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As imigrações dos sírios e libaneses em São Paulo, no final do século


XIX e início do século XX.
Luciano Alves Silva1

Resumo

Este breve artigo se propõe a mostrar a história de grupos migratórios da Síria e do


Líbano para a cidade de São Paulo, na virada do século XIX para o século XX. Através
das análises de suas chegadas e estabelecimentos, investigamos as diferenças que
motivaram tais grupos à imigração, evidenciadas por seus contextos, suas famílias,
amizades, negócios e outras realidades sociais. Também, o trabalho se propõe a levantar
algumas hipóteses sobre a sua capilaridade social, analisando o como e o porque essas
etnias se espalharam e prosperam pelos lugares em que se estabeleceram, ou por onde
passaram. A nossa coleta de dados foi baseada nos principais autores de língua
portuguesa sobre o assunto, numa entrevista, em pesquisas de periódicos e de
seminários.

Palavras-chave: imigração, São Paulo, sírio-libaneses, árabes, século XX

Abstract
This article is presented as a history of migratory groups from Syria and Lebanon to a
city of São Paulo, from the turn of the 19th century to the 20th century. Through
analyzes of their arrivals and substitutes, research on motivation groups such as
immigration groups, evidenced by their contexts, their families, friendships, business
and other social realities. In addition, the paper proposes to raise some hypotheses about
its social capacity, analyzing the how and why these ethnicities spread and thrive in the
places where they belong, or wherever they went. Our data collection was elaborated in

1
O autor é graduado em História pela Universidade Federal de São Paulo (2014) e mestrando, também
em História, pela mesma universidade; também possui graduação em Teologia pela Faculdade Teológica
Batista de São Paulo (2007) e ainda pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS / 2009); é
pesquisador na área de História, com ênfase em Cultura Popular e História Antiga (UNIFESP –
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil, luciano.ibec@gmail.com, Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1036570748473753)
2

the main authors of the Portuguese language on the contract, in interviews, in


periodicals and seminars.

Keywords: immigration, São Paulo, Syrian-Lebanese, Arabs, twentieth century

Introdução
A cidade de São Paulo na virada do século XIX para o século XX era uma das
maiores cidades de imigração do mundo2. Inicialmente, os que se arriscavam naquela
São Paulo vinham de fora e tinham pouco ou nada a perder. Em sua expressiva maioria
se tratavam de imigrantes originários, sobretudo, da Europa e da Ásia. As guerras e a
falta de trabalho levaram cerca de 50 milhões de pessoas, de modo geral, a procurar o
continente americano entre 1820 até 19143. No Brasil o que contribuiu expressivamente
para a imigração foi a política de mão-de-obra dos fazendeiros de café, que criaram um
mercado capitalista no campo, por meio de um amplo programa de imigração
subsidiado pelos governos do Estado e da nação4, dentro de um contexto de fim de
escravidão e com muita demanda de serviço nos campos e nas fábricas das cidades
emergentes do Sudeste e do Sul. Grosso modo, este era o cenário nacional que
transformaria a provinciana cidade de São Paulo numa grande metrópole. Para muitos
dos imigrantes sair dos seus locais de origem não se tratava de uma oportunidade e sim
da única alternativa, diante das condições de miséria e incertezas nas quais estavam
mergulhados seus países.

No final do século XIX, devido ao grande fluxo de imigrantes alguns países


construíram hospedarias para recepcionar os grupos de pessoas que fugiam das guerras
e das perseguições. São Paulo, como uma das maiores cidades de imigração do mundo,
construiu a primeira hospedaria para os imigrantes no bairro de Santana em dezembro
de 1878, mudando depois para o bairro do Bom Retiro (março de 1882) e, por último,
para o bairro do Brás (maio de 1886)5. Este último endereço tinha capacidade para

2
HALL, Michael. Imigrantes na cidade de São Paulo, in Paula Porta (org.) Historia da cidade de São
Paulo: a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 121
3
MOURA, Soraya; PAIVA, Odair da Cruz. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e
Terra, 2008, p.13.
4
Op.Cit.; p. 122
5
FREITAS, Sônia Maria de. E chegaram os imigrantes: o café e a imigração em São Paulo. São
Paulo: Copyjet, 1999, p.40.
3

acomodar cerca de três mil pessoas, mas em ocasiões específicas chegou a abrigar até
oito mil pessoas6.

Maria Torres comenta que os colonos que paravam inicialmente na hospedaria


de São Paulo, basicamente, eram os que tinham destinos certos para as regiões agrícolas
do estado:

(...) a hospedaria dos imigrantes construída pelo Conde do Parnaíba, com


dormitórios arejados, refeitório, enfermaria e lavanderia, permitia o
alojamento dos colonos em sua chegada do exterior para, em seguida, serem
enviados às regiões agrícolas do interior paulista 7.

Este não era, certamente, o caso dos sírio-libaneses, cujas atividades econômicas
eram, marcadamente, o comércio autônomo e a indústria têxtil. Assim, explica-se sua
ausência e seus parcos registros na hospedaria da cidade.

Sabemos que nessa transição do século XIX para o século XX, nem a Síria nem
o Líbano eram Estados independentes, antes estavam sob o domínio francês, domínio
este cedido pelo governo turco-otomano, sob a chancela da Liga das nações8. Assim,
por conveniência, diante da proximidade cultural e geográfica, e sob a influência
política popularizou-se o termo sírio-libanês quando se referiam aos árabes que eram
oriundos desses países. Neste trabalho algumas vezes usaremos os termos separados:
sírios e libaneses, noutras vezes: sírio-libaneses.

Sobre os árabes e os sírio-libaneses

O termo árabe, etimologicamente, segundo Eugenio Chahuan, refere-se à ação


de se trasladar de forma contínua, estando associado então ao nomadismo9. Por outro
lado, a expressão também pode ser traduzida por clareza, distinguindo-se então de

6
MOURA, Soraya; PAIVA, Odair da Cruz. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e
Terra, 2008., p.22.
7
TORRES, Maria Celestina Teixeria Mendes. O bairro do Brás: história dos bairros de São Paulo.
São Paulo: Gráfica Municipal, 1969, p. 118.
8
SALIBI, K. Lebanon and the middle eastern question. Papers on Lebanon, Oxford, Vol. 8, p. 5, may
1988.
9
ARAÚJO, Heloisa Vilhena de. (Org.) Diálogo América do Sul – países árabes. Brasília: Funag, 2005,
p. 158.
4

outros povos, que não árabes, cuja língua não lhes seja clara, compreensível. Sabemos
que os árabes são povos do Oriente Médio e do Norte da África distribuídos em vinte e
um países. O que define um país ou grupo de pessoas como árabe são basicamente o
idioma, a cultura e a religião. A religião árabe do Islã tem como marco fundador a
“hijra” – viagem missionária de Maomé da sua cidade natal, que era Meca, para a
cidade de Medina, ambas na Arábia. Esta peregrinação ocorreu no ano de 622 da era
cristã10.
A difusão do islamismo se deu através deste mercador que passou a morar em
Medina e negociar com as caravanas que iam e vinham passando pela região, tendo
como prioridade a propagação de suas ideias religiosas de submissão a Deus (Allá), que
se denominaria mais tarde de Islamismo11. Essas caravanas, além de levar para seus
lugares de origem as mercadorias de Maomé também levavam consigo este novo
conceito religioso. Para Maomé o judaísmo e o cristianismo foram precursores do
islamismo12. Grosso modo, essas três religiões têm características similares:
monoteístas, possuidoras de um livro sagrado que orienta aos fiéis sobre seus ritos e
mandamentos, e tem um profeta principal, a saber: Abraão para o judaísmo, Jesus para o
cristianismo e Maomé para o islamismo. Esse movimento religioso iniciado por Maomé
implicou numa aculturação dos que lhes eram simpáticos, tornando os mais diferentes
países e culturas variadas em povos árabes.

Geograficamente a Síria e o Líbano são países árabes fronteiriços que ficam no


continente asiático, entre os países Israel e Jordânia, ao sul e a Turquia, ao norte. E
ainda boa parte da população desses países vive em pequenas aldeias e tem uma
economia agropastoril.

As imigrações dos sírios e dos libaneses

Antes da primeira Grande Guerra que foi deflagrada em 1914 parte dos
imigrantes sírio-libaneses, diferentemente dos que passaram pela Hospedaria dos

10
RAHMAN, Fazlur. História das Religiões: O Islamismo. São Paulo: Arcádia, 1960, p. 14.
11
Islã no idioma árabe significa, literalmente, submissão.
12
DOWLEY, T. Atlas vida nova, da bíblia e da história do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1998,
p. 86.
5

Imigrantes do Brás, chegavam autonomamente. Tratavam-se, na sua maioria, de


solteiros, que não queriam estabelecer vínculos operários nas fábricas e encontraram na
atividade da mascateação uma forma de se inserirem nas atividades econômicas do país,
sendo sua pretensão uma emigração temporária, destinada a redimir suas famílias de
situações difíceis. Mas, o que se pretendia provisório acabou permanente e, ao invés do
imigrante retornar, a família é que o acompanhava. E eles trouxeram seus irmãos, irmãs,
filhos, filhas, esposas, tios, tias, primos e primas13.

Os primeiros sírios e libaneses, notadamente como imigrantes, chegaram a São


Paulo a partir de 1871. Como destaca Márcia Maria Cabreira, ainda que existam relatos
de registros da presença de sírio-libaneses no Brasil nos séculos XVI e XVII, não se
pode nomear tais registros como imigração. Líbano e Síria eram ainda partes do império
turco-otomano nas últimas décadas do século XIX. Aquele império dominou o oriente
médio durante quatro séculos, de 1516 a 1914. Além disto, depois da Primeira Guerra
Mundial, houve uma desagregação financeira com a entrada da França e Inglaterra na
região. Dentro deste contexto, especialmente os jovens solteiros conseguiam sair de
suas vilas e aldeias e viam nas Américas uma oportunidade interessante. Os que
desembarcavam no Brasil passaram a ser conhecidos como turcos, pois deixavam seus
países utilizando passaportes turcos. Isto, para sua chateação: a última pessoa com a
qual um árabe gostaria de ser comparado seria a um turco14.

A América para os árabes era uma região confusa e desconhecida. Nas últimas
décadas do século XIX muitos sírios e libaneses cristãos, sob a perseguição turco-
otomana, eram enganados por agentes de viajem que lhes ofereciam passagens para
América. Aqueles, interessados por uma vida melhor, pensando estar destinados aos
EUA, chegavam aos portos brasileiros, especialmente à cidade de Santos, em São
Paulo. Em 1920, 31% da população total Síria do estado paulista, que contemplavam
5.988 pessoas, estavam na cidade de São Paulo15. Os imigrantes árabes presentes no
Brasil até 1940 eram, basicamente, cristãos: ortodoxos, católico-romanos e maronitas.

13
TRUZZI, Oswaldo. Presença árabe na América do Sul. São Leopoldo: RS, Caderno de História.
Unisinos, v. 11, nº 3, 2007, p. 361.
14
CABREIRA, Marcia Maria. Cultura e Identidade em São Paulo: a imigração sírio-libanesa. São
Paulo: UNINOVE, ECCOS, revista cientifica, nº 1, v. 3, 2001, p. 94.
15
KNOWLTON, Clark S. Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo: Anhambi, 1961,
p. 71.
6

Em número bem menor estavam presentes também outras expressões religiosas, como
os druzos e os muçulmanos16. Como reflexo dessa realidade a primeira mesquita
fundada na América Latina é a Mesquita do Brasil, localizada na Avenida do Estado, às
margens do Rio Tamanduateí próximo à região da antiga Várzea do Campo, onde se
estabeleciam os árabes. Sua construção teve início em 192917, trinta anos depois da
chegada destes primeiros imigrantes.

Entre 1871 e 1947 entraram no Brasil, oficialmente, 79.509 sírio-libaneses. Nada


se sabe, entretanto, da porcentagem dos que realmente se radicaram no país e nem
tampouco sobre o número daqueles que não foram computados pelas estatísticas
oficiais18. Mas, ainda que não haja estatísticas que revelem a distribuição desses
imigrantes no Brasil, no início do século XX sabe-se que três foram as localidades paras
as quais se destinaram de modo mais intenso: Amazônia, Rio de Janeiro e São Paulo19.

Na Amazônia criaram os regatões às margens dos rios que, com seus barquinhos
cheios de mercadorias, atendiam às necessidades dos seringueiros e ribeirinhos. No Rio
de Janeiro, que fora sede da Capital Federal até 1960, se estabelecem nas adjacências
das Ruas da Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos Aires, o que mais tarde se tornou
conhecida como SAARA (Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega)
e em São Paulo se estabeleceram na Várzea do Carmo. Região comentada por diversos
autores e ilustrada por diversos pintores quando já a fotografia estava em alta, por conta
da vista bucólica e da beleza existente no local. Ainda sobre os pintores que retrataram a
região, talvez o mais famoso deles tenha sido Benedito Calixto quando, em 1892,
retratou a região inundada20.

Entre 1918 e 1930 outros sírio-libaneses vieram por conta da guerra civil.
Geralmente, estes chegavam de modo diferente. Eles vinham com dinheiro e
comprariam indústrias ou montariam seus próprios negócios e lojas. Eram industriais de
tecido, das fábricas de artefatos de couro e armarinhos.

16
HAJJAR, Claude Fahd. Imigração árabe: 100 anos de reflexão. São Paulo: ícone, 1985, p.77
17
Site http://www.arresala.org.br, acessado em maio de 2010.
18
Seminário internacional realizado em Brasília, DF, nos dias 06 e 07 de junho do ano de 2000. Relações
entre Brasil e o mundo árabe: construção e perspectivas. Brasilia: Funag, 2001, p.27.
19
TRUZZI, Oswaldo. Sírios e Libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1996, p.303-306.
20
Disponível em <http://www.arquiamigos.org.br/info/info05/>, acessado em 15/05/2017.
7

A capilaridade dos árabes em solo nacional deu-se por conta da própria natureza
dos seus negócios. Especialmente no primeiro momento da imigração os sírios e os
libaneses eram mascates potenciais, assim, por conta da natureza da sua atividade, num
primeiro momento se estabeleciam nas cidades, mas depois se embrenhavam nas vilas,
municípios e outras localidades. Estes iam desde os lugares mais urbanizados até aos
mais remotos vilarejos, ali chegavam vendendo, comprando, negociando, atendendo às
necessidades e, em alguma medida, aos desejos dos seus compradores. Eles passavam
nas porteiras das fazendas de café nos interiores dos estados do Sul e Sudeste, entre os
pescadores do litoral e os ribeirinhos, dentro das vilas e cidadezinhas e, também, em
grandes centros urbanos. Mas, decididamente, sírios e libaneses tiveram mais contatos
com as cidades do que com os campos e, sobretudo, contatos mais diretos com a gente
brasileira do que com a terra e o ambiente geográfico, tropical úmido, desse grande país
Sulamericano21.

Quem virá para São Paulo (ou para a Amrik22) na virada do século XIX para o
século XX será um povo que nada ou pouquíssimo conhece além da sua realidade
cotidiana, que em sua expressiva maioria são analfabetos e que tem uma vida
extremamente simples. Como foi registrado no documentário Que teus olhos sejam
atendidos, produzido pela GNT23, em 1998.

Oswaldo Truzzi comenta que

(...) a oportunidade de fazer dinheiro numa proporção inimaginável para os


padrões locais exerceu um profundo impacto no equilíbrio das aldeias. As
famílias passaram a planejar o envio de seus filhos temporariamente à
América como forma de resolver suas dificuldades financeiras. Aquelas que
não o fizessem, perdiam status e prestígio, ficando para trás. Duas
circunstâncias ilustram de forma exemplar tais motivações. A primeira reside

21
Seminário internacional realizado em Brasília, DF, nos dias 06 e 07 de junho do ano de 2000. Relações
entre Brasil e o mundo árabe: construção e perspectivas. Brasilia: Funag, 2001, p.27
22
Oswaldo Truzzi diz que a expressão Amrik é uma forma aproximada de como os imigrantes árabes
pronunciavam “América”, referindo-se tanto a do norte (EUA) como a do Sul. A última, chamavam-na de
“A outra América”.
23
Este documentário realizado pela GNT (1998), numa coprodução com a Vídeo Filmes e Bang Bang
Filmes, é o resultado de uma viagem do diretor Luís Fernando Carvalho pelo interior do Líbano em busca
da tradição árabe narrada no livro Lavoura Arcaica de Raduan Nassar. Nele encontram-se retratos das
aldeias remotas das montanhas do Líbano, o modo simples de viver de seus habitantes que ainda muito
nos fazem lembrar os cenários bíblicos. Que Teus Olhos Sejam Atendidos é uma expressão popular no
Líbano e equivale ao nosso se Deus Quiser. Ao mostrar um país do Oriente Médio que costuma ser
retratado quase sempre como palco de intermináveis conflitos, Luís Fernando Carvalho apresenta as
antigas tradições de mais de oito milhões de brasileiros que possuem ascendência árabe. Diponivel em
<http://www.bangfilmes.com.br/realizacoes/queteusolhos/index.htm>, acessado em 27/05/2010.
8

na importância das remessas de dinheiro enviadas pelos imigrantes à terra de


origem endereçadas, sobretudo, à aquisição de mais terras, o que denuncia o
desejo de procurar viabilizar o modo de vida anterior, ampliando-se a
propriedade rural para permitir a sobrevivência de todos. O correio tornou-se
a instituição mais importante das aldeias porque trazia notícias e dinheiro aos
que ficaram. A segunda circunstância complementa a primeira e diz respeito
ao caráter temporário com que foi inicialmente encarada a imigração: o
cálculo dos imigrantes era o de que alguns anos de América seriam
suficientes para assegurar uma vida familiar próspera em suas aldeias. Daí a
maior presença de homens solteiros entre os emigrantes. (...) incidiram
também, embora em menor grau, motivos de natureza mais político-religiosa,
ocasionados pela desagregação do império otomano ou por disputas
fomentadas entre frações religiosas24.

Os sírios e os libaneses em São Paulo

O local de estabelecimento dos primeiros árabes, que desembarcaram em São


Paulo, como temos comentado foi a Várzea do Carmo. Durante anos a várzea foi usada
como um despejo de lixo e dejetos. Essa localização tinha como braços dois rios da
cidade: o Anhangabaú e o Tamanduateí. Em 1849, com a construção do Parque Dom
Pedro II naquela região, houve o desvio do Rio Tamanduateí em direção à várzea e o
leito por onde corria o rio foi transformado numa rua, época em que a zona central de
São Paulo passava por uma reurbanização. A Várzea do Carmo no final do século XIX
se tratava de um dos cartões postais de São Paulo e era considerada o limite da cidade25.
Na ocasião a várzea foi loteada e vários dos compradores eram da colônia árabe que,
aproveitando os preços baixos, construíram ali suas residências e lojas. O leito desviado
do Rio Tamanduateí, que foi transformado em rua, teve antes desse loteamento da
região outros nomes: Rua da Várzea do Glicério, Rua das Sete e Rua de Baixo. Este
último nome por decreto da Câmara Municipal de São Paulo de 1859, que determinava
a abertura de uma rua que ligasse a Ponte do Carmo ao porto de São Bento pela margem
esquerda do Rio Tamanduateí. Veio chamar-se Rua 25 de Março em 28 de novembro de
1865, em homenagem a primeira Constituição Brasileira outorgada por D. Pedro I, em
25 de Março de 182426.

24
Seminário internacional realizado em Brasília, DF, nos dias 06 e 07 de junho do ano de 2000. Relações
entre Brasil e o mundo árabe: construção e perspectivas. Brasilia: Funag, 2001, p. 297, 298.
25
OLIVEIRA. Maria Luiza Ferreira de. Entre a casa e o armazém: relações sociais e experiência da
urbanização, São Paulo 1850-1900. São Paulo: Alameda, 2005. p. 66
26
KORAICHO, Rose. 25 de Março: memória da rua dos árabes. São Paulo: Koema, 2004, pp. 92,93.
9

Outras partes da várzea mais tarde foram drenadas e duas praças foram
construídas, incluindo um mercado. Na Rua 25 de Março casas e pequenos prédios
foram sendo construídos e aos seus arredores, lojas e pequenas fábricas. A constituição
geográfica do ambiente foi sendo, aos poucos, incrementada por novas construções de
mercados e bazares. Nas praças abertas mascates e vendedores de toda espécie
ofereciam suas mercadorias aos transeuntes. Os sírio-libaneses que chegavam depois
dessa urbanização, imigrantes paupérrimos sem dinheiro nem especialização,
gravitavam em torno dos alojamentos próximos do mercado e ao longo da Rua 25 de
Março, recorrendo à mascateação, se tornando parte dos grupos diversificados das
praças da daquela região27.

Os que chegavam primeiro ajudavam aos outros patrícios no início de sua nova
vida na cidade, sendo que pouco tempo depois, em 1901, mais de 500 estabelecimentos
eram de libaneses ou sírios na região28. O mais famoso árabe a se estabelecer em São
Paulo foi Nemi Jafet. Inicialmente na região da várzea, depois no bairro do Ipiranga,
como próspero industrial de tecidos.

A história em duas histórias

Rose Koraicho em seu livro 25 de Março: memória da rua dos árabes, através
de micro-história familiar conta a trajetória do seu pai, Fuad Koraicho. A história dos
Koraicho endossa o que a historiografia da imigração sírio-libanesa tem constatado.
Fuad Koraicho nasceu no Líbano em 1912, chegando à Gênova e de lá para o Porto de
Santos em 1942.

A princípio morava no porão de um prédio da Rua 25 de Março, conhecido


como “o buraco do rato”. Havia enormes ratazanas que passeavam tranquilamente entre
ele e os companheiros de quarto. Sua rotina era difícil. Tomava dinheiro emprestado
com algum primo que já havia chegado por aqui e de melhores condições; assim,

27
KNOWLTON, Clark S. Sírios e libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo: Anhambi, 1961,
p. 111-113.
28
Ibidem, p.114, 144.
10

comprava mercadoria e vendia e com o lucro pagava o primo que havia emprestado o
dinheiro e tinha um dinheirinho para mascatear.

A filha conta que o pai só fazia venda casada: já tendo um comprador certo,
pegava a mercadoria de algum parente, vendia e já pagava a mercadoria e administrava
o lucro. Não se valia de créditos, nem empréstimos. O dinheiro que fazia já pagava sua
dívida e já possibilitava novos negócios. Mas, antes de se tornar um poderoso varejista
da região, foi mascate. Não falava nada em português, tinha poucos parentes aqui,
nenhum dinheiro e desconhecia totalmente a cultura da cidade.

Diferente de uma entrevista que fizemos com Jacques Fuad Kerlakian, libanês
de Beirute, nascido em 1934 e que chegou ao Brasil solteiro em 1959, com vinte e
quatro anos de idade. Aportou com o pai, a mãe e o irmão em Santos, morou durante
um mês num hotel em São Vicente e depois foi morar no Bairro do Jardim São Paulo,
na Zona Norte, num bairro de classe média paulistana. Industriais que eram no Líbano,
vieram ao Brasil fugindo da guerra civil, trazendo consigo dinheiro e especialização.
Aqui se estabeleceram, compraram máquinas e, através de contatos com
patrícios da região da Rua 25 de Março, ofereceram seus serviços de estamparia em
tecido e prosperaram.
Perguntado sobre a questão da língua, disse que sabia árabe, turco, francês,
inglês e aprendeu italiano no navio. Para se virar por aqui, se valia do francês e do
italiano, línguas próximas ao português. Trabalhou duro, mas sem uma vida muito
sacrificante.
Seu Jacques casou-se com uma brasileira, tiveram três filhos, todos estudaram e
se tornaram industriais assim como seus avós e pais. Nem a esposa, nem os filhos falam
o árabe. Ele não frequenta a colônia sírio-libanesa por ter-se casado com uma brasileira
cujos costumes são outros, gosta de carteado, é membro do Rotary Clube, através do
qual ajuda pessoas mais necessitadas. Cristão maronita, pouco frequenta a igreja.

A história de Jacques Fuad ilustra também parte da historiografia vista nessa


pesquisa, que contempla aqueles que migraram em períodos diferentes e por razões
diferentes. Assim, tiveram inícios distintos, alguns com muito mais dificuldades
econômicas e sociais que outros.
11

Considerações finais

A pesquisa que fizemos revela que os imigrantes sírio-libaneses, ao seu modo,


ajudaram a povoar o Brasil e fincaram raízes nos cantos mais remotos do país. Em São
Paulo, constata-se que eram marcados fortemente pelo trabalho e os que vieram num
primeiro momento chegaram solteiros, casaram-se com brasileiras e os filhos
gradualmente iam perdendo o vínculo com a cultura árabe. Eram educados aqui e
misturavam as culturas, sendo que os netos, dos que primeiro vieram, mantém pouco da
cultura árabe. Os filhos dos primeiros imigrantes estudam, se formam e sob a influência
do pai pensavam no futuro. Mais tarde se tornam parte da elite paulistana e brasileira.
São advogados, engenheiros, médicos e outros importantes profissionais liberais,
abandonando assim o comércio, característica principal da sua origem 29.
Dois exemplos importantes para ilustrar nosso argumento acima são os dos
políticos que ainda estão no cenário nacional em plena atividade. Até recentemente o
prefeito da cidade de São Paulo foi Fernando Haddad30, filho do libanês Khalil Hadad
(que migrou para o Brasil em 1947) e da filha de libaneses nascida no Brasil, Norma
Teresa Goussain. Fernando passou parte da juventude atrás de um balcão de loja de
tecidos na Rua Vinte e Cinco de Março, no comércio da família. Ele estudou na
Universidade de São Paulo e se tornou professor de Ciência Política na mesma
Universidade. Ainda há o exemplo do atual presidente do Brasil, Michel Temer31. Este é
o oitavo (e último) filho de Nakhoul Miguel Elias Temer Lulia e de Marchi Barbar
Lulia (ambos libaneses). Michel nasceu na cidade de Tietê, interior paulista. Michel
formou-se em direito na USP, doutorou-se na PUC e foi professor nesta universidade. A
carreira de ambos, cujos pais eram comerciantes, migrou para a política. No que se
refere à religião, ambas as famílias, tanto os Haddad como os Temer, são cristãos. Os
primeiros ortodoxos, estes maronitas.

29
Patrícios: dinheiro, diploma e voto. Revista Veja. São Paulo: Ed. 1669, 2000. Revista Veja
04/10/2000, disponível em <http://veja.abril.com.br/041000/p_122.html>, acesso em 20 de maio de 2010.
30
Disponível em < http://epoca.globo.com/tudo-sobre/noticia/2016/09/fernando-haddad.html>, acessado
em 20/04/2017.
31
Disponível em http://ultimosegundo.ig.com.br/michel-temer/4f884d31d14d951b1200014c.html,
acessado em 20/04/2017.
12

Outra realidade é a dos que chegam ao Brasil casados e com filhos. Estes,
geralmente, pertencem a um segundo momento da imigração e seus filhos guardam suas
tradições, falam a língua árabe e muitos deles dão continuidade às atividades paternas.
São os lojistas, os varejistas, atacadistas, os líderes do comércio.
Ainda, existem também aqueles que, depois de estabelecidos aqui no Brasil,
vindos antes da Primeira Guerra Mundial ou depois, voltavam para o Oriente à procura
de uma esposa árabe para constituir família e traziam-na para o Brasil32.
Esses primeiros moradores da região da Rua 25 de março, predominantemente,
assim como outros que se espalharam pela cidade, ajudaram São Paulo a se estabelecer
como metrópole, trazendo para cá seus modos de fazer negócio, de educar os filhos, sua
culinária, sua hospitalidade e sua cultura milenar.

Por fim, entendemos que as pressões sofridas no passado para que os homens
abandonassem suas terras, seus modos de vida e suas esperanças locais mostram que
migrar, para muitos destes, é como uma sepultura aberta, pois, enquanto saem de suas
terras enterram ali seus sonhos e esperanças, abraçando as incertezas de um mundo
essencialmente diferente dos seus. Mas, ao mesmo tempo, nesse desembarcar em novos
portos, esses estrangeiros de cultura milenar, trazem consigo suas vidas cheias de
experiências únicas que, somadas às realidades locais, possibilitam transformações que
perdurarão.

Assim, é uma constatação óbvia de que este país é outro depois que povos
diversos aqui chegaram. A cultura foi sendo enriquecida pelos valores que lhes foram
agregados e, embora seja dolorido o processo de implantação numa terra estrangeira,
uma vez que esta etapa é vencida, o que se tem é uma colheita boa e frutos únicos que
tem alimentado gerações desse Brasil sem fronteiras.

32
GATTAZ, André. Do Líbano ao Brasil: história oral de imigrantes. São Paulo: Gandalf, 2005, p.36,
37.
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Paper:
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Seminário:
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Sites:
http://www.arresala.org.br
http://www.arquiamigos.org.br/info/info05/
http://epoca.globo.com/tudo-sobre/noticia/2016/09/fernando-haddad.html
http://ultimosegundo.ig.com.br/michel-temer/4f884d31d14d951b1200014c.html

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