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A HISTÓRIA DA MULHER NA EDUCAÇÃO E NO MAGISTÉRIO

NO BRASIL
PEREIRA, A. C. F.(F.A.)
FAVARO, N. A. L. G.
UNESPAR – Campus Paranavaí

RESUMO: O processo de feminização do magistério no Brasil é discutido neste artigo


e visa fundamentar uma análise crítica acerca da possível relação entre este fato
histórico e a atual desvalorização da carreira docente. Nosso ponto de partida está
pautado em um eixo teórico-metodológico que concebe tais acontecimentos a partir das
relações sociais de produção da vida. Há atualmente uma preocupante desmotivação
para o exercício dessa profissão, que afeta mulheres e homens, ameaçando o
funcionamento das instituições escolares brasileiras, o que demonstra a importância da
discussão de tal temática. A análise aqui exposta, parte integrante de uma pesquisa em
andamento, retoma a trajetória das mulheres, sua inserção na docência e as lutas
femininas para serem aceitas nesse espaço, além de identificar brevemente a atual
situação da docência no Brasil. O perfil docente ainda é predominantemente feminino
até os anos iniciais da educação básica, alterando-se a partir do ensino médio e superior,
o que denota a necessidade de novas investigações desse fenômeno. Pretende-se
problematizar as possíveis relações desse processo com a atual desvalorização dessa
profissão, possibilitando novas discussões ao debate atual sobre a carreira docente, seus
desafios, as atuais condições de trabalho e suas reivindicações.
Palavras-chave: História da mulher; Feminização do magistério; Desvalorização
docente.

1. Introdução

A importância do tema para a carreira docente está relacionada ao próprio futuro da


mesma, que no Brasil encontra-se permeada de graves problemas. Estes trazem
consequências também para a educação como um todo. Destacam-se dentre eles o
abandono crescente da profissão, a redução da procura das licenciaturas, a
desqualificação da própria formação docente e a desvalorização social da carreira do
professor. Constatou-se recentemente que o abandono da docência é um fato
preocupante na política nacional. Para os analistas, “a desvalorização da profissão é o
grande motivo. Para ganhar mais com menos estresse, os professores acabam fora das
escolas” (AUMENTA..., 2015, p. 1).
A falta de disciplina por parte dos estudantes ainda tem sido uma das maiores queixas
de professores. Segundo Fleuri (2015, p. 58), “vista como natural entre as crianças, a
indisciplina se torna um problema grave quando associada rotineiramente à agressão
contra colegas e professores, bem como a contextos de violência doméstica e de
envolvimento com drogas”.
Os docentes não se sentem preparados para enfrentar as adversidades hoje comuns no
cotidiano escolar, como a violência, as dificuldades de aprendizagem, a indisciplina, os
problemas psicológicos e comportamentais, que ocorrem em grande parte no ensino
fundamental e médio. Além disso, a ausência de perspectivas profissionais afasta cada
vez mais os candidatos dos cursos de licenciaturas. A desvalorização social e econômica
da docência leva-os a escolha de carreiras mais promissoras e de prestígio social,
causando muitas vezes até o abandono destes cursos.
A Revista Educação traz a posição de um dos membros do Conselho de Governança do
movimento “Todos pela Educação”. Para ele, “formação, remuneração, melhoria das
condições de trabalho e carreira são os quatro pilares que poderiam mudar essa
situação” (CIEGLINSKI; HARNIK, 2013, p. 1). Enquanto essas melhorias não
ocorrem, o Brasil segue enfrentando o problema da falta de docentes em sala de aula.
Neste cenário, constata-se também a feminização do magistério no Brasil,
primordialmente na educação infantil e no ensino fundamental. A análise do perfil atual
dos profissionais na carreira docente no Brasil permite identificar as principais
características dos professores que se encontram nas salas de aula em todo país. Com
base no Censo Escolar de 2007, concluiu-se que a maioria dos profissionais da
educação trabalhava na rede pública de ensino.
Quanto aos objetivos dos docentes, inferiu-se que eles “consideram mais importante o
objetivo de ‘formar cidadãos conscientes’ do que ‘selecionar os indivíduos mais
capacitados para o trabalho’” (FLEURI, 2015, p. 57). Outro dado sintomático para essa
questão é a causa da motivação que ainda acomete muitos profissionais, pois ela
atualmente pode estar relacionada a certo idealismo por parte dos professores. Isso
porque é o “amor à profissão” que os leva a querer formar crianças e jovens para
atuarem como cidadãos críticos na sociedade.

A motivação para formar as crianças e os jovens para o futuro e para atuar como cidadãos
transparece em certa dose de idealismo, uma vez que, segundo o estudo do IPM, é “o amor à
profissão” o que leva os professores a dar aulas. A decisão de ser professor, para a maioria, é
motivada por um desejo pessoal e não apenas pela necessidade econômica (FLEURI, 2015, p.
57).

Quanto ao sexo dos docentes, predomina a presença feminina, especialmente nas etapas
iniciais da educação básica. É possível visualizar esta situação mediante o gráfico a
seguir.
Gráfico 1: Professores das etapas da Educação Básica segundo
o sexo - Brasil - 2007
120
97,9 96,1
100 91,2
74,4
Porcentagem

80 64,4
53,3
60 46,7
35,6
40 25,6
20 3,9 8,8
2,1
0
creche Pré-escola Fundamental Fundamental Ensino Educação
anos iniciais anos finais Médio Profissional
Axis Title

Feminino Masculino

Fonte: ESTUDO..., 2009, p. 21

Verifica-se que as características do docente no Brasil, segundo o Censo Escolar do ano


de 2007, apontava um perfil predominantemente feminino na educação infantil, na pré-
escola e nos anos iniciais do ensino fundamental. É possível identificar ainda que isso
foi se modificando a partir do ensino médio, atingindo também a educação profissional.
O Censo Escolar de 2014 fundamenta a mesma conclusão, pois a maioria das funções
docentes é exercida por mulheres. Os resultados da pesquisa realizada sobre o número
dessas funções, feita por modalidade de ensino e segundo o sexo, mostraram que nos
últimos anos, principalmente no Ensino Regular, a maior parte dos professores que
atuam nas salas de aula continua sendo do sexo feminino. Os dados disponíveis revelam
que o número de docentes no Ensino Regular era de “1.683.044/feminino e
415.416/masculino”. Os mesmos referiam-se “[...] aos indivíduos que estavam em
efetiva regência de classe na data de referência do censo” (INEP, 2014, p. 1).
O estudo de Fleuri (2015, p. 63), por sua vez, concluiu que “[...] a categoria dos
docentes brasileiros é constituída por um público eminentemente feminino, adulto,
casado, com família nuclear, de classe média baixa”. A maioria foi formada e ainda atua
na rede pública de ensino. Outras características destes profissionais foram identificadas
em pesquisas sobre o tema, como a idade, raça, formação acadêmica e condições de
trabalho.

O professor ‘típico’ no Brasil é do sexo feminino, de nacionalidade brasileira e tem 30 anos de


idade. A raça/cor é não-declarada, possui escolaridade de nível superior (com licenciatura) e sua
área de formação é Pedagogia ou Ciência da Educação. Leciona, predominantemente, a
disciplina Língua/Literatura Portuguesa, trabalha em apenas uma escola, de localização urbana,
e é responsável por uma turma com 35 alunos em média (ESTUDO..., 2009, p. 48).
A partir das informações obtidas nessas pesquisas mais recentes, pode-se afirmar,
portanto, que a categoria docente no Brasil ainda é constituída primordialmente pelo
público feminino e de classe média baixa, sendo que ainda permanece uma visão quase
que “missionária” dessa profissão.
Essa discussão adquire novos contornos no contexto cultural, ao abordar um tema
bastante debatido atualmente, que é a questão da incorporação do conceito de gênero.
Ele tem sido usado para evidenciar as diferenças nas relações entre homens e mulheres
na sociedade, tanto na política quanto na economia e também na área educacional. É
necessário identificar inicialmente a diferença entre sexo e gênero:

[...] o primeiro refere-se à diferença biológica e o outro, ao contrário, remete à dimensão


cultural, social e histórica que fundamenta a distinção e a relação entre masculino e feminino.
Embora o gênero esteja relacionado aos dois sexos, este é utilizado em grande parte dos textos
para se mencionar ao feminino (CAETANO; NEVES, 2011, p. 62).

A categoria gênero pode oferecer um instrumento analítico valioso para apreender a


situação da mulher e seu processo histórico cultural. “Ser mulher ou ser homem não é
assumir as diferenças físicas como definidoras de papéis sociais, mas considerar que os
seres humanos são seres eminentemente de cultura, portanto, construções históricas
realizadas por eles próprios” (SILVA, 2002, p. 14). Embora consideremos a
importância dessa temática, nos limites desse trabalho, todavia, não será possível
ampliar essa discussão, pois nossa ênfase recaiu nas condições históricas e econômicas
que marcaram a questão da mulher no Brasil.
A análise específica do processo de feminização do magistério envolve o estudo de
distintos e complexos aspectos, como os sociais, culturais, econômicos. No intuito de
desvelar as causas desse processo, apresentamos a seguir uma análise histórica das
condições educacionais, culturais e de trabalho para a mulher no Brasil, para verificar a
seguir como se deu sua inserção na docência.

2. As condições históricas da mulher e sua educação no Brasil

Na história brasileira as mulheres tiveram grandes dificuldades para receber educação


escolarizada e ingressar na carreira docente. Para entender o percurso histórico de
alteração deste quadro e suas consequências atuais, é necessário analisar a condição
feminina e os processos que contribuíram para a feminização do magistério no Brasil.
As mulheres passaram a ter direito à instrução tardiamente no Brasil, pois no período
colonial a educação feminina restringia-se somente a aprender a cuidar do lar, a ser uma
boa esposa e mãe. Segundo Aragão e Kreutz (2011, p. 109), “desde o período colonial,
a educação feminina era restrita ao lar e para o lar, ou seja, aprendiam atividades que
possibilitassem o bom governo da casa e dos filhos”. Esse cenário, entretanto, não foi
exclusividade da história brasileira. Também na Europa a mulher ocupava em geral um
lugar inferior na hierarquia social, estando suas funções moralmente associadas aos
cuidados com o lar, o marido e os filhos.
Na perspectiva cristã da época, a instrução feminina era uma ameaça aos lares e às
famílias. Segundo Novaes (1994, p. 22), “a Igreja Católica foi, até meados do Século
XX, a principal responsável pela educação da mulher, pois as escolas protestantes eram
em menor número”. Devido à forte influência religiosa na família brasileira, durante
muito tempo, através de uma imposição cultural, a mulher acreditou que seu papel na
sociedade era apenas a reprodução biológica, o cuidado com o lar e o marido. Havia um
evidente receio quanto à liberação da educação feminina e quanto ao seu ingresso no
mercado de trabalho:

A mulher deveria cultivar-se para viver em sociedade e ser agradável ao homem, porém não
poderia concorrer com ele profissional e intelectualmente, pois isso seria ultrapassar os limites
da segurança social e ela representaria um risco se lhe fosse dado liberar-se economicamente do
marido ou dos pais e tornar-se-lhe igual no intelecto (ALMEIDA, 1998, p. 119).

A ideologia positivista que se disseminou na Europa a partir do século XIX exerceu


influência significativa no Brasil, contribuindo também para construir essa imagem
mistificada e reservada da mulher. Nas palavras de seu maior expoente:

Toda mulher deve, pois, ser cuidadosamente preservada do trabalho exterior, a fim de poder
preencher dignamente sua santa missão. Voluntariamente encerrada no santuário doméstico, a
mulher aí promove livremente o aperfeiçoamento moral de seu esposo e de seus filhos, cujas
justas homenagens ela aí dignamente recebe (COMTE, 2000, p. 278).

No âmbito desse aparato ideológico e cultural, a mulher era considerada como o “sexo
frágil” e foi designada para o mundo privado, ou seja, dedicada aos cuidados
domésticos e maternais. Com base em uma suposta “natureza delicada e sensível”, foi
colocada a uma posição culturalmente inferior. O homem, pelo contrário, possuía
qualidades consideradas superiores. De acordo com Silva (2002, p. 12), a eles estava
destinado, nessa visão, “o mundo público, onde as qualidades dominantes são a força, a
inteligência operacional, a capacidade de decisão, o ‘pulso firme’ e a contenção de
sentimentos”.
Ao longo do século XIX mudanças significativas começaram a ocorrer no Brasil,
trazendo alterações econômicas, políticas e culturais. Uma delas foi a possibilidade
aberta para que as meninas pudessem ingressar na educação formal, passando a ter um
pouco mais de instrução. Ao mesmo tempo em que se abriam oportunidades para a
educação, no entanto, essa perspectiva estava limitada, pois se enfatizavam mais os
trabalhos manuais, domésticos, do que a escrita, a leitura e a aritmética.
Uma dessas mudanças foi o Decreto Imperial de 15 de Outubro de 1827, o qual permitia o
ingresso de meninas na educação formal e estabelecia um currículo direcionado à formação de
donas de casa, com disciplinas voltadas à leitura, à escrita, às quatro operações matemáticas, à
moral cristã, à doutrina católica e a prendas domésticas (CAMPOS, 2002; ALMEIDA, 1998
apud ARAGÃO; KREUTZ, 2010, p. 108).

Foi na década de 1870 que as transformações se intensificaram, com as reformas na


organização da economia e no sistema político, cujo objetivo era alcançar a
modernização do país. De acordo com a análise de Aragão e Kreutz (2010, p. 109), tais
acontecimentos “[..] evidenciam que o desejo de uma sociedade progressista e
esclarecida incentivou a formação de professores, bem como a crescente urbanização e
industrialização, que demandavam um contingente de pessoas preparadas para o
mercado de trabalho e, por isso, a qualificação docente mostrava-se como um
importante investimento”.
A educação feminina passou a ser mais valorizada, bem como a possibilidade da
docência feminina. Na questão do trabalho, todavia, vale ressaltar que, de acordo com
Hahner (2011, p. 468), “a ênfase ficou na maternidade, a qual eles ligaram ao progresso
e ao patriotismo. Eles salientaram o poder da mulher para orientar o desenvolvimento
moral de seus filhos e a formação de bons cidadãos para a nação”.
De acordo com o positivismo, a educação deveria se iniciar na família, por isso se
atribuiu à mulher o papel de educar e passar valores morais às novas gerações. Sua
aceitação na carreira docente foi possível com argumentos de que é da própria natureza
da mulher ser generosa, acolhedora, amorosa e paciente. O magistério, portanto,
representava uma extensão do lar: a mulher possuía dons naturais para educar seus
filhos e agora, como professora, era a pessoa ideal para educar os alunos.
A educação, portanto, por ser essencial para o desenvolvimento do país, passava por
diversos debates e discussões, destacando-se dentre eles a questão da coeducação.
Importante lembrar que a igreja católica sempre se posicionou contra a coeducação. Foi
somente com a instituição da República que essa influência diminuiu, pois a ideia de
laicidade do ensino prevaleceu. “A República surge defendendo na sua constituição o
princípio de laicidade do ensino, libertando a instrução oficial das amarras da igreja
católica”, conforme apontou Novaes (1994, p. 21).
Foram vários os argumentos dos que defendiam a coeducação, e um deles era o de
ordem econômica, como as dificuldades financeiras em manter escolas separadas, tanto
normais como as primárias. Diante disso, Hahner (2011, p. 469) analisou que, “com a
expansão da educação nas duas décadas seguintes, o custo de manter o ensino primário
separado para meninos e meninas e a escassez de professores homens estimularam a
aceitação de classes mistas para crianças menores que não fossem das elites”. Isso
oportunizou o crescimento das taxas de alfabetização feminina nos grandes centros,
alterando a condição educacional da mulher e afetando também suas condições de
trabalho.

A coeducação também desempenhou um papel na feminização da instrução primária no Brasil.


Criou mais oportunidades para mulheres entrarem no magistério porque se podia confiar a
regência das aulas mistas às mulheres, e não limitá-las a só lecionar nas escolas para meninas
(HAHNER, 2011, p. 468).

Verifica-se também, de acordo com Hahner (2011, p. 468-469), que “[...] a introdução
da coeducação nas escolas normais aumentaria o número de mulheres e diminuiria o
número de homens matriculados, mudando, assim, o futuro caráter da magistratura”.
Outras pesquisas também chegaram à mesma conclusão.

A entrada das mulheres no exercício do magistério – o que, no Brasil, se dá ao longo do século


XIX (a princípio lentamente, depois de forma assustadoramente forte) – foi acompanhada pela
ampliação da escolarização a outros grupos ou, mais especialmente, pela entrada das meninas
nas salas de aula (CATANI, 1997, p. 78).

Nas grandes cidades, as taxas de alfabetização feminina comparadas às masculinas


foram crescendo cada vez mais. Essa afirmação foi constatada na investigação de
Hahner (2011, p. 468), que inferiu que no “Rio de Janeiro, por exemplo, a taxa de
alfabetização feminina comparada à masculina subiu de 29% feminina versus 41%
masculina em 1872 a 44% feminina versus 58% masculina em 1890”. A ampliação das
condições de escolarização feminina afetava diretamente as relações de trabalho do
magistério, configurando assim as características do trabalho feminino nas escolas.
O crescimento de mulheres alfabetizadas nos grandes centros contribuiu para o ingresso
da mulher na docência, porém, acabou gerando as condições materiais para que muitas
professoras fossem contratadas por salários inferiores. De acordo com Almeida (1998,
p. 23-24), o “fato de não ingressarem nas demais profissões, acessíveis somente no
segmento masculino, e a aceitação do magistério, aureolado pelos atributos de missão,
vocação e continuidade daquilo que era realizado no lar, fizeram que a profissão
rapidamente se feminizasse”.
Com a ampliação cada vez maior das indústrias e o crescente urbanismo, os homens
foram em busca de outros empregos, geralmente melhor remunerados, o que
possibilitou um maior número de vagas disponíveis no magistério para as mulheres. “As
profissões voltadas para as elites e para o sistema produtivo e tecnológico sempre se
encontram plenamente qualificadas, prestigiadas e bem remuneradas” (ALMEIDA,
1998, p. 63).
No caso específico da sociedade capitalista, Almeida (1998, p. 63) conclui ainda que:
“Quando qualquer profissão está direcionada para o atendimento da população de baixa
renda, o sistema capitalista consegue levá-la a perder sua qualificação profissional e seu
poder aquisitivo”.
Diante desses fatores históricos é possível percebermos que a desvalorização
profissional da docência não pode ser diretamente relacionada ao fato desta categoria ter
sido rapidamente ocupada pelas mulheres. Uma série de questões econômicas e sociais
também interferiu nesse processo e deve ser lavada em conta no entendimento dessa
questão, que aprofundamos na sequencia.

3. Docência feminina: aspectos econômicos e culturais

Para alguns autores, o discurso de que a docência exercida pelas mulheres deveria ser
compreendida como uma atividade de amor, de entrega e de doação, acabou por
contribuir para uma má remuneração de seu trabalho. “Com a argumentação de
extensão do papel de mãe, conseguiriam atingir o ideal de trabalho filantrópico, ou seja,
não seria preciso uma boa remuneração com o discurso de ser ‘uma missão digna para
mulheres’” (PIMENTA, 2001, p. 29 apud CAETANO; NEVES, 2011, p. 65).

O fato de as mulheres ocuparem cada vez mais espaços na profissão, somado às formulações
ideológicas que as consideravam mais capazes, pela industrialização e pela urbanização estarem
ampliando o mercado de trabalho masculino, oferecendo inclusive ocupações vedadas às
mulheres e, possivelmente, mais bem remuneradas, deve também ter contribuído para o
afastamento masculino, além do propalado desprestígio da profissão e da má remuneração
salarial (ALMEIDA, 1998, p. 68).

Nos limites das relações sociais instituídas no Brasil, o fato foi que o magistério acabou
sendo uma das poucas oportunidades disponíveis para o trabalho feminino.

Com poucas alternativas abertas às mulheres de certa instrução e status, ensinar era o desejado,
embora os salários fossem inferiores aos dos homens. O ensino trouxe a algumas mulheres uma
maior independência econômica, com relação àquela que poderiam ter alcançado de outro modo
(HAHNER, 2011, p. 468).

Apesar disso, é importante elencar outros fatores que interferiram nessa situação e que
tornaram esse processo bastante contraditório. Por um lado, o ingresso das mulheres nas
salas de aula não se deu de forma tranquila. Sua entrada no exercício do magistério foi
contestada através de diferentes discursos, e o mais importante da época era o discurso
científico, onde se afirmava a inferioridade intelectual da mulher. “Portanto, será com o
apoio do discurso científico que alguns poderão afirmar que se constitui numa
‘temeridade’, numa ‘insensatez’ entregar às mulheres – portadoras de cérebros ‘pouco
desenvolvidos’ pelo seu ‘desuso’ – a educação das crianças” (SAFIOTI, 1979, p. 211
apud CATANI, 1997, p. 78).
As classes mais privilegiadas também reagiram de forma negativa quanto ao ingresso da
mulher no magistério. De acordo com a análise de Novaes (1994), as primeiras escolas
normais foram destinadas às classes menos favorecidas, pois as classes médias viam tal
trabalho com desconfiança.

A sociedade reagiria, negativamente, ao recrutamento da mulher, avaliando, inclusive, as


primeiras normalistas como pessoas de moral duvidosa, o que se entende, pois as primeiras
Escolas Normais eram destinadas às camadas pouco privilegiadas que, àquela época, ainda não
viam na educação um mecanismo de ascensão social (NOVAES, 1994, p. 21).

Por outro lado, os positivistas afirmavam que as mulheres tinham por natureza uma
inclinação para o trato com crianças, considerando que eram naturais educadoras. Se a
maternidade era o seu “destino” naquela época, o magistério passou a ser representado
como uma extensão da maternidade. “Os positivistas, ao mesmo tempo que pregavam a
inferioridade orgânica e intelectual da mulher, aclamavam a superioridade moral
feminina”, conforme Hahner (2011, p. 471).
Na construção dessa perspectiva cultural e ideológica pesou a posição de alguns autores.
Nesse processo retomamos a figura de um filósofo e educador alemão do século XIX,
Friedrich Froebel (1782-1852), que foi o criador dos “jardins de infância”. Segundo ele,
a mulher, mais precisamente a mãe, era quem deveria educar as crianças. De acordo
com Arce (2002, p. 67), esse “recanto deveria ser entregue às mulheres, que com
coração de mãe eram as únicas capazes de cultivarem nas criancinhas todos os seus
talentos e todos os germes da perfeição humana unida a Deus”.
Froebel centralizou sua defesa no papel educativo da mulher no ensino infantil,
considerando-a como educadora nata. “Juntamente com este papel, são agregados
atributos à mulher como o de ser guiada pelos sentimentos, agir sempre com o coração,
pertencer ao ambiente doméstico, tornando-se a rainha do mesmo, além de ser
considerada a educadora nata da primeira infância” (ARCE, 2002, p. 57). Para ele, a
escola que desejasse educar adequadamente, deveria buscar na família sua inspiração
para que a instituição fosse um segundo lar para as crianças.
Esta concepção da mulher como “educadora nata”, devido ao seu “instinto maternal”,
pode e precisa ser problematizada. Esta visão também foi uma construção histórica
empreendida por autores como Jean Jacques Rousseau (1712-1778), o positivista
Augusto Comte (1798-1857) e o educador Froebel. Para Rousseau (2004, p. 7), por
exemplo, as mulheres eram naturalmente destinadas a cuidar dos filhos, principalmente
na infância, pois a “primeira educação é mais importante e cabe incontestavelmente às
mulheres. Se o autor da natureza houvesse desejado que ela coubesse aos homens, ter-
lhes-ia dado leite para alimentar as crianças”.
Quanto aos homens, também suas funções sociais foram idealizadas, ressaltando seu
papel dominante e provedor da família. A mulher era assim apresentada como frágil e
dependente dos cuidados masculinos, necessitando de alguém para mantê-la.
“Sustentada primeiro pelo seu pai ou pelos seus irmãos, cada mulher é em seguida
sustentada pelo seu esposo, ou pelos seus filhos. Na falta destes amparos especiais, a
obrigação do sexo ativo para com o sexo afetivo torna-se geral, e o governo deve prover
a isso, sob a inspiração do sacerdócio” (COMTE, 2000, p. 279).
A corrente filosófica positivista pregava e reforçava essa construção ideológica ao
afirmar a “[...] regra fundamental, que só o positivismo sistematizou, mas que sempre
foi pressentida pelo instinto universal: O homem deve sustentar a mulher. Ela equivale à
obrigação da classe ativa para com a classe contemplativa, salvo a diferença essencial
quanto ao modo de execução” (COMTE, 2000, p. 278).
As mulheres não ficaram inertes a esse processo. Elas lutaram contra as condições
sociais que lhes eram impostas e questionaram as concepções teóricas que definiam seu
papel na sociedade. Na Europa e no Brasil é possível identificar vários movimentos em
defesa da liberdade da mulher no espaço social. No caso específico do Brasil, no final
do século XIX e início do século XX foi possível constatar esse fenômeno com maior
nitidez. As mulheres se organizaram e reivindicaram mais educação e instrução.
Muitos grupos de mulheres também buscaram no magistério uma forma de
conquistarem um determinado objetivo para satisfazer sua realização pessoal, movidas
ainda por distintas necessidades,

[...] determinadas por imposições mais fortes e mais eficazes [do que o ‘sonho’, o ‘i-deal’, a
‘vocação’], decorrentes das representações e hábitos de classe e grupo aos quais elas pertencem
(a família, amigos, parentes, bairro, igreja, etc.) e outras de ordem mais ampla: necessidade de
escolarização, os apelos do consumo, ascensão social, etc. (BUENO, 1996, p. 103 apud LAPO;
BUENO, 2002, p. 259).

Várias foram as formas encontradas para exprimir os anseios das mulheres no Brasil.
“No fim do século XIX, foram criados alguns jornais femininos nas regiões centro e sul
do Brasil, que começavam a reivindicar os direitos femininos. Esses jornais pregavam
principalmente a necessidade de melhor nível educacional para mulheres”, de acordo
com Silva (2002, p. 84-85).
Quanto à formação profissional para a docência, foi no decorrer do século XIX que se
criaram as primeiras escolas normais brasileiras: em Niterói, no ano de 1835, na Bahia,
em 1836, e no Rio de Janeiro, em 1880. Em São Paulo, a primeira escola normal foi
inaugurada em 1846, porém sofreu repetidos fechamentos, por falta de verbas, e só foi
reaberta definitivamente em 1880. Segundo Novaes (1994, p. 20-21), em “Minas
Gerais, a primeira escola, implantada em 1840, sofreu processo similar até 1906,
quando foi instalada, exclusivamente, ao sexo feminino”.
Um fator agravante para a qualidade destas escolas, além da falta de recursos
financeiros, é o de que também não havia uma proposta pedagógica definida para a
formação docente naquele período. Como observou Campos (2002, p. 18 apud
ARAGÃO; KREUTZ, 2010, p. 115), “[...] o ensino nos Cursos Normais era ministrado
de forma muito difusa, sem nenhum método que indicasse uma maior preocupação com
a preparação de professores”.
Esse processo histórico incluiu a mulher no magistério, mas, contraditoriamente, trouxe
certa descaracterização do mesmo como profissão, pois foi considerado apenas como
um espaço para quem tivesse vocação e instinto maternal.

Entretanto, a mesma representação que abriu um expoente de possibilidades, restringiu a mulher


profissional da educação. Compará-la a um sacerdote ou pensar que o perfil de uma boa
professora vinculasse ao de uma boa mãe, desvia seu olhar da formação que deveria obter, ao
mesmo tempo que encobre a responsabilidade de gestores sobre o investimento na formação de
professores para a Educação Infantil e séries iniciais da Educação Básica (ARAGÃO;
KREUTZ, 2010, p. 118).

Outro aspecto a considerar nesse processo é o de que, apesar de ter ocorrido o fenômeno
da feminização do magistério na educação básica e os homens terem se afastado das
salas de aula, principalmente no ensino primário, foram eles que continuaram durante
muito tempo com o poder sobre o ensino, como inspetores, diretores, administrando e
elaborando políticas educacionais em todos os níveis de ensino.

[...] a feminização do magistério já era fato. Mas ainda que os homens tivessem saído das salas
de aula, não saíram do poder sobre o ensino. Por mais de décadas eles seriam os inspetores das
escolas primárias, manteriam a superioridade na administração do ensino superior e
estabeleceriam as políticas da educação em todos os níveis. A feminização do ensino primário
não foi simples (HAHNER, 2011, p. 472).

Inúmeras contradições marcaram esse processo histórico da feminização da docência no


Brasil, constituindo a condição real atual. É possível afirmar, concordando com Silva
(2002, p. 86), que o questionamento acerca do papel da mulher na organização humana
“é um problema da humanidade que atravessou séculos e que ainda persiste nos dias de
hoje”.
Essa questão afeta o trabalho docente, que é uma profissão como outra qualquer.
Ensinar é uma tarefa que exige preparo, formação e competência, tanto de homens
como de mulheres.

Uma educação de qualidade só se faz com professores capacitados, cientes do seu papel e, para
tanto, é importante agregar à teoria, o conhecimento e a reflexão sobre nossa dimensão
histórico-social, bem como as repercussões dela advindas (ARAGÃO; KREUTZ, 2010, p. 118).

Diante do que foi até aqui exposto, foi possível identificar os diversos fatores
envolvidos nesta problemática e também a importância e a relevância de tal tema, já que
na atualidade a profissão docente passa por graves problemas e indefinições.
Acreditamos que tal discussão possa contribuir para o entendimento aprofundado da
constituição histórica dessa profissão e da condição da mulher no âmbito da mesma.
Considerações Finais

Podemos inferir, de acordo com as análises históricas até aqui realizadas, que vários
foram os fatores que contribuíram para a feminização do magistério. O magistério foi
visto como uma extensão da educação maternal, de uma atividade que a mulher
realizava no lar, e não como profissão. A mulher também foi idealizada como dotada de
características pessoais que a tornariam mais indicada para trabalhar com crianças, por
ser amorosa, carinhosa, paciente. A educação era, assim, a atividade ideal para a
mulher.
Embora essa visão da mulher possa ser contestada, cultural e economicamente o homem
foi durante certo tempo o responsável pelo sustento da família, destinando-se à mulher a
criação e a educação dos filhos. Esse quadro foi se alterando com as lutas femininas e
com as transformações econômicas advindas das relações sociais capitalistas, que
inseriam as mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, sociedade marcada por um
passado colonial e patriarcal, essas questões tornaram mais complexo o processo de
profissionalização feminino.
A docência foi uma das primeiras profissões a ser socialmente aceita pela sociedade
para as mulheres, pois foi relacionada com a própria maternidade. Esse processo
acentuou o número de mulheres no magistério, sendo esta praticamente a única opção
que lhes restava, já que as demais continuavam sendo vedadas a elas por algum tempo.
Associado com o fato da baixa remuneração da docência nas escolas destinadas às
camadas populares, configurou-se no Brasil uma característica efetiva de feminização e
de desvalorização do magistério.
A investigação até aqui realizada permitiu analisar os principais elementos históricos e
sociais que ocasionaram e permitiram que as mulheres fossem inseridas na carreira
docente e algunss fatores que contribuíram para a feminização do magistério no Brasil.
A verificação da possível relação entre a predominância feminina na docência e a
desvalorização dessa categoria profissional é objeto de novos estudos a serem
desenvolvidos, pois já é possível perceber a multiplicidade de determinações que
interferem nesse fenômeno e que exigem a consideração da totalidade das questões para
uma correta apreensão do real.

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