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Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia
36 | 2018 :
Número 36
H A B E M D
Résumés
Português Français
O medo é um sentimento que está na matriz da condição humana e de sua capacidade de
produzir o espaço. Ele pode ser visto como um dos fios que tramam a vida no cotidiano das
cidades, podendo ser considerado um fenômeno que atravessa as relações materiais e imateriais,
objetivas e subjetivas. O medo é tratado neste artigo incorporado à estrutura citadina na condição
de medo do crime. Objetiva-se, neste artigo, refletir sobre a dimensão espacial do medo,
utilizando como categoria de análise o Território a partir do seu movimento de des-re-
territorialização. Nessa perspectiva, esse sentimento carrega consigo uma dimensão espacial
intrínseca: ser um dos condicionantes responsáveis pelas práticas espaciais na cidade,
interferindo na (des)organização, na (re)produção e na (trans)formação da paisagem. A discussão
se pauta em uma perspectiva teórica que destaca contribuições geográficas para a análise deste
fenômeno.
La peur est un sentiment qui réside dans la matrice de la condition humaine et de sa capacité à
produire l'espace. On peut considérer la peur comme l’un des fils qui tissent la vie quotidienne en
ville. Elle peut être considérée comme un phénomène qui traverse des relations matérielles,
immatérielles, objectives et subjectives. Dans cet article, la peur est mise en rapport avec la
criminalité et dans sa relation à la structure même de la ville. Le but de cet article est de réfléchir
sur la dimension spatiale de la peur, en utilisant comme catégorie d'analyse le territoire et son
mouvement de dé-re-territorialisation. Dans cette perspective, ce sentiment comporte une
dimension spatiale intrinsèque. La peur apparaît comme un déterminant des pratiques spatiales
dans la ville. Elle interfère avec la (dés)organisation, la production et la (trans)formation du
paysage. La discussion est basée sur une perspective théorique qui souligne les contributions de
la géographie à l'analyse de ce phénomène.
Entrées d’index
Index de mots-clés : peur, territoire, dé-re-territorialisation.
Index by keywords : fear, territory, de-re-territorialization
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26/07/2018 Notas teóricas para o estudo do medo pela Geografia
Texte intégral
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1 Fear is a feeling that lies in the matrix of the human condition and its capacity to
produce space. It can be seen as one of the threads that plot life in the everyday of cities,
being able to be considered a phenomenon that crosses material, immaterial, objective
and subjective relations. Fear is treated in this article as something incorporated into
the city structure in the fear of crime condition. The aim of this article is to reflect on
the spatial dimension of fear, using as a category of analysis the territory from its
movement of de-re-territorialization. In this perspective, this feeling carries with it an
intrinsic spatial dimension: being one of the determinants responsible for the spatial
practices in the city, interfering in the (dis)organization, in the (re)production and in
the (trans)formation of the landscape. The discussion is based on a theoretical
perspective that highlights geographic contributions to the analysis of this
phenomenon.
2 O que nos move no mundo? Associado a essa pergunta, podemos acrescentar: quais
sentimentos nos fazem moventes? Esses questionamentos, que perpassam gerações e
que, certamente, contêm um vasto número de respostas, estão enredados em
inquietações antropogeográficas, das quais destacamos a condição humana de sair e de
permanecer no espaço matizada pelo sentimento do medo. O espaço construído tendo
como fio condutor o medo se revela um emaranhado de possibilidades que
(re)condicionam valores, enraizamentos, desenraizamentos, trajetórias, encontros,
desencontros, pondo em contato humanos, coisas, sentimentos e afetos. Dentro da
miríade de medos que constituem essa trama, destacamos um: o medo do crime. Este,
encontra no meio urbano as condições favoráveis de se propagar e condicionar
múltiplas práticas, considerando a capilaridade das ações que o envolve.
3 O medo do crime é pensado (e sentido) como um afeto capaz de influenciar o ser
humano nas diferentes esferas da sua vida. Nesse sentido, ele se apresenta como um
risco iminente que se metamorfoseia em uma multiplicidade de ações e tem perpassado
variadas camadas discursivas. A Geografia, desde a primeira década do século XXI, tem
ampliado a discussão a respeito da interferência desse sentimento na dinâmica urbana,
ressaltando a capacidade de influenciar os indivíduos em sua condição de ser-estar na
cidade, que diz respeito, entre outras coisas, ao ir e vir, ao lazer, ao trabalho, à
fragmentação dos espaços públicos e privados.
4 Nessa narrativa geográfica do medo, a paisagem vai sendo vista como uma impressão
de múltiplas trajetórias que contém passagens e evitamentos, apropriações e recusas,
permitindo ao geógrafo perceber na (des)organização do espaço citadino a constituição
de territórios formatados em processos de des-re-territorialização. Dentro deste debate
mais recente, quais suportes (teóricos/metodológicos) a geografia tem a nos oferecer
para que possamos compreender a complexidade do fenômeno do medo do crime em
sua dimensão espacial e suas repercussões na vida urbana cotidiana?
5 É na profusão deste debate mais recente que destacamos como objetivo central deste
artigo discutir o fenômeno do medo do crime e seus movimentos de des-re-
territorialização mediante determinadas repercussões na organização do espaço
urbano. Para tanto, consideramos o território enquanto categoria de análise capaz de
descortinar a dimensão espacial intrínseca a este fenômeno e tomamos como campo
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que aparecem neste artigo. Soma-se a estes procedimentos mais específicos outros que
de forma secundária na presente reflexão (vinculados à pesquisa geral), como a análise
de dados estatísticos de crimes em Natal e Candelária, intervenção em redes sociais
digitais (principalmente, o Facebook) e a produção de representações gráficas e
cartográficas3.
9 Para além desta seção introdutória e conclusiva, dividimos este artigo em outras três.
A primeira, delimita nossa concepção de medo a partir, sobretudo, da obra de Bauman
(2008) e o destaque à dimensão espacial do medo do crime com as contribuições de Yi-
Fu Tuan (2005; 2013), principalmente. Na segunda, abordamos a proposição teórica de
se trabalhar o medo a partir do território enquanto categoria de análise, considerando
as contribuições de Souza (1995; 2013) e Haesbaert (2014). Na terceira, destaca-se os
movimentos de des-re-territorialização do medo, com base nas reflexões de Haesbaert
(2004; 2014) e Deleuze e Guattari (2010).
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são evitados, bem como aqueles espaços (geralmente públicos, mas não apenas) que
oferecem algum tipo de perigo ou são vistos como ameaçadores.
15 A cidade enquanto cenário experiencial do e para o medo tende cada vez mais a se
tornar hegemônica (BECK, 2011; REBOTIER, 2010) e, nesse contexto, mostrar-se
bastante rica para criação de espacialidades variadas. A forma da cidade também se
molda a partir do medo. Se na Antiguidade os muros a rodeavam, oferecendo segurança
a todos, hoje cada um possui seu muro particular. Estes muros tornam-se cada vez
maiores e mais aparelhados com equipamentos de segurança de todo tipo: câmeras de
vigilância, cercas elétricas, arames. Vê-se também a proliferação dos “condomínios
fechados”, verticais ou horizontais, que, em boa parte, se valem do discurso da
insegurança e do medo que advém dele. Este “emuralhamento da vida social” (GOMES,
2010) reflete tanto na forma como no conteúdo das cidades e dos processos que nelas
ocorrem.
16 Dentre toda a miríade de medos que podemos ressaltar, o medo do crime tem se
constituído um dos mais proeminentes na contemporaneidade. Ele está associado aos
perigos que são projetados sobre a vida e a propriedade e aparece de forma latente em
contextos urbanos atuais, em que a insegurança emerge como marca indelével a
estruturar os cenários citadinos. O discurso da insegurança, por exemplo, é produzido
por incorporadoras que encontram nele uma das oportunidades de alavancar as vendas
de terrenos e outros tipos de imóveis; pelo governo, que o coloca como ponto
indispensável na formulação de sua agenda de políticas públicas; por empresas de
segurança privada que, tal como as incorporadoras, encontram nele um ramo bastante
rentável. Esse mesmo conteúdo discursivo é apropriado por “citadinos” ávidos por
serviços que incitem a sensação de bem-estar na cidade, longe dos seus desafios e
problemas.
17 Isso porque, quando tratamos do medo do crime, estamos nos referindo também às
possibilidades gestadas para o seu controle. Contrapõe-se ao conteúdo urbano deste
medo do crime a necessidade da produção de segurança. A segurança plena é uma
utopia, na medida em que o medo advém da impossibilidade de antever um
acontecimento futuro. Se (ainda) somos incapazes de tal previsão de forma plena,
então, jamais nos sentiremos plenamente seguros. É no seio desta incapacidade que
crescem ações cada vez mais contundentes de alteração na forma de organização e
vivência espacial.
18 É diante desta dimensão espacial do medo, enquanto condicionante da forma de ser-
estar dos indivíduos no mundo, em seu contato com outros indivíduos e com os espaços
imediatos da vida cotidiana, que é possível realizar uma análise geográfica deste
fenômeno, levando em consideração o aporte teórico-metodológico desta ciência. Nesse
sentido, propomos uma abordagem que possui o território como uma categoria de
análise, capaz de matizar algumas reflexões sobre o medo e sua dinâmica espacial.
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sentir, atuando sobre o que julgam ser as causas para a insegurança, buscando diminuir
sua vulnerabilidade frente aos possíveis perigos. Uma parte destas ações são,
iminentemente, espaciais, e corroboram para significativas alterações de suas formas e
conteúdos. Este “embate” entre medo e sujeito, não raro com a sobreposição do
primeiro sobre o segundo, ainda que parcialmente, denota o movimento de
territorialização (ou seja, de dominação, apropriação ou influência) do medo sobre o
espaço do corpo.
25 O segundo movimento de territorialização do medo advém, justamente, de sua
mediação sobre as ações dos sujeitos que buscam a mitigação deste sentir. Chamamos
estas ações de “práticas espaciais de evitamento”: práticas sociais que possuem uma
dinâmica espacial central (SOUZA, 2013), em que o foco é evitar o contato com um
possível perigo, mitigando (e não resolvendo) o medo sentido. Aparentes, pois se
materializam sobre o espaço de forma mais visível, estas práticas se subdividem em
duas dinâmicas5.
26 A primeira dinâmica vincula-se ao aumento do controle e vigilância sobre
determinados territórios através da incorporação de uma vasta gama de parafernálias
tecnológicas securitárias que, de certa forma, auxiliam em tarefas que os corpos
territorializados pelo medo são incapazes de realizar. A câmera de vigilância funciona
multiplicando seus olhos e ampliando sua memória ao gravar imagens do movimento
dentro e fora de seu espaço; o vigilante noturno se torna a atenção que se perde durante
a noite de sono; o alarme, de forma indireta, torna audível o inaudível e, ainda por
cima, avisa seguranças particulares que estão distantes. Este processo amplo de
securização urbana é resultado de ações vinculadas a uma dimensão de dominância
funcional do espaço, onde se objetiva o controle físico do acesso, da entrada e saída,
criando verdadeiros territórios fortificados (SOUZA, 2008).
27 Resultado do aumento de uma chamada “arquitetura defensiva”, que passa a compor
cada vez mais a paisagem de inúmeras cidades, estas formas espaciais denotam um
processo interessante. Em Candelária, assim como em outras localidades, a securização
urbana leva a uma ressignificação do antigo (porém, ainda presente) modelo panóptico,
idealizado por Jeremy Bentham e largamente trabalhado por Foucault. Podemos falar,
atualmente, em um panóptico espraiado, que se atomiza em cada residência e em cada
estabelecimento comercial. Ambos partem da premissa do “ver sem ser visto”, mas o
antigo é um dispositivo para se exercer poder e manter o controle “de dentro”,
enquanto que o mais contemporâneo objetiva manter o controle “de fora”. Assim,
câmeras de vigilância, cercas elétricas, seguranças privados, tentam manter o perigo ao
máximo de distância possível, evitando que se aproxime de corpos e propriedades a
serem preservados. Representamos esta ressignificação na figura 2.
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A des-re-territorialização do medo
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33 Vimos que o medo, mesmo sendo imanente à própria condição humana, não obedece
a uma linearidade absoluta. Antes, o medo é sentido em intensidades variadas que
dependem do grau de interação entre o sentimento de insegurança e a vulnerabilidade.
No campo de forças medo-sujeito, que foi descrito anteriormente, não ocorre o triunfo
total de um sobre o outro. O que há, na verdade, são níveis distintos de apropriação e
controle. Nem o sujeito é totalmente tomado pelo medo (exceto, talvez, em casos
patológicos que não vêm ao caso), nem o medo é totalmente aniquilado por ele. Esta
oscilação é resultado e resultante do permanente movimento de des-re-territorialização
do medo.
34 Partimos de uma compreensão da territorialização e re-territorialização como
processo que se dá de forma concomitante: não há desterritorialização que não
engendre uma nova territorialização, ou seja, uma reterritorialização (HAESBAERT;
BRUCE, 2002). Como aponta Rogério Haesbaert (2004), existe um “mito da
desterritorialização”, que decorre da má compreensão sobre o chamado “fim dos
territórios”, a partir do entendimento da rarefação da dimensão espacial na
contemporaneidade (supressão do espaço pelo tempo). Esta desterritorialização, na
verdade, não leva ao propalado “fim do território”, mas sim à construção de outros
territórios.
35 A noção de desterritorialização tem como principais pensadores os filósofos franceses
Gilles Deleuze e Félix Guattari (2010; 2011). Esse conceito, acompanhado também da
noção de território e territorialização, aparecem em diversas obras dos autores. Rogério
Haesbaert e Glauco Bruce (2002), em artigo supracitado, realizaram um estudo que
visou o enriquecimento do debate geográfico a partir da conceituação de
territorialização e desterritorialização dos filósofos franceses, alertando para a
abrangência que essas noções ganham no pensamento de ambos. Para eles, “o território
é um agenciamento. Os agenciamentos extrapolam o espaço geográfico, por esse motivo
o conceito de território dos autores é extremamente amplo, pois, como tudo pode ser
agenciado, tudo pode ser também desterritorializado e reterritorializado”
(HAESBAERT; BRUCE, 2002). Essa concepção vai desde o território concebido a partir
da concepção naturalista (o território dos animais) até uma dimensão psicológica, do
próprio pensamento. O fragmento do texto a seguir expressa a dimensão dessa ideia.
Nele podemos ler que,
com mais forte razão, o hominídeo, desde seu registro de nascimento, ele
desterritorializa sua pata anterior, ele a arranca da terra para fazer dela uma mão,
e a reterritorializa sobre galhos e utensílios. Um bastão, por sua vez, é um galho
desterritorializado. É necessário ver como cada um, em toda idade, nas menores
provações, procura um território para si, suporta ou carrega desterritorializações
(DELEUZE; GUATTARI, 2010)
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Conclusão
45 Neste artigo abordamos o território enquanto importante e proeminente categoria
para a análise da dimensão espacial do medo do crime. Voltando-nos a realidade
empírica do bairro de Candelária, foi possível identificar e analisar alguns movimentos
de des-re-territorialização do medo, no qual vislumbramos sua condição de agente ativo
no processo permanente de destruição e reconstrução de territórios, responsáveis por
tornar ainda mais complexo seu espaço, tanto em uma dimensão material, alterando
sua paisagem, como imaterial, influenciado na própria dimensão do vivido. Neste
sentido, a geografia, através de seu escopo teórico e metodológico próprio e das
possibilidades de diálogo com outros campos do conhecimento, nos oferece caminhos
valiosos para a compreensão do fenômeno do medo do crime e suas repercussões no
espaço urbano, fazendo com que nos aproximemos mais de sua complexidade.
46 O foco sobre as dinâmicas territoriais que envolvem o medo do crime nos possibilitou
transitar por diferentes escalas, demostrando sê-lo um fenômeno, iminentemente,
multiescalar. Consequentemente, compreendemos que o próprio discurso geográfico
nos possibilita que transitemos pelas mais distintas escalas espaciais. E, assim, foi
possível refletir acerca do corpo como espaço passível de uma análise geográfica,
considerando-o enquanto primeira escala, pois é na inseparabilidade de corpo e mundo
que o espaço é construído socialmente. Defendemos, portanto, “(...) uma centralidade
maior do corpo nas geografias que fazemos, apreciando o poder, as representações e as
práticas do corpo no emaranhado das modernas espacialidades” (AZEVEDO;
PIMENTA; SARMENTO, 2009, p. 12). Neste sentido, vimos que a primeira
territorialização do medo dá-se sobre o espaço do corpo, que passa a ser influenciado
por este sentimento.
47 O medo, então, passa a mediar as ações dos sujeitos no espaço. Isso porque, estes
sujeitos passam a atuar sobre aquilo que julgam ser a causa da insegurança, dos perigos
iminentes, sejam eles reais ou imaginários. Parte destas ações repercutem diretamente
no espaço, alterando significamente sua configuração, organização e vivência.
Chamamos estas ações de práticas espaciais de evitamento. Em Candelária, elas são
responsáveis pela construção de territórios de dominância funcional, que objetivam
maior controle da entrada e saída, representados por residências e estabelecimentos
comerciais fortificados através da incorporação de equipamentos de segurança e
vigilância. Também atuam na construção de territórios de dominância simbólica, ao
erguer novos muros (subjetivos) a partir da categorização de espaços e sujeitos que
passam a ser percebidos como inseguros e, portanto, evitáveis. A dinamicidade deste
processo advém da volatilidade com que estes territórios são constantemente
destruídos e reconstruídos, apontando para os movimentos de des-re-territorialização
do medo.
48 É importante destacarmos que, mesmo focando no bairro de Candelária, não
podemos dizer que o que tratamos aqui seja algo particular a esta localidade. Isso
porque, cada qual a seu modo, outras reflexões apontam para processos semelhantes. O
que pretendemos, aqui, é apontar um caminho válido para se analisar o fenômeno do
medo do crime a partir de uma perspectiva geográfica, como foco em sua dimensão
territorial. Este caminho, naturalmente, poderá servir de guia para outras reflexões, em
outras localidades, sobre outros contextos espaciais e temporais. Para isso, faz-se
necessário mediações e adaptações e, sobretudo, a compreensão de que esta análise da
conta de uma pequena parcela da complexidade que envolve o fenômeno.
49 Por fim, fecharemos este artigo, paradoxalmente, com uma abertura nos é dada por
Yi-Fu Tuan ao dizer que “o estudo do medo, por conseguinte, não está limitado ao
estudo do retraimento e entrincheiramento; pelo menos implicitamente, ele também
procura compreender o crescimento, a coragem e a aventura” (TUAN, 2005).
Busquemos então, em oportunidade futura, destacar outras territorializações do medo,
capazes de ressignificar o uso de espaços públicos, recompor laços de solidariedade,
criar novas formas de sociabilidade, enfim...produzir outras lógicas.
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Notes
1 De acordo com o Anuário Estatístico de Natal-RN, 2016.
2 Orientada pela prof. Dra. Eugênia Maria Dantas (UFRN).
3 Cf. Bayer (2014) para descrição detalhada dos procedimentos metodológicos da pesquisa.
4 A obra completa de Michel Foucault contribui para a construção desta noção mais ampla do
poder, lançando-o a escalas macro e micro sociais. Destacamos Microfísica do Poder (1979) por
compilar esta contribuição.
5 Em trabalho anterior (BAYER, 2016), pensamos estas duas subdivisões como territorializações
autônomas. Decidimos, aqui, englobá-las dentro das “práticas espaciais de evitamento”.
6 Pessoas que utilizam a carroça – carro puxado por um cavalo, normalmente – como meio de
transporte e/ou trabalho.
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26/07/2018 Notas teóricas para o estudo do medo pela Geografia
7 Chamamos este grupo de “indesejáveis”, no sentido de que, para muitos moradores
entrevistados, sujeitos com estas características não deveriam estar no bairro. Reforçamos o
caráter, muitas vezes, preconceituoso, motivado pela produção de estereótipos que leva,
consequentemente, à estigmatização destes grupos.
Auteurs
Hiram de Aquino Bayer
Doutorando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, hirambayer@gmail.com.
Droits d’auteur
Confins – Revue franco-brésilienne de géographie est mis à disposition selon les termes de la
licence Creative Commons Attribution - Pas d’Utilisation Commerciale - Partage dans les Mêmes
Conditions 4.0 International.
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