Sunteți pe pagina 1din 14

t··:··· . r ·.

· 1

BIBWOTECA DE CieNCIAS SOCIAIS


I

Sociologia e Aotropologia

Edson de Oliveira Nunes


(organizador)
---- - - -- ---)

A Aventura
Sociolõgica
Objetividade, Paixão, lmproviso e
Método na Pesquisa Social

.)

I .
\.

ZAHAR EDITORES
RIO DB JANBJRO
1
O Ofício de Etnólogo, ou como Ter
"Anthropological Blues" *
RoosaTo o• MATA

Thls tlory, the sw«t~st, the true.A


or rathu the only true glory, awcúu
you, tmcomfXISSt!l you olr~y; you
wi/1 knqw ali il1 brillionce on thot
t!a-y o! trlumph and joy on which.
returning to yof.lr country, welcomed
tunid our deUght, you will arrive in
our wcú/J, looded with the most pre-
ciouJ apoif1, and bearerJ o/ happy
tldlnts of our brothers scattered in
Ore uttermost con/int.t of the Universe.
Oegértmdo••

lntroduçiio

Em Etnologia, como nos ... ritos de passagem,.. e"istem três


fases (ou planos) fundamentais quando se trata de discorrer sobre
• Trabalho aprt).,:ntado ""' Univenithule de Orn"Jflia, junto :10 Oepartc.~­
mcnlo de Ciências SociaiJ, no Simp&io sobre TrabalhCH!e-ChmpO, ali
re.:~li"Ull.lo. E"CprC'IotO meus Aaradccimcntos aos P.-ors. Roberto Cardoso de
Oli~eira c Kcnncth Taylor, que na época eram, ropcctivamt:nte. Ou~re
do Departamento de Cilncias SociatJ e Coordenador do Curso de M~
Irado de Anuopolosia Soci1l. pelo corwite. Posteriormertte, o te--.to foi
publicado no Museu Nacional como Comunicaçlo n.o t. Setembro, 1974,
em cdiçio mimcoararada. Desejo aaradcccr a Gilbeno Velho. Luiz Ue
CaJtro Farl.it c. Anthony Seeacr pelas suaestõc:s c cncora,amento. quandn
da preparoçlo das duu 'ftn6es desce uabalho.
•• Jooq>h·Marie Dc~rando, Th• Ob•""'Ji"" of S4W>t< Peop/e• (1800) .
traduzido do rranc& por F .C .T Moore, Bcrkeley e Los Angeles: Uni·
>enity or C..lifom~ Pras, 1969
'
,. •

24 A BUS<'A OA RPALIDADf OBJETIVA A VFRSÃO QUAl !TATIVA 25


as etapas de urna pesquisa, visto ~lo prismo do seu eotitliano. A da. autoridade com o gentrnlidodr, o lei e o regra. No plano prÓ·
pnmeao, é aquela caracterizada ptlo uao e até abuso da cabeça, tico, portanto, já não se lratn de citar n experiência de a}trum he-
quando ainda não tr.moe nenhum contato eom os seres humono.s rôi-<:ivilizador do disc:ipHna, mos de colocar o problema fu;',damcn·
que. vâ\.eodo em grupo•, conJtituem-se 001 nOSSO$ objetos de tra- tal no Antropologia, qual ~ejo: o do especilieidadc e relatividade de
balho. € a Cose ou plano que denomino de teórico-intelectual, ma.r· sua própria ex~riência.
cada pelo dh:órcio entro o ruturo petqui.Jodor e n trii.M>. a classe A (a.se (innl, a terctiro, é a ()Ut" chamo de ~ssoul ou e:r:iMe11
&OCjaJ. o mito. o grupo. o c:~~tt-goria cognitivo. o ritunt. o bairro, o ciat Aqui, uão temo. maia divi.sõc:-t nítitla.s entre as cta1-..a." tto.
sistema de rcloçõea 80Ciais e de porenttteo, o mOOo dl" produçito. o n&.SA formaçoio c:icntifira ou nrodrmic:.. ma ... pur urna espécie de
sistema político e todos o. outroe domínios, em sua Ji'\ta infinc.Jã · prvlougamcnto Uc tudo i~, unta certA vio;.ão tle• eonjunto que etr·
,·el, que certamente fazem parte daquilo que se busca ''er, enca- lamente de>c roroor todo o nowo esforço e trabalho. Deste modo,
rar, enxergar, ~r«.ber, estudar, elassifiear, interpretar. explicar. enquanto o plano ttôrico-intelec-!ual é medido pela competência
etc ... à185 esse dh·órcio - e é bom que se diga i.550 clantmentt' acodêmiea e o plano pritiro pelo perturbação de uma realidade que
- nõo dU rapeito tomente à ignorância do estudante. Ao contrá· vai se tornando e~~cJa '\'e& maia imediata, o plano existencial da
rio, ele fala prKÍ.aarnente de um exceuo de conhecimento, mas de pesquiJo em Etnologio fAla moi• das lições que de•o extrair do
um conhecer que é ttórico, universal e mediatizado não pelo con· meu próprio CU(). t por tiUA disso que eu a considero como es·
ereto e sobretudo pelo es(>e<:Ífico, mas pelo abstrato e pelo não sencialmenle globalir.adoro e integradora: ela dc'e sinleti:t:~r a bio·
vivenciado. Pel01 livros, eruaios c artigos: pelos outrot. grafia com a teoria, c a prática tio mundo com a do ofício.
Na fase teóricO·Ítatelec&ual, as aldeiu são diagramas, os ma· Nesta elapa ou, antes, nesto dimtn!liio da Pesquisa, eu não me
trimônioJ se raolvem em de.senh01 geométricos perfeitamente si- encontro mais dialogando com indiot de papel. ou com diagramas
m étricos e equilibrndos, a pnlronagem e a clientela política apa· simétricos, mas com peuoa.t. Encontro-me numo nldeia concreta:
retem em rel(rll ordcnndM, a própria espoliação passa o seguir calorento e distante de tudo que conheci. Acho-me fazendo face a
]eis e os índiOJ JÕo de papel. Nunca ou muito raramente se lamparinas e doença. Vejo-me diante de gente de carne e 05!0.
peusu em coisu espccí(icaa, que dizem respeito à minha experiên· Gente boa e untipôtico, gtmte 8nbido e estúpida, gente feia e bonita.
cio, quondo o conhecimento 6 1.ermeabilizodo por cheiros, cores, Estou, assim, submerso num mundo qu~ M' situava, e depois dn pes..
dores e amores. Pcrclus, nnsiedudcs c medos, todos esses intrusos quisn voha o se situar, entre u rcnlidnde e o livro.
que os Hvros, sobretudo OI romigerndo.s "monunis'' dn.s Ciências ll viveneiondo esta rose <( UC me dou conta (c não sem susto)
Socinis teimam por ignoror. que estou entre dojs fogos: o minho eulturo e uma outra, o meu
Uma segundo Cose, quo vem depois dcsso que ucobo de opre· mundo c um outro. De foto, tendo me preparado c me colocado
sentnr. pode ser tlcnominodo do período prático. Elo diz respeito, '· como tradutor ele um outro aistcmo parn a rninhn própria lingua-
esscuciolmente, u uossn ontovéspcra do peS<Iuisa. De fato, trata-se gem, eis que tenho que inicinr minha tnrefo. E cotao verifico, inti-
daquela semana que todos cujo peli<(UUa implicou uma mudança mamente satisfeito, que o meu oficio voltado para o estudo dos
drástica experimentorum, quando o nosso preoeupnçõo muda subi- homens - é onólogo õ próprio eominhadn das sociedndes humanas:
tamente da.! ltoriu mai.s univrns.ois poro os problemas mnis sempre na tênue Unha divisória que separa os animais na determi-
banalmente concretos. A pergunta, eotiio, não é moi.s se o grupo X nação do oatunza c os dcult"l quet f.littm os crentes. forjam o seu
tem ou niio linhagens segmentadas, i modo dos Nuer, Tallensi ou próprio destino.
Ti v, ou se a tribo Y tem corridu de tora e metades cerimoniais, Neste trabalho, procuro dcsenvolvtr esta última dimensão da
como os Krahô ou Apinoyé, mos de planejar a quanfodode de arroz pesquisa em Etnologia. Fase que, para mim c talvez para out..,.,
e remédios que de,:erei levar para o campo comigo. foi tio import1nte.
Observo que a O<Cilaçõo do pêndulo do cxi<têneio parn tais
questões - onde vou donnir, romt:r, viver - nõo é nodtt agro· I
dóvel. Üpec:ialmente quando o 00:510 treinamento tende a ser ex·
ce:ssivo.mente verbal e teórico, ..,u quando somos socialiuldos numa Durante anOt. a Aotropo1o~ia ScK-iel ("~t("\t'" preocupada em
cultura que noe tn~ioa sisttmt•\camente o conformismo, esse rilbo est1belece:r tom pr«is5o tade H'Z maior 'uas rotin•~ de ~ui ....-.
~" '"" .., ...
~ ~·~
26 A BuSCA D• Rf..\UD\De OBJETIVA A Vus•o QUALITATIVA
~ ,}.~~-~­
~
ou· como é ttmbe:m cbamado o e.J.trcício do ofício na sua prática tos meoos íormaiJ. NM estória~ c1uc eloLôr.Jm de modo tragicômico
~'4• ..
r/tt 't
mais imediata, do trabalho de campo. Nos cuf'I05 de Antropologia um mal-entendido entre o pe.squi.JOdor e o seu melhor io(ormante,
os prore.s!()fltl mencionavam sempro a nec~~iúadc ah30lutu da co-- de como foi t.luro chcg,ur uté u oldcia, das diarréias, doa difieuldn-
leta de um bom material, isto é, dodos etnográficOfJ que permiti:y des de co118cguir comida c - muito mais importante - de como
sem um diálogo mais intenso e mai.s profícuo com as teorias co-- íoi difícil comer naquela aldeia do Brasil CentraL
nhecidA3, poi.s daí, certamente. ooscerio.m novas teoriu - segundo Esses aio 01 chamados aspectos .. românticos" da disciplina.
a velha e. porque não dizer, batida dialética do Prol. Ro.b ert quando o pesquisador se vê obrigado a atuar como médico, cozi..
l\lerton. nheiro, cont•dor de histórias, mediador entre índios e funcioná-
~sse esrorço nasceram óllgun• livros - na América e fora rios do FUNAI, viajante solitário o até palhaço, lonçando mão
dela - ensinando a realizar melhor tais rotinas. Os dois mais [a. destes várioo e insuspeitodos papéis paro poder bem realizar as
mosos são o notório Note> and Qucries in Anrhropolosr, produzido rotinas que infalivelmente aprendeu na escola graduada. t curioso
pelos ingleses c, di.ga·se do pa~~Mgem, britanicamente produzido e signiClcativo que tais upeeto.s sojnm cunhados de "nncrlóticos"'
com zelo tnission:írio, colonia l e vitoriano. e o nõo roemos famoso e, como jú diue, de uromânticos'\ desde que se CJUi consciente
Cuia de lnve!li6ação de Dado• Culrurail, livro inspirado pelo Jiu. - e não é preciso ser filósofo para ltlnto - que a Antropologia
man Relatioos Area Files, sob a ég-i de dos estudos "cross--cuhurais ... Social é uma disciplina da comutação e da mediação. E com iS90
do Pro!. George Peter Murdock. quero aimplesmente d.izer que talvn mais do que qualquer outra
Sdo !UU Pf'ta.s impressionantu. como são impres.ionantes as matéria devotoda ao estudo do Homem, a Antropologia é aquela
monografias dos etnólogos, livroe quo atualizam de modo correto onde necessariamente se estabr.Jece uma eonte entre dois universos
e impecável essas rotinas de "'como comecei [azendo um mapa da (ou subuniversoo) de significação, e tal pente ou medioçiio é reali·
aldeia, coU1endo duramente as gcoealogia.s dos nativos, assistindo zada com um mínimo de ap&Into institucional ou de instrumen·
aos ritos funerários, procurando delimitar o tamanho de cada tos de mediaçüo. V ale dizer, de modo artesanal e pucientc, dcpen·
roça" e " termínei deseobrlndo um !Jistema de parentesco do tipo dendo essencialmente de bumoree, temperament~, !obio.s e todos
Crow·Omnha. etc, .. ". Na realidode, livros que ensinnm 8 fazer os outros ingredientes das poi!005 e do contato humano.
pesquisa sôo · clho.. no nos.:> di'< iplona, e pode-se meamo dizer - Se é poaível e permitido uma interpretação, não há dúvida
sem medo de incorrer em exo~gtru - que eles nasceram com a sua de que todo o anedotário referente às pesquisas de campc é um
!undaçio, já que foi Henry Morgon, ele próprio, o primeiro 8 des- ' modo muito pcuco imaginativo de depositar num lado obscuro do
cobrir a utilidade de tais rotinas, quando preparou uma oério de ofício os seus pontos talv~ mais importantes e mais significativos.
questionários de campo que Eorom enviados aos distantes missioná- ~ uma maneiro e - quem sabe? - um modo muito envergonhado
rios e ngcutes diplomáticos norte·americanos p a ro escrever o seu de não assumir o Jndo humano c Crnomenológico dn disciplina, com
supcreló,..ico Sy•rems of Cof1$(1118uiniry and Afliníry ofrlw Human um temor in{ftntif de revelar o <1uanto vai de subjetivo nas pe•qui·
Family ( 187 I ) 1 • Tal tradição é obviamente necessária e não é aas de campo, temor esse que é tanto maior quanto mais voltado
meu proi>Mito aqui tentar denegri-la. Nõo sou D. Quixote e n<»- está o etnólogo para uma idealização do rigor nas disciplinas so-
nheço muito bem os fmt"" que delo n...,.,rom o poderão ainda ciais. Numa palavra, é um modo de não assumir o oficio de etnt>
nascer. E mesmo se estiv~ contra ela~ o múimo que o bom logo integrolmentc, é o medo de sentir o que a Dro . Jean Carter
senso me ttermitiria acrescentar é que es.~ rotinas sõo como um Lnve denominou, com rara felicidnde, numa carta do campo, o
mal necessário. anlhropolo&icol b/ue•.
Desejo, I)Orém, ne$te trtlhalho, trnzcr à luz todo um "ouLró
lado" dt..-sta mesma tracliç.ão o[icinl e explicitamente reconhecida I I
pelos antropólogos, qual seja: oo aspectos que aparecem nas ane·
dotas e nas reuniões de antropologia, nos coquetéis e n~ momen· Por anlllropolosico/ bluos .., c1uer cobrir e descobrir. do um
modo ma.i.s edtemático, os aspectot interpretativos do oficio de etnó-
1 Rcpubhc:M.h> em 1970. Anthropt,.Q&k.:nl Publi.:.alk»ru. ~lerhoot N.B.
- Holanda. Vt)l·~. tm relaçio ao que f<M mendonado acima, pp. vüi e logo. Trat•« de incorpotâr oo campo me!mo das ro!inas oriciais,
ix do PrefAcio e o A~ndtcc A Pan::: 111, pp. 5U c ss. já legitimada• como parte do t~inomrnto do antropologo, aqueles
,, •
A VERSÃO QUAWATIIA 29
28 A BUSCA DA REALIDADE ÜBJ ETtYA
guntam oo "porquês") o exótico no que .. tó petri!ieado dentro de
nós pela ni!ieação e pelos mee:tnümoo de legitimação.•
a.spectoa utraordi114irios, sempre prontos a emergir em todo o rela· Essas duas transformações fundamentai$ do oficio de etnólogo
cionomento humano. De fato, só se tem Antropologia Social quan· parecem guardar entre si uma estreita relação de homologia. Como
do se tem de algum modo o exótico, e o exólico depende invariavel- o desenrolar de uma sonata, onde um tema é apreaentado clara·
mc.nte da distÃncio social, e a distância social tem como componen- mente no seu início, desenvolvido rebuscadamente no seu curso e
te a marginalidade (relativa ou absoluto), e a marginalidade se ali· finalmente, retomado no seu epílogo. No c.oso dns t ransformaçõe~
ancntn de um ~ntirn~nto ·de scgrcgnc;iio r n ~CAr~goção implica :antropológicas, os movjmentos sempre com.luam n um encontro.
<'!'lltlt ,..; ~ tudo dcS('mbocn - para comutnr rnpitlomrnlc essa longa Deste modo, a primeira transformaçüo levo uo cuconlro Onqui1o que-
<·utlcio - nn Jiminaridade c no estronhorncnto. a cultu rn do pesquisador reveste jnkialmcn tc no envelope c.lo bi-
De tal modo que ve.Stir a capá de etnólogo é uprcnder o reali· wrr~, d~ t~l manei~a que a ~iagem do etnólogo é como o viagem do
zor umo dupla tarefa que p.ocle' ser grossciromente contido nas se- her01 clossiCo, parhda em lres momentos tlistintos c intcrdcponc.len·
guintes fórmu las: (a) transformar o exótico no familiar e/ou (b) tea: a anida de sua sociedade, o encontro com o oulro nos conflns
tran&formnr o familiar em exótico. E, em ombos os COSO!\, é ncces· do seu mundo social e, finalutente, o ••retorno triun[al" (corno
&ária o presença dos ~ois termos (que representam dois universos coloca Degérando) ao seu próprio grupo com os seus troféus. De
de signiricoçiio) e, mais basicaméD.te, uma vivência dos dois domÍ· j fato. o etnólogo é, na maioria dos casos, o último agente da soeie·
nios por um mesmo sujeito disposto a situá-los e apanhá-los. Numã dado colonial já que após a rapina dos bens, da força de trabalho e
certa penpeeliva, essas duas transformações parecem seguir de per· - ~o. terra aegue o pesquisador para completar o in \'Cntário eaniba·
to os momentos críticos da história da própria disciplina. Assim é lúetco: ele. portanto, busca as regras, os valores. as idéias - numa
que a primeira transformação - do exótico em familiar - torres- palavra, os imponderóveis da vida social que foi colonitada.
pondo ao movimento original da Antropologia quando os etnólogos . Na segun~a. transformação, a viagem é como a do xamã: um
conjugaram o seu esforço na busca deliberada dos enigmas soeiais movunento ~ashoo onde, p~rado~m~nte, não se ui do lugar. E,
situados em universos de significação sa.bidomente incompreendi· de fato, ~ v1agens .xaman~licas sao vtagcos verlieais (para dentro
dos pelos meios sociais do seu tempo. E {oi 851Ím que se nduz.iu e o~ para c•_m~) mutto m8JS do que horizontais, como acontece na
trtlndormou - para citar apenas um caso clássico - o ku.la ring. \'Jagem classica dos heróis homéricos. • }:; nõo é por outra razão
dos melnnésios num sistema compreensível de t rocos, alimentadas• q~e tod~ nqueles que realiz.nm tais viagens pura dentro e para cima
por práticas rituais, políticas, j urídicos, econômicas e religiosas; so.o xamus, cu radores, profetas, santos e loucos; ou scj o, os que de
tl cseobt'rto q ue veio, entre outras, permitir o crioçõo, por Maree) al~um modll se dispuseram.. ~ c~1egar no fundo do poço de sua pró·
Mouss, dn noçõo basilar de f oto sociol totul, tlcscuvolvidn Jogo opôs
pr'n cultura. Corno eonsequencJn, a segunda trnndormaçõo condu1;
Jgunlmcotc a um encontro com o outro c ao cstranhomento.
ns pes<1uisa.s c.lo B. ~1alinowski."'l As duns transformações estãot pois, intimamente relacionadas
A segunda transformação parece corruponder ao momento
e a.rxba.s sujeitas a uma série de resíduos. nunca sendo realmente
preKnle, quando a disciplina se volta paro a nosso própria socieda·
perf~i.tas. De fato,. o exótico nunca pode p:war a ser familior: c o
de, num movimento semelhante a um auto-exorcismo, pois já não famalaar nunca deu:a de ser exótico.
se trata mais de depositar no selv&&em africano ou melanésico o Mas, deixando os paradoxos para oo moi$ bem preporados.
mundo de práticas primitivas que se deseja objetificar e inventariar, essas transCorma~ indicam, num caso, wn ponlo de chegada (de
mas de de!CObri·lu em nós, nu nossas imtitu.ições, na nossa pniti~
f~to, quando o etnologo consegue "" {amiliarizar com uma cultura
ea política e religiosa. O problema é, então, o de .tirar a capa de diferente da sua, ele adquire ~mpetência nf!.tll cuhura) e, no ou.
membro de uma classe e de um grupo social específico'~ poder
- como etnólogo - estranhar alguma regra social familiar e a_s.. 3 Elt~ us.1ndo as noçÕê'l de reificaçio c de ltliuma~·!io como Bergcr
sim descobrir (ou recolocar, como fazem a.1 crinnço.s quondo per· ~ Luc mann no seu A Cons1rução SocuJ da R~olidade (Pclrópoli'>:
ozes. 1973).
4 Foi Pctcr Rivjhe de Oxford quem me ~useriu esta icléil' da viao~em
2 J)ermito-me temhto.r :.o leitor que Malinowski publicou o seu A r gtJn. xomnnrstiea . 1:0
auts O/ rire Wl"Jttrn Paci/lc em 1922 e que a prlmeirD ediçAo franctsB do
E1toi "" le Dou 6 de 1925.
30 A BuSCA OA R EAUOAD6 OBJETIVA A VERSÃO QUAl n'AllVA 31

1 tro. o ponto de partida., já que o único modo de eatudar um ritual me \'U'I'IC.S forma~. indo da anedota iofamc contada pelo falecido
: bro.s.ileiro é o de tomar tal rito como exótico. Isso significa que a Evan•Pritchard, quando disse que estudando os Nucr podo-se {a·
aprffnsio no primeiro processo é_ reali.ud~ . prir:nordi~_ent~ por eilmente adquirir &intoma.s de ... Nueroeia'"6 , até as .re8ÇÕCS mais vis-
uma via iotel«tual (a transformaçao do uohco em Camtl1ar e rea· ccrois, como aquelas de Lévi·StraUIOI, Chagnon e M aybury·Lewis"
hudft- fundamentalmente por meio de apreenaõee cognitivas)~ ao quando ae re{e..,m à solidão, à falta de privacidade e à sujeira dos
rauo que, no segundo caso, é neoeuário um desligamento erooei~ indios. .
na_l, já que a familiaridade do costume não fof obtida via intelecto, Tais relatos parecem sugerir, dentre oa muitos temas 'I"'( ela·
m~.s via coerção socializadora e, assim, veio do estômago para a boram, a fantástica surpreaa do antropólogo diante de um verda·
c·ciJ<:~o. Em ombos os casos, porém, a mediação é rea.lizada por um deiro aosalto pelas emoções. Aasim é que Cbagoon descreve sua
t--orpo de princípios guias (as ehamadu teorias antropológicas) e perplexidade diante da suje.i ra doa Yanomooo e, por isso mesmo,
condu~ido num labirinto de conflitos dramáticos que servem como do terrível sentimento de penetração num mundo caótico e sem
fitlD O de fundo para as anedotas outropolôgicas e para ncen~u~r o l!entido de que foi acometido nos seus primeiros tempos de traba·
tn<1uc romúntico dn nossa disciplina. Deste modo, se o meu 1n.nght lho de compo. E Maybury·Lewis guarda poro o último panígrafo
n·IÜ correto, é no processo de transformação mesmo que devemos do seu livro a surpresa de se 8aber de algum modo envolvido.!! ..:a-
c•uidnr de buscar a defini~o caJa vez mais precisa d()S cmlhrupolo- J1U. de envol-ver .!leU informante. Assim, é no últiino instanl_
c do
Bical blues. iieu relato que ficamos sabendo que Apawen - ao se despedir do
Seria~ tntüo, possível inicinr a demarcação d.a área básica do antropólogo - tinha lágrimas nos olhos. t como oe na escola gro·
antlaropolosiCtJI blues como aquela do elemento que se insinua na duada tivessem nos ensinado tudo: espere um sistema matrimonial
prática etnológiea, mas que não estav• tendo esper•do. Como um prHC:ritivo, um sistema político eegmenhldo, um sistema dualiFta,
blues. cuja melodia ganha forva pela repetiçio das ruas !rases de etc., e jamais nos tivessem prevenido que a situação etnográfica não
modo a cada vez mais se tornar pen:epti•el. Da mesma maneira que é realizada nu.m vazio e que tanto lá-t quanto aqui, se pode ouvir os
a tri!t..a e a saudade (também bluu) ae insinuam no processo do onlhropolosiool blue3!
trabalho de campo, causando surpresa ao etnólogo. t quando ele Mas junto a esses momeolOO> eruciaiJ (a chegada e o último
se pergunla, eomo fez Claude Lévi..Strausa, 14 que viemos fazer aqui? dia}, há - dentre as inúmeras situações destacáveis - um outro
Chm que esperança? Com que flm?"' e, o partir desse momento, inatante que ao menos para mim se configurou como critico: o mo·
põJe ouvir c.laramer.re as intromirsões do um rot-ineiro estudo de mento da descoberta etnográ{iea. Qua.ndo o etnólogo consegue des·
Chopin, ficnr por ele obsecado e se abrir à 1errível descoberta cobrir o funcionamento de uma instituição, compreende íinalmente
..: d e (I\IC 11 viagem apenas despertava sua próprio. subjetividade: uPor o operação de- uma regra antes obscura. No easo da minha pesquisa,
um singular paradoxo, diz Lévi·Straues, em lugar de me abrir a um no dia em que d escobri como operava o regra do. amizade formali·
· novo universo. minha vida aventurosa antes me restituía o antigo, r.adl'l entre os Apinoyé, escrevi no .meu diário em 18 de setembro
enquanto aquele que eu pretendera se dissolvia entre os meus dedos. I de 1970:
Quanto moi.s os homens e as paisagens o cuja conqui.!ta eu partira \
perdiam. ao possuí-los, a si~ificaçio que eu deles esperava, ~a~ • "Então ali estava o segyedo de uma relaçiio social mui·
f.~sa~ imagcn.s deee:pcionantes ajnda que pre!entes eram subshtul· to importante (a relação entre amigos formais), duda
das por outras, postas em reserva por meu pauedo e às quais eu não por acaso, enquaoto descobria outras coi!as. Ele mCJrS..
dtra nenhum valor quando ainda pertenciam à realidade que me trava de modo iniludivel a fragilidade do meu traba·
rode•••·" (Tristes Trópicos, Sio Paulo: Anh=hi, 1956, 402 ss.). lho e da minha capacidade de uereer o meu ofício cor·
S.no JlOS'Í•el diur que o elemento que oe insinua no trabalho
dt eampo é o sentimento e a emoção. Ettt-5 eeriam, para parafrasear a Cl. Eunt-Pritehard. The N~r, Ox!ord. at \hc Clarcndon Press,
1~ : 13.
Lêvi.Straui!S, õii lióspédes não convidados da situação elno~f\ca· E t Pura U\i·Strauss. "'t.ja o jA citado Tristes Trópico~; para 0\aanoo. c
tudo indica que tal intrusão da subjetividode e da carga afeuva que Maybury·l...rwis confira, rcspcctivamc:ntc1 Yanom41'to: Tlle Fi~r« P~ople.
vem com ela, dentro da rotina inteleetuallzada da pesquisa antropo- '/ Novo York: Holl, Rinehart e Winston, 1968, e Tht S••••• tsnd Tht lnno-
lógica, é um dado sistemático da &.ituaçio. Sua maoi(eetação asm- "'~"'· D01tcm : Bcacon Press. 1965.
~

l •
•' •

f. J2 A BuSCA DA REALIDADE OBJETIVA A VERSÃO QUALITATIVA 33

I retamente. Por outro lado, ela revelava a cont.ingêocia
do ofício de etnólogo, pois os dados, por ~Mim dizer,
caem do céu como pingos de chuva. Cobe ao etnólogo
modo, i10la-se novamente. O oposto ocorre com muita freqüência:
envolvido por um chefe político que deseja seus favores e sua opi-
niio numa disputa, o etnólogo tem que calar e isolar«. Emocionado
n4o só apará-los, como conduzi-los em enxurrada para pelo pedJdo de apoio e temeroso por sua particiJ>Ição num conflito,
o oceano das teorias correntes. De modo muito nítido ele ee vê obrigado a chamar a razão para neutralizar os seus senti·
ver ifiquei que uma cultura e um informante são como meutoe e, assim, eontinuar de fora. Da minha experiência. guardo
cartol.. de mágico: tira·sc alguma coisa (uma regra) com muito cuidado a lembrança de uma destas situ11.ções e d~ oulrct.
que (az sentido num dia; no outro, &Ó conseguimos fi. muilo moia emocionante, quando um indi.oz.inho qun crn um misto
tas color idas de baixo valor ... de secretário, guia e filho adotivo, o!ereceu-me um colar. Trau ....
Do mesmo modo que estava preocupndo, pois havia crevo novamente um longo trecho do meu diário de 1970:
mondado dois artigos errados para publicação e tinha
que corrigi-los imediatamente, fiquei tnmbém eufórico. " 11 engi entrou na minha casa com um o cabacinha presa
~1o~ minba euforia teria que ser guordndn parn o meu a uma linha de tucwn. Estava nn minha. mesa remoen·
diário, pois não havia ninguém na alclcio que comigo do dados e coisas. Olhei para ele com o dc.~êm """ can. ·
pudesse compartilhar de minha de!ICoberta. Foi assim &odos e explo.rad?S, pois que diariamente. c n t01l1• o mu·
que escrevi uma carta para um amigo e visitei o encar- mento minha casa se enche de índios com colores paro
regado do Posto no auge da eu!oria. M .. ele não es· trocas pelas minhas m.issangas. Cada uma dessM trocas
tua absolutamente interessado no meu trabalho. E, é um pesadelo para mim. Socializado numa cultura
mesmo se estivesse, não o entenderia. Num dia. à noite .. onde a troca sempre implica uma tentativa de tirar
quando ele perguntou por que. a!inal, estava eu ali estu· o melhor partido do pa.rceiro, cu Kmpre tenho uma rP..
dando índios, eu mesmo duvidei da minha resposta~ beldia contra o abuso d.. troca.s propostas pelos Api·
poi.s procurava dar sentido prático a uma atividade nayé: um colar velho e mal feito por um punhado sem.
que, ao menos para mim, tem muito de artesanato. de pre cresoente de missangas. àla.s o meu ofício tem des-
confuúo e é, assim. totalmente desligada de uma rea- ses logros, pois missanga.s nndn valem para mim e. no
lidade instrumental. entanto, aqui estou zelando pcJa.s minhas )'CfJII<'nns
E foi assim que tive que guardar !ICgredo do minha bola.s colo.ridas como se fosse um guorda dr ' ' rn lm11c:o.
descoberta. E, à noite, depois do jootor nn casa do en- Tenho ciúme delas, e$lOu apegado no seu ''olor ·- <p.:e
CDI'regodo, quando retornei õ m inho CO!Ul, ltl só pude di- eu mesmo estabeleci. .. Os índios cltcgom. ofen.lm~ra ,,s
zer do meu feito a dois meninos Apiuo.yé que vjeram co lare::~, snbcm <{UC eles süo mal frilu:i, rnns sabem que
para comer comigo algumas bolochos. Foi com eles e eu vou trocar. E assim fazemos as trocas. S:io c.'•·:c-
com uma lua amarela. que subiu muito tarde naquela oos de colares por milhares de mill:inngos. Att' ·I"" dus
noite que eu compartilhei a minha aolidõo e o segredo da acabem e a noticia corro por toda n aldeia. E, então, fi.
minha minúscula ..-itória.- carei livre desse incômodo papel de comerciante. Te·
rei os colares e o trabalho cristaliudo de quase todas
Esta passa.g em me parece instrutiva porque ela revela que, no u mulhf'res Apinayé. E eles terio :nÍ't414n;r;a'j !•;;.ra fJU·
momento mesmo que o intelecto avança - na ocasião da deseober- tros colares.
ta - as emoções estão igualmente j>resentes, já que é. preciso com- Pois bem, a chegada de Penv ero sinal d• mais uma
partilhar o gosto da vitória e legitimar com os outros uma desco- troca. Mas ele estendeu a mão rapidamente: Esse é
berta. ltfas o etnólogo, nesse momento está IÓ e. dt!lte modo, terâ para o teu i.bá (filho), para ele brincar .
que guardar para si próprio o que (oi capa& de desvendar. E. ato continuo, saiu de çasa sem olhar l)Or\1 lrús. O
E aqui se coloca no'(awente o parado.xo da situação etnográ· objeto esta,•a nas minhas mãos e a saída rúpida do in·
lica: para descobrir é preciso relacionar-se c, oo momento mesmo dioünho não me dava tempo paro propor uma recom.
da dcaeoberlo, o etnólogo é reoiêtido pura o aeu mundo e, deste pensa.. Só pude pensar oo gesto cowo tunn gcntilcz.-..
. . .••
~

3-1 A BuSCA DA REALIDADL OeJETtVA A VERSÃO QUAliTATIVA 35 '



mas ainda duvidei de tanta bondade. Pois tla não e xi_s...
11 I
tt nesta sociedade onde os homtnJ aão de mesmo ~·a­
lor. ""1 Mas o que ,. pode dedu•ir de todas essa• ob.eruções e de to-
das ~..,s impressões que formam o proce. .o que denominei 4n-
Que o leitor não deixe de observar o meu último parágrafo. thropological blues?
Duvidei Ue tanta bondade porque tive que racionalizar imediata- Uma dedução possível, entre muitos outras. é a de que. em
mente 11quela dádiva, caso contrório não estoda mui• solitário. 'M as ( Antro1>0logia, é preciso .!ecuperar esoe lado e•traordinário das reJa.
será que o etnólogo eslá realmente sor.inho? çõe:s pc.squis.otlorfnativo. Se este é o Indo menos rotineiro e o
01 mnnunis de pesquisa social qu••• •cmpre colocom o pro- moia difícil de ser opnnhndo dn situoçõo ontropológicn, é certamen-
hlemn de modo n !nzer crer que é precisamente ~se o cuso. Deste te pOT(JUC ele se constitui no aspecto •nnis humnno dn nosso rotina.
modo, é o pcsquisodor aquele que deve se orientar pnra o grupo ~r. o que realmente permite_escrever n bon etnogrofio. PoNpte scrn
eatudodo e tentnr iderltifiear-se eom e le. Niio se coloca o contrapar- ele, como coloca Geertz, manipulando habilmente um exemplo tio
tida deatr me5mo processo: a identificação doa nativos com o siste- filósofo inglês Ryle, não se distingue um pisco r de olhos de umn pis-
ma que o pesquisador carrega com ele, um sistema formado entre c.odda marota. E é isso, precisamente, que distingue a ... d~erição
o etnólogo e aqueles nativos que eoruegue aliciar - pelo simpatia, I ·aensa" - tipicamente antropológica - da descrição ir.versa. fo-
amiu1<le, dinheiro, presentes e Deus sabe mais eomol - para que tot:rórica ou meeãnica, do viajante ou do mi'itionário.1 l\las para
lhe digam Rgredos, rompam com lealdades, forneçam-lhe lampejos distinguir o piscar mecânico e [i.siolól!ico de uma pi.seadela sutil e
oov01 tobrc a cultura e a sociedade em utudo. comunicativa, é preciso sentir a mqinalidade, a aolidão c a sau·
Afinal, tudo é fundado na alteril dado om Antropologia : pois dade. € preciso eruur os caminhao da empatia e do humildade.
aó ~xiste antropólogo quando há um nativo transformado em in- Ea.. dt&COberta da Antropologia Social como matéria interpre-
formante. E IÓ há dados quando há um proeesao de empatia COr· tativa ~egue, por outro lado, uma tendência da disciplina. Tendên·
"'"do dt lado a lado. € is.o que permite ao informanteconta;-mais cia que modernamente parece marcar sua passagem de u _.na ciêo·
um nlítot elaborar -êõm novos dados uma relação sociu.l e discutir eia natural da aociedade, como queriam os empiricistas ingleses c
amcricanGa, para uma ciência interpretativa, destinada antes de
M motivos de um lider politjco de sua aldeia. São justamente esses
tudo a con frontar subjetividades c delos trotar. De Cnto, neste pla-
nn1ivos (tronsformudos em inlormontes e em e tnólogos) que sal·
no nõo 8cria exagero e(irmar que o Antropologio é um ~mecanismo
' 'om o i)esquisndor do marasmo do tlilHH.lin do nldeio: do nascer e
dos mais irn1>ortantcs para desloc11r no51n próprio subjetividade. E
J>Ôr·ÔO·.sol, do godot da mandioca, do milho e das fossos sanitá· o problemo, corno assume f.ouis Oumont, en tre outros, niio pare·
riu. ce proprinmente ser o de estudar os castas do fndin parn conhece-
Tudo i'l~ pnrece indicar que o etnólogo nunca está só. Real- las integralmente, tareía impossível e que exigiria muito mais do
mente. no meio de um sistema de .rt:gras ainda exótico e que é seu que o intelecto, mas - isso sim - permitir dialogar com ru; ror·
objelivo tornar familiar, ele está relacionado - e mais do que ma.s hierárquicas que convivem conosco. lt a adrniMão - roman·
nunca ligado - a sua própria cultura. E quando o familiar come· tismo e anthropologú:Gl bl~te• aporte - de que o homem não se en·
ça a se desenhar na sua oonsciêoda, quondo o trabalho termina, o xerga acninho. E que ele precisa do outro eomo RU espelho e seu
antropólogo retoma com aqueles pedaços do imagens e de pessoas guia.
que cooheeeu melhor do que ninguém. Mu aítuadu forn do ai-
cante imediato do seu próprio mundo, elas ape-nas instigam e tra-
z.om il lu• uma ligação nostálgica, aquela dos anlhropologieol blues.

'7 Para um ~tudo da organizaçlo social data tOCiedado.. vcj•·tc Rober-


to D••t-.11\ua. Um Mundo Dividido: A Ellruturo S«lol doJ Apino)V. 8 ct. Clirford GtertL, Tfle lt~trrpr~ID/iQ, o/ Cultur~l, Nova York~ Basie
l'cuóoolis: Votes. 1!176. Bookl, 1973. IA ser publicado brc\'emcntc por Zahar Edi1orc:s.]

...
.,..-~ .... - . #
(. / - - - - - ";"'

\'"' , Nu..WJ) J ~~o"" c\.t O~vW.<>.. (~~-J.


A VERSÃO QUALITATIVA 37
A A'llu:Ji.w..o._ Sot.~.o~c.o-.. , ~o 1
tem aspectos de uma cultura e de uma sociedade que nõo Mo C't·
~e>-~cu., plicitad01, que não aparecem à &upcrficie c que exigem um es-
forço maior, mais detJLJhado e aprofundado de obaorvação e eLDJ>3·
tia. No entanto, a idéia de tentar por-u M lugar do outro e de eap-
-tÜ vivências c experiências particulares exige um mergulho em
profundidade difícil do ser precisado c delimitJLdo em termos de
tempo. Trata-se do problema complexo pois envolve •• questões de
di$tá11cia 10<ial e dütáncia p•icológica. Sobre i'IIO Da Matta já
2 situou com propriedade a trajetória antropológico do transformar o
nexótico em familiar c o familiar em exótico'''· Evidcnternente, em
Observando o Familiar ' oJgum nível, está se falando em dütáncia. ~ preciso, no entanto,
renetir mais sobre o que se entende por isto. Sem dúvida existe uma
distância fisica clara entro a sociedade inglesa tio déeodo de trinta
CtLUERTO VBLtiO e uma tribo do Sudão. Há que haver urn c.leslocarnt:nto no c:~paço
que requer a utilização de um determinado tempo, maior em prin·
eipio do que ir de Londres a Oxford ou de Cartum ao Cairo. t
I - Uma da.s majs tradicionai5 pnmlssa.s da.~ ci~nciu IOCta.t.S poeoível que um ou outro individuo na tribo Cole inp;lês, mas a grande
é a neceaidade de uma distânCÜJ mínima que garanta ao inH~:Stiga­ znajoria comunica·.se exclusivamente através d01l dialetos locais, o
dor condições de objetividade em seu trabalho. Alirma-se scr pre- que evidentemente representa, em princípio, uma desc:ontinuidade
ci.to que o pesqui$ador veja com olhos imporcum a rulidadc, ~vi· maior m~ termoa de comurücaçio do que entro um se/to/ar inglês
Lando en110lviment<n que possam obec:Urt~C<tr ou deformar seus JW· e um operário seu conterrâneo, apesar de lkrnard Shaw. Tra·
gameotoa o conel~. Uma d;" possíveis ~~rrênciu des!e rac:ocí- te·&e, no ~ntanto, de um tipo de comunicação, a verbal, que não ~
rüo aeria a valonzaçao de metodos quaohtJLhvoa que senam por gota todo o poteneiol simbólico humano. Pode..., imaginar que o
naturtzo" mais neulros c eientiü.cos. inglêa desenvolva um interesse e cultive uma empatia por chefes
Sem dúvida essas premissas ou dogmas niio siio partilhados por tribnia, atribuindo a estes, real ou íant.a.siosnolente, problemas seme·
toda o comunidade acadêmica. A noção de que existe um envolvi- lha_o tes 001 seus na área da manipulação do conhecimento e no exer-
mento incvitJ\vel com o objeto de estudo c do quo isso não constitui cício do certas prerrogativas, podendo estabelecer pontos do contato
um defeito ou imperfeição já foi cloru. e precisurnento enunciada., e de uproximnçõo, ern determinados níveis. moiores do que os exis-
Não vou deter-me especüicamcote, na discussiio malJ geral sobro tente~ entre o mesmo scholar e seus fellourcounlry ,um de origem
neutralidade e irnJ,orcialidack. Creio ser mais proveitoso discutir ai· proletário.
:gumaa e~riênciu pessoais que me levaram a reCletir de forma SlrnrneJ ao analisar a nobreza européio mMtrn o seu cnr:ltcr
mais tiJtt:mútico 10bre esses problemas. cosmopolita e internacional, passando AObre os rronttirn.s dos Es·
Lados, enfatizando seus laços comuns de grupo de Jtatu•J marcando
11 A Antropologia, e~ra sem exclusi~idad~, tradiei~n~· vigoro.amente a di.Jtâneia em relaçio aos conterrôueo. campone~,
mente Identificou..., com os metodoa do peoqu•sa dttos qualitati- pro1t:târioa ou mesmo burgueses 4 • Se.m dúvida o patrimônio ou a
,.01. À obeervação participante, a ealrevisto. aberta, o contato dire- (Ultura comum de uma nobreza européia são muito mais óbvios do
to, peseoal, com o universo investigado constitutO? sua m~ re- quo experiências particulares de ebe(eo tribaiJ arrica nos c de um
gistrada. I osiste-se na idéia de que para cooh...,r cortas ~ _ou ICholor inglês que poosam apresentar algumas ~mrlhonçu. Num
dimeniÕes de uma aoeiedade é necesaârio um eontato, uma v•ven-
eia durante um período de tempo razoavelmtnte longo poi.! cxis-
• l!m "'O Oficio do Etnólogo ou como Ter •Anthropoloaic:~l Olues' .. ·-
1 Aaradcço os comentário e sugestões do Roberto Da Matt.o c Eduardo PubliCAçOcs do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do
Viveiros de Castro. com quem tive oportunidade de dl~~ulir este trabalho. Museu Nacion111, 1974, e inctuldo nesta colctlne:t.
2 V<r por exemplo o trabalho de Howard S. Beckcr, De que lado Esta- • E.m "The Nobility"' em o, Judi,·iduolity tmd Sot iol forms. 1 he Uni·
\'Cr1Íiy or ChiCASO Press, 1971.
' mos••, em Uma Ttoria da Ação Coleti!Ja, Zahar Edhores, 1977.
38 A BUSCA DA REALIDADE OaJrnVA A VERSÃO QUALITATTVA 39
~-
ca50 c~tá·se Calando em uma causoria social e no outro tln inter;~. por tr•diçóea nacionais de caráter ma~ geral mu por expeneocias
çio ent..., indivúluos que não chegam01 a perceber ou definir como e vivênciu de daue, definidas em termot eociológicot, econômicos
uma eategorla. Mu já aurgo com nitidu o queetlo do relação entre o hl•tórl-, quo originam lnclutlvo a noçio do cultura de cl011o
di•tãncia eoclal o peicológica. O fato de dois indivldu., pertence· quo pode ultra~r u fronteiru dos Eetadoe Noeionais. Sem dú.
rem à mesma sociedade não significa que estejam maiJ próximos vida • noçio de Estado Nacional e a valorlução de um patTimé>-
do que ae fos.em de !'Oeiedad., diferent .., porém GJ>roximados por nio comum dentro de suas lronteiru em opoeição a patrimônios de
prelerêncitl, gostos, idiossincruias. Até que ponto pode·se. OC$SCJ out:roa Estados está ligada a uma conjuntura aócic>-histórico p~isa.
caoot, distiogt~ir o 1ÓCic>-cultural do p•icológico? No mundo acad<'· Normalmente o opa~imento do Estado Moderno ó asl!OCiado ao
mico ou intclcctuol em geral esta experiência 6 Lcm con hecida. desenvolvimento do. burguesia, ao fortalecimento do nocionalismo.
Qunolos vetes em encontros, seminários. conferêncitlS, etc. de carÓ· ~ Enquanto movimento intelectual surgo o Romonlismo, preocupado
ter internocionol nõo nos encontramos intcrngindo O vontade. de ma· em J>C$<1Ulenr (ou até criar) raízes, fundameotoe esecociois de um
1
ncira fácil c descontraída, com colegas vindos de soeiedudCJ e cuhu· povo, DOCiOnolidode, e COobeeida 8 monÍpulaÇÍÍO do ideologias OU·
ras as mnis dispn.re;:? Lembr~me bem de uma vez, chugoudo u uma cionalis101, de oposição simbólica e material ao que vem de fora.
universidade americana na hora do almoço, ter oportunidade de como estranho, iotru5o, fora de contexto, alienado. Pode parecer
sentar À mesma mesa com colegas americanos, um francês. um e&tranho que um antropólogo esteja chamando atenção pora o "arti~
argentino e um holandês. Quase todot ettávamot nos conhecendo. licialismo" de certas separações e limit~ ent-re 10eiedadea o cultu-
No entanto a conversação correu fácil.. nio JÓ quanto ao tom, com ru. ltfat creio que, contemporaneamente, cabo justamente aos antro-
pequenu ironias e piadas implícitas, meiat palavras, re(erêociu, pólogos relativi.r.ar essas noçõe.s, nio negando.u ou invalidando-..
ete. Tínhamos lido Alexandre Dumu e Walter Scott na adolescêo· ideologicamente mu apontando a sua dimcneão de algo fabricado.
eia e gostávamos de Beetboven e Rosoelini. Comeotou·se o filme produzido cultural e historicamente. Nio se trata de aer nacionali.<.
do autor italiano, que seria exibido na univtnidade durante a se- ta ou internacionallita, mas sim de chamar atenção par• a complexi·
mana e discutiu-se a 7 .• Sinfonia, programada para aquela noite. .I ~ade da catesoria dútÔ!_Icia_ e disso extrair conseqüências para o
Eonobismo intelectual? Cultura ornamental cultivada pela intelec· noao trabalho cientifico.
tualidadc acadêmica? 11; possível. mas constituem·M: em temas de A1111ím, votlo ao pn,blema de Da Malta, para 1ugerir certas com·
conversa assim como discutir um jogo de futebol ou n tiltima atuação 1 plieoçõea. O que sempre vemos e encontramo• pode "'" familiar
de Rívclino ou Paulo César com o chofer de táxi ou com o porteiro I mu nõo é neceSMriamente conhecido e o q·u e nõo vemo.t e encon·
do edifício. Quo tipo de conversa é mois real, verdndeiro? O faLo eramoJ pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido. No eotonto
é quo se estó di&eutindo o problema de experiêncioJ moi:! ou menoi estornos eempre pressupondo familiaridodes e cxotismos como íon·
comuns, pnrtilhúvei.s que permitem um nível de interação espcc;q. tes de conhecimento ou desconhecimento, rt!pcctivameute.
co. Fnlor-se n mesmo Jingua não só não exclui (1ue exi~tam grandes Do janela de meu apartamento vejo na ruo um grupo de nor·
di.fcrcnçns no vocobu1ário mas que significodo!l c inlerpretaçÜf:s di- destinot, trahalhadoreo de construção civil1 enquanto o alguns me·
fe...,otes podem ser dados a palavras, categoriu ou expre..ões apa· tros adiante conversam alguns surfistas. Na padaria há uma fila de
reotemeote idêntica•. Voltamos a Beroard Sbaw e a Pigmalião. Por "mpregadae dométtices, três senhoru de cl...., média conversam na
outro lado, toda a traditão marxista valoriza a rocpcriência comum porta do prédio em frente; doi• militares atravessam a rua. Não
de cl05~ c acentua~ tm certas inlerprelatõt-s. o tarátrr t:'\tra e su- h' dúvida de que todos estes indivíduos e srupoe for..rm parte d•
pranacional da luta política, desenfatiza os laços comuM, patrimônio paiJagcm, do ceoório da rua, de modo geral e-tou loabituado con •
cultural de que poderiam participar ela~ eociai• diJtinl85. para aua p..-nça, há uma familiaridade. Mu, por outro lado. o meu
enfatiZAr, por exemplo, a experiência básica comum de exploração conhee.imtnto a respeito de suas vidas, hábitos, e~oça.'J. ,·atores é
a que estaria submetido o proletariado. Exprct"tÕe! ou termOJ como 11hamente diferf'neiado. Não só o meu grau de !omilio,ridctde. nos
bur&uPsÍa iralernacional. unidade internacional proletária tendem ttrmos de Do \Jatto, está longe de ser homog~nf'o como o de conbe--
a sublinhar a importância de e.xperiências e intere:s~s ~ociolôgi­ ci.mento .; muito desigual. No entanto, todo. não só (a.xm parte de
ros c históric~ comuns em detrimento das notõe! tlc idc::nth.lad .. e minhn ~oorir-tl:ulr. rnos são meus conlemporônro" r vi.:tinh<>:!. Encoo-
rultun nacional. A unidade, no caso, niio scrin dado pclu lín~u;.~, trnmo--noe no ruo, falo com algun.J, cumprimt"nlo outros. hj •P que
/

40 A Busc.• DA REALIDADE OBJETIVA A VERSÃO QUALITAnVA 41

IÕ reconheço e, evidentemente, há d eacoohecidos tnmbém. Tratn·se cios, áreas e domíniO$ onde 1t evidencia a procura tlr t"Ontrstnr t"
de aituação d.ilerente de umn eoeiedade de pequena escala, com di· redefinir hierarquias e a d istribuição de poder. Ao contrário de 50-
visão social do trabalho menos complexa, com maior concentração cic.."C..ades tradicionais mnis estáveis ou integradas, está longe tlc hn·
ou menor número do papéis, etc. Jó discuti, em outra ocasião, o ver um consenso em torno dos lugares e posições ocupndos c de seu
problema do anonimato relativo na grande metrópole, chamando valor relativo. Existe o disscnso e1n vários níveis, n possibilidade do
nlenção para a existência do áreas o domínios até certo ponto autô- conflito é permanente e a rulidado está sempre sendo negocindn
nomos que permitem um jogo de papéis e de construrão de idcoti· ~ntre atores que apresentam interesses divergentes. Embora existam
dade bastante rico e comploxo•. O fato é que dentro da grande me· 01 mecanismos de acomodação ou de apaziguamento, sua eficácia é
trópol~. seja Nova York, Paris ou Rio de Janeiro, há deoeontinui· muito ' 'ariá,·el e. até certo ponto, imprevisível. Há dife~ntes ti-
dadeo vigorosas entre o ~mundo~ do pesquisador e outros mundoe, pos de desvio e contestação que põem em cheque a escala de valores
C.undo com que ele, meJj.mO tt-ndo nova-iorquino, parisiense ou dominante. A ciência aocial surge e se desenvolve nesta conjuntura.
carioca, possa ter experiência de estranheza. não reconhecimento ou tendo toda uma dimensão inconcclasta voltada para o eu me cri ti.
~té ~l~oq~e cuhur~ .~mparávei.s à de _viage~s a sociedades e regiões eo e deasacralizador da 110eiedade. Os cientistas 110eiais, ontropólo·
exoticos . Na opm1ao de Dn l\o1ouat1 1sso nao acontece com n maio.. gos, aociólogos, cienti.sta.s politicoe, etc. estão eonstontemcnte: entran-
ria dos pessoas dentro da oociednde complexo nn medida em <tue a do em áreas antes invioláveis, levantando dúvidu, revendo prcmi.s·
realidodc e ns categorias socinis ô sua volta estão hicrnrquizodns. A sos, queationando. ~ claro <[Ue islo varia em função de , po55ihili·
hicrorquin organiu, mapeia e, portanto, cada categoria eociol tem 0 dade1 - origem social, tipo de formação, orientação lcúricu. po~i·
seu lugnr ntrovés de estereóliJ)C).A como, por exemplo: o trabalhador ção ideológica entre outras. ?t-tas mesmo em se trotando de indivi·
14
nordrttino. paraíha :_, é ignorante, infantil, subnutrido; o turfista é duos e correntes mais ligados ou identificados com lendências con-
maconheiro, •}ien!do~ etc. Eu aeracentaria que a dimtn~io do ~ ttrvadora.s~ ou até ruciooáriu, o próprio trabalho d~ in,-~ligaç.óo
der e da donunaçao e fundamental para a construção dessa híerat· e refleúo oobre a aociedade e a cultura possibilitam uma dimen·
quia e d~ mapa. A etiqueta, a maneira, de dirigir-se u pessou, aio no•a da investigaçio cieotílica, de conseqüências radicais - o
as expeetatJvu de respostas, a noção de adequação etc., relacionam· questionamento e exame aist~mático
de seu próprio ombionte. As
se à distribuição aociol de pod~r que é essencialmente desigual em lloalogiu com a psicanálise, embora um tanto pe:r"igosas, úo óbvias.
umo eociedade de classes. Auim, em princípio, dispomos de um Trnta·se, afinal de contas, de uma tentativa de identirict~r rnccaois-
mnpn q-ue nos familiariza com 01 cenários e situações socini.s do nos- 0104 conscientes e ineonS<'ieotes que sustenltlm e diio continuidade
lO cotidiano, dando nome, lugar e posiçiío aos individuO!. hto, no 4 determinadas relações o situações. Assim voha·sc u um ponlo cri·
entanto, não significa que conhecemos o ponto de vi§ta e n visão de tico. Não só o grau de familiaridade varia, não é igual o conheci·
mundo dos diferentes atores em uma situação social nem u regras meuto, mas pode constitulr-se em impedimenlo se nõo for relativizn-
que estão por detrás dessas interações, dando continuidade ao sis-- do e objeto de refiCJ<ão oi.otomática. Posso estar acostumado, como
tema. Logo, sendo o pesquisador membro da sociedade. eotoca... já di.Me, com uma certa paisagem 110eial onde a disposição dos ato·
inevitavelmente, a questiio de seu lugar e de suas possibilidades d; res me é familiar, a hierarquia e a dL<tribuição de poder p<'rmitem·
ftlativiuí-Io ou transcendê-lo e podtT "por-se no lugar do outro.,. me fixar, grO»> modo, os indh•iduos em categorias mais amplas.
€ prtti..so chamar atençüo pora o fato de que mc-5mO nos AOCitdo- No entanto, isto não significa que eu ~mpreenda n lógica de suas
df'.s mais hierarquiud&.s hft momentO&, situações ou papéis aoci~is rdações. O meu conhecimento pode esta.:r scriumcnu.• comprometido
que permitem a critica, a relativizaçãQ ou até o romplmcnlo com a pele rotina, hábitos, estereótipo&. Logo. posso ter um mapa ma! não
hierorquia. Na sociedocle complexo contemporãnen rxiNcm trndêon- compreendo oecessarinmcnte O! princípios c mec.-oni.smos que o
organizam. O processo de tl~•coberto e análise do que é fami liar
pode, sem dúvida, envolver dificuldades diferente~ do c1ue em reln·
' Com L . A . Machado da Sihft "A 0r&ani7..aÇÜO Social cJo Meio Urba-
no" in~dilo. ção ao que é exótico. Em principio dispomos de mapa~ mnis com-
• Comunicação Pessoal. plexos e cristalizados para a nossa vida cotidiana do que em relação
'7 V~r o trabalho clássico de Louis Dumonl Homo 1/ttrcrrt'hicus. G31li- a grupõs ou sociedades díatant .. ou afostados. Isso oio aigniíica que,
mud, _1966. ~nde: o autor mocHa que mesmo na l ndtt. moddo de soc.tt- mesmo ao nos de&ootermM~ C!Omo indh,iduos e pesquiqdores, com
~Je lutrárqutca. há marcem para a s.akla ou estra.nhamtnto da h~l'"llrqui8.
42 A BuscA DA REALIDADE OBJEllVo\ A VERSÃO QUA(.ITATIVA

grupos e situações aparentemente mais exótico~ ou distonte.s, não e~ percebida de maneira diferenciada. l\•f ais uma vez não estou proela·
lejamos sempre !:!_asst!icando e rotulando de acordo com princípios mando a falência do rigor científico no estudo da sociedade, mas a
IJásicos ab'avés dos quais fomos o somos socializados. ~ provável que necessidade de percebê·lo enquanto objetividade relativo. mais ou
existo maior número de dúvidas e hesitâções como~ as de um turis- menos ideológica c sempre interpretativa.
ta em um pnís desconhecido mns os mecanismos classificadores es· Este movimento de relativizar as noções de distância e objeti-
tão sempre operando. Dentro ou fora de nossa sociedade nós pes<JUÍ- vidade, se de tJm Indo nos tornn mais modestos quanto à construção
s.ndores ocidentais eslamos sempre, por exemplo, trabalhando e nos do nosso conhecimento em gernl, por outro ]ado permite-nos ob-
referindo à categoria indivíduo como unidade básica de mapeamen- :Servor o familiar c estudá-lo sem paranóias sobre o impossibilidade
to. No entanto, através da obra de Louis Dumont, sabemos que exi.s- de resultados imparciais, neutro.s.
tem sociedades em que essn categoria niio é dominantes. 1\fesmo
denlro da sociedade brasileira há grupos e áreas que apresenlam III - Tive oportunidode de pesquisor um universo de peque·
fortes dife-r enças e descontinuidade8 em relação à noção dominao· na classe média whitte.colcrr que me era familiar através do
le de indivíduo.' mapa hierárquico e político de minha sociedade e de meu bairro. 11
Levando mais longe o exame da.!l categorias familiar e exótico, Atrav6s de estereótipos localizava os moradores de grandes prédios
sem querer entrar em di.scu!lsóes de natureza filosófica. não há de conjugados. Ao passar por um desses edifícios, "sabia.., que era
como deixar de mencionar os impasses sugeridos pelo exJstenciali!· am "balouça", que havia desconforto, falta de higiene c que seu•
mo em relação ao conhecimento do outro. Não vejo isto como um moradores eram de condição social inferior, sujeitavam-se a condi-
impedimento ao trabalho científico mas como uma lembranç3 de ções de vida mais ou menos degradantes por estarem alienado.!, su-
humildade e controle de onipotência tão comum em nosso meio. O gestionáveis. Certamente tinha dúvidas, questionava alguns desses
conhecimento de situações ou indivíduos é construído a partir de estereótipos. Já conhecera pessoas que moravam em ''balanças" e
um sistema de interações cultural e historicamente definido. Embo.- que não !IC ajustavam a essas pré-noções. De qualquer forma, se um
ra aceite a idéia de que ~ repertórios humanos são limitados, suaa dCMes prédio5. particularmentet tornou-se mais fomHior oi.ndtt,
_combinaçÕt>-.s !lão suficientemente .variadas.. para criar surpresas e quando paro lá me mudei, o meu conhecimento de sua população
abrir abismos, por mais familiares que indivíduos e situações pos· era precário. O esforço de entender e registrar o discurso do uni-
sam pateeer. Neste sentido um certo ceticismo pode ser saudável. verso, eeu eistema de classificação e de captar sua visão de mundo
Pareee·me que Clifford G(!eru, ao enfatizar a natureza de interpre· nem sempre (oi bem sucedido. Percebia como a minha inserção no
tação do trobaiJ!o ontropológico chama atenção de que o processo sistema hierárquico da sociedade brasileira levava-me constante-
de conhecimento do vida social sempre i.mplica em um grau de mente a julgamentos apressados e preconceituosos. as vezes até por
~objetividade e que, portanlo, tem um ~arátc.r aproximativo e não querer drásticamente repelir as noções anteriores. caindo em arma·
definitivo••. O que signiCica a velha eslorinha de que antropólogos dilhns jnversas. Depois de ano e meio de ~idência no prédio, creio
sofjstjcados escol hem sociedades sofisticadas para estudar, os mais que consegui perceber algum .!leeanismos. que sustentavam a Jógica
ansiados trabalham com culturas onde a ansiedade é dominante? das relações sociais internas e externas e também ~~ar algo do es-
Isto mostra não a feliz coincidência ou a mágica do encontro tilo de vida e visão elo mundo loc.cis. Estou consciente de que se tra·
entre pesquisador e objeto com que tenha afinidade, mas sim o Cb• ta, no entanto, de uma interpretação e que por mais que tenho pro-
ráter de interpretação e a dimensão de subjetividade envolvidos nes· t curado reunir dados ~verdadeiros" e "objetivo.s'' sobre a vida da·
te lipo de trabalho. A "realidade" (familior ou exótica) sempre é , quele universo, a minha _subjetivida<!~ está presente em todo o tra·
filtrada por um determinado ponto de vista elo observador. eln ~ balho. Isso está claro para mim na 01edida em que volto constante-
mente a reexaminar a pesquisa. e mesmo a revi.sar o local da investi·
8 Op. cit. gação. PÕr outro lado, sendo um grupo qUe vive na minha cidade,
9 Retiro-me u esta quesllio em .. Rela~cs enlr~ a AntrOpOlogia e a P"si· ~ooheço outras pessoas, inclusive cientistas sociais que o encontram.
quialria" em RttPista da As.rocinção de Psiquiatria e Psicologia da lnfdn·
cia ~ da Adolcsc:t?ncla - - Rio, V. 2. 1976 - N.u I.
JO Ocenz., Clifford - 1'he /llfupr~lalion of CultureJ, Nov~ Y o tk, U.a-.ic 11 Ver A Utopia Urba11u - Um Estudo de Amropologia Social. Zahar
Books, 1973. Editores. 1973, 2.• cd ., 197.S.

·- ·--
.f ........ .,.

A VERSÃO QUALITATIVA 45
44 A BuscA DA ReALIDADe OoJEnvA
dem discordar du interpretações do investigador. Vi~i essa experi-
que também têm &lgumo familiaridade ou alé fizeram pesquisas ência em minha pesquiaa tobre u.so de tóxicos em camadas médias
em contextos semelhantu. Oesta forma a minbn interpretação ~lá altas,'' quando pelo menos duas pe~ que cu t~lha entrevistado
sendo constonternente testada, revista e confrontada. O mesn1o não não concordaram com algumu das nunhu conclusocs, apresentando
se dá com muitot estudos de sociedades exóticas c distantes, pesqui· críticas que me levaram a rever pon!o! impo~tantes. Em~ra isso
sodas por opena.s um iovesligador, em que não houve oportunidade possa aconteeer no Ht~do de outr~.s ISOCI~ad~, e menos provavel por-
de maio~ di!';(:u55Óel ou po1êmjcas. Assim, o interpretação de um que, normalmente. Ít1ta a pesqua.sa, ~ ID\CSt1gador ,·olta para o seu
in,~esHgodor faca sendo a versão existe.ote sobre dclcrmina.d.a cul- país ou cidade e tem menos oportumd1tles de confrontou-~ com as
tura, não sendo exposto ~ ccrt01 questionamentos. Ao contrário, na opiniões daqueles a quem estudou. Paracc-me que, ness.; ~vcl, o es-
soci..Jode brasileira há muilas ~iniõeo e interpreloçócs sobre Copa- ludo do familiar orerec:e vantagens em ler~os de poss~biltdades ~e
cabana, carnaval, fulebol, etc., colocando os pesqui!õadores no cen· rever e enriquecer oe resuhadoe das pesqu158S. Acredito ~u~ seJa
tro de acirradas polêmicas. possível transcender, em determinados moment~, as_ lürulaçoes
Embora familiaridade não seja igual a conheeimenlo cientifico, de origem do antropólogo e chegar a ver o. familiar nao ?eeessa·
é fora de dúvida que representa também um eerlo tipo de apre- riamente como exótico mas como uma re.ahdade bcro ma.1s co~·
ensão da realidade, raundo com que os opiniões, vivências, percep-- plen do que aquela repre;oentada pe_los mapas e. códigos básicos
ções de pessoas sem (ormaçiío acadêmica ou aem pretensões cientí· nacionais e de clasae atraves dos quau fomos soc:tafuados. O pro·
ficas possam dor valiosas contribWç:ões para o conhecimento da vida cesso de eslronhar o familiar torna·se possível quando ~mos capa·
social, tle uma época, de um grupQI Além disso, há indivíduos zes de confrontar intelectualmente. e mesmo emoc10nalmeote,
ou grupos que talvez por um movimento de !5.!.-!..!!'harnen!et. _como diferentes versões e interpretações exi.stenles a respeito de fatos,
certos artistas, ca.Ptam c descreve~ significativQJ:nente aspectos de situações. O estudo de conflitos, d.isputos, acusações, otomenlos. de
uma sociedade êle maneira mo~s rica e reveladora do que trabalhos descontinuidade em geral é pnrtieulnrmen~e Ülil, pois, tto se focal~a­
mais orientados (real ou pretcosamentc) de acordo com os padrões rem !ituações de dromo $C)(.Íol, pode-se rctpstrnr os contornos d~ ~tfe·
científicos. Os exemplos na literatura são óbvios como Balz.ae, Proust, rentes grupos, ideologias, interesses, subcuhuras,_ etc., perm~tJ.n~o
Thomos Mnnn e, no Brasil, Machado de Assis, Graciliano Ramos, remopeamentos dn aoeiedode. O estud~ d? ~rowpunen!o e rcJ~IoÇaO
Oswold de Andrade, etc. Tombém no teatro, cinema, música, artes do colidinno por parte do gru(lOS ou mdiVlduos desv•ant~s •Juda·
plásticos poderiam l!Cr citados exemplos. Isto l!COl falar em gêneros nos a ilumioor, como casos limites, o rotina e os mccamsmos de
menos "nobres" como o jornoli.8mo em suas várias mani(estações, a conservação e dominoçiio cxiiJtentes.
história em quodrinhos c n Uteroturn de cordel entre outros. Vale a peno insistir no enrúter re~ativo da noção d~ fa~iliar
Ou sejo, numa sociedade complexo contemporânea como a e exót.ico, especialmente no nossa soc1edode. A _comuweaçao de
brasileiro, o antropólogo nprese.nta aua interpretação, que, por mai!\ l]lA~S~- jornal, revist.n, rádio, televisão, traz fatO$, notícias de re·
que possa Ler uma certa reapeitabilidadc acadêmica, é _!!ll'Ís um~ giões e grupos espacialmenlo di!tantes mas que podem se tornar fa-
versão que concorrerá com outras - artísticas, políticas, em termos miliares pela freqüência c inlensidade eoro que aparecem. Basla
de oceiloçlio peranle um _eúblic~ relotivamcnlc helerogõneo. Há ou- pensar, por exemplo, no je~&et internacional e nos artistas de
tras pessons, profissionaiS de Ciênciu Sociais ou não, observando e Hcllywood como grupos com que um gigantesco número de ind!-
rdlelindo sobre o familiar - a nossa aooi..Jadc em f;CUS múltiplos víduos desenvolve uma certa lamilioridadc, sabendo detalhes roa•s
aspeelos, com esquemas e _preocupações diferent... Se o inle!C$SC ou menos verdadeiros a respeito de suas vidas, (amíHa.s, roupas,
por grupos tribail, por cx.emplo, é relativamente rc~t~ito, o mesmo prele.rêocias, etc. Por outro lado recebemos com maior ou menor
não se pode diur aobre umbande, escola de sambo, uso de tóxicos, freqü~ncia notícias e imagens de lugares tradicionalmente de[ini·
homossexuali~mo e outros temas que têm sido ~uisados por an- dos como exólieos - fntlia, Á(rica. ele .. Há, sem dú,•ida. cená·
1ropólogos. rios e grupos dentro do própr·io país ou até dentro da própria ci-
Assim, ao r.studor o que está próximo, a sua prc;pria sociedadt. dade de que muitas vezes nem ouvimos falar. que não s5o te!Tlas
o antropólogo expõe-se, com maior ou meuor inttn'-itloule, a. um con- 12 Vu Nobr~1 e An}o1, Um Estu4o 4~ T6xicos ~ Hi~rt:rquio. - Tese de
frontos com outros_espcc:ialittas, com leisos e até. em certos casos,

I
doutorado apresentada ao Oepartamtnlo de Ciências Sociais da USP. 1975.
com repr~ntantes dos universo que foram inve!tigadores, que po-

I
46 A BUSCA DA R EAIIOAOH OBJETIVA

dos órgãos de eomunieoçõo de mossDs, ils vezes por censun•, muiLas


vezes por simple:s desconhecimento. Desla forma, há imlivíduO$.
situações, grupos tle outras sociedndcs e culturas que nos são rnais
familiares do que mujtas lacctu e aspcclos de nosso próprio meio,
sociedade. Evidentemente coloca-se o problema de criticar es.sa.c.
noções e imagens mais ou menos estereotipadas que nos cbegatn
através d~ veículos e perceber ccmo e quanto podemos ccobe- I

cer sobre essas reelidadC'I espacialmente diJ-tantes.


De qualquer forma o fomi/U.r, oom todas essas necessárias re-
lativizações é cada vez mais objeto relennto de investigação para
I. 3
Entrevistando Famílias:
uma Antropologia p~upada em peredler a mudança social não
apenas ao nível das pndeo traotformações históricas mas como Notas sobre o Trabalho de Campo
resultado acumulado e proglUOivo de deeisões e interações ooti·
dianas.
TANIA SALEM

O pre~nte artigo cons.titui u,.,st, originahnenle, num apêndice da


tese de Meslrado que ap~ntei ao Programa de Pós-Graduação
em Sociologia do IUPERJ'. A pesquisa versava sobre relações fa-
miliares - mais especificamente, 10bre a relação entre pais e fi-
lhos adultos - e privilegiou familias loealiudas nos estratos mé·
dios e superiores.
lt+leu interesse por esse tema teve suas raízes em experiências
pessoais que mantive com alunos univer.~itórios e outros jovens de 18
a 25 anos pertencentes a essas enmodns soeiftis. O contato com eles
me fez perceber alguns trnçoJ recorrentes em seu comportament~
como, por exeroplo, uma corta resistência n ingressar no mercado
de trabalho, a quebra do tobu dn virgindade por parte das moças,
o uso de tóxicos etc ... Minha supos ição era a de que tais atitudes
deveriam estar tendo reflexos no relacionamento entre pais e filhos.
No entanto, eu só conhecia olgumn coisa c.lCSSC$ jovens, mas não de
seus paja, Por conseguinte, a motivação inicial que me levou a 'es·
tudar famíHo !oi n de ver como estavam se atualizando essas rela-
çôe3 no seu interior nesse mornento específico da vida familiar
caracterizado pelo lato de que, doda a idade dos moços, recaia sobre
ele:~ a expectativa de que, em breve, deveriam deixar a casa pater 4

na para consthu..irem euas próprias famílias.


Para atingir esse oiJjelivo, optei por [az.er um: pesquisa quali·
tativa, intensiva, com eotreviatas em profundidade com cada mem·
bro da família seporadam~nte. Antes porém de efetuar os enccn-
1 Ver O Y~lho e o No~o: Um EJtudo d~ PapitJ t Conflitos Familiart!~
mimeoanrado, Rio de Janeuo: IUPE.RJ, 1m.

. ·- - ------

S-ar putea să vă placă și