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Teoria Democrática Atual: Esboço de Mapeamento

Luis Felipe M iguel

H á mais de cinqüenta anos, no m undo prossegue ele, a indefinição quanto às teorias


ocidental, a democracia tornou-se o horizonte da democracia, que discutem “quanto de de­
normativo da prática e do discurso políticos.1 mocracia é desejável ou praticável, e como
Tam anho consenso esconde um a profunda ela pode ser realizada num a forma instituci­
divergência quanto ao sentido da dem ocra­ onal sustentável” (Beetham, 1993, p. 55). N o
cia: como é com um em relação a palavras que entanto, sem um a teoria que o sustente, um
se tornam objeto de disputa política, os dife­ conceito não passa de um a casca vazia. O fato
rentes grupos em penhados em ostentar o ró­ é que toda a idéia de democracia é, hoje, con­
tulo prom ovem sua ressemantização, ade­ troversa; e essa situação não deve ser vista
quando seu significado aos interesses que como passageira ou contingente. É um efei­
defendem. to de seu valor nas disputas políticas contem ­
Isso levou, de um lado, à produção de porâneas.
nítidas contrafações, rejeitadas de forma in­ Apenas com o co n trap o n to , não custa
tuitiva, com o as “democracias populares” do lembrar que o berço da palavra “dem ocra­
Leste europeu ou a “democracia relativa”, for­ cia” e do ideário que a ela associamos, a G ré­
ma que o general Geisel encontrou para de­ cia antiga, percebia com m uito clareza o que
signar o Brasil sob m ando militar. Mas o sen­ ela significava. Era o “governo do povo”, cla­
so com um , o discurso da m ídia e mesmo as ro - mas esta forma, mais ou menos retórica
ciências sociais encontram pouca dificulda­ e nunca realizada de forma plena na prática,
de para aceitar a denom inação de “dem ocra­ revestia um conjunto m uito bem definido de
cia” aplicada aos regimes concorrenciais do instituições. A democracia grega incluía a as­
O cidente, onde, no entanto, as decisões po­ sembléia popular, o sorteio para o preenchi­
líticas são efetivam ente tom adas por um a m ento dos cargos públicos e o pagam ento
pequena m inoria e ao povo resta pouco mais pelo exercício de suas funções, a isonom ia, a
do que se subm eter a elas. isegoria, o rodízio nas posições de governo e
Em suma, não apenas o significado da a crença na igual capacidade de todos os ci­
dem ocracia é polêmico, como tam bém con­ dadãos para a gestão da polis. O pensam ento
vivemos com um a contradição patente entre político antigo se punha a favor ou (mais fre­
seu sentido abstrato ou norm ativo mais cor­ qüentem ente) contra a dem ocracia. N u m
rente (o “governo do povo”) e as manifesta­ caso ou no çutro, havia consenso sobre qual
ções empíricas geralmente aceitas (os regimes era o objeto da discussão.
eleitorais). David Beetham afirma que o con­ A referência à Grécia não é ociosa. Dela
ceito de dem ocracia é incontestável: é um a herdamos não apenas a palavra, mas tam bém
forma de tom ada de decisões públicas que todo um imaginário ligado à democracia. Se
concede ao povo o controle social. Resta, o regime concorrencial contem porâneo, que

BIB, São Paulo, n° 59, Io semestre de 2005, pp. 5-42. 5


um especialista e m .h istó ria antiga com o insuficiências das “dem ocracias realm ente
Pierre V idal-N aquet (2002 [2000], p. 14) existentes” e propõem formas de aprofunda­
prefere classificar com o “oligarquia liberal”, m ento da presença dos cidadãos com uns na
se esforça tanto em m anter o rótulo de de­ arena política. Fortem ente ideologizada, a
mocrático, é porque deseja se m anter sim bo­ taxonomia proposta pelo cientista político ita­
licamente próximo daquela experiência. N ão liano relega as teorias críticas à condição de
podem os ter o “governo do povo” como tal, devaneios utópicos - ou “perfeccionistas”,
pois nossas sociedades são m uito extensas, como ele prefere - que seriam, na m elhor das
m uito populosas e m uito complexas —e, so­ hipóteses, irrelevantes para a prática política
b re tu d o (em b o ra essa c o m p o n e n te não e, na pior, perigosos, levando à destruição da
apareça com tanta freqüência no discurso es­ democracia que, bem ou mal, podem os ter.
tilizado que aqui reproduzo), porque a incor­ Isolar um a teoria “em pírica” de outra
poração de mais e mais grupos à cidadania “prescritiva”, no entanto, significa ignorar que
m ultiplicou o nível potencial de conflito. Mas a palavra “democracia” ganhou valor nas dis­
gostamos de im aginar que alcançamos um a putas políticas. Afinal, por que motivo o ar­
espécie de adaptação; que a representação ranjo institucional em vigor nos países capi­
política permite a realização, no m undo atual, talistas desenvolvidos - e não algum outro -
de algo similar ao que existiu na Atenas do merece ganhar o rótulo de democrático? Este
século IV antes de nossa era.2 arranjo realiza, ao menos de forma razoável,
Entre as muitas tentativas de classifica­ as promessas que a democracia historicam en­
ção dos diversos modelos ou teorias, da de­ te carrega? Em suma, nenhum a teoria possui
mocracia, a mais corrente na linguagem co­ fundo norm ativo neutro; os critérios que de­
m um aponta exatamente a diferença que nos finem o que é um a dem ocracia não são de-
separa da Grécia: é a divisão entre “dem ocra­ dutíveis da observação empírica; passam por
cia direta” e “democracia representativa”. Ela um a definição (implícita) de com o deve ser
tam bém encontra espaço, ainda que em ver­ um a democracia. Ao negar seu com ponente
sões modificadas, em certos exemplares do norm ativo, autores com o Sartori contraban­
discurso acadêmico, como os escritos do so­ deiam um a perspectiva conservadora, que rei-
ciólogo português Boaventura de Sousa San­ fica aquilo que é e nega validade à crítica e às
tos.3 Mas a dicotom ia é pouco frutífera, um à alternativas.
vez que a representação política é inelutável Mais promissora é a proposta de C. B.
nas sociedades contem porâneas. A idéia de M acpherson (1977). Seu foco é o que chama
democracia direta serve, quando muito, como de “democracia liberal”, em oposição à “de­
um contraponto, mas não pode guiar proje­ mocracia utópica” anterior ao século XIX, isto
tos de transformação dos sistemas políticos é, um a teoria que pressupõe a existência de
atuais. um a sociedade dividida em classes. Q uatro
O u tra classificação é a apresentada por modelos sucessivos são apontados: a dem o­
Giovanni Sartori (1994 [1987]), distinguin­ cracia protetora, de Bentham e James Mill,
do a “dem ocracia em pírica” (descritiva) da centrada na idéia de que o direito de voto
“dem ocracia racional” (prescritiva). Na pri­ servia (apenas) de garantia contra a tirania
meira categoria estão as construções teóricas dos governantes; a dem ocracia desenvolvi-
que buscam sistematizar os traços constituti­ mentista, de John Stuart Mill, voltada à qua­
vos dos regimes eleitorais de tipo ocidental. lificação dos cidadãos por sua imersão na es­
N a segunda, todos os modelos que apontam fera pública; a democracia de equilíbrio, de

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Schum peter, que se reduz à com petição elei­ cracia deliberativa”, inspirada sobretudo pela
toral; e a dem ocracia participativa, propug­ teoria de Jürgen H aberm as, que nega o cará­
nada pelo próprio M acpherson. ter privado da formação das preferências, en­
É fácil perceber que os quatro modelos fatizando a necessidade do debate público.5
de M acpherson oscilam, de fato, entre um Instigante como é, o esquema de Elster não
pólo protetor (o que a democracia de fato está isento de problemas. U m a das princi­
pode alcançar é a garantia de alguns direitos pais lacunas, reconhecida pelo próprio autor,
individuais, contra o risco de despotismo dos é que a obra de Schumpeter, com ênfase na
governantes) e um pólo “desenvolvimentis- manipulação das preferências individuais por
ta” (o acesso à esfera pública am plia os ho ri­ meio da demagogia política, não se classifica
zontes do cidadão, perm itindo que suas ca­ em nenhum a das categorias. C om isto, a con­
pacidades se realizem mais e m elhor). De cepção dom inante da dem ocracia perde seu
alguma maneira, ele repõe, em novos termos principal fundador.
e com a valoração invertida, a velha observa­ Esta breve listagem de algumas propos­
ção. de C onstant sobre a liberdade dos anti­ tas de classificação dos modelos de dem ocra­
gos e a liberdade dos modernos. David H eld cia visa, sobretudo, a indicar a dificuldade de
(1996) inspira-se em M acpherson e são esses se chegar a um esquema abrangente, isento
dois pólos que balizam sua taxonomia, que de am bigüidades e coerente. De fato, não há
contem pla nove —ou doze, caso as variações um a taxonomia “correta” — elas são apenas
sejam contadas por si mesmas - modelos de menos ou mais úteis, de acordo com a con­
dem ocracia, da A ntigüidade aos nossos dias. tribuição que podem dar para a com preen­
O utras tentativas de classificação pode­ são da teoria dem ocrática. Aqui, vou optar
riam ser listadas, mas aqui basta citar uma por trabalhar com cinco diferentes corren­
últim a, a do cientista político norueguês tes, sem a pretensão de haver encontrado um
Jon Elster (1997).4 São três modelos: a con­ critério exaustivo ou com valor universal. Ao
cepção dom inante de democracia, ligada às contrário, o critério é assumidamente circuns­
“teorias da escolha social”, e duas diferentes tancial: são as correntes que, hoje, encontram
contestações a ela. No modelo dom inante, o m aior ressonância no debate acadêm ico e
processo político é apenas instrum ental; o político.
m étodo dem ocrático resume-se a um a forma Todas elas se encontram no cam po da
de agregação de preferências individuais, sem­ “dem ocracia representativa”, um a vez que
pre tidas com o prévias e construídas na esfe­ qualquer proposta de democracia direta, para
ra privada. A m etáfora do “mercado político” as sociedades contem porâneas, é quimérica.
é levada ao pé da letra: os cidadãos escolhem (1) A democracia liberal-pluralista, deno­
entre as ofertas que lhes são apresentadas, minação que amalgama as posições mais “des­
buscando a m aior satisfação pessoal. critivas” dos sistemas políticos ocidentais,
A prim eira vertente de contestação é o para a qual a realização do projeto dem o­
que Elster chama de “democracia participa­ crático passa sobretudo pela vigência de um
tiva”, correspondendo à “deserivolvimentis- conjunto de liberdades cidadãs, com petição
ta” na term inologia de M acpherson e Held. eleitoral livre e m ultiplicidade de grupos de
E um a corrente que rejeita a caracterização pressão, que se envolvem ém coalizões e bar­
da política como possuindo mero valor ins­ ganhas, cada qual tentando prom over seus
trum ental, apresentando-a como um bem em interesses. A idéia de “governo do povo” é
si mesmo. A segunda contestação é a “dem o­ esvaziada, na m edida em que aos cidadãos
com uns cabe, sobretudo, form ar o governo, dia. Com o se vê, não se trata de um a volta à
mas não governar. democracia direta, mas da com binação dos
As outras correntes pertencem todas ao mecanismos representativos com a participa­
campo que Sartori denom ina de “dem ocra­ ção popular na base. Influente sobretudo nas
cia racional”, isto é, são correntes críticas em décadas de 1970 e 1980, ela se faz presente
relação ao arranjo institucional estabelecido hoje, com ambições bem mais modestas, em
nos países capitalistas desenvolvidos. iniciativas de reforma da política local, como,
(2) A democracia deliberativa, nascida da entre outras, o “orçamento participativo” expe­
obra de H aberm as e, em m enor medida, de rim entado em vários m unicípios brasileiros.
Rawls, aparece hoje como a principal inspi­ A corrente (2) é contem plada no esque­
ração crítica às democracias realmente exis­ ma de Elster, de form a similar à que apre­
tentes. Seu ideal é que as decisões políticas sento aqui. O que ele cham a de “democracia
sejam fruto de um a ampla discussão, na qual participativa” engloba, d.e fato, as correntes
todos tenham condições de participar em (3) e (4) indicadas acima. A quinta e últim a
igualdade, apresentando argum entos racio­ vertente corresponde a desenvolvim entos
nais, e ao fim da qual haja consenso. Em opo­ mais recentes da teoria política.
sição à vertente anterior, liberal, ela conside­ (5) O multiculturalismo ou a política da
ra que os agentes não estão presos a interesses diferença, cujo fundam ento é a afirmação das
fixos e são capazes de alterar suas preferênci­ características distintivas dos diversos grupos
as em meio ao debate. presentes na sociedade' nacibnal, entendidas
(3) O republicanismo cívico, que prega a como irredutíveis a um a identidade única e
revalorização da ação na polis e do sentim en­ fontes legítimas de ação política. A ruptura
to de com unidade, parcialm ente inspirado com a perspectiva liberal é profunda, na me­
pelo pensam ento de H annah Arendt. Algu­ dida em que grupos —e não só indivíduos —
mas de suas vertentes desembocam no comu- são considerados sujeitos de direitos.
nitarism o, que polemiza contra o individua­ E evidente que as cinco vertentes aqui
lismo da tradição liberal. E o pertencim ento listadas não esgotam a teoria dem ocrática
à com unidade que dota de sentido a ação contemporânea, nem possuem fronteiras bem
hum ana; e nesse sentido a participação po­ definidas entre si. Boa parte dos pensadores,
lítica pode ser entendida com o provida de mesmo os que são considerados representan­
valor em si mesmo (ao passo que, para a ver­ tes em blem áticos de algum dos grupos, li­
tente liberal, a política possui apenas valor dam com outras correntes. Além disso, nem
instrum ental, na busca pela realização de in ­ todas as correntes apresentam grau similar de
teresses constituídos na esfera privada). elaboração. A preocupação central dos p rin­
(4) A democracia participativa, que des­ cipais teóricos do m u lticu ltu ralism o , por
taca à necessidade de ampliação dos espaços exemplo, não tem sido produzir um a teoria
de decisão coletiva na vida cotidiana. O cha­ da democracia, mas um a teoria da justiça.
m am ento episódico à participação nas ques­ Assim, a concepção de dem ocracia que os
tões públicas, no período eleitoral, é julgado anim a - e que se tornou relevante para o de­
insuficiente para promover a qualificação das bate contem porâneo —ainda possui um ca­
cidadãs e dos cidadãos. E necessário que as ráter fragmentário. Feitas essas ressalvas, no
pessoas com uns estejam presentes na gestão entanto, creio que a divisão proposta serve
das empresas, das escolas, enfim, que a parti­ como guia útil para o entendim ento do esta­
cipação dem ocrática faça parte de seu dia-a- do atual da teoria democrática.
A Democracia Liberal-Pluralista se contentar o papel que lhes é cabido: votar
a cada quatro ou cinco anos e, no intervalo,
O ponto de partida para a atual concep­ obedecer sem pestanejar às ordens que, eles
ção liberal de democracia é a doutrina do eco­ imaginam, de alguma forma tam bém em a­
nom ista austríaco Joseph Schumpeter, qufe naram de sua vontade.
m udou a história da reflexão política ao lan­ De fato, Schum peter promove a acom o­
çar seu Capitalismo, socialismo e democracia dação da democracia com um a corrente de
(1984 [1942]). As poucas páginas que dedi­ pensam ento que nasceu para negá-la, a teo­
ca à questão da democracia, num a obra vol­ ria das elites (cf. Miguel, 2002a). O s autores
tada sobretudo a um a revisão polêmica do elitistas do começo do século XX, com o M os­
pensamento marxista, tiveram enorme reper­ ca, Pareto e Michels, procuraram dem ons­
cussão e, de alguma maneira, redefiniram o trar que o socialismo e a dem ocracia eram
sentido da palavra. fantasias sem possibilidade de efetivação. Tra-
O primeiro esforço de Schum peter é a ta-se de um a perspectiva essencialista, para a
demolição dos m itos que, segundo crê, cer­ qual há um a invariável das relações hum anas
cam a política dem ocrática. Os teóricos clás­ e do processo histórico: a impossibilidade de
sicos da dem ocracia previam a presença de um a organização social em que não haja uma
cidadãos interessados e bem -inform ados, m inoria dom inante. Todas as mudanças po­
conscientes de suas preferências no m undo líticas seriam, por trás das aparências, repeti­
da política e desejosos de alcançar o bem co­ ções do mesmo processo, com a substituição
m um - em suma, pessoas inexistentes no de um a elite por outra. A massa é apresenta­
m undo real. N o entanto, a “doutrina clássi­ da como incapaz de intervir no processo his­
ca da democracia” que Schum peter pretende tórico; se parece que o faz, é porque está sen­
refutar é um a mistura pouco criteriosa de sen­ do manobrada por outro grupo. A base elitista
so com um e autores clássicos, capaz de ju n ­ do pensam ento de S chum peter aceita tais
tar vozes tão dissonantes quanto Rousseau e afirmações; ao redefinir a dem ocracia para
os utilitaristas, para criar um adversário mais torná-la compatível com tais “realidades”, ele
adequado (Pateman, 1992 [1970]). deprecia brutalm ente seus ideais.
Schumpeter, então, redefine a dem ocra­ O sucesso da dem ocracia concorrencial
cia como sendo sim plesm ente um a maneira foi favorecido pelo surgim ento fortuito, na
de gerar um a m inoria governante legítima. mesma época da publicação de Capitalismo,
O utras fórmulas para alcançar tal legitim i­ socialismo e democracia, de evidências em pí­
dade, em especial as m onarquias hereditá­ ricas que pareciam confirm ar elementos cru­
rias, estavam em declínio. O governo, assim, ciais da teoria schum peteriana. O u tro im i­
devia ser formado m ediante a luta com peti­ grante austríaco, Paul Lazarsfeld, liderara um
tiva pelos votos do povo/' Dessa forma, a teo­ im portante estudo sobre o com portam ento
ria concorrencial prom ove um a gigantesca dos eleitores durante a cam panha presiden­
redução do alcance da democracia, já que, cial estadunidense de 1940, que sairia em
para ela, o resultado do processo eleitoral não livro pouco depois (Lazarsfeld, Berelson e
indica a formação de nenhum tipo de von­ G audet, 1969 [1944]). Os traços definido­
tade coletiva. Trata-se da mera agregação de res da maior parte dos votantes eram a apatia,
preferências manipuladas, preconceitos e de­ a desinformação e o desinteresse em relação
cisões impensadas. E, para que o sistema fun­ à política, tal como o modelo de Schum peter
cione a contento, os cidadãos com uns devem indicava. A sem elhança, porém , escondia

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um a diferença significativa, a respeito do pa­ teresse dos cidadãos pela política não signi­
pel das cam panhas eleitorais. Schumpeter, fica que suas vontades deixarão de ser leva­
talvez por efeito da experiência da ascensão das em conta pelo governantes. Já M arcur
do nazismo, via o eleitorado como volátil e Olson (1965), outro pioneiro da chamada
sugestionáv.el, sempre sob a influência dos “teoria da escola racional” na ciência políti­
discursos demagógicos dos candidatos. Já os ca, invertia a acusação de “irracionalidade”
eleitores de O hio, que foram a m atéria-pri­ que Schum peter dirigia ao eleitor com um .
ma para os surveys de Lazarsfeld e seus colabo­ Desinformação e apatia são a resp o staracio­
radores, estavam presos a padrões tradicionais nal num contexto em que o peso do eleitor é
de voto, que dificilm ente eram modificados tão pequeno —já que cada um controla ape­
por efeito da cam panha ou de informações nas um voto, em meio a milhares ou milhões
transm itidas pelos meios de comunicação de de outros - que não vale o investim ento de
massa. tem po e dinheiro necessário para a qualifica­
A visão de Schum peter é profundam en­ ção política. Seymour Lipset (1963 [I960])
te desencantada quanto às possibilidades de vai além, vendo na apatia e no abstenseísmo
que a democracia cumprisse quaisquer de suas um indício não apenas da racionalidade do
promessas fundam entais —governo do povo, eleitor, mas de sua satisfação com o funcio­
igualdade política, participação dos cidadãos nam ento do sistema. Por fim, Giovanni Sar-
na tom ada de decisões. Vários dos autores tori (1994 [1987]), que continua vinculado
inspirados por ela, no entanto, fizeram es­ à denúncia schum peteriana da irracionalida­
forços para aproximar a teoria dos valores de­ de do cidadão com um , julga que a baixa par­
m ocráticos básicos. A nthony Downs (1957, ticipação política é a chave para a realização
p. 29), por exemplo, declarava se basear nos da democracia como “meritocracia” ou pro­
“brilhantes insights' de Schumpeter, mas con­ cesso seletivo dos mais aptos a governar.
cluía que a com binação entre eleitores pouco A dem onstração da impossibilidade de
interessados e políticos com petindo pelo voto realização da democracia, num espírito pró­
representava a mais perfeita forma de gover­ ximo ao de Schumpeter, mas de maneira mais
no do povo. formalizada, está no cerne da influente obra
Para tanto, ele transform ava um a das de W illiam Riker (1982). Ele enfatiza, por
premissas do economista austríaco, postulan­ um lado, a dependência das decisões em re­
do que os cidadãos têm interesses identifi­ lação aos sistemas, eleitorais, isto é, que a m a­
cáveis e são capazes de perceber se eles estão nipulação dos mecanismos decisórios afeta os
sendo bem atendidos ou não. Com o o go­ resultados. Por outro,, aponta as patologias
vernante precisa do voto de todos para per­ da racionalidade coletiva, em especial o cha­
manecer no poder, o seu interesse objetivo é mado “paradoxo de C ondorcet”, que mostra
realizar os interesses dos outros (e, assim, como um conjunto de indivíduos racionais
m anter sua confiança). O modelo possui gra­ pode chegar a decisões coletivas incoerentes.
ves fragilidades, um a vez que se baseia num A conclusão é que a idéia de um governo do
visão demasiado esquemática do com porta­ povo é sempre ilusória. Conform e já foi de­
m ento tanto dos cidadãos com uns como dos monstrado, o edifício teórico de Riker susten-
políticos (Przeworski, 1995 [1990], pp. 37- ta-se num a premissa duvidosa, a de que a de­
39; Pizzorno, 1993; Miguel, 2002b). mocracia se resume ao ato de votar (Mackie,
D ow ns buscou dem onstrar que, dado o ' 1988). Q uando a discussão é considerada um
mecanismo da com petição eleitoral, o desin­ ingrediente necessário do processo dem ocrá-

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tico, tal como fazem os teóricos da dem ocra­ rios em New Haven, C onnecticut, apresen­
cia deliberativa, os problem as “insolúveis'' tada com o cidade “típica” da vida urbana es­
apontados por Riker são, em grande m edi­ tadunidense. A pesquisa mostra que, em bo­
da, superados. ra um a m inoria de líderes monopolizasse as
A vinculação com o legado schum pete- iniciativas políticas nas três questões polêm i­
riano é bem mais complexa na teoria poliár- cas analisadas (nomeações de funcionários
quica de Robert A. Dahl, que influenciou de públicos, reurbanização e educação), havia
forma determ inante a concepção liberal cor­ conflito dentro dela e a influência de cada
rente de democracia. Nela, a presunção do líder era, via de regra, especializada, isto é,
desinteresse do eleitorado é relativizada. Os incidia sobre apenas um dos três assuntos
cidadãos são, sim, apáticos quanto à maioria (Dahl, 1961). O estudo de D ahl está sujeito
das questões da agenda política, mas podem a um a série de questionam entos de ordem
se mobilizar no m om ento em que um de seus metodológica, a começar pela premissa de que
interesses específicos é posto em questão. Se o microcosmo é um retrato fiel, em escala
não podem os contar com o governo do povo menor, do macrocosmo —quer dizer, de que
ou mesmo com o governo da maioria, pode­ o estudo dos processos de decisão em nível
mos ao m enos ter um sistema político que local pode servir de evidência para o nível na­
distribua a capacidade de influência entre cional. Afinal, tamanho e distância são fato­
muitas minorias. As eleições ocupam um a res essenciais para explicar a apatia política
posição central num ordenam ento poliárqui- popular, que, por sua vez, é um dos elem en­
co não porque introduzam um “governo de tos que favorecem o dom ínio da elite. Além
maiorias em qualquer maneira significativa, disso, é difícil crer que um a cidade, na época
mas [porque] aum entam im ensam ente o ta­ com 160 mil habitantes, que sedia a Univer­
m anho, núm ero e variedade das minorias, sidade Yale possa ser considerada “típica”, por
cujas preferências têm que ser levadas em con­ mais que m uitos de seus indicadores de­
ta pelos líderes quando fazem opções de po­ mográficos sejam medianos. Mas a principal
lítica” (Dahl, 1989-[1956], p. 131). crítica foi form ulada por Bachrach e Baratz
D ahl adm ite que os regimes vigentes no (1962, 1963), que d em o n straram que o
O cidente não são realm ente “governos do estudo de Dahl ignorava a determinação da
povo”, mas ao mesmo tem po nega que exista agenda, um a faceta crucial do exercício do
um a classe dom inante, como querem os mar­ poder.
xistas, ou um a “elite do poder”, como dizia As poliarquias seriam o resultado dos
W right Mills (1981 [1956]). Em vez de um a processos de d em o cratiza ção , q ue D ahl
m inoria governante, existem muitas m ino­ (1971) desdobra em duas dimensões, a in ­
rias que disputam entre si a respeito de ques­ clusividade (ampliação do núm ero de pes­
tões específicas e que devem ser levadas em soas incorporadas form alm ente ao processo
conta pelos governantes. Ao seu modelo, o político) e a liberalização (reconhecimento do
autor chama “poliarquia”, a palavra designan­ direito de contestação). A m plam ente utiliza­
do a existência de m últiplos centros de poder, do na ciência política, o modelo bidim ensio­
dentro da sociedade - e se distinguindo da nal tam bém enfrenta críticas recorrentes, a
verdadeira democracia, entendida como ideal começar pela ausência de um a dimensão so­
norm ativo cuja plena realização é utópica. cial, que perm ita que os direitos de partici­
Ele “com provou” a vigência da poliar­ pação e oposição sejam usados de maneira
quia num estudo sobre os processos decisó­ efetiva (ver, por exemplo, W effort, 1992). D e
fato, com o a inclusividade é apenas formal, (Dahl, 1989, p. 182).8 A construção dos in­
reduzindo-se em últim a análise ao direito de teresses — isto é, das vontades e identidades
voto, ela é compatível com a exclusão políti­ coletivas — é suprim ida da política; em seu
ca real dos grupos subalternos. lugar, resta um a agregação mecânica de pre­
N u m a trajetó ria intelectual invulgar, ferências preexistentes. O aspecto com uni­
D ahl tornou-se cada vez mais crítico em re­ cativo da atividade política é esvaziado. São
lação ao sistema político estadunidense —que os democratas deliberativos que vão desen­
a teoria pluralista, a princípio, justificava. Ele volver esta crítica.
se torno u sensível aos problemas que o orde­
nam ento capitalista apresenta à efetivação da
dem ocracia, passando a advogar por formas A Democracia Deliberativa
de econom ia autogestionária (D ahl, 1990
[1985]). Passou a expressar sim patia pela A corrente deliberativa tornou-se, nos
abordagem deliberacionista, em bora não a últim os vinte anos, a principal alternativa
tenha de fato incorporado em seu m odelo.' teórica à democracia liberal-pluralista.9 Sua
Independentem ente disso, um a versão sim­ principal matriz, em bora não a única, é a fi­
plificada do pluralismo liberal, com sua ên­ losofia de Jiirgen H aberm as.10 Os dem ocra­
fase em eleições com petitivas e em m últiplos tas deliberativos incorporam parte signifi­
grupos de pressão, tornou-se a ideologia ofi­ cativa do ideal participacionista, mas apre­
cial dos regimes dem ocráticos ocidentais. sentam um a nova ênfase nos m ecanism os
D ois problem as principais podem ser discursivos da prática política. Segundo a sín­
identificados na corrente. O prim eiro, um tese de Joshua Cohen (1998, p. 186), eles
traço característico do liberalismo desde os julgam que as decisões políticas devem ser
seus primórdios, é o isolamento da esfera polí­ tom adas por aqueles que estarão su b m eti­
tica em relação ao restante do m undo social. dos a elas, por meio do “raciocínio público
As desigualdades presentes na sociedade são iivre entre iguais”. Trata-se de um esforço
“colocadas entre parênteses” (Fraser, 1992), im p o rtante para avançar na com preensão
o que sustenta as ficções dos “cidadãos iguais do sentido da democracia, que transcende o
perante a lei" e dos “contratos entre pessoas pretenso empirismo da vertente hegem ôni­
livres e iguais”. N a verdade, as desigualdades ca, schumpeteriana, por levar em conta, como
materiais e simbólicas transbordam para a diz o próprio H aberm as, “o sentido norm a­
arena política, contribuindo para impedir que tivo genuíno da compreensão intuitiva da de­
determ inados grupos tenham acesso pleno a mocracia” (1997 [1992], vol. 2, p. 18).
ela ou nela sejam capazes de promover efi­ Em prim eiro lugar, a corrente rom pe
cazm ente seus interesses. H á aqui um ponto com a percepção da dem ocracia como sim ­
central da crítica à vertente dem ocrática li­ ples m étodo para a agregação de preferências
beral, que será apresentado com mais m inú ­ individuais já dadas. Longe de constituírem
cia nas seções seguintes. elementos prévios, as preferências são cons­
O segundo problem a central da percep­ truídas e reconstruídas por meio das intera­
ção pluralista da dem ocracia é a redução da ções na esfera pública, em especial do debate
política a um processo de escolha, no qual, entre os envolvidos. Em segundo lugar, há a
por um a premissa metodológica, considera- ênfase na igualdade de participação, um as­
se que todos os cidadãos são guiados por um pecto constitutivo do sentido clássico da de­
“entendim ento esclarecido de seus interesses” mocracia, mas que foi relegado a plano secun­
dário pelas vertentes hegemônicas da teoria pública e o integra num modelo norm ativo
dem ocrática contem porânea. Por fim, a au­ de funcionam ento da democracia.
tonomia, isto é, a produção das norm as so­ N o entanto, nesse m om ento o impulso
ciais pelos próprios integrantes da sociedade, crítico de sua obra já está esvaziado. H aber­
é resgatada como o valor fundam ental que mas vai abandonar a preocupação com a co­
guia o projeto democrático. lonização do “m undo-da-vida” pelos ope­
A dem ocracia deliberativa apresenta-se radores sistêmicos - dinheiro e poder - que
com o um modelo norm ativo que produz a coordenam, de maneira crescente, as relações
crítica da política vigente a partir de um pa­ interpessoais. A ação com unicativa passa a ser
râm etro ideal. Esse ideal, porém, remete a vista com o garantidora, em últim a instância,
um a m atriz histórica (ou pseudo-histórica), da integração da sociedade, num modelo em
a “esfera pública burguesa” descrita por H a- que as tensões entre os diferentes tipos de ra­
berm as em sua influente tese de 1962. A cionalidade e entre as esferas sistêmica e do
partir de um a reflexão sobre o surgim ento da “m undo-da-vida” tornam -se bem mais b ran­
opinião pública, na França, na Alem anha e, das (ou mesmo desaparecem), dando lugar a
sobretudo, na Inglaterra dos séculos XVIII e um a perspectiva mais harm ônica, de mera
XIX, ele apresenta um a visão da “boa polí­ diversificação funcional (H aberm as, 1997
tica”, caracterizada pela discussão livre das [1992], vol. 1, p. 45; para um a crítica focada
questões de interesse coletivo (H aberm as, neste ponto, ver Cook, 2001).
1984 [1962]). C ontra o pano de fundo des­ Com o observou John Dryzek, Habermas
te ideal norm ativo, H aberm as lam enta a de­ inscreve-se no movim ento mais geral, den­
cadência atual da esfera pública, m anipulada tro da corrente deliberativa, de acomodação
por estratégias públicitárias. com o constitucionalism o liberal. Em Direi­
Em sua obra posterior, H aberm as subs­ to e democracia, verifica-se um a “reconcilia­
titu iu o conceito de esfera pública pela teoria ção” com “fatos [pretensamente] imutáveis
análoga, porém mais abstrata, da ação com u­ do m undo m oderno”, vinculados à estrutura
nicativa. O ideal norm ativo que guia sua re­ político-eco n ô m ica, e a possibilidade de
flexão é a ação voltada para o entendim ento m udança é restrita ao ord en am en to legal
m útuo, por interm édio do diálogo, em opo­ (Dryzek, 2Ö00, p. 2 4 )." Isso levaria H aber­
sição à ação estratégicaj que busca apenas o mas, por exemplo, a estabelecer um modelo
sucesso e utiliza caracteristicam ente opera­ pelo qual a opinião pública gera influência,
dores sistêmicos com o o poder e o dinheiro. que se transform a em “poder com unicativo”
Mas, quando elabora sua teoria da ação co­ por meio de eleições; e este, por sua vez, se
municativa, o filósofo alemão trabalha em tal torna “poder adm inistrativo” por meio da le­
grau de abstração que, a rigor, não é possível gislação (Habermas, 1997 [1992], vol. l,p p .
falar num a teoria da dem ocracia. A preo­ 189-190). Dryzek (2000, pp. 25-26) obser­
cupação específica com a política - vista de va que é, no m ínim o, duvidoso se um a per­
início sob um a perspectiva integralm ente cepção tão estilizada do processo político será
negativa, como um dos instrum entos de co­ capaz de captar pelo menos um a parte de sua
lonização da vida cotidiana, o “m undo-da- dinâm ica real. O jogo de forças é despido de
vida” —só vai aparecer na últim a obra im por­ todas as suas condicionantes estruturais e o
tante de Habermas, o livro Direito e democracia, que sobra é um a versão mais sofisticada dos
lançado na Alemanha em 1992, no qual o fi­ manuais escolares de civismo. Em suma, a
lósofo tam bém recupera o conceito de esfera aceitação acrítica da fixação de um a esfera

13
política isolada das restantes esferas sociais é A regra (1) garante a ausência de repres­
a própria capitulação diante do constitucio­ são, já que não é possível censurar a partici­
nalismo liberal. pação no debate, e tam bém a ausência de ex­
Ao contrário do que julga Dryzek, tal clusão, já que a discussão está franqueada a
m ovim ento não é um a “virada” imprevista no todos os que possam contribuir para ele. Dois
pensam ento de H aberm as, mas o aprofun­ problemas evidentes emergem desta form u­
dam ento de um traço que já está presente em lação. O primeiro e m enor deles refere-se à
sua obra desde a tese sobre a esfera pública. qualificação de “pertinente” quanto às con­
A idealização da esfera pública burguesa dos tribuições aceitáveis no debate. O ra, grande
séculos XVIII e XIX dem onstra um a notável parte de qualquer debate gira sempre sobre
insensibilidade ao problem a da exclusão de a pertinência ou não de determ inados fatos
grupos sociais. Trabalhadores e mulheres, para ou especulações. O u há quem determ ine a
citar os exemplos mais evidentes, estavam priori a pertinência de cada contribuição, e
ausentes da esfera pública burguesa. É claro aí temos um critério de exclusão, ou é neces­
que H aberm as percebe e anota tal ausência. sário abandonar a qualificação e reconhecer
Mas, em M udança estrutural, ela aparece que toda contribuição é válida até prova em
com o algo contingente e não como estrutu­ contrário. O segundo problem a, que é o de­
rado ra de características centrais da esfera cisivo e será desenvolvido em m aior detalhe
pública burguesa setecentista e oitocentista. adiante, diz respeito à capacidade subjetiva
Assim, H aberm as reproduz, em seu m o­ que grupos e indivíduos em diferentes posi­
delo da esfera pública, as premissas dos teó­ ções na estrutura social têm de produzir “con­
ricos liberais do contrato social. A igualdade tribuições pertinentes” a diferentes debates.
substantiva não é im portante, na m edida em A regra (2) é uma regra de igualdade; na
que todos podem discutir como se fossem medida em que apenas a argum entação ra­
iguais — isto é, a produção de direitos for­ cional é levada em conta, está neutralizada
mais de cidadania surge com o condição sufi­ a diferença de autoridade, de riqueza, de sta-
ciente para a efetivação do debate público tus ou qualquer outra. E claro que isto nunca
ideal. As condições de acesso à esfera pública ocorre: no m undo real, os debates sempre são
não são tematizadas, o que permite deixar de desvirtuados por diferenciais de poder, de
lado, com o secundária, a exclusão de traba­ autoridade e mesmo de acesso à fala. E a re­
lhadores e mulheres. gra (3) é um a condição de efetividade do de­
N ão que H aberm as não perceba a ex­ bate, indicando que os participantes estão
clusão política vigente nas sociedades con­ dispostos a assimilar o argum ento dos outros
temporâneas: ele a percebe, indica e conde­ e não se prendem a posições prévias.
na de form a explícita, segundo um critério H aberm as está ciente de que seus crité­
ético. Mas desenvolve sua teoria sobre o m o­ rios não são preenchidos na vida real e apre­
delo utópico da “situação de fala ideal”, onde senta a situação de fala ideal como sendo, em
a exclusão, por definição, não pode ocorrer. prim eiro lugar, um ideal norm ativo (se bem
Tal situação é caracterizada por três regras: que não arbitrário). O problem a é que, na
(1) qualquer contribuição pertinente ao de­ maior parte de sua obra, ele não apresenta ne­
bate pode ser apresentada; (2) apenas a ar­ nhum a ponte entre o ideal e a realidade. Sua
gum entação racional é levada em conta; e ‘fala ideal” é um pouco com o a “posição origi­
(3) os participantes buscam atingir o con­ nal” de John Rawls (em que um “véu da incer­
senso. teza” afasta todas às desigualdades): um arti-

14
fício que gera um a situação em que todos são pere a mera transferência da soberania po­
abstratam ente iguais, elidindo o desafio de pular para um a elite, por interm édio da au­
corno gerar um a sociedade igualitária partin­ torização eleitoral.
do de um a condição de radical desigualdade. Mesmo independentem ente deste p o n ­
A situação de fala ideal não é arbitrária - to, que a torna um modelo irrelevante para a
e esta é um a diferença im portante em relação construção da ordem política, a com unica­
à posição original de Rawls - porque, para ção face a face está marcada por um a série de
H aberm as, a ausência de repressão, a igual­ desigualdades, que a idealização haberm a-
dade entre os falantes e a busca pelo consen­ siana ignora. As diferentes posições sociais dos
so são inerentes à natureza da linguagem. A interlocutores contam inam a situação de fala
“ação com unicativa”, direcionada para o en­ que, p o rtanto, é m arcada por assimetrias.
te n d im e n to m ú tu o , está presente em p o ­ Status, dinheiro, poder ou o dom ínio do pa­
tencial em cada ato de fala. E a alternativa drão culto condicionam , de formas m uito
à linguagem (o uso da força) que prescinde sutis, o açolhim ento que é dâdo à interven­
do entendim ento m útuo. As características ção de cada um dos falantes e, na aparência,
igualitárias e mesmo em ancipatórias da lin­ não agridem as exigências do “livre debate
guagem apareceriam so b retu d o no “m u n - entre iguais”.
d o -d a-v id a’\ isto é, nas relações in te rp es­ Os problemas da comunicação face a face
soais cotidianas que escapam à mediação do formam apenas um dos m uitos flancos do
dinheiro e do poder. O ideal habermasiano, ideal deliberativo. A crítica mais evidente (e,
assim, inspira-se na com unicação face a face por isso, mais explorada na literatura) diz res­
entre indivíduos privados, o que impõe um a peito à impossibilidade prática de efetivação
nova série de problemas. de um debate envolvendo todos os interessa­
E um a com unicação gerada pelo con­ dos, em sociedades extensas e populosas como
vívio entre indivíduos como tais, isto é, que as contemporâneas. É o problem a típico das
não se apresentam como representantes ou fantasias de ressurgimento da dem ocracia d i­
porta-vozes de grupos específicos. De fato, reta, das quais o deliberacionismo parece, por
em nossa vida cotidiana, em bora tenham os vezes, s,er um a vertente. Trata-se de um traço
consciência de que o indivíduo A é negro e o marcante na obra.de H aberm as. Ele vê com
indivíduo B é branco, e mesmo que precon­ suspeita todas as formas de mediação, aí in­
ceitos sobre o caráter de negros e brancos in­ cluídos tanto a representação política como
fluenciem nossa atitude, não imaginamos que os meios de com unicação de massa (Peters,
A e B estão '‘representando” seus grupos ra­ 1993) - e escapa delas m ediante dois recur­
ciais, no sentido político do term o, nem es­ sos. Primeiro, a elevada abstração de sua cons­
peramos que pautem suas ações pela prom o­ trução teórica, que perm ite fugir ao enfren-
ção dos interesses de grupo. tam ento com limitações (inclusive físicas) das
O problem a é que a comunicação face a sociedades reais. Depois, a distinção entre a
face é um modelo im próprio para o enten­ estrutura adm inistrativa (em que são tom a­
dim ento da política, exatamente por descar­ das as decisões e operam os mecanismos re­
tar a questão da representação. Nas sociedades presentativos) e a esfera pública discursiva,
contem porâneas, com sua com plexidade e que é o pólo carregado de positividade e que
dimensões, a representação é ineludível - e aparentem ente prescindiria da representação,
é este o fato que torna complexa a constru­ efetivando-se num a m ultiplicidade de locais
ção de qualquer ordem dem ocrática que su­ e m om entos.

15
As respostas dadas por outros teóricos da O problema da escala é um a faceta do ir­
corrente ao desafio da escala da deliberação real is mo que contam ina boa parte da teoria
tam bém são insatisfatórias.12 Cohen (1997, deliberacionista. Ao postular determ inadas
p. 84) diz sim plesm ente que trabalha num “condições ideais” e trabalhar com elas, obs­
nível de generalidade tal que objeções de táculos do m undo real somem como num
caráter prático não se aplicam. Aqueles que passe de mágica. E o caso, notadamente, da de­
buscaram gerar modelos efetiváveis de dem o­ sigualdade material e do controle dos meios
cracia deliberativa postulam , em geral, a re­ de comunicação de massa, canais essenciais do
dução drástica da população a ser abrangida, processo com unicativo nas sociedades con­
m uitas vezes por meio do uso de sorteios. O temporâneas (Cham bers e Kopstein, 2001,
ideal seria efetivado apenas no microcosmo, p. 858; Dean, 2001, pp. 624 e 628; Schauer,
pequeno o suficiente para evitar a contam i­ 1999, p. 23; Miguel, 2000a, pp. 63-64).
nação pela representação política e pela m í­ O u tro ponto da crítica diz respeito à
d ia —isto é, capaz de se guiar pela com unica­ valorização do consenso. Para os delibera-
ção face a face (Dahl, 1990, pp. 122-125, cionistas, a busca da concordância tam bém
1989, p. 340; Barber, 1984; Fishkin, 1991; é um a característica própria da ação discur­
Burnheim , 1996). Mas se trata da simples siva; conforme diz Carol G ould, “o telos do
transferência da questão, já que o principal discurso, o que caracteriza seu objetivo e seu
problema levantado pela representação (a vin- m étodo, é a concordância. [...] Diversidade
culação entre representantes e representados) pode ser a condição original de um discurso
ressurge na relação entre o povo e sua amos­ polivocal, mas a univocidade é seu princípio
tra aleatória. norm ativo” (1996, p. 172). Independente­
O mesmo se pode dizer daqueles que res­ m ente da avaliação que se faça desta obser­
tringem o espaço da deliberação a fóruns já vação sobre a natureza do discurso, ela repre­
constituídos de representantes. O utras al­ senta um ponto de partida pouco confiável
ternativas incluem privilegiar o aspecto de­ para a compreensão dos embates políticos,
liberativo em detrim ento do dem ocrático, que possuem um acentuado caráter agonís-
julgando que o ideal se efetiva na ação de ór­ tico, em que o êxito vale mais do que a har­
gãos com o a Suprem a C orte dos Estados monia. Sobretudo, desconsidera o fato de que
Unidos ou de "elites capazes e virtuosas” (Bell, os interesses, muitas vezes, falam mais alto
1999); confiar nas novas tecnologias da in­ do que as razões (Schauer, 1999; Shapiro,
formação como ferramentas que transcende­ 1999) - por sinal, um tem a recorrente da re­
riam as limitações de espaço que impedem flexão sobre a política, desde a A ntigüidade.
a dem ocracia direta;13 ou, ainda, enfatizar o N em todos os dem ocratas deliberativos
aspecto “interno” do processo deliberativo, partilham dessa valorização exclusiva do con­
pelo qual cada indivíduo busca considerar senso. G utm ann e T hom pson (1996), que
as razões de todos os outros dentro de sua pertencem a um a vertente refratária à in ­
m ente (G oodin, 2000). Em bora engenhosa, fluência de Haberm as, inspirando-se antes
esta últim a solução com prom ete o funciona­ em Rawls, julgam que a deliberação reduz a
m ento do principal benefício esperado com zona de discordância sobre questões polêm i­
a deliberação coletiva: o contato com argu­ cas, mas não a ponto de eliminá-la, gerando
m entos e perspectivas alheios, o que exige sobretudo respeito m útuo entre os defensores
interação real, não apenas imaginária, com de posições divergentes. John Dryzek (2000,
os outros. p. 170) acredita que a m eta é um consenso

16
m itigado, em que todos concordam quanto capital econômico ou cultural - são, um a vez
ao curso de ação a ser seguido, “mas por dife­ mais, privilegiados. Mais do que postular a
rentes razões”.14 superioridade da ação com unicativa e exor­
É diferente a posição de Bernard M anin, cizar a ação estratégica ou, ainda, fantasiar um
que defende a am pla participação na discus­ espaço em que a racionalidade pura dos indi­
são como um m étodo de legitimação, valio­ víduos dialogue consigo mesma até alcançar
so justam ente por escapar da exigência (im­ o consenso, é necessário entender que desi­
plícita) de unanim idade presente na vontade gualdades estruturais desequilibram as inte­
geral de Rousseau (e mesmo nas decisões to ­ rações entre os diferentes agentes sociais.
madas pela regra da maioria, já que elas per­ É possível identificar três dimensões nas
dem legitim idade à m edida que são menos quais se manifestam os vieses da deliberação
unânimes): “um a decisão legítima não repre­ pública, ligados a desigualdades socialm en­
senta a vontade de todos, mas é aquela que te estruturadas quanto a: (1) capacidade de
resulta da deliberação de todos ’ (Manin, 1987, identificação dos próprios interesses; (2) ca­
p. 352). O utros enfatizam que, num contexto pacidade de utilização das ferramentas dis­
de deliberação coletiva, a barganha é um ins­
cursivas; e (3) capacidade de “universaliza­
trum ento alternativo à argumentação, e igual­
ção” dos próprios interesses.
mente aceitável (Elster, 1998, p. 6; Gambetta,
O primeiro ponto está ligado ao próprio
1998, p. 19). Isto é, o com prom isso é um a
conceito de “interesse”, crucial para o en ten­
opção ao consenso.
dim ento das práticas políticas e alvo de tan ­
Por fim, em vez de prom otor da em an­
tas polêmicas. O conceito não encontra so­
cipação, o ideal deliberativo pode se revestir
lução satisfatória em nenhum a das estratégias
de um caráter profundam ente conservador.
mais correntes daqueles que tentam defini-
A exigência de consenso, em especial, para­
lo. N ão é possível depreender um interesse
lisa a ação política, preservando o statu quo.
“objetivo”, a partir das condições sociais do
Mas a própria deliberação tam bém pode ser
agente, como quer o marxismo convencio­
paralisante e protelatória. Por exemplo, con­
nal —sobretudo nas sociedades contem porâ­
vites para que representantes de movimentos
sociais participem de fóruns deliberativos neas, onde òs cidadãos desem penham m últi­
podem implicar na legitimação de institui­ plos papéis, cujos interesses “óbvios” podem
ções injustas, levar à desm obilização e ao ser contraditórios. Tam bém não é aceitável
abandono de formas de intervenção mais efi­ afirmar um interesse único universal —a m a­
cazes e ser, muitas vezes, um a via de coopta- ximização da própria satisfação, segundo os
ção. Na verdade, o ativismo político - que foi, utilitaristas - ignorando as condições sociais
historicam ente, o principal meio de prom o­ de geração das preferências. Afinal, tais in ­
ção dos interesses dos grupos dom inados - teresses não são dados da natureza. Eles são
com freqüência exige a interrupção do pro­ construídos, num processo que depende tanto
cesso deliberativo e a adoção de medidas ime­ dos recursos cognitivos de que dispõe o su­
diatas (Young, 2001). jeito como de códigos sociais com partilha­
Cabe observar, enfim, que os mecanis­ dos. Por fim, a resposta liberal padrão, mais
mos de deliberação pública tam bém possuem um a vez de raiz utilitarista, segundo a qual
vieses e favorecem o atendim ento de deter­ “cada um é o m elhor juiz de seus próprios
m inado tipo de interesse. Os grupos dom i­ interesses”, descarta qualquer possibilidade
nantes —isto é, aqueles que possuem maior de crítica dos constrangim entos cognitivos e

17
da m anipulação ideológica a que estão sub­ que ele prevê, nas situações concretas de fala-
metidas as pessoas. a identidade do em issor não é irrelevante
Tais dificuldades não indicam que o me­ para a consideração que é dada a seu dis­
lhor cam inho seja descartar a noção de in­ curso. As diferentes posições na sociedade
teresse (como Fazem, por outros motivos, conferem diferentes graus de eficácia dis­
algumas concepções deliberativas), mas sim cursiva a seus ocupantes. Pesam, sobretudo,
que é necessário entender os interesses como o reconhecim ento social de cada posição e
produtos sociais. G rupos subalternos ou do­ a capacidade de im por sanções negativas ou
m inados têm m enor condição de produzir positivas, fatores que estão estreitam ente
a u to n o m a m e n te seus p ró p rio s interesses associados ao exercício do poder político e
por conta de diversos mecanismos cum ula­ econômico.
tivos. Eles são mais suscetíveis às pressões Ainda quando a identidade do falante é
cruzadas, evidenciadas por Offe e W iesenthal ignorada, a fala carrega marcas que a valori­
(1984 [1972]) para a classe trabalhadora, mas zam ou desvalorizam: prosódia, sintaxe, so­
que estão presentes tam bém para outros gru­ taque; e o mesmo pode ser dito, a fortiori, da
pos subalternos, dificultando a determinação linguagem escrita (Bickford, 1996, pp. 97-
de um interesse unívoco (em especial o dile­ 98). Trata-se de problem a que não recebe res­
m a entre assimilação individual e progresso posta adequada dos teóricos deliberativos;
coletivo). afinal, “preconceito e privilégio não surgem
Além disso, os grupos subalternos têm nos cenários deliberativos como razões más e
m enor acesso aos espaços de produção social não são revidados por bons argum entos. Eles
de sentido, em especial (mas não só) o apare­ são demasiado furtivos, invisíveis e pernicio­
lho escolar e a mídia. Isto significa que eles sos” (Sanders, 1997, p. 353). A visão racio-
estão constrangidos a pensar o m undo, em nalista do processo político leva a ignorar ou
grande medida, a partir de códigos empres­ m inim izar o carátér de impermeabilidade à
tados, alheios, que refletem mal sua experiên­ discussão racional de boa parte dos obstácu­
cia e suas necessidades. Estreitam ente ligado los que im pedem a efetivação do seu próprio
a isso há o fato de que eles possuem menor ideál. E infundada a crença de John Dryzek
disponibilidade de tem po e espaços próprios (2000, pp. 169-172) de que “mecanismos
nos quais poderiam pensar seus próprios in­ endógenos” à deliberação racional exorcizam
teresses e construir projetos políticos coleti­ seus inimigos (o discurso intolerante, a aver­
vos. Por fim, os grupos dom inados possuem são à diferença, o auto-interesse mesquinho).
um a perspectiva lim itada do m undo social, Ela pressupõe que intolerantes, xenófobos,
própria de um a vivência à qual é negada a racistas e egoístas estariam abertos à discus­
possibilidade de participação nas principais são. E pressupõe, tam bém , que tais com por­
tomadas de decisão, tanto políticas como eco­ tam entos nocivos se manifestam sempre em
nômicas, enquanto os dom inantes ficam a suas formas extremas, abertas, ostensivas - e,
cavaleiro do restante da sociedade (Bourdieu, portanto, sujeitas à interpelação alheia.
1979, p. 520). O terceiro viés do ideal da democracia
A assim etria é agravada pela inferiori­ deliberativa corresponde a um aspecto espe­
dade dos grupos dom inados no m anejo efi­ cífico do problem a da eficácia discursiva: a
caz das ferram entas discursivas exigidas - o capacidade diferenciada de “universalização”
que corresponde ao segundo viés do ideal dos próprios interesses. Um a das vantagens
dem ocrático-deliberativo. Ao contrário do alegadas do procedim ento deliberativo é que

18
obriga ao uso do vocabulário do bem comum. envolvidos e de ausência de desigualdade for­
N ão é razoável entrar num a discussão dizen­ mal e de coação - , mas ignora vieses que vi­
do “quero porque é m elhor para m im ’ , argu­ ciam seus resultados. Da mesma maneira que
m ento com pouca possibilidade de gerar a a igualdade formal nas eleições, proclam ada
sim patia ou a adesão dos interlocutores. É pela máxima liberal “um hom em (ou um a
necessário apelar a norm as universais de jus­ m ulher), um voto”, não garante paridade de
tiça ou a benefícios coletivos. influência política, o mero acesso de. todos
N o entanto, isto não significa, como por à discussão é insuficiente para neutralizar a
vezes os teóricos deliberativos parecem pen­ m aior capacidade que os poderosos têm de
sar, que o interesse egoísta está banido. O fato promoverem seus próprios interesses.
de que um a preferência vinculada a benefí­
cios particulares se traduz num discurso uni-
versalista, sem que deixe de ser auto-interes- O Republicanismo Cívico f
sada, é banal e constatável nos embates políti­
cos cotidianos. A defesa do capitalismo pelos Em bora de form a mais sutil do que na
capitalistas, por exemplo, raras vezes é feita vertente liberal-pluralista, tam bém para os
em nom e dos privilégios de que usufruem. dem ocratas deliberativos a política aparece
Em geral, apela-se à prosperidade geral, à como um a atividade instrum ental.1'5Ela é um
inovação tecnológica, à criação da abundân­ meio para se alcançar o consenso, talvez seja
cia e de novas oportunidades, enfim, a sub­ indispensável para o cum prim ento de certas
produtos da busca do lucro que term inariam funções, mas não é um bem em si mesmo.
por beneficiar a todos. O caráter secundário da política é nega­
Mas os grupos dom inados têm m enor do por um a longa tradição, que vai exaltar a
capacidade de traduzir seus interesses num a cidade grega e rom ana com o ideal a ser im i­
retórica universalista. Isto se deve, em pri­ tado - um local em que a participação nos
meiro lugar, à prem ência de suas demandas negócios públicos era tida como o ápice da
específicas, que os faz exigir mudanças ime­ realização humana. Com o sintetizou H annah
diatas, com beneficiários e prejudicados m ui­ Arendt (1987 [1957], p. 40), a polis era a ■
to evidentes, com o é o caso das políticas re- esfera da liberdade, enquanto a necessidade
distributivas ou de ação afirmativa. Deve-se, imperava na esfera familiar-econômica, onde
tam bém , ao fato de que os interesses de tais transitavam mulheres e escravos, responsá­
grupos se posicionam co ntra as visões de veis pelas tarefas de produção (e reprodução)
m undo hegemônicas, e precisam realizar o es­ do m undo material.
forço extra de desnaturalizar categorias so­ O republicanism o traz, assim, a marca
ciais e propor modelos de sociedade alterna­ da revalorização de um elem ento presente
tivos. O resultado é que a retórica universal no pensam ento político clássico e m oderno,
tende a ser m onopolizada por alguns grupos, mas que o individualismo liberal descartou.
enquanto outros têm suas preocupações es­ Parte significativa do seu impulso, deriva da
tigm atizadas com o “particulares, parciais ou obra de historiadores das idéias, como Q u en ­
egoístas” (Bickford, 1996, p. 16). tin Skinner (1996 [-1978], 1998) e J. G. A.
Fica claro que o modelo deliberativo pos­ Pocock (1975). Eies foram im portantes so­
tula um a forma legítima de produção de de­ bretudo por recolocarem o pensam ento de
cisões coletivas —legítima por preencher seus Maquiavel em- relação à sua época (ao lado
próprios critérios, de inclusão de todos os de Guicciardini e outros), em relação aos seus

19
antecessores, os filósofos morais romanos, que percebem a sociedade como mera agre­
com o Cícero, Lívio e Salústio, e em relação gação, ou seja, um estabelecimento instru­
àqueles que seriam influenciados por ele nos mental para a realização de interesses priva­
séculos XVII e XVIII, sobretudo nos países dos. Em seu lugar, ele apresenta o projeto de
de língua inglesa, dos dois lados do A tlânti­ um a associação, onde se cria um a verdadeira
co, isto é, radicais ingleses como H arrington identidade coletiva (Rousseau, 1964 [1762],
e M ilto n e os p ro m otores da Revolução p. 359). Essa associação não é guiada pela
Americana. busca do bem individual ou pela expressão
O M a q u ia v e l dos D iscorsi (1 9 7 9 de um interesse majoritário, mas pela vonta­
[1513]),16 assim, ocupa um a posição central de geral, a categoria mais complexa do pen­
no republicanismo, ao lado de Jean-Jacques sam ento de Rousseau. N ão é a vontade m a­
Rousseau, que no século XVIII apresentou a nifesta pela maioria, nem mesmo a “vontade
mais im portante alternativa à teoria dem o­ de todos”, que o autor desdenha com o não
crática liberal. Tanto um com o o outro se sendo mais do que “um a soma de vontades
encontram no pólo oposto da concepção in­ particulares” (Idem, p. 371). É a vontade do
dividualista e liberal, que localiza o exercício tpdo social, do “eu-com um ” que nasce com a
da liberdade na esfera privada, que deve ficar associação.
im une, tanto quanto possível, da interferên­ A vontade geral não é, para o filósofo
cia repressiva do Estado. Eles entendem a li­ genebrino, a resultante do debate público de
berdade como “ausência de dominação”; por­ todos, como acreditam alguns intérpretes que
tanto, ela exige a participação ativa na vida tentam ver nele um “dem ocrata deliberati­
pública. C om o diz Skinner, ao defender a vo” (Wokler, 1995, p. 117). A vontade geral
atualidade de tais pensadores, o risco de tira­ possui um caráter metafísico. Gerada no m o­
nia sempre estará presente se não formos ca­ m ento do estabelecimento da associação, ela
pazes de dar “prioridade aos nossos deveres permanece sempre pura e certa, ainda q u an ­
cívicos sobre os nossos direitos individuais” do a coletividade tom a decisões erradas. É que
(1992, p. 223). Rousseau a diferencia da deliberação políti­
Ao mesmo tem po, am bos consideram ca, que tem por objetivo identificar (e não
que tal participação deve ser marcada pelo produzir) a vontade geral, podendo ser m e­
com prom isso com interesses gerais da com u­ nos ou mais feliz no cum prim ento da tarefa.
nidade, que estão acima dos interesses pri­ A discussão pública é útil como processo edu­
vados de cada um de seus integrantes. M a­ cativo dos cidadãos, mas nada cria; a vonta­
quiavel, seguindo os autores clássicos, usa o de geral lhe precede e é superior a ela.
vocabulário da “virtude cívica”. Rousseau está Além disso, a abordagem que Rousseau
mais próximo da expressão contem porânea, faz da comunicação é peculiar. Em seus n u ­
o “bem com um ”. N um caso com o no outro, merosos textos autobiográficos e sobretudo
o substrato é o mesmo, com claro' conteúdo no mais im portante deles, as Confissões, fica
norm ativo. A ação política não pode se resu­ patente que um a das experiências decisivas
m ir à barganha ou ao com prom isso entre em sua formação foi o sentimento^da opaci­
preferências individuais; ela deve pensar no dade de cada indivíduo em relação ao outro,
benefício da coletividade. que a linguagem era incapaz de su p erar
A expressão mais elaborada desta posi­ (Rousseau, 1959 [1770]). Já foi dem onstra­
ção está na obra m adura de Rousseau, em da a im portância deste dado para a com ­
sua crítica aos autores contratualistas liberais, preensão de sua teoria política (Starobinski,

20
1991 [1971]; Baczko, 1974 [1970]). É pos­ mocrática, sobre a fundam entação da moral
sível dizer que até mesmo o isolamento qua­ e sobre a constituição do “eu”. C ontra o uti­
se perfeito dos indivíduos no estado de na­ litarismo e o individualismo liberal, a cor­
tureza, tal como descrito no Segundo discurso rente afirma o encaixe (embeddedness) do ser
(Rousseau, 1964 [1755]), é a externalização hum ano no meio social (M aclntyre, 1981;
desta realidade íntim a. D iante de tal descon­ Walzer, 1983;Taylor, 1997 [1989]). A iden­
fiança em relação às possibilidades da com u­ tidade pessoal e a concepção do bem dos in ­
nicação, fica claro que Rousseau não seria divíduos são geradas na sociedade e só são
capaz de produzir um a teoria deliberativa da inteligíveis dentro desta m oldura.
democracia. O alvo é Rawls (1997 [1971]) e, de fato,
Por outro lado, não é difícil traçar um a m uito da corrente nasce como um a resposta
genealogia ligando o autor do Contrato tan­ a Uma teoria da justiça. Para apresentar sua
to aos republicanistas com o aos participa- concepção de.um a sociedade bem ordenada
cionistas, o que será discutido na próxima como sendo aquela a que chegariam indiví­
seção. D entro do republicanismo cívico, é es­ duos racionais desprovidos de preconceitos,
pecialm ente m arcante sua vinculação com Rawls cria o artifício da “posição original”.
um a subcorrente específica, o chamado “co- Nela, todos debateriam cobertos pelo “véu
m unitarism o”, que valoriza a com unidade da incerteza”, isto é, desconhecendo suas ca­
com o fonte de identidade, de valores e do racterísticas particulares - o que inclui desde
bem com um . sexo, orientação sexual e raça até a geração
A fusão que faço aqui, entre republica­ ou a própria concepção do bem. Assim, como
nistas e com unitaristas, não está isenta de meras encarnações de um a m esm a Razão
arestas. Michael Walzer (1992), por exem­ universal kantiana, as pessoas deveriam che­
plo, divide diferentes correntes do pensamen­ gar aos dois princípios da justiça que o pen­
to político de acordo com o local que indicam sador estadunidense enuncia em seu tratado.
para a realização da “boa vida”: o mercado, N o vocabulário dos com unitaristas, acu­
espaço da escolha e da liberdade, para o libe­ sa-se Rawls (e o liberalismo como um todo)
ralismo; o trabalho criativo, em que se obje­ de trabalhar com um concepção do indiví­
tiva a essência hum ana, para o marxismo; a duo como “separado” de suas características.
pátria, onde estão presentes os laços “reais”, Q uer dizer, não leva em conta que “eu” só
de sangue, para o nacionalismo. E distingue sou “eu” porque tenho certas características,
o republicanism o, que localiza a “boa vida” inclusive certa “concepção de bem ”, que an­
na polis, onde os cidadãos afirmam sua li­ coram m inha personalidade. Se as caracte­
berdade pelo ato de debater e decidir, do co- rísticas fossem outras, eu sim plesm ente não
m unitarism o, para quem ela está na socieda­ seria eu: seria um a outra pessoa. Isto não quer
de civil, espaço da solidariedade. Mas creio dizer que o indivíduo não possa se trans­
que existem boas razões para fundir as duas formar, às vezes de form a radical, mas sem­
perspectivas, conforme pretendo dem onstrar pre mediante um processo específico, de um a
adiante. trajetória de vida determ inada. C om o diz
A idéia subjacente à valorização da ex­ M aclntyre (1984, pp. 140-141), é preciso ver
periência com unitária é que, sem o sentim en­ o ^ ^ c o n stitu íd o como parte de um a história
to de pertencim ento a um a coletividade, ne­ de vida, situado num a trajetória, em relação
n h u m a sociedade pode subsistir - o que aos outros, com suas outras trajetórias. E
com bina discussões sobre a organização de­ Rawls, em suma, levaria às últimas conse­

21
qüências um a característica de to d c ro li­ da coletividade. Sandel afirma que os ativis­
beralismo, que considera o indivíduo um a tas dos direitos civis têm direitos porque pro­
abstração. movem um a sociedade melhor, ao contrário
A vertente com unitarista parece flertar, dos neonazistas.
m uitas vezes, com o discurso da direita mais Em últim a análise, porém, os direitos
tradicional, que enfatiza a necessidade de pro­ concedidos aos indivíduos seriam aqueles vin­
teger determ inados “valores” (em geral fami­ culados aos valores com partilhados pela co­
liares e religiosos) contra os riscos do indivi­ m unidade, que delim itaria os parâmetros da
dualismo. A obra.de Christopher Lasch, em diferença legítima —já que não há outro juiz
particular, exemplifica tal posição —num au­ para determ inar quais fins são m oralm ente
tor que se considerava-à esquerda no espec­ bons e quais são nefastos. Nas sociedades con­
tro político estadunidense. Ao lado da defesa temporâneas, marcadas pela pluralidade de
de um a concepção tradicional de família estilos de vida, de valores, de culturas, é difí­
(Lasch, 1991 [1978]), aparecem os vilões que cil imaginar que u m tal consenso ou quase-
destroem as com unidades, um a lista que in­ consenso seja possível (ou mesmo desejável).
clui em prim eiro lugar o mercado, mas tam ­ D iante do desafio 'do m u lticu ltu ralism o ,
bém o feminismo, o declínio da autoridade Sandel (1994, p. 7) sustenta que a intolerân­
na escola e até a dessegregação racial nos bair­ cia nasce do abandono das tradições e da per­
ros. C om isso, estariam sendo destruídas a da de raízes. O u seja, a com unidade seria a
família, a vizinhança, a igreja e a escola, isto solução, não o problem a. Mas isso é mais
é, as instituições que fornecem a “disciplina wishful thinking do que um a conclusão sus­
formadora de caráter” e também o sentimento tentada em evidências.
de com unidade (Lasch, 1995, p. 117).1 Por outro lado, como ainda observa San­
Mas os autores mais interessantes da cor­ del (1994, 1998), a solução de Rawls (e dos
rente se preocupam em assegurar que não liberais em geral) é buscar a “neutralidade”
negam os direitos individuais, nem julgam quanto a valores e concepções do bem. Mas
que as minorias devem se curvar aos valores tolerância, liberdade e equanim idade são va­
da maioria. M ichael Sandel (1998, pp. ix- lores tam bém , e não podem ser defendidos
xvi), em especial, explica que o que ele com ­ com a pretensão liberal de isenção de valo­
bate é a visão liberal de que os indivíduos res. A questão do aborto é o m elhor exemplo
possuem direitos apriori, independentem en­ de um a discussão ética em que fica claro que
te de sua concepção de bem . Para ele, trata- direito e valores não podem ser considerados
se do inverso: um direito é reconhecido como separadamente.
tal quando serve a algum fim moralmente im­ Mais do que apresentar um a construção
portante. Essa regra ajuda a resolver alguns teórica que supere o liberalismo e, assim, aju­
casos espinhosos para a concepção liberal de de a construir um a teoria aprim orada da de­
justiça; perm ite, por exemplo, que se conce­ mocracia, o com unitarism o é útil para assi­
da liberdade de manifestação para ativistas nalar as aporias do pensamento liberal. O tom
pelos direitos civis dos negros, mas não para retrógrado que tinge suas abordagens tam ­
neonazistas. Um liberal diria que todos pre­ bém reduz sua utilidade para o enfrentam en-
cisariam ter direitos iguais, independente­ to dos desafios da ordem política contem ­
m ente de seus objetivos. Um com unitarista porânea. Segundo Gorz, um crítico desta cor­
estrito observaria que som ente teriam direi­ rente, há “a nostalgia de um m undo simples,
tos os que com ungam nos ideais da maioria transparente, pré-m oderno, no qual a socie­

22
dade funcionaria à maneira de um a com u­ tervenção corretiva do Estado, a com unidade
nidade originária' (1997, pp. 190-191; ver pode ser um viveiro da desigualdade e da pre­
tam bém Mouffe, 1992). A aproximação com cariedade das condições materiais. O resul­
Rousseau, desta vez com o rom antism o do tado é, m uitas vezes, a tutela da com unidade
filósofo genebrino, mais um a vez é possível. por um “poderoso”, çomo revelam os esque­
Um dos alvos da vertente com unitarista mas políticos clientelistas e neoclientelistas.
é o Estado de bem -estar social; de fato, a co­ Para quem está na periferia do capitalis­
m unidade, entendida como o terreno da “so­ mo, fica claro que a crítica do Estado de bem-
lidariedade concreta”, opõe-se tanto ao neo- estar social exige antes a existência de um.
liberalismo com o à intervenção estatal. O N ão há dúvida de que a intervenção estatal
mercado promove o egoísmo e rompe a s o li­ perm anente desorganiza redes com unitárias,
dariedade social, mas o Estado de bem-estar induz à passividade, faz com que o sentimento
promove a passividade, rom pe com o senti­ de responsabilidade m útua, que existe entre
do de responsabilidade social, substitui a so­ pessoas que vivem-em com um , seja substi­
lidariedade horizontal pela assistência verti­ tuído pela dependência em relação à insti­
cal e burocratizada. tuição protetora. Aliás, tudo isso já está em
Lasch (1995) extrai um exemplo eluci­ Tocqueville. Mas será que a “com unidade” é
dativo do livro clássico de Jane Jacobs (1993 a solução?.A interação “quente” entre m u­
[1961], p. 108) contra o planejam ento ur­ lheres das favelas brasileiras, que cuidam dos
bano m odernista - livro que, aliás, se tornou filhos umas das outras devido à ausência de
um a das grandes fontes de inspiração dessa atendim ento pré-escolar, pode ser vista sim ­
corrente. Um a criança atravessa a rua sem paticam ente como um a dem onstração de so­
olhar para os lados e leva um a bronca do pi- lidariedade com unitária. Mas não seria me­
poqueiro da esquina. M uito mais im portan­ lhor garantir a todas o atendim ento “frio”
te do que a regra de segurança no trânsito, o proporcionado por um a creche sustentada
pipoqueiro está ensinando à criança um a li­ pelo Estado e operada por seus funcionários?
ção subjacente, pelo simples fato de ralhar com Aliás, o exemplo mostra tam bém que a críti­
ela: as pessoas são responsáveis umas pelas ca ao Estado de bem-estar, que não é exclusi­
outras, sem que.sejam form alm ente encarre­ vidade dos com unitaristas, possui um viés de
gadas disso. Tal lição é impossível de ser dada gênero: ela costum a ignorar o fato de que o
pelo Estado de bem-estar. Uma babá ou assis­ peso da “solidariedade com unitária” recai
tente social que ficasse plantada na rua cuidan­ quase todo sobre as mulheres (Fraser, 1989).
do dos moleques não poderia transm iti-la, já Em suma, a crítica com unitária oscila
que a força reside na gratuidade do gesto. entre dois pólos: ou condena o liberalismo
Portanto, o sentim ento de com unidade pela atom ização do in d iv íd u o , com o faz
promoveria a cooperação entre seus integran­ Lasch, ou aponta como incorreta a visão li­
tes por meio de interações “quentes” e não- beral de um a sociedade de indivíduos atom i-
burocratizadas. E algo m uitíssim o com pli­ zados, m ostrando a perm anência e a im por­
cado, pois insinua que os serviços públicos tância dos laços com unitários, com o fazem
podem ser dissolvidos nestas formas de coope­ os críticos de Rawls. Há, é claro, um a im ­
ração —e, de fato, um a tintura com unitarista possibilidade lógica de que ambas as críticas
costum a aparecer em certos discursos de des­ sejam consideradas integralm ente corretas.
m onte do Estado, sobretudo na exaltação do Tanto quanto a teoria deliberacionista,
mítico “terceiro setor”. Mas, na ausência de in­ a democracia republicana se situa, em pri­

23
meiro lugar, no plano normativo. A política na” é com unitário, mas “compatível com for­
deve perseguir o bem com um , o que ecoa o mas pluralistas m odernas de sociedade”, e
Maquiavel dos Discorsi, sem dúvida o “he­ valoriza a participação, não com o bem em si
rói” desta corrente. Em O príncipe, por sua mesma, mas por ser necessária para o gozo
vez, somos constantem ente lembrados daqui­ da liberdade como não-dom inação. N o en­
lo que a política é. Mesmo sob risco de sim ­ tanto, muitas dessas distinções parecem ser
plificação excessiva, é possível dizer que a oobretudo retóricas. O apelo à participação
ponte que uniria os dois extremos —da reali­ cívica e à busca do bem com um tem pouca
dade ao dever ser —seria o reavivamento do substância se não se explica em que se emba-
sentido de com unidade, com a reafirmação saria tal civismo, ou seja, em que se fundaria
dos laços de solidariedade e identidade que o “‘com um ’ do bem”. A resposta estaria, pois,
ligam o indivíduo a seu grupo. na história, na cultura e nas tradições com ­
Com a valorização da esfera pública, a partilhadas, na sensação de pertencim ento em
concepção democrática republicana apresenta com um, na identidade construída; num a pa­
um campo mais fértil para o reconhecim en­ lavra, na com unidade.
to da im portância da comunicação no pro­
cesso político. N o entanto, tam bém os auto­
res desta corrente tendem a ignorá-los. Em A Democracia Participativa
primeiro lugar, há a idéia de que a vontade
geral (ou o bem com um ) é preexistente, algo Um dos problemas mais evidentes dos
que Rousseau afirm a de form a explícita e regimes eleitorais, para quem busca resgatar
que está presente também entre os com uni- o sentido ideal da democracia, é a baixa par­
taristas. Ao exaltarem o consenso social e os ticipação da maior parte dos cidadãos e das
valores com partilhados na com unidade, eles cidadãs na condução dos negócios políticos.
ignoram o fato de que não se trata de cons­ Embora a influência difusa da “opinião pú­
truções neutras, mas construções vinculadas blica” possa se fazer sentir nas decisões go­
a interesses de determ inadas camadas; a pro­ vernamentais, é apenas esporadicamente, no
teção e o desafio a tal consenso fazem parte m om ento das eleições, que o povo com um
da luta pela hegem onia na sociedade. dispõe de poder efetivo. Os dem ocratas par­
Com isso, ocorre um a redução da esfera ticipativos focam essa questão e propõem al­
da comunicação que é semelhante à promovi­ ternativas, que increm entem a presença po­
da pelos teóricos da democracia liberal. Tanto pular na política.
num caso como no outro, não há espaço para Mais do que qualquer outra das corren­
a construção coletiva das preferências. A co­ tes críticas aqui estudadas, a teoria da dem o­
municação é, antes de tudo, informação - cracia participativa —que floresceu sobretu­
embora, para a vertente republicana, ela tam ­ do nas décadas de 1960 e 1970 - se aproxima
bém possa desem penhar um papel significa­ de um modelo institucional a ser im plem en­
tivo com o parte de um processo educativo. tado. Deliberacionistas e republicanistas, co­
Cum pre assinalar, por fim, que nem toda mo visto, apresentam sobretudo normas gerais
a concepção republicana adota necessaria­ e critérios de apreciação dos sistemas políti­
m ente um a posição com unitarista. Pelo con­ cos existentes, mas pouco avançam no dese­
trário, alguns autores preferem dem arcar sua nho de instituições que pudessem efetivar seus
diferença. Pettit (1997, p. 8), por exemplo, ideais. Em m enor medida, esse é tam bém o
afirma que seu ideal de “liberdade republica­ caso dos m ulticulturalistas. Já os que defen­

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dem a concepção de democracia participa­ universal. C ham ado a tom ar parte no pro­
tiva indicam , com razoável nitidez, que tipo cesso decisório, graças a seu direito de voto,
de ordenam ento político deveria ser adota­ o cidadão ou a cidadã com uns teriam incen­
do para se alcançar um a democracia digna de tivos para ampliar seu conhecimento do m un­
seu nome. do social, escapando dos estreitos limites de
Em prim eiro lugar, é necessário assina­ sua vida pessoal e de seu trabalho específico.
lar que - ao contrário do que afirmam al­ O resultado se faria sentir não apenas na po­
guns de seus críticos, com o Sartori (1994 lítica, mas em todas as esferas da sociedade:
[1987]) - os participacionistas não vislum­ pessoas com horizontes mais amplos seriam
bram o retorno da democracia direta. O ar­ melhores profissionais. A introdução do su­
ranjo institucional que propõem , bem mais frágio universal, no entanto, logo destruiu
com plexo, apo nta para a possibilidade de as ilusões alim entadas peio filósofo inglês.
aprim oram ento da representação por meio O direito de voto mostrou-se um incentivo
da qualificação política dos cidadãos e das demasiado frágil para a qualificação cidadã,
cidadãs comuns. dado o intervalo entre as eleições e, em es­
Ao contrário dos comunitaristas, eles não pecial, o peso ínfimo de cada decisão indi­
vêem um a “com unidade” já formada, mas vidual para o resultado geral.
tam pouco recaem na atomiza.ção social típi­ Os participacionistas entendem , assim,
ca da perspectiva liberal. A democracia vai que, para se alcançar a cidadania com peten­
ser percebida e valorizada como um processo te almejada por Stuart Mill, é necessário am ­
educativo; por isso, mais ainda do que qual­ pliar os incentivos —isto é, as possibilidades
quer outra, a corrente participacionista rei­ de participação. Com o o problem a de escala
vindica Rousseau e John Stuart Mill como se revelou crucial (quanto mais pessoas in­
seus precursores intelectuais. cluídas, m enor o peso da presença de cada
N a obra de Rousseau, é central a visão uma), um passo decisivo seria reduzir o âm ­
de que a participação política possui um ca­ bito das decisões políticas, de forma a perm i­
ráter em inentem ente educativo. Participan­ tir a participação direta de todos os envol­
do da busca pela vontade geral, cada cidadão vidos. Rousseau pode ser incluído, mais um a
se aprim ora na arte de identificá-la; há aí uma vez, entre os inspiradores dessa corrente. Se­
aproximação com a defesa da democracia na guindo o pensam ento político antigo e, em
Grécia antiga, quando se argumentava que a especial, M ontesquieu (1951 [1748], p. 362),
virtude cívica era fruto de um aprendizado ele considerava que a dem ocracia só seria
prático (ver W ood, 1995, pp. 193-194). A possível em pequenas cidades-Estado.
glorificação da am pla participação política, Já os participacionistas contemporâneos,
com destaque para seu caráter educativo, ga­ que não advogam a redução do tam anho dos
nhou nova versão na obra de Stuart Mill (1995 Estados nacionais, se insurgem contra a rí­
. [1861]). N ão se trata mais de descobrir um a gida separação entre Estado e sociedade civil
vontade geral, mas de am pliar os horizontes e advogam a im plantação de m ecanism os
dos cidadãos com uns, de outra forma lim i­ dem ocráticos nos espaços da vida cotidia­
tados por seu am biente imediato. D a par­ na, notadam ente bairros, escolas, locais de
ticipação política nasceriam indivíduos mais trabalho e famílias. Com o afirm ou Bobbio
capazes e com petentes. (1987 [1984]), já foi resolvido o problem a
Stuart Mill julgava que o grande meca­ de quem vota, com o sufrágio universal; falta
nism o da participação política era o sufrágio enfrentar o problem a de onde st v o ta.18 Mais

25
próximos dos cidadãos, esteS novos espaços a raiz da desigualdade de riqueza; por o u ­
de decisão dem ocrática promoveriam a par­ tro, a propriedade implica necessariamente
ticipação política. o controle sobre o processo produtivo, blo­
Mas é difícil imaginar um m undo em que queando a efetividade da participação dos tra­
todas as decisões mais im portantes seriam balhadores. Se as decisões cruciais sobre in­
tomadas em fóruns pequenos e próximos dos vestimento, lucro e salário perm anecem nas
cidadãos. M esmo se regredirmos para peque­ mãos dos capitalistas, qualquer introdução
nas economias autárquicas, o que está longe de mecanismos democráticos-na empresa se­
de ser desejável, a gama de questões que não rá lim itada e, em últim a análise, contribuirá
podem ser resolvidas em plano local é im en­ mais para legitimar a exploração do traba­
sa:19 trocas entre as com unidades, com uni­ lho. Assim, os teóricos participacionistas são
cações, transportes, epidemias, poluição etc. levados a afirmar, ainda que de form a im ­
Assim, a participação na base precisará, neces­ plícita, a incom patibilidade do aprofunda­
sariamente, ser com binada com um a estru­ m ento da democracia com a m anutenção do
tura representativa piram idal; um dos efeitos capitalismo.
benéficos esperados do increm ento partici- O modelo de planejam ento centraliza­
patório é, aliás, a ampliação da capacidade do, típico dos países do “socialismo real’', tam ­
de controle sobre os representantes. bém é co n tra-in d icad o , pois se am plia a
H á um ponto adicional, em que a in­ igualdade material, oferece, em contraparti­
fluência de Rousseau tam bém é detectável: a da, pouco espaço para a participação efetiva
sensibilidade para as desigualdades concretas dos trabalhadores na tom ada de decisões co­
que existem na sociedade e o reconhecim en­ tidianas. Mesmo que o plano econômico fosse
to de que elas interferem na esfera política. a resultante de gestões democráticas, um a vez
C om os participacionistas, o m undo material adotado apareceria com o um a imposição ex­
faz-se presente na teoria política. Por isso, o terior (Gorz, 1988, pp. 56-61). A lógica da
problem a da relação entre democracia e capi­ participação am pliada exige descentralização
talismo é central aqui, ao passo que é negado do poder. Assim, em geral os participacionis­
no pluralismo liberal (o mercado com petiti­ tas inclinam-se para propostas de econom ia
vo é visto com o fragm entador do poder, por­ autogestionária, que não excluem o merca­
tanto benéfico para a democracia), abstraído do, mas dão aos trabalhadores a adm inistra­
no deliberacionismo e, no republicanismo, ção de cada empresa.
sublim ado na questão dos efeitos nocivos, do Uma defesa abrangente das vantagens
com portam ento egoísta que a econom ia ca­ políticas da autogestão é apresentada por
pitalista exige. A dem ocracia participativa, Robert D ahl (1990 [1985]), no livro em que
pelo contrário, traz à tona a constatação que alcança a distância máxima em relação a seu
já fazia Rousseau (1964 [1762]): é impossí­ liberalism o anterior. C o n tu d o , os autores
vel m anter a igualdade política em condições mais representativos da corrente participa-
de extrema desigualdade material, quando cionista foram a inglesa Carole Pateman.e o
uns são tão pobres que precisam se vender, canadense C. B. M acpherson —o verbo está
outros são tão ricos que podem comprá-los. no passado porque M acpherson faleceu e
O s dois pontos —a necessidade da práti­ Pateman há m uito anos se dedica exclusiva­
ca cotidiana da democracia e a busca da igual­ m ente à teoria feminista. O ponto de partida
dade material —convergem na discussão so­ da discussão, para ambos, é pensar se a de­
bre a propriedade privada. Por um lado, ela é mocracia precisa ficar lim itada a um a com-

26
petição entre elites. U m a vez dada a resposta qualificação da cidadania. U m a proposta si­
negativa, cum pre analisar por que, historica­ m ilar é in d icad a pelo ú ltim o P oulantzas
m ente, isto aconteceu. A resposta, também (1985 [1978]).
para os dois, é que isto ocorreu devido ao ca­ M acpherson aponta que, para vigorar, o
sam ento instável entre mercado capitalista e modelo participativo exige não apenas uma
democracia mudança de mentalidade, elim inando a ana­
O modelo esboçado por Pateman (1992 logia da política com o mercado e a autovi-
[1970]) enfatiza a introdução de instrum en­ são do eleitor com o consum idor, mas tam ­
tos de gestão dem ocráticos na esfera da vida bém a redução das desigualdades econômicas,
cotidiana, sobretudo nos locais de trabalho que levam à disparidade de influência polí­
(a chamada “democracia industrial”, que exi­ tica. C om o se pode observar, há um círculo
ge formas de autogestão). C om isso, haveria vicioso entre as. duas premissas, qual seja, as
tanto um a ampliação significativa do contro­ desigualdades prom ovem a apatia do elei­
le da própria vida, como do entendim ento torado, de um lado, a apatia im pede um a
sobre o funcionam ento da política e da so­ participação no sentido de dim inuir as de­
ciedade, o que perm itiria m aior capacidade sigualdades, de outro. Escrevendo em mea­
de interlocução com seus representantes e dos da década de 1970, M acpherson julgava
m aior fiscalização destes. Em outras palavras, que esse círculo tinha pontos fracos, o que
a accountability (responsividade do represen­ lhe dava esperança quanto à possibilidade de
tante perante os representados), que na dem o­ haver um a ruptura; hoje, talvez, não fôsse­
cracia eleitoral tende a funcionar precaria­ mos tão otimistas.
m ente, seria aprim orada com o treinam ento A corrente participacionista não con­
oferecido pela participação na base. A com ­ testa o fato de que a m aioria das pessoas, na
preensão deste vínculo entre os níveis micro maior parte do tem po, é apática, desinfor-
e macro, que recupera o caráter educativo da mada e desinteressada, mas ressalta que, em
atividade política apontado por Rousseau e potencial, todos tem os condições para en­
Stuart M ill, entre outros, é essencial para que tender e ter um papel ativo na discussão e na
o modelo participativo ganhe sentido. gestão dos negócios públicos. Rompe-se com
Fica claro que a participação na base tem, a idéia, presente de forma aberta ou oculta
erítre suas funções, a de ser um meio para o na teoria dem ocrática liberal, de que agir po­
aprim oram ento das instituições representa­ liticam ente é um dom da “elite”. A inda as­
tivas. O modelo sugerido por M acpherson sim, ao julgar que a apatia seja som ente um
(1978 [1977]) tam bém julga que a am plia­ efeito da ausência de oportunidades e do de-
ção das oportunidades de participação gera­ sestímulo estrutural, a aposta na disposição
ria um salto na qualidade da representação. das pessoas para o envolvim ento político é
Ele dá ênfase menos à dem ocracia industrial talvez excessiva.
do que a instituições de tipo soviético, isto é, Estudos sobre processos de tom ada de
comitês a um só tem po deliberativos e exe­ decisão em nível local revelaram certas des-
cutivos, Com a participação de todos, para funcionalidades, bem como a perm anência
gerir o cotidiano no bairro, no trabalho, na de desigualdades, que a teoria em geral igno­
escola etc. Além disso, adm inistrando as es­ rava. Em especial, as relações interpessoais no
truturas maiores da sociedade, perm anece­ ambiente de participação democrática inibem
riam os' mecanismos da democracia liberal, a expressão de discordâncias; por outro lado,
só que providos de mais conteúdo, graças à o poder de quem faz a agenda de deliberação

27
permanece inconteste (Mansbridge, 1983). claro, mas a teoria pressupõe que a experiên­
Ademais, o entusiasmo com experiências de cia na gestão direta de poder na base am plia
autogestão, sobretudo as da antiga Iugoslá­ a capacidade de compreensão acerca da polí­
via, recuou à m edida que se obtiveram dados tica em geral e de escolha dos representantes.
mais acurados sobre seu real funcionam ento Fica claro que a participação do orça­
(Patem an, 1989). m ento participativo está m uito mais ligada
A partir do começo dos anos 1980, a teo­ ao sentido fraco do que ao sentido forte da
ria participativa da dem ocracia perde fôlego palavra. Em bora ocorram variações de local
no debate acadêmico. No Brasil, no entanto, para local e ao longo do tem po, trata-se tip i­
vai ganhar força, associada sobretudo às ex­ camente de um a estrutura delegativa piram i­
periências de “orçam ento participativo” m u­ dal. A princípio, todos os moradores têm a
nicipal, consideradas as mais exitosas inova­ possibilidade de participar das discussões em
ções na gestão do poder local. Tal associação assembleias de base (em bora apenas um a
reside, a meu ver, num equívoco de interpre­ m inoria o faça), que culm inam com a elei­
tação. N ão se trata de negar a im portância ção de um a lista de prioridades e de um n ú ­
de várias iniciativas de orçam ento participa­ mero de delegados. Esses delegados, por sua
tivo na renovação de práticas políticas locais, vez, escolhem outros, num processo que ter­
na ru ptura com esquemas clientelistas crista­ m ina por produzir um “conselho” com po­
lizados e na abertura das instâncias decisó­ deres para negociar, am algamar e substituir
rias aos movim entos populares urbanos. Mas as prioridades votadas. É o conselho que, no
é necessário perceber que o orçam ento parti­ final das contas, elabora a proposta orça­
cipativo não é um instrumento de deynocracia m entária - na verdade, um adendo à pro­
participativa. Vale analisar, ainda que breve­ posta orçamentária, já que o grosso dos re­
m ente, o sentido da “participação política”. cursos públicos pertence a rubricas fixas e não
Por um lado, qualquer forma de engajamen­ passa pelo conselho de representantes da base.
to na esfera política pode ser considerada uma Em todo o processo, a participação popular
participação; é a percepção que orienta a cons­ consiste sobretudo na escolha de delegados;
trução dos “índices de participação”, que pas­ nesse sentido, não é qualitativam ente dife­
sam pelo voto, da presença em comícios, pela rente da participação eleitoral. As experiên­
contribuição financeira a partidos e candi­ cias de orçam ento participativo promovem ,
datos, pela discussão de temas políticos etc. assim, um a duplicação de instâncias represen­
N o seu m odelo de dem ocratização, D ahl tativas, sem a transferência de poder decisó­
(1971) apresenta a “participação” como uma rio real para os cidadãos com uns. E trata-se
das dimensões relevantes a ser considerada, de uma representação complexa, em vários
mas, com o já visto, o term o, para ele, indica níveis, não só por causa da estrutura piram i­
apenas a expansão do direito de voto. Por dal de escolha de delegados, mas tam bém
outro lado, a “participação” pregada pelos porque é necessário entender os participan­
teóricos da democracia participativa está vin­ tes das assembléias de base como represen­
culada a um sentido mais forte da palavra — tantes da população mais ampla, que na sua
significa o acesso a locais de tom ada final de maioria não com parece.;ii
decisão, isto é, implica a transferência de al­ A definição do orçam ento participativo
gum a capacidade decisória efetiva do topo com o forma de política representativa reco­
para a base. Parte im portante das decisões loca a democracia participativa em seus de­
ainda seria tom ada por delegados eleitos, é vidos termos. N a m edida em que engloba

28
necessariam ente a transferência de capaci­ um rótulo que evita a discussão de fundo so­
dade decisória para os cidadãos com uns den­ bre racismo, sexismo, hom ofobia e outras
tro de espaços da vida cotidiana, ela não tem formas de discriminação negativa por vezes
com o se esquivar do problem a da reorgani­ “invisíveis” no m undo social.
zação das relações de produção. Isto é, um N a arena especificam ente p olítica, o
ordenam ento dem ocrático participativo per­ m ulticulturalism o assume a forma da “polí­
manece incompatível com a m anutenção do tica da diferença”, para usar parte do título
capitalismo. de um im portante livro de íris M arion Young
(1990). O deslocamento essencial que a po­
lítica da diferença faz, em relação ao libera­
O Multiculturalismo lismo dom inante, é a inclusão dos grupos so­
ciais num a reflexão política que, marcada pelo
O ponto de partida do m ulticulturalis­ individualismo, tende a exilá-los. Um grupo
mo — corrente de pensam ento crítico que social não é sim plesm ente um a coleção de
floresceu nas últimas décadas, sobretudo no indivíduos, determ inada de form a arbitrária;
am biente acadêm ico estadunidense — é a ele se define por um sentido de identidade
constatação de que as sociedades contem po­ com partilhada. Em suma, as pessoas podem
râneas são e serão, cada vez mais, marcadas formar associações, mas os “grupos, por outro
pela convivência entre grupos de pessoas com lado, constituem os indivíduos” (.Idem, p. 45).
estilos de vida e valores diferentes, por vezes Em bora a filosofia liberal clássica não
conflitantes: A rigor, vivemos o prolongamen­ negue, em abstrato, a possibilidade de um
to de um a situação que se constituiu no prin­ interesse de grupo (que sempre será redutível
cípio da era m oderna, quando os desdobra­ aos interesses de seus integrantes),, ela nega
m entos da. Reforma protestante sepultaram que os grupos possam ter direitos - o único
a possibilidade de efetivação da velha divisa: sujeito de direito é o indivíduo. Tal indivi­
“une foi, une loi, un roi” (uma fé, uma lei, dualismo é um traço constitütivo do liberalis­
um rei). mo desde seus prim órdios. Q uando Hobbes
O problem a que se apresenta é a m anu­ (19801(1651)) e Locke (1998 [1690]), por
tenção de um a mesma lei e de um mesmo rei exemplo, form ulam suas teorias do contrato
para súditos' que professam diferentes fés; social, no século XVII, tam bém delineiam
dito de um a form a atualizada, com o garantir um a imagem atom ística da sociedade. Seu
a unidade política e a igualdade de direitos fundam ento é o bem individual, sem consi­
para cidadãos cujas origens, crenças e valores deração pela com unidade (termo, aliás, des­
fundam entais são tão diversos. De acordo provido de sentido para os dois autores). O
com o diagnóstico dos autores m ulticultura- único móvel para a constituição da socieda­
listas, existem m uitos vieses nas sociedades de política é a vantagem pessoal - a preserva­
contem porâneas, que fazem com que idéias ção da vida, no caso de Hobbes, ou da pro­
e valores de determ inados grupos sejam des­ priedade, no caso de Locke, ambas ameaçadas
qualificados de forma sistemática. A preo­ pela ausência de poder coercitivo im perante
cupação voltou-se, em grande medida, para no estado de natureza.
a denúncia dos preconceitos ocultos na lin­ Com H obbes, há um desvio na direção
guagem, na mídia e no sistema educacional. do absolutismo. Em Locke, porém, a d o u tri­
Os exageros dessa denúncia foram folclori- na liberal ganha um a expressão inicial bas­
zados na fórmula do “politicam ente correto”, tante satisfatória, isto é, o filósofo inglês de-

29
lineou com precisão as linhas mestras que representação mais efetiva. Além disso, acres­
guiaram o liberalismo político pelos séculos centa W illiam s, a força moral da reivindi­
seguintes. O pressuposto indispensável é a cação está vinculada aos processos históricos
existência de direitos individuais, em geral que levaram à exclusão: “Os grupos em mais
considerados naturais (jusnaturalism o), que profunda desvantagem na sociedade contem ­
restringem o âm bito do poder estatal (Bob- porânea tam bém foram sujeitos à exclusão
bio, 1988 [1986], p. 17). A idéia de direito legal da cidadania e à discriminação patro­
individual passa a ser a marca do Estado li­ cinada pelo Estado” (Idem , p. 17). Trata-se
beral. Nesse sistema de pensam ento, é difícil de um critério que inclui trabalhadores, m u­
abrir espaço para a idéia de “direitos coleti­ lheres, minorias étnicas e homossexuais, pelo
vos” (salvo quando são entendidos como a menos.
mera agregação de direitos de diferentes in­ As propostas de mecanismos reparado­
divíduos). Basta observar a tensão perm anen­
res, que incluam tais grupos na arena políti­
te entre o cham ado “direito de autodeter­
ca, passam por formas específicas de finan­
minação dos povos”, um direito coletivo por
ciam ento e apoio à auto-organização, por
excelência, e os direitos hum anos individuais.
cotas eleitorais, partidárias ou parlamentares,
O multiculturalismo, portanto, opõe-se a
e mesmo, como propôs Young (1990, p. 184),
essa premissa do pensamento liberal, afirman­
pela fixação de poder de veto sobre políticas
do a relevância e a legitim idade dos grupos
que os afetem.21
na arena política. D entre os diversos g ru ­
A preocupação inicial dessa corrente,
pos identitários presentes na sociedade, alguns
convém salientar, é menos com um a teoria
estão em posição de desvantagem estrutural,
da democracia e mais com um a teoria da jus­
sendo sistem aticam ente oprim idos e dom i­
tiça. A democracia é, de certa forma, deriva­
nados - para Young (1990, p. 38), o termo
da, com o o arranjo político mais propício à
opressão refere-se aos processos institucionais
que im pedem as pessoas de desenvolver suas realização da justiça. Vale introduzir aqui, pela
capacidades, ao passo que a dominação de­ clareza expositiva, o esquema de N ancy Fra-
signa as condições institucionais que im pe­ ser (1997, 2003), que aponta dois eixos para
dem as pessoas de participar na determ ina­ a realização da justiça: redistribuição (para al­
ção de suas ações. São esses grupos, oprimidos cançar m aior igualdade material entre gru­
e dominados, que precisam ser protegidos por pos e indivíduos) e reconhecimento (garan­
direitos que lhes garantam , entre outras coi­ tindo a todos os grupos o mesmo grau de
sas, um acesso efetivo aos espaços de repre­ respeito social). Os grupos subalternos ca­
sentação política. recem de redistribuição, de reconhecim ento
Vale introduzir a contribuição de Melis- ou, como é mais freqüente, de alguma com bi­
sa W illiams (1998, pp. 15-16), que define nação entre ambos. A perspectiva de Fraser,
os “grupos marginalizados im putados” como que gerou enorm e polêmica com pensadores
sendo aqueles que sofrem com padrões de em posições próximas, como Butler (1998),
desigualdade estruturados de acordo com o Young (1997) ou ainda Feldman (2002), afir­
pertencim ento de grupo, o qual não é expe­ ma tanto a estreita interdependência entre re-
rim entado Como voluntário, nem como m u­ distribuição e reconhecim ento, como sua ir-
tável, e quando a cultura dom inante atribui redutibilidade m útua. Opõe-se, assim, tanto
um sentido negativo à identidade dò grupo. ao.marxismo clássico, que tende a julgar que
São esses os grupos que podem reivindicar o reconhecim ento deriva da redistribuição,

30
com o à teoria de Axel H onneth (2003), que Afinal, os grupos não são apenas oprim idos
faz o m ovim ento inverso. e dom inados pela sociedade; eles tam bém po­
Entre os problemas que a perspectiva da dem oprim ir e dom inar parte de seus inte­
política da diferença apresenta, três são espe­ grantes. Este ponto é destacado pela teórica
cialm ente relevantes. O primeiro diz respei­ feminista Susan M oller €)kin (1999), em tex­
to à determ inação dos grupos que merecem to que, tendo por alvo principal ô filósofo
os direitos com pensatórios. Afinal, é possível canadense W ill Kymlicka (1995), discute a
pensar que os setores mais necessitados de relação entre o m ulticulturalism o e os direi­
proteção especial seriam aqueles cuja im po­ tos das mulheres. N ão é um a questão de in­
tência política é tão grande que são incapa­ teresse apenas acadêmico; de fato, nos países
zes até mesmo de colocar em pauta sua pró­ capitalistas avançados, parte dos grupos cul­
pria privação. N ão há um a solução “técnica” turalm ente dom inados m antém atitudes ex­
para a questão, que é política, mas um es­ trem am ente repressivas em relação às m u­
boço de resposta, já visto acima, é dado por lheres. O kin afirma, então, que a ênfase nos
Young e Williams: são grupos que estão num a direitos das minorias culturais prejudica as
posição, historicamente constituída, de opres­ mulheres, retirando delas o apoio contra a
são e dominação. opressão que podiam encontrar num padrão,
O segundo problem a é a relação da dife­ cultural dom inante menos machista. A res­
rença com a igualdade. A posição progres­ posta de Kymlicka (1999) é incorporar “res­
sista “clássica”, que em punhava a bandeira trições internas” aos direitos de grupo, restri­
da igualdade, transforma-se na descoberta das ções ligadas à m anutenção das liberdades e
vantagens da diferença. Com o dem onstrou dos direitos individuais. Mas as liberdades
Pierucci (1999), trata-se de um deslocamen­ e os direitos individuais não são decorrentes
to repleto de “ciladas”, um a vez que a afir­ da natureza, e sim construídos a partir de um
mação da diferença - entendida com o si­ determ inado conjunto de valores —que seria
nônim o de desigualdade ou, dito de outra imposto a todos, violando o princípio que se
forma, como diferença de m é rro - é, desde desejava fazer progredir. Em outras palavras,
há alguns séculos, a bandeira da direita. A a distinção, que Kymlicka (1996, p. 159) ela­
tentativa de conciliação entre os valores di­ bora, entre “restrição interna” e “proteção
vergentes da igualdade e da diferença exi­ externa” só resolve o problem a no nível retó­
ge contorcionism os teóricos e retóricos, e, rico. A prim eira corresponderia ao direito do
quando traduzida para a linguagem mais chã direito de o grupo im pedir dissidências in­
da prática política, dá margem a equívocos. ternas, gerando tensões com as liberdades in­
Slogans vazios (“diferentes mas não desiguais”, dividuais. A segunda refere-se ao direito de o
por exemplo) não suprem a necessidade de grupo se proteger das pressões da sociedade
enfrentamento da questão, que passa pela com­ mais ampla, e poderia ser maximizada sem
preensão da diferença entre as próprias dife­ contra-indicações. N o entanto, um a e outra
renças, algumas das quais (como a diferença estão, na m aioria dos casos, imbricadas.
de classe ou status) devem ser minimizadas C um pre observar, de passagem, que há
ou abolidas, enquanto outras devem flores­ um a diferença de base entre a perspectiva
cer (Fraser, 1997, pp. 203-204)’. de Kymlicka e a de autores com o Young.
O terceiro problem a, o mais gravè de to ­ Kymlicka preocupa-se sobretudo com países
dos, diz respeito à acomodação entre os di­ como Canadá ou Bélgica, às voltas com na-
reitos de grupos e os direitos individuais. cionalismos m inoritários. O m ulticulturalis-

31
mo de Young refere-se ao modelo estaduni­ cam po mais am plo da teoria dem ocrática
dense, com grupos identitários m uito mais atual. E, tam bém , evidenciar alguns dos ei­
fluidos e dispersos. A transposição do m ode­ xos principais da discussão contem porânea
lo estadunidense, diz Kymlicka (1998), com ­ sobre o significado e as possibilidades da
prom ete a com preensão das outras reali­ democracia.
dades.22 Kymlicka afirma estar solidamente Um destes eixos é o sentido e o valor atri­
posicionado dentro da tradição liberal, em bo­ buídos ao consenso. Trata-se de um a questão
ra proponha adaptações, como, por exemplo, im portante e complexa. A harm onia social é
a concessão de direitos excepcionais para um bem com um enre exaltado pelo discurso
grupos minoritários. Young, por sua vez, ma­ político (Miguel, 2000b) e algum grau de
nifesta sim patia pela visão deliberativa da unidade é imprescindível para a m anutenção
democracia, em bora critique alguns dos fun­ da sociedade; entretanto, a democracia se fun­
dam entos da teoria de Haberm as, em espe­ da, como diz Claude Lefort, no reconheci­
cial a crença num a razão universal, capaz de m ento da legitim idade do conflito. Para a
levar ao consenso. E a corrente m ulticultu- percepção liberal, o consenso relevante é pro­
ralista, como um todo, m antém um a relação cedimental - os interesses privados estão em
contraditória com o com unitarism o, já que perm anente disputa e o ganho da dem ocra­
incorpora a percepção da im portância dos cia é proporcionar formas de solucionar tais
laços identitários prim ários - com destaque disputas, aceitas por todos e que excluem o
sobretudo nas formulações de Kymlicka —ao uso da violência física. De form a diversa, a
mesmo tem po em que contesta a visão de um idéia de consenso procedim ental vai ser in ­
“bem com um ” único. corporada pelo m ulticulturalism o, mas aí os
agentes não são indivíduos com interesses
privados conflitivos, mas grupos com valores
Conclusão divergentes.
Deliberacionistas e republicanistas apre­
D a discussão acima, fica claro que as sentam um a visão bastante diversa do consen­
fronteiras entre as cinco vertentes são fluidas so. Ambas as correntes consideram o consenso
e imprecisas. Um autor como Robert Dahl substantivo, sobre políticas, mais do que o
flerta com o participacionism o e proclama mero consenso procedimental. Para a verten­
sua sim patia pela visão deliberativa da dem o­ te deliberativa, o consenso genuíno é a meta
cracia, sem nunca abandonar um a perspecti­ da interação política. Para a republicana, um
va pluralista; Young e outros teóricos da di­ consenso sobre o bem “com um ” que se bus­
ferença enxergam o debate público como ca é necessário para todos os que ingressam
mecanismo ideal para o funcionam ento da de boa fé na arena pública. O s participa-
dem ocracia em sociedades m ulticulturais e cionistas, enfim, possuem um a posição mais
assim por diante. D entro de cada corrente, complexa. O que está em jogo não é tanto o
as diferenças também são muitas, como exem­ consenso ou o dissenso, mas a possibilidade
plificam os contrastes entre Downs e Dahl, de construção da autonom ia coletiva. Um
entre Lasch e Sandel ou entre Kymlicka e acordo torna-se mais factível à medida que
Young. aum enta a igualdade de condições entre os
Portanto, a classificação apresentada ob­ participantes.
jetivou apenas indicar balizas que perm itam Um segundo eixo reside na questão da
situar os diferentes autores e obras dentro do igualdade, term o que esteve associado à de­

32
mocracia desde seus prim órdios - e ainda na A riqueza e a diversidade das teorias refor­
m etade do século XIX, Tocqueville (1835- çam a idéia da dem ocracia como um projeto
1840) usava “democracia" e “igualdade" pra­ inacabado ou, ainda mais, como horizonte
ticam ente com o sinônim os. Para os liberais, norm ativo cuja realização plena sempre nos
a igualdade relevante é a igualdade peranre a escapará. N o cerne de muitas das dificuldades
lei; em outras palavras, o reconhecim ento de está a representação política, inevitável nas
um mesmo conjunto de direitos e liberdades sociedades contem porâneas, mas que impõe
para todos os cidadãos. N enhum a das outras grandes desafios - Com o garantir a vincula-
correntes questiona a im portância da igual­ ção de representantes e representados? Com o
dade liberal. De fato, todas elas se movem den­ im pedir a autonom ização dos interesses dos
tro do universo do liberalismo, entendido governantes? Com o m anter a igualdade? - e
com o respeito a direitos individuais inalie­ que exige ser reconhecida como um a realida­
náveis, desfrutados por todos os integrantes de complexa, multifacetada, que não se es­
da polis, diante dos quais está lim itado o ar­ gota no processo eleitoral (Miguel, 2003a).
bítrio do Estado. Mas acrescentam novas fa­ Por fim, cabe lem brar que, dada a divi­
cetas à questão. são internacional do trabalho intelectual, a
Os deliberacionistas enfatizam a igual­ quase totalidade das teorias influentes da de­
dade no debate público, que exige mais do mocracia é produzida na América do N orte e
que as liberdades formais: exige a abertura na Europa O cidental, o que gera novos de­
deste debate a múltiplas vozes. O republica­ safios, quando são confrontadas com a reali­
nism o cívico postula um a igualdade identi- dade dos países periféricos (Miguel, 2003b).
tária, fonte dos valores com uns que possi­ Nossos problemas são mais básicos, mas nos­
bilitam a ação política. Mais do que as outras sas sociedades e instituições talvez sejam tam ­
correntes, a democracia participativa se pre­ bém menos enrijecidas, perm itindo novos
ocupa com a igualdade substantiva, nas con­ e mais ousados experimentos democráticos.
dições materiais, sem a qual o experimento Pois esta é, afinal, a razão da reflexão teórica
dem ocrático estará fadado a se transform ar sobre a democracia: não apenas entender o
em farsa. A posição m ulticulturalista é a mais m undo, mas contribuir para transform á-lo,
complexa, trabalhando perm anentem ente a no diálogo perm anente com as forças sociais
tensão entre igualdade e diferença. em movim ento.

Notas

1. Um a versão prelim inar deste texto foi discutida no G rupo de Pesquisa “D emocracia e
Democratização" (Demodê) da Universidade de Brasília. Agradeço as sugestões e com en­
tários dos participantes, .bem como de Regina Dalcastagnè.
2. Por ingênua que seja essa visão, ela encontra guarida, por exemplo, em Dahl (1989).
3. Ele usa os term os “democracia representativa" e “democracia participativa”, mas a segunda
reflete claramente o anseio por presença direta do cidadão nos espaços decisórios (Santos
e Avritzer, 2002; Santos, 2004).
4. Usei um a adaptação das categorias de Elster em texto anterior, que, em alguma medida,
serviu de prim eira aproximação à elaboração que agora apresento (Miguel, 2000a).

33
5. Shapiro simplifica o modelo de Elster, identificando duas grandes correntes: “agregativa”
(vertente hegemônica) e “deliberativa”. Mas sua afirmação de que ambas partilham da
posição rousseauniana de que “a tarefa da democracia é expressar um a vontade geral que
reflita o bem com um ” (Shapiro, 2003, p. 3) indica um a leitura insustentável da vertente
agregativa.
6. U m a antecipação do núcleo da tese schum peteriana está em W eber (1993 [1918]).
7. Hoje, D ahl está claramente a esquerda da m aior parte dos deliberacionistas, por suas críti­
cas ao capitalismo, por sua consciência das limitações do ordenam ento liberal e mesmo
por sua denúncia dos aspectos regressivos da Constituição dos Estados Unidos (Dahl,
2002). Já os deliberacionistas, como procuro mostrar na próxima seção, cam inharam para
um a crescente acomodação com o capitalismo, com o constitucionalism o liberal e, enfim,
com o modelo político estadunidense.
8. A idéia é que a negação de tal premissa levaria à legitimação de ditaduras paternalistas, que
dariam aos indivíduos aquilo que, em bora eles não soubessem, m elhor corresponderia a
seus “verdadeiros” interesses.
9. Esta seção está baseada em texto anterior (Miguel, 2002c).
10. G utm ann e T hom pson (1996) são os principais autores de um a vertente alternativa, que
descarta explicitam ente a influência de Haberm as e tom a Rawls com o principal referência
filosófica. Rawls, no entanto, dificilmente pode ser tom ado por um autêntico dem ocrata
deliberativo. Em Uma teoria da justiça (1997 [1971]), ele postula um a razão supra-indivi-
dual que term ina afastando a necessidade ou a possibilidade de deliberação coletiva, con­
forme já observaram vários críticos. Em O liberalismo político (2000 [1993]), sua posição
é deliberativa, mas não democrática, na medida em que privilegia a deliberação em insti­
tuições exclusivas com o a Suprema Corte dos Estados Unidos.
11. James Bohm an (1996, p. 14) prefere ver, nos últim os escritos de Haberm as, um “crescente
pessimismo” quanto à possibilidade de aprofundam ento da democracia, mas trata-se de
generosidade sua: acomodação seria o term o mais adequado.
12. Parte destas respostas é discutida em Dryzek (2001, pp. 652-657).
13. Mas as limitações de tem po permanecem.
14. Dryzek não usa a palavra “consenso” para seu arranjo, que chama de “concordâncias ope­
rativas” (workable agreements).
15. Esta seção beneficiou-se da discussão sobre teoria republicana, conduzida no G rupo de
Pesquisa “Democracia e Democratização ’ (Demodê) da Universidade de Brasília por Ga-
briela Cavalcanti Cunha, a quem agradeço.
16. Em bora seja possível argumentar, como faz Held (1996, pp. 50-55.), que Maquiavel pos-
. sui' um a visão de “democracia protetora”, isto é, que a participação política obedece à
necessidade de proteger interesses privados, seu com prom etim ento com o ideal cívico re­
publicano está bem evidenciado pela literatura (ver Skinner, 1996 [1978], pp. 178-182;
Viroli, 1998).
17. Cum pre observar que um dos núcleos da tese de Lasch -.q u al seja, a cosmopolitização dos
grupos de elite tornou desprovidas de sentido as com unidades às quais o restante da pop u ­

34
lação permanece preso - está traduzido, de forma sociologicamente mais sofisticada e sem
ranço nostálgico, na discussão sobre a globalização realizada por Bauman (1999 [1998]).
Walzer (1990, p p ./1 1-12), por sua vez, sintetiza a percepção da falência dos vínculos
tradicionais na idéia das “quatro mobilidades’ contem porâneas - mobilidade geográfica
(migrações), mobilidade social, m obilidade conjugal (fim da crença na indissolubilidade
do m atrim ônio) e m obilidade política (declínio das lealdades partidárias).
18. Ver, tam bém , a esse respeito Pateman (1970), Bachrach (1980), M acpherson (1977),
Gorz (1987 [1980]) e D ahl (1990 [1985], 1990).
19. Este argum ento, na verdade trivial, é desenvolvido em Dahl (1991 [1982], pp. 24-25).
20. Um esboço de sustentação teórica para a compreensão da relação entre presentes e ausentes
com o sendo um a relação de representação é dado por M ansbridge (1983, pp. 248-251).
21. A autora recuou da proposta em sua reflexão mais recente (Young, 2000).
22. A crítica à “im portação” da discussão estadunidense está presente tam bém em autores
latino-am ericanos, que negam relevância local ao que Beatriz Sarlo cham ou de “identida­
des com hífen” (afro-americano etc.) e ligam a visibilidade do m ulticulturalism o ao “declí­
nio da crítica socialista ao capitalismo [que] contribuiu para desvalorizar as exigências
redistributivas” (García Canclini, 1999, p. 111).

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Resumo

Teoria democrática atual: esboço de mapeamento

Este artigo discute e contrasta as diferentes teorias da democracia presentes no debate acadêm i­
co contem porâneo, agrupando-as em cinco correntes principais: pluralismo liberal, teoria de­
liberativa, republicanism o cívico, participacionismo e multiculturalism o.

41
Palavras-chave: Democracia, Teoria política contem porânea; Liberalismo; Republicanismo;
M ulticulturalism o.

Abstract

Democratic theory nowadays: a mapping draft


' - I
T he article discusses and contrasts different theories o f democracy that are present on the
contem porary academic debate, grouping them in five main currents: liberal pluralism, deli­
berative theory, civic republicanism, participative democracy, and m ulticulturalism .

Keywords: Democracy; C ontem porary political theory; Liberalism; Republicanism; M ulticul­


turalism.

Résumé

Théorie démocratique actuelle: esquisse de mappage

Cet article analyse et oppose les différentes théories de la dém ocratie présentes dans le débat
académique contem porain. Elles sont regroupées en cinq courants principaux: le pluralisme
libéral, la théorie délibérative, le républicanisme civique, la dém ocratie participative et le m ul­
ticulturalisme. •

Mots-clés: Démocratie; T héorie politique contem poraine; Libéralisme; Républicanisme; M ul­


ticulturalisme.

42

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