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A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CIDADANIA: O

QUE SIGNIFICA SER CIDADÃO NA SOCIEDADE


CONTEMPORÂNEA?

MORAIS, Ingrid Agrassar1 - UEPA

Grupo de Trabalho - História da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente artigo pretende analisar como se deu a construção histórica do conceito de


cidadania, a fim de compreender o significado do que é ser cidadão na sociedade
contemporânea, tomando como referência autores como Bendix (1996), Botelho e Schwarcz
(2012), Carvalho (2004), Pinsky (2013), Reis (2013) e Walzer (1977). Desse modo, almeja-se
pensar os múltiplos sentidos da cidadania a partir de uma perspectiva histórica, situando-a no
campo da experiência social, política e cultural brasileira. Nesta perspectiva, vislumbra-se que
a mutabilidade histórica do conceito decorre não apenas de seus significados práticos como
experiência humana concreta, mas, ao mesmo tempo, de seu nível simbólico, abarcando
múltiplos estilos de identificação intersubjetiva entre pessoas e entre grupos sociais, além de
sentimentos de pertencimento concebidos coletivamente em distintas mobilizações, fato que
suscita aproximações, lutas e negociações cotidianas. Neste artigo, portanto, discute-se a
cidadania a partir de uma profunda reflexão acerca de seu legítimo sentido, propiciando a
desnaturalização deste conceito que, atualmente, encontra-se tão esvaziado, devido ao seu uso
superficial, fato que tem gerado desconhecimento a respeito de uma questão que é
fundamental ao exercício democrático e à participação política cotidiana. Lutar contra a
iniquidade e a opressão – possibilitando-nos trilhar os caminhos que levam à emancipação –
representa, certamente, promover o combate em prol da cidadania, tendo como norte a
construção de novos paradigmas de inclusão e justiça social, haja vista que o acesso às
premissas básicas da cidadania ainda é um desafio a ser enfrentado, sobretudo em um país no
qual um imenso contingente de sua população ainda sobrevive à margem do ideário da
dignidade. Este trabalho resulta de Pesquisa Bibliográfica desenvolvida ao longo do curso de
Mestrado em Educação, realizado na Universidade do Estado do Pará, com abordagem
qualitativa dos dados levantados (DELGADO, 2006).

Palavras-chave: Cidadania. Direitos. Participação Social.

1
Mestranda em Educação (UEPA). Membro do Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia –
GHEDA, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade do Estado do Pará
(UEPA). E-mail: iagrassar@hotmail.com.
20909

Introdução

Cidadania é uma temática que vem sendo abordada com muita frequência nos dias
atuais, sem que, no entanto, seja realizada uma profunda reflexão acerca de seu verdadeiro
sentido, motivo que propicia a emergência de estudos que buscam desnaturalizar este conceito
tão esvaziado devido ao seu uso indevido e ao desconhecimento a respeito de uma questão
fundamental no que tange ao exercício democrático e ao engajamento necessário à vida em
comunidade.
Alimentar o inconformismo contra a injustiça e a opressão, possibilitando a reinvenção
dos caminhos que levam à emancipação são, certamente, questões que dependem diretamente
da luta em prol da cidadania, batalha a ser vencida somente mediante a construção de novos
paradigmas de inclusão e justiça social.
Segundo André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz (2012, p.8), cidadania, ainda que se
constitua em temática relevante na contemporaneidade, é um conceito que não se ancora em
definições harmônicas ou mesmo em análises que vislumbram sua história como uma
construção estática:

Apesar de o conceito de cidadania ser central na agenda intelectual e política das


sociedades contemporâneas, e de cruzar a cada dia novas fronteiras, ganhando mais
espaço nas democracias representativas, não existe uma definição consensual ou
mesmo análises definitivas de sua história.

Do cenário político da sociedade atual a uma história que remete ao mundo antigo, o
termo cidadania origina-se do latim civitas, enquanto o conceito advém da Antiguidade,
aproximando-se nas civilizações gregas das noções de liberdade, igualdade e das virtudes
tipicamente republicanas – que ainda nos dias atuais costumam ser associadas ao termo.
A questão nodal da história do conceito de cidadania remete a dois questionamentos
basilares: o que significa ser cidadão e quem pode ser caracterizado como tal.
Segundo a ótica aristotélica, ser cidadão perpassa pela titularidade de uma espécie de
poder público sem limitações e com poder de decisão no âmbito coletivo. Já no que tange aos
critérios necessários à cidadania, Aristóteles os pontua de modo bem mais restritivo, situando-
os entre os poucos homens que não dependiam de sua força produtiva para viver, com
absoluta exclusão dos escravos, dos estrangeiros e, também, das mulheres.
Uma origem romana, todavia, marca a edificação da categoria cidadania quando
imbuída de um caráter mais jurídico. A palavra latina civis, ainda com uma acepção ligada a
20910

cidadão, garantiria os direitos dos nativos – os indigenatos – em relação aos estrangeiros.


Desse modo, os direitos relativos aos cidadãos/civis relacionam-se ao voto – direito de paz ou
guerra, às eleições nas magistraturas, contração de obrigações, constituição de família, ou
mesmo quanto à propriedade ou libertação de servos.
Na Roma antiga, os termos gentilis, patricius e civis remetiam igualmente à noção de
cidadania, denominando uma mesma figura social. Assim, destaca-se que história de Roma
atribuía uma noção bastante extensa aos critérios de cidadania, sendo relevante destacar-se
que, posteriormente, tais direitos seriam conferidos aos habitantes do império de um modo em
geral.
Nas palavras do historiador Pedro Paulo Funari (2013, p.76), podemos verificar
estreita relação entre a cidadania romana e o conceito moderno do termo:

Como podemos avaliar a importância da experiência romana para o conceito


moderno de democracia? Para muitos estudiosos do século XX, a República romana
foi encarada como uma oligarquia corrupta, uma aristocracia endinheirada,
comparada negativamente com a Atenas democrática do século V a.C. Nas últimas
décadas, entretanto, estudiosos têm mostrado que a vida política romana era menos
controlada pela aristocracia do que se imaginava e, de certa maneira, Roma
apresentava diversas características em comum com as modernas noções de
cidadania e participação popular na vida social. Os patriarcas fundadores dos
Estados Unidos da América tomaram como modelo a constituição romana
republicana, com a combinação de Senado e Câmara (no lugar das antigas
assembléias). A invenção do voto secreto, em Roma, tem sido considerada a pedra
de toque da liberdade cidadã. O Fórum pode ser considerado o símbolo maior de um
sistema político com forte participação da cidadania. Lá, os magistrados defendiam
seus pontos de vista e tentavam conseguir o apoio dos cidadãos. O poder dependia
desse apoio, a tal ponto que grupos rivais competiam pelo controle dos lugares em
que os cidadãos se reuniam. Os romanos tinham um conceito de cidadania muito
fluido, aberto, aproximando-se do conceito moderno de forma decisiva.

O conceito de cidadania, ao longo do tempo, afastou-se de seu sentido estrito, ligado à


origem, ao indigenato, apartando-se, igualmente, de acepções ligadas a características
naturais, como o sangue ou o solo.
Assim, desvinculado de explicações naturalistas, o conceito de cidadania volta-se para
o mundo da política, da comunidade, ganhando relevância seja na polis grega seja com o
surgimento da figura do burguês na idade medieval, ou mesmo com a transição para a
modernidade, momento em que adquire caráter de fundamento filosófico, sobretudo com o
contratualismo de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau, nos séculos XVII e XVIII,
afirmando a noção de contrato social realizado entre os cidadãos e o próprio Estado.
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Essa concepção de cidadania passa a ser colocada em xeque ao longo da modernidade,


sobretudo com a emergência dos “direitos dos homens”. Com o mundo moderno emerge
também a ideia de jusnaturalismo, na qual o “estado de natureza” advém como condição de
liberdade humana, como se precedesse a construção da comunidade política. O pensamento
de Locke representava um duro golpe divisão do mundo entre homens livres e escravos.
A cidadania liberal, na visão do historiador Marco Mondaini (2013, p.131):

(...) foi um primeiro – e grande passo – para romper com a figura do súdito que tinha
apenas e tão somente deveres a prestar. Porém, seus fundamentos universais (“todos
são iguais perante a lei”) traziam em si a necessidade histórica de um complemento
fundamental: a inclusão dos despossuídos e o tratamento dos “iguais com igualdade”
e dos “desiguais com desigualdade”. Para tal fim, por uma “liberdade positiva”, é
que virá à tona nos séculos vindouros a luta por igualdade política e social, tarefa
árdua a ser conquistada não mais pelos liberais, mas regularmente contra eles, pelas
forças democráticas e socialistas. Uma luta contínua que não cessa até o tempo
presente.

A Declaração Francesa de 1789, largamente influenciada pelos pensadores da


Ilustração, em especial Rousseau, também representou um marco para a questão da cidadania,
postulando a liberdade e a igualdade de direitos entre os homens desde seu nascimento.
Na concepção moderna, a liberdade individual precede à noção de pertença a uma
comunidade, trazendo à baila a própria noção de “indivíduo”, como nos lembra Foucault
(1972, p. 37). Assim, a identidade individual se sobrepõe à própria identidade coletiva.
Foi ao longo da modernidade que tanto o conceito de cidadania quanto sua prática
social desenvolveram-se largamente, incorporando-se à experiência cotidiana. Porém, em um
contexto de franca urbanização, apesar de inserido ao vocabulário político, o termo cidadania
ainda permaneceu atrelado à luta pelos direitos civis, somando-se aos movimentos sociais que
eclodiram mundialmente, em especial, a partir dos anos 70, pois foi neste contexto que
surgiram os movimentos de minorias, difundindo uma nova concepção de igualdade, agora
permeada pela idéia de diversidade. A cidadania formatava-se como um exercício no palco do
Estado de Direitos, evidenciando o convívio entre as diferenças, bem como entre diferenças e
igualdades.
Diante deste cenário, o professor Norberto Luiz Guarinello (2013, p.46) nos auxilia
refletir acerca da cidadania de modo bastante ampliado, enfatizando que:

(...) cidadania implica sentimento comunitário, processos de inclusão de


uma população, um conjunto de direitos civis, políticos e econômicos e, significa
também, inevitavelmente, a exclusão do outro. Todo cidadão é membro de uma
comunidade, como quer que esta se organize, e esse pertencimento, que é fonte de
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obrigações, permite-lhe também reivindicar direitos, buscar alterar as relações no


interior da comunidade, tentar redefinir seus princípios, sua identidade simbólica,
redistribuir os bens comunitários. A essência da cidadania, se pudéssemos defini-la,
residiria precisamente nesse caráter público, impessoal, nesse meio neutro no qual se
confrontam, nos limites de uma comunidade, situações sociais, aspirações, desejos e
interesses conflitantes. Há, certamente, na história, comunidades sem cidadania, mas
só há cidadania efetiva no seio de uma comunidade concreta, que pode ser definida
de diferentes maneiras, mas que é sempre um espaço privilegiado para a ação
coletiva e para a construção de projetos para o futuro.

Cidadania: um conceito múltiplo.

A mutabilidade histórica do conceito e cidadania perpassa não apenas por seus


significados práticos, no campo da experiência humana concreta, mas também pelo nível do
simbólico. Neste sentido, observamos aproximações que nos permitem nortear o conceito de
cidadania como uma identidade social politizada, conforme enuncia a socióloga Elisa Pereira
Reis, na obra Processos e Escolhas.
Segundo a autora, a cidadania engloba vários modos de identificação intersubjetiva
entre pessoas e entre grupos sociais, bem como sentimentos de pertencimento engendrados
coletivamente em diversas mobilizações, gerando, no cotidiano de cada um, aproximações,
embates, negociações tanto no âmbito prático quanto no simbólico.
A multiplicidade de significados construídos ao redor do conceito de cidadania pode
ser resumida, portanto, como próxima de duas questões primordiais, que lhes fornecem
conteúdo e nos auxiliam a vislumbrar seus limites: o campo dos valores e das práticas dos
direitos e, em uma esfera distinta, a efetividade e/ou reconhecimento desses mesmos direitos.
Como exemplo, podemos citar uma das menos conflituosas acepções de cidadania, na
qual ser cidadão remete a pertencer a um todo maior – o que contemporaneamente
identificamos como comunidade política ou nação – nutrindo direitos assegurados pela figura
do Estado, com quem também possuímos deveres.
Dessa relação, depreende-se a existência de um contexto de dualidades: direitos e
deveres, inclusão e exclusão. Assim, a luta pela cidadania envolve toda uma aura discursiva
que formata o conjunto de características do cidadão virtuoso, ao passo que,
contraditoriamente, promove a emergência do “outro”, o desprovido de cidadania, aquele
cujas práticas estigmatizadas nos permite identificá-lo como o “mau cidadão”.
A concepção de cidadão como legítimo detentor de direitos e obrigações também faz
emergir um impasse intrínseco ao próprio conceito, isto é, ser cidadão seria a prerrogativa de
cultivar direitos ou de exercitar valores ligados à esfera pública? A visão de cidadão como
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consumidor de direitos o posiciona, inclusive, como dotado de liberdade para optar ou não
pelo engajamento junto às questões públicas.
Assim, segundo esta ótica, manter-se restrito à esfera privada também seria uma
possibilidade plausível ao cidadão. Esta contradição apontada tanto na prática quanto no
conceito de cidadania nos possibilita visualizar o quanto esta temática pode ser compreendida
de modo díspare de acordo com a tradição representa.
A cidadania como campo de envolvimento com as questões públicas guarda estreita
relação com seu significado de identidade social politizada, construção coletiva que encontra
substância quando percebida tanto como fruto das experiências sociais quanto das individuais,
logo seu caráter de identidade social, no sentido de construção dialética, relativa, situacional,
provisória, mutável.
A cidadania é uma prática social e ao mesmo um conceito com um tom acentuado de
resposta política a questões notadamente políticas. A volatilidade que lhe caracteriza advém
dos contrastes sociais que a originam. Seu caráter político é marcado pela energia dos
conflitos, das mobilizações, das aproximações e dos recuos da vida real, diária, experiencial e
simbólica.
Desse modo, compreendemos o conceito de identidade social politizada à medida que
o alcance dos direitos da cidadania seja pensado como resultado direto dos inúmeros conflitos
dos grupos sociais, sendo tais conflitos visualizados como núcleos de identificação
intersubjetiva.
Assim, essas noções de reconhecimento e pertencimento nos permitem refletir acerca
do fato de que as noções de identidade e cidadania são engendradas de acordo com a força
que as mobiliza, daí seu caráter mutável, possibilitando, inclusive, o surgimento das políticas
identitárias.
A expansão dos diversos sentidos que permeiam a cidadania ganha dinâmica a partir
das sociedades que a engendram, de seus conflitos, interações, negociações, avanços e recuos.
A construção histórica da cidadania não ocorre, portanto, em um tempo e em um espaço
lineares.
Ao contrário, sua dinâmica dialética desconstrói a noção de sucessão, de progresso
crescente, caracterizando-se como processo, construção social de grupos que proclamam suas
diferenças, suas identidades.
20914

Contemporaneamente, o conceito de cidadania sofre um profundo desgaste. A imagem


do cidadão como mero receptáculo das benesses que somente o Estado pode prover associa
grande característica de passividade à cidadania, à proporção que denomina como cidadão
aquele que “desfruta da liberdade comum da proteção de autoridade”, contrapondo-se, desta
forma, ao caráter ativo, dinâmico e político que atualmente permeia o conceito.
Há autores que, a exemplo do filósofo americano judeu Miclael Walzer, delineiam
seus modelos teóricos em torno da cidadania a partir de diferentes tipologias, que podem ser,
inclusive, intercambiáveis em determinadas situações.
Deste modo, o cidadão poderia ser caracterizado como “oprimido” – cujas obrigações
variam de acordo com a forma como ele decide envolver-se na comunidade macro no qual
está inserido, “isolado” – figura que, apesar de resguardada pelo Estado, opta por não
participar da vida política, ou “pluralista” – sujeito amparado pelo Estado e que vislumbra
como essencial sua participação na comunidade política, exercitando sua capacidade de ser
eleito e/ou de eleger.
As transformações pelas quais passa o conceito de cidadania o convertem,
contemporaneamente, muito mais em uma escolha moral que, propriamente, em uma
denominação jurídica, legal, constitucional. Assim, o conceito e a prática da cidadania
afastam-se cada vez mais de uma possível interpretação evolucionária.
Em tempos de convivência de direitos, sejam eles considerados tradicionais – como os
situados no campo do trabalho – sejam vislumbrados como de vanguarda – a exemplo dos que
se localizam no terreno do meio ambiente ou do mundo virtual – o fato é que muitas ainda são
as lutas a serem travadas no âmbito de sua efetividade.
O acesso às premissas básicas da cidadania ainda é um desafio a ser enfrentado,
sobretudo em um país no qual um imenso contingente de sua população ainda sobrevive à
margem do ideário da justiça e da dignidade. Logo, a própria percepção do que é ser cidadão
perfaz-se em construção cotidiana, permeada por mudanças, avanços, recuos, pequenos atos
de criatividade, enfim, por um projeto inacabado, um sem fim que marca a própria vida
social.
A história da cidadania moderna tem sua trajetória marcada, portanto, pela articulação
entre o Estado e a nação. O Estado emerge como autoridade pública, entidade que atribui
reconhecimento legal aos direitos, enquanto a nação é dotada de uma dimensão de
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solidariedade social que nos permite nos reconhecermos como partes do contexto da
comunidade política.
Ser cidadão constitui-se em uma prática que, historicamente, emerge como processo
de disputa no cerne das políticas nacionais e também de batalha por direitos no campo das
fronteiras políticas do Estado-nação, advindo deste contexto uma concepção de cidadania que
abrange a relação de pessoas e/ou grupos com o Estado e que, contemporaneamente, engloba
o sentimento de pertencimento a uma dada nação.
No centro dos debates contemporâneos encontramos as críticas às teorias que
vislumbram a edificação do Estado-nação – logo da própria cidadania – como modelo de
caráter universal definido, em princípio, a partir de matrizes europeias de pensamento e
experiência.
A década de 70 marcou o cenário nacional, trazendo à tona um amplo movimento de
contestação aos modelos totalizadores de cidadania – bem como aos valores que lhes são
intrínsecos – vinculados de modo limitado apenas ao Estado e à política partidária.
Ao questionar esta concepção de cidadania, colocava-se em xeque a própria política
oficial, possibilitando a emergência de paradigmas alternativos ao modelo vigente,
formatando-se movimentos sociais múltiplos no campo da identidade e da luta por direitos,
como, por exemplo, o movimento negro, o feminista, o ambiental ou mesmo o LGBT.
Assim, os movimentos em prol da cidadania dirigem-se não somente ao Estado, mas à
sociedade de um modo em geral, desnaturalizando a universalização de direitos por meio de
uma agenda política que permite particularizá-los, desnudando as práticas cidadãs de um viés
de poder acentuadamente paternalista.
As ciências sociais também fornecem importante contribuição acerca da temática
cidadania. Em um estudo clássico intitulado Cidadania, classe social e status, datado de 1949
e baseado na experiência inglesa, T. H. Marshall desenvolve o conceito a partir de uma
progressiva sequência histórica de direitos civis, políticos e sociais.
Essa percepção evolutiva de cidadania, localizada em um contexto europeu bastante
particular, sugere que o exercício dos direitos civis – ligados à garantia da liberdade e da
igualdade – possibilitou a conquista dos direitos políticos – aqueles que remetem à
participação no governo – e estes, sucessivamente, a emergência dos direitos sociais –
vinculados às áreas de trabalho, saúde, educação, enfim, à justiça social.
20916

Origina-se do conceito marshilliano uma visão de cidadão como a figura que possui a
titularidade dos três direitos – civis, políticos e sociais – favorecendo, assim, um processo de
mobilização em busca da efetividade da cidadania.
A ampla difusão desta percepção acerca da cidadania não escapou a severas críticas,
especialmente no que tange ao desenvolvimento social do conceito, ideia aludida pelo autor,
como uma sequência que iria de um estágio mais simples até chegar a um mais complexo,
desconsiderando as questões históricas, as especificidades de cada sociedade, às questões
intrínsecas à transformação social.
Reinhard Bendix, judeu alemão radicado nos Estados Unidos, nos auxilia a pensar a
cidadania de um modo bastante distinto de Marshall, quando em sua clássica obra,
Construção nacional e cidadania, editada em 1964, a aproxima de um viés mais histórico, no
qual cada um pode trilhar seu próprio caminho em busca deste ideal. A cidadania situa-se no
campo da ação concreta, no qual a conquista de direitos não se encontra presa a um único
caminho, ao contrário, torna-se efetiva na multiplicidade.
Um bom exemplo desta singularidade pode ser percebido ao refletirmos sobre o
próprio caso brasileiro, que, diferentemente do percurso britânico, demonstrou maior ênfase
no campo dos direitos sociais, que acabaram por preceder os de cunho político e civil, como
cita o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, em Cidadania no Brasil: o
longo caminho, demonstrando que a existência de determinado tipo de direito não
necessariamente pressupõe ou impede o surgimento de outro.
Logo, se a garantia e/ou o exercício de determinados direitos não pressupõe
necessariamente o gozo de outros direitos, torna-se inviável afirmarmos a existência de um
modelo fixo, universal e imutável de análise no campo da cidadania.
No entanto, até mesmo a premissa acima de que um direito não pressupõe outro
precisa ser relativizada, haja vista que sem a garantia dos direitos civis, calcados nos preceitos
de liberdade, não há como admitirmos a existência de direitos políticos materialmente
consolidados. A articulação entre direitos ganha, nesta perspectiva, uma relevância singular
no processo de construção de um conceito contemporâneo de cidadania à medida que é
alicerçada nas liberdades individuais, especialmente a de associação e a de opinião.
Logo, é na noção de direitos civis que estão fundados os preceitos dos direitos
políticos, vislumbrados para muito além do mero processo eleitoral, mas como participação
crítica no governo e engajada nos assuntos de cunho comunitário. Portanto, o exercício dos
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direitos políticos alijados dos direitos civis presta-se muito mais para justificar governos que
para representar de fato o cidadão.

O percurso da cidadania no Brasil: imagens de sua história

O trajeto da cidadania no Brasil tem como palco a própria história do país, cujo
processo de independência não significou melhoria na qualidade de vida de boa parte da
população, que continuou excluída dos direitos civis e políticos, bem como desprovida do
sentimento de nacionalidade que a impulsionasse a um processo efetivo de mobilização.
Assim, o status do cidadão passa a ser questionado no Brasil em diversos de seus períodos
históricos, a exemplo do que ocorreu ao longo da monarquia que, rodeada por repúblicas,
enfrentou o desafio de dar conta do significado social do que representava ser “súdito” ou
“soberano”.
É na configuração da identidade do indivíduo moderno que a noção de cidadão
assemelhada à de súdito passa a ser rejeitada. Ser cidadão não pode mais ser concebido como
ser um mero sujeito de deveres e um passivo cumpridor de obrigações. A própria escravidão
no Brasil, enquanto experiência social, mesmo após sua extinção, continuou a negar os
direitos mais elementares nos campos da liberdade e da igualdade, limitando, ainda nos dias
atuais, o conceito de cidadania, por meio de um legado de discriminação e exclusão.
A situação dos homens livres pobres, representantes da maioria da população nacional
do período, não representou grande diferença em relação ao contexto de vida dos escravos,
haja vista que permaneciam vinculados a estruturas tradicionais de dominação, a exemplo do
coronelismo, nutrindo, para sobreviver, relações de favor com os mais abastados e
socialmente poderosos.
O favor, com sua marca baseada em características pessoais, acaba por aniquilar a
universalização de direitos, negando, desta forma, o próprio sentido de uma cidadania voltada
para todos, prejudicando, também, a relação com o Estado, à medida que fortalece a
concepção de “dívida” para com aquele que prestou o favor, enfraquecendo a esfera estatal e
afastando dela o caráter de mediadora dos conflitos sociais.
Os sentimentos de pertencimento e de identidade nacional passam a ser incutidos,
inicialmente, a partir da República, que – proclamada em 1989 – passa a ideia de
transformação dos nacionais da condição de súditos do imperador para a de cidadãos
brasileiros.
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Tal processo foi marcado por inúmeras contradições, dentre as quais podemos citar o
período da Primeira República, que trouxe à baila tanto nacionais quanto imigrantes
estrangeiros, combinando políticas de inclusão e exclusão sociais, rupturas e continuidades,
modernidade e antigos padrões. Paradoxos que constavam até mesmo na nomenclatura
“República Velha”, designação inadequada para um período que abarcou tantas experiências
progressistas, como embrionários projetos de cidadania e variadas mobilizações sociais.
O Estado Novo, período demarcado de 1937 a 1945, representa contraditoriamente a
entrada do Brasil em um contexto moderno de cidadania à proporção que se constituía em
uma ditadura que, como tal, negligenciava ou pouco reconhecia os direitos civis e políticos
em detrimento aos direitos sociais, legitimados no campo trabalhista. Com Juscelino
Kubitschek os paradoxos perduraram, englobando uma política integracionista que em nada
modificou o grande abismo social que já assolava o Brasil.
Com o advento da Ditadura Militar, instaurada por meio do golpe de 1964, o processo
de construção da cidadania nacional sofreu grande abalo à medida que os mais elementares
direitos foram cerceados, entretanto, foi a partir do final dos anos 70, com o advento da
transição democrática que o Brasil passou a vivenciar um novo período na história da
cidadania. A Constituição de 1988, conhecida emblematicamente como “constituição cidadã”
despontou como relevante instrumento de reconhecimento e de garantia dos mais variados
tipos de direitos.
O estabelecimento de um modelo eleitoral internacionalmente reconhecido por sua
eficiência e celeridade, no entanto, ainda contrasta com a consolidação de um processo
democrático que precisa enfrentar desafios relativos aos contrastes sociais e às assimetrias de
poder que ainda assolam o Brasil de modo bastante intenso, sobretudo nos campos da
educação, do trabalho, da saúde, do saneamento básico, da segurança pública, enfim, de
problemas que para serem resolvidos necessitam do rompimento com o modelo político
excludente.
Neste sendo, conforme o sociólogo Sérgio Adorno (2012, p.77-78), vale ressaltar que:

Cresce a circulação da riqueza e da renda. O crime segue a rota da riqueza e não da


pobreza, como muitas vezes se acreditou. Mudam as relações entre as classes
sociais, que se diversificam e se tornam menos polarizadas, assim como gerações
intergeracionais, entre os gêneros, entre as etnias, tornando mais complexas as
hierarquias sociais. Mais modernizada e conectada com as transformações globais, e
tudo o que isso representa em termos dos usos das tecnologias nos modos de vida
cotidianos, a sociedade brasileira se torna mais suscetível às mobilidades verticais e
horizontais. Pouco a pouco emergem novos padrões de relações entre governantes e
20919

governados, expressos nas eleições e nas tendências majoritárias do voto popular.


Todo esse conjunto de mudanças incide também na esfera das representações sociais
e da cultura. Como as sondagens de opinião têm demonstrado, a sociedade brasileira
vem revelando atitudes ambíguas com relação às leis e às instituições. Ora apoia a
democracia, o respeito à legalidade e aos direitos humanos. Ora, contraditoriamente,
reconhece que as leis não valem para todos, as instituições privilegiam grupos
sociais, os direitos não são universais, vale a vontade do mais forte. Cenários como
esses contribuem para enfraquecer a confiança dos cidadãos nas instituições
encarregadas de aplicar as leis e de oferecer segurança à população.

A cidadania nacional tem sua história marcada por desafios e conquistas que giram em
torno da consolidação do Estado Democrático de Direito. Aliás, a luta pela concretização de
uma democracia representativa – capaz de reconhecer os canais institucionais de resolução de
conflitos – emerge da agenda cidadã mundialmente. Tais processos, sejam os de cunho
nacional sejam os de viés internacional, são marcados por algumas aproximações que
podemos denominar como características comuns.
Como exemplo, cita-se que a prevalência de lutas por direitos individuais,
vislumbradas por meio do jusnaturalismo – modelo jurídico que permite acesso direto à lei –
parecem ter despontado até, aproximadamente, a metade do século XX, enquanto as lutas por
direitos coletivos passaram a fazer parte do cenário da cidadania democrática com maior
ênfase a partir de 1970.
Tal fato relaciona-se ao surgimento de novos padrões no bojo do debate político, bem
como ao desenvolvimento de teorias ligadas à democracia, possibilitando uma reflexão
diferenciada acerca da temática dos direitos sociais, tendo como ponto de partida o Estado de
Bem-Estar Social.
A retomada do tema cidadania desponta ao lado de crescentes pressões sociais em
busca de uma justiça verdadeiramente material, incluindo os novos direitos e o próprio
alargamento do conceito, que passa a abranger não somente indivíduos, mas grupos, nações
ou mesmo a humanidade de um modo em geral, como podemos aludir quando pensamos no
direito ao meio ambiente, à paz ou à transmissão do patrimônio cultural às gerações futuras.

Considerações Finais

Conclui-se, portanto, que cidadania não é um conceito estanque, mas que guarda
ampla marca de historicidade, característica que o faz modificar-se de acordo com o tempo e
o espaço em que o situamos. As concepções teóricas acerca do tema, muitas vezes,
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transparecem fragilidade diante de uma prática que engloba fenômenos tão complexos,
conforme aponta Jaime Pinsky (2013, p.09):

Afinal, o que é ser cidadão? Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à
propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo ter direitos civis. É também
participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os
direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles
que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação,
ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila.

Desse modo, torna-se essencial pensarmos o conceito de cidadania como categoria


mutante, provisória, relativa, a ser analisada de acordo com o contexto social que a produz, ou
seja, sempre em relação aos fenômenos, instituições, grupos que a engendram.
Diante deste contexto, e sem pretender esgotar temática, almejamos pensar o
significado da cidadania contemporânea a partir de uma perspectiva histórica, situando-a no
campo da experiência social, política e cultural brasileira, isto é, inserida em uma trajetória
repleta de desafios no que tange ao enraizamento de direitos que se posicionam no amplo
quadro democrático nacional – e também, por que não, global?
Assim, mutabilidade histórica do conceito de cidadania decorre não apenas de seus
significados práticos como experiência humana concreta, mas, ao mesmo tempo, pelo nível
do simbólico. Neste sentido, norteamos o conceito de cidadania como uma identidade social
politizada, segundo pronuncia a professora Elisa Reis.
Compartilhamos, então, do pensamento da autora, segundo o qual a cidadania abarca
múltiplos estilos de identificação intersubjetiva entre pessoas e entre grupos sociais, além de
sentimentos de pertencimento concebidos coletivamente em distintas mobilizações,
suscitando, aproximações, lutas ou negociações tanto no domínio prático quanto no
simbólico.
Portanto, a pluralidade de significados arquitetados ao redor do conceito de cidadania
pode ser sintetizada, a partir de duas questões centrais que lhes atribuem conteúdo e nos
auxiliam a conjeturar seus limites: o campo dos valores e das práticas dos direitos e, em uma
esfera distinta, a efetividade e/ou reconhecimento desses mesmos direitos.
Neste artigo buscamos, portanto, discutir a cidadania a partir de uma profunda reflexão
acerca de seu legítimo sentido, a fim de propiciar a desnaturalização deste conceito,
atualmente tão esvaziado devido ao seu uso superficial, fato que tem gerado desconhecimento
a respeito de uma questão que é fundamental ao exercício democrático e à participação
política cotidiana. Lutar contra a iniquidade e a opressão – possibilitando-nos trilhar a
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reinvenção dos caminhos que levam à emancipação – representa, certamente, lutar em prol da
cidadania, tendo como norte a construção de novos paradigmas de inclusão e justiça social.

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