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Resumo
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Mestranda em Educação (UEPA). Membro do Grupo de Pesquisa História da Educação na Amazônia –
GHEDA, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da Universidade do Estado do Pará
(UEPA). E-mail: iagrassar@hotmail.com.
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Introdução
Cidadania é uma temática que vem sendo abordada com muita frequência nos dias
atuais, sem que, no entanto, seja realizada uma profunda reflexão acerca de seu verdadeiro
sentido, motivo que propicia a emergência de estudos que buscam desnaturalizar este conceito
tão esvaziado devido ao seu uso indevido e ao desconhecimento a respeito de uma questão
fundamental no que tange ao exercício democrático e ao engajamento necessário à vida em
comunidade.
Alimentar o inconformismo contra a injustiça e a opressão, possibilitando a reinvenção
dos caminhos que levam à emancipação são, certamente, questões que dependem diretamente
da luta em prol da cidadania, batalha a ser vencida somente mediante a construção de novos
paradigmas de inclusão e justiça social.
Segundo André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz (2012, p.8), cidadania, ainda que se
constitua em temática relevante na contemporaneidade, é um conceito que não se ancora em
definições harmônicas ou mesmo em análises que vislumbram sua história como uma
construção estática:
Do cenário político da sociedade atual a uma história que remete ao mundo antigo, o
termo cidadania origina-se do latim civitas, enquanto o conceito advém da Antiguidade,
aproximando-se nas civilizações gregas das noções de liberdade, igualdade e das virtudes
tipicamente republicanas – que ainda nos dias atuais costumam ser associadas ao termo.
A questão nodal da história do conceito de cidadania remete a dois questionamentos
basilares: o que significa ser cidadão e quem pode ser caracterizado como tal.
Segundo a ótica aristotélica, ser cidadão perpassa pela titularidade de uma espécie de
poder público sem limitações e com poder de decisão no âmbito coletivo. Já no que tange aos
critérios necessários à cidadania, Aristóteles os pontua de modo bem mais restritivo, situando-
os entre os poucos homens que não dependiam de sua força produtiva para viver, com
absoluta exclusão dos escravos, dos estrangeiros e, também, das mulheres.
Uma origem romana, todavia, marca a edificação da categoria cidadania quando
imbuída de um caráter mais jurídico. A palavra latina civis, ainda com uma acepção ligada a
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(...) foi um primeiro – e grande passo – para romper com a figura do súdito que tinha
apenas e tão somente deveres a prestar. Porém, seus fundamentos universais (“todos
são iguais perante a lei”) traziam em si a necessidade histórica de um complemento
fundamental: a inclusão dos despossuídos e o tratamento dos “iguais com igualdade”
e dos “desiguais com desigualdade”. Para tal fim, por uma “liberdade positiva”, é
que virá à tona nos séculos vindouros a luta por igualdade política e social, tarefa
árdua a ser conquistada não mais pelos liberais, mas regularmente contra eles, pelas
forças democráticas e socialistas. Uma luta contínua que não cessa até o tempo
presente.
consumidor de direitos o posiciona, inclusive, como dotado de liberdade para optar ou não
pelo engajamento junto às questões públicas.
Assim, segundo esta ótica, manter-se restrito à esfera privada também seria uma
possibilidade plausível ao cidadão. Esta contradição apontada tanto na prática quanto no
conceito de cidadania nos possibilita visualizar o quanto esta temática pode ser compreendida
de modo díspare de acordo com a tradição representa.
A cidadania como campo de envolvimento com as questões públicas guarda estreita
relação com seu significado de identidade social politizada, construção coletiva que encontra
substância quando percebida tanto como fruto das experiências sociais quanto das individuais,
logo seu caráter de identidade social, no sentido de construção dialética, relativa, situacional,
provisória, mutável.
A cidadania é uma prática social e ao mesmo um conceito com um tom acentuado de
resposta política a questões notadamente políticas. A volatilidade que lhe caracteriza advém
dos contrastes sociais que a originam. Seu caráter político é marcado pela energia dos
conflitos, das mobilizações, das aproximações e dos recuos da vida real, diária, experiencial e
simbólica.
Desse modo, compreendemos o conceito de identidade social politizada à medida que
o alcance dos direitos da cidadania seja pensado como resultado direto dos inúmeros conflitos
dos grupos sociais, sendo tais conflitos visualizados como núcleos de identificação
intersubjetiva.
Assim, essas noções de reconhecimento e pertencimento nos permitem refletir acerca
do fato de que as noções de identidade e cidadania são engendradas de acordo com a força
que as mobiliza, daí seu caráter mutável, possibilitando, inclusive, o surgimento das políticas
identitárias.
A expansão dos diversos sentidos que permeiam a cidadania ganha dinâmica a partir
das sociedades que a engendram, de seus conflitos, interações, negociações, avanços e recuos.
A construção histórica da cidadania não ocorre, portanto, em um tempo e em um espaço
lineares.
Ao contrário, sua dinâmica dialética desconstrói a noção de sucessão, de progresso
crescente, caracterizando-se como processo, construção social de grupos que proclamam suas
diferenças, suas identidades.
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solidariedade social que nos permite nos reconhecermos como partes do contexto da
comunidade política.
Ser cidadão constitui-se em uma prática que, historicamente, emerge como processo
de disputa no cerne das políticas nacionais e também de batalha por direitos no campo das
fronteiras políticas do Estado-nação, advindo deste contexto uma concepção de cidadania que
abrange a relação de pessoas e/ou grupos com o Estado e que, contemporaneamente, engloba
o sentimento de pertencimento a uma dada nação.
No centro dos debates contemporâneos encontramos as críticas às teorias que
vislumbram a edificação do Estado-nação – logo da própria cidadania – como modelo de
caráter universal definido, em princípio, a partir de matrizes europeias de pensamento e
experiência.
A década de 70 marcou o cenário nacional, trazendo à tona um amplo movimento de
contestação aos modelos totalizadores de cidadania – bem como aos valores que lhes são
intrínsecos – vinculados de modo limitado apenas ao Estado e à política partidária.
Ao questionar esta concepção de cidadania, colocava-se em xeque a própria política
oficial, possibilitando a emergência de paradigmas alternativos ao modelo vigente,
formatando-se movimentos sociais múltiplos no campo da identidade e da luta por direitos,
como, por exemplo, o movimento negro, o feminista, o ambiental ou mesmo o LGBT.
Assim, os movimentos em prol da cidadania dirigem-se não somente ao Estado, mas à
sociedade de um modo em geral, desnaturalizando a universalização de direitos por meio de
uma agenda política que permite particularizá-los, desnudando as práticas cidadãs de um viés
de poder acentuadamente paternalista.
As ciências sociais também fornecem importante contribuição acerca da temática
cidadania. Em um estudo clássico intitulado Cidadania, classe social e status, datado de 1949
e baseado na experiência inglesa, T. H. Marshall desenvolve o conceito a partir de uma
progressiva sequência histórica de direitos civis, políticos e sociais.
Essa percepção evolutiva de cidadania, localizada em um contexto europeu bastante
particular, sugere que o exercício dos direitos civis – ligados à garantia da liberdade e da
igualdade – possibilitou a conquista dos direitos políticos – aqueles que remetem à
participação no governo – e estes, sucessivamente, a emergência dos direitos sociais –
vinculados às áreas de trabalho, saúde, educação, enfim, à justiça social.
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Origina-se do conceito marshilliano uma visão de cidadão como a figura que possui a
titularidade dos três direitos – civis, políticos e sociais – favorecendo, assim, um processo de
mobilização em busca da efetividade da cidadania.
A ampla difusão desta percepção acerca da cidadania não escapou a severas críticas,
especialmente no que tange ao desenvolvimento social do conceito, ideia aludida pelo autor,
como uma sequência que iria de um estágio mais simples até chegar a um mais complexo,
desconsiderando as questões históricas, as especificidades de cada sociedade, às questões
intrínsecas à transformação social.
Reinhard Bendix, judeu alemão radicado nos Estados Unidos, nos auxilia a pensar a
cidadania de um modo bastante distinto de Marshall, quando em sua clássica obra,
Construção nacional e cidadania, editada em 1964, a aproxima de um viés mais histórico, no
qual cada um pode trilhar seu próprio caminho em busca deste ideal. A cidadania situa-se no
campo da ação concreta, no qual a conquista de direitos não se encontra presa a um único
caminho, ao contrário, torna-se efetiva na multiplicidade.
Um bom exemplo desta singularidade pode ser percebido ao refletirmos sobre o
próprio caso brasileiro, que, diferentemente do percurso britânico, demonstrou maior ênfase
no campo dos direitos sociais, que acabaram por preceder os de cunho político e civil, como
cita o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, em Cidadania no Brasil: o
longo caminho, demonstrando que a existência de determinado tipo de direito não
necessariamente pressupõe ou impede o surgimento de outro.
Logo, se a garantia e/ou o exercício de determinados direitos não pressupõe
necessariamente o gozo de outros direitos, torna-se inviável afirmarmos a existência de um
modelo fixo, universal e imutável de análise no campo da cidadania.
No entanto, até mesmo a premissa acima de que um direito não pressupõe outro
precisa ser relativizada, haja vista que sem a garantia dos direitos civis, calcados nos preceitos
de liberdade, não há como admitirmos a existência de direitos políticos materialmente
consolidados. A articulação entre direitos ganha, nesta perspectiva, uma relevância singular
no processo de construção de um conceito contemporâneo de cidadania à medida que é
alicerçada nas liberdades individuais, especialmente a de associação e a de opinião.
Logo, é na noção de direitos civis que estão fundados os preceitos dos direitos
políticos, vislumbrados para muito além do mero processo eleitoral, mas como participação
crítica no governo e engajada nos assuntos de cunho comunitário. Portanto, o exercício dos
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direitos políticos alijados dos direitos civis presta-se muito mais para justificar governos que
para representar de fato o cidadão.
O trajeto da cidadania no Brasil tem como palco a própria história do país, cujo
processo de independência não significou melhoria na qualidade de vida de boa parte da
população, que continuou excluída dos direitos civis e políticos, bem como desprovida do
sentimento de nacionalidade que a impulsionasse a um processo efetivo de mobilização.
Assim, o status do cidadão passa a ser questionado no Brasil em diversos de seus períodos
históricos, a exemplo do que ocorreu ao longo da monarquia que, rodeada por repúblicas,
enfrentou o desafio de dar conta do significado social do que representava ser “súdito” ou
“soberano”.
É na configuração da identidade do indivíduo moderno que a noção de cidadão
assemelhada à de súdito passa a ser rejeitada. Ser cidadão não pode mais ser concebido como
ser um mero sujeito de deveres e um passivo cumpridor de obrigações. A própria escravidão
no Brasil, enquanto experiência social, mesmo após sua extinção, continuou a negar os
direitos mais elementares nos campos da liberdade e da igualdade, limitando, ainda nos dias
atuais, o conceito de cidadania, por meio de um legado de discriminação e exclusão.
A situação dos homens livres pobres, representantes da maioria da população nacional
do período, não representou grande diferença em relação ao contexto de vida dos escravos,
haja vista que permaneciam vinculados a estruturas tradicionais de dominação, a exemplo do
coronelismo, nutrindo, para sobreviver, relações de favor com os mais abastados e
socialmente poderosos.
O favor, com sua marca baseada em características pessoais, acaba por aniquilar a
universalização de direitos, negando, desta forma, o próprio sentido de uma cidadania voltada
para todos, prejudicando, também, a relação com o Estado, à medida que fortalece a
concepção de “dívida” para com aquele que prestou o favor, enfraquecendo a esfera estatal e
afastando dela o caráter de mediadora dos conflitos sociais.
Os sentimentos de pertencimento e de identidade nacional passam a ser incutidos,
inicialmente, a partir da República, que – proclamada em 1989 – passa a ideia de
transformação dos nacionais da condição de súditos do imperador para a de cidadãos
brasileiros.
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Tal processo foi marcado por inúmeras contradições, dentre as quais podemos citar o
período da Primeira República, que trouxe à baila tanto nacionais quanto imigrantes
estrangeiros, combinando políticas de inclusão e exclusão sociais, rupturas e continuidades,
modernidade e antigos padrões. Paradoxos que constavam até mesmo na nomenclatura
“República Velha”, designação inadequada para um período que abarcou tantas experiências
progressistas, como embrionários projetos de cidadania e variadas mobilizações sociais.
O Estado Novo, período demarcado de 1937 a 1945, representa contraditoriamente a
entrada do Brasil em um contexto moderno de cidadania à proporção que se constituía em
uma ditadura que, como tal, negligenciava ou pouco reconhecia os direitos civis e políticos
em detrimento aos direitos sociais, legitimados no campo trabalhista. Com Juscelino
Kubitschek os paradoxos perduraram, englobando uma política integracionista que em nada
modificou o grande abismo social que já assolava o Brasil.
Com o advento da Ditadura Militar, instaurada por meio do golpe de 1964, o processo
de construção da cidadania nacional sofreu grande abalo à medida que os mais elementares
direitos foram cerceados, entretanto, foi a partir do final dos anos 70, com o advento da
transição democrática que o Brasil passou a vivenciar um novo período na história da
cidadania. A Constituição de 1988, conhecida emblematicamente como “constituição cidadã”
despontou como relevante instrumento de reconhecimento e de garantia dos mais variados
tipos de direitos.
O estabelecimento de um modelo eleitoral internacionalmente reconhecido por sua
eficiência e celeridade, no entanto, ainda contrasta com a consolidação de um processo
democrático que precisa enfrentar desafios relativos aos contrastes sociais e às assimetrias de
poder que ainda assolam o Brasil de modo bastante intenso, sobretudo nos campos da
educação, do trabalho, da saúde, do saneamento básico, da segurança pública, enfim, de
problemas que para serem resolvidos necessitam do rompimento com o modelo político
excludente.
Neste sendo, conforme o sociólogo Sérgio Adorno (2012, p.77-78), vale ressaltar que:
A cidadania nacional tem sua história marcada por desafios e conquistas que giram em
torno da consolidação do Estado Democrático de Direito. Aliás, a luta pela concretização de
uma democracia representativa – capaz de reconhecer os canais institucionais de resolução de
conflitos – emerge da agenda cidadã mundialmente. Tais processos, sejam os de cunho
nacional sejam os de viés internacional, são marcados por algumas aproximações que
podemos denominar como características comuns.
Como exemplo, cita-se que a prevalência de lutas por direitos individuais,
vislumbradas por meio do jusnaturalismo – modelo jurídico que permite acesso direto à lei –
parecem ter despontado até, aproximadamente, a metade do século XX, enquanto as lutas por
direitos coletivos passaram a fazer parte do cenário da cidadania democrática com maior
ênfase a partir de 1970.
Tal fato relaciona-se ao surgimento de novos padrões no bojo do debate político, bem
como ao desenvolvimento de teorias ligadas à democracia, possibilitando uma reflexão
diferenciada acerca da temática dos direitos sociais, tendo como ponto de partida o Estado de
Bem-Estar Social.
A retomada do tema cidadania desponta ao lado de crescentes pressões sociais em
busca de uma justiça verdadeiramente material, incluindo os novos direitos e o próprio
alargamento do conceito, que passa a abranger não somente indivíduos, mas grupos, nações
ou mesmo a humanidade de um modo em geral, como podemos aludir quando pensamos no
direito ao meio ambiente, à paz ou à transmissão do patrimônio cultural às gerações futuras.
Considerações Finais
Conclui-se, portanto, que cidadania não é um conceito estanque, mas que guarda
ampla marca de historicidade, característica que o faz modificar-se de acordo com o tempo e
o espaço em que o situamos. As concepções teóricas acerca do tema, muitas vezes,
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transparecem fragilidade diante de uma prática que engloba fenômenos tão complexos,
conforme aponta Jaime Pinsky (2013, p.09):
Afinal, o que é ser cidadão? Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à
propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo ter direitos civis. É também
participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os
direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles
que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação,
ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila.
reinvenção dos caminhos que levam à emancipação – representa, certamente, lutar em prol da
cidadania, tendo como norte a construção de novos paradigmas de inclusão e justiça social.
REFERÊNCIAS
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BOTELHO, André, Schwarcz, Lilia Moritz (orgs.). Cidadania, um projeto em construção:
minorias, justiça e direitos. São Paulo: Claro Enigma, 2012. p. 70-81.
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Civilização Brasileira, 2004.
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PINSKY, Jaime, Carla Bressanezi Pinsky, (orgs.). História da Cidadania. São Paulo:
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REIS, Elisa Pereira. Processos e escolhas. Estudos de sociologia política. Rio de Janeiro:
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