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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

MEDICINA LEGAL
Prof. Doutor Francisco Corte-Real
Eduardo Figueiredo
2016/2017
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 1: Introdução

1.1. Apontamento Histórico

A medicina legal portuguesa tem cerca de 100 anos, tendo surgido aquando da criação, por
via da Carta de Lei de 1899, das morgues e dos conselhos médico-legais que realizavam exames
neste âmbito (Hoje só há um e tem outra função, ainda que tenham tido funções importantes
durante muitos anos. Existiam em Lisboa, Porto e Coimbra e eram presididos pelos professores de
medicina legal.)
O Decreto de 1900 (Instruções) ainda está, de certo modo, em vigor. Contemplava normas
de imparcialidade e independência para o perito médico-legal. As perícias médico-legais tendem a
ser realizadas de maneira independente - uma independência técnico científica, eliminando
qualquer pressão para que os relatórios sejam realizados de alguma ou outra maneira, ainda que se
possam realizar pressões para garantir a celeridade dos relatórios - e imparcial.
As perícias podem ser realizadas também de maneira particular, por exemplo, ao nível das
companhias de seguro em casos de acidente de viação ou de trabalho, entre outras perícias
realizadas por médicos particulares. Tanto num lado como no outro, há entidades que pagam o
exame, sendo bastante importante que se mantenha a independência e a imparcialidade,
independentemente de quem paga a perícia.
Este documento também contemplava regras de objectividade - um perito médico-legal só
pode concluir aquilo que objectivamente conseguir comprovar. Nem sempre a objectividade é
possível (p.e. Casos de violação, mas tal não significa que não tenha existido uma violação, mas
apenas que objectivamente não há provas que permitam comprovar esse abuso sexual, ao nível
médico legal). Para garantir a objectividade, existe nos relatórios médico legais uma parte de
descrição objectiva dos registos médicos, distinguindo estas notas de tudo aquilo que foi contado
pelo examinado.
Em 1918, o Decreto 5023 criou os IML's, os conselhos médico-legais (que passaram a ter
funções de revisão de relatórios) e foi criado o curso superior de medicina legal, assim como os
peritos comarcãos - ainda existem em alguns locais, especialmente onde não existem gabinetes
médico-legais.
Em 1998, o Diploma 11/98 veio abrir prestação de serviços aos particulares, permitindo que
qualquer particular possa pedir uma perícia médico-legal. A título particular, são mais pedidos os
exames de avaliação de dano corporal em direito civil; investigações de paternidade (Embora não
exista nenhuma lei que identifique quando devem ser feitos os exames de investigação de
paternidade - sem acordo e consentimento de pai e mãe, o IML não faz a investigação a título
privado e defende que deve haver recurso ao tribunal) --> E isto porque muitas vezes os
particulares recorrem a laboratórios privados porque a lei não o impede (A Sociedade Portuguesa
de Genética Humana considera que devem ser feito os exames antes dos dois anos ou na
maioridade). Este diploma também serviu para definir os Gabinetes Médico Legais (eram 30,
inicialmente, mas hoje são 31).
No ano 2000, foi criado o INML (Dec Lei 146/2000, de 18 de Julho) que veio uniformizar
algumas questões até aí dúbias. (p.e. Nunca deve o perito determinar se há ou não intenção de
matar por parte do réu, mas deve ser o magistrado a decidir isso.) Permitiu organizar as
metodologias, recursos, etc...
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1.2. Organização Médico Legal


1.2.1. Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF)
Foi criado pela lei orgância do Ministério da Justiça (DL nº 146/2000, de 18 de Julho). Há
um único INMLCF com sede em Coimbra e delegações em Lisboa, Porto e Coimbra e uma rede de
27 gabinetes médico legais e forenses a funcionar em hospitais por via de um protocolo genérico de
colaboração entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde. Estes gabinetes pertencem ao
INMLCF, apesar de funcionarem nos hospitais, mas quem designa a coordenação do gabinete,
quem distribui as perícias, etc... é o INMLCF, sendo, por sua vez, pagas as despesas necessárias aos
hospitais.
As atribuições do instituto são:
1) Cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm no sistema de
administração da justiça, realizando os exames e perícias médico-legais e forenses.
2) Prestar serviços a entidades públicas e privadas, bem como aos particulares.
No âmbito da sua missão e atribuições o INMLCF, I.P. tem a natureza de laboratório de
Estado e é considerado instituição nacional de referência

Órgãos do INMLCF, I.P.:


- Conselho directivo
- Conselho médico-legal
- Comissão de ética
- Fiscal único

1.2.2 Conselho médico-legal


A consulta técnico-científica pode ser solicitada: (1) pelo membro do Governo responsável
pela Justiça; (2) pelo Conselho Superior da Magistratura; (3) pela Procuradoria-Geral da República;
(4) pelo Presidente do conselho directivo do INMLCF, IP.
Este organismo é composto pelo presidente do conselho directivo do INMLCF, I.P.; vice-
presidente e vogais; Um representante dos conselhos regionais disciplinares de cada uma das
secções regionais da Ordem dos Médicos; Dois docentes de clínica cirúrgica, clínica médica,
obstetrícia e ginecologia e direito; E um docente de anatomia patológica, ética e ou direito médico,
ortopedia e traumatologia, neurologia ou neurocirurgia e psiquiatria.
É o órgão máximo da medicina legal portuguesa que dá pareceres de natureza médico-
científica, sendo formado por especialistas em diversas áreas médicas e professores de direito. Este é
um órgão com especialistas muito reputados que podem ver solicitados pareceres de alegada
divergência médica.
As suas funções são: exercer funções de consultadoria técnico-científica, emitir pareceres
sobre questões técnicas e científicas, etc…

1.2.3. Serviços técnicos


Os serviços técnicos das delegações do INMLCF, I.P. são:
1) Três serviços de Clínica (no âmbito do direito civil,, penal e do trabalho) e Patologia
Forenses (A anatomia patológica forense refere-se a exames de microscópio.)
2) Química e Toxicologia Forenses  Baseia-se na realização de exames complementares
tanto em vivos, como em mortos, desde que se tratem de perícias e exames laboratoriais
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químicos e toxicológicos. Os exames complementares das ilhas são feitos em Coimbra, assim
como todos os da região centro; os do Norte, no Porto; os do Sul, em Lisboa.
3) Genética e Biologia Forenses  Trata-se da realização de perícias e exames de identificação
genética, nomeadamente os de investigação biológica de parentesco, de identificação
individual, de criminalística biológica - podem ser realizados num laboratório do
departamento de policia cientifica da policia judiciária, existindo um gentlemen's agreement
que determina que quem colhe a amostra de problema é que realiza o exame, excepto
indicação em contrário. Localizados em Porto, Coimbra e Lisboa.
4) Tecnologias Forenses e Criminalística
5) Psiquiatria Forense  De acordo com o Dec.-Lei nº 326/86, de 29 de Setembro, os exames
médico-legais do foro psiquiátrico a que houver de proceder-se nos termos da lei do
processo penal deverão ser solicitados ao IML da circunscrição médico-legal respectiva, que
os distribuirá pelas instituições psiquiátricas, aos quais cabe a realização destes exames. O
critério distributivo dos exames periciais a ponderar é o de seis exames por perito/ano.

1.2.4. Gabinetes médico-legais


Aos gabinetes Médico-Legais e Forenses, compete a realização das autópsias, antropologia
forense, identificação de cadáveres e embalsamamentos; a realização de exames e perícias em
pessoas no âmbito do direito penal, civil e do trabalho; a colheita de amostras para exames
complementares; a realização de pericias de psicologia e psiquiatria forense.
Quando foram instalados, uma das críticas que foi feira tinha a ver com o facto de que as
pessoas passaram a ter de se deslocar dos hospitais mais centrais para a realização destes exames.
Porém, a verdade é que estas passam a ter condições mais condignas e apropriadas.
Para fazer frente ás despesas de deslocação, decidiu-se que as pessoas que residam fora da
área da comarca em que se encontre sediada a delegação do Instituto, o gabinete médico-legal ou o
estabelecimento universitário ou de saúde especializado no qual tenham comparecido para a
realização de exames, podem requerer que lhes seja arbitrada uma quantia a título de compensação
pelas despesas realizadas. Quantia essa paga pelo Cofre Geral dos Tribunais através da sua
delegação junto do tribunal que solicitou o exame. As quantias arbitradas são consideradas custas
do processo.

1.3. Perícias Médico Legais

As perícias médico-legais são realizadas obrigatoriamente nas delegações e gabinetes


médico-legais do INMLCF. Excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade de serviços, as
perícias poderão ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou
indicadas para o efeito pelo Instituto. Deverão os magistrados cumprir esta norma na solicitação de
perícias médico-legais. Quando não existir um especialista em determinada área, tem o instituto a
obrigação de arranjar solução.
Para exames complementares, o Instituto pode celebrar protocolos com instituições públicas
ou privadas ou celebrar contratos com médicos ou outros técnicos, com vista à realização de exames
periciais complementares e de diagnóstico.
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No que toca à sua requisição, as perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária
ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo,
todavia, aplicáveis às efectuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais as
disposições contidas nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal. A requisição é realizada
pelo Instituto e não pelo magistrado. Por questões de celeridade processual, deve ser feita com toda
a informação clinica disponível ou que possa vir a ser obtida pela entidade requisitante até à data
da sua realização, já que o médico tem que verificar se a informação clinica é ou não compatível
com o quem está a observar no examinado.

Há ainda que ter em consideração que no exercício das suas funções periciais, os médicos e
outros técnicos têm acesso à informação relevante, nomeadamente à constante dos autos, a qual lhes
deve ser facultada em tempo útil. Sendo assim, o presidente do Instituto, os directores das
delegações, os directores dos serviços técnicos ou os coordenadores dos gabinetes médico-legais
podem solicitar informações clínicas directamente aos serviços clínicos hospitalares, serviços
clínicos de companhias seguradoras ou outras entidades públicas ou privadas, que as devem
prestar no prazo máximo de 30 dias. Apesar de que a lei permita que as informações clínicas sejam
solicitadas aos hospitais, devendo estes remete-las no prazo de 30 dias, a verdade é que nem sempre
as remetem em prazo. Nestes casos, o Instituto pode pedir aos magistrados que exijam a aquele
hospital ou companhia de seguros que envie essas informações ao tribunal para que as envie ao
IML, já que o tribunal pode aplicar multas em caso de incumprimento.

Denúncia de crimes
As delegações e os gabinetes médico-legais do Instituto podem receber denúncias de crimes
devendo remetê-las no mais curto prazo ao Ministério Público.
Sempre que tal se mostre necessário para a boa execução das perícias médico-legais, as
delegações e os gabinetes médico-legais do Instituto podem praticar os actos cautelares necessários
e urgentes para assegurar os meios de prova, procedendo, nomeadamente, ao exame, colheita e
preservação dos vestígios, sem prejuízo das competências legais da autoridade policial à qual
competir a investigação. Podem existir colheitas, mesmo sem denúncias.

Responsabilidade pelas perícias


No exercício das suas funções periciais, os médicos e outros técnicos especialistas em
medicina legal, os médicos contratados para o exercício dessas funções, os médicos dos serviços de
saúde gozam de autonomia e são responsáveis pelas perícias, relatórios e pareceres por si
efectuados. Os peritos encontram-se obrigados a respeitar as normas, modelos e metodologias
periciais em vigor no Instituto, bem como as recomendações decorrentes da supervisão técnico-
científica dos serviços.
Há um certo conflito entre a autonomia técnico-científica (todos os médicos gozam dela,
sendo cada um responsável pelas perícias que realiza e conclusões a que chega. Uma conclusão não
vincula a instituição, mas o perito médico.) e esta ideia de responsabilidade (Obrigação de seguir as
normas e modelos em vigor no Instituto.).
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Obrigatoriedade de sujeição a exames


Ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se
mostre necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo é desde que ordenado pela
autoridade judiciária competente, nos termos da lei. A autoridade judiciária competente pode
assistir à realização de exames periciais.
Há doutrina que entende que esta obrigatoriedade vai contra o Código deontológico dos
médicos e o juramento de Hipócrates, que juraram não fazer exames contra a vontade da pessoa – o
Doutor Francisco Corte-Real não aceita esta obrigatoriedade caso o método utilizado acarrete riscos
para a saúde da pessoa; caso não acarrete esses riscos, deve ser utilizada a força para a realização
dos exames.
Perante uma situação destas, tem o médico duas opções: perguntar à ordem os médicos o
que fazer ou pedir ao tribunal superior que se pronuncie sobre a recusa. Perante este caso, novas
questões surgem: de quem é a responsabilidade dos riscos que acarretam as perícias médico-legais
quando pedidas pelos tribunais? Será do médico ou do magistrado? São questões que ainda estão a
ser vastamente discutidas pela doutrina e ainda não dispõem de um consenso.

Custos dos exames e perícias


Os exames e perícias realizados nos estabelecimentos são pagos directamente a estes pelos
tribunais de acordo com os valores fixados por portaria do Ministro da Justiça ou com as tabelas em
vigor no Serviço Nacional de Saúde. Nos casos previstos, poderá uma parte da quantia paga pelos
tribunais ao serviço de saúde reverter, até um máximo de 50%, para os médicos ou técnicos que os
tenham efectuado.
Pela realização dos exames e perícias requisitados aos serviços do Instituto ou por este
deferidas às entidades são pagas ao Instituto as quantias estabelecidas em tabela aprovada por
portaria do Ministro da Justiça. As quantias são consideradas custas do processo ainda que haja
lugar ao arquivamento deste.

Esclarecimentos complementares
Na prestação de esclarecimentos complementares posteriores à realização da perícia e envio
do respectivo relatório médico-legal deverá prescindir-se, sempre que possível, da presença do
perito, devendo a autoridade judicial que a solicita usar os meios técnicos processualmente
previstos, como a videoconferência.

Destino dos produtos examinados


A amostra fica depositada no serviço médico-legal durante o período de dois anos, após o
qual o serviço médico-legal pode proceder à sua destruição, salvo se, entretanto, o tribunal tiver
comunicado determinação em contrário.
Por outras palavras, as amostras devem ser guardadas por um prazo de 2 anos e, se o
tribunal nada indicar em contrário, pode o Instituto destrui-las. (Antes desta opção legislativa, o
tribunal tinha de dar permissão para a sua destruição o que gerou problemas ao nível do
armazenamento de amostras)
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Tema 2: Genética Forense

2.1. Definição do ramo


A Genética Forense é a única das ciências forenses que consegue quantificar a força do seu
resultado. Tal pode comportar algumas desvantagens, como o facto de os magistrados se
apercebem de que não se chega a 100% de certezas, existindo sempre uma margem de dúvida,
ainda que mínima. E isto porque é quem recebe o relatório que interpreta o seu resultado (ou seja,
os magistrados), sendo as ciências forenses um auxiliador das suas tarefas decisórias.

A genética forense divide-se em três grandes áreas:


1) Investigações de parentesco – sejam de paternidade ou maternidade. O laboratório
limita-se a responder à pergunta que está a ser feita pelo magistrado, devendo este identificar quais
sujeitos devem ser averiguados. Devem estes identificar especialmente o que se pretende em cada
caso.
2) Criminalística biológica
3) Identificação genética individual

2.2. Uma introdução ao domínio da genética

À partida, todas as nossas células têm a mesma


composição genética: são compostas por 22 pares de
autossomas e 1 par de cromossoma sexuais (XX ou XY)
– é aqui que se encontra o ADN cromossomático.
Os cromossomas encontram-se no núcleo das
células. Fora desse núcleo, temos o citoplasma, onde se
encontra o chamado ADN mitocondrial.
O que interessa à genética forense é estudar as
diferenças entre as pessoas. Os marcadores genéticos têm determinado características:
1) A sua expressão genética está regulada, em geral, por um único locus. As características
de cada pessoa encontram-se num determinado ponto e, por isso, devemos ir estudar essa região,
embora cada uma delas tenha variáveis. Devemos estudar uma determinada região para saber
quais as variáveis daquele marcador.
2) São independentes das condições ambientais.
3) Estão presentes desde antes do nascimento. Por isso se podem fazer investigações de
paternidade mesmo antes do nascimento da criança.
4) Apresentam polimorfismo, isto é, têm muitas variáveis e estão bem distribuídas. Um
bom polimorfismo é aquele que tem 12 ou mais alelos (ou variáveis). É mais fácil a realização dos
estudos de genética forense quando o polimorfismo é bom.
5) É invariável durante toda a vida, apesar de alguns estudos indicarem que pode haver
variação em certas células.

Marcadores clássicos:
1) Enzimas eritrocitárias
2) Enzimas leucocitárias
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3) Proteínas plasmáticas
4) Antigénios eritrocitários
5) Antigénios leucocitários

Podemos descrever as várias etapas técnicas no âmbito do desenvolvimento histórico da


genética forense:
1900 – 1950: grupos sanguíneos e antigénios eritrocitários (baseava-se nas reacções
antigénio/anticorpo ou inibição da aglutinação.)
1947 – 1963: grupos séricos e plasmáticos (utilização de técnicas de separação em géis,
imunoelectroforese e técnicas de tinção)
1965 – 1980: polimorfismos enzimáticos (utilização de técnicas de isoeletrofocalização,
gradiente de pH e sistemas de revelação)
1985 – Actualidade: polimorfismos de ADN (utilização de sondas unilocus e multilocus e
PCR). Quanto aos polimorfismos de ADN, Jeffreys, em 1985, descreveu um método de identificação
baseado nas características genéticas de denominou “DNA fingerprinting”. Nesse mesmo ano foi
aceite a prova pericial com base em polimorfismos de ADN num caso de investigação de
paternidade. Em 1986, a utilização dessa prova estendeu-se ao processo penal.

No núcleo das células de um filho, existe metade da


constituição genética da mãe e metade do pai. Quando ocorre a
fecundação, o espermatozóide junta-se ao núcleo do óvulo,
sendo que é a mãe a atribuir o ADN mitocondrial (que está no
citoplasma e não no núcleo das células). Assim, se realizarmos
um estudo com base no ADN mitocondrial, podemos realizar
uma investigação de paternidade? Não, porque o pai não
transmite ADN mitocondrial, mas apenas a mãe.

Com o cabelo arrancado (que inclui a sua raiz) pode fazer-se uma investigação de
paternidade. Mas uma haste de cabelo cortado não permite que se realize tal investigação, porque
uma haste de cabelo (sem raiz) só tem ADN mitocondrial, isto é, ADN da mãe, não servindo, pois,
para a realização de testes de paternidade.

Quando se estuda uma pessoa com base nos cromossomas não sexuais, só podemos saber
quais cromossomas vêm do pai ou da mãe, se os compararmos com os dele, já que os únicos
cromossomas onde existe certeza da sua origem são o cromossoma sexual Y (que vem sempre do
pai) e o cromossoma X (que vem sempre da mãe). Sendo assim, quando vou estudar um
determinado marcador, vou encontrar duas variáveis: uma do pai e outra da mãe. Depois tenho de
compara-las com o pai e com a mãe para saber qual vem dum e do outro.

Noções Básicas
Gene: é a unidade básica responsável por uma
característica e que se transmite hereditariamente.
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Locus: é a porção básica que um gene ocupa num cromossoma. É a localização de um


marcador genético.
Alelo: é a variável que as pessoas têm naquele marcador genético.

Homozigoto: apresenta dois alelos Heterozigoto: apresenta dois alelos


idênticos neste locus. diferentes neste locus.

Polimorfismos de ADN

Polimorfismos de sequência: O alelo 1 tem uma


variação na sequência relativamente ao alelo 2. Ou seja,
a sequência das bases é diferente de um para o outro.

Polimorfismos de comprimento: O alelo 1 é


diferente do 2, porque é mais comprido.

Polymerase Chain Reaction (PCR)


Permite duplicar sucessivamente a nossa cadeia de ADN, permitindo duplicar as cópias
para mais estudos. Realiza-se da seguinte forma: separar a cadeia de ADN, acoplar os indicadores e
fazer a extensão. Assim, não é pelo facto que exista uma quantidade ínfima de amostra que tal é
impeditivo para se realizar uma investigação de genética forense.

Polimorfismos de ADN
Temos o ADN codificante, responsável pelo funcionamento do nosso corpo e pelas nossas
características. Os erros no ADN codificante podem conduzir a abortos espontâneos, etc...
Temos também o ADN não codificante que é um ADN que pode acumular erros ao longo
de gerações e gerações e tal não tem consequências (corresponde a grande parte do seu genoma). O
ADN não codificante é diferente em todos nós, sendo aquele que mais interessa à genética forense.
Por tal razão, a genética forense não consegue distinguir irmãos gémeos verdadeiros, porque
partilham do mesmo ADN não codificante, embora seja possível se se encontrar uma mutação
genética, que pode verificar-se posteriormente.
Dentro deste temos o ADN repetitivo em tandem, que é
aquele em que um conjunto de bases se vai repetindo. O mais
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utilizado são os microssatélites que têm entre 1 a 6 bases. Podemos ainda reconhecer a existência de
minissatélites.

Como é que designamos os alelos? Pelo número de unidades


repetitivas que neles encontramos.
A electroforese é a técnica utilizada para a análise do ADN
que apresenta uma carga essencialmente constante por unidade de
massa. Estas moléculas podem, assim, ser separadas em géis de
agarose ou de poliacrilamida, em função do seu tamanho ou
conformação espacial.

2.3. Investigações de parentesco

Tanto a maternidade como a paternidade são factos biológicos que carecem de vínculo
jurídico. Contudo, estes dois factos biológicos têm um modo diferente de se provados. No caso da
mãe, a filiação resulta do facto do nascimento, enquanto para o pai não se pode provar o seu
envolvimento biológico, como se prova a maternidade. Aplica-se, pois, uma presunção (art. 1826º
CC).
A investigação biológica da paternidade é realizada aquando das reclamações de
paternidade e das impugnações de paternidade. Apesar das várias soluções previstas no CC para
determinação da paternidade, os exames de sangue têm uma função importantíssima. Refere um
Acórdão do STJ (1991) que “os exames de sangue não constituem uma presunção da paternidade,
pois tendem à prova directa da paternidade biológica”.

Prova de Paternidade
O objectivo da investigação de paternidade é o de determinar se o pretenso pai em questão é
ou não excluído da paternidade do investigante. Com esse fim, estudam-se os vários marcadores
genéticos (STR’S) que conferem uma individualidade biológica determinada pelo perfil genético
dos intervenientes no processo.

Exclusão ou incompatibilidade (deve ser sempre o tribunal a excluir a paternidade já que as


provas na área forense são apenas um auxiliar a uma conclusão a retirar pelo tribunal):

Exclusão de 1ª ordem ou baseada na 1ª regra de Landsteiner


 Consiste no aparecimento no filho de um alelo novo que não existe
nem na mãe nem no pretenso pai. Hipóteses explicativas: ele não é o
pai; ele pode ser o pai, mas é possível esta exclusão porque pode ter
havido uma mutação na formação do espermatozóide. (é bastante raro
que tal aconteça).
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Exclusão de 2ª ordem ou baseada na 2ª regra de Landsteiner


 Consiste na não transmissão do pai para o filho de um alelo que
deveria obrigatoriamente transmitir. Hipóteses explicativas: ele não é
o pai; ele pode ser o pai e ser possível esta exclusão, porque pode ter
havido uma transmissão de um alelo silencioso, isto é, de um alelo que
está lá mas não se consegue identificar. Isto pode acontecer quando se
fazem investigações de paternidade em material degradado (p.e. ossadas). O ADN diz-se
degradado quando a cadeia de ADN está partida. É mais provável a degradação de alelos grandes,
devendo, em material degradado ser procurado o alelo mais pequeno para a realização do estudo.

Ora:
1) Quando há apenas uma exclusão de 1ª ordem ou até duas exclusões de 2ª ordem,
será calculada a probabilidade de paternidade sem ter em conta os marcadores em que se
verifica a exclusão.
2) Se o número de exclusões for superior ao previsto no 1), considera-se provada a
exclusão.
3) Se não há nenhuma exclusão, avança-se para o cálculo da probabilidade de
paternidade = Inclusão

Hoje em dia é consensualmente aceite que devemos ter mais de 2 exclusões de 1ª ordem para
excluir a paternidade. E isto porque, quando trabalhamos com marcadores genéticos, a taxa de
mutação é de 1/1000. (E isto apesar de que são mais polimórficos.) Há também que ter em conta
que nos marcadores clássicos, a taxa de mutação é inferior.

NOTA: Quando há poucas exclusões e a taxa de probabilidade da paternidade é muito


elevada o que pode acontecer é o pai não ser o sujeito, mas o seu irmão ou familiar próximo. Nestes
casos, o médico diz ao tribunal que será alguém próximo ao sujeito que foi analisado.

A probabilidade de paternidade calcula-se com base no Teorema de Bayes, que é um


teorema de probabilidade condicionada. Trata-se de saber que probabilidade tem o pretenso pai de
ser o verdadeiro pai (X), quando comparado, ao acaso, com outro homem da população de
referência, ou seja, com a probabilidade de que outro homem da população seja o verdadeiro pai
(Y).

A probabilidade de paternidade pode ser expressa em termos (Equação de Essen Moller)


ou como índice de paternidade e será sempre acompanhada pela respetiva tradução verbal de
Hummel. Exemplo:
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Podemos retirar a seguinte conclusão: quanto mais baixo for o denominador, o valor final
aumenta, ou seja, quanto mais raro for o alelo transmitido pelo pai na população, mais alta é a
probabilidade de paternidade.
A escala de Hummel já não é usada e tem apenas valor de orientação para o magistrado. Um
bom laboratório deve pelo menos atingir 99.99% de probabilidades. Não deve o magistrado receber
nenhum relatório de paternidade que não atinja 99.99%.
Quanto marcadores têm de ser estudados para atingir esse valor? Isso depende das
circunstâncias e se os alelos são muito ou pouco frequentes na população.
Há duas razões pelas quais um bom laboratório pode não conseguir atingir esse valor de
99,99% de probabilidade: por exemplo, quando o pai e o filho já morreram e o material está
degradado e só se conseguem estudar 5 ou 6 marcadores mais pequenos, sendo natural que a
probabilidade seja baixa; o pretenso pai está desaparecido e utilizam-se familiares afastados, já que
quanto mais afastado, mais baixa a probabilidade.

Procedimento para a realização de provas de investigação da paternidade:


1) O Instituto marca uma determinada data em que devem comparecer o pretenso pai, a
mãe e o filho;
2) São identificados os indivíduos presentes a exame e obtém-se o seu consentimento por
escrito para a realização da perícia.
3) Faz-se uma pequena colheita a cada um;
4) Evita-se a contaminação das amostras, garante-se a sua identificação correcta e mantém-
se a cadeia de custódia.
5) O laboratório faz as diversas análises dos antigénios eritrocitários, enzimas, proteínas e
ADN;
6) Envio do relatório.

As amostras que podem ser utilizadas são variadas: por exemplo, em caso do pretenso pai
estar falecido, podem utilizar-se restos cadavéricos; se o pretenso pai está ausente, podem ser
utilizadas amostras sanguíneas dos familiares; em casos de violação, amostras intra-uterinas.

Equilibrio Hardy- Wienberg

O equilíbrio de Hardy-Weinberg é a base da genética de populações. Este princípio


estabalece a constância das frequências dos alelos e dos genótipos, geração após geração, siob
determiandos pressupostos e permite, no caso particular da genética forense, assumir a
independência estatística usada nos cálculos com perfis genéticos, nomeadamente quandoe xiste
uma coincidência de perfis.
Afirma que, em uma população mendeliana, dentro de determinadas condições e sempre
que não se verifiquem factores de mutação, as frequências alélicas permanecerão constantes ao
passar das gerações. Independentemente de um gene ser raro ou frequente, sua frequência
permanecerá a mesma com relação aos outros desde que essas condições sejam mantidas.
Por pura intuição poder-se-ia supor que alelos raros se tornariam cada vez mais raros e que
alelos frequentes aumentassem cada vez mais sua frequência, simplesmente por já serem raros ou
comuns, mas o princípio de Hardy-Weinberg demonstra matematicamente que isso não ocorre.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Podemos também afirmar que numa população de grande tamanho, quando entra um
individuo, não produz efeitos muito significativos, mas já os produz se a população for pequena.

2.4. Criminalística Biológica.

De acordo com VILLANUEVA CAÑADAS, é a ciência que estuda os indícios deixados no


local do delito, graças aos quais é possível estabelecer, nos casos mais favoráveis, a identidade do
criminoso e as circunstâncias que concorreram para o referido delito. O seu interesse reside no facto
de se procurar vestígios anatómicos, biológicos ou humorais que permitam estabelecer a identidade
do autor do crime, sendo que a criminalística biológica só se ocupa dos de natureza estritamente
biológica. A identificação genética destas amostras é feita através do estudo do DNA. Para se
realizar este estudo é preciso qualquer mancha ou produto que contenha material genético.
A análise dos resultados incide sobre a comparação do perfil genético das amostras
biológicas relacionadas com o delito (amostras problema) com os perfis genéticos da vítima e do
suspeito (amostras de referência). A existência de concordância entre o perfil da amostra biológica
relacionada com o delito e o perfil genético do suspeito é fortemente indicativa de que este foi o seu
dador. Nestes casos faz-se uma valorização dos resultados através de determinação da Likelihood
Ratio (LR).

Os tipos de vestígios mais frequentes são:


1) Manchas de sangue
2) Manchas de esperma
3) Pêlos
4) Saliva
5) Células epiletais
6) Dentes
7) Em casos de cadáveres em putrefacção, utilizamos essencialmente músculo, próstata/útero,
dentes, pêlos e cabelos e ossos longos.

Estas podem encontrar-se em suportes porosos e absorventes existentes no local do crime, ou


em suportes não porosos. As amostras que não sejam susceptíveis, por seu tamanho ou dimensão,
de ser enviadas para os serviços, devem ser transferidas do suporte original para uma zaragatoa
humedecida com água ultrapura, sendo a extracção do DNA realizada a partir daí.
As amostras podem ser colhidas no corpo da vítima, do suspeito e/ou do local do crime. São
aconselhados sempre procedimentos que mantenham a autenticidade e integridade da amostra, a
fim de terem valor probatório em sede de julgamento. É, mais uma vez, fundamental, manter a
cadeia de custódia, que é o processo usado para documentar o seu trajecto cronológico, a fim de ser
atestada e acautelada a sua autenticidade em processos judiciais. O envio das amostras deve ser
realizado o mais rápido possível.
Em particular, como devem ser feitas as colheitas?
1) Roupas (inspeccionar, fotografar, proteger as áreas manchadas, secar as manchas,
iluminar com luz ultravioleta ou a laser, retirar as peças ou recortar, separar as peças,
introduzir em invólucros de papel.)
2) Cabeça (colheitas a nível de boca/ dentes)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

3) Mordeduras
4) Mãos (protecção de vestígios)
5) Períneo (penteado da região púbica; colheita de pêlos para comparação; colheitas vaginais
e anais).

Nos casos de colheitas em manchas devemos:


1) Fotografar a mancha (e marcar a sua localização); É o perito que extrai a mancha;
2) Mandar a peça inteira – no caso de não ser possível, se for absorvente, utilizamos algodão
com água destilada; se não for absorvente, devemos raspar com um bisturi.
3) Devemos usar luvas descartáveis
4) Deixar secar as peças húmidas
5) A embalagem deve ser fechada e nunca de plástico. Devem ser mantidas a baixa
temperatura.

Nos casos de colheita nos genitais femininos a colheita pode ser feita a vários níveis: genitais
externos, vulva, vagina, fundos de saco, exocolo, endocolo. Devemos utilizar zaragatoas, secar ao ar
a colheita, colocar em recipientes separados e enviar ao laboratório. Se necessário guardar a 4ºC ou
-20ºC.
Erros a evitar pelas vítimas em caso de agressão sexual: destruir peças de roupa, lavar peças de
roupa, tomar banho, atrasar a observação médica. O sémen na cavidade bocal ou vaginal conserva-
se durante algumas horas, sendo que as manchas de sangue e esperma podem conservar-se durante
anos.

Valorização da prova em criminalística


As perícias no âmbito da criminalística biológica tendem a ter como objectivo a identificação
do autor do crime. Esta identificação é feita pelos órgãos de investigação criminal que solicitam
perícias aos laboratórios forenses, no sentido de os coadjuvarem na descoberta da verdade. Na
criminalística, a valorização da prova exige uma total coincidência entre o suspeito e a colheita
realizada e analisada. Ou seja, o material tem que ser exactamente igual para que a mancha pertença
a um sujeito.
Este tipo de perícia pressupõe várias fases que incluem o estudo laboratorial, a análise dos
resultados tendo em vista a comparação dos perfis genéticos, a valorização dos mesmos se os perfis
forem idênticos, e elaboração do relatório pericial.
Após isto, as conclusões possíveis são:
a) Os perfis de DNA do suspeito e da amostra biológica não são idênticos.
b) Há concordância nos referidos perfis.
c) O estudo não é conclusivo.

Quando há concordância nos perfis genéticos efectua-se a valorização estatística dos


resultados, recorrendo ao teorema de Bayes, que permite determinar as probabilidades finais de um
sucesso a partir de probabilidades iniciais.
Para se fazer a valorização objectiva da prova cientifica basta multiplicar o valor de
probabilidade a priori (grau de crença, por parte do juiz, de que a amostra pertença a um
Eduardo Figueiredo 2016/2017

determinado individuo) pela razão de verosimilhança ou LR, obtendo-se a probabilidade a


posteriori.
Evett elaborou uma escala em que figuram os valores de LR obtidos e os correspondentes
predicados verbais, mas esta não deve ser utilizada, porque hipervalora a prova cientifica.

Podemos identificar, hoje, duas falácias usadas a este nível e com base nestes testes:
Por exemplo, se um genótipo 2-4 for possuído por 1 em cada 100 pessoas tomadas ao acaso,
são normalmente utilizados dois argumentos a que chamamos:
1) Falácia da defesa: “Possuem este genótipo 1% dos indivíduos. Em Coimbra, de 100 mil habitantes,
possuem-no 1000. Se o delito foi cometido por um habitante de Coimbra, o habitante tem uma
probabilidade em 1000 de ser o culpado – 0,1%."
2) Falácia da acusação: “Possuem este genótipo 1 em cada 100 pessoas e 99 não o possuem. Dado que o
suspeito o possui, tem 99% de probabilidade de ser o culpado.”

Estas duas falácias resolvem-se por via da Likelihood Ratio.

Quem define quem é a população em geral que se possa comparar? Deve ser o Tribunal.
Deve utilizar-se a população de referência do local onde o crime foi cometido.

2.5. Colheita e acondicionamento de amostras biológicas para efeitos de genética forense


O sucesso ou insucesso da genotipagem pode ser influenciado pelos processos de recolha,
preservação, acondicionamento e envio das amostras ao laboratório. Estes procedimentos devem
garantir a autenticidade e integridade das amostras biológicas, bem como a privacidade e
confidencialidade dos resultados nelas obtidos. É fundamental acautelar a cadeia de custódia de
cada amostra para que possam ser aceites como prova pelo sistema judicial.
A recolha deve ser feita por pessoal habilitado com formação, que deve fotografar e filmar a
posição relativa de cada amostra na cena do crime. O método de recolha poderá depender da
condição em que o material biológico se encontra. Deve ser recolhida uma quantidade significativa
de amostra que permita a recuperação de suficiente DNA para a identificação genética. Cada
evidência deve ser embalada apropriadamente e enviada o mais rapidamente possível ao
laboratório, devendo ser preservada em ambiente seco e fresco de modo a minimizar a sua
deterioração. Devemos, pois:

1) Evitar a contaminação
Há que ter especial atenção aos vários focos de contaminação:
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Contaminação por material biológico humano – que pode ocorrer numa fase posterior à
produção do crime e pode contaminar o local, os objectos nele existentes e ainda o corpo
da vítima.
 Transferência de indícios biológicos – ocorre normalmente de forma acidental e pode
provocar contaminação ou a perda de uma prova. Ex: pêlos e cabelos.
 Contaminação microbiológica – que ocorre pela proliferação de microroganismos, a
qual pode ser favorecida pela humidade ou pelas altas temperaturas.
 Contaminação química – desse-se à presença de produtos químicos que dificultam a
análise genética, nomeadamente a extracção e amplificação de DNA.

Para evitar a contaminação, deve o sujeito: isolar o mais rapidamente a possível cena do
crime; recolher primeiro os vestígios biológicos; usar uma máscara, não falar, não tossir ou espirrar;
usar luvas; usar bata ou outra roupa protectora; usar material descartável ou estéril; não adicionar
conservantes às amostras. Não se devem usar as mesmas luvas, bisturis ou envelopes para amostras
diferentes.

2) Evitar a degradação, realizada por bactérias, ao ADN. Devemos deixar as amostras secar à
temperatura ambiente, em local protegido, antes de as embalar, selar e enviar ao laboratório;
embalar cada amostra separadamente para evitar potencial contaminação entre cada uma delas;
embalar as amostras em envelopes de papel, menos propícios a contaminação que os de plástico,
que geram mais humidade. Deve conservar-se a amostra no frio (-20ºC ou -80ºC, em caso de maior
degradação da amostra), seja no frigorífico (até 2 dias) ou congelar (+ 2 dias).

3) Manter a cadeia de custódia, isto é, ter a certeza que entre a colheita daquela amostra e a
obtenção do perfil no laboratório não se verificou qualquer troca na amostra e se garantiu a sua
autenticidade. Garante-se através de um auto da cadeia de custódia, com todas as informações
pertinentes (Nome e assinatura da pessoa que realizou a colheita; Data e hora da colheita;
Condições de armazenamento até o seu envio ao laboratório).

Antes da colheita de uma amostra, há que saber qual o seu objectivo e propósito. As
amostras de referência variam de acordo com as circunstâncias. Assim:
1) Em pessoas vivas: Células da mucosa bucal (saliva), sangue, cabelos.
2) Em cadáveres em bom estado de conservação: Sangue, músculo esquelético, dentes e
ossos.
3) Em cadáveres em avançado estado de putrefacção ou esqueletizados: ossos, dentes,
unhas.
4) Em cadáveres carbonizados: fragmentos ósseos, dentes ou unhas.

2.5. Tipos de ADN utilizados em genética forense

Nas células humanas existem dois tipos de DNA: o DNA nuclear e o DNA mitocondrial. O
DNA do núcleo das células está organizado em cromossomas. Cada célula somática possui 22 pares
de autossomas e dois cromossomas sexuais (X,Y no homem e X,X na mulher). Cada célula somática
possui, assim, 46 cromossomas.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

1) ADN autossomático
2) ADN cromossomático (do cromossoma X e do cromossoma Y)
3) ADN mitocondrial

O ADN mitocondrial é uma herança uniparental materna, enquanto que o ADN nuclear é
herdado de ambos os progenitores, com excepção do cromossoma Y (que vem do pai, unicamente).
Aproximadamente 3% do genoma humano é constituído por repetições em tandem.
São os STR’s (Short Tandem Repeats) que se tratam dos principais marcadores genéticos
porque possuem alelos de tamanhos próximos, o que permite a realização da sua análise em
simultâneo e têm capacidade de gerarem produtos de amplificação de pequeno tamanho, o que é
benéfico, tendo em consideração a análise de DNA de amostras degradadas. Há vários tipos de
STR’s, com vantagens e desvantagens:
1) A utilização de STR’s autossómicos apresenta uma grande variabilidade, o que
proporciona uma maior poder de informação que os STR’s dos cromossomas sexuais.
Permitem ainda a determinação do género da pessoa, através do estudo da
Amelogenina. São os mais utilizados em genética forense.
2) Quanto aos STR’s do cromossoma Y, possuem três principais aplicações na área forense:
a. Identificação do sexo (masculino)
b. Identificação do perfil genético, bem como da linhagem masculina (e de todos os
homens com rela relacionados pela via paterna). Serve, pois, para investigações
da paternidade de crianças do sexo masculino. (estão excluídas as de
maternidade)
c. Identificação da possível origem geográfica dessa linhagem, também designada
de ancestralidade genética.
d. Tem bastante relevância na criminalística biológica porque a maioria dos
perpetradores são, maioritariamente, de sexo masculino, principalmente nos
casos de crime sexual. Contudo, esta sua importância só assume maior utilidade
quando os resultados da caracterização destes marcadores corroboram os dos
autossomas; senão a identificação de um perfil genético masculino numa amostra
apenas pode fornecer informação parcial sobre a sua proveniência.
3) Quanto aos STR’s do cromossoma X, são menos usados, podendo ser interessantes nos
seguintes casos:
a. Perícias de investigação da maternidade.
b. Casos de filiação que envolvam familiares que partilham este cromossoma, na
ausência do pretenso pai;
c. Casos de identificação genética de restos cadavéricos, através do estudo de
familiares próximos.
Quanto ao ADN mitocondrial, a herança uniparental materna da informação genética
permite determinar a ancestralidade através de várias gerações, ao contrário dos marcadores
autossómicos que sofrem recombinação. Por isso, os marcadores de linhagem (DNAmt e
cromossoma Y), que possibilitam inferir a origem ancestral de uma amostra de DNA, proporcionam
um potencial desenvolvimento de meios capazes de conduzir a investigação criminal. As suas
maiores vantagens são:
Eduardo Figueiredo 2016/2017

a) Proporcionar resultados quando o estudo do DNA nuclear falha, por estar presente num
elevado número de cópias por célula. Normalmente é a última possibilidade de
identificação genética.
b) Permitir a comparação directa de sequências de DNA de membros da família da mesma
linhagem materna, em processo de identificação, por ser transmitido unicamente pela via
materna aos descendentes, sem recombinação.
c) Serve para investigações de maternidade, mas não de paternidade.
A sua maior desvantagem é a seguinte: é menos polimórfico, sendo cerca de 90% do seu
genoma codificante.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 3: Do exame do local à verificação e certificação do óbito

3.1. Objectivos da actuação pericial.

A autópsia médico-legal é o estudo do cadáver em casos com interesse judicial para


esclarecimento da causa da morte e das circunstâncias que a rodearam, nomeadamente da eventual
intervenção de terceiros, sua identificação e seu grau de responsabilidade.
Trata-se de um diagnóstico diferencial, que nos permite distinguir entre a morte natural e
morte violenta; entre homicídio, suicídio e acidente; da natureza do instrumento produtor das
lesões; entre lesões de causa adequada ou causa ocasional de morte.
No âmbito dos diagnósticos realizados, cabe ao perito: a identificação da vítima e/ou
agressores; realizar a cronotanatognose; analisar a posição entre agressor e vítima; analisar o tempo
de sobrevida após a produção de lesões; tentar delimitar uma cronologia de lesões; analisar os
ferimentos vitais e os post mortem, a eventual influência alcoólica e/ou a distância do disparo, etc…
Assim, a autópsia médico-legal inclui:
1) Exame do local
2) Exame do vestuário
3) Exame do hábito externo
4) Exame do hábito interno
5) Exames complementares.
É de todos estes exames que se retiram as conclusões da autópsia médico-legal.

O regime das perícias médico-legais e forenses é determinado pela lei 45/2004, de 19 de


Agosto que, no seu art. 16º, indica o procedimento a realizar em caso de óbito verificado fora de
instituições de saúde. Quando o óbito ocorre fora das instituições de saúde, a autoridade deve, em
caso de crime doloso, providenciar que um médico compareça no local. A abrangência territorial
dos médicos que estão de escala é menor em relação ao território nacional. Há, por isso, muitas
situações em que não vai o perito médico-legal, mas sim uma entidade judicial que faz um auto de
notícia, recolhendo depoimentos de testemunhas.
O magistrado não deve só ordenar a autópsia, como deve enviar toda a informação
disponível do caso, havendo uma boa comunicação entre o patologista forense e o magistrado.
Assim, a finalidade da actuação pericial é: verificar o óbito, estimar a data da morte,
identificar o cadáver, elaborar uma hipótese sobre a causa e a etiologia médico-legal.

3.2. Conduta no local e equipamento necessário.

O papel do perito no local é avaliar o meio ambiente e as circunstâncias do local da


ocorrência e ainda analisar a posição e o estado em que se encontra o cadáver, enviando depois o
documento que contém todas essas informações à autoridade judiciária. Deve, assim:
1) Identificar o principal responsável pelo local;
2) Registar a sua identidade e contactos;
3) Procurar obter alguma informação preliminar que possa orientar a sua investigação pericial
e lhe permita avaliar se algumas alterações, artefactos ou contaminações podem ter sido
entretanto produzidos.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

4) Deve haver uma total colaboração com o perito forense por parte de todos os intervenientes.
5) Isolar a área e preservar o local
6) Não tocar em nada que não seja necessário.
7) Não fumar ou deixar qualquer objecto ou vestígio biológico do próprio.
8) Não tomar nenhuma atitude que possa prejudicar a investigação.
9) Observar muito e falar pouco e tirar fotos.

É muito importante que se siga uma conduta própria e adequada ao exercício pericial: desde
logo, colocar luvas, máscara e bata. Após identificação dos presentes, em particular da pessoa
que encontrou o cadáver, deve realizar-se um registo do local, data, hora e via de acesso pela
qual o perito chegou ao local. Na recolha de informação sobre o caso, devemos indagar quem foi
a primeira pessoa a encontrar o corpo e a tomar conhecimento do evento, registar o seu nome e
contactos, procurar obter os detalhes inicias da situação, avaliando também se algumas
alterações, artefactos ou contaminações podem ter sido produzidos.
Não devemos esquecer-nos também de realizar um registo das condições climatéricas.
Devem realizar-se esquemas e fotografias do local, áreas contiguas e do corpo. Neste âmbito,
deve-se registar fotograficamente a posição do corpo, com e sem escalas, e obter fotos globais do
local e dos aspectos envolventes. Devemos fotografar mesmo que o corpo ou evidências tenham
sido removidas. Se assim tiver sucedido, não devemos reintroduzir essas evidências para fazer
as fotografias.
O perito deve, ainda, analisar e preservar os vestígios e objectos; pesquisar as áreas de
entrada e saída; armas e objectos; impressões digitais.
No caso que o suspeito esteja no local, deve o perito:
a) Não permitir que este lave as mãos;
b) Fotografar eventuais lesões;
c) Recolha de vestígios e de testemunho.
Deve, ainda, ter em consideração a possível existência de sinais de deslocação do cadáver,
como pegadas ou marcas de arrastamento; marcas de pneus; vestuário inapropriado para o local;
livores não compatíveis com a posição do cadáver; material estranho ao local. Tudo isto são sinais
de que o cadáver pode ter sido movido.

3.3. Exame do corpo e condições em que este se encontra.

No exame do corpo, deve o perito ter em consideração a sua posição e outras condições
(como o arrefecimento, livores, rigidez cadavérica, grau de decomposição e estado de putrefacção).
É importante que se proceda a um exame preliminar do corpo, avaliando os livores (manchas de
sangue que se acumula nas extremidades do corpo – analisar a sua cor, localização, mobilidade,
intensidade e a sua consistência, inconsistência com a posição do corpo), a rigidez cadavérica
(estado-intensidade, localização, consistência-inconsistência com a posição do corpo), eventuais
sinais de desidratação e eventuais sinais de decomposição (há que descrevê-los).
Os “sinais de certeza de morte” são os chamados fenómenos cadavéricos. Ora, deve o perito
registar as evidências observadas e a sua relação com o corpo, se necessário com medições, e
fotografá-las com e sem escalas. Para evidências como sangue ou outros fluidos corporais, anotar o
volume aproximado, padrões, localização e outras características antes da sua remoção/colheita.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

O exame do corpo inclui ainda o exame sumário das diferentes regiões do corpo; a natureza
e descrição das lesões e o exame do vestuário. Não podemos esquecer-nos de registar a presença de
eventuais sinais de tratamentos e manobras de reanimação (se houve qualquer intervenção médica).

3.4. Identificação do cadáver – cadáveres recentes e cadáveres decompostos.

A identificação do cadáver baseia-se no conjunto de sinais que distinguem um individuo dos


demais seja durante a vida, seja depois da morte, estando o cadáver inteiro ou conservando-se
alguns fragmentos.
As características identificativas são:
a) Aspecto facial
b) Cor dos olhos e cabelos
c) Pigmentação da pele
d) Tatuagens
e) Cicatrizes: forma, localização e idade;
f) Deformações ou próteses
g) Estigmas ocupacionais
h) Estatura, sexo, idade, raça
i) DNA

Em cadáveres frescos ou intactos: (1) Reconhecimento visual ou fotográfico; (2) Tatuagens,


cicatrizes, (3) Sinais particulares.
Em cadáveres decompostos ou desfigurados: (1) Roupas ou pertences; (2) Ficha dentária, (3)
Esqueleto (RX prévios, antropometria); (4) impressões digitais; (5) DNA.
Em restos cadavéricos, uma das técnicas mais adequadas é a identificação de restos ósseos:
com base neles perguntamos – são ossos? São humanos? Qual o sexo? Qual a raça? Qual a estatura?
Qual a causa de morte? Estabelecer a data, etc…
Se necessário, devemos recolher as amostras, rotular, armazenar e manter sempre a cadeia
de custódia.
Nota: Em casos de electrocução, costuma haver mais vestígios na roupa do que no corpo.

3.5. Colheita de amostras: a importância da cadeia de custódia.

Durante a investigação pode ser necessário recolher amostras, que devem ser rotuladas e
armazenadas.
Na colheita de amostras, as colheitas devem sempre ser feitas com luvas, trocando-as
sempre que necessário; manter a cadeia de custódia (muito importante, para evitar que as amostras
sejam trocadas, ou percam o seu valor probatório), envio urgente ao laboratório para análise, sendo
que os tubos devem fechar-se hermeticamente.
Devemos sempre etiquetar devidamente, com o local da amostra, natureza da mesma, data,
nome do perito, identificação do individuo, etc… Devemos enviar documento detalhado (colheita e
história) e colher material do próprio perito para tipagem.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

3.6. Etiologia médico-legal – a importância do exame do local. Alguns exemplos práticos.

No exame do local, devemos sempre elaborar uma hipótese sobre a causa e a etiologia
médico-legal: morte natural ou morte violenta (Suicídio, Homicídio ou Acidente).

Sinais de suicídio:
a) Ausência de sinais de luta;
b) Ausência de lesões de defesa, lesões traumáticas;
c) Aquisição recente de uma arma;
d) Ausência de desordem no vestuário e no local;
e) Tipo de local (domicilio, celas, locais de trabalho)

Sinais de homicídio:
a) Carta de despedida com letra diferente;
b) Sinais de luta, lesões de defesa, sinais de violência objectivada;
c) Ausência de arma no local;
d) Desordem no vestuário;
e) Entrada forçada

Sinais de acidente:
a) Ausência de lesões de defesa;
b) Ausência de vestígios de outrem;
c) Exame do vestuário e do local em conformidade;
d) Antecedentes irrelevantes;
e) Informação testemunhal compatível com essa etiologia.

Em caso de acidente de viação, devemos ter em atenção o lugar que ocupava o sujeito na
viatura.
Em caso de enforcamento, nunca se deve retirar o meio de suspensão. O enforcamento pode ser
de dois tipos:
a) Suspensão completa – corpo totalmente no ar.
b) Suspensão incompleta – existe um contacto mais ou menos amplo do corpo com algum
ponto.
Para saber se realmente se trata de um enforcamento, podemos e devemos analisar os livores
cadavéricos em relação com a atitude do corpo.

Em casos de ferimentos por arma branca, devemos evitar pisar as manchas de sangue, ter em
atenção as zonas de entrada e saída e procurar a presença da arma.
Em casos de toxicodependência, é importante procurar antecedentes tóxicos conhecidos,
presença de seringa, sinais de injecção recente, presença de droga, local da ocorrência; a seringa
deve ser sempre recolhida com luvas e material adequado.
Em casos de ferimento por arma de fogo, não devemos toca nas mãos do cadáver; não deslocar
a arma do local onde foi encontrada, localizar cápsulas, buchas e projecteis e preservar ao máximo o
local da ocorrência.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Em casos de suspeita de intoxicação, devemos procurar frascos de produtos tóxicos ou


embalagens de medicamente; na presença de vómito, não deixar retirar a roupa. É também
relevante que se averigúe tentativas de intoxicação anteriores e procurar notas de despedida.

Não esquecer que devemos registar quando, onde, como, por quem e em que circunstâncias a
vítima tinha sido vista viva pela última vez. Devemos ainda procurar obter informação sobre
eventuais incidentes prévios à morte e sobre eventuais queixas/sintomas prévios à morte.
Na análise das evidências documentais e testemunhais, devemos analisar toda a informação
recolhida (seja ela, testemunhal, antecedentes da vítima, informação clinica disponível, informação
policial). Este pode revelar-se de extrema importância na estratégia e adoptar no decorrer da
autópsia.

3.7. Verificação e certificação do óbito.

A verificação e certificação do óbito são da competência do médico e qualquer médico


inscrito na Ordem dos Médicos deverá estar habilitado a fazê-lo. O art. 93º do Código deontológico
da Ordem dos médicos prevê alguns deveres sanitários que determinam: “No exercício da sua
profissão, deve o médico cooperar com os serviços sanitários para defesa da saúde pública, competindo-lhe
designadamente: … Verificar e certificar o óbito da pessoa a que tenha prestado assistência médica, devendo na
respectiva certidão indicar a doença causadora da morte. Para este efeito, considerar-se-á como assistente o
Médico que tenha preceituado ou dirigiu o tratamento da doença até à morte, ou que tenha visitado ou dado
consulta extrahospitalar ao doente dentro da semana que tiver precedido o óbito…”
Na prática pode certificar o óbito o médico que tenha assistido o doente nos últimos sete
dias que antecederam a sua morte ou, no caso de se tratar de médico assistente habitual, mesmo que
o não tenha observado nas últimas semanas, sempre que a morte seja uma consequência previsível
da evolução da doença.
A verificação do óbito destina-se a estabelecer com segurança que um determinado
individuo se encontra morto. Baseia-se essencialmente na identificação clínica dos sinais negativos
de vida (positivos de morte) observados durante um período de tempo apropriado, recorrendo, se
necessário, a exames complementares e/ou testes adequados.

3.7.1. A Lei nº141/99 de 28 de Agosto.

O DL 11/98, de 24 de Janeiro, no seu art. 50º, prevê questões relacionadas com a verificação
e certificação do óbito, ainda que no seu articulado apenas fale da verificação do óbito.
É a lei 141/99, de 28 de Agosto que estabelece os princípios em que se baseia a verificação da
morte. (art. 1º)
Quando se pode dizer, “verificar”, que um individuo está morto? Quando houver cessação
irreversível das funções do tronco cerebral. (art. 2º)

Quem verifica a morte é o médico, nos termos da lei (art. 3º e 4º) O médico que deve
verificar o óbito é aquele a quem estiver acometida a responsabilidade do doente no momento da
morte (art. 4º/1) ou o que chegue em primeiro lugar (art. 4º/1).
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Quem chega em primeiro lugar?


- Se o indivíduo ainda não estava morto e foi accionado o INEM, os médicos da emergência
serão os primeiros. A ficha elaborada pelo INEM funciona como verificação do óbito.
- Quando o indivíduo é encontrado já cadáver, dependerá da autoridade policial, que não
tem formação nem sensibilidade para chamar o médico indicado.

Como se deve verificar um óbito? Com base em critérios médicos, técnicos e científicos a
definir pela Ordem dos Médicos (artº 3º, nº2), que devem ser actualizados regularmente. No
entanto, estes critérios não foram ainda definidos. Existe a declaração da OM com os critérios de
Morte Cerebral.
Na prática é baseada nos conhecimentos e convicção pessoal do médico, de acordo com a
legis artis. Para o perito não traz normalmente grandes dificuldades porque quase sempre há sinais
de certeza de morte.

O que deve figurar na verificação do óbito (art. 4º/1)?


1 – Identificação possível do falecido e o modo como esta se obteve - por informação verbal -
por documento de identificação existente;
2 – Local, data e hora da verificação;
3 – Informação clínica ou observações eventualmente úteis;
4 – Identificação do médico e seu número de cédula da Ordem dos Médicos.

Existem impressos próprios para a verificação do óbito? Não (ficha do INEM, boletim da
autoridade de saúde, guia de remoção de cadáver)

Em que impresso ou formulário devem estes elementos ser escritos (artº 4º, nº3)?
No ambulatório: - em papel timbrado do médico, de instituição ou outro
Nos estabelecimentos de saúde públicos ou privados: - no processo clínico

A quem se entrega este documento (artº 4º, nº3)? À família ou autoridade que compareça
no local.

Em que situações é obrigatória a presença de mais que um médico para a verificação do


óbito? Nos casos de sustentação artificial das funções cardiocirculatória e respiratória, a verificação
da morte deve ser efectuada por dois médicos, de acordo com o regulamento elaborado pela Ordem
dos Médicos. Os médicos devem ser especialistas em neurologia, neurocirurgia ou com experiência
de cuidados intensivos.

3.7.2. Conceito de morte cardíaca e morte cerebral. Sinais positivos de morte.

Sinais devidos à cessação das funções vitais


Os sinais positivos de morte são:
a) Ausência de movimentos inspiratórios (ausência de sopro nasal)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

b) Ausência de batimentos cardíacos (durante 5 minutos nos 4 focos, ECG isoeléctrico,


ausência de circulação periférica e pulso sistólico).
c) Ausência de resposta a estímulos dolorosos.
d) Ausência de movimentos (imobilidade, flacidez, ausência de tónus muscular)
e) Ausência de reflexos
f) EEG isoeléctrico
g) Excluir: hipotermia, intoxicação por fármacos depressores do SNC, alterações endócrinas
ou metabólicas.

Dentro dos sinais de certeza da morte temos:


a) Precoces (livores, rigidez cadavérica, arrefecimento, desidratação, autólise)
b) Tardios: putrefacção.

Dentro da morte clinica, podemos encontrar uma morte cardio-respiratória (morte cardíaca)
e uma morte cerebral (que pode ser uma morte tronco-encefálica ou encefálica.

3.7.3. Normas de verificação do óbito em casos de morte cerebral.

A morte cerebral é a situação em que o individuo se encontra em coma profundo por lesão
irreversível com ausência de função do SNC e com as restantes funções vitais mantidas por meios
extraordinários de suporte. A sua certificação requere a demonstração da cessão das funções do
tronco cerebral e da sua irreversibilidade.
A verificação da morte cerebral requer:
1 – Realização de, no mínimo, dois conjuntos de provas com intervalo adequado à situação
clínica e à idade;
2 – Realização de exames complementares de diagnóstico, sempre que for considerado
necessário;
3 – A execução das provas de morte cerebral por dois médicos especialistas (em neurologia,
neurocirurgia ou com experiência de cuidados intensivos);
4 – Nenhum dos médicos que executa as provas poderá pertencer a equipas envolvidas no
transplante de órgãos ou tecidos e pelo menos um não deverá pertencer à unidade ou serviço em
que o doente esteja internado.

O tempo legal da declaração da morte cerebral é o tempo em que os testes da morte cerebral
foram repetidos pela segunda vez e revelaram-se inequivocamente positivos.

Relativamente à utilização de cadáveres, destacam-se a lei 12/93 de 22 de Abril -


regulamenta a colheita de tecidos e órgãos para fins terapêuticos - e o decreto-Lei 244/94 de 26 de
Setembro - regula a organização e o funcionamento do Registo Nacional de Não Dadores
(RENNDA).

Há que não esquecer que mesmo que a morte seja uma consequência previsível na evolução
de um estado mórbido bem caracterizado e conhecido do médico, não exclui a obrigatoriedade do
exame do hábito externo do cadáver. Por outro lado, o médico deve conhecer as situações em que se
Eduardo Figueiredo 2016/2017

encontra habilitado a certificar o óbito e as que obrigam a autópsia médico-legal, facultando, nestes
casos, a necessária informação.

3.7.4. Modelos de Certificado de Óbito.


Modelo 1725 (Certificado de óbito)  O óbito é certificado, na generalidade dos casos,
apenas com base nos conhecimentos e convicção pessoais do médico, de acordo com as leges artis.
Mas a sua certificação vincula profissional e legalmente o médico. Há, por isso, necessidade de
estabelecer, com segurança, a causa da morte.
Modelo 1725-A (Certificado de óbito fetal e no-natal) O certificado de óbito destinado a
fetos mortos com 22 ou mais semanas e óbitos de crianças com menos de 28 dias de idade. É de
modelo diferente devendo ser preenchido, sempre que possível, com o auxílio do médico que tenha
assistido a mãe.
Jaime Silveira Botelho (direcção de Serviço de Epidemiologia e Estatísticas da Saúde)
salienta o desconhecimento dos médicos sobre a importância do certificado de óbito do ponto de
vista epidemiológico. Chama a atenção das “muitas implicações” das certidões de óbito, no que
respeita a “seguros de vida, heranças e indemnizações, que, por vezes, inibem os médicos de
expressarem a verdadeira causa da morte”.
O certificado de óbito deve ser totalmente preenchido pelo médico responsável pela
informação e não apenas a parte relativa à causa de morte. Deve ser especialmente referida a causa
da morte (CID 10). É igualmente importante distinguir mecanismo da morte de causa de morte.
O certificado de óbito é um documento que é feito segundo a legis artis e que vincula
profissional e legalmente o médico, de tal modo que tudo o que lá está escrito é da responsabilidade
do médico que o assina.

3.7.5. Definições da Organização Mundial de Saúde – causas e mecanismos de morte.

A OMS recomenda que se distingam vários tipos de causa de morte, nomeadamente:


Parte I
Causa direta (alínea a) – o estado patológico ou lesão traumática que provocou directamente
a morte. Constitui a última consequência ou efeito da causa básica.
Causa básica (alínea c) – estado patológico responsável pelo desencadeamento de outros
estados patológicos classificáveis como causa directa.
 Estado mórbido mais antigo
 Na Medicina Legal: circunstâncias que estiveram na origem da produção das
lesões – acidente, suicídio, homicídio (etiologia médico-legal)
Causa intermédia (alínea b) – estado patológico que relaciona a causa básica com a directa,
quando existe; quando não existe, apenas há lugar às outras duas. É muito importante para nós o
instrumento que produziu as lesões traumáticas (causa directa).
A Parte II refere-se a “ outros estados mórbidos, factores ou estados fisiológicos que
contribuíram para o falecimento, mas não mencionados na Parte I”. É bastante importante para a
avaliação do nexo de causalidade e eventuais concausas, e ainda, para fins estatísticos.
a) Intervalo de tempo decorrido entre o começo da doença e a morte
b) Elementos que fundamentam a causa da morte (laboratoriais e autópticos)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

c) Circunstâncias da morte (local do óbito, data/hora, assistência médica e transladação e


prazo para o enterramento)
d) Observações: muito útil para se escrever o que não se sabe onde pôr
e) Identificação do médico (nome legível e nº da cédula da Ordem dos Médicos)

Situações em que a verificação e certificação do óbito constituem acto único


1. Sempre que a morte ocorra no domicílio, com assistência médica e é possível
estabelecer, com segurança, a causa de morte - admitir sempre, ainda que remota,
a hipótese de uma morte não natural, pelo que exame do hábito externo
obrigatório e, em caso de dúvida, exigência de autópsia médico-legal - exemplos
diversos de certificados de complacência - o médico assistente deve passar o
respectivo certificado.
2. Sempre que a morte se verifique em estabelecimento de saúde e o médico
assistente tenha chegado a um diagnóstico da doença em causa. Este deverá passar
o respectivo certificado. Se não houver um diagnóstico seguro, ou o doente
morreu subitamente em curso improvável para a doença por que estava internado,
ou há suspeita de morte violenta, deve ser pedida a autópsia:
a. Se anátomo-patológica: o médico hospitalar com base nos resultados da anatomia
patológica, passará o certificado.
b. Se médico-legal: o perito deverá ser o responsável.

Situações em que a verificação e certificação dos óbitos constituem actos distintos.


a) A maioria das autópsias médico-legais
b) Mortes súbitas, ignoradas ou violentas
c) Um médico (autoridade de saúde, médico do INEM, o próprio perito ou médico legista,
outro) verificou o óbito e houve lugar a autópsia médico-legal. Nestes casos:
a. O perito passará o certificado depois da autópsia.
b. Às vezes a autoridade sanitária ou outro médico já passou o certificado. Se após a
autópsia, esta demonstrar elementos diagnósticos seguros sobre a causa da
morte, deve ser passada uma nova e rejeitada a primeira - mas cuidado, se já foi
entregue no Registo Civil.
c. Deve ter-se especial atenção aos homicídios e eventuais prejuízos para a
investigação.

3.7.6. Exemplificação da certificação do óbito.


Eduardo Figueiredo 2016/2017

3.7.7. A Lei nº 15/2012 sobre o Sistema de informação dos certificados de óbito (SICO) –
objectivos da aplicação, vantagens e problemas na prática forense.

O SICO teve origem na medida 117 do programa SIMPLEX de simplificação administrativa e


legislativa na Administração Pública, tendo como objectivos principais a Desmaterialização dos
Certificados de Óbito (DCO) e a comunicação electrónica dos dados respectivos às entidades
públicas para os quais são relevantes.
É a lei 15/2012, de 3 de Abril que institui o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito
(SICO). O SICO é um sistema de informação cuja finalidade é permitir uma articulação das
entidades envolvidas no processo de certificação dos óbitos, com vista a promover uma adequada

utilização dos recursos, a melhoria da qualidade e do rigor da informação e a rapidez de acesso aos
dados em condições de segurança e no respeito pela privacidade dos cidadãos.
Tem como objectivos principais:
• A desmaterialização dos certificados de óbito;
• O tratamento estatístico das causas de morte;
• A actualização da base de dados de utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do
correspondente número de identificação atribuído no âmbito do registo nacional de utentes
(RNU);
• A emissão e a transmissão electrónica dos certificados de óbito para efeitos de elaboração
dos assentos de óbitos.

O sistema é suportado por uma base de dados para registo e disponibilização de dados, cuja
administração compete à Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. (ACSS, I. P), sendo o
director-geral da Saúde a entidade responsável pelo respectivo tratamento. Os dados constantes do
SICO resultam do tratamento realizado pelos médicos e pelas seguintes entidades, de acordo com
os respectivos perfis: Instituto dos Registos e do Notariado; ACSS; DGS; INEM; INMLCF;
Ministério Público e Autoridades de polícia.
O Artigo 13.º da Lei 15/2012 determina o modo de preenchimento do certificado de óbito:
Eduardo Figueiredo 2016/2017

“1 — O médico preenche o certificado de óbito, por via electrónica, nos termos e condições fixados no
respectivo formulário do SICO, incluindo os dados pessoais e, quando exista, o número de utente do SNS da
pessoa falecida, para efeitos de actualização do RNU.
(…)
4 — O médico que não cumprir os deveres impostos nos números anteriores responde
disciplinarmente, salvo nos casos em que demonstre ser impossível aceder ao SICO nos termos a regular por
portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna, da justiça e da saúde.”

O despacho nº 14240/2012, de 23 de Outubro do Secretário de Estado Adjunto do Ministro


da Saúde, determinou o início do período experimental do SICO nos Hospitais da Universidade de
Coimbra, integrados no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E. P. E., bem como nos
serviços da Delegação do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. a
partir das 0 horas de 15 de Novembro de 2012. Em 25/9/2013, dos certificados de óbitos emitidos
por dia, cerca de 70% já eram electrónicos.
Através do despacho nº 13788/2013, de 29 de Outubro, do secretário de estado adjunto do
ministério da saúde determinou-se que o período experimental do Sistema de Informação dos
Certificados de Óbito (SICO) terminou às 23h59 do dia 31 de Dezembro de 2013, pelo que a
utilização do SICO passou a ser obrigatória para a certificação dos óbitos ocorridos em território
nacional a partir das 0 horas de 1 de Janeiro de 2014.

Vantagens do SICO:
a) Conhecimento do nº de mortes/dia.
b) Conhecimento mais precoce das causas de morte (Há uma obrigação do INMLCF de
registar os dados de autópsia médico legal de óbitos registados no SICO no que
respeita às causas da morte. – tal deriva de um protocolo entre a DGS e o IMLCF)
c) Processos de codificação mais rápidos e estatísticas melhores.
d) Incorporar a informação obtida a posteriori do resultado da autópsia.
e) Fim do envio de cartas da DGS aos médicos.
f) Boletins de informação clínica legíveis.
g) Aumento do direito à privacidade dos cidadãos (Conservatória não tem acesso à
causa da morte nem ao nº da autópsia).
h) Preservação de informação importante em investigação criminal.
i) Actualizar a BD de Utentes com os óbitos ocorridos e devidamente validados.
j) Efectuar a integração com a BD do IRN para validação dos dados de identificação,
recolhidos informaticamente nos CO.

ATENÇÃO: O certificado de óbito será emitido após a realização da autópsia médico-legal


ou a recepção da decisão de dispensa da autópsia. Deve imprimir a guia de transporte, que
acompanhará o cadáver (e não o certificado de óbito). Este documento deve ser acompanhado de
comprovativo da intervenção do Ministério Público.
Não esquecer que devemos ter a certeza de que a informação está completa; Não se deve
especular sobre a causa de morte. Em caso de dúvida devemos usar morte de causa desconhecida.
Neste caso se tivermos informação adicional, mas que não nos permita estabelecer um diagnóstico,
devemos escrever essa informação nas observações.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

NOTA IMPORTANTE: A emissão de Certificados de Óbito em papel requere, nos termos


da lei, um documento emitido pelo helpdesk do SICO. Este documento deve ser apresentado na
conservatória para acompanhar o Certificado de Óbito em papel. O certificado em papel tem,
obrigatoriamente, que ser inserido no SICO num prazo máximo de 48h. Os certificados de óbito em
papel deixam de ser válidos para todas as finalidades após a entrada em vigor do SICO.

3.8. Exame externo do cadáver – importância, procedimentos e elaboração do relatório.

Como sabemos, a autópsia médico-legal inclui o exame do local, do vestuário, do hábito


externo e interno e a realização de exames complementares. A Lei 45/2004, de 19 de Agosto, refere-
se, no seu art. 13º à realização de perícias urgentes, e no seu art, 17º ao óbito verificado fora de
instituições de saúde.
O exame externo do cadáver inclui:
a) Sinais relativos à identificação;
b) Sinais relativos à data de morte;
c) Sinais relativos à causa de morte;
d) Sinais relativos ao meio em que permaneceu o cadáver.
Este exame de vestuário e objectos que acompanham o cadáver inclui: determinação do
número de peças e estado de conservação; tamanha, cor, marcas, monogramas; compostura ou
desalinho; arranjos, estragos (rasgões, arrancamentos, cortes, orifícios, queimaduras, falta de botões,
etc…) e a sua correspondência com eventuais lesões na superfície cadavérica.
Os sinais relativos à identificação são: idade aparente, sexo, altura, peso, estado de nutrição,
cor e forma de cabelo, cor da íris, estado e particularidades da dentadura, cicatrizes, tatuagens,
deformidades/malformações, estigmas profissionais, impressões digitais, vestuário/objectos de uso
pessoal, etc…
Os sinais relativos à causa de morte são:
a) Processo patológicos espontâneos:
a. Colorações anormais
b. Edemas
c. Ascite
d. Varizes e úlceras varicosas
e. Escaras de decúbito
f. Processos sépticos locais
g. Desnutrição
b) Lesões traumáticas:
a. Natureza la lesão
b. Localização
c. Número de lesões
d. Distância a pontos fixos
e. Forma da lesão
f. Dimensões
g. Direcção
h. Características da lesão
c) Cor dos livores
Eduardo Figueiredo 2016/2017

d) Posição do cadáver.
e) Colheitas (amostras de cabelos e pêlos).

Não podemos esquecer-nos de realizar uma descrição precisa e rigorosa, tendo atenção a
todos os pormenores. É preferível colher a mais do que a perder um vestígio.
Na prática, já tendo um exame pericial do hábito externo, pode o magistrado decidir de
forma mais cuidada se ordena ou não a autópsia do cadáver.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 4: Patologia Forense

4.1. Autópsias médico-legais: objectivos, alcance e limites.

Podemos distinguir dois tipos de autópsias:


1) Autópsias anátomo-patológicas ou anátomo-clínicas  São aquelas em que os médicos,
com o consentimento de familiares, procuram determinar a extensão da doença que estavam
a tratar ao sujeito falecido. (Saukko) Na maioria das jurisdições este tipo de autópsia não
deve ser utilizado para determinar a causa de morte, porque se essa for desconhecida, a
morte deve ser reportada às autoridades médico-legais. Não é o que acontece em Portugal,
como veremos. Os seus principais objectivos são investigar a causa da morte, saber quais as
alterações provocadas nos diversos órgãos e tecidos por um determinado processo mórbido
e como é que tais alterações poderão ter provocado os sintomas funcionais manifestados em
vida. Determinarão, pois:
a. A causa da morte.
b. Estudo da causa, natureza e desenvolvimento da doença.
c. Avaliação da eficácia do tratamento.
d. Controlo de qualidade dos cuidados médicos – detecção e diagnóstico de doenças
não suspeitadas. Avaliação da validade e necessidade de procedimentos de
diagnóstico e terapêuticos adoptados e avaliação dos diagnósticos clínicos.
e. Informação à família, sociedade e médicos.
f. Educação e formação médicas.

Um parecer da PGR (1961) e um parecer do Conselho Nacional de Medicina Legal (2006) são
bastante relevantes nesta matéria. Determinam que a autópsia anátomo-patológica não pode ser
realizada sem o consentimento da família do defunto, tendo esta até 12 horas após o momento em
que esta teve conhecimento do óbito para proibir a autópsia, mesmo que tenha dado o seu
consentimento anteriormente. Realizar uma autópsia sem o consentimento dos familiares é crime
punível nos termos da lei.

2) Autópsias médico-legais ou forenses  São aquelas que são realizadas por determinação
da autoridade legalmente responsável pela investigação de uma morte súbita, suspeita, não
natural, litigiosa ou criminal. (Saukko) Na maioria dos sistemas não é necessário o
consentimento dos familiares para este tipo de autópsia, com o objectivo de a investigação
não poder ser frustrada pelas objecções de possíveis pessoas culpadas que, se fossem
familiares, podiam impedir a autópsia. Veremos qual a regulação neste âmbito em Portugal.
Dentro destas autópsias, Saukko identifica dois tipos de autópsia:
 As autópsias realizadas em casos de morte aparentemente não criminais, como
as realizadas em casos de acidente, suicídios, morte natural ou associada a
tratamentos médicos ou cirúrgicos, etc…
 As autópsias realizadas em casos de suspeita ou verificação de morte criminosa. –
Homicídio, infanticídio, etc…
As autópsias médico-legais servem para o estudo do cadáver em casos com interesse
judicial, esclarecimento da causa da morte, esclarecimento das circunstâncias que rodearam a
Eduardo Figueiredo 2016/2017

morte, nomeadamente da eventual intervenção de terceiros, sua identificação e seu grau de


responsabilidade. Servem ainda para reunir e interpretar evidências relevantes para a investigação
de uma morte pelas autoridades.
Assim, em suma, os seus objectivos serão: esclarecimento da causa da morte, identificação
do cadáver, estimativa do tempo de morte (cronotanatognose), ajudar na interpretação e correlação
dos factos e das circunstâncias que envolveram a morte, colheita e preservação das evidências,
identificação dos agressores, tempo de sobrevida após a produção das lesões, cronologia das lesões,
ferimentos vitais e post mortem, influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, distância do
disparo, diagnóstico diferencial entre morte rápida e morte lenta, se houve deslocação do cadáver,
etc…

Os objectivos gerais de uma autópsia, de acordo com Saukko, são:


1) Identificação do corpo e determinação do seu tamanho, físico e nutrição.
2) Determinação da causa de morte.
3) Determinação o modo como esta ocorreu e o momento em que ocorreu, sempre e quando
seja possível.
4) Demonstrar as anormalidades internas e externas, doenças e malformações do cadáver.
5) Detectar, descrever e medir qualquer dano interno ou externo.
6) Obter amostras para análise química, toxicológica ou genética.
7) Conservar determinados órgãos ou tecidos como prova.
8) Obter fotografias e vídeos para efeitos de prova e uso académico.
9) Realizar um relatório completo das conclusões da autópsia, oferecendo um parecer realizado
por um profissional.
10) Recuperar o corpo e deixá-lo nas melhores condições possíveis, antes de o entregar aos
familiares.

Podemos concluir que as principais diferenças entre os dois tipos de autópsias são: os objectivos,
procedimentos de exame, exames complementares, importância das evidências físicas, importância
da documentação e cadeia de custódia.

A autópsia médico-legal é constituída pelos seguintes momentos:


a) Exame do local
b) Autópsia psicológica (Análise das evidências documentais e
testemunhais  Cada autópsia começa com a revisão das informações
disponíveis de uma investigação, uma avaliação das questões médico-
legais decorrentes, bem como o desenvolvimento de uma estratégia para
a realização da autópsia. E isto porque a informação de base informa e
orienta a conduta da autópsia forense. Esta estratégia será sempre
flexível porque a análise em curso pode trazer novas informações.)
c) Exame do vestuário
d) Exame externo do cadáver
e) Exame interno do cadáver
Eduardo Figueiredo 2016/2017

f) Exames complementares (Exames toxicológicos; Exames de


criminalística; Exames biológicos; Exames histológicos; Exames
microbiológicos; Exames radiológicos; Etc.)

A autópsia médico-legal pode recair sobre:


• Um cadáver íntegro e em bom estado de conservação.
• Um cadáver com mutilações mais ou menos intensas.
• Um cadáver em decomposição.
• Restos cadavéricos.

Responderemos, agora, a um conjunto de questões fundamentais:


Quem ordena a autópsia? É o Ministério Público e independentemente de que a família a
autorize ou não, porque há aqui um interesse do Estado a defender. Nos casos do art. 18º/2, a
autópsia não pode ser dispensada, tendo necessariamente que ser levada a cabo. O art. 18º/3
determina que a autópsia poderá ser dispensada, mesmo que ordenada pelo MP, quando a sua
realização comporte um risco significativo de comprometer a saúde pública.
Quando é feita a autópsia? De acordo com o art. 18º/5, com a maior brevidade possível,
ainda que o magistrado deva esperar que o médico receba toda a informação fundamental e
necessária para a realização da autópsia.
Quem realiza a autópsia? Um médico coadjuvado por um ajudante. Nos casos de suspeita
de crime, devem estar dois peritos médicos, de acordo com o art. 19º.
Onde se realiza a autópsia? São realizadas nos serviços médico-legais.
É, portanto, a Lei 45/2004, de 19 de Agosto que responde a todas estas questões nos seus
artigos 18º e 19º.

Destaca-se, neste âmbito, a recomendação nº (99) 3 do Comité de Ministros dos Estados


Membros sobre harmonização das regras sobre autópsias médico-legais, de 1999, que visa
estabelecer regras harmonizadas e únicas a nível europeu no âmbito da patologia forense.

Autópsia Médico-Legal
WHO Saber quem morreu não constitui habitualmente um problema, mas pode ser
particularmente complexo em alguns casos: (1) ausência de evidência circunstanciais
sobre a identidade da pessoa encontrada morta; (2) identificação visual impossível,
devido a putrefacção, queimaduras, mutilação, etc…
WHAT A determinação de todas as circunstâncias em torno da morte, desde as principais, até
aos factos “acessórios” ou circundantes desta é invariavelmente o foco de qualquer
processo judicial. A autópsia pode participar neste processo judicial através do
estabelecimento de evidências objectivas de algumas das coisas que aconteceram ou,
mais comumente, as evidências que (de)limitam o que poderá ter acontecido.
Exemplo: Em investigações de homicídios, a autópsia pode fornecer informações sobre
a posição da vítima, arma usada, sequência de lesões, hora da morte, interferência post
mortem com o corpo e método de disposição, etc.
HOW Determinar a etiologia da morte. A morte pode ser natural ou violenta (acidental,
suicida ou homicida. Em alguns casos, a etiologia da morte pode não ser determinável,
Eduardo Figueiredo 2016/2017

seja porque não se conhece a causa da morte ou porque as circunstâncias que a rodeiam
não são claras. Por exemplo, pode não ser possível determinar se um afogamento foi
acidental ou suicida.
WHERE O local onde a pessoa morreu é habitualmente aquele onde foi encontrado, mas nem
sempre. As vítimas de homicídio podem ser transportadas para outros lugares; os
corpos podem viajar longas distâncias em rios ou no mar até à sua descoberta.
WHEN Quando a pessoa morreu é determinado habitualmente das evidências circunstanciais e
não constitui habitualmente um problema. Mas pode ser um problema crítico, quando:
(1) um alibi é apresentado como defesa num homicídio; (2) as sequências de mortes em
membros da mesma família mortas no mesmo incidente influenciam problemas de
herança; (3) Quando as apólices de seguro caducaram no decurso do tempo decorrido
entre o desaparecimento da pessoa e a descoberta do corpo.
WHY Importa determinar o porquê da morte – a causa, isto é a sequência de eventos que, a
curto ou longo prazo, conduziram à morte. É uma das funções mais importantes da
autópsia.
Existem muitas causas de morte (tanto naturais, como violentas) que não podem ser
determinadas com certeza absoluta apenas pela autópsia. Para a maioria de casos de
investigação de uma morte, será necessário uma análise conjunta dos resultados da
autópsia e da informação anamnéstica.
Apenas num pequeno número de casos uma investigação completa pode não conseguir
estabelecer a causa da morte – a isto chamamos autópsia negativa ou autópsia branca.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 5: Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal

1. Papel do perito médico e objectivo da perícia.

No direito penal, o objectivo principal da avaliação do dano corporal não é a indemnização


da vítima, pretendendo apenas auxiliar a justiça em termos de determinar a medida de punição do
acto ilícito responsável pelo facto danoso.
Na avaliação do direito do trabalho e direito civil já estão em causa reparações monetárias
para a vítima de um determinado traumatismo, que inclui não só dano emergente, mas também
lucro cessante:
 No direito de trabalho, em casos de acidentes de trabalho e doenças profissionais
e só se avalia a repercussão do dano no sujeito para o desempenho da sua
actividade profissional;
 No direito civil, danos causados no âmbito de responsabilidade civil, envolvendo
uma reparação indemnizatória dos danos patrimoniais, mas também para danos
extrapatrimoniais.

É de notar que uma mesma vítima, por um mesmo traumatismo, pode ser avaliada nos três
âmbitos do direito. P.e. Agressão realizada no contexto do desempenho da sua profissão (dentro do
tempo e no local de trabalho) e tal gerou-lhe uma incapacidade que causou vários danos que geram
sofrimento.

Três âmbitos da avaliação do dano corporal:


- Em direito civil
- Em direito penal
- Em direito do trabalho

Outros: Avaliação em segurança social (situações de doenças naturais), isenção fiscal, deficientes
motores (incapacidade superior a 60% para que seja reconhecido o direito para um dístico para
deficientes), etc...

Podemos, pois afirmar, que a metodologia do exame é relativamente comum para todas as
perícias, mas o objectivo e as conclusões são diferentes.

O dano corporal em direito penal


Objectivos: auxiliar o juiz para saber se, perante determinado crime, se verificam os
pressupostos da responsabilidade criminal. A propósito de um crime em que o respectivo acto de
cometimento provoca na vítima lesões, só a respectiva verificação pericial permite confirmar,
objectivamente, a alegação do facto praticado. Através da perícia médico-legal deve, portanto,
proceder-se à descrição pormenorizada do dano e das suas consequências para o ofendido,
justificando numa perspectiva científica a orientação a conclusão médico-legal. Assim, em Direito
Penal:
 A pena é o castigo do agressor determinada pelo tribunal.
 O dano não é personalizado.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Deve-se fazer a objectivização dos danos.


 Valorizam-se os danos corporais.
 O dano não se valoriza em termos futuros.

Legislação penal aplicável: O perito médico deve saber dois artigos básicos (143º e 144º CP)
que são a base para orientar as nossas conclusões. Na maioria dos casos, o julgador quer saber se
estamos no caso do art. 143º ou 144º, desde logo porque a moldura penal vai variar.

É em processo penal que se decidem: as consequências jurídicas de um comportamento


criminoso, a existência do crime ou quem praticou o crime. Estas são tarefas que competem ao juiz,
embora o juiz possa perguntar ao perito médico-legal se há alguma lesão objectivável que seja
compatível com a natureza do traumatismo que seja descrito e que o ajudará a responder a estas
questões. Há casos, porém, em que o perito médico-legal não encontra lesões externas objectiváveis,
e nesses casos limita-se a dizê-lo no relatório de modo a não induzir o juiz em erro.

Entidades requisitantes de exame médico-legal: vítima, judiciais, policiais e unidades de


saúde. É de relevar que a vítima pode deslocar-se aos serviços médico-legais após uma agressão e
apresentar aí uma denúncia antes de se dirigir às entidades policiais ou judiciais respectivas. Pode
ainda ser a autoridade judicial ou policial a requerer o exame. Noutros casos, como em casos de
maus-tratos infantis e violência doméstica, muitas vezes as crianças são levadas a unidades de
saúde e os profissionais de saúde, ao suspeitarem que estamos ante um caso de maus-tratos, podem
requerer essa perícia médico-legal. Há, pois, uma colaboração recíproca de todas as entidades.
Os exames efectuados em sede de direito penal são relativos a: crimes contra a integridade
física (agressões e acidentes de viação), maus-tratos, por violência doméstica e crimes sexuais.
É importante que a perícia constitua um instrumento que, qualquer que seja o contexto
típico habilite o julgador (ou o ministério público, na fase de inquérito) a afirmar a existência ou
inexistência do dano corporal que o tipo legal supõe.

Através da perícia médico-legal deve proceder-se a:


1) À descrição pormenorizada do dano e das suas consequências para o ofendido (sua
natureza e extensão);
2) Efeitos para o corpo e a saúde do ofendido;
3) Eventual criação de perigo para a vida.
4) Prestar informação sobre a influência da conduta do agente na produção do resultado
(analisar aquilo que se observa no sinistrado e aquilo que se alega para saber se os factos
e a realidade se ligam");
5) Adequação da agressão à produção do resultado;
6) Justificar, numa perspectiva científica, a orientação da conclusão médico-legal.
Há que recordar que nem sempre são as lesões físicas as mais graves, senão que as lesões
psicológicas podem ser as mais gravosas.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

2. Dos crimes contra a integridade física

Nos crimes de ofensa à integridade física, pretende-se avaliar as consequências de ofensas


corporais, sendo um auxílio para os magistrados quanto à tipificação do crime e referência quanto
ao doseamento da pena a aplicar. Para além do mais, pretende-se investigar se as vítimas
apresentam algum dos resultados previstos na lei. Analisemos o art. 143º e 144º CP. Cabe ao perito
apenas pronunciar-se quanto ao dano corporal e não quanto à intenção do agente ou outras
questões cujo esclarecimento é da competência das entidades judiciárias.

- Artº 143º - Ofensa à integridade física simples.

Trata-se do tipo legal de crime fundamental. Trata-se de um crime doloso que comporta
qualquer grau de dolo. Não devemos confundir um caso de lesões recíprocas com casos de legítima
defesa.

- Artº 144º - Ofensa à integridade física grave. O artigo 144º para efeitos da qualificação jurídico-
penal da conduta.

Modalidade agravada de crime. Atende à gravidade das consequências para o corpo ou a


saúde da vítima, que são claramente mais gravosas, o que justifica uma reacção penal mais
acentuada.

Não devemos esquecer a nota de subjectividade inultrapassável (mas diminuível) que


lhe vai associada: Por exemplo, ao referir-se o art. 144º CP a "Desfiguração grave e permanente", a
avaliação será subjectiva, já que o mesmo dano pode não ser avaliado da mesma forma consoante o
perito médico que faz a avaliação. Por isso é que o julgador pede que se formule a opinião do perito
quanto ao traumatismo, mas também pede uma descrição pormenorizada daquele traumatismo.
(não só física, mas também os efeitos e consequências emocionais) É importantíssima a descrição
pormenorizada do dano, qualquer que seja o âmbito a analisar (civil, penal, trabalho). É relevante,
existindo autorização da vítima, a documentação fotográfica do traumatismo.

3. Conceitos utilizados na prática pericial.

Doença
Neste conceito de doença, não importa que a alteração incida ou não sobre a capacidade de
trabalho; requeira ou não intervenção terapêutica; comporte ou não um rebate geral apreciável do
organismo. Ex: equimoses, escoriações.

Tempo da doença – Período de tempo que decorre entre a produção das lesões e a cura ou
consolidação.
Cura – Recuperação anatómica, funcional e psico-sensorial integral com restitutio ad integrum.
Consolidação – Recuperação anatómica, funcional e psico-sensorial parcial, com sequelas que se
mantêm a partir de determinado momento.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Órgão importante - Conceito funcionalmente relevante


Conceito funcional de órgão (conceito médico-legal): privação anatómica mas, também,
privação ou afectação grave da função do membro ou órgão. Ou seja, órgão ou membro que
funcionalmente sejam relevantes, podendo a sua privação ser temporária ou permanente, total ou
parcial (não tem de resultar necessariamente numa supressão ou privação total do órgão, bastando
que haja diminuição ou redução grave da função específica que ele desempenha).
Esta importância estará dependente da ciência médica e deverá ser aferida para cada vítima
em particular, atendendo à actividade por ela desempenhada, e à relevância que o órgão ou
membro tem para si. A importância é susceptível de ser valorizada através da descrição
pormenorizada das consequências da sua produção, incluindo o efeito nas situações concretas da
vida da vítima (gerais e profissionais).
O órgão não tem obrigatoriamente que ser permanente. A importância de um membro
determina-se tendo em conta os factores individuais da vítima.
Ex: Privação de um dedo de um pianista. Já a amputação de um dedo na maioria das
pessoas, apesar de criar prejuízo estético e limitação funcional, será enquadráveis enquanto
resultado de ofensa corporal no art. 143º CP.

Desfiguração grave e permanente (alteração, em grau elevado, do aspecto, da figura do ofendido)


O perito deverá informar se a desfiguração é ou não permanente, ou seja, se não é
susceptível de ser alterada com o tempo ou através de uma intervenção médico-cirúrgica. O dano
não deve ser considerado apenas do ponto de visa estético, mas também, dinâmico.
É importante a descrição pormenorizada e foto-documentação.
Apesar de ser referido a questão da visibilidade, a desfiguração grave não se limita ao rosto
ou a zonas descobertas do corpo. Deve ter-se em conta a extensão e visibilidade do dano, bem como
as circunstâncias pessoais da vítima (sexo, idade e profissão) que possam ser relevantes.

Afectação grande da capacidade de trabalho


Reporta-se ao trabalho em geral, e que é comum também à criança, ao idoso e ao
desemperrado, bem como ao profissional.
O dano tanto pode ser permanente como temporário, bastante que seja grave: “tirar-lhe”
revela carácter de permanência, enquanto que “afectar-lhe” pode ser carácter permanente ou
temporário.
A afectação pode ser de vários tipos:
 Afetação das capacidades intelectuais – alteração da inteligência e vontade.
 Afetação da capacidade de procriação e fruição sexual – ablação dos órgãos
sexuais ou afetação da capacidade de fecundação ou gerar um ser, bem como de
fruição sexual.
 Afetação da possibilidade de utilização do corpo (capacidade funcional geral), os
sentidos (visão, audição, gosto, olfacto ou tacto) e a linguagem (processos de
expressão e comunicação).

Doença particularmente dolorosa ou permanente


É aquela que corresponde a uma situação clinicamente identificada como causadora de
elevado sofrimento físico, podendo ser temporária ou permanente. A avaliação da intensidade deste
Eduardo Figueiredo 2016/2017

sofrimento pode ser feita através da descrição do tipo de lesões sofridas e dos tratamentos
efectuados (penosidade e morosidade envolvidas). É uma doença duradoura, embora não envolva a
ideia de perpetuidade.

Anomalia psíquica grave ou incurável (processo patológico em que há alterações importantes do


comportamento, variações de humor, transtornos emotivos, etc., e em que há remissão completa
pelo tratamento.)
Justifica sempre uma avaliação por Psiquiatria Forense, sendo fundamental o
estabelecimento do nexo de causalidade entre a agressão e a anomalia psíquica, que deverá ser
fundamentada no relatório pericial. Engloba todos os casos de afectação profunda das capacidades
mentais e intelectuais.

Perigo para a vida


Quando o legislador qualifica a conduta em função do resultado perigo para a vida,
questiona-se a natureza do perigo. Duas noções:
Perigo concreto: Casos de choque hemorrágico, choque séptico, choque profundo, paragem
cardio-respiratória. Resume-se às seguintes características:
 Probabilidade concreta e presente do resultado letal.
 Perigo sério, actual, efectivo e não remoto ou meramente presumido, para a vida
do lesado.
 As situações que correspondem à formulação clinica de um prognóstico
reservado.
 Traduz uma situação de morte iminente, em dado momento, em consequência
das lesões corporais.

Perigo potencial: Quando há um risco, expectativa. Deve ser assinalado no relatório os casos
em que existiu risco, ainda que potencial. É uma expectativa, ainda que razoavelmente possível ou
mesmo provável; falta a sua concretização, o estado crítico real. Traduz-se em risco, probabilidade
remota.. meramente presumida.

Para se falar em perigo para a vida, basta que a doença ponha em perigo a vida do ofendido,
ainda que não tenha de ser permanente ou perigo constante. Em muitos casos, eles ao recuperarem,
ficam curados e sem sequelas permanentes.
A moldura penal será ligeiramente diferente dependendo se estamos a falar de um perigo
concreto ou potencial.

4. O modelo de relatório em Direito Penal – Diferentes capítulos e seus objectivos.

Estrutura do Relatório:

a) Informação
a. História do evento (descrição do evento traumático e de todos os eventos
subsequentes com ele relacionados, com base na informação da vítima ou de quem a
acompanhe.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

b. Dados documentais (Elementos fundamentais para o melhor conhecimento, descrição


e comprovação das lesões sofridas, de eventuais complicações e de tratamentos
efectuados.)
b) Antecedentes (pessoais e familiares – fundamental para a ponderação do nexo de
causalidade entre o traumatismo e o dano, porque pode dar indicações sobre o estado
anterior da pessoa relativamente ao traumatismo)
c) Estado actual
a. Queixas (danos relativamente ás funções –capacidades físicas e mentais do ser
humano, independentemente do meio onde se encontre - e situações da vida –
confrontação entre uma pessoa e uma realidade social, física e cultural.)
b. Exame Objectivo (dano no “corpo”)
c. Exames Complementares (elementos relevantes e conclusões dos exames solicitados
pelo perito.)
d) Conclusões
a. Preliminares (não é possível concluir o relatório de forma definitiva)
b. Discussão (quando é possível formular conclusões finais. Deve indicar-se:)
i. Análise do nexo de causalidade
ii. Proposta de data de consolidação

Conclusões do Relatório:
1- Natureza do instrumento (não o instrumento em si, mas a forma como actuou –
contundente, perfurante, cortante, misto, agente físico, agente químico) (As lesões atrás
referidas terão resultado do traumatismo de natureza XXX o que é/não é compatível com a
informação.)
2- Consequências temporárias da agressão (indicar os dias de doença, sendo X dias com afectação da
capacidade para o trabalho geral e X dias com afectação para o trabalho profissional)
3- Consequências permanentes (do evento não resultaram/resultarão consequências permanentes; do
evento resultaram as seguintes consequências permanentes; do evento resultou perigo para a vida do
examinado; adopção de medidas psicossociais)

A avaliação da intensidade ou gravidade da ofensa é ponderada através do tempo de doença e


de afectação temporária da capacidade de trabalho que aquela determinou; eventuais
consequências permanentes; existência ou não de perigo para a vida.
O fundamental é que o perito médico seja capaz de descrever o dano corporal de forma
pormenorizada e sistematizada, fundamentando as suas conclusões, sem que no entanto tenha que
enquadrar a ofensa em qualquer artigo ou, ainda menos, presumir a intenção de matar. A “missão”
pericial é permitir as autoridades judiciárias e judiciais uma sustentada apreciação jurídica do caso,
através da descrição das consequências médico-legais do facto praticado.

5. Problemática da presunção da intenção de matar.

Não compete ao perito médico, nem mesmo através de uma mera presunção médico-legal.
Não compete ao perito pronunciar-se sobre a intenção com que os ferimentos foram produzidos. A
intenção de matar não configura um juízo técnico-cientifico, mas sim apenas, um juízo de
probabilidade sobre essa intenção que deve ser apreciado pela experiência do julgador.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

O papel do perito será apenas de se pronunciar sobre a adequabilidade de determinado


facto – em regra, agressão – a produzir determinado resultado. Ou seja, o perito médico apenas se
deverá pronunciar se a região atingida aloja órgãos essenciais à vida (p.e. cabeça) e se tal agressão
foi com instrumento que, pela sua natureza e pela violência da actuação (p.e. número, extensão e
profundidade das lesões), o tornavam apto e adequado a produzir lesões mortais.
Compete ao perito médico fornecer à justiça os elementos objectivos colhidos na perícia,
cabendo inequivocamente ao juiz e só a ele, na posse dos elementos, a responsabilidade na decisão
nesta matéria.

Nexo de causalidade: relação de imputabilidade entre um traumatismo e um dano, tendo em conta:

 Adequação entre o tipo de lesão e a sua etiologia.


 O tipo de traumatismo e o tipo de lesão;
 A sede do trauamtismo e a sede de lesão;
 A existência de continuidade sntomatológica e adequação temporal entre o
traumatismo, as lesões e as sequelas.
 Exclusão da pré-existência do dano ou de uma causa estranha relativamente ao
traumatismo.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 6: Establecimento da imputabilidade médica (nexo de causalidade) e estado anterior.

1. Considerações iniciais.

O nexo de causalidade é a “relação entre a situação psico-física de um determinado indivíduo e


um determinado facto, é o elemento que permite admitir cientificamente a existência de uma
ligação entre um qualquer evento e um estado patológico … a explicação dos mecanismos
fisiopatológicos que permitiram às lesões iniciais gerar lesões temporárias ou permanentes, apesar,
por exemplo, dos eventuais tratamentos.”. No fundo, o nexo de causalidade é a relação entre aquilo
que o perito analisa e o evento traumático.
Está num meio-termo entre a imputabilidade médica (a realizar pelo perito médico) e a
causalidade jurídica (a realizar pelo jurista) – é o caminho percorrido desde o evento até à situação,
explicação das causas, das suas modalidades de acções e dos papéis respectivos.
Para nós o nexo de causalidade depende de 7 critérios que são utilizados para analisar a
adequação entre aquilo que se observa e um determinado evento traumático que ocorre num
determinado dia e naquele momento.

7 critérios clássicos de Muller e Cordonnier/Simonin para avaliação do nexo de causalidade

1) Natureza adequada do traumatismo para produzir as lesões evidenciadas. (P.e. Um murro não
conduz a uma ferida incisa)
2) Natureza adequada das lesões a uma etiologia traumática. (p.e. uma hepatite não admite uma
causalidade traumática)
3) Adequação entre a sede do traumatismo e a sede da lesão. (Não tem que haver uma
coincidência anatómica, necessariamente – patologia encefálica e craniana temporal por contra-
pancada)
4) Adequação temporal. (p.e. chicote cervival e aparecimento da sintomatologia.)
5) Exclusão da pré-existência do dano relativamente ao traumatismo. (p.e. uma fractura com
características radiológicas de antiga será excluída do dano pós traumático recente)
6) Encadeamento anátomo-clínico (deve existir continuidade sintomatológica…)
7) Exclusão de uma causa estranha ao traumatismo

Estes critérios não são absolutos, não sendo todos necessários para estabelecer um nexo. Pode
não estar cumprido um determinado critério, mas concluir-se que o nexo de causalidade existe,
ainda que parcialmente. Para mais, devem ser meros elementos de reflexão, a ser interpretados
cuidadosa e ponderadamente em cada situação concreta.
Exclusão de uma causa estranha ao traumatismo – p.e. agressão com murro na face, sem lesões
traumáticas, e após algumas horas nova agressão com um murro na face, com lesões traumáticas.

2. Pressupostos do nexo de causalidade.

Se for certo, directo e total não há dificuldades.


Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Certo ou hipotético.
Certo: Evento foi seguramente a causa das lesões/ou sequelas observadas
Hipotético: Quando a análise dos critérios relativos ao nexo de causalidade não consente o seu
estabelecimento com segurança, sucedendo todavia que o perito médico também o não pode afastar
formalmente.

 Directo ou indirecto.
Directo: as lesões ou sequelas resultam directamente do evento.
Indirecto: Visa a filiação patogénica entre a causa e o efeito. Ex. “Vai ao hospital, teve que ficar
internado e colocou imobilização. Nesse âmbito fez uma trombose. Esta trombose resultou
indirectamente do acidente. Se não tivesse sido a fractura da perna, ele não teria estado imobilizado
e logicamente não teria ocorrido aquela trombo-embolia. É, pois, necessário que o médico explique
esta ligação indirecta, para que o decisor possa compreender e tirar as consequências sobre o plano
de responsabilidade do autor e da reparação do dano sofrido pela vítima.”

 Total ou parcial.
Total: - nenhuma outra causa para além do evento em apreço teve responsabilidade na
afectação da integridade psico-física constatada.
Parcial: Quando num estado patológico intervém mais do que um único factor etiológico, o
nexo é parcial porque há uma ou mais causas que concorrem, entre as quais o traumatismo, para o
resultado dano. São situações de concausalidade em que o dano é imputável só parcialmente ao
traumatismo. Esta outra causa poderá ser um estado intercorrente, uma predisposição ou estado
anterior.

Estado Intercorrente: Engloba-se nesta designação todo o evento de saúde, acidente ou


outro, ocorrido no contexto ou depois do evento inicial em apreço e que possa ser também uma das
causas do estado actual (concausas simultâneas e supervenientes). Este estado intercorrente pode
até estar indirectamente ligado ao evento inicial.

Predisposição: É uma variedade do estado anterior, que é por definição um estado anterior
muitas vezes mudo ou ignorado, correspondendo frequentemente a um estado psicológico, mental
ou a factores de risco. Ex. osteoporose da mulher idosa predisponente para a fractura do colo do
fémur, os antecedentes diabéticos, a personalidade paranóide, o alcoolismo, o tabagismo, etc.

Estado anterior: conjunto de antecedentes susceptíveis de interferirem no processo patológico


que se segue a um determinado evento. Tem quatro modalidades evolutivas: exteriorização,
descompensação, aceleração e agravamento.

3. O estado anterior.

 Aspectos particulares.

Quando a análise dos critérios relativos ao nexo de causalidade não consente o seu
estabelecimento com segurança. Independentemente do papel que o estado anterior possa ter sobre
Eduardo Figueiredo 2016/2017

a evolução do processo patológico decorrente do evento traumático, o perito médico também deve
explicar qual a sua influência sobre o estado anterior.

Exteriorização – É a passagem de um estado latente, conhecido ou desconhecido, mas


silencioso, ao estado patente.
Descompensação – O estado anterior era já conhecido, mas estava estabilizado. O evento veio
fazer evoluir este estado.
Aceleração – Trata-se de uma precipitação do processo evolutivo, sendo a evolução a que se
previa para a doença pré- existente, mas sendo o intervalo evolutivo encurtado.
Agravamento – Passagem de um estado patológico conhecido e com uma evolução determinada
a uma situação de maior gravidade desencadeada pelo traumatismo.

A valorização pericial de situações envolvendo estados anteriores começa a ser complexa


quando esse estado anterior envolve uma patologia estabelecida ou latente. Nestas situações
podemos verificar situações distintas, que habitualmente e por facilidade se agrupam em 3 tipos:
1) O evento traumático não agravou o estado anterior, nem este teve influência
negativa sobre as consequências daquele.
2) O evento traumático teve influência negativa sobre as consequências do evento
traumático.
3) O evento traumático agravou o estado anterior ou exteriorizou uma patologia
latente.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 7: Noções básicas sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais e a avaliação pericial
em direito do trabalho.

1. A avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho:

Em Direito do Trabalho, o objectivo é a indemnização, que não contempla danos subjectivos,


e que pretende compensar a perda da capacidade de ganho para o trabalho. Distingue-se, pois, do
Direito Civil porque este pretende a reparação integral do dano.
Neste âmbito, na avaliação do dano corporal em direito do trabalho, pretendemos dar aso ao
direito à reparação em casos de acidentes, dos quais resultem lesões corporais, perturbação
funcional ou doença; ou quando se verifique a morte ou a redução da capacidade de ganho ou de
trabalho.
Há algumas limitações dos danos reparáveis: apenas se repara a incapacidade para trabalho
e para o trabalho tal como ele era no dia do acidente.
Pode concorrer com outras linhas de responsabilidade: a vítima pode ser titular de mais de
um direito de reparação ou o mesmo dano só pode ser reparado uma vez apesar de poder haver
vários processos.
Podemos distinguir:
Exames singulares: Exame realizado por um perito médico a um sinistrado para determinar a sua
incapacidade.
Juntas médicas: A Junta Médica é constituída por três peritos médicos e presidida pelo Juiz. Reúne-
se para dar parecer sobre a avaliação efectuada ao sinistrado, quando requerida pela parte ou partes
que não se conformam com o resultado da avaliação médica do exame singular ou de revisão.
Exame de revisão: Os exames de revisão têm lugar sempre que se verifique modificação da
capacidade de ganho do sinistrado proveniente de alteração das sequelas por uma qualquer
circunstância (melhoria, recaída, recidiva, agravamento, intervenção cirúrgica ou aplicação de
prótese ou ortótese). A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil (nº 3 do artigo 70º da
Lei 98/2009). Estes exames devem seguir as normas apresentadas para os exames singulares.

Diferenças de benefícios entre o DT e o DC:


1) Em DT o ónus da prova compete à entidade patronal (isto é, que as lesões não decorrem de
acidente de trabalho); cabe ao beneficiário/vítima provar que os danos resultaram do acidente de
viação.
2) As consequências de um traumatismo de um acidente de trabalho são analisadas na sua total
gravidade, independentemente de que exista acidente anterior, desde que não indemnizado; não
acontece quando há indemnização por incapacidade pelo anterior. Em civil, temos sempre que
fazer a diferença, já que o estado patológico anterior não pode ser indemnizado, tendo apenas
que retirar apenas o que resultou do traumatismo.
3) Em trabalho, tudo é gratuito e pode pedir-se revisão por cada ano civil, alegando agravamento
da situação; em civil não.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Incapacidade Temporária Profissional Absoluta: Corresponde ao período durante o qual a vítima


esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional habitual. Integram desde logo
este período os tempos correspondentes a internamente em serviço de saúde e os de necessidade de
repouso absoluto, sem prejuízo dos decorrentes das especificidades da profissão em causa.
Descreve-se em número de dias de incapacidade. Algumas situações clínicas podem envolver
vários períodos de ITPA, decorrentes, por exemplo, de eventuais complicações, recaídas, recidivas
ou cirurgias.

Incapacidade Temporária Profissional Parcial: Corresponde ao período em que a vítima passou a


ter pelo menos 50% da capacidade necessária para desenvolver a sua actividade profissional
habitual, ainda que com limitações. Descreve-se em número de dias e taxas de incapacidade. A
incapacidade temporária converte-se em permanente decorridos 18 meses consecutivos, podendo
ser requerido exame pericial para (re)avaliar o respectivo grau de incapacidade. Verificando-se que
ao sinistrado está a ser prestado tratamento clínico necessário, este prazo pode ser prorrogado até
ao máximo de 30 meses, pelo Ministério Público, a pedido da entidade responsável.

Danos Permanentes:
o Incapacidade Permanente: Corresponde à perda da capacidade de trabalho em resultado de
uma ou mais disfunções, como sequela(s) final(ais) da(s) lesão(ões) inicial(ais), sendo a
disfunção total designada por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer
trabalho. Podem existir diversos níveis de incapacidade permanente: incapacidade
permanente parcial (IPP), incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual
(IPATH) e incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA). É
determinada tendo em conta a globalidade das sequelas do caso concreto sendo a
quantificação dessas sequelas concretizada através da TNI.
o Dependências: As dependências podem ser temporárias ou permanentes, sendo valorizadas
mais frequentemente, enquanto tal, as permanentes.

Obrigação de participação ao Tribunal de Trabalho pela Seguradora do AT ou DP:

As Incapacidades Permanentes devem ser participadas aos Tribunais de Trabalho até 8 dias,
a contar da cura clínica, por escrito.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

As mortes, imediatamente, por telecópia ou outra via de registo escrito de mensagens com o
mesmo efeito, o que não invalida a participação formal, no prazo de 8 dias, a contar do falecimento.
As Incapacidades Temporárias superiores a 12 meses, por escrito, no prazo de 8 dias a
contar da sua verificação.
As Incapacidades Transitórias convertem-se em permanentes decorridos 18 meses, podendo
ser requerido exame pericial para avaliar o respectivo grau de incapacidade.
Este prazo pode ser prorrogado até ao máximo de 30 meses pelo Ministério Público, a
pedido da entidade responsável.
Podemos, pois, identificar: uma fase conciliatória e uma fase contenciosa.

A revisão terá lugar quando se modifique a capacidade de ganho por:


- Agravamento
- Recidiva
- Recaída ou melhoria da lesão
- Intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese
- Formação ou reconversão profissional

No caso de recidiva ou agravamento, o direito às prestações em espécie mantém-se após a


alta, seja qual for a situação nesta definida, e abrange as doenças intercorrentes relacionadas com as
consequências da doença profissional.
Algumas notas importantes:
 As prestações de Acidente de Trabalho e Doença Profissional são irrenunciáveis.
 Obrigatoriedade da participação dos AT e DP.
 Processo judicial completamente gratuito para as vítimas ou familiares
 Existência de fundo de garantia e actualização de pensões
 Infracção da Companhia de Seguros se não pagar e da empresa se não estiver
segura.
 As vítimas de AT não necessitam de fazer o ónus da prova.
 As lesões verificadas a seguir ao acidente presumem-se dele (a empresa tem de
provar o contrário).

Também devemos saber que doença profissional se distingue de doença natural e de


acidente de trabalho. Assim:
A doença diz-se profissional porque tem uma ligação com a actividade profissional, o que
não quer dizer que todas as doenças que tenham uma conexão profissional sejam consideradas
doenças profissionais. Caracteriza-se pela causa e pela circunstância em que ocorre.
Distingue-se do acidente sobretudo pela forma de actuação do agente – o acidente corre
subitamente e a doença insidiosamente.

Prediposição Patológica (Lei nº 98/2009 – art. 11º)


A predisposição patológica não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido
ocultada. (ou tiver sido causa única da lesão ou doença)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Dados complementares: (DL 352/2007)


Sempre que seja considerado adequado ou conveniente, pode o tribunal solicitar parecer às
entidades competentes, sobre as efectivas possibilidades de reabilitação do sinistrado.
O processo deve conter obrigatoriamente:
a) Inquérito profissional.
b) Estudo do posto de trabalho.
c) História clínica.
d) Exames complementares de diagnóstico necessários.

Aumento do valor da incapacidade:


Quando a extensão e gravidade do défice funcional inclinar para o valor mínimo do
intervalo de variação dos coeficientes, os peritos podem aumentar o valor da incapacidade global
no sentido do máximo, tendo em atenção:
a) Estado geral da vítima (capacidades físicas e mentais)
b) Natureza das funções exercidas, aptidão e capacidade profissional
c) Idade (envelhecimento precoce)

Princípio da Capacidade restante (regra de Balthazard):


No caso de lesões múltiplas, o coeficiente global de
incapacidade será obtido pela soma dos coeficientes parciais,
segundo o Princípio da Capacidade Restante, calculando-se o
primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo
anterior ao acidente e os demais à capacidade restante,
fazendo-se a dedução sucessiva do coeficiente(s) já tomados
em conta. (art. 5º/d)
No caso de lesões múltiplas que respeitem a funções
diferentes, o coeficiente global de incapacidade será determinado pela soma dos coeficientes que
correspondem a cada situação. O primeiro dos coeficientes considerado referir-se-á à capacidade do
sinistrado anterior ao acidente e os demais reportar-se-ão à mesma capacidade, feita, porém,
dedução do coeficiente já tomados em conta. (art. 8º/e)

Factor de Bonificação 1.5


Em caso de perda de função inerente ao posto de trabalho, os coeficientes de incapacidade
previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível
em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais. A incapacidade será igualmente corrigida
com a multiplicação pelo factor 1,5 quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (posto
de trabalho) e se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou
mais.

Estado Anterior (Tem regras próprias previstas na Lei 98/2009)


Para a valorização das incapacidades, e relativamente a um eventual estado anterior, deverá
ter-se em consideração o seguinte: quando existe uma incapacidade por acidente de trabalho
anterior, o cálculo da incapacidade global relativa ao acidente em avaliação, não é feito
relativamente à capacidade integral do sinistrado (100%) mas sim em relação à capacidade restante,
Eduardo Figueiredo 2016/2017

tendo em conta a IPP anterior. Nestes casos, se houver agravamento do estado anterior na
sequência do novo acidente, ou quando o estado anterior agravar as lesões/sequelas devidas ao
acidente em causa, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo resultasse deste último, a não ser que
pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido indemnização
em capital. No caso da incapacidade anterior resultar de outra etiologia que não acidente de
trabalho, o cálculo da incapacidade global é feito relativamente à capacidade integral do indivíduo
(100%).

2. O panorama português relativamente à peritagem médico-legal no âmbito da reparação do


dano pessoal pós-traumático e a tabela nacional de incapacidades em Acidentes de Trabalho e
Doenças Profissionais.

Vantagens da Tabela de Incapacidades:

 Mantém o equilíbrio e a harmonia (permitem a uniformização de critérios –


igualdade de tratamento para situações equiparáveis).
 Controlam a indisciplina / subjectividade do perito.
 Facilitam os acordos extrajudiciais.
 Os coeficientes de incapacidade arbitrados têm um valor indicativo (não é
vinculativa).

Desvantagens da Tabela de Incapacidades:

 Valorizam as sequelas de forma imprecisa, acautelando pouco o rigor científico.


 Não têm em consideração a capacidade restante.
 Muitos peritos sujeitam-se passiva e acriticamente aos valores arbitrados nas
tabelas (as tabelas devem dar só um valor indicativo).

Tabela Nacional de Incapacidades (DL 352/2007, de 23 de Outubro)

1. A presente Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) tem por objectivo fornecer as bases de
avaliação do prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho e doença
profissional, com redução da capacidade de ganho.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

2. As sequelas de que resultem incapacidades permanentes são designadas em números,


subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos.
3. A cada situação de prejuízo funcional corresponde um coeficiente (%) que traduz a perda da
capacidade de trabalho, sendo a disfunção total designada como incapacidade permanente
absoluta para toda e qualquer profissão, expressa pela unidade.
4. Sempre que circunstâncias excepcionais o justifiquem, pode ainda o perito médico afastar-se
dos valores dos coeficientes previstos, inclusive nos valores iguais a 0,00 expondo
claramente e fundamentando as razões que a tal o conduzem e indicando o sentido e a
medida do desvio em relação ao coeficiente.
5. As incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são
avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou equivalente.
6. A atribuição da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual deve ter em
conta a capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta
incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade,
concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente.
7. Quanto ao ónus da prova:
a. Se a lesão corporal/perturbação/doença for reconhecida a seguir a um acidente,
presume-se consequência deste.
b. Se a lesão corporal/perturbação/doença não for reconhecida a seguir a um acidente,
compete ao sinistrado ou beneficiários legais provar que foi consequência deste.
8. Confere também direito à reparação a lesão/doença que se manifeste durante o tratamento e
que seja consequência de tal tratamento.

4. Conceitos utilizados na prática pericial.

Conceito de Acidente de Trabalho (Lei 98/2009)

Ver art. 8º, 9º, 14º e 15º.


Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 8: Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil

Como vimos, a avaliação do dano corporal trata-se de definir em termos técnicos e num
quadro jurídico determinado, as lesões e os elementos de dano susceptíveis de serem objecto de
sanção penal e/ou de indemnização, benefícios sociais, etc.
Em Direito Civil, visa-se a reparação integral do dano, isto é restabelecer tão exactamente
quanto possível o equilíbrio destruído pelo dano e recolocar a vítima, a expensas do responsável, na
situação em que esta se encontraria se o facto produtor das lesões não tivesse ocorrido
Podemos pois, identificar como seu principal objectivo a definição em termos técnico-
científicos, as lesões e os parâmetros de dano que poderão ser objecto de indemnização, tendo em
vista a reparação, reabilitação e reintegração da vítima.
Quanto à sua metodologia:
 Descrever os danos na pessoa na perspectiva da vivência do trauma e das sequelas (3D)
 Determinar nexo de causalidade e data de cura/consolidação
 Quantificar os parâmetros de dano (patrimoniais e não patrimoniais)
 Orientar a definição das ajudas e adaptações tendo em vista promover a Reintegração,
Autonomia e Independência.

Na avaliação do dano corporal de natureza cível, contemplam-se danos temporários e


permanentes, patrimoniais (económicos - susceptíveis de avaliação e reparação pecuniária
(despesas e perda de ganho) e não patrimoniais (não económicos - mais uma compensação do que
uma indemnização (saúde, bem-estar, beleza, perfeição física, honra, bom-nome)), dentro do
princípio geral da reparação integral dos danos, importando que esta valoração seja, como sempre,
isenta, imparcial e o mais objectiva e fundamentada possível, definindo-se os conceitos usados e
identificando-se os métodos e técnicas utilizados. A valoração dos diversos parâmetros de dano é
feita a nível do capítulo “Discussão”.

Danos Temporários:

Défice funcional temporário (total ou parcial): Corresponde ao período durante o qual a


vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu
condicionada a sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social
(exclui-se aqui a repercussão na actividade profissional). Poderá ser total ou parcial, coincidindo a
primeira situação com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, e iniciando-se a
segunda logo que a evolução das lesões passe a consentir algum grau de autonomia na realização
Eduardo Figueiredo 2016/2017

desses actos, ainda que com limitações. Descreve-se em número de dias de défice funcional
temporário total e de défice funcional temporário parcial. As incontornáveis dificuldades na fixação
objectiva de taxa(s) de défice funcional temporário parcial justificam que, pericialmente, se
determine apenas o número de dias a ele correspondente, sem se proceder a qualquer valoração
numérica em pontos.

Repercussão temporária nas actividades profissionais (total ou parcial): Corresponde ao


período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou
da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos actos inerentes à sua
actividade profissional habitual. Poderá ser total ou parcial. O tempo de repercussão temporária
absoluta (total) nas actividades profissionais envolverá desde logo os períodos de internamento e/ou
de repouso absoluto, entre outros, passando a repercussão temporária parcial nas actividades
profissionais logo que a evolução das lesões consinta algum grau de autonomia na realização dessas
mesmas actividades, ainda que com limitações. Valora-se em número de dias de interrupção
temporária absoluta das actividades profissionais e número de dias em que as mesmas foram
concretizadas com limitações

Quantum doloris : Constitui um parâmetro de dano que corresponde à valoração do


sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários (entre a
data do evento e a cura ou consolidação das lesões). Excepcionalmente, e nas circunstâncias adiante
assinaladas, poderá ser valorado também como dano permanente. Para esta valoração é
fundamental a entrevista médica que deve permitir apreender a vivência do traumatismo sofrido
pela vítima (circunstâncias peri e pós-traumáticas). A sua valoração será expressa através de uma
escala quantitativa de sete graus de gravidade crescente (1/7 a 7/7), podendo recorrer-se, a título
orientativo, a tabelas indicativas do quantum de dor correspondente a cada situação lesional,
nomeadamente e por exemplo, à Tabela de Thierry e Nicourt. É obrigatória a fundamentação da
valoração atribuída a este parâmetro de dano.

Danos Permanentes:

 Afectação Permanente da Integridade Físico-psíquica: Trata-se de um parâmetro de


dano que corresponde à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa,
constitutiva de um défice funcional permanente com eventual repercussão nas actividades da vida
diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais. A
afectação da integridade físico-psíquica constitui uma redução definitiva do potencial físico, psico-
sensorial e/ou intelectual resultante de um dano anátomo-fisiológico medicamente constatável, e
como tal apreciável através de um exame clínico apropriado, completado pelo estudo dos exames
complementares eventualmente realizados, à qual se juntam os fenómenos dolorosos e as
repercussões psicológicas normalmente associadas à alteração sequelar descrita, assim como as
consequências na vida diária, objectiva e habitualmente associadas a essa alteração. É avaliado
relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos), podendo, eventualmente, traduzir-
se num compromisso total dessa capacidade. Além do que à utilização da TIC se refere, é
obrigatória a fundamentação deste dano quer através da descrição correcta e pormenorizada das
queixas e sequelas, nos respectivos capítulos, quer através da implicação deste dano na autonomia
Eduardo Figueiredo 2016/2017

e independência da pessoa. Deve ter-se a consciência plena de que a pontuação atribuída à


afectação permanente da integridade físico-psíquica, não corresponde de forma alguma a uma
unidade de medida rigorosa e absoluta, mas sim a uma unidade de apreciação.

 Dano Futuro: considerando-se exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que
constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica,
habitual e inexorável do quadro clínico.

 Repercussão na Actividade Profissional: Corresponde ao rebate das sequelas no


exercício da actividade profissional habitual da vítima (actividade à data do evento), isto é, na sua
vida laboral. A fundamentação deste dano é obrigatória, designadamente através da sua descrição
correcta e pormenorizada no capítulo das queixas situacionais, no que às questões laborais diz
respeito. Pode ser compatível ou impeditivo da actividade profissional.

 Dano Estético: Corresponde à repercussão das sequelas, numa perspectiva estática e


dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afectação da imagem da vítima quer em
relação a si próprio, quer perante os outros. Pode ser um dano estético (ex.: cicatriz) ou dinâmico
(ex.: claudicação da marcha), devendo ser tido em conta o seu grau de notoriedade e o desgosto
manifestado/vivenciado pela vítima (considerada a sua idade, sexo, estado civil e estatuto
socioprofissional), e assinalada a sua eventual possibilidade de recuperação, designadamente
cirúrgica. A valoração do Dano Estético é expressa através de uma escala quantitativa de sete graus
de gravidade crescente (1/7 a 7/7). Um dano estético temporário poderá ser incluído no âmbito da
avaliação do Quantum Doloris.

 Repercussão nas Actividades Desportivas e Lúdicas: Corresponde à impossibilidade


estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas actividades lúdicas, de lazer e de convívio
social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espaço de
realização e gratificação pessoal. A sua valoração pode ser feita através de uma escala com sete
graus de gravidade crescente (1/7 a 7/7). Trata-se de um dano não económico, devendo ser sempre
muito bem fundamentado.

 Repercussão na Actividade Sexual: Corresponde à limitação total ou parcial do nível de


desempenho/gratificação de natureza sexual, decorrente das sequelas físicas e/ou psíquicas, não se
incluindo aqui os aspectos relacionados com a capacidade de procriação. Este dano é
frequentemente subavaliado ou não avaliado, dada a relevância de outras sequelas graves mas,
sobretudo, devido a algum preconceito e reserva que ainda subsiste na abordagem deste tema, por
parte de peritos e vítimas. Este dano é distinto do dano na capacidade reprodutora que, a existir,
será valorizado em pontos, no âmbito da alteração da integridade físico-psíquica. Constitui,
também, um dano não económico, quantificado numa escala com sete graus de gravidade crescente
(1/7 a 7/7).

 Dependências: As dependências podem ser temporárias ou permanentes, sendo


valorizadas mais frequentemente, enquanto tal, as permanentes. Estas dependências podem ser
Eduardo Figueiredo 2016/2017

relativas a diversos tipos de necessidades: ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares.


Estas ajudas, sublinha-se novamente, podem ser temporárias ou definitivas.

Reparação do dano corporal:


A prova pericial é essencialmente médica e apresenta-se sob a forma de um relatório onde se
descreve o resultado dos exames efectuados, se interpretam os resultados e onde se elabora um
conjunto de conclusões devidamente fundamentadas.
Estrutura:
• Preâmbulo (entidade requisitante e identificação do examinando)
• Informação (história do evento, dados documentais, antecedentes)
• Estado actual (queixas, exame objectivo, exames complementares de diagnóstico)
• Discussão
• Conclusões

Informações
História do evento:
 Idade e profissão actual e à data do evento;
 Dia do acidente, hora, local;
 Tipo e mecanismo do evento traumático;
 Circunstâncias da ocorrência;
 Hospitais em que foi socorrida e transferências;
 Resumo das lesões, internamentos, tratamentos, consultas e data da alta definitiva;
 Data da retoma da profissão;
 Actividades desportivas, lúdicas ou de lazer.

Dados Documentais:
 Fazer um resumo dos dados existentes;
 Torná-los compreensíveis para o jurista;
 Manter uma sequência cronológica;
 Referenciar a fonte de informação.

Antecedentes:
1. Pessoais
- Patológicos e/ou traumáticos relevantes, fornecidos pela vítima e confirmados, se possível,
por documentação.
- Importante para estabelecer o nexo de causalidade.
- Particular interesse no caso de crianças e idosos.
2. Familiares

Estado actual: Capítulo que visa a avaliação global da pessoa, fundamentada quer nas queixas da
vítima quer no exame médico propriamente dito. É constituído por 3 partes:
Queixas: comportam sempre um componente de subjectividade; trata-se de uma descrição
de forma detalhada das alterações funcionais e limitações para as actividades da vida diária,
afectiva e social, bem como para a vida profissional ou de formação.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Exame objectivo:
1. Estado geral (consciência; orientação temporo-espacial; colaboração; estado geral; lado
dominante; tipo de marcha)
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
- Descrição pormenorizada das sequelas (cicatrizes, amiotrofias, dismetrias, alterações da
mobilidade e sensibilidade…)
- Descrever de cima para baixo, de fora para dentro e da direita para a esquerda (fazer
sempre que possível referência ao lado contra-lateral)
- Fotodocumentar
3._Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento
- Descrição de sequelas existentes resultantes de eventos anteriores ou posteriores
4. Exames complementares de diagnóstico: Solicitados durante a perícia, visam um melhor
esclarecimento e avaliação da situação
- Imagiológicos
- Electrofisiológicos
- Exames de Especialidades …

Discussão: é um capítulo fundamental onde o perito analisará, numa linguagem acessível a


todos, os vários componentes do dano resultante, relacionando as lesões com as alterações
encontradas e com as queixas do examinando, de modo a fundamentar as suas conclusões.
Deve consignar os seguintes aspectos:
1. Admissão do nexo de causalidade traumatismo/dano. (Critérios de Muller e
Cordonnier-Simonin, 1925)
 Natureza adequada do traumatismo para produzir as lesões
evidenciadas.(Verosimilhança)
 Natureza adequada das lesões a uma etiologia traumática. (Certeza Diagnóstica)
 Adequação entre a sede do traumatismo e a sede da lesão. (Concordância do Lugar)
 Intrvalo de tempo entre o acto ou evento e o aparecimento das lesões (Adequação
Temporal)
 Exclusão da pré-existência do dano relativamente ao traumatismo. (Integridade pré-
existente da região ou da função atingida)
 Continuidade evolutiva (Encadeamento anátomo-clínico).
 A realidade do facto ou do evento associada ás lesões observadas (Exclusão de uma
causa estranha ao traumatismo).

Estado anterior: Estado que se verificava imediatamente antes, ou seja, no momento da


ocorrência do factor causador da lesão objecto de valoração.

2. Determinação da data da cura/consolidação médico-legal das lesões.

Médico hospitalar – data de alta das consultas (cicatrização cutânea, visceral, óssea,
resolução do quadro clínico ou momento em que deixa de necessitar de acompanhamento por
especialidade hospitalar).
Médico de Família – data em que termina a baixa e retoma o trabalho.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Perito Médico-Legal
Cura: reconstituição completa da situação anterior (ausência de sequelas), isto é quando volt
a ficar como estava antes do evento traumático ter ocorrido, recuperando integralmente, tanto do
ponto de vista anatómico, como funcional e psico-sensorial – restitutio ad integrum.
Consolidação: momento em que as lesões se fixam e adquirem carácter permanente, não
sendo necessário mais tratamentos, a não ser para evitar um agravamento, e em que é possível
apreciar um certo grau de incapacidade permanente que constitui um prejuízo definitivo.
 Assume-se que o estado sequelar não é susceptível de melhoria ou de
agravamento
 Dificilmente coincidem com a data do exame ML
 Não coincide, necessariamente, com o início da actividade profissional

Cura/consolidação ainda não verificada:


 Propor novo exame
 Excepcionalmente, prever uma data de acordo com a normal e esperada evolução da situação
clínica.

Cura/consolidação já verificada:
 Confirmar a data proposta por outro(s) médico(s)
 Fundamentar a não concordância com a data proposta por outro(s) médico(s) e propor outra
 Propor uma data de acordo com registos clínicos (presentes ou que solicita)
 Propor uma data de acordo com a evolução normal e esperada naquele tipo de situação clínica.

3. Análise e valoração dos parâmetros de dano temporário.


4. Análise e valorização dos parâmetros de dano permanente.

Afectação Permanente da Integridade Físico-Psíquica


Tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil (TIC) (Decreto-Lei nº
352/2007, de 23 de Outubro - Anexo II)  É uma tabela de carácter meramente indicativo.
Na utilização da TIC devem atender-se às indicações seguintes:
 Valoriza-se não só o dano no corpo como a sua repercussão funcional e para as
actividades da vida diária;
 Nas situações em que a TIC apenas contempla o défice completo, a avaliação de sequelas
que impliquem apenas um défice parcial, deve ser feita tendo em consideração os pontos
correspondentes à perda total;
 Na pontuação a atribuir a cada sequela, segundo o critério clínico, deve o perito ter em
conta a sua intensidade e gravidade, do ponto de vista físico e bio-funcional, bem como o sexo e a
idade da vítima;
 Cada sequela deve ser valorada apenas uma vez, mesmo que a sua sintomatologia se
encontre descrita em vários capítulos, excepcionando-se o caso do Dano Estético. Não se valorarão
as sequelas que estejam incluídas ou derivem de outra, ainda que descritas de forma independente;
 As situações sequelares não descritas na tabela serão avaliadas por analogia, isto é, por
comparação com as situações contempladas e quantificadas.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 É obrigatória a indicação no relatório do(s) número(s) de código e respectiva valorização a


que se recorreu para a determinação do valor de cada sequela, bem como a metodologia usada para
a determinação afectação da integridade físico-psíquica (prévia incapacidade permanente geral) -
Regra da Capacidade Restante ou pontuação equivalente à afectação global do(s) órgão(s) ou
função(ões) -, sendo sempre também obrigatória a fundamentação do afastamento dos valores
propostos na TIC.
 Nas sequelas múltiplas sinérgicas, isto é, envolvendo a mesma função, deve proceder-se
ao somatório directo da pontuação de cada uma delas, ajustando-se o valor final por comparação
com a pontuação mais elevada correspondente à perda total da função ou órgão, que não poderá ser
superada;
 Nas sequelas não sinérgicas, isto é, naquelas que envolvam órgão(s) e/ ou funções
distintas, a determinação da afectação da integridade físicopsíquica deverá atender ao valor da
afectação global do(s) órgão(s) ou função(ões), sendo que os pontos obtidos terão, necessariamente,
de ser inferiores à soma das pontuações isoladas. Se, no caso das sequelas múltiplas, não for
possível proceder desta forma, deve o perito recorrer à utilização da Regra da Capacidade Restante
(Regra de Balthazar);
 Em casos devidamente fundamentados, pode o perito ajustar os valores obtidos através
do cálculo da capacidade restante, por comparação com as pontuações correspondentes à perda dos
órgãos ou funções em causa.

Conclusões possíveis: Deve fazer-se a descrição pormenorizada das queixas e sequelas e


implicação na autonomia da pessoa.
. Data da cura/consolidação médico-legal das lesões fixável em (data).
. Período de défice funcional temporário total, fixável em (dias).
. Período de défice funcional temporário parcial, fixável em (dias).
. Período de repercussão temporária total na actividade profissional, fixável em (dias).
. Período de repercussão temporária parcial na actividade profissional, fixável em (dias).
. Quantum doloris (QD), fixável no grau X/7.
. Afectação permanente da integridade físico-psíquica, fixável em x pontos.
. As sequelas descritas são, em termos de repercussão na actividade profissional (compatíveis,
esforços suplementares, impeditivas).
. Dano estético (DE), fixável no grau X/7.
. Repercussão na actividade sexual, fixável no grau X/7.
. Repercussão nas actividades desportivas e lúdicas, fixável no grau X/7.
. Dependências.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 9: A intervenção médica-pericial em casos de violência doméstica

Referimo-nos à intervenção médica-pericial em situações de: abuso em menores, abuso em


mulheres e abuso em idosos. Localizamo-nos no seio das perícias realizadas no âmbito do direito
Penal (o que engloba casos de violência doméstica/maus-tratos; crimes sexuais; crimes contra a
integridade física.)
No caso de abusos em mulheres, a violência contra a mulher é considerada como qualquer
acto violento baseado no género que resulta, ou há probabilidades de que resulte, em dano ou
sofrimento físicos, sexuais ou psicológicos para a mulher, incluindo ameaças, coerção ou a arbitrária
privação de liberdade, quer ocorra publicamente ou em privado. (Declaração da ONU , 1993)
Violência é o todo o tratamento físico e/ou emocional, não acidental e inadequado,
resultante de disfunções nas relações entre a vítima e o agressor no contexto de uma relação de
confiança, poder e dependência. A vítima fica privada dos seus direitos e liberdades, afectando de
forma concreta ou potencial a sua saúde, bem-estar, dignidade e desenvolvimento (físico,
psicológico e social, no caso de menores).
Tipos de violência: (1) abuso financeiro/material; (2) abuso físico; (3) abuso
psicológico/emocional; (4) negligência; (5) abuso sexual.

Violência durante o ciclo de vida: (OMS)

Tácticas utilizadas pelo agressor:


 Coerção e ameaças;
 Intimidação da vítima;
 Abuso emocional
 Isolamento da vítima e utilização da culpa como arma;
 Usar crianças em prol da violência;
 Abuso económico;
 Utilizar a superioridade de género como táctica.

Ciclo da violência:
 Abuso – o agressor abusa da vítima, seja qual for o tipo de abuso.
 Culpa – o agressor (por vezes, a vítima) sente-se culpado pelo abuso.
 Desculpa – o agressor desculpa-se perante a vítima.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Comportamento normal
 Fantasia/planificação – agressor e vítima planeiam uma maneira de repararam a
relação danificada.
 Reconciliação – reconciliação de ambos, que conduz, muitas vezes, a novas situações
de abuso.

É o art. 152º do CP que prevê o crime público da violência doméstica.

Situações de abusos de menores


O crime de maus-tratos está previsto no art. 152º-A CP. Considera-se que a criança ou jovem
está em perigo, designadamente, se encontra numa destas situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria
b) Sofre de maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal
d) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e
situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento.
e) Está sujeita a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu
equilíbrio emocional
f) Assume comportamentos ou se entrega a consumos que afectem gravemente a sua saúde,
segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem
tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

A identificação de factores de risco serve de guia da prevenção e da intervenção: a sua


análise deve ser guiada pelo bom-senso, analisando o maior número de fontes de informação
possível para avaliação global do risco efectivo a que está exposta a vítima e para minimizar a
possibilidade de erro de avaliação. Isoladamente esse factor pode não constituir um efectivo facto
de risco.

Notas a ter em consideração:


• Qualquer criança pode ser objecto de abuso. Em cada um pode haver sobreposição de
diferentes tipos de abuso.
• Aos sintomas de qualquer tipo de abuso associam-se sempre sintomas de abuso
emocional.
• Os sinais, mas sobretudo os sintomas, variam conforme a gravidade do abuso, o sexo, a
idade da vítima, a sua capacidade para reagir e a existência de estruturas de apoio no seu meio.
• Podem existir situações de abuso, sem que existam sinais / sintomas evidentes e em que a
vítima revele uma relação saudável com o abusador (+ nos grupos etários mais baixos)
• Podem existir sintomas sugestivos de abuso sem que estes se verifiquem de facto.

Indicadores de uma situação de abuso:


Veja-se que a maior parte dos sinais ou sintomas não são patognomónicos de determinado
tipo de abuso.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Psicológico De abuso físico Comportamentos agressivos, Dificuldades na auto-regulação


emocional, Dificuldade na integração no grupo de pares,
Actividades delinquenciais, Baixa auto-estima, Percepção negativa
de si, Internalização de problemas
De abuso sexual Ansiedade; depressão; crises de pânico; Baixa auto-estima;
desânimo, impotência, insegurança, desconfiança; Isolamento
social; Ambivalência afectiva; Desenvolvimento de uma
sexualização traumática; Alteração de comportamento; Mentira
compulsiva; Redução do rendimento escolar; Comportamentos
regressivos
De abuso emocional Tristeza persistente; Baixa auto-estima; Atraso generalizado do
desenvolvimento; Baixo rendimento escolar; Comportamentos de
oposição; Internalização de problemas; Desenvolvimento de
quadros psicopatológicos; Comportamentos autodestrutivos.
Físico Os indicadores físicos, como determinadas lesões ou sequelas
deverão ser sempre valorizados no contexto da história e do
resultado do exame médico-legal, bem como de outros eventuais
exames complementares de diagnóstico que possam ser realizados,
sendo de destacar os de psicologia forense.

Mecanismos mais comuns: Murros, bofetadas e pontapés; Beliscão


e mordeduras; Empurrão e abanões; Traumatismos com objetos
contundentes, cortantes, perfurantes, mistos; Compressão de parte
do corpo com mãos, laços; Queimaduras; Intoxicações

Factores de suspeita: Inadequação / ausência / mudança nas


explicações; Tempo de evolução e atraso na procura de assistência;
Discrepância entre o aspeto observado e a história da produção;
Lesões em diferentes estadios de evolução; Lesões em locais pouco
comuns aos traumatismos de natureza acidental; Lesões em
diferentes localizações; Lesões figuradas; Reflexos de defesa; Lesões
com determinadas características

Diagnósticos Diferenciais: Acidentes; Patologias; Sequelas pós-


operatórias ou lesões iatrogénicas; Lesões devido a práticas de
medicinas tradicionais; Malformações; Condições morfológicas
(nevus, mancha mongólica); Simulação; Lesões auto-infligidas

Regras de abordagem da criança/jovem:


1º - Primeira Abordagem
 Apresentar-se
 Explicar minimamente o motivo da abordagem
 Tranquilizar e transmitir confiança
 Não emitir:
o Juízos de valor
o Falsas expectativas ou promessas
Eduardo Figueiredo 2016/2017

2º - Exame médico-legal
- Colheita de informação (junto de quem acompanha a criança ou com entrevista directa à
criança – para evitar a vitimização secundária e a contaminação do relato da criança face ao
exame de psicologia forense que deve sempre ter lugar.)
- Exame físico (com a concordância e colaboração da criança para a realização do exame
físico, colheita de vestígios e fotodocumentação.)
-Colheita, preservação e envio de amostras.

3º Exame de psicologia forense


- Avaliação do desenvolvimento da criança, do seu enquadramento sociofamiliar
- Informações sobre o evento
- Avaliação do impacto psicológico
- Apurar a veracidade ou credibilidade de testemunho

4º Exames complementares de diagnóstico

Devemos valorizar sinais/lesões quanto ao: tipo (feridas contusas, perfurantes, cortantes,
mistas, queimaduras); Localização; Número e dimensões; Forma; Gravidade; Mecanismo e grau de
violência com que denotam ter sido produzidos; Período de tempo desde a sua produção;
Adequação entre elas e a história/explicação quanto à sua produção; Outro diagnóstico diferencial
que as possa explicar.
A informação colhida deve ser sistematizada de acordo com a sua pertinência, importando
sobretudo destacar a informação relevante sobre o processo a partir do discurso da criança e de
outros dados disponíveis. É muito importante a sistematização, análise e interpretação dos dados
colhidos.

É de destacar o Protocolo de Colaboração criado em 2011 entre o CPCJ, SNS e INMLCF,


cujos principais objectivos são:
 Proteger crianças e jovens de violência, especialmente de abuso sexual, assegurando
observação no mais curto espaço de tempo/ melhores condições;
 Prevenir vitimização secundária
 Assegurar adequada colheita e acondicionamento de vestígios ou amostras
susceptíveis de se perderem
 Garantir as boas práticas na realização de exames médicos e na colheita e
acondicionamento de vestígios
 Garantir a salvaguarda da cadeia de custódia
 Respeitar os procedimentos legais no âmbito da denúncia de crime público

Fracturas muito específicas de abuso:


 Fracturas metafisárias  Fracturas da extremidade externa da
 Fracturas costais clavícula
 Fracturas da omoplata  Fracturas vertebrais ou subluxação
 Fracturas dos dedos em lactentes
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Fracturas do crânio bilaterais e  Fracturas simultâneas em diferentes


complexas “idades” (datação das lesões)

Fracturas menos específicas de abuso:


 Fracturas mediais da clavícula
 Fracturas únicas dos ossos longos
 Fracturas simples (lineares do crânio)

O caso específico do Shaken Baby Syndrome


Deve-se ao facto de que, por vezes, os pais abanam o bebe com bastante intensidade (devido
ao seu choro contante, etc…) e como o seu crânio é bastante pesado face ao corpo (10-15% peso
corporal) e o seu cérebro é ainda delicado, o impacte constante do cérebro nos ossos do crânio
podem causar danos internos sérios que podem nomeadamente conduzir à morte da criança sem,
no entanto, deixar marcas externas.

Situações de abusos em idosos


Os profissionais de saúde podem ser as únicas pessoas na vida da vítima com oportunidade
para reconhecerem o abuso e proporcionarem ajuda. No entanto, os médicos raramente denunciam
situações de abuso, apesar de ocuparem a posição ideal para o fazerem. A maioria dos casos de
abuso ocorre em ambiente doméstico e é perpetrado por familiares ou cuidadores pagos. Há uma
menor prevalência de abuso por parte dos cuidadores institucionais (com menor nº de horas de
contacto).

Factores de Risco:
Factores individuais da vítima Género feminino (classicamente);
Idades >75 anos;
Incapacidade física / intelectual;
Quadros demenciais
Factores individuais do agressor Familiares (filho; cônjuge);
Drogas de abuso / consumo abusivo do álcool;
Inexperiência / período prolongado como cuidador;
Eduardo Figueiredo 2016/2017

História de abuso em criança;


Personalidade hipercrítica;
Expectativas irrealistas
Factores relacionais Dependência financeira /emocional / habitacional
do abusador em relação à vítima; Transmissão
intergeracional da violência; História de
relacionamento interpessoal difícil; Coabitação e
superlotação; Excesso de lealdade para o abusador e
interiorização da culpa
Factores sociais e comunitários Isolamento social (poucos contactos sociais);
Carência de suporte social (recursos e sistemas de
suporte); Discriminação em função da idade; Outras
formas de discriminação; Cultura de violência;
Factores sociais e económicos

Elementos de suspeita: Situação conflituosa entre o paciente e alegado abusador; Recusa do


cuidador em deixar o paciente sozinho com o médico; Vestuário inadequado; Ausência de óculos,
prótese auditivas, próteses dentárias…; Despreocupação evidente na nutrição e higiene, com
aparência, depressão ou outros indícios de tristeza; Evidência de restrição física; Atraso na procura
de assistência médica; Disparidade nas explicações fornecidas pela vítima e cuidador.

Nesse caso:

Entrevista Separar a vítima do cuidador; Permitir tempo para resposta; Do geral para o
específico; Linguagem e questões adequadas ao nível de instrução; Respeitar
diferenças culturais e étnicas; Sem confrontos / acusações / frustrações; Determinar
se existe défice cognitivo; Mais que uma entrevista… / outros profissionais
Exame Objectivo Estado geral; Superfície corporal geral; Região anogenital (crimes sexuais)

Critério quantitativo – lesões múltiplas;


Critério qualitativo – diversos tipos de lesões ;
Critério cronológico – diferentes fases de evolução;
Critério topográfico – não se localizam em zonas salientes habitualmente atingidas
nos traumatismos de natureza acidental

Diagnósticos diferenciais: Achados cutâneos; Hemorragias; Fracturas; Malnutrição;


Achados ano-genitais; Doenças de base
Orientação Estabelecer a urgência da situação e a necessidade de chamar médico legista; Ligar
144 (Linha de emergência da Segurança Social); Associação de Apoio à Família e à
Criança; APAV; GNR E PSP; Informar os serviços judiciais e sociais.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 10: A intervenção médica-pericial em casos de agressão sexual

Agressão sexual é toda a actividade sexual na qual uma vítima é forçada ou constrangida a
participar por um determinado agressor, com ele próprio, consigo mesma ou com uma terceira
pessoa, contra a sua vontade, por manipulação afectiva, física, material ou abuso de autoridade, de
maneira evidente ou não, seja o agressor conhecido ou não, haja ou não evidência de lesão ou
traumatismo físico ou emocional, e independentemente do sexo das pessoas envolvidas.
Artigos do Código Penal contra a liberdade e autodeterminação sexual:
 Art. 163º - Coacção Sexual
 Art. 164º - Violação
 Art 165º - Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência
 Art. 166º - Abuso sexual de pessoa internada
 Art. 170º - Importunação sexual
 Art. 171º - Abuso sexual de crianças.
 Art 172º - Abuso sexual de menores dependentes.
 Art 173º - Actos sexuais com adolescentes.

Os agressores sexuais tendem a ser conhecidos da vítima, de classes socioeconómicas mais


baixas, com antecedentes semelhantes. Costumam realizá-lo em local frequentado pela vítima e de
forma solitária.

Factores de Risco:

Características individuais Da vítima • Vulnerabilidade em termos de idade e de necessidades


• Na dependência e sob o poder do agressor
• Personalidade e temperamento não ajustados ao do
agressor
• Perturbação da saúde mental ou física (handicap)
Do agressor • Alcoolismo e toxicodependência
• Perturbação da saúde mental ou física
• Antecedentes de comportamento desviante
• Personalidade imatura e impulsiva, baixo auto-control e
auto-estima, reduzida tolerância às frustrações, grande
vulnerabilidade ao stress
• Antecedentes de terem sofrido maus tratos
• Atitude intolerante, indiferente ou excessiva/ ansiosa
face às responsabilidades familiares
• Incapacidade para admitirem que a vítima foi ou possa
ter sido maltratada e incapacidade para lhe oferecer
protecção no futuro
• Baixo nível económico e cultural, desemprego, excesso de
vida pessoal ou profissional que dificulta o estabelecimento
de relações positivas
Contexto social e cultural • Aceitação social da desigualdade
• Força física, poder económico e estatuto social superiores
• Vulnerabilidade das mulheres, menores e idosos
Eduardo Figueiredo 2016/2017

• Influência de valores sociais existentes


• Violência como método socialmente aceite para resolver problemas ou
para estabelecimento de identidade
Contexto familiar • Família monoparental, reconstituída ou com filhos de outras relações
• Família desestruturada, relação disfuncional no casal
• Crises na vida familiar
• Mudança frequente de residência ou emigração
• Famílias com problemas sócio-económicos e habitacionais

Os exames são realizados a pedido: (1) da vítima /seus representantes; (2) unidades
hospitalares; (3) associação de apoio; (4) entidades policiais ou judiciárias.

Em caso de suspeita de agressão sexual:


 Colher informação sumária sobre o caso (saber o quê, quando, como… Devemos evitar
vitimização secundária)
Estabelecer a urgência da situação e a necessidade de chamar médico legista. São
factores de urgência:
 Ejaculação é detectável até 72 horas.
 Casos de violência, dor ou hemorragias
 Casos de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.
Para actos urgentes ou exames por marcação, deve dirigir-se o sujeito ao INMLCF, IP.
Também podem ser feitos os exames nas unidades hospitalares, em casos urgentes. Se não houver
um perito médico-legal, pode ser feito por outro médico de acordo com o protocolo.

 Fornecer informação sobre preservação de eventuais vestígios


 Não mudar de roupa nem a lavar. Se mudou de roupa conservar a que usava na
ocorrência. Conservar ainda fraldas, toalhetes, pensos higiénicos, tampões,
preservativos, etc.
 Não tomar banho nem lavar qualquer parte do corpo
 Não lavar as mãos nem limpar as unhas
 Não escovar os dentes nem lavar a boca
 Não pentear o cabelo
 Evitar urinar ou defecar (se necessário, colher para contentor) previamente à
observação
 Não comer, beber ou fumar
 Preservar o local onde decorreu o abuso

 Tranquilizar e transmitir confiança à vítima


 Definir a forma de intervenção inicial
 Contactar outros profissionais da rede
Orientar /proteger a vítima

O Exame médico-legal é constituído pela fase de recolha de informações (entrevista), exame


de vestuário, exame físico, exames complementares e relatório.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

A entrevista é o ponto de partida, onde vai ser feito o relato do evento e das circunstancias
que o rodeiam, orientando o perito na sua actuação pericial, seja no exame físico, como ma
determinação de amostras a recolher ou na necessidade de acompanhamento médico posterior da
vítima. Quanto ao modo como deve ser feita a entrevista, ter em consideração os seguintes pontos:
 Planeamento prévio Local (privacidade, conforto, adequado à idade...)
 Colheita de informação no mais curto espaço de tempo após o evento
 Primeiro faz-se a entrevista a pais, familiares, outras acompanhantes e depois à
vítima, em separado.
 Sem interrupções e uma única entrevista
 Abordar assunto neutro para dar início à entrevista
 Adequar a linguagem à idade da vítima
 Explicar as “regras” da entrevista
 Convite à narrativa através de perguntas abertas, sem repetições
 Dar tempo de resposta e aceitar lacunas nas respostas /ocultação. A abordagem
deve se feita em funil
 Utilizar conhecimentos da técnica de entrevista forense
 Compreender as dificuldades da vítima
 Imparcialidade e objectividade
 Open mind e evitar o carácter julgador
 Considerar todas as alternativas possíveis
 Cautela na interpretação de elementos aparentemente inexplicáveis

No exame do vestuário deve analisar-se a roupa vestida à data da agressão/depois. Deve


ainda proceder-se ao registo de achados – para tal, a vítima deverá despir-se em cima de um lençol
ou papel branco de captação. É importante manipular o menos possível o vestuário. As peças
devem ser secas ao ar livre e acondicionadas individualmente em sacos de papel, ou, em
alternativa, deve proceder-se à realização de uma indicação anexa ao saco de papel a alertar o
laboratório para o facto de o vestuário estar humedecido/molhado. O envio ao laboratório deve ser
rápido.
No exame físico, devemos ouvir as queixas do sujeito e depois proceder ao exame objectivo
do seu estado geral e identificação das lesões e sequelas relacionáveis com o evento ou não
relacionáveis com o mesmo. Quanto à análise do seu estado geral, interessa analisar:
 Orientação temporo-espacial
 Colaboração, tipo de discurso
 Estadio psicológico adequado ou não à idade
 Peso, altura, tipo constitucional
 Idade aparente e estadio de Tanner
 Membro dominante
 Tipo de marcha Exame

O exame físico de lesões e sequelas relacionáveis com o evento deve ser feito com material
apropriado (máscara, touca e lucas) e abrange a superfície corporal geral, a cavidade oral e a região
genital ou peri-genital.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Superfície Corporal geral:


 Descrição das lesões
o Número, dimensões, cor, forma, distância, direcção, características.
o Quanto à natureza: Equimose, edema, hematoma, escoriação, ferida, queimadura,
mordedura
o Quanto à sede: Zonas de apoio; Zonas de contenção; Zonas de protecção; Zonas
particularmente susceptíveis; Cavidade bucal e dentes; Restante superfície corporal.
o Por imobilização / contenção – braços, coxas, punhos, tornozelos
o Por tentativas de calar a vítima – face, pescoço, boca, orofaringe, freios da língua e
lábios
o Intenção de atordoamento – cabeça
o Sinais de apoio forçado – pélvis, escápulas, joelhos, cotovelos, ombros, região
lombar, mãos
o Sinais de agressividade sádica – sugilações, mordeduras e feridas
 Fotografar, assinalar em diagramas corporais
 Informação quanto à origem
 Efectuar colheitas no decurso das diversas fases do exame

Técnicas de observação da região genital e anal: (1) posição de rã; (2) posição genupeitoral;
(3) tracção labial; (4) separação labial.

Região Vulvar:
 Hímen
o Forma, cor e padrão vascular
o Altura (máxima e mínima)
o Descrição do bordo livre (regular/irregular), consistência, pregas, apêndices,
entalhes, soluções de continuidade traumáticas (recentes/ não recentes)
o Consistência
o Permeabilidade do ostíolo himeneal
o Descrever os achados e localizá-los em função de um mostrador de relógio
o Ter em atenção a fossa navicular e freio dos pequenos lábios e a elasticidade
o Soluções de continuidade himeniais – normalmente situam-se nas zonas mais altas
do hímen. Se recente os bordos são desiguais, hiperémicos, friáveis e edemaciados.
 Vagina e colo do útero

Se possível deve-se fotografar e utilizar o colposcópio com solução aquosa a 1% de corante


azul de toluidina, ácido acético a 1% e/ou luz de Wood.
Lesões mais comuns na região genital feminina: equimose, lacerações, escoriações, eritema e
edema.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Região anal:
Analisar: Simetria das pregas anais; Pigmentação e distribuição pilosa, Tónus do esfíncter;
Descrever e localizar apêndices, fissuras, lacerações; Indicar sempre a posição de observação; Azul
de toluidina; Cicatrizes.
Antecedentes patológicos: Prurido; Fissuras; Obstipação; Intervenções cirúrgicas; Doença
Inflamatória/Intestinal
Em caso de sodomia recente: Sangue; Fissuras; Eritema; Escoriações; Esperma/lubrificante
no canal anal.
Em caso de sodomia crónica: Atonia do esfíncter anal; Cicatrizes; Atenuação das pregas
anais; Fístulas / Proctite; Diminuição da pilosidade; Hemorróidas.
Lesões mais comuns na região genital masculina: Lacerações; Mordeduras; Edema;
Escoriações; Equimoses.

Deve haver colaboração entre o perito médico-legal e os serviços de ginecologia, obstetrícia,


pediatria, infecciologia, dermatologia, urologia e Assistência Social.

Exames complementares de diagnóstico:


 Exames de psiquiatria e/ou psicologia forenses
 Estudos de genética e biologia forense
 Estudos de criminalística não biológica
 Estudos toxicológicos
 Exames microbiológicos
 Exames imagiológicos
 Teste de gravidez

Vestigios biológicos:

Sangue ◦ Colheita na vítima:


Sangue fresco – zaragatoa estéril
Sangue seco – zaragatoa com água destilada
Sangue seco em cabelos ou pêlos – cortar e colocar num papel de captação
◦ Secar ao ar frio e colocar em sacos de papel; Conservar a 4º ou congelar a -20ºC
Sémen ◦ Zaragatoas estéreis
Cavidade oral – até 6 a 8h
Região anorrectal – até 24h
Cavidade vaginal – até 72h Outras
◦ Limpeza da mancha (zaragatoa com água bidestilada)
Saliva ◦ Zaragatoa oral (em tubos de eppendorf)
◦ Limpeza de mordeduras com água destilada (zaragatoas)
Raspado das ◦ Cortar as unhas/ raspado subungueal (zaragatoas )
unhas ◦ Envelopes de papel
Pêlos ◦ Pentear com um pente a região genital e guardar os pêlos e o pente num envelope de
papel
Urina ◦ Colheita normal em frascos de plástico com tampa
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Há diagnóstico de contacto sexual em casos de gravidez ou presença de sémen em amostras


colhidas do corpo da vítima.
São achados fortemente sugestivos de traumatismo e/ou contacto sexual:
 Traumatismo recente dos genitais externos ou região perianal
o Lacerações recentes (agudas) ou equimoses extensas/ exuberantes do hímen, lábios,
pénis, escroto, peri-anais, períneo
o Laceração recente (aguda) do freio dos lábios
 Traumatismo não recente – cicatriz peri-anal ou do freio dos lábios
 IST (excluídos modos de transmissão não sexual)

São achados indeterminados:


 Soluções de continuidade incompletas posteriores do hímen (4-8 horas) em pré-
púberes
 Soluções de continuidade incompletas ou completas às 3 ou 9h
 Altura himenial posterior <1mm
 Dilatação anal marcada e imediata ≥ 2cm, na ausência de fatores predisponentes

Geralmente não resultam vestígios:


 Cicatrização rápida e geralmente das lesões anogenitais
 Tipo de acto sexual (ausência de penetração)
 Penetração sem lesão (jovens)
 Ejaculação fora das cavidades ou uso de preservativo
 Lavagem frequente
 Actos fisiológicos

Em jeito de conclusão: quanto mais precocemente seja feito o exame médico-legal, maior e
mais fácil será a colheita e preservação de vestígios. É imperativo uma adequada valorização da
sintomatologia e da informação prestada pela vítima pelo perito. A ausência de lesões traumáticas e
de vestígios biológicos não invalida a possibilidade de se ter verificado abuso sexual.

Excurso: Gestão de vestígios forenses em matéria de abusos sexuais


Os vestígios físicos ou biológicos revestem-se de particular importância em termos de prova, designadamente nos
de assalto sexual agravado, não apenas como prova do contacto sexual e das circunstâncias que o envolveram, mas
também, do local onde o mesmo teve lugar e da identificação do autor. Trata-se, todavia, de amostras frequentemente
frágeis e susceptíveis de ser perderem, contaminarem ou alterarem, pelo que especiais cuidados têm que ser tidos em conta
para evitar tais ocorrências potenciais. É também importante poder provar a salvaguarda da cadeia de custódia no que
concerne a todo o processo de gestão destes vestígios. Por tudo isto, é fundamental que o perito médico responsável pela
sua colheita, seja detentor de conhecimentos e treino nesta área, para que todo o processo decorra sem incidentes e seja
garantido em tribunal o valor da prova obtida.
Assim, a gestão de vestígios deve obedecer aos seguintes passos:
1) Selecção com base na informação do EMF 5) Preenchimento correcto e completo da ficha de
2) Colheita de forma adequada, evitando requisição de análises laboratoriais.
contaminação. 6) Armazenamento das embalagens, com ficha e kit.
3) Secagem adequada 7) Selagem do kit, etiquetagem e conservação.
4) Embalagem individualizada, selagem e 8) Transporte do kit para o laboratório, nas
etiquetagem condições adequadas
Tema 11: Tipos de Ferimentos: natureza, mecanismos de produção, características, etiologia,
descrição e documentação.

1. Noção de agente externo e tipos de agentes.

Agente Externo - É toda a fonte de energia física ou química externa capaz de produzir no corpo
humano lesões anatómicas e/ou funcionais – lesões traumáticas.

Classificação dos agentes externos:


 Mecânicos
 Físicos
o Resultantes da acção do calor: fogo ou chama calor radiante objectos sólidos ao rubro
ou em fusão gases – vapor/gases em ignição, etc. Lesões traumáticas: queimaduras.
o Resultantes da acção do frio: localizada; generalizada. Lesões traumáticas:
queimaduras.
o Resultantes da acção da electricidade:
 Industrial (alta ou baixa voltagem)
 Atmosférica
 Estática
 Lesões traumáticas: queimadura ou marca eléctrica na pele; queimaduras nos
órgãos internos; fracturas e luxações; roturas musculares e vasculares, etc.
o Resultantes de substâncias radioactivas e radiações nucleares ou de ondas
electromagnéticas. Lesões traumáticas: queimaduras, radiodermites, etc…
 Químicos
o Resultantes da acção de sustâncias químicas que em contacto com a pele ou mucosas,
reagem quimicamente produzindo alterações desorganizativas e de destruição
celular.
o Ex: substâncias cáusticas (ácidos, bases e gases bélicos) e corrosivas (sais metálicos)
o Lesões traumáticas: - queimaduras químicas
 Biológicos
o Resultantes da acção de seres vivos: insectos; medusas; peixes; batráquios; plantas.
Lesões traumáticas: queimaduras.

2. Agentes externos mecânicos.

Aqueles em que há a transformação em energia cinética de uma força mecânica aplicada ao corpo
humano. As lesões traumáticas localizam-se, de algum modo, em contiguidade com a área de acção
do agente. Exercem acção de natureza contundente, cortante, perfurante ou mista.

Lesão ou ferimento - dano em qualquer parte do corpo devido à aplicação de uma força mecânica.
Surge quando a intensidade da força aplicada excede a capacidade dos tecidos de se adaptarem ou
resistirem.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Factores de variação da força em jogo: 1 – Massa do corpo actuante; 2 – Velocidade de impacto; 3


– Área de aplicação da força; 4 – Natureza dos órgãos alvo; 5 - Transferência de energia cinética; 6 -
Modo de actuação das forças.
A maior parte das lesões traumáticas atingem a superfície corporal e consequentemente a
pele, o órgão de revestimento do corpo humano – é constituída por epiderme; derme; tecido celular
subcutâneo (hipoderme).

2.1. Acção de natureza contundente.

Acção de natureza contundente: Caracteriza-se pelo contacto de um objecto duro, de superfície


plana ou romba, animado de uma força viva mais ou menos considerável, com uma área da
superfície corporal de extensão variável. Há vários tipos de instrumentos contundentes:
o Objectos ou utensílios – pedra, pau, martelo, pá, tijolo, coronha de arma, cassetete,
bengala, etc.
o Partes do corpo humano – cabeça, mãos, unhas, pés e dentes.
o Superfícies de embate – solo, paredes, peças de mobiliário, veículos automóveis, árvores,
paredes, superfícies aquáticas, etc.

Estes instrumentos podem originar diferentes lesões corporais, de acordo com as características
do instrumento e com a violência do traumatismo. Podem ser:
o Lesões traumáticas externas:
o Contusão superficial – Equimose / Hematoma
o Abrasão - Esfoliação/Escoriação
o Ferida contusa
o Lesões traumáticas internas:
o Contusão profunda
o Fractura ósseas
o Laceração / Esfacelo de órgãos

As três primeiras não têm grande importância clínica, mas têm uma enorme importância em
termos médico-legais, devendo ser correctamente estudadas, descritas e interpretadas. Dão-nos
informações valiosas, muitas vezes indispensáveis para a resolução de casos judiciais tais como a
produção vital ou postmortem dos ferimentos, a direcção e, por vezes, o sentido do traumatismo, a
ocorrência de luta, a forma do instrumento que as produziu, etc.

Numa acção de natureza contundente, podemos ter um dos vários diagnósticos diferenciais:
o Lesões traumáticas produzidas post-mortem:
o Por mordeduras de insectos ou roedores;
o No transporte do cadáver;
o Na autópsia.
o Lesões traumáticas produzidas à distância.
o Lesões de origem não traumática (ex. petéquias).
Eduardo Figueiredo 2016/2017

É fundamental distinguir as características vitais ou post-mortem dos ferimentos, para


reconhecer se determinadas lesões observáveis no cadáver foram feitas em vida ou se resultaram,
por exemplo, do seu arraste para um lugar diferente daquele onde ocorreu a morte.

2.2.Tipos de lesões contusas e suas características.

Contusão superficial: É o resultado de uma acção contundente exercida perpendicular ou


obliquamente sobre a superfície corporal, com integridade a nível da epiderme, não criando ainda
solução de continuidade.

Nestas lesões, existe rotura dos vasos com extravasamento de sangue que infiltra os tecidos –
equimose - ou colecção de sangue em cavidade neoformada – hematoma. A sua coloração vai
variando com o decorrer do tempo, desde a sua formação até ao seu desaparecimento completo (7-
15 dias): inicialmente vermelho-violácea, torna-se azulada, depois esverdeada e, por fim, amarelada
antes de desaparecer. A evolução da cor de uma contusão superficial não nos fornece dados
precisos sobre o seu tempo de evolução, antes dá-nos uma noção de evolução e havendo múltiplas
lesões com colorações distintas podemos afirmar que as agressões se sucederam durante vários
dias. São especialmente importantes em situações de maus-tratos.
Se o traumatismo ocorre à distância da região em que aparecem as lesões, não se deve falar em
equimose mas sim em infiltração sanguínea.

Abrasão (Esfoliação/Escoriação): É o resultado de uma acção contundente exercida


obliquamente, por deslizamento entre duas superfícies, com solução de continuidade da epiderme.

Ferida Contusa: Acção contundente exercida perpendicular ou obliquamente sobre a superfície


corporal, de intensidade que determina solução de continuidade de todas as camadas da pele, de
bordos irregulares, escoriados e esmagados, com área equimótica, de fundo irregular com pontes de
tecido.

Lesões modeladas: São lesões traumáticas, que podem ser escoriações, equimoses ou feridas
contusas, cuja morfologia e características permitem a identificação do instrumento que as
produziu.

Estigmas ungeais: são lesões traumáticas, geralmente escoriações, podendo estar associadas a
equimoses, resultantes da aplicação das unhas na pele.

Mordeduras: As lesões têm a forma de 2 arcos interrompidos, opostos e rodeados por equimose.
Ocasionalmente podem desenhar certas particularidades da arcada dentária do autor (ex. falhas)
que, sendo observadas podem possibilitar a sua identificação.

Contusão profunda: Produzida por um traumatismo de grande intensidade que dá origem a


uma infiltração hemorrágica em profundidade, no plano muscular e/ou visceral. Pode associar-se
ou não a escoriações ou contusões na superfície corporal. Assim, a existência de lesões cutâneas
obriga sempre a investigar a existência de lesões profundas. No plano muscular, a infiltração pode
Eduardo Figueiredo 2016/2017

ocorrer por contusão directa, ou por infiltração hemorrágica a partir de um foco de fractura vizinho.
A contusão visceral surge com mais frequência em órgãos maciços (cérebro, fígado, baço, rins, etc).

Fracturas ósseas: Lesão contusa, resultado de um traumatismo violento que dá origem a uma
solução de continuidade do osso.

Lesões traumáticas complexas: Lesões traumáticas em que se associam aspectos das diversas
lesões traumáticas referidas, resultantes de associação de mecanismos traumáticos de diferentes
acções ou de sobreposição do efeito dos mesmos.

2.3.Características vitais das lesões.

Características vitais:
o Infiltração sanguínea dos tecidos;
o Retracção dos tecidos;
o Formação de crosta;
o Supuração.

Já as lesões post-mortem são lesões cobertas por placas ressequidas, duras, amarelo-acastanhadas,
sem infiltração sanguínea dos tecidos (Placas apergaminhadas).

2.4. Conceito de arma branca.

Armas brancas são instrumentos lesivos que, manejados manualmente, lesam a superfície
corporal por acção de um gume, uma ponta ou ambos.

2.5. Características das lesões provocadas por instrumentos de natureza cortante,


perfurante, corto-perfurante, corto-contundente e perfuro-contundente.

Tipos de feridas produzidas:


o Por instrumentos cortantes
o Por instrumentos perfurantes
o Por instrumentos corto-perfurantes
o Por instrumentos corto-contundentes

Acção de natureza cortante – Caracteriza-se pelo contacto linear, exercido pelo comprimento do
gume do objecto no corpo humano. Nesse contacto predomina o comprimento sobre a superfície e a
profundidade. São vários os tipos de instrumentos de natureza cortante:
o São os que têm um ou mais gumes: lâminas, facas, arestas de vidro, de cerâmica, etc.
o No fundo, são aqueles providos de uma lâmina a qual, através de um mecanismo de
pressão e/ou deslizamento, produz uma ferida.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Estes podem conduzir à produção de uma ferida incisa: solução de continuidade da pele,
fusiforme, de bordos rectos e nítidos, sem lesões macroscópicas, de extremidades angulosas (em
ponta de V) e fundo da ferida regular. Em suma:
o Aspecto fusiforme.
o Lineares, tendo como dimensão mais importante a extensão.
o Limpas, apresentando bordos regulares, sem contusão nem pontes tecidulares.
o Chamam-se cauda de rato, aos extremos da ferida incisa, onde ela se torna mais
superficial:
o Cauda inicial, de ataque e cauda final ou terminal, de saída.
o A última geralmente mais comprida (podemos pois saber a direcção e o
sentido da agressão).

Morfologias das feridas incisas:


o Lineares
o Em retalho
o Mutilantes
o Atípicas:
o Escoriações
o Em ziguezague
o Irregulares

Uma agressão com arma cortante é um incidente dinâmico e com movimentos quer do
agressor, quer da vítima, que raramente se encontra numa posição anatómica estática. Quanto ás
considerações médico-legais a fazer:
o Sobre o instrumento: dimensões; tipo; afunilamento da lâmina
o Sobre os movimentos do instrumento na ferida
o Sobre o modo como o instrumento foi utilizado profundidade; direcção
o Sobre a quantidade de força usada

Acções de natureza mista: Caracteriza-se pela combinação de dois modos de acção, o que leva à
produção de lesões traumáticas com características de ambos os componentes.

Instrumentos corto-perfurantes: Aqueles em que se combinam a acção cortante (de um ou dois


gumes do instrumento) com a perfurante (do maior comprimento do instrumento): punhal, faca,
canivete, navalha, tesoura, etc.
Ferida corto-perfurante: Apresentam-se em regra, com um componente na pele, que é uma
ferida incisa, e com o componente perfurante do trajecto nos tecidos e órgãos subjacentes, de bordos
rectos e nítidos, e extremidades angulosas, sendo a profundidade deste trajecto maior que o
comprimento e largura da entrada na pele.

Instrumento corto-contundente: Aqueles em que se combinam a acção cortante (de um ou dois


gumes) com o efeito de uma grande força viva, contundente, resultante do peso considerável do
próprio instrumento (ou da violência no seu manejo): machado, sabre, etc. O efeito cortante é
coadjuvado pelo peso da arma (efeito contundente), sendo por isso mais lesivos (exº machado).
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Quanto maior for o peso da arma, maior será a acção contundente e, quanto mais afilada for a
lâmina, maior será a sua acção cortante.
Feridas corto-contundentes: Apresentam-se em regra, com um componente na pele, que é uma
ferida incisa, e com o componente contundente que nos é dado por exemplo por uma fractura óssea
subjacente, ou um esfacelo de uma víscera maciça. Estas feridas diferem das feridas cortantes por
terem bordos mais irregulares e com orla de contusão, atingirem planos mais profundos, não
respeitando as estruturas mais duras como o osso e não apresentarem cauda. Da mesma forma,
diferem das feridas contusas porque não têm pontes tecidulares a unir os bordos e atingem
estruturas mais profundas.

3. Problemas médico-legais:

Etiologia Médico- Legal


Não basta, na maioria dos casos, a observação e o estudo das feridas existentes, sendo necessário
conjugar as suas características com outras informações:
o Por exemplo, no exame do local, a existência de sinais de luta (móveis desarranjados,
objectos partidos, etc.), impressões digitais, manchas de sangue não pertencentes à
vítima, pêlos, pistas de suicídio, etc.
o É de igual modo importante conhecer antecedentes pessoais como psicoses, estados
depressivos, tentativas anteriores de suicídio, etc.
o O diagnóstico de acidente é difícil, muitas vezes de exclusão.

Quanto às características das feridas:


São suspeitas de suicídio aquelas que atingem locais de importância vital como a região pré-
cordial, face lateral do pescoço, punhos, flexuras dos cotovelos ou varizes dos membros interiores.
Estas feridas deverão ser compatíveis com o gesto da vítima: nos indivíduos dextros, aparecerão
predominantemente no lado esquerdo, acontecendo o contrário nos sinistros. Habitualmente
existem feridas de ensaio (pouco profundas e localizadas junto à ferida principal). O vestuário é
habitualmente poupado, isto é, o suicida lesa quase sempre zonas desnudadas.
São suspeitas de homicídio aquelas que se traduzem como múltiplos e graves ferimentos em
locais muito diversos, sobretudo onde a vítima não poderia chegar facilmente e pouco compatíveis
com gestos do próprio; quando são identificáveis lesões de defesa, que resultam da tentativa de
defesa da vítima (exº: feridas contusas ou incisas na palma da mão e/ou bordo cubital do
antebraço); quando há feridas muito extensas e profundas no pescoço (sobretudo na face antero-
lateral direita em dextros) e contusões à volta da boca e do nariz e no pescoço (por vezes estigmas
ungueais); quando o vestuário está danificado; Igualmente importante é a existência de dedadas de
sangue no vestuário ou no corpo da vítima em locais que ela dificilmente pudesse tocar.

Identificação da arma
Em regra, apenas podemos determinar a natureza do instrumento, isto é, se é contundente,
cortante, perfurante, etc. Outras vezes, havendo um instrumento suspeito, podemos pronunciar-nos
sobre se ele poderia ou não ter produzido as lesões apresentadas pelo cadáver. Só num pequeno
número de casos, é possível determinar o instrumento específico (lesões figuradas).
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Ordem de produção dos ferimentos


Temos de partir de alguns pressupostos (a ausência de sinais vitais numa ferida, indica que ela
foi produzida após outras feridas com características vitais. Quando todas as feridas foram
produzidas pela mesma arma e se esta, no decurso da agressão, sofreu uma ou mais mossas,
tornando-se irregular, as feridas ocorridas posteriormente serão igualmente mais disformes; etc.).

Posição relativa agressor-vítima: Por vezes, é possível determinar a posição do agressor em


relação à vítima, atendendo a alguns elementos como o local e direcção da ferida e as estaturas do
agressor e da vítima.
Violência das lesões: Podemos estimar a violência com que se produziu a lesão, avaliando o
número, a profundidade dos ferimentos e o grau de destruição tecidular.

Etiologia Médico-Legal das causas de morte


o Etiologia médico-legal acidental
o Instrumentos de natureza contundente: acidentes de viação, quedas, acidentes de
trabalho.
o Instrumentos de natureza cortante ou corto-perfurante: acidentes domésticos e de
trabalho.
o Etiologia médico-legal suicida
o Instrumentos de natureza contundente: queda de local elevado (defenestrações,
quedas de pontes, etc.).
o Instrumentos de natureza cortante ou corto-perfurante: degolação, secção de vasos
periféricos, região pré-cordial, etc.
o Etiologia médico-legal homicida
o Instrumentos de natureza contundente: objectos/utensílios actuando sobre a cabeça.
o Instrumentos de natureza cortante ou corto-perfurante: facas, punhais, actuando no
pescoço ou tórax.

4. Lesões de defesa e lesões auto-infligidas

As feridas de defesa têm um considerável significado médico-legal:

• Indica que a vítima estava, pelo menos no início, consciente;


• Indica que a vítima estava, pelo menos inicialmente, não imobilizada ou capaz de usar os
membros para se proteger das lesões, verificando-se estas nos antebraços, mãos e menos
frequentemente nas pernas;
• Indica que a vítima não foi apanhada completamente de surpresa.
• Resultam mais frequentemente de murros, pontapés ou agressões com objectos contundentes
ou cortantes;
• Classicamente localizadas nos antebraços e mãos, que são instintivamente levantados para
proteger os olhos, face e cabeça;
• Podem ser infligidas nas coxas, quando dirigidas aos genitais.

Podem assumir várias formas:


Eduardo Figueiredo 2016/2017

o Equimoses: face anterior e bordo cubital dos antebraços, pulsos, face dorsal das mãos e
articulações.
o Escoriações.
o Fracturas: ossos do carpo, metacárpicos e dedos.
o Feridas incisas: flexuras das falanges, no primeiro espaço interdigital

Feridas de defesa com instrumentos cortantes:


• Feridas de defesa activas: ocorrem quando a vítima agarra a faca com a mão, as lesões localizam-
se na face palmar da mão;
• Feridas de defesa passiva: desferidas quando a vítima levanta as mãos ou braços para proteger a
região corporal atacada. Presente em 30% a 50% das vítimas. Mais de 2/3 das lesões de defesa são
localizadas no braço ou mão esquerdas.

Feridas de defesa produzidas por instrumentos de natureza contundente:


• Localização idêntica às produzidas por instrumento cortante. Lesões infligidas nas coxas
resultam provavelmente de tentativas de atingir, com pontapés, os genitais ou a metade inferior do
corpo.
• As lesões mais frequentes são as equimoses e escoriações na face dorsal das mãos, pulsos e
antebraços. As lacerações podem ocorrer em zonas de pele que assentam sobre superfícies ósseas.
As vítimas raramente apresentam fracturas de ossos da mão. Um local clássico de fractura é a do
cubital.

Quando falamos de lesões intencionais autoinfligidas são frequentemente não fatais e


podem estar associadas a tentativas de:
o Auto-destruição;
o Alterações mentais;
o Perspectiva de lucro;
o Simular agressão.

Devem estas ser diferenciadas umas das outras e ser diferenciadas de lesões de natureza
acidental ou de etiologia homicida ainda que a distinção possa ser difícil ou até mesmo impossível.
O diagnóstico baseia-se em:
o Características da lesão (contusões, feridas, etc.)
o Localização da lesão
o Acessibilidade da zona onde se situa a lesão
o Fisiopatologia e mecanismo lesivo
o Análise dos indícios.

Lesões auto-infligidas:
1. Simulação de ofensa criminal.
a) Alegada falsa violação;
b) Simular um assalto ou agressão por outros motivos

2. Auto-mutilações com visto a fraudes de seguros.


Eduardo Figueiredo 2016/2017

3. Auto-mutilação ou simulação de doença em doentes do foro psiquiátrico


4. Atitudes suicidas.

Quanto ás lesões auto-infligidas sem fins suicidas:


• Indivíduos com patologia psiquiátrica que mutilam o próprio corpo.
• Indivíduos com objectivo de obtenção de lucro.
• Indivíduos que pretendem simular agressão (incriminar alguém ou para chamar a atenção sobre
si próprios).

Destaca-se aqui o chamado “síndrome de Munchausen” – simulações repetidas de doença ou


de pequenas lesões auto-infligidas com o objectivo de dar entrada no hospital e ter tratamento
médico e atenção.
Também existe o “síndrome de Munchausen por procuração” – Um progenitor reiteradamente
provoca lesões na criança, ocasionalmente fatais, para obter a atenção dos médicos e facilidades
médicas.

Devemos suspeitar que as lesões são auto-infligidas quando:


• Lesões (cortes) superficiais (raramente provocando perigo para a vida, a não ser que infetem).
• Lesões (cortes) que não atingem áreas sensíveis (como a face, por exemplo).
• Lesões (cortes) regulares (profundidade igual na origem e no final).
• Lesões (cortes) habitualmente múltiplas e frequentemente paralelas.
 Evitam zonas vitais ou sensíveis como os olhos, os lábios, nariz e orelhas, sendo
frequentes na face, região frontal e temporal, regiões laterais do pescoço, tórax, ombros, braços e
dorso das mãos e coxas.
 Inconsistentes com ataques praticados por terceiros (não é suposto a vítima manter-se
estática de modo a permitir cortes uniformes e delicados).
 Maioria das lesões localizadas à esquerda (face e mão) em dextros;
 Soluções de continuidade corporais não estão em consonância com as do vestuário
(quando feitas em áreas cobertas por este).

Achados típicos em casos de simulação de ofensa corporal:


• Lesões produzidas por instrumentos cortantes, pontiagudos ou unhas
• Multiplicidade de lesões
• Forma semelhante (cortes não penetrantes e escoriações, uniformes, lineares ou ligeiramente
curvilíneos)
• Agrupadas e/ou paralelas ou cruzadas
• Simetria ou preferência pelo lado não dominante
• Localizadas em zonas corporais acessíveis
• Ausência de soluções de continuidade na roupa ou danos inconsistentes
• Ausência de lesões de defesa
• Por vezes presença de cicatrizes devidas a comportamentos auto-infligidos prévios
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Características das lesões auto-infligidas efectuadas com propósito de fraude de seguros:

• Danos resultam normalmente em mutilações com perda substancial de um segmento periférico.


• Mutilações frequentes dos dedos ou mão.
Nos casos típicos o polegar ou indicador é amputado aproximalmente em ângulo recto em
relação ao seu eixo. Contrariamente às situações não intencionais em que é normalmente
acompanhado de lesões nos dedos adjacentes. Nos acidentes a amputação é habitualmente distal e
parcial, obliquamente em relação ao eixo do dedo.
• Seguro anormalmente elevado feito pouco tempo antes;
• Múltiplos contractos de seguro de acidentes prévios
• Ausência de testemunhas
• Desaparecimento imediato da parte amputada e remoção de vestígios biológicos do local .
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 12: Noções básicas do alcance e limitações das perícias de antropologia forense

A antropologista forense e a medicina legal procuram responder ambas a várias questões


que podem ser colocadas: Quem é? Há momento tempo morreu? Como morreu?
São os médicos legistas que passam o certificado de óbito, embora trabalhem em conjunto
com antropólogos quando os corpos estão esqueletizados.

Os principais objectivos da antropologia forense são:


1) Recuperação dos restos esqueléticos;
2) Identificação do cadáver; (que é sempre um processo comparativo)
3) Causas e circunstâncias da morte.

Quanto aos seus principais contributos para as ciências forenses podemos destacar:
1) Recuperação de restos esqueléticos 8) Desastres de Massa
2) Estimativa do Intervalo Pós-morte 9) Crimes contra a Humanidade
3) Determinação da espécie 10) Identificação nos Vivos
4) Avaliação do Perfil Biológico 11) Estimativa da Idade de Menores
5) Factores de Identidade 12) Estimativa de idade através de imagens /
6) Reconstrução crânio-facial Envelhecimento
7) Causas e circunstâncias da morte

No trabalho de campo, o antropólogo colabora na localização dos vestígios cadavéricos e


tenta maximizar a recuperação de restos humanos. É importantíssimo manter a cadeia de custódia
durante todo o processo.
1) Escavar para expor os vestígios humanos e objectos associados.
2) Registos (topográfico - localização no mundo com coordenadas GPS, fotográfico)
3) Exumação (há que manter a cadeia de custódia)
4) Levar para a sala de autópsias para fazer a perícia:

Quais as 10 primeiras questões a que o antropólogo forense deve responder na sua perícia?
1) É osso?
2) É humano?
Eduardo Figueiredo 2016/2017

É preciso conhecer muito bem a anatomia do osso e a sua variabilidade humana para
responder a estas questões. Por vezes, recorre-se à histologia ou genética para responder a isto.
3) Tempo decorrido desde a morte (é um caso forense?)?
Quando temos um esqueleto, é muito difícil, só pela sua análise saber há quanto tempo
aquela pessoa morreu. Só são casos forenses aqueles que ocorrem até há 15 anos atrás. O contexto e
a evolução da decomposição também nos ajuda muito.
Tempo decorrido desde a morte ou intervalo pós morte: depende do caso concreto. Um sujeito que
tomava muitos antibióticos, decompõe-se mais lentamente; o sujeito que tinha uma grande
hemorragia, decompõe-se mais rápido; depende do calor/frio; sujeito com mais gordura, tendem a
entrar em adipocera.
Há, por isso, alguns métodos para estimar o PMI. Este processo é bastante difícil e complexo,
devendo ser de desconfiar os resultados demasiado precisos e sem taxa associada. Devem dar-se os
resultados através de intervalos.
4) Quais os ossos presentes?
5) Quantos indivíduos estão presentes?

Critérios do Perfil Biológico – São factores gerais de investigação que, só por si não
identificam, mas permitem excluir possíveis vítimas.
6) Ancestralidade – ajuda-nos a perceber qual a origem geográfica daquele
indivíduo. Não significa que tenha nascido ali, mas que os seus ancestrais nasceram ali - europeus,
africanos e asiáticos.
7) Sexo - determinação do sexo masculino ou feminino dos sujeitos. Usa-se sobretudo
a zona da bacia para determinação do sexo. Também o crânio se pode utilizar.
8) Idade - determinação se se trata de um indivíduo não adulto ou um indivíduos
adulto (os métodos são diferentes). Nas crianças, vemos isso através da dentição, grau de maturação
dos ossos, etc... À medida que a idade avança, torna-se mais difícil determinar a idade dos sujeitos,
sendo os intervalos cada vez maiores. Estas técnicas podem ser usadas em pessoas vivas - P.e. Caso
dos refugiados, principalmente em casos de menores não acompanhados e sem documentação. Nos adultos
usamos essencialmente a clavícula, osso da bacia, costelas, dentes, etc...
9) Estatura - medida do osso do braço ou da perna, utilizamos uma fórmula e vemos
a estatura/altura do sujeito.
10) Quais os factores de individualização? São melhores quanto mais incomuns são
na população. (Próteses dentárias, próteses nos ossos, doenças como artroses, etc...)

Há 3 fases do processo de identificação:


Fase I - Parâmetros genéricos - perfil biológico (idade, sexo, ancestralidade, estatura)
Fase II - Parâmetros individualizantes (características anatómicas únicas; características de natureza
patológica e/ou procedimentos terapêuticos)
Fase III – Comparação entre dados obtidos ante mortem e obtidos post mortem.

No apuramento das causas e circunstâncias da morte deve sempre distinguir-se entre o que
é ante, peri e post mortem: É também preciso excluir previamente todas as lesões ósseas provocadas
por factores tafonómicos (danos nos ossos que acontecem depois da morte devido a vários factores,
como animais, clima, etc).
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Outros métodos de identificação:


Reaproximação facial - na maioria dos países não é aceite. Não se conhece a taxa de erro
associada.
Sobreposição facial - esta técnica é aceite como técnica de identificação em países como o
Peru. Aqui não é aceite, porque a taxa de erro é enorme.

Em que outras circunstâncias actua a antropologia forense e quais os seus objectivos?


o Identificação dos restos humanos: Acto forense que dá um nome a um falecido com um grau
de certeza científica, através da comparação entre os dados antemortem e os dados obtidos
postmortem.
o Desastres em massa. Principais objectivos:
o Recuperação dos cadáveres
o Identificação
o Crimes contra a humanidade. Principais objectivos:
o Recuperação dos cadáveres
o Identificação
o Causa e Circnstância da morte
o Identificação de individuos vivos
o Estimativa da idade em indivíduos vivos
o Identificação por foto/vídeo

Desde logo, é importante saber que identificar não se confunde com reconhecer – este
segundo não é um método científico.

Segundo a Interpol, há dois tipos de métodos de identificação:


 Primários (per si é suficiente para identificar) – ex: genética, odontologia, dactiloscopia
 Secundários (Só por si não são aceites como prova pela Interpol. Há que corroborar o
resultado com métodos primários). Tal é discutível. – ex: características médicas e
antropológicas, radiologia.

Da análise antropológica dos restos humanos podem resultar:


1- Identificação positiva
2- Identificação presumida (dados consistentes entre os registos ante e post mortem)
3- Não identificado (exclusão)
4- Não identificado (inconclusivo)
Enquanto muitas vezes é impossível estabelecer a identidade absoluta, é possível excluir a
identidade com absoluta certeza.

Critérios Daubert
São padrões federais norte-americanos especificados, em 1993, em Daubert vs. Merrell Dow
Pharmaceuticals, tidos como um marco nas ciências forenses.
1) A teoria ou técnica foi ou pode ser testada;
2) O método tem sido objecto de revisão pelos pares e de publicação;
3) A taxa de erro da técnica é conhecida;
Eduardo Figueiredo 2016/2017

4) O grau de aceitação da teoria ou da técnica na comunidade científica.

Se estes critérios forem cumpridos, o testemunho do perito é mais fiável e aceitável a nível
judicial. Para todas estas tarefas é necessário: Formação contínua, certificação dos peritos a nível
europeu e regrar o nosso sistema por alguns padrões norte-americanos. Estes métodos devem ainda
ser testados em diferentes ambientes e populações.

Nota: Não confundir!


Causa da morte: Acidente Vascular cerebral; Traumatismo craniano; Asfixia; Intoxicação.
Circunstância da morte : Natural; Homicídio; Suicídio; Acidente.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 13: Noções básicas de Medicina Dentária Forense.

1. Fundamentos teóricos da Medicina Dentária para aplicação forense - identificação.

O método de identificação deve obedecer a um procedimento científico, pelo que, apesar da sua
semelhança e de servirem um propósito comum, é conveniente que se faça a distinção entre
reconhecimento e identificação.
O reconhecimento entende-se como a identificação de algo ou de alguém que já se conhece
previamente; é um procedimento empírico, subjectivo e sem rigor científico.
A identificação médico-legal é definida por um conjunto de características que distinguem um
indivíduo dos restantes, no enquadramento biológico, social, cultural, religioso, jurídico-legal e
económico. Por outro lado, a identificação é executada por técnicos especializados e é caracterizada
pelo uso de técnicas científicas e meios propícios de modo a obter um resultado. O reconhecimento
pode ser utilizado como método secundário e complementar do processo de identificação. O
método científico utilizado no processo de identificação é baseado em cinco pressupostos:
singularidade, imutabilidade, perenidade, reprodutibilidade e classificação de uma característica.
Podemos subdividir este método em cinco unidades de estudo: visual, datiloscópica,
antropológica, genética e dentária.

Para efeitos de identificação de sujeitos, destaca-se o andar inferior da face definido pela
relação entre os dentes de ambas as arcadas dentárias. Nesta interacção considera-se as
características dentárias como o número de peças dentárias, o seu relativo posicionamento e
detalhes anatómicos, com particular destaque para os dentes anteriores, incisivos e caninos. Os
dentes são elementos individualizantes, caracterizados pela sua elevada resistência a agentes
lesivos externos.
A aplicabilidade da unidade de estudo dentária na identificação, pressupõe o conhecimento da
histologia dentária e morfologia dos elementos básicos do sistema estomatognático, os dentes.
Os dentes, como elementos da cavidade oral, per si, 32 definitivos e 20 decíduos (de leite),
podem ser caracterizados face à sua morfologia e odontometrias (mensurações realizadas entre
detalhes anatómicos dentários, podendo ser individuais (num único dente) ou em grupo). Por
outro lado, podemos caracterizar a disposição dos dentes em grupo, nas arcadas dentárias e as suas
interrelações. A análise destes distintos elementos está na base da singularidade da dentadura
humana que corresponde a um dos pressupostos do método de identificação.
Em termos genéricos, o processo de identificação humana neste âmbito engloba o estudo
comparativo dos elementos obtidos no período post mortem com os registos médicos e dentários ante
mortem, eventualmente complementado com a recolha de amostras biológicas para determinação do
perfil genético. Quando os registos dentários ante mortem estão indisponíveis ou incompletos, é
fundamental que as técnicas autópticas procurem preservar a fisionomia facial do cadáver,
atenuando na medida do possível uma eventual desfiguração e facilitando, desse modo, o posterior
reconhecimento visual por familiares ou conhecidos. Daí a importância da autópsia bucal, que
recorrer à utilização novas tecnologias, no processo de identificação humana.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Odontograma: O preenchimento do odontograma compreende o registo das características de


uma dentadura, ou seja, os dentes presentes num determinado momento, bem como as
características das reabilitações de que possa ser portador. Os dentes presentes podem
corresponder a uma dentição decídua (representados por 51 a 55, 61 a 65, 71 a 75 e 81 a 85) ou
definitiva (11 a 18; 21 a 28, 31 a 38 e 41 a 48).
Segundo as orientações da Interpol, os dentes ausentes devem estar assinalados sob a forma de
cruz no odontograma e neste devem igualmente ser registadas eventuais restaurações, reabilitações
dentárias (fixas e removíveis, parciais ou totais, provisórias ou definitivas) ou tratamentos
endodônticos ou pulpares presentes.

2. Marcas dentárias em alimentos e na pele.

Mordida, mordedura, dentada, bitemark ou bite mark, são palavras sinónimas, correspondentes
ao registo total ou parcial, provocado pelos dentes e tecidos circundantes, designadamente a língua
e os lábios. Reflectem o papel das relações interdentárias e respectivas arcadas no ato de morder,
que resulta numa alteração física do meio, produzindo marcas e lesões, pelo contacto humano ou
animal, na pele de indivíduos vivos, cadáveres ou em objectos inanimados relativamente mole.
Para melhor sistematização, considera-se a designação «mordedura» como o ato ou efeito de
morder em objecto e a designação de «mordida» quando em pele humana. O arco dentário de cada
indivíduo é único, em virtude das suas múltiplas características individualizantes, como sejam, por
exemplo, as perdas dentárias, fracturas, restaurações, cáries, entre outras.
Quanto maior o número de características dentárias singulares de um arco dentário, maior a
probabilidade de correlação com um suspeito e maior a individualidade da mordida. Nesta
conformidade, as marcas provocadas pela acção dos dentes são, pois, achados de inquestionável
interesse no sistema judicial, passíveis de correlacionar uma evidência física com um determinado
suspeito.
A análise de registos de mordida tem sido controversa e tem sofrido constantes reajustes ao
longo dos tempos. Inicialmente este estudo baseava-se em parâmetros subjectivos e a publicação de
artigos científicos era escassa.
Os dados utilizados são bastante variados e serão valorados quando comparados com os
obtidos no suspeito. Na análise das marcas de uma mordida efectua-se uma comparação anatómica
e métrica dos dados obtidos na vítima com os do suspeito através de uma sobreposição manual ou
por computador. Ou seja, a análise de uma mordida é um estudo comparativo entre as
características do suspeito e da vítima; em cada um deles, estuda-se a sua relação tridimensional.

- Mordida humana versus não humana -


Numa mordida humana, o registo compreende os dentes anteriores de ambas as arcadas dentárias,
que originará uma impressão oval ou elíptica. A distância intercanina varia de 2,5cm (na dentição
decídua) a 4,5cm (na dentição definitiva). Por outro lado, na mordida não humana constata-se que a
disposição, o volume e a morfologia dentárias são distintos comparativamente com a mordida
humana.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

- Relação mordidas em alimentos versus pele -


As mordidas produzidas em alimentos rígidos (tipo queijo) são mais individualizantes, mais
distintas entre si e mais correlacionadas com as arcadas dentárias do que as infligidas num
substrato deformável, como a pele. A dinâmica tecidular e a distorção postural podem estar
relacionadas com a qualidade da mordida na pele.

3. Identificação em altas temperaturas.


Os dentes são órgãos que resistem, in situ, a altas temperaturas (até 400ºC). São por isso
considerados elementos identificativos de eleição em situações de exposição do corpo humano a
temperaturas elevadas. Esta elevada resistência deve-se ao tecido mineralizado das estruturas
dentárias, bem como ao facto destas se encontrarem protegidas pelo osso envolvente (mandíbula e
maxilar), músculos e tecidos moles da face. O estado que o dente apresenta quando exposto a altas
temperaturas está intimamente relacionado com a temperatura alcançada, as condições ambientais
(abertas ou fechadas), a natureza do comburente, a duração da combustão e a utilização, ou não, de
produtos de extinção.

4. Estimativa de idade por métodos dentários.


Os dentes são autênticas “caixas negras» dos indivíduos, particularmente úteis na estimativa da
idade e na data da morte. Os principais métodos dentários usados na estimativa da idade são
distintos, considerando cada um de dois grupos de indivíduos: não adultos e adultos.
No âmbito da antropologia forense este parâmetro está inserido dentro dos factores genéricos
de identificação, correspondentes ao perfil biológico, que pode posteriormente ser comparado com
o dos indivíduos constantes nas listagens de desaparecidos.
No âmbito da Medicina Dentária Forense, pode auxiliar na resolução de processos civis ou
judiciais, em que se pretende estimar a idade de indivíduos indocumentados e a sua identificação,
em situações de adopção, imputabilidade e pedopornografia.
Não se devem confundir os conceitos de idade cronológica e idade biológica. Enquanto a
primeira se refere ao número real de anos/ meses vividos, ou seja, à idade que consta no
documento de identificação, a segunda é a idade que se aparenta ter e que pode ser estimada
através dos ossos, designada por idade óssea, ou com base nos dentes, designada por idade
dentária. A correlação entre a idade cronológica e a idade dentária não é a ideal, ou seja, a
correlação não é exactamente igual a 1, mas a idade dentária tem vantagem sobre a óssea ao
conseguir uma melhor e mais fiel aproximação.
Destaca-se que o valor obtido de estimativa da idade é mais próximo da idade cronológica nos
indivíduos não adultos comparativamente aos indivíduos adultos. Isto acontece basicamente
porque o crescimento é bastante melhor conhecido que o envelhecimento. Durante o crescimento
há, efectivamente, uma série de alterações quase regulares que estão muito bem correlacionadas
com a idade. Inversamente, quanto mais velho for um indivíduo, menos indicadores etários existem
e, sobretudo, por estes serem multifactoriais e, implicitamente, mais variáveis, a correlação da idade
estimada e a idade cronológica está longe de ser a ideal.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 14: Asfixias mecânicas

Asfixia: Normalmente está associada a uma “falta de ar/oxigénio”. Etimologicamente


significa, falta de pulso. Os sinais gerais de asfixia são: petéquias (pequenos pontos vermelhos no
corpo, normalmente localizados na mucosa labial devido à ruptura de vasos), cianose (cor azulada
da pele, associada à concentração de CO2 no sangue), congestão e edema, fluidez sanguínea,
engorgitamento do coração direito (coração mais inchado do lado direito). Estes sinais pode
também ocorrer noutros tipos de mortes (como mortes por causa cardíaca) de tal modo que por si
só estes sinais não bastam para se dizer que houve asfixia.

Mecanismos de morte: Obstrução das vias aéreas; Oclusão das veias do pescoço;
Compressão das artérias carótidas; Compressão nervosa; Mecanismo misto: reflexo e congestivo;
Traumatismo directo; Restrição dos movimentos respiratórios.

Classificação das asfixias:


1. Compressão externa do pescoço
a) Enforcamento
Suspensão do corpo a partir de um ponto fixo que constringe o pescoço com acção
dependente do peso do corpo. A suspensão pode ser completa (não há contacto com qualquer
superfície) ou incompleta (o sujeito tem contacto com uma superfície). Pode ainda ser típica (o nó
do laço fica na região occipital) ou atípica (onde o nó do laço fica em qualquer posição excepto na
região occipital).
Laço – material constritor que fica no pescoço. De acordo com a sua natureza pode ser:
 Duro: Textura impressa na pele (ex: Corda de nylon; arame)
 Mole: Sulco de difícil visualização (ex: peça de vestuário, lençol)
 Misto
Sulco – lesão no pescoço, após a retirada do laço. Pode ser, de acordo com o número de
voltas, único, duplo ou múltiplo. Tendo em conta a circunferência em redor do pescoço, o
sulco pode ser completo ou incompleto. De acordo com a sua orientação, pode ainda ser:
 Ascendente: Mais frequentemente traduz-se num nó no mento, nó na nuca ou nó
lateral.
 Descendente: É mais raro. Costuma verificar-se em casos de suspensão
incompleta e quando a cabeça está num plano inferior ao corpo.
 Horizontalizado: É raro. Costuma verificar-se em casos de suspensão incompleta
e em casos de decúbito dorsal ou ventral. Deve ter-se cuidado para não confundir
o caso com estrangulamento por laço.

Falsos sulcos:
 Naturais: Pele intacta; Pouco profundos e moles; Resultam da flexão da cabeça
sobre o tronco e desfazem-se com a extensão da cabeça. Mais frequentes em
pessoas obesas e recém-nascidos.
 Artificiais: Pele intacta; Pouco profundos e moles; Reproduzem, habitualmente, a
configuração do objecto que os produziu (gravata, colarinho).
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Patológicos: Devidas a lesões cutâneas (dermatoses); A ausência da epiderme


pode levar a apergaminhamento da superfície do cadáver;
 Putrefactivos: Produzidos pela distensão dos tecidos pelos gases, acima e abaixo
do objecto situado em torno do pescoço; Colarinho, gravata, lenço.

Em casos de enforcamento, deve analisar-se o:


 Hábito externo: Livores em “luvas” e “meias” (a posição dos livores significa que o corpo
esteve tempo suficiente naquela posição para a fixação destes); Congestão crânio-facial; Máscara
Equimótica (total palidez facial); Sufusões hemorrágicas nas conjuntivas; Protusão da língua entre
as arcadas dentárias; Sulco (normalmente, acima da cartilagem tiróideia); Escoriações no dorso das
mãos ou membros inferiores; Saída de esperma pelo meato urinário;
O sulco costuma ser único, profundo, duro; Zona mais larga correspondente ao nó; Medição
da profundidade do sulco e da largura.

 Hábito interno: Infiltração sanguínea das partes moles; Linha argêntea; Lesões na íntima
dos vasos por tracção longitudinal; Equimose retrofaríngea; Espuma na laringe e na traqueia;
Raramente, surgem lesões raquidianas como rupturas de ligamentos, fracturas ou fractura-luxação;
Sufusões hemorrágicas pleurais e epicárdicas; Congestão generalizada dos órgãos; Sangue fluido e
escuro; Fracturas do aparelho laríngeo:
- Normalmente, no grande corno da cartilagem tiróide e do osso hióide
- Pontos de maior fragilidade
- Observar presença de infiltração sanguínea nos bordos da fractura

Quanto à dissecação do pescoço por planos: Incisão da área posterior ao pavilhão auricular
até a fúrcula esternal, bilateralmente; Abertura do pescoço; Planos subcutâneos; Plano musculares
(visão frontal); Exposição dos planos musculares do pescoço; Linha argêntea (linha de compressão
dos tecidos moles); Dissecção planos musculares; Infiltração sanguínea nos tecidos cervicais.
Após individualização dos grandes vasos do pescoço (veia jugular interna e artéria carótida),
procede-se à respectiva abertura: Lesões na íntima da artéria carótida; Remoção dos órgãos do
pescoço em bloco; Equimose retrofaríngea – Brouardell; Lesões de Amussat nas carótidas internas.

b) Estrangulamento por laço


Constrição violenta do pescoço, por meio de laço, devida a acção independente do peso do
corpo. Pode eventualmente haver suspensão da vítima se houver uma desproporção física enorme
entre a vítima e o agressor (ex. a vítima é uma criança e o agressor é um adulto corpulento).

Em casos de estrangulamento por laço, deve analisar-se:


 Hábito externo: Congestão cranio-facial / palidez da face; Sufusões hemorrágicas
nas conjuntivas; Máscara equimótica; Sulco:
 Normalmente completo
 Horizontal e uniformemente marcado
 Mas, pode ser ascendente ou descendente
 Sulco mole
 Normalmente, inferior à cartilagem laríngea
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Hábito interno: Infiltração sanguínea do pescoço; Fracturas do aparelho laríngeo


(do osso hióide; da cartilagem tiroideia (+)); Sinais gerais de asfixia; Sufusões
hemorrágicas pleurais e epicárdicas.

c) Esganadura
Constrição do pescoço por meio das mãos, o que pode levar a uma paragem cardíaca caso
sejam atingidos certos centros do sistema nervoso. Normalmente há desproporção física entre
agressor e vítima ou algum tipo de vulnerabilidade desta: crianças, mulheres, idosos, pessoas
acamadas, homens alcoolizados.

Em caso de esganadura, deve analisar-se o:


 Hábito externo: Equimoses; Escoriações no pescoço e/ou face; Exoftalmia
(protuberância dos globos oculares); Congestão cranio-facial ou palidez da face;
Sufusões hemorrágicas nas conjuntivas; Máscara equimótica (coloração arroxeada
da face); Ausência de sulco; Estigmas ungueais:
 Escoriações de configuração semilunar (típico)
 Escoriações lineares (por deslizamento das unhas na pele), dispostas em
várias direcções em torno do pescoço
 Hábito interno: Infiltração sanguínea das partes moles; Equimose retrofaríngea;
Fracturas do aparelho laríngeo (Osso hióide e cartilagem tiroideia, sendo tal
frequente, excepto em indivíduos jovens com cartilagens não ossificadas); Sinais
asfíxicos gerais; Sufusões hemorrágicas pleurais e epicárdicas; Petéquias sub-
epicárdicas (coração in situ); Petéquias sub-epicárdicas.

2. Sufocação
a) Oclusão extrínseca das vias aéreas - Oclusão boca e fossas nasais (mão, fita
adesiva, papel, saco plástico…)
b) Oclusão intrínseca das vias aéreas - Obstrução das vias aéreas com corpos
estranhos (bolo alimentar, objetos vários)
c) Compressão torácico-abdominal
d) Confinamento ou carência de ar respirável - Confinamento espaço reduzido
dispondo de uma quantidade de oxigénio limitada.

Em caso de sufocação, analisar o:


 Hábito externo: Podem apresentar petéquias; No caso de compressão torácico-
abdominal o quadro pode ser mais exuberante com petéquias abundantes,
máscara equimótica e hemorragia nos ouvidos e nariz; Lesões traumáticas
diversas.
 Hábito interno: Sinais gerais asfíxicos; Oclusão das vias aéreas por alimentos ou
corpos estranhos; Vias áreas preenchidas por meio pulvurento (soterramento).

Asfixia Postural:
- Permanência numa dada posição por um período de tempo mais ou menos prolongado;
- Inversão de todo o corpo ou da sua parte superior;
Eduardo Figueiredo 2016/2017

- Geralmente associado a consumo de drogas e álcool.

3. Afogamento

Intromissão de meio líquido, normalmente, água, no interior das vias aéreas. Em caso de
afogamento, devemos analisar:
 Hábito externo: Depósito de areias, algas, lama na superfície corporal; Livores
mais ténues que o habitual (livores róseos); “Cogumelo de espuma" a cobrir a
boca e fossas nasais (O que não é sinónimo de afogamento. Há que ter cuidado ao
mexer no cadáver para não eliminar este achado); Pele de “galinha” por
arrefecimento cutâneo (cutis anserina); Maceração da pele (mais evidente nas
mãos e pés); Escoriações no dorso das mãos e membros inferiores (Podem ser
numerosas se o corpo esteve em águas agitadas).
 Hábito interno: Presença de corpos estranhos na via aérea e digestiva (areia,
algas, líquido); Congestão generalizada dos órgãos; Sangue fluido e escuro;
Pulmões insuflados, com congestão muito marcada e saída abundante de líquido
de edema nas secções de corte; Sufusões hemorrágicas pleurais e epicárdicas;
analisar ainda:
 Estômago:
 Volume de água > 0,5 L pressupõe carácter vital
 Ruptura da mucosa do cardia devido a esforço intenso para vomitar
 Fígado
 Cortes perpendiculares (Lacassagne) com escorrência prolongada de
sangue fluido e escuro

A morte por afogamento é um diagnóstico de exclusão.


Quanto ao diagnóstico de afogamento:
- Exame Histológico
A histologia do pulmão é muito importante! Destacam-se: Disrupção dos alvéolos
pulmonares; Focos de edema; Corpos estranhos intra-alveolares – reacção vital; Em cerca de 15%
dos casos a água não chega entrar nas vias aéreas e a morte é devida a espasmo da glote.
- Exame toxicológico
Ponderar os exames a pedir em função do estado de decomposição cadavérica e da
informação disponível sobre o caso (álcool, drogas de abuso, medicamentos, pesticidas)
- “Mancha” de sangue:
Eventual determinação de perfil de DNA

4. Asfixia autoerótica
Frequentemente realizada por enforcamento. É mais frequente no sexo masculino, em área
privada. Por vezes usando roupa de mulher, com utilização de grande parafernália sexual. Muitas
das vezes deve-se a falhas de mecanismos de protecção.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 15: Lesões por arma de fogo e queimaduras.

1. Armas de Fogo e lesões por elas causadas.

Classificação das armas de fogo:


 De acordo com o tipo de cano
o Cano curto
o Cano longo
 De acordo com o tipo de carga
o Projécteis únicos
o Projécteis múltiplos
 Constituição
o Típicas
o Atípicas
 Mecanismos de disparo
o Disparo único
o Semi-automática
o Automática

O CANO MUNIÇÕES
Eduardo Figueiredo 2016/2017

A configuração da ponta da bala é variável: Ogival; Cone truncado; Ponta oca… Os


projécteis com ponta oca e ponta branda produzem ferimentos muito graves.

Dentro dos elementos que integram o disparo:

 Pólvora
o Grãos de pólvora
 Abandonam o cano pelo orifício de saída
 Efeitos traumáticos apenas em distâncias curtas
 Podem actuar em massa ou como grãos individuais
 Distribuição de acordo com ângulo de disparo
o Negro de fumo
 Depósito produzido pelo fumo
 Coloração negra nas pólvoras antigas
 Coloração cinzento-esverdeadas pólvoras piroxiladas
o Gases explosivos
 Acção violenta quando em grande volume
 Produzem lesões por interposição do corpo no cone de expansão
 Acção em disparos de contacto firme ou em cavidade (boca)
o Chama
 Alcance reduzido
 Igual ou inferior ao comprimento do cano
 Pode causar danos nos tecidos, sobretudo sintéticos e até incendiá-los
 Bucha
 Acção em disparos de curta distância
 Acção menos relevante nas armas modernas
 Projéctil
 Corpo em ignição
Eduardo Figueiredo 2016/2017

As lesões produzidas por um projéctil de arma de fogo dependem essencialmente da


conjugação:
1. Interacção mecânica entre os tecidos e o(s) projéct(il/eis)
2. Efeitos da cavidade temporária

Mecanismos lesionais:
- Estabilidade Giroscópica
- Dispersão de Ec
- Cavidade temporária
- Cavidade permanente

Em casos de feridas de armas por cano curto


 Orifício de entrada
 Orla de Contusão
 Tatuagem Delével (falsa)
 Negro de fumo
 Indelével (verdadeira)
 Zona de queimadura
 Incrustação de graus de pólvora

Quanto à distância do disparo:


1. Contacto (firme ou sem pressão)
2. Curta distância (quase contacto)
3. Média distância
4. Longa distância

Quanto aos trajectos, podem ser:


- Rectilíneos: Seguem a direcção do disparo.
- Com desvios: por colisão com os ossos trajectos; altamente irregulares.

Podem gerar feridas atípicas, designadamente: Simples contusões; Erosões ou sulcos (lesão
tangencial); Feridas em fundo de saco (feridas pouco profundas, podendo o projéctil encontrar-se
no fundo da mesma ou não).

Tipo de abordagem a ser realizada pelos profissionais de saúde:


1) Manipular o menos possível a área corporal/roupa (desde que não prejudique o socorro)
2) Após diagnóstico de morte, não realizar mais tratamentos sobre os ferimentos
3) Proteger as mãos do cadáver com sacos de papel
4) Evitar corte no vestuário coincidentes com orifícios dos projécteis
5) Preservação da roupa (não deixar abandonadas no local)
6) Identificar nº de lesões
7) Registo de todos os procedimentos médicos/cirúrgicos
8) Entregar à autoridade competente os projécteis e corpos estranhos retirados da vítima
durante cirurgia
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Regras a verificar na análise do exame do local:


 Sinais de desalinho
 Arma
 Presente/ausente
 Tipo de arma
 Dispositivos para accionar gatilho
 Localização
 Cadáver
 Posição
 Sinais de defesa ou lesões autoinfligidas
 Nº Orifícios (correspondência com vestuário)
 Antecedentes pessoais
 Preservar a arma, cartucho, projécteis num invólucro
 Proteger as mãos
 Preservar a roupa
 Outros vestígios que possam estar relacionados com o caso

Quanto ao exame do vestuário e hábito externo: deve analisar-se o vestuário e outros


elementos que acompanham o cadáver; Colheita de resíduos de disparo; Inspecção minuciosa da
superfície corporal.
Exames complementares: Genética e Biologia Forense; Toxicologia Forense; Histopatologia
forense; Análise dos resíduos de disparo:
 Mãos (GSR SEM-EDX);
o Dissecar retalho cutâneo com lesão centrada e 2 a 4 cm de lado
o Colher amostra de controlo
o Colocar retalhos em caixas de Petri
o Deixar secar
o Acondicionar as amostras (eventual congelamento)

 Pele e roupa (GSR ICP-MS).


o Remover sacos de papel
o Abrir porta-amostras
o Remover película plástica com pinça de plástico
o Colher face dorsal e palmar (+ área interdigital 1º e 2º)
o Acondicionar correctamente

Alguns problemas médico-legais:


1. Ferimentos ante e post mortem
2. Reconstituição do evento
3. Determinação do instrumento usado
4. Etiologia médico-legal
a. Informação circunstancial:
i. Sinais de desalinho no local
ii. Análise dos vestígios de sangue
Eduardo Figueiredo 2016/2017

iii. Vestígios de pés e mãos de terceiros


iv. Ausência de arma
v. Suicídio diante do espelho
vi. Porta trancada por dentro
vii. Notas suicidas, antecedentes sociais, patológicos, económicos e familiares
b. Natureza do disparo
i. Tipo de arma
1. Armas de ocasião, improvisadas ou com dispositivos extravagantes e
complicados indicam suicídio
2. Disparos sem projéctil
c. Sinais no cadáver
i. Sinais de luta
ii. Estado da indumentária
iii. Localização dos ferimentos
iv. Número de feridas
v. Direcção do disparo
vi. Distância do disparo
vii. Resíduos de disparo na mão do suicida
viii. Lesões de ensaio

2. Lesões por queimaduras

São lesões resultantes da acção de agentes que ao actuar sobre os tecidos originam reacções
locais ou generalizadas cuja gravidade está em relação com a sua extensão e profundidade
(Calabuig) Podem ser:
 Queimaduras de 1º Grau
o Limitadas à camada superficial
o Eritema e edema (inflamação cutânea)
o Bolhas (flictenas) por descolamento da epiderme (raras)
 Queimaduras de 2º Grau
o Destruição da espessura total da epiderme e parte da derme
o Formação de flictenas
o Tendem a respeitar os anexos cutâneos (pêlos)
 Queimaduras de 3º Grau
o Necrose da pele com formação de escara
o Destruição dos tecidos cutâneos
o Ausência de flictenas
o Aspecto apergaminhado, esbranquiçado, amarelado e acastanhado
 Queimaduras de 4º grau
o Destruição dos tecidos profundos incluindo gordura, músculo e osso

Agentes que podem causar queimaduras:


1. Agentes biológicos (plantas e animais)
2. Agentes químicos
Eduardo Figueiredo 2016/2017

a) Ácidos (ácido sulfúrico, ácido clorídrico)  Geram escaras branca que se tornam depois
negras e duras. O aspecto varia com o ácido.
b) Bases (soda cáustica, hidróxido de potássio)  Lesões translúcidas e húmidas.
c) Sais (cloreto de zinco)  Escaras brancas e secas.

Podem exercer os seus efeitos sob a forma de:


 Intoxicações
 Por via digestiva ou por inalação de gases e vapores irritantes
 Lesões propriamente ditas
 Por contacto com a superfície cutânea, olhos e face

Nota: O agente cáustico atua de forma igual em todos os locais em que contacta; As lesões
são uniformes em toda a sua extensão; Forma irregular pois, tratando-se de líquidos, são muitas
vezes projectados

3. Agentes físicos
a) Calor
i. Gases
ii. Líquidos
iii. Sólidos

Chama: Queimaduras largas e extensas; Superfície irregular e contornos mal definidos;


Direcção de baixo para cima; Carbonização de pêlos; Poupam pele protegida por vestuário;
Eventuais flictenas.
Gases em ignição: Queimaduras extensas e, normalmente, pouco profundas; Limites pouco
definidos; Podem produzir carbonização dos fâneros; Lesões internas na árvore respiratória.
Vapor a elevadas temperaturas: Em geral, queimaduras de grau não elevado; Extensão pode
ser grande; Produção de flictenas; Afecta áreas cobertas.
Líquidos quentes: Água ou outros fluidos quentes (óleos, borracha derretida); Comum em
acidentes domésticos, especialmente, com crianças e pessoas idosas; Normalmente, associada a
queimadura de 1º e 2º graus; Em contactos breves, quanto maior a temperatura, mais graves as
lesões; Lesões mais graves no local do contacto inicial; Arrefece à medida que se dispersa; Acidentes
em crianças são mais regulares ao nível da face, pescoço, tórax e braços. Normalmente, sem
carbonização ou destacamento dos pêlos (ao contrário do que ocorre com o calor seco.
A roupa pode ter 2 efeitos:
1 - Se for impermeável ajuda a proteger a pele.
2 - Se for absorvente, mantém o líquido quente em contacto com a pele e as lesões são mais
graves.

b) Frio
c) Electricidade
d) Radiações
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Morte num contexto de incêndio:


1. Rápida
a) Imediata: Queimaduras; Intoxicação; Espasmos da glote; Choque neurogénico.
b) Tardia: Duração de horas ou dias; Alteração do estado de consciência; Convulsões;
Hipotermia; Choque.

2._Diferidas (Complicações como pneumonia e sépsis)

A autópsia:
o Identificação do cadáver o Na maioria das bolhas antemortem, após
o Diagnóstico e descrição das queimaduras rebentarem, observa-se uma base
o Diagnóstico diferencial entre vermelha brilhante
queimaduras ante e post mortem o Tecido gordo = combustível
o Reconhecimento e interpretação dos o Formação de massas pretas friáveis
artefactos o Fusão com músculos secos subjacentes
o Etiologia médico-legal o Tecidos (+ músculos) pálidos,
o Espuma rosa na boca e narinas por acastanhados, e parcialmente cozidos
edema pulmonar (irritação das vias o Contracturas musculares por calor
aéreas e pulmões) intenso
o Língua entre arcadas dentárias (sinais de o Surgem post mortem (efeitos profundos
desidratação) do calor incompatíveis com a vida)
o Áreas queimadas com extensão e o Encurtamento muscular por desidratação
profundidade variáveis até à cremação e desnaturação das proteínas maior nos
total flexores
o As queimaduras antemortem apresentam
bolhas com um halo vermelho (5-20
milímetros de extensão)

Os artefactos:
o Rupturas resultam da contracção da pele
o Actividade criminosa? Podem ser causadas pela manipulação do cadáver.
o Superfícies dos extensores, nas articulações e na cabeça
o Ausência de hemorragias nos tecidos mais profundos
o Hematoma: Aplicação de calor no crânio  Formação de colecção de sangue que se pode
confundir com hematoma subdural; Escalpe destruído e áreas do crânio carbonizadas.
o Fracturas cranianas - 2 mecanismos:
a) Rápido aumento da p. intracraniana com fractura óssea e deslocamento de
fragmentos ósseos para fora;
b) Rápida exsicação do osso por contracção da tábua externa fractura com forma
estrelada, sem deslocamento dos fragmentos.
As fracturas vitais aparecem deprimidas e com lesão da massa encefálica
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Ante Mortem vs. Post mortem:


Se a pessoa estava viva então:
1. Produtos de combustão atingem as vias aéreas inferiores e/ou a via digestiva
2. Queimaduras na base da língua, epiglote, faringe e brônquios
3. Carboxihemoglobina superior a 10% (análise de sangue cardíaco ou femoral).

Inalação de fuligem:
o Combustão de chãos de madeira, telhados, mobílias e carpetes produz fumo preto;
o Partículas entram pela boca pelas vias aéreas inferiores;
o Após a morte, a fuligem não ultrapassa as cordas vocais ou atinge o esófago distal;
o Mecanismo comum de morte, sobretudo, nos fogos que ocorrem dentro de habitações;
o Na autópsia, observa-se coloração vermelho carminado da pele, sangue e tecidos;
o Cor do sangue é característica mas pode ser difícil de observar em caso de anemia ou
exsanguinação;
o Se a saturação de Carboxihemoglobina for superior ou igual a 40%, tal conduz à morte;
o Em pessoas idosas ou debilitadas, 25% pode já ser mortal
o Ausência de carboxihemoglobina não significa que o indivíduo estava morto antes
do incêndio.
o O marcador de inalação ante mortem é o monóxido de carbono no sangue (superior a 10% é
indicativo de vitalidade, embora valores inferiores não signifiquem morte prévia ao incêndio
- ex: incêndios ao ar livre)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 16: Introdução à Toxicologia Forense

A toxicologia é o estudo da interacção entre os xenobióticos e os sistemas biológicos com o


objectivo de determinar qualitativamente e quantitativamente o potencial do xenobiótico para
induzir danos, de onde resultem efeitos adversos para os diferentes organismos.
Investiga, igualmente, a natureza destes efeitos adversos, a sua incidência, o seu mecanismo
de produção, os factores que influenciam o seu desenvolvimento e a sua reversibilidade e
desenvolve os tratamentos para as intoxicações por xenobióticos.

Intoxicação é o conjunto de transtornos que derivam da presença de um tóxico ou veneno no


corpo. O tóxico será todo o agente (químico ou físico) susceptível de gerar efeitos nocivos sobre os
seres vivos, alterando os equilíbrios dinâmicos que se sucedem normalmente (reversível ou
irreversivelmente). Já o veneno engloba as substâncias tóxicas que são empregues de um modo
intencional. Nestes são consideradas as intoxicações homicidas ou suicidas, mas nunca as
acidentais.

A toxicologia é uma ciência multidisciplinar porque participa e colabora com as mais


variadas áreas: anatomia, microbiologia, farmacologia, química, imunologia, etc…
A toxicologia é constituída por várias áreas: pode ser forense ou clinica, ocupacional,
ambiental, veterinária, farmacológica, analítica, etc… Trataremos apenas da toxicologia forense que
apresenta um vasto conjunto de interesses civis e criminais.

Toxicologia Forense deve ser entendida como sendo um híbrido entre os princípios da
química analítica instrumental e os princípios da toxicologia fundamental, e aplica-os para o
propósito da lei.
Por outras palavras, a toxicologia forense é uma ciência forense de características
essencialmente analíticas com importante fundamento que é o esclarecimento de questões judiciais
presumivelmente relacionadas com a intoxicação seja esta ou não fatal. Detecta e quantifica
xenobióticos em vários tipos de matrizes.
Do Latim: forensis significa “público”. Forense deriva de fórum (local onde se situavam os
tribunais na antiga Roma). Referente ao foro judicial ou aos tribunais.

A toxicologia surge com Paracelsus que defende que não há substância atóxicas. Até a água,
se pode tornar tóxica. Há uma variabilidade intra e inter individual, porque a vulnerabilidade de
cada sujeito a uma determinada substância depende de um conjunto de características próprias do
sujeito - há substâncias que, á partida, não são tóxicas, mas podem vir a tornar-se tóxicas.

Substâncias verdadeiramente consideradas tóxicas: pesticidas (a sua má utilização, a nível


acidental ou suicídio pode provocar intoxicações letais), cianeto, monóxido de carbono, etc...
Substâncias que se podem tornar tóxicas: álcool (depende da tolerância; depende da
habituação, da toxico-cinética (aquilo que o organismo faz ás substâncias - a forma como
absorvemos ou metabolizamos as substâncias é diferente entre todos nós).
Eduardo Figueiredo 2016/2017

O consumo de substâncias em momentos recreativos é algo recorrente desde sempre. Mas


hoje esse consumo de substâncias é maior e mais variado o que o torna potencialmente mais
perigoso. Por exemplo, antigamente muitos dos venenos actuavam imediatamente , mas hoje há
venenos que são ingeridos num dia e só actuam no outro – o que demonstra a quantidade variada
de substâncias existentes e o perigo que podem representar quando consumidas.
Ninguém pode concluir que há intoxicação antes de haver uma análise toxicológica. A
toxicologia forense engloba todos os procedimentos para determinar a existência de intoxicação. Os
toxicologistas forenses sabem que quando a natureza da(s) substância(s) é desconhecida, uma
análise sistemática terá de ser feita para a(s) identificar e/ou quantificar. Em geral, não basta
identificar a substância: é preciso demonstrar que a dose é suficiente pois a “dose faz o veneno”.
A lei coloca, no entanto, excepções no caso da fiscalização rodoviária sob influência de
substâncias psicotrópicas e estupefacientes.

Os gabinetes médico-legais não têm serviços técnicos de toxicologia, de genética ou de


patologia forense. Por isso, as amostras seguem para a delegação médico-legal do Norte, centro ou
sul quando se pretende realizar exames dessa natureza.
Para quê a existência de um serviço de Química e Toxicologia Forense? Para assegurar a
realização de perícias e exames laboratoriais químicos e toxicológicos no âmbito das actividades da
delegação e dos gabinetes médico-legais que se encontrem na sua dependência, bem como a
solicitação dos tribunais, da Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública, da Guarda Nacional
Republicana da respectiva área e do Presidente do Conselho Directivo.

Principais grupos de xenobióticos com interesse em toxicologia forense: gases, metais,


drogas de abuso, pesticidas, voláteis, fármacos, aniões, entre outros.

Quem pede as análises de toxicologia forense?

Costumam realizar-se
como exames
complementares, em
casos de afogamentos,
acidentes de viação,
quedas, etc…

Também em casos de violência doméstica, ou


para casos de direito penal, civil e do trabalho.

São prioritárias. A análise


deve ser feita ao sangue
(não ao plasma nem ao
soro.)*
Eduardo Figueiredo 2016/2017

A toxicologia também é importância para determinar a ausência desses compostos - por


exemplo: álcool (para ter direito a seguro de vida ou num acidente de trabalho - também o seguro
desaparece se tiver droga no corpo); casos em que a ausência de substâncias pode levantar uma
suspeita de crime (P.e. Quando alguém está sob cuidado de terceiros, hospitalizado ou em casa sob
dependência de terceiros)

* Até 1998, para pedir uma análise tínhamos que apresentar queixa na polícia, sendo aberto se
seguida o processo em tribunal e depois então é se requisita as análises ao instituto. Hoje em dia,
qualquer pessoa pode pedir análises à toxicologia, mas:
 Quem paga as análises é o próprio;
 A tipologia de análise são amostras biológicas, sendo a colheita das amostras feita in loco
pelos profissionais.
 Tudo o que são amostras não biológicas também podem ser analisadas (P.e. Haxixe). Se a
substância for ilícita comunica-se ao particular, mas também ao Ministério Público. (sendo que este
procedimento seja ser avisado ao particular com antecedência)

2. Da análise toxicológica à interpretação de resultados.

1) Há que ter em conta que, por vezes, há muitas amostras biológicas a analisar ou que o cadáver
pode estar mal tratado para análise, o que atrasa o processo.
 Por exemplo, há imensos tipos de colheitas de amostra post mortem, sendo que
uma matriz biológica pode inviabilizar a obtenção de resultados relevantes: ex.
baço, humor vítreo, cabelos e unhas, rim, sangue, bílis, encéfalo, fígado, etc…
2) Há vários procedimentos de divisão de amostras, extracção, purificação de tal modo que cada
amostra deve ser tratada diferentemente e com todo o cuidado. É preciso muita “ginástica” e
pesquisa para detectar substâncias tóxicas.
3) Os equipamentos são totalmente diferentes e requerem um manejo preciso. Apesar da sua
qualidade, nem sempre dão todas as respostas desejáveis ao toxicologista.

3. A importância do exame do local em toxicologia.

Informações
 Informação social colhida junto de familiares e/ou amigos ou vizinhos da vítima.
o Sintomas da morte; medicação
o Consumo de drogas
o Antecedentes patológicos
o Tentativas de suicídios anteriores.
o Carta ou bilhete de despedida

Exame do local
 Nos casos de suspeita de morte por intoxicação, o perito deve dar especial
atenção à informação circunstancial da morte e material encontrado junto da
vítima
Eduardo Figueiredo 2016/2017

o Restos de vómito - na vítima (corpo, roupa suja de vómito) e no local onde foi
encontrada;
o Cheiro ou odores no local (intoxicação por gases, etc.); Torneira do gás
aberta/fechada
o Presença de braseira ou qualquer outra fonte produtora de monóxido de carbono
o Janelas e portas abertas/fechadas
o Existência de dispositivos para recolher gases de combustão de motores (ex:
mangueira ligada ao cano de escape)
o Presença de outros elementos indiciadores de morte por intoxicação
o Seringas/agulhas, algodão, limão
o Tampas de garrafas; Colheres; “Pratas”; “Cachimbos”
o Embalagens de medicamentos
o Frascos ou contentores de outros xenobióticos (pesticidas, outros produtos químicos)

Exame do corpo na autópsia


As lesões macroscópicas ou microscópicas são apenas indicativas de determinado tipo de
intoxicação e carecem de confirmação toxicológica. Os aspectos lesionais que podem ser
objectivados durante uma autópsia (quer do hábito interno ou externo) em que se suspeita de
intoxicação, mas não permitem ao perito médico tirar conclusões definitivas sobre as substâncias
responsáveis por determina morte.
Quanto aos dados da toxicologia forense, há que reter que não existe substituto para uma
inequívoca identificação e/ou quantificação de uma substância em amostras biológicas para
explicar a lesão com razoável grau de probabilidade científica.

Não esquecer a importância da manutenção da cadeia de custódia! A Cadeia de Custódia é


um processo usado para manter e documentar a história cronológica da evidência, para garantir a
idoneidade e a rastreabilidade das evidências utilizadas em processos judiciais. Envolve quatro
passos fundamentais:
1º - Colheita das amostras para análise (tipo de amostra, quantidade)
2º - Acondicionamento das amostras (Disponibilização de tubos e contentores próprios para
colheita e acondicionamento das amostras e de sacos de embalagem próprios para o seu envio – Kit
AR)
3º- Armazenamento a baixas temperaturas.
4º - Análise da documentação e conteúdo do contentor no momento de recepção da amostra.
5º- Quando uma amostra entra no serviço é recebida, verificada e registada.

Se a cadeira de custódia for quebrada, a amostra pode não servir como prova judicial!

Em suma: A escolha das amostras, a colheita ou o modo como são colhidas, o


acondicionamento e o transporte são etapas determinantes e eventualmente condicionantes dos
resultados da perícia toxicológica e sua utilização num processo judicial. Para a garantir, deve:
 Contentores adequados a cada tipo de amostra
 Colheita adequada a cada tipo de análise
 Fechados e selados
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Mantidos ao abrigo da luz e a baixas temperaturas


 Requisições devidamente preenchidas
 Etiquetas com identificação inequívoca, conteúdo, proveniência, data/hora da
colheita

4. Álcool.

Ao longo do tempo o consumo de álcool tem aumentado exponencialmente, principalmente


junto das camadas mais jovens, o que é preocupante já que esta é a substância tóxica que vem sendo
consumida de forma mais intensiva pelos jovens. O prejuízo do seu consumo abusivo existe, mesmo
quando o sujeito não se apercebe dos seus efeitos.
A absorção do etanol é feita a 20% pelo estômago e a 80% pelo intestino delgado. A absorção e
difusão pelo sangue é rápida, com um tropismo para o sistema nervoso. Mais de 50% do álcool
ingerido é absorvido nos primeiros 20 minutos e o resto nas três horas seguintes. Efeitos do álcool:
• Pele: • Cardiovascular:
– Dilatação vascular cutânea – Vasodilatação
– Flush da face, pescoço e tronco – Elevação da TA
– Em doses elevadas: palidez da pele por – Aumento do débito cardíaco
insuficiência circulatória do tipo do choque – Aumento das quantidades pode conduzir a:
• Rim: asfixia, impede circulação, choque e analgesia
– Poliúria, aumento da acidez da urina • Tubo Digestivo:
– Inibe libertação de HAD – Aumento do fluxo de saliva e suco gástrico
• Fígado: – Inibe motilidade, secreções
– Hepatotóxico directo – Vómitos de origem central
– Esteatose e cirrose

Quanto aos seus efeitos no SNC:


Deprime todas as áreas e funções do cérebro
• Depressão centros inibitórios mais elevados: libertação dos mecanismos normais de
controlo social e comportamental  efeito inibidor e euforizante
• Depressão das áreas de integração mais elevadas: alteração do raciocínio, da
discriminação fina, da capacidade de decisão e da função motora, aumento dos tempos de reazção,
menor capacidade de decisão, diminuição do poder de diversificar a atenção, descoordenação dos
movimentos.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

0,2 a 0,3 g/L As funções mentais começam a ficar Desinibição cortical


comprometidas, A percepção da distância e
da velocidade são prejudicadas.
0,31 a 0,5 g/L O grau de vigilância diminui, assim como o
campo visual. O controle cerebral relaxa,
dando a sensação de calma e satisfação.
0,51 a 0,8 g/L Reflexos retardados, dificuldades de Depressão dos sistemas
adaptação da visão a diferenças de motores e alteração das
luminosidade; superestimação das respostas aos estímulos
possibilidades e minimização de riscos; e auditivos e visuais;
tendência à agressividade. Perturbações Cerebelosas;
0,81 a 1,5 g/L Dificuldades de controlar automóveis; Irritabilidade emocional
incapacidade de concentração e falhas de
coordenação neuromuscular.
1,51 a 2 g/L Embriaguez, torpor alcoólico, dupla visão.
2,01 a 3 g/L Embriaguez profunda Depressão das áreas
excitatórias em todo o cérebro;
amnésia, hipnose, anestesia.

É claro que há que reconhecer aqui uma acentuada variabilidade interindividual,


dependendo os efeitos de pessoa para pessoa, se acordo com factores farmacológicos,
motivacionais, situacionais, individuais, etc… O ´álcool pode levar a comportamentos desviantes ou
de risco.
São considerados, neste âmbito comportamentos desviantes: suicídios; criminalidade
(ofensas à integridade física, homicídios, agressões sexuais.)
Comportamentos de risco: condução. A simples existência de álcool no sangue de um
condutor aumenta o risco estatístico de acidente. (TAS=0,5 g/L  2x; TAS = 0,8 g/L  5x; TAS= 1,2
g/L  20x). Está provado que nos acidentes de viação, o factor técnico (como o funcionamento do
veiculo e características do meio) tem uma importância de 15%, enquanto que o factor humano
chega a ter importância de 90% em alguns casos.
Legislação relevante: Código da Estrada. Decreto Regulamentar nº18/2007 e Portaria
nº902/B. A venda de bebidas alcoólicas é permitida apenas a partir dos 18 anos. E isto porque está
cientificamente provado que só temos maturidade dos nosso sistemas fisiológicos a partir dos 18
anos para suportar o álcool - acima de tudo no fígado. Antes dos 18 o nosso metabolismo - a
biotransformação - não tem capacidade para expulsar um composto que seja prejudicial.

Em casos de condução sob efeito de álcool e substâncias psicotrópicas, pode:


1) A GNR ou a PSP realizar o exame de ar expirado e de saliva. Basta que o agente
suspeite do consumo de substâncias que pode pedir uma análise de drogas de abuso.
Basta detectar-se uma droga para se sancionar, mas a droga de abuso tem que ser um
composto activo. Quanto a análise é feita em saliva não pode o sujeito ser sancionado
automaticamente, sendo a amostra enviada para a medicina legal.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

1) Ar expirado: conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado em teor


de álcool no sangue e baseada no princípio de 1mg de álcool por litro de ar
expirado e equivalente a 2,3g de álcool por litro de sangue.
2) A análise de sangue pode ser realizada em serviços de saúde.
3) Pode ser pedido exame de confirmação aos IMLCF’s, com base no sangue.

Em acidentes de trabalho não é obrigatório o exame de toxicologia. Em acidentes de viação é


obrigatório o exame de álcool e drogas de abuso. Quando temos uma autópsia no âmbito de um
acidente de viação, a amostra é colhida na autópsia, processada e dá-se um resultado e é este
resultado que serve de base legal.

Cálculo retrospectivo da alcoolemia - querer em tribunal que, perante uma determinação


feita na autópsia, se tente prever a TAS do sujeito no momento de ocorrência do evento.

C0 = Ct + ßt
C0 - Concentração de álcool extrapolada para a hora pretendida
Ct - Concentração de álcool no sangue no momento da extracção
ß - Coeficiente de etiloxidação de álcool do sangue
t - Período de tempo decorrido

ß tem uma enorme variabilidade inter e intra individual, dependendo dos mais variados
factores, sendo colocado em intervalos demasiados amplos e que dão resultados pouco seguros. Há
que reter ainda:
1) As fórmulas para o calculo retrospectivo são apenas aplicáveis na fase de eliminação.
2) Para serem de maior fidedignidade exigem diversas determinações da TAS e tão
próximas quanto possiveis da ingestão.
3) Foram elaboradas a aprtir de estudos experimetnais desenvolvidos em condições não
correspondentes ás da prática me´dico-legal nomradamente tanatológica.
4) O cálculo exponencial utilizado em muitas delas leva a uma multiplicação do eero da
própria determinação, o que pode conduzir a desvios inadmissíveis.

Local da colheita da amostra de sangue:


1. Difusão e distribuição post mortem do etanol.
2. Amostras sanguíneas não homogéneas.
3. Absorção post mortem do etanol.

No cadáver, a concentração de etanol no sangue periférico é, teoricamente, mais


representativa da concentração existente no momento da morte, embora não necessariamente a
mesma. Se não for possível obter sangue venoso periférico, devemos utilizar sangue venoso central
desde que:
• Intervalo post mortem < 18 horas
• Ausência de fenómenos putrefactivos (cadáver conservado a 4°C)
• Ausência de traumatismos tóraxico-abdominais severos
Eduardo Figueiredo 2016/2017

• Ausência de aspiração de vómito


• Ausência de etanol no conteúdo gástrico

Determinação indirecta da alcoolémia

Realizada através do humor vítreo, porque apresenta algumas vantagens neste sentido:
• Facilidade na obtenção da amostra
• Protegido dos fenómenos putrefactivos e traumas.
• Fluido com boa estabilidade química e é fácil de processar analiticamente;
• Reduzida probabilidade de contaminação por síntese post mortem.
• A amostra pode ser obtida sem necessidade de autópsia.

A taxa de conversão para o humor vítreo é de 0,8. Há ainda que notar o seguinte:

5. Drogas de abuso.

Explicam, hoje em dia, muitas dos resultados das relações interpessoais. A maioria dos
consumidores segue o seguinte caminho: Experimentais  Ocasionais  Habituais 
Compulsivos  Dependentes.

Com efeito Depressor:

a) Morfina.
o Tem capacidade de aliviar a dor intensa com notável eficácia;
o Continua a ser o padrão a partir do qual todos os fármacos com acentuada acção
analgésica são comparados;
o Sendo o principal alcalóide do ópio, está presente numa concentração de cerca de 10%.
o A estrutura básica da morfina pode ser alterada levando a modificações drásticas nos
efeitos da droga;
o A acetilação de grupos hidroxil podem levar à síntese de heroína (diacetilmorfina), com
muito maior capacidade para atravessar a barreira Hemato-encefálica. No cérebro, no
entanto, a heroína é convertida to morfina e monoacetil morfina.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Com efeito Estimulante:

a) Cocaína

É o principal alcalóide encontrado nas folhas do arbusto da coca. Inicialmente foi utilizada como
remédio para o tratamento das mais variadas doenças físicas e mentais. Actualmente torna-se a
droga mais traficada no mundo depois da Cannabis. Pode surgir sob várias formas:
o Folha de coca (têm uma absorção muito variável; podem ser mascadas ou em infusão; a
velocidade de actuação é lenta; têm uma capacidade limitada de consumo.)
o Pasta de coca (produto não refinado resultante da maceração das folhas de coca com
ácido sulfúrico.- É fumada, tem uma acção muito rápida)
o Cloridrato de cocaína (tem uma forma de sal, como um pó branco, inodoro, de sabor
amargo e solúvel em água. Pode ser inalado ou injectado, tendo uma acção rápida).
o Base de cocaína (crack – é fumado e tem um inicio de acção muito rápido.)

Efeitos da cocaína: Redução da fadiga; Redução do apetite; Hiperactividade motora, verbal


e intelectual; Euforia; Sensação de poder; Ausência de medo; Vasoconstrição; Aumento da pressão
arterial; Taquicardia; Midríase; Tremor; Sudorese; Hipertermia

Após desaparecimento do efeito:


O Cansaço
O Fadiga
O Disforia

Geralmente aparece associado também o


desejo (“craving”).

Em caso de consumo de cocaína, costumam ser estes os achados do hábito externo:


- Midríase
- Lesões traumáticas provocadas pelas
convulsões (língua, lábios)
- Perfuração do septo nasal
- Sinais de punções venosas recentes,
equimoses
- Queratite, “crack queratite”
- Erosões do esmalte
- Calo na última falange do polegar
- Queimaduras superficiais, hiperqueratose
e escurecimento palmar
Eduardo Figueiredo 2016/2017

b) Anfetaminas

Efeitos Físicos: Transpiração; Sede; Taquicardia; Aumento da tensão arterial; Náuseas; Má


disposição; Dor de cabeça; Vertigens; Frequência de tiques exagerados e anormais da mandíbula ou
movimentos estereotipados
Efeitos no Sistema Nervoso Central: Distúrbios do humor e do comportamento (associados a
alterações GI e cardíacas); Perda de apetite, instabilidade emocional, ansiedade e febre; Isolamento
social em crianças; Utilizadores crónicos de metanfetaminas tem múltiplas anormalidades a nível
central, quer seja bioquímica, funcional ou estrutural (regiões do cérebro com maiores
concentrações)
Efeitos neurológicos: Alucinações; Convulsões, coma, confusão e delirium por hiponatrémia;
AVC (hemorrágico)
Efeitos cardiovasculares: Arritmias; Morte súbita

Nestes, destacam-se os canabinoides. Um consumidor de Cannabis dos dias de hoje estará


exposto a doses francamente mais elevadas do que nas anteriores décadas de 60 ou 70. São muitas
as variáveis que podem afectar as propriedades psicoactivas dos canabinoides, incluindo:
- Potência do cannabis usado (dependente da % THC existente)
- Via de administração
- Técnica de fumar
- Dose
- Experiência e expectativa do utilizador, bem como vulnerabilidade biológica aos efeitos da droga

Efeitos
- Prazer _ Instabilidade no andar
_ Bem-estar _ Alteração da memória imediata
_ Euforia _ Diminuição da capacidade para a realização
_ Intensificação da consciência sensorial de tarefas que requeiram operações múltiplas
_ Maior sensibilidade aos estímulos externos e variadas
_ Ideias paranóides _ Lentificação da capacidade de reacção
_ Confusão de pensamentos _ Défice na aptidão motora ou interferência na
_ Sonolência capacidade de condução de veículos e outras
_ Relaxamento máquinas

Nos últimos anos, mimetizam os efeitos de drogas já conhecidas:


• Não estão previstas na lei – estatuto de legalidade
• São vendidas em lojas online ou lojas físicas sobre varias formas
 Como em Smartshops que são estabelecimentos comerciais já especializados na
venda de substâncias psicoactivas. Em 2013, o decreto-lei nº 54/2013 leva ao
encerramento de todos estes estabelecimentos em território nacional.
• Toxicidade – não está estudada
Eduardo Figueiredo 2016/2017

6. Medicamentos.

Os medicamentos são tóxicos potenciais se administrados em dose tóxica. Nos últimos anos tem
havido um grande aumento de intoxicações medicamentosas, graças à facilidade de aquisição,
automedicação, erros de medicação, acidentes com crianças, utilização suicida ou utilização
homicida.
Numa intoxicação mortal por medicamentos raramente ainda existem vestígios na boca da
vítima.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Tema 17: Psiquiatria Forense

1. Doença Mental: capacidade mental e responsabilidade criminal.

Doença Mental: incompreendida, perturbadora, marginalizada, estigmatizada, rodeada de


preconceitos e de mitos.
Onde está a fronteira entre a doença e a idiossincrasia, a originalidade, a extravagância, a
genialidade? Há certos comportamentos que podem ser interpretados como parte de certas
culturas, mas que noutros contextos podem ser entendidos como doenças mentais. Os sujeitos,
como os artistas podem levar a cabo comportamentos excêntricos sem que isso signifique que têm
qualquer tipo de doença mental. É importante distinguir, pois, características da pessoa de doenças
mentais.

Marcos históricos antes do Séc. XX


1) "Doentes fora do seu siso", André de Gouveia - Lisboa, séc. XVI.
2) Revolução Francesa e Pinel (1789) - Defendeu que os sujeitos com anomalias psíquicas, estando
fora do seu "siso" não deviam ser presos ou encarcerados.
3) Enfermaria de "lunáticos" (1799)
4) "Alienados" (Séc. XIX)
5) Hospital de Rilhafoles 1848 (Lisboa), mais tarde Hospital Miguel Bombarda. - É o primeiro
hospital psiquiátrico português, que já foi encerrado.
6) Hospital do Conde de Ferreira 1883 (Porto) - É o primeiro hospital psiquiátrico construído de raíz
no nosso país.
- Distribuição dos doentes por: tranquilos, furiosos, idiotas, quebradores, vociferantes,
dementes...
7) Lei Sena 1889 - primeira grande legislação sobre os alienados em Portugal, criada por António
Maria de Sena.

Júlio de Matos - Deu grandes contributos:


- Imputabilidade como responsabilidade: a palavra que sobressaía mais era responsabilidade.
- Capacidade para assunção de culpa.
- Capacidade para se autodeterminar.

Imputabilidade
A imputabilidade refere-se à responsabilidade do indivíduo perante determinado crime
ponderados circunstâncias e contextos. O mesmo indivíduo pode ser imputável para um crime e
inimputável para outro. A imputabilidade é analisada no momento do facto e para cada facto. Se o
sujeito for inimputável, pode ser perigoso ou não. Às vezes são feitas recomendações pelos peritos a
pronunciar-se sobre estas situações, nomeadamente quanto à possibilidade de analisar se o sujeito,
tomando a medicação e tratamento correcto, teria cometido o crime na mesma.
Imputar é a atribuir a alguém a responsabilidade de algo. Ver art. 20º CP quanto à avaliação
da responsabilidade – nulla poena sine culpa; in dubio pro reo. Já nas Ordenações Afonsinas existiam
resquícios do conceito de inimputabilidade.
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Estas questões da inimputabilidade têm muito a ver com o conceito de pena e com as
finalidades da pena.

Culpa - relação psicológica entre o indivíduo e o seu comportamento.


Imputabilidade - Estado que pressupõe consciência lúcida e uma vontade livre; O individuo
compreende que o facto é ilícito e tem capacidade para assumir a culpa; capacidade no sentido no
sentido de o individuo ser apto a beneficiar das penas.

Tríade:
Liberdade: Estava livre para tomar a decisão que tomou?
Inteligência: A pessoa tem um nível intelectual para distinguir o bem do mal?
Vontade: Pretendia intencionalmente fazer efectivamente aquilo que fez.

Art. 91º CP - Avaliação da perigosidade


Esta é uma das questões mais difíceis para os peritos. Muitas vezes aquilo que é requerido é
se aquela pessoa em concreto vai voltar a cometer um crime. Ora, nenhum perito pode prever o
futuro. Só podemos, pois, falar de probabilidade nas perícias médico-legais de psiquiatria forense.
O perito vai pronunciar-se quanto a imputabilidade do sujeito. De seguida importa avaliar a
perigosidade. Ora, os factos a ter em consideração são muitos e variados, sendo que os peritos têm
tendência a optar pela perigosidade face a essa dificuldade de análise conjunta dos elementos para
que o sujeito possa usufruir de acompanhamento médico. Já dizia Mário Taborda: "O conceito de
perisogidade é perigoso".

Conceito de "Alienado"

Direito
O alienado é o fora de si, o que não consegue distinguir o bem do mal, o certo do errado, o
lícito do ilícito - conceito restrito.

Psiquiatria
O alienado (palavra desadequada para a psiquiatria contemporânea) é o doente enquadrado
na nomenclatura clássica (CID-10 de 1992 e DSM-5 de 2013 - trata-se de um conceito alargado). Dito
isto, nem toda a pessoa que tem uma doença mental contemplado no catálogo das doenças mentais
é, apesar disso, inimputável.

2. Grandes quadros psiquiátricos com particular interesse para a Psiquiatria Forense

1) Perturbações de Ansiedade
Praticamente sempre imputáveis.
- Fobias (medo desproporcionado, ilógico, irracional)
- Pânico (ataque de ansiedade aguda paroxística)
- Ansiedade generalizada (ansiedade persistente)
- Perturbações obsessivo-compulsiva (obsessões/compulsões)
- Perturbações de stress pós-traumático (grande trauma)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Pode haver casos excepcionais em que a inimputabilidade pode existir.

2) Perturbações dissociativas - pessoas que se transformam num outro "eu" e não têm
consciência disso, por via da alcalosa respiratória.
Casos complexos em situação limite: crime cometido em estreitamento/ obnubilação do estado
de consciência, como na fuga dissociativa...
Este sujeito, por não ser dono da sua vontade e estar num outro estado de consciência, será,
à partida, inimputável. Mas há alguma situação em que alguém com perturbações dissociativas
possa cometer um crime? Sim. Caso da educadora que se dissocia ao ter uma criança ao colo e a
deixa cair.

3) Perturbações de Humor
- Imputáveis
Depressões major sem componente psicótico
Distimias
Reacções de ajustamento/adaptação
Hipomanias
Ciclotimias
- Inimputáveis
Depressões major com componente psicótico (ideias deliróides psicóticas)
Manias graves (euforia)

4) Psicoses
- Esquizofrenia - inimputáveis (se delírio ou alucinações ou se crime correlacionado)
- Parafrenia (esquizofrenia do idoso) - inimputáveis (se delírio ou alucinações ou se crime
correlacionado.
- Paranóia (ex: delírios de perseguição ou de ciúme, síndrome de Otelo - ciúme obsessivo) -
inimputáveis (se delírio ou alucinações ou se crime correlacionado)
- Erotomania (síndrome de Clérambault) - Inimputáveis (?)

Delírios mais frequentes: perseguição, grandeza, religioso, envenenamento, culpa, niilista,


erotomania, ciúme, infestação, sósias...

5) Alucinações auditivas e visuais


- Auditivas (comentadoras de actividade, imperativas, acusatórias)
- Visuais (zoópsicas, liliputianas, cénicas, religiosas)

Nestes casos, não fazer perguntas que induzam respostas.

6) Álcool e outras substâncias (como drogas de abuso)


Praticamente sempre imputáveis (porque comummente reconhecem os efeitos maléficos
sobre o corpo e o risco para a sociedade devido aos seus comportamentos)
• Excepções:
Eduardo Figueiredo 2016/2017

 Se crime cometido em alteração do estado de consciência (delirium tremens,


demência alcoólica, embriaguez patológica primária…)
 Se crime cometido em psicose associada, com delírios ou alucinações (S. Otelo, S.
Korsakov, psicose da cocaína, das anfetaminas...)

Há alteração do estado da consciência; conhecia a pessoa os malefícios ou eventuais


consequências dos seus consumos...
P.e. Casos de embriaguez patológica primária (alguns indivíduos poderão não prever
eventuais consequências maléficas do consumo de bebidas alcoólicas, P.e. Porque nunca bebeu ou
consumiu essas substâncias)  Pode conduzir a inimputabilidade.
Mas o sujeito que conhece bem os efeitos do álcool, poderá vir a ser considerado imputável.
É imprescindível o acesso aos autos e fontes disponíveis a nível médico e familiar para que o perito
possa fundamentar as suas conclusões.

7) Síndrome de dependência
Compulsão, descontrolo, privação, tolerância, obsessão e persistência.

Craving - dependência da substância, que leva a dizer que as pessoas estão imbuídas de
Craving.
- Cut - Já sentiu que devia parar?
- Annoyed - Há pessoas que o chateiam?
- Guilty - Já se sentiu culpado?
- Eye-open - Já bebeu para acalmar logo pela manhã?

8) Epilepsia
- Imputáveis, se a comissão do crime foi feita fora do ataque epiléptico
- Inimputáveis, se em estado crepuscular no momento de comissão do facto.
- E a imputabilidade diminuída? Normalmente coloca-se esta figura quando o sujeito deixa de
tomar a medicação adequada para o tratamento e comete um crime no quadro de um ataque
epiléptico.

9) Doenças do controlo do impulso


- Imputáveis ou com imputabilidade diminuída?
- Explosiva intermitente
- Piromania
- Cleptomania
- Jogo patológico
- Oniomania?
- Estes reconhecem os malefícios dos seus actos e eventuais consequências.

10) Perturbações da personalidade


- Algumas perguntas:
- Imputabilidade diminuída para os anti-sociais? (Conflito temperamento vs. Carácter)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

- Imputabilidade diminuída ou inimputabilidade para os borderline? (Se em crise psicótica


transitória)
- Imputabilidade diminuída para os doentes de cluster A?

11) Oligrofenia (deficiência intelectual)


- Imputáveis
- Imputabilidade diminuída? (Casos fronteira em termos de Q.I.)
Comorbilidade frequente com alcoolismo e epilepsia.

QI Normal: 90-110
-70 QI = Oligofrenia
Entre 70 e 90 são indivíduos que estão na fronteira.

3. O psiquiatra no papel do perito.

Diagnóstico  Imputável/Inimputável  Perigosidade  Resposta a determinados quesitos

1) Particular atenção ao processo e ás fontes: desejável serem diversificadas, principalmente para


obtenção de dados sobre circunstâncias, contextos, famílias, personalidade, etc...
2) Se há dúvidas, repetir exames mentais, quantas vezes as necessárias (em certos casos poderá
haver interesse em ser efectuado ao fim da tarde porque em pessoas demenciadas, há uma
alteração do estado de consciência ao longo do dia. Normalmente de manhã estão mais
consciências, há tarde estão menos conscientes.) Muito importante no caso dos simuladores.
3) Testes sobre personalidade e inteligência - a realizar pelos psicólogos.
4) A fenomenologia é importante para perceber o comportamento, o compreender e o explicar
(“quando, porquê, como…”)
5) As grandes tipologias da personalidade - “clusters” A, B e C - como “filtro” ou “modelação” dos
comportamentos

Especificidade: Perturbações de ansiedade - exemplos de eventuais crimes cometidos em


situação limite: sob ataque de pânico, em perturbação obsessivo-compulsiva grave, em certas
perturbações de stress pós-traumático.
 Perturbações de Somatização (múltiplas queixas, sintomas dolorosos,
gastrointestinais, etc.)
 Perturbações de Conversão (“paralisia, cegueira, mudez”...)
 Dissociação (fugas, amnésias lacunares...)

Álcool e perturbações da memória


- Intoxicação aguda pode causar episódios de perda de memória
- Há uma rápida subida da taxa de alcoolémia
- O verdadeiro "black-out" começa num ponto preciso e acaba de forma vaga e lenta.
- A amnésia é anterógrada (semelhante à provocada por certos hipnóticos)
Eduardo Figueiredo 2016/2017

- É possível guiar um carro (memória processual praticamente integra)


- Alucinose alcóolica: auditivas (principalmente), paragem súbita do consumo, juízo e senso crítico
parcial.

Possibilidade de simulação:
1) Simulação de quadros psicóticos (esquizofrenia), dissociativos (amnésia psicogénica) ou doenças
factícias (automutilações) Atenção ainda ao examinando negativista ou em mutismo.
2) Particular atenção ao processo e ás fontes (desejável serem diversificadas, para obtenção de
dados sobre a personalidade e a anamnese)
3) Se dúvidas, repetir o exame mental
4) Não fazer perguntas que induzam respostas
5) Serenidade do perito

Simular depressão:
- Fácil (inibição psicomotora, desmotivação, ideias de morte ou de suicídio)
- Difícil (insónia - quando observável; variação diurna de humor, desconcentração)

O que é a Perturbação Factícia?


O indivíduo procura criar sintomas - casos de abusos na infância, borderline, acontecimentos
da vida... Devemos não antagonizar, fazer dx, propor fazer um internamento curto para observar o
comportamento. Eventualmente, envolver a família, utilizar fármacos, etc...

Simulação: incentivos externos, temporária, sintomas repetidos, anti-sociais, desejam testes


benignos.
Perturbação fictícia: papel de doente, traços persistentes, diversidade de sintomas,
borderlines, desejam testes exigentes/dolorosos.

Memórias induzidas - A memória é induzida por alguém ao contar uma história. São das perícias
mais difíceis de fazer.
Memórias delirantes
Memórias por indícios
Falsas memórias - confabulação, falsa memória, fantasia que substitui inconscientemente uma
lacuna na memória, baseada parcialmente em factos ou ser produto completo da imaginação.

Simulação de Amnésias: difícil distinguir o que é verdadeiro do que é falso. Pistas: "organicidade"
sugere verdadeira amnésia; "toque na personalidade" sugere falsas memórias.

Simulação de PSPT: recusa emprego pouco exigente, sempre com novas queixas físicas, sempre
com o mesmo pesadelo.

Deteção da simulação - "Se eu lhe for dando pistas acha que se vai lembrar de alguma coisa? O
simulador tende a dizer não, mas o amnésico costuma dizer talvez".
Eduardo Figueiredo 2016/2017

Simuladores vs. Psicóticos

O que fazem os simuladores? Exageram no papel, convicção abalável, imitam mal a forma,
referem que tudo começou rapidamente, esquecem-se de imitar sintomas negativos, só actuam
quando observados. - Imputáveis
O que fazem os verdadeiros psicóticos? Excentricidades, barricam-se, isolamento, sem
amigos, mudam de residência, fazem viagens longas, compram armas, vão fazer queixa à PSP,
GNR, PJ... - Inimputáveis

Normalmente há incongruência entre a entrevista e o comportamento observável. Ex:


enfermaria.

Sugestões para detectar a simulação:


1) Conhecer o registo criminal detalhado
2) Ir ao estabelecimento prisional se estiver preso e falar com as autoridades, assistente social...
3) Procurar empatia para melhor colheita de informação
4) Evitar perguntar que induzam respostas
5) Repetir observações ou exames mentais, se necessários.
6) Saber se o indivíduo passou por unidades de saúde, conviveu com profissionais de saúde etc...
7) Avisar que se vão pedir análises ao sangue para detectar medicamentos por ele mencionados ou
requerer exames altamente sofisticados.

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