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NELSON RODRIGUES

O BRASIL
KARAMAZOV
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Outro dia, alguém me perguntava: — “Que faz o Brasil que ainda


não descobriu o Hélio Pellegrino?”. Um outro, a meu lado, deu uma
resposta jucunda: — “O Brasil não descobre ninguém porque não sai da
praia”. Há a praia entre o brasileiro e a sua obra, entre o brasileiro e suas
utopias. E, de noite, lá está ele no Antonio’s, bebendo cerveja em lata.
Um turista que por aqui passasse e visse a nossa cor morena, havia
de anotar no seu caderno: — “O brasileiro é um havaiano de filme”. A
praia lotou a cidade de havaianos e havaianas. E onde não há praia, há o
sol. Somos oitenta milhões de sujeitos dourados pelo sol. Na minha
infância, não. Na minha infância, o brasileiro era pálido como um santo.
Enganei-me: — como um santo, não, como o Alfredo da Traviata.
Mas, como ia dizendo: — e porque não sai da praia, o brasileiro
ainda não descobriu o Hélio Pellegrino. Os amigos o chamam de “o nosso
Dante”. Lembro-me de Otto Lara Resende falando do gênio verbal do
Hélio. Ele tem o que dizer e voz para dizê-lo. Uma voz de Paul Robeson
numa figura de galã de neo-realismo italiano. Esse meu amigo tem um
destino. Não sei qual seja, mas repito: — tem um destino. E, aqui, abro um
súbito parêntese. Não era nada disso que eu queria dizer. O que eu queria
dizer é que meu amigo foi a uma festa, sábado, na casa do Pedro Gomes.
Uma noite flamejante. E o Hélio Pellegrino viu e ouviu, no sarau de Pedro
Gomes, coisas surpreendentes. Houve um momento em que Walter
Fontoura declarou com empolgante naturalidade: — “Eu sou reacionário”.
É prodigioso. Um brasileiro que vem à boca de cena, alça a fronte e
proclama o próprio reacionarismo. Ninguém faz isso neste país. O
brasileiro pode ser uma Bernarda Alba e não o confessa, nem a tiro. E o
Walter Fontoura, mexendo com o dedo o gelo do seu uísque, assombra os
presentes com a declaração suicida: — “Sou reacionário”.
Todavia, o grande acontecimento foi mesmo o Salim Simão. O
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Hélio não o conhecia. E quase o apalpou como se duvidasse de sua


existência. A festa acabou tarde da noite. E quem reinou, hora após hora,
qual solista absoluto, foi o Salim Simão. O Hélio estava fascinado. No dia
seguinte, quando me viu, soltou a grande notícia: — “Conheci o Salim
Simão!”. Perguntei-lhe: — “E que tal?”. Com a sua voz de barítono de
igreja, e abrindo o gesto, respondeu: “O Salim Simão é uma praça pública!
É um comício! É a tomada da Bastilha!”. E, com isso, queria dizer que o
outro arde em mil danações triunfais. Realmente, que ser fremente,
ululante, torrencial.
O admirável no Salim Simão é a sua vocação para o berro. Eu sei
que outros berram, mas de vez em quando e por motivos solenes. No Salim
Simão, até o “bom-dia” é um comício. Abro novo parêntese e explico: —
eu não queria falar no Hélio Pellegrino, senão de passagem; nem no Pedro
Gomes, no Walter Fontoura e no próprio Salim Simão. Eu queria falar no
pai de Salim Simão.
Já escrevi que um dos grandes sentimentos da nossa época é o ódio
ao pai. De repente, toda uma geração brasileira começou a odiar o velho.
Na semana passada, entro num boteco do Leblon. Estou comprando
fósforos e cigarros (por sinal, não encontrei o mata-rato que fumo). E,
súbito, vejo um rapaz, um dos sólidos havaianos de filme, que dá um
piparote numa garrafa e a derruba. Em seguida, ergue-se e arranca, das
próprias entranhas, este uivo parricida: — “E meu pai que não morre? E
meu pai que não morre?”.
Eu disse “uivo”, mas era um cavo soluço. O rapaz fizera despesas.
E, quando o garçom quis cobrar, o havaiano babava de ódio: — “Pago
quando meu pai morrer!”.
Já disse e repito: — sinto, por toda a parte, um Brasil Karamazov.
Eis o que me pergunto: — por que o pai há de assumir, para o jovem
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contemporâneo, a hediondez do velho e bandalho Karamazov?


Um dia, almocei com Luís Alberto Bahia e Salim Simão. E, de
repente, o Salim começou a falar do pai ou, melhor dizendo, a berrar do
pai. Como foi doce para mim e, ao mesmo tempo, sofrido, encontrar um pai
amado, para sempre amado. E dizia o Salim: — “O que eu não daria pra ter
meu pai vivo aqui. Eu me ajoelharia a seus pés. E, abraçado às suas pernas,
agradeceria tudo, tudo!”. Ajoelhado aos pés, abraçado às pernas.
E, então, comecei a pensar também no meu pai. Morreu em 1930,
exatamente a 15 de março. Morreu magro e o espantoso é que, no primeiro
momento, a morte o rejuvenesceu. Vejo minha mãe pendida sobre o corpo
sem vida e beijando, não a mão, mas o braço do meu pai. Eis o que me dói
ainda hoje: — nós olhamos pouco para os seres amados. Tão fácil olhar e
repito: — olhamos tão pouco. Não olhei para meu pai como devia. Por que
não me embebi do seu gesto, do seu sorriso, do seu olhar; e suas mãos, por
que não olhei muito mais as suas mãos?
E, quando Salim falou do seu pai (e com que estremecido amor), eu
pensava: — “Esse não é um Karamazov”. A partir daquele momento, eu o
aceitei na minha solidão. Fascinado, deixei o Salim falar. E, pouco a pouco,
fui amando, sim, amando o velho libanês. Ah, viera de longe, muito longe,
lá do Líbano. Líbano. Sou, como o francês, um analfabeto geográfico. Os
sábios do Instituto de França pensam, ainda hoje, que Buenos Aires é
capital de Niterói. E que sei eu do Líbano? Nada, mil vezes nada. Mas vejo
o pai do Salim desembarcando aqui, saltando no cais, miserável, mas cheio
de utopias formidáveis. Foi trabalhar no Espírito Santo e numa terra onde
era bonito matar sírio, matar libanês. Os facínoras de lá, quando queriam
experimentar um revólver, davam um tiro na cara do libanês mais à mão. E
não era crime. O pai do Salim esteve para morrer quinhentas vezes. Não
morreu e ficou rico. Vejam: — em vez de se enfiar, como tantos outros,
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numa cova sem nome, ficou milionário. Salim, menino rico. E, um dia, de
repente, o pai perde tudo e morre, também de repente.
Eu não o conheci, claro. Morreu quando o filho tinha, se não me
engano, doze anos (e o garoto começou a passar fome). Não sei nem como
se chamava o pai de Salim. Não vi um retrato seu, nem de lambe-lambe.
Mas eis o que queria confessar: — esse velho é uma das memórias que vou
preservar para sempre, e com que absurdo amor.
[O GLOBO, 14/2/1968]

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