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Nelson Rodrigues

O
ANIVERSARIANTE
NATO
O brasileiro é o aniversariante nato. Nenhum
outro povo faz anos com tão larga e cálida efusão.
Bem me lembro da minha iniciação jornalística.
Bela época em que o dono de jornal era doutor,
para todos os efeitos. (Hoje, o último “doutor” da
imprensa é o Britto, do Jornal do Brasil). Depois de
30, fui trabalhar em O Tempo.
De 30 para trás, cada jornal novo chamava-se
O Tempo. E esse título obsessivo foi o túmulo de
não sei quantos matutinos, vespertinos, semaná-
rios, mensários etc. etc. Eis o que eu queria contar:
— o diretor era, se assim posso dizer, um aniver-
sariante vocacional. Fazia anos de mês em mês. Os
redatores promoviam uma vaquinha para o pre-
sente; havia discursos; e, depois, tínhamos uma
mesa de mãe-benta, queijadinha, empada, pastel
etc. etc.
Fiz a introdução acima para chegar ao José
Lino Grünewald (belo nome para um jovem oficial
afogado no afundamento do Bismarck). Somos

[1]
amigos, amicíssimos, mas vejam vocês: — a des-
peito da nossa intimidade, só consigo chamá-lo,
por extenso, como num cartão de visitas, de José
Lino Grünewald. Eu diria ainda que ele é neopagão,
poeta concreto, amigo de Ezra Pound.
Todos os dias, antes de sair de casa, o José
Lino Grünewald vai ao guarda-roupa e apanha uma
pose. Não uma pose qualquer, intranscendente. O
neopagão não se pode comportar como um vago
e convencional pai de família. A pose que ele veste,
calça e abotoa é a de um cínico, de um amoral, de
um perverso. Por outro lado, a soma dos dados já
referidos — neopagão, poeta concreto e amigo de
Ezra Pound — sugere não sei que abjeções inenar-
ráveis.
Sem nada dizer, para não o humilhar, a ver-
dade é que sempre o julguei um puro. Lembro-me
de que, certa vez, chamei um amigo comum, o
Francisco Pedro do Coutto, e disse-lhe: —

[2]
“Quando vejo o José Lino Grünewald, tenho von-
tade de oferecer-lhe alpiste na mão”.
E, com isso, queria dizer que o nosso Grüne-
wald (belo nome naval) é um terno, um manso,
portador de não sei quantas virtudes exemplares.
O Francisco Pedro do Coutto ouviu-me e
concordou com a ideia do alpiste manual. Mas o
que faltava, a mim e ao Coutto, era a evidência das
virtudes que atribuíamos ao amigo. Em suma: —
precisávamos de um fato sólido, de uma atitude
concreta. E, de repente, tudo aconteceu. Imaginem
vocês que almoçamos, ontem no Nino, eu, o José
Lino Grünewald, o Francisco Pedro do Coutto, o
Marcello Soares de Moura e o “Marinheiro Su-
eco”.
E o que notei, ao primeiro olhar, foi a lumi-
nosidade escandalosa de José Lino Grünewald. Se
ele falava, sentia-se nas suas palavras como que um
halo intenso. Seu olhar vazava luz. Eis a pergunta
que nos fazíamos, sem lhe achar resposta: — que

[3]
teria acontecido? Ninguém sabia, só Deus. Era um
neopagão e, pois, um sujeito sem nenhum com-
promisso com a melancolia. Mas, certa vez, entrei
no Correio da Manhã e o surpreendi arriado numa
cadeira. Vendo-o pingar tristeza, fui perguntar-lhe:
— “Mas que tristeza é essa?”. Reagiu: — “Eu sou
um dionisíaco”. E não teve nem forças para acres-
centar à sua tirada um necessário ponto de excla-
mação.
Citei o episódio para concluir: José Lino Grü-
newald é sujeito a cavas depressões como qual-
quer cristão.
E, no almoço, sua presença foi uma festa irre-
sistível. Até que, de repente, anuncia: — “Vou fa-
zer anos dia 13”. Nenhum comentário. Deixa pas-
sar alguns minutos e insiste: — “Vou fazer anos dia
13”. E nos olhava, aflito, na esperança da reação,
que tardava. Berrei então com vários dias de ante-
cedência: — “Gentil aniversariante!”. Ele, transfi-
gurado, repetia: — “Pois é. Dia 13, dia 13”. Juntou

[4]
o dado histórico: — “Nasci numa sexta-feira 13”.
Percebi tudo. Diante de nós, estava o brasi-
leiro. Não mais o amigo de Ezra Pound, não mais
o poeta concreto, não mais o neopagão. Num
único lance, extrovertera toda uma inconfessa ver-
dade interior, toda uma verdade negada. Ali estava
o anticínico, o antiamoral, o antiperverso. Era ape-
nas o aniversariante. E, no Brasil, um aniversário
jamais é intranscendente. Estamos longe do dia 13.
Pois o José Lino Grünewald, com uma semana de
antecedência, anda por aí, trêmulo de felicidade; e
já providenciando os salgadinhos, as mães-bentas,
os guaranás.
Ai de nós, ai de nós. Somos 80 milhões de
aniversariantes e, repito, 80 milhões com alma de
aniversariantes. Passo agora a outro assunto. Se a
emotividade do nosso Grünewald é tão autêntica,
tão brasileira, não posso dizer o mesmo dos rapa-
zes da Escola de Belas-Artes (não falo de todos,
mas de um grupo). Vocês conhecem o caso.

[5]
Dias atrás, a cidade esbugalhou-se lendo no
jornal o seguinte: — rapazes de belas-artes iam
queimar, em praça pública, poemas de amor. Ora,
o estudante brasileiro nunca foi “isso”. De mais a
mais, a solenidade projetada era uma cínica imita-
ção nazista. A Alemanha de Hitler queimava livros;
aqui, ia-se tocar fogo em poemas de amor e por-
que eram de amor.
No fim, os rapazes nem coragem tiveram de
queimar. Simplesmente, rasgaram os poemas. Al-
guém dirá que os jovens tinham a atenuante da
burrice. Não, não. A burrice que assassina livros
não tem perdão. O melhor que se poderia talvez
dizer é que os estudantes tinham a coragem cínica
e suicida de afrontar toda uma cidade, toda uma
população.
E, no entanto, vejam vocês: — os culpados
distribuem agora uma circular em que gaguejam
explicações e só faltam dizer: — “Nós não tivemos
a menor intenção etc. etc.”. Pior do que a atitude

[6]
foi a explicação. Estarei disposto a admitir um ca-
nalha que trepe numa mesa e anuncie: — “Meus
senhores e minhas senhoras, eu sou um canalha”.
Um canalha assim translúcido e assim confesso es-
taria salvo. O pior do canalha é que se quer passar
por gentil-homem.
Goebbels, quando viu seu mundo perdido,
matou a mulher, seis filhos e se matou. Não estava
brincando. Eu aceitaria os tais rapazes de Belas-
Artes se, ao menos, tivessem a coragem, a consci-
ência, a fúria do próprio gesto. Se queriam quei-
mar poemas, por que não o fizeram? À última
hora, resolveram apenas rasgar. Já essa concessão
foi uma vergonha.
Muito bem: — rasgaram. E só porque os jor-
nais meteram o pau, soltam uma circular depri-
mente. Pareciam uns bárbaros, uns possessos, e
me saem uns parnasianos.
Eis o que eu desejaria notar: — o que se pro-
cura no bem e no mal é a autenticidade. O José

[7]
Lino Grünewald vai fazer anos dia 13. Como um
brasileiro puro, está numa alegria honrada e pro-
funda. Como já disse, todos nós somos, acima de
tudo, aniversariantes.
José Lino Grünewald não trapaceia. E os jo-
vens de belas-artes fazem trapaça. À primeira re-
sistência, caem num pânico profundo. Com um
pouquinho mais de pressão, acabam recitando o
nosso J. G. de Araújo Jorge, com um piano ao
fundo, tocando a Dalila.

[O GLOBO, 8/2/1968]

[8]

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