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TE

TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA
ÁRISSON SANDRO CARLOS

HUMANIZA CURSOS /EAD


GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA EAD
ÍNDICE
Introdução: Vertentes que influenciaram a teologia do séc XX 1. 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. Fase
Racionalista ou Iluminista Racionalista Deísmo Iluminismo Principais temas em debate

2. Fase Romantista ou Modernismo


2.1 Imannuel Kant
2.2 Um novo conjunto de pressupostos religiosos para o homem moderno.
2.3 A autonomia do homem e sua influência no pensamento religioso moderno.
2.4 O relativismo de David Hume e sua influência na filosofia kantiana.
2.5 O confinamento de Deus na teologia contemporânea.
2.6 As idéias deístas na filosofia da emancipação e sua influencia na teologia contemporânea.
2.7 Uma separação radical entre história e fé.

3. Friedrich Schleiermacher.
3.1 Ritschl e sua escola.
3.2. Adolf von Harnack da escola de Ritschl.
3.3 Hegel e os idealistas.
3.4 Ferdinand Christian Baur.
3.5 David Friedrich Strauss.

4. Dialética de Karl Barth e a revolta contra o Liberalismo Teológico.


4.1 Neo-ortodoxia: Analisando os pressupostos teológicos do novo liberalismo
4.2 Objeções à neo-ortodoxia.

5. Crítica da Forma: O método investigativo de Rudolf Bultman.


5.1 O método investigativo da crítica formal.
5.2 Objeções ao método crítico de Rudolf Bultmamm
5.3 Desmitologização: O método interpretativo de Rudolf Bultmann

6. Heilsgeschichte: A escola teológica do Dr. Oscar Cullmann


6.1 O pensamento de Cullman e a ortodoxia teológica.

7. Teologia Secular: Robinson, Cox e Buren: Uma teologia do mundo para o homem moderno.
7.1 A postura da teologia secular.
7.2 Avaliação da teologia secular.

8. Ética Situacional: Joseph Fletcher e um novo conjunto de valores para o homem moderno.
8.1 Conhecendo os pressupostos da nova moralidade.
8.2 Uma análise da nova moralidade religiosa.

9. Teologia da Esperança: Jurgen Moltmann e a análise escatológica existencial.

10. Teologia da história: Wolfhart Pannenberg e a teologia histórica da ressurreição.

11. Pannenberg e a ressurreição de Cristo.

12. Teologia da Evolução: Teilhard de Chardin e o darwinismo teológico.


13. Teologia do Processo: Dr. Charles Hartshorne e a Teologia do Deus Finito.

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14. Pressupostos da teologia de Paul Tillich.

15. Teologia da Libertação: Uma resposta teológica à crise econômica e social Latino-Americana.

16. Pentecostalismo: Parham, Seymour e o avivamento místico-pietista do século XX.

17. Neopentecostalismo: Misticismo, pragmatismo e culto à Mamom.

18. Glossário Teológico Contemporâneo.

Conclusão

INTRODUÇÃO
A Teologia Contemporânea trata do estudo acerca da teologia mais particularmente do Século
XX. Esse século esteve comprometido com uma pluralidade de ―teologias, de caminhos e de
muitas reflexões sobre o mundo, sobre Deus e o homem.
De início, há a necessidade de uma passagem reflexiva pelo período medieval, ainda que de
modo conciso, no que tange aos debates teológicos e seus grandes expoentes.
Depois, em evidência, a Reforma Religiosa com suas propostas renovadoras, não no sentido de
se estabelecer novas doutrinas, mas de reaver a natureza e sentido da Bíblia como padrão de fé
e prática da Igreja. Sobre a salvação e o papel da Igreja, se constituem algo de extrema
importância nesse cenário, respectivamente. Entretanto, o que era para ser renovado,
transformou-se numa divisão de segmentos eclesiais, fazendo surgir posturas diversas em
relação a vários pontos doutrinários. Antes de se refletir sobre a teologia do Século XX, é
imprescindível verificar que a Teologia Contemporânea tem suas bases assentadas no Século XIX.
Immanuel Kant sistematizou a confiança do homem moderno na capacidade da razão para tratar
de todo o material em sua capacidade e em sua incapacidade para ocupar-se do que vai mais
além. Assim, um novo conjunto de pressupostos religiosos moldou o pensamento do homem
moderno. O Iluminismo qualificou os séculos XVII e XVIII, constituindo a história intelectual do
Ocidente. Enquanto a cosmologia da Idade Média era percebida como um sistema orgânico, na
modernidade tudo passou a ser relativo, fragmentado. A era da razão toma corpo, de modo que
o homem passou a ser visto como o centro do universo. Deus já não era mais visto como o autor
da criação, e se era, não interviria nela; a religião não mais doutrinava a vida humana, mas a
produção científica.
A Teologia Contemporânea é a teologia do Século XX. Em sentido real, nasceu em 1919. Seu
iniciador foi um jovem pastor, Karl Barth (1886-1968). É ele um novo pivô teológico na história,
o anúncio de uma nova era teológica, considerando como marca o seu Comentário da Carta de
Paulo aos Romanos, em 1919. Uma análise não só em Barth, mas também em muitos outros
expoentes faz justiça à natureza da matéria.

OBJETIVO GERAL Conduzir o estudante de Teologia à reflexão sobre os principais pontos da


Teologia Contemporânea relacionados aos seus expoentes, é o objetivo geral da matéria.
Consequentemente, se pode também observar as muitas facetas de posturas teológicas que
ainda hoje se propagam, fazendo que as mentes reflitam mediante diversificados caminhos, bem

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como gerando diversificadas conclusões. Conclusões que muitas vezes se distanciam da Bíblia e
comprometem negativamente a antropologia e áreas afins.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS Por objetivos específicos, significa o entendimento das diversas posturas
de teólogos do período que compreende o Século XX. A percepção de como se conduziram os
pensamentos diversos, uma vez que não daria mais para estar preso a dogmas. Serão
sistematicamente percebidos, os postulados divergentes e convergentes dessa época, que
tiveram seus objetivos de se tentar dar respostas às perguntas surgidas, quer do ângulo da
Ciência, quer do ângulo da própria Igreja, respostas concretas.

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CAPITULO I
FASE RACIONALISTA OU ILUMINISTA No mundo cristão, a partir do final do século 16, a filosofia,
que era con-siderada serva da teologia, se expandiu para além dos limites do pensamento
aristotélico e da Bíblia – em parte devido à ciência natural e em parte fruto de reflexões de
pensadores como René Descartes (1596-1650). O progresso da ciência, especialmente devido à
obra de Isaac Newton (1642-1727), a partir da publicação, em 1687, de seus Principia
Mathematica (Princípios de Matemática),(1) fez com que muitos homens se convencessem do
poder da razão e da necessidade de todas as coisas serem testadas por ela, inclusive aquelas
relacionadas à área da consciência ou do espírito, que, até então, se pensava serem inacessíveis
à razão.

RACIONALISMO
No período que marca a virada do século 16 para o 17, alguns teólogos começaram a atacar o
calvinismo, através do uso da razão. De uma maneira geral, reagiram à confessionalidade e à
disciplina, chamando-as respectivamente, de dogmatismo e intolerância. Nos anos que se
seguiram ao Sínodo de Dort (1618-19), que tratou da controvérsia arminiana na Holanda, os
adeptos do uso da razão ou racionalistas, por fazerem oposição ao calvinismo, foram englobados
no contexto arminiano, pois, especialmente na Holanda reformada e na Inglaterra puritana,
quem não era calvinista era tido como arminiano. Essa classificação generalizada, por algum
tempo, serviu para encobrir os racionalistas. Entretanto, o movimento veio à tona e seus adeptos
foram chamados de latitudinarians (latitudinários), termo derivado da palavra latina latitudo, inis,
que significa amplo ou largo. O objetivo dos latitudinários era manter a igreja unida com base em
uns poucos artigos fundamentais de fé, permitindo uma ampla variedade de doutrinas, formas
de governo e de culto. Os principais mentores desse movimento foram os Cambridge Platonists
(Platonistas de Cambridge) ou Teólogos-Filósofos de Cambridge (c. 1640-1680) – que diziam que
a ―razão é um reflexo da mente divina na alma humana‖. Houve uma sensível mudança no
comportamento da sociedade cristã em face da influência do racionalismo. Essa influência fez-
se mais presente na Europa continental, pouco afetando, pelo menos inicialmente, as novéis
colônias inglesas na América, que no século 17 estavam fortemente impregnadas de
religiosidade.
O racionalismo dava ênfase principalmente a dois pontos: (1) liberdade e dignidade, e (2)
investigação científica. Os principais filósofos racionalistas da época foram: o judeu holandês
Baruch Spinoza (1632-1677) e o matemático alemão Gottfried Leibniz (16461716) no Continente
Europeu, e, na Inglaterra, John Locke (1632-1704). Para Locke, a prova da verdade era a
razoabilidade, no sentido de conformidade com o senso comum. Entre os filósofos alemães, o
barão Christian von Wolff (1679-1754), membro do grande núcleo pietista que funcionava a
partir da Universidade de Halle, desenvolveu uma espécie de teologia matemática, caracterizada
pela busca de uma verdade racional e imutável. Halle foi aos poucos se tornando um centro de
teologia racionalista entre os protestantes. Embora tenha havido algumas contribuições
benéficas à sociedade como um todo, o racionalismo provocou graves e perturbadoras
conseqüências na vida da igreja, dentre as quais o ateísmo, o declínio da fé e o enfraquecimento
da vida religiosa. No campo teológico-eclesiástico, a teologia racionalista tendeu a modificar, e
até mesmo destruir, as ortodoxias confessionais protestantes. Os teólogos racionalistas
defendiam a tese de que a bondade em Deus não poderia diferir em essência da bondade no
homem e, por conseguinte, Deus não pode-ria fazer o que para o homem seria imoral. Embora,
em sua grande maioria, pelo menos até o final do século 18 os racionalistas aceitassem os
milagres do Novo Testamento, eles suspeitavam de tudo que não se conformava com sua visão
mecanicista do universo. O racionalismo teve grande influência no escolasticismo protestante,

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cuja teologia começou a tender para um número exagerado de definições precisas, muitas vezes
acompanhadas de frieza espiritual. Para os escolásticos, ser um bom religioso era aceitar as
doutrinas corretas.

DEÍSMO
O deísmo teve início na Inglaterra na primeira metade do século 17, no seio de um grupo de
escritores de tendência racionalista, alguns dos quais discípulos de John Locke. Foi um
movimento de curta duração, que em meados do século 18 já havia perdido a sua força original.
Contudo, foi o estopim de outros movimentos de reação à ortodoxia protestante, em especial
na França, Alemanha e Estados Unidos. Dentre os deístas ingleses destaca-se, especial-mente,
John Toland (1670-1722), defensor do princípio da lei natural. Toland defendia a idéia de que ―a
doutrina cristã nunca foi misteriosa e devia ser entendida somente como uma réplica da religião
natural
O movimento deísta surgiu como uma reação à idéia de que o conhecimento teológico somente
poderia ser adquirido através do ensino da Igreja ou da revelação pessoal de Deus, por
intermédio do Espírito Santo, sob a alegação de que há uma religião natural, um conhecimento
religioso inato em todas as pessoas, ou que pode ser obtido pelo uso da razão. Seu propósito era
estabelecer uma religião ao mesmo tempo natural e científica. Dentre os princípios que
balizavam o deísmo, destaca-se a crença num Deus transcendente, que está acima e além da sua
criação, sendo a causa primeira. Tudo é regido por leis naturais, não havendo lugar, portanto,
para revelação bíblica, milagres, providência e encarnação. Deus não se envolve mais com o
mundo que ele mesmo criou. Cristo foi apenas um mestre e, como tal, não deveria ser cultuado.
Os deístas criam também que a ética e a piedade eram as virtudes que necessitavam ser
desenvolvidas, como culto perene a Deus, sendo a Bíblia um manual eminentemente ético. Para
corroborar o que foi dito resumidamente sobre os princípios do deísmo, podem ser retiradas
cinco idéias básicas da obra de Matthew Tindal (1657-1733), Christianity as Old as the Creation
(O Cristianismo é Tão Antigo quanto a Criação, 1730), considerada por alguns historiadores como
a bíblia deísta: 1) tudo que é reconhecido além e acima da razão é crença sem prova; 2) os piores
inimigos da humanidade são os que têm mantido as criaturas na superstição: os sacerdotes, por
exemplo; 3) tudo o que é de valor na revelação já foi dado aos homens na religião natural
racional, daí o cristianismo ser tão antigo quanto a criação; 4) tudo o que é obscuro, ou está
acima da razão, na assim chamada revelação, é superstição e não tem valor; 5) os milagres não
são prova real da revelação, pois, ou são supérfluos, explicados à luz da razão, ou são um insulto
à perfeita obra de um Criador, que pôs este mundo a girar segundo as mais perfeitas leis
mecânicas e não interfere no seu funcionamento. Os deístas, em síntese, substituíram a
revelação pela razão e pelos sentidos, mudando o foco da teologia de Deus para o homem, ou
seja, preocuparam-se mais com o sujeito conhecedor, do que com a realidade a ser conhecida.
Em seu afã de valorizar o homem, desvalorizaram o pecado. O legado do deísmo não foi, contudo,
totalmente negativo, posto que o cultivo da ética e da piedade estimulou, de alguma forma, o
empenho dos cristãos em atividades humanitárias e em uma maior tolerância religiosa. O deísmo
não ficou restrito à Inglaterra, mas migrou para a França, a Alemanha e especialmente as colônias
inglesas na América, que, em 1776, obtiveram sua independência, como Estados Unidos da
América. Dentre os líderes do movimento de independência, alguns eram declaradamente
deístas, como Benjamin Franklin (1706-1790), Thomas Jefferson (1743-1826) e Thomas Paine
(1737-1809). Este último, com seu livro Age of Reason (Idade da Razão, 1794-1796), popularizou
as idéias deístas em seu país.

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ILUMINISMO
Iluminismo é o nome do movimento cultural, social e religioso que se desenvolveu na Europa no
período que vai da Revolução Inglesa (1688) até a Revolução Francesa (1789), ou seja, cerca de
100 anos. Em 1784, o filósofo alemão Immanuel Kant, ao responder a uma pergunta sobre o que
era o iluminismo, disse que era a chegada do homem à maturidade, ou seja, ao estágio em que
o homem pensa por si mesmo, sem a tutela de autoridades externas, tais como a Bíblia e o
Estado, que lhe diziam o que devia fazer. O objetivo do movimento era iluminar o povo, mediante
a razão, contra o obscurantismo da história, da tradição e da sociedade política e religiosa. O alvo
era o homem no estado de pura natureza, que devia ser restaurado. Sua fonte principal foi o
racionalismo, que forneceu ao iluminismo o método crítico que utilizou com habilidade. O seu
lema foi Sapere Aude (Tenha a coragem de usar o seu próprio entendimento). O iluminismo teve
origem na Inglaterra, daí passando para a França, Itália e Alemanha. Como foi visto, Locke
desenvolveu o deísmo inglês como uma religião natural e racional dos livres pensadores. No
campo da ética, Locke defendeu a moral natural, racional e autônoma. O pleno desenvolvimento
do iluminismo ocorreu na França, onde houve o culto da razão, ou seja, a razão humana passou
a dominar acima de tudo e de todos. Essa postura enfaticamente racional gerou uma forte
oposição a todas as atividades e instituições que não fossem meramente racionais, como a Igreja.
A Revolução Francesa, considerada o maior movimento social dos tempos modernos, foi
altamente influenciada pelo iluminismo e colocou em dúvida os dogmas da religião cristã, em
especial a ingerência da Igreja nas coisas do Estado. Dentre os principais iluministas franceses
destacaram-se, inicialmente, Jean D‘Alembert (1717-1783) e Denis Diderot (1713-1784),
responsáveis pela editoração da Enciclopédia, que foi um poderoso instrumento para a difusão
das idéias iluministas, não só na França, mas em outros países. Outra figura de destaque foi
François-Marie Arouet (1694-1778), mais conhecido como Voltaire, colaborador da Enciclopédia
e autor de vários tratados na área da filosofia. Voltaire professava um teísmo baseado na ordem
e na realidade do mundo, e pregava a tolerância para todas as religiões, exceto para a oficial,
imposta. Não menos importante que Voltaire foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), autor do
Contrato Social, que tanto influenciou os chamados Pais Fundadores da Independência
Americana. Rousseau repudiou a doutrina cristã da queda, afirmando:
Todo homem é nobre por natureza. Ele nasceu livre, mas em todos os lugares se acha em cadeias.
Sua escravidão deve-se à corrupção da sociedade, para a qual a religião deve arcar com boa dose
da culpa.[...] Assim, as crianças devem ser criadas fora da influência danosa da Igreja.
O fundador do iluminismo na Alemanha foi Christian Wolff, responsável pela divulgação do
racionalismo de Leibniz. Foi no Sacro Império Germânico que a teologia iluminista alcançou o seu
maior desenvolvimento, em especial o deísmo de Locke, através das obras de Hermann Reimarus
(1694-1768) e Moses Mendelssohn (1729-1786). Reimarus é considerado o precursor, no âmbito
da teologia histórica, do tema do Jesus Histórico, através do livro Apologie oder Schutzschrift für
die vernunftigen Verehrer Gottes (Apologia dos Adoradores Racionais de Deus), no qual retratou
Jesus como um pregador simples da Galiléia, cujo ensinamento moral se misturou com a política
e a escatologia, e que morreu desiludido, tendo procurado em vão estabelecer o reino de Deus
na Terra. Disse ainda que o cristianismo se baseia nas alegações fraudulentas da ressurreição e
da segunda vinda de Cristo, que os discípulos teriam inventado depois da morte de Jesus. Para
Reimarus, os livros da Bíblia deveriam ser lidos e estudados como todos os outros livros.
Conseqüentemente, a história da vida de Jesus deveria passar pelo crivo da razão, segundo o
qual todos os fatos e circunstâncias estariam obrigados a ser considerados exclusivamente à luz
da evidência dos Evangelhos. Essa atitude se tornou típica do iluminismo teológico, que foi,
portanto, responsável pelo novo tratamento dado pelos historiadores e teólogos a detalhes da
vida de Jesus, inclusive verificando aspectos ligados à credibilidade dos escritos evangélicos.

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Muitos estudiosos consideram que o maior expoente do iluminismo alemão foi Gotthold Ephraim
Lessing (1729-1781), autor de Die Erziehung des Menschengeschlechts (A Educação do Gênero
Humano, 1780). Essa obra expressa a sua crença na perfeição da raça humana e na perspectiva
do desenvolvimento de uma consciência moral que poderia conduzir a humanidade a um estágio
nunca atingido de irmandade universal e liberdade moral, superior a todos os dogmas e
doutrinas. Para Lessing, ―a cultura, a ciência, a verdade não é uma posse, e sim uma perene
investigação, segundo uma concepção historicista, a que se submete também a religião, inclusive
o cristianismo‖. Ele ainda considerava que as principais religiões eram expressões diferentes da
única religião verdadeira, cujo papel é fornecer uma educação moral para a raça humana,
ensinando todos os homens a viverem como irmãos. O iluminismo exerceu significativa
influência, embora negativa, sobre o cristianismo de um modo geral, mormente sobre o
movimento evangélico, no século 19. Isso porque a ênfase dos iluministas estava centrada no
homem, colocando Cristo e seu evangelho em segundo plano. Tal entendimento os levou,
naturalmente, a uma racionalização da teologia e, conseqüentemente, deu azas ao surgimento,
identificação e desenvolvimento de várias tendências religiosas e filosóficas.
Os liberais iluministas rejeitaram o antigo aforismo ―todo poder emana de Deus‖, mesmo com
o acréscimo tomista ―para o povo‖. Assim, os governantes, mesmo os reis ou príncipes de
sangue, não têm direitos inalienáveis de governo. Pelo contrário, o governo deriva sua
autoridade do consentimento do povo governado. É interessante a comparação entre a
concepção de Calvino sobre o Estado e o pensamento iluminista. O primeiro entendia que o
Estado era um instrumento estabelecido por Deus para a manutenção da moralidade e para a
promoção da verdadeira religião, razão pela qual a Genebra calvinista, no período de 1555 a
1564, é um exemplo clássico de moderna teocracia. A concepção dos iluministas era
substancialmente diferente: embora reconhecessem a Divindade, propunham alvos
essencialmente humanistas para a sociedade. Nos campos político e social, o iluminismo exerceu
forte influência sobre dois movimentos que marcaram a história recente da civilização ocidental:
a Revolução e Independência Americana (1775-83) e a Revolução Francesa (1789-99). A
Revolução Industrial também pode ser considerada uma das filhas do iluminismo. Ainda com
base no pensamento iluminista, houve um notável desenvolvimento da maçonaria, em especial
na Europa e nos Estados Unidos.
Não obstante as diferenças essenciais assinaladas, o iluminismo tinha pelo menos um ponto em
comum com o movimento evangélico: a ética moralizadora da sociedade. Isso pode ser
constatado na leitura da obra de Matthew Tindal, para quem ―a moralidade é o alvo da religião‖.
Nessa mesma linha moralizante também se enquadra o racionalismo neologista de Johann
Semler (1725-1791), que afirmou: ―Em contraste com a teologia existe a religião, que significa
a piedade viva que coincide com a consciência religiosa universal‖.36

2. FASE ROMANTISTA OU MODERNISMO Os diversos movimentos de reação à ortodoxia estão


interligados entre si, de modo que fica difícil discernir fronteiras específicas, quer quanto à época
de sua aplicação, como no que se refere ao seu conteúdo. Dessa forma, se constata que é muito
tênue a linha divisória entre as fases e subfases do liberalismo teológico. Na realidade, o
modernismo nada mais foi que uma continuação de seus antecessores: racionalismo, deísmo e
iluminismo.

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2.1 Immanuel Kant
O modernismo teve origem na Alemanha, para onde haviam convergido várias correntes
teológicas e filosóficas no século 19. Quem deu início a esse tipo de teologia liberal foi Immanuel
Kant (1724-1804), especialmente através do livro Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen
Vernunft (Religião dentro dos Limites da Razão Somente, 1793). Kant se mostrou simpático à
ênfase deísta apoiada no tripé Deus, virtude e imortalidade, mas divergiu do iluminismo no que
tange ao propósito da vida, colocando em primeiro lugar a ética absoluta, ao invés da felicidade.
Com base nessa premissa, ele se posicionou ante a religião enfatizando que a religião moralista
da razão é a única necessária, pois produz modificação no caráter de tal modo que ―o mal radical
do homem é derrotado e o bem é trazido à tona‖. Para Kant, o princípio básico da moralidade é
o imperativo categórico, o qual é universalmente conhecido. As idéias de Tindal estão bem
presentes no pensamento de Kant, quando ele afirma que ―a verdadeira religião é natural e
universal. Ela não é baseada em uma revelação particular ou histórica, mas, ao contrário, na
própria natureza da vida humana‖.

A influência de Immanuel Kant na Teologia Contemporânea A revolução teológica do século


passado que ficou conhecida pelo nome de teologia existencialista ou contemporânea, tem as
suas raízes nas idéias do filósofo Immanuel Kant. Embora já tenha sido mencionado na
introdução, esse filósofo merece, sem nenhuma dúvida, um capítulo à parte. Kant logrou
sistematizar a confiança do homem moderno na capacidade da razão para tratar de tudo o que
diz respeito ao mundo material, e sua incapacidade para ocupar-se de tudo o que está além do
nosso mundo. Ao fazer isso, Kant não se projetou apenas sobre o século dezenove, mas também
sobre o século vinte.

2.2 Um novo conjunto de pressupostos religiosos para o homem moderno. O mundo grego havia
elaborado algumas normas religiosas básicas em torno do paradoxo entre a forma e a matéria.
Na idade média, o homem do ocidente havia assimilado algumas dessas idéias, reorganizando-
as em torno do conceito de natureza e graça. De certa forma, a síntese de Tomás de Aquino era
de origem pagã e aristotélica, e privava a graça de seu caráter puramente cristão, fazendo dela
um elemento aperfeiçoador da superestrutura, ao invés de ser um ato transformador de Deus.
Kant e sua idéia de autonomia fizeram dessa privação da graça mais que uma simples moldura
teológica: pela primeira vez na história da civilização ocidental, a natureza foi separada da graça
de forma elaborada, conseqüente e consciente. No pensamento do homem moderno, a graça
foi suplantada pela idéia de emancipação; o homem tinha que nascer de novo como pessoa
completamente livre e autônoma, emancipada de qualquer pensamento preconizado. De acordo
com essa nova maneira de pensar, até mesmo o conceito de natureza – conservado da síntese
medieval aquiniana – se transformou, passando a ser uma esfera micro-cósmica dentro da qual
a personalidade humana podia exercer sua autonomia. A natureza era agora interpretada como
um terreno infinito que o pensamento matemático autônomo devia controlar. A história do
pensamento e da teologia ocidental desde Kant nos mostra como esses pressupostos religiosos,
trabalhando com idéias tomadas do cristianismo, modelaram uma nova teologia e um novo
mundo.
2.3 A autonomia do homem e sua influência no pensamento religioso moderno. A autonomia
preconizada por Kant, isto é, a emancipação de valores exteriores, produziu uma avaliação muito
elevada da capacidade humana, sobretudo da razão humana como autoridade final e como crivo
para a verdade. A razão, e somente a razão, poderia julgar o mundo do fenômeno e o mundo do
número. Para Kant, essa autonomia representava a substituição do conceito de revelação do
cristão – que tem sua expressão máxima em Cristo e na Bíblia – pela razão autônoma do homem.

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Em um sentido ulterior, Kant entroniza a razão como sendo o princípio supremo. A verdadeira
religião, na filosofia kantiana, não consiste em conhecer o que Deus tem feito para a nossa
salvação, e sim em conhecer o que devemos fazer para chegarmos a ser dignos dela. Essa
moralidade religiosa, segundo Kant, pode ser alcançada sem a necessidade de nenhum
aprendizado bíblico. Não há muita distância entre esse pensamento de Kant e o pensamento
posterior dos teólogos contemporâneos, tal como em Bultmann e sua idéia de desmitologização,
nem está longe da idéia da razão autônoma como juíza da revelação na análise racional de
Pannenberg, que apresenta os relatos da ressurreição como estando contaminados de lendas,
nem da negativa de Cullmann de considerar os relatos da criação de Gênesis como história
autêntica.
2.4 O relativismo de David Hume e sua influência na filosofia kantiana. David Hume, filósofo
escocês, havia lançado dúvida em quanto à possibilidade de alguém provar alguma coisa, tanto
dentro como fora de si mesmo. Causa e efeito, Deus como origem de todas as coisas, o homem
como ser contingente, tudo isso era para ele completamente evasivo. Segundo ele, não
conhecemos a coisa em si, mas apenas aquele conhecimento que os sentidos nos proporcionam.
Kant tomou emprestado de Hume o problema do conhecimento proposto por ele e o
reformulou, como se isso fosse pudesse resolver o problema epistemológico. Kant criou dois
mundos, à saber, o mundo dos fenômenos e o mundo dos números, sendo um percebido pela
razão e pelos sentidos, e o outro, o mundo de Deus, da imortalidade, da liberdade e das idéias
reguladoras que a razão não pode explicar, mas que devem ocupar um lugar na vida como se
fossem objetos reais ao alcance da razão. O efeito de tudo isso foi em parte, devastador. Kant,
ao colocar Deus em um outro mundo, o aprisionou com um muro à prova de som; seu único
vínculo com o mundo dos fenômenos se daria por meio da necessidade que o homem tem da
idéia de Deus para o seu mundo ético. Com isso, Kant não fechou totalmente a porta do nosso
mundo para Deus, mas a diminuiu de tal forma que o Deus soberano, cujas vestes enchiam o
templo (Isaías 6.1), não pode entrar. Da mesma forma, uma vez que o homem não pode perceber
as coisas como são na realidade – tanto no mundo dos fenômenos como no mundo dos números
– não pode introduzir-se por essa porta para conhecer a Deus. Ele ficou isolado no mundo dos
fenômenos e Deus no mundo numeral.
2.5 O confinamento de Deus na teologia contemporânea. Esse confinamento de Deus no mundo
dos números é o tema favorito da teologia contemporânea. Tal confinamento se reforça com a
insistência crescente do existencialismo na liberdade, e reaparece de forma modificada nos
primeiros escritos de Karl Barth acerca de Deus como ―Totalmente Outro‖, como ―Aquele que
não pode ser explicado como se explica um objeto‖. Ele reaparece na divisão neo-ortodoxa entre
História e Geschichte, na diferenciação de Bultmann entre o Jesus histórico e o Cristo
kerigmático, ou, usando uma linguagem kantiana, entre o Jesus fenomenal e o Cristo numenal.
Esse confinamento do mundo espiritual é o fator preponderante da insistência contemporânea
na ―humanidade‖ da Bíblia e da definição barthiana de revelação como sendo o encontro
divino-humano, o numeral que toca o fenomenal, porém, sem entrar nele. Ele também produz
em Moltmann uma teologia da esperança, completamente cética quanto a qualquer fim
escatológico na história fenomenal, ainda que capaz de falar de um futuro numenal. Nesse
ínterim, quase ninguém se atreve a buscar o Jesus histórico; ele é simplesmente irrelevante.

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2.6 As idéias deístas presentes na filosofia da emancipação e sua influencia na teologia
contemporânea. O conceito deísta que fez parte do processo de florescimento da autonomia
não dava nenhum lugar à intervenção divina na criação por meio de algo sobrenatural e
revelador. Da mesma forma, a autonomia do método sobre o texto bíblico estabeleceu certos
pressupostos que o método histórico-crítico ainda mantém, como o abandono da doutrina da
inspiração verbal. Começa-se então a fazer distinção entre a Palavra de Deus e a Bíblia, e junto
com o pressuposto metodológico, ressurge a idéia de que há erros na Bíblia e que esta deve ser
tratada como qualquer conjunto de documentos do passado. Essa idéia de humanização da Bíblia
veio a ser uma das características distintivas da crítica bíblica, quer seja em sua forma mais
conservadora (como se encontra em Oscar Cullmann e Wolfhart Pannenberg), ou em suas
expressões mais radicais (como em Paul Tillich, John Robinson e nos teólogos seculares).
Também Barth e Bultmman, apesar de todo o seu debate interno, seguem unidos no emprego
dessa metodologia. 2.7 Uma separação radical entre história e fé. A divisão entre história e fé
também se tornou mais tarde um pressuposto da teologia contemporânea. O Jesus histórico
parecia cada vez mais distante do Cristo da fé. Acerca desse impasse, G.E. Lessing afirmou que
―o verdadeiro valor de qualquer religião não depende da história, senão de sua capacidade de
transformar a vida através do amor‖. Os teólogos contemporâneos apresentam repetidas vezes
essa dissociação do Jesus histórico e do Jesus da fé, afirmando que ainda que a história escrita
do cristianismo não se possa aceitar, o ensino de Cristo pode e deve ser aceito. A historicidade
da Bíblia parece menos importante que aquilo que ela diz. Barth fará isso ao ser indagado sobre
se a serpente realmente falou no jardim do Édem, dizendo que isso não tem a menor importância
diante do que a serpente disse. Bultmann fará o mesmo ao rejeitar os relatos evangélicos como
sendo produtos historicamente duvidosos por um lado, e aceitando-os, por outro lado, por causa
da sua compreensão existencial do ―Eu‖. Moltmann o utilizará ao burlar-se da noção clássica de
escatologia cumprindo-se na história, e ao mesmo tempo falará sobre a igreja orientada para o
futuro. Também John Robinson, ao mesmo tempo em que rejeita a idéia de céu como sendo um
―lugar lá em cima, fala de uma nova dimensão de vida como ser em profundidade, e de Deus
como o Fundamento do ser.
Não há duvida de que Immanuel Kant teve grande influência sobre o pensamento teológico
contemporâneo. Na verdade, desde Kant que a história do pensamento e da teologia ocidental
é a história de como seus pressupostos religiosos, associados a muitas idéias cristãs, deram
origem a um mundo novo. Embora sua filosofia encarasse com valentia as questões pleiteadas
por Hume, ele enclausurou os seres humanos no mundo dos fenômenos, não havendo modo da
mente fenomenal conhecer o numeral. Entre tantas objeções que se pode fazer a Kant, uma é a
mais óbvia: Se o nosso entendimento acerca de Deus não é ao menos alegórico, como pode o
homem conhecer a Deus? A filosofia de Kant transforma Deus em um ser incognoscível, e esse
pressuposto será um grande dilema para a teologia dialética de Karl Bath, bem como de outros
teólogos contemporâneos. 3. Friedrich Schleiermacher O luterano Friedrich Schleiermacher
(1768-1834) é talvez o mais influente teólogo alemão do século 19, sendo considerado o
fundador da moderna teologia protestante. A influência do seu pensamento no campo da
teologia histórica é significativa, considerandose o rol de simpatizantes entre renomados
historiadores eclesiásticos, tais como Robert Nichols, Williston Walker e Justo González. Para
Walker, por exemplo, Schleiermacher ―deu à teologia nova base e à pessoa de Cristo um
significado em grande parte desconhecido em seu tempo‖. A maior obra de Schleiermacher no
campo da teologia dogmática foi Der Christliche Glaube (A Fé Cristã, 1831), onde, entre outros,
encontra-se o seguinte conceito sobre religião:
O Absoluto está em tudo. Deus está, por conseguinte, em Seu mundo. O homem é em si mesmo
[...] um microcosmo, um reflexo do universo. Em contraste com o que é universal, absoluto e

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eterno, sente-se finito, limitado e temporário – numa palavra, dependente. Esse sentido de
dependência é a base de toda religião. Lançar uma ponte sobre o abismo entre o universal e o
finito, pôr o homem em harmonia com Deus, eis o alvo de todas as religiões [...]. Portanto, as
religiões não devem ser divididas em falsas e verdadeiras, mas quanto aos seus relativos graus
de eficiência. Todos os progressos da religião na história são verdadeira revelação; em algum
sentido, uma plena manifestação do Deus imanente.
Contudo, esse Deus imanente não intervém na natureza e tampouco opera milagres através dos
homens. Como se pode notar no texto reproduzido, as idéias de Schleiermacher, embora
parecidas, diferem substancialmente daquelas esposadas pelo apologista Justino Mártir (c.100-
c.165). O teólogo alemão afirmou que o cristianismo é a melhor das religiões, dando a entender
que outras existem igualmente boas. O mestre Justino, em seu tempo, afirmara: ―O cristianismo
é a verdadeira filosofia! Não há, pois, outra menos verdadeira, todas são falsas!
Ao tentar eliminar da teologia todo e qualquer resquício de dualismo, Schleiermacher fez as
seguintes afirmações a respeito de Deus:
1) Deus e o mundo são, em última análise, idênticos;
2) Deus e o conceito natural são um; e
3) Deus é a única substância indivisível. No que se refere à Trindade Santa, ele diz: ―O Filho e o
Espírito são simplesmente formas de revelação desta substância. O Espírito Santo é identificado
como o espírito público que aviva a comunhão dos crentes. Assim, o teólogo alemão se
aproximou da heresia sabelianista ou modalista. Influenciado pelo romantismo da época,
Schleiermacher rejeitou a idéia do diabo ou de espíritos maus, pois a criação não pode ser
combinada com a idéia de um poder espiritual mau e, em conseqüência, nenhuma realidade ou
influência pode ser atribuída ao diabo. O mal não pode ser concebido como algo hostil a Deus.
Assim, as histórias do Éden não devem ser interpretadas como historicamente verdadeiras, mas
devem ser vistas como expressões válidas da consciência de Deus e não devem ser ignoradas.
Quanto à doutrina do pecado, ainda de modo romântico, Schleiermacher considerava que ―o
espírito é o que há de mais elevado no homem e não pode ser considerado algo mau. O pecado
é simplesmente a carne em oposição ao espírito. Dessa forma, ele rejeitou o conceito de pecado
como desobediência a Deus ou à sua lei, a partir de Adão. A cristologia de Schleiermacher é
peculiar. A união do Divino com o humano recebeu sua expressão perfeita na pessoa de Cristo.
Há comunicação de atributos somente no sentido da natureza divina para a humana, que
permanece passiva. Esta união, entretanto, não é dependente da doutrina do nascimento
virginal, a qual não deve ser considerada literalmente. O mesmo raciocínio se aplica às doutrinas
da ressurreição, ascensão e segunda vinda. Ao expressar esses conceitos, Schleiermacher não
difere substancialmente dos teólogos racionalistas. Ainda no campo da cristologia,
Schleiermacher ataca frontalmente a ortodoxia, ao afirmar que a obra de Jesus (sofrimento,
morte e ressurreição) nada significa para a salvação. Para ele, não se pode atribuir qualquer
significado ao sofrimento de Cristo na cruz, sendo que a história da paixão serve apenas como
exemplo e ilustração da perseverança em meio ao sofrimento. Bengt Hägglund considera que tal
conceito aproxima Schleiermacher dos gnósticos, posto que estes também negligenciavam a
morte e ressurreição de Cristo. No que tange à hermenêutica bíblica, o enfoque principal de
Schleiermacher não era teológico, mas psicológico. Ele preconizava que os intérpretes da
Escritura deveriam tentar entender as idéias de seus autores, que eram simples seres humanos.
Daí a não aceitação de que as Escrituras fossem a Palavra de Deus inspirada. Sua pressuposição
básica é que existe um único espírito ou consciência comum que une todos os seres humanos e
tal espírito possibilita a correta interpretação. Dessa forma, as idéias de Tindal parecem brotar
em seu subconsciente.

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3.1 Ritschl e sua escola Uma teologia liberal até certo ponto nova e original, a teologia do valor
moral, surgiu em fins do século XIV e nos primeiros anos do século XX, tendo como divulgadores
o teólogo protestante alemão Albrecht Ritschl (1822-1889) e seus discípulos. Ritschl fora
influenciado tanto por Kant como por Schleiermacher. A influência de Kant se traduz no conceito
de religião como o triunfo do espírito ou do valor moral sobre os males da sociedade, e a de
Schleiermacher, na crença de que Deus não é conhecido como autoexistente, mas somente até
onde ele se auto-revela através de Cristo. Ritschl foi autor de várias obras, das quais a mais
importante é Die christliche Lehre von der Rechtfertigung und Versöhnung (A Doutrina Cristã da
Justificação e da Reconciliação, 1870-1874). Bengt Hägglund sintetiza o livro da seguinte forma:
Salvação, que Ritschl define como “justificação” (Rechtfertigung) ou perdão dos pecados,
restaura a liberdade ética entravada pelo pecado. Mediante a fé, a relação entre o homem e
Deus, antes perturbada, transforma-se em confiança e filiação. Disto resulta uma modificação
interna na vontade do homem: o homem chega a reconhecer a vontade de Deus e deste modo
se predispõe a fazer o bem. Tal transformação interna é o que Ritschl denomina “reconciliação”
(Versöhnung). Esta, por sua vez, manifesta-se em boas obras.

Além de rejeitar o conceito jurídico da justificação, defendido por setores da ortodoxia


protestante, a partir de Lutero e Calvino, Ritschl negou ou reinterpretou as seguintes doutrinas
tradicionais: trindade, igreja, reino de Deus, revelação, pecado original e encarnação. Ritschl não
concebia o pecado como corrupção universal perante Deus e entendia que a divindade de Cristo
era figurada e se caracterizava unicamente pela unidade de sua vontade com Deus, configurando
uma espécie de monotelismo. A tentativa de aplicar os princípios filosóficos kantianos ao
cristianismo protestante constituiu atitude típica de uma era em que havia pouco respeito pelos
mistérios da religião e praticamente nenhum temor ante o julgamento divino. O esforço de
Ritschl em manter uma teologia de revelação divina sem a fé em milagres foi duramente atacada
tanto por liberais como por conservadores, mas a sua influência na teologia protestante alemã
da segunda metade do século XIV foi, sem dúvida, muito grande.
3.2. Harnack O discípulo mais importante da escola de Ritschl foi Adolf von Harnack (1851-1930),
teólogo e historiador alemão, grande erudito em patrística. Sua obra mais conhecida é Lehrbuch
der Dogmengeschichte (História dos Dogmas, 1886-1889), onde ele procurou demonstrar que a
relevância do cristianismo para o mundo moderno não repousa no dogmatismo teológico, mas
no entendimento da religião como um desenvolvimento histórico. Sua idéia mais distintiva foi
que o dogma da igreja primitiva consistia no resultado natural da busca de padrões para filiar
membros, e que isto obscurecia a natureza essencial e o impacto prático dos ensinos de Jesus.
Ele também procurou demonstrar que os credos formulados nos Concílios Ecumênicos de Nicéia
(325) e Calcedônia (451) usaram um grande número de conceitos retirados da filosofia grega, na
formulação do dogma da Trindade e da Pessoa de Cristo. A este desenvolvimento ele chamou de
segunda onda da helenização, posto que a primeira onda, a doutrina gnóstica, havia sido
rejeitada pela igreja. Paul Tillich, contemporâneo de Harnack, embora concorde com uma
possível influência gnóstica, considera a generalização de Harnack inadequada, uma vez que ela
leva à conclusão de que só deve ser aproveitado no Novo Testamento aquilo que tiver uma
ligação clara ou for derivado do Antigo Testamento. Diz mais, que se isso for verdadeiro, cerca
de dois terços da escritura neotestamentária deve ser deixada de lado, pois tanto Paulo como
João usam muitos conceitos helenistas. As idéias de Harnack sobre os dogmas não eram inéditas,
pois no século XVII, na Assembléia de Westminster, havia um grupo que, paradoxalmente, se
colocava contra toda e qualquer idéia de dogma configurada especialmente pelos credos,
chegando alguns a considerar os Dez Mandamentos como elementos dogmáticos cuja referência
deveria ser evitada no contexto dos padrões de Westminster. Contudo, o antidogmatismo de

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Harnack foi muito mais substancial e profundo. Numa série de conferências realizadas em Berlim
em 1900, compiladas e publicadas com o título Das Wesen des Christentums (O que é o
Cristianismo, 1900), Harnack procurou apresentar um sumário do que ele considerava a essência
do evangelho. Sua intenção era separar essa essência, que ele chamou de o ―miolo do
evangelho, que é permanentemente válido, do elemento periférico ou da ―casca‖, ou seja, das
formas mutáveis de vida e de pensamento nas quais o evangelho foi transmitido. O miolo da
mensagem de Jesus é o reino de Deus, e os cristãos devem seguir o exemplo de Jesus de uma
―retidão superior governada pela lei do amor, que existe independente do culto religioso. Em
decorrência da fórmula de miolo e casca, Harnack cunhou a idéia de dois evangelhos, um
verdadeiro e outro falso, ou seja, o evangelho de Jesus e evangelho sobre Jesus. Ele afirmou que
o evangelho sobre Jesus não está contido no evangelho pregado por Jesus. Essa, na realidade, é
a fórmula clássica da teologia liberal: o evangelho ou a mensagem pregada por Jesus nada tem
com a mensagem posterior, contida na Bíblia, pregada sobre Jesus. Tal afirmativa pressupõe a
redução do evangelho somente aos sinóticos, e mesmo assim devem ser eliminados todos os
sinais que identifiquem uma possível influência paulina. A teoria do conflito entre Paulo e Pedro,
desenvolvida por Baur (ver adiante), é revivida aqui em uma versão mais refinada, moderna, ou
seja, que Paulo interpreta Jesus de um modo que está muito longe do verdadeiro Jesus histórico.
Na realidade, toda a comunidade cristã primitiva que rodeava Paulo estava impregnada de
conceitos helenizantes, e foi ela, com base na experiência da ressurreição, que produziu as
doutrinas sobre Jesus, doutrinas que não podem ser encontradas na mensagem original de Jesus.
Esta mensagem original é a mensagem da vinda do reino, e o reino de Deus é o estado no qual
Deus e os membros individuais de seu domínio estão em uma relação de perdão, mútua
aceitação e amor. Tillich, ao concluir a sua análise crítica sobre a obra de Harnack, afirma que o
maior erro dele e de toda a teologia liberal é que ela não está apoiada em uma teologia
sistemática. 3.3 Hegel e os idealistas Muitos dos teólogos e filósofos liberais também são
considerados como tendo ligações com o idealismo, uma escola filosófica que, em última análise,
enfatiza que toda e qualquer experiência humana ou percepção consiste de idéias, ou seja, tudo
o que existe só se torna real porque é percebido pela mente do homem. Dentre os principais
idealistas destaca-se Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), reputado como o principal
filósofo alemão de sua época. Contudo, ele mesmo se considerava apenas um teólogo e, como
tal, voltou-se contra Schleiermacher. Para Hegel, o cristianismo é a religião absoluta e o universo
está em uma constante luta, a partir do Absoluto, que é Deus. Ademais, ele desenvolveu um
método dialético aplicável também à teologia, como, por exemplo, às doutrinas da trindade e da
encarnação. Na primeira, Hegel considerou o Pai como a unidade divina – a tese. Ele se objetiva
no Filho – a antítese. O Amor que os une é o Espírito Santo – a síntese. O processo completo
culmina na Trindade. No que se refere à encarnação, Hegel afirma que Deus é a tese. Distingue-
se ele da humanidade finita – a antítese. A união se dá na mais suprema síntese – o Deus-
Homem.Apesar de não ter atacado a teologia ortodoxa tradicional, o método dialético de Hegel,
em que cada conceito aponta além de si mesmo a outro conceito contrário, resolvendo-se a
oposição em uma unidade mais elevada, trouxe sérias conseqüências ao desenvolvimento do
hegelianismo posterior, em especial, por parte do grupo chamado de esquerda hegeliana,
representada entre outros por Ferdinand Baur e David Strauss.
3.4 Ferdinand Christian Baur Ferdinand Christian Baur (1792-1860), teólogo filosófico
protestante alemão e fundador da Escola de Tübingen de crítica bíblica, achou na filosofia
contemporânea de Hegel um instrumento adequado para a remodelação da teologia. Assim, com
base em suas pesquisas do Novo Testamento, mais precisamente em um ensaio sobre o
chamado partido de Cristo na correspondência de Paulo aos coríntios, ele aplicou os conceitos
hegelianos de tese, antítese e síntese ao desenvolvimento primitivo do cristianismo. O partido

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de Cristo começou essencialmente como um judaísmo messiânico sob a liderança de Pedro e
adotado pelos apóstolos originais – a tese. A tensão inevitável surgiu com o cristianismo paulino
a antítese. Os partidos petrino e paulino lutaram e dessa luta surgiu o partido joanino, ou a Igreja
Católica – a síntese. Segundo Paul Tillich, nesse particular Baur parece ter sido influenciado por
Kant e Hegel, que eram grandes admiradores do quarto evangelho. Em seu livro Paulus, der
Apostel Jesu Christi (Paulo, o Apóstolo de Jesus Cristo, 1845), Baur aplicou os mesmos princípios
à vida e pensamento do apóstolo Paulo e concluiu que somente as Cartas aos Romanos, Coríntios
e Gálatas eram genuinamente de Paulo. Ademais, ele acreditava que o autor de Atos era pós-
apostólico, pois sintetiza e harmoniza o conflito entre cristãos judeus e gentios e, portanto, não
poderia ter sido escrito no século I. Ainda nessa linha, ele afirmou que a maior parte do Novo
Testamento teria sido escrita no segundo século, sendo que o Evangelho de João, por seu
irenismo e familiaridade com controvérsias da metade do século II, foi escrito no final da segunda
centúria.
3.5 David Friedrich Strauss Outro membro da esquerda hegeliana foi David Friedrich Strauss
(1808-1874), que, influenciado pelo pensador iluminista Reimarus e pelos ensinos da escola de
Tübingen, do mesmo modo que Baur considerou o Evangelho de João como o mais afastado no
tempo. Racionalista não confesso, em sua maior obra, de 700 páginas, Das Leben Jesu kritisch
bearbeitet (A Vida de Jesus Criticamente Examinada, 1836), considerou os milagres bíblicos
atribuídos a Jesus como impossíveis, justificando-os através da idéia de mito, que teriam sido
engendrados por escritores do século II, em atendimento aos anseios dos homens daquele
tempo, que esperavam um Messias que fizesse maravilhas e aguardavam o cumprimento das
profecias do Antigo Testamento. Os argumentos de Strauss podem ser reduzidos aos seguintes
silogismos:
1) Todos os textos que não se conciliam com as leis conhecidas e universais que governam os
acontecimentos não são históricos;
2) Todos os textos nos quais Deus intervem no curso natural dos fatos são irreconciliáveis com
as leis conhecidas e universais que governam os acontecimentos;
3) Logo, todos os textos nos quais Deus intervém no curso natural dos fatos não são históricos.
Para Strauss, Jesus existiu, mas o Cristo do Novo Testamento é essencialmente, em todos os seus
característicos sobre-humanos, criação mitológica e deve ser entendido simbolicamente como a
realização da Idéia ou Espírito Absoluto na raça humana. A vida de Jesus, conforme apresentada
nos Evangelhos, foi uma tentativa de despir o Jesus histórico de sua moldura de mito criada pela
imaginação poética da igreja antiga. No final de sua vida, Strauss publicou o livro Der alte und der
neue Glaube (A Velha Fé e a Nova, 1872), no qual se propõe a substituir o cristianismo pelo
materialismo científico, uma forma personalizada de darwinismo. Seu conceito de que o homem
é a união entre o finito e o infinito, entre o espírito e a natureza, tem sido copiado por algumas
crenças esotéricas modernas como a Nova Era.
4 . Karl Barth e a revolta contra o Liberalismo Teológico Tendo já comentado a influencia da
filosofia kantiana para a teologia do século vinte, passemos agora a discorrer sobre a teologia
contemporânea em si. Em 1919, um jovem pastor de uma pequenina igreja da Suíça escreveu
um comentário tão radical que certo escritor disse que Karl Barth pegou uma carta escrita em
grego do primeiro século e transformou em uma carta urgente para o homem do século vinte.
Um teólogo católico disse que esse comentário aos Romanos foi uma revolução copernicana na
teologia protestante que acabou com o predomínio do liberalismo teológico. Ele foi, de fato, uma
bomba que Barth lançou no cenário teológico contemporâneo. Diz-se da segunda versão do
comentário aos Romanos, totalmente revisada e publicada em 1921, que ela foi ainda mais
revolucionária que a primeira. Porém, de qualquer forma, 1919 tem sido para muitos o ponto de
partida da teologia contemporânea. A influência da obra de Karl Barth nessa nova era da teologia

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é enorme. Ele transformou a teologia do século vinte em teologia da crise. Foi ele quem dominou
o ambiente teológico, formulou os problemas e apresentou as hipóteses de maior relevância, e
desde então tem estado no centro da teologia moderna. Não há nenhuma dúvida de que o
pensamento de Barth dominou o pensamento teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto
tão grande na teologia protestante, que todo teólogo do nosso século que quiser estudar
teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher suas idéias, mas não pode jamais ignorá-
la se quiser conhecer a situação teológica contemporânea. O que havia nesse comentário do
pastor Barth que sacudiu os alicerces teológicos do século vinte? Quais foram os princípios que
Barth apresentou e que se converteram no legado de uma nova era teológica? Harvie M. Conn,
aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns princípios que emanam do comentário de Karl Barth
aos Romanos e que parecem ter desempenhado o papel mais influente na formação das novas
variantes teológicas. Esses princípios serão abordados nos tópicos a seguir. A revolta teológica
contra o liberalismo teológico foi uma das mais notórias características da teologia barthiana.
Barth havia aprendido teologia aos pés de dois grandes teólogos liberais, à saber: Harnack e
Herrmann. O Jesus do mentor de Barth, Harnack, não era o filho de Deus único e sobrenatural,
mas a encarnação do amor e dos ideais humanistas. A Bíblia do mentor de Barth, Herrman, não
era a Palavra infalível de Deus, e sim um livro extraordinário, ainda que ordinário, cheio de erros
e que exigia uma crítica radical para encontrar a verdade. A medida de toda a verdade era a
experiência, o sentimento. A teologia desses dois mestres e também a de Barth era o Idealismo
teológico, caracterizado por uma profunda veia de pietismo e de preocupação pela prática da
experiência religiosa cristã. Em 1919, e com muito mais força em 1921, Barth se encarregou de
repudiar grande parte desse liberalismo clássico. A primeira guerra mundial e seus horrores
acabaram por soterrar o idealismo teológico liberal. A culta Alemanha, a liberal Inglaterra e a
civilizada França lutavam como animais ferozes. Nesse ínterim, os mestres liberais de Barth se
uniram com outros teólogos para declarar seu apoio à Alemanha, o que demonstrou que eles
eram mestres de uma religião atada a uma cultura, e não a Deus. O comentário de Barth aos
Romanos surgiu então como repúdio de seus antigos mestres liberais. O liberalismo fazia de Deus
algo imanente ao mundo; Barth se opôs a isso e apresentou Deus como ―Totalmente Outro. O
subjetivismo do liberalismo do século XIX havia colocado o homem no lugar de Deus; Barth
exclamou: ―Seja Deus, e não o homem!. O liberalismo havia exaltado o uso aculturado da
religião; Bart condenou a religião como o pecado máximo. O liberalismo edificou a teologia sobre
a base da ética, Barth quis edificar a ética sobre a base da teologia.

O comentário de 1921 de Barth propôs uma nova idéia de revelação. Em oposição ao antigo
liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o homem tem da revelação, e chamou suas idéias
de Teologia da Palavra de Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia e a Palavra de
Deus. Este era seu legado kantiano. Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem ouvir a Palavra de
Deus. A Bíblia é simplesmente um livro, mas, pelo menos, um livro através do qual nos pode
chegar a Palavra de Deus. A relação entre Deus e a Bíblia é real, porém indireta. A Bíblia, diz Barth,
―é a Palavra de Deus enquanto Deus fala por meio dela [...] a Bíblia se transforma em palavra
de Deus nesse momento. Para ele, até que a Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da
nossa situação existencial, ela não é Palavra de Deus. Esse é o conceito barthiano de revelação.
A dialética de Barth, ou teologia do paradoxo. O comentário de Barth também introduziu um
novo método para explicar a teologia, a dialética. Esse termo ficou rapidamente associado à obra
de Barth, ainda que o método tenha sido tomado por empréstimo do teólogo existencialista
Soren Kierkgaard. Kierkgaard havia dito que toda afirmação teológica era paradoxal, não
podendo ser sintetizada. O homem devia somente conservar ambos os elementos do paradoxo.
É esse ato de sustentação do paradoxo que Kierkgaard chama de ―salto de fé.

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Tal conceito influenciou muito a teologia barthiana, de maneira que quando preparava o
comentário aos Romanos, Barth afirmava que ―enquanto estamos na terra, não podemos fazer
outra coisa em teologia a não ser utilizar o método de afirmação e contraafirmação. Não nos
atrevemos a pronunciar em forma absoluta a palavra definitiva [...] O paradoxo não é acidental
na teologia cristã. Ele pertence, em certo sentido, ao coração do pensamento doutrinário‖. A
própria natureza da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto que se revela;
conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é escolhido e também reprovado em
Cristo; o homem é justificado por Cristo, mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que,
segundo a teologia dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o homem, ao encontrar
a contradição do pecado e finitude humana, só pode ser assimilada pela mente humana como
sendo um paradoxo.

O comentário de Barth veio reafirmar a transcendência absoluta de Deus. Um dos pressupostos


de Barth, que também é um legado kantiano, é que Deus é sempre sujeito, nunca objeto. Deus
não é simplesmente uma unidade no mundo dos fenômenos; ele é infinito e soberano,
―Totalmente Outro, e só pode ser conhecido quando nos fala. ―Ele não pode ser explicado
como qualquer outro objeto pode ser, apenas podemos nos dirigir a Ele [...] Por esta razão, não
cabe à teologia medi-lo em uma forma de pensamento direto ou unilinear. Não podemos falar a
respeito de Deus. Apenas falamos a Deus. Segundo Barth, a própria natureza de Deus exige que
as afirmações que lhe dirigimos sejam revestidas de contradição: ―Não podemos considerá-lo
perto, a não ser que o consideremos longe. Sem dúvida o grande tema de Barth, em oposição
declarada ao liberalismo, foi a ―infinita diferença qualitativa entre eternidade e tempo, céu e
terra, Deus e o homem. Não se pode identificar Deus com nada no mundo, nem sequer com as
palavras da Escritura. Deus chega ao homem como a tangente que toca o círculo, mas na
realidade não o toca. Deus fala ao homem como a bomba explode na terra. Depois da explosão,
tudo o que resta é uma cratera abrasada no terreno, e essa cratera é a igreja. O comentário de
Barth também demarcou a fronteira entre a história e a teologia. A teologia do século dezenove
se dedicou a procurar o Jesus histórico por detrás do Cristo sobrenatural da Bíblia. Os liberais
clássicos como o professor de Barth, Harnack, se dedicaram a buscar nos evangelhos – os quais
eles condenavam como não-confiáveis – os fatos históricos sobre Jesus. Barth asseverou que
essa busca é um a busca sem importância, pois, segundo ele, a revelação não entra na história,
apenas a toca como uma tangente toca um círculo. Segundo Barth, não há nada na história sobre
o que possamos basear a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história, mas pela revelação.
Profundamente influenciado pelos conceitos de história de Kierkgaard e de Franz Overbeck,
Barth dividiu a história em dois níveis: Historie e Geschichte. Ainda que ambos os termos possam
ser traduzidos por história, no alemão, a conotação que essas duas palavras têm é bem diferente.
Historie é a totalidade dos fatos históricos do passado, podendo ser comprovada objetivamente.
Geschichte se ocupa daquilo que une essencialmente, que exige algo de mim e requer meu
compromisso. Segundo Barth, a ressurreição de Jesus pertence ao âmbito de Geschichte, não de
Historie. Para ele, o âmbito da Historie de nada vale para o crente. Jesus deve ser confrontado
no âmbito de Geschichte. Mais uma vez a influência do pensamento de Immanuel Kant sobre a
teologia de Karl Barth, principalmente no que concerne ao mundo dos fenômenos e dos números
é muito grande, podendo-se até dizer que a teologia contemporânea tem sua raiz em Konigsberg,
na Prússia. Ao longo do desenvolvimento da teologia contemporânea, as idéias kantianas de
fenomenal e numenal ―volta e meia‖ reaparecem com uma nova roupagem. Alguns tomam o
tema e o ampliam, porém sua influência continua sendo grande a ponto de podermos designar
o século dezoito e o pensamento de Kant como protótipo da teologia contemporânea. Objeções
à teologia dialética de Karl Barth. Há, sem dúvida, algumas críticas que se pode fazer à obra de

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Barth. Ele mesmo reconheceu alguns de seus excessos e poliu boa parte dos argumentos que
enfatizou a princípio, e até certo ponto, pode-se dizer que ele suavizou algumas idéias mais
incisivas. O que passo a expor agora são algumas críticas que se podem fazer ao pensamento de
Barth. Em primeiro lugar, ainda que as idéias de Barth representem uma revolta contra o
liberalismo clássico, suas idéias podem ser chamadas de novo liberalismo. Barth não conseguiu
se livrar do ponto de vista crítico liberal das Escrituras. Por causa dos seus pressupostos liberais,
Barth não aceita a inerrância da Bíblia, chegando mesmo a afirmar que toda a Bíblia é um
documento humano falível e que buscar partes infalíveis nas Escrituras é ―simples capricho
pessoal e desobediência‖. A inerrância das escrituras é uma das diferenças cruciais entre o
liberalismo e o cristianismo ortodoxo, e o posicionamento de Barth nada mais é que uma opção
por ficar em cima do muro. Sua idéia de revelação, em última instancia, é puramente subjetiva.
Para Barth, a diferença entre a Bíblia como meramente um livro e a Bíblia como a Palavra de
Deus depende exclusivamente da reação humana frente a este livro. Embora em uma atitude de
revolta contra o liberalismo ele tenha exclamado: ―Seja Deus e não o homem‖, na prática,
dentro da sua teologia dialética, o homem é entronizado no centro da experiência religiosa.
O resultado final da dialética de Barth é a destruição da verdade objetiva. Se toda comunicação
histórica e toda experiência direta com Deus se encaixa em uma concepção pagã de Deus, como
poderemos aproximar-nos da verdade sobre Deus? Também a sua insistência em descrever Deus
como ―Totalmente Outro‖ faz de Deus um ser indescritível. Como Deus não é um objeto no
tempo e no espaço, e visto que a ―inescrutabilidade e recondidez formam parte da natureza de
Deus, o homem não pode conhecê-lo diretamente, afirma ele. A questão é: se Deus é assim tão
indescritível e insondável, de que maneira o homem pode conhecê-lo? A separação que Barth
faz da Historie e da Geschichte, traz à tona a problemática concernente à historicidade da obra
redentora de Cristo como fundamento do cristianismo. Ela argumenta na tradição de Nietzche e
Overbeck, separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo, acaba por solapar a base do
cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi tirar do liberalismo o monopólio quanto ao
método de interpretação, mas ao fazê-lo, também privou o cristianismo do seu lugar na história.
Ao que vemos, embora a teologia de Barth tenha sido responsável por uma prática religiosa em
que os valores evidenciam a religiosidade do cristão, ele jamais conseguiu se libertar
completamente do liberalismo teológico de seus mestres Herrmann e Harnack. Ele revoltou-se
contra o liberalismo teológico, argumentou contra ele, mas não pode livrar-se de seus
pressupostos. Tal como Kant, Barth confina Deus ao mundo dos números e apresenta a dialética
– a teologia do paradoxo – como sendo à única teologia possível. Ele exclui a razão a priori e deixa
a porta fechada à percepção humana. Sua teologia é de suma importância para o século vinte e,
de fato, quase todo o pensamento teológico moderno até a década de setenta envolverá a
perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus pressupostos ou acirrar-nos contra ele, mas nenhum
teólogo de nossa época poderá jamais ignorar a teologia dialética de Karl Barth e sua influência
no cenário teológico contemporâneo.
4.1 Neo-ortodoxia: Analisando os pressupostos teológicos do novo liberalismo Karl Barth havia
desencadeado uma tremenda revolução com seu comentário aos Romanos, e nos anos que se
seguiram, a revolução se ampliou consideravelmente, se avolumando sob a égide de um novo
movimento teológico denominado ―neo-ortodoxia‖. Emil Brunner talvez tenha sido um dos
nomes mais conhecidos dessa nova escola, depois, é claro, de Barth.
Brunner foi um teólogo suíço residente nos Estados Unidos que também teve participação
importante no desenvolvimento da teologia neo-ortodoxa. Nascido em 1889, estudou em Zurich,
Berlim e também no Union Theological Seminary, em Nova Iorque. Tornou-se professor de
teologia em Zurich em 1924, e em 1953 deixou a Suíça para tornarse professor na Universidade
Cristã do Japão. Desde os primeiros anos do comentário aos Romanos, a neo-ortodoxia – às vezes

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chamada de barthianismo – cruzou muitas fronteiras, tendo exercido influência no oriente. No
Japão, por exemplo, apesar da influencia de Brunner, foi Barth quem foi apelidado de ―o papa
teológico‖. Enquanto nos Estados Unidos ele era recebido como um dos mais importantes
teólogos, no Japão ele era conhecido como o único teólogo. Essa influência de Barth no Japão
deve-se principalmente aos escritos de Tokutaro Takahura, por volta de 1925. Na verdade, o
mundo inteiro sentiu o abalo da teologia barthiana, tanto que ao final da década de cinqüenta,
as três principais correntes teológicas já eram mencionadas como sendo a conservadora ou
ortodoxa, liberal e neo-ortodoxa. Temos que reconhecer que existe muita rivalidade no
movimento. A ferrenha diferença de opiniões entre Barth e Brunner quanto à realidade do
nascimento virginal e da revelação geral, as criticas de Barth à Bultmann e as críticas que
Bultmann devolveu à Barth, a discordância de Pannenberg acerca do conceito barthiano de
história, são indicativos de que as vozes dentro do movimento neo-ortodoxo nem sempre foram
unânimes. Emil Brunner aceita a revelação geral, e a mesma é negada por Barth. Barth aceita o
nascimento virginal, conceito que é negado por Brunner. Ele foi duramente criticado por Barth
por afirmar que a imagem de Deus se encontra ainda no homem pecador e que Deus se revela
na natureza, mas se defendeu argumentando que se o homem pecador não é mais a imagem de
Deus e se não há nenhuma revelação de Deus na natureza, então o homem não pode ser
responsabilizado pelo pecado que comete. A teologia de Brunner, assim como a de Barth, é
extremamente subjetiva. Buscando inspiração nos escritos dos filósofos Martin Bubber e Soren
Kierkgaard, ele define o cristianismo e a teologia em termos mais relacionais que racionais. Ele
argumenta que Deus não pode ser tratado como um objeto de estudo, ou um ―isso‖, mas
devemos nos relacionar com ele apenas como um ―Tu‖. Essa insistência em que Deus é sempre
sujeito e nunca objeto será um tema bastante recorrente na teologia contemporânea. Em um
capítulo anterior, indicamos alguns dos pressupostos, bem como a metodologia da estrutura
teológica neo-ortodoxa. Agora, cabe a nós destacarmos os temas comuns. O esboço que
demonstraremos a seguir está baseado principalmente na obra Dogmática da Igreja, de Barth.
O tema mais debatido pela neo-ortodoxia é o conceito de revelação. A revelação, segundo Barth,
é uma perpendicular que vem de cima, e que por isso não pode se comparar com as melhores
intuições humanas. A revelação é um evento no qual Deus toma a iniciativa. Também é dito que
a revelação não pode comparar-se com a Bíblia, pois é superior a ela. A Bíblia e suas afirmações
são testemunhas, são sinais indicadores da revelação, mas não é a revelação em si. A Escritura
não é a Palavra de Deus, e nem as afirmações da Escritura são revelação. Segundo Barth,
comparar a Bíblia com a Palavra de Deus é objetivar e materializar a revelação. Nesse mesmo
terreno, Brunner definiu a revelação como sendo uma ocasião de diálogo em que Deus se
encontra com o homem. Não se pode dizer que a revelação tenha acontecido, à não ser que
ambos os participantes do encontro – a saber, Deus e o homem – se encontrem. O coração da
revelação da Palavra de Deus, segundo a perspectiva neo-ortodoxa, é Jesus Cristo. De fato, Barth
insiste tanto nessa idéia que chega ao ponto de negar a existência de qualquer outra revelação,
à parte de Cristo. Para ele, a história da revelação e a história da salvação vêm a ser a mesma
coisa. No Cristo de Barth, Deus revelou que não queria deixar o homem existir em pecado. Por
isso, Barth insiste em que nunca deveríamos mencionar o pecado, a não ser que agreguemos
imediatamente que o pecado foi derrotado, esquecido e vencido por Jesus. A reconciliação entre
Deus e o homem se efetua por meio de Cristo. Jesus Cristo é o próprio Deus, isto é, é Deus que
se humilha a si mesmo. Em sua liberdade, Deus cruza o abismo aberto e mostra que ele é
verdadeiramente Senhor. Na encarnação, Deus se humilha a si mesmo. Barth não quer admitir a
humilhação do homem Jesus. Segundo ele, dizer que a humilhação se refere ao homem é uma
mera tautologia. Que sentido haveria em falar de um homem humilhado? A humilhação é algo
natural no homem. Porém, dizer que Deus se humilhou a si mesmo, segundo Barth, é entender

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o verdadeiro significado de Jesus Cristo como Deus. Ele é o Deus que se humilha que se revela, e
é também a própria essência da revelação. Barth afirma que Cristo, embora haja se humilhado
como Deus, foi exaltado como homem. Ele se nega a admitir a idéia tradicional dos dois estados
de Cristo, humilhação e exaltação, referindo-se à totalidade do Deus-homem em ordem
cronológica. Para Barth, Deus se humilhou a si mesmo e o homem (a humanidade de Jesus) foi
exaltada. Dizer que o estado de exaltação se refere a Deus também é mera tautologia. Que
sentido haveria em falar em um Deus exaltado? A exaltação é algo natural em Deus. Segundo
Barth, ―em Cristo, a humanidade é humanidade exaltada, assim como a divindade é divindade
humilhada. E a humanidade é exaltada com a humilhação da Divindade.
A doutrina de Barth traz implícito o universalismo. Outro problema bastante polêmico dentro da
neo-ortodoxia é a ambigüidade de seus proponentes no que concerne à possibilidade de
salvação universal. Barth desde o início repudiou o conceito supralapsariano – que é a dupla
predestinação – afirmando que a eleição não diz respeito a pessoas, e sim à Cristo. Ele afirma
que a tarefa da igreja é proclamar que os homens já foram eleitos em Cristo, e que portanto,
devem viver como escolhidos. Para Barth, a eleição não é um estado que adquirimos em Cristo,
e sim uma vida de ação e serviço a Deus. Esse conceito barthiano implica em universalismo?
Barth não afirmou, mas também jamais negou essa hipótese. Em uma de suas últimas
conferências sobre a humanidade de Deus, ele disse que ―não temos o direito teológico de
estabelecer quaisquer limites à misericórdia de Deus que se manifesta em Jesus Cristo‖. 4.2
Objeções à neo-ortodoxia. Como se pode observar, muitos pressupostos da neo-ortodoxia são
resultantes da influência do liberalismo, o que torna algumas de suas propostas inaceitáveis para
os teólogos ortodoxos. Há ainda muita polêmica dentro da neo-ortodoxia, não sendo difícil
levantar objeções a essa corrente teológica. O que apresentamos a seguir são algumas objeções
mais freqüentes que são levantadas contra a neo-ortodoxia. Primeiramente, a neo-ortodoxia
coloca a experiência subjetiva acima da revelação objetiva. Para a neo-ortodoxia, a revelação não
é simplesmente uma declaração de Deus ao homem, e sim um encontro divino-humano, uma
confrontação e um diálogo existencial. De acordo com essa premissa, a Bíblia não pode ser a
Palavra de Deus. Ela se transforma em Palavra de Deus à medida que Deus fala conosco por meio
dela. Reconhece-se nessa premissa a dívida que a neo-ortodoxia tem com a escola de filosofia
existencialista. A neo-ortodoxia conserva a linguagem teológica ortodoxa, porém a reinterpreta,
e muitas vezes o resultado desta reinterpretação é tão nocivo quanto veneno no leite. As
doutrinas do pecado original, da queda de Adão, da redenção, da ressurreição e da segunda vinda
de Cristo são chamadas de mitos por Brunner e de saga por Barth. A interpretação que a neo-
ortodoxia dá a essas passagens é acima de tudo existencial, quase nunca literal, sob alegação de
que essas doutrinas não descrevem eventos na história, e sim condições históricas sob as quais
todos os homens vivem. Gênesis 3, por exemplo, não deve ser tomado como história literal,
sendo apenas uma forma simbólica de explicar a realidade do pecado e do orgulho na vida
humana. Esse conceito de teologia não deixa nenhuma porta pela qual possa entrar a pregação
da vinda do Filho de Deus como evento a ocorrer na história, por exemplo.
A insistência de Barth em Jesus Cristo como o coração da revelação é tão forte que o leva a negar
a existência de qualquer outra revelação de Deus. Essa idéia é contrária a Bíblia, pois esta afirma
que Deus se revela através da sua criação (Atos 14.17 e Romanos 1.19-20). O conceito barthiano
e neo-ortodoxo de revelação também é contrário à doutrina bíblica da inspiração, e acaba por
destruir o caráter bíblico de revelação canônica. Alguns acusam Barth de fazer uma interpretação
dualista da encarnação de Cristo, pois ele parece fazer distinção entre as duas naturezas,
repudiando por completo o credo da Calcedônia. Ora, Cristo não nos salvou apenas por meio da
sua divindade, mas também por meio da sua humanidade. Nós temos paz por meio do sangue
da cruz (Colossenses 1.20, Efésios 2.16) e não há nada mais humano que o sangue de uma

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pessoa. Ainda que Barth diz que nem afirma e nem nega a teoria da salvação universal, sua idéia
de ―eleição universal em Cristo‖ parece uma espécie de neo-universalismo. Além disso, seu
repúdio pelas descrições do céu e do inferno parecem um conceito de salvação bem diferente
do que é apresentado nas Escrituras. O resultado dessa postura ―neouniversalista‖ é a
destruição da gravidade da incredulidade, e deste modo a neo-ortodoxia destrói as advertências
bíblicas contra a apostasia, bem como o chamado ao arrependimento e à fé. Por várias razões,
muitos teólogos têm entendido mal a neo-ortodoxia. Essa corrente teológica pretende, entre
outras coisas, ser um retorno ao ensino dos reformadores. A razão de ser da neo-ortodoxia é
atacar o otimismo do liberalismo clássico e as corrupções da teologia católica romana. É sua
intenção por em evidência a centralidade absoluta da pessoa de Cristo, a transcendência de Deus
e a necessidade de revelação. Naturalmente, todos esses pontos básicos estão em harmonia com
o conceito evangélico. Apesar disso, como se pode observar, a neo-ortodoxia se separa da fé
cristã histórica não somente em algumas esferas pouco relevantes, mas também em seus
conceitos básicos. Recomendamos as obras de Barth, Bultmann e Brunner – bem como de outros
teólogos neo-ortodoxos – por sua influência e contribuição para o cenário teológico
contemporâneo, mas a apreciação dessas obras deve ser feita com cautela e com espírito crítico.
5. Crítica da Forma: O método investigativo de Rudolf Bultmann No mesmo ano em que Karl
Barth publicou seu comentário aos Romanos, apareceram mais dois livros acerca de temas
neotestamentários que anunciavam uma nova mudança nos estudos críticos. O livro Die
Formgeschichte des Erxrngeliums, de Martin Dibelius (1883-1947), foi o responsável por
popularizar o jargão teológico crítica formal. Outro livro, Der Ráhmen der Geschichte Jesus
(1919), de Karl L. Schimidt, pretendia ser o golpe de misericórdia dos liberais contra a
confiabilidade do Evangelho de Marcos. Porém, mais que a estes dois nomes, a coluna vertebral
dessa nova mudança estaria associada a um outro nome: Rudolf Bultmann. O livro de Bultmann
que revolucionou a história dos estudos da Bíblia foi History of the Synoptic Tradition (História
da tradição dos Sinóticos), escrito em 1921. A influência de Bultmann no campo da crítica
sobrepujou a de Dibelius.
O método crítico de Bultmann é de fato, importante. Até mesmo os seus críticos, tais como Oscar
Cullmann e Joachim Jeremias, ao refutar as conclusões de Bultmann, usam uma adaptação do
seu método crítico. Aos poucos, Inglaterra e Estados Unidos, bem como outros países com
tradição no estudo da teologia, ainda que receosos quanto à nova matéria que estava associada
principalmente ao nome de Bultmann, acolheram vários pressupostos da crítica formal. 5.1 O
método investigativo da crítica formal. O labor do crítico formal é mostrar que a mensagem de
Jesus, tal como temos nos sinóticos, é em grande parte espúria, tendo sofrido acréscimos por
parte da comunidade cristã primitiva. Com respeito à confiabilidade da Bíblia, Bultmann vai mais
além, e afirma que a Bíblia não é a Palavra inspirada de Deus em nenhum sentido objetivo. Para
ele, a Bíblia é o produto de antigas influências históricas e religiosas, e deve ser avaliada como
qualquer outra obra literária religiosa antiga. A premissa fundamental da crítica formal é que os
evangelhos são o produto do labor da igreja primitiva. Os autores dos evangelhos procuraram
unir várias tradições orais independentes e contraditórias que existiam na igreja antes que fosse
escrito o Novo Testamento. Essas tradições orais também não são dignas de confiança,
consistindo basicamente de ditos e relatos individuais referentes a Jesus e aos seus discípulos. A
igreja ajuntou essas tradições e usou em forma de narrativa, inventando lugares, tempos e
enlaces para unir as tradições independentes. Frases como as dos Evangelhos, ―em um barco,
―imediatamente, ―no dia seguinte, ―em uma viagem– são apenas meros recursos literários
usados pelos compiladores dos Evangelhos para unir todas as narrativas, inclusive histórias
independentes acerca de Jesus. Como disse K.L. Shimidt, um dos pioneiros no campo da crítica,
nós ―não possuímos a história de Jesus, temos apenas histórias sobre Jesus. O propósito da

21
crítica formal é encontrar o Evangelho por detrás dos Evangelhos. Segundo os seus proponentes,
os quatro Evangelhos que dispomos servem apenas como ―matéria prima na nossa busca pelo
verdadeiro Evangelho, que teria sido anterior aos quatro Evangelhos canônicos e diferente dos
mesmos, partindo da premissa de que a igreja primitiva compilou, editou e organizou os livros
canônicos de forma artificial, de acordo com seus próprios propósitos apologéticos e
evangelísticos. Para dar aos Evangelhos um detalhe harmônico, teriam sido acrescentados
detalhes quanto à seqüência, cronologia, lugares, etc. Segundo a crítica formal, tais detalhes não
são confiáveis. A Bíblia, tal como a temos hoje seria apenas uma compilação de lendas e ensinos
isolados que foram ardilosamente inseridos como sendo parte da história original. Milagres,
histórias controvertidas e profecias cumpridas seriam nada mais que uma tradição proveniente
de uma fonte tardia e menos confiável.
Por fim, o resultado dessa metodologia é essencialmente anti-sobrenaturalista. Para Bultmann,
o que temos nos Evangelhos canônicos são apenas resíduos do Jesus histórico. Não há dúvida
que Jesus viveu e realizou muitas das obras que lhe são atribuídas, mas ele se mostra
extremamente cético, principalmente quanto à possibilidade do sobrenatural e do chamado
―Jesus histórico‖. Ele disse: ―Creio que não podemos saber quase nada acerca da vida e
personalidade de Jesus, já que as fontes cristãs primitivas não se interessam por isso, sendo
fragmentadas e lendárias, e não existem outras fontes acerca de Jesus‖. É claro que o comentário
de Bultmann é preconceituoso e tendencialista, pois há menção da pessoa de Cristo nos escritos
dos Pais apostólicos, Flávio Josefo e Tácito, entre outros. Consenso com os cristãos ortodoxos.
Os cristãos ortodoxos aceitam, de forma quase consensual, alguns dos pontos sustentados pela
neo-ortodoxia, e até mesmo com alguns pressupostos de Bultmann. A crítica formal nos lembra
que o evangelho se conservou oralmente durante pelo menos uma geração, antes de adquirir a
forma escrita do Novo Testamento. Ela também nos recorda que os Evangelhos não são relatos
neutros ou imparciais, sendo antes disso um testemunho da fé dos crentes. Além disso, por
maiores que foram os esforços de Bultmann, ele não conseguiu demonstrar objetivamente o
Jesus ―não-sobrenatural. Todos os documentos do Novo Testamento, não importa a forma em
que a crítica formal os selecione, continuam refletindo o Jesus sobrenatural, filho de Deus. A
crítica formal também nos recorda o caráter ocasional dos Evangelhos. Cada um deles foi escrito
com uma idéia, em uma ocasião histórica específica, como por exemplo, Mateus para os judeus,
e Marcos e Lucas para os gentios. Como tais, expressam em primeiro lugar uma preocupação
vital com a problemática da época. E por último, a crítica formal nos lembra que os Evangelhos
não se interessavam grandemente por detalhes geográficos e cronológicos, como a comunidade
cristã ortodoxa havia pensado e praticado anteriormente.
5.3 Objeções ao método crítico de Rudolf Bultmann. É claro que esses pontos consensuais são
superficiais. Assim como a teologia dialética de Barth, o método crítico de Rudolf Bultmann é
demasiadamente injusto com a natureza do Novo Testamento. Há várias objeções que se pode
fazer ao criticismo de Bultmann, dentre as quais destacaremos cinco, por considerá-las
principais.
A primeira delas está relacionada com a história. Não há embasamento sólido para a teoria da
inconfiabilidade histórica dos Evangelhos. Os críticos da tradição de Bultmann argumentam que,
por se tratar de uma crônica de contínuos sucessos, eles não podem ser um esquema
historicamente confiável sobre a vida de Cristo. O que eles não levam em conta é que dentro dos
limites de um esquema histórico amplo, cada evangelista distribuiu seu material histórico de
acordo com seus propósitos. Eles também ignoram que o Novo Testamento, a pesar dos muitos
sucessos, narra também alguns fatos embaraçosos, como a ausência de sinais de Cristo em sua
terra natal (Mateus 13.54-58) e a sua agonia no Getsêmani. Além disso, a crítica de Bultmann é
exagerada porque exige dos escritores dos Evangelhos algo que eles não quiseram fazer. Eles

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eram testemunhas oculares, mas não eram historiadores treinados. Porém, apesar disso, várias
vezes eles se mostram cautelosos com os dados históricos, como no prólogo de Lucas (Lucas 1.1-
4). A crítica formal também é injusta com os escritores dos relatos evangélicos. Eles reduzem
Mateus, Marcos e Lucas a meros compiladores de documentos, e os Evangelhos a relatos
contraditórios. Isso tudo viola injustamente a unidade do relato evangélico. Os Evangelhos
possuem uma unidade básica de testemunhos confiáveis de Cristo, e ainda nos apresentam
marcos diferentes da vida de Jesus. Na verdade, cada Evangelho é um marco histórico de certos
aspectos da vida de Cristo, mas a crítica formal não reconhece a diversidade de transmissão oral
dentro da unidade dos relatos evangélicos. O método crítico de Bultmann separa o cristianismo
de Cristo. A grande premissa deste método de estudo é que a comunidade cristã, e não Cristo,
exerceu o papel mais importante na produção dos Evangelhos. A verdade, porém, é que a
mensagem neotestamentária está centrada na pessoa de Cristo e no que ele fez (2Coríntios 4.5),
e não na comunidade cristã. A igreja a qual Paulo e seus companheiros testemunharam não foi
criadora (2 Coríntios 4.1-2), mas apenas receptora da verdade. Sua maior responsabilidade não
foi a criação de novas tradições, e sim a preservação e proclamação das antigas tradições.
Segundo a crítica formal, o cristianismo dos apóstolos não passava de versões falhas sobre Cristo
e sua mensagem. Diferente do que dizem estes críticos, os apóstolos eram uma fonte autorizada
de informação com respeito dos atos e doutrinas de Cristo. Em Atos 4.1.21-22, está claro que os
apóstolos exerciam um controle estratégico da mensagem oficial da igreja durante os anos de
transmissão oral. Sua presença tinha como finalidade impedir que surgissem versões deturpadas
do Evangelho, e não criar uma versão mitológica e deturpada do Evangelho.
A crítica formal parece esquecer que o lapso de tempo entre os fatos históricos e os documentos
escritos é mínimo. Quando Bultmann e outros críticos da Bíblia dizem que a narrativa evangélica
está repleta de fábulas que se acumularam durante o período entre a tradição oral e a palavra
escrita, eles esquecem que o intervalo entre os fatos acontecidos e o registro desses fatos é
muito pequeno. O primeiro relato documental foi feito por Marcos e as evidências demonstram
que ele foi escrito cerca de vinte e cinco anos após os eventos por ele narrados. O problema em
dizer que o NT está repleto de material lendário é que vinte e cinco anos é muito pouco tempo
para se formar uma lenda. Quando as primeiras versões evangélicas começaram a circular,
muitas das testemunhas oculares estavam vivas e poderiam facilmente desmascarar os
escritores, caso estes fossem impostores e estivessem inserindo mitos na narrativa. O que
ocorre, porém, é justamente o contrário: os Evangelhos foram recebidos com muita alegria e
divulgados pelas igrejas. De tudo isso, segue-se irrefragavelmente que a crítica da Bíblia tal como
aparece em Rudolf Bultmann, é uma analise preconceituosa do relato evangélico, está
demasiadamente comprometida com os pressupostos do liberalismo para que possa ser
considerada uma analise imparcial dos fatos, como os críticos desejam que seja. Mas a crítica
formal não foi a única contribuição de Bultmann à teologia contemporânea. Outras idéias dele
também permearam o cenário teológico do século vinte, entre as quais está a desmitologização.

5.3 Desmitologização: O método interpretativo de Rudolf Bultmann

Uma das palavras chaves para entender a teologia do século vinte é a ―desmitologização‖. Essa
palavra cacofônica é uma terminologia que foi popularizada por Bultmann em um ensaio escrito
em 1941, tornando-se a partir daí um jargão teológico. O impacto desse conceito na Europa foi
tremendo, e se por um lado a Alemanha perdeu pouco a pouco o interesse pelos pressupostos
da desmitologização, a idéia recebeu um novo estímulo quando o John Robinson discorreu sobre
o tema em seu livro Honest to God, de 1963. Não é possível sintetizar todo o pensamento de
Bulmann em uma única palavra. No capítulo anterior, apresentamos uma parte muito importante

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da influência atual de Bultmann. Apesar disso, a teologia da desmitologização é sem dúvida uma
parte importantíssima da teologia contemporânea e merece destaque entre as idéias que
Bultmann ajudou a preconizar, além de ser ainda hoje a parte de sua formulação teológica mais
controversa. O que será que há de tão controverso e ao mesmo tempo tão atraente nesse
conceito de Bultmann, a ponto de instigar consideravelmente os teólogos dos Estados Unidos,
Europa e da Ásia, e continuar exercendo influência no pensamento teológico contemporâneo
ocidental? É isso que estaremos analisando neste capítulo.

O programa de desmitologização.
No centro do programa de desmitologização de Bultmann consta na afirmação de que no Novo
Testamento encontram-se duas coisas: O Evangelho cristão, por um lado. A cosmogonia do
século primeiro, de índole mitológica, de outro lado. Sendo assim, o teólogo contemporâneo
precisa separar o kerigma (transliteração da palavra grega que significa ―conteúdo da
pregação‖), de sua envoltura mitológica. O kerigma seria a entranha irredutível na qual o homem
moderno deve crer. A idéia de mito, para Bultmann, tem sua origem no pensamento pré-
científico do século primeiro. O propósito do mito seria expressar a maneira como o homem vê
a si mesmo, e não apresentar um quadro objetivo e histórico do mundo. O mito emprega imagens
e termos tomados deste mundo para transmitir convicções acerca do enfoque que o homem tem
de si mesmo. No século primeiro, o judeu entendia o seu mundo como um sistema aberto a Deus
e aos poderes sobrenaturais. Nessa era pré-científica, acreditava-se que o universo tinha três
níveis, com o céu acima, a terra no centro e o inferno debaixo da terra. Bultmann insiste que essa
é a visão de mundo encontrada na Bíblia. Esta inserção mítica, segundo Bultmann, também foi
utilizada para transformar Jesus. A pessoa histórica de Jesus, segundo esse professor, se
converteu rapidamente em um mito do cristianismo primitivo, e é por isso que Bultmann
argumenta que o conhecimento histórico de Jesus não tem valor para a fé cristã primitiva, pois
o quadro apresentado pelo Novo Testamento é de índole essencialmente mítica. Os fatos
históricos acerca de Jesus se transformaram em uma história mítica de um ser divino e
preexistente que se encarnou e expiou com seu sangue os pecados de todos os homens,
ressuscitando também dentre os mortos e subindo ao céu e, segundo se cria, regressaria
rapidamente para julgar o mundo e iniciar uma nova era. Esta história também foi embelecida
com histórias milagrosas, vozes celestes e triunfos sobre demônios. Bultmann afirma que toda
essa apresentação que o Novo Testamento faz de Jesus não passa de mito., isto é, do reflexo do
pensamento pré-científico das pessoas do século primeiro, que criaram esses mitos para
entenderem melhor a si mesmos. Esses mitos, segundo ele, não tem nenhuma validade para o
homem do século vinte, que acredita em hospitais, e não em milagres; em penicilina, e não em
orações. Para transmitir com eficácia o evangelho ao homem moderno, devemos despojar o
Novo Testamento dos mitos e encontra o Evangelho por trás dos Evangelhos. É este processo de
descobrimento que Bultmann chama de desmitologização.
O processo de desmitologização, segundo o próprio Bultmann, não significa negar a mitologia, e
sim interpretá-la existencialmente, em função da compreensão que o homem tem de sua própria
existência. Bultmann busca fazer essa interpretação existencialista dos mitos utilizando conceitos
do filósofo existencialista alemão Martin Heidegger (1889). Assim, ele afirma que o suposto
nascimento virginal de Cristo é uma tentativa humana de expressar o significado de Jesus para a
fé. A cruz de Cristo também perde seu significado expiatório. Cristo na cruz não está fazendo
nenhuma substituição vicária: ela tem significado apenas como símbolo de que o homem
assumiu uma nova existência, renunciando toda a segurança material por uma vida que se vive
apoiado no transcendente. Características básicas da mitologia do Novo Testamento. Em ultima
análise, Bultmann diz que as características básicas da mitologia do Novo Testamento se

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concentram em duas categorias de autocompreensão: a vida fora da fé e a vida de fé. A vida fora
da fé. Nesse sentido, os termos conhecidos como pecado, carne, temor e morte são apenas
explicações míticas da vida fora da fé. Em termos existenciais, pode-se dizer que significam uma
vida escrava das realidades tangíveis, visíveis e que perecem. A vida de fé. A vida de fé, por outro
lado, consiste em abandonar completamente esta adesão às realidades tangíveis. Significa ainda
a libertação do próprio passado e a abertura para o futuro de Deus. Para Bultmann, essa abertura
ao futuro de Deus é o único significado real da escatologia. A implicação desse pensamento é
que o viver escatológico genuíno é viver em constante renovação através da decisão de
obedecer. Objeções à doutrina de Bultmann. A teologia de Bultmann é anti-cristã e herética, e o
nosso juízo sobre ela deve ser negativo por vários aspectos: Primeiro, a desmitologização, assim
como a neo-ortodoxia, tem grande dívida com a filosofia existencialista, que está em desacordo
com o Novo Testamento. No existencialismo, assim como na neo-ortodoxia e na teologia da
desmitologização, o enfoque central é o próprio homem, quando na Bíblia o enfoque é Deus. Sob
influência do existencialismo, Bultmann coloca o homem no centro das atenções, cometendo
uma injustiça e porque não dizer, sendo desonesto para com o caráter teocêntrico do Novo
Testamento. O verdadeiro propósito do Novo Testamento é proclamar que o Deus soberano veio
ao mundo na pessoa de Jesus para restaurar a natureza humana e resgatar a humanidade. O
coração do Novo testamento continua sendo Deus, e não o Homem.
A desmitologização destrói a objetividade do NovoTestamento, portanto, é anticristã. Ela
converte a Bíblia em uma religiosidade baseada no irreal e pré-científico. A religião cristã se
transforma em um aglomerado de mitos e a historicidade dos eventos milagrosos é logo
descartada. Herman Riddebos nota que, segundo Bultmann, Jesus ―não foi concebido pelo
Espírito Santo, nem nasceu da virgem Maria. Sofreu sob Pôncio Pilatos e foi crucificado, mas não
desceu ao hades, não ressuscitou dos mortos e nem subiu aos céus. Também não está assentado
à direita de Deus Pai e não voltará para julgar os vivos e os mortos‖. Segundo Bultmann,
ressurreição, inferno e nascimento virginal são palavras desprovidas de significado real, não
sendo literais. São dogmas mitológicos e não expressam nenhuma realidade objetiva. O mesmo
ocorre com a trindade, com a expiação vicária e com a obra do Espírito Santo. O cristianismo
primitivo está marcado pelo impacto da pessoa e da obra de Cristo. Não existe outra justificativa
capaz de explicar o nascimento da igreja e da sua teologia, porém Bultmann reduz sua influência
à zero. Ele preconceituosamente assume uma postura anti-sobrenaturalista e presume, com
base em seus conceitos tendenciosos e sem nenhuma evidência plausível, que todos os relatos
confiáveis acerca de Jesus ficaram suprimidos ou destruídos no breve período que transcorreu
entre sua vida terrenal e o início da pregação evangélica. Seu ceticismo é insustentável. Será que
50 dias é tempo suficiente para que os discípulos viessem a esquecer tudo o que ouviram e
viram? Não foi só Heidgger que influenciou a teologia de Bultmann. As idéias de David Hume, o
cético escocês, haviam influenciado o mundo e seu legado se estendia à época de Bultmann. É
injustificável a negação de Bultamann dos relatos sobrenaturais e a classificação arbitrária desses
relatos como sendo essencialmente mitológicos. Também podemos perceber várias
pressuposições do liberalismo clássico na obra de Bultmann, razão pela qual tanto o seu método
crítico como sua teologia da desmitologização ganharam o apelido de neo-liberalismo. Bultmann
é totalmente incoerente ao basear suas idéias nas Escrituras, pois o que ele chama de mito, a
Bíblia chama fato. Seu antropocentrismo pode estar bem de acordo com a filosofia
existencialista, mas é totalmente oposto ao caráter teocêntrico do Novo Testamento. O
desvendamento das Escrituras pela desmitologização é herético. Ao contrário do que Bultmann
pretende, não é a desmitologização que desvendará de modo compreensível as Escrituras para
o homem moderno, e sim o Espírito Santo. Somente ele, segundo a Bíblia, é que pode dissipar as
trevas da incredulidade levando o pecador a ver o Evangelho. Com seu método interpretativo,

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Bultmann nos desafia a compreender o homem moderno, quando pregamos a ele. Esse enfoque
é digno e necessário, mas não é ―desmitologizando‖ o Evangelho e interpretando-o
existencialmente que nós solucionaremos os problemas da humanidade. Ao apresentar a
mensagem cristã ao homem moderno, devemos ter em mente que por mais moderno que ele
seja, ele ainda é homem natural, e portanto ―não pode compreender as coisas que são do
Espírito de Deus, porque lhe parece loucura‖ (1 Coríntios 2.14). Creio que esse versículo, mais
que qualquer outro, pode ser aplicado ao método interpretativo de Rudolf Bultmann
6. Heilsgeschichte: A escola teológica do Dr. Oscar Cullmann Parte do mundo teológico do século
vinte gira em torno de uma palavra alemã, Heilsgeschichte, que pode ser traduzida para a língua
portuguesa como história da salvação. A palavra ganhou um significado mais pleno dentro da
teologia ocidental contemporânea após os escritos do teólogo suíço, perito no Novo Testamento,
o Dr. Oscar Cullmann. Ainda que o significado e origem de heilsgeschichte remonta aos teólogos
alemães do século dezenove, como J.C.K. von Hofmann e Adolf Schlater, o Dr. Cullmann é a
pessoa que popularizou o termo no século vinte. Introduzir neste ponto nosso estudo sobre
Cullmann e a Heilsgeschichte é intencional, porque parte da obra de Cullmann foi escrita de
modo a refutar e interagir algumas idéias de dois importantes teólogos contemporâneos, cujos
pressupostos já foram apresentados, a saber: Barth e Bultmann. De Karl Barth, a Heilsgeschichte
de Cullmann tomou muitas idéias básicas para um novo enfoque da história. Também foi
influenciado pela compreensão cristocêntrica do barthianismo e pelo conceito definitivo do
papel da fé na revelação divina. De Rudolf Bultmann, Cullmann tomou os métodos exegéticos da
crítica formal para aplicá-lo em sua reconstrução da história do Novo Testamento. Devido a essa
relação com os escritos de Barth e Bultmann, é sábio referir-se as idéias de Oscar Cullmann como
sendo neo-ortodoxas em sua orientação. O mais interessante na obra de Cullmann é que, ao
mesmo tempo em que Cullmann manteve algumas idéias de Barth e Bultmann, ele não temeu
desassociar-se desses homens. Ele diz que Barth e Bultmann assimilaram noções filosóficas
estranhas ―que corromperam sua percepção da mensagem espontânea do Novo Testamento‖.
Segundo Cullmann, o impulso de Bultmann, principalmente ao fazer distinção entre os elementos
essenciais e acidentais da mensagem do Novo Testamento, é arbitrário e ingênuo. O Novo
Testamento, segundo ele, deve ser a chave para a compreensão de si mesmo. Esta diferença
entre Cullmann e seus contemporâneos pode explicar porque muitas de suas idéias têm sido
aceitas aos evangélicos ocidentais, ao passo que as idéias de Barth têm sido rejeitadas. Seus
escritos são menos dependentes do existencialismo e de outros pressupostos filosóficos, e mais
dependentes da exegese bíblica do que a obra de Barth e Bultmann. Diferente desses dois
homens, ele submeteu suas interpretações ao contexto que lhe oferecia a própria Escritura, se
opondo fortemente a muitas características radicais da crítica formal e da desmitologização.
Neste mesmo sentido, enfatizou a importância da história para a compreensão adequada da
Bíblia. Ainda que seu conceito de história está bastante renhido com o evangélico, sua ênfase na
idéia central da história da salvação, de que Deus atua na história, comunga muito bem com a
teologia ortodoxa. Outro ponto importante na teologia do Dr. Cullmann é a ênfase cristológica
de seus escritos. Um dos livros mais inteligentes de Cullmann é um estudo exegético dos títulos
de Cristo no Novo Testamento. Neste livro ele afirma que a teologia cristã primitiva é quase
exclusivamente cristologia.
Principais postulados da escola Heilsgeschichte de teologia. A Heilsgeschichte (daqui por diante
nos referiremos a ela apenas por história da salvação), como escola de interpretação teológica
insiste principalmente na história e na revelação de Deus na história. O tempo, para Cullmann, é
algo no qual Deus atua para realizar a salvação do homem em Cristo. A revelação e a redenção
divina estão baseadas em realidades históricas bem objetivas, e não em mitos levantados pela
igreja, como afirma Bultmann, porém, ao enfatizar a história como veículo da revelação,

26
Cullmann consequentemente está privando a Escritura de ser o dado básico da religião cristã. O
dado básico passa a ser a história santa e a Escritura passa a ser apenas uma constante desse
dado definitivo, e não uma realidade em si mesma. Como afirmou George Ernest Wright, perito
em Antigo Testamento da mesma escola, ―a revelação se dá em fatos históricos, não em
palavras. Devemos entender o Novo Testamenticomo testemunho dos atos reveladores de
Deus‖. A ação central na história da salvação é a primeira vinda de Jesus Cristo como Salvador.
Toda a história e todo o tempo, segundo Cullmann, são um drama mundial e Jesus é a figura
principal neste drama. Os judeus no tempo do Novo Testamento aguardavam a vinda do Messias-
Salvador como o anuncio iminente do fim do mundo, o centro da história, depois do qual viriam
as glórias da era vindoura. A Bíblia dá testemunho que Jesus é o messias e que ele deu início a
essa nova era. Isso implica em uma nova perspectiva escatológica. Para Cullmann, a escatologia
inclui todos os sucessos salvadores a partir da encarnação e concluirá com a segunda vinda. As
bênçãos da era vindoura começaram com a obra e o testem,unho de Cristo, mas sua finalização
está reservada para o tempo da segunda vinda, quando o Reino de Deus estará presente de modo
pleno, em todo o seu poder e glória. A igreja, portanto, apareceu na história da salvação na fase
final do plano de redenção divino. A batalha que decide a vitória final já teve seu lugar, de modo
que a história se encontra em um drama cósmico, sendo ela mesma a chave de ação na linha
estreita da história bíblica. A razão pela qual Cullmann não admite que o Evangelho seja revelação
é justamente essa: aceitar o Evangelho seria limitar a ação de Deus a essa linha estreita. Quanto
à revelação, Cullmann afirma que o interprete somente conhece a história quando se identifica
com ela. Obviamente que essa é uma idéia neo-ortodoxa. A história, quando o interprete a
conhece, passa a ser revelação, e o estudioso participa dessa história pela fé. A pesar da forte
insistência na historicidade dos relatos bíblicos, Cullman e os outros teólogos da história da
salvação ainda têm dificuldades em considerar o significado da salvação como algo
objetivamente acessível, e continua falando da experiência religiosa como ponto de apoio da
revelação

6.1 O pensamento de Cullman e a ortodoxia teológica.


Apesar da crítica que Cullmann faz do uso da crítica formal por parte de Bultmann, em última
análise, o uso que ele mesmo faz do criticismo faz distinção entre a Bíblia e a palavra de Deus.
Cullmann chama o relato Bíblico da criação e a segunda vinda de mitos, o que mostra que ele
não está totalmente disposto a admitir a realidade da revelação como verdade infalível contida
na Escritura. Com relação ao conceito de Cullmann sobre a revelação, também deveríamos
advertir que ele continua dependendo muito do subjetivismo da neo-ortodoxia. A teologia da
reforma sempre insistiu na necessidade da iluminação do Espírito Santo para compreender a
revelação de Deus (1 Coríntios 2.14). O maior propagador da história da salvação crê que, a
menos que o homem a entenda, ela nem mesmo é revelação. Por último, sua ênfase
exclusivamente cristológica acaba por converter o cristianismo em cristomonismo – para usar
uma terminologia barthiana – , pois ao enfatizar demais o cristocentrismo, ele acaba por
negligenciar as formulações cristãs históricas da doutrina da trindade. É verdade que a teologia
da igreja primitiva estava marcada pela cristologia (2Coríntios 13.13), mas era também uma
teologia trinitariana (Romanos 8.31-39; João 1.18 e 1Coríntios 15.28). Como já foi esposado
anteriormente, a teologia da Heilsgeschichte se parece muito com a teologia ortodoxa. Sua forte
insistência na salvação como um sucesso histórico centrado em Cristo é muito útil como defesa
apologética e refuta a contento o programa de desmitologização de Bultmann. Suas idéias acerca
da relação entre a escatologia e a primeira vinda de Cristo, têm se demonstrado especialmente
úteis, inclusive para corrigir certa insistência ortodoxa do passado. Suas idéias exegéticas a
respeito das escrituras também são parte significativa de sua contribuição para a teologia. Junto

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com isso, o leitor evangélico deve ter sempre presente que os pressupostos básicos de Cullmann
são os de Barth e Bultmann e consequentemente essas mesmas idéias às vezes são um estorvo
para o exame e compreensão da história da salvação.

7. Teologia Secular: Robinson, Cox e Buren: Uma teologia do mundo para o homem moderno. Na
idade média houve uma forte tendência eclesiástica de sacramentalizar a sociedade, de tal forma
que o pensamento teológico acerca do Reino de Deus se mesclou com as pretensões do papado.
A intenção era trazer o Reino de Deus através da força militar e plantar suas idéias na sociedade.
Em meados do século vinte, a tendência parecia ser a oposta. Desde Karl Barth, havia um forte
clamor por um cristianismo menos dogmático e mais vivenciável, e no período pós-guerra esse
clamor se intensificou e se homogeneizou com algumas idéias extremamente sociais e
humanistas. Começava a nascer então a teologia da secularização.
Poucos sabem, mas o secularismo tão presente e difundido em nossa era, já esteve organizado
em um forte sistema religioso. A princípio, os secularistas conservaram alguma forma moderada
de religião, talvez por medo de se oporem ao amor e ao culto cristão, mesmo quando pensavam
que a idéia de Deus era obsoleta. Esse tipo de concessão, porém, está mudando
vertiginosamente, tanto que se cumpre hoje o que foi dito por certo comentarista: ―no fim do
século vinte, os cristãos consagrados serão uma minoria consciente no ocidente, rodeados por
um paganismo agressivo e arrogante, que é o desenvolvimento lógico da nossa tendência
secularista‖. De fato, o final do século vinte e início do século vinte e um, foram marcados por
uma forte tendência secular, apostasia deliberada e oposição aberta ao sagrado. Uma das
manifestações mais abertas e nocivas dessa ―deserção secularista de Deus que caracteriza a
apostasia, encontra sua versão religiosa no que passou a chamar-se teologia secular. Sendo esse
um movimento com muitas posições extremas, resiste a toda definição, ainda que exige atenção.
O conhecido movimento da morte de Deus talvez tenha já morrido como moda teológica, porém,
como ramificação da teologia secular, ele continua influenciando a igreja e seus ensinos sadios.
Esse radicalismo teológico ganhou proporções gigantescas no best-seler de John Robinson,
Honest to God (1963). O livro de Robinson começa com o convencimento de que a idéia de um
Deus ―lá em cima‖, tão transcendente como na teologia de Kierkgaard, de Barth e na filosofia
de Kant deve ser deixada de lado por se tratar de uma idéia antiquada e errônea. O problema é
que ao invés de buscar a moderação entre a transcendência e a imanência de Deus, ele parte
para a idéia de um Deus no nosso interior, algo totalmente imanente. Robinson reafirma que
Deus é o fundamento do nosso ser, e acrescenta que a igreja nunca deveria ser uma organização
para homens religiosos; não deve haver uma distinção entre igreja e mundo. O lema desses novos
―crentes‖, cristãos secularistas é ―ama a Deus e faça o que quiser‖. Em outro livro, escrito em
1965, se percebem as mesmas exigências teológicas. A Cidade Secular, de Harvey Cox, apresenta
o secularismo não como inimigo da igreja, mas como fruto do evangelho. Por secularismo, Cox
entende o processo histórico pelo qual a sociedade se liberta do controle da igreja e dos sistemas
metafísicos fechados. O centro de interesse dessa nova teologia não é a igreja, mas sim o mundo
e as suas necessidades. O Deus da Bíblia, segundo ele, deve ser redefinido como sendo o Deus
deste mundo (cf. 2 Coríntios 4.4).
7.1 A postura da teologia secular. Quais seriam os pressupostos dessa teologia do mundo? Que
idéias os chamados teólogos seculares defendem? O que apresentamos à seguir são as principais
idéias esposadas pela teologia do mundo.

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Em primeiro lugar, os teólogos seculares estão de acordo que os problemas deste mundo
deveriam ser uma das preocupações vitais da igreja.Eles reclamam que a igreja tem se esquivado
e racionalizado quanto as suas falhas em não enfrentar-se com os males sociais e políticos. Com
respeito a isso, a voz mais eloqüente foi Dietrich Bonhoeffer, pastor alemão executado pelos
nazistas durante a Segunda Guerra Mundial por participar de um complô contra a vida de Hitler.
O espírito ativista de Hitler é o espírito da teologia secular, e talvez seja essa a razão pela qual ele
chegou a ser considerado uma espécie de patrono do secularismo teológico. Muitos dos valores
desse movimento teológico foram retiradas do diário e das cartas de Bonhoeffer, escritas na
prisão, enquanto este aguardava a execução. A conduta de Bonhoeffer é reprovável e anti-cristã.
A Bíblia nos instrui a amar nossos inimigos (Mateus 5.44), não a assassiná-los; a orar pelas
autoridades (1 Timóteo 2.2), e não lutar contra elas. Porém, seus pressupostos nos trazem à
mente uma verdade que foi expressa pelo próprio Bonhoeffer, a de que ―não se pode encerrar
a Cristo na sociedade sagrada da igreja‖. O campo é o mundo, e a nossa teologia não deve ser
confinada às quatro paredes da nave de um templo. Os teólogos seculares também afirmam que
nossa teologia deve expressar um espírito de secularização. Harvey Cox diz que devemos deixar
de falar da ontologia antiquada para começarmos a falar de funções e de ativismo dinâmico. Nas
palavras de Robinson, a pergunta ―Como posso encontrar um Deus benigno?‖ deve ser
substituída por ―Como encontrar um próximo benigno?‖. Sem dúvida, o mais radical dos
teólogos seculares é Paul Van Buren. Buren, em seus razoamentos teológicos afirma que o
próprio Deus deve ser excluído do cenário teológico. O cristianismo, segundo ele, deve ser
reconstruído sem Deus, e Cristo deve ser visto como o paradigma da existência humana. Na
teologia secular, não há espaço para o Jesus salvador. Ele é, no máximo, um bom exemplo. A
terceira objeção diz respeito à possibilidade do sobrenatural. Existe na teologia secular um
esforço para minimizar o sobrenaturalismo. A idéia liberal de que Jesus foi apenas um homem
bom que viveu perto de Deus ganhou vida dentro da teologia secular. Robinson fala da expiação
como ―a entrega completa de Jesus em amor‖, no qual ele ―revela que o fundamento do ser
humano é o amor‖. Ele, assim como Cox e Buren, repudia a idéia de uma expiação sobrenatural
e perdoadora. É uma teologia totalmente naturalista, cujo Deus é literalmente o Deus deste
mundo (2 Coríntios 4.4). Assim também, os teólogos seculares rejeitaram totalmente o reino
sobrenatural e a segunda vinda de Cristo. O único mundo real é o aqui e agora, e a idéia do céu
é chamada por eles de ―escotilha de escape.

7.2 Avaliação da teologia secular.


Há quem creia que a teologia da secularização tenha trazido apenas prejuízo à teologia ortodoxa,
mas, apesar do prejuízo causado ter sido maior que o bem que ela tem feito, uma da suas
contribuições para a teologia ortodoxa foi plantar algumas perguntas que os teólogos,
encerrados em seus sistemas dogmáticos, não tinham pensado em fazer, e muitas delas têm
repercussão missionária e verdadeira importância na contextualização da mensagem cristã para
o mundo. Qual deve ser a reação da igreja perante essas doutrinas? Certamente reconhecemos
que esses homens captaram o espírito de nosso tempo. O problema é que eles não somente
captaram, senão que deixaram dominar-se por ele. A teologia secular é radical e antibíblica. É
verdade que Jesus recomendou que preocupássemos com os males do nosso mundo e
buscássemos corrigi-los (Mateus 25.31-46), mas os teólogos seculares confundem o serviço no
mundo com serviço para o mundo; estamos no mundo para servir nele, e não para servir a ele.
Além do mais, eles esquecem que o amor de Deus escolhe filhos, e não apenas servos. A vida
cristã é um viver com Deus, é uma vida em adoração e não somente uma vida de trabalhos
humanitários. Os teólogos seculares vestem seu humanismo de jargões teológicos e nos ensinam
a viver no mundo de Marta, quando uma coisa só é necessária. A teologia secular, em seu repúdio

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pela metafísica e a ontologia, demonstram seu preconceito quanto ao mundo fenomenal. Eles
não querem uma Bíblia sobrenaturalmente inspirada, não querem crer em um Deus ativo na
criação, e não esperam um reino futuro. Tal como Bultmann, eles ignoram o sobrenatural. Sua
teologia é a essência da apostasia descrita na Bíblia como característica do tempo do fim. A
teologia secular fala de um reino centralizado na obra e no futuro de um homem autônomo. O
único reino que a Bíblia conhece está centralizado no poder e na obra de Cristo, nunca no homem
(cf. Mateus 11.11 ss.; 12.22 ss.). A teologia secular demonstra o desejo de uma reformulação do
cristianismo em termos que sejam aceitáveis para o pensamento moderno e que possa ser
traduzido em termos compreensíveis para o homem do século vinte. A teologia secular é uma
teologia mundana elaborada para responder à incredulidade arrogante de um homem que não
ama a Deus, mas a si mesmo.

8. Ética Situacional: Joseph Fletcher e um novo conjunto de valores para o homem moderno.
Não demorou muito para que o ocidente abandonasse as idéias éticas tradicionais do
cristianismo. O homem moderno distanciou-se de Deus, e ao distanciar-se perdeu também seus
valores éticos, e consequentemente teve que partir em busca de uma nova moralidade. É esse
novo conjunto de valores do homem moderno que nós denominamos ética situacional. Com
raízes que penetram os princípios éticos de homens como Karl Barth, Rudolf Bultmann e Paul
Tillich, com princípios teológicos mais existencialistas que puritanos, mais neo-ortodoxos do que
propriamente ortodoxos, o movimento chamou a atenção da opinião publica em 1966, quando
o Dr. Joseph Fletcher, professor de ética social no Seminário Episcopal de Cambridge,
Massachusetts, publicou o livro Situation Ethics. O livro de Robinson, Honest to God, também
ajudou a propagar as idéias do movimento. A popularidade da ética situacional como sistema
teológico não teve tanta influência nos seminários teológicos protestantes do Brasil, embora
como sistema filosófico, suas idéias tenham sido rapidamente implantadas nas universidades
brasileiras. Quanto aos pressupostos da ética situacional, Fletcher definiu esses pressupostos
como sendo: Pragmatismo – Doutrina segundo a qual o valor da verdade é determindado pela
funcionabilidade. Relativismo – Conceito filosófico segundo a qual a verdade é um valor
subjetivo, não havendo imposição moral absoluta. Positivismo – Segundo essa cosmovisão, as
declarações de fé são voluntaristas e não racionais. Existencialismo – Filosofia que coloca o
homem no centro do universo. O importante não são os valores objetivos, mas a maneira como
o ser humano experimenta esses valores. Essa nova moralidade religiosa, ou ética situacional, se
opõe grave e abertamente a muitas formas da ―ética tradicional‖. Ela é uma reação às leis,
normas e princípios morais da velha moralidade, sustentada como modo ideal de conduta.
Robinson diz que a velha moralidade é dedutiva, começando a partir de normas absolutas,
eternamente validadas e imutáveis. A nova moralidade, por sua vez, é indutiva, começando com
a própria pessoa, o que denota, segundo ele mesmo, a prioridade da pessoa sobre os princípios.
Com isso, a ética situacional exalta o homem sobre a lei.
O critério fundamental e único de conduta para o situacionista, não é um código ético, e sim o
amor ágape, um amor desinteressado e sacrificado, porém tal amor é impossível dentro de uma
teologia pragmática, em que os fins justificam os meios. Para Robinson e Fletcher, o único mal
intrínseco é a falta de amor e o único bem e virtude é exclusivamente o amor. A nova moralidade
da qual o homem moderno se vê vestido tende a ver toda a moralidade cristã como um conjunto
de tabus que devem ser quebrados a todo custo. Não há nela nenhuma menção a pureza sexual,
ao contrário, ela promove a sensualidade. Ao afirmar que aquilo que é feito com amor não é
pecado, a nova ética transforma o amor ágape em eros. A principal característica da ética
situacional é que o fim justifica os meios. Pode um bom fim ser anulado por um meio mau? Para
a ética situacional, a resposta é não. Certo e errado dependem da nossa decisão neste mundo

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relativista. Por exemplo: ―se o bem estar emocional e espiritual do casal e dos filhos será
promovido com a separação do casal, então, neste caso, o amor exige o divórcio. O certo e o
errado, segundo a cosmovisão situacionista, é uma questão subjetiva, pragmática, existencial e
deve estar baseada no amor. Em outras palavras, para Fletcher e os demais teólogos da situação,
ao avaliar a veracidade de um determinado comportamento a pergunta a ser feita não é ―o que
a Bíblia diz?, mas: ―o que eu acho disso?, ―de que forma isso pode me dar prazer?, ―dará
certo? e por último ―eu estou fazendo por amor?. É claro que esses conceitos são
demasiadamente ingênuos e conduzem fatalmente à imoralidade.

8.1 Conhecendo os pressupostos da nova moralidade. Quanto ao pragmatismo como tendência


evangélica, John F. McArthur diz o seguinte: ―Oponho-me ao pragmatismo tão freqüentemente
defendido por especialistas em crescimentos de igreja, que colocam o crescimento numérico
acima do crescimento espiritual, crendo que podem induzir esse crescimento numérico por
seguirem quaisquer técnicas que parecem produzir resultados naquele momento. O pior de tudo
não é quando as tendências pragmáticas são usadas para construir o crescimento de igrejas –
ainda que o pragmatismo já seja um conceito escandaloso em si mesmo – mas sim, quando a
ética cristã é comprometida no afã alcançar as massas, conforme diz C. Peter Wagner, que
também é um pragmático: ―A Bíblia não nos consente pecar, a fim de que a graça seja mais
abundante, ou não permite usarmos quaisquer meios que Deus tenha proibido, a fim de
alcançarmos os fins que Ele nos recomendou. É justamente esse tipo de pragmatismo imoral e
anti-cristão que Fletcher propõe em sua teologia. É tolice pensar que alguém pode ser bíblico e
pragamático, ao mesmo tempo. O pragmatista deseja saber o que produzirá resultados. O
pensador bíblico, por outro lado, se importa tão-somente com o que a Bíblia ordena. As duas
filosofias se opõem mutuamente no nível mais básico
O pragmatismo também foi a maior tendência da igreja ocidental na segunda metade do século
vinte. Em 1955, de um modo quase profético, o estudioso A.W. Tozer discorreu sobre o futuro
da igreja nestes termos: ―Digo sem hesitação que uma grande parte das atividades existentes
hoje nos círculos evangélicos não são apenas influenciadas pelo pragmatismo, mas parecem
totalmente dominados por ele. Este mesmo escritor acrescenta, em tom de desabafo: ―A
filosofia pragmática [...] não faz perguntas embaraçosas a respeito da sabedoria daquilo que
estamos realizando ou a respeito de sua moralidade. Aceita como corretos e bons nossos alvos
escolhidos, buscando meios e maneiras eficientes para alcançá-los. Qualquer filosofia de
ministério do tipo ―fins-que-justificam-os-meios‖ inevitavelmente comprometerá a doutrina, a
despeito de qualquer proposição em contrário. Se a eficácia se tornar o indicador do que é certo
ou errado, sem a menor dúvida nossa doutrina será diluída. Em última análise, o conceito de
verdade para um pragmatista é moldado pelo que parece ser eficaz e não pela revelação objetiva
das Escrituras. Assim como o pragmatismo, o relativismo também é uma afronta ao cristianismo.
Não há nenhuma possibilidade de ser um indivíduo cristão e ao mesmo tempo relativista, visto
que as duas cosmovisões são mutuamente excludentes. Além disso, o relativismo deve ser
rejeitado por várias questões. Se todas as reivindicações de verdade são de um mesmo valor,
todas as proposições de verdade são verdadeiras, e consequentemente, não há verdade
nenhuma. Dentro de um sistema relativista o assassínio, o estupro e o genocídio possuem o
mesmo valor dos ideais cristão da caridade, perdão e respeito mútuo. Se a verdade é apenas uma
questão relativa, não há razão nenhuma no estudo da verdade. Do mesmo modo, se a verdade
em moralidade é uma questão pragmática e relativa, a única razão para ser bom é a vantagem
que eu posso tirar da situação. Porém, ao contrário do que ensina o relativismo, a verdade não
é uma questão relativa, mas extremamente absoluta que tem seu ápice na pessoa de Jesus (João
14.6). A Bíblia nos apresenta um conjunto de imposições morais que devem ditar o nosso modo

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de viver, e não apenas idéias pragmáticas e relativas (Mateus 5.44-48). Qualquer tentativa de
conciliar o relativismo com o cristianismo constitui irracionalidade e fraude. O existencialismo é
uma filosofia centrada no eu, portanto, como doutrina teológica ela comete erros graves. Ao
propor um antropocentrismo teológico, o existencialismo se descaracteriza completamente
como proposta bíblico-teológica. Deus é a pessoa central para quem todas as coisas convergem,
e não o homem (Romanos 11.36). Essa tendência de interpretar a Bíblia em termos existenciais
tem sua origem muito antes de Fletcher, no pensamento do dinamarquês Soren Kierkgaard, bem
como na teologia de Friedrich Scheleiermacher, e está sempre reaparecendo na teologia
contemporânea. Com idéias que remontam ao Romantismo, o existencialismo é uma forte
tendência na teologia contemporânea. O positivismo, por sua vez, é um fideísmo exagerado e
anti-bíblico. Como corrente teológica, tem sua maior abrangência nos círculos místicos, onde às
vezes a ignorância pretensamente se veste de autoridade espiritual.
8.2 Uma análise da nova moralidade religiosa. A ética situacional elabora seu programa sem dar
nenhuma atenção ao arrependimento, ao juízo, à fé e à redenção. Robinson deixa a impressão
de que o homem moderno é tão maduro que precisa de muito pouca – e talvez nenhuma – ajuda
espiritual fora dos seus próprios recursos naturais, expressando, sem nenhuma dúvida, a
religiosidade idealizada pelo homem moderno. O sistema ético situacional é um sistema que não
pede nada em termos éticos e teológicos. As implicações surgem em vários aspectos, desde
desonestidade a imoralidade sexual. Poderia haver sistema melhor para o homem natural? A
conclusão quanto ao referido capítulo é aparentemente óbvia: qualquer teologia do tipo ―fins-
que-justificam-os-meios‖ inevitavelmente comprometerá a doutrina, a despeito de qualquer
proposição em contrário. Se a eficácia se tornar o indicador do que é certo ou errado, sem a
menor dúvida nossa doutrina será diluída. Em última análise, o conceito de verdade para um
pragmatista/relativista é moldado pelo que parece ser eficaz e não pela revelação objetiva das
Escrituras.

9. Teologia da Esperança: Jurgen Moltmann e a análise escatológica existencial Em 1965, um


jovem teólogo alemão da Universidade de Tubinga fez ressoar a sua voz através de seu livro The
Theology of Hope (A Teologia da Esperança), que saiu em inglês em 1967, cujo teor repercutiu
grandemente no mundo acadêmico. Há quem relacione ao movimento outros dois nomes:
Wolfhart Pannenberg, de Munique, e Ernst Benz, de Marburg, porém, em nosso estudo,
entendemos que Pannenberg se encaixa melhor em outro movimento, que apresentaremos no
capítulo seguinte. Porém, ainda que seja possível fazer essa distinção, não há como negar que
esses homens possuem muitos aspectos em comum. No ano de 1969, foi publicada a sua
segunda obra, Religion, Revolution and the Future (Religião, revolução e o Futuro). Os teólogos
receberam entenderam o livro de Jurgen Moltmann como sendo um chamado refrescante a uma
maior valorização da escatologia, dentro da teologia cristã, além de ser um ataque devastador
aos teólogos existencialistas que argumentavam na linha de Bultmann. Entendendo a teologia
futurista de Moltmann. A chave central para entender a teologia futurista de Moltmann é sua
idéia de que Deus está sujeito ao processo temporal. Neste processo, Deus não é plenamente
Deus, porque ele é parte do tempo que avança para o futuro. No cristianismo tradicional, Deus
e Jesus Cristo aparecem fora do tempo, no atempo. Na teologia de Moltmann, a eternidade se
perde no tempo. Para Moltmann, o futuro é a natureza essencial de Deus. Deus não revela quem
ele é, e sim quem ele será no futuro. Desta forma, Deus está presente apenas em suas promessas.
Deus está presente na esperança. Todas as afirmações que fazemos sobre Deus, são produto da
esperança. Nosso Deus será Deus quando cumprir suas promessas e com isso estabelecer o seu
reino. Deus não é absoluto; ele está determinado pelo futuro.

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Segundo Moltmann, toda teologia cristã deve modelar-se através da escatologia. Acontece que
a escatologia para ele não significa a previsão tradicional da segunda vinda de Jesus. Moltmann
interpreta como aberta ao futuro, aberta à liberdade do futuro. Deus entrou no tempo, e
consequentemente o futuro se tornou algo desconhecido tanto para o homem como para Deus.
O cristianismo evangélico relaciona intimamente a ressurreição de Cristo com a escatologia. O
Cristo ressuscitado é ―as primícias‖ da ressurreição (1Coríntios 15.23; At 4.2). A morte e
ressurreição de Cristo são a garantia que Deus dá de que haverá ressurreição futura, e por isso,
o começo da ressurreição final. A ressurreição de Cristo é um fato histórico que atribui pleno
significado ao nosso futuro. Porém, para Moltmann, a questão da historicidade da ressurreição
corporal de Jesus não é válida. Jesus ressuscitou dentre os mortos há quase dois mil anos com
seu corpo físico? Para Moltmann essa é uma questão sem importância. Não devemos olhar desde
o Calvário para a Nova Jerusalém, e sim olhar o nosso futuro ilimitado para o Calvário. Afirma-se
tradicionalmente que a ressurreição de Cristo é a base histórica da ressurreição final. Moltmann
porém diria que a ressurreição final é a base da ressurreição de Jesus. Ainda quanto ao futuro,
Moltmann diz que o homem não deve olhá-lo passivamente; ele deve participar ativamente na
sociedade. A tarefa da igreja é não é apenas se informar sobre o passado para mudar o futuro. É
também ―pregar o Evangelho de tal forma que o futuro se apodere do indivíduo e lhe
impulsione a agir de modo concreto para mudar o seu próprio futuro. O presente em si mesmo
não é importante. O importante é que o futuro se apodere da pessoa no presente‖. Para que o
futuro se realize na sociedade, as categorias do passado devem ser descartadas, pois não existem
formas ou categorias fixas no mundo. O futuro significa liberdade e liberdade é relatividade. O
principal propósito da igreja é ser o instrumento por meio do qual Deus trará a ―reconciliação
universal e social‖. A participação da igreja na sociedade poderá utilizar a revolução como meio
apropriado, mesmo que ela não seja necessariamente o único meio. Neste avançar para o futuro,
o problema da violência versus não-violência recebe o nome de ―problema ilusório‖. A questão
não é a violência em si, e sim se o uso da violência foi justificado ou injustificado. Essa tendência
pragmática em que os fins justificam os meios é uma tendência muito forte dentro da Teologia
da Esperança. Assim como na ―Teologia Secular‖, aqui também pode ser vista uma profunda
consciência para com o mundo. A idéia de Moltmann de considerar a Bíblia desde o começo
como um livro escatológico pode parecer um atrativo para o cristão ortodoxo. Realmente um
assunto tão importante quanto a escatologia não deveria ocupar as últimas páginas em nossos
livros de teologia sistemática. Porém, qualquer conservador certamente saberá reconhecer os
erros patentes de Moltmann, bem como os horrores que traria a sua visão ética.Objeções à
Teologia da Esperança. Moltmann critica muitos conceitos neo-ortodoxos, mas ele acaba levando
os conceitos barthianos muito mais longe. Barth havia transcedentalisado a escatologia por meio
do emprego da distinção entre Historie e Geschichte, mas Moltmann foi ainda mais além, e
rejeitou todo o conceito objetivo da história. Se por um lado a dialética de Barth acabou com a
possibilidade da relação entre história e fé, a teologia de Moltmann destruiu até mesmo a
possibilidade de haver história. Ainda que Moltmann revista sua escatologia de conceitos
bíblicos, seu sistema está mais fundamentado no marxismo do que em Cristo. O primeiro livro
de Moltmann, ―Teologia da Esperança‖ nasceu de um dialogo com o ateu alemão Ernst Bloch,
e quando lemos o seu segundo livro, vemos que nesse intercâmbio, Moltmann assimilou muitas
idéias de Bloch. A idéia que Moltmann tem da escatologia é destituída de base bíblica. Apesar de
todo esforço de Moltmann para produzir uma teologia bíblica, no final, seu sistema nada mais é
do que uma teologia centralizada no homem, em um homem que observa o futuro e age na
sociedade. A meta do futuro de Moltmann não é a plena manifestação da glória de Cristo; ela é
a edificação da utopia na terra. Para ele, o Reino de Deus se introduz na terra por meio da política
e da revolução. Para o apóstolo Paulo, no entanto, o Reino de Deus é, e será introduzido por

33
meio da proclamação do poder salvador de Jesus Cristo (Atos 28.30-31). Para Moltmann, esse
reino é também uma realidade terrenal e tangível; o Reino de Deus, no entanto, é descrito na
Bíblia como celestial. Para Moltmann, o Reino de Deus é trazido por meio da revolução; no
entanto, segundo a Bíblia, o Reino de Deus traz a paz, e não a guerra (Romanos 14.7). Quanto ao
conceito de Deus, ele não admitia nenhum Deus eterno ou infinito. Ao entrar no tempo, segundo
ele, Deus se tornou finito e aberto a um futuro desconhecido. O Deus da Bíblia existe de
eternidade a eternidade; o de Moltmann, porém, só existe no futuro, pois no presente ele sequer
é Deus. Como observou certo escritor: ―No monte sinai, Deus disse a Moisés: Eu sou o que sou,
mas Moltmann não permitua que Deus lhe dissesse o mesmo. A teologia de Moltmann tem maior
dívida com Nietzche, com Overback e com Feurbach do que com Paulo, Pedro ou João. Ela é mais
marxista que bíblica, e mais filosófica que teológica. Em seu afã de refutar as teologias não-
ortoxas do seu tempo, Moltmann ultrapassou o limite do bom senso e acabou por propor uma
teologia quase tão nociva quanto aquela a que ele se dedicou a refutar. Essa teologia do Deus
finito e temporal, e que ainda incita a rebeldia e a revolução, não pode ser teologia bíblica. Ela é
antes, um tropeço, um escândalo e uma nociva ameaça à sã doutrina.

10. Teologia da história: Wolfhart Pannenberg e a teologia histórica da ressurreição. No final da


década de cinqüenta se podia facilmente perceber o surgimento de uma nova escola de
interpretação teológica. Esta nova ênfase podia ser claramente percebida nas teses de
doutorado de jovens professores como Ulrich Wilckens, Klaus Koch e Rolf Rendtorff. Porém, o
maior nome dessa nova escola foi sem dúvida o de Wolfohart Pennenberg, tanto que esse grupo
de jovens teólogos e a nova escola ganhou o epíteto de ―círculo de Pannenberg‖. Wolfhart
Pannemberg, jovem professor de teologia sistemática da Universidade de Mainz, na Alemanha,
foi o responsável por dar uma forma mais sistemática ao que posteriormente se convencionou
chamar Teologia da História, ou Teologia da Ressurreição. Apesar do caráter particular da sua
obra, há quem associe a este círculo o nome de Jurgen Moltmann. É verdade que Pannenberg
compartilhem algumas idéias comuns, como o interesse pela relação entre a história e a fé, o
desejo de uma orientação teológica escatológica e principalmente a ressurreição de Cristo, além
do esforço por refutar os pressupostos existencialistas de Bultmann. Porém, mesmo com tal
similaridade de interesses, seria incorreto agrupar os dois na mesma escola de pensamento, isso
porque, se por um lado há um ponto de contado entre os dois, por outro lado há diferenças
importantes entre esses dois esquemas teológicos. Por exemplo: Moltmann não está tão
interessado em alicerçar a fé na história. Outra diferença entre ambos está no modo de entender
a fé: Para Pannenberg, a fé está relacionada com o passado, enquanto Moltmann a relaciona
com o futuro. Neste sentido, Moltmann está muito mais vinculado a Bultmann que a Pannenberg.
Os dois também falam da ressurreição de cristo como um tema central da fé cristã, porém,
enquanto Moltmann descarta qualquer interesse pela ressurreição corporal como sendo algo
impertinente, Pannenberg reconhece a realidade histórica da ressurreição como algo crucial para
a compreensão do Novo Testamento. Pannenberg também não compartilha dos pressupostos
marxistas de Moltmann, nem com suas idéias de revolução social. A questão da fé relacionada à
história. Em sua teologia, Pannenberg apresenta uma forte resistência às idéias de Rudolf
Bultmann, principalmente por seu conceito de redução da história à experiência individual. Ele
também se opõe à Karl Barth, acusando-o de proteger sua teologia, escondendo-a dos ataques
da história. As idéias de Pannenberg foram revolucionárias em seu tempo, ao ponto de certo
crítico afirmar que ele foi o primeiro teólogo alemão contemporâneo a romper totalmente com
os pressupostos dialéticos barthianos. Ele não consegue assimilar as idéias dialéticas. As supostas
diferenças entre Historie e Geschicthe, entre o Jesus histórico e o Cristo Kerigmático, e ainda os
dois mundos propostos por Kant: o dos fenômenos e o mundo numenal , na visão de Pannenberg

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são ―um clamor sem sentido. A pregação da ―Palavra de Deus é uma afirmação vazia se não
estiver relacionada com aquilo que realmente aconteceu. A fé não pode ser separada de sua base
e conteúdo histórico. O conceito de revelação e fé em Pannenberg. Pannenberg insiste em que
a revelação de Deus não chega ao homem de forma imediata, e sim mediata, por meio dos
sucessos históricos. Ele afirma ainda que esta história na qual se dá a revelação, não é uma
revelação especial que só pode ser compreendida pela fé, como afirma a escola Heilsgeschichte.
Segundo ele, não devemos fazer distinção entre história salvífica e história secular ou profana
(distinção comum tanto na Heilsgeschichte como nas teologias existencialistas contemporâneas),
uma vez que os atos salvíficos de Deus realmente aconteceram e tem o seu lugar na história.
Para ele, a revelação se dá exclusivamente por meio de atos históricos. Não existem partes
específicas na história, ou ramificações dentro da história, antes, toda história é algo plenamente
conhecido e até mesmo ordenado por Deus. Esta revelação histórica está ao alcance de todo
aquele que tenha olhos para ver. O conhecimento histórico é a única base da fé. A fé é, portanto,
o conhecimento da verdade histórica.

11. Pannenberg e a ressurreição de Cristo. Difernte de Moltmann e dos outros teólogos


existencialistas, Pannenberg não busca desmitologizar a ressurreição, isso porque, para
Pannenberg, a ressurreição foi um fato histórico. Ele diz estar convencido não só de que a crença
da igreja na ressurreição não é um mito pré-fabricado, como ensinou Bultmann, como também
de que ela é historicamente demonstrável, em oposição clara e aberta com a escola
Heilsgeschichte. Ele se recusa a explicar os relatos evangélicos da ressurreição como fruto da
imaginação dos apóstolos, pois estes estavam muito desanimados após a morte de Cristo para
chegarem sozinhos à conclusão de que Cristo ressuscitou. Eles também não teriam nenhum
benefício em inventar uma mentira de tamanha proporção. A única explicação satisfatória para
a repentina mudança que ocorreu nos apóstolos é exatamente a ressurreição corporal de Cristo.
Além disso, a comunidade cristã primitiva não teria conseguido sobreviver, caso o túmulo de
Jesus não estivesse, de fato, vazia. A explicação inventada pelos judeus para refutar a
ressurreição é que os discípulos roubaram o corpo, mas ninguém se atreve a questionar a
realidade do túmulo vazio. O túmulo vazio é um fato histórico e aliado à mudança repentina que
ocorreu nos discípulos, é uma forte evidência de que Jesus realmente ressuscitou corporalmente.
Objeções à teologia de Wolfhart Pannenberg. Ainda que Pannemberg ataque as posições de
Barth e Bultmann no que concerne à relação entre fé e história, há muitos aspectos em que ele
parece mais um herdeiro da neoortodoxia que seu oponente. Ele não confere à toda Bíblia o
status de revelação divina, dando a entender que algumas partes são mais importantes que
outras. Embora o mesmo ocorra no pensamento de Agostinho e até mesmo de Lutero, essa visão
que ele possui da Bíblia tem levado muitos a relacionar o seu nome com a crítica histórica e com
o próprio Bultmann. Uma e outra vez ele insiste em que o nascimento virginal é um mito. Ele
também está de acordo com Bultmann em que os títulos que expressam a divindade de Jesus
foram criados pela igreja primitiva. Ao fazer que a fé dependa exclusivamente da história,
Pannenberg leva-nos a concluir que as pessoas simples e sem condições para efetuar uma
pesquisa investigativa, não são capazes de crer por si mesmas; elas apenas podem crer quando
ouvem e confiam no relato de um perito em história cristã. Com isso, ele parece tirar a fé das
mãos do crente simples e colocá-la nas mãos do teólogo experiente, que garante a confiabilidade
da informação. Os críticos de também parecem indicar que, sobre esta base, Pannenberg não
pôde explicar de modo satisfatório a razão da incredulidade. Se a fé está baseada exclusivamente
no conhecimento da história e esta é o seu único fundamento, Porque foi que quando Paulo
pregou em Atenas uns creram e outros zombaram? A teologia de Pannenberg é muito mais do
que uma simples escola de interpretação. Ela é uma brilhante defesa apologética em favor do

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cristianismo histórico. Seu sistema é mais ortodoxo que o proposto pelos existencialistas e nos
faz lembrar que, embora Barth e Bultmann hajam tido debates acirrados, não existe grande
diferença entre seus sistemas. Ambos advogam uma teologia dialética que sufoca tanto a
revelação histórica como o caráter universal do cristianismo. Além disso, Pannemberg também
ressalta que a falta de uma revelação objetiva da neo-ortodoxia é, de fato, uma ameaça à própria
revelação. Sua teologia também é importante porque ressalta ao mundo que a fé cristã é a única
verdade universal. Ao refutar a idéia neo-ortodoxa de que a revelação só se transforma em
verdade para as pessoas por meio de uma aceitação pessoal, Pannenberg destaca que a
revelação não se torna revelação quando é compreendida, ela é revelação, mesmo quando o
homem não se interessa ou busca compreendê-la.

12. Teologia da Evolução: Teilhard de Chardin e o darwinismo teológico.


Um dos acontecimentos religiosos que mais despertaram o interesse dos teólogos no fim da
década de cinqüenta foi a popularidade póstuma do cientista e místico jesuíta Pedro Teilhard de
Chardin (1881-1955), fundador de um sistema teológico que ficou conhecido como teologia da
evolução. Durante sua vida, este teólogo foi impedido de publicar seus livros, considerados pela
igreja católica como sendo nocivos e de conteúdo herético. Porém, quinze anos depois da sua
morte, esses livros suprimidos durante toda a sua vida começaram a aparecer. Embora ele tenha
sido um teólogo católico, alguns dos seus comentaristas mais apaixonados são cientistas e
teólogos protestantes. Sua influência pode ser percebida até mesmo nos países que compõem o
nosso terceiro mundo. Francisco Bravo, estudioso equatoriano, publicou uma obra meticulosa
sobre Teilhard. Suas idéias lograram arrancar elogios até mesmo de Dom Hélder Câmara,
arcebispo do Recife. Muitos fatores ajudam a explicar a repentina popularidade que alcançou a
teologia de Teilhard. Sua destacada personalidade e seu caráter humanitário podem ser
percebidos por qualquer pessoa que o tenha conhecido ou lido algo acerca da vida deste
destacado sacerdote católico, que apesar das restrições que o Vaticano impôs aos seus livros,
permaneceu fiel a sua ordem durante toda vida. Seus conhecimentos de geólogo e paleontólogo
são grandes atrativos para o mundo científico. Conhecendo a proposta teológica de Teilhard de
Chardin. O ponto de partida do pensamento teológico de Telhard é a evolução, a qual ele chama
de ―luz que ilumina todos os fatos, curva a que devem seguir todas as linhas‖. A terra, segundo
ele, foi formada ente cinco e dez milhões de anos e desde então vem se desenvolvendo através
da evolução. Este processo evolutivo avança segundo o que Teilhad chama de ―lei da
consciência e da complexidade, com o que ele alude que na evolução existe uma tendência por
parte da matéria, que a faz tornar-se cada vez mais complexa. O processo, segundo ele, pode ser
resumido como consta no seguinte esquema: Partículas elementares (chamadas de Ponto Alfa)
=> Átomos => Moléculas => Células Vivas => Organismos Pluricelulares. Ele admite que a terra
veio a existir por meio de um lento processo, que pode ser descrito na seguinte ordem: Barisfera
(época da ―terra derretida) => Formação da crosta => Formação da água e do ar => Formação
da atmosfera. Esta é a fase da história evolutiva da terra aparece a vida biológica na terra, ou
biosfera. Para descrever a etapa seguinte, em 1920, Chardin criou o termo noosfera, que significa
a ―camada mental da terra. Essa noosfera nada mais é do que o surgimento do homem
pensante sobre a terra. Esta é a etapa mais importante na história do mundo, e também é
chamada de hominização. Nesta fase, o processo evolutivo adquire consciência de si mesmo.
Nessa etapa de sua teoria evolutiva, Teilhard começa a se apoiar na teologia para predizer o
futuro da evolução. Ele vê todo o processo evolutivo que começa com as partículas, o ponto Alfa;
e converge no que ele chama de Ponto Ômega, ou seja, a união sobrenatural de todas as coisas
em Deus. Assim sendo, Deus vem a ser a causa final, mais que a causa eficiente do universo,
dando a perfeição a todas as coisas. Nesta etapa, Deus será tudo em todos (1Coríntios 15.28),

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numa forma superior de panteísmo, a expectativa da unidade perfeita, na qual cada um dos
elementos alcançará sua consumação, ao mesmo tempo que o universo. Na teologia darwiniana
de Teilhard, Cristo é o centro do processo evolutivo e o seu princípio básico. O Cristo de Teilhard
é o reflexo no coração do processo do ponto Ômega, e se encontra no final do processo. Por
meio de um ato pessoal de comunhão, Cristo incorpora em si o ―psiquismo total da terra, e o
universo se auto-realiza em Cristo. Esse movimento para o centro, para Teilhard, é o processo de
amor. O amor, segundo ele, não é exclusividade humana, e sim propriedade geral de toda a vida,
sendo ele a afinidade do ―ser com o ―ser. Movidos pelas forças do amor, os fragmentos do
mundo se buscam para que o mundo possa chegar a ―ser. Principais objeções a teologia
evolucionista de Chardin. Os princípios de Teilhard de Chardin apresentam várias dificuldades
para o crente ortodoxo. Sua linguagem é obliqua e seu esforço hercúleo para fazer de Cristo o
centro da evolução é desonesto e contraditório. Sua teologia é o reflexo do pensamento
naturalista do seu tempo. Sua ênfase na personalidade autônoma que, desde Kant aparece e
reaparece na teologia contemporânea, é também contrária a Bíblia. Dessa síntese
filosófico/naturalista procedem as demais divergências de Teilhard com a teologia ortodoxa.
Assim como as teorias evolutivas seculares, a teologia evolucionista deste teólogo descaracteriza
a criação, tal como aparece na Bíblia. Há muitos teólogos contemporâneos que concordam com
a teoria da antiguidade da terra, e com a evolução das espécies à partir das espécies criadas por
Deus (Gênesis 1.21-25), fazendo diferenciação entre microevolução e macroevolução.
Microevolução é a mutação que ocorre dentro das espécies e seria o fator responsável pelas
diferentes raças de cães, diferentes tons de pele, etc., mas nenhuma dessas concessões
desabilita o esquema de criação conforme narrado em Gênesis. Ao contrário disso, a teoria de
Teilhard é macroevolucionista e negligencia completamente o ponto mais básico da criação que
é Deus fazendo todas as coisas do nada pela sua palavra, e criando cada ser em conformidade
com a sua espécie. Assim como todas as teorias evolucionistas seculares, a teologia de Teilhard
Chardin parte do pressuposto de que o homem alcança sua verdadeira dignidade e plenitude
espiritual por meio do processo evolutivo. Isso também é contrário a doutrina da graça, segundo
a qual o aperfeiçoamento advém da comunhão com Cristo Jesus. Como todas as teorias
evolucionistas, a teologia da evolução de Teilhard é demasiado otimista. Ele divaga pela senda
do universalismo e do panteísmo, prometendo um final feliz para todos, sem fazer nenhuma
alusão à graça de Deus. Talvez essa seja uma das razões da sua difusão rápida. O homem
moderno está disposto a aceitar qualquer tipo de droga entorpecente que se apresente sob o
pseudônimo de ciência. A teologia de Chardin não permite que a graça seja graça, e nem permite
que o pecado seja pecado. A proclamação da evolução constante por parte de Chardin nunca se
vê alterada pela realidade bíblica do pecado no homem. Por essa mesma razão, a doutrina bíblica
do juízo quase não se vê na obra de Teilhard. O mal, para ele, é uma superabundância da
estrutura de um mundo em evolução, que se manifesta em planos diferentes, através da
desordem material, morte, solidão e angústia. A idéia de Teilhard de união do universo com
Cristo, sendo que o universo representa o corpo orgânico de Cristo ainda em evolução, apresenta
dois grandes inconvenientes: Primeiro, tal união tem como conseqüência lógica a deificação da
criação (panteísmo). Em segundo lugar, a cristologia de Chardin transforma o Cristo da Bíblia em
um Cristo cósmico. Em última análise, o resultado de tal união é a perda tanto do mundo, como
de Cristo. A teologia da evolução, bem como as teorias evolucionistas seculares, é antagônica a
Bíblia. Não há como sustentar esse sistema teológico sem perder a identidade cristã. Teilhard foi
um homem totalmente deslumbrado com as teorias científicas do seu tempo, chegando ao
ponto de afirmar que a evolução é ―o sucesso mais prodigioso que a história jamais se referiu‖.
Ele se emociona tanto com a evolução que se esquece que, segundo a fé cristã, o maior sucesso
da história é a vinda de Cristo, e não a teoria da evolução.

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13.Teologia do Processo: Dr. Charles Hartshorne e a Teologia do Deus Finito

De origem norte-americana, essa nova escola teológica tem como seu maior expositor o
professor Dr. Charles Hartshorne, da Universidade de Chicago. A teologia do processo como
escola teológica é uma tentativa de restabelecer a doutrina de Deus em um mundo
extremamente cético. Assim como as outras teologias radicais surgidas no século vinte, a teologia
do processo também toma por empréstimo alguns pressupostos de uma vertente filosófica
contemporânea, a saber, a filosofia do processo, elaborada pelo famoso matemático e filósofo,
Alfred North Whitehead (1861-1947), que por sua vez, elaborou sua filosofia em torno de
algumas idéias de Charles Darwin.

Teologia do Ser: Paul Tillich e a fronteira entre o liberalismo racionalista e a teologia


existencialista.
Há pelo menos três grandes vultos teológicos do século vinte. Já apresentamos dois deles, à
saber: Barth e Bultmann. Queremos agora apresentar o terceiro deles, Paul Tillich. Tendo fugido
da tirania de Hitler em 1933, Paul Tillich se tornou professor do Union Theological Seminary, em
Nova Iorque. Embora fosse um homem de grande erudição, sua intelectualidade não o privou de
prestar importantes serviços sociais e religiosos. Exerceu capelania durante os quatro anos da
Primeira Guerra Mundial e participou do Movimento Socialista Religioso na Alemanha. Sua
experiência como capelão no período da guerra fez com que ele tivesse uma vívida impressão
dos problemas sociais. Há quem pense que seu existencialismo teológico tenha surgido nesse
período e especificamente por causa dos horrores da guerra, mas tal comentário será sempre
especulação. Ao chegar nos Estados Unidos, dedicou seu tempo para ajudar os refugiados da
Europa. Tillich é mesmo uma figura controversa. Na Europa ele é considerado um liberal e
ferrenho opositor de Barth e Brunner. Na América do Norte, no entanto, ele é considerado como
pertencendo a escola neo-ortodoxa e em alguns círculos teológicos, ele é mencionado em
conjunto com Barth e Brunner. Porém, apesar das semelhanças, Tillich desenvolveu um sistema
teológico que resiste a qualquer rótulo, e talvez, por essa razão, não formou especificamente
uma escola teológica específica. O fato é que Tillich se valeu das elucubrações de ambas as
partes, neo-ortodoxa e liberal, coletando ―supostamente‖ o que havia de melhor nessas duas
escolas. O teólogo Willian H. Hordern define a teologia de Paul Tillich como sendo ―a fronteira
entre o liberalismo e a neo-ortodoxia‖, e é isso mesmo que ela é. Ele se situa exatamente no
centro, entre a crítica destrutiva da desmitologização e o existencialismo neo-ortodoxo. Apesar
de não ter formado uma escola específica, é provável que somente Rudolf Bultmann tenha
exercido uma influencia igual no cenário teológico mundial. Sua profunda erudição e seus
conhecimentos de história, filosofia, psicologia, arte e análise política, além de sua especialidade,
a teologia, lhe renderam o título de ―teólogo dos teólogos‖, apelido pelo qual é conhecido hoje
nos círculos acadêmicos.

15. Teologia da Libertação: Uma resposta teológica à crise econômica e social LatinoAmericana.
Até aqui a nossa abordagem tem sido principalmente teórica, passando pelas principais escolas
teológicas da era contemporânea. Temos analisado as doutrinas dessas escolas e em nenhum
momento fugimos da responsabilidade de apresentar o nosso parecer. A análise que fazemos
dessas propostas teológicas encontra seus pressupostos na ortodoxia bíblica, conforme já foi dito
no capítulo primeiro. Apesar da relevância dos problemas até aqui levantados, a influência dessas
escolas teológicas na nossa teologia e em nossas denominações é pequena, ou quase nula.
Muitos dos programas teológicos até aqui apresentados foram postos em caráter de informação,

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e talvez o leitor nunca se depare com os problemas aqui levantados, salvo nas esferas seculares,
onde o liberalismo teológico e o naturalismo têm estado ativo e presente. Nas comunidades
eclesiásticas brasileiras, quase não vemos influência desses movimentos, a não ser um ou outro
incidente recente de pastores que abraçaram a teologia relacional, apresentada por nós no
capítulo dez sob o título de ―teologia do processo‖. Porém, à partir desse capítulo, abordaremos
três correntes teológicas cuja presença é marcante no Brasil, e cujos pressupostos tem de alguma
maneira modelado a forma de fazer teologia no Brasil. A primeira dessas três escolas, de origem
netamente Latina, é a Teologia da Libertação.

16. Pentecostalismo: Parham, Seymour e o avivamento místico-pietista do século XX.


Segundo o Dr. Gary B. McGee, teólogo pentecostal das Assembléias de Deus, pelo menos dois
reavivamentos do século XIX podem ser considerados precursores do moderno movimento
pentecostal. O primeiro teria ocorrido na Inglaterra, ao redor de 1830, tendo como caudilho o
ministério de Edward Irving, e o segundo teria ocorrido no sul da Índia, sob a liderança de J. C.
Aroolappen. O movimento também tem suas raízes na Doutrina da Perfeição Cristã, de John
Wesley. Em seu livro A Short Account of Christian Perfection, em 1760, Wesley conclama os
crentes à buscarem uma segunda obra de graça, posterior à conversão, que livraria os crentes
de sua natureza moral imperfeita. Essa doutrina chegou na América do Norte, e inspirou o
Movimento de Santidade, cuja ênfase estava voltada à vida santificada. Porém, quando o
pregador Wesleyano radical da Santidade, Benjamin Hardin Irwin começou, em 1895, a ensinar
sobre três obras de graça, a dissidência teológica começou a surgir. Segundo Irwin, a segunda
obra de graça iniciava a santificação e a terceira trazia o ―batismo do amor ardente‖, que é o
batismo no Espírito Santo. A maior parte do Movimento de Santidade condenou essa terceira
obra da graça como sendo heresia. Mesmo assim, porém, a noção que Irwin possuía de uma
terceira obra de graça, o revestimento de poder para o serviço cristão, firmou-se como alicerce
do Movimento Pentecostal. Outros três livros que proporcionaram as bases sobre a qual foi
construído o movimento pentecostal foram Guia para a Santidade e A Promessa do Pai, da irmã
Phoebe Palmer, uma das principais líderes metodistas, e Tongue of Fire (Língua de Fogo), de
William Arthur. Aos que procuravam receber a segunda obra de graça, era ensinado que cada
cristão precisa esperar pela promessa do batismo no Espírito Santo, fazendo uma interpretação
pessoal de Lc 24.49. A crença na segunda obra de graça não ficou confinada ao metodismo. O
advogado e pregador cristão Charles G. Finney, por exemplo, acreditava que o batismo no
Espírito Santo provesse revestimento de poder para se obter a perfeição cristã. Outros
pregadores de renome, tais como Dwight L. Moody e R.A. Torrey, também acreditavam que uma
segunda obra de graça revestiria o cristão com o poder do Espírito.

17. Neopentecostalismo: Misticismo, pragmatismo e culto à Mamom.


Na década de 70, chegou no Brasil o movimento que ficou conhecido como neopentecostalismo.
Este movimento se originou a partir de denominações históricas, tais como a Igreja Presbiteriana
Renovada, em 1975; as Igrejas Pentecostais Livres: Sinais e Prodígios, fundada em 1970, e
Socorrista, em 1973; as Igrejas com pouca estrutura eclesiástica, como a Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD), fundada em 1977; e os Pentecostais Carismáticos, Renovação Carismática,
originária da Igreja Católica Romana, fundadas em 1967. Como já foi dito no capítulo anterior,
embora seja possível estabelecer uma símile entre o pentecostalismo e o neopentecostalismo,
as diferenças entre esses dois grupos protestantes são maiores que qualquer semelhança que
possam ter. Nos nossos dias, juntamente com as doutrinas neopentecostais têm surgido muitas
doutrinas paralelas, como a chamada Confissão Positiva (Evangelho da Saúde e da Prosperidade,
Quebra de Maldições, Maldições Hereditárias, Maldição de Família e Pecado de Geração, Nova

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Unção); apregoadas por supostos avivalistas em acampamentos cristãos, em congressos, em
escolas bíblicas de férias e na televisão; e por mentores católicos carismáticos no exercício do
Toque do Dom, da Cura Diferencial e do Exorcismo. Todos estes, evangélicos ou não, sem
nenhuma consulta à exegese bíblica, alicerces ou filtro teológico, ensinam sempre sob a
orientação filosófica de seu pai, Essek William Kenyon e de seus principais porta-vozes, Kenneth
Hagin, Marilyn Hickey, Kenneth Copeland, Robert Schüller, Jorge Tadeu e outros. Temos buscado
nessas páginas, além de apresentar as principais doutrinas do século vinte, defender com muita
submissão os valores do Evangelho e a imaculada Igreja de Nosso Senhor Jesus, à qual fomos
chamados. Muitos obreiros e ministérios são envolvidos em assuntos aparentemente simples
como os que temos abordado, pensando estar fazendo o melhor para Deus, quando na verdade
estão sendo instrumentos para erosão perniciosa contra a vida espiritual da Igreja. Estes, sejam
pregadores ou leigos, vivem em busca de ―sinais‖ de Deus, de novas manifestações, mas
lembremos-nos: o sinal sempre foi sinal para incrédulos! Em toda a história, homens e mulheres
no decorrer de sua incansável busca por um toque religioso, sempre buscaram um sinal e uma
materialização do imaterial. Jesus chamou essa multidão que de um lado para o outro em busca
de uma experiência, de multidão má e incrédula (cf. Mateus 12.38-39). História do Movimento
Neopentecostal. Muitas pessoas no movimento da confissão positiva consideram Kenneth Hagin
como o pai do movimento, de tal forma que muitos pregadores da prosperidade – inclusive os
brasileiros – se consideram discípulos de Hagin. Porém, quando se investiga o desenvolvimento
histórico do movimento, chega-se à conclusão de que o verdadeiro pai da confissão positiva é
Essek William Kenyon..

18. Glossário Teológico Contemporâneo.

AGNOSTICISMO Doutrina que defende a incognoscibilidade de qualquer ordem de realidade


desprovida de evidência lógica satisfatória. O termo foi criado por T.H. Huxley (1825 – 1895),
para expressar o seu desprezo em face da atitude de certeza dogmática simbolizada pelas
crenças dos antigos gnósticos. Nega a possibilidade de um conhecimento racional e certo de
qualquer realidade transcendente. Para o agnosticismo a razão humana não pode adquirir uma
ciência certa, a não ser das realidades apreendidas pela experiência sensível; apenas afirma que
isso não se pode conhecer com certeza por meio da razão. Como sistema teológico foi
condenado pelos apóstolos e pela Igreja. Sob qualquer forma que se apresente, o agnosticismo
deve ser considerado segundo o sistema científico a que se amolda e também os pressupostos
da teoria do conhecimento que adota.

ANALOGIA DA FÉ Era analogia entis que Karl Bath substitui pela analogia Fidei (analogia da fé),
visto que a verdade religiosa é dada por Deus. É um conceito Bíblico tirado de Romanos 12,
(analogia tes pisteões) ou (metron pisteõs), que são palavras semelhantes "analogia da fé" e
"medida da fé", representam um desenvolvimento do significado paulino original. Para a
hermenêutica a analogia da fé conota que passagens bíblicas podem ser interpretadas com
outras passagens porque nada dentro das escrituras podem se contradizer e tendo em vista que
Deus é o autor das Escrituras. Para Agostinho a interpretação da das Escrituras não deve violar a
fé. E Lutero usa termos quase semelhantes "o intérprete primário da Escritura deve ser ela
própria", por isso as autoridades cristãs evitavam qualquer fonte fora das Escrituras. Para alguns
pais da igreja passagens difíceis das escrituras são iluminadas pela fé ensinadas pela igreja, já o
protestantismo da reforma é contra essa idéia imposta pelo catolicismo. Ainda como princípio
exegético a analogia da fé sofre alguns abusos com significados que o autor bíblico não quis

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colocar no texto, por isso o intérprete de uma passagem bíblica deve se esforçar o máximo para
extrair do texto o que realmente ele diz.

ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA Antropologia nasceu com o grego Heródoto, no século V a.C. que
foi cognominado Pai da Antropologia. Antropologia Teológica é a doutrina do homem no que
tange a Deus. Teve sua transformação em duas grandes transições: a do cosmo para Deus,
quando o cristianismo suplantou a visão grega da realidade. A segunda é de Deus para o homem
e ocorreu na época moderna em conseqüência da secularização e do ateísmo. Repentinamente
Deus desaparece de cena e cede lugar ao homem. Sua transformação teve início no
Renascimento. O espírito humano abre-se a um novo modo de ver e agir, um violento contraste
com o precedente, enquanto o primeiro, o centro de todo interesse era Deis, agora o centro é o
homem. A filosofia é ao mesmo tempo a testemunha fiel e artífice principal da transição do
teocentrismo para o antropotismo. Vemos aí (Descartes, Hume, Spinoza). Mas Kant que atinge o
momento conclusivo, afirmando que o homem não é mais simplesmente o ponto de partida, mas
também o ponto de chegada da reflexão filosófica. Vemos também dois princípios que são
supremos na antropologia teológica: São o arquitetônico e hermenêutico. O arquitetônico é o
eixo do ordenamento de todos os eventos da história da salvação. O hermenêutico é a verdade
primária a cuja luz a teologia procura compreender e interpretar um dos aspectos da história da
salvação.

CALVINISMO
Doutrina religiosa fundada por João Calvino. Ele nasceu em Noyon, em 1509 e morreu em
Genebra em 1564. Caracteriza-se pela origem democrática da autoridade religiosa (os ministros
não são padres). Os principais fundamentos da doutrina estão contidos na obra de Calvino
intitulada "Instituição da Religião Cristã". Calvino e seus seguidores, sustentavam a soberania
absoluta de Deus, a justificação pela fé, e a predestinação. O Calvinismo não admite as cerimônias
religiosas e nega com rigor a tradição; pela crença na predestinação acha inútil as obras para a
salvação. Segundo Calvino, a fé se dá pela deposição de absoluta confiança em Deus. Os
seguidores de Calvino, na França, passaram a ser chamados "huguenotes". Propagou-se a
doutrina pela Holanda, Suíça, Hungria, Escócia e Estados Unidos. Do Calvinismo, originou-se o
puritanismo e as demais igrejas protestantes. Esta doutrina não foi aceita pelos sorbonistas, e
Calvino foi perseguido e obrigado a deixar a Igreja Católica, fugindo para Basiléia.

CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS – CMI

Desde 1909 – Conferência Missionária Mundial em Edinburgo até 1937 – Conferência sobre "Vida
e Trabalho" em Oxoford e sobre "Fé e Ordem" em Edimburgo – o movimento ecumênico era
atuante sob muitos aspectos mas não tinha organização central. Por ocasião das conferências de
1937 tomaram-se as primeiras iniciativas para a fusão de "Vida e Trabalho" e "Fé e Ordem" num
Conselho Mundial de Igrejas – CMI. De 1938 a 1948 este permaneceu – devido à Segunda Guerra
Mundial – oficialmente em "processo de formação"; em Amsterdã, em 1958, ele foi formalmente
estabelecido. O CMI é uma comunhão de igrejas que confessam o Senhor Jesus como Deus
Salvador, segundo as Escrituras e por isso buscam cumprir em conjunto a sua vocação comum
para glória do único Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. É uma organização ecumênica internacional
das igrejas cristãs da Reforma da qual a igreja católica faz parte como observadora. Prolonga
historicamente os dois movimentos mundiais: "Vida e Trabalho", "Be Oxford" e "Fé e Ordem" de
Edimburgo. O CMI não é uma igreja, nem pretende ser uma espécie de "super igreja", mas existe
para servir as igrejas como instrumento, possibilitando-lhes entrar em contato umas com as

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outras. O CMI não considera nenhum conceito ou doutrina sobre a unidade da igreja como
normativo para suas igrejas membros. Pretende ajudar todas elas na procura dessa meta. A 5ª
Assembléia Geral foi em Nairobi em 1975. Ela propôs um consenso em torno da unidade nos
seguinte termos: "Jesus Cristo fundou uma igreja. Hoje vivemos em diversas igrejas separadas
umas das outras. Contudo, nossa visão do futuro é que algum dia viveremos de novo, como
irmãos e irmãs numa igreja indivisa. O CMI exerce seu mandato por intermédio da Assembléia
Geral, do Comitê central do Comitê executivo, das Comissões, dos Comitês das Unidades de
Programas e dos Centros Permanentes Administrativos de Genebra e Nova York. A Assembléia
se reúne a cada sete anos.

CORRELAÇÃO (teologia)

Paul Tillich faz uma correlação entre teologia de Bultmann ortodoxia e a teologia de Karl Barth
cristomonismo, esta teologia foi desenvolvida em 1951. Paul Tillich chegou a um consenso que
sintetiza a sabedoria e a experiência humana com a religião bíblica, empregando todos os
recursos da ciência, da história, da literatura, da arte, e da psicologia em profundidade, bem
como a filosofia clássica e a moderna, em especial o existencialismo de Kierkegaard. Assim
estabeleceu um tipo de doutrina teológica que era o fim apologético e estabeleceu a correlação
de fé com a existência humana. Paul Tillich afirma que a doutrina só tem valor ou significado para
o homem, se estiver relacionado com os problemas, as situações, e as crises de sua existência
cultural, secular e cotidiana.

Paul Tillich escolheu atuar "na fronteira" entre a religião e a cultura ele escreve "a religião é a
substância da cultura e a cultura é a forma da religião" Paul Tillich afirma que sempre que ele se
encontra entre duas possibilidades existenciais, ele reflete sobre sua posição de sempre Ter um
pé em cada um dos dois arraiais tradicionalmente antagônicos. Daí sua teologia de correlação
inteiramente dialética. Paul Tillich procurou relacionar os problemas de sua filosofia, a partir da
condição humana comum e demonstrou a relevância e o significado da doutrina teológica
relacionada com o problema assim interpretado. Sua tese torna-se numa síntese em quatro
níveis: (1) disciplina, (2) antológica, (3) histórica, e (4) na vida pessoal. DEÍSMO

Vem do latim deus, "deus". Os socianos introduziram o termo no século VI. Porém veio a ser
aplicado a um movimento dos séculos XVII e XVIII, que enfatizava que o conhecimento sobre
questões religiosas e espirituais vem através da razão, e não através da revelação, que sempre
aparece como suspeita e como instrumento de fanáticos e de pessoas de estabilidade mental
questionável. Vendo-se nisto a característica principal do deísmo, conhecimento através da razão
e não sobrenatural. A isso podemos chamar de religião natural comum a todos, era uma garantia
de uma convivência pacífica, que surge como um reflexo do iluminismo no campo religioso.

DEMITIZAÇÃO
Método desenvolvido na teologia protestante e católica, proposto pelo teólogo alemão Rusolf
Bultmann (1884-1976), e que visa a escoimar a mensagem cristã da roupagem dos mitos. Na sua
forma genuína, salva o essencial das narrativas, despindo-as de sua veste literária mítica, para
poder interpretá-las de modo crítico e não eliminá-las. Consiste na discrepância entre cosmologia
antiga e moderna bem como entre as compreensões existenciais divergentes dos homens da
Bíblia e dos de todas as épocas posteriores. A demitização, não reside na eliminação de asserções
e descrições, mas em sua interpretação, para que a mensagem nelas contida adquira dimensões
existenciais. Essa interpretação pressupõe que as categorias mitológicas utilizadas pelos autores

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se constitua em instrumento destinado a expressa a revelação. Busca impedir que a mensagem
evangélica se fundamente em assertivas mitológicas, perdendo seu caráter paradoxal.

CONCLUSÃO
Aqui fica explicita as grandes mudanças e concertos teológicos durante períodos de grande busca
pelo sobrenatural, grandes teólogos contribuíram para chegássemos a o que dispomos hoje de
material de estudo e pesquisa.

BIBLIOGRAFIA RESUMIDA

Almeida, Abraão de/ Teologia Contemporanea/CPAD/páginas 245/321/ edição limitada de


Agosto de 1997.
Barth, Carl/ História e Teologia/ Argos/1983.
www.scribid/teologiacontemporanea/apostila/1998

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