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Resumo Geral
“A preocupação central deste trabalho reside na discussão de como uma classe dominante, em um
determinado momento histórico, se organizou estratégica e taticamente para desenvolver sua ação política,
de modo a assegurar a concretização de seus objetivos. (...) Procurou-se enfatizar, ao lado da reconstituição
histórica, alguns aspectos da discussão sobre estratégia, tática, organização, capacidade e recursos de uma
classe, assim como questões referentes à discussão sobre formas de intervenção política, ação estratégica,
poder de classe e consciência de classe” (p.16).
“Os primeiros anos da década de sessenta correspondem ao que talvez tenha sido a mais intensa
fermentação ideológica e política da história de um país que então se politizava – ou se ‘conscientizava’,
para usarmos a palavra mágica da época” (p.19).
Essa euforia conscientizadora era “decorrente da vontade real de participação. Manifesta por
diferentes setores da sociedade de se engajarem no processo de transformação do país” (p.21). Para a autora,
“o país inteiro envolvia-se com a política” (p.23). Minas, e especialmente BH, era um dos pontos que mais
fervilhava politicamente. Houve várias “explosões políticas que se estenderiam por todo o estado e
caracterizariam Minas Gerais ‘como uma das áreas mais críticas do quadro geral de tensão social e
ideológica a que fora conduzido o país’” (p.78
Nessa leitura, o golpe foi fruto de uma reação pela classe empresarial-associado contra a ascensão
popular na política, que estaria também ligado aos nacionalistas e à esquerda. “No final da década de
cinquenta, pelo menos parte do empresariado mineiro começava a manifestar (...) preocupações com o
quadro político do país. Essas preocupações estavam, via de regra, dirigidas para um tema específico: o
alargamento crescente da participação popular no processo político brasileiro, propiciando a emergência e o
desenvolvimento de pressões reivindicativas por parte das camadas subalternas” (p.41).
“Sem dúvida, a insurreição partiu de Minas” (p.37). Porém, muito mais que a investida militar, a
autora chama atenção para a cuidadosa e complexa articulação política dirigida pelo empresariado multi-
associado, cuja base mais forte estava no eixo Rio-São Paulo. Em Minas, o setor não era muito forte, mas
conseguiu compor uma articulação entre os diversos setores do empresariado (tradicionais, estatistas, etc)
em torno do IPES, criado no final de 1961 no RJ e SP.
A expansão para Minas era crucial para o projeto ipseiano, devido ao papel político desempenhado
por Minas a nível nacional, ao alto grau de prestígio político alcançado por suas elites, “decorrente
sobretudo da preservação da identidade regional e do consenso tácito estabelecido internamente entre as
elites mineiras, soprepondo-se às demais disputas internas” (p.47), que dava a Minas um lugar central na
estratégia do IPES a nível nacional.
“Na construção do IPES em Minas Gerais, teriam de ser levadas em conta as especificidades do
universo político regional, bem com as particularidades da estrutura social e da composição do empresariado
mineiro” (p.49). Em Minas, a industrialização foi limitada, em comparação com RJ e SP. O setor
multinacional cresceu a partir dos anos 1950, mas sua participação ainda assim era pequena. Paralelamente,
desenvolveu-se no Estado a “vocação financista”, isto é, o grande destaque para o setor bancário. É nesse
quadro que o IPES teria de se formar, articulando os diversos grupos empresarias em torno de um projeto
unificado, em função dos interesses do capital estrangeiro.
Para essa articulação, seria necessário “um profundo conhecimento da situação política e daquele
universo específico onde se movimentavam os diversos segmentos do empresariado mineiro que, inclusive,
eram originários de diferentes background ideológicos” (p.53). O grande articulador foi o advogado mineiro
Aluízio Aragão Villar, homem de extensos contatos no Estado, e que se transformou “no advogado da
ascensão burguesa e do desenvolvimento capitalista em Minas” (p.56).
A atuação de Villar foi central, e “quando o IPES passou a existir oficialmente em Belo Horizonte, no
dia 9 de maio de 1962, refletia, com extraordinária limpidez, o heterogêneo universo onde se movimentavam
as diversas frações da burguesia mineira” (p.58). Ao contrário do IPES do RJ e SP, em cuja direção
encontravam-se militares, em Minas o IPES era coordenado apenas pelo empresariado, constituindo um
“estado-maior empresarial fechado” (p.63).
O IPES tinha duas faces: uma pública, que era de promover palestras, conferências, cursos, estudos,
distribuição de folhetos, publicação de livros, além de uma revista mensal. que defendessem a democracia –
associada ao capitalismo. Mas também havia o “seu lado clandestino, de coordenador da sofisticada
campanha político-ideológica, de desestabilização do regime nacional-populista, de modo a criar condições
propícias à ação militar” (p.60-61).
“Os efeitos da intensa campanha político-ideológica desencadeada pelo IPES no interior das classes
dominantes mineiras não tardaram a se fazer sentir” (p.71), conseguindo articular a liderança militar do
estado, a partir da figura do general Carlos Luís Guedes, que comandava a 4ª divisão de Infantaria em Belo
Horizonte desde 1961. Para Starling, os militares serviram como instrumento de ação do empresariado. “O
que o IPES mineiro desejava de Guedes era, em última instância, o desencadeamento da ação militar,
ocultando, sob a bandeira dos militares, seu papel de liderança estratégica; em momento algum cogitou
abdicar de sua função de direção político-ideológica do movimento conservador-oposicionista no estado”
(p.73).
Em Minas, o IPES conseguiu ainda articular os diversos “bolsões de insatisfação” na sociedade,
especialmente entre os círculos conservadores, em torno de uma organização de caráter tático, uma espécie
de comando revolucionário, que pudesse atuar diretamente na sociedade. Esse grupo se autodenominava os
Novos Inconfidentes. O IPES manteve-se como centro estratégico de poder empresarial, os NI, um
organismo tático e operacional, dentro do marco estratégico encabeçado pelo IPES.
Esse comando revolucionário (Novos Inconfidentes), integrado pelas elites “tradicionais”, buscaram
“encontrar, nas raízes essencialmente mineiras, elementos capazes de oferecer algum tipo de legitimação
ideológica para a conspiração de 1964” (p.83). Para tanto, foi mobilizado a Inconfidência mineira. Os NI se
apresentavam como os continuadores dos inconfidentes, especialmente de Tiradentes. Eles próprios
acalentavam a imagem de rebeldia e de insubmissão que seria característica dos mineiros ao longo do
tempo. O próprio Villar conduziu esse processo de apropriação ideológica. Outro aspecto levanto pela autora
é a ausência de participação popular na Inconfidência mineira, o que coadunava com os ideias da elite
tradicional e empresarial “moderna” da época. Além disso, havia o aspecto da liberdade comum aos dois
movimentos, mas Starling ressalta: “tratava-se, sim, de liberdade, mas tal como as elites mineiras a
entendiam e aceitava: a liberdade que se devia impor” (p.86). Finalmente, o fato da Inconfidência ter se
transformado “no grande momento da história política do estado de Minas Gerais” (p.87), e passou a
representar a resistência à opressão que se entranhou ao “ser mineiro”, ao “viver em Minas”. Com isso, os
conspiradores de 1964 buscavam “a sua legitimidade em um movimento que passou a ser identificado com a
essência mesma do que se convencionou designar como o “espírito mineiro”.
Os NI eram formados por militares do exército e da PM, profissionais liberais, estudantes, os
latifundiários, a ala ultramontana da Igreja, os “empresários de estado” e os empresários “tradicionais”. O
que ligava todos esses grupos ideologicamente era o sentimento anticomunista e antipopulista.
Todo esse processo reforçou ainda a imagem dos mineiros como vocacionados para a política de
conciliação, isto é, habilidosos em superar as diferenças em torno de um projeto comum num bloco
unificado e coeso.
“Muito embora a cuidadosa preparação estratégica realizada pelo IPES-Novos Inconfidentes visasse
reduzir a zero todos os imponderáveis, essa preparação foi prejudicada em 31 de março, em virtude da
precipitação do golpe militar. Nesse momento, entram em cena dois atores políticos inesperados, que se
colocaram no centro dos acontecimentos, com profundas consequências do ponto de vista da articulação
IPES-Novos Inconfidentes” Trata-se de Mourão Filho e Magalhães Pinto. Nenhum deles se integrou à
conspiração liderado pelo IPES- NI, que tinham profundas desconfianças com os dois.