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Nelson Rodrigues

NINGUÉM PODE
SABER QUE VOCÊ AMA
Durante um mês, andou de amigo em amigo, per-
guntando: — “O que é que eu vou fazer?”. Ninguém en-
tendia: — “Fazer como? Sei lá”. Como era um medíocre
ou, segundo os mais taxativos, “uma besta”, ninguém es-
tava interessado nos seus atos passados, presentes ou fu-
turos. Até que chegou a minha vez. Entramos num bar,
ou boteco, e ele me atropela: — “Dá um palpite. O que
eu vou fazer? Diz lá. O que é que eu estou tramando?”.
O garçom, um espanhol, apareceu. Ele pediu uma
cerveja “geladíssima” e eu nem me lembro. A primeira
ideia que me ocorreu foi esta: — “Casamento?”. Parece
que a hipótese matrimonial o surpreendeu. Quis saber:
— “Interessante. Por que é que você falou em casa-
mento?”. Disse: “Nada, rapaz. Falei por falar. Você es-
tava noivo, ora essa!”.
E, então, sem nenhuma inflexão especial, em tom
estritamente informativo, deu à queima-roupa a notícia:
— “Minha noiva morreu”. Encarei-o com um interesse
maior. Para mim, a morta tem mais densidade do que o
morto. Lembro-me de uma mocinha que morreu em Al-
deia Campista. Fui ao velório. Teria uns dezessete anos,
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se tanto. Se fosse um rapaz, sua morte teria menos es-
panto e menos mistério.
Perguntei: — “Morreu de quê?”. Respondeu: —
“De amor”. Fez uma pausa. Bebeu cerveja com uma sede
brutal. Pôs o copo na mesa; enxugou a boca com as costas
da mão. Perguntou: — “Que ideia você faz do casa-
mento? Falo do casamento de amor. Os outros não inte-
ressam”. Segundo ele, o casamento de amor devia ter o
sigilo do adultério. Nada de proclamas. Ninguém devia
saber, jamais.
Com ardente seriedade, repetia: — “Falo do casa-
mento de amor”. Não sendo de amor, podia ter uma as-
sistência de Fla-Flu. O homem e a mulher deviam casar-
se num terreno baldio, à meia-noite, à luz de isqueiros
ou de vela. O padre falaria baixinho para que nem os sa-
pos, nem os gafanhotos percebessem. E, depois, os noi-
vos iriam enterrar o amor num túmulo. Ninguém sabe-
ria, jamais. Então teriam uma felicidade jamais conce-
bida.
Na minha perplexidade, resmunguei: — “Ora,

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ora”. E fiz a objeção: — “Também não é assim, que di-
abo!”. Ele não parou mais. Disse que a noiva morrera
porque amava e era amada. Ninguém suporta o amor
alheio. O mundo nunca foi a casa do amor. Os que amam
devem ser destruídos. Disse: — “Minha noiva foi des-
truída. Eu fui destruído”. Parentes, amigos, vizinhos, de
ambos os lados, se juntaram para assassiná-los.
O rapaz falava, falava, e realmente não apresentava
um fato, uma doença, um gesto, uma palavra, nada de
preciso, de concreto. E, como tudo era muito vago, fiz
o comentário interior: — “Mania de perseguição”. Re-
almente, falava como um alucinado. E, súbito, cara a cara
comigo, voltou à pergunta inicial: — “E agora, na tua
opinião, o que é que eu vou fazer?”. Respondi: — “Não
sei. Não sou adivinho. Sei lá”. Riu, na vaidade do misté-
rio: — “Ninguém sabe”.
Bebera seis garrafas de cerveja e pagou a despesa.
“Faço questão”, disse. Saímos. Na calçada, crispou a mão
no meu braço: — “Se você amar, não deixe que ninguém
saiba. Ninguém pode saber. ‘Eles’ te destroem”. Pausa e
apertava minha mão: — “‘Eles’ me destruíram”. Deixei-
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o partir. Mas aquilo não me saía da cabeça. Dizia “eles”
como se falasse dos assassinos do amor. Dois dias depois,
ou três, sei lá, batem o telefone para mim: — “Sabes
quem morreu? O Fulano! Suicidou-se, imagine”. No
meu espanto, dizia: — “Esteve comigo anteontem.
Como foi o negócio?”. O outro contou-me tudo e suspi-
rou: — “Chato, mas não era mau sujeito”.
Não importa a forma do suicídio. O que importa é
a morte. E, subitamente, comecei a achar que “eles”
existiam, fisicamente. “Eles” não eram um delírio.
“Eles” assumiam a cara de um vizinho, ou de uma tia, ou
de um pai, ou de um amigo, ou de uma prima entrevada.
Os impotentes do sentimento precisam matar o amor.
Mais tarde conheci outro amor. Era um professor,
muito mais velho, e uma aluna quase adolescente. Foi um
romance de uma beleza absurda. Para o meu gosto su-
burbano (sou um suburbano irreversível) a coisa tinha
um tom de Sinfonia inacabada. Logo vizinhos, parentes se
juntaram contra os dois. Ah, o ódio que esse mísero amor
deflagrou numa rua, num bairro, numa cidade. Era amor
e precisava ser destruído.
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Conversei muitas vezes com o professor. Se bem
me lembro, tinha um certo estrabismo. Ah, saiu até ar-
tigo de fundo contra o maravilhoso idílio. Certa vez, vi o
professor ferido de espanto e de medo. (E seu olho es-
trábico era de um apelo insuportável.) E a coisa que mais
me impressionou é que o homem também dizia, como o
suicida: — “Eles”. Essa era, decerto, uma imagem im-
pessoal da comunidade. “Eles” não tinham cara, nem
nome e só tinham ódio.
Nunca vi ninguém mais frágil, ninguém mais inde-
feso do que o velho professor. No nosso último encon-
tro, disse-me: — “Nelson, estamos condenados. É inútil
lutar. Escreva o que lhe vou dizer: — é um assassinato!
Eles são os nossos assassinos!”. Daí a duas semanas, o
professor e a mocinha fizeram um pacto de morte.
Quanta gente exultou. Alguém disse, quando soube: —
“Eu venci, eu venci!”.
Evidentemente, não era um concurso hípico. Mas,
se existiam vencedores, foram os dois namorados contra
a comunidade homicida. Morreram em pleno amor e por
que desejar mais da vida? Ao passo que os outros andam
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por aí ardendo na própria aridez infinita. Aconteceu esta
coisa linda: — quando passava no cemitério o caixão do
professor, uma velhinha aplaudiu. Foi esta, se não me en-
gano, a primeira vez em que se bateu palmas para um
enterro.
Tinha razão o suicida: — o mundo não é a casa do
amor. Conheci um grande médico que, em plena matu-
ridade, descobriu o amor. Amou e se deixou amar. E
teve, então, a sua total felicidade terrena. Mas seu amor
precisava ser odiado. Um dia, sofreu um enfarte fulmi-
nante. Diria que morreu porque amava, era amado e es-
tava junto do ser amado. Objetará alguém: — “Foi o en-
farte!”. Mas justamente os impotentes do sentimento
vingam-se assim ou melhor: — a sua vingança pode as-
sumir a forma do enfarte. Mas como deve ser invejado o
homem que morre amando! E como deve ser invejada a
mulher que foi amada até as duas últimas lágrimas de pai-
xão e de vida! Essa foi a história de Ilydio e Betty Sauer.

[O GLOBO, 19/2/1968]

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