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JUAZEIRO-BA
2015
UELTON DIAS DA SILVA
JUAZEIRO-BA
2015
TERMO DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
RESUMO
ABSTRACT
À Deus por iluminar meus caminhos e minha mente, conceder-me força, saúde
e me permitir chegar até o final de mais esta jornada.
À minha família, em especial, meus pais Wilson e Sileide e meu irmão Junior,
pelo incondicional amor, incentivo e pela compreensão diante dos momentos de
ausência.
À minha namorada, Olivia Farias, por todo amor, apoio e motivação sempre que
precisei, e por me acompanhar durante toda caminhada.
1. INTRODUÇÃO 7
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 54
REFERÊNCIAS 57
ANEXOS 63
7
1 INTRODUÇÃO
à disposição de outra pessoa (MARQUES, 1996, p. 67). Tal contrato, além de escalar
a prestação no tempo, permite a estipulação de garantias por parte do fornecedor.
Na atualidade, o fornecimento de crédito é elemento integrante e essencial da
sociedade de consumo em massa. O crédito funciona como elemento de energização
da economia ao tempo em que, com sua maior oferta no mercado, aumenta-se o
consumo e, consequentemente, a geração de empregos e a circulação de
mercadorias.
A oferta de crédito na sociedade, entretanto, não é algo novo. O crédito
representa um dos pilares da evolução da vida em sociedade e foi uma das primeiras
manifestações econômicas de que se tem notícia. A origem do crédito é anterior à
indústria, aos bancos e ao empréstimo de moedas, e remonta à fase da sedimentação
da agricultura no neolítico1 (VENTURA, 2000, p. 69).
Na Mesopotâmia, no século VI a. C., já se praticava o empréstimo feito em uma
de suas moedas, dinheiro ou açúcar, sendo os contratos redigidos em pequenas
tábuas (GIANCOLI, 2008, p. 15). No Código de Hamurabi (1792 a 1750 a. C.), os
empréstimos, seja de dinheiro, seja in natura, eram formalizados por meio de
contratos escritos. O referido código regulamentou pela primeira vez a usura
(cobrança de juros abusivos diante da utilização do capital), punindo com a perda da
própria vida aqueles que ultrapassassem o valor dos juros (COSTA, 1998, p. 103).
As bases do crédito, todavia, só foram sedimentadas em Roma, com as leis de
Justiniano. Entre os romanos, o empréstimo constituía prática muito comum e era
realizado por banqueiros denominados “banqueiros argenti”, que pesavam o dinheiro,
objeto do mútuo, na presença do cliente e de mais cinco testemunhas (VENTURA,
2000, p. 13). O sistema de crédito instituído pelos romanos é muito semelhante ao
praticado na atualidade e são eles os responsáveis por estabelecer o costume de usar
o crédito para suprir a necessidade de capitais.
Na Idade Média, apesar das proibições advindas da Igreja Católica, que
entendia por usura2 todo contrato que implicasse o pagamento de algum juro, as
atividades envolvendo crédito se intensificaram, em consequência das Cruzadas e
das feiras de mercadores, que geraram uma grande expansão nas relações
1
O Neolítico ou Idade da Pedra Polida foi um período da pré-história correspondente ao início da agricultura, de
10.000 a 5.000 a.C. (COSTA, 1998, p.102)
2
Toda atividade que objetivasse obter lucro em cima de uma transação era considerada pela Igreja Católica como
usura. O usurário era tratado pela Igreja como pecador e merecia o inferno. Assim, as atividades de mercador e
banqueiro eram consideradas condenáveis (LE GOFF apud SOUZA, 2008, p.186).
11
3
“Art. 1º O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e
interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas
Disposições Transitórias.” (BRASIL, CDC, 1990)
4
Dispõe o art. 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social
do contrato.”
13
5
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 297: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições financeiras.”
14
são de longa duração e podem originar graves prejuízos às partes. Por isso, a
confiança, elemento decorrente da boa-fé, subentende-se presente neste tipo de
relação.
O prazo, conforme se extrai do conceito de crédito, consiste no tempo que
medeia a concessão e o lapso para sua restituição. Trata-se do intervalo entre a
entrega do bem e o seu pagamento.
O interesse ou juro é o preço estipulado para cada unidade de tempo pelo
transcorrer do pagamento de um crédito de coisas fungíveis. É a remuneração dos
recursos emprestados. Caso não respeitado o prazo estipulado para a restituição,
poderá ser agravado com a aplicação pelo credor de uma penalidade, conhecida
como multa moratória (VENTURA, 2000, p. 68-69).
Risco é um elemento inerente ao crédito e deste inseparável. Trata-se da
possibilidade de não receber o montante negociado em virtude da inadimplência do
consumidor-tomador. O descumprimento do contrato de crédito pode decorrer da má-
fé do tomador ou mesmo de circunstâncias alheias a sua atuação que lhe impedem
de cumprir com o convencionado. Ao realizar uma operação de crédito, o consumidor
também está sujeito a riscos, dentre eles, o risco de endividamento (VENTURA, 2000,
p. 68-69).
instaurado exigia que a produção fosse o mais célere possível, o que resultou na
adoção, por parte das empresas, do modelo de produção em série, o qual
proporcionou aos empresários significativa diminuição dos custos e maiores vendas.
Assim, tais empresários assimilaram que seria possível obter cada vez mais lucro se
o consumidor fosse incitado a consumir cada vez mais (KADRI, 2013, p. 36).
Aqui tem início a sociedade de consumo. Por meio da publicidade e do
marketing, as empresas começam a moldar as necessidades da população, buscando
inculcar nas pessoas o impulso de comprar cada vez mais. O ato de consumir virou
sinônimo de inclusão social. As pessoas passaram a ver no consumo uma forma de
exteriorizar um estilo de vida, de se alçar a uma determinada classe social, ainda que
aparentemente, conferindo-lhe status e demarcando relações sociais.
Neste contexto, a concessão de crédito passou a ser cada vez mais
democratizada, com o intuito de energizar a economia e viabilizar o ingresso e a
participação de cada vez mais indivíduos na sociedade de consumo. Funciona o
crédito como elemento propulsor da economia, haja vista que quanto maior o capital
injetado na sociedade, maior será o seu crescimento, ao tempo em que possibilita ao
consumidor a aquisição de bens e serviços das mais diversas espécies, a fim de
suprir-lhe suas necessidades, sejam elas reais (verdadeiras utilidades) ou aparentes
(frutos da pressão advinda da publicidade) (GUSMÃO, 2009, p. 23).
Ocorre que a sociedade moderna passou a ser dependente da concessão de
crédito, ao ponto de sua ausência significar, muitas vezes, a impossibilidade de
cumprir com obrigações financeiras básicas, essenciais à manutenção das pessoas.
Os indivíduos passaram a consumir cada vez mais sem levar em consideração as
responsabilidades, custos e riscos que uma operação de tomada de crédito exige. O
crédito por si só não é um elemento nocivo, e possibilita uma forma de inclusão social
ao permitir a muitos acesso a determinados bens cuja aquisição, às vezes, não seria
possível por outra maneira. Entretanto, a expansão exacerbada de crédito, por muitas
vezes irresponsável, aliada à cultura de consumo que se instalou, acabou gerando
uma situação social patológica na qual o consumidor resta impossibilitado de cumprir
com as obrigações assumidas. Trata-se do fenômeno do superendividamento.
Nas palavras de Claudia Lima Marques, o superendividamento é
6
Code de la Consommation, Art. L 330-1 apud MARQUES; LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 21
18
7
Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do
empresário e da sociedade empresária.
19
estudo que leve em conta todo o ativo patrimonial (mobiliário, imobiliário e renda
familiar mensal) e subtraído todo o passivo acumulado, levando em conta os encargos
e os gastos a serem feitos para garantir o mínimo de subsistência. Se o resultado for
negativo e evidenciar a impossibilidade de cumprimento, restará caracterizado o
superendividamento (CARPENA; CAVALLAZI, 2006, p. 172).
Outro pressuposto para a caracterização do endividamento excessivo é o da
boa-fé do consumidor, a qual é, todavia, presumida. Conforme supracitado, o Estado
não socorre os endividados conscientes, ou seja, aqueles que contraíram dívidas,
convictos da não possibilidade de poder honrá-las, visando a lesar o credor ao deixar
de cumprir sua obrigação, ciente de que não poderá ser executado. Embora a boa-fé
possa ser presumida, naturalmente, admite-se prova em contrário. A doutrina francesa
construiu entendimento de que determinados comportamentos do consumidor
superendividado denotam a má-fé, como prestar declarações falsas, ocultar ou tentar
ocultar ativos no todo ou em parte ou continuar comprando e agravando a sua situação
de endividado.
No que atine às causas do fenômeno do superendividamento, conforme supra
exposto, o crédito é a principal delas. O endividamento excessivo só existe quando o
crédito é usado pelos consumidores. Entretanto, outras causas podem ser apontadas
para a compreensão de tal fenômeno. Uma delas é a desregulamentação dos
mercados de crédito. Os bancos centrais tiveram seus mecanismos de controle
reduzidos e o teto de juros foi exageradamente ampliado. Some-se a isso o fato dos
bancos concederem de maneira irresponsável o crédito, fornecendo-o a clientes sem
condições financeiras de reembolsá-lo (LIMA, 2014, p. 35-39).
Aponta-se ainda, como causa do endividamento excessivo, a redução do
estado de bem-estar social. Os países não oferecem educação pública de qualidade,
assistência médica satisfatória, ou, muitas vezes, não amparam o trabalhador em
situações de desemprego, o que faz com que este, diante da redução de sua renda,
tenha que recorrer ao crédito para despesas imprevistas, surgindo, assim, as
dificuldades em adimplir seus débitos (ob. cit.).
Existem ainda outros fatores que podem ser atribuídos aos próprios
consumidores para o superendividamento, como a tendência a consumir
impulsivamente, sem planejamento. Além disso, segundo a teoria da heurística
20
8
Segundo a teoria da heurística incompleta, o consumidor tende a tomar decisões subestimando os riscos e
superestimando as chances de sucesso do reembolso do crédito no futuro. (JACKSON, Thomas H. The logic and
limits of bankrupcty law. Cambridge: Harvard University, 1986. P. 236 apud LIMA, 2014, p. 36)
21
9
Periódico digital espanhol Público.es: “Alarma social ante la oleada de intentos de suicídio por la crisis” Notícia
veiculada no dia 18/02/2013. Acesso em 23/09/14 em <http://www.publico.es/450904/alarma-social-ante-la-
oleada-de-intentos-de-suicidio-por-la-crisis>
22
10
“Brasileiro está usando mais o cartão”, notícia veiculada no website Diário do Comércio em 19/08/2014.
Acesso em 21/09/2014 em <http://www.dcomercio.com.br/2014/08/19/brasileiro-esta-usando-mais-o-cartao>
11
PEIC – Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (setembro/2014) Acesso em
21/09/2014 em <http://www.cnc.org.br/central-do-conhecimento/pesquisas/economia/pesquisa-nacional-de-
endividamento-e-inadimplencia-do-con>
24
Tramita no Senado Federal brasileiro o projeto de lei nº 283 (Anexo A), proposto
em 2012 e presidido por reconhecida comissão de juristas12, objetivando a alteração
do Código de Defesa do Consumidor no tocante ao problema social do
superendividamento. O referido projeto propõe a inserção de onze artigos e a
alteração no texto de outros já presentes no código, e tem como temas centrais a
garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e a instituição de
dispositivos de prevenção e tratamento do superendividamento, tanto na esfera
judicial como na extrajudicial.13
Ao dispor sobre tais temas, o projeto propõe a regulação da oferta de crédito e
da publicidade, a instituição do prazo de reflexão, da conciliação entre o devedor e
seus credores e do conceito de mínimo existencial como forma de salvaguardar a
dignidade humana. Ademais, a referida iniciativa legislativa visa a suprir a inexistência
de regulamentação sobre o tema no Brasil.
O projeto é objeto de intenso debate entre a sociedade e estudiosos e desde a
sua edição já foram apresentadas 42 emendas. O trabalho da comissão nesses
últimos dois anos resultou na aprovação de um substitutivo (Anexo B) após aceitação
de parte das emendas propostas. Nesse sentido, os próximos tópicos serão
destinados à análise dos dispositivos propostos no referido projeto e no seu
substitutivo, a fim de analisar o alcance e o grau de eficácia de cada um deles na
solução do superendividamento em nosso país.
12
A Comissão de Juristas, presidida pelo Min. Herman Benjamin, é integrada por cinco dos maiores especialistas
em Direito do Consumidor no Brasil: Cláudia Lima Marques, Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Leonardo
Roscoe Bessa e Roberto Pfeiffer.
13
Art. 5º Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os
seguintes instrumentos, entre outros:
[...] VI – instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e
de proteção do consumidor pessoa natural;
VII – instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.
26
14
SENADO FEDERAL, PL 283/2012, p.10
15
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
27
16
“Perguntas frequentes, cartilhas e notícias”. Disponível em <www.bcb.gov.br/?CETFAQ>. Acesso em
31/10/2014.
28
17
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...] IV – a proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem
como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
18
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
29
Ainda no tocante à publicidade, o art. 54-C elenca situações que deverão ser
vedadas, caso o projeto seja aprovado. Neste rol, está prevista a proibição às
expressões como “sem juros”, “taxa zero” ou outras que indiquem que o crédito pode
ser adquirido sem consulta ao cadastro de devedores ou sem avaliar a situação
financeira do consumidor, tão comuns no mercado. Proíbe-se também qualquer tipo
de assédio ou pressão exercida em relação ao consumidor. Principalmente os que se
encontrem em estado de vulnerabilidade agravada, como idosos, enfermos ou
analfabetos (LISBOA; CISNEIROS, 2014, p. 90). Inicialmente, o projeto trazia vedação
às formas de apresentação de acesso ao crédito com preços para pagamento a prazo
iguais ao pagamento à vista, entretanto, o texto foi suprimido neste ponto a fim de
garantir a livre iniciativa do fornecedor.
Desta forma, ao vedar tais condutas, a iniciativa legislativa visa a proteger o
consumidor da publicidade que gera o consumo por impulso, e salvaguardar aquele
que seja induzido a tomar crédito por meio de técnicas de marketing agressivas e que
não levam em conta a sua real capacidade de adimplir. Como será visto adiante, o
projeto de lei analisado responsabiliza as instituições que forneçam crédito sem a
observância da situação financeira do cliente.
O art. 54-D, do PL 283/12, reforça os deveres de informação e prevê deveres
conjuntos aos fornecedores e intermediários de crédito. Estes devem informar e
esclarecer adequadamente o consumidor, principalmente quanto aos riscos da
operação, levando em conta sua idade, saúde, conhecimento e condição social.
Inicialmente, o projeto previa que a prova de tais deveres caberia ao próprio
fornecedor ou intermediário; entretanto, foi acolhida emenda no sentido de suprimir tal
ponto, a fim de preservar a regra atual acerca da inversão do ônus da prova.
O descumprimento dos deveres poderá acarretar a imposição de sanções
como a inexigibilidade dos juros ou a sua redução, conforme prevê o parágrafo único
do art. 54-D, in verbis:
19
O Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor) é uma associação civil, constituída pelos
autores do anteprojeto de lei que originou o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e que preza pelo
desenvolvimento da Política Pública e do Direito do Consumidor em harmonia com o progresso econômico-
social. Disponível em: <http://brasilcon.org.br/institucional/Quem+Somos> Acesso em: 09/11/2014.
20
Art. 1040-A. Nas hipóteses de superendividamento, resta possibilitada a promoção da fase de conciliação
prévia ao processo judicial, instaurando-se situação de concurso de credores, mediante remessa de carta-convite
aos credores declarados, por interesse da parte devedora, para composição das dívidas civis.
§1º A decisão judicial de homologação da conciliação obtida em audiência designada para esta finalidade terá
força de título judicial executivo independentemente da representação das partes por advogados.
§2º A ausência de conciliação no feito não importará em reconhecimento judicial de uma declaração de
insolvência por parte do devedor (art. 753, II, CPC), havendo arquivamento do expediente por simples ausência
de acordo entre os interessados e registro de informações com mero caráter estatístico. (RIO GRANDE DO SUL.
Consolidação Normativa Judicial. Corregedoria-Geral da Justiça. Porto Alegre, 2006. Disponível em:
<http://abojeris.com.br/site/arquivos/biblioteca/CNJCGJ-outubro-2006-prov-27-2006.pdf>. Acesso em
10/11/2014.
34
problema pela via judicial. Os acordos feitos igualmente devem garantir ao consumidor
as condições econômicas para arcar com suas despesas básicas, como alimentação,
moradia, educação, saúde, dentre outros (EL KADRI, 2013, p.132).
Em Pernambuco, sob a coordenação da ESMAPE (Escola Superior da
Magistratura de Pernambuco), foi instituído o PROENDIVIDADOS, Programa de
Tratamento de Consumidores Superendividados, destinado a auxiliar os
consumidores na renegociação de suas dívidas com todos os seus credores, além de
oferecer assistência e acompanhamento psicológico àqueles consumidores em
situação de endividamento excessivo21.
No tocante ao projeto de lei de reforma do CDC, este prevê ainda, no §5º do
art. 104-A, que a solicitação de repactuação de dívidas feita pelo consumidor não
implicará em declaração de insolvência civil, e somente pode ser repetida dois anos
após a liquidação das obrigações assumidas no plano de pagamento homologado
judicialmente.
Os arts. 104-B e 104-C representam novidade em relação ao anteprojeto
redigido inicialmente e são fruto das inúmeras emendas sofridas pelo projeto. O
primeiro, inspirado no código consumerista francês, pretende trazer o consumidor
superendividado de volta ao mercado de consumo, através do plano de pagamento
compulsório. Não tendo logrado êxito a fase de conciliação, o juiz procederá a citação
de todos os credores para que se instaure um processo de superendividamento, que
tenha como finalidade revisar os contratos e repactuar as dívidas do consumidor com
aqueles credores que não participaram da fase conciliatória, só que agora por meio
de um plano de pagamento compulsório.
De acordo com Clarissa Costa de Lima,
21
Disponível em: <http://www.tjpe.jus.br/concilia/ProEndividados/index.asp>. Acesso em 10/11/2014.
35
22
Artigo publicado no site Consultor Jurídico em 12/10/2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-
out-12/fernando-rossi-lei-nao-suficiente-corrigir-supereendividamento>. Acesso em 10/11/2014.
36
Exige-se que seja um direito a situações existenciais dignas, que deve ser
procurado nas ideias de liberdade, nos princípios constitucionais da dignidade
humana, da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na
Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão
(apud LIMA, 2014, p.161).
23
BRASIL. Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2181.htm> Acesso em 10/11/2014.
37
24
Declaração Universal dos Direitos Humanos – Artigo 25. “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida
capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez,
viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.” Disponível em: <
http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf> Acesso em: 10/11/2014.
38
Tal percentual sugere que o mínimo existencial seria setenta por cento (70%)
da renda mensal do consumidor. Entretanto, um valor uniforme para todos os
consumidores pode ser insuficiente para a garantia de uma vida em condições dignas,
especialmente se tomarmos como base o consumidor de baixa renda (LIMA, 2014,
p.164).
Tomando como parâmetro alguém que receba um salário
mínimo25mensalmente, apenas R$506,80 (70%) ficará destinado a custear todas as
despesas de subsistência, como aluguel, alimentação, saúde, educação, vestuário,
água, luz, entre outros. De acordo com o previsto na Constituição, no capítulo dos
Direitos Sociais, o salário mínimo deve ser capaz de atender as necessidades básicas
do trabalhador e sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social. Levando em consideração tal
previsão constitucional, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos), realiza mensalmente estudo a fim de avaliar qual o valor
do salário mínimo necessário para cumprir com todas as necessidades previstas. Em
outubro, o valor do salário mínimo necessário, calculado com base na cesta básica
nacional, foi de R$ 2.967,0726.
Com base nisso, vê-se que o piso salarial brasileiro, por si só, é insuficiente
para, de forma global, manter uma pessoa com o mínimo de garantias dignas, e que
consumidores com salários reduzidos costumam usar praticamente toda a sua renda
mensal para arcar com as despesas de subsistência. Destarte, fixar o mínimo
existencial em 70% acabaria por excluir da proteção legal os consumidores de baixa
renda, pois o comprometimento de 10% de sua renda já pode caracterizar uma
situação de superendividamento27.
Ademais, conceituar o superendividamento por meio deste critério de atribuição
de porcentagem resultaria em inserir grande parte da população em situação de
endividamento excessivo e, por consequência, necessitária do processo de
25
O valor do salário mínimo em vigor na data de edição deste trabalho é de R$724,00.
26
Estudo sobre o valor do salário mínimo necessário feito pelo DIEESE. Disponível em:
<http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html> Acesso em 13/11/2014.
27
Sugestão dada pelo Instituto Brasilcon ao Senado Federal para modificação do PL 283/2012.
39
o percentual fixo de trinta por cento da renda líquida mensal como patamar
para se determinar o superendividamento pode engessar o tratamento das
repactuações, causando preocupações e misturando-se com a noção de
mínimo existencial. Isso porque, dependendo da renda percebida pelo
consumidor, o comprometimento, por si só, de mais de trinta por cento da
renda líquida mensal, pode não caracterizar uma situação de
superendividamento. Neste caso, e com a utilização da noção de
impossibilidade “manifesta”, a definição será deixada para a análise pelo juiz
ou conciliador.
28
Pacta sunt servanda = os acordos devem ser cumpridos.
41
29
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos
os seguintes princípios:
(...) III — harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção
do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os
princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé
e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
30
Art. 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos
e serviços que:
[...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
42
Diante dos novos princípios do direito contratual, aquele que pretende vender
a crédito tem a responsabilidade de verificar a capacidade de reembolso do
tomador, pois os contratantes não são mais encarados como partes
antagônicas, mas sim, como parceiros que buscam um fim comum: o
adimplemento do contrato e não apenas a sua celebração. Por isso, o
vendedor também deve preocupar-se em atingir este objetivo, pois é do seu
interesse que a outra parte cumpra aquilo com que se comprometeu. É seu,
portanto, o dever de analisar o risco da concessão de crédito, e por isso o
31
“O não cumprimento da obrigação contrária à probidade e a boa-fé que se exige dos contratantes não só no
momento da contratação, mas também no decorrer do vínculo jurídico que os une, o que enseja o ressarcimento
dos danos porventura ocasionados”. (TJ-SP, Apelação com Revisão nº 1176713000, 35ª CDPriv, Rel. Des. Arthur
Marques, J 11.08.2008 Disponível em: www.tj.sp.jus.br).
43
O art. 4º do CDC, que trata dos objetivos da Política Nacional das Relações de
Consumo, preocupa-se com o atendimento das necessidades básicas dos
consumidores, dentre elas o “respeito à sua dignidade”.32 A dignidade da pessoa
humana representa um dos principais direitos constitucionalmente garantidos e se
constitui no fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme o art. 1º, inciso
III33.
32
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a
melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo [...].
33
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...] III – a dignidade da pessoa humana;
44
34
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em
razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
45
Em sentido contrário, Ruben S. Stiglitz (ob. cit., p. 135) defende que o princípio
da força obrigatória dos contratos não pode permitir o enriquecimento ilícito de uma
das partes contratantes às custas do sacrifício extremo da outra, desvirtuando-se da
função social do contrato.
Analisando a jurisprudência brasileira, vê-se que as decisões dos tribunais
ainda tomam como base o princípio da obrigatoriedade dos contratos e a teoria da
46
Explicita o art. 6º, III, do CDC que é direito básico do consumidor brasileiro
receber do fornecedor a informação clara e adequada sobre todas as características
importantes de produtos e serviços, como quantidade, qualidade, composição e preço,
bem como os riscos que apresentem, com a finalidade de proporcionar ao consumidor
total consciência daquilo que está adquirindo ou contratando.
Trata-se de um dever ínsito ao fornecedor antes mesmo da celebração do
contrato, na chamada fase pré-contratual, onde o consumidor está formando a sua
convicção quanto ao produto ou serviço oferecido. Somente diante de uma informação
clara e precisa o consumidor poderá formar uma vontade livre e consciente.
O art. 46 do CDC vai além e dispõe que
35
“ARRENDAMENTO MERCANTIL. REVISÃO CONTRATUAL.REFINANCIAMENTO. DESEMPREGO COMO CAUSA
SUPERVENIENTE. NÃO CABIMENTO. RECURSO IMPROVIDO. O pactuado pelas partes, mesmo em contrato de
adesão, é válido desde que não configure em violação de preceito constitucional ou de normas que regem a
defesa do consumidor. A perda do emprego não é motivo para rever um contrato que foi firmando por mera
liberalidade das partes. No mais, a possibilidade ou não de refinanciar o valor devido fica a cargo das partes
contratantes. Prevalece, neste caso, a natureza jurídica do direito privado, que é a autonomia de vontade. Em
respeito à máxima ‘pacta sunt servanda’, o Estado Juiz não deve interferir na liberalidade das partes, exceto
provado vício de consentimento, que não é o caso em análise. [...]”
(TJ-SP - APL: 990103077989 SP , Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 16/11/2010, 31ª Câmara de
Direito Privado, Data de Publicação: 02/12/2010)
47
36
Trecho extraído do artigo “A proposta de ‘atualização’ do Código de Defesa do Consumidor: quem ganha com
isso?”. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/ABCdoCDC/92,MI129908,71043-
A+proposta+de+atualizacao+do+Codigo+de+Defesa+do+Consumidor+quem>. Acesso em: 20/11/2014.
49
37
Extraído do Discurso do Presidente da Comissão de Juristas, por ocasião da instalação da referida comissão.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/codconsumidor/pdf/extrato_relatorio_final.pdf> Acesso
em: 26/11/2014.
51
ainda mais a demanda judicial, o que pode ocasionar ainda mais lentidão em dirimir
os litígios.
Uma pesquisa realizada pela SPC Brasil apontou que 28% dos consumidores
negativados, ou seja, que estão com contas atrasadas há mais de 90 dias, declaram
não ter condições para quitar suas dívidas. Considerando a estimativa do próprio SPC
de que 55 milhões de CPFs estão negativados no Brasil, teríamos um universo imenso
de pessoas que poderiam buscar o judiciário diante da criação de uma espécie de
processo de superendividamento.
Insta salientar que a contrariedade à reforma do código consumerista não
significa o abandono do problema da outorga de crédito e do endividamento excessivo
do consumidor. Entretanto, tal problema demanda mais soluções de prevenção e
educação que remédios legislativos e judiciais.
Pesquisas indicam que a falta de controle financeiro e de planejamento no
orçamento aparece como principal motivo apontado para impossibilitar o pagamento
entre os inadimplentes. O desemprego e a diminuição de renda aparecem em
segundo e terceiro lugar, respectivamente38. Tais dados sugerem que uma política
que vise à prevenção do endividamento, através da educação financeira das famílias
brasileiras, seria muito mais eficaz no tratamento do problema do que a sua
judicialização em si.
O CDC, com sua atual redação, dispõe de mecanismos para realização de tal
política. O capítulo II, por exemplo, trata da Política Nacional das Relações de
Consumo, que tem como objetivo precípuo promover ações que atendam às
necessidades dos consumidores e que respeitem os seus direitos a uma vida digna,
com saúde e segurança. A formulação e execução desta política, com ações do
Estado no mercado de consumo, educando e informando os consumidores,
estimulando a criação e o desenvolvimento de associações que tenham como
finalidade defender o consumidor, e que possam, juntamente com o governo, exercer
este papel de instruí-lo quanto ao consumo consciente, pode contribuir de maneira
eficaz no tratamento do superendividamento.
38
Dados com base no levantamento “Perfil do adimplente e inadimplente”, realizado pelo SPC Brasil entre os
dias 15 e 20 de julho de 2014 em 57 cidades do Brasil. Disponível em:
<http://extra.globo.com/noticias/economia/pesquisas-mostram-perfil-dos-endividados-brasileiros-que-nao-
estao-conseguindo-quitar-seus-debitos-13502421.html> Acesso em: 27/11/2014.
52
39
“Art. 105 – Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, os órgãos federais, estaduais, do
Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.”
53
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 07/09/2014.
DIÁRIO PÚBLICO. Alarma social ante la oleada de intentos de suicídio por la crisis.
2013. Disponível em: <http://www.publico.es/450904/alarma-social-ante-la-oleada-
de-intentos-de-suicidio-por-la-crisis>. Acesso em: 23/09/2014.
EXTRA. Pesquisas mostram perfil dos endividados brasileiros, que não estão
conseguindo quitar seus débitos.2014. Disponível em:
<http://extra.globo.com/noticias/economia/pesquisas-mostram-perfil-dos-
endividados-brasileiros-que-nao-estao-conseguindo-quitar-seus-debitos-
13502421.html>. Acesso em: 27/11/2014.
MARQUES, Cláudia Lima. LIMA, Clarissa Costa de. BERTONCELLO, Karen. Brasil.
Ministério da Justiça. Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor.
Prevenção e tratamento do superendividamento. Brasília, 2010. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?Team=%7BB5920EBA-9DBE-46E9-985E-
033900EB51EB%7D>. Acesso em: 17/09/2014.
61
NUNES, Luiz Antônio Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 7ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
“Art. 4º ..........................................................................
I – o fomento de ações visando à educação financeira e ambiental
dos consumidores;
II – prevenção e tratamento do superendividamento como forma
de evitar a exclusão social do consumidor. (NR)”
“CAPÍTULO VII
Da Prevenção e do Tratamento ao Superendividamento
“CAPÍTULO VII
Das Sanções
.........................................................................................(NR)”
“CAPÍTULO V
Da Conciliação no Superendividamento
Sala da Comissão,
, Presidente