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Faculdade de Educação – FE
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Disciplina: Educação e Subjetividade – 1º/2010
Professora: Inês Maria Almeida
Aluna: Juliana Fonseca Duarte
Matrícula: 10/0044514
Brasília – DF
Julho/ 2010
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João e Maria
Casa de doce
Cheiro de doce
Escola vazia
Escola cheia
Outras vidas
Outros grupos
Todas as vezes que entro em uma escola vazia me lembro da história de João e Maria
por causa do cheiro doce que fica no ar. É cheiro de lanche de criança com muito
açúcar; biscoito, chocolate, suco e iogurte. Quando a escola volta a ficar cheia, o cheiro
doce em alguns lugares se mantém e em outros se intensifica. Mas sempre me lembro
da casa de doce de João e Maria. Quem será a bruxa que enjaula João? A instituição
escolar que se mascara de ambiente agradável para encantar todo início de ano os alunos
que gostariam de estar lá fora, experimentando e descobrindo o mundo? Ou os
professores que reprimem os alunos e cada um deles? Uma visão, talvez tenebrosa e
assustadora, facilmente visualizada por nós que já vivenciamos esse enjaulamento e que
parece ter sido aliviada ao longo dos anos com o compartilhamento das experiências
entre os colegas que, como no caso de João e Maria, mantêm a esperança de outras
descobertas acesa e se distraem com a criação de um espaço diferente, um espaço
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Mestranda em Educação pela UnB.
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psíquico próprio dentro da escola na sala de aula. Um espaço no qual habitam relações
entre o grupo de alunos e os professores, relações entre os alunos e o professor, entre o
professor e cada aluno. Relações estas a respeito das quais tento traçar algumas linhas.
Numa escala diminuída, na sala de aula, inicialmente ausente de significado que não a
obrigatoriedade social da presença e do compartilhamento dos primeiros momentos, os
alunos estão à mercê do encontro de algo que irá uni-los: um professor engraçado, um
colega irônico, a colega moralista, a professora severa e autoritária, ou mesmo o diretor
que desde o primeiro dia tenta se fazer interessado presenteando todos os alunos com
mimos – bombons, palavras de cuidado etc. Um coletivo unido pela abdicação das
consciências individuais em prol de uma nova identidade para a qual o professor deve
estar atento e se dispor a compreender, pois nem sempre sabemos como, o que ou com
quem é feita essa identificação e nem sempre nos autorizamos perceber o que é e como
aconteceu.
É assim que o grupo de alunos adquire uma identidade própria, não formada pelas
partes que a compõe, pois nesse grupo as idiossincrasias dos alunos se dissipam para dar
lugar a essa nova identidade que não anseia pela verdade, mas exige ilusões, prazer,
afasta inibições e, por uma característica de não organização e necessidade de
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Para Freud, libido é o instinto sexual constituído de instintos componentes cujas fontes são os órgãos do
corpo e, em particular, certas zonas erógenas especialmente acentuadas; no entanto, a libido recebe
contribuições de todo processo funcional importante do corpo. A princípio, os instintos componentes
individuais esforçam-se por obter satisfação independentemente uns dos outros, mas, no decorrer do
desenvolvimento, se tornam cada vez mais convergentes e concentrados (FREUD, 1923 [1922]/ 1996)
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despojamento ao qual não estamos habituados, é o que deve ser sempre procurado e
permitido, pois é o que nos possibilitará acesso à construção do saber dos alunos. O que
me leva à questão: nesse espaço psíquico da sala de aula, como se dão as trocas
possíveis entre o aluno e o professor?
Assim, adotando uma postura mais cônscia, o professor enxerga uma direção para o
laço emocional com o outro e aceita ser identificado com uma figura paterna ou
materna, para que o aluno consiga expor seus desejos e o professor então possa ensinar
o aluno. É se mostrando humano, amado e amante, desejoso e carente que o professor
conseguirá fazer com que os alunos exponham seus desejos. Desejos estes de saber a
serem raptados pelo próprio professor e desviados lealmente do aluno para o
conhecimento por meio do professor (BLANCHARD-LAVILLE, 2005). E o mais
importante: nada de conhecimento advindo do ego do professor. Numa troca entre o ego
docente e o conhecimento docente o aluno não aprenderia, porém estaria sugestionado
pelo ego docente. É como se o aluno tivesse que se identificar com o ego do professor
ao invés de se identificar com conhecimento, e isso nós não queremos. Queremos que
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os alunos realmente aprendam por terem expressado seus desejos e que estes tenham
sido satisfeitos.
É certo que o professor também tem seus modelos constituídos por meio de vínculos
com outras pessoas e em outros momentos, e também é certo não negá-los, não recalcá-
los, principalmente se considerarmos a impossibilidade de controlar os escapes do
inconsciente egóico. Isto, porém, não significa estar desatento ao que se passa e às
relações que se estabelecem já que este tipo de manifestação por parte do professor é
apenas mais uma no espaço psíquico gerado. A questão aqui é tentar compreender como
os vínculos se estabelecem e, tendo consciência de como se apresentam, incentivar os
que auxiliam o processo ensino-aprendizagem e evitar os que são prejudiciais.
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De acordo com Freud, a transferência é a chave para a psicanálise pois é a partir dela que o paciente
produz perante nós, com clareza plástica, uma parte importante da história de sua vida, da qual, de
outra maneira, ter-nos-ia provavelmente fornecido apenas um relato insuficiente (FREUD, 1940 [1938]/
1996, p. 112).
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isto, mas sim que como professores consideremos manter certa distância tendendo a um
equilíbrio: nem muito próximos, nem muito afastados.
Referências bibliográficas