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Fundamentos da Matemática
Versão 0.8102 (Segundo Semestre de 2017)
2 Demonstrações Matemáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.1 Alguns exemplos de demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.1.1 Uma prova da lei angular de Tales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.1.2 Duas provas algébricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.1.2.1 Uma proposição relacionando a média geométrica e a média aritmética
. . . .. . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . 58
2.1.2.2 A fórmula para a soma dos termos da série geométrica . . . . . . . . . 60
2.1.3 Através de áreas, uma prova para o Teorema de Pitágoras . . . . . . . . . . . 61
2.2 Erros comuns em demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
2.2.1 O uso de casos particulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
2.2.2 Erros algébricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
2.2.3 Raciocínio circular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
2.2.4 Confundindo hipótese e tese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
2.2.5 Raciocínio descuidado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
3
4 Tabela de conteúdos
Uma proposição1.1 é qualquer sentença que expresse uma afirmação que tenha sentido e
que seja necessariamente verdadeira ou falsa1.2 e jamais as duas coisas simultaneamente1.3.
Assim, as frases “cinco é maior do que dois” e “o quadrado do número três é quatro” são
ambas proposições, sendo a primeira um exemplo de proposição verdadeira e a segunda
um exemplo de proposição falsa. Já a sentença “o rato” não é uma proposição, por não ser
uma afirmação.
Outro exemplo de sentença que não gera uma proposição é “x é maior do que zero”.
Ela é uma afirmação, sem dúvida alguma. Mas a menos que saibamos algo sobre x, não
podemos dizer se esta afirmação é falsa ou não. Como toda proposição necessariamente
tem que ser falsa ou verdadeira, então esta sentença, apesar de ser uma afirmação, não é
uma proposição1.4.
O caso anterior esconde algumas sutilezas. Em primeiro lugar, notemos que toda sen-
tença está colocada em algum contexto. Se dissermos “Seja x = 4. x é maior do que zero”,
então a sentença “x é maior do que zero” deve ser considerada uma proposição (verdadeira),
devido ao contexto na qual está inserida (neste caso sabemos que x = 4).
Uma outra sutileza é que não devemos confundir o fato de que uma proposição precisa
necessariamente ser ou falsa ou verdadeira com a nossa própria ignorância a respeito dela
ser verdadeira ou não. Assim, a afirmação “todo número par estritamente maior do que dois
pode ser escrito como a soma de dois números primos 1.5” é claramente uma proposição,
já que afirma alguma coisa que, claramente, ou é verdadeira ou é falsa. Por outro lado,
determinar se esta proposição é verdadeira ou não, é um problema bem mais difícil1.6.
1.1. Não confundir com o termo preposição, que se usa no estudo de línguas.
1.2. Este princípio segundo o qual proposições são ou falsas ou verdadeiras é conhecido como o princípio do
terceiro excluído.
1.3. Este princípio segundo o qual proposições não podem ser ao mesmo tempo falsas e verdadeiras é conhecido
como o princípio da não-contradição.
1.4. Afirmações como esta, que deixaram de ser proposições exclusivamente por causa da presença de alguma
variável indefinida, são denominadas sentenças abertas e serão objeto de um estudo detalhado na seção 1.5.
1.5. Lembre-se que um número primo é qualquer número natural n estritamente maior do que 1 cujos únicos
divisores naturais são 1 e n.
1.6. Tão difícil que até hoje ninguém sabe a resposta. Esta proposição é conhecida como a conjectura de
Goldbach.
5
6 Proposições
Agora, examinemos um caso mais complexo. Se definirmos x0 como a menor raiz real da
equação x3 − 3x2 + 2 · x − 1 = 0, então a sentença “x0 é maior do que zero” é uma afirmação
que somente faz sentido se a nossa definição de x0 significar1.7 alguma coisa. Por exemplo,
se esta equação não tiver raízes ou não existir uma raiz menor do que todas as outras, a
definição de x0 seria sem significado. Portanto, para determinar se aquela sentença é uma
proposição, a primeira coisa a fazer é verificar que realmente existe um número real que
é a menor raiz daquela equação. Uma vez que isto tenha sido feito, fica bem óbvio que a
sentença é realmente uma proposição mesmo que, como no caso anterior, não seja óbvio
se esta proposição é verdadeira ou não1.8.
Abaixo, seguem alguns exemplos adicionais para fixar o conceito. Sugerimos ao leitor
tentar identificar por si mesmo quais exemplos são proposições e quais não são, antes de
ler as soluções.
Exemplo 1.1. 3 + 4 = 8.
Evidentemente é uma proposição (falsa).
Exemplo 1.2. 4 = 5 − 1.
Novamente temos uma proposição, mas desta vez ela é verdadeira.
Comentário 1.5. Os valores verdadeiro e falso são o que se costuma chamar de valores
booleanos, sendo frequentemente abreviados como V e F. Em algumas subáreas da mate-
mática, como a lógica, é comum a utilização dos símbolos ⊥ e ⊤ para designar o verdadeiro
e o falso, respectivamente. Já nas áreas do conhecimento que lidam com circuitos lógicos
e programação de computadores, é mais frequente o uso de 1 para designar o verdadeiro e
0 para designar o falso.
Comentário 1.6. (Sobre Teoremas, Lemas, Corolários e etc) Existe uma convenção
não oficial, adotada por alguns autores mas não por outros, segundo a qual proposições de
grande relevância devem ser chamadas de teoremas. Ou seja, nos livros-texto que seguem
esta prática, a palavra teorema deve ser entendida como um sinônimo para “proposição
importante”. Enfatizamos que nem todos os livros adotam esta convenção, havendo vários
textos que tratam os termos proposição e teorema como se fossem sinônimos.
Já o nome lema costuma ser aplicado à qualquer proposição auxiliar que não possua
grande importância em si, servindo apenas como ferramenta para a obtenção de um outro
resultado, este sim relevante. Por exemplo, a proposição conhecida pelos matemáticos como
o lema da perturbação da identidade não é de grande interesse em si, porém é necessária
para se obter o resultado, este sim de suma importância, conhecido como teorema da função
inversa. Por isso este lema da perturbação da identidade pode ser chamada de lema.
1.7. Uma variável cuja definição realmente significa alguma coisa é o que se chama de uma variável bem-definida.
Isto será visto em detalhes na seção 2.4.5.
1.8. Faremos a verificação de que essa proposição é verdadeira no exemplo 2.53 (na página 102).
1.2 Algumas operações lógicas sobre proposições 7
Uma proposição é dita um corolário de uma outra quando é uma consequência imediata
dela. Por exemplo, considere a proposição ‘‘o produto de dois números negativos não nulos
é sempre um positivo não nulo”. Então a proposição ‘‘o produto de −1323 por −2789 é um
positivo não nulo” pode ser considerado um corolário da anterior, por ser uma decorrência
óbvia dela. Um outro exemplo de corolário para a mesma proposição pode ser “o produto
de −456 por qualquer número negativo não nulo é sempre um positivo não nulo”.
É importante notar que todos estas classificações são extremamente subjetivas. Duas
pessoas podem ter opiniões distintas a respeito do grau de importância de uma determinada
proposição, de modo que um prefira considerá-la como um teorema e o outro insista em
classificá-la como uma proposição (ou até mesmo como um lema1.9). Similarmente, pode
haver discordância a respeito da adequação do uso da palavra corolário, visto que a noção
de quando um resultado deve ser considerado como uma consequência imediata de outro
varia fortemente, dependendo do contexto e do ponto de vista.
Finalmente, observamos ainda que a tradição também desempenha papel considerável
na nomenclatura de algumas proposições. Assim, existem alguns teoremas que, a despeito
de sua grande relevância, são usualmente enunciados como lemas.
Exemplo 1.8. Cinco é maior do que quatro e oito é maior do que nove.
Aqui, a primeira proposição (“cinco é maior do que quatro”) é verdadeira. Porém, a
segunda proposição (‘‘oito é maior do que nove”) é falsa. Para que a proposição composta
gerada pelo conectivo e seja verdadeira, todas as proposições componentes devem ser
verdadeiras. Portanto, a proposição “cinco é maior do que quatro e oito é maior do que
nove” é falsa.
Exemplo 1.10. Três é maior do que quatro e cinco é maior do que seis.
1.9. Por exemplo, uma busca rápida no google revela a existência de vários autores que dão ao lema da
perturbação da identidade o nome de teorema da perturbação da identidade.
8 Proposições
Exemplo 1.11. Dois é um número par e cinco é menor do que seis e oito é menor do que
zero.
Este é um exemplo em que a proposição é composta não por apenas duas proposições,
mas por três1.10. Para que ela seja verdadeira, as três precisam ser verdadeiras. Como a
última é evidentemente falsa, então a proposição composta é falsa.
P1 P2 P1 · P2
0 (F) 0 (F) 0 (F)
0 (F) 1 (V) 0 (F)
1 (V) 0 (F) 0 (F)
1 (V) 1 (V) 1 (V)
Tabela 1.1. O produto P1 · P2 corresponde à P1 ∧ P2 quando se interpreta o V como 1 e o F como 0.
1.10. Formalmente falando, o conectivo e (e também o conectivo ou da próxima seção) é definido como sendo
um operador binário, isto é, ele pega duas proposições e cria uma terceira a partir delas. Por isso, se quiséssemos
ser realmente rigorosos, esta proposição teria que ser escrita com o auxílio de parênteses: “(dois é um número par
e cinco é menor do que seis) e oito é menor do que zero”, de modo a estarmos sempre a trabalhar com um e entre
duas proposições. Claro, escrever “dois é um número par e (cinco é menor do que seis e oito é menor do que zero”
também é uma opção. O que acontece é que, em se tratando de proposições utilizando unicamente a proposição e
(e também em proposições envolvendo unicamente a proposição ou, que veremos a seguir), a ordem das operações
é irrelevante. Portanto, a expressão sem parênteses “dois é um número par e cinco é menor do que seis e oito é
menor do que zero” não leva a ambiguidades.
1.2 Algumas operações lógicas sobre proposições 9
Exemplo 1.22. 4 6 4.
O símbolo a 6 b significa “a < b ou a = b”. Logo 4 6 4 equivale a “4 < 4 ou 4 = 4”. Como
a segunda componente é verdadeira, então a proposição 4 6 4 é verdadeira.
Exemplo 1.23. 2 6 7.
2 6 7 significa “2 < 7 ou 2=7”. Como 2 < 7, então “2 < 7 ou 2=7” é verdadeira e, portanto,
2 6 7 é uma proposição verdadeira.
1.11. Para um conectivo que resgata essa idéia de alternativas mutuamente excludentes, veja o operador “ou
exclusivo” na seção 1.2.3.
1.12. Um truque útil para memorizar se a notação ∨ se refere à conjunção ou ou e, é lembrar que o símbolo ∨
lembra vagamente a letra u, que só aparece na conjunção ou.
1.13. Observe que como “V ou V” é V então, nesta notação, isto significa que 1 + 1 = 1. Apesar desta esquisitice,
a notação utilizando os símbolos 0 e 1 e os símbolos + e · no geral funciona bastante bem. Por exemplo, a familiar
propriedade a · (b + c) = a · c + b · c continua valendo para todos os possiveis valores booleanos de a, b e c.
1.2 Algumas operações lógicas sobre proposições 11
k) ((2 > 2) ∨ (6 − 1 = 5)) ∧ (5 > 10); l) (2 > 2) ∨ ((6 − 1 = 5)) ∧ (5 > 10));
Soluções: 1.2a)V; 1.2b)V; 1.2c)V; 1.2d)V; 1.2e)F; 1.2f)V; 1.2g)F; 1.2h)V; 1.2i)V; 1.2j)V;
1.2k)F; 1.2l)V.
Exemplo 1.26. Sejam P1: 4 + 1 = 6 e P2: 7 > 4. Aqui, só uma das proposições componentes
é verdadeira (no caso, a segunda). Então P1 ⊻P2 é verdadeira. Note que, neste caso, P1 ∨ P2
também é verdadeira.
Exemplo 1.27. Sejam P1: 7 < 9 e P2: 6 = 4. Agora, só a primeira das proposições
componentes é verdadeira e portanto P1 ⊻ P2 é verdadeira. Também neste caso P1 ∨ P2
coincide com P1 ⊻P2.
Exemplo 1.29. Sejam P1: 1 > 0, P2: 5 = / 4. Então P1 ⊻ P2 é falsa, pois o número de
proposições componentes verdadeiras é dois (e não um). Reparem que, aqui, P1 ∨ P2 é
verdadeiro. Logo, neste caso, o valor de P1 ∨ P2 não coincidiu com o valor de P1 ⊻P2. De
fato, o caso em que ambas as proposições componentes são verdadeiras é o único caso em
que P1 ⊻P2 se distingue de P1 ∨ P2.
Exemplo 1.31. “Se x é um número real, então uma e apenas uma das duas afirmações abaixo é verdadeira:
(i) x > 0;
(ii) x < 0.
Na situação acima, dizer que “uma e apenas uma das duas afirmações abaixo é verda-
deira” é uma forma de dizer que ocorre um ou exclusivo entre estas duas afirmações.
1.2.4 Negação
Uma forma simples de gerar uma nova proposição a partir de outra é construir a sua
negação, que é uma proposição que é verdadeira quando a original é falsa, e falsa quando
a original é verdadeira. Em boa parte dos casos, escrever a negação de uma proposição
nada mais é do que adicionar à sentença original a palavra “não”, de forma conveniente.
Exemplo 1.33. A negação de “x é uma raiz da função f ” é “x não é uma raiz da função
f ”. Se utilizarmos o significado do termo “raiz de uma função”, esta negação pode também
ser escrita como “f (x) não é igual à zero” ou “f (x) =
/ 0”.
P ∼P
a>b a6b
a>b a<b
a<b a>b
a6b a>b
Figura 1.1. A negação de desigualdades.
1.14. Não nos interessa aqui entender se essas afirmações são formas diferentes de expressar a mesma proposição
ou se são proposições diferentes porém equivalentes (vide seção 1.6.2). Por simplicidade, neste texto consideraremos
que duas sentenças representando a mesma idéia são a mesma proposição, mas é importante estar ciente de que
a própria definição de proposição é, ainda hoje, objeto de debates envolvendo filósofos e lógicos. Felizmente, estas
questões não parecem influir muito na matemática do dia a dia e, por isso, podemos tranquilamente ignorá-las aqui.
1.15. A definição de número algébrico será vista na pagina 95.
1.3 Tabelas-verdade 13
Exercício 1.4. Admitindo que todas as variáveis são números reais previamente definidos, escrevar
a negação de
a) h = 1; d) t > 1;
b) x > y; e) r < 10;
c) z 6 7; f) r 2 + 2 · r > 5 · r 3
/ 1; 1.4b) x 6 y ; 1.4c) z > 7; 1.4d) t < 1; 1.4e) r > 10; 1.4f) r 2 + 2 · r < 5 · r 3.
Soluções: 1.4a) h =
1.3 Tabelas-verdade
Tabela-verdade é uma forma de representar uma operação entre várias proposições, a
partir de todos os seus possíveis valores de entrada.
Na figura abaixo vê-se a tabela-verdade da expressão P1 ∧ P2 ∧ P3:
P1 P2 P3 P1 ∧ P2 ∧ P3
F F F F
F F V F
F V F F
F V V F
V F F F
V F V F
V V F F
V V V V
Neste caso, os valores de entrada são P1, P2 e P3 (que são as variáveis que aparecem
na expressão). Como uma proposição pode ser verdadeira (V) ou falsa (F), então existem
exatamente duas possibilidades para cada uma das três proposições e, portanto, o número
de possibilidades distintas para (P1, P2, P3) é 2 × 2 × 2 = 8, o que explica porque esta tabela
possui oito linhas. Em geral, uma tabela-verdade com n valores de entrada terá 2n linhas.
Essencialmente, construir uma tabela-verdade é meramente enunciar todas as possibili-
dades para os valores de entrada (neste caso, P1, P2 e P3) e escrever (usualmente na última
coluna) o resultado da expressão associado a cada um deles. Assim, por exemplo, lemos
na primeira linha das três primeiras colunas da tabela-verdade, que esta linha corresponde
a quando P1 = F, P2 = F e P3 = F. Como neste caso o valor da expressão P1 ∧ P2 ∧
P3 é F, preenchemos a última coluna desta linha com este valor F. Já a segunda linha
corresponderá ao caso em que P1 = F, P2 = F e P3 = V. Como P1 ∧ P2 ∧ P3 neste caso também
é F, preenchemos a última coluna desta linha novamente com F. E assim por diante, até
chegamos à oitava linha, que corresponderá ao caso P1 = V, P2 = V e P3 = V. que é o único
caso em que P1 ∧ P2 ∧ P3 = V e, portanto, a única linha em que aquela coluna foi preenchida
com um V.
Algumas pessoas têm dificuldade em escrever todas as possibilidades para os valores
de entrada. Para estes, sugerimos o dispositivo prático descrito a seguir.
Primeiramente, conte o número n de variáveis de entrada e desenhe 2n linhas. Se, por
exemplo, fossem 4 variáveis (P1, P2, P3 e P4), deveríamos desenhar 24 = 16 linhas, e obter
a primeira parte da figura 1.2.
O segundo passo é pegar a última coluna e preencher com F e V, alternadamente,
até o final (vide a segunda parte da figura 1.2). Agora, indo da direita para a esquerda,
preenchemos todas as colunas uma a uma, a cada passo dobrando a quantidade de falsos
(F) e verdadeiros (V) repetidos em relação à coluna anterior. Assim, se na última coluna
14 Proposições
P1 P2 P3 P4 P1 P2 P3 P4 P1 P2 P3 P4 P1 P2 P3 P4 P1 P2 P3 P4
F F F F F F F F F F
V F V F F V F F F V
F V F F V F F F V F
V V V F V V F F V V
F F F V F F F V F F
V F V V F V F V F V
F V F V V F F V V F
V V V V V V F V V V
F F F F F F V F F F
V F V F F V V F F V
F V F F V F V F V F
V V V F V V V F V V
F F F V F F V V F F
V F V V F V V V F V
F V F V V F V V V F
V V V V V V V V V V
Figura 1.2. Diferentes estágios na construção de uma tabela-verdade de 4 variáveis.
P1 P2 P3 P4 P1 ∨ P2 ∨ P3 ∨ P4
F F F F F
F F F V V
F F V F V
F F V V V
F V F F V
F V F V V
F V V F V
F V V V V
V F F F V
V F F V V
V F V F V
V F V V V
V V F F V
V V F V V
V V V F V
V V V V V
Figura 1.3. Tabela-verdade de P1 ∨ P2 ∨ P3 ∨ P4.
1.3 Tabelas-verdade 15
No caso de expressões mais complicadas como, por exemplo, (P1 ∨ ∼P2) ∧ (P3 ∧ P4),
pode ser conveniente introduzir colunas auxiliares na tabela para nos facilitar o resultado
final da expressão. Por exemplo, neste caso, é natural calcular primeiro ∼P2 em uma coluna
separada (primeira tabela da figura 1.4). Comparamos o resultado desta coluna ∼P2 com
o da coluna P1 para criar uma novela coluna P1 ∨ ∼P2 (segunda tabela da figura 1.4).
Realizamos o cálculo de P3 ∧ P4 (terceira tabela da figura 1.4) e finalmente comparamos
as duas últimas colunas para chegar em (P1 ∨ ∼P2) ∧ (P3 ∧ P4) (tabela 1.5).
É interessante colocar aqui uma dica que torna a construção de tabelas-verdade mais
rápida e menos propensa a erros. A idéia crucial é que o conectivo ∨ só resulta no valor
F quando todos os seus parâmetros são falsos. Assim, no exemplo anterior, na hora de
preencher a coluna P1 ∨ ∼P2, ao invés de tediosamente calcularmos o valor de P1 ∨ ∼P2 em
cada um dos dezesseis casos, é mais prático observar que ela só é falsa quando ambos os
termos, P1 e ∼P2 são falsos. Assim, podemos procurar todos os casos em que P1 e ∼P2 são
ambos falsos, marcar a coluna correspondente à esses casos como falsa (tabela à esquerda
na figura 1.7) e preencher o resto da coluna com verdadeiros até obter a tabela à direita
na figura 1.7).
a) X = P ∧ (Q ∨ ∼P ); d) X = (P ∧ S) ∨ (∼Q ∧ R ∧ S);
b) X = (P ∨ Q) ∧ (∼P ∧ Q); e) X = ∼(P ∨ ∽Q) ∧ R;
c) X = (P ∧ Q) ∨ ∼R; f) X = (P ⊻Q) ∧ ∼R;
1.16. Este problema de obter uma expressão a partir de uma tabela-verdade é importante para engenheiros
eletrônicos na hora de projetar circuitos lógicos. Por isso, eles aprendem ferramentas que lhes permitem resolver
questões como esta de maneira eficiente. Como o interesse de matemáticos nesse tipo de problema é bem menor,
não desenvolveremos tais ferramentas aqui neste texto. É claro que, na ausência desses apetrechos, este exercício
pode ser bastante desafiador.
18 Proposições
P Q R S X
F F F F F
F F F V F
F F V F F
P Q R X F F V V V
F F F V F V F F F
P Q X P Q X F F V F F V F V F
F F F F F F F V F V F V V F F
Soluções: 1.5a) F V F ; 1.5b) F V V ; 1.5c) F V V F ; 1.5d) F V V V F ;
V F F V F F V F F V V F F F F
V V V V V F V F V F V F F V V
V V F V V F V F F
V V V V V F V V V
P Q R X P Q R X V V F F F
F F F F F F F F V V F V V
F F V F F F V F V V V F F
F V F F F V F V V V V V V
1.5e) F V V V ; 1.5f) F V V F ; 1.6a)V; 1.6b)X terá que ser V; 1.6c)X = ∼(P2 ∧ (P 1 ∨ P3))
V F F F V F F V
V F V F V F V F
V V F F V V F F
V V V F V V V F
ou X = (∼P2) ∨ ((∼P1) ∧ (∼P3)) (existem outras expressões possíveis para X , mas estas são as mais
simples e naturais).
Chama a atenção o fato de que ela resulta sempre no valor verdadeiro, não importando
quais valores de entrada sejam usados1.17. Ou seja, a expressão (P1 ∨ ( ∼ P1)) ∧ (P2 ∨ ( ∼ P2))
nada mais é do que uma forma complicada de escrever verdadeiro. Esta é a idéia do que
seja uma tautologia, que é definida formalmente abaixo:
Definição 1.40. Uma tautologia é uma fórmula proposicional cuja tabela-verdade tem
verdadeiro como único valor de saída.
Definição 1.41. Uma contradição (ou antilogia) é uma fórmula proposicional cuja tabela-
verdade tem falso como único valor de saída.
1.17. Uma forma de ver isso rapidamente é notar que P1 ∨ (∼P1) é sempre V pois, pela própria natureza da
negação, ao menos um deles, P1 ou ∼P1 terá que ser V. Logo P1 ∨ (∼P1) = V. Um argumento análogo nos permite
concluir que P2 ∨ (∼P2) = V e, portanto, em qualquer caso, (P1 ∨ (∼P1)) ∧ (P2 ∨ ( ∼ P2)) = V.
1.5 Sentenças abertas 19
Definição 1.42. Uma fórmula proposicional que não é uma contradição e também não é
uma tautologia é denominada uma contingência.
P1 P2 P1 ⊻(∼P2)
F F V
F V F
V F F
V V V
Figura 1.11. A tabela-verdade de uma contingência.
Exercício 1.7. Verificar que P ∨ (∼P ) é uma tautologia e P ∧ (∼P ) é uma contradição.
Exemplo 1.44. x + 1 = 4.
1.18. Notando que pelo menos um deles, P1 ou ∼P1 tem que ser F, é fácil ver que P1 ∧ (∼P1) = F. Analogamente,
P2 ∧ (∼P2) = F e, portanto, sempre teremos (P1 ∧ ( ∼ P1)) ∨ (P2 ∧ ( ∼ P2)) = F .
20 Proposições
Sentenças abertas podem ter mais de uma variável indefinida, como ilustrado pelo
próximo exemplo.
Note que se a sentença aberta envolver mais de uma variável indefinida, todas as variá-
veis indefinidas deverão receber um valor. Assim, a sentença do exemplo 1.46 poderia se
tornar:
Se atribuíssemos valor a apenas uma das variáveis, continuaremos com uma sentença
aberta:
1.5.2 Quantificadores
Quantificadores são formas de transformar sentenças abertas em proposições, que não
envolvem a atribuição de valores específicos às variáveis.
1.19. Outras leituras possíveis para o símbolo ∀ são “para cada” e “qualquer que seja” (que são claramente
equivalentes). Como qualquer linguagem, a linguagem matemática permite uma infinidade de formas de expressar
a mesma coisa.
1.5 Sentenças abertas 21
Esta sentença pode ser lida como “x é estritamente menor do que dois, para todo x
pertencente aos reais negativos 1.20”, ou “x é estritamente menor do que dois, para cada x
pertencente aos reais negativos” ou “x é estritamente menor do que dois, qualquer que seja
x pertencente aos reais negativos”, entre outras possibilidades. Em qualquer caso, o que
esta afirmação diz é que, qualquer que seja o valor que escolhamos para x, desde que ele
pertença aos reais negativos, a sentença x < 2 sempre será verdadeira. Como realmente é
verdade que todo número número real negativo é estritamente menor do que dois, então a
proposição deste exemplo 1.51 é verdadeira.
Como ilustrado no último exemplo, para concluir que uma proposição construída com
um “para todo” é falsa, basta explicitar um único caso da variável que satisfaça à condição
requerida e que faça da sentença aberta uma proposição falsa. Este caso que foi explicitado
é denominado um contra-exemplo para a proposição, e é a forma mais efetiva de se mostrar
que uma certa proposição envolvendo o quantificador “para todo” é falsa1.21.
Assim x = 3 é um contra-exemplo para a proposição
√ do exemplo 1.53. Outros contra-
exemplos possíveis são x = 2, x = −1237 e x = 2 , entre outros.
Em todos os exemplos até agora, o símbolo ∀ foi colocado no final da sentença. Mas não
existe diferença entre dizer “x é estritamente menor do que dois, para todo x pertencente
aos reais negativos” (que em símbolos seria x < 2, ∀x ∈ R) ou “para todo x pertencente aos
reais, x é estritamente menor do que dois” (que em símbolos seria ∀x ∈ R, x < 2). Portanto,
o símbolo de ∀ pode ser colocado tanto no princípio da sentença aberta à qual se refere,
quanto no fim da mesma:
Comentário 1.56. A linguagem matemática, como toda linguagem, muitas vezes per-
mite que uma mesma coisa seja dita de várias formas diferentes. Assim, o leitor não terá
dificuldades em notar que o exemplo anterior pode ser reescrito tanto como “todo número
natural é par ” ou ‘‘qualquer número natural é par ”. É extremamente importante para um
matemático ser capaz de perceber instantaneamente que estas sentenças envolvem um
quantificador de “para todo”.
1.20. Lembre-se que o símbolo R− designa o conjunto dos números reais negativos (incluindo o número zero).
1.21. Ainda que, para concluir que uma proposição do tipo “para todo” é falsa, seja suficiente exibir um contra-
exemplo, por outro lado, concluir que ela é verdadeira, exige outras estratégias. Falaremos mais sobre isso no capítulo
2.
22 Proposições
Comentário 1.57. Se a sentença aberta envolve mais de uma variável, precisamos utilizar
um quantificador para cada variável. Assim, a sentença aberta do exemplo 1.46 poderia
ser transformada em uma proposição escrevendo-a como “x + y 2 é um número par, ∀x ∈ Z,
∀y ∈ N” (ou, usando menos símbolos matemáticos e mais palavras: “x + y 2 é um número par,
para todo número inteiro x e para todo número natural y”). Poderíamos ter evitado o uso de
dois símbolos ∀, utilizando o produto cartesiano: “x + y 2 é um número par, ∀(x, y) ∈ Z × N”.
Quando a condição para as variáveis é a mesma, também é comum que se evite o uso de
múltiplos ∀. Assim, a proposição “x2 + y 2 > 0, ∀x ∈ R, ∀y ∈ R” é quase sempre abreviada
como “x2 + y 2 > 0, ∀x, y ∈ R”.
Exercício 1.8. Cada uma das sentenças a seguir é falsa. Justifique isso, explicitando um contra-
exemplo para cada uma:
a) ∀x ∈ R, x > 3; f) Todo número inteiro estritamente nega-
b) ∀x ∈ [1, ∞], x 6 5; tivo é estritamente menor do que −4;
c) x ∈ Q, ∀x ∈ R; g) Qualquer número natural tem pelo
menos três divisores naturais distintos;
d) x < 4, ∀x ∈ N;
e) Todo número natural par é divisível por h) x4 + y > 2, ∀x ∈ R, ∀y ∈ R+;
quatro; i) x2 + y4 > 2xy2, ∀x, y ∈ R.
Soluções: 1.8a)x=2 (qualquer número real menor
√ ou igual à 3 serviria); 1.8b)x=7 (qualquer número
real x no intervalo ]5,∞[ serviria); 1.8c)x= 2 (qualquer número irracional serviria); 1.8d)x=4
(qualquer número natural maior ou igual à quatro serviria); 1.8e)6 (qualquer número na sequência
2, 6, 10, 14, 18, 22, 26, ... serviria); 1.8f)-2 (-1, -3 e -4 também serviriam); 1.8g)7 (qualquer
número primo serviria, bem como também
o1número 1); 1.8h) x=0 e y=1 (existem várias outros contra-
1 1 4
exemplos, como x=1 e y = 2 , ou x = 3 4 e y = 3 ); 1.8i) x=0 e y=0 (este é o único contra-exemplo
possível).
Figura 1.12. Vê-se facilmente que todos os pontos da parábola em que x > 2 satisfazem à x2 > 4.
Figura 1.13. É claro que os pontos em que x2 > 9 são aqueles em que x 6 −3 ou x > 3.
Expressões grandes como essa são um pouco mais difíceis de ler, principalmente se
alguns ou vários dos parênteses que incluímos acima, estiverem omitidos. Neste caso, ela
significa que, para todo x real satisfazendo à pelo menos uma das condições x 6 0 e x > 1,
então é verdade que x2 > x. A melhor forma de checarmos se isso é verdade é observarmos
que dizer que x2 > x é a mesma coisa que dizer que x2 − x > 0. Podemos então estudar os
sinais da parábola y = x2 − x para determinar quais são os x em que isso acontece.
Sendo esta uma parábola convexa (pois o coeficiente do termo de grau 2 é positivo),
e sendo facilmente verificável que suas raízes são 0 e 1 (seja por inspeção ou pelo uso da
fórmula de Bhaskara para resolver a equação de segundo grau) vemos então que os pontos
aonde x2 − x > 0 são os pontos em que x 6 0 ou x > 1 (veja na figura ?). Logo x2 > x para
todo (x 6 0) ∨ (x > 1). Daí concluímos que a proposição é verdadeira.
1.24. Textos de matemática frequentemente escrevem as soluções de problemas da forma mais enxuta possível,
omitindo muitas vezes as idéias que levaram a esta solução. Assim, a solução deste exemplo 1.64 em muitos livros-
2
3 3 3 9 3 3
texto seria escrita simplesmente “Fazendo x = − 2 temos que x ∈ R e x2 + x = − 2 − 2 = 4 − 2 = 4 > 0, mas não
satisfaz x > −1. Logo a proposição é falsa”. Isto estaria perfeitamente correto, mas o leitor ficaria sem nenhuma
noção de que como se chegou a esta solução.
1.5 Sentenças abertas 25
Convenção 1.66. Se não existe nenhum elemento que satisfaça à condição do “para todo”,
então convenciona-se que a proposição resultante seja verdadeira1.25 “por vacuidade”, inde-
pendentemente do resto da expressão. Assim, nos exemplos a seguir, todas as proposições
são verdadeiras.
Exemplo 1.70. Para todo número real x cujo quadrado seja estritamente negativo, x3 =
x2.
Como não existe nenhum número real x cujo quadrado seja estritamente negativo, então
esta proposição é verdadeira, por vacuidade.
Exercício 1.9. Classifique cada uma das sentenças abaixo como verdadeiras ou falsas, explicitando
um contra-exemplo para todas as falsas:
a) x < 4, ∀x ∈ R; l) x2 > 4, ∀x ∈ R|x > 2;
b) x2 > 0, ∀x ∈ R; m) ∀x ∈ R+|x2 > 9, x > 3;
c) ∀x ∈ Q, x ∈ Q;
2
n) ∀x ∈ R|x2 > 9, x > 3;
√
d) x ∈ Q, ∀x ∈ R+;
1
o) ∀x ∈ Rx =
/ 1, (x − 1)2 > 10;
e) Todo cubo é um paralelepípedo;
f) Todo paralelepípedo é um cubo; p) ∀x ∈ R, x2 + 4x + 7 > 0;
g) Todo triângulo isósceles é um triângulo q) x2 + 3x =
/ −2, ∀x ∈ R;
equilátero;
r) ∀y ∈ R|y2 + 3y = −2, y 6 −2;
h) Todo triângulo equilátero é um triân-
s) ∀h ∈ R|h3 + 2h2 = 3h, h2 > h;
gulo isósceles;
i) ∀x ∈ R −, x2 + x = 2; t) x > 10, ∀x ∈ R|x2 < −5;
j) ∀y ∈ R −|y 7 + 8y < 2y2 − 19; u) ∀h ∈ R − {1}|h3 + 2h2 = 3h, h2 > h;
k) x2 > 4, ∀x ∈ R|x > 2; v) ∀x ∈ R, 32x4 − 12x > −3;
Soluções: 1.9a)Falsa, pois falha em x = 4(qualquer número real maior ou igual a 4 serve);
1.9b)Falsa, pois falha em x = 0 (único possível contra-exemplo); 1.9c)Verdadeira; 1.9d)Falsa,
pois falha em x = 2 (entre outros casos); 1.9e)Verdadeira; 1.9f)Falsa, pois falha em qualquer
paralelepípedo que não tenha as três medidas iguais como no paralelepípedo de lados 10, 20 e 30;
1.9g)Falsa, pois falha (por exemplo) no triângulo de lados 2, 2 e 3; 1.9h)Verdadeira; 1.9i)Falsa,
pois falha em x = −3 (qualquer real negativo diferente de −2 serviria como contra-exemplo);
1.9j)Falsa, pois falha em y = −1; 1.9k)Verdadeira; 1.9l)Falsa, pois falha em x = 2 (é o único
contra-exemplo possível);1.9m)Verdadeira; 1.9n) Falsa, pois falha em x = −4 (qualquer número
estritamente menor do que −3 serve como contra-exemplo); 1.9o) Falsa, pois falha em x = 1.1 q
1
(qualquer número real diferente de um cuja distância até o número 1 seja menor ou igual à 10
⋍
0.3162 serve); 1.9p)Verdadeira; 1.9q)Falsa, pois falha em x = −1 (x = −2 também serve como contra-
exemplo); 1.9r)Falsa, pois falha em y = −1 (único contra-exemplo possível); 1.9s)Verdadeira;
1.9t)Verdadeira, por vacuidade. 1.9u)Falsa, pois falha em x = 0 (único contra-exemplo possível);
1
1.9v)Falsa, pois falha em x = 2
(entre outros vários possíveis).
1.25. Mais adiante veremos o motivo pelo qual deve-se considerar tais proposições como verdadeiras.
1.26. Uma forma menos nobre, porém mais direta, de concluir que esta vacuidade, é fazendo o estudo de sinais
da parábola x2 − 2x + 2 para concluir que ela é sempre estritamente positiva.
26 Proposições
Como vimos nos exemplos acima, para concluir que uma proposição existencial é ver-
dadeira, é suficiente exibir um único exemplo que satisfaça simultaneamente às condições
especificadas e à condição da sentença aberta. Por outro lado, concluir que uma proposição
existencial é falsa costuma ser um problema bem mais difícil. De fato, como é possível
ter certeza absoluta de que algo não existe? Mesmo que testássemos vinte trilhões de
valores diferentes e nenhum deles satisfizesse às condições de existência, ainda assim não
teríamos nenhuma garantia de que, seja por azar ou por incompetência, simplesmente
não tenhamos testado justamente aquele caso que serviria. O que precisamos é de um
argumento geral que nos justifique porque não pode existir uma variável satisfazendo às
condições especificadas1.27.
Este argumento geral é o que costuma ser designado como demonstração e será visto
em detalhes no capítulo 2. Por ora, nos limitaremos a alguns exemplos isolados ilustrando
casos em que a proposição existencial era falsa.
1.27. Observa-se então que com proposições existenciais ocorre exatamente o oposto do que acontecia com
proposição geradas pelo quantificador universal. Comprovar a falsidade da proposição é fácil no segundo caso
(bastando exibir um contra-exemplo), mas bastante difícil no primeiro. E concluir a veracidade da proposição é
simples no caso da proposição existencial (basta exibir um exemplo), mas bastante difícil no caso de uma proposição
com “para todo”.
1.5 Sentenças abertas 27
Definição 1.78. A negação 1.29 do operador ∃ é simbolizada como ∃ e este símbolo é lido
como “não existe”.
1.28. Para um quantificador que inclua esta ideia de unicidade, veja a seção 1.5.2.3.
1.29. É bastante comum em matemática que a notação de negação de alguma coisa seja o símbolo desta coisa,
cortado por uma linha inclinada, como neste caso.
28 Proposições
Comentário 1.86. (Sobre omissão de parênteses) A maior parte dos textos mate-
máticos evita o uso de parênteses supérfluos. Assim, a proposição do exemplo 1.83 seria
escrita na maior parte dos livros como “∀x, y ∈ R|x2 = y 2, x = y”. Já a do exemplo 1.85
seria escrita como: “∀ε ∈ R∗+, ∃δ ∈ R∗+|∀x, y ∈ R|0 < |x − y | < δ, |f (x) − f (y)|<ε”. Em todos
estes casos, cabe ao leitor colocar mentalmente os parênteses omitidos, até obter uma
expressão que faça sentido1.32. Assim, se o exemplo 1.84 tivesse sido escrito como “∀a, b ∈ N,
a + b ∈ N e a · b ∈ N”, a princípio poderíamos ficar na dúvida se a expressão não deveria
ser interpretada como “(∀a, b ∈ N, a + b ∈ N) e a · b ∈ N”. Mas isto não faria sentido, pois
neste caso as variáveis a e b são definidas pelo quantificadores, não existindo fora deste
contexto e, portanto, a parte “a · b ∈ N” não teria nenhum significado. Portanto, a única
interpretação de “∀a, b ∈ N, a + b ∈ N e a · b ∈ N” é como ∀a, b ∈ N, (a + b ∈ N e a · b ∈ N).
Omitir parênteses supérfluos é uma prática comum e geralmente considerada aceitável,
desde que não cause ambiguidades nem torne a leitura demasiadamente díficil.
Exercício 1.10. Identifique quais das proposições abaixo são verdadeiras e quais são falsas, explici-
tando um exemplo para todas as verdadeiras:
a) ∃x ∈ R −|x2 = 9; c) ∃x ∈ R −|6x − x2 = 8;
b) ∃x ∈ R −|x2 − 2x = 8; d) ∃x ∈ R|(x2 − 2x = 8 e x > 1) ;
1.30. Expressões complicadas assim não são situações artificiais, aparecendo com frequência na pratica. De
fato, a proposiçao deste exemplo na verdade esta relacionada à definição de continuidade uniforme, que é vista em
cursos de análise na reta.
1.31. Neste exemplo, escrevemos a solução correta, mas sem esclarecer o método que utilizamos para chegar
a esta solução. A idéia é que um contra-exemplo é um par de números reais x, y com 0 < |x − y| < δ e, ao mesmo
tempo, |x2 − y 2| > ε. A última expressão pode ser reescrita como |x + y | · |x − y | > ε. Escolhemos arbitrariamente uma
δ δ
condição que faça x e y satisfazerem 0 < |x − y| < δ, fazendo x − y = 2 . E então o que precisamos é que |x + y| · 2 > ε,
2ε 4ε
que é |x + y | > δ , de modo que é natural escolhermos x + y = δ . Fixando agora ε = 1 (de forma totalmente arbitrária,
4 δ
qualquer ε > 0 serviria), obtemos x + y = δ . Lembrando que x − y = 2 , temos um sistema de duas equações e duas
incógnitas que, quando resolvido, nos dá exatamante os valores de x e y que utilizamos na solução.
1.32. Em casos complexos, não é incomum que mesmo matemáticos experientes demorem para conseguir inter-
pretar corretamente uma expressão, devido à omissão de parênteses.
1.5 Sentenças abertas 29
1
e) ∃n ∈ N∗ n < 0, 002; h) ∃n ∈ Z∗|n2 < 1;
1 1 1
f) ∃n ∈ N∗ tal que 1 + 2 + 3 + 4 + ... + n >
1 i) ∃x ∈ ]2, 3]|x2 = 2x + 1;
199
96
; j) ∃x ∈ [−3, 6]|x2 = 2x + 1;
Exercício 1.11. Identifique quais das proposições abaixo são verdadeiras e quais são falsas, expli-
citando um exemplo para todas as proposições existenciais que forem verdadeiras e contra-exemplos
para todas as de “para todo” que forem falsas:
a) ∃x ∈ R|(∀q ∈ Q, x =
/ q 4); h) ∀x ∈ R, (x = y, ∀y ∈ R);
b) ∀x ∈ R, (∃y ∈ R|x = y ); 2
i) ∃x ∈ R|(∃y ∈ Q|x = y);
c) ∀x ∈ R, (∃y ∈ R|x = y);
2
j) ∀x ∈ R, ∃y ∈ Q|x = y;
d) ∃x ∈ R|(x ∈2
/ Q ∧ x ∈ Q); 4
k) ∀x ∈ Q, ∃y ∈ R|x = y;
e) ∀x ∈ R|x − 2x = x, (x = 0 ∨ x ∈
3 2
/ Q); l) ∃x ∈ Q|(∃y ∈ R|x = y);
f) ∀x, y ∈ R|x · y = 0, (x = 0 ∨ y = 0); m) ∃m ∈ N|(∀n ∈ N, ∃p ∈ N|m = n + p);
g) x = 1, ∀x, y ∈ Z|x · y = 1; n) ∀x, z ∈ R∗, (∃y ∈ R|x · y = z);
1.33. O símbolo ∃! também é comumente lido como “existe exatamente um”, “existe um e somente um” ou
qualquer outra expressão equivalente.
30 Proposições
Lê-se como “existe um único x pertencente a R tal que x ao quadrado seja igual a nove”.
Embora a parte de existência seja verdadeira, a proposição é falsa, pois existe mais de um
valor de x ∈ R tal que x2 = 9 (a saber, x = −3 e x = 3).
1.34. Ainda que, em geral, “existe um” deva ser sempre entendido como “existe pelo menos um”, muitos autores
preferem evitar o uso deste termo, a fim de prevenir qualquer possível ambiguidade.
1.6 Outras operações lógicas sobre proposições 31
P1 P2 P1 → P2
F F V
F V V
V F F
V V V
Figura 1.15. Tabela-verdade de P1 → P2.
A definição 1.92 é correta, mas esconde a idéia do significado de P1 ⇒ P2. O que esse
símbolo realmente significa é que, toda vez que P1 é verdadeira, P2 também é verdadeira,
não importando o valor de P2 quando P1 é falsa.
A solução do exemplo 1.96 sugere como implicações lógicas podem ser escritas na forma
de proposições “para todo”. Assim, a proposição deste exemplo 1.96 pode ser reescrita
como “para todo x que seja número real negativo, x > −2”. A proposição do exemplo 1.94,
equivale à “para todo x que seja um número real positivo, x > −1”. Já o exemplo 1.93 é
equivalente à expressão (um tanto o quanto desengonçada) “para todos os instantes de
tempo t em que João está no Rio de Janeiro, João está no Brasil”.
Já que implicações no fundo são proposições com “para todo”, então é natural que, como
acontece com este tipo de proposição, a forma de concluir que uma implicação lógica é
falsa seja através da exibição de um contra-exemplo. Como fizemos no exemplo 1.96, basta
exibir um caso de um elemento satisfazendo à condição da implicação e que não satisfaça
à segunda parte.
Exemplo 1.98. x ∈ N ⇒ x ∈ Z.
Todo número natural também é um número inteiro, logo toda vez que x ∈ N necessa-
riamente será verdade que x ∈ Z. Ou seja, a implicação é verdadeira.
Exemplo 1.99. x ∈ Z ⇒ x ∈ N.
Apesar da proposição do exemplo anterior ser verdadeira, esta sua recíproca é falsa. De
fato, se escolhermos x como um número estritamente negativo (como x = −1) temos um
contra-exemplo, já que nenhum número negativo é natural.
É comum se referir à primeira parte de uma implicação lógica como sendo a hipótese
da implicação (ou hipóteses, se forem várias, unidas por uma conjunção e). Já a segunda
parte é conhecida como sendo a tese da implicação. Assim, no exemplo 1.97, a parte “x ∈ R”
é a hipótese da proposição e a parte “x2 > 4” é a tese.
Exemplo 1.103. Em x < 0 ⇒ (x2 > 0 e x3 < 0), a hipótese é x < 0 (além da hipótese
implícita de que x ∈ R) e a tese1.35 é de que x2 > 0 e x3 < 0.
Considerando que implicações lógicas no fundo são proposições com “para todo”, é
natural a utilização dos termos hipótese e tese em proposições deste tipo. Por exemplo,
como a proposição P: ∀x ∈ Z, x2 ∈ N pode ser escrita como x ∈ Z ⇒ x2 ∈ N, é comum que
se diga que a hipótese de P é x ∈ Z e a tese é x2 ∈ N. De maneira ainda mais geral, pode-
se dizer que os termos hipóteses e tese podem ser utilizados em qualquer situação aonde
alguma coisa (a tese) é consequência de outras (as hipóteses).
Exemplo 1.104. x ∈ Q, ∀x ∈ N.
Esta proposição pode ser reescrita como x ∈ N ⇒ x ∈ Q, de modo que a hipótese é x ∈ N
e a tese é x ∈ Q. Alternativamente, pode-se também pensar que o “para todo” significa que
x ∈ Q é uma consequência de x ∈ N e, portanto, x ∈ N é a hipótese e x ∈ Q é a tese.
1.35. Quando a tese é construída a partir de uma conjunção e, como neste caso, é comum se referir à cada
parte desse e como uma das teses da implicação. Assim, neste exemplo, não seria incorreto dizer que há duas teses,
a primeira sendo x2 > 0 e a segunda sendo x3 < 0.
1.6 Outras operações lógicas sobre proposições 33
1.36. Existe uma forte tendência dos textos matemáticos a esconder as idéias que levaram à solução de um
problema. Em geral, quando perceber que alguma parte da solução “caiu do céu”, desconfie de que o autor omitiu
algo e nessas situações, sempre que possível, procure tentar entender qual foi o processo mental que poderia ter
levado àquela idéia, e que foi omitido.
1.37. Um quadrado perfeito é um número que é o quadrado de algum inteiro. Assim, 0 = 02 é um quadrado
perfeito, 1 = 12 é um quadrado perfeito, assim como 4 = 22, 9 = 32, 16 = 42 e etc.
34 Proposições
ii. P obriga Q;
iii. P tem por consequência Q;
iv. Se P , então Q;
v. P é condição suficiente para Q;
vi. Q é implicado por P ;
vii. Q é consequência de P ;
viii. Q é condição necessária para P .
Exemplo 1.111. x sendo um número racional obriga que x2 seja um número racional.
Exemplo 1.112. p ser um número primo ímpar tem por consequência que p =
/ 2.
Exemplo 1.116. n ser positivo é implicado pelo fato de n ser um número primo.
Exemplo 1.118. n ser um número par é uma condição necessária para que n seja divisível
por 4.
Comentário 1.119. Em caso de dúvida para entender o que é hipótese ou tese em uma
proposição, um método útil é reescrevê-la no formato “se P então Q”: o que aparecer depois
do então é tese, o que aparecer antes é hipótese.
Exemplo 1.121. A proposição “∀x ∈ Z, −x ∈ Z” pode ser entendida como “se x ∈ Z então
−x ∈ Z”. Logo, a hipótese é “x ∈ Z” e a tese é “−x ∈ Z”.
1.6 Outras operações lógicas sobre proposições 35
Exemplo 1.122. x ∈ ∅ ⇒ x =
/ x.
Exercício 1.13. Classifique cada uma das proposições a seguir como verdadeiras ou falsas, expli-
citando um contra-exemplo para cada uma das falsas. A menos que seja especificado o contrário,
considere implicitamente que todas as variáveis envolvidas são números reais.
/ cn;
a n + bn =
Exercício 1.15. Reescreva cada uma dessas proposições como uma implicação lógica:
Exercício 1.16. Identifique as hipóteses e a tese em cada uma das proposições a seguir:
b) Todas as raízes complexas da função ζ(s) são números inteiros ou têm parte real exatamente
igual a meio1.38;
c) Todo número par estritamente maior do que 2 pode ser escrito como soma de dois números
primos1.39 ;
d) Todo número primo que deixa resto 1 ou 2 na divisão por 4 pode ser escrito como soma de dois
quadrados perfeitos1.40 .
j) x > 2 ⇒ x > 4.
n) Se f é uma função real e existe α ∈ [0, 1[ tal que |f (x) − f (y)| < α · |x − y|, ∀x, y ∈ Dom[f ] então
f é uma contração;
p) Todo função polinomial não-constante de coeficientes complexos possui pelo menos uma raiz
complexa1.41 .
1.38. Se ζ aqui se refere à famosa função zeta de Riemann então esta proposição é conhecida como a hipótese
de Riemann, um dos problemas em aberto mais importantes da matemática. O Clay Institute oferece um prêmio
de um milhão de dólares a quem for capaz de provar de forma definitiva a veracidade (ou falsidade) desta proposição.
1.39. Este é outro famosíssimo problema em aberto, conhecido como conjectura de Goldbach.
1.40. Este belíssimo resultado foi demonstrado pela primeira vez por Fermat no século XVII.
1.41. Isto é conhecido na literatura como o Teorema Fundamental da Álgebra.
1.6 Outras operações lógicas sobre proposições 37
√
Soluções: 1.13a) Verdadeira; 1.13b) Verdadeira; 1.13c) Falsa, pois falha em x = 2 ; 1.13d) Falso, pois falha em
x = 0 e y = 0; 1.13e) Verdadeira; 1.13f) Verdadeira; 1.13g) Falsa, pois falha em x = −4 (qualquer número estritamente
menor do que −3 serviria); 1.13h) Verdadeira; 1.13i) Falsa, pois falha em x = −1 (qualquer número estritamente
negativo serviria); 1.13j) Verdadeira; 1.13k) Falsa, pois falha em n = 6; 1.13l) Verdadeira; 1.13m) Falsa, pois falha
em x = −1 (qualquer número menor ou igual a zero serviria); 1.13n) Falsa, pois falha em x = 7; 1.13o) Verdadeira;
1.13p) Verdadeira; 1.13q) Verdadeira (por vacuidade); 1.13r) Verdadeira; 1.13s) Falsa, pois falha em x = 0 (qualquer
número menor ou igual a 1 serviria); 1.13t) Falsa, pois falha em x = 2 (qualquer estritamente maior do que 1
serviria); 1.13u) Falsa, pois falha em x = −4 (qualquer número menor ou igual a -2 serviria); 1.13v) Falsa, pois
falha em m = 0 (único contra-exemplo possível); 1.13w) Falsa, pois falha em m = 9, já que satisfaz às hipóteses da
implicação (como se pode ver ao fazer a = 1 e b = 2) mas não satisfaz à tese (basta fazer j = 3); 1.13x) Verdadeira;
1.13y) Verdadeira (por vacuidade); 1.13z) Verdadeira (por vacuidade); 1.14a) ∀x ∈ R∗−, x < 0; 1.14b) ∀(x, y) ∈ R2,
x2 + y 2 > 0; 1.14c) ∀x ∈ Qx2 > 2, x > 1; 1.14d) ∀a, b, c, n ∈ Na · b · c · n > 10, an + bn =
/ cn; 1.15a) ∀x ∈ Q, x ∈ R; 1.15b)
2 n
∀x ∈ [1, 3], x > 0; 1.15c) ∀x ∈ Rx + x < 0, x|<1; 1.15d) ∀n ∈ N, ∀x ∈ ]1, ∞ , x > 1; 1.16a) Hipótese: x é um número
algébrico; Tese: x é um número racional; 1.16b) Hipótese: s é raiz complexa da função ζ; Tese: s é número inteiro
ou a parte real de s é meio; 1.16c) Hipóteses: n é um número par e n > 2; Tese: n pode ser escrito como soma de
dois números primos; 1.16d) Hipóteses: n é um número primo e o resto da divisão de n por 4 é 1 ou 0; Tese: n é
escrevível como soma de dois quadrados; 1.16e) Hipótese: ∆ é um triângulo; Tese: a soma dos ângulos internos de
∆ é um triângulo; 1.16f) Hipóteses: n é um número primo e n é um número par; Tese: n = 2; 1.16g) Hipóteses: r1,
r2 e r3 são retas, r1 é distinta de r2, r1 é paralela à r3 e r2 é paralela à r3; Tese: r1 e r2 não se encontram; 1.16h)
Hipóteses: a e b são números inteiros e a =
/ 0 e b=
/ 0; Tese: a · b =
/ 0; 1.16i) Hipótese: r1 é bissetriz de um ângulo e r2
é bissetriz de seu complementar; Tese: r1 e r2 são perpendiculares; 1.16j) Hipótese: x é um número real (hipótese
implícita) e x > 2; Tese: x > 4; 1.16k) Hipótese: f é uma função derivável; Tese: f é uma função contínua; 1.16l)
Hipótese: f é uma função contínua; Tese: f é uma função derivável; 1.16m) Hipóteses: a ∈ Z∗ e b ∈ Z∗; Tese: ∃m,
n ∈ Za · m + b · n = mdc(a, b); 1.16n) Hipóteses: f é uma função real, α ∈ 0, 1 e |f (x) − f (y)| < α · |x − y |, ∀x ∈ Dom[f ];
Tese: f é uma contração; 1.16o) Hipóteses: f e g são funções continuas; Tese: f + g é uma função contínua; 1.16p)
Hipótese: p é um função polinomial não-constante de coeficientes complexos; Tese: p possui pelo menos uma raiz
complexa; 1.16q) Hipótese: z é um número complexo; Tese: z é o quadrado de pelo menos um número complexo;
1.16r) Hipótese: s é sequência monótona e limitada; Tese: s é convergente.
Mas o que vai nos interessar mais é a seguinte interpretação para a equivalência lógica (e
que também justifica a simbologia): P1 ⇔ P2 é a mesma coisa que dizer que (P1 ⇒ P2 e P1 ⇐
P2). Essa caracterização da equivalência lógica é importante e utilizada exaustivamente em
qualquer área da matemática. Uma consequência óbvia dessa caracterização é que tanto
faz escrever P1 ⇔ P2 ou escrever P2 ⇔ P1.
Exemplo 1.127. (x ∈ R e x + 5 = 8) ⇔ x = 3.
Esta equivalência é uma proposição verdadeira, pois é verdade que (x ∈ R e x + 5 = 8)⇒
x = 3 e também é verdade que x = 3 ⇒ (x ∈ R e x + 5 = 8).
A seguir ilustramos alguns usos destas expressões (todas as proposições a seguir são
verdadeiras):
Exemplo 1.133. n ser um número inteiro divisível por 2 é condição necessária e suficiente
para n ser um número par.
Exemplo 1.134. n ser um número inteiro divisível por dez é condição necessária e sufi-
ciente para que seu último dígito de sua representação decimal seja zero.
Comentário 1.135. Construções envolvendo o uso de vários “tal que” são deselegantes
e difíceis de ler, mas podem frequentemente ser substituídos por expressões equivalentes
utilizando um único “tal que”. Por exemplo, considere a proposição:
P : (∃x ∈ R|x2 + 3 > 10)|x3 < 100.
Observe que cada um dos “tal que” introduz uma condição adicional para a variável x:
a primeira afirma que x2 + 3 > 10 e a segunda afirma que x3 < 100. Logo, o que os dois
“tal que” dizem é que x satisfaz a estas duas condições simultaneamente, isto é, satisfaz
x2 + 3 > 10 ∧ x3 < 100. Portanto, P pode ser escrito da seguinte forma equivalente
P : ∃x ∈ R|(x2 + 3 > 10 ∧ x3 < 100),
1.7 Técnicas para obter a negação de proposições 39
Comentário 1.136. De maneira inteiramente análoga ao que foi dito no comentário 1.125
da página 35, a diferença entre a bicondicional e a equivalência lógica é que o primeiro é
uma operação lógica entre duas proposições P e Q, gerando uma nova proposição P ↔ Q
e a segunda denota uma relação entre P e Q, denotando que P ↔ Q é verdadeira.
Exercício 1.17. Admitindo que todas as variáveis envolvidas são números reais, em cada uma das
sentenças abaixo substitua o símbolo ⊞ pelos símbolos ⇐, ⇒, ⇐⇒ ou nenhum deles, de forma a obter
uma proposição verdadeira com a máxima generalidade possível:
a) x > 0 ⊞ x > 1; i) 0 · x = 0 ⊞ x = 0;
b) x < 3 ⊞ x < 4; j) x2 > 1 ⊞x > 1;
c) x = 16 ⊞x=4;
2
k) x2 > 1 ⊞x > 2;
d) x = 16 ⊞ |x| = 4;
2
l) x =
/ y e y =z ⊞ x=
/ z;
e) a > b e b > c ⊞ a > c; m) x =
/ y e y=
/ z ⊞ x=
/ z;
f) ∆ é triângulo isósceles ⊞ ∆ é triângulo n) x = y ⊞ x2 = y 2;
equilátero;
o) x = y ⊞ x3 = y 3;
g) Pedro foi aos Estados Unidos ⊞ Pedro
foi à Nova Iorque; p) x = y ⊞ x4 = y 4;
h) x ∈ R+ ⊞ x > 0; q) x6 = y6 ⊞ x = y.
Exercício 1.18. Sem fazer nenhuma conta, identifique quais das equivalências abaixo são verdadeiras
(mantenha em mente o que foi dito no comentário 1.135):
a) ((∃x ∈ R|x é algébrico)|x7 + 80x = 340) ⇔ (∃x ∈ R|(x é algébrico e x7 + 80x = 340));
b) ((∃x ∈ Q|x > 0)|x é escrevível como fração contínua) ⇔ (∃x ∈ Q|(x é escrevível como uma fração
contínua e x > 0))
c) ((∃x ∈ R|x5 + 3x < 40)|x7 − 2x > 5) ⇔ (∃x ∈ R|(x5 + 3x < 40 e x7 − 2x > 5));
d) ((∃x, y ∈ R|x7 + 3y < 40x)|x2 + y 2 < 21) ⇔ (∃x, y ∈ R|(x7 + 3y < 40x e x2 + y2 < 21));
e) (∀n ∈ N∗|(∃a ∈ Z|n = a2), ∃b, c ∈ Z|n = b2 + c2) ⇔ ∀n ∈ N∗, ∃a, b, c ∈ Z|(n = a2 e n = b2 + c2);
f) ((∃a, b ∈ N ∗|n = a3 + b3)|(∃p ∈ N∗|n = p3)) ⇔ (∃a, b, p ∈ N∗|(n = a3 + b3 e n = p3));
g) ((∀x ∈ R|x é irracional) ⇒ x é algébrico) ⇔ ((x ∈ R e x é irracional) ⇒ x é algébrico);
h) ((∀x ∈ R|x é algébrico de grau 2) ⇒ x é escrevível como uma fração contínua) ⇔ ((x ∈ R e x é
algébrico de grau 2) ⇒ x é escrevível como uma fração contínua);
i) ((∀x ∈ R|x8 < 40 + 90x), (x3 − 4x > 50 ∨ x = 4)) ⇔ (∀x ∈ R|(x8 < 40+90x ou x3 − 4x > 50), x = 4);
1.42. Essas proposições muito simples e cuja negação pode ser obtida de forma tão trivial são denominadas
atômicas (pois não podem ser subdivididas em proposições menores).
40 Proposições
P = ∼(∼P ) (1.1)
P ∼P ∼(∼P )
F V F
V F V
Figura 1.17. Tabela-verdade de P é igual à de ∼(∼P ) logo elas são proposições equivalentes.
Isto significa que negar uma negação é simplesmente voltar para a proposição original.
Exercício 1.19. Escreva uma negação de cada uma das seguintes proposições (a menos que explicitado
o contrário, considere todas as variáveis como reais):
Soluções: 1.19a)Eu sou brasileiro.; 1.19b)O tigre é rajado; 1.19c)x = 4; 1.19d)x pertence ao
conjunto C .
1.43. Nome em referência ao matemático inglês Augustus De Morgan, que estudou essas leis, sendo considerado
um dos pais da lógica simbólica.
1.7 Técnicas para obter a negação de proposições 41
Em linguagem menos carregada, a primeira lei de De Morgan diz que a negação de uma
conjunção é a disjunção das negações. Na prática, isto significa que, para negar uma
proposição da forma “P1 e P2”, basta substituirmos o “e” pelo “ou” e, em seguida, trocar P1
e P2 por suas respectivas negações.
Nos exemplos a seguir, assuma que todas as variáveis citadas são números reais.
Exemplo 1.144. Conforme visto no comentário 1.13, a desigualdade dupla “1 < x < 2”
deve ser entendida como “1 < x” e “x < 2”. Logo, sua negação é “1 > x ou x > 2”.
Comentário 1.145. Embora a prova formal da primeira lei de De Morgan tenha sido
fácil, existe um jeito mais natural de se chegar a essa regra. De fato, se queremos a
negação de P1 ∧ P2, o que queremos na verdade é uma proposição que seja verdadeira
somente quando P1 ∧ P2 é falso. Porém, P1 ∧ P2 falso significa que alguma das proposições
componentes (P1 ou P2), é falsa. Ou seja, ou ∼P1 é verdadeiro ou ∼P2 é verdadeiro.
Isto é, ∼(P1 ∧ P2) é verdadeira se e somente se (∼P1) ∨ (∼P2) é verdadeira. Ou seja,
∽(P1 ∧ P2) = (∽P1) ∨ (∽P2).
Comentário 1.146. Esta regra se generaliza de forma natural para um e entre mais
de duas proposições: nega-se cada uma das proposições componentes e interliga-se estas
negações com ou. Assim, por exemplo, a negação de “x > 5 e y 6 3 e z = 3” é “x 6 5 ou
y > 3 ou z =
/ 3”. Lembre-se que este procedimento só é válido para proposições envolvendo
apenas a conjunção e. No exemplo 1.152 veremos um exemplo de como é feita a negação
de uma proposição em que ocorrem conjunções e disjunções simultaneamente.
Exercício 1.20. Escreva a negação de cada uma das seguintes proposições (a menos que explicitado
o contrário, considere todas as variáveis como reais):
a) x > 4 e y 6 5; e) 1 6 x < 6;
b) r = 4 e θ < p; f) 4 < y 6 9;
c) x =
/ 4 e y > 1; g) x > 3 e y 2 − 3y < z 3 + 10 e h3 > h;
d) x > 1 e y > 3; h) a > 0 e b =
/ 0 e c = 0 e d < 10;
Exercício 1.21. Alguém lhe diz (erradamente) que a negação da proposição P dada por “a = 0 e b = 0”
é a proposição Q enunciada por “a =
/ 0 e b=
/ 0”. Mostre que isto é uma avaliação equivocada, exibindo
valores de a e b em que ambas as proposições, P e Q, são falsas (se Q realmente fosse a negação de P,
então necessariamente uma teria que ser verdadeira e a outra falsa, em todos os casos).
Exercício 1.22. Utilize diretamente o raciocinio do comentário 1.145 (e não diretamente a lei de De
Morgan) para escrever a negação de “x não é um número algébrico e y = 0”, explicando detalhadamente
o processo.
42 Proposições
Exemplo 1.147. x = 1 ou x = 2.
A negação da primeira proposição é: “x =
/ 1”. A negação da segunda proposição é “x =
/ 2”.
Logo, a negação da proposição é “x =
/ 1 e x=/ 2”.
Exibimos alguns outros exemplos, sempre assumindo que as variáveis especificadas são
números reais.
Exemplo 1.149. z = 1 ou z = 3.
A negação é “z =
/ 1 e z=
/ 3”.
A negação de uma proposição composta por mais de dois termos, desde que seja exclusi-
vamente composta por disjunções (isto é, por “ou”s), é feita de maneira similar: substitui-se
cada proposição componente pela sua negação e cada conjunção “ou” é substituída por “e”.
Exemplo 1.150. a = 1 ou b = 1 ou c = 1
As negações de cada uma das proposições componentes são a = / 1 e c=
/ 1, b = / 1. Logo
a negação será “a =
/ 1 e b=
/ 1 e c=
/ 1”.
Utilizando então a primeira lei de De Morgan nas expressões dentro dos parênteses, che-
gamos à expressão
(x =
/ 1 ou y =
/ 4) e (x =
/ 0 ou y =
/ 3). (1.5)
para a negação da proposição.
Exercício 1.23. Escreva a negação de cada uma das seguintes proposições (a menos que explicitado
o contrário, considere todas as variáveis como reais):
a) x = 4 ou y > 7; g) (x > 3 e x 6 5) ou β = 0;
b) r < 1 ou θ = 0; h) (1 6 a < 3) ou a = 0;
c) x > 1 ou y =
/ 0; i) (a = 0 ou b = 0) e (c = 0);
d) x > 1 ou y 6 2; j) (x3 + 7x = 0 ou x é irracional) e (x2 =
/ 3);
e) x = 1 ou y > 2 ou z =
/ 2; k) (x > 5 e y > 1) ou (x = 0 e y = 0);
f) x = 9 ou x = 1 ou x = 0;
2 2
l) (a > 1 ou a < −1) e (b > 2 ou b 6 −2);
Exercício 1.24. Alguém lhe diz (erradamente) que a negação da proposição P dada por “a = 0 ou b = 0”
é a proposição Q enunciada por “a =
/ 0 ou b =
/ 0”. Mostre que isto é uma avaliação equivocada, exibindo
valores de a e b em que ambas as proposições, P e Q, são falsas (se Q realmente fosse a negação de P,
então necessariamente uma teria que ser verdadeira e a outra falsa, em todos os casos).
Exercício 1.25. Utilize diretamente o raciocinio do comentário
√ 1.154 (e não diretamente a lei de De
Morgan em si) para escrever a negação de “x ∈ Q ou x = 2 ”, explicando detalhadamente o processo.
Soluções: 1.23a)x =
/ 4 e y 6 7; 1.23b)r > 1 e ` = / 0; 1.23c)x < 1 e y = 0; 1.23d)x 6 1 e y > 2;
1.23e)x =/ 1 e y 6 2 e z = 2; 1.23f)x 2 =
/ 9 e x2 =/ 1 e x =
/ 0; 1.23g)(x 6 3 ou x > 5) e ↓ =
/ 0; 1.23h)(1 >
a ou a > 3) e a = / 0; 1.23i)(a =/ 0 e b / = 0) ou (c =/ 0); 1.23j) x 3 + 7x =
/ 0 e x não é irracional) ou
(x 2 = 3); 1.23k)(x 6 5 ou y 6 1) e (x = / 0 ou y =/ 0);√1.23l)(−1 6 a 6 1) ou 2 > b > −2); 1.24)a =
0 e b = 0 (é a única possibilidade); 1.25)x ∈ /Q e x= / 2;
1.7.4 A negação do ∀
Seja uma proposição P definida por “∀x satisfazendo H, T é verdadeira”, aonde T (a
tese) e H (a hipótese) são propriedades quaisquer. Estamos interessados em construir a
negativa de P . Bom, ∼P é uma proposição que é verdadeira se e somente se P é falsa.
Mas dizer que P é falsa, significa que não é verdade que T seja verdadeira para todo x
satisfazendo H. Ou seja, T falha para algum x satisfazendo H. Em outras palavras, existe x
satisfazendo H tal que T é falsa. Ou seja, existe x satisfazendo H tal que ∼T é verdadeira.
Em resumo:
Exemplo 1.156. ∀x ∈ Q, x2 ∈ Q.
A negação é ∃x ∈ Q|x2 ∈
/ Q.
Comentário 1.163. Na página 1.66, estabelecemos uma convenção segundo o qual se não
existir nenhum elemento satisfazendo a condição do “para todo”, então essa proposição é
automaticamente verdadeira, não importando o resto da sentença. Assim, como visto no
exemplo 1.67, a proposição “x2 = −1, ∀x ∈ ∅” é verdadeira, já que não existe x ∈ ∅. Esta
esquisita convenção pode agora ser justificada. Considere a negação desta proposição P
do exemplo 1.67, que seria claramente ∼P = ∃x ∈ ∅|x2 = / −1. Já que não pode existir
x ∈ ∅, claramente se vê que essa proposição ∼P é falsa. E se ∼P é falsa, então P
tem que ser verdadeira. Um raciocínio análogo pode ser feito para todas as proposições
com situações de vacuidade, o que justifica porque todas estas proposições devem ser
consideradas verdadeiras.
É comum que tenhamos que combinar essa regra de negação do “para todo” com as leis
de De Morgan:
1.44. É muito comum que proposições envolvendo mais de um “tal que” possam ser reescritas de forma a usar
apenas um, ficando assim seu enunciado muito mais elegante e fácil de ler.
1.7 Técnicas para obter a negação de proposições 45
Exercício 1.26. Escreva uma negaçao de cada uma das seguintes proposições:
j) Toda função inteira e limitada é cons- t) ∀x, y ∈ R|x + y > 0, x > 0 ou y > 0.
tante; 1
u) ∀x ∈ [0, 1]|x2 < 2 , x17 − 8x < 19;
m
k) ∀m, n ∈ N∗, n
∈ Q; v) ∀x ∈ R|x2 ∈ Q, x é um número algébrico;
Soluções: 1.26a)∃x ∈ Rx 2 < 0; 1.26b)∃n ∈ Zn 2 + n não é um número par; 1.26c)∃n ∈ Zn 2 ∈
N; 1.26d)∃x ; y ∈ Qx · y ∈ Q; 1.26e)∃n ∈ N∗n < 1; 1.26f)∃x ∈ Q tal que x não é um número
algébrico; 1.26g)Existe pelo menos um p primo tal que p > 2 e p não é ímpar; 1.26h)Existe pelo menos
um número inteiro divisível por quatro que não é par; 1.26i)Existe pelo menos um número inteiro que
não é divisível por um; 1.26j)Existe pelo menos uma função inteira e limitada que não é constante;
m
1.26k)∃m ; n ∈ N∗ n ∈ Q; 1.26l)∃x ∈ Q+(x 2 > 1 e x 6 1); 1.26m)∃n ∈ N n é primo e n 2 é primo);
2 4
∈ N(m < 0 ou m < 0); 1.26o)∃p ; q ∈ K[x ](p + q ∈ K[x ]ou p − q ∈ K[x ]); 1.26p)∃m ;
1.26n)∃m
n ∈ Z(m n é par e m não é par e n não é par); 1.26q)Existe polinômio p com coeficientes inteiros
tal que p (↑ ) = 0; 1.26r)Existe x real positivo e ∃a ∈ R tal que a · x < 0; 1.26s)∃n ∈ N∗existe pelo
menos um vetor de Rn que não tem sentido ou não tem direção; 1.26t)∃x ; y ∈ R(x + y > 0 e x 6 0 e
1
y 6 0); 1.26u)∃x ∈ [0; 1]|(x 2 < 2 e x 17 − 8x > 19); 1.26v)∃x ∈ Rx 2 ∈ Q e x não é um número algébrico).
46 Proposições
1.7.5 A negação de ∃
Na página 27 vimos que o símbolo ∃ significa “não existe” e é claro que pode ser usado
para escrever a negação de qualquer expressão envolvendo o quantificador ∃, da maneira
óbvia:
Em todos os exemplos a seguir, assumimos que (a menos que seja indicado em contrário)
todas as variáveis envolvidas são reais:
Exemplo 1.172. Existe pelo menos um número real cujo quadrado seja 3.
A negação é “∀x ∈ R, x2 =
/ 3”.
A regra funciona de maneira totalmente análoga, caso haja mais de uma variável envol-
vida:
Naturalmente, se a expressão for mais complexa, pode ser necessário fazer uso também
das outras regras para a negação:
1
Aplicando a regra da negação de “para todo”, chegamos à ∃ε > 0|∼(∃n ∈ N∗ n < ε .
1
Agora aplicamos a regra da negação do “existe” e chegamos à ∃ε > 0|(∀n ∈ N∗, n > ε .
Exercício 1.27. Escreva uma negação de cada uma das seguintes proposições, sem jamais utilizar o
símbolo ∃:
Exemplo 1.182. Um número primo n é escrevível como soma de dois quadrados perfeitos
se e somente se a divisão de n por 4 deixa resto um.
Esta afirmação claramente é equivalente à “(todo número primo n que é escrevível como
soma de dois quadrados deixa resta um na divisão por 4) ∧ (todo número primo n que
deixa resta um na divisão por 4 é escrevível como soma de dois quadrados)’.
Aplicando De Morgan, então a negativa é “∼(todo número primo n que é escrevível
como soma de dois quadrados deixa resta um na divisão por 4) ∨ ∼(todo número primo n
que deixa resta um na divisão por 4 é escrevível como soma de dois quadrados)”. O que se
torna “(existe pelo menos um número primo n que é escrevível como soma de dois quadrados
e que não deixa resta um na divisão por 4)∨(existe pelo menos um um número primo n
que deixa resto um na divisão por 4 e que não é escrevível como soma de dois quadrados”.
Exercício 1.28. Obtenha a negação de cada uma das seguintes proposições sem utilizar os símbolos
∃ e ⇒ (ou equivalentes):
a) Se x ∈ R então x2 > 0;
b) Se x é um número algébrico de grau 2, então x pode ser escrito como uma fração contínua
periódica;
1.7 Técnicas para obter a negação de proposições 49
1.45. Esta é uma versão levemente mais fraca de um resultado bastante famoso de teoria dos números, conhecido
como “Pequeno Teorema de Fermat.”
1.46. Este resultado é conhecido como “Grande Teorema de Fermat”. Por cerca de 300 anos, encontrar uma prova
deste teorema foi um dos problemas em aberto mais famosos da matemática, até que, em 1994, finalmente Andrew
Wiles conseguiu esta façanha.
1.47. De fato, a maioria dos matemáticos (inclusive o autor deste texto) tende a não memorizar estas regras,
utilizando justamente os métodos desta seção.
50 Proposições
Escrever essas negações sem o uso de regras tem certas vantagens: ao contrário do
que acontece quando as regras são meramente memorizadas, uma vez que se “pegue o
jeito” com esta forma de pensar, é improvável que o estudante esqueça como fazer as
negações. Também é bem menos provável que o estudante cometa o erro de aplicar a regra
erradamente ou escrever uma negação que nem faz sentido; e, em alguns casos, chega-se à
forma mais elegante de representação da solução, com menos trabalho.
Como comparaçao, repetiremos alguns exemplos de negação da seção anterior, mas
desta vez sem a utilização mecanizada das regras de negação.
a) a = b e a =
/ c; f) ∀x ∈ R|x3 + 3x2 + 2x = 0, x ∈ Z;
b) a = 4 e b > 0; g) ∀x, y ∈ R|x · y < 0, x < 0 ou y < 0;
1
c) a = 4 ou b = 7; h) ∃ε > 0, ε < 0.00001;
d) a > 5 ou b < 8; m
i) ∃x ∈ Q∃m, n ∈ N∗ com x = n ;
e) ∀x ∈ Q, x ∈ R; j) Se a é um número natu
Soluções: 1.29a)
/ b ou a = c ; 1.29b)
a = / 4 ou b 6 0; 1.29c) a =
a = /4 e b =/ 7; 1.29d)
a 6 5 e b > 8;
1.29e) ∃x ∈ Qx ∈ R; 1.29f) ∃x ∈ R(x 3 + 3x 2 + 2x = 0 e x ∈ Z); 1.29g) ∃x ; y ∈ R · y <0 e x >0 e
(x
1 m
y > 0); 1.29h) ∀" > 0; " > 0.00001; 1.29i) ∀x ∈ Q; ∃m ; n ∈ N∗x = n .
Exercício 1.31. Em cada uma das sentenças abaixo, preencha a linha tracejada com os símbolos ⇐,
⇒ ou ⇐⇒, de forma a obter uma proposição verdadeira com a máxima generalidade possível (assuma
que x é sempre um número real) [OBS: Se nenhum dos três símbolos acima se aplicar, utilize o símbolo
⊞ para especificar que é este o caso.]:
Exercício 1.32. Escreva simbolicamente a negação de cada uma das proposições abaixo, sem jamais
utilizar os símbolos ∼, ∃, ⇒ e ⇐ (assuma que α, β e γ são números reais e que I é um conjunto):
1
a) α < 0 ∧ β > 0; i) ∀x ∈ R|x > 0, x > 0;
b) (α = 0 ∨ β =
/ 0) ∧ α > β;
j) ∃x ∈ R|(x2 + x > 7 ∧ x3 − 8x 6 9);
c) α 6 β < γ;
k) (x ∈ Q|x8 > 7x + 2) ⇒ x > 1;
d) ∀x ∈ R|x < 10, x2 − 18x > 2;
e) ∃x ∈ R|x > 1 ∧ x6 − 4x4 + 2x + 8 = 0; l) x4 > 16 ∨ x2 − 9x < 17;
b) Todos os números inteiros que são divisíveis por catorze também são divisíveis por sete;
Exercício 1.34. Classificar como verdadeiro ou falso, explicitando um exemplo (ou contra-exemplo)
para todas as proposições falsas e justificando (sem muito rigor) as verdadeiras.
1
f) ∃x ∈ R + x < n , ∀n ∈ N∗ ; n) ∀x ∈ R|4x2 = 4x + 3, x ∈ Q+;
Soluções: 1.31a)⇐; 1.31b)⊞; 1.31c)⇒; 1.31d)⇔; 1.31e)⇐; 1.31f)⇔; 1.32a)α > 0 ∨ β < 0; 1.32b)(α =/ 0∧
β = 0) ∨ α 6 β; 1.32c)α > β ∨ β > γ; 1.32d)∃x ∈ R (x < 10 ∧ x2 − 18x 6 2); 1.32e)∀x ∈ Rx > 1,
pelo menos um número perfeito que não é um número par; 1.33b) Existe pelo menos um número inteiro
que é divisível por catorze e não é divisível por sete; 1.33c) Existe pelo menos um número algébrico m tal
que m3 − m não é um número algébrico; 1.33d) Existe pelo menos um número algébrico que é um número
transcendente ou existe um número que não é transcendente que não é um número algébrico; 1.34a)
Verdadeiro, pois a cada número real, sempre existe um número natural maior que ele; 1.34b) Falso, sendo
√
x = 1 e y = 1 um contra-exemplo (qualquer caso com√ x = y serviria); 1.34c) Falso, sendo x = 1 − 2 o único
contra-exemplo possível; 1.34d) Falso, sendo x = 2 um possível contra-exemplo; 1.34e) Falso, sendo n = 13
um contra-exemplo possível (faça a = 12 e b = 5 para ver que ele satisfaz à hipótese); 1.34f) Falso, sendo
x = 0 o único contra-exemplo possível; 1.34g) Verdadeiro (por vacuidade); 1.34h) Verdadeiro, pois todo
número real possui um inverso aditivo; 1.34i) Falso, sendo x = 2 um contra-exemplo (qualquer x ∈ −2,
1 serviria); 1.34j)Falso, sendo x = 2 um contra-exemplo (qualquer x ∈ [−2, 1] serviria); 1.34k)Verdadeiro,
Proposição 2.1. (Quinto Postulado de Euclides) Se duas retas paralelas são cortadas
por uma transversal, então o ângulo com que a transversal corta a primeira reta paralela
é congruente ao ângulo com que ela corta a segunda reta paralela.
Um rápido olhar na figura 2.1 é suficiente para nos convencer de que esta proposição
2.1 é verdadeira:
2.1. Evidentemente, nesta frase estamos considerando como um tipo de demonstração qualquer argumento que
convença alguém da veracidade de uma certa afirmativa, mesmo que esta argumentação esteja colocada de maneira
informal.
53
54 Demonstrações Matemáticas
Como antes, também é fácil se convencer de que esta é uma proposição verdadeira,
bastando observar a figura 2.2.
Proposição 2.3. (Lei Angular de Tales) A soma dos ângulos internos de qualquer
triângulo resulta em 180 graus.
Figura 2.3. A lei angular de Tales estabelece que α + β + γ = 180◦, mas isso não é nada óbvio.
2.1 Alguns exemplos de demonstrações 55
Contrastando com as proposições anteriores, nada na figura 2.3 deixa claro que a pro-
posição 2.3 seja verdadeira. Simplesmente não é de modo algum evidente que a soma
α + β + γ tenha que resultar exatamente em 180 graus.
Esta lei angular de Tales é um dos resultados mais frequentemente utilizados da geo-
metria elementar. Mas se este resultado não é geometricamente óbvio, então por que os
matemáticos se arriscam a usá-lo tantas vezes? Por que eles o chamam de lei, como se
tivessem imensa certeza de que se trata de uma proposição verdadeira?
O que eles fazem é deduzir logicamente, e de forma inescapável, a veracidade desta
proposição, a partir de resultados confiáveis e que são admitidamente conhecidos2.2. Basta
acompanhar o raciocínio que se segue.
Conforme visto no desenho, o que temos é que ABC é um triângulo qualquer e α, β e
γ são seus ângulos internos referentes, respectivamente, aos vértices A, B e C. É evidente
que podemos prolongar o segmento AB por uma reta e traçar uma reta r paralela a ela,
passando pelo ponto C (figura 2.4).
Figura 2.4.
Figura 2.5.
2.2. Quando introduzirmos o método axiomático, na seção 2.12, faremos uma discussão mais profunda daquilo
que se entende como “resultados confiáveis” e “admitidamente conhecidos”.
56 Demonstrações Matemáticas
Figura 2.6.
Analogamente, a mesma proposição 2.1 aplicada à outra transversal, nos permite con-
cluir que o ângulo que está mais à esquerda, sobre a reta r, é β (figura 2.7).
Figura 2.7.
Além do mais, se aplicarmos a proposição 2.2 (que também admitiremos como confiável
e conhecida), concluiremos que o ângulo do meio, sobre a reta r, é γ (figura 2.8).
2.1 Alguns exemplos de demonstrações 57
Figura 2.8.
Mas observando a figura 2.8, fica claro que a soma dos ângulos β , γ e α é a metade de
uma volta completa (que é 360 graus) e, portanto, α + β + g = 180◦. Assim, concluímos
que a soma dos ângulos internos de qualquer triângulo é 180 graus, que é exatamente o
que diz a tese da proposição 2.3. Ou seja, o que acabamos de fazer foi uma demonstração
matemática desta proposição.
Pois é isto o que essencialmente constitui uma demonstração matemática: uma cadeia
de raciocínio que, utilizando apenas resultados nos quais se têm confiança absoluta, deduz
logicamente e de forma inexorável uma certa tese.
O mérito deste procedimento é que ele nos permite transferir a confiança que tenhamos
em resultados que são claramente óbvios, para resultados não óbvios e previamente não
conhecidos. Pois se realmente tivermos fé em nossas premissas (no nosso caso, as proposi-
ções2.3 2.1 e 2.2) e a cadeia de argumentação não apresentar falhas ou exceções (como deve
ser o caso em uma demonstração correta), é inevitável aceitar a conclusão do raciocínio
e a veracidade da proposição que foi provada, mesmo que, a princípio, a tese nos tenha
parecido duvidosa ou improvável.
Comentário 2.4. Para sinalizar que uma prova havia sido completada, os antigos gregos
costumavam escrever, ao fim de cada prova, as palavras hóper édei deîxai (öπερ ε̈δει
δει̃ξαι), que significa “como queríamos demonstrar”. Na Europa renascentista, em que
os letrados utilizavam o latim para se comunicar, isto acabou sendo traduzido para esta
língua como quod erat demonstrandum e frequentemente abreviado Q.E.D.. Até hoje ainda
é bastante comum no meio acadêmico o uso das letras Q.E.D. (ou, ainda mais simples-
mente, QED) para indicar o fim de uma demonstração. Traduções do mesmo termo para
diversas idiomas também vingaram, sendo frequente encerrar-se uma demonstração escrita
em português com CQD (de “como queríamos demonstrar”). Uma outra forma de indicar
o término de uma prova é escrever o símbolo ao final da demonstração. Este será o
método utilizado neste texto.
2.3. Na verdade, as proposições 2.1 e 2.2 não foram as únicas premissas assumidas como base para esta
demonstração da lei angular de Tales. Também foram utilizadas implicitamente alguns outros fatos, fatos estes que
eram tão óbvios que seu uso passou totalmente desapercebido. Por exemplo, começamos a demonstração prolongando
o segmento AB por uma certa reta e, em seguida, assumimos que existia uma reta r passando por C que era paralela
a esta reta. São duas premissas bastante razoáveis e geometricamente óbvias, mas que não foram explicitadas em
nenhum momento. A partir da seção 2.12, seremos mais cuidadosos quanto ao uso implícito de premissas óbvias
mas, neste momento, tudo que importa é só usar coisas nas quais tenhamos absoluta confiança.
58 Demonstrações Matemáticas
Nosso objetivo será utilizar as proposições 2.5, 2.6, 2.7 e 2.8, que sem dúvida são
totalmente familiares ao leitor, juntamente com algumas outras identidades e propriedades
algébricas igualmente familiares, como base para provar a seguinte proposição (que não é
nada óbvia ou familiar):
Proposição 2.9. A média aritmética entre dois números não negativos é sempre maior
ou igual à média geométrica entre eles.
Demonstração. Sejam x e y dois números reais não negativos quaisquer. Então é claro
que x − y é um número real. Então, pela proposição 2.8, o quadrado de x − y é um número
não negativo. Ou seja, tem-se:
(x − y)2 > 0 (2.1)
Porém o conhecido produto notável (que é um resultado no qual temos absoluta confiança)
nos diz que (x − y)2 = x2 − 2xy + y 2. Então necessariamente tem que ser verdade que:
2.4. Um número real x é dito não negativo quando x > 0 (isto é, quando não é negativo - o que explica a
nomenclatura).
2.1 Alguns exemplos de demonstrações 59
Manipulações algébricas triviais que não nos despertam nenhuma suspeita de não serem
válidas, nos permitem transformar esta equação em:
Como x e y são números não negativos então x + y também é um número não negativo
e, portanto, |x + y | = (x + y). Logo a equação anterior implica que:
√
x + y > 4xy . (2.8)
√ √ √
√ √Agora utilizamos a proposição 2.7 para escrever que 4xy = 4 · xy . Daí que
√
4 · xy = 2 · xy . Aplicando isso na equação 2.8, obtemos que:
√
x + y > 2 · xy (2.9)
Como sabemos que uma desigualdade não se altera se a dividirmos por um número estri-
tamente positivo, ao dividirmos a equação acima por 2 concluímos que, necessariamente:
x+ y √
> xy (2.10)
2
Ou seja, quaisquer que sejam os números reais não negativos x e y, a média aritmética
entre eles é sempre maior ou igual à sua média geométrica. Portanto, a proposição 2.9 está
demonstrada.
2.5. Observe que estamos deixando implicitos aqui o raciocinio óbvio que justifica porque o fato de x e y serem
não negativos implica que a e b são não negativos.
2.6. E uma vez que a veracidade desta proposiçao não óbvia tenha sido determinada acima de qualquer dúvida,
ela passa a ser considerada um fato conhecido e pode ser utilizada para provar outros resultados. A matemática é
construída como um castelo de cartas, em que cada proposição demonstrada pode ser utilizada como suporte para
a demonstração de outras.
60 Demonstrações Matemáticas
Comentário 2.10. A demonstração que fizemos acima convence qualquer pessoa da vera-
cidade da proposição 2.9, mas tem um certo quê de artificial. De fato, embora esta prova
esteja claramente correta, a idéia de escrever “x − y é um número real logo (x − y)2 > 0”
não é muito natural. Fica-se com a impressão de que matemáticos têm algum tipo de
dom especial, inexistente nos outros mortais, que permite a eles (e somente a eles) ter
essas idéias. Mas nada poderia ser mais falso. Por ora, não nos deteremos em explicar os
motivos pelos quais esta idéia é natural, mas adiantamos que voltaremos a esse assunto no
comentário 2.8.6 (página 139), e que lá este assunto ficará perfeitamente esclarecido.
Exercício 2.1. Prove que a2 + b2 > 2ab, ∀a, b ∈ R. DICA: Comece escrevendo que (a − b)2 > 0.
Exercício 2.2. Prove que 9x2 + 4y 2 > 5xy, ∀x, y ∈ R+. DICA: Comece escrevendo que (3x − 2y)2 > 0.
Exercício 2.3. Prove que 4a2 + 9b2 + 1 > 12ab, ∀a, b ∈ R. DICA: Comece escrevendo que (2a + 3b)2 > 0
e em seguida argumentando que, como 0 > −1, então (2a + 3b)2 > −1.
No ensino médio, é costume apresentar uma fórmula para esta soma, muitas das vezes
sem qualquer explicação do porquê esta fórmula funciona. A demonstração que faremos
agora elucidará o assunto.
Demonstração. Seja
Sn = v + vr + vr 2 + vr 3 + ... + vr n−2 + vr n−1. (2.12)
Multiplicando os dois lados desta equação por −r, obtemos
−rSn = −vr − vr 2 − vr 3 − ... − vrn−1 −vrn. (2.13)
As equações (2.12) e (2.13) podem ser agrupadas e somadas coluna a coluna, como
ilustrado abaixo:
(
Sn = v +vr +vr 2 +vr 3 +vr 4 +... +vr n−2 +vr n−1
−rSn = −vr −vr 2 −vr 3 −vr 4 −... −vr n−2 −vr n−1 −vr n
2.1 Alguns exemplos de demonstrações 61
Vê-se que, após os cancelamentos, os únicos termos que sobram são o v e o −vr n, de
modo que obtemos a identidade
Sn − r · Sn = v − vr n
Podemos reescrever isto como (1 − r) · Sn = v(1 − r n). Já que r =
/ 1, podemos então obter que
1 − rn
Sn = v · ,
1−r
−(r n − 1) rn − 1
que pode ser transformado em Sn = v · −(r − 1)
e daí em Sn = v · r −1
. Aplicando agora a
definição de Sn, concluímos então que:
rn − 1
v +vr + vr 2 + ... + vr n−2 + vr n−1 = v · ,
r −1
que é exatamente o que queríamos provar.
iii. Some as duas equações anteriores, coluna por coluna, simplique o resultado lembrando que há
n colunas no lado direito desta equação e resolva para S.
Exercício 2.6. Utilize o resultado do exercício anterior para rapidamente calcular a soma:
1 + 2 + 3 + ... + 100.
3100 − 1
Soluções: 2.4) 2
; 2.6) 5050.
Temos certeza de que o leitor já utilizou este teorema muitas vezes. Porém, apesar da
familiaridade do resultado, se observarmos a figura 2.9 veremos que não é de modo algum
evidente que o quadrado da hipotenusa seja a soma dos quadrados dos catetos. Porém,
isto pode ser deduzido a partir das propriedades e fórmulas básicas referentes às áreas de
triângulos e quadrados.
Figura 2.10.
Por outro lado, a área SADFH dessa mesma região claramente também pode ser escrita
como a soma das áreas do quadrado GCBE (que é c2) e a dos 4 triângulos que compõem a
a·b a·b
figura. Como cada triângulo tem2.9 área 2 , os quatro triângulos juntos têm área 4 · 2 ,
que é 2ab. Então
SADFH = c2 + 2ab (2.15)
2.7. Adiantamos que esta prova, apesar de essencialmente correta, peca em alguns detalhes bastante relevantes,
que serão discutidos na seção 2.3.4. Por conta disto, ela será alvo de uma revisão na seção 2.3.5.
2.8. Lembre-se que a fórmula da área de um retângulo de lados x e y é x · y. No caso de um quadrado, x = y
e, portanto, a área é x · x = x2 (isto é, a medida da área de um quadrado é o quadrado da medida de seus lados).
2.9. Lembre-se que a fórmula da área de um triângulo é a metade do produto entre a medida da base pela sua
altura relativamente àquela base.
2.1 Alguns exemplos de demonstrações 63
que, após o corte do termo 2ab dos dois lados da equação, torna-se
a2 + b2 = c2. (2.18)
Ou seja, efetivamente, concluímos que o quadrado da medida da hipotenusa de qualquer
triângulo retângulo é a soma dos quadrados das medidas de seus catetos.
Exercício 2.7. Escreva a área do quadrado BCDE (figura 2.11) de duas formas diferentes para fazer
uma segunda demonstração para o teorema de Pitágoras.
Figura 2.11. A figura acima permite uma segunda demonstração por áreas para o teorema de
Pitágoras.
Exercício 2.8. Escreva a área do trapézio da figura 2.12 de duas formas diferentes para provar ainda
mais uma vez o teorema de Pitágoras.
Exercício 2.9. Utilize a figura 2.13 e o roteiro descrito a seguir para a seguinte prova geométrica de
que
n2 + n
1 + 2 + 3 + ... + (n − 1) + n = .
2
i. Defina S = 1 + 2 + 3 + ... + (n − 1) + n;
ii. Conte o número de quadradinhos unitários na região hachurada da esquerda de modo a concluir
que este número é exatamente S;
iii. Identicamente, conclua que o número de quadradinhos unitários na região hachurada da direita
também é S;
64 Demonstrações Matemáticas
Exercício 2.10. Utilize unicamente a fórmula da área de um retângulo para provar que a área
bh
de um triângulo de base b e altura h realmente é 2 . DICA: Dado um triângulo ABC, pro-
ceda de forma a obter a figura 2.14. Observe que, como o triângulo BCD é uma cópia exata
do triângulo ABC, então o paralelogramo ABCD tem o dobro da área do triângulo ABC. Mas
como o triângulo ADF tem a mesma área do triângulo BHC, então a área do paralelogramo é a
mesma área do quadrado FHDC, o que permite utilizar a fórmula da área de um retângulo para
expressar a área do paralelogramo ABCD e, consequentemente, a área do triângulo ABC. OBS:
De fato, todas as fórmulas de área podem ser obtidas a partir da fórmula da área do retângulo.
Demonstração. (Incorreta) Os primeiros primos são 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19,... mas nós
não consideraremos o 2 pois ele não é estritamente maior do que dois (conforme exigido pela
hipótese). Então, se nós pegarmos qualquer dupla de primos como 3 + 5 = 8, ou 3 + 7 = 10,
ou 11 + 13 = 24 nós sempre conseguiremos um resultado par não importa qual dupla de
primos nós escolhermos.
66 Demonstrações Matemáticas
A demonstração acima foi escrita de maneira mais longa do que as anteriores, mas
ainda incorre basicamente no mesmo erro. Certificar-se de que a proposição vale para
os casos 3 + 5, 3 + 7 ou 11 + 13 prova apenas que a proposição é verdadeira nestes casos
particulares, não se constituindo em uma prova de que a proposição é válida para todos
os número primos estritamente maiores do que dois, como deveria ser.
Nota 2.17. Apesar de termos exibido apenas demonstrações erradas para as proposições
desta seção, todas elas são verdadeiras. A prova da proposição 2.13 será feita na página
119, ao passo que as das proposições 2.14 e 2.15 serão propostas ao leitor nos exercícios
2.36c e 2.134 (nas páginas 100 e 130, respectivamente).
Exercício 2.11. Em cada um dos itens abaixo, todas as conclusões são corretas. Entretanto, é possível
chegar a resultados corretos utilizando uma argumentação errônea. Determine quais dos seguintes
argumentos são válidos e quais não são:
b) Admitindo-se como conhecido o fato de que n2 + n é um número par para todo valor inteiro de
n, podemos particularizar o caso n = 1017 e, sem fazer nenhuma conta, concluir que 10172 + 1017
resulta em um número par;
√ √
c) É sabido que n2 + 1 não é um número inteiro quando n = 2. Logo n2 + 1 não é um número
inteiro para todo n ∈ Z;
d) É sábido que para todo polinômio p com coeficientes racionais, o valor de p(p) é um número
5 8
irracional. Logo, tem que ser verdade que 6 p3 − 5 p2 é um número irracional, pois este é o valor
5 3 8 2
de p(p) quando p(x) = 6 x − 5 x e este é um polinômio com coeficientes racionais;
cos(x + y) =
/ cos(x) + cos(y)
(x + y)2 =
/ x2 + y 2
√ √ √
x+ y =
/ x+ y
1 1 1
=
/ + .
x+ y x y
Também convém ter em mente que a ordem em que as operações estão colocadas é
relevante e, portanto, para a maior parte dos valores de x, teremos
√ p
/ log(x)
log( x ) =
cos(3x) =
/ 3 cos(x).
Outro erro algébrico muito grosseiro mas, ainda assim bastante comum, é o mal-uso da
regra de corte, conforme exemplificado abaixo:
1 + 2x+x3
= 1 + 2x. (2.19)
x3
Comentário 2.18. (Sobre a regra do corte) Talvez o melhor antídoto contra o mau
uso da regra de corte seja entender porque esta regra funciona. Digamos que você tenha
x · (4 + x) · 7
uma expressão como y · (x2 + y) · 7 . A justificativa para cortarmos o 7 em cima e em baixo
x · (4 + x) 7
vem de que essa fração pode ser escrita como y · (x2 + y)
· 7
(já que o produto de frações
7
é feito multiplicando os numeradores e, depois, os denominadores). Mas 7 = 1, de modo
x · (4 + x) · 7 x · (4 + x) x · (4 + x)
que y · (x2 + y) · 7 = y · (x2 + y) · 1 = y · (x2 + y) . Ou seja, cortamos o elemento comum às duas
expressões. É fácil de verificar que o mesmo raciocínio não se aplica ao caso da equação
(2.19), o que indica que o corte ali não é válido. Em caso de dúvida, recomendamos que o
leitor utilize este método para verificar se a regra do corte realmente se aplica a qualquer
caso específico.
2.10. Uma função é dita aditiva quando f (x + y) = f (x) + f (y) para todos os valores de x e y aplicáveis.
68 Demonstrações Matemáticas
z 2 = (2q)2 = 2 · (2q 2)
| {z}} ,
∈Z
de onde se conclui que z 2 é par.
Exemplo 2.21. Assumindo conhecido o resultado segundo o qual p(p) = / 0 para todo
5 3 8 2 3
/ 10 + 70 .
polinômio p não nulo com coeficientes inteiros, prove que 6 p − 5 p =
2.11. Na página 94 voltaremos à esta mesma proposição e faremos a demonstração correta para a mesma.
2.12. Prova direta é o nome que se dá ao tipo de todas essas provas que vimos até agora. Mais adiante, veremos
outros tipos de demonstrações.
2.2 Erros comuns em demonstrações 69
Sugerimos ao leitor que tente encontrar o erro da demonstração acima, antes de pros-
seguir com a leitura.
O equívoco ali é que o problema diz que devemos considerar como conhecido o resultado
segundo o qual p(π) = / 0 para todo polinômio p com coeficientes
inteiros,
mas aplicamos
5 8 3
este resultado no caso particular em que p(x) = 6 x3 − 5 x2 − 10 + 70 , sendo que este não
é um polinômio com coeficientes inteiros!
Felizmente, a idéia desta demonstração pode ser salva se notarmos que todo polinômio
com coeficientes racionais pode ser transformado em um polinômio com coeficientes inteiros
com exatamente o mesmo conjunto de raízes, através da multiplicação por um número
5 8
inteiro escolhido
adequadamente. No caso particular do polinômio p(x) = 6 x3 − 5 x2 −
3
10 + 70 , ele pode ser multiplicado por
2100 (que
é o produto entre 5, 6 e70) de forma
5 3 8 3 5 8 3
a se obter p̂(x) = 2100 · 6
x − 5 x2 − 10 + 70 = 5 · 6 · 70 · 6 x3 − 5 x2 − 10 + 70 =
5 8 3
5 · 6 · 70 · 6 x3 − 5 · 6 · 70 · 5 x2 − 5 · 6 · 70 · 10 + 5 · 6 · 70 · 70 = 5 · 70 · 5x3 − 6 · 70 · 8x2 −
(5 · 6 · 70 · 10 + 5 · 6 · 3) = 1750x3 − 3360x2 + 21090, que é um polinômio com coeficientes
inteiros e com as mesmas raízes de p.
Isto nos permite transformar a prova incorreta na seguinte demonstração:
Demonstração. (Correta) Seja p̂(x) = 1750x3 − 3360x2 + 21090. Como p(π) = / 0 para
todo polinômio p de coeficientes inteiros, então no caso particular em quep(x) = p̂(x),
5 8
temos que p̂(p) = / 0. Mas o polinômio p̂ pode ser escrito como p̂(x) = 2100 · 6 x3 − 5 x2 −
3 5 8
10 + 70 . Então o fato de que p̂(π) = / 0 na verdade significa que 2100 · 6 p3 − 5 p2 −
3
10 + 70 / 0. Dividindo os dois lados da desigualdade por 2100, concluímos que
=
5 3 8 2 3 5 8 3
6
p − 5
p − 10 + 70
/ 0 e, portanto, 6 p3 − 5 p2 =
= / 10 + 70 .
Sugerimos ao leitor que tente encontrar por si só aonde está o erro na prova acima,
antes de prosseguir a leitura.
O que acontece é que a regra do corte tem uma peculiaridade quando é aplicada em
desigualdades. Se o termo que está sendo cancelado é negativo, deve-se inverter o símbolo
da desigualdade ao efetuar-se o cancelamento. Em símbolos:
a > b, se c > 0
ac > bc ⇒ (2.20)
a < b, se c < 0
70 Demonstrações Matemáticas
É muito mais comum que usemos a regra do corte nos casos com c é positivo do que
negativo. Por isso, é relativamente fácil esquecermos de checar o sinal do termo a ser
cortado, de forma a aplicar a regra corretamente. Ainda mais quando o termo
a ser cortado
1
é uma expressão complicada que parece ser positiva, como é o caso de log10 3 . Entretanto,
i h
se lembrarmos das propriedades dos logaritmos, veremos que log10(x) < 0, ∀x ∈ 0, 1 e,
1
portanto, log10 3 < 0! Logo, a última passagem
da demonstração, a aplicação correta
1 1
da regra do corte em 4 · log10 3
> 5 · log10 3
nos teria feito concluir que 5 > 4 e não o
absurdo de que 5 < 4.
Exercício 2.12. De maneira análoga à que foi feito no comentário 2.18, justifique porque as regras
expressadas pela equação (2.20) funcionam. OBS: Mantenha em mente que o sinal de uma desigualdade
se inverte conforme ela está sendo multiplicada (ou dividida) por um número positivo ou negativo.
Do jeito como está escrito, a demonstração acima está errada. A argumentação começa
√ √
pela tese, segundo a qual 3 3 > 2 , para então chegar à conclusão de que 9 > 8. Ou seja,
√ √
ele apenas prova a implicação 3 3 > 2 ⇒ 9 > 8! Em nenhum momento ali se concluiu que,
√ √
efetivamente, 3 3 > 2 , que é o que deveria ser feito.
2.13. Isto não é estritamente verdadeiro. A literatura está cheia de provas diretas cuja redação não termina
com a tese. Entretanto, tais formas de escrita podem confundir iniciantes e, portanto, deixamos para discutí-las na
seção 2.8.6, quando o leitor já estiver devidamente familiarizado com a composição básica de demonstrações.
2.2 Erros comuns em demonstrações 71
Tirando a raiz sexta de ambos os lados, já que a função raiz sexta é uma função
crescente, concluímos que
√
3 √
3 > 2, (2.30)
que é o que queríamos provar.
Não é sempre que funciona esta técnica de inverter a ordem das operações para corrigir
uma demonstração que começa pela tese. Ela não é aplicável se alguma das passagens não
for reversível, como no exemplo a seguir.
√
Proposição 2.24. x > x2 − 1 , ∀x ∈ Rx2 > 1.
Analogamente ao que aconteceu no exemplo anterior, a prova acima está errada por ter
partido da tese. Tentaremos então, como fizemos no outro caso, salvar esta demonstração
escrevendo-a de baixo pra cima. Começamos partindo da equação (2.34), que diz que
0 > −1. Somamos x2 de ambos√ os lados 2 2
2 para obter que x > x − 1 e reescrevemos
esta desigualdade como x > 2 2
x − 1 que é a equação (2.32). Entretanto, daí não
√ em (2.31). De fato, se tirarmos a raiz quadrada de ambos os lados de
conseguimos chegar
(2.32), como2.14 x2 = |x|, obteremos
√
|x| > x2 − 1 , (2.35)
72 Demonstrações Matemáticas
⇓
√
2x + 12 = x + 2 (2.37)
⇓
√
( 2x + 12 )2 = (x + 2)2 (2.38)
2x + 12 = (x + 2)2 (2.39)
2x + 12 = x2 + 4x + 4 (2.40)
⇓
x2 + 2x − 8 = 0 (2.41)
⇓
x = −4 ou x = 2 (2.42)
sendo que, na última passagem, foi utilizada a fórmula de Bhaskara para a obtenção das
raízes da equação de segundo grau.
2.14. Lembre-se que um número real estritamente positivo admite duas raizes quadradas, uma negativa e
uma positiva. Por definição, a função raiz quadrada sempre retorna a raiz positiva deste número. Então, quando
√
escrevemos x2 estamos retornando o único valor dentro do conjunto {x, −x} que é um número positivo. Ou seja,
estamos retornando |x|.
2.2 Erros comuns em demonstrações 73
Porém, o significado da proposição 2.25 é bem mais forte do que isso. Pois dizer que
o conjunto de raízes reais da equação (2.36) é {−4, 2} significa também que todos os
elementos do conjunto {−4, 2} são raízes de (2.36). Ou seja, para concluir que a tese da
proposição 2.25 é verdadeira ainda falta provar que:
√
Proposição 2.27. Se x = −4 ou x = 2 então x é uma raiz real de 2x + 12 − 2 = x.
que não é a mesma coisa que a equação (2.37). Ou seja, a passagem que foi da equação
(2.37) para a equação (2.38) não é reversível e, assim, falhamos em nossa tentativa de
reescrever a nossa argumentação anterior na ordem invertida.
Acontece que, apesar de termos obtido naturalmente o conjunto {−4, 2} como solução
para a equação (2.36), a proposição 2.25 não é verdadeira. De fato, se fizermos x = −4 na
equação (2.36) obtemos
p
2 · (−4) + 12 − 2 = −4,
isto é,
0 = −4.
Portanto, x = −4 não é uma raiz de (2.36). Valores como esse, obtidos durante a
resolução de uma equação mas que não são realmente raízes dela, são denominados de
raízes estranhas. É bastante comum o aparecimento de raízes estranhas quando do uso de
transformações não reversíveis durante a resolução de uma equação.
O exemplo que acabamos de ver é bastante típico. Em geral, quando estamos resolvendo
uma equação algébrica, na realidade estamos é a fazer a prova de que “se x satisfaz à
equação, então x está em um certo conjunto de valores” (como na proposição 2.26). Mas a
argumentação não necessariamente vale no sentido oposto e, portanto, é possível que esses
valores obtidos não sejam raízes da equação original.
Isto nos leva à seguinte regra prática:
Na determinação do conjunto-solução de uma equação, deve-se sempre tratar os valores
obtidos como meros candidatos a raízes e, ao final, testar cada um deles individualmente
para identificar quais delas são efetivamente raízes.
74 Demonstrações Matemáticas
√
Assim, no caso da equação 2x + 12 − 2 = x que acabamos de ver, após chegamos às
possíveis raízes x = −4 e x = 2, devemos testar cada uma delas. E facil concluir que x = 2
é uma raíz legítima da equação original, mas que x = −4 não é. Logo, o conjunto de raízes
é {2} (e não {−4, 2}, como afirmava a proposição 2.25).
A demonstração (correta) abaixo organiza estas idéias em uma demonstração rigorosa.
√
Proposição 2.28. O conjunto de raízes reais da equação 2x + 12 − 2 = x é {2}.
Demonstração. Primeiramente, provaremos que se x é uma raiz real desta equação então
√= 2. Como x é uma raiz desta equação, pelo próprio significado do que√é ser raiz, então
x
2x + 12 − 2 = x. Somando 2 de ambos os lados da equação,
√ obtemos que 2x + 12 = x + 2.
Elevando 2 2
√ 2ambos os lados ao quadrado, temos que ( 2x + 12 ) = (x + 2) . Porém é sabido
que ( a ) = a para todo a em que a expressão faz sentido, logo 2x + 12 = (x + 2)2 que,
expandido, torna-se 2x + 12 = x2 + 4x + 4. Simplificando esta equação, obtemos que
x2 + 2x − 8 = 0 que, após o uso da fórmula de Bhaskara, implica que x = −4 ou x = 2.
√ √
p Porém, substituindo-se x = −4 em 2x + 12 − 2 = x, vemos que 2x + 12 − 2 =
/ x e portanto −4 não é uma raiz desta equação. Como x é
2 · (−4) + 12 − 2 = 2 − 2 = 0 =
uma raiz desta equação por hipótese, então x = / −4. Como já havíamos determinado que
x = −4 ou x = 2, então concluímos que x = 2. Isto prova que se x é uma raiz real desta
equação então x = 2.
√
Agora basta provar a recíproca: se x = 2 então x é uma raiz real da equação 2x + 12 −
√ √
2 = x. De fato, substituindo x = 2 nesta equação, obtemos 2x + 12 − 2 = 2 · 2 + 12 − 2 =
4 − 2 = 2 = x, o que prova que x = 2 é uma raiz real desta equação.
Como é verdade que se x é uma raiz real desta equação então x√ = 2 e, ao mesmo tempo
também é verdade que se x = 2 então x é uma raiz real da equação 2x + 12 − 2 = x, então
conclui-se que o conjunto solução desta equação é {2}.
m 1 m+1
+ = , ∀m ∈ N
3m + 1 (3(m + 1) − 2)(3(m + 1) + 1) 3(m + 1) + 1
m 1 m+1 m
“Temos que, para todo m ∈ N, 3m + 1
+ (3(m + 1) − 2)(3(m + 1) + 1) = 3(m + 1) + 1 ⇒ 3m + 1 +
1 m+1 m · (3m + 4) 1 m+1 m · (3m + 4) + 1
(3m + 1)(3m + 4)
= 3m + 4 ⇒ (3m + 1)(3m + 4)
+ (3m + 1)(3m + 4) = 3m + 4 ⇒ (3m + 1)(3m + 4) =
m+1 m · (3m + 4) + 1 (3m + 1)(m + 1)
3m + 4
⇒ (3m + 1)(3m + 4) = (3m + 1)(3m + 4)
⇒ m · (3m + 4) + 1 = (3m + 1) (m + 1) ⇒
3m + 4m + 1 = 3m + m + 3m + 1 ⇒ 3m + 4m + 1 = 3m + 4m + 1, o que encerra prova.”
2 2 2 2
a) Explique porque, da forma como ela está escrita, esta prova está errada;
b) Adapte esta demonstração, de modo a transformá-la em uma prova correta;
Exercício 2.14. Um certo estudante queria provar que
p
sen(x) = 1 − cos2(x) , ∀x ∈ R (2.43)
Demonstração. (Incorreta)
9>8
32 > 23
6 6
33 > 22
√
3 6 √ 6
3 > 2
√
3 √
3> 2
Repare como a demonstração acima foi escrita sem utilizar nenhum tipo de conectivo
interligando as equações, de modo que não está clara qual é a relação entre elas. A cadeia
argumentativa, que constitui a essência da demonstração, está totalmente ausente desta
exposição. Compare esta com aquela prova (correta) que fizemos na página 71 para esta
mesma proposição, em que a conexão entre cada uma das equações foi explicada de forma
bastante completa a cada passo.
76 Demonstrações Matemáticas
Mas é claro que, se omitir toda a argumentação é ruim, não há necessidade de ser
exageradamente meticuloso e verborrágico. Dependendo do público2.15 a que se destina
o texto, é justificável deixar implícitos2.16 pequenos detalhes e explicações de uma prova,
desde que o autor tenha consciência clara do que está sendo omitido e de que esteja certo
de que o leitor não terá dificuldades em preencher o que está faltando2.17.
Assim, ainda que seja menos detalhada que àquela colocada na página 71, consideramos
que, para o público-alvo do presente texto, a seguinte versão da demonstração da propo-
sição 2.29 é perfeitamente aceitável:
32 > 23
⇓
6 6
33 > 22
⇓
√
3 6 √ 6
3 > 2
⇓
√
3 √
3 > 2,
o que encerra a prova.
O uso repetido do símbolo ⇒ nesta prova evidencia qual é a conexão entre cada uma das
equações, ainda que as explicações de que manejos algébricas foram feitas em cada passo
tenham sido omitidas. Mas como consideramos que o leitor é suficientemente experiente
com álgebra para adivinhar com facilidade quais manipulações algébricas foram executadas
em cada passo, a exposição acima pode ser considerada adequada.
Ainda assim, recomendamos ao leitor que, pelo menos enquanto não tiver adquirido
alguma prática, evite deixar passos implícitos ou omitir explicações quando escrevendo suas
demonstrações. Novatos não têm ainda experiência suficiente para ver com clareza o que
está sendo omitido e, por isso, muitas vezes acabam suprimindo coisas que, na realidade,
são o âmago da argumentação. Além do mais, explicitar todos os detalhes do raciocínio
no papel é uma forma do iniciante se obrigar a checá-lo cuidadosamente e ter certeza de
que nenhum detalhe importante foi esquecido. Na medida em que ganhar experiência, ele
naturalmente sentirá segurança em saltar partes do seu raciocínio de uma maneira que isso
não acarrete em qualquer prejuízo à exatidão de sua argumentação ou ao entendimento de
quem a lê.
2.15. A forma de escrita adequada para uma prova também depende do público a qual ela se destina. É evidente
que um pesquisador não escreveria uma demonstração para uma revista especializada de matemática (que será lida
somente por matemáticos experientes) do mesmo jeito que ele a escreveria se seu propósito fosse incluí-la em um
livro do ensino médio.
2.16. Termos como “é fácil ver que”, “é óbvio que” e similares, são um indicativo de que algum detalhe da
argumentação foi omitido.
2.17. Quando em dúvida se a redação de uma prova deve ou não incluir um certo passo, recomenda-se sempre
deixá-lo explícito, omitindo apenas aquelas coisas que, com certeza, não acarretarão prejuízos à comunicação.
2.3 Falácias e paradoxos 77
É muito importante não só explicar o que está sendo feito em cada passo, mas também
justificá-lo devidamente a partir de hipóteses e coisas que já sabemos que são verda-
deiras. O uso preciso das palavras se, como (e etc) para esclarecer os pressupostos e assim
fundamentar argumentos, é importante para estabelecer uma comunicação efetiva. Já as
conjunções então, logo, portanto e outras palavras parecidas são utilizadas para indicar
consequências desses pressupostos. Por exemplo, suponha que em um certa demonstração
você queira utilizar o teorema de Pitágoras em um determinado triângulo. A hipótese
básica para o uso do teorema de Pitágoras é que o triângulo em questão precisa ser
retângulo e sua consequência é que o quadrado da hipotenusa é a soma dos quadrados
dos catetos. Então, isto provavelmente seria escrito como “como o triângulo ABC é um
triângulo retângulo, então o quadrado de sua hipotenusa é a soma dos quadrados dos
seus catetos”. Iniciantes frequentemente se confundem e utilizam palavras que denotam
obtenção de consequências no lugar de palavras que denotam enunciação de hipóteses
(e vice-versa). Assim, muitos escreveriam a expressão acima da seguinte forma errada:
“logo o triângulo ABC é um triângulo retângulo, como o quadrado de sua hipotenusa
é a soma dos quadrados dos seus catetos”. Recomendamos enfaticamente ao matemático
novato que tome um cuidado especial quanto ao uso das locuções de ligação apropri-
adas a cada situação.
Entretanto, talvez a regra mais fundamental para escrever corretamente uma demons-
tração seja relê-la ao final. O que você escreveu convenceria um cético? Uma prova correta
transmite uma sensação de lógica cristalina em cada um de seus passos, de tal modo que,
ao final, fica-se com uma impressão de certeza absoluta quanto à veracidade do resultado.
Aprenda a cultivar este sentimento quando estiver elaborando demonstrações. Se você
ainda se sentir inseguro ao terminar uma prova, isto significa que o raciocínio elaborado
ali não conseguiu convencer nem a você mesmo. Neste caso, leia novamente tudo o que
escreveu e procure identificar que passos da sua argumentação estão gerando estas dúvidas
dentro de você. Procure então trabalhar mais nestas partes de sua prova, até transformá-
las em coisas das quais você (e ninguém mais) consiga duvidar.
Proposição 2.30. (Falácia através da divisão por zero) Dois é igual a um.
O erro na demonstração acima aconteceu quando o termo a − b foi cortado dos dois
lados da equação. Cortar o a − b é, na verdade, dividir os dois lados por a − b. Porém,
como a = 1 e b = 1, então esta divisão por a − b é, na verdade, uma divisão por zero que,
como sabemos, não é uma operação válida em matemática.
A moral da história é que devemos sempre verificar se o divisor não é zero antes de
efetuar qualquer divisão. Caso o divisor dependa de uma ou mais variáveis, deve-se checar
se não há valores dessas variáveis que o anulem. Se houverem, é bom manter em mente
que todos os resultados obtidos após a divisão só são válidos para os casos em que o divisor
não se anula2.19.
Comentário 2.31. Talvez seja interessante comentar aqui o porquê de não ser possível
dividir por zero. O conceito de divisão é o de operação inversa à multiplicação: um número n
dividido por um divisor d é o número q tal que n = d · q. Assim, 15 ÷ 3 = 5, pois 15 = 3 · 5. E,
24 ÷ 6 = 4, porque 24 = 6 · 4. Analogamente, 56 ÷ 8 = 7, já que 56 = 8 · 7. Agora, suponhamos
que queiramos fazer a divisão de um número não nulo qualquer por zero, digamos, o número
nove. Isto é, queremos fazer a divisão 9 ÷ 0. Então o quociente dessa divisão teria que ser
o número q tal que 0 · q = 9. Mas isso é claramente impossível, visto que 0 · q = 0, ∀q ∈ R.
É por este motivo que não existe divisão por zero.
2.19. Em um famoso artigo sobre cosmologia publicado em 1917, o físico alemão Albert Einstein dividiu os
dois lados de uma equação por uma quantidade complicada, sem perceber que, em alguns casos, esta quantidade
complicada poderia ser igual a zero. Isto o levou a um resultado inconsistente. Para resolver o problema, Einstein
precisou introduzir em sua teoria uma força fictícia, que atuaria de forma inversa à da gravidade, e que batizou de
repulsão cósmica. Apesar de conter um erro tão básico, o artigo na época foi bem aceito pela comunidade científica
e o equívoco só foi notado em 1922. Mais tarde, Einstein se referiria à repulsão cósmica como a maior gafe que ele
já tinha cometido na vida.
2.3 Falácias e paradoxos 79
2
Demonstração. √ Seja x = 0. Então x − 2x + 1 = 1. Extraindo a raiz quadrada de ambos
os lados, então x2 − 2x + 1 = 1. Mas já que x2 − 2x + 1 = (x − 1)2, isto pode ser reescrito
p p p √
como (x − 1)2 = 1. Logo, (x − 1) · (x − 1) = 1, implicando que (x − 1) · x − 1 = 1.
√ √
Definindo a = x − 1 , então obtemos que a · a = 1. Ou seja, a2 = 1. Mas como a = x − 1 ,
√
então ( x − 1 )2 = 1. Cortando-se a raiz quadrada com o quadrado, concluímos que x − 1 = 1
e, daí, que x = 2. Mas x = 0, logo 0 = 2.
Proposição 2.33. (Falácia por logaritmo inexistente) Todo número real é igual à
zero.
Para detectar o erro nesta última demonstração, é preciso ter em mente de que o
domínio da função logaritmo decimal é R∗+ e que, portanto, só faz sentido tomar o logaritmo
decimal de números reais estritamente positivos. Então, quando escrevemos
na verdade estamos com uma expressão que não tem significado no lado direito. Pois pelo
menos um dos dois números, −x e x, não pertencerá à R∗+ e, portanto, não fará sentido
falar ou em log10(−x) ou em log10(x).
A lição a ser aprendida aqui é que, ao lidar com funções que tenham restrições de
domínio, devemos sempre ser muito cuidadosos para jamais aplicá-las a valores fora de seus
domínios.
80 Demonstrações Matemáticas
Exercício 2.19. Encontre o erro na seguinte prova de que 1 = −1: “Comece escrevendo que −1 = −1.
1
Isto
q é claramente equivalente à −1 = 1 . Tirando a √raiz quadrada dos dois lados, obtemos que
−1
1
q
1
√
−1 √ √
que, por manipulação algébrica, se torna √−1 = √ . Multiplicando cruzado: 1 · 1 =
−1
−1
= 1 1
√ √ √ 2 √
−1 · −1 . Logo 1 = ( −1 )2. Cortando os quadrados com as raizes quadradas concluímos que
1 = −1.
√
Soluções: 2.19) Não existe nenhum número real cujo quadrado seja −1, logo o símbolo −1 não
faz nenhum sentido neste contexto.
Proposição 2.34. (Falso paradoxo por confusão entre multimapa e função) Todos
os números reais são iguais.
a+b
Demonstração. Sejam a e b dois números reais quaisquer. Podemos definir c = 2 ,
de modo que a + b = 2c. Multiplicando ambos os lados da equação por a − b, concluímos
que (a + b)(a − b) = 2 c (a − b), o que facilmente pode ser transformado em a2 − b2 =
2ac − 2bc. Adicionando-se b2 + c2 − 2ac de ambos os lados da equação, concluímos que
a2 − b2 + (b2 + c2 − 2 ac) = 2 ac − 2 bc + (b2 + c2 − 2 ac). Eliminando-se os parênteses e
efetuando-se os cancelamentos óbvios, chegamos à a2 + c2 − 2 ac = b2 + c2 − 2bc. Mas o
primeiro termo desta equação é igual à (a − c)2 e o segundo é (b − c)2, logo concluímos que
(a − c)2 = (b − c)2. Tirando-se a raiz quadrada dos dois lados, concluímos que a − c = b − c
que, após o cancelamento de c, implica que a = b. Logo, quaisquer dois números reais são
iguais, que era o que queríamos demonstrar.
2.20. O que aqui denominamos de multimapa costuma receber muitos nomes na literatura: multifunção, função
multivalorada e função multivalente, entre outros. Mas preferimos evitar estas nomenclaturas, pois dão a impressão
de que multi-mapas são funções, quando, em geral, não o são: numa função verdadeira, à cada ponto do domínio
corresponde um único ponto do contradomínio, ao passo que num multimapa cada ponto do domínio pode estar
associado a vários pontos.
2.3 Falácias e paradoxos 81
Uma primeira regra √ para evitar este tipo de problema é lembrar-se que, embora seja
sempre verdade que ( x )2 = x (desde que efetivamente exista a raiz quadrada, ou seja,
para todo x > 0), você √deve ser mais cuidadoso√ ao tirar a raiz quadrada de quadrados. O
2
mais seguro é escrever x = |x|, ao invés de x2 = x.
Mas isto não é suficiente. Raízes quadradas não são os únicos multimapas que apa-
recem na matemática. Funções inversas trigonométricas como arco senos2.21 e arco cossenos
também são multimapas. É relativamente fácil utilizá-los para construir falsos paradoxos
similares ao que acabamos de ver.
Como regra geral, é importante que sempre fique claro em nossa mente se estamos
trabalhando com um multimapa ou alguma função associada ao multimapa. No primeiro
caso, tome cuidado de que você pode estar lidando com uma possível ambiguidade: por
exemplo, dizer que θ é um dos arco senos de x não especifica o valor de θ, já que em geral
existirão vários outros arco senos de x. No segundo caso, em que você está trabalhando
com uma função, certifique-se que você não está confundindo propriedades do multimapa
com propriedades da função: por exemplo, embora√seja verdade que x seja sempre uma
raiz quadrada de x2, é errado pensar que em geral x2 = x. Da mesma forma, embora θ
seja sempre um arco seno de sen(θ), quando estivermos a lidar com a função arco seno
principal, é errado escrever que arcsen(sen(θ)) = θ, ∀θ ∈ R.
2.21. Lembramos ao leitor que θ é dito um arco seno de x quando sen(θ) = x. E, analogamente, θ é dito um
arco cosseno de x quando cos(θ) = x. Por exemplo, os arco senos de 0 são os números 0, ±π, ±2π, ±3π, ±4π, ... pois
estes são os ângulos θ tais que sen(θ) = 0.
82 Demonstrações Matemáticas
Estes quatro pedaços foram em seguida reagrupados conforme indicado na figura 2.16,
gerando-se o mesmo triângulo ABC de antes só que com um quadrado a menos.
É claro que os pedaços reagrupados deveriam gerar uma região com a mesma área do
triângulo ABC original. Como é possível então que tenha sido obtida uma região com uma
área flagrantemente menor?
Figura 2.16. Após reagrupar cada um dos pedaços do triângulo ABC, obtemos o mesmo triângulo
ABC, mas com um pedaço faltante!
A explicação para o aparente paradoxo acima é prosaica, mas instrutiva. Na figura 2.15,
se fizermos as contas usando respectivamente os triângulos DAF e CDE, obtemos2.22 que
3 2
tg DAF = 8 e tg CDE = 5 , isto é, tg DAF = / tg CDE . Então podemos concluir que,
apesar da diferença ser imperceptível a olho nu, os ângulos DAF e CDE são ligeiramente
diferentes. Quer dizer que o ponto D não está exatamente sobre o segmento AC. Portanto,
o tal “triângulo” ABC não é de forma alguma um triângulo.
2 3
Já na figura 2.16 teremos que tg GAK = 5 e tg CGH = 8 o que, por um raciocínio
inteiramente análogo ao anterior, nos permite concluir que a figura obtida pela união dos
quatro pedaços é somente parecida com um triângulo com um quadrado faltante, não sendo
realmente um triângulo.
2.22. Lembre-se que em um triângulo retângulo a tangente de um de seus ângulos é o quociente entre o cateto
oposto a este ângulo e o cateto adjacente a este ângulo. Um mneumônico para isso é “tangente é igual à coca-cola”,
CO
isto é, tg(α) = CA , aonde CO é uma abreviação para o Cateto Oposto ao ângulo α e CA é uma abreviação para o
Cateto Adjacente a este mesmo ângulo α.
2.3 Falácias e paradoxos 83
Ou seja, não há paradoxo nenhum. O que temos é que, ainda que elas sejam muito
parecidas com um triângulo, as regiões que aparecem nas figuras 2.15 e 2.16 são diferentes,
não havendo portanto nenhum motivo para pensarmos que elas deveriam ter a mesma área.
Há uma lição importante a se aprender com este exemplo: em uma demonstração
geométrica, jamais devemos assumir nada nos baseando unicamente na aparência de um
desenho. Representações desse tipo podem ser excelente guias para a intuição e muitas
vezes sugerem conjecturas, mas tudo deve ser cuidadosamente verificado. Afinal, como
acabamos de ver, nem tudo é o que parece.
2.23. O leitor com espírito crítico pode se revoltar quanto ao fato de aqui estarmos a aceitar esta proposição
como óbvia apenas tendo em vista a aparência de um desenho e, ao mesmo tempo, não aceitarmos a figura 2.10
como geometricamente evidente pelo mesmo motivo. A crítica é procedente mas, em nossa defesa, observamos que
a afirmação da proposição 2.36 é bem mais simples do que a complexa figura 2.10 e, portanto, menos propensa a
estar errada. Além deste argumento de simplicidade, é notável também que toda demonstração terá que se basear
em alguma coisa que dependa somente da intuição e adotada unicamente por fé. Falaremos mais sobre isso na seção
2.12, quando estivermos a discutir o método axiomático.
84 Demonstrações Matemáticas
Seja então ABC o triângulo retângulo da figura 2.9, para o qual queremos provar que
vale o Teorema de Pitágoras. É indubitável que podemos inserir este triângulo em um
quadrado ADFH de lados a + b, como mostrado na figura 2.18.
Figura 2.18.
Figura 2.19.
Figura 2.20.
Começamos notando que os triângulos ABC e HCG são tais que AB = HC, AC = HG e
ABC = HCG (acompanhe pela figura 2.20). Então, pela proposição 2.36, podemos concluir
que BCA = CGH e CAB = GHC e AC = HG. Como ABC = β e BCA = α e BC = c então
HGC = α e BCA = GCH e BC = CG, como na figura 2.21.
Figura 2.21.
Figura 2.22.
Agora se utilizarmos aqui a Lei2.24 Ângular de Tales (proposição 2.3) no triângulo ABC,
podemos concluir que α + β + 90◦ = 180◦. Logo, α + β = 90◦. Por outro lado, os ângulos
HCG, GCB e ACB formam um semicírculo (acompanhe pela figura 2.22) e, portanto, a
soma desses três ângulos tem que resultar em 180 graus. Como HCG = β e ACB = 90◦, então
concluímos que α + β + GCB = 180◦. Como α + β = 180◦, então GCB = 90◦. Um raciocínio
inteiramente análogo pode ser feito nos triângulos HCG, GFE e BDE, para concluir que
CGE, GEB e EBC também são ângulos retos. De modo que agora sabemos que CBEG é
realmente um quadrado (figura 2.23).
2.24. Embora a lei ângular de Tales não seja geometricamente óbvia, como ela já foi demonstrada, então temos
confiança absoluta neste resultado e podemos utilizá-la como base para demonstrar outros resultados. Isto é típico
do método matemático.
2.3 Falácias e paradoxos 87
Agora que nos certificamos de que não fomos iludidos pela aparência de nosso desenho,
podemos dizer que a nossa demonstração do teorema de Pitágoras agora está completa.
1 2 n−1 n
1 1 1 1
1+ + + ... + =2· 1− . (2.46)
2 2 2 2
n
1
A observação crucial é a de que se n é um
número
muito grande, então o valor de 2
1 n 1
torna-se muito próximo de zero. De fato, 2
= 2n
. Quando n é grande, o valor de 2n
1
torna-se gigantesco e, portanto, o valor de 2n
torna-se muitíssimo pequeno (tabela 2.1).
n n
1 1
n 2
n 2
0 1,000000 10 0,000977
1 0,500000 11 0,000488
2 0,250000 12 0,000244
3 0,125000 13 0,000122
4 0,062500 14 0,000061
5 0,031250 15 0,000031
6 0,015625 16 0,000015
7 0,007813 17 0,000008
8 0,003906 18 0,000004
9 0,001953 19 0,000002
1 n
Tabela 2.1. A medida que n cresce, 2
vai se aproximando de zero.
n
1
Então,
à medida
n que n cresce, como 2 está se aproximando de zero então o valor
1
de 2 · 1 − 2 está se aproximando do valor 2 · 1 = 2. Mas, pela equação 2.46,
n 1 2 n−1
1 1 1 1
2· 1− 2 é a mesma coisa que 1 + 2 + 2 + ... + 2 . Então deduzimos que
1 2 n−1
1 1 1
a série 1 + 2 + 2 + ... + 2 vai ficando próxima de 2, à medida que n (que é o
88 Demonstrações Matemáticas
número de termos desta soma) vai crescendo. Ou seja, quando n for infinito, teremos todos
os termos da série, e portanto a igualdade:
1 2 3 4
1 1 1 1
1+ + + + + ... = 2. (2.47)
2 2 2 2
1 1 1 1 1
S =1− + − + − +−..., (2.48)
2 3 4 5 6
que, similarmente, deve ser entendida como o valor da qual a sequência
1 1 1 1 1 (−1)n
Sn = 1 − + − + − +−... + (2.49)
2 3 4 5 6 n
vai se aproximando conforme n vai ficando grande.
A tabela 2.2 ilustra o valor aproximado de Sn para alguns valores de n. Como se pode
ver, o valor de S é aproximadamente2.25 0,693147.
n Sn n Sn n Sn n Sn
1 1,000000 101 0,698073 10001 0,693197 300001 0,693149
2 0,500000 102 0,688269 10002 0,693097 300002 0,693146
3 0,833333 103 0,697978 10003 0,693197 300003 0,693149
4 0.583333 104 0,688363 10004 0,693097 300004 0,693146
5 0.783333 105 0,697886 10005 0,693197 300005 0,693149
11 0,736544 1001 0,693646 100001 0,693152 1000001 0,693147
12 0,653211 1002 0,692648 100002 0,693142 1000002 0,693147
13 0,730134 1003 0,693645 100003 0,693152 1000003 0,693147
14 0,658705 1004 0,692649 100004 0,693142 1000004 0,693147
15 0,725372 1005 0,693644 100005 0,693152 1000005 0,693147
Tabela 2.2. Valores truncados da série da equação (2.48), com n termos somados.
S 1 1 1 1 1 1
= − + − + − +−... (2.50)
2 2 4 6 8 10 12
Desejamos agora somar as equações (2.48) e (2.50). O lado esquerdo obviamente resul-
3S
tará em 2 . Para efetuar a soma dos termos do lado direito, observe a figura 2.24. Os termos
com denominadores ímpares só aparecem na primeira equação e ficarão inalterados após
a soma (para facilitar a visualização, foram colocados na terceira linha do diagrama). Os
termos correspondentes a denominadores pares não divisíveis por 4, vão aparecer com sinais
opostos nas duas equações e se anularão. Já os termos cujos denominadores são pares e
divisíveis por 4, aparecerão negativos tanto na equação de cima quanto na equação debaixo
e, portanto, o termo aparecerá dobrado e com sinal negativo (quarta linha do diagrama).
2.25. Na verdade, o resultado desta soma é exatamente o logaritmo neperiano de dois, porém explicar o porquê
deste resultado exigiria o uso de muita matemática pesada e só serviria para nos desviar de nossos objetivos.
2.3 Falácias e paradoxos 89
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
S = 1 − + − + − + − + − + − +−...
2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
+
S 1 1 1 1 1 1
= + − + − + − +−···
2 2 4 6 8 10 12
3S 1 1 1 1 1
= 1 + + + + + ...
2 3 5 7 9 11
1 1 1
− − − −...
2 4 6
Figura 2.24. Diagrama esquemático para somar (2.48) e (2.50).
3S 1 1 1 1 1
= 1 − + − + − +−... (2.51)
2 2 3 4 5 6
Mas pela equação (2.48), o lado direito de (2.51) é S. Logo a conclusão inexorável é
3S 3S 3
que 2 = S, implicando que 2 − S = 0, ou seja, 2 − 1 S = 0 o que nos permite concluir
que S = 0. Mas, como vimos acima, S é aproximadamente 0,693147. Aparentemente temos
um paradoxo em nossas mãos.
Mas, novamente, trata-se somente de uma falácia, causada por termos sido descuidados
ao trabalharmos com a idéia de uma soma envolvendo infinitos termos. Entendemos este
resultado de uma maneira vaga, como sendo o número da qual a soma vai se aproximando
a medida que o numero de termos aumenta. Isto é impreciso e nebuloso demais. Ademais,
tratamos desta soma infinita como se fosse uma soma ordinária e tivesse exatamente as
mesmas propriedades de uma, o que não é de modo algum garantido.
A moral da história é que, em matemática, conceitos definidos de maneira vaga são
fontes de problemas e, cedo ou tarde, aparece a necessidade premente de definí-los de forma
precisa. A obsessão dos matemáticos pela exatidão de conceitos e argumentação extre-
mamente rigorosa é frequentemente mal compreendida por profissionais de outras áreas,
sendo até mesmo motivo de piadas2.26. Mas, sendo a mais abstrata de todas as ciências, a
matemática é também a mais vulnerável a noções determinadas de forma obscura. O fato
é que conceitos definidos imprecisamente não têm lugar na matemática moderna.
2.26. Um matemático, um engenheiro e um físico cansaram-se dos seus baixos salários e decidiram assaltar um
banco. Entretanto, o plano deu errado e eles foram presos pela polícia. Colocados em celas separadas, foram deixados
a sós durante a noite, para dormir. Na manhã seguinte, entretanto, o físico não foi encontrado em sua cela pelos
guardas: com um pedaço de madeira arrancado de sua cama, ele havia feito uma alavanca e a utilizou para forçar
as grades da janela e afastá-las o suficiente para que ele pudesse passar entre elas e fugir. Igualmente, o engenheiro
não foi encontrado em sua cela: observando que a grade da janela estava enferrujada, ele utilizou seu conhecimento
de materiais para descobrir exatamente o ponto aonde o material era mais frágil. Batendo nele repetidas vezes,
conseguiu forçar o seu rompimento e, consequentemente, possibilitar sua fuga. Após verificar que tanto o físico
como o engenheiro haviam fugido da prisão, os guardas correram até à cela do matemático, com receio de que ele
também tivesse conseguido fugir. Encontraram-no lá, praticamente afogado num mar de folhas rabiscadas, gritando
freneticamente: “Eu consegui! Eu provei! A grade existe! A grade existe!”.
90 Demonstrações Matemáticas
O fato de aqui termos trabalhado com séries infinitas e chegado a um paradoxo, entre-
tanto, não significa que se deve abandonar o uso de tais séries. Ao contrário, o que isto
sugere é a necessidade de que seja encontrada uma definição precisa do significado de
somar infinitos termos e que, de posse desta definição, seja feita uma verificação cuidadosa
de quais propriedades dos somatórios usuais continuam a valer para o caso de somatórios
infinitos, e quais perdem a validade2.27, com a obtenção das devidas demonstrações para
aquelas que cairem primeiro caso e dos devidos contraexemplos para aquelas que estiverem
no segundo caso. Essencialmente, foi isso o que aconteceu historicamente com as séries
infinitas.
O Cálculo Diferencial e Integral foi criado no século XVII por pessoas usando o mesmo
tipo de idéia imprecisa que nos levou a este paradoxo. Apesar de lidar com conceitos vagos
(como as tais séries infinitas), isto não impediu que este instrumento fosse usado para
resolver muitos problemas importantes da ciência da época. De fato, a poderosa intuição
dos gênios que criaram esta área da matemática permitia que eles evitassem a maior parte
das armadilhas relativas ao uso dos fugidios conceitos de infinito e infinitésimo. No entanto,
a medida que o uso destas ferramentas foi se ampliando, paradoxos foram se tornando
cada vez mais frequentes e difíceis de evitar. Assim, naturalmente surgiu a necessidade
de colocar esta parte da matemática em uma base sólida. Este foi um processo bastante
difícil e demorado, culminando com a criação da teoria clássica dos limites e a fundação
da Análise Matemática2.28, já no século XIX.
Não nos é possível mostrar aqui que esta afirmação, apesar de aparentemente paradoxal,
é realmente verdadeira pois, para isso, teríamos que fazer uso de uma matemática que
provavelmente está fora do alcance do leitor destas páginas. Mas tentaremos explicar ao
menos porque ela não é tão absurda quanto parece.
O que acontece é que, quando estudado com profundidade e rigor, o conceito de volume
é muito mais complexo do que pode parecer à primeira vista. É fácil definir este conceito
em paralelepípedos e alguns outros sólidos geométricos, mas mesmo em figuras simples
como esferas este conceito exige o uso de idéias do Cálculo Diferencial e Integral. Quando
os matemáticos procuraram uma definição precisa para o que significava o volume de uma
certa região do espaço, eles perceberam que existiam certos conjuntos, denominados não
mensuráveis, aos quais não se conseguia atribuir um valor de volume. Tais conjuntos são
2.27. Hoje em dia se sabe, por exemplo, que há dois tipos de séries infinitas aos quais se pode atribuir um
valor: séries absolutamente convergentes e séries condicionalmente convergentes. As séries do primeiro tipo podem
ser manipuladas com um certo grau de liberdade, porém as do segundo tipo podem ter o resultado de sua soma
modificado meramente alterando-se a ordem em que os elementos da série são somados. A série da equação (2.48)
é condicionalmente convergente e, por isso, sua manipulação sem cuidados nos levou a este paradoxo.
2.28. Análise Matemática é, a grosso modo, a área da matemática dedicada ao estudo rigoroso do infinitamente
grande e do infinitamente pequeno, e que dá o suporte teórico requerido para todo o Cálculo Diferencial e Integral.
2.3 Falácias e paradoxos 91
tão completamente diferente de qualquer coisa de nosso cotidiano que são quase totalmente
refratários à intuição. O Paradoxo de Banach-Tarski acontece justamente porque ele quebra
a esfera em pedaços não mensuráveis, passando então a lidar com conjuntos para os quais
não mais se aplica o senso comum com respeito às propriedades de volume.
Há uma lição a ser aprendida aqui. A matemática trata de objetos mais abstratos do
que aqueles que vemos no dia a dia. Assim, embora vários conceitos matemáticos sejam
inspirados em conceitos físicos e que esta associação seja, em geral, um bom guia para a
intuição, confiar demasiadamente nesta visualização pode ser enganador. Por exemplo,
imaginar que uma certa função representa a posição de um objeto em função do tempo, é
um recurso útil para nos ajudar a enxergar certas propriedades desta função: se o objeto
estiver andando pra frente em um intervalo de tempo, então significa que a função é
crescente, se estiver andando pra baixo, é decrescente. Entretanto, é pouco provável que
alguma partícula no universo físico possa ter a seguinte função-posição:
1, se t ∈ Q
f (t) = (2.52)
0, se t ∈ Q
Pelo princípio do terceiro excluído e pelo princípio da não contradição, existem apenas
duas possibilidades para esta proposição 2.38: ou ela é verdadeira ou ela é falsa. Mas:
1) caso ela seja verdadeira, então, pelo próprio enunciado da proposição 2.38, ela tem
que ser falsa;
2) caso ela seja falsa, então, novamente pelo enunciado da proposição 2.38, ela tem que
ser verdadeira.
Afinal, a proposição 2.38 é falsa ou verdadeira?!
2.29. Não só é uma função legítima, como também é uma função que aparece na prática da matemática, tendo
presença obrigatória em todo curso de Teoria da Medida.
92 Demonstrações Matemáticas
Então este segundo grupo necessariamente tem que ter um elemento mínimo. Desig-
nemos então n como sendo o menor número natural que não pode ser descrito com menos
de dezoito palavras em língua portuguesa. Mas então a declaração “o menor número natural
que não pode ser descrito com menos de dezoito palavras em lingua portuguesa” descreve
o número n com menos de dezoito palavras, já que usamos apenas dezessete. Isto é um
paradoxo já que, por definição, n é o menor número que não pode ser descrito com menos
de dezoito palavras.
Ao contrário daqueles exibidos nas seções anteriores, os paradoxos que acabamos de ver
são até hoje objeto de intenso debate. Não cabe a este pequeno texto introdutório fazer
uma extensa discussão sobre as várias soluções que foram propostas para explicá-los. Ao
incluir este tópico no presente trabalho, nosso objetivo foi tão somente o de tornar o leitor
ciente da complexidade e extrema sutileza do tema. Até hoje, especialistas da área de
fundações da matemática discutem que regras lógicas devem ser aceitas, o que exatamente
deve ser permitido na hora de definir um objeto ou uma proposição, entre outras questões
importantes. As respostas para tais perguntas não são únicas, havendo várias vertentes e
cada uma propõe suas próprias soluções.
Felizmente, na maioria das áreas da matemática (e suas aplicações), tais sutilezas não
são relevantes no trabalho cotidiano, desde que se tomem alguns cuidados básicos.
O primeiro deles é ter máxima cautela com o uso de autorreferências. Uma autorre-
ferência é quando algo faz referência a si mesmo, como a proposição 2.38 do paradoxo do
mentiroso. Como vimos, isto pode levar a problemas. Então recomenda-se extremo cuidado
no manejo ou definição de qualquer objeto que se refira, direta ou indiretamente2.30, a ele
mesmo.
O segundo cuidado é estar ciente das limitações e ambiguidades da linguagem humana
e evitar o uso de proposições e definições que façam referência direta a ela, como aconteceu
no paradoxo de Richard.
Em resumo: cuidado para não cometer os erros grosseiros da seção 2.2, evite divisões
por zero e outras operações proibidas, entenda que conceitos vagos, desenhos e diagramas
não geram demonstrações suficientemente rigorosas, seja extremamente desconfiado com
conceitos envolvendo autorreferência ou que façam referência direta à linguagem humana.
Para a maioria dos matemáticos2.31, seguir estas regras é suficiente para gerar sempre
demonstrações válidas e não paradoxais.
Na seção 2.3.6, vimos que lidar com qualquer conceito matemático cujo significado
não tenha sido precisamente determinado pode levar a paradoxos e que, por isso, é muito
importante sempre definir com exatidão qualquer objeto com a qual se pretenda trabalhar
e obter todas as propriedades desse objeto a partir unicamente desta definição.
2.30. Uma versão do Paradoxo do Mentiroso envolvendo autorreferência indireta pode ser feita assim: “Propo-
sição 1: A proposição 2 é verdadeira” e “Proposição 2: A proposição 1 é falsa”.
2.31. Isto sem dúvida exclui qualquer um que trabalhe na sutilíssima área de fundações da matemática.
2.4 Demonstrações envolvendo definições 93
É claro que toda definição está associada a alguma idéia intuitiva e que deve ser bem
compreendida, pois é ela que nos permite visualizar os conceitos, além de frequentemente
sugerir resultados. Porém, deve ficar claro que todas as propriedades de um objeto mate-
mático devem ser deduzidas exclusivamente a partir de sua definição, não podendo esta
intuição ser utilizada como argumento em nenhuma prova rigorosa2.32. A intuição deve ser
usada apenas como um guia.
Por exemplo, considere a seguinte proposição: “se f é uma função real contínua em um
intervalo [a, b] tal que f (a) > 0 e f (b) < 0, então f admite alguma raiz real”. Um argumento
para se convencer disto faz uso da figura 2.25. Como f (a) > 0 e f (b) < 0, então os pontos A
e B efetivamente se encontram em semiplanos opostos separados pelo eixo x, sendo também
verdade que o gráfico de f passa por ambos estes pontos. Mas como f é uma função
contínua, então o gráfico de f é uma linha ininterrupta. Oras, qualquer linha ininterrupta
ligando os pontos A e B necessariamente deverá cruzar o eixo x. Então o gráfico de f em
algum momento deverá cruzar o eixo x, o que significa que f deve ter alguma raiz.
Figura 2.25. Nenhum gráfico contínuo pode ir do ponto A até o ponto B sem cruzar o eixo x.
Apesar de ser muito persuasiva, a demonstração acima não pode ser considerada uma
prova verdadeiramente rigorosa para a proposição porque faz uso da noção intuitiva de
continuidade, ao invés de se basear na definição formal deste conceito. Entretanto, como
ela é bastante convincente e a prova realmente rigorosa é muito difícil2.33, consideraremos
tal demonstração aceitável para um pequeno texto introdutório como este, desde que haja
total compreensão de que não se trata de uma prova rigorosa.
Porém, consideramos importante que o leitor se familiarize com o uso de definições em
demonstrações e, por conta disso, exigiremos provas rigorosas sempre que tais demonstra-
ções forem simples. Então, nas páginas a seguir, ilustraremos este uso de definições em
demonstrações com vários exemplos concretos.
Definição 2.39. Um número inteiro n é dito um número par quando ∃q ∈ Z tal que n = 2q.
A primeira coisa que um matemático deve fazer ao se deparar com uma definição é lê-
la com cuidado, até entender exatamente o que ela significa. Não se deve ter pressa nisso.
Definições são importantes.
Neste caso, o que esta definição está dizendo é que um número inteiro n será considerado
par se ele for o dobro de algum número inteiro q. Não é difícil se convencer de que isto
realmente corresponde à noção de que se trata de um número divisível por 2. Inclusive,
escolhemos a letra q para designar nossa variável na definição 2.39 justamente para nos
lembrar de que este número q é o quociente 2.35 da divisão de n por 2.
As duas demonstrações a seguir exemplificam o uso desta definição 2.39 em provas
rigorosas.
Pela definição 2.39, provar que 6 é par significa achar q ∈ Z tal que 6 = 2q. Então é
claro que q = 3. Feito este rascunho, é fácil escrever a prova rigorosa como:
Agora estamos numa situação em que n1 e n2 são dois números pares. Cada um deles
é par, então
n1 = 2q1
,
n2 = 2q2
aonde q1 e q2 são números inteiros. Somando-se as duas linhas da equação obtemos
n1 + n2 = 2q1 + 2q2
e que, portanto,
n1 + n2 = 2 · (q1 + q2) ,
|||||||||{z}}}}}}}}}
q̃ ∈ Z
ou seja, o número q̃ é um inteiro tal que que n1 + n2 = 2q̃, o que mostra n1 + n2 é par. Com
este rascunho em mãos, a demonstração final pode ser escrita como abaixo:
2.34. Isto não é mero preciosismo. Em álgebra se estudam várias estruturas (chamadas anéis não euclidianos)
que, apesar de serem semelhantes aos inteiros em vários aspectos, não admitem nenhum análogo para a familiar
divisão com resto dos números inteiros.
2.35. Jamais menosproze o poder de uma boa notação. Uma notação confusa pode transformar em pesadelos a
resolução de um problema simples, ao passo que uma notação bem escolhida muitas vezes sugere resultados e torna
natural um procedimento.
2.4 Demonstrações envolvendo definições 95
Exercício 2.23. Mostre que a diferença entre dois números pares é um número par.
Exercício 2.24. Prove que o produto de um número par por qualquer outro número inteiro resulta
em um número par.
Exercício 2.25. Prove que o produto de dois números pares é um número par. DICA: Ao invés de
refazer tudo, é mais inteligente utilizar o resultado do exercício anterior.
Exercício 2.26. Prove que se um número é par, então o seu quadrado também é par.
Exercício 2.27. Prove que se n é um número par, então −n também é um número par.
Definição 2.42. Um número real x é dito um número algébrico quando existe algum
polinômio não nulo e de coeficientes inteiros da qual x seja uma raiz.
Como já foi dito, aos nos depararmos com uma definição, devemos compreender seu
significado antes de começar a trabalhar com ela. Neste caso, o que deve ficar claro é que,
a cada vez que desejarmos provar que x é um número algébrico, precisamos demonstrar a
existência de algum polinômio não nulo com coeficientes inteiros da qual x seja uma raiz.
Considerando a definição 2.42, basta que sejamos capaz de exibir algum polinômio
não nulo de coeficientes inteiros que tenha dois como raiz. Isto é bem fácil de conseguir.
Podemos escolher, por exemplo, p(x) = x − 2. Assim, a demonstração seria:
Demonstração. (da proposição 2.43) Seja p(x) = x − 2. Então o número dois é uma
raiz de p, visto que p(2) = 2 − 2 = 0. Mas, então, p é um polinômio não nulo e de coeficientes
inteiros que admite dois como raiz. Logo, por definição de número algébrico, podemos dizer
que o número dois é um número algébrico.
√
3
Proposição 2.44. O número 7 é um número algébrico.
2.36. Observe como nossa notação q1 e q2 foi bem escolhida. O uso da letra q deixa claro que ainda estamos
trabalhando com o quociente de uma divisão, e os índices 1 e 2 deixam claro que q1 é referente à variável n1 e q2 é
referente à variável n2.
96 Demonstrações Matemáticas
√ √ 3
3
Demonstração. (da proposição 2.44) Seja p(x) = x3 − 7. Então p 3 7 = 7 −7=
√
7 − 7 = 0, o que significa que 3 7 é uma
√ raiz de p. Mas, então, p é um polinômio não nulo
3
e de coeficientes inteiros
√ que admite 7 como raiz. Pela definição de número algébrico,
3
isto significa que 7 é um número algébrico.
m
Um número racional q é um número da forma q = n , aonde m e n são números inteiros
(e n =
/ 0). Precisamos encontrar um polinômio não nulo e de coeficientes inteiros que tenha
m
n
como raiz. A solução para este problema não é muito óbvia e exigirá um pouco de
imaginação. É importante que o matemático iniciante pare de temer este tipo de situação.
Saber matemática não é decorar uma série de receitas2.37 prontas para resolver problemas
específicos e, sim, ter domínio dos principais conceitos da matemática para ser capaz de
improvisar 2.38 quando lidando com situações novas.
m
Improvisemos, portanto. Uma equação polinomial óbvia que admite n como raiz, é
m
x− = 0. (2.53)
n
m
Mas este polinômio x − n não serve, já que a definição de número algébrico exige que
m
todos os coeficientes sejam inteiros e n não é necessariamente um número inteiro. Temos
que arrumar um jeito de nos livrar desta fração. Uma solução natural2.39 é multiplicar os
dois lados da equação (2.53) por n e escrever:
nx − m = 0. (2.54)
m
Finalmente temos um polinômio não nulo e de coeficientes inteiros que admite x = n
como raiz. Assim, com todas essas ideias rascunhadas, podemos escrever a seguinte prova:
2.37. Note que não estamos dizendo que alguns procedimentos não mereçam ser memorizadas. Apenas estamos
dizendo é que saber matemática é mais do meramente ter memorizado muitos procedimentos.
2.38. Uma excelente obra que trata detalhadamente de como desenvolver esta capacidade de improvisar em
matemática é o livro “A Arte de Resolver Problemas”, da autoria de George Pólya.
2.39. Ainda que seja um passo natural, não necessariamente significa que um matemático inexperiente (ou
mesmo um mais experimentado) vai pensar em fazer isso logo na sua primeira tentativa. Muitas vezes, a primeira
ideia que temos não nos leva a lugar algum. O importante é continuar tentando.
2.4 Demonstrações envolvendo definições 97
Comentário 2.46. Em geral, quando a prova de uma proposição está escrita em sua
forma final, ela omite a maior parte das ideias e passos intermediários que levaram àquela
solução. Por exemplo, nesta prova que acabamos de fazer, nós começamos o nosso rascunho
escrevendo a equação (2.53) que sequer apareceu na versão final2.40 da demonstração. É
bom que o matemático iniciante saiba disso e se acostume a não ler demonstrações de forma
passiva. Ao invés, deve procurar entender as idéias escondidas2.41 na prova que levaram o
autor a proceder daquele jeito.
com an , an−1, ..., a2, a1 e a0 inteiros, tal que p(α) = 0. Mas p(α) = 0 significa que
com ãn , ãn−1, ..., ã2, ã1 e ã0 inteiros, e tal que p̃(−α) = 0. Mas p̃(−α) = 0 é o mesmo que
ãn (−1)nαn + ãn−1 (−1)n−1αn−1 + ... + ã2 (−1)2α2 + ã1 (−1)α + ã0 = 0. (2.59)
Então determinar o polinômio p̃ significa determinar valores para ãn , ãn−1, ..., ã2, ã1 e ã0
que façam com que a equação (2.59) seja verdadeira. Mas esta equação apresenta algumas
semelhanças com a equação (2.56). É natural que igualemos cada coeficiente polinomial
nestas duas equações de modo a transformar uma na outra:
Ou seja, o que precisamos que aconteça é que a j = ã j · (−1) j , ∀j. Isto sugere definir
aj
ã j = , o que nos leva à seguinte demonstração:
(−1) j
2.40. O fato de que livros-texto e professores geralmente omitem as várias tentativas frustradas (ou passos
intermediários) que antecederam a ideia que finalmente solucionou um problema, muitas vezes transmite aos estu-
dantes a sensação de que a matemática exige algum tipo de um dom especial, como se fosse necessário algum tipo
de sexto sentido (ausente neste estudantes) para ter aquela ideia que tão magicamente resolveu a questão. Como
consequência disto, muitos desistem de verdadeiramente dominar esta disciplina, se limitando à memorização de
soluções tipo “receita de bolo”, que só servem para resolver problemas específicos. Mas é claro que matemáticos são
seres humanos completamente normais, sem nenhum tipo de superpoder especial. Ainda que algumas pessoas tenham
inatamente uma intuição mais eficiente do que outras, qualquer pessoa de inteligência normal pode ser treinada para
lidar de maneira competente com os principais conceitos da matemática.
2.41. Uma estratégia muito recomendada, ainda que consuma muito tempo de estudo, é a de tentar fazer cada
demonstração como se fosse um exercício, recorrendo à leitura da prova contida no livro-texto o mínimo possível e
somente como último recurso.
98 Demonstrações Matemáticas
√
2.4.3 O anel Z 2
Existem alguns conjuntos, chamados de anéis2.43, que admitem operações de soma e
produto e que tem propriedades muito semelhantes à dos números inteiros. Um exemplo
√
é o anel Z 2 , que é definido abaixo:
√
Definição 2.48. Um número real √ x é dito um elemento de Z 2 quando existem números
inteiros a e b tais que x = a + b 2 .
Como sempre, após ler uma definição, devemos entender intuitivamente o √ significado
√ os elementos de Z 2 são os
desta definição antes de prosseguir. Neste caso, é fácil ver que
números
√ que obtemos
√ quando
√ substituímos a e b em a + b 2 por números inteiros. Assim,
√
2 + 4 2 , 3 + 10 2 e 5 + 3 2 são elementos de Z 2 . E como a e b também podem ser
√ √ √ √
negativos, também −2 + 7 2 , 3 − 5 2 e −1 − 9 2 são elementos de Z 2 .
√ √
Proposição 2.49. A soma de dois elementos de Z 2 é um elemento de Z 2 .
2.42. Já falamos isso, mas vale a pena enfatizar: palavras como “claramente” (e outros termos equivalentes), são
um indicador de que um (ou mais de um) passo considerado trivial foi omitido e deixado a cargo do leitor. Você
consegue ver que passos foram omitidos neste caso?
2.43. Não definiremos anéis aqui, esta definição é normalmente vista em cursos de álgebra abstrata.
2.4 Demonstrações envolvendo definições 99
√
O que temos de provar é que se x1 e x2√são elementos quaisquer de Z 2 , então a
soma x1 + x√
2 também é um elemento de Z 2 . Ou seja, temos que escrever
√ x1 + x2 na
forma a + b 2 , com a e b inteiros. Mas já que x1 e x2 são elementos de Z 2 , então:
( √
x1 = a1 + b1 2
√ , (2.61)
x2 = a2 + b2 2
com a1, b1, a2, b2 ∈ Z. Então é natural pensarmos em somar as duas linhas desta equação e
obter
√
x1 + x2 = (a1 + a2) + (b1 + b2) · 2,
|||||||||{z}
| }}}}}}}} |||||||||{z}}}}}}}}} (2.62)
a∈Z b∈Z
√
o que sugere que devemos definir a = a1 + a2 e b = b1 + b2, de modo que x1 + x2 = a + b 2 ,
que é exatamente o que precisamos.
Ainda que este longo rascunho seja necessário, a prova formal é usualmente escrita em
um formato muito mais conciso, como abaixo:
√
Demonstração. (da proposição 2.49) Sejam x1 e x2 dois elementos de Z 2 quais-
√ √
quer. Então existem √ a1, b1, a2, b2√∈ Z tais que x1 = a1 + b1 2 e√x2 = a√2 + b2 2 . Logo,
x1 + x2 = a1 + b1 · 2 + a2 + b2 2 . Daí, x1 + x2 = a1 + a2 + b1 2 + b2 2 o que implica
√
que x1 + x2 = (a1 + a2) + (b1 + b2) 2 . Definindo a = a1 + a2 e b = b1 + b2, então é claro que a
e b são números inteiros (visto que são o resultado da soma de dois números inteiros). Então
√ √
x1 + x2 = a + b 2 com a e b inteiros, o que prova que x1 + x2 é um elemento de Z 2 .
Vejamos agora uma outra demonstração envolvendo esta mesma definição do anel
√
Z 2 .
√ √
Proposição 2.50. O produto de dois elementos de Z 2 é um elemento de Z 2 .
√ √ √
Logo, x1 · x2 = a1a2 + a1b2 2 + a2b1 2 + 2b1b2 ⇒ x1 · x2 = (a1a2 + 2b1b2) + (a1b2 + a2b1) 2 .
Definindo a = a1a2 + 2b1b2 e b = a1b2 + a2b1, já que somas e produtos de inteiros sempre √
resultam em inteiros, então é claro que a e b são números inteiros.
√Portanto
x1 · x2 = a + b 2
com a e b inteiros, o que prova que x1 · x2 é um elemento de Z 2 .
√ √
Exercício 2.35. Prove que a diferença entre dois elementos de Z 2 é um elemento de Z 2 .
Exercício 2.36. Um número inteiro n é dito divisível por um número inteiro não nulo d, quando
existe q ∈ Z tal que n = q · d.
a) Use a definiçao para provar rigorosamente que 56 e divisível por 7;
b) Prove que se n1 e n2 são inteiros divisíveis por algum número inteiro d =
/ 0, então n1 + n2 é
divisível por d;
c) Sejam a, b, c ∈ Z∗. Prove que se a é divisível por b e b é divisível por c então a é divisível por c.
Exercício 2.37. Um número natural z é dito uma potência de sete se ∃n ∈ N|z = 7n.
a) Prove que o produto de duas potências de sete é uma potência de sete;
x
/ 0. É necessariamente verdade que y é uma potência
b) Sejam x e y duas potências de sete e y =
de sete? Em caso afirmativo, prove. Em caso negativo, refute com um contra-exemplo.
Exercício 2.38. Um número natural z é dito uma potência inteira de cinco se ∃n ∈ Z|z = 5n.
a) Prove que o produto de duas potências inteiras de cinco é uma potência inteira de cinco;
x
b) Sejam x e y duas potências inteiras de cinco e y =/ 0. É necessariamente verdade que y é uma
potência inteira de cinco? Em caso afirmativo, prove. Em caso negativo, refute com um contra-exemplo.
Exercício 2.39. Um numero n é dito um múltiplo de 4 quando ∃k ∈ Z tal que n = 4k.
a) Prove que a soma de dois múltiplos de 4 é um múltiplo de 4;
b) Prove que todo múltiplo de 4 é um número par.
c) É necessariamente verdade que todo número par é um múltiplo de 4? Responda de forma
definitiva, provando a afirmação caso esta seja verdadeira, ou refutando-a com um contra-exemplo.
d) Mostre que todo múltiplo de 4 pode ser escrito como diferença entre dois quadrados perfeitos.
OBS: A solução deste item é simples, mas exigirá um pouquinho mais de criatividade (e uso de tentativa
e erro) do que outros exercícios desta lista.
Exercício 2.40. Um número inteiro n é dito um quadrado perfeito se ∃m ∈ Z|n = m2.
a) É verdade que a soma de dois quadrados perfeitos é um quadrado perfeito? Em caso afirmativo,
prove. Em caso negativo, refute com um contra-exemplo;
b) É verdade que o produto de dois quadrados perfeitos é um quadrado perfeito? Em caso afirma-
tivo, prove. Em caso negativo, refute com um contra-exemplo.
√
Exercício 2.41. Um número real x é dito um zéfiro quando ∃m, q ∈ Q tais que x = q + 3 · m.
a) Prove que a soma de dois zéfiros é um zéfiro;
b) É necessariamente verdade que o produto de dois zéfiros é um zéfiro? Responda de maneira
definitiva, seja com uma prova ou com um contra-exemplo.
Exercício 2.42. Um número racional z é dito um racional quadrado perfeito quando existe k ∈ Q tal
que z = k2.
4
a) Prove que 9 é um racional quadrado perfeito;
50
b) Verifique se 8 é um racional quadrado perfeito;
c) Prove que o produto de dois racionais quadrados perfeitos também é um racional quadrado
perfeito;
2.4 Demonstrações envolvendo definições 101
Exemplo 2.51. Seja x0 a maior raiz real de x2 + 4x + 10. Esta variável não está bem
definida porque x2 + 4x + 10 não admite raizes reais e, portanto, esta definição não tem
qualquer significado. De fato, se utilizarmos a fórmula de Bhaskara para resolver a equação
de segundo grau obteríamos ∆ = 42 − 4 · 1 · 10 = −36 < 0, indicando a inexistência de raizes
reais.
Exemplo 2.52. Seja x1 a menor raiz real da função seno. Esta variável não está bem
definida. De fato, a equação sen(x) = 0 tem infinitas soluções, dadas pelo conjunto {...,
−2p, −p, 0, p, 2π, ...}. Ainda que esta função admita raizes reais, vê-se então que não se
pode dizer que alguma delas é menor do que todas as outras, de modo que não faz sentido
falar na menor raiz real desta função.
Muito comumente, um objeto está bem definido, porém a sua definição deixa dúvidas a
este respeito. Nestes casos, é necessário provar que ele está bem definido antes de prosseguir
trabalhando com este objeto.
Não existe um roteiro padrão de como provar que um objeto está bem definido. O que
se faz é analisar todos os possíveis problemas que poderiam deixar a definição ambígua ou
sem significado, e eliminar cada uma dessas possibilidades.
Exemplo 2.54. A cada vez que escrevemos a · b · c · d (aonde a, b, c e d são números reais
quaisquer), estamos usando uma definição que, a princípio, poderia sofrer de ambiguidade:
afinal, a · b · c significa a · (b · c) ou (a · b) · c? Felizmente, pode se demonstrar2.44 que a ordem
em que são feitas as operações não influenciam no resultado final, de modo que a noção
de produto de três inteiros está bem definida.
Exemplo 2.55. Seja x um número real com x > 0 e seja q um número racional. O leitor
está provavelmente familiarizado com a definição segundo a qual
p
x q = n (xm) , (2.65)
m
aonde m ∈ Z e n ∈ Z∗ são tais que q = n . Como q é um número racional, é claro que a
m
existência destes números m e n satisfazendo q = n está fora de dúvida. Uma possível fonte
de problemas, entretanto, é que há mais de uma escolha possível para m e n. Por exemplo,
2
se q = 3 , o mais simples é fazer m = 2 e n = 3, mas
pm = 4 e n = 6, ou m = −8 e n = −12, são
igualmente viáveis. A princípio, o resultado de n (xm) poderia ser diferente dependendo
dos valores de m e n que fossem utilizados. Então, neste caso, para demonstrar que a
definição de x q para q racional está bem definida, precisamos concluir que a aplicação de
(2.65) resulta no mesmo valor, qualquer que seja o par de números m, n gerando q. Para
isto é suficiente provar que:
1. Afirmação: Seja x um número p
real com x > 0 e sejam m1, m2 ∈ Z e n1, n2 ∈ Z∗ tais
m1 m2 np n
que n = n . Então 1 (xm1) = 2 (xm2) .
1 2
m1 m
Demonstração. Como n1
= n 2 , segue que m1n2 = n1m2. Logo xm1n2 = xn1m2 que
2
pode ser reescrito como (xm1)n2 = (xm2)n1. Tirando a raiz de ordem np
2 de ambos
n1 os
p
n p
n n2
lados da equação, obtemos
np que
n1 x = (x ) . Mas (x ) =
m1 2 m2 n1 2 m 2 n1 xm2 , logo
2
obtemos que xm1 = xm2 . Tirando a raiz de ordem n1 dos dois lados obtemos
n√ np
2
1
x m1 = xm2 , que é o queríamos demonstrar.
O exemplo 2.55 acima é um caso particular de boa definição, em que o objeto que
queremos provar que está bem definido é uma função. Uma função é uma regra que associa,
a cada ponto do domínio X , um único ponto do contra-domínio Y . Ou seja, para que
f : X → Y seja uma função então, para todo x ∈ X, o valor de f (x) tem que existir e ser
único. Dependendo de qual é a regra que define f , como foi no caso da definição de x q,
pode ser que hajam dúvidas a respeito da existência de f (x) ou a respeito de sua unicidade.
Em casos assim, é necessário verificar se f é uma função bem definida antes que se possa
trabalhar com ela.
2.44. Normalmente esta demonstração é vista no início do primeiro curso introdutória para a álgebra dos
números inteiros dentro das universidades.
104 Demonstrações Matemáticas
Exemplo 2.56. Seja f1: R → R definida como a regra que associa, a cada x ∈ R, o valor de
y tal que y 2 = x. Esta regra não define uma função pois, quando x é estritamente negativo,
não existe nenhum valor de y tal que y 2 = x e, portanto, o valor de f (x) está indefinido
para todos os valores negativos de x.
Exemplo 2.57. Seja f2: R+ → R definida como a regra que associa, a cada x ∈ R+, o valor
de y tal que y 2 = x. A exclusão dos números negativos do domínio evita o problema que
aconteceu no exemplo anterior pois, agora, a cada x ∈ R certamente existem valores reais
de y tais que y 2 = x. Entretanto, mesmo com esta modificação, esta regra ainda não define
uma função pois, para todo x = / 0, existem dois valores de y tais que y 2 = x e, portanto, há
ambiguidade na definição do valor de f (x) para todo x = / 0.
Exemplo 2.58. Seja f3: R+ → R definida como a regra que associa, a cada x ∈ R+, o valor
de y tal que y 2 = x e y > 0. Com esta restrição adicional de que y > 0, finalmente temos
uma regra definindo uma função, visto que agora existirá exatamente um valor de y para
cada x ∈ R+ e, portanto, o valor de f (x) está definido e sem ambiguidades para todo x no
domínio2.45.
Comentário 2.59. Já que tocamos no assunto no exemplo 2.55, não resistimos a explicar
aqui o motivo que levam matemáticos a definir potências racionais através da fórmula
(2.65). Para tal, coloquemo-nos na posição de um matemático que só conheça a definição de
potências naturais de um número x > 0. Então sabemos que se α é um número natural então
x · x · x · ... · x
xα = |||||||||||||||||||{z}}}}}}}}}}}}}}}}}}}
α vezes
e
xα · xα · xα · ... · xα
(xα) β = ||||||||||||||||||||||||||||{z}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}
β vezes
de modo que
! ! !
x · x · x · ... · x x · x · x · ... · x
|||||||||||||||||||{z}}}}}}}}}}}}}}}}}}} · |||||||||||||||||||{z}}}}}}}}}}}}}}}}}}} · ... · |||||||||||||||||||{z}}}}}}}}}}}}}}}}}}} x · x · x · ... · x
(xα) β = α vezes α vezes α vezes (2.66)
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||{z}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}
β vezes
Se tivermos esperanças de que a propriedade (2.67) valha também para potências racionais,
m m m
n ·n ·n
então x n = x n de modo que a equação (2.68) se transforma em y n = x n e daí
p
n
em y = x . De onde se conclui que y = (x ) , que é a fórmula (2.65).
n m m
2.45. Esta regra é na verdade a familiar função raiz quadrada canônica, em que se considera sempre a raiz
positiva como o resultado da operação.
2.4 Demonstrações envolvendo definições 105
Exercício 2.52. Identifique quais das variáveis abaixo está bem definida, justificando adequadamente
(inclua uma prova de boa definição, quando for o caso):
a) x̄ é a maior raiz real de x2 + 3x + 15 = 0;
b) x̄ é a raiz real de x2 − 3x + 2 = 0;
c) x̄ é a menor raiz real de x2 + 3x − 4 = 0;
d) x̄ é a raiz real positiva de 2x2 − 10x + 12 = 0;
e) x̄ é a raiz real positiva de 4x2 + 4x + 1 = 0;
f) x̄ é a raiz real negativa de 3x2 − 18x + 24 = 0;
g) x̄ é a maior solução real positiva de cos(x) = 0;
h) x̄ é a raiz irracional positiva de x4 − 3x2 + 2 = 0;
i) x̄ é a menor raiz estritamente positiva de sen(x) = 0;
Exercício 2.53. Seja x̄ a raiz real da função f (x) = x7 + 7x6 + 21x5 + 35x4 + 45x3 + 21x2 + 7x − 2.
Siga o roteiro do exemplo 2.53 para concluir que x̄ está bem definida.
Exercício 2.54. Prove que está bem definida a função f : R − {−1} → R que, a cada x ∈ R, associa
o valor y que é a raiz de
(x2 + 2x + 1) · y2 + 2(x2 − 1) · y + (x2 + 1) = 2x.
Esquematize que afirmações precisam ser demonstradas para que se tenha se certeza de que o conceito
de xα está bem-definido. OBS: Apenas diga que afirmações devem ser provadas, não se preocupe em
provar estas afirmações, pois isto exigiria conhecimentos de matemática que sem dúvida são avançados
demais para o leitor dessas notas.
Soluções: 2.52a) Não, pois esta equação não admite raizes; 2.52b) Não, pois como esta equação
admite mais de uma raiz, há ambiguidade; 2.52c) Sim; 2.52d) Sim; 2.52e) Não, pois como há mais de
uma raiz positiva, esta definição é ambígua; 2.52f) Não, pois não existem raizes
n negativas para
o
π 3π 5π
esta equação; 2.52g) Não, o conjunto de raízes positivas desta equação é 2
; 2
; 2
; ::: então
não dá pra se falar na "maior" solução real positiva desta equação; 2.52h) Sim. 2.52i) Sim. 2.55)
Primeiramente, é preciso provar que "existe pelo menos alguma sequência (q1; q2; q3; :::) de números
racionais tal que limn →∞ qn = ↑ . E, depois, é preciso provar que se duas sequências (q1; q2; q3; :::)
e (q^1; q^2; q^3; :::) são tais que limn →∞ qn = limn →∞ q^n = ↑ , então existem limn →∞x (qn ) e limn →∞x (q^n )
e limn →∞x (qn ) = limn →∞x (q^n ):
Algoritmos são empregados com frequência na matemática. Por exemplo, quando que-
remos multiplicar 1245 por 6, executamos o algoritmo do produto que aprendemos no ensino
básico:
3 2 3 1 2 3 1 2 3
1 2 4 5 1 2 4 5 1 2 4 5 1 2 4 5 1 2 4 5
× 6 × 6 × 6 × 6 × 6
0 7 0 4 7 0 7 4 7 0
Figura 2.26. O algoritmo da multiplicação sendo executado passo a passo.
Para calcular o mdc entre os números 128 e 48, utilizamos o algoritmo euclidiano:
2 2 1 2 1 2
128 48 128 48 32 128 48 32 16 128 48 32 16
32 32 16 32 16 0
Figura 2.27. O algoritmo euclidiano para obtenção do mdc de 128 e 48, sendo executado passo
a passo.
Algoritmo 2.1
(Algoritmo Euclidiano para a obtenção do MDC)
Valores de Entrada: m, n ∈ N∗.
Passo 1: Defina x = m, d = n e vá para o passo 2;
Passo 2: Faça a divisão de x por d, definindo q como o quociente desta divisão e r o
seu resto e vá para o passo 3;
Passo 3: Redefina x = d e d = r e vá para o passo 4;
Passo 4: Se d = / 0, volte ao passo 2, se d = 0 vá para o passo 5;
Passo 5: O valor de saída é x. Fim do algoritmo.
É preciso um pouco de prática para entender que o algoritmo acima realmente corres-
ponde ao procedimento ilustrado na figura 2.27 (convidamos o leitor interessado a examinar
detalhadamente o procedimento acima e, assim, se convencer disso).
Entender (isto é, provar) porque este processo funciona não está nos propósitos deste
texto. Queremos apenas tornar o leitor familiarizado com o importante conceito de algo-
ritmo, bem como deixá-lo ciente das dificuldade apresentadas quando da boa definição de
objetos matemáticos como os valores de saída de certos algoritmos.
Um dos problemas mais comuns é que alguns algoritmos não param nunca. Por
exemplo:
Algoritmo 2.2
(Um algoritmo de loop infinito)
Valor de Entrada: n ∈ N;
Passo 1: Adicione mais um ao valor de n (em símbolos isto seria n = n + 1). Vá para
o passo 1.
Passo 2: O valor de saída é n. Fim do algoritmo.
Como o procedimento acima jamais chegará a um fim, a variável que é o valor de saída
deste algoritmo não está bem definida. Portanto, fica claro que é sempre necessário provar
que um algoritmo para antes de trabalharmos com quaisquer de seus valores de saída.
2.46. Com o advento da era dos computadores, provas de existência de um objeto através de um algoritmo
tornaram-se muito desejáveis, já que eles descrevem uma forma de se programar um computador para obter esse
objeto.
108 Demonstrações Matemáticas
ii. Sejam m1, n1, m2, n2 ∈ N∗ tais que (m1, n1) ∼ (m2, n2). Então m1n2 = n1m2 que
pode ser reescrito como m2n1 = n2m1 que, pela definição da relação ∼, implica que
(m2, n2) ∼ (m1, n1).
iii. Sejam m1, n1, m2, n2 ∈ N∗ tais que (m1, n1) ∼ (m2, n2) e (m2, n2) ∼ (m3, n3). Então
pela definição da relação ∼, temos que
m1n2 = n1m2 (2.69)
e
m2n3 = n2m3. (2.70)
Multiplicando ambos os lados da equação (2.69) por n3, obtemos m1n2n3 = n1m2n3.
Mas a equação 2.70 nos permite substituir esse m2n3 da direita dessa última
expressão por n2m3 e obter m1n2n3 = n1n2m3. Cortando o n2 dos dois lados da
equação (já que n2 ∈ N∗, então n2 = / 0 e portanto a regra do corte pode ser
aplicada), concluímos que m1n3 = n1m3. O que, de acordo com a definição de
∼, nos permite afirmar que (m1, n1) ∼ (m3, n3), como queríamos demonstrar.
Exemplo 2.65. Utilizando a relação de equivalência do exemplo 2.62, é claro que, dado
x0 ∈ Z, só existem duas situações possíveis:
1) Caso x0 é par. Então x0 − 0 é par e daí que, pela definição da relação de equivalência
∼, temos que x0 ∼ 0. De onde se conclui que x¯0 = 0̄;
2) Caso x0 não é par. Então assumindo conhecido2.47 que a subtração de um número
que não é par pelo número 1 resulta em um número par, temos que x0 − 1 é par. Portanto,
pela definição da relação de equivalência ∼, temos que x0 ∼ 1. De onde se conclui que x¯0 = 1̄.
Portanto, dado qualquer x0 ∈ Z, sua classe de equivalência é 0̄ ou 1̄. Ou seja, o conjunto
quociente consiste apenas em dois elementos, o 0̄ e o 1̄, o primeiro consistindo no conjunto
de todos os números pares e o segundo no conjunto de todos os números ímpares.
Exemplo 2.66. A relação de equivalência do exemplo 2.63 considera que os dois pares
de naturais não-nulos (m1, n1) e (m2, n2) são elementos da mesma classe de equivalência
m m
quando m1n2 = n1m2. Mas isto significa que n 1 = n 2 . Ou seja, a classe de equivalência é
1 2
uma forma de considerar que (m1, n1) e (m2, n2) são o “mesmo” elemento quando geram
frações idênticas2.48.
que pares diferentes porém geradores da mesma fração sejam exatamente o mesmo elemento do conjunto de classes.
110 Demonstrações Matemáticas
Exemplo 2.67. Se X é o conjunto de pares ordenados de números naturais não nulos com
a relação de equivalência ∼ do exemplo 2.63, define-se a função ϕ como:
ϕ: X /∼ → X /∼
(m, n) 7→ (m2, n2)
Esta é uma função que tem como domínio e contra-domínio o conjunto quociente. Ou
seja, a cada classe de equivalência x de X ela associa uma ϕ(x) que também é uma
classe de equivalência de X, da seguinte forma: se (m, n) é um representante da classe x
então ϕ(x) é a classe gerada por (m2, n2). O problema é que cada classe x admite mais
de um representante, então precisamos verificar se o resultado obtido, que é (m2, n2), não
seria diferente, caso escolhessemos um representante diferente para x. Para provar isso,
suponha que utilizemos um outro representante (m̃, ñ) para a mesma classe x, de modo
a obtermos ϕ(x) = (m̃2, ñ2). Já que tanto (m, n) e (m̃, ñ) são representantes da mesma
classe x, então (m, n) ∼ (m̃, ñ). Ou seja, m ñ = m̃ n. Elevando os dois lados da equação
ao quadrado, obtemos que m2 ñ2 = m̃2 n2. Mas então (m2, n2) ∼ (m̃2, ñ2), implicando que
(m2, n2) = (m̃2, ñ2). Ou seja, obteríamos a mesma classe, independentemente do represen-
tante escolhido e, portanto, a função ϕ está bem definida.
Exercício 2.56. Prove que cada umas das relações abaixo é uma relação de equivalência
a) Sejam x, y ∈ R. Define-se x ∼ y ⇔ x − y ∈ Q;
b) Sejam x, y ∈ R∗. Define-se x ∼ y ⇔ x ÷ y ∈ Q;
Exercício 2.57. Reveja no exercício 2.36 a definição de divisibilidade de inteiros. Se m e n são inteiros,
a relação ∼ é definida como m ∼ n ⇔ m − n é divisível por 7.
a) Prove que ∼ é uma relação de equivalência;
b) Exiba todas as classes de equivalência que compõem o conjunto Z /∼, denominado de Z7;
Exercício 2.58. Prove que nenhuma das relações abaixo define uma relação de equivalência, explici-
tando um contra-exemplo para qualquer uma das condições requeridas pela definição 2.61:
a) Sejam q1, q2 ∈ Q. Define-se q1 ∼ q2 ⇔ q1 − q2 ∈
/ Q;
b) Sejam x1, x2 ∈ R. Define-se x1 ∼ x2 ⇔ x1 − x2 > 0;
Exercício 2.59. x1 e x2 ∈ Q+ são ditos apaixonados entre si quando a soma do denominador e do
numerador de suas frações em forma reduzida resultam no mesmo valor. Prove que este conceito gera
uma relação de equivalência.
Exercício 2.60. No conjunto Z7 definido no exercício 2.57, define-se a operação de soma da seguinte
forma: dados x, y ∈ Z7, pega-se m, n ∈ Z tais que x = m̄ e y = n̄ e define-se x + y = m + n. Prove que
esta operação está bem definida. DICA: Todo número inteiro pode ser escrito na forma 7q + r, com
r ∈ {0, 1, 2, ..., 6}.
Exercício 2.61. Um matemático deseja estudar os números reais de tal forma que números cujas
partes fracionárias sejam iguais sejam “vistos” como o mesmo número (por exemplo, 3,178 e 10,178
têm a mesma parte fracionária, e portanto devem ser considerados equivalentes). Ele percebe que isto
significa que dois números têm a mesma parte fracionária se e somente se a diferença entre os dois é
um número inteiro. Assim, ele define a seguinte relação de equivalência: x ∼ y quando x − y ∈ Z.
a) Prove que esta relação ∼ realmente é uma relação de equivalência;
2.5 Demonstrando teses da forma P ∧ Q 111
b) Seja
ϕ: R /∼ → R/∼
x̄ 7→ x¯3
Prove que ϕ é uma função bem definida. DICA: Todo número real pode ser escrito na forma
i + f , com i ∈ Z e f ∈ [0, 1[.
Além do mais, como n1 e n2 são ambos quadrados perfeitos então, pela definição de
quadrado perfeito apresentada no exercício 2.40, existem números inteiros m1 e m2 tais
que n1 = m21 e n2 = m22, de modo que n1n2 = (m21) · (m22) = (m1m2)2. Definindo-se m = m1m2
então temos que m é claramente um número inteiro com n1n2 = m2, de modo que n1n2 é
um quadrado perfeito.
Portanto n1n2 é um múltiplo de 4 e é um quadrado perfeito.
A tese da proposição 2.73 é a afirmação de que x ∈ A ∩ B. Ora, mas isto é a mesma coisa
que dizer que (x ∈ A) ∧ (x ∈ B). Logo, a estratégia recomendada é provar separadamente
que x ∈ A e que x ∈ B:
Lema 2.76. J =
/ ∅.
2.49. Observe que isto foi exatamente o que fizemos no exemplo 2.62 na seção 2.4.7, quando queríamos provar
que uma determinada relação era uma relação de equivalência.
2.5 Demonstrando teses da forma P ∧ Q 113
Exercício 2.62. Prove que se x e y são números reais tais que x < 3 e y > 5 então 7y − 3x > 26 e
6x − 2y < 8.
Exercício 2.63. Prove que se x e y são números reais tais que x > 2 e y 6 4 então 5x − y > 6 e
7x + 3y2 > 14.
Exercício 2.64. Prove que se m, n são números inteiros tais que m > 3 e n > 4 e x é um número real
tal que x < 2 então m + n > 7 e 2m + x2 > 5 e n2 + 1 > 26.
Exercício 2.65. Sejam A, B e C conjuntos. Prove que se x ∈ A ∩ (B − C) então x ∈ (A ∩ B) − C.
Exercício 2.66. Sejam A, B e C conjuntos. Prove que se x ∈ B − A então x ∈ (A ∪ B) − (C ∩ A).
Exercício 2.67. Mostre que o conjunto dos números inteiros múltiplos de 4 é um ideal de Z. OBS:
A definição de múltiplo de 4 foi dada no exercício 2.39, na página 100.
Exercício 2.68. Mostre que o conjunto dos números inteiros que são simultaneamente divisíveis por
3 e por 4 é um ideal de Z. OBS: A definição de divisibilidade foi dada no exercício 2.36, na página 100.
Exercício 2.69. Prove que o conjunto dos números ímpares não é um subespaço vetorial de R2.
DICA: Basta você exibir um contra-exemplo mostrando que é falsa alguma das três propriedades que
devem ser satisfeitas por qualquer subespaço vetorial
Exercício 2.70. Um subconjunto S de R2 é dito um subespaço vetorial de R2 quando satisfaz a cada
uma das propriedades abaixo:
1. S é não vazio;
2. ~a , ~b ∈ S ⇒ ~a + ~b ∈ S;
3. ∀a
~ ∈ S , ∀λ ∈ R, λ · ~a ∈ S;
Além do mais, dizemos um vetor (x, y) de R2 está na diagonal principal quando y = x. Mostre que o
conjunto dos elementos de R 2 que estão na diagonal principal é um subespaço vetorial de R2.
Exercício 2.71. Mostre que o conjunto dos vetores (x, y) ∈ R2 tais que 2x + 7y = 0 é um subespaço
vetorial de R2.
Exercício 2.72. Prove que o conjunto dos vetores (x, y) ∈ R2 tais que x = 1 não é um subespaço
vetorial de R2.
Exercício 2.73. Um conjunto G é dito um grupo relativamente a uma operação binária2.50 ⋆ quando
satisfaz a todas as propriedades abaixo:
i. a⋆(b⋆c)=(a⋆b)⋆c;
ii. ∃e ∈ G|(a⋆e = e⋆a = a, ∀a ∈ G);
iii. ∀a ∈ G, ∃b ∈ G|a⋆b = e;
2.50. Uma operação binária em um conjunto G é uma função que, a cada dois elementos G associa um novo
elemento que também está em G. Exemplos de operações binárias sobre R são as operações de soma (pois a soma
de dois números reais ainda é um número real) e multiplicação (pois o produto de dois números reais ainda é um
número real). Se considerarmos a operação de divisão sobre o conjunto N∗ então não teríamos um operador binário,
pois a divisão de dois elementos de N∗ pode não pertencer à N∗, já que na grande maioria dos casos gera uma fração.
114 Demonstrações Matemáticas
Prove que o conjunto G das matrizes A tal que ∃a, b ∈ R com A = a b
−b a
é um grupo com relação à
operação de soma de matrizes.
Exercício 2.74. Prove que o conjunto G das matrizes A tal que ∃a, b ∈ R com A = a b
−b a
e a·b=
/0
é um grupo com relação à operação de multiplicação de matrizes.
Como esta proposição é uma equivalência, devemos desmembrá-la nas duas implicações
que a compõem. Neste caso, obteríamos:
1. z é divisível por seis ⇒ z é divisível simultaneamente por dois e três;
2. z é divisível por seis ⇐ z é divisível simultaneamente por dois e três.
Então, para provar a proposição 2.79, basta demonstrar as duas afirmações acima, como
segue2.52:
2.51. O exemplo a seguir utiliza o conceito de divisibilidade que é apresentado no exercício 2.36 (página 100).
2.52. Reparem o uso dos símbolos (⇒) e (⇐) no início da prova de cada uma das implicações, para deixar
claro qual delas está sendo provada naquele momento. Tal notação é extremamente comum.
2.6 Demonstrações de equivalências 115
Entretanto, x pertencer à intersecção de dois conjuntos não apenas implica que x pertence
à cada um destes conjuntos. Pois x pertencer à intersecção de dois conjuntos é equivalente
à x pertencer a cada um destes conjuntos. Então, as duas últimas passagens valem nas
duas direções, assim como as duas primeiras:
x ∈ A
x ∈ A
x∈A
x∈A
e
e
e
x ∈ A ∩ (B ∩ C) ⇔ e ⇔ x ∈ B ⇒ x ∈ B ⇒ x ∈ B ⇔
x∈B ∩C
e
e
e
x∈C
x∈C
x∈C
x∈A∩B
e ⇔ x ∈ (A ∩ B) ∩ C.
x∈C
É claro que se preferíssemos dividir esta demonstração em duas partes, também obte-
ríamos uma prova igualmente válida:
Mas como a versão por equivalências dá muito menos trabalho para escrever, ela nor-
malmente é a forma preferida de escrita. Recomendamos ao leitor proceder à demonstração
de qualquer equivalência exatamente como fizemos neste exemplo: inicialmente dividir a
prova em duas partes, mas prestar atenção em quais passagens são bidirecionais quando da
execução da primeira parte. Se acontecer de todas as passagens valerem nos dois sentidos,
adapte aquilo que já foi escrito para transformá-la numa prova por equivalência.
Aliás, é bom observar que mesmo que alguma das passagens não seja bidirecional, ainda
assim vale a pena prestar atenção em que passagens o são, pois é bastante comum que elas
possam ser reaproveitadas na segunda parte da demonstração.
n
Exercício 2.75. Seja n ∈ Z. Prove que n é um número par se e somente se 2
∈ Z. NOTA: Utilize a
definição 2.39 da página 94.
Exercício 2.76. Seja m um numero inteiro. Um numero inteiro n é dito multiplo de m quando
∃q ∈ Z|n = mq. Mostre que se d é um inteiro não-nulo então n é divisível por d se e somente se n é um
múltiplo de d.
Exercício 2.77. Seja x ∈ R. Prove que x = 0 se e somente se x · y = 0, ∀y ∈ R.
Exercício 2.78. Seja n ∈ Z. Prove que para n ser divisível por 24 é necessário e suficiente que n seja
simultaneamente divisível por 3 e por 8.
Exercício 2.79. O exercício 2.78 e a proposição 2.79 parecem sugerir que n divisível por a e b é
equivalente a n ser divisível por ab, mas isto não é verdade em geral2.53 . Através de um contra-exemplo,
mostre que n ser divisível por 2 e 6 simultaneamente não é equivalente a n ser divisível por 12.
Exercício 2.80. Seja x ∈ R. Prove que 2x − 16 = 0 equivale a x = 8.
2.53. Entretanto, como se vê nos cursos de álgebra, se for adicionada a hipótese de que mdc(a, b) = 1, então é
verdade que n ser divisível por a e b simultaneamente é equivalente a n ser divisível por ab.
2.6 Demonstrações de equivalências 117
Figura 2.28. Diagrama esquemático de como provar uma equivalência múltipla de maneira ele-
gante.
Demonstração.
(i) ⇒ (ii) Seja n divisível por 30. Então, por definição de divisibilidade, ∃q ∈ Z|n = 30q.
Mas, então, n = 10 · (3q) e n = 3 · (10q). Definindo q1 = 3q e q2 = 10q, temos que q1 e q2
são inteiros (por serem o produto de inteiros) tais que n = 10q1 e n = 3q2.
(ii) ⇒ (iii) Seja n divisível simultaneamente por 3 e por 10. Então, por definição de
divisibilidade, existem números inteiros q1 e q2 tais que n = 10q1 e n = 3q2. Multiplicando a
primeira equação por 3 e a segunda por −2, temos que 3n = 30q1 e −2n = −6q2. Somando
estas duas últimas equações, obtemos que n = 30q1 − 6q2 , que pode ser reescrito como
n = 6(5q1 − q2). Definindo q = 5q1 − q2 , então q é claramente um número inteiro tal que
n = 6q, de modo que n é divisível por 6.
Resta provar que n é divisível por 5. Mas como n = 10q1 = 5(2q1), basta definir q̃ = 2q1
para obtermos n = 5q̃ com q̃ evidentemente inteiro. Logo, n é simultaneamente divisível
por 5 e 6.
118 Demonstrações Matemáticas
(iii) ⇒ (i) Seja n divisível simultaneamente por 5 e por 6. Então, por definição de
divisibilidade, existem números inteiros q1 e q2 tais que n = 5q1 e n = 6q2. Multiplicando
a primeira equação por 6 e a segunda por −5, temos que 6n = 30q1 e −5n = −30q2.
Somando estas duas últimas equações, obtemos que n = 30q1 − 30q2 = 30(q1 − q2). Definindo
q = q1 − q2 , então q é claramente um número inteiro tal que n = 30q, de modo que n é
divisível por 30.
Esta é uma técnica elegante e rápida, mas nem sempre é a forma mais espontânea de
fazer uma demonstração. Em muitas situações, a ordem natural das demonstrações pode
ser outra, ou pode parecer mais fácil provar diretamente que cada uma das afirmações é
equivalente a uma delas:
Figura 2.29. Às vezes é mais natural provar uma equivalência múltipla provando que todas elas
são equivalentes a uma das afirmações.
Mas é claro que outras formas ainda menos elegantes também são possíveis:
O importante é que o diagrama da prova interligue, nos dois sentidos, cada uma das
afirmações que se queiram provar equivalentes.
2.7 Demonstrações por exaustão (divisão em casos) 119
Exercício 2.84. Seja x um número real. Prove que cada uma das três afirmações abaixo é equivalente:
i. x = 2;
ii. x8 = 16x4 e x > 1;
iii. x4 = 16 e x > 0.
2.54. A regra dos sinais que mencionamos aqui é aquela segundo a qual, numa multiplicação entre dois números
reais, o resultado é positivo se os sinais dos termos a serem multiplicados forem iguais, e negativo se estes sinais
forem diferentes.
120 Demonstrações Matemáticas
Por outro lado, não há nenhum problema na situação inversa, em que algum (ou mais de
um) cenário se encaixa em vários casos diferentes: significa apenas que, para estes cenários,
teremos mais de um argumentação possível concluindo a veracidade da tese. Assim, ainda
na prova da proposição 2.82 em que x era um número real qualquer, a seguinte divisão em
casos
• caso 1: x > 10;
• caso 2: x ∈ [0, 20];
• caso 3: x < 0;
geraria uma prova perfeitamente válida, mesmo sendo verdade que todos os números x
pertencentes ao intervalo ]10, 20] fazem parte tanto do caso 1 como do caso 2.
Como é que alguém sabe quando deve dividir em casos na hora de provar uma determi-
nada proposição? Não existe uma fórmula mágica que indique quando a técnica de exaustão
deve ser utilizada. A principal indicação para o uso desta técnica é quando se nota que o
comportamento do objeto matemático em estudo é notoriamente desigual em diferentes
circunstâncias e, por conta disso, parece plausível que a prova exija uma argumentação
distinta para cada uma destas situações.
Ou seja, esta função é dada por uma fórmula diferente conforme o valor dentro do
módulo seja positivo ou negativo. Por conta desta diferença fundamental de comporta-
mento em cada um destes casos, é uma idéia razoável tentar uma argumentação distinta
para cada um deles e, assim, obter a seguinte demonstração:
Demonstração. (da proposição 2.83) Seja x um número real qualquer que satisfaça
|x − 3|<3. Então dois casos são possíveis:
• Caso 1: x − 3 > 0
Neste caso, |x − 3|=x − 3 e, portanto, a hipótese |x − 3|<3 implica que x − 3 < 3.
Logo, x < 6.
• Caso 2: x − 3 < 0
Já que x − 3 < 0, então x < 3. Mas sabemos que 3 < 6. Logo, por transitividade,
isto implica que x < 6.
Então a tese é verdadeira em todos os casos possíveis e, portanto, a proposição está demons-
trada.
Ainda que não exista nenhuma regra fixa que nos diga precisamente quando dividir
uma determinada prova em casos, existe uma situação em que quase2.55 sempre vale a pena
proceder desta forma:
Se a hipótese puder ser escrita como um ou entre dois ou mais casos, tente
fazer a demonstração de cada um destes casos separadamente.
2.55. Ainda que certas regras heurísticas tenham provado ser muito úteis, é importante não ser escravo de
nenhuma delas e manter-se flexível. Como diz um provérbio húngaro: “Todas as regras fixas estão erradas, inclusive
esta”.
2.7 Demonstrações por exaustão (divisão em casos) 121
Demonstração. (da proposição 2.84) Sejam a e b dois números inteiros tais que a é
par ou b é par. Dois casos são possíveis:
• Caso 1: a é par
Como a é par, pela definição de número par, existe q ∈ Z tal que a = 2q.
Multiplicando os dois lados desta equação por b, temos que ab = 2 q b. Definindo
q̃ = qb, então q̃ é um número inteiro (por ser o produto de dois números inteiros)
tal que ab = 2q̃. Portanto, ab é um número par.
• Caso 2: b é par
Analogamente ao que foi feito no caso 1, como b é par, então ∃q ∈ Z|b = 2q.
Multiplicando os dois lados desta equação por a, obtemos ab = 2 a q que, após a
definição de q̃ = aq, torna-se ab = 2q̃ com q̃ claramente sendo um número inteiro.
Portanto, ab é um número par.
Assim, em qualquer caso, ab é um número par, o que encerra a demonstração.
Afirmar que x está na união de dois conjuntos, significa que x está ou no primeiro
conjunto ou está no segundo. Ou seja, dizer que x ∈ (A − C) ∪ (B − C) equivale a dizer
(x ∈ (A − C) ou x ∈ (B − C)). Então, seguindo a regra heurística que exibimos há
pouco, a forma mais natural de prosseguir é dividindo em casos. O que nos leva à seguinte
demonstração:
É claro que dividir diretamente em 6 casos também é uma opção perfeitamente viável:
• Caso 1: a > 0 e b > 0;
• Caso 2: a > 0 e b < 0;
• Caso 3: a = 0;
• Caso 4: a < 0 e b > 0;
• Caso 5: a < 0 e b = 0;
2.56. Talvez pareça estranho dividir o caso 2 em três subcasos, considerando que o caso 1 foi dividido em apenas
dois. Mas é necessário, pois se tivéssemos juntássemos os subcasos b > 0 e b = 0 em um só subcaso b > 0, obteríamos
(já que a < 0) que a · b 6 0 (e não a · b < 0, como no caso em que b > 0). E, ao contrário do que aconteceu quando
a · b < 0, não poderíamos imediatamente concluir que |ab|=−ab.
2.7 Demonstrações por exaustão (divisão em casos) 123
Um caso trivial em que a solução por exaustão sempre funciona é quando a hipótese
envolve apenas uma conjunto finito de situações que podem ser testadas uma a uma2.57:
Proposição 2.87. Se n é um número inteiro tal que 1 6 n < 5, então o resto na divisão
de n5 por 5 é n.
2.57. Provas deste tipo são frequentemente denominados de métodos de força bruta.
2.58. Dois exemplos de proposições que se encaixam nesta categoria são o Teorema das Quatro Cores e a
Conjectura de Kepler.
124 Demonstrações Matemáticas
De qualquer forma, ainda que haja muita controvérsia quanto ao uso de computadores
para provar proposições, matemáticos são unânimes em dizer que computadores são uma
forma muito efetiva de testar conjecturas. De fato, uma conjectura sobre os números
naturais que tenha sido identificada por um computador como verdadeira para todos os
números menores ou iguais à 1020 merece muito mais respeito do que uma que não tenha
sido testada, e justifica os esforços empregados na busca de uma prova definitiva (ainda
que nenhum matemático digno desse nome aceite tal evidência computacional como uma
prova definitiva de que tal conjectura é verdadeira2.59).
Exercício 2.85. Para provar uma certa proposição em que x era um número real qualquer, foi feita
a seguinte divisão em casos:
• Caso 1: x > 3;
• Caso 2: x < 3;
Explique porque esta demonstração estaria errada e o que poderia ser feito para corrigí-la.
Exercício 2.86. Prove que se x ∈ R e |x + 4|<1 então x > 0.
Exercício 2.87. Prove que se x ∈ R e |x + 4|<6 então −10 < x.
Exercício 2.88. Sejam a, b ∈ Z. Prove que se a é par ou b é par, então 6a2 + 5ab + 2b2 é par.
Exercício 2.89. Mostre que se a e b são ambos pares, ou c é múltiplo de 4, então a · b · c é múltiplo de 4.
Exercício 2.90. Prove que se a e b são inteiros tais que a é um multiplo de 12 ou b é um multiplo de
6, então 3ab2 + 6a2b é um multiplo de 36. OBS: A definição de um número ser múltiplo de outro pode
ser encontrada no exercício 2.76 (página 116).
Exercício 2.91. Prove que se x1 e 0 são congruentes módulo quatro ou x2 e 0 são congruentes módulo
quatro, então x1 · x2 e 0 são congruentes módulo quatro. OBS: A definição de congruência módulo quatro
está no exercício 2.49.
Exercício 2.92. Prove que se a e b são números naturais não nulos tais que a > 5 ou b > 3 então
11 a2b + 4b2 > 60.
Exercício 2.93. Prove que se x ∈ R e |x − 6|<2 então 4 < x < 8. DICA: Como a tese neste caso é uma
desigualdade múltipla, reescreva-a como 4 < x e x < 8 para utilizar as técnicas da seção 2.5, juntamente
com a técnica de divisão em casos.
Exercício 2.94. Sejam A e B dois conjuntos. Prove que se x ∈ (A − B) ∪ B então x ∈ A ∪ B.
Exercício 2.95. Sejam A, B e C três conjuntos. Prove que se x ∈ (A ∩ B) ∪ C então x ∈ (A ∪ C) ∩
(B ∪ C). DICA: Será necessário escrever esta tese como um e entre duas afirmações, conforme explicado
na seção 2.6.
Exercício 2.96. Sejam A e B dois conjuntos. Prove que as afirmações abaixo são equivalentes:
i. ∀x ∈ A, x ∈ B;
ii. ∀x ∈ A, x ∈ A ∩ B;
iii. ∀x ∈ A ∪ B , x ∈ B.
DICA: Como é uma equivalência múltipla, você também precisará das técnicas explicadas na seção 2.5.
Exercício 2.97. Seja f : R → R é definida por
2
x − 6x + 8, x > 0
f (x) = .
3x + 12, x < 0
Prove que se f (x) = 0, então x é um inteiro par. DICA: Esta é uma função que claramente tem um
comportamento distinto conforme x > 0 ou x < 0.
Exercício 2.98. Considere a função f : R → R definida por
4x + 1, x > 0
f (x) = .
2x + 1, x < 0
2.59. Afinal, ainda que o computador tenha nos garantido que a proposição seja válida para todos os números
menores do que 220, nada nos garante que, por azar, ela não vai falhar justamente no 220 + 1. Vide o exercício 2.108
para uma interessante lição a respeito dos riscos de dar demasiado crédito à evidência experimental.
2.8 Provas por contradição 125
1
Prove algebricamente que se x > − 2 então f (x) > 0.
Exercício 2.99. Prove que |x − 4|−4 6 |x|, ∀x ∈ R.
Exercício 2.100. Sejam f , g: R → R definidas por
2x, x > 1
f (x) =
x − 1, x < 1
e
x2 − 1, x > 0
g(x) = .
x − 2, x < 0
Prove que f (x) · g(x) > 0, ∀x ∈ R.
Exercício 2.101. Prove que se x é um número real tal que |x3 − 9| < 18 então x < 3.
Exercício 2.102. Determine (e prove) o conjunto solução da equação |3x − 4|=5x − 10. DICA: Tenha
em mente os comentários da página 72 referentes a raízes estranhas.
Exercício 2.103. Determine (e prove) o conjunto solução da equação |2x − 3|=x + 1.
Exercício 2.104. Seja x ∈ R. Então |2x − 6|>x se e somente se |x − 4|>2.
√
Exercício 2.105. Prove que, efetivamente, tem-se que x2 = |x|, ∀x ∈ R. DICA: Lembre-se que, pela
√
definição da função raiz quadrada, a retorna o único número real maior ou igual a zero cujo quadrado
é a.
Exercício 2.106. Utilize o exercício 2.105 para provar a proposição 2.86 de uma maneira muito mais
elegante do que apresentamos no texto.
Exercício 2.107. Sejam x, y ∈ R. Prove algebricamente que |x + y |>5 se e somente se x2 + y 2 >
25 − 2xy. DICA: Utilize o exercício 2.105.
Exercício 2.108. O objetivo deste exercicio é ilustrar o quão perigosa pode ser a aceitação de evidência
experimental como argumento de plausibilidade. Considere a seguinte conjectura: “n2 − n + 41 é um
número primo para todo número natural n”.
a) Verifique, manualmente ou com o uso de alguma ferramenta eletrônica, que esta conjectura é
verdadeira para todo n natural com 0 6 n 6 40;
b) Verifique que apesar do resultado animador do item anterior, esta conjectura é falsa, pois ela
não vale em n = 41.
Soluções: 2.85) Ela está errada porque não contempla o caso x = 3. Para corrigir,
n bastaria
o incluir
2
na demonstração uma prova para este terceiro caso em que x = 3. 2.102){3}; 2.103) 3
; 4 .
2.60. Ocasionalmente esta técnica também recebe a denominação de reductio ad absurdum, termo em latim
que significa “redução ao absurdo”.
126 Demonstrações Matemáticas
Ao contrário do que foi feito acima, na maior parte das demonstrações por absurdo
não se explica detalhadamente a lógica por trás desta técnica. Em geral, se assume que
o leitor já está familiarizado com o procedimento, de forma que a redação da prova segue
uma estrutura bastante minimalista, seguindo algumas convenções para facilitar o entendi-
mento. Assim, para indicar que se pretende utilizar a técnica de demonstração por absurdo
é de praxe começar escrevendo “por absurdo, suponha que...”, seguido pela negação da tese.
E quando se chega à conclusão de que a negação da tese implica numa situação claramente
paradoxal, o usual é já se concluir a veracidade da tese sem muitas explicações.
Assim, a prova da proposição 2.89 seria normalmente colocada da seguinte forma bem
mais concisa:
Comentário 2.90. Nas provas diretas, a demonstração sempre parte de alguma hipótese
(ou alguma outra coisa sabidamente verdadeira) e a tese só2.61 deve aparecer no final da
demonstração, como a conclusão da argumentação. O formato da prova por contradição
contrasta fortemente com o das provas diretas, pois começa com a negação da tese e se
encerra sempre com a obtenção de um absurdo.
Exercício 2.109. Explique com suas próprias palavras no que consiste a demonstração por absurdo
e porque ela prova a veracidade de uma proposição.
Exercício 2.110. Utilize a técnica de demonstração por absurdo para provar que se q é um número
racional tal que q ∈
/ Z, então −q ∈
/ Z.
1
Exercício 2.111. Seja x ∈ R∗. Prove que x
∈
/ Q⇒x∈
/ Q.
2.61. Na verdade, esta regra de que a tese deve sempre aparecer só no fim de uma prova direta não é totalmente
exata. O mais acurado é dizer que a cadeia argumentativa de uma prova direta sempre deve ser reescrevível de uma
forma que a tese apareça somente no final. Veremos mais sobre isso na seção ?.
2.8 Provas por contradição 127
x8
Exercício 2.112. Seja x ∈ R. Prove que se x4 + 1
/ Q, então x2 ∈
∈ / Q.
3x + 2
Exercício 2.113. Seja x ∈ R com x =
/ 4. Prove que x−4
∈
/ Q⇔x∈
/ Q.
8a + 3
Exercício 2.114. Se a é um número real. prove que 7
∈
/ Q ⇔ 9a − 1 ∈
/ Q.
Definição 2.92. Um número inteiro n é dito ímpar quando ele não é par.
É claro que esta também é uma definição perfeitamente razoável. Mas é bom lembrar
que todas as propriedades de um objeto matemático devem ser deduzidas exclusivamente a
partir da definição que tenha sido escolhida. Uma vez que se tenha arbitrado uma definição
para um determinado conceito, deve-se ficar com ela até o fim, não sendo válido simples-
mente trocar a definição por outra quando for conveniente2.62. Assim, neste momento, não
devemos usar a caracterização de número ímpar como aquele número escrevível no formato
2k + 1 em nenhuma demonstração2.63.
O motivo de termos optado pela definição 2.92 para definir o conceito de número ímpar
é que esta escolha forçará o leitor a usar a técnica de demonstração por absurdo em um
grande número de proposições, como no exemplo a seguir:
Demonstração. Por absurdo, suponha que a tese não seja verdadeira. Então, existiria um
número p par e um número i ímpar tal que p − i não seja ímpar. Então, pela definição 2.92,
temos que o número p̃, definido por p̃ = p − i, teria que ser par. Então, simples manipulação
algébrica desta equação nos leva a concluir que i = p − p̃. Mas então i é a diferença entre
dois números pares e, portanto, pelo exercício 2.23, deveria ser um número par. Mas, por
hipótese, i é ímpar, o que significa, pela própria definição de número ímpar, que ele não é
par. Isto é um contradição óbvia. Portanto, concluímos que a diferença entre um número
par e um número ímpar sempre resulta em um número ímpar.
Exercício 2.115. Mostre que a diferença entre um número ímpar e um número par é ímpar.
Exercício 2.116. Admita como conhecido o fato óbvio de que 1 é um número ímpar e utilize-o para
provar que se n é par então n − 1 é ímpar. [DICA: Utilize o exercício anterior.].
Exercício 2.117. Prove que o produto de dois números ímpares é um número ímpar. DICA: I1 · I2 =
(I1 − 1) · I2 + I2. Tenha em mente os dois exercícios anteriores.
Exercício 2.118. Prove que um número n inteiro é um número ímpar se e somente se existir k ∈ Z
tal que n = 2k + 1. DICA: Considerando o exercício 2.116, o que se pode dizer sobre n − 1?.
Exercício 2.119. Prove que o produto de quatro números ímpares é um número ímpar. DICA:
O mais simples é colocar parênteses na expressão, de forma conveniente, para em seguida utilizar
repetidamente o resultado do exercício 2.117.
2.62. Claro, trocar uma definição por outra pode ser feito desde que já tenha sido demonstrado que estas duas
definições são equivalentes.
2.63. No exercício 2.118, faremos a prova, a partir da definição 2.92, de que os números ímpares podem ser
caracterizados desta forma. Uma vez que esta caracterização tenha sido feita, então este fato poderá ser utilizado
nas demonstrações.
128 Demonstrações Matemáticas
Exercício 2.120. Prove que o produto de três números ímpares é um número ímpar. DICA: É fácil
utilizar o método do exercício 2.119, mas é ainda mais fácil multiplicar os três ímpares pelo número
1, de forma a transformá-lo no produto de quatro ímpares, e aplicar diretamente o resultado deste
exercício 2.119.
Exercício 2.121. Prove que se n ∈ Z então n2 + n é um número par. DICA: Ou n é ímpar ou n é
par, logo você pode dividir a prova nestes dois casos e utilizar a propriedades de números ímpares que
foram provadas acima.
Exercício 2.122. Prove que todo número ímpar pode ser escrito como a diferença entre dois quadrados
perfeitos2.64. DICA: Use tentativa e erro para escrever a caracterização de número ímpar dada pelo
exercício 2.118 como a diferença entre dois quadrados perfeitos. Esta questão exige um pouco mais de
persistência do que as outras.
Devido à definição de número ímpar que adotamos, provar que um número é ímpar
significa na verdade provar que ele não é par. Isso explica porque na demonstração da
proposição 2.93 e na maioria dos exercícios da seção 2.8.1 utilizamos a técnica da prova
por contradição.
Similarmente, também é natural que usemos a demonstração por absurdo quando que-
remos provar que um conjunto é vazio (isto é, queremos provar que ele não tem elementos),
quando queremos provar que um número é irracional (ou seja, que ele não é racional),
quando queremos provar que uma coisa é diferente de outra (isto é, que elas não são
iguais), quando queremos provar a unicidade de um objeto com certas propriedades (isto
é, não existem dois objetos distintos satisfazendo a estas propriedades), quando queremos
provar que algum elemento não pertence a algum conjunto e etc. Em geral, qualquer tese
que exprima uma idéia de negação é, na grande maioria das vezes, demonstrada através
da técnica de prova por absurdo.
Demonstração. Por absurdo, suponha que este triângulo seja um triângulo retângulo.
Então, como a hipotenusa é sempre o maior lado de qualquer triângulo retângulo, o lado de
medida 12 teria que ser a hipotenusa e os lados de medida 7 e 9 teriam que ser os catetos.
Pelo teorema de Pitágoras, teríamos que ter 122 = 72 + 92. Ou seja, 144 = 49 + 81 implicando
que 144 = 130, um absurdo óbvio. Logo, provamos que este triângulo não é um triângulo
retângulo.
Demonstração. Por absurdo, suponha que X não seja vazio. Então existiria x ∈ X.
Mas já que X = A − (A ∪ B), então x ∈ A e x ∈ / A ∪ B. Ou seja, x ∈ A e ∼(x ∈ A ∨ x ∈ B).
Aplicando a lei de De Morgan para a negação do “ou”, obtemos que x ∈ A e (x ∈
/ A∧x∈ / B).
Ou seja, teríamos que ter x ∈ A e x ∈
/ A simultaneamente, o que é uma óbvia contradição.
Logo, X = ∅.
Proposição 2.96. Dado k ∈ [1, ∞[, a equação x2k = x − k admite no máximo uma única
solução em [1, ∞[.
Demonstração. Por absurdo, suponha que exista k ∈ [1, ∞[ tal que a equação x2k = x − k
admite duas soluções distintas em [1, ∞[. Designemos estas duas soluções por x1 e x2.
Então teríamos: (
x21k = x1 − k
x22k = x2 − k
Subtraindo as duas equações, obteríamos que (x21 − x22)k = (x1 − x2), o que implicaria
que (x1 − x2)(x1 + x2)k = (x1 − x2). Já que as soluções são distintas, então x1 − x2 = /0e
podemos aplicar a regra do hcortehna última equação
i i de modo a obter que (x 1 + x 2)k = 1.
1 1
Daí, x1 + x2 = k . Como k ∈ 1, ∞ , então k
∈ 0, 1 e daí concluiríamos que
Proposição 2.97. Não existe um número real x ∈ Q∗+ tal que x 6 t, ∀t ∈ Q∗+.
Mesmo em situações que não envolvam idéias de negação, não é incomum que uma
proposição refratária a qualquer tentativa de demonstração direta se torne muito fácil
quando feita por absurdo. Isto nos leva à seguinte regra heurística:
Se nada mais funcionar, tente fazer uma demonstração por absurdo.
Como vimos na seção 2.6, já que estamos a provar uma equivalência, dividimos a
proposição em duas partes:
1. n é par ⇒ n2 é par;
2. n2 é par ⇒ n é par.
A primeira parte é bem fácil (e corresponde ao exercício 2.26). A segunda parte é que
apresenta dificuldades. 2
2Sabemos que n é par e precisamos concluir que n é par. Escrever a
hipótese como ∃q ∈ Zn = 2q não nos ajuda, pois não parece haver maneira de transformar
esse n2 em n mantendo apenas números inteiros do outro lado √ da equação. Por exemplo,
tirar a raiz quadrada de ambos os lados faria aparecer uma 2 e, portanto, não funciona.
130 Demonstrações Matemáticas
Na ausência de uma idéia melhor, tentemos por absurdo: suponha que n não seja par.
Então, como n2 = n · n, temos que n2 seria um produto de ímpares. Pelo exercício 2.117, n2
teria que ser ímpar. Mas isto é um absurdo, visto que n2 é par por hipótese. De maneira
mais formal, teríamos a seguinte prova:
Exercício 2.123. Prove que um retângulo cuja área tenha valor igual ao triplo do seu perímetro não
é um quadrado.
Exercício 2.124. Um certo triângulo retângulo tem catetos medindo a e b e hipotenusa medindo h.
h
Prove que se a é um número inteiro, então este triângulo não é um triângulo isósceles.
Exercício 2.125. Sejam A, B e C conjuntos. Prove que (A − B) ∩ (B − C) = ∅.
2x + 5
Exercício 2.126. Prove que x+3
=
/ 2, ∀x ∈ R − {3}
3x3 − 6x2 − 3x + 6
Exercício 2.127. Prove que x2 =
/ 1+ x+2
, ∀x ∈ R − {−2}.
x−2 x−1
Exercício 2.128. Prove que o conjunto solução da equação x − 3 = x − 3 é vazio.
Exercício 2.129. Prove que se x e y são números reais tais que x + 2y = 9 e y 2 =
3 2
/ 4, então x =
/ 1.
Exercício 2.130. Prove que se x e y são número reais tais que 4x2 y2 + 2x y > 111 então xy > 5.
Exercício 2.131. Prove que não existem números inteiros a, b e c tais que 15a + 24b = 21c + 20. DICA:
Muitos dos termos são divisíveis por 3. Tenha em mente o resultado do exercício 2.36b.
Exercício 2.132. Prove que para todo k ∈ R a equação x3 + 2x = k admite no máximo uma solução
em R +. DICA: Inspire-se na demonstração da proposição 2.96 e lembre-se da fatoração a3 − b3 =
(a2 + ab + b2)(a − b).
Exercício 2.133. Um número natural diferente de um é dito um número primo quando ele possui
exatamente dois divisores naturais distintos. Prove que todo número primo maior do que 2 é ímpar.
Exercício 2.134. Prove que a soma de quaisquer dois números primos estritamente maiores do que
dois é um número par. DICA: Utilize o exercício anterior.
Exercício 2.135. Sejam a, b ∈ N tais que a e b não são números consecutivos. Prove que a2 − b2 jamais
poderá ser um número primo. DICA: Fatore a2 − b2.
Exercício 2.136. Prove que ∃z ∈ Z|(z 6 m, ∀m ∈ Z).
Exercício 2.137. Prove que um número inteiro é ímpar se e somente se seu cubo é ímpar. DICA:
Como a tese é uma equivalências, as técnicas da seção 2.6 serão necessárias.
Exercício 2.138. Prove que se x é um número real tal que x4 < 15, então x < 2.
Exercício 2.139. Seja x ∈ R. Prove que se x4 + x 6 84, então x 6 3.
Exercício 2.140. Prove que se n é um número inteiro tal que n3 + 4n2 < 1400 então n 6 9. DICA:
Considerando que n é um número inteiro, então se n > 9 necessariamente teríamos que ter n > 10.
Exercício 2.141. Seja y um número real. Prove que se (1 + |x|)6 + 3x + 2y não admite soluções reais
9
em x, então y 6 8 . DICA: Para todo x real, é claro que se tem (1 + |x|)6 > (1 + |x|)2 > |x|2 = x2;
Exercício 2.142. Seja um triângulo de lados medindo a, b e h e denote como α o ângulo deste triângulo
que é oposto ao vértice de medida h. Prove que α = 90◦ se e somente se h2 = a2 + b2. DICA: Como a
tese é uma equivalência, você deverá utilizar as técnicas da seção 2.6. Para provar a volta, utilize a lei
dos cossenos.
Exercício 2.143. Um número real x é dito uma potência inteira de três se ∃z ∈ Z|x = 3z .
a) Prove que o produto de duas potências inteiras de três é uma potência de três;
b) É necessariamente verdade que o quociente de duas potências inteiras de três é uma potência
inteira de três? Responda de maneira definitiva, exibindo uma prova ou um contraexemplo.
2.8 Provas por contradição 131
c) Se x1 é um número real que não é uma potência inteira de três e x2 o é, pode-se dizer algo, que
valha em geral, a respeito de x1 ÷ x2 ser ou não ser uma potência inteira de três? Responda de
maneira definitiva, exibindo uma prova ou contraexemplo.
d) É necessariamente verdade que o resultado da soma de duas potências inteiras de três jamais
pode resultar no quadrado de um número inteiro? Responda de maneira definitiva, exibindo
uma prova ou um contraexemplo, conforme o caso.
e) É necessariamente verdade que o resultado da soma de duas potências inteiras de três jamais
pode resultar no quadrado de um número racional não inteiro? Responda de maneira definitiva,
exibindo uma prova ou um contraexemplo, conforme o caso.
Exercício 2.144. Um número natural m é dito uma potência de dois se ∃n ∈ N|m = 2n.
a) Prove que o produto de duas potências de dois é uma potência de dois;
b) É necessariamente verdade que o quociente de duas potências de dois é uma potência de dois?
Responda de forma definitiva, seja com uma prova ou com um contraexemplo;
c) É necessariamente verdade que o quociente de duas potências de dois não é uma potência de
dois? Responda de forma definitiva, seja com uma prova ou com um contraexemplo.
Exercício 2.145. Prove que a equação a2 − 4b = 2 não admite soluções com a, b ∈ Z. DICA: Rearrange
a fórmula para concluir que a2 é par e aplique a proposição 2.98.
Exercício 2.146. Prove que sen(x) + cos(x) > 1, ∀x ∈ 0, 2 . DICA: Mantenha em mente que as
π
funções seno e cosseno assumem sempre valores positivos no intervalo considerado e também que
sen2(x) + cos2(x) = 1.
Exercício 2.147. Considere uma circunferência C de centro O e raio r e seja um ponto P nesta
circunferência. Prove que a reta que qualquer reta que passe por P e que seja perpendicular à reta OP
necessariamente é tangente à C. NOTA: Por definição, uma reta é dita tangente a uma circunferência
se ela intercepta esta circunferência em um único ponto. DICA: Mantenha em mente que, em todo
triângulo isósceles, os ângulos opostos aos lados iguais são iguais.
Exercício 2.148. Considere a sequência definida recursivamente por x0 = 2 e xn+1 = x2n + 2. Prove
que para todo n ∈ N, xn é um número par. DICA: Por absurdo, suponha que existam números
naturais n tais que xn é ímpar. Então deveria existir m que é o menor número natural tal que xm
não seja par. Utilize a equação de recursão e as propriedades de pares e ímpares que já provamos em
exercícios anteriores para concluir que xm−1 é ímpar. Mas então, m − 1 é um inteiro tal que xm−1 é
par, o que contradiz a definição de m como o menor inteiro natural com essa propriedade. OBS: Esta
demonstração é algo técnica e provavelmente difícil para o matemático inexperiente, mas ilustra uma
estratégia importante de demonstração, que é trabalhar com o menor elemento que não satisfaria a
tese. Ela frequentemente resolve vários problemas que de outra forma seriam muito difíceis.
Exercício 2.149. Prove que todo número primo ímpar pode ser escrito de forma única como a
diferença entre dois quadrados perfeitos. DICA: O fato de que ele pode ser escrito desta forma é
consequência imediata do exercício 2.122. Já a unicidade deve ser feita por absurdo, assumindo-se a
existência de duas soluções distintas, de maneira similar ao que foi feito na demonstração da proposição
2.96.
Exercício 2.150. Roberto tem 10 bolsos e 44 moedas. Ele quer colocar todas estas moedas em seus
bolsos, mas de tal maneira distribuídas que em cada bolso fique um número diferente de moedas. Prove
que isto é impossível. OBS: Este exercício é bem diferente dos anteriores e, em vários aspectos, mais
difícil, porém, depois de resolvido, é difícil não se impressionar com o fato da solução ser tão elegante
e bonita.
Exercício 2.151. Prove que não é possível utilizar exatamente uma vez cada um dos algarismos 0, 1,
2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 para gerar números (por exemplo, 19 + 20 + 35 + 6 + 7 + 8 ou 31+28+40+5+6+7+9)
de tal forma que sua soma resulte em 100. OBS: Não fique triste se você não conseguir fazer este
exercício. Este é difícil mesmo.
Soluções: 2.143d) Pode sim. Pois 1 e 3 são potências inteiras de três (já que 1 = 30 e 3 = 31)
e temos que 1 + 3 = 4 = 22, que é o quadrado de um número inteiro. 2.143d) Pode sim. Pois 1 e 3 são
potências inteiras de três (já que 1 = 30 e 3 = 31) e temos que 1 + 3 = 4 = 22, que é o quadrado de
1 1 1 1
um número inteiro. 2.143e)
2 Pode sim. Pois 3 e 9 são potências inteiras de três (já que 3 = 3−1 e 9 =
1 1 4 2
3−2) e 3 + 9 = 9 = 3 que é o quadrado de um número racional não inteiro. 2.144c) Falso, pois 1 e
1
2 são potências de dois (já que 1 = 20 e 2 = 21), mas o quociente 2
não é uma potência de dois (pois é
óbvio da definição que toda potência de dois é um número natural).
132 Demonstrações Matemáticas
Demonstração. Por absurdo, suponha que não seja verdade que m é ímpar ou n é ímpar.
Então, aplicando a lei de De Morgan para a negação de um “ou”, isto significaria que m é
par e n é par. Mas já vimos (proposição 2.41) que a soma de dois pares é par, logo m + n
é par. Mas isto é impossível, pois m + n é ímpar por hipótese. Logo, podemos concluir que
necessariamente teríamos que ter m ímpar ou n ímpar.
Demonstração. (da proposição 2.99) É suficiente provar que se m não for ímpar, então
n é ímpar. Mas se m não é ímpar então m é par. Definindo i = m + n, a hipótese nos diz
que i é um número ímpar. Já que m é par e i é ímpar e ainda temos que n = i − m, então o
resultado do exercício 2.115 segundo o qual a diferença entre um número par e um número
ímpar é um número ímpar nos permite concluir que n é ímpar, como queríamos provar.
Proposição 2.100. Se x é um número real tal que |x|3+4x + 12 > 40 então x > 2 ou
x < −3.
Demonstração. Por absurdo, suponha que x 6 2 e x > −3. Dividimos a prova em dois
casos:
• Caso 1: x > 0
Então |x|=x e daí temos que |x|3+4x + 12 = x3 + 4x + 12. Mas como x 6 2,
então |x|3+4x + 12 6 23 + 4 · 2 + 12 e, portanto, |x|3+4x + 12 6 28. Isto contradiz a
hipótese de que |x|3+4x + 12 > 40.
• Caso 2: x < 0
Neste caso, |x|=−x, de modo que |x|3+4x + 12 = (−x)3 + 4x + 12. Como x > −3,
então −x 6 3 e daí que (−x)3 6 27. Ademais, como x < 0, então 4x < 0. Somando
as duas últimas desigualdades, temos que (−x)3 + 4x < 27 o que implica que
(−x)3 + 4x + 12 < 27 + 12. Como |x|3+4x + 12 = (−x)3 + 4x + 12 então isto significa
que |x|3+4x + 12 < 39, o que contradiz a hipótese de que |x|3+4x + 12 > 40.
Portanto, nas condições da hipótese necessariamente teríamos que ter x > 2 ou x < −3.
Também é comum que se faça o inverso, isto é, que se divida uma prova em casos e
que, em um ou vários destes casos, a tese seja demonstrada através de um absurdo:
Proposição 2.101. Seja x ∈ R tal que 16 − 8x > 0 ou x6 + 2x2 < 70. Então x < 2.
Por absurdo, suponha que x > 2. Então teríamos que ter x6 > 26 e 2x2 > 2 · 22.
Somando as duas equações, concluímos que x6 + 2x2 > 72. Mas isto contradiz a
hipótese de que x6 + 2x2 > 72.
Portanto, concluímos que x < 2.
Outra ocorrência muito frequente é que se utilize demonstração por absurdo para provar
que uma (ou mais de uma) situação que aparece numa divisão em casos jamais acontece:
A prova acima está correta, mas não é muito natural. Considerando que, após a equação
2.74, temos uma hipótese envolvendo um “ou”, pela regra heurística que vimos na página
120, a forma mais natural de proceder é a imediata divisão em dois casos. Por conta disso,
muitos autores preferem deixar semi-implícita a prova por absurdo de que o caso x ∈ C é
impossível, escrevendo então a demonstração da proposição 2.102 da seguinte forma:
Na seção 2.7 foi dito que, em uma prova por exaustão, era necessário provar a tese
separadamente em cada um destes casos. Como vimos acima, isto não é estritamente
verdade, pois pode-se também encerrar um (ou vários) dos casos com a obtenção de um
absurdo, já que isto serve como uma provas implícitas de que estes casos na verdade nunca
podem acontecer.
Em resumo:
Numa prova por exaustão, dividimos a demonstração em casos que são tra-
tados separadamente e, em cada um deles, devemos ou concluir a tese ou
obter um absurdo (a segunda situação nos levando à conclusão de que aquele
caso jamais acontece).
Exercício 2.163. Prove que se p e q são números naturais não nulos tais que p é par ou q é múltiplo
3 p 8q
de 4, então q p + q + p =/ 2.
Exercício 2.164. Seja x ∈ R. Prove que se 6x6 + 6x2 > 2 ou x > 1 então 4x2 > 1.
Exercício 2.165. Prove que se x é um número real tal que |x| ∈ / Q, então x ∈
p
/ Q.
Exercício 2.166. Prove que se 2x4 + x3 > 41 então |x|>2.
Exercício 2.167. Seja x ∈ R. Prove que se |x − 6|>9 e x > 0 então x > 15.
Exercício 2.168. Considere a função f : R → R definida por
4x + 1, x > 0
f (x) = .
2x + 1, x < 0
Prove algebricamente que se x1 e x2 são números reais tais que f (x1) = f (x2), então x1 = x2.
Exercício 2.169. Prove que um número inteiro n é divisível por 3 se e somente se n2 é divisível por
3. DICA: A ida é muito fácil, utilizando-se a definição de divisibilidade dada no exercício 2.36 (página
100). Para provar a volta, utilize que n pode ser escrito no formato n = 3q ou n = 3q + 1 ou n = 3q + 2
(aonde q ∈ Z), conforme o resto de n na divisão por 3 seja 0, 1 ou 2, respectivamente. Divida em casos.
Exercício 2.170. Sejam A, B e C três conjuntos. Mostre que se x ∈ (C − B) ∪ ((C ∪ B) − A)) então
x∈
/ A ∩ B.
Exercício 2.171. Prove que se x ∈ R é tal que |2x3 + 11|>6 então 2x + 3 > 0 ou x 6 −2.
√
2.8.4 A irracionalidade de 2
O leitor está sem dúvida familiarizado com o conjunto Q dos números racionais, que é
o conjunto das frações. Isto é, um número racional é aquele que pode ser escrito como um
quociente entre dois números inteiros.
Já um número irracional é aquele número real que não é racional, isto aquele que não
pode ser escrito como uma fração.
√
Na escola aprendemos que 2 é um número irracional, mas este fato nada tem de
óbvio e são pouquíssimos os professores que se dão ao trabalho de explicar como é que os
matemáticos têm tanta certeza disso. A prova deste fato será
√ feita agora. Como a tese neste
caso envolve uma idéia de negação (queremos concluir que 2 não é um número racional),
a demonstração naturalmente será feita utilizando a técnica de prova por absurdo.
136 Demonstrações Matemáticas
Demonstração. Por absurdo, √ suponha que a raiz quadrada de dois não seja um número
irracional. Então, neste caso, 2 teria que ser escrevível como uma fração. Podemos ainda
assumir que esta fração está no seu formato irredutível2.65. Então existiriam p, q ∈ Z com
q=/ 0 tais que
√ p
2= . (2.75)
q
Além do mais, como estamos assumindo que esta fração está em seu formato irredutível,
p e q não têm divisores comuns estritamente maiores do que um.
Elevando ambos os lados da equação (2.75) ao quadrado, obtemos
p2
2= (2.76)
q2
o que, após passarmos o q 2 para o outro lado da equação torna-se:
p2 = 2 · q2
|{z}} . (2.77)
∈Z
Mas como q ∈ Z, então q 2 ∈ Z. Portanto, pela definição de número par, a equação (2.77)
implica que p2 é par. Aplicando então a proposição 2.98, concluímos que p tem que ser
par. Daí, ∃k ∈ Z|p = 2k. Substituindo isto na equação (2.77), obtemos
(2k)2 = 2 · q 2, (2.78)
que é equivalente à 4k 2 = 2q 2 e, desse modo,
q 2 = 2 · |k{z}
2
}. (2.79)
∈Z
Mas como k2 ∈ Z, a equação (2.79) implica que q 2 é um número par. Aplicando novamente
a proposição 2.98, obtemos que que q é um número par. Então concluímos que p e q são
ambos pares, o que contradiz a nossa hipótese de que a fração está escrita em sua forma
reduzida. Absurdo!
√
2.172. Acabamos de ver que 2 não é um número racional. Utilize este resultado para
Exercício q
1
provar que 2 também não é um número racional.
√
Exercício 2.173. Prove que 2 · 2 é um número irracional.
Exercício 2.174. Prove que
3
x = 4√
2
é um número irracional.
x
Exercício 2.175. Sejam x e y dois números irracionais com y = / 0. É necessariamente verdade que y
é um número irracional? Responda de forma definitiva, seja apresentando uma prova ou um contra-
exemplo.
√ √
Exercício 2.176. Prove que se a1, a2, b1, b2 ∈ Z são tais que a1 + b1 √2 = a2 + b2 2 , então a1 = a2 e
√ z do conjunto Z 2 definido na subseção 2.4.3
b1 = b2. Observe que isto prova que todo elemento
2.65. Uma fração está em sua forma irredutível quando não é possível simplificá-la dividindo-se o seu denomi-
4 5 21
nador e o numerador por um fator comum estritamente maior do que 1. Assim, 6 , 10 e 14 são exemplos de frações
4 2 7
em formato redutível (pois podem ser simplificadas), ao passo que 3 , 9 e 6 estão na forma irredutível.
2.8 Provas por contradição 137
Exercício 2.177. Admitindo como conhecido o resultado de √ que um número inteiro é divisível por 5
se e somente se seu quadrado for divísivel por 5, prove que 5 é um número irracional. DICA: Imite
o roteiro utilizado na demonstração da proposição 2.104.
Exercício 2.178. Prove o que se segue:
a) Seja k um √
número ímpar e q ∈ Z. Prove que se kq 2 é par, então q é par.
b) Prove que 6 é um número irracional. DICA: Inspire-se na demonstração da proposição 2.104.
Você precisará do resultado do item a, mantenha ele em mente.
√ √
Exercício
√ √ 2.179. Já vimos que 2 e 6 são ambos números irracionais. Utilize isto para provar que
2 + 3 é um número irracional.
Exercício 2.180. É necessariamente verdade que a soma de dois números irracionais resulta em um
número irracional? Responda de maneira definitiva, seja com uma prova ou com um contra-exemplo.
√
Exercício 2.181. Prove que x + 2 é um número racional então x é um número irracional.
Exercício 2.182. Um certo triângulo retângulo tem catetos medindo a e b e hipotenusa medindo h.
h
Prove que se a ∈ Q, então este triângulo não é um triângulo isósceles.
√ √22.183. Prove que existem números irracionais a e b tais que a é racional. DICA: Considere
Exercício b
Proposição 2.105. Todo número natural estritamente maior do que um tem pelo menos
um divisor primo.
Demonstração. Seja C o conjunto dos números naturais que são estritamente maiores do
que um e não têm nenhum divisor primo. Desejamos provar que C é um conjunto vazio.
Então, por absurdo, suponha que C não seja vazio. Nesta situação, o conjunto C teria que
ter um elemento mínimo, que chamaremos de n. Duas possibilidades se apresentam:
• Caso 1: n é um número primo
Neste caso, como n é divisível por n e n é um número primo, então n tem um
divisor primo, que é o próprio n. Isto é absurdo, pois como n ∈ C, n não tem nenhum
divisor primo.
• Caso 2: n não é um número primo
2.66. Alguns autores consideram o número 1 como um número primo, mas isto não se adequa bem às equiva-
lências do conceito de primalidade que aparecem em estruturas algébricas similares e, por isso, preferimos considerá-
lo como um número especial que não é considerado nem primo nem composto.
138 Demonstrações Matemáticas
Demonstração. Por absurdo, suponha que o conjunto de números primos seja finito.
Então o conjunto P dos números primos pode ser escrito como P = {p1, p2, p3, ..., pm−1, pm }.
Defina X = p1 · p2 · p3 · ... · pm−1 · pm, de modo que X é um múltiplo de qualquer número
primo. Considere agora o número X + 1. Pela proposição 2.105, X + 1 é divisível por algum
primo p, isto é ∃q ∈ Z|X + 1 = pq. Mas como X é múltiplo de qualquer número primo, em
particular também é múltiplo de p. Então existe q̃ ∈ Z tal que X = pq̃. Logo a equação
X + 1 = pq pode ser escrita como pq̃ + 1 = pq e, portanto, 1 = p(q − q̃). Definindo q̂ = q − q̃,
então 1 = pq̂ com q̂ ∈ Z. Ou seja, 1 é divisível por p. Mas p é um número primo e 1 não
admite nenhum divisor primo. Absurdo!
Ainda que a leitura da demonstração acima não seja particularmente difícil, apreender
dela a idéia principal por trás do argumento exige um certo trabalho e maturidade2.67. O
cerne da demonstração consiste na observação de que já que X = p1 · p2 · p3 · ... · pm−1 · pm
seria obviamente divisível por qualquer número primo, então Y = X + 1 deixa resto 1
quando dividido por qualquer número primo e, portanto, isto significaria que Y não teria
nenhum divisor primo.
Exercício 2.184. Adapte as idéias envolvidas na demonstração da infinitude dos primos para provar
que o enésimo número primo é estritamente menor do que 2(2 ). OBS: Este exercício pode ser con-
n
siderado um desafio e tanto para matemáticos inexperientes. DICA: Faça por absurdo imitando a
técnica de considerar o primeiro elemento que não satisfaz à tese, de maneira similar ao que foi feito
no exercício 2.148.
2.67. Apesar da leitura cuidadosa de uma demonstração matemática, com a verificação minuciosa da exatidão
de cada uma de suas partes, ser capaz de convencer o leitor de que esta prova está correta, ela raramente é suficiente
para deixar clara a sua idéia principal e qual a motivação do autor para cada passo. Isto exige uma certa experiência,
e que se tente, após a leitura da prova, refazer a mesma como um exercício, se colocando na posição do autor que
inventou a demonstração. Ainda que buscar este profundo entendimento das idéias por trás de uma prova consuma
muito tempo, é recomendável que se procure fazê-lo com a maior quantidade possível de proposições.
Primeiramente, porque mesmo uma demonstração relativamente longa, quando bem compreendida, na maior
parte das vezes pode ser resumida a alguns poucos passos cruciais. De fato, é assim que a maioria dos matemáticos
memoriza demonstrações. É complicado lembrar de todos os detalhes de uma prova, então é mais fácil lembrar
apenas dos seus passos cruciais e, quando desejado, refazê-la toda a partir daí.
E também, porque é este entendimento que nos permite reconhecer similaridades em problemas aparentemente
muito diferentes e, assim, ser capazes de adaptar uma idéia que apareceu em uma demonstração antiga para a
resolução de um problema novo. É esta experiência com resultados anteriores que nos faz crescer como matemáticos
e, aos poucos, nos torna capazes de solucionar problemas cada vez mais complexos.
2.8 Provas por contradição 139
Demonstração. (da proposição 2.9) Por absurdo, suponha que ∃x, y ∈ R+ tais que a
média aritmética entre eles seja estritamente menor que a sua média geométrica. Isto quer
dizer que
x+ y √
< xy , (2.80)
2
Como todos os termos que aparecem em (2.80) são não-negativos, a desigualdade não se
altera se elevarmos ambos os lados da equação acima ao quadrado. De modo que
x+y 2 √
< ( xy )2. (2.81)
2
Expandindo o termo da esquerda e cortando o quadrado com a raiz quadrada na direita:
(x + y)2
< |xy |. (2.82)
22
Como x e y são não-negativos, isto se torna
(x + y)2
< xy, (2.83)
4
que pode ser reescrito
(x + y)2 < 4xy (2.84)
e expandido como
x2 + 2xy + y 2 < 4xy, (2.85)
e agora transformado em
x2 − 2xy + y 2 < 0 (2.86)
e, finalmente, reescrito como:
(x − y)2 < 0. (2.87)
Mas sendo x e y números reais, então x − y também é real. Como o quadrado de qualquer
número real é sempre maior ou igual à zero, portanto, (x − y)2 > 0, o que contradiz 2.87.
Absurdo!
Portanto, concluímos que a média aritmética sempre é maior ou igual à média geomé-
trica.
Em contraste com a demonstração que foi apresentada na página 58, todos os passos na
demonstração acima foram completamente naturais. Mais ainda, se lermos esta prova de
trás pra frente, veremos como ela fica parecida com a demonstração anterior: por exemplo,
a equação (2.87) é muito parecida com a forma com a qual iniciamos a outra demonstração.
Isto sugere uma possível forma pela qual alguém poderia chegar àquela demonstração: fazer
a prova por absurdo, observar que a idéia principal é o fato de que o quadrado de x − y é
sempre maior ou igual a zero e, a partir daí, tentar adaptar isto para uma prova direta.
140 Demonstrações Matemáticas
Existe também uma outra possibilidade que consiste em trabalhar a partir da tese.
Ainda que uma prova direta, quando finalizada, parta das hipóteses e, só no final, chegue
até a tese, não é necessariamente nesta ordem em que ela é construída pelo matemático
que a está inventando. É muito comum (como na proposição que acabamos de demonstrar)
que as hipóteses sejam muito fracas para sugerir um caminho. Então é comum que se
parta da tese, pensando-se “o que poderia implicar nesta tese?”, tentando-a aproximá-la
das hipóteses.
x+y √
Assim, no caso da proposição 2.9, partiremos da tese 2 > xy e tentaremos escrever
algo que implique nesta tese e que pareça mais promissor do que a tese original. A seguinte
cadeia de implicações é natural:
x+ y √
> xy (2.88)
2
⇑
√
x + y > 2 · xy (2.89)
⇑
(x + y)2 > 4xy (2.90)
⇑
x2 + 2xy +y 2 > 4xy (2.91)
⇑
x2 − 2xy + y 2 > 0 (2.92)
⇑
(x − y)2 > 0 (2.93)
Tese
⇓
Afirmação Intermediária 1
⇓
Afirmação Intermediária 2
⇓
Hipótese
2.68. De fato, a única diferença entre esta demonstração (quando lida de baixo pra cima), com a demonstração
da página 58 é o grau de detalhamento que fizemos em cada passo.
2.8 Provas por contradição 141
Uma prova válida começando pela tese sempre deve ter o aspecto abaixo (para que
possa ser escrita de trás pra frente):
Tese
⇑
Afirmação Intermediária 1
⇑
Afirmação Intermediária 2
⇑
Hipótese
O risco de trabalharmos a partir da tese é que, mesmo ela sendo verdadeira, alguma
das afirmações intermediárias podem não ser. E, portanto, não nos levar a lugar algum.
Assim, para ilustrar o tipo de problema que pode acontecer, imagine que quiséssemos
provar que z > 5 ⇒ z 2 > 25. Partindo da tese, escrevemos z 2 > 25 ⇐ z 2 > 100, que é uma
implicação indubitavelmente verdadeira. Porém não é verdade que z > 5 ⇒ z 2 > 100, então
escrever “z 2 > 100” não foi uma boa idéia. Bem, é claro que este exemplo foi extremamente
artificial, mas ilustra bem quais são os riscos.
Para evitar esse problema, o mais seguro é que trabalhemos2.69 com equivalências da
tese, ao invés de trabalhar com implicações que valham apenas em um sentido. Neste caso,
ao invés da versão final da prova ser escrita de baixo pra cima, indo da hipótese para a
tese como na demonstração da página 58, é comum que ela seja escrita num formato que
comece pela tese. Ilustrando isso escrevendo novamente a prova da proposição 2.9 neste
formato, após observar (verifique!) que toda a cadeia de equações que vai da equação (2.88)
até a (2.93) vale nos dois sentidos.
2.69. Em algumas demonstrações mais difíceis, é inevitável ter que passar por uma implicação que só valha em
um sentido.
142 Demonstrações Matemáticas
a) Prove que quaisquer que sejam os x1, x2 ∈ R+ que tenham sido escolhidos, a média harmônica
entre eles é sempre menor ou igual a média aritmética entre x1 e x2;
b) Prove que quaisquer que sejam os x1, x2 ∈ R+ que tenham sido escolhidos, a média harmônica
entre eles é sempre menor ou igual a média geométrica entre x1 e x2. OBS: Considerando a
proposição 2.9, este resultado é mais forte do que o enunciado no item a;
Exercício 2.196. Prove que mm · (m + 1) 6 (m + 1)m+1, ∀m ∈ N∗.
Exercício 2.197. Uma função f : N → R é dita estritamente decrescente quando f (n) < f (n + 1),
n
∀n ∈ N. Prove que f (n) = n + 1 é uma função estritamente decrescente.
Exemplo 2.109. A proposição “x > 4 ⇒ x2 > 16” pode ser entendida como “se x > 4 então
x2 > 16”. Logo, sua contrapositiva é “se x2 6 16 então x 6 4”.
Exemplo 2.110. A proposição “todos os quadriláteros têm quatro lados” pode ser enten-
dida como “se Q é um quadrilátero então Q tem quatro lados”. Portanto, sua contrapositiva
é “se Q não tem quatro lados então Q não é um quadrilátero”.
Demonstração.
(⇒) Por absurdo, suponha que P seja verdadeira mas que sua contrapositiva não o
seja. A contrapositiva é a proposição “se ∼B então ∼A”. Então, se essa contrapositiva
fosse falsa, teria que ser possível que se tenha simultaneamente ∼B e A. Mas como P é
verdadeira e A é verdadeira, então B teria que acontecer. Então teríamos que ter B e ∼B
acontecendo simultaneamente. Uma óbvia contradição.
(⇐) Por absurdo, suponha que a contrapositiva “se ∼B então ∼A” seja verdadeira
mas que a proposição “se A então B” é falsa. Se essa proposição é falsa, então teria que
ser possível que acontecesse simultaneamente A e ∼B. Mas já que a hipótese diz que a
contrapositiva é verdadeira, como ∼B acontece, necessariamente teria que acontecer ∼A.
Mas acontecer A e ∼A simultaneamente é um absurdo.
Demonstração. Faremos a prova pela contrapositiva que, neste caso, é “se n é par, então
5n + 4 é par.” Como n é par e no exercício 2.24 vimos que o produto de um par por qualquer
inteiro é par, então 5n é par. Então 5n + 4 é a soma de dois números pares. Aplicando a
proposição 2.41, segundo a qual a soma de dois pares sempre resulta em um número par,
concluímos que 5n + 4 é um número par, como queríamos demonstrar.
Proposição 2.114. Seja n um número natural com n > 2. Se a soma dos divisores naturais
de n resulta é estritamente maior do que n + 1, então n é um número composto.
Demonstração. Faremos a prova pela contrapositiva que é “se n não é um número com-
posto, então a soma dos divisores naturais de n é menor ou igual à n + 1”. Como n > 2
por hipótese, então o fato de n não ser um número composto significa que n é um número
primo. Daí que seus únicos divisores naturais são 1 e n, de onde se conclui que a soma
dos seus divisores naturais é n + 1 e, portanto, satisfaz à tese da contrapositiva. Logo, a
proposição é verdadeira.
Na subseção 2.8.2.1, expusemos duas estratégias úteis para provar teses do tipo P ∨ Q
e mencionamos que veríamos ainda uma terceira possível estratégia, que era justamente o
uso da contrapositiva. A próxima demonstração exemplifica a técnica:
O leitor atento notará que todos os exemplos acima, pelo fato de terem teses no
formato P ∨ Q ou que expressavam a idéia de negação, seriam mais naturalmente feitos
por absurdo, conforme as regras heurísticas explicadas na seção 2.8.2. De fato, existe uma
conexão entre a demonstração pela contrapositiva e aquela feita por contradição, sendo
verdade que todas as provas feitas pela contrapositiva podem ser facilmente adaptadas e
reescritas como uma prova por absurdo:
Demonstração. (da proposição 2.112) Por absurdo, suponha que exista um número
real x tal que x2 =
/ x e x = 1. Como x = 1, então x2 = 1 e x = 1 e, portanto, x2 = x.
Absurdo!
Demonstração. (da proposição 2.113) Por absurdo, suponha que exista n ∈ Z tal que
5n + 4 é ímpar, mas que n seja par. Como n é par, aplicando o exercício 2.24 segundo o qual
o produto de um par por qualquer inteiro é par, então 5n é par. Então 5n + 4 é a soma de
dois números pares que, pela proposição 2.41, resulta em um número par. Absurdo, pois
5n + 4 é um número ímpar por hipótese.
Demonstração. (da proposição 2.114) Por absurdo, suponha que n não é um número
composto. Como n > 2 por hipótese, então n é um número primo. Então seus únicos
divisores naturais são 1 e n, de onde se conclui que a soma dos seus divisores naturais é
n + 1. Mas, por hipótese, a soma dos seus divisores naturais deveria ser estritamente maior
do que n + 1! Absurdo!
Entretanto, não é verdade que toda demonstração feita por absurdo pode ser convertida
em uma demonstração pela contrapositiva, até mesmo pelo fato de que a contrapositiva só
se aplica a proposições que possam ser escritas no formato “se A então B”. Por exemplo, a
prova da infinitude dos números primos exposta foi feita usando contradição na seção 2.8.5,
mas não pode imediatamente ser reescrita como uma demonstração pela contrapositiva.
Conforme discutimos no comentário 2.91 da página 126, pode ser bastante recomen-
dável evitar longas demonstrações por absurdo. E uma das formas de conseguir isso é
substituindo o uso desta técnica pelo da contrapositiva.
Para deixar perfeitamente claro como isto pode ser feito, escrevemos a seguir como
poderíamos eliminar o absurdo do sentido (⇒) da prova da proposição 2.98 (na página 129):
O exemplo a seguir ilustra que, como era de se esperar, a prova pela contrapositiva
às vezes é utilizada combinada com outras técnicas de demonstrações, como a divisão em
casos:
p
Proposição 2.116. Seja x ∈ R. Se x é irracional, então |x| é irracional.
p
Demonstração. Basta provar a contrapositiva,psegundo o qual “se |x| é um número
racional, então x é um número racional”. Já que |x| é um número racional e o quadrado
p 2
de qualquer racional ainda é racional, então |x| = x é um número racional. Dois
casos são possíveis:
• Caso 1: x > 0;
Então |x|=x. Como |x| é racional, então x é racional, como queríamos provar.
2.10 Provas de existência 145
• Caso 2: x < 0;
Então |x|=−x. Como |x| é racional, então −x é racional. Como o negativo de um
racional ainda é racional, então −(−x) = x é um racional, como queríamos provar.
Logo, em qualquer caso, x é um racional, o que prova a contrapositiva e, portanto, finaliza
a demonstração.
Exercício 2.198. Prove cada uma das proposição abaixo de duas formas diferentes, primeiramente
pela contrapositiva e, depois, novamente por contradição:
a) Seja x ∈ R. Se x2 ∈
/ N então x ∈
/ N;
b) Seja x ∈ R. Se x4 + x 6 18 então x 6 2;
c) Sejam a, b ∈ Z. Se a + b < 0, então a < 0 ou b < 0;
d) Sejam x, y ∈ R∗+. Se x · y = 1 então x > 1 ou y > 1;
x−3
e) Seja x ∈ R. Se x−1
< 0 então x < 1;
f) Se x é um número real tal que x4 + 3x 6 19 então x 6 2;
g) Se q é um número racional tal que q 3 > 2 então q > 1;
Exercício 2.199. Admitindo conhecido o resultado segundo o qual se c > 0 então a > b ⇒ ac >b c,
prove que se c < 0 então ac < bc.
Proposição 2.117. Existe pelo menos um número irracional cujo quadrado é um número
racional.
√
Demonstração. Provamos na seção 2.8.4 que x = 2 é um número irracional. Temos
que x2 = 2, que é um número racional. Logo x é um exemplo de número irracional cujo
quadrado resulta em um número racional, como queríamos.
2.70. O termo correto a ser empregado aqui deveria ser algoritmo, mas evitamos o uso desta palavra para o
caso do leitor ter pulado a leitura da seção 2.4.6, na qual explicamos o seu significado.
2.71. Ainda que esta caracterização não seja totalmente exata, a idéia de uma função contínua é aquela cujo
gráfico pode ser desenhado sem jamais soltar o lápis do papel, em contraste com as funções descontínuas, cujo gráfico
possuem “saltos” que exigem levantar o lápis na hora do seu desenho.
146 Demonstrações Matemáticas
Dado y ∈ R qualquer, queremos ser capazes de achar algum x ∈ R tal que f (x) = y.
Como f (x) = 2x + 3, o que nós procuramos é um x real com 2x + 3 = y. Resolvendo para
y −3
x, então concluímos que necessariamente teríamos que ter x = 2 .
Este rascunho nos indicou um candidato à solução, mas isto ainda não se constitui numa
prova de que ele é efetivamente uma solução2.73. Mas de posse deste candidato, podemos
fazer a seguinte demonstração:
y −3
Demonstração. (da proposição 2.118) Seja y ∈ R qualquer. Defina x = 2 . É óbvio
y −3
que x ∈ R. Além do mais, temos que f (x) = 2x + 3 = 2 · 2 + 3 = (y − 3) + 3 = y. Ou seja,
exibimos x ∈ R tal que f (x) = y, como queríamos.
Proposição 2.119. Existe pelo menos uma função f que é contínua e tal que f (x + 1) −
f (x) = x2.
Na falta de idéia melhor, é natural que tentemos assumir que f é uma função polinomial,
visto que sabemos que toda função polinomial é contínua. Como não sabemos o grau de f ,
é melhor não nos comprometermos com isso por enquanto e assumir um grau n genérico.
Então
f (x) = anxn + an−1xn−1 + an−2xn−2 + ... + a2x2 + a1x + a0
e teríamos também
f (x + 1) = an(x + 1)n + an−1(x + 1)n−1 + an−2(x + 1)n−2 + ... + a2(x + 1)2 + a1(x + 1) + a0.
x2 = an((x + 1)n − xn) + an−1((x + 1)n−1 − xn−1) + an−2((x + 1)n−2 − xn−2) + ... +
a2((x + 1)2 − x2) + a1((x + 1) − x), (2.94)
2.72. O leitor atento notará que esta proposição equivale a dizer que a função f é sobrejetiva.
2.73. Neste caso particular, como todas as passagens utilizadas são reversíveis, esta argumentação pode facil-
mente ser transformada em uma prova. O risco ocorre quanto do uso de passagens não reversíveis, já que estamos
começando daquilo que se pretende obter.
2.10 Provas de existência 147
2.74. O binômio de Newton é a generalização das conhecidas fórmulas (a + b)2 = a2 + 2ab + b2, (a + b)3 = a3 +
Ele afirma que (a + b)n = an + n
3a2b + 3ab2 + b3. an−1b + n an−2b2 + ... + n n a2bn−2 + n n a1bn−1 + bn,
1 2 −2 −1
n n!
aonde o símbolo denota uma constante que pode ser calculada pela fórmula .
j j! · (n − j)!
148 Demonstrações Matemáticas
Em contraste com este tipo de prova construtiva, existem as provas não construtivas
em que a existência de um certo objeto é feita por meios indiretos, sem que em nenhum
momento se exiba este objeto cuja existência queremos demonstrar. O próximo exemplo
é típico:
Proposição 2.120. Seja p(x) = 2x100 + 2x4 + 3x3 − 13x + 1. Prove que p admite pelo
menos uma raiz real.
p(1) = 2 · 1100 + 2 · 14 + 3 · 13 − 13 · 1 + 1 = −5
e
p(0) = 2 · 0100 + 2 · 04 + 3 · 03 − 13 · 0 + 1 = 1.
Figura 2.31. O gráfico de p, sendo uma linha contínua, precisa cruzar o eixo x para ir do ponto
A até o B.
Observe que, ao contrário do que aconteceu nos outros exemplos, a prova da existência
da raiz foi feita sem que em momento algum ela tenha sido exibida. Portanto, esta é
uma prova não construtiva. De fato, o máximo de informação que se pode tirar desta
argumentação é que esta raiz está no intervalo ]0, 1[.
2.75. O nome técnico do teorema que está veladamente sendo aplicado aqui é teorema do valor intermediário.
2.10 Provas de existência 149
Proposição 2.121. Em todo grupo de 32 pessoas, sempre existem ao menos duas que
fazem aniversário no mesmo dia do mês.
Demonstração. Por absurdo, suponha que não haja nenhum dia no mês em que mais de
uma pessoa faça aniversário. Para cada n ∈ {1, 2, 3, ..., 31}, seja An o conjunto de pessoas do
grupo cujos aniversários caem no dia n (assim, por exemplo, A7 seria o conjunto de pessoas
que nasceram em um dia 7, A13 seria o conjunto de pessoas que nasceram em um dia 13
e etc). A hipótese de absurdo significa que cada um desses conjuntos An tem no máximo
um elemento. É claro que esses conjuntos An são dois a dois disjuntos2.76, pois ninguém
pode nascer em dois dias diferentes. Então temos 31 conjuntos com cada um no máximo
1 elemento, logo a união dos conjuntos An contém no máximo 31 elementos. Entretanto,
todas as pessoas do grupo pertencem a algum An, já que todas fazem aniversário em algum
dia n. Logo a união dos An deve conter todas as 32 pessoas do grupo. Isto é um absurdo,
pois já vimos que esta união continha no máximo 31 elementos.
Novamente, se trata de uma prova nao construtiva, pois não exibimos quais são as duas
pessoas que fazem aniversário no mesmo dia, mesmo tendo sido capazes de provar que elas
existiam.
Comentário 2.122. Não resistimos aqui a citar o utilíssimo Princípio da casa dos
pombos 2.77, que foi disfarçadamente utilizado e provado dentro da demonstração da pro-
posição 2.121: “Se n pombos forem postos dentro de m casas e n > m então haverá pelo
menos uma casa com pelo menos dois pombos”. Ou, em forma mais matemática: “Se A1,
A2, A3, ..., Am são conjuntos dois a dois disjuntos tais que A = A1 ∪ A2 ∪ ... ∪ Am, e o número
de elementos de A for estritamente maior do que m, então algum dos conjuntos A1, A2,
A3, ..., Am possui mais de um elemento.” A despeito de sua simplicidade e de sua natureza
evidente, este resultado é às vezes um ferramenta útil para resolver problemas aparen-
temente muito difíceis, desde que se consiga identificar o que deve fazer o papel dos pombos
e o que deve fazer o papel das casas (vide os exercícios desta seção, do 2.208 em diante).
Exercício 2.200. Prove que existe um número real x tal que x2 é irracional mas x4 é racional.
Exercício 2.201. Prove que existem números inteiros a, b e c tais que a2 = b2 + c2 e a não é um múltiplo
de 5.
Exercício 2.202. Um número natural n não nulo é dito um número perfeito quando a soma de todos
os seus divisores positivos resulta em 2n. Prove que existem números perfeitos.
Exercício 2.203. Prove que existe pelo menos um número perfeito que é par2.78 e é maior do que 20.
Exercício 2.204. Seja f (x) = 2x + 3. Então prove que ∀y ∈ R, ∃x ∈ R|f (x) = y. DICA: Proceda de
maneira similar ao que foi feito na demonstração da proposição 2.120.
3x + 1
Exercício 2.205. Seja f (x) = 2x − 6 . Então prove que ∀y ∈ R, ∃x ∈ R − {3}f (x) = y. DICA:
Novamente, siga o roteiro da demonstração da proposição 2.120. Mas seja cuidadoso que, em contraste
com o que aconteceu ali, em que provar que x ∈ R era óbvio, você deverá justificar porque realmente
x ∈ R − {3}.
Exercício 2.206. Seja x ∈ R. Prove que
x=
/ 1 ⇔ (∃y ∈ R, x + y = xy).
1
Exercício 2.207. Prove que a equação 1000x3 + 20x2 − 1 = 0 admite uma raiz positiva inferior à 5 .
2.76. Dois conjuntos são ditos disjuntos quando a intersecção entre eles é vazia. E quando temos vários conjuntos,
dizemos que estes conjuntos são dois a dois disjuntos quando quaisquer dois deles são disjuntos entre si.
2.77. Também conhecido como o Teorema de Dirichlet ou o Princípio das gavetas de Dirichlet.
2.78. Ninguém até hoje descobriu se existe algum número perfeito ímpar.
150 Demonstrações Matemáticas
Exercício 2.208. Prove que em qualquer momento, em qualquer grande cidade, sempre existirão pelo
menos duas pessoas com o mesmo número de cabelos na cabeça. OBS: Admita que todas as pessoas
tem menos de um milhão de fios de cabelo na cabeça e que uma cidade só é considerada grande quando
tiver mais de dois milhões de habitantes.
Exercício 2.209. Imagine que todos os pontos do plano foram pintados de verde ou de amarelo.
Prove que, neste caso, necessariamente teriam que existir dois pontos do plano que distam entre si de
exatamente 1 cm, e que têm a mesma cor. DICA: Considere os vértices de um triângulo equilátero
qualquer, e aplique o princípio da casa dos pombos.
Figura 2.32. Problema com dados irrelevantes Figura 2.33. Após a remoção dos dados irrelevantes (float).
Identificados todos os dados não redundantes (por isso é tão importante reconhecê-los),
é provável que todos eles terão que ser utilizados em algum momento. Se concentrar em uma
forma de empregar os dados que você ainda não usou é frequentemente uma boa estratégia.
Em muitos casos, a principal pista para a solução consiste em um dado ou hipótese cuja
utilização pareça difícil. Nestas situações, pode ser uma boa idéia usar isto como filtro, só
considerando a aplicação de estratégias/teoremas que, de alguma forma, nos pareçam levar
ao uso desta hipótese.
Apenas pincelamos aqui algumas idéias heurísticas que costumam ajudar a resolver
diversos tipos de problemas (matemáticos ou não). Há muitos tópicos que não abordamos,
como a exploração de simetrias, a regressão, a inferência e outros. O clássico livro “A Arte
de Resolver Problemas”, de autoria do matemático húngaro G. Polya, cobre muito bem
estes assuntos e, ainda discute muito bem a questão do ensino de problemas em sala de
aula. Esta é uma obra que nós definitivamente recomendamos ao leitor.
152 Demonstrações Matemáticas
Exercício 2.210. Se M é uma matriz real 2x2 tal que existem números reais a, b tais que A = −ba b
a
,
M é dita um simulacro de número complexo.
a) Prove que a soma de dois simulacros de números complexos é um simulacro de número complexo;
b) Prove que se H é uma matriz real 2x2 que não é um simulacro de número complexo e M é um
simulacro de número complexo, então H − M não é um simulacro de número complexo
c) Prove que o produto de dois simulacros de número complexo é um simulacro de número complexo
d) Prove que todo simulacro de número complexo é invertível, isto é: para toda matriz M simulacro
de número complexo existe uma matriz M −1 tais que M · M −1 e M −1 · M resultam ambas na matriz
identidade;
e) Prove que se H é uma matriz real 2x2 que não é um simulacro de número complexo e M é um
simulacro de número complexo, então H · M −1 não é um simulacro de número complexo.
Exercício 2.211. Seja A uma matriz 2 x 2. Prove que são equivalentes as afirmações abaixo:
i. A3 = 0 (isto é, o cubo da matriz A resulta na matriz nula);
ii. A2 = 0 (isto é, o quadrado da matriz A resulta na matriz nula).
2.79. Os antigos gregos, que inventaram o método axiomático, faziam uma distinção entre estas duas palavras.
Ambas denotavam as afirmações autoevidentes que eram usadas como base para a demonstração de todas as propo-
sições, no entanto o termo axioma denotava uma assertiva válida em qualquer situação ou ramo do conhecimento,
ao passo que o termo postulado era usado para denotar afirmações específicas a uma área do conhecimento. Assim,
“duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si” era considerado um axioma, por ser esta uma afirmação aplicável
à área do conhecimento, ao passo que “dados dois pontos distintos, existe um e apenas uma reta passando por eles”
era considerado um postulado, por ser uma afirmação específica da geometria. Atualmente, entretanto, a maioria
dos matemáticos entendem os termos axioma e postulado como sinônimos.
154 Demonstrações Matemáticas
2.82. Entretanto, para justificar estes raciocínios físicos contidos em “Os Elementos” à luz do rigor metodológico
atual, na maior parte das vezes bastou aos matemáticos modernos explicitar alguns axiomas que correspondiam à
idéia dos movimentos físicos descritos por Euclides, e que estavam sendo utilizados de maneira implícita.
156 Demonstrações Matemáticas
A partir do século XIX, a visão gloriosa da geometria como sendo a expressão de uma
verdade absoluta referente ao universo real começou a ruir. O principal motivo para isso foi
o aparecimento das geometrias não euclidianas. Estas geometrias envolviam o uso de um
postulado que contradizia a geometria tradicional, de uma forma aparentemente contrária
ao senso comum. Não obstante, eram sistemas que permitiam o desenvolvimento de uma
matemática rica e interessante (e, mais tarde, até mesmo com aplicações práticas). E,
pior, foi possível provar que estas geometrias tinham o mesmo grau de confiabilidade da
geometria tradicional, no sentido de que se alguma destas geometrias fosse um sistema
inconsistente, então a geometria tradicional também teria que ser inconsistente. Final-
mente, no século XX, o advento da física moderna mostrou que a realidade podia ser
bastante contrária à intuição2.83. Estas duas coisas deixaram bastante claro que existe
uma certa arbitrariedade mesmo nos axiomas da geometria de Euclides e que, portanto,
sistemas axiomáticos são entidades abstratas, não existindo nenhum sistema lógico que
deva ser considerado a expressão perfeita da realidade física.
A última grande desilusão relativa ao poderio do método axiomático veio com o tra-
balho do matemático austríaco Kurt Gödel. Em 1931, ele provou que todo sistema axiomá-
tico minimamente complexo necessariamente contém proposições que jamais poderiam
ser provadas como falsas ou verdadeiras. Ou seja, nenhum sistema axiomático é capaz
de responder todas as perguntas.
Ainda que todas estas descobertas tenham arruinado a ideia do método axiomático
como o caminho para a obtenção de algum tipo de verdade absoluta relativa ao universo
real, ele ainda assim é um método poderoso e o único capaz de lidar com alto grau de
abstração presente na matemática moderna. Por isso, atualmente é considerado o único
método aceitável dentro da matemática.
2.83. Por exemplo, o princípio da dualidade onda-partícula estabelece que partículas sub-atômicas podem, em
certas situações, deixar de se comportar como partículas e apresentar comportamento ondulatório. Já a teoria da
relatividade garante que não é possível a nenhum objeto andar mais rápido do que a velocidade da luz.
2.12 O método axiomático 157