma cerâmica com formas bastante variadas, decoradas com motivos geométricos e produzidas em
nível industrial; selos cilíndricos, pequenos objetos utilizados como marcadores de propriedade; uma
vasta produção de objetos de cobre: artefatos de uso pessoal, ferramentas e armas. Outra característica
marcante da cultura Ubaid é a presença de edifícios religiosos monumentais, dedicados a deuses que
seriam posteriormente adorados pelos sumérios.

O nível de organização social e das necessidades da sociedade foram similares em uma larga área do
Antigo Oriente Próximo pouco tempo antes do período Ubaid, enquanto tornam‑se diferentes durante
a fase que resultou em uma notável distinção no começo do [período] Uruk (NISSEN, 1989, p. 249).

2.3.1 Revolução Urbana

A Revolução Neolítica é uma fase em um longo período de gestação de fenômenos sociais e


econômicos que desembocam na Revolução Urbana, ocorrida por volta de 4000 a.C., caracterizada
pelo surgimento das cidades e do Estado. É um processo de longa duração, que tem suas origens no
Oriente Médio, berço das primeiras civilizações. Os agrupamentos humanos crescem rapidamente e
vão perdendo suas características comunitárias, dando lugar a organizações humanas de caráter mais
societário, incluindo aí as primeiras manifestações de diferenciação e hierarquização social típicas de
chefias. Com isso, é possível dizer que vai surgindo uma sociedade de trabalhadores, estes compreendidos
como um segmento social específico diferente das comunidades paleolíticas, na medida em que nestas
o trabalho era imperativo e todos trabalhavam. Surge a divisão social do trabalho, que estimula, por sua
vez, a especialização técnica.

Observação

Ao dizermos que a sociedade perde seu caráter comunitário, significa


que o agrupamento caracterizado pelo igualitarismo e pelas relações de
proximidade entre as pessoas vai perdendo espaço para a associação, ou
seja, devido à divisão do trabalho e ao aumento populacional, as relações
entre as pessoas passam a ser intermediadas pelo poder nascente.

As trocas comerciais começam a desempenhar um importante papel. A distribuição dos


primeiros assentamentos relaciona‑se com a extensão das áreas de exploração em seu entorno.
Em um primeiro momento, a conexão entre assentamentos é dificultada pela grande extensão do
entorno, ou seja, a unidade ecológica básica na qual tais grupos se inseriam deveria ser extensa
o bastante para arrecadar uma variedade mínima de produtos necessários para a manutenção da
vida. Dentro dessa lógica, o desenvolvimento posterior da agricultura reduziu o entorno desses
povos, o que teria movido os contatos.
22
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Oceano Glacial Ártico

Oceano Grécia
Creta Mesopotâmia China
Atlântico
Egito Índia Oceano Pacífico
México

Oceano Índico
Peru Civilizações Urbanas Datação aproximada
Mesopotâmia 3500 a.C.
Oceano
Atlântico Egito 3000 a.C.
Oceano Pacífico Índia 2500 a.C.
China 1500 a.C.
América 1500 a.C.
Creta 1900 a.C.
Grécia 900 a.C.

Figura 10 – O mapa demonstra os locais em que surgiram as primeiras civilizações.


As quatro primeiras, segundo a tabela, surgiram próximas a rios

Um aspecto fundamental desse processo é o da ocupação progressiva em planícies fluviais, devido ao


potencial agrícola, não havendo mais necessidade de se ocupar exclusivamente vales que ofereceriam
recursos naturais abundantes para uma economia assentada na caça e na coleta. Com o desenvolvimento
das técnicas agrícolas, a área necessária para alimentar uma população reduziu‑se progressivamente,
fazendo com que locais antes pouco procurados passassem a fazer parte do “leque” de opções. Nessas
condições, a produção agrícola tornou‑se indispensável e passou a constituir a forma principal de
garantir os recursos alimentares básicos, exigindo um nível de comprometimento e especialização que
dificultava a dedicação de um indivíduo em outra ocupação.

A divisão estava montada em produtores de alimentos, artesãos básicos e artesãos de luxo. No entanto,
não é apenas o nível de especialização que estruturava essa divisão, mas o crescimento da demanda por
diferentes produtos em um ambiente de conexão econômica entre diversos assentamentos. Resumindo,
a especialização do trabalho possuía uma dupla restrição: uma técnica centrada nas habilidades e
competências necessárias para se realizar uma determinada atividade e outra de tempo, de dedicação
exclusiva. A população, nesse caso, deveria ser grande o bastante para produzir consumidores, sendo
possível pensar em importação e exportação de bens, de maneira que a produção fosse cada vez mais
situada em centros especializados e retirada progressivamente de contextos de fabricação familiar.

Portanto, desenvolveram‑se historicamente diferentes formas de produção relacionadas com


desenvolvimentos tecnológicos que garantiam uma maior produtividade, desde que voltada para além
da satisfação das necessidades básicas mais imediatas. A produção de alimentos, que em um primeiro
momento teve um caráter complementar à caça e à coleta, aos poucos tornou‑se preponderante, e os
desenvolvimentos tecnológicos nessa área contribuíram para a ocupação de áreas cada vez menores;

23
Unidade I

com isso, desenvolveram‑se conexões econômicas mais sólidas entre grupos vizinhos. A produção de
artefatos, por sua vez, acompanhava um crescimento de uma demanda associada aos desenvolvimentos
de técnicas agrícolas. Isso estimulava uma crescente especialização do trabalho interna: artesãos e
agricultores, surgindo, posteriormente, administradores.

O resultado foi a criação das primeiras cidades, que podiam ser definidas como um local no qual
se verificava a especialização do trabalho e o exercício do poder estatal. Para descrever esse processo,
Gordon Childe criou o conceito de Revolução Urbana, cuja marca é o sacrifício da independência
econômica. A irrigação é um fator determinante na perda de autossuficiência econômica, pelo volume
de trabalho imposto e pela estimulação da divisão social do trabalho. Ainda, o aumento do volume e
especialização de trabalho e a complexidade das obras impunham a necessidade de importação de
matérias-primas, montando uma rede de comércio altamente lucrativa (CHILDE, 1978).

A revolução está na maneira “revolucionária” de produção e distribuição de excedente, ou seja,


a alocação da riqueza socialmente produzida na cidade mesopotâmica de Uruk, a primeira de todas.
Essa redistribuição de riqueza seria a base de todas as relações sociais entre a população e o poder
nascente. O templo como instituição intermediadora de grande parte das relações sociais representou
uma modalidade de exercício de poder totalmente nova, a qual propiciou um acúmulo de bens sem
precedentes, da mesma forma que aumentou a concentração de riquezas.

Saiba mais

Existem diversos filmes e documentários sobre a Pré‑história que podem


suscitar discussões bastante interessantes sobre o período:

2001: Uma odisseia no espaço. Dir. Stanley Kubrick. Estados Unidos;


Reino Unido: Metro‑Goldwyn‑Mayer (MGM); Stanley Kubrick Productions,
1968. 160 minutos.

A CAVERNA dos sonhos esquecidos. Dir. Werner Herzog. Canadá; Estados


Unidos, França; Alemanha; Reino Unido: Creative Differences; History Films;
Ministère de la Culture et de la Communication, 2010. 90 minutos.

A GUERRA do fogo. Dir. Jean‑Jacques Annaud. Canadá; França;


Estados Unidos: International Cinema Corporation (ICC); Ciné Trail; Belstar
Productions,1976. 100 minutos.

Modo de produção asiático

O século XIX na Europa foi um momento de intensas transformações. Por um lado, o capitalismo
industrial se consolidava como o modo de produção hegemônico. Por outro, a miséria se alastrava e os
movimentos operários ganhavam muita força. A fim de conter o avanço operário, surgiram os Estados

24
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

nacionais, cuja finalidade era a defesa dos interesses da burguesia. O foco dos autores é uma análise das
origens do Estado – mais propriamente uma origem “conceitual” – sob o desenvolvimento do capitalismo
industrial. Uma radical transformação sociopolítica economicamente orientada que consolida a posse
dos meios de produção pela burguesia, que encontra no poder estatal uma instituição asseguradora de
seus interesses.

Para Marx e Engels, era necessário diferenciar as sociedades modernas das antigas orientais, em
que as formas de dominação política e social pertenciam a um Estado‑proprietário capaz de coordenar
obras de irrigação que só poderiam ter sucesso por meio da centralização do poder. O déspota anularia
uma luta através da religião, mantendo uma relação com seus súditos por meio de um sistema de
tributação, cujo sentido era o de manter o poderio militar e ideológico do Estado. As origens desse
Estado, portanto, encontram‑se na consolidação de mecanismos de poder despótico, financiados por
uma crescente produção que resulta em um desenvolvimento técnico que possa elevar a produtividade
e a consequente tributação.

A questão da propriedade da terra é um dos eixos fundamentais do modo de produção asiático.


Por meio de um intrincado mecanismo econômico‑ideológico, a figura do soberano passa a encarnar a
do proprietário por excelência, sem que isso signifique a impossibilidade da existência da propriedade
comunal.

A soberania não passaria, no fundo, da “concentração da propriedade da terra


em escala nacional”; por conseguinte, seriam possíveis tanto formas coletivas
quanto individuais de possessão ou usufruto, mas ficaria descartada a
propriedade privada do solo das sociedades “asiáticas” (CARDOSO, 1990, p. 10).

A coletividade da posse da terra estaria relacionada, segundo Cardoso, à noção de pertencimento a


uma comunidade, mas dentro de uma noção de “unidade englobante”, encarnada na figura do déspota
que delegaria ao indivíduo a possibilidade de trabalhar uma parcela de sua propriedade. Em última
instância, trata‑se de uma modalidade de arrendamento associada à alienação do trabalho, na medida
em que as grandes obras públicas surgem como realizações do Estado e não da força coletiva em si. A
propriedade privada dos meios de produção, eixo fundamental da sociedade burguesa, não poderia ter
surgido nesse tipo de Estado, portanto, considerado diferente e não como a origem do Estado europeu.

O alemão Karl Wittfogel discorreu sobre as dinâmicas de poder encontradas em sociedades orientais,
lançando uma célebre teoria: a administração da irrigação era fonte de poder nos primeiros Estados.
Wittfogel se propõe a analisar a natureza desse poder sob a ótica do materialismo histórico, mais
precisamente por meio das formulações marxistas, que têm sua origem na observação da sociedade
hindu e chinesa. O Estado Oriental, para o autor, é um Estado agrário, mas especificamente hidráulico,
que seria fruto da necessária cooperação de populações para levar a cabo o trabalho de irrigação; os
reis‑sacerdotes assegurariam a coesão do modelo social assim constituído (WITTFOGEL, 1977).

Wittfogel procurou realizar, como diz o subtítulo de seu livro, um “estudo comparativo do poder
total”, utilizando a China como um ponto de partida para compreender a origem do poder despótico.
Nesse sentido, o surgimento do Estado estaria associado a uma necessidade gerencial. Em termos gerais,
25
Unidade I

uma sociedade se define pelo seu modo de produção atrelado ao exercício do poder, havendo diversos
tipos como: sociedades hidráulicas, sociedades guerreiras, sociedades comerciais, sociedades feudais,
dentre outras. O despotismo oriental surgiu como um tipo de exercício de poder em conjunto com
sociedades hidráulicas orientais, em que o Estado é total (WITTFOGEL, 1977).

Na visão de Karl Wittofgel, a cidade de Uruk – representante da Revolução Urbana – seria uma
sociedade hidráulica simples, em que o Estado aparece como o único detentor das terras cultiváveis, não
havendo complexidade alguma em termos de propriedade de terras. Nesse caso, o poder seria realmente
absoluto, confirmado pela burocracia nascente, e poderoso o suficiente para assegurar a mobilização
de grande quantidade de mão de obra, constituindo‑se como uma sociedade tipicamente oriental. No
entanto, as maiores críticas ao seu modelo referem‑se à excessiva generalidade de suas categorias,
imputando à obra um caráter anacrônico. Ainda, as pesquisas recentes revelaram a imprecisão dos
vestígios relacionados aos canais de irrigação, o que torna o modelo explicativo de Wittfogel duvidoso
para a Mesopotâmia (ADAMS; NISSEN, 1972).

Figura 11 – Karl Marx afirmava que o modo de produção asiático correspondia à primeira forma de organização econômica da
humanidade, mas não vê conexões diretas com o modo de produção capitalista

3 MESOPOTÂMIA

3.1 Introdução

O termo “Mesopotâmia” tem origem nas palavras gregas mesos (meio, entre) e potámos (água, rio),
podendo ser traduzido como “terra entre rios”: o Eufrates e o Tigre. As terras situadas entre estes rios
apresentam uma grande diversidade ecológica: ao sul, uma região mais seca e plana, onde é impossível
a agricultura sem canais de irrigação, com a presença de pântanos próximos ao Golfo Pérsico, e ao
norte é notável a presença de uma terra mais fértil, cujo volume de chuvas permite a realização de
uma agricultura “seca” – sem o uso de irrigação – baseada em frutos, como damascos e tâmaras. As

26
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

montanhas e os planaltos que rodeiam a região são ainda locais propícios para o pastoreio, uma atividade
secundária em relação à agricultura, e eram o lar dos nômades, sempre em constante atitude de ameaça
aos povos sedentários da planície. Dada tal diversidade ecológica, o termo Mesopotâmia parece mais
válido para descrever uma cultura comum, cujos fundamentos foram lançados pelo povo sumério, pelo
menos desde 2800 a.C., e que foi sobrepujada pela invasão de Ciro da Pérsia, em 539 a.C.

Figura 12 – Mesopotâmia: “terra entre rios”

A Mesopotâmia foi o local em que ocorreu a Revolução Urbana, na qual se gerou uma divisão
social do trabalho, a produção “industrial” de vasos de cerâmica, uma arquitetura monumental, arte
altamente sofisticada, a escrita utilizada em um complexo sistema administrativo e um Estado com
traços religiosos. Tais transformações evidenciam a formação de uma sociedade cuja desigualdade
era constantemente reafirmada por mecanismos simbólicos recorrentes nas tradições míticas e na
imponência das edificações religiosas. Essa sociedade desigual foi resultado do acúmulo de excedente
agrícola característico do final da Pré‑história, fato relacionado com a perda da autossuficiência das
comunidades tradicionais (CHILDE, 1978).

Os desdobramentos políticos durante toda a história mesopotâmica estão relacionados com


a manutenção ou conquista de rotas comerciais, disputas, entre nômades e sedentários, pela posse
das terras férteis, subjugação de povos para a obtenção de tributos, conflitos internos sucessórios,
movimentos de fragmentação e unificação, de equilíbrio entre potências e de confrontos entre o templo
e o palácio. É necessário ainda sublinhar a importância da cosmogonia mesopotâmica na conformação
de uma sociedade altamente hierarquizada, o que refletiria, por sua vez, as relações estabelecidas entre
os próprios deuses. Um tema recorrente das narrativas míticas foi, sem dúvida, o embate de forças entre
a ordem e o caos, sendo a primeira representada por um princípio masculino de estabilidade, garantia de
funcionamento das instituições, colheitas abundantes e aplicação da justiça divina na Terra; em suma,
prosperidade geral representada pelo sedentarismo.

27
Unidade I

A cidade surge como o lugar da realização dessa ordem, enquanto o caos, princípio feminino de
instabilidade, representado pelo mar, traria a destruição das instituições, a fome, a subversão dos
costumes e a ira divina sobre os mortais, e era frequentemente associado aos odiosos nômades da
montanha. Cabia, por meio de atos justos e corretos, inclusive do próprio governante, manter a ordem
por meio da máxima reprodução do mundo divino na terra, respeitando os princípios religiosos. Alguns
dos deuses mais importantes do panteão sumero‑acádico são Enlil, Inanna (Ishtar), Dumuzi (Tammuz),
entre outros. Cada cidade possuía um deus‑patrono e, muitas vezes, as conquistas de uma cidade sobre
outra são representadas miticamente pelo combate e vitória de um deus sobre outro.

Observação

Fazendo justiça às nossas heranças orientais, frequentemente


obscurecidas pelo que se convencionou chamar de “milagre grego”, os
sumérios e acádios foram responsáveis por um sem‑número de invenções
que são fundamentais em nossa sociedade. Uma dessas invenções é a escrita,
surgida como uma inovação em tempos de crise, e que permitiu a ampliação
das comunicações e o aperfeiçoamento da máquina administrativa, bem
como conformou uma riquíssima tradição literária. Um dos exemplos mais
notáveis é a epopeia de Gilgamesh, que narra a busca do rei guerreiro de
Uruk pela imortalidade, reservada afinal apenas para os deuses. Há também
o desenvolvimento de noções básicas para o nosso cotidiano, como as
convenções de tempo (dia de 24h, hora de 60 minutos, ano de 360 dias,
aperfeiçoado somente mais tarde pelos egípcios e romanos), os problemas
matemáticos comuns em tabletes babilônicos, os códigos legais como os
de Eshnunna e de Hamurabi, entre tantas contribuições. Estudemos mais
detalhadamente a sociedade mesopotâmica.

3.2 Localização geográfica

É possível discorrer sobre geografia mesopotâmica em termos de unidade estrutural, o que não
significa homogeneidade. Seria a unidade geográfica correspondendo à integração econômica de
populações habitando diferentes ecossistemas, tornando coerente a diversidade ambiental; variabilidade
e complementaridade econômica – seja em macroescala, referindo‑se ao Oriente Médio como um todo
ou microescala, referindo‑se diretamente à Mesopotâmia – são conceitos‑chave para se compreender
as relações interculturais na região, associativas ou concorrentes.

28
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Cáucaso
Mar
Mar Negro Cáspio

Anatólia Hindu Kush

Taurus
Elburz
Planalto
Masopotâmia do Irã
Zagros

Mar da Arábia

África Oceano Índico

Figura 13 – A Mesopotâmia inserida no quadro físico geral do Oriente Médio.


As regiões em verde representam planícies, enquanto as regiões em vermelho representam cadeias de montanhas

O Oriente Médio é o resultado de uma série de choques entre as placas africana, turca e árabe,
que foram responsáveis tanto pelo crescimento de cadeias montanhosas por meio de um processo
de orogênese, como pela formação de extensas planícies, resultantes justamente da subducção
das plataformas em choque, onde correm os rios mesopotâmicos cujas nascentes se localizam nos
contrafortes dos montes Tauros, atual Turquia. São as cadeias de montanhas as responsáveis por barrar o
avanço da umidade litorânea, assim como dificultar a vazão das massas de ar quente e seco provenientes
do Saara, o que eleva a temperatura principalmente na península Arábica e no Sul mesopotâmico. Ao
norte, a temperatura se ameniza devido à altitude e é possível encontrar chuvas com mais regularidade,
permitindo uma agricultura “seca”.

No entanto, não só os fatores geológicos possuem influência no meio ambiente médio‑oriental.


Devemos também levar em consideração as mudanças climáticas radicais pelas quais o planeta passou
entre 12000 e 8000 a.C., com um brusco aumento de temperatura responsável pelo derretimento das
calotas polares formadas durante a última Era Glacial. No Oriente Médio, essa elevação da temperatura
e da umidade levou ao desenvolvimento de um clima temperado de altitude nas encostas dos Zagros
e dos Tauros, assim como propiciou o surgimento de uma vegetação pantanosa mais ao sul, até as
grandes planícies desérticas. O aumento do volume dos rios também auxiliou na formação desses
pântanos, assim como no aparecimento de microambientes mais ou menos úmidos, sobretudo na
região do sul mesopotâmico. Na Palestina, há a predominância do clima mediterrânico e, na Síria, o
regime do Eufrates leva a uma maior umidificação do ar, assim como proporciona um contato fluvial
com regiões mais ao sul.

29
Unidade I

Em termos de vegetação, podemos distinguir tipos específicos, segundo sua localização: no escudo
formado pelos Montes Tauros e Zagros, encontramos vegetação tipicamente temperada como coníferas
e pinheiros; no Levante, uma vegetação esparsa mediterrânica, com o predomínio de arbustos típicos de
regiões mais secas, bem como cevada e trigo, que foram em sua forma domesticada logo incorporadas
na alimentação básica dos agrupamentos regionais; mais ao sul, no sopé da cadeia montanhosa e do
planalto iraniano, uma região de estepe com pouca vegetação, mas úmida o bastante para proporcionar
uma agricultura sem irrigação, o que contrariamente ocorre no extremo sul, na península arábica e
na desembocadura dos rios Eufrates e Tigre, com o predomínio de um clima árido onde o crescimento
de qualquer espécie vegetal economicamente aproveitável dependia exclusivamente da ação humana.
Aliás, a intervenção do homem foi um fator de grande impacto no meio ambiente médio‑oriental,
sobretudo com relação ao uso da água e da exploração madeireira, além da extinção de inúmeras
espécies animais como o leão asiático, alvo predileto da caça real.

O Eufrates e o Tigre cortam uma vasta planície árida, desde o sopé do Tauros e do Zagros até
desaguarem – atualmente em um único rio – no Golfo Pérsico. Por “Mesopotâmia” temos um conceito
que pressupõe unidade, primariamente geográfico, criado por Heródoto, para se referir à região entre os
dois rios mencionados; e outro cultural, cuja coesão encontra‑se a partir do substrato cultural sumério
que permeou a região por três milênios. No entanto, do ponto de vista natural, há mais diferenças do que
semelhanças e tais particularidades influenciaram na conformação de um quadro econômico e político
pautado na concorrência entre as primeiras cidades‑estado mesopotâmicas, bem como favoreceram
potencialmente a associação (ou concorrência) de sociedades vizinhas, com o intuito de complementar
mutuamente as economias locais, carentes de matéria‑prima no hostil ambiente desértico. A arqueóloga
inglesa Susan Pollock definiu a Mesopotâmia como

Um corredor criado quando a plataforma arábica se chocou contra o


continente asiático, levantando os Montes Zagros e baixando o nível
das massas de terra a sudoeste deles. Dentro destas depressões, o Tigre
e o Eufrates e seus tributários depositaram enormes quantidades de
sedimentos aluviais, formando as planícies da Baixa Mesopotâmia
(POLLOCK, 1999, p. 4).

Dos dois rios, o Eufrates foi o mais importante economicamente. Por ser mais lento do que o
Tigre, a quantidade relativa de sedimentos que carrega em seu leito é maior, assim como o nível
de evaporação bastante superior torna‑o mais denso e favorece a formação de diques naturais
nas margens mais próximas. O Tigre, mais curto, é também menos caudaloso e mais rápido, e suas
cheias são potencialmente mais destrutivas, além do fato de que ocorrem em uma época perigosa
para as culturas agrícolas. Durante as cheias, os sedimentos se espraiam para fora do leito do
rio e, quando este volta ao seu curso normal, deixa os sedimentos nas margens, tornando o solo
nesta região mais fácil de ser manejado para a construção de canais e mais espesso e nutritivo
do que o solo básico. Como resultado desse processo, há a formação de três tipos de solo, cada
qual favorecendo o plantio e desenvolvimento de espécies diversas: próximo à margem, há uma
camada mais alta de sedimentos, mais nutritiva e espessa, mais elevada do que o entorno e, por
isso, mais adequada para uma maior diversidade botânica, devido ao alto poder de drenagem.
Vegetais e legumes diversos são mais facilmente cultivados nesse tipo de solo. Entre o solo mais
30
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

alto de sedimentos e o básico, há uma camada intermediária, não tão favorável para o cultivo de
uma grande variedade, mas ainda propício para a cultura de cereais diversos. Por último, distante
aproximadamente 20 km do rio, há um solo característico de climas áridos, com vegetação xerófita
de aproveitamento econômico diverso, constituindo‑se eminentemente em pastagens naturais e
madeira para combustível.

Figura 14 – Rio Eufrates, no Iraque. Berço da Revolução Urbana

No extremo sul, as terras baixas favoreceram a ocorrência de pântanos, geralmente formados


pela captura da água das raríssimas chuvas e por remanescentes das cheias imprevisíveis dos
rios. Trata‑se de um ecossistema altamente complexo, extremamente variado, cujo aproveitamento
econômico da argila se faz extremamente importante em uma região carente de minérios. Ainda,
há fortes indícios de que o modo de vida dos habitantes dessas regiões pantanosas tenha mudado
muito pouco desde os primeiros assentamentos, com aproveitamento da palha para a construção
de habitações, de barcos estreitos e compridos utilizados na pesca e como meio de transporte.
As características climáticas são bastante severas: além das temperaturas extremamente quentes
agravadas pela baixa umidade do ar, sobretudo de maio a outubro, a sequência de anos em que as
precipitações ultrapassam os 200 mm é irregular, sendo impossível qualquer atividade agrícola sem
a utilização de recursos avançados para melhor aproveitamento do solo e irrigação. No entanto,
o sul mesopotâmico é o berço das primeiras cidades, frutos de um ambiente que, embora hostil,
apresentava um grande índice de variabilidade ecológica.

3.3 Economia

A economia mesopotâmica baseava‑se principalmente em três atividades:

• A agricultura, praticada graças a um complexo sistema de canais de irrigação, cuja função era
controlar as imprevisíveis cheias do Eufrates e do Tigre e monitorar o nível de salinização do solo.
O solo fertilizado pelas cheias foi também um importante fator de sucesso da atividade agrícola,
capaz de gerar uma quantidade considerável de excedentes.
31
Unidade I

• A pecuária, realizada em menor escala, que atendia a demandas por transporte de pessoas e
cargas, alimentação, couro e lã, além de gerar animais consumidos em banquetes sacrificiais.

• E o comércio de longa distância, motivado pela carência de matérias‑primas nas mais diversas
regiões e pela obtenção de artigos de prestígio usados pela elite. A pesca também era realizada,
principalmente próxima ao Golfo Pérsico e nas áreas pantanosas do sul mesopotâmico.

A política econômica do Estado mesopotâmico variou ao longo da história. À parte as diferenças


referentes aos elementos centrais da economia – se baseada na produção de excedente agrícola ou no
comércio, como foi no caso assírio ao norte –, a relação econômica entre a população em geral e seus
governantes variou entre a redistribuição e a tributação. No primeiro caso, ocorrido mais claramente no
período Uruk (4000 a 2800 a.C.), o Estado recolhia produtos diversos, e parte era retida entre os oficiais,
parte entre o sacerdotes e o restante era devolvido à população sob forma de rações diárias rigidamente
contadas. A partir de 2800 a.C., esse modelo dá lugar à tributação, em que o imposto era pago não
apenas com parte da produção, mas também em espécie, no caso, prata. Configura‑se, portanto, o
Estado plenamente desenvolvido, em que o palácio surge como uma organização complementar – e por
vezes concorrente – com o templo.

3.3.1 Agricultura

O desenvolvimento da agricultura na Mesopotâmia está associado a desenvolvimentos técnicos


que permitiram a transformação de um ambiente inóspito em um dos maiores celeiros do mundo
antigo, ao lado do Egito. A produção agrícola, desde cedo orientada para a produção de excedente,
realizou‑se de forma intensiva, reduzindo os espaços necessários para a produção e aproximando cada
vez mais os núcleos de povoamento até que conformassem economias complementares. A fabricação
de instrumentos de metal e os avanços da botânica – com a manipulação genética de cereais – foram
elementos de peso no sucesso da agricultura. No entanto, nenhum fator foi tão decisivo quanto o
domínio da construção de canais de irrigação, cujas funções iam muito além de conduzir a água dos
rios às lavouras.

O depósito de sedimentos carregados pelos rios tornou instável o leito em que corriam e a
cada ano seus cursos se modificavam, devido à frequente alteração de seus canais naturais. Daí a
urgente necessidade de se controlar o fluxo de águas, pois, diferentemente das lentas cheias do
Nilo que propiciavam naturalmente um solo adequado ao plantio de produtos básicos, as enchentes
provocadas pelos rios mesopotâmicos eram, na maioria das vezes, devastadoras, sobretudo o Tigre,
mais revolto do que o caudaloso e lento Eufrates. Além disso, a cheia desses rios ocorria justamente
durante a época da colheita (ao contrário das cheias do Nilo), devido ao derretimento primaveril das
neves no Tauros, o que reforçava a necessidade da construção de diques. Além da função protetora,
a arquitetura fluvial possuía outra função: o solo mesopotâmico não era igualmente fértil em todas
as regiões e a cheia dos rios agravava tal situação por ser responsável por uma intensa salinização
do solo, tornando inviável qualquer plantio a não ser que um trabalho meticuloso de construção de
diques, represas e canais fosse realizado. Dessa forma, um dos principais objetivos dos trabalhos de
irrigação era o de controlar o nível de salinização, frequentemente acima do tolerado pelas espécies
de cevada e trigo cultivadas no Oriente Médio.
32
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Lembrete

A irrigação artificial é um fator de salinização do solo, ou seja, era


necessário equilibrar a necessidade de irrigação com as consequências
naturais desse processo.

As áreas de especialização agrícola eram variadas. Duas se destacavam: a primeira é o cultivo de


pomares, realizado muitas vezes dentro do perímetro urbano, nas residências comuns e em jardins
palacianos e templários. Os frutos mais cultivados eram damascos, tâmaras e figos. Eram cultivadas
também espécies de palmeiras para a obtenção de óleo de palma e de madeira para combustível. A
segunda, mais importante, era o cultivo de cereais realizado nos arredores dos núcleos urbanos e em
vilarejos mais afastados. Os mais cultivados eram a cevada e o trigo, coletados por oficiais, armazenados
em locais protegidos pelo Estado. Os cereais, fonte básica de carboidratos, formavam o grosso da
alimentação do homem mesopotâmico comum, que consumia carne apenas em ocasiões esporádicas,
como festas. Além disso, os cereais eram a matéria‑prima para cervejas e pães, como o pão bappir,
produzido com os restos da fabricação de cerveja.

Observação

O regime de terras variou consideravelmente ao longo do tempo.


Enquanto na época suméria a propriedade privada não era atestada em
documentos, a posse da terra por terceiros era bem mais comum a partir
do Primeiro Império Babilônico, o que leva à necessidade de repensarmos
o modelo do modo de produção asiático para a Mesopotâmia, no que se
refere à posse das terras coletivas pelo Estado.

3.3.2 Atividades complementares

A pecuária, em comparação com a agricultura, desempenhava um papel muito mais modesto. Desde
os primórdios da civilização mesopotâmica, rebanhos eram pastoreados por pessoas que viviam em locais
afastados, em áreas propícias para a criação de gado, que recebiam do poder central a incumbência de
reproduzir o rebanho. Eram mais comuns os rebanhos: bovinos, para transporte e força motriz; muares,
para transporte de cargas e pessoas, além de tração para veículos de guerra; ovinos, para a obtenção de
leite e lã; caprinos e suínos, para alimentação. A carne era considerada um produto nobre, consumida
com mais frequência entre membros da elite e preparada em banquetes rituais em honra aos deuses.

O comércio assumiu um papel muito importante na sociedade mesopotâmica. A especialização


ocorrida com a divisão social do trabalho estimulou as trocas internas e entre núcleos de povoamento
mais próximos, nesse caso predominando a compra e venda de produtos artesanais trocados por
alimentos ou prata. Mas, devido à carência de matérias‑primas na Mesopotâmia, buscavam‑se, em
regiões distantes, artigos como metais para a fabricação de ferramentas e armas, pedras e madeira para

33
Unidade I

a construção civil e naval, e artigos de luxo, objetos que desempenhavam uma importante função como
reforço simbólico da hierarquia social. Os mercadores, que transitavam entre o empreendimento estatal
e a iniciativa privada, tinham muito prestígio embora dificilmente enriquecessem com seus negócios.

O extrativismo também ocupou uma posição importante na economia mesopotâmica. O extrativismo


mineral foi mais bem representado pela extração do betume, um fluido próximo ao petróleo que era
utilizado como pavimentação de ruas e também na iluminação pública. O extrativismo vegetal ocorria
principalmente no sul mesopotâmico, com a utilização de juncos para construir embarcações, casas e
grandes depósitos. A madeira da palma também era utilizada, mas sua fragilidade restringia seu uso.
Finalmente, a pesca foi uma atividade de grande importância, pois era a principal fonte de proteínas de
grande parte da população, na medida em que a carne de caprinos e suínos era consumida pela elite.

3.4 História política

Durante aproximadamente 3000 anos, a história da Mesopotâmia apresentou momentos distintos


de unificação e pulverização dos centros de poder, permeada ainda pela incursão de povos estrangeiros,
sejam eles nômades ou grandes impérios, tais como o Hitita, o Elamita etc. Apesar da fluidez das instituições
políticas mesopotâmicas, é notável a continuidade da cultura sumero‑acádica, que permaneceu sólida
por muito tempo. Há de se notar também alguns episódios coloniais esporádicos, como os observados
nas colônias assírias de Kanesh.

A história política da Mesopotâmia, ao menos em linhas gerais, é bastante conhecida, já que foi
escrita no espírito das grandes narrativas que marcaram a historiografia do século XIX e XX. Durante
muito tempo, o trabalho do assiriólogo (o profissional que lida com a História da Mesopotâmia) foi o de
decifrar os tabletes cuneiformes que, tendo seus conteúdos revelados, eram usados diretamente para
compor as sucessões reais, os grandes eventos, guerras etc. No entanto, a historiografia atual deve ir
além, e novas formas de se conhecer o passado mesopotâmico têm sido elaboradas segundo teorias
contemporâneas. O conhecimento do antigo Oriente Próximo é de grande importância, na medida em
que as particularidades do homem mesopotâmico desafiam qualquer interpretação generalizante das
sociedades ao longo da história.

3.4.1 O período Uruk

Trata‑se do próprio surgimento da civilização, com os primeiros passos da Revolução Urbana, do


advento da escrita e do Estado. O período chama‑se Uruk devido à cidade de mesmo nome, de onde
os historiadores tradicionalmente acreditam ter irradiado uma série de influências culturais que teriam
atingido regiões distantes. A cultura material do período caracteriza‑se pela presença de edificações
monumentais de natureza incerta, tradicionalmente tratadas como religiosas, mas essa posição tem sido
revista (HEINZ, 2012); há também a presença de vasos de borda chanfrada, usados como medida para a
distribuição de alimentos para a sociedade; selos cilíndricos, altamente adaptados para a superfície dos
tabletes cuneiformes, substituindo as antigas estampas como marcadores de propriedade. Há a presença
também de uma arte bastante sofisticada e os canais de irrigação tornam‑se mais complexos do que em
períodos anteriores.

34
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Não se sabe ao certo se o povo responsável por essas realizações culturais teria sido o sumério, que aparece
indiscutivelmente apenas por volta de 2800 a.C. Dada a semelhança de algumas construções, dos artefatos e de
alguns sinais do protocuneiforme (tipo de escrita presente nos primeiros tabletes, entre 3100 a 2800 a.C.) com
períodos posteriores, chegou‑se à hipótese suméria. Porém, qualquer conclusão sobre esse assunto é meramente
provisória, uma vez que jamais saberemos o idioma dos primeiros habitantes da Baixa Mesopotâmia.

Na década de 1970, vários sítios que compartilhavam características semelhantes às Uruk foram
descobertos além da Mesopotâmia. Esse achado logo intrigou os historiadores, que não compreendiam
como a cultura de Uruk pôde abranger um espaço tão grande em tão pouco tempo. Como forma de
solucionar tal mistério, o antropólogo Guillermo Algaze afirmou tratar‑se do primeiro “sistema‑mundo”
da humanidade, ou seja, um grande horizonte econômico interligado, estruturado a partir de um centro
dinâmico e uma periferia dependente (ALGAZE, 1993). Sua teoria – baseada nos sistemas‑mundo do
capitalismo comercial do século XV – foi muito criticada e hoje em dia os historiadores chegaram até
mesmo a recusar Uruk como o centro dessa cultura, que também abrange a cidade de Susa, no atual Irã.
Fala‑se em civilização “policêntrica”, ou seja, com muitos centros (BUTTERLIN, 2003).

Figura 15 – A imagem, obtida em 1898, retrata as ruínas do Zigurate – edificação monumental religiosa – de Uruk, a primeira cidade

Por volta de 2800 a.C., o período Uruk termina abruptamente por causas desconhecidas. A partir
daí, o antigo sistema‑mundo dá lugar a uma nova configuração de poder, baseada na rivalidade entre
cidades‑estado e na emergência de um novo polo de poder: o palácio.

3.4.2 Período Dinástico Antigo (2800 a.C. – 2350 a.C.)

Este período também já foi denominado Pré‑sargônico, em referência à Sargão de Akkad, que em
2350 a.C. subiu ao trono e realizou a unificação da Mesopotâmia central e meridional. Nesse período
foram encontrados os primeiros vestígios incontestáveis do sumério escrito, não apenas em tabletes
cuneiformes, mas em suportes diversos como em selos cilíndricos, tijolos, cones comemorativos etc.
35
Unidade I

Como as inscrições desse período são lacônicas, informam pouco sobre eventos sociais e políticos mais
detalhadamente. Assim, narrativas míticas como a famosa Epopeia de Gilgamesh, lendário rei de Uruk
que partiu em busca da imortalidade, são usadas como documento para revelar aspectos da sociedade
e das relações políticas entre centros de poder do Dinástico Antigo.

A principal marca desse período é a fragmentação política de Sumer – a região que corresponde
à baixa Mesopotâmia. Não é possível falar em Suméria como um Estado unificado, senão dividida
politicamente em diversas cidades‑estado, das quais Ur, Uruk, Kish, Umma, Nippur e Lagash foram as
mais importantes. Cada uma dessas cidades era governada por um ensi, um cargo de natureza obscura,
mas que provavelmente carregava uma conotação religiosa. As cidades cresceram rapidamente e
logo passaram a reivindicar zonas agrícolas e canais de regiões vizinhas, o que levou a uma crescente
rivalidade entre as cidades.

Por volta de 2500 a.C., a cidade de Kish exerceu a hegemonia sobre as outras cidades sumérias, embora
não tenha imposto uma unificação política. O tradicional título ensi foi substituído pelo de lugal (grande
homem), um título de natureza militar. Além da importância militar, os reis de Kish passaram a exercer
a função de “tribunal internacional”, arbitrando questões entre as várias cidades‑estado que envolviam
a sucessão ao trono, disputas territoriais etc. Apesar das disputas, todas as cidades compartilhavam da
mesma religião, reconhecendo a supremacia de Enlil, deus patrono da cidade de Nippur. O controle desta
cidade‑santuário era de grande importância estratégica pelo papel de destaque na religião suméria.
Lembrando que os soberanos sumérios eram representantes de deuses. Ao final desse período, Umma
exercia a hegemonia sobre Sumer no lugar de Kish, mas foi um período curto, já que, no centro da
Mesopotâmia, surgia um conquistador que alteraria para sempre a história da região.

3.4.3 Império Sargônico (2350 a.C. – 2112 a.C.)

Sargão tem uma origem lendária que guarda semelhança com figuras proeminentes como Moisés e
os irmãos Rômulo e Remo. De origem humilde, fora atirado no Eufrates e encontrado por um jardineiro,
que o criou forte e saudável. Ao crescer, conseguiu um cargo de prestígio na corte de Kish quando
Lugalzagezi, rei de Umma, exercia a hegemonia sobre a Mesopotâmia. De um modo que não está claro,
Sargão reuniu um exército e derrotou Lugalzagezi. Quando Umma foi derrotada, Sargão proclamou‑se
rei dos quatro cantos do mundo, formando talvez o primeiro Império da história da humanidade (o uso
do termo “império” é, por sua vez, discutível). Com isso, tem início a dinastia de Akkad, de origem semita,
um grupo diferente do sumério. O acadiano passa a ser a língua oficial e o sumério reservado apenas
para fins litúrgicos.

Apesar da importância desse evento, há sobre ele pouquíssima documentação. Não há nem mesmo
nenhum documento contemporâneo a Sargão de Akkad que faça referência direta a ele e nem mesmo
a capital Akkad foi encontrada até hoje. Sabe‑se que, a fim de garantir sua dominação, ele substituiu os
antigos governantes – lugal e ensi – por subordinados de sua confiança, o que não impediu a eclosão de
revoltas durante os últimos anos do seu reinado, cuja repressão final ficou a cargo de seu filho Rimush.
O filho de Rimush, Naram‑Sin, estendeu o Império Sargônico até seus limites e também se divinizou,
sendo representado por um elmo com chifres e seu nome precedido pelo determinativo sumério dingir,
associado à divindade. Como afirma Charpin, ele deixa de ser um simples chefe e se torna um primus
36
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

inter pares, de modo semelhante a Augusto, milênios mais tarde (CHARPIN, 2005, p. 810). Segundo a
lenda, Naram‑sin caiu em desgraça justamente por cometer sacrilégios diversos, dentre eles, a destruição
do templo de Nippur, centro religioso de Sumer.

O filho de Naram‑sin, Shar‑Kali‑Sharri, não tinha nem de longe a grandeza dos títulos do pai, avô e
bisavô. Na realidade, durante todo o seu reinado, ele teve de enfrentar rebeliões internas e a invasão de
um povo nômade, os gútios. Ao final de seu reinado, o império já havia se esfacelado completamente e
nos anos seguintes haveria um breve renascimento da cultura suméria.

3.4.4 Terceira Dinastia de Ur (2112 – 2004)

Um breve período marcou o retorno do sumério como idioma escrito predominante, embora nada
suponha que tenha retornado como língua falada (provavelmente o acadiano continuou como o idioma
das massas). O Renascimento Sumério se inicia com dois eventos importantes: o primeiro, cultural, com
grande atuação do rei Gudea de Lagash, responsável por reintroduzir o idioma sumério, reconstruir e
embelezar templos e cidades; o segundo, militar, com expulsão dos gútios por Ur‑Nammu, rei de Ur,
que nesse momento encontrava‑se sob influência direta da cidade de Lagash.Com a ascensão de Shulgi,
sucessor de Ur‑Nammu, a cidade de Ur se expandiu e acabou com a hegemonia de Lagash. Tinha início
a predominância da terceira dinastia de Ur, que formava um estado territorial comparável ao de Sargão,
chegando até mesmo a anexar as cidades além do Tigre, a leste.

Esse período ficou marcado pelas reformas de Shulgi, rei que promoveu uma série de mudanças com
a finalidade de se adaptar às conquistas territoriais de Ur. Centralizou a burocracia estatal, criou uma
força militar permanente, unificou pesos e medidas e restringiu o poder dos templos. Com isso, Shulgi
buscava centralizar radicalmente o poder, mas sua tentativa falhou uma vez que o seu império entrou
em crise por motivos diversos, dentre eles um colapso do aparelho estatal – que havia se tornado grande
demais – e as migrações do povo amorita, uma sociedade nômade proveniente da Síria. Com isso, os
amoritas inauguram uma nova fase da história mesopotâmica.

3.4.5 Primeiro Império Babilônico (1763 a.C. – 1750 a.C.)

Com a crescente incursão dos Amoritas, que falavam o acádico, o breve renascimento sumério terminou
e em seu lugar há uma maior difusão da cultura semita. O acádico ganha uma enorme importância e se
torna a língua franca no Oriente Médio, sendo o sumério mantido apenas como língua religiosa. Outra
marca do período é o crescimento da iniciativa privada, sufocada pelo grande centralismo estatal de Ur
III. Esse é o período das grandes realizações de Hamurábi que, embora grandiosas, não sobreviveram por
muito tempo após sua morte. Antes da unificação promovida por Hamurabi, o centro‑sul mesopotâmico
foi um palco de uma intensa disputa por hegemonia entre as cidades de Isin e Larsa, ambas dominadas
posteriormente pelo crescente poderio babilônico.

Entre 2004 e 1763 a.C., o ambiente era de grande fragmentação política. Até 1925, os reis de Isin
proclamavam‑se soberanos sobre Sumer e Akkad, situação que perduraria até cerca de 1925 a.C., com
a conquista de Isin por Gungunum de Larsa. Ao mesmo tempo, surgia na Babilônia uma nova dinastia
que expandia rapidamente os territórios babilônicos. Hamurabi, ao subir ao trono, conseguiu importantes
37
Unidade I

vitórias militares contra os elamitas – povo indo‑europeu antecessor dos persas – que haviam causado um
grande impacto nas cidades‑estado do norte mesopotâmico. Estimulado pela vitória contra os elamitas
e aproveitando‑se da fraqueza geral das cidades mesopotâmicas após anos de conflito por hegemonia,
Hamurabi marchou contra Larsa, anexou a cidade em 1763, e formou o – assim denominado – Primeiro
Império Babilônico, tornando‑se senhor de Sumer e Akkad e, posteriormente, de todo o norte mesopotâmico.

A grande e rápida expansão territorial exigiu uma série de medidas administrativas, dentre elas uma
compilação de leis preexistentes – o Código de Hamurabi – que regulava a sociedade mesopotâmica por
meio do princípio contido na Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”) e estabelecia uma legislação
conforme os distintos estamentos – awilum, muskenum, wardum –, reafirmando a desigualdade social como
uma condição jurídica. Além disso, promoveu uma série de melhorias públicas com a construção de canais,
edifícios públicos, a restauração de templos etc. Seu império, no entanto, mal sobrevive à sua morte, em 1750
a.C., e logo começou a dar sinais de desgaste: uma grande emigração dos principais centros urbanos, o que
colocou em sério risco as finanças do Estado. Além disso, os governadores locais começaram a entrar em
conflito com os poderes centrais e os gastos militares tornavam‑se cada vez mais pesados. Em 1595, Mursilis
I destrói a cidade da Babilônia, que passa a ser governada pelos cassitas até 1150 a.C., um povo indo‑europeu
que deixou poucos vestígios, o que dificulta o trabalho do historiador para esse período.

Figura 16 – Representação de Hammurabi presente na escadaria do Departamento de Justiça do Governo dos EUA, em Washington.
Uma homenagem prestada ao criador de um dos primeiros códigos de leis da história

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HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

3.4.6 A crise da Idade do Bronze

Entre 1380 e 1158 há um período de equilíbrio internacional conhecido como “Período Amarna”,
devido ao arquivo de correspondências entre os reis do Egito, do Hatti, Mitanni (um reino ao norte da
Síria), Babilônia e Assíria. Esse equilíbrio internacional foi gravemente perturbado durante a crise da
Idade do Bronze e o deslocamento populacional dos chamados “povos do mar”, que teriam causado
grande impacto nos reinos mediterrânicos orientais, ao passo que a Mesopotâmia teria restado intacta.
Há também a possibilidade de que a crise da Idade do Bronze – cujo resultado mais marcante foi o
completo desaparecimento do Império Hitita – tenha resultado na introdução de escória de metal na
economia médio‑oriental, enfraquecendo economicamente aqueles reinos – como o próprio Hitita –
dependentes da exportação desse tipo de minério.

Nesse quadro de transformações, surgem novos atores: os arameus, um povo nômade semita que
inicia uma onda de migrações que alterariam profundamente o Antigo Oriente Próximo. Tais movimentos
populacionais foram responsáveis pela difusão do aramaico como idioma falado por todo o Oriente
Médio (com exceção do Egito e da Anatólia), sendo o acádico reservado apenas para fins literários,
embora seu uso com propósitos administrativos tenha sido defendido por reis mesopotâmicos, que
proibiam seus governadores de usar o idioma do invasor, escrito geralmente em papiros.

3.4.7 O Império Neoassírio

Entre 911 e 745 a.C., os assírios empreenderam uma rápida conquista militar de territórios
aproveitando‑se da fraqueza dos reinos médio‑orientais após a crise da Idade do Bronze. Os antecedentes
desse poderoso reino encontram‑se no segundo milênio a.C., momento em que os assírios haviam
conquistado um grande volume de terras e imposto sua hegemonia a povos diversos, quando foram
progressivamente derrotados por nômades e pela invasão babilônica. Por isso, entre 911 e 823 a Assíria,
sob Shalmaneser III e Assurnasirpal II, inicia um processo de reconquista dos territórios perdidos. Foi sob
o domínio de Assurnasirpal II que os assírios iniciam uma política baseada no terror, cobrando tributos
de reinos subjugados e punindo‑os severamente se necessário.

No entanto, foi com Tiglath Pileser III que se pôde falar em um verdadeiro império – a partir de
744 a.C. – que englobava vastas regiões, desde o Egito e Anatólia até o Elam, que seria a futura Pérsia.
O Estado assírio estava permanentemente em guerra, preparando‑se para sufocar revoltas e cobrar
tributos dos subjugados, agora províncias assírias, tais como Egito e Fenícia. Outra prática era a frequente
deportação de povos, chegando‑se a deslocar de uma só vez populações inteiras – cerca de oito mil
pessoas – para a Assíria ou para regiões que os assírios desejavam povoar e, segundo historiadores, teria
favorecido a “aramaicização” da Mesopotâmia.

As relações dos assírios com seus vizinhos foram naturalmente tensas e o trono babilônico sempre
foi visado pelos seus vizinhos do norte. A Babilônia era considerada como um importante centro cultural
e a posse do seu trono teria grande importância ideológica para seu mantenedor. O ápice da rivalidade
entre babilônios e assírios foi a posse do trono babilônico por Marduk‑Apla‑Iddina II, após a morte de
Tiglath‑Pileser III, entrando em conflito permanente com Shalmaneser pela conquista desse trono, uma
vez que este último revestia‑se do direito de possuí‑lo. O sucessor de Shalmaneser, o usurpador Sargão
39
Unidade I

II, também tentou derrotá‑la sem sucesso. A Babilônia seria uma obsessão para os próximos reis assírios:
Senaqueribe cercou‑a e destruiu‑a em 689 a.C., impondo um fantoche como rei. Com Assurbanipal, a
partir de 669, a Assíria atinge o seu auge, e também inicia o processo de decadência.

Figura 17 – Baixo relevo retratando Assurbanipal, o maior dos reis assírios

Apesar de ostentar um caráter belicoso, a verdade é que o Império Assírio era enormemente
frágil. Primeiro porque a cada sucessão real o império perigosamente entrava em um processo de
guerra civil pela posse do trono, havendo facções inimigas que comprometiam internamente a saúde
política do império. Além disso, a enorme extensão territorial colocava um grande entrave para a
administração de conflitos e rebeliões, que se tornaram mais comuns durante o século VI a.C. Por
último, a política expansionista e agressiva dos assírios acabou estimulando alianças inesperadas –
como a entre Babilônia e os Medos – que, apesar das diferenças, tinham a Assíria como inimigo em
comum. Em 612, Nínive, a capital do Império Assírio, foi completamente destruída por uma coalizão
babilônico‑média.

3.4.8 Império Neobabilônico

A resistência babilônica ao domínio assírio remonta às rebeliões de Nabucodonosor I contra


Assurbanipal, no entanto, sem sucesso. O primeiro rei babilônico – graças à progressiva decadência assíria
– seria Nabopolassar, que expulsa os assírios de Uruk e se proclama soberano. Além da encarniçada luta
contra assírios, conseguiu expandir sua influência até o Egito. Foi também o responsável por reconstruir
a Babilônia, devastada depois de seguidos anos de dominação estrangeira.

40
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Seu filho, Nabucodonosor II, assumiu o trono em 605 a.C e à época da morte do pai era um general
habilidoso, que estava em campanha de expansão territorial babilônica. Nabucodonosor II esteve em
constante conflito com o Egito, tendo expandido as fronteiras de seu império através da Síria e Palestina,
chegando à fronteira da terra do faraó. Assim como os assírios, ele empreendeu uma política baseada na
intimidação e na tributação, tendo enfrentado diversas revoltas dos povos dominados. A mais famosa
ocorreu em Jerusalém, em 586 a.C., causando a destruição da cidade pelos exércitos babilônicos e a
deportação de seus habitantes no episódio conhecido como “Cativeiro da Babilônia”. Embora seja uma
figura histórica mal vista pelas grandes religiões monoteístas, foi o responsável pela construção de
diversas obras públicas, melhorias e edificações monumentais, como os famosos Jardins Suspensos e a
Torre de Babel, dos quais não sobraram vestígios. Sem dúvida, ao lado de seu predecessor Hammurabi,
foi um dos grandes reis que governaram a Babilônia.

Figura 18 – O portão de Ishtar, construído por Nabucodonosor II. Atualmente encontra‑se no Museu Pergamon, em Berlim

Os sucessores de Nabucodonosor, embora por meio de reinados curtos, conseguiram levar a política
do grande rei, mas de forma mais tímida. O último dos reis babilônicos, Nabonido, foi uma figura
particularmente enigmática. Filho de uma sacerdotisa do deus da lua Sin, consegue subir ao trono
de uma forma até hoje não esclarecida, já que contava com a ferrenha oposição dos sacerdotes de
Marduk. Nabonido procurou reviver antigas tradições religiosas, como, por exemplo, ter nomeado sua
filha sacerdotisa de Sin em Ur – uma prática que remontava aos tempos sumérios. Reformou diversos
templos e obteve importantes vitórias militares. Porém, sob circunstâncias desconhecidas, ele se exilou na
Península Arábica e deixou seu filho Belshazzar no trono babilônico. Ao leste, surgia uma nova ameaça: a
Pérsia, de Ciro II. Quando Nabonido retorna à Babilônia, enfrenta uma crescente oposição dos sacerdotes
de Marduk, que se aliam a Ciro e prometem não oferecer resistência. Em 539, Nabonido é derrotado nas
margens do Eufrates a norte da Babilônia, e Ciro II conquista a cidade sem encontrar resistência. Embora
41
Unidade I

esse evento marque o fim da civilização mesopotâmica, é digno de nota o desenvolvimento econômico
e cultural da Babilônia, uma vez que os governantes persas não apenas toleravam, mas incentivavam o
desenvolvimento das culturas locais como uma estratégia de dominação.

3.5 Cultura mesopotâmica

3.5.1 Religião

Não é possível descrever uma única religião mesopotâmica, dada sua fluidez ao longo do tempo,
geralmente associada com eventos políticos e com a introdução de elementos culturais entre povos que
travavam contato frequente. Porém, ao longo dos séculos uma estrutura mitológica de origem suméria
pode ser identificada, sendo sutilmente modificada pelos povos semitas posteriormente. A cosmologia
sumero‑acádica não esteve restrita entre o Tigre e Eufrates, tendo influenciado até mesmo a mitologia
judaica, de natureza monoteísta.

A religião sumero‑acádica era politeísta, com deuses antropomórficos, que desempenhavam


determinadas funções e ocupavam certo lugar na hierarquia celeste, normalmente governada por um
deus que era, ao mesmo tempo, patrono de uma determinada cidade. Quando os assírios estavam no
auge, o deus Ashur era o principal do Panteão. Igualmente Marduk, quando o Império Neobabilônico
era hegemônico. Nippur gozava de especial prestígio por ser lar de Enlil, o rei dos deuses no panteão
sumério, da mesma forma que Enki era associado com Eridu, uma das primeiras cidades mesopotâmicas,
e Innana com Uruk. Os deuses mesopotâmicos deveriam ser constantemente agradados pelos mortais
por meio de uma conduta piedosa, sempre observando os cultos e agindo de forma moralmente
adequada. Caso contrário, a ira divina se abateria sobre a Terra sob a forma de secas, invasões, doenças
e diversos outros tipos de adversidades. A vida após a morte não constituía uma especial preocupação
e os mortos iriam para um lugar chamado Irkallum, simplesmente o “outro mundo”. Assim, os cultos
tinham um caráter mais pragmático, com o objetivo de agradar os deuses e esperar a recompensa pelo
cumprimento da cerimônia, bem como cristalizar uma visão de mundo baseada na total obediência às
autoridades religiosas e políticas.

Os cultos mais conhecidos eram aqueles realizados pela elite política e pelos grandes sacerdotes,
distante da maior parte da população. Um deles foi o da estátua, em que o aspirante a soberano
entrava nu e sem as insígnias reais na cela onde se encontrava a estátua do deus da cidade. Caso fosse
aprovado, ele receberia as insígnias e governava como um representante direto do deus nacional.
Heródoto, o historiador grego, descreveu na Babilônia o culto da prostituição sagrada, em que o rei
e uma sacerdotisa mantinham relações sexuais como uma alegoria ao mito de Dumuzi e Innana.
Nesse mito, a morte de Dumuzi correspondia ao inverno, à ausência de vida e o sexo entre os deuses
representaria a renovação, a fertilidade e mais um ano de colheitas fartas. Em relação à religiosidade
popular, muito pouco é conhecido.

42
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Figura 19 – Representação do deus Shamash, o Sol, presente na Academia Nacional de Ciências dos EUA

3.5.2 Mitologia

Para os sumérios, o mundo foi criado a partir da união de An e Ki, que geraram Enlil. Este, por sua
vez, gerou Nanna e esta, da sua união com Kingal, gerou Inanna. Os deuses considerados juízes do
mundo dos mortos eram chamados Anunnaki, diretamente relacionados a An, deus do céu. Em tempos
babilônicos, o deus Marduk – agora o deus supremo do panteão – designou funções aos Anunnaki.
Antes, Marduk havia assassinado a deusa Tiamat e com parte do seu corpo criou a Terra. Tiamat era
também associada aos oceanos, ao caos. A criação do mundo foi, antes de tudo, o estabelecimento da
ordem em meio ao caos, uma ordem que deveria ser seguida até o fim dos tempos. Esses episódios estão
descritos no poema Enuma Elish, lido em público nos festivais de ano novo.

O desenvolvimento literário da mesopotâmia é notável, e graças ao trabalho dos escribas, foi


preservada uma tradição que perdurou por mais de três mil anos. Além de provérbios, divinações e
previsões, obras de grande expressão como o Épico de Gilgamesh são consideradas como um importante
patrimônio da humanidade. Nessa epopeia, Gilgamesh, rei de Uruk, parte em busca da imortalidade, mas,
por descuido, fracassa. Em suas aventuras, conhece Enkidu, habitante das montanhas que foi “civilizado”
por Gilgamesh, passando a ser seu melhor amigo. Esse mito pode referir‑se ao papel desempenhado
por Uruk nos primórdios da civilização como um centro irradiador de cultura (ao menos em sua própria
visão). No épico, Gilgamesh encontra Utnapishtin, um ancião que havia sido alertado pelo deus Ea para
que se protegesse de um dilúvio iminente construindo um arca e que nela colocasse todos os tipos de
animais, em um claro paralelismo com a Bíblia.

43
Unidade I

3.5.3 Escrita

A escrita foi um dos maiores legados da cultura mesopotâmica. Seus primeiros vestígios datam cerca
de 3500 anos a.C., na cidade de Uruk. Em 1928 uma expedição alemã encontrou centenas de tabletes sob
um complexo de edificações dedicadas à Inanna, deusa protetora da cidade, que foram denominados
“protocuneiformes”, uma vez que foram considerados como ancestrais diretos da escrita cuneiforme,
surgida por volta de 2800 a.C. Não se sabe ao certo se esses tabletes reproduziam totalmente a fala – o
que definiria um sistema de escrita – e muitas vezes a interpretação de seu significado se dá a partir da
comparação com sinais de épocas posteriores.

Figura 20

A origem da escrita é um assunto polêmico. A teoria mais aceita, proposta pela arqueóloga Denise
Schmandt‑Besserat é a de que ela teria surgido de uma evolução a partir de pequenos objetos contábeis
chamados tokens, usados em trocas comerciais durante o Neolítico. Com o incremento do comércio e a
crescente complexidade dos sinais, os estilos de tokens aumentaram e eles passaram a ser armazenados
em recipientes de argila chamados bullae. Para comprovar a autenticidade da transação, essas bullae
eram seladas e os tokens impressos em sua superfície. Com o tempo, apenas a impressão dos tokens já
era garantia da comunicação da informação e o objeto tridimensional foi progressivamente abandonado
em favor do sinal gráfico correspondente. Daí, a escrita teria surgido como uma resposta à crescente
complexidade das informações, geridas pelas instituições que surgiram durante a Revolução Urbana
(SCHMANDT‑BESSEARAT, 1992). Inicialmente, os tabletes registravam entradas e saídas de produtos e,
posteriormente, foram produzidas as primeiras composições literárias e astronômicas.

A quantidade de sinais cuneiformes – nome dado à forma de cunha dos sinais – era muito grande e
o escriba passava por um longo período de treinamento para dominar os sinais e a gramática da língua.
Diversas línguas utilizaram o silabário cuneiforme, mas as duas principais foram o sumério – mesmo
deixando de ser uma língua falada, era uma língua litúrgica, assim como o latim atualmente – e o
acadiano (ou acádico). Os últimos vestígios de uso do cuneiforme datam de cerca 30 d.C.

44
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Creta Masopotâmia

Ásia Menos (Hititas)

Egito China

Índia

Figura 21 – As primeiras civilizações e seus respectivos sistemas de escrita

3.5.4 Ciências

As ciências mesopotâmicas estavam diretamente ligadas à escrita. Durante sua formação,


o escriba aprendia o sumério e o acadiano, memorizando uma grande quantidade de sinais
cuneiformes. Quando o escriba completava sua formação, ele se especializava em uma determinada
“ciência”, como a matemática, a astronomia ou a medicina. A adivinhação do futuro também era
uma prática muito comum e se baseava no registro de observações de fenômenos da natureza ou
de entranhas de animais.

A matemática mesopotâmica praticamente lançou as bases da atual matemática. Primeiro, os


sumérios criaram o sistema sexagesimal, sistemas de medidas, de volumes e de contagem de tempo
a partir de múltiplos de 3, 6 e 10. Criaram operações aritméticas, medidas de ângulos, equações,
logaritmos e raízes quadrada e cúbica. Os babilônicos aperfeiçoaram as operações matemáticas
e criaram os famosos “problemas matemáticos”. Com a astronomia, a observação dos astros e a
mentalidade matemática tiveram um grande intercâmbio, e as revoluções celestes eram observadas
com bastante precisão, associando‑se à medida do tempo: criaram o ano de 360 dias, o dia de
24 horas, horas de 60 minutos etc. Além disso, eram capazes de prever fenômenos como eclipses
solares e lunares.

45
Unidade I

A medicina, por sua vez, envolvia o conhecimento de ervas medicinais e a capacidade de evocar forças
sobrenaturais. Foram os babilônicos que criaram o conceito de diagnóstico por meio da observação dos
sintomas de um paciente, geralmente receitando infusões, pílulas ou uma alimentação específica. Em
determinados casos, os médicos recomendavam o exorcismo, certamente para casos prováveis de epilepsia.

Saiba mais

O código de Hamurabi foi um dos primeiros códigos legais


mesopotâmicos, provavelmente resultado de uma compilação de leis orais
ou ainda de códigos anteriores, não encontrados até o momento. A obra a
seguir realiza uma tradução crítica feita diretamente do acádico:

BOUZON, E. O código de Hamurabi. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

4 EGITO

4.1 Condições geográficas

O Antigo Egito situava‑se nas margens inferiores do Nilo desde a atual cidade de Assuã até o seu delta.
Era limitado ao sul pelo antigo reino de Kush e pela Núbia, e ao norte pelo Mar Mediterrâneo. Ao leste e a
oeste, a civilização egípcia era interrompida pelas condições hostis do Deserto do Saara e do Deserto Africano
Oriental, concentrando‑se, portanto, em uma comprida faixa de terra. Embora o Antigo Egito se localizasse nos
territórios dos atuais Egito e Sudão, ele chegou a espalhar a sua influência até a Mesopotâmia e Ásia Menor.

Figura 22

46
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Embora atualmente o Saara se apresente como uma região inóspita, seu quadro natural diferia
bastante de hoje. No final da última glaciação (aproximadamente 8.000 a.C.), com temperaturas mais
amenas, o ambiente no Norte da África era mais hospitaleiro, favorecendo a presença de uma grande
variedade de animais que se alimentavam de pastagens que surgiam aqui e ali, em meio ao deserto. O
Nilo era um rio bem menos imponente graças ao índice de umidade mais baixo no planeta até então,
mas suas cheias já eram responsáveis pela existência de uma grande diversidade ambiental. Após o fim
da última Era do Gelo, a umidade geral aumentou e a água retida nos polos começou a se distribuir por
todo o planeta. Assim, o Nilo foi ganhando proporções mais avantajadas e suas cheias passaram a se
estender por uma faixa de terra ainda maior. Quando o rio retornava ao seu volume original, o solo antes
ocupado pelas suas águas apresentava‑se extremamente fértil, graças à matéria orgânica (húmus) ali
depositada. Com isso, formou‑se um complexo meio ambiente composto de uma fauna bastante diversa
e de espécies vegetais de grande importância para a economia egípcia.

Figura 23 – Rio Nilo na década de 1910

Além do solo fértil e da exuberante fauna e flora, a região em que se situava a civilização egípcia era
pródiga em riquezas minerais, sobretudo nas regiões planálticas do Alto Egito. Calcário, granito, cobre,
chumbo e ferro estão entre os minerais mais utilizados pelos egípcios para a construção de edifícios
monumentais, armas e ferramentas. A presença de ouro, prata e pedras preciosas e semipreciosas foi
decisiva para o desenvolvimento de uma arte ricamente decorada, bem como um estímulo às trocas
comerciais entre o Egito e regiões distantes.

47
Unidade I

Figura 24 – A arte egípcia foi possível graças à abundância de recursos minerais presentes na região alta do Nilo

4.2 Economia

A base da economia egípcia era a produção de cereais, cujos excedentes agrícolas agiam como um
estímulo à divisão social do trabalho liberar diversos setores da sociedade para a dedicação exclusiva em
outras tarefas. Como a agricultura era extremamente dependente das cheias do Nilo, convencionou‑se
dizer, a exemplo do historiador grego Heródoto, que o Egito era uma “dádiva do Nilo”. A importância do
rio é inegável, mas a economia egípcia ultrapassava suas margens e era bastante diversificada, devendo
ser considerada sob um ponto de vista que incluísse o Egito dentro de um quadro econômico maior que
englobava todo o Oriente Médio e o Ocidente à época das ocupações macedônica e romana. Portanto,
além dos gêneros agrícolas, a pesca, o pastoreio, o extrativismo e o comércio – interno e de longa
distância – desempenharam funções vitais no funcionamento da economia egípcia.

Figura 25

48
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

A agricultura era praticada no Vale do Nilo e era realizada segundo o ciclo das cheias. O degelo da
primavera na nascente do Nilo produzia a estação das cheias, que durava de julho até o fim de setembro.
Esse evento era marcado pela aparição da estrela Sírius no horizonte, considerada pelos egípcios um
aviso do início das cheias. Quando a água retrocedia, o solo das margens estava enriquecido pela matéria
orgânica trazida pelo rio, tornando‑se extremamente fértil. De setembro a fevereiro, no inverno, era
realizada a semeadura com o auxílio de canais e diques que conduziam a água do rio para as lavouras,
uma vez que durante essa estação a chuva reduzia drasticamente. De março a julho realizava‑se a
colheita: a grande quantidade de cereais obtida devia‑se não apenas à fertilidade do solo, mas também
às inovações técnicas – como a charrua – e instrumentos de metal – como as foices–, e aos meticulosos
trabalhos de irrigação, uma vez que as enchentes do Nilo podiam ser imprevisíveis.

Lembrete

A presença de rios próximos às primeiras civilizações não foi


coincidência. A partir do aproveitamento de suas águas para a agricultura
surgiram centros de poder que coordenavam as obras de irrigação dada a
necessidade de administrá‑las, segundo Wittfogel (1977).

Figura 26

Os principais produtos agrícolas foram, sem dúvida, cereais como o trigo e a cevada. Depois de
debulhados ou triturados, serviam de matéria‑prima para a fabricação de pães e cerveja, o cardápio
básico da população em geral. O excedente era armazenado e distribuído conforme a disponibilidade de
alimentos. Além dos cereais, hortaliças diversas e condimentos também eram cultivados, bem como o
linho e o papiro para a fabricação de tecidos e de suportes para a escrita. Tais produtos eram cultivados
em terras estatais, cuja posse era cedida para terceiros, e os tributos – em espécie e trabalho – se
relacionavam com a capacidade produtiva dessa terra. A produção em terras coletivas e os tributos
arrecadados pelo Estado, que coordenava as obras de irrigação por meio de uma espécie de corveia, são
elementos básicos que configuram uma sociedade hidráulica, na qual se praticava o modo de produção
asiático. Porém, deve‑se estar atento à existência da propriedade privada no Egito.

49
Unidade I

O ano agricultural egípcio era dividido em três períodos: a inundação (akhet), o


crescimento (peret) e a colheita (shemu). Após a preparação, a terra era preparada
para a semeadura e crescimento. Fontes textuais indicam que grande parte da
terra pertencia ao templo e ao palácio, embora indivíduos privados pudessem
arrendar sua própria terra (SHAW; NICHOLSON, 2000, p. 515).

A pecuária ocupava um lugar de destaque na economia egípcia e a habilidade de criar animais


era notável, ao ponto de domesticarem espécies selvagens tais como hienas, leões, girafas e elefantes
africanos – estes conhecidos pela sua extrema agressividade. Camponeses e escravos criavam rebanhos
variados, como o bovino – destinado aos templos e aos sacerdotes – o suíno, o caprino e o ovino.
Animais de tração, como asnos, eram largamente utilizados, uma vez que a introdução do cavalo e do
camelo ocorreu em um momento avançado da história egípcia. Os cavalos, além de seu uso como meio
de transporte, eram atrelados a carros de guerra, uma inovação trazida pelos conquistadores hicsos.
A caça e a pesca complementavam a pecuária e os peixes secos eram uma fonte de alimento mais
“democrática” em comparação à carne dos rebanhos citados.

Figura 27 – Além do transporte, a pecuária também foi importante para a própria agricultura. No hieróglifo, o arado movido por
tração animal: ao mesmo tempo em que arava, também semeava a terra

O comércio ocupava um papel crucial e era realizado interna e externamente. A comercialização


interna ligava os diversos pontos do império através da navegação do Nilo, onde geralmente eram
trocados excedentes agrícolas por produtos artesanais. Uma vez que os egípcios desconheceram
o dinheiro até a dominação persa, a troca era realizada entre produtos diretos, mas não por meio
do simples escambo: a ausência de moeda não impediu o surgimento de um complexo sistema de
trocas com preços fixados pelo Estado. O padrão era geralmente formado por sacas de grãos ou uma
determinada quantidade de prata, que serviam como base para o preço dos produtos comercializados.
Em épocas de grande afluxo de prata, era comum que esta fosse retirada de circulação sob a forma de
oferendas rituais que, apesar do caráter sobrenatural, tinham por consequência impedir o surgimento
da inflação.

50
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Já o comércio externo tinha por objetivo obter matérias‑primas exóticas, colocando o Egito no
quadro econômico das trocas que ocorriam por todo o Oriente Médio. Por um lado, os egípcios buscavam
produtos de luxo como ouro, animais silvestres, incensos e pedras preciosas. Por outro, buscavam
matérias‑primas como metais para armas e ferramentas, e madeira para a construção de embarcações e
para a estrutura de construções. Para a obtenção desses artigos, eram utilizadas grandes quantidades de
excedente agrícola e produtos artesanais como camisas e papiros, muito procurados em todo o Oriente
Médio e Mediterrâneo como suporte de escrita para fins administrativos e literários. As principais rotas
de produtos de luxo eram estabelecidas com a Núbia, Levante e Ásia Central.

4.3 Sociedade

A sociedade egípcia era altamente hierarquizada, com possibilidades virtualmente nulas de mobilidade
social. A desigualdade era desejável e era reforçada por meio de cultos públicos e rituais que procuravam
justificar a estratificação com base em princípios religiosos. A maior parte da população era composta
por camponeses (os escravos, em um primeiro momento não eram tão numerosos), seguida por artesãos
e mercadores, funcionários estatais ou escribas, sacerdotes e, finalmente, o faraó e a família real. Apesar
da clara distinção entre os vários estamentos, até mesmo os egípcios de classe mais baixa tinham a lei ao
seu favor (com exceção dos escravos). Mesmo os mais humildes podiam abrir processos e enviar petições
aos oficiais de Estado em defesa de seus interesses. E com relativa frequência eram atendidos. Os crimes
envolvendo membros de estamentos distintos poderiam ser punidos desde multas até mutilações, o que
gerava uma estigmatização não só física, mas também social naquele que sofreu a punição.

Os camponeses levavam uma vida bastante atribulada e eram completamente dependentes do


Estado ou dos proprietários que arrendavam suas terras. Quando não se dedicavam ao cultivo de
subsistência, exerciam seu ofício em terras coletivas, nas quais eram cultivados os cereais e as hortaliças
que abasteceriam todo o império. Na época da entressafra, eram obrigados a trabalhar em obras públicas
– principalmente na manutenção de canais de irrigação – como forma de tributo bastante semelhante
à corveia nas sociedades feudais. Embora constituíssem a maior parte da população, temos poucos
registros de como era o seu cotidiano, sendo normalmente retratados indiretamente por documentos da
administração real. Os poucos vestígios existentes sugerem, por exemplo, pessoas de temperamento forte
e de grande vivacidade. As mulheres camponesas, ao contrário do que se poderia esperar, eram bastante
ativas e, na ausência dos maridos, regiam os negócios domésticos com grande habilidade, tratando de
igual para igual com as autoridades e diversas vezes herdavam bens. Em caso de maus‑tratos recebidos
pelos maridos, poderiam ainda pedir o divórcio. Em geral, as pessoas comiam pão e cerveja feitos em
fogões pelas mulheres da casa, em pequenas cozinhas ou em um pátio nos fundos. Suas roupas, bastante
simples, eram fabricadas com o linho colhido às margens do Nilo. Boa parte dos homens camponeses
dedicava‑se à pesca – utilizando redes fabricadas de linho – e ao pastoreio.

Os artesãos eram mantidos pelo excedente agrícola produzido pelos camponeses e escravos e eram
totalmente vinculados ao Estado, trabalhando em oficinas anexas aos templos e ao palácio real. Em raras
exceções, um artesão altamente considerado poderia ser tutelado por uma família rica, constituindo‑se
em um dos pouquíssimos casos de mobilidade social. Eram produtores de recipientes de cerâmica e
vasos onde o pão era assado, de vestimentas mais sofisticadas, de ourivesaria e de produtos diversos
trocados no comércio interno e de longa distância. Os mercadores, também controlados pelo Estado,
51
Unidade I

percorriam grandes distâncias pelo Nilo ou em grandes caravanas atingiam o reino de Kush, ao sul, e
chegavam até a Ásia Central, passando por Mesopotâmia, Ásia Menor, Pérsia e Levante. Era uma vida
inteiramente dedicada ao comércio, com pouquíssimo tempo para o convívio familiar.

Logo acima de artesãos e mercadores, encontravam‑se os funcionários do Estado, ou escribas.


Estes eram normalmente oriundos de famílias ricas, embora uma pessoa de origem mais humilde – em
raríssimos casos – que demonstrasse talento na arte da escrita pudesse ser ensinada a ler e a escrever,
algo que até mesmo muitos faraós não dominavam. Os escribas desempenhavam duas funções básicas:
a primeira era administrativa, em que eram produzidas atas, contratos, decisões judiciais, cartas e outros
documentos ligados ao funcionamento do Estado. Outra função era ligada à reprodução cultural por
meio da literatura e do exercício do poder vinculado à escrita monumental, feita na parede das pirâmides
e dos templos. Após o aprendizado na arte da escrita, os escribas poderiam ainda se especializar em
astronomia, medicina, matemática, entre outras ciências altamente desenvolvidas no Antigo Egito;
nesse caso, gozavam de um prestígio próximo ao da nobreza.

Os sacerdotes vêm em seguida e, apesar de teoricamente abaixo do faraó e de sua corte, acabaram
muitas vezes ameaçando o poder real. Sua indiscutível importância religiosa coincidia com o – sempre
crescente – poder político, ao ponto de interferirem diretamente nas decisões do Estado. O próprio
ritual de coroação demonstra essa situação: uma vez que possuíam o monopólio do contato com o
sobrenatural, a aceitação ou não do pretendente ao trono – já que a hereditariedade, embora na prática
tenha sido regra, não era garantida automaticamente – dependia da resposta dos deuses. Além de
praticarem o culto, eram funcionários do Estado, ocupando cargos de destaque, e também eram grandes
proprietários de terras. Os templos que regiam não eram apenas locais de culto religioso, mas também
funcionavam como celeiros e bancos, armazenando a riqueza produzida e controlando os preços ao
atuarem diretamente sobre a demanda e a oferta de bens produzidos ou acumulados (como cereais ou
metais preciosos).

Por fim, o faraó, senhor do Alto e Baixo Egito, era considerado não um simples representante,
mas a própria encarnação do deus Hórus na Terra. Era o proprietário virtual de todas as terras do
Egito e seu poder era praticamente ilimitado, embora, na prática, conflitasse com a grande influência
dos sacerdotes. Ele era coroado em um ritual no qual o antigo faraó morto voltava a ser Osíris e o
pretendente ao trono transformava‑se em Hórus, representado pelo falcão. Em geral, a família real
era endogâmica e, em caso de morte, se não houvesse pretendentes diretos, era costume a rainha ou
a própria mãe tornarem‑se regentes até que a próxima encarnação de Hórus estivesse pronta para
reinar. Era assessorado por um vizier, que agia como seu representante nos negócios do Estado e em
missões diplomáticas e pelos nomarcas.

Os escravos, inicialmente, eram poucos e em geral eram mantidos cativos temporariamente, após
o pagamento com trabalho das dívidas contraídas. Realizavam funções diversas, desde a agricultura e
pecuária até tarefas domésticas e mesmo atividades administrativas. Com a expansão militar, sobretudo
no reinado de Ramsés II, o número de escravos cresceu rapidamente e, com isso, gerou‑se um grande
contingente de mão de obra para o trabalho em obras públicas, como a manutenção de canais de
irrigação e a construção de edifícios monumentais, como templos e pirâmides.

52
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Faraó e
Família

Chefe do
Vizir Interdentes
arsenal Clero
(nobre) (nobres)
(nobre)

Mercadores Funcionários Chefes Principais


militares (pequena sacerdotes
(Classe média) e escribas nobreza) (nobres)

Guardas Camponeses Artesões Soldados Baixo clero

Figura 28 – Pirâmide social no Egito Antigo

4.4 Cultura

Em termos gerais, a cultura egípcia era profundamente ligada à religião, de modo que discorrer
sobre duas esferas em separado – vida religiosa e vida prática – seria inadequado para compreender esse
fenômeno. Embora a vida cultural egípcia seja bastante apreciada pelo público atual por meio de filmes,
livros e documentários, devemos observar que se trata de uma cultura que sofreu grande mutação no
tempo e que se relacionava com um pequeno segmento da sociedade, correspondente às camadas mais
altas. Infelizmente, sobraram pouquíssimos vestígios da cultura popular egípcia, que deveria refletir a
composição etnicamente heterogênea das camadas básicas da sociedade.

4.4.1 Religião

O principal aspecto da religião egípcia era a continuidade da vida além do plano físico. A religião era
tão intrinsecamente ligada à vida prática que seria incorreto dar o nome de “religião” ao fenômeno com
o risco de considerá‑la – a exemplo da nossa sociedade laica – como uma esfera em separado. Isso não
significa dizer que devemos compreender a religião egípcia como uma esfera puramente transcendental,
mas sim reforçar o seu caráter como base das relações sociais profundamente marcadas pelo exercício
do poder e pela desigualdade. Os faraós e os sacerdotes, como encarnação e representantes dos deuses,
foram também os administradores e proprietários, com influência direta na economia.

53
Unidade I

Figura 29 – Para os egípcios, o faraó era a encarnação de Hórus, representado pelo falcão no ombro direito da imagem

A religião egípcia transitou entre o politeísmo e o monoteísmo – deus Áton – embora estudos
recentes, como o do historiador das religiões Jan Assmann, demonstrem que a religião egípcia já
apresentava desde seus primórdios uma tendência ao monoteísmo: faltam, muitas vezes, atribuições
claras a certas divindades, e vários deuses possuem funções fluidas, o que pode sugerir que cada um
deles fosse uma qualidade de um único deus manifesta em determinado momento. Assim, o deus
Áton não seria uma inovação radical, mas a manifestação mais evidente de uma tendência que já se
afigurava previamente. De qualquer modo, são famosas as figuras dos deuses antropozoomórficos, ou
seja, híbridos entre homens e animais.

Figura 30 – Baixo‑relevo representando Akhenaton e o culto monoteísta a Áton, o disco solar

54
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

O mundo dos deuses era rigidamente hierarquizado, tal como deveria ser a própria sociedade, um
reflexo direto daquele mundo. A principal hierarquia era a tríade Osíris, Hórus e Ísis, que se relacionava
diretamente com o poder faraônico. Para que as colheitas fossem fartas e o Egito prosperasse de maneira
geral, era necessário adorar os deuses nos templos, assim como era preciso agir corretamente segundo
os preceitos divinos para ter acesso à outra vida. A observação dos cultos e a realização dos sacrifícios
mantinham a ira dos deuses aplacada, pois além de grandes benfeitores, eles poderiam trazer inúmeras
desgraças. Quando as cheias do Nilo não eram suficientes, havia um grande impacto na produção
agrícola e isso era entendido não como a falta da ação divina, mas como uma punição pelo descuido
em relação aos cultos. Tais cultos, por sua vez, não eram abertos ao povo em geral: ficavam a cargo do
faraó e dos sacerdotes e os males que ocorriam na sociedade eram vistos como responsabilidade direta
destes. As estátuas eram tratadas como o duplo dos deuses, sendo até mesmo alimentadas com leite e
mel. Esta manifestação material tinha por finalidade realizar a ponte entre o físico e o sobrenatural, e,
assim, não eram meras representações, senão os próprios deuses.

A mumificação cumpria uma função essencial já que permitiria ao faraó o acesso à outra vida. A
pessoa, livre de seu corpo físico, sobreviveria em espírito e necessitaria da preservação do seu corpo, pois
esta seria uma pré‑condição para a vida após a morte. Da integridade do corpo dependia o encontro
das substâncias ka – presente no corpo – e da ba – a alma ou o duplo que se encontra no outro mundo.
Quando a mumificação fosse bem realizada e houvesse o encontro das duas substâncias, o sujeito
era julgado no tribunal de Osíris, no qual suas boas ações seriam contrabalançadas com suas ações
desviadas. Em caso de aprovação do deus Osíris em virtude da sua boa atuação em vida, o sujeito teria
garantida a sua sobrevivência como espírito. Caso contrário, sua alma seria devorada por demônios.
Nesse caso, as boas ações se relacionavam com a manutenção da ordem cósmica, reproduzindo na
sociedade a hierarquia observada no mundo divino.

Figura 31 – Anúbis, o deus‑chacal, associado à mumificação

55
Unidade I

4.4.2 Arte e arquitetura

A arte e a arquitetura egípcia assumiram um caráter monumental e suas principais expressões eram
profundamente ligadas à religião. A pintura egípcia, cujas principais manifestações provêm das tumbas e
sarcófagos reais, trazia como elemento principal a lei da frontalidade, na qual era demonstrada profunda
reverência ao observador. A escultura egípcia, por sua vez, desempenhava um papel incomum aos olhos
atuais: para os egípcios ela literalmente carregava vida, abrigando o espírito dos faraós, ou ainda era
tida como manifestação direta dos deuses na terra. A arquitetura monumental egípcia, por sua vez, era
representada pelas pirâmides e pelos templos. Além disso, os egípcios eram grandes urbanistas e muitas
de suas cidades eram cuidadosamente planejadas.

Figura 32 – A imagem demonstra a lei da frontalidade: cabeça e membros de perfil, tronco e os olhos vistos de frente. Esta fórmula
influenciou a arte de vários povos como os fenícios e os etruscos

A arte egípcia obedeceu a fórmulas consagradas, criadas ainda no Antigo Império e que se
difundiram por diversas regiões do Mar Mediterrâneo, como a arte fenícia. A principal característica
já citada era a lei da frontalidade, sob a qual as figuras eram representações com a cabeça e membros
perfilados e tronco e olhos de frente. As cores utilizadas não eram escolhidas ao acaso, todas carregando
uma simbologia específica; o preto significava o acesso à outra vida, um ciclo de renovação; o branco
representava dignidade e realeza, através da verdade; o vermelho, o amor. Nas pinturas, as personagens
mais importantes eram representadas em tamanho maior em relação às outras figuras e com o tempo
a pintura egípcia foi ganhando atributos cada vez mais naturalistas. Já a escultura obedecia a critérios
distintos de composição: estátuas dos deuses e do faraó eram rígidas, sem expressão, com traços severos
e corpo ereto. Os bustos reais eram bastante comuns; com o passar do tempo, foram‑se representando os
faraós com mais realismo, uma vez que os primeiros bustos traziam rostos genéricos, pouco expressivos.
Os escribas também eram representados – com mais dinamismo–, assim como os animais.

56
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Figura 33 – A arte egípcia era associada com a escrita.


Na imagem, mulheres trajadas de branco, o que demonstra sua ligação com a realeza

No campo da arquitetura, os egípcios destacaram‑se como construtores de enormes estruturas religiosas


que pudessem atestar a grandeza do faraó e dos deuses, tendo também como princípio – sobretudo
no caso das pirâmides – a demarcação territorial e a simbologia do poder. No Antigo Império, temos a
construção das primeiras pirâmides, inicialmente escalares e, em seguida, de face lisa como as pirâmides
de Gizé. O domínio técnico da arquitetura em pedra e a mobilização do trabalho social em larga escala
permitiram a construção de enormes estruturas, cujo grau de complexidade rivaliza com edifícios atuais.
As pirâmides do Antigo Império – como as famosas pirâmides de Gizé – atingiram o auge em termos de
sofisticação em relação às pirâmides de períodos posteriores. Os templos, como os de Abu Simbel, Luxor e
Karnak apresentavam uma fachada ricamente adornada por gigantescas representações antropomórficas
de faraós e deuses. Sua entrada era antecedida por um corredor de esfinges ou colunas, mais comuns após
a ocupação grega. Outras manifestações da arquitetura eram as mastabas – túmulos de menor proporção
– e os hipogeus – tumbas subterrâneas, cujo objetivo era evitar o roubo da riqueza ali depositada.

Figura 34 – As pirâmides de Gizé foram construídas no Império Antigo para abrigar os restos mortais dos faraós e seus tesouros.
Além da função de túmulos, as pirâmides eram também marcos territoriais

57
Unidade I

Figura 35 – Templo de Abu Simbel

4.4.3 Escrita egípcia

A escrita egípcia era variada, sendo diretamente dependente da circunstância de seu uso. O tipo mais
famoso, o hieróglifo, era uma escrita monumental utilizada em contextos sagrados, sendo dominada
apenas por sacerdotes e nobres. Trata‑se de representações de animais, pessoas, partes do corpo e figuras
abstratas que correspondiam a uma determinada sílaba, uma letra, um conceito ou um determinativo
(cuja função no texto é contextualizar o termo a seguir, e não fonética). Eram utilizados nas paredes
das tumbas e templos, em sarcófagos e papiros com textos religiosos; o número de sinais chegou a
aproximadamente 8 mil. Com o tempo, o repertório foi sendo reduzido e na época ptolomaica chegou
a quinhentos sinais.

Figura 36 – A escrita hieroglífica era utilizada em contextos sagrados, geralmente templos e pirâmides.
Apenas sacerdotes e escribas tinham a capacidade de decodificar estes sinais

58
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Outro tipo de escrita foi a hierática, cujos sinais derivaram do hieróglifo, mas bem menos detalhados,
sendo, portanto, uma escrita cursiva lida, a exemplo do alfabeto árabe, da direita para a esquerda. Era
utilizada principalmente por escribas no exercício de seu oficio. No século VII a.C., a escrita hierática
foi sendo substituída por outro tipo de escrita, a demótica, totalmente abstrata e de grande difusão na
sociedade egípcia. Embora tenha sido usada inicialmente na administração, a demótica logo passou a
registrar textos literários e religiosos.

Figura 37 – Representação de um escriba egípcio

A decifração dos hieróglifos e consequentemente da escrita hierática e demótica que derivaram


daqueles deve‑se ao trabalho de Champollion que, graças às incursões de Napoleão no Egito, pôde
estudar a Pedra de Roseta, um artefato de pedra com inscrições em hieróglifo, em demótico e em grego
antigo. Como o grego antigo já era conhecido, o trabalho do jovem egiptólogo consistiu na comparação
e tradução dos sinais. Até hoje, seu trabalho é referência na comunidade acadêmica.

Figura 38 – Pedra de Roseta, descoberta no século XIX pelos franceses.


Ela permitiu a decifração dos hieróglifos egípcios por Champollion

59
Unidade I

4.4.4 Ciências

Os egípcios desenvolveram conhecimentos altamente sofisticados que se difundiram por quase


todo o mundo civilizado da época, sobretudo para os gregos, que realizavam viagens periódicas à terra
dos faraós para entrar em contato com conhecimentos que julgavam avançado. Assim como entre
os mesopotâmicos, os escribas aprendiam a ler e escrever, e quando dominavam a arte da escrita,
especializavam‑se em um determinado assunto. De todas as áreas, destacam‑se a medicina, a matemática
e a astronomia.

A vida no Egito era repleta de adversidades, como revelaram as análises dos ossos encontrados em
escavações. O trabalho intenso provocava um grande desgaste físico e emocional, e os habitantes das
margens estavam sujeitos a doenças diversas. Além disso, havia o perigo dos animais selvagens e de
conflitos. Tudo isso contribuía para o desenvolvimento da medicina: os egípcios combatiam doenças e
ferimentos com ervas medicinais e compressas, além de intervenções cirúrgicas relativamente precisas,
quando necessário.

O desenvolvimento da matemática também teve motivações pragmáticas, ligadas a problemas de


engenharia e agricultura. Os egípcios criaram sistemas numéricos, operações aritméticas, equações e sua
geometria era especialmente avançada, tendo estabelecido os princípios (mesmo que implicitamente)
do Teorema de Pitágoras. A Astronomia, por sua vez, possuiu grande importância para a agricultura,
ao organizar o tempo para prever a colheita, estabelecer datas religiosas, prever as enchentes. Eles
dividiram o ano em 365 dias e este, por sua vez, dividia‑se em três períodos: inundação, plantio, colheita.

4.5 História política

4.5.1 Período Pré‑dinástico (8000 a.C. a 3100 a.C.)

Por volta de 8000 a.C., alterações climáticas decorrentes do fim da glaciação mais recente provocaram
mudanças radicais na paisagem egípcia. O Vale do Nilo, que possuía um clima mais ameno e um ambiente
mais hospitaleiro, com uma fauna e uma flora de maior diversidade, passou a ser um local com temperaturas
mais elevadas e com menos umidade, espantando os animais e restringindo a flora às margens do
rio, agora mais volumoso e com enchentes de maiores proporções. A população local, presente desde
aproximadamente 10000 a.C., aumentou sensivelmente e, dadas as novas condições, foi progressivamente
se sedentarizando nas proximidades dos rios, domesticando animais e cultivando cereais.

Graças à introdução de novas técnicas, a produtividade agrícola aumentou e, com isso, os antigos
povoados de características neolíticas foram tornando‑se mais complexos, mais populosos e, por volta
de 5000 a.C., eram parte de culturas bastante sofisticadas, como a de Naqada. Essa cultura em especial
foi marcada pela presença de uma grande diferenciação social, manifestada pela riqueza dos artefatos
encontrados em tumbas de grandes proporções, provavelmente pertencentes a uma elite que controlava
rotas comerciais com regiões distantes. O final do Período Pré‑dinástico é marcado pela intensa disputa
entre culturas diversas (como Naqada e Maadi), mormente agrupadas em nomos reunidos, por sua vez,
em dois reinos distintos: o Alto e o Baixo Egito. Esse ambiente político descentralizado foi superado
graças à atuação do lendário Menés, senhor do Alto Egito, que unificou os dois reinos por volta de 3100
60
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

a.C. Com isso, Menés (segundo fontes secundárias) tornou‑se o primeiro faraó, transferindo a capital de
seu reino de Tínis para Mênfis. Esse curto período ficou conhecido como Época Tinita, que antecedeu
diretamente o Império Antigo. Durante a Época Tinita surgem as fundações do poder faraônico e a
consolidação militar do Egito, que passa a exercer sua influência sobre povos vizinhos e a controlar
permanentemente importantes rotas comerciais.

4.5.2 Império Antigo

Uma vez consolidado o poder faraônico durante a Época Tinita, o trabalho dos faraós do Império
Antigo foi, principalmente, organizar o funcionamento da máquina administrativa, procurando superar
possíveis problemas de centralização política e expandir os trabalhos de irrigação, com o intuito de produzir
grandes excedentes agrícolas. Surgiu, portanto, um complexo sistema burocrático composto por oficiais
responsáveis pelo registro de atividades e de transações econômicas, por coletores de impostos e por fiscais
responsáveis pela aplicação da justiça e que coordenavam o trabalho de camponeses e escravos em obras
públicas, na época de entressafra. O desenvolvimento ainda maior das técnicas agrícolas permitiu a geração
de um enorme excedente, que manteve as bases da divisão social do trabalho e permitiu a construção de
obras colossais, como templos e pirâmides, tais como as pirâmides de Gizé. Portanto, o Império Antigo foi
marcado pela consolidação do poder militar, econômico e simbólico dos faraós.

Entretanto, ao final do período, os nomarcas – administradores provinciais – se desligaram


progressivamente da autoridade real, aproveitando‑se de sucessivas crises econômicas que colocaram
em xeque o poder faraônico. Assim, o final do Império Antigo se caracteriza pela decadência da obra de
centralização política dos primeiros monarcas e, novamente, o Egito mergulha em um estado latente de
miséria e conflitos que duraram quase 200 anos. Esse período ficou conhecido como Primeiro Período
Intermediário e foi superado com a restauração do poder faraônico pela ação de Mentuhotep II, de
Tebas.

4.5.3 Império Médio

A reunificação do Egito após o primeiro período intermediário ocorreu depois de um longo conflito
que envolveu Mentuhotep II da XI dinastia e membros da X dinastia, oriundos de Heracleiópolis. Após o
ataque a essa cidade, a XI dinastia passa a controlar todo o Egito, iniciando um processo de expansão de
áreas que se tornaram independentes durante o período anterior: anexa a rica região da Núbia, ao sul,
e restaura a influência sobre o Sinai. Seu filho, Mentuhotep III continua a obra de seu pai, expandindo
a influência egípcia para a Ásia e apossando‑se de rotas comerciais no Mar Vermelho, a partir da região
dos atuais países Etiópia e Somália. O alvo comercial eram pedreiras, justamente devido à retomada das
construções monumentais. A XI dinastia, ao unificar Egito, iniciou ainda um processo de reconstrução
econômica e política por meio da organização de uma eficiente máquina burocrática.

Após a morte de Mentuhotep III, sobe ao poder a X dinastia, anteriormente afastada pela dinastia
tebana. Amenhemet I começa um processo de pacificação contra povos ao leste do Delta do Nilo,
construindo as famosas Muralhas do Rei, um complexo de muros e fortalezas nas bordas do deserto
oriental. Amenhemet I procurou centralizar ainda mais a administração, nomeando pessoalmente
nomarcas de sua confiança, e investiu esforços em uma grandiloquente propaganda pessoal, com vistas
61
Unidade I

a reforçar o seu poder. Esse faraó inaugura uma prática pouco usual no Egito Antigo: o reinado dual.
Para garantir a sucessão do indicado, os faraós dessa dinastia nomeavam corregentes, que assumiam
após a morte do regente principal.

Após esse período de retomada da centralização política, com destaque para as eficientes
administrações provinciais, e da expansão militar com a finalidade de pacificar inimigos e obter riquezas
de terras vizinhas, o Egito conhece a dominação estrangeira. Os últimos reis do Império Médio haviam
aberto as fronteiras para contingentes populacionais asiáticos de modo a aumentar a mão de obra
existente no império. No entanto, uma série de acontecimentos obscuros revela um período de revoltas
internas (ou invasões), cujo resultado é a subida ao trono de reis estrangeiros (ou heka khaseshet, mais
conhecidos como hicsos) que inauguram a XV dinastia. A subida dos hicsos ao trono é o marco para o
início do Segundo Período Intermediário.

Embora os hicsos sejam normalmente retratados como estrangeiros indesejados, a verdade é que
durante os primeiros anos de seu domínio foram muito populares, introduzindo novas técnicas militares
e produtivas, incentivando ainda mais as ciências e as artes. As dinastias existentes não foram eliminadas
e os antigos dirigentes egípcios preservaram grande parte de seu poder, governando em conjunto com
os reis hicsos, no entanto, como seus vassalos. A coexistência foi pacífica até certo ponto, mas problemas
religiosos envolvendo o vassalo Seqenere Tao e os governantes hicsos provocaram uma reação violenta por
parte dos egípcios, culminando na expulsão dos invasores por Amósis, em 1545 a.C. Os maiores legados
dos hicsos para os egípcios foram relacionados ao cultivo, com a introdução de novas variedades de grãos
e novos instrumentos agrícolas, e à guerra, com a inserção do cavalo e do arco composto.

4.5.4 Novo Império

O Novo Império foi o período considerado como o auge da civilização egípcia. Após a expulsão
dos hicsos, o império retoma a expansão iniciada no Período Médio – interrompida pelos invasores
– e leva a influência egípcia à Ásia Menor e até mesmo à Mesopotâmia, tanto em termos militares
como diplomáticos. Houve também um rápido crescimento das riquezas, com a anexação de regiões
produtoras de importantes matérias‑primas e a melhoria da produção agrícola, gerando excedentes
como nunca antes vistos na história egípcia. Foi também um momento de reorganização religiosa, com
a intensificação do culto a Amon Ra e da reforma religiosa de Akhenaton, que existiu por um curto
período de tempo. No entanto, a crise do fim da Idade do Bronze levou o Egito mais uma vez ao declínio,
sacramentado com a conquista assíria.

As campanhas militares egípcias foram conduzidas com rapidez e violência, e ampliaram rapidamente
as fronteiras do império, levando também a um aumento no número de escravos. Ao sul, completou‑se a
anexação da Núbia e finalmente os faraós tinham pleno acesso às pedreiras e às jazidas de ouro, permitindo
ampliar cada vez mais a grandeza das já impressionantes construções monumentais. Na Ásia, os egípcios
chegaram a ocupar a Síria e, graças a uma aliança firmada com o povo de Mitanni, ameaçaram diretamente
os Hititas, a maior força política do Oriente Medio no momento. A disputa pela cidade Síria de Kadesh,
que marcava a fronteira entre a influência hitita e egípcia no Levante teve como consequência imediata
a Batalha de Kadesh, em 1274 a.C., comandada magistralmente pelo faraó Ramsés II, que impediu seu
exército de sofrer uma derrota humilhante perante as forças do rei hitita, Muwatallis II.
62
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Figura 39 – Estátuas de Ramsés II: imagem tirada no século XIX, no museu de Gizé, no Egito

O resultado final foi um empate entre as superpotências e a maior consequência foi uma conquista
diplomática: o primeiro tratado de paz da história da humanidade, firmado entre egípcios e hititas. A
diplomacia foi uma ferramenta de enorme valia no Oriente Médio, marcado pelo equilíbrio de forças:
babilônios, assírios, hititas e egípcios. As cartas enviadas entre os soberanos, a constante troca de
presentes e as diversas alianças matrimoniais entre os quatro reinos demonstram uma época privilegiada
para o estudo de Relações Internacionais.

Observação

A expansão territorial egípcia levou a um crescimento exponencial da


economia. O aumento no número de cativos e os contínuos desenvolvimentos
técnicos permitiram a produção de um enorme excedente que financiou
construções monumentais e estimulou as trocas comerciais de longa
distância. Além disso, a ocupação de terras vizinhas possibilitou aos
egípcios a obtenção de matérias primas de luxo importantes para o reforço
simbólico do poder.

Esse clima de prosperidade era atribuído, sem dúvida, à ação dos deuses e, consequentemente,
os sacerdotes ganharam um enorme prestígio. No início do Novo Império, o culto ao deus sol Amon
Ra ganhou imensa popularidade e a afluência de pedras e minérios de luxo permitiu a construção
de inúmeros templos dedicados ao seu culto, inclusive o famoso templo de Luxor, erigido no reinado
do faraó Amenófis III. Quando o culto ao deus Amon parecia incontestável, uma reviravolta: o faraó
Amenófis IV rompe com a tradição estabelecida e realiza uma reforma monoteísta, cujos resultados não
estão ligados apenas à religião. A crescente influência dos sacerdotes ameaçava o poder faraônico e com
a implantação de uma religião monoteísta, Amenófis IV (que passou a chamar‑se Akhenaton) centraliza
63
Unidade I

o culto religioso em suas mãos e afasta os sacerdotes, chegando a confiscar seus bens em honra ao deus
Áton. No entanto, esse culto foi efêmero e não sobreviveu à morte de seu fundador. Quando o filho
de Akhenaton, Tutankhaton, sobe ao trono, a antiga religião é restabelecida e Tutankhaton passa a se
chamar Tutancâmon, em honra a Amon Ra.

Figura 40 – Máscara funerária de Tutancâmon, jovem faraó que restabelece os antigos cultos no Egito após um breve período de
reforma monoteísta

Por volta de 1200 a.C., um novo período de decadência assolou o Egito. Uma crescente movimentação
de povos levou a invasões que causaram um colapso geral da economia médio‑oriental, afetando
duramente o Egito após o reinado de Ramsés II. Esse momento ficou conhecido como a crise da Idade
do Bronze e foi marcado pela invasão dos chamados Povos do Mar. Os egípcios redigiram documentos
relatando invasões costeiras por povos que eles denominavam shardana (talvez referente à atual
Sardenha) e peleset (filisteus). Embora célebre, a hipótese da invasão dos povos do mar deve ser revista,
e novas teorias apontam a introdução de metais baratos na economia médio‑oriental. Povos que viviam
das trocas de metais como cobre e estanho enfrentaram um colapso econômico que afetou duramente
as economias que eram interligadas. A Mesopotâmia, no entanto, escapou praticamente ilesa e isso
permitiu o crescimento dos impérios Assírio e Babilônico, que aterrorizaram os povos do Levante e o
próprio Egito. Em 667 a.C., as forças do faraó Taharqa sucumbiram diante dos ágeis carros de guerra
assírios, e nunca mais o Egito conquistou sua independência, passando para o domínio babilônico, persa,
grego, romano e árabe.

64
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Saiba mais

Civilizações da Mesopotâmia e o Egito Antigo são temas muito


difundidos e apreciados pelo grande público. Existe uma vasta produção
cultural sobre eles – principalmente sobre o Egito –, mas é necessário fazer
uma boa seleção. Não podemos esperar encontrar filmes, por exemplo, que
retratem fielmente como era a vida entre os egípcios. Devemos prestar
atenção nas representações sobre o tema. No caso da Mesopotâmia, não
há muitos filmes, mas bons documentários.

Filmes e documentários:

AS CIDADES perdidas do Egito. Documentário. Dir. Harvey Lilley. Reino


Unido: BBC, 2011. 90 min.

CLEÓPATRA. Dir. Joseph L. Mankiewicz; Rouben Mamoulian. Reino


Unido; Estados Unidos; Suíça: Twentieth Century Fox Film Corporation;
MCL Films S.A.; Walwa Films S.A., 1963. 192 minutos.

LEGACY: origins of civilization. Documentário. Dir. Peter Spry‑Leverton.


Reino Unido: Central Independent Television; Maryland Public Television;
NHK Enterprises, 1991. 52 minutos.

Livros:

CARDOSO, C. F. Sociedades do Antigo Oriente Próximo. São Paulo:


Editora Ática, 1988.

DERSIN, D. (Ed.). A história cotidiana às margens do Nilo: Egito 3050‑30


a.C. Barcelona: Folio, 2007.

ROAF, M. Mesopotâmia. Barcelona: Folio, 2006. (Coleção Grandes


Civilizações do Passado).

65
Unidade I

Resumo

Nesta unidade vimos que a Pré‑história correspondeu à maior parte da


vida humana sobre a Terra e foi o período em que a humanidade obteve
desenvolvimentos fundamentais, dentre eles a linguagem, o domínio do
fogo, a agricultura, domesticação e metalurgia.

Os primeiros agrupamentos humanos eram nômades e sua economia


era predatória, baseada na caça e na coleta. Devido a alterações climáticas
referentes ao final da glaciação, houve uma grande alteração na oferta
dos produtos, o que estimulou um comportamento produtivo. Daí surge
a agricultura, que caracteriza o Neolítico. O homem tornou‑se sedentário.

Por volta de 5000 a.C., houve um grande desenvolvimento tecnológico,


que permitiu uma maior produtividade e, consequentemente, a produção
de excedente. Essa produção foi estimulada, favorecendo a especialização
do trabalho e possibilitando o surgimento da primeira cidade: Uruk.

Vimos também que o conceito de modo de produção asiático foi criado


no século XIX por Karl Marx, a partir do estudo das relações de produção
em sociedades hindu e chinesa, observando a existência de um Estado
proprietário, a ausência de propriedade privada e um poder baseado na
religião. Historiadores marxistas aplicaram esse modelo para compreender
as sociedades do Antigo Oriente Próximo.

Também aprendemos que a Mesopotâmia foi o berço da Revolução


Urbana, momento de surgimento do Estado. O clima inóspito das planícies
do Eufrates e do Tigre levou à necessidade de se construírem canais de
irrigação para o aproveitamento das águas dos rios para a agricultura.
O resultado foi a geração de um enorme excedente agrícola controlado
pelo Estado. Daí a denominação sociedade hidráulica para a Mesopotâmia,
devido à proximidade com um rio.

Por fim, constatamos que o Egito se assemelha em muitos pontos com a


Mesopotâmia. Às margens do Nilo, a civilização egípcia floresceu graças às
cheias do rio, que propiciavam um solo fértil para o plantio. A prosperidade
do Império era relacionada ao bom governo do faraó, considerado não um
representante, mas um deus encarnado. Assim, sua autoridade se revestia
de um caráter religioso enquanto era capaz de mobilizar em larga escala o
trabalho social.

66
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

Exercícios

Questão 1. (Enade 2011) No seu livro Sociedades do Antigo Oriente Próximo, Ciro Flamarion Cardoso
realiza uma discussão sobre dois modelos teóricos e metodológicos que procuram explicar a constituição
das organizações estatais nas sociedades da antiguidade do Oriente Próximo. Na sua explanação, o
autor demonstra a inviabilidade da aplicação da chamada “hipótese causalhidráulica”, elaborada do
Karl Wittfogel, e a retomada, a partir dos anos de 1960, do conceito de “modo de produção asiático”,
conforme o trecho reproduzido a seguir.

Entre os marxistas, o livro de Wittfogel – que provocou grande indignação – constituiu apenas um
entre muitos fatores que deram impulso à retomada do interesse pelo conceito de “modo de produção
asiático”. Outros fatores foram: a “desestalinização”, iniciada pelo XX Congresso do Partido Comunista
da União Soviética, que, no campo do materialismo histórico, desencadeou um ataque à noção do
unilinearismo evolutivo das sociedades humanas; o progresso dos movimentos de libertação nacional,
sobretudo a partir da década de 1950, com a admissão sucessiva às Nações Unidas de numerosas nações
afro-asiáticas, cujos problemas socioeconômicos específicos exigiam também respostas de tipo histórico;
a ampla circulação dos Grundrisse, texto de Marx praticamente desconhecido até a mesma década, bem
como a republicação de seus artigos sobre a Índia e de escritos de Plekhanov, Varga e outros autores
acerca das sociedades “asiáticas”.

Fonte: CARDOSO, C. F. Sociedades do Antigo Oriente Próximo. São Paulo: Ática, 1986, p. 20.

Abaixo, apresenta-se a reprodução do Estandarte de Ur. A análise desse documento permite detectar
evidências que possibilitam a adoção do conceito de modo de produção asiático.

Figura 41

A partir do que foi exposto acima, avalie se cada uma das afirmativas a seguir identifica evidências
que possibilitam o uso teórico e metodológico do conceito de modo de produção asiático.

I − A ilustração mostra a elite estatal de Ur coordenando, disciplinando e dirigindo o trabalho dos


camponeses e os recursos necessários para a construção de obras hidráulicas.

67
Unidade I

II − A ilustração mostra uma distribuição igualitária entre os súditos da cidade-Estado de Ur dos


bens provenientes do comércio intercomunitário e dos tributos extraído mediante coação fiscal.

III − A ilustração mostra um grupo ínfimo que subordina a si o trabalho das comunidades, pelas
quais é sustentado, e decide por todos; este poder de decisão tende a se personalizar e ter como
expoente uma só pessoa.

IV − A ilustração mostra uma economia baseada na concentração, transformação e redistribuição


dos excedentes extraídos por templos e palácios dos produtores diretos – em sua maioria membros
de comunidades aldeãs.

V − A ilustração mostra que a imensa maioria da população se dedica às atividades agropecuárias,


entregando parte do que produz ao poder central, mas essa população não participava das
decisões comuns.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I, II e IV.

B) I, II e V.

C) I, III e V.

D) II, III e IV.

E) III, IV e V.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: embora a afirmação seja correta em termos de práticas políticas e sociais, o estandarte
não traz esta informação de forma explícita.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o conceito de igualitarismo aqui apresentado pode causar certa confusão. As práticas
redistributivas mesopotâmicas implicavam um determinado padrão de medidas, ou rações, de modo que
a população recebia uma quantidade padronizada de alimentos. No caso, a afirmação refere-se à posse
equitativa dos bens socialmente produzidos entre todos os habitantes, o que soaria aos antigos como
algo absurdo.

68
HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

III – Afirmativa correta.

Justificativa: após o advento da Revolução Urbana (e, provavelmente, antes dela), um grupo de
pessoas descolou-se da produção direta e, graças à existência de excedentes e à divisão social do trabalho,
passou somente a administrar a produção. Concomitantemente, estes administradores passaram a gerir
o poder nascente.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: embora considerada certa, esta resposta deve ser tomada com cautela. A redistribuição
foi uma prática político-econômica característica do Estado Arcaico, sendo substituída progressivamente
pela tributação em espécie, o que configura o Estado em sua característica mais acabada (no caso,
o Estado de Ur III). Assim, a redistribuição, embora existisse, tinha perdido a importância de tempos
anteriores.

V – Afirmativa correta.

Justificativa: embora uma das características centrais da hipótese causal hidráulica seja o poder total
do Estado, em que as comunidades são completamente alheias às decisões políticas, pesquisas recentes
mostram que havia instâncias populares de deliberação. A afirmação V é correta porque a pergunta se
refere ao conceito criado por Wittfogel, como exposto no enunciado.

Questão 2. (Enade 2011, adaptada) Entre 3100 e 2500 a.C., a Baixa Mesopotâmia conheceu
um processo histórico que pode ser classificado, primeiramente, como uma revolução urbana e,
posteriormente, o de consolidação e disseminação das cidades-Estados emergentes. Analisando esse
período, Ciro Flamarion Cardoso fez as seguintes observações e relacionou as dificuldades quanto aos
seus estudos e investigações históricas:

A Baixa Mesopotâmia aparece plenamente urbanizada no período de Jemdet Nasr (3100-


2900 a. C.) — época, segundo a Lista Real Suméria (documento redigido em época bem
posterior), em que “a realeza desceu do céu”, pela primeira vez, antes do dilúvio. Mas esta fase,
como aliás todo o período anterior a 2700 a.C., ou mesmo 2500 a.C, é muito mal conhecida.
Os raros textos descobertos são apenas parcialmente legíveis e não muito informativos acerca
das realidades políticas. A arqueologia é a base quase única de nosso conhecimento direto da
primeira época urbana, e é difícil extrair dela certezas no tocante ao poder e às instituições.
Parece razoável a ideia, transmitida pela lista real já mencionada, de que cinco cidades
dominaram sucessivamente a cena política regional “antes do dilúvio”: Eridu, Badtibira, Sippar,
Larak e Shuruppak.

Fonte: CARDOSO, C. F. Sete olhares sobre a antiguidade. Brasília: EdUnB, 1994, p. 63.

A seguir, é transcrito um trecho da Lista Real Suméria e são apresentas ilustrações de uma das
cidades-estados à época (Nippur).

69
Unidade I

A primeira destas cidades, Eridu; ele deu a Nudimmud, [i.e., Enki], o líder;

A segunda, Badtibira, ele deu a Latarak;

A terceira, Larak, ele deu a Endurbilhursag,

A quinta, Sippar, ele deu ao herói Utu,

A quinta, Shuruppak, ele deu a Sud [i.e., Ninlil, esposa de Enlil]

I II III

Figura 42
I − Planta baixa de Nippur.

II − Reconstituição gráfica de Nippur.

III − Sítio arqueológico de Nippur.

Fonte: Planta baixa de Nippur e Sítio arqueológico de Nippur. In: ROAF, M. Mesopotâmia. Barcelona: Ediciones Folio, 2006, p. 79.
Reconstituição gráfica de Nippur. Disponível em: <http://www.enenuru.net>. Acesso em: 15 set. 2011.

A partir dos indícios e reflexões acima, avalie se as afirmações a seguir correspondem às características
das cidades-estados da Baixa Mesopotâmia.

I − Na parte urbana das cidades-estados da Baixa Mesopotâmia existiam o setor da cidade


propriamente dita, cercada de muralhas, e outro, que era uma espécie de subúrbio, a cidade
externa.

II − Integravam, também, a parte urbana das cidades-estados da Baixa Mesopotâmia: o porto


(fluvial), o centro da atividade comercial e a residência de mercadores estrangeiros.

III − Em cada cidade-estado da Baixa Mesopotâmia havia uma tripartição do poder (assembleia
ou conselhos, com a existência de um ou mais), com magistrados escolhidos entre os homens
elegíveis.

IV − Nas cidades-estados da Baixa Mesopotâmia adotava-se o princípio de que cada uma delas tinha
um deus principal que a “possuía”.

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HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL

V − Nas cidades-estados da Baixa Mesopotâmia predominava a crença de que eram as leis que
governavam, e não os homens, visto que estes buscavam vantagens tangíveis na participação
política e munificência dos líderes.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I, II e IV.

B) I, II e V.

C) I, III e V.

D) II, III e IV.

E) III, IV e V.

Resolução desta questão na plataforma.

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