Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
ESPÍRITO E VIDA
Jung inicia o texto afirmando que a crenças nos espíritos sempre esteve presente
no mundo. E que muito recentemente, no Ocidente, tal crença (assim como a metafísica)
vem sendo combatida pelo racionalismo e iluminismo científico. Observa, porém, que
mesmo com esse advento, a crenças nos espíritos ainda se encontra muita viva1 (ele está no
meio do surgimento dos fenômenos das mesas girantes e do surgimento do espiritismo) e,
em alguns casos, até com interesse científico2. Para ele esse ponto é importante, pois
evidencia a existência e importância dos fenômenos psíquicos frente ao materialismo da
época. E mais, Jung observa que a crença nos espíritos nos primitivos permite que eles
percebam, com a mesma intensidade e valor, tanto a realidade espiritual, quanto a sensível
e material, observando cuidadosamente suas leis. (Cf. JUNG, 1984, §572) Para Jung, o
maior desastre que pode ocorrer ao ser humano é o afastamento da espiritualidade.
Poderia se argumentar, segundo Jung, que esta é uma experiência primitiva, que no
mundo de pessoas esclarecidas isso não mais acontece, que esses fenômenos são sintomas
patológicos, mas ele está convencido que “o europeu que tenha realizado os mesmos
exercícios e as mesmas práticas utilizadas por um curandeiro para tornar visíveis os
espíritos, teria também a mesma experiência. Só que ele interpretaria de maneira
diferente...” (Ibid., §573).
1
Jung afirma que o surgimento do espiritismo, por exemplo, coincide com o desabrochar do
materialismo científico, tanto que ele entendia o surgimento deste com o sentido de compensação. (Cf.
JUNG, 1997, §750) Essa relação é bastante conhecida e pode ser encontrada em diversos comentadores
na história do espiritismo ( Cf. GUARNIERI, 2001).
2
O próprio Jung possui especial interesse pelo tema, tanto que sua tese trata justamente “sobre a
psicologia e a patologia dos chamados fenômenos ocultos”. Paralelamente, ele desenvolveu seu trabalho
com o teste de associação de palavras que acabou servindo como base para demonstrar a autonomia dos
complexos. (cf. Von FRANZ, 1995, p.53-5)
1
Retomando a concepção de inconsciente e consciente, observaremos que o campo
da consciência à qual temos acesso é o que nos proporciona o contato com o mundo real.
É através do ego que adquirimos consciência das coisas tanto do mundo interno como do
mundo externo, ampliando assim nosso campo da consciência, o que refletirá a nossa
existência. Somos o que conhecemos, percebemos, reconhecemos e pensamos. Em certos
momentos algo se infiltra na consciência como ideia, uma imagem, uma crença, uma
formação autônoma; um conteúdo que recebe a denominação de Jung de complexo
autônomo. O complexo autônomo é dotado de energia.
(...) O arquétipo é, na realidade uma tendência instintiva, tão marcada como o impulso das
aves para fazer seu ninho ou das formigas para se organizarem em colônias.
É preciso esclarecer aqui, a relação entre instinto e arquétipo. Chamamos instinto aos
impulsos fisiológicos percebidos pelos sentidos. Mas, ao mesmo tempo, estes instintos
podem também manifestar-se como fantasias e revelar, muitas vezes, a sua presença
apenas através de imagens simbólicas. São as estas manifestações que chamo arquétipos. A
sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do
mundo, mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou
por “fecundações cruzadas” resultantes da migração. (JUNG, s/d, p.69)
Os arquétipos são formas de apreensão, e todas as vezes que nos deparamos com formas de
apreensão que se reptem de maneira uniforme e regular, temos diante de nós um arquétipo, quer
reconheçamos ou não seu caráter mitológico, (JUNG, 1984,§280, grifo do autor)
A base dos complexos são os arquétipos que se expressam na consciência através
de símbolos ou mitos universais. Os símbolos de transformação são claramente
observados nas diversas religiões do mundo e, para Jung, eles são expressões espontâneas
das atividades inconscientes da psique. O inconsciente pertence estruturalmente à psique
do indivíduo, mas como o próprio nome diz é inconsciente e, muitas vezes, não o
reconheço como próprio. Um produto do inconsciente pode ser compreendido como algo
2
que fala em mim, ou mesmo como algo superior- que esta além da consciência- que fala
para mim.
Para Jung, a religiosidade pode ser considerada um instinto e a emoção pode causar
uma considerável perda de consciência, fazendo com que tenhamos uma atitude de
cortesia, respeito, revelando uma atitude religiosa em relação aos possíveis perigos
psíquicos. Neste sentido, Jung afirma:
(...) a experiência nos mostra que as religiões não são elaborações conscientes mas
provêm da vida natural da psique inconsciente, dando-lhe adequada expressão. Isto explica
a sua disseminação universal e sua imensa influência sobre a humanidade através da
História. Esta influência seria incompreensível, se os símbolos religiosos não fossem ao
menos verdades psicológicas naturais. (Ibid., § 805)
Entre as diversas concepções religiosas, a crença em espíritos está presente em toda
a história da humanidade, assim como uma vida após a morte. Essa crença encontra-se
tanto em povos primitivos como em povos altamente civilizados. Para o primitivo, o
fenômeno dos espíritos é uma evidência imediata do mundo espiritual. Jung analisa esse
fato e observa que a aparição de espíritos é uma experiência cuja interpretação é
dependente da realidade que estamos inseridos, isto é, diferente do homem primitivo, o
civilizado se ocupa muito pouco coma hipótese da existência de espíritos e não raro a
entende como algo patológico.
3
pessoa falecida está exercendo influência nociva no sobrevivente, em geral a mesma já
experimentada antes do falecimento. Os mesmo conflitos que marcaram as relações em
vida, tendem a ser uma ameaça depois da morte de um dos envolvidos, o que leva a grande
preocupação com o culto aos mortos, algo largamente difundido até os nossos dias. Para
Jung, o culto aos mortos é uma forma de proteção contra a má vontade dos mortos. Há
ainda as doenças mentais que, por muito tempo – e, talvez, em alguns casos até hoje –
foram compreendidas como influência dos espíritos maus. E, na realidade, não há como
afirmar que essa influência, de fato, não exista.
A crença nos espíritos leva a uma percepção de um mundo invisível, que segundo
Jung, leva a uma percepção de uma realidade espiritual que possibilita o ser humano a não
permanecer preso somente no mundo sensível e material. Para Jung, os espíritos são
expressões dos complexos autônomos do inconsciente, isto é, as mensagens dos mortos
seriam mensagens do inconsciente e neste sentido muito podem contribuir para a psique
do indivíduo que a busca.
Jung (1984, § 580) falará sobre esse tema retomando a questão dos sonhos e
comparando ambos, espíritos e sonhos. As imagens oníricas, ao contrário do que
normalmente entendemos, não é uma produção própria – no sentido de consciência – mas
sim, um produto do inconsciente; uma imagem que vem até nós, assim como as visões e
aparições, tanto no estado de vigília como em ideias delirantes. Tanto em uma coisa como
outra, estamos falando de irrupções inconscientes e esses fenômenos tornam evidentes os
complexos autônomos da psique.
Mas quando algo afeta a alma, sentimos como algo que nos pertence, diferente dos
espíritos, que são experimentamos como algo estranho a nós. Nesse sentido, os primitivos
reconheciam como patológica tanto a perda da alma, como a possessão pelos espíritos.
4
Essa constatação levará Jung a concluir que em sentido psicológico, ambos, almas e
espíritos, são complexos psíquicos. Para ele, as almas correspondem aos complexos
autônomos do inconsciente pessoal e os espíritos aos complexos autônomos do
inconsciente coletivo.
O corpo vivo é uma realidade mais concreta, um sistema fechado em si, que
poderíamos definir, simplesmente, como um arranjo adequado da matéria que torna
possível a existência de um ser vivo. Nessa definição de corpo, Jung inclui um princípio
vital que ele associará com o fator psíquico.
É deste modo que podemos formar uma ideia da natureza da psique. Ela é
constituída de imagens reflexas de processos cerebrais simples. E das reproduções destas
imagens em uma sucessão quase infinita. Estas imagens reflexas têm o caráter de consciência.
A natureza da consciência é um enigma cuja solução eu desconheço. Do ponto de vista
puramente formal, contudo, podemos dizer que um fato psíquico assume a qualidade de
consciência quando entra em relação com o eu. Se não há esta relação, o fator permanece
inconsciente. (Ibid., §610)
A consciência, então, pode ser entendida como um estado de associação com o eu.
Um eu que possui uma variedade e uma complexidade, constituído de um aglomerado de
imagens provindo tanto de dentro, como de fora, assim como de processos anteriores. A
diversidade do eu forma uma unidade, devido ao forte fator de coesão da consciência, pois
5
essa atua como uma espécie de força gravitacional, atraindo as várias partes na direção do
que ele chama de centro virtual: um complexo de eu.
6
A matéria orgânica possui um princípio vital, a natureza da alma possui um espírito.
Se pesquisarmos a etimologia da palavra encontraremos diversos resultados de significado
do uso do termo espírito, tais como personificações de afetos, as visualizações de todo o
modo de pensar e de sentir, ou psicologicamente de uma atitude.
O símbolo não define, nem explica. Ele aponta para um sentido que está fora da
nossa compreensão. O espírito requer um símbolo para se expressar; é um complexo
psíquico fecundo de grandes possibilidades, tais como os símbolos religiosos já conhecidos
por nós. É o caráter de revelação e de autoridade absoluta que confere ao espírito a
superioridade sentida pela consciência. Chamar de superior é sempre uma questão
problemática, dado que muitas vezes o que é sentido como “superior” é contrário aos
nossos mais preciosos ideais. Jung propõe que chamemos de consciência mais ampla e, ao
aceitarmos a concepção de espírito, devemos estar cientes que ele não deve ser considerado
como algo de absoluto, mas sim relativa e que deve ser aperfeiçoado e completado pela
vida.
Mas Jung alerta que a vida é um dos critérios do espírito e, portanto, o espírito que
priva o homem de qualquer possibilidade de vida e só procura satisfação em si próprio, é
um erro, isto é, precisamos estar atentos aos impulsos do espírito, se este abre ou não
possibilidades de desenvolvimento ou se ele é apenas destrutivo.
Para Maria–Louise von Franz (1995), Jung considerou os espíritos como complexo
apenas nos início de seu trabalho, pois depois ele passou a se indagar sobre os fenômenos
parapsicológicos que envolviam os espíritos dos mortos e nunca escondeu sua curiosidade
e a necessidade de se manter buscando novas compreensões a respeito do tema. Mas, ele
7
duvida que isso possa se fazer só pela metodologia da psicologia e acaba mantendo sua
postura de psicólogo, protegendo-se, assim, de qualquer ideologia que pudesse obscurecer
sua pesquisa.
Referências
GUARNIERI, Maria Cristina Mariante. Morte do Corpo, Vida no Espírito: o processo de luto na
prática espírita da psicografia. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, PUC-SP,
2001.
JUNG, C.G. A vida simbólica. Obras Completas. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
_____ . (org.) O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, s/d.
VON FRANZ, Marie-Louise. Jung, seu mito em nossa época. São Paulo: Círculo do Livro, 1995.