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A DIMENSÃO PSÍQUICA DO

FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO
Pelo Pe. Dr. Elismar Alves dos Santos*
Goiânia, GO

Síntese: Neste artigo, o autor reflete sobre a dimensão psíquica do fun-


damentalismo religioso, mostrando como se dá o processo de repressão
da vivência espiritual. Para indivíduos fundamentalistas e neuróticos,
encontrar um substituto para a repressão do espiritual significa optar
pelo fundamentalismo religioso. O fundamentalismo religioso mani-
festa-se a partir de atitudes concretas de pessoas e grupos. Pessoas que
pertencem a grupos fundamentalistas têm um nome e uma história. Por
isso, é importante acentuar algumas particularidades da estrutura de
personalidade de indivíduos que agem movidos por seus ideais funda-
mentalistas. Indivíduos com tendência ao radicalismo fundamentalista
podem entrar numa desordem caótica devido à repressão. O fundamen-
talismo religioso seria a manifestação do que foi reprimido ao longo do
processo de construção da personalidade?
Palavras-chave: Neurose. Personalidade. Psicopatologia. Fundamenta-
lismo religioso. Diálogo inter-religioso.
Abstract: In this article, the author talks about the psychological di-
mension of religious fundamentalism, showing how the process of
repression of spiritual experience occurs. For fundamentalist and neu-
rotic individuals, finding a substitute for spiritual repression means
opting for religious fundamentalism. Religious fundamentalism ma-
nifests itself from the concrete attitudes of people and groups. People
who belong to fundamentalist groups have a name and a history. It
is therefore important to emphasize some particularities of the perso-
nality structure of individuals who act driven by their fundamentalist
ideals. Individuals prone to fundamentalist radicalism may enter into
chaotic disorder due to repression. Could religious fundamentalism

* Pe. Elismar Alves dos Santos, C.Ss.R., é graduado em Filosofia, Teologia e Psicologia. Mestre em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Doutor em Psicologia Social e Institucional
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutor em Teologia, na área de Teologia Moral, pela
Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, com estágio na Pontifícia Universidade
Comillas, Madri, Espanha. É professor de Teologia e Psicologia no Instituto de Filosofia e Teologia de
Goiás (IFITEG) e na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Membro do Grupo de
Pesquisa Ideologia, Comunicação e Representações Sociais (UFRGS).
838 E.A. dos Santos. A dimensão psíquica do fundamentalismo religioso

be the manifestation of what was repressed throughout the persona-


lity construction process?
Keywords: Neurosis. Personality. Psychopathology. Religious funda-
mentalism. Interreligious dialogue.

Introdução
Para discutir o tema proposto, gostaríamos de seguir um caminho
didático. Primeiramente, vamos refletir, no primeiro tópico, atos obsessi-
vos e práticas religiosas, o que enfatiza Sigmund Freud sobre “neurose” e
“práticas religiosas”. Para Freud, algumas experiências religiosas podem
criar compulsões neuróticas. Já no segundo tópico, personalidade e re-
pressão do espiritual, realizamos um breve estudo do conceito de perso-
nalidade e o relacionamos com o fundamentalismo. Defendemos que
indivíduos com tendência ao fundamentalismo religioso apresentam
traços de personalidade fragmentados. Significa que, no processo rela-
cional Eu–Outro–Objeto, faltou “algo”. No terceiro tópico, descrição da
estrutura de personalidade psicopatológica, definimos, primeiramente, o
que é Psicopatologia. Concebemos o fundamentalismo religioso a par-
tir da perspectiva do desajuste psíquico. Pessoas fundamentalistas não
conseguem “suspender” seus pressupostos já interiorizados para ouvir o
outro. Por fim, no quarto tópico, diálogo inter-religioso e magistério ecle-
siástico, apresentamos algumas considerações da proposta do Magistério
Eclesiástico relacionada ao diálogo inter-religioso.

1. Atos obsessivos e práticas religiosas


Os fatores descritos como peças fundamentais para a sustentação
da teoria psicanalítica revelam que o ser humano é um ser de desejo,
em cuja vida o conteúdo mental e o fator sexual exercem influência
predominante. A psicanálise freudiana, de início, pode ser vista como
um método de investigação e de tratamento de certas doenças, como
a histeria. Mas a psicanálise não ficou somente nesse ponto. Foi além.
As discussões feitas por Freud no âmbito da religião, especialmente em
relação ao significado dessa vivência na existência do ser humano, ilus-
tram essa afirmação. A história recorda que, depois de alguns escritos de
Freud, algumas práticas religiosas passaram a ser questionadas por terem
sido comparadas à neurose obsessiva compulsiva.
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As ideias de Freud sobre religião e experiência religiosa não se res-


tringem somente ao escrito a que recorremos nesta primeira parte da
reflexão: Atos obsessivos e práticas religiosas.1 Nesse artigo, o pai da psica-
nálise procura explicar que há uma semelhança entre os atos obsessivos
e a prática devocional. Essa semelhança, em seu dizer, está no fato de
não existir distinção entre as pessoas que praticam atos obsessivos ou
cerimoniais. Todos esses comportamentos fazem parte de uma mesma
classe, em que se enquadram: “Pensamentos obsessivos; ideias obsessivas
e impulsos obsessivos”.2 Essa classe, na compreensão de Freud, resulta
no que ele chama de neurose obsessiva. O indivíduo neurótico, para ele,
é incapaz de renunciar a essa classe de comportamentos. A pessoa não
consegue afastar-se desse ritual e, quando o faz, é incomodada pela an-
siedade. Os atos obsessivos têm sua origem nos comportamentos ceri-
moniais. É daí que resultam os comportamentos obsessivos.
Freud, no mencionado artigo, explica a etiologia da neurose. Poste-
riormente, estabelece a relação da neurose com a prática religiosa. En-
fatiza que o indivíduo piedoso, ao executar seu cerimonial, o faz sem
saber seu significado. Para o crente, os motivos que justificam a execu-
ção das práticas religiosas são desconhecidos ou estão representados na
consciência. O papel do cerimonial tem como finalidade estabelecer
“um ato de defesa ou de segurança, uma medida protetora”.3 De acordo
com Freud, no indivíduo neurótico, há também uma “repressão” de um
impulso instintual e um componente de instinto sexual. Nesse sentido,
os atos cerimoniais e obsessivos surgem como uma proteção contra a
tentação e uma prevenção a um mal que poderá ocorrer. No que tange
à relação entre atos obsessivos e práticas religiosas, Freud assegura que
a semelhança se encontra nos escrúpulos da consciência. Ou ainda, nas
proibições e nas minúcias em que são executados os comportamentos.

1. FREUD, S. Atos obsessivos e práticas religiosas. In: SALOMÃO, J. (Dir.). Edição standard
brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 107-117.
v. 9. Freud escreveu esse pequeno artigo, em 1907. Nele, estabelece a relação entre práticas religiosas e
atos obsessivos, detendo-se mais sobre o significado da experiência religiosa do que sobre o conceito e o
significado de religião. Além desse artigo, há vários outros escritos de Freud, voltados para a discussão da
religião e da experiência religiosa, o que evidencia que a discussão sobre a temática da religião foi, para
Freud, um tema sempre recorrente. Os escritos voltados ao estudo da religião podem ser agrupados na
seguinte sequência cronológica: Atos obsessivos e práticas religiosas (1907); Totem e tabu (1913); Além do
princípio de prazer psicologia de grupo e outros trabalhos (1920); O mal-estar na civilização (1927); Uma
experiência religiosa (1927); O futuro de uma ilusão (1931) e Moisés e o monoteísmo (1939).
2. FREUD, S. Atos obsessivos e práticas religiosas, loc. cit., p. 109.
3. Idem, p. 114.
840 E.A. dos Santos. A dimensão psíquica do fundamentalismo religioso

Freud defende que há um sentimento de culpa nos neuróticos obses-


sivos. Nos indivíduos religiosos, tal ato corresponde às práticas devotas,
tais como: orações e invocações. Esses comportamentos são realizados
em vista da busca de uma medida que leva a uma defesa pessoal. Para
Freud, a religião tem em sua base o sentido da repressão na renúncia,
vinculada ao que chama de realidades instintuais. Assim, defende que
a religião é retroativa, no sentido de estabelecer um vínculo com os va-
lores morais. Segundo suas estimativas, alguns atos de penitência estão
relacionados com a neurose obsessiva, pois aí estão implícitos os sen-
timentos de recaídas, sobretudo nos indivíduos piedosos e neuróticos.
A relação que Freud faz entre neurose obsessiva e religião consiste
em conceber a “neurose como uma religiosidade individual e a religião
como uma neurose obsessiva universal”.4 A correlação entre atos obses-
sivos e práticas religiosas pode ser sintetizada a partir do seguinte co-
mentário: “A neurose, particularmente a neurose obsessiva, apresenta-se
aos olhos de Freud como uma caricatura da religião; esta, por sua vez,
como uma neurose coletiva, de acordo com o que ficou estabelecido na
conhecida formulação de 1907”.5 Daí que a neurose obsessiva pode ser
comparada a uma religião particular.6 Entretanto, é preciso levar em
consideração que, na neurose, o processo é de caráter sexual, ao passo
que, na religião, o caráter é de origem egoísta. O dizer a seguir resume
bem o que procuramos explicar nesta primeira parte do artigo: “Neuro-
se que parece reencontrar uma parte de sua matéria coletiva, nas seitas
e outras manifestações semelhantes, em que se escolhe aquilo a que se
estava determinado e se fabrica de maneira refletida um social que se
criou de maneira inconsciente”.7

2. Personalidade e repressão do espiritual


É de conhecimento que Freud perturbou o século XIX ao identificar
a repressão da sexualidade que perpassava o contexto social e religioso
em que ele próprio se encontrava. O homem do final do século XIX e,

4. Idem, p. 116.
5. MORANO, C.D. Crer depois de Freud. São Paulo: Loyola, 2003. p. 43-44.
6. Cf. FRANCO, S.G. Os escritos religiosos de Freud: uma introdução. In: WONDRACEK,
K.H.K. (Org.). O futuro e a ilusão – um embate com Freud sobre psicanálise e religião. Petrópolis:
Vozes, 2003. p. 59-72.
7. MOSCOVICI, S. A invenção da sociedade: sociologia e psicologia. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 553.
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sobretudo, do início do século XX era concebido como um ser pura-


mente racional. A razão, nesse contexto, é entendida basicamente como
o modo de resolver tudo o que dizia respeito ao comportamento huma-
no. Assim, “como consequência, houve uma repressão do fundamento
ontológico, ou espiritual, de nossa existência – nossa conexão com um
sentido de realidade bem mais amplo e não racional, que basicamente é
indescritível. Freud ajudou a estilhaçar a imagem do homem racional”.8
Freud estava certo até certo ponto: a sexualidade,9 acima de tudo, traz a
awareness10 de nossa base na existência primitiva, em algo muito maior
que nós e, certamente, muito maior que a identidade do ego ou a cons-
ciência racional.
A repressão do espiritual e do sexual11 colaboram com a criação de
uma identidade frágil que, geralmente, leva à insegurança ontológica,
como também a ideias fundamentadas na ênfase excessiva da separação.
Desse modo, “se há tanto medo de perder a individualidade, é preciso
estar constantemente em guarda a fim de afirmá-la. Somente pondo em
relevo radicalmente a separação, o indivíduo [fundamentalista] pode
sentir-se seguro de que sua identidade está garantida”.12 Porém, o sen-
tido do espiritual não pode ser totalmente reprimido e precisa emergir
de alguma forma. A repressão do espiritual cria também uma sociedade
e indivíduos extremamente ansiosos. Geralmente, quando as pessoas
estão isoladas e perdem o sentido da relação com os outros e o sentido
de uma realidade maior, experimentam ansiedade e vazio. Como con-
sequência, “tal isolamento psicológico cria uma lacuna que anseia por
ser preenchida. Como não pode ser preenchida por aquilo que almeja,
precisa encontrar um substituto”.13

8. HYCNER, R. De pessoa a pessoa: psicoterapia dialógica. São Paulo: Summus, 1995. p. 83.
9. Cf. FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Op. cit., 1996. p. 128-229. v. 8.
10. A compreensão do significado de “Awareness”, aqui, está baseada no que ensina Richard Hyc-
ner em seu livro De pessoa a pessoa, acima citado. Awareness significa, pois, a qualidade do que está
ciente, atento, advertido. É uma expressão inglesa, derivada de aware, que significa: ter conhecimento
ou percepção de algo. Portanto, Awareness é a qualidade de estar vigilante, percebendo tudo que está
acontecendo em volta. Awareness pode ser utilizada tanto para adjetivar uma pessoa, como para se referir
a uma determinada sociedade ou cultura, indicando o quanto essas pessoas, ou esse grupo, têm conhe-
cimento sobre determinados assuntos, fenômenos ou objetos.
11. Não temos intenção de indagar sobre “repressão do sexual”. Apenas fazemos menção à possibi-
lidade da repressão da sexualidade em pessoas com tendências ao fundamentalismo religioso. Às vezes, a
sexualidade reprimida se manifesta de diversos modos no comportamento humano. Um desses modos
destrutivos da sexualidade recalcada se dá através do fundamentalismo religioso.
12. HYCNER, R. De pessoa a pessoa, op. cit., p. 83.
13. Idem, p. 84.
842 E.A. dos Santos. A dimensão psíquica do fundamentalismo religioso

Em indivíduos que professam a fé em qualquer credo religioso,


encontrar um substituto para a repressão do “espiritual” e do “sexual”
significa optar pelo fundamentalismo religioso. O que dizer sobre a per-
sonalidade de uma pessoa fundamentalista? Primeiramente, precisamos
“dar conta” do difícil conceito de personalidade. Entre outras possibi-
lidades, é certo afirmar que “a personalidade é caracterizada pela liber-
dade, individualidade, integração social e tensão religiosa. Para apresentar
uma definição mais completa, poderíamos dizer que a personalidade é a
concretização do processo da vida num indivíduo”.14 Mais precisamente
ainda: “A personalidade diz respeito às nossas características externas e
visíveis, aqueles nossos aspectos que os outros podem ver; seria, então,
definida em termos da impressão que provocamos nas pessoas, isto é,
aquilo que aparentamos ser”.15
Particularmente, compreendemos a personalidade humana a partir
do que sugere a Teoria das representações sociais (TRS).16 Para os que
trabalham com essa vertente da psicologia social, a personalidade se
constrói mediante os processos sociais que se estabelecem por meio da
relação triangular Eu–Outro–Objeto.17 É dessa interação, a partir de seu
contexto social, que emergem as representações sociais como processos
de saberes compartilhados que resultam, por sua vez, no que chama-
mos, aqui, de personalidade. Em outras palavras, “a análise da forma re-
presentacional mostra que o trabalho da representação [personalidade]
envolve sujeitos em relação a outros sujeitos e a ação comunicativa que
circunscreve e configura suas relações na medida em que se engajam no
processo de dar sentido a um objeto ou a um conjunto de objetos”.18
É no cotidiano da existência, portanto, que tais representações que re-
sultam na construção da personalidade humana vão se materializando
na vida social.

14. MAY, R. A arte do aconselhamento psicológico. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 14.


15. SCHULTZ, D.P.; SCHULTZ, S.E. Teorias da personalidade. São Paulo: Pioneira Thomson,
2002. p. 8. “‘Personalidade’ vem da palavra latina persona, que se refere à máscara utilizada pelos atores
em uma peça. É fácil perceber como persona passou a se referir à aparência externa que mostramos aos
que nos rodeiam” (ibidem).
16. Cf. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vo-
zes, 2009.
17. Cf. JOVCHELOVITCH, S. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura. Pe-
trópolis: Vozes, 2011. p. 72. Referimo-nos à figura triangular 1.2 (Sujeito – Outro – Objeto) a que a
autora se reporta para mostrar a arquitetura da representação social. Porém, ao invés de usar a categoria
“Sujeito”, demos preferência à categoria pronominal “Eu”.
18. JOVCHELOVITCH, S. Os contextos do saber, op. cit., p. 73.
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Assim, da relação Eu–Outro–Objeto podem ocorrer muitas coisas,


ora positivas, ora negativas, ao longo da construção da personalidade de
uma pessoa. Pensamos que não seria inapropriado afirmar que, geral-
mente, na estrutura de personalidade de um indivíduo fundamentalista
pode ter ocorrido alguma “coisa” que comprometeu seu processo “nor-
mal” que se dá através do Eu–Outro–Objeto.19 Somos levados a pensar,
por exemplo, que tais pessoas demonstram, por seu modo de ser e agir,
um forte traço de personalidade neurótica. Uma vez que “neurose sig-
nifica uma capitulação diante da liberdade, a submissão do si-mesmo a
fórmulas rígidas de treinamento. Como consequência, a personalidade,
nesse ponto, torna-se uma máquina”.20 As pessoas neuróticas tendem
a possuir uma personalidade determinista da própria existência. Elas
procuram culpar situações, pessoas, seus pais, seu ambiente de infância,
como os responsáveis por seus fracassos. Nessa perspectiva, “a imaturi-
dade neurótica quase sempre se expressa na tendência a lamentar-se –
verbalmente ou de outra maneira – a seu próprio respeito, a respeito das
próprias circunstâncias, dos outros, da vida em geral”.21
Desse modo, indivíduos demasiadamente neuróticos não são capa-
zes de assumir a própria responsabilidade mediante seus insucessos. Isso
mostra que pode ter havido algum episódio considerado negativo ao
longo do processo de construção da personalidade. E o que aconteceu
negativamente no decorrer da formação da personalidade tem o poder
de contribuir para o fundamentalismo religioso, como forma de autode-
fesa. O bloqueio neurótico leva ao fatalismo. Significa que o neurótico
não recebeu a devida “ajuda” de que precisou naquele momento de sua
existência. Por isso, é importante levar em consideração que o “entre”22
(Eu–Outro–Objeto), na vida de alguém, precisa ser uma presença que
compareça. Significa que a personalidade pertence ao “entre” da “comu-
nicação humana e da ação social e não é o produto de mentes individuais

19. O fato de ter ocorrido episódios traumáticos ao longo do processo de desenvolvimento de uma
pessoa não significa que estamos defendendo uma espécie de personalidade determinista. Porém, pessoas
neuróticas, na maioria das vezes, costumam comportar-se a partir do que se entende por personalidade
determinista, isto é, sempre se comportam como vítimas.
20. MAY, R. A arte do aconselhamento psicológico, op. cit., p. 19.
21. AARDWEG, G.J.M. A batalha pela normalidade sexual e homossexualismo. Aparecida: Santuá-
rio, 2015. p. 104.
22. Cf. BUBER, M. Between man and man. New York: Routledge, 2004. O dialógico é a explo-
ração do “entre”.
844 E.A. dos Santos. A dimensão psíquica do fundamentalismo religioso

fechadas em si mesmas”.23 Só assim se efetiva na vida do outro a “inclu-


são”. Inclusão como “um impulso audacioso – que exige uma mobiliza-
ção muito intensa do próprio ser – para dentro da vida do outro”.24
O que fazer diante de pessoas que se apegaram à repressão do es-
piritual, uma vez que elas não foram “incluídas” ao longo do processo
de construção da personalidade? A partir do que se escuta através dos
meios de comunicação, na maioria das vezes, os casos em que indiví-
duos fundamentalistas cometeram algum tipo de atentado terrorista,
percebe-se uma “falha” através da relação “entre” Eu–Outro–Objeto. Por
esse motivo, pensamos que, tanto para os casos mais extremos quanto
para os mais simples em que há atitudes e comportamentos de indiví-
duos fundamentalistas, o dizer a seguir resume bem o que procuramos
discutir nesta parte do artigo: “Patogênese, na perspectiva intersubjeti-
va, é compreendida em termos de fragmentações severas ou assincronias
que ocorrem entre as estruturas subjetivas dos pais e da criança. Em
consequência, as necessidades primárias do desenvolvimento da criança
não encontram a responsividade exigida dos objetos do self ”.25
Acreditamos que não seria exagero afirmar que pessoas extrema-
mente fundamentalistas do ponto de vista religioso – o que vale para
todos os credos religiosos – padecem de uma “realidade patológica”. E,
mais ainda, a “patologia fundamentalista” surge, porque não houve con-
firmação suficiente por parte das figuras parentais no estágio inicial do
desenvolvimento social, biológico, cognitivo, psíquico e espiritual. Isso,
porque “é evidente que nossas representações filosóficas ou religiosas
ditam nossos interesses, definem o que nos é útil ou prejudicial, o que
nos torna felizes ou infelizes”.26

3. Descrição da estrutura de personalidade psicopatológica


Gostaríamos, agora, de apresentar uma breve reflexão acerca dos
pressupostos da Psicologia fenomenológica,27 diante do que chamamos de
“psicopatologia religiosa” que leva, por sua vez, ao “fundamentalismo

23. JOVCHELOVITCH, S. Os contextos do saber, op. cit., p. 73.


24. BUBER, M. The knowledge of man: a philosophy of the interhuman. New York: Harper &
Row, 1965. p. 81.
25. HYCNER, R. De pessoa a pessoa, op. cit., p. 112.
26. MOSCOVICI, S. A invenção da sociedade, op. cit., p. 37.
27. Cf. PENA, A.G. Introdução à psicologia fenomenológica. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 837-851, Out./Dez. 2017 845

religioso”. Até certo ponto, é preocupante a afirmação de Freud de que


o ser humano é um ser psicopatológico.28 Como já enfatizado, Freud,
no início do século XX, descobre que o ser humano é um ser “doente”.
Por isso, “Freud tratou o indivíduo clinicamente e desenvolveu uma crí-
tica psicanalítica da cultura e da sociedade”.29 O século XX, sobretudo
em seus últimos anos, ficou marcado como o século dos psicotrópicos,
analgésicos e antidepressivos e outros medicamentos que surgiram para
lidar com esse sujeito fragilizado psicologicamente.
O que é Psicopatologia? Entende-se por Psicopatologia “o ramo da
ciência que trata da natureza essencial da doença mental – suas causas,
as mudanças estruturais e funcionais associadas a ela e suas formas de
manifestação”.30 Ou ainda: “Psicopatologia é a ciência que estuda as
anormalidades psíquicas do ser humano”.31 Como utilizar os referen-
ciais da Psicologia Fenomenológica em vista de nos auxiliar a compreen-
der melhor a estrutura de personalidade de indivíduos religiosos fun-
damentalistas? Primeiramente, para o psiquiatra e filósofo Karl Jaspers,
“à fenomenologia compete apresentar de maneira viva, analisar em suas
relações de parentesco, delimitar, distinguir da forma mais precisa pos-
sível e designar com termos fixos os estados psíquicos, que os pacientes
realmente vivenciam”.32 Sobressai na definição o aspecto da experiência
vivida, que se torna importante para compreender o sujeito existencial-
mente presente; em nosso caso, o indivíduo fundamentalista ou faná-
tico.33 Entretanto, é preciso levar em consideração que a “definição” de
fenomenologia é de difícil precisão.
A fenomenologia não é apenas “objeto material” de nosso estudo, mas
também “objeto formal” dele. Ou seja, a fenomenologia não é somente
o que está em foco na nossa atenção pesquisadora e investigadora, mas

28. Cf. BERLINCK, M.T. Psicopatologia fundamental. São Paulo: Escuta, 2000.
29. FARR, R. Representações sociais: a teoria e sua história. In: GUARESCHI, P.; JOVCHELO-
VITCH, S. (Org.). Psicologia social – textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 30.
30. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Art-
med, 2000. p. 22.
31. NUNES, P.; BUENO, R. Psiquiatria e saúde mental: conceitos clínicos e terapêuticos funda-
mentais. São Paulo: Atheneu, 2001. p. 13.
32. JASPERS, K. Psicopatologia geral. São Paulo: Atheneu, 2003. p. 71. v. 1.
33. Cf. GARRIDO, V. O psicopata: um camaleão na sociedade atual. São Paulo: Paulinas, 2011.
“Fanáticos são aqueles que estão sob a influência de um sistema de crenças ao qual subordinam qualquer
outra coisa. Interpretam e avaliam a realidade sob a perspectiva desse sistema e qualquer meio que lhes
sirva para alcançar suas metas é completamente aceitável” (p. 187).
846 E.A. dos Santos. A dimensão psíquica do fundamentalismo religioso

ela mesma é a perspectiva, o “ponto de vista”, o horizonte, a ótica, a luz


sob a qual a estudamos, a pesquisamos, a investigamos. Isso quer dizer,
nas suas implicações: não apenas procuramos nos informar sobre a rea-
lidade da fenomenologia. Também, e, sobretudo, queremos nos formar
na fenomenologia como possibilidade.34
A fenomenologia não tem a última palavra para “a coisa em si”, mas
oferece um caminho reflexivo que facilita captar algumas dimensões
enigmáticas da estrutura de personalidade de pessoas psicopatológi-
cas e fundamentalistas. De acordo com os pressupostos da Psicologia
Fenomenológica, faz-se necessário perguntar ao sujeito sobre o signi-
ficado em sua configuração humana de tal experiência vivida. Assim
procedia, por exemplo, Karl Jaspers com seus pacientes internados nos
hospitais psiquiátricos. Não somente nesse contexto, mas estendendo-
-se a outras realidades sociais, a Psicologia Fenomenológica recolheu da
fenomenologia um conceito importante que muito tem contribuído
para “compreender” o universo mental das pessoas. Referimo-nos à
palavra “Epoché”. O filósofo alemão Edmund Husserl35 ensina que pela
Epoché é possível, por meio do esforço, “isolar a consciência” para me-
lhor compreender a manifestação do fenômeno. Em outras palavras,
trata-se de um esforço traduzido como “redução” que se deve fazer para
lidar com o outro.36
Entretanto, sabe-se que uma redução dessa natureza é impossível.
Porém, a redução fenomenológica lembra a impossibilidade de uma
redução completa.37 É preciso admitir que a Epoché precisa ser com-
preendida como uma postura diante do observado. Essa postura faz o
ser humano silenciar para ouvir a voz do fenômeno observado. Nesse
silenciamento, a consciência apresenta-se como instância capaz de cap-
tar a “totalidade” do fenômeno, como também “apreender” sua singula-
ridade na alteridade. Pelo exercício da Epoché, o ser humano é capaz de
educar seus sentimentos, seu jeito de ser e agir. Dessa postura, descobre-
-se o que significa ir-à-coisa mesma, como ressalta Edmund Husserl38:
é preciso desvelar a consciência para ver a manifestação do fenômeno.

34. FERNANDES, M.A. À clareira do ser: da fenomenologia da intencionalidade à abertura da


existência. Teresópolis: Daimon, 2011. p. 20.
35. Cf. HUSSERL, E. Meditações cartesianas. São Paulo: Madras, 2001.
36. Cf. HYCNER, R.; JACOBS, L. Relação e cura em gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.
37. Cf. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
38. Cf. HUSSERL, E. Invitación a la fenomenologia. Barcelona: Paidós, 1998.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 837-851, Out./Dez. 2017 847

Assim, “pela epoché reduzimos o dado a simples intenção (cogito) e ao


objeto intencional tomado puramente como tal”.39
Ao aplicar esse pressuposto às relações sociais, sobretudo ao que cor-
responde à convivência com o diferente, pode-se afirmar que o ser hu-
mano seria capaz de se relacionar melhor com o outro. O diferente agri-
de-o, porque nem sempre há possibilidade de despir o seu Ser para captar
a singularidade que há no diferente. Certamente, nem mesmo o analista
ou terapeuta mais experiente possível consegue entrar verdadeiramente
no mundo de seu cliente. A menos que esteja disposto a “suspender” seus
pressupostos, isto é, sua visão de mundo, seus conceitos e pré-conceitos,
para captar, até certo ponto, o sentido do outro. “É claro que não se pode
nunca suspender completamente as próprias perspectivas, e nem seria de-
sejável. Mas é necessário que nossos significados, vieses e preconceitos
sejam ‘colocados entre parênteses’, postos de lado temporariamente, de
modo a nos permitir uma entrada no mundo e nos conceitos mais signi-
ficativos da pessoa com quem estamos trabalhando”.40
Acreditamos que a Psicologia Fenomenológica nos ampara episte-
mologicamente para afirmar que pessoas fundamentalistas, portanto in-
divíduos psicopatológicos, que tomam a religião somente pela ótica dog-
mática, tendem a não colocar entre parênteses seus pressupostos. Não
conseguem, por exemplo, empenhar-se no “esvaziamento” psicológico e
espiritual de seus conceitos tidos como verdades absolutas. Abrir mão de
seus pressupostos religiosos equivale a não se comprometer com a “ver-
dade” que defendem. E abandonar suas “verdades religiosas” consiste em
experimentar a fatalidade e o fracasso do que defendem. O que dizer em
relação ao desespero em abandonar suas “verdades religiosas”? O desespe-
ro, nesse contexto, é a falta do Eu. Em outras palavras: “O desespero do
fatalista consiste em ter perdido o eu ou perder Deus; carecer de Deus é
carecer de eu”.41 E o fundamentalista religioso, por sua vez, não consegue
perceber através da dimensão psíquica e espiritual que, positivamente,
“o eu aumenta com a ideia de Deus, e reciprocamente a ideia de Deus
aumenta com o eu”.42 Concluindo, “é à potência de uma ideia que deve-
mos nos dirigir para perceber a vocação de certos indivíduos ou de certos

39. HUSSERL, E. Meditações cartesianas, op. cit., p. 72.


40. HYCNER, R. De pessoa a pessoa, op. cit., p. 115.
41. KIERKEGAARD, S. Desespero – a doença mortal. Porto: Rés, 2002. p. 47.
42. Idem, p. 93.
848 E.A. dos Santos. A dimensão psíquica do fundamentalismo religioso

grupos [fundamentalistas], a tirania com que esta os pressiona a fazer ou


a desfazer os vínculos de uma sociedade”.43

4. Diálogo inter-religioso e Magistério Eclesiástico44


O diálogo inter-religioso faz parte da missão evangelizadora da Igreja
Católica, como atesta, por exemplo, o Papa Paulo VI, em 1975, na En-
cíclica Evangelii Nuntiandi.45 Sobre esse tema, a Declaração Nostra Ae-
tate apresenta alguns ensinamentos pertinentes: “Todos os povos, com
efeito, constituem uma só comunidade. Têm uma origem comum, uma
vez que Deus fez todo o gênero humano habitar a face da terra”.46 A
propósito da relação entre cristãos e muçulmanos, a Declaração expressa
os pontos semelhantes entre Cristianismo e Islamismo e, mais especifi-
camente ainda, as semelhanças entre as duas confissões religiosas.
A Igreja igualmente os vê com carinho, porque adoram a um único
Deus, vivo e subsistente, misericordioso e onipotente, Criador do céu e
da terra, que falou aos homens. A seus ocultos decretos esforçam-se por
se submeter de toda a alma, como a Deus se submeteu Abraão, a quem
a crença mulçumana se refere com agrado. Não reconhecem Jesus como
Deus; veneram-n’O, no entanto, como profeta. Honram Maria, Sua
mãe virginal, e até a invocam às vezes com devoção. Aguardam, além
disso, o dia do juízo, quando Deus há de retribuir a todos os homens
ressuscitados. Como consequência, valorizam a vida moral e honram a
Deus, sobretudo pela oração, esmolas e jejum.47
Encontra-se também no Magistério Eclesiástico de João Paulo II,
sobretudo na Redemtoris Missio, uma chave de leitura voltada à com-
preensão do diálogo inter-religioso com as outras religiões. Segundo o
Papa, o “diálogo inter-religioso faz parte da missão evangelizadora da

43. MOSCOVICI, S. A Invenção da sociedade, op. cit., p. 185. “Pois este é certamente o caráter
dessa energia que os induz [o que pode ser aplicado a indivíduos fundamentalistas], como um artista
inspirado, ou um erudito obcecado por uma hipótese, a criar a realidade a partir de visões, de objetivos
próprios, em vez de se submeter a ela. É exatamente isso que nos indica de onde provém o chamado dos
valores e por que eles atraem as massas, como se estas tivessem percebido um eco” (ibidem).
44. Cf. DOS SANTOS, E.A. A doutrina da encarnação na teologia cristã das religiões e o diálogo
inter-religioso. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 325-327, 2013.
45. Cf. PAULO VI, Papa. Encíclica Evangelii Nuntiandi, n. 49 e 75. In: DENZINGER, H.;
HÜNERMANN, P. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas;
Loyola, 2007. p. 1079-1082.
46. CONCÍLIO DO VATICANO II. Declaração Nostra Aetate. In: VIER, R. (Org.). Compêndio
do Vaticano II. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 617-625, aqui, n. 1 [p. 619-620, & 1578-1580].
47. Idem, n. 3 [p. 621-622, & 1584-1585].
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 837-851, Out./Dez. 2017 849

Igreja”.48 Na Ecclesia in Asia, ele explica claramente que o diálogo inter-


-religioso “é uma parte da missão evangelizadora da Igreja, uma expres-
são da missão ad gentes”.49 Na Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, afirma:
O encontro de 27 de outubro do ano passado, em Assis, a cidade de São
Francisco, para rezarmos e nos empenharmos pela paz – cada um na
fidelidade à própria profissão religiosa – revelou a todos até que ponto
a paz e, como sua necessária condição, o desenvolvimento do “homem
todo e de todos os homens”, são uma questão também religiosa, e até
que ponto realização plena de um e do outro depende da fidelidade à
nossa vocação de homens e mulheres que acreditam.50
O Papa Bento XVI, em sua Mensagem para a Celebração da Jornada
Mundial da Paz, de 2011, recordou a necessidade da tolerância religio-
sa, em vista dos constantes conflitos envolvendo a Igreja Siro-Católica
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Bagdá, onde, no dia 31 de
outubro de 2010, haviam sido assassinados dois sacerdotes e mais de
cinquenta fiéis por grupos radicais islâmicos. “Em tal contexto, sinto
particularmente viva a oportunidade de convidar a todos vocês a uma
reflexão sobre a liberdade religiosa, pela busca da paz”.51 Em outro mo-
mento, Bento XVI ressalta que “a liberdade religiosa encontra expressão
na especificidade da pessoa humana, que pode ordenar a própria vida
pessoal e social a Deus”.52 Mais especificamente, recorda que “todos
são livres para professar a própria religião ou a própria fé e de viver o
próprio amor a Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda
a mente (cf. Mt 22,37)”.53 Na Encíclica Caritas in Veritate, Bento XVI
ressalta a importância do “direito à liberdade religiosa”54 como recurso
necessário ao desenvolvimento do ser humano.

48. JOÃO PAULO II, Papa. Redemptoris Missio. In: COTA, L. (Org.). Documentos da Igreja. v. 4:
Encíclicas de João Paulo II. São Paulo: Paulus, 1997. n. 55 [p. 609-611].
49. ID. Eclesia in Asia. São Paulo: Paulus, 2005. n. 31.
50. ID. Encíclicas de João Paulo II: Sollicitudo Rei Socialis. In: Documentos da Igreja. v. 4: Encícli-
cas de João Paulo II. São Paulo: Paulus, 1997. n. 47 [537-541].
51. BENEDETTO XVI, Papa. Messaggio per la celebrazione della giornata mondiale della pace
2011. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2011. p. 4.
52. Idem, p. 5.
53. Idem, p. 6.
54. BENTO XVI, Papa. Carta Encíclica Caritas in Veritate. São Paulo: Paulinas, 2009. n. 29.
“Na realidade, com frequência hoje se faz apelo ao santo nome de Deus para matar [...]. Isto se aplica
de modo especial ao terrorismo de índole fundamentalista, que gera sofrimento, devastação e morte,
bloqueia o diálogo entre as nações e desvia grandes recursos do seu uso pacífico e civil” (ibidem).
850 E.A. dos Santos. A dimensão psíquica do fundamentalismo religioso

A propósito da liberdade religiosa, a Declaração Dignitatis Humanae


lembra que “os homens todos devem ser imunes da coação tanto por
parte de pessoas particulares quanto de grupos sociais e de qualquer
poder humano, de tal sorte que em assuntos religiosos ninguém seja
obrigado a agir contra a própria consciência, nem se impeça de agir de
acordo com ela, em particular e em público, só ou associado a outrem,
dentro dos devidos limites”. Significa, segundo a mencionada Declara-
ção, que “o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria
dignidade da pessoa humana”.55 E, para concluir essa última parte do
artigo, o teólogo Edward Schillebeeckx, a respeito do papel da Igreja
diante do diálogo inter-religioso, oportunamente, lembra que: “A Igreja
é o Sacramento do diálogo”.56

Conclusão
Para Freud, a prática religiosa seria uma repetição do que o indiví-
duo em seu estado neurótico compulsivo geralmente realiza. É preciso
acolher essas observações do pai da psicanálise não totalmente pelo viés
negativo. Algumas práticas religiosas nem sempre favorecem o cresci-
mento do ser humano. O que dizer, por exemplo, de práticas que, na
verdade, reforçam a ideia de escrúpulo na vida das pessoas? Ou ainda,
daqueles que procuram a vivência religiosa com o intuito de esquivar-
-se dos reais problemas da existência? Sobre essas e outras interrogações
que poderíamos formular, acreditamos que a reflexão de Freud, em Atos
obsessivos e práticas religiosas, apresenta uma contribuição valiosa no que
corresponde ao fundamentalismo religioso: se uma experiência religiosa
escraviza o indivíduo, precisa ser revista, por equiparar-se a uma vivên-
cia e prática neurótica.
A temática da personalidade humana sempre nos escapa de um total
conhecimento. Geralmente, a repressão do espiritual e a do sexual cami-
nham juntas. Pessoas frágeis em sua espiritualidade e sexualidade tendem
a sentir-se seguras a partir de suas ideias fundamentalistas. É como se a
fragilidade espiritual e sexual pudesse ser “superada” de outra maneira,

55. CONCÍLIO DO VATICANO II. Declaração Dignitatis Humanae. In: VIER, R. (Org.).
Compêndio do Vaticano II. 29. ed., Petrópolis: Vozes, 2000. n. 2 [p. 600-601].
56. SCHILLEBEECKX, E. The church as a sacrament of dialogue. In: EDWARD SCHILLE-
BEECKX FOUNDATION. The collected works of Edward Schillebeeckx. v. 3: God the future of man.
New York: Sheed & Ward, 1968. p. 117.
REB, Petrópolis, volume 77, número 308, p. 837-851, Out./Dez. 2017 851

isto é, na defesa do fundamentalismo religioso. A que se deve a “fragili-


dade espiritual” e “sexual”? Defendemos que, ao longo do processo de
construção da personalidade de indivíduos fundamentalistas, pode ter
acontecido “algo” que dificultou a relação do “entre”: Eu–Outro–Objeto.
Assim, tais pessoas, na maioria das vezes, se tornaram neuróticas a pon-
to de culpar situações e pessoas por seu fracasso. E o fundamentalismo
religioso seria um modo psíquico de tentar “suprir” essa falta de “algo”.
Por isso, nosso interesse na descrição da estrutura de personalidade
psicopatológica. A Psicopatologia estuda a natureza da doença mental.
Detém-se nas anormalidades psíquicas. A Psicologia Fenomenológica,
como referencial teórico, muito contribui para melhor compreender os
estados psíquicos. Ajuda-nos a entrar no mundo fenomênico do outro.
Pessoas até certo ponto saudáveis psicologicamente são capazes de “sus-
pender” seus pressupostos com a intenção de melhor compreender o
universo do outro. Porém, indivíduos fundamentalistas não são capazes
de “suspender”, através do famoso “Epoché” de Edmund Husserl, suas
ideias e conceitos, em vista do diálogo. Assim, “toda religião ou pessoa
que se torna intolerante perde sua autoridade para falar de Deus”.57
Por fim, a Igreja, como Sacramento do diálogo, reconhece seu papel
como defensora e facilitadora na promoção do diálogo inter-religioso.
Para ela, Deus oferece a todos os seres humanos a possibilidade de habi-
tar em Deus. Daí emerge a consciência da não discriminação das demais
religiões. Ora, o diálogo inter-religioso faz parte do caráter missionário
e da evangelização da Igreja Católica.
Endereço do Autor:
Avenida Rio Grande do Sul, n. 513
Setor Campinas
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E-mail: elismar01@yahoo.com.br

57. AZPITARTE, E.L. La crisis de la moral. Santander: Sal Terrae, 2014. p. 35.

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