Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
7 / 2010
ENSINO E
PESQUISA
N. 7/2010
EXPEDIENTE
ENSINO E PESQUISA, n. 7 / 2010
ISSN 1676-1030
Realização
FAFI Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras - UVA
IEPS Instituto de Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços
Apoio
Fundação Araucária
DIREÇÃO DA FAFIUV
Professor Valderlei Garcias Sanchez
VICE-DIREÇÃO DA FAFIUV
Professora Leni T. Gaspari
DIREÇÃO DO IEPS
Professor Joaquim Ribas
Os Artigos presentes nesta Revista foram produzidos por Docentes desta IES e/ou convidados
especiais, sendo os textos dos mesmos de inteira responsabilidade dos seus autores.
ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa possui cunho qualitativo procurando por meio das leituras dos referidos autores detectar
as causas das possíveis defasagens na formação profissional, no aspecto relações professor e aluno,
na tentativa de encontrar alternativas à amenização ou solução dos aspectos deficitários para que o
processo educacional possa fluir de forma qualitativa.
Desta maneira buscamos conhecer a qualidade das relações interpessoais, professor e aluno, visando
a formação do profissional como agente de uma educação prazerosa que dará à prática pedagógica
momentos de satisfação.
Iniciamos pelo aspecto histórico das Teorias das Relações Humanas procurando em sua fonte, a
empresa, as raízes clássicas do Movimento das Relações Humanas.
Nossa análise inicia-se com o encontro de um engenheiro americano (1856-1915) no final do século
XIX e início do século XX, chamado Frederick Winslow Taylor.
Lodi (1993, p.29) afirma que Taylor ―está ainda hoje, apesar do tempo e das inovações, entre as
figuras que mais se destacaram na História do Pensamento Administrativo, devido a sua contribuição
para o Movimento Administrativo Científico‖. Para Taylor tanto o empregador quanto o empregado
deveriam prosperar e para que isso acontecesse supunha-se que ambos se entendessem bem. Taylor
faz parte dos fundadores do Movimento de Administração Científica e baseou seus experimentos na
linha de produção com os seguintes princípios como afirmam Carvalho e Serafim (l995, p.55):
―Subdividir tarefas mais amplas em tarefas mais simples. Agrupar essas tarefas quanto aos seus
objetivos. Centralizar suas decisões ao máximo. Prioridade absoluta nas tarefas e não nos seus
executores‖.
1
Mestre em Educação, Formação de Professores. Professora do Colegiado de Pedagogia da FAFIUV. Professora
Orientadora do Projeto Apoio aos Alunos com Dificuldades de Aprendizagem. Diretora de Cursos do Instituto de
Ensino, Pesquisa e Prestação de Serviços (IEPS).
7|FAFIU V & IEP S – UNIÃO DA V ITÓRIA / PR
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Essas idéias denominadas tayloristas ajudaram a organizar a administração porém não encontramos
nelas preocupação alguma com o ser humano; seu aspecto de trabalho era apenas mecanicista,
visando lucros e produtividade. Os ―princípios‖ taylorianos como afirma Lodi (1993, p.34) ―apesar
de criticados, ainda hoje servem como ―critérios‖ gerais para o treinamento da supervisão‖, nas
empresas.
Nesse mesmo Movimento de Administração Científica, mais ou menos na mesma época de Taylor,
encontramos outro engenheiro francês, Henry Fayol (1841-1925) que também favorece o
desenvolvimento administrativo, e na afirmação de Carvalho e Serafim, (1995, p.55) ―cabe a Fayol a
clássica divisão das funções gerenciais: planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar.‖
Fayol formulou, conforme escreve Lodi (1993, p.45) ―um conjunto de princípios de administração
geral que ele considerava úteis para toda a situação administrativa‖. Esses princípios eram
prescritivos e em número de 14. Lodi (1993, p.47) nos apresenta alguns mais importantes: ―a)
Igualdade entre Autoridade e Responsabilidade. (...) b) Unidade de Comando. (...) c) Unidade de
Direção. (...)‖ e outros como: os interesses particulares têm que estar subordinados aos gerais; deve
haver centralização hierárquica na empresa, ordem, estabilidade, iniciativa e união dos empregados.
A preocupação maior de Fayol era que os gerentes têm que estar preparados para administrar, e como
Taylor, visava rentabilidade, não se preocupava com o ser humano. Essa era a Escola Clássica da
Administração. Lodi (1993, p.52) mostra que as idéias de Fayol também atingiram o Brasil ao dizer:
―Países como o Brasil, que sofreram uma forte influência da cultura francesa no início do século,
também receberam favoravelmente o ―fayolismo‖‖. Houve outros autores que difundiram a Escola
Clássica da Administração em diversos lugares do mundo mas nos detivemos nesses dois autores por
nos parecer de maior interesse para a pesquisa em questão.
Carvalho e Serafim (1995, p.56) afirmam que em oposição à Escola Clássica de Administração surge
o Movimento das Relações Humanas , ―[...] como um sistema de controle baseado no
reconhecimento das motivações individuais do empregado‖. Este movimento era dinâmico e
encarava a empresa como um sistema que possui vida, se movimenta e pode se adaptar a diferentes
situações , na expressão de Carvalho e Serafim (1995, p.56) ―no qual estão presentes indivíduos que
reagem e respondem a estímulos que não podem ser identificados com precisão‖.
Assim encontramos a preocupação com os seres humanos que fazem parte das empresas, das escolas,
das diversas instituições e dão sentido a elas.
Por muito tempo não era esta a idéia que se tinha da Administração de Recursos Humanos, havia
uma separação entre a organização e o pessoal que nela trabalhava. O responsável pelo Departamento
Pessoal era uma espécie de porta-voz da empresa para com os empregados e algumas vezes, destes
com a empresa para que esta atendesse suas reivindicações. Hoje isto mudou. Tem-se a consciência
que as pessoas e as organizações formam uma única coisa inseparável. Uma necessita da outra para
crescer. Chiavenato (1999, p.12) assim refere-se a esse novo tipo de organização analisando-o como
―sistema aberto‖:
Segundo Carvalho e Serafim (1995, p.57) ―A precursora da Escola das Relações Humanas foi Mary
Parker Follet, cujos primeiros trabalhos datam de 1920-21‖.
Todas as organizações, como sistemas sociais, possuem seus próprios objetivos e são beneficiadas
pela sociedade, recebendo dela, pessoas, informações, dinheiro, recursos esses que se transformarão
em recursos para a empresa de onde surge seu crescimento. Entretanto as pessoas que ali trabalham
possuem objetivos particulares; embora recebam vantagens das organizações fazendo parte delas,
apresentam comportamentos diferenciados. Assim, é preciso que haja um entrosamento entre as
organizações e as pessoas e para isto existe a Administração de Recursos Humanos, hoje
denominada de Gestão de Pessoas.
As organizações necessitam das pessoas para conseguirem seus objetivos e as pessoas também
necessitam das organizações para alcançarem muitos dos seus objetivos pessoais e profissionais.
Chiavenato (1999, p.17) afirma que:
a) as pessoas são seres humanos, um diferente do outro, cada um possuindo sua história de
vida, levando-a consigo, bem como suas habilidades, capacitações. Enfim, ver pessoas como
pessoas!
b) essas pessoas por suas capacidades, podem fazer a empresa e as instituições crescerem.
São dinâmicas.
Essas pessoas são entendidas como parceiras na organização, já que o crescimento da mesma
depende delas.
Todos sabemos que onde se reúnem pessoas pode haver conflitos de idéias e a Escola Clássica,
sugeria para resolvê-los, que se usasse a força, mas Follet sugere o método da integração de
interesses: da empresa e dos trabalhadores. Carvalho e Serafim (1995, p.57) dizem que ―para Follet,
o empregado, como ser humano dotado de uma individualidade própria, encontra sua melhor
expressão por meio da integração e não apenas por intermédio de si mesmo!‖.
Em 1920, surge um psicólogo australiano chamado George Mayo, que, segundo Lodi (1993, p.67)
―é considerado o fundador do Movimento das Relações Humanas‖. Lecionando na Universidade de
Harvard, EUA contribui para consolidar o Movimento das Relações Humanas, com um projeto de
Pesquisa na fábrica Hauthorne, como mostram Carvalho e Serafim (1995, p.57):
Entre 1924 e 1931, Mayo e sua equipe conduziram uma cuidadosa pesquisa
sobre motivação no trabalho. Esse estudo ficou conhecido como os
experimentos de Hawthorne, cidade próxima de Chicago, onde funcionava
uma fábrica de equipamentos telefônicos da Western Eletric Co. Essa
companhia, à época, desejava identificar os fatores que podem afetar a
produtividade no trabalho. Assim os estudos de Hawthorne provocaram
importante desenvolvimento na compreensão do relacionamento entre o
empregado e suas tarefas.
Na verdade a preocupação era saber porque os empregados com as mesmas condições físicas de
trabalho, rendiam de forma diferente. Foram feitas muitas entrevistas com os funcionários e assim
foi descoberto o motivo de tal comportamento. As operárias que rendiam mais, podiam comunicar-
se entre si durante o trabalho e se envolviam no que faziam, pois suas chefias confiavam nelas e
podiam trocar idéias com liberdade. Foi uma experiência realizada na área industrial, mas que pode
perfeitamente ser aplicada em todas as áreas das empresas, inclusive nas áreas educacionais.
Mayo era sociólogo e preocupava-se, como afirma Lodi (1993, p.70) ―com as condições do operário
de seu tempo no ângulo das necessidades psicológicas e sociais‖. Mayo preconizava a importância
de se descobrir e satisfazer as necessidades psicológicas do trabalhador.
Cada um é único e é isto que torna difícil e complexa a Administração de Recursos Humanos.
Chiavenato (1999, p.84) afirma: ―cada pessoa é um fenômeno multidimensional sujeito as
influências de uma enormidade de variáveis‖. Cada um possui uma forma de perceber e interpretar
seus próprios atos e do meio em que vive, daí a necessidade e dificuldade de se compreender o
comportamento das pessoas. Porém tal situação reforça e valida a afirmativa de Gellerman (1976,
p.273) de que ―a compreensão das atitudes de outro homem não exige que concordemos com ele,
mas há grande vantagem em conseguí-la, especialmente se houver reciprocidade, pois se torna
possível prever como reage e evitar desacordos desnecessários.‖
Dois dos continuadores das pesquisas sobre Relações Humanas no Trabalho foram F.
Roethlisberger e W. Dicksom, que eram psicólogos americanos e publicaram o resultado de suas
pesquisa denominada ―Management and the Werker‖ pela Universidade de Harvard em 1956. O
resultado desta pesquisa feita numa sala de equipamentos de PBX, dizia que:
1- O grupo que ali trabalhava, foi formado espontaneamente com líderes naturais.
2- Esse grupo não se preocupava com incentivos financeiros.
3- O importante para eles eram os valores e costumes do próprio grupo.
Percebe-se que o próprio grupo, bem unido, organiza espontaneamente um código de conduta e o
cumpre com satisfação.
Um outro cientista social Chester I. Barnard, também contribui com suas teses para o
desenvolvimento do Movimento das Relações Humanas, mostrando que a empresa é um sistema
10 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
social baseado em organizações formais e informais e os indivíduos que a formam são
condicionados por motivos sociais e fisiológicos, possuindo pensamentos e emoções diferentes.
Cabe à empresa sintetizar essas forças contraditórias e transformá-las em ações e atitudes concretas.
Conforme Lodi (1993, p.70) dando continuidade ao Movimento das Relações Humanas surge Kurt
Lewin que ―realizou experiências sobre mudança de comportamento em grupo e deu origem à
Dinâmica de Grupo‖. A Escola das Relações Humanas preocupa-se com o ―Homo Social‖ e deverá,
de acordo com Carvalho e Serafim (1995, p.59) observar o seguinte:
A Escola de Relações Humanas dá ênfase à motivação, como propulsora para a ação do empregado,
em participação democrática, sendo assim, respeitando a opinião do empregado. Conforme
Chiavenato (1999, p.11):
O Movimento das Relações Humanas trouxe muitos benefícios para as organizações como afirma
Lodi (1993, p.70) mas trouxe também ―vários abusos e desvios [...]. O cientista social passou a ser
um solucionador de problemas, não um crítico independente das relações sociais‖.
Dos movimentos da Administração Científica e das Relações Humanas, surgiu uma nova corrente
denominada Corrente Comportamentalista, que não acreditava no que dizia a Escola de Relações
Humanas sobre a importância da satisfação do empregado para que o mesmo fosse mais eficiente.
Lodi (1993, p.72) diz que ―o primeiro esforço sistemático para compreender o comportamento
humano no trabalho começou em 1927‖ com a experiência de Hawthorne, embora como afirma
Chiavenato (1999, p.88) não haja muita lógica no comportamento humano:
11 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
É verdade que em algumas empresas já se pensa desta forma e se procura respeitar o aspecto
humano das pessoas, mesmo que continuem pensando em lucro.
Carvalho e Serafim (1995, p. 72) dizem que ―há em cada um de nós, o ser individual e o ser social.
Chegamos ao mundo como organismos e desenvolvêmo-nos como pessoas, onde a participação do
indivíduo no grupo social é atributo social de sua natureza‖. Assim sendo, faz parte da natureza
humana que seu crescimento aconteça num grupo social e esta consciência precisa existir no grupo
social educacional para que nossos educandos possam desenvolver integralmente suas capacidades,
aprendendo a confiar nas pessoas com quem convivem, reconhecendo os valores de cada um e
como futuros educadores possam aprender a ser solidários com os seres humanos e um dia
transmitir esta vivência de solidariedade aos seus alunos, ensinando-lhes a importância do espírito
de equipe, para que tenham relações humanas duradouras e eficientes.
Nesse trabalho de equipe o professor é o líder e aí aparece o que caracteriza um líder dinâmico,
segundo Carvalho e Serafim (1995, p.78) ―é a sua habilidade em comunicar-se de forma eficiente.‖
Para se compreender o comportamento das pessoas é preciso conhecer o que as motiva a terem
determinado comportamento, que podem ser motivos que provêm do próprio ambiente, portanto
externos, como também motivos internos, isto é, gerado pelos processos mentais da pessoa.
Gellerman (1976, p.272) disserta longamente sobre motivação e afirma que:
A maior motivação é tornar real a idéia que a pessoa faz de si mesmo (...)
estamos permanentemente procurando alcançar a situação que julgamos
merecedores, (...) todas as demais metas que supomos ser a ―causa‖ do
comportamento humano, não passam de instrumentos de que se serve o
indivíduo para atingir seu verdadeiro objetivo que é ter personalidade
própria.
Nesta busca, a análise motivacional pode ajudar, oportunizando que se descubra que objetivos a
pessoa tem para alcançar. Ora, como bem situado por Chiavenato (1999, p.89) não podemos nos
esquecer do óbvio, ou seja que:
O ambiente educacional se apresenta cada vez mais complexo, porque a vida assim se apresenta.
Cada um busca auto realizar-se, perseguindo objetivos particulares como podemos ver em
Bergamini (1993, p.16):
[...] o homem, na sua maneira natural de ser, não se deixa reger pelas leis
das ciências exatas, não se submete a padrões preestabelecidos e não pode
ser entendido por meio de modelos abstratos. Cada vez mais se percebe que
a felicidade motivacional é função de uma árdua e profunda luta de cada
um.
12 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Como cada um procura sua felicidade, parece-nos ser de real importância que a educação escolar se
preocupe em oportunizar essa busca. ROGERS (1981, p.29) afirma que: ―Precisamos reintroduzir
na escola o princípio de que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a experiência
do prazer‖. O aluno precisa descobrir que pode existir prazer e satisfação em estudar.
Como já foi dito, não existem duas pessoas iguais. O ser humano é único. Desta forma cada um
tem um comportamento, pode até que o motivo seja o mesmo mas as reações comportamentais
serão diferentes de pessoa para pessoa.
Quando o equilíbrio é rompido por uma necessidade, o indivíduo vai procurar resolver esse
desequilíbrio. Cada um a seu modo. Se conseguir, ficará satisfeito e equilibrado novamente. Como
essas forças são dinâmicas, sempre estarão acontecendo comportamentos em busca de equilibrar as
tensões, embora nem sempre as pessoas tenham consciência disto. Quando não conseguir a
satisfação buscada, surgirá a frustração e o indivíduo, de alguma forma assumirá comportamentos
diferentes para dar vazão a ela, por exemplo, de forma psicológica, tornando-se tenso, agressivo,
apático, desajustado enfim. Ou essa vazão poderá ser feita por via física- será somatizada –e ele
poderá ter dores de alguma forma, insônia, desequilibrar-se somaticamente. Até pode acontecer
outro tipo de liberação que denominamos de compensação ou transferência.
Conforme Weil (1997, p.125) ―Todos os grupos sociais passam por diversas transformações na sua
evolução. A cada mudança surgem problemas de relações humanas.‖ As causas desses problemas,
são circunstanciais. As vezes uma dessas causas pode ser a saída de um elemento que era bem
aceito no grupo, e por alguma eventualidade tem que deixá-lo. Isto pode causar um desequilíbrio na
equipe. Outra causa pode ser o contrário desta. Trata-se da chegada de um novo elemento ao grupo
e isto também pode desequilibrar a rotina do grupo já estabelecido.
A distância que se estabelece entre as diversas categorias de elementos que, embora trabalhando
juntos, tem cada um cargos diferentes a desempenhar, pode ser outra causa de problema provocando
a chamada ―distância social‖. Mesmo na área educacional isto pode acontecer como bem frisa Weil
(1997, p.127): ―Nos colégios existe também uma distância social muito grande entre os alunos e o
diretor; muitos diretores só se interessam pela disciplina geral, distribuindo repreensões e castigos
em profusão, sem ter tempo de conhecer de mais perto o motivo que levou determinado aluno a
cometer tal ou tais erros‖.
Outra causa de problema nas relações humanas é a falta de clima favorável ao desenvolvimento de
boas relações. Esse clima social pode ser prejudicado por muitos motivos, como: falta de confiança,
de compreensão, ciúmes, stress, autoritarismo, agressividade, desinteresse, falta de liderança. Na
educação, os professores precisam falar uma mesma linguagem educacional.
As idéias são transmitidas através da comunicação e o emissor é aquele que as transmite. No caso
da educação formal o emissor é o professor. Não pode existir educação formal sem professor,
entretanto, concordamos com Carvalho e Serafim (1995, p.79) quando dizem que:
13 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Não é difícil de encontrar também rivalidades entre os elementos que trabalham juntos; isto provoca
relações de defesa e novo problema se instala no relacionamento.
Weil (1997, p.130) também se refere às ―limitações de liberdade‖, como causa de problemas no
grupo dizendo que:
Direção e professores também precisam falar a mesma linguagem humana educacional. Toda essa
preocupação parece ser necessária para que o educando possa compreender a mensagem, para isso a
atualização contínua do professor mostra-se imprescindível. Vivemos na era da comunicação e o
professor precisa dominar a linguagem para poder elaborar e transmitir sua mensagem. Carvalho e
Serafim (1995, p.80), desenvolveram muito bem esta idéia, considerando que: ―A linguagem
humana, com seus símbolos e regras perfeitamente definidos constitui o código mais importante e
mais utilizado que existe. Por esta razão, o estudo da linguagem se apresenta muito mais complexo
do que o estudo dos demais códigos‖.
Aqui cabe uma pergunta: Será que nosso professor, hoje, está dominando a linguagem capaz de
atingir o educando, ser compreendida por ele e produzirá a resposta esperada?
Muitas vezes os próprios regimes e leis trabalhistas impedem a prática de liberdade de ação como
diz Weil (1997, p.130):
Na verdade na educação, a comunicação é o elo de ligação entre o que o professor pensa e o que
seus alunos poderão assimilar para produzir ações que manifestem mudanças em suas vidas.
O respeito mútuo parece ser de capital importância na prática da liberdade no trabalho de equipe.
Toda vez que não conseguimos realizar algo que desejamos nos sentimos frustados e, num trabalho
de grupo, a frustração é também causa de problemas nos relacionamentos por que desequilibra as
pessoas que se deixam abater por elas conforme afirma Weil (1997, p.131):
14 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
O caminho a seguir para superar esses obstáculos parece ser a união do grupo para procurar
solucionar os problemas. É a compreensão do outro que se faz necessária, é a atenção para com ele
que se torna imprescindível.
Carvalho e Serafim (1995, p.82) complementam esta idéia quando afirmam que: ―Ao escrevermos,
nosso leitor é que tem importância. Ao falarmos é nosso ouvinte o centro de nossa preocupação.
Assim, a atenção com o receptor é um princípio orientador para qualquer emissor da comunicação‖.
A pressão do grupo é também uma causa de problema nos relacionamentos humanos pois, como
enfatiza Weil (1997, p.132): ―A pressão do grupo faz com que passemos a adquirir
imperceptivelmente os hábitos, costumes e pensamentos do grupo. Problemas de relações humanas
surgem quando uma pessoa tem maneiras, hábitos, crenças e pensamentos do grupo em que vive‖.
Para se evitar ou minorar tal situação seria necessário que as pessoas envolvidas tivessem uma
personalidade madura.
Para clarificar estas dificuldades encontramos algumas teorias psicológicas que nos ajudam:
A psicologia social estudou o fenômeno da interação social e pela sua importância para o estudo do
comportamento humano criou uma nova modalidade, a dos Pequenos Grupos com uma dinâmica
própria no desenvolvimento de suas diversas fases.
Ao se falar de interação social e pequenos grupos não podemos deixar de nos referir ao psicólogo
alemão Kurt Lewin (1890-1947). Conforme Balcão (1967, p.303)
Para Lewin teoria e ação sociais deveriam estar ligadas e assim a psicologia, pela primeira vez,
pode usar a experimentação como meio para estudar a vida dos indivíduos em grupo.
15 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
através da mudança de cultura e aceitação de valores novos. Aguiar (1988, p.83) mostra que Lewin
foi vítima do nazismo, por isso fugiu da Alemanha para os Estados Unidos.
De acordo com os postulados de Lewin todos fenômenos psicológicos acontecem num determinado
campo, isto é, o indivíduo está inteirado, como afirma Aguiar (1988, p.84) ―Com a situação
concreta em que está inserido num dado momento‖ e é necessário que se acredite na capacidade de
mudança do ser humano para isso, sob a ótica de Balcão (1967, p.303) ―professor e aluno precisam
sentir-se membros de um grupo em assuntos referentes a seu senso de valores‖. É importante que
haja interação entre os membros do grupo havendo assim influência mútua de comportamento,
havendo também interdependência entre os membros do grupo, o que os faz sentirem-se unidos e
responsáveis pelo crescimento do grupo conforme Bergamini (1992, p.94) que afirma:
Lewin esclarece que o comportamento humano é decorrência de todos os fatos existentes na vida de
cada um e por serem fatos dinâmicos formam um campo psicológico, contendo o ser humano e todo
o seu ambiente psicológico, que é formado por todas as necessidades de cada um com valores muito
pessoais. Quando esse espaço externo pode satisfazer as necessidades atuais da pessoa, são
atribuídos a ele valores positivos, dentro do campo psicológico, se for o contrário, os valores serão
negativos, como afirma Chiavenato (1999, p.85-86):
Assim esta teoria nos explica porque cada indivíduo tem uma maneira pessoal de ver o mundo.
Conforme Festinger, citado por Chiavenato (1999), toda pessoa quer viver em conformidade
consigo mesma e com seu ambiente. Se não existir essa consonância seu comportamento ficará
inconsistente. Chiavenato (1999, p.86) diz que ―a esse conflito ou inconsistência Festinger dá o
nome de dissonância cognitiva.‖ A cognição é aquilo em que o indivíduo acredita e ele pode
relacionar-se de três formas com esta crença:
1) relação dissonante: ele acredita como deve agir em determinada situação, mas age diferente; não
aceitando seu comportamento contraditório entra em conflito consigo mesmo.
16 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
2) relação consoante: pensa e age coerentemente e assim valoriza seu comportamento.
3) relação irrelevante: as atitudes que assume não têm relevância entre si. Uma não prejudica a
outra, portanto suas convicções pessoais não são atingidas.
Concluímos assim que o comportamento das pessoas depende mais do que elas pensam, do que dos
fatores ambientais. Compreendemos então que a natureza humana é de fato completa.
Continuamente o homem está se inteirando com seu meio ambiente, processando informações e é a
sua cognição que dirige seu comportamento, fazendo com que ele se adapte ou modifique o seu
modo de agir e até mudando seu ambiente para diminuir as relações dissonantes. O homem pode ter
objetivos e continuamente lutar para alcançá-los. Ele pode desenvolver constantemente suas
capacidades mentais e adquirir novas informações, alterar ou adquirir novas crenças.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A paixão pelo ensinar e aprender parece ser a tônica necessária para que haja transformação no
grupo social-educacional e que o vínculo de compreensão aconteça entre alunos e professores
podendo assim por meio do respeito mútuo oportunizar abertura de novos horizontes como forma
de estímulo na busca do conhecimento, tornando-se uma alavanca para a produção prazerosa de
novos conhecimentos.
Não pretendemos colocar um ponto final neste estudo que realizamos com reflexões teórico-
metodológicas. O assunto é muito extenso e nossa colaboração visa ser apenas um marco inicial
para que se processem futuras pesquisas no campo das relações humanas na educação, dentro do
ensino superior e assim conforme Lovo & Rodrigues (2000 p.59) poderemos propor: ―A construção
de um novo homem, da Pessoa Humana sem nenhuma mutilação‖.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Antonio Vieira de. & SERAFIM, Oziléa Clen Gomes. Administração de Recursos
Humanos. Vol. 2. São Paulo: Pioneira, 1995.
LODI, João Bosco. História da Administração. 10 ed. São Paulo: Pioneira, 1993.
17 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
LOVO, Adriana M. R. & RODRIGUES, Zita A. Lago. Filosofia e Educação- A Dimensão
Evolutiva do Conhecimento. Curitiba, PR: Qualogic, 2000.
ROGERS, Carl Ranson. Tornar-se Pessoa. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1981.
WEIL, Pierre. Organizações e tecnologia para o terceiro milênio: a nova cultura organizacional
holística. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.
18 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
1 INTRODUÇÃO
Em período de transição dos modos de produção. As mudanças sociais ocorrem em processo lento e
são resultados da ação do homem sujeito a múltiplas crises, paradoxos e conflitos. Em um período
de crise e mutação dos modos de produção e das relações sociais viveu Thomas More — ou Morus,
em latim — na obra A UTOPIA, aborda a questão da igualdade e desigualdade inerente à justiça
social, através da concepção de trabalho e ócio, nas funções exercidas pelos homens e a obtenção da
inserção nas categorias hereditárias de privilegio nobiliárquicos e destaques sócio-econômico-
político. A obra A UTOPIA compõe-se de duas partes no livro primeiro, o autor descreve as
condições de trabalho e do trabalhador, na sociedade inglesa do século XV e do século XVI. No
segundo livro, descreve uma sociedade imaginária, igualitária, em que a cellula mater da
organização social é o trabalho. Discutiremos os pressupostos de que o trabalho gera igualdade ou
desigualdade social, conforme a organização social política e econômica. Para tal, iniciamos com
uma síntese do conceito de trabalho contextualizando-o historicamente, abordando, logo após, as
concepções e aspectos geradores de igualdade e/ou desigualdade social, na sociedade inglesa
medieval renascentista e na sociedade utopiana.
O trabalho enquanto força de trabalho será abordada sob o enfoque histórico-social, procurando-se
apreender a dinamicidade dos aspectos, concepções e conceituação em diversos autores. O trabalho
foi e é objeto de estudo de diversos ramos ou áreas da ciência, buscando maior esclarecimento e
aprofundamento, coerentes com a especificidade das concepções, clientela e campo de atuação dos
ramos científicos.
A palavra trabalho ou ação trabalho e as múltiplas relações que a envolvem objetivam estudos
diferenciados, desde a etimologia da palavra até a apreensão sócio-econômico-político da relação
homem trabalho produção, contextualizando-os historicamente.
2
Mestre em Fundamentos da Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM, Maringá, PR.), professora do
Colegiado de Pedagogia da FAFI de União da Vitória desde 1983.
19 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Segundo Marx, o trabalho ―é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o
homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana‖. (MARX, 1989b, p.50).
―Perses, rebento divino, trabalha para que a fome te deteste e a casta e bela
Deméter te ame e encha de abundância os teus efeitos [...] O trabalho não é
vergonha; a ociosidade, sim, essa é que é. Se trabalhares, o ócio te invejará
pelos teus ganhos, os quais se seguem respeito e consideração. O trabalho é
a única coisa justa‖ (HESIODO, 1964, p.47-48).
A concepção depreciativa do trabalho manual tem continuidade em Roma, pelo fato de a sociedade
romana adotar o sistema de castas, similar ao grego, implantado ou importado da Grécia no período
helenístico. Com as novas conquistas territoriais, aumentam consideravelmente o número de
escravos em Roma. A agricultura e artesanato passam a ser função só destes, tornando-se
degradantes, para o homem livre, por serem considerados trabalho de escravos. Na idade Média,
com a preponderância do catolicismo e sua mentalidade religiosa, o trabalho passa a ser
considerado castigo divino. O homem, Adão, ao ser expulso do Jardim do Éden — Éden significa
delícias — é sentenciado: ―tirarás dela (a terra) com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias
de tua vida‖ [...] comerás o teu pão com o suor do teu rosto‖. (GÊNESIS, cap. 3, v.17-19. In: Bíblia.
p.55). Interessante é observar também que o homem podia comer todos os frutos do Éden, mas é
advertido: ―não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal‖. (Id. Ibid. cap.2, v.17. In:
Bíblia. P.54 — O grifo é meu).
O trabalho será valorizado principalmente com Hegel, Marx e Engels, através das análises do
conceito de trabalho e das condições de vida do trabalhador; das concepções de trabalho e
alienação; trabalho e ideologia, trabalho e forças produtivas; trabalho e luta de classes.
A divisão social do trabalho tem como característica a subjugação do trabalhador, ainda na pré-
história, quando o homem, no período neolítico, deixa a vida nômade e começa produzir para a
subsistência, e surge então a agricultura. O homem, ávido de conquistas, subjuga os povos de outras
tribos e os torna seus servidores ou escravos.
Na história Europa Ocidental, foi na Grécia antiga que ocorreu a divisão social na trabalho no
trabalho manual, mecânico ou material e trabalho intelectual. Esta divisão do trabalho tem
continuidade, em Roma, pelo fato de a estrutura social, dividida em castas, ser similar à Grega.
Na Idade Média, era medieval ou feudalista, o trabalho é realizado pelos servos, que diferem do
escravo grego-romano. Este era propriedade do homem que o possuía. O servo está vinculado a
terra e só com ela é que pertence ao senhor feudal. Este pode dispor de terra, não do servo. A
dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual continuam: uns pensam e outros agem, executando
as ordens recebidas. Com o desenvolvimento do comércio e a dinamização das cidades ocorrem
novas divisões sociais do trabalho material entre produz o artesanato e é sede do comércio.
A constante intensificação do comércio leva a mais uma divisão social do trabalho material em
artesanato, produção, e comércio. Com a expansão do comércio para novas fronteiras ocorrem as
diferenciações de produção entre cidades e, até, entre países.
21 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
executa sua função na fábrica, e burguês, proprietário dos meios de produção, da fábrica, e o
idealizador do trabalho.
Historicamente, o homem evoluiu, o tempo passou, novos modos de produção surgiram. Mas, a
dicotomia da divisão social do trabalho continua sendo: uns pensam, outros agem; uns concebem as
idéias e outros executam, tornando-se realidade, sob novas nuances, em contextos sociais
diferenciados.
A segmentação social ocorreu desde a Antigüidade Clássica, com as sociedades de castas. Durante
o feudalismo, desenvolveu-se com os estamentos. Na época, ano 1516, em que Thomas Morus edita
A UTOPIA, a sociedade inglesa encontrava-se socialmente fragmentada, multidividida em
hierarquias, determinadas pelo nascimento ou função exercida. As principais camadas sociais
inglesas são a nobreza, o clero e os servos. Ao lado destes, já havia grande movimentação dos
burgueses comerciantes.
A nobreza, hierarquizada pelos títulos, era naturalmente segmentada. A Dinastia Tudor e o combate
que os monarcas Henrique VII e Henrique VIII empreenderam contra os nobres, aliando-se aos
burgueses e os privilégios para enfraquecer politicamente os nobres, propiciaram o surgimento da
pequena aristocracia rural, determinada não pelo nascimento, mas pela posse de riquezas. Também
o clero, além da hierarquia própria da igreja, neste período, estava dividindo em alto e baixo clero.
Ao alto clero pertenciam os padres, com instrução adequada e diferenciada dos demais clérigos,
destinados aos cargos eclesiásticos e sócio-políticos, tais como chanceler e conselheiro dos
monarcas. O baixo clero era constituído pelos párocos e servidores monásticos, vinculados aos
problemas do povo.
Os servos, segundo Huberman, também estavam divididos em diferentes graus de servidão. Havia
os servos dos domínios, com trabalho integral e permanentemente ligado ao senhor feudal; os
fronteiriços, camponeses paupérrimos com pequenos arrendamentos; os aldeões, braços contratados
em troca de comida; os vilãos, detentores de privilégios pessoais e econômicos. (HUBERMAN,
1986, p.7).
Nas cidades, conforme Marx, a ação burguesa de defesa dos ofícios, através das corporações,
guildas ou associações, gera a formação de uma camada social denominada plebe; seus integrantes,
os plebeus, eram servos fugitivos dos feudos que nelas se asilavam; nesse meio, a organização das
corporações os impedia de exercerem livremente seu ofício, ou aprendizagem de um ofício.
Tornavam-se trabalhadores diaristas nas corporações, sujeitando-se às determinações destes, pois
não tinham organização política para defender seus direitos (MARX, 1986a, p.81)
A burguesia, que esta em transição de estamento para classe social, encontra-se dividida em alta e
pequena burguesia: a primeira, composta pelos grandes comerciantes, mantenedores do poder
hegemônico nas cidades e incentivadores do absolutismo; a segunda, integrada pelos artesãos
corporativistas e pequenos comerciantes que sustentam o espírito revolucionário. A fragmentação
exposta, da sociedade inglesa, exemplifica e ratifica a conotação de que o trabalho mantenedor da
ordem social e da subsistência humana é executado pelos menos favorecido social, econômica e
politicamente, isto é, detentores de riquezas e de privilégios político.
22 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
3 IGUALDADE E DESIGUALDADE SOCIAL
Há diversas categorias de igualdade. Conforme Cuvillier, igualdade política, pela qual todas os
cidadãos possuem os mesmos direitos cívicos de acesso a todas as dignidades, postos e empregos
públicos, de acordo com a capacidade de cada um, em princípio; igualdade civil, ou jurídica, pela
quais todos são iguais perante a lei (isonomia); igualdade moral, que indica a mesma dignidade de
pessoa humana e, em conseqüência, a igualdade de direitos naturais, igualdade física, imaginada
entre homens com o mesmo vigor físico, a mesma saúde, a par da igualdade intelectual, considerada
como a equivalência de inteligência, memória e de vivacidade. (CUVILLIER, 1961, p.191).
Estas conceituações contemporâneas demonstram que igualdade é uma noção relativa, classificada
de várias formas, por diversos autores. Muitos foram os estudiosos que buscaram a origem da
igualdade social. Entre eles Hobbes, Rousseau e Locke. A inserção destes pensadores pertencentes
ao período manufatureiro, portanto, posteriores ao período histórico de Morus, justifica-se, pois
aliam liberdade e igualdade à formação sócio-política. Concepções que se complementam e se
assemelham às proposições de Morus em A UTOPIA.
A igualdade, para Hobbles, é gerada pelo desejo de autopreservação ou, instinto de conservação da
vida, inerente ao homem. No estado de natureza os homens são egoístas e possuidores do desejo de
poder, é o que o leva ao contrato ou pactos sociais, sendo a razão que determina as leis. (HOBBES,
1983, p.XIV-XV).
Segundo Locke, o homem gozaria a liberdade e igualdade no estado natural, em que todos os
homens teriam o destino de preservar a paz, a humanidade, e evitar ferir os direitos dos outros. Para
conservar a liberdade e a igualdade perfeitas, o homem cria a sociedade política, através do pacto
social entre homens igualmente livres, para harmonia geral, usando a força coletiva para a execução
das leis naturais. (LOCKE, 1988, p.XVI).
Nossa atenção, neste texto, ater-se-á mais à igualdade social, inerente à justiça social, através das
relações concretas entre os homens. Nessa categoria a igualdade e a liberdade social e política
apresentam aspectos próprios de cada época, na realidade histórica.
23 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Na Idade Média, imperou a concepção cristã, em que todos os homens são filhos de Deus, portanto,
iguais.As desigualdades da sociedade feudal, respaldadas pela Igreja, são justificadas pela diferença
de capacidades e mérito. Seu sustentáculo era o direito natural escolástico. Com o advento do
Renascimento na Europa, e a realimentação da leitura greco-romana, as concepções de igualdade e
liberdade centram-se nos direitos individuais.Precisamos considerar que as desigualdades sociais
forma constantes e mais exacerbadas que as igualdades no histórico-social.
Apontando os malefícios da propriedade privada, Morus afirma: ―onde a propriedade for um direito
individual, onde todas as coisas se medirem pelo dinheiro, não se poderá jamais organizar nem a
justiça nem a prosperidade social‖.(MORUS, sd., p.4). Morus faz, inclusive, um relato dos males
que a propriedade privada causa ao homem do campo, na sua época, ocasião em que proprietários
expulsam muitos camponeses de suas terras, arrojando-os à miséria. As leis são muitas, mas a
injustiça impera, e pune-se, na maioria das vezes, a vítima e não o infrator.A situação é calamitosa,
os poderosos — acumuladores de riquezas, luxo e prazeres — oprimem os fracos e miseráveis,
sendo o homem explorado no trabalho, e muitos não encontram nem esta subjugação, devido à
escassez do trabalho ou oferta de trabalho.
Ao analisarmos o tema das desigualdades sociais, em Morus e Rousseau, pudemos notar que estes
autores, mesmo não sendo contemporâneos historicamente, mas Rousseau posterior a Morus, seus
parâmetros assemelham-se. A grosso modo, podemos exemplificar com o relato da realidade
inglesa que Morus faz, no livro I de A UTOPIA, as concepções teóricas de Rousseau .
4 CONCLUSÃO
Thomas Morus, na obra A UTOPIA, demonstra que o estado é o gerador das desigualdades ou
igualdades sociais. Portanto, as diferenças sociais são geradas pelo homem e não são naturais.
Demonstra ainda que, ao abolir a propriedade privada e a divisão social do trabalho, trabalho
manual e trabalho intelectual, trabalho no campo e trabalho na cidade, eleva a condição do trabalho
e do trabalhador, resgatando o seu valor real e natural.
À semelhança de Engels e Marx, Morus considera elemento vital o trabalho, que é, também,
moralizador, dinamizador e mantenedor da ordem social, política, econômica e igualitária da
sociedade. A igualdade ou desigualdade social, inerente à justiça social, através das relações
concretas do trabalho entre os homens geram a igualdade e a liberdade sócio-política e apresentam
aspectos próprios em cada época histórica.
NOTA
A utopia política ―começa quando alguém — indivíduo ou grupo — decide transformar a sociedade
desde os seus fundamentos‖. (SZACHI, 1972, p.27). E, ―é uma recusa da absolutização das divisões
políticas atuais, é uma tentativa de recomeçar de novo o debate sobre a forma da sociedade‖. (Ibid,
p.99).
REFERÊNCIAS
BÍBLIA SAGRADA. Centro Bíblico de São Paulo. 9. ed. São Paulo: Ave Maria, 1966.
CUVILLIER, Armand. Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica. São Paulo: Nacional, 1961.
ENGELS, Friedrich. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico. São Paulo: Global, 1989.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. São
Paulo: Nova Cultural, 1983.
25 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986.
LOCKE, John. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
MARX, Karl. A Chamada Acumulação Primitiva. In: O capital. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1989a.
SZACHI, Jerzi. AS Utopias ou a Felicidade Imaginada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
26 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
1 INTRODUÇÃO
A retomada sobre essas questões visam suscitar uma nova perspectiva sobre a proposta
construtivista, através das teorias críticas. Tais teorias promovem um profundo entendimento das
complexas relações existentes na sociedade, e permitem compreender como a instituição escolar
sofre essas influências.
Apontam também que os educandos criam resistências ao autoritarismo da classe dominante, e uma
das formas de garantir o acesso dos discentes ao saber elaborado é entender criticamente os
intercâmbios entre escola e sociedade.
Aprender significativamente envolve muitos desafios aos educadores contemporâneos, pois ensinar
algo para não ser esquecido posteriormente, exige condições adequadas no processo ensino-
aprendizagem que estimulem o indivíduo a se envolver ativamente e, sobretudo sentir-se motivado
a continuar aprendendo.
Mota (2009), afirma que a educação formal deve desenvolver no indivíduo autonomia progressiva,
chegando ao nível máximo no qual o educando liberte-se do avaliador, ou seja, um processo de
metacognição, onde o aprendiz reconheça e defina seus próprios caminhos para aprender.
Da mesma forma numa proposta construtivista Mortimer (2000 apud Queiroz; Barbosa-
Lima,2007,p.274):
27 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
a aprendizagem se dá através do ativo envolvimento do aprendiz na
construção do conhecimento, as ideias prévias dos estudantes desempenham
um papel fundamental no processo de aprendizagem, já que essa só é
possível a partir do que o aluno já conhece.
Esses pressupostos nos levam a compreender a importância que o educando assume no ideário
construtivista. Porém Saviani (1991), afirma que os conceitos científicos necessitam ser levados aos
educandos de forma competente, sendo esta efetiva apropriação uma maneira eficaz para superação
das desigualdades sociais. Esta ressalva, transmitida por ele, é para salientar que em nome de
conhecer a cultura popular trazida pelos educandos, e através de metodologias que reforçam a
prática, não se empobreça o saber científico ou cultura clássica que dever ser ensinado
efetivamente.
É evidente que a aprendizagem significativa não pode esgotar-se em si mesma, mas potencializar a
capacidade dos discentes em aprender cada vez melhor o que se ensina, envolvendo modificação,
flexibilidade e adaptação.
Uma das teorias atuais que permeiam a condição de adaptação e flexibilidade no ensino é a
pedagogia crítica ou ainda como é conhecida no Brasil, pedagogia histórico-crítica. Não
analisaremos minuciosamente esta concepção, o que nos impede na dimensão de um artigo, mas
analisaremos como esta teoria pode respaldar o conceito de aprendizagem significativa no ensino da
Biologia.
A singularidade da pedagogia crítica consiste no fato de não ser anacrônica no sentido de não
permitir que outras concepções educacionais venham a compor seu ideário, assim, pois, ampliam-se
seus horizontes ao introduzir conceitos importantes, os quais nos fazem refletir sobre a maneira que
se constituiu o complexo tecido social e como influenciou a instituição escolar.
3
Hegemonia: refere-se à liderança moral e intelectual de uma classe dominada sobre uma classe subordinada
conquistada não através de coerção (ex. ameaça de aprisionamento ou tortura) ou da construção deliberada de regras e
regulamentos (como em uma ditadura ou regime fascista), mas sim através do consentimento geral da classe dominada
à autoridade da classe dominante. A classe dominante não imprecisa impor força para produzir hegemonia, já que a
classe dominada subscreve ativamente muitos valores e objetivos da classe dominante, sem estar atenta à fonte desses
valores ou aos interesses que os informam. (MACLAREN, 1997, p.207).
28 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
técnicas), e sim pela reflexão crítica dos caminhos percorridos e das possibilidades de construir
novos saberes e recriar os já conquistados.‖ (ROSSO; BERGER, 2006, p.325).
Ao propormos uma forma de tornar significativo o ensino da Biologia, entendemos que não há um
caminho definitivo que o educador deve seguir para levar os conhecimentos científicos que
constituem esta disciplina.
Os sujeitos da escola pública em geral são originários de classes assalariadas, possuem diversas
vezes más condições de cidadania, são jovens, crianças e adultos, que necessitam ter acesso ao
conhecimento científico configurado nas disciplinas escolares que compõem o currículo.
(FRIGOTTO, 2004).
Tolentino e Rosso (2008, p.11) relatam na realidade da Universidade Estadual de Ponta Grossa -
PR, a dificuldade que os licenciandos em Ciências Biológicas têm em conhecer a atualidade
educacional, devido ―a falta de unidade entre as disciplinas pedagógicas‖, comentam também que o
empenho na formação docente é deixado de lado em nome da pesquisa e iniciação científica na área
específica.
Entendemos que a formação do educador possui uma importância singular, sua visão deve ser
ampla e permitir escolher conscientemente o ingresso no magistério, não apenas optar pela área da
educação na impossibilidade de atuar na área específica. A problemática denunciada por estes
autores suscitam uma reflexão, pois os educandos necessitam de auxílio de profissionais
comprometidos com o ensino, e que tornem a aprendizagem um momento privilegiado por conhecer
a dimensão do trabalho pedagógico.
Esse desafio exige o esforço dos professores em observar a realidade e indicar aos educandos a
ocorrência dos processos biológicos. Sendo assim aprender a Biologia, tornar-se-á significativo,
pois há sentido em compreender sua nomenclatura, processos e esquemas, porque são baseados na
realidade muitas vezes vivida pelo próprio aluno.
Estudar os seres vivos e entender suas manifestações vitais, é ir além da memorização exteriorizada
em uma prova, mas compreender a constante transformação dos fenômenos ocorridos diariamente
diante de nossos olhos.
Aprender envolve diversas situações, entre elas o desejo do aprendiz em assimilar o conhecimento
proposto a ele. Neste sentido, o processo-ensino aprendizagem deve tornar-se atrativo e constituir
significados conceituais que possam ser usados futuramente pelo indivíduo, e não somente no
momento inicial da aprendizagem.
Aprender significativamente ocorre quando o sujeito adquire uma razão própria e esta razão
desencadeia uma motivação para tentar apropriar-se do conhecimento ensinado. Esse sentido
próprio possibilita a autonomia do aprendiz em ampliar suas iniciativas para aprender cada vez
mais. (SANTOS, 2008).
Assim entende-se que somente a aprendizagem fará sentido, quando o aluno motivado pela sua
identificação e capacidade, conseguir interagir com o conhecimento. Portanto as explicações, os
métodos usados para ensinar devem estar de acordo com a realidade educacional, que o professor
deve conhecer profundamente de modo a regular e possibilitar a mediação entre aluno e
conhecimento.
Santos (2009) cita que para Ausubel, aprender gera um movimento de dentro para fora, por parte do
sujeito que aprende.Esse movimento (subançor) é essencial, pois é, a ―ancoragem‖,aquilo que o
aluno já sabe que fará fixar os conhecimento que serão ensinados.Para Rogers esse movimento é
causado pelo interesse em função dos projetos pessoais e para Coll, esse movimento está
relacionado com a intenção em aprender.Em suma, movimento, é fazer sentido para reter
informações.
Há duas formas de pré-disposição para os alunos aprenderem, são elas: a aprendizagem superficial e
a aprendizagem profunda.
30 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
A aprendizagem superficial ocorre quando o discente simplesmente cumpre uma tarefa para atender
uma exigência imposta pelo professor. A atenção é voltada aos propósitos da avaliação que será
feita pelo professor. O aluno sabe como ocorre o processo de respiração, por exemplo, ou a
nomenclatura das partes do sistema, mas não interliga a importância da respiração em sua vida.
É preciso, portanto, direcionar a aprendizagem de forma a torná-la profunda. Quando as aulas são
apenas expressões de um contexto inatingível pela sua complexidade, nossos esforços em ensinar
perdem a razão, ou tornam-se superficiais. O aluno precisa ser coadjuvante na aprendizagem, sua
participação deve ser constante, crítica e intencional. ―O ensino é entendido como um conjunto de
ajudas ao aluno e à aluna no processo de construção do conhecimento e na elaboração do próprio
desenvolvimento. (MAURI apud COLL, 1999, p.88)
A Biologia como os conteúdos escolares não são um fim em si mesmo, a Ciência é temporal, suas
verdades e pareceres são provisórios, e devem possibilitar a transformação dos alunos.
Outro aspecto importante a ressaltar para uma aprendizagem significativa dos conceitos biológicos
é a possibilidade que os alunos devem ter em construir através de suas palavras um parecer pessoal,
à verdade científica ensinada. As avaliações devem ser direcionadas de forma a atender aos
educandos nas suas formas diferenciadas de aprendizado, provas orais, por exemplo, permitem uma
via alternativa para aqueles que se expressam melhor através da linguagem oral.
Desse modo deve-se assegurar a expressão dos alunos na construção dos conhecimentos científicos,
pois, de nada adianta propor vivências cotidianas e saberes vivenciados por eles, se nos detemos em
formas únicas de expressão regidas pelas definições clássicas de conceitos prontos.
Assim sendo, a construção da Ciência, em especial a Biologia, tem fundamentos nesta cultura, que
o educando traz para a sala de aula, que precisa ser valorizada para conferir sentido na ensinagem
desta Ciência. A garantia de que os conteúdos ensinados serão utilizados na vida cotidiana dos
alunos, está ligada ao grau de significação que eles representam.
Parte da significação que deve ocorrer no ensino da Biologia, será desenvolvida pelo professor que
através da transposição didática buscará facilitar por meio de diversos meios a assimilação dos
conceitos ensinados. Para que as informações passadas aos alunos sejam transformadas em
conhecimento ―são essenciais as ações do sujeito sobre os objetos, já que é sobre os últimos que se
31 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
vão construir conhecimentos, e que é através de uma tomada de consciência da organização das
primeiras (abstração reflexiva) que novas estruturas mentais vão construir conhecimentos.
(PIAGET apud LA TAILLE, 1992, p.18).
Compreendemos que a prática docente deve colaborar para tornar clara a compreensão dos
conceitos, ao permitir ao aluno interagir com o conhecimento. O sentido das verdades científicas
deve ser caracterizado através da realidade do educando para que ele entenda o que está sendo
ensinado, e construa a partir deste entendimento, progressões contínuas de complexidade em
relação ao saber.
O ―academismo‖ infiltrado no ensino das Ciências colabora para dicotomizar a prática cotidiana dos
saberes científicos, pois muitas vezes ―reduzem-se à transmissão dos produtos históricos da
investigação científica ou da busca cognitiva da humanidade.‖ (SACRISTÁN e PÉREZ-GÓMEZ,
2000, p.60).
O indivíduo deve ser motivado a ajudar a construir este processo dinâmico que é a Ciência, e ir
além de apenas reproduzi-lo. Não pretendemos descaracterizar o importante sentido do
conhecimento acadêmico para a Biologia, mas queremos poder de fato transformar a simples
reprodução sistemática de cunho memorístico em compreensão. Identificar meios de o educador,
desvincular-se de certos encaminhamentos metodológicos enraizados pelo paradigma cartesiano-
reprodutivista e possibilitar meios de melhoria de ser humano através da significação da
aprendizagem que se vincula à realidade.
A base científica que constitui a Biologia é explicada por outras Ciências, em especial, a Física, a
Química e a Matemática, pois as explicações para os fenômenos vitais basearam-se na união destas
Ciências.
Desse modo, admitimos que a formação dos conceitos biológicos não pode ser constituída em
separado das outras Ciências, então o processo de ensino-aprendizagem também não deve ser. Esse
entrosamento é fundamental para que se torne significativo o aprendizado das demais discplinas do
currículo.
32 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Elias (2008) cita que para Freinet, a sala de aula, deve ser transposta para um ateliê na
aprendizagem, onde os alunos possam ir além de suas posições estáticas, e interagir entre si,
construir, crescer. Materiais podem ser dispostos em diferentes locais da sala de aula para os alunos
trabalharem, cantos de leitura, com reportagens que ligam o assunto estudado à realidade. Debates,
visitas a estações de tratamento da água, museus, laboratórios, podem ser ferramentas, que
contribuam para demonstrar a Ciência, presente no cotidiano.
A aprendizagem não acontece somente na escola, mas em diversos lugares e situações variadas.
Porém é a escola, a Instituição que se caracteriza por um local de aprendizagem formal. É na escola,
que observamos a interação entre os sujeitos, tanto professor e alunos, como alunos e alunos.
Interação esta, facilitada e mediada através do diálogo.
O diálogo referido é aquele que permeia as situações do processo ensino-aprendizagem, que tem
como base a comunicação do desempenho realizado neste processo, de forma a trazer significação
para os sujeitos do processo educativo.
Freire (1981) destaca que para ocorrer um sentido no saber transmitido pelo educador, é necessária
a comunhão entre os homens, através da intervenção de um mundo, não estático, mas extremamente
mutável, na qual os sujeitos da aprendizagem são participantes de suas mudanças. Somente poderá
existir conhecimento, se os educandos, forem chamados a construir, intervir, descobrir.
Nesse sentido, compreende-se a ineficácia de um ensino que se baseia na educação bancária, onde
os alunos apenas reproduzem os conhecimentos transmitidos pelo professor, sem poder interagir
numa realidade, que para eles, parece inacessível devido a sua complexidade, onde a única solução
é aceitar a ―verdade‖ apresentada sem questionamentos. Essa falta de aproximação dos educandos
colabora para a alienação em relação ao saber, a fim de manter o status quo.
Eis a razão pela qual, a prática docente deve permitir a participação dos educandos através, do
diálogo. Percebe-se nesta ferramenta, uma opção disponível para superar o autoritarismo infiltrado
na escola, por parte de quem detém o poder, para impedir as classes populares de ascensão social.
O aprendizado da Biologia deve estar baseado nos princípios de valorizar e melhorar o humano,
pois não se trata de uma Ciência com um fim em si mesma.
A amostragem dos conteúdos programáticos de biologia, não podem parecer situações estranhas aos
sujeitos, necessita conferir sentido à aprendizagem. Vê-se no diálogo a possibilidade de informar a
inserção na realidade vivenciada pelos alunos, para a partir daí, apresentarmos graus progressivos
de complexidade aos conceitos constituintes desta Ciência.
33 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Nesse sentido, a dialogicidade deve buscar o sentido de fazer a Biologia, colaborar para
entendermos o mundo que vivemos através dos saberes que foram constituídos pela humanidade e
estão presentes nesta Ciência, e melhorar tanto a vida dos educandos, como colocar em prática os
conhecimentos aprendidos para a construção de um mundo melhor.
Enfim, os conteúdos escolares devem ser pensados na sua total possibilidade de utilização e
vinculação à prática social, aquilo que deve ser ensinado deve contribuir para a formação
omnilateral do ser humano, assim o diálogo pode orientar e facilitar a prática pedagógica que o
caracteriza como eixo fundante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma teoria educacional ―aceitável para nossos propósitos pedagógicos pode ser resumida como
aquela que considera que o conhecimento se constrói por interações entre sujeitos e objetos
pertencentes a uma realidade na qual estamos inseridos como sujeitos, sendo ela repleta de
inumeráveis e imprevisíveis mudanças e transições ―(LEFEBVRE, apud QUEIROZ; BARBOSA-
LIMA, 2007, p.287).
A peculiaridade da teoria crítica nos faz desvelar questões outrora ofuscadas, e repensar sobre o
papel que o saber científico representa para promover aos educandos, a possibilidade de acesso a
este saber como fator primordial na superação das desigualdades, entre classe, raça e gênero.
REFERÊNCIAS
34 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
FRIGOTTO, G. Sujeitos e Conhecimento: os sentidos do ensino médio. In FRIGOTTO, G. e
CIAVATTA, M. Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília: MEC, SEMTEC, 2004
MCLAREN, P. L. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da
educação. Porto Alegre: ARTMED, 1997.
35 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Certamente um dos períodos mais importantes na formação étnica e cultural do município de Major
Vieira, compreende os primeiros quarenta anos do Período Republicano. Tal fato se deve a dois
fatores primordiais: a Guerra do Contestado e a colonização pelos imigrantes europeus.
Não nos cabe aqui realizar aprofundamentos dentro do Movimento do Contestado, visto que temos
vários trabalhos dentro deste campo, não o suficiente, que tratem de todos os objetos possíveis, mas
bons textos, que dão conta de uma dimensão considerável da referida problemática. O
imprescindível é compreendermos que as ações dos monges do Contestado têm importante
influência na estrutura cultural da ocupação do município de Major Vieira, assim como de toda a
região. Suas práticas, suas orações, as próprias lendas atribuídas a estes peregrinos pregadores,
perfazem uma série de elementos estratificados da sociedade do Planalto Norte Catarinense.
Como exemplo, citamos os arquivos que tratam da instauração da primeira Igreja6 edificada sobre o
atual espaço do município de Major Vieira, encontramos a menção do frade que teve por
incumbência apontar o melhor local para a instauração da ―Santa Casa de Deus‖. Segundo o
referido representante da Igreja Católica, não era bom a construção de uma igreja no centro da então
Colônia Vieira, pois pelo fato do espaço ser ocupado em sua maioria por caboclos, não seria tão
respeitada e adorada como gostaria o ―Bom Deus‖. Desta forma, pronunciou sua vontade em
instaurar a primeira ―edificação sagrada‖ na localidade de Rio Novo, local de ocupação polonesa e
de alemãs católicos, verdadeiros súditos de Nosso Senhor Jesus Cristo, os quais cuidariam e
honrariam muito mais a nova ―casa de Deus‖.
Se por um lado a crença nos monges fortaleceu a irmandade sertaneja, por outro, criou dificuldades
quanto ao poder religioso institucional, pois como forma de combate, ou até mesmo de punição às
suas práticas desautorizadas pela Igreja, o caboclo é segregado da participação nas celebrações
dominicais. Não podendo proibir seu adentramento às missas, visto o impacto de tal ato, toma-se
por meio o distanciamento da edificação do centro religioso; se concede privilégios aos que, na
visão clerical da época, eram seguidores rígidos das leis de Deus e da Santa Igreja Católica
Apostólica Romana: os imigrantes europeus.
4
Graduado em História pela FAFI/UV e especialista em História e Sociedade também pela FAFI/UV.
5
Noção de fronteira concebida pela teoria de Fredrik Barth.
6
Mencionamos aqui como primeira igreja, a instaurada sob a organização e o comando clerical, pois já existiram antes
disso outros centros de adoração que poderiam ser denominados igrejas, construído por imigrantes europeus e pelos
próprios sertanejos.
36 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Paralelamente a mudanças na estrutura Católica, a estrutura econômica também mudara. O mate até
então produto colhido e beneficiado de maneira artesanal e familiar, em pequena escala, passara a
ser visto como modelo industrial, tanto para o consumo externo, devido sua demanda para
exportação; como também apreciado e consumido localmente pela nova reordenação e
povoamentos dos espaços.
O sertanejo que outrora estava ligado ao tropeirismo, passa em um processo gradual, a ser
explorador do mate, embrenhando-se mata a adentro, buscando-a nos sertões até então não
desbravados. Ali acaba por fazer morada, cultivar seu roçado, criar pequenos animais de corte.
Isola-se do mundo exterior, dali sai somente para vender o mate, este já pronto/acabado, tendo sido
antes sapecado na fogueira, enfeixado e amarrado com tiras de taquara levadas ao improvisado
carijó para a torra e, posteriormente, socado no pilão. Desta forma, beneficiava a planta, com a
venda ou com a troca, como era de costume, o mate lhe fornecia gêneros alimentícios e de
utilidades, quase que estritamente o sal, a pólvora, o querosene e algumas ferramentas básicas ao
seu labor.
Aprendera com a natureza a sobrevivência. Aprendera a tirar dela as curas para o ―corpo‖ e para a
―alma‖, feito dominado com maior expressividade pelos ―curadores‖, pois estes sim, no pensamento
caboclo, detinham os verdadeiros saberes das ―ervas curativas‖ e das ―rezas milagreiras‖.
A rusticidade da crença cabocla perfaz uma gana de envolvimentos com a natureza, só possível pelo
seu isolamento. Quando seu mundo passa a ser ―invadido‖, primeiramente pelos exploradores
coronelistas do mate, em segundo lugar pela extração da madeira, através da empresas
multinacionais, suas noções de universalização do espaço e de respeito ao compadrio entram em
crise, mas não a rusticidade de sua religião, esta passa a ser abrandada na esperança de algo melhor
ou, da volta de um passado perdido (Império). Pois, se na visão do sertanejo, aquela situação
persistisse (República), os fim dos tempos chegariam.
O que é certamente inegável, referente à população planaltina, naquele momento de fins do século
XIX e início do século XX, é a falta de instrução. Entretanto, era conhecedor em grau máximo de
seu espaço habitável, suas condições de vida estavam arregadas nas originalidades étnicas que o
formavam. A vida do sertanejo é ligada a um contexto de práticas cotidianas que vão além do
entendimento exterior, são entendidas como formas internas de percepção das noções morais,
culturais, religiosas e econômicas.
Ficou comum com o passar dos tempos, preservada e propagada até os dias atuais, uma
conceituação pejorativa e marginalizada do caboclo. Isso ocasiona o choque cultural, o conflito, a
quebra forçada de um costume, ou a deflagração de sua prática étnica (THOMPSON, 1998). É
banal em toda a região do Planalto Norte, incluindo Major Vieira, o uso referencial do caboclo a
práticas não higiênicas, inóspitas ao trabalho, ou até mesmo não cultas; práticas estas,
corriqueiramente manifestadas com expressões maliciosas e preconceituosas.
A região planaltina habitada de maneira esparsa, as intenções de povoamento iam muito além da
própria ―povoação‖, eram visões e intenções multifacetadas que perpetuam a mentalidade de
―ordem e progresso‖ da época, branqueamento da nação, substituição do trabalho escravo,
reestruturação cultural e econômica do Brasil. A busca de uma nova ordem nacional era implantada
e implementada a todo o momento, as tentativas de ocupar os espaços e os fazer gerar riqueza, eram
fortalecidos com ímpeto de desbravamento das matas e da desapropriação dos sertanejos, como
também do ―amansamento‖ dos índios hostis.
37 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Na busca constate de implementar esse projeto imigratório no Brasil, o Governo Republicano,
passou a divulgar na Europa as qualidades do Brasil. Inúmeras nações receberam as propagandas de
sucesso e riqueza que o país dispunha para os aventureiros que aqui viessem. Muitas destas
enviaram grandes contingentes. No caso da Polônia, segundo Rodycz (2002, p. 45), mais de 30 mil
poloneses aportaram em terras brasileiras durante este ciclo imigracionista.
Major Vieira não recebeu imigrantes de maneira direta7, aqueles que aqui chegaram migraram
internamente, quase que na totalidade vindos de Lucena8, município que guarda, em sua essência,
forte ligação para com sua formação étnica.
Segundo Cabral (1987, p. 326), o ano de fundação da Colônia Lucena foi 1890; já para Piazza
(1994, p. 240), o ano exato é 1891. Não podemos afirmar com exatidão a real data da sua criação,
até porque isso não se apresenta como fator essencial para nosso estudo. Mas, curiosamente Rodycz
(2002, p. 52), empenhou-se em uma análise mais aprofundada dos textos dos autores supram
mencionados, entretanto, suas conclusões são um pouco superficiais.
Rodycz critica elegantemente Cabral, colocando-se com receio em defesa de Piazza, pois na
verdade não expõem sua verdadeira opinião. Seu método para contrariar Cabral está atrelado a
outros dados do texto, os quais não se referem essencialmente ao ano de criação da colônia, são
apontamentos que não condizem com sua questão inicial. Outro problema é o fato de não mencionar
nenhum ponto que dê veradicidade a Piazza, quando finalmente o cita, apóia-se em Wachowicz
para sustentar sua afirmação:
Sendo assim, consideramos ainda em aberto a verdadeira data de criação da Colônia Lucena pelo
Governo Republicano.
Sendo assim, independentemente da exata data de fundação da referida colônia, é real e importante
mencionarmos os métodos de alocação dessas pessoas sobre o território. Ao mesmo tempo em que
vemos um projeto de ocupação dos espaços, não vemos uma organização eficaz para com o todo
deste projeto, ou seja, enquanto os mecanismos de aliciamento dos imigrantes na Europa e os
encaminhamentos para as áreas eram bem realizados, por outro lado, os meios de condução dessas
7
Consideramos por imigração direta a colonização de áreas através da alocação de colonos trazidos diretamente da
Europa, e não remanejados de colônias próximas.
8
Atual município de Itaiópolis.
38 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
pessoas até os locais a serem ocupados, como também a garantia de sobrevivência e assistência nos
mesmos, não se mostravam eficiente9.
A chegada destes imigrantes, principalmente poloneses, a Major Vieira não é exatamente certa. É
possível que antes mesmo da própria Colônia Vieira existir, já houvesse espaçadamente alguns
habitantes oriundos do ―velho mundo‖ no território, especialmente devido a incorporação de
imigrantes em Rio Negro, em meados do século XIX, os quais poderiam ter buscado locais mais ao
sul para estabelecerem-se, acabando por atingirem o espaço mojorvieirense. Contudo, encontramos
algumas escrituras de venda de terras a imigrantes polacos 10 datados dos anos de 1917,
posteriormente a Guerra do Contestado, havendo assim a probabilidade de que a maior parte destes
imigrantes tenha realmente adentrado os espaços nessa época.
Frei Aurélio Stulzer (1982, p.116), em sua obra ―A Guerra dos Fanáticos‖, cita que os colonos
poloneses instalaram-se na região no começar de 1910, a maior parte oriunda da Colônia Lucena,
atual Itaiópolis. Esta afirmação nos parece um pouco imprecisa, pois não é certo que anteriormente
a 1912 houvesse um número grande de europeus em Major Vieira. Não encontramos no Cartório de
Imóveis, nem nos estudos sobre ―Contestado‖, como também em seus respectivos relatórios11, fonte
considerável de dados que sustente tal afirmação. Buscamos nos túmulos do cemitério municipal
alguma indicação expressiva que comprovasse a ocupação polonesa antes de 1912, porém não
encontramos. A referência mais antiga de sepultamento documentada de um membro de etnia
européia é datada de 1919, há túmulos de 1900, mas nenhum de descendência européia.
Não podemos negar que havia ocupação imigrante anterior a 1912, o que não concordamos é a
menção de que a maior parte dessa ocupação tenha ocorrido nessa época, mas sim a partir de 1916,
ao fim do conflito do Contestado. Muitos polacos participaram do movimento, alguns por vontade
própria, outros forçadamente. O próprio reduto jagunço de Aleixo Gonçalves, estabelecido em
Campina dos Santos, continha grande número de poloneses, trazidos por este líder de Lucena e
obrigados a aderir à causa revoltosa (MACHADO, 2003).
Como vemos a relação existente entre a então Colônia Vieira e a então Colônia Lucena, é de fato
expressiva. Quase a totalidade dos colonos europeus instalados em Major Vieira veio de Lucena.
A incorporação do polonês em Major Vieira, seja anteriormente a 1912, ou posterior, como para nós
se mostra mais expressiva, traz consigo um questionamento: se os lotes colonizáveis foram
estabelecidos em Lucena tendo todas as dificuldades de melhoria das áreas e das condições de
plantio e colheita, por que ocorre em um período já de ―teórica estruturação‖ destes lotes, uma
intenção de migração para áreas vizinhas ainda por desbravar? Para darmos resposta a este
questionamento, retornamos nosso pensamento a algumas questões primordiais para aquele período.
O início do século XX é marcado por uma considerável expansão tecnológica dentro do Brasil, com
diversos projetos sendo aplicados, como a construção da Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande, a
qual acaba por trazer a região a Brazil Railwai e a Lumber onde Colonization. Após a conclusão da
estrada, ainda ficou forte a extração de madeira. Diversos proprietários de terras e comerciantes
9
Chegamos a tal conclusão com base nos relatos de Antônio Hempel, publicados por Rodycz. Hempel presenciou a
situação das colônias estabelecidas no Sul do Brasil e deixou suas percepções registradas.
10
Acervo do autor.
11
Relatório do General Setembrino de Carvalho.
39 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
buscaram instalarem-se nesses locais. Ainda anterior a este ciclo, e que por sua vez foi até mesmo
coexistente, é a exploração da erva-mate, dado já comentado anteriormente. O mate teve com sua
transformação em um processo industrial, um fator gerador de ocupação, assim como a madeira,
várias foram os senhores que, geralmente vindos do Paraná, da região da Lapa, em Major Vieira
instalaram-se, buscando com a ajuda das suas influências políticas agregarem capital aos seus
saldos lucrativos.
Este estado de atração de comerciantes e empresários acaba por aliciar, pela própria necessidade do
ciclo, mão-de-obra, a qual era implementada através da colonização das áreas, ou melhor, das novas
áreas. É nesse momento que há a ―migração interna‖, no caso de Major Vieira, polacos oriundo de
Lucena.
Outro aspecto a ser observado, que por sua vez vai de encontro como o nosso foco de análise, diz
respeito à condição dos lotes da Colônia Lucena, passado mais de vinte anos de sua efetiva
ocupação. Muitos daqueles imigrantes tinham filhos menores quando aportaram no Brasil, ou os
tiveram já nos primeiros momentos de permanência. Fazia parte da essência do colonato o trabalho
familiar, a necessidade de ter filhos para ajudar na lavoura.
Estes jovens entraram em idade adulta e por conseqüência estabeleceram laços matrimoniais.
Muitos dos lotes não suportaram ser fonte de sustento de duas ou mais famílias ao mesmo tempo.
Sendo assim, estes novos casais passaram a buscar novas áreas, novos espaços de cultivo e morada,
agora num contexto diferenciado de seus descendentes, não mais exploravam uma terra
desconhecida, mas sim um novo local, o mais próximo possível e que propiciasse um mínimo de
condições de subsistência. Muitos encontraram em Major Vieira. ―O natural inchaço demográfico
dos núcleos coloniais, somado às outras dificuldades encontradas na nova terra, concorreu para que
imigrantes tornassem a buscar alternativas de sobrevivência em outros recantos.‖ (TOKASKI, 2003,
p. 79).
Como nem todos os imigrantes eram efetivamente agricultores, encontravam-se naquela condição
por pura necessidade, foram, devido à exploração da madeira, contratados para trabalharem na
extração da matéria prima, ou mesmo na operação dos equipamentos de beneficiamento. Vários
daqueles imigrantes já exerciam na Polônia tarefas de operadores, como também de sapateiro,
carpinteiro, pedreiro, etc.
A nova dinâmica da alocação de pessoas passava a existir, seja pela forma assalariada ou mesmo
pela colonização, a qual era praticada por proprietários de terras que viam nos imigrantes a
possibilidade de obter lucros com a venda de novos lotes. Era comum na época a concessão de
terras por parte dos governos estaduais12 a homens de influência política, também concessões de
títulos13 como coronel e major foram feitas. Dentro do território do atual município de Major Vieira
ocorreram vários ―núcleos coloniais secundários‖14, como a colônia do Rio Novo e a própria
Colônia Vieira através da apropriação de áreas e sua venda a colonos, geralmente vindos de espaços
superlotados como a Colônia Lucena.
12
Através da Constituição de 1891 o governo central passou aos estados o incumbência de legislar sobre as terras
devolutas, como também o direito de concedê-las.
13
A partir de 1831 foi organizada em todo o território do país a Guarda Nacional, um espécie de força militar cidadã,
constituída de proprietários de terras através de indicação do presidente de província sob pagamento de taxas e
emolumentos. Eram conferidos títulos de alferes, quartel-mestre, capitão e major.
14
Quando nos referimos a ―núcleos coloniais secundários’ fazemos referência àqueles locais colonizados em um
segundo momento, ou seja, ocupados por colonos europeus mas oriundos de dentro do próprio Brasil.
40 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Visto todas essas evidências é inadmissível considerarmos o polonês como ―etnia identidade‖ de
Major Vieira, há um entrelace de tradições, costumes e crenças inseridos dentro de um espaço
cultural que se modifica e aloja novas formas de interação a cada dia. As intenções de afirmação
identitária embasam-se na prevalência das maiorias, na agregação de importância e valor apenas nos
vencedores.
A mescla é perceptível, contudo há a busca e a afirmação de único grupo étnico como grupo
diferenciado. Assim o faz o polonês, o alemão, o ucraniano, entre outros, exceto o caboclo, este na
maior parte das vezes nega seu cunho raiz, mas conserva sua essência cultural.
Enfim, todos os estratos étnicos existentes dentro espaço estudado estão constantemente
interagindo, convivendo com a diferença. E é em meio a esta interação que as tradições
permanecem. É graças a necessidade de diferenciação que cada grupo procura guardar aquilo que
lhe dá identidade, que o define como diferente. Essa é a original delimitação de ―fronteira
cultural‖15, ou seja, os grupos vivem e convivem em um mesmo espaço físico ma delimitam
espaços culturais restritos.
Durante muito tempo esteve banalizado o entendimento de superioridade das ―culturas brancas‖, o
que deixou encoberto as historicidades dos vencidos, dos ―desclassificados‖, os quais passaram
então a ser chamados de minorias, sendo que em verdade constituem a maioria. Atualmente os
enfoques, as problemáticas descobriram nestes desclassificados o seu ponto de possibilidades
teóricas, as disciplinas das ciências humanas ganharam força ao tentar buscar modelos explicativos
para as questões econômicas, sociais e culturais, referentes às ditas minorias.
No âmbito do espaço constituído pelo Planalto Norte Catarinense, reconhecemos essas minorias na
figura dos primitivos indígenas, que ganharam destaque nas obras de Silvio Coelho dos Santos; e
dos caboclos, principalmente nos estudos sobre o Contestado, empreendidos por uma série de
estudiosos do movimento. Contudo, não podemos deixar de notar que um dos grupos que mais
interagiu com as etnias mencionadas foi o polaco, infelizmente este aspecto é pouco abordado nos
estudos étnicos, encontra-se encoberto por outros focos analíticos, dos quais são, de certa maneira,
superficiais; procuram exaustivamente estabelecer apenas uma ligação com as ―tradições originárias
da Europa‖16. Deixam de observar o verdadeiro legado polaco, a sua incorporação ao mundo
sertanejo, a sua mescla de costumes e ―tradições‖17 dos quais necessitam, por inúmeras vezes, de
um referencial desagregador para que possam legitimar-se dentro do espaço, atribuindo a si uma
identidade.
REFERÊNCIAS
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. 3 ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.
15
Segundo a teoria de Frederic Barth.
16
Consideramos como tradições da Europa, os hábitos e costumes nascidos no próprio continente europeu, trazidos de
lá pelos imigrantes com características já delineadas.
17
Consideramos aqui os hábitos e costumes que são poloneses, mas que não necessariamente nasceram na Europa, que
foram criados, aperfeiçoados e mesclados no próprio Brasil através das interações étnicas.
41 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
RENK, Arlene. Etnicidade e itinerários de grupos étnicos no sul do Brasil. Grifos, Chapecó, v.6,
n.1, p.93-107, 1999.
RODYCZ, Wilson Carlos. Colônia Lucena – Itaiópolis: crônica dos imigrantes poloneses. Edição
Braspol; impresso na IOESC, Florianópolis, 2002.
STULZER, Frei Aurélio. A guerra dos fanáticos (1912-1916): a contribuição dos franciscanos.
Petrópolis: Vozes, 1982.
THOMPSON, Edward P. Costumes em comum. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998.
_____. Andar na aula: uma salvaguarda do polonismo. In: DALLABRIDA, Norberto (Org.).
Mosaico de escolas: modos de educação em Santa Catarina na Primeira República. Florianópolis:
Cidade Futura, 2003.
WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001.
42 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Introdução
Trabalhando com aquilo que alimenta o pensamento, isto é, com idéias e informações que são
também indispensáveis à democracia, o jornalista e seu ofício têm uma relevância insofismável em
um mundo pleno de desigualdade. Como hoje quase todos podem comunicar, muito embora não ser
ouvido, espera-se do jornalista um comunicar que vá além das aparências e situe o leitor no quadro
da situação por ele enfocada. Nesse sentido, seu trabalho pode contribuir para a compreensão das
questões sociais, como a da desigualdade, se aferir dos fatos análise equilibrada e esclarecedora.
A tomar de empréstimo o que afirma o filósofo Jean-Paul Sartre (1905 – 1980), de que o homem é
aquilo que ele faz (SARTRE, 1978, p. 6), ou seja, que ele constrói sua existência e se faz no fazer as
coisas, é possível dizer também do jornalista que ele faz suas escolhas na área que atua, e se faz ao
fazer seu trabalho. Mas isso depende de como ele se construiu como acadêmico, de como estudou,
além, é claro, de como se faz em sua atuação diária nos meios de comunicação. Então, pelo viés
existencialista, pensar o jornalista é pensá-lo em sua existência, como homem que se define na
existência, mas convém não esquecer que esta se dá em um tempo e um espaço de relações. Nesse
sentido, além da filosofia existencialista, um conceito tirado da Antropologia do Imaginário de
Gilbert Durand, pode ser útil para analisar o pertencimento do jornalista em sua sociedade.
Como se sabe, Durand elabora o conceito de bacia semântica a partir de uma crítica à periodização
da história em idades, antiga, média, moderna. Entende ele que essa divisão mecânica do tempo
esconde a riqueza e a diversidade de cultura criada por homens diferentes e em diferentes
situações. É preciso não perder de vista o imaginário social, ligado ao fazer dos homens e ao fazer-
se homem. Segundo Durand, é necessário ter a precaução de considerar que
Disso resulta, em escalas menores, que o jornalista de determinada região nunca é só da região onde
atua, pois a cultura desta se insere em um contexto maior no qual muitas das idéias e percepções de
mundo são fecundadas. Além disso, a formação do jornalista não está restrita ao específico de onde
18
Graduado em Filosofia, Mestre em História. Professor de Filosofia da Universidade Federal de Rondônia - UNIR,
Campus de Vilhena. E-mail: ivanoremarta@hotmail.com
43 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
vive quando é acadêmico. Disciplinas com Filosofia e Literatura dão mostras da importância do
universal em sua formação.
Sendo a formação universalista importante para sua compreensão de mundo, que o jornalista reflete
de algum modo no trabalho que realiza, por outro lado, no que diz respeito ao conteúdo da notícia e
a construção cotidiana, em seu ofício, é forçoso reconhecer a necessidade de encontrar o equilíbrio
entre o que é, digamos, da esfera global e o que é específico do regional. Tarefa nem sempre fácil,
mas que pode ser trabalhada se houver uma postura que, compreendendo o contexto mais amplo,
saiba apresentar as particularidades do que é específico de sua área de abrangência. Em outras
palavras significa dizer que o jornalista, como um ser situado, deve cuidar bem de sua formação
teórica para pode informar e analisar informações de seu espaço de atuação regional, valendo-se do
cone de luz da cultura universal.
Para responder esta questão convém delimitar o campo de estudo da Filosofia, procurando
compreender o que lhe é pertinente e em seguida alguns aspectos significativos da Filosofia
Política, com apontamentos acerca do pensamento de Rousseau, um dos principais pensadores da
democracia com sua idéia de vontade geral e respeito ao bem comum, tão importantes como
objetivos a nortearem o trabalho de quem informa a sociedade.
De corpo e alma
Toda existência depende do plano físico, sem o qual se encontraria apenas na fantasmagoria ou nos
seres restritos ao imaginário. O mundo físico, com sua variada gama de corpos, é estudado pelas
ciências físicas. Experimentos os mais diversos procuram medir, pesar, quantificar esse mundo. As
observações e experimentações laboratoriais têm em mira descobrir relações de causa e efeito dos
44 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
fenômenos e têm a intenção de mostrar como a natureza funciona, matematizando os resultados
obtidos.
Apenas para citar um aspecto envolvendo a questão física e a cultura política, a idéia de se poder
controlar o mundo tem a ver com o saber, como já afirmava Francis Bacon. Saber para prever,
prever para prover pensava Augusto Comte. Com esse sonho os investimentos em pesquisa
aumentam consideravelmente e colocam os países mais desenvolvidos em ciência e tecnologia na
vanguarda econômica. Se saber é poder, como afirma Bacon, o poder dado pelo saber se traduz em
poder político e econômico, notadamente na esfera das nações.
Mas, além do plano físico, o homem está mergulhado em um outro mundo, que assume importância
gigantesca no modo como as coisas são organizadas. Se antes falávamos do corpo, provisoriamente
este outro mundo, de real interesse para o jornalista, pode ser chamado de alma. Não se trata, é
claro, de religião, campo sobre o qual convém a cada um guardar sua própria fé, sem querer
fanatizar os outros. Esse outro mundo já era considerado pelos gregos e reaparece na tradição
ocidental na época do Iluminismo, seu nome é noumenon.
O noumenon pode ser entendido como o inexperimentável. Diferente do número, quantificador dos
elementos concretos e matematizador dos corpos físicos, o noumenon compreende elementos de
outra ordem e sobre os quais é impossível fazer medições e aferições quantificadoras. Eis que com
o noumenon entramos no campo da Filosofia. As indagações noumênicas dizem respeito aos
problemas do ser, do saber e do valor. O primeiro, o problema do ser, ligado ao existir e os outros
dois, singularmente importante para o jornalista, como se verá adiante, referente ao conhecer e ao
comportar-se.
No mundo moderno a Filosofia primava por encontrar a verdade, única e indubitável acerca das
coisas. Mas no mundo dito pós-moderno, e graças em particular às contribuições de Nietzsche, a
verdade torna-se muito mais uma questão de perspectiva. Ouve-se seguidamente que a verdade,
cada um tem a sua e que ela depende do ponto de vista da pessoa. Cumpriria saber então por que
alguém já tendo sua verdade se abriria a do outro. Mas pouquíssimos querem saber da verdade
alheia, muitos porém anseiam por ter certeza das coisas sobre e a respeito das quais opinam.
Existe, contudo, uma selva de opiniões partilhadas socialmente e é nela que o trabalho do jornalista
se realiza. Ora, como a verdade é construída pelos discursos e esses são formados por argumentos,
quanto mais bem colocados eles forem pelo profissional da comunicação, mas próximo ele estará
em contribuir com seu trabalho para o bem comum tão decantado na democracia.
45 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
humano e ao fazer dos homens em sociedade, a política é abordada sob múltiplos aspectos é sobre
alguns de seus elementos que se vai agora analisar.
Filosofia Política
Envolvendo questões relativas ao governo da cidade, aos cidadãos, aos negócios públicos, à
Constituição, às formas de governo, a ordenação das magistraturas, entre tantas outras abordagens,
pode ser afirmado que a filosofia política tem como uma de suas principais finalidades discutir
critérios relacionados ao bom governo e a justiça, como condição da melhor maneira de organizar a
vida social. Como afirma Aristóteles, acerca da política,
Colocando a Política em alto grau de consideração, Aristóteles chega a definir o homem como
animal político, isto é, cuja natureza o inclina para a vida social, pois, ―[...] o homem é um animal
político, por sua natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, pos instinto e não por
inibição de qualquer circunstância, deixa de participar de uma cidade, é um ser vil ou superior ao
homem‖ (ARISTÓTELES, 2002, p. 14).
Mesmo que a concepção de homem como animal político não seja unanimidade, mesmo porque
pensadores da envergadura de Hobbes (1588 – 1679) e Rousseau (1712 – 1778) não concordam
com tal idéia, não se pode deixar de reconhecer que, por natureza ou não, o homem vive em
sociedade. Vivendo em sociedade, o homem é tomado como problema de investigação pela
Filosofia, seja no que diz respeito à política propriamente dita, seja no que se refere à ética, mas
ambas, política e ética, indissociáveis no pensamento de Rousseau e Aristóteles.
Rousseau tem uma visão muito negativa da vida em sociedade, tal qual ela se apresenta. No
premiado ―Discurso sobre as ciências e as artes‖, sua crítica se estende à própria ciência, produto de
uma sociedade corrompida. Segundo ele o desenvolvimento tanto das ciências quanto das artes
pouco contribuiu para o aperfeiçoamento moral do homem. Antes pelo contrário. Os
desdobramentos da vida em sociedade em troca de um progresso aparente corromperam o homem.
Seria preferível, segundo o filósofo genebrino, que os homens permanecessem numa vida simples,
em cabanas primitivas, na chamada Idade de Ouro. Entre outros escritos, no ―Projeto de
Constituição para a Córsega‖ (1962) Rousseau aponta a vida do campo como mais adequada do que
da cidade e vê na natureza e na ordem estabelecida por esta, o modelo a ser seguido para a
preparação moral dos homens, mesmo estando estes em sociedade. Não por acaso, na obra que
trata de educação (ROUSSEAU, 2004), Emílio será educado segundo os ditames da natureza e até
os 12 anos este não terá contato com livros e ao chegar a essa idade terá como livro apenas a obra
―Robinson Crusoé‖, já que ela retrata o homem só, vivendo exclusivamente na e da natureza
(ROUSSEAU, 2004).
46 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
No que diz respeito mais especificamente à política, é no ―Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens‖ que Rousseau avança de modo mais agudo acerca
do problema político. Para observar os desmazelos do homem em sociedade, Rousseau constrói um
tipo hipotético, denominado de homem natural, ou homem no estado de natureza. Tal criação
permite, num jogo de sombra e luz a mostrar aspectos da vida social e problemas do homem em
sociedade, na medida em que contrapõem um modo de vida diverso, isto é, o que seria o existir do
hipotético homem natural.
Mas, que é o homem natural? Rousseau o imagina como sendo o homem vivendo totalmente
desprovido dos artifícios e elementos que só a civilização possui. Desse modo, o modelo de homem
projetado pelo filósofo genebrino é destituído de linguagem, vive só e se encontra com outros seres
humanos quase exclusivamente por ocasião dos acasalamentos. Nesse estado de natureza, o homem
não tem ainda idéia de propriedade e o único sentimento é o amor-de-si, entendido como necessário
para a própria conservação, sendo o amor-de-si, portanto, o único sentimento natural no homem.
Se antes, vivendo plenamente no estado de natureza, não havia propriedade, agora em razão ―da
cultura de terras resultou necessariamente a sua partilha, e, da propriedade, uma vez reconhecida, as
primeiras regras de justiça, pois, para dar a cada um o que é seu é preciso que cada um possua
alguma coisa‖ (ROUSSEAU, 1978(b), p. 266).
Tem-se então o progresso das desigualdades que seguem primeiro, na convivência entre os homens,
e dessa o desenvolvimento da agricultura e da metalurgia.
Da agricultura à propriedade da terra, pois ninguém colocaria seu esforço e trabalho numa parte de
terra se não tivesse esperança de colher os frutos. É com a propriedade que nasce a primeira forma
de desigualdade, aquela que separam ricos e pobres. Estabelece-se uma espécie de pacto social no
qual só os ricos se beneficiam e, Rousseau ironicamente imagina uma fala do rico que diz ao pobre:
―tendes necessidade de mim, pois sou rico e sois pobre, façamos pois um acordo entre nós:
permitirei que possais ter a honra de me servir, com a condição de que dar-me-eis o pouco que vos
resta, pelo trabalho que terei em vos comandar‖ (ROUSSEAU, 2006, p. 120).
Uma vez estabelecida a propriedade, há a necessidade de leis e com elas a segunda forma da
desigualdade, a que separa poderosos e fracos. Por fim, a terceira forma da desigualdade é também
resultante dos progressos estabelecidos entre os homens e chega a um ordenamento de caráter
político que leva ao estabelecimento da tirania separando senhor e servo (ROUSSEAU, 1978).
A questão, porém, não é pensar apenas o estado hipotético de natureza, importa analisar a situação
do homem já inevitavelmente vivendo em sociedade. O problema é encontrar uma forma de
organização social e política capaz de aproximar a vida social daquela condição natural de liberdade
imaginada para o estado de natureza.
Fazendo um retorno ao conceito de homem natural e indagando onde ele poderia ser encontrado
hoje, não seria difícil indicar as crianças como modelo. De fato, elas se encontram inicialmente
47 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
destituídas de linguagem, de ambição, da idéia de propriedade, e só paulatinamente adquirem
noções morais e outras idéias próprias da vida em sociedade.
A idéia amplamente difundida de que, para Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade o
corrompe, pode ser inferida do raciocínio acima. Porém ela não é fiel ao que ele pensa acerca do
homem natural, já que, para o filósofo genebrino, ―parece, a princípio, que os homens nesse estado
de natureza, não havendo entre si qualquer espécie de relação moral ou de deveres comuns, não
poderia ser nem bons nem maus, ou possuir vícios e virtudes‖ (ROUSSEAU, 1978(b), p. 251). E,
portanto, afirma ainda, ―[...] de modo que se poderia dizer que os selvagens não são maus
precisamente porque não sabem o que é ser bons‖ (ROUSSEAU, 1978(b), p. 252).
A partir dessas idéias, de que o homem natural e a criança começam sem vícios e seguindo apenas
os ditames da natureza, mas, apesar disso, a sociedade é constituída de laços que prendem os
homens em regras que os escravizam, poderia ser compreendida a frase do ―Contrato Social‖: ―o
homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros‖ (ROUSSEAU, 1978(c), 22). O homem
nasce livre, mas acaba por se submeter ao domínio das relações sociais e estas mostram as
desigualdades reinantes entre os homens, com alguns explorando outros e ambos submetidos a uma
ordem de coisas que escraviza, avilta e degenera o ser humano.
Numa sociedade de desiguais na qual ser e parecer são coisas separadas, e a transparência não é
facilmente encontrável, propõe Rousseau, para a política, ―encontrar uma forma de associação que
defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada
um, unindo-se a todos, só obedece, contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto
antes‖ (ROUSSEAU, 1978(c), p. 32), tão livre como antes de haver os laços da vida em comum que
engendra a sociedade.
Do ponto de vista político, para chegar a tal condição, Rousseau elabora uma teoria na qual o
soberano político é aquilo que ele chama de vontade geral. Para que esta se efetive, é necessário
respeitar o pacto social estabelecido por todos e cada um, pacto pelo qual se ―estabelece entre os
cidadãos uma tal igualdade, que eles se comprometem todos nas mesmas condições e devem todos
gozar dos mesmos direitos‖ (ROUSSEAU, 1978(c), p. 50).
A vontade geral, estabelecida pelo pacto, é de tal sorte que o cidadão que trabalha pelo bem comum,
trabalha na verdade para si mesmo, já que o interesse de todos é o dele próprio. Pensar em si mesmo
é pensar nos demais e pensar nos outros é pensar em si. Dessa forma a vontade geral traz um senso
de justiça em tão alto grau que parece ser a solução para o homem em sociedade.
Onde encontrar a vontade geral? Se é que isso pode ser feito, ela estará tanto no todo quanto nas
partes que compõe o corpo social e político, cabendo ao legislador perceber e transformar em leis
essa vontade. Cumpre ao príncipe, entendido em Rousseau como os altos membros do governo,
executar as leis. A vontade geral é originada do povo, que é ao mesmo tempo doador da vontade
soberana e seu súdito, pois o povo deve observar a lei dele própria originada.
Tanto faz que seja numa monarquia, aristocracia ou democracia direta, é importante e necessária ver
respeitada a vontade geral, considerada como salvaguarda dos cidadãos e garantia de liberdade. É a
vontade geral garantidora dessa liberdade, pelo princípio de que se dando a todos a pessoa não se dá
a não ser a si mesma, e com isso obedece a seus próprios ditames por livre consentimento.
Mas Rousseau previu alguns perigos que podem rondar essa forma de organização. No ―Contrato
Social‖ o filósofo alerta para o fato de a vontade geral ser indestrutível, mas pode ser atacada pelo
interesse particular mais vil. A citação é longa, mas vale a pena pela riqueza e atualidade da crítica.
48 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Quando, porém, o liame social começa a afrouxar e o Estado a enfraquecer,
quando os interesses particulares passam a se fazer sentir e as pequenas
sociedades a influir na grande, o interesse comum se altera e encontra
opositores, a unanimidade não mais reina nos votos, surgem contradições e
debates, e o melhor parecer não é aprovado sem disputas. Enfim, quando o
Estado, próximo da ruína, só subsiste por uma forma ilusória e vã, quando se
rompeu em todos os corações o liame social, quando o interesse mais vil se
pavoneia atrevidamente com o nome sagrado do bem público, então a
vontade geral emudece [...] e fazem-se passar fraudulentamente, sob o nome
de leis, decretos iníquos cujo único objetivo é o interesse particular
(ROUSSEAU, 1978(c), p. 118).
São palavras significativas para o homem atual e particularmente para aqueles cuja profissão é
informar. A denúncia elegante e a análise feita com cuidado e critério [e fator decisivo na
demonstração de como os interesses privados podem macular o bem público. O interesse particular
sobreposto ao bem comum pode estar, inclusive, no trabalho jornalístico, já que as empresas de
comunicação são, antes de mais nada, empresas, e tendo em mãos algo tão poderoso como a
construção ou destruição da imagem pública de pessoas e instituições, elas correm o risco de
preferir o cômodo caminho dos interesses ao invés da construção de uma sociedade
democraticamente sadia. Num contexto assim, cabe ao jornalista agir de tal modo que seja capaz de
deixar o cidadão mais bem informado. Se conseguir isso, aproveitando-se das brechas do sistema, já
terá sido válido sua preparação e seu trabalho.
O interesse particular sobreposto ao bem comum não é o único risco à democracia, embora seja o
mais relevante. Há outros que merecem consideração sem dúvida, como o próprio preparo dos
membros da sociedade, em termos de educação. Em relação a isso o papel da escola se mostra útil
no mais alto grau, mas é momento de encaminhar a conclusão.
A liberdade é uma conquista diária. Diante de um quadro de ameaças à democracia, seja pelo
interesse dos mais ricos em se assenhorear do bem público, via sistema eleitoral e de uma condição
na qual a maioria da população se coloca e é colocada sempre mais distante dos centros de poder,
(penso, por exemplo, em quem escolhe os candidatos a candidato e definem os programas
partidários e sua execução) a imprensa livre, e jornalistas de fato jornalistas, são indispensáveis ao
futuro da democracia e seu aperfeiçoamento constante.
Ora, a democracia precisa ser reinventada todo dia. A ditadura, por sua vez, não admite mudança
(BOBBIO, 2000). Sendo o exercício democrático indispensável no caminho da construção da
cidadania, indispensável é também trabalho do jornalista. Mesmo diante da aridez dos interesses
pecuniários, possa o profissional da comunicação encontrar nas fimbrias do poder espaço para bem
informar e liberdade para analisar os fatos. São alguns dos elementos indispensáveis na luta pela
melhoria da vida e no combate às desigualdades.
Sendo que o conhecimento liberta e a ignorância escraviza, como já foi afirmado anteriormente, o
jornalista deve ser livre e correto, realizando assim um trabalho verdadeiramente libertador. Para
tanto e para o bem da democracia e de nós todos alguns pontos devem ser observados, como por
exemplo, assegurar informação à população, fazendo-a circular; que os jornalistas não sejam
coagidos a trabalhar de modo contrário à sua consciência e que o respeito à verdade e à pessoa deve
prevalecer sempre em seu trabalho.
Acompanhando Sartre, para quem o homem é aquilo que ele faz, o jornalista também não nasce
jornalista, se faz jornalista e que este fazer-se seja bom para o bem comum que é o fim último da
49 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
política democrática, independente de ele focar notícias de sua região ou internacional. O sentido
ético da busca da verdade cobrada no código de ética dos jornalistas passa necessariamente por
essas questões aqui levemente traçadas.
Referências bibliográficas
ROUSSEAU, J.-J. (a)Discurso sobre as ciências e as artes. São Paulo: Abril Cultural, 1978
_____. (b)Discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entre os homens. São
Paulo: Abril Cultural, 1978.
_____. Economia (política e moral). In. DIDEROT, D.; DALEMBERT, J. L. R. Tradução de Maria
das Graças de Souza. Verbetes políticos da Enciclopédia. São Paulo: Discurso Editorial; Editora
da UNESP, 2006.
_____. Projeto de constituição para a Córsega. Porto Alegre: Editora Globo, 1962.
50 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Introdução
Para significar-se, o poliglota inscreve-se nas diversas línguas que o formam. Mesmo ao
pronunciar-se em uma de ―suas línguas‖, as outras também o formam e influenciam o discurso que
sustenta o seu dizer. Ao longo do tempo durante o qual aprende e utiliza suas diversas línguas, a
constituição do próprio indivíduo é reelaborada, alterada e enriquecida, numa metamorfose
contínua, num trânsito permanente entre sistemas lingüísticos e simbólicos. Todas as línguas se
interpenetram na constituição da identidade do multilíngüe, fazendo com que sua história de vida,
caracterizada por uma constituição lingüística marcadamente plural, traga incidências para seus
posicionamentos. Ele pode ser capaz de perceber-se como pertencente igualmente às várias
comunidades representadas pelas várias línguas, num pertencimento ―global‖, ou pode considerar-
se legitimamente membro de apenas uma das comunidades, favorecendo-as entre as outras; talvez,
ainda, esse indivíduo encontre-se em uma crise de identidade, sem saber-se satisfatoriamente.
Sendo a linguagem constitutiva do indivíduo, sua identidade é construída igualmente nos âmbitos
simbólico e social, e está em constante movimento; o indivíduo se define na linguagem, no
contexto, na interação. É nessa relação entre a construção da identidade e a linguagem que
procuramos antever o papel, que consideramos significativo, desempenhado pelas diversas línguas
utilizadas pelo mesmo indivíduo.
Com base em estudos psicolingüísticos, objetivamos, neste estudo, entrevistar pessoas multilíngües,
nascidas ou não no Brasil mas residentes neste país, que façam uso efetivo e consciente de uma
segunda ou mais línguas para se comunicar com outros indivíduos de seu círculo social, a fim de
compreender melhor como vêem sua própria identidade, se pertencentes a uma ou outra(s)
nacionalidade(s), e os motivos que apontam para isso. Tal questão se mostrou importante para nós
ao aprofundarmos nossa reflexão a respeito do papel da(s) língua(s) na formação do indivíduo, e ao
observarmos a ligação comumente feita entre uma nação e uma língua, tanto no meio acadêmico
quanto fora dele. Procuramos, portanto, analisar o papel das línguas utilizadas por um mesmo
indivíduo enquanto veículos fortalecedores (ou não) das construções identitárias, que são sempre
coletivas e individuais ao mesmo tempo.
A identidade pode ser definida como o que o indivíduo é não apenas consistentemente, ao longo de
sua vida, mas também como o que uma pessoa é em um determinado momento de sua vida. Esse
caráter não-finalizado, em constante processo de construção e mudança, é que possibilita que
elementos constitutivos diversos, neste caso cada uma das línguas que o mesmo indivíduo utiliza,
não precisem ser considerados excludentes ou incompatíveis.
19
Professora Assistente do Curso de Letras- Português e Inglês da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de
União da Vitória, Paraná. Mestre e doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Paraná. E-mail:
karimbrito@yahoo.com.br.
20
Graduado do Curso de Letras –Português e Inglês da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da
Vitória, Paraná. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação Araucária. E-mail: gabrielcaesar@hotmail.com.
51 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Contexto histórico e lingüístico
As cidades de Porto União, no estado de Santa Catarina, e União da Vitória, no estado do Paraná,
são chamadas ―gêmeas do Iguaçu‖, e encontram-se num vale, circundadas pelo rio cuja foz forma
as famosas cataratas. Foram uma só cidade até 1917, após a assinatura do Acordo de Limites entre
Paraná e Santa Catarina, como consequência da Guerra do Contestado, e são hoje separadas por
trechos de uma linha férrea.
Desde a segunda metade do século XIX a região recebeu imigrantes, atraídos pelas condições
geográficas, ou incentivados pelos planos de colonização, entre eles: alemães, italianos, eslavos,
portugueses, russos, sírio-libaneses e suíços. Entre as muitas contribuições dos imigrantes para essa
região destacam-se a abertura das primeiras unidades de ensino, tanto nas vilas como nos núcleos
coloniais, e a manutenção de sociedades artístico-culturais (cf. THOMÉ, 2002).
Inicialmente majoritárias nas áreas de colonização mais remotas, visto que o isolamento dos
colonos imigrantes desfavorecia a aprendizagem do português, as línguas dos imigrantes foram
sendo relegadas a um papel secundário e circunscritas a poucos ambientes. A língua portuguesa
passou a ser cada vez mais valorizada nas comunidades de imigração. Contribuíram para isso a
repressão política em virtude das campanhas de nacionalização, a necessidade de adaptação e
inserção nos meios de trabalho, e o desejo dos descendentes de se distanciarem da imagem negativa
de ―colonos‖ ou ―trabalhadores rurais‖, o que os levou a rejeitarem, em grande parte, os costumes e
as línguas de seus pais e avós. Mesmo que em pequeno número, porém, alguns imigrantes e seus
descendentes procuraram ensinar e manter o uso de suas línguas de origem, e pouco a pouco,
fortalecer as associações existentes e organizar grupos de danças folclóricas.
O ensino de línguas nas escolas de Porto União e União da Vitória reflete a realidade característica
do restante do Brasil. Toda escola deve oferecer o ensino de pelo menos uma língua estrangeira, e
esta é preferencialmente o inglês. As escolas particulares geralmente oferecem também o ensino de
espanhol, em algumas séries, e as escolas públicas passarão a oferecê-lo obrigatoriamente, no
Ensino Médio, a partir de 2010, por força da Lei 11.161, de 05/08/2005. Merece destaque a
iniciativa do estado do Paraná em criar os Centros de Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas
(CELEM), a partir de 1988, e que vêm oferecendo às comunidades o ensino gratuito não apenas das
línguas consideradas relevantes num cenário internacional, como o francês e o alemão, mas também
as línguas de imigração da região, como o ucraniano e o japonês, por exemplo.
A identidade multilíngue
É possível verificar uma estreita relação entre nossa(s) língua(s) e os processos cognitivos, como a
memória, indicando que nossas lembranças são linguisticamente dependentes. Pesquisadores que
analisam a relação entre a linguagem e a memória (MARIAN; KAUSHANSKAYA, 2007;
MARIAN; FAUSEY, 2006) observaram que bilíngues codificam algumas das suas lembranças
enquanto usam uma língua, e outras enquanto usam a outra. Por isso, quando procuram se lembrar
de alguma coisa, essa lembrança é mais facilmente recuperada se a língua utilizada no momento
corresponde à língua que se estava utilizando quando a lembrança foi inicialmente formada. Marian
(1999, p. 355) exemplifica o fenômeno com dois episódios: Perguntou-se a uma bilíngue, que vivia
nos Estados Unidos há mais de uma década, em sua língua nativa, qual era o número do seu
apartamento. Ela respondeu, erroneamente, com o número de sua moradia no país de origem.
Corrigindo-se rapidamente, explicou que o número da moradia antiga simplesmente surgiu em sua
mente por causa da forma pela qual a pergunta foi feita. Em outro caso, uma criança bilíngue que
havia aprendido uma canção francesa enquanto estava em férias na França, não conseguia lembrar-
se dela quando voltou aos Estados Unidos. Quando encontrou-se outra vez em um ambiente onde se
falava Francês, no entanto, lembrou-se facilmente da canção.
Ross, Xun e Wilson (2002) estudaram as auto-percepções de indivíduos nascidos na China, e que
falavam também Inglês, comparando suas respostas aos adquiridos com grupos de controle
formados por canadenses com ascendência européia ou chinesa. Os resultados indicam que as
diferentes identidades, asiática-oriental e ocidental, possam ser armazenadas em estruturas de
conhecimento separadas nos indivíduos biculturais, com cada estrutura sendo ativada pela língua
associada a ela. Essas pesquisas simulam, em laboratórios, momentos de utilização da memória, e a
crítica a elas é que seus resultados não correspondem ao desempenho da memória em ambientes
reais. Ainda não foi possível demonstrar cientificamente que a memória semântica cotidiana seja
dependente das línguas, mas isso sugeriria que os efeitos das línguas permeiam todos os aspectos da
memória declarativa.
Quando a(s) outra(s) língua(s) além da(s) materna(s) já pertencem, em virtude do tempo e de sua
participação na construção da identidade do indivíduo multilíngüe, à subjetividade desse mesmo
indivíduo, tanto elas quanto as concepções que as acompanham encontram espaço como
determinantes de seu comportamento e de suas visões. Outrora monolíngue, sentindo-se pertencente
a uma determinada nação, relacionada entre outras coisas à única língua que falava, o indivíduo
agora multilíngue redefine o seu pertencimento, pois o que se configurava como ―estrangeiro‖ é
hoje também parte dele, convivendo com o que considerava ―natural‖. O falante multilíngue,
53 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
situado nas suas línguas, percebe sua localização em cada uma, consciente ou inconscientemente, de
maneiras diferentes.
A necessidade de associar-se a outros de sua própria espécie é intrínseca ao ser humano. As pessoas
incluem-se em relações de pertencimento, no entanto, sem perder sua identidade particular,
realizando simultaneamente a distinção individual e o pertencimento societário.
Hoje a existência de identidades nacionais é incontestável. Thiesse (2001/2002) explica que antes
de 1800, quando surgiram como idéia nova e subversiva, as identidades nacionais não existiam.
Elas foram criadas a partir de duas concepções aparentemente antagônicas, uma resultante da
revolução, como livre expressão de adesão a uma entidade política, e outra do romantismo, em
submissão à idéia de nação como originária do sangue e do solo. Conforme a autora, esta dupla
representação, criada pela contestação em continuar sujeitando-se a poderes dinásticos e religiosos,
encontra-se no centro da idéia moderna de nação. Para constituir-se como tal, uma nação deve
apresentar elementos específicos, entre eles uma cultura e uma língua. Os próprios nomes que
damos às línguas indicam que nosso conceito se estende às noções de povo, país, ou território.
Chamamos Inglês a língua dos ingleses, Russo a língua dos russos, e assim por diante. À idéia de
uma identidade nacional soma-se a noção de um patrimônio coletivo, e prejudicá-lo adquire caráter
de traição.
A língua que faz de toda a população parte integrante de uma nação, no entanto, não é
necessariamente a dela, mas a língua da escrita, da classe dominante, que se transformou em língua
nacional. Desenvolvidas a fim de garantir a igualdade de tratamento negada por monarcas e
clérigos, as identidades nacionais acabaram por gerar suas próprias prisões. Apesar do
multilinguismo ser a norma no mundo, não faltam propagandas nacionalistas e xenofóbicas que
tentam fazê-lo parecer indesejável ou antipatriótico. Daí a dificuldade de perceber-se incluído,
quando para tanto exige-se uma identidade linguística única, ou em que se favoreça uma de suas
línguas em detrimento das outras. Seyferth (2000) apresenta a situação dos alemães e seus
descendentes no Brasil, que se identificam como teuto-brasileiros, o que indica uma condição de
pertencimento à nação alemã e a cidadania brasileira como coisas compatíveis. Para a autora, essa
compatibilidade lhes parece possível porque pensam no Brasil como um Estado etnicamente plural
e não como uma Nação. Durante os episódios da Segunda Guerra Mundial, o nacionalismo
brasileiro, porém, considerou essa idéia perigosa, como uma ameaça à unidade brasileira, e em
nome da unidade nacional iniciou-se em 1937 a campanha de nacionalização do Estado Novo, com
a pretensão de forçar a assimilação dos não-brasileiros (ou alienígenas). Apesar dos alemães e seus
descendentes residentes nas cidades-gêmeas de Porto União e União da Vitória terem sofrido
54 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
represálias à utilização da língua alemã e a costumes germânicos, tal experiência não anulou alguns
princípios de sua etnicidade teuto-brasileira, como veremos mais adiante na análise das entrevistas.
Assim como as línguas, as origens transformam-se em elementos que se somam às identidades dos
descendentes de imigrantes, agregando-se a eles as virtudes étnicas.
Peixoto (2000, p. 47) define a noção de pertencimento como a relação que se estabelece entre um
indivíduo ou um grupo de indivíduos e o espaço territorial onde se desenvolvem suas relações
sociais concretas. A autora afirma que existem formas bastante diferentes de pertencimento local,
pois ele não se define apenas por meio de uma delimitação geográfica, podendo ser marcado
histórica ou culturalmente, ou ainda através da manifestação de um sentimento ou emoção. Ao
definirmos a nós mesmos, constantemente nos caracterizamos como habitantes de um determinado
lugar. A identidade local é, juntamente com outras identidades (idade, sexo, profissão, educação,
religião, estado civil etc), uma das dimensões da identidade social, a imagem de marca do
indivíduo. A essas dimensões soma-se a linguística, como constitutiva da identidade individual. E
estando as identidades em constante mudança, pela linguagem assumimos identidades diferentes,
construindo-as e reformulando-as.
Hirschfield (1998, p. 122) argumenta que nenhuma outra competência adquirida é mais importante
para as coletividades do que as línguas, posto que cada língua incorpora uma visão única do mundo,
e esta visão diferencia as cognições de seus falantes daquelas dos falantes de outras línguas. Tendo
sido aprendiz e usuário de seis línguas, um dos entrevistados afirma que se sente ―cidadão do
planeta‖. Esse sentimento pode relacionar-se ao fato de que a cada língua aprendida expandiram-se
e alteraram-se as cognições individuais, fazendo com que sua identificação com apenas uma delas
se tornasse cada vez mais difícil. Pode-se somar a isso o efeito da motivação pessoal para aprender
línguas, fazendo com que o domínio de cada uma delas, e consequentemente a valorização das
culturas relacionadas, seja visto como algo positivo e desejável.
Metodologia da pesquisa
Foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas a nove multilíngues adultos, que adquiriram, além do
Português, pelo menos mais uma língua, e esta tenha sido preferencialmente aprendida e/ou
55 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
utilizada também em ambientes informais, fora de sala de aula, pois acreditamos que a utilização da
língua em ambientes naturais fortaleça a identificação do seu usuário com ela. Os entrevistados são
todos moradores no Brasil, embora dois não tenham nascido aqui, e pertencentes a diferentes grupos
étnicos.
Baseados em nossas próprias experiências como multilíngues e no convívio com imigrantes e seus
descendentes, partimos das seguintes hipóteses norteadoras:
a) Os indivíduos multilíngues, por serem nascidos no Brasil ou morarem aqui há anos, falam
Português e consideram-se brasileiros, mas não deixam de mencionar que também se consideram
pertencentes a pelo menos uma outra nação, que vinculam a uma de suas outras línguas. Por isso,
acreditamos que o usuário de mais de uma língua reflete uma identidade lingüística fracionada, ou
ainda mais de uma identidade, e que essa visão dividida não representa um problema ou dificuldade
para o brasileiro multilíngue.
b) Esse pertencimento estrangeiro não tem caráter político, no sentido de que o indivíduo não possui
necessariamente a cidadania do outro país, porém é um estabelecimento de vínculos culturais.
75% dos entrevistados são nascidos no Brasil, enquanto 25% nasceram no exterior (Líbano e Japão)
e vieram ainda jovens ao Brasil. A idade média dos entrevistados é de 47,2 anos. Quanto ao grau de
instrução, todos são alfabetizados e frequentaram a escola por no mínimo três anos, sendo que 55%
possui ensino superior completo. 71% residem nas cidades-gêmeas na divisa entre os estados do
Paraná e Santa Catarina: Porto União - SC e União da Vitória – PR. Um entrevistado (14,5%) reside
na cidade próxima de Caçador – SC e uma entrevistada (14,5%) reside na cidade de Prudentópolis,
no estado do Paraná. Em média, cada entrevistado fala três línguas, sendo 3 bilíngues, 5 trilíngues e
1 usuário de seis línguas. Por residirem no Brasil, todos utilizam, na maior parte do tempo, a língua
portuguesa.
As letras utilizadas nos gráficos correspondem às iniciais dos nomes das línguas utilizadas pelos
entrevistados, sendo: A = Alemão, Ar = Árabe, F = Francês, J = Japonês, P = Português, U =
Ucraniano.
Todos os entrevistados consideram-se brasileiros, mesmo os não nascidos nesse país. Estes
justificam sua resposta dizendo que já passaram a maior parte de suas vidas no Brasil e que se
consideram mais integrados à sociedade brasileira, além do fato de que os membros das outras
nações também os consideram assim. Os que nasceram no Brasil usam o fato como justificativa
para se considerarem pertencentes à nação brasileira, mas esta não é sua única justificativa; sua
noção de pertencimento parece estar mais vinculada às pessoas com quem convivem do que com o
país em si, extrapolando uma relação territorial. O entrevistado que utiliza seis línguas completou
sua resposta dizendo que, antes de considerar-se brasileiro, considera-se ―cidadão do planeta‖.
56 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Pergunta 2 – Em que língua se comunica com os seus familiares?
PeU
IeA
Sete entrevistados (77%) utilizam o Português para a comunicação em família, tendo restringido o
uso das outras línguas a algumas situações específicas com determinadas pessoas, como as
conversas com os sogros, ou a leitura de textos acadêmicos. Um entrevistado declarou utilizar cada
uma das suas diversas línguas com membros específicos da família, e uma entrevistada fala
Português e Ucraniano, com a mesma frequência, com seus familiares.
Essas respostas mostram, claramente, que a situação multilíngue está em constante movimento,
sendo que o uso que se faz de cada língua, bem como a frequência com que é usada, modificam-se
com o tempo. Alguns entrevistados foram usuários muito mais frequentes das línguas de imigração
enquanto crianças do que são hoje; outro passou a utilizar mais a língua estrangeira depois de
adulto, em virtude da carreira acadêmica. O multilinguismo não é apenas um estado, mas é também
um processo, e mesmo os valores atribuídos às línguas de um indivíduo variam com o tempo.
Mesmo utilizando mais o Português em detrimento das outras línguas, os entrevistados fizeram
questão de relacioná-las à formação de sua identidade, e estabeleceram com elas ligações afetivas.
Pergunta 3 – Você mantém estudos de uma das línguas, ou procura praticá-la com frequência?
Apesar de três entrevistados não manterem estudo formal de nenhuma das línguas, todos afirmam
procurar manter a prática da leitura em todas elas. Duas pessoas mantêm o estudo formal da língua
portuguesa, por motivos acadêmicos, e cinco afirmam continuar estudando pelo menos uma de suas
outras línguas, com propósitos bem específicos: desenvolver maior segurança, pois seu trabalho
exige a utilização dela; motivos religiosos; ensinar o idioma para os descendentes.
Todos os entrevistados parecem valorizar a continuidade do uso (se não do estudo formal) de todas
as suas línguas. Isso demonstra que lhes impõem valores positivos.
57 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Ar
AeP
FeP
JeP
PeU
Apenas quatro entrevistados afirmam identificar-se mais com a língua portuguesa, apesar de todos
terem afirmado, em sua primeira resposta, que se consideram brasileiros. Isso demonstra uma
discriminação entre a identificação nacional (política, territorial) e a identificação linguística, e nos
leva a deduzir que é possível encará-las separadamente, e que a cada uma relacionam-se variáveis
diferentes. Outra possível explicação é que existe uma relação acentuada entre a identidade e a
língua materna. A língua portuguesa, apesar da recorrência com que é utilizada atualmente,
representa para os que não a têm como língua materna algo de estrangeiro. A sua aprendizagem
possivelmente vinculou a ela uma noção de estranhamento, daquilo que é diferente e causa
perturbação.
Pergunta 5 – Como é sua relação afetiva com cada uma das línguas e com o que elas representam?
Em geral, os entrevistados sugerem que as línguas que são menos utilizadas e que não foram
formalmente aprendidas são consideradas difíceis. Apenas uma das pessoas equiparou duas de suas
línguas; a maioria, ao contrário, deixou claro que a cada uma delas relacionam-se representações
bem diferentes, que não se entendem como excludentes, mas como complementares, visto que
formam um conjunto que caracteriza a totalidade da identidade linguística do falante.
Ao falarem de relações afetivas, é constante a relação que se faz entre a língua e os seus falantes nas
respostas dos entrevistados; atribuem à língua um caráter que na verdade é atribuído às pessoas que
se utilizam dela, provavelmente baseados nos estereótipos culturalmente desenvolvidos. Um
exemplo disso é a resposta de que à língua alemã são relacionadas a precisão, a lógica e a
racionalidade.
Pergunta 6 – Que idéias ou representações você atribui a cada uma das línguas que fala?
Novamente observamos que os entrevistados distinguem cada uma das línguas atribuindo-lhes
representações diversas, sendo que apenas uma pessoa afirmou considerar duas delas equivalentes
na valorização. O Português aparece relacionado à irreverência e à diversão, mas também ao
trabalho e à comunicação social. As outras línguas são apresentadas, novamente, em caráter
secundário, relacionadas a alguns momentos mais breves de seu cotidiano.
Uma entrevistada afirmou perceber que seu comportamento é diferente, dependendo de que língua
está utilizando no momento.
Pergunta 7 – Que lembranças você tem da época em que aprendia cada língua?
58 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
A maioria dos entrevistados que nasceram no Brasil disseram não possuir lembranças da época em
que aprendiam o Português, por ser sua primeira língua. Apenas uma pessoa, por ter aprendido
primeiramente o Ucraniano em casa, lembra ter aprendido o Português à medida em que crescia,
brincando com as amigas da vizinhança. Um dos entrevistados que nasceu no exterior disse que foi
muito difícil aprender o Português, e que ainda tem dificuldades de comunicação com ele, apesar de
ter passado toda a sua vida adulta trabalhando no comércio no Brasil; já outro considerou a
aprendizagem do Português fácil, provavelmente porque antes de aprendê-lo já tinha passado pela
aprendizagem formal de duas outras línguas.
Um aspecto que se manifestou fortemente entre os entrevistados foi a sua noção de multilinguismo.
Muitos demonstraram sua insegurança em considerarem a si mesmos multilíngues, porque sabem
que não utilizam cada uma das suas línguas com a mesma proficiência ou com a mesma facilidade.
Ora, a idéia de que o ―verdadeiro‖ multilíngue desenvolve o mesmo alto grau de proficiência em
todas as suas línguas é um mito; a norma aponta para indivíduos que se utilizam de cada uma de
suas línguas em situações, graus e com propósitos diferentes, e bilíngues que utilizem suas duas
línguas igualmente muito bem são difíceis de encontrar. Conforme Herdina e Jessner (2002), um
multilíngue não equivale à soma de diversos monolíngues. Grosjean (1985) e Cook (1993)
apresentam o falante bilíngue ou multilíngue com uma configuração linguística específica, e Cook
critica o uso do falante nativo como norma no ensino de línguas. A idealização de que só se é
―verdadeiramente‖ multilíngue se em cada uma das línguas tiver sido desenvolvida proficiência
comparável à de um falante nativo daquela língua, além de não condizer com a realidade coloca-se
como uma barreira para que os indivíduos valorizem sua condição de usuários de várias línguas. A
continuidade da aprendizagem exige motivação e dedicação, que são seriamente afetadas pela
comparação com um ―falante ideal‖.
O Brasil é visto como um país que possui vocação plural, pelo motivo de a ele terem convergido
diversos povos com suas variadas informações culturais. Essa representação favorece a
possibilidade de um indivíduo, nascido no Brasil ou residente nele, conceber-se a si mesmo como
―brasileiro sim, mas também ...‖. Isso pode ser percebido na afirmação de um entrevistado, que diz
que em sua opinião o local de nascimento não é determinante na nacionalidade de uma pessoa, e
que ele se considera binacional. Como o processo de reivindicação de identidades envolve uma
distinção entre o ―eu‖ e o ―outro‖, percebe-se também, nessa pluralização, um afastamento, ainda
que parcial, do que constitui um brasileiro per se, visto que a identificação com ele não é o bastante
para a constituição identitária de nossos entrevistados. Ao mesmo tempo, o que lhe falta na
identificação com quem é apenas brasileiro não é suprido pelo pertencimento real (ou imaginado) a
outro país. Esse espaço é preenchido pela identificação com outros imigrantes e seus descendentes,
59 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
que possuem em comum o histórico da imigração, da infância em ambiente bi-cultural, ou com
outros bi- e multilíngues como eles. Um dos entrevistados afirma considerar-se também pertencente
à nacionalidade alemã, mas não possuir nenhuma obrigação para com o estado alemão.
Por meio dessas observações comprovamos ambas as nossas hipóteses, pelo menos com relação ao
nosso corpus limitado. Ainda outro fator que pesa no processo de formação identitária dos
multilíngues com histórico de emigração é como eles são vistos pelos estrangeiros que não
emigraram. Um entrevistado justificou seu pertencimento à nação brasileira pelo fato de que os
pertencentes ao seu país de origem o consideram brasileiro, e que sente seu pertencimento ao Brasil
como mais legítimo. Outro ainda identifica o tempo de permanência como determinante do maior
grau de pertencimento, visto que vive no Brasil durante mais tempo do que viveu em seu país de
origem.
Confirmamos pelas respostas de nossos entrevistados, como já observara Grosjean (1982, p. 177)
que as atitudes linguísticas são comumente confundidas com as atitudes que se tem para com os
falantes daquela(s) língua(s). Constantemente estabeleceram-se relações entre língua(s) e seus
falantes nas respostas dos entrevistados, em que estes atribuíam à língua um caráter que na verdade
é atribuído aos seus falantes. Os seguintes termos extraídos das respostas são exemplos: ―uma
língua que possui mais irreverência‖, ―uma língua mais divertida‖, ―o português possui um caráter
mais livre e desimpedido‖ ou ―os falantes de português possuem mais tato‖. Grosjean (op. c.)
também adverte para o fato de que numa comunidade onde várias línguas coexistem, as atitudes
linguísticas desempenham um papel muito importante nas vidas dos usuários dessas línguas, pois a
situação favorece diferentes valorações dadas a elas. Não pudemos constatar que o mesmo aconteça
com as várias línguas que coexistem nas vidas de um mesmo usuário; apesar de diferenciar o uso
que fazem delas, nossos entrevistados relutam em afirmar que valorizam mais uma língua do que as
outras.
Discussão final
Tecemos aqui algumas reflexões acerca das possíveis ligações entre o multilinguismo como
característica pessoal e suas implicações na noção de pertencimento ao meio que o multilíngue
expressa.
Em segundo lugar, quanto mais línguas se apresentam como constitutivas da identidade, mais
distantes se encontram as fronteiras políticas e mais liberdade existe em se reconhecer plural;
através de suas línguas, o multilíngue encontra muito mais semelhantes no mundo, o que lhe
21
Direito do solo. Princípio segundo o qual a pessoa tem a nacionalidade do país onde nasceu.
60 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
permite transpor mais barreiras de preconceito. A promoção do multilinguismo, portanto,
desenvolve relações de intercompreensão e de competência de comunicação intercultural.
Neste trabalho, mostramos alguns exemplos de um quadro cuja complexidade é muito maior do que
a que pudemos retratar. Existem muitos outros aspectos relevantes envolvidos nas relações entre as
noções de pertencimento dos multilíngues e as suas línguas, que merecem ser relatados e
analisados, preferencialmente com base num número maior de textos do que a nossa amostra neste
trabalho.
Agradecimento
Os autores agradecem à Fundação Araucária pelo financiamento desta pesquisa, e aos entrevistados
por seu tempo e disposição.
Referências
HAARMAN, H. Identität. In: GOEBLE, H.; NELDE, P.; STARÝ, Z.; WÖLCK, W. (Eds.)
Kontaktlinguistik: ein internationales Handbuch zeitgenössischer Forschung. Berlim, 1996, p. 218
– 233.
HARRIS, Catherine L.; GLEASON, Jean Berko; AYÇIÇEĞI, Ayşe. When is a first language more
emotional? Psychophysiological evidence from bilingual speakers. In: PAVLENKO, Anetta.
Bilingual minds: emotional experience, expression and representation. Multilingual Matters, 2006,
p. 257 - 273.
HIRSCHFIELD, Lawrence A. Race in the making: cognition, culture, and the child’s construction
of human kinds. MIT Press, 1998.
KROSKRITY, Paul V. Identity. In: DURANTI, Alessandro (Ed.) Key terms in language and
culture. Wiley-Blackwell, 2001.
61 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
PEIXOTO, Clarice Ehlers. Envelhecimento e imagem: as fronteiras entre Paris e Rio de Janeiro.
Annablume, 2000.
ROSS, Michael; XUN, W. Q. Elaine; WILSON, Anne E. Language and the bicultural self.
Personality and Social Psychology Bulletin, v. 28, n. 8, 2002, p. 1040 – 1050.
SCHRAUF, Robert W.; RUBIN, David C. Bilingual autobiographical memory in older adult
immigrants: a test of cognitive explanations of the reminiscence bump and the linguistic encoding
of memories. Journal of Memory and Language, 39, 1998, p. 437 – 457.
SEYFERTH, Giralda. Os alemães no Brasil: uma síntese. Parte da reportagem Brasil: migrações
internacionais e identidade. 2000. Disponível em:
http://www.comciencia.br/reportagens/migracoes/migr18.htm. Acessado em 09 Ago. 2009.
SILVA, Alexander Meireles da. O conto de fada e a problemática do pertencimento social. Revista
Espaço Acadêmico, N. 39, Agosto de 2004.
62 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Vitor Sartor
Alessandra Carneiro
Sabrina D. Sander23
INTRODUÇÃO
Com uma topografia que permite a apenas 5% de seu limite territorial ser propício ao implemento da
atividade agrícola, há o favorecimento da existência de extensas áreas fragmentadas com parte da
composição florística original em estágio sucessional secundário, e a presença de animais que ali
protegem-se e sobrevivem.
Com o intuito que se conheça o potencial faunístico destas áreas e cujas espécies podem funcionar
como bancos de repovoamento ou corredores ecológicos, objetivou-se estender para a região estudos
entomológicos analisando diversidade, abundância, constância, frequência, dominância de
Cerambycidae das espécies Batus hirticornis e Chydarteres dimidiatus dimidiatus, de acordo com as
características ambientais dos locais amostrados.
Tais dados podem auxiliar a implantação de políticas de preservação e proteção ambiental pela
contemplação da diversidade biológica e possível confirmação destas como espécies chaves,
Väisänen e Heliövaara (1994) já relatam a importância da disponibilização deste tipo de dados
22
Depto. Ciências Biológicas Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras – FAFI, União da Vitória, Praça Cel.
Amazonas, s/nº Centro,CEP 846000-000,fone (42) 3522-4433. e-mail: dwoldan@yahoo.com.br,
vitorsartor@yahoo.com.br, alecarneiro@yahoo.com.br.
23 Universidade Federal de Pelotas. Instituto de Biologia, Depto. de Zoologia e Genética, Lab. de Ecologia de Insetos,
96010-900 -- Caixa-Postal: 354, Pelotas, RS
24 Centro de Ciências Agro-Ambientais e de Alimentos Universidade Comunitária de Chapecó - UNOCHAPECÓ, Av.
Atílio Fontana, 591, Bairro Efapi, CEP 89809-000 Cx 747, fone (49) 3321-8000. flaviog@unochapeco.com .br,
vanessabiomar@yahoo.com.br.
63 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
obtidos por levantamentos faunísticos.
MÉTODOS
De acordo com Hort (1990) e Rocha (2003) o município de União da Vitória, com uma extensão
territorial de 786 Km2, e altitude média de 752 m, em sua maioria, faz parte do Terceiro Planalto.
Nele predomina o clima subtropical mesotérmico úmido, tipo Cfb, de acordo com a classificação de
Köeppen, e a cobertura vegetal é de Ombrofila Mista com penetração de mata pluvial subtropical.
Sobre a área de amostragem houve caracterização não fitossociológica que determinou ser
constituída, de mata em processo de sucessão secundária, com presença de espécies primárias, como
o branquílio (Sebastiania commersoniana, e aroeira (Schinus terebinthifolius), grande quantidade de
espécies secundárias como: cerejeira (Eugenia involucrata), vassourão preto (Vernonia discolor),
tarumã (Vitex montevidensis), uma espécie bastante melífera e cuja presença é indicativa de
regeneração vegetal, juntamente com a carobinha (Jacaranda puberula), Inahpindá, erva-mate (Ilex
paraguariensis), camboatã (Matayba elaeagnoides) e miguel pintado (Cupania vernalis), baga-de-
viado, avarana, cafezeiro do mato (Casearia sylvestris),. Guamirins (Siphoneugeana densiflora),
jerivás (Syagrus romanzoffiana) que apresentam idade aproximada de 30 anos.
Frutíferas nativas como o ingá (Inga spp.), araticum verde (Rollinia sp.) e amarelo (Rollinia
silvatica) e a guaviroveira (Campomanesia xanthocarpa), disputam espaço com exóticas como as
ameixeiras (Eriobotrya japonica) e a uva-japão (Hovenia dulcis). Solanáceas como fumeiro
(Solanum granulosoleprosum), ou as urtigas (Urera baccifera) e o xaxim (Dicksonia sellowiana)
ocupam espaços entre as árvores de maior porte e ainda há a presença de bromélias o que indica local
úmido.
Levantaram-se neste espaço, no período compreendido entre outubro de 2005 e outubro de 2006,
semanalmente, dados da fauna de insetos em um estrato de vegetação relativo às espécies que sendo
voadoras, vivem no espaço que vai do solo à altura de 1,20m, incluindo a vegetação rasteira e de
parte do sub-bosque. Na área central de vegetação arbórea (―A‖, 26o 14´33,3´´S, 51 08´50´’W,
altitude de 820m), foram instaladas uma armadilha do tipo Malaise (TOWNES 1972), e no seu
entorno, 10 frascos com melaço, modelo proposto por Nakano e Leite (2000) com um espaçamento
médio entre uma e outra de 10 m. No ecótene ou bordadura (―B‖ 26o 14´31.1‖S, 51 08´45.0’’W,
altitude de 771m) com plantas arbóreas mais esparsas, entremeadas por gramíneas e exemplares de
Merostachys multiramea, da mesma forma foram distribuídos os dois tipos de armadilha.
Totalizaram-se 240m de área de coleta em fragmento total de 50 hectares (Figura 1).
A dominância foi calculada sobre o limite de dominância (LD 1/ nº indivíduos coletados X 100). A
frequência relativa das espécies (DAJOZ, 1973) teve seu resultado comparado ao intervalo de
confiança e gerou resultados compreendidos entre pouco frequentes, frequentes e muito frequentes.
64 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
(F = N / T x 100, onde: F = índice de frequência. N= número total de indivíduos de cada espécie. T =
número total de indivíduos de todas as espécies). Para analisar a correlação entre dados
meteorológicos e a abundância das famílias, vale-se da frequência de captura destas ao longo dos
meses de amostragem e dados de pluviosidade, umidade relativa e temperaturas máxima e mínima
do período, fornecidos pela estação meteorológica do estado, SIMEPAR que sofreram análise de
Correlação Linear através do Programa Statistica,versão 97.
Figura 1 - Croqui da distibuição das armadilhas nas áreas de coleta do município de União da
Vitória – Paraná. Onde: armadilha de melaço, armadilha Malaise, espaço entre frascos
melaço e Malise 10m, espaço médio entre áreas 200m.
65 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
RESULTADO E DISCUSSÃO
A diversidade, 0,98 para ―A‖ e 1,2 para ―B‖, auxiliam na confirmação de que os locais amostrados
suportam comunidades de Cerambycidae estreitamente relacionados, enquanto a equitabilidade
(LUDWIG; REYNOLDS, 1988) revela uniformidade de distribuição do número de exemplares entre
as espécies, (0,60 ―A‖ e 0,74 ―B‖).
A análise faunística empregada (Tabela 1) aponta ambas as espécies consideradas como dominantes.
Segundo Silveira Neto et al. (1972) dominância é a ação exercida pelos organismos de uma
comunidade, estes, portanto, são capazes de receber o impacto do meio ambiente e mudá-lo podendo
influenciar no aparecimento e desaparecimento de outras espécies. Nesta ambiente, podem estar se
comportando como espécies chave.
â T
Táxon Area Total Abundância Constância Dominância Frequência
Chydarteres Muito
dimidiatus dimidiatus A 51 abundante Constante Dominante Frequente
Muito Muito
B 23 abundante Constante Dominante frequente
Muito
Batus hirticornis A 71 abundante Constante Dominante Frequente
Muito Muito
B 28 abundante Acessória Dominante frequente
Dentro da área central de estudo a dominância total (0,40), indicou que sete espécies apresentaram-se
dominantes, e correspondem 79,3% de todos os exemplares coletados. Entre estes exemplares estão,
Chidarteres dimidiatus dimidiatus, Batus hirticornis. A dominância em ―B‖ (0,26) relaciona-se
diretamente a uma distribuição mais uniforme dos indivíduos nas espécies assinaladas. Pinto-Coelho
(2000) observa que poucas espécies que atuam como dominantes são estenotópicas, ou seja, elas
possuem uma maior distribuição nos diferentes habitats.
O fato das duas espécies apresentarem-se muito abundantes pode estar associado ao método
específico de amostragem ou armadilha de melaço (72 C. dimidiatus dimidiatus e 95 B. hirticornis)
que tende a coletar indivíduos adultos fêmeas que se alimentam de substâncias açucaradas, ou
66 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
néctares, hábito apresentado por ambos. Constata-se pela avaliação botânica, que existem espécies
bastante melíferas e em grande quantidade como Sebastiania commersoniana, Zanthoxylum
rhoifolium, Cupania vernalis, Vitex montevidensis, Hovenia dulcis, que proporcionam vasta fonte
alimentar para estas.
Baseado no número total de coletas por área em ―B‖ ambas as espécies se mostraram muito
frequentes, C. dimidiatus dimidiatus, no entanto foi mais constante sendo registrado em oito dos
meses amostrais enquanto B. hirticornis foi registrado em apenas 5 coletas o que lhe conferiu o
status de acessória. Na área ―A‖o número mais expressivo de indivíduos totais coletados, apontou
as duas espécies como frequentes e constantes visto estarem presentes em oito dos meses
amostrados. Acredita-se que ambas encontram-se bem adaptadas ao espaço geográfico e suas
amplitudes ecológicas lhes permite suportar as variações climáticas, bem como de diversidade de
vegetação da área central e de bordadura.
Silveira Neto (1976) afirma que o clima influencia a constituição de um ecossistema e que as
variações do tempo alteram as respostas dos organismos tanto direta quanto indiretamente, sendo um
dos principais fatores ecológicos a temperatura. Os dados meteorológicos levantados, indicam a
tempertaura ideal nos meses de novembro (máxima = 23,2ºC; mínima= 15,3 ºC), dezembro (máxima
= 24,1ºC; minima = 17,6ºC), janeiro (máxima = 26,4ºC; minima = 20,1º) e fevereiro (máxima =
24,9ºC; minima = 19,3ºC). O mês de maio apresentou o menor número de coletas e também as
temperaturas mais baixas chegando a 0,74ºC negativos; os poucos exemplares coletados referem-se a
primeira e quarta semanas quando as oscilações de temperatura chegaram a 24ºC. Não obstante, os
outros meses de pouca coleta, junho e julho, tiveram como temperatura máxima registrada a faixa de
18ºC. A análise de regressão linear gerada permitiu constatar que a temperatura máxima teve
influência positiva sobre as nossas duas populações consideradas, a temperatura mínima influenciou
por sua vez, negativamente (Tabela 3).
A umidade relativa do ar gera influência ecológica criando zonas favoráveis aos insetos, na faixa
compreendida entre 40-80%. Durante o período de amostragem ocorreu uma precipitação total
baixa, mas a umidade manteve-se alta. O mês de maio apresentou a menor precipitação com apenas
5,2 mm ocorrido em apenas um dia, no entanto, a umidade relativa se fez alta (85,5%) e em abril
(83,4%), devido à presença de um grande corpo hídrico, o Rio Iguaçu e o fenômeno da neblina.
Dezembro de 2005 apresentou a umidade relativa do ar mais baixa, 78,5%. O mês que apresentou
maior precipitação foi o de outubro de 2005 com 265 mm. Considerando que a precipitação total
do período de estudos não ultrapassou 1.062,2 mm, este representou sozinho 24% do total. A
umidade relativa atuou negativamente sobre os níveis populacionais de B. hirticornis, C. dimidiatus
dimidiatus.
Espécie R2 Umid. rel. (%) Temp. máx. (ºC) Temp. mim. (ºC)
Batus hirticornis 0,57 -0,41 0,89 -0,91
Chydarteres dimidiatus dimidiatus 0,35 -0,49 0,46 -0,03
A espécie Chidarteres dimidiatus dimidiatus que apresentou-se muito freqüente, muito abundante,
constante e dominante, não foi assinalada apenas em maio e julho. As freqüências variaram de 1% a
27% e a captura aconteceu principalmente com armadilha específica.
Bastante generalista, quanto aos hábitos alimentares, o Chydarteres dimidiatus dimidiatus, é citado
numa ampla lista de hospedeiros (DUFFY, 1960; SILVA et al. 1968; COSTA et al. 1992a),
podendo-se citar as lauráceas como a canela preta (WITECK NETO; LINK, 1997), presentes na
área de coleta, Eucaliptus sp por Berti Filho (1997) e frutíferas como o pessegueiro (GARCIA;
CORSEUIL 1998/99) ou ainda carpófago. Witeck Neto e Link (1997) assinalaram seu pico
populacional em novembro, mesma época assinalada neste trabalho. A distribuição da espécie em
praticamente todos os meses de coleta pode ser associada a grande quantidade de lauráceas, Ocotea
sp, e sua ampla época de frutificação, que nas variadas espécies pode ir de maio a março do ano
seguinte. O pico populacional deste cerambicídeo acontece entre novembro e dezembro, mesma
época em que frutifica Ocotea minarum (LORENZI, 2000).
CONCLUSÃO
68 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
- Batus hirticornis e Chidarteres dimidiatus dimidiatus são espécies dominantes, freqüentes ou
muito freqüentes e geralmente constantes.
- As populações tiveram seus picos na primavera e verão, e coincidiram com a época de frutificação
das espécies hospedes
- A temperatura máxima teve influência positiva sobre as duas populações, enquanto a umidade
relativa negativa.
- Batus hirticornis e Chidarteres dimidiatus dimidiatus podem estar funcionando como espécies
chave no ecossistema Ombrófila Mista.
REFERENCIAL
Arnett, R.H. 1963.The Beetles of the United States (A manual for identification). Washington:
the Catholic University of America Press.
Costa, E.C.; Link, D.; Grutzmacher, A.D.; Almeida, R.S. DE. 1992. Cerambicídeos associados a
essências florestais e ornamentais. 1. Trachyderes (Latu sensu) spp. In: Congresso Florestal
Estadual, 7, Nova Prata-RS, Anais... Nova Prata: Prefeitura Municipal/Secretaria da Agricultura e
Abastecimento /EMATER/CIENTEC/UFSM, 1992 a. p. 838-847.
Duffy, E.A.J. 1960. A monograph of the immature stages of the neotropical timber beetles
(Cerambycidae). London: British Museum (Natural History), 327p. + 13 pranchas.
Lawrence, F.A. Hasting A.M. Dallwitz, M.J., Paine, T.A. Zurcher, E.J. 1999. Beetles of the word.
A key and information system for families and subfamilies. Version 1.0 for MS Windows, CSIRO
Publishing Melbourne.
Ludwig. J.A.; Reynolds J.F. 1988. Statistical Ecology. A Primer on methods and computing. New
York: John Wiley e Sons, INC. 337 p.
Martins, U.R. 1997. Cerambycidae Sul-Americanos. Vol. I. São Paulo: Sociedade Brasileira de
69 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Entomologia, 217 p.
Nakano O.; Leite, C. A. 2000. Armadilhas para insetos: pragas agrícolas e domésticas.
Piracicaba: FEALQ, p.76
Palhares J.M. 2004 Paraná: aspectos da geografia (com fundamentos da geografia do Brasil), 3
ed, Foz do Iguaçu: GRASMIL, Gráfica São Miguel Ltda, CIP,-BRASIL Catalogação na Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Pielou, E.C. 1975. Ecological diversity. New York: John Wiley e Sons.
Rocha, P.S.M. 2003. Estratégias de desenvolvimento sustentável para o turismo local: um estudo de
caso do projeto turístico de União da Vitória –Paraná, 2003, 125 p. (Dissertação de mestrado, não
publicada), Centro Universitário Positivo – UNICENP, Curitiba, Paraná.
Root, R.B.1973 Organization of a plant-arthropod association in simple and diverse habitats: the
fauna of collards (Brassica oleracea). Ecological Monographs n. 43 p. 95-124.
Silva, A.G.A.;Gonçalves, C.R.; Galvão, D.M. 1968. Quarto Catálogo dos insetos que vivem nas
plantas do Brasil seus parasitos e predadores. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura/Laboratório
de Patologia Vegetal, parte 2, tomo 1, 622 p.
Silveira Neto, S., Nakano, O.; Barbin, D.; Villa Nova, N. A.1972. Manual de ecologia dos insetos,
Piracicaba, São Paulo: Editora Agronômica Ceres LTDA. 419 p.
Southwood, T.R.E. 1961 The number of species of insect associated with various trees. Journal of
Animal Ecology n. 3, p.01-08.
Witeck Neto,L.; Link, D.1997. Cerambycidae associados a Lauraceae, na região central do Rio
Grande do Sul, Brasil, Ciência Florestal, Santa Maria, v.7, n.1, p. 33-39.
AGRADECIMENTOS
Aos professores, Dra. Dilma Napp e o Dr. Renato Marinoni, da Universidade Federal do Paraná pelo
auxílio na identificação das espécies; Aos acadêmicos, Vanessa Cruz, Vitor Sartor, Sabrina Sander,
Alessandra Carneiro, Mary Ellem e Luiz Felipe pelo auxílio no campo e laboratório; A famíla Brixi,
em especial Dona Marta, que nos cedeu a área para as coletas; A UNOCHAPECÓ, pela concessão
de bolsa parcial, e em especial a Secretaria e Coordenação do Mestrado; A FAFI, de União da
Vitória, pela disponibilização de recursos materiais e apoio institucional.
70 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Introdução
O morangueiro pertence à família Rosaceae, que engloba grande número de espécies de clima
temperado, economicamente importantes em fruticultura. O morango é produzido e apreciado nas
mais variadas regiões do mundo, sendo a espécie do grupo das pequenas frutas de maior expressão
econômica. Segundo Resende et al. (1999), trata-se de uma cultura de grande importância social,
em função da alta demanda de mão-de-obra e do elevado rendimento por área.
Segundo Miquelão et al. (1994), as cultivares existentes em nossos dias são um produto da
civilização, obtidas através de hibridações e seleções. Assim, o morangueiro cultivado (Fragaria x
ananassa Duch) foi obtido de cruzamento entre as espécies Fragaria chiloensis, Fragaria
virginiana e Fragaria ovalis, todas oriundas do continente americano (PASSOS, 1991). A cultivar
Camarosa, originária da Universidade da Califórnia, possui ciclo de produção precoce, alta
capacidade de produção de frutos grandes e uniformes, próprios para consumo in natura e
industrialização (SANTOS, 2003).
Um dos principais problemas na cultura do morango é a incidência de doenças, que podem aparecer
em várias fases do ciclo da cultura, atacando desde a muda recém plantada até os frutos na fase final
de produção (FADINI, ALVARENGA, 1999). Darolt (2000) afirma que em um sistema
convencional o morangueiro pode receber em média 45 pulverizações com agrotóxicos, motivo
pelo qual já se encontra na lista negra dos alimentos campeões de resíduos químicos.
Longo (1987) afirma que o húmus produzido pelas minhocas possui muitas bactérias e
microrganismos, os quais irão facilitar a assimilação dos nutrientes pelas raízes. Apresenta ainda a
vantagem de ser neutro, uma vez que as minhocas possuem glândulas calcíferas que transformam o
húmus e a matéria orgânica utilizada em material neutro, facilitando a correção do solo.
25
Graduada em Ciências Biológicas e Especialista em Manejo Integrado de Fauna e Flora pela Faculdade Estadual de
Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória (PR).
26
Graduada em Engenheira Florestal e Mestre em Ciências Florestais pela Universidade Federal do Paraná.
71 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Leonardos et al. (1976), apontam para o uso de rocha moída, principalmente o basalto,
recomendando como uma possível fonte de macro e micronutrientes, podendo levar ao
rejuvenescimento de solos muito intemperizados. Segundo Resende et al. (2002) os basaltos são
considerados rochas básicas, que contribuem para a fertilidade dos solos em função do predomínio
de minerais ricos em cátions, destacando-se os feldspatos cálcio-sódicos e piroxênios.
Material e Métodos
O experimento foi instalado em abril de 2006, na localidade de Rio Azul - PR, com a variedade de
morangos Camarosa, procedente do Chile. As mudas foram plantadas em canteiros (parcela) de
0,60 m de largura por 5 m de comprimento, com 40 mudas em fileira dupla. Empregou-se
delineamento experimental em blocos ao acaso (DBC), com três repetições das quais foram
sorteadas 10 plantas úteis por parcela.
O húmus de minhoca foi produzido a partir de esterco de gado, de eqüinos e minhocas vermelhas da
Califórnia (Eisenia foetida).
Também foi realizada análise de mineralogia da rocha in natura do basalto pelo mesmo laboratório,
apresentando 30% de Plagioclásio, 20% de Anfibólio, 15% de Argilominerais, 15% de Calcita, 10%
de Hematita, 10% de Pirogênio e traços de Clorita.
Os tratamentos foram misturados ao solo dos canteiros no mês de abril, e somente em meados de
maio realizou-se o recobrimento com filme plástico de polietileno preto 150 mm de espessura e
plantio das mudas. Os caminhos entre os canteiros foram cobertos por acículas de Pinus. Foi
adotado sistema de irrigação por gotejamento, acionado a cada dois dias ou de acordo com a
necessidade.
A avaliação ocorreu no período de uma semana, com início em 28 de outubro de 2006. As variáveis
analisadas foram a quantidade e o peso de morangos por planta. Para obtenção do peso dos
morangos foi utilizada uma balança analítica com precisão de 0,1 g. Também foi realizada a análise
de acúmulo de nutrientes foliares no período de colheita seguindo recomendação de Freire (2005).
Para cada tratamento foi constituída uma amostra em cada repetição, preparada com três folhas de
cada pé de morango avaliado. As análises de teores de nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio,
magnésio, ferro, manganês, zinco, cobre e boro foram realizadas pelo laboratório de Nutrição
Vegetal da EPAGRI de Caçador – SC.
72 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
Os dados obtidos foram submetidos ao teste de Bartlett para verificação da homogeneidade das
variâncias, seguido da análise de variância. Como o teste demonstrou variâncias homogêneas, foi
realizado teste de comparação de médias (teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade). O
programa utilizado para as análises foi o Assistat Versão 7.4 beta.
Resultados e Discussão
De acordo com a análise de variância para o efeito dos tratamentos pode ser observado que, para as
características quantidade e peso de frutos, houve influência significativa dos tratamentos
utilizados: T1 - Testemunha, T2 - Húmus de minhoca, T3 - Húmus de minhoca + Pó de basalto, T4
- Pó de basalto e T5 - NPK.
Quanto à característica quantidade de frutos colhidos no período de uma semana (Figura 1), os
tratamentos NPK (3,81 frutos), Húmus de minhoca + Pó de basalto (3,71 frutos) e Pó de basalto
(3,17 frutos) apresentaram os maiores valores médios, diferenciando-se estatisticamente dos
tratamentos Testemunha (2,40 frutos) e Húmus de minhoca (2,38 frutos).
FIGURA 1: Médias de quantidade de frutos de morango colhidos por planta no período de uma
semana, 165 dias após o plantio.
* Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey ao nível de
significância de 5%.
A produção média em peso de frutos por planta ao longo do período de uma semana (Figura 2)
também foi significativamente superior para as plantas cultivadas com NPK (61,02 g) em relação a
Testemunha (39,32 g) e tratamento somente com Húmus de minhoca (43,47 g). Os tratamentos com
Húmus de minhoca + pó de basalto (51,18 g), e Pó de basalto (55,63 g) obtiveram médias iguais
estatisticamente a todos os demais tratamentos.
73 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
FIGURA 2: Médias de peso (g) de frutos de morango colhidos por planta no período de uma
semana, 165 dias após o plantio.
*Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey ao nível de
significância de 5%.
As plantas cultivadas com NPK obtiveram maior produção no período avaliado, com colheita de
1711,61 g, seguido do tratamento com Pó de basalto, com 1515,59 g. A testemunha produziu
1340,29 g no período de uma semana (Figura 3).
74 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
FIGURA 3: Produção de frutos de morango em gramas colhidos no período de uma semana, por
tratamento e dia de colheita, 165 dias após o plantio.
Para o presente estudo, o uso do pó de basalto, com e sem húmus de minhoca, proporcionaram
resultados de produção próximos às plantas adubadas com NPK. Segundo Kudla et al. (1996) os
pós de rocha tem sido citados como substituinte de fertilizantes químicos, pois aparentam contornar
os gastos com a fertilização e diminuir o consumo de energia que é necessário para a produção de
fertilizantes. Theodoro (2000) afirma que o custo com a utilização de pós de rocha é quase vinte
vezes menor que a aplicação de insumos convencionais, e com sua aplicação não há necessidade de
adubações frequentes, além de vantagem ambiental sobre o NPK. A autora explica que os pós de
rocha, ao contrário dos adubos convencionais, não são prontamente solúveis em água, não sofrendo
fortemente a lixiviação, e com essas condições podem ser considerados um adubo agroecológico.
A Tabela 1 apresenta os resultados referentes aos teores de nutrientes nas folhas de plantas
crescidas nos cinco tratamentos.
TABELA 1: Média da análise foliar realizada em três amostras de folhas de morango de cada
tratamento, 180 dias após o plantio.
N P K Ca Mg Fe Mn Zn Cu B
Tratamento
g/Kg mg/Kg
T1 – Testemunha 28,80 a 2,66 a 14,50 a 10,46 a 5,30 a 169,33 a 176,00 ab 176,66 a 7,66 a 40,00 a
T2 – Húmus 28,10 a 2,76 a 15,40 a 9,10 a 4,90 a 131,00 a 187,33 ab 145,00 a 7,33 a 31,66 ab
T3 – Húmus + Pó de basalto 27,30 a 2,73 a 15,36 a 9,80 a 4,83 a 152,33 a 149,00 b 146,66 a 7,00 a 28,33 b
T4 – Pó de basalto 28,53 a 2,73 a 14,03 a 10,53 a 5,23 a 123,33 a 175,33 ab 167,00 a 6,66 a 30,66 ab
T5 – NPK 27,70 a 2,63 a 17,26 a 8,83 a 4,90 a 172,33 a 260,66 a 167,33 a 7,66 a 30,00 ab
Faixa adequada de acordo com RAIJ
15 a 25 2a4 20 a 40 10 a 25 6 a 10 50 a 300 30 a 300 20 a 50 5 a 20 35 a 100
et al. (1996)
Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste de Tukey ao nível de significância
de 5%.
Comparativamente aos valores da faixa de suficiência proposta por Raij et al. (1996), observa-se
que os teores de nutrientes obtidos neste trabalho são adequados apenas para Fósforo, Ferro,
Manganês e Cobre. Em todos os tratamentos, os elementos Potássio e Magnésio estão pouco abaixo
do recomendado, Nitrogênio um pouco acima, e Zinco bem acima do adequado.
O elemento cálcio foi encontrado em maior concentração foliar no tratamento com Pó de basalto
(10,53 g/kg) valor dentro da faixa considerada adequada por RAIJ et al (1996). Já o menor valor foi
encontrado em folhas de plantas cultivadas com NPK (8,83 g/kg), teor considerado fora da faixa
recomendada. Estes resultados refletem as composições de origem das adubações utilizadas. As
75 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
análises realizadas na rocha basalto confirmam a presença de boa quantidade de cálcio, a análise
química apresentou 9% de CaO, e a análise minerológica 15% de Calcita (CaCO3).
Embora tenham sido encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os teores de Boro
nas folhas de plantas cultivadas sob diversas adubações, a magnitude dessas diferenças é muito
pequena. Destacam-se os menores teores desses elementos encontrados em folhas de plantas
cultivadas com Húmus de minhoca + Pó de basalto (28,33 g/Kg) e maiores valores na Testemunha
(40 mg/Kg). Resende et al. (2002) afirmam que os pós de basalto tendem a ser mais ricos em Fe, P,
Ca, Cu e Zn e, por outro lado mais pobres em B e Mo.
Conclusões
Referências
FREIRE, C.J. da S. Manual de coleta de amostras de folhas, para diagnose nutricional, das
principais frutíferas cultivadas no RS e em SC. Pelotas : Embrapa Clima Temperado, 2005. 18p.
KUDLA, A.P. et al. (Três autores). Efeito do uso do pó de basalto em um cambissolo álico sobre
o solo e crescimento de trigo. Revista Agrárias, Curitiba, v.15, n.2, p.187-195, 1996,
LONGO, A.D. Minhoca de fertilizadora do solo a fonte alimentar. São Paulo : Ícone, 1987. 79p.
76 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R
ENSINO E PESQUISA N.7 / 2010
MIQUELÃO, R.M. et al. (Quatro autores). Influência de três fontes de adubação em cobertura
na emissão de estolões em morangueiro. Sob Informa, v.13, p.33-35, 1994.
RAIJ, B. et al. (Quatro autores). Recomendações de adubação e calagem para o Estado de São
Paulo. Campinas : Instituto Agronômico - Fundação IAC, 1996. 285p. (Boletim Técnico, 100).
RESENDE, M. et al. Pedologia: bases para distinção de ambientes. Viçosa, 2002. 338p.
RONQUE, E.R.V. Cultura do morangueiro: Revisão e prática. Curitiba : EMATER - PR. 1998.
206p.
SANTOS, A.M. Cultivares. In: SANTOS, A.M.; MEDEIROS, A.R.M. (Ed.) Morango: produção.
Pelotas : Embrapa Clima Temperado; Brasília : Embrapa Informação Tecnológica, 2003. p.24-30.
(Frutas do Brasil, 40).
SILVA, A.C.F. da. et al. (Três autores). Produção de hortaliças em sucessão de culturas: cultivo
convencional x orgânico. Revista brasileira de agroecologia, Chapecó, v.2, n.1, p.606-609, fev.
2007.
77 | F A F I U V & I E P S – U N I Ã O D A V I T Ó R I A / P R