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CAMOCIM-CE
2018
Para início de conversa...
O corte do cordão umbilical materno foi realizado, quando eu decidi está numa
sala de aula, inicialmente para ter um pouco de liberdade, e estando longe dos olhos da
mamãe, isso seria possível. A saída encontrada, foi a melhor possível, digo isso de
acordo com os relatos dos meus alunos, pois sempre me reencontro com eles e a
felicidade é imensa em saber que pude contribuir com alguma coisa boa em suas vidas.
Mas, como uma criança se tornou tão prematuramente numa professora? E como era a
escola nesta época? Como estava organizado o currículo escolar? E, será que eu,
realmente, sabia sobre o que os estudantes precisavam saber? Quais os aspectos e
dimensões precisavam ser relevantes? Éticos, políticos, culturais ou unicamente os
intelectuais? O que eu estaria preparando para o futuro? Muitas dúvidas caíam sobre a
minha cabeça e de meus colegas também, quer dizer, de alguns, pois grande maioria
nem se davam conta destas questões.
Portanto, foi então que eu me dei conta que a sala de aula é mesmo o nosso
espaço, para o qual devemos propor e disseminar este currículo. Pois podemos legitimar
o novo, mesmo diante das circunstâncias das artimanhas da razão imperialista, como tão
bem teorizou Boudieu.
Diante desta visão, considero e me atrevo a revalidar o movimento sócio-
educativo das histórias de vida como sustentáculo para a transformação social do
homem. Tendo em vista a importância das pessoas se narrarem para se reconhecerem,
conforme os níveis apresentados pela francesa Martine Lani-Bayle.
E assim, estou sendo embalada nesta nova maneira de ver, sentir e agir diante
das diferentes epistemologias. Procurando me apropriar destes saberes como ferramenta
de desmonte, face ao poder curricular e construí-lo de outra maneira.
O Pé de Pavão
Mariazinha brincava com suas amigas na sala de sua casa quando, de repente, avistou
um jarro com penas de pavão, que sua mãe acabara de colocar. E perguntou:
-De pavão.
No dia seguinte, quando sua mãe foi agoar o canteiro de verduras, ao invés de cebolas, a
mãe foi surpreendida com o plantio de penas de pavão. E, logo gritou:
-Mariazinhaaaa! Venha cá sua danada! Onde estão minhas cebolas? O que estas penas
de pavão fazem aqui?
Histórias como esta fizeram parte da minha infância desde muito cedo. Mamãe
dizia que eu era muito esperta, mas também inocente demais. Na escola meus colegas
caçoavam de mim, simplesmente por ser tagarela e estrábica. Eles me chamavam de
zanoia, virolha, e muitos outros apelidos que nem gosto de lembrar. Eu nunca brigava,
revidava ou coisa parecida. Sempre tranquila, depois eles esqueciam e paravam.
Assim, ela me levou uma vez, depois outra, e mais outra. Foi então que eu
agarrei a oportunidade e ajudei ela com as crianças naquilo que era possível. Segundo o
relato da diretora da instituição, eu levava jeito pra cuidar de criança. Olha o sentido da
educação infantil à época. O fato é que neste mesmo ano eu já fui convidada para
assumir uma turminha, pois a professora titular havia desistido. Estávamos no ano de
1994, eu tinha apenas 13 anos, a LDB nº 9293/96 ainda nem existia, o sistema de ensino
era um caos, quase não existia financiamento para educação. Quanto ao salário dos
professores, este era vergonhoso, ainda é, mas o dinheiro que recebia na matrícula
ampliada de minha irmã, pois eu não tinha registro pelo fato de ser menor de 18 anos,
esse não dava para comprar um calça jeans.
Seguindo adiante, o que me deixava lá, presa na sala de aula, não era o popular
“papel bordado” era a liberdade que esta me proporcionava. Tive o prazer de conhecer
muitas histórias, muitos sentimentos, acompanhar o crescimento da escola como um
todo. E isso tudo foi de grande valor simbólico para o meu crescimento como cidadã e
como agente de transformação social.
Quanto à minha prática docente, eu tinha apenas duas certeza. A primeira era
que eu não iria ensinar meus alunos igual como eu fui ensinada e a segunda era que eu
precisava fazer o melhor para todos, pois todos tinham o direito de aprender dentro do
seu ritmo.
Em casa, mamãe não gostou muito da ideia, mas como eu estava acompanhada
de minha irmã, ela teve que ceder e me apoiou incondicionalmente, porque percebeu
que ali era o meu lugar. A maturidade chegou e fui deixando a meninice, assumindo
uma postura diferente. Desta feita, eu já havia me tornado uma professora com todos os
predicados que me eram de direito.
Na Academia...
Aos 16 anos passei no vestibular para Pedagogia, não entendia muito bem o
grande valor do curso, mas sabia que para resolver os problemas da minha profissão era
preciso beber na fonte. Ainda que esta ficasse há duas horas e 30 minutos de distância
da minha cidade. Isso mesmo, todos os dias pegava o ônibus universitário e ia pra aula
em Sobral. Muitas aventuras pra contar, travessuras também, um misto de tudo que se
possa imaginar.
No que se refere às aprendizagens, posso dizer que aprendi muito sobre um
currículo que eu conhecia muito bem dos tempos de escola primária. Entretanto,
acreditava que lá seria diferente. Acreditava que eu ia encontrar a fórmula mágica para
resolver os problemas da escola, com isso os problemas dos meus pupilos e, é claro! Os
meus também, enquanto professora. O que tive foi surpresa e desolação! Ah! Se
tivéssemos naquela época a tecnologia da informação e comunicação que temos hoje.
Tudo teria sido diferente. Será que teria mesmo?
Depois da primeira graduação, veio a segunda, em Letras, em seguida
especialização em Psicopedagogia e Gestão Escolar. Esta última, me fez alçar vôos mais
altos, nos sentido de ter uma visão crítica sobre o sistema educacional do nosso país.
O nascimento de projetos...
Conquistas...
Nossa! Como é bom essa visita ao túnel do tempo. Lembro-me que participava
de todos os shows de calouros promovidos na cidade, onde interpretava canções da
MPB e paródias de minha composição. Não cheguei a vencer nenhum, mais tarde
conclui que meu sucesso não era com uma plateia e/ou um público grandioso. Era mais
que isso, era no fazer pedagógico que eu podia fazer o diferencial, colocando meus
alunos no pódio da aprendizagem.
Um passando de ontem...
Considero um trabalho que não tem sido fácil, porque não contamos com o
apoio do poder público e quase não temos recursos próprios, entretanto a sede de levar a
mensagem da Academia e as experiências compartilhadas nos motivam a não
desistirmos do projeto. É como se plantássemos uma semente num deserto árido de
cultura. Um dia alcançaremos frutos. Juntos trabalhamos em prol do crescimento
artístico e cultural de crianças, jovens e adultos que não sabem ainda o verdadeiro
sentido dessas palavras. Ressalto, porém, que estamos com a agenda lotada até o final
do ano. Entre as atividades estão: lançamento de livros de escritores locais, Café
cultural, Recital de Poesias, Colóquios, Palestras, oficinas de artesanato, Canto coral,
contação de histórias e muito mais.
No lar...
Em casa, sou uma mãe relapsa em alguns pontos, pois não sou perfeita, é claro!
E nem mesmo tenho essa pretensão. Mas sempre embalei meus dois filhos com canções
e histórias. Isso os acalmava, o sono chegava, técnica infalível, sempre funcionou. A
mais velha, hoje com 17 anos, foi meu laboratório, experimentava primeiro com ela
muitas atividades que iria desenvolver em sala de aula. Se ela gostava, sabia que
realmente estava bom. Porém, se ela ficava me entreolhando com aqueles olhos azuis, é
porque não estava legal, precisava de reparo. Já com o meu filho caçula, ele é a
sinceridade em pessoa, quando treino minhas composições musicais para agregar à
contação de histórias, ele vai logo dizendo como ele gostaria que tivesse, numa
sinceridade só. Ficamos muitas vezes juntos, nós três, eu, ele, e o espelho, treinado
durante horas, até tudo sair, conforme planejado.
E agora, Mazé ?
Foi então, que aprendi a pensar num currículo reintegrado/ ampliado que
dialogue com os diferentes saberes. Numa tentativa de construir juntos na perspectiva
do diálogo para manter as formas de vida do planeta, partilhando assim, essa capacidade
de aprendermos com todos os seres. É esta a verdadeira essência da nossa existência.
Saber que precisamos do outro e com ele podemos reconstruir novas histórias.
REFERÊNCIAS BIBLIÓGRÁFICAS
HAMILTON, David. Sobre as Origens dos termos Classe e Curriculum. Teoria &
Educação. Porto Alegre: n. 6, p. 33-52, 1992.
BOURDIEU. Pierre; WACQUANT, Loic. Sobre as Artimanhas da Razão
Imperialista. Estud. Afro-asiát.,Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, 2002.