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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL

Japson Gonçalves Santos Silva

TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA DO CAPITAL: notas sobre as
formas de intensificação da exploração da
força de trabalho

Maceió
2007
Japson Gonçalves Santos Silva

TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA DO CAPITAL: notas sobre as
formas de intensificação da exploração da
força de trabalho

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade de Serviço Social,
da Universidade Federal de Alagoas, para a
obtenção do título de Bacharel em Serviço
Social.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Augusta


Tavares

Maceió
2
2007
Japson Gonçalves Santos Silva

TRABALHO E REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA DO CAPITAL: notas sobre as
formas de intensificação da exploração da
força de trabalho

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Faculdade de Serviço Social,
da Universidade Federal de Alagoas, para a
obtenção do título de Bacharel em Serviço
Social.

Aprovado em: 26 / 02 / 2007

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________
Maria Augusta Tavares – Universidade Federal de Alagoas

Maria Célia da Silva Porto - Universidade Federal de Alagoas

__________________________________________________________
Reivan Marinho de Souza Carneiro – Universidade Federal de Alagoas

3
Dedico este estudo:

aos meus pais, Luiz e Gilvana, exemplo


de coragem, perseverança e pela
confiança depositada em mim;

aos meus irmãos, Alexandre e Tadeia;

4
e a todos que contribuíram direta ou
indiretamente para a concretização deste
trabalho.

AGRADECIMENTOS

À Profª. Drª. Maria Augusta Tavares, pelos valiosos e motivadores conselhos,


pela segura orientação e pelas pertinentes considerações que muito
engrandeceram este trabalho;

Às colegas de turma Andressa, Edvânia, Márcia, Mariana, Niedja e Somaya,


pela amizade e, principalmente, pela troca de conhecimentos que foram de grande
valor para o desenvolvimento do curso;

Ao Grupo de Pesquisa Trabalho, Reestruturação Capitalista e Reprodução

Social, pela valorização e pelo estímulo que me possibilitou descobrir o mundo da

pesquisa;

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,


instituição de fomento à pesquisa, pelo apoio e pela oportunidade de construir
conhecimento quando a mim foi concedida a possibilidade de participar do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC.

5
“O homem é um ser que vive de ilusões e de esperanças, às quais nunca puderam
dar morte os grandes cataclismas da história. Uma das mais bonitas idéias é de um
Direito do Trabalho que, de uma vez para sempre, na luta entre o Capital e o
Trabalho, ponha o primeiro, e a Economia em si, a serviço do segundo.”

(Mário de La Cueva)

6
RESUMO

O processo de produção capitalista tem sofrido importantes alterações


nas últimas décadas. As inovações introduzidas no processo de trabalho, tais como
as tecnologias de base microeletrônica e as novas formas de gerenciamento da
força de trabalho constituem o centro dessas modificações. Neste trabalho
apresenta-se a reestruturação capitalista como um movimento que suscita grandes
mutações na produção e no trabalho na tentativa de superar a crise do modelo
taylorista-fordista de produção, fenômeno que se iniciou na década de 70. A
reestruturação produtiva do capital, orientada pelo neoliberalismo implica a adoção
de modelos de produção flexíveis, que permitam o aumento da extração da mais-
valia, com a finalidade de alcançar seu objetivo final – a elevação da lucratividade
que, naquele período, estava em queda. Como decorrência do aumento da extração
da mais-valia, intensifica-se a exploração e o trabalho é subordinado ao capital por
meio de programas que supõem negar o trabalho degradante, na tentativa de
ganhar o consentimento do trabalhador para o projeto de reestruturação. Este
trabalho pretende, a partir do referencial teórico fundado em Marx, apreender o
movimento de reestruturação do capital, de maneira que se evidenciem as formas
de exploração atuais.

Palavras-Chaves: trabalho, reestruturação capitalista, classe trabalhadora e


exploração.

7
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................09

CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS PARA O DEBATE SOBRE A


REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL................................12

1. Trabalho e Processo Capitalista de Trabalho.................................12


1.1. O Trabalho na sua Forma Histórico-genérica: elemento central na
formação do ser social...............................................................................................13
1.2. O Trabalho no Capitalismo.......................................................................15
1.3. O Processo Capitalista de Trabalho.........................................................18

CAPÍTULO II – REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL E


EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO........................................24

1. Algumas considerações sobre o taylorismo/fordismo..................24

1.1. O taylorismo/fordismo e o Welfare State..................................................27


1.2. A Crise de 70 e a Reestruturação do capital............................................29

2. Respostas do Capital à Crise...........................................................34


2.1. Reestruturação Produtiva, Flexibilidade e
Terceirização..............................................................................................................35
2.2. O neoliberalismo como expressão máxima da reestruturação
capitalista....................................................................................................................38

3. Controle e Exploração da Força de Trabalho sob o


Toyotismo..............................................................................................40
3.1. As formas de exploração do trabalho no capitalismo
contemporâneo...........................................................................................................46

8
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................55

INTRODUÇÃO

Um estudo sobre reestruturação capitalista é de grande complexidade,


tendo em vista as repercussões desse fenômeno nos lugares mais diversificados do
mundo ocidental. Nos últimos anos, a bibliografia a respeito das profundas
transformações no âmbito produtivo e do trabalho tem perpassado as diferentes
perspectivas para entender esse fenômeno em escala global. Há quem acredite e
defenda os benefícios deste processo e há aqueles que visualizam tendências
adversas para o trabalho.

A reestruturação capitalista engendrou-se no final da década de 70, sob o


advento da revolução tecnológica. Nesta pesquisa, tal processo é apreendido pelas
mudanças no padrão de produção mundial, que têm alterado o padrão produtivo e
as relações de trabalho, pela crescente precarização das condições de trabalho e,
ainda, pelas novas exigências para a classe trabalhadora.

A articulação desses processos integra o objeto e os objetivos da nossa


pesquisa. O objeto de estudo refere-se à classe trabalhadora no contexto da
reestruturação do capital. O objetivo geral consiste em explicitar como o processo de
reestruturação capitalista tem intensificado a exploração sobre a força de trabalho.

Tal busca é planejada na hipótese central da pesquisa, assim formulada:


o processo de reestruturação capitalista, longe de ser um movimento que traz
benefícios para a classe trabalhadora, como dizem alguns teóricos liberais,
representa um fenômeno no qual a força de trabalho tem sido cada vez mais
explorada, degradada, envolvida por mecanismos mistificadores da realidade,
condizentes com o processo de acumulação capitalista.

Esse movimento tem apresentado um leque de novos fenômenos,


delegando para as ciências humanas a responsabilidade de investigação. Nossa
estratégia é fazer uma análise que dê conta das tendências mais gerais da

9
reestruturação produtiva do capital, tendo em vista tão-somente alcançar o objetivo
acima referenciado.

Entendemos que o Serviço Social não pode eximir-se dessa discussão,


uma vez que este movimento tem rebatimentos sobre a classe trabalhadora, para a
qual o assistente social deve direcionar sua ação profissional. Além disso, pesquisas
feitas no âmbito do Serviço Social têm sido referências para destacar que o
processo de reestruturação capitalista tem reformulado consideravelmente o
mercado de trabalho1 do assistente social.

As transformações implementadas pelo movimento de reestruturação


capitalista, introduzem reformulações na divisão sócio-técnica do trabalho. Com isso,
a preocupação consiste em compreender de que forma essas transformações têm
atingido as diversas profissões, respeitando, como nos diz Netto, “as
particularidades prático-social de cada profissão” (1996, p.89).

Assim sendo, o Serviço Social como uma profissão que se instaura no


âmbito do capitalismo para desenvolver atividades interventivas, de caráter
contraditório e político e, estando ela inserida na divisão sócio-técnica do trabalho,
consequentemente, desafios teórico-práticos serão postos pelo movimento
contemporâneo do capital. Dessa forma, torna-se imprescindível ao assistente social
compreender o movimento atual do capital, desmistificando suas causas,
entendendo seus efeitos e descobrindo suas conseqüências.

Na intenção de confirmar nossa hipótese e atingir os objetivos propostos,


no primeiro capítulo, trataremos dos fundamentos teóricos que dão base à análise
sobre o processo de reestruturação capitalista. Inicialmente, discutiremos a
categoria trabalho na sua forma histórico-genérica, por entendermos que tal
categoria constitui elemento central na determinação do ser social. A seguir,
adentraremos na discussão sobre o trabalho no capitalismo para demonstrar que,
nesta sociedade, o trabalhador está reduzido à força de trabalho, que produzirá
valores de troca necessários para a acumulação do capital. Em seguida, traremos
uma abordagem sobre o processo capitalista de trabalho, na qual tentaremos

1
É bom ressaltar que a discussão sobre o mercado de trabalho do Serviço Social não corresponde ao objetivo da
nossa pesquisa, fazemos referência nesta introdução apenas para demonstrar a importância do estudo sobre a
reestruturação capitalista, tendo em vista que esse movimento interfere nas mais diversas instâncias da profissão
de Serviço Social.
10
mostrar como se dá a dinâmica capitalista na sua busca incessante pela
acumulação.

No segundo capítulo, discutimos o processo de reestruturação capitalista


e as formas de exploração sobre a força de trabalho. Iniciamos fazendo uma análise
das formas do capitalismo anteriores ao período da acumulação flexível,
contemplando o taylorismo/fordismo, que ao demonstrar insuficiência na sua
capacidade de manter o processo acumulativo do capital, motivou a crise de 1970.
Seguindo, discutiremos quais são as respostas do capital à crise, abordaremos a
reestruturação produtiva e o neoliberalismo como estratégias do capital no seu
processo de reestruturação. Discute-se ainda como vem se configurando o controle
sobre a força de trabalho no capitalismo contemporâneo e em que intensidade e de
que forma tem se apresentado a exploração sobre o trabalho.

Concluindo, confirmamos a nossa hipótese de que, no movimento atual


do capital, a classe trabalhadora tem sofrido com as mudanças. Apresentamos as
questões mais polêmicas que perpassam o debate da reestruturação capitalista.
Além disso, colocamos que dentro da sociedade capitalista não existe qualquer
possibilidade de uma proposta alternativa a favor da classe trabalhadora, restando a
essa a opção de lutar pela superação da ordem.

11
CAPÍTULO I

FUNDAMENTOS PARA O DEBATE SOBRE A


REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL

"O Capitalismo gera o seu próprio coveiro".

Karl Marx.

1. TRABALHO E PROCESSO CAPITALISTA DE TRABALHO

A reestruturação do capital instaurada a partir de 1980, introduz na


sociedade contemporânea um conjunto de mutações na esfera econômica, política e
social, que têm provocado grandes repercussões na subjetividade, nas formas de
consumo e na coletividade da classe trabalhadora. A sociedade é chamada a
conviver com períodos de intensas transformações nas condições de produção e de
trabalho, numa realidade permeada por valores que expressam o projeto do capital
contra a classe trabalhadora.

Tendo em vista a natureza do nosso problema de pesquisa, cujo objetivo


é elaborar um estudo introdutório da reestruturação do capital procurando apreender
sua principal característica que é a intensificação da exploração sobre a força de
trabalho, parcela da população para quem o Serviço Social deve direcionar sua
práxis, nosso propósito é analisar as repercussões que a reestruturação do capital
tem provocado no processo de trabalho.

12
Objetiva-se, neste primeiro capítulo, fundamentar sob a perspectiva
marxista, as categorias essenciais para a compreensão da reestruturação capitalista
e suas repercussões sobre o trabalho.

1.1 O Trabalho na sua Forma Histórico-Genérica: elemento central na


formação do ser social

O trabalho tomado em sua forma histórico-genérica, independente de


qualquer estrutura social determinada, tem como objetivo a produção de valores de
uso visando atender as necessidades humanas. Marx afirma que:

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por


isso, uma condição de existência do homem, independente de todas
as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do
metabolismo entre o homem e natureza e, portanto, da vida humana
(MARX, 1985, p.50).

Nesta perspectiva, a produção e reprodução do ser social se objetiva


através da realização do processo de trabalho, mediante sua relação com a
natureza. Neste raciocínio, pressupondo o trabalho como uma atividade peculiar do
homem, Marx é elucidativo ao admitir que:

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a


Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação,
media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. (...). Ele
põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua
corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se
da matéria natural numa forma útil para sua própria vida (MARX,
1985, p.149).

Todavia, ao relacionar-se com a natureza, os homens transformam,


também, a si mesmos. Um processo de mútua reciprocidade, no qual os homens
produzem os bens necessários à sua subsistência, humanizando a natureza através
do seu trabalho e humanizando-se também (idem, p.149).

Deve-se ressaltar que a atividade de transformação da natureza para


satisfação de necessidades também é desenvolvida pelos animais. Entretanto, os
13
homens interferem na natureza de forma intencional e projetada, já os animais agem
sobre o ambiente natural de forma mecânica e instintiva. Vejamos como é
esclarecedora a seguinte citação:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a


abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção
dos favos de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua
cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho
obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação
do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma
transformação da forma da matéria natural: realiza, ao mesmo
tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina,
como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de
subordinar sua vontade (MARX, 1985, p.149-0).

Segundo Braverman (1987, p.53), “O trabalho que ultrapassa a mera


atividade instintiva é assim força que criou a espécie humana e a força pela qual a
humanidade criou o mundo como o conhecemos”. Sendo assim, o trabalho
representa para o ser social o seu momento fundante de realização. Ele é a sua
possibilidade de humanização. Porém, há que se distinguir o trabalho humano,
resgatando a distinção feita por Marx, entre trabalho concreto e trabalho abstrato. No
seu entendimento:

Todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força de trabalho do


homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano
igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo
trabalho é por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem
sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de
trabalho concreto útil produz valores de uso (MARX, 1985, p.53).

O trabalho concreto, condição para produzir objetos úteis e necessários,


tem uma dimensão essencialmente qualitativa. Por outro lado, o trabalho abstrato
representa um tipo de produção de mercadorias voltada exclusivamente para a
valorização do capital. É sobre o caráter deste segundo tipo de trabalho que se
engendram os objetivos capitalistas, que alteram decisivamente o sentido histórico
original do trabalho2.

Segundo Marx, os elementos componentes do processo de trabalho são:


o próprio trabalho, o objeto de trabalho e os meios de trabalho. O trabalho é a
2
No próximo tópico deste capítulo analisaremos como tem se configurado o trabalho no capitalismo.
14
energia humana empregada no processo de transformação; o objeto de trabalho é a
matéria com que se trabalha: matéria bruta é a matéria que se encontra em estado
natural, matéria-prima é a matéria que já sofreu a intervenção do homem, mas que
ainda não foi convertida em produto; os meios de trabalho são os instrumentos que
o homem utiliza para realizar a transformação da matéria e o ambiente em que
ocorre esta transformação (idem, p.150).

No entanto, mesmo sendo o trabalho uma atividade exclusiva do homem,


através do qual ele transforma a natureza e a si mesmo, num processo em que
atribui a esta atividade características superiores às dos animais, esse mesmo
trabalho, quando incluso nas determinações sociais e históricas da sociedade
capitalista, pode interferir na relação homem/natureza degradando sua
subjetividade. Isso porque é também o homem o único animal capaz de controlar os
meios de produção e o processo de trabalho de outros homens, garantido assim, os
privilégios de uma classe social sobre a outra.

1.2. O Trabalho no Capitalismo

Temos que, na sociedade capitalista, o trabalho tem seu sentido histórico


original corrompido, na medida em que perde o sentido de realização humana na
produção de coisas úteis, tornando-se meio de produzir mercadorias exclusivamente
para a valorização do capital. Nesta sociedade o trabalho torna-se assalariado
desenvolvendo o caráter de trabalho estranhado. Marx, nos Manuscritos econômico-
filosóficos, constrói uma análise muito precisa sobre este caráter. Nas suas palavras:

[...] quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tanto mais


poderoso se torna o mundo objetivo, alheio que ele cria diante de si,
tanto mais pobre se torna ele mesmo, seu mundo interior, [e] tanto
menos [o trabalhador] pertence a si próprio [...]. A exteriorização do
trabalhador em seu produto tem o significado não somente de que
seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa, mas, bem
além disso, [que se torna uma existência] que existe fora dele,
independente dele e estranha a ele, tornando-se uma potência
autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu ao objeto se lhe
defronta hostil e estranha (MARX, 2004, p.81).

15
Dessa forma, na ordem do capital, o trabalho é degradado, uma vez que o
produto que o trabalhador retira do processo de trabalho aparece a ele como uma
coisa estranha. Esta constatação, portanto, permite a Marx afirmar que a efetivação
do trabalho aparece como desefetivação3 do trabalhador (idem, p.80).

Mas, não está no resultado, no produto retirado do processo de trabalho,


a única via por onde se realiza o estranhamento do trabalho. O ato produtivo
também é constitutivo deste movimento. Segundo Marx, “Se, portanto, o produto do
trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser a exteriorização
ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da exteriorização” (2004, p.82). Isto
pressupõe dizer que se do ato produtivo temos como resultado o produto e se a este
produto o trabalhador é alheio, a atividade produtiva mostra-se, também, estranha
ao trabalhador. Nas palavras de Marx, “No estranhamento do objeto do trabalho
resume-se somente o estranhamento, a exteriorização na atividade do trabalho
mesmo” (idem, p.82).

Resulta deste movimento que o trabalhador não se sente bem no seu


trabalho, não se afirma, mas se nega. Por isso que, “O trabalhador só se sente, (...),
junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho” (MARX, 2004,
p.83). O trabalho é para o trabalhador uma atividade forçada, não é a satisfação de
uma necessidade, mas único meio de satisfazer necessidades fora dele. Nas
palavras de Marx temos como resultado dessas colocações que:

[...] a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se


o [trabalho] não fosse seu próprio, mas de um outro, como se o
[trabalho] não lhe pertencesse, como se ele no trabalho não
pertencesse a si mesmo, mas a um outro (MARX, 2004, p.83).

O estranhamento, portanto, é constitutivo de uma relação social originada


na propriedade privada. Pressupõe a existência de barreiras sociais que denigre o
caráter do ser social. Tudo isso reduz o trabalhador ao que lhe é instintivo e até
animal. Como nos coloca Marx, “o homem (o trabalhador) só se sente como [ser]

3
Esta afirmação diz respeito ao fato de que, no trabalho desenvolvido pelo trabalhador na sociedade capitalista, a
satisfação pelo trabalho é perdida, pois o trabalhador não se realiza no ato do trabalho, uma vez que, o que
produz não chega as suas mãos, ficando na posse de um outro homem que lhe compra sua força de trabalho para
determinados fins. Portanto, a efetivação do trabalho na sociedade capitalista só favorece aos donos da força de
trabalho, cabe ao trabalhador apenas a tarefa de cumprir ordens a fim de conseguir o necessário para sua
subsistência.
16
livre e ativo em suas funções animais, comer, beber, e procriar (...) e em suas
funções humanas só [se sente] como animal” (idem, p.83).

O ato do estranhamento da atividade humana prática foi examinado até


aqui sob duas dimensões: o estranhamento frente ao produto do seu trabalho e
frente ao próprio ato de produção. Temos agora que o ser social torna-se um ser
estranho frente a ele mesmo, ou seja, o homem estranha-se do próprio homem. Na
compreensão de Marx,

Na medida em que o trabalho estranhado 1) estranha do homem a


natureza, 2) [e o homem] de si mesmo, de sua própria função ativa,
de sua atividade vital; ela estranha do homem o gênero [humano].
Faz-lhe da vida genérica apenas um meio da vida individual.
Primeiro, estranha a vida genérica, assim como a vida individual.
Segundo, faz da última em sua abstração um fim da primeira,
igualmente em sua forma abstrata e estranhada (MARX, 2004, p.84).

O homem, portanto, torna-se estranho em relação ao gênero humano. A


vida genérica passa a não ter sentido, apenas a vida individual. Temos aqui uma
clara tendência do individualismo burguês, para o qual o homem nada mais é do que
um simples meio para satisfazer as vontades de outros homens. A identidade entre
o indivíduo e o gênero humano se perde. O homem não consegue viver para si
mesmo, consciente do gênero humano.

Desse processo de trabalho na sociedade capitalista, tem-se como


resultante a desrealização do ser social. Como Marx nos coloca:

Através do trabalho estranhado o homem engendra, portanto, não


apenas sua relação com o objeto e com o ato de produção enquanto
homens que lhe são estranhos e inimigos; ele engendra também a
relação na qual outros homens estão para a sua produção e o seu
produto, e a relação na qual ele está para com estes outros homens
(MARX, 2004, p.87).

Se, portanto, o trabalho que desenvolve na sociedade capitalista torna-se


um martírio para o trabalhador, sua verdadeira essência consiste em satisfazer
necessidades de outros homens.

17
Se ele se relaciona, portanto, com o produto do seu trabalho, com o
seu trabalho objetivado, enquanto objeto estranho, hostil, poderoso,
independente dele, então se relaciona com ele de forma tal que um
outro homem estranho a ele, inimigo, poderoso, independente dele, é
o senhor deste objeto (MARX, 2004, p.87).

Desenvolve-se, portanto, no seio da sociedade capitalista, uma


modificação do trabalho humano universal. O que deveria se constituir na finalidade
básica do ser social, ou seja, a realização do trabalhador através do trabalho, torna-
se na sociedade capitalista algo degradado. As relações sociais que se estabelecem
entre os seres sociais aparecem como uma relação entre coisas.

Como nos diz Antunes, neste processo, “tem-se a prevalência da


dimensão abstrata do trabalho, subordinando e reduzindo sua dimensão concreta,
de trabalho útil” (2005a, p.73). Se antes o trabalho desenvolvia uma atividade
centrada historicamente na humanização do ser social, hoje, centrado nas relações
capitalistas, o trabalho tem sido brutalmente degradado, alterado e complexificado. É
assim que se constitui o trabalho na sociedade capitalista. Ele perde o seu sentido
histórico original de produtor de coisas úteis e se transforma em atividade estranha
ao trabalhador. Vejamos, portanto, como se configura o processo capitalista de
trabalho.

1.3. O Processo Capitalista de Trabalho

A sociedade capitalista está assentada no trabalho assalariado. É no


âmbito do trabalho assalariado que os homens constroem historicamente a sua
existência, processo que se legitima a partir da divisão desta sociedade em duas
classes sociais com objetivos antagônicos, o capitalista (dono dos meios de
produção) e o proletariado (dono da força de trabalho). As relações sociais que se
fundamentam nesta sociedade são as que se dão entre cidadãos juridicamente
livres, mas que se diferenciam pelo fato de uns serem donos dos meios de produção
e outros só possuírem sua força de trabalho.

O homem e a sua força de trabalho transformados em mercadorias


constituem o núcleo do sistema capitalista, uma vez que, a força de trabalho

18
enquanto mercadoria garante a produção de outras mercadorias que possuem ao
mesmo tempo valor de uso e valor de troca.

Respaldados no referencial marxista, ressaltamos que o processo de


trabalho deve ser visualizado, inicialmente, como algo independente de qualquer
forma social determinada. Dentro do sistema capitalista de trabalho a produção de
bens úteis não muda sua natureza geral, por se realizar para o capitalista e sob seu
comando (MARX, 1985, p.154). Sendo assim, “a natureza geral do processo do
trabalho não se altera, naturalmente, por executá-lo o trabalhador para o capitalista,
em vez de para si mesmo” (idem, p.154).

Esclarecido este ponto, destacamos que, enquanto processo de consumo


da força de trabalho pelo capitalista, o processo de trabalho apresenta dois
fenômenos particulares: 1) o trabalhador trabalha para aquele que é o dono do seu
trabalho – o capitalista; 2) para este mesmo capitalista é delegado a posse do
produto produzido pelo trabalhador (MARX, 1985, p.154).

A partir deste entendimento, a produção capitalista, de acordo com Marx,


acontece sob duas dimensões: primeiro, a transformação do objeto de trabalho em
valores de uso ou processo de trabalho propriamente dito; segundo, a extração de
um sobre-trabalho, ou seja, o valor de troca, que tem como suporte material o
processo de trabalho. Essas duas dimensões fazem parte do movimento de
valorização do capital.

Vejamos como se dá essa primeira dimensão nas palavras de Marx:

No processo de trabalho a atividade do homem efetua, portanto,


mediante o meio de trabalho, uma transformação do objeto de
trabalho, pretendida desde o princípio. O processo extingue-se no
produto. Seu produto é um valor de uso; uma matéria natural
adaptada às necessidades humanas mediante transformação da
forma. O trabalho se uniu com o seu objetivo. O trabalho está
objetivado e o objeto trabalhado. O que do lado do trabalhador
aparecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade
imóvel na forma do ser, do lado do produto. Ele fiou e o produto é um
fio (MARX, 1985, p.151).

Ainda citando Marx, a segunda dimensão se processa da seguinte forma:

19
Se 10 libras de algodão absorviam 6 horas de trabalho e
transformavam-se em 10 libras de fio, então 20 libras de algodão
absorverão 12 horas de trabalho e se transformarão em 20 libras de
fio. Consideremos o produto do processo prolongado de trabalho.
Nas 20 libras de fio estão objetivadas agora 5 jornadas de trabalho: 4
na massa consumida de algodão e fusos, 1 absorvida pelo algodão
durante o processo de fiação. Mas a expressão em ouro de 5
jornadas de trabalho é 30 xelins ou 1 libra esterlina e 10 xelins. Esse
é, portanto, o preço das 20 libras de fio. Uma libra de fio custa,
depois como antes, 1 xelim e 6 pence. Mas a soma dos valores das
mercadorias lançadas no processo importou em 27 xelins. O valor do
fio é de 30 xelins. O valor do produto ultrapassou de 1/9 o valor
adiantado para sua produção. Dessa maneira, transformaram-se 27
xelins em 30. Deram uma mais-valia de 3 xelins. Finalmente a
artimanha deu certo. Dinheiro se transformou em capital (MARX,
1985, p.160).

Dessa forma, vimos que, enquanto processo de trabalho, segundo seu


objetivo e conteúdo, o movimento é considerado apenas qualitativamente, ou seja, o
trabalho é visualizado apenas como criador de valores de uso; por sua vez, o
processo de formação de valor apresenta o processo de trabalho como movimento
que interessa somente em seu aspecto quantitativo, ou seja, aqui o interesse não é
apenas pela produção de valores de uso, mas, também, um valor de uso que tenha
um valor de troca, precisamente, mais-valia.

Portanto, como bem afirma Marx:

Como unidade do processo de trabalho e processo de formação de


valor, o processo de produção é processo de produção de
mercadorias; como unidade do processo de trabalho e processo de
valorização, é ele processo de produção capitalista, forma capitalista
da produção de mercadorias (MARX, 1985, p.162).

A partir destes pressupostos, entendemos que o processo de trabalho –


responsável pela atribuição de valor de uso a uma mercadoria – serve apenas como
suporte do processo de valorização, no decorrer do qual será criado um valor
superior à soma dos valores investidos inicialmente. É a partir daí que o capitalista
põe em prática o fundamento principal da acumulação capitalista – a obtenção de
mais-valia extraída do trabalho operário pelo capitalista, o que se constitui na
exploração capitalista do trabalho assalariado.

20
O trabalho, enquanto força de trabalho, é a única mercadoria4 capaz de
gerar valor. Esta força de trabalho tem um valor que é medido pelo tempo de
trabalho necessário à sua reprodução. Todavia, a duração média da jornada de
trabalho excede o tempo necessário para que o trabalhador produza o equivalente
ao seu salário. Este excedente é sobre-trabalho, trabalho não pago pelo capitalista,
que Marx denomina de mais-valia.

O processo de extração da mais-valia pode ser entendido pela forma


clássica explicada por Marx em que um trabalhador vendendo sua força de trabalho
em uma jornada de oito horas, trabalharia, por exemplo, o primeiro período de
quatro horas para criar o valor necessário à sua subsistência e durante o outro
período de quatro horas estaria produzindo a mais-valia embolsada gratuitamente
pelo capitalista.

Esse processo pode ocorrer de duas formas: absoluta e relativa. Para


ocorrer sob a forma da mais-valia absoluta, o capitalista prolonga a jornada de
trabalho ou intensifica o ritmo de produção. Por meio da mais-valia relativa, o
capitalista reduz o tempo de trabalho necessário (MARX, 1988, p.101).

Em outras palavras, se conseguir aumentar em duas horas uma jornada


de trabalho de oito horas ou se conseguir que a força de trabalho aumente o número
de gestos de trabalho num mesmo período, o capitalista estará intensificando ou
acelerando o trabalho, obtendo assim a mais-valia absoluta.

Entretanto, é fato histórico a resistência dos trabalhadores com a


intensificação do trabalho, fato que atrapalha a operacionalização desses métodos,
o que pressupõe uma limitação na extração da mais-valia absoluta.

A resposta da sociedade capitalista para superar tais limites é dada via


redução do tempo de trabalho necessário, método pelo qual se obtém a mais-valia
relativa (idem, p.101). Para Marx:

4
Neste ponto de nossa análise, é interessante atentar para uma observação de Marx no sentido de esclarecer o
que representa a um produto o seu caráter de mercadoria, na medida em que não é apenas a utilidade de uma
coisa ou de um produto resultante do trabalho humano que define a mercadoria. “Quem com seu produto satisfaz
sua própria necessidade cria valor de uso mas não mercadoria. Para produzir mercadoria, ele não precisa
produzir apenas valor de uso, mas valor de uso para outros, valor de uso social. (...). Para tornar-se mercadoria, é
preciso que o produto seja transferido a quem vai servir como valor de uso por meio da troca” (Marx, 1985,
p.49). Este esclarecimento faz-se necessário, uma vez que, o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo
de trabalho socialmente necessário para produzi-la. Todos os fatores que entram no custo de produção de uma
mercadoria são, de certa forma, redutíveis ao trabalho.
21
Tem de revolucionar as condições técnicas e sociais do processo de
trabalho, portanto o próprio modo de produção, a fim de aumentar a
força produtiva do trabalho, mediante o aumento da força produtiva
do trabalho reduzir o valor da força de trabalho, e assim encurtar
parte da jornada de trabalho necessária para a reprodução deste
valor (MARX, 1985, p.251).

Tendo em vista a análise feita por Marx da produção da mais-valia,


compreende-se a necessidade da economia capitalista em combinar a extração das
duas modalidades de mais-valia. Vejamos o que diz Marx acerca da mais-valia
absoluta e da mais-valia relativa:

Pressupondo-se que a força de trabalho seja paga por seu valor,


encontramo-nos diante destas alternativas: dada a força produtiva de
trabalho e seu grau normal de intensidade, só é possível aumentar a
taxa de mais-valia mediante prolongamento absoluto da jornada de
trabalho; por outro lado, dada a limitação da jornada de trabalho, só é
possível aumentar a taxa de mais-valia, mediante mudança da
grandeza de suas partes integrantes, trabalho necessário e mais-
trabalho, o que, por sua vez, se o salário não deve cair abaixo do
valor da força de trabalho, pressupõe mudança na produtividade ou
na intensidade do trabalho (MARX, 1988, p.103).

Assim, é possível perceber que o processo de desenvolvimento capitalista


tem de lidar com contradições, tendo em vista que, não dá pra continuar produzindo
sem a articulação da extração da mais-valia absoluta e da mais-valia relativa.

Compreender esta articulação é fundamental para apreender as


transformações que vêm ocorrendo no âmbito da organização da produção e do
trabalho, sobretudo, a intensificação da exploração da classe trabalhadora. Daí que,
a partir desse aporte teórico, discutiremos no próximo capítulo nosso objeto de
estudo. Como já foi dito, o processo contraditório que origina a extração da mais-
valia, que em certos momentos pode ser retirada através da forma absoluta e em
outros momentos através da articulação desta com a forma relativa, tem provocado
uma queda na lucratividade5. Esse processo tem ocasionado crises ao sistema
5
Devido à concorrência, elemento do modo de produção capitalista, os capitalistas são obrigados a investirem
em capital constante em detrimento do capital variável, o que permite baratear as mercadorias proporcionando
lucros aos capitalistas que primeiramente procedem dessa forma. Logo, quando outros capitalistas passam a
proceder da mesma forma ou até imprimindo inovações no processo produtivo, o valor das mercadorias é
rebaixado de forma generalizada anulando as vantagens dos que assim primeiramente procederam. Todavia, esse
movimento volta a acontecer provocando a contradição que é inerente ao modo de produção capitalista, ou seja,
a queda da taxa de lucro. A respeito desse processo ver Antunes (2005), Druck (1999), Frigotto (1995), Harvey
22
capitalista de produção, a exemplo da crise dos anos 70, que demarca o
esgotamento do modelo taylorista/fordista, imprimindo a necessidade de o capital
construir um novo padrão de acumulação.

A passagem do taylorismo/fordismo para o toyotismo pode ser ilustrativa


de uma tentativa de saída da crise. Neste sentido, pretendemos apreender as
modalidades de exploração do trabalho, pelas quais o capital busca superar mais
uma crise.

CAPÍTULO II

(1998), Braverman (1987), dentre outros.


23
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL E
EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO

... um homem se humilha se castram seus sonhos


seu sonho é sua vida e vida é trabalho
e sem o seu trabalho o homem não tem honra
e sem a sua honra, se morre, se mata,
não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz...

Gonzaguinha.

1. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O


TAYLORISMO/FORDISMO

De acordo com o que nos propomos, iniciaremos esta seção, discutindo a


base sobre a qual se constituiu a crise do sistema capitalista nos anos 70. Faremos
menção aos modelos6 de gestão e produção capitalista que no pós-guerra foram
responsáveis pela virada em grande parte dos países do mundo dos mecanismos de
controle da força de trabalho e das estratégias industriais de produção.

O taylorismo, formulação teórica responsável por uma nova dinâmica na


gestão e organização do trabalho, surge entre os séculos XIX e XX nos Estados
Unidos das experiências profissionais de Frederick Winslow Taylor. Druck visualiza o
taylorismo como uma nova cultura do trabalho, em sua opinião:

Trata-se de ‘subsumir o trabalho ao capital’, através da expropriação


do conhecimento dos trabalhadores, o que pode ser viabilizado pelo
controle efetivo do capital sobre o trabalho, realizado na forma da
‘gerência científica’ e que tem como um dos fundamentos centrais a
separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual (DRUCK,
1999, p.41).

6
Neste primeiro tópico, o modelo que nos referimos diz respeito ao taylorismo/fordismo. Todavia,
primeiramente faremos uma análise do taylorismo enquanto método para gerir e controlar a força de trabalho.
Logo após, enfatizaremos o fordismo como modelo de produção que incorpora características do taylorismo, o
que o caracteriza como implementador do método taylorista. No decorrer do nosso trabalho destacaremos o
modelo de produção toyotista que atualmente tem intensificado a exploração sobre o trabalho, o que o faz um
verdadeiro aliado do capital no seu objetivo de acumulação.
24
De acordo com Druck, a expropriação do saber operário via “gerência
científica” objetiva o controle do processo de trabalho, uma vez que a fábrica é um
espaço histórico-político no qual o capital tem enfrentado lutas operárias. Essa
caracterização das fábricas obrigou o capital a rever as práticas gestoras do
trabalho, num momento histórico em que o controle sobre o trabalho tornava-se um
fator primordial na busca pela eficiência e produtividade devido à concorrência
capitalista (1999, p.42).

Cabe ressaltar que o taylorismo representa o aperfeiçoamento dos


métodos empregados no processo de trabalho, especialmente no que diz respeito
aos seus aspectos organizacionais. Tem como base a separação de tarefas entre os
trabalhadores e visa um modo de o trabalhador produzir mais e com maior
qualidade. Essa teoria defende o incentivo salarial ao trabalhador no sentido de
recompensar a produtividade com um salário maior. No entanto, o trabalhador tinha
apenas o conhecimento de parcela do produto que produzia, sendo, portanto, de
menor valor para o empregador que o substituía quando desejasse. Assim, o capital
investiga a melhor forma de controlar o trabalho, constituindo-se, segundo
Braverman, “uma teoria que nada mais é do que a explícita verbalização do modo
capitalista de produção” (1987, p.83).

Os princípios do taylorismo apontados por Braverman são: a) a gerência


deve reunir todo o conhecimento tradicional que foi produzido e possuído pelos
trabalhadores; b) o trabalho de pensar deve ser retirado das oficinas e centrado na
administração; c) o trabalho dos operários deverá ser inteira e criteriosamente
planejado pela gerência que deve, ainda, controlar cada fase do processo e modo
de execução desse trabalho (1987, p.82-109).

São essas características do taylorismo que, no âmbito da produção,


tende a acelerar a cadeia de ciclos de movimentos nos postos de trabalho, o que
gera reação dos trabalhadores. Isso exige respostas do capital para conter o poder
de resistência dos trabalhadores.

É sob esta perspectiva que, de acordo com Druck, devemos compreender


o fordismo, que além de ter incorporado o taylorismo, corresponde elemento
fundamental na garantia da “gerência científica” como forma de administração
25
hegemônica (1999, p.48). Enquanto organização científica de administração do
trabalho, o taylorismo e o fordismo podem ser conceituados conjuntamente por meio
da descrição de suas características constituintes. Nesse sentido, o taylorismo-
fordismo representa um novo padrão de gestão do trabalho que se caracteriza pela
produção em massa, pelo consumo em massa (o que coloca a necessidade de um
novo padrão de renda para garantir a ampliação do mercado), pela integração e
inclusão dos trabalhadores (idem, p.49).

Com isso, o taylorismo-fordismo sintetiza as novas condições históricas


da produção que passam a ser redefinidas profundamente após a Segunda Guerra
Mundial. Nesse período observa-se um intenso crescimento econômico nos EUA,
momento em que se iniciam os anos gloriosos do capitalismo. É nesse quadro
histórico em que o taylorismo-fordismo se desenvolve.

De acordo com Soares, o taylorismo/fordismo surge como expressão da


correlação de forças entre o capital e o trabalho. Dentre as expressões que
sinalizam as relações antagônicas entre capitalistas e trabalhadores no período
taylorista/fordista, estão: as relações de poder e dominação, a disciplina férrea sobre
os operários, as novas normas de controle social impostas pelo capital ao trabalho, a
repressão fabril, somadas ao processo de cooperação e cooptação etc. (SOARES,
1998, p.32). Para este autor, o fordismo pode ser assim sintetizado:

[...] a produção em série, numa linha de montagem semi-automática,


rígida e uma produção homogênea, marcada por um controle intenso
dos tempos e movimentos. Trata-se de um processo de trabalho
fragmentado, com intensificação do trabalho manual (com políticas
salariais ‘compensatórias’), onde o trabalho de um operário depende
do outro e que tem como pressuposto o parcelamento das tarefas (a
separação entre concepção e execução), ou seja, entre a engenharia
de processo, de produção, e o operário que executa; há um abismo
entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. É também
característica do fordismo, a existência do operário coletivo de
massa, que trabalha em uma insdústria verticalizada/centralizada, e
marcada por uma hierarquia rígida e autoritária nos postos de
comando (SOARES, 1998, p.34).

A produção em larga escala corresponde a um dos objetivos do


taylorismo/fordismo, porém, esta produção precisa de um consumo também em
larga escala, fato que direcionou os capitalistas a dividirem em forma de salários
26
mais altos os lucros com os trabalhadores, para que estes consumissem os produtos
que eles mesmos produziam. Esse processo teve repercussões políticas e sociais
que se sustentaram a partir de um pacto feito entre trabalhadores e capitalistas, cujo
resultado foi o Welfare State7.

1.1 O taylorismo/fordismo e o Welfare State

Como já foi dito, o processo desenvolvido pelo taylorismo/fordismo


caracteriza-se pela produção em massa, de caráter homogêneo e verticalizada.
Estrutura-se no trabalho parcelar e fragmentado, no qual o trabalhador desenvolve
atividades repetitivas. Além disso, apresenta uma linha rígida de produção, na qual a
esteira estabelece o ritmo e o tempo para o desenvolvimento das tarefas. Um
processo produtivo estabelecido pela separação entre elaboração e execução das
tarefas.

A fusão entre taylorismo e fordismo representa no âmbito do processo de


trabalho, a forma mais apropriada de racionalização capitalista do trabalho. Paralelo
a esta fusão surge um sistema de ‘compromisso’ e de ‘regulação’ nos países de
capitalismo avançado que, de acordo com Antunes,

[...] ofereceu a ilusão de que o sistema de metabolismo social do


capital pudesse ser efetiva, duradoura e definitivamente controlado,
regulado e fundado num compromisso entre capital e trabalho
mediado pelo Estado (ANTUNES, 2005b, p.38).

Resultado da crise de 30 e da política keynesiana, esse ‘compromisso’


demarcava o campo de lutas de classes oferecendo os elementos do welfare state 8
aos trabalhadores, em troca do abandono de suas lutas (ANTUNES, 2005b, p.38).

7
De acordo com a bibliografia estudada, o Welfare State surge como estratégia para o desenvolvimento do
capital com o objetivo de criar mecanismos de reprodução da força de trabalho.
8
Conforme a literatura analisada, os elementos que formam o Welfare State correspondem às políticas sociais
implementadas pela ação estatal. Essas políticas atuam como mecanismos distributivos de renda e riqueza
socialmente produzida, sob a forma de benefícios ou serviços. Esses elementos acabam sendo estratégias usadas
pelo Estado para responder as necessidades de reprodução do capital.
27
Ainda segundo Antunes, a noção de ‘compromisso’ pressupunha a implementação
de ganhos sociais e seguridade social para os trabalhadores. Com isso, observou-se
a integração do movimento operário, mais precisamente dos seus organismos
representativos, ao projeto do capital, o que permitiu a subordinação desses
organismos ao processo global de reprodução do capital (2005b, p.39).

No entanto, essa integração do movimento operário com o projeto do


capital não agradava parte do proletariado. Muitos questionavam a noção de
‘compromisso’ social democrático desenvolvido no período do welfare state. Não era
agradável para esses trabalhadores a manutenção de características do
taylorismo/fordismo como a intensificação da expropriação dos trabalhadores, a
separação dos meios organizacionais do processo de trabalho e o desenvolvimento
de atividades repetitivas. Por isso, a luta pelo controle social da produção foi mantida
mesmo quando o “compromisso” social democrático desenvolvido pelo welfare state
lhes proporcionavam alguns benefícios.

Em se tratando das ações desenvolvidas pela classe trabalhadora na luta


pelo controle social da produção, constatou-se que,

[...] não conseguiu consolidar formas de organização alternativas,


capazes de se contrapor aos sindicatos e aos partidos tradicionais.
As práticas auto-organizativas acabaram por se limitar ao plano
microcósmico da empresa ou dos locais de trabalho, e não
conseguiram criar mecanismos capazes de lhes dar longevidade
(ANTUNES, 2005b, p.44).

Mesmo não conseguindo superar tais limites, as ações dos trabalhadores


constituíram-se num dos elementos centrais da crise capitalista dos anos 70.
Todavia, a reorganização capitalista recuperou temáticas,

[...] que haviam sido propostas pela classe trabalhadora. (...) Os


trabalhadores tinham se mostrado capazes de controlar diretamente
não só o movimento reivindicatório mas o próprio funcionamento das
empresas. Eles demonstraram, em suma, que não possuem apenas
uma força bruta sendo dotados também de inteligência, iniciativa e
capacidade organizacional. Os capitalistas compreenderam então
que, em vez de se limitar a explorar a força de trabalho muscular dos
trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os
enclausurados nas compartimentações estritas do taylorismo e do
fordismo, podiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação,
os dotes organizativos, a capacidade de cooperação, todas as

28
virtualidades da inteligência. Foi com esse fim que desenvolveram a
tecnologia eletrônica e os computadores e que remodelaram os
sistemas de administração de empresa, implantando o toyotismo, a
qualidade total e outras técnicas de gestão (BERNARDO apud
ANTUNES, 2005b, p.44-5).

Com isso, observou-se uma interação entre os elementos responsáveis


pela crise capitalista: o declínio econômico do ciclo de acumulação e as lutas de
classes dos anos 60 e 70. Dessa forma, o contexto atual de crise aparece como
resultado de duas frentes, primeiramente, como resultado de um processo
econômico e, paralelamente, como resultado de determinações políticas. Serão
esses elementos que iremos analisar posteriormente.

1.2 A Crise de 70 e a Reestruturação do capital

Existe um consenso entre autores marxistas contemporâneos quanto à


afirmação de que o capitalismo nasce e se desenvolve dentro de um processo
contraditório9 que é imanente à sua lógica e que o leva a crises. Todavia, o sistema
capitalista tem usado mecanismos político, econômico e até ideológicos, que são
capazes de refazer o sistema por determinados períodos.

Montaño afirma que a lei geral da acumulação capitalista combina


períodos contraditórios de crescimento e estagnação que se apresentam em crises
de superprodução e superacumulação (2001, p.53). De acordo com ele,

[...] quando a expansão material torna-se tão grande que gera uma
sobre-oferta de mercadorias, cria-se uma crise de superprodução (e
o decorrente ‘subconsumo’), que pode levar a uma crise de
superacumulação. A massa de capital acumulado é tão grande que
já não encontra um retorno significativo e rápido na
produção/comercialização dentro dos limites onde se movimentava, e
onde a concorrência intercapitalista aumentava vertiginosamente,
num contexto de demanda deficitária (MONTAÑO, 2001, p.59, grifo
do autor).

9
Sobre a contradição elementar entre a socialização da produção e a apropriação privada do produto, Cf.
Montaño (2001). Respaldado em Marx, este autor nos coloca que a contradição capitalista “desdobra-se na
tendência à substituição da força de trabalho pela maquinaria (alterando a composição orgânica do capital) e na
tendência à queda da taxa de lucro” (Idem, ibidem, p.53).
29
O processo que cria a capacidade capitalista de superproduzir é
determinado, dentre outras formas, pela introdução de novas tecnologias no âmbito
da produção10. Essa dinâmica num determinado momento eleva a lucratividade
capitalista e, em outro momento, com o crescimento produtivo, provoca uma queda
na taxa de lucro, pois, como bem destacou Montaño na citação acima, muito do que
é produzido não encontra demanda para o seu consumo, sendo obrigado o
capitalista a diminuir os preços das mercadorias para liberar os estoques.

Toda esta contradição econômica imanente ao capitalismo, juntamente


com o movimento de luta da classe trabalhadora, materializa o que nos anos 70 se
constituiu como uma crise de alcance mundial.

Conforme Frigotto, esta ultrapassa a característica de uma crise


meramente conjuntural para constituir-se numa crise especificamente estrutural.
Sendo assim, “a crise não é, portanto, como explica a ideologia neoliberal, resultado
da demasiada interferência do Estado, da garantia de ganhos de produtividade e da
estabilidade dos trabalhadores e das despesas sociais” (FRIGOTTO, 1995, p.62).
Ela é resultado da própria dinâmica do capital que vive de tempos em tempos num
movimento cíclico de esgotamento.

O modo de produção capitalista tem como objetivo central a maximização


da acumulação de capital. Para tanto, o capital adota uma forma de exploração que
se funda numa relação extremamente desigual: a relação capital/trabalho. Para
Frigotto, é da dominação do capital e da exploração sobre o trabalho que surge o
caráter contraditório do capitalismo e que, portanto, tem provocado períodos de crise
(1995, p.64). Sobre isso pondera:

Em lugar da suposta tendência ao equilíbrio e à igualdade dos


agentes econômicos trata-se de um sistema que, pela concorrência
sob forças e poder desiguais, conduz à acumulação, concentração e
centralização de capital. Ao capitalista interessa produzir o máximo
de mercadorias que condensem o máximo de mais-valia. Para
permanecer no ‘jogo’ esta regra é crucial. Por isso os diferentes
competidores buscam, mediante a incorporação crescente de ciência
e tecnologia no processo de produção, aumentar o capital morto e
diminuir o capital vivo com o intuito de produzir mercadorias ao
menor custo e, portanto, compensadoras do máximo de mais-valia
(FRIGOTTO, 1995, p.64).

10
Esta é a forma que dá característica ao processo de extração da mais-valia relativa.
30
Os momentos de crise do modo de produção capitalista se expressam na
capacidade que o capital tem em potencializar as forças produtivas e, ao mesmo
tempo, na sua impossibilidade de acabar com a desigualdade nas relações sociais e
de satisfazer as necessidades coletivas através da socialização do trabalho humano
(FRIGOTTO, 1995, p.65). O que lhe permite tal afirmação é o fato da crise do capital
ser de superacumulação, daí que, está na própria natureza das relações capitalistas
o surgimento das crises.

Tanto é que, o que era elemento necessário para responder à crise do


capitalismo num dado período, torna-se um dos motivos da crise procedente, ou
seja, o Estado que foi chamado para responder à crise de 29, ofereceu como
estratégia a política keynesiana, todavia, a partir da crise capitalista dos anos 70
esta tornou-se, segundo os liberais, incapaz de responder aos objetivos capitalistas
de produção.

De acordo com Druck, o eixo central da crise dos anos 70 está na queda
de produtividade do trabalho (1999, p.68). Segundo esta autora, as condições
econômicas que intensificaram a crise foram: o novo sistema de regulação financeira
internacional sob as bases do mercado de eurodólares; a expansão do modelo de
industrialização fordista para países da Europa, Japão e países do Terceiro Mundo,
contribuindo para intensificar a competitividade mundial; a crise do petróleo em
1973, que aumentou o processo inflacionário; esses fatores contribuíram para uma
crise fiscal estrutural nos EUA, desestabilizando sua hegemonia econômica (idem,
p.70).

A formulação de Druck estabelece que, diferentemente da crise de


superprodução ocorrida, no período 1967/1974, a crise atual é de rentabilidade. De
acordo com esta autora, mesmo para aqueles capitalistas que optam pela
desaceleração da produtividade, os custos com capital fixo podem continuar os
mesmos, uma vez que os salários continuam com aumentos reais. Para conter esse
movimento, optava-se pelo aumento das margens de lucro voltado para os preços
de venda, inflacionando os custos (idem, p.70). Druck ressalta ainda que,

31
[...] mesmo que esta elevação de preços redundasse em elevação de
salários, em vários momentos não aconteceu na mesma proporção
(...) resultando em perda de poder aquisitivo, diminuindo a demanda
e, consequentemente, determinando situações recessivas (DRUCK,
1999, p.70).

Harvey também discute o momento de crise do capital. De modo geral,


segundo este autor,

[...] o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a


incapacidade do Fordismo e do Keynesianismo de conter as
contradições inerentes ao capitalismo. Essas dificuldades podem ser
melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas de
rigidez nos mercados, a alocação e nos contratos de trabalho. A
rigidez dos compromissos do Estado foi se intensificando na medida
em que programas de assistência aumentavam sob pressão para
manter a legitimidade num momento em que a rigidez na produção
restringia expansão da base fiscal para gastos públicos [...] isto
derivou a crise em parte de um confronto com a rigidez acumulada
de práticas e políticas de governo implantadas no período fordista-
keynesiano. Estas políticas tinham se mostrado inflacionárias à
medida que as despesas públicas cresciam e a capacidade fiscal
estagnava (1998, p.135).

Voltando à análise feita por Frigotto, temos que as políticas do Estado de


Bem-Estar e os governos da social-democracia não foram capazes de cessar o
crescimento de um modelo de acumulação baseado na concentração de capitais e
na subordinação do trabalho pelo capital (1995, p.69). Neste período, ocorre
saturação dos mercados internos de bens de consumo duráveis, intensa
concorrência intercapitalista e crise fiscal e inflacionária (idem, p.73). Vislumbra-se
neste contexto uma retração dos investimentos que provoca uma instabilidade no
Estado de Bem-Estar Social.

Como nos coloca Montaño, a crise aparece como intrínseca ao capital,


sendo sustentada por mecanismos econômico-políticos que não podem ser
resolvidos fora da órbita do capital (2001, p.55). Mas, aquele projeto que foi
construído pelo capital para responder à crise dos anos 30, parece que, agora,
diante da crise que vem se arrastado desde a década de 70, tornou-se ineficiente
para o capital.

32
Para enfrentar este ciclo de crise, tornou-se determinante para o capital
reorganizar o papel das forças produtivas na recomposição das bases essências
para a reprodução do capital, e essa reorganização deveria acontecer tanto na
esfera produtiva como nas relações sociais. Como destacam Alencar e Almeida,

[...] na base da crise do capital, que minava as possibilidades de


continuidade do ciclo de acumulação então vigente e a própria
dominação do capital, situam-se dois elementos determinantes: a
crise estrutural do capital, expressa na crise de produtividade/perda
de lucratividade, na taxa decrescente do lucro, na hipertrofia do
capital financeiro e no amplo desemprego; e a luta de classe,
fragilizando a dominação de classe (2001, p.99).

Este contexto, portanto, levou os capitalistas a questionarem a relação


entre capital e trabalho, reorganizando-se do ponto de vista econômico e político,
através de uma ofensiva contra os trabalhadores. Esse quadro gera instabilidade no
mundo do trabalho e torna mais vulnerável a situação da classe trabalhadora.

A resposta para este momento deveria substituir o projeto existente e


corresponder a uma nova estratégia hegemônica. Uma estratégia que permita
explorar a classe trabalhadora como um todo, anulando todas as suas conquistas.
De acordo com Montaño, esta nova estratégia desenvolve-se através de três
processos articulados: a reestruturação produtiva, a reforma do Estado e o combate
à classe trabalhadora (2001, p.70). O projeto neoliberal acaba por se constituir como
essa nova estratégia frente ao processo de reestruturação do capital.

2. RESPOSTAS DO CAPITAL À CRISE

Num contexto que põe para o capital a necessidade de conter a luta de


classes devido à acirrada concorrência intercapitalista com o surgimento de novas

33
potências produtivas11, surge a preocupação pelo capitalista em retomar a
produtividade e exercer a plena dominação sobre o trabalho.

Esta preocupação impõe ao capital a necessidade de se reestruturar, o


que tem acontecido a partir da absorção, no ocidente, dos princípios do chamado
“modelo japonês” de produção – o toyotismo. Todavia, vale ressaltar que ao
introduzir o toyotismo como novo modelo de produção, não se elimina por completo
o padrão de produção taylorista/fordista. Conforme Montaño, diversas características
do fordismo são difíceis de serem superadas num curto prazo, vejamos quais são: o
forte sindicalismo europeu, uma fábrica ‘auto-suficiente’ para um modelo de ‘fábrica
mínima’, um sistema de produção em séries homogêneas para um sistema de
produção em pequenas séries heterogêneas, visto que, os custos da mudança para
um novo produto aparecem dispendiosos e, a dificuldade de substituir o trabalhador
especializado para um trabalhador polivalente, dado os custos para tal finalidade
(2001, p.73).

Todo este processo necessita que o Estado e o capital respondam


ativamente ao movimento de reestruturação, seja ele produtivo, cultural, político etc.
Percebe-se, portanto, a articulação do neoliberalismo com o processo de
reestruturação produtiva. A necessidade do capital de recuperar os lucros e de
conter a classe trabalhadora torna-se uma exigência para criação de uma nova
estratégia hegemônica que responda a tais necessidades, fato que tem determinado
a reestruturação produtiva do capital orientada pelas políticas neoliberais. Assim, o
neoliberalismo atua em três frentes: reestruturação produtiva, reforma do Estado e
no combate à classe trabalhadora.

2.1. Reestruturação Produtiva, Flexibilidade e Terceirização

O capital objetivando recuperar o seu ciclo reprodutivo e conter as lutas


sociais através da reconstrução das formas de dominação societal, iniciou, nos anos

11
Aqui nos referimos aos Tigres Asiáticos que a partir da confirmação do desenvolvimento de um novo padrão
produtivo – o toyotismo – tem apresentado elevados índices de produtividade, ameaçando a hegemonia norte
americana, que até então era considerada potência econômica exclusiva.
34
70, um processo de reestruturação que, atualmente, tem sido visualizado
diferentemente por diferentes tendências teóricas.

De acordo com Antunes, há quem acredite que as mudanças no processo


produtivo são apropriadas para uma interação entre o capital e o trabalho, pois, sob
a justificativa de que são,

[...] mais favorável quando comparada ao taylorismo/fordismo, uma


vez que possibilitaram o advento de um trabalhador mais qualificado,
participativo, multifuncional, polivalente dotado de ‘maior realização
no espaço do trabalho’ (2005b, p.48, grifos do autor).

Por outro lado, este autor concorda com aqueles estudiosos que
acreditam que essas mudanças não conformam novas formas de organização do
trabalho, apenas intensificam tendências já existentes e que, segundo eles, são
favoráveis apenas aos empregadores (ANTUNES, 2005b, p.48). Enquanto isso, para
Harvey, existe uma combinação de processos produtivos, uma combinação que
articula o fordismo a processos flexíveis de produção. De acordo com ele:

A insistência de que não há nada essencialmente novo no impulso


para a flexibilidade e de que o capitalismo segue periodicamente
esses tipos de caminhos é por certo correta (uma leitura cuidadosa
de O Capital de Marx sustenta essa afirmação). O argumento de que
há um agudo perigo de se exagerar a significação das tendências de
aumento da flexibilidade e da mobilidade geográfica, deixando-nos
cegos para a força que os sistemas fordistas de produção
implantados ainda têm, merece cuidadosa consideração. E as
conseqüências ideológicas e políticas da superacentuação da
flexibilidade no sentido estrito de técnica de produção e de relações
de trabalho são sérias o bastante para nos levar a fazer sóbrias e
cautelosas avaliações do grau do imperativo da flexibilidade. [...].
Mas considero igualmente perigoso fingir que nada mudou, quando
os fatos da desindustrialização e da transferência geográfica de
fábricas, das práticas mais flexíveis de emprego do trabalho e da
flexibilidade dos mercados de trabalho, da automação e da inovação
de produtos olham a maioria dos trabalhadores de frente (1998,
p.178-9).

No que se refere ao toyotismo, observamos que esse modelo de


produção aplicado a partir da reestruturação produtiva, tem alguns traços
nitidamente diferentes do fordismo, são eles: a produção vincula-se à demanda, ao

35
contrário do fordismo na qual a produção é em série e de massa; o trabalho é
desenvolvido em equipe, quando no fordismo predomina o trabalho parcelar; o
processo produtivo é flexível no qual um homem pode operar várias máquinas,
diferente do fordismo que estrutura a produção sob a relação homem/máquina; no
toyotismo o just in time possibilita o aproveitamento do tempo de produção; segundo
o sistema de kanban os estoques tem que ser mínimos; as empresas mantêm uma
estrutura horizontalizada, diferente da verticalidade fordista; e, por fim, desenvolvem-
se os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), de onde os empregadores retiram
o saber intelectual do operário a seu favor (ANTUNES, 2005b, p.54-5).

Para que esses elementos do modelo de produção japonês possam ser


concretizados, o processo produtivo deve ser sustentado por um modelo flexível,
que possibilite a operação de várias máquinas por um único operário. Daí surge a
exigência do mercado japonês por trabalhadores polivalentes. Além disso, é
necessário também a flexibilização da organização do trabalho, ou seja, em vez da
produção verticalizada do fordismo, sustenta-se no toyotismo uma produção
horizontalizada, onde as montadoras transferem para às subcontratadas a
responsabilidade de produzir as peças básicas.

Assim, a reestruturação produtiva, fruto de uma mudança de paradigma


na organização das empresas, introduz a flexibilidade. Todavia, para que essa
flexibilização ocorra de fato é indispensável, segundo Antunes, que também
aconteça a flexibilização dos trabalhadores. Para este, “O toyotismo estrutura-se a
partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de horas
extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições de
mercado” (1998, p.28).

De acordo com Netto, o processo de flexibilização,

[...] vem sendo perseguido pelo grande capital, hipertrofiando as


atividades de natureza financeira (resultado seja da
superacumulação, seja da especulação desenfreada), cada vez mais
automizadas de controles estatais-nacionais e dotadas, graças às
tecnologias da comunicação, de extraordinária mobilidade espaço-
temporal. Simultaneamente, a produção segmentada, horizontalizada
e descentralizada – a “fábrica difusa” -, que é estimulada em vários
ramos, propicia uma “mobilidade” (ou “ desterritorialização”) dos

36
pólos produtivos, encadeados agora em lábeis redes supranacionais,
passíveis de rápida reconversão (NETTO, 1996, p.91).

Druck ressalta que, no âmbito deste movimento, o processo de


terceirização tem alcançado destaque no sistema de relações interempresas,
através das redes de subcontratação que são constitutivas do modelo japonês
(1999, p.94). No plano econômico, essas redes são responsáveis pela diminuição
dos custos de produção; no plano político, são decisivas para minimizar a identidade
de classe do segmento dos trabalhadores, que a partir deste modelo tem sido
marcada pela corporatividade desses trabalhadores (idem, p.97).

O processo de terceirização, oriundo das novas práticas de gestão de


trabalho, em certos momentos reforça o mercado informal de trabalho, pois
trabalhadores que são dispensados pelo padrão da empresa flexível acabam
entrando na informalidade, na busca da sua reprodução. Esse é um movimento de
longa data, mas que se intensifica com a reestruturação produtiva, responsável pela
diminuição do emprego industrial, que, embora tenha impulsionado o crescimento do
setor de serviços12, em nada diminui o exército de reserva.

Esse movimento tem sido orientado pelas políticas neoliberais, que


contribuem para o processo de concentração de renda ao reduzir consideravelmente
os gastos sociais, debilitando o que nos países centrais se convencionou chamar de
Estado de bem-estar social. O neoliberalismo encontra nesse contexto de
reestruturação produtiva as condições favoráveis para difundir a doutrina liberal. Isso
porque, como afirma Teixeira, “a crise do modelo de acumulação fordista, cuja
superação aponta para novas formas de produção, onde a flexibilização da
produção e das relações entre capital e trabalho passam a ser perseguidas por
todas as empresas, cria as condições propícias para tanto” (1998, p.215).

2.2 O neoliberalismo como expressão máxima da reestruturação


capitalista

12
O setor de serviços é visto por muitos como saída para a crise do trabalho. Todavia, é inegável que mesmo
neste setor o desenvolvimento tecnológico tem sido responsável pela diminuição da força de trabalho, ou seja,
aquele trabalho que antes era desenvolvido por homens, hoje tem sido desenvolvido por máquinas, exemplo
disso são os caixas eletrônicos das agências bancárias.
37
As transformações no âmbito da produção e do trabalho foram
acompanhadas pelas mudanças das funções estatais determinadas pelo
neoliberalismo. Este, fruto de uma contra-revolução teórica e política ao Estado
intervencionista, integra-se às estratégias da mundialização do capital13.

O neoliberalismo expande-se, portanto, no início dos anos 80, como um


fenômeno de alcance mundial. Os motivos que levam os neoliberais a justificarem o
projeto neoliberal decorrem, dentre outros razões, da perda de legitimidade do
Estado intervencionista e da crise fiscal. Com isso, defende-se a introdução de um
Estado forte para conter esses motivos e, por outro lado, um Estado mais fraco
quando se trata de administrar gastos sociais e intervir na economia.

Minimizar o Estado - o Estado mínimo14 - representa um dos grandes


objetivos do projeto neoliberal. Assim, conclama-se a redução do tamanho, do papel
e das funções a serem desenvolvidas pelo Estado, ao mesmo tempo em que,
coloca-se no centro de tudo as virtudes do mercado, entendido esse pelo
neoliberalismo como principal meio para se alcançar o desenvolvimento de uma
nova cultura social e do trabalho.

Sob a justificativa de que o Estado intervencionista tornava-se


burocratizado e ineficiente para gerir os recursos públicos, defende-se a reforma do
Estado, como a solução para todos os problemas. Essa reforma deveria ser
implementada também nos países periféricos, conforme as prescrições postas pelas
representações15 das nações dominantes, prescrições estas determinadas pelo
Consenso de Washington16.

De acordo com Teixeira, “o desdobramento desse processo encontra seu


ponto máximo de desenvolvimento com a mundialização dos circuitos financeiros”
(1998, p.196). Com isso, cria-se um único mercado de dinheiro isolado da ação de

13
Termo usado por Chesnais, segundo este, “[...] quando se fala em mundialização do capital (ou quando se dá
um contexto mais rigoroso ao termo inglês de ‘globalização’), está-se designando bem mais do que apenas outra
etapa no processo de internacionalização, tal como o conhecemos a partir de 1950. Fala-se, na verdade, numa
nova configuração do capitalismo Mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e sua regulação”
(1996, p.13).
14
Para Netto (1996), trata-se de construir um Estado mínimo para responder às demandas da classe trabalhadora
e máximo para atender aos interesses do capital.
15
Os organismos internacionais, FMI, Banco Mundial e BID, correspondem as principais instituições
representantes das nações desenvolvidas.
16
O Consenso de Washington consistiu num conjunto de medidas neoliberais retiradas de um encontro onde se
discutiu as reformas que estavam em evidência e que estratégias poderiam ser tomadas nas próximas décadas
para concretizar as experiências monetaristas mundiais nos países periféricos.
38
governos. Teixeira ressalta que, “a transnacionalização do sistema capitalista de
produção representou a morte do Estado, isto é, seu poder de fazer políticas
econômicas e sociais de forma autônoma e soberana” (idem, p.196).

Os meios e os métodos para efetivar os objetivos do capital nesse


processo de mudanças vão desde: a desregulamentação da economia, as
privatizações e as alterações nos direitos e garantias dos trabalhadores até a
retirada do Estado do sistema econômico, visando o jogo do livre mercado e da livre
iniciativa. Todas essas atitudes são postas pelos neoliberais como ajustes
estruturais, de forma que possam ser concretizadas pelo consenso da população
(COSTA, 2006, p.14).

Contudo, para Costa, “livre mercado, livre iniciativa, desregulamentação,


reformas, ajustes, saída do Estado da economia são apenas cortina de fumaça para
encobrir o saque das riquezas nacionais, a superexploração dos trabalhadores”
(2006, p.15). Ou seja, a ideologia neoliberal trata-se de uma direção política adotada
pelos países centrais para subordinar os países periféricos aos seus interesses
econômicos e financeiros. A resultante desse movimento é que os ricos estão
ficando mais ricos e os trabalhadores em geral, mas principalmente os dos países
periféricos, têm suas condições de vida agravadas pelo desemprego estrutural.

Frente a este processo, verifica-se que o neoliberalismo, juntamente com


as estratégias que consubstanciam a reestruturação produtiva na realidade atual,
tem acirrado as contradições inerentes ao capitalismo. Por isso, tem-se fragilizado
de forma dramática as condições da classe trabalhadora.

“[...] a impressão que se tem é que o neoliberalismo tornou mais


aberta a luta entre capital e trabalho, processo que no período
anterior estava camuflado, quer mediante o Welfare State, quer
mediante a convivência e aceitação do movimento operário e de
algumas de suas conquistas históricas por parte do capital” (COSTA,
2006, p.17).

Os fenômenos supracitados vêm ocorrendo na esfera atual do capitalismo


e marcam uma nova fase do imperialismo. Segundo Costa, “a articulação da
reestruturação produtiva e da globalização financeira com o neoliberalismo
completam o ciclo de mudanças na lógica operativa do capital, pois o neoliberalismo

39
é a expressão ideológica deste processo” (2006, p.19). Em sendo assim, esses
fenômenos representam uma nova fase do capitalismo e não apenas a evolução
natural das forças produtivas capitalistas. E seus desdobramentos se refletem
profundamente nos direitos do trabalho.

O neoliberalismo constitui uma ideologia incorporada às políticas macro-


econômicas e sociais da atualidade, que tem sistematicamente retirado a
responsabilidade do Estado com a “questão social”. O desemprego aparece para
esta ideologia como fenômeno natural da economia de mercado, e os cortes nos
gastos sociais passam a ser considerados necessários para a diminuição do déficit
público. Esse fenômeno tem provocado um desmonte de políticas que garantem
condições sociais básicas. Por esse motivo, na próxima seção, faremos uma análise
das estratégias usadas pelo capital para organizar, controlar e explorar a força de
trabalho, estratégias que, contemporaneamente, têm dificultado a reprodução do
trabalhador enquanto força de trabalho.

3. CONTROLE E EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO SOB O


TOYOTISMO

As mudanças realizadas no processo produtivo, iniciadas, sobretudo, na


década de 70, têm o toyotismo como principal modelo produtivo. De fato, é a partir
desse período que o capital repõe as bases do processo de acumulação e redefine
estratégias que possibilitem consolidar sua capacidade de realização, tais como
novas formas de controle sobre a força de trabalho e mecanismos de extração de
mais-valia, o que tem intensificado a exploração sobre o trabalho.

No período em que o modelo de produção taylorista-fordista era


dominante, a produção em massa exigia um consumo em massa, dessa forma, o
sistema de controle17 sobre a força de trabalho se dava pelo controle da vida do
indivíduo nos aspectos familiares, moral e sexual, de maneira que o trabalhador

17
É importante ressaltar que o controle sobre a força de trabalho sempre existiu no sistema capitalista, todavia,
quando é introduzido no sistema produtivo o modelo de produção toyotista intensifica-se o controle sobre o
trabalho.
40
pensasse sua conduta como mecanismo imprescindível para alcançar êxito no
processo produtivo18. Carneiro postula que,

[...] as formas de controle fordistas contribuem para produzir sujeitos


mais submissos às regras de consumo, à probidade moral, ao lazer
orientado e à aceitação de que a expansão da produtividade
capitalista era compatível com as necessidades individuais e sociais
da classe trabalhadora (2006, p.122).

Com a crise capitalista dos anos 70, o modelo toyotista de produção


inspira o capital no seu processo de reestruturação intensificando o controle sobre a
força de trabalho. Nesse momento, a nova gestão do trabalho direciona o modelo
toyotista, incorpora novos instrumentos organizacionais como o just in time, kanban,
a polivalência, gestão participativa, dentre outros, possibilidades encontradas com a
introdução da informática e da microeletrônica no processo produtivo. Estes
instrumentos possibilitam ao capital estimular o envolvimento dos trabalhadores na
organização do trabalho, através de sugestões. Com isso, desenvolve-se um
trabalhador comprometido com o sistema produtivo, acreditando possuir certa
autonomia no processo de trabalho.

Essa nova forma de gerir o trabalho no toyotismo possibilita, segundo


Carneiro, “uma nova captura da dimensão subjetiva do trabalho” (2006, p.126). Um
novo envolvimento do trabalho é estimulado na configuração da subordinação do
trabalho ao capital. Para isso, o toyotismo desenvolve meios civilizados de incentivo
ao trabalho em equipe que permitem aos próprios operários supervisar o processo
produtivo. Com isso, um trabalhador fiscaliza o outro no ato do trabalho, de maneira
que o sucesso da coletividade depende do bom rendimento de cada um.

Quando o toyotismo inspirou uma nova era no âmbito do processo de


trabalho, a microeletrônica passou a ser o instrumento adequado para dispersar
trabalhadores assalariados, sem que o capital perdesse a centralização
administrativa. Tecnologicamente, isto pode acontecer graças à conjugação dos
computadores com as máquinas eletrônicas. De acordo com Bernardo,

18
Os mecanismos de controle se efetivavam pela intensificação dos ritmos e tempos de trabalho através de um
cronômetro. Este deveria garantir a produtividade, diminuir custos e separar o trabalhador do controle do
processo de trabalho.
41
[...] a microeletrônica permite disseminar as instalações, os meios de
produção e os próprios trabalhadores na precisa medida em que
permite, ao mesmo tempo, manter hierarquizada centralmente a
recolha das informações e a emissão de ordens (BERNARDO, 2004,
p.111).

Hoje, condições sociais e tecnológicas permitem que várias partes do


mundo possam receber meios de produção de uma dada empresa sem que o
controle da produção seja perdido. Basta, para isso, uma simples ligação entre dois
computadores para que o controle eletrônico seja efetivado e, com isso, se obtenha
“a manutenção do poder através do controle da informação” (BERNARDO, 2004,
p.111).

A partir do momento em que a microeletrônica permite dispersar


trabalhadores e reuní-los num processo de trabalho integrado, tornou-se possível
que as empresas disseminassem em vários países o seu processo produtivo.
Atualmente, com a introdução de computadores não precisa, necessariamente, que
trabalhadores mantenham um contato direto no âmbito da produção. Trabalhadores
podem ser colocados em diversos países sem que a cooperação no processo
produtivo seja perdida.

A microeletrônica, portanto, permitiu às grandes empresas transferir boa


parte de suas atividades a empresas menores. Uma estreita relação passa a integrar
processos produtivos entre empresas chamadas fornecedoras e subcontratantes e a
empresa principal. Segundo Bernardo, no âmbito deste movimento o just in time se
constitui para as empresas maiores, “uma forma sofisticada de subordinar
estreitamente às suas necessidades a cada fornecedor e cada subcontratante e de
orquestrar a atividade de todos eles consoante o ritmo imprimido pela sua própria
produção” (2004, p.114). Com isso, os trabalhadores que estão inseridos nas
empresas menores também são controlados pelos gestores da empresa principal.
Nas palavras de Bernardo,

O que quer que julguem os trabalhadores de uma empresa o seu


destino está direta e imediatamente vinculado ao dos trabalhadores
das outras empresas que laboram numa mesma rede de
fornecimento e de subcontratação. A centralização da gestão é
acima de tudo uma centralização das decisões tomadas sobre a
força de trabalho (2004, p.117).

42
Atualmente, tornou-se comum grandes empresas se subdividirem em
múltiplas unidades. Recorre-se frequentemente a esse recurso sob a justificativa de
que ter fornecedores e subcontratantes integrados às grandes companhias
representa o “sucesso do neoliberalismo na reconstituição do mercado livre-
concorrencial. Todavia, o sistema toyotista, alma e coração da economia neoliberal,
supõe na realidade a centralização dos processos produtivos” (BERNARDO, 2004,
p.119).

De acordo com Bernardo, “nunca como nos nossos dias a concentração


do capital atingiu um grau tão elevado, remetendo a livre concorrência para a esfera
nebulosa dos mitos, de onde nunca devia ter saído” (2004, p.119-0). Paralelo a este
movimento, intensificou-se a fragmentação da força de trabalho ao se iniciar,
precisamente na década de 1990, uma onda de demissões de trabalho. Como
acrescenta Bernardo,

Além da forma tradicional e mais simples, que consiste em mandar


as pessoas para a rua e deixá-la sem emprego, o que na realidade
se passou foi a conjugação de várias modalidades de assalariamento
num processo novo e bastante complexo (2004, p.120).

Essas modalidades podem ser sistematizadas da seguinte forma:


primeiro, trabalhadores com ótimas qualificações não conseguem se inserir no
mercado de trabalho a não ser via trabalho temporário e a tempo parcial; segundo,
com muita freqüência, trabalhadores desempregados estão sendo transformados
pelo Estado e até pelas empresas que os demitiram em trabalhadores por conta
própria, restabelecendo modalidades de exploração consideradas extintas; terceiro,
quando as grandes empresas transformam vários setores do seu espaço produtivo
em fornecedores, dando-lhes independência jurídica, boa parte da força de trabalho
destas empresas é colocada na condição de precaridade, pois passam a constituir
um conjunto de trabalhadores assalariados de empresas menores onde as crises do
mercado se fazem sentir com mais força; quarto, grupos de assalariados são
transformados pelas empresas em cooperativas ou pequenas empresas, dando-lhes
a ilusão de que podem ser produtores independentes (BERNARDO, 2004, p.120-
123).
43
Com isso, a fragmentação da força de trabalho e a precarização do
assalariamento caracterizam a condição da classe trabalhadora hoje. Este
movimento permite ao capital controlar conjuntamente a classe trabalhadora, mesmo
quando esta é constantemente dispersada por várias partes do globo.

O ato de reformular as formas de controle sobre a classe trabalhadora no


capitalismo continua sendo uma necessidade, pois, é objetivo do capital aumentar a
produtividade que é obtida da extração da mais-valia produzida pela força de
trabalho. Todavia, para que isso aconteça é preciso que, dentre outras coisas, a
classe trabalhadora colabore com o processo produtivo. De acordo com Azevedo,

Parece evidente, contudo, que a partir das novas circunstâncias


sociais do trabalho o controle do elemento subjetivo do processo de
trabalho seja exercido pela via da participação consensual, pelo
convencimento, pelo envolvimento do trabalhador, através dos
programas de gestão participativa. Nessa perspectiva, instaura-se
uma nova forma de domínio do capital no plano da produção de
mercadorias, articulando-se coerção capitalista e consentimento
operário (2002, p.95).

No entanto, o conteúdo da relação capital/trabalho permanece o mesmo,


ou seja, a extração da mais-valia continua garantindo o objetivo da acumulação;
todavia, a forma como se dá essa extração se modifica com a introdução das
inovações tecnológicas. O modelo de acumulação flexível é para Tavares aquele
que melhor exemplifica “a configuração da relação forma/conteúdo entre capitalista e
trabalhador” (2004, p.121).

A forma é modificada, precisamente, na maneira como se dará a compra


e venda da força de trabalho. “Não basta à produção capitalista de modo algum o
quantum de força de trabalho disponível que o crescimento natural da população
fornece. Ela precisa, para ter liberdade de ação, de um exército industrial de reserva
independente dessa barreira natural” (MARX, apud TAVARES, 2004, p.122). Este
movimento se confirma com a reestruturação produtiva capitalista, quando

[...] o desenvolvimento capitalista, ao invés da promessa de


assalariamento sob relações formais para todos os trabalhadores,
livra-se dos constrangimentos da relação empregado-empregador

44
mediante estratégias que tendem a fazer do trabalho informal a
forma de ser da sociedade assalariada (TAVARES, 2004, p.123).

Essas novas estratégias são na realidade a recolocação de antigas


formas de produção no processo de trabalho e a recuperação, através da
terceirização, de outras formas como as cooperativas, o trabalho domiciliar e a
pequena empresa. Elas se constituem, decisivamente, como estratégias de
acumulação flexível.

Com essas estratégias é disseminado o discurso da autonomia,


conduzindo, segundo Tavares, “à crença de que todos podem ser capitalistas,
quando, na realidade, as atividades denominadas autônomas não conseguem ser,
nem ao menos, uma alternativa ao desemprego” (2004, p.124). Essas estratégias se
inserem num movimento que tem como estratégia maior ocultar a subordinação. Nas
palavras desta autora,

Por mais independente que o indivíduo imagine ser, o produto do seu


trabalho terá, em algum momento, de se confrontar com outros, no
mercado, onde cada troca imprime a presença da mais-valia,
expressando, portanto, a oposição do capital à capacidade viva de
trabalho (2004, p.125).

Contudo, é preciso construir uma nova força de trabalho que facilmente


se adapte as mudanças gerenciais e tecnológicas. Por isso, novas estratégias de
produção estão sendo postas no mundo produtivo, de maneira que se apresentem
como estratégias em favor do trabalho, por exemplo, as cooperativas de trabalho,
que sugerem uma noção de força associativa. Todavia, essas estratégias estão
desempenhando um papel em função do capital, na medida em que, constroem uma
ilusão para o trabalhador de que pode ser um trabalhador livre com autonomia para
agir conforme seus objetivos. Essas estratégias nada mais representam do que
mecanismos favoráveis ao capital para controlar o trabalho e seus mecanismos de
lutas. O resultado desse processo é a intensificação da exploração sobre a força de
trabalho. Por isso, faremos a seguir uma discussão sobre as formas de exploração
no capitalismo contemporâneo.

3.2. As formas de exploração do trabalho no capitalismo contemporâneo


45
Com a introdução do modelo toyotista, o capital intensificou a exploração
do trabalho. O processo de exploração, como já destacamos no primeiro capítulo
desta pesquisa, pode ocorrer sobre duas dimensões: através da extração da mais-
valia absoluta e da mais-valia relativa. Para explorar o trabalho através da mais-valia
absoluta basta o capitalista aumentar a jornada de trabalho ou o ritmo de produção.
Todavia, a exclusividade da mais-valia absoluta se deu no início do capitalismo.
Hoje, devido a fatores como a resistência dos trabalhadores insatisfeitos com a
intensificação da jornada de trabalho19 ou devido ao desenvolvimento das forças
produtivas que possibilita a redução da jornada de trabalho, tornou-se possível
extrair a mais-valia mediante a forma relativa, embora não só.

O modelo japonês apresenta-se como a forma histórica encontrada pelo


capital para implementar o processo de intensificação da exploração da força de
trabalho. É a partir dele que o capital encontra as formas mais adequadas para a
exploração, ou seja, os novos processos de trabalho que aí começam a se
desenvolver permitem articular mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Como
afirma Tavares, “O aumento da mais-valia relativa se dá concomitantemente com o
aumento da mais-valia absoluta” (2004, p.125). Uma articulação amplamente posta
pelo processo de terceirização que tem intensificado as disparidades entre
trabalhadores que executam a mesma tarefa.

“As maiores empresas, dotadas de tecnologia mais moderna,


organizam-se em função da mais-valia relativa, sem
necessariamente abolir a absoluta, enquanto as pequenas empresas,
que por razões óbvias não conseguem atingir o mesmo nível de
desenvolvimento, recorrem aos mecanismos da mais-valia absoluta,
em que vicejam as formas precárias de trabalho interiores à
produção capitalista” (TAVARES, 2004, p.125-6).

Bernardo, analisando as formas de exploração desenvolvidas na


sociedade capitalista por estas duas vias – mais-valia absoluta e mais-valia relativa
– afirma que, se considerado o valor produzido por trabalhadores submetidos a
estas formas de exploração, tem-se que:

19
Forma pela qual se obtém a mais-valia absoluta.
46
[...] os trabalhadores sujeitos a uma situação estrita de mais-valia
absoluta, embora vivam numa miséria abjeta, são muito pouco
explorados em termos de valor, os únicos termos que interessam ao
capitalista; enquanto são muitíssimo explorados os trabalhadores
submetidos à mais-valia relativa, que sustentam com a sua atividade
um aumento rápido da produtividade, apesar de disporem de uma
vasta gama de bens de consumo (2004, p.125).

Sob a égide do toyotismo, estabelece-se uma nova dinâmica para a


exploração via mais-valia relativa. Reduzir salários, diminuir gastos na produção,
intensificar jornadas de trabalho etc., não era o suficiente para o sistema capitalista
conter suas crises e continuar seu objetivo de acumulação. Era preciso mais. Era
preciso como atesta Bernardo,

[...] aumentar a produtividade através de uma remodelação completa


do sistema de trabalho, explorando os conhecimentos dos
empregados e fazendo o possível por convencê-los a adotarem uma
postura de colaboração com a administração da empresa e não de
hostilidade (2004, p.129).

Paralelo a esta nova dinâmica de exploração da mais-valia relativa, tem


sido provocado pelo toyotismo uma divisão da força de trabalho de maneira que,
parte desta classe está sendo contratada de forma estável e recebendo
oportunidades de se qualificar cada vez mais. Por outro lado, novos trabalhadores
estão sendo contratados sob condições precárias e salários inferiores. De acordo
com Bernardo, “estes trabalhadores precários, apesar de serem plenamente
explorados na sua capacidade intelectual, recebem salários inferiores aos dos
colegas com emprego estável e estão afastados da grande parte dos benefícios
sociais que lhes cabem” (2004, p.129).

Trabalhos desenvolvidos por trabalhadores domiciliados, contratados a


prazo, em tempo parcial, trabalhadores por conta própria ou que alugam sua mão-
de-obra a agências de contratos, desempenham as mesmas atividades dos
trabalhadores estáveis, todavia, o nível de exploração dos primeiros é mais intenso,
visto que, diminuem os benefícios sociais, custos salariais. No caso dos
trabalhadores domiciliados, sua casa serve de suporte para a atividade,
economizando para a empresa custos com instalações e equipamentos. Já os

47
trabalhadores por conta própria que não têm horário de trabalho definido ficam
submetidos à insegurança de rendimentos.

Estas modalidades de emprego se constituem em formas precarizadas de


trabalho que, segundo Bernardo, “introduzem uma componente de mais-valia
absoluta na esfera que gera as modalidades mais evoluídas de mais-valia relativa”
(2004, p.131). Isto acontece, como pondera este mesmo autor, porque

[...] a força de trabalho precária não mantém relações duráveis com


as mesmas empresas, ela não recebe a formação e o treinamento
que conservam ou aumentam as qualificações da força de trabalho
estável, o que a condena a deteriorar as suas capacidades e
portanto a conduz para tipos de empregos piores. Em conclusão, no
processo de exploração a que está sujeita essa força de trabalho,
que embora precária era inicialmente qualificada, diminui a
componente da mais-valia relativa e aumenta progressivamente a da
mais-valia absoluta” (2004, p.131).

O toyotismo contribui definitivamente para a concretização deste


processo, uma vez que introduz uma diversidade de empresas menores como
suporte produtivo das grandes companhias. Essas pequenas empresas, chamadas
de fornecedoras ou subcontratantes asseguram a estabilidade de emprego nas
grandes empresas, precarizando seus assalariados. Os fornecedores e
subcontratantes são constantemente obrigados a reduzir custos e aumentar as
horas de trabalho, o que tem danificado a qualidade da força de trabalho.

Quanto mais se difunde o emprego parcial, precário, temporário etc., que


caracteriza o trabalho desenvolvido nas empresas fornecedoras e subcontratantes
da era flexível, mais se agrava a exploração da mais-valia absoluta. Isto se explica
devido a característica do progresso capitalista eminentemente desigual, no qual
“não parece possível gerar mais-valia relativa sem gerar simultaneamente formas
correlativas de mais-valia absoluta” (BERNARDO, 2004, p.133).

Esta articulação demonstra que, “desenvolvido e atrasado são momentos


de uma mesma unidade, ou mais precisamente, do modo de produção capitalista”
(TAVARES, 2004, p.126). Articulação que combina mecanismos de produção velhos
e novos, promovendo transformações na sociedade assalariada e fragmentando o
processo de trabalho.

48
Neste novo momento em que se insere o trabalho assalariado, a
exploração do trabalho pelo capital tem ultrapassado as barreiras das fábricas. Hoje,
como exemplifica Tavares,

No ramo do comércio, pequenos empresários estão sendo obrigados


a se associar a uma central de compras, que mediante a oferta de
produtos mais baratos lhes empresta a marca, pela qual cobra uma
significativa porcentagem (2004, p.128).

Graças à conjunção flexibilização/desregulamentação, antigas formas de


produção são reproduzidas, garantindo a exploração do capital sobre o trabalho.
Todavia, as novas relações de trabalho têm como característica o poder de
obscurecer a extração da mais-valia. Com isso,

“Na esfera da produção, sem os constrangimentos da relação


empregado-empregador, a indústria pode dispor do trabalho
mediante formas que economizam prédio, energia elétrica, máquinas
e custos sociais, sem com isso deixar de imprimir as determinações
que, num movimento constante, transformam átomos do tempo em
mais-valia” (TAVARES, 2004, p.129).

Todo este processo vem sendo concretizado pelos implementadores do


toyotismo que, como já foi dito, confere uma nova articulação entre mais-valia
relativa e mais-valia absoluta, ocasionando uma divisão da força de trabalho sobre
grupos com características bem definidas. Essa é a dinâmica que tem sido
desenvolvida no processo produtivo capitalista com vistas à hegemonia do capital.
Mesmo com o discurso que justifica motivos técnico-econômicos, o capital tem
adotado essas estratégias obedecendo a uma lógica político-econômico. Nesse
sentido, o que os capitalistas têm procurado é implementar os mais variados
processos de trabalho objetivando intensificar a exploração sobre a força de trabalho
e, ao mesmo tempo, preservar a dominação sobre os trabalhadores.

49
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando nos propomos a investigar o movimento de reestruturação


capitalista e os impactos desse processo sobre a força de trabalho, delimitamos
como um dos grandes desafios, trabalhar com o único referencial teórico que a
nosso ver, é capaz de identificar as causas, os efeitos e as conseqüências das
transformações que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo. Falamos da tradição
marxista, pela qual podemos compreender criticamente o sistema capitalista e seus

50
movimentos cíclicos de crise e, principalmente, como tem se configurado a classe
trabalhadora neste contexto.

Nossa análise envolveu um conjunto bibliográfico pertinente e consistente


de conteúdo e representatividade nas várias áreas do conhecimento. Tentamos
absorver o máximo de informações dessa literatura, mediante as quais procuramos
confirmar a hipótese e fundamentar nossa análise. Pretendemos, agora, sintetizar o
que nos foi possível aprender e apreender com esta pesquisa e colocar as questões
mais polêmicas que perpassam o debate acerca do trabalho.

Iniciamos ressaltando que não é novidade para quem desenvolve


estudos sobre o trabalho que o mercado bibliográfico sobre esta temática tem sido
inundado por uma literatura abundante, todavia, é importante frisar que frente às
profundas transformações no âmbito produtivo e do trabalho, existem aqueles que
anunciam virtudes sobre esse movimento e aqueles que denunciam suas mazelas.
Isto é, há interpretações diferentes para o mesmo fenômeno, a depender da
perspectiva teórica do pesquisador.

Esta pesquisa, reafirmamos, tem a teoria marxista como referência. Para


alguns autores, principalmente aqueles que se identificam com a perspectiva liberal,
todo esse movimento que tem como base uma tecnologia de ponta só tem a
contribuir com o desenvolvimento da sociedade, pois, segundo eles, o novo padrão
de produção com sua natureza flexível, tem introduzido novas práticas de trabalho
capazes de proporcionar ao trabalhador a capacidade de prover-se por sua própria
conta. Todavia, para quem se familiariza com a perspectiva crítica de base
marxista, esse discurso não tem sustentação teórica, pois, os espaços de trabalho
supostamente autônomos não conseguem nem ao menos ser uma alternativa ao
desemprego, visto que, o desemprego estrutural continua sendo um dos fatores
presentes na sociedade hoje.

A reestruturação capitalista, nada mais é que a tentativa do capital


refazer-se frente à instabilidade econômica, política e social, provocada pelas crises
que são recorrentes sempre que um determinado modelo de produção não
corresponde aos objetivos de acumulação do sistema. Ao longo dos capítulos que
compõem este trabalho, mostramos que as configurações do sistema capitalista

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suportam vários tipos de respostas, desde que elas não interfiram na dinâmica
capitalista de acumular riquezas.

Parece-nos que este movimento se apresenta mais como um processo de


desestruturação do que propriamente de reestruturação. Percebemos que o capital
não só interfere na organização e na gestão do trabalho, mas, também, introduz
novas modalidades de exploração que atendem exclusivamente aos interesses do
capital, em detrimento de qualquer direito que possa ter o trabalho.

Para compreender o movimento de reestruturação capitalista, fizemos


uma análise, com base nos fundamentos ontológicos do trabalho. Através dele,
vimos que no contexto do capitalismo, a categoria trabalho perde seu sentido
histórico-genérico de produtor de coisas úteis para se transformar em trabalho
estranhado, produtor de valores de troca. Passa de um trabalho que se propõe
atender basicamente o ser social, ou seja, a realização do homem enquanto ser
genérico, para um trabalho degradado, corrompido, apropriado privadamente em
favor dos interesses capitalistas. Esse entendimento foi determinante para
compreendermos que, aquilo que foi posto no início do capitalismo, como forma – a
subsunção do trabalho assalariado ao capital -, tem sido, na sociedade
contemporânea, aprofundado. Isso vem acontecendo através da ofensiva do capital
sobre o trabalho assalariado, debilitando seu movimento social, desintegrando-o e
colocando novos desafios para o trabalho. Quando no processo de trabalho, o
mesmo é expropriado, alguém fica com o que de resultado ele oferece. Ou seja, “o
trabalho estranhado é a causa imediata da propriedade privada” (MARX, 2004,
p.88). O trabalho é concebido como a alma da produção, no entanto, a ele nada é
oferecido. Tudo é direcionado à propriedade privada. Emancipar-se desta sociedade
regida pela propriedade privada, pressupõe, segundo Marx, a emancipação humana
dos trabalhadores.

Com esse aporte teórico, de referência marxista, procuramos entender as


determinações atuais do capitalismo. A busca incessante de enriquecimento,
incrementada pela passagem do modelo de acumulação taylorista/fordista para o
modelo toyotista, tem revolucionado os meios de produção e de reprodução do
trabalho. O modelo de produção taylorista/fordista instaurou a exploração do
trabalhador através de mecanismos de trabalho tortuosos, repetitivos, com carga

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horária exagerada. O modelo toyotista, por uma vez, pretendeu romper com a
imagem negativa do trabalho como deterioração do trabalhador derivada do
taylorismo/fordismo, instituindo programas nos quais o trabalhador se torna
polivalente, integrado ao processo produtivo, sendo livre para dele participar e
interferir. Todavia, procuramos demonstrar que, o que de verdade acontece é a
precarização, destruição e intensificação do trabalho, através de condições de
trabalho precárias.

Sendo assim, as respostas que o capital tem dado às suas crises em


nenhum momento levam em consideração o trabalho. Flexibilização, terceirização e
reestruturação produtiva são estratégias do capital para controlar a classe
trabalhadora e aumentar a exploração da sua força de trabalho, que é considerada
somente na medida exata imprescindível para a reprodução do capital. O
neoliberalismo, aqui caracterizado como a grande proposta política para o
enfrentamento da crise tem se apresentado como um verdadeiro inimigo do trabalho,
pois, propõe redução do setor público e diminuição do intervencionismo estatal na
economia o que tem submetido o Estado, cada vez mais, aos interesses econômicos
e políticos dominantes.

Chamamos a atenção para as formas de controle e exploração da força


de trabalho que se constituem a partir das relações de produção implementadas
pelo toyotismo. Com elas, mistifica-se a exploração da mais-valia, pois os
trabalhadores acreditam serem eles os patrões ou donos dos seus próprios
negócios. A partir daí, o controle da força de trabalho pode ser mantido, o que
permite ao capital continuar explorando a mais-valia sem muitos problemas.

Os grandes facilitadores para o controle do trabalho pelo capital são os


novos mecanismos organizacionais oriundos do modelo de gestão e produção
toyotista. Através da proposta de envolver os trabalhadores no processo produtivo,
dando importância às suas sugestões, o capital imprimiu a idéia de que o
trabalhador é autônomo também para decidir no processo produtivo. Na realidade, o
que era para ser feito no ato da produção já está determinado pelo grande escalão
da empresa. Com isso, o trabalhador é conduzido a assumir a empresa como se
fosse sua e, assim, colabora pacificamente com o processo de acumulação.

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Observamos uma intensificação da exploração graças à introdução de
antigas formas de produção, através da flexibilização. Trabalhos precários, parciais
ou temporários, permitem que a extração da mais-valia relativa, comumente retirada
em períodos de intenso desenvolvimento tecnológico, conviva com a extração da
mais-valia absoluta, geralmente extraída quando não se tem um grande
desenvolvimento das forças produtivas.

Seguramente, no âmbito da produção capitalista, o caráter histórico-


genérico do trabalho foi alterado. O trabalhador faz parte do processo de
desenvolvimento capitalista promovendo, mediante a exploração da sua força de
trabalho, o processo de acumulação. Fazê-lo acreditar que é portador de certa
liberdade é uma estratégia de legitimação do capital que, contemporaneamente, tem
facilitado o processo de exploração da classe trabalhadora.

Concluímos enfim que, se para alguns, as grandes mutações que têm


ocorrido na atualidade apresentam-se como virtudes que tendem a levar a
sociedade para momentos mais prósperos, parece-nos que a reestruturação
capitalista apresenta indícios claros de agravamento da degradação do trabalho,
como resultado necessário do processo de intensificação da exploração sobre a
força de trabalho, que, conforme procuramos demonstrar, configura-se como
característica determinante do novo padrão de acumulação de capital. Isso significa
uma tendencial redução nas possibilidades de implementação de propostas
alternativas ao trabalho por dentro da ordem capitalista e implica para a classe
trabalhadora e para aqueles que com ela se identificam, a necessidade urgente de
retomada da luta pela superação desta ordem.

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