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Larcher partiu da Bahia em janeiro do ano seguinte. Em agosto, submeteu à aprovação do Diretório,
que dirigia a República francesa, um projeto de invasão de Salvador. Ele havia recolhido informações
sobre os recursos de defesa da cidade, como munições e a localização dos fortes. Afirmava existir um
poderoso sentimento antiabsolutista em parte da elite local, traçando um projeto de aliança política
entre luso-americanos e franceses, que contaria com a sublevação de parte da tropa aquartelada na
Bahia. Os franceses cuidariam da proteção da capitania até a organização do aparelho de Estado
soberano em moldes republicanos, ao que se seguiria a independência.
Era o caso do padre licenciado Francisco Agostinho Gomes. Nascido em Salvador, filho de um rico
comerciante, ele foi enviado cedo para Portugal a fim de abraçar a vida eclesiástica. Com a morte do
pai, herdou uma fortuna, voltou ao Brasil e passou a se dedicar à ciência, particularmente à botânica.
Na biblioteca de Agostinho em Salvador havia títulos em francês e inglês, sobretudo de história
natural, economia política, viagens e estudos de filosofia. Ao viajante inglês Thomas Lindley, o padre
elogiou a História da América, de William Robertson, que critica a colonização europeia no
continente. Quanto a A riqueza das nações, de Adam Smith, lamentou por “quão pouco do seu
sistema” ser “observado no Brasil”, possivelmente referindo-se ao monopólio comercial e à defesa do
livre-comércio. De acordo com Lindley, Agostinho Gomes estava familiarizado com as disputas
políticas do mundo anglo-saxão, pois discorreu sobre os estudos de Thomas Paine, enfatizando, ao que
parece, a defesa da independência da América inglesa. Percebe-se o quanto o padre se afinava com
as ideias mais radicais do Iluminismo, uma perspectiva crítica que se somava ao seu profundo
interesse pela ciência – segundo Lindley, ele era uma exceção no panorama intelectual do Brasil em
pleno século das Luzes. Em sua vida privada, o padre licenciado não seguia as regras estabelecidas
pela Igreja: mantinha relações ilícitas com uma viúva, com a qual teve sete filhos, e foi acusado de
promover jantares de carne em dias de preceito religioso. Nos anos de 1797 e 1798, Agostinho
envolveu-se nas discussões relacionadas à conjuração que eclodiu na Bahia.
Vista de Salvador por Luís dos Santos Vilhena, em 1801. (Imagem: Fundação Biblioteca Nacional)
Outro suspeito de D. Rodrigo era o cirurgião Cipriano Barata, que retornou à Bahia no fim do século
XVIII após estudar na Universidade de Coimbra. Segundo documentos da Inquisição, o médico
articulou proposições heréticas e de sedição num sistema coerente de ideias. Fazia uso de
manuscritos trasladados, copiados por letrados e postos em circulação entre os rústicos, com
argumentos contra as autoridades religiosas e monárquicas. “Afirmam e mostram crer que (...) não há
Inferno, nem Purgatório; que a morte do homem é igual à de outro qualquer Bruto e que, por isso,
aquele pode usar livremente da sua vontade e gozar das delícias que o Mundo produz; que tudo o que
se vê criado sobre a Terra se deve ao Homem, e não a Deus”, registrou a Inquisição sobre Cipriano
Barata e Marcelino Veloso, companheiro de sedição.
Para o comissário da Inquisição de Lisboa, João Lobato de Almeida, essas “francesias” disseminavam
desobediências. E o governador da Bahia continuava omisso. Quando a rainha mandou que D.
Fernando prendesse o padre Agostinho e seus amigos, ele não cumpriu a ordem. Abriu uma devassa,
que se limitou a ouvir pessoas que nada sabiam.
Luiz Carlos Villalta é professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de Usos do livro no
mundo luso-brasileiro sob as Luzes: reformas, censura e contestações (Fino Traço, 2015).
Saiba mais
JANCSÓ, István. Na Bahia, contra o império: história do ensaio de sedição de 1798. São
Paulo/Salvador: Hucitec/UFBA, 1996.
MOTTA, Carlos Guilherme. Ideia de Revolução no Brasil (1789-1801): estudo das formas de
pensamento. Petrópolis: Vozes, 1979.
RUY, Affonso. A Primeira Revolução Social Brasileira (1798). São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1942.
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da sedição intentada na Bahia em 1798: a conspiração dos
alfaiates. São Paulo: Pioneira, 1975.