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CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA E A POLÍTICA NA PSICANÁLISE

Mariana Galletti Ferretti

Mestre em Psicologia Social pela PUC-SP e doutoranda em Psicologia Social na PUC-SP.


E-mail: marianaferretti@uol.com.br

Resumo: Este artigo tece considerações acerca da ética e da política


na psicanálise. Para isso, a dimensão do poder na política foi retomada
e articulada à instauração da linguagem a partir do Outro. A política,
enquanto forma de organização do poder, mostra-nos que o discurso
do mestre almeja forcluir o real e a ética da psicanálise é justamente ir
na contramão dessa tendência, impedindo que o real seja excluído do
sujeito e das relações sociais. A psicanálise faz resistência à dominação
abusiva da autoridade e sustenta o preceito de que sempre haverá
algo que não poderá ser governado, dito ou entendido, pois o real é o
impossível de ser dominado.
Palavras-chave: Lacan; ética; política; real.

Abstract: This paper intends to examine ethics and politics in


psychoanalysis. To do so, the dimension of the power in politics was
recovered and linked to the instauration of language by the Other.
Politics, as an organization of power, shows us that the master’s discourse
intents to forclude the Real. Psychoanalysis’ ethics goes precisely against
this, indenting that the Real isn’t excluded from the subject and from
social relations. Psychoanalysis makes resistance to the abusive rule
of the authority and holds to the precept that there will always be
something that can’t be ruled, for the Real cannot be dominated.
Keywords: Lacan; ethics; politics; real.

Lacan, durante todo o seu ensino, debruçou-se sobre diversas áreas do conhe-
cimento e apresentou inúmeras articulações entre conceitos de diferentes campos,
construindo uma teoria particularmente complexa. Essa complexidade reside nas
possibilidades encontradas pelo psicanalista francês para promover discussões entre
termos que, numa primeira análise, não dialogavam justamente por não corresponde-
rem ao mesmo campo de estudo. Lacan subverteu essa ordem quando propôs utilizar
em sua teoria conceitos da matemática, da biologia, da filosofia, entre outras áreas.
Não se tratava de uma tarefa simples, pois, para que tais conceitos fossem apropriados

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pela psicanálise, Lacan desenvolveu de forma aprofundada as articulações que culmi-


nariam nas relações estabelecidas entre os termos destacados. Por isso, ao tratarmos
de ética e de política na teoria de Lacan, é necessário ressaltar que a discussão por ele
promovida no âmbito da psicanálise não perde de vista que são palavras intensamente
discutidas por pensadores de diferentes áreas e épocas.
Comecemos pela política. Trata-se de uma palavra de origem grega – derivada do
adjetivo politikós, que se refere àquilo que diz respeito à pólis – que há séculos vem
sendo estudada. Dentre seus estudiosos, destaca-se Aristóteles, que dedicou ao tema
uma de suas mais famosas produções, Política. Nessa obra, Aristóteles propôs uma
investigação acerca dos tipos de governo da pólis, tendo em vista uma análise que
pudesse resultar numa prática que zela pelo bem da cidade. Dessa forma, Aristóteles
sugere que o conhecimento deve ser utilizado como meio para a ação política.
Por mais que seja um termo muito antigo e alvo de muitas discussões desde o seu
surgimento, há algo que resiste ao tempo: a política sempre se refere à organização
prática do poder. Freud foi claro ao dizer que a civilização é decorrente da força do
grupo sobre o indivíduo. Acerca disso, ele diz que:

A vida humana só se torna possível quando se reúne uma maioria mais forte do que qual-
quer indivíduo isolado e que permanece unida contra todos os indivíduos isolados (...).
A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo
decisivo da civilização. Sua essência reside no fato de os membros da comunidade se res-
tringirem em suas possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece tais
restrições. A primeira exigência da civilização, portanto, é a da justiça, ou seja, a garantia
de que uma lei, uma vez criada, não será violada em favor de um indivíduo. (FREUD,
1930/1977, p. 115)

A civilização exige que o poder seja organizado e essa organização remete aos
efeitos da Lei, que diz ao indivíduo que ele é uma pequena e fraca parte de um grupo
majoritário e poderoso. Essa Lei é garantida por um grupo de pessoas que centraliza
o poder por meio da opressão do desejo de satisfação do indivíduo, lembrando sempre
que ele deve se submeter à comunidade e às suas leis. De certa forma, aqueles que
controlam uma sociedade o fazem esperando que os indivíduos não notem que, se eles
se juntarem, eles serão a forte maioria.
Em Totem e tabu, Freud (1913/1977) descreve o destino daquele que não tinha
suas vontades restringidas. O pai primevo, que gozava de todos os prazeres, é devo-
rado pelos filhos que anteriormente o obedeciam. O pai morto surge como totem,

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como metáfora, para lembrar a todos os integrantes da sociedade o que aconteceu com
aquele que não renunciou ao pleno prazer, e essa constante lembrança desempenha o
papel de tabu, daquilo que deve ser evitado (ibid., p. 52). Assim, a função estruturante
do assassinato simbólico do pai e a consequente instauração da Lei indicam que o
conflito com a autoridade é intrínseca à sociedade.
A tendência dos homens de estabelecer relações de domínio e servidão é conhe-
cida por todos. O discurso do mestre, formulado por Lacan (1969-1970/1992) no
Seminário XVII, evidencia o caráter estruturante dessa tendência, sendo, inclusive,
destacado como a entrada do sujeito na linguagem. Inspirado pela dialética hegeliana
do senhor e do escravo, Lacan formaliza o discurso do mestre como a alienação fun-
damental que introduz o sujeito na ordem do significante, pois é o mestre que ordena
o gozo do sujeito pela via do significante fálico. O mestre, em sua função de Outro,
interdita o desejo do sujeito e, por conseguinte, instaura a Lei. Para Freud, o supereu
é herança dessa instauração, que faz com que o sujeito seja obediente à autoridade
por supor que ela é dotada de um poder: o saber sobre o falo, o significante que
simboliza a Lei da linguagem, que faz com que o sujeito creia no poder inabalável do
mestre. Sobre isso, Lacan (1956/1995, p. 195) nos diz que cetro e falo se confundem
no “contexto político, isto é, a ordem do poder, e muito precisamente a ordem do
significante”. A partir disso, é possível dizer que o falo governa o desejo do sujeito e,
por conseguinte, é um significante do poder. O poder faz laço social e o laço social faz
governar. Nesse ponto, verifica-se um ponto de guinada de Lacan no que se refere à
política da psicanálise, pois ele subverte a dimensão prática da política, em termos da
organização do poder, ao destacar o aspecto subjetivo do poder do significante.
Na medida em que o Outro é a autoridade que possibilita o surgimento do sujeito
enquanto tal, este último não desempenha somente o papel de servo; por mais que o
Outro forneça importantes significantes com os quais o sujeito irá se identificar, um
significante não pode representar completamente o sujeito, de forma que podemos
dizer que o significante fálico desliza e não pode ser apreendido. O Outro não con-
clui a tarefa - da ordem do impossível - de fornecer um significante que represente
completamente o sujeito e isso aponta uma falha no discurso do Outro, que introduz
a possibilidade do sujeito se separar do desejo deste.
Apesar de Lacan não dedicar muitas passagens ao desenvolvimento da afirmação
o inconsciente é a política! (LACAN, 1966-1967, p. 236), podemos pensar que essa
frase faz referência ao surgimento do inconsciente pela via da autoridade do Outro

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- introdutor do sujeito na linguagem através da instauração do poder por meio do


significante fálico - ao mesmo tempo que o inconsciente não aceita seu estado de
servidão. O inconsciente é a política por ser possível somente a partir do Outro que
institui o inconsciente e que, num dado momento, será alvo de tentativa de separação:

O inconsciente é, ele mesmo, resultado da instauração do significante Um, que se refere ao


poder paterno instaurado pelo falo enquanto operador lógico da linguagem. Mas ao mesmo
tempo em que é instituído pela autoridade, pelo poder do Um, o inconsciente é também
a parte do homem que não aceita a servidão (...) o inconsciente, como nos diz Lacan, é a
política, é o campo da instituição do Um e da luta contra o Um. (CHECCHIA, 2011, p. 78,
grifo do autor)

Disso se conclui que o inconsciente não pode ser dominado nem adestrado, ideia
esta que gera como efeito um dos princípios fundamentais enunciados no texto A
direção do tratamento e os princípios de seu poder: não é possível “dirigir o sujeito para a
fala plena ou para o discurso coerente” e, por isso, o analista deveria deixá-lo “livre para
se experimentar nisso” (LACAN, 1958/1998, p. 647).
Nesse mesmo trabalho, Lacan (ibid., p. 596) diz, ainda, que o analista em sua
política - a qual se refere à estratégia e à tática - “faria melhor situando-se em sua
falta-a-ser do que em seu ser”. Se pensarmos que se trata de um texto escrito em 1958,
veremos que é possível afirmar que Lacan estava criando uma clínica na contramão
dos preceitos da Psicologia do ego, a qual estava em seu auge com seus ideais de
adestramento. Lacan entende que a pessoa do analista é afetada pelo processo trans-
ferencial, ou seja, a transferência provoca nela desdobramentos. Portanto, o analista
interpreta e maneja com sua falta-a-ser. É importante ressaltar que nesse ponto reside,
também, a dimensão ética do dispositivo analítico que, “para estar sob o registro da
experiência ética, é necessário que se assuma que não é o analista exclusivo agente da
cura em psicanálise” (TORRES, 2010, p. 43).
Dessa forma, Lacan reconhece a liberdade do analista, pois suas intervenções de-
pendem da construção do processo analítico, que não é dado de antemão: “intérprete
do que me é apresentado em colocações ou atos, decido acerca de meu oráculo e o
articulo a meu gosto, único mestre/senhor em meu barco, depois de Deus” (LACAN,
1958/1998, p. 594).
A formulação do sintoma como aquilo que abala a bela ordem do mestre ilustra
claramente a resistência do inconsciente diante da autoridade, diante do poder do

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Outro. Freud (1926[1925]/1977, p. 112) afirma que “um sintoma é um sinal e um


substituto de uma satisfação instintual que permaneceu em estado jacente; é uma con-
sequência do processo de repressão”. Isso quer dizer que o sintoma está diretamente
implicado na exigência da pulsão e no consequente recalque, resultado da impossi-
bilidade da completa satisfação. Para Lacan, o sintoma do qual fala Freud atrapalha
a ordem do pai primevo e é nessa mesma direção que o psicanalista francês contex-
tualiza sua noção de sintoma. Ao considerar Marx o inventor do sintoma, Lacan
reconhece que este pensador identificou um desequilíbrio que desmente a ordem do
discurso dominante. Segundo Žižek (1991, p. 139), “o sintoma no sentido estrito é
esse elemento particular que desmente o Universal de que faz parte”.
Lacan se debruçou sobre duas dimensões fundamentais do sintoma: o desejo e a
lei. Essas duas instâncias se articulam de modo análogo à formulação freudiana que
implica a relação entre o princípio do prazer e o princípio de realidade. Na tentativa
de compreender o modo de relação entre a humanidade em geral e a realidade, Freud
(1911/1977) se dedicou à investigação desses dois princípios reguladores. Seu estudo
o levou a concluir que “os neuróticos afastam-se da realidade por achá-la insuportável
- seja no todo ou em parte” (ibid., p. 277). O princípio do prazer, correlato ao processo
primário e anterior ao princípio da realidade, é a tendência da busca constante pelo
prazer e o consequente afastamento dos eventos que geram o desprazer. Na medida
em que a satisfação esperada não é obtida, o sujeito alucina a satisfação almejada.
Entretanto, Freud (ibid., p. 278, grifo do autor) diz, também, que

(...) o aparelho psíquico teve de decidir formar uma concepção das circunstâncias reais no
mundo externo e empenhar-se por efetuar nelas uma alteração real. Um novo princípio de
funcionamento mental foi assim introduzido; o que se apresentava na mente não era mais
o agradável, mas o real, mesmo que acontecesse ser desagradável. Este estabelecimento do
princípio de realidade provou ser um passo momentoso.

Como num movimento dialético, o sujeito se situa entre o princípio do prazer e o


princípio de realidade em busca da satisfação.
Lacan (1953/1998, p. 282) afirma que “o sintoma (...) é o significante recalcado
da consciência do sujeito”. Com isso, podemos pensar que o sintoma carrega em si
mesmo algo da verdade do sujeito; não uma verdade objetiva da doença, como aquela
buscada pela medicina vigente, mas uma verdade que pode ser lida no sofrimento
do sujeito. Essa leitura está longe de ser conclusiva, pois, como a psicanálise procura

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evidenciar, a verdade do sujeito não pode ser toda dita. Como nos lembra Žižek (1996,
p. 306), o sintoma é uma formação que implica um não conhecimento por parte do
sujeito. Esse não conhecimento desempenha uma função estrutural na formação do
sintoma que o impede de ser plenamente decifrado.
A clínica psicanalítica evidenciou a impotência da interpretação do sintoma, pois
as tentativas fracassadas de encerrá-lo num dado sentido não o impedia de retornar.
Isso quer dizer que o sintoma não pode ser esgotado pela via do sentido, o que nos
remete ao que há de real em sua formação. A aparente solução para o enigma pela via
do deciframento do sintoma tropeça naquilo que Freud denominou rochedo da cas-
tração, um limite intransponível para esse psicanalista. Lacan introduz a noção de que
o sintoma escapa às tentativas de significação e persiste na vida do sujeito justamente
por remeter a algo que não pode ser dito. A persistência do sintoma é a sua política.
Sendo, então, o sintoma algo que abala a bela ordem do mestre, a ele cabe manejar
essa tendência de destituição, na tentativa de sustentar seu poder, isto é, o poder do
sintoma. A questão que se apresenta é sobre as formas utilizadas pelas autoridades
para evitar o abalo de sua ordem. Trata-se de medidas muitas vezes, mas não sempre,
efetivas - como a história das civilizações nos mostra - cuja eficiência reside num
certo saber sobre a estrutura do sujeito. As insatisfações do sujeito em relação ao
poder dominante são tamponadas pela realidade delimitada pelo tirano. O tirano, por
prometer aquilo que não pode - e nem pretende - cumprir, ilude o sujeito e padroniza
seus meios de gozo. É ele quem diz ao sujeito como gozar: por meio daquilo que é
produzido pelo discurso dominante. O gozo que não é padronizado pela autoridade
não é admitido.
Lacan (1959-1960/2008, p. 33), no Seminário VII, diz que o Bem supremo é o
ponto de convergência no qual uma ordem particular se unifica no universal, cons-
tituindo o hábito, que pode ser entendido como uma ordem não contestada. Para
Freud, o mal intrínseco ao homem perturba essa ordem ditada pelos hábitos e, contra
isso, não há nada que se possa fazer. Trata-se do além do princípio do prazer, a “virada
ética da qual somos responsáveis, nós, os herdeiros de Freud” (ibid., p. 218).
Lacan (ibid., p. 221) diz que Freud sabe que Deus está morto desde sempre e
esse saber abala o padrão vigente de felicidade. Para o psicanalista francês, “o que está
em questão no Mal-estar na civilização é repensar um pouco seriamente o problema
do mal dando-se conta de que ele é radicalmente modificado pela ausência de Deus”
(ibid., p. 222). A partir da constatação que Deus está morto, o gozo pode ser tido

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como um mal que foi, desde sempre, proibido, mesmo antes de sabermos que Deus
está morto e a dimensão ética dessa discussão repousa justamente no fato de que o
gozo sempre foi proibido.
Lacan (ibid.) diz que o moralista tradicional não se cansa de disseminar a ideia de
que o prazer é conquistado pela via do bem. O que chama a atenção é que esse pre-
ceito continua a ser difundido, mesmo que todos se deem conta de que existe algo de
errado nele. O engodo presente no discurso do moralista convém para nos desviar do
fato de que o bem nos distancia do nosso gozo dito de outra maneira, o bem sugerido
pelo moralista afasta o sujeito daquilo que lhe dá prazer.
Quando Lacan (ibid., p. 147) se refere ao exemplo do vaso, ele aponta a articulação
dialética entre o vazio e a matéria presente nesse utensílio. O vaso, sendo resultado da
modelagem do significante em torno do vazio que permite a sua forma, ilustra a coe-
xistência do pleno - a matéria, o significante - e o vazio num mesmo objeto. Lacan diz
que se trata de dimensões indissociáveis de um mesmo fenômeno e, com isso, aponta
o fato de que cada uma não deve ser abordada sem levar em consideração a outra.
Sendo um seminário sobre a ética da psicanálise, Lacan se vale do exemplo do vaso
para ilustrar os efeitos do bem e do mal no sujeito, sendo muito claro ao apresentar a
ideia de que o mal também faz parte do mundo e que a tentativa de excluí-lo acarreta
severos problemas.
O discurso do mestre busca calar o que não pode ser governado, na esperança de
que não retorne jamais. Muitos preceitos religiosos ensinam quais são as condutas
aceitas e que os ímpetos ruins das pessoas devem ser excluídos de suas vidas. Ao apre-
sentar a ideia de que é possível excluir uma intrínseca dimensão do sujeito, o discurso
dominante parece não contar com a força do retorno daquilo que foi sufocado.
Atualmente, a cura do sofrimento do sujeito é vendida sob a forma de remédios
milagrosos. Só não toma remédio quem não quer e, assim, sofre quem quer. A estra-
tégia do líder é a de oferecer algo para completar o vazio insuportável do sujeito, que,
por sua vez, corre esperançosamente na direção daquilo que supostamente o com-
pletará. A falta estrutural do sujeito fornece à autoridade o espaço necessário para as
manobras do poder. A noção de que a falta acomete a todos e é incurável não produz
lucro. Aquele que sabe de sua condição faltosa não é governável. Dessa maneira, não
é do interesse da autoridade propor meios para o sujeito aceitar a sua falta enquanto
aquilo que sempre permanecerá enquanto tal.

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A política, enquanto forma de organização do poder, mostra que o discurso do


mestre pretende forcluir o real e a ética da psicanálise é, justamente, ir na contramão
dessa tendência, impedindo que o real seja excluído do sujeito e das relações sociais. A
psicanálise faz resistência à dominação abusiva da autoridade e sustenta o preceito de
que sempre haverá algo que não poderá ser governado, dito ou entendido, pois o real
é o impossível de ser dominado.

Referências
CHECCHIA, M. O inconsciente é a política? Stylus: Revista de Psicanálise, Rio de Janeiro,
n. 22, p. 69-79, maio 2011.
FREUD, S. (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. Tradução
sob a direção de Jaime Salomão. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. XII.
(1913). Totem e tabu. Tradução sob a direção de Jaime Salomão. In: Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1977. v. XVIII.
(1926[1925]). Inibições, sintomas e ansiedade. Tradução sob a direção de Jaime
Salomão. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. XX.
(1930). O mal-estar na civilização. Tradução sob a direção de Jaime Salomão. In:
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 1977. v. XXI.
LACAN, J. (1953). Função e campo da fala e da linguagem. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998.
(1956). O Seminário, Livro IV: a relação de Objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
(1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
(1959-1960). O Seminário, Livro VII: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2008.
Le Séminaire: la logique du fantasme. Paris: Association Freudienne Internationale,
1966-1967.
(1969-1970). O Seminário, Livro XVII: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1992.
TORRES, R. Dimensões do ato em psicanálise. São Paulo: Annablume, 2010.
ŽIŽEK, S. O mais sublime dos histéricos: Hegel com Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
Como Marx inventou o sintoma. In: ŽIŽEK, S. (Org.). Um mapa da ideologia. Rio
de Janeiro: Contraponto, 1996.

Recebido em 16/8/2011; Aprovado em 20/9/2012.

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