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Nelson Rodrigues

Bis, como
na ópera
Bate o telefone. O contínuo chama: — “Nelson
Rodrigues”. Lá vou eu. Uma voz feminina, que se iden-
tifica como “uma leitora”, começa: — “Posso lhe fazer
uma pergunta?”. Digo: — “Duas”. E ela: — “O senhor
é inimigo do dr. Alceu?”. O meu escândalo é total: —
“Eu? Nunca! Nem me faça essa injustiça!”. Instintiva-
mente, procuro uma madeira para bater as três pan-
cadinhas. (Como é antigo, obsoleto, nostálgico o uso
das três pancadinhas.)
Na ânsia de convencê-la, fui enfático: — “Gosto
pra burro do dr. Alceu”. Em se tratando de uma se-
nhora, não devia ter dito “pra burro”. Mas ela insistia:
— “Como é que o senhor explica a sua ‘assinatura’?”.
E repetia: — “O senhor tomou ‘assinatura’ com o dr.
Alceu”. E, então, com as faces em fogo, tratei de me
justificar. Eis o que disse: por azar, o dr. Alceu é um
grande homem. E como não falar de um grande ho-
mem, como não me ocupar de seus atos, ideias, senti-
mentos?
No meu fervor polêmico, fui além. Ousei uma

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tese que, de momento, me pareceu engenhosa, a sa-
ber: — não há grande homem sem grandes bobagens.
Também por esse lado, o dr. Alceu teria de ser um
filão inexaurível. Mas quando, por cansaço vocal, fiz
uma pausa, a voz feminina fustigou-me: — “O senhor
não me convence. O senhor não gosta do dr. Alceu”.
Até o fim, bateu na tecla do desamor e da má-fé com
que trato o sábio católico.
Mal pode imaginar a leitora como foi injusta co-
migo e com os meus escritos. Só Deus sabe que fiz o
diabo para ser amigo do nosso Tristão de Athayde.
Durante cinco anos, telefonei-lhe em cada véspera de
Natal: — “Sou eu, dr. Alceu”. E, já comovido, uma
certa dispneia emocional, prosseguia: — “Vim desejar-
lhe um maravilhoso Natal para si e para os seus” etc.
etc.
Tudo inútil. O dr. Alceu trancou-me o coração.
Até que, na última vez, disse algo que, para mim, foi
uma paulada. Depois de ouvir os meus votos de felici-
dade eterna, suspirou: — “Ah, Nelson! Você aí nessa
lama!”. E, assim, como um santo que trata com um

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pulha, ele frustrou-me para sempre. O mestre insinu-
ara que minha alma é um mangue, um pântano, um la-
maçal (por certo, ao sair do telefone, dr. Alceu foi-se
vacinar contra o tifo, a malária ou a febre amarela, que
vivo a exalar).
E o que nos separa eternamente é, de um lado, a
minha lama, e, de outro, a sua luz. Dito isto, passemos
adiante. Escrevi mais acima que não há grande homem
sem grandes bobagens. Pode parecer que aí está uma
frase em forma de paradoxo. Nem tanto, nem tanto.
Eu citaria, ao acaso, o nome Jean-Paul Sartre. Um gê-
nio da nossa época. Há quem diga, de mãos postas e
com que admiração abjeta: — “A maior inteligência do
século”. Mas desejo mostrar que, em dado momento,
o gênio pode agir e reagir como um cristalino idiota.
Se não, vejamos.
Certa vez, Sartre foi à Índia. Na volta, os repór-
teres lhe caíram em cima como chacais. Um deles per-
guntou-lhe pela literatura de lá. O gênio recuou dois
passos, avançou outro tanto e solta esta bomba: —
“Nenhuma literatura vale a fome de uma criancinha”.
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Um débil mental teria pudor de tal resposta. E o nosso
Luvizaro, cavando votos na Rocinha, não chegaria a
tanto. Por aí se vê que os mais altos espíritos têm, por
vezes, a nostalgia da mais baixa burrice.
E se falo nas bobagens do dr. Alceu, não vejam
nas minhas palavras nenhuma intenção restritiva. São
contingências dos espíritos superiores. De mais a mais,
há uma circunstância altamente elucidativa e que a mi-
nha leitora não conhece. É que, hoje, o nosso Tristão
de Athayde está só, entregue às suas patéticas fragili-
dades. Vejam a tragédia: — quem pensa pelo dr. Alceu
é o próprio dr. Alceu. Dirá alguém que o d. Hélder lhe
dará uma mãozinha. Infelizmente, há, entre os dois,
uma inexorável distância geográfica. E, muitas vezes,
um sábio tem que pensar rápido. Digamos que, à
queima-roupa, uma repórter pergunte ao mestre: —
“O que é que o senhor acha da guerrilha?”. Não há
tempo para chamar o d. Hélder no interurbano. Lá
está a repórter, de orelhas frementes, exigindo a res-
posta fulminante. É trágico.
(Por outro lado, o d. Hélder também precisa de

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alguém que pense por ele.) E perguntará o leitor, ainda
a propósito do dr. Alceu: — “Antes não era assim?”.
Exatamente, não era assim. No passado, o notável
pensador sempre teve quem o levasse, espiritual-
mente, pela mão. Primeiro, foi o Jackson de Figuei-
redo, que, por sinal, o convertera. E, se me permitem
a irreverência, o dr. Alceu dançava de acordo com o
Jackson.
Mas o Guia morreu e foi substituído, imediata-
mente, por d. Leme. Viria, em seguida, o jesuíta Leonel
Franca. E, assim, o nosso Tristão podia manter uma
coerente, límpida, harmoniosa estrutura católica. Até
que, de repente, morre também Leonel Franca. Co-
meçou a enorme solidão. Sempre precisara de alguém
que lhe injetasse a Fé. E, agora, não havia mais Jackson,
nem d. Leme, nem Leonel Franca. Agora o dr. Alceu
tinha que pensar. Mas ele nunca pensara, nunca, nunca.
A minha leitora há de ver, por trás das minhas
palavras, o que ela chama de “assinatura”. Eis o que eu
queria afirmar: — em vida do Jackson, ou de d. Leme,
ou de Leonel Franca, o dr. Alceu jamais falaria, como

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o fez em São Paulo. O Jornal do Brasil publica a sua
conferência (e como o velho órgão foi inclemente com
o seu ilustre colaborador ao publicar o impublicável).
Eis o que diz o sábio católico, textualmente: —
“Certa vez, um camponês nordestino entrou num ôni-
bus com um passarinho na gaiola. O motorista o fez
descer, porém, alegando que não poderia viajar com a
gaiola. Humildemente, o camponês levantou-se e foi
descendo. No momento em que saltava do ônibus, o
motorista movimentou o veículo e o passarinho, livre,
fugiu. O camponês, revoltado, entrou no ônibus e ata-
cou o motorista com a sua peixeira. Esta história é um
exemplo de caso onde a violência se justifica”.
Se excluíssemos o nome e a respeitabilidade do
dr. Alceu, imaginaríamos que o conferencista era o
próprio conde Drácula. Porque só um vampiro nato e
hereditário poderia aprovar esse esguicho de cálido e
rútilo sangue humano. Vejam como o dr. Alceu, na
hora de pensar por conta própria, perde toda e qual-
quer noção de valores. Vamos admitir que o passari-
nho valha uma vida humana. Acontece, porém, que o

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passarinho não morreu. Ganhou a liberdade, o que o
dr. Alceu devia achar ótimo. Portanto, não se trata de
uma vida pela outra. E, além do mais, o motorista era
tão miserável como o camponês. Como a fome é pro-
lífera, devia ser pai de uns oito filhos e, conseqüente-
mente, oito órfãos. Vamos imaginar a cena: — o mo-
torista, no meio da estrada, estirado, os intestinos ao
sol. Pois o dr. Alceu aplaude a carnificina e só falta pe-
dir bis como na ópera.

[O GLOBO, 4/4/1968]

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