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NO BRASIL
PEREIRA, A. C. F.(F.A.)
FAVARO, N. A. L. G.
UNESPAR – Campus Paranavaí
1. Introdução
A motivação para formar as crianças e os jovens para o futuro e para atuar como cidadãos
transparece em certa dose de idealismo, uma vez que, segundo o estudo do IPM, é “o amor à
profissão” o que leva os professores a dar aulas. A decisão de ser professor, para a maioria, é
motivada por um desejo pessoal e não apenas pela necessidade econômica (FLEURI, 2015, p.
57).
Quanto ao sexo dos docentes, predomina a presença feminina, especialmente nas etapas
iniciais da educação básica. É possível visualizar esta situação mediante o gráfico a
seguir.
Gráfico 1: Professores das etapas da Educação Básica segundo
o sexo - Brasil - 2007
120
97,9 96,1
100 91,2
74,4
Porcentagem
80 64,4
53,3
60 46,7
35,6
40 25,6
20 3,9 8,8
2,1
0
creche Pré-escola Fundamental Fundamental Ensino Educação
anos iniciais anos finais Médio Profissional
Axis Title
Feminino Masculino
A mulher deveria cultivar-se para viver em sociedade e ser agradável ao homem, porém não
poderia concorrer com ele profissional e intelectualmente, pois isso seria ultrapassar os limites
da segurança social e ela representaria um risco se lhe fosse dado liberar-se economicamente do
marido ou dos pais e tornar-se-lhe igual no intelecto (ALMEIDA, 1998, p. 119).
Toda mulher deve, pois, ser cuidadosamente preservada do trabalho exterior, a fim de poder
preencher dignamente sua santa missão. Voluntariamente encerrada no santuário doméstico, a
mulher aí promove livremente o aperfeiçoamento moral de seu esposo e de seus filhos, cujas
justas homenagens ela aí dignamente recebe (COMTE, 2000, p. 278).
No âmbito desse aparato ideológico e cultural, a mulher era considerada como o “sexo
frágil” e foi designada para o mundo privado, ou seja, dedicada aos cuidados
domésticos e maternais. Com base em uma suposta “natureza delicada e sensível”, foi
colocada a uma posição culturalmente inferior. O homem, pelo contrário, possuía
qualidades consideradas superiores. De acordo com Silva (2002, p. 12), a eles estava
destinado, nessa visão, “o mundo público, onde as qualidades dominantes são a força, a
inteligência operacional, a capacidade de decisão, o ‘pulso firme’ e a contenção de
sentimentos”.
Ao longo do século XIX mudanças significativas começaram a ocorrer no Brasil,
trazendo alterações econômicas, políticas e culturais. Uma delas foi a possibilidade
aberta para que as meninas pudessem ingressar na educação formal, passando a ter um
pouco mais de instrução. Ao mesmo tempo em que se abriam oportunidades para a
educação, no entanto, essa perspectiva estava limitada, pois se enfatizavam mais os
trabalhos manuais, domésticos, do que a escrita, a leitura e a aritmética.
Uma dessas mudanças foi o Decreto Imperial de 15 de Outubro de 1827, o qual permitia o
ingresso de meninas na educação formal e estabelecia um currículo direcionado à formação de
donas de casa, com disciplinas voltadas à leitura, à escrita, às quatro operações matemáticas, à
moral cristã, à doutrina católica e a prendas domésticas (CAMPOS, 2002; ALMEIDA, 1998
apud ARAGÃO; KREUTZ, 2010, p. 108).
Verifica-se também, de acordo com Hahner (2011, p. 468-469), que “[...] a introdução
da coeducação nas escolas normais aumentaria o número de mulheres e diminuiria o
número de homens matriculados, mudando, assim, o futuro caráter da magistratura”.
Outras pesquisas também chegaram à mesma conclusão.
Para alguns autores, o discurso de que a docência exercida pelas mulheres deveria ser
compreendida como uma atividade de amor, de entrega e de doação, acabou por
contribuir para uma má remuneração de seu trabalho. “Com a argumentação de
extensão do papel de mãe, conseguiriam atingir o ideal de trabalho filantrópico, ou seja,
não seria preciso uma boa remuneração com o discurso de ser ‘uma missão digna para
mulheres’” (PIMENTA, 2001, p. 29 apud CAETANO; NEVES, 2011, p. 65).
O fato de as mulheres ocuparem cada vez mais espaços na profissão, somado às formulações
ideológicas que as consideravam mais capazes, pela industrialização e pela urbanização estarem
ampliando o mercado de trabalho masculino, oferecendo inclusive ocupações vedadas às
mulheres e, possivelmente, mais bem remuneradas, deve também ter contribuído para o
afastamento masculino, além do propalado desprestígio da profissão e da má remuneração
salarial (ALMEIDA, 1998, p. 68).
Nos limites das relações sociais instituídas no Brasil, o fato foi que o magistério acabou
sendo uma das poucas oportunidades disponíveis para o trabalho feminino.
Com poucas alternativas abertas às mulheres de certa instrução e status, ensinar era o desejado,
embora os salários fossem inferiores aos dos homens. O ensino trouxe a algumas mulheres uma
maior independência econômica, com relação àquela que poderiam ter alcançado de outro modo
(HAHNER, 2011, p. 468).
Apesar disso, é importante elencar outros fatores que interferiram nessa situação e que
tornaram esse processo bastante contraditório. Por um lado, o ingresso das mulheres nas
salas de aula não se deu de forma tranquila. Sua entrada no exercício do magistério foi
contestada através de diferentes discursos, e o mais importante da época era o discurso
científico, onde se afirmava a inferioridade intelectual da mulher. “Portanto, será com o
apoio do discurso científico que alguns poderão afirmar que se constitui numa
‘temeridade’, numa ‘insensatez’ entregar às mulheres – portadoras de cérebros ‘pouco
desenvolvidos’ pelo seu ‘desuso’ – a educação das crianças” (SAFIOTI, 1979, p. 211
apud CATANI, 1997, p. 78).
As classes mais privilegiadas também reagiram de forma negativa quanto ao ingresso da
mulher no magistério. De acordo com a análise de Novaes (1994), as primeiras escolas
normais foram destinadas às classes menos favorecidas, pois as classes médias viam tal
trabalho com desconfiança.
Por outro lado, os positivistas afirmavam que as mulheres tinham por natureza uma
inclinação para o trato com crianças, considerando que eram naturais educadoras. Se a
maternidade era o seu “destino” naquela época, o magistério passou a ser representado
como uma extensão da maternidade. “Os positivistas, ao mesmo tempo que pregavam a
inferioridade orgânica e intelectual da mulher, aclamavam a superioridade moral
feminina”, conforme Hahner (2011, p. 471).
Na construção dessa perspectiva cultural e ideológica pesou a posição de alguns autores.
Nesse processo retomamos a figura de um filósofo e educador alemão do século XIX,
Friedrich Froebel (1782-1852), que foi o criador dos “jardins de infância”. Segundo ele,
a mulher, mais precisamente a mãe, era quem deveria educar as crianças. De acordo
com Arce (2002, p. 67), esse “recanto deveria ser entregue às mulheres, que com
coração de mãe eram as únicas capazes de cultivarem nas criancinhas todos os seus
talentos e todos os germes da perfeição humana unida a Deus”.
Froebel centralizou sua defesa no papel educativo da mulher no ensino infantil,
considerando-a como educadora nata. “Juntamente com este papel, são agregados
atributos à mulher como o de ser guiada pelos sentimentos, agir sempre com o coração,
pertencer ao ambiente doméstico, tornando-se a rainha do mesmo, além de ser
considerada a educadora nata da primeira infância” (ARCE, 2002, p. 57). Para ele, a
escola que desejasse educar adequadamente, deveria buscar na família sua inspiração
para que a instituição fosse um segundo lar para as crianças.
Esta concepção da mulher como “educadora nata”, devido ao seu “instinto maternal”,
pode e precisa ser problematizada. Esta visão também foi uma construção histórica
empreendida por autores como Jean Jacques Rousseau (1712-1778), o positivista
Augusto Comte (1798-1857) e o educador Froebel. Para Rousseau (2004, p. 7), por
exemplo, as mulheres eram naturalmente destinadas a cuidar dos filhos, principalmente
na infância, pois a “primeira educação é mais importante e cabe incontestavelmente às
mulheres. Se o autor da natureza houvesse desejado que ela coubesse aos homens, ter-
lhes-ia dado leite para alimentar as crianças”.
Quanto aos homens, também suas funções sociais foram idealizadas, ressaltando seu
papel dominante e provedor da família. A mulher era assim apresentada como frágil e
dependente dos cuidados masculinos, necessitando de alguém para mantê-la.
“Sustentada primeiro pelo seu pai ou pelos seus irmãos, cada mulher é em seguida
sustentada pelo seu esposo, ou pelos seus filhos. Na falta destes amparos especiais, a
obrigação do sexo ativo para com o sexo afetivo torna-se geral, e o governo deve prover
a isso, sob a inspiração do sacerdócio” (COMTE, 2000, p. 279).
A corrente filosófica positivista pregava e reforçava essa construção ideológica ao
afirmar a “[...] regra fundamental, que só o positivismo sistematizou, mas que sempre
foi pressentida pelo instinto universal: O homem deve sustentar a mulher. Ela equivale à
obrigação da classe ativa para com a classe contemplativa, salvo a diferença essencial
quanto ao modo de execução” (COMTE, 2000, p. 278).
As mulheres não ficaram inertes a esse processo. Elas lutaram contra as condições
sociais que lhes eram impostas e questionaram as concepções teóricas que definiam seu
papel na sociedade. Na Europa e no Brasil é possível identificar vários movimentos em
defesa da liberdade da mulher no espaço social. No caso específico do Brasil, no final
do século XIX e início do século XX foi possível constatar esse fenômeno com maior
nitidez. As mulheres se organizaram e reivindicaram mais educação e instrução.
Muitos grupos de mulheres também buscaram no magistério uma forma de
conquistarem um determinado objetivo para satisfazer sua realização pessoal, movidas
ainda por distintas necessidades,
[...] determinadas por imposições mais fortes e mais eficazes [do que o ‘sonho’, o ‘i-deal’, a
‘vocação’], decorrentes das representações e hábitos de classe e grupo aos quais elas pertencem
(a família, amigos, parentes, bairro, igreja, etc.) e outras de ordem mais ampla: necessidade de
escolarização, os apelos do consumo, ascensão social, etc. (BUENO, 1996, p. 103 apud LAPO;
BUENO, 2002, p. 259).
Várias foram as formas encontradas para exprimir os anseios das mulheres no Brasil.
“No fim do século XIX, foram criados alguns jornais femininos nas regiões centro e sul
do Brasil, que começavam a reivindicar os direitos femininos. Esses jornais pregavam
principalmente a necessidade de melhor nível educacional para mulheres”, de acordo
com Silva (2002, p. 84-85).
Quanto à formação profissional para a docência, foi no decorrer do século XIX que se
criaram as primeiras escolas normais brasileiras: em Niterói, no ano de 1835, na Bahia,
em 1836, e no Rio de Janeiro, em 1880. Em São Paulo, a primeira escola normal foi
inaugurada em 1846, porém sofreu repetidos fechamentos, por falta de verbas, e só foi
reaberta definitivamente em 1880. Segundo Novaes (1994, p. 20-21), em “Minas
Gerais, a primeira escola, implantada em 1840, sofreu processo similar até 1906,
quando foi instalada, exclusivamente, ao sexo feminino”.
Um fator agravante para a qualidade destas escolas, além da falta de recursos
financeiros, é o de que também não havia uma proposta pedagógica definida para a
formação docente naquele período. Como observou Campos (2002, p. 18 apud
ARAGÃO; KREUTZ, 2010, p. 115), “[...] o ensino nos Cursos Normais era ministrado
de forma muito difusa, sem nenhum método que indicasse uma maior preocupação com
a preparação de professores”.
Esse processo histórico incluiu a mulher no magistério, mas, contraditoriamente, trouxe
certa descaracterização do mesmo como profissão, pois foi considerado apenas como
um espaço para quem tivesse vocação e instinto maternal.
Outro aspecto a considerar nesse processo é o de que, apesar de ter ocorrido o fenômeno
da feminização do magistério na educação básica e os homens terem se afastado das
salas de aula, principalmente no ensino primário, foram eles que continuaram durante
muito tempo com o poder sobre o ensino, como inspetores, diretores, administrando e
elaborando políticas educacionais em todos os níveis de ensino.
[...] a feminização do magistério já era fato. Mas ainda que os homens tivessem saído das salas
de aula, não saíram do poder sobre o ensino. Por mais de décadas eles seriam os inspetores das
escolas primárias, manteriam a superioridade na administração do ensino superior e
estabeleceriam as políticas da educação em todos os níveis. A feminização do ensino primário
não foi simples (HAHNER, 2011, p. 472).
Uma educação de qualidade só se faz com professores capacitados, cientes do seu papel e, para
tanto, é importante agregar à teoria, o conhecimento e a reflexão sobre nossa dimensão
histórico-social, bem como as repercussões dela advindas (ARAGÃO; KREUTZ, 2010, p. 118).
Diante do que foi até aqui exposto, foi possível identificar os diversos fatores
envolvidos nesta problemática e também a importância e a relevância de tal tema, já que
na atualidade a profissão docente passa por graves problemas e indefinições.
Acreditamos que tal discussão possa contribuir para o entendimento aprofundado da
constituição histórica dessa profissão e da condição da mulher no âmbito da mesma.
Considerações Finais
Podemos inferir, de acordo com as análises históricas até aqui realizadas, que vários
foram os fatores que contribuíram para a feminização do magistério. O magistério foi
visto como uma extensão da educação maternal, de uma atividade que a mulher
realizava no lar, e não como profissão. A mulher também foi idealizada como dotada de
características pessoais que a tornariam mais indicada para trabalhar com crianças, por
ser amorosa, carinhosa, paciente. A educação era, assim, a atividade ideal para a
mulher.
Embora essa visão da mulher possa ser contestada, cultural e economicamente o homem
foi durante certo tempo o responsável pelo sustento da família, destinando-se à mulher a
criação e a educação dos filhos. Esse quadro foi se alterando com as lutas femininas e
com as transformações econômicas advindas das relações sociais capitalistas, que
inseriam as mulheres no mercado de trabalho. No Brasil, sociedade marcada por um
passado colonial e patriarcal, essas questões tornaram mais complexo o processo de
profissionalização feminino.
A docência foi uma das primeiras profissões a ser socialmente aceita pela sociedade
para as mulheres, pois foi relacionada com a própria maternidade. Esse processo
acentuou o número de mulheres no magistério, sendo esta praticamente a única opção
que lhes restava, já que as demais continuavam sendo vedadas a elas por algum tempo.
Associado com o fato da baixa remuneração da docência nas escolas destinadas às
camadas populares, configurou-se no Brasil uma característica efetiva de feminização e
de desvalorização do magistério.
A investigação até aqui realizada permitiu analisar os principais elementos históricos e
sociais que ocasionaram e permitiram que as mulheres fossem inseridas na carreira
docente e algunss fatores que contribuíram para a feminização do magistério no Brasil.
A verificação da possível relação entre a predominância feminina na docência e a
desvalorização dessa categoria profissional é objeto de novos estudos a serem
desenvolvidos, pois já é possível perceber a multiplicidade de determinações que
interferem nesse fenômeno e que exigem a consideração da totalidade das questões para
uma correta apreensão do real.
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