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ENSINO E PESQUISA N.

7 / 2010

ENSINO E
PESQUISA
N. 7/2010

3|FAFIU V & IEP S – UNIÃO DA V ITÓRIA / PR


ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010

ENSINO E PESQUISA N. 7/2010


FACULDADE ESTADUAL DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE UNIÃO DA VITÓRIA
IEPS - INSTITUTO DE ENSINO, PESQUISA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

EXPEDIENTE
ENSINO E PESQUISA, n. 7 / 2010
ISSN 1676-1030

Realização
FAFI Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras - UVA
IEPS Instituto de Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços

Apoio
Fundação Araucária

DIREÇÃO DA FAFIUV
Professor Valderlei Garcias Sanchez

VICE-DIREÇÃO DA FAFIUV
Professora Leni T. Gaspari

DIREÇÃO DO IEPS
Professor Joaquim Ribas

COORDENAÇÃO GERAL DA REVISTA


Professor André da Silva Bueno

CAPA & DIAGRAMAÇÃO


Fernando Gohl e André Bueno

Os Artigos presentes nesta Revista foram produzidos por Docentes desta IES e/ou convidados
especiais, sendo os textos dos mesmos de inteira responsabilidade dos seus autores.

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ÍNDICE

CONCEPÇÕES DAS RELAÇÕES HUMANAS NO AMBITO EDUCATIVO, 7


por Maria Sidney Barboza Gruner
A RELAÇÃO HOMEM E TRABALHO DETREMINA A ORGANIZAÇÃO 19
SOCIAL DE IGUALDADE OU DESIGUALDADE, por Ivone da Costa
Masnik
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM BIOLOGIA NO CONTEXTO DA 27
PEDAGOGIA CRÍTICA, por Rodrigo Pflanzer e Valéria Ap. Schena-
FAFIUV
ASPECTOS HISTÓRICOS DA FORMAÇÃO ÉTNICA DO MUNICÍPIO DE 36
MAJOR VIEIRA NO INÍCIO DO BRASIL REPÚBLICA, por Eloi Giovane
Muchalovski
FILOSOFIA POLÍTICA EM JORNALISMO, por Ivanor Luiz Guarnieri 43
IDENTIDADES ÉTNICO-LINGUÍSTICAS, OU O SUJEITO 51
MULTILÍNGUE E SUA NOÇÃO DE PERTENCIMENTO, por Karim
Siebeneicher Brito e Gabriel Caesar Antunes dos Santos
ECOLOGIA DE Batus hirticornis e Chydarteres dimidiatus 63
dimidiatus (CERAMBYCIDAE) EM FLORESTA OMBRÓFILA MISTA:
POSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DE ESPÉCIES-CHAVE, por
Daniela Roberta Holdefer , Vitor Sartor, Alessandra Carneiro, Sabrina D.
Sander, Vanessa Cristina Cruz, Flávio Roberto Mello Garcia
EFEITOS DA ADUBAÇÃO CONVENCIONAL, MINERAL E ORGÂNICA 71
SOBRE A PRODUÇÃO DE MORANGOS (Fragaria X ananassa DUCH.),
por Giovanna Carla Cordeiro e Juliane Garcia Knapik Justen

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CONCEPÇÕES DAS RELAÇÕES HUMANAS NO AMBITO


EDUCATIVO
Maria Sidney Barboza Gruner1

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa possui cunho qualitativo procurando por meio das leituras dos referidos autores detectar
as causas das possíveis defasagens na formação profissional, no aspecto relações professor e aluno,
na tentativa de encontrar alternativas à amenização ou solução dos aspectos deficitários para que o
processo educacional possa fluir de forma qualitativa.

Desta maneira buscamos conhecer a qualidade das relações interpessoais, professor e aluno, visando
a formação do profissional como agente de uma educação prazerosa que dará à prática pedagógica
momentos de satisfação.

Percebe-se que as relações professor e aluno apresentam algum desgaste.

Iniciamos pelo aspecto histórico das Teorias das Relações Humanas procurando em sua fonte, a
empresa, as raízes clássicas do Movimento das Relações Humanas.

Estudamos a importância da comunicação, da motivação, da realização das necessidades humanas


nas relações humanas e seu envolvimento na realidade pedagógica, na formação do educador.

2 AS TEORIAS DAS RELAÇÕES HUMANAS

Acreditamos que a historicidade é uma dimensão indispensável num trabalho de pesquisa e ao


buscarmos as raízes do Movimento das Relações Humanas em Educação, percebemos que teríamos
de procurá-las em sua fonte, a empresa, pois estas raízes são clássicas e não existem outros
referenciais teóricos e assim, na Administração das Empresas encontramos as origens do movimento
das Relações Humanas.

Nossa análise inicia-se com o encontro de um engenheiro americano (1856-1915) no final do século
XIX e início do século XX, chamado Frederick Winslow Taylor.

Lodi (1993, p.29) afirma que Taylor ―está ainda hoje, apesar do tempo e das inovações, entre as
figuras que mais se destacaram na História do Pensamento Administrativo, devido a sua contribuição
para o Movimento Administrativo Científico‖. Para Taylor tanto o empregador quanto o empregado
deveriam prosperar e para que isso acontecesse supunha-se que ambos se entendessem bem. Taylor
faz parte dos fundadores do Movimento de Administração Científica e baseou seus experimentos na
linha de produção com os seguintes princípios como afirmam Carvalho e Serafim (l995, p.55):
―Subdividir tarefas mais amplas em tarefas mais simples. Agrupar essas tarefas quanto aos seus
objetivos. Centralizar suas decisões ao máximo. Prioridade absoluta nas tarefas e não nos seus
executores‖.

1
Mestre em Educação, Formação de Professores. Professora do Colegiado de Pedagogia da FAFIUV. Professora
Orientadora do Projeto Apoio aos Alunos com Dificuldades de Aprendizagem. Diretora de Cursos do Instituto de
Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços (IEPS).
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Essas idéias denominadas tayloristas ajudaram a organizar a administração porém não encontramos
nelas preocupação alguma com o ser humano; seu aspecto de trabalho era apenas mecanicista,
visando lucros e produtividade. Os ―princípios‖ taylorianos como afirma Lodi (1993, p.34) ―apesar
de criticados, ainda hoje servem como ―critérios‖ gerais para o treinamento da supervisão‖, nas
empresas.

Nesse mesmo Movimento de Administração Científica, mais ou menos na mesma época de Taylor,
encontramos outro engenheiro francês, Henry Fayol (1841-1925) que também favorece o
desenvolvimento administrativo, e na afirmação de Carvalho e Serafim, (1995, p.55) ―cabe a Fayol a
clássica divisão das funções gerenciais: planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar.‖

Fayol formulou, conforme escreve Lodi (1993, p.45) ―um conjunto de princípios de administração
geral que ele considerava úteis para toda a situação administrativa‖. Esses princípios eram
prescritivos e em número de 14. Lodi (1993, p.47) nos apresenta alguns mais importantes: ―a)
Igualdade entre Autoridade e Responsabilidade. (...) b) Unidade de Comando. (...) c) Unidade de
Direção. (...)‖ e outros como: os interesses particulares têm que estar subordinados aos gerais; deve
haver centralização hierárquica na empresa, ordem, estabilidade, iniciativa e união dos empregados.

A preocupação maior de Fayol era que os gerentes têm que estar preparados para administrar, e como
Taylor, visava rentabilidade, não se preocupava com o ser humano. Essa era a Escola Clássica da
Administração. Lodi (1993, p.52) mostra que as idéias de Fayol também atingiram o Brasil ao dizer:
―Países como o Brasil, que sofreram uma forte influência da cultura francesa no início do século,
também receberam favoravelmente o ―fayolismo‖‖. Houve outros autores que difundiram a Escola
Clássica da Administração em diversos lugares do mundo mas nos detivemos nesses dois autores por
nos parecer de maior interesse para a pesquisa em questão.

Carvalho e Serafim (1995, p.56) afirmam que em oposição à Escola Clássica de Administração surge
o Movimento das Relações Humanas , ―[...] como um sistema de controle baseado no
reconhecimento das motivações individuais do empregado‖. Este movimento era dinâmico e
encarava a empresa como um sistema que possui vida, se movimenta e pode se adaptar a diferentes
situações , na expressão de Carvalho e Serafim (1995, p.56) ―no qual estão presentes indivíduos que
reagem e respondem a estímulos que não podem ser identificados com precisão‖.

Assim encontramos a preocupação com os seres humanos que fazem parte das empresas, das escolas,
das diversas instituições e dão sentido a elas.

Por muito tempo não era esta a idéia que se tinha da Administração de Recursos Humanos, havia
uma separação entre a organização e o pessoal que nela trabalhava. O responsável pelo Departamento
Pessoal era uma espécie de porta-voz da empresa para com os empregados e algumas vezes, destes
com a empresa para que esta atendesse suas reivindicações. Hoje isto mudou. Tem-se a consciência
que as pessoas e as organizações formam uma única coisa inseparável. Uma necessita da outra para
crescer. Chiavenato (1999, p.12) assim refere-se a esse novo tipo de organização analisando-o como
―sistema aberto‖:

O conceito de sistema aberto tem sua origem na Biologia, em vista do


estudo dos seres vivos e de sua dependência e adaptabilidade ao meio
ambiente, tendo invadido rapidamente outras disciplinas científicas como a
Psicologia, a Sociologia e chegando a Administração. O sistema aberto
descreve as ações e interações de um organismo vivo dentro de um
ambiente circundante. Assim, em Biologia, o desenvolvimento e o
crescimento de um organismo iniciam-se com a fertilização da célula que
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depois se reproduz, por intermédio da nutrição, sempre por meio de ações e
interações com o seu ambiente.

Segundo Carvalho e Serafim (1995, p.57) ―A precursora da Escola das Relações Humanas foi Mary
Parker Follet, cujos primeiros trabalhos datam de 1920-21‖.

Todas as organizações, como sistemas sociais, possuem seus próprios objetivos e são beneficiadas
pela sociedade, recebendo dela, pessoas, informações, dinheiro, recursos esses que se transformarão
em recursos para a empresa de onde surge seu crescimento. Entretanto as pessoas que ali trabalham
possuem objetivos particulares; embora recebam vantagens das organizações fazendo parte delas,
apresentam comportamentos diferenciados. Assim, é preciso que haja um entrosamento entre as
organizações e as pessoas e para isto existe a Administração de Recursos Humanos, hoje
denominada de Gestão de Pessoas.

As organizações necessitam das pessoas para conseguirem seus objetivos e as pessoas também
necessitam das organizações para alcançarem muitos dos seus objetivos pessoais e profissionais.
Chiavenato (1999, p.17) afirma que:

As pessoas não são recursos que a organização consome, utiliza e que


produzem custos. Ao contrário, as pessoas constituem fator de
competitividade, da mesma forma que o mercado e a tecnologia. Assim,
parece-nos melhor falar em Administração de Pessoas [Gestão de Pessoas]
para ressaltar a administração com as pessoas como parceiros- e não sobre
as pessoas- como mero recursos.

Sendo assim precisamos entender que:

a) as pessoas são seres humanos, um diferente do outro, cada um possuindo sua história de
vida, levando-a consigo, bem como suas habilidades, capacitações. Enfim, ver pessoas como
pessoas!
b) essas pessoas por suas capacidades, podem fazer a empresa e as instituições crescerem.
São dinâmicas.

Essas pessoas são entendidas como parceiras na organização, já que o crescimento da mesma
depende delas.

Todos sabemos que onde se reúnem pessoas pode haver conflitos de idéias e a Escola Clássica,
sugeria para resolvê-los, que se usasse a força, mas Follet sugere o método da integração de
interesses: da empresa e dos trabalhadores. Carvalho e Serafim (1995, p.57) dizem que ―para Follet,
o empregado, como ser humano dotado de uma individualidade própria, encontra sua melhor
expressão por meio da integração e não apenas por intermédio de si mesmo!‖.

Chiavenato (1999, p.82-83) considera que:

A moderna gestão de pessoas procura tratar as pessoas como pessoas e,


simultaneamente, como importante recursos organizacionais, mas rompendo
a maneira tradicional de tratá-las meramente como meios de produção.
Pessoas como pessoas e não simplesmente pessoas como recursos ou
insumos [...] Além de executar as tarefas, cada pessoa deve conscientizar-se
de que ela deve ser o elemento de diagnóstico e de solução de problemas
para obter uma melhoria contínua do seu trabalho dentro da organização.
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Vê-se portanto a complexidade que é a busca do desenvolvimento, quer seja pessoal ou empresarial,
pois o ser humano é muito complexo e a variabilidade é imensa.

Em 1920, surge um psicólogo australiano chamado George Mayo, que, segundo Lodi (1993, p.67)
―é considerado o fundador do Movimento das Relações Humanas‖. Lecionando na Universidade de
Harvard, EUA contribui para consolidar o Movimento das Relações Humanas, com um projeto de
Pesquisa na fábrica Hauthorne, como mostram Carvalho e Serafim (1995, p.57):

Entre 1924 e 1931, Mayo e sua equipe conduziram uma cuidadosa pesquisa
sobre motivação no trabalho. Esse estudo ficou conhecido como os
experimentos de Hawthorne, cidade próxima de Chicago, onde funcionava
uma fábrica de equipamentos telefônicos da Western Eletric Co. Essa
companhia, à época, desejava identificar os fatores que podem afetar a
produtividade no trabalho. Assim os estudos de Hawthorne provocaram
importante desenvolvimento na compreensão do relacionamento entre o
empregado e suas tarefas.

Na verdade a preocupação era saber porque os empregados com as mesmas condições físicas de
trabalho, rendiam de forma diferente. Foram feitas muitas entrevistas com os funcionários e assim
foi descoberto o motivo de tal comportamento. As operárias que rendiam mais, podiam comunicar-
se entre si durante o trabalho e se envolviam no que faziam, pois suas chefias confiavam nelas e
podiam trocar idéias com liberdade. Foi uma experiência realizada na área industrial, mas que pode
perfeitamente ser aplicada em todas as áreas das empresas, inclusive nas áreas educacionais.

Mayo era sociólogo e preocupava-se, como afirma Lodi (1993, p.70) ―com as condições do operário
de seu tempo no ângulo das necessidades psicológicas e sociais‖. Mayo preconizava a importância
de se descobrir e satisfazer as necessidades psicológicas do trabalhador.

Cada um é único e é isto que torna difícil e complexa a Administração de Recursos Humanos.
Chiavenato (1999, p.84) afirma: ―cada pessoa é um fenômeno multidimensional sujeito as
influências de uma enormidade de variáveis‖. Cada um possui uma forma de perceber e interpretar
seus próprios atos e do meio em que vive, daí a necessidade e dificuldade de se compreender o
comportamento das pessoas. Porém tal situação reforça e valida a afirmativa de Gellerman (1976,
p.273) de que ―a compreensão das atitudes de outro homem não exige que concordemos com ele,
mas há grande vantagem em conseguí-la, especialmente se houver reciprocidade, pois se torna
possível prever como reage e evitar desacordos desnecessários.‖

Dois dos continuadores das pesquisas sobre Relações Humanas no Trabalho foram F.
Roethlisberger e W. Dicksom, que eram psicólogos americanos e publicaram o resultado de suas
pesquisa denominada ―Management and the Werker‖ pela Universidade de Harvard em 1956. O
resultado desta pesquisa feita numa sala de equipamentos de PBX, dizia que:

1- O grupo que ali trabalhava, foi formado espontaneamente com líderes naturais.
2- Esse grupo não se preocupava com incentivos financeiros.
3- O importante para eles eram os valores e costumes do próprio grupo.

Percebe-se que o próprio grupo, bem unido, organiza espontaneamente um código de conduta e o
cumpre com satisfação.

Um outro cientista social Chester I. Barnard, também contribui com suas teses para o
desenvolvimento do Movimento das Relações Humanas, mostrando que a empresa é um sistema
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social baseado em organizações formais e informais e os indivíduos que a formam são
condicionados por motivos sociais e fisiológicos, possuindo pensamentos e emoções diferentes.
Cabe à empresa sintetizar essas forças contraditórias e transformá-las em ações e atitudes concretas.

Conforme Lodi (1993, p.70) dando continuidade ao Movimento das Relações Humanas surge Kurt
Lewin que ―realizou experiências sobre mudança de comportamento em grupo e deu origem à
Dinâmica de Grupo‖. A Escola das Relações Humanas preocupa-se com o ―Homo Social‖ e deverá,
de acordo com Carvalho e Serafim (1995, p.59) observar o seguinte:

a) O comportamento do empregado não pode ser reduzido a um princípio


puramente mecanicista,
b) O ser humano é, ao mesmo tempo, produto de valores sociais e
biológicos; e

c) Independente de sua individualidade, todo ser humano tem necessidades


de segurança, aprovação social, prestígio e auto- realização.

A Escola de Relações Humanas dá ênfase à motivação, como propulsora para a ação do empregado,
em participação democrática, sendo assim, respeitando a opinião do empregado. Conforme
Chiavenato (1999, p.11):

A Administração de Recursos Humanos é uma especialidade que surgiu


com o crescimento das organizações e com a complexidade das tarefas
organizacionais. A Administração de Recursos Humanos trata do adequado
aprovisionamento, da aplicação, da manutenção e do desenvolvimento das
pessoas nas organizações. Para que se possa compreender as técnicas da
Administração de Recursos Humanos torna-se necessário compreender as
bases sobre as quais ela trabalha: as organizações e as pessoas.

O Movimento das Relações Humanas trouxe muitos benefícios para as organizações como afirma
Lodi (1993, p.70) mas trouxe também ―vários abusos e desvios [...]. O cientista social passou a ser
um solucionador de problemas, não um crítico independente das relações sociais‖.

Dos movimentos da Administração Científica e das Relações Humanas, surgiu uma nova corrente
denominada Corrente Comportamentalista, que não acreditava no que dizia a Escola de Relações
Humanas sobre a importância da satisfação do empregado para que o mesmo fosse mais eficiente.
Lodi (1993, p.72) diz que ―o primeiro esforço sistemático para compreender o comportamento
humano no trabalho começou em 1927‖ com a experiência de Hawthorne, embora como afirma
Chiavenato (1999, p.88) não haja muita lógica no comportamento humano:

O comportamento humano nada tem de lógico, pois é totalmente


psicológico. Lidar com as pessoas representa um desafio muito maior do
que lidar com coisas lógicas e deterministas, como máquinas, equipamentos,
instalações etc. Os dirigentes e gerentes das organizações estão muito bem
preparados para lidar com coisas lógicas e com aspectos hard, como coisas
concretas e físicas que envolvem assuntos materiais. Mas estão
dramaticamente despreparados para lidar com pessoas e com aspectos soft,
questões psicológicas que envolvam aspectos humanos.

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É verdade que em algumas empresas já se pensa desta forma e se procura respeitar o aspecto
humano das pessoas, mesmo que continuem pensando em lucro.

3 A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NAS RELAÇÕES HUMANAS

Carvalho e Serafim (1995, p. 72) dizem que ―há em cada um de nós, o ser individual e o ser social.
Chegamos ao mundo como organismos e desenvolvêmo-nos como pessoas, onde a participação do
indivíduo no grupo social é atributo social de sua natureza‖. Assim sendo, faz parte da natureza
humana que seu crescimento aconteça num grupo social e esta consciência precisa existir no grupo
social educacional para que nossos educandos possam desenvolver integralmente suas capacidades,
aprendendo a confiar nas pessoas com quem convivem, reconhecendo os valores de cada um e
como futuros educadores possam aprender a ser solidários com os seres humanos e um dia
transmitir esta vivência de solidariedade aos seus alunos, ensinando-lhes a importância do espírito
de equipe, para que tenham relações humanas duradouras e eficientes.

Nesse trabalho de equipe o professor é o líder e aí aparece o que caracteriza um líder dinâmico,
segundo Carvalho e Serafim (1995, p.78) ―é a sua habilidade em comunicar-se de forma eficiente.‖
Para se compreender o comportamento das pessoas é preciso conhecer o que as motiva a terem
determinado comportamento, que podem ser motivos que provêm do próprio ambiente, portanto
externos, como também motivos internos, isto é, gerado pelos processos mentais da pessoa.
Gellerman (1976, p.272) disserta longamente sobre motivação e afirma que:

A maior motivação é tornar real a idéia que a pessoa faz de si mesmo (...)
estamos permanentemente procurando alcançar a situação que julgamos
merecedores, (...) todas as demais metas que supomos ser a ―causa‖ do
comportamento humano, não passam de instrumentos de que se serve o
indivíduo para atingir seu verdadeiro objetivo que é ter personalidade
própria.

Nesta busca, a análise motivacional pode ajudar, oportunizando que se descubra que objetivos a
pessoa tem para alcançar. Ora, como bem situado por Chiavenato (1999, p.89) não podemos nos
esquecer do óbvio, ou seja que:

As pessoas são diferentes no que tange à motivação: as necessidades variam


de indivíduo para indivíduo, produzindo diferentes padrões de
comportamento; os valores sociais também são diferentes; as capacidades
para atingir os objetivos são igualmente diferentes; e assim por diante. Para
complicar ainda mais, as necessidades, os valores sociais e as capacidades
variam no mesmo indivíduo conforme o tempo. Apesar de todas essas
diferenças, o processo que dinamiza o comportamento é mais ou menos
semelhante para todas as pessoas.

O ambiente educacional se apresenta cada vez mais complexo, porque a vida assim se apresenta.
Cada um busca auto realizar-se, perseguindo objetivos particulares como podemos ver em
Bergamini (1993, p.16):

[...] o homem, na sua maneira natural de ser, não se deixa reger pelas leis
das ciências exatas, não se submete a padrões preestabelecidos e não pode
ser entendido por meio de modelos abstratos. Cada vez mais se percebe que
a felicidade motivacional é função de uma árdua e profunda luta de cada
um.
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Como cada um procura sua felicidade, parece-nos ser de real importância que a educação escolar se
preocupe em oportunizar essa busca. ROGERS (1981, p.29) afirma que: ―Precisamos reintroduzir
na escola o princípio de que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a experiência
do prazer‖. O aluno precisa descobrir que pode existir prazer e satisfação em estudar.

E o que acontece no comportamento das pessoas?

 Como já foi dito, não existem duas pessoas iguais. O ser humano é único. Desta forma cada um
tem um comportamento, pode até que o motivo seja o mesmo mas as reações comportamentais
serão diferentes de pessoa para pessoa.

Quando o equilíbrio é rompido por uma necessidade, o indivíduo vai procurar resolver esse
desequilíbrio. Cada um a seu modo. Se conseguir, ficará satisfeito e equilibrado novamente. Como
essas forças são dinâmicas, sempre estarão acontecendo comportamentos em busca de equilibrar as
tensões, embora nem sempre as pessoas tenham consciência disto. Quando não conseguir a
satisfação buscada, surgirá a frustração e o indivíduo, de alguma forma assumirá comportamentos
diferentes para dar vazão a ela, por exemplo, de forma psicológica, tornando-se tenso, agressivo,
apático, desajustado enfim. Ou essa vazão poderá ser feita por via física- será somatizada –e ele
poderá ter dores de alguma forma, insônia, desequilibrar-se somaticamente. Até pode acontecer
outro tipo de liberação que denominamos de compensação ou transferência.

Conforme Weil (1997, p.125) ―Todos os grupos sociais passam por diversas transformações na sua
evolução. A cada mudança surgem problemas de relações humanas.‖ As causas desses problemas,
são circunstanciais. As vezes uma dessas causas pode ser a saída de um elemento que era bem
aceito no grupo, e por alguma eventualidade tem que deixá-lo. Isto pode causar um desequilíbrio na
equipe. Outra causa pode ser o contrário desta. Trata-se da chegada de um novo elemento ao grupo
e isto também pode desequilibrar a rotina do grupo já estabelecido.

A distância que se estabelece entre as diversas categorias de elementos que, embora trabalhando
juntos, tem cada um cargos diferentes a desempenhar, pode ser outra causa de problema provocando
a chamada ―distância social‖. Mesmo na área educacional isto pode acontecer como bem frisa Weil
(1997, p.127): ―Nos colégios existe também uma distância social muito grande entre os alunos e o
diretor; muitos diretores só se interessam pela disciplina geral, distribuindo repreensões e castigos
em profusão, sem ter tempo de conhecer de mais perto o motivo que levou determinado aluno a
cometer tal ou tais erros‖.

Outra causa de problema nas relações humanas é a falta de clima favorável ao desenvolvimento de
boas relações. Esse clima social pode ser prejudicado por muitos motivos, como: falta de confiança,
de compreensão, ciúmes, stress, autoritarismo, agressividade, desinteresse, falta de liderança. Na
educação, os professores precisam falar uma mesma linguagem educacional.

As idéias são transmitidas através da comunicação e o emissor é aquele que as transmite. No caso
da educação formal o emissor é o professor. Não pode existir educação formal sem professor,
entretanto, concordamos com Carvalho e Serafim (1995, p.79) quando dizem que:

Já a maneira como a mensagem será compreendida, gerando retorno é de


responsabilidade do receptor. Por essa razão, cabe ao emissor escolher: o
conteúdo adequado da mensagem; a utilização correta de símbolos, os quais
possibilitam o código correto; o canal aberto para vincular a mensagem.

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Não é difícil de encontrar também rivalidades entre os elementos que trabalham juntos; isto provoca
relações de defesa e novo problema se instala no relacionamento.

Weil (1997, p.130) também se refere às ―limitações de liberdade‖, como causa de problemas no
grupo dizendo que:

Conhecemos vários casos de equipes (...) ou grupos de professores que,


desejosos de melhorar o rendimento do trabalho em benefício da
coletividade, construíram ótimos planos, racionais e exeqüíveis. Mas,
quando os apresentaram a direção superior, encontraram incompreensões e
resistências tais que desanimaram; a direção destas instituições perdeu ótima
oportunidade de aumentar a produtividade das equipes pela sua cooperação.

Direção e professores também precisam falar a mesma linguagem humana educacional. Toda essa
preocupação parece ser necessária para que o educando possa compreender a mensagem, para isso a
atualização contínua do professor mostra-se imprescindível. Vivemos na era da comunicação e o
professor precisa dominar a linguagem para poder elaborar e transmitir sua mensagem. Carvalho e
Serafim (1995, p.80), desenvolveram muito bem esta idéia, considerando que: ―A linguagem
humana, com seus símbolos e regras perfeitamente definidos constitui o código mais importante e
mais utilizado que existe. Por esta razão, o estudo da linguagem se apresenta muito mais complexo
do que o estudo dos demais códigos‖.

Aqui cabe uma pergunta:  Será que nosso professor, hoje, está dominando a linguagem capaz de
atingir o educando, ser compreendida por ele e produzirá a resposta esperada?

Muitas vezes os próprios regimes e leis trabalhistas impedem a prática de liberdade de ação como
diz Weil (1997, p.130):

As técnicas de trabalho em grupo e a manutenção de boas relações humanas


só são possíveis quando em toda escala de hierarquia reina um espírito de
compreensão e de respeito humano tal que os dirigentes não se
envergonham de receber conselhos dos grupos de empregados sabendo que
tem muito que aprender dos que executam as tarefas em suas minúcias; por
sua vez, os empregados têm que sentir o quanto são complexos os
problemas de direção.

Na verdade na educação, a comunicação é o elo de ligação entre o que o professor pensa e o que
seus alunos poderão assimilar para produzir ações que manifestem mudanças em suas vidas.

O respeito mútuo parece ser de capital importância na prática da liberdade no trabalho de equipe.

Toda vez que não conseguimos realizar algo que desejamos nos sentimos frustados e, num trabalho
de grupo, a frustração é também causa de problemas nos relacionamentos por que desequilibra as
pessoas que se deixam abater por elas conforme afirma Weil (1997, p.131):

As frustrações são normais na vida; o equilíbrio de uma pessoa caracteriza-


se justamente pela sua aptidão em superar as frustrações. A porém ,grupos
que oferecem tal quantidade de frustrações para os seus membros, que a
existência esta posta em perigo, sobre tudo quando as frustrações afetam as
relações humanas.

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O caminho a seguir para superar esses obstáculos parece ser a união do grupo para procurar
solucionar os problemas. É a compreensão do outro que se faz necessária, é a atenção para com ele
que se torna imprescindível.

Carvalho e Serafim (1995, p.82) complementam esta idéia quando afirmam que: ―Ao escrevermos,
nosso leitor é que tem importância. Ao falarmos é nosso ouvinte o centro de nossa preocupação.
Assim, a atenção com o receptor é um princípio orientador para qualquer emissor da comunicação‖.

A pressão do grupo é também uma causa de problema nos relacionamentos humanos pois, como
enfatiza Weil (1997, p.132): ―A pressão do grupo faz com que passemos a adquirir
imperceptivelmente os hábitos, costumes e pensamentos do grupo. Problemas de relações humanas
surgem quando uma pessoa tem maneiras, hábitos, crenças e pensamentos do grupo em que vive‖.
Para se evitar ou minorar tal situação seria necessário que as pessoas envolvidas tivessem uma
personalidade madura.

Para clarificar estas dificuldades encontramos algumas teorias psicológicas que nos ajudam:

A) Teoria de Campo de Kurt Lewin:

A teoria psicológica sobre o estudo do comportamento humano é aplicada na Pedagogia para


descobrir-se novos métodos para o ensino e aprendizagem. Bergamini (1992, p.46) afirma que:
―Hoje, já se dispõe de orientações mais seguras sobre como propiciar ao educando circunstâncias na
quais à aquisição de conhecimento seja mais natural, eficiente e agradável‖.

A psicologia social estudou o fenômeno da interação social e pela sua importância para o estudo do
comportamento humano criou uma nova modalidade, a dos Pequenos Grupos com uma dinâmica
própria no desenvolvimento de suas diversas fases.

Ao se falar de interação social e pequenos grupos não podemos deixar de nos referir ao psicólogo
alemão Kurt Lewin (1890-1947). Conforme Balcão (1967, p.303)

Lewin se convenceu de que a sociedade precisava com urgência de um


método científico para entender a dinâmica de grupo. Em 1945, para atender
essa necessidade fundou o ―Centro de Pesquisas de Dinâmica de Grupo da
Universidade de Michigan‖ desde então, o Centro tem consagrado esforços
à melhoria da compreensão científica de grupos, através de experiências de
laboratório, estudos práticos e uso de técnicas de pesquisa de ação.

Lewin, trabalhando nos Estados Unidos dedicou-se a estudar as possibilidades de mudança do


comportamento o ser humano, sobre tudo através dos pequenos grupos. Seus estudos eram
publicados em revistas técnicas. LODI (1993, p.112) afirma que: ―Lewin focaliza o grupo como o
campo das percepções, ações e sentimentos humanos. [...] Ele estava convencido de que poderia
conduzir experimentos com pessoas e grupos que tivessem o mesmo rigor científico dos
experimentos físicos ou químicos‖.

Para Lewin teoria e ação sociais deveriam estar ligadas e assim a psicologia, pela primeira vez,
pode usar a experimentação como meio para estudar a vida dos indivíduos em grupo.

Lewin acreditava na possibilidade da educação para a democracia e em seus experimentos


procurava encontrar meios para formar líderes e grupos voltados para a democracia, possivelmente

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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
através da mudança de cultura e aceitação de valores novos. Aguiar (1988, p.83) mostra que Lewin
foi vítima do nazismo, por isso fugiu da Alemanha para os Estados Unidos.

No entanto, apesar dessas duras experiências pessoais, e apesar de toda


interferência dos fatores político-sociais sobre a produção científica de sua
época, ele jamais deixou de acreditar nos valores individuais, na função do
cientista, na sociedade e na importância da Filosofia para a Ciência. Sempre
postulou a importância dos valores individuais para o destino da Ciência
Social.

De acordo com os postulados de Lewin todos fenômenos psicológicos acontecem num determinado
campo, isto é, o indivíduo está inteirado, como afirma Aguiar (1988, p.84) ―Com a situação
concreta em que está inserido num dado momento‖ e é necessário que se acredite na capacidade de
mudança do ser humano para isso, sob a ótica de Balcão (1967, p.303) ―professor e aluno precisam
sentir-se membros de um grupo em assuntos referentes a seu senso de valores‖. É importante que
haja interação entre os membros do grupo havendo assim influência mútua de comportamento,
havendo também interdependência entre os membros do grupo, o que os faz sentirem-se unidos e
responsáveis pelo crescimento do grupo conforme Bergamini (1992, p.94) que afirma:

Somente dentro dos grupos é que se pode compartilhar e auxiliar em


atividades que tenham objetivos comuns, (...) há que se considerar que seria
ótimo que os objetivos do próprio indivíduo, do grupo e da organização
fossem coincidentes. Como isso não é possível, há que possuir um certo
grau de conformidade individual para continuar pertencendo ao grupo.

Lewin esclarece que o comportamento humano é decorrência de todos os fatos existentes na vida de
cada um e por serem fatos dinâmicos formam um campo psicológico, contendo o ser humano e todo
o seu ambiente psicológico, que é formado por todas as necessidades de cada um com valores muito
pessoais. Quando esse espaço externo pode satisfazer as necessidades atuais da pessoa, são
atribuídos a ele valores positivos, dentro do campo psicológico, se for o contrário, os valores serão
negativos, como afirma Chiavenato (1999, p.85-86):

Os objetos, as pessoas ou as situações carregadas de valência positiva


tendem a atrair o indivíduo, enquanto os de valência negativa tendem a
causar-lhe repulsa ou fuga [...] A pessoa é determinada pelas características
genéticas e pelas características adquiridas pela aprendizagem através de seu
contato com o meio.

Assim esta teoria nos explica porque cada indivíduo tem uma maneira pessoal de ver o mundo.

A) Teoria da Dissonância Cognitiva de Leon Festinger:

Conforme Festinger, citado por Chiavenato (1999), toda pessoa quer viver em conformidade
consigo mesma e com seu ambiente. Se não existir essa consonância seu comportamento ficará
inconsistente. Chiavenato (1999, p.86) diz que ―a esse conflito ou inconsistência Festinger dá o
nome de dissonância cognitiva.‖ A cognição é aquilo em que o indivíduo acredita e ele pode
relacionar-se de três formas com esta crença:

1) relação dissonante: ele acredita como deve agir em determinada situação, mas age diferente; não
aceitando seu comportamento contraditório entra em conflito consigo mesmo.

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2) relação consoante: pensa e age coerentemente e assim valoriza seu comportamento.

3) relação irrelevante: as atitudes que assume não têm relevância entre si. Uma não prejudica a
outra, portanto suas convicções pessoais não são atingidas.

Concluímos assim que o comportamento das pessoas depende mais do que elas pensam, do que dos
fatores ambientais. Compreendemos então que a natureza humana é de fato completa.
Continuamente o homem está se inteirando com seu meio ambiente, processando informações e é a
sua cognição que dirige seu comportamento, fazendo com que ele se adapte ou modifique o seu
modo de agir e até mudando seu ambiente para diminuir as relações dissonantes. O homem pode ter
objetivos e continuamente lutar para alcançá-los. Ele pode desenvolver constantemente suas
capacidades mentais e adquirir novas informações, alterar ou adquirir novas crenças.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando a situação da formação de recursos humanos para a educação formal procedemos


estudos sobre os fatores que mais influenciam a formação destes recursos.

A paixão pelo ensinar e aprender parece ser a tônica necessária para que haja transformação no
grupo social-educacional e que o vínculo de compreensão aconteça entre alunos e professores
podendo assim por meio do respeito mútuo oportunizar abertura de novos horizontes como forma
de estímulo na busca do conhecimento, tornando-se uma alavanca para a produção prazerosa de
novos conhecimentos.

Não pretendemos colocar um ponto final neste estudo que realizamos com reflexões teórico-
metodológicas. O assunto é muito extenso e nossa colaboração visa ser apenas um marco inicial
para que se processem futuras pesquisas no campo das relações humanas na educação, dentro do
ensino superior e assim conforme Lovo & Rodrigues (2000 p.59) poderemos propor: ―A construção
de um novo homem, da Pessoa Humana sem nenhuma mutilação‖.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Maria Aparecida F. de. Psicologia Aplicada à Administração – Uma introdução à


Psicologia Organizacional. São Paulo: Atlas, 1988.

BALCÃO, Iolanda F. & CORDEIRO, Laerte. O Comportamento Humano na Empresa. Rio de


Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1967.

BERGAMINI, Cecília W. Psicologia Aplicada a Administração de Empresas: Psicologia do


comportamento Organizacional. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1993.

CARVALHO, Antonio Vieira de. & SERAFIM, Oziléa Clen Gomes. Administração de Recursos
Humanos. Vol. 2. São Paulo: Pioneira, 1995.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração de Recursos Humanos - Fundamentos Básicos. 4 ed.


Atlas. São Paulo: 1999.

GELLERMAN, Saul. W. Motivação e produtividade. São Paulo: Biblioteca da Administração


Moderna. 1976

LODI, João Bosco. História da Administração. 10 ed. São Paulo: Pioneira, 1993.
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LOVO, Adriana M. R. & RODRIGUES, Zita A. Lago. Filosofia e Educação- A Dimensão
Evolutiva do Conhecimento. Curitiba, PR: Qualogic, 2000.

ROGERS, Carl Ranson. Tornar-se Pessoa. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1981.

WEIL, Pierre. Organizações e tecnologia para o terceiro milênio: a nova cultura organizacional
holística. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.

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A RELAÇÃO HOMEM E TRABALHO DETREMINA A


ORGANIZAÇÃO SOCIAL DE IGUALDADE OU
DESIGUALDADE
Ivone da Costa Masnik2

1 INTRODUÇÃO

Em período de transição dos modos de produção. As mudanças sociais ocorrem em processo lento e
são resultados da ação do homem sujeito a múltiplas crises, paradoxos e conflitos. Em um período
de crise e mutação dos modos de produção e das relações sociais viveu Thomas More — ou Morus,
em latim — na obra A UTOPIA, aborda a questão da igualdade e desigualdade inerente à justiça
social, através da concepção de trabalho e ócio, nas funções exercidas pelos homens e a obtenção da
inserção nas categorias hereditárias de privilegio nobiliárquicos e destaques sócio-econômico-
político. A obra A UTOPIA compõe-se de duas partes no livro primeiro, o autor descreve as
condições de trabalho e do trabalhador, na sociedade inglesa do século XV e do século XVI. No
segundo livro, descreve uma sociedade imaginária, igualitária, em que a cellula mater da
organização social é o trabalho. Discutiremos os pressupostos de que o trabalho gera igualdade ou
desigualdade social, conforme a organização social política e econômica. Para tal, iniciamos com
uma síntese do conceito de trabalho contextualizando-o historicamente, abordando, logo após, as
concepções e aspectos geradores de igualdade e/ou desigualdade social, na sociedade inglesa
medieval renascentista e na sociedade utopiana.

2 TRABALHO: REALIDADE HISTÓRICA - SOCIAL

O trabalho enquanto força de trabalho será abordada sob o enfoque histórico-social, procurando-se
apreender a dinamicidade dos aspectos, concepções e conceituação em diversos autores. O trabalho
foi e é objeto de estudo de diversos ramos ou áreas da ciência, buscando maior esclarecimento e
aprofundamento, coerentes com a especificidade das concepções, clientela e campo de atuação dos
ramos científicos.

2.1 Trabalho: Conceituação

A palavra trabalho ou ação trabalho e as múltiplas relações que a envolvem objetivam estudos
diferenciados, desde a etimologia da palavra até a apreensão sócio-econômico-político da relação
homem trabalho produção, contextualizando-os historicamente.

Os conceitos sobre trabalho, além de expressarem as concepções cientificas, reproduzem as


tendências ideológicas de seus autores.

Genericamente, trabalho é a ―aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um


determinado fim‖. (FERREIRA, s.d., p.1393). Para Engels, o trabalho ―é o fundamento da vida
humana‖. (ENGELS, 1986, p.19). O trabalho, para Freinet, é exigências do próprio corpo humano:
―Não é uma coisa que se explique e se compreenda; é uma necessidade que se inscreve no corpo,
uma função que procura satisfazer-se, músculos que funcionam, relações de íntima concordância
que se estabelecem, trajetos que despertam e se reforçam‖. (FREINET, 1974, p.125).

2
Mestre em Fundamentos da Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM, Maringá, PR.), professora do
Colegiado de Pedagogia da FAFI de União da Vitória desde 1983.
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Segundo Marx, o trabalho ―é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o
homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana‖. (MARX, 1989b, p.50).

Morus, conforme inferimos, considera o trabalho um todo, que corresponde às necessidades


naturais do homem, através da atividade física e intelectual, propiciando - lhe satisfação. O
indivíduo deve exercer suas funções conforme suas aptidões, visando ao bem comum. Ao organizá-
lo, o estado deve considerar a interdependência das diversas funções, dentro da valorização do
trabalho ativo, utilitário e coletivo.

Portanto, o trabalho é força vital inerente ao homem, dinâmico dialético e participativo.

2.2 Trabalho: Concepções

Historicamente, as concepções de trabalho são geradas em épocas diferenciadas pelas necessidades


social políticas e econômicas das civilizações, através das mudanças dos modos de produção e das
relações de trabalho. Assim, vejamos: o homem primitivo ou pré-histórico desenvolveu o trabalho
espontâneo e coletivo. Segundo Engels, o trabalho foi agente determinante da transformação do
macaco em homem, afirmando que ―o trabalho criou o próprio homem‖. (ENGELS, 1986, p.19).

Nos primórdios da Grécia, Hesíodo demonstra o valor moralizador do trabalho, através de


máximas:

―Perses, rebento divino, trabalha para que a fome te deteste e a casta e bela
Deméter te ame e encha de abundância os teus efeitos [...] O trabalho não é
vergonha; a ociosidade, sim, essa é que é. Se trabalhares, o ócio te invejará
pelos teus ganhos, os quais se seguem respeito e consideração. O trabalho é
a única coisa justa‖ (HESIODO, 1964, p.47-48).

No período Arcaico com o desenvolvimento das cidades-estados e a estrutura social e política,


sistema de castas, reforça-se a depreciação do trabalho manual ou mecânico. Neste sistema, quem
os realiza são os escravos e homens livres de castas inferiores, cabendo ao cidadão o ócio —
dedicação aos prazeres do corpo, à política, às artes e à filosofia; o cidadão estava isento e não devia
exercer trabalho manual.

A concepção depreciativa do trabalho manual tem continuidade em Roma, pelo fato de a sociedade
romana adotar o sistema de castas, similar ao grego, implantado ou importado da Grécia no período
helenístico. Com as novas conquistas territoriais, aumentam consideravelmente o número de
escravos em Roma. A agricultura e artesanato passam a ser função só destes, tornando-se
degradantes, para o homem livre, por serem considerados trabalho de escravos. Na idade Média,
com a preponderância do catolicismo e sua mentalidade religiosa, o trabalho passa a ser
considerado castigo divino. O homem, Adão, ao ser expulso do Jardim do Éden — Éden significa
delícias — é sentenciado: ―tirarás dela (a terra) com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias
de tua vida‖ [...] comerás o teu pão com o suor do teu rosto‖. (GÊNESIS, cap. 3, v.17-19. In: Bíblia.
p.55). Interessante é observar também que o homem podia comer todos os frutos do Éden, mas é
advertido: ―não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal‖. (Id. Ibid. cap.2, v.17. In:
Bíblia. P.54 — O grifo é meu).

No período medieval, o trabalho agrícola e artesanal é desenvolvido pelos servos em suas


segmentações funcionais. Os senhores — nobres ou clérigos — usufruem e coordenam o trabalho
dos seus subordinados. Subordinação social, os servos, na maioria, vivem em condições miseráveis,
apenas os vilões obtêm privilégios; econômica, os servos não recebem salário, trabalham para a
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subsistência e, quando muito, recebem ou dividem os víveres que produzem com o senhor; política,
os servos não têm poder e nem direitos políticos.

Com o advento da dinamização do comércio e o desenvolvimento das cidades, surgem categorias


fundamentais, tais como, os comerciantes e artesão-corporativo, que ocasionam maior divisão social
do trabalho e mudanças na ordem sócio-econômico- político. Com a valorização e acumulação do
dinheiro, ocorrem a valorização e o poder do homem rico nobre, clérigo ou burguês. Mudam as
condições sociais de trabalho, o número de servos diminui consideravelmente, mas não as
condições de vida do trabalhador agrícola ou artesanal, que são os que mais trabalham e menos
recebem.

Com a crise do feudalismo e a implantação gradativa do capitalismo, as condições de trabalho


tornam-se precárias, principalmente do homem do campo. Despojada a grande massa de
trabalhadores de todos os bens materiais, mais tarde, tornam-se ou produzem a classe social que
será denominada proletária; os operários das fábricas, oprimidos e subjugados pela classe social
burguesa, que substitui os nobres do poder.

O trabalho será valorizado principalmente com Hegel, Marx e Engels, através das análises do
conceito de trabalho e das condições de vida do trabalhador; das concepções de trabalho e
alienação; trabalho e ideologia, trabalho e forças produtivas; trabalho e luta de classes.

2.3 Divisão social do trabalho

A divisão social do trabalho tem como característica a subjugação do trabalhador, ainda na pré-
história, quando o homem, no período neolítico, deixa a vida nômade e começa produzir para a
subsistência, e surge então a agricultura. O homem, ávido de conquistas, subjuga os povos de outras
tribos e os torna seus servidores ou escravos.

Na história Europa Ocidental, foi na Grécia antiga que ocorreu a divisão social na trabalho no
trabalho manual, mecânico ou material e trabalho intelectual. Esta divisão do trabalho tem
continuidade, em Roma, pelo fato de a estrutura social, dividida em castas, ser similar à Grega.

As sociedades grego-romanas assemelham-se, divisão social do trabalho pelo modo de produção


escravista. Os escravos é que realizavam os trabalhos materiais de subsistência e encontrava-se em
situação social inferior à dos cidadãos.

Na Idade Média, era medieval ou feudalista, o trabalho é realizado pelos servos, que diferem do
escravo grego-romano. Este era propriedade do homem que o possuía. O servo está vinculado a
terra e só com ela é que pertence ao senhor feudal. Este pode dispor de terra, não do servo. A
dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual continuam: uns pensam e outros agem, executando
as ordens recebidas. Com o desenvolvimento do comércio e a dinamização das cidades ocorrem
novas divisões sociais do trabalho material entre produz o artesanato e é sede do comércio.

A constante intensificação do comércio leva a mais uma divisão social do trabalho material em
artesanato, produção, e comércio. Com a expansão do comércio para novas fronteiras ocorrem as
diferenciações de produção entre cidades e, até, entre países.

A busca desenfreada de riquezas e sua acumulação levam o homem a um novo de produção, o


capitalismo, que caracteriza o início da Idade Moderna, em que a dicotomia entre classes sociais é
reforçada e intensificada, gerando a divisão social do trabalhador em proletário, o operário que

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executa sua função na fábrica, e burguês, proprietário dos meios de produção, da fábrica, e o
idealizador do trabalho.

Historicamente, o homem evoluiu, o tempo passou, novos modos de produção surgiram. Mas, a
dicotomia da divisão social do trabalho continua sendo: uns pensam, outros agem; uns concebem as
idéias e outros executam, tornando-se realidade, sob novas nuances, em contextos sociais
diferenciados.

2.4 Trabalho e segmentação social

A segmentação social ocorreu desde a Antigüidade Clássica, com as sociedades de castas. Durante
o feudalismo, desenvolveu-se com os estamentos. Na época, ano 1516, em que Thomas Morus edita
A UTOPIA, a sociedade inglesa encontrava-se socialmente fragmentada, multidividida em
hierarquias, determinadas pelo nascimento ou função exercida. As principais camadas sociais
inglesas são a nobreza, o clero e os servos. Ao lado destes, já havia grande movimentação dos
burgueses comerciantes.

A nobreza, hierarquizada pelos títulos, era naturalmente segmentada. A Dinastia Tudor e o combate
que os monarcas Henrique VII e Henrique VIII empreenderam contra os nobres, aliando-se aos
burgueses e os privilégios para enfraquecer politicamente os nobres, propiciaram o surgimento da
pequena aristocracia rural, determinada não pelo nascimento, mas pela posse de riquezas. Também
o clero, além da hierarquia própria da igreja, neste período, estava dividindo em alto e baixo clero.
Ao alto clero pertenciam os padres, com instrução adequada e diferenciada dos demais clérigos,
destinados aos cargos eclesiásticos e sócio-políticos, tais como chanceler e conselheiro dos
monarcas. O baixo clero era constituído pelos párocos e servidores monásticos, vinculados aos
problemas do povo.

Os servos, segundo Huberman, também estavam divididos em diferentes graus de servidão. Havia
os servos dos domínios, com trabalho integral e permanentemente ligado ao senhor feudal; os
fronteiriços, camponeses paupérrimos com pequenos arrendamentos; os aldeões, braços contratados
em troca de comida; os vilãos, detentores de privilégios pessoais e econômicos. (HUBERMAN,
1986, p.7).

Nas cidades, conforme Marx, a ação burguesa de defesa dos ofícios, através das corporações,
guildas ou associações, gera a formação de uma camada social denominada plebe; seus integrantes,
os plebeus, eram servos fugitivos dos feudos que nelas se asilavam; nesse meio, a organização das
corporações os impedia de exercerem livremente seu ofício, ou aprendizagem de um ofício.
Tornavam-se trabalhadores diaristas nas corporações, sujeitando-se às determinações destes, pois
não tinham organização política para defender seus direitos (MARX, 1986a, p.81)

A burguesia, que esta em transição de estamento para classe social, encontra-se dividida em alta e
pequena burguesia: a primeira, composta pelos grandes comerciantes, mantenedores do poder
hegemônico nas cidades e incentivadores do absolutismo; a segunda, integrada pelos artesãos
corporativistas e pequenos comerciantes que sustentam o espírito revolucionário. A fragmentação
exposta, da sociedade inglesa, exemplifica e ratifica a conotação de que o trabalho mantenedor da
ordem social e da subsistência humana é executado pelos menos favorecido social, econômica e
politicamente, isto é, detentores de riquezas e de privilégios político.

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3 IGUALDADE E DESIGUALDADE SOCIAL

Há diversas categorias de igualdade. Conforme Cuvillier, igualdade política, pela qual todas os
cidadãos possuem os mesmos direitos cívicos de acesso a todas as dignidades, postos e empregos
públicos, de acordo com a capacidade de cada um, em princípio; igualdade civil, ou jurídica, pela
quais todos são iguais perante a lei (isonomia); igualdade moral, que indica a mesma dignidade de
pessoa humana e, em conseqüência, a igualdade de direitos naturais, igualdade física, imaginada
entre homens com o mesmo vigor físico, a mesma saúde, a par da igualdade intelectual, considerada
como a equivalência de inteligência, memória e de vivacidade. (CUVILLIER, 1961, p.191).

Estas conceituações contemporâneas demonstram que igualdade é uma noção relativa, classificada
de várias formas, por diversos autores. Muitos foram os estudiosos que buscaram a origem da
igualdade social. Entre eles Hobbes, Rousseau e Locke. A inserção destes pensadores pertencentes
ao período manufatureiro, portanto, posteriores ao período histórico de Morus, justifica-se, pois
aliam liberdade e igualdade à formação sócio-política. Concepções que se complementam e se
assemelham às proposições de Morus em A UTOPIA.

A igualdade, para Hobbles, é gerada pelo desejo de autopreservação ou, instinto de conservação da
vida, inerente ao homem. No estado de natureza os homens são egoístas e possuidores do desejo de
poder, é o que o leva ao contrato ou pactos sociais, sendo a razão que determina as leis. (HOBBES,
1983, p.XIV-XV).

Conforme Rousseau, a igualdade está relacionada às relações sociais e à concepção de liberdade.


Esta é direito inalienável do homem — ―todos nascem homem e livres‖ — e é o que fundamenta a
moral e política. (ROUSSEAU, 1987, p.XVI-XVII). Ao enfocar Rousseau, precisamos considerar
que ele estuda mais detalhadamente as desigualdades sociais, e a sua linha de pensamento é
humanista - renascentista, com influência da reforma protestante. Para Rousseau, o homem é
naturalmente bom, pensamento oposto ao e Hobbes, para o homem é naturalmente mau.

Segundo Locke, o homem gozaria a liberdade e igualdade no estado natural, em que todos os
homens teriam o destino de preservar a paz, a humanidade, e evitar ferir os direitos dos outros. Para
conservar a liberdade e a igualdade perfeitas, o homem cria a sociedade política, através do pacto
social entre homens igualmente livres, para harmonia geral, usando a força coletiva para a execução
das leis naturais. (LOCKE, 1988, p.XVI).

É interessante observar que estes pensadores aliam a preservação da liberdade e igualdade do


homem à formação da sociedade política.

Nossa atenção, neste texto, ater-se-á mais à igualdade social, inerente à justiça social, através das
relações concretas entre os homens. Nessa categoria a igualdade e a liberdade social e política
apresentam aspectos próprios de cada época, na realidade histórica.

Na Antigüidade clássica, a liberdade e a igualdade estavam relacionada a racionalidade e à condição


sócio-político de vida do homem. Conseqüentemente, quem gozava de liberdade e igualdade na
sociedade greco-romana era o cidadão. Possuía a razão e usava a racionalidade para deliberar sobre
os assuntos de interesse privado, ou particular, e interesses gerais, ou de ordem pública, como
membro atuante da democracia. O cidadão não executava trabalhos manuais ou de subsistência,
estes eram atributos dos escravos e castas inferiores, dedicavam-se ao ócio, à vida contemplativa e à
política.

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Na Idade Média, imperou a concepção cristã, em que todos os homens são filhos de Deus, portanto,
iguais.As desigualdades da sociedade feudal, respaldadas pela Igreja, são justificadas pela diferença
de capacidades e mérito. Seu sustentáculo era o direito natural escolástico. Com o advento do
Renascimento na Europa, e a realimentação da leitura greco-romana, as concepções de igualdade e
liberdade centram-se nos direitos individuais.Precisamos considerar que as desigualdades sociais
forma constantes e mais exacerbadas que as igualdades no histórico-social.

A desigualdade, segundo Rousseau, fraca, quase nula no estado de natureza, é reforçada e


desenvolvida pela sociedade. A geradora das desigualdades sociais é a propriedade privada, que
causa o aparecimento do rico e do pobre; para protegê-la e, ao defender seus direitos de posse, os
homens formam a sociedade. Cria as leis, e ao colocá-las em prática surgem os magistrados, que
produzem o poderoso e o fraco. Com a mudança do poder legítimo em poder arbitrário, temos o
despotismo e o aparecimento do senhor e do escravo. (ROUSSEAU, 1987-88, p.12-16).

Apontando os malefícios da propriedade privada, Morus afirma: ―onde a propriedade for um direito
individual, onde todas as coisas se medirem pelo dinheiro, não se poderá jamais organizar nem a
justiça nem a prosperidade social‖.(MORUS, sd., p.4). Morus faz, inclusive, um relato dos males
que a propriedade privada causa ao homem do campo, na sua época, ocasião em que proprietários
expulsam muitos camponeses de suas terras, arrojando-os à miséria. As leis são muitas, mas a
injustiça impera, e pune-se, na maioria das vezes, a vítima e não o infrator.A situação é calamitosa,
os poderosos — acumuladores de riquezas, luxo e prazeres — oprimem os fracos e miseráveis,
sendo o homem explorado no trabalho, e muitos não encontram nem esta subjugação, devido à
escassez do trabalho ou oferta de trabalho.

Ao analisarmos o tema das desigualdades sociais, em Morus e Rousseau, pudemos notar que estes
autores, mesmo não sendo contemporâneos historicamente, mas Rousseau posterior a Morus, seus
parâmetros assemelham-se. A grosso modo, podemos exemplificar com o relato da realidade
inglesa que Morus faz, no livro I de A UTOPIA, as concepções teóricas de Rousseau .

Os utopistas Platão, Campanella e Bacon preconizam a abdicação da propriedade privada. Os dois


primeiros afirmam que ela causa os males sociais, agressividade e a competição entre os homens.
Os três pensadores eliminam a propriedade privada nas suas sociedade utopicas e planificam-nas
comunidade bens, visando ao desenvolvimento e ao bem-estar do homem. Campanella e Bacon, a
exemplo de Morus, ao eliminar a propriedade privada, tornam a sociedade igualitária. Platão, ao
abolir a propriedade privada, não a torna igualitária; sua sociedade está segmentada em três
categorias: povo, artesãos e agricultores; auxiliares militares; filósofos; governados por um filósofo
- rei.

Ao abordar concepções de Hobbes, Locke e Rousseau, para respaldar ou ilustrar colocações de


Morus, precisamos esclarecer que todos escreveram contratos sociais, desenvolvendo a tese do
estado natural e do pacto social entre os homens. Estes contratos sociais são considerados por
Szacki, como utopias políticas¹. O mesmo autor considera A UTOPIA de Morus um projeto de
constituição (SZACKI, 1972, p.3).

O princípio de liberdade e igualdade como direito e exigência a própria natureza do homem,


iniciada pelo humanismo renascentista, entre Thomas Morus, desenvolveu-se depois no século
XVII com as teorias do direito natural, principalmente com Hobbes (absolutista) e Locke
(liberalista). No século XVIII, Rousseau (democrata) contribuiu decisivamente para o principio de
liberdade, constituindo-o como norma e imperativo, concebendo o estado da natureza como
condição de liberdade e de igualdade, sendo o homem sujeito de todo direito, fonte e norma de toda
lei.
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Considera-se, ainda, que bacon, Hobbes e Locke, segundo Marx, foram os pais do materialismo:
Bacon de maneira ingênua e de desenvolvimento multilateral; Hobbes sistematizou o materialismo
de Bacon, tornando-o unilateral; Locke fundamentou o princípio de Bacon e Hobbes, o princípio
fundamental: o de que os conhecimentos e as idéias têm a sua origem no mundo dos
sentidos.(MARX, In: ENGELS, 1989, p.9-10). Portanto, estes pensadores se interligam, e
complementam teorias em vários ramos científicos, mesmo vivendo em período históricos
diferentes, em fases diferenciadas do capitalismo, passando do artesanato para as manufaturas, onde
já há divisão social e técnica do trabalho. A liberdade passa por mutação ou complementaridade,
como expusemos, passa de direito natural pra direito de venda e compra da força de trabalho.

4 CONCLUSÃO

Thomas Morus, na obra A UTOPIA, demonstra que o estado é o gerador das desigualdades ou
igualdades sociais. Portanto, as diferenças sociais são geradas pelo homem e não são naturais.
Demonstra ainda que, ao abolir a propriedade privada e a divisão social do trabalho, trabalho
manual e trabalho intelectual, trabalho no campo e trabalho na cidade, eleva a condição do trabalho
e do trabalhador, resgatando o seu valor real e natural.

À semelhança de Engels e Marx, Morus considera elemento vital o trabalho, que é, também,
moralizador, dinamizador e mantenedor da ordem social, política, econômica e igualitária da
sociedade. A igualdade ou desigualdade social, inerente à justiça social, através das relações
concretas do trabalho entre os homens geram a igualdade e a liberdade sócio-política e apresentam
aspectos próprios em cada época histórica.

NOTA

A utopia política ―começa quando alguém — indivíduo ou grupo — decide transformar a sociedade
desde os seus fundamentos‖. (SZACHI, 1972, p.27). E, ―é uma recusa da absolutização das divisões
políticas atuais, é uma tentativa de recomeçar de novo o debate sobre a forma da sociedade‖. (Ibid,
p.99).

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APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM BIOLOGIA NO


CONTEXTO DA PEDAGOGIA CRÍTICA
Rodrigo Pflanzer-Esp. Psicopedagogia Institucional-FAFIUV

Profª .Ms.Valéria Ap. Schena- FAFIUV

1 INTRODUÇÃO

No campo educacional discute-se a questão da aprendizagem significativa, e se as considerações


desta epistemologia realmente permitem uma verdadeira apropriação do saber científico, ou apenas
empobrecem o conteúdo a ser transmitido aos educandos em nome de metodologias alternativas.

A retomada sobre essas questões visam suscitar uma nova perspectiva sobre a proposta
construtivista, através das teorias críticas. Tais teorias promovem um profundo entendimento das
complexas relações existentes na sociedade, e permitem compreender como a instituição escolar
sofre essas influências.

Apontam também que os educandos criam resistências ao autoritarismo da classe dominante, e uma
das formas de garantir o acesso dos discentes ao saber elaborado é entender criticamente os
intercâmbios entre escola e sociedade.

Um dos aspectos que reforçam a atualidade do construtivismo consiste no fato de propor um


enfoque diferenciado em relação aos educandos, caracterizando-os como indivíduos capazes,
providos de certos conhecimentos que precisam ser considerados na aprendizagem, e num sentido
crítico, sujeitos únicos que vêem na educação uma alternativa de superação se seu status quo.

Acredita-se que o sucesso no processo ensino-aprendizagem no campo das ciências biológicas,


reside no fato de que gradativamente supere-se o distanciamento da formação profissional e a
realidade educacional.Profissionais conscientes do desafio proposto em recuperar a especificidade
do trabalho escolar, possivelmente proporcionará o sucesso dos educandos. O diferencial na
construção do conhecimento será observado quando envolver professor e aluno numa relação que
favoreça a formação omnilateral dos sujeitos.

2 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E TEORIA CRÍTICA

Aprender significativamente envolve muitos desafios aos educadores contemporâneos, pois ensinar
algo para não ser esquecido posteriormente, exige condições adequadas no processo ensino-
aprendizagem que estimulem o indivíduo a se envolver ativamente e, sobretudo sentir-se motivado
a continuar aprendendo.

Mota (2009), afirma que a educação formal deve desenvolver no indivíduo autonomia progressiva,
chegando ao nível máximo no qual o educando liberte-se do avaliador, ou seja, um processo de
metacognição, onde o aprendiz reconheça e defina seus próprios caminhos para aprender.

Da mesma forma numa proposta construtivista Mortimer (2000 apud Queiroz; Barbosa-
Lima,2007,p.274):

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a aprendizagem se dá através do ativo envolvimento do aprendiz na
construção do conhecimento, as ideias prévias dos estudantes desempenham
um papel fundamental no processo de aprendizagem, já que essa só é
possível a partir do que o aluno já conhece.

Esses pressupostos nos levam a compreender a importância que o educando assume no ideário
construtivista. Porém Saviani (1991), afirma que os conceitos científicos necessitam ser levados aos
educandos de forma competente, sendo esta efetiva apropriação uma maneira eficaz para superação
das desigualdades sociais. Esta ressalva, transmitida por ele, é para salientar que em nome de
conhecer a cultura popular trazida pelos educandos, e através de metodologias que reforçam a
prática, não se empobreça o saber científico ou cultura clássica que dever ser ensinado
efetivamente.

É evidente que a aprendizagem significativa não pode esgotar-se em si mesma, mas potencializar a
capacidade dos discentes em aprender cada vez melhor o que se ensina, envolvendo modificação,
flexibilidade e adaptação.

Uma das teorias atuais que permeiam a condição de adaptação e flexibilidade no ensino é a
pedagogia crítica ou ainda como é conhecida no Brasil, pedagogia histórico-crítica. Não
analisaremos minuciosamente esta concepção, o que nos impede na dimensão de um artigo, mas
analisaremos como esta teoria pode respaldar o conceito de aprendizagem significativa no ensino da
Biologia.

A singularidade da pedagogia crítica consiste no fato de não ser anacrônica no sentido de não
permitir que outras concepções educacionais venham a compor seu ideário, assim, pois, ampliam-se
seus horizontes ao introduzir conceitos importantes, os quais nos fazem refletir sobre a maneira que
se constituiu o complexo tecido social e como influenciou a instituição escolar.

Segundo Maclaren (1997, p.322):

É importante lembrar que nossos estudantes não são espectros


desencarnados, a serem conduzidos pelos corredores, por uma retórica
pedagógica ou por sofismas; eles são, na verdade, agentes históricos
complexos que precisam ser capazes de ler os múltiplos textos de suas
próprias vidas. Ou seja, eles precisam ler as linguagens e discursos nos
quais estão inseridos para reinventar a si mesmos.

Facilmente se presume o papel do educando no contexto da pedagogia crítica, um indivíduo


pensante, provido de saberes que são inerentes para serem trabalhados na aprendizagem, e,
sobretudo permitem compreender a realidade, a fim de superar seu status quo, a partir de uma
mudança de consciência que o ensino deve favorecer, desde que este não se detenha em paradigmas
de cunho hegemônico.3

Uma mudança de perspectiva no cenário educacional especialmente no campo de ensino das


ciências se faz necessário. ―[As práticas pedagógicas] não se constroem por acumulação (cursos,

3
Hegemonia: refere-se à liderança moral e intelectual de uma classe dominada sobre uma classe subordinada
conquistada não através de coerção (ex. ameaça de aprisionamento ou tortura) ou da construção deliberada de regras e
regulamentos (como em uma ditadura ou regime fascista), mas sim através do consentimento geral da classe dominada
à autoridade da classe dominante. A classe dominante não imprecisa impor força para produzir hegemonia, já que a
classe dominada subscreve ativamente muitos valores e objetivos da classe dominante, sem estar atenta à fonte desses
valores ou aos interesses que os informam. (MACLAREN, 1997, p.207).
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técnicas), e sim pela reflexão crítica dos caminhos percorridos e das possibilidades de construir
novos saberes e recriar os já conquistados.‖ (ROSSO; BERGER, 2006, p.325).

A ―defesa da especialidade da escola e a importância do trabalho escolar como elemento necessário


ao desenvolvimento cultural, que concorre para o desenvolvimento humano em geral‖ (SAVIANI,
1997, p.119), é trazida pela pedagogia crítica ao permitir o entendimento das epistemologias, antes
de reproduzi-las, e avaliar seu impacto na realidade educacional.

3 REPENSANDO A APRENDIZAGEM SIGINIFICATIVA EM BIOLOGIA

Ao propormos uma forma de tornar significativo o ensino da Biologia, entendemos que não há um
caminho definitivo que o educador deve seguir para levar os conhecimentos científicos que
constituem esta disciplina.

Se assim fizéssemos, constituiríamos um falso paradigma, pois a heterogeneidade existente em


nossas escolas impossibilita uma metodologia única. Neste momento, apenas buscamos no ideário
pedagógico, uma possibilidade de tornar o processo ensino-aprendizagem eficaz tanto para os
educandos como aos educadores.

Os sujeitos da escola pública em geral são originários de classes assalariadas, possuem diversas
vezes más condições de cidadania, são jovens, crianças e adultos, que necessitam ter acesso ao
conhecimento científico configurado nas disciplinas escolares que compõem o currículo.
(FRIGOTTO, 2004).

Tolentino e Rosso (2008, p.11) relatam na realidade da Universidade Estadual de Ponta Grossa -
PR, a dificuldade que os licenciandos em Ciências Biológicas têm em conhecer a atualidade
educacional, devido ―a falta de unidade entre as disciplinas pedagógicas‖, comentam também que o
empenho na formação docente é deixado de lado em nome da pesquisa e iniciação científica na área
específica.

Entendemos que a formação do educador possui uma importância singular, sua visão deve ser
ampla e permitir escolher conscientemente o ingresso no magistério, não apenas optar pela área da
educação na impossibilidade de atuar na área específica. A problemática denunciada por estes
autores suscitam uma reflexão, pois os educandos necessitam de auxílio de profissionais
comprometidos com o ensino, e que tornem a aprendizagem um momento privilegiado por conhecer
a dimensão do trabalho pedagógico.

Os conceitos biológicos caracterizam o saber elaborado, que os alunos ao ingressarem no processo


de escolarização deverão assimilar e compreender. Embora os educandos não definam precisamente
a Biologia, não são vazios e simplesmente esperam uma transmissão mecânica de conteúdos, são
sujeitos históricos providos de saberes e cultura de sua época, e isto deve ser respeitado por seus
educadores.

Segundo afirma Brandão (1993, p.20):

O saber da comunidade, aquilo que todos conhecem de algum modo, o saber


próprio dos homens e das mulheres, de crianças, adolescentes, jovens,
adultos e velhos; o saber dos guerreiros e esposas, o saber que faz o artesão,
o sacerdote, o feiticeiro, o navegador e tantos outros especialistas, envolve,
portanto situações pedagógicas interpessoais, familiares e comunitárias,
onde ainda não surgiram técnicas pedagógicas escolares de aplicação
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exclusiva.

Percebe-se, a importância em considerar os conhecimentos presentes nas situações cotidianas, para


enriquecer os momentos na sala de aula, para mostrar a presença da Biologia na vida dos
educandos, pois o objetivo do trabalho docente deve estar centrado na prática social como início e
fim, pois tanto alunos como professores estão inseridos no meio cultural. O educador deve
enriquecer a sua aula com explicações vinculadas à realidade dos discentes, para tornar a sala de
aula um espaço de construção do conhecimento, incentivando a participação e a interação entre os
alunos com o conteúdo biológico apresentado. Os ―indivíduos produzem conhecimento nos
intercâmbios com os outros, pois é produto da atividade social.‖ (DERVAL, 2001, p.69).

As formas didáticas adequadas e os instrumentos de outras áreas do saber possibilitam a garantia da


aprendizagem a todos os alunos. A sala de aula deve tornar-se um ponto de encontro dialético entre
os sujeitos, onde todos possam contribuir na construção do conhecimento.

Esse desafio exige o esforço dos professores em observar a realidade e indicar aos educandos a
ocorrência dos processos biológicos. Sendo assim aprender a Biologia, tornar-se-á significativo,
pois há sentido em compreender sua nomenclatura, processos e esquemas, porque são baseados na
realidade muitas vezes vivida pelo próprio aluno.

Estudar os seres vivos e entender suas manifestações vitais, é ir além da memorização exteriorizada
em uma prova, mas compreender a constante transformação dos fenômenos ocorridos diariamente
diante de nossos olhos.

3.1 A SIGNIFICAÇÃO NO PROCESSO ENSINO-APRENDZIAGEM NA BIOLOGIA

Aprender envolve diversas situações, entre elas o desejo do aprendiz em assimilar o conhecimento
proposto a ele. Neste sentido, o processo-ensino aprendizagem deve tornar-se atrativo e constituir
significados conceituais que possam ser usados futuramente pelo indivíduo, e não somente no
momento inicial da aprendizagem.

Aprender significativamente ocorre quando o sujeito adquire uma razão própria e esta razão
desencadeia uma motivação para tentar apropriar-se do conhecimento ensinado. Esse sentido
próprio possibilita a autonomia do aprendiz em ampliar suas iniciativas para aprender cada vez
mais. (SANTOS, 2008).

Assim entende-se que somente a aprendizagem fará sentido, quando o aluno motivado pela sua
identificação e capacidade, conseguir interagir com o conhecimento. Portanto as explicações, os
métodos usados para ensinar devem estar de acordo com a realidade educacional, que o professor
deve conhecer profundamente de modo a regular e possibilitar a mediação entre aluno e
conhecimento.

Santos (2009) cita que para Ausubel, aprender gera um movimento de dentro para fora, por parte do
sujeito que aprende.Esse movimento (subançor) é essencial, pois é, a ―ancoragem‖,aquilo que o
aluno já sabe que fará fixar os conhecimento que serão ensinados.Para Rogers esse movimento é
causado pelo interesse em função dos projetos pessoais e para Coll, esse movimento está
relacionado com a intenção em aprender.Em suma, movimento, é fazer sentido para reter
informações.

Há duas formas de pré-disposição para os alunos aprenderem, são elas: a aprendizagem superficial e
a aprendizagem profunda.
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A aprendizagem superficial ocorre quando o discente simplesmente cumpre uma tarefa para atender
uma exigência imposta pelo professor. A atenção é voltada aos propósitos da avaliação que será
feita pelo professor. O aluno sabe como ocorre o processo de respiração, por exemplo, ou a
nomenclatura das partes do sistema, mas não interliga a importância da respiração em sua vida.

A aprendizagem profunda acontece quando os alunos têm intenção de compreender o conteúdo, e


estes podem interagir pelo sentido racional da demonstração oferecida.

É preciso, portanto, direcionar a aprendizagem de forma a torná-la profunda. Quando as aulas são
apenas expressões de um contexto inatingível pela sua complexidade, nossos esforços em ensinar
perdem a razão, ou tornam-se superficiais. O aluno precisa ser coadjuvante na aprendizagem, sua
participação deve ser constante, crítica e intencional. ―O ensino é entendido como um conjunto de
ajudas ao aluno e à aluna no processo de construção do conhecimento e na elaboração do próprio
desenvolvimento. (MAURI apud COLL, 1999, p.88)

A Biologia como os conteúdos escolares não são um fim em si mesmo, a Ciência é temporal, suas
verdades e pareceres são provisórios, e devem possibilitar a transformação dos alunos.

Outro aspecto importante a ressaltar para uma aprendizagem significativa dos conceitos biológicos
é a possibilidade que os alunos devem ter em construir através de suas palavras um parecer pessoal,
à verdade científica ensinada. As avaliações devem ser direcionadas de forma a atender aos
educandos nas suas formas diferenciadas de aprendizado, provas orais, por exemplo, permitem uma
via alternativa para aqueles que se expressam melhor através da linguagem oral.

Desse modo deve-se assegurar a expressão dos alunos na construção dos conhecimentos científicos,
pois, de nada adianta propor vivências cotidianas e saberes vivenciados por eles, se nos detemos em
formas únicas de expressão regidas pelas definições clássicas de conceitos prontos.

3.2 O PAPEL DA BIOLOGIA NO CONTEXTO CULTURAL

Quando propomos uma significação ao processo de ensino-aprendizagem, que parte do pressuposto


de considerar as vivências e experiências dos educandos, devemos compreender a origem dos
conhecimentos prévios, que são vinculados à cultura.

Para Sacristán e Pérez-Gómez (2000, p.60):

A cultura é um sistema vivo em permanente processo de mudança como


consequência da reinterpretação constante que os indivíduos e grupos vivem
e nela fazem. Não é um marco estanque que rege imune a trocas. De certa
forma, é sempre ao mesmo tempo produto e determinante da natureza dos
intercâmbios entre os homens.

Assim sendo, a construção da Ciência, em especial a Biologia, tem fundamentos nesta cultura, que
o educando traz para a sala de aula, que precisa ser valorizada para conferir sentido na ensinagem
desta Ciência. A garantia de que os conteúdos ensinados serão utilizados na vida cotidiana dos
alunos, está ligada ao grau de significação que eles representam.

Parte da significação que deve ocorrer no ensino da Biologia, será desenvolvida pelo professor que
através da transposição didática buscará facilitar por meio de diversos meios a assimilação dos
conceitos ensinados. Para que as informações passadas aos alunos sejam transformadas em
conhecimento ―são essenciais as ações do sujeito sobre os objetos, já que é sobre os últimos que se
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vão construir conhecimentos, e que é através de uma tomada de consciência da organização das
primeiras (abstração reflexiva) que novas estruturas mentais vão construir conhecimentos.
(PIAGET apud LA TAILLE, 1992, p.18).

Compreendemos que a prática docente deve colaborar para tornar clara a compreensão dos
conceitos, ao permitir ao aluno interagir com o conhecimento. O sentido das verdades científicas
deve ser caracterizado através da realidade do educando para que ele entenda o que está sendo
ensinado, e construa a partir deste entendimento, progressões contínuas de complexidade em
relação ao saber.

O ―academismo‖ infiltrado no ensino das Ciências colabora para dicotomizar a prática cotidiana dos
saberes científicos, pois muitas vezes ―reduzem-se à transmissão dos produtos históricos da
investigação científica ou da busca cognitiva da humanidade.‖ (SACRISTÁN e PÉREZ-GÓMEZ,
2000, p.60).

O indivíduo deve ser motivado a ajudar a construir este processo dinâmico que é a Ciência, e ir
além de apenas reproduzi-lo. Não pretendemos descaracterizar o importante sentido do
conhecimento acadêmico para a Biologia, mas queremos poder de fato transformar a simples
reprodução sistemática de cunho memorístico em compreensão. Identificar meios de o educador,
desvincular-se de certos encaminhamentos metodológicos enraizados pelo paradigma cartesiano-
reprodutivista e possibilitar meios de melhoria de ser humano através da significação da
aprendizagem que se vincula à realidade.

3.3 A INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DA BIOLOGIA

A base científica que constitui a Biologia é explicada por outras Ciências, em especial, a Física, a
Química e a Matemática, pois as explicações para os fenômenos vitais basearam-se na união destas
Ciências.

Desse modo, admitimos que a formação dos conceitos biológicos não pode ser constituída em
separado das outras Ciências, então o processo de ensino-aprendizagem também não deve ser. Esse
entrosamento é fundamental para que se torne significativo o aprendizado das demais discplinas do
currículo.

Zabala (2002, p.33) define:

A Interdisciplinaridade é a interação de duas ou mais disciplinas. Essas


interações podem implicar transferências das leis de uma disciplina a outra,
originando, em alguns casos, um novo corpo disciplinar, como por exemplo,
a Bioquímica ou a Pscicolinguística.

Logo, devemos observar a realidade educacional vigente para fundamentarmos a


interdisciplinaridade na prática docente. A interação com as demais disciplinas devem ocorrer com
cuidado, para que em nome dessa interligação curricular não adote a pedagogia de projetos, e se
esvazie o aprendizado dos conteúdos disciplinares.

Entretanto devemos trabalhar em caráter interdisciplinar, quando o grau de compreensão da


Biologia, for adequado o suficiente para admitir o conhecimento trazido de outra área científica, ou
então, que um conceito já assimilado em outra disciplina, possa facilitar a ―ancoragem‖ dos
conhecimentos biológicos a serem ensinados.

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Elias (2008) cita que para Freinet, a sala de aula, deve ser transposta para um ateliê na
aprendizagem, onde os alunos possam ir além de suas posições estáticas, e interagir entre si,
construir, crescer. Materiais podem ser dispostos em diferentes locais da sala de aula para os alunos
trabalharem, cantos de leitura, com reportagens que ligam o assunto estudado à realidade. Debates,
visitas a estações de tratamento da água, museus, laboratórios, podem ser ferramentas, que
contribuam para demonstrar a Ciência, presente no cotidiano.

Convém, no entanto ressaltar, que certos encaminhamentos metodológicos, são impossibilitados


pela falta de recursos da educação brasileira. Outro impedimento é a resistência da comunidade
escolar, pois certas abordagens metodológicas exigem adaptação e profundo conhecimento dos seus
objetivos, que de início podem parecer empobrecimento do conteúdo. Mas a inovação destes
recursos nada mais é, que uma perspectiva de trabalho provida de lógica e sentido.

3.4 A DIALOGICIDADE NO ENSINO-APRENDIZAGEM DA BIOLOGIA

A aprendizagem não acontece somente na escola, mas em diversos lugares e situações variadas.
Porém é a escola, a Instituição que se caracteriza por um local de aprendizagem formal. É na escola,
que observamos a interação entre os sujeitos, tanto professor e alunos, como alunos e alunos.
Interação esta, facilitada e mediada através do diálogo.

O diálogo referido é aquele que permeia as situações do processo ensino-aprendizagem, que tem
como base a comunicação do desempenho realizado neste processo, de forma a trazer significação
para os sujeitos do processo educativo.

Freire (1981) destaca que para ocorrer um sentido no saber transmitido pelo educador, é necessária
a comunhão entre os homens, através da intervenção de um mundo, não estático, mas extremamente
mutável, na qual os sujeitos da aprendizagem são participantes de suas mudanças. Somente poderá
existir conhecimento, se os educandos, forem chamados a construir, intervir, descobrir.

Nesse sentido, compreende-se a ineficácia de um ensino que se baseia na educação bancária, onde
os alunos apenas reproduzem os conhecimentos transmitidos pelo professor, sem poder interagir
numa realidade, que para eles, parece inacessível devido a sua complexidade, onde a única solução
é aceitar a ―verdade‖ apresentada sem questionamentos. Essa falta de aproximação dos educandos
colabora para a alienação em relação ao saber, a fim de manter o status quo.

Eis a razão pela qual, a prática docente deve permitir a participação dos educandos através, do
diálogo. Percebe-se nesta ferramenta, uma opção disponível para superar o autoritarismo infiltrado
na escola, por parte de quem detém o poder, para impedir as classes populares de ascensão social.

O aprendizado da Biologia deve estar baseado nos princípios de valorizar e melhorar o humano,
pois não se trata de uma Ciência com um fim em si mesma.

Na interação proposta pelo diálogo, os sujeitos terão a possibilidade de acompanharem seu


desenvolvimento para a compreensão dos conceitos científicos, que exigem análise sistemática por
parte de educadores que compreendem como ocorre o processo cognitivo de seus alunos.

A amostragem dos conteúdos programáticos de biologia, não podem parecer situações estranhas aos
sujeitos, necessita conferir sentido à aprendizagem. Vê-se no diálogo a possibilidade de informar a
inserção na realidade vivenciada pelos alunos, para a partir daí, apresentarmos graus progressivos
de complexidade aos conceitos constituintes desta Ciência.

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Nesse sentido, a dialogicidade deve buscar o sentido de fazer a Biologia, colaborar para
entendermos o mundo que vivemos através dos saberes que foram constituídos pela humanidade e
estão presentes nesta Ciência, e melhorar tanto a vida dos educandos, como colocar em prática os
conhecimentos aprendidos para a construção de um mundo melhor.

Enfim, os conteúdos escolares devem ser pensados na sua total possibilidade de utilização e
vinculação à prática social, aquilo que deve ser ensinado deve contribuir para a formação
omnilateral do ser humano, assim o diálogo pode orientar e facilitar a prática pedagógica que o
caracteriza como eixo fundante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As proposições sobre o construtivismo e teoria crítica, estabelecem discussões pertinentes à


realidade educacional vigente. Estamos cientes das críticas pertinentes ao construtivismo. No
entanto cabe ressaltar que certos discursos analisam apenas a dimensão ideológica, ao afirmarem
um demasiado empobrecimento do saber científico. Obviamente, quem detém o poder, pode
manipular o conhecimento de maneira ardilosa, e fazer cumprir seus interesses e até mesmo
contribuir para manter o acesso ao conhecimento a uma minoria.

Uma teoria educacional ―aceitável para nossos propósitos pedagógicos pode ser resumida como
aquela que considera que o conhecimento se constrói por interações entre sujeitos e objetos
pertencentes a uma realidade na qual estamos inseridos como sujeitos, sendo ela repleta de
inumeráveis e imprevisíveis mudanças e transições ―(LEFEBVRE, apud QUEIROZ; BARBOSA-
LIMA, 2007, p.287).

A peculiaridade da teoria crítica nos faz desvelar questões outrora ofuscadas, e repensar sobre o
papel que o saber científico representa para promover aos educandos, a possibilidade de acesso a
este saber como fator primordial na superação das desigualdades, entre classe, raça e gênero.

Certamente o sucesso do processo ensino-aprendizagem depende de vários fatores, analisou-se uma


possibilidade de melhoria deste processo, sabendo que estas são algumas, entre as diversas
possibilidades a serem buscadas, visto que estes elementos parecem tão óbvios, mas que na
cotidianidade são esquecidos de serem praticados e discutidos. Se educar é um ato humano, sua
ação será um diferencial quando envolver o professor e o aluno, numa relação horizontal na
construção do conhecimento e favorecer a formação omnilateral dos sujeitos.

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ASPECTOS HISTÓRICOS DA FORMAÇÃO ÉTNICA DO


MUNICÍPIO DE MAJOR VIEIRA NO INÍCIO DO BRASIL
REPÚBLICA
Eloi Giovane Muchalovski4

Certamente um dos períodos mais importantes na formação étnica e cultural do município de Major
Vieira, compreende os primeiros quarenta anos do Período Republicano. Tal fato se deve a dois
fatores primordiais: a Guerra do Contestado e a colonização pelos imigrantes europeus.

Através da instauração da República e os conflitos armados que seguiram, criaram-se costumes,


espalharam-se crenças, lendas, profecias que perduraram, agregaram valores e sentidos, acabando
universalizados entre as diferentes etnias que povoaram Major Vieira. Descendentes alemães,
ucranianos, russos, italianos, poloneses, espanhóis, indígenas, africanos e caboclos passaram a
partilhar culturas e, ao mesmo tempo, negar semelhanças; delimitar fronteiras 5 através de discursos
discriminatórios, festas religiosas, ditos populares, eventos culturais, etc.

Não nos cabe aqui realizar aprofundamentos dentro do Movimento do Contestado, visto que temos
vários trabalhos dentro deste campo, não o suficiente, que tratem de todos os objetos possíveis, mas
bons textos, que dão conta de uma dimensão considerável da referida problemática. O
imprescindível é compreendermos que as ações dos monges do Contestado têm importante
influência na estrutura cultural da ocupação do município de Major Vieira, assim como de toda a
região. Suas práticas, suas orações, as próprias lendas atribuídas a estes peregrinos pregadores,
perfazem uma série de elementos estratificados da sociedade do Planalto Norte Catarinense.

Como exemplo, citamos os arquivos que tratam da instauração da primeira Igreja6 edificada sobre o
atual espaço do município de Major Vieira, encontramos a menção do frade que teve por
incumbência apontar o melhor local para a instauração da ―Santa Casa de Deus‖. Segundo o
referido representante da Igreja Católica, não era bom a construção de uma igreja no centro da então
Colônia Vieira, pois pelo fato do espaço ser ocupado em sua maioria por caboclos, não seria tão
respeitada e adorada como gostaria o ―Bom Deus‖. Desta forma, pronunciou sua vontade em
instaurar a primeira ―edificação sagrada‖ na localidade de Rio Novo, local de ocupação polonesa e
de alemãs católicos, verdadeiros súditos de Nosso Senhor Jesus Cristo, os quais cuidariam e
honrariam muito mais a nova ―casa de Deus‖.

Se por um lado a crença nos monges fortaleceu a irmandade sertaneja, por outro, criou dificuldades
quanto ao poder religioso institucional, pois como forma de combate, ou até mesmo de punição às
suas práticas desautorizadas pela Igreja, o caboclo é segregado da participação nas celebrações
dominicais. Não podendo proibir seu adentramento às missas, visto o impacto de tal ato, toma-se
por meio o distanciamento da edificação do centro religioso; se concede privilégios aos que, na
visão clerical da época, eram seguidores rígidos das leis de Deus e da Santa Igreja Católica
Apostólica Romana: os imigrantes europeus.

4
Graduado em História pela FAFI/UV e especialista em História e Sociedade também pela FAFI/UV.
5
Noção de fronteira concebida pela teoria de Fredrik Barth.
6
Mencionamos aqui como primeira igreja, a instaurada sob a organização e o comando clerical, pois já existiram antes
disso outros centros de adoração que poderiam ser denominados igrejas, construído por imigrantes europeus e pelos
próprios sertanejos.
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Paralelamente a mudanças na estrutura Católica, a estrutura econômica também mudara. O mate até
então produto colhido e beneficiado de maneira artesanal e familiar, em pequena escala, passara a
ser visto como modelo industrial, tanto para o consumo externo, devido sua demanda para
exportação; como também apreciado e consumido localmente pela nova reordenação e
povoamentos dos espaços.

O sertanejo que outrora estava ligado ao tropeirismo, passa em um processo gradual, a ser
explorador do mate, embrenhando-se mata a adentro, buscando-a nos sertões até então não
desbravados. Ali acaba por fazer morada, cultivar seu roçado, criar pequenos animais de corte.
Isola-se do mundo exterior, dali sai somente para vender o mate, este já pronto/acabado, tendo sido
antes sapecado na fogueira, enfeixado e amarrado com tiras de taquara levadas ao improvisado
carijó para a torra e, posteriormente, socado no pilão. Desta forma, beneficiava a planta, com a
venda ou com a troca, como era de costume, o mate lhe fornecia gêneros alimentícios e de
utilidades, quase que estritamente o sal, a pólvora, o querosene e algumas ferramentas básicas ao
seu labor.

Aprendera com a natureza a sobrevivência. Aprendera a tirar dela as curas para o ―corpo‖ e para a
―alma‖, feito dominado com maior expressividade pelos ―curadores‖, pois estes sim, no pensamento
caboclo, detinham os verdadeiros saberes das ―ervas curativas‖ e das ―rezas milagreiras‖.

A rusticidade da crença cabocla perfaz uma gana de envolvimentos com a natureza, só possível pelo
seu isolamento. Quando seu mundo passa a ser ―invadido‖, primeiramente pelos exploradores
coronelistas do mate, em segundo lugar pela extração da madeira, através da empresas
multinacionais, suas noções de universalização do espaço e de respeito ao compadrio entram em
crise, mas não a rusticidade de sua religião, esta passa a ser abrandada na esperança de algo melhor
ou, da volta de um passado perdido (Império). Pois, se na visão do sertanejo, aquela situação
persistisse (República), os fim dos tempos chegariam.

O que é certamente inegável, referente à população planaltina, naquele momento de fins do século
XIX e início do século XX, é a falta de instrução. Entretanto, era conhecedor em grau máximo de
seu espaço habitável, suas condições de vida estavam arregadas nas originalidades étnicas que o
formavam. A vida do sertanejo é ligada a um contexto de práticas cotidianas que vão além do
entendimento exterior, são entendidas como formas internas de percepção das noções morais,
culturais, religiosas e econômicas.

Ficou comum com o passar dos tempos, preservada e propagada até os dias atuais, uma
conceituação pejorativa e marginalizada do caboclo. Isso ocasiona o choque cultural, o conflito, a
quebra forçada de um costume, ou a deflagração de sua prática étnica (THOMPSON, 1998). É
banal em toda a região do Planalto Norte, incluindo Major Vieira, o uso referencial do caboclo a
práticas não higiênicas, inóspitas ao trabalho, ou até mesmo não cultas; práticas estas,
corriqueiramente manifestadas com expressões maliciosas e preconceituosas.

A região planaltina habitada de maneira esparsa, as intenções de povoamento iam muito além da
própria ―povoação‖, eram visões e intenções multifacetadas que perpetuam a mentalidade de
―ordem e progresso‖ da época, branqueamento da nação, substituição do trabalho escravo,
reestruturação cultural e econômica do Brasil. A busca de uma nova ordem nacional era implantada
e implementada a todo o momento, as tentativas de ocupar os espaços e os fazer gerar riqueza, eram
fortalecidos com ímpeto de desbravamento das matas e da desapropriação dos sertanejos, como
também do ―amansamento‖ dos índios hostis.

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Na busca constate de implementar esse projeto imigratório no Brasil, o Governo Republicano,
passou a divulgar na Europa as qualidades do Brasil. Inúmeras nações receberam as propagandas de
sucesso e riqueza que o país dispunha para os aventureiros que aqui viessem. Muitas destas
enviaram grandes contingentes. No caso da Polônia, segundo Rodycz (2002, p. 45), mais de 30 mil
poloneses aportaram em terras brasileiras durante este ciclo imigracionista.

Major Vieira não recebeu imigrantes de maneira direta7, aqueles que aqui chegaram migraram
internamente, quase que na totalidade vindos de Lucena8, município que guarda, em sua essência,
forte ligação para com sua formação étnica.

Infelizmente não dispomos de uma quantidade suficiente e satisfatória de trabalhos em pesquisa


histórica sobre a colonização polonesa de Lucena, assim como de toda a região em si. Alguns
estudiosos vêm, nos últimos anos, procurando resgatar um pouco dessa temática, especialmente o
Professor Fernando Tokarski, o qual tem dedicado atenção aos estudos de genealogia e cultura
polonesa; também o Professor Wilson Carlos Rodycz, que recentemente organizou uma obra que
tenta recuperar, mesmo que usando uma certa apologia, a estruturação de Lucena. Entretanto, o
grande nome e inicial articulador, do enfoque aqui citado, foi Ruy Christovam Wachowicz.

Segundo Cabral (1987, p. 326), o ano de fundação da Colônia Lucena foi 1890; já para Piazza
(1994, p. 240), o ano exato é 1891. Não podemos afirmar com exatidão a real data da sua criação,
até porque isso não se apresenta como fator essencial para nosso estudo. Mas, curiosamente Rodycz
(2002, p. 52), empenhou-se em uma análise mais aprofundada dos textos dos autores supram
mencionados, entretanto, suas conclusões são um pouco superficiais.

Rodycz critica elegantemente Cabral, colocando-se com receio em defesa de Piazza, pois na
verdade não expõem sua verdadeira opinião. Seu método para contrariar Cabral está atrelado a
outros dados do texto, os quais não se referem essencialmente ao ano de criação da colônia, são
apontamentos que não condizem com sua questão inicial. Outro problema é o fato de não mencionar
nenhum ponto que dê veradicidade a Piazza, quando finalmente o cita, apóia-se em Wachowicz
para sustentar sua afirmação:

Enfim, embora reconhecendo o valor da obra de Cabral, essa parte do seu


livro contém alguns erros e imprecisões que não permitem a sua aceitação
integral. De outra parte, por estarem apoiadas em pesquisas de Ruy C.
Wachowicz, mais consistentes, merecem maior crédito as lições de
Piazza.(RODYCZ, 2002, p. 55)

Sendo assim, consideramos ainda em aberto a verdadeira data de criação da Colônia Lucena pelo
Governo Republicano.

Sendo assim, independentemente da exata data de fundação da referida colônia, é real e importante
mencionarmos os métodos de alocação dessas pessoas sobre o território. Ao mesmo tempo em que
vemos um projeto de ocupação dos espaços, não vemos uma organização eficaz para com o todo
deste projeto, ou seja, enquanto os mecanismos de aliciamento dos imigrantes na Europa e os
encaminhamentos para as áreas eram bem realizados, por outro lado, os meios de condução dessas

7
Consideramos por imigração direta a colonização de áreas através da alocação de colonos trazidos diretamente da
Europa, e não remanejados de colônias próximas.
8
Atual município de Itaiópolis.
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pessoas até os locais a serem ocupados, como também a garantia de sobrevivência e assistência nos
mesmos, não se mostravam eficiente9.

Inúmeros foram os problemas de organização e distribuição dos lotes, precárias condições de


higiene e saúde. Vários imigrantes acabaram morrendo com epidemias de tifo e cólera, condição
favorecida muitas vezes pela fome.

A chegada destes imigrantes, principalmente poloneses, a Major Vieira não é exatamente certa. É
possível que antes mesmo da própria Colônia Vieira existir, já houvesse espaçadamente alguns
habitantes oriundos do ―velho mundo‖ no território, especialmente devido a incorporação de
imigrantes em Rio Negro, em meados do século XIX, os quais poderiam ter buscado locais mais ao
sul para estabelecerem-se, acabando por atingirem o espaço mojorvieirense. Contudo, encontramos
algumas escrituras de venda de terras a imigrantes polacos 10 datados dos anos de 1917,
posteriormente a Guerra do Contestado, havendo assim a probabilidade de que a maior parte destes
imigrantes tenha realmente adentrado os espaços nessa época.

Frei Aurélio Stulzer (1982, p.116), em sua obra ―A Guerra dos Fanáticos‖, cita que os colonos
poloneses instalaram-se na região no começar de 1910, a maior parte oriunda da Colônia Lucena,
atual Itaiópolis. Esta afirmação nos parece um pouco imprecisa, pois não é certo que anteriormente
a 1912 houvesse um número grande de europeus em Major Vieira. Não encontramos no Cartório de
Imóveis, nem nos estudos sobre ―Contestado‖, como também em seus respectivos relatórios11, fonte
considerável de dados que sustente tal afirmação. Buscamos nos túmulos do cemitério municipal
alguma indicação expressiva que comprovasse a ocupação polonesa antes de 1912, porém não
encontramos. A referência mais antiga de sepultamento documentada de um membro de etnia
européia é datada de 1919, há túmulos de 1900, mas nenhum de descendência européia.

Não podemos negar que havia ocupação imigrante anterior a 1912, o que não concordamos é a
menção de que a maior parte dessa ocupação tenha ocorrido nessa época, mas sim a partir de 1916,
ao fim do conflito do Contestado. Muitos polacos participaram do movimento, alguns por vontade
própria, outros forçadamente. O próprio reduto jagunço de Aleixo Gonçalves, estabelecido em
Campina dos Santos, continha grande número de poloneses, trazidos por este líder de Lucena e
obrigados a aderir à causa revoltosa (MACHADO, 2003).

Como vemos a relação existente entre a então Colônia Vieira e a então Colônia Lucena, é de fato
expressiva. Quase a totalidade dos colonos europeus instalados em Major Vieira veio de Lucena.

A incorporação do polonês em Major Vieira, seja anteriormente a 1912, ou posterior, como para nós
se mostra mais expressiva, traz consigo um questionamento: se os lotes colonizáveis foram
estabelecidos em Lucena tendo todas as dificuldades de melhoria das áreas e das condições de
plantio e colheita, por que ocorre em um período já de ―teórica estruturação‖ destes lotes, uma
intenção de migração para áreas vizinhas ainda por desbravar? Para darmos resposta a este
questionamento, retornamos nosso pensamento a algumas questões primordiais para aquele período.

O início do século XX é marcado por uma considerável expansão tecnológica dentro do Brasil, com
diversos projetos sendo aplicados, como a construção da Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande, a
qual acaba por trazer a região a Brazil Railwai e a Lumber onde Colonization. Após a conclusão da
estrada, ainda ficou forte a extração de madeira. Diversos proprietários de terras e comerciantes
9
Chegamos a tal conclusão com base nos relatos de Antônio Hempel, publicados por Rodycz. Hempel presenciou a
situação das colônias estabelecidas no Sul do Brasil e deixou suas percepções registradas.
10
Acervo do autor.
11
Relatório do General Setembrino de Carvalho.
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buscaram instalarem-se nesses locais. Ainda anterior a este ciclo, e que por sua vez foi até mesmo
coexistente, é a exploração da erva-mate, dado já comentado anteriormente. O mate teve com sua
transformação em um processo industrial, um fator gerador de ocupação, assim como a madeira,
várias foram os senhores que, geralmente vindos do Paraná, da região da Lapa, em Major Vieira
instalaram-se, buscando com a ajuda das suas influências políticas agregarem capital aos seus
saldos lucrativos.

Este estado de atração de comerciantes e empresários acaba por aliciar, pela própria necessidade do
ciclo, mão-de-obra, a qual era implementada através da colonização das áreas, ou melhor, das novas
áreas. É nesse momento que há a ―migração interna‖, no caso de Major Vieira, polacos oriundo de
Lucena.

Outro aspecto a ser observado, que por sua vez vai de encontro como o nosso foco de análise, diz
respeito à condição dos lotes da Colônia Lucena, passado mais de vinte anos de sua efetiva
ocupação. Muitos daqueles imigrantes tinham filhos menores quando aportaram no Brasil, ou os
tiveram já nos primeiros momentos de permanência. Fazia parte da essência do colonato o trabalho
familiar, a necessidade de ter filhos para ajudar na lavoura.

Estes jovens entraram em idade adulta e por conseqüência estabeleceram laços matrimoniais.
Muitos dos lotes não suportaram ser fonte de sustento de duas ou mais famílias ao mesmo tempo.
Sendo assim, estes novos casais passaram a buscar novas áreas, novos espaços de cultivo e morada,
agora num contexto diferenciado de seus descendentes, não mais exploravam uma terra
desconhecida, mas sim um novo local, o mais próximo possível e que propiciasse um mínimo de
condições de subsistência. Muitos encontraram em Major Vieira. ―O natural inchaço demográfico
dos núcleos coloniais, somado às outras dificuldades encontradas na nova terra, concorreu para que
imigrantes tornassem a buscar alternativas de sobrevivência em outros recantos.‖ (TOKASKI, 2003,
p. 79).

Como nem todos os imigrantes eram efetivamente agricultores, encontravam-se naquela condição
por pura necessidade, foram, devido à exploração da madeira, contratados para trabalharem na
extração da matéria prima, ou mesmo na operação dos equipamentos de beneficiamento. Vários
daqueles imigrantes já exerciam na Polônia tarefas de operadores, como também de sapateiro,
carpinteiro, pedreiro, etc.

A nova dinâmica da alocação de pessoas passava a existir, seja pela forma assalariada ou mesmo
pela colonização, a qual era praticada por proprietários de terras que viam nos imigrantes a
possibilidade de obter lucros com a venda de novos lotes. Era comum na época a concessão de
terras por parte dos governos estaduais12 a homens de influência política, também concessões de
títulos13 como coronel e major foram feitas. Dentro do território do atual município de Major Vieira
ocorreram vários ―núcleos coloniais secundários‖14, como a colônia do Rio Novo e a própria
Colônia Vieira através da apropriação de áreas e sua venda a colonos, geralmente vindos de espaços
superlotados como a Colônia Lucena.

12
Através da Constituição de 1891 o governo central passou aos estados o incumbência de legislar sobre as terras
devolutas, como também o direito de concedê-las.
13
A partir de 1831 foi organizada em todo o território do país a Guarda Nacional, um espécie de força militar cidadã,
constituída de proprietários de terras através de indicação do presidente de província sob pagamento de taxas e
emolumentos. Eram conferidos títulos de alferes, quartel-mestre, capitão e major.
14
Quando nos referimos a ―núcleos coloniais secundários’ fazemos referência àqueles locais colonizados em um
segundo momento, ou seja, ocupados por colonos europeus mas oriundos de dentro do próprio Brasil.
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Visto todas essas evidências é inadmissível considerarmos o polonês como ―etnia identidade‖ de
Major Vieira, há um entrelace de tradições, costumes e crenças inseridos dentro de um espaço
cultural que se modifica e aloja novas formas de interação a cada dia. As intenções de afirmação
identitária embasam-se na prevalência das maiorias, na agregação de importância e valor apenas nos
vencedores.

A mescla é perceptível, contudo há a busca e a afirmação de único grupo étnico como grupo
diferenciado. Assim o faz o polonês, o alemão, o ucraniano, entre outros, exceto o caboclo, este na
maior parte das vezes nega seu cunho raiz, mas conserva sua essência cultural.

Enfim, todos os estratos étnicos existentes dentro espaço estudado estão constantemente
interagindo, convivendo com a diferença. E é em meio a esta interação que as tradições
permanecem. É graças a necessidade de diferenciação que cada grupo procura guardar aquilo que
lhe dá identidade, que o define como diferente. Essa é a original delimitação de ―fronteira
cultural‖15, ou seja, os grupos vivem e convivem em um mesmo espaço físico ma delimitam
espaços culturais restritos.

Durante muito tempo esteve banalizado o entendimento de superioridade das ―culturas brancas‖, o
que deixou encoberto as historicidades dos vencidos, dos ―desclassificados‖, os quais passaram
então a ser chamados de minorias, sendo que em verdade constituem a maioria. Atualmente os
enfoques, as problemáticas descobriram nestes desclassificados o seu ponto de possibilidades
teóricas, as disciplinas das ciências humanas ganharam força ao tentar buscar modelos explicativos
para as questões econômicas, sociais e culturais, referentes às ditas minorias.

No âmbito do espaço constituído pelo Planalto Norte Catarinense, reconhecemos essas minorias na
figura dos primitivos indígenas, que ganharam destaque nas obras de Silvio Coelho dos Santos; e
dos caboclos, principalmente nos estudos sobre o Contestado, empreendidos por uma série de
estudiosos do movimento. Contudo, não podemos deixar de notar que um dos grupos que mais
interagiu com as etnias mencionadas foi o polaco, infelizmente este aspecto é pouco abordado nos
estudos étnicos, encontra-se encoberto por outros focos analíticos, dos quais são, de certa maneira,
superficiais; procuram exaustivamente estabelecer apenas uma ligação com as ―tradições originárias
da Europa‖16. Deixam de observar o verdadeiro legado polaco, a sua incorporação ao mundo
sertanejo, a sua mescla de costumes e ―tradições‖17 dos quais necessitam, por inúmeras vezes, de
um referencial desagregador para que possam legitimar-se dentro do espaço, atribuindo a si uma
identidade.

REFERÊNCIAS

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 3 ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.

MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias


caboclas (1912-1916). Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

POUTIGNAT, P.; STREIFF-FENART, J. Teorias da etnicidade, seguido de Grupos étnicos e


suas fronteiras, de Fredrik Barth. São Paulo: Editora da Unesp, 1998.

15
Segundo a teoria de Frederic Barth.
16
Consideramos como tradições da Europa, os hábitos e costumes nascidos no próprio continente europeu, trazidos de
lá pelos imigrantes com características já delineadas.
17
Consideramos aqui os hábitos e costumes que são poloneses, mas que não necessariamente nasceram na Europa, que
foram criados, aperfeiçoados e mesclados no próprio Brasil através das interações étnicas.
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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
RENK, Arlene. Etnicidade e itinerários de grupos étnicos no sul do Brasil. Grifos, Chapecó, v.6,
n.1, p.93-107, 1999.

RODYCZ, Wilson Carlos. Colônia Lucena – Itaiópolis: crônica dos imigrantes poloneses. Edição
Braspol; impresso na IOESC, Florianópolis, 2002.

STULZER, Frei Aurélio. A guerra dos fanáticos (1912-1916): a contribuição dos franciscanos.
Petrópolis: Vozes, 1982.

THOMPSON, Edward P. Costumes em comum. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998.

TOKARSKI, Fernando. Cronografia do Contestado: apontamentos históricos da região do


Contestado e do Sul do Paraná. Florianópolis: IOESC, 2002.

_____. Andar na aula: uma salvaguarda do polonismo. In: DALLABRIDA, Norberto (Org.).
Mosaico de escolas: modos de educação em Santa Catarina na Primeira República. Florianópolis:
Cidade Futura, 2003.

WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001.

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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010

FILOSOFIA POLÍTICA EM JORNALISMO


Ivanor Luiz Guarnieri18

Introdução

Trabalhando com aquilo que alimenta o pensamento, isto é, com idéias e informações que são
também indispensáveis à democracia, o jornalista e seu ofício têm uma relevância insofismável em
um mundo pleno de desigualdade. Como hoje quase todos podem comunicar, muito embora não ser
ouvido, espera-se do jornalista um comunicar que vá além das aparências e situe o leitor no quadro
da situação por ele enfocada. Nesse sentido, seu trabalho pode contribuir para a compreensão das
questões sociais, como a da desigualdade, se aferir dos fatos análise equilibrada e esclarecedora.

O conhecimento liberta, a ignorância escraviza e mantém os homens presos à cadeia de sofismas


dominadores. O dever do jornalista para com a verdade, como ensina o Código de Ética dos
jornalistas, deve ser acompanhado da vontade de conhecer e partilhar seu saber com outros seres
humanos, o que faz dele um profissional destacado, embora nem sempre compreendido. Sabe que
poderá enfrentar pautas engessadas, horários rígidos, será cobrado a acompanhar e escrever sobre
um pouco de tudo, resultado de uma situação na qual a informação é tomada, principalmente, como
mercadoria que tem seus custos e valores.

A tomar de empréstimo o que afirma o filósofo Jean-Paul Sartre (1905 – 1980), de que o homem é
aquilo que ele faz (SARTRE, 1978, p. 6), ou seja, que ele constrói sua existência e se faz no fazer as
coisas, é possível dizer também do jornalista que ele faz suas escolhas na área que atua, e se faz ao
fazer seu trabalho. Mas isso depende de como ele se construiu como acadêmico, de como estudou,
além, é claro, de como se faz em sua atuação diária nos meios de comunicação. Então, pelo viés
existencialista, pensar o jornalista é pensá-lo em sua existência, como homem que se define na
existência, mas convém não esquecer que esta se dá em um tempo e um espaço de relações. Nesse
sentido, além da filosofia existencialista, um conceito tirado da Antropologia do Imaginário de
Gilbert Durand, pode ser útil para analisar o pertencimento do jornalista em sua sociedade.

Como se sabe, Durand elabora o conceito de bacia semântica a partir de uma crítica à periodização
da história em idades, antiga, média, moderna. Entende ele que essa divisão mecânica do tempo
esconde a riqueza e a diversidade de cultura criada por homens diferentes e em diferentes
situações. É preciso não perder de vista o imaginário social, ligado ao fazer dos homens e ao fazer-
se homem. Segundo Durand, é necessário ter a precaução de considerar que

um sistema sociocultural imaginário destaca-se sempre de um conjunto


mais vasto e contém os conjuntos mais restritos. E assim ao infinito. Um
imaginário social, mitológico, religiosos, ético e artístico sempre tem pai,
mãe e filhos... Por exemplo, o imaginário do barroco dos séculos 16 e 17 se
inscreve na cristandade latina e na sua ruptura reformadora [...] (DURAND,
1998, p. 104).

Disso resulta, em escalas menores, que o jornalista de determinada região nunca é só da região onde
atua, pois a cultura desta se insere em um contexto maior no qual muitas das idéias e percepções de
mundo são fecundadas. Além disso, a formação do jornalista não está restrita ao específico de onde

18
Graduado em Filosofia, Mestre em História. Professor de Filosofia da Universidade Federal de Rondônia - UNIR,
Campus de Vilhena. E-mail: ivanoremarta@hotmail.com
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vive quando é acadêmico. Disciplinas com Filosofia e Literatura dão mostras da importância do
universal em sua formação.

Sendo a formação universalista importante para sua compreensão de mundo, que o jornalista reflete
de algum modo no trabalho que realiza, por outro lado, no que diz respeito ao conteúdo da notícia e
a construção cotidiana, em seu ofício, é forçoso reconhecer a necessidade de encontrar o equilíbrio
entre o que é, digamos, da esfera global e o que é específico do regional. Tarefa nem sempre fácil,
mas que pode ser trabalhada se houver uma postura que, compreendendo o contexto mais amplo,
saiba apresentar as particularidades do que é específico de sua área de abrangência. Em outras
palavras significa dizer que o jornalista, como um ser situado, deve cuidar bem de sua formação
teórica para pode informar e analisar informações de seu espaço de atuação regional, valendo-se do
cone de luz da cultura universal.

Preparar-se é metade da obrigação ética. Comportar-se adequadamente é a outra metade. O


jornalista, como de resto muitos outros profissionais, deve ter claro o binômio da exigência ética da
ciência e da consciência, do ser e do conhecer. Do ponto de vista do conhecer, a condição do
jornalista se assemelha à do economista que mesmo sabendo que não pode saber tudo, dele é
cobrado que não ignore nada. Deve buscar a ciência e a informação sem prescindir da consciência
de quem vive de informar sobre as mais variadas circunstâncias da vida em sociedade.

Foi dito anteriormente da necessidade em compreender a cultura universal / ocidental na qual


estamos todos inscritos e que de alguma forma diz respeito ao mundo regional também. Como não
são apenas as notícias nacionais e internacionais que interessam, é fundamental que os meios de
comunicação regionalizados façam brilhar as informações de sua região. Isso tem aplicações
importantes em uma sociedade pós-industrial e de cultura pós-moderna. Ora, quem faz o trabalho
nos meios de comunicação são jornalistas ou ao menos são eles grandes responsáveis pela parte
nobre da programação noticiosa, bem como pelo que os jornais publicam. Mesmo enfrentando
dificuldades em relação à linha editorial (leia-se os interesses dos donos das empresas de
comunicação, dos anunciantes, entre outros), naquilo que cabe ao jornalista, convém procurar
nutrir-se de conhecimentos e realizar estudos capazes de lhe proporcionar capacidade de visão
aguda das coisas, situar-se para melhor ponderar a crítica feita com propriedade e descobrir o que
está velado, podendo, com isso, ir além do mero aparente. Em que sentido os estudos filosóficos
contribuem para isso?

Para responder esta questão convém delimitar o campo de estudo da Filosofia, procurando
compreender o que lhe é pertinente e em seguida alguns aspectos significativos da Filosofia
Política, com apontamentos acerca do pensamento de Rousseau, um dos principais pensadores da
democracia com sua idéia de vontade geral e respeito ao bem comum, tão importantes como
objetivos a nortearem o trabalho de quem informa a sociedade.

De corpo e alma

A existência humana, e particularmente do jornalista, se vêem envolvidos em dois mundos distintos


e necessários. De modo metafórico, o primeiro mundo pode ser chamado de corpo, aqui entendido
como aquilo que nele são reconhecidos fisicamente, isto é, os diferentes elementos físicos que
compõe as coisas. Poderia ser chamado também de existência material.

Toda existência depende do plano físico, sem o qual se encontraria apenas na fantasmagoria ou nos
seres restritos ao imaginário. O mundo físico, com sua variada gama de corpos, é estudado pelas
ciências físicas. Experimentos os mais diversos procuram medir, pesar, quantificar esse mundo. As
observações e experimentações laboratoriais têm em mira descobrir relações de causa e efeito dos
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fenômenos e têm a intenção de mostrar como a natureza funciona, matematizando os resultados
obtidos.

Apenas para citar um aspecto envolvendo a questão física e a cultura política, a idéia de se poder
controlar o mundo tem a ver com o saber, como já afirmava Francis Bacon. Saber para prever,
prever para prover pensava Augusto Comte. Com esse sonho os investimentos em pesquisa
aumentam consideravelmente e colocam os países mais desenvolvidos em ciência e tecnologia na
vanguarda econômica. Se saber é poder, como afirma Bacon, o poder dado pelo saber se traduz em
poder político e econômico, notadamente na esfera das nações.

Mas, além do plano físico, o homem está mergulhado em um outro mundo, que assume importância
gigantesca no modo como as coisas são organizadas. Se antes falávamos do corpo, provisoriamente
este outro mundo, de real interesse para o jornalista, pode ser chamado de alma. Não se trata, é
claro, de religião, campo sobre o qual convém a cada um guardar sua própria fé, sem querer
fanatizar os outros. Esse outro mundo já era considerado pelos gregos e reaparece na tradição
ocidental na época do Iluminismo, seu nome é noumenon.

O noumenon pode ser entendido como o inexperimentável. Diferente do número, quantificador dos
elementos concretos e matematizador dos corpos físicos, o noumenon compreende elementos de
outra ordem e sobre os quais é impossível fazer medições e aferições quantificadoras. Eis que com
o noumenon entramos no campo da Filosofia. As indagações noumênicas dizem respeito aos
problemas do ser, do saber e do valor. O primeiro, o problema do ser, ligado ao existir e os outros
dois, singularmente importante para o jornalista, como se verá adiante, referente ao conhecer e ao
comportar-se.

Como o problema do conhecimento é a questão da verdade, e lembrando que. o compromisso do


jornalista é com a verdade, a Filosofia pode ser útil no que diz respeito às possibilidades de se
chegar à ela. Mas, que é a verdade? Dizer que a verdade é o que não é mentira não resolve, pois
quando alguém diz o que uma coisa não é, não está dizendo necessariamente o que ela é.
Provisoriamente podemos dizer que verdade é aquilo que é e não pode não ser. Um problema de
ordem filosófica, que tem tomado séculos de análise, consiste em saber: como chegar àquilo que é?

No mundo moderno a Filosofia primava por encontrar a verdade, única e indubitável acerca das
coisas. Mas no mundo dito pós-moderno, e graças em particular às contribuições de Nietzsche, a
verdade torna-se muito mais uma questão de perspectiva. Ouve-se seguidamente que a verdade,
cada um tem a sua e que ela depende do ponto de vista da pessoa. Cumpriria saber então por que
alguém já tendo sua verdade se abriria a do outro. Mas pouquíssimos querem saber da verdade
alheia, muitos porém anseiam por ter certeza das coisas sobre e a respeito das quais opinam.

Existe, contudo, uma selva de opiniões partilhadas socialmente e é nela que o trabalho do jornalista
se realiza. Ora, como a verdade é construída pelos discursos e esses são formados por argumentos,
quanto mais bem colocados eles forem pelo profissional da comunicação, mas próximo ele estará
em contribuir com seu trabalho para o bem comum tão decantado na democracia.

A verdade, tomada aqui como questão exemplar do campo filosófico, é representativa do


noumenon, pois que ninguém jamais conseguiu pesar quantos quilogramas de verdade tem um
discurso, ou quantos metros de verdade ele possui. Não é passível de quantificação, mas não se
furta à análise, que é um dos pilares do pensar filosófico. Tal como a verdade, outro exemplo de
estudo filosófico, diz respeito à política. Tomada como objeto de investigação pelo filósofo, a
política se ocupa precipuamente com questões referentes ao poder. Como aquilo que diz respeito ao

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humano e ao fazer dos homens em sociedade, a política é abordada sob múltiplos aspectos é sobre
alguns de seus elementos que se vai agora analisar.

Filosofia Política

Envolvendo questões relativas ao governo da cidade, aos cidadãos, aos negócios públicos, à
Constituição, às formas de governo, a ordenação das magistraturas, entre tantas outras abordagens,
pode ser afirmado que a filosofia política tem como uma de suas principais finalidades discutir
critérios relacionados ao bom governo e a justiça, como condição da melhor maneira de organizar a
vida social. Como afirma Aristóteles, acerca da política,

Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e


que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra. Ora, a política
mostra ser dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciências que
devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve
aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades tidas em maior
apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas à ela
(ARISTÓTELES, 1991, p. 9).

Colocando a Política em alto grau de consideração, Aristóteles chega a definir o homem como
animal político, isto é, cuja natureza o inclina para a vida social, pois, ―[...] o homem é um animal
político, por sua natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, pos instinto e não por
inibição de qualquer circunstância, deixa de participar de uma cidade, é um ser vil ou superior ao
homem‖ (ARISTÓTELES, 2002, p. 14).

Mesmo que a concepção de homem como animal político não seja unanimidade, mesmo porque
pensadores da envergadura de Hobbes (1588 – 1679) e Rousseau (1712 – 1778) não concordam
com tal idéia, não se pode deixar de reconhecer que, por natureza ou não, o homem vive em
sociedade. Vivendo em sociedade, o homem é tomado como problema de investigação pela
Filosofia, seja no que diz respeito à política propriamente dita, seja no que se refere à ética, mas
ambas, política e ética, indissociáveis no pensamento de Rousseau e Aristóteles.

Crítico da sociedade, Jean-Jacques Rousseau é reconhecido como o pai da democracia moderna


(BOBBIO, 2000). A análise de suas idéias políticas requer certo entendimento da ética e educação
roussonianas, uma vez que em Rousseau os postulados políticos se inscrevem no contexto mais
amplo, ligando ética, política, educação e economia como elementos privilegiados de análise.

Rousseau tem uma visão muito negativa da vida em sociedade, tal qual ela se apresenta. No
premiado ―Discurso sobre as ciências e as artes‖, sua crítica se estende à própria ciência, produto de
uma sociedade corrompida. Segundo ele o desenvolvimento tanto das ciências quanto das artes
pouco contribuiu para o aperfeiçoamento moral do homem. Antes pelo contrário. Os
desdobramentos da vida em sociedade em troca de um progresso aparente corromperam o homem.
Seria preferível, segundo o filósofo genebrino, que os homens permanecessem numa vida simples,
em cabanas primitivas, na chamada Idade de Ouro. Entre outros escritos, no ―Projeto de
Constituição para a Córsega‖ (1962) Rousseau aponta a vida do campo como mais adequada do que
da cidade e vê na natureza e na ordem estabelecida por esta, o modelo a ser seguido para a
preparação moral dos homens, mesmo estando estes em sociedade. Não por acaso, na obra que
trata de educação (ROUSSEAU, 2004), Emílio será educado segundo os ditames da natureza e até
os 12 anos este não terá contato com livros e ao chegar a essa idade terá como livro apenas a obra
―Robinson Crusoé‖, já que ela retrata o homem só, vivendo exclusivamente na e da natureza
(ROUSSEAU, 2004).
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No que diz respeito mais especificamente à política, é no ―Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens‖ que Rousseau avança de modo mais agudo acerca
do problema político. Para observar os desmazelos do homem em sociedade, Rousseau constrói um
tipo hipotético, denominado de homem natural, ou homem no estado de natureza. Tal criação
permite, num jogo de sombra e luz a mostrar aspectos da vida social e problemas do homem em
sociedade, na medida em que contrapõem um modo de vida diverso, isto é, o que seria o existir do
hipotético homem natural.

Mas, que é o homem natural? Rousseau o imagina como sendo o homem vivendo totalmente
desprovido dos artifícios e elementos que só a civilização possui. Desse modo, o modelo de homem
projetado pelo filósofo genebrino é destituído de linguagem, vive só e se encontra com outros seres
humanos quase exclusivamente por ocasião dos acasalamentos. Nesse estado de natureza, o homem
não tem ainda idéia de propriedade e o único sentimento é o amor-de-si, entendido como necessário
para a própria conservação, sendo o amor-de-si, portanto, o único sentimento natural no homem.

Acasos funestos, porém, levaram os homens a se encontrarem, a reunirem-se, inicialmente sob a


sombra das árvores, a fazerem contatos mais freqüentes. ―Esses primeiros progressos puseram por
fim o homem à altura de conseguir outros mais rápidos‖ (ROUSSEAU, 1978(b), p. 262). E, dessa
convivência resultaram as famílias e uma situação na qual ―cada um começou a olhar os outros e a
desejar ele próprio ser olhado, passando assim a estima pública a ter um preço‖ (ROUSSEAU,
1978(b), p. 263), introduzindo-se a moralidade entre os homens.

Se antes, vivendo plenamente no estado de natureza, não havia propriedade, agora em razão ―da
cultura de terras resultou necessariamente a sua partilha, e, da propriedade, uma vez reconhecida, as
primeiras regras de justiça, pois, para dar a cada um o que é seu é preciso que cada um possua
alguma coisa‖ (ROUSSEAU, 1978(b), p. 266).

Tem-se então o progresso das desigualdades que seguem primeiro, na convivência entre os homens,
e dessa o desenvolvimento da agricultura e da metalurgia.

Da agricultura à propriedade da terra, pois ninguém colocaria seu esforço e trabalho numa parte de
terra se não tivesse esperança de colher os frutos. É com a propriedade que nasce a primeira forma
de desigualdade, aquela que separam ricos e pobres. Estabelece-se uma espécie de pacto social no
qual só os ricos se beneficiam e, Rousseau ironicamente imagina uma fala do rico que diz ao pobre:
―tendes necessidade de mim, pois sou rico e sois pobre, façamos pois um acordo entre nós:
permitirei que possais ter a honra de me servir, com a condição de que dar-me-eis o pouco que vos
resta, pelo trabalho que terei em vos comandar‖ (ROUSSEAU, 2006, p. 120).

Uma vez estabelecida a propriedade, há a necessidade de leis e com elas a segunda forma da
desigualdade, a que separa poderosos e fracos. Por fim, a terceira forma da desigualdade é também
resultante dos progressos estabelecidos entre os homens e chega a um ordenamento de caráter
político que leva ao estabelecimento da tirania separando senhor e servo (ROUSSEAU, 1978).

A questão, porém, não é pensar apenas o estado hipotético de natureza, importa analisar a situação
do homem já inevitavelmente vivendo em sociedade. O problema é encontrar uma forma de
organização social e política capaz de aproximar a vida social daquela condição natural de liberdade
imaginada para o estado de natureza.

Fazendo um retorno ao conceito de homem natural e indagando onde ele poderia ser encontrado
hoje, não seria difícil indicar as crianças como modelo. De fato, elas se encontram inicialmente

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destituídas de linguagem, de ambição, da idéia de propriedade, e só paulatinamente adquirem
noções morais e outras idéias próprias da vida em sociedade.

A idéia amplamente difundida de que, para Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade o
corrompe, pode ser inferida do raciocínio acima. Porém ela não é fiel ao que ele pensa acerca do
homem natural, já que, para o filósofo genebrino, ―parece, a princípio, que os homens nesse estado
de natureza, não havendo entre si qualquer espécie de relação moral ou de deveres comuns, não
poderia ser nem bons nem maus, ou possuir vícios e virtudes‖ (ROUSSEAU, 1978(b), p. 251). E,
portanto, afirma ainda, ―[...] de modo que se poderia dizer que os selvagens não são maus
precisamente porque não sabem o que é ser bons‖ (ROUSSEAU, 1978(b), p. 252).

A partir dessas idéias, de que o homem natural e a criança começam sem vícios e seguindo apenas
os ditames da natureza, mas, apesar disso, a sociedade é constituída de laços que prendem os
homens em regras que os escravizam, poderia ser compreendida a frase do ―Contrato Social‖: ―o
homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros‖ (ROUSSEAU, 1978(c), 22). O homem
nasce livre, mas acaba por se submeter ao domínio das relações sociais e estas mostram as
desigualdades reinantes entre os homens, com alguns explorando outros e ambos submetidos a uma
ordem de coisas que escraviza, avilta e degenera o ser humano.

Numa sociedade de desiguais na qual ser e parecer são coisas separadas, e a transparência não é
facilmente encontrável, propõe Rousseau, para a política, ―encontrar uma forma de associação que
defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada
um, unindo-se a todos, só obedece, contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto
antes‖ (ROUSSEAU, 1978(c), p. 32), tão livre como antes de haver os laços da vida em comum que
engendra a sociedade.

Do ponto de vista político, para chegar a tal condição, Rousseau elabora uma teoria na qual o
soberano político é aquilo que ele chama de vontade geral. Para que esta se efetive, é necessário
respeitar o pacto social estabelecido por todos e cada um, pacto pelo qual se ―estabelece entre os
cidadãos uma tal igualdade, que eles se comprometem todos nas mesmas condições e devem todos
gozar dos mesmos direitos‖ (ROUSSEAU, 1978(c), p. 50).

A vontade geral, estabelecida pelo pacto, é de tal sorte que o cidadão que trabalha pelo bem comum,
trabalha na verdade para si mesmo, já que o interesse de todos é o dele próprio. Pensar em si mesmo
é pensar nos demais e pensar nos outros é pensar em si. Dessa forma a vontade geral traz um senso
de justiça em tão alto grau que parece ser a solução para o homem em sociedade.

Onde encontrar a vontade geral? Se é que isso pode ser feito, ela estará tanto no todo quanto nas
partes que compõe o corpo social e político, cabendo ao legislador perceber e transformar em leis
essa vontade. Cumpre ao príncipe, entendido em Rousseau como os altos membros do governo,
executar as leis. A vontade geral é originada do povo, que é ao mesmo tempo doador da vontade
soberana e seu súdito, pois o povo deve observar a lei dele própria originada.

Tanto faz que seja numa monarquia, aristocracia ou democracia direta, é importante e necessária ver
respeitada a vontade geral, considerada como salvaguarda dos cidadãos e garantia de liberdade. É a
vontade geral garantidora dessa liberdade, pelo princípio de que se dando a todos a pessoa não se dá
a não ser a si mesma, e com isso obedece a seus próprios ditames por livre consentimento.

Mas Rousseau previu alguns perigos que podem rondar essa forma de organização. No ―Contrato
Social‖ o filósofo alerta para o fato de a vontade geral ser indestrutível, mas pode ser atacada pelo
interesse particular mais vil. A citação é longa, mas vale a pena pela riqueza e atualidade da crítica.
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Quando, porém, o liame social começa a afrouxar e o Estado a enfraquecer,
quando os interesses particulares passam a se fazer sentir e as pequenas
sociedades a influir na grande, o interesse comum se altera e encontra
opositores, a unanimidade não mais reina nos votos, surgem contradições e
debates, e o melhor parecer não é aprovado sem disputas. Enfim, quando o
Estado, próximo da ruína, só subsiste por uma forma ilusória e vã, quando se
rompeu em todos os corações o liame social, quando o interesse mais vil se
pavoneia atrevidamente com o nome sagrado do bem público, então a
vontade geral emudece [...] e fazem-se passar fraudulentamente, sob o nome
de leis, decretos iníquos cujo único objetivo é o interesse particular
(ROUSSEAU, 1978(c), p. 118).

São palavras significativas para o homem atual e particularmente para aqueles cuja profissão é
informar. A denúncia elegante e a análise feita com cuidado e critério [e fator decisivo na
demonstração de como os interesses privados podem macular o bem público. O interesse particular
sobreposto ao bem comum pode estar, inclusive, no trabalho jornalístico, já que as empresas de
comunicação são, antes de mais nada, empresas, e tendo em mãos algo tão poderoso como a
construção ou destruição da imagem pública de pessoas e instituições, elas correm o risco de
preferir o cômodo caminho dos interesses ao invés da construção de uma sociedade
democraticamente sadia. Num contexto assim, cabe ao jornalista agir de tal modo que seja capaz de
deixar o cidadão mais bem informado. Se conseguir isso, aproveitando-se das brechas do sistema, já
terá sido válido sua preparação e seu trabalho.

O interesse particular sobreposto ao bem comum não é o único risco à democracia, embora seja o
mais relevante. Há outros que merecem consideração sem dúvida, como o próprio preparo dos
membros da sociedade, em termos de educação. Em relação a isso o papel da escola se mostra útil
no mais alto grau, mas é momento de encaminhar a conclusão.

A liberdade é uma conquista diária. Diante de um quadro de ameaças à democracia, seja pelo
interesse dos mais ricos em se assenhorear do bem público, via sistema eleitoral e de uma condição
na qual a maioria da população se coloca e é colocada sempre mais distante dos centros de poder,
(penso, por exemplo, em quem escolhe os candidatos a candidato e definem os programas
partidários e sua execução) a imprensa livre, e jornalistas de fato jornalistas, são indispensáveis ao
futuro da democracia e seu aperfeiçoamento constante.

Ora, a democracia precisa ser reinventada todo dia. A ditadura, por sua vez, não admite mudança
(BOBBIO, 2000). Sendo o exercício democrático indispensável no caminho da construção da
cidadania, indispensável é também trabalho do jornalista. Mesmo diante da aridez dos interesses
pecuniários, possa o profissional da comunicação encontrar nas fimbrias do poder espaço para bem
informar e liberdade para analisar os fatos. São alguns dos elementos indispensáveis na luta pela
melhoria da vida e no combate às desigualdades.

Sendo que o conhecimento liberta e a ignorância escraviza, como já foi afirmado anteriormente, o
jornalista deve ser livre e correto, realizando assim um trabalho verdadeiramente libertador. Para
tanto e para o bem da democracia e de nós todos alguns pontos devem ser observados, como por
exemplo, assegurar informação à população, fazendo-a circular; que os jornalistas não sejam
coagidos a trabalhar de modo contrário à sua consciência e que o respeito à verdade e à pessoa deve
prevalecer sempre em seu trabalho.

Acompanhando Sartre, para quem o homem é aquilo que ele faz, o jornalista também não nasce
jornalista, se faz jornalista e que este fazer-se seja bom para o bem comum que é o fim último da
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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
política democrática, independente de ele focar notícias de sua região ou internacional. O sentido
ético da busca da verdade cobrada no código de ética dos jornalistas passa necessariamente por
essas questões aqui levemente traçadas.

Referências bibliográficas

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

_____. Política. São Paulo: Martin Claret, 2002.

BOBBIO, N. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2000.

DURAND, G. O imaginário: ensaio acerca da ciência e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro:


1998.

ROUSSEAU, J.-J. (a)Discurso sobre as ciências e as artes. São Paulo: Abril Cultural, 1978

_____. (b)Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens. São
Paulo: Abril Cultural, 1978.

_____. (c) Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1978

_____. Economia (política e moral). In. DIDEROT, D.; DALEMBERT, J. L. R. Tradução de Maria
das Graças de Souza. Verbetes políticos da Enciclopédia. São Paulo: Discurso Editorial; Editora
da UNESP, 2006.

_____. Emílio: ou da educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

_____. Projeto de constituição para a Córsega. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.

SARTRE, J. P. O Existencialismo é um Humanismo. São Paulo: 1978.

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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010

IDENTIDADES ÉTNICO-LINGUÍSTICAS, OU O SUJEITO


MULTILÍNGUE E SUA NOÇÃO DE PERTENCIMENTO
Karim Siebeneicher Brito19

Gabriel Caesar Antunes dos Santos20

Introdução

Para significar-se, o poliglota inscreve-se nas diversas línguas que o formam. Mesmo ao
pronunciar-se em uma de ―suas línguas‖, as outras também o formam e influenciam o discurso que
sustenta o seu dizer. Ao longo do tempo durante o qual aprende e utiliza suas diversas línguas, a
constituição do próprio indivíduo é reelaborada, alterada e enriquecida, numa metamorfose
contínua, num trânsito permanente entre sistemas lingüísticos e simbólicos. Todas as línguas se
interpenetram na constituição da identidade do multilíngüe, fazendo com que sua história de vida,
caracterizada por uma constituição lingüística marcadamente plural, traga incidências para seus
posicionamentos. Ele pode ser capaz de perceber-se como pertencente igualmente às várias
comunidades representadas pelas várias línguas, num pertencimento ―global‖, ou pode considerar-
se legitimamente membro de apenas uma das comunidades, favorecendo-as entre as outras; talvez,
ainda, esse indivíduo encontre-se em uma crise de identidade, sem saber-se satisfatoriamente.

Sendo a linguagem constitutiva do indivíduo, sua identidade é construída igualmente nos âmbitos
simbólico e social, e está em constante movimento; o indivíduo se define na linguagem, no
contexto, na interação. É nessa relação entre a construção da identidade e a linguagem que
procuramos antever o papel, que consideramos significativo, desempenhado pelas diversas línguas
utilizadas pelo mesmo indivíduo.

Com base em estudos psicolingüísticos, objetivamos, neste estudo, entrevistar pessoas multilíngües,
nascidas ou não no Brasil mas residentes neste país, que façam uso efetivo e consciente de uma
segunda ou mais línguas para se comunicar com outros indivíduos de seu círculo social, a fim de
compreender melhor como vêem sua própria identidade, se pertencentes a uma ou outra(s)
nacionalidade(s), e os motivos que apontam para isso. Tal questão se mostrou importante para nós
ao aprofundarmos nossa reflexão a respeito do papel da(s) língua(s) na formação do indivíduo, e ao
observarmos a ligação comumente feita entre uma nação e uma língua, tanto no meio acadêmico
quanto fora dele. Procuramos, portanto, analisar o papel das línguas utilizadas por um mesmo
indivíduo enquanto veículos fortalecedores (ou não) das construções identitárias, que são sempre
coletivas e individuais ao mesmo tempo.

A identidade pode ser definida como o que o indivíduo é não apenas consistentemente, ao longo de
sua vida, mas também como o que uma pessoa é em um determinado momento de sua vida. Esse
caráter não-finalizado, em constante processo de construção e mudança, é que possibilita que
elementos constitutivos diversos, neste caso cada uma das línguas que o mesmo indivíduo utiliza,
não precisem ser considerados excludentes ou incompatíveis.

19
Professora Assistente do Curso de Letras- Português e Inglês da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de
União da Vitória, Paraná. Mestre e doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Paraná. E-mail:
karimbrito@yahoo.com.br.
20
Graduado do Curso de Letras –Português e Inglês da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da
Vitória, Paraná. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação Araucária. E-mail: gabrielcaesar@hotmail.com.
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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Contexto histórico e lingüístico

As cidades de Porto União, no estado de Santa Catarina, e União da Vitória, no estado do Paraná,
são chamadas ―gêmeas do Iguaçu‖, e encontram-se num vale, circundadas pelo rio cuja foz forma
as famosas cataratas. Foram uma só cidade até 1917, após a assinatura do Acordo de Limites entre
Paraná e Santa Catarina, como consequência da Guerra do Contestado, e são hoje separadas por
trechos de uma linha férrea.

Desde a segunda metade do século XIX a região recebeu imigrantes, atraídos pelas condições
geográficas, ou incentivados pelos planos de colonização, entre eles: alemães, italianos, eslavos,
portugueses, russos, sírio-libaneses e suíços. Entre as muitas contribuições dos imigrantes para essa
região destacam-se a abertura das primeiras unidades de ensino, tanto nas vilas como nos núcleos
coloniais, e a manutenção de sociedades artístico-culturais (cf. THOMÉ, 2002).

Inicialmente majoritárias nas áreas de colonização mais remotas, visto que o isolamento dos
colonos imigrantes desfavorecia a aprendizagem do português, as línguas dos imigrantes foram
sendo relegadas a um papel secundário e circunscritas a poucos ambientes. A língua portuguesa
passou a ser cada vez mais valorizada nas comunidades de imigração. Contribuíram para isso a
repressão política em virtude das campanhas de nacionalização, a necessidade de adaptação e
inserção nos meios de trabalho, e o desejo dos descendentes de se distanciarem da imagem negativa
de ―colonos‖ ou ―trabalhadores rurais‖, o que os levou a rejeitarem, em grande parte, os costumes e
as línguas de seus pais e avós. Mesmo que em pequeno número, porém, alguns imigrantes e seus
descendentes procuraram ensinar e manter o uso de suas línguas de origem, e pouco a pouco,
fortalecer as associações existentes e organizar grupos de danças folclóricas.

O ensino de línguas nas escolas de Porto União e União da Vitória reflete a realidade característica
do restante do Brasil. Toda escola deve oferecer o ensino de pelo menos uma língua estrangeira, e
esta é preferencialmente o inglês. As escolas particulares geralmente oferecem também o ensino de
espanhol, em algumas séries, e as escolas públicas passarão a oferecê-lo obrigatoriamente, no
Ensino Médio, a partir de 2010, por força da Lei 11.161, de 05/08/2005. Merece destaque a
iniciativa do estado do Paraná em criar os Centros de Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas
(CELEM), a partir de 1988, e que vêm oferecendo às comunidades o ensino gratuito não apenas das
línguas consideradas relevantes num cenário internacional, como o francês e o alemão, mas também
as línguas de imigração da região, como o ucraniano e o japonês, por exemplo.

A identidade multilíngue

O termo identidade foi objeto de estudo científico, inicialmente, da Psicologia, e estendeu-se a


outras disciplinas ao longo do tempo. A ele pertencem elementos diversos, que podem,
aparentemente, não ter nada em comum, como: o nome de um indivíduo, a cor da sua pele, seus
hábitos, seu trabalho, e é, portanto, difícil de defini-lo (cf. HAARMAN, 1996). A respeito da
relação entre identidade e língua, o autor sugere que a segunda seja entendida como um componente
da primeira, sendo que a língua depende da identidade para existir.

A(s) língua(s) determina(m) a identidade linguística, um dos componentes da identidade do


indivíduo, considerando-se que elas não são meros instrumentos de comunicação, mas bases do
processo discursivo, produções socialmente construídas. São constitutivas dos indivíduos e por eles
constituídas. Kroskrity (2001, p. 106) define identidade como a construção linguística de
pertencimento a um ou mais grupos ou categorias sociais. Conforme o autor, essa identidade pode
ser linguisticamente construída tanto pelo uso de determinadas línguas e formas linguísticas
associadas a identidades nacionais e étnicas, quanto pelo uso de práticas comunicativas que são
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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
associadas ao grupo do falante. Jessner (2003) lembra que a identidade lingüística é variável e
dependente do tempo, e que essa variabilidade opera de formas diferentes conforme o contexto
cultural. Aprender e utilizar novas línguas provoca em nós uma certa inquietação, questionamentos
acerca de nosso conhecimento de mundo, de nossos valores sociais, daquilo que já trazíamos
inscrito em nós. Encontramos dificuldades que se evidenciam em nossa relação afetiva para com
a(s) outra(s) língua(s) e seus falantes.

É possível verificar uma estreita relação entre nossa(s) língua(s) e os processos cognitivos, como a
memória, indicando que nossas lembranças são linguisticamente dependentes. Pesquisadores que
analisam a relação entre a linguagem e a memória (MARIAN; KAUSHANSKAYA, 2007;
MARIAN; FAUSEY, 2006) observaram que bilíngues codificam algumas das suas lembranças
enquanto usam uma língua, e outras enquanto usam a outra. Por isso, quando procuram se lembrar
de alguma coisa, essa lembrança é mais facilmente recuperada se a língua utilizada no momento
corresponde à língua que se estava utilizando quando a lembrança foi inicialmente formada. Marian
(1999, p. 355) exemplifica o fenômeno com dois episódios: Perguntou-se a uma bilíngue, que vivia
nos Estados Unidos há mais de uma década, em sua língua nativa, qual era o número do seu
apartamento. Ela respondeu, erroneamente, com o número de sua moradia no país de origem.
Corrigindo-se rapidamente, explicou que o número da moradia antiga simplesmente surgiu em sua
mente por causa da forma pela qual a pergunta foi feita. Em outro caso, uma criança bilíngue que
havia aprendido uma canção francesa enquanto estava em férias na França, não conseguia lembrar-
se dela quando voltou aos Estados Unidos. Quando encontrou-se outra vez em um ambiente onde se
falava Francês, no entanto, lembrou-se facilmente da canção.

Ross, Xun e Wilson (2002) estudaram as auto-percepções de indivíduos nascidos na China, e que
falavam também Inglês, comparando suas respostas aos adquiridos com grupos de controle
formados por canadenses com ascendência européia ou chinesa. Os resultados indicam que as
diferentes identidades, asiática-oriental e ocidental, possam ser armazenadas em estruturas de
conhecimento separadas nos indivíduos biculturais, com cada estrutura sendo ativada pela língua
associada a ela. Essas pesquisas simulam, em laboratórios, momentos de utilização da memória, e a
crítica a elas é que seus resultados não correspondem ao desempenho da memória em ambientes
reais. Ainda não foi possível demonstrar cientificamente que a memória semântica cotidiana seja
dependente das línguas, mas isso sugeriria que os efeitos das línguas permeiam todos os aspectos da
memória declarativa.

A experiência é mediada pela linguagem, e as línguas associam-se a períodos de nossas vidas.


Estudos psicoanalíticos indicam que bilíngues que fazem terapia acessam melhor suas experiências
da infância através da língua que usavam nesse período de suas vidas (cf. SCHRAUF; RUBIN,
1998). De acordo com Harris, Gleason e Ayçiçeği (2006, p. 269), diversos estudos conduzem a um
consenso de que falantes bilíngues experimentam emocionalidade reduzida ao falarem em sua
segunda língua. Já em seu próprio estudo os autores acharam indicações de que quando duas línguas
são aprendidas na infância, as palavras ouvidas ou lidas em ambas as línguas provocam reações
fisiológicas semelhantes, e que a idade da aquisição correlaciona-se de forma importante com as
reações emocionais.

Quando a(s) outra(s) língua(s) além da(s) materna(s) já pertencem, em virtude do tempo e de sua
participação na construção da identidade do indivíduo multilíngüe, à subjetividade desse mesmo
indivíduo, tanto elas quanto as concepções que as acompanham encontram espaço como
determinantes de seu comportamento e de suas visões. Outrora monolíngue, sentindo-se pertencente
a uma determinada nação, relacionada entre outras coisas à única língua que falava, o indivíduo
agora multilíngue redefine o seu pertencimento, pois o que se configurava como ―estrangeiro‖ é
hoje também parte dele, convivendo com o que considerava ―natural‖. O falante multilíngue,
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situado nas suas línguas, percebe sua localização em cada uma, consciente ou inconscientemente, de
maneiras diferentes.

O papel da(s) língua(s) na noção de pertencimento do ser humano

A necessidade de associar-se a outros de sua própria espécie é intrínseca ao ser humano. As pessoas
incluem-se em relações de pertencimento, no entanto, sem perder sua identidade particular,
realizando simultaneamente a distinção individual e o pertencimento societário.

Ao longo da história os grupos humanos desenvolveram medidas de subsistência e proteção que


discriminavam, por um lado, os pertencentes àquele determinado grupo como dignos de aceitação e
confiança, e por outro lado os ―outros‖, como diferentes e hostis. Durante o período de sucessivas
invasões de outros povos, os europeus, por exemplo, desenvolveram um temor de todos aqueles que
não pertenciam a um lugar fixo, ou que não fossem integrados a uma comunidade. Esse temor e a
importância de transmiti-lo às gerações subsequentes refletem-se nos contos de fadas cujas versões
foram assimiladas em todo o mundo e são ainda hoje contadas às crianças (SILVA, 2004). À idéia
de uma comunidade ligou-se, em diversos momentos históricos, a noção de uma única língua,
indicando que outras línguas pertencem aos outros, aos que não pertencem à sua comunidade.
Segundo Schumm (2004, p. 50), citando Anderson (1989), ―muito antes de ideologistas
nacionalistas proclamarem a necessidade de uma língua nacional como elemento identificador, a
língua já era usada à época da Idade Média para unificar os povos na religião‖.

Hoje a existência de identidades nacionais é incontestável. Thiesse (2001/2002) explica que antes
de 1800, quando surgiram como idéia nova e subversiva, as identidades nacionais não existiam.
Elas foram criadas a partir de duas concepções aparentemente antagônicas, uma resultante da
revolução, como livre expressão de adesão a uma entidade política, e outra do romantismo, em
submissão à idéia de nação como originária do sangue e do solo. Conforme a autora, esta dupla
representação, criada pela contestação em continuar sujeitando-se a poderes dinásticos e religiosos,
encontra-se no centro da idéia moderna de nação. Para constituir-se como tal, uma nação deve
apresentar elementos específicos, entre eles uma cultura e uma língua. Os próprios nomes que
damos às línguas indicam que nosso conceito se estende às noções de povo, país, ou território.
Chamamos Inglês a língua dos ingleses, Russo a língua dos russos, e assim por diante. À idéia de
uma identidade nacional soma-se a noção de um patrimônio coletivo, e prejudicá-lo adquire caráter
de traição.

A língua que faz de toda a população parte integrante de uma nação, no entanto, não é
necessariamente a dela, mas a língua da escrita, da classe dominante, que se transformou em língua
nacional. Desenvolvidas a fim de garantir a igualdade de tratamento negada por monarcas e
clérigos, as identidades nacionais acabaram por gerar suas próprias prisões. Apesar do
multilinguismo ser a norma no mundo, não faltam propagandas nacionalistas e xenofóbicas que
tentam fazê-lo parecer indesejável ou antipatriótico. Daí a dificuldade de perceber-se incluído,
quando para tanto exige-se uma identidade linguística única, ou em que se favoreça uma de suas
línguas em detrimento das outras. Seyferth (2000) apresenta a situação dos alemães e seus
descendentes no Brasil, que se identificam como teuto-brasileiros, o que indica uma condição de
pertencimento à nação alemã e a cidadania brasileira como coisas compatíveis. Para a autora, essa
compatibilidade lhes parece possível porque pensam no Brasil como um Estado etnicamente plural
e não como uma Nação. Durante os episódios da Segunda Guerra Mundial, o nacionalismo
brasileiro, porém, considerou essa idéia perigosa, como uma ameaça à unidade brasileira, e em
nome da unidade nacional iniciou-se em 1937 a campanha de nacionalização do Estado Novo, com
a pretensão de forçar a assimilação dos não-brasileiros (ou alienígenas). Apesar dos alemães e seus
descendentes residentes nas cidades-gêmeas de Porto União e União da Vitória terem sofrido
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represálias à utilização da língua alemã e a costumes germânicos, tal experiência não anulou alguns
princípios de sua etnicidade teuto-brasileira, como veremos mais adiante na análise das entrevistas.
Assim como as línguas, as origens transformam-se em elementos que se somam às identidades dos
descendentes de imigrantes, agregando-se a eles as virtudes étnicas.

Em países como a Suíça, Singapura e Índia, contrariamente às tendências nacionalistas, optou-se


por declará-los países oficialmente multilíngues, numa tentativa de reconhecer a identidade
linguística dos grupos que os formam, e também de ajudar as minorias linguísticas a manterem suas
línguas. Tais esforços não garantem, porém, que cada uma das línguas oficiais adquira o mesmo
grau de valoração frente aos habitantes do país. Na Suíça, por exemplo, muito poucos habitantes
aprendem o Romanês ou o Italiano, mas a maioria dos seus falantes como primeira língua aprende e
utiliza o Alemão e/ou o Francês (cf. Grosjean, 1982). Entre as línguas utilizadas num determinado
território, aquela que detém menos prestígio é a que sofre mais a influência da(s) outra(s). Tal
fenômeno é percebido, por exemplo, no Canadá, onde o Francês canadense, língua minoritária e
menos prestigiada, tem feito empréstimos do Inglês extensivamente, enquanto o Inglês, que é a
língua do grupo numericamente dominante, quase não apresenta empréstimos do Francês.

Peixoto (2000, p. 47) define a noção de pertencimento como a relação que se estabelece entre um
indivíduo ou um grupo de indivíduos e o espaço territorial onde se desenvolvem suas relações
sociais concretas. A autora afirma que existem formas bastante diferentes de pertencimento local,
pois ele não se define apenas por meio de uma delimitação geográfica, podendo ser marcado
histórica ou culturalmente, ou ainda através da manifestação de um sentimento ou emoção. Ao
definirmos a nós mesmos, constantemente nos caracterizamos como habitantes de um determinado
lugar. A identidade local é, juntamente com outras identidades (idade, sexo, profissão, educação,
religião, estado civil etc), uma das dimensões da identidade social, a imagem de marca do
indivíduo. A essas dimensões soma-se a linguística, como constitutiva da identidade individual. E
estando as identidades em constante mudança, pela linguagem assumimos identidades diferentes,
construindo-as e reformulando-as.

Hirschfield (1998, p. 122) argumenta que nenhuma outra competência adquirida é mais importante
para as coletividades do que as línguas, posto que cada língua incorpora uma visão única do mundo,
e esta visão diferencia as cognições de seus falantes daquelas dos falantes de outras línguas. Tendo
sido aprendiz e usuário de seis línguas, um dos entrevistados afirma que se sente ―cidadão do
planeta‖. Esse sentimento pode relacionar-se ao fato de que a cada língua aprendida expandiram-se
e alteraram-se as cognições individuais, fazendo com que sua identificação com apenas uma delas
se tornasse cada vez mais difícil. Pode-se somar a isso o efeito da motivação pessoal para aprender
línguas, fazendo com que o domínio de cada uma delas, e consequentemente a valorização das
culturas relacionadas, seja visto como algo positivo e desejável.

Metodologia da pesquisa

Esta pesquisa é de natureza qualitativa, e está fundamentada em estudos realizados na área do


multilinguismo individual, com ênfase na Psicolingüística. Ela foi desenvolvida com o objetivo de
compreender como pessoas multilíngues, que vivem seu cotidiano em diversas línguas, representam
sua noção de pertencimento à nação. Partimos do pressuposto de que os multilíngues atribuem
valores definidos a cada uma de suas línguas, e que esses valores também determinam como se
utilizam delas. Adotamos neste trabalho a noção de multilíngue que envolve também o
bilinguismo, conforme a maioria dos autores que tratam do assunto.

Foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas a nove multilíngues adultos, que adquiriram, além do
Português, pelo menos mais uma língua, e esta tenha sido preferencialmente aprendida e/ou
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utilizada também em ambientes informais, fora de sala de aula, pois acreditamos que a utilização da
língua em ambientes naturais fortaleça a identificação do seu usuário com ela. Os entrevistados são
todos moradores no Brasil, embora dois não tenham nascido aqui, e pertencentes a diferentes grupos
étnicos.

Baseados em nossas próprias experiências como multilíngues e no convívio com imigrantes e seus
descendentes, partimos das seguintes hipóteses norteadoras:

a) Os indivíduos multilíngues, por serem nascidos no Brasil ou morarem aqui há anos, falam
Português e consideram-se brasileiros, mas não deixam de mencionar que também se consideram
pertencentes a pelo menos uma outra nação, que vinculam a uma de suas outras línguas. Por isso,
acreditamos que o usuário de mais de uma língua reflete uma identidade lingüística fracionada, ou
ainda mais de uma identidade, e que essa visão dividida não representa um problema ou dificuldade
para o brasileiro multilíngue.

b) Esse pertencimento estrangeiro não tem caráter político, no sentido de que o indivíduo não possui
necessariamente a cidadania do outro país, porém é um estabelecimento de vínculos culturais.

Análise dos resultados

4.1 Perfil dos entrevistados

75% dos entrevistados são nascidos no Brasil, enquanto 25% nasceram no exterior (Líbano e Japão)
e vieram ainda jovens ao Brasil. A idade média dos entrevistados é de 47,2 anos. Quanto ao grau de
instrução, todos são alfabetizados e frequentaram a escola por no mínimo três anos, sendo que 55%
possui ensino superior completo. 71% residem nas cidades-gêmeas na divisa entre os estados do
Paraná e Santa Catarina: Porto União - SC e União da Vitória – PR. Um entrevistado (14,5%) reside
na cidade próxima de Caçador – SC e uma entrevistada (14,5%) reside na cidade de Prudentópolis,
no estado do Paraná. Em média, cada entrevistado fala três línguas, sendo 3 bilíngues, 5 trilíngues e
1 usuário de seis línguas. Por residirem no Brasil, todos utilizam, na maior parte do tempo, a língua
portuguesa.

4.2 Análise das respostas às questões

Apresentamos a seguir as perguntas utilizadas durante as entrevistas, acompanhadas das respostas


oferecidas e de sua análise.

As letras utilizadas nos gráficos correspondem às iniciais dos nomes das línguas utilizadas pelos
entrevistados, sendo: A = Alemão, Ar = Árabe, F = Francês, J = Japonês, P = Português, U =
Ucraniano.

Pergunta 1 – Você se considera pertencente a que nação? Por quê?

Todos os entrevistados consideram-se brasileiros, mesmo os não nascidos nesse país. Estes
justificam sua resposta dizendo que já passaram a maior parte de suas vidas no Brasil e que se
consideram mais integrados à sociedade brasileira, além do fato de que os membros das outras
nações também os consideram assim. Os que nasceram no Brasil usam o fato como justificativa
para se considerarem pertencentes à nação brasileira, mas esta não é sua única justificativa; sua
noção de pertencimento parece estar mais vinculada às pessoas com quem convivem do que com o
país em si, extrapolando uma relação territorial. O entrevistado que utiliza seis línguas completou
sua resposta dizendo que, antes de considerar-se brasileiro, considera-se ―cidadão do planeta‖.
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Pergunta 2 – Em que língua se comunica com os seus familiares?

PeU

IeA

FIGURA 1 – Língua(s) em que os entrevistados se comunicam com seus familiares

Sete entrevistados (77%) utilizam o Português para a comunicação em família, tendo restringido o
uso das outras línguas a algumas situações específicas com determinadas pessoas, como as
conversas com os sogros, ou a leitura de textos acadêmicos. Um entrevistado declarou utilizar cada
uma das suas diversas línguas com membros específicos da família, e uma entrevistada fala
Português e Ucraniano, com a mesma frequência, com seus familiares.

Essas respostas mostram, claramente, que a situação multilíngue está em constante movimento,
sendo que o uso que se faz de cada língua, bem como a frequência com que é usada, modificam-se
com o tempo. Alguns entrevistados foram usuários muito mais frequentes das línguas de imigração
enquanto crianças do que são hoje; outro passou a utilizar mais a língua estrangeira depois de
adulto, em virtude da carreira acadêmica. O multilinguismo não é apenas um estado, mas é também
um processo, e mesmo os valores atribuídos às línguas de um indivíduo variam com o tempo.

Mesmo utilizando mais o Português em detrimento das outras línguas, os entrevistados fizeram
questão de relacioná-las à formação de sua identidade, e estabeleceram com elas ligações afetivas.

Pergunta 3 – Você mantém estudos de uma das línguas, ou procura praticá-la com frequência?

Apesar de três entrevistados não manterem estudo formal de nenhuma das línguas, todos afirmam
procurar manter a prática da leitura em todas elas. Duas pessoas mantêm o estudo formal da língua
portuguesa, por motivos acadêmicos, e cinco afirmam continuar estudando pelo menos uma de suas
outras línguas, com propósitos bem específicos: desenvolver maior segurança, pois seu trabalho
exige a utilização dela; motivos religiosos; ensinar o idioma para os descendentes.

Todos os entrevistados parecem valorizar a continuidade do uso (se não do estudo formal) de todas
as suas línguas. Isso demonstra que lhes impõem valores positivos.

Pergunta 4 – Com qual das línguas você mais se identifica?

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Ar

AeP

FeP

JeP

PeU

FIGURA 2 – Língua(s) com que os entrevistados mais se identificam

Apenas quatro entrevistados afirmam identificar-se mais com a língua portuguesa, apesar de todos
terem afirmado, em sua primeira resposta, que se consideram brasileiros. Isso demonstra uma
discriminação entre a identificação nacional (política, territorial) e a identificação linguística, e nos
leva a deduzir que é possível encará-las separadamente, e que a cada uma relacionam-se variáveis
diferentes. Outra possível explicação é que existe uma relação acentuada entre a identidade e a
língua materna. A língua portuguesa, apesar da recorrência com que é utilizada atualmente,
representa para os que não a têm como língua materna algo de estrangeiro. A sua aprendizagem
possivelmente vinculou a ela uma noção de estranhamento, daquilo que é diferente e causa
perturbação.

Pergunta 5 – Como é sua relação afetiva com cada uma das línguas e com o que elas representam?

Em geral, os entrevistados sugerem que as línguas que são menos utilizadas e que não foram
formalmente aprendidas são consideradas difíceis. Apenas uma das pessoas equiparou duas de suas
línguas; a maioria, ao contrário, deixou claro que a cada uma delas relacionam-se representações
bem diferentes, que não se entendem como excludentes, mas como complementares, visto que
formam um conjunto que caracteriza a totalidade da identidade linguística do falante.

Ao falarem de relações afetivas, é constante a relação que se faz entre a língua e os seus falantes nas
respostas dos entrevistados; atribuem à língua um caráter que na verdade é atribuído às pessoas que
se utilizam dela, provavelmente baseados nos estereótipos culturalmente desenvolvidos. Um
exemplo disso é a resposta de que à língua alemã são relacionadas a precisão, a lógica e a
racionalidade.

Pergunta 6 – Que idéias ou representações você atribui a cada uma das línguas que fala?

Novamente observamos que os entrevistados distinguem cada uma das línguas atribuindo-lhes
representações diversas, sendo que apenas uma pessoa afirmou considerar duas delas equivalentes
na valorização. O Português aparece relacionado à irreverência e à diversão, mas também ao
trabalho e à comunicação social. As outras línguas são apresentadas, novamente, em caráter
secundário, relacionadas a alguns momentos mais breves de seu cotidiano.

Uma entrevistada afirmou perceber que seu comportamento é diferente, dependendo de que língua
está utilizando no momento.

Pergunta 7 – Que lembranças você tem da época em que aprendia cada língua?

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A maioria dos entrevistados que nasceram no Brasil disseram não possuir lembranças da época em
que aprendiam o Português, por ser sua primeira língua. Apenas uma pessoa, por ter aprendido
primeiramente o Ucraniano em casa, lembra ter aprendido o Português à medida em que crescia,
brincando com as amigas da vizinhança. Um dos entrevistados que nasceu no exterior disse que foi
muito difícil aprender o Português, e que ainda tem dificuldades de comunicação com ele, apesar de
ter passado toda a sua vida adulta trabalhando no comércio no Brasil; já outro considerou a
aprendizagem do Português fácil, provavelmente porque antes de aprendê-lo já tinha passado pela
aprendizagem formal de duas outras línguas.

As lembranças da aprendizagem das outras línguas relacionam-se ao ambiente em que foram


aprendidas. Se aprendidas em ambiente formal, evocam salas de aula e colegas, mas se aprendidas
em ambiente informal, como na família, despertam lembranças da infância e dos familiares.

Um aspecto que se manifestou fortemente entre os entrevistados foi a sua noção de multilinguismo.
Muitos demonstraram sua insegurança em considerarem a si mesmos multilíngues, porque sabem
que não utilizam cada uma das suas línguas com a mesma proficiência ou com a mesma facilidade.
Ora, a idéia de que o ―verdadeiro‖ multilíngue desenvolve o mesmo alto grau de proficiência em
todas as suas línguas é um mito; a norma aponta para indivíduos que se utilizam de cada uma de
suas línguas em situações, graus e com propósitos diferentes, e bilíngues que utilizem suas duas
línguas igualmente muito bem são difíceis de encontrar. Conforme Herdina e Jessner (2002), um
multilíngue não equivale à soma de diversos monolíngues. Grosjean (1985) e Cook (1993)
apresentam o falante bilíngue ou multilíngue com uma configuração linguística específica, e Cook
critica o uso do falante nativo como norma no ensino de línguas. A idealização de que só se é
―verdadeiramente‖ multilíngue se em cada uma das línguas tiver sido desenvolvida proficiência
comparável à de um falante nativo daquela língua, além de não condizer com a realidade coloca-se
como uma barreira para que os indivíduos valorizem sua condição de usuários de várias línguas. A
continuidade da aprendizagem exige motivação e dedicação, que são seriamente afetadas pela
comparação com um ―falante ideal‖.

As perguntas da entrevista promovem, propositalmente, uma discriminação entre as diversas


línguas de cada falante, visto que nosso objetivo era questionar a vinculação da noção de
pertencimento a apenas uma ou algumas delas. Os entrevistados, levados pela configuração das
perguntas e provavelmente por terem percebido essa intenção, procuraram referir-se a cada língua
separadamente. Observamos que os falantes multilíngues identificam-se com cada uma de suas
línguas, reconhecendo-as como partes constitutivas de si mesmos, ao mesmo tempo em que
estabelecem diferenças na utilização que fazem de cada uma. Assim como um monolíngue faz uso
de diferentes registros de sua língua conforme são diversos os seus propósitos e as situações, o
falante multilíngue distingue entre os momentos e as pessoas com as quais utiliza cada uma de suas
línguas.

O Brasil é visto como um país que possui vocação plural, pelo motivo de a ele terem convergido
diversos povos com suas variadas informações culturais. Essa representação favorece a
possibilidade de um indivíduo, nascido no Brasil ou residente nele, conceber-se a si mesmo como
―brasileiro sim, mas também ...‖. Isso pode ser percebido na afirmação de um entrevistado, que diz
que em sua opinião o local de nascimento não é determinante na nacionalidade de uma pessoa, e
que ele se considera binacional. Como o processo de reivindicação de identidades envolve uma
distinção entre o ―eu‖ e o ―outro‖, percebe-se também, nessa pluralização, um afastamento, ainda
que parcial, do que constitui um brasileiro per se, visto que a identificação com ele não é o bastante
para a constituição identitária de nossos entrevistados. Ao mesmo tempo, o que lhe falta na
identificação com quem é apenas brasileiro não é suprido pelo pertencimento real (ou imaginado) a
outro país. Esse espaço é preenchido pela identificação com outros imigrantes e seus descendentes,
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que possuem em comum o histórico da imigração, da infância em ambiente bi-cultural, ou com
outros bi- e multilíngues como eles. Um dos entrevistados afirma considerar-se também pertencente
à nacionalidade alemã, mas não possuir nenhuma obrigação para com o estado alemão.

Por meio dessas observações comprovamos ambas as nossas hipóteses, pelo menos com relação ao
nosso corpus limitado. Ainda outro fator que pesa no processo de formação identitária dos
multilíngues com histórico de emigração é como eles são vistos pelos estrangeiros que não
emigraram. Um entrevistado justificou seu pertencimento à nação brasileira pelo fato de que os
pertencentes ao seu país de origem o consideram brasileiro, e que sente seu pertencimento ao Brasil
como mais legítimo. Outro ainda identifica o tempo de permanência como determinante do maior
grau de pertencimento, visto que vive no Brasil durante mais tempo do que viveu em seu país de
origem.

Confirmamos pelas respostas de nossos entrevistados, como já observara Grosjean (1982, p. 177)
que as atitudes linguísticas são comumente confundidas com as atitudes que se tem para com os
falantes daquela(s) língua(s). Constantemente estabeleceram-se relações entre língua(s) e seus
falantes nas respostas dos entrevistados, em que estes atribuíam à língua um caráter que na verdade
é atribuído aos seus falantes. Os seguintes termos extraídos das respostas são exemplos: ―uma
língua que possui mais irreverência‖, ―uma língua mais divertida‖, ―o português possui um caráter
mais livre e desimpedido‖ ou ―os falantes de português possuem mais tato‖. Grosjean (op. c.)
também adverte para o fato de que numa comunidade onde várias línguas coexistem, as atitudes
linguísticas desempenham um papel muito importante nas vidas dos usuários dessas línguas, pois a
situação favorece diferentes valorações dadas a elas. Não pudemos constatar que o mesmo aconteça
com as várias línguas que coexistem nas vidas de um mesmo usuário; apesar de diferenciar o uso
que fazem delas, nossos entrevistados relutam em afirmar que valorizam mais uma língua do que as
outras.

Discussão final

Tecemos aqui algumas reflexões acerca das possíveis ligações entre o multilinguismo como
característica pessoal e suas implicações na noção de pertencimento ao meio que o multilíngue
expressa.

Em primeiro lugar, os sujeitos entrevistados não reproduziram um discurso coerente com os


critérios oficiais de definição da nacionalidade. O local de nascimento näo se lhes mostra suficiente
para definir seu pertencimento. Não causaria tanto estranhamento ouvir tal discurso dos
entrevistados que não nasceram no Brasil, mas em um país onde, ao contrário daqui, o princípio de
jus soli21 não está tão arraigado; além disso viveram boa parte de suas vidas como jovens e adultos
no Brasil, aqui tiveram seus filhos e desenvolveram seu trabalho. Mas a resposta de que não se
considera apenas brasileiro foi ouvida também de quem nasceu no Brasil. Ainda que de forma
desigual, o brasileiro também se considera um pouco alemão, um pouco libanês, relativizando sua
identidade brasileira. A leitura que fazemos dessa múltipla noção de pertencimento é que as
diversas línguas dos multilíngues não lhes permitem afastar-se de sua própria identificação com
elas, e com o que representam. Se falo polonês, sou (pelo menos um pouco) polonês.

Em segundo lugar, quanto mais línguas se apresentam como constitutivas da identidade, mais
distantes se encontram as fronteiras políticas e mais liberdade existe em se reconhecer plural;
através de suas línguas, o multilíngue encontra muito mais semelhantes no mundo, o que lhe

21
Direito do solo. Princípio segundo o qual a pessoa tem a nacionalidade do país onde nasceu.
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permite transpor mais barreiras de preconceito. A promoção do multilinguismo, portanto,
desenvolve relações de intercompreensão e de competência de comunicação intercultural.

Neste trabalho, mostramos alguns exemplos de um quadro cuja complexidade é muito maior do que
a que pudemos retratar. Existem muitos outros aspectos relevantes envolvidos nas relações entre as
noções de pertencimento dos multilíngues e as suas línguas, que merecem ser relatados e
analisados, preferencialmente com base num número maior de textos do que a nossa amostra neste
trabalho.

Agradecimento

Os autores agradecem à Fundação Araucária pelo financiamento desta pesquisa, e aos entrevistados
por seu tempo e disposição.

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ECOLOGIA DE Batus hirticornis e Chydarteres


dimidiatus dimidiatus (CERAMBYCIDAE) EM
FLORESTA OMBRÓFILA MISTA: POSSIBILIDADE DE
IDENTIFICAÇÃO DE ESPÉCIES-CHAVE
Daniela Roberta Holdefer22

Vitor Sartor

Alessandra Carneiro

Sabrina D. Sander23

Vanessa Cristina Cruz24

Flávio Roberto Mello Garcia

INTRODUÇÃO

A partir da compreensão de que as atitudes humanas interagem e interferem na estrutura dos


ecossistemas, busca-se a minimização destes impactos, em prol de um desenvolvimento sustentável.
Para a região de União da Vitória, no Paraná, onde predomina a Floresta Ombrófila Mista,
considerada um dos biomas mais ameaçados do planeta (PRIMACK; RODRIGUES, 2001), e que
guarda ainda uma rica biodiversidade, estas são boas notícias.

Com uma topografia que permite a apenas 5% de seu limite territorial ser propício ao implemento da
atividade agrícola, há o favorecimento da existência de extensas áreas fragmentadas com parte da
composição florística original em estágio sucessional secundário, e a presença de animais que ali
protegem-se e sobrevivem.

Com o intuito que se conheça o potencial faunístico destas áreas e cujas espécies podem funcionar
como bancos de repovoamento ou corredores ecológicos, objetivou-se estender para a região estudos
entomológicos analisando diversidade, abundância, constância, frequência, dominância de
Cerambycidae das espécies Batus hirticornis e Chydarteres dimidiatus dimidiatus, de acordo com as
características ambientais dos locais amostrados.

Tais dados podem auxiliar a implantação de políticas de preservação e proteção ambiental pela
contemplação da diversidade biológica e possível confirmação destas como espécies chaves,
Väisänen e Heliövaara (1994) já relatam a importância da disponibilização deste tipo de dados

22
Depto. Ciências Biológicas Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras – FAFI, União da Vitória, Praça Cel.
Amazonas, s/nº Centro,CEP 846000-000,fone (42) 3522-4433. e-mail: dwoldan@yahoo.com.br,
vitorsartor@yahoo.com.br, alecarneiro@yahoo.com.br.
23 Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Biologia, Depto. de Zoologia e Genética, Lab. de Ecologia de Insetos,
96010-900 -- Caixa-Postal: 354, Pelotas, RS
24 Centro de Ciências Agro-Ambientais e de Alimentos Universidade Comunitária de Chapecó - UNOCHAPECÓ, Av.
Atílio Fontana, 591, Bairro Efapi, CEP 89809-000 Cx 747, fone (49) 3321-8000. flaviog@unochapeco.com .br,
vanessabiomar@yahoo.com.br.
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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
obtidos por levantamentos faunísticos.

MÉTODOS

DESCRIÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO

De acordo com Hort (1990) e Rocha (2003) o município de União da Vitória, com uma extensão
territorial de 786 Km2, e altitude média de 752 m, em sua maioria, faz parte do Terceiro Planalto.
Nele predomina o clima subtropical mesotérmico úmido, tipo Cfb, de acordo com a classificação de
Köeppen, e a cobertura vegetal é de Ombrofila Mista com penetração de mata pluvial subtropical.

Sobre a área de amostragem houve caracterização não fitossociológica que determinou ser
constituída, de mata em processo de sucessão secundária, com presença de espécies primárias, como
o branquílio (Sebastiania commersoniana, e aroeira (Schinus terebinthifolius), grande quantidade de
espécies secundárias como: cerejeira (Eugenia involucrata), vassourão preto (Vernonia discolor),
tarumã (Vitex montevidensis), uma espécie bastante melífera e cuja presença é indicativa de
regeneração vegetal, juntamente com a carobinha (Jacaranda puberula), Inahpindá, erva-mate (Ilex
paraguariensis), camboatã (Matayba elaeagnoides) e miguel pintado (Cupania vernalis), baga-de-
viado, avarana, cafezeiro do mato (Casearia sylvestris),. Guamirins (Siphoneugeana densiflora),
jerivás (Syagrus romanzoffiana) que apresentam idade aproximada de 30 anos.

Algumas espécies clímax coexistem, ou em estágio inicial de desenvolvimento ou remanescentes do


processo de antropização humano aplicado anteriormente a área, destacando-se o pinheiro do Paraná
(Araucaria angustifolia), cedro (Cedrela fissilis), que se destaca em número de indivíduos
juntamente com as canelas como a sassafrás (Ocotea odorifera) e guaicá (Ocotea puberula);
pessegueiro bravo (Prunus sellowii) e leguminosas, como a mamica de cadela (Zanthoxylum
rhoifolium).

Frutíferas nativas como o ingá (Inga spp.), araticum verde (Rollinia sp.) e amarelo (Rollinia
silvatica) e a guaviroveira (Campomanesia xanthocarpa), disputam espaço com exóticas como as
ameixeiras (Eriobotrya japonica) e a uva-japão (Hovenia dulcis). Solanáceas como fumeiro
(Solanum granulosoleprosum), ou as urtigas (Urera baccifera) e o xaxim (Dicksonia sellowiana)
ocupam espaços entre as árvores de maior porte e ainda há a presença de bromélias o que indica local
úmido.

DISTRIBUIÇÃO DE ARMADILHAS, LEVANTAMENTO DE DADOS E ANÁLISE

Levantaram-se neste espaço, no período compreendido entre outubro de 2005 e outubro de 2006,
semanalmente, dados da fauna de insetos em um estrato de vegetação relativo às espécies que sendo
voadoras, vivem no espaço que vai do solo à altura de 1,20m, incluindo a vegetação rasteira e de
parte do sub-bosque. Na área central de vegetação arbórea (―A‖, 26o 14´33,3´´S, 51 08´50´’W,
altitude de 820m), foram instaladas uma armadilha do tipo Malaise (TOWNES 1972), e no seu
entorno, 10 frascos com melaço, modelo proposto por Nakano e Leite (2000) com um espaçamento
médio entre uma e outra de 10 m. No ecótene ou bordadura (―B‖ 26o 14´31.1‖S, 51 08´45.0’’W,
altitude de 771m) com plantas arbóreas mais esparsas, entremeadas por gramíneas e exemplares de
Merostachys multiramea, da mesma forma foram distribuídos os dois tipos de armadilha.
Totalizaram-se 240m de área de coleta em fragmento total de 50 hectares (Figura 1).

A dominância foi calculada sobre o limite de dominância (LD 1/ nº indivíduos coletados X 100). A
frequência relativa das espécies (DAJOZ, 1973) teve seu resultado comparado ao intervalo de
confiança e gerou resultados compreendidos entre pouco frequentes, frequentes e muito frequentes.
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(F = N / T x 100, onde: F = índice de frequência. N= número total de indivíduos de cada espécie. T =
número total de indivíduos de todas as espécies). Para analisar a correlação entre dados
meteorológicos e a abundância das famílias, vale-se da frequência de captura destas ao longo dos
meses de amostragem e dados de pluviosidade, umidade relativa e temperaturas máxima e mínima
do período, fornecidos pela estação meteorológica do estado, SIMEPAR que sofreram análise de
Correlação Linear através do Programa Statistica,versão 97.

Figura 1 - Croqui da distibuição das armadilhas nas áreas de coleta do município de União da
Vitória – Paraná. Onde: armadilha de melaço, armadilha Malaise, espaço entre frascos
melaço e Malise 10m, espaço médio entre áreas 200m.

O cálculo do intervalo de confiança foi baseado em Vieira (1980) (x – t s / √ n < µ < x + t


s / √ n ; onde: µ = média da população. x = variável de distribuição normal. t = valor de tabela.
n = número de indivíduos. s = desvio padrão). A abundância das espécies baseou-se no cálculo do
intervalo de confiança sobre o número de capturas para cada área, quando a espécie apresentou
números totais inferiores ao intervalo de -1%, foi considerada rara, estando compreendido entre -1%
e -5%, dispersa, deste até o limite de 5% comum, do limite de 5% até 1% foi dita abundante,
apresentando capturas acima deste limite foram ditas muito abundantes.

Neste estudo de diversidade, utilizaram-se o índice de Shannon-Wiener (PINTO-COELHO, 2000),


expresso por H’ = - ∑ (ni/N) log (ni/N) (Onde: ni = número de indivíduos da espécie i. N =
número total de indivíduos. ∑ = somatória.) A equitatibilidade, e = H’/ Hmáx (Onde: Hmáx =
índice de diversidade máxima (H máxima = log S), S = número de espécies.H´ = índice de
diversidade de Shannon) A dominância de Pielou – e foi expressa pela equação P = 1 – (H’/ Hmáx.)
= 1– e ou e = H’ / log S (PIELOU, 1975) (Onde: H = índice de Shannon para a amostra;H’/ Hmáx =
valor da diversidade máxima = log S; e = equitabilidade).

A similaridade foi medida através de Sorensen Ss = 2 . j / a + b (Onde: Ss = Coeficiente de


Sorensen, a = número de espécies presentes em ―A‖ b = número de espécies presentes em ―B‖. j =
número de espécies comuns), (PINTO-COELHO, 2000). Calculou-se a riqueza por Margalef
(KREBS, 1989) d = ( S-1) / Log [N], (Onde: S = número de espécies da amostra, N = número total
de indivíduos das espécies coletadas).

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RESULTADO E DISCUSSÃO

Entre os Coleoptera triou-se 733 representantes da família Cerambycidae, distribuídas em duas


subfamílias, Cerambycinae, e Lamiinae. Na sub-família Cerambycinae, os Trachyderini apresentam
o maior número de indivíduos, 185, destes, Chidarteres dimidiatus dimidiatus perfazem 40% e
Batus hirticornis, 53,5% estando presentes em ambas as áreas.

O calculo da riqueza considerou todas as espécies amostradas, levando a constatação de que as


áreas apresentam índices próximos (A = 15,52 e B = 17,40), apesar de o número de indivíduos
coletados em ―A‖ ser o dobro do que em ―B‖. Tal fato pode ser explicado pela hipótese de
concentração de recursos (ROOT 1973; SOUTHWOOD 1961), que prediz que ―stands‖ com baixa
densidade de espécies de plantas podem apresentar alta riqueza de espécies quando comparadas
com aqueles de alta densidade de uma única espécie, fato constatado entre áreas de bordadura e
centrais em ambientes antropizados. A similaridade observada entre ―A‖e ―B‖ foi de 45,2%.

A diversidade, 0,98 para ―A‖ e 1,2 para ―B‖, auxiliam na confirmação de que os locais amostrados
suportam comunidades de Cerambycidae estreitamente relacionados, enquanto a equitabilidade
(LUDWIG; REYNOLDS, 1988) revela uniformidade de distribuição do número de exemplares entre
as espécies, (0,60 ―A‖ e 0,74 ―B‖).

A análise faunística empregada (Tabela 1) aponta ambas as espécies consideradas como dominantes.
Segundo Silveira Neto et al. (1972) dominância é a ação exercida pelos organismos de uma
comunidade, estes, portanto, são capazes de receber o impacto do meio ambiente e mudá-lo podendo
influenciar no aparecimento e desaparecimento de outras espécies. Nesta ambiente, podem estar se
comportando como espécies chave.

Tabela 1 - Análise faunística de espécies de Cerambycidae Chydarteres dimidiatus dimidiatus e


Batus hirticornis na área central ou ―A‖ e de borda ou ―B‖, coletadas com armadilha específica e
interceptadora, no período de out/2005 a out/2006 no município de União da Vitória – Paraná.

â T
Táxon Area Total Abundância Constância Dominância Frequência
Chydarteres Muito
dimidiatus dimidiatus A 51 abundante Constante Dominante Frequente
Muito Muito
B 23 abundante Constante Dominante frequente
Muito
Batus hirticornis A 71 abundante Constante Dominante Frequente
Muito Muito
B 28 abundante Acessória Dominante frequente

Dentro da área central de estudo a dominância total (0,40), indicou que sete espécies apresentaram-se
dominantes, e correspondem 79,3% de todos os exemplares coletados. Entre estes exemplares estão,
Chidarteres dimidiatus dimidiatus, Batus hirticornis. A dominância em ―B‖ (0,26) relaciona-se
diretamente a uma distribuição mais uniforme dos indivíduos nas espécies assinaladas. Pinto-Coelho
(2000) observa que poucas espécies que atuam como dominantes são estenotópicas, ou seja, elas
possuem uma maior distribuição nos diferentes habitats.

O fato das duas espécies apresentarem-se muito abundantes pode estar associado ao método
específico de amostragem ou armadilha de melaço (72 C. dimidiatus dimidiatus e 95 B. hirticornis)
que tende a coletar indivíduos adultos fêmeas que se alimentam de substâncias açucaradas, ou
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néctares, hábito apresentado por ambos. Constata-se pela avaliação botânica, que existem espécies
bastante melíferas e em grande quantidade como Sebastiania commersoniana, Zanthoxylum
rhoifolium, Cupania vernalis, Vitex montevidensis, Hovenia dulcis, que proporcionam vasta fonte
alimentar para estas.

Baseado no número total de coletas por área em ―B‖ ambas as espécies se mostraram muito
frequentes, C. dimidiatus dimidiatus, no entanto foi mais constante sendo registrado em oito dos
meses amostrais enquanto B. hirticornis foi registrado em apenas 5 coletas o que lhe conferiu o
status de acessória. Na área ―A‖o número mais expressivo de indivíduos totais coletados, apontou
as duas espécies como frequentes e constantes visto estarem presentes em oito dos meses
amostrados. Acredita-se que ambas encontram-se bem adaptadas ao espaço geográfico e suas
amplitudes ecológicas lhes permite suportar as variações climáticas, bem como de diversidade de
vegetação da área central e de bordadura.

Silveira Neto (1976) afirma que o clima influencia a constituição de um ecossistema e que as
variações do tempo alteram as respostas dos organismos tanto direta quanto indiretamente, sendo um
dos principais fatores ecológicos a temperatura. Os dados meteorológicos levantados, indicam a
tempertaura ideal nos meses de novembro (máxima = 23,2ºC; mínima= 15,3 ºC), dezembro (máxima
= 24,1ºC; minima = 17,6ºC), janeiro (máxima = 26,4ºC; minima = 20,1º) e fevereiro (máxima =
24,9ºC; minima = 19,3ºC). O mês de maio apresentou o menor número de coletas e também as
temperaturas mais baixas chegando a 0,74ºC negativos; os poucos exemplares coletados referem-se a
primeira e quarta semanas quando as oscilações de temperatura chegaram a 24ºC. Não obstante, os
outros meses de pouca coleta, junho e julho, tiveram como temperatura máxima registrada a faixa de
18ºC. A análise de regressão linear gerada permitiu constatar que a temperatura máxima teve
influência positiva sobre as nossas duas populações consideradas, a temperatura mínima influenciou
por sua vez, negativamente (Tabela 3).

A umidade relativa do ar gera influência ecológica criando zonas favoráveis aos insetos, na faixa
compreendida entre 40-80%. Durante o período de amostragem ocorreu uma precipitação total
baixa, mas a umidade manteve-se alta. O mês de maio apresentou a menor precipitação com apenas
5,2 mm ocorrido em apenas um dia, no entanto, a umidade relativa se fez alta (85,5%) e em abril
(83,4%), devido à presença de um grande corpo hídrico, o Rio Iguaçu e o fenômeno da neblina.
Dezembro de 2005 apresentou a umidade relativa do ar mais baixa, 78,5%. O mês que apresentou
maior precipitação foi o de outubro de 2005 com 265 mm. Considerando que a precipitação total
do período de estudos não ultrapassou 1.062,2 mm, este representou sozinho 24% do total. A
umidade relativa atuou negativamente sobre os níveis populacionais de B. hirticornis, C. dimidiatus
dimidiatus.

Tabela 3 – Análise de Regressão linear envolvendo populações dominantes, frequentes e


abundantes de Cerambycidae coletados com armadilha Malaise e frascos de melaço no período de
out/2005 a out/2006 no Município de União da Vitória–Paraná, em consonância com os fatores
ambientais umidade relativa, temperatura máxima e mínima do período fornecidos pelo SIMEPAR.

Espécie R2 Umid. rel. (%) Temp. máx. (ºC) Temp. mim. (ºC)
Batus hirticornis 0,57 -0,41 0,89 -0,91
Chydarteres dimidiatus dimidiatus 0,35 -0,49 0,46 -0,03

Deve-se considerar que sendo os cerambicídeos essencialmente fitófagos, alimentando-se de partes


verdes, frutos, flores, cascas, néctar e pólen de diversas espécies vegetais (ARNETT, 1963;
MARTINS, 1997, LAWRENCE et al. 1999), os picos populacionais ainda estariam associados ao
amadurecimento de frutos da planta hospedeira.
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Em relação a flutuação destas duas populações se observa que os picos populacionais acontecem nos
meses de outubro, novembro e dezembro de 2005, decaindo nos meses seguintes e só elevando-se
novamente a partir de agosto, setembro e outubro de 2006. Os meses em que as coletas são mais
baixas vão de março a julho de 2006 (Figura 2).

A espécie Chidarteres dimidiatus dimidiatus que apresentou-se muito freqüente, muito abundante,
constante e dominante, não foi assinalada apenas em maio e julho. As freqüências variaram de 1% a
27% e a captura aconteceu principalmente com armadilha específica.

Bastante generalista, quanto aos hábitos alimentares, o Chydarteres dimidiatus dimidiatus, é citado
numa ampla lista de hospedeiros (DUFFY, 1960; SILVA et al. 1968; COSTA et al. 1992a),
podendo-se citar as lauráceas como a canela preta (WITECK NETO; LINK, 1997), presentes na
área de coleta, Eucaliptus sp por Berti Filho (1997) e frutíferas como o pessegueiro (GARCIA;
CORSEUIL 1998/99) ou ainda carpófago. Witeck Neto e Link (1997) assinalaram seu pico
populacional em novembro, mesma época assinalada neste trabalho. A distribuição da espécie em
praticamente todos os meses de coleta pode ser associada a grande quantidade de lauráceas, Ocotea
sp, e sua ampla época de frutificação, que nas variadas espécies pode ir de maio a março do ano
seguinte. O pico populacional deste cerambicídeo acontece entre novembro e dezembro, mesma
época em que frutifica Ocotea minarum (LORENZI, 2000).

Figura 2 – Flutuação populacional das espécies de Cerambycida Chydarteres dimidiatus dimidiatus e


Batus hirticornis, abundantes e frequêntes em ―A‖ e ―B‖, coletados entre out/2005 e out/2006 no
município de União da Vitória – Paraná.

Na literatura consultada não foram encontradas descrições de hábitos alimentares de todas as


espécies amostradas, visto estas serem mais freqüentes naquelas consideradas pragas de cultivares,
porém fornecem pistas de que espécies abundantes e dominantes em sistemas naturais
necessariamente não dominam em áreas de monocultura como por exemplo Batus hirticornis.

CONCLUSÃO

Nas condições em que se desenvolveu este trabalho é possível concluir que:

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- Batus hirticornis e Chidarteres dimidiatus dimidiatus são espécies dominantes, freqüentes ou
muito freqüentes e geralmente constantes.

- As populações tiveram seus picos na primavera e verão, e coincidiram com a época de frutificação
das espécies hospedes

- A temperatura máxima teve influência positiva sobre as duas populações, enquanto a umidade
relativa negativa.

- Batus hirticornis e Chidarteres dimidiatus dimidiatus podem estar funcionando como espécies
chave no ecossistema Ombrófila Mista.

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Grande do Sul, Brasil, Ciência Florestal, Santa Maria, v.7, n.1, p. 33-39.

AGRADECIMENTOS

Aos professores, Dra. Dilma Napp e o Dr. Renato Marinoni, da Universidade Federal do Paraná pelo
auxílio na identificação das espécies; Aos acadêmicos, Vanessa Cruz, Vitor Sartor, Sabrina Sander,
Alessandra Carneiro, Mary Ellem e Luiz Felipe pelo auxílio no campo e laboratório; A famíla Brixi,
em especial Dona Marta, que nos cedeu a área para as coletas; A UNOCHAPECÓ, pela concessão
de bolsa parcial, e em especial a Secretaria e Coordenação do Mestrado; A FAFI, de União da
Vitória, pela disponibilização de recursos materiais e apoio institucional.

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EFEITOS DA ADUBAÇÃO CONVENCIONAL, MINERAL E


ORGÂNICA SOBRE A PRODUÇÃO DE MORANGOS
(Fragaria X ananassa DUCH.)
Giovanna Carla Cordeiro25

Juliane Garcia Knapik Justen26

Introdução

O morangueiro pertence à família Rosaceae, que engloba grande número de espécies de clima
temperado, economicamente importantes em fruticultura. O morango é produzido e apreciado nas
mais variadas regiões do mundo, sendo a espécie do grupo das pequenas frutas de maior expressão
econômica. Segundo Resende et al. (1999), trata-se de uma cultura de grande importância social,
em função da alta demanda de mão-de-obra e do elevado rendimento por área.

Segundo Miquelão et al. (1994), as cultivares existentes em nossos dias são um produto da
civilização, obtidas através de hibridações e seleções. Assim, o morangueiro cultivado (Fragaria x
ananassa Duch) foi obtido de cruzamento entre as espécies Fragaria chiloensis, Fragaria
virginiana e Fragaria ovalis, todas oriundas do continente americano (PASSOS, 1991). A cultivar
Camarosa, originária da Universidade da Califórnia, possui ciclo de produção precoce, alta
capacidade de produção de frutos grandes e uniformes, próprios para consumo in natura e
industrialização (SANTOS, 2003).

Um dos principais problemas na cultura do morango é a incidência de doenças, que podem aparecer
em várias fases do ciclo da cultura, atacando desde a muda recém plantada até os frutos na fase final
de produção (FADINI, ALVARENGA, 1999). Darolt (2000) afirma que em um sistema
convencional o morangueiro pode receber em média 45 pulverizações com agrotóxicos, motivo
pelo qual já se encontra na lista negra dos alimentos campeões de resíduos químicos.

A conscientização sobre os riscos decorrentes do uso de agrotóxicos tem levado ao


desenvolvimento e aperfeiçoamento de sistemas de produção orgânicos (PASCHOAL, 1994). Esta
prática tem mostrado que existe viabilidade técnica, econômica, social e ecológica da produção
orgânica de morango.

Um dos princípios da agricultura orgânica está na substituição de fertilizantes sintéticos de alta


solubilidade por outros produtos que apresentem liberação de nutrientes mais adequados para a
demanda das culturas, evitando perdas por processos como a lixiviação. Citam-se como fertilizantes
de liberação lenta permitidos pela agricultura orgânica o húmus de minhoca e os pós de rocha.

Longo (1987) afirma que o húmus produzido pelas minhocas possui muitas bactérias e
microrganismos, os quais irão facilitar a assimilação dos nutrientes pelas raízes. Apresenta ainda a
vantagem de ser neutro, uma vez que as minhocas possuem glândulas calcíferas que transformam o
húmus e a matéria orgânica utilizada em material neutro, facilitando a correção do solo.

25
Graduada em Ciências Biológicas e Especialista em Manejo Integrado de Fauna e Flora pela Faculdade Estadual de
Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória (PR).
26
Graduada em Engenheira Florestal e Mestre em Ciências Florestais pela Universidade Federal do Paraná.
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ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Leonardos et al. (1976), apontam para o uso de rocha moída, principalmente o basalto,
recomendando como uma possível fonte de macro e micronutrientes, podendo levar ao
rejuvenescimento de solos muito intemperizados. Segundo Resende et al. (2002) os basaltos são
considerados rochas básicas, que contribuem para a fertilidade dos solos em função do predomínio
de minerais ricos em cátions, destacando-se os feldspatos cálcio-sódicos e piroxênios.

Com a constante discussão sobre o consumo de produtos orgânicos e convencionais em questão da


qualidade e nutrientes de hortaliças, surgem os principais objetivos deste trabalho: comparar a
produção, o peso e o teor de nutrientes foliares de morangos da variedade Camarosa, submetidos às
adubações convencionais, e de solubilização lenta (húmus de minhoca e pó de basalto).

Material e Métodos

O experimento foi instalado em abril de 2006, na localidade de Rio Azul - PR, com a variedade de
morangos Camarosa, procedente do Chile. As mudas foram plantadas em canteiros (parcela) de
0,60 m de largura por 5 m de comprimento, com 40 mudas em fileira dupla. Empregou-se
delineamento experimental em blocos ao acaso (DBC), com três repetições das quais foram
sorteadas 10 plantas úteis por parcela.

Os tratamentos consistiram em cinco diferentes composições de adubações: T1: Testemunha; T2:


Húmus de minhoca (1,8 kg/m²); T3: Húmus de minhoca (1,8 kg/m²) + pó de basalto (0,5 kg/m²);
T4: Pó de basalto (0,5 kg/m²); e T5: Adubação mineral NPK 5:15:10 (0,16 kg/m²).

O húmus de minhoca foi produzido a partir de esterco de gado, de eqüinos e minhocas vermelhas da
Califórnia (Eisenia foetida).

A análise química do pó de basalto, realizada no laboratório do Setor de Ciências da Terra –


LAMIR, da Universidade Federal do Paraná, apresentou os seguintes valores: 53,62; 13,47; 11,20;
9; 4,83; 2,95; 1,19; 1,17; 0,20; 0,19% de SiO2; Al2O3; Fe2O3; CaO; MgO; Na2O; TiO2; K2O; P2O5;
MnO, e 169; 139; 93; 71; 31; 12; 1; <001 mg/dm3 de Ba; S; Zn; Cu; Nb; Y; Zr e Rb.

Também foi realizada análise de mineralogia da rocha in natura do basalto pelo mesmo laboratório,
apresentando 30% de Plagioclásio, 20% de Anfibólio, 15% de Argilominerais, 15% de Calcita, 10%
de Hematita, 10% de Pirogênio e traços de Clorita.

Os tratamentos foram misturados ao solo dos canteiros no mês de abril, e somente em meados de
maio realizou-se o recobrimento com filme plástico de polietileno preto 150 mm de espessura e
plantio das mudas. Os caminhos entre os canteiros foram cobertos por acículas de Pinus. Foi
adotado sistema de irrigação por gotejamento, acionado a cada dois dias ou de acordo com a
necessidade.

A avaliação ocorreu no período de uma semana, com início em 28 de outubro de 2006. As variáveis
analisadas foram a quantidade e o peso de morangos por planta. Para obtenção do peso dos
morangos foi utilizada uma balança analítica com precisão de 0,1 g. Também foi realizada a análise
de acúmulo de nutrientes foliares no período de colheita seguindo recomendação de Freire (2005).
Para cada tratamento foi constituída uma amostra em cada repetição, preparada com três folhas de
cada pé de morango avaliado. As análises de teores de nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio,
magnésio, ferro, manganês, zinco, cobre e boro foram realizadas pelo laboratório de Nutrição
Vegetal da EPAGRI de Caçador – SC.

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Os dados obtidos foram submetidos ao teste de Bartlett para verificação da homogeneidade das
variâncias, seguido da análise de variância. Como o teste demonstrou variâncias homogêneas, foi
realizado teste de comparação de médias (teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade). O
programa utilizado para as análises foi o Assistat Versão 7.4 beta.

Resultados e Discussão

De acordo com a análise de variância para o efeito dos tratamentos pode ser observado que, para as
características quantidade e peso de frutos, houve influência significativa dos tratamentos
utilizados: T1 - Testemunha, T2 - Húmus de minhoca, T3 - Húmus de minhoca + Pó de basalto, T4
- Pó de basalto e T5 - NPK.

Quanto à característica quantidade de frutos colhidos no período de uma semana (Figura 1), os
tratamentos NPK (3,81 frutos), Húmus de minhoca + Pó de basalto (3,71 frutos) e Pó de basalto
(3,17 frutos) apresentaram os maiores valores médios, diferenciando-se estatisticamente dos
tratamentos Testemunha (2,40 frutos) e Húmus de minhoca (2,38 frutos).

FIGURA 1: Médias de quantidade de frutos de morango colhidos por planta no período de uma
semana, 165 dias após o plantio.

* Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey ao nível de
significância de 5%.

A produção média em peso de frutos por planta ao longo do período de uma semana (Figura 2)
também foi significativamente superior para as plantas cultivadas com NPK (61,02 g) em relação a
Testemunha (39,32 g) e tratamento somente com Húmus de minhoca (43,47 g). Os tratamentos com
Húmus de minhoca + pó de basalto (51,18 g), e Pó de basalto (55,63 g) obtiveram médias iguais
estatisticamente a todos os demais tratamentos.

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FIGURA 2: Médias de peso (g) de frutos de morango colhidos por planta no período de uma
semana, 165 dias após o plantio.

*Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey ao nível de
significância de 5%.

As plantas cultivadas com NPK obtiveram maior produção no período avaliado, com colheita de
1711,61 g, seguido do tratamento com Pó de basalto, com 1515,59 g. A testemunha produziu
1340,29 g no período de uma semana (Figura 3).

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FIGURA 3: Produção de frutos de morango em gramas colhidos no período de uma semana, por
tratamento e dia de colheita, 165 dias após o plantio.

As variáveis produção e peso são características de grande importância na produção comercial do


morango, seja in natura ou industrial, frutos grandes tornam o processo de colheita e embalamento
mais rápido além da sua valorização pelo mercado consumidor, resultando em maiores ganhos pelo
produtor.

Os melhores resultados com utilização de adubação convencional observados em T5, correspondem


com dados obtidos por Silva et al. (2007), cujos autores constataram maior produtividade de
hortaliças como tomate, alface, couve-flor, cebola e cenoura em cultivo convencional quando
comparado com o orgânico, sendo que o rendimento da couve-flor foi de 50% a mais no sistema
convencional.

Para o presente estudo, o uso do pó de basalto, com e sem húmus de minhoca, proporcionaram
resultados de produção próximos às plantas adubadas com NPK. Segundo Kudla et al. (1996) os
pós de rocha tem sido citados como substituinte de fertilizantes químicos, pois aparentam contornar
os gastos com a fertilização e diminuir o consumo de energia que é necessário para a produção de
fertilizantes. Theodoro (2000) afirma que o custo com a utilização de pós de rocha é quase vinte
vezes menor que a aplicação de insumos convencionais, e com sua aplicação não há necessidade de
adubações frequentes, além de vantagem ambiental sobre o NPK. A autora explica que os pós de
rocha, ao contrário dos adubos convencionais, não são prontamente solúveis em água, não sofrendo
fortemente a lixiviação, e com essas condições podem ser considerados um adubo agroecológico.

A Tabela 1 apresenta os resultados referentes aos teores de nutrientes nas folhas de plantas
crescidas nos cinco tratamentos.

TABELA 1: Média da análise foliar realizada em três amostras de folhas de morango de cada
tratamento, 180 dias após o plantio.

N P K Ca Mg Fe Mn Zn Cu B
Tratamento
g/Kg mg/Kg
T1 – Testemunha 28,80 a 2,66 a 14,50 a 10,46 a 5,30 a 169,33 a 176,00 ab 176,66 a 7,66 a 40,00 a
T2 – Húmus 28,10 a 2,76 a 15,40 a 9,10 a 4,90 a 131,00 a 187,33 ab 145,00 a 7,33 a 31,66 ab
T3 – Húmus + Pó de basalto 27,30 a 2,73 a 15,36 a 9,80 a 4,83 a 152,33 a 149,00 b 146,66 a 7,00 a 28,33 b
T4 – Pó de basalto 28,53 a 2,73 a 14,03 a 10,53 a 5,23 a 123,33 a 175,33 ab 167,00 a 6,66 a 30,66 ab
T5 – NPK 27,70 a 2,63 a 17,26 a 8,83 a 4,90 a 172,33 a 260,66 a 167,33 a 7,66 a 30,00 ab
Faixa adequada de acordo com RAIJ
15 a 25 2a4 20 a 40 10 a 25 6 a 10 50 a 300 30 a 300 20 a 50 5 a 20 35 a 100
et al. (1996)

Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey ao nível de significância
de 5%.

Comparativamente aos valores da faixa de suficiência proposta por Raij et al. (1996), observa-se
que os teores de nutrientes obtidos neste trabalho são adequados apenas para Fósforo, Ferro,
Manganês e Cobre. Em todos os tratamentos, os elementos Potássio e Magnésio estão pouco abaixo
do recomendado, Nitrogênio um pouco acima, e Zinco bem acima do adequado.

O elemento cálcio foi encontrado em maior concentração foliar no tratamento com Pó de basalto
(10,53 g/kg) valor dentro da faixa considerada adequada por RAIJ et al (1996). Já o menor valor foi
encontrado em folhas de plantas cultivadas com NPK (8,83 g/kg), teor considerado fora da faixa
recomendada. Estes resultados refletem as composições de origem das adubações utilizadas. As

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análises realizadas na rocha basalto confirmam a presença de boa quantidade de cálcio, a análise
química apresentou 9% de CaO, e a análise minerológica 15% de Calcita (CaCO3).

Entre os tratamentos, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas apenas para os


micronutrientes Manganês e Boro.

Analisando os dados referentes ao Mn, observa-se as maiores concentrações no tratamento com


NPK (260,67 mg/Kg), o qual diferiu estatisticamente dos valores encontrados no tratamento
somente com Húmus de minhoca (149,00 mg/Kg). Ambos os valores, no entanto, encontram-se
dentro da faixa de suficiência proposta por Raij et al. (1996). Ronque (1998) relata que aumento de
matéria orgânica e condições de alcalinidade do solo causam redução na absorção de Mn,
corroborando com os resultados deste experimento.

Embora tenham sido encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os teores de Boro
nas folhas de plantas cultivadas sob diversas adubações, a magnitude dessas diferenças é muito
pequena. Destacam-se os menores teores desses elementos encontrados em folhas de plantas
cultivadas com Húmus de minhoca + Pó de basalto (28,33 g/Kg) e maiores valores na Testemunha
(40 mg/Kg). Resende et al. (2002) afirmam que os pós de basalto tendem a ser mais ricos em Fe, P,
Ca, Cu e Zn e, por outro lado mais pobres em B e Mo.

Conclusões

As adubações utilizadas apresentaram efeitos positivos sobre a quantidade e peso de frutos de


morango. Os tratamentos com NPK, Pó de basalto e Húmus de minhoca + pó de basalto
proporcionaram maiores médias de produção de frutos quando comparados à Testemunha e ao
Húmus de minhoca utilizado sozinho, havendo diferenças estatísticas entre os tratamentos. Os
resultados obtidos evidenciam que a utilização do pó de basalto pode ser uma alternativa viável ao
uso de fertilizantes convencionais, cuja prática tem mostrado que existe viabilidade técnica,
econômica, social e ecológica na produção orgânica de morango.

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