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 
A LÍNGUA DO
OUTRO: JACQUES
DERRIDA
ENTREVISTA
ORNETTE COLEMAN,
23 DE JUNHO
DE 1997
POSTED ON -
(https://editorakza1.files.wordpress.com/2015/05/baner.jpg)

Nota do tradutor do francês, Timothy S. Murphy:1 (#1) O encontro


entre o saxofonista/compositor Ornette Coleman e o filósofo
Jacques Derrida documentado aqui se deu no final de junho e início
de julho de 1997, antes e durante as três apresentações de Coleman
em La Villette, museu e complexo para performances artísticas no
norte de Paris que abriga, entre outras coisas, o renomado
Conservatório de Paris. Aqui, Derrida entrevista Coleman acerca de
suas visões sobre composição, improvisação, língua e racismo.
Talvez o ponto mais interessante dessa troca seja a convergência
de suas ideias sobre “línguas de origem” e suas experiências com
preconceito racial. Esta entrevista foi conduzida originalmente em
inglês, vários dias antes das apresentações de Coleman, mas, como
as transcrições originais se perderam, eu a traduzi novamente para
o inglês a partir do texto em francês publicado.2 (#2)

(https://editorakza1.files.wordpress.com/2015/05/derridacoleman251.
Derrida: Neste ano, você está apresentando em Nova Iorque um
programa intitulado Civilization [Civilização]3 (#3) – qual é a
relação que isso tem com música?

Ornette Coleman: Estou tentando expressar um conceito segundo o


qual você pode traduzir uma coisa em outra. Eu penso que o som tem
uma relação muito mais democrática com a informação, porque você
não precisa do alfabeto para entender música. Neste ano, em Nova
Iorque, estou preparando um projeto com a Filarmônica de Nova
Iorque e meu primeiro quarteto – sem Don Cherry –, além de outros
grupos. Estou tentando chegar ao conceito segundo o qual o som é
renovado cada vez que é expressado.

JD: Mas você está atuando como compositor ou como músico?

OC: Como compositor, as pessoas sempre me dizem: “Você vai tocar


músicas que já tocou ou músicas novas?”

JD: Você não responde a essas perguntas, certo?

OC: Se você está tocando música que já gravou, a maioria dos


músicos pensa que você os está contratando para manter essa música
viva. E a maioria dos músicos não têm tanto entusiasmo quando têm
de tocar sempre as mesmas coisas. Então eu prefiro escrever música
que eles nunca tocaram antes.

JD: Você quer surpreendê-los.


OC: Sim, eu quero estimulá-los em vez de simplesmente pedir que
eles me acompanhem diante do público. Mas noto que é muito difícil
fazer isso, porque o músico de jazz provavelmente é a única pessoa
para a qual o compositor não é um indivíduo muito interessante, no
sentido de que ele prefere destruir o que o compositor escreve ou
diz.

JD: Quando você diz que o som é mais “democrático”, como você
encara isso enquanto compositor? Você ainda assim escreve música
em uma forma codificada.

OC: Em 1972, eu escrevi uma sinfonia chamada Skies of America4


(#4) e esse foi um evento trágico para mim, porque eu não tinha
uma relação tão boa com a cena musical; como na época em que eu
estava fazendo free jazz, a maioria das pessoas pensou que eu
estava simplesmente pegando o meu saxofone e tocando o que me
passava pela cabeça, sem seguir nenhuma regra, mas isso não era
verdade.

JD: Você sempre protesta contra essa acusação.

OC: Sim. As pessoas de fora acham que isso é uma forma


extraordinária de liberdade, mas eu acho que é uma limitação.
Então, levou 20 anos, mas hoje eu terei uma peça tocada pela
Orquestra Sinfônica de Nova Iorque e seu maestro. Outro dia, em um
encontro que tive com alguns membros da Filarmônica, eles me
disseram: “Sabe, o responsável pelas partituras precisa ver
aquilo.” Eu fiquei chateado – é como você me escrever uma carta e
alguém precisar ler a carta para confirmar que não há nada nela
que possa me irritar. Era para garantir que a Filarmônica não
seria incomodada. Então eles disseram: “A única coisa que queremos
saber é se há um ponto naquele lugar, uma palavra naquele outro”;
não tinha nada a ver com música ou som, apenas com símbolos. Na
verdade, a música que eu venho escrevendo há 30 anos e que chamo
de harmolódica é como se fabricássemos nossas próprias palavras,
com uma ideia precisa do que queremos que essas palavras
signifiquem para as pessoas.

JD: Mas todos os seus parceiros partilham dessa concepção de


música?

OC: Normalmente, eu começo compondo algo que possa ser analisado


por eles, toco isso com eles e então entrego a eles a partitura.
E, no ensaio seguinte, peço que me mostrem o que descobriram e
podemos seguir daí. Eu faço isso com os meus músicos e com os meus
alunos. Eu realmente acredito que qualquer um que tente se
expressar com palavras, com poesia, com qualquer forma, pode pegar
o meu livro de harmolodia5 (#5) e compor a partir dele, fazer isso
com a mesma paixão e com os mesmos elementos.

JD: Ao preparar esses projetos de Nova Iorque, você primeiro


escreve a música sozinho e depois pede que os participantes leiam,
que concordem e mesmo que transformem o que foi escrito
inicialmente?

OC: Para a Filarmônica, eu tive que escrever partes para cada


instrumento, fotocopiá-las e depois ver o responsável pelas
partituras. Mas com grupos de jazz eu componho e entrego as partes
para os músicos no ensaio. O que é realmente chocante em música
improvisada é que, apesar do nome, a maioria dos músicos usam uma
“trama” como base para improvisar. Eu acabo de gravar um CD6 (#6)
com um músico europeu, Joachim Kühn, e a música que escrevi para
tocar com ele, que gravamos em agosto de 1996, tem duas
características: é totalmente improvisada, mas ao mesmo tempo
segue as leis e as regras da estrutura europeia. E, ainda assim,
quando você escuta, ela tem um ar completamente improvisado.

JD: Primeiro o músico lê a trama, então traz seu próprio toque a


isso.

OC: Sim, a ideia é que duas ou três pessoas podem ter uma conversa
com sons sem tentar dominá-la ou liderá-la. O que eu quero dizer é
que você tem que ser… inteligente, acho que é essa a palavra. Em
música improvisada, penso que os músicos tentam recompor um
quebra-cabeça emocional ou intelectual, de todo modo, um quebra-
cabeça em que os instrumentos dão o tom. Em todas as épocas, tem
sido principalmente o piano que serve como trama na música, mas
ele não é mais indispensável7 (#7) e, na verdade, o aspecto
comercial da música é algo muito incerto. Música comercial não é
necessariamente mais acessível, mas é limitada.

JD: Quando você começa a ensaiar, tudo já está pronto, escrito, ou


você deixa espaço para o imprevisto?

OC: Vamos supor que estamos tocando e você ouve algo que acha que
pode ser melhorado; você pode me dizer: “Você devia tentar isso.”
Para mim, música não tem líder.

JD: O que você pensa sobre a relação entre o evento preciso que
constitui a apresentação e a música pré-escrita ou a música
improvisada? Você acha que a música pré-escrita impede que o
evento aconteça?

OC: Não. Eu não sei se isso é verdade no caso da língua, mas no


jazz você pode pegar uma música muito antiga e fazer outra versão
dela. O que é excitante é a memória que você traz ao presente.
Quanto ao que você está falando, a forma que se metamorfoseia em
outras formas, eu penso que é algo saudável, mas muito raro.

JD: Talvez você concorde comigo sobre o fato de o próprio conceito


de improvisação beirar a leitura, já que o que costumamos entender
por improvisação é a criação de algo novo, mas algo que não exclui
a trama pré-escrita que o torna possível.

OC: É verdade.

JD: Não sou um “especialista em Ornette Coleman”, mas se eu


traduzo o que você está fazendo em um campo que conheço melhor, o
da linguagem escrita, o evento único que é produzido apenas uma
vez é, no entanto, repetido em sua própria estrutura. Assim, há
uma repetição na obra que é intrínseca à criação inicial – o que
compromete ou complica o conceito de improvisação. A repetição já
está na improvisação: assim, quando as pessoas querem inseri-lo
entre a improvisação e o que é pré-escrito, elas estão erradas.

OC: A repetição é tão natural quanto o fato de que a Terra gira.

JD: Você acha que a sua música e a forma como as pessoas agem pode
ou deve mudar as coisas, por exemplo, a nível político ou sexual?
O seu papel enquanto artista e compositor pode ou deveria ter um
efeito sobre o estado das coisas?

OC: Não, eu não acredito nisso, mas eu penso que muitas pessoas já
viveram isso antes de mim e, se eu começar a reclamar, elas me
dirão: “Por que você está reclamando? Nós não mudamos por essa
pessoa que admiramos mais do que você, por que mudaríamos por
você?” Então, basicamente, não penso assim. Eu estava no Sul
quando as minorias eram oprimidas e me identificava com elas
através da música. Eu estava no Texas, comecei a tocar saxofone e
a sustentar a minha família tocando na rádio. Um dia, entrei em um
lugar cheio de jogos de azar e prostituição, pessoas discutindo, e
vi uma mulher ser esfaqueada – então pensei que devia sair daquele
lugar. Eu disse à minha mãe que não queria mais tocar essa música
porque eu pensava que estava somando a todo aquele sofrimento. Ela
respondeu: “O que deu em você, você quer alguém para pagar pela
sua alma?” Eu não tinha pensado nisso e, quando ela me disse isso,
foi como se eu tivesse sido batizado novamente.

JD: Sua mãe era uma pessoa muito esclarecida.

OC: Sim, ela era uma mulher inteligente. Desde aquele dia, eu
tento encontrar uma forma de evitar me sentir culpado por fazer
algo que as outras pessoas não fazem.

JD: Você conseguiu?

OC: Não sei, mas o bebop surgiu e eu vi nele uma saída. É uma
música instrumental que não está ligada a uma determinada cena,
que pode existir em uma configuração mais normal. Sempre que eu
estava tocando o blues, havia muitas pessoas desempregadas que não
faziam nada a não ser apostar o seu dinheiro. Então me dediquei ao
bebop, que estava rolando por toda Nova Iorque, e disse a mim
mesmo que precisava ir para lá. Eu tinha apenas 17 anos, saí de
casa e segui para o Sul.

JD: Antes de Los Angeles?

OC: Sim. Eu tinha um cabelão tipo os Beatles, isso era no início


dos anos 1950. Então eu segui para o Sul e, como a polícia, os
negros acima de tudo me espancaram, eles não gostavam de mim, eu
tinha uma aparência bizarra demais pra eles. Eles me socaram na
cara e destruíram o meu sax. Aquilo foi duro. Além disso, eu
estava em um grupo que tocava o que chamávamos de “música de sopro
de menestrel” e eu tentei tocar bebop, estava progredindo e fui
contratado. Eu estava em Nova Orleans, fui ver uma família muito
religiosa e comecei a tocar em uma igreja “santificada” – quando
eu era pequeno, tocava na igreja o tempo todo. Desde que a minha
mãe havia me dito aquelas palavras, eu estava em busca de uma
música que pudesse tocar sem me sentir culpado por estar fazendo
algo. Até hoje, ainda não encontrei isso.

JD: Quando você chegou em Nova Iorque, bem jovem, você já tinha um
pressentimento do que iria descobrir musicalmente,
harmolodicamente, ou isso aconteceu tempos depois?

OC: Não, porque, quando eu cheguei em Nova Iorque, eu era tratado


mais ou menos como alguém do Sul que não conhecia música, que não
sabia ler ou escrever, mas eu nunca tentei protestar contra isso.
Então eu decidi que iria tentar desenvolver meu próprio conceito,
sem a ajuda de ninguém. Eu aluguei o Town Hall em 21 de dezembro
de 1962, o que me custou U$600, contratei um grupo de rhythm and
blues, um grupo de clássico e um trio. Na noite da apresentação,
houve uma tempestade de neve, uma greve nos jornais, uma greve dos
médicos e uma greve do metrô, e as únicas pessoas que apareceram
foram aquelas que tinham que sair do hotel e ir à prefeitura. Eu
pedi a uma pessoa para gravar a apresentação e essa pessoa se
matou, mas outra pessoa gravou, fundou sua gravadora com isso e eu
nunca mais o vi.8 (#8) Tudo isso me fez novamente entender que eu
havia feito aquilo pelo mesmo motivo pelo qual disse à minha mãe
que não queria mais tocar no Sul. Obviamente, o estado das coisas,
do ponto de vista tecnológico, financeiro, social e criminal, era
muito pior quando eu estava no Sul. Eu estava batendo em portas
que se mantinham fechadas.

JD: Qual tem sido o impacto do seu filho no seu trabalho? Isso tem
a ver com o uso de novas tecnologias na sua música?

OC: Desde que Denardo assumiu como meu empresário, eu compreendi


como tecnologia é simples e compreendi o seu significado.

JD: Você sentiu que a introdução da tecnologia foi uma


transformação violenta em seu projeto ou isso tem sido fácil? Por
outro lado, o seu projeto de Nova Iorque sobre civilizações tem
algo a ver com o que chamam de globalização?

OC: Penso que há algo de verdadeiro nas duas coisas, é por isso
que você pode se perguntar se há um “homem branco primitivo”: a
tecnologia parece representar apenas a palavra “branco”, não uma
igualdade total.

JD: Você desconfia desse conceito de globalização e eu acho que


você está certo.

OC: Quando você considera a música, os compositores que foram


inventores na cultura ocidental, europeia, são talvez uma meia-
dúzia. Quanto à tecnologia, os inventores dos quais mais ouço
falar são indianos de Calcutá e Bombaim. Há muitos cientistas
indianos e chineses. Suas invenções são como inversões das ideias
dos inventores europeus ou americanos, mas a palavra “inventor”
assumiu um sentido de dominação racial que é mais importante do
que a invenção – o que é triste, porque isso equivale a um tipo de
propaganda.

JD: Como você pode abalar essa “monarquia”? Aliando sua própria
criação às músicas chinesa e indiana, por exemplo, nesse projeto
de Nova Iorque?

OC: O que eu quero dizer é que as diferenças entre homem e mulher


ou raciais têm relação com a educação e a inteligência de
sobrevivência. Sendo negro e descendente de escravos, eu não tenho
ideia de qual era a minha língua de origem.

JD: Se nós estivéssemos aqui para falar sobre mim, o que não é o
caso, eu lhe diria que, de maneira diferente mas análoga, acontece
a mesma coisa comigo. Eu nasci em uma família de judeus argelinos
que falavam francês, mas essa não era a sua língua de origem. Eu
escrevi um pequeno livro sobre esse assunto e, de certa forma,
estou sempre no processo de falar sobre o que chamo de
“monolinguismo do outro”.9 (#9) Eu não tenho nenhum tipo de
contato com a minha língua de origem ou com a língua dos meus
supostos ancestrais.

OC: Você já se perguntou se a língua que você fala agora interfere


nos seus atuais pensamentos? Uma língua de origem pode influenciar
os seus pensamentos?

JD: Isso é um enigma para mim. Eu não posso saber isso. Eu sei que
algo fala por mim, uma língua que eu não compreendo, que eu às
vezes traduzo com mais ou menos facilidade para a minha “língua”.
É claro que sou um intelectual francês, ensino em escolas em que
se fala francês, mas eu tenho a impressão de que algo está me
forçando a fazer algo pela língua francesa…
OC: Mas você sabe, no meu caso, nos Estados Unidos, eles chamam o
inglês que os negros falam de “ebânico”: eles podem usar uma
expressão que significa uma coisa diferente do que no inglês
corrente. A comunidade negra sempre usou uma língua significante.
Quando eu cheguei na Califórnia, foi a primeira vez em que estava
em um meio onde um homem branco não me dizia que eu não podia me
sentar em certos lugares. Uma pessoa começou a me fazer um rio de
perguntas e eu simplesmente não acompanhei, então decidi ir a um
psiquiatra para ver se eu o compreendia. E ele me deu uma receita
de Valium. Eu peguei o Valium e joguei na privada. Nem sempre eu
sabia onde estava, então fui a uma biblioteca e peguei todos os
livros possíveis e imagináveis sobre o cérebro humano, li todos
eles. Eles diziam que o cérebro era apenas uma conversa. Eles não
diziam sobre o que, mas isso me fez entender que o fato de pensar
e de saber depende apenas do lugar de origem. Eu compreendi mais e
mais que isso que chamamos de cérebro humano, no sentido de saber
e ser, não é a mesma coisa que o cérebro humano que faz de nós o
que somos.

JD: Isso é uma convicção, sempre: nós nos sabemos por aquilo em
que acreditamos. É claro que, no seu caso, isso é trágico, mas é
universal, nós sabemos ou acreditamos saber o que somos pelas
histórias que nos são contadas. O fato é que temos exatamente a
mesma idade, nascemos no mesmo ano. Quando eu era jovem, durante a
guerra, eu nunca tinha ido à França antes de ter 19 anos, vivia na
Argélia nessa época, e em 1940 fui expulso da escola por ser
judeu, como resultado das leis raciais, e eu nem sabia o que tinha
acontecido. Eu só compreendi muito tempo depois, por histórias que
me contavam quem eu era, por assim dizer. E mesmo em se tratando
da sua mãe, nós sabemos quem ela é e que ela é de certa forma
apenas por meio de narrativas. Eu tentei adivinhar em que época
você estava em Nova Iorque e em Los Angeles, foi antes de os
direitos civis serem garantidos para os negros. A primeira vez em
que fui aos Estados Unidos, em 1956, havia placas de “Reservado
para brancos” em todos os lugares e eu me lembro de o quão brutal
era isso. Você vivenciou isso tudo?

OC: Sim. Nesse caso, o que eu gosto de Paris é o fato de que você
não pode ser esnobe e racista ao mesmo tempo aqui, porque aqui
isso não passará. Paris é a única cidade que eu conheço onde o
racismo nunca existe na sua presença, é algo de que você ouve
falar.

JD: Não significa que não haja racismo, mas as pessoas são
obrigadas a escondê-lo na medida do possível. Qual é a estratégia
da sua escolha musical por Paris?

OC: Para mim, ser um inovador não significa ser mais inteligente,
mais rico, não é uma palavra, é uma ação. Como ainda não foi
feito, não tem sentido falar sobre.

JD: Eu entendo que você prefira fazer a falar. Mas o que você faz
com palavras? Qual é a relação entre a música que você faz e as
suas próprias palavras ou aquelas que as pessoas tentam impor ao
que você faz? O problema de escolher o título, por exemplo, como
você antevê isso?

OC: Eu tinha uma sobrinha que morreu em fevereiro deste ano e eu


fui ao seu funeral, e quando a vi no caixão, alguém havia posto um
par de óculos nela. Eu quis chamar uma das minhas composições de
Ela dormia, morta, e usava óculos em seu caixão. E então eu mudei
de ideia e a chamei de “Blind date” [“Encontro às cegas”].
JD: Esse título se impôs a você?

OC: Eu estava tentando entender que alguém havia colocado óculos


em uma mulher morta… Eu fazia alguma ideia do que aquilo
significava, mas é muito difícil compreender o lado feminino da
vida quando ele não tem nada a ver com o lado masculino.

JD: Você acha que a sua escrita musical tem algo de fundamental a
ver com a sua relação com as mulheres?

OC: Antes de me tornar conhecido como músico, quando eu trabalhava


em uma grande loja de departamentos, durante meu horário de
almoço, eu me deparei com uma galeria onde alguém havia pintado
uma mulher branca riquíssima que tinha tudo o que você podia
desejar na vida e ela tinha a expressão mais solitária do mundo.
Eu nunca havia sido confrontado com tamanha solidão, e, quando
voltei para casa, escrevi uma música que chamei de “Lonely woman”
[“Mulher solitária”].10 (#10)

JD: Então a escolha do título não foi uma escolha de palavras, mas
uma referência a essa experiência? Eu estou lhe colocando essas
questões sobre língua, sobre palavras, porque, para me preparar
para o nosso encontro, ouvi a sua música e li o que especialistas
têm escrito sobre você. E ontem à noite eu li um artigo que era,
na verdade, uma palestra apresentada em um congresso por um amigo
meu, Rodolphe Burger, músico de um grupo chamado Kat Onoma. Esse
artigo era construído em torno de declarações suas. A fim de
analisar a maneira pela qual você formula a sua música, ele partiu
de suas declarações, das quais a primeira era: “Por razões das
quais não tenho certeza, eu estou convencido de que, antes de ser
música, música era apenas uma palavra.” Você se lembra de ter dito
isso?

OC: Não.

JD: Como você compreende ou interpreta as suas próprias


declarações verbais? Elas são algo importante para você?

OC: Me interessa mais ter uma relação humana com você do que uma
relação musical. Eu quero ver se posso me expressar com palavras,
com sons que tenham a ver com uma relação humana. Ao mesmo tempo,
eu gostaria de ser capaz de falar da relação entre dois talentos,
entre dois fazeres. Para mim, a relação humana é muito mais
bonita, porque ela lhe permite obter a liberdade que você deseja
para você mesmo e para o outro.

(Gravada por Thierry Jousse e Geneviève Pereygne.)

NOTAS

(As notas que se seguem foram organizadas da seguinte maneira: em


itálico, as notas de Tymothy S. Murphy; sem itálico, as notas
inseridas por mim.)

[1] (#ref1) Esta entrevista foi lançada originalmente na revista


francesa Les inrockuptibles, n.115 (20 de agosto – 2 de setembro
de 1997), p.37–40 e p.43.
[2] (#ref2) A tradução para o francês, realizada por Thierry
Jousse, está disponível no site da revista:
http://www.lesinrocks.com/1997/08/20/musique/ornette-coleman-et-
jacques-derrida-la-langue-de-lautre-11232142/
(http://www.lesinrocks.com/1997/08/20/musique/ornette-coleman-et-
jacques-derrida-la-langue-de-lautre-11232142/).

A tradução para o inglês, realizada por Timothy S. Murphy, foi


publicada em 2004 na revista Genre, v.36, n.1, p.319-328, e está
disponível no UbuWeb: http://www.ubu.com/papers/Derrida-
Interviews-Coleman_1997.pdf (http://www.ubu.com/papers/Derrida-
Interviews-Coleman_1997.pdf).

Para a tradução para o português, utilizei a tradução de Timothy


S. Murphy e recorri em alguns momentos à tradução de Thierry
Jousse. Ao longo da entrevista e das notas, os trechos entre
colchetes foram inseridos por mim.

[3] (#ref3) “Ornette Coleman: Civilization” foi uma série de


apresentações que Coleman realizou em meados de julho de 1997, sob
a égide do Festival do Lincoln Center de 1997. Incluía
performances de sua obra para orquestra Skies of America,
performances em trio com Charlie Haden e Billy Higgins, membros de
seu quarteto original, e uma performance de fechamento pelo Prime
Time, seu grupo elétrico.

[4] (#ref4) O álbum Skies of America foi lançado em maio de 1972 e


gravado com a Sinfônica de Londres, no Abbey Road Studios,
Londres, entre 17 e 20 de abril de 1972.

Ornette Coleman - Skies of America (1972)

[5] (#ref5) O livro teórico sobre harmolodia nunca foi lançado,


ainda que Coleman o cite em entrevistas ao longo dos anos
(http://www2.yk.psu.edu/~jmj3/p_ornett.htm
(http://www2.yk.psu.edu/~jmj3/p_ornett.htm), entrevista com
Michael Jarrett, gravada em 1987;
http://www.pointofdeparture.org/PoD6TheTurnaround.html
(http://www.pointofdeparture.org/PoD6TheTurnaround.html),
entrevista com Bill Shoemaker, publicada pela JazzTimes em
dezembro de 1995).
Em um artigo publicado na revista Down Beat (“Prime time for
harmolodics”, lançado na edição de julho de 1983 da Down Beat,
p.54-55; não tive acesso à revista, o trecho abaixo foi traduzido
a partir do livro The imperfect art: reflections on jazz and
modern culture, de Ted Gioia, 1990, p.43), Coleman define o que
seria harmolodia:

“O que é harmolodia? Harmolodia é o uso do que é mental e físico


na lógica de alguém transformado em uma expressão de som para
provocar a sensação musical de um uníssono executado por uma única
pessoa ou em um grupo. Harmonia, melodia, velocidade, ritmo, tempo
e frases têm todos um mesmo lugar nos resultados que advêm da
inserção e do espaçamento de ideias. Essa é a ideia e a ação da
harmolodia.”

Em uma entrevista concedida a Michael Jarrett em 1987


(http://www2.yk.psu.edu/~jmj3/p_ornett.htm
(http://www2.yk.psu.edu/~jmj3/p_ornett.htm)), Coleman desenvolve
algumas de suas ideias sobre música, citando o livro sobre
harmolodia:

“Coleman: Em música, você tem algo chamado som, você tem


velocidade, você tem timbre, você tem harmonia e você tem, mais ou
menos, as decisões. Na maioria das músicas, as pessoas que tocam o
que chamo de música padrão, elas só usam uma dimensão, isto é, a
nota e o tempo. Enquanto, digamos, estou tendo esta conversa com
você agora. Eu estou falando, mas estou pensando, sentindo,
cheirando e me movendo. Ainda assim, estou me concentrando no que
você está dizendo. Então isso significa que há mais coisas
acontecendo no corpo do que apenas a coisa presente que a pessoa
percebe que você está fazendo. Quer dizer, você está me
entrevistando, contudo, estou fazendo mais do que apenas falar com
você. E o mesmo se dá com você.

Para mim, a existência humana existe em um nível múltiplo, não


apenas em um nível bidimensional, não apenas precisando ser
identificada pelo que você faz e pelo que você diz. Essas coisas
são resultado do que as pessoas veem e ouvem você fazer. Mas os
seres humanos vivem em um nível múltiplo. É assim que eu sempre
quis que os músicos tocassem comigo: em um nível múltiplo. Eu não
quero que eles me acompanhem. Eu quero que eles acompanhem a si
mesmos, mas que estejam comigo.

(…)

Eu escrevi um livro teórico chamado Harmolodics [Harmolodia]. Eu


descobri que podia traduzir as claves em um som. Por exemplo, se
você está atrás de uma porta fechada e eu ouço a sua voz, eu sei
que é você sem ver o seu rosto. Mas, imagina, se o som é tão
identificável – mais do que o seu rosto –, isso é fantástico, não
é?

Eu descobri que cada pessoa tem o seu próprio dó móvel [segundo o


Harvard concise dictionary of music and musicians, 1997, p.437, em
tradução minha: “Um sistema de solmização em que a sílaba ‘dó’
representa o primeiro grau da escala maior independentemente de
sua transposição, sendo, portanto, ‘movível’ para qualquer tom.”
Quando se canta “dó”, pode-se estar cantando um ré: a nomenclatura
musical não define a frequência do som e, logo, não define a nota
executada. Desse modo, nessa técnica de solfejo, a nota a ser
chamada de “dó” depende do contexto escalar onde está aplicada.].
Quando você coloca o seu som ou a sua ideia em uma arena misturado
a outras coisas – se o que você está dizendo tem um lugar válido
–, ele encontra sua posição nesse todo e faz dessa coisa algo
muito melhor. Você não precisa se preocupar em ser um número 1, um
número 2 ou um número 3. Números não têm nada a ver com
posicionamento. Números só têm a ver com repetição.

Era isso que eu estava tentando dizer quando falávamos sobre som.
Penso que cada pessoa, quer ela toque música ou não, tem um som –
seu próprio som, essa coisa da qual você está falando. Não se pode
destruir isso. É como energia. Seu som, sua voz, significa mais
para todo mundo que te conhece do que a sua aparência amanhã. Você
pode deixar a barba crescer ou raspar o cabelo. As pessoas dirão:
‘Não te reconheço.’ Mas assim que você começa a falar: ‘Ah, é
você!’ É a mesma coisa. Se é tão distintivo, deve haver algo aí. É
maravilhoso como todo mundo tem seu próprio som. Só atores tentam
encobrir isso – quando imitam alguém –, mas então eles estão
imitando o som.”

[6] (#ref6) Colors: live from Leipzig, álbum de Coleman e Joachim


Kühn, lançado em 1997 e gravado no 20º aniversário do Leipziger
JazzTage, na Ópera de Leipzig, Alemanha, em 31 de agosto de 1996.

Ornette Coleman & Joachim Kühn – Colors (Liv…


(Liv…

[7] (#ref7) Nota-se que Coleman raramente opta por inserir o piano
na formação de seus grupos. Nas formações dos seus álbuns, o piano
só aparece em: Something Else!!!!, álbum de estreia de Coleman,
lançado em 1958, com Walter Norris no piano; Sound museum: hidden
man e Sound museum: three women, ambos de 1996, com Geri Allen no
piano; e no já citado álbum com Joachim Kühn, Colors: live from
Leipzig, de 1997.

[8] (#ref8) Town Hall, 1962, álbum de Coleman lançado em 1965 e


gravado em 21 de dezembro de 1962, no Town Hall, em Nova Iorque.
Ornette Coleman - Town Hall, 1962 (1965)

[9] (#ref9) Jacques Derrida, O monolinguismo do outro – ou a


protése de origem, Porto: Campo das Letras, 2001.

[10] (#ref10) Lançada em 1959, no álbum The shape of jazz to come.

Ornette Coleman - Lonely Woman

/// tradução e notas de vinícius gonçalves melo / revisão de


thadeu c santos

espalhe:

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YASHIKA GRAHAM AMIRI BARAKA das
BOB KAUFMAN o sol é
>>> COM SEQUÊNCIA kapital
um negro In "poesia In "poesia norte-
In "poesia norte- jamaicana" americana"
americana"

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COLEMAN, TRADUÇÃO, VINÍCIUS GONÇALVES MELO | LEAVE A
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