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A situação atual dos índios do

Brasil
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a atual população
indígena do Brasil é de aproximadamente 818.000 indivíduos, representando
0,4% da população brasileira. Vivendo em aldeias somam 503.000 indígenas.
Há, contudo, estimativas de que existam 315 mil vivendo fora das terras
indígenas, inclusive em áreas urbanas.
A população indígena no País vem aumentando de forma contínua, a uma taxa
de crescimento de 3,5% ao ano. Esse número tende a crescer devido à
continuidade dos esforços de proteção dos índios brasileiros, queda dos
índices de mortalidade, em razão da melhora na prestação de serviços de
saúde, e de taxas de natalidade superiores à média nacional. Existem cerca
de 53 grupos ainda não contatados, além daqueles que esperam
reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista
FUNAI.
Cerca de 60% dos índios do Brasil vive na região designada como Amazônia
Legal, mas registra-se a presença de grupos indígenas em praticamente todas
as Unidades da Federação. Somente nos estados do Rio Grande do Norte,
Piauí e no Distrito Federal não registra-se a presença de grupos indígenas.
De acordo com a FUNAI os índios brasileiros estão divididos em três classes:
os isolados, considerados aqueles que “vivem em grupos desconhecidos ou
de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais
com elementos da comunhão nacional”; os em via de integração, aqueles que
conservam parcialmente as condições de sua vida nativa, “mas aceitam
algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da
comunhão nacional”; e os integrados, ou seja, os nativos incorporados à
comunhão social e “reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda
que conservem usos, costumes e tradições características da sua cultura”.
Segundo a legislação brasileira, o nativo adquire a plena capacidade
civil quando estiver razoavelmente integrado à sociedade. Para que tal
aconteça, é necessário que tenha boa compreensão dos usos e costumes da
comunhão nacional, conheça a língua portuguesa e tenha a idade mínima de
vinte e um anos.

A cidadania do índio brasileiro


A plena cidadania do índio depende de
sua integração à sociedade nacional e
do conhecimento, mesmo que precário,
dos valores morais e costumes por ela
adotados. A Constituição de 1988
realizou um grande esforço no sentido
de elaborar um sistema de normas que
pudesse efetivamente proteger os direitos e interesses dos índios brasileiros.
Representou, ademais, um largo passo à frente na questão indígena, com
vários dispositivos nos quais dispõe sobre a propriedade das terras ocupadas
por eles, a competência da União para legislar sobre populações indígenas e a
preservação de suas línguas, usos, costumes e tradições.
O Governo Federal entregou ao Congresso uma proposta para alterar a
legislação brasileira, no intuito de consolidar novos paradigmas. Trata-se do
Projeto de Estatuto das Sociedades Indígenas, que já se encontra em
discussão. O objetivo da proposta é assegurar que a proteção aos índios
brasileiros se dará com base no reconhecimento do seu diferencial cultural e
não mais na falsa premissa da sua inferioridade. Com isso, além da efetiva
garantia dos seus direitos, procura-se permitir que os povos indígenas tenham
espaço necessário ao desenvolvimento de seus projetos de futuro.
Segundo a FUNAI, apenas recentemente a sociedade começa a se
conscientizar que os índios são parte integrante da vida nacional. Assim, os
índios brasileiros participam da política do país elegendo candidatos, ajudando
na elaboração de leis e compartilhando problemas relacionados ao meio
ambiente, política, economia, saúde e educação. A afirmação do direito à
diversidade cultural importa a reivindicação pelas populações indígenas de um
espaço político próprio no seio do Estado e da nacionalidade. A conquista
desse espaço supõe, por sua vez, o reconhecimento de níveis crescentes de
participação das comunidades indígenas nas decisões que tenham impacto
sobre o seu modo de vida.

Os grupos indígenas e sua relação com o


Brasil atual
O Brasil possui uma imensa diversidade étnica e lingüística, que está entre as
maiores do mundo e é a maior da América do Sul. Essa diversidade é
encarada como um fator de enriquecimento cultural da nacionalidade. O Brasil
contemporâneo é mais indígena do que normalmente se supõe. Ainda que
culturalmente transformada pela interação secular de processos civilizatórios, a
presença indígena é fortemente percebida no tipo físico e nos costumes de
amplos segmentos da população, sobretudo entre os brasileiros do Nordeste,
da Amazônia e do Centro-Oeste. Se é verdade que os grupos indígenas
brasileiros estão reduzidos a uma pequena fração do que foram no passado,
também é verdade que este segmento da população encontra-se hoje em
plena recuperação demográfica.

Apesar de todas as pressões assimilacionistas até a década de 70, os grupos


indígenas não se desfizeram no corpo da população mestiça. Ao contrário, seu
contingente populacional vem-se recuperando progressivamente. Os grupos
indígenas brasileiros têm logrado manter nas últimas décadas uma taxa de
reprodução superior à média nacional. Contrariando o que se previra, o índio
brasileiro não se transformou em branco, nem foi totalmente exterminado, mas
iniciou nas últimas décadas um lento e seguro processo de recuperação
demográfica para o qual terá contribuído, em grande medida, a demarcação
ainda inconclusa das áreas indígenas e a prestação de serviços assistencias
pelo Estado.
Os grupos indígenas transmutam-se, reelaborando os elementos de sua cultura
num processo sempre contínuo de transfiguração étnica. Continuam,
entretanto, identificando-se e sendo identificados como indígenas. Ao invés de
sua extinção ou assimilação, o que se tem verificado nas últimas décadas é a
vigorosa resistência da identidade étnica dos grupos indígenas brasileiros.

O tratamento da questão indígena é um dos assuntos prioritários na agenda


social do Governo. O índio brasileiro é um cidadão que tem anseios, carências
e necessidades específicas, que precisam ser atendidas pelo Estado. Embora
concentrada em grande parte na Amazônia, a população indígena brasileira
está dispersa em quase todo o território nacional. Alguns grupos ainda vivem
em relativo ou completo isolamento, outros estão integrados à economia
regional, mas se consideram e são reconhecidos como membros de uma
comunidade culturalmente diferenciada.
Para esses grupos, a afirmação do direito ao etnodesenvolvimento e à
preservação de sua identidade cultural passam pela garantia de seus direitos
constitucionais, pela posse da terra, pela defesa de condições dignas de vida, e
pela conquista de seu espaço político. E são exatamente essas as metas da
política indigenista do Governo. A preocupação é garantir os direitos dos
indígenas e aperfeiçoar os dispositivos legais relativos a esses direitos.
Procura-se, portanto, intensificar as medidas de interdição da exploração
predatória e ilegal de recursos naturais, de remoção de invasores,
especialmente garimpeiros em terras indígenas, e a promoção da auto-
sustentação e o desenvolvimento comunitário dos grupos indígenas.

Com Temer, a questão


indígena retrocede
por Murilo Matias — publicado 09/12/2016 10h02
Os poucos avanços da era petista estão sob risco e a ofensiva
ruralista ameaça o estilo de vida de muitas etnias
inShare
Wilson Dias / Agência Brasil
Índios protestam em frente ao STF, em 1º de dezembro

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programa de Temer
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O retrato da política brasileira: branca, masculina e
proprietária
Indígenas são eleitos no Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-
Oeste
Muito cacique para pouco índio. A tradicional expressão brasileira que
sugere excesso de autoridades para um reduzido número de
seguidores inverte-se na realidade vivenciada pelos índios na política
nacional.

Ausentes nos espaços de poder, os indígenas veem seus dramas se


intensificarem, com a fragilização da Fundação Nacional do Índio
(Funai), a ofensiva da bancada ruralista e o massacre de etnias
impulsionado pela guerra de especuladores do agronegócio,
percebida por muitos como a continuação de um genocídio.
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Resta aos indígenas lutar pelas reservas, mas mesmo essa solução
está longe do ideal. O próprio conceito de reserva, centro do conflito
entre indígenas e agricultores, não atende às necessidades dos
povos. "Lutamos pela demarcação, mas a prioridade das
comunidades é a sustentabilidade. Não adianta a terra estar
demarcada e desassistida", diz o cacique Rafael Weere, liderança do
PDT. "Vivíamos como nômades e agora estamos ilhados. Os recursos
naturais diminuem e a população aumenta. O governo deveria nos
garantir alternativas", afirma.
Weere é neto de Mario Juruna, único índio deputado federal pelo
Brasil. Parlamentar durante a ditadura, Juruna defendia causas
populares, a principal, a volta da democracia. Filho da floresta, não
seria filhote da ditadura. Respaldado por Leonel Brizola, que o levou
ao Rio de Janeiro, instalando-o em Santa Teresa, elegeu-se pelo PDT
em 1982 com mais de trinta mil votos.
"Quando os governantes souberam que fui eleito declararam que o
povo não sabe votar porque havia eleito um exótico de tanga.
Respondi que vinha pra incomodar", disse Juruna em uma de suas
históricas subidas à tribuna da Câmara.

A história do Xavante remete à invasão de sua tribo em Mato Grosso.


Viu a chegada do branco, da carabina e da doença, conforme sua
descrição. Para evitar o extermínio, buscou o convívio com aqueles
que aportavam. A semelhança é com os anos 1500, quando da
chegada dos portugueses ao Brasil, mas tratava-se dos idos de 1900.

A contínua repressão precisava ser denunciada e com isso a trajetória


política do cacique se iniciou nos anos 70. Visto sempre com um
gravador, cobrava atitudes da Funai, já à época contestada pelos
indígenas. "Passei a trazer comigo um gravador como arma contra as
promessas mentirosas das autoridades", dizia.

Em repetidas ocasiões, Juruna exigiu a demissão de dirigentes da


entidade. No seu mandato, terminado em 1986, votou a favor da
emenda Dante de Oliveira, que previa voto direto para Presidência da
República. Derrotado, restou escolher Tancredo Neves a Paulo Maluf,
na eleição restrita ao colégio eleitoral.

Nos demais campos, alertou para o crescente desmatamento e


apoiou greves ao lado de nomes da projeção de Abdias do
Nascimento e Eduardo Suplicy, eleito vereador em São Paulo em
outubro passado. "Graças à chegada de Juruna na Câmara
descobrimos que temos muitas lições a aprender com os índios.
Percebemos como é importante alguém externar as dores do seu
povo e aquilo que constitui um sentimento nacional", destacou
Suplicy em 83.

Juruna trouxe visibilidade à causa. Criou a Comissão do Índio,


atualmente sem atividades, para dar paridade às disputas que se
colocavam diante do homem branco. "O índio autêntico é dono do
Brasil. O branco está roubando a terra do índio, somos injustiçados e
sacrificados. Vim aqui para defender a minha gente", afirmava.

Três décadas de silêncio na democracia


Da atuação de Juruna já se vão 30 anos de ausência de indígenas no
parlamento. Para rearticular seu movimento indígena, o PDT tem
promovido encontros em comunidades. A tentativa pode refletir o
alinhamento dos trabalhistas com uma bandeira partidária, como
pode transformar-se em um nicho a ser explorado eleitoralmente.

Os Xavantes do Centro-Oeste foram os primeiros a participar. A


fronteira agrícola da soja na região torna dramática a vida de etnias
exprimidas por latifundiários do grão mais exportado pelo Brasil. Ali,
uma das principais forças políticas é o ex-governador de Mato Grosso
Blairo Maggi (PP), o "rei da soja" e atual ministro da Agricultura.
Os ruralistas são temidos pelos índios, ferrenhamente contrários
à PEC 215, que dá ao Congresso a possibilidade de arbitrar sobre as
demarcações, retirando a exclusividade da União. A medida foi
aprovada pela Comissão da Demarcação de Terras Indígenas, mas
ainda não avançou.
No texto da comissão, há uma menção a uma disputa no Rio Grande
do Sul classificada como "manipulação criminosa do processo de
demarcação de terras". Os pequenos proprietários dizem ter a
documentação da terra, reivindicada pelos indígenas. Como em boa
parte do País, ambos estão no limbo criado pela inoperância do
Executivo, que nunca resolveu as pendências atribuídas a ele.
Rafael Weere em Brasília: indígenas estão fora dos espaços de poder (Foto:
Igor Veloso)

"Para nós o Congresso decidir sobre as demarcações é a morte. Não


somos inimigos dos pequenos agricultores, e sim do grandes
plantadores de soja, dos criadores de gado", afirma o cacique Weere.

A recriação, em agosto, da CPI da Funai e do Instituto Nacional de


Colonização e Reforma Agrária, o Incra, não deve incluir as etnias no
debate. Na primeira versão da CPI – encerrada sem relatório – estava
o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), conhecido por declarar que
"quilombolas, índios e gays são tudo que não presta".
A violência atual encontra marcas no passado. Recentemente, a Cruz
Vermelha documentou crimes da ditadura relacionando trabalhos
forçados, miséria e doenças que levaram povos à beira do
extermínio. Em tempos de aparente democracia, a instabilidade na
Funai demonstra o descaso com o tema.

João Pedro Gonçalves da Costa, que esteve 352 dias na presidência


da Funai, foi exonerado em junho com o afastamento de Dilma
Rousseff do Planalto. Desde então, a entidade não tem titular. A
possibilidade de o militar Franklimberg de Freitas assumir e o risco de
o órgão transformar-se em feudo do Partido Social Cristão (PSC)
mobilizam organizações contra os planos do governo.
A inclusão dos povos
Diante do quadro, políticas públicas da última década estão
ameaçadas. A presença de índios em universidades a partir das cotas
é uma das tentativas de amortizar as injustiças. O retorno dos
estudantes às suas terras estabelece vínculos sólidos entre os
indígenas e a sociedade.

A inclusão em programas federais com a presença de profissionais


advindos do Mais Médicos, que passaram a conviver intensamente
com as comunidades, juntamente com recursos do Bolsa Família,
foram importantes avanços das gestões petistas. Nunca houve,
entretanto, a elaboração de uma agenda específica para o segmento.
A inédita prioridade ao social, incluindo quilombolas e indígenas,
possibilitou ações como o Carteira Índígena. Concebido em 2004,
atendeu associações ao desenvolver projetos entre 10 mil e 50 mil
reais – em Pernambuco uma etnia tornou-se a segunda produtora de
arroz do estado após o programa.

Com a suspensão de novos contratos em 2009, a assistência técnica


e extensão rural foram potencializadas. Em cinco anos, foram
atendidas 17 mil famílias de 30 etnias para um orçamento de 104
milhões de reais.

"O projeto foi interrompido com o golpe. Estamos penando para


garantir os recursos pactuados. Instituições estão em situação
perigosa diante da falta de repasses", enfatiza Luiz Fernando
Machado, ex-coordenador de Política para Povos Indígenas do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, extinto com a saída de Dilma.
"Desde o estado de exceção, não existe terra indígena em processo
de demarcação", afirma.
Para os indígenas, o governo Temer indica o desmonte de medidas
que vinham funcionando. "O acesso às políticas sociais pelos índios
contribui para que as comunidades possam sair de um cenário de
vulnerabilidade. O ataque a esses direitos coloca em risco a vida dos
povos, a exemplo da PEC que congela por 20 anos os investimentos
em áreas sociais", alerta o indígena Weibe Tapeba, eleito vereador
pelo PT em Caucaia, a segunda maior cidade do Ceará.

Como resolver a situação?


O caso de Tabepa é exceção em um cenário de falta de representação
política, mas a disputa eleitoral dificilmente apresenta candidatos
indígenas. Sobram relatos de compra de votos, troca de apoio por
cestas básicas e promessas infundadas na véspera de eleições.
Ultrapassando obstáculos dessa ordem, o professor Isaac Pyânko
(PMDB) tornou-se o primeiro prefeito índio do Acre, em Marechal
Thaumaturgo. No Brasil, o blog De Olho nos Ruralistas aponta a
eleição de mais de cem vereadores indígenas espalhados pelas cinco
regiões. PSDB e PT foram os que mais elegeram representantes.
"Não acredito ser possível a inserção de indígenas no Congresso nos
padrões atuais. O caminho é a reforma política", afirma Rodrigo
Arajeju, diretor do documentário Índios no Poder. "Na Colômbia
estabeleceram duas cadeiras na Câmara para indígenas, votados
pelas populações dos Povos. Proposta similar foi apresentada pelo
deputado Nilmário Miranda, mas não decolou", diz.
Outra referência está na Bolívia, nação de maioria indígena que
somente em 2006 elegeu o primeiro índio como presidente. Evo
Morales nacionalizou setores da economia e implementou uma
progressiva reforma agrária. A mudança, que renomeou o país como
o Estado Plurinacional da Bolívia, em reconhecimento aos povos
originários, traduz a direção cultural da gestão há dez anos no
poder. "Nosso povo, muitas vezes, elege os não-indígenas.
Participamos das eleições, mas nunca olham para nós", diz Weere.

Situação dos povos


indígenas no Brasil é a mais
grave desde 1988, diz
relatora da ONU
 Publicado em 19/09/2016

 Atualizado em 21/09/2016


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Os povos indígenas brasileiros enfrentam atualmente riscos


mais graves do que em qualquer outro momento desde a
adoção da Constituição de 1988. Essa é a conclusão de
relatório que será apresentado na terça-feira (20) ao Conselho
de Direitos Humanos pela relatora especial da ONU sobre os
direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz. Segundo
ela, no atual contexto político, as ameaças que esses povos
enfrentam podem ser exacerbadas, e a proteção de longa data
de seus direitos pode estar em risco.
Foto: Jogos Mundiais dos Povos Indígenas

Os povos indígenas brasileiros enfrentam atualmente riscos mais graves do que


em qualquer outro momento desde a adoção da Constituição de 1988. Essa é a
conclusão de relatório que será apresentado na terça-feira (20) ao Conselho de
Direitos Humanos pela relatora especial da ONU sobre os direitos dos povos
indígenas, Victoria Tauli-Corpuz.

“Os desafios enfrentados por muitos povos indígenas do Brasil são enormes. As
origens desses desafios incluem desde a histórica discriminação profundamente
enraizada de natureza estrutural, manifestada na atual negligência e negação dos
direitos dos povos indígenas, até os desdobramentos mais recentes associados às
mudanças no cenário político”, disse a relatora no documento. Acesse o relatório
clicando aqui.

A especialista citou a violência como um dos principais problemas. De acordo com


o Conselho Indigenista Missionário, 92 indígenas foram assassinados em 2007;
em 2014, esse número havia aumentado para 138, tendo o Mato Grosso do Sul o
maior número de mortes. Com frequência, os assassinatos constituem represálias
em contextos de reocupação de terras ancestrais pelos povos indígenas depois de
longos atrasos nos processos de demarcação.

A relatora também citou a paralisação dos processos de demarcação, os despejos


e os profundos impactos de megaprojetos de infraestrutura localizados dentro ou
perto de territórios indígenas e implementados sem consulta prévia aos afetados.
Tauli-Corpuz visitou o país em março a convite do governo brasileiro.

“Após a visita, impressão geral é de que o Brasil possui uma série de disposições
constitucionais exemplares em relação aos direitos dos povos indígenas”, disse a
relatora no documento. “Entretanto, nos oito anos que se seguiram à visita de meu
predecessor, há uma inquietante ausência de avanços para a implementação das
recomendações e na solução de antigas questões de vital importância”, completou.

Segundo ela, no atual contexto político, as ameaças que esses povos enfrentam
podem ser exacerbadas, e a proteção de longa data de seus direitos pode estar
em risco.

A relatora fez algumas recomendações para tratar das questões mais prementes
que observou no país. Elas dizem respeito à necessidade de medidas urgentes
para enfrentar a violência e discriminação contra os povos indígenas e o
fortalecimento de instituições públicas como a Fundação Nacional do Índio
(FUNAI). A relatora recomendou ainda redobrar os esforços na demarcação e
proteção de terras e alocar recursos para melhorar o acesso à Justiça, entre outras
recomendações.

“Considerando o status de marginalização dos povos indígenas, o fato de que


sérias violações de seus direitos ao longo das últimas décadas não terem sido
adequadamente investigadas ou remediadas e a urgente necessidade de enfrentar
a contínua discriminação estrutural, a relatora especial coloca particular ênfase na
importância de iniciar um inquérito nacional independente e transparente sobre a
violação de seus direitos.”

Tauli-Corpuz pediu ainda que o governo brasileiro adote medidas imediatas para
proteger a segurança de líderes indígenas, inclusive por meio de programas de
proteção fortalecidos e culturalmente adequados, e a conduzir investigações sobre
todos os ataques e assassinatos de povos indígenas e levar os responsáveis à
Justiça.

Quanto aos direitos territoriais, a especialista recomendou redobrar os esforços


para superar o atual impasse com relação à demarcação de terras. “Isso é
especialmente urgente nos estados do Mato Grosso do Sul, Bahia, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul”, declarou.

Impacto de Belo Monte e Tapajós

Segundo a relatora, os povos indígenas reportaram ameaças a seus direitos no


contexto de megaprojetos como a construção de hidrelétricas, projetos de
mineração e a instalação de linhas de transmissão, iniciados sem consulta prévia a
esses povos.

“Considerando as alegações de etnocídio no caso Belo Monte trazidas pelo


Ministério Público, extrema cautela deveria ser exercida com relação à mineradora
Belo Sun e o projeto de hidrelétrica Tapajós”, disse a relatora.

“Esses projetos não deveriam ser considerados se existe potencial para impactos
semelhantes ou se os povos indígenas afetados não manifestaram seu
consentimento livre prévio e informado após os estudos participativos de impactos
social, ambiental e de direitos humanos e as consultas de boa-fé.”
A relatora também encorajou o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) a
alinhar suas políticas com as de outras instituições financeiras internacionais, e a
desenvolver salvaguardas específicas voltadas a assegurar que não se financie
projetos que colocam um risco para os direitos dos povos indígenas.

Crise política

A visita coincidiu com o agravamento da crise política no Brasil, que levou


ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A relatora especial disse estar monitorando de perto a situação no país e estar em


comunicação com o governo acerca de suas “preocupações com relação aos
desdobramentos e às associadas mudanças institucionais, legislativas e de
políticas e suas implicações para o bem-estar e a sobrevivência dos povos
indígenas e o gozo de seus direitos territoriais e culturais”.

Durante sua visita em março, Tauli-Corpuz viajou a Brasília e aos estados do Mato
Grosso do Sul, Bahia e Pará, reunindo-se com representantes dos Três Poderes,
incluindo a FUNAI, o procurador-geral da República e os escritórios do Ministério
Público Federal na capital e nos estados, assim como organizações da sociedade
civil.

Atualmente, existem no Brasil cerca de 305 grupos que se auto-identificam como


povos indígenas, falando mais de 274 línguas. Apesar de representarem apenas
0,43% da população, os povos indígenas estão presentes em 80% dos municípios
brasileiros.

A relatora lembrou que processos coloniais e genocidas resultaram num declínio


da população nativa, de um número estimado de 5 milhões de pessoas antes da
chegada dos europeus, para menos de 1 milhão atualmente. Contudo, de acordo
com o censo nacional de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a população indígena está crescendo.

A questão indígena no Brasil


A solução terá de passar por novas delimitações das reservas, com a
assumpção por parte do Estado brasileiro da responsabilidade
indemnizatória em relação aos actuais proprietários das terras em causa.

15 de Dezembro de 2016, 8:38

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“Se eu dissesse que Brasília é bonita veriam imediatamente que gostei
da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia
veem nisso uma acusação. Mas a minha insônia não é bonita nem
feia, minha insónia sou eu, é vivida, é o meu espanto. (...) Olho
Brasília como olho Roma: Brasília começou com uma simplificação
final de ruínas. A hera não cresceu.”
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Clarisse Lispector

Cinquenta anos depois as palavras de Clarisse Lispector invadem-nos o


pensamento enquanto o olhar devaneia pelas avenidas, pela
vermelhidão da terra, pelos edifícios e pelas pessoas que se adivinham
mais do que se vêem. Com o Brasil imerso numa profunda crise que
extravasa largamente as dimensões política, económica e social,
Brasília afecta-nos com a sua estranheza de sempre, misto
contraditório de utopia e distopia, lugar habitado sobretudo por uma
sensação do abstracto que contamina praticamente a vida inteira. Uma
visita ao Senado e à Câmara dos Deputados tem tanto de encantatório
como de repulsivo.

Na semana passada tive o privilégio de contactar com a melhor parte


do Brasil. Homens e mulheres investidos em funções políticas,
empenhados em lutas difíceis por causas justas, inteiramente alheios
ao magma de corrupção que tem historicamente corroído as
instituições brasileiras. Fui ao Brasil acompanhado de duas colegas
deputadas europeias, Marisa Matias e Estefania Torres, no âmbito de
uma missão organizada por uma organização não-governamental
sediada em Bruxelas que se dedica à promoção e salvaguarda dos
diretos dos povos indígenas espalhados pelo mundo, a UNPO. Dias
antes havíamos aprovado por larga maioria uma resolução no
Parlamento Europeu apelando a uma alteração do comportamento das
autoridades brasileiras em relação aos Guarani-Kaiowá, etnia
historicamente bem conhecida que tem sido alvo de uma violência
desmedida, nem sempre devidamente reprimida pelo Estado de Direito
brasileiro.

Em Brasília encontrámos um Senador e vários deputados, do PSB e do


PT, profundamente empenhados em modificar uma situação que
conflitua com a defesa dos direitos humanos e em nada concorre para a
afirmação internacional de um país que deve ter como imagem mais
forte a sua identidade multicultural. Essa multiculturalidade é o
resultado histórico de encontros e desencontros marcados por um
número elevadíssimo de tragédias individuais e de dramas colectivos. A
miscigenação operada após a chegada dos portugueses comporta
crimes de tal ordem graves que um dia deverão merecer uma reparação
simbólica ao mais alto nível institucional. Não podemos, porém, ficar
prisioneiros da história, antes devemos concentrar as nossas energias
na resolução dos problemas com que o presente nos confronta.

Na realidade subsiste um grave problema indígena na sociedade


brasileira. Problema esse que não escapa à consciência política do país
como o comprova o facto de ter merecido tratamento sofisticado e
avançado no plano constitucional. A questão coloca-se na distância que
subsiste entre a esfera da lei e a realidade concreta da vida. Com o
intuito de conhecermos in loco a situação, deslocámo-nos, com o
prestimoso auxílio da força aérea brasileira, ao Estado do Mato Grosso
do Sul, na companhia de parlamentares brasileiros que corajosamente
têm enfrentado poderes fácticos instituídos e preconceitos históricos
prevalecentes. Aí, num ambiente próprio de uma sociedade aberta e
democrática, participámos em múltiplas reuniões com líderes
indígenas, movimentos cívicos associados à defesa dos direitos e
interesses dos índios e ainda com responsáveis políticos ao nível
estadual. O problema é grave e acaba por entroncar no próprio modelo
de desenvolvimento adoptado pelo país. As comunidades indígenas
reclamam a extensão das reservas a que foram acantonadas no século
passado, as quais se revelam insuficientes para assegurar a
perpetuação dos seus modos de organização cultural e social. O
alastramento das monoculturas da soja e da cana-de-açúcar constitui o
principal obstáculo à concretização desta expectativa.

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A solução terá de passar por novas delimitações das reservas, com a


assumpção por parte do Estado brasileiro da responsabilidade
indemnizatória em relação aos actuais proprietários das terras em
causa. Claro que isso não se revela uma tarefa fácil, dada a
convergência de factores racistas e economicistas num discurso
altamente desfavorável às pretensões da população indígena brasileira.
Compete ao poder político dirimir o conflito, nunca perdendo de vista
os princípios constitucionais vigentes que traduzem a imperiosa
necessidade de assegurar o respeito ? historicamente pouco valorizado
? pelos cidadãos brasileiros que integram o grupo dos chamados povos
originários. Sendo este um desafio que se coloca ao Brasil, constitui
também uma responsabilidade que não deve ser elidida por todos
quantos no mundo inteiro se preocupam com esta problemática.

Dos vários interlocutores com quem privámos, quer no Mato Grosso do


Sul, quer em Brasília, e correndo o risco de cometer alguma injustiça
com os demais, permito-me salientar as figuras do senador João
Capiberibe e da sua mulher, a deputada Janete Capiberibe, que de
forma superior constituem a expressão do que de melhor há na política
brasileira. As suas vidas, totalmente confundidas nos planos público e
privado, identificaram-se com as lutas mais generosas que marcaram o
percurso histórico do Brasil nos últimos 50 anos. Combateram a
ditadura, percorreram um longo roteiro de um exílio repartido por
vários países, participaram no esforço de consolidação da democracia,
adquiriram por direito próprio um estatuto de referências morais.
Associam a tudo isto uma longa tradição de empenhamento na causa
dos povos indígenas brasileiros.
No meio dessa prodigiosa abstração que Brasília continua a constituir,
as suas vozes tranquilas e experimentadas elevam-se como um ponto
de referência ética inestimável, que tanta falta faz nos dias que correm.

As terras indígenas e suas demarcações


O Brasil conta com cerca de 104.508.334 hectares (1 milhão e 45 mil km²)
de terras indígenas. Isso representa 12,24% da extensão do território
brasileiro (quase duas vezes o território espanhol, que é de 504.800 km²). De
acordo com dados de 2001, o Brasil possui 580 áreas indígenas, sendo que no
período de janeiro de 1995 a abril de 2001, 99 áreas foram designadas
indígenas, perfazendo um total de 30.028.063 hectares (300.280 km²). Da
mesma forma, foram homologadas 140 terras indígenas, somando 40.965.000
hectares (409.650 km²). O Governo tem inovado ao celebrar parcerias com as
organizações indígenas e de apoio aos índios brasileiros para realizar, de
modo descentralizado, os trabalhos de demarcação física dessas terras. É o
caso da área localizada na região do Rio Negro, no estado do Amazonas, que,
somando mais de 11.000.000 de hectares (110.000 km²), foi demarcada numa
parceria que envolveu a FUNAI, a Federação das Organizações Indígenas do
Rio Negro (FOIRN) e o Instituto Socioambiental.
O Governo brasileiro tem incentivado e apoiado iniciativas promissoras que
promovam a gestão territorial pelas próprias comunidades, por meio de práticas
sustentáveis que garantam o retorno econômico para atendimento de suas
necessidades juntamente com a manutenção do equilíbrio ecológico de suas
terras. Uma dessas iniciativas é o Plano de manejo Florestal desenvolvido
pelos índios Xikrin do Cateté, cujas terras estão localizadas no estado do Pará,
visando a exploração e comercialização de recursos madeireiros e não-
madeireiros de forma sustentável. O projeto conta com o apoio do Ministério da
Justiça e do Ministério do Meio Ambiente, sendo financiado com recursos da
Companhia Vale do Rio Doce e do Pró-Manejo ( inserido no Programa Piloto
para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7).
O reconhecimento das terras indígenas é uma das principais políticas que o
estado brasileiro vem implementando para que essas comunidades possam
reconhecer nele um canal de diálogo. Nesse sentido, o Governo Federal
promove a discussão com a sociedade civil a respeito das ações de apoio e
valorização das populações indígenas. A participação de organizações não-
governamentais têm sido fundamental nessa questão, tendo sido alcançados
resultados muito positivos.

O apoio do Brasil a seus índios


No plano externo, o Brasil desenvolve ampla cooperação sobre questões
indígenas. O acordo firmado com a Alemanha, no âmbito do Programa Piloto
para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), deu novo impulso a
esse intercâmbio, particularmente no que se refere à demarcação de terras
indígenas. O Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas
da Amazônia Legal (PPTAL), implementado pela FUNAI, é fruto da parceria
entre o Governo brasileiro, o governo alemão e agências internacionais de
apoio técnico e financeiro, tais como o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial. Seu objetivo é melhorar a
qualidade de vida das populações indígenas e promover a conservação dos
recursos naturais através da garantia da demarcação de 160 terras indígenas
da Amazônia Legal, abrangendo um total de 45 milhões de hectares. O PPTAL
estimula a participação das comunidades e organizações indígenas por meio
do apoio a Projetos de Acompanhamento de demarcações em andamento e de
Planos de Vigilância para terras já demarcadas. Prevê, ainda, o apoio a ações
de capacitação ligadas à gestão e proteção territorial por parte dos índios do
Brasil.

Outros exemplos desse esforço são os Projetos Vãfy e 3° Grau Indígena. Estes
dois têm em comum a questão educacional. O primeiro projeto envolve a
FUNAI, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
UNIJUÍ, Universidade de Passo Fundo – UPF, e visa a melhor atender à
comunidade indígena, garantindo ensino de qualidade e a valorização da
língua e costumes tradicionais.

Nos próximos anos, o projeto deverá formar 100 professores habilitados para o
magistério em educação para as primeiras séries do ensino fundamental. Esta
nova equipe irá atender a crescente demanda educacional das comunidades
indígenas da região. No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, existem 37
escolas indígenas de Ensino fundamental. O segundo projeto oferece Cursos
de Licenciatura Plena e tem como objetivo formar professores indígenas em
três áreas: Ciências Matemáticas e da Natureza, Ciências Sociais e Línguas
(Português e o idioma da etnia), artes e literatura. O Brasil conta hoje com
3.041 professores indígenas, que dão aulas em 1.666 escolas especiais.

O Governo elaborou, com a participação de especialistas e professores índios,


o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), que
permite a elaboração de propostas pedagógicas e curriculares diferenciadas
para os povos indígenas. Além disso, criou-se no âmbito do Ministério da
Educação uma Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena,
encarregada da política para as escolas indígenas e a formação dos seus
professores. Também foi organizado um programa de financiamento a projetos
de educação para os índios brasileiros, voltado principalmente para atender
organizações da sociedade civil de apoio aos índios e universidades. Por fim,
recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foram
destinados para apoio aos estados que implantaram iniciativas nessa área.

A prestação dos serviços de saúde aos índios brasileiros por intermédio dos
Distritos Sanitários Especiais Indígenas, vinculados à Fundação Nacional de
Saúde (FUNASA), possibilitou aos povos indígenas e suas organizações
condições inéditas de acompanhamento e controle social no campo das
políticas públicas. Os 34 distritos existentes são organizados com base em
critérios socioculturais, geográficos e epidemológicos, observando-se a
situação e condições da população a ser atendida, o que inverte a lógica
tradicional de organização e prestação dos serviços do estado. A
representação na instância de decisão do distrito é paritária, estando
distribuída entre os índios do Brasil, os prestadores dos serviços e os
profissionais de saúde.

A organização dos distritos permitiu uma melhora significativa no atendimento


de saúde aos índios que, em muitos casos, assumiram, por meio de suas
próprias organizações, a prestação de serviços. Para tanto, a FUNASA já
celebrou aproximadamente nove convênios só com organizações indígenas,
além de 19 outros com organizações de apoio aos índios brasileiros. Os
convênios da FUNASA disponibilizaram cerca de US$ 43.290.000,00 para o
atendimento de saúde nas aldeias.

É por meio de todas essas ações que o Brasil busca uma relação de respeito
mútuo entre as suas diversas comunidades étnicas. Tais atitudes, ao lado de
políticas concretas que já vêm sendo adotadas nas áreas de demarcação de
terras, saúde e educação, representam ações efetivas para o reconhecimento
dos direitos de cidadania das pessoas e dos povos indígenas do País.

As Populações Indígenas do
Brasil
No caso da América lusa, a população ameríndia era de aproximadamente 5
milhões de indivíduos, espalhados pelo imenso território brasileiro e que, num
primeiro momento, não ofereceu grande resistência ao colonizador europeu.

A catequese, realizada principalmente nas missões, reduziu os indígenas ao


cristianismo.

Classificação
A primeira classificação dos indígenas foi feita pelos jesuítas, baseada na
língua e na localização. Os que habitavam o litoral (os tupis), foram chamados
de índios de língua geral e os que viviam no interior (tapuias), de índios de
língua travada. No século XIX, o estudioso alemão Karl von den Steinen,
apresentou a primeira classificação científica dos indígenas bra-sileiros,
dividindo-os em quatro grandes grupos básicos ou nações: tupis-guaranis, jês
ou tapuias, nuaruaques ou maipurés e caraíbas ou caribas e quatro grupos
menores: goitacás, panos, miranhas e guaicurus.

A imagem de um indígena brasileiro, segundo a


visão de um europeu do século XIX.
A organização dos povos indígenas do Brasil
O estágio de desenvolvimento cultural do indígena brasileiro era atrasado, não
apenas em relação ao branco europeu, como em relação a outros povos pré-
colombianos mais avança-dos, como os incas e os astecas. Mesmo entre os
índios brasileiros, não há homogeneidade, por suas variadas culturas e nações.

Os brasilíndios tinham como organização básica a aldeia ou a taba, formadas


pelas ocas ou malocas, dispostas em círculos, onde viviam as famílias. O
governo era exercido por um conselho – nheengaba -, formado pelos mais
velhos, e só em época de guerra escolhiam um chefe,
o cacique ou morubixaba. Além de praticar a caça, a pesca, a coleta de frutos
e raízes, desenvolviam ainda a agricultura de subsistência, com o cultivo da
mandioca, do milho e do tabaco, valendo-se para isso de técnicas
rudimentares, como a queimada ou coivara. Os casamentos eram
endogâmicos, isto é, entre pretendentes de uma mesma tribo; a sucessão se
dava pela linha paterna e a poligamia era permitida, embora pouco freqüente. A
mulher, mera procriadora, tinha um papel secundário, mesmo na divisão de
trabalho, em que cuidava das plantações, da coleta de frutos, do preparo dos
alimentos, e por fim, das crianças. Eram politeístas e animistas, vinculando
suas divindades à natureza, e mesmo a prática da antropofagia tinha um
caráter ritual. Utilitaristas, produziam utensílios de cerâmica, de madeira e de
palha, sempre para o uso cotidiano.
O avanço da colonização e a resistência
Os primeiros contatos entre portugueses e indígenas podem ser considerados
amistosos. Aos índios, atribuiu-se o espírito de colaboração quando do
extrativismo do pau-brasil e de docilidade diante da ação conversora dos
jesuítas. Sua belicosidade ficava por conta das guerras que travavam entre si,
na defesa de territórios da tribo ou nas primeiras guerras que os portugueses
moveram contra invasores estrangeiros. Caso das lutas contra a França
Antártica, quando os portugueses foram apoiados pelos temiminós para
derrotar os franceses, aliados dos tamoios.
A partir de meados do século XVI, ficava claro que o branco português
representava a colonização e era, portanto, o verdadeiro inimigo. A ação dos
religiosos, em especial nos grandes aldeamentos (missões), era a
distribalização. Já a ação do colono nada mais era do que a expropriação
territorial e a escravidão. Para o europeu, o índio tinha significados diferentes:
para o jesuíta, era um meio de propagação da fé e de fortalecimento da Igreja
Católica; para o colono, ele era a terra e o trabalhador: livre, no extrativismo da
Amazônia ou na pecuária, e escravo, nas regiões mais pobres ou nos
engenhos, quando se obstruía o tráfico negreiro. Assim, ao indígena não restou
outra opção senão a resistência armada e desigual, contra um inimigo que já
dominava as armas de fogo.
Alguns momentos dessa luta foram marcados pela proibição da escravidão
vermelha. Exemplo disso, foi o ato do papa Paulo III, de 1537, que pela
primeira vez declarava ilícita a exploração do trabalho indígena. Seguiram-se
outros no mesmo sentido, sempre apoiados pelos jesuítas, e desrespeitados
pelos colonos, com as chamadas guerras justas – uma exceção prevista na
legislação – em que se atribuía sempre ao índio a primeira agressão. Além da
abertura legal, os colonos contavam com as rivalidades entre as tribos, que
impediam a formação de alianças contra o inimigo comum.
No século XVIII, o Marquês de Pombal aboliu a escravidão indígena. O decreto
de 1755 dava liberdade absoluta ao índio, equiparando-o à mesma condição de
um colono, e suprimia o poder dos jesuítas sobre as missões. Contudo, ainda
no século XIX, eram decretadas as “guerras justas”, prosseguindo, assim, a
ação devastadora do branco, dizimando tribos inteiras e destruindo a cultura
indígena.

Atualmente, a população de índios brasileiros, agora denominados povos da


floresta, está reduzida a menos de 200 mil indivíduos, a maior parte
desenraizada e sem identidade cultural.

A situação atual dos índios do


Brasil
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a atual população
indígena do Brasil é de aproximadamente 818.000 indivíduos, representando
0,4% da população brasileira. Vivendo em aldeias somam 503.000 indígenas.
Há, contudo, estimativas de que existam 315 mil vivendo fora das terras
indígenas, inclusive em áreas urbanas.
A população indígena no País vem aumentando de forma contínua, a uma taxa
de crescimento de 3,5% ao ano. Esse número tende a crescer devido à
continuidade dos esforços de proteção dos índios brasileiros, queda dos
índices de mortalidade, em razão da melhora na prestação de serviços de
saúde, e de taxas de natalidade superiores à média nacional. Existem cerca
de 53 grupos ainda não contatados, além daqueles que esperam
reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista
FUNAI.
Cerca de 60% dos índios do Brasil vive na região designada como Amazônia
Legal, mas registra-se a presença de grupos indígenas em praticamente todas
as Unidades da Federação. Somente nos estados do Rio Grande do Norte,
Piauí e no Distrito Federal não registra-se a presença de grupos indígenas.
De acordo com a FUNAI os índios brasileiros estão divididos em três classes:
os isolados, considerados aqueles que “vivem em grupos desconhecidos ou
de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais
com elementos da comunhão nacional”; os em via de integração, aqueles que
conservam parcialmente as condições de sua vida nativa, “mas aceitam
algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da
comunhão nacional”; e os integrados, ou seja, os nativos incorporados à
comunhão social e “reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda
que conservem usos, costumes e tradições características da sua cultura”.
Segundo a legislação brasileira, o nativo adquire a plena capacidade
civil quando estiver razoavelmente integrado à sociedade. Para que tal
aconteça, é necessário que tenha boa compreensão dos usos e costumes da
comunhão nacional, conheça a língua portuguesa e tenha a idade mínima de
vinte e um anos.

A cidadania do índio brasileiro


A plena cidadania do índio depende de
sua integração à sociedade nacional e
do conhecimento, mesmo que precário,
dos valores morais e costumes por ela
adotados. A Constituição de 1988
realizou um grande esforço no sentido
de elaborar um sistema de normas que
pudesse efetivamente proteger os direitos e interesses dos índios brasileiros.
Representou, ademais, um largo passo à frente na questão indígena, com
vários dispositivos nos quais dispõe sobre a propriedade das terras ocupadas
por eles, a competência da União para legislar sobre populações indígenas e a
preservação de suas línguas, usos, costumes e tradições.
O Governo Federal entregou ao Congresso uma proposta para alterar a
legislação brasileira, no intuito de consolidar novos paradigmas. Trata-se do
Projeto de Estatuto das Sociedades Indígenas, que já se encontra em
discussão. O objetivo da proposta é assegurar que a proteção aos índios
brasileiros se dará com base no reconhecimento do seu diferencial cultural e
não mais na falsa premissa da sua inferioridade. Com isso, além da efetiva
garantia dos seus direitos, procura-se permitir que os povos indígenas tenham
espaço necessário ao desenvolvimento de seus projetos de futuro.
Segundo a FUNAI, apenas recentemente a sociedade começa a se
conscientizar que os índios são parte integrante da vida nacional. Assim, os
índios brasileiros participam da política do país elegendo candidatos, ajudando
na elaboração de leis e compartilhando problemas relacionados ao meio
ambiente, política, economia, saúde e educação. A afirmação do direito à
diversidade cultural importa a reivindicação pelas populações indígenas de um
espaço político próprio no seio do Estado e da nacionalidade. A conquista
desse espaço supõe, por sua vez, o reconhecimento de níveis crescentes de
participação das comunidades indígenas nas decisões que tenham impacto
sobre o seu modo de vida.

Os grupos indígenas e sua relação com o


Brasil atual
O Brasil possui uma imensa diversidade étnica e lingüística, que está entre as
maiores do mundo e é a maior da América do Sul. Essa diversidade é
encarada como um fator de enriquecimento cultural da nacionalidade. O Brasil
contemporâneo é mais indígena do que normalmente se supõe. Ainda que
culturalmente transformada pela interação secular de processos civilizatórios, a
presença indígena é fortemente percebida no tipo físico e nos costumes de
amplos segmentos da população, sobretudo entre os brasileiros do Nordeste,
da Amazônia e do Centro-Oeste. Se é verdade que os grupos indígenas
brasileiros estão reduzidos a uma pequena fração do que foram no passado,
também é verdade que este segmento da população encontra-se hoje em
plena recuperação demográfica.
Apesar de todas as pressões assimilacionistas até a década de 70, os grupos
indígenas não se desfizeram no corpo da população mestiça. Ao contrário, seu
contingente populacional vem-se recuperando progressivamente. Os grupos
indígenas brasileiros têm logrado manter nas últimas décadas uma taxa de
reprodução superior à média nacional. Contrariando o que se previra, o índio
brasileiro não se transformou em branco, nem foi totalmente exterminado, mas
iniciou nas últimas décadas um lento e seguro processo de recuperação
demográfica para o qual terá contribuído, em grande medida, a demarcação
ainda inconclusa das áreas indígenas e a prestação de serviços assistencias
pelo Estado.
Os grupos indígenas transmutam-se, reelaborando os elementos de sua cultura
num processo sempre contínuo de transfiguração étnica. Continuam,
entretanto, identificando-se e sendo identificados como indígenas. Ao invés de
sua extinção ou assimilação, o que se tem verificado nas últimas décadas é a
vigorosa resistência da identidade étnica dos grupos indígenas brasileiros.

O tratamento da questão indígena é um dos assuntos prioritários na agenda


social do Governo. O índio brasileiro é um cidadão que tem anseios, carências
e necessidades específicas, que precisam ser atendidas pelo Estado. Embora
concentrada em grande parte na Amazônia, a população indígena brasileira
está dispersa em quase todo o território nacional. Alguns grupos ainda vivem
em relativo ou completo isolamento, outros estão integrados à economia
regional, mas se consideram e são reconhecidos como membros de uma
comunidade culturalmente diferenciada.
Para esses grupos, a afirmação do direito ao etnodesenvolvimento e à
preservação de sua identidade cultural passam pela garantia de seus direitos
constitucionais, pela posse da terra, pela defesa de condições dignas de vida, e
pela conquista de seu espaço político. E são exatamente essas as metas da
política indigenista do Governo. A preocupação é garantir os direitos dos
indígenas e aperfeiçoar os dispositivos legais relativos a esses direitos.
Procura-se, portanto, intensificar as medidas de interdição da exploração
predatória e ilegal de recursos naturais, de remoção de invasores,
especialmente garimpeiros em terras indígenas, e a promoção da auto-
sustentação e o desenvolvimento comunitário dos grupos indígenas.

As terras indígenas e suas demarcações


O Brasil conta com cerca de 104.508.334 hectares (1 milhão e 45 mil km²)
de terras indígenas. Isso representa 12,24% da extensão do território
brasileiro (quase duas vezes o território espanhol, que é de 504.800 km²). De
acordo com dados de 2001, o Brasil possui 580 áreas indígenas, sendo que no
período de janeiro de 1995 a abril de 2001, 99 áreas foram designadas
indígenas, perfazendo um total de 30.028.063 hectares (300.280 km²). Da
mesma forma, foram homologadas 140 terras indígenas, somando 40.965.000
hectares (409.650 km²). O Governo tem inovado ao celebrar parcerias com as
organizações indígenas e de apoio aos índios brasileiros para realizar, de
modo descentralizado, os trabalhos de demarcação física dessas terras. É o
caso da área localizada na região do Rio Negro, no estado do Amazonas, que,
somando mais de 11.000.000 de hectares (110.000 km²), foi demarcada numa
parceria que envolveu a FUNAI, a Federação das Organizações Indígenas do
Rio Negro (FOIRN) e o Instituto Socioambiental.
O Governo brasileiro tem incentivado e apoiado iniciativas promissoras que
promovam a gestão territorial pelas próprias comunidades, por meio de práticas
sustentáveis que garantam o retorno econômico para atendimento de suas
necessidades juntamente com a manutenção do equilíbrio ecológico de suas
terras. Uma dessas iniciativas é o Plano de manejo Florestal desenvolvido
pelos índios Xikrin do Cateté, cujas terras estão localizadas no estado do Pará,
visando a exploração e comercialização de recursos madeireiros e não-
madeireiros de forma sustentável. O projeto conta com o apoio do Ministério da
Justiça e do Ministério do Meio Ambiente, sendo financiado com recursos da
Companhia Vale do Rio Doce e do Pró-Manejo ( inserido no Programa Piloto
para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7).
O reconhecimento das terras indígenas é uma das principais políticas que o
estado brasileiro vem implementando para que essas comunidades possam
reconhecer nele um canal de diálogo. Nesse sentido, o Governo Federal
promove a discussão com a sociedade civil a respeito das ações de apoio e
valorização das populações indígenas. A participação de organizações não-
governamentais têm sido fundamental nessa questão, tendo sido alcançados
resultados muito positivos.

O apoio do Brasil a seus índios


No plano externo, o Brasil desenvolve ampla cooperação sobre questões
indígenas. O acordo firmado com a Alemanha, no âmbito do Programa Piloto
para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), deu novo impulso a
esse intercâmbio, particularmente no que se refere à demarcação de terras
indígenas. O Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas
da Amazônia Legal (PPTAL), implementado pela FUNAI, é fruto da parceria
entre o Governo brasileiro, o governo alemão e agências internacionais de
apoio técnico e financeiro, tais como o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial. Seu objetivo é melhorar a
qualidade de vida das populações indígenas e promover a conservação dos
recursos naturais através da garantia da demarcação de 160 terras indígenas
da Amazônia Legal, abrangendo um total de 45 milhões de hectares. O PPTAL
estimula a participação das comunidades e organizações indígenas por meio
do apoio a Projetos de Acompanhamento de demarcações em andamento e de
Planos de Vigilância para terras já demarcadas. Prevê, ainda, o apoio a ações
de capacitação ligadas à gestão e proteção territorial por parte dos índios do
Brasil.

Outros exemplos desse esforço são os Projetos Vãfy e 3° Grau Indígena. Estes
dois têm em comum a questão educacional. O primeiro projeto envolve a
FUNAI, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul -
UNIJUÍ, Universidade de Passo Fundo – UPF, e visa a melhor atender à
comunidade indígena, garantindo ensino de qualidade e a valorização da
língua e costumes tradicionais.

Nos próximos anos, o projeto deverá formar 100 professores habilitados para o
magistério em educação para as primeiras séries do ensino fundamental. Esta
nova equipe irá atender a crescente demanda educacional das comunidades
indígenas da região. No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, existem 37
escolas indígenas de Ensino fundamental. O segundo projeto oferece Cursos
de Licenciatura Plena e tem como objetivo formar professores indígenas em
três áreas: Ciências Matemáticas e da Natureza, Ciências Sociais e Línguas
(Português e o idioma da etnia), artes e literatura. O Brasil conta hoje com
3.041 professores indígenas, que dão aulas em 1.666 escolas especiais.

O Governo elaborou, com a participação de especialistas e professores índios,


o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), que
permite a elaboração de propostas pedagógicas e curriculares diferenciadas
para os povos indígenas. Além disso, criou-se no âmbito do Ministério da
Educação uma Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena,
encarregada da política para as escolas indígenas e a formação dos seus
professores. Também foi organizado um programa de financiamento a projetos
de educação para os índios brasileiros, voltado principalmente para atender
organizações da sociedade civil de apoio aos índios e universidades. Por fim,
recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) foram
destinados para apoio aos estados que implantaram iniciativas nessa área.

A prestação dos serviços de saúde aos índios brasileiros por intermédio dos
Distritos Sanitários Especiais Indígenas, vinculados à Fundação Nacional de
Saúde (FUNASA), possibilitou aos povos indígenas e suas organizações
condições inéditas de acompanhamento e controle social no campo das
políticas públicas. Os 34 distritos existentes são organizados com base em
critérios socioculturais, geográficos e epidemológicos, observando-se a
situação e condições da população a ser atendida, o que inverte a lógica
tradicional de organização e prestação dos serviços do estado. A
representação na instância de decisão do distrito é paritária, estando
distribuída entre os índios do Brasil, os prestadores dos serviços e os
profissionais de saúde.

A organização dos distritos permitiu uma melhora significativa no atendimento


de saúde aos índios que, em muitos casos, assumiram, por meio de suas
próprias organizações, a prestação de serviços. Para tanto, a FUNASA já
celebrou aproximadamente nove convênios só com organizações indígenas,
além de 19 outros com organizações de apoio aos índios brasileiros. Os
convênios da FUNASA disponibilizaram cerca de US$ 43.290.000,00 para o
atendimento de saúde nas aldeias.

É por meio de todas essas ações que o Brasil busca uma relação de respeito
mútuo entre as suas diversas comunidades étnicas. Tais atitudes, ao lado de
políticas concretas que já vêm sendo adotadas nas áreas de demarcação de
terras, saúde e educação, representam ações efetivas para o reconhecimento
dos direitos de cidadania das pessoas e dos povos indígenas do País.

Deslocamento compulsório da
população indígena
Neste trabalho, abordo o deslocamento compulsório, em 1987, de
aproximadamente um terço do total da população indígena Waimiri-Atroari para
outras partes da Reserva Indígena, em conseqüência da inundação de uma
grande extensão do seu território provocada pelo fechamento das comportas
da Usina Hidrelétrica de Balbina.

Passo a examiná-lo, brevemente, a partir de uma reflexão mais ampla sobre a


política indigenista do Programa Waimiri-Atroari (convênio
FUNAI/ELETRONORTE) – PWAIFE, que vem impedindo, aos antropólogos
independentes dos seus quadros, o acompanhamento deste processo.

Na década de 1970, iniciaram-se as obras de construção da UHE Balbina,


próxima à Cachoeira Balbina no rio Uatumã. A área desapropriada em 19812,
quando as obras da barragem já estavam adiantadas, abrange o então
projetado reservatório da UHE Balbina e a sua área de influência, que atingiu
toda a rede hídrica do rio Uatumã e Igarapé Santo Antônio do Abonari. No
mesmo ano, manipulações cartográficas foram realizadas pela Paranapanema
(Baines 1991b, 1991c) que mudaram o curso superior do rio Uatumã para o
sudoeste e rebatizaram o antigo alto rio Uatumã como “Pitinga”, com a
finalidade de “legalizar” o desmembramento de uma área de aproximadamente
526.800 hectares da então Reserva Indígena Waimiri-Atroari. A Reserva
Indígena foi desfeita e redefinida pelo Decreto Presidencial No.86.630 de
23.11.81, desmembrando justamente a área previamente invadida por
empresas mineradoras do Grupo Paranapanema junto com uma vasta
extensão do território indígena a ser inundada posteriormente pelo reservatório
da UHE Balbina.

A partir de 1987, o Programa Waimiri-Atroari (convênio


FUNAI/ELETRONORTE) – PWAIFE, substituiu a Frente de Atração Waimiri-
Atroari (FAWA) da FUNAI (1970-1987), passando a dirigir a política indigenista
nesta área. O Programa Waimiri-Atroari (PWAIFE), financiado pela
ELETRONORTE, tem previsão para 25 anos de duração. Partiu da decisão
para a construção da Usina Hidrelétrica de Balbina, sem consultar
anteriormente a população Waimiri-Atroari. O Programa de assistência (Termo
de Compromisso Nº. 002/87, de 3/4/1987, entre a FUNAI e a ELETRONORTE),
“objetivando a implantação de programa de apoio às comunidades indígenas
Waimiri-Atroari, em vista da inundação de parte de suas terras imemoriais pela
– UHE Balbina”, foi criado na fase final das obras da barragem e poucos meses
antes do fechamento das comportas em outubro de 1987, o que resultou na
inundação de uma área de cerca de 2928,5 km2 (Mapa da Influência Antrópica
da Hidrelétrica de Balbina, CSR, IBAMA, Brasília, 1992).

Toda a área inundada fazia parte do território dos Waimiri-Atroari até o início da
década de 1970, e cerca de 311 km2 da área inundada estão dentro do
território que foi demarcado para os Waimiri-Atroari depois do
desmembramento de 1981. Todos os afluentes dos rios Uatumã e Abonari
tornaram-se inabitáveis, com a putrefação da floresta submersa. Assim, o atual
PWAIFE oferece uma infra-estrutura assistencial subordinada ao fato
consumado da inundação de uma parte do território indígena e modificação
irreversível do ambiente. Eduardo Viveiros de Castro & Lúcia M.M. de Andrade
afirmam que estas “medidas paliativas e tardias, de caráter cosmético, tomadas
quando todas as decisões referentes à obra já foram efetuadas” são usadas
para criar “uma falsa idéia de `participação'” (1988:16).

A ELETRONORTE junto com a FUNAI realizaram, tardiamente, o


deslocamento dos aldeamentos de Tobypyna (Abonari) e Taquari para os
locais denominados Samaúma e Munawa (rebatizado Taquari)
respectivamente, pouco antes que as comportas da UHE Balbina foram
fechadas em outubro de 1986. Como mostra Márcio Ferreira da Silva
(UNICAMP), que realizou pesquisas antropológicas junto aos Waimiri-Atroari
em 1987 (1993:14) para a sua tese de doutorado, e cuja pesquisa na área foi
(como a minha) interrompida, a mudança da população Waimiri-Atroari de
Tobypyna, no Igarapé Santo Antônio do Abonari, para o “médio Curiaú,
escolhida pelos então indigenistas do Programa Waimiri-Atroari (PWA), causou
uma série de constrangimentos políticos” (Silva 1993:35).
Referindo-se às transferências em conseqüência da inundação do reservatório
da UHE Balbina, Silva observa que

A `teoria oficial’ … que postula a distinção de duas `etnias’, os `Waimiri’ e os


`Atroari’ desempenhou um papel predominante no episódio. Agentes do
truculento Programa Waimiri-Atroari da FUNAI/ELETRONORTE … procuraram
defender a transferência do grupo para a região escolhida no médio Curiaú
com base no fato de que se tratava de um grupo `Waimiri’ que iria, a final, para
a vizinhança de outros grupos `Waimiri’ (Silva, 1993:161, nota 29).

Silva adverte para os perigos de uma “teoria oficial” criada por uma instituição
com dimensões e poderes empresariais como o PWAIFE. Revela que
argumentos baseados em critérios raciais como diferenças de estatura,
compleição física e tonalidade de pele, foram defendidos pelo próprio
supervisor do PWAIFE, como evidências da distinção entre “Waimiri” e
“Atroari”3, acrescentando que: “Esta hipótese não mereceria maiores atenções
aqui se não tivesse adquirido, como disse há pouco, o estatuto de uma `teoria
oficial'” .

Continuam Viveiros de Castro & Andrade: “Até abril de 1987 – faltando apenas
sete meses para o represamento do rio – não existia qualquer plano de
transferência dos grupos que terão as aldeias inundadas (Ibid. p.17)”. Apontam
alguns dos problemas do deslocamento dos grupos para o interior da reserva
indígena, já ocupado por outras aldeias, e as conseqüências políticas e
econômicas (Ibid. p.17), e ressaltam os “prejuízos que, repetimos, não são
indenizáveis em dinheiro ou programa de apoio” (Ibid. p.17). Torna-se evidente
que a indenização nos termos atuais, de um Programa assistencial de somente
25 anos de duração é absolutamente inadequada.

Além disso, a política do PWAIFE revela que os deslocamentos dos Waimiri-


Atroari fazem parte de uma atuação autoritária de controle e de co-optação que
a sua administração exerce sobre os índios (Baines 1993a; 1993b). Sua
atuação indigenista encaixa-se nos padrões apontados por João Pacheco de
Oliveira (1990) para a região norte da Amazônia desde a implantação do
Projeto Calha Norte, demonstrando estreitos laços com a política
desenvolvimentista do Estado, política articulada com os interesses de grandes
empresas estatais e privadas. Isso fica evidente pelo fato do próprio gerente do
PWAIFE, ter assinado, entre 1986 e 1989, como testemunha, vários “Termos
de Compromisso” entre a Mineração Taboca (do Grupo Paranapanema) e
alguns Waimiri- Atroari, de natureza extremamente desigual, favorecendo a
empresa mineradora, além de uma “Declaração” firmada por cinco capitães
Waimiri-Atroari em 15.05.87 e as correspondências entre a FUNAI e a empresa
datadas de junho de 1989, abrindo toda a área indígena dos Waimiri-Atroari à
exploração mineral exclusivamente pela Paranapanema..

Entretanto, a própria redação do documento e a assimetria da proposta


revelam que os capitães Waimiri-Atroari que o assinaram não foram informados
adequadamente das conseqüências desastrosas para a sobrevivência do seu
grupo étnico, já ameaçada por invasões recentes da mesma empresa, do
avanço de mineradoras sobre o restante do seu território. Revela, ao contrário,
que os capitães foram aliciados por pressões empresariais articuladas por
funcionários do PWAIFE. Os capitães vêm sendo incentivados a aceitar o
serviço fiel à administração como garantia de privilégios, um acesso desigual a
bens manufaturados, e status.

Apesar destes “Termos de Compromisso” entre a Paranapanema e os Waimiri-


Atroari haverem sido invalidados, o processo de co-optação desencadeado
entre os líderes Waimiri-Atroari estabeleceu uma precedência no sentido de
prepará-los para as intenções da Paranapanema em estabelecer acordos
diretos entre a empresa e estes líderes. Isso, assim que for concluída a
legislação, atualmente em elaboração, que regulamenta a lavra mecanizada
por empresas mineradoras privadas em áreas indígenas.

O PWAIFE recorreu à manipulação de informações caluniosas a respeito da


minha pesquisa antropológica, junto aos próprios Waimiri-Atroari, para criar
uma atitude negativa quanto à minha presença na área. Há de se lembrar,
também, que no mesmo dia em que o gerente do PWAIFE programou a minha
ida à área, no pretexto de uma “reunião de consulta” com os Waimiri-Atroari,
mas na verdade, para me “expulsar” sob acusações de ser “ligado a interesses
contrários ao desenvolvimento da comunidade indígena Waimiri-Atroari”, o
mesmo gerente assinou, como testemunha, junto com alguns Waimiri- Atroari e
o então superintendente da FUNAI, mais um “Termo de Compromisso” com a
Paranapanema.
Apesar dos impedimentos à continuidade de pesquisas antropológicas
iniciadas antes da instalação do PWAIFE, a administração indigenista vem
adotando uma política de seletivamente proibir ou permitir pesquisas
antropológicas conforme os seus próprios critérios. O PWAIFE autorizou a
realização de algumas pesquisas que não examinaram a política indigenista na
área, apresentando-as para os Waimiri-Atroari como de interesse tanto para os
índios como para o PWAIFE (uma pesquisa etno-botânica junto aos Waimiri-
Atroari e outra pesquisa antropológica sobre medicina indígena), procurando
um aval legitimador científico para a sua atuação.

O Termo de Compromisso No. 002/87, que criou o PWAIFE, incluiu o


deslocamento de quatro “capitães” Waimiri-Atroari, em abril de 1987, à Usina
Hidrelétrica de Tucuruí “para terem conhecimento real do que significará a
inundação…” Considerando que as obras da UHE Balbina estavam adiantadas,
o deslocamento serviu para convencer os Waimiri- Atroari a aceitar um fato
consumado, e da inutilidade de resistir à invasão do seu território, além de
aumentar o prestígio destes capitães perante os outros índios como porta-
vozes indígenas da administração.

A população do aldeamento de Tobypyna foi relocada, via Manaus, para a


bacia do rio Curiuaú, enquanto a população do aldeamento de Taquari foi
relocada pelo PWAIFE para um local num igarapé afluente do médio rio Alalaú,
a poucos quilômetros da estrada BR- 174. Neste local, o desmatamento foi
feito, apressadamente, com tratores, e uma habitação comunal foi construída
em cima de um alicerce de cimento planejado por indigenistas do PWAIFE.
Como na época da FAWA, seguia-se a política neo-tradicionalista de mandar
os Waimiri-Atroari conformar-se às idéias dos indigenistas a respeito de como
deveria ser o índio.

A expectativa por parte de alguns dos dirigentes do PWAIFE de implantar


agroindústrias para comércio de frutas e beneficiamento de castanha revela
que, de maneira parecida com a FAWA, a administração indigenista atual
continua agindo como uma “instituição total”, ao “implantar” o que se julga ser
melhor para os Waimiri-Atroari.

Projetos de criação de gado continuam sendo implantados de maneira


autoritária, em colaboração com a empresa mineradora Paranapanema,
constando nos próprios relatórios do PWAIFE4. Os projetos pecuários, que
vêm sendo implantados desde a época da FAWA, são um exemplo claro de
como a administração indigenista define e planeja as aspirações Waimiri-
Atroari dentro de uma estrutura burocrática empresarial que, em si, subordina
os índios e impede que eles tenham espaço para agir com autonomia.

Iintenções de alguns dos seus integrantes, a nova forma de dominação pode


ser caracterizada como empresarial, incorporando a dinâmica das pressões
empresariais sobre os próprios índios (Baines 1993a), Alguns exemplos desta
dinâmica manifestam-se na política indigenista. O PWAIFE institucionalizou o
uso de camisetas brancas com o nome da “tribo” e a foto de um Waimiri-Atroari
impressos no tecido, revelando outra dimensão empresarial do seu
indigenismo, ao massificar, arregimentar, e moldar os Waimiri-Atroari com farda
do próprio PWAIFE, reforçando a reificação “da tribo” (conforme a definição
desta feita pelos dirigentes do PWAIFE). Na época da FAWA, o indigenismo,
apesar de não ter chegado a . este nível de sofisticação empresarial, realizava
uma política de “modificação dirigida” dos Waimiri-Atroari (Baines, 1991a,
Capítulo VIII).

A ELETRONORTE preocupa-se em divulgar uma imagem pública favorável


dos seus programas indigenistas (o Programa Waimiri-Atroari e o Programa
Parakanã) em que a política indigenista oficial é apresentado como um
“indigenismo alternativo”, como forma de compensar os indígenas pelos danos
causados pela construção de grandes hidrelétricas.
Como mostra Silva, apesar de “práticas indigenistas relativamente distintas de
sua antecessora” e de
Quanto ao controle seletivo sobre o acesso à área por pesquisadores, no meu
caso, em 1989, após a FUNAI, inicialmente, haver concedido a autorização
para pesquisa, alguns funcionários do PWAIFE criaram obstáculos, afirmando
que minha pesquisa “não era de interesse do Programa nem dos índios”, e
incentivaram os Waimiri-Atroari através do uso de informações falsas, a não
aceitar a minha presença na área. Vale ressaltar que o PWAIFE é constituído
de funcionários tanto da FUNAI quanto da ELETRONORTE, sendo o próprio
gerente funcionário da FUNAI. Embora o indigenismo do PWAIFE apresente
algumas diferenças do indigenismo da FUNAI na época da FAWA, o atual pode
ser caracterizado como uma nova faceta do “indigenismo oficial”, apesar da
política publicitária que faz a ELETRONORTE, elogiando a sua própria atuação
como “indigenismo alternativo”.

O PWAIFE tem desvalorizado, e tentado destruir ou omitir, pesquisas


antropológicas que não foram feitas sob o seu controle. Ironicamente, alguns
dirigentes do PWAIFE têm criticado os “antropólogos”, alegando que estes
querem que os Waimiri- Atroari permaneçam “em situação de estufa”, o que, à
luz das proibições seletivas à pesquisa antropológica, só pode ser entendido
como um artifício de retórica para tentar justificar o controle que o PWAIFE vem
exercendo sobre os Waimiri-Atroari e os pesquisadores. De fato, a própria
atuação do PWAIFE tem mantido os Waimiri-Atroari numa situação de
encapsulamento, ou de liberdade vigiada, controlando o seu acesso inclusive a
informações, atuação criticada por vários antropólogos.

O controle que a ELETRONORTE vem exercendo sobre pesquisas


antropológicas na área dos Waimiri-Atroari aponta para o potencial perigo do
Setor Elétrico patrocinar “pesquisas tuteladas” aos seus interesses para, assim,
exercer um controle absoluto sobre o acesso às áreas indígenas onde realiza
tais Programas e sobre o tipo de pesquisas antropológicas permitidas. O
controle é facilmente legitimado através de depoimentos de líderes indígenas
incorporados na administração indigenista como portavozes dos interesses da
empresa.
Para concluir, vale mencionar a política de demografia adotada pelo PWAIFE.

Estatísticas demográficas sobre os Waimiri-Atroari revelam que, durante toda a


sua história documentada até os dias de hoje, os dados contraditórios
apresentados refletem mais sobre as fontes que sobre o número de índios
(Baines 1994). Em 1983, após ter visitado todos os aldeamentos, aldeias então
habitadas, e ter realizado contatos pessoais com todos os Waimiri-Atroari
sobreviventes das ondas de epidemias que os assolaram durante os anos
anteriores, calculei a população total em torno de 332 indivíduos5 (Baines,
1991a:78). Pelo número de aldeias e capoeiras abandonadas durante a década
anterior a 1983, e as suas próprias referências constantes a mortes em massa
nas aldeias, é evidente que os Waimiri- Atroari, como outras populações
indígenas, sofreram uma depopulação maciça, sobretudo como conseqüência
de epidemias de doenças introduzidas pelo contato interétnico (vide, por
exemplo, Ribeiro 1979:272-316 [1956], Galvão & Simões 1966:43).

Reduzida ao seu ponto mais baixo em 1983, de 332 indivíduos – 164 homens e
168 mulheres, dos quais 216 tinham menos de 20 anos de idade, houve uma
rápida recuperação populacional nos anos seguintes (Silva, 1993:70). Um dos
fatores que favoreceu esta recuperação populacional é o grande número de
jovens, possivelmente uma conseqüência dos programas de vacinação
realizados entre as crianças durante o período da FAWA, a partir do início da
década de 1970. Além disso, como afirma McGrew, no caso de epidemias de
gripe, “Embora as crianças contraiam a doença com mais facilidade, os
adultos, sobretudo os enfermos e idosos, sofrem uma taxa de mortalidade mais
alta” (McGrew, 1985:150 apud. Cook & Lovell, 1991:223). Crosby frisa que uma
longa história de contato interétnico não conduz inevitavelmente à destruição
total dos índios, “mas sim, a uma depopulação abrupta, seguida por uma
recuperação populacional (…) quando aqueles índios com pouca imunidade
(…) já faleceram, e os sobreviventes mais resistentes passam a se reproduzir”
(1973:39).
A recuperação populacional muito rápida entre os Waimiri-Atroari, a partir de
1983, pode ser interpretada por vários fatores: a proporção alta de
sobreviventes jovens (116 do sexo feminino com menos de 20 anos de idade
em 1983); a doutrinação por um contingente extremamente alto de funcionários
índios da FUNAI, de grupos aculturados, durante o início da década de 1980,
da necessidade de recuperar a população de “índios”, dizimados pelos
“brancos”. Muitos dos funcionários índios da FUNAI constantemente exigiam
acesso sexual às mulheres Waimiri-Atroari sob o pretexto de serem “índios
também” em oposição aos “brancos”6, e assim “autorizados pela FUNAI” a ter
acesso . sexual às mulheres Waimiri-Atroari.

Depois de uma depopulação drástica inicial nos aldeamentos da FAWA, a


recuperação extremamente rápida pode ser atribuída, sobretudo, ao fato de
que os sobreviventes, muitos dos quais haviam sido vacinados durante os anos
anteriores, adquiriram uma certa imunidade às doenças introduzidas, além de
terem acesso a um atendimento de saúde muito mais eficiente que,
certamente, contribuiu para a redução da taxa de mortalidade.

Apesar da rápida recuperação populacional dos Waimiri-Atroari nos últimos


anos ser um dos principais temas da política empresarial de marketing do
PWAIFE7, essa recuperação iniciou-se antes da sua implantação. Como
mostra Silva, a partir das estatísticas demográficas obtidas durante sua própria
pesquisa na área e as de uma equipe de vacinação do Instituto de Medicina
Tropical de Manaus (IMTM) em 1987, comparadas com as estatísticas
demográficas obtidas durante as minhas pesquisas para 1983, e dados do
PWAIFE para 1991, a população Waimiri-Atroari teve uma recuperação
populacional muito acelerada antes do início do PWAIFE:

A consideração isolada deste parâmetro (a taxa de crescimento populacional)


não permite, evidentemente, uma avaliação precisa da melhoria ou da
deterioração das condições gerais de vida desta população, e, muito menos, do
impacto do Programa Waimiri-Atroari, através de seus sub-programas (Silva,
1993:70).
Apesar de fornecer um serviço de atendimento de saúde muito mais eficiente
que o serviço extremamente deficiente da FAWA, o PWAIFE optou por
sistematicamente excluir dos seus relatórios administrativos e propaganda as
estatísticas demográficas baseadas em pesquisas antropológicas realizadas
antes da sua implantação, citando estatísticas a partir de 1987, data do
convênio entre a FUNAI e a ELETRONORTE. Esta opção serve aos interesses
do PWAIFE, deixando parecer que a recuperação populacional dos Waimiri-
Atroari ocorreu depois da implantação do PWAIFE e exclusivamente como
conseqüência da sua atuação, exagerando assim sua eficácia e apresentando-
o como se fosse a salvação dos Waimiri-Atroari. Deve ser ressaltado, que este
é um dos principais argumentos usados pela ELETRONORTE para “legitimar”
o PWAIFE, incluindo tentativas de diluir problemas sérios da sua administração
apontados por pesquisadores que realizaram pesquisas antropológicas de
doutoramento nesta área (Silva 1993:54-57; Baines 1992a; 1992b; 1993a).

Num folheto de propaganda9, elogiando a política e a atuação da


ELETRONORTE junto aos índios Waimiri-Atroari e Parakanã cujas terras foram
inundadas, respectivamente, pela UHE Balbina e UHE Tucuruí, afirma-se que
“eram (os Waimiri- Atroari) aproximadamente 1.500 em 1974 e em 1987
estavam reduzidos a 374 pessoas” (página 6)10, seguido por um elogio dos
benefícios fornecidos pelo PWAIFE, e estatísticas demográficas para o período
de junho de 1987 a dezembro de 1991. As estatísticas apresentadas revelam
que a população era de 417 indivíduos em junho de 1987 (página 11), em
plena contradição com o que foi afirmado na página 6 do mesmo folheto.

Conforme este folheto, o crescimento médio anual para o período de junho de


1987 a dezembro de 1991 foi um pouco mais alto que a taxa fornecida por
Silva para o período de julho de 1987 a julho de 1991, porém abaixo da taxa de
crescimento para o período dos quatro anos anteriores ao PWAIFE. Não é
apenas excessivamente alta a estimativa da população Waimiri-Atroari para
197411, mas, a história documentada da recuperação populacional para o
período de 1983 a 1987 é, novamente e convenientemente omitida, fazendo a
política paliativa e tardia do PWAIFE conformar, verbalmente, ao mito
indigenista de salvação dos seus mentores.

A mesma estratégia foi adotada num filme documentário divulgado a nível


nacional na televisão em abril de 199412, em que, mais uma vez, as
estatísticas demográficas baseadas em pesquisas antropológicas realizadas
antes de 1987 foram omitidas. Esta manipulação de estatísticas demográficas
é usada no filme como o argumento principal para legitimar o PWAIFE, junto
com o fato da demarcação e homologação da Reserva Indígena durante a sua
gestão, apresentando-o como um grande sucesso na história da política
indigenista: “uma proposta indigenista diferente”, que, nas palavras do seu
supervisor, “conseguiu colocar em prática o que todos os indigenistas
sonhavam”. Declara-se, pomposamente, no fim do filme, que o PWAIFE
“parece ter revertido o quadro terminal de um povo”.

O texto do filme, depois de apresentar algumas críticas à UHE Balbina, ressalta


que a partir de 1987, a criação de um Departamento de Meio Ambiente na
ELETRONORTE marca uma mudança básica na política da empresa. Os
deslocamentos compulsórios dos Waimiri-Atroari dos aldeamentos de
Tobypyna e Taquari atingidos pela inundação e a sua relocação em Samaúma
e Munawa respectivamente, são apresentados neste filme documentário como
se os locais novos tivessem sido “escolhidos pelos próprios índios”. Silva
(1993:48; 54-55; 161-163) revela como a “teoria oficial” sobre os Waimiri-
Atroari, que orientou o planejamento e a efetivação desses deslocamentos
compulsórios por funcionários da administração indigenista, levou à criação de
numa situação de extrema tensão entre os Waimiri-Atroari no caso do
deslocamento de Tobypyna para Samaúma13.

De fato, o que representa esta mudança na política da empresa é uma


tendência recente entre empresas estatais e privadas de criar uma retórica “de
preocupação ambiental” e . “ecológica” para os projetos de desenvolvimento de
grande escala na região amazônica14 (vide Albert 1991, para uma discussão
da estratégia de “ecologização” da retórica desenvolvimentista na Amazônia).
Este filme documentário ressalta também o papel de indenizações na salvação
dos Waimiri-Atroari, ao permitir o financiamento de projetos assistenciais.
Levando em consideração que em outras áreas os projetos de
desenvolvimento de grande escala como hidrelétricas e de mineração têm
trazido enormes prejuízos para as populações indígenas, o papel das
indenizações em mitigar estes prejuízos é altamente questionável.

Freqüentemente as indenizações são mal administradas, e usadas para criar


dependências e aliciar líderes indígenas a aceitar acordos extremamente
desiguais com as empresas envolvidas. Isto é, quando não há corrupção
indisfarçada, a constituição de clientelas locais, e a neutralização de quaisquer
críticas, além de um aumento em desigualdades entre os índios que conduz a
divisões e transtornos sociais (Viveiros de Castro & Andrade 1988:7; Oliveira
1990:22-23).

Um artigo de propaganda “A Brazilian Tribe Escapes Extinction”, escrito por


Cherie Hart, foi publicado numa edição especial da Revista World
Development: Aiding Remote Peoples, vol.04, nº.2, 1991, do PNUD. Como no
filme documentário acima mencionado, após declarações que admitem que a
UHE Balbina “atualmente é considerada uma atrocidade ambiental”15, o artigo
argumenta que, “Numa mudança dramática na sua política, a
ELETRONORTE… criou um Departamento de Meio Ambiente em 1987”, e,
como conseqüência disso, “Para os Waimiri-Atroari as mudanças nas atitudes
dos brasileiros significam a salvação da extinção”.

Na primeira página (e na página 17) do Jornal do Brasil, de 20 de setembro de


1993, outra matéria jornalística afirma com respeito aos Waimiri-Atroari:
“Reduzidos a apenas 400 pessoas no final da década passada, eles são hoje
570 índios e retomaram o crescimento populacional de 12% ao ano”.
Acrescenta-se que “A extinção parecia próxima em meados dos anos 80,
quando o povo (…) estava reduzido a apenas 400 indivíduos”, e que com as
indenizações da ELETRONORTE, “por iniciativa própria, estão realizando
projetos ambientais…”. Conforme as estatísticas apresentadas no folheto de
propaganda acima citada (nota 9), e aquelas apresentadas nesta matéria
jornalística, a população aumentou de 532 no final de 1991 a 570 até setembro
de 1993, revelando um crescimento médio anual, neste período de um ano e
nove meses, abaixo (e longe do alegado 12%) do crescimento médio anual de
6,05% apresentado por Silva para o período de 1983-1987 anterior à
implantação do PWAIFE.

Estes exemplos de propaganda tendenciosa podem ser interpretados como


tentativas de defender interesse empresariais, distorcendo a atuação de uma
administração indigenista que, a partir de 1987, seletivamente tem proibido a
continuação de pesquisas antropológicas junto aos Waimiri-Atroari. E esta
proibição tem sido exercida em nome da autodeterminação indígena. Os
líderes Waimiri-Atroari têm sido sujeitos a campanhas publicitárias intensivas, e
incorporados às mesmas, sendo assim, impedidos de ter acesso a informações
que lhes dariam oportunidades de questionar os interesses empresariais atrás
desta política indigenista. Isto é um exemplo claro da maneira em que pressões
exercidas por grandes empresas podem produzir uma retórica de
autodeterminação indígena que escamoteia as imensas desigualdades da
situação de contato interétnico entre grandes empresas e populações
indígenas. Deve se lembrar que uma nova estratégia de empresas mineradoras
do Grupo Paranapanema, empenhadas em avançar sobre o território dos
Waimiri-Atroari (no qual alegam existir alguns dos depósitos de cassiterita mais
ricos e extensos do Brasil), é de favorecer a demarcação da área indígena e
exercer seu poder econômico, num relacionamento desmedidamente
assimétrico (Cardoso de Oliveira 1976:56), para tentar persuadir os líderes
Waimiri-Atroari a assinar acordos diretos entre a comunidade indígena e as
empresas, em troca de indenizações na forma de royalties para financiar
projetos assistenciais de desenvolvimento comunitário.

Cultura Indígena
O contato com o branco, desde o início da colonização, sempre foi prejudicial
ao índio e à cultura indígena em geral, pois funciona como elemento
destribalizador, provocando perda das terras e dos valores culturais. Com o
tempo, perdeu-se a imensa diversidade cultural que as tribos representavam
sem que chegassem a ser estudadas.

Por outro lado, adaptados ao seu meio ambiente, não possuindo defesas
contra as doenças da civilização, muitos sucumbiram pelas gripes, sarampo,
sífilis e outras doenças. Assim, dos milhões que aqui habitavam na época do
descobrimento do Brasil, somam hoje 350 mil.

Foram 500 anos onde houve escravidão, catequização, miscigenação e


dizimação. Qualquer coisa que se diga sobre os índios do Brasil será pouco. A
dívida do branco civilizado para com o indígena é alta e pesada demais.

Mas um fator é positivo e devemos nos orgulhar dele. Um estudo recente do


geneticista brasileiro Sérgio Danilo Pena mostrou que 70% dos brasileiros que
se dizem brancos têm índios ou negros entre seus antepassados. Ou seja, a
maioria de nós tem sangue mestiço.

Se não justifica, pelo menos o peso de nossa consciência se torna mais leve,
pois somos um povo que trás no sangue a herança das minorias ou indígena
ou negra.

Religião e Crenças
As crenças religiosas e superstições tinham um importante papel dentro da
cultura indígena. Fetichistas, os indígenas temiam ao mesmo tempo um bom
Deus – Tupã – e um espírito maligno, tenebroso, vingativo – Anhangá, ao sul e
Jurupari, ao norte. Algumas tribos pareciam evoluir para a astrolatria, embora
não possuíssem templos, e adoravam o Sol (Guaraci – mãe dos viventes) e a
Lua (Jaci – nossa mãe).
Tupã
O culto dos mortos era rudimentar. Algumas tribos incineravam seus mortos,
outras os devoravam, e a maioria, como não houvesse cemitérios, encerrava
seus cadáveres na posição de fetos, em grandes potes de barro (igaçabas),
encontrados suspensos tanto nos tetos de cabanas abandonadas como no
interior de sambaquis. Os mortos eram pranteados obedecendo-se a uma
hierarquia. O comum dos mortais era chorado apenas por sua família; o
guerreiro, conforme sua fama, poderia ser chorado pela taba ou pela tribo. No
caso de um guerreiro notável, seria pranteado por todo o grupo.

Costumes, Produção, Artes e Habilidade


Nossos índios foram dizimados. Vitimados por doenças trazidas pela
civilização, ou simplesmente incorporados à nossa cultura. No entanto, a
própria preservação de nossas matas e florestas dependem dele, pois ninguém
melhor do que o índio sabe viver em harmonia com a natureza tirando dela o
melhor proveito sem com ela sucumbir. As sociedades indígenas são
diferenciadas entre si; línguas distintas, traços de caráter, mitos. Essas
diferenças não podem ser explicadas apenas em decorrência de fatores
ecológicos ou razões econômicas. Podemos estimar a ex Os grupos indígenas
do Brasil foram classificados em 11 áreas culturais: Norte-Amazônica; Juruá-
Purus; Guaporé; Tapajós-Madeira; Alto-Xingu; Tocantins-Xingu; Pindaré-
Gurupi; Paraná; Paraguai; Nordeste e Tietê-Uruguai.
Como sabemos os indígenas tem costumes bem diferentes dos costumes de
nos urbanos, um deles é morar em ocas ou malocas, que medem mais ou
menos 20 metros de comprimento por 10 metros de largura e 6 metros de
altura. Fazem uma espécie de parede dupla com um espaço entre ambas o
que permite uma ventilação adequada, tornando o ambiente, no seu interior
bastante agradável, seja no frio ou no calor. Uma aldeia é composta de várias
malocas, onde habitam várias famílias. Cada maloca possui um chefe daquele
grupo, que quando reunidos formam uma espécie de “colegiado”.
Obs.: Esta descrição descreve um tipo de aldeia e maloca, mas de acordo com
o grupo indígena e região onde habitem existem outras variedades de malocas.
Os índios sabem muito bem onde e como construir suas aldeias, e para cada
necessidade adaptam sua construção com muita habilidade e funcionalidade.

Um outro costume que os índios tem de diferente de nós, é o modo de viver


deles: eles da caça, da pesca e coleta de vegetais silvestres, obedecendo aos
ciclos de atividades de subsistêndica da Floresta Tropical, chuvas, enchentes,
estiagem e seca. Reunem-se em grupos que podem ser: de casais,
consanguíneos (parentesco), intercasamento e relações de servidão. Na
maioria dos grupos o casamento pode ser dissolvido. Preservam a infância da
mulher que só pode se tornar esposa após a primeira menstruação
(acompanhada de ritual especial, de acordo com a tribo). Não existem padrões
morais de virgindade ou adultério, tudo se resolve com conversas entre
parentes próximos e com acordos entre as famílias. Temos tribos matriarcais,
patriarcais, monogamia (um só esposo ou esposa – com uniões que podem ser
dissolvidas) e poligamia (um esposo com várias esposas, ou uma esposa com
vários maridos).
Eles também costumam construir seus próprios acessórios, como suas armas,
fabricam arcos perfeitos, instrumentos cortantes feitos com bicos de aves,
enfeites plumarios, eles costumam usar diversos tipos de cocares, braceletes,
cintos, brincos, pilão que é muito utilizado na maioria das tribos, a maneira de
socar varia, algumas índias socam de pé, outras de joelho.

Hábeis artesãos, os índios produzem diversos tipos de artefatos para atender


suas necessidades cotidianas e rituais, que assumem, hoje, o importante papel
de gerador de recursos financeiros, beneficiando as Comunidades com uma
renda complementar. Assim surgem fantásticos trançados que tomam a forma
de cestos, bolsas e esteiras, moldam a cerâmica que dá origem a panelas e
esculturas, entalham a madeira da qual nascem armas, instrumentos musicais,
máscaras e esculturas, além das plumárias e adornos de materiais diversos
como cocos, sementes, unhas, ossos, conchas que, com habilidade e
tecnologia, são transformados em verdadeiras obras de arte.

A produção de variados objetos da cultura indígena, como material,


ferramentas, instrumentos, utensílios e ornamentos, com os quais um grupo
humano busca facilitar sua sobrevivência, está ligada à escolha e utilização das
matérias-primas disponíveis; ao desenvolvimento da técnica adequada de
manufatura; às atividades envolvidas na exploração do ambiente e na
adaptação ecológica; à utilidade e finalidade prática dos objetos e instrumentos
produzidos.

Pintura
Os índios pintam seu corpo, sua cerâmica e seus tecidos com um estilo que
podemos chamar “abstrato”. Observam a natureza mas não a desenham, mas
ao contrário do que se pensa, não devemos chamá-la de primitiva. Partem do
elemento natural para torná-lo geométrico.

Usam diversos tipos de cocares, braceletes, cintos, brincos. Geralmente não


matam as aves para comer, usam apenas suas penas coloridas, que guardam
enroladas em esteiras para conservar melhor, ou em caixas bem fechadas com
cera e algodão.

A Arte Plumária é exuberante e praticamente restrita aos homens. Nas tribos,


onde as mulheres usam penas, são discretas, colocadas nos tornozelos e
pulsos, geralmente em cerimônias especiais.

Tecidos
Alguns índios, como os Vaurá, plantam algodão e fazem vários enfeites, como
os usados em seus pentes. Usam uma tinta preta extraída do suco de jenipapo.

As vestimentas usadas pelos índios estão relacionadas às necessidades


climáticas, à observação da natureza e aos seus ritos e festas. Esta é a razão
de usarem quase nada para se cobrirem, uma vez que vivemos em país
tropical. A sua vestimenta não está associada à aspectos morais. Algumas
tribos como a dos índios tucuna (praticamente extintos) na região do Acre,
recebiam correntes frias dos Andes e usavam o “cushmã” uma especie de bata
(as índias eram ótimas tecelãs).

Em algumas tribos como a dos VAI-VAI (transamazônica) as mulheres tecem e


usam uma tanga de miçangas.

Canoas
O indígena usa o leito dos rios ou o mar para transportar com rapidez,
navegando em canoas ou em jangadas. As canoas maiores são construídas de
troncos de árvores rijas e chamam-se igaras, igaratés ou igaraçus. As canoas
ligeiras –ubás – eram feitas de grossas cascas vegetais, e movidas a remo de
palheta redonda ou oval ou ainda a vela. As jangadas, pequenas e velozes,
constituíam-se de vários paus amarrados uns aos outros por fibras vegetais.

Madeira talhada: Fazem remos, bancos de madeira, máscaras de madeira


pintada com dentes de piranha.
Cestaria
As sociedades indígenas no Brasil são detentoras das mais variadas técnicas
de confecção de trançados, utilizando-se delas para a confecção de cestos,
que estão entre os objetos mais usados, pois estão associados a vários fins.

A cestaria produzida e utilizada por uma determinada sociedade indígena está


associada à sua cultura, principal característica humana.

A cestaria diz respeito ao conhecimento tecnológico, à adaptação ecológica e à


cosmologia, forma de concepção do mundo daquelas sociedades. O conjunto
de objetos incorporados à vivência de uma determinada sociedade indígena
expressa concretamente significados e concepções daquela sociedade, bem
como a representa e a identifica. Enquanto arte, em cada peça produzida
existe também uma preocupação estética, identificando o artesão que a
produziu e aquela sociedade da qual ela é cultura material.

Para uso e conforto doméstico, podem-se citar os cestos-coadores, que se


destinam a filtrar líquidos; os cestos-tamises, que se destinam a peneirar a
farinha e os cestos-recipientes, que se destinam a receber um conteúdo sólido
ou armazená-lo, sendo também utilizados para a caça e a pesca, para o
processamento da mandioca, para o transporte e para a guarda de objetos
rituais, mágicos e lúdicos.

Os cestos cargueiros, como diz o nome, destinados ao transporte de cargas,


apresentam uma alça para pendurar na testa e têm o formato paneiriforme,
com base retangular e borda redonda, sendo conhecido pelo nome de aturá.
Também são muito utilizados os cestos- cargueiros de três lados, jamaxim, que
dispõem de duas alças para carregar às costas, tipo mochila. Em geral, esse
cesto suporta até dez quilos de mandioca.

Cerâmica
No contato manual com a terra, o homem descobriu o barro como forma de
expressão. A confecção de cerâmica é muito antiga e surgiu ainda no período
Neolítico, espalhando-se, aos poucos, pelas diversas regiões da Terra.

Tradicionalmente, a produção da cerâmica, entre os povos indígenas que


vivem no Brasil, é totalmente manual.

A argila (composto de sílica, alúmen e água) é a matéria-prima básica


empregada na confecção da cerâmica. A técnica mais usual para produzir os
vasilhames é a da união sucessiva de roletes (feitos manualmente), utilizando-
se instrumentos rústicos, bem variados, para auxiliar na confecção das peças,
como cacos quebrados de potes antigos para ajudar a alisar os roletes, pincéis
feitos com penas de aves ou com raízes para pintar a superfície, etc.. O
tratamento dado à superfície das peças varia muito de povo para povo e de
acordo com o uso que será dado a cada objeto. A superfície pode apresentar-
se tosca, alisada, polida, decorada (com pinturas ou de outras maneiras) e até
mesmo revestida por uma outra camada de argila especialmente preparada
para este fim, a que se dá o nome de engobo. Finalmente, a louça de barro,
como é comumente conhecida, pode ser queimada ao ar livre (exposta ao
oxigênio), ficando com uma coloração alaranjada ou avermelhada, ou pode ser
queimada em fornos de barro, fechados, que não permitem o contato com o
oxigênio, o que deixa uma coloração acinzentada ou negra.

Desta forma são produzidos objetos utilitários (como potes, panelas,


alguidares, etc.), objetos votivos ou rituais, instrumentos musicais, cachimbos,
objetos de adorno e outros.

Entre as sociedades indígenas brasileiras, a cerâmica é, geralmente,


confeccionada pelas mulheres. Todas aprendem a fazê-la mas, como em
qualquer outra atividade, há aquelas com mais habilidade e/ou criatividade.
Atualmente, algumas já se utilizam de tintas e instrumentos industrializados
para produzir sua cerâmica. Nem todos os povos indígenas produzem
cerâmica e alguns, que tradicionalmente produziam, deixaram de fazê-lo, após
o contato com não índios e com o passar do tempo. Entre alguns povos
ceramistas, os objetos produzidos são simples. Entre outros, são muito
elaborados e valorizados pelos membros da sociedade.

Música
São amantes da música, que praticam em festas de plantação e de colheita,
nos ritos da puberdade e nas cerimônias de guerra e religiosas. Os
instrumentos musicais são: toró (flauta de taquara), boré (flauta de osso), o
mimbi (buzina) e o uaí (tambor de pele e de madeira).
Podemos comparar o homem indígena com o homem pré-histórico, pelo fato
de eles terem sua própria maneira de viver, de construir seu próprio mundo,
assim como o homem pré-histórico o índio constrói seus próprios adereços e
etc.

Eles também não tem obrigação de se casar, podem ter varias mulheres ao
mesmo tempo (em algumas aldeias), criam suas próprias tintas para fazer suas
pinturas tanto no corpo como em suas roupas, fazem suas próprias roupas,
panelas, armas e etc.

Curiosidades sobre o índio: Hábitos


“Estranhos”:
Os homens usavam o cabelo curto na testa e longo na nuca, nas orelhas e nas
fontes. As mulheres o deixavam crescer até a cintura e o prendiam quando
trabalhavam. Homens e mulheres tatuavam o corpo, que pintavam (com
jenipapo e urucum) e untavam (com óleos). Furar o lábio inferior para colocar
objetos de pedra, osso ou madeira era um símbolo de masculinidade. Os
homens usavam colares de búzios, de ossos de animais e dentes de inimigos e
enfeitavam-se com penas de aves. As mulheres usavam enfeites no pescoço,
nos braços e nas orelhas. Homens e mulheres raspavam os pêlos do corpo –
barba, sobrancelha, pêlos pubianos, etc..

A tranqüilidade relativa com que os brasis aceitavam a homossexualidade


masculina e feminina escandalizou os lusitanos. Para os europeus, era também
motivo de espanto que os tupinambás assumissem tendencialmente papéis
sociais segundo suas inclinações sexuais profundas. Algumas mulheres
tupinambás comportavam-se como aldeões e eram tratadas como tal. Vivam
com suas esposas nas residências coletivas, participavam das discussões
masculinas, iam à guerra, etc..

Yanomamis
Como exemplo de cultura indígena, convém ressaltar a dos Yanomami,
considerados um dos grupos indígenas mais primitivos da América do Sul.

Os Yanomami têm como território tradicional extensa área da floresta tropical


no Brasil e na Venezuela. Possuem uma população em torno de 25.000 índios.
No Brasil existem cerca de 10.000 Yanomami situados nos Estados do
Amazonas e de Roraima. Falam a língua Yanomami e mantêm ainda vivos os
seus usos, costumes e tradições.

Vivem em grandes casas comunais. A maloca consiste numa moradia redonda,


com topo cônico, com uma praça aberta ao centro. Várias famílias vivem sob o
teto circular comum, sem paredes dividindo os espaços ocupados. O número
de moradores varia entre trinta e cem pessoas.

A questão indígena no Brasil: um olhar a partir do


entrelaçamento entre história e direito
Fabiane da Silva Prestes, Jonathan Busolli, Marina Invernizzi, Luís Fernando da Silva Laroque

Resumo: Na atualidade o Brasil compreende um


território ao qual estão localizadas mais de trezentas
etnias indígenas, com uma gama sociocultural
singular. A questão da presença indígena não é
recente, e por isso, fora tratada de diversificadas
maneiras ao longo das administrações
governamentais desempenhadas pelos não indígenas
durante estes cinco séculos. O objetivo deste artigo
é refletir sobre as políticas indigenistas adotadas ao
longo do processo histórico brasileiro. A metodologia
utilizada é descritiva com o procedimento
metodológico de revisão de bibliografia. Como
resultados constata-se que os indígenas foram
fundamentais no processo de colonização, mas que
também foram vistos como seres incivilizados aos
quais deveriam ser tutelados pelo Estado. Outro
desdobramento a observar é que somente com a
Constituição Federal de 1988 é reconhecida a
presença destes povos e permitido legalmente
direitos básicos de viver sob sua ótica cultural
tradicional.
Palavras-chave: Populações Indígenas; História;
Legislação.
Abstract: At present in Brazil there are three
hundred ethnic groups, with a unique sociocultural
range. The question of indigenous presence is not
recent, and has therefore been treated in a variety
of ways throughout the governmental
administrations of non-Indians during five centuries
of history. The article’s purpose talking about the
indigenous policies adopted throughout this
historical process. The methodology used is
descriptive with bibliographical review as
methodology. Some results are that natives were
present in moments decisive for the colonization, but
they were also seen like uncivilized beings to whom
should be guarded by the State. Another interesting
development is that only with the Federal
Constitution of 1988 are accept the presence of these
peoples and legally allowed basic rights like to live
under their traditional cultural view.
Keywords: Native People; History; Legislation.
Sumário: Introdução. 1. Séculos XVI , XVII e XVIII: os
indígenas se tornaram o “outro” do Novo Mundo. 2.
A questão indígena entre os séculos XVIII e XIX. 3.
Séculos XX e XXI: intensidades e embates. Conclusão.
Referências.
Introdução
O modo de vida dos habitantes originários do
território, que chamamos de Brasil, sofreu
significativas transformações com a chegada dos
europeus, já que, estes indígenas eram detentores
de costumes e estilo de vida bem peculiares, a
começar pela terra que na sua cultura, é considerada
sagrada, sendo, portanto, um bem comum de todos.
O alimento coletado e dividido em igualdade dentro
do grupo, perpetuando os costumes fraternais e de
socialização. As linguagens, crenças, e rituais eram
elementos muito singulares de cada grupo indígena.
Desde a colonização até os dias atuais, perduram
circunstâncias de desrespeito em relação à cultura e
identidade, e em consequência disto, os direitos são
constantemente ameaçados.
Dessa forma, o artigo se propõe a compreender a
questão indígena no Brasil, vista pelo viés do Direito
e da História, duas ciências que articuladas,
permitem a compreensão da trajetória de conquistas
e desafios, que os indígenas, vem trilhando, no
decorrer dos tempos. Assim, o objetivo deste artigo
é refletir sobre as políticas indigenistas adotadas ao
longo do processo histórico brasileiro.
Trata-se de uma pesquisa teórica de cunho
bibliográfico. Assim, com base no método de
abordagem, caracteriza-se por uma pesquisa de
natureza qualitativa. No que concerne ao objetivo, a
pesquisa é de cunho descritivo. Ademais, no que
tange aos procedimentos técnicos, a pesquisa é
classificada como: bibliográfica e documental.
1 Séculos XVI , XVII e XVIII: os indígenas se
tornaram o “outro” do Novo Mundo
Nos séculos XVI e XVI com a chegada das populações
de origem não indígena à América acarreta o contato
destes com as populações ameríndias aqui
estabelecidas, dando início a um choque étnico
cultural entre o mundo ocidental e o ameríndio.
Naquele momento, o continente europeu ainda se via
preso nos processo de transição das amarras culturais
e sociais do modo de produção feudal ao mesmo
tempo em que redescobria a ciência e a filosofia da
antiguidade através do Renascimento, dando origem
ao pensamento moderno cartesiano seguido do
surgimento e constituição dos Estados Nacionais. Por
outro lado, na América, com exceção das sociedades
estatais do México e Peru, viviam populações
pensadas a partir do conceito de coletividade,
unindo o humano, o não humano e o sobrenatural.
Ao chegarem às costas litorâneas do que passou a
denominar-se de Brasil, os navegadores pensaram
que haviam atingido o paraíso terreal: um espaço,
possivelmente no oriente, de eterna primavera, onde
se vivia comumente por mais de cem anos em
perpetua inocência. Segundo Cunha (1992) assim
também a História do Brasil, é a canônica que
começa invariavelmente pelo “descobrimento”. São
os “descobridores” que a inauguram e conferem ao
povo que chamavam de gentio uma entrada – de
serviço – no grande curso da História.
Considerando este início no chamando “período de
contato”, configurou-se a imagem idealizada de um
indígena inocente como parte da paisagem deste
paraíso terreal. Pois, somos tentados a pensar que as
sociedades indígenas de agora são a imagem do que
foi o Brasil pré-cabralino, e que, como dizia
Varnhagen por razões diferentes, sua história se
reduz estritamente à sua etnografia (CUNHA, 1992).
Segundo o pensamento europeu, era inconcebível a
ideia de populações vivendo sem as diferenças
sociais e hierárquicas encontradas no velho mundo.
Rousseau na obra “A Origem da Desigualdade Entre
os Homens” (2012), afirma que todo indivíduo nasce
bom, porém é corrompido posteriormente pela
sociedade, de modo que a origem das desigualdades
está na sociedade. Ora, desigualdades sociais
remetem a classes sociais e hierárquicas. Neste
sentido é possível problematizar o que há por traz da
afirmação de Rousseau quando relacionada às
populações indígenas e qual é o conceito de
sociedade empregado por ele.
Sobre o que são sociedades, do ponto de vista
antropológico, pode-se apontar:
“Em sentido particular, (uma) sociedade é uma
designação aplicável a grupo ou coletivo humano
dotado de uma combinação mais ou menos densa de
algumas das seguintes propriedades:
territorialidade; recrutamento principalmente por
reprodução sexual de seus membros; organização
institucional relativamente autossuficiente e capaz
de persistir para além do período de vida de um
indivíduo; distintivamente cultural (VIVEIROS DE
CASTRO, 2002, p. 2).”
Conforme Clastres (1979; 2014), as sociedades
indígenas, ao menos das terras baixas da América do
Sul, são sociedades do múltiplo, ou seja, o poder não
está ligado a uma pessoa ou instituição definida, não
havendo divisão entre seus membros, em
contrapartida às sociedades unas, onde o poder está
separado da sociedade. Por sua vez, Viveiros de
Castro (2002), concebe essa dicotomia das
sociedades através dos conceitos
de societas e universetas. O conceito de societas vê
determinadas sociedades como a fusão de elementos
individuais que aderem a ele espontaneamente,
configurando-se desta maneira em uma sociedade
politizada e apresenta em sua forma final a presença
do Estado. Na visão universeta por sua vez, a
sociedade é constituída por um todo orgânico que
existe além da soma dos indivíduos, orientada por um
valor transcendente. As societas podem ser
exemplificadas pela existência do contrato,
enquanto as universetas pelo organismo.
Obviamente, o pensamento europeu à época dos
séculos XVII, XVIII e XIX, exemplificado por Rousseau
anteriormente, não reconhecia outro tipo de
sociedade que não a sua, uma sociedade una,
uma universeta. Não via, desse modo, as populações
indígenas enquadradas como sociedades, ou seja,
portadoras de estruturas sociais, pois sociedade,
segundo essa linha de pensamento, remete à
desigualdade a qual, por sua vez, reporta-se às
classes sociais, instituição ausente entre as
populações indígenas. Logo, as populações indígenas
são outra coisa ao invés de sociedades, grupos ermos,
vagando sem rumo, sem fé, sem rei e sem lei
conforme apontam os cronistas, e que deveriam,
portanto, serem civilizados.
Este choque étnico e cultural na América devido ao
contato com o europeu, por meio das grandes
navegações é de fundamental relevância para
entendermos a constituição dos Estados Nacionais
que também surgiu no continente americano,
nascidos a partir da expropriação fundiária indígena
e, sobretudo da violência sobre as estruturas
socioculturais destas populações, justificado pelo
discurso civilizador. No Brasil, as primeiras
populações indígenas a sofrer este processo de
contato com o não indígena são os grupos de origem
Tupi- Guarani que viviam ao longo do litoral nas
atuais regiões brasileiras do Nordeste, Sudeste e do
Sul, sendo a história deste contato amplamente
abordada na literatura.
O contato entre populações Jê meridionais com os
não indígenas inicia-se no século XVI, de forma
amena e rara, gerado a partir das frentes de
expansão imprimidas pelo Coroa portuguesa, sendo
estas, tentativas de catequização por parte do clero,
além das bandeiras paulistas, que eram expedições
militares originarias da Capitania de São Paulo com o
objetivo de explorar o território e adquirir cativos
indígenas para serem utilizados como mão de obra
escrava (LAROQUE, 2002). Os Jê meridionais foram
neste momento denominados pelo termo genérico
Guayana ou Tapuia, diferenciando-os das populações
de origem Tupi-Guarani. Esta denominação, por
exemplo, também já é encontrada nos escritos de
Hans Staden datados do século XVI.
Segundo Hobsbawm (2014), quase cinco milhões de
europeus deixaram seu continente de origem entre
os anos de 1816 e 1850, sendo que o destino de 80%
destes tinha como destino às Américas. A maior parte
dessas pessoas haviam sido relegada à
vulnerabilidade social pela dupla revolução que
vinha se processando na Europa desde meados do
século XVIII e viam na ida para um novo continente a
chance de obterem melhores condições de vida.
2 A questão indígena entre os séculos XVIII e XIX
No fim do século XVIII a expedição no noroeste
brasileiro de Alexandre Rodrigues Ferreira,
naturalista português, ao Brasil inicia uma tradição
científica que florescerá no século XIX com
naturalistas e viajantes de outros Estados Nacionais
(alemães, russos, franceses, suiços, americanos).
Alexandre produziu uma ampla documentação
iconográfica, que contrasta singularmente com a
exaltação de um índio genericamente Tupi (ou
Guarani) orquestrada pelo indianismo tupiniquim.
Há, portanto, dois índios totalmente diferentes no
século XIX: o bom selvagem Tupi-Guarani
(convenientemente, um índio morto) que é símbolo
da nacionalidade, e um índio vivo que é objeto de
uma ciência incipiente, a antropologia.
De todo modo, as frentes de expansão, segundo
Martins (1997), estão profundamente ligadas à
expansão do capital que se caracteriza pelo modo
agressivo com que expropria áreas de populações que
estão à margem da lógica capitalista. A expansão em
um primeiro momento busca transformar os
expropriados em mão de obra barata a ser explorada
pelas empresas, ou agentes do capital a frente da
expansão com o intuito de tornarem-se competitivas
no mercado.
Por outro lado, a questão indígena nunca teve lugar
definido na organização governamental do Império
Brasileiro. Segundo Almeida (2015), somente no ano
de 1861 os assuntos indígenas passam a ser
administrado por um gabinete ministerial, sendo este
o Ministério da Agricultura e Obras Públicas, situação
que não melhorou com a proclamação da República
em fins do século XIX.
Com a instalação do regime republicano no Brasil em
1889, há por parte das elites aristocráticas todo um
projeto governamental de modernização da
sociedade brasileira centrado na oligarquia
agroexportadora. Tal ideia de Estado era
incompatível com o atraso social e econômico ao
qual, segundo as populações indígenas estavam
atreladas. Desse modo, as ações empreendidas pelo
Estado nacional brasileiro desde meados do século
XIX, como já apresentadas, são intensificadas com a
República (BRINGMANN, 2015).
O novo governo republicano já em seus primeiros dias
lança um decreto em 20 de novembro de 1889 que
visava repassar a responsabilidade pelas questões
indígenas da União para os estados, ou seja, as
antigas províncias. O governo republicano também
criou o Ministério dos Negócios da Agricultura,
Indústria e Comércio que tinha como um de seus
objetivos, auxiliar as questões indígenas. Já em
1910, sob o governo do presidente Nilo Peçanha, é
criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização
dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN) que passou a
cuidar das questões indígenas no Brasil (MARCON;
MACIEL, 1994).
Percebe-se que a proposta do SPILTN, além da
inserção indígena na lógica capitalista
transformando-os em mão de obra barata a ser
explorada, era também inseri-los na sociedade
nacional envolvente, negando sua alteridade étnica.
Conforme Clastres (2014), o Estado é naturalmente
um empregador de forças centrípetas, ou seja,
forças que tendem a igualar e a homogeneizar as
sociedades tradicionais, transformando estas,
sociedades do múltiplo, em sociedades do uno. Desse
modo, o Estado promove o que o autor chama de
etnocídio, pois nega o outro, o diferente, impõe sua
língua e seus costumes, de modo que, toda
organização estatal proposta é etnocída e o
capitalismo, por sua vez, maximiza o espírito
etnocída dos Estados ocidentais.
Segundo Rodrigues (2005), o SPILTN objetivava
transformar as populações indígenas em agricultores
sedentários e que após a pacificação não
necessitariam de vastos territórios para sobreviver,
abrindo espaço para a agricultura colonial nas áreas
de terra excedentes. Em 1918 o nome SPILTN é
alterado para apenas Serviço de Proteção ao Índio
(SPI), inicialmente vinculado ao Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio (ALMEIDA, 2015).
Liderado por Candido Rondon, o SPI buscava
“pacificar” as populações indígenas sem o uso da
violência, assegurando seus costumes, sua
alimentação e seu modo de vida. O SPI, segundo
Marcon e Maciel (1994), também buscava garantir a
proteção dos territórios originais e a proibição de
realocar grupos indígenas a áreas onde eles não
pudessem reproduzir seus meios de vida.
3 Séculos XX e XXI: intensidades e embates
Os antigos aldeamentos indígenas do século XIX
passam a se chamar de Postos Indígenas e ao mesmo
tempo em que apresentam um processo de perdas
territoriais a partir das décadas de 1930 e 1940
(BRINGMANN, 2015; LAROQUE, 2002). Na década de
1950, conforme Simonian (2009), percebe-se a
intensificação por parte do SPI das políticas
indigenistas de caráter desenvolvimentista e
modernizante, sem levar em consideração as
demandas indígenas.
Com a ascensão de Getúlio Vargas, o SPI passou a
integrar o Ministério do Trabalho Indústria e
Comércio e o Ministério da Guerra durante os anos do
Estado Novo, refletindo nas questões indígenas as
políticas nacionalistas do presidente. Segundo
Almeida (2015), as populações indígenas passaram a
serem vistas, mais do que nunca, como populações
transitórias entre silvícolas (indígenas) e
trabalhadores rurais, prevendo dessa maneira o seu
desaparecimento.
No entanto, a partir da década de 1940, o órgão tem
parte de suas verbas canceladas, o que culmina em
uma profunda crise em meio a denúncias de
corrupção e sobre o tratamento violento que o órgão
dirigia à alguma população indígena. Enquanto isso
no Rio Grande do Sul, o governo de Leonel Brizola no
início da década de 1960, passou a praticar uma
reforma agrária que consistia em diminuir os espaços
nas terras indígenas para repassá-las à trabalhadores
sem-terra. Essa prática era possível graças a
conivência do SPI e porque as terras indígenas eram
consideradas pelo governo estadual como terras do
estado (SIMONIAN, 2009).
A partir da perspectiva jurídica, a primeira
Constituição Federal Brasileira que disciplinou sobre
a questão indígena foi a promulgada em 1934, a qual
assegura aos indígenas (silvícolas) a posse sobre suas
terras, a proibição de alienação, portanto cabendo a
União a competência de gestão destas terras. Nesse
alinhamento, as Constituições seguintes, de 1937 e
de 1946 não trouxeram nenhuma inovação no que
tange à questão indígena. A Constituição Federal de
1967 assegurava aos indígenas a posse permanente
das terras que habitam e reconhecia o seu direito ao
usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas
as utilidades nelas existentes (BRASIL, 1967).
Como resultado das ingerências do SPI, o órgão é
fechado em 1967 pelo governo militar de Costa e
Silva, sendo substituído pela Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) que unia os antigos SPI, o Conselho
Nacional de Pesquisa Indígena (CNPI) e o Parque
Nacional do Xingu (LAROQUE, 2005; ALMEIDA, 2015).
Com a constituição militar de 1969, as terras
indígenas passavam ao controle da União, cabendo às
populações que as utilizavam tradicionalmente
apenas o direito de usufruí-las. Coube a FUNAI,
conforme Rodrigues (2005), o papel de trabalhar
políticas desenvolvimentistas com as populações
indígenas, colocando muitas vezes os interesses
indígenas em segundo lugar, cenário este perpetuado
ao longo de todo o regime militar. Desse modo,
temos:
“Na década de 1970, houve um redimensionamento
na filosofia administrativa da FUNAI com o general
Oscar Germano Bandeira de Mello, o qual passa a
presidir o órgão. A partir de então, evidenciou-se
ainda mais a orientação política no sentido de
incorporar os índios ao modelo “desenvolvimentista”
e à sociedade nacional (LAROQUE, 2005, p. 52 – 53).”
Segundo Bringmann (2015), os Postos Indígenas eram
“centros” de educação e instrução agrícola para os
indígenas ali confinados, com o objetivo de promover
a promoção econômica dos indígenas.
O projeto desenvolvimentista empregado pelo
regime militar resultou na elaboração e construção
de inúmeras obras de infraestrutura pelo país, como
rodovias, hidrelétricas, ferrovias, todas de caráter
faraônicas, grandiosas. Além disso, buscou-se junto
às populações indígenas do sul do Brasil,
implementar projetos com o objetivo de ingressa-los
como mão de obra no plantio de trigo e soja, cultura
que vinha crescendo a largos passos a partir da
década de 1970 no Brasil (MARCON, 1994).
Em 1973, entra em vigor a Lei 6001, a qual dispõe
sobre o Estatuto do Índio, e representa um avanço do
ponto de vista jurídico, pois trata-se da primeira
legislação especifica sobre estes povos. Entretanto,
esta lei tem como propósito integrar o indígena à
comunhão nacional, assim, a nova lei, que neste
aspecto, já nasceu velha, desconsidera as diferenças
culturais dos indígenas, desmerecendo suas tradições
e seu modo de viver.
Em vista disto, a respeito da identidade indígenas,
temos:
“A manutenção dessa identidade social coletiva por
parte dos índios passa pela manipulação de suas
especificidades culturais e dos estereótipos da
sociedade envolvente, mas não implica a anulação
de suas marcas técnicas. Ao contrário, apesar de
índios, esses diferentes grupos continuam a ver a si
mesmos e a se pensar como formações sócias
homogêneas e distintas entre si: um yanomami, ou
um guarani, antes de pensar em si mesmo como
índio, se vê como yanomami, ou guarani (GRUPIONE,
2001, p. 28).”
Nesse sentido, a questão da identidade é analisada
no Estatuto do Índio, o que representa um avanço,
pois pela primeira vez se se refere que ao indígena,
como: todo indivíduo de origem e ascendência pré-
colombiana que se identifica e é identificado como
pertencente a um grupo étnico cujas características
culturais o distinguem da sociedade nacional
(BRASIL, 1973).
As diretrizes política envolvendo as populações
indígenas ao longo do regime militar foi paradoxal.
Segundo o “Relatório Parcial 01 – Subsídios à
Comissão Nacional da Verdade 1946-1988” (2012),
houve ao longo dos 21 anos que durou o regime de
exceção no Brasil, as práticas por parte do Estado
para com as populações indígenas de uma política
desenvolvimentista sobre seus tradicionais
territórios e a intensificação do “Paradoxo da
Tutela”, ou seja, a situação paradoxal entre o
discurso empregado de proteção às culturas e terras
indígenas e a práticas assumidas. O relatório aponta
também a criação de cadeias clandestinas com a
conivência das autoridades, o ensino de técnicas
militares e de tortura aos indígenas que estavam
envolvidos em conflitos contra grupos “não bem
vistos” pelo regime e o mais aterrador, o uso de
armamentos de guerra contra as populações
indígenas em possíveis bombardeios contra algumas
comunidades.
Com a transição para a democracia no Brasil em
1985, algumas mudanças foram sinalizadas para a
promulgação de uma nova Constituição. Assim, em
1988, entra em vigor a “Constituição Cidadã”, nela,
devido surgimento do movimento indígena que se
uniu e empreendeu várias reivindiações, a questão
indígena passou a ser tratada de forma mais concisa,
garantindo direitos referentes à saúde, educação e
de direito à terra por parte dos povos indígenas. No
artigo 231, tem-se
“São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens (BRASIL, 1988,
Art. 231)”.
Segundo Rodrigues (2005), a partir da constituição de
1988, as populações indígenas passam a ter
garantidos direitos referentes à continuidade de seus
costumes, práticas culturais e as terras que
tradicionalmente ocupam. Além disso, segundo a
referida constituição, as populações indígenas
deixam der ser considerados sociedades em
desaparecimento, ou seja, estão presentes e
constituem parte da nação brasileira. Isso
obviamente trata-se de um marco para as políticas
indigenistas adotadas pelo Estado nacional
brasileiro, abrindo a possibilidade para essas
populações de se manifestarem e lutarem para pôr
em prática suas demandas enquanto sociedades
distintas, além de protagonizarem seu retorno aos
seus tradicionais territórios.
Dessa forma, essa metamorfose jurídica, amparada
por todo um processo histórico, implantou um
modelo de diálogo intercultural, no qual os
indígenas, que até então eram considerados como
possuidores de uma cultura inferior, a partir deste
cenário tem (ou deveriam ter) suas especificidades
culturais reconhecidas e respeitada, bem como,
valorizados seus conhecimentos tradicionais. Assim,
a proteção estatal, antes vislumbrada na perspectiva
de tutela, sob a ótica da incapacidade civil, agora se
revigora, a partir da premissa de evitar prejuízos (de
ordem econômica, moral e social) que estes povos
possam vir a sofrer. Por fim, a autonomia e
autodeterminação previstas nesta Magna Carta
garantem o progresso e desenvolvimento destes
povos, bem como, a possibilidade de serem
protagonistas de sua própria história.
Conclusão
No Brasil, a situação dos povos indígenas, desde
colonização até meados do século XX foi incerta, já
que estes povos não foram reconhecidos como
sujeitos de direitos, possuidores de uma cultura
diferente. Como ficou perceptível, pelo decorrer
deste estudo, grande parte de etnias indígenas foram
dizimadas, outra parte foi escravizada, servindo
como mão-de-obra barata para a exploração das
riquezas ambientais do país.
Como foram considerados, uma cultura inferior,
foram cristianizados e proibidos de praticar suas
tradições originarias. Assim, a cultura ocidental foi
imposta, e o reconhecimento e respeito à cultura
indígena foi colocado em segundo plano. Nesse
percurso de tempo, muitos conhecimentos
tradicionais foram perdidos, bem como, pela
dizimação de vários povos, línguas e costumes,
juntamente, se perderam.
Pelo exposto, percebe-se que o reconhecimento dos
direitos dos povos indígenas no Brasil, transcorreu
por um período de indiferença total (desde a
conquista no século XVI até o início do século XVIII),
onde sequer haviam ressalvas jurídicas sobre a
existência de indígenas, já que, após a conquista, os
indígenas se tornaram o outro em seu mundo. Esta
trajetória com algumas alterações perpassa o século
XIX e no decorrer do século XX, as discriminações
apresentavam-se encobertas pelos signos da
proteção. É nesse interim, que surgem as figuras
intermediarias (SPILTN, SPI), com o objetivo de
proteger e representar esses grupos. Nesse
alinhamento, após intensidades e embates, que a
questão do indígena ganha espaço no ordenamento
jurídico, primeiramente, com o Estatuto do Índio,
em 1973, que apesar de merecer atualização, trouxe
à baila a questão do reconhecimento a partir da
identidade. Ademais, somente após a Constituição
Federal de 1988, intitulada como Constituição
Cidadã, é que o indígena passa a ser reconhecido
como sujeito de direitos plenos.
Por fim, compreende-se que o entrelaçamento
destas ciências: direito e história, são fundamentais
para o esclarecimento da questão indígena no Brasil.
Pelo que foi explicitado, ainda que em apertada
síntese, descreveu-se as principais politicas
indigenistas colocadas em prática no decorrer destes
cinco séculos. Discorrer sobre a questão indígena, é
um tema que sempre está em evidencia no cerne dos
debates atuais, tanto pela intolerância para com
estes povos quanto pelo protagonismo destes, na luta
pela efetividade de seus direitos. Por derradeiro,
dispõe-se que, é preciso conhecer a história, para
reconhecer e respeitar os direitos das populações
indígenas.

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