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A voz nômade de Demetrio Stratos

Janete El Haouli*

Boca, orifício, canal, por onde a criança entoa os


simulacros. Os membros fragmentados, os corpos sem
vo z; boca em que se articulam as profunde zas e as
superfícies. Boca de onde sai a voz do outro, fa zendo
revoltear por cima da criança os altos ídolos e formando o
super-eu. Boca donde os gritos se recortam em fonemas,
morfe mas, semantemas: boca donde a profundidade de
um corpo oral se separa do sentido incorporal. Nesta boca
aberta, nesta vo z alimentícia, a gênese da linguagem, a
formação do sentido e a chispa do pensamento fa zem
passar as suas séries divergentes.

Michel Foucault

Como dissociar a voz -música de Demetrio Stratos de sua existência e


experimentações intensas? Cantor e pesquisador, o egípcio -greco-italiano
Demetrio Stratos (1945 -1979), é sem dúvida uma das maiores expressões da
voz no século 20, tanto por sua c apacidade vocal, quanto pela singularidade
de sua investigação interdisciplinar. Seu trabalho salienta aspectos relevantes
nos campos da fonologia, psicanálise, filosofia, antropologia e música
experimental, assuntos que interessam não somente aos músicos e
estudiosos, mas principalmente às pessoas ligadas no fenômeno voz.

Cantar a Voz

Em seu ensaio intitulado "Diplofonie ed Altro" * , Demetrio Stratos faz uma


afirmação bastante provocante: "A voz, hoje, na música, é um canal de
transmissão que não transmi te mais nada" 1 . Isso nos faz pensar que nos dias
atuais vivemos um momento de achatamento da voz humana, já que nós,
adultos, necessariamente descartamos elementos expressivos da vocalidade
em favor da eficiência comunicativa da voz. Movimentos da laringe , sopros e
ruídos "indesejáveis" são completamente excluídos e um rico leque de matizes
instintivos, rudes, irracionais – a "voz-música" – são abortados a fim de que
reine soberana a voz -veículo-da-palavra e sua função comunicativa -verbal.
Para Demetrio Stratos desenhava -se uma verdadeira sintomatologia da
vocalidade achatada do cotidiano, sintetizada em três itens: 1. A voz como
veículo unicamente da linguagem verbal; 2. Insensibilidade auditiva aos
aspectos da voz-música; 3. O embotamento e controle do h omem através de
hábitos vocais -auditivos.

* Demetrio Stratos escreveu este texto para a revista "Il piccolo Hans", como esboço de uma pesquisa que pretendia desenvolver.
1 Stratos, Demetrio. Diplofonie ed Altro, in "Il Piccolo Hans", No. 24, ottobre/dicembre. 1979, Bari, Dedalo Libri.
No mesmo ensaio “Diplofonie ed Altro” Stratos citará Lyotard,
reafirmando o teor anárquico dos sons da voz enquanto voz: "de agora em
diante os sons feios têm direito à escuta". O cantor -investigador Stratos
assinalaria que entre as pregas -pragas da linguagem existe um microcosmo
sonoro inexplorado, e que uma possível desconstrução vocal deveria
considerar a voz em sua plena materialidade.

Voz X Verbo

Sua crítica, então, se voltaria contra certos performers que, sensíveis ao


apelo eminentemente corporal, desprezavam as especificidades da voz. Para
Stratos as reflexões desses performers eram superficiais porque sua pretensa
desconstrução não havia atingido o âmago da questão, isto é: como
desvincular a voz da ling uagem falada? E concluiria em seu curioso estilo
hermético: "assim a soberania subversiva da voz -evento, pharmakon, desafio
da comunicação, deixa o sujeito em uma antropolatria ingênua entre o gozo
incondicionado e a consumação... 2 " A voz para Stratos deveria ser pura
aparência, venenosa e curativa, sem algo exterior além de si mesma: a voz
enquanto voz.
Assim, a questão que se coloca é a de pensarmos uma vocalidade como
excreção: vomitar ruídos que interfiram e que recoloquem a voz da voz,
emanação dos prazeres sem repressões, a voz como é entendida pelas
culturas orais que praticam ações rituais de canto e audição (sensibilidade às
diversas escutas). Pensar uma vocalidade "desperdiçada", que comunique
além da palavra. O sopro, sem o qual nenhuma voz exis te e nem mesmo o
canto é possível, por exemplo, passa então a ser escutado. Nesta vocalidade
como excreção, instaura -se o tempo do presente, o instante que reúne
passado e futuro, não sendo em nada parecido com o tempo essencialmente
linear do discurso ver bal-funcional. Esse tempo do puro instante, da escuta
das multiplicidades, dos sons que não podemos mais possuir ou rotular com
nossos pálidos gostos, que se abre para a diferença, tempo do jogo ou do
fogo de Heráclito.

Voz Nômade

O lúdico compartilha aqui da tragicidade da emanação da voz e de seu


conseqüente desaparecimento no ar, de onde regressará em sopro, em voz,
em canto, em grito, em silêncio, grávido de sons. Uma vocalidade livre como a
que propõe Stratos remete à mutabilidade do sujeito que cant a. Ela é
polifônica, esquizofrênica, esquizofônica, produtora de matéria desejante que
não se submete às leis lógicas da identidade, uma vez que ela retorna ao
"pré", superando e revelando um primeiro fluxo de codificação sobre o corpo
da terra: uma voz nô made.
Stratos recorre à voz das crianças, ao mundo modal de diversas etnias.
Uma viagem, um trajeto de intensidades que inclui Irã e Mongólia e Tibet e
África e Índia, percorrendo diversos códigos vocais e multiplicidades estéticas
que têm a voz como forma de "re-ligare". As pesquisas de Stratos seguem
uma trilha nômade, sem hierarquias, num devir entre produções díspares, que
liberam a explosão dos ruídos do corpo que se resensibiliza e se descodifica
2
Op. cit.
numa vocalidade libertadora para além da representação: pura espessura do
ritual de sacrifício - sem sujeito e sem objetos, simplesmente atemporal.
A desmetaforização da voz ocorre no trabalho de Demetrio Stratos pela
ruptura do tempo linear dessas convenções vocais. Ela cria quase um tempo
de ritual, o tempo do simultâneo, daquilo que não é sentido como isolado e
único. Limpa-se a voz de qualquer significado fixo e sujeito a uma
interpretação “verdadeira”, definitiva. O que a voz de Demetrio reclama é a
improvisação, aquilo que no instante se apresenta como ir repetível e não
passível de fixação monolítica. A indeterminação é desejada como sedução.
Tempo de erotização, prelúdio ao ato sexual, em que a voz é um aglomerado
de sussurros, gemidos, sopros e gritos. Grito do recém -nascido, grito de
guerra, grito do Xa mã.
A voz do “nômade” Stratos desconsidera a ficção de um “eu”
centralizante. Antes, nos remete à experiência das culturas orientais que não
possuem, em sua sintaxe e filosofia, um conceito petrificado de sujeito. Dessa
forma, Daniel Charles pensa que a pr odução de Stratos reclama uma
fluidificação do sujeito, porque opera no limite dos corpos, das intensidades
libidinais que pertencem a todos, independentemente de nossos nomes
próprios. As palavras estão em suspenso porque não há um sujeito fixo e
central ao qual se possam atribuir valores semânticos. Este sujeito em ruínas,
em nossos dias, é incapaz de deter conhecimentos enciclopédicos, de
determinar-se conforme uma só realidade. Stratos sincroniza -se com este
sujeito múltiplo que encontra sempre novas di ferenças a serem erotizadas.
Momento do devir em que são consideradas as experiências do “entre” _ _
entre sons e pessoas, entre acontecimentos que não contêm causas e efeitos
claros. O sujeito des -subjetivado desponta como agente -paciente de
sincronicidades. Neste processo de des -subjetivação emergem o ruído, o
sussurro. Língua no ouvido do outro.

O Corpo da Voz

Mas a voz fala do corpo. Ela tem a ver com o fluxo e com o desejo, e
não apenas com os significados. Ela é "índice de excitação corporal" 3 , como
diz Guy Rosolato. A voz é exibição e dom, agressão, conquista e esperança
de consumação do outro. Veículo de si própria, migra de um corpo ao outro
em doce penetração e cópula, reitera sua característica biológica: voz filha da
boca, boca órgão sexual. Ass im, Demetrio Stratos assinala: "notar o laço
estreito: voz/sexo; voz e sexo, ainda: relação com os ciclos menstruais e com
a castração" 4 .
Nada mais fantasmagórico do que a corporalidade controlada de nossos
dias, dos imperativos morais que nos reduzem a a utômatos, seres sem vida,
sem prazer, educados para a produção e consumo da sociedade capitalista. A
voz e o corpo não podem ser separados, antes, devem questionar as
repressões impostas, cabendo essencialmente aos performers a aplicação de
seus impulsos e desejos, de seus prazeres e agressões não só à construção
de papéis sobre o palco, mas também a atuações na própria vida,
desobstruindo os sentidos das pessoas no cotidiano. Sem dúvida, o que
Stratos indica é um jogo em que se arrisca a vida, em que o per former passa

3 "La voix: entre corps et langage" - Guy Rosolato, Revue Française de Psycanalise, Paris, No. 1, p. 75-94, 1974
4 "Diplofonie ed Altro, op. cit.
a ser - como num ritual - um doador, uma verdadeira vítima que expia as
dores da comunidade numa época em que a apatia toma conta de nossas
ações.
Por outro lado, tanto no aspecto vocal quanto corporal, Stratos critica as
formas realísticas de performance, pois que esta "realidade" cênica ou
musical passa a ser um código caro aos meios de produção. O artista sério
não deve ser um produto a mais na indústria do entretenimento e sim, uma
espécie de "sonda" que investiga o próprio corpo a fim de “purificar” as
percepções e os desejos humanos. Portanto, não podem existir idéias na
mente do artista tais como "desafinação", "expressão corporal", já que não há
elemento algum a ser exorcizado do campo expressivo do artista. Todo
material lhe é bem vin do se este serve ao aumento da compreensão e emoção
entre as pessoas, ao re -ligar com algo que nos torna mais vivos.

Eco e Yoni

Como diz Gigliola Nocera, Stratos consegue livrar a Ninfa Eco de sua
clausura 5 . O "cantar a voz" de Stratos nada mais deseja do que retirar nossa
vocalidade/corporalidade da repetição dominadora e esterilizante. Uma voz
que se supera não pode ser escrava das codificações neuróticas: suas
diplofonias, triplofonias e quadrifonias, seus silvos glóticos, são só algumas
das tentativas da ninfa de recuperar seu corpo perdido, seu desejo reprimido,
libertando-a de uma sucessão de espelhos vocais que devolvem sempre a
mesma voz (eco) sem alterá -la. Uma voz/corpo carregados de sentido
cuidadosamente distribuído e racionado, centralizados no "eu" e na
subjetividade que pensa ser causa de tudo, narcisicamente, não poderão parir
algo além de suas expectativas binárias: voz -grito  voz-fala. Exemplo dessa
superação são os belíssimos "Mirologhi I e II" 6 e "Criptomelodie Infantile" 7 -
performances de Demetrio Stratos, nas quais percebemos a voz -pharmakos, a
voz veneno-remédio, uma voz de fábula, a voz de cordeiro e do lobo se
fundindo e, ao mesmo tempo, se individuando, devindo e excitando, o valor
bruto do som produzido pelo corpo, prestes a se transformar em música.
"Cantar a voz" não possui uma outra função senão ser um fluxo que se
combina com outros fluxos. Um fluxo intenso, instantâneo e mutante entre a
criação e a destruição, fazendo com que nos despersonalizemos e possamos
atingir o coração e o corpo do outro. A voz que se torna uma ponte para a
superação dos valores que herdamos, mesmo no campo artístico.
Segundo Daniel Charles, este mesmo "cantar a voz" de Stratos reenvia -
nos ao Tantrismo 8 , uma liturgia cósmica. É conceber o mundo exist ente "como
um parto contínuo a partir do Yoni do princípio feminino, perpetuamente
fecundado no êxtase sexual pelo sêmem masculino". Uniões em diversos
êxtases temporais que conduzem a uma iluminação. Demetrio Stratos e sua

5 "Demetrio Stratos e l'avanguardia dell' inquietante", Gigliola Nocera, Milano, 1989. Intervento al Convegno "Cantare la Voce", Milano,
29/30 Maggio, 1989
6
"Metrodora", 1976. Cramps Records, Italia
7
"Cantare la Voce", 1978. Cramps Records, Italia.
8
"Omaggio a Demetrio Stratos", Daniel Charles. Milano, 1989. Intervento all Convegno Cantare la Voce, Milano, 29/30
Maggio, 1989.
voz/corpo participam dos eventos simultâneos da criação, da formação dos
magmas ainda incompletos, a voz da criança, selvagem, doce, virgem,
natural.

- BOX -

Quem é Demetrio Stratos?

Nascido em 22 de abril de 1945, em Alexandria (Egito), filho de pais gregos,


durante a infância Dem etrio Stratos freqüenta escolas de língua inglesa,
conversa em árabe com os amigos e fala o grego em casa. Transita livremente
pelas comunidades e se influencia pela rica diversidade das culturas
mediterrâneas. Aprende piano e acordeon. Em 1957, parte para a Grécia onde
vai concluir seus estudos e em 1962 se transfere para a Itália, a fim de
estudar arquitetura no Politécnico de Milão. Em 1967, junta -se ao grupo de
rock I Ribelli como tecladista e cantor, chegando a ficar famoso pela
interpretação de “Pugni Chiusi”, canção-símbolo da juventude na segunda
metade dos anos 60.
Em 1970, começa a dedicar -se à pesquisa musical e vocal, motivado pela
observação da "fase de balbucio" de sua filha Anastassia. Stratos percebe
que "a criança perde o som para organizar a palavra". Esta observação será
fundamental para a sua futura poética. Em 1972, junto com Giulio Capiozzo
(bateria), funda o Grupo Area, um dos grupos mais importantes de toda a
história do rock italiano. Em 1974, Stratos trava contato com John Cage,
trabalhando também com Juan Hidalgo, W alter Marchetti e Gianni -Emilio
Simonetti. Em 1975, interessa -se por musicologia comparada, estuda os
problemas da vocalidade étnica com particular atenção às técnicas orientais.
1976, é lançado Metrodora, primeiro traba lho de Stratos como solista,
resultado de suas pesquisas sobre a voz. Nesse mesmo ano entra em contato
com o Laboratório de Acústica da Universidade de Paris VI (Faculdade de
Ciências); e colabora com o médico Dr. Franco Ferrero do Centro di Studio
per le Ricerche di Fonetica junto ao C.N.R. de Padova. Stratos busca bases
científicas e põe a prova sua capacidade vocal, registrando suas diplofonias,
triplofonias e quadrifonias. Os resultados das análises do material fônico
recolhido serão objeto de duas publ icações científicas.
Em 1977, Stratos interessa -se por psicanálise e desenvolve uma pesquisa
sobre a relação entre linguagem e psique. Realiza também cursos e
seminários em escolas, formulando uma pedagogia da voz. No ano de 1978
realiza um concerto no Mu seu de Arte Moderna de Paris, organizado pelo
Atelier de Création Radiophonique na programação da X Bienal Internacional
de jovens artistas "musiche di un' esposizione" de Daniel Caux, representando
a Grécia. A convite de John Cage, participa de "Events", espetáculo de Merce
Cunningham & Dance Company no Roundabout Theatre de Nova York. Como
solista, Stratos prossegue o trabalho e no mesmo ano realiza o novo disco,
Cantare la Voce.
Em 1979, num ciclo de debates no Conservatório de Milão, Stratos expõe os
seus estudos de etnomusicologia e de semiologia da música contemporânea,
e ilustra os diversos aspectos da sua vocalidade. As suas idéias ainda estão
em evolução, mas suas pesquisas e seu trabalho vão ganhando maior volume
e densidade, sendo consideradas d e enorme originalidade. Artistas e médicos
foniatras são unânimes em reconhecer que Stratos é, de fato, um fenômeno
vocal excepcional.
Em 2 de abril é hospitalizado no Policlinico de Milão e em seguida é
transferido ao Memorial Hospital de Nova York onde morre na manhã de 13 de
junho, vítima de aplasia medular com 34 anos há pouco completados. O
concerto organizado para o dia 14 de junho no Arena de Milão visando
arrecadar fundos para o tratamento de Stratos no Hospital em Nova York se
transforma em uma grande homenagem coletiva ao artista: a primeira e maior
reunião espontânea de jovens na história da Itália. Participaram
aproximadamente 100 músicos e estima -se cerca de 60.000 espectadores.

*Janete El Haouli fez Mestrado em Ciências da Comunicação pela


ECA-USP (1993), Doutorado em Artes/Rádio pela ECA -USP (2000)
e Pós-Doutorado em Artes/Rádio. Professora do Departamento de
Música e Teatro na Universidade Estadual de Londrina. Criou e
coordenou o Núcleo de Estudos de Música e Contemporaneidade
da UEL de 1994 a 2008 e produziu o programa Música Nova - rádio
para ouvidos pensantes, transmitido semanalmente pela Rádio
Universidade FM de Londrina, de 1991 a 2005. Apresentou sua
pesquisa sobre a voz de Demetrio Stratos no Brasil, Canadá,
França, Itália, Alemanha , Mexico, Uruguai, Portugal; realiza
trabalhos de pesquisa e de criação sobre a escuta de paisagens
sonoras fora e dentro da esfera do Rádio. Desenvolveu projetos de
Rádio para a W DR de Colonia, DeustschalandRadio de Berlin e
YLE - Radio Atelier de Helsink i, Finlândia.
É autora do livro -CD “Demetrio Stratos: alla ricerca della voce -
musica” lançado pela Auditorium Edizioni Milano, Itália em
setembro de 1999, no Brasil em 2003 e no Mexico em 2006.

[ Texto publicado na Revista Pesquisa e Música. Volume 5, Número 1,


Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro, 2000 ]

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