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Nelson Rodrigues

AMOR PARA ALÉM


DA VIDA E DA MORTE
Há vinte anos ou trinta (exatamente, trinta), ia
passando eu por um cinema e paro um momento. A porta
do cinema me fascina como a capa de um livro. E lá estava
anunciado o filme da semana: De amor também se morre.
Os artistas eram Charles Boyer, com trinta anos menos, e
Olivia de Havilland. (Ou por outra: – não era Olivia de
Havilland, mas a irmã de Olivia, cujo nome não me
ocorre).
De amor também se morre, se não me engano, uma
história inglesa, adaptada por Jean Giraudoux. Este foi um
virtuose. Usava a prosa francesa como um luminoso
disfarce de sua impotência vital. Mas tanto Giraudoux
como Charles Boyer, como a irmã de Olivia de Havilland,
eram nomes secundários ou nulos. O apelo encantado
vinha do título irresistível: – De amor também se morre.
(Agora me lembro: – a irmã de Olivia de Havilland
chamava-se Joan Fontaine.) E as pessoas que passavam
na calçada, ou no bonde, ou de automóvel, sentiam um
frescor de fonte e de idílio. Morrer de amor, morrer por
amor, eis uma utopia que está cravada em qualquer
coração. Ninguém precisava entrar no cinema, ver o filme.
O filme era o título. E o vago transeunte levava o título
como uma dália roubada.
Eis o que eu queria dizer: – minha cunhada Célia,
viúva do meu irmão Mário Filho, morreu de amor. Sempre
escrevo que todo amor é eterno; e, se acaba, não era amor.
Lembro-me de uma festa a que comparecemos, eu e Lúcia,

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Mário e Célia. Foi em agosto, e Mário ia morrer em
setembro, menos de um mês depois. E, então, comecei a
dizer as verdades que me parecem eternas. Conversando
com seis ou sete senhoras, afirmei, por exemplo: –
“Ninguém sobrevive ao grande amor”. Houve um alegre
espanto. Como é? Eu queria que a viúva morresse para o
mundo? Uma das presentes disse que a viúva tinha direito
a uma segunda, terceira ou quarta experiência
matrimonial. E instalou-se ali uma divertida polêmica, de
uma frivolidade a um só tempo irresponsável e sinistra.
Cercado de risadas por todos os lados, pedi novamente a
palavra: – “Um momento, um momento. Falo da viúva
que ama. A outra não interessa”. E, de fato, a viúva que
não ama é a da valsa, é a própria Viúva alegre, de Franz
Lehar. Tive a probidade de reconhecer que, em 99% dos
casos, as viúvas são alegres. Era eu sozinho contra
muitas. E terminei dizendo, por outras palavras, o
seguinte: se a viúva amava o falecido, o segundo
matrimônio passa a ser o adultério com guaranás,
salgadinhos e convidados. Das senhoras presentes, apenas
a minha cunhada Célia achou comigo que o amor há de
ser, fatalmente, o primeiro, único e último. Ninguém ama
por uma temporada, por duas semanas ou seis meses.
Ama-se para sempre. O amor há de continuar para além
da vida e para além da morte. Célia achava que temos de
morrer com o ser amado. O amor não deixa sobreviventes.
Eu me lembro de Célia na morte de Mário. As viúvas

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que não amam e que apenas representam uma dor não
sentida podem ficar altas, eretas, solenes, hieráticas etc.
Mas Célia me deu sempre a sensação que não estava de pé,
que ia de queda em queda, que não parava de cair, como
nos sonhos abismais. Houve um momento em que a
fizeram sentar-se, junto ao caixão: – baixava a cabeça e
assim ficou uma eternidade, pendida de sonho.
E, depois, não parou mais. Um mês, dois, três meses
depois, ela dizia a mim e aos outros: – “Eu gosto cada vez
mais do Mário”. Para o que ama, a morte não interrompe
nada. O amor continua nas profundezas, sim, nas
profundezas onde estão as raízes do ser, crispadas como
víboras. Gostar cada vez mais de um morto. Amá-lo a cada
dia mais do que na véspera.
Claro que, diante da grande dor, cada um age e reage
como um idiota da objetividade. Eu fugia de seus
telefonemas. Avisava em casa: – “Se for Célia, não estou”.
Sempre que falava comigo começava: “Você, que era o
maior amigo de Mário”. E eu não queria ver que a
monotonia é própria, obrigatória, da grande dor. Foi
preciso que Célia morresse para que eu sentisse a minha
própria aridez. Foi um erro ou, pior do que isso, foi uma
impiedade a minha fuga. Como me arrependo de não ter
dito: – “Sofra. Não tenha medo de sofrer. E não esqueça,
nunca, nunca”.
É de Neruda, do Neruda da primeira fase, este verso:
– “Tão curto o amor e tão longo o esquecimento”. Ai de

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nós, ai de nós! Não fazemos outra coisa senão esquecer. E,
se alguém não esquece, nós pensamos logo em “tratamento
psiquiátrico”. É uma inversão cruel e estúpida. Os
psiquiatras e os psicanalistas deviam-se incumbir dos que
esquecem fácil. Sim, foi preciso que eu a visse morta. E me
veio, então, tarde demais, todo um fluxo de consciência. O
que parecia morbidez era saúde. E o gemido, o soluço, o
grito, as entranhas feridas, tudo, tudo era graça.
Pensou em se dedicar à obra do marido, viver para a
obra do marido. Uma vez, quis telefonar para o João
Saldanha e o Armando Nogueira e pedir-lhes: – “Chamem
o Estádio Mário Filho de Estádio Mário Filho, e não de
Maracanã”. Seria bem capaz de sair de porta em porta,
trêmula de amor, anunciando: – “Não é Maracanã, é
Mário Filho. Estádio Mário Filho”. Outras vezes, passava
pelo estádio. Lá estava o nome: – “Mário Filho”. E vinha,
de suas profundezas, toda uma dilacerada euforia.
Lembro-me de que pensei mil vezes: – “Vai morrer.
Qualquer dia morre!”. Morrer de amor, morrer por amor,
era a sua clara predestinação. Estamos tão esquecidos de
sofrer que a sua dor nos parecia, e cada vez mais, uma
doença psicológica, quase a loucura. E ninguém entendia
que a grande dor deve ser preservada (a dor que passa
abre, na vida interior, imensas e lívidas sibérias).
Quando meu irmão morreu, escrevi que o último
rosto não mente, não finge, não trai. Também me curvei
sobre o caixão de minha cunhada Célia. Fiquei olhando

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aquela paz que era mais êxtase do que sono. A morte foi
para ela um retorno. Era o rosto da adolescência, o rosto
do idílio. As feições dos dezesseis anos. Eu me lembro do
instante em que meu irmão Augusto me disse, no telefone:
– “Você soube da Célia? Aquilo que você previa
aconteceu”. Minha reação foi estupidamente convencional.
Era uma irmã que eu perdia. Mas quando a vi, no caixão,
percebi toda a verdade: – nenhuma mulher podia ser mais
feliz.
[O GLOBO, 23/12/1967]

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